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A ESCOLA

L’ECOLE

www.afirse.ie.ul.pt

DINÂMICAS E ATORES
DINÂMIQUE ET ACTEURS

2018
A escola: dinâmicas e atores
L’école: dinamique et acteurs

Organizadores

João Pinhal
Carmen Cavaco
Maria João Cardona
Fernando Albuquerque Costa
Joana Marques
Ana Rita Faria

2018

ATAS DO XXIV COLÓQUIO DA AFIRSE PORTUGAL


Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
2, 3 e 4 de fevereiro de 2017
LISBOA
A escola: dinâmicas e atores
L’école: dinamique et acteurs

ISBN: 978-989-8272-31-7

ATAS DO XXIV COLÓQUIO DA AFIRSE PORTUGAL


Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
2, 3 e 4 de fevereiro de 2017
LISBOA

Organizadores
João Pinhal
Carmen Cavaco
Maria João Cardona
Fernando Albuquerque Costa
Joana Marques
Ana Rita Faria

Design e paginação
Ana Rita Faria

Data de publicação
janeiro de 2018

Edição
AFIRSE Portugal
Instituto de Educação da Universidade do Lisboa

Instituto de Educação
Alameda da Universidade
1649-013 Lisboa
Portugal

www.afirse.ie.ul.pt
Comissão organizadora | Comité d’organisation

Ana Paula Caetano | Instituto de Educação – ULisboa Maria Ângela Rodrigues, Universidade de Lisboa
Ana Rita Faria | Instituto de Educação - ULisboa Maria da Assunção Folque, Universidade de Évora
Belmiro Cabrito | Instituto de Educação – ULisboa Maria do Carmo Vieira da Silva, Universidade Nova de Lisboa
Carmen Cavaco | Instituto de Educação – ULisboa Maria de Fátima Chorão Sanches, Universidade de Lisboa
Fernando Albuq. Costa | Instituto de Educação – ULisboa Maria Isabel Lopes da Silva, Ministério da Educação
Joana Marques | Instituto de Educação – ULisboa Maria João Cardona, Instituto Politécnico de Santarém
João Pinhal | Instituto de Educação – ULisboa Maria João Carvalho, UTAD
José Brites Ferreira | ESE – Inst. Politécnico de Leiria Maria João Mogarro, Universidade de Lisboa
Júlia Ferreira | AFIRSE Portugal Maria Teresa Estrela, Universidade de Lisboa
Maria Ângela Rodrigues | Instituto de Educação – ULisboa Mariana Dias, Instituto Politécnico de Lisboa
Maria Carmo Vieira da Silva | U Nova de Lisboa Natália Alves, Universidade de Lisboa
Maria João Cardona | ESE – Inst. Politécnico de Santarém Patrícia Rosado Pinto, Universidade Nova de Lisboa
Patrícia Rosado Pinto | FCM – U Nova de Lisboa Pedro Reis, Universidade de Lisboa
Patrick Boumard | AFIRSE Internacional, França Pedro Rodrigues, Universidade de Lisboa
Sofia Viseu, Universidade de Lisboa
Teresa Leite, Instituto Politécnico de Lisboa
Conselho Científico | Conseil Scientifique Virgínio de Sá, Universidade do Minho

Membros nacionais /Membres nationaux Membros internacionais / Membres internationaux

Abílio Amiguinho, Instituto Politécnico de Portalegre Alain Mougniotte, Université Lyon 1, França
Albano Cordeiro Estrela, Universidade de Lisboa Cécile Goï, Université François Rabelais, Tours, França
Ana Margarida Veiga Simão, Universidade de Lisboa, Portugal Christiane Peyron-Bonjan, Université Aix-Marseille III, França
Ana Paula Caetano, Universidade de Lisboa Dalila Andrade Oliveira, UF de Minas Gerais, Brasil
Ana Pina, Escola Secundária Fernão Mendes Pinto, Almada Enrique Ruiz-Velasco Sánchez, UNAM, México
Ana Rita Faria, Universidade de Lisboa Eric Golhen, Centre National Pédagogique Chaingy, França
António Sampaio da Nóvoa, Universidade de Lisboa Fernando Sabirón, Universidad de Zaragoza, Espanha
Belmiro Gil Cabrito, Universidade de Lisboa Florentin Azia, UPN, República Democrática do Congo
Carlinda Leite, Universidade do Porto Frédérique Lerbet-Sereni, Université de Pau, França
Carmen Cavaco, Universidade de Lisboa Gaspard Mbemba, ENSB, República do Congo
Cecília Galvão, Universidade de Lisboa Georges Nahas, Université de Balamand, Líbano
David Rodrigues, Universidade de Lisboa Gérald Boutin, Université du Québec à Montréal, Canadá
Diogo Moreira Esteves, Universidade de Lisboa Guy Berger, Université Paris 8, France
Domingos Fernandes, Universidade de Lisboa Ivana Ibiapina, Universidade Federal do Piauí, Brasil
Feliciano Veiga, Universidade de Lisboa Jacques Bizet, IUFM de Créteil, França
Fernanda Veiga Gomes, Universidade de Lisboa Jean-Claude Sallaberry, Université Bordeaux IV, França
Fernando Albuquerque Costa, Universidade de Lisboa Jean-Pierre Pourtois, Université de Mons, Bélgica
Florbela Luís de Sousa, Universidade de Lisboa Lise Bessette, Université du Québec à Montréal, Canadá
Helena Araújo, Universidade do Porto Louis Marmoz, U. Versailles Saint Quentin-en-Yvelines, França
Helena Peralta, Universidade de Lisboa Luc Jamet, Université de Bretagne Occidentale, França
Isabel Freire, Universidade de Lisboa Maria Moumoulidou, Université Démocrite de Thrace, Grécia
Jesus Maria Sousa, Universidade da Madeira Marilene Corrêa da Silva Freitas, UF do Amazonas, Brasil
Joana Marques, Universidade de Lisboa Marjolaine Saint-Pierre, U. du Québec à Montréal, Canadá
João Barroso, Universidade de Lisboa Myriam Feldfeber, Universidade de Buenos Aires, Argentina
João Pedro da Ponte, Universidade de Lisboa Olivier Meunier, Université d’Artois, França
João Pinhal, Universidade de Lisboa Patricia Ducoing, UNAM, México
Joaquim Machado, Universidade Católica Portuguesa, Porto Patrick Boumard, U. de Bretagne Occidentale, Brest, França
Joaquim Pintassilgo, Universidade de Lisboa Pierre Fonkoua, ENS de Yaoundé, Camarões
Jorge Ramos do Ó, Universidade de Lisboa Régis Mallet, Université Bordeaux IV, França
José Brites Ferreira, Instituto Politécnico de Leiria Romuald Normand, Université de Strasbourg, França
Júlia Ferreira, Universidade de Lisboa Véronique Attias-Delattre, U. Paris-Est Marne-la-Valée, França
Justino de Magalhães, Universidade de Lisboa
Leonor Lima Torres, Universidade do Minho
Luís Miguel Carvalho, Universidade de Lisboa
Luís Tinoca, Universidade de Lisboa
Luisa Cerdeira, Universidade de Lisboa
Manuela Esteves, Universidade de Lisboa

iii
A Escola: dinâmicas e atores
L’École: dinamiques et acteurs

Introdução | Introduction

O XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal, sob o tema “A escola: dinâmicas e atores”, dedica-se a
interrogar a escola enquanto organização educativa num quadro de incertezas sobre o devir
da sociedade. O quadro atual acrescenta mais dúvidas aos muito antigos debates sobre os fins
e os métodos da escola, sobre os modos como se deve estruturar o sistema escolar e sobre os
papéis dos seus diferentes intervenientes.

Em 1994, a AFIRSE portuguesa organizou o seu V Colóquio anual, cujo tema foi “A escola, um
objeto de estudo”. A pertinência do tema foi, então, justificada “pela emergência do estabeleci-
mento de ensino como objeto de estudo científico e como ponto central da gestão do
sistema”. No texto de apresentação do colóquio, João Barroso escreveu que se estava a desco-
brir a escola “como espaço privilegiado da coordenação e regulação do sistema de ensino e
como lugar estratégico para a sua mudança”.

Neste Colóquio de 2017 revisitamos a escola e olhamos para a evolução verificada nos últimos
vinte anos e para o que se lhe apresenta como futuro. Interrogamos a posição da escola na
sociedade contemporânea e na produção de políticas educativas, bem como o reclamado
reforço da autonomia da escola; olhamos para as profissões da educação e perspetivamos os
seus desenvolvimentos; observamos como o tempo transformou as relações entre os atores
educativos; analisamos projetos e práticas de concretização do direito à educação; debatemos
a “arquitetura” do sistema escolar e educativo.

Pensamos, assim, contribuir para clarificar o sentido das mudanças verificadas e para perspeti-
var o futuro, designadamente no que respeita ao papel da escola como espaço de coorde-
nação e regulação do sistema e lugar estratégico para as mudanças educativas.

iv
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ÍNDICE
CONFERÊNCIAS | CONFÉRENCES ........................................................................................................ 10
O ESTUDO DA ESCOLA: BALANÇO E PERSPETIVAS ............................................................................ 11
L'ÉCOLE FACE AU DILEMME TRANSMISSION ET CONSTRUCTION DES CONNAISSANCES:
QUELQUES PISTES DE RÉFLEXION ET D'ACTION ................................................................................ 20
MESAS REDONDAS | TABLE RONDE ..................................................................................................... 28
A ESCOLA, O ESTADO E O MUNICÍPIO NUM NOVO QUADRO DE REGULAÇÃO LOCAL DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR.................................................................................................................................................. 29
LA CIRCULATION INTERNATIONALE DES TECHNIQUES DE LA PREUVE DANS L’EDUCATION.......... 37
OS CONTRATOS DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL: CONTRIBUTOS PARA
O ESTUDO DO PÚBLICO E DO PRIVADO EM EDUCAÇÃO ..................................................................... 40
ATELIÊS | ATELIERS ............................................................................................................................... 50

PROJETO NACIONAL DE EDUCAÇÃO PELOS PARES DA FUNDAÇÃO PORTUGUESA “A


COMUNIDADE CONTRA A SIDA”: O PAPEL DAS BRIGADAS ESCOLARES DE INTERVENÇÃO ........... 51

CONSTRUÇÃO DE REFERENTES E CRITÉRIOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL ............ 62

ANÁLISE DOCUMENTAL DA TELESCOLA EM PORTUGAL: UM OLHAR PRELIMINAR SOBRE OS


DEBATES PARLAMENTARES DO ESTADO NOVO (1961-1974) ............................................................. 71

PROCESSOS DE MEDIAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DOS CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS EM


ESPAÇOS NÃO FORMAIS DE ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA ............................................................ 81

ESTÁGIO E PROGRAMAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA NAS LICENCIATURAS: DIFERENÇAS E


APROXIMAÇÕES ...................................................................................................................................... 87

A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO DO


CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM EMANCIPATÓRIA ....................................................................... 96

O PACTO NACIONAL PELO FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO NO BRASIL: POLÍTICA PÚBLICA


POTENCIALIZADORA DA PESQUISA NA ESCOLA................................................................................ 103

O CLIMA DE TRABALHO NA ESCOLA E O PROCESSO DE INSERÇÃO PROFISSIONAL DE


PROFESSORAS INICIANTES, EGRESSAS DO PIBID ............................................................................ 110

O QUE TEM DENTRO DA CACHOLA: UMA EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL NO BAIRRO URBIS II DE


AMARGOSA- BAHIA................................................................................................................................ 120

DESENHO PEDAGÓGICO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E A CRIAÇÃO DE UM AMBIENTE VIRTUAL


COLABORATIVO: O CASO DO CURSO DE EXTENSÃO DE INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE JOÃO
DOS SANTOS: ESTUDO SOBRE A PEDAGOGIA TERAPÊUTICA.......................................................... 126

APRENDER EM ENSINO CLINICO: IMPACTO DAS DINÂMICAS NO DESENVOLVIMENTO


PROFISSIONAL DOS ATORES............................................................................................................... 135

VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO NA REALIDADE BRASILEIRA E EM PORTUGAL NA PERSPECTIVA


SALARIAL................................................................................................................................................ 141

O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: RECEITA E APLICAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDEB NA


REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE NATAL (2007-2015) – RIO GRANDE DO NORTE – BRASIL ........... 152

CONTROLE SOCIAL DO FINANCIAMENTO NA EJA. TENSÕES ENTRE GESTÃO FINANCEIRA DE


RECURSOS DESCENTRALIZADOS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA EM CENTROS DE EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS.............................................................................................................................. 161

DESCENTRALIZAÇÃO FINANCEIRA E CONTROLE SOCIAL: DESAFIOS PARA A GESTÃO E A


QUALIDADE DE ENSINO NA EJA ........................................................................................................... 170

1
A Escola: Dinâmicas e Atores

O JOGO MATEMÁTICO #obmepGO........................................................................................................ 180

ESCOLAS PÚBLICAS CARIOCAS DE TEMPO INTEGRAL: DESAFIOS PARA A GESTÃO ESCOLAR ... 186

TRABALHO DO PROFESSOR NAS ESCOLAS RURAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO (BRASIL) ........ 194

O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO DE ESTUDANTES DISTINGUIDOS NO ENSINO


SECUNDÁRIO: (DES)CONTINUIDADES DE PERCURSOS .................................................................... 202

FORMATION INITIALE DES ENSEIGNANTS: L'USAGE DES TECHNOLOGIES NUMÉRIQUES PAR LES
ÉTUDIANTS DU COURS DE PÉDAGOGIE ............................................................................................. 213

A SAÚDE OCUPACIONAL DOS PROFESSORES PORTUGUESES: ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO DO


QUESTIONÁRIO DE SAÚDE DOCENTE (QSD) ..................................................................................... 223

CONSELHO DE CLASSE NAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: UM LEVANTAMENTO DO ESTADO DO


CONHECIMENTO.................................................................................................................................... 238

A LUZ E A SOMBRA NA HISTÓRIA DAS PRÁTICAS DE ENSINO: OS JESUÍTAS E AS RELAÇÕES DE


SABER-PODER ....................................................................................................................................... 246

LIDERANÇAS EM CONTEXTO DE SUPERVISÃO. MODOS DE INTERAÇÃO E PRÁTICAS DE TRABALHO


COLABORATIVO ..................................................................................................................................... 256

PROFISSIONALIDADE EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO: INTERVIR NA INDISCIPLINA A PARTIR DE UM


PROCESSO DE CONSULTADORIA ........................................................................................................ 264

CULTURA AUDIOVISUAL, ALFABETIZACIÓN (LITERACIDAD) MEDIÁTICA Y PERFORMANCE PARA LA


FORMACIÓN DEL PROFESORADO EN EDUCACIÓN CIUDADANA ...................................................... 275

GEOMETRIA PLANA E TECNOLOGIA TOUCHSCREEN: POSSIBILIDADES DE PRÁTICAS


PEDAGÓGICAS COM O TABLET............................................................................................................ 280

UM MODELO DE FORMAÇÃO A DISTÂNCIA PARA A FORMAÇÃO CONTÍNUA DE MAGISTRADOS: A


ABORDAGEM HÍBRIDA COMO SOLUÇÃO ............................................................................................. 289

FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DOCENTE NA EJA NO ENSINO MÉDIO-EAD DO SESI ................................ 301

O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA E SUA RELAÇÃO DIALÓGICA COM A SOCIEDADE: UM ESTUDO DE


CASO A PARTIR DE TRÊS ESCOLAS BRASILEIRAS ............................................................................ 310

OS CENTROS DE FORMAÇÃO NA DINÂMICA DAS ESCOLAS ............................................................. 318

QUEM É O TEU PROFESSOR? – RESPONSABILIDADE EM EDUCAÇÃO ............................................ 329

AS INTERCONEXÕES ENTRE A ATUAÇÃO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO E DO PROFESSOR


INICIANTE: CAMINHOS PARA A PRÁXIS ............................................................................................... 337

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES A PARTIR DO PACTO NACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE


CERTA (PNAIC) ...................................................................................................................................... 349

RESISTÊNCIA DOCENTE: O CONFLITO NA ESCOLA E O ESPAÇO DO DIÁLOGO .............................. 358

CULTURA COLABORATIVA: UM DESAFIO PROFISSIONAL.................................................................. 371

AVALIAÇÃO DE FORMAÇÃO CONTINUA DE PROFESSORES. UMA VISÃO DIACRÓNICA ................. 381

FORMAÇÃO CONTINUA DE PROFESSORES: AÇÕES DE CURTA DURAÇÃO EM CONTEXTO ...........390

REVISITAR OS PEDAGOGOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA EM PORTUGAL.............. 399

INVESTIGAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE UTILIZANDO COMO REFERÊNCIA OS SEUS SABERES 411

GESTÃO CURRICULAR E PROMOÇÃO DO SUCESSO ESCOLAR: UM ESTUDO DE CASO ................ 420

IPAD NO COLÉGIO: PROJETOS DE APRENDIZAGEM COM O MUNDO NA MÃO ................................ 427

2
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

AVALIAÇÃO DE ESCOLAS: DINÂMICAS DE ATORES NUM AGRUPAMENTO DE ESCOLAS FACE AO


PROCESSO DE AUTOAVALIAÇÃO ........................................................................................................ 437

A UTILIZAÇÃO DAS REDES E MÍDIAS SOCIAIS NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES:


UMA EXPERIÊNCIA A SER CONTADA ................................................................................................... 448

FORMAÇÃO CONTINUADA DE DOCENTES COM A UTILIZAÇÃO DAS TIC (AVAS) NA PROPOSTA DE


UM CURRÍCULO QUE PRIVILEGIE UM PARADIGMA INOVADOR ......................................................... 457

O USO DA TECNOLOGIA COMO FERRAMENTA DE APOIO AOS MÉTODOS PEDAGÓGICOS


TRADICIONAIS ....................................................................................................................................... 469

O “NÓS DO EU”: A INTERDISCIPLINARIDADE NA RELAÇÃO CORPO E ALFABETIZAÇÃO ATRAVÉS


DOS PROJETOS DE TRABALHO ........................................................................................................... 476

TDA/H: UM TRANSTORNO DESAFIADOR.............................................................................................. 483

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM CONTEXTO COLABORATIVO E NÃO-FORMAL: ESTUDO DE CASO


DE TECNOLOGIA ESPACIAL NO PROJETO CANSAT AÇORES ........................................................... 490

LIMITES E POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA COMO ESPAÇO NA FORMAÇÃO


CONTINUADA DO PROFESSOR DO CEEBJA........................................................................................ 502

TECNOLOGIAS DIGITAIS: PRÁTICAS E REFLEXÕES NO CONTEXTO DO ENSINO MÉDIO A DISTÂNCIA


NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ............................................................................................. 511

A AVALIAÇÃO DAS ESCOLAS: EFEITOS DA AVALIAÇÃO EXTERNA NAS DINÂMICAS DE


AUTOAVALIAÇÃO DA ESCOLA .............................................................................................................. 522

NARRATIVAS ILUSTR(ADAS): SABERES E EXPERIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


................................................................................................................................................................ 533

CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA PARA A FORMAÇÃO CRÍTICA DO PEDAGOGO ............................. 543

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS: QUESTIONANDO AS


PRÁTICAS DOS DOCENTES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL...................................................................... 549

DESENVOLVIMENTO DE UMA COMUNIDADE VIRTUAL DE PRÁTICA NO CONTEXTO DE UM


CURRÍCULO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES ............................................................ 560

POR UM CURRÍCULO FEMINISTA: A JUSTIÇA CURRICULAR E A POSSIBILIDADE DE UMA NOVA


ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA .................................................................................................................... 569

MEMÓRIAS DE PROFESSORES E O TRABALHO DO TEMPO PRESENTE .......................................... 577

TESSITURA CURRICULAR FARROUPILHA: RESSIGNIFICANDO AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS....... 586

LA IDENTIDAD, EL ESTATUS Y LOS COMPONENTES DE LA PROFESIONALIDAD DEL DOCENTE DE


MÚSICA PARA LA MEJORA DE LA CALIDAD DE LA ENSEÑANZA EN LA GESTIÓN DE LA SITUACIÓN
PEDAGÓGICA ......................................................................................................................................... 596

TIPO DE PROFESSOR E TIPO DE TURMA: DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA EM TERMOS DA
EFICÁCIA DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM SALA DE AULA NO ENSINO BÁSICO .. 606

A PERCEPÇÃO DE PROFESSORES ACERCA DOS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA 618

A VISÃO DE ESTUDANTES ADOLESCENTES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE NA


CONTEMPORANEIDADE ........................................................................................................................ 626

A EMERGÊNCIA DA COMPONENTE AUTOCRÍTICA NUMA SUPERVISÃO DA EDUCAÇÃO:


REINVENTAR AS PROFISSÕES DA EDUCAÇÃO DESCONSTRUINDO CLIVAGENS IDENTITÁRIAS .. 634

LIGAÇÕES ENTRE A PESQUISA E A PRÁTICA: DESAFIOS DA FORMAÇÃO NA APROPRIAÇÃO DA


AUTONOMIA PROFISSIONAL DOS DIRETORES DE ESTABELECIMENTOS ESCOLARES.................. 647

3
A Escola: Dinâmicas e Atores

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, LINGUAGEM E MÍDIAS: UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO DE


PROFESSORES...................................................................................................................................... 657

A SUPERVISÃO NUMA VISÃO INTEGRADA DO CURRÍCULO............................................................... 665

INSERÇÃO PROFISSIONAL NA ESCOLA BÁSICA PELAS REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORES: UM


ESTUDO COM A TECNICA Q ................................................................................................................. 675

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O QUE DIZEM AS TESES E DISSERTAÇÕES DA PUCPR - EM 2014


.................................................................................................................................................................686

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: UM DESAFIO PARA A GEOGRAFIA ESCOLAR


................................................................................................................................................................ 695

PERSPETIVA DE FORMADORES NA ÁREA DAS TIC SOBRE A FORMAÇÃO QUE DESENVOLVEM... 704

INOVAÇÃO E APRENDIZAGEM COM A ESCOLA PRESENTES NO CURRÍCULO DO CURSO DE


LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA DE UMA UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA CATARINENSE ....713

INCLUSÃO EDUCACIONAL DOS ALUNOS SURDOS BRASILEIROS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES 722

PROJOVEM URBANO: GESTÃO EM DIFERENTES ESPAÇOS PEDAGÓGICOS................................... 730

A LIDERANÇA DE COORDENADORES DE DEPARTAMENTO DE UMA ESCOLA SECUNDÁRIA ......... 739

DIVERSIDADE E CUSTO DE ACESSO À ESCRITA ALFABÉTICA: CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO


INFANTIL AOS SUJEITOS DO LETRAMENTO........................................................................................ 748

SISTEMAS EDUCACIONAL BRASILEIRO: POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL E


INDICADORES DE DESEMPENHO ESCOLAR COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO............................ 756

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA PERSPECTIVA DOS ASSENTAMENTOS EM RORAIMA 766

PROFESSORES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR: DESAFIOS DO PROCESSO DE FORMAÇÃO ............... 774

COMUNICAÇÃO MEDIADA POR TIC: SABERES, COLABORAÇÃO E CONFLITO NA APRENDIZAGEM


ONLINE ................................................................................................................................................... 783

O PERCURSO FORMATIVO DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA DAS CIÊNCIAS COGNITIVAS ... 793

A AGREGAÇÃO DE ESCOLAS E A (MELHORIA DA) QUALIDADE DAS APRENDIZAGENS .................. 802

“MENTES SORRIDENTES”- IMPACTO DA AQUISIÇÃO DE COMPETÊNCIAS DE “MINDFULNESS” EM


CONTEXTO ESCOLAR ........................................................................................................................... 818

O PROCESSO DE AUTOAVALIAÇÃO DAS ESCOLAS DO 1.º CICLO E INFANTÁRIOS DO FUNCHAL:


UMA NARRATIVA NA AFERIÇÃO DA QUALIDADE DO SISTEMA EDUCATIVO ..................................... 828

POLÍTICAS DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE ORGANIZAÇÕES EDUCATIVAS: CONTRATOS DE


AUTONOMIA E DESENVOLVIMENTO NAS ESCOLAS PÚBLICAS..........................................................839

EDUCAÇÃO, LAZER E TRABALHO: RELAÇÕES ESTABELECIDAS NAS ESCOLAS DE EPT .............. 849

SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: INFLUÊNCIAS NOS CURRÍCULOS DE


FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES E NA GESTÃO DAS ORGANIZAÇÕES ESCOLARES DA
EDUCAÇÃO BÁSICA ............................................................................................................................... 858

VALIDAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS DIGITAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DA CONSCIÊNCIA


FONOLÓGICA ..........................................................................................................................................868

PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL: POSSIBILIDADES REAIS PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE


PROFESSORES...................................................................................................................................... 878

INOVANDO A INCLUSÃO: IMPLANTAÇÃO DA PRÁTICA PSICOMOTORA RELACIONAL NA ESCOLA 886

PENSAMENTO COMPLEXO E A PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL: UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO


DO DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR ........................................................................................... 894

4
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A ESCRITA COMO PROCEDIMENTO DE AUTORIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO


CONTEXTO PRISIONAL ......................................................................................................................... 903

FORMAÇÃO EM REDE: UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS DIDÁTICOS VIRTUAIS A PARTIR DA


EXPERIÊNCIA DESENVOLVIDA NO CURSO INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE JOÃO DOS SANTOS
................................................................................................................................................................ 909

A EMERGÊNCIA DO DISCURSO DO CONSUMO NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR


BRASILEIRA – LIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE SUJEITOS ESCOLARES CONSUMIDORES............. 917

A INSPEÇÃO GERAL DA EDUCAÇÃO: ENTRE A BUROCRACIA E A AMBIGUIDADE NOS PROGRAMAS


DE ACOMPANHAMENTO ....................................................................................................................... 925

CURRÍCULO, CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO: A NOÇÃO DE LÍNGUA EM ESTADO DE ARTE COMO


POTÊNCIA METODOLÓGICA CAPAZ DE ESTIMULAR AS HABILIDADES DOS SUJEITOS DO
CONHECIMENTO.................................................................................................................................... 937

UM ESTUDO SOBRE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E FORMAÇÃO DOCENTE ..................... 945

A ESCOLA E O ATO EDUCATIVO: ALGUNS IMPASSES NO BRASIL ATUAL ........................................ 952

PERSPECTIVAS SOBRE O APROFUNDAMENTO DA CENTRALIZAÇÃO DOS PROCESSOS


DECISÓRIOS NUMA INSTITUIÇÃO DO ENSINO SUPERIOR................................................................. 961

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA, INTERDISCIPLINARIDADE E


CURRÍCULO ........................................................................................................................................... 978

EXPERIMENTANDO UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA COM ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL


DO ENSINO FUNDAMENTAL.................................................................................................................. 987

O PAPEL DO BRAILE EM DIFERENTES SUPORTES NO PROCESSO DE INCLUSÃO DE PESSOAS COM


DEFICIÊNCIA VISUAL ............................................................................................................................. 995

CULTURA E ESCOLA: ANÁLISE DA INSERÇÃO CULTURAL DOS ALUNOS DO INSTITUTO FEDERAL


DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE BRASÍLIA - CAMPUS ESTRUTURAL ..........................1002

PROPOSTA DE RECONHECIMENTO DE SABERES DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL: IMPLEMENTANDO O RECONHECIMENTO DE SABERES E COMPETÊNCIAS ........1010

NARRATIVA DE FORMAÇÃO: O QUE É SER PROFESSOR NA BAIXADA FLUMINENSE? .................1019

A AUTOFORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO. UM PROCESSO DE


DESENVOLVIMENTO PESSOAL, SOCIAL E PROFISSIONAL...............................................................1026

ENSINO MÉDIO NOTURNO: FRAGILIDADES E DESAFIOS ATUAIS ....................................................1036

ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO: SABERES, EXPERIÊNCIAS E


FORMAÇÃO DE PROFESSORES NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA ..................................................1045

UM OLHAR QUE EDUCA. DIMENSÕES VISUAIS NA RELAÇÃO EDUCATIVA, A PARTIR DA LIGAÇÃO


ENTRE A BELEZA E A APRENDIZAGEM.UMA PROPOSTA PARA UMA MELHOR QUALIDADE DA
APRENDIZAGEM DENTRO DA DINÂMICA DE ENSINO E PARA OS ACTORES DA EDUCAÇÃO ........1053

POLÍTICAS EDUCATIVAS E O ENSINO MÉDIO PÚBLICO NO BRASIL: TENSÕES, CONTRADIÇÕES E


VÍNCULOS ENTRE OS JOVENS E A ESCOLA ......................................................................................1060

DAS RELAÇÕES HEGEMÔNICAS AO RECONHECIMENTO DE IDENTIDADES: UMA ESCOLA


POSSÍVEL? ...........................................................................................................................................1068

AS PROVAÇÕES DO TRABALHO DOS FORMADORES DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS


NUM CONTEXTO DE MÚLTIPLAS INCERTEZAS: REFLEXÕES A PARTIR DE UM ESTUDO DE CASO
...............................................................................................................................................................1077

QUELLE EST LA RELATION ENTRE LE COMPORTEMENT AGRESSIF CHEZ LES ÉLÈVES ET L'ÉCHEC
SCOLAIRE? ...........................................................................................................................................1085
5
A Escola: Dinâmicas e Atores

PRÁTICAS DE LIDERANÇA DO(A) DIRETOR(A) EM ESCOLAS PÚBLICAS DA ZONA CENTRO DE


PORTUGAL ............................................................................................................................................1095

APRENDIZAGENS DE FUTUROS PROFESSORES DE FÍSICA E QUÍMICA SOBRE A NATUREZA DAS


TAREFAS ...............................................................................................................................................1110

HISTÓRIA DA CIÊNCIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS: UM ESTUDO


PRELIMINAR .......................................................................................................................................... 1118

OS EFEITOS DAS ESTRATÉGIAS DE SUPERVISÃO NA FORMAÇÃO INICIAL SOBRE A PRÁXIS DOS


PROFESSORES EM INÍCIO DE CARREIRA: UM ESTUDO NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA .1127

ESTUDO DE CASO DE UMA INSTITUIÇÃO ESPECIALIZADA: A INCLUSÃO E SUAS IMPLICAÇÕES


PARA UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA.....................................................................1137

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO ESPECIAL: A BUSCA DE


ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM OS NOVOS DESAFIOS DO COTIDIANO ESCOLAR ......................1143

A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE ENSINO DO PORTUGUÊS (PNEP): AS PERCEÇÕES DO


FORMADORES RESIDENTES ...............................................................................................................1151

A DIMENSÃO DA GESTÃO ESCOLAR NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA CONTRIBUIÇÃO AO


DEBATE NA PERSPECTIVA DA IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
PARA OS CURSOS DE LICENCIATURA NO BRASIL ............................................................................1158

DINÂMICAS, CONDIÇÕES, MODELOS E PRÁTICAS REFLEXIVAS DE FORMAÇÃO-AÇÃO CENTRADA


NA EPA-CARVALHAIS/MIRANDELA ......................................................................................................1165

FORMAÇÃO DOCENTE: INTERFACES ENTRE A PERCEPÇÃO DOS ESTUDANTES DE PÓS-


GRADUAÇÃO E SEU AMBIENTE EDUCATIVO .....................................................................................1173

POLÍTICAS PÚBLICAS DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR E DESEMPENHO DAS


INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR.............................................................................. 1184

DIÁLOGO DE SABERES: UMA PROPOSTA PARA ENSINO DE BIOLOGIA E QUÍMICA .......................1193

FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O CAMPO: A AUSÊNCIA DE DISCUSSÃO SOBRE AS CLASSES


MULTISSERIADAS NOS CURSOS DE PEDAGOGIA .............................................................................1202

FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE ........1209

PORTAL DO PROFESSOR DO MEC: FORMANDO PROFESSORES PARA EDUCAÇÃO INCLUSIVA?


...............................................................................................................................................................1217

A INCLUSÃO DO ALUNO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA): UM OLHAR PARA O


USO DA COMUNICAÇÃO SUPLEMENTAR E ALTERNATIVA (CSA) NA SALA DE AULA REGULAR ....1225

PROGRAMA CIÊNCIA NO COTIDIANO: FAMÍLIA, ESCOLA COM A UNIVERSIDADE........................... 1234

ENTRE OS JARDIM DE INFÂNCIA E A ESCOLA DO 1.º CEB – O OLHAR DE ESPECIALISTAS EM


CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO FACE À TRANSIÇÃO PARA A ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA...............1240

AÇÃO EDUCATIVA E A REALIDADE EDUCACIONAL BRASILEIRA: DOS PROCESSOS COTIDIANOS À


POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DOCENTE EMANCIPATÓRIA ..........................................................1249

O PROFESSOR FORMADOR DOS CURSOS DE LICENCIATURA: AS APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA


EM CONTEXTOS DIVERSIFICADOS .....................................................................................................1256

A REDE SOLIDÁRIA EDUCATIVA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE ENSINO MÉDIO ............................1266

PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS PROMOTORAS DE NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO


ENTRE PROFESSORES ........................................................................................................................1275

POBREZA, DESIGUALDADE E EXCLUSÃO SOCIAL: OS DESAFIOS DO INSTITUTO FEDERAL DO


PARANÁ PARA INCLUIR E GARANTIR A PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS NA ESCOLA.......................1284

6
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

IMPACTO PRIMER DE PROFESORES DE MATEMÁTICA EN EL PROYECTO DE INVESTIGACIÓN EN


RED OBSERVATORIO DE LA EDUCACIÓN ..........................................................................................1293

INCLUSÃO E PARTICIPAÇÃO: PRÁTICAS EDUCATIVAS DOS EDUCADORES DE INFÂNCIA QUE


IMPLEMENTAM O MODELO PEDAGÓGICO DO MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA .....................1302

A PLURIDOCÊNCIA NO 1.º CEB: MODELO INOVADOR DE GERAÇÃO DE EQUIPAS EDUCATIVAS


SINÉRGICAS E DE PROMOÇÃO DO SUCESSO EDUCATIVO DE TODOS OS ALUNOS? ..................1314

O PROJETO EDUCATIVO DA COOPERATIVA A TORRE: UM OLHAR HISTÓRICO SOBRE UMA ESCOLA


ALTERNATIVA .......................................................................................................................................1325

INCLUSÃO EDUCACIONAL - COREOGRAFIAS PEDAGÓGICAS NA SALA DE AULA ..........................1332

A FAMÍLIA COMO PROMOTORA DE INOVAÇÃO EDUCATIVA NO CONTEXTO DA INICIAÇÃO MUSICAL


...............................................................................................................................................................1338

CONVERGÊNCIAS E DIVERGENCIAS ENTRE A FORMAÇÃO CONTINUADA DO DOCENTE DA


EDUCAÇÃO SUPERIOR E A LDB ..........................................................................................................1342

RECURSIVIDADE E INTERCONEXÃO ENTRE O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE E A


TRANSDISCIPLINARIDADE VISUALIZADOS POR MEIO DE MAPAS CONCEITUAIS ...........................1350

AULA UNIVERSITÁRIA NO CONTEXTO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E DA


COMUNICAÇÃO: O QUE DIZEM ESTUDANTES DA UFPE....................................................................1362

A ESCOLA COMO LUGAR PRIVILEGIADO PARA A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE COLETIVA ......1371

EXPLORAÇÃO ESTÉTICA DO FILME “O PEQUENO PRÍNCIPE”: ENCONTRO DO PRESENTE COM O


PASSADO OU SERIA DO PRESENTE COM O FUTURO? ....................................................................1380

A SALA DE AULA COMO ESPAÇO PRIVILEGIADO DE APRENDIZAGEM ............................................1391

O PERFIL DE GESTÃO E O ESTILO DE LIDERANÇA DE UM DIRETOR DE UMA ORGANIZAÇÃO


EDUCATIVA-QUADROS DE REFERÊNCIA DE DIFERENTES PAÍSES .................................................1397

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES – SER PROFESSOR(A) DE ECONOMIA E DE


CONTABILIDADE ...................................................................................................................................1406

ZIKA VÍRUS GAME.................................................................................................................................1414

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DE UMA FUTURA PROFESSORA: DESAFIOS E


APRENDIZAGENS PROMOVIDOS PELA FORMAÇÃO INICIAL.............................................................1422

TRANSDISCIPLINARIDADE NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM REPENSAR SOBRE A FORMAÇÃO DE


PROFESSORES.....................................................................................................................................1431

A IMPORTÂNCIA DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES ................1440

DIMENSÕES DA PROFISSIONALIDADE DOCENTE TECIDA NA REGULAÇÃO AUTÔNOMA ..............1448

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: POSSIBILIDADES E DESAFIOS NA


EDUCAÇÃO INFANTIL ...........................................................................................................................1455

COMPOSIÇÃO E SENTIDO DO CONHECIMENTO INTERDISCIPLINAR – VIVÊNCIA EM UM CURSO DE


PÓS-GRADUAÇÃO ................................................................................................................................1463

PROFESSORAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL COMO AGENTES SOCIAIS NO


PLANEJAMENTO DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA INTERDISCIPLINAR ...........................................1469

GESTÃO EDUCACIONAL: O DESAFIO DAS PRÁTICAS DOCENTES NA TRANSMISSÃO DO


CONHECIMENTO PARA GERMINAR AS POTENCIALIDADES DOS ALUNOS......................................1477

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA – PIBID: UM INSTRUMENTO


DE FORTALECIMENTO DA FORMAÇÃO INICIAL .................................................................................1485

7
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DA ESCALA INDISCIPLINA ESCOLAR PERCECIONADA POR ALUNOS


(EIEPA) ..................................................................................................................................................1494

HÁBITOS CINÉFILOS DOS ALUNOS E SUAS FAMÍLIAS NO CONCELHO DA GUARDA ......................1503

ESTUDO DAS VARIÁVEIS PREDITIVAS DA INDISCIPLINA ESCOLAR PERCECIONADA POR ALUNOS


...............................................................................................................................................................1512

NOVAS CONFIGURAÇÕES DA CARREIRA DOS PROFESSORES FEDERAIS DO ENSINO BÁSICO


TÉCNICO E TECNOLÓGICO-EBTT NO BRASIL .................................................................................... 1522

IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE: UMA REFLEXÃO SOBRE ELEMENTOS QUE


INFLUENCIARAM PROFESSORES A OPTAR PELA DOCÊNCIA E ATUAÇÃO NO ENSINO MÉDIO .... 1531

A FORMAÇÃO DOCENTE E O DESENVOLVIMENTO DA ESCOLA: PONDERAÇÕES DOS


PROFESSORES SUPERVISORES DO PROJETO MÃO AMIGA – CAPES/PIBID ..................................1540

APLICAÇÃO INFORMÁTICA VERSUS MATERIAIS MANIPULÁVEIS NA PROMOÇÃO DO PENSAMENTO


ALGÉBRICO AO NÍVEL DO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO .................................................................1549

ABANDONO E REGRESSO À ESCOLA: ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO EDUCATIVO DA EJA


...............................................................................................................................................................1558

O CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA: UMA POSSIBILIDADE PARA SUA


DEMOCRATIZAÇÃO ..............................................................................................................................1567

O PAPEL DA EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE FÍSICA...................................................................1572

MAX SCHELER: EDUCAÇÃO UM PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO .....................................................1579

MULHERES: A HISTÓRIA QUE NÃO SE CONTA NA ESCOLA..............................................................1587

A OBSERVAÇÃO DE AULAS ENQUANTO PRÁTICA REFLEXIVA.........................................................1593

EDUCAÇÃO E CONTROLE: A COMUNICAÇÃO COMO INCULCAMENTO E A NECESSIDADE DE


REAÇÃO CRITICA..................................................................................................................................1600

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: REFLEXÕES SOBRE MEMORIAIS DE ACADÊMICOS DE


PEDAGOGIA DO PARFOR.....................................................................................................................1609

BRINQUEDOTECA UNIVERSITÁRIA: FORMAÇÃO E DESAFIOS PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO


INFANTIL................................................................................................................................................1618

A PROFISSÃO DOCENTE NAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES INICIANTES DA


UFPE ......................................................................................................................................................1625

PROCESSOS DE AUTOAVALIAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS NUMA PERSPETIVA


COMPARADA BRASIL-PORTUGAL .......................................................................................................1634

A LÍNGUA MATERNA: O PONTO DE VISTA DE ALUNOS DO 3.º CICLO DO ENSINO BÁSICO E DO


ENSINO SECUNDÁRIO..........................................................................................................................1646

OS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL E OS DESAFIOS DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA NA


PERSPECTIVA DO BRINCAR ................................................................................................................1653

LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONTEXTUALIZAÇÃO NOS GUIAS DO ESTUDANTE 1660

ALUNOS, FAMÍLIAS, ESCOLA E COMUNIDADE: ATORES E MEDIAÇÕES. O GAAF COMO CAMPO DE


POSSIBILIDADE(S) PARA A MEDIAÇÃO INTERCULTURAL ................................................................1670

CONSTRUÇÃO DE UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA: DINÂMICAS DE INTERAÇÃO ENTRE


PARTICIPANTES....................................................................................................................................1678

INTERDISCIPLINARIDADE: A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA


PEDAGÓGICA NO ENSINO FUNDAMENTAL NAS DISCIPLINAS DAS CIÊNCIAS HUMANAS ..............1688

8
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

UTILIZAÇÃO DE RECURSO DIGITAL (INTERNET) E UTILIZAÇÃO DE RECURSO ANALÓGICO (MANUAL


ESCOLAR) NO 1º CEB. IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM......................1695

ÉVOLUTION DE LA GOUVERNANCE DE L’ÉDUCATION AU QUÉBEC : ENJEUX ET DÉFIS POUR LES


DIRECTEURS D’ÉCOLE......................................................................................................................... 1705

CULTURA AFRO-INDÍGENA E OS DESAFIOS PARA O PROFESSOR: CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS,


FORMAÇÃO E PRÁTICA DOCENTE REFLEXIVA ..................................................................................1713

DESIGN DE JOGOS EDUCACIONAIS ABERTOS PARA RESPONSABILIDADE PESQUISA E INOVAÇÃO


...............................................................................................................................................................1721

APRENDIZAGEM PROFISSIONAL COLABORATIVA DE PROFESSORES: UM ESTUDO DE CASO ....1729

CONVIVENCIA ESCOLAR Y TUTORÍA EN ESCUELAS SECUNDARIAS TÉCNICAS. CONVIVENCIA


ESCOLAR E TUTORIA NAS ESCOLAS DE ENSINO MEDIO TÉCNICA .................................................1736

ESCOLAS DE TEMPO INTEGRAL EM GOIÂNIA: SIGNIFICADOS E SENTIDOS ACERCA DO ENSINO


...............................................................................................................................................................1745

QUESTÕES ATUAIS DE PESQUISA E FORMAÇÃO DO PROFESSOR.................................................1753

PROFESSORES E OUTROS ATORES NO PROCESSO EDUCATIVO ESCOLAR.................................1759

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: ESTRATÉGIA BRASILEIRA


PARA VALORIZAR A PROFISSÃO DOCENTE.......................................................................................1768

A CONSTITUIÇÃO DA DOCÊNCIA: PROFESSORES INICIANTES DO ENSINO MÉDIO .......................1777

AS CONTRIBUIÇÕES DAS METODOLOGIAS CRIATIVAS NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE


PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA…………………………….………………………………………..1784

A DOCÊNCIA NO ENSINO PROFISSIONAL: TENDÊNCIAS E DESAFIOS……………………...………….1793

9
A Escola: Dinâmicas e Atores

A ESCOLA: DINÂMICAS E ATORES

______________________________________________________

ATAS DO XXIV COLÓQUIO DA AFIRSE PORTUGAL

CONFERÊNCIAS | CONFÉRENCES

10
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O ESTUDO DA ESCOLA: BALANÇO E PERSPETIVAS1

João Barroso
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

INTRODUÇÃO
Foi há 23 anos que se realizou, nesta mesma sala, o Vº Colóquio Nacional da secção portuguesa da
AIPELF/AFIRSE, em 17, 18 e 19 de novembro de 1994, com o título de “A escola: um objecto de estudo”, sob
a presidência de Albano Estrela que me “convidou” com a força e veemência dos factos consumados para
organizar o seminário desse ano (uma vez que no ano anterior tinha acabado o meu doutoramento).
Na sequência desse seminário foram editadas no ano seguinte as atas (Estrela, A., Barroso, J. &
Ferreira, J. 1995) e em 1996 foi editado um livro na Porto Editora (Barroso, org., 1996), na coleção dirigida
pelos professores Maria Teresa Estrela e Albano Estrela, organizado por mim, com o título de “O Estudo da
Escola” que reunia as conferências de Licínio Lima, Pierre Laderriére, Jean-Louis Derouet, Rui Gomes,
Fernando Sabirón Sierra, Rui Canário, Danielle Zay e um texto original da minha autoria intitulado “O estudo
da escola: da autonomia decretada à autonomia construída”.
O desafio que o João Pinhal me fez, e que eu desde logo aceitei, foi o de lembrar esse colóquio
(pioneiro na temática) e de refletir sobre a situação em que nos encontramos hoje no que se refere ao estudo
da escola.
Para isso irei adotar o seguinte esquema:
Numa primeira parte, irei fazer uma breve síntese das conclusões a que chegaram no referido
colóquio, os três participantes convidados para fazerem o ponto da situação do “estudo da escola” nos países
da OCDE (Pierre Laderrière), em França (Jean-Louis Derouet) e em Portugal (Licínio Lima).
Numa segunda parte, irei fazer um breve ponto da situação sobre a evolução dos estudos sobre a
escola até à atualidade, destacando os três domínios principais: a organização, a gestão e a avaliação.
Terminarei apresentando algumas perspetivas futuras para o estudo sobre a escola.

O ESTUDO DA ESCOLA EM 1994


A emergência do tema
Permitam-me que comece por recordar os pressupostos que estiveram presentes na escolha deste
tema em 1994 e que eu incluí na introdução ao livro da Porto Editora e que retomava o que sobre o assunto
tinha dito na divulgação do seminário e na introdução às atas):

1
Conferência realizada em 2 de fevereiro de 2017 no XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal. Foram feitas as alterações
formais necessárias para adaptar o conteúdo a um texto escrito.
11
A Escola: Dinâmicas e Atores

O interesse que a investigação e, mais recentemente, a própria administração têm


manifestado pela Escola enquanto organização, comunidade, sistema social e unidade de
gestão, constitui uma das tendências mais sugestivas do estudo e desenvolvimento dos
sistemas educativos, desde o início dos anos oitenta.
Este interesse tem tido reflexos no próprio processo de definição e administração das
políticas educativas, bem como na construção dos paradigmas explicativos do funcionamento
do sistema educativo e da sua interacção com outros sistemas sociais.
Na verdade, assistimos hoje, no domínio das políticas e da administração da educação, ao
reconhecimento da escola como espaço privilegiado de coordenação e regulação do sistema
de ensino e como lugar estratégico para a sua mudança. A retórica da reforma educativa, em
muitos países europeus e de além-Atlântico, está cheia de referências à "autonomia da
escola", "ao projecto educativo de escola", "à gestão centrada na escola", "às escolas
eficazes", "à avaliação da escola", como formas de aumentar a eficácia do sistema de ensino
e de responder à complexidade crescente da sua administração.
Este movimento de "territorialização", ao nível da escola, das políticas e práticas
administrativas, insere-se no contexto de outras transformações mais profundas em que
sobressaiem: a "crise do Estado educador"; a oposição entre uma "lógica de mercado" e uma
"lógica de serviço público" na oferta educativa; a redistribuição de poderes entre o centro e a
periferia (com fenómenos de descentralização e re-centralização administrativa); as relações
entre o Estado e a Sociedade; a depauperização das fontes tradicionais de financiamento.
Por sua vez, no que se refere às Ciências da Educação, a escola surge como um novo objecto
científico, entre as abordagens "macro" (centradas na globalidade do sistema) e "micro"
(centradas na sala de aula) que marcaram a evolução destas Ciências até aos anos 80.
O estudo da "escola enquanto organização" obrigou a reformulações teóricas e
metodológicas que constituem, hoje, um campo estimulante do debate científico. Na verdade,
a mudança de paradigma do nível de análise (com a passagem do "central" para o "local")
está na origem de algumas mudanças significativas neste domínio. Desenvolvem-se "novas"
abordagens disciplinares quer com a Sociologia das Organizações Educativas quer com a
Administração Educacional e procura-se aplicar à escola o contributo conceptual e
metodológico dos estudos sobre outras organizações, no domínio da gestão, da avaliação,
da auditoria, da inovação, etc.
Ao mesmo tempo, desenvolve-se uma "perspectiva crítica" que põe em causa os critérios de
uma pretensa "racionalidade científica" na definição das políticas e dos processos de
organização e administração da escola, contrapondo uma abordagem socio-política,
ideológica e cultural dos mesmos.
O estudo da escola abre-se assim à influência dos paradigmas interaccionistas de análise
que encaram as organizações como construções sociais, o que leva a pôr ênfase na acção
dos indivíduos, nos seus interesses, nas suas estratégias, nos seus sistemas de acção
concreta (Barroso, 1996a, pp.9-10).
A pertinência destas considerações esteve bem presente nas nove comunicações que foram feitas
por colegas portugueses e franceses convidados e por cerca de sessenta e cinco comunicações apresentadas
às diferentes secções. Estas comunicações citavam quarenta e três autores portugueses com publicações
relativas à administração da educação e à análise organizacional, num total de vinte e cinco livros, catorze
partes de livro, vinte e quatro artigos, dezanove provas académicas e relatórios policopiados e quatro
comunicações, num total de oitenta e seis publicações. (Barroso, 1996c, p.33).

A investigação sobre a escola nos países da OCDE (Pierre Laderrière)


Comecemos pela OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico) com base na
comunicação de Pierre Laderrière intitulada "A investigação sobre a escola: perspetiva comparada".
Segundo este autor, a escola como “objeto de estudo” está associada, nos países da OCDE, no início
dos anos de 1980, às políticas de descentralização (nos países centralizados) e no desenvolvimento de uma
política neoliberal nos países decentralizados que “restringia o papel das autoridades locais e reforçava o dos
estabelecimentos de ensino” (Laderrière, 1996, p.43).
O principal projeto desta altura foi o ISIP (projeto internacional para o melhoramento do funcionamento
da escola) que abrangeu 14 países e que pôs a dialogar investigadores, decisores, especialistas e práticos,
tendo permitido abordar diferentes temas que valorizam a importância da escola e da melhoria do seu
funcionamento. O projeto terminou no final de 1986 “por falta de interesse dos países membros na

12
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

continuação de um programa mais amplamente descentralizado, isto é, autofinanciado” (Laderrière, 1996,


p.50).
No continente europeu os Países Baixos e a Bélgica (com sistemas educativos muito
descentralizados, sobretudo por motivos religiosos) desenvolvem políticas de reforço da autonomia das
escolas e de municipalização.
São ainda de valorizar os estudos norte-americanos “sobre o desenvolvimento organizacional
aplicado às escolas” sintetizados entre outros por Fullan (autor canadiano de língua inglesa) e que, por
exemplo, influenciaram a obra pioneira de Dominique Paty “12 collèges en France: le fonctionnement réel des
collèges publics” (publicado em 1981, em França) elaborada na ótica da “sociologia das organizações”.
Em 1992 é lançado o programa ISERP (International School Effectiveness Research Programme),
programa de investigação internacional sobre a eficácia da escola.
Foram nove os países inicialmente representados, a saber: a Austrália, a Bélgica (Comunidade
flamenga), a Finlândia, a Alemanha (em dois Estados), os Países-Baixos, a Espanha, o Reino Unido (a Inglaterra)
e os Estados Unidos e um país observador: a República Eslovaca. A estes países juntaram-se, posteriormente,
a Itália e Portugal.
Fazendo a síntese destes estudos Laderrière afirma:
Como se poderia esperar, as principais conclusões do estudo não são muito diferentes daquelas
que se registaram em trabalhos empreendidos paralelamente. Por exemplo, se o acréscimo de
autonomia dos estabelecimentos de ensino é uma das características das reformas examinadas
nos nove países estudados, os domínios em que as escolas, individualmente, são livres para
tomar decisões são ainda limitados. Nas escolas observadas, todos os domínios importantes
que dizem respeito ao seu funcionamento permanecem excluídos do campo de acção em que
estas podem exercer a sua autonomia. Contudo, em relação à situação anterior, as escolas
foram dotadas de uma maior liberdade no que respeita à sua organização interna (pessoal,
recursos), mas a sua margem de manobra neste domínio é limitada, e ainda é menor em relação
aos programas e à avaliação externa: por exemplo, regra geral, não se permite que as escolas
recrutem o seu pessoal (Laderrière, 1996, p.54).
Finalmente, em jeito de balanço para o futuro Laderrière refere o congresso da AERA (American
Educational Research Association) de 1994 (Orleães) sobre as funções da escola nos sistemas educativos e na
relevância da “gestão centrada na escola “ e da sua autonomia.

A investigação sobre a escola em França (Jean-Louis Derouet)


Quanto à situação em França vejamos como foi apresentada por Jean-Louis Derouet cuja conferência
se intitulava "O funcionamento dos estabelecimentos de ensino em França: um objecto científico em redefinição"
e tinha como principal preocupação mostrar a necessidade de ultrapassar a visão demasiado estreita com que
os estudos até agora empreendidos têm abordado a "escola" (Derouet, 1996).
Segundo Derouet (1996) até ao início dos anos de 1980, “a sociologia francesa era então dominada pelos
modelos macro-sociológicos cuja finalidade era explicarem a reprodução das desigualdades sociais”. A partir
desta data, sobretudo pela ação do IREDU e da Direção Avaliação e Prospetiva do Ministério da Educação, a
investigação centra-se na problemática do “efeito escola” e está na origem de uma emergente “sociologia da
escola”
A lógica pedagógica era dominante nos anos 1980. Em1994 (na altura em que apresenta a sua
comunicação) é sobretudo a lógica da gestão que domina. E depois de dar vários exemplos deste deslocamento
(da pedagogia para a gestão) Derouet afirma:

13
A Escola: Dinâmicas e Atores

Tudo isto convida a sociologia da escola a evoluir para uma ciência mais alargada sobre a
administração escolar (Brassard & Girard, 1976; Durand Prinborgne, 1989), cujo objecto seria a
coordenação da acção no seio deste conjunto compósito que, por comodidade, se continua a
designar por sistema educativo. Este trabalho de coordenação opera-se a níveis diferentes: as
turmas, os estabelecimentos de ensino têm um papel importante, mas as Inspecções, os
serviços desconcentrados, as autarquias, o Ministério, as organizações europeias, ou até mesmo
mais alargadas, desempenham também um importante papel. E a todos estes níveis, a
coordenação depende de um entrelaçar de redes - hierárquicas mas também sindicais,
pedagógicas, mas sem esquecer os media - que a investigação deve elucidar. O que implica
uma recomposição do campo que coloca a questão dos estabelecimentos de ensinos no centro
das novas abordagens que se preocupam com a concretização das políticas de interesse público
em período de descentralização.
Neste caso concreto, a abertura da Sociologia da Educação à Sociologia Política não é
suficiente. É ao conjunto de todas as Ciências Políticas e Administrativas que se deve recorrer,
incluindo o Direito e a Economia. Sem esquecer a Pedagogia e a Didáctica, porque todas estas
abordagens apenas têm interesse se permitirem compreender em que medida os alunos
aprendem - e o quê - na escola.
O conhecimento do funcionamento das escolas não pode reduzir- -se, por isso, a uma
abordagem formal, que se limite a tratar dos problemas de organização postulando que eles
exercem, sem dúvida, uma influência nas aprendizagens dos alunos, mas sem entrarem no
detalhe da questão. Esta pluridisciplinaridade oferece riscos, mas parece-me que é possível
enfrentá-los mesmo que não se disponha de uma problemática suficientemente forte para
ordenar um campo que atravessa as diversas áreas disciplinares. E parece-me ser este o caso
da problemática da coordenação da acção. Ela tem que ver tanto com o domínio do político como
o da arquitectura e dos equipamentos, tanto a pedagogia como as finanças, e permite estruturar
as contribuições destes diversos sectores em torno de uma interrogação comum.” (Derouet,
1996, p.83)

A investigação sobre a escola em Portugal (Licínio Lima)


Finalmente, vamos ver a situação em Portugal, na mesma altura com base na comunicação de Licínio
Lima intitulada "Construindo um objecto: para uma análise crítica da investigação sobre a escola" (Lima, 1996).
Analisando os contributos existentes até ao final dos anos 1980 sobre “ a escola como objeto de estudo”
o autor conclui serem relativamente escassos e muito dispersos:
Embora em graus variáveis, e correndo o risco de simplificar, a imagem que parece resultar de
uma análise retrospectiva da investigação portuguesa produzida até finais da década de oitenta
é a de uma escola apagada enquanto objecto de estudo, mais ou menos insinuada,
subentendida, por vezes condenada à reprodução e à conformidade, qual imagem reflectida sem
distorções assinaláveis de todo o tipo de constrangimentos, de normas e imposições, que sobre
ela se abatem (ibidem, p.26).
E conclui que esta tomada de consciência progressiva da importância da escola como objeto de
intervenção e de estudo não punha em causa o abandono de preocupações anteriores a nível macro-analítico.
Depois de um levantamento bastante completo dos principais estudos publicados em Portugal com este
tema conclui que existem exemplos dispersos de investigações sobre diferentes dimensões da realidade escolar
mas sem sentido de pertença a um mesmo tema ou grupo de pesquisa. Por exemplo: disciplina escolar; práticas
de gestão escolar; clima e cultura de escola; projeto educativo; cargos de gestão intermédia (diretor de turma e
delegado de disciplina); efeitos da escola básica integrada; etc… A situação só começa a alterar-se com a
emergência de uma “abordagem sociológica da organização escolar”.
E conclui:
Conferindo uma «autonomia relativa» à organização escolar contempla-se a importância do
Estado e das estruturas macro-sociais, mas contraria-se o monopólio da sua intervenção e as
explicações de tipo meramente reprodutivo. Contempla-se, também por isso, a importância dos
contextos locais e organizacionais, e sobretudo dos actores, refreando-se embora perspectivas
demasiado voluntaristas que sistematicamente fazem apelo às suas capacidades estratégicas
ilimitadas e omnipotentes” (ibidem, p.32).

14
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O ESTUDO DA ESCOLA EM 2017


A evolução dos estudos sobre a escola: a organização, a gestão e a avaliação
Durante estes 23 anos (1994-2017) que medeiam os dois seminários da AFIRSE temos vindo a
assistir a uma intensificação dos estudos que tomam a “escola” (o estabelecimento de ensino) como objeto
de inquirição. Como assinalam a este propósito Marie-Madeleine Compère e Philippe Savoie, logo no início
deste século:

A descoberta do estabelecimento escolar pelas ciências sociais, como objeto de estudo e


como escala de observação, marcou o regresso à questão do funcionamento depois do
reinado do funcionalismo, e, em certa medida, o regresso do qualitativo depois do
quantitativo. Esta viragem teórica, inspirada em grande parte pela sociologia americana foi
precedida por uma redescoberta do estabelecimento escolar pela ação pública (Compère &
Savoie, 2001, p.6).
Na mesma altura Cousin afirmava (2000) que “O estabelecimento de ensino impôs-se como um dos
lugares mais pertinentes para compreender o sistema educativo” (p.139) e que esse era um fenómeno recente
(desde os anos 80 do século passado). Isso ficou a dever-se a modificações no domínio da investigação, mas
também da política educativa e da gestão em geral, que segundo este autor, se podem resumir na importância
atribuída a dois conceitos: o de ator, que supõe que os sistemas são movidos do interior, e portanto
suscetíveis de serem transformados; o de autonomia, que supõe a existência de margens de manobra
deixadas à disposição das escolas (ibidem, p.139).
Um exemplo da intensificação dos estudos sobre a escola é dado pela importância que adquire a
problemática do “efeito escola”. Bressoux na revisão que faz da investigação neste domínio chama a atenção
para o facto de estes efeitos estarem ligados a duas dimensões essências: «A primeira, a da eficácia, pode
ser definida como a capacidade de uma escola elevar o nível médio dos seus alunos. A segunda, a da
equidade, pode ser definida como a capacidade duma escola igualizar o nível médio dos seus alunos.»
(Bressoux, 2008, p.212)
Convém notar, contudo, que a diferença de resultados entre as escolas “não resulta unicamente da
sua composição social mas sobretudo da sua organização interna” (Cousin, 1993, p.395). Esta constatação
está na origem, segundo o mesmo autor, da ideia de “uma diversificação da produção escolar em função da
natureza do estabelecimento de ensino” (idem). Analisando a produção recente da sociologia da educação
sobre “o efeito estabelecimento” Cousin constata existirem duas abordagens analíticas, uma centrada nas
performances dos alunos e a outra na política da escola. Esta última encontra-se em expansão no início dos
anos de 1990, e visa perceber a escola como produtora de “bens sociais, culturais e pedagógicos” o que vai
muito para lá do “sucesso ou insucesso escolar” (Cousin, 1993, p.417).
Esta redescoberta da escola faz-se sentir, em França, sobretudo a partir dos finais dos anos de 1980
(em Portugal, bastante mais tarde), com as leis da descentralização e “com as políticas de territorialização da
ação educativa destinadas a compensar as desigualdades locais do meio sociocultural, consideradas desde
então como um fator essencial do sucesso escolar.” (Compère & Savoie, 2001, p.7). É o caso sobretudo das
políticas de “zonas de educação prioritária” (ZEP) e em particular da importância que passa a ter a elaboração
do projeto educativo do estabelecimento de ensino (projeto de escola). Segundo estes autores (ibidem, p.7),
a investigação sobre a escola deriva, neste contexto, sobretudo a partir do início do milénio, de duas correntes
sociológicas radicalmente opostas quanto aos métodos: uma próxima da economia da educação que procura
estabelecer a existência de um “efeito escola” que explica as diferentes hipóteses de sucesso dos alunos; a

15
A Escola: Dinâmicas e Atores

outra, mais vasta e diversa que atua por procedimentos de tipo etnográfico baseados na observação do
terreno.
A importância das características da escola na produção do sucesso escolar levam a valorizar do
ponto de vista da ação política e da investigação o “projeto de escola” como lugar de afirmação de uma
individualidade institucional, com influência na produção de um clima de escola favorável. A importância dos
elementos organizativos de cada escola (nomeadamente o seu grau de autonomia pedagógica e
organizacional) na produção do sucesso escolar passa a ser um elemento central da investigação educativa
e está ligada ao desenvolvimento de múltiplos estudos sobre as “escolas eficazes” (primeiro no mundo anglo-
saxónico e depois por todos os países em geral).
Esta linha de estudos (dos efeitos de escola às escolas eficazes) foi central na importância que a
escola teve como objeto de investigação e como objeto de ação, desde os finais dos anos de 1970 e com
relevância especial a partir dos inícios dos anos de 1990, sobretudo pelo contributo de investigadores anglo-
saxónicos. Como afirma Jorge Ávila de Lima na sua importante obra Em busca da boa escola. Instituições
eficazes e sucesso educativo, de 2008:
As diversas iniciativas governamentais dos anos 80 e 90 contribuíram bastante para fazer da
“escola” a principal unidade de intervenção política e de mudança. A pesquisa sobre as
escolas eficazes tem muitos aspetos coincidentes com o discurso educativo contemporâneo
e, em particular, com o crescente interesse dos governos em intervir nas escolas para
melhorar os seus resultados. São disso exemplos a obrigação da publicação dos resultados
conseguidos pelas instituições educativas nos exames, as mudanças na sua organização
interna e no seu modo de gestão, a introdução de políticas inspiradas em modelos de
mercado que visam “premiar” e “punir” os estabelecimentos de ensino (…). Em síntese tem
havido uma intensa focalização política na escola” (Lima, 2008, p.399).
Do mesmo modo, como eu escrevia em 1996 [no livro “O Estudo da escola” em que foram publicadas
as principais conferências do colóquio da AFIRSE de 1994 A escola um objecto de estudo”, a que já fiz
referência]:
Uma das influências mais significativas do "estudo da escola" na tomada de decisão política
diz respeito ao modo como têm sido apropriados alguns dos resultados da investigação
produzida sobre os "efeitos da escola" e das "escolas eficazes". Uma interpretação normativa
de muitos desses estudos tem servido para legitimar, em vários países, medidas de política
educativa que visam generalizar, por via administrativa, as características identificadas nas
chamadas "escolas eficazes". Entre essas medidas destacam-se as que visam desenvolver
a autonomia da escola na alocação e distribuição de recursos, reforçar o "sentido de gestão"
no desempenho dos diversos cargos, aumentar a participação local no governo da escola, e
desenvolver dispositivos de avaliação externa. Em alguns países anglo-saxónicos (com
particular incidência no Reino Unido, na Austrália, na Nova Zelândia, nos Estados Unidos)
estas medidas aparecem integradas em reformas globais da administração e gestão das
escolas, designadas por "school based management" (ou "local management of school")
(Barroso, 1996, p.169).
É na valorização da “gestão centrada na escola” e da “avaliação externa e interna da escola” que
reside o principal contributo da investigação sobre a escola realizada nos últimos vinte e cinco anos.
Um exemplo (entre muitos, em todo o mundo) da importância destes dois fatores na conceptualização
da escola como espaço educativo específico encontra-se no projeto Reguleducnetwork (Changes in
regulation modes and social production of inequalities in education systems: a European Comparison) que
reuniu a Bélgica (francófona), a França, a Hungria, Portugal, e a Inglaterra (Maroy, 2006, European
Commission, 2007).2

2
Ver relatório final do projeto Reguleducnetwork em http://cordis.europa.eu/docs/publications/1001/100123981-6_en.pdf

16
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Na verdade, neste projeto, onde se estudaram as transformações em curso nos processos de


regulação, tornou-se evidente a importância (e especificidade) da organização escolar como lugar central da
política educativa. Não admira portanto que duas das principais alterações sobre o modo como se efetuava a
regulação política se centrassem na escola, mais propriamente, na sua autonomia de decisão e na sua
avaliação institucional (Maroy, 2006).
De registar ainda que, como assinalam Scheerens & Maslowski (2008), apesar das vantagens da
autonomia escolar serem mais políticas que instrumentais, verifica-se que os estudos sobre a autonomia
escolar puseram em evidência a utilidade dos mecanismos de avaliação e de ajustamento assim como a
importância de uma abordagem sistémica em matéria de inovação pedagógica.
Por último, importa referir que os estudos sobre a escola, nomeadamente sobre a sua avaliação, não
ficaram confinados a uma abordagem localizada e sempre procuraram pôr em evidência o sentido político da
ação pública. É o que se passa sobretudo com o estudo da accountability (pilotagem pela avaliação) e com a
necessidade de prestação de contas por parte de cada escola (ver a este propósito, para o caso português
Afonso, 2009 e para o mundo francófono Maroy, dir. 2013, entre muitos outros).

Perspetivas futuras: a territorialização


Parece ter havido uma lógica de continuidade na investigação sobre a escola ao longo destes vinte e
três anos que medeiam entre o 5º e o 24º colóquio da secção portuguesa da AFIRSE.
Na investigação, esta lógica de continuidade centrou-se por um lado em mostrar o efeito distintivo de
cada escola sobre a aprendizagem dos alunos (“escolas eficazes” e “eficácia da escola”) e por outro, inquirir
sobre as dimensões internas do funcionamento de cada escola, em especial a autonomia, a gestão e a
avaliação.
Do ponto de vista político a valorização da identidade de cada escola e a relevância do seu contributo
para formação escolar e cívica dos seus alunos, puseram em causa sistemas centralizados, mas, ao mesmo
tempo, alertaram para os riscos de implosão do sistema escolar que resultariam da existência de ordens tão
distintas quanto as escolas.
Chegados aqui importa assinalar de maneira breve quais as perspetivas para o futuro do “estudo da
escola”.
Em primeiro lugar, a investigação sobre a escola irá, certamente, aprofundar as dimensões internas
do seu funcionamento, pondo em evidência o modo como as várias componentes de cada estabelecimento
de ensino afetam as aprendizagens escolares e a educação dos alunos.
Em segundo lugar, à medida que a própria noção de escola tende a alterar-se evoluindo para espaços
menos homogéneos e mais diferenciados a investigação tenderá a analisar a educabilidade dos novos
espaços e da sua organização e do novo conceito de escola (se é que continuará a fazer sentido utilizá-lo)
emergente.
Em terceiro lugar, a partir do momento em que a centralidade política e administrativa na organização
e gestão da educação é posta em causa, a escola (cada estabelecimento escolar) adquire um dimensão
territorial inserindo-se num contexto local.
É sobre este último aspeto – territorialização da política educativa - que valerá a pena tecer algumas
considerações para terminar a minha comunicação (ver Barroso, 2015).

17
A Escola: Dinâmicas e Atores

A territorialização é um fenómeno essencialmente político e implica um conjunto de opções que têm


por pano de fundo um conflito de legitimidades entre o Estado e a Sociedade, entre o público e o privado,
entre o interesse comum e os interesses individuais, entre o Central e o Local, entre o controlo estatal e a
autonomia local.
A territorialização das políticas públicas visa adaptar as medidas políticas às particularidades dos
espaços sobre os quais elas atuam, com o fim de reforçar a aceitabilidade e a apropriação dessas medidas
pelos atores locais (Reliant, 2004).
Enquanto processo de adaptação das medidas políticas ao contexto local, a territorialização cria
condições para institucionalização da ação pública deliberativa. O local torna-se assim um lugar de decisão e
de construção de uma nova ordem educativa, baseada na informação e na consulta, através de um
ajustamento mútuo entre os diferentes grupos afetados.
A territorialização está diretamente ligada a uma lógica participativa na organização da política e a
uma democratização da execução das políticas públicas. A adaptação das ações públicas ao território supõe
a participação dos cidadãos na definição da política pública e a necessidade de abertura do debate ao espaço
publico. A institucionalização da ação coletiva faz-se, assim, por uma integração dos desafios locais numa
lógica de baixo para cima, isto é, a partir dos territórios. O território pode afirmar-se como “instrumento de
participação” quer como “instrumento de legitimação” das decisões (Reliant, 2004, p.60).
O local constitui o lugar onde emergem os problemas e se configuram as soluções. Neste processo
cruzam-se várias tensões: entre controlo estatal e autonomia local; entre bem público e interesses privados;
entre burocracia e profissionalismo; entre norma e projeto. Só a conexão entre os atores, a construção de
comunidades de aprendizagem e a organização de redes colaborativas poderão tornar estas tensões
criativas. Ao contrário da competição, da concorrência e do mercado que tornam estas tensões destrutivas.

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18
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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A Escola: Dinâmicas e Atores

L'ÉCOLE FACE AU DILEMME TRANSMISSION ET CONSTRUCTION DES


CONNAISSANCES : QUELQUES PISTES DE RÉFLEXION ET D'ACTION

Gérald Boutin
Université du Québec à Montréal

« Ceux qui ont le plus d’avenir sont ceux qui ont la plus longue mémoire. »
Nietzsche

INTRODUCTION
L’opposition largement commentée entre l’École Nouvelle, adepte de la construction des
connaissances et l’École Traditionnelle, tenante de la transmission des connaissances, est un sujet fort ancien
qui revient sans cesse à la surface, surtout à l’occasion des réformes des systèmes éducatifs. Notons
toutefois, d’entrée de jeu, qu’au fil du temps l’école, dite «traditionnelle», a connu une évolution considérable
: elle s’est transformée notamment sous l’impulsion des sciences de l’éducation, surtout à partir des années
1960. Malgré tout, l’affrontement entre ces deux façons de concevoir le rôle de l’école est encore très vif. On
ne compte plus les débats sur le sujet1. Les querelles entre pédagogistes2 et conservateurs (dits aussi
républicains) ont débouché sur une GUERRE DES ÉCOLES3 qu’il est bien difficile d’ignorer. Elles ont même
pris, dans les pays de l’OCDE, une tournure polémique qui finit par réduire la réflexion pédagogique à une
opposition biaisée du fait que les tenants de l’une ou de l’autre école de pensée se situent dans une posture
radicale qui met l’accent sur les différences plutôt que sur les complémentarités, les points communs. On se
retrouve parfois au même point qui faisant dire à Adolphe Ferrière4, cédant à la caricature: «sur les indications
du diable, on créa l’école». Il y a quelques années, Kerlan5 résumait ainsi la situation de façon lapidaire: «Nous
sommes aujourd’hui comme pris dans un modèle d’école à venir qui s’invente dans l’incertitude quotidienne».
Que faire ? Est-il possible de choisir de façon radicale entre la tradition et la modernité qui sont les
références ultimes des représentants des deux camps? Le rejet des apports de l’un ou l’autre de ces deux
courants ne risque-t-il pas de nous conduire à une impasse ? Fort heureusement, des voix s’élèvent qui se
proposent de chercher à dépasser cette polémique. Au cours des dernières années, certains débats, dont
celui dans lequel s’affrontaient Meirieu et Darcos6, faisaient ressortir divers points de convergence. Ces
rapprochements ne sont malheureusement que peu souvent pris en compte.

1
Citons quelques titres au passage : Natacha Polony, Le pire est de plus en plus sûr, enquête sur l’école de demain ; J.-
P. Brighelli, La Fabrique du crétin ; A. Del Rey, À l’École des compétences, de l’éducation à la fabrique de l’élève
performant, etc.
2
Il s’agit d’un terme à consonance péjorative pout désigner une pédagogie libertaire qui place l’enfant au centre de toute
entreprise pédagogique.
3
Boutin, G. (2012). La guerre des écoles, entre transmission et construction des connaissances, Montréal, Éditions
Nouvelles.
4
Ferrière, A. (1947). Transformons l’école. Quelques directives pour les parents et les éducateurs, 2e édition revue et
complétée, Paris, Éditions J. K. Oliven, p. 7.
5
Kerlan, A. (1998). L’école à venir. E.S.F., Paris, p.58.
6
Darcos, X et Meirieu, Ph. (2000). Deux voix pour une école, Paris, Desclée de Brouver, collaborateurs, DDB/Société.

20
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

LA TRANSMISSION DES CONNAISSANCES TELLE QUE CONSIDÉRÉE PAR L’ÉCOLE


TRADITIONNELLE
À la recherche d’une définition de la notion de transmission des connaissances
Mais d’abord, faut-il se demander, ce que signifie vraiment le mot « transmettre»? Son sens varie
selon le champ sémantique dans lequel il est utilisé. Au sens juridique, en l’occurrence, il s’agit de faire passer
un bien à ses descendants, à sa postérité, de le leur laisser en héritage. Dans le champ qui nous intéresse ici,
celui de l’éducation, le mot transmission désigne le fait de communiquer des connaissances, des idées, des
pensées à des élèves jeunes ou moins jeunes au moyen d’un enseignement. Comme le rappelle Rudolf
Bkouche7,
Enseigner, c’est d’abord transmettre, c’est-à-dire donner les moyens d’acquérir un savoir ou
un ensemble de savoirs. Ces savoirs que l’on enseigne, loin d’être le fruit de décisions
arbitraires, s’inscrivent dans une culture, la culture de la société qui décide de les transmettre
aux nouvelles générations parce qu’ils sont nécessaires à la conservation des valeurs de la
société (c’est l’aspect conservateur de l’enseignement) et qu’ils permettent à chaque élève
de construire son propre rapport au monde (c’est l’aspect émancipateur de l’enseignement).
C’est en ce sens que l’on peut dire que l’enseignement transmet une culture.
Aujourd’hui, le mot «transmission» apparaît sous un mauvais jour dans le champ de l’éducation alors que
ce n’est pas le cas dans d’autres champs comme la médecine, le droit, les religions, etc. En éducation, il semble
proscrit et remplacé par ceux de «construction» ou de «co-construction» des connaissances, ou encore
d’animation, d’accompagnement, etc. Par delà la simple définition du concept, restent de questions qu’il est
essentiel de se poser: Que transmette aux jeunes? Quelles valeurs? Quelles connaissances? Quelles attitudes?
Ces questions et bien d’autres suscitent un intérêt de plus en plus vif. Elles sous-tendent aujourd’hui une bonne
part de l’entreprise éducative.

La transmission des connaissances et l’école traditionnelle, quels liens?


La transmission des connaissances et l’école traditionnelle constitueraient un véritable binôme selon les
constructivistes radicaux. Cette école, soutiennent-ils, militerait en faveur de la transmission des savoirs et des
connaissances en oubliant les autres éléments constitutifs de la fonction éducative. En d’autres termes, l’école
traditionnelle accorderait trop d’importance au maître dont le rôle se réduirait à la simple transmission des savoirs
et à la modélisation de l’élève soumis ainsi aux attentes du pouvoir politique ou marchand. Les novateurs, si l’on
peut dire, reprochent entre autres à l’école traditionnelle de favoriser le bourrage de crâne plutôt qu’une
acquisition intelligente des savoirs. L’enseignant prétendrait ainsi détenir tous les savoirs alors que cela est loin
d’être cas : l’accès au savoir a changé de façon radicale depuis l’Internet et les autres moyens de communication.
Au cours des dernières décennies, la notion de transmission des connaissances a été remise en cause pour de
nombreuses autres raisons. Les connaissances évoluent de façon très rapide: ce qui était considéré comme vrai
hier ne l’est plus aujourd’hui. L’accroissement des connaissances ne permet pas de se les approprier à la façon
d’un Pic de la Mirandole8. La remise en cause de la fonction enseignante est à l’ordre du jour.
Comme on peut s’y attendre, les défenseurs de la transmission des connaissances n’acceptent pas
une telle conception de l’école traditionnelle. Ils lui reprochent son réductionnisme, son parti pris et son

7
Bkouche, R. (1992). «L’enseignement scientifique entre l’illusion langagière et l’activisme pédagogique», Repères-Irem, no
9, octobre, pp.5-12.
8
Philosophe et théologien italien: 24 février 1463-17 novembre 1494.
21
A Escola: Dinâmicas e Atores

manque de discernement. Ils soutiennent a contrario qu’il appartient à l’école de transmettre aux générations
actuelles les connaissances que la société estime indispensables pour sa survie et son accomplissement.

État actuel : impacts des innovations pédagogiques et attentes de la société


Mais, peut-on se demander, l’école traditionnelle, telle que décrite par ses détracteurs9, existe-t-elle
vraiment aujourd’hui? Correspond-elle à ce qu’en disent ses adversaires ? Un regard, même superficiel, nous
amène à constater que cette école d’aujourd’hui, qu’on pourrait qualifier d’école «ordinaire», a été largement
influencée par les courants issu du mouvement des écoles nouvelles. Plusieurs idées de Freinet, par exemple,
ont fait leur chemin10. Nous avons assisté, surtout au cours des dernières années, sous l’impulsion des
sciences de l’éducation, à une véritable transformation de l’école « ordinaire » ou si l’on veut « officielle».
Qu’on pense, par exemple, à la pédagogie des projets, à l’enseignement en équipe, à la pédagogie inversée,
etc. Ces méthodes font de plus en plus partie des pratiques pédagogiques courantes dans plusieurs milieux.
Les critiques adressées à l’école, dite traditionnelle, portent largement sur ses façons de procéder.
Le principal reproche qu’adressent les novateurs à l’école «ordinaire» est bien celui de transmettre
des savoirs et des valeurs aux élèves (apprenants) plutôt que de les laisser les construire eux-mêmes. Cette
opposition entre deux paradigmes, celui de la transmission et celui de la construction des savoirs, nécessite
plus qu’un moment d’attention ; nous y reviendrons plus loin. Elle appelle à une mise en questionnement des
éléments-clés du triangle pédagogique constitué, comme le rappelle Houssaye11, de l’enseignant, de l’élève
et des savoirs.

LA NOTION DE «CONSTRUCTION DES CONNAISSANCES» SELON L’APPROCHE


CONSTRUCTIVISTE
À la recherche d’une définition de la «construction des connaissances»
L’expression même de « construction des connaissances » fait problème car elle donne lieu à de
nombreuses interprétations. Ce qui suscite des questions auxquelles il n’est pas facile de répondre. Que veut-
on dire au juste? N’existe-t-il pas de données factuelles, autrement dit, déjà construites? Peut-on construire
de nouvelles connaissances à partir de rien? Toutes ces questions et bien d’autres les enseignants, surtout
ceux des classes du primaire et du secondaire, se les posent. L’importance de remonter aux origines de ce
courant et d’en marquer certaines limites coule de source.

Origine et développement du constructivisme


À vrai dire, le mot « constructivisme » revêt plusieurs sens : en éducation, il désigne un ensemble de
conceptions issues de diverses sources et notamment de la psychologie avec les travaux de Piaget (1896-
1980), de Vygotsky (1896-1934) et enfin de Von Glaserfeld (1917-2010). Selon Piaget, les concepts
s’acquièrent plus facilement et plus efficacement lorsque durant l’apprentissage l’élève passe par un
processus de « reconstruction » des savoirs : par sa participation à une démarche hypothético-déductive.

9
Le passage suivant emprunté à l’un des experts de la pédagogie illustre ce discours : « Devant (la classe) la maître,
perché sur son estrade, qui lui permet de voir chacun et d’être vue par chacun, et disposant du tableau noir sur lequel
s’inscrit la vérité», In B. Charlot (1977). La mystification pédagogique, Paris, Payot, p.144.
10
L’influence sur l’école traditionnelle de la pédagogie de Freinet dépasse largement la simple question des outils
(imprimerie à l’école, fiches, etc.) dont il préconisait l’usage. Voir : P. Boumard (1996). Célestin Freinet, Paris, PUF.
11
Houssaye, J. (2000). Le triangle pédagogique. Théorie et pratique de l’éducation scolaire, Berne, Peter Lang.

22
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Vygotsky, de son côté, est reconnu aujourd’hui comme le père du constructivisme social, dit également
socioconstructivisme. Selon son point de vue, c’est par la participation avec ses pairs que l’élève (désormais
désigné sous le vocable d’apprenant) construit ses connaissances12. À ces deux conceptions, fragmentées à
certains égards du constructivisme, s’en ajoute une troisième dite «radicale», inspiré de la position
épistémologique de Ernst Von Glaserfeld* pour lequel, il n’y a pas de monde qui existe en soi ! Un bon nombre
d’auteurs, dont Hirtt13, ont remis en question la référence de plus en plus courante dans le monde de
l’éducation à ce type de constructivisme radical. Si le savoir ne peut être transmis à quoi peut bien servir
l’enseignement, peut-on se demander. L’approche constructiviste quand elle est poussée à l’extrême, mal
comprise souvent, réduit effectivement le rôle d’enseignant à celui d’un simple « accompagnateur », ou encore
de « facilitateur ». La centration sur l’élève-apprenant a aussi des limites que ne manquent pas de souligner
de nombreux critiques. Cette façon radicale de concevoir le processus pédagogique peut facilement faire
oublier les autres éléments du triangle pédagogiques dont nous avons parlé.

TRANSMISSION VS CONSTRUCTION : OPPOSITION OU COMPLÉMENTARITÉ?


Les tensions entre les tenants des deux courants de pensée dont nous venons de tracer les grandes
lignes prennent une tournure particulièrement aigüe quand il s’agit de procéder à la réforme des systèmes
éducatifs ou, tout simplement, en d’autres termes, de mettre l’école aux diapason des réalités actuelles. Une
opposition se fait souvent jour entre la transmission et la construction des connaissances ou des compétences.
L’opposition entre transmission et construction des connaissances (savoirs) est au centre d’une polémique qui
tend à perdurer entre les tenants de l’École Traditionnelle, souvent confondue avec l’école républicaine, et
ceux de l’École Nouvelle qui s’inspire largement dans son acception actuelle du constructivisme14 dont nous
venons de parler brièvement.

Transmettre des savoirs vs inviter l’élève à construire ses connaissances : une


problématique mondiale
La plupart des pays industrialisés adhèrent aux principes éducatifs énoncés par les grands
organismes mondiaux, dont l’OCDE et la Banque Mondiale dont l’option en faveur de l’approche par
compétences est bien connue15. Les principes qui se trouvent à la base de cette approche servent de
références à de nombreux gouvernements: ils touchent notamment le régime scolaire, le contenu des
programmes, la gestion des établissements scolaires. Plusieurs auteurs ont signalé que cette uniformisation
a de bons mais aussi de mauvais côtés. Si la mondialisation conduit à un accès de plus en plus facile aux
grands courants qui traversent le domaine des sciences de l’éducation, elle mène aussi de favoriser le
développement d’une pensée unique qui finit par nuire à l’innovation.
Dans le prolongement de l’opposition transmission vs construction des connaissances se trouve un
amalgame entre l’approche constructiviste et l’approche comportementaliste (APC), qu’on peut qualifier de

12
Il faut dire que les réformateurs actuels se réfèrent plus souvent à Vygotsky qu’à Piaget, reprochant à celui-ci de négliger
la dimension psychosociale de l’élève
13 Hirtt, N. (2009). «Piaget, Vygotsky, Freiner, tous coupables ?», L’école démocratique, no 39, septembre.
14
On ne compte plus les écrits sur le sujet : articles, livres, etc. La presse en a fait un thème redondent à chacune des
rentrées scolaires.
15
OCDE (2011). OCDE, élaborer une stratégie en faveur des compétences, Paris, Éditions OCDE».
23
A Escola: Dinâmicas e Atores

paradigmatique16. Cette troisième voie, si l’on peut dire, a suscité et suscite encore, aux Québec et dans de
nombreux pays, de vives réactions17. La principale critique qui lui est adressée concerne le processus
d’apprentissage. Elle réside avant tout dans le fait qu’il est difficile pour les enseignants, dans la pratique, de
coupler une approche qui incite l’élève à s’autodéterminer, à élaborer ses savoirs, avec une autre qui milite
en faveur d’un savoir-agir prédéterminé à partir de liste de compétences attendues. Les débats sur ce sujet
épineux mettent en scène l’entrée du néolibéralisme à l’école, de l’avènement de l’école marchande18.

L’impact d’un amalgame paradigmatique sur les stratégies éducatives


Un tel flottement sur les plans épistémologique et praxéologique place les enseignants dans ce qu’on
pourrait appeler une double contrainte : laisser à l’apprenant le soin de construire ses propres connaissances
et compétences et en même temps, l’inciter à développer des savoir-faire déjà établis par les responsables
des programmes scolaires déclinés en liste de compétences. La situation, dans certains cas, se complique du
fait de l’amalgame qu’établissent certains novateurs entre le constructivisme (envisagé soit la perspective de
Vygotsky ou de Glaserfeld) et l’approche par compétences (APC). Cette dernière, on le sait, avait déjà fait
son apparition à la fin des années 1960 aux Etats-Unis19.

Les réformes scolaires : toile de fond des débats sur l’éducation entre novateurs et
conservateurs
Les nombreuses réformes des systèmes éducatifs depuis quelques décennies sont marquées par des
postures souvent radicales entre les tenants des courants dont nous venons de brosser les grandes
caractéristiques.
Pour les tenants de l’école conservatrice ou traditionnelle, ces réformes accordent à la construction
des connaissances la part du lion. Ils leur reprochent notamment de:
§ s’inspirer de théories trop éloignées du champ de l’éducation, comme tel, contribuant ainsi à la
psychologisation ou encore à la socialisation de ce champ;
§ mettre l’accent sur l’élève, dit alors «apprenant», au lieu de faire place au rôle du l’enseignant et de
centrer l’école sur la transmission des savoirs;
§ nier l’importance de l’évaluation des connaissances et ainsi de céder à des visées égalitaires qui
négligeraient la nécessité de recourir à des dispositifs adéquats de l’évaluation des acquis;
§ d’adhérer à l’approche par compétences (APC) susceptible de transformer l’école en une entreprise
marchande20.

16
Boutin, G. (2004). « L’approche par compétences : un amalgame paradigmatique », Connexions, Vol.1, No 81, p.25-41.
17
Nous avons consacré le quatrième chapitre de notre livre (p.61-68), La guerre des écoles, entre transmission et
construction des connaissances, à cette question.
18
Ropé, F. et Tanguy, L. (dir.) (2003). Savoirs et compétences. De l’usage de ces notions dans l’école et l’entreprise,
Paris, L’Harmattan.
19
Pour plus d’information voir : Boutin, G. (2015). « L’approche par compétences appliquée à l’éducation : où en est-on
aujourd’hui ? » dans Haberey-Knuessi, V. et Heeb, J.-L. Pour une critique de la compétence : la question du sujet et de la
relation à l’autre, Paris, L’Harmattan, p. 27-43.
20
Cette critique se révèle de plus en plus vive au cours des dernières années. Plusieurs auteurs considèrent que
l’imposition de l’approche par compétence falsifie les éléments positifs mis de l’avant par l’École Nouvelle et conduit,
comme nous l’avons indiqué plus tôt à un véritable dilemme.

24
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

De leur côté, les tenants de la construction des connaissances par l’élève reproche à leurs opposants
de :

§ ne pas accorder à l’élève (apprenant) la place qui devrait lui revenir dans le triangle pédagogique et
ainsi considérer l’enseignant comme le seul détenteur des savoirs;
§ ne pas favoriser la réussite de tous les élèves;
§ de préconiser l’enseignement magistral et frontal plutôt de l’apprentissage en groupe;
§ de recourir à des modes d’évaluation qui ne tiennent pas compte des caractéristiques des individus;
§ de considérer l’École comme une citadelle sans lien avec l’évolution de la société.
Cet aperçu sommaire d’un certain nombre de désaccords entre «conservateurs» et «novateurs» nous
donne une idée du chemin qui reste à parcourir pour en arriver à un dialogue serein entre ces deux conceptions
du rôle de l’école dans la société. Nous voilà bien, sur un plan concret, face à deux façons d’aborder l’accès
au savoir, si l’on définit celui-ci comme un ensemble de références acquises et partagées. Plusieurs auteurs,
schématisant ce processus, établissent une distinction radicale entre l’apprentissage frontal, c’est-à-dire une
situation de communication à sens unique où le savoir du maître est transmis qui le reçoit passivement et la
construction du savoir, par l’élève qui accède, soit seul, aux connaissances nécessaires à sa culture et à
sa survie, soit encore, en relation avec ses pairs, c’est-à-dire une situation interactive devenant ainsi le sujet
actif de son apprentissage. Cette dichotomie est de plus en plus remise en question: au lieu d’opposer ces
deux stratégies, on a de plus en plus tendance à procéder avec davantage de souplesse ne négligeant pas
l’enseignement explicite, notamment pour les élèves qui éprouvent des difficultés d’apprentissage. Ce courant
pédagogique, rappelons-le au passage, met l’accent sur une transmission structurée des connaissances. Il
est très en vogue en Amérique du Nord depuis quelques années et s’inscrit dans le prolongement des travaux
du professeur R. Rosenshine, inspirés, entre autre, du célèbre projet de recherche Follow Throught sur les
apprentissages de base.

LA PART DES CHERCHEURS FACE À CE DILEMME


Les chercheurs en éducation, et en sciences humaines en général, ne sauraient faire l’économie
d’une étude attentive des fondements théoriques des sciences de l’éducation. Cette connaissance doit
s’accompagner d’une prise en compte, la plus poussée possible, de l’impact sur le milieu scolaire des grands
courants de pensée qui traversent et agitent souvent l’école actuelle. Comment peut-on autrement faire des
choix judicieux quand il s’agit de cerner ses objets de recherche ? Comment procéder à une analyse éclairée
de résultats de recherche en ignorant les caractéristiques du contexte dans lequel les données ont été
recueillies ? C’est ainsi que le chercheur avisé doit se méfier de certaines idées en vogue qui font la une de
certains dossiers soi-disant scientifiques. «L’éducation n’est pas une science exacte», pour reprendre une
expression chère à Gaston Mialaret. Vouloir ne tenir compte que des données, dites «probantes», au s’est
de priver des connaissances issues de l’observation et de l’expérience. «Une science pure, l’éducation ne le
sera jamais : la complexité humaine échappe au déterminisme», comme disait Gilbert de Landshere, l’un des
pionniers de la recherche en éducation. Cette limitation ne signifie pas un abandon aveugle au hasard de
l’inspiration, au « bon sens» et à la tradition. Partout où la science peut guider notre action, il faut l’accueillir.

25
A Escola: Dinâmicas e Atores

Quelques pistes d’action et de réflexion


Concernant, par exemple, les limites du courant constructiviste appliqué à l’éducation, l’équipe de
chercheurs dirigée par le professeur Clermont Gauthier de l’université Laval s’est longuement attardée à
étudier les résultats de plusieurs recherches. Leurs critiques s’appuient sur un nombre imposant d’analyses
conduites dans le contexte nord-américain. Récemment, ils ont pris soin de clarifier leur position et en sont
arrivés à la conclusion que les pédagogies inspirées du constructivisme radical, fortement recommandées par
le ministère de l’Éducation depuis l’avènement de la dernière réforme scolaire, ne sont pas de celles qui
donnent les meilleurs résultats en ce qui concerne les élèves des classes défavorisées ou encore ceux qui
éprouvent des difficultés d’apprentissage.
Ce constat remet en cause le bien-fondé de divers volets des réformes éducatives, tel qu’elles sont
pratiquées aujourd’hui. Elles n’arrivent pas, en dépit de tout leur branle-bas, à améliorer le rendement des
élèves non plus que la qualité de l’enseignement. La confrontation entre les tenants d’une approche
constructiviste et ceux d’une approche plus structurée, dite pédagogie explicite, perdure et retarde l’avènement
d’un dialogue authentique. Le changement ne se fait pas comme le souligne Houssaye, dans un texte critique
fort intéressent sur l’Amérique du Nord21. Les réformateurs des systèmes éducatifs ont trop souvent tendance
à opter de façon radicale pour un courant de pensée au détriment de tous les autres, avant même d’avoir
procédé à étude attentive des effets sur la fonction enseignante et les résultats scolaires des élèves.
Dans toute cette situation, les chercheurs en sciences de l’éducation ont bien évidemment leur part
de responsabilité. Un trop grand nombre d’entre eux négligent de se pencher sur les fondements théoriques
à la base de leurs hypothèses de travail, mettant l’accent presque uniquement les techniques et procédés
méthodologiques auxquels ils recourent de façon habituelle. Ce souci, certes louable, ne suffit pas. Force est
de reconnaître que les résultats de recherche exigent d’être interprétés à partir d’un cadre de référence étayé
à partir d’une bonne connaissance des courants de pensée ambiants et des caractéristiques du contexte
d’intervention.

CONCLUSION
Le sujet épineux que nous avons à peine effleuré montre bien la complexité de la mission de l’ÉCOLE.
Cette institution doit à tout prix éviter de céder à la dictature de l’utile, du «à quoi ça sert ?», en un mot, aux
dérives du néolibéralisme. La focalisation sur le « prêt à penser» que certains éducateurs et enseignants ne
pensent même pas qu’il est essentiel de présenter aux jeunes des défis à la hauteur de leurs capacités. Fort
heureusement, on admet de plus en plus qu’il essentiel d’offrir à tous les enfants les mêmes opportunités par
rapport au savoir, en d’autres termes, d’établir un véritable équilibre entre transmission et construction des
connaissances. Il y va de l’avenir des jeunes, aussi bien dire l’avenir du monde. Comment alors ne pas espérer
que l’école soit de plus en plus libératrice, ouverte sur le monde, qu’elle vise à retrouver le sens des savoirs
et de la culture plutôt que de s’axer presque uniquement sur les compétences et la performance? Faut-il
rappeler, à l’instar de nombreux auteurs, dont Gauchet (2011), qu’une véritable réflexion sur la culture à
dispenser à tous les élèves est à poursuivre dépassant les oppositions stériles des compétences aux savoirs,
de la construction des connaissances vs leur transmission. Nous en arrivons, pour finir, à rappeler l’urgence
de reconnaître le bien fondé d’une École adaptée au présent, mais qui ne renie pas les acquis du passé. Loin

21
Houssaye, J. (2011). «Pédagogie, le constat : le changement ne se fait pas». In Carrefours de l’éducation, Hors-série,
Université de Picardie Jules Verne, p.108-121.

26
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

de l’école-citadelle ou de l’école-machine, l’école d’aujourd’hui doit se caractériser pas son ouverture, sa


souplesse, son inventivité. Cette école n’a rien à voir avec le refus de l’effort et de l’exigence. Pour reprendre
un mot de Meirieu, elle ne s’appuie pas «une pédagogie du renoncement», j’ajouterais du laisser faire ! Le
temps est venu de dépasser cette opposition simpliste entre École Traditionnelle et École Nouvelle. Cette
opposition, on ne le répètera jamais assez, est contreproductive et nuisibles aux élèves, surtout à ceux qu’on
désignent sous l’appellation d’« élèves à besoins particuliers».

RÉFÉRENCES
Boutin, G. (2012). La guerre des écoles, entre transmission et construction des connaissances, Montréal,
Éditions Nouvelles.
Boutin, G. (2015). « L’approche par compétences appliquée à l’éducation : où en est-on aujourd’hui ?», dans
Haberey-Knuessi, V. et Heeb, J.-L., Pour une critique de la compétence : la question du sujet et de la
relation à l’autre, Paris, L’Harmattan, 2015, p. 27-43.
Boutin, G. (2004). «L’approche par compétences : un amalgame paradigmatique», Connexions, 1 (81), 25-41.
Ropé F. & Tanguy, L. (dir.) (2003). Savoirs et compétences. De l’usage de ces notions dans l’école et
l’entreprise, L’Harmattan, 2003.
Fournier, M. (2007). «École: l’instruction contre l’éducation», Sciences Humaines, no 178, janvier, no 178,
janvier 2007. Disponible sur www.scienceshumaines.com/
Del Rey, A. (2010). À l’école des compétences. De l’éducation à la fabrique de l’élève performant, La
Découverte, 2010.
Crahay, M. (2006). «Dangers, incertitudes et incomplétude de la logique de la connaissance en éducation»,
Revue Française de pédagogie, no 154, janvier-février- mars, 2006. Aussi www.laviedes idées,fr/L-
utilite-sociale-des-humanités.html.
Gauchet, M. (2011). «Contre l’idéologie de la compétence, l’école doit apprendre à penser», Le Monde, 02/09/.
Giordan, A. (1995). «Les nouveaux modèles pour apprendre : dépasser le constructivisme», Perspectivess,
vol.15, mars, 109-125.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

A ESCOLA: DINÂMICAS E ATORES

______________________________________________________

ATAS DO XXIV COLÓQUIO DA AFIRSE PORTUGAL

MESAS REDONDAS | TABLE RONDE

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A ESCOLA, O ESTADO E O MUNICÍPIO NUM NOVO QUADRO DE REGULAÇÃO


LOCAL DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Joaquim Machado
Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos de Desenvolvimento Humano, Faculdade de
Educação e Psicologia, Porto
jmaraujo@porto.ucp.pt

Resumo
A territorialização da ação política em matéria educativa tem assumido diversas formas. A evolução destas
formas mostra o reforço da autonomia pedagógica das escolas e da sua interação com as comunidades
locais, o alargamento das competências dos municípios no domínio da educação e a preferência nos últimos
anos pela celebração de contratos com as escolas e/ou com os municípios para a realização de projetos
específicos.
Encontramos, assim, no território concelhio projetos construídos nas escolas e/ou agrupamentos de escolas
e projetos construídos pela autarquia, com especificidades próprias mas também convergentes em diversas
dimensões. A necessidade de articulação no território concelhio destes projetos convida à reconstituição dos
papéis do município e das escolas e à procura de um novo figurino organizacional de coordenação da gestão
local da educação escolar.
La territorialisation de l'action politique dans l'éducation a pris de nombreuses formes. L'évolution de ces
formes montre le renforcement de l'autonomie pédagogique des écoles et de leur interaction avec les
communautés locales, l'extension des pouvoirs des municipalités en matière d'éducation et de préférence au
cours des dernières années en concluant des contrats avec les écoles et / ou municipalités pour réaliser des
projets spécifiques.
Nous avons donc, sur le territoire de projets municipaux construits dans les écoles et / ou groupes d'écoles et
des projets construits par la municipalité, avec ses propres spécificités, mais aussi convergentes dans
plusieurs dimensions. La nécessité d'une coordination sur le territoire municipal de ces projets appelle à la
reconstruction des rôles municipaux et scolaire et à la recherche d'une nouvelle organisation de la gestion
locale scolaire.

Palavras-chave: Desconcentração, Descentralização, Autonomia, Contrato, Gestão local.

A ESCOLA, O ESTADO E O MUNICÍPIO NUM NOVO QUADRO DE REGULAÇÃO LOCAL DA


EDUCAÇÃO ESCOLAR
Nas últimas décadas temos assistido à revalorização do local como instância definidora de políticas
educativas e como nível prioritário de administração.
Neste texto, revisitamos medidas políticas de impulso ao envolvimento dos atores escolares e outros
interessados na educação escolar no âmbito do território educativo, bem como de transferência de
competências alargamento das áreas de intervenção do município na educação e assinalamos zonas de
convergência da ação da Escola, do Estado e do Município que justificam o recurso à modalidade de
governação por contrato que implicam partilha de responsabilidades entre as partes contratantes.
Focamo-nos depois nos contratos de educação e formação municipal (CEFM) e identificamos a
autonomia local e a autonomia das escolas como chave de leitura e análise do processo em curso na procura
de um modelo de regulação local da educação escolar.

Autonomia da Escola
O modelo centralizado de administração pública mostrou-se eficaz na generalização do sistema
nacional de ensino não superior, mas inadequado face ao gigantismo e complexidade do sistema escolar.
29
A Escola: Dinâmicas e Atores

Assim, os disfuncionamentos burocráticos e a falência das mudanças top-down contribuem para o


reconhecimento da autonomia relativa da escola, especialmente dos seus professores, sobretudo na
organização local do processo de ensino, dotando-a de órgãos de governação interna com competências e
atribuições específicas, e valorizando o seu envolvimento nas políticas postas em ação em cada
estabelecimento.
O modelo centralizado de administração das escolas mostrou-se também inadequado para responder
às exigências de participação dos cidadãos na definição das políticas públicas. Assim, a revalorização do
local faz descolar a escola de uma conceção de “serviço local de Estado” para a conceção de “comunidade
educativa”, convidando-a a sair dos seus limites físicos e associar à comunidade escolar os pais e outros
atores locais importantes para o desenvolvimento de um projeto educativo de escola e integrando-os em
órgãos de governação com competências de seleção do diretor e de acompanhamento do funcionamento da
escola.
O reconhecimento da autonomia das escolas envolve, pois, perspetivas de democracia representativa
e de democracia participativa e responde à constatação de que a eficácia das políticas educativas depende
do envolvimento dos professores, sobretudo dos diretores, e dos atores locais (Dutercq, 1999). O processo
de reforço progressivo da autonomia das escolas implicou a alteração do papel do Estado nos processos de
decisão política e de administração da educação e no reconhecimento da escola como lugar central de gestão,
o que exige um controlo baseado na conformidade mais com os objetivos e as finalidades de ação do que
com as regras e diretivas impostas pelo poder central.
O reconhecimento da autonomia das escolas é, entretanto, acompanhado por outras medidas de
proximidade às escolas, como a criação de graus intermédios a nível regional e local, também eles integrados
na cadeia hierárquica de comando central, ou sujeitos ao seu poder de direcção, e, por isso, podendo as suas
decisões ser modificadas ou revogadas pelos responsáveis centrais. Estas estruturas intermédias acabam
por se tornar “espaço de multirregulação, (…) território de cruzamento e negociação de múltiplas lógicas de
ação”, gerido numa tensão entre o quadro normativo da regulação burocrática, de que é veículo institucional,
e a cumplicidade com as escolas, traduzida em ajuda técnica às escolas e aos professores e “correia de
transmissão” entre os gestores escolares e o topo da administração educacional (Afonso, 2006, pp.95-96)
O impulso à autonomia da escola esbarra, no entanto, com uma rede dispersa e fragmentada de
estabelecimentos escolares, na sua grande maioria de reduzida dimensão, pelo que acaba também associada
a um processo de reordenamento da rede escolar, em que a administração central promove e/ou apoia, a
partir de 1997, dinâmicas de atores locais com vista à constituição de agrupamentos de estabelecimentos e
à construção de uma “escola”, entendida como unidade organizacional com dimensão humana razoável e
dotada de órgãos próprios de administração e gestão, capaz de tomar decisões e assumir a autonomia.

A Intervenção dos Municípios na Educação


A par da desconcentração (territorial e/ou funcional) do sistema de administração centralizada das
escolas, são tomadas várias medidas de descentralização, que se traduzem na transferência de
competências e no alargamento das áreas de intervenção do município na educação. Pinhal (2012) agrupa
estas competências legais em três domínios principais (a conceção e o planeamento do sistema educativo
local, a construção e gestão de equipamentos e serviços, o apoio aos alunos e aos estabelecimentos de
educação), lembrando que, no exercício das mesmas, muitos municípios acabam por ir para além do que a

30
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

lei os obriga. Por sua vez, Fernandes (2014) assinala na evolução das normas e das práticas de intervenção
dos municípios portugueses na educação a mudança de perspectiva que lhes está implícita.
Ambos os autores realçam ainda a legitimidade democrática dos municípios, enquanto representante
local de todos os residentes, num domínio tão relevante das políticas públicas como é a educação dos
cidadãos, sublinham a sua capacidade para ter uma visão mais global e integrada da educação no território
concelhio e avançar com projetos/programas próprios bem como apoiar ações das organizações locais,
podendo esta nova realidade constituir embrião da construção de uma política educativa local.
Na evolução normativa importa destacar a distinção estabelecida em 1999 entre competências
universais e não universais, isto é, entre competências transferidas mediante contratualização para todos os
municípios e competências contratualizadas entre os departamentos da administração central competentes e
os municípios interessados, assentando em tipologia contratual e identificação padronizada de custos, de
acordo com a atividade a transferir (Lei nº 159/99, de 14 de setembro, art.º 6º, nº 3). O objetivo é “contratualizar
com os municípios a resolução dos problemas e a redução das assimetrias que subsistem na prestação do
serviço educativo”, passando as autarquias a assumir competências no que respeita “ao pessoal não docente
do ensino básico, ao fornecimento de refeições e apoio ao prolongamento de horário na educação pré-escolar,
às atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico, à gestão do parque escolar e à ação
social nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico” (Decreto-Lei nº 144/2008, de 28 de julho, Preâmbulo).
Se, enquanto entidades promotoras privilegiadas, as autarquias locais assumiram papel relevante no
desenvolvimento de atividades de apoio às famílias na educação pré-escolar e na promoção das atividades
de enriquecimento curricular, o Decreto-Lei n.º 30/2015, de 12 de fevereiro, prevê agora fortalecer a ação do
Município como interveniente de estatuto público, quando admite celebrar “contratos interadministrativos” (Lei
nº 75/2013, de 12 de setembro, art.ºs 117.º e 120.º) para delegar nos órgãos dos municípios e das entidades
intermunicipais competências no âmbito da gestão escolar e da oferta educativa e formativa e no âmbito da
gestão curricular e pedagógica (art.º8.º), entre outras, anteriormente delegadas nos serviços desconcentrados
do Ministério da Educação.
Este reforço das competências dos municípios na área da educação inscreve-se numa “agenda
reformista e inovadora [do XIX Governo Constitucional] para a Administração Local assente na proximidade
com os cidadãos e na descentralização administrativa para os municípios e para as entidades
intermunicipais”, visando “ganhos de eficiência e eficácia no quadro das relações entre o Estado, a
administração local e os cidadãos” e contribuindo gradualmente para “a aproximação dos níveis de decisão e
das políticas aos seus destinatários concretos”, como se pode ler na Resolução do Conselho de Ministros n.º
15/2013, de 19 de março, que cria o Programa Aproximar – Programa de Descentralização de Políticas
Públicas.
Na verdade, a descentralização comporta três caraterísticas: 1) Supõe o reconhecimento de
interesses próprios de uma coletividade humana definida ou pela pertença a um território ou por constituir um
certo aglomerado social com identidade própria e interesses comuns; 2) Implica a gestão desses interesses
por órgãos cujos titulares são eleitos pelos membros da coletividade perante os quais respondem; e 3) Não
está subordinada hierarquicamente a outro órgão constituindo uma organização administrativa independente,
limitando-se o controlo do Estado à verificação da legalidade dos atos praticados (Fernandes, 2005:53).
Os poderes descentralizados distinguem-se, pois, dos poderes desconcentrados, porquanto estes
incidem em tarefas predominantemente técnicas, mantendo-se no topo as decisões mais substanciais de

31
A Escola: Dinâmicas e Atores

natureza política, legislativa ou regulamentar. Neste sentido, os “contratos interadministrativos” são contratos
celebrados entre entidades administrativas que estabelecem formas de articulação e de cooperação e
pretendem substituir ou complementar as figuras da tutela, da superintendência e da hierarquia, que
carateriza a desconcentração administrativa. Contudo, como realça Lima (2015) “as competências não são já
de origem municipal, mas antes continuam a pertencer ao Estado, enquanto entidade delegante”, pelo que
se configura “um cenário mais próximo de uma desconcentração administrativa” (p.8).
Verifica-se, assim, que, confrontando-se com a autonomia das autarquias locais, o Estado não quer
(pelo menos, por agora) transferir definitivamente para os órgãos municipais determinadas atribuições e
competências. Por isso, o recurso aos contratos de educação e formação municipal (CEFM) e as suas
semelhanças funcionais com processos anteriores de desconcentração da educação permitem-lhe manter a
direção estratégica das escolas e afastar (pelo menos, para já) a municipalização das escolas da rede pública
concelhia.

A Governação por Contrato e a Autonomia Local


Ao enveredar por políticas de territorialização, o Estado recorre a modalidades de regulação voluntária
para envolver outras entidades territoriais ou institucionais, públicas ou privadas na realização dos projetos
de interesse público. O “contrato de ação pública” implica a presença conjunta de três características (Gaudin,
1999): negociação explícita sobre os objectivos, calendário operacional e cofinanciamento das operações.
Assim, o “contrato interadministrativo de delegação de competências” inclui os objetivos estratégicos
negociados, determina a repartição de responsabilidades entre as entidades públicas envolvidas, estabelece
o tempo de vigência, identifica o modelo de financiamento e determina mecanismos de acompanhamento e
monitorização. Estamos, pois, perante um instrumento pós-burocrático no quadro de uma regulação neo-
burocrática (Barroso, 2014), porquanto o contrato se insere numa política de prestação de contas e de
responsabilização dos atores locais, implica a realização de metas concretas e faz incidir a sua avaliação na
verificação da distância entre os objetivos prosseguidos e os resultados alcançados.
Para promover o desenvolvimento económico e social do país, Portugal precisa da “contribuição
decisiva” dos fundos europeus estruturais e de investimento (FEEI) e, por isso, em alinhamento com a
Estratégia Europa 2020, foi estabelecido um modelo de governação do Programa Portugal 2020 que requer,
por um lado, “a racionalização, modernização e capacitação institucional da Administração Pública”, bem
como “a reorganização dos modelos de provisão de bens e serviços públicos”, e, por outro, a articulação e
subsidiariedade entre os níveis central, regional e local e “a contratualização de resultados, de forma
transversal aos agentes do sistema” (autoridades de gestão, organismos intermédios e beneficiários),
porquanto os “financiamentos [serão] proporcionais à superação dos resultados contratados” e haverá lugar
“a penalização por incumprimento, total e parcial de resultados” (Decreto-Lei n.º 137/2014, de 12 de
Setembro). Este Programa comporta, assim, uma conceção de reforma da Administração Pública que
incorpora a ideia de territorialização das políticas, nomeadamente quando se trata de garantir a diminuição
da taxa se abandono escolar precoce e o cumprimento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos, bem
como o aumento da formação na população entre os 18-24 anos e o aumento da percentagem de diplomados
entre os 30 e 34 anos que tenham completado o ensino superior ou equivalente.
A consecução dos resultados previstos para os desempenhos escolares pressupõe, assim, uma zona
de convergência da ação da Escola, do Estado e do Município, para quem se anuncia atualmente a

32
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

transferência de mais competências no domínio das funções sociais (áreas da educação, da saúde, da
segurança social e da cultura). No que concerne aos contratos de educação e formação municipal (CEFM),
são delegadas no município competências do Ministério da Educação relativamente aos agrupamentos de
escolas e escolas não agrupadas (AE/E) que integram a rede escolar estatal do concelho. Estes contratos
afirmam a capacidade do município para mobilizar os recursos necessários à implementação do projeto,
reconhecem a autonomia e diversidade das escolas num quadro de articulação entre agentes e entidades
locais, valorizam o papel das entidades e dos atores locais (município, escolas, diretores, comunidade) numa
ação local concertada. Eles comprometem o município com a qualidade da educação prestada pelas escolas
e agrupamentos e relevam o cariz pedagógico e administrativo do projeto, prevendo ainda que, durante a
vigência do contrato, todas as escolas do concelho tenham celebrado ou venham a celebrar contrato de
autonomia com o Ministério da Educação.
Com os contratos de educação e formação municipal reconhece-se, por um lado, a qualidade da
intervenção de alguns municípios na educação e a sua capacidade para, em articulação com as escolas,
elaborarem e desenvolverem projetos educativos municipais voltados para a resolução de problemas
concretos, e, por outro, pretende-se melhorar e tornar mais eficiente a organização do serviço educativo
prestado pelas escolas. Assim, por exemplo, os objetivos do CEFM de Matosinhos (Machado, 2015) incidem
em quatro domínios: 1) O domínio das aprendizagens das crianças e jovens, nomeadamente a “melhoria do
sucesso e desempenho escolar dos alunos” através de medidas de “prevenção da retenção, do absentismo,
do abandono escolar e saída precoce dos alunos do sistema escolar”; 2) O domínio da organização
pedagógica e curricular das escolas, nomeadamente a “melhoria das práticas pedagógicas” dos profissionais,
a contextualização curricular (cursos, turmas, grupos e percursos educativos), a adequação do ensino às
características e motivações dos alunos e a (possibilidade de) inclusão de componentes curriculares de
responsabilidade local; 3) O domínio da gestão dos recursos educativos, nomeadamente a articulação da
ação dos diferentes AE/E, a harmonização da atuação do pessoal docente e não docente; 4) O domínio da
interação comunitária, nomeadamente, a participação da comunidade na gestão do sistema educativo, a
ligação da educação e formação ao mundo do trabalho e o reforço da responsabilização dos atores educativos
locais pela qualidade do serviço prestado (Cláusula 6.ª).
Com os CEFM, o Estado parece não abandonar a garantia de equidade na educação, que é da sua
competência, assim como não opta por outorgar maior autonomia relativa às escolas que daria expressão a
“uma conceção descentralizada e policêntrica de administração escolar”. Com os CEFM, o Estado aloca numa
instância supra escolar de alcance municipal a articulação da educação no território concelhio, revelando no
entanto a supremacia da lógica administrativa de feição gerencialista e eficientista sobre a lógica
administrativa democrática. Na verdade, os CEFM constituem um processo de re-centração em que o poder
de decisão político-estratégico se mantém no governo, as escolas continuam a ser as “unidades orgânicas”
onde se concretizam os indicadores relativos a alunos, turmas, pessoal docente e não docente que permitem
o controlo do cumprimento do CEFM, comprometendo-se o município com os objetivos estabelecidos pelo
Ministério da Educação e sujeitando-se à sua monitorização, com grande relevância para o controlo
informático daqueles indicadores através de plataforma electrónica (Cláusula 46.ª). Por outras palavras, “a
centralização permanece sobre tudo aquilo que tem relevância política, administrativa e financeira” (Lima,
2015, p.20) e, por isso, o Estado é mais do que mero parceiro no processo de contratualização, como pode
deixar a entender a sua menor presença em termos de ações a desenvolver.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Considera Lima que, ao reduzir-se a uma função de gestão intermédia do sistema escolar, o município
permite a introdução de “novas formas de tutelar o poder local, de o controlar e administrativizar, de lhes
restringir a sua autonomia legítima, através de legislação ordinária, de processos de contratualização, de
imposição de novas regras de gestão, de consignação de verbas, de imposição de certos ratios, entre outros
mecanismos de microgestão” e, nesse sentido, estaríamos perante uma política de “eventual menorização
dos municípios, decorrente de uma generalizada delegação de competências para órgãos autónomos que
estão muito para além da administração direta e da administração indireta do Estado” (2015, p.16).
Em todo o caso, a apropriação de novas competências na área da educação por um município no
âmbito do processo de contratualização reforça, à vez, a sua intervenção de serviço administrativo periférico
do Estado e o seu carater de parceiro público e permite ao poder local tornar-se mais forte na sua interação
com os estabelecimentos escolares da rede estatal do concelho. Lima (2015) considera que a tradição
centralista da educação portuguesa permite interpretar este fortalecimento do papel do município como
aproximação do controlo sobre as organizações educativas sob o pretexto de aproximação da educação ao
território educativo concelhio.

A Ação do Município e a Autonomia das Escolas


Apesar de o CEFM estabelecer como ponto de partida que “a descentralização em matéria de
educação dos serviços centrais do Estado para os municípios reconhece, respeita e procura aprofundar a
autonomia e a diversidade das unidades orgânicas” (Considerando G), a verdade é que algumas das novas
competências delegadas nos municípios entram já em matérias claramente educativas, pedagógicas,
curriculares e de avaliação que são do foro dos órgãos de administração e gestão das escolas e
agrupamentos e das suas estruturas de gestão intermédia e parecem pôr em causa autonomia profissional
dos professores que assenta em saberes específicos e pedagógico didáticos especializados (Lima, 2015,
p.17). Talvez para afastar esta suspeição, o CEFM traz como anexo uma “matriz de responsabilidades
educativas” em que assinala o papel previsto para cada nível (central, local e institucional) de administração
educativa: R - Responsável pela execução; I - Informado sobre a execução; C - Precisa de ser consultado; A
- Autoridade para aprovar.
Esta matriz mostra como, no plano da ação concreta, será necessária a articulação entre as escolas
e o município e que na execução de algumas competências ou ações concretas a responsabilidade é
partilhada entre estes dois níveis. Por isso, a matriz reflete a complexidade daquelas e deixa antever a
possibilidade da sua miscigenação no plano da ação concreta e o risco (também recorrente na ação da
administração central) de intromissão dos não professores no exercício do que é específico da ação docente
e consequente desprofissionalização de educadores e professores (Lima, 2015, p.17).
Na verdade, o reforço da autonomia das escolas tem resultado da delegação de competências nos
seus órgãos em resultado das ações de reestruturação da Administração Educativa centralizada e, por isso,
os CEFM constituem, em rigor, um passo neste processo de re-centração no que concerne à “gestão local”
da educação, mas não é municipalização porquanto não “integra” as escolas na autarquia como se de um
serviço autárquico se tratasse. O que não significa que não possam vir a ser. Em todo o caso, com os CEFM,
o Estado mantém as escolas como unidades organizativas dependentes da Administração central, mantendo
um sistema de gestão das escolas que nas últimas décadas se afastou de um modelo de gestão em aliança

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

exclusiva com um grupo profissional (os professores) e foi incorporando a intervenção dos pais e alargando
o âmbito de intervenção da autarquia (Formosinho & Machado, 2004).
Como afirma Barroso (1996), o fortalecimento do poder local não colide necessariamente com o
reforço da autonomia organizacional das escolas, mas, como alerta o mesmo autor, torna-se necessário
distinguir "o que é a gestão do sistema local do que é a gestão de cada escola, enquanto unidade social e
estrutura pedagógica específica" (p.13). Na verdade, o próprio processo de agrupamento de estabelecimentos
escolares em unidades de gestão cada vez mais amplas mostrou que a gestão à distância foi tomando o lugar
à gestão de proximidade de cada escola, duplicou o caráter periférico destas e acaba por reproduzir a
tendência uniformizadora de um sistema centralizado, pelo que se torna necessário realimentar a relação
entre a sede do agrupamento e as escolas que o integram e reverter o processo de “desinstitucionalização”
a que estas foram sujeitas (Lima, 2011, p.113), reequacionando as competências que devem ser alocadas a
nível do agrupamento, a nível do estabelecimento, a nível dos diversos órgãos de gestão pedagógica
intermédia e a nível da sala de aula. Em suma, impõe-se um modelo de gestão que contemple, por um lado,
a gestão de cada escola e, por outro, a gestão da rede de estabelecimentos adequado a uma unidade
organizativa configurada em rede de estabelecimentos que garanta a unidade de ação. No entanto, a rede de
ofertas educativas (de gestão pública, privada ou solidária) mostra que o agrupamento de escolas é uma
unidade de gestão limitada para garantir a articulação local da educação escolar.

CONCLUSÃO
O conceito de “territorialização” traduz uma realidade complexa e global das transformações das
relações entre o Estado e a Educação e é utilizado para designar várias modalidades de descentralização,
re-centralização e re-descentralização. Como sublinha Barroso, ele refere-se a uma grande diversidade de
princípios, dispositivos e processos que valorizam a afirmação dos poderes periféricos, a mobilização local
dos atores e a contextualização da ação política (1996, p.10).
A criação de um nível local de regulação da educação comporta a valorização da escola enquanto
organização pedagógica com caraterísticas específicas e competências próprias para a conceção e o
desenvolvimento do seu projeto educativo e o reconhecimento da legitimidade democrática e da capacidade
humana, técnica e logística do município para definir e implementar um projeto educativo para o território
municipal. Neste caso, porém, a regulação educativa penetra no interior da escola, nomeadamente em
decisões curriculares e pedagógicas, antes reservadas à administração central e aos professores. Ora, os
programas que dão origem aos contratos com as escolas e com os municípios pressupõem convergência
com as normas e orientações da administração central e não confronto, pelo que a consideração deste nível
releva mais a emergência de uma instância de controlo de proximidade ficando para aquela o controlo remoto.
Por outro lado, a necessidade de articulação entre a ação local e a ação institucional requer a criação
de um órgão de coordenação local, que, por sua vez, dará conta da orientação que está sendo dada a um
processo anunciado como de descentralização administrativa.
Neste sentido, o CEFMM constitui um avanço na criação de uma estrutura de coordenação local mais
adequada, mas mantém o risco de, na implementação e gestão do projeto educativo global, surgirem falhas
de coordenação (ou mesmo de cooperação) derivadas da fragmentação institucional existente (diversidade
de instituições e, no seu interior, de departamentos e serviços). Esta forte possibilidade pode servir para
alimentar a tentação de concentrar ou estabelecer conexões fortes entre atividades e/ou instituições, a

35
A Escola: Dinâmicas e Atores

hierarquização, a delimitação rígida de atribuições e papéis nos estabelecimentos escolares abrangidos pelo
CEFM e, nesse sentido, abrir as portas à sua municipalização ou a um serviço desconcentrado da
administração central de âmbito municipal ou intermunicipal.
No processo de descentralização em curso destaca-se, assim, a emergência de um nível de gestão
do sistema escolar da rede estatal de alcance municipal, cujo figurino depende mais do papel que o Estado
reserva ao município na implementação local das políticas centrais e/ou na definição de políticas educativas
locais.

REFERÊNCIAS
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Dutercq, Y. (1999). Será a escola o futuro do sistema educativo? Uma análise política do funcionamento dos
sistemas de ensino. In M. J. Sarmento (Org.), Autonomia da Escola: Políticas e Práticas (pp.191-228).
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panorâmica europeia. In J. Formosinho, A. S. Fernandes, J. Machado & F. I. Ferreira, Administração
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portugueses. In J. Machado, J. M. Alves, A. S. Fernandes, J. Formosinho & I. Vieira, Municípios,
Educação e Desenvolvimento Local: Projetos educativos municipais (pp.35-61) V. N. Gaia: Fundação
Manuel Leão.
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Administração Educacional, nº 4, 7-32.
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Lima, L. C. (2011). Administração Escolar: Estudos. Porto: Porto Editora.
Lima, L. C. (2015). O Programa “Aproximar Educação”, os municípios e as escolas: descentralização
democrática ou desconcentração administrativa?, Questões Atuais de Direito Local, nº 5, 7-24.
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ano XIV, (15), 2015, 9-30.
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educação e da formação. Porto: Universidade Católica Editora.
Pinhal, J. (2012). Os Municípios Portugueses e a Educação: Treze anos de intervenções (1991-2003). Lisboa:
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Pinhal, J. (2014). Regulação da educação: Os municípios e o Estado. In J. Machado & J. M. Alves (Orgs.),
Município, Território e Educação: A administração local da educação e da formação (pp.8-14). Porto:
Universidade Católica Editora.

36
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

LA CIRCULATION INTERNATIONALE DES TECHNIQUES DE LA PREUVE DANS


L’EDUCATION

Romuald Normand
Unité Mixte de Recherche CNRS 7363 SAGE (Sociétés, Acteurs et Gouvernement en Europe), Maison Inter-
universitaire des Sciences Humaines d’Alsace, Université de Strasbourg
rnormand@unistra.fr

Les politiques d’«accountability», celles qui s’appuient sur des évaluations standardisées des
compétences des élèves, ont montré partout leurs limites : enseignement centré uniquement sur les tests,
rétrécissement des contenus enseignés, pression et stress des enseignants, biais introduits dans la mesure,
etc. Les partisans de l’évaluation, experts et décideurs politiques, n’ont pas pour autant renoncer aux
développements de l’«accountability» qui place l’évaluation au centre des systèmes et des politiques
éducatives. Toutefois, ils revendiquent maintenant une «accountability» horizontale et moins verticale, une
diversification des formes d’évaluation plus soft, notamment par le développement d’auto-évaluations (Hooge,
2016).
Une autre tendance fortement marquée, notamment avec les développements des technologies
digitales, est au contraire de renforcer la traçabilité des résultats des élèves et des enseignants, en introduisant
des mesures plus fines et en temps réel des progrès des élèves, mais aussi en demandant aux enseignants
d’apporter la preuve de leur efficacité en mettant en œuvre des bonnes pratiques issus des résultats de la
recherche (Williamson, 2016). Des guides pratiques et des solutions clés en main leur sont proposées pour
être plus efficace dans leurs pratiques pédagogiques.
Je m’intéressais ici à l’espace international qui a donné naissance à cette politique qui a été mise en
œuvre d’abord dans les pays anglo-saxons mais qui tend à s’étendre désormais aux pays scandinaves.
L’éducation par les preuves ou « evidence-based education » est directement inspirée de la médecine
à qui elle a empruntée ses outils (Normand, 2006). L’idée est que les résultats de la recherche en éducation
à l’échelle internationale peuvent être synthétisés et mis à disposition des décideurs politiques et des
enseignants à partir de «ce qui marche». Ainsi les solutions les plus efficaces sont classées selon leur
contribution à l’amélioration de la réussite des élèves.
Trois grandes techniques sont mises en œuvre:
Les essais contrôlés randomisés, très prisés par les économistes de l’éducation, correspondent à des
expérimentations qui sont conduites dans les établissements et les classes pour mesurer l’impact de telle ou
telle intervention : par exemple la réduction de la taille des classes, l’enseignement de telle méthode de lecture,
etc. Les revues systématiques de la littérature de recherche sont produites par des centres de connaissance
qui passent en revue tel domaine de recherche en sélectionnant les travaux qui ont mesuré l’efficacité sur la
réussite des élèves : cela peut concerner la formation des enseignants, le management, telle ou telle méthode
pédagogique, telle ou telle type d’organisation, etc. Les méta-analyses correspondent au retraitement de
données d’enquête quantitative déjà réalisées à partir desquels on recherche des facteurs d’efficacité en
termes d’impact sur les résultats
Ces méthodes sont censées être bien supérieures aux méthodes traditionnelles utilisées dans les
sciences humaines, notamment les entretiens et l’observation. Ces technologies de la preuve sont produites

37
A Escola: Dinâmicas e Atores

et développées à l’échelle internationale dans l’éducation et la santé par des consortiums puissants comme
la Campbell Collaboration et la Cochrane Collaboration qui ont développé une véritable expertise qu’ils
vendent aux Etats tout en maintenant des liens étroits avec des universités et des agences à travers le monde
(Normand, 2016a).
On peut observer sur les deux dernières décennies une circulation internationale de ces technologies
de la preuve depuis la Nouvelle Zélande jusqu’à la Commission Européenne avec au final des institutions et
des individus qui entretiennent des relations étroites au sein d’une communauté d’experts et de décideurs
politiques à l’échelle internationale (OECD, 2006, EC, 2007; Gough et al, 2011). Cette circulation illustre aussi
les phénomènes de transfert de connaissances qui s’opèrent entre Etats, sous l’action des organisations
internationales, mais aussi les emprunts de politiques éducatives (policy borrowing) qui contribuent à aligner
les systèmes éducatifs sur les mêmes standards (Steimer-Khamsi, 2004, Normand, 2016b)
La Nouvelle Zélande est un cas intéressant parce qu’elle a joué un rôle de laboratoire politique pour
l’OCDE en étant le premier pays à s’engager à large échelle dans une politique de la preuve. En effet, le
ministère néo-zélandais a commandé une large enquête dénommé Iterative Best Synthesis Programme pour
recenser ce qui marche dans l’éducation à l’échelle internationale. Les résultats ont contribué à définir la
stratégie néo-zélandaise en matière d’éducation pendant que les enseignants étaient invités à tenir compte
de ces preuves dans leurs pratiques pédagogiques
Les Etats-Unis ont aussi développé cette politique mais sous d’autres influences. La revanche
conservatrice américaine a conduit des experts et des décideurs politiques à s’emparer de la politique de la
preuve pour chercher à contrôler la communauté de recherche en éducation en leur imposant de nouveaux
standards. Une coalition pour la politique de la preuve, appuyée par des fondations et des Think Tanks, a été
très influente dans la promotion de ses technologies jusqu’à tenter de faire voter une loi au congrès et d’inscrire
des recommandations dans la loi No Child Left Behind. Aujourd’hui la politique fédérale en éducation est
largement déterminée par des exigences de preuve pour les enseignants comme pour les chercheurs.
Les Britanniques ont suivi ce modèle qui a largement orienté les politiques sanitaires et sociales sous
le gouvernement de Tony Blair. La politique éducative s’est largement inspiré du monde de la santé pour
instituer le «qu’est-ce qui marche» qui devenait en même temps le slogan de l’administration publique
britannique. La création de l’EPPI Centre, une agence ou centre de connaissances produisant des revues
systématiques de la littérature de recherche, a largement contribué à faire avancer cet agenda politique
pendant que des centres spécialisés dans l’éducation comme dans la santé produisait les guides de bonnes
pratiques pour les professionnels. L’EPPI Centre a été au centre d’un projet européen financé et soutenu par
la Commission Européenne pour promouvoir la politique des preuves. La Commission s’est intéressée à la
question à la suite d’une série de séminaires tenus par l’OCDE et le département américain de l’éducation
auxquels étaient conviés les néo-zélandais et les britanniques, à travers des rencontres successives entre
experts et décideurs politiques.
Pendant que la politique des preuves se diffusait dans les pays scandinaves, à travers la création
d’agences directement reliés aux consortiums internationaux, la politique des preuves pénétrait l’agenda de
la commission, non sans quelques inflexions face aux critiques portées par la communauté scientifique en
éducation.
Malgré tout, une synthèse et un guide pratique ont été produits pour sensibiliser les chercheurs en
SHS afin qu’ils rendent leurs travaux plus utiles et plus communicables aux décideurs politiques tandis que le
terme evidence-based policy making étaient repris dans les rapports et les circulaires officiels. Plus

38
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

récemment, la Commission a mis en œuvre une plate-forme consacrée à la politique de la petite enfance
directement inspirée de ces principes de la politique des preuves. Elle devrait avoir des conséquences sur les
politiques de numératie et de littératie conduites par les Etats Européens. En tous cas, il serait intéressant de
conduire un programme de recherche comparatiste pour étudier la manière dont cette politique de la preuve
se répand en Europe, sous des formes variées, tout en installant un nouveau régime d’«accountability».

BIBLIOGRAPHIE
European Commission, Commission Staff Working Document, Towards more knowledge-based policy and
practice in education and training, Directorate-General for Education and Culture, Brussels, 2007.
Gough (D.), Tripney (J.), Kenny (C.) & Buk-Berge (E.), Evidence Informed Policy in Education in Europe:
EIPEE final project report. London: EPPI-Centre, Social Science Research Unit, Institute of Education,
University of London, 2011.
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OECD Publishing, Paris. DOI: http://dx.doi.org/10.1787/9789264255364-7-en
Normand, R., (2006) Les qualités de la recherche ou les enjeux du travail de la preuve en éducation. Éducation
et sociétés, (2), 73-91.
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time’policy instruments. Journal of Education Policy, 31 (2), 123-141.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

OS CONTRATOS DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL:


CONTRIBUTOS PARA O ESTUDO DO PÚBLICO E DO PRIVADO EM EDUCAÇÃO

Sofia Viseu
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
sviseu@ie.ulisboa.pt

Resumo
Este texto toma a cobertura mediática sobre os contratos de associação celebrados entre o Estado e as
escolas de ensino particular e cooperativo como um bom lugar para estudar o modo como são fabricadas as
políticas educativas, nomeadamente na relação entre o público e o privado em educação. Para tal, irei tomar
como ponto de partida os resultados preliminares de um trabalho em curso sobre a presença na comunicação
social da polémica gerada em 2016 em Portugal sobre os contratos de associação, mostrando como este tem
sido um debate marcado por tensões e oposições, designadamente ideológicas, e pouco fundamentado
empiricamente. Numa segunda parte do texto, procurarei alargar a reflexão sobre o público e o privado em
educação, olhando para os desafios que a circulação, à escala supranacional, de políticas educativas que
apelam para a introdução de uma lógica de mercado nos sistemas educativos, ou à privatização da escola
pública, têm colocado à agenda científica.

Palavras-chave: Contratos de associação, Público e privado em educação, Políticas educativas,


Comunicação social.

Résumé
Dans ce texte, la présence dans les médias des contrats d'association entre l’Etat et les écoles privées est
prise comme un bon exemple pour l’étude de la production des politiques éducatives, en particulier dans la
relation entre le public et le privé. Pour ce faire, les résultats préliminaires d'un travail en cours sur la présence
dans les médias de la controverse générée en 2016 au Portugal sur les contrats d'association constituent le
point de départ, en montrant comment cela a été un débat notamment idéologique et peu fondé
empiriquement. Dans la deuxième partie, je vais essayer de prolonger la réflexion sur le public et le privé en
éducation, à partir des défis posés à l’agenda scientifique par la circulation, à l’échelle supranationale, des
politiques éducatives qui appellent à l'introduction d'une logique de marché dans les systèmes éducatifs ou à
la privatisation de l'école publique.

Mots-clés: Contrats d'association, L'enseignement public et privé, Politiques d'éducation, Médias.

INTRODUÇÃO
Este texto toma a cobertura mediática sobre os contratos de associação celebrados entre o Estado e
as escolas de ensino particular e cooperativo como um bom lugar para estudar o modo como são fabricadas
as políticas educativas, nomeadamente na relação entre o público e o privado em educação, considerando
dois fatores. Em primeiro lugar, porque mostra a diversidade de atores presentes na ação pública e as
relações de poder que estabelecem entre si, que estão para além da autoridade do Estado (Lascoumes & Le
Galès, 2012), permitindo captar as controvérsias e a complexidade que reveste a construção das políticas
públicas. Em segundo lugar, porque a questão da contratualização com escolas privadas, e de resto do debate
sobre o público e o privado em educação, tem sido marcada pelo recurso pontual e errático ao conhecimento
científico disponível (Barroso, 2011).
Assim, ilustrar a linha de argumentação que orienta o texto, num primeiro momento, apresentarei os
resultados preliminares de um estudo em curso sobre a presença na comunicação social dos contratos de
associação em Portugal em 2016 (Antunes & Viseu, 2017). Esta apresentação visa justamente ilustrar a

40
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

variedade de atores na ação pública e questionar a mobilização que os atores fazem do conhecimento
disponível sobre os contratos de associação de escolas, designadamente na sua dimensão escolar e
pedagógica. Num segundo momento procurarei alargar o espectro de reflexão para o público e o privado em
educação, olhando para os desafios que a circulação, à escala supranacional, de políticas educativas que
apelam para a introdução de uma lógica de mercado nos sistemas educativos têm colocado à agenda
científica.

CONTRATOS DE ASSOCIAÇÃO DE ESCOLAS EM PORTUGAL


Recentemente, os contratos de associação estabelecidos entre o Estado e escolas de ensino
particular e cooperativo (doravante referidos no texto como “contratos de associação”) em Portugal ganharam
considerável protagonismo mediático. Para melhor compreender esse fenómeno, e sem pretensão de
produzir uma resenha histórica sobre os contratos de associação, começarei por assinalar alguns marcos da
sua criação e evolução. Seguidamente, darei conta dos resultados do estudo sobre a sua presença na
comunicação social em 2016.

Breve contextualização sobre os contratos de associação em Portugal


Os contratos de associação estão presentes na legislação portuguesa desde a década de 80,
prevendo-se que, através deles, o Estado financiasse escolas particulares e cooperativas em territórios onde
houvesse carência da rede pública de ensino. Quando criada, esta medida visava garantir que todas as
crianças em idade escolar tinham acesso gratuito à educação (Decreto -Lei n.º 553/80 de 21 novembro).
Os contratos de associação foram sendo celebrados pontualmente e, simultaneamente, a rede
pública foi crescendo, assim como reconfiguradas as características demográficas dos diversos concelhos
onde os contratos estavam em vigor. Como consequência, começou a verificar-se alguma sobreposição entre
escolas públicas e escolas privadas com financiamento público dentro dos mesmos concelhos (Rochette
Cordeiro, 2011).
Em 2013, o governo então em exercício publicou um novo Estatuto do Ensino Privado e Cooperativo
(Decreto-Lei n.º 152/2013 de 4 de novembro) onde se previa que os contratos entre o Estado e as escolas
privadas pudessem ser celebrados “em qualquer zona, mesmo que exist[issem] escolas públicas, com o
objetivo de garantir às famílias um direito de escolha”. Reforçou-se assim a ideia, no plano da legislação, que
o Estado poderia retirar-se da provisão direta da educação escolar, colocando-se mais no papel de regulador.
Ainda assim, de acordo com a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, o número de escolas
abrangidas pelos contratos de associação tem vindo a diminuir nas duas últimas décadas (eram 94 em 2002
e 81 em 2011), sendo que em 2016 havia 79 contratos de associação, o que representa 3% da rede de
escolas do ensino privado ao nível nacional.
No final de 2015, com a entrada em funções do XXI Governo Constitucional, entendeu o Ministério
da Educação rever a aplicação deste estatuto, desencadeando novas orientações para a celebração destes
contratos. De acordo com a Portaria nº. 172-A/2015 de 5 de julho e Portaria n.º 224-A/2015 de 29 de julho, o
Ministério estabeleceu que as escolas privadas com financiamento público só poderiam receber alunos que
residissem na sua área de influência geográfica, não tendo sido autorizada a abertura de novas turmas em
escolas com contrato de associação em concelhos onde existisse oferta suficiente na rede pública. Como
resultado, os representantes dos colégios privados e das famílias dos alunos visados contestaram estas
41
A Escola: Dinâmicas e Atores

orientações, com visível presença na comunicação social, a quem se onde se juntaram outros atores,
nomeadamente as autoridades públicas, apresentando argumentos contra e a favor da celebração destes
contratos.
Este cenário de múltiplos atores e interesses constitui como um terreno fértil para o estudo sobre o
modo como são fabricadas as políticas de educação. A sua cobertura mediática e presença na comunicação
social intensifica este interesse para melhor compreender processos de mediatização das políticas públicas
(Strömbäck, 2008), tal como procurarei dar conta no ponto seguinte.

A presença dos “contratos de associação” em órgãos da comunicação social


Com o objetivo de perceber os contornos da presença dos contratos de associação na comunicação
social, especialmente quem são os atores e que argumentos apresentam, analisei um corpus documental
constituído por 118 notícias retiradas de dois órgãos de comunicação social online, o jornal Observador e a
TSF Rádio Notícias (assinalados no texto de forma abreviada “Obs.” e “TSF”, respetivamente) entre maio e
setembro de 2016. Inspirada na proposta de Porta & Cianci (2016), o tratamento e análise deste material
baseou-se numa estratégia indutiva que visou, numa primeira fase, a identificação exaustiva dos atores que
protagonizaram os títulos e subtítulos das notícias e dos argumentos que mobilizaram para a defesa da
manutenção ou para a limitação dos contratos de associação. Numa segunda fase, os atores foram agrupados
em categorias mais abrangentes atendendo à sua condição de decisores, parceiros e mediadores e, dentro
destas, à sua filiação institucional. O mapeamento dos atores seguiu os princípios de análise de redes sociais
(Scott, 2000), tendo usado o programa de análise e visualização de dados relacionais Gephi (Gephi
Consortium, 2014), conforme consta da Figura 1.

Figura 1 - Mapeamento dos atores presentes nos recortes de imprensa analisados


A amarelo estão assinalados os atores que afirmaram a sua discordância com a medida que pretendia
restringir os contratos de associação de escolas: (1) representantes dos colégios privados; a Associação de
Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEPC), nomeadamente pela voz do seu diretor
executivo; pais e encarregados de educação dos alunos (PEE) que frequentavam estabelecimentos privados
com contrato de associação; a Confederação Nacional de Educação e Formação (CNEF); o Movimento
Defesa da Escola Ponto (MEP); o Movimento de Escolas com Ensino Contratualizado (MEEC); (2)

42
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

representantes da Igreja Católica, nomeadamente a Conferência Episcopal Portuguesa e o Arcebispo de


Braga; (3) partidos políticos da oposição (PSD e CDS); (4) presidente do Conselho Nacional de Educação
(CNE); (5) ex-ministro da educação, Nuno Crato.
A azul encontramos os atores que defenderam a medida que limitou a aplicação dos contratos de
associação: (6) o governo, designadamente o Primeiro-Ministro, o Ministro da Educação e a Secretária de
Estado Adjunta e da Educação; (7) órgãos da administração central do Estado (como a Secretaria de Estado
da Educação e a Inspeção-Geral da Educação e da Ciência); (8) partidos que apoiaram o governo (PS e
PCP); (9) a federação de sindicato de professores FENPROF; (10) o Movimento de Defesa da Escola Pública.
A laranja estão identificados os atores que apelaram a mais diálogo entre os representantes dos
colégios privados e seus apoiantes e o governo, destacando-se o Presidente da República (11) e um autarca
(12). E, por fim, a verde estão assinalados os tribunais (Procuradoria - Geral da República, Tribunal de Contas
e outras instâncias), que tanto foram deliberando a favor das providências cautelares interpostas pelos
colégios ou de pareceres solicitados pelo Ministério da Educação.
A dimensão com que cada ator está representado dá conta da maior ou menor presença que tiveram
nos títulos das notícias analisadas, sendo visível o protagonismo dos colégios e dos movimentos que os
apoiaram. Contudo, uma vez analisados os atores com maior presença nos títulos noticiosos em função do
órgão de comunicação social em análise, Observador ou TSF, foram encontradas interessantes diferenças
no registo noticioso, conforme nos dá conta o Gráfico 1.

46%
43%

31%
29%

23%
19%

6%
4%

Colégios e Governo Tribunais Outros


movimentos de
apoio

Observador TSF

Gráfico 1 - Atores mencionados nos títulos noticiosos em função do órgão de comunicação


De facto, se os colégios e os seus movimentos de apoio tiveram maior presença nos títulos noticiosos
do Observador, o Governo e os seus membros tiveram mais visibilidade nos títulos da TSF.
A análise dos argumentos utilizados a favor ou contra a limitação dos contratos de associação
obedeceu à tentativa de criar categorias emergentes, tendo sido agrupados em argumentos ideológicos,
pedagógicos, económicos ou jurídicos. À análise emergente dos argumentos utilizados seguiu-se a contagem
de frequências absolutas e relativas, cujo resultado se apresenta no Gráfico 2.

43
A Escola: Dinâmicas e Atores

47%

33%
30%
27%
26%
19%

09% 09%

argumentos argumentos argumentos argumentos


económicos pedagógicos jurídicos ideológicos
Argumentos utilizados a favor da manutenção dos contratos de
associação
Argumentos utilizados a favor da limitação dos contratos de
associação

Gráfico 2 - Argumentos utilizados pela manutenção ou limitação dos contratos de associação

Argumentos utilizados pela manutenção dos contratos de associação


Os argumentos de natureza jurídica foram os que surgiram com mais frequência a favor da
manutenção dos contratos de associação. Entre eles, a alegação de que a alteração introduzida violava os
princípios dos contratos plurianuais que se encontravam em vigor. Conforme referido pelo Movimento da
Escola Ponto: “um grupo de representantes de professores e do pessoal não docente das escolas da rede
pública com contrato de associação, irá entregar ao Sr. Ministro da Educação (…) um total de 5.000 cartas
(…) apelando a que o mesmo reverta a legislação que atenta contra estas escolas (nomeadamente revogue
o Despacho 1-H/2016 e cumpra os contratos plurianuais)” (Obs., 25 de maio de 2016).
Os argumentos económicos foram também utilizados, defendendo-se que a medida iria provocar o
encerramento de colégios privados e/ ou o despedimento de professores, assim como implicar outros custos
para o Estado. Num protesto organizado pelo Movimento de Defesa da Escola Ponto, sugestivamente
intitulado “Contas à moda do Porto”, os seus promotores defenderam que “o custo que as turmas [nas escolas
privadas com contrato de associação] representam para o Orçamento do Estado é muito inferior ao que o
Ministério da Educação tem de pagar por novas turmas nas escolas públicas” (Obs., 19 de junho de 2016).
Foi também identificado o recurso a argumentos de natureza ideológica, designadamente pela defesa
da liberdade de escolha da escola por parte das famílias. A título de exemplo, a presidente da associação de
pais de um dos colégios privados com contrato de associação afirmava em entrevista à TSF: “Eu quero poder
escolher o projeto educativo que vai formar os meus filhos e quero poder fazê-lo em liberdade. E tenho uma
escola na minha freguesia que pode dar resposta a isso e que está condenada à morte por causa de
preconceitos ideológicos” (TSF, 6 de maio de 2016). No mesmo sentido, o presidente do PSD afirmava que
esta é uma “obsessão ideológica de quem acha que a oferta pública é só a oferta do Estado” (Obs., 6 de
junho de 2016); e o Arcebispo de Braga apontava que “é uma questão ideológica este totalitarismo do Estado.
O Estado tem uma função supletiva e não de alguém que assume tudo, nem tem capacidade para isso, nem
o deve fazer” (Obs., 9 de junho de 2016).
Os argumentos pedagógicos estiveram menos presentes na argumentação contra o definido na
Portaria nº. 172-A/2015 de 5 de julho e na Portaria n.º 224-A/2015 de 29 de julho. Entre eles, encontramos a

44
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ideia de que os colégios privados têm, globalmente, melhores resultados que as escolas públicas. A
presidente do CDS defendia esta ideia nos seguintes termos: “não é evidente que uma escola que presta um
bom serviço, que tem bons resultados, que é a preferida pelos pais e que não custa mais para o Estado, deva
ser sacrificada só porque ao lado há uma escola pública estatal que deve sempre mantida” (Obs., a 29 de
maio de 2016).

Argumentos utilizados pela limitação dos contratos de associação


Os argumentos que mais frequentemente emergiram da análise dos títulos noticiosos para defender
a limitação dos contratos de associação foram de ordem ideológica e jurídica.
No plano ideológico, o primeiro-ministro transmitiu a mensagem porventura mais emblemática ao
afirmar: “temos de concentrar os recursos na defesa da escola pública [que] é a escola de todos, a que garante
a igualdade de oportunidades a todos" (TSF, 6 de maio de 2016). Reiterando este argumento, e a propósito
da realização de manifestações ora em defesa da escola pública ora em prol da manutenção dos contratos
de associação, o ministro da educação defendia que “é importante que as pessoas se manifestem por aquilo
em que acreditam (…) com toda a liberdade” (TSF, 19 de junho de 2016). No mesmo sentido, os movimentos
de apoio à escola pública afirmavam que é esta a “promotora de igualdade de oportunidades” (Obs., 29 de
maio de 2016).
Esta argumentação de natureza mais ideológica foi acompanhada por uma certa judicialização e
interpretação do papel do Estado na educação, em particular por parte dos membros do governo. A título de
exemplo, evoco as palavras do Primeiro-Ministro quando declarou que "talvez [os colégios privados] tenham
sido iludidos na convicção de que os contratos de associação deixaram de ser exceção para passar a ser
regra, mas não é isso que está nos contratos, não é isso que está na lei” (TSF, 25 de maio de 2016). No
mesmo sentido, a Secretária de Estado Adjunta e da Educação afirmava que no parecer da Procuradoria-
Geral da Republica “a interpretação dos contratos vai ao encontro daquela que o Governo sempre fez" (TSF,
30 de maio de 2016) como forma de justificar, à luz dos quadros jurídicos-normativos, a legalidade da decisão
do seu Ministério.
Os argumentos económicos em defesa da revisão dos contratos de associação decorrem
fundamentalmente da ideia de que o financiamento público deve ser feito para a escola pública e, que por
esse motivo, os contratos de associação só se devem aplicar quando não há alternativas na rede pública,
sendo que esta medida representa uma poupança no Orçamento de Estado. Quanto aos argumentos
pedagógicos identificados, resumem-se à ideia que a medida não iria implicar alterações na continuidade
pedagógica dos percursos escolares dos alunos.
Os resultados obtidos sobre a cobertura mediática sobre os contratos de associação em dois órgãos
da comunicação social sinalizam duas tendências que gostaria de sublinhar. Em primeiro lugar, o
mapeamento ilustra a variedade de atores em presença no debate público, que vão apresentando argumentos
de vária ordem e produzindo várias narrativas sobre o papel do Estado na educação. Entre estes, incluem-se
os órgãos de comunicação social que, na sua qualidade de mediadores e atendendo aos sinais sobre
diferenças no tratamento jornalístico entre os órgãos de comunicação social, se tornam elegíveis enquanto
coprodutores de políticas educativas. No recorte empírico em análise, parece evidente que relações de poder
entre os atores estão para além da autoridade formal, sendo que a influência, nomeadamente junto da opinião
pública, parece ser um recurso fundamental.

45
A Escola: Dinâmicas e Atores

Em segundo lugar, é visível a ausência de especialistas, designadamente académicos, neste debate,


que permanece pouco fundamentado com recurso ao conhecimento disponível. De resto, é importante notar
que os argumentos pedagógicos foram os menos mobilizados quer por parte dos que defendiam a
manutenção dos contratos de associação, quer por aqueles que defenderam a sua limitação.
Justifica-se, assim, a necessidade em alargar o espectro de reflexão sobre o público e o privado em
educação, olhando para os desafios que a circulação, à escala supranacional, de medidas políticas como a
contratualização e as charter schools, o financiamento direto às famílias (“cheque-ensino”) e a livre escolha
da escola, têm colocado à agenda científica.

PÚBLICO E PRIVADO NA AGENDA CIENTÍFICA


A agenda científica tem conferido considerável atenção às evoluções mais recentes das políticas
educativas que têm ganho terreno um pouco por todo o mundo e à normalização do discurso favorável à
privatização endógena do sistema de ensino (Ball & Youdell, 2008). Estas políticas, que representam uma
retração da regulação burocrática para progressiva introdução de lógicas de mercado nos serviços públicos
(Afonso, 2003) tem colocado importantes desafios à agenda científica, como já dei conta anteriormente
(Viseu, 2014).
Em primeiro lugar, as medidas políticas que concorrem para a privatização dos sistemas de ensino
constituem um foco de interesse de diversas áreas de investigação, como a economia, a sociologia, a ciência
política, a geografia e a educação, onde convivem múltiplas concetualizações e designs metodológicos. Como
resultado, coexistem estudos, relatórios e indicadores que aparentam ser contraditórios sobre os efeitos que
essas medidas produzem nos resultados escolares dos alunos e como concorrem para fenómenos de
desigualdades sociais (Linick, 2014).
Em segundo lugar, a agenda científica depara-se com uma diversidade assinável de opções
nacionais, e até mesmo regionais, que visam à construção de mercados educativos: entre situações de livre
concorrência entre escolas públicas e privadas, cenários de quase mercados ou de mercados informais; entre
a liberalização da escolha entre escolas públicas ou entre escolas públicas e privadas, etc. (Müller, 2011). A
multiplicidade de cenários e a geométrica variável do tríptico composto pelas políticas escolares, a escolha
da escola e as estratégias das escolas (Felouzis, 2011) aconselha prudência nas comparações e na
extrapolação de problemas, soluções e consequências de cada uma das medidas políticas.
Ainda assim, é importante notar que vários estudos têm apontado para a fragilidade da ideia que as
escolas privadas, ou as escolas com contrato, tenham melhores resultados do que as escolas públicas. Aliás,
num estudo extensivo publicado em 2013 nos Estados Unidos da América os autores concluíram que,
globalmente as escolas públicas tinham melhores desempenhos que as escolas privadas (Lubienski &
Lubienski , 2013). Noutros contextos há evidência de que as medidas de privatização da escola pública têm
contribuído para acentuar, como no caso do Chile (Rambla, et al, 2011) ou criar, como parece ser o caso da
Suécia (Östh et al, 2013), fenómenos de segregação escolar elevados.
Mas sabemos também que em países onde os sistemas educativos são tendencialmente mais
centralizados e onde os mercados educativos não estão ainda consolidados, apesar de alguns passos nesse
sentido, há fortes evidências de mecanismos de segregação escolar e social, como é o caso de Portugal (Sá
& Antunes, 2013; Justino et al, 2014; Observatório das desigualdades, 2015).

46
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Em síntese, como nos diz Barroso (2006), a dicotomização entre público e privado tende a
empobrecer este debate. A ideia estereotipada e a difícil comparação entre o que é ser uma boa escola se
estiver situada num bairro social ou num bairro residencial de elite. Ou a ideia de que o público por ser público,
ou o privado por ser privado, funcionam necessariamente melhor ou pior por “serem quem são”. O que o
conhecimento disponível nos vem dizendo é que nem o “centralismo do Estado” nem o “generalismo do
mercado” resolvem as questões da desigualdade ou da qualidade do serviço público de educação (Bunar,
2010) porque, em bom rigor, estes dois modos de regulação não explicam, por si, a diversidade dos contextos
e a complexidade das interações (Le Galès & Scott, 2008). De facto, as medidas políticas de inspiração
gerencialista circulam à escala transnacional, vão sendo adotadas de modo diferenciado nas escalas
nacionais e agem em contextos particulares e estruturas já existentes (Felouzis, Maroy & Van Zanten, 2013).
Nesse sentido, a agenda científica lida com uma grande diversidade de cenários e com os efeitos dos
resultados não esperados na ação coletiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com este texto, pretendi evidenciar o modo como a polémica gerada em torno dos contratos de
associação reflete a complexidade que reverte a construção das políticas públicas, interpelando o público e o
privado em educação. Os dados que resultaram de um trabalho de análise sobre a presença dos contratos
de associação em órgãos de comunicação social evidenciaram que as políticas de educação são construídas
por uma multiplicidade de atores, (individuais e coletivos, Estado, parceiros e mediadores), que atuam em
múltiplas instâncias (locais, nacionais, supranacionais), o que é potencialmente gerador de tensões e
controvérsias, pelas relações de poder que evoca.
Simultaneamente, ficou demonstrada a quase ausência da mobilização de conhecimento científico
disponível sobre os contratos de associação e os efeitos que produzem. Os argumentos jurídicos e
económicos parecem ser os mais mobilizados pelos atores, sendo que no plano pedagógico são os rankings
as evidências evocadas quando sabemos os efeitos perversos que escondem. Note-se que, embora
tenhamos largo conhecimento disponível sobre efeitos perversos do “gerencialismo do mercado” e do
“centralismo do Estado”, este também tem permanecido um debate ideológico, o que converge para a ideia
de que “a influência do conhecimento na política [é] mais simbólica do que real” (Barroso, 2009, p. 990). De
resto, temos também de atender ao facto do conhecimento científico ser, também, ele socialmente (e
politicamente) construído (Bourdieu, 2004).
É neste sentido que gosto particularmente da visão de Dumay & Dupriez (2014), quando afirmam que
é a natureza do contexto escolar que permite explicar as diferenças e as interdependências estabelecidas.
Quer isto dizer que devemos estar particularmente atentos às relações de poder, de autoridade mas também
de influência que se vão tecendo nos vários cenários em que se desenham as trajetórias das políticas públicas
de educação.

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47
A Escola: Dinâmicas e Atores

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A Escola: Dinâmicas e Atores

A ESCOLA: DINÂMICAS E ATORES

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ATAS DO XXIV COLÓQUIO DA AFIRSE PORTUGAL

ATELIÊS | ATELIERS

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PROJETO NACIONAL DE EDUCAÇÃO PELOS PARES DA FUNDAÇÃO


PORTUGUESA “A COMUNIDADE CONTRA A SIDA”: O PAPEL DAS BRIGADAS
ESCOLARES DE INTERVENÇÃO
[ID 360]

Filomena Aguiar
Paula Costa
Isabel Chagas
Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a SIDA”; Centro de Aconselhamento e Orientação de Jovens
de Lisboa; Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
fpccsida1992@gmail.com ; paulacosta.caoj@gmail.com ; michagas@ie.ulisboa.pt

Resumo
O Projeto Nacional de Educação pelos Pares, desenvolvido pela Fundação Portuguesa “A Comunidade
Contra a SIDA” é um projeto pioneiro, em Portugal, que se traduz pelo desenvolvimento, a nível nacional, do
Programa Sexualidade e Prevenção do VIH/SIDA em escolas com 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino
Secundário, através dos diversos Centros de Aconselhamento e Orientação de Jovens. No processo de
ensino e aprendizagem com recurso à Educação pelos Pares, as atividades organizadas pelos centros de
aconselhamento e orientação de jovens e dirigidas aos adolescentes que frequentam os 7º e 8º anos são
dinamizadas, numa primeira fase, por jovens voluntários/as universitários/as e, numa segunda fase, pelos
pares educadores, que se organizam em grupos de intervenção, chamados Brigadas Escolares de
Intervenção, juntos dos/as colegas mais novos/as.
Este artigo objetiva perceber o impacto do Projeto Nacional de Educação pelos Pares, no ano letivo 2015/16,
não só, na intervenção dos 1125 alunos que constituíram as brigadas, enquanto pares educadores, mas
também nos 1274 alunos mais novos abrangidos pelas sessões dinamizadas por essas brigadas. Os dados
foram recolhidos através da realização de Questionários de Avaliação (a alunos/as e a docentes) e nos Diários
de Bordo produzidos pelos alunos mais novos. A análise dos dados, predominantemente qualitativos, foi feita
com base na análise de conteúdo recorrendo-se à criação de um sistema de categorias indutivas.
Os resultados obtidos evidenciam um conjunto de aspetos identificados como muito positivos por parte de
todos/as os/as intervenientes, com realce para o apontado pelas Brigadas, nomeadamente ao nível do
desenvolvimento do conhecimento face aos assuntos selecionados e debatidos com os/as colegas, mas
também face ao desenvolvimento de competências pessoais e sociais, designadamente: a interação com
os/as colegas do grupo; a cooperação entre grupos de trabalho; a cooperação com a turma onde a sessão
foi dada; a partilha de informação; a sensibilização face aos riscos associados à sexualidade; esclarecimento
de dúvidas próprias e dos/as colegas e melhoria da expressão oral. Os resultados legitimam a importância da
formação dos/as alunos/as que se constituem como Brigadas Escolares de Intervenção e dos/as que são alvo
da sua intervenção na consecução do projeto e evidenciam pontos fortes deste programa a dar relevo em
edições futuras.

Palavras-chave: Projeto Nacional de Educação pelos Pares, Educação para a Saúde, Sexualidade.

Résumé
Le Project National d’Éducation par les Pairs a été développé par la Fondation Portugaise “La communauté
contre le SIDA.” C’est un projet pionnier au Portugal, qui implique le développement au niveau national, du
Programme de la Sexualité et Prévention du VIH/SIDA dirigé aux étudiants du collège et du lycée, à travers
les Centres de Conseil et d'Orientation des Jeunes.
Le processus d'enseignement et d'apprentissage en utilisant l'Éducation par les Pairs, saisisse des activités
organisées par les Centres de Conseil et d'Orientation des Jeunes destinées aux adolescents qui fréquentent
le cinquième année et le quatrième année du collège. Ces activités sont accomplies, d'abord par de jeunes
volontaires universitaires et dans une seconde étape, par les pairs éducateurs, du troisième année qui sont
organisés en groupes d'intervention, appelés Brigades Scolaires d’Intervention qui travaillent avec leurs
collègues plus jeunes.
L’objectif de cette étude est de comprendre l’impact du Project National d’Éducation par les Pairs pendant
l’année 2015/16 sur l’intervention des 1125 étudiants appartenant aux Brigades Scolaires d’Intervention et sur

51
A Escola: Dinâmicas e Atores

les 1274 étudiants plus jeunes qui on attendu les sessions dynamisées par les Brigades. Les données ont été
recueillies en effectuant des questionnaires d'évaluation (a des élèves comme des enseignants) et des
registres produits par des étudiants plus jeunes. L'analyse des données, essentiellement qualitative a été
basée sur l'analyse de contenu ayant recours à la création d'un système de catégories.
Les résultats montrent un ensemble des aspects qui ont été identifiés comme très positifs par tous les
intervenants, surtout les Brigades qui ont surligné, notamment, le développement des connaissances sur les
topiques choisis et discutés avec les collègues, le développement des compétences personnelles et sociales,
à savoir: l'interaction avec les collègues du groupe; la coopération entre les groupes de travail; coopération au
niveau de la classe où la session a été donnée; le partage de l'information; la sensibilisation en ce qui concerne
les risques liés à la sexualité; la clarification des propres doutes et celles de ces collègues et l'amélioration de
l'expression orale. Les résultats légitiment l'importance de la formation des étudiants des Brigades Scolaires
d’Intervention et de ceux qui ont reçu leur intervention aux cours du projet et misent en évidence les points
forts de ce programme qui seront relevés dans les prochaines éditions.

Mots-clés: Project National d’Éducation par les Pairs, Éducation pour la Santé, Sexualité.

INTRODUÇÃO
A Educação para a Saúde (EpS) pode (e deve) constituir-se como um recurso para a vida com vista
a proporcionar um bem-estar global de todas as pessoas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),
concretiza-se como “qualquer combinação de experiências de aprendizagem que tenham por objetivo ajudar
os indivíduos e as comunidades a melhorar a sua saúde, através do aumento dos conhecimentos ou
influenciando as suas atitudes” (DGE, 2014, online) contribuindo, desta forma, para a operacionalização do
conceito de Promoção da Saúde. Em contexto escolar, a EpS consiste em “em dotar as crianças e os jovens
de conhecimentos, atitudes e valores que os/as ajudem a fazer opções e a tomar decisões adequadas à sua
saúde e ao seu bem-estar físico, social e mental, bem como a saúde dos que os rodeiam, conferindo-lhes
assim um papel interventivo.” (DGE, 2014, online).
Atualmente, os programas de Educação para a Saúde, alicerçados num quadro legal e normativo que
contempla diversos diplomas, nomeadamente a Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto (estabelece o regime de
aplicação da educação sexual em meio escolar); a Portaria nº. 196-A/2010, de 9 de Abril (procede à
regulamentação da Lei nº 60/2009, de 6 de Agosto); o Despacho n.º 2506/2007, de 20 de Fevereiro (define
linhas de orientação para o professor coordenador da área temática da saúde) e o Despacho n.º 25 995/2005,
de 16 de Dezembro (aprova e reafirma os princípios orientadores das conclusões dos relatórios no que se
refere ao modelo de educação para a promoção da saúde) contemplam as questões dos Afetos e Educação
para a Sexualidade como essencial para a educação para a saúde e preconizam a educação sexual como
obrigatória para todos/as os/as estudantes. Objetiva a Direção Geral da Educação (2017, online) que o
currículo consignado de educação sexual tem como finalidades: i) Contribuir para a melhoria dos
relacionamentos afetivo-sexuais entre os jovens; ii) Contribuir para a redução de possíveis ocorrências
negativas decorrentes dos comportamentos sexuais, como gravidez precoce e infeções sexualmente
transmissíveis (IST) e iii) Contribuir para a tomada de decisões conscientes na área da educação para a
saúde - educação sexual. Entendemos que a Educação Sexual deve dar aos jovens a oportunidade de
compreenderem a importância da dimensão afetiva da sexualidade, contribuir para o autoconhecimento
emocional ao mesmo tempo que é trabalhada a capacidade de tomada de decisões que envolvam
comportamentos sexuais. Isto consegue-se através da criação de espaços de reflexão, respeitando a
igualdade de oportunidades de todos os alunos (Aguiar et al, 2014, p.191).

52
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O PROJETO NACIONAL DE EDUCAÇÃO PELOS PARES


O Projeto Nacional de Educação pelos Pares (PNEP), criado no ano letivo de 2003/ 2004, tem vindo
a ser desenvolvido pela Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a SIDA” (FPCCSIDA) e traduz-se pelo
desenvolvimento, a nível nacional, do Programa Sexualidade e Prevenção do VIH/SIDA, em escolas com 3º
Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário, através dos Centros de Aconselhamento e Orientação de
Jovens (CAOJ), nas delegações regionais de Lisboa, Setúbal, Coimbra, Porto e Funchal e constitui-se como
um projeto pioneiro na resposta aos desafios da Educação para a Saúde e como forma de promover a
prevenção de comportamentos sexuais de risco junto de populações mais jovens, incidindo em áreas
fundamentais como a educação em sexualidade, a prevenção da infeção VIH/SIDA e o consumo de
substâncias psicoativas (Aguiar et al, 2014, p.193). O referido Programa “Sexualidade e Prevenção do
VIH/SIDA” enquadra-se na Promoção e Educação para a Saúde, e constitui uma ferramenta pedagógica para
a abordagem da sexualidade e dos aspetos relacionados com a infeção pelo VIH. Desenvolve-se em parceria
entre os diversos CAOJ e as direções executivas das diversas escolas, a nível nacional, constando, portanto,
nos Projetos Curriculares de Escola e de Turma, nas turmas alvo de intervenção. Cada CAOJ assegura,
através dos/as docentes destacados na FPCCSIDA e dos/as voluntários/as universitários/as a qualidade
científica e pedagógica inerente ao processo formativo de execução do Programa.
Importa referir que o PNEP se inicia no 7º ano de escolaridade e finaliza no 9º ano, abrangendo um
público-alvo com idades compreendidas entre os 11 e os 15 anos de idade. A opção por este público-alvo
justifica-se por ser neste período do desenvolvimento humano que se operam as transformações que
permitem atingir a maturidade física, psíquica e social que caracterizam a idade adulta. Nesta fase da
adolescência, os/as jovens estão abertos a novas experiências e entusiasmam-se com a possibilidade de
intervir direta e ativamente no seu processo de aprendizagem e crescimento, sobretudo quando lhes é dada
oportunidade de se exprimirem em relação: i) ao que precisam e desejam saber; ii) ao modo como melhor
aprendem; iii) a como avaliam as suas aprendizagens e iv) ao que vão fazer na sequência da avaliação que
efetuam. Deste modo, participam no diagnóstico das suas próprias necessidades de formação, na definição
de objetivos e na seleção de atividades a realizar, e na avaliação, predispondo-se a iniciar processos de
mudança, fundamentais para a construção da sua identidade, individualidade e autonomia.
No processo de ensino e aprendizagem recorre-se à metodologia de Educação pelos Pares (EpP), e
as atividades organizadas pelo CAOJ e dirigidas aos adolescentes que frequentam os 7º e 8º anos são
dinamizadas, numa primeira fase, por jovens voluntários/as universitários/as, organizados em Brigadas
Universitárias de Intervenção (BUI) e/ou por grupos de Teatro Universitário de Intervenção (TUI) e, numa
segunda fase, quando os alunos, que já estão no projeto há dois anos, se encontram no 9º ano de
escolaridade, formam grupos de intervenção, chamados Brigadas Escolares de Intervenção (BEI), e que
assumem o papel de pares educadores (Aguiar et al, 2009, p.2050).
A metodologia da Educação pelos Pares (EpP) é bastante utilizada, desenvolvida e divulgada em
Programas de Promoção e Educação para a Saúde, nomeadamente em programas de educação sexual, de
prevenção de infeções sexualmente transmissíveis, de violência e do uso ou abuso de substâncias
psicoativas, entre outras áreas de intervenção. Esta metodologia permite, não só, promover a aprendizagem
como também, o desenvolvimento do outro (educatividade) e de si mesmo (educabilidade) através do
desenvolvimento de ações racionais, intencionais, sistemáticas, fundamentais e técnicas (Pinheiro, 2005). Na
Educação pelos Pares uma minoria de pares representativos de um grupo (ou população) tenta,

53
A Escola: Dinâmicas e Atores

intencionalmente, informar e influenciar a maioria, o que significa que aqueles que pertencem ao mesmo
grupo se educam mutuamente. Como refere Pinheiro (2005) as vantagens apontadas prendem-se sobretudo
ao nível da comunicação “comunicação par a par”, uma vez que: os amigos procuram conselhos entre os
amigos e são influenciados pelas expectativas, atitudes e comportamentos do grupo a que querem pertencer
(Lindsey, 1997); a informação, particularmente a informação significativa, é mais facilmente partilhada entre
pessoas de uma idade próxima (Mellanby, Rees & Tripp, 2000); as pessoas são persuasíveis por alguém
ligeiramente superior mas não muito superior (Rogers, 1983); os indivíduos necessitam da oportunidade de
praticar comportamentos modelados e de serem reforçados pelos seus desempenhos para poderem modificar
o seu comportamento (Bandura, 1986; Tuner & Shepherd, 1999). Neste sentido, o grupo de pares pode
exercer uma forte influência benéfica, fundamentada e determinante sobre os seus jovens pares no processo
de construção e consolidação da identidade e autonomia, da autoestima e autoconfiança e, pela partilha de
ideias, serem um elemento fundamental na reflexão sobre atitudes, valores e comportamentos.
No caso do PNEP, os pares educadores – BUI e TUI – assumem-se como modelos positivos, bem
informados, capazes de comunicar assertivamente e de partilhar com os/as adolescentes experiências
gratificantes. Por sua vez, as BEI assumem, mais tarde, no 9º ano de escolaridade, o mesmo papel de pares
educadores. É acerca destes/as adolescentes que o presente artigo se debruça, objetivando perceber o
impacto do PNEP, no ano letivo 2015/16. São adolescentes que experienciaram o PNEP no 7º, 8º e 9º ano
de escolaridade, ou seja, são estudantes que beneficiaram do programa ao longo de três anos de formação
explorando conteúdos e conceitos relacionados às temáticas centrais, já enunciadas anteriormente, e que,
numa segunda fase, normalmente no 2º/3º período do 9º ano se constituem em BEI, negociam e escolhem o
tema que trabalham ao longo de 4 ou 5 sessões para depois apresentar aos colegas mais novos, normalmente
do 5º, 6º ou 7º ano de escolaridade.

METODOLOGIA
Em termos metodológicos, e no que diz respeito às Brigadas Escolares de Intervenção, o PNEP
implica a intervenção junto de uma mesma turma, ao longo de três anos letivos, ou seja, no 7º ano, no 8º e
no 9º ano de escolaridade. Em cada um destes anos letivos, são dinamizadas 9 a 12 sessões com duração
de 60 a 90 minutos, dependendo da disponibilidade de horário da turma, sempre sob a supervisão de um/a
docente do CAOJ e, preferencialmente, realizadas pela BUI. Também, para cada um dos anos letivos, há
conteúdos específicos a abordar, de acordo com o estipulado no Programa Sexualidade e Prevenção do
VIH/SIDA e, em consonância, com os normativos legais em vigor. Assim, atendendo aos objetivos gerais e
específicos do PNEP, trabalham-se, no 7º ano: Comunicação, conceito de Sexualidade, Relacionamento
Interpessoal, Corpo Sexuado, Sentimentos, Afetos e Emoções; conceito de Risco, VIH/SIDA, resposta a
perguntas “difíceis”; no 8º ano: Conhecimento Interpessoal, Gestão de conflitos, Assertividade, Argumentação
e Tomada de decisão, Autoestima e Autoconceito, Conceção e Contraceção e no 9º ano: Formação da BEI,
escolha, preparação e apresentação do tema aos/às colegas mais jovens. A avaliação do processo de
desenvolvimento do Programa é da responsabilidade, conjunta, dos CAOJ e das escolas envolvidas. Os
CAOJ concebem e disponibilizam os instrumentos de avaliação aos diferentes intervenientes, e realiza o
tratamento dos dados recolhidos a fim de proceder a eventuais reajustes no processo. No que diz respeito às
BEI, utilizam-se Questionários de Avaliação (aos/às alunos/as e docentes) e Diários de Bordo, aos alunos
que recebem as BEI e que adiante se descrevem com mais detalhe.

54
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Amostra
Ao longo do ano letivo 2015/16, concluíram o PNEP 1125 alunos, pertencentes a 47 turmas do 9º ano
de escolaridade, que se constituíram em 224 BEI. Estas BEI escolheram um tema e foram implementá-lo, em
uma ou mais sessões, sendo que as BEI concretizaram 199 sessões, junto dos seus colegas mais jovens.
Os/as beneficiários/as dessas intervenções foram 1274 colegas, de 54 turmas (e respetivos professores),
como se pode verificar no quadro 1. Síntese das Intervenções do PNEP.
Nº de Nº de
Total de Turmas Nº Alunos Nº Sessões
CAOJ Alunos Nº de BEI Sessões de
Turmas Alvo (≤ 7º ano) Dinamizadoras
(9º ano) Preparação
Porto 9 204 44 78 8 184 22
Coimbra 10 222 26 40 12 187 26
Lisboa 23 583 97 67 23 657 22
Setúbal 5 116 57 14 11 246 9
TOTAIS 47 1125 224 199 54 1274 79
Quadro 1 - Síntese das Intervenções, no âmbito do PNEP, no ano letivo 2015/16

Procedimentos
A monitorização e avaliação de todo o processo vai sendo realizada pelos/as docentes do CAOJ,
através de observação participante, e sistematiza-se ao longo, e no final, de cada ano letivo através da
realização dos Questionários de Avaliação realizados pela BEI e pelos/as docentes da turma, e através do
preenchimento dos Diários de Bordo produzidos pelos alunos mais novos.
Relativamente ao Questionário de Avaliação das BEI é constituído por nove questões, sendo que as
primeiras sete são de respostas fechada, onde se utiliza uma escala de Likert cuja correspondência é 1- nada;
2- pouco; 3-em parte e 4- muito, as questões oito e nove são de resposta aberta, sendo que a 8- O que
consideras mais positivo no projeto e 9- o que sugeres para melhorar o projeto e o trabalho das BEI. Os
Diários de Bordo, de preenchimento dos alunos onde as BEI intervêm são constituídos por questões de
resposta aberta, nomeadamente: 1- O mais agradável das sessões até hoje foi; 2- O que menos gostei foi; 3-
Participei na reflexão das sessões e aprendi que; 4- Não participei na reflexão das sessões porque…; 5-
Depois destas sessões fiquei mais esclarecido/a sobre; 6- Mas gostava de aprofundar…Relativamente à
opinião dos/as docentes envolvidos os dados são recolhidos através da aplicação de um Questionário de
Avaliação constituído por quatro questões de resposta aberta, onde se espera perceber, designadamente: 1-
Aspetos positivos do projeto; 2- Situações menos positivas; 3- Resultados no final do ano da intervenção e 4-
Pertinência da continuidade do Projeto no próximo ano letivo.
A análise dos dados, predominantemente qualitativos, foi feita com base na análise de conteúdo
recorrendo-se à criação de um sistema de categorias indutivas e os dados quantitativos foram expressos em
tabelas de frequência relativa.

RESULTADOS
Os resultados, a seguir apresentados, incidem sobre as três fontes de recolha de dados, já
enunciadas, e serão apresentados de uma forma global relativamente a cada uma dessas fontes. Assim,
relativamente ao Questionário de Avaliação das BEI apresentam-se no Quadro 2. Avaliação das Questões de
Resposta Fechada, verifica-se que 55,5% (N= 625) dos alunos consideram que as atividades do projeto
corresponderam em MUITO às suas expetativas; 70,6% (N= 794) assinalam que a sua formação durante as
sessões foi MUITO adequada, permitindo que o trabalho da equipa BEI tenha sido igualmente MUITO eficaz

55
A Escola: Dinâmicas e Atores

(N=712) e que, simultaneamente, tenha permitido aprofundar os seus conhecimentos (N=568) e facilitado o
desenvolvimento de competências pessoais e sociais (N= 616). A maioria dos alunos (N=617) considerou que
a turma que os recebeu reagiu, EM PARTE, de forma positiva à sua presença.

Avaliação do projeto pelas Brigadas Escolares de Intervenção – BEI


Questões: 1 2 3 4
1. As atividades do projeto corresponderam às tuas expetativas? 0 67 433 625
2. A formação realizada durante as sessões foi adequada? 0 7 324 794
3. O trabalho da equipa BEI foi eficaz? 0 56 357 712
4. As sessões de preparação permitiram aprofundar conhecimentos? 0 64 493 568
5. A experiência como educador/a de pares foi gratificante? 11 41 485 588
6. A turma onde a BEI realizou a sessão reagiu de forma positiva 0 45 617 463
7. A participação no projeto contribuiu para desenvolver competências pessoais e sociais? 8 53 448 616
Quadro 2 - Avaliação das Questões de Resposta Fechada
Quanto aos aspetos que os alunos consideram mais positivos, emergiram, nas respostas à questão
8. O que consideras mais positivo no projeto, as categorias e subcategorias que se apresentam no Quadro 3.
Aspetos Positivos Apontados pela BEI, cujos excertos do texto se enunciam, apenas alguns exemplos, para
melhor clarificar cada uma das respetivas categorias/subcategorias.
Aspetos Positivos Apontados pela BEI
Categoria Subcategoria Exemplos extraídos das respostas aos questionários
“Dar a conhecer novas coisas sobre a sexualidade”; “As sessões dadas como
educadores de pares”; “Explicarmos coisas sobre o que vamos passar”;
Interesse e
“Aprender coisas sobre temas importantes para a nossa vida”; “Está feito a
pertinência
pensar em nós”; “Descobrir coisas que não sabíamos”; “Aprofundei
Temáticas conhecimentos”; “Adquirir mais conhecimentos sobre o tema”.
abordadas “Falar destes temas aos mais novos de forma descontraída para aprenderem
para a vida”; “Pensar na aula, construir materiais e fazer uma aula para os mais
Desenvolvimento novos que não nos conhecem de lado nenhum”; “Fazer sessões para a turma
do 7º Ano”; “Aprender os temas de uma forma diferente”; “Falar-se de assuntos
importantes com respeito”.
“Explicar coisas difíceis”; “Alertar para este tipo de doenças”; “Informar os jovens
Dinamização
sobre os perigos (IST/DST)”.
“Foi a turma ter reagido de forma positiva e ter colaborado, mostrando
Apresentação Clima relacional
interesse”; “Participação da turma nas atividades”; “A intervenção nas turmas”.
“Interagirmos, não ser muito aborrecido pois nós participamos”; “Interação entre
Interação
BEI e turma”
“Ensinar os mais novos”; “Conseguir ensinar os outros”; “Ensinar aos mais
Pessoais novos o que aprendemos durante as aulas”; “A Aprendizagem”; “De poder
pesquisar temas que me interessam”.
“Aprender a ensinar”; “O trabalho de grupo/equipa”; “Acho que foi divertido”;
Competências “Com este projeto os alunos aprendem muitas coisas relacionadas com a
sexualidade, a tomar decisões e essencialmente a cooperação”; “Acho que foi
Sociais divertido e foi uma experiência diferente de organizarmos a aula”; “Conseguir
ser BEI e passar a informação que me foi dada ao longo dos anos”; “A união da
BEI”; “A cumplicidade entre nós”; “A ajuda que damos aos outros”; “O melhorou
bastante o comportamento da turma”
Quadro 3 - Aspetos Positivos Apontados pela BEI
Como forma de identificar os aspetos a melhorar a questão 9. O que sugeres para melhorar o projeto
os/as alunos/as das BEI dá indicadores das opiniões dos/as estudantes que são sempre considerados
pelos/as docentes do CAOJ. No Quadro 4. Aspetos a melhorar assinalados pelas BEI, optamos por apresentar
os dados através da categorização que emergiu nas respostas obtidas.

56
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Aspetos a melhorar assinalados pelas BEI


Categoria Subcategoria Exemplos extraídos das respostas aos questionários
“Falar de uma forma mais profunda alguns temas como IST`s”;
Temáticas Interesse e “Investir nos jogos que requerem trabalho em equipa”;
abordadas pertinência “Continuar a explorar novas ideias”;
“Desenvolver novas dinâmicas com os mais novos”
“Mais tempo para preparar os trabalhos”;
Mais tempo para preparar”;
“Conhecimento precoce da turma”;
Planificação “Mais tempo de preparação das BEI para nos sentirmos mais à vontade e não ter
vergonha”;
“Termos a possibilidade no nosso horário de ter maior disponibilidade para o
Duração voluntariado de BEI”
“Aumentar o número de aulas semanais”;
“Aumentar o tempo de cada sessão, de resto não vejo mais nada, pois o projeto
funciona na perfeição”;
Intervenção
“Mais tempo para as sessões pois às vezes não havia tempo suficiente para
realizar as atividades todas programadas para a sessão”;
“Fazer mais sessões para outras turmas”
Quadro 4 - Aspetos a melhorar assinalados pelas BEI
No que concerne à avaliação dos/as alunos/as onde as BEI atuaram recorreu-se ao “Diário de Bordo”
onde se perceciona o que mais agrada e o que menos agrada aos/às estudantes mais jovens. Também se
consegue perceber aspetos relacionados com a participação e envolvimento deste/as alunos/as nas sessões,
não só como meras oportunidades de obter informação mas, sobretudo, como momentos de reflexão e
envolvimento nas suas próprias aprendizagens. O Quadro 5. Avaliação dos/as alunos/as das turmas onde
intervêm as BEI sintetiza dados obtidos nos questionários aplicados aos/às 1274 estudantes que beneficiaram
dos pares educadores nas suas aulas, com as respetivas frequências relativas de cada indicador.
Avaliação dos/as alunos/as das Turmas onde Intervêm as BEI
1. O mais agradável das sessões até hoje foi:
Perguntas com resposta (200) Determinada sessão (405)
Simpatia da professora (43) Clima de sessão (865)
Conversas (118) BEI (897)
Mimos (43) Disposição em círculo (308)
Não responde (14) Aprender coisas novas (958)
Tudo (115) Relacionamento interpessoal (102)
Sexualidade (458) Role-play/teatrinhos (678)
Debates e conversas (73) Prevenção (369)
Jogos (1008) Ouvir opiniões dos outros (715)
Falar de afetos (325) As dinâmicas e depois as conclusões (225)
2. O que menos gostei foi:
Determinada sessão (65)
Anatomia (54)
Nada (628)
Comentário/comportamento dos colegas (125)
Um dos jogos (96)
Gostei de tudo (35)
Alguns temas (36)
Outros (201)
BUI (89)
Não responde (305)
Arrumar (135)
Diálogo (129)
Questionários (358)
VIH/SIDA (89)
Sexualidade (35)
3. Participei na reflexão das sessões e aprendi que:
Não responde (73) Sexualidade é diferente de sexo (208)
Vih/sida (67) Respeitar a diferença (102)
Sexualidade;10 Muita coisa (825)
O preservativo bem utilizado protege das Prevenção (225)
infeções, só este (126) Elogiar (36)
Os métodos contracetivos só são para não Comunicar (38)
engravidar (356) Aprender pode ser divertido (48)
Meu Corpo (68) Falar de sexualidade é divertido (95)
Agir (78) Prevenção é vida (146)
Relacionamento interpessoal (12) A sexualidade existe durante toda a vida, desde que estamos
Participei (55) na barriga da mãe até morrermos (39)

57
A Escola: Dinâmicas e Atores

4. Não participei na reflexão das sessões porque:


Não responde (185)
Eu participei (367)
Outros (287)
Timidez/vergonha (287)
Comportamento dos colegas (78)
5. Depois destas sessões fiquei mais esclarecido (a) sobre:
Sentimentos (148)
Prevenção (29)
Sexualidade (89)
Tudo (654)
ViH/Sida (76)
6. Mas gostava de aprofundar:
Sexualidade (386) A relação entre géneros de amizade (23)
Nada (26) As relações sexuais (27)
Não responde (352)
Quadro 5 - Avaliação dos/as alunos/as das turmas onde intervêm as BEI
No Quadro 6. Avaliação dos/as docentes estão incluídos os dados obtidos através dos questionários
aplicados não só a docentes que estiveram pela primeira vez no projeto, mas também todos aqueles que têm
vindo a acompanhar as turmas desde o primeiro ano de implementação, aquando a turma se encontrava no
7º ano.
Avaliação dos/as docentes
§ Sensibilizar para a importância cuidados a ter nas relações sexuais.
§ A informação através de jogos lúdicos permite uma maior interiorização por parte dos alunos.
§ Um tema tão sensível e pertinente como este, deve ser abordado junto dos alunos o quanto antes,
pelo que, só o facto de os alunos poderem ser levados a aprender e a pensar criticamente sobre a
Sexualidade e Prevenção da SIDA, tem ganhos muito importantes na formação e na educação dos
nossos jovens.
§ Os temas desenvolvidos este ano (autoestima, importância da assertividade nas relações,
puberdade, VIH e formas de transmissão, etc) permitiram que os alunos tomassem conhecimentos
e consciência da doença, a SIDA, mas também que conhecessem melhor o seu corpo e o do sexo
oposto, bem como desenvolveram a autoestima de cada um.
§ O esclarecimento das infinitas dúvidas que esta temática ainda encerra na população em geral e
na estudantil em particular.
§ Este programa foi a melhor forma de iniciar a abordagem da sexualidade em contexto de sala de
aula, constituindo provavelmente para a maioria dos alunos a aquisição de conhecimentos muito
importantes relativamente aos assuntos tratados, através de procedimentos e técnicas de
comunicação adequadas.
§ Facultou informação rigorosa e adequada ao nível etário, em detrimento da passagem
normalmente deturpada efetuada entre pares pouco esclarecidos.
1. Aspetos § Promoveu a interação entre os elementos do grupo/turma em perfeita igualdade de género, de uma
positivos do forma positiva e permitiu abordagem aberta das temáticas exploradas.
projeto § Procurou desenvolver a autoestima o respeito pelas diferenças e a tomada de decisões assertivas.
§ A discussão aberta sobre afetos, comportamentos sexuais, com o estabelecimento de pontes
consistentes às vidas/realidades individuais, bem como a responsabilização de cada um pelas suas
escolhas.
§ A importância de assumir um “papel social” informado, com competência para discorrer sobre
comportamentos sexuais e preconceitos, combater a discriminação, tomar decisões conscientes
no que toca a esta área e sobretudo o declarado contributo para a melhoria dos relacionamentos
afetivo-sexuais entre os jovens.
§ Ajudou no desenvolvimento integral dos jovens, em particular ao nível da sexualidade e
comportamentos de prevenção.
§ Prevenção da iniciação da vida sexual precocemente, prevenção da maternidade e paternidade
precoces, da violência nos relacionamentos do VIH/SIDA e IST.
§ O desenvolvimento do Programa centra-se nos alunos “dando-lhes” voz. Os alunos têm um espaço
de liberdade, através do projeto “Educação pelos Pares” para colocarem e discutirem questões no
âmbito da (sua) sexualidade, criando-se momentos de esclarecimento de dúvidas e desfazer
crenças (falsas ideias). As metodologias propostas promovem a interação e a participação de todos
e a abordagem de temas pré-definidos mas também propostos pelos alunos. As temáticas são
fundamentais para o desenvolvimento pessoal e social dos alunos.
§ Articulação com o programa de Ciências Naturais e outras disciplinas.
• A falta de tempo (apenas sessões de 45` na oferta complementar de escola) para responder a
2. Situações algumas questões e esclarecer dúvidas colocadas na “Caixa de Perguntas”.
menos • No caso de algumas escolas as salas de aulas têm a dimensões reduzidas e nº excessivo de alunos
positivas por turma o que não permitiram uma disposição dos lugares dos alunos em U e dificultando a
aplicação de algumas atividades/jogos, tornando necessário adequar antecipadamente na
planificação a adoção de estratégias mais eficazes.

58
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

• Nada a apontar. Contudo seria importante iniciar as atividades com os alunos o mais cedo possível
evitando o 3º Período.
• Nada a apontar é tudo preciso ser esclarecido.
• Verifica-se que ao fim destas sessões, os alunos ficaram com conhecimentos interessantes.
• Neste âmbito da educação sexual que é delicado e moroso, neste 1º ano ainda é prematura
verificarem-se mudanças comportamentais, no entanto, ao nível do conhecimento o resultado foi
positivo, pois os alunos demonstraram terem adquirido conhecimentos que anteriormente não
possuíam.
• Na medida em que quase um terço dos alunos da turma revelou níveis de absentismo e de
insucesso escolar elevados, o facto de se terem mostrado interessados é revelador dos ganhos do
projeto.
• Os alunos demostraram uma notória evolução de conhecimentos e uma crescente desinibição na
3. Resultados abordagem das temáticas das sessões.
no final do • Como os alunos se mostraram sempre muito recetivos e participativos nas sessões penso que os
ano da objetivos foram alcançados.
intervenção • Participação mais adequada e assertiva no debate das temáticas de referência do projeto.
• Respeito pela opinião do outro.
• A aprendizagem efetuada de forma esclarecida e rigorosa.
• O programa logrou criar um espaço profícuo de discussão e partilha. Conseguiu cativar quase a
totalidade de alunos para as suas dinâmicas e seguramente transmitiu informação de suma
importância, contribuindo para uma cultura de reflexão crítica. Melhoria dos conhecimentos
adquiridos e revelados pelos alunos nas suas intervenções.
• Apesar do trabalho que os alunos (9º ano) tiveram durante o 3º Período demonstraram interesse e
empenho nas atividades e na preparação e implementação da ação junto dos colegas mais novos.
A sua interação com o TUI também foi empenhada e muito positiva.
§ Penso ser de muita importância a continuidade do programa em virtude de a escola não ter uma
disciplina que aborde esta temática desta forma.
§ Sim, deve haver continuidade do programa com vista a colmatar algumas dúvidas existentes e
melhorar os resultados a posteriori.
§ Com o passar das sessões rapidamente se tornou evidente da adequação deste programa a estes
alunos, pelo que a sua continuidade no próximo ano constitui-se quase como uma obrigação.
§ Tanto na minha opinião, como na dos alunos, era importante dar continuidade ao programa no
próximo ano letivo e era importante a continuidade da equipa visto o excelente trabalho e a relação
desenvolvida.
§ Devido ao interesse manifestado pelos alunos/as, seria conveniente dar continuidade a este projeto
no próximo ano letivo. A ultrapassagem de situações de potencial inibição na abordagem e debate
dos temas tratados ao longo das sessões foi um dos aspetos mais positivos. O desfazer de alguns
mitos e receios terá reflexos muito positivos e dará mais segurança aos jovens em relação ao modo
de lidar com situações decorrentes do seu processo de desenvolvimento e tomada de decisões,
4. Pertinência reduzindo os fatores de risco.
da § Não só se considera a continuidade do programa muito pertinente, como imperativo que continue,
continuidade pois a informação sobre sexualidade, a multiplicidade de relações afetivas e as identidades de
do Projeto no género é absolutamente vital na construção de vidas saudáveis em sociedade.
próximo ano § No caso concreto da abordagem que é feita ao tema das IST, em particular ao VIH/SIDA,
letivo conscientes do seu caráter pandémico, é da maior importância apoiar e criar condições para uma
escorreita implementação de programas desta natureza.
§ Horário mais alargado.
§ É muito importante dar continuidade para que se promovam hábitos saudáveis.
§ É muito pertinente a continuidade dos trabalhos no próximo ano, não só pelas razões já apontadas
na questão 1, como pelo feedback positivo dos alunos. De referir que os alunos não abrangidos
pelo projeto tiveram conhecimento do trabalho e das atividades desenvolvidos e constantemente,
ao longo do ano, questionaram a razão pela qual não fizeram parte do projeto. Sugiro que se inicie
o trabalho com os alunos o mais cedo possível e se evite o 3º período. De referir a importância das
BUI e do grupo TUI.
§ Também a constituição de BEI são de extrema importância, não só pela demonstração da
apropriação que os alunos fizeram, decorrente das sessões de trabalho mas também
demonstração do nível de compromisso/responsabilidade, de autonomia, de trabalho em equipa
que conseguiram alcançar. Mais uma vez o contributo deste projeto no desenvolvimento pessoal e
social dos alunos.
Quadro 6 - Avaliação dos/as docentes

DISCUSSÃO
Os dados obtidos remetem a discussão para dois polos: por um lado, a pertinência e relevância do
PNEP no seio da concretização da EpS em contexto escolar, por outro lado, salientam alguns
constrangimentos que o próprio sistema educativo/escolas apresenta para uma plena concretização deste

59
A Escola: Dinâmicas e Atores

projeto e respetivo programa. Assim, os diferentes atores envolvidos, no ano letivo 2015/16, sejam alunos
com mais anos de intervenção do PNEP e que se constituem como pares educadores – as BEI, quer sejam
os/as alunos/as mais jovens, ou os/as docentes da escolas identificam, claramente, a aquisição de
conhecimentos relativos à sexualidade na sua dimensão holística, quer a aquisição de competências pessoais
e sociais, nomeadamente: a interação com os/as colegas do grupo; a cooperação entre grupos de trabalho;
a cooperação com a turma onde a sessão foi dada; a partilha de informação; a sensibilização face aos riscos
associados à sexualidade; esclarecimento de dúvidas próprias e dos/as colegas e melhoria da expressão
oral, sobretudo, evidenciadas nas BEI. Pese embora os constrangimentos apontados, nomeadamente, i) a
falta de tempo (“muitas vezes só dispomos de 9/10 sessões de 50 minutos para concretizar um programa
previsto para sessões de 90 minutos”) que deixa “no ar” alguns aspetos cruciais aquando da realização das
reflexões, no final de uma sessão; ii) alguma timidez e inibição para intervir e dinamizar a sessão junto dos/as
colegas, iii) algumas dificuldades em comunicar com os colegas, iii) algumas dificuldades em comunicar com
os colegas e iv) algum receio de não ser bem aceite nas aulas dos/as colegas mais jovens há unanimidade
em evidenciar as vantagens da continuidade do PNEP nas escolas e nos moldes em que foi estruturado.

CONCLUSÕES
A efetivação de um programa intencional, devidamente estruturado e que permite aos/às
adolescentes beneficiarem de três anos de (in)formação, sensibilização e prevenção, e que lhes proporciona
o trabalho em grupo, com os benefícios pessoais e sociais que esse trabalho possibilita, o facto de se
constituírem como pares educadores, que escolhem um tema, aprofundam os seus conhecimentos acerca
do mesmo, planificam a melhor forma de transmitir os seus conhecimentos aos/às colegas e intervêm e se
expõem perante outros/as que muitas vezes desconhecem e a avaliação que todos fazem acerca desse
mesmo programa leva-nos a afirmar que o desenvolvimento do Programa “Sexualidade e Prevenção do
VIH/SIDA” no âmbito do Projeto Nacional de Educação pelos Pares incentiva os/as estudantes a explorarem
as valências relacional, afetiva, social e fisiológica da sexualidade humana, estimulando a partilha de
vivências, a compreensão de problemas associados a comportamentos de risco, a tomada de decisão com
responsabilidade no âmbito da vivência saudável da sexualidade, tendo em conta, por um lado, os interesses
e necessidades de formação dos/as jovens, e por outro, os seus valores pessoais, familiares e sociais.

REFERÊNCIAS
Aguiar, F., Vilaça, T., Oliveira, R., Cardoso, E., Ardachessian, J., Castanheira, M., … Sousa, M. (2009). O
Projeto Nacional de Educação pelos Pares da Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a SIDA”
em escolas EB 2/3 do Porto. Retirado de http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/
1822/32641/1/GalaicoAguiar%20et%20al%282009%29_2046-2065.pdf.
Aguiar, F., Mateus, M., Costa, P., Delgado, V., Fonseca, G., Bettencourt, G. & Chagas, I. (2014). A
importância do voluntariado no projeto nacional de educação pelos pares in Sexualidade, gênero e
educação sexual : diálogos Brasil-Portugal. Paulo Rennes Marçal Ribeiro et al (Org.). – Araraquara,
SP: Publicações CIEd: Padu Aragon, (1): 189-201, 2014.
Direção Geral de Educação - DGE. (2014). Programa de Apoio à Promoção e Educação para a Saúde.
Consultado em http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Esaude/papes_doc.pdf.
FPCCSIDA (2007). Programa Sexualidade e Prevenção VIH/SIDA. (Texto não publicado).

60
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

FPCCSIDA (2016). Relatório Anual de Atividades. (Texto não publicado).


Pinheiro, M.R. (2005). Projecto Falsas Crenças. Acedido em Setembro de 2012 em
http://saudecomestilo2005.blogspot.pt/2005/11/educao-pelos-pares.html.

61
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONSTRUÇÃO DE REFERENTES E CRITÉRIOS PARA A FORMAÇÃO DOCENTE NO


BRASIL
[ID 87]

Patrícia C. Albieri de Almeida


Vandré Gomes da Silva
Fundação Carlos Chagas
palmeida@fcc.org.br ; vgomes@fcc.org.br

Resumo
O estudo apresentado neste artigo teve por objetivo a construção de parâmetros categoriais que pudessem
nortear e fundamentar processos de formação inicial ou continuada de professores, bem como apoiar o
acompanhamento e a avaliação da ação docente em uma perspectiva formativa. O suporte para tanto veio
da contribuição de professores atuantes em vários níveis e áreas, além de coordenadores pedagógicos e de
formadores de professores de cursos de licenciatura. A ideia norteadora da investigação foi encaminhar a
problemática proposta a partir da realidade do trabalho nas escolas para a consubstanciação de referentes
sobre a ação docente observada em seus vários aspectos, a fim de conceituar os elementos básicos que a
distinguem como uma atuação profissional qualificada.

Palavras-chave: Formação de Professores; Referentes de Ação Docente; Profissionalização Docente.

Résumé
L'étude présentée dans cet article vise la construction de paramètres catégoriels qui pourraient non seulement
guider et soutenir les processus de formation initiale ou continue des enseignants, mais aussi soutenir le suivi
et l'évaluation de l'action enseignante dans une perspective de formation. Le texte s’eppuye sur l’apprt des
professeurs expérimentés travaillant à différents niveaux et domaines, ainsi que des coordinateurs
pédagogiques et des formateurs d'enseignants. L'idée directrice de cette recherche est de traiter cette
problématique à partir de la réalité du travail dans les écoles pour la consubstantialité des référents sur l'action
enseignante observée sous ses divers aspects, dans le but de conceptualiser les éléments de base qui la
distinguent comme activité professionnelle qualifiée.

Mots-clés: Formation des Enseignants; Paramètres de l'Action Enseignante; Professionnalisation des


Enseignants.

INTRODUÇÃO
A perspectiva de uma crescente profissionalização de professores compreende o reconhecimento de
que determinados tipos de conhecimentos são essenciais ao exercício da docência em instituições formais
de ensino. Nesses termos, diferentes conhecimentos de ordem teórica e prática são mobilizados nas
diferentes situações que envolvem a ação docente, exigindo do professor não só reflexão e adaptação ao seu
contexto de trabalho, mas também autonomia.
De forma geral, essa parece ser uma das características fortemente presentes em diversos países
que propuseram – no âmbito de suas respectivas políticas educacionais – o que comumente se denomina
padrões (standards) docentes voltados à orientação, delimitação e avaliação da formação e do desempenho
de seus professores (Novaes, 2013). Para além de terminados usos dos chamados padrões docentes –
alguns notadamente controversos em países como Chile, Estados Unidos, Reino Unido, dentre outros –, os
processos envolvidos em sua estipulação e a discussão parecem comportar um vasto potencial formativo.

62
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Mais ainda quando se almeja uma formação especializada – inicial e em serviço – capaz de informar o caráter
profissional e público da ação docente.
Nesse sentido, este trabalho teve como objetivo precípuo a investigação e construção de parâmetros
categoriais – que aqui denominamos referentes da ação docente – capazes de nortear e fundamentar
processos de formação inicial ou continuada de professores, bem como apoiar e qualificar o acompanhamento
da ação docente – em uma perspectiva eminentemente formativa –, com vistas à consolidação de processos
de profissionalização da docência. Assim, o que aqui propomos e denominamos referentes de ação docente
constituem critérios pelos quais possamos compreender e ajuizar, em uma perspectiva eminentemente
formativa, diferentes tipos de atividades que compõem e informam o trabalho de professores, e não
instrumentos por meio dos quais determinar as formas como as atividades docentes deveriam ser executadas
e fundamentadas. O ponto de partida foi o universo do trabalho docente que se efetiva na educação escolar.
O suporte para tanto veio da contribuição de professores atuantes em vários níveis e áreas escolares, de
coordenadores pedagógicos e de formadores de professores de cursos de licenciatura por meio de grupos
de discussão operativos, bem como do recorte teórico pertinente que sustenta as premissas aqui utilizadas.
A ausência de um “perfil profissional claro de professor” no contexto nacional da formação inicial e
continuada de professores, como destacado por Gatti & Barretto (2009, p.252), revela a pertinência de se
investigar e delimitar de forma mais objetiva quais os conhecimentos que estão na base da docência e que
poderiam suprir tal lacuna ou, ao menos, fomentar o debate sobre a ação docente de forma mais assertiva e
delimitada, buscando assim “construir um corpo de conhecimentos básicos que permitam elevar as
discussões sobre esse tema a um nível além das opiniões” (Gatti, 2013, p.1).
Nesses termos, a estipulação e um maior detalhamento de referentes de ação docente não impingem
ao professor uma ação padronizada ou mecânica, tampouco sugerem em qual abordagem teórica específica
ele deve se pautar para a realização de seu trabalho, mas permitem identificar os tipos de conhecimento e as
capacidades que delimitam e esclarecem o mérito e a especificidade de sua ação.
Os referentes de ação docente aqui apresentados se organizam primeiramente em três grandes
dimensões denominadas: conhecimento profissional do professor; prática profissional do professor; e
engajamento profissional do professor. Merece destaque o fato de as dimensões e os respectivos referentes
de ação docente que as informam não pressuporem apenas a domínio de um conjunto de teorias e
metodologias de ensino. Nesses termos, algumas ressalvas são necessárias.
A construção dos referentes resultantes do presente trabalho não deve ser compreendida como uma
síntese das mais novas descobertas da pesquisa educacional, tampouco como um conjunto de saberes e
capacidades comprovadamente mais eficazes ou necessariamente pautados em autoridade científica. Na
verdade, ao procurarmos estipular e discutir alguns referentes que especifiquem e orientem aspectos da ação
docente, com base no trabalho com professores das redes de ensino e com estudiosos da formação de
professores, temos presente que nenhuma teoria ou instrumental científico seria capaz de assegurar sua
adequação, exatidão ou infalibilidade.
Não é nossa intenção abordar de forma detida a complexidade e a amplitude das possíveis relações
entre teoria e prática no âmbito da prática docente. Contudo, pode ser interessante aqui refletirmos um pouco
mais acerca do papel dos saberes de tipo proposicional – característicos das formulações teóricas – em
relação a um saber evidenciado em uma determinada prática, isto é, os modos característicos de fazer

63
A Escola: Dinâmicas e Atores

determinadas coisas, como o fazer docente em seu locus específico: a instituição escolar (Carvalho, 2013,
p.57).
Ao estipularmos e organizarmos alguns referentes de ação docente com base nas dimensões do
conhecimento, da prática e do engajamento docentes não implica, de forma alguma, supor que tais dimensões
sejam absolutamente estanques ou que envolvam uma ordem prévia e valorativa no que consiste a ação
docente. Nesses termos, a compreensão dos referentes da ação docente pressupõe um processo formativo
de professores – inicial e ao longo de seu exercício profissional – que envolve uma ampla gama de saberes,
tanto do tipo saber que como de um saber fazer, capazes de subsidiar decisões e práticas do professor em
seu exercício profissional.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Em um primeiro momento, foi realizado levantamento e estudo de documentos e da bibliografia
nacional e estrangeira sobre o tema. Esse procedimento permitiu a construção de um referencial de
sustentação teórica aos objetivos da pesquisa, bem como foi elaborado, em forma preliminar, um primeiro
ensaio de constituição dos referentes. Num segundo momento deu-se início ao trabalho de campo e ao
processo de validação empírica dos referentes. A pesquisa de campo foi realizada em duas etapas, com
professores de diferentes níveis de ensino, coordenadores pedagógicos e professores de cursos de
licenciatura. A seguir apresentamos de forma sintética esse percurso metodológico, face aos limites de
espaço disponível. Entretanto, o relato detalhado e bastante rico das etapas de pesquisa e dos dados
provenientes de cada grupo de discussão operativo realizado se encontra em Silva & Almeida (2015) e Silva,
Almeida & Gatti (2016).

Pesquisa de campo e validação dos referentes


A pesquisa de campo foi realizada por meio do que denominamos grupos de discussão operativos
caracterizado como um grupo de conversa que tem um tema/dilema foco da discussão e que, após as trocas
de ideias e opiniões constituintes de um conhecimento discursivo socializado e debatido entre seus
integrantes – no que se refere ao tema –, tem uma tarefa específica a desenvolver com relação a ele. Seu
objetivo é a realização dessa tarefa; por isso, ele é operativo, baseia-se no processo relacional-discursivo,
mas o ultrapassa com a construção de algo em modo coletivo minimamente convergente. O trabalho proposto
é a construção e a organização de um conhecimento que se mostra esparso e, de modo geral, pouco
elaborado entre os participantes.

Constituição dos grupos


No caso deste estudo, optou-se por formar grupos com professores atuantes na educação básica e
com especialistas envolvidos com o trabalho que se efetiva na docência na educação básica. O trabalho com
os grupos de discussão operativos ocorreu em duas etapas, tendo sido realizados em cada uma delas cinco
grupos, compostos respectivamente por: professores dos anos iniciais do ensino fundamental; professores
dos anos finais do ensino fundamental; professores do ensino médio; coordenadores pedagógicos e
professores de cursos de licenciatura. O grupo de discussão operativo de cada um dos segmentos foi
constituído, em média, por dez participantes (total de participantes: 82). O perfil desejado para a formação
dos grupos compostos por professores da educação básica em exercício era de professores qualificados,

64
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

apontados por pares e/ou gestores como aqueles que se destacam como docentes que realizam bem o seu
trabalho na escola, no segmento de ensino em que atuam. Nesse sentido, o parâmetro utilizado foi a
percepção de profissionais da educação acerca do que é um “bom professor” identificado em realidades
escolares. Foram contatados profissionais indicados por supervisores de ensino, coordenadores
pedagógicos, diretores escolares, bem como profissionais de referência na área. Os coordenadores
pedagógicos foram indicados por supervisores de ensino e por professores da educação básica. Para a
constituição do grupo de professores de cursos de licenciatura, recorremos, no contexto acadêmico, à
indicação de formadores de diferentes áreas do conhecimento, com experiência e produção no campo da
formação de professores. Buscamos garantir que a composição dos grupos de discussão operativos com
professores e profissionais da educação básica fosse heterogênea em relação às redes de ensino, ou seja,
convidamos professores e coordenadores da rede particular e da pública de diferentes escolas. No grupo de
formadores, também houve professores de universidades públicas e privadas.

Detalhamento metodológico das etapas da pesquisa de campo e validação dos referentes


A condução de cada um dos grupos de discussão operativos foi realizada por dois pesquisadores.
Cada encontro teve a duração de três horas e as discussões foram gravadas. Na primeira etapa, para as
iniciar as atividades, foi proposto um brainstorming para uma discussão geral a partir da questão “Quais
características possui um professor que realiza bem seu trabalho na escola?”; Em seguida os participantes
foram aleatoriamente divididos em três subgrupos com a tarefa de detalhar a questão proposta e elaborar
uma síntese. Concuida a tarefa, cada um dos subgrupos expôs a síntese realizada para os demais. Para
finalizar, o pesquisador solicitava que o grande grupo observasse as sínteses de cada subgrupo e propunha
que o grande grupo pensasse em uma possibilidade de agrupamento das características propostas e
discutidas. Com as anotações e a transcrição das gravações das discussões em cada grupo, foi detalhada
uma análise das proposições e feita uma síntese final de cada um dos grupos de discussão operativos com
os agrupamentos das características propostas pelos participantes. Uma vez sistematizados esses dados, a
equipe de pesquisa realizou encontros periódicos com a finalidade de reformular a versão preliminar,
constituindo uma nova versão dos referentes, organizando-os de acordo com as três dimensões já citadas:
conhecimento profissional do professor, prática profissional e engajamento profissional. Essa tarefa implicou
analisar e discutir cada uma das dimensões e características apresentadas nos grupos de discussão
operativos, definir e detalhar cada uma das categorias e, por fim, redigir uma ementa que caracterizasse
adequadamente cada uma das dimensões.
Na segunda etapa, realizada sete meses depois, essa versão reformulada foi submetida novamente
a cada um dos grupos de discussão operativos que atuaram na primeira etapa tanto para validação empírica
dos eixos, categorias e subcategorias, como para discussão, revisão e consolidação da linguagem utilizada.
O grupo, organizado em três subgrupos, tinha como tarefa ler a ementa das dimensãões, as categorias e as
respectivas definições e discutir e registrar as observações. Os subgrupos deveriam analisar a relevância das
dimensões e categorias, a clareza da redação, a coerência e o significado das categorias e das respectivas
definições. Depois de concluída essa etapa, procedeu-se à transcrição das falas e à análise das contribuições
de cada grupo de discussão operativo. A equipe de pesquisa trabalhou na revisão da versão anterior dos
referentes, com a construção de uma nova versão, incorporando sugestões, bem como reelaborando
categorias e subcategorias a partir do processo de discussão grupal. Essa nova versão, a partir do trabalho

65
A Escola: Dinâmicas e Atores

dos grupos, foi submetida ao grupo de professores formadores para suas críticas e sugestões, o que conduziu
à consolidação da versão final.

REFERENTES DA AÇÃO DOCENTE


Cada uma das três dimensões é constituída por uma ementa, seguida de um conjunto de categorias
com as respectivas definições. É preciso lembrar sempre que tanto as dimensões como as categorias
apresentadas se interseccionam. Embora sua apresentação se mostre linear, ao considerá-las, é necessário
ter presentes as inter-relações que caracterizam seu conjunto, em processo recursivo, denotando, portanto,
sua complexidade real.
Cabe reiterar que a investigação e proposição de critérios que possam referenciar e objetivar não
apenas as ações cotidianas do professor, mas também o sentido de sua atuação profissional, envolvem o
esforço em procurar especificar e, em alguns casos, objetivar aquilo que seria próprio do fazer docente. De
forma alguma se trata de um manual ou receituário – não há receitas para o exercício autônomo e criativo.
Entretanto, vale a pena refletir acerca da estipulação e discussão de critérios de análise do trabalho docente
que, longe de regular uma ação, possam fornecer parâmetros para o seu ajuizamento tendo em vista o que
se espera de uma formação escolar pública.

66
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

DIMENSÃO: CONHECIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR


Ementa: A identificação de um conhecimento profissional compreende a aquisição de diferentes saberes que subsidiam
a prática educacional realizada no âmbito escolar. Tal conhecimento é composto por informações e conceitos que serão
objeto de ensino, de forma articulada ao domínio do campo de conhecimento pedagógico em seus fundamentos
históricos, filosóficos, sociológicos, psicológicos e didáticos. A presença de um conhecimento profissional balizado supõe
uma atuação docente capaz de tomar decisões reconhecendo tanto os princípios éticos inerentes à tarefa educativa
como as diferentes condições e circunstâncias que envolvem a prática escolar.
CATEGORIAS DETALHAMENTO
Demonstra domínio da área de conhecimento em que trabalha, suas teorias,
principais conceitos e características que a distinguem de outras áreas.
1.1 Domina sua área de Percebe que sua área de conhecimento, mantendo suas características distintivas,
conhecimento. modifica-se constantemente.
Atualiza-se em relação às principais tendências de renovação e/ou ampliação de
sua área de conhecimento.
1.2 Entende as relações de sua Compreende a relação entre sua área de conhecimento com outras áreas do saber.
área de conhecimento com Percebe que um mesmo objeto ou tema pode ser abordado de formas diversas a
outras áreas do saber, partir de diferentes teorias e suas respectivas perspectivas de análise.
evidenciando uma visão
interdisciplinar.
1.3 Domina os conteúdos com os Domina os conteúdos que são objeto de ensino no nível em que atua. Relaciona
quais deve trabalhar em sua os conteúdos com que trabalha a outras disciplinas presentes no currículo escolar.
atividade docente.
Conhece, de modo genérico, os pressupostos que podem subsidiar um currículo
escolar.
1.4 Compreende o currículo Conhece e reflete sobre a proposta curricular da unidade escolar e/ou sistema de
escolar. ensino em que trabalha.
Compreende os distintos níveis de dificuldade e aprofundamento dos
conhecimentos curriculares e sua articulação com o projeto pedagógico da unidade
escolar.
Conhece os fundamentos históricos, filosóficos e sociológicos da constituição da
escola, das teorias educacionais e práticas escolares.
1.5 Compreende os fundamentos Conhece o imperativo do direito irrestrito à educação e suas implicações históricas,
da educação básica. políticas, sociais e culturais.
Relaciona o direito irrestrito à educação e os fundamentos da educação básica ao
contexto específico de sua escola.
1.6 Compreende o contexto Conhece os fatores sociais, culturais e psicológicos que constituem a trajetória
sociocultural dos estudantes e escolar dos alunos e suas aprendizagens.
seus impactos nos processos de Reconhece dificuldades gerais e específicas da aprendizagem escolar e domina
aprendizagem. diferentes meios e alternativas práticas para enfrentá-las.
Reconhece a diferença entre ter domínio da área de conhecimento com que
1.7 Domina o conhecimento trabalha e sua organização como disciplina para o ensino.
pedagógico dos conteúdos que Conhece diferentes procedimentos didáticos e sua pertinência e adequação ao
ensina. nível de ensino em que trabalha.
Conhece abordagens interdisciplinares de conteúdos de ensino.
Conhece critérios, instrumentos e procedimentos de avaliação e acompanhamento
da aprendizagem dos alunos em relação aos conteúdos que ensina.
1.8 Domina o conhecimento Conhece diferentes formas de avaliação da aprendizagem escolar em função dos
sobre a avaliação da objetivos educacionais gerais e específicos dos conhecimentos com que trabalha.
aprendizagem dos alunos em
relação aos conteúdos que Compreende a avaliação em sala de aula como meio de promover a aprendizagem
ensina. dos alunos.
Compreende a avaliação em sala de aula como meio para a melhoria das
atividades de ensino.
1.9 Conhece os modelos e Conhece os sistemas nacionais e regionais de avaliação em larga escala de
resultados de avaliações desempenho escolar.
externas às instituições Interpreta, em seu significado pedagógico, as matrizes de avaliação utilizadas e os
escolares. resultados divulgados.
Figura 1 - Dimensão: conhecimento profissional do professor

67
A Escola: Dinâmicas e Atores

DIMENSÃO: PRÁTICA PROFISSIONAL DO PROFESSOR


Ementa: A prática profissional compreende os aspectos envolvidos na criação de condições de aprendizagem pelo
compromisso com o desenvolvimento de todos os alunos em sua diversidade. Essa dimensão envolve as habilidades de
planejar e promover situações de ensino que favoreçam a problematização, as indagações, a curiosidade e a
investigação, momentos em que os alunos reelaboram as relações com os conteúdos de aprendizagem. Considera os
conhecimentos prévios dos estudantes e diferentes formas de interação e socialização. Compõem essa dimensão a
promoção de um clima favorável às relações de confiança e respeito, o uso de procedimentos variados e adequados aos
objetivos e conteúdos de ensino, bem como o acompanhamento permanente das aprendizagens com a finalidade de
promover apoio aos alunos, considerando seus diferenciais, além do aperfeiçoamento da prática educativa.
CATEGORIA DETALHAMENTO
Determina os objetivos e conteúdos de ensino tendo em vista os conhecimentos
que pretende trabalhar com os alunos.
2.1 Define objetivos e conteúdos
Elabora objetivos que contemplem o desenvolvimento de habilidades, atitudes e
de aprendizagem e planeja as
valores.
atividades de ensino a partir
deles. Elabora planos de aula e de outras atividades educacionais, levando em conta os
conhecimentos prévios dos alunos de forma coerente com os objetivos e conteúdos
de aprendizagem.
Considera as necessidades educativas e interesses de seus alunos, suas
contribuições e conhecimentos prévios.
2.2 Propõe objetivos de Oferece desafios adequados às possibilidades dos alunos em sua diversidade.
aprendizagem que ofereçam
Propõe atividades de ensino considerando variados modos de elaboração e
desafios adequados para alunos
expressão do conhecimento pelo aluno (oral, leitora, escrita, artística, motora etc.).
com variadas habilidades e
características. Propõe atividades diversificadas que favoreçam a participação de cada aluno no
maior grau possível e a colaboração entre eles.
Orienta procedimentos de estudo dos alunos.
Compartilha com os alunos os objetivos e os motivos pelos quais foram
selecionados.
Estabelece estratégias de ensino desafiantes, coerentes e significativas para os
2.3 Organiza planos de aula e/ou alunos.
sequências didáticas que
Cuida para que os alunos percebam que o trabalho que lhes é proposto está ao
favoreçam a motivação para a
alcance deles e que é interessante fazê-lo.
aprendizagem.
Propõe atividades que envolvam cognitiva e emocionalmente os alunos.
Cria um clima em que se valoriza o trabalho que se faz, com ações que estimulem
os alunos a continuar trabalhando.
Trata os conteúdos da aula com rigor conceitual e de forma compreensível aos
2.4 Aborda os conteúdos de estudantes.
ensino de modo compreensível
aos alunos. Utiliza variadas abordagens do mesmo assunto por meio de procedimentos
didáticos diferentes.
2.5 Organiza tempos e espaços Recorre a formas diversas de agrupamento dos alunos e de organização das
educativos de modo adequado atividades de acordo com os objetivos que deseja alcançar.
ao planejamento do ensino e aos Utiliza os tempos e os espaços disponíveis para o ensino em função das intenções
objetivos de aprendizagem. educativas e das necessidades de aprendizagem dos alunos.
Constitui e zela por um marco de relações em que predominem a aceitação, a
confiança, o respeito mútuo e a colaboração.
2.6 Promove um clima de aula Cria um ambiente seguro e organizado, que favoreça a participação de todos e
pautado em relações de promova a cooperação e a coesão do grupo.
confiança e respeito.
Promove uma comunicação fluente com os alunos e entre eles.
Faz a mediação de conflitos pessoais.
Utiliza estratégias pertinentes para avaliar as aprendizagens dos alunos em função
2.7 Planeja e realiza as dos objetivos de ensino.
avaliações das aprendizagens Compatibiliza os níveis de dificuldade do que está sendo avaliado com os níveis de
dos alunos de forma coerente dificuldade do que foi ensinado.
com os objetivos de ensino. Utiliza diferentes instrumentos para obter dados variados que componham um
quadro amplo do desempenho dos alunos.
Registra suas observações sobre os desempenhos coletivos e os individuais dos
2.8 Está atento aos progressos alunos, quando for o caso.
dos alunos, orientando-os a Fornece aos alunos feedbacks constantes e encoraja-os a refletir e conversar sobre
refletir sobre seus avanços e eles.
necessidades. Valoriza os esforços dos alunos.
Cria um ambiente motivador que favoreça um autoconceito positivo dos alunos.

68
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

2.9 Utiliza os resultados de suas Utiliza a avaliação não só como promoção da aprendizagem do aluno, mas como
avaliações no aperfeiçoamento meio de aperfeiçoamento do ensino e da prática educativa.
e/ou reformulação de suas Considera o desempenho dos alunos para pesquisar e selecionar novos recursos
atividades de ensino. e materiais didáticos para qualificar suas ações de ensino.
Figura 2 - Dimensão: prática profissional do professor
DIMENSÃO: ENGAJAMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR
Ementa: O sentido do engajamento, no que concerne à ação do professor, traduz-se nas maneiras pelas quais
demonstra, em seu ambiente de trabalho, espírito de cooperação e de parceria, com consciência das responsabilidades
individuais e coletivas da escola para com a aprendizagem e o desenvolvimento humano dos alunos. Compreende o
sentido ético e social de sua ação. Procura desenvolver-se profissionalmente, de diferentes modos, em busca da
contínua melhoria de seu trabalho e de seus pares. Contextualiza seu trabalho e considera a comunidade, suas
condições e contribuições. Conhece o sistema em que atua e as políticas educacionais, problematizando-as e
balizando-as em relação ao contexto da escola.
CATEGORIA DETALHAMENTO
Valoriza o trabalho colaborativo na escola e a dimensão comunitária como fatores
de integração educacional e cultural.
3.1 Compartilha com seus pares Atua conjuntamente com seus pares e a equipe gestora na construção de um clima
e a equipe gestora escolar de cooperação e estímulo aos alunos.
responsabilidades comuns da
escola. Coopera na construção de modos de convivência que venham a criar um ambiente
facilitador de estudos e relações construtivas intergeracionais.
Toma decisões em equipe, comprometendo-se com seu cumprimento.
Reflete sistematicamente sobre sua prática, aprende com sua experiência e a de
seus pares e reorienta suas ações pedagógicas.
Identifica suas necessidades de aprimoramento profissional, busca formas de
3.2 Identifica necessidades de satisfazê-las e sabe definir prioridades.
desenvolvimento profissional,
Acolhe sugestões de pares e da equipe gestora sobre sua formação contínua.
agindo a partir delas.
Engaja-se em comunidades de aprendizagens para atualizar-se de modo contínuo
e consistente, utilizando diferentes meios de informação e formação.
Participa ativamente de iniciativas de desenvolvimento profissional.
Reconhece o caráter profissional de seu trabalho.
Procura informar-se sobre políticas educacionais vigentes, construindo sua visão
3.3 Informa-se e reflete sobre de contexto.
sua profissão, a rede de ensino Conhece as normas relativas à organização da rede de ensino em que atua.
em que atua e as políticas Conhece as diretrizes relativas à carreira docente na rede em que trabalha.
educacionais vigentes.
Participa do debate sobre as condições de trabalho e sua carreira na rede em que
atua.
Desenvolve visão crítica em relação às propostas de políticas educacionais.
Acompanha o desenvolvimento e a renovação da área de conhecimento referente
a seu trabalho na escola.
Mantém-se inteirado das novas abordagens e pesquisas desenvolvidas na área de
3.4. Mantém-se atualizado conhecimento com que trabalha.
quanto aos avanços do
Conhece e utiliza os mecanismos de informação, divulgação de pesquisas e novas
conhecimento e das práticas de
metodologias relativas a seu âmbito de ensino.
ensino relativas a seu trabalho.
Participa de grupos de estudo, colabora com colegas da escola em busca de
alternativas de ensino, cria e compartilha experiências educativas.
Participa de eventos de sua área de atuação e socializa informações.
Reconhece a importância dos pais ou responsáveis para o estudo dos alunos e
valoriza suas contribuições.
Mostra compreensão e respeito pelos pais em suas diversidades.
Comunica-se com os pais ou responsáveis de modo claro e respeitoso.
3.5 Relaciona-se de forma
colaborativa e respeitosa com Envolve os pais na discussão e na compreensão das aprendizagens e do
pais ou responsáveis. desenvolvimento de seus filhos visando a seu crescimento sociocognitivo.
Estimula os pais ou responsáveis a colaborarem com a vida escolar dos alunos na
medida de suas possibilidades.
Envolve-se em projetos e atividades da escola que visam ao desenvolvimento da
relação da escola com pais e responsáveis.

69
A Escola: Dinâmicas e Atores

Atua com base no princípio do respeito humano e do papel social de sua profissão.
Age garantindo a diversidade no âmbito da igualdade de direitos.
3.6 Atua de forma ética e Considera pais e alunos, funcionários e colegas como sujeitos de direitos,
coerente com os princípios de acolhendo-os como iguais.
cidadania e dos direitos Reconhece que as diferenças sociais, culturais, religiosas ou outras não
humanos. estigmatizam as pessoas.
Reconhece que crianças e adolescentes merecem a consideração de seu estatuto
social em sua etapa de desenvolvimento.
Figura 3 - Dimensão: Engajamento profissional do professor

REFERÊNCIAS
Carvalho, J. S. F. (2013). Reflexões sobre educação, formação e esfera pública. Porto Alegre: Artmed.
Gatti, B. A. & Barretto, E. S. S. (2009). Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: Unesco.
Novaes, G.T. F. (2000). Padrões de desempenho na avaliação e profissionalização docente. In: OSÓRIO, L.
C. Grupos, teoria e prática: acessando a era da grupalidade. Porto Alegre: Artmed.
Scheffler, I. (1974). A linguagem da educação. São Paulo: Saraiva.
Silva, V. G. & Almeida, P. C. A. (2015). Ação docente e profissionalização: referentes e critérios para
formação. São Paulo: Fundação Carlos Chagas (Textos FCC: Relatórios Técnicos v. 44).
Silva, V. G., Almeida, P. C. A. & Gatti, B. A. (2016). Referentes e critérios para a ação docente. Cadernos de
Pesquisa, vol.46, n.160, pp.286-311.

70
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ANÁLISE DOCUMENTAL DA TELESCOLA EM PORTUGAL: UM OLHAR PRELIMINAR


SOBRE OS DEBATES PARLAMENTARES DO ESTADO NOVO (1961-1974)
[ID 345]

Luís Alberto Alves


Rui Guimarães Lima
CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» (FLUP)
laalves@letras.up.pt; rglima@letras.up.pt

Resumo
É incontestavelmente reconhecido o sucesso alcançado por este subsistema de ensino, implementado no
nosso país ao longo de cerca de meio século, que contou com o suporte logístico de aproximadamente 2.000
postos de apoio e uma frequência anual superior aos 60.000 alunos. Por conseguinte, inserido num projeto
mais vasto de investigação, o INOVAR - «Roteiros da inovação pedagógica: Escolas e experiências de
referência em Portugal no século XX», este artigo constitui um primeiro momento de apresentação de
resultados em torno dos seguintes objetivos de investigação: avaliar em que medida os debates políticos que
tiveram lugar no hemiciclo da Assembleia Nacional e na Câmara Corporativa do Estado Novo (1933-1974)
terão impulsionado a criação da Telescola em Portugal; destacar o mérito pedagógico deste subsistema de
ensino; e, de uma forma mais genérica, contribuir para o aprofundamento do estudo e investigação da
Telescola em Portugal, linha de investigação pela qual, de resto, já temos vindo a revelar o nosso interesse
há algum tempo.
Ora, adotando uma metodologia essencialmente qualitativa, com recurso às técnicas e procedimentos da
análise documental, da análise de conteúdo e da análise do discurso aplicadas aos dados recolhidos nos
arquivos digitais da VIII à XI Legislatura (1961-1974), dos Diários das Sessões da Assembleia Nacional e das
Actas da Câmara Corporativa, o presente artigo apresentará e discutirá os resultados alcançados nesta
primeira fase de desenvolvimento metodológico da investigação: a análise documental.

Palavras-chave: Telescola, Debates, Estado Novo, Diários das Sessões, Assembleia Nacional, Actas,
Câmara Corporativa.

Résumé
Le succès obtenu par ce sous-système d’enseignement mis en œuvre dans notre pays pendant près d’un
demi-siècle et qui a compté sur le support logistique de près de 2000 postes de soutien et sur une fréquence
annuelle de plus de 60000 élèves est incontestablement reconnu. Ainsi, inséré dans un projet plus vaste de
recherche, INOVAR – «Parcours de l’innovation pédagogique: Écoles et expériences de référence au Portugal
au XXe siècle», cet article est un premier moment de la présentation des résultats sur les suivants objectifs
de recherche: évaluer dans quelle mesure les débats politiques qui ont eu lieu à l’hémicycle de l’Assemblée
Nationale et au Conseil Corporatif de l’État Nouveau (1933-1974) Ils ont conduit à la création de la Télé-école
au Portugal; souligner le mérite pédagogique de ce sous-système d’enseignement; et, en général, ligne de
recherche qui, d'ailleurs, nous avons fait preuve de notre intérêt pour un certain temps.
En utilisant les techniques et les procédures d’analyse de documents, d’analyse de contenu et d’analyse du
discours appliqués aux données collectées dans des fichiers électroniques du VIII à XI législature (1961-1974),
de les Journaux des Sessions de l’Assemblée Nationale et de les Minutes de la Chambre Corporative, cet
article présentera et commentera les résultats obtenus dans cette première phase de développement
méthodologique de la recherche: l'analyse des documents.

Mots-clés: Télé-école, Débats, État Nouveau «Estado Novo», Journal des Sessions, Assemblée Nationale,
Minutes, Chambre Corporative.

ENQUADRAMENTO POLÍTICO-CONSTITUCIONAL
O estudo da Telescola, criada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 46 136, de 31 de dezembro 1964,
passa indissociavelmente pelo contexto político em que ela emergiu: o Estado Novo ou Salazarismo. Regime
instituído pela Constituição de 1933 e que só terminou com a revolução democrática de 25 de abril de 1974.

71
A Escola: Dinâmicas e Atores

Urge, por isso, antes de mais, centrar a nossa análise no plano estritamente político e constitucional do
regime. Deste modo, foi pelo Decreto n.º 22 241, de 22 de fevereiro de 1933, que António de Oliveira Salazar,
enquanto Presidente do Conselho de Ministros, promulgou o projeto de “Constituïção Política da República
Portuguesa”, entretanto submetida a plebiscito, em 19 de março, e em vigor desde 11 de abril de 1933, com
a publicação, no Diário do Govêrno n.º 83, da “Acta da assemblea geral de apuramento dos resultados do
Plebiscito Nacional de 19 de Março de 1933, sôbre a Constituïção Política da República Portuguesa”.
Segundo o Artigo 71.º dessa Constituição, “A soberania reside na Nação e tem por órgãos o Chefe do Estado,
a Assembleia Nacional, o Governo e os Tribunais”, acrescentando o seu Artigo 85.º que “A Assembleia
Nacional é composta de noventa deputados eleitos por sufrágio directo dos cidadãos eleitores, durante o seu
mandato quatro anos”. Por seu turno, o Artigo 102.º esclarece que “Junto da Assembleia Nacional funciona
uma Câmara Corporativa composta de representantes de autarquias locais e dos interesses sociais,
considerados estes nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa, moral, cultural e económica”, para
no artigo seguinte elucidar que “Compete à Câmara Corporativa relatar e dar parecer por escrito sobre todas
as propostas ou projectos de lei que forem presentes à Assembleia Nacional, antes de ser nesta iniciada a
discussão” (Artigo 103.º da Constituição de 1933).
A sessão inaugural da Assembleia Nacional (A.N.) ocorreu em 12 de janeiro de 1935, como resultado
das eleições realizadas a 16 de dezembro transato. Enquanto câmara política e órgão de soberania, competia-
lhe “legislar e fiscalizar a vida administrativa e governativa”. As várias “revisões constitucionais introduziram-
lhe algumas alterações, particularmente, no número de deputados, eleitos nas listas da União Nacional e mais
tarde Ação Nacional Popular, por sufrágio direto e maioritário, com sistema de listas. Os deputados não
podiam ser ao mesmo tempo procuradores da Câmara Corporativa” (Assembleia Nacional, s.d.). Começou
por ser constituída por 90 deputados nas três primeiras sessões legislativas. Contudo, fruto da “revisão
constitucional de 1945 (…) o número de deputados aumentou para 120” (Braga, 2011, p.2), atingindo os 130,
na década de 1960, e um máximo de 150 deputados na última das suas 11 legislaturas.
Por seu turno, a Câmara Corporativa (C.C.) “não tinha iniciativa legislativa mas apenas funções
consultivas, através de pareceres obrigatórios”, ainda que “sem carácter vinculativo, em toda a atividade
legislativa exercida pela Assembleia Nacional e pelo Governo”. De resto, “iniciou as suas funções em 1935,
teve 11 legislaturas e cada sessão legislativa durava 3 meses” (Câmara Corporativa, s.d.). Portanto, dispondo
de “poderes meramente consultivos, a C.C. era um órgão auxiliar da Assembleia Nacional e do Governo”
(Ferreira, 2009, p. 3).
Ora, é precisamente aqui que entronca o nosso estudo uma vez que nos propomos, através da
pesquisa e análise documental, da análise de conteúdo e da análise do discurso dos arquivos eletrónicos das
VIII à XI Legislaturas (1961-1974), dos Diários das Sessões da Assembleia Nacional e das Actas da Câmara
Corporativa, compreender e aferir o eventual impacto e o contributo dos debates parlamentares e dos
“discursos pedagógicos” dos deputados da Nação na criação da Telescola em Portugal. De facto, tal como é
salientado por alguma literatura da especialidade, ainda que se trate de um regime autoritário, o Estado Novo
“assumiu as instituições típicas de um estado de direito, das quais (…) se salientam as câmaras
«representativas», designadamente a Câmara Corporativa (CC) e a Assembleia Nacional (AN), com destaque
para esta última” (Tavares Castilho, 2001, p.65). Outros autores compararam mesmo estas câmaras do
regime respetivamente a “uma espécie de quadro de honra nacional” e a “um colégio de cardeais de carácter
intelectual, administrativo e funcional, cujos membros haviam sido escolhidos por serviços prestados ao
Estado” (Schmitter, 1999, p.36).

72
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

METODOLOGIA
Delimitando a 14 anos o período cronológico deste estudo (1961-1974), correspondente à VIII, IX, X
e XI Legislaturas do Estado Novo (1933-1974), propomo-nos através dele:
(i) avaliar em que medida os debates políticos que tiveram lugar no hemiciclo da Assembleia Nacional
e na Câmara Corporativa do Estado Novo terão impulsionado a criação da Telescola em Portugal;
(ii)) destacar o mérito pedagógico deste subsistema de ensino;
(iii) e contribuir para o aprofundamento do estudo e investigação da Telescola em Portugal.
Nesse sentido, começamos por descrever o processo de identificação e seleção da amostra, tendo
por base a pesquisa documental ao acervo digital, disponibilizado pela Assembleia da República em
http://debates.parlamento.pt/, referente aos debates parlamentares, concretamente:
(i) os Diários das Sessões da Assembleia Nacional (cf. Tabela 1);
Legislaturas Início Fim
VIII 25/11/1961 08/08/1965
IX 25/11/1965 21/03/1969
X 24/11/1969 27/04/1973
XI 15/11/1973 25/04/1974
Tabela 1 - Âmbito cronológico da pesquisa documental dos Diários das Sessões da Assembleia Nacional
(VIII à XI legislaturas)
Fonte: http://debates.parlamento.pt/catalogo/r2/dane
(ii) as Actas da Câmara Corporativa (cf. Tabela 2).
Legislaturas Início Fim
VIII 25/11/1961 24/11/1965
IX 26/11/1965 20/11/1969
X 20/03/1970 28/12/1972
XI 15/11/1973 24/04/1974
Tabela 2 - Âmbito cronológico da pesquisa das Atas da Câmara Corporativa (VIII à XI legislaturas)
Fonte: http://debates.parlamento.pt/catalogo/r2/acc
Assim, o processo de seleção da amostra iniciou-se com uma pesquisa documental com base em 4
palavras-chave: “Telescola”, “Televisão escolar”, “Televisão educativa” e “Ciclo Preparatório TV”. Os
resultados devolvidos são os que surgem condensados na Tabela 3.
Diários das Sessões da A.N. Atas da C.C.
Palavras-chave
N.º de Diários N.º de páginas N.º de Atas N.º de páginas
Telescola 41 50 3 4
Televisão escolar 63 85 6 9
Televisão educativa 41 51 5 5
Ciclo Preparatório TV 6 8 2 2
TOTAL: 151 194 16 20
Tabela 3 - N.º de registos documentais e N.º de páginas devolvido na pesquisa pelas 4 palavras-chave
Fonte: http://debates.parlamento.pt/

Ao constatarmos, nos primeiros resultados devolvidos, que as páginas indicadas nem sempre
contemplavam integralmente as palavras-chave, tornou-se então necessário partir para a leitura e análise
integral dos Diários e Atas identificados. Deste modo, foi possível delimitar a amostra a 50 documentos (45
Diários das Sessões da Assembleia Nacional e 5 Actas da Câmara Corporativa), conforme os dados que
se apresentam plasmados na Tabela 4.

73
A Escola: Dinâmicas e Atores

N.º de Diários das Sessões da


Palavras-chave N.º de Atas da Câmara Corporativa
Assembleia Nacional
Telescola 37 3
Televisão escolar 3 1
Televisão educativa 1 0
Ciclo Preparatório TV 4 1
TOTAL: 45 5
Tabela 4 - Dimensão da amostra do estudo
Privilegiando, portanto, uma metodologia de investigação eminentemente qualitativa, passamos, de
seguida à análise documental, enquanto processo intrínseco à organização da informação (Nascimento,
2009). Neste primeiro momento do nosso labor analítico, seguimos de perto as fases de análise documental
(processo de análise de documento; processo de descrição do assunto; e processo de análise de assunto)
propostas por Mai (2000), procedendo depois à transferência da informação, em bruto, da documentação
primária (arquivos digitais) para documentos secundários (representações daquela) (Chaumier, 1974), como
forma de garantir o seu armazenamento para posterior consulta, utilização e referenciação (Álvarez-Ossorio,
1988).
O recurso à análise documental permitiu-nos ainda a indexação, isto é, a classificação, por palavras-
chave, expressões, temas ou descritores, dos elementos de informação dos documentos da amostra, o que
nos possibilitou igualmente a categorização dos documentos segundo alguns critérios comuns ou pelas
analogias quanto ao seu conteúdo (Guinchat & Aubret, 1968).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


Por conseguinte, a análise documental à amostra, começou por revelar os dados que se apresentam
condensados na Tabela 5.
Diários das Sessões da A.N. Atas da C.C.
Palavras-
N.º de N.º de
chave N.º de Diários N.º de páginas N.º de Atas N.º de páginas
referências referências
Telescola 37 42 83 3 4 4
Televisão 3 15 27 1 1 1
escolar
Televisão 1 10 10 0 0 0
educativa
Ciclo 4 6 7 1 1 1
Preparatório
TV
TOTAL: 45* 73 127 5** 6 6
Tabela 5 - Dimensão da amostra do estudo
* Apenas contabilizados os Diários das Sessões com diferente numeração
** Apenas contabilizadas as Atas da Câmara Corporativa com diferente numeração

A visão dos Diários das Sessões da Assembleia Nacional (1963/74)


Foi na Sessão n.º 88, em 29 de março de 1963, onde se debateu pela primeira vez a temática da
Telescola na Assembleia Nacional (Diário das Sessões n.º 88, de 30 de Março de 1963). O seu responsável,
quiçá o maior e mais eloquente defensor parlamentar da introdução da Telescola em Portugal, António Martins
da Cruz, advogado, licenciado em Direito e em Letras, do círculo eleitoral de Castelo Branco (Tavares
Castilho, 2009).
Além de Martins da Cruz, mais cinco deputados, nas suas intervenções parlamentares ao longo da
VIII Legislatura da Assembleia Nacional (25/11/1961 a 08/08/1965), referiram-se à temática da Telescola. A
IX Legislatura da A.N. (25/11/1965 a 21/03/1969), foi a mais ativa, contabilizando-se 13 deputados que, na

74
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

sua participação nos debates parlamentares, verbalizaram questões centradas com a Telescola. Quanto à X
Legislatura da A.N. (24/11/1969 a 27/04/1973), foram 9 os deputados que abordaram a temática, sendo
apenas 2 aqueles que o fizeram na XI Legislatura da A.N. (15/11/1973 a 25/04/1974).
O último dos 26 deputados, oriundos de 18 distintos círculos eleitorais (do Continente, Ilhas e
Províncias Ultramarinas), que se referir à Telescola foi Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva, na
Sessão n.º 47, de 5 de abril de 1974 (Diário das Sessões n.º 49, de 6 de Abril de 1963, p. 958).
Por seu turno, registamos, nas VIII, IX e X Legislaturas, o nome de 6 deputados que em 10
intervenções parlamentares se referiram à temática da televisão escolar, a primeira das quais também na
Sessão n.º 88, em 29 de março de 1963, e a última na Sessão 255, de 26 de Abril de 1973 (Diário das Sessões
n.º 255, de 27 de Abril de 1973). Foram ainda 6 os deputados que se referiram à televisão educativa (entre a
VIII e a X Legislatura), o primeiro dos quais na Sessão n.º 105, de 11 de Dezembro de 1963 (Diário das
Sessões n.º 105, de 12 de Dezembro de 1963).
Quanto ao Ciclo Preparatório TV, apenas 3 deputados, nas X e XI Legislaturas, lhe fizeram referência,
em quatro diferentes intervenções parlamentares.
Em síntese, no período cronológico em equação, foram identificados e contabilizados 29 deputados
que intervieram em 59 debates parlamentares, na Assembleia Nacional, sobre a problemática em estudo, tal
como é representado na Tabela 6.

75
A Escola: Dinâmicas e Atores

Legislatura
Nome do Deputado Círculo eleitoral
(Sessão legislativa)
VIII (02)
António Martins da Cruz Castelo Branco
VIII (03)
Joaquim de Sousa Birne VIII (03) Viseu
Elísio de Oliveira Alves Pimenta VIII (03) Porto
Olívio da Costa Carvalho VIII (04) Porto
VIII (04)
José Alberto de Carvalho IX (02) Porto
XI (01)
Mário de Figueiredo VIII (04) Lisboa
José Fernando Nunes Barata VIII (04) Coimbra
Miguel Augusto Pinto de Meneses IX (01) Lisboa
Manuel José de Almeida Braamcamp
IX (02) Santarém
Sobral
Henrique Veiga de Macedo IX (02) Aveiro
José Nunes de Oliveira IX (02) Braga
André da Silva Campos Neves IX (03) Coimbra
José Henriques Mouta IX (03) Viseu
António Augusto Ferreira da Cruz IX (03) Porto
José Gonçalves de Araújo Novo IX (03) Viana do Castelo
IX (03)
Custódia Lopes IX (04) Moçambique
X (04)
José Manuel da Costa IX (03) Portalegre
Gustavo Neto de Miranda IX (04) Angola
IX (04)
Rafael Valadão dos Santos Angra do Heroísmo
X (04)
X (01)
Eleutério Gomes de Aguiar X (02) Funchal
X (04)
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso X (02) Funchal
Francisco Manuel de Meneses Falcão X (02) Leiria
Álvaro Filipe Barreto de Lara X (02) Angola
Fernando Dias de Carvalho Conceição X (02) Braga
Artur Augusto de Oliveira Pimentel X (04) Bragança
Maria Raquel Ribeiro X (04) Lisboa
João Bosco Soares Mota Amaral X (04) Ponta Delgada
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de
XI (01) Lisboa
Alarcão e Silva
Manuel de Jesus Silva Mendes XI (01) Portalegre
Tabela 6 - Nome, legislatura e círculo eleitoral dos 29 deputados que intervieram na Assembleia Nacional a
propósito da problemática de investigação
Da sua análise podemos concluir que estes 29 deputados da Nação, 27 do sexo masculino e 2 do
sexo feminino, na sua maioria do círculo eleitoral de Lisboa (4) e do Porto (4), foram também eleitos por Braga
(2), Coimbra (2), Portalegre (2), Viseu (2), Funchal (2), Angola (2), Castelo Branco (1), Santarém (1), Aveiro
(1), Viana do Castelo (1), Leiria (1), Bragança (1), Angra do Heroísmo (1), Ponta Delgada (1) e Moçambique
(1).

O prisma das Actas da Câmara Corporativa (1967/71)


Já no que diz respeito às Atas da Câmara Corporativa os resultados obtidos foram tremendamente
desanimadores uma vez que apenas constatamos a referência à problemática em estudo em 5 documentos,
a primeira datada de 17/11/1964 (Actas da Câmara Corporativa n.º 82, de 17 de Novembro de 1964) e a
última de 19/09/1972 (Actas da Câmara Corporativa n.º 117, de 19 de Setembro de 1972), ou seja, entre a
VIII e a X Legislaturas. Não foi possível, sequer, identificar um único procurador da Câmara Corporativa
(Tavares Castilho, 2010).

76
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Por conseguinte, o parecer sobre o projeto de proposta de lei n.º 4/IX (III Plano de Fomento para
1968-1973), publicado nas Actas da Câmara Corporativa n.º 56, de 30 de junho de 1967, ao referir-se às
Infraestruturas, na Secção I, da Educação e investigação ligada ao ensino, contém algumas das reformas que
se têm operado no âmbito do Ministério da Educação Nacional: “Criou-se o Instituto do Meios Audiovisuais
do Ensino (Decreto-Lei n.º 46 135, de 31 de dezembro de 1964), organismo destinado a promover a utilização
dos meios audiovisuais como vias de acção educativa e escolar. Simultaneamente criou-se, na dependência
desse Instituto, a telescola (Decreto-Lei n.º 46 136, da mesma data), a qual vem exercendo importante papel,
que tende a expandir-se, levando certas formas de ensino a muitos que de outro modo não poderiam tê-las.
E por diploma anterior (Decreto n.º 45 418, de 9 de dezembro de 1963) instituíra-se o Centro de Estudos do
Pedagogia Audiovisual com a missão de servir de apoio científico as mencionadas actividades e,
designadamente, promover a formação de pessoal docente adestrado nas respectivas técnicas” (p.825).
Também nas Actas da Câmara Corporativa n.º 115, de 18 de dezembro de 1968, foi publicado o
parecer sobre o projeto de proposta de lei n.º 4/IX (A reorganização das Casas do Povo e a previdência rural),
de onde se destaca: “Clara noção do desenvolvimento das actividades de promoção sócio-cultural nos dá
também a especificação das diferentes modalidades exercidas, através da orientação da Junta Central dos
Casas do Povo, da Junta da Acção Social e da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho e ainda em
colaboração com o Instituto de Meios Áudio-Visuais (…). No ano findo foram instalados em Casas do Povo
47 postos de recepção da Telescola e cerca de 200 centros de leitura orientada” (p.1997).
Finalmente, o Quadro II, com os dados de frequências das escolas metropolitanas (ano de 1968-
1969), publicado nas Actas da Câmara Corporativa n.º 74, de 15 de julho de 1971, reflete “No ciclo
preparatório (obrigatório também) (…) os efectivos da Telescola” (p.905). No ponto 30 da apreciação na
generalidade do projeto de proposta de lei n.º 5/X pode ainda ler-se que “Na chamada educação permanente
podem vir a ter lugares de relevo não apenas a telescola, mas também o ensino por correspondência” (Idem,
p. 921).
Perece-nos assim absolutamente necessário submeter os dados recolhidos a uma segunda fase de
implementação metodológica deste estudo, a análise de conteúdo, no sentido de detalhar e aprofundar o
eventual contributo dos debates parlamentares dos deputados da Nação para a criação e implementação da
Telescola em Portugal, e cujos resultados serão revelados em artigo posterior.

CONCLUSÕES
Apesar de, como sublinham alguns autores, “a ideologia oficial do Estado Novo e de muitos dos seus
apaniguados exalta[r] a ignorância do nosso povo como uma virtude a valorizar (a redução da escolaridade
obrigatória, a desvalorização da profissão docente e a redução dos currículos são disso um bom exemplo)”
(Igreja, 2004, p.155; parêntesis nosso), o surgimento e institucionalização da Telescola no panorama
educativo português é também um claro indício de inovação e modernidade mediática, em pleno regime
opressor.
Este subsistema é assim, não apenas fruto do contexto internacional de alguma pressão por parte de
organismos internacionais, mas também da abertura que internamente foi encontrada para tornar possível
uma realidade, tecnologicamente avançada, mas já possível. Sendo uma “pedrada no charco” tanto sob o
ponto de vista pedagógico (relevem-se as novidades na área da matemática e do francês, por exemplo) como
tecnológico (a rápida passagem da rádio escolar às emissões em direto pela televisão), estranha-se a pouca

77
A Escola: Dinâmicas e Atores

atenção dada pelo poder legislativo do regime á discussão de um tal acontecimento educativo. Será tanto
mais de estranhar quanto a reforma do ensino técnico na década anterior e em pleno contexto de 2ª guerra
mundial, tinha merecido mais de 90 intervenções.
Mas a investigação serve exatamente para ir apresentando algumas evidências de hipóteses nem
sempre verificadas, tal como as fases subsequentes deste estudo que, a seu tempo, irão ser igualmente
dadas à estampa.

REFERÊNCIAS
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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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5 de Abril, pp. 953-968. Lisboa: Secretaria da Assembleia Nacional/Imprensa Nacional-Casa da
Moeda. Acedido a 16 de fevereiro 2017. Retrieved from: http://debates.parlamento.pt/
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Diário das Sessões n.º 255, de 27 de Abril de 1973, X Legislatura, Sessão n.º 255 da Assembleia Nacional,
em 26 de Abril, pp. 5207-5263. Lisboa: Secretaria da Assembleia Nacional/Imprensa Nacional-Casa

79
A Escola: Dinâmicas e Atores

da Moeda. Acedido a 16 de fevereiro 2017. Retrieved from: http://debates.parlamento.pt/catalogo/


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LEGISLAÇÃO CITADA
Decreto-Lei n.º 46136. Diário do Governo n.º 305, I Série, de 31 de dezembro de 1964, pp. 1972-1973. Lisboa:
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80
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PROCESSOS DE MEDIAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DOS CONHECIMENTOS


CIENTÍFICOS EM ESPAÇOS NÃO FORMAIS DE ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA
[ID 365]

Lisandra Catalan do Amaral


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
lisandra.amaral@pucrs.br

Resumo
Este texto é um recorte de pesquisa sobre o conhecimento da ciência e a promoção do diálogo entre a ciência
e as situações do cotidiano no desafio na escola. Os objetivos eram favorecer o processo de letramento
científico na Escola Básica e identificar estratégias que poderiam contribuir para a inserção do estudante em
uma cultura científica. O reconhecimento do letramento científico como possibilidade de realizar uma leitura
de mundo, compreender e construir saberes, procedimentos e valores fudamentou a proposta metodológica
A metodologia, de abordagem qualitativa, foi a problematização com o uso de multicasos. O cenário da
pesquisa integrou quatro Clubes de Ciências, localizados em instituições educacionais públicas e privadas
com o objetivo de atingir uma diversidade em termos de recursos materiais, lógicas de trabalho e formação
de professores. Os interlocutores constituintes desta pesquisa foram: professores orientadores, professores
em formaçaõ e estudantes. Os instrumentos de coleta aplicados foram entrevistas semi-estruradas,
observação contínua das atividades realizadas e análise de documentos. Os achados iniciais sinalizaram para
a importância dos clubes de ciências no desenvolvimento de ações promotoras do letramento científico, e
também, como um espaço de formação de estudantes e professores. Nesta perspectiva, o Clube representou
um espaço pedagógico para criação de uma cultura científica fomentadora da curiosidade e da dúvida. Para
sustentar o construto teórico-metodológico, foram referentes teóricos Bachelard (1996) e Freire (1987), e as
autorias: Fullan (1999); Mancuso; Lima; Bandeira (1996) e Rosito (2010).

Palavras-chaves: Clubes de Ciências, Letramento Científico, Espaços não formais de ensino.

PERCEPÇÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO


Mesmo estando muito presente no cotidiano, para que ocorra a apropriação integral das implicações
das ciências em nossas vidas, se faz necessário construir alguns conceitos científicos por meio da construção
de modelos mentais. Para compreender como estes modelos podem ser elaborados, precisamos considerar
as relações existentes entre o pensamento e a linguagem, o papel da cultura na constituição e no modo de
funcionamento psicológico do educando, o processo de internalização do conhecimento e a idade do
educando. Tendo a clareza de que o processo de formação de conceitos no estudante é caracterizado por
um movimento contínuo de idas e vindas de um estágio de pensamento (acesso ao objeto de conhecimento
pelas sensações e experimentação) para outro mais amadurecido, com acesso ao objeto de conhecimento
por formulação de hipóteses ou especulações que podem independer da experimentação (Romaneli, 1996;
Lopes, 1997). Para compreender de que forma o letramento científico se faz presente nos processos de
ensino nesses espaços, é necessário acompanhar como os estudos de Ciências estão sendo conduzidos nos
clubes de ciências, bem como de que forma os professores em processo de formação inicial ou continuada
pensam em promover este letramento. Assim, é oportuno problematizar, identificar e discutir sobre os
processos para promoção do letramento científico, apontando as ações recorrentes na fase da aplicação
metodológica, sempre considerando o ser humano como o referencial para o ensino.

81
A Escola: Dinâmicas e Atores

Domínios da educação científica: alfabetização científica e letramento


A alfabetização científica se faz essencial nos dias de hoje, uma vez que vivemos em uma sociedade
permeada pela ciência e pela tecnologia. Ser alfabetizado cientificamente, para Chassot (2003), significa o
indivíduo ser capaz de realizar uma leitura do mundo ao seu redor, além compreender conhecimentos,
procedimentos e valores que o tornam crítico em relação ao desenvolvimento e às múltiplas aplicações da
ciência, ou seja, o cidadão deve dominar a ciência e a tecnologia para a aplicação no cotidiano. Os
educadores em ciências, por exemplo, preocupam-se com o sistema de educação, transformações
curriculares, materiais didáticos adequados, situações e didáticas diferenciadas para promover a
alfabetização, enquanto os sociólogos acreditam na alfabetização para o interesse do público em geral,
preocupado com a interpretação diária da ciência; os comunicadores da mesma têm interesse na divulgação
científica, e os economistas estão interessados no crescimento econômico que essa pode gerar.
Na literatura, não há uma definição unívoca para o termo alfabetização científica, mas há uma série
de propósitos para sua utilização. A leitura desse campo depende dos atores sociais, seus interesses e suas
inter-relações, e como a ciência engloba uma série de significados e interpretações, podemos considerar que
compreender os propósitos da educação científica reflete uma análise dos diferentes.
Os domínios da educação científica estão direcionados para a compreensão do conteúdo científico e
sua funcionalidade na sociedade. Mesmo com diferentes nomenclaturas, estão dependentes um do outro,
pois a ciência não é neutra e não podemos pensar no ensino de ciências sem considerar o seu caráter e
função social, e para isto é necessário o domínio do conteúdo. Assim, neste artigo considera-se a definição
mais ampla, chamada de letramento, pois além da leitura de signos, apropriação de conceitos, conhecimento
do método e desenvolvimento de habilidades associadas a ciências, é fundamental focarmos nossos esforços
no sentido de promover o desenvolvimento social e considerarmos o quanto a ciência pode contribuir com os
avanços tecnológicos e para melhoria da qualidade de vida.

Espaços não formais de ensino: Os Clubes de Ciências


O termo “espaço não formal” é bastante utilizado por pesquisadores em Educação e professores de
várias áreas do conhecimento, para caracterizar lugares diferentes da escola onde seja possível desenvolver
práticas educativas, enquanto o espaço formal de Educação é a escola, a sala de aula presente no
planejamento, na organização curricular. A classificação do espaço em si não remete às escolhas
metodológicas que embasam um determinado tipo de ensino. Definimos apenas o local onde a educação ali
realizada é formalizada por lei e organizada de acordo com os padrões nacionais. Assumindo como espaço
formal o espaço escolar intimamente ligado ao currículo, podemos considerar que espaço não formal é
qualquer espaço diferente onde possa ocorrer uma prática educativa não estando previsto na organização
curricular. O fato de desenvolver atividades em espaços não formais não significa assumir metodologias
diferenciadas, pois não são os cenários que determinam os tipos de aprendizagem, formal ou informal. Os
espaços não formais apresentam características próprias, que, em seus diferentes contextos, devem ter
alguma relação, direta ou indireta, com os objetivos escolares, o que permite a produção de saberes nesses
espaços. (Jacobucci, 2008).
Um clube de ciências pode ser definido como uma organização em que há uma periodicidade de
encontros e dedicação aos estudos sobre temas mais aprofundados das ciências naturais, partindo de
problemas específicos. O objetivo desse espaço é incentivar o interesse pela ciência e possibilitar a vivência

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

do fazer ciência como um processo construtivo. Estas ações são desenvolvidas sob a orientação de
professores que têm o papel de mediar às situações de aprendizagem, favorecendo a alfabetização científica
muito mais significativa. (Mancuso, Lima & Bandeira, 1996). Nesta pesquisa, os clubes de ciências foram
identificados como espaços não formais de ensino, uma vez que ocorrem em espaços diversificados, em
muitos casos dentro da escola, em outros na Universidade, mas não fazem parte da organização curricular
formal que deve ser seguida pelos estudantes e a sua inserção ou inscrição no clube ocorre de forma
voluntária.

PROCESSO DE MEDIAÇÃO: ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS


Na busca de autores que discutem as estratégias didáticas e o processo de construção do
conhecimento destaca-se Freire (2004) que argumenta que o professor não pode reduzir sua prática docente
apenas à abordagem dos conteúdos, mas sim deve ser capaz de incentivar a construção do saber. Laville e
Dionne (1999), também que acreditam na mobilização da mente humana através dos problemas, ou seja, na
busca por maior entendimento a partir de questões postas pelo real. Souza et al (2007) e Lopes (1999)
ressaltam que as analogias possuem um papel fundamental no processo de ensino por estarem presentes
no cotidiano, facilitando a compreensão de conceitos científicos. Porém também apontam algumas
desvantagens em adotar unicamente este recurso de linguagem, sendo uma delas a possibilidade de diversas
interpretações e, principalmente, a transferência de conceitos. Outra questão relevante discutida pelos
autores refere-se à pluralidade das interpretações dos professores com relação a analogias que podem ser
usadas como metáforas, ou analogias contempladas como modelos prontos.
Mendes, Cruz & Angotti (2009) discutem o processo de mediação didática baseado em Rezende
(2007), e este justifica que pode ser facilitado considerando a contribuição de recursos diversificados, como
por exemplo, materiais hipermidiáticos que podem auxiliar os professores. Guimarães & Sade (2009)
discutem a utilização da teoria da mediação didática para elaborar textos de física moderna, para o ensino
médio, seguindo as regras de Brockington (2005) que considera que o processo de mediação se configura
como a produção de um novo saber. A cada etapa entre o saber sábio, o saber ensinar e o saber ensinado
há a produção do novo. Não se trata de uma simplificação, mas do nascimento do novo norteado pelo contexto
social. Desta forma percebe-se que há diversas estratégias que são estudadas, discutidas e aplicadas no
contexto escolar deixando evidente a necessidade de buscarmos estratégias para desenvolver a construção
do conhecimento científico na educação básica.

METODOLOGIA
Com esta pesquisa burcou-se identificar o processo de letramento científico que ocore na Escola de
Educação Básica e verificar as estratégias que podem contribuir para a inserção do estudante em uma cultura
científica. O reconhecimento do letramento científico como possibilidade de realizar uma leitura de mundo,
compreender e construir saberes, procedimentos e valores fudamentou esta proposta metodológica. A
metodologia, de abordagem qualitativa, foi a problematização com o uso de multicasos. O cenário da pesquisa
integrou quatro Clubes de Ciências, localizados em instituições educacionais públicas e privadas. Para
identificar as dimensões pedagógicas que estão presentes nos planejamentos dos professores dos Clubes
de Ciências e apontar os indicadores de letramento científico presentes, desde a concepção do professor ou
licenciando até a compreensão dos alunos, e com o objetivo de atingir uma diversidade em termos de recursos

83
A Escola: Dinâmicas e Atores

materiais, os instrumentos de coleta aplicados foram entrevistas semi-estruradas, observação contínua das
atividades realizadas e análise de documentos e os princípios de organização do trabalho dos professores.
Os interlocutores constituintes desta pesquisa foram: professores orientadores, professores em formação e
estudantes que participam ativamente das atividades dos clubes em suas respectivas escolas.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


Ao acompanhar as atividades nos quatro Clubes escolhidos para o desenvolvimento da pesquisa, foi
possível perceber que cada espaço apresentava características próprias e peculiares. Cada espaço não
formal pesquisado, ou seja, cada clube adota as suas estratégias visando desenvolver a construção do
conhecimento científico. Dentre as características que marcam cada espaço não formal estão: a
sensibilização dos estudantes para participarem das atividades elaboradas em parceria com os professores
desenvolvendo o sentimento de pertença pelo espaço e pela construção do conhecimento; o sonho de uma
professora em trabalhar com propostas diferenciadas e diversificadas para atrair a atenção dos estudantes
provocando uma reflexão sobre a importância de desenvolver o letramento científico; o permanente trabalho
em grupo, a condução de atividades coletivas e as possibilidades de resolver desafios em grupos de trabalho
em diversos espaços que não se restringe a sala do clube. Outro clube também envolve o desenvolvimento
da construção do conhecimento científico por meio de desafios. Muito além das características citadas que
marcam cada espaço pesquisado, muitos elementos que indicam a construção do conhecimento científico
foram observadas.
De uma forma geral observa-se no espaço do Clube a preocupação dos docentes, que fazem a
mediação das atividades, em diversificar as atividades propostas, e os experimentos são realizados nos três
laboratórios, contemplando os pilares das ciências naturais. A linguagem utilizada também favorece a física
e a química. Também foi possível identificar alguns pressupostos do educar para a pesquisa, como a
valorização do trabalho em equipe e o estimulo à iniciativa na busca de material para pesquisa, em detrimento
de seguir experimentos prontos, cujas respostas e interpretações estão presentes no próprio roteiro. Desta
forma, é possível motivar o aluno para realizar as próprias interpretações.
O incentivo pela resolução de problemas também esteve presente nas atividades, no planejamento e
nas entrevistas. A fala dos integrantes apresenta esta estratégia como fundamental para realizar as atividades
dos clubes. A resolução de problemas está presente na maioria das atividades e assim como é discutido por
Pozo e Pérez et al (1994), quando afirmam que ensinar Ciências por meio da resolução de problemas supõe,
antes de tudo, recuperar a ordem natural das coisas, segundo a qual o conhecimento deve ser sempre a
resposta a uma pergunta previamente formulada. Por desgraça, nas aulas é habitual que o aluno se vê
submetido a uma avalanche de respostas definitivas a questões que nunca lhes tinham inquietado e sobre as
quais nem chegou realmente a perguntar-se. Sob esta ótica, há um estímulo para que os alunos interpretem
o material pesquisado, reconstruam o seu conhecimento a assumam uma atitude crítica (Demo, 2000). No
processo de resolver problemas, alguns estudantes associam este movimento à curiosidade. A cada problema
que é preciso resolver instiga a curiosidade e esta motiva o estudante para a construção do conhecimento
científico.
Adotando estas metodologias, os clubes atingem o real objetivo deste espaço, como indica Mancuso,
Lima & Bandeira (1996), que é de incentivar o interesse pela ciência, permitindo o fazer ciência como um

84
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

processo construtivo. Além disso, o professor tem o papel de mediador das situações de aprendizagem, o
que é propício, segundo o autor, para favorecer a alfabetização científica muito mais significativa.
Neste processo é por meio da pesquisa que o estudante conhece a realidade, e cabe ao professor
desencadear ações problematizadoras, incentivando o conflito, cognitivo para, assim, ocorrer a
argumentação, a interpretação, até a resolução do problema. Para a autora, a aprendizagem pode originar-
se de um questionamento inicial, o que movimenta o processo de pesquisar e de aprender (Etcheverria, 2008).
Fazer uso da problematização no clube é um elemento que estimula a construção do conhecimento
por meio de um movimento dialético, que reconstroem saberes. Para entender a importância deste movimento
para a construção do conhecimento científico, trago o pensamento de Bachelard (1996) que reflete o
movimento que ocorre nos Clubes. Ao trabalhar com problemas, o professor gera situações onde ocorrem
acertos e erros, que são considerados obstáculos, não no sentido de resistência, mas sim, de incentivos, não
causando estagnação, mas promovendo a descoberta do novo, ultrapassando este obstáculo epistemológico.
O obstáculo epistemológico, para o filósofo, gera conflitos, a ponto do estudante se dar conta de que há um
conhecimento anterior mal construído. E, assim, por meio deste processo descontínuo, com a necessidade
de romper com um conhecimento anterior, é possível construir o novo. E este movimento ocorre com o
pensamento humano onde cada estudante tenha a oportunidade de identificar o obstáculo epistemológico
para produzir o seu conhecimento.

REFERÊNCIAS
Bachelard,G. (1996). A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento.
Rio de Janeiro: Contraponto.
Brockington, G. (2005). A realidade escondida: a dualidade partícula onda para alunos do ensino
médio.Instituto de Física e Química e Faculdade de Educação. Universidade de São Paulo, 1-268.
Demo, P.(1996). Pesquisa: princípio científico e educativo. 7. Ed. São Paulo: Cortez.
Etcheverria, T. C. (2008). A problematização no processo de construção de conhecimento. In Aprender em
Rede na Educação em Ciências. Ijuí RS: Editora Unijuí, 77-89.
Guimarães, G. R. & Sade, W. (2009). Utilizando a transposição didática para introdução do átomo de Bohr no
ensino médio. XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF Vitória/ES.
Freire, P.(1967). Pedagogia da Autonomia. 2. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freire, P.(2004). Pedagogia da Tolerância. São Paulo: UNESP.
Fullan, M.(1999). Change forces: the sequel. London: Falmer.
Jacobucci, D.F.C.(2008). Contribuições dos espaços não-formais de educação para a formação da cultura
científica. Em Extensão, Uberlândia,7,1-7.
Lopes, A. C.(1999). Conhecimento escolar: ciência e cotidiano. Rio de Janeiro: UFRJ,1-236.
Mancuso, R., Lima, V. M. R. & Bandeira, V. (1996). Clubes de Ciências: criação, funcionamento, dinamização.
Porto Alegre: SE/CECIRS.
Mendes, J. N. M., Cruz, F. F. S. & Angotti, J. A. P. (2009). Matéria e suas manifestações: análise crítica da
transposição didática sobre temas de estrutura da matéria em livros didáticos de física e química do
ensino médio. VII Enpec, Florianópolis.
Pozo, M. J., Pérez,J. & Echeverria, M. P. (1994). La solución de problemas. Madrid: Santillana.

85
A Escola: Dinâmicas e Atores

Resende, M. R. (2007). Saber científico: conhecimento específico – saber escolar e a formação de


professores. Série-Estudos, Campo Grande, (24),35-53.
Romanelli, O. de O. (1996). História da educação no Brasil (1930-1973).Petrópolis/RJ:Vozes.
Souza, C. A., Bastos, F. P. & Angotti, J. A. P. (2007). Cultura Científico Tecnológico na Educação Básica,
Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, 9(1), 62-71.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ESTÁGIO E PROGRAMAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA NAS LICENCIATURAS:


DIFERENÇAS E APROXIMAÇÕES
[ID 150]

Neusa Banhara Ambrosetti


Marli André
Ana Maria Gimenes Correia Calil
UNITAU; PUCSP
nbambrosetti@uol.com.br; marli.andre@gmail.com; ana.calil@unitau.com.br

Resumo
O estudo teve como objetivo discutir as contribuições de um Programa de Iniciação à Docência para melhoria
e renovação dos cursos de formação docente. Em especial, pretendeu-se destacar, na perspectiva dos atores
envolvidos, diferenças e aproximações entre a experiência vivida nesse programa e no estágio curricular,
assim como as possíveis contribuições para renovação desse componente curricular nos cursos de
licenciatura. O referencial teórico apoia-se em autores que discutem a questão do estágio e as fragilidades
desse componente curricular na formação docente, além de estudos que discutem as relações entre
universidade e escola, apontando o distanciamento entre os contextos da formação e do trabalho como uma
das questões centrais na formação inicial de professores. A metodologia incluiu a realização de seis grupos
de discussão com participantes do PIBID em uma universidade brasileira, envolvendo alunos bolsistas de
diferentes licenciaturas, professores supervisores das escolas parceiras e coordenadores do programa na
universidade. Os resultados indicaram que a experiência do PIBID favorece a superação de problemas
constatados no estágio, entre eles a redução do estágio à mera observação; o distanciamento do professor
que recebe o estagiário em sua sala, mas não se percebe como coformador desse estudante; a falta de apoio
ao professor universitário que deveria acompanhar as atividades do estudante nesse processo. Constatou-se
a valorização, pelos participantes do PIBID, do contato com a realidade da escola, do trabalho compartilhado,
das possibilidades de melhoria da formação dos licenciandos e do desenvolvimento profissional dos
formadores. Destacaram-se os benefícios da inserção orientada do licenciando no espaço escolar, sob
supervisão de um professor experiente da própria escola, que atua como mediador entre os espaços
formativos; a possibilidade de uma prática planejada com base na investigação da realidade escolar,
registrada, acompanhada e orientada; a existência de momentos para a partilha das práticas vivenciadas e a
reflexão coletiva sobre a experiência, com vistas ao seu aprimoramento. Os resultados do estudo indicam a
necessidade de repensar os atuais modelos de formação - em especial as formas de realização dos estágios,
a partir do diálogo com a realidade e as situações concretas do trabalho docente.

Palavras-chave: Iniciação à docência, PIBID, Estágio.

Résumé
L'étude visait à examiner les contributions du programme d'initiation pour l'enseignement pour l'amélioration
et le renouvellement des cours de formation des enseignants. En particulier, il a cherché à mettre en évidence,
dans la perspective des acteurs concernés, des différences et similitudes entre l'expérience dans ce
programme et le stage, ainsi que les contributions possibles pour la rénovation de cette composante du
curriculum dans les cours de premier cycle. Le cadre théorique est pris en charge par les auteurs qui traitent
de la question du stage, des faiblesses de cette composante des programmes d'études dans la formation des
enseignants et des études qui traitent des relations entre l'université et l'école, en soulignant l'écart entre les
contextes de formation et de travail en tant que l'une des questions centrales dans la formation initiale des
enseignants. La méthodologie comprenait la réalisation de six groupes de discussion avec les participants
PIBID dans une université brésilienne impliquant des étudiants boursiers à différents degrés, superviseurs,
enseignants d'écoles partenaires et les coordonnateurs du programme à l'université. Les résultats indiquent
que l'expérience PIBID permet de surmonter les problèmes rencontrés dans le stage, y compris l'étape de
réduction à une simple observation; la distance entre l'enseignant et le stagiaire reçu dans son bureau, mais
qui ne se voit pas comme co formateur de cet étudiant; le manque de soutien du professeur d'université qui
devrait accompagner les activités de l'élève dans ce processus. Il a été constaté la reconnaissance par les

87
A Escola: Dinâmicas e Atores

participants PIBID, du contact avec la réalité de l'école, le travail partagé, les possibilités d'améliorer la
formation du développement de premier cycle et professionnel des formateurs. Ont été mis en relief les
avantages de l’insertion ciblée du professeur en formation dans le cadre scolaire sous la supervision d'un
enseignant expérimenté de l'école, qui sert d'intermédiaire entre les espaces de formation; la possibilité d'une
pratique planifiée basée sur la recherche de la réalité scolaire, enregistrée, suivie et guidée; l'existence de
moments de partage des pratiques expérimentées et de réflexion collective sur l'expérience, en vue de son
amélioration. Les résultats de l'étude indiquent la nécessité de repenser les modèles actuels de formation
dans des modes de réalisation particuliers des étapes, du dialogue avec la réalité et la situation concrète de
l'enseignement.

Mots-clés: Introduction à l'enseignement, PIBID, Stage.

INTRODUÇÃO
A insatisfação com os modelos de formação docente no Brasil não é recente. Várias são as críticas,
mas um aspecto recorrente nas pesquisas é a questão do estágio. Gatti (2009) destaca o estágio como um
ponto crítico na formação docente, uma vez que na grande maioria dos cursos não existem projetos
institucionais de estágio articulados às redes de ensino, e as atividades limitam-se à simples observação de
aulas, geralmente sem acompanhamento de um supervisor. As pesquisas de Ludke (2013) também apontam
as fragilidades desse componente curricular na formação docente, especialmente a falta de diálogo entre as
instituições formadoras e espaços escolares.
Fazendo face a essas críticas, em anos recentes começaram a surgir no Brasil iniciativas com o
intento de melhorar a qualidade da formação dos futuros professores, fortalecendo os vínculos entre
instituições formadoras e as escolas de educação básica. Uma dessas propostas é o PIBID (Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), que promove incentivos à inserção dos licenciandos em
escolas públicas, desenvolvendo atividades orientadas por professores da universidade com a supervisão de
professores das escolas. O Programa vem despertando interesse entre os pesquisadores e avaliações
realizadas indicam que é “uma das melhores iniciativas em política coadjuvante à formação inicial de
professores para a educação básica” (Gatti et al, 2014, p. 11). Surgem também dúvidas e discussões sobre
a relação entre o estágio curricular supervisionado e o PIBID na formação dos futuros professores (Jardilino,
2014).
O presente texto discute resultados de uma pesquisa feita com participantes do PIBID, destacando a
visão desses atores sobre as diferenças e aproximações entre as experiências vividas nesse programa e o
estágio curricular, assim como as possíveis contribuições para renovação desse componente curricular nos
cursos de licenciatura.

PIBID E ESTÁGIO SUPERVISIONADO: DIFERENÇAS E APROXIMAÇÕES


Os currículos de licenciatura são muitas vezes criticados pela falta de articulação entre as dimensões
teórica e prática da formação, e pelo distanciamento entre os conteúdos curriculares e a realidade escolar. O
estágio curricular, que poderia se constituir no espaço privilegiado para promover essa articulação tem se
mostrado frágil na sua concepção e implementação. Essa preocupação está explicitada na proposta do PIBID,
quando coloca entre seus objetivos “promover a integração entre educação superior e educação básica” e
“contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes” (Brasil, 2010).
Na perspectiva de Pimenta & Lima (2004, p.56) o estágio não pode ser entendido apenas como um
dos componentes curriculares, mas integra o projeto pedagógico do curso, “possibilitando que a relação entre
os saberes teóricos e os saberes das práticas ocorra durante todo o percurso de formação”, com vistas à

88
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

reflexão, análise e compreensão da realidade de atuação profissional dos professores. Nessa perspectiva,
ainda que os propósitos de estágio e PIBID tenham aspectos em comum, os objetivos do estágio seriam mais
amplos.
Essas atividades também ocupam espaços diferentes nos cursos de licenciatura. Enquanto o estágio
é um componente curricular obrigatório, presente em todas as licenciaturas e desenvolvido por todos os
licenciandos, o PIBID é uma política pública, que embora abrangente - segundo dados da CAPES, em 2014
participavam do PIBID 72.845 alunos de licenciaturas, de 284 IES - não é acessível a todos os alunos e
instituições formadoras.
As condições oferecidas no PIBID para a participação do aluno são diferenciadas, quando
comparadas àquelas oferecidas no estágio. Além da concessão de bolsas aos licenciandos, há uma estrutura
que favorece a inserção do mesmo na realidade escolar, em especial pela atuação do professor supervisor
da escola pública, também bolsista, que recebe e acompanha o licenciando na escola, atuando em articulação
com o coordenador professor universitário.
Resultados de pesquisas apontam também diferenças na implementação dessas duas atividades
formativas. Ludke (2013) afirma a centralidade do estágio como componente fundamental na articulação entre
as dimensões teórica e prática na formação do professor, e observa que embora as universidades assegurem
a base de conhecimentos oriundos das ciências da eduação, não conseguem oferecer aos futuros professores
a adequada preparação para o trabalho nas escolas. A autora cita pesquisas que evidenciam problemas na
consecução desse componente curricular, entre eles a redução do estágio à mera observação, o
distanciamento do professor que recebe o estagiário em sua sala mas não se percebe como coformador
desse estudante, a falta de apoio ao professor universitário que deveria acompanhar as atividades do
licenciando nesse processo.
Pesquisas sobre o PIBID apontam resultados mais favoráveis. Embora em sua maioria produzidos
em estudos parciais, com abrangência local e conduzidos pelas próprias instituições participantes, estudos
mais amplos (André et al, 2014; Gatti et al, 2014) vêm corroborando esses resultados e revelando uma
percepção muito positiva dos participantes do PIBID sobre os efeitos do programa na formação profissional
dos licenciandos, nas práticas de formação na universidade e no trabalho das escolas.
Não obstante as diferenças entre as duas atividades formativas há uma questão de base que
aproxima estágio e PIBID, qual seja, ambas se situam no âmbito da relação entre universidade e escolas de
educação básica, condição fundamental na articulação entre as dimensões teórica e prática da formação dos
professores.
Reconhecer a aproximação entre universidade e escola como condição essencial na formação
docente envolve a discussão sobre a relação entre os campos da formação universitária e do trabalho docente
nas escolas, ou seja, entre os espaços dos saberes acadêmicos e dos saberes da experiência na formação
docente.
O reconhecimento epistemológico da experiência têm sido discutido por diversos autores (Canário,
2001; Tardif, 2002), que apontam a necessidade de mudança na lógica de trabalho das instituições de ensino
superior, no sentido de superar o modelo distanciado da realidade das escolas de educação básica, buscando
incorporar à formação inicial os conhecimentos produzidos nas escolas e comunidades. Nessa mesma
direção, Zeichner (2010, p.493) aponta a necessidade de diminuir as lacunas entre o espaço de formação
nas universidades e o campo da prática, num esforço de “mudança na epistemologia da formação do

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A Escola: Dinâmicas e Atores

professor”, possibilitando a criação de espaços formativos em que os conhecimentos acadêmicos e os


saberes existentes nas escolas possam coexistir num plano mais igualitário.
Ao discutir a função da universidade na formação dos professores e suas relações com as escolas
de educação básica a partir da realidade brasileira, Gatti (2011) refere-se à necessidade de integrar nessa
tarefa, como parceiros efetivos, os profissionais em exercício, desenvolvendo um trabalho de parceria. A
autora acrescenta que as ações de formação em parceria implicam uma mudança na cultura profissional
acadêmica, que envolve o reconhecimento das competências recíprocas e a definição partilhada dos objetivos
de formação.
A aproximação entre esses espaços formativos remete também à discussão sobre a complexa
relação entre teoria e prática. Roldão (2007) explica que a concepção de teoria e prática como entidades
separadas vem dificultando a produção de conhecimento profissional sobre a ação de ensinar. A autora
lembra que a atividade de ensinar foi praticada muito antes de se produzir conhecimento sistematizado sobre
ela, o que caracteriza o ensino como uma atividade socioprática. Destaca a natureza compósita do
conhecimento profissional docente, propondo uma reconceitualização da relação teoria-prática para
compreendê-las como domínios que se incorporam no saber profissional requerido pela ação de ensinar. Na
perspectiva de Roldão (2007, p.100) o conhecimento profissional docente implica uma “mútua incorporação,
coerente e transformadora” dos diferentes componentes do conhecimento docente (grifos da autora).
Ao propor ações que aproximam os futuros professores das situações escolares, o PIBID pode
favorecer a integração teoria-prática na formação profissional, cumprindo uma função que o estágio
supervisionando nem sempre vem conseguindo desempenhar.
Resta analisar, com base nos dados obtidos, como os envolvidos avaliam esse processo na formação
docente e suas possíveis contribuições para a formação dos licenciandos e os cursos de licenciatura.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Com o propósito de captar os significados da experiência de inserção na docência para seus
participantes, optou-se pela abordagem qualitativa de pesquisa, recorrendo-se à realização de grupos de
discussão como principal fonte de coleta de dados. Segundo Weller (2006), os grupos de discussão permitem
explorar não apenas as opiniões individuais, mas as orientações coletivas ou visões de mundo de pessoas
que vivenciam um mesmo contexto social. Mostraram-se assim adequados para os propósitos do estudo,
permitindo compreender experiências que têm aspectos comuns, pela participação dos sujeitos em um
mesmo Programa, estruturado por um projeto desenvolvido em um dado contexto institucional, mas
vivenciadas de forma singular pelos sujeitos envolvidos.
A realização dos grupos teve um espectro de análise mais amplo, visando compreender as
contribuições da participação no PIBID para a construção do conhecimento profissional dos participantes. É
interessante notar que embora não tenha sido colocada nos roteiros de discussão, a questão do estágio
emergiu naturalmente em todos os grupos. Assim, o foco da análise apresentada a seguir será a perspectiva
dos diferentes protagonistas nesse processo - o licenciando, o professor da universidade e o professor que
recebe este aluno na escola - sobre as diferenças e aproximações entre o PIBID e o estágio curricular.
Foram realizados seis grupos de discussão, dos quais três com alunos bolsistas de diferentes
licenciaturas (Educação Física, Biologia, Letras, Geografia e Pedagogia), dois grupos com professores
supervisores que acompanham os bolsistas nas escolas parceiras, e um grupo com professores de

90
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

licenciaturas que exercem a função de coordenadores do PIBID. Os participantes são vinculados a uma
universidade que participa do PIBID desde 2010, localizada em uma cidade do estado de São Paulo, Brasil.
No total, foram ouvidos cinquenta sujeitos, sendo nove professores coordenadores da universidade,
dezesseis professores de escolas públicas que atuam como supervisores no PIBID, e vinte e cinco
licenciandos.

PIBID E ESTÁGIO: A PERSPECTIVA DOS PARTICIPANTES


Ao relatarem os motivos que os levaram a aderir ao PIBID, os participantes destacam a possibilidade
de contar com bolsas, mas observam também que esse não foi o único ou principal motivo para essa decisão.
Os alunos bolsistas referem-se às diferenças entre PIBID e estágio, destacando que um dos motivos para
sua adesão ao programa foi a possibilidade de um contato mais próximo com o universo das escolas públicas
e com situações da prática profissional, diferentemente do estágio, como explicitado neste depoimento:
Então eu acho que é uma oportunidade que chama atenção, por ser um estágio pra você já
estar podendo atuar [...] e quando eu li o edital eu entendi que era uma proposta diferente do
estágio obrigatório. Não era meramente ser um observador. Era atuar. (aluna, Biologia)
O extrato acima reflete uma posição expressa por vários alunos ao discutirem a diferença entre a
experiência vivenciada no PIBID e no estágio supervisionado, ou seja, o maior protagonismo do bolsista do
PIBID nas atividades desenvolvidas na escola. Segundo os participantes, enquanto no estágio regular a
atuação do aluno é limitada à observação, no PIBID eles têm um papel mais ativo, percebendo-se realmente
como participantes da vida da escola. É o que se observa nos depoimentos abaixo:
Eu acho que nos trouxe uma grande autonomia né? Por que no colégio particular a gente
ficava muito dependente da professora, era só o que ela pedia que a gente tinha que fazer,
pelo menos no meu caso. E no PIBID não. A gente pode né, estar observando a escola, ver
quais são as dificuldades e assim escolher um projeto pra ser aplicado. (aluna, Pedagogia)
A atuação dos professores coordenadores e supervisores é também destacada nas discussões dos
alunos. A possibilidade de interlocução com esses profissionais experientes é apontada pelos bolsistas como
um diferencial em relação ao estágio, citado por vários deles como contraponto à experiência do PIBID:
[...] eu acho que a questão do PIBID ter o auxílio da supervisora, da coordenadora e estar
tendo aula e poder ver o que você aprende na aula ver na prática. (aluna, Pedagogia)
[...] eu acho que essa é toda diferença do PIBID. É você fazer alguma coisa assim, de prática
e você tem a base teórica. Você tem a faculdade, tem os professores da faculdade, tem a
supervisora lá. Então eu acho que isso é que tem acrescentado na nossa experiência, por
que às vezes mesmo que você erre ou que você se perca no que fazer, você tem pra quem
perguntar, você tem pra onde consultar [...] (aluna, Pedagogia)
As falas evidenciam a importância dos apoios recebidos pelos bolsistas durante as atividades dos
alunos na escola, que garantem maior segurança no desempenho de uma atividade que, como lembra
Perrenoud (2001), implica agir na urgência e decidir na incerteza.
Revelam ainda outros aspectos, como a possibilidade de planejar e de testar as ações planejadas,
recorrendo aos conhecimentos adquiridos na universidade.
O desafio de responder às questões da prática confere novo sentido aos saberes teóricos discutidos
na universidade e desenvolve, no futuro professor, uma postura mais crítica e reflexiva, como mostrado na
fala abaixo:
[...] ah eu fiquei assim, encantada! De chegar em casa, poder planejar... porque eu tinha um
estágio remunerado, é muito triste você estar numa sala de aula e você não poder palpitar
em nada. Você querer fazer e não pode. E você vê a atividade e diz: ‘nossa! Eu não faria
isso! (aluna, Pedagogia)

91
A Escola: Dinâmicas e Atores

Em diversos momentos os bolsistas manifestam discordância em relação ao trabalho observado na


escola, mas é interessante notar que essas críticas não permanecem no plano da constatação, levam à busca
de alternativas e troca de sugestões sobre como atuar frente à situação observada. O que remete a outra
característica do PIBID destacada nos depoimentos, ou seja, a possibilidade de momentos de partilha para
discutir as dúvidas e observações, planejar e avaliar as ações desenvolvidas nas escolas:
Eu acho que eu amadureci muito como profissional depois do PIBID. Com as reuniões que a
gente tem com a coordenadora e com a supervisora, a gente traz os problemas que a gente
tem. Então elas mostram o jeito de resolver os problemas que muitas vezes a gente fica em
dúvida, porque a gente não tem experiência. [...] Daí a gente leva. A gente leva essas
questões nas reuniões que a gente tem nas quintas-feiras. Então daí a gente vai aprendendo
cada vez mais. (aluna, Pedagogia)
Ao discutir os geradores de especificidade do conhecimento profissional docente, Roldão (2007) nos
ajuda a entender a importância desse processo. A autora destaca, entre outros elementos, o exercício da
capacidade analítica, que permite ao professor superar a tendência ao agir rotineiro, e a atitude mobilizadora
e interrogativa, que leva ao questionamento permanente não apenas da prática, mas dos conhecimentos
adquiridos e da experiência anterior. Entendemos que a possibilidade de observar, questionar, agir e refletir
coletivamente sobre os resultados da ação desenvolve esse olhar interrogador, essencial ao conhecimento
profissional. O que é explicitado por uma aluna, quando observa:
[...] então o PIBID ele realmente ajuda muito a estar deixando esse olhar clinico na gente;
como dizia meu orientador de estágio do ano passado, ele falou assim: ‘você está começando
a ter um olhar de professora’. (aluna, Biologia)
Esse processo é necessáriamente coletivo e colaborativo. Um fator muito valorizado pelos
participantes é o aprendizado do trabalho em equipe e a dimensão coletiva da formação, favorecidos pela
realização de frequentes reuniões e encontros para discussão e partilha das experiências vivenciadas.
Nóvoa (2009) lembra que as condições do trabalho docente não favorecem as culturas colaborativas
e a aprendizagem compartilhada, daí a importância do aprendizado do diálogo e do trabalho compartilhado
na formação inicial dos professores. Segundo o autor, entender a escola como espaço de formação dos
professsores implica institui-la “como o espaço da análise partilhada das práticas, enquanto rotina sistemática
de acompanhamento, de supervisão e de reflexão sobre o trabalho docente” (Nóvoa, 2009, p.41).
As observações do autor nos levam a destacar uma questão que permeia todos os depoimentos, mas
que pode ser percebida com mais clareza na fala de uma supervisora, quando discorre sobre as diferenças
no tratamento do estagiário e do bolsista PIBID pela escola:
É muito interessante que você vê assim uma nítida diferença entre o estágio comum que o
aluno tem que fazer e o PIBID. Então assim, um estagiário que tem que cumprir as horas de
estágio ele entra e sai pela escola, às vezes ele não recebe nem um ‘bom dia’. Às vezes os
professores, funcionários, direção não sabem nem quem está entrando e quem está saindo.
E esse é um diferencial do PIBID porque os bolsistas do PIBID eles são tão envolvidos com
a comunidade escolar que eles fazem parte como se fossem professores da escola. Então
eles sentam à mesa dos professores, eles participam de todas atividades que tem na escola.
(supervisora Biologia 2)
Desse depoimento emerge um aspecto essencial na relação que se estabelece entre universidade e
escola, sintetizado na expressão da supervisora quando afirma que “eles fazem parte”. Ao assumir maior
participação e envolver-se nas atividades da escola, o bolsista passa a ser percebido pelos demais atores
escolares como integrante do universo escolar, e não como um visitante eventual, muitas vezes ignorado ou
relegado a tarefas secundárias.
Os depoimentos dos participantes dos diferentes grupos revelam que a dificuldade na relação entre
universidade e escola, instituições com conhecimentos, culturas e valorização social distintas, tem como pano

92
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

de fundo as diferentes concepções e expectativas quanto ao papel da escola básica na formação do


licenciando. A universidade espera colaboração da escola na formação de seus alunos, mas não reconhece
o espaço escolar como contexto de formação e produção de conhecimentos sobre o ensino. A escola, por
sua vez, não ve a presença da universidade como uma relação de parceria, que pode trazer benefícios
mútuos.
A forma como um coordenador do PIBID foi recebido por uma diretora quando da inserção dos
bolsistas em uma determinada escola mostra essa difícil relação:
[...] na minha escola ninguém sai da sala de aula. Se aluno quiser fazer alguma atividade
como estagiário aqui dentro você pode mandar, mas tem que vir cada um em um dia e pra
ficar ajudando o professor na sala.’ Quer dizer, é na contramão do que é hoje o projeto de
incentivo de iniciação à docência. (coordenador, Geografia)
Na percepção da diretora, talvez sobrecarregada com as tarefas cotidianas, a presença do estagiário
na escola é mais uma atribuição que vem se somar a tantas outras; assim só terá sentido se for para “ajudar”
no dia a dia escolar. Vaillant & Marcelo (2012, p.97) chamam atenção para esse aspecto, quando destacam
que a principal preocupação das escolas é com a educação de seus alunos, por isso têm dificuldade para
ocupar-se com a formação dos licenciandos. Os autores observam que é preciso criar “relações de
colaboração, não de supremacia, entre os projetos educativos das escolas e os projetos formativos das
instituições de formação”.
O diferencial do PIBID em relação ao estágio nesse aspecto é a possibilidade de uma mediação que
favoreça o estabelecimento dessa parceria, especialmente pela atuação do professor supervisor da escola,
como se mostra neste relato:
Lá no [...] a diretora não sabia. Como eu mudei de escola eu fui conversar com ela, se havia
interesse da parte da direção. Aí quando eu contei pra ela o que era, mostrei algumas coisas
que a gente tinha feito no [...] na hora ela falou ‘nossa, pode vir que eu assino embaixo’. E aí
ela também deu muito suporte pra gente, não só ela, mas toda a equipe gestora, todos os
professores, abraçaram mesmo o PIBID. (supervisora, Biologia)
A presença de um interlocutor que é reconhecido e conhece o ambiente escolar, traduzindo as
intencionalidades do programa e esclarecendo os objetivos da presença dos bolsistas na escola, favorece a
relação entre as instituições e a inserção do licenciando. Quando a escola passa a ser vista como espaço de
formação, tanto pela universidade quanto por seus integrantes, abrem-se possibilidades para a convergência
dos projetos formativos, dando sentido à relação entre as instituições.
Como nos lembra Barbier (2013), a formação dos professores é um processo de formação de adultos,
no qual estão envolvidos sujeitos que já percorreram caminhos na construção de suas identidades pessoais
e profissionais, que têm objetivos e são capazes de avaliar e intervir nesse processo. O engajamento nos
processos formativos supõe o estabelecimento de acordos e compromissos que dão sentido às atividades
desses sujeitos em formação: é “impossível para os públicos adultos estar em formação sem atribuir um
mínimo de sentido a isso” (Barbier, 2014, p.33), o que nos leva a concluir que as formações impostas não se
sustentam.
A análise dos dados coletados permite inferir que talvez o fator mais importante de diferenciação entre
PIBID e estágio seja o caráter voluntário e intencional da participação no programa. Os bolsistas aderem ao
PIBID porque vislumbram nele possibilidades de atendimento às suas necessidades e objetivos formativos,
por isto se comprometem e encontram sentido na formação.

93
A Escola: Dinâmicas e Atores

ALGUMAS CONCLUSÕES
Os relatos dos participantes desse estudo foram produzidos no contexto de implementação do PIBID
e do estágio em uma determinada instituição, com características e condições específicas que delimitam o
cenário da participação destes sujeitos nesses processos formativos. Embora com uma normatização comum,
estabelecida pela CAPES, a proposta do PIBID, desenvolve-se de forma diferente em cada IES, segundo o
projeto aprovado. No entanto, as conclusões vão ao encontro dos resultados de outros estudos que
investigaram iniciativas de inserção na docência, no Brasil e em outros países (André et al, 2014; Gatti et al,
2014; Zeichner, 2010).
Muitos aspectos puderam ser aqui explorados, mas circunscrevemo-nos a alguns fatores que
poderiam explicar os bons resultados do PIBID: a inserção adequada do licenciando no espaço escolar,
contando com a supervisão de um professor experiente da própria escola, que introduz o aprendiz nesse
universo e atua como mediador nas relações entre universidade e escola; o protagonismo e autonomia do
licenciando no desenvolvimento de atividades planejadas, acompanhadas e orientadas em seu
desenvolvimento; os apoios nas dúvidas e desafios colocados ao docente inexperiente; os momentos
propícios para a partilha das práticas vivenciadas e a reflexão coletiva sobre a experiência, com vistas ao seu
aprimoramento; a intencionalidade e o estabelecimento de um projeto formativo que dá sentido às ações de
formadores e sujeitos em formação no contexto escolar.
Os relatos evidenciam que a forma de organização do PIBID favorece a superação de problemas
constatados no estágio, entre eles a redução dessa experiência à simples observação, a dificuldade de
encontrar momentos de troca e reflexão sobre as práticas observadas; a falta de reconhecimento do estagiário
pela escola e de participação efetiva nas atividades escolares; a falta de apoios e acompanhamento, seja do
professor da universidade, seja das equipes das escolas campo de estágio. Tais questões não são inerentes
ao estágio, mas às condições institucionais para o desenvolvimento desse importante componente curricular.
Assim, não seria oportuno nem produtivo estabelecer comparações com o estágio, mas de considerar as
possibilidades de aprendizado oferecidas pela experiência do PIBID.

REFERÊNCIAS
André, M. e colaboradores. (2014). A aproximação entre universidade e escola na formação de professores:
políticas de inserção na docência. Relatório Final de Pesquisa, CNPq.
Barbier, J. M. (2013). Formação de adultos e profissionalização: tendências e desafios. Brasília: Líber livros.
Brasil. Decreto nº 7.219, de 24 de junho de 2010. (2010). Dispõe sobre o Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência - PIBID e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília: Casa Civil da
Presidência da República. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/decreto/d7219.htm.
Canário, R. (2001). A prática profissional na formação de professores. In: CAMPOS, B. P. (Org.). Formação
Profissional de professores no ensino superior. Portugal: Porto, 31-45.
Gatti, B. A. (2009). Formação de Professores: condições e problemas atuais. Revista Brasileira de Formação
de Professores, 1 (1), 90-102.
Gatti, B. A., André, M. E. D. A., Gimenes, N. A. S. & Ferragut, L. (2014.). Um estudo avaliativo do programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Textos FCC, São Paulo: FCC/SEP, 41.

94
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Jardilino, J. R. L. (2014). Políticas de formação de professores em conflito com o currículo: estágio


supervisionado e PIBID. Educação, 39 (2), p. 353-366.
Ludke, M. (2013). O Lugar do Estágio na Formação de Professores. Educação em Perspectiva, 4 (1), 111-
133.
Nóvoa, A. (2009). Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: EDUCA.
Perrenoud, P. (2001). Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre: Artmed Editora.
Pimenta, S. G. & Lima, M. S. L. (2004). Estágio e docência. São Paulo, Cortez Editora.
Roldão, M. do C. (2007). Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista
Brasileira de Educação, 34 (2), 94-103.
Tardif, M. (2002). Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes.
Vaillant, D. & Marcelo, C. (2012). Ensinando a ensinar: as quatro etapas de uma aprendizagem. Curitiba: Ed.
UTFPR.
Weller, W. (2010). Grupos de discussão: aportes teóricos e metodológicos. In Weller, W. & Pfaff, N.
Metodologia da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes, 54-66.
Zeichner, K. (2010). Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo
na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, 35 (3), 479-504.

95
A Escola: Dinâmicas e Atores

A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA PROPOSTA DE


INTEGRAÇÃO DO CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM EMANCIPATÓRIA
[ID 196]

Rubya Mara munhóz de Andrade


Cleoni Maria Barboza Fernandes
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
rubyaandrade@yahoo.com.br; cleofernandes@terra.com.br

Resumo
O presente estudo reflete o impacto das ações extensionistas junto às escolas públicas e privadas no
município de Bagé, estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A pesquisa investigou a integração dos saberes
científicos e da experiência, em um espaço/tempo dialógico, crítico e emancipatório entre escola e
universidade, no projeto intitulado: “Arborização urbana: um exercício de cidadania e sustentabilidade
socioambiental”. Esta proposta coletiva de aprendizagem interinstitucional e interdisciplinar tem a interação
dialógica, como princípio basilar de compromisso ético com a humanidade e com a emancipação dos sujeitos.
A investigação teve a abordagem qualitativa, o instrumento para coleta de dados foi questionário, com
perguntas abertas, realizado com oito sujeitos, sendo alunos, professores e gestores da educação da básica
e do ensino superior. Para a leitura, análise e interpretação de dados usou-se os princípios da análise de
conteúdo proposta por Bardin (2009). O aporte teórico inclui as contribuições de Gadotti (2009),Teixeira
(2009), Freire (2005, 2013), Fernandes (2008), Dilvo Ristoff (2014), Zabalza (2003,), entre outros. A pesquisa
revelou que o conceito de extensão universitária necessita ser refletido com a comunidade extensionista, para
entendimento de sua função social de trabalho compartilhado. A aprendizagem extensionista, precisa ser
fortalecida no diálogo com a comunidade e na integração horizontal dos saberes e fazeres acadêmicos e da
experiência. Os paradigmas das propostas extensionistas necessitam provocar uma relação de aprendizagem
coletiva, investigativa e crítica onde todos exerçam sua função de sujeitos do processo de aprendizagem. No
que tange a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é comprovada a necessidade desta
dialeticidade, possibilitando a intervenção nos problemas sociais vividos. Quanto à responsabilidade social
da extensão universitária na emancipação dos sujeitos, constatou-se que os extensionistas não têm claro
como se evidencia este processo, mas concordam que as propostas extensionistas contribuem com a
conscientização das pessoas e sua formação humana. Portanto, temos um longo caminho a percorrer na
garantia que a extensão universitária consolide-se como uma proposta de integração dos conhecimentos e
emancipação dos sujeitos, assumindo a responsabilidade social com a democratização do saberes e a
minimização das desigualdades sociais e cognitivas.

Palavras-chave: Extensão universitária, Escolas, Integração, Saberes Científicos e da Experiência,


Emancipação

Résumé
Cette étude reflète l'impact des actions d’extension avec les écoles publiques et privées de la ville de Bagé,
l’État de Rio Grande do Sul, au Brésil. La recherche a étudié l'intégration des connaissances scientifiques et
de l'expérience dans un espace / temps dialogique, critique et émancipatrice entre l'école et l'université, dans
le projet intitulé: "Urban Reboisement: un exercice de la citoyenneté et de la durabilité sociale et
environnementale." Cette proposition collective d’apprentissage inter-institutionnel et interdisciplinaire a
l'interaction dialogique, comme principe de base de l'engagement éthique avec l’humanité et avec le
développement des sujets. La recherche a eu une approche qualitative, l'instrument de collecte des données
a été questionnaire avec des questions ouvertes, menées avec huit sujets, les étudiants, les enseignants, les
gestionnaires de l’éducation de base, et l'enseignement supérieur. Pour la lecture, l'analyse et l'interprétation
des données on a utilisé les principes de l'analyse de contenu proposés par Bardin (2009). Le cadre théorique
comprend les contributions de Gadotti (2009), Teixeira (2009), Freire (2005, 2013), Fernandes (2008), Dilvo
Ristoff (2014) , Zabalza (2003,) entre autres. L'enquête a révélé que le concept de l'extension de l'université
doit être reflétée avec la communauté d'extension, pour la compréhension de sa fonction sociale de travail
partagé. L'apprentissage de l'extension doit être renforcée dans le dialogue avec la communauté et dans
l'intégration horizontale des connaissances et des actions académiques et de l'expérience. Les paradigmes
de propositions d'extension doivent provoquer une relation d'apprentissage collectif, investigatif et critique où

96
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

tous les sujets exercent leur rôle dans le processus d'apprentissage. En ce qui concerne l'indivisibilité entre
l'enseignement, la recherche et l’extension, la nécessité de cette dialectique est prouvée, ce qui permet une
intervention dans les problèmes sociaux vécus. La responsabilité sociale de l'extension de l'université dans
l'émancipation des sujets, il a été constaté que les extensionists n’ont pas claire comme ce processus s’arrive,
mais conviennent que les propositions d'extension contribuent à la prise de conscience des personnes et de
leurs formation humaines. Donc, nous avons un long chemin à parcourir pour faire en sorte que l'extension de
l'université est consolidée comme une proposition pour l'intégration de la connaissance et de l'autonomisation
des individus, assumant la responsabilité sociale avec la démocratisation des connaissances et la
minimisation des inégalités sociales et cognitives.

Mots-clés: Extension de l’Université, Écoles, Intégration, les Connaissances Scientifiques et de l'Expérience,


Emancipation.

O ENSINO SUPERIOR E A EXTENSÂO UNIVERSITÁRIA


O acesso ao ensino superior e sua democratização no Brasil, é luta histórica reveladora de injustiças
sociais e cognitivas. A distância entre uma pequena parcela que consegue chegar ao ensino superior e uma
maioria que não tem acesso, acaba estabelecendo um processo histórico de exclusão e desigualdades
sociais.
Nosso país vem assumindo recentemente, desafios a partir da criação de políticas públicas
educacionais que visam minimizar a distância e desigualdades de acesso ao saber. Especificamente entre
1999 e 2003, começa no Brasil um movimento de proliferação de instituições privadas, centros universitários
e universidades. Dilvo Ristoff (2014), colabora, trazendo:
O crescimento do acesso ao ensino superior, de 1999 a 2003, no mandato do governo
Fernando Henrique Cardoso, onde observa-se altas taxas de crescimento da educação
superior, notadamente em função da proliferação de instituições privadas, centros
universitários e universidades, dotados de autonomia para criar novos cursos e aumentar o
número de vagas ofertadas.
Mesmo com este crescimento, fica evidenciado que o acesso não era direito de todos. Essa garantia de
acesso ao ensino superior era privilégio somente aos que detinham condições econômicas.
A partir de 2006, com o objetivo de minimizar o processo de estagnação econômica de várias regiões
do país, começa o processo de expansão e interiorização no Brasil do ensino superior, criando universidades
federais e institutos tecnológicos, em regiões do país historicamente excluídas de políticas públicas de acesso
ao ensino superior. Este movimento de reestruturação fez parte de um programa denominado PAC-programa
do governo federal de aceleração do crescimento do País, constituindo-se em um conjunto de medidas
econômicas para garantir o crescimento nos próximos quatro anos nas áreas de saneamento, habitação,
energia e recursos hídricos.
Neste contexto de expansão e interiorização do ensino superior, a extensão universitária assume a
partir do princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o compromisso de
democratizar o saber institucionalizado, constituindo-se em um fecundo meio provocador da ampliação do
saber, a comunidades historicamente excluídas, provocando-as à participação e construção coletiva de
novas propostas de ressignificação da realidade opressora.
Segundo Gadotti (2009), quando se fala em justiça social, é inquestionável a necessidade do acesso
à educação, de maneira que sua importância para a conquista da liberdade de cada indivíduo, face aos
processos de exclusão social, do resgate da autonomia, do desenvolvimento e da sobrevivência do ser
humano, do preparo para a cidadania, parece óbvia.

97
A Escola: Dinâmicas e Atores

As ações extensionistas, a partir da Política Nacional de Extensão Universitária, firmada no âmbito do


Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileira, após debate
amplo e aberto, apresenta às universidades públicas e a sociedade o conceito de extensão universitária:
A extensão universitária, sob o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão, é um processo, interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político
que promove a interação formadora entre Universidades Públicas e outros setores da
sociedade. (Forproext, 2012)
Desta forma a indissociabilidade representa é um desafio a ser efetivado para o desenvolvimento de uma
proposta universitária integradora e interdisciplinar de grande alcance e impacto educacional, social e
humano.

Integração entre universidade e socidade


A proposta de extensão universitária vem se constituindo ao longo da história, com a função principal
de integrar a universidade à sociedade, entretanto, dependendo da época e contexto histórico, social,
educacional e político em que está inserida, esta integração vem assumindo funções e apontando ações de
extensão que ora representam avanços na perspectiva emancipatória dos sujeitos envolvidos, ora
estabelecem uma relação autoritária domesticadora e minimizadora das condições de participação e
constituição dos seres humanos enquanto sujeitos.
Em Pedagogia do Oprimido, Freire (2005) alerta para o processo de invasão cultural.
Desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, a invasão cultural é a penetração que
fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes
freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão. Na invasão cultural, são estabelecidas relações
antidialógicas, excludentes, fortalecendo a alienação da ignorância e a subestimação do potencial de
conhecer dos homens simples. Na cultura dominante, a extensão universitária estabelece características de
uma educação bancária e alinenante.
Desta forma, precisamos ficar atentos às práticas extensionistas, pois elas revelam os paradigmas
que orientam o tipo de educação, homem e sociedade que se pretende construir. Nesta perspectiva,
precisamos trazer a importância da revisão das práticas pedagógicas no ensino superior e sua qualidade,
como promotora de ações emancipatórias ou de negação da vida dos sujeitos.
Na concepção de Zabalza (2003) a formação do professor universitário, passa necessariamente pela
relação entre a teoria e prática pedagógica e a sua relação na provocação de ações que envolvam atividades
externas a universidade. Neste sentido, respeitar os saberes gerados na prática social, no diálogo e na relação
dialética entre as subjetividades e objetividades, constitui-se em um ato amoroso de comprometimento com
o outro. Fortalecendo a importância de estar e sentir o outro nesta relação, trago a contribuição de Fernandes
(2008), que aborda a de produção de sentido “amorosidade”, a partir de Paulo Freire:
Freire trabalha com a concretude da produção do sentido e do sentir amorosidade/amor como
uma potencialidade e uma capacidade humana que remete a uma condição de finalidade
existencial ético-cultural no mundo e com o mundo. Uma amorosidade partilhada que
proporcione dignidade coletiva e utópicas esperanças em que a vida é referência para viver
com justiça neste mundo.

A Extensão universitária na escola: Projeto de Arborização Urbana


A extensão universitária na escola constitui-se em uma possibilidade de integração dos saberes
científicos e da experiência em uma relação horizontal e integradora do conhecimento que tem o diálogo

98
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

como categoria fundante e assume o compromisso com o desenvolvimento da pesquisa e autonomia do


aluno.
O projeto de extensão desenvolvido a partir dos princípios da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão e do desenvolvimento das diretrizes da interação dialógica, interdisciplinaridade e
interprofissionalidade, impacto na formação do estudante e impacto e transformação social, atinge seu ápice
quando envolve a conscientização dos sujeitos e o seu engajamento, resultando na aprendizagem de uma
nova forma de sentir e intervir no mundo.
A construção coletiva de uma nova cultura perpassa necessariamente pela responsabilidade social
da universidade, com a democratização do conhecimento. A integração dos saberes científicos e da
experiência se fazem de forma horizontal, baseados no respeito as diferentes realidades. Nesta proposta
docentes, discentes, técnicos e comunidade em geral integram-se na partilha de saberes e fazeres em prol
de um mundo mais equilibrado, cuidado e harmônico.
O projeto que analisaremos, denomina-se: Arborização Urbana- um exercício de cidadania e
sustentabilidade socioambiental. O objetivo desta proposta foi a partir da extensão universitária, integrar a
universidade à sociedade, e os saberes científicos e da experiência, despertando e promovendo o
conhecimento e a conscientização sobre o inventário arbóreo realizado em nosso município, o manejo
adequado das árvores da cidade, seu contexto histórico e o envolvimento da população na sua preservação.
Para tanto, os idealizadores do programa propuseram ações educativas envolvendo diversas escolas
da cidade, convidando-as a integrarem um trabalho de conscientização e fortalecimento de uma visão
diferenciada sobre arborização da cidade e sustentabilidade socioambiental. Neste sentido, Coordenadoria
Estadual de Educação, Secretaria Municipal de Educação e escolas da rede privada, foram visitadas e
convidadas a fazer parte das ações. Na sequência outras instituições manifestaram interesse em participar
do trabalho, como o Serviço Social do Comércio e o Centro do Idoso, constituindo-se em uma proposta de
caráter integrador e interinstitucional. As diretrizes norteadoras do programa voltadas para uma proposta de
construção coletiva e protagonismo dos sujeitos, teve a adesão de um número significativo de escolas que
coletivamente deram início a sistematização das principais necessidades e estratégias para início das ações
do programa.
O público alvo participante do programa, envolveu desde alunos da Educação Infantil aos alunos
universitários e suas respectivas gestões escolares, universitárias e comunidades. Foram oportunizados à
todos, espaços dialógicos para expressarem seus sentimentos e os conhecimentos construídos coletivamente
durante a proposta. O processo de formação dos profissionais da educação e comunidade escolar, foi
desenvolvido a partir de três eixos metodológicos: comunicação e sensibilização, inventário, manejo arbóreo
e avaliação do espaço escolar. O desenvolvimento dos eixos metodológicos, contribuem na efetivação do
princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Este processo contribuiu com a construção
de novos conceitos relacionados à preservação e cuidados com o parque arbóreo, a conscientização
socioambiental, a integração dos saberes científicos e da experiência e a construção de espaços de incentivo
a pesquisa e estímulo a formação de professores.
Entende-se nesta perspectiva, que a partir de uma metodologia de construção coletiva e respeito aos
diferentes saberes e fazeres, poder-se-à vislumbrar uma educação transformadora e criadora de uma nova
cultura ambiental.

99
A Escola: Dinâmicas e Atores

Assim, provocar a democratização do ensino, assumindo uma atitude que estabelece uma relação
horizontal de respeito, escuta e reconhecimento dos saberes que vêm da realidade concreta e
problematizadora integrados aos saberes acadêmicos, estabelece uma relação de respeito aos saberes da
comunidade inserida em processos extensionistas.

CAMINHOS METODOLOGICOS
A investigação teve a abordagem qualitativa, o instrumento para coleta de dados foi questionário, com
perguntas abertas, realizado com oito sujeitos, sendo professores, gestores e alunos da educação básica e
do ensino superior. Para a leitura, análise e interpretação de dados usou-se os princípios da análise de
conteúdo proposta por Bardin (2009).A investigação é de caráter sigiloso, confidencial, preservando as
identidades e falas dos entrevistados, de acordo com critério ético da pesquisa.

RESULTADOS DA PESQUISA
A pesquisa entrevistou oito participantes do projeto, envolvendo: um aluno da educação básica e um
universitário, dois professores da educação básica, dois professores universitários, um gestor da educação
básica e um gestor universitário .
A pesquisa revelou que o conceito de extensão universitária necessita ser refletido com a comunidade
extensionista, para entendimento de sua função social de trabalho compartilhado e participativo. Como
destaca a fala de um professor da educação básica, sobre sua concepção da extensão universitária: “são
locais e pessoas atingidos pelo saber que o governo proporciona”.
Evidencia-se uma cultura da espera dos professores da educação básica, pela universidade como
doadora de um saber a ser estendido à comunidade.
Portanto, faz-se necessário provocar a democratização do ensino, assumindo uma atitude que
estabelece uma relação horizontal de respeito, escuta e reconhecimento dos saberes que vêm da realidade
concreta e problematizadora integrados aos saberes acadêmicos, estebelece uma relação de respeito aos
diferentes saberes em processos extensionistas de caráter emancipatório.
Freire (2013), no livro “Comunicação ou extensão?” observa:
Os homens em seu processo, como sujeitos do conhecimento e não como recebedores de
um ‘conhecimento’ de que outro ou outros lhes fazem doação ou lhes prescrevem, vão
ganhando a ‘razão’ da realidade. Esta, por sua vez, e por isso mesmo, se lhes vai revelando
como um mundo de desafio e possibilidades; de determinismos e de liberdade, de negação
e de afirmação de sua humanidade, de permanência e de transformação; de valor e de
desvalor; de espera, na esperança da busca, e de espera sem esperança na inação fatalista.

Quanto a finalidade de um projeto de extensão observou-se na fala de um professor da educação


básica: “ o desenvolvimento de um projeto de extensão visa aproximar a universidade (alunos) da comunidade
com benefício para ambos. Em outra fala do mesmo professor :” a participação é fundamental, pois para haver
extensão tem que haver benefício para a comunidade.
Precisa ser fortalecido no diálogo com a comunidade e na integração horizontal dos saberes e fazeres
acadêmicos e da experiência a relação de reciprocidade onde ambos, universidade e sociedade, aprendem,
discutem e reinventam as soluções para os problemas e necessidades surgidas. Os paradigmas das
propostas extensionistas necessitam provocar uma relação de aprendizagem coletiva, investigativa e crítica
onde todos exerçam sua função de sujeitos do processo de aprendizagem. Para (Freire, 2005):

100
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B,


mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e a outros, originando
visões e pontos de vistas sobre eles. Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de
esperanças ou desesperanças que implicam temas significativos, à base dos quais se
constituirá o conteúdo programático da educação.
Foi evidenciado na fala dos entrevistados a clareza na necessidade da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão. Conforme sustenta um professor da educação básica: “sim, não vejo outro
modo. A pesquisa aponta o problema, nos encontros surgem as discussões, as possibilidades de ação, neste
momento todos se encontram, deverão unir-se para efetivar a ação”. Portanto, é comprovada a necessidade
desta dialeticidade, possibilitando a intervenção nos problemas sociais vividos.
Quanto à responsabilidade social da extensão universitária na emancipação dos sujeitos
constatou-se que os extensionistas não têm claro como se evidencia este processo, mas concordam que as
propostas extensionistas contribuem com a conscientização das pessoas e sua formação humana, como ficou
claro na fala de um professor da educação básica: ”Sim, evidencia-se quando despertamos a conscientização
da comunidade que irá se beneficiar do projeto extensionista e auxiliar na manutenção dos resultados.

CONCLUSÃO

Diante das reflexões e resultados obtidos, concluímos que temos um longo caminho a percorrer na
garantia de que a extensão universitária consolide-se como uma proposta de integração dos conhecimentos
e emancipação dos sujeitos, assumindo a responsabilidade social com a democratização do saberes e a
minimização das desigualdades sociais e cognitivas.
Encerrando trago o grande educador brasileiro, Anísio Teixeira, que dedicou sua vida em prol da
justiça social a partir da educação e em seus diversos escritos sobre a educação no Brasil, retoma a questão
da democratização do acesso de todos à educação, como princípio fundante e imprescindível de um país que
tenha como objetivo seu desenvolvimento social, político e econômico.
Na visão de (Anísio Teixeira, 2009)
Sabemos que somos um país de distâncias físicas, sabemos que temos uma geografia que
nos espanta e nos separa em suas imensas distâncias. Mas, o Brasil não é apenas um país
de distâncias materiais, o Brasil é um país de distâncias sociais e de distâncias mentais, de
distâncias culturais, de distâncias econômicas e de distâncias raciais.
Concluindo, Anísio Teixeira, reforça a necessidade do compromisso da universidade com a pesquisa,
promotora da renovação pedagógica e da aprendizagem emancipatória, democratizando e recriando os
saberes promotores da educação como um direito de todos.Acreditava em uma proposta de educação que
assegurasse uma instrução pública de qualidade, a reforma de ensino a partir de políticas de reconstrução
da educação e a construção de um campo cultural a partir da universidade com incentivo à pesquisa para o
desenvolvimento da autonomia do aluno, o desenvolvimento regional, local e o crescimento e
desenvolvimento do Brasil.

REFERÊNCIAS
Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo. Lisboa: Eduções 70.
Fernandes,C. M. B. (2008). Dicionário. Paulo Freire/ Danilo, R. Streck. Euclides, Redin. Jaime, José Zitikoski.
(Orgs), Belo Horizonte: Autêntica Editora.
Política Nacional de Extensão Universitária (Mai.2012). Fórum de Pró-reitores de Extensão das
Universidades Públicas Brasileiras. Manaus – AM.

101
A Escola: Dinâmicas e Atores

Freire, P. (2005). Pedagogia do Oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freire, P. (2013). Extensão ou comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Gadotti, M. (2009). Educação integral no Brasil: inovações em processo. São Paulo: Instituto Paulo Freire.
Ristoff, D. (2014). O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil socioeconômico do estudante de
graduação. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 19, n. 3, p. 723-747, 2014.
Teixeira, A. S.(2009). Educação é um direito, 4 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,(Col. Anísio Teixeira:v ; v. 7)
Zabalza, M. A. (2003) Formação do docente universitário. In O ensino universitário: seu cenário e seus
protagonistas. São Paulo: Artmed, 2003. pp. 145-180.

102
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O PACTO NACIONAL PELO FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO NO BRASIL:


POLÍTICA PÚBLICA POTENCIALIZADORA DA PESQUISA NA ESCOLA
[ID 189]

Rubya Mara Munhóz de Andrade


Eloisa Maria Wiebusch
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
rubyaandrade@yahoo.com.br ; eloisamw@yahoo.com.br

Resumo
O Pacto Nacional pelo fortalecimento do Ensino Médio no Brasil foi uma política pública criada para
reestruturação curricular do Ensino Médio, visando qualificar a aprendizagem em um espaço integrador e
investigativo de saberes e fazeres na escola. Neste contexto, o seminário integrado constituiu-se em uma
metodologia interdisciplinar, condicionando a aprendizagem de todos, como proposta de democratização e
efetivação da educação como direito, tendo a pesquisa como princípio educativo para a aprendizagem
significativa, emancipatória e inclusiva.O presente trabalho reflete criticamente, sobre os espaços/tempos na
escola em que a pesquisa vem se constituindo como possibilitadora da reinvenção das práticas de ensinar e
aprender. A investigação teve uma abordagem qualitativa e para a coleta de dados utilizou-se questionário,
com perguntas abertas, realizado com seis participantes do seminário integrado: dois alunos, dois professores
e dois gestores. Para a leitura, análise e interpretação de dados usou-se os princípios da análise de conteúdo
proposta por Bardin (2009). O aporte teórico inclui as contribuições de Teixeira (2009), Freire (2005, 1992,
2011, 2013), Fernandes (2008), Frigotto (2012), Nascimento (2013), Garcia (2013), entre outros. A pesquisa
revelou que o Pacto Nacional do Ensino Médio representou uma experiência promissora para alunos e
professores, porém sua efetivação perpassa por novas práticas pedagógicas de ensino e aprendizagem que
exigem maior conscientização, comprometimento e preparo do coletivo escolar. Quanto ao seminário
integrado, todos foram unânimes quanto à importância dos projetos que incentivam a pesquisa como princípio
educativo e o desenvolvimento da autonomia do aluno, porém um número ainda pouco expressivo de
professores, conhecem e comprometem-se com esta proposta contextualizada e interdisciplinar. Com relação
às mudanças no desenvolvimento dos alunos, constatou-se maior motivação e comprometimento na busca
da construção do conhecimento, iniciando um novo processo instigador de renovação de práticas de ensinar
e aprender. Enfatizamos a relevância do tema e a necessidade de efetivação de políticas públicas que
garantam a formação contínua e valorização dos professores, estimulando nas escolas o desenvolvimento
de metodologias voltadas à pesquisa, à rigorosidade epistemológica e a aprendizagem significativa,
promotoras de uma educação mais crítica, democrática e humanizada.

Palavras-chave: Seminário Integrado, Pesquisa, Práticas pedagógicas.

Résumé
Le Pacte National pour le renforcement de l'enseignement secondaire au Brésil a été une politique publique
visant à restructurer curriculum du secondaire, dans le but de se qualifier d'apprentissage dans un espace
d'intégration et d'investigation des connaissances et des pratiques à l'école. Dans ce contexte, le séminaire
intégré consistait en une méthodologie interdisciplinaire, touchant l'apprentissage de tous, comme une
proposition pour la démocratisation et la réalisation de l'éducation comme un droit, et de la recherche en tant
que principe éducatif pour un apprentissage significatif, émancipatrice et inclusiva.O ce travail reflète critique
sur l'espace / temps à l'école où la recherche est en train de devenir un catalyseur de la réinvention des
pratiques d'enseignement et d'apprentissage. La recherche avait une approche qualitative et la collecte des
données a été utilisé questionnaire avec des questions ouvertes, menées avec six participants du séminaire
intégré: deux élèves, deux enseignants et deux administrateurs. Pour la lecture, l'analyse et l'interprétation
des données utilisées pour les principes de l'analyse de contenu proposés par Bardin (2009). Le cadre
théorique comprend des contributions Teixeira (2009), Freire (2005, 1992, 2011, 2013), Fernandes (2008),
Frigotto (2012), Nascimento (2013), Garcia (2013), entre autres. L'enquête a révélé que le Pacte national
Lycée représentait une expérience prometteuse pour les étudiants et les enseignants, mais son efficacité
imprègne de nouvelles pratiques pédagogiques d'enseignement et d'apprentissage qui nécessitent une plus
grande prise de conscience, l'engagement et la préparation de la communauté scolaire. En ce qui concerne
le séminaire intégré, tous étaient unanimes quant à l'importance des projets qui encouragent la recherche en

103
A Escola: Dinâmicas e Atores

tant que principe éducatif et le développement de l'autonomie de l'apprenant, mais même nombre réduit
d'enseignants, connaissent et engagent à cette proposition contextualisée et interdisciplinaire. En ce qui
concerne les changements dans le développement des élèves, il y avait une plus grande motivation et
d'engagement dans la poursuite de la construction du savoir, à partir d'un nouveau processus de
renouvellement de l'instigateur des pratiques d'enseignement et d'apprentissage. Nous soulignons
l'importance du sujet et la nécessité d'une mise en œuvre effective des politiques publiques qui assurent la
formation et le développement continu des enseignants, encourager les écoles à développer des
méthodologies visant à la recherche, la rigueur épistémologique et un apprentissage significatif, la promotion
d'une éducation plus critique, démocratique et humanisé.

Mots-clés: Séminaire intégré, Recherche, Pratiques pédagogiques.

PACTO NACIONAL PARA O FORTALECIMENTO DO ENSINO MÉDIO


O programa de formação continuada dos professores da rede Estadual do Ensino Médio no Brasil,
denominada Pacto Nacional pelo fortalecimento do Ensino Médio, desenvolveu-se no período aproximado
entre os anos de 2013 a 2015. O governo federal para executar a política, articulou de forma integrada e
indissociada universidades, secretarias e coordenadorias estaduais de educação. O País foi dividido em vinte
e sete unidades federativas do Pacto e a Universidade Federal do Pampa coordenou o processo de formação
abrangendo quatro coordenadorias regionais de educação no Rio Grande do Sul, envolvendo noventa e três
escolas estaduais de sua abrangência. Este programa desenvolveu-se em um cenário educacional onde nas
últimas décadas do século XXI, o Ensino Médio no Brasil principalmente na rede pública, vinha registrando
expressivos índices de reprovação e evasão escolar, justificando-se a necessidade de uma reconstrução
curricular, onde fossem provocadas renovadas e eficazes formas de ensinar e instigar a aprendizagem em
um processo respeitoso e mobilizador dos sujeitos, na busca pela transformação dos sonhos viáveis em
sonhos possíveis .
Em (Freire in Brandão, 1992):
Tenho procurado assumir a “educação como sonho possível” como nos diz Freire, porque
“sonho viável exige de mim pensar diariamente a minha prática, exige de mim a descoberta
constante dos limites da minha própria prática, perceber e demarcar a existência do que
chamo de espaços livres a serem preenchidos. O sonho possível tem a ver com os limites,
destes espaços e estes limites são históricos.
Assim, conscientes destes limites históricos, o Pacto Nacional pelo fortalecimento do Ensino Médio
no Brasil, constituiu-se em uma política pública que mobilizou um movimento na superação da distância a ser
percorrida na busca de uma educação para todos e de excelência. Os desafios assumidos e enfrentados
durante o desenvolvimento do Pacto Nacional do Ensino Médio, revela o compromisso político com a
educação e sua relevância social, pedagógica, científica e acadêmica para o desenvolvimento da região,
valorização dos profissionais da educação, integração da universidade com as escolas e comunidades, e o
incentivo à pesquisa, potencializadores da autonomia e empoderamento dos sujeitos.

O seminário integrado como espaço potencializador da pesquisa


Historicamente a educação foi privilégio de poucos, e o Ensino Médio neste contexto somente teve
sua obrigatoriedade garantida e assumida como direito de todos, a partir da emenda constitucional nº 59, de
11 de novembro de 2009, que no artigo 208 prevê: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro)
aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não
tiveram acesso na idade própria. Esta alteração foi efetivada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) nº 9394/96 e pela lei 12.796 em 4 de abril de 2013, consolidando este compromisso.

104
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Neste novo contexto, tendo garantido a democratização do acesso, o desafio está em garantir a
permanência e aprendizagem de real significado à vida dos alunos. Desta forma, a reestruturação curricular
necessária no Ensino Médio, condiciona a aprendizagem de todos como proposta de democratização e
efetivação da educação como direito. Na visão de Anísio Teixeira (2009) ainda temos um longo caminho a
percorrer:
Sabemos que somos um país de distâncias físicas, sabemos que temos uma geografia que
nos espanta e nos separa em suas imensas distâncias. Mas, o Brasil não é apenas um país
de distâncias materiais, o Brasil é um país de distâncias sociais e de distâncias mentais, de
distâncias culturais, de distâncias econômicas e de distâncias raciais.
Desta forma, tornar o Ensino Médio, um período de aprendizagem prazeroso e significativo na vida
dos estudantes, de seus professores e da comunidade, efetiva-se em um compromisso que tem extrema
relevância política e social, frente a um quantitativo de jovens que vem perdendo o interesse pela escola e de
profissionais da educação desmotivados com as práticas pedagógicas desenvolvidas. Rever a forma de
ensinar, estimular a aprendizagem, organizar e integrar os conteúdos, planejar, avaliar e desenvover projetos
e pesquisas, são propostas que provocam um repensar nas práticas descontextualizadas e autoritárias, que
pouco sucesso atingem quanto a aprendizagem dos alunos e do coletivo escolar.
Vivemos hoje, uma realidade em constante mudança e esta, precisa ser refletida na escola, pois
interfere nas relações, na aprendizagem e na formação humana. Mudanças de paradigmas na forma de
ensinar e instigar a aprendizagem, são necessárias frente aos incessantes avanços nos fundamentos
científicos e tecnológicos que envolvem a vida contemporânea e as diferentes formas de acesso ao
conhecimento.
Conforme Nascimento (2013):
Analisar, construir alternativas, ressignificar metodologias, resgatar o sentido da avaliação é
o compromisso coletivo de todos aqueles que atuam na esfera pública, pois trabalhar com
educação é, hoje, muito mais que prestar um serviço público, é atuar para garantir um direito!
Quanto a adequação das metodologias as novas realidades, temos a contribuição de Garcia (2013)
que argumenta a concepção de Ensino Médio necessária na contemporaneidade:
Ensino Médio esteja centrado nas pessoas, nas juventudes, não tendo, portanto, o mercado
de trabalho como foco”, pois não são “sujeitos abstratos e isolados, mas sujeitos singulares
cujo projeto de vida se constrói pelas múltiplas relações sociais, na perspectiva da
emancipação humana.
Portanto, vivendo em um período histórico altamente tecnológico que oferece opções instantâneas
de informações e interações, é compreensível entender o desinteresse por uma aula onde o professor
transmite os conhecimentos de maneira fragmentada e descontextualizada da realidade dos alunos, da
comunidade local, regional, nacional e internacional.
A sala de aula, em uma perspectiva contemporânea, deve ser baseada em uma pedagogia das
relações e interações. Na visão de Fernandes (2008):
Apoiadas por (Geertz,1978) conceituei essas teias de relações, como relações interativas do
intelecto e do afeto, tecidas entre as pessoas produtoras dos atos de ensinar e aprender:
Professores e estudantes, tanto na dimensão subjetiva da consciência do sujeito quanto na
dimensão objetiva da cultura.
Assim, pensar uma reorganização curricular integrada ao projeto de vida dos estudantes, estimulando
a pesquisa como principio pedagógico e o trabalho como princípio educativo, constituir-se-á em uma
possibilidade de fazer da sala de aula, um espaço de construção coletiva e partilha solidária dos saberes e
fazeres constitutivos dos sujeito, favorecendo a inserção social e cidadã. Temos neste contexto, o diálogo

105
A Escola: Dinâmicas e Atores

como princípio fundante de uma relação respeitosa e crítica, entre educando, educador e sociedade que
desafiam-se em um processo de constante integração entre os saberes científicos e populares.
Para Freire (2013):
O diálogo e a problematização não adormecem a ninguém. Conscientizam. Na dialogicidade,
na problematização, educador-educando e educando-educador vão ambos desenvolvendo
uma postura crítica da qual resulta a percepção de que este conjunto de saber se encontra
em interação.
O Ensino Médio nesta perspectiva,compromete-se com a formação do educando como investigador,
introduzindo a pesquisa como prática pedagógica inerente ao processo de aprendizagem na perspectiva
emancipatória. Como afirma (Frigotto (2012):
A pesquisa se constituirá em força material, à medida que conseguir apreender as
determinações de longo prazo e, portanto, de natureza estrutural das relações sociais e dos
processos educativos e suas imbricações no movimento conjuntural. O presentismo, o fato
empírico imediato sem mediação de análise e reflexão, o mecanismo estrutural ou a
fragmentação pós-moderna, constituem em barreiras ao olhar crítico sobre a realidade.
Nesta concepção, a pesquisa constitui-se como um recurso pedagógico possibilitador da construção
do conhecimento individual e coletivo, conectando os conteúdos científicos ao mundo do trabalho, ou seja,
a vida dos alunos, buscando responder as questões desafiadoras e provocando o desvelamento da(s)
realidades vivida(s).
Nos Seminários Integrados (SI), a pesquisa encontra espaço para sua efetivação durante a
organização e elaboração de projetos, nos quais a articulação com eixos temáticos transversais vinculados
aos projetos de vidas dos alunos, dá um sentido real para a aprendizagem .Os alunos nesta perspectiva,
assumem sua aprendizagem como sujeitos de seu processo, conscientizando-se da realidade existente e
buscando cada vez mais seu desvelamento e transformação.
De acordo com Freire (2005):
A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B,
mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e a outros, originando
visões e pontos de vistas sobre eles. Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de
esperanças ou desesperanças que implicam temas significativos, à base dos quais se
constituirá o conteúdo programático da educação.
O Seminário integrado é criado nesta proposta de reestruturação do Ensino Médio, constituindo-se
em um espaço integrador, interdisciplinar e desafiador da criação de novas formas de ensinar e aprender,
potencializando a pesquisa como princípio fundante de uma proposta emancipatória. Neste espaço
desenvolve-se um ambiente investigativo, crítico e problematizador que utiliza a pesquisa e o trabalho
coletivo, provocadores da construção coletiva da aprendizagem crítica da realidade a partir da elaboração de
projetos. Os projetos envolvem temas de pesquisa, que partem de assuntos do interesse dos participantes,
alunos, professores e comunidade.
Desta forma, o desafio constitui-se em começar a construção de uma nova cultura educativa
centrada na formação humana, na aprendizagem emancipatória , na pesquisa, no trabalho coletivo, na
readequação e /ou criação dos espaços-tempos dialógicos nas escola, e no partilhamento do poder da gestão
escolar. É preciso esperançar.
No livro Pedagogia da autonomia, Paulo Freire associa esperança e alegria como necessárias à
prática de ensinar (Freire, 1996). E contemplando Karl Marx, tendo a realidade como produto da ação dos
homens e, se esta se volta a eles os condicionando, “transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é
tarefa dos homens” (Marx, 1974).

106
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Assim, concluo esta reflexão trazendo a obra Pedagogia da esperança de Paulo Freire, onde o autor
utiliza a metáfora do sonho como motor da história e afirma que: Fazendo-se e refazendo-se no processo de
fazer a história, como sujeitos e objetos, mulheres e homens, virando seres da inserção no mundo e não da
pura adaptação ao mundo, terminam por ter no sonho também um motor da história (Freire, 1992).
Acreditar que a prática pedagógica emancipatória pode melhorar a vida das pessoas e torná-las
sujeitos de sua história, reestabelece nossa função social e humana de estar no mundo comprometidos com
a melhoria, o desenvolvimento e a humanização de todos. Este processo, efetiva-se no cotidiano escolar
repleto de contradições e desafios, que necessita de uma proposta pedagógica capaz de tornar a
aprendizagem um processo de aprimoramento e formação humana eticamente justa e inclusiva.

METODOLOGIA
A investigação teve uma abordagem qualitativa e para a coleta de dados utilizou-se questionário, com
perguntas abertas, realizado com seis participantes do seminário integrado: dois alunos, dois professores e
dois gestores. A investigação é de caráter confidencial e sigiloso, preservando as falas e identidades dos
entrevistados, atendendo ao critério ético da pesquisa. Para a leitura, análise e interpretação de dados usou-
se os princípios da análise de conteúdo proposta por Bardin (2009). A pesquisa envolveu três categorias:
Pacto Nacional do Ensino Médio na Escola, Seminário Integrado e Desenvolvimento da aprendizagem

Discussões e resultados da pesquisa


Pacto Nacional do Ensino Médio na Escola
Quanto ao Pacto Nacional do Ensino Médio, a pergunta realizada aos alunos, professores e gestores
questionava: O que significou para você participar das atividades que envolveram o Pacto Nacional para o
fortalecimento do Ensino Médio no Brasil e qual a contribuição do Pacto para educação brasileira?
Para os alunos a experiência foi agradável, mas observou-se insegurança por parte de alguns
professores; Para os professores, é necessário maior aprimoramento, reflexão e formação; Os gestores
relatam, que houve melhoria no quadro geral dos professores com relação ao aprofundamento teórico,
inovação e novas práticas pedagógicas na escola.

Seminário Integrado
Com relação a metodologia utilizada no seminário integrado desenvolvida no Pacto, foi feita a
seguinte pergunta: Que aspectos foram evidenciados na sala de aula a partir do seminário integrado e da
pesquisa, e se você acredita que esta prática pedagógica é necessária na atualidade?
Para os alunos foi uma excelente experiência que prepara para a pesquisa, mas necessita de maior
rigor por parte dos professores.Quanto aos professores,houve maior comprometimento por parte dos alunos,
com a busca do conhecimento pela pesquisa.Para os gestores, ainda há bastante resistência por parte dos
docentes com a nova proposta, consideram uma excelente metodologia, mas ainda é pouco o incentivo ao
aluno para a prática da pesquisa.

107
A Escola: Dinâmicas e Atores

Desenvolvimento da aprendizagem
Quanto ao desenvolvimento e melhoria da aprendizagem, foi realizado o seguinte questionamento: A
partir do Pacto Nacional do Fortaleciemnto do Ensino Médio, desenvolveram-se algumas práticas
pedagógicas que melhoraram o desenvolvimento do aluno e contribuiram para a transformação do contexto
escolar comoum todo?
Para os alunos percebeu-se maior conexão da teoria com os problemas da realidade vivida; Quanto
aos professores, houve uma tênue melhora na aprendizagem e mudança nas práticas pedagógicas;
Já os gestores, perceberam que a prática de uma metodologia interdisciplinar auxiliou o
desenvolvimento da aprendizagem à partir dos projetos, da ampliação das pesquisas e do protagonismo dos
alunos.

RESULTADOS DA PESQUISA
O Pacto Nacional pelo fortalecimento do Ensino Médio no Brasil, representou uma experiência
promissora para alunos, professores e gestores.Todavia, sua efetivação perpassa pela continuidade da
execução desta política pública que garanta a formação continuada dos professores e o desenvolvimento de
práticas pedagógicas de ensino e aprendizagem que fomentem maior comprometimento e preparo do coletivo
escolar com a pesquisa e o desenvolvimento da autonomia do aluno. Quanto ao seminário integrado, todos
foram unânimes quanto à importância dos projetos que incentivam a pesquisa como princípio educativo e o
desenvolvimento da autonomia do aluno, porém um número ainda pouco expressivo de professores
conhecem e comprometem-se com esta proposta contextualizada e interdisciplinar.Com relação às mudanças
ocorridas no desenvolvimento dos alunos, constatou-se que houve uma iniciação a pesquisa,
desenvolvimento da autonomia dos alunos e comprometimento com a construção do conhecimento.

CONCLUSÃO
O Pacto pelo fortalecimento do Ensino Médio no Brasil, iniciou um novo processo instigador de
renovação de práticas de ensinar e aprender. As trajetórias, desafios, conquistas e retrocessos enfrentados
pela Educação no Brasil, nos comprometem a sua contínua reflexão crítica, luta, mobilização e reconstrução.
Avançamos no acesso a educação, perseguimos a permanência do aluno na escola e temos o desafio
de fortalecer a qualidade do processo de ensinar e aprender e a efetivação de polírticas públicas de
valorização da educação, e de seus profissionais. Estamos conquistando espaços dialógicos e de pesquisa
nas salas de aula e seminários integrados, entretanto ainda precisamos continuar lutando por políticas
públicas que assegurem uma maior estruturação de todo o sistema educacional, em uma perspectiva que
fortaleça o desenvolvimento de um projeto de educação e mundo mais justo e menos excludente.

REFERÊNCIAS
Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo. Lisboa:Eduções 70.
Brasil (2009). Emenda constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Brasília: Diário Oficial da União.
Brasil (1996). Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Brasília, DF: Dia´rio Oficial da União.
Brasil (2013). Lei nº 12.796 de 4 de abril de 2013 atera a Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece
as diretrizes e Bases da Educação Nacional.Brasília: Diário Oficial da União.

108
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Fernandes, C. M. B. (2008) À procura da senha da vida-de-senha a aula dialógica? In Ilma Passos A. V.


(Org.). Aula: Gênese, dimensões, princípios e práticas. Campinas. SP. Papirus.
Freire, P. (2005). Pedagogia do Oprimido (40ªEd.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.
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Teixeira, A.S. (2009). Educação é um direito, 4 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,(Col. Anísio Teixeira:v; v. 7)

109
A Escola: Dinâmicas e Atores

O CLIMA DE TRABALHO NA ESCOLA E O PROCESSO DE INSERÇÃO


PROFISSIONAL DE PROFESSORAS INICIANTES, EGRESSAS DO PIBID
[ID 156]

Marli André
Gláucia Signorelli
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC SP; Universidade Federal de Uberlândia
marli.andre@gmail.com; glauciasignorelli@gmail.com

Resumo
Este texto apresenta dados de uma investigação que tem o foco no processo de inserção profissional de
egressas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), uma política do governo
brasileiro, que pretende elevar a qualidade da formação inicial, inserindo os futuros professores no contexto
escolar, promovendo a integração entre teoria e prática e entre universidade e escola. Discute-se, neste texto,
como o clima e a cultura da escola afetam o início da docência. O conceito de clima de trabalho ou clima
organizacional adotado é o de Brunet (1992) que o define como uma série de características que são
perceptíveis do ponto de vista da organização e que podem ser indicadores da forma como as instituições
agem em relação aos seus membros. Libâneo (2004) defende que cabe aos gestores promover um ambiente
favorável, em que relações de confiança, de cordialidade, de interesse pelo outro e de ajuda mútua
prevaleçam, pois são fatores determinantes para o bom andamento das atividades escolares. Foi utilizada a
abordagem qualitativa de pesquisa, com dados coletados por meio de grupos de discussão com doze
professoras iniciantes, ex-pibidianas, egressas do curso de Pedagogia de uma universidade pública e
entrevistas com 10 gestoras das escolas em que as iniciantes atuavam. Os resultados evidenciaram de modo
geral, relações difíceis nas escolas entre professoras iniciantes e suas colegas experientes. As iniciantes
declararam que se sentiam rejeitadas e muitas vezes ignoradas por parte das colegas experientes o que é,
inevitavelmente, um aspecto desfavorável ao clima da escola, pois essa falta de solidariedade gera relações
frágeis, prejudiciais à escola, aos professores e alunos. As gestoras afrmaram que percebiam essa tensão e
tentavam pequenas ações para minorá-la, mas demonstraram não ter muita clareza sobre este importante
momento da carreira profissional. A forma como as iniciantes são vistas e tratadas pelas professoras
experientes está configurada pela cultura da escola, cujos padrões e características manifestam a ausência
de articulação e integração entre os professores.

Palavras-chave: inserção profissional, Clima organizacional, Cultura da escola, Professoras iniciantes.

Résumé
Ce document présente des données d'une enquête qui a mis l'accent sur le processus d'intégration
professionnelle des diplômés par le Pibid -programme institutionnelle de bourse Introduction a l'enseignement,
une politique du gouvernement brésilien, qui vise à améliorer la qualité de la formation initiale, l'entrée des
futurs enseignants dans les écoles, la promotion de l'intégration de la théorie et la pratique et entre l'université
et l'école. Est discuté dans ce texte, comme le climat et la culture scolaire affectent le début de l'enseignement.
Le concept de climat de travail ou le climat organisationnel adopté est celui de Brunet (1992) qui définit un
certain nombre de caractéristiques qui sont visibles à partir du point de vue de l'organisation et peuvent être
des indicateurs de la façon dont les institutions agissent en fonction de leurs membres. Libâneo (2004) fait
voir qu'il appartient aux gestionnaires de promouvoir un environnement favorable dans lequel fait confiance,
de chaleur, de souci des autres et de l'aide mutuelle prévaudra car ils sont des facteurs déterminants pour le
progrès des activités scolaires. Nous avons utilisé la recherche qualitative, avec des données collectées par
les groupes de discussion avec douze enseignants débutants, anciens pibidianas, diplômés des cours de
l'éducation d´une université publique et des entretiens avec 10 gestionnaires des écoles où les débutants ont
travaillé. Les résultats montrent des relations généralement difficiles entre les enseignants débutants et leurs
collègues expérimentés. Les débutants ont déclaré qu'ils se sentaient rejetés et souvent ignorés par les
collègues expérimentés ce qui est forcément un aspect défavorable au climat scolaire, parce que ce manque
de solidarité, produit des relations fragiles, préjudiciables à l'école, a les enseignants et les étudiants. Les
gestionnaires ont dit que ils ont perçu cette tension et ont essayé de petites actions à diminuer, mais ils montre
que ne comprend pas bien ce moment important dans la carrière. La façon dont les débutants sont vus et

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

traités par des professeurs expérimentés est définie par la culture de l'école, dont les normes et les
caractéristiques manque manifeste de coordination et d'intégration entre les enseignants.

Mots-clés: Intégration professionnelle, Climat organisationnel, La culture de l'école, Les enseignants


débutants.

INTRODUÇÃO
Este texto apresenta dados de uma investigação que tem o foco no processo de inserção profissional
de egressas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), uma política do governo
brasileiro, que pretende elevar a qualidade da formação inicial, inserindo os futuros professores no contexto
escolar, promovendo a integração entre teoria e prática e entre universidade e escola.
O Pibid foi instituído pelo Decreto nº 7.219 de 24 de junho de 2010, consubstanciado em um Programa
de Iniciação à Docência, de âmbito nacional, que tem por finalidade contribuir para o aprimoramento da
formação de professores em nível superior e para a melhoria da qualidade da educação básica pública
brasileira. Oferece bolsas a professores das universidades participantes e das escolas parceiras e bolsas de
iniciação a docência a estudantes de licenciatura para que, durante a formação, tenham a oportunidade de
se inserir no contexto da escola pública e participar de experiências metodológicas, tecnológicas e de práticas
docentes de caráter inovador e interdisciplinar (Brasil, 2013).
Alguns estudos acerca do Pibid têm destacado as contribuições do programa para a valorização e
qualificação dos futuros professores da educação básica, como os de Canan (2012), Buzzi (2013), Persich
(2016) entre outros; a dissertação de Ribeiro (2013) traz as percepções que licenciandos de diversas áreas
têm do programa, com destaque para os ganhos substanciais que a inserção no ambiente escolar lhes
possibilitou; o estudo de Ambrosetti, Calil, André & Almeida (2015) trata do movimento de aproximação entre
universidade e escola promovido pelo Pibib e procura identificar até que ponto essa experiência contribui para
superar o distanciamento entre os espaços de formação e do exercício profissional, além das implicações
para a formação profissional dos participantes do programa.
Observando que esses estudos expressam resultados do valor que o Programa vem agregando à
formação de professores e que seus efeitos positivos têm sido bastante contundentes para sua consolidação
como política pública de formação de professores, pretendeu-se, neste estudo, dirigir o olhar para a inserção
profissional de professores iniciantes egressos do Pibid, a fim de verificar quais influências o programa tem
sobre essa fase da carreira, especialmente no que diz respeito ao clima de trabalho.
É fato que o início da vida profissional é uma etapa diferenciada da carreira docente que abarca o
período em que os professores fazem a transição de estudante a professor e é permeado por tensões,
dificuldades e desafios. Em muitos casos, os professores iniciantes são colocados em situações conflitantes
e, geralmente, enfrentam sozinhos a tarefa de ensinar e todas as implicações que dela advém (Marcelo
Garcia, 2010). Entendemos essa transição como um movimento complexo em que transformações pessoais
e profissionais ocorrem e ajudam a definir os caminhos da carreira docente.
Em geral, quando chegam às escolas, os professores iniciantes trazem os conhecimentos formulados
durante sua trajetória estudantil, seja na educação básica ou na formação superior, mas ainda têm muito que
aprender na nova posição – a de professor em uma sala de aula ensinando seus alunos. Assim, enquanto
ensinam, os professores iniciantes vão aprendendo a conduzir a sala de aula, a lidar com os conteúdos, com
o comportamento dos alunos, a se relacionar com os pais e com seus pares e tantas outras aprendizagens
necessárias à docência.

111
A Escola: Dinâmicas e Atores

A depender de como encaram essa fase ou o modo como são recebidos no contexto escolar, a
entrada na carreira pode ser fácil ou difícil, amena ou inquietante, alegre ou triste ou, muitas vezes, ser uma
mistura desses sentimentos. Alguns professores conseguem passar por essa fase de forma mais tranquila,
inclusive fazendo importantes descobertas, mas a maioria sofre as agruras do início da carreira, causadas,
frequentemente, por situações adversas vinculadas aos contextos escolares em que atuam.
Destaca-se nesse processo, o importante papel dos gestores, de promover um clima de trabalho
favorável na escola, em que relações de confiança, de cordialidade, de interesse pelo outro e de ajuda mútua
prevaleçam, pois são fatores determinantes para o bom andamento das atividades escolares, conforme expõe
Libâneo (2004).
Consideramos o clima de trabalho na escola como um dos elementos que podem interferir na inserção
profissional dos professores. Assim, o objetivo do presente estudo é conhecer e analisar como o clima e a
cultura da escola afetam o início da docência.
O problema que orientou a pesquisa gira em torno dos resultados efetivos que a participação no Pibid
trouxe à prática dos professores iniciantes, considerando que a entrada na carreira pode sofrer influências da
cultura da escola, manifestada nos valores, normas e princípios que regem seu funcionamento, bem como no
clima de trabalho que se faz presente entre todos membros que compõem o espaço educativo.
Dessa forma, toma-se o clima de trabalho como pano de fundo para abordar a forma como as escolas
em que atuam os professores iniciantes lidam com o processo de inserção profissional, que demanda uma
ação especial, comprometida com sua própria função educativa, mas, sobretudo com os professores novatos,
por ser uma fase peculiar da carreira docente.

METODOLOGIA DA PESQUISA
O caminho metodológico desta pesquisa orientou-se para a abordagem qualitativa, que segundo Gatti
e André (2010, p.30), é “[...] uma modalidade investigativa que se consolidou para responder ao desafio da
compreensão dos aspectos formadores/formantes do humano, de suas relações e construções culturais, em
suas dimensões grupais, comunitárias ou pessoais”.
Como fonte principal na coleta de dados optou-se pela realização de grupos de discussão, que
conforme Weller (2006, p.245), permitem a exploração das experiências, opiniões e posições coletivas que
refletem as orientações ou a visão de mundo de um grupo social do qual os participantes fazem parte. A
autora argumenta que, nessa perspectiva, os sujeitos não são apenas detentores de experiências prévias e
opiniões, mas “representantes do meio social em que vivem”.
Foram realizados dois grupos de discussão com doze professoras iniciantes, ex-pibidianas, egressas
do curso de Pedagogia de uma universidade pública federal do estado Minas Gerais, que atuam na educação
infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, em escolas públicas estaduais e municipais, sendo seis
participantes em cada grupo. Realizou-se também entrevistas semiestruturadas com 10 diretoras e
supervisoras das escolas em que atuam as iniciantes, as quais atestaram como ocorreu o momento de
ingresso dessas professoras na carreira.

O CLIMA DE TRABALHO NA ESCOLA


A escola, permeada por seus valores, suas tradições, rotinas e princípios, põe em evidência um modo
particular de atuação e organização que marca fortemente suas práticas. É este modo particular de

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

funcionamento que define, entre outras questões, as relações entre os sujeitos e a forma como desempenham
seu trabalho. E, nesse movimento, em que interesses, desejos e saberes se entrecruzam, que o clima de
trabalho vai sendo definido, desencadeando fatores que influenciam o conteúdo e a forma como os sujeitos
escolares se relacionam e desenvolvem suas atividades.
O conceito de clima de trabalho ou clima organizacional adotado é o de Brunet (1992) que o define
como uma série de características que são perceptíveis do ponto de vista da organização e que podem ser
indicadores da forma como as instituições agem em relação aos seus membros. O que se evidencia a partir
dessa concepção, é o modo como as pessoas percebem o seu ambiente de trabalho mais do que a realidade
objetiva.
As professoras iniciantes, sem conhecer bem a realidade objetiva das escolas, que também pode
alterar suas percepções acerca do clima de trabalho, contaram como se sentiram ao adentrar a escola e como
foram percebendo o clima que envolvia o ambiente escolar. O que se manifestou a elas com certa
regularidade, foi um clima pouco favorável, expresso pelo baixo nível de consideração e atenção com a
pessoa e a profissional que estava chegando à escola, advindo, principalmente, da parte das professoras que
já se encontravam na escola há mais tempo. Os depoimentos abaixo são a expressão do que vivenciaram as
iniciantes:
Quando a gente chega numa escola, principalmente quando somos novatas ainda, ninguém
olha pra gente não, acho que se fosse de cabelo azul, nem assim me enxergariam ali como
professora. Eu, principalmente, que tenho essa cara de menina [mas só a cara, já sou
velhinha...risos] pior ainda. Eu me senti uma intrusa na escola, nem tinha vontade de ir a sala
dos professores na hora do recreio, demorava na sala de aula, [...] É uma sensação ruim e
não é que eu não queria me relacionar com elas, eu queria sim, mas estava difícil chegar.
(Clara)
Eu, pra falar a verdade, me senti um zero a esquerda [risos] um nada né, tamanha a
desconsideração com a minha presença. Claro, se não me conhecem não iriam falar muito
comigo mesmo, isso eu já esperava, mas fingir que eu não estava ali, que eu não existo,
nossa a gente não faz isso com ninguém, pelo contrário, nesses casos, tentamos ser cordiais
pelo menos. (Fabiana)
Rejeição, frieza, distanciamento, foi o que as professoras iniciantes sentiram da parte de suas colegas
experientes o que é, sem dúvida, um aspecto desfavorável ao clima da escola, pois essa falta de solidariedade
gera relações frágeis, prejudiciais à escola, aos professores e alunos. Sentir-se intrusa, zero à esquerda ou
invisível, talvez seja o reflexo da invisibilidade histórica que acomete os professores em nossa sociedade,
mas não justifica a forma como as iniciantes foram tratadas pelas próprias colegas. Considera-se que este é
o quadro da invisibilidade exposto por Cavaco (1995), que desrespeita e desvaloriza uma profissional
ingressante na carreira, dificultando sua integração tanto à cultura da escola como à categoria profissional da
qual passa a fazer parte.
As supervisoras das escolas percebem esse distanciamento entre as iniciantes e as experientes,
como é possível constatar:
Sinceramente, eu acho que há um pouco de resistência das colegas, parece que não dão
muita atenção aos novatos, deixam um pouco pra lá nem dão muita atenção, eu falo para as
meninas [as iniciantes] procurarem se entrosar, ficar na sala dos professores na hora do
recreio. (Supervisora Vivian)
Mas no começo é uma relação mais fria, as que estão chegando de um lado mais quietas,
as outras professoras de outro lado, sem se entrosarem muito, é até engraçado porque
parece que tem medo umas das outras. Eu faço o que posso para ajudar, me coloco à
disposição sempre que precisam [...] (Supervisora Hellen)
Ainda que as supervisoras realizem pequenas ações para diminuir o distanciamento ou a negatividade
das relações entre iniciantes e experientes, nota-se que não compreendem a especificidade da inserção

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A Escola: Dinâmicas e Atores

profissional, nem a dimensão dos desafios que enfrentam as iniciantes, por ser a primeira vez que assumem
uma sala de aula. Essa atitude das supervisoras, mesmo que inconsciente, pois acreditam estar fazendo o
que podem, reforça a perspectiva negativa e desfavorável do clima de trabalho encontrado pelas iniciantes
ao ingressarem nas escolas.
O comportamento das professoras experientes pode ser explicado pelo próprio fato de saberem que
as colegas são iniciantes, recém formadas, trazem saberes atualizados e isso pode mexer com a escola,
mexer com elas e mudar aquilo que já fazem cotidianamente, como relatou uma diretora:
Eu percebo que tem uma barreira entre quem já está na escola com aqueles que chegam,
isso é o que acontece normalmente, parece que se sentem ameaçados, porque quem está
chegando, ainda mais se é jovem, que acabou de formar como a Clara é ainda pior, não sei
se é porque estudou recentemente, está atualizada, ou se é porque é jovem e tem mais
disposição. (Diretora Maria Elisa)
Considerando o que diz a diretora, percebe-se que a forma como as iniciantes são vistas e tratadas
pelas professoras experientes está configurada pela cultura da escola, cujos padrões e características
manifestam a ausência de articulação e integração entre os professores. Observa-se que as reações de
indiferença às iniciantes vêm da parte das professoras experientes, mas atuar na promoção de relações de
trabalho saudáveis, receptivas e comprometidas com a função social da escola é uma tarefa da equipe
gestora. Diretoras e supervisoras têm conhecimento do que ocorre entre experientes e iniciantes, mas suas
ações pouco têm amenizado as relações entre as professoras no contexto desta pesquisa. Questionadas
sobre alguma ação especifica voltada para a integração das iniciantes ao grupo, como por exemplo, designar
uma professora experiente para acompanhar a iniciante durante o primeiro mês de trabalho, a supervisora
diz: “Não, algo especial assim não, nunca fizemos isso, mas quando elas precisam de alguma coisa elas me
procuram e sou eu que ajudo” (S-Hellen).
Além dessa falta de solidariedade e de ações que amenizem o clima hostil de trabalho, outro aspecto
que também se evidenciou na maioria das escolas, foi a falta de confiança nos saberes das iniciantes. O
relato a seguir é muito expressivo dessa falta de confiança no trabalho de uma professora iniciante, que
concorda com o que diz uma colega e acrescenta:
Eu também penso assim como a Mariana, é difícil chegar numa escola e ver que suas
crenças, seus valores, seus conhecimentos, podem ir literalmente para o ralo e, no meu caso,
só não foram ainda porque acredito que minha base de conhecimentos é boa, o que eu
aprendi durante minha formação e no Pibid, principalmente, ainda é válido para mim. Tenho
que acreditar nisso, mas, por outro lado, não consegui ainda fazer com que as pessoas
confiem em mim, que dêem credibilidade ao meu saber, às minhas ideias. Ainda não desisti
de tentar e minha estratégia é me aproximar de alguma colega que vejo que é mais acessível,
que também quer tentar algo diferente. (Nara)
A professora assume como se sente na relação com seus pares, ocasionado pela falta de confiança
em seus saberes, no entanto, como afirma, são esses mesmos saberes que validam e motivam sua ação
docente. Este parece ser um dilema da profissão que recai fortemente sobre as iniciantes, ou seja, ao mesmo
tempo em que se sentem confiantes e motivadas, necessitam da credibilidade e da confiança dos outros
sobre seu trabalho.
A par disso, pode-se inferir que há necessidade de as professoras iniciantes terem pontos de apoio
nas escolas a fim de fortalecerem sua confiança e suas referências profissionais. Esses pontos de apoio
podem ser os pares experientes, uma supervisora ou outras pessoas da equipe gestora que assistam as
iniciantes, que ouçam e discutam com elas suas ideias, como elas mesmo pedem. Acredita-se que este seja
um caminho às escolas, que além de cumprir seu papel na socialização das professoras iniciantes, pode

114
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

também fomentar valores institucionais imprescindíveis para conseguir um clima organizacional favorável ao
efetivo desempenho de todos.
Destaca-se da fala das professoras a necessidade de se sentirem valorizadas pelo trabalho que
desenvolvem, de terem suas ações reconhecidas e validadas, especialmente, por seus pares. Não sendo
assim, há que se buscar outra forma e, entre a desconfiança dos outros e a confiança em si mesmas, apontam
como conseguiram encontrar um lugar melhor dentro da condição de iniciante:
Mas, à medida que o tempo passa a gente vai ganhando confiança em nós mesmas, a
experiência vai mostrando qual a melhor forma e a hora certa de agir, a família também
passa a confiar mais, porque eles [os alunos] são muito pequenos, muito dependentes. Mas,
foram as discussões da graduação, os textos lidos, as falas da coordenadora do Pibid, que
eu vou recordando e vendo que as coisas não estão perdidas e é isso que me segura até
hoje e digo isso com toda certeza, se eu não tivesse a formação que eu tenho e um pouco
de conhecimento sobre a educação infantil, eu não estaria mais aqui. Agora, não posso negar
que tenho aprendido muito e é isso que me dá forças. (Natália, grifos nossos)
Apenas os trechos em destaque dão sentido ao que sente e faz a iniciante nesse momento
desfavorável da carreira. Desfavorável, porque não encontrou na escola um ambiente que agrega e torna
mais amena a tarefa docente ou que a leve a um lugar melhor e mais confortável dentro da docência. Como
declara Marcelo Garcia (2010, p.5), esse é um grande paradoxo que acomete os professores iniciantes, pois
“enquanto as correntes atuais expõem a necessidade de que os professores colaborem e trabalhem
conjuntamente, nos encontramos com a pertinaz realidade de docentes que se refugiam na solidão de suas
salas de aula.”
Com todo esse nível de desconfiança no trabalho das iniciantes, elas têm poucas oportunidades para
contribuir com a escola e suas ideias não são levadas a sério, sendo este outro importante aspecto que
interfere no clima de trabalho da escola. É o que conta Mariana:
Eu e a Nara que somos novatas lá, gostaríamos de fazer algo diferente, mas nem sempre
conseguimos. Às vezes arriscamos dar uma ou outra ideia que nem sequer é ouvida ou se
ouvem, parecem indiferentes. Temos vontade de fazer coisas novas, um teatro, uma
contação de histórias, mas tem um script pronto que precisa ser seguido. Tem até uma fala
interessante de uma professora que já está quase aposentando que ao ouvir uma de nossas
ideias, disse que de fato ela está precisando sair, porque as mais novas estão chegando
cheias de ideias, mas ela não estava disposta a fazer isso, porque daria muito trabalho.
Então, é a isso que estamos expostas nas escolas, eu até falei para a Nara outro dia, que
estou ficando cansada, por outro lado, se eu não fizer isso, não serei eu mesma, pois estarei
deixando de fazer o que acredito. (Mariana)
A professora confirma que tem poucas oportunidades de contribuir, pois suas ideias são sempre
rejeitadas e indiferentes às colegas, que preferem seguir um “script pronto”, provavelmente, já naturalizado
em suas práticas e que não requer muito esforço para ser aplicado. A professora se ressente da situação,
declara-se cansada, mas seus propósitos educativos a ajudam a manter-se firme àquilo que acredita. Para
isso, conta com o apoio de sua colega, também iniciante, que em um depoimento semelhante ao seu, expõe:
Eu sigo as normas, trabalho o que foi “determinado” (fez movimento de entre aspas), mas
também procuro fazer o que eu acredito. Por exemplo, eu acredito que a criança é capaz de
construir conhecimento e que para que isso ocorra devo proporcionar atividades em que elas
construam o conhecimento, então, além das atividades determinadas, faço outras mais
envolventes e lúdicas e mesmo que falem que eu estou apenas brincando, continuo fazendo
e fico muito feliz quando vejo que está valendo a pena porque as crianças estão crescendo.
Aí eu falo para a Mariana, não desespera não, nós vamos conseguir. (Nara)
Uma professora fala em “script pronto”, a outra em trabalho “determinado” e são expressões fortes
que revelam as concepções teóricas e práticas desenvolvidas nas escolas e suas implicações às práticas
docentes, e mais especificamente, as implicações para a prática das iniciantes que se encontram em um
período em que há um confronto inicial com a atividade profissional.

115
A Escola: Dinâmicas e Atores

Mariana e Nara são iniciantes que atuam na educação infantil e é natural que queiram preparar um
teatro e contar histórias, pois são atividades muito apropriadas para crianças nessa fase escolar e que elas
experimentaram durante a participação no Pibid. O relato abaixo, de outra iniciante, mostra de onde vem esse
desejo:
Nós sabemos da importância do lúdico para a criança então queremos colocar isso em
prática. O Pibid contribuiu muito, mas muito mesmo, principalmente quanto a ludicidade como
forma de trabalho, porque até então eu não tinha essa visão do ensino baseado no lúdico. O
Pibid me ensinou a trabalhar esse lúdico em sala de aula, é um teatro, um jogo, uma
brincadeira, uma história que envolva a criança e ela aprenda [...]. (Fabiana)
Esse depoimento ilustra o motivo que leva as professoras a acreditarem nessa forma de ensino, por
isso sugerem e almejam contribuir com ideias e projetos dessa natureza. Elas viveram a experiência de um
trabalho lúdico durante o Pibid e sabem o valor que representa para o desenvolvimento infantil. Mas o que
tem se apresentado a elas, nas escolas, são ideias e concepções fundamentadas em uma abordagem mais
técnica de ensino, advinda de um script determinado. Por isso, há confronto de ideais e concepções e as
iniciantes, como já demonstraram, acreditam em um ensino mais lúdico, centrado na criança e no seu
processo de aprendizagem.
No entanto, esse choque de ideias e concepções de ensino, que poderia funcionar como uma válvula
de escape para se desligar da realidade e, metaforicamente, deixar o barco navegar conforme a correnteza,
o que é muito comum no início da docência, teve outro significado para as iniciantes, o da coragem, da
determinação e da sensibilidade de dizer se eu não fizer isso, não serei eu mesma, pois estarei deixando de
fazer o que acredito (Mariana); e, não desespera não, nós vamos conseguir (Nara).
Acredita-se que este seja o motivo de não se entregarem a uma prática que, segundo Fontana (2000,
p.110), “nos expropria do “ser profissional”, na medida em que, reduzindo-nos a executantes das normas, vai
cerceando as possibilidades de produção e de elaboração, em nós, dos saberes de nosso ofício, pela
participação efetiva na sua organização”.
De toda forma, é importante lembrar que as professoras estão iniciando a vida profissional e que
precisam de oportunidades para se integrar à cultura da escola e colocar em ação os seus saberes, analisar
sua prática, equilibrar suas necessidades às exigências do trabalho docente; precisam se envolver com a
escola, se sentir parte dela e ter a oportunidade de contribuir efetivamente com o projeto educativo que
desenvolvem. Mas isso requer abertura, delas próprias e dos outros, requer colaboração e confiança em seus
saberes, a fim de que superem os sentimentos negativos e consolidem, no exercício profissional, experiências
tão relevantes como foram as do Pibid, as quais elas sempre mencionam:
O que eu mais sinto é não poder trabalhar em equipe como era no Pibid, a gente fazia tudo
junto, uma ajudava a outra, nossas ideias eram ouvidas e mesmo que não fossem aceitas
discutíamos outras formas, mas na escola isso não ocorre, eu nem fico dando muitas ideias,
porque não me ouvem, umas colegas dão até umas risadinhas como se dissessem, isso é
bobeira. (Fabiana)
Talvez, o fato de se reportarem ao Pibid, se deva à discrepância entre o que o programa lhes
proporcionou e o isolamento que vivenciam nas escolas, que vai no sentido contrário das suas expectativas
para o início da docência, ou seja, o desejo de realizar um trabalho em parceria com outros professores. A
esse respeito, recorre-se a Lima (2002), que enfatiza os benefícios de parcerias entre professores afirmando
que,
a essência de um controle profissional e de um crescimento intelectual contínuos reside no
contato estimulante com pares que desafiam constantemente as ideias existentes acerca das
crianças, do currículo, da gestão da sala de aula e de problemas mais vastos ligados à
relação entre a escola e a comunidade (p.41).

116
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Eis uma forte justificativa para as professoras iniciantes se manterem em seu propósito de quebrar o
isolamento profissional, não somente o que lhes ocorre, pelas circunstâncias já descritas, mas, também, de
suas colegas que ao dizerem “não” ao trabalho colaborativo, se isolam. Tomar o trabalho colaborativo como
um mecanismo de interação entre as professoras, ou provocar o “contato estimulante” como declara Lima
(2002), é essencial ao controle e crescimento profissional, o que poderá reverter em energia, entusiasmo e
muitas aprendizagens aos professores, alunos, e à instituição como um todo.
A promoção da colaboração entre professores, seja na divisão de responsabilidades, na execução de
projetos e nas tomadas de decisões, é um dos papéis da equipe gestora que, agindo assim, dará a todos a
oportunidade de integração à cultura da escola e de crescimento profissional. Essa é também uma forma de
ajudar as professoras iniciantes a construírem uma identificação com a instituição, para que se sintam parte
do corpo profissional. Adotando tal procedimento a escola poderá estimular um clima de trabalho favorável à
progressão dos professores, independente da fase da carreira em que estiverem, mas, especialmente, das
professoras iniciantes, cuja fase requer atenção redobrada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De um modo geral, percebe-se que as professoras iniciantes estão buscando alcançar um equilíbrio
na profissão, tentando ser aceitas e aproveitando as oportunidades de integração ao coletivo de professores
O que se destaca é uma atitude proativa, de se expor, de querer se aproximar das colegas, de chamar
para si o mandato da docência compartilhada, conforme defende Cochran-Smith (2013), que envolve uma
postura de “desprivatização da prática”, ou seja, abrir seu trabalho para outros. Esse processo ocorre,
geralmente, em contextos em que a colaboração, a partilha e o apoio mútuo estão presentes e, segundo a
autora citada, permite às pessoas gerar conhecimentos e construir seu trabalho sob bases coletivas. Nota-
se, nesta pesquisa, que as professoras iniciantes, tanto estão tentando fazer isso, como querem que as
colegas mais experientes também o façam para que, mutuamente, se beneficiem das experiências e saberes
umas das outras. Esse sentido que procuram dar ao trabalho docente se destaca em suas falas e parece ir
além do fato de querer se dar bem com as colegas, pois o que almejam é um trabalho conjunto, que se
assente na partilha e na troca de conhecimentos.
Acredita-se que essa postura das iniciantes seja resultado do processo formativo que vivenciaram,
especialmente no Pibid, que lhes proporcionou ampla interação com as colegas, coordenadora e supervisora
do programa. Nesse sentido, pondera-se que as concepções de trabalho compartilhado das professoras
iniciantes têm bases fortes, mas se chocam com as bases fracas de interação dentro das escolas, as quais,
contraditoriamente, têm sido obstáculos para a implementação da ação conjunta que desejam e de uma
inserção profissional mais tranquila.
Cabe à escola se organizar para acolher os professores iniciantes, abrir-lhes as portas e implementar
esforços para que essa passagem para dentro da profissão seja significativa e vá ajustando dificuldades,
necessidades e se aproximando da realidade concreta.
Diante dessas considerações, assevera-se que as dificuldades das iniciantes, de consolidar a entrada
na vida profissional, está permeada pelo conteúdo manifestado na cultura da escola (atitudes, valores,
hábitos), que de modo geral, revela um trabalho individualizado, disperso e rotineiro; e pela forma dessa
cultura, que realça relacionamentos frágeis e com baixo nível de integração entre professores experientes e
as iniciantes na realização das atividades de ensino. Tudo isso pode se converter em prejuízo para as escolas,

117
A Escola: Dinâmicas e Atores

professores e alunos, mas, especialmente, às professoras iniciantes, que embora demonstrem motivação
pelo trabalho, necessitam e querem participar mais ativamente da vida da escola, movimentar-se
profissionalmente no sentido da ação-reflexão-ação, envolver-se com uma prática educacional humanizadora
e emancipatória, tanto de si, como dos outros ao seu redor, aspectos que as ajudarão a consolidar a docência.

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118
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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metodológicos e análise de uma experiência com o método. In Weller, W. & Pfaff, N. (Orgs).
Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: Teoria e prática. Petrópolis: Vozes.

119
A Escola: Dinâmicas e Atores

O QUE TEM DENTRO DA CACHOLA : UMA EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL NO


BAIRRO URBIS II DE AMARGOSA- BAHIA
[ID 304]

Cleidiele dos Santos Aragão


Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
keuaragao@hotmail.com

Resumo
Este é o resultado do projeto intitulado: “O Que tem dentro da cachola”, realizado no bairro da Urbis II, do
município de Amargosa do estado da Bahia. O projeto tem como objetivo geral, despertar nas crianças o
prazer da leitura, tendo como objetivo específico desenvolver na criança o senso crítico, a curiosidade e a
criatividade, através de atividades lúdicas, envolvendo a contação de histórias. O contador de história busca
valorizar a auto-estima da criança, através da valorização dos conhecimentos das crianças, dando voz e vida
à sua imaginação, estimulando os seus talentos. A metodologia aplicada foi de observação da criança ao
longo de cada encontro, de forma processual, com o objetivo de avaliar se o projeto estava atingindo os
objetivos propostos juntos as crianças. As atividades foram desenvolvidas em seis meses, sendo que no
primeiro mês foi desenvolvido as atividades de literatura infantil, no segundo, atividades de inclusão,
valorizando as habilidades dentro daquele grupo de crianças, no quarto ao sexto mês atividades valorizando
a identidade e o autoconhecimento. Ao fim do projeto foi possível verificar o interesse da criança pela leitura,
do comportamento participativo, a autonomia da criança diante das brincadeiras propostas juntamente com o
crescimento da autoestima, perceptível nos participantes.

Palavras-chave: Contação de história, Criança, Atividade Lúdica, Educação Infantil, Educação não formal.

Résumé
Ceci est le résultat du projet intitulé: "Qu'est-ce que dans la caboche», tenue dans le quartier Urbes II,
municipalité Amargosa de Bahia. L'objectif global du projet, éveiller chez les enfants le plaisir de la lecture
avec des objectifs spécifiques dans le développement enfant la pensée critique, la curiosité et la créativité à
travers des activités ludiques, impliquant la narration. L'historique de la recherche de valeurs de compteur de
l'enfant l'estime de soi l'amélioration des connaissances des enfants, en donnant la parole et de la vie à votre
imagination, stimulant leurs talents. La méthodologie appliquée a été l'observation de l'enfant le long de
chaque réunion, la procédure, avec l'objet d'évaluer si le projet a été atteint objectifs proposés ainsi que les
enfants. Les activités ont été développées dans les six mois, que le premier mois a été développé les activités
de la littérature pour enfants dans le second, les activités l'inclusion, en valorisant les différents au sein de ce
groupe d'enfants, au quatrième mois, le les activités ont été le développement de l'identité et de la
connaissance de soi. A la fin du projet, il était peut vérifier l'intérêt de l'enfant à la lecture, le comportement
participatif, l'autonomie de l'enfant dans les jeux proposé ainsi que la croissance de l'estime de soi, perçue
chez les participants.

Mots-clés: Raconter une histoire, Enfant, Activité Ludic, Éducation préscolaire, L’éducation non formelle.

JUSTITICATIVA
O presente trabalho tem o objetivo de relatar uma experiência educacional realizada na comunidade
do bairro urbis II de Amargosa-Bahia. O projeto originou-se do desejo meu, em trabalhar com crianças de
comunidade, onde o acesso a atividades lúdicas educativas somente era realizado no ambiente formal de
ensino.
O projeto vem desenvolvendo atividades educativas auxiliando o despertar pelo prazer da leitura,
curiosidade, criatividade e cooperação em grupo mostra a importância da contação de história. Como prática
no desenvolvimento e aprendizagem das crianças, de modo que ela venha estimular à imaginação,
criatividade, linguagem, memória e o prazer pela leitura.

120
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Desde dos primeiros séculos do surgimento do homem no mundo, manifestações de contação de


história vem sendo cultivadas, tendo uma importância grande para a sociedade deixando viva as tradições e
ensinamentos dos povos antigos. Segundo Mainardes (2008). As histórias estão presentes em nossa cultura
há muito tempo, e contar histórias é a mais antiga das artes, sendo que o hábito de ouvi-las e de contá-las
tem inúmeros significados, está interligado ao desenvolvimento da imaginação, à capacidade de ouvir o outro
e de se expressar, à construção de identidade e aos cuidados afetivos.
O ato de contar história vem se modificado ao longo tempo, antigamente as histórias eram contadas
para entreter e distrair as crianças, hoje isso mudou, a contação de histórias torna-se estratégias utilizada na
formação da criança como bom leitor e sujeito crítico, na coordenação motora e cognitiva, possibilita a
interação e participação, além de contribuir na aprendizagem da criança.
O projeto foi desenvolvido no contexto educativo permitindo que as crianças tivessem acesso a
diversas história e gênero textual. Utilizando como estratégia a brincadeiras e jogos, possibilitando a
socialização dos conhecimentos.
A magia da contação de história permite que a criança viagem pelos quatro cantos do mundo, em
diversos séculos distintos, estação e horários, conhecendo outras culturas, línguas e povos. Tendo uma visão
de mundo ampliada.

OBJETIVO
O objetivo principal do projeto é levar atividades lúdicas educativas para crianças de comunidade,
sendo um mediador e facilitador do processo de aprendizagem. Possibilitar às crianças o momento da
contação de histórias, oportunizando o desenvolvimento do gosto pela leitura. Influenciando no processo do
desenvolvimento individual.
Auxiliando no desenvolvimento da cognição, senso crítico, curiosidade e criatividade, envolvendo a
contação de histórias, jogos e brincadeiras. O contador de história busca valorizar a auto-estima da criança,
o auto reconhecimento, dando voz e vida à sua imaginação e estimulando os seus talentos. Trabalhando a
transmissão de valores influenciando no comportamento e atitudes, possibilitando a melhor convivência
dentro do projeto, como nas relações escolares e sociais.

METODOLOGIA
Para a concretização deste trabalho, utilizei a técnica de observação processual da criança ao longo
de cada encontro, onde por meio do comportamento, ação e reações, era feita anotações no caderno de
campo, fonte principal para este trabalho. Ao final do primeiro semestre estas anotações foram analisadas,
gerando este estudo.
O projeto foi criado em outubro de 2015, às atividades práticas iniciou-se no mês de fevereiro do ano
de 2016. A demora para o projeto entra em vigor ocorreu pela falta de espaço adequado. O espaço onde o
projeto foi desenvolvido é uma biblioteca comunitária denominada “Ponto de Leitura” coordenado por Adélia
Maia. Localizado no bairro urbis II, zona rural da cidade de Amargosa-Ba, é uma comunidade pouco povoada
com cerca de 150 famílias. O “Ponto de Leitura” é aberto a toda comunidade quatro dias por semana. o projeto
é aberto para todas as crianças da comunidade, sendo realizado nas terças e quartas das 14:00H às
17:00H. Ativamente 30 crianças participam do projeto, crianças na faixa etária de 02 a 14 anos.

121
A Escola: Dinâmicas e Atores

O nome do projeto surgiu ao decorrer das atividades. Quando eu chegava no “ponto de leitura” as
crianças sempre me perguntava. (- Professora trouxe o que para a gente hoje? Eu sempre respondia
interrogando. - O que será que tem dentro da minha cachola? E eles respondiam com muita animação e
alegria, -Brincadeiras, contação de história, dança, jogos, desenhos e etc.) E dessa maneira fui
desenvolvendo as atividades que eles tinham o desejo de realizar, mas sempre com uma intencionalidade
educativa.

Primeira etapa
Iniciou-se as atividades, com a escuta das literaturas infantis e desenho livre, que exigia a
concentração das crianças e estimulava a imaginação. Fornecendo através do desenho informações
importantes para que pudesse conhecer um pouco de cada criança. Tendo em vista que o desenho é uma
arma poderosa para conhecer e analisar a criança e suas fases de aprendizado, os sentimentos e emoções,
abordando o contexto familiar e social. Segundo Simone Hellen, através do que a criança desenha, podemos
descobrir e reconhecer as fases pela qual a criança está passando, suas dificuldades, bem como seus pontos
positivos.

Segunda etapa
A segunda etapa foi trabalhar com atividades de auto-estima e valorização pessoal. No primeiro mês
pude observar e registrar a baixa estima que algumas crianças apresentavam. “A auto-estima é o conjunto
de crenças e sentimentos que temos sobre nós mesmos, são o nosso auto percepções. ” A construção da
autoestima começa em casa, segue para o ambiente educacional formal e então chega na sociedade em
geral. A forma como a criança se ver e se define influencia no seu comportamentos e atitudes. Ações essas
que influencia no progresso da aprendizagem e no desenvolvimento humano, em decorrência dessa
demanda, levei atividades que pudesse estimular nas crianças a valorização pessoal.
Era realizada sempre a contação de história, seguido de atividades de construção de material.
§ Cartões de data comemorativas
§ Carta de elogio ao amigo
§ Maquetes temáticas
§ Mosaico (recorte e colagem)
§ Pintura em papel
§ Pintura em tela
§ Dinâmicas
Exemplo de Dinâmica: O mistério do Baú
Dinâmica: O mistério do Baú.
OBJETIVOS: Incentivar para a valorização pessoal
ESTRATÉGIAS: Dividir em 3 grupos e realizar a dinâmica com técnica de contação de História.
MATERIAL: Um espelho dentro do baú.
PROCEDIMENTO: a (o) oficineiro orienta ao grupo a ficar em silêncio para ouvir os procedimentos. O
coordenador motiva o grupo: falando que dentro do baú tem um tesouro muito valioso, é o tesouro mais
importante do mundo. Pede para as crianças pensar na pessoa mais importante da vida, alguém que elas
nunca se pôde fazer mal, que ama de verdade, que merece todo o cuidado e carinho do mundo. Da uma

122
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

pausa na dinâmica deixando um tempo para esta interiorização. Agora convidando individualmente cada
criança a abrir o baú e ficar de frente a frente com a pessoa mais bonita, inteligente simpática e amada do
mundo. Todos deverão olhar o espelho dentro do Baú, enquanto a coordenadora faz uma ação de elogios
sinceros e adequados para cada criança. Por fim, faz- se uma reflexão.
O resultado dessas atividades é muito positivo, estimulando na criança a alegria e satisfação em
produzir as atividades. Quando a educadora utiliza do reforço positivo para elogiar e da suporte ao
aprendizado, os resultados são mais eficazes.

Atividades de desinibição
Ao trabalhar a desinibição da criança selecionei os tipos de textos a ser desenvolvido: lendas, histórias
em quadrinhos, Fábulas, contos, poemas, letra de músicas e demais. Vários recursos e materiais para utilizar
na contação de histórias com o objetivo de haver uma desenvoltura na fala, ajudando a criança a enfrentar o
medo e a vergonha de falar em público. A ação de narrar uma história para outras crianças, desenvolve a
expressão corporal, exercício de memorização, tonicidade de voz, a interação com o grupo. Permitindo que
a criança tenha uma autonomia em relação a sua postura de leitor.

A diferença de idade
Trabalhar com criança de 02 a 14 anos no mesmo espaço e momento, foi um desafio. O primeiro
passo foi reconhecer em qual nível que as crianças estavam, se já conhecia as sílabas e letras se já estava
alfabetizado ou não. Quando se encontra crianças de várias facetarias de idade no mesmo espaço é
necessário haver uma dinâmica educativa especializada para trabalhar com cada nível de conhecimento. Em
seguida precisei pesquisar quais os melhores métodos para trabalhar com essa criança. E como organizar o
espaço de maneira que acontece a troca de informação, de uma forma simples e bem cuidadosa, em grandes
e pequenos grupos. Para que todos participassem e aprendesse. Para criança que ainda não estavam
alfabetizadas utilizava o desenho, pinturas, reconto da história, colagem ou montagem de brinquedos. Os
alfabetizados, realizava atividades de leitura e escrita de poema, atividades de criação de história recontos,
festival de ditado com palavras existente no conto do dia.

UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA CANTADA


As histórias cantadas, foram trabalhadas com uma perspectiva mais específicas, com a visão de
analisar o grupo e enxergar as dificuldades existente. Sendo um suporte para eliminar as dificuldades, tais
como, leitura, concentração, pronúncia das sílabas, contagem dos números, ritmo vocal e a relação em grupo.
Para ajudar nesse processo as Histórias “Atirei o pau no gato”, “Festa no céu” “A lebre e a tartaruga” e muitas
outras histórias musicalizada, instigou nas crianças a curiosidade e a vontade de aprender a ler.

Terceira etapa
A alguns anos atrás os jogos e brincadeiras era visto como um passatempo, tinha como objetivo a
distração e recreação. Hoje essa visão foi se modificando, os jogos e brincadeiras se usados adequadamente,
contribui como um suporte no processo de ensino e aprendizagem. Essa prática foi utilizada no projeto dando
uma resposta muito positiva no avanço da aprendizagem. Criando nas crianças o gosto por aprender
brincando, desenvolvendo o cognitivo e a coordenação motora, imaginação e o respeito pelas regras já

123
A Escola: Dinâmicas e Atores

existente, influenciando na criação de novas regras e cooperação em grupo. As crianças utilizam os jogos de
faz de conta, para conhecer o mundo do adulto e para a construção do seu mundo imaginário. As atividades
de jogos e brincadeiras realizado no projeto, buscava resgatar as tradições e cultura daquele do grupo social.
Piagt (1998), diz que a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança, sendo por
isso indispensável na prática educativa.

CONSIDERAÇÕES
Após os seis meses de atividades realizadas no projeto, posso afirmar que foi uma experiência de
aprendizagem significativa, os participantes cresceram muito com as experiências adquiridas. Os objetivos
deste trabalho foram alcançados com êxito. Pude observar a interação e o compromisso das crianças com o
projeto, o avanço na qualidade da leitura, escrita e linguagem oral, na argumentação e expressão, foi notória
e satisfatória ao fim do projeto.
Por meio das atividades que foram desenvolvidas durante o trabalho, as crianças foram
oportunizadas a vivenciar e desenvolver diferentes atividades de imaginação e criatividade, qualificando suas
habilidades, despertando o cuidado e respeito pelos colegas a solidariedade e cooperação em grupo, a
autoconfiança e o gosto pela leitura.
Concluo a importância de escolher as práticas pedagógicas adequadas ao público alvo, levando em
consideração não somente a sua faixa etária mais o contexto social no qual está envolvido. As possibilidades
através da contação de histórias de despertar o gosto pela leitura e auxiliar o desenvolvimento
cognitivo. Visando a melhoria e o prazer da leitura nas crianças através de uma atividade não formal.
O entusiasmo das crianças em ir para o projeto e desenvolver as atividades, o efeito que a contação
de história e as atividades lúdicas educativas causaram nas crianças, foi muito positiva e produtiva, sendo
fonte de conhecimento e aprendizagem, analisando que todas as crianças da comunidade precisa ser
oportunizada com essa atividades e que novos métodos precisam ser inserido. Isso é que impulsiona-me a
da continuidade ao projeto nos próximos anos.

REFERÊNCIAS
Bordieu, P. (2001). A leitura: uma prática cultural (debate entre Pierre Bordieu e Roger Chartier). In Chartier,
R. (Org.). Práticas da leitura. (2ªEd.) (pp.229-254). São Paulo: Estação Liberdade. Disponível em
http://portaldoprofessor.mec.gov.
Campbell, J. (2005). Os primeiros contadores de histórias. História & Antropologia. http://www.botucatu.sp.
gov.br/Eventos/2007/contHistorias/artigos/osPrimeirosContadoresHist.pdf. Acesso em: 2 de fevereiro
de 2015.
Cesar, C., Magalhães, L. C., Pereira, S. & Leite, V. As contribuições da contação de histórias como incentivo
à leitura na educação infantil. Revista Interação, 14ªEd., ano VIII.
Drumond, S. H. Jogos e brincadeiras na construção do processo de aprendizagem.
Ferreiro, E. (1993). Com Todas as Letras (4ªEd.). São Paulo: Cortez.

124
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Mainardes, R. (2008). A arte de contar histórias: Uma estratégia para a formação de leitores. Dia-a-dia
Educação–Portal Educacional do Estado do Paraná.
Mateus, A. & Sant’anna, V. et al (2013). A importância da contação de história como prática educativa na
educação infantil. Revista Pedagogia em ação. Belo Horizonte: PUCMinas, 5 (1).
MEC/SEF (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil. Volume 1. Brasília.
MEC/SEF (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil. Vol. 3. Brasília.
Ramos, A. C. (2011). Contação de histórias: um caminho para a formação de leitores? Dissertação de
mestrado.
Site escola psicologia: http://www.escolapsicologia.com.

125
A Escola: Dinâmicas e Atores

DESENHO PEDAGÓGICO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E A CRIAÇÃO DE UM


AMBIENTE VIRTUAL COLABORATIVO: O CASO DO CURSO DE EXTENSÃO
DE INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE JOÃO DOS SANTOS: ESTUDO
SOBRE A PEDAGOGIA TERAPÊUTICA
[ID 339]

Ana Cláudia Uchôa Araújo


Rosane de Fátima Ferreira Serra
Patrícia Helena Carvalho Holanda

IFCE; IFCE; UFC


ana@ifce.edu.br ; rosaneserra@gmail.com ; profa.patriciaholanda@gmail.com

Resumo
Um dos aspectos preponderantes na criação de um curso de educação a distância - EaD é a definição de seu
desenho pedagógico. Nesta pesquisa, investigamos o processo de criação e a repercussão do desenho
pedagógico criado para o Curso de Extensão à Distância “Introdução ao Pensamento de João dos Santos:
estudo sobre a Pedagogia Terapêutica”, ministrado num regime cooperativo entre a Universidade Federal do
Ceará - UFC, através do Laboratório de Pesquisa Multimeios, e o Instituto Federal de Educação do Ceará,
Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE, através da Diretoria de EaD. O desenho analisado se pautou numa
concepção pedagógica colaborativa e sociointeracionista, buscando imprimir identidade e operacionalidade
inspiradas nas principais ideias do psicanalista português João dos Santos. A estrutura do curso, construída
em módulos de conteúdo, compõe um design aberto, contextualizado, flexível, não-linear, objetivando garantir
o estar e o aprender juntos no ambiente virtual de ensino e aprendizagem, bem como o intercâmbio de
conhecimentos e vivências e a dialogicidade entre discentes brasileiros e portugueses com professores
formadores do Brasil. O enquadramento teórico deste estudo se assenta nas contribuições de Behar (2009),
quanto à arquitetura pedagógica; Bernardi (2011), quanto à gestão da arquitetura pedagógica; Litto (2010),
quanto à aprendizagem na EaD; Kenski (2003), em relação à afetividade na EaD; Morgado (2001), quanto ao
papel da docência na EaD. A pesquisa é de natureza qualitativa e exploratória. Os instrumentais para a
apreensão de dados são as observações dos registros das participações de discentes no ambiente virtual,
bem como a aplicação de enquete eletrônica. Através dos resultados obtidos, podemos afirmar que há
evidências de que um desenho pedagógico contextualizado nas necessidades discentes e que se materializa
a partir da troca e envolvimento que se dão no espaço virtual contribui para a construção coletiva e ativa de
conhecimentos.

Palavras-chave: Educação a Distância, Desenho pedagógico, Ambiente colaborativo, Docência na EaD;


flexibilidade.

Résumé
L'un des aspects prédominants dans la création d'un cours d'enseignement à distance – l'EaD est la définition
de sa conception pédagogique. Dans cette étude, nous examinons le processus de création et de l'impact de
la conception pédagogique créé pour le cours d’Extension à Distance "Introduction à la pensée de João dos
Santos: étude sur la Pédagogie Thérapeutique", enseigné dans un accord de coopération entre l'Université
Fédérale de Ceará – UFC, par le Laboratoire de Recherche Multimédia, et l'Institut Fédéral de l’Éducation,
Science et Technologie du Ceará - IFCE à travers le Département d’Education à Distance. Le modèle de la
conception pédagogique analysé a été basée sur un concept collaboratif sociointeractionist, Ayant comme
objectifs imprimé une identité et une opérabilité inspirées dans les idées principales du psychanalyste
portugais João dos Santos. La structure du cours, construite en modules de contenu, constituent un design
ouvert, contextualisée, flexible, non-linéaire, visant à assurer le travail en groupe et l’apprendre ensemble dans
l'ambiance virtuelle de l'enseignement et de l'apprentissage et l'échange de connaissances et d'expériences
et dialogicité entre les étudiants brésiliens et portugais avec des professeurs formateurs au Brésil. Le cadre
théorique de cette étude est basée sur les contributions de Behar (2009), à propos de l'architecture
pédagogique; Bernardi (2011), en ce qui concerne la gestion de l'architecture pédagogique; Litto (2010),

126
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

l'apprentissage dans l'enseignement à distance; Kenski (2003), par rapport à l'affectivité dans l'enseignement
à distance; Morgado (2001), le rôle des professeurs dans l'enseignement à distance. La recherche est de
nature qualitative et exploratoire. Les instruments pour l’acquisition de résultats sont les observations des
dossiers des participacions des étudiants dans l'ambiance virtuelle, et l'application du sondage électronique.
Grâce aux résultats obtenus, nous pouvons affirmer qu'il existe des preuves que la conception pédagogique
contextualisée sur les besoins des étudiants et que se matérialise a partir de l'échange et de la participation
qui se produisent dans l'espace virtuel contribue à la construction collective et active des connaissances.

Mots-clés: Éducation à distance, Conception pédagogique, Ambiance collaborative, L'enseignement dans


l'education à distance, Flexibilité.

INTRODUÇÃO
Este artigo é resultante da experiência formativa empreendida no Curso de Extensão à Distância
“Introdução ao Pensamento de João dos Santos: estudo sobre a Pedagogia Terapêutica”, desenvolvida pela
Universidade Federal do Ceará - UFC, através da Linha de Pesquisa de História da Educação Comparada e
do Laboratório de Pesquisa Multimeios, e o Instituto Federal de Educação do Ceará, Ciência e Tecnologia do
Ceará – IFCE, através da Diretoria de EaD, com vagas ofertadas para discentes do Brasil e de Portugal.
Resolvemos, nesta proposta de trabalho, analisar o processo de feitura do desenho pedagógico do
referido curso e a sua repercussão, uma vez que esta formação foi concebida para se dar num ambiente
virtual de ensino e aprendizagem, totalmente a distância, numa proposta pioneira para as instituições
envolvidas, estabelecida multiculturalmente, ao mesmo tempo, envolvendo ações de ensino, pesquisa e
extensão.
No que diz respeito ao referencial teórico, contaremos com estudiosos como Behar (2009), que tratam
da arquitetura pedagógica; Bernardi (2011), quanto à gestão da arquitetura pedagógica; Litto (2010), quanto
à aprendizagem na EaD; Kenski (2003), em relação à afetividade na EaD; Morgado (2001), quanto ao papel
da docência na EaD.
Quanto ao percurso metodológico, fazemos uso de uma abordagem investigativa, baseada em Ludke
& André (1986), utilizando como procedimentos de estudo as observações dos registros das participações de
discentes no ambiente virtual e a aplicação de enquete eletrônica, ambos ancorados pela revisão bibliográfica.
A importância deste estudo se assenta na necessidade de investigar a efetividade pedagógica do
desenho pedagógico adotado para esta formação, o que recai necessariamente na discussão acerca da EaD,
dos papéis desempenhados por discentes e docentes, bem como da integração que se dá entre os sujeitos
envolvidos, e ainda do conhecimento e as tecnologias digitais de informação e comunicação, uma vez que
esta integração é decisiva para potencializar a interação e a aprendizagem nesta modalidade.
O artigo organiza-se assim: após a introdução, apresentamos a fundamentação teórica, numa
discussão em três subtópicos, que tratarão das seguintes temáticas: 1. EaD e arquitetura pedagógica; 2.
Gestão da arquitetura pedagógica e aprendizagem na EaD e 3. a afetividade na EaD e o papel docente na
modalidade. A apresentação e a discussão de dados compilados, com a análise do objeto da pesquisa, serão
seguidas pelas considerações advindas da investigação e as referências balizadoras do estudo.

O QUE SÃO EaD E ARQUITETURA PEDAGÓGICA? UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA


Para tratarmos de um curso que se ministra em EaD, entendemos ser necessária a discussão acerca
do que vem a ser a modalidade, bem como do conceito de arquitetura pedagógica que a engendra.

127
A Escola: Dinâmicas e Atores

A Educação a Distância não é algo de hoje. Em termos de Brasil, no final do século XVIII, já
contávamos com as primeiras iniciativas, cujos registros podemos encontrar em jornais da época, com ofertas
de cursos de datilografia por correspondência, de acordo com Alves (2009). Mas a modalidade passou por
um boom de crescimento vertiginoso e popularização no Brasil, no ocaso do século XX e nas duas décadas
iniciais do século XXI, em função do surgimento e desenvolvimento de programas governamentais de ofertas
de cursos de educação a distância, como é o caso da Universidade Aberta do Brasil e da Rede Escola Técnica
Aberta do Brasil, bem como de iniciativas privadas, no âmbito corporativo ou não.
Nesse sentido, cabe uma explicação acerca dos dois programas de governo mencionados.
A Universidade Aberta do Brasil – UAB e a Rede Escola Técnica Aberta do Brasil – e-Tec Brasil são
programas do Governo Federal Brasileiro, para a oferta de cursos semipresenciais, criados na primeira
década do século XXI e ainda vigentes. Eles se estruturam através de consórcios e parcerias com municípios
e estados, em que a obtenção e a manutenção da infraestrutura dos polos presenciais (locais onde ocorrem
as aulas presenciais) ficam a cargo da administração local, enquanto as Universidades Federais e Estaduais,
juntamente com os Institutos Federais de Educação Profissional, se responsabilizam pela parte didático-
pedagógica. O primeiro programa tem por objetivo principal a formação de professores para a Educação
Básica, através da oferta de licenciaturas. Já o segundo é voltado para a formação em cursos técnicos de
nível médio.
No Brasil, a Educação a Distância é definida pelo Decreto Nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005, que
regulamenta o art. 80 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, como sendo a “modalidade educacional
na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização
de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo
atividades educativas em lugares ou tempos diversos”.
Em outras palavras, a letra legal compreende que discentes e docentes, ao estarem distantes física
e ou temporalmente, neste último caso, compreendendo sincronia e assincronia nas ações educativas
envolvidas, desenvolverão ações de educação a distância, quando houver o uso pedagógico de meios e
tecnologias informacionais e comunicativas. Há que destacarmos, nesse sentido, o papel desempenhado por
tais meios e tecnologias, os quais envolvem desde o material impresso até as tecnologias digitais de
informação e comunicação, também responsáveis por fazer a circulação do conhecimento e da informação
no âmbito de um curso de EaD.
Um aspecto que merece consideração e que está intrinsecamente ligado à EaD diz respeito ao
modelo de educação a distância adotado, que pode ser desde o mais instrucionista, com ou sem interação
entre os sujeitos envolvidos, até um mais interacionista, envolvendo diferentes possibilidades de diálogo e
construção coletivas. Assim sendo, diferentes modelos de EaD estão plasmados por diferentes arquiteturas
pedagógicas. Mas o que vem a ser um modelo pedagógico e uma arquitetura pedagógica?
Inicialmente, entendemos ser fundamental a compreensão desses conceitos, quando da concepção
e desenvolvimento de um curso em EaD. Segundo Behar (2009), o modelo pedagógico para a EaD é “[...] um
sistema de premissas teóricas que representa, explica e orienta a forma como se aborda o currículo e que se
concretiza nas práticas pedagógicas e nas interações professor/aluno/objeto de estudo” (p.24). Em outras
palavras, o modelo pedagógico revela qual é a cara da EaD e, nesse sentido, mostra muito do que a instituição
ofertante compreende ser o processo de ensino e aprendizagem, a aquisição de conhecimento, os papéis do
docente e do discente (quem são esses sujeitos, como aprendem e ensinam e querem aprender e ensinar) e
o papel das tecnologias em todo esse processo.

128
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Nessa discussão, urge a necessidade de pensarmos em modelos pedagógicos para esta modalidade,
consoantes com as suas características, e não por empréstimo do que se tem feito no presencial, uma vez
que “[...] trata-se de um novo patamar em que não se podem adaptar modelos pedagógicos derivados do
ensino presencial para a distância” (Behar, 2009, p.24).
O termo arquitetura pedagógica, neste trabalho, é utilizado, partindo também dos estudos de Behar
(2009), em que estabelece uma relação entre ele e o modelo pedagógico. Sendo o modelo, um sistema teórico
está ele assentado em uma estrutura. Tal estrutura tem em seu pilar principal a arquitetura pedagógica, que
é composta pelos elementos:
[...] da (1) fundamentação do planejamento/proposta pedagógica (aspectos organizacionais):
na qual estão incluídos os propósitos do processo de ensino-aprendizagem a distância,
organização do tempo e do espaço e expectativas na relação da atuação dos participantes
ou da também chamada organização social da classe, (2) conteúdo - materiais instrucionais
e/ou recursos informáticos utilizados - objetos de aprendizagem, software e outras
ferramentas de aprendizagem – (3) atividades, formas de interação/comunicação,
procedimentos de avaliação e a organização de todos esses elementos numa seqüência
didática para a aprendizagem (aspectos metodológicos); (4) definição do ambiente virtual de
aprendizagem e suas funcionalidades, ferramentas de comunicação tal como vídeo e/ou
teleconferência, entre outros (aspectos tecnológicos) (Behar, s.d., p.5).
Pelo exposto, compreendemos que esta arquitetura, complexa e composta por diversos elementos,
molda o modelo pedagógico de EaD, ao mesmo tempo em que a encorpa e dá coerência, espelhando uma
concepção de mundo, educação e homem. Nesse sentido, precisamos discutir como se dá a gestão dessa
arquitetura e, consequentemente, do modelo pedagógico e as suas implicações na aprendizagem na
modalidade, assunto a ser discutido no subtópico seguinte.

A GESTÃO DA ARQUITETURA PEDAGÓGICA E A APRENDIZAGEM NA EaD: UM ENFOQUE


NO CURSO ANALISADO
Como vimos no subtópico anterior, o modelo pedagógico e a arquitetura pedagógica estão
intimamente imbricados e assumem uma função estratégica, quando estamos tratando de EaD, por
conferirem a ela uma identidade pedagógica. No entanto, devemos considerar que a arquitetura pedagógica
é concebida tomando como um dos principais objetivos a efetividade da aprendizagem na EaD. Para que a
arquitetura cumpra seus objetivos, especial atenção devemos dar a sua gestão.
Mas como se dá a gestão da arquitetura pedagógica na EaD (e porque não dizer da própria
modalidade?) e quais elementos são considerados neste empreendimento? A gestão deve envolver o
gerenciamento do planejamento/proposta pedagógica; do conteúdo (e a sua natureza) a ser concebido e
postado para uma determinada disciplina/módulo/curso; das atividades, da avaliação de aprendizagem e das
interações a serem estabelecidas; bem como do ambiente virtual de ensino e aprendizagem e suas
funcionalidades, elementos já elencados por Behar (2009).
Para que esta gestão aconteça, uma equipe multidisciplinar, ambientada num núcleo de EaD, por
exemplo, deve dar sustentação ao curso, desde a sua concepção, até o seu desenvolvimento e a sua
avaliação/monitoramento. Esta equipe, que deve envolver diversos profissionais de variadas áreas, entre
educadores, designers, entre outros, precisa atuar de forma conjugada e sintonizada, a fim de dar conta da
precisão e emergência que a educação a distância exige e evitar uma possível “[...] perda causada pela
virtualização” (Almeida & Prado, 2008, apud BernardI, 2011, p.166).

129
A Escola: Dinâmicas e Atores

Além disso, Bernardi (2011), nos chama atenção em seu estudo para os conhecimentos de viés
pedagógico e administrativo, ao se pensar na gestão da EaD. Tais conhecimentos, segundo ela, são
necessários para a confecção de arquiteturas pedagógicas e devem contemplar aspectos que envolvem:
(1) Etapas do processo de gestão do desenvolvimento de cursos à distância ou na
modalidade semipresencial, (2) Referenciais da Gestão de EAD, entre eles: desenho do
projeto, compromisso dos gestores, equipe multidisciplinar, recursos educacionais,
infraestrutura, avaliação contínua, infraestrutura tecnológica, arquitetura pedagógica para
cursos de EAD, entre outros; (3) Diferenças entre estrutura de Educação a distância e a
Educação Presencial (4) Diretrizes e Estratégias didáticas, comunicacionais e
tecnológicas em EAD; (4) Competências e habilidades para o desenvolvimento de uma
prática pedagógica em EAD: caminhos para construir o perfil de alunos e promover a
aprendizagem online; (5) Competências dos agentes que promovem a prática em EAD:
perfil do professor e tutor; (6) Exemplos de projetos de aplicabilidade de Cursos e projetos
de EAD. (Bernardi, 2011, p.86).
No caso do curso estudado, procuramos adotar um desenho de arquitetura coerente com esta
proposta de Bernardi, respeitadas as nossas especificidades, buscando contemplar uma aprendizagem
colaborativa e dialógica, em coerência com as características prescritas por Litto (2010, s.p.) para a EaD, com
“aprendizagem centrada no aprendiz e não no professor, aquisição não-linear de conhecimento,
“aprendizagem profunda” (e não de superfície), importância de interatividade e colaboração em grupos [...].”
Estas características encontram sustentação no desenho da arquitetura pedagógica apresentada,
que contempla aspectos metodológicos, tecnológicos, organizacionais e de conteúdo, assentados no
sociointeracionismo, por sua vez baseado em Vigotski (1896-1934), que construiu a abordagem sócio-
histórica, teoria psicológica com enfoque nas interações socioculturais, cujo berço científico foi a Psicologia
Soviética, esboçada pelo próprio Vigotski, além de Luria e Leontiev. Assim, coerente com este pressuposto
teórico, o desenho inclui a dimensão social, o outro, a relação dialógica com os outros, com as contradições
e conflitos decorrentes desse processo. Isso se traduz num desenho do curso que permite que as mediações
que ocorrem no seu interior exerçam a função de regular as funções sociais, possibilitando a constituição do
processo de ensino e aprendizagem entrelaçado às dimensões psicológicas e sociais dos professores e
alunos e, por conseguinte, interacionais, proporcionando uma sinergia entre seus recursos, procedimentos e
técnicas, fundamentados nos propósitos do curso e nas expectativas do aluno.
Nesse sentido, os conteúdos foram elaborados de forma a permitir ao estudante delinear sua rota de
aprendizagem, possibilitada pelo design e pelos materiais disponibilizados no Ambiente Virtual de
Aprendizagem Moodle, uma plataforma virtual de ensino e aprendizagem, utilizada por professores tutores e
estudantes, que abriga as aulas virtuais, bem como ferramentas de apoio ao processo de ensino e
aprendizagem. Os conteúdos foram assim constituídos por várias mídias, recursos e ferramentas, tais como
fóruns, chats, transmissão de aula ao vivo, gravação de vídeos e áudios, integrados em módulos elaborados
pelo professor autor num tom dialógico.
As aulas, distribuídas em módulos temáticos, foram assim desenvolvidas: num primeiro momento,
com a apresentação dos conteúdos abordados, acompanhados de reflexões propiciadoras de um diálogo do
professor autor com o texto e deste com os alunos cursistas e os professores formadores, bem como das
turmas entre si. Num segundo, com a prescrição de atividades fundamentadas no conteúdo dos módulos, por
meio de pesquisas bibliográficas diversificadas e atividades de campo e no ambiente Moodle. Num terceiro,
as reflexões proporcionadas pelo desenvolvimento das atividades nas etapas anteriores serviram como
aporte para a elaboração de artigo científico e vídeo. A seguir, apresentamos a matriz do curso, disposta em
módulos com suas respectivas cargas horárias:

130
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Componentes Curriculares Carga Horária

Módulo I – Introdução à Metodologia do Curso – EaD 16

Módulo II - Introdução ao Pensamento Santiano 32

Módulo III – Família, Processos de Subjetivação 32

Módulo IV – Ideias Psicopedagógicas 32

Módulo V- O Olhar Santiano sobre as Políticas de Inclusão 32

Trabalho Final – Elaboração de Artigo científico ou do vídeo 16

Total de horas 160


Figura 1 – Matriz Curricular do Curso
Fonte: Coordenação do Curso - UFC (2015)
Todos esses elementos, situados numa arquitetura e modelo pedagógicos plasmados pelo
sociointeracionismo, foram elaborados de modo a contemplar os diferentes estilos de aprendizagem e formas
de aprender. Mas, além disso, entendemos ser necessária a discussão em torno do papel da afetividade na
EaD, bem como do docente, notadamente, nesta experiência estudada.

A AFETIVIDADE NA EaD E O PAPEL DOCENTE NA MODALIDADE


Um dos atributos mais visíveis nos estudos do Psicanalista João dos Santos é a sua defesa pela
afetividade e sua contribuição para a educação humana. Baseados nisso, concebemos o curso, guardando
coerência ainda com Kenski (2003, p.75), quando enumera, no âmbito da EaD, o papel da afetividade para
combater o isolamento virtual e real do discente da EaD e de como o docente tem ação preponderante neste
enfrentamento:
O professor precisa ter condições para poder utilizar o ambiente virtual no sentido de
transformar o isolamento, a indiferença e a alienação com que costumeiramente os alunos
frequentam as salas de aula em interesse e colaboração, por meios dos quais eles aprendam
a aprender, a respeitar, a serem melhores pessoas e cidadãos participativos.
Desta forma, o docente que atua na EaD deve ter um perfil de um agente mobilizador no ambiente
virtual de aprendizagem, em que, ao mesmo tempo em que possua conhecimentos específicos de sua área
de formação, trabalhe com uma pedagogia virtual, por assim dizer, e convidativa, para que o discente do
contexto virtual venha a aprender autonomamente, sem que a autonomia seja sinônimo de solidão ou
abandono. A esse respeito, Morgado (2001, p.14) pontua:
Assim, no que se refere ao tipo de mensagens enviadas pelo professor (conteúdos,
processos, feedback, regras, e apoio técnico), o que parece ser fundamental para os
estudantes é a demonstração, da parte do professor, que este é activo na análise/leitura das
discussões em curso. [...] o professor visível modela o contexto de interacção e de
aprendizagem através do seu comportamento e da sua participação.Os estudantes
percepcionam o pedido/incentivo à participação pela observação que efectuam dos níveis de
participação do professor.
A compreensão do envolvimento dessas dimensões possibilita comprovar a proficuidade do
referencial criado por João dos Santos (1983), ao defender que a razão não nega a emoção. Para ele, não
existe uma cisão entre cognição e afetividade, motivo pelo qual é possível repensar a prática pedagógica dos
docentes no ambiente virtual, levando em conta não apenas os aspectos cognitivos e instrumentais da
aprendizagem, mas também a subjetividade do aluno e a sua. Assim, o ambiente virtual deve favorecer a
relação professor e aluno ser trabalhada e construída a partir do aprofundamento e discussão de questões
que venham a esclarecer as possíveis limitações ou equívocos ocorridos neste contato. Destarte, nós mais

131
A Escola: Dinâmicas e Atores

uma vez nos aproximamos do pensamento santiano, quando no processo de ensino e aprendizagem
possibilitamos o uso da razão e do afeto e o conhecer-se a si mesmo e aos outros.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE DADOS COMPILADOS: UMA BREVE ANÁLISE DO


OBJETO DA PESQUISA
O percurso metodológico se constituiu de uma abordagem investigativa, baseada em Ludke e André
(1986), sendo usados como procedimentos de estudo as observações dos registros das participações de
discentes no ambiente virtual e a aplicação de enquete eletrônica, ambos ancorados pela revisão bibliográfica.
A enquete eletrônica, destinada aos discentes no espaço Depoimento dos Alunos, ficou disponível à
participação no ambiente do curso Introdução ao Pensamento de João dos Santos: Estudo sobre a Pedagogia
Terapêutica, hospedado em: http://hbn.multimeios.ufc.br/moodle/course/view.php? id=15.
A ferramenta teve por objetivo captar, por meio de postagem livre de links de vídeo ou áudio, de
duração máxima de três minutos, a avaliação discente quanto à efetividade do curso. O espaço ficou aberto
à postagem por quinze dias e contou com a publicação de dezesseis discentes, dos cento e quarenta e seis
matriculados, cujos fragmentos de comentários apresentamos em seguida. Nas falas apresentadas, algumas
temáticas emergem, apontando a contribuição do curso para o percurso profissional:
O curso João dos Santos foi muito importante para o meu crescimento profissional.
Certamente a partir dessa vivência e novos conhecimentos a minha prática em sala de aula
terá cada vez mais um olhar diferenciado com as crianças. Eu queria ter conhecido João dos
Santos há muito mais tempo, mas que bom que através desse curso eu pude ter contato com
suas obras, pensamentos. Essa grande oportunidade será muito bem aproveitada ao longo
de minha jornada na educação e na vida. (Participante A)
O curso João dos Santos foi uma grande oportunidade de conhecer a vida, obra e
pensamentos de João dos Santos, não o conhecia, e agradeço por poder hoje conhecer e
através de seus ensinamentos e pensamentos poder modificar a minha prática pedagógica
e ver os meus alunos com um olhar muito mais sensível e focado na perspectiva da
Pedagogia Terapêutica. (Participante B)
Tal devolutiva deixa claro que a arquitetura pedagógica da formação em EaD apresentada encontra
eco nos discentes envolvidos, pelo fato de seu desenho estar próximo da realidade do discente (seja ele aluno
ou aluno-professor) e centrada na pessoa dele, como Litto (2010) reforça, ao mesmo tempo em que se
mostrou coerente com o objetivo pretendido, qual seja, o de contribuir para o repensar da sala de aula,
guardando proximidade com um processo de ensinagem mais significativo.
Outra temática que veio à tona nos registros avaliativos estava ligada à contribuição do curso para a
formação acadêmica, promovendo nos discentes a reflexão sobre a sua práxis:
Eu nunca havia realizado um curso EaD; o que me reaproximou da prática acadêmica;
proporcionou a oportunidade de eu ser apresentada a obra de João dos Santos; aproximou
minha prática com a teoria e dentre outras questões. Pude perceber o quanto a prática
pedagógica no chão da escola está distante das reais necessidades da infância e de como
nós educadores precisamos nos aprofundar na obra de teóricos essenciais como João dos
Santos, pois ele coloca a infância como um fator determinante na vida de todo ser humano.
(Participante C)
O conhecimento adquirido ao longo do curso é de suma importância para minha formação
acadêmica como psicopedagoga-professora-pesquisadora. Conhecer a instituição Casa da
Praia e todo o trabalho de João dos Santos é enriquecer como fonte de inspiração nas
soluções dos problemas de aprendizagem e sociabilização que procuram compreender a
criança no seu todo. (Participante D)
Estas falas sinalizam que a aproximação com a EaD pode contribuir para superar um possível
preconceito em relação à modalidade, uma vez que um curso com arquitetura e modelos pedagógicos,
ministrados virtualmente, desde que bem ancorados em uma teoria/proposta coerente com o desenho em

132
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

questão, podem contribuir decisivamente para a formação acadêmica, a formação profissional, dentre outras
áreas, de seu público beneficiado.
A afetividade, o elo e o estar próximo virtual (Valente, 2002) também emergem dos discursos,
retratando que a aprendizagem a distância aproxima e contribui para o estabelecimento de vínculos e de
afetividade, bem como de aquisição de conhecimentos e registros positivos acerca do estudo:
Esse curso foi excelente! Tanto o material do curso, quanto a disponibilidade dos
organizadores, professores-formadores, quanto a interação entre os participantes. Realizar o
TCC com uma colega de outra cidade e como nos mantivemos sempre em contato, em
sintonia, proporcionou-me momentos de aprendizagem, de novas reflexões e alguns
conhecimentos entre os demais participantes. O trabalho de João dos Santos, rico, íntegro e
muito atual. Grata por tudo!!!! (Participante E)
Registro uma impressão muito positiva sobre as intenções e os resultados que o curso me
deu oportunidade de realizar e alcançar. Realço ainda a forma como contribuiu para a
disseminação da teoria subjacente à obra de João dos Santos, tão necessária que é na
sociedade de hoje. (Participante F)
Os trechos elencados apresentam uma panorâmica do que foi desenvolvido no curso, a partir da
perspectiva dos discentes, ao mesmo tempo em que retratam a coerência entre o que explanam e o que, de
fato, procuramos efetivar em um ambiente virtual colaborativo, com a ocorrência de trocas de afetos e
aprendizagens e a busca da minimização de efeitos da solidão virtual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para elaborarmos o desenho pedagógico do curso, pensamos no perfil do egresso e nos professores
e equipe pedagógica, que lhe dão vida. As expertises dos profissionais envolvidos na criação foram o
elemento propulsor das suas práticas, objetivos e situações desafiadoras. Nesse sentido, o desenho
pedagógico do curso surgiu de seu planejamento, organização, entendimento de seus objetivos, outorgando-
lhe a sua finalidade e sentido.
Destarte, delinear o desenho pedagógico do curso foi a primeira etapa para envolver os atores
envolvidos no processo e, principalmente o aluno, convidado a vivenciar e se apropriar do conteúdo e dos
objetivos, perpassando pelos aspectos cognitivos, sociocultural e tecnológico. E, em se tratando de um curso
voltado ao princípio da aprendizagem colaborativa, compreendeu-se que um desenho pedagógico
contextualizado nas necessidades discentes e que se materializa a partir da troca e envolvimento que se dão
no espaço virtual contribui para a construção coletiva e ativa de conhecimentos.

REFERÊNCIAS
Alves, J. (2009). A História da EaD no Brasil. In Litto, F. & Formiga, M. (Orgs.). Educação a Distância: o Estado
da Arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil.
Behar, P. Modelos Pedagógicos em Educação a Distância. Recuperado em 04 de janeiro, 2017, de
http://www.nuted.ufrgs.br/oa/arqueads/apoio/modelospedagogicos.
Behar, P. (2009). Modelos Pedagógicos em Educação a Distância. In: Behar, P. (Org.) Modelos Pedagógicos
em Educação a Distância. Porto Alegre: Artmed.
Bernardi, M. (2011). Prática Pedagógica em EAD: uma proposta de Arquitetura Pedagógica para formação
continuada de professores. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade
de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Porto Alegre, BR-RS.

133
A Escola: Dinâmicas e Atores

BRASIL. Decreto 5.622/2005. Estabelece novas definições e características de pólos de educação a distância,
autorização de cursos de mestrado e doutorado a distância. Recuperado em 15 de agosto, 2007, de em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Decreto/D5622.htm.
Kenski, V. M. (2003). Em direção de uma ação docente mediada pelas tecnologias digitais. In ______.
Tecnologias educacionais e educação a distância: avaliando políticas públicas (2ªEd.). Rio de Janeiro:
Quartet.
Litto, F. M. (2010). Aprendizagem a distância. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
Morgado, L. (2001). O papel do professor em contextos de ensino on-line: problemas e virtualidades. In
Discursos. Série, 3. Universidade Aberta, p. 125-138. Recuperado em 08 de janeiro, 2017, de
http://www.univab.pt/~lmorgado/Documentos/tutoria.pdf
Santos, J. (1983). Ensaios sobre Educação - II: o falar das letras. Lisboa: Livros Horizontes.
Valente, J. A. (2002). A espiral da Aprendizagem e as tecnologias da informação e comunicação: repensando
conceitos. In Joly, M.C. (Ed.) Tecnologia no ensino: implicações para a aprendizagem (pp.15-37). São
Paulo: Casa do Psicólogo.

134
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

APRENDER EM ENSINO CLINICO: IMPACTO DAS DINÂMICAS NO


DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS ATORES
[ID 224]

Cristina Lavareda Baixinho


Óscar Ferreira
Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Portugal; Escola Superior de Enfermagem de Lisboa; UIDEF,
Instituto de Educação,Universidade de Lisboa.
crbaixinho@esel.pt; oferreira@esel.pt

Resumo
Objetivos: Compreender como o envolvimento dos estudantes em projetos nos contextos de ensino clinico
contribui para o processo de construção da identidade profissional e analisar o contributo desse envolvimento
na aquisição de competências no enfermeiro.
Enquadramento teórico: Benner (2001), desenvolveu um modelo que comprova que a aquisição de
competências dos enfermeiros passa por 5 estádios: iniciado, iniciado avançado, competente, proficiente e
perito. Todavia, a autora não associou esse desenvolvimento às experiências na formação pré-graduada. Foi
intuito deste estudo explorar uma possível associação entre a metodologia utilizada no último ensino clinico
da licenciatura e a construção da identidade profissional e desenvolvimento de competências do enfermeiro.
Metodologia: A abordagem desta investigação é qualitativa, de carácter exploratório, transversal e descritiva.
A amostra de conveniência foi constituída por 14 enfermeiros, com 3 a 5 anos de experiência profissional. O
guião da entrevista foi desenvolvido com base na literatura, com as devidas adaptações à especificidade da
atividade profissional dos participantes. Os profissionais foram contatados individualmente por um dos
investigadores, para solicitar a participação e garantir que respeitavam os critérios de inclusão definidos:
terem mais de três anos de atividade profissional, exercerem a atividade profissional como enfermeiros e
estarem envolvidos em projetos de prática clinica durante o último ensino clinico da licenciatura em
enfermagem.
Conclusões: O quadro teórico permitiu a categorização a priori, a partir dos sete domínios transversais que
Benner (2001), definiu para cada um dos estádios do desenvolvimento do profissional. Na análise dos
discursos dos participantes sobressai que estes percepcionam que o envolvimento em projetos de prática
clinica, durante a licenciatura, foi importante para o desenvolvimento de competências em termos da função
de educação e guia, na gestão eficaz de situações de evolução rápida, na certificação da qualidade dos
cuidados de saúde e, em matéria de organização e de repartição de tarefas. Os enfermeiros consideram que,
independentemente do envolvimento nos projetos, o ensino clinico, per si, permitiu o desenvolvimento da
função de ajuda, de educação e guia, de diagnóstico; acompanhamento e monitorização do doente e
administração e acompanhamento de protocolos terapêuticos.

Palavras-chave: Estudantes, Enfermagem, Identidade, Competências, Desenvolvimento Profissional.

Résumé
Objectifs: Comprendre comment le développement des étudiants dans des projets en contexte
d’enseignement clinique contribue au processus de construction de l’identité professionnelle et analyser la
contribution de cet engagement à l’acquisition des compétences chez l’infirmier.
Encadrement théorique: Benner (2001) a développé un modèle qui prouve que l’acquisition de compétences
des infirmiers traverse 5 étapes : débutant, débutant avancé, compétent, connaissant et expert. Pourtant, la
femme auteur n’a pas associé ce développement aux expériences dans la formation pré-graduée. L’objectif
de cette étude exploiter une possible association entre la méthodologie utilisée dans le dernier enseignement
clinique du grade de licencié et la construction de l’identité professionnelle et le développement des
compétences de l’infirmier.
Méthodologie: L’abord de cette recherche est qualitatif, de caractère exploratoire, transversal et descriptif.
La montre convenable a été composée de 14 infirmiers, avec une expérience professionnelle entre 3 et 5 ans.
Le scénario de l’interview a été développé selon la littérature, avec les adaptations nécessaires à la spécificité
professionnelle des participants. Les professionnels ont été contactés individuellement par un des
investigateurs pour demander leur participation et assurer que tous les critères de participation étaient
respectés : avoir plus de trois ans d’activité professionnelle, exercer cette activité professionnelle comme

135
A Escola: Dinâmicas e Atores

infirmier et être engagés dans des projets de pratique clinique pendant le dernier enseignement clinique de sa
formation comme licencié en infirmier
Conclusions: L’encadrement théorique a permis la catégorisation a priori des sept domaines transversaux
que Benner (2001) a défini pour chacun des stages du développement professionnel. Á partir de l’analyse des
discours des participants, on peut dire qu’ils croient que leur engagement dans des projets de pratique clinique,
pendant leur formation comme licenciés, a été importante pour le développement de compétences au niveau
de la fonction d’éducation et guide, dans la gestion efficace de situations de rapide évolution, dans la
certification de la qualité des soins de santé et, en ce qui concerne l’organisation et le partage de tâches. Les
infirmiers considèrent que, malgré leur engagement dans les projets, l’enseignement clinique, per si, leur a
permis le développement de la fonction d’aide, d’éducation et guide, de diagnostique ; accompagnement et
surveillance du malade et l’administration et accompagnement des protocoles thérapeutiques.

Mots-clés: Étudiants, Métier d’Infirmier, Identité, Compétences, Développement Professionnel.

INTRODUÇÃO
No Curso de Licenciatura em Enfermagem (CLE) os Ensinos Clínicos (EC) representam cerca de
50% do total de horas do curso, transformando-se, não só pelo tempo, mas também pelos seus objetivos num
espaço importante para o desenvolvimento de saberes e competências pelo confronto entre o saber
académico e a sua integração nas situações de práxis clinica dos profissionais (Ferreira & Baixinho, 2015).
No decurso do último ensino clinico do curso de licenciatura os estudantes têm tido a possibilidade
de integrar projetos de prática clinica nos serviços de internamento hospitalar (medicina, cirurgia e ortopedia)
onde decorre a aprendizagem e desenvolvimento de competências.
Esta experiência já foi avaliada do ponto de vista do desenvolvimento de competências no decurso
do ensino clinico (Baixinho & Ferreira, 2015; Baixinho & Ferreira, 2017). Os estudantes, envolvidos nesta
metodologia, percecionam o desenvolvimento de competências éticas que permitem garantir a privacidade, o
respeito, o sigilo, o consentimento informado e a segurança do cliente (Baixinho & Ferreira, 2017) e
manifestam que durante o ensino clinico a sua prioridade está centrada, essencialmente, na aprendizagem
do cuidado de enfermagem e nos modos de fazer, associado à Habilidade Instrumental em Enfermagem
(Baixinho & Ferreira, 2017).
A revisão da literatura permitiu constatar uma lacuna na associação das diferentes metodologias de
ensino-aprendizagem durante a “aprendizagem clinica” e o desenvolvimento das competências durante os
primeiros anos de atividade profissional. Um estudo amplamente aceite e divulgado refere que a aquisição de
competências nos enfermeiros se desenvolve por diferentes estádios: iniciado, iniciado avançado,
competente, proficiente e perito (Benner, 2001). No estádio de iniciado a autora inclui os estudantes de
enfermagem e profissionais em processo de integração em serviços que não conhecem (ou recém-
licenciados), daqui os profissionais evoluem para o estádio de iniciado avançado, onde já contataram com
situações reais e integram o conhecimento empírico em situação de prática clinica, “maturando” o
conhecimento e aumentando a capacidade de tomada de decisão. O enfermeiro competente é aquele que
tem entre dois a três anos de prática clinica, com experiência e conhecimento e portanto capaz de dar resposta
não só às atividades diárias, mas também aos ditos “imprevistos” comuns na enfermagem. Os proficientes
são os profissionais que “percecionam as situações na sua globalidade e não de uma forma fragmentada e
as suas ações são ligadas por máximas” (Benner, 2001, p.50). Finalmente os peritos, com 5 anos de atividade
profissional, e pela enorme experiência, conseguem responder a situações de elevada complexidade.
São estes peritos que dominam a utilização do conhecimento intuitivo, como um fenómeno
diferenciado, marcante, que amplia a capacidade de julgamento e de tomada de decisão (Silva, Baldin &
Nascimento, 2003), com capacidade de atempadamente apreciar e intervir.

136
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

No seguimento do pensamento de Benner (2001) e de Heidari & Norouzadeh (2015), que


recomendam que a aquisição e desenvolvimento de competências seja uma preocupação na formação pré-
graduada de Enfermagem surge o interesse em compreender este fenómeno complexo de aquisição e
desenvolvimento de competências na interface entre a formação pré-graduada e os primeiros anos de
atividade profissional. Pelo supracitado, foram objetivos deste estudo: a) compreender como o envolvimento
dos estudantes em projetos nos contextos de ensino clinico contribui para o processo de construção da
identidade profissional e b) analisar o contributo desse envolvimento na aquisição de competências no
enfermeiro.

METODOLOGIA
Este é um estudo de abordagem qualitativa, exploratória, transversal e descritiva. Os participantes
foram 14 enfermeiros de cuidados gerais, com 3 a 5 anos de experiência profissional. Os profissionais foram
contatados individualmente por um dos investigadores, para solicitar a participação e garantir que respeitavam
os critérios de inclusão definidos: terem mais de três anos de atividade profissional, exercerem a atividade
profissional como enfermeiros e terem participado em projetos de prática clinica durante o último ensino clinico
do curso de licenciatura em enfermagem.
A opção por uma amostra de conveniência prende-se com os objetivos do estudo e com o facto de
não pretendermos verificar uma hipótese, mas sim interrelacionar os achados com o quadro teórico de
referência (Benner, 2001). O guião de entrevista foi desenvolvido com base na literatura, para permitir a
compreensão do desenvolvimento de competências nos cinco primeiros anos de atividade profissional a partir
da perspetiva dos sujeitos da investigação, e no modo como as pessoas, dão significado às coisas e às suas
vidas, e em aprender as perspetivas participantes (Bogdan & Biklen, 1994).
A análise de conteúdo (Bardin, 2008) foi a técnica utilizada para descrever e interpretar o discurso
dos participantes. O protocolo seguido incluiu a preparação das informações; a transformação do conteúdo
em unidades; a categorização; a descrição e a interpretação.
Com a finalidade de garantir que os processos metodológicos foram corretamente aplicados e de
aferir que as categorias são válidas, adequadas, pertinentes, exaustivas, homogéneas e objetivas, recorreu-
se a dois juízes que validaram todo o processo.
As categorias de análise foram definidas a priori, com base no referencial teórico. De acordo com
Benner (2001), cada estádio de aquisição de competências tem 7 domínios: função de ajuda; função de
educação e guia; função de diagnóstico, acompanhamento e monitorização do doente; gestão eficaz de
situações de evolução rápida; administração e acompanhamento de protocolos terapêuticos; certificação da
qualidade dos cuidados de saúde e, as competências em matéria de organização e de repartição de tarefas
(Benner, 2001; Rosario et al, 2014).

RESULTADOS
Dos 14 participantes 11 são mulheres e três são homens, com uma média de idades de 26,2 anos,
com um mínimo de 23 anos e um máximo de 27 anos, exercem a sua atividade profissional em média há 4,3
anos em serviços de internamento hospitalar. Três profissionais exercem a sua atividade profissional no
estrangeiro.
Uma primeira leitura dos achados, sem preocupação em categorizá-los permitiu inferir que as
competências desenvolvidas, mobilizam-se em torno dos sete domínios centrais pré-definidos, pelo

137
A Escola: Dinâmicas e Atores

referencial teórico. Na Tabela 1 apresentam-se as categorias e algumas unidades de contexto extraídas do


discurso dos participantes que ilustram a categorização dos achados.
Categoria Unidade de Contexto
“o envolvimento no projeto durante o ultimo EC permitiu identificar uma série de
necessidades de cuidados, para os quais não estava desperto e ao longo dos 4 anos de
atividade profissional ajudaram-me a estar mais desperto para a identificação dos reais
Função de ajuda problemas dos doentes e suas famílias” (P7)
“aprendi a comunicar de modo diferente com a família e com o doente, mais preocupado
com as suas necessidades e não com o que eu considerava o mais importante para a
situação” (P9)
“Comparando o meu EC com os de outros colegas a grande diferença foi a possibilidade de
educarmos utente e família (…) de os tornarmos capazes para garantir o seu autocuidado”
Função de educação e (P12)
guia
“é uma área que requer alguns conhecimentos/experiências em situações específicas (...)
fiquei mais à vontade e aumentei a confiança” (P4)
Função de diagnóstico “desenvolvi pensamento critico, o que me tem ajudado na identificação das necessidades
e de vigilância do dos clientes, mas também na análise, descrição e resolução de problemas” (P6)
doente
“ter participado no projeto favoreceu a valorização dos protocolos terapêuticos que vão além
Administração e da medicação” (P8)
vigilância dos
protocolos terapêuticos “os protocolos foram uma mais valia, tivemos de ler artigos de investigação, analisar
evidência e perceber como se trabalha a equipa para a implementação” (P14)
“valorizo mais os resultados de investigação” (P10) (comparativamente a outros colegas)
Assegurar e vigiar a
qualidade dos cuidados “Na prestação de cuidados crio sempre um ambiente seguro, garanto a segurança na
de saúde administração da terapêutica, e recorro a instrumentos de avaliação para identificar possíveis
riscos” (P5)
“na minha integração todos me diziam que eu era o recém-licenciado mais seguro e
Gestão eficaz de determinado que tinha passado no serviço” (P3)
situações de evolução
rápida “desenvolvi capacidade de trabalho e gestão do tempo, que me tem tornado eficiente no
trabalho da urgência” (P1)
“no projeto tomei decisões lado a lado com os enfermeiros, os médicos e as assistentes
sociais (…) aprendi algumas coisas de liderança, de organização e sobretudo de trabalho
Competências em em equipa, fazendo cedências (…) possibilitando um trabalho de qualidade” (P11)
matéria de organização
“(...) aprendi a valorizar os papéis e as capacidades de todos os membros da equipa” (P2)
e de repartição de
tarefas “As reuniões de grupo trouxeram-me imensos contributos, permitindo-me entender que as
enfermeiras não tinham noção das dificuldades de cada contexto, principalmente no que diz
respeito à acessibilidade de informação” (P2)
Tabela 1 - Corpus da análise de conteúdo. Lisboa; 2017

DISCUSSÃO
O processo de ensino-aprendizagem nos contextos de prática clínica é influenciado por múltiplos
fatores que o tornam num verdadeiro desafio para o estudante (Baixinho & Ferreira, 2017) e pode influenciar
o desenvolvimento do futuro profissional. Os estudantes em ensino clinico estão numa situação privilegiada
de refletir na e sobre a ação (Schön, 2000) e esta competência reflexiva deve acompanhar o profissional para
o ajudar a atingir a proficiência (Benner, 2001), deste modo a formação em contexto da prática é uma
componente fundamental na integração de saberes e desenvolvimento de competências, constituindo um
eixo estruturante de socialização e construção da identidade profissional (Martinho, Pires, Carvalho &
Pimenta, 2014).
Fica claro que a metodologia de projeto utilizada no último ensino clinico permitiu o desenvolvimento
das competências comunicacionais subjacentes à função de ajuda e à função de educação e guia, dado que
a identificação das reais necessidades da pessoa implica apreciar diferentes aspetos que necessitam que o
enfermeiro recolha dados pela observação, entrevista, observação das dinâmicas familiares e dos cuidados
que são prestados pelos familiares cuidadores, com tradução direta na confiança do próprio profissional.

138
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Martinho et al (2014) ao referirem-se ao EC em contexto de serviços de saúde mental e psiquiátrica salientam


que este permite ao estudante o desenvolvimento de criatividade, de comunicação terapêutica, da sua
sensibilidade para o cuidar, de escuta, de empatia, e de capacidade de relacionamento interpessoal com o
doente, família e equipa.
No cuidado de enfermagem relacionado com a administração e vigilância dos protocolos terapêuticos
e com a qualidade dos cuidados constata-se uma preocupação com a introdução da evidência científica na
prática clinica, impulsionada pela experiências que foram possibilitadas durante o EC, nomeadamente o
integrar grupos de trabalho que estavam, na altura, a atualizar os protocolos terapêuticos e as “instruções de
trabalho” dos serviços onde decorreram os estágios.
De salientar o desenvolvimento do pensamento critico, de capacidade de decisão, de organização e
de trabalho em equipa, que sendo competências transversais são tão importantes como as competências
instrumentais e interpessoais para a prestação de cuidados de saúde em contextos, cada vez mais,
complexos. Este achado reforça o descrito por Alarcão & Rua (2005), sobre a forma como as trajetórias de
formação em enfermagem ganham sentido numa lógica interdisciplinar, interprofissional e interinstitucional.
Transversal a todo o processo de categorização fica claro o papel da metodologia utilizada como
motor para o desenvolvimento de competências nos primeiros anos de atividade profissional dos participantes
e do saber aprender, por exemplo, pelo recurso aos resultados da investigação. Este achado é relevante já
que a maioria das competências adquiridas no início da atividade profissional estão obsoletas no fim da
carreira (Levy, 2010).
Este é um estudo de autoperceção o que limita a generalização dos resultados e até a sua
interpretação à luz de outras investigações, todavia as vozes destes enfermeiros dizem que refletir sobre as
competências é fundamental para o percurso enquanto estudantes e para o processo de construção da
identidade profissional (Rosário et al, 2014).
Partir das suas conceções para a (re)construção do seu conhecimento profissional é uma forma de
promover práticas reflexivas, participadas e críticas, afastadas de uma visão da pedagogia como espaço de
reprodução e sujeição à autoridade (Rosário et al, 2014).

CONCLUSÕES
Os achados deste estudo permitem determinar a importância do trabalho de projeto realizado no
último ensino clinico de integração na vida profissional e discutir os domínios e competências que os
enfermeiros consideram ter desenvolvido, ainda enquanto estudantes, com a utilização desta metodologia. O
quadro teórico permitiu a categorização a priori, a partir dos sete domínios transversais que Benner (2001),
definiu para cada um dos estádios do desenvolvimento do profissional.
Os profissionais percecionam que o envolvimento em projetos de prática clinica, durante a
licenciatura, foi importante para o desenvolvimento de competências em termos da função de educação e
guia, na gestão eficaz de situações de evolução rápida, na certificação da qualidade dos cuidados de saúde
e, em matéria de organização e de repartição de tarefas. Os enfermeiros consideram que, independentemente
do envolvimento nos projetos, o ensino clinico, per si, permitiu o desenvolvimento da função de ajuda, de
educação e guia, de diagnóstico; acompanhamento e monitorização do doente e administração e
acompanhamento de protocolos terapêuticos.
A análise do discurso dos participantes motiva os docentes para desenvolver experiências inovadoras

139
A Escola: Dinâmicas e Atores

para melhorar a aprendizagem em ensino clinico, traz simultaneamente desafios à investigação, no sentido
de determinar se as práticas pedagógicas influenciam a passagem de perito a proficiente e responder aos
desafios que emergem nos contextos de saúde.

REFERÊNCIAS
Alarcão, I. & Rua, M. (2005). Interdisciplinaridade, estágios clínicos e desenvolvimento de competências.
Texto Contexto Enfermagem, 14 (3), 373-382.
Bardin, L. (2008). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Benner, P. (2001). De iniciado a perito (2ªEd.). Coimbra: Quarteto.
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Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos (pp.47-51). Porto: Porto
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aprendizagens e competências. In Estrela, T. et al, Diversidade e Complexidade da Avaliação em
Educação e Formação. Contributos da Investigação. Atas do XXII Colóquio da Secção Portuguesa
da AFIRSE. Lisboa: EDUCA/Secção Portuguesa da AFIRSE.
Ferreira, O. & Baixinho, C. L. (2017). Quais as competências desenvolvidas em ensino clinico? In Pinhal, J.,
Costa, F. A. & Faria, A. R. (2017). As pedagogias na sociedade contemporânea: Desafios às escolas
e aos educadores. Atas do XXIII Colóquio da Secção Portuguesa da AFIRSE. Lisboa: EDUCA/Secção
Portuguesa da AFIRSE.
Heidari; M. R. & Norouzadeh, R. (2015). Nursing students’ perspectives on clinical education. J Adv Med; 3(1),
39-43.
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Martinho, J., Pires, R., Carvalho, J.C. & Pimenta, G. (2014). Formação e desenvolvimento de competências
de estudantes de enfermagem em contexto de ensino clínico em saúde mental e psiquiatria. Revista
Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Especial (1), 97-102.
Rosário, R., Araújo, O., Oliveira, C., Machado, M., Braga, F. & Martins, C. (2014). A Voz dos Estudantes sobre
as Competências dos Enfermeiros. Ensino Superior em Mudança: Tensões e Possibilidades. Actas
do Congresso Ibérico, p.251-258. ISBN: 978-972-8746.
Schön, D. (2000). Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto
Alegre: Artes Médicas.
Silva, A.L. & Baldin, M.; & Nascimento, C. (2003). O conhecimento intuitivo no cuidado de enfermagem. Rev
Bras Enferm, 56 (1), 7-11.

140
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO NA REALIDADE BRASILEIRA E EM PORTUGAL


NA PERSPECTIVA SALARIAL
[ID 313]

Janaína Lopes Barbosa


Belmiro Gil Cabrito
Magna França

Instituto de Educação da Universidade de Lisboa; Instituto de Educação da Universidade de Lisboa;


Departamento de Educação da Universidade Federal de Rio Grande do Norte
janaina_lopes3009@yahoo.com.br; b.cabrito@ie.ulisboa.pt; magnaufrn@yahoo.com.br

Agência Financiadora: CAPES/MEC - BRASIL

Resumo
A Escola, pelo serviço que presta à Comunidade, integra interesses variados cuja interação conduz à
realização da sua missão de educar. Aqueles interesses decorrem da multiplicidade de atores em presença,
nomeadamente, os professores. O desempenho do professor depende de inúmeros fatores, como seja o da
valorização/desvalorização da carreira docente. A comunicação que agora se propõe decorre de uma
pesquisa sobre a valorização dos professores em Natal, Rio Grande do Norte, Brasil e em Portugal. Essa
investigação realiza-se a partir do Estágio pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, no Instituto
de Educação na Universidade de Lisboa, sendo a Agência financiadora a CAPES/MEC, Brasil. A problemática
da valorização ou desvalorização dos professores tem instigado a pesquisar as políticas salariais
(vencimentos) implementadas pelos governos, em ambos países. Destaca-se que os países apresentam
especificidades quanto aos valores dos vencimentos, no caso do Brasil, há disparidades entre regiões,
estados e capitais, entretanto, em Portugal, a carreira obedece um padrão em todo território nacional.
Objetiva-se analisar a política de valorização dos professores e as políticas de reajustes do vencimento dos
professores da educação básica, na rede municipal de Natal, Rio Grande do Norte e em Portugal, no período
de 2010-2015. O percurso metodológico pautou-se na pesquisa bibliográfica e documental, sendo usados
como dados os vencimentos, o salário mínimo e indicadores estatísticos e económicos dos dois países. O
estudo demonstra que em Natal a valorização do magistério se deu, especialmente, pelo arcabouço jurídico
e pela luta da categoria por melhorias salariais, através de conquistas como o Planos de Cargos, Carreiras e
Remuneração e Salários, do Piso Salarial Profissional Nacional e, também, fomentadas pela política dos
Fundef e do Fundeb, que definem os percentuais mínimos a serem aplicados na remuneração dos
professores, mas com os efeitos da inflação tem-se inibido os ganhos no vencimento, o que representa
desvalorização. No caso de Portugal, os ajustes salariais têm seguido a lógica das políticas de austeridade
impostas por organizações internacionais (Fundo Monetário Internacional, União Europeia, Banco Central
Europeu), assistindo-se a um processo real de desvalorização da carreira docente, mormente na educação
básica.

Palavras-chave: Valorização do magistério, Política salarial no Brasil e Portugal, Vencimentos dos


professores, Salário mínimo nacional.

Résumé
L'école, pour le service de la Communauté, intègre des intérêts variés dont l'interaction conduit à la réalisation
de sa mission d'éducation. Ces préoccupations découlent de la multiplicité des acteurs impliqués, en particulier
les enseignants. La performance de l'enseignant dépend de nombreux facteurs, en particulier l'appréciation /
dépréciation de la carrière d'enseignant. La communication que se propose découle de la recherche sur
l'amélioration de la carrière des enseignants au Natal, Rio Grande do Norte, Brésil et au Portugal. Cette
recherche est effectuée à partir du Programme Sandwich de Doctorat à l'Étranger, réalisé chez l'Institut
d'Éducation de l'Université de Lisbonne, dont l’Agence de financement c’est la CAPES/MEC, Brasil. La
question de l'appréciation ou la dépréciation des enseignants ont incité les politiques de recherche des salaires

141
A Escola: Dinâmicas e Atores

mis en œuvre par les gouvernements des deux pays. Il est à noter que les pays ont leurs spécificités
concernant les montants des salaires. Dans le cas du Brésil, il existe des disparités entre les régions, les états
et leurs capitales ; cependant, au Portugal, les salaires des enseignants sont établis à une échelle nationale.
L'objectif est d'analyser les politiques de valorisation de la carrière professionnelle des enseignants ainsi que
les politiques d’ajustements de salaires des enseignants de l'éducation de base dans les municipalités Natal,
Rio Grande do Norte et au Portugal, dans la période 2010-2015. L'étude montre que, dans Natal l'appréciation
de l'enseignement a été donné en particulier par le cadre juridique et pour la lutte des professeurs pour
l'amélioration des salaires, bien que par des conquêtes comme le Plan de Fonctions, Carrière et les Salaires,
le Plancher Professionnel Salarial National et également fomentée par la politique des fonds de financement
de l’éducation FUNDEF et FUNDEB, que définissent le pourcentage minimum à appliquer à la rémunération
des enseignants, mais dont les effets de l'inflation a freiné les gains des enseignants, ce qui représente la
dévaluation. Au Portugal, les politiques salariaux ont suivi la logique des politiques d'austérité imposées par
les organisations internationales (Fonds monétaire international, Union Européenne, Banc Central Européen),
pour cette raison, nous assistons à un véritable processus de dévaluation de la profession enseignante,
notamment dans l'éducation de base.

Mots-clés: Valorisation de l'enseignement, Politique salariale au Brésil et au Portugal, Salaires des


enseignants, Salaire minimum national.

INTRODUÇÃO
A qualidade do serviço que a Escola desempenha resulta de inúmeros factores, dentre os quais o
desempenho dos professores. Este desempenho, depende, também ele, de uma multiplicidade de factores,
como seja a formação profissional, as condições de trabalho, o número de alunos, a carga lectiva e, também,
a carreira e remuneração docente, sua valorização/desvalorização. É este último fator que se pretende
perceber no presente artigo.
O texto decorre de uma pesquisa sobre a valorização dos professores no no município de Natal, no
Rio Grande do Norte (RN) no Brasil e em Portugal. Essa investigação realiza-se a partir do Estágio pelo
Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior – PDSE, no Instituto de Educação na Universidade de Lisboa.
A problemática da valorização ou desvalorização dos professores tem instigado a pesquisar as
políticas salariais (vencimentos) implementadas pelos governos, em ambos países. Destaca-se que os países
apresentam especificidades quanto aos valores dos vencimentos, no caso do Brasil, há disparidades entre
regiões, estados e capitais, entretanto, em Portugal, a carreira obedece um padrão em todo território nacional.
Nesse sentido, no trabalho objetiva-se analisar a política de valorização dos professores e as políticas
de reajustes do vencimento dos professores da educação básica, na rede municipal de Natal (RN) e em
Portugal, no período de 2010-2015.
O percurso metodológico pautou-se na pesquisa bibliográfica e documental, tendo-se utilizado, no
processo de análise: das tabelas de vencimentos fornecidas pelos sindicatos dos professores de cada país,
a relação do vencimento com o salário mínimo e indicadores estatísticos e económicos, em destaque a
inflação e PIB per capita. O referencial teórico pauta-se em Cabrito (2002, 2014), Cerdeira et al (2014), Gatti
(2009, 2012), Camargo et al, (2010), Pinto (2015) e Gouveia e Souza (2015), dentre outros.

VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO: OS VENCIMENTOS DOS DOCENTES DA


EDUCAÇÃO BÁSICA EM PORTUGAL E NO BRASIL
A temática da valorização salarial é polêmica e interelaciona com importantes fatores, especialmente,
o financiamento da educação pública, um instrumento Estado para responder as necessidades da população
a educação de qualidade. Nesse interim, os docentes ocupam uma importante função na concretização dos
objetivos educacionais definidos para a sociedade. Nesse aspecto, o presente artigo pauta-se em analisar a

142
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

política de reajuste salarial aplicada em Portugal e no Brasil, destacando a capital do Rio Grande do Norte,
Natal, no período de 2010 a 2015, a fim de demonstrar as condições de salário/vencimento com que os
professores têm vindo a ser “tratados” pelas entidades oficiais/governos.
É pertinente destacar que teóricos discutem a dimensão salarial como indicador de valorização de
carreira, a evolução dos salários/vencimentos registados em cada país e discutem a forma como essa
evolução tem contribuído para a melhoria do nível de vida destes profissionais.
No tocante a valorização dos professores e das condições salariais, no Brasil, a partir da década de
1990, houveram transformações importantes no setor educacional, com base na política de Fundos, iniciada
com o Fundef quando os governos estabeleceram diretrizes para formular e implementar políticas visando
atender às demandas internacionais. No caso, da educação, foi aprovado um conjunto vasto de leguislação,
tendo em vista atender as diretrizes para que os países alcancem uma educação de qualidade.
factores que afectam a condição do professor, deveria ser dada uma atenção muito particular
à remuneração, uma vez que, nas condições do mundo actual, outros factores, como a
posição e consideração que a sociedade lhes reconhece e o grau de apreço pela importância
das suas funções, estão grandemente dependentes, tal como em outras profissões similares,
da situação económica que se lhes acorda (UNESCO, 1966, p.45).
Nos últimos anos a classe docente, quer em Portugal quer no Brasil, tem sido alvo de diversas
intervenções que, curiosamente, têm ocorrido em sentidos opostos. Os organismos internacionais têm
definidos diretrizes para que os países se adequem às exigências e redefinam as políticas de valorização e a
remuneração. No Brasil a política de Fundos (Fundef e Fundeb) tem sido adotada para a redistribuição dos
recursos para a educação e tem apresentado recursos específicos para a remuneração dos professores, bem
como para manutenção e desenvolvimento da educação. Em Portugal, a política adotada está no contexto
das políticas educacionais
No Brasil a melhoria nas condições na remuneração dos professores é reflexo da política de
financiamento da educação, pela via da política de Fundos iniciada (Fundef & Fundeb). Gatti (2012) em suas
pesquisas, já apontava que a política de Fundos melhorou as condições de remuneração e formação, quando
analisado antes da sua implementação, mas demonstram que essa política não equiparou a remuneração
docente aos demais profissionais com idêntica formação.
Na discussão sobre o vencimento, torna-se importante conceituar a diferença entre vencimento e
remuneração. Na compreensão de Camargo et al (2010), o salário-base e vencimento corresponde ao valor
estabelecido em contrato inicial, recebido pelo docente com uma determinada formação, que em troca da
atividade, ou seja, do trabalho realizado em uma determinada jornada, recebe no final do período de trabalho,
em geral um mês. Nesse sentido, ao referir-se a remuneração, considera-se que essa é a somatória dos
valores recebidos pelos docentes, sendo composta pelo salário-base/vencimento e demais espécies de
gratificações, prémios, bónus entre outros benefícios. No caso dos professores da rede municipal de Natal,
Rio Grande do Norte, o vencimento é uma parte da remuneração, visto que contam com outros itens que
compõem a sua remuneração. No caso de Portugal, o vencimento torna-se a própria remuneração, pois ao
pertencer a um escalão, o valor instituído é o que corresponde ao total recebido por seu trabalho, ou seja,
não há outros itens remuneratórios.
Nesse ínterim, Gouveia & Souza (2015) apontam que as condições de remuneração dos professores
podem ser analisadas com base nos dados de vencimento inicial, ou seja, o que define as tabelas salariais e
que não apresentam gratificações ou adicionais. Estes valores têm os efeitos das promoções e titulação e o
tempo de serviço e/ou avaliação. Todavia, a movimentação na tabela salarial depende da característica de

143
A Escola: Dinâmicas e Atores

cada profissional, pois a análise do vencimento não revela a remuneração efetiva dos professores mas
possibilita uma compreensão aproximada da política de valorização ou desvalorização dos profissionais.
Entretanto os desafios da valorização dos professores e de sua remuneração são constantes. Pinto
(2015) retoma a discussão sobre a Meta 16 do Plano Nacional de Educação (PNE) que busca valorizar os(as)
profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento
médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência
deste PNE. Nesse sentido, o autor aponta que é preciso ampliar os gastos gradativamente por gasto por
aluno, na perspectiva de atingir um padrão de remuneração condigno, pois permitirá atrair e manter bons
profissionais e melhores condições das escolas.

EVOLUÇÃO DOS VENCIMENTOS DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO BÁSICA EM INÍCIO


E FINAL DE CARREIRA, EM PORTUGAL E EM NATAL/BRASIL (2010-2015)
A política de financiamento da educação básica, fundamentada nos Fundos (Fundef e Fundeb),
fomentou a aprovação de medidas legais importantes para a valorização do magistério, como a elaboração e
reformulação dos Planos de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR) e também, a aprovação e
implementação do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), Lei n. 11.738/2008, repercutindo, assim, na
definição e na política de reajuste do vencimento dos professores da educação básica, sendo o PCCR e o
PSPN resultados da força que a política de Fundos fomentou nos estados e municípios e que objetivam
melhorias na carreira, no vencimento e na remuneração.
A análise efetuada compara as políticas de valorização salarial aplicada aos professores da educação
básica de Portugal e da rede municipal de Natal, RN. Delimitou-se o campo de estudo estabelecendo-se que
a análise seria, no caso de Portugal, referente aos professores que se encontram no 3º escalão, início de
carreira e no 10º escalão, docentes em final de carreira e que, no caso da rede municipal de Natal/RN se
elegiam os professores do Nível 1 (N1) que corresponde ao professor com formação em nível superior em
início e final de carreira.
Gatti (2009) destaca que o salário inicial de professores, no geral, tem historicamente, sido baixo se
comparado a outras profissões cujos profissionais têm o mesmo grau de formação, seja de nível superior ou
outros mais elevados, e por isso, tem peso nas características de procura pela docência. Em síntese, além
de outros fatores, uma carreira e salários que está associada a uma profissão desprestigiada, com toda
certeza são elementos decisivos na escolha e procura desses cursos, como também ingressar e permanecer
na profissão. Portanto, o trabalho procurar mostrar uma realidade do Brasil e a de Portugal, pois pode-se
evidenciar como os professores estão sendo tratados no seu vencimento/remuneração.

O caso brasileiro: o vencimento na rede municipal de Natal/ Rio Grande do Norte/Brasil


(2010-2015)
O estudo sobre o vencimento, em uma realidade inserida em território brasileiro, no caso a rede
municipal de Natal, aponta para a compreensão da valorização do magistério, na dimensão do vencimento e
da remuneração. Nesse sentido, ressalta-se que é a partir da Constituição de 1988 e do modelo de
financiamento da educação, pela via de Fundos (Fundef e Fundeb), bem como a luta sindical e as pautas de
reivindicações dos docentes pela valorização do magistério público, que resultam em diretrizes para a

144
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

legislação que trata da valorização do magistério, como o PCCR, o Fundeb e a aprovação do PSPN. Esta foi
uma política que trouxe um salto quantitativo substancial no vencimento dos professores em nível nacional.

R$ 4 000,00 R$ 3 595,00
R$ 2 646,28 R$ 2 861,65
R$ 3 000,00 R$ 2 162,28 R$ 2 405,72 R$ 2 405,72
R$ 1 815,72
R$ 2 000,00 R$ 1 215,05 R$ 1 215,05 R$ 1 336,55 R$ 1 445,33
R$ 1 092,10
R$ 1 000,00
R$ -
2010 2011 2012 2013 2014 2015

VENCIMENTO PROFESSOR (N1) INICIO DE CARREIRA


VENCIMENTO PROFESSOR (N1) FINAL DE CARREIRA

Gráfico 1 – Vencimento Inicial e Final dos professores da rede municipal de educação de Natal
(2010-2015), com formação em nível de licenciatura plena (Professor N1)
Fonte: Sinte/RN (2010-2015)
O gráfico 1 apresenta o vencimento/salário em início e final de carreira dos professores da rede
municipal de Natal,RN, com formação de licenciatura plena, no período de 2010 a 2015. Os dados
demonstram que ao longo dos anos houve o contínuo reajuste nos vencimentos, com destaque negativo para
2012, ano de uma conflituosa gestão do Governo da prefeita Micarla de Souza, ano que a categoria não
conseguiu que o reajuste anual fosse garantido. Em termos percentuais, os reajustes ao longo do período,
para os professores, com a referida formação, em início e final de carreira, demonstram que o ganho
acumulado corresponde a 66,3%. Em valores nominais representa um ganho significativo no vencimento e
na valorização da carreira docente. Todavia, é importante perceber se esse ganho nominal se traduziu,
também, em ganhos reais. Observe-se o gráfico 2.

30,0% 25,6%
25,0%
20,0%
13,86%
15,0% 11,3% 10,0%
10,0% 8,1%
4,31% 4,18%
5,0% 1,69%
0,0%
0,0%
2010

2011

2012

2013

2014

2015

-5,0%
-10,0% -5,65%

VAR. NOMINAL ANUAL % VAR. REAL ANUAL %

Gráfico 2 – Ganho nominal e real dos professores com licenciatura plena (N1), do município de Natal, Rio
Grande do Norte, Brasil (2010-2015)
Fonte: Tabelas fornecidas pela Secretaria Muncicipal de Natal/Brasil (2010-2015)
No gráfico 2 apresentamos a variação nominal e real dos reajustes concedidos aos professores com
licenciatura plena em inicio e final de carreira, em Natal. Em termos nominais, a variação anual, correspondeu
a 11,3%, em 2011, 0% em 2012, 10% em 2013, 8,1% em 2014 e 25,6% em 2015, o que já destacamos que
ao longo do período representou 66,3% de ganho nominal no vencimento. Todavia, ao analisar a variação
com base no valor real, ou seja, aplicação da inflação do ano, percebemos o ganho real os percentuais de
valorização no vencimento passam para 4,31%, -5,65%, 4,18%, 1,69% e 13,86%, respectivamente. Os dados
mostram, pois, que as taxas de crescimento dos salários nominais, no período, sofreram perdas causadas
pela inflação, inibindo, por isso, parcialmente os efeitos dos ajustes salariais nominais aplicados pelo

145
A Escola: Dinâmicas e Atores

município de Natal/RN/Brasil. Mesmo assim, é relevante destacar que, apesar de tudo, houve avanços no
vencimento dos professores. Todavia, as perdas de 2012 as perdas não foram recuperadas em 2013, pelo
que não houve cumprimento da política de reajuste, estabelecida no PCCR e garantido pelo PSPN revelando
a desvalorização dos professores.
No item a seguir os dados apresentam a realidade da políticas de valorização salarial dos professores
do ensino pré-escolar, primário e secundários, dos professores que estão no 3º e no 4º escalão da carreira
docente, em Portugal.

O caso português: o vencimento dos professores do 3º e 10º escalão na rede pública (2010-
2015)
No que respeita a Portugal, fruto das políticas de austeridade levadas a cabo pelo governo como
forma de garantir as exigências das entidades que “resgataram” o país da crise financeira (Fundo Monetário
Internacional, FMI; União Europeia, UE; Banco Central Europeu, BCE), assistiu-se nos últimos danos a
políticas restritivas para toda a função pública e, como tal, também para os professores da escola pública de
todos os níveis de ensino, nomeadamente despedimentos, encerramento de vagas e congelamento da
progressão na carreira e salarial. Observe-se o gráfico 3, que nos mostra a evolução do vencimento dos
docentes no período em análise tomando-se para ilustrar apenas os vencimentos dos 3º (início da carreira) e
10º (final da carreira) escalões.

€ 4 000,00 € 3 364,60 € 3 364,60 € 3 364,60 € 3 364,60 € 3 364,60 € 3 364,60

€ 3 000,00
€ 1 864,19 € 1 864,19 € 1 864,19 € 1 864,19 € 1 864,19 € 1 864,19
€ 2 000,00

€ 1 000,00

€ 0,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015

REMUNERAÇÃO DOS PROFESSORES PORTUGAL 3º ESCALÃO


REMUNERAÇÃO DOS PROFESSORES PORTUGAL 10º ESCALÃO

Gráfico 3 – Evolução do vencimento nominal dos professores do 3º e 10º escalão, do quadro docente que
atuam do ensino pré-escolar, primário e secundário de Portugal (2010-2015)
Fonte: Sindicato dos Professores da Grande Lisboa/FENPROF
Os dados apresentam um congelamento dos vencimentos dos professores, no caso estudado, do 3º
escalão e do 10º escalão da carreira docente de Portugal. No 3º escalão, os professores amargam um
vencimento de € 1.864,19, desde o ano de 2010 e os docentes do 10º escalão o vencimento de € 3.364,60,
ou seja, o gráfico evidencia que ao longo do período não houve nenhum reajuste nos rendimentos,
evidenciando que a taxa de crescimento representou 0% e os profissionais vivenciam uma política de
desvalorização das condições de vida e de carreira. Aliás, no gráfico a seguir, observa-se que além do
congelamento, a política de austeridade aplicada pelo governo, realizou cortes mensais de 3,5% nos
professores de 3º escolão e de 10%, em média, no 10º escalão.
Conforme informações das tabelas salariais coletadas no Sindicato dos Professores da Grande
Lisboa (SPGL), os cortes nas remunerações são mensais e obedecem a seguinte fórmula de cálculo “(acima

146
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

de € 1.500,00 e até € 2.000,00) (valor bruto do salário) x 0,035, (acima de € 2.000,00 e até € 4.165,00) (€
2.000,00 x 0,035) + [(valor bruto - € 2.000,00) x0.16] (acima de € 4.165,00) (valor bruto do salário) x 0,10.
Em consequência, ao longo de todo o período o vencimento nominal bruto dos docentes foi “cortado”
sendo que os professores do 3º escalão viram o seu vencimento reduzido de 1864,19€ para 1798,94 mensais
e os do 10º escalão de 3364,60€ para 3028,50€ mensais.
Os dados confirmam o que Secretário- Geral da FENPROF, em entrevista ao Jornal da entidade
questiona sobre a estagnação da carreira docente e como a federação percebe o problema.
Esta situação demonstra um completo desrespeito pelos professores. Os anos de serviço
têm-lhes sido roubados e digo desta forma porque, nesses anos, os professores exerceram
a sua atividade, fizeram os seus descontos, sofreram cortes salariais relevantes e, apesar de
tudo isso, sucessivos governos decidiram limpar esses anos da vida profissional dos
docentes. Isto é inaceitável e constitui um profundo desrespeito pelos professores, como já
antes afirmei. Do ME, ou melhor, do governo, pois este é um problema que transcende a
Educação, exige-se o descongelamento das carreiras e a negociação de um processo, que
admitimos ser faseado, de recuperação do tempo de serviço roubado (FENPROF, 2016, p.5).
A afirmação corrobora com os dados apresentados que evidenciam um real processo de
desvalorização que a categoria vem sofrendo nesse período. De destacar, no entanto, que a categoria se
encontra vem num processo de luta e negociação para a retomada da atualização salarial dos docentes,
sendo pauta das reinvidicações da categoria e da FENPROF com o atual governo, governo socialista apoiado
pelos partidos à sua esquerada (Partido Comunista Português, PCP e Bloco de Esquerda, BE). Para isso se
espera que os salários/vencimentos sejam atualizados, conforme expressa o secretário geral da FENPROF,
Que os atualize. Lembro que a última revisão salarial dos docentes aconteceu em 2009,
portanto, há sete anos. Daí para cá, os professores, não só não tiveram qualquer atualização,
como ainda viram os seus salários serem parcialmente cortados, as carreiras congeladas e
a carga fiscal muito agravada. Esta é uma situação que não pode arrastar-se e não é sério
tentar confundir a reposição do valor integral dos salários com um alegado aumento, desde
logo porque se tratou de repor o valor que existia em 2010, mas também porque reposto o
ilíquido, o que os professores efetivamente recebem está abaixo do que recebiam nesse ano.
Ao fugir à negociação e decidir unilateralmente que não há atualização dos salários, o atual
governo age exatamente da mesma forma que agia o governo anterior (FENPROF, 2016,
p.5).
Assim, espera-se que os vencimentos retomem ao valor integral e que sejam atualizados/reajustados
para melhorar as condições remuneratórias dos professores pois, ao longo desses anos, vêm amargando um
processo de desvalorização e que o governo deve assumir e conduzir a uma política de valorização dos
professores em todo país.

POLÍTICAS DE MELHORIAS SALARIAIS DOS PROFESSORES DE NATAL/BRASIL E


PORTUGAL: O QUE REVELAM OS DADOS?
A análise dos dados no item anterior, instigou a perceber a relação entre a política de valorização
salarial aplicada pelo município de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, no Brasil e a política
salarial vivenciada em Portugal, nos últimos anos. Os dados a seguir revelam as condições de vencimento e
de valorização dos professores em Portugal e na rede municipal de Natal.

147
A Escola: Dinâmicas e Atores

4 000,00 R$ 3 595,00
€ 3 364,60 € 3 364,60 € 3 364,60 € 3 364,60 € 3 364,60
3 500,00 € 3 364,60
R$ 2 861,65
3 000,00 R$ 2 646,28
R$ 2 405,72 R$ 2 405,72
2 500,00 R$ 2 162,28
€ 1 864,19 € 1 864,19 € 1 864,19 € 1 864,19 € 1 864,19 € 1 864,19
2 000,00 R$ 1 815,72
R$ 1 336,55 R$ 1 445,33
1 500,00 R$ 1 092,10 R$ 1 215,05 R$ 1 215,05

1 000,00
500,00
0,00
2010 2011 2012 2013 2014 2015
VENCIMENTO DOS PROFESSORES N1 (A) VENCIMENTO DOS PROFESSORES 3º ESCALÃO
VENCIMENTO DOS PROFESSORES N1 (P) VENCIMENTO DOS PROFESSORES 10º ESCALÃO

Gráfico 4 – Vencimento dos professores (licenciatura plena – N1) na rede municipal de Natal, RN, Brasil e
em Portugal (3º e 10º escalão), período de 2010 a 2015
Fonte: Tabelas fornecidas pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública (SINTE) do Rio Grande
do Norte, Brasil; Sindicato dos Professores da Grande Lisboa/FENPROF (2010-2015)
Na análise do gráfico 4, evidenciamos que a política de valorização salarial dos países em estudo
aconteceu de maneira diferente, pois percebemos que enquanto que no Brasil os vencimentos evoluem no
sentido crescente, exceto em 2012, em Portugal, a adoção de políticas de austeridade levou ao congelamento
dos salários o que foi agravado pela política de cortes salariais que o governo levou a cabo aumentando a
desvalorização da carreira dos professores portugueses ao mesmo tempo que, no Brasil, percebe-se um
momento de conquistas e melhorias salariais, provocadas pelas políticas de Fundos (Fundef e Fundeb) e
especialmente, pelas definições de reajustes anuais, definidos pelo PSPN.
Para ampliar análise apresentamos a relação PIB per capita e o vencimento dos professores da rede
municipal de Natal e dos professores de Portugal.
PERÍODO PIB Per capita (R$) PROF. N1 (A) (R$) % do PIB pc PROF. N1 (P) (R$) % do PIB pc
2010 19.878,00 1.092,10 5,5 2.162,28 10,9
2011 22.157,00 1.215,05 5,5 2.405,72 10,9
2012 24.121,00 1.215,05 5,0 2.405,72 10,0
2013 26.445,00 1.336,55 5,1 2.646,28 10,0
2014 28.046,00 1.445,33 5,2 2.861,65 10,2
2015 28.876,00 1.815,72 6,3 3.595,00 12,4
Tabela 1 – Relação PIB per capita do Brasil e o vencimento dos professores com licenciatura plena (N1), no
período de 2010 a 2015 (em R$). Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); SINTE/RN
(2010-2015)
Na tabela 1 percebe-se o crescimento gradativo do PIB per capita no Brasil, demonstrando melhorias
nos padrões de remuneração no país em detrimento do crescimento do PIB. No tocante a relação com o
vencimento dos professores (N1) em início e final de carreira, os anos mais significativos são 2010 (5,5%),
2011 (5,5%) e 2015 (12,4%), anos em que o reajuste representou percentuais mais elevados sob o
vencimento. Apesar dos outros anos não apresentarem percentuais menores, a recuperação de 2015
demonstra que tem ocorrido ganhos na valorização salarial dos professores, embora essa valorização precise
ser permanente para que os docentes não percam o seu poder de compra.

148
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PERÍODO PIB Per capita (€)) 3º ESCALÃO (€) % do PIB pc 10º ESCALÃO (€) % do PIB pc
2010 20.546,80 1.864,19 9,1 3.364,60 16,4
2011 20.317,40 1.864,19 9,2 3.364,60 16,6
2012 20.515,40 1.864,19 9,1 3.364,60 16,4
2013 20.612,80 1.864,19 9,0 3.364,60 16,3
2014 21.400,60 1.864,19 8,7 3.364,60 15,7
2015 22.242,60 1.864,19 8,4 3.364,60 15,1
Tabela 2 – Relação PIB per capita de Portugal e o vencimento dos professores do 3 e 10º escalão, em
euros (€), no período de 2010 a 2015
Fonte: PORDATA/Portugal e Sindicato dos Professores da Grande Lisboa/FENPROF (2010-2015)
Na relação entre o PIB pc de Portugal e os vencimentos dos professores, percebe-se que os
percentuais têm reduzido ao longo dos anos; o PIB pc vem mantendo um crescimento, mesmo que moderado,
mas cresce, enquanto o vencimento não vem sendo reajustado e a sua relação percentual com o PIB pc tem
descrescido. Em termos percentuais, em 2010, o professor recebia no 3º escalão 9,1% do PIB pc, mas em
2015, o percentual é de 8,4%, ou seja, uma redução de 0,7%. No caso do professor do 10º escalão, o
vencimento correspondia a 16,4% do PIB pc, mas em 2015, correspondeu a 15,1%, ou seja, reduziu 1,3%.
Assim, percebe-se que o processo de desvalorização tem ocorrido e que as perdas salariais e de carreira tem
mostrado o decréscimo de rendimentos dos professores portugueses.
Nesse interím, compreende-se que a valorização salarial é diferente nos dois países. Todavia, isso
não permite afirmar que os docentes em Portugal tenham condições de vida inferiores aos professores da
rede municipal de Natal e do Brasil.
Na perspectiva de utilizar outros indicadores para ampliar as análises, as tabelas 3 e 4 apresentam a
compreensão da política de valorização salarial a partir da relação existente entre os vencimentos dos
professores e o salário mínimo nacional em cada país.
PERÍODO PROF. N1 (A) (R$) Número de SM PROF. N1 (P) (R$) Número de SM
2010 1.092,10 2,1 2.162,28 4,2
2011 1.215,05 2,2 2.405,72 4,4
2012 1.215,05 2,0 2.405,72 3,9
2013 1.336,55 2,0 2.646,28 3,9
2014 1.445,33 2,0 2.861,65 4,0
2015 1.815,72 2,3 3.595,00 4,6
Média 1.353,30 2,1 2.679,44 4,2
Tabela 3 – Número de salários mínimos nacional (SM) que vale o vencimento dos professores com
licenciatura plena (N1), na rede municipal de Natal/RN/Brasil (2010-2015)
Fonte: Sinte/RN e IBGE (2010-2015)
A tabela 3 apresenta o vencimento inicial e final dos professores, no período 2010-2015 e também,
em quantidade de salários mínimos. A análise permite compreender que apesar das políticas de valorização
aplicadas, no período, aos rendimentos dos docentes em início de carreira, o seu vencimento vale, em média,
2,1 salários mínimos. No que respeita aos professores em final de carreira, o respectivo vencimento vale, em
média, 4,2 salários mínimos. Todavia, percebe-se que apesar dos efeitos da reposição salarial e dos
reajustes, praticamente, em todos os anos, os ganhos na relação do salário mínimo não possibilitaram a
concretizar a valorização salarial. Entende-se que mesmo com a implementação do PSPN e de outras
legislações que promovem a valorização, ainda, continuamos com profissionais desvalorizados.

149
A Escola: Dinâmicas e Atores

PERÍODO 3º ESCALÃO Número de SM 10º ESCALÃO Número de SM


2010 1.864,19 3,9 3.364,60 7,1
2011 1.864,19 3,8 3.364,60 6,9
2012 1.864,19 3,8 3.364,60 6,9
2013 1.864,19 3,8 3.364,60 6,9
2014 1.864,19 3,8 3.364,60 6,9
2015 1.864,19 3,7 3.364,60 6,7
Média 1.864,19 3,8 3.364,60 6,9
Tabela 4 – Número de salários mínimos nacional (SM) que vale o vencimento dos professores do 3º
escalão e do 10º escalão, de Portugal (2010-2015)
Fonte: Sindicato dos Professores da Grande Lisboa/FENPROF; PORDATA (2010-2015)
A análise da tabela 4 permite compreender que os professores do 3º e 10º escalão, conforme
explicado, anteriormente, apresentam um congelamento do vencimento e por isso, ao apresentar a relação
entre o vencimento desses professores e o valor do salário mínimo, percebe-se os efeitos da desvalorização
dos vencimentos apesar da quase estagnação do valor do salário mínimo que evoluiu da seguinte forma: €
475,00 (2010), € 485,00 (2011), € 485,00 (2012), € 485,00 (2013), € 485,00 (2014) e € 505,00 (2015). Verifica-
se que a média recebida pelo professor do 3º escalão correspondeu a 3,8 SM e do docente do 10º escalão
representou 6,9 SM. Nesse sentido, evidenciamos o processo de desvalorização na carreira e nos
rendimentos dos professores, situação que atingiu, aliás, de todos trabalhadores do país, particularmente da
função pública, em virtude das políticas de austeridade tomadas pelo governo para diminuir os gastos do
Estado português.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo demonstra que em Natal a valorização do magistério se deu, especialmente, pelo arcabouço
jurídico e pela luta da categoria por melhorias salariais, através de conquistas como o Plano de Cargos,
Carreiras e Remunerações e o Piso Profissional Salarial Nacional e, também, fomentadas pela política de
financiamento da educação através de findos contábeis, no caso, o Fundef e o Fundeb, que definem os
percentuais mínimos a serem aplicados na remuneração dos professores, sendo que os efeitos da inflação,
todavia, têm inibido os ganhos no vencimento real, o que representa uma desvalorização da função docente.
No caso de Portugal, os ajustes salariais têm seguido a lógica das políticas de austeridade impostas
por organizações internacionais (BCE, UE e FMI), assistindo-se a um processo real de desvalorização da
carreira docente, mormente na educação básica. A análise indica, no caso português, que se a desvalorização
dos rendimentos dos professores permanecerem baseada nesse modelo de arrocho salarial, ou seja,
nenhuma taxa de crescimento, justificada pela política de austeridade, as perdas na carreira e nas condições
de vida dos docentes terão um impacto consistente na vida financeira e social da carreira. Todavia, espera-
se, uma melhoria da situação nos próximos anos em virtude das mudanças de política de redistribuição de
rendimentos, acordados pelo novo governo, que assumiu esse compromisso, ou seja, retomar como agenda
política de valorização do funcionalismo público e se afastar da matriz neoliberal dos governos anteriores.
No entanto, a pesquisa permite perceber que no contexto atual, há perspectivas de melhorias, pois
os indicadores económicos apontam para a retomada do crescimento da economia, possibilitando aos
sindicatos colocar na agenda de negociação os debates e a retoma da valorização dos rendimentos, sendo
que o governo vem anunciando a retirada, gradativa dos percentuais de cortes nos vencimentos dos
funcionários públicos.
É perceptível, ao mesmo tempo, o aumento do salário mínimo, o que mostra que os outros
salários/vencimentos, também se encontram na perspectiva de serem valorizados. Por fim, o crescimento na

150
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

economia ganha destaque, sendo apontados, em janeiro de 2017, indicadores sobre Portugal que fazem
pensar numa retoma da situação económica e social, nomeadamente o facto de Portugal já apresentar a
menor taxa de desemprego dos últimos anos e que, no quadro da União Europeia, o país demonstra o maior
acréscimo percentual de empregos (Eurostat, 2017).
Para finalizar, julga-se importante salientar, pois, que se tem assistido à valorização da carreira
docente dos professores do ensino básico, no Brasil, nomeadamente na rede municipal do Natal e, espera-
se, que esse processo de valorização se mantenha e intensifique e que o mesmo venha a acontecer em
Portugal, proximamente, sob pena de as carreiras dos professores do ensino básico dos dois países
continuarem desvalorizadas, com as naturais consequências no nível de vida destes profissionais.

REFERÊNCIAS
Camargo et al (2010). Remuneração docente no Brasil: antecedentes do Piso Salarial Profissional.
Nacional. In Seminário da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Trabalho Docente– Rede Estrado, 8.,
2010. Lima: Rede Estrado, 2010. 1 CD-ROM.
FENPROF (2016). 2017 Tempo de dar valor aos professores. Jornal da FENPROF Lisboa, nov. 2016.
Disponível em: <http://www.fenprof.pt/Download/FENPROF/SM_Doc/Mid_135/Cat_632/ Anexos/JF_
nov2016_286.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2016.
Gatti, B. A. & Barreto, E. S. (2009). Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO.
Gatti, B. A. (2012). Reconhecimento social e as políticas de carreira docente na educação básica. Cadernos
de Pesquisa, São Paulo, 42 (145), 88-111. Trimestral.
Gouveia, A. B. & Souza, A. R. (2015). Remuneração de professores em rede públicas do Estado do Paraná.
In Camargo, R. B. & Jacomini, M. A. (Org.). Vencimento e remuneração docente no Brasil: resultados
de pesquisa. São Paulo: Xamã, 39-65.
OIT/UNESCO (1966). Recomendação da OIT/UNESCO de 1966 Relativa ao Estatuto dos Professores e
Recomendação de 1997 da UNESCO relativa ao Estatuto do Pessoal do Ensino Superior. Paris, 5 de
outubro de 1966. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0016/001604/ 160495por.pdf>.
Acesso em: 25 de fevereiro de 2014.
Pinto, J. M. R. (2015). Por que 10% do PIB para a educação pública? In Gouveia, A. B., Pinto, J. M.
R., & Fernandes, M. D. E. Financiamento da educação no Brasil: os desafios de gastar 10% do PIB em dez
anos. Campo Grande: Editora Oeste, 45-60.

151
A Escola: Dinâmicas e Atores

O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: RECEITA E APLICAÇÃO DE


RECURSOS DO FUNDEB NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE NATAL (2007-2015)
– RIO GRANDE DO NORTE – BRASIL
[ID 314]

Janaína Lopes Barbosa


Belmiro Cabrito
Magna França
Bolsista CAPES – Brasil; Instituto de Educação – Ulisboa; Centro de Educação – UFRN
janaina_lopes3009@yahoo.com.br; b.cabrito@ie.ulisboa.pt; magnaufrn@yahoo.com.br

Agência Financiadora: CAPES/MEC - BRASIL

Resumo
O presente trabalho é um recorte da pesquisa de doutoramento desenvolvido na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte/Brasil, a qual apresenta a problemática da valorização do magistério nas dimensões da
carreira e da remuneração dos professores, com base no financiamento da educação, pela via de Fundos
contabéis – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais
da Educação (Fundeb), no municipio de Nata/RN. No Brasil, a temática do financiamento da educação básica
no Brasil vem ganhando espaço em âmbito acadêmico, na perspectiva compreender as mudanças na
educação a partir das definições de recursos da Constituição de 1988 e a posteriori com a política do Fundef
e do atual Fundeb. Nesse sentido, o tema é tanto mais pertinente quanto é natural, pois vincula-se a
valorização da carreira docente, bem como contribui para discussão sobre um importante ator do processo
educativo, o professor, em face da melhoria na valorização, esepcialmente, na remuneração. Assim sendo,
propõe-se analisar a aplicação dos recursos financeiros destinados à educação municipal de Natal/RN para
valorização do magistério (remuneração) e para a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), no
período de 2007 a 2015. O referencial teórico pauta-se em autores que desenvolvem pesquisa no âmbito do
financiamento, como: Pinto (2009), Farenzena (2011, 2015), Martins (2010), Amaral (2012), França (2007)
dentre outros. No percurso metodológico, utilizou-se da revisão bibliográfica e documental, sendo composta,
também, por dados de receitas e despesas com a remuneração e MDE. Os resultados apontam que o
município apresentou um crescimento dos recursos próprios, entretanto, o montante de transferências
constitucionais, mesmo com volume de recursos maiores, não apresentaram percentuais significativos,
demonstrando a ausência da participação da União na garantia de recursos para a educação básica.
Ademais, os dados, também, mostram que os recursos do Fundeb mantiveram um crescimento e que a maior
parte dos recursos foram o pagamento dos profissionais da educação, ou seja, a folha de pagamento do
magistério público e que na manutenção do ensino, os valores variaram de 5,53%, em 2007 para 4,18%, em
2015, mostrando que os recursos estão vinculados, especialmente, com a folha de pagamento e que para a
MDE a prefeitura tem utilizado dos outros recursos para educação, mostrando a ineficiência do mecanismo
de redistribuição de recursos – Fundeb na proposição da valorização do magistério e na melhoria da qualidade
da educação básica.

Palavras-chave: Financiamento da educação básica, Fundeb, Valorização do magistério, Manutenção e


desenvolvimento do ensino.

Résumé
Cet article est un extrait de la recherche doctorale développé à l'Université fédérale de Rio Grande do Norte /
Brésil, qui vise à analyser le rôle des différentes politiques de financement de l'éducation dans la qualité de
l'éducation et le renforcement de la profession enseignante dans la région. Le thème est particulièrement
pertinent, car il est naturel que l'appréciation de la profession enseignante contribue à un acteur important
dans le processus éducatif, l'enseignant, pour améliorer ses performances. Le financement de l'éducation de
base au Brésil est une question complexe qui est de plus en plus populaire dans le milieu universitaire, et
pertinent de comprendre que les politiques éducatives dépendent directement des ressources disponibles
pour l'éducation et qui donnera la durabilité des actions proposées dans les politiques publiques, telles que

152
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

les définitions du Plan Nationale de l'Éducation nationale. En ce sens, il est proposé d'analyser l'application
des ressources financières pour l'éducation municipale Natal / RN pour l'amélioration de l'enseignement
(rémunération) et pour le maintien et le développement de l'éducation (MDE), de 2007 à 2015. Le cadre
théorique est guidé dans les auteurs qui développent la recherche dans le domaine du financement, tels que
Pinto (2009), Farenzena (2011, 2015), Martins (2010), Amaral (2012), France (2007), entre autres. La
recherche utilise une approche méthodologique fondée sur la recherche documentaire et bibliographique, en
utilisant des documents et des lois, et la partie empirique se compose de données sur le revenu et les
dépenses de la rémunération avec les professionnels de l'enseignement et le maintien et le développement
de l'enseignement au Natal / RN. Les résultats montrent que Natal/RN avait une augmentation des ressources
propres, mais le montant des transferts constitutionnels, même avec un volume de plus de ressources, n'a
pas montré un pourcentage significatif, ce qui démontre l'absence de participation de l'Union dans l'assurance
de ressources pour l'éducation de base. En outre, les données montrent également que les ressources de
FUNDEB (100%) ont maintenu une croissance et que la plupart des fonds le minimum de 60%, qui est destiné
au paiement des professionnels de l'éducation, et qui ont été définis 40% comme le maximum pour les MDE,
qui étaient des valeurs dérisoires, allant de 5,53% à 4,18%, montrant que les ressources sont liées, en
particulier avec la masse salariale de ces professionnels d'enseignement, ce qui montre l'inefficacité du
mécanisme de redistribution des ressources - FUNDEB pour la proposition de valorisation et l'amélioration de
la qualité de l'éducation de base.

Mots-clés: Financement de l'éducation de base, FUNDEB, Valorisation de l’enseignant e développement de


l'éducation.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um recorte da pesquisa de doutoramento desenvolvido na Universidade Federal
do Rio Grande do Norte/Brasil, a qual apresenta a problemática da valorização do magistério nas dimensões
da carreira e da remuneração dos professores, com base no financiamento da educação, pela via de Fundos
contabéis – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais
da Educação (Fundeb), no municipio de NatalRN.
No Brasil, a temática do financiamento da educação básica no Brasil vem ganhando espaço em
âmbito acadêmico, na perspectiva compreender as mudanças na educação a partir das definições de recursos
da Constituição de 1988 e a posteriori com a política do Fundef e do atual Fundeb, na valorização do
magistério. Nesse sentido, o tema é tanto mais pertinente quanto é natural, pois vincula-se a valorização da
carreira docente, bem como contribui para discussão sobre um importante ator do processo educativo, o
professor, em face da melhoria na valorização, especialmente, na remuneração. Nesse sentido, o objetivo é
analisar a aplicação dos recursos financeiros do Fundeb destinados à educação municipal de Natal/RN para
valorização do magistério (remuneração) e para a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), no
período de 2007 a 2015.
O percurso metodológico pautou-se na revisão bibliográfica com autores que desenvolvem pesquisa
no âmbito do financiamento, como: Pinto (2009), Farenzena (2011, 2015), Martins (2010), Amaral (2012),
França (2007) dentre outros. e documental, tendo-se utilizado, no processo de análise: dados financeiros da
receita e despesa do Fundeb, com a remuneração e Manutenção e Desenvolvimento da Educação (MDE),
disponibilizados Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (SIOPE) e atualizados
pelo IPCA/IBGE (corrigidos pela calculadora do cidadão - Banco Central do Brasil - 12/2007 a 01/2015).

O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E A POLÍTICA DE FUNDOS – O FUNDEB


A implementação das políticas educacionais depende diretamente dos recursos disponíveis para a
educação e que vão dar sustentabilidade para as ações propostas nas políticas públicas. Deste modo, não

153
A Escola: Dinâmicas e Atores

se deve desvincular o financiamento dos aspectos pedagógicos, uma vez que são esses recursos que
proporcionam aos alunos melhores condições para o aprender, garantindo o acesso, a permanência e o
sucesso na sua trajetória estudantil. Assim, o financiamento da educação torna-se relevante para a
consolidação da universalização da educação pública de qualidade.
Ao longo da história do magistério, os conflitos de interesses e a luta pela sua valorização do
magistério perpassam o entendimento do financiamento da educação, como política pública, que exerce papel
fundamental para a concretização das ações do Estado no setor educacional. Conforme Martins (2010,
p.498), “o financiamento em si pode ser entendido como uma política pública, inclusive com potencial de
indução da adoção de outras políticas”. Nesse sentido, o entendimento de política pública relaciona-se com
o financiamento da educação, visto que, no Brasil sua definição percorreu contextos diversos, com lutas e
conflitos de interesses entre os setores da sociedade.
A Constituição Federal de 1988 (artigos 212 e 213) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (lei nº 9.394/1996, artigos 68 a 77), destacam a responsabilidade de oferta e atendimento dos entes
federados, a porcentagem de aplicação dos recursos, enfatizando o dever de investir na educação para
alcançar e garantir direitos sociais.
Na exigência de aplicação dos recursos, cabe ao município utilizar percentuais maiores que o definido
pela Constituição de 1988, ou seja, no mínimo tem que ser aplicado 25% destes recursos destinados à
educação, na manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). A LDB, no seu art. 11, inciso V estabelece,
ainda, que o Município só pode aplicar os 25% da receita de impostos no Ensino Fundamental e na Educação
Infantil, e somente recursos acima desse porcentual podem ser destinados ao Ensino Médio e à Educação
Superior, mesmo assim, se estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência.
Para o cálculo do percentual destes recursos, não considera-se toda a receita prevista no orçamento
público, mas apenas os impostos, ou seja, não fazem parte da base de cálculo as taxas e contribuições.
Quanto à receita resultante dos impostos, esta corresponde à soma dos impostos próprios e das
transferências de impostos previstas pela Constituição, assim como dos valores da dívida ativa de impostos,
multas e juros de mora. No caso dos Municípios, incluem-se, portanto: os impostos próprios (IPTU, ISS, ITBI,
IRRF) e a respectiva dívida ativa, multas e juros desses impostos; as transferências constitucionais recebidas
da União (FPM, IRRF, ITR, IOF-ouro); as transferências constitucionais recebidas do Estado (ICMS, IPVA,
IPI-Exportação).
Na perspectiva de ampliar o atendimento a toda a educação básica e com a proximidade com o
término da vigência do Fundef, aprova-se a Emenda Constitucional n° 53/06. Essa alterou a redação dos
artigos 7°, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal de 1988, referindo-se ao atendimento a outras
etapas da educação básica, normatizando a cooperação entre a União e as entidades federativas na
execução de programas de educação e valorização dos profissionais da educação escolar, bem como
deliberando a forma de complementação de recursos pela União a estados e municípios (FRANÇA, 2007).
Destaca-se que o Fundeb tem recebido montantes maiores, se comparado ao período do Fundef,
isso garante mais proximidade entre os valores mínimos dos fundos estaduais, considera-se que a evolução
da complementação da União ao Fundeb é considerada positiva e demonstra a funcionalidade das relações
federativas, auxiliando na diminuição das diferenças interestaduais e municipais na capacidade de
financiamento da educação. Na compreensão de Farenzena (2011),

154
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

o Fundeb têm como objetivos explicitados na legislação: a manutenção e desenvolvimento


da educação básica pública e a valorização dos trabalhadores da educação, incluindo sua
remuneração condigna. Faz parte da própria natureza do Fundeb a promoção de maior
equiparação da capacidade de financiamento educação básica entre os entes, o que pode
ser ligado, mais diretamente, a dois princípios constitucionais que regem a educação
nacional: igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola e garantia de
padrão de qualidade (p.88)
O Fundeb tem a perspectiva de estabelecer uma melhor valorização do magistério, especialmente,
na remuneração docente, entretanto, não impediu aos professores, o trabalho docente, em mais de uma rede
para compor e ampliar sua remuneração. Pinto (2009) adverte que “como o salário pago por uma rede é
insuficiente para viver com o mínimo de dignidade, as jornadas são fixadas de tal forma que se possa atuar
em outras redes de ensino, ou ter mais de um cargo na mesma rede. Aí, surgem as jornadas mais esdrúxulas
possíveis: 20 horas, 24 horas, 30 horas etc” (p.56).
Para tanto, o texto buscar apresentar um conjunto de dados financeiros do Fundeb e sua
aplicabilidade, sendo inicialmente, a receita e em seguida, a despesa, na perspectiva de explicar como os
recursos foram aplicados, na melhoria educação da rede municipal de ensino de Natal/Rio Grande do Norte
(2007-2015).

RECURSOS RECEITA E DESPESAS DO FUNDEB NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE


NATAL (2007-2015)
No tocante aos Fundos (Fundef e Fundeb), à Lei n.9.424/96 (Fundef) e à Lei nº 11.494/07 (Fundeb),
cada estado e o Distrito Federal possuem o seu fundo contábil. Os Fundos aglutinam os recursos estaduais,
municipais e a complementação da União, quando for necessário, sob a responsabilidade da esfera federal.
Esses recursos devem ser aplicados em manutenção e desenvolvimento do ensino da educação básica
pública e na valorização do magistério dos profissionais da educação, para a condigna remuneração
(AMARAL, 2012).
Na tabela 1, apresenta-se as receitas do Fundeb do município de Natal, contendo a receita de
impostos e transferências, receita ao fundo via transferência do estado do Rio Grande do Norte, aplicação
financeira dos recursos e complementação da União, no período de 2005 a 2015.
Receita Receitas Aplicação Complementação
Receita (Total)
Período destinadas ao recebidas do Financeira do da União ao
do Fundeb
Fundeb Fundeb Fundeb Fundeb
2007 75.669.098 6.837.172 248.435 0 82.754.705
2008 102.341.448 6.821.188 874.536 0 110.037.172
2009 103.554.039 14.631.314 500.400 0 118.685.752
2010 113.224.112 5.339.169 166.028 0 118.729.309
2011 121.866.694 18.550.091 877.108 1.681.957 142.975.849
2012 122.284.449 15.805.354 377.756 2.480.277 140.947.837
2013 124.465.495 21.452.574 561.951 1.069.197 147.549.218
2014 124.451.124 18.413.940 537.706 4.101.817 147.504.586
2015 119.865.739 26.189.153 931.483 15.070.530 162.056.905
Tabela 1 – Receitas do Fundeb no município de Natal (2007-2015)
Fonte: SIOPE/FNDE (2007-2015)
1. Em valores atualizados pelo IPCA/12/2007 a 01/2015
Na análise dos recursos dos Fundeb, observa-se que a receita de impostos apresentou um
crescimento, correspondendo em 2007, ao valor de R$ 75.669.098, chegando, em 2015, a R$

155
A Escola: Dinâmicas e Atores

119.865.739,21. Isso, em percentuais, representa um aumento de 58%. Como os recursos oriundos de


transferências e impostos vêm apresentando redução em 2015, isso reflete diretamente na cesta de recursos
do Fundo contábil, ou seja, a perda no quantitativo de dinheiro para ser aplicado na remuneração e na
manutenção e desenvolvimento da educação sofre as consequências dos problemas da economia e das
ações, tais como: a isenção fiscal, medidas adotadas pelos governos no controle de crises da economia.
Observa-se que os recursos das transferências vêm apresentando oscilações ao longo do período, o
que significa o reflexo da vinculação dos recursos à matrícula, pois as transferências têm a vinculação das
necessidades de cada ano, onde o Estado transfere os recursos que faltam para completar o valor aluno.
Conforme explica Amaral (2012),
o fundo é constituído em cada Estado e o efeito provocado pela sua constituição é o de
redistribuir os seus recursos dentro do próprio Estado. Portanto, o efeito, dentro de um
Estado, é o de retirar os recursos de alguns Municípios e os remeter para outros, de tal modo
que uniformiza, em todo o estado, o valor aplicado por estudante do ensino fundamental
(p.132).
Nesse sentido, o Fundeb apresentou, anualmente, um adicional de recursos pela via de transferências
ao Fundo que está sob a responsabilidade do estado. Nesse sentido, o RN repassou para Natal compor as
receitas do Fundeb um montante de recursos que representa um crescimento de 283%, ou seja, em 2007,
em valores corrigidos pelo IPCA, as transferências corresponderam a R$ 6.837.172, chegando, em 2015, no
valor de R$ 26.189.153,25. Observa-se que, desde 2011, o estado do RN vem recebendo complementação
ao Fundeb que correspondeu, no período de 2011 a 2015, a um percentual de 796%, crescendo de R$
1.681.957,00, em 2011, para R$ 15.070.529,52.
A lei do Fundeb permite ao executivo aplicar na poupança, ou seja, agregar mais recursos aplicando
e acrescentando os juros ao montante. Nesse sentido, a rede municipal fez uso, com exceção de 2007, desse
mecanismo financeiro, tendo os recursos retornado a partir da aplicação com um saldo de R$ 248.435, em
2007 para R$ 931.483,11, em 2015, representando um crescimento de 275%, no período.
Na tabela 2, demonstra-se com base na receita total dos Fundos (Fundef e Fundeb), os valores a
serem aplicados (obrigatórios) na Remuneração (mínimo de 60%) e para a MDE (o máximo de 40%), no
período de 2007 a 2015.
Período Fundeb (60%) - Remuneração Fundeb (40%) – MDE Total Fundeb Aplicado
2007 49.652.823 33.101.882 82.754.705
2008 66.022.303 44.014.869 110.037.172
2009 71.211.451 47.474.301 118.685.752
2010 71.237.585 47.491.723 118.729.309
2011 85.785.510 57.190.340 142.975.849
2012 84.568.702 56.379.135 140.947.837
2013 88.529.531 59.019.687 147.549.218
2014 87.662.538 59.001.834 146.664.372
2015 96.636.459 64.822.762 161.459.221
Tabela 2 – Receita do Fundeb destinado à aplicação obrigatória na remuneração (2007-2015)
Fonte: SIOPE/FNDE (2007-2015)
Nota:1. Em valores atualizados pelo IPCA/12/2007 a 01/2015
Na análise do recursos do Fundeb, importa perceber o modo como os recursos são distribuidos. A lei
estabelece que o mínimo de 60% deve ser aplicado na remuneração, e o máximo de 40% investido na
manutenção e desenvolvimento do ensino; o município pode aplicar todo o recurso na remuneração, porém
essa alternativa demonstra a insuficiência da política de valorização do magistério e da melhoria da educação.

156
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Os dados, no período, demonstram que, em 2007 que o montante de recursos vinculados (estimado pela lei
do Fundeb) os 60% correspondia a R$49.652.823 e os 40% contavam com R$ 33.101.882 para um total de
R$ 82.754.705. Em 2015, o volume de recursos definido foi de R$ 96.636.459,38, para os 60% e de R$
64.822.761,64 para os 40%, totalizando R$ 161.459.221,02. Os dados mostram que a política avançou no
sentido de estabelecer que os recursos tenham uma aplicação vinculada à remuneração e à melhoria da
educação, visto que mesmo com a definição da Constituição de 1988 de estados e municípios, tem a
obrigação de aplicar 25% em MDE. Isso estava garantido que seria para a valorização salarial, planos de
carreira e outros aspectos da valorização do magistério.
A tabela 3 explicita a aplicação dos recursos do Fundeb na remuneração do magistério público e na
manutenção e desenvolvimento do ensino, também, evidencia o montante aplicado no mínimo de 60 %
(remuneração) e o máximo de 40% (MDE), período de 2007 a 2015.
Fundeb (60%) Fundeb (40%) MDE
Período Ensino Educação Ensino Total
Educação Infantil
Fundamental Infantil Fundamental
2007 0 79.417.648 21.676 4.557.114 83.996.439
2008 0 103.054.641 1.849.648 4.844.266 109.748.556
2009 0 111.728.176 3.854.094 1.065.675 116.647.945
2010 11.534.045 105.752.021 767.283 675.825 118.729.175
2011 45.264.524 94.248.518 624.398 0 140.137.440
2012 26.651.299 111.036.430 292.535 2.291 137.982.555
2013 28.561.650 110.848.080 5.724.842 2.414.647 147.549.218
2014 34.720.284 114.106.096 32.649 0 148.859.029
2015 31.798.000 115.661.000 3.680.754 3.097.954 154.237.708
Tabela 3 – Despesa do Fundef/Fundeb com pagamento dos profissionais do magistério e MDE, no
município de Natal/RN (2007-2015)
Fonte: SIOPE/FNDE (2007-2015)
Nota:1. Em valores atualizados pelo IPCA/12/2007 a 01/2015
A análise da despesa do Fundeb, revela que o investimentos dos recursos distribui-se em
remuneração (60%) e MDE (40%), sendo subdividido em educação infantil e ensino fundamental. No que se
refere ao mínimo de 60%, percebe-se que o investimento dos recursos no pagamento dos professores da
educação infantil só aparece em 2010, ano da integralização do Fundeb e também, da aprovação da Lei
Complementar nº 114/2010 que trata do Plano de Cargos, Carreira e Remuneração dos Educadores da
Educação Infantil de Natal/RN. Com relação aos recursos empenhados, o ano que apresentou maior volume
de recursos foi 2011, correspondendo a R$ 45.264.524; nesse ano, houve a convocação dos professores
aprovados para o cargo de educador infantil, representando, assim um importante grupo para compor a folha
de pagamento, observa-se também, que as informações de aplicação de recursos apresentam-se após a
implementação definitiva do Fundeb.
Com relação aos professores do ensino fundamental os recursos empenhados apresentam um
crescimento em 2007, de R$ 79.417.648, e, em 2015, de R$ 115.661.000, em termos percentuais 46%, no
período. Todavia, ao longo da série histórica, percebe-se o decréscimo em volume de recursos em 2010 e
2011, retornando o aumento nos recursos nos anos seguinte, cm destaque para 2013 que aponta uma
redução.
Na análise da aplicação dos recursos dos Fundos em MDE, percebem-se as oscilações nos valores
ano a ano, pois, diferentemente dos recursos aplicados em remuneração, mesmo com decréscimos, mantêm
uma constância nos recursos. E em MDE, porém, é perceptível que a aplicação decorreu da necessidade de

157
A Escola: Dinâmicas e Atores

cada ano, notadamente, pelo que não seria utilizado na folha de pagamento e poderia ser investido na
manutenção da educação.
Na tabela 4, vê-se o valor aplicado (no mínimo de 60%) e, (no máximo, de 40%), no período de 2007
a 2015.
Fundeb (60%) -
Período % Fundeb (40%) – Mde % Total Aplicado Do Fundeb
Remuneração
2007 79.417.648 95,96 4.578.790 5,53 83.996.439
2008 103.054.641 93,65 6.693.915 6,08 109.748.556
2009 111.728.176 94,13 4.919.769 4,14 116.647.945
2010 117.286.066 98,78 1.443.109 1,21 118.729.175
2011 139.513.042 97,57 624.398 0,43 140.137.440
2012 137.687.729 97,68 294.826 0,2 137.982.555
2013 139.409.730 94,48 8.139.488 5,52 147.549.218
2014 148.826.380 99,95 32.649 0,02 148.859.029
2015 147.459.000 95,09 6.778.708 4,18 154.237.708
Tabela 5 – Valor aplicado no pagamento do magistério (mínimo de 60% ) e em MDE ( máximo de 40%), no
período de 2007a 2015Fonte: SIOPE/FNDE (2007-2015)
Nota: 1. Em valores atualizados pelo IPCA/12/2007 a 01/2015
Os dados da tabela evidencia a aplicação dos recursos do Fundeb, na rede pública do município de
Natal, na remuneração dos profissionais do magistério, ou seja, na folha de pagamento, sendo o valor mínimo
de 60%, insuficiente para o município cumprir outras demandas de MDE, ou seja, ao longo do período uma
média de 96% tem sido para a remuneração e, apenas o restante para o investimento em MDE, que, na série
histórica, não ultrapassou a 6,08%. Compreende-se que os recursos do Fundo para a rede municipal de Natal
já alcançou o limite, sendo uma característica de que esse mecanismo de valorização e de qualidade da
educação está desgastado, visto que o modelo está vinculado às condições macroeconômicas, mantidas em
modos cíclicos, interferindo na arrecadação. Outro fator é a permanência dos mesmos recursos no modelo
de financiamento da educação.
No gráfico 1, apresentam-se os percentuais aplicados do Fundeb nos 60% e nos 40%, no período de
2007 a 2015.

120
101,49 99,73 98,27 99,99 98,00 97,88 100,00 99,97 99,27
100
95,96 98,78 97,57 97,68 99,95 95,09
80 93,65 94,13 94,48

60

40

20 5,53 6,08 4,14 5,52 4,18


1,21 0,43 0,20 0,02
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Fundeb (60%) Fundeb (40%) Fundeb (100%)

Gráfico 1 – Percentuais aplicados dos Fundos (Fundef e Fundeb) nos 60% e nos 40% (2007-2015)
Fonte: SIOPE/FNDE (2007-2015)
No gráfico 1, constam-se os percentuais aplicados em remuneração e MDE, percebe-se que, no
período em estudo, os recursos do Fundeb estiveram vinculados aos custeios da folha de pagamento, sendo
utilizados quase todos os volume de recursos. Nesse sentido, a maior parte dos recursos foi o pagamento
dos profissionais da educação, ou seja, a folha de pagamento do magistério público, 95,96%, em 2007 e

158
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

95,09%, em 2015, enquanto, na manutenção do ensino, os valores variaram de 5,53%, em 2007 para 4,18%,
em 2015. Todavia, o município, com exceção de 2006, 2007 e 2013, não aplicou o total dos recursos; isso
tem sido uma prática constante deixar recursos com a justificativa de que o Fundo permite, sem que ocorram
punições, deixar para o exercício seguinte a aplicação de até 5% dos recursos dos fundos, ou seja, tem-se
sempre a possibilidade de um superávit dos recursos financeiros.
Farenzena (2006) aponta que a definição de critérios para a fixação e distribuição dos recursos,
diretriz essa oriunda da Emenda Constitucional nº 14/96 e o aparecimento das questões federativas, com a
implementação de Fundos – Fundef para o financiamento da educação e para atender, respectivamente, ao
Ensino Fundamental e à Educação Básica, é, por alguns estudiosos, uma minirreforma tributária, visto que
traz a perspectiva da valorização docente por meio desses Fundos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo explicita o modelo de financiamento da educação básica do Brasil, pela via de
Fundos contabéis, no caso o Fundeb e apresenta a aplicação dos recursos na rede municipal de ensino de
Natal/Rio Grande do Norte/Brasil, no período de 2007 a 2015. O Fundeb está respaldado pela Constituição
Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases, Lei n. 9.394/96, sendo mecanismos contábeis que definem
para os gestores municipais e estaduais os valores obrigatórios a serem aplicados no campo educacional, ou
seja, o mínimo dos 60% dos recursos são destinados, para a remuneração e o máximo de 40% para a
manutenção e desenvolvimento da educação (MDE).
Nesse sentido, ao analisar a aplicação dos recursos do Fundeb, com base nos dados financeiros,
percebe-se a perspectiva de estabelecer uma melhor valorização do magistério, especialmente, na
remuneração docente, visto que conforme os dados, o maior volume de recursos tem sido aplicado na folha
de pagamento, ou seja, na remuneração docente. Entretanto, essas vinculação de recursos para a
remuneração e a perspectiva de valorização do magistério, não impediu que os professores continuassem a
trabalhar em várias redes ou escolas, para melhorar as condições de remuneração.
Ao observar os dados, identifica-se que os recursos do Fundeb estão sendo aplicados, claramente
na remuneração dos profissionais do magistério, ou seja, na folha de pagamento, sendo uma média de 96%,
que o município vem aplicado na remuneração e, um percentual muito inferior foi aplicado em MDE, não
ultrapassando 6,08%, no período em análise. Em valores em 2007, os recursos destinados ao mínimo de
60% foram de R$ 83.996.466,46, no qual o Fundo vinculou R$ 79.417.674,66, em 2015 o montante investido
na remuneração correspondeu a R$ 147.459.000,00 de um total de R$ 154.237.707,85, ou seja, foi maior do
que o previsto para o Fundeb, embora esse aspecto esteja, a partir da análise dos balanços, relacionados
aos recursos que não foram aplicados em exercícios anteriores e que para cumprir a legislação aplicou-se
em 2015. Portanto, percebe-se que os recursos, praticamente, estão sendo utilizados para investir na
remuneração, o que é uma avanço, mas um retrocesso, já que não atende as demandas de MDE. Por isso,
apresenta a problemática da insuficiência dos Fundeb para a valorização do magistério, pois ele apresenta-
se com limitações e restrições de ampliação, visto que depende da arrecadação de impostos e transferências
constitucionais, ambas vinculadas a macroeconomia, o que constitui-se um problema para momentos de crise
econômica.
Outro aspecto analisado é que embora os dados apresentem um aumento no volume de recursos,
em valores corrigidos pela inflação (IPCA) houve um crescimento percentual de 58% na receita de impostos,

159
A Escola: Dinâmicas e Atores

entretanto, 2015 sinaliza um problema de redução da receita, reflexo da queda na arrecadação, justificada
pela crise econômica, pois um dos principais impostos do Fundeb é o Imposto Sobre Circulação de
Mercadorias (ICMS), ou seja, está ligado ao poder de consumo da população.
É importante destacar que o estado do Rio Grande do Norte tem transferido recursos para a conta do
Fundeb do município de Natal, para completar o valor do custo aluno, ou seja, Natal vem sempre ganhando
com o Fundeb. É um aspecto que demonstra a capacidade do município na ampliação no atendimento das
etapas e modalidade que estão sob sua responsabilidade (educação infantil, ensino fundamental e educação
de jovens e adultos).
No tocante aos percentuais aplicados, conforme explicita o gráfico 1, na remuneração e em MDE, os
dados revelam que dos recursos 95,96%, em 2007 e 95,09%, em 2015, foram aplicados na remuneração,
enquanto que na manutenção e desenvolvimento do ensino, os valores variaram de 5,53%, em 2007 para
4,18%, em 2015. Portanto, embora os recursos estejam demonstrando serem insuficientes, para atender os
custeios com MDE e ampliar a valorização salarial dos professores, o município esteve ampliando a
destinação de recursos para a remuneração, mas observa-se uma prática de não aplicar o total dos recursos
do Fundeb, isto é, não utiliza ao final de um exercício os 100% dos recursos, o que demonstra ser uma prática
constante deixar recursos, com a justificativa de que o Fundo permite, com exceção de 2007 e 2011. Isso
acontece, pois não tem ocorrido punições, pela prática de deixar para o exercício seguinte a aplicação de até
5% dos recursos, assim tem-se sempre a possibilidade de um superávit dos recursos financeiros.

REFERÊNCIAS
Amaral, N. C. (2012). Para compreender o financiamento da educação básica no Brasil. Brasília: Liber Livro.
Farenzena, N. (2006). A política de financiamento da educação básica: rumos da legislação brasileira. Porto
Alegre: Editora da Ufrgs.
Farenzena, N. (2015). Capacidades de financiamento da educação básica no Fundeb: uma costura. In
Gouveia, A., Pinto, J. & Fernandes, M. Financiamento da educação no Brasil: os desafios de gastar
10% do PIB em 10 anos (pp.83-107). Campo Grande: Editora Oeste. Cap. 4.
França, M. (2007). O financiamento da Educação Básica: do Fundef ao Fundeb. In Pontos e Contrapontos da
Política Educacional: uma leitura contextualizada de iniciativas governamentais. Cabral Neto, A. et al
(Org.). Brasília: Líber Livro Editora.
Martins, P. (2010). O financiamento da educação básica como política pública. Rbpae, Goiânia 26 (3), 497-
514, set/dez.
Pinto, J. M. de R. (2000). Os recursos para a educação no Brasil no contexto das finanças públicas. Brasília:
Plano.
Pinto, J. M. de R. (2009). Remuneração adequada do professor: desafio à educação brasileira. Revista
Retratos da Escola, Brasília, 3 (4), 51-67, jan./jun.

160
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CONTROLE SOCIAL DO FINANCIAMENTO NA EJA


TENSÕES ENTRE GESTÃO FINANCEIRA DE RECURSOS DESCENTRALIZADOS E
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA EM CENTROS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
[ID 49]

Luciana Bandeira Barcelos


Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ/ProPEd
lubbarcelosrj@yahoo.com.br

Resumo
O presente trabalho apresenta algumas reflexões decorrentes de pesquisa de doutorado em curso, que
investiga o controle social do financiamento na Educação de Jovens e Adultos, exercido por Associações de
Apoio à Escola, em Centros de Educação de Jovens e Adultos no estado do Rio de Janeiro, Brasil. A pesquisa
volta-se para o estudo de casos, buscando verificar de que modo a concepção de controle social circulante
nessas escolas-caso orienta e regula o uso dos recursos financeiros descentralizados, recebidos diretamente
pelas unidades escolares, e o quanto esse controle contribui para ampliar a qualidade da gestão pública
escolar. Intenciono compreender se a participação política, de sujeitos jovens e adultos em Associações de
Apoio à Escola, tem favorecido o processo de construção da gestão democrática; se essa forma de
participação constitui o que tem sido denominado de controle social e se há outros elementos constitutivos
que o caracterizam; ou se sua atuação tem sido utilizada meramente como mecanismo voltado à melhoria da
gestão financeira. A tese que sustenta a investigação é a de que esta participação, entendida como prática
política e cotidiana de formação cidadã, contribui para a melhoria da qualidade da gestão pública escolar, ao
possibilitar o acesso aos recursos, e também ao modo como são gestionados. Na pesquisa em referência,
aponto a condição humana da pluralidade - que se manifesta na capacidade de agir e reagir, de ocupar
espaços públicos, própria da condição humana — como ideia inicial que norteia a pesquisa, parte do fio
condutor pelo qual interpreto os dados obtidos. Ao optar por este caminho, aproximei-me dos teóricos da
complexidade, tais como Morin, Ardoino, que apontam a necessidade de “ver em relação”, e destacam a
interdependência entre os diversos componentes que integram o conhecimento, resguardando singularidades
sem perder de vista complexidades, intentando compreender meu objeto como parte de um contexto maior,
e que, portanto, só ganha sentido se compreendido em relação a esse contexto. Entendendo ser a escola
pública brasileira um espaço privilegiado de formação cidadã, conforme afirmado na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, e considerando o controle social do financiamento como exercício de cidadania,
proponho investigar a contribuição que as Associações de Apoio à Escola dos em Centros de Educação de
Jovens e Adultos, podem oferecer à gestão pública escolar e à própria formação cidadã, consolidando
princípios democráticos e desenvolvendo a consciência política de jovens e adultos.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, Centro de Educação de Jovens e Adultos, Controle social
do financiamento, Gestão da escola pública.

Résumé
Ce travail présente quelques réflexions procédant d’une recherche doctorale en cours s’intéressant au contrôle
social du financement de la Formation des jeunes et des adultes, exercé par des Associations de soutien à
l’école dans des Centres de formation des jeunes et des adultes de l’État de Rio de Janeiro, au Brésil. La
recherche procède à des études de cas pour vérifier de quelle manière la conception de contrôle social qui
circule dans les centres étudiés oriente et régule l’usage des ressources financières décentralisées
directement reçues par les établissements, ainsi que pour montrer à quel point ledit contrôle contribue à
améliorer la qualité de la gestion publique de la formation. Je chercherai à savoir si la participation politique
des jeunes et des adultes a ou non favorisé le processus de construction d’une gestion démocratique, si cette
forme de participation constitue ou non ce que l’on a appelé le contrôle social et s’il existe d’autres éléments
constitutifs le caractérisant, ou encore s’il a été simplement utilisé comme un mécanisme d’amélioration de la
gestion financière. L’hypothèse qui a orienté cette recherche est que cette participation, entendue comme
pratique politique quotidienne de formation citoyenne, contribue à l’amélioration de la qualité de la gestion
publique de la formation en permettant l’accès aux ressources et également aux modes de gestion. Dans ce
travail, je pars de la condition humaine de pluralité – qui se manifeste dans les capacités d’action et de réaction,
ainsi que d’occupation de l’espace public, propres à la condition humaine – pour orienter mes recherches et

161
A Escola: Dinâmicas e Atores

interpréter les données obtenues. En choisissant cette voie, je me suis rapprochée des théoriciens de la
complexité, comme Morin et Ardoino, qui ont montré la nécessité de « voir en relation » et souligné
l’interdépendance entre les diverses composantes intégrant la connaissance. Il s’agit ainsi de rechercher des
singularités, sans pour autant perdre de vue les complexités, et de chercher à comprendre mon objet d’étude
comme partie intégrante d’un contexte plus large qui ne peut acquérir de signification qu’en étant analysé dans
sa relation avec le contexte en question. En partant de l’idée de ce que l’enseignement public brésilien
constitue un espace privilégié de formation citoyenne (conformément à ce qu’affirme la Loi d’orientation de
l’Éducation nationale) et de ce que le contrôle social du financement caractérise un exercice de citoyenneté,
je propose d’analyser la contribution que les Associations de soutien à l’école des Centres de formation des
jeunes et des adultes peuvent offrir à la gestion publique de la formation et à la citoyenneté elle-même pour
consolider les principes démocratiques et développer la conscience politique des jeunes et des adultes.

Mots-clés: Formation des jeunes et des adultes, Centres de formation des jeunes et des adultes, Contrôle
social du financement, Gestion de l’enseignement public.

PARA INÍCIO DE CONVERSA...


A participação, adotada como princípio constitucional no Brasil por meio da Constituição Federal de
1988 (CF 1988), possibilita o envolvimento da população, dialogando com o Estado, na formulação de
políticas públicas de diversas áreas, e se faz presente em vários dispositivos do texto constitucional e da
legislação infraconstitucional que o acompanha — conforme demonstrado nos Artigos 5º, incisos XIV, XXXIII
e XXXIV; Art. 14, inciso III; Art. 29; Art. 37, Art. 74, inciso II;, Art. 194, Art. 198, Art. 206, Art. 227, entre outros
— constitui uma forma de exercício do controle social, e pressupõe avanço rumo à construção de uma
sociedade mais democrática.
Controle social, por mim inicialmente entendido como direito público subjetivo, constitucionalmente
estabelecido no Brasil e traduzido na pesquisa como decorrência da participação — este um princípio
constitucional pilar do Estado Democrático de Direito, essência que o distingue em relação a outros modelos
de Estado que o precederam — constitui uma forma de compartilhamento de poder de decisão sobre as
políticas, instrumento e expressão da democracia e da cidadania, ainda que com proposições, por vezes,
controversas, dada a polissemia que caracteriza o termo e contradições inerentes ao fazer político.
Adquire, em meu entendimento, status de condição sine qua non para a vida em sociedades que se
pretendem democráticas.
A garantia do exercício do controle social impõe aos órgãos integrantes do poder público, em todos
os níveis, a viabilização de instrumentos para que seja exercido o direito constitucional pelos cidadãos. Esse
exercício inclui atendimento aos princípios da transparência e da publicização, disponibilizando informações
de forma pública, de fácil acesso e de fácil compreensão.
Por ser instrumento de expressão da participação, o controle social se alinha ao exercício da
cidadania, e imbrica-se com a educação, tal qual preceitua o Artigo 205 da CF 1988, ao afirmar que a
educação no país “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, e
reafirma a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996), ao estabelecer no Art. 22 as
finalidades da educação básica.
Por este Artigo, destaca-se a necessidade de formação do educando para o exercício da cidadania,
consequentemente estimulando a criação, nas escolas, de espaços de vivência democrática, por se tratar de
uma forma de contribuir para o desenvolvimento da cultura política, que possibilite aos sujeitos melhores
condições para intervir na sociedade, como cidadãos de direitos.

162
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Especificamente nos CEJA materializam-se por meio de Associações de Apoio à Escola (AAE) —
sociedades civis sem fins lucrativos com estatuto próprio, que recebem recursos públicos do orçamento
estadual e federal, determinados anualmente para esse fim — e também por meio de Conselhos Escolares,
recentemente criados.
Na pesquisa, intenciono investigar especificamente o controle social exercido pela comunidade
escolar sobre recursos descentralizados recebidos diretamente pelas AAE dos CEJA — oriundos de repasses
do tesouro estadual e das cotas estadual e federal do Salário Educação —, objetivando verificar de que modo
a concepção de controle social circulante nessas escolas-caso orienta e regula o uso dos recursos financeiros
recebidos e gestionados diretamente pelas unidades escolares.

SITUANDO O HORIZONTE DE ANÁLISE: CEJA E AAE


Os CEJA são unidades escolares da rede estadual do Rio de Janeiro, que atendem a EJA nos níveis
de ensino fundamental anos finais e médio, por meio de ensino semipresencial, por módulos, com
atendimento individual presencial, presencial coletivo e online. Preveem avanços sequenciados, sem caráter
de seriação.
Nos CEJA, os recursos descentralizados são recebidos e gestionados pelas Associações de Apoio a
Escola, sociedades civis sem fins lucrativos, com estatuto próprio, que recebem recursos públicos do
orçamento estadual e federal, consignados anualmente para esse fim. O compromisso das AAE é de destinar
os benefícios de suas atividades à unidade escolar a que estiverem vinculadas, devendo prestar contas
regularmente dos recursos recebidos e de suas ações.

CONTINUANDO A CONVERSA: TENSÕES ENTRE GESTÃO FINANCEIRA E PARTICIPAÇÃO


POLÍTICA EM CEJA
Em meu percurso inicial, utilizando como referência dados obtidos na pesquisa Diagnóstico da
Qualidade de Ensino na Educação de Jovens e Adultos: um estudo de caso na cidade do Rio de Janeiro, da
qual participei como pesquisadora, verifiquei que as escolas, de modo geral, encontram dificuldades no
exercício da democracia na gestão pedagógica e administrativa, que envolve o financeiro, pela pouca
intimidade com a promoção da participação democrática da comunidade escolar, o que faz com que
conselhos e associações, mesmo legalmente instituídos, pouco exerçam a função a que originalmente se
destinam. Esses dados serviram de catalisador para as questões que intenciono investigar.
Ramos, Fernandes (2010) apontam o exercício como de díficil execução, dada a complexidade
inerente ao processo democrático. Esse exercício pode ser agravado pelas características de nossa
democracia, marcada por ranços de um passado autoritário e por uma imensa desigualdade social, que Freire,
em 1960, já apontava como fator condicionante das dificuldades enfrentadas em relação à educação.
Afirmava Freire (1992) que a participação, por vezes, se mostra “hierarquicamente e burocraticamente
tutelada pelo Estado", negando aos sujeitos “a plena materialização de sua face democrática”.
Em contrapartida, Freire (apud Fávero, Freitas, 2011) propunha “outra forma de trabalho: não sobre
ou para o homem, mas com ele, considerando imperativa sua participação em todos os momentos do trabalho
educativo”.
Nos últimos anos, a legislação educacional brasileira avançou no sentido de garantir mecanismos
para assegurar a gestão democrática na escola pública, de caráter republicano. Cabe, portanto, indagar sobre

163
A Escola: Dinâmicas e Atores

o lugar que ocupam as AAE nos CEJA, quais possibilidades de exercício democrático têm conseguido
desenvolver, que problemas têm enfrentado e os resultados alcançados, tornando compreensíveis as
concepções de controle social que embasam as ações de seus membros.
Apesar das contradições presentes em sua origem, considero que as AAE podem representar, para
sujeitos jovens e adultos, especificamente, espaços possíveis para o exercício democrático, ao envolverem a
comunidade escolar na gestão da escola, o que poderá contribuir para a democratização das relações de
poder nos espaços escolares, ao possibilitar o exercício da participação.
Ou seja, intento compreender se a participação política em AAE tem favorecido o processo de
construção da gestão democrática; se essa forma de participação constitui o que tem sido denominado de
controle social e se há outros elementos constitutivos que o caracterizam; ou se sua atuação tem sido utilizado
apenas como mecanismo voltado à melhoria da gestão financeira.
A tese que sustenta a investigação é a de que esta participação, entendida como prática política e
cotidiana de formação cidadã, contribui para a melhoria da qualidade da gestão pública escolar. Este, o
desafio que impulsionou a proposição da pesquisa.
Pode-se afirmar que os direitos fundamentais sociais na CF 1988 têm tido uma trajetória acidentada,
com avanços e retrocessos. Em se tratando de educação, registram-se avanços no tocante à universalização
do acesso embora subsistam problemas graves em relação à qualidade do ensino e, especialmente, em
relação às condições e à qualidade do financiamento, havendo a necessidade de se reavaliar formas pelas
quais os recursos têm sido disponibilizados, apropriados e gestionados. Estas, questões profundamente
imbricadas com o controle social do financiamento da educação.
É certo que os recursos disponibilizados não são suficientes, mas como afirma Monlevade (2014),
“se lutamos pela qualidade da educação, mais ainda temos que investir na qualidade do financiamento, tanto
numa arrecadação justa como num investimento proveitoso para a maioria”. E, para fazer isso, é preciso
envolvimento político.
Nos últimos 20 anos, considerando especificamente os recursos financeiros descentralizados,
recebidos diretamente pelas escolas, registra-se um período de relativa estabilidade, com regularidade de
repasses que permitiram às escolas realizar pequenas intervenções, adquirir bens e planejar ações, o que
considero essencial para a gestão pública escolar.
Em 2016, em meio à crise política e econômica, muitas arbitrariedades foram cometidas, em flagrante
desrespeito ao que preceitua o texto constitucional e, por vezes, valendo-se de dispositivos legais
controversos, o que evidencia a necessidade de se entender o financiamento da educação como “espaço de
disputa política e não meramente técnica” (Gouveia, 2008).
Essa compreensão é essencial para que se busquem alternativas a propostas dos sistemas
educacionais, e se enfrentem obstáculos à efetivação de direitos previstos na Carta Constitucional.
Obstáculos que não considero insuperáveis, pois, como afirma Avritzer (2016), “o Brasil criou uma democracia
capaz de garantir a operacionalidade da governabilidade e introduzir formas vibrantes de participação”
(p.109).
Nesse sentido, promover o aprofundamento do processo de democratização do país implica, portanto,
exercício cada vez maior da participação em todas as instâncias e com diferentes mecanismos, por meio do
reconhecimento do direito de todos à participação direta na formulação, execução e fiscalização de políticas
públicas que objetivem atender necessidades prioritárias da população — o exercício do controle social.

164
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Em síntese, exercício de cidadania. Cidadania que, “por sua vez, para ser exercida plenamente, de
forma ativa, precisa da garantia de espaços de participação democráticos, como também de conscientização
de seus cidadãos e cidadãs para atuarem como sujeitos de direitos” (Brasil, 2008). Esta, uma tarefa de toda
a sociedade, mas que encontra refúgio especialmente nos espaços escolares, pois uma das funções da
“participação deve ser o caráter educativo que exerce sobre as pessoas” (Gohn, 2011).
Em nosso país, o tempo de consolidar uma sociedade mais justa e democrática, que atenda a
totalidade da população e não apenas a uma pequena parcela, chegou e, desta vez, com muito mais força,
haja vista os movimentos que se têm observado e o envolvimento político, se não da maioria, ao menos de
uma parcela cada vez maior da população, que procura tornar-se parte ativa da sociedade, intervindo em seu
funcionamento.
Exercer poder sobre o que nos pertence reafirma nossa condição humana de pluralidade (Arendt,
2015), resistindo ao que, de outra forma, nos seria imposto. Ao intervir e exercer seu poder, os sujeitos
demonstram sua capacidade de instaurar o novo, de enfrentar a realidade e resistir a ela, inserindo-se em
espaços nos quais se garante seu surgimento para outros seres humanos.
Foucault (apud Dreyfus, Rabinow, 2013) corrobora, de certa maneira, essa proposição, ao afirmar
que não há “relação de poder sem pontos de insubmissão”, ou seja, não há relação de poder sem resistência.
Nos dias atuais, observa-se um crescente movimento de resistência, tanto nas escolas, quanto na
sociedade de um modo geral. Em muitos casos ainda um começo, mas um começo promissor, que me traz à
memória as palavras de Freire (2009), ao afirmar a necessidade de se convocarem todos para participar,
tomar um pouco o destino da escola [e da sociedade, acrescento eu] em suas mãos:
Tudo o que a gente puder fazer nesse sentido é pouco ainda, considerando o trabalho imenso
que se põe diante de nós, que é o de assumir esse país democraticamente, que é o de ter
voz, o de ganhar voz e não apenas o de falar, não apenas o de dar bom-dia.
Especialmente em escolas que atendem a EJA, o começo talvez possa se dar pelo preenchimento
de significados ao termo participação, o que parece ser um efetivo conteúdo pedagógico. Mas ao conteúdo,
há que se somar a prática e o exercício democráticos, sem o que não se preencherá de sentidos a condição
final pela qual a participação deverá responder: exercer o controle social sobre os bens públicos.
Diante das mudanças decorrentes do processo de redemocratização do país, que se refletiram na
legislação nacional de um modo geral e na legislação específica da EJA — Constituição Federal de 1988,
LDBEN n. 9394/96, Parecer CNE/CEB n. 11/2000, Parecer CNE/CEB n. 6/2010 — a partir do reconhecimento
do direito de todos à educação, antes negado a jovens e adultos, torna-se necessário indagar se a concepção
de Estado democrático, em que a participação é considerada essencial, tem de fato se efetivado nos
diferentes espaços de vivência da democracia, em especial os espaços escolares em que as ofertas de
atendimento a sujeitos jovens e adultos se desenvolvem, considerando-se as especificidades desse público
e as diversas possibilidades daí advindas.
Compreender iniciativas empreendidas por políticas públicas de financiamento da educação
implementadas no país, assim como melhor utilização de espaços de formação cidadã existentes, bem como
incentivar a perspectiva de criação de novos espaços, considerando a necessidade de impulsionar e valorizar
os mecanismos de reforço às iniciativas populares que a própria legislação possibilita, diante da necessidade
de visibilizar as demandas das diferentes parcelas da sociedade, pode contribuir para valorizar a ação da
AAE nos CEJA em questão, destacando a contribuição que podem trazer à qualidade da gestão pública
escolar.

165
A Escola: Dinâmicas e Atores

PERCURSO METODOLÓGICO
Com o objetivo de verificar a atuação das AAE dos CEJA no exercício do controle social sobre
recursos descentralizados, e se esse exercício e a participação que ele exige, contribuem para a qualidade
da gestão pública escolar orientei-me para a realização de estudos de casos. Um estudo de caso tem
pertinência quando se opta por debruçar o olhar sobre um caso específico - Associações de Apoio à Escola
de seis CEJA da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, com aspectos singulares e semelhanças
com outros casos e situações típicas.
Definir o percurso metodológico seguido no curso dessa investigação implicou lidar com incertezas
características da vida humana, que me têm acompanhado desde sempre e que, em meu entendimento, se
tornam mais evidentes para um pesquisador, que precisa fazer escolhas e, ao fazê-las, ter em mente que
elas não garantem certezas, tudo pode ser e não ser, pois a sociedade — porque humana — é imprevisível.
Na pesquisa em referência, aponto a condição humana da pluralidade - que se manifesta na
capacidade de agir e reagir, de ocupar os espaços públicos, própria da condição humana — como ideia inicial
que norteia a pesquisa, parte do fio condutor pelo qual pretendo interpretar os dados obtidos.
Compreender a capacidade de agir, que adquire sentido com o discurso que a acompanha, e suas
características — a ilimitabilidade, compreendida como a capacidade de “romper limites e transpor todas as
fronteiras” (Arendt, 2015), e a imprevisibilidade, a incapacidade de revelar de antemão todos as
consequências de uma ação que se inicia, pois “a ação só se revela plenamente para o contador de histórias,
ou seja, para o olhar retrospectivo do historiador” (ibidem) - é essencial para o entendimento de meu objeto.
Na busca por referenciais que me ajudassem a compreender o modo como o controle social se institui
nas AAE dos CEJA, e se contribui para a gestão escolar aproximei-me dos teóricos da complexidade, tais
como Morin (2010), Ardoino (2001), que apontam a necessidade de “ver em relação”, e destacam a
interdependência entre os diversos componentes que integram o conhecimento, resguardando singularidades
sem perder de vista complexidades, intentando compreender meu objeto como parte de um contexto maior,
e que, portanto, só ganha sentido se compreendido em relação a esse contexto.
O percurso metodológico, assim, objetiva contemplar a realidade do CEJA, aliando a experiência
empírica e o conhecimento sobre seu modo de funcionamento a concepções teóricas que podem me ajudar
a compreender situações vividas em seu interior e, finalmente, responder questões iniciais.
Buscando outro modo de conhecer, que considere a diversidade de possibilidades que podem
emergir nesse espaço, em função das relações que nele se estabelecem, intenciono interrogar - usando
Masschelein (2014) ao refletir sobre o que Arendt intitula “exercícios em pensamento”, a “lacuna entre o
passado e o futuro”, e que a autora chama de presente - a maneira como nele se vive, ou seja, como nos
movemos nesse presente, refletindo sobre o que estamos fazendo, especificamente em se tratando do
exercício de controle social dos recursos financeiros descentralizados para as AAE dos CEJA.
No entendimento do autor, “exercícios em pensamento” são reflexões que contêm críticas, mas que
compreendem principalmente “experimentos decorrentes da realidade dos incidentes”, que explicitam a
maneira como se vive na lacuna que constitui o presente. Uma lacuna que compreende um “intervalo de
tempo que é completamente determinado por coisas que não são mais e por coisas que ainda não são”
(Arendt, 1983, apud Masschelein, 2014), intrinsecamente ligado à presença do homem nesse espaço, ou
seja, a inserção no tempo de um “início”, do “homem como ser atuante” (Masschelein, 2014).

166
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Para Arendt (1983, apud Masschelein, 2014), a maneira de viver na lacuna entre o passado e o futuro
é pensar. E pensar significa não se esquecer de si mesmo como sujeito da ação, como elemento que intervém
e altera constantemente esse presente em conjunto com outros seres humanos. Nesse sentido, refletir sobre
o que ocorre nesse espaço, nos obriga a tentar compreender as apreensões dos sujeitos que nele interagem,
suas concepções e os contextos em que se dão essas experiências.
Essa compreensão implica considerar a multidimensionalidade e historicidade da realidade,
observando-a sob diferentes perspectivas, pressupondo que o conhecimento nunca está acabado, mas se
faz e refaz constantemente e que, por isso, pode levar a novas descobertas que exigem do pesquisador —
apesar de delimitação e fundamentação teórica inicial — atenção constante a novos elementos que podem
emergir durante a pesquisa.
Nesse sentido, a opção por um modelo quantiqualitativo de pesquisa, levado a termo por meio de
estudos de casos, se torna relevante, pois possibilita o cruzamento das interpretações dos dados quantitativos
com observações empíricas e aportes teóricos, de modo a ter maior confiança de que as interpretações
obtidas não sejam apenas produto de alguma situação particular.
Os estudos de casos em questão, ao retratarem o cotidiano escolar, tensões e contradições que o
perpassam, podem ser utilizados como meio para melhor compreensão de ações/relações que se
desenvolvem nesse espaço. Também podem revelar relações das práticas em desenvolvimento com as
demais instâncias da sociedade, envolvidas no processo educacional.
Partindo dessa premissa, meu objetivo pôde ser assim definido: investigar se o controle social
exercido pelos sujeitos membros das AAE, sobre os recursos financeiros recebidos para a EJA nos CEJA da
região metropolitana do estado do Rio de Janeiro contribui — e como — para a gestão pública escolar.
Para isso, vários objetivos específicos foram estabelecidos, a saber: a) levantar dados referentes à
legislação que regulamenta a constituição, atribuições e modo de funcionamento da AAE no âmbito nacional
e no estado do Rio de Janeiro; b) descrever os modos como se constituíram, na prática, as AAE dos CEJA
pesquisados; c) sistematizar as concepções de controle social, da forma como têm sido compreendidas e
assumidas como prática pelos membros das AAE; d) verificar, no campo empírico, tanto quanto possível, as
formas de participação realizadas pelos membros das AAE; e) identificar tipos de recursos recebidos pelas
AAE, periodicidade e destinação, como é feito o planejamento anual, o modo como são aplicados os recursos
e como se dá a prestação de contas; f) analisar a dinâmica de atuação da AAE no espaço escolar de cada
CEJA pesquisado, descrevendo como se efetivam, no cotidiano escolar, ações reconhecidas como de
participação democrática e de controle social, exercidas pelos integrantes dessas Associações; g) verificar
como a comunidade escolar percebe ações de participação e de controle social exercidas pela AAE; h)
investigar se a atuação das AAE têm contribuído para a melhoria da gestão nos CEJA pesquisados.
O universo em que a pesquisa se desenvolve é constituído por AAE dos 18 CEJA da região
metropolitana do estado do Rio de Janeiro. Desses, seis CEJA foram selecionados como casos de estudo,
utilizando como critério inicial os dados do IBGE referentes à concentração populacional potencial de EJA
para cada município e o número de escolas que atendem a EJA na região. A amostra de seis CEJA busca
cobrir, o mais possível, a diversidade geográfica em que estão situados e potenciais demandas populacionais.
Como fontes de pesquisa utilizo documentos legais nacionais e acordos internacionais dos quais o
país é signatário; a legislação nacional que regulamenta a constituição, atribuições e modo de funcionamento

167
A Escola: Dinâmicas e Atores

da AAE em âmbito nacional e no estado do Rio de Janeiro; o projeto político pedagógico das unidades
escolares; e dados estatísticos das escolas, extraídos do Educacenso (MEC/INEP).
Quanto aos procedimentos para a coleta de dados, a observação direta do espaço escolar e dos
sujeitos, com registro em diário de campo terá lugar privilegiado; assim como a aplicação de questionários
aos diferentes sujeitos da pesquisa; e entrevistas semiestruturadas realizadas com os gestores de cada AAE
em estudo.

À GUISA DE CONCLUSÃO
Conselhos e órgãos equivalentes, existentes no interior das escolas, conformam um espaço de
experimentação democrática, de formação política e cidadã, especialmente naquelas que atendem a jovens
e adultos. Nelas, a necessidade de promover participação social é ainda mais urgente, para que as pessoas
possam “[...] querer exercer seu poder, participar das decisões, porque adquiriram a consciência de que estas
afetam suas vidas” (Brasil, 2004).
Entende-se que “pertencendo ao público, à cidadania, estamos tratando da concepção democrática,
que leva ao jogo do projeto coletivo de vida” (ibidem), e por essa concepção, participação deixa de ser “mera
colaboração, para tornar-se exercício de poder sobre aquilo que nos pertence, que pertence à cidadania, ao
público, que diz respeito aos objetivos coletivos” (ibidem).
No Brasil, embora oficialmente instituído, o modelo de participação nos espaços escolares tem
enfrentado entraves em sua efetivação, evidenciando a dificuldade de gestores efetivarem a horizontalidade
das relações, sejam elas quais forem, ou seja, de porem em prática princípios democráticos que a CF/1988
preceitua e que a LDBEN reafirma, o que pode ser explicado por diversos fatores.
Um desses fatores diz respeito, em parte, a ranços de uma cultura política autoritária, que
historicamente marcou as relações de poder no Brasil, com desigualdades de classe, gênero, raça, educação,
constitutivas da sociedade brasileira. Essas desigualdades resultam em acesso restrito à
informação/formação e temor aos espaços de tomada de decisão — condições mínimas para o exercício da
cidadania.
A esse, aliam-se outros, muitos referentes ao gerenciamento do sistema escolar no âmbito da
macropolítica e às novas atribuições administrativas dos gestores, que demandam uma série de adaptações
e entendimentos, nem sempre apreendidos pelos gestores escolares que, cada vez mais, se veem enredados
nos trâmites do sistema.
Muitos obstáculos parecem contribuir para dificultar a participação dos profissionais da escola,
promovendo maior envolvimento democrático de profissionais e de estudantes/comunidade. Os espaços de
exercício democrático que a escola brasileira conquistou pouco ultrapassam o caráter simbólico, como
ratificadores de ações da equipe gestora, e baixíssima autonomia e poder de crítica. A consciência política
que esse exercício pode desenvolver fica subsumida pela experiência da subalternidade ao poder institucional
verticalizado, o que de certa maneira evidencia os desafios, dilemas e contradições que envolvem a atuação
da escola em relação ao desenvolvimento de práticas de participação cidadã.
O envolvimento da comunidade escolar nas ações da escola pode vir a produzir múltiplos
aprendizados, tanto para gestores, quanto para os demais sujeitos envolvidos. Nesse processo, aprende-se
a dialogar com as diferentes necessidades e concepções de mundo, e a buscar soluções conjuntas para os
problemas, tensionando argumentos, posições a priori estabelecidas e promovendo participação ativa. A

168
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

responsabilização compartilhada das ações que se desenvolvem na escola considera que “só há efetiva
participação, quando se estabelece a cultura do querer fazer, no lugar do dever fazer” (ibidem, 2004).
A escola, como instituição social é também espaço de contradição que, ao mesmo tempo em que
reproduz práticas coerentes com valores instituídos na sociedade, cria e institui inovações. Mesmo
contraditórios, conselhos e equivalentes representam um avanço na política educacional brasileira, ao
possibilitar a participação do cidadão na gestão pública, participação esta que, por mais que seja tutelada, é
sempre imprevisível.

REFERÊNCIAS
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pp.47-58. São Paulo: Xamã.

169
A Escola: Dinâmicas e Atores

DESCENTRALIZAÇÃO FINANCEIRA E CONTROLE SOCIAL:


DESAFIOS PARA A GESTÃO E A QUALIDADE DE ENSINO NA EJA
[ID 48]

Luciana Bandeira Barcelos


Willian Rodrigues Barbosa
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ/ProPed
lubbarcelosrj@yahoo.com.br; williamprofessorhist@gmail.com

Resumo
O artigo visa a apresentar resultados obtidos em pesquisa realizada em escolas públicas situadas na cidade
do Rio de Janeiro, Brasil, que teve por objetivo diagnosticar qualidade na Educação de Jovens e Adultos.
Investigou-se a qualidade de ensino, como estudo de casos, em 121 escolas, sendo 77 municipais e 44
estaduais. O artigo em referência discute a dimensão insumos educacionais, instituída como integrante do
conceito de qualidade de ensino na Educação de Jovens e Adultos, a partir de dados obtidos em questionários
aplicados a alunos, professores e gestores, e em relatórios de campo e protocolos de observação de
pesquisadores. A pesquisa realizada, se colocou a serviço da valorização de vozes e olhares dos diversos
sujeitos envolvidos, resguardando singularidades sem perder de vista complexidades, em uma perspectiva
moriniana, ou seja, em relação ao que é “cingido junto”, e que só ganha sentido se compreendido em relação.
Nessa complexidade de aportes e de possibilidades, os dados obtidos foram tratados e interpretados,
buscando-se formular traduções desses sentidos de qualidade, a partir de indicadores que capturaram
aspectos da realidade dessas escolas, tanto as percebendo no contexto de políticas públicas que as
sustentam, quanto pelas formas pelas quais se materializam para sujeitos encarnados como diretor,
professores e estudantes, para nós traduzidas como singularidades. A interpretação dos dados obtidos foi
estruturada em dois eixos: descentralização de recursos e gestão e controle social e confirmaram que os
recursos da educação têm sido repassados às escolas, tanto por municípios e estados, quanto pelo governo
federal, usando mecanismos de financiamento da educação fixados constitucionalmente. Entretanto, os
dados demonstram que apesar de a descentralização viabilizar a realização de diversos objetivos, várias
expectativas que sobre ela repousam não definem resultados automáticos quando implementados, porque
dependem de uma série de fatores intrínsecos e extrínsecos ao ambiente escolar, o que exige examinar de
perto as condições em que se processam. Outros aspectos relevantes dizem respeito ao modo como os
recursos financeiros descentralizados destinados à educação, têm sido apropriados e utilizados. Isso remete
à percepção da gestão escolar, especialmente à necessidade de compreensão de como vem se dando a
participação dos sujeitos nos processos de tomada de decisão que envolvem recursos públicos, ou seja, em
relação ao controle social.

Palavras-chave: Descentralização financeira, Gestão, Participação.

Résumé
Cet article vise à présenter les résultats obtenus lors d’une recherche réalisée dans des établissements publics
d’enseignement de la ville de Rio de Janeiro, au Brésil, et dont le but était de diagnostiquer la qualité de la
Formation des jeunes et des adultes. Nous avons évalué la qualité de l’enseignement des jeunes et des
adultes grâce à des études de cas dans 121 établissements (77 dépendant de la commune et 44 de l’État de
Rio de Janeiro). Nous nous intéresserons ainsi aux intrants pédagogiques comme partie intégrante du concept
de qualité de l’enseignement des jeunes et des adultes, en nous basant sur les données obtenues dans des
questionnaires remplis par des étudiants, des enseignants et des gestionnaires, ainsi que sur le journal de
terrain et les protocoles d’observations suivis par les chercheurs. Cette recherche veut ainsi mettre en valeur
la voix et le regard des différents sujets impliqués dans l’enseignement des jeunes et des adultes, en
recherchant des singularités sans pour autant perdre de vue les complexités, selon une perspective chère à
Morin, où rien ne peut acquérir de sens sans prendre en compte ses relations à l’ensemble. Au sein de cette
complexité d’apports et de possibilités, les données obtenues ont été traitées et interprétées pour tenter de
traduire les significations de la qualité à partir d’indicateurs permettant de saisir divers aspects de la réalité de
ces établissements, dans le contexte aussi bien des politiques publiques qui leur servent de base que des
formes de leur matérialisation à travers des acteurs tels que les directeurs, enseignants et étudiants, que nous
interpréterons ici comme des singularités. L’interprétation des données obtenues a été structurée autour de

170
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

deux axes : décentralisation des ressources et contrôle social. Cela nous a permis de confirmer que les
ressources destinées à l’éducation ont bien été attribuées aux établissements, aussi bien par les communes
que par les États et le gouvernement fédéral, grâce à des mécanismes de financement de l’éducation prévus
par la constitution. Les données recueillies nous montrent néanmoins qu’en dépit d’une décentralisation
permettant d’atteindre différents objectifs, celle-ci ne répond pas automatiquement aux nombreuses attentes
à son égard. En effet, ces expectatives dépendent également d’une série de facteurs intrinsèques et
extrinsèques à l’environnement scolaire, ce qui exige d’examiner de près les conditions de mise en œuvre de
ce processus. D’autres aspects pertinents touchent à la manière dont les ressources financières
décentralisées destinées à l’éducation ont été utilisées. Cela nous renvoie à la perception de la gestion
scolaire, et plus particulièrement à la nécessité de compréhension des modalités de participation des sujets
aux processus de prise de décision impliquant des fonds publics, à savoir ce que l’on désigne par contrôle
social.

Mots-clés: Décentralisation financière, Gestion, Participation.

INTRODUÇÃO
Compreender a dimensão insumos educacionais e sua relação com a qualidade de ensino implica, a
priori, definir o que se entende por insumos educacionais e qual sua importância na efetivação de políticas
públicas de atendimento a educação de jovens e adultos (EJA), oferta de ensino historicamente relegada a
segundo plano no país.
A palavra insumo vem do verbo latino insumere e significa despesa, custo, consumo. Criada para
traduzir a palavra inglesa input, juntamente com a expressão output (traduzida por produto), é utilizada tanto
pelos economistas como por outros cientistas. Para os economistas, insumos são bens e serviços necessários
à produção de outro bem ou serviço. Nesse sentido, considera-se insumo tudo o que entra em um sistema
como indispensável a seu funcionamento, ou seja, tudo o que fará esse sistema funcionar e gerar outro
produto.
Em se tratando de educação, cujo produto final, grosso modo, seria o “aluno educado”, insumos
educacionais seriam todos os recursos utilizados para promover a educação dos sujeitos. No caso brasileiro,
além de vincular constitucionalmente o percentual de recursos financeiros a serem utilizados em despesas
em educação, a Constituição Federal de 1988 (CEF/1988), estabelece, no Art. 206, inciso VII a garantia do
padrão de qualidade do ensino como princípio constitucional, embora não defina qual seja esse padrão.
Essa indefinição, aliada à desigualdade que marca o país, dificulta a efetivação de uma educação de
qualidade para todos os sujeitos, amparada no princípio de “igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola”, tal como preceituado na CF 1988, especialmente para os sujeitos da EJA,
modalidade por muito tempo, e ainda hoje, secundarizada.
Porque não há parâmetros que definam de forma inequívoca qualidade para a educação brasileira, a
referência passa a tomar como base os valores fixados de custo-aluno pelo Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) —
disputados pelos integrantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para que sejam atribuídos
valores Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e, posteriormente, calculados considerando-se o Custo Aluno
Qualidade (CAQ).
O mecanismo do CAQ e do CAQi busca materializar a demanda prevista no inciso IX do Art. 4º da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, Lei n.9394/96) que estabelece o dever do Estado
em relação à oferta de educação escolar pública e à efetivação de padrões de qualidade, definidos como
“variedade e quantidade mínimas de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-

171
A Escola: Dinâmicas e Atores

aprendizagem”, ou seja, a garantia dos insumos educacionais necessários à efetivação de um mínimo de


qualidade para cada etapa e modalidade da educação básica.
Durante o processo de elaboração do CAQi, empreendido pelos integrantes da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação, foram definidos como insumos educacionais necessários à garantia do padrão
mínimo de qualidade para cada etapa e modalidade da educação básica: número médio de alunos por turma;
efetivação do piso nacional salarial para o magistério; política de carreira, política de formação continuada;
biblioteca e salas de leitura, laboratórios de ciências, laboratórios de informática, quadras poliesportivas em
todas as unidades; brinquedotecas para todas as creches, pré-escolas e escolas dos anos iniciais do ensino
fundamental; garantia de repasse de recursos para as escolas visando ao desenvolvimento de seus projetos
pedagógicos. (Pinto & Cara, 2013).
O CAQi corresponde ao padrão mínimo de qualidade, por isso recebe o “i” de inicial. Já o CAQ avança
em relação ao padrão mínimo, e se aproxima dos custos educacionais dos países mais desenvolvidos.
Embora criado desde 2002, pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e aprovado pelo Parecer n.
8/2010, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CEB/CNE), o CAQi até hoje
não foi homologado pelo Ministério da Educação (MEC).
Incluído após intensas negociações no Plano Nacional de Educação 2014-2024, com implantação
prevista para dois anos após a aprovação do referido plano, o prazo esgotou-se em junho de 2016, sem que
se tivesse iniciado sua implantação. Os órgãos responsáveis alegam que ainda estão sendo feitas análises
sobre o impacto de sua implantação no orçamento, considerando-se os cortes que a área educacional tem
sofrido.
Em nosso entendimento, guardadas as devidas proporções, um diferencial entre FUNDEB e CAQi diz
respeito à lógica que organiza tais políticas. O FUNDEB propõe uma “conta de chegada”, em que dividimos
o que temos pelo número de alunos das redes, estabelecendo um valor mínimo nacional, com uma
complementação a ser feita pela União aos estados, sempre que esse mínimo arbitrado não for alcançado;
no CAQi, a lógica é inversa: propõe-se um valor inicial, que se considera essencial ao atendimento às
necessidades dos alunos e multiplica-se pelo número de alunos matriculados nas redes.
Ainda sobre essa questão, pode-se dizer que a lógica que organiza o FUNDEB deriva da ideia de que
o problema do financiamento da educação é essencialmente gerencial, e portanto, deve ser regulado por
políticas de gerenciamento, no caso um Fundo que não produz mais recursos para a educação, nem
representa ampliação dos existentes, mas apenas os organiza e distribui de outra forma, considerada mais
“eficiente”. Uma lógica injusta, pois em nenhum momento de nossa história houve ampla destinação de
recursos ao financiamento da educação, que pudesse, ainda que inicialmente embasar uma alegada má
gestão de recursos.
Mas ainda que se considerem e se materializem todos os insumos envolvidos na manutenção e na
promoção da qualidade, a definição da qualidade de ensino permanece uma tarefa complexa, porque envolve
múltiplos fatores, “contextos, atores e situações diversificadas” (Dourado et al, s.d.) e não pode ser apreendida
fora do contexto em que se efetivam as ações.
Entre os insumos educacionais citados, repasses de recursos financeiros recebidos diretamente pelas
escolas e utilizados para a manutenção de suas atividades, e o modo como são geridos, são objetos
discutidos neste artigo, decorrente de investigações empíricas e interpretações de dados, realizadas no
decorrer de pesquisa interinstitucional, que envolveu três municípios da região sudeste do país e três

172
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

universidades situadas nessas cidades, e teve por objetivo diagnosticar qualidade no sistema público de
ensino dos municípios envolvidos, identificando os determinantes da qualidade na EJA.
O artigo em referência, foca-se no caso da cidade do Rio de Janeiro, e discute a dimensão insumos
educacionais — especificamente a gestão dos recursos financeiros recebidos diretamente pelas escolas —
instituída como integrante do conceito de qualidade de ensino na EJA, a partir de dados obtidos em
questionários aplicados à alunos, professores e gestores, e em relatórios de campo e protocolos de
observação de pesquisadores, interpretando os dados obtidos, à luz do referencial teórico construído em todo
o percurso da pesquisa.
Destacada nas discussões do Plano Nacional de Educação, como uma das metas a serem
alcançadas por meio da implementação de políticas educacionais, a qualidade da educação, embora com
sentidos e compreensões diversas, tem sido um tema recorrente na educação brasileira ao longo dos anos,
mas que nunca esteve tão atual. Entretanto, a polissemia que caracteriza os termos educação e qualidade
da educação torna necessário que se esclareça com que conceitos dialogamos.
A educação, compreendida como direito fundamental da pessoa humana e condição essencial à vida
na sociedade contemporânea, tem como um de seus princípios no país a garantia de um padrão mínimo de
qualidade. E pensar ensino de qualidade, sobretudo na educação de jovens e adultos, implica respeito à
diversidade e às especificidades que caracterizam a modalidade.
Nesse sentido, definir qualidade apenas em função de quantidade de insumos financeiros disponíveis
é insuficiente para qualificar um sistema sobre o qual incidem uma série de variáveis. Qualidade não se
reporta apenas à garantia de escolarização — embora haja insumos essenciais a esse processo nem sempre
disponíveis — ou à inserção no mundo do trabalho, mas atende à finalidade máxima da educação: formação
humana, o que implica envolvimento dos sujeitos nos processos de pensar a educação, um desafio diário,
enfrentado em muitas escolas.
Nessa perspectiva, a escola terá qualidade, não somente se universalizar o acesso, ou oferecer
melhores condições materiais, mas também, ao possibilitar o exercício da participação cidadã. Nas palavras
de Freire (2009), “uma escola que viabiliza a cidadania de quem está nela e de quem vem a ela”.
Nos últimos anos, a legislação educacional brasileira avançou no sentido de garantir mecanismos
para assegurar a gestão democrática na escola pública. Entre esses mecanismos, destacam-se os conselhos
escolares/similares, que podem constituir espaços possíveis para experimentação democrática, ao
envolverem a comunidade escolar na gestão da escola, contribuindo para a democratização das relações de
poder nos espaços escolares.
Entretanto, apesar de legalmente instituídos, pouco exercem a função a que originalmente se
destinam, conforme demonstra a interpretação dos dados obtidos. A efetivação da participação nos espaços
escolares tem enfrentado muitos entraves, dada a dificuldade que as escolas encontram de exercitar o
conteúdo da democracia na prática pedagógica, pela promoção da participação da comunidade escolar.
Essas dificuldades decorrem de diversos fatores: questões burocráticas; de compreensão sobre o que
significa exercício de cidadania; de compreensão sobre o sentido de público, quando a instituição é a escola,
entre muitas outras.
A interpretação dos dados obtidos e aqui tratados foi estruturada em dois eixos: descentralização de
recursos e gestão e controle social, e parece apontar dificuldades de participação dos sujeitos nesses
espaços, especialmente em relação a compreensão sobre o modo como os recursos financeiros, recebidos

173
A Escola: Dinâmicas e Atores

diretamente pelas escolas, são apropriados e gestionados, evidenciando a necessidade de se discutir esses
conceitos e seus significados na prática diária das unidades escolares escolares, para que se possam
compreender limites e possibilidades à proposição e manutenção de políticas de atendimento à EJA.

DIALOGANDO COM DADOS DA PESQUISA


Os dados aqui interpretados referem-se ao conjunto de 121 escolas visitadas, sendo 77 escolas
municipais e 44 estaduais. Nessas, obteve-se a seguinte composição de questionários por informantes,
apresentada no quadro a seguir. Diferenças entre o previsto e o coletado referem-se a informantes que não
devolveram seus questionários preenchidos.
Alunos Professores Gestores Pesquisadores
Previstos 375 375 125 125
Efetivados 353 338 115 124
Perdas 22 37 10 1
Quadro 1 - Número de informantes previstos e efetivamente entrevistados

Eixo 1: Descentralização de recursos


As origens do processo de descentralização administrativa para a educação no Brasil, a qual se
agregam questões financeiras, remontam ao período regencial, consideradas as concepções vigentes à
época.
Tal como afirma Cury (2008), a descentralização administrativa é apontada como uma experiência
colocada pelo Ato Adicional de 1834, durante o período regencial brasileiro, quando transfere para as
províncias a competência legislativa “sobre a instrução pública” e a “catequese e civilização dos indígenas”.
Experiência que o autor destaca como negativa, pois deixa a educação no país ao encargo provincial, quando
essas esferas administrativas não tinham recursos para prover as necessidades de manutenção e expansão
do setor. Cury, Horta & Fávero (2005), afirmam que “essa descentralização [...] na verdade assim se fez
porque a tarefa da educação popular era considerada de menor importância pela elite governante e, portanto,
ficava com as províncias”.
Trazendo a discussão para os dias atuais, especificamente em relação a descentralização de
recursos financeiros, pode-se compreendê-lo em parte como resultado de diretrizes neoliberais, ditadas por
organismos internacionais, sob a alegada necessidade de modernizar a gestão pública como forma de
superar o déficit econômico e retomar o crescimento. Como consequência, redefine-se o papel do Estado,
delimitando-se suas funções, dividindo responsabilidades e descentralizando-se os serviços, a fim de otimizar
recursos.
Movimento contraditório, pois, nesse período, o país vivia a retomada do processo de
democratização, e a sociedade dava os primeiros passos para dialogar com o Estado. A sociedade “queria
outra relação com o Estado, com controle social, transparência, participação do público, inclusive querendo
definir o que queria em termos de direitos” (Peroni, 2008).
Essa contradição pode ajudar a compreender a grande dificuldade que enfrentamos em materializar
políticas aprovadas no plano legal, além de outros fatores que também merecem destaque. Também facilita
esse “falso consenso”, a apropriação, por parte de grupos conservadores, de conceitos utilizados por grupos
progressistas e movimentos populares, ressignificando seus sentidos e significados.
Dessa concepção advém a ideia de autonomia da escola, com o incentivo a parcerias com instituições
não governamentais, empresas privadas e comunidade e a implementação de política de autonomia gerencial

174
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

escolar, que prevê o compartilhamento da gestão da escola como um todo e especialmente da gestão
financeira, considerada fator fundamental para o sucesso escolar dos estudantes e a melhoria da qualidade
da educação.
O processo de descentralização financeira para as escolas, considerado um meio para atingir maior
eficiência e eficácia nas ações educativas passa a ser implementado por meio de diversos programas,
ensejando a criação de órgãos de acompanhamento e controle que requerem participação social, previstos
na legislação brasileira como instâncias de participação da população. Especificamente na cidade do Rio de
Janeiro, na rede municipal são criados os Conselhos Escola Comunidade (CEC) e na rede estadual, as
Associações de Apoio à Escola (AAE), ambas entidades com responsabilidade jurídica de direito privado,
mas que administram recursos públicos.
Os dados obtidos parecem evidenciar que, apesar de a descentralização financeira viabilizar a
realização de diversos objetivos, aproximando-se da realidade vivida pelos sujeitos, várias expectativas que
sobre ela repousam não definem resultados automáticos quando implementados, porque dependem de uma
série de fatores intrínsecos e extrínsecos ao ambiente escolar, o que exige examinar de perto as condições
em que se processam.
Quando perguntados sobre a existência, nos espaços escolares pesquisados, de formas de
organização institucional destinadas a realizar esse papel, a totalidade dos gestores atesta sua existência,
seja na forma de Conselhos Escolares ou Associações de Apoio à Escola. A esses cabe o planejamento,
acompanhamento da execução e da prestação de contas dos recursos recebidos e são formalmente
indispensáveis para que os recursos financeiros possam ser gestionados nas escolas.
Especificamente quanto ao recebimento de recursos destinados à manutenção da escola como um
todo, a pesquisa apresenta os seguintes dados: 98% dos gestores afirmaram recebê-los regularmente.
Quando a pergunta se refere a que recursos, entre os recebidos pela escola, beneficiavam a EJA, 93% dos
gestores afirmaram que todos, e os demais 7% dividiram-se entre “não recebe verba específica para a EJA”;
“verba do município”; “verba estadual”; e “não sabe informar”. Entre os estudantes, 51% afirmaram ter
conhecimento de que a escola recebia verbas destinadas à melhoria da qualidade de ensino. E 40% dos
docentes, ou seja, menos do que os alunos, afirmaram ter conhecimento da existência de recursos destinados
ao atendimento a necessidades específicas da EJA.
Chama a atenção o baixo percentual de respondentes professores e alunos que têm conhecimento
sobre recursos recebidos pelas escolas. Talvez isto se explique, entre outros fatores, pelo pouco tempo que
os sujeitos têm para se dedicar à escola de EJA, em maioria funcionando apenas no horário noturno, de
tempo mais curto, constituindo para muitos a segunda ou terceira jornada no dia. De modo mais geral, há que
se pensar também em questões referentes ao pertencimento da escola pública, esta, também uma questão
em permanente disputa.
Esse desconhecimento por parte de professores e alunos, que constituem maioria nas respostas,
parece reforçar a ideia de que a oferta de EJA, apesar de direito estabelecido constitucionalmente,
aparentemente mantem um caráter de favor dos governos locais ou da gestão da escola a esse público,
utilizando recursos e espaço públicos originalmente destinados ao atendimento a crianças e adolescentes
para atender esse grupo.
Vale destacar que a EJA ainda enfrenta embates para que o direito a jovens e adultos seja equalizado
em relação aos demais sujeitos, especificamente no que tange à captação de recursos do FUNDEB,

175
A Escola: Dinâmicas e Atores

necessários à sua oferta com qualidade. O percentual menor (0,8%) e o teto fixado em 15% das matrículas,
conforme prescrito no Artigo 10, incisos I a XVII, parágrafos 1, 2 e 3 e no Artigo 11, demonstram que a lógica
que sustentou o diferencial é a de que, para a EJA, não há necessidade de custo-aluno igual à unidade dos
demais sujeitos da educação básica, reafirmando o menor valor dessa modalidade de educação.
Cabe destacar, ainda, que regras de captação do FUNDEB não significam aplicação idêntica na
distribuição dos recursos, pois ao chegar no caixa do Tesouro das instâncias federativas, os recursos serão
aplicados pelos planejamentos locais, que podem definir prioridades diversas e hierarquizadas e resultar em
prejuízos para a EJA, reforçando ainda mais a lógica de captação.
Sobre a origem dos recursos, 33% dos gestores declararam que a escola recebia recursos do
município e 19% do estado. Essa questão permitia múltipla resposta, e 99 gestores (entre 115 respondentes)
afirmaram também receber recursos do governo federal. Entre professores, 37% afirmaram conhecer as
fontes de recebimento de recursos da escola, embora haja grande indefinição sobre que fontes seriam essas,
evidenciando um precário envolvimento dos sujeitos com as questões financeiras da escola.
Os dados confirmaram, portanto, que os recursos da educação para diversas finalidades têm sido
repassados às escolas, tanto por municípios e estados, quanto pelo governo federal, usando mecanismos de
financiamento da educação fixados constitucionalmente, atendendo a dispositivos de diferentes Programas.
Os dados, no entanto, não nos permitem verificar se os quantitativos respeitam os valores previstos pelas
regras estabelecidas, questão esta, que mereceria investigação específica, e de difícil conclusão, tendo em
vista os relatos de pesquisadores desse campo que atestam a complexidade dos balancetes municipais e
estaduais que poderiam permitir chegar a essas respostas.

Eixo 2: Gestão e controle social dos recursos


Outros aspectos relevantes dizem respeito ao modo como os recursos financeiros recebidos
diretamente pelas escolas, têm sido apropriados e utilizados. Isso remete à percepção da gestão escolar,
especialmente à necessidade de compreensão de como vem se dando a participação dos sujeitos nos
processos de tomada de decisão que envolvem recursos públicos.
Se “o princípio básico da administração ou gestão é a coerência entre meios e fins, a forma de gestão
da instituição escolar não deve divergir das finalidades estabelecidas” (Oliveira et al, s.d.), o que significa que,
se a escola é entendida como espaço de desenvolvimento humano, compartilhamento e construção de
saberes, em que se necessita da participação de todos os envolvidos no processo, sua gestão deve-se pautar
nos princípios democráticos de participação e compartilhamento, o que torna essencial o exercício da
democracia na escola em todas as ações educativas e pedagógicas.
O direito à participação popular na formulação das políticas públicas e no controle das ações do
Estado foi estabelecido no Artigo 1° da CF/1988 que, ao reconhecer/estabelecer direitos e criar diversos
mecanismos que possibilitassem o exercício da cidadania, tornou a participação popular “essência do Estado
Democrático de Direito” (Scuassante, 2009), e ampliou a atuação da sociedade, anteriormente restrita à
eleição de governantes.
Esta questão, posta em processo de regulamentação em junho de 2014, pela Presidência da
República, por meio do Decreto n. 8243, de 23/05/2014, foi alvo de fortes críticas da mídia, que atribuiu ao
referido documento regulamentador legal, a alteração do preceito constitucional de que a democracia no país
se faz apenas por atos legislativos, excluindo a participação popular. Entretanto, o Art. 1 da Constituição, em

176
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

seu parágrafo único, claramente enuncia: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
A LDBEN, Lei n. 9394/96, considerando que a ação educativa pode auxiliar o processo de
consolidação da democracia no país, ao promover a ocupação de forma consciente dos espaços destinados
à participação social, garantidos desde a CF/1988, reafirma esse direito, ao estabelecer pelo Art. 22 as
finalidades da Educação Básica, destacando a necessidade da formação do educando para o exercício da
cidadania.
Conselhos e Associações existentes no interior das escolas conformam um espaço de
experimentação democrática, de formação política e cidadã, especialmente naquelas que atendem a jovens
e adultos. Nelas, a necessidade de promover participação social é ainda mais urgente, para que as pessoas
possam “[...] querer exercer seu poder, participar das decisões, porque adquiriram a consciência de que estas
afetam suas vidas” (Brasil, 2004, p.39).
Apesar de sua origem contraditória, representam um avanço na política brasileira, ao possibilitar a
participação do cidadão na gestão pública, em ações de planejamento, execução e fiscalização das políticas
públicas implementadas pelo Estado a fim de atender as demandas da população, uma forma de
compartilhamento de poder de decisão sobre as políticas, instrumento e expressão da democracia e da
cidadania.
Apesar de os dados obtidos apontarem a presença de atores responsáveis pela gestão democrática
nesses espaços, a observação de pesquisadores, por vezes, apontou a ausência de envolvimento com
questões da EJA, especialmente por parte de gestores, que embora presentes nas unidades, envolviam-se
com atividades de cunho administrativo, em maioria relacionadas ao turno diurno. Presença física, portanto,
no espaço escolar não significa garantia de práticas democráticas, haja vista a falta de envolvimento
observada por pesquisadores; ausências, em alguns casos bem significativas, que parecem comprometer
ainda mais esse processo.
Quando a pergunta se referia à frequência com que participavam dos eventos promovidos pela
escola, 55% dos estudantes afirmaram que sempre; 32% às vezes; 5% raramente e 7% nunca. Quanto à
frequência com que eram convidados a expressar opiniões em relação aos problemas da escola, obtivemos
dos estudantes as seguintes respostas: 30% sempre; 35% às vezes; 8% raramente e 27% nunca.
Indagados sobre quem definia o que fazer com os recursos financeiros recebidos, os professores
deram as seguintes respostas: a direção (27%); Conselhos/Associações (26%); direção e equipe pedagógica
(21%); e direção, equipe pedagógica e professores (19%).
Aprofundada a questão, incluindo-se especificamente a participação dos professores e estudantes de
EJA nas Associações/Conselhos para a tomada de decisões sobre como aplicar os recursos recebidos pela
escola, os gestores afirmaram que 85% dos professores participavam desse processo, assim como 59% dos
estudantes.
Esses percentuais não foram corroborados pelos próprios professores, para quem a participação
alcança apenas 45% em Conselhos e Associações e tal variação pode ser ainda maior, haja vista que 52
professores não responderam a questão, totalizando 15% dos respondentes. O mesmo ocorreu em relação
aos estudantes de EJA: 65% afirmaram não ter representação nos Conselhos e Associações.
Gestores foram ainda mais longe: 82% afirmaram haver disponibilização de informações em
quantidade e qualidade sobre a EJA aos participantes dos Conselhos/Associações, para que pudessem fazer

177
A Escola: Dinâmicas e Atores

proposições para a modalidade, o que balizava suas ações no cotidiano escolar. Quando comparamos as
respostas obtidas dos gestores às que obtivemos ao questionar professores, tivemos, em um total de 234
respondentes: 101 professores que afirmaram deter essas informações; contra 72 que afirmaram detê-las
parcialmente; e 61 que afirmaram não possuí-las; havendo ainda 104 que não responderam a questão, um
contingente considerável que se isentou da resposta.
Quando indagados em relação ao modo como era feito o processo de prestação de contas dos
recursos recebidos, 44% dos gestores afirmaram fazê-lo em assembleias, com participação da comunidade
escolar e exposição pública das contas na escola; 39% em reuniões internas da direção com a instituição
responsável e, depois, expondo as contas à comunidade; e 11% que o faziam apenas em reuniões internas
entre direção e a instituição responsável.
Entretanto, dados obtidos nos protocolos de observação do pesquisador não corroboraram essa
informação no que se refere à exposição pública das contas, pois contas expostas em murais só foram
constatadas em 12 escolas pesquisadas e, mesmo nessas, não foi possível verificar se os recursos eram de
fato utilizados na EJA, embora 83% dos gestores afirmassem a exposição da prestação de contas nesses
murais.
Percebe-se que a prestação de contas nas escolas ainda é feita, predominantemente, de forma
hierarquizada, verticalizada, seguindo modelos burocratizados, limitados às relações entre os diferentes
níveis hierárquicos, cumprindo exigências dos Tribunais de Contas. A publicização do uso dos recursos
públicos aos interessados (comunidade escolar e do entorno) ainda respeita um critério de “favor”, e não um
direito ao cidadão cujos impostos são devolvidos em forma de serviço público, nesse caso, educação — um
direito social.

À GUISA DE CONCLUSÃO
Nos dias atuais, quando se discute qualidade em escolas cujo compromisso recente é com a
consolidação do direito à educação para todos, existir acesso, apenas, é insuficiente, sem que ao mesmo
tempo se persiga a permanência e o sucesso, que podem ser traduzidos como qualidade. São muitos ainda
os fatores de desigualdade que pesam sobre a EJA. Do FUNDEB à forma como a sociedade percebe o direito
de jovens e adultos; do “barateamento” do ensino à concepção curricular do que pode vir a ser a modalidade.
Muitos obstáculos parecem contribuir para dificultar a participação na escola, e os espaços de
exercício democrático que a escola brasileira conquistou, pouco ultrapassam o caráter simbólico, como
ratificadores de ações da equipe gestora, com baixíssima autonomia e poder de crítica. A consciência política
que esse exercício pode desenvolver fica subsumida pela experiência da subalternidade ao poder institucional
verticalizado, o que de certa maneira evidencia os desafios, dilemas e contradições que envolvem a atuação
da escola em relação ao desenvolvimento de práticas de participação cidadã.
A participação popular, conquista requerida para a efetivação de direitos, implica por um lado vencer
“os medos” do poder horizontalizado, nas mãos dos interessados; e, por outro, desenvolver nos cidadãos
consciência política.
Qualidade de ensino, entendida como respeito ao direito à educação, envolvendo condições de
acesso, permanência e sucesso, respeitando especificidades da modalidade EJA, apoia-se na práxis humana
e na capacidade de intervir e modificar o mundo e, para isso, implica tomada de consciência, que resulta de

178
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

combinação de investimentos os mais diversos, de gestão e de ação política de sujeitos – o que é, também,
direito da cidadania.

REFERÊNCIAS
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br.
Acesso em 18 out. 2011.
_______. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
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Acesso em 03 ago. 2013.

179
A Escola: Dinâmicas e Atores

O JOGO MATEMÁTICO #obmepGO


[ID 187]

Edgar Sampaio de Barros


João Vitor Lima Patriota
Anny Cristinne Silva Rodrigue
Bruno Souza Lima
Alessandra Lisboa da Silva
Marcos Paulo Barbosa
Universidade de Brasília; Instituto Federal de Brasília; Universidade de Brasília
edgarsam220@gmail.com; vitorpatriota97@gmail.com; annycristinnebio@gmail.com;
bruno.sl2025@gmail.com; lisboa.ale@gmail.com; marcospaulopos@gmail.com

Resumo
Este trabalho relata a experiência do planejamento e aplicação de uma atividade que intercala o
entretenimento dos alunos com o ambiente escolar, abordando conteúdos que normalmente geram grandes
dificuldades aos alunos de forma mais lúdica, levando em consideração elementos que estão presentes no
seu cotidiano. A matemática no contexto geral apresenta grandes desafios tanto aos educadores na forma de
ensinar, como aos estudantes no que diz respeito ao entendimento e aprendizado. Tomando como base a
preparação para a segunda fase da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP),
buscamos aliar à tecnologia digital do Pokémon Go, que atualmente recebe bastante atenção dos alunos, e
se utilizado de forma correta pode auxiliar na educação em diversas áreas do conhecimento, inclusive na
matemática. O jogo Pokémon Go tem uma proposta de realidade aumentada, onde a partir da localização do
jogador pelo sistema GPS indicada pelo celular possibilita interagir com o ambiente real encontrando
monstrinhos virtuais denominados Pokémons. Usando a mecânica e o funcionamento do jogo Pokemon Go
extraímos diversas temáticas para serem trabalhadas em sala de aula que intercalam com os conteúdos
cobrados pela OBMEP, conceitos previstos nos currículos educacionais, auxiliando também nos estudos para
vestibulares e outras olimpíadas científicas. Introduzimos conceitos e reescrevemos questões de provas
anteriores da olimpíada criando o jogo #obmepGO. As atividades propostas tiveram como objetivo estimular
o caráter colaborativo dos alunos e apresentar conceitos matemáticos de forma lúdica e diferenciada. O jogo
#obmepGO é baseado em conceitos matemáticos que ao conseguir identificá-los é possível otimizar a
jogabilidade atraindo a atenção dos alunos para o estudo da matemática. O uso dessa abordagem
proporciona uma maior afinidade dos alunos com conceitos e definições de conteúdos como geometria,
trigonometria, distância entre pontos, plano cartesiano. A temática é importante para levantar discussões no
âmbito da interação da tecnologia com diversos mecanismos educacionais voltados à matemática e
internalizar conceitos importantes mediante jogos de tecnologia móvel permitindo a participação colaborativa
dos alunos e experimentação das sensações de ganhar ou não ganhar.

Palavras-chave: Matemática, Pokémon Go, Colaboração, Jogo.

Résumé
Cet article rapporte l'expérience de la planification et de la mise en œuvre d'une activité qui fusionne le
divertissement des étudiants avec le milieu scolaire, abordant le contenu qui génèrent habituellement des
difficultés majeures pour les étudiants de façon plus ludique, en tenant compte des éléments qui sont présents
dans leur vie quotidienne. Math dans le contexte général présente des défis majeurs pour les enseignants
dans la façon d'enseigner, comment les étudiants en matière de compréhension et d'apprentissage. Sur la
base de la préparation de la deuxième phase de la mathématique des écoles publiques Olympiade du Brésil
(OBMEP), nous cherchons à combiner la technologie numérique Pokémon Go, qui reçoit actuellement près
attention des étudiants, et si elle est utilisée correctement peut aider à l'éducation dans divers domaines de
connaissances, y compris les mathématiques. Le jeu Pokémon Go a une proposition de réalité augmentée,
d'où l'emplacement du lecteur par le système GPS indiquée par la cellule permet d'interagir avec la réunion
d'environnement réel appelé monstres virtuels Pokémons. Utilisation de la mécanique et le fonctionnement du
jeu Pokémons Go extraire différents thèmes à travailler dans la salle de classe qui entrelacer avec le contenu

180
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

exigés par OBMEP, fourni des concepts dans les programmes éducatifs, aidant également à des études pour
vestibulaire et autres olympiades scientifiques. Présenter les concepts et réécrit émet Olympiade créant
#obmepGO jeu des preuves antérieures. Les activités proposées visent à stimuler la nature collaborative des
étudiants et des concepts mathématiques présents dans une façon amusante et différente. Le jeu #obmepGO
repose sur des concepts mathématiques pour être en mesure de les identifier, vous pouvez optimiser le
gameplay attirer l'attention des élèves à l'étude des mathématiques. En utilisant cette approche offre une plus
grande affinité des étudiants avec les concepts et les paramètres de contenu tels que la géométrie, la
trigonométrie, la distance entre les points, plan cartésien. Le thème est important de soulever des discussions
au sein de l'interaction de la technologie avec divers mécanismes éducatifs visant à internaliser les
mathématiques et les concepts importants grâce à la technologie de jeu mobile permettant la participation des
étudiants de collaboration et l'expérimentation de sensations de gagner ou de ne pas gagner.

Mots-clés: Mathématiques, Pokémon GO, La collaboration, Jeu.

INTRODUÇÃO
A cada dia, e com mais frequência, são anunciadas conquistas tecnológicas alcançadas por
pesquisas que visam diferentes objetivos desde novos equipamentos hospitalares até a objetos usados para
distração. Um grande exemplo disso é o jogo que recentemente viralizou mundialmente chamado Pokémon
go. Este jogo visa o entretenimento de pessoas de todas as idades a partir de uma tecnologia de realidade
aumentada, as pessoas podem andar pelas ruas de sua cidade e capturar monstrinhos denominados
Pokémons (Ferreira, 2016), como demonstrado na Figura 1.

,
Figura 1 - Imagem promocional do jogo Pokémon go
O grande problema de tudo isso é quando os usuários não sabem estabelecer limites para com os
jogos. Um problema enfrentado por professores de todo o mundo desde a invenção do smartphone é a
utilização do aparelho em sala de aula, o que ocasiona na dispersão da atenção do aluno e pode fazê-lo ter
um baixo rendimento escolar.
O que muitos professores ainda não sabem ou não tiveram a ousadia de tentar é uma forma de
envolver toda essa tecnologia que está sempre presente na vida dos alunos com os conteúdos estudados em
sala de aula.
O foco principal deste trabalho é relatar a experiência de uma aula lúdica e criativa, onde fora aplicado
o tema de Pokémon, já que é um tema bastante atual na vida dos estudantes, aproveitamos o fato de que os
alunos estavam se preparando para a segunda fase de uma olimpíada científica e assim, vincular os dois
assuntos e aplicá-lo de forma diferenciada para que o conteúdo se fixasse melhor.
Relacionamos o planejamento desta aula lúdica com os preceitos das teorias de Criatividade,
destacando os estudos de Csikszentmihalyi (1996). O autor considera três aspectos importantes no processo
educativo: o indivíduo, o domínio (o professor), o campo (a área de conhecimento) e a falta de um desses

181
A Escola: Dinâmicas e Atores

três fatores pode limitar significativamente o desenvolvimento da criatividade. Para o autor, mais importante
do que saber o que é Criatividade, é saber onde ela acontece, dando grande valor ao ambiente.
O presente trabalho relata a experiência do planejamento e aplicação de uma atividade que intercala
o entretenimento dos alunos com o ambiente escolar, abordando conteúdos que normalmente geram grandes
dificuldades aos alunos de forma mais lúdica, levando em consideração elementos que estão presentes no
seu cotidiano. Os alunos estudam em uma escola de ensino médio da rede pública de uma cidade da periferia
de Brasília, capital do Brasil. A escola possui um preparatório para olimpíadas científicas, de diversas áreas
do conhecimento, no período contrário de aulas dos estudantes - noturno -, dessa forma, alunos do 1° ao 3°
ano podem participar. As turmas do preparatório são mistas, não havendo separação de séries, ali todos
aprendem igualmente o mesmo conteúdo.
A escola, por receber diversos prêmios em olimpíadas científicas, em especial da Olimpíada Brasileira
de Matemática das Escolas Públicas, passou a ser conhecida na comunidade como Escola de Talentos
(figura 2).

Figura 2 - Logo da escola de talentos


A escola começou o seu projeto de olimpíadas a partir da Olimpíada Brasileira de Matemática das
escolas públicas (OBMEP), no ano letivo de 2007, sendo a porta de entrada para a participação em diversas
outras olimpíadas científicas, anseios dos próprios estudantes, como menciona a coordenadora de projetos
da escola.
A OBMEP é dividida em 2 fases nacionais, na primeira etapa do processo participam os estudantes
que estão matriculados nas escolas que se inscreveram, os estudantes realizam uma prova que contém 20
questões de Matemática e Raciocínio Lógico, desses alunos, são classificados os 5% melhores do Brasil que
são convidados a realizar a 2ª fase nacional. A segunda fase da Olimpíada consiste em seis questões
discursivas, no qual são considerados o desenvolvimento e criatividade dos alunos no desenvolvimento das
respostas das questões. Em conversas informais com alunos, evidenciamos a dificuldade com diversos tipos
de conteúdos matemáticos, desde os mais básicos até os mais complexos. Objetivando o uso de tecnologias
em sala de aula, para atrair a atenção e manter o foco dos alunos em raciocínios necessários, teve-se a ideia
de planejar uma aula preparatória para a OBMEP, envolvendo questões utilizando-se de uma diversão
cotidiana de boa parte dos jovens na atualidade, o Pokémon GO.

182
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O foco principal deste trabalho é relatar a experiência de aplicação do jogo matemático intitulado
#ObmepGO.

METODOLOGIA
O presente estudo relata a experiência de uma aula intitulada como “O Jogo Matemático #obmepGO”,
teve como um de seus guias principais a abordagem da ludicidade em sala de aula e trouxe para o meio
escolar algo presente no cotidiano dos alunos, sendo esse o jogo online Pokémon.
A ludicidade é também uma forma de desenvolver a criatividade mediante a utilização de jogos, que
por sua vez são ferramentas interessantíssimas que estimulam e desenvolvem a criatividade e comunicação
dos alunos.
A educação por meio de jogos ainda é algo que vem sendo pouco abordado em salas de aula do
ensino médio, e especificamente nas aulas de Matemática (Alves, 2001, p.15). Participaram da aula
#ObmepGO, 34 estudantes, como instrumento de coleta de dados, aplicamos um questionário durante a
aula e posteriormente, outro questionário via facebook.

O jogo
O jogo foi pensado e planejado para ser uma forma lúdica de revisão de conteúdos, antes da prova
da segunda fase da OBMEP e por isso contamos com questões reescritas de provas anteriores, tanto da
própria olimpíada, bem como de outras provas de Matemática e vestibulares. A ludicidade na abordagem de
Kishimoto (1994), precisa seguir duas orientações iniciais: promover tanto o conhecimento quanto a diversão
de se estar jogando, pois se um desses itens se mostrar sendo maior do que o outro a atividade não obteve
o seu objetivo inicial sendo ou apenas mais um material didático ou apenas mais um jogo.
As questões foram reescritas utilizando como tema o Pokémon e dispostas em listas de exercícios,
como o exemplo da figura 4, para que os alunos resolvessem em conjunto, levando em consideração a técnica
de pequenos grupos colaborativos Da Silva (2012).

Figura 3 - Questão da Olimpíada brasileira de matemática adaptada para o tema Pokémon


Quanto às regras do jogo, cada questão equivale a um Pokémon e cada "monstrinho" possui um
ponto de combate diferente, dependendo do nível de dificuldade da questão e outros fatores como: a interação
do grupo, o compartilhamento de conhecimento entre os membros, respeito para com os colegas de outros
grupos mantendo o som da conversa em tom reduzido e o mais importante, criatividade na hora de responder
e explicar a questão, podiam afetar na pontuação que cada grupo recebia.

183
A Escola: Dinâmicas e Atores

A cada questão respondida os estudantes recebiam um Pokémon e com a resolução dos demais
itens, tinham a opção de evoluir este Pokémon o deixando mais forte ou capturar um novo e ter um maior
número de Pokémons.

Percepções dos alunos


Após o término da aula, sugerimos aos estudantes que respondessem um questionário simples para
opiniar acerca da atividade proposta e posteriormente outro questionário via chat individual no Facebook para
responderem questões relacionadas a abordagem lúdica nas aulas. A seguir, algumas percepções dos
estudantes:
‘’Um método mais dinâmico para chamar a atenção dos alunos, com brincadeiras e etc. Seria uma
forma de incentivá-los a aprender e prestar atenção nas aulas.’’ - P.R.
‘’O professor poderia fazer aulas lúdicas pois a partir delas o aluno poderá fixar a matéria, além disso
este poderia, quando possível, desenvolver algumas atividades em turno contrário para alunos com
dificuldades.’’ - B.R.
‘’Explicar por partes de uma forma lúdica e que fique claro, ser objetivo’’ - J.M.
‘’Vídeos; Jogos; Trabalhos interativos.’’ - Y.R.
‘’Poderia explicar de uma forma mais lúdica.’’ - F.R.
Dar atenção ao que os alunos pensam, sugerem e preferem é importante no processo pedagógico,
tornando o ambiente escolar mais favorável, dialógico e confortável para estudantes e professores.
A partir das respostas dos estudantes, criamos uma nuvem de palavras, da Figura 4, evidenciando
as palavras mais citadas por eles ao mencionar sobre o que mais chamou a atenção durante a aula. Para a
construção da nuvem utilizamos o Software Tagul.

Figura 4 - Nuvem de palavras feita a partir de relatos de alunos

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A temática é importante para levantar discussões no âmbito da interação da tecnologia com diversos
mecanismos educacionais voltados à Matemática, bem como internalizar conceitos importantes mediante
jogos de tecnologia móvel, permitindo a participação colaborativa dos alunos e experimentação das
sensações de ganhar ou não ganhar. Os dados coletados mostram que a atividade lúdica apresentou um
resultado ótimo em relação à aprendizagem. Verificamos que os alunos relacionam e classificam a atividade
Jogo Matemático Pokémon GO como uma atividade lúdica e criativa, bem como a reconhecem como um jogo
que facilita a aprendizagem. Acerca dos conteúdos matemáticos trabalhados na atividade, verificamos na

184
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

observação participante, que a assimilação aconteceu por recepção em sua maioria, excetuando alguns
casos que inferimos uma aprendizagem por descoberta.
O objetivo de estimular a melhor interação dos alunos em pequenos grupos colaborativos foi
conquistada com êxito ao aplicar uma atividade de forma lúdica e diferenciada. O uso da abordagem
proporcionou também aos estudantes uma maior afinidade com os conteúdos matemáticos, já que
conseguiram identificá-los através dos jogos e entendê-los de uma forma mais clara para si.

REFERÊNCIAS
Alves, E. M. S. (2001). A ludicidade e o ensino da matemática. Campinas, SP: Papirus.
Csikszentmihalyi, M. (1996). Creativity: Flow and the Psychology of Discovery and Invention. New York:
Harper Collins.
Da Silva, A. L. Pequenos grupos colaborativos online: uma experiência dialógica e interativa. Quaestio: revista
de estudos em educação, Sorocaba, SP, 14 (1).
Ferreira, A. R. (2016). Pokémon invadiu a escola. E agora?. Disponível em: http://novaescola.org.br.
Kishimoto, T. (1994). O jogo e a educação infantil.’ São Paulo: Pioneira.

185
A Escola: Dinâmicas e Atores

ESCOLAS PÚBLICAS CARIOCAS DE TEMPO INTEGRAL: DESAFIOS PARA A


GESTÃO ESCOLAR
[ID 336]

Elisangela da Silva Bernado


Wania Regina Coutinho Gonzalez
Leonardo Meirelles Cerqueira
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ); Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
efelisberto@yahoo.com.br; waniagonzalez@gmail.com; leonardo_lmc@hotmail.com

Resumo
Foi no contexto de democratização do acesso à escola e de aumento da escolaridade obrigatória que vieram
à tona o problema das desigualdades educacionais e sociais e a necessidade de se fazer um
acompanhamento dos resultados da expansão dos sistemas de ensino por meio de uma série de
levantamentos educacionais. Os resultados destes estudos estabeleceram a desigualdade de oportunidades
educacionais entre os grupos étnicos, culturais e socioeconômicos como um fato incontestável e propiciaram
desdobramentos políticos e sociológicos (Bernado, 2008, 2015, 2016; Bonamino & Bernado, 2012; Brooke,
2008; Costa & Koslinski, 2006, 2011; Koslinski & Alves, 2012). O Programa Mais Educação, criado pela
Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto nº 7083/2010, aumenta a oferta educativa
nas escolas públicas brasileiras por meio de atividades optativas que foram agrupadas em macrocampos
como acompanhamento pedagógico, meio ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura
digital, prevenção e promoção da saúde, educomunicação, educação científica e educação econômica (Brasil,
2007, 2010). Neste sentido, a presente investigação buscou analisar os possíveis impactos desta política
indutora de educação em tempo integral nos resultados escolares dos alunos a partir das percepções dos
gestores escolares de escolas públicas municipais dos anos iniciais do Ensino Fundamental do Rio de
Janeiro/Brasil. Realizamos um estudo exploratório que combinou as abordagens quantitativa e qualitativa por
meio do levantamento de dados educacionais e da realização de entrevistas semiestruturadas com 25
gestores escolares de modo a aferirmos possíveis impactos sobre a qualidade do ensino. Os resultados
apontam que ampliar o tempo dos discentes sob responsabilidade da escola pode ser um caminho legítimo
na busca por maior equidade e qualidade na educação, mas precisamos ir além. Quando tratamos de jornada
escolar ampliada para o tempo integral, é importante considerar que essa educação deve propiciar múltiplas
oportunidades de aprendizagem por meio do acesso à cultura, arte, esporte, ciência e tecnologia; do acesso
a atividades pedagógicas planejadas e articuladas com o projeto político-pedagógico da escola, e assim
proporcionar ao estudante uma educação, de fato, integral.

Palavras-chave: Gestão escolar, Educação integral, Educação de tempo integral, Escola pública, Programa
Mais Educação.

Résumé
Il était dans le contexte de la démocratisation de l'accès à l'éducation et à l'éducation accrue obligatoire qui
est venu à la lumière le problème des inégalités éducatives et sociales et de la nécessité d'assurer le suivi des
résultats de l'expansion des systèmes éducatifs à travers une série d'enquêtes sur l'éducation. Les résultats
de ces études établies l'inégalité des possibilités d'éducation entre les groupes ethniques, culturels et socio-
économiques comme un fait indiscutable et ont fourni des développements politiques et sociologiques
(Bernado, 2008, 2015, 2016; Bonamino & Bernado, 2012; Brooke, 2008; Costa & Koslinski, 2006, 2011;
Koslinski & Alves, 2012). Le Plus Education Program, créé par le décret ministériel n °17/2007 et réglementé
par le décret n ° 7083/2010, augmente l'offre d'éducation dans les écoles publiques brésiliennes grâce à des
activités optionnelles qui ont été regroupées en macrocampos comme support pédagogique, l'environnement,
les sports et les loisirs , les droits de l'homme, la culture et les arts, la culture numérique, la prévention et la
promotion de la santé, la communication éducative, l'enseignement des sciences et de l'éducation économique
(Brasil, 2007, 2010). En ce sens, la présente étude visait à analyser les impacts possibles de cette inducteurs
politique de l'éducation à temps plein dans la réussite scolaire des étudiants des perceptions des gestionnaires
scolaires des écoles publiques dans les premières années de l'école primaire à Rio de Janeiro / Brésil. Une
étude exploratoire combinant des approches quantitatives et qualitatives à travers l'étude des données sur

186
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

l'éducation et la réalisation d'entretiens semi-structurés avec 25 directeurs d'école à aferirmos impacts


possibles sur la qualité de l'éducation. Les résultats indiquent que d'augmenter le temps des étudiants sous
la responsabilité de l'école peut être un moyen légitime dans la recherche d'une plus grande équité et de la
qualité dans l'éducation, mais nous devons aller plus loin. Lorsque vous traitez avec la journée scolaire
prolongée à temps plein, il est important de considérer que cette éducation devrait offrir de multiples
possibilités d'apprentissage par l'accès à la culture, l'art, le sport, la science et de la technologie; l'accès à des
activités éducatives planifiées et coordonnées avec le projet politico-pédagogique de l'école, et donc de fournir
à l'étudiant une éducation, en fait, intégrale.

Mots-clés: Gestion de l'école, L'éducation intégrale, Enseignement à plein temps, L'école publique, Plus
Programme d'éducation.

ALGUMAS PALAVRAS INICIAIS...


Foi no contexto de democratização do acesso à escola e de aumento da escolaridade obrigatória que
vieram à tona o problema das desigualdades de escolarização e sociais e a necessidade de se fazer um
acompanhamento dos resultados da expansão dos sistemas de ensino por meio de uma série de
levantamentos educacionais. Os resultados destes estabeleceram a desigualdade de oportunidades
educacionais entre os grupos étnicos, culturais e socioeconômicos como um fato incontestável e propiciaram
desdobramentos políticos e sociológicos.
A constatação da desigualdade de acesso ao ensino entre os diferentes grupos sociais revelou os
limites da universalização da educação. Nesse sentido, faz-se necessário registrar que foram as pesquisas
de levantamento em educação que propiciaram o desenvolvimento de conhecimentos sobre a correlação
existente entre desigualdades educacionais e desigualdades socioculturais.
Nos Estados Unidos da América (EUA), esse campo foi impulsionado pela influência dos debates
gerados com a publicação do Relatório Coleman (1966). Por meio da análise dos testes de desempenho dos
alunos, os pesquisadores constataram que as características do meio familiar, especialmente o status
socioeconômico dos pais e o pertencimento a minorias étnicas explicavam melhor as diferenças de resultados
observados do que a própria escola (Brooke, 2008; Koslinski & Alves, 2012). Além dos EUA, outros países
como Grã-Bretanha e França implementaram pesquisas de levantamentos e obtiveram resultados similares
que alimentaram novos desenvolvimentos teóricos da sociologia educacional.
No debate atual, quando se abordam as relações existentes entre as desigualdades educacionais e
as sociais, estas questões estão longe de serem equacionadas. A sociologia da educação produziu um legado
que nos interpela à necessidade de estudar conjuntamente as relações entre os fatores intraescolares e
extraescolares e o desempenho escolar.
No contexto histórico brasileiro, o impacto destas pesquisas e suas influências sobre a política e a
pesquisas educacionais e, num segundo momento, suas possíveis relações com o desenvolvimento
institucional e político ao longo das décadas de 1980 e 1990, serviram como ponto de partida para a
compreensão da educação dos anos 80 que se insere num contexto de redemocratização política da
sociedade brasileira, onde é notável tanto a universalização do ensino fundamental quanto o aumento do
processo de seletividade escolar, o crescimento da população e o aceleramento da urbanização e para, nos
anos 90, começarem a ser implementadas políticas de descentralização administrativa, financeira e
pedagógica da educação, como também, políticas de correção de fluxo escolar (organização do ensino em
ciclos) e de ampliação da jornada escolar via programas indutores da educação de tempo integral como o
Programa Mais Educação (PME).

187
A Escola: Dinâmicas e Atores

Neste sentido, a presente investigação buscou analisar os possíveis impactos desta política indutora
de educação em tempo integral nos resultados escolares dos alunos a partir das percepções dos gestores
escolares de escolas públicas municipais dos anos iniciais do Ensino Fundamental do Rio de Janeiro/Brasil.
Realizamos um estudo exploratório que combinou as abordagens quantitativa e qualitativa por meio do
levantamento de dados educacionais e da realização de entrevistas semiestruturadas com 25 gestores
escolares de modo a aferirmos possíveis impactos sobre a qualidade do ensino. Os resultados apontam que
ampliar o tempo dos discentes sob responsabilidade da escola pode ser um caminho legítimo na busca por
maior equidade e qualidade na educação, mas precisamos ir além. Quando tratamos de jornada escolar
ampliada para o tempo integral, é importante considerar que essa educação deve propiciar múltiplas
oportunidades de aprendizagem por meio do acesso à cultura, arte, esporte, ciência e tecnologia; do acesso
a atividades pedagógicas planejadas e articuladas com o projeto político-pedagógico da escola, e assim
proporcionar ao estudante uma educação, de fato, integral.
Cabe ressaltar que tais resultados são do meu estágio de pós-doutorado realizado no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com Bolsa de Pesquisa
PNPD/CAPES (2015-2016), e, também, um recorte do projeto “Escolas Públicas no Estado do Rio de Janeiro
e o Programa Mais Educação: uma análise das ações dos gestores escolares em busca de uma educação
de qualidade”, contemplado no Edital Jovem Cientista do Nosso Estado (Edital FAPERJ Nº 25/2014) que
coordeno no período de 2015-2017.

UM BREVE MAPEAMENTO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES


De acordo com Luz (2006), a universalização do acesso ao ensino não garante as mesmas
oportunidades educacionais para todos os alunos. A autora aponta que entre alunos pobres, os mais pobres
frequentam as piores escolas, o que geralmente é determinado pela localização do domicílio e da escola. A
carência de insumos básicos, como saneamento, atinge os alunos em suas casas e continua a atingi-los no
ambiente escolar.
Desse modo, esse “tracking” involuntário reforça as desigualdades já existentes, de forma que
aqueles com prejuízo nas características de origem sejam agrupados em escolas igualmente deficientes,
mesmo em relação às escolas vizinhas e/ou sob a mesma administração. Políticas que visam à erradicação
dessas desigualdades, ou mesmo a suavização desse processo de estratificação devem ser pensadas de
forma desagregada e local, sob o risco de atuar apenas na modificação do nível de qualidade, mas não no
padrão de desempenho que reflete e reproduz outras desigualdades (Bernado, 2008, 2016).
Buchmann & Hannum (2001), de acordo com Luz (2006), ao analisarem a estratificação social em
países em desenvolvimento, consideram a educação como fator decisivo tanto na reprodução das
desigualdades existentes quanto na possibilidade de mobilidade social. As autoras apontam que as diferenças
de desempenho educacional entre os indivíduos podem ser explicadas pela interação entre os fatores de
oferta e de demanda. Fatores de oferta são as oportunidades educacionais disponíveis, enquanto os fatores
de demanda dizem respeito às decisões familiares quanto à educação, processo diretamente ligado às
características socioeconômicas e estruturais da família. As pesquisadoras afirmam ainda, baseadas em uma
extensa revisão da literatura, que os determinantes do desempenho escolar e, consequentemente, as
desigualdades educacionais entre os indivíduos, dependem da ação conjunta de variáveis micro, como a
escolaridade dos pais, a renda familiar e a composição do domicílio, e macro, como os insumos físicos

188
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

disponíveis na escola, as características dos professores e, em uma esfera mais geral, as políticas públicas
voltadas para educação.
Sendo assim, entre os mecanismos de estratificação educacional que operam nos sistemas de ensino
e na escola, de modo a produzir desigualdades de oportunidades entre os grupos sociais estão à seletividade
no acesso à escola, à dualidade entre o ensino com funções propedêuticas e profissionalizantes, à
diferenciação curricular dentro de um mesmo nível de ensino (tracking) e à organização de turmas dentro de
uma mesma escola (Bernado, 2008, 2016; Bonamino & Bernado, 2012). Em relação ao tracking, a pesquisa
de Costa & Koslinski (2006) sobre as aspirações educacionais e expectativas futuras de alunos de escolas
públicas de ensino fundamental da rede municipal do Rio de Janeiro nos ajuda a refletir de forma mais
detalhada sobre essa questão.
Para Hanushek (2002), a importância da análise da relação entre fatores escolares e desempenho é
dada principalmente pelo fato de que estes são mais propensos à elaboração de políticas públicas. A atuação
governamental no processo educacional, sua contribuição para que os resultados deste processo sejam
satisfatórios em termos de qualidade e equidade, é mais facilmente viabilizada na provisão e regulação do
sistema de ensino que na mudança das características familiares, principalmente no que tange a escolaridade
dos pais. Corroborando essa ideia, Fernandes (2003) sinaliza que a formulação de possíveis políticas de
combate à desigualdade de rendimentos, por exemplo, deve levar em consideração políticas educacionais
voltadas para a redução da desigualdade educacional se pretende que tais políticas tenham sucesso.
O estudo de Van Zanten (2005), apresentado por Costa & Koslinski (2011), em cinco países, traz
indicações importantes para pensarmos os processos de estratificação educacional presentes nas escolas
públicas brasileiras que podem ocorrer pela diferenciação interna por turnos, onde, no turno da tarde são
sempre alocados os “piores” alunos (em relação ao desempenho escolar) ou os alunos mais indisciplinados,
pela escolha do professor para as turmas e ainda pela forma como as turmas são organizadas (seja por nível
de desempenho, por idade, por cor/raça, por nível socioeconômico etc). Segundo os autores, Van Zanten
(2005 apud Costa & Koslinski, 2011, p.254) relata que
na França, apesar de desaconselhada ou proibida a prática da organização intraescolar por
grupos de habilidade, essa prática é disseminada, à revelia das autoridades escolares. Já em
outros países, como a Hungria, ela é instituída.
Ou autores (2011) trazem ainda que vários pesquisadores brasileiros investem contra a questão da
“escolha escolar” [school-choice] “com base em argumentos de estratificação e desigualdade e a partir da
defesa de princípios universalistas e includentes que não condizem com a real organização da rede.” (p. 263).
No entanto, afirmam que a ausência de escolha da escola não evita a estratificação:
A estratificação entre as escolas de ensino fundamental e secundário não está ausente nas
situações em que a escolha não é permitida. Ela está presente ao extremo e está presente
de uma forma que remove os incentivos que os sistemas de estratificação, quando virtuosos,
podem trazer (Coleman, 1992 apud Costa & Koslinski, 2011, p.264, tradução dos autores).
Ainda com os resultados preliminares de grupos focais realizados durante a pesquisa, os autores
chamam a atenção para o fato das “experiências de escolarização percorridas pelos alunos, suas vivências
no âmbito intra-escolar, jogam papel bastante relevante na atitude de maior ou menor valorização conferida
à escola (...) pelos estudantes.”. Os autores trazem que essa possível constatação remete às políticas
educacionais “um peso maior no enfrentamento de graves problemas de desagregação do espaço
educacional institucionalizado, retirando um pouco de relevância da dimensão estrutural socioeconômica mais
ampla.” (Costa & Koslinski, 2006, p.134).

189
A Escola: Dinâmicas e Atores

O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO NA REDE MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO: OLHARES


SOBRE OS INDICADORES EDUCACIONAIS
Em 2007, tomando como central a preocupação com a melhoria da qualidade educacional do país, é
apresentado à sociedade, pelo Ministério da Educação brasileiro (MEC), o Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE). Dentre suas ações, destaca-se o Programa Mais Educação, pautado pela indução da
ampliação da jornada escolar e organização do currículo segundo a perspectiva da Educação Integral, por
parte dos estados e municípios brasileiros .
Direcionado a escolas que obtiveram baixa pontuação junto ao IDEB – portanto constituindo-se em
uma política focalizada (ou prioritária) e operacionalizado por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE), advindo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – pressupondo a elaboração
de projetos escolares de maneira democrática, o Programa Mais Educação centra a sua ação na ampliação
da jornada escolar, enquanto elemento base para a qualidade educacional.
A proposta contida no programa prevê a ampliação da jornada escolar para no mínimo 7 horas diárias,
por meio de atividades optativas, que seriam desenvolvidas no contraturno escolar, de acordo com os
seguintes macrocampos: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos
humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias;
investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica . Atenta-se que tais macrocampos
representariam a visão de educação integral requerida pelo governo federal, no tocante às escolas públicas
participantes do Mais Educação.
No entanto, se por um lado a ampliação da jornada escolar, conforme contida no programa, pode ser
compreendida como um instrumento de fortalecimento da universalização da educação pública dirigida às
camadas populares, como aponta Paro (2009); por outro lado, tempo integral e educação integral não
consistem obrigatoriamente em sinônimos, como deixa a entender o Programa Mais Educação. Coelho (2009)
esclarece que o desenvolvimento de uma educação integral não necessariamente precisa estar
acompanhado de um tempo escolar ampliado. De mesmo modo, apenas a extensão da jornada não garante
a educação integral. Para isto a escola precisaria abranger novas práticas, fazendo uso de novas formas.
No caso da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, entre as maiores do país – contando com
cerca de 1000 estabelecimentos apenas de ensino fundamental, o Programa Mais Educação se estabeleceu
junto ao quadro de ações de uma nova gestão municipal que se iniciou a partir de 2009 até o ano de 2016.
Até o momento atual, foram inúmeras as iniciativas desenvolvidas no contexto da rede, chegando a uma
listagem composta por 50 projetos. Dentre aquelas entendidas como estratégicas pela gestão anterior –
reeleita em 2013, destacou-se a intenção de transformação do regime de atendimento das escolas para o
horário integral, seguindo uma perspectiva também de educação integral. Para o governo municipal, esta
medida estaria igualmente relacionada ao alcance das metas estabelecidas para a rede, através do IDEB,
conforme descrito no Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro para 2013-2016.
O Gráfico 1 revela que, de fato, as escolas que possuem o Programa Mais Educação apresentam
médias do IDEB mais baixas, desde antes da implantação do PME. No entanto, com a implantação do
programa, a partir de 2007, poderíamos esperar uma maior evolução deste índice para as escolas
selecionadas, tendo em vista o investimento realizado. Ainda que a diferença entre as médias para os dois
grupos de escolas apresente uma leve tendência de diminuição entre 2005 e 2011, em 2013 ela volta a
crescer, mesmo diante da queda apresentada pelo conjunto total de escolas para os valores médios do IDEB

190
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

2013. Ou seja, mesmo sem que pudéssemos tirar conclusões do tipo causal sobre os dados apresentados,
não foi possível verificar indícios positivos satisfatórios no tocante à relação entre a implantação do Programa
Mais Educação e alguma melhoria nos indicadores de desempenho das escolas de anos iniciais do ensino
fundamental da rede municipal do Rio de Janeiro ao longo dos últimos anos. Desenho semelhante se dá
quanto aos programas Bairro Educador e Escolas do Amanhã.

0 007
0 006
0 006 0 006
0 005 0 005 0 005 0 005
0 005 0 005 0 005
0 004 0 004 0 004
0 003
0 002
0 001
0 000
IDEB IDEB IDEB IDEB IDEB
2005 2007 2009 2011 2013
(N x P) (N x P) (N x P) (N x P) (N x P)

Com Mais Educação Sem Mais Educação

Gráfico 1 - Média do IDEB, entre os anos 2005 e 2013, para as escolas de anos iniciais do fundamental
Fonte: Elaboração própria, com base no banco IDEB 2013, disponibilizado pelo INEP
Antes de trazermos algumas falas dos entrevistados, é importante destacar que o roteiro de entrevista
da equipe gestora abarcou cinco eixos em relação à gestão: Gestão Pedagógica, Gestão Participativa, Gestão
de Pessoas e Liderança, Gestão de Infraestrutura e Gestão de Recursos. Para efeito de conclusão deste
artigo, faremos o recorte na análise das falas dos seis diretores das escolas investigadas.
O diretor da Escola 1, quando perguntamos sobre os desafios e avanços da escola, um grande desafio
apontado foi o IDEB e um incômodo foi em relação à política de responsabilização que ocasiona no
recebimento ou não de uma bonificação/premiação com o 14º salário, conforme podemos notar no trecho
abaixo:
É! Um dos desafios quando eu entrei para direção, era assim, existe essa questão do IDEB
que isso me incomoda muito, essas provas, essas avaliações externas. E que ainda tinha a
questão do 14º salário, que era todo mundo de olho no 14º salário.
O diretor da Escola 2, quando indagado se havia conseguido perceber na escola um antes ou depois
do PME e se fez diferença nos resultados das avaliações em larga escala, ele foi contundente em afirmar que
O que prevê o projeto, não. Nenhuma coisa. O que acontece é, o aluno mais tempo na escola,
os poucos alunos que ficam na escola, a gente consegue passar mais coisa. (...) E assim, aí
acontece uns momentos que, se você pensar naquele momento estanque ali, tipo uma
apresentação individual de fim de ano de dança que foi ensaiada no PME...
O diretor da Escola 4, que se encontra no terceiro estrato em que as três escolas já ultrapassaram a
meta do IDEB previsto para o ano 2021, elenca vários fatores que podem levar a escola a ter um baixo IDEB,
inclusive traçando um perfil da clientela de alunos atendidos pela escola.
(...) quando você tem baixo IDEB, o que te leva a ter baixo IDEB? Alguns fatores: um deles
a clientela, outro é a rotatividade de professor (...).
Na Escola 6, em relação ao seu alto desempenho tanto na avaliação nacional quanto municipal e a
participação dos alunos nas oficinas do PME, o diretor relata que não houve um antes e depois, mas que
houve uma melhora no desempenho dos alunos que tinham dificuldade.

191
A Escola: Dinâmicas e Atores

Na questão do desempenho, essas crianças com mais dificuldade, os professores nas


reuniões colocavam, diziam que havia tido melhoras sim ficaram mais atentos, até porque
elogiaram o trabalho de quem estavam a frente das oficinas, não era por que era o Programa
Mais Educação (...), mas eram por que as pessoas que estavam a frente das oficinas eram
bem capacitadas que já tinham experiências com o Programa.
Podemos perceber nas falas acima que quando indagados sobre possíveis melhorias nos indicadores
educacionais a partir da implementação do Programa Mais Educação em suas escolas, os diretores trouxeram
perspectivas diferenciadas, que vão desde um aparente desconhecimento a respeito das avaliações externas
até uma relação entre o resultado de seus indicadores e outros fatores, como a origem social dos alunos e a
instabilidade do corpo docente.

ALGUMAS PALAVRAS FINAIS...


Criado em 2007, concomitantemente à divulgação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
o Programa Mais Educação tem como objetivo contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da
ampliação da jornada escolar, favorecendo, deste modo, o alcance das metas pré-estabelecidas através do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Por outro lado, o programa também é apresentado
como uma estratégia do governo federal para indução da educação integral nas escolas públicas em todo
país. A noção de educação (em tempo) integral acolhida pelo Mais Educação traz consigo a ideia de
ampliação, para além do tempo escolar, também dos espaços educativos. Neste sentido, apresenta à
sociedade uma nova concepção de gestão democrática, que convida a cidade a participar dos processos
educativos, e compreende a transformação de todo seu território em escola. Assim, as instituições locais são
chamadas a participar da construção de um projeto educacional que, apesar das metas pré-definidas, se
apresenta ainda em aberto. Mas qual o reflexo desta proposta na prática?
Afinal, se em teoria as diferentes concepções de educação integral e de educação em tempo integral
demonstram-se afinadas, sabemos, também, que ambas pressupõem uma outra escola. Um novo modelo
que se distingue do tradicional, baseado numa suposta igualdade entre os indivíduos e na valorização não
somente da educação formal.
Ampliar o tempo dos discentes sob responsabilidade da escola pode ser um caminho legítimo na
busca por maior equidade e qualidade na educação. Mas é preciso ir além. Quando tratamos de jornada
escolar ampliada para o tempo integral, é importante considerar que essa educação deve propiciar múltiplas
oportunidades de aprendizagem por meio do acesso à cultura, arte, esporte, ciência e tecnologia; do acesso
a atividades pedagógicas planejadas e articuladas com o projeto político-pedagógico da escola, e assim
proporcionar ao estudante uma educação de fato integral (Sousa, Espírito Santo & Bernado, 2015).

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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A Escola: Dinâmicas e Atores

TRABALHO DO PROFESSOR NAS ESCOLAS RURAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO


(BRASIL)
[ID 389]

Maria Cristina dos Santos Bezerra


Flávio Reis Dos Santos
Universidade Federal de São Carlos; Universidade Estadual de Goias
lbezerra69@hotmail.com ; reisdossantos.flavio@gmail.com

Resumo
A pesquisa em desenvolvimento se enquadra nos estudos de trabalho e educação. Objetiva investigar as
condições de trabalho dos professores das escolas rurais do Estado de São Paulo, tomando como referência
o município brasileiro de Cunha, no litoral paulista. Algumas questões norteadoras se colocam na busca pela
compreensão da forma como as escolas rurais são organizadas, as condições físicas, materiais e
pedagógicas para que os professores realizem o seu trabalho de forma a garantir a aprendizagem dos alunos
das áreas rurais. Buscar-se-á compreender a forma como os professores descrevem os impactos das
condições de trabalho a que estão submetidos, verificar a existência (ou não) de práticas intensificadoras e/ou
de prolongamento do trabalho; bem como a intensificação de esforços, energias e tarefas desumanas,
desgastantes dos docentes sem a ampliação das horas trabalhadas; e, ainda, a precarização do trabalho do
professor rural e de que maneira essa precarização impacta na sua atuação pedagógica. Estas questões são
problematizadas a partir da explicitação dos sentidos de “trabalho docente” em circulação tanto na literatura
quanto em alguns documentos elaborados nas últimas décadas.

Palavras-Chave: Trabalho do Professor, Escola Rural, Trabalho Docente, São Paulo.

Résumé
La recherche sur le développement correspond à des études de travail et de l'éducation. Vise à enquêter sur
les conditions de travail des enseignants dans les écoles rurales dans l'état de São Paulo, en référence à la
ville brésilienne de Cunha, sur la côte. Quelques questions se posent directeurs dans la recherche de la
compréhension de la façon dont les écoles rurales sont organisées, le physique, le matériel et l'enseignement
pour les enseignants pour mener à bien leur travail pour assurer l'apprentissage des élèves dans les zones
rurales. Recherche Il comprendra comment les enseignants décrivent l'impact des conditions de travail
auxquelles ils sont soumis, vérifier l'existence (ou non) des pratiques intensificateurs et/ou travaux d'extension;
ainsi que l'intensification des efforts, des énergies et des tâches inhumaines, déchirant des enseignants sans
l'expansion des heures travaillées; et aussi la précarité du travail des enseignants en milieu rural et comment
cela impacts précarité dans leur rendement scolaire. Ces questions sont problématisée de l'explication de la
signification de «travail éducatif» remarquable tant dans la littérature et dans certains documents établis au
cours des dernières décennies.

Mots-clés: Professeur travail, École rurale, Travail d'enseignement, São Paulo.

TRABALHO DO PROFESSOR NAS ESCOLAS RURAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO


(BRASIL)
Este trabalho é parte de um estudo que estamos desenvolvendo sobre as percepções que o
professor das escolas rurais de um município do interior do estado de São Paulo (BR) tem sobre o seu
trabalho. Se enquadra dentre os estudos que, no Brasil, chamamos de educação do campo. Notamos que o
tema “trabalho do professor nas escolas rurais” ainda é pouco estudado, embora a quantidade de pesquisas
abordando diferentes facetas do trabalho desse profissional e de seu fazer cotidiano, de uma maneira geral,
seja considerável.

194
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

De modo mais específico, as informações coletadas no decorrer da pesquisa permitirão entender a


organização do trabalho pedagógico, a infraestrutura bem como os equipamentos técnicos, científicos e
pedagógicos a disposição dos professores. Além dessas questões mais voltadas às condições materiais da
escola, outros fatores tão ou mais importantes, interferem no desenvolvimento da profissão, como as questões
trabalhistas que envolve salário, plano de carreira, jornada de trabalho, quantidade de alunos por turma, e
atividades diversas desenvolvidas dentro e fora dessa jornada. Partimos da hipótese que as exigências e
atribuições demandadas indicam práticas intensificadoras de esforços, energias e tarefas desumanas,
desgastantes, sem a ampliação das horas trabalhadas.
Neste texto vamos discutir o trabalho do professor. Apresentamos inicialmente e de forma não muito
aprofundada, a contraditória relação capital-trabalho que tem impactado sobre maneira os trabalhos do campo
ou da cidade. Posteriormente, apresentamos alguns estudos realizados, em distintos momentos históricos,
abordando o trabalho do professor em diferentes abordagens teóricas e, finalmente, como as políticas
educacionais em curso desde o final dos anos 1990 tem alterado as exigências quanto ao trabalho do
profissional da educação.
Estando a pesquisa em desenvolvimento, apresentamos alguns dados referentes aos salários dos
professores que participaram da pesquisa, nos dando uma ideia das condições materiais e de sobrevivência
a que estão destinados.

Relação capital/trabalho no campo e a educação


O campo brasileiro, como todas as demais áreas da economia, desde a década de 1990, passa
pelo processo de reestruturação produtiva do capital e da hegemonia do capital financeiro que vem, desde
então, provocando redução do ciclo de reprodução de mercadorias, e consequentemente, alterações técnicas
e nas relações de trabalho.
O capital tem necessidade constante de superar as suas próprias contradições e crises estruturais
de acumulação e reprodução está na raiz do advento da acumulação flexível, que passou a dominar as
relações de produção a partir do final da década de 1970 (Harvey,1992; Antunes, 2011; Alves, 2007).
Embora os autores abordem estas transformações enfocando os processos industriais e no setor
de serviços, de acordo com Santos (2008) com a globalização, o campo é submetido aos mesmos vetores de
maior competitividade e produtividade de outros setores econômicos, especialmente, no que se refere à
intensificação da subordinação da produção e do trabalho aos desígnios da lógica internacional de reprodução
do capital.
A internacionalização da produção e a necessidade de maior produtividade agrícola levou a
crescente utilização de tecnologias e maquinários nos processos produtivos, descartando um grande número
de trabalhadores no campo, mas contrariamente, passou a exigir ampliação da escolarização e qualificação
profissional, sobretudo, dos mais jovens, para ocupar os novos postos e funções técnicas e operacionais
criados pela reestruturação produtiva.
À vista disso, importa ao capital a constituição de um “novo trabalhador” disciplinado para atender
as condições materiais de sua expansão, e simultaneamente, garantir o controle e oferta qualificada de um
exército de reserva que pode ser ocupada em diferentes atividades.
Bezerra Neto, Bezerra & Lima (2011) apontam que após a década de 1990, a conjugação das
transformações na estrutura produtiva do capitalismo no campo e a utilização de maior tecnologia, destinada

195
A Escola: Dinâmicas e Atores

ao mercado externo, ampliaram o interesse pela educação do homem do campo, entretanto, houve a
conjugação com outro fator: a pressão dos movimentos sociais do campo com as conquistas de
assentamentos de reforma agrária e das orientações dos organismos internacionais, que passaram a vincular
os acordos de empréstimos aos investimentos em educação.
A partir de 1990, diversos movimentos sociais de luta pela terra, sendo o mais expressivo o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), junto a outros setores da sociedade civil vem
defendendo e construindo uma proposta de educação específica para o homem do campo, que não seja
restrita a escolarização e preparação para o mercado, mas que sirva como mais um instrumento para resistir
ao modelo de agricultura vigente e para a construção de um projeto que inclua a todos que queiram trabalhar
e viver no campo e do campo (Caldart, 2002).
Apesar das aparentes divergências e conflitos nas proposições entre capital e trabalho, a educação
adquire grande relevância para as relações sociais no campo. Para os movimentos sociais o essencial está
na universalização da educação e na melhoria de vida dos povos do campo, enquanto ao capital importa a
qualificação para ampliar a produtividade do trabalho.
A articulação dos trabalhadores rurais sem-terra na defesa da educação nas áreas rurais tem como
marco o Encontro Nacional de Educação da Reforma Agrária realizado em Brasília em 1998, com apoio do
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), e da Organização das Nações Unidas para Educação
Ciência e Cultura (UNESCO), a partir do qual os movimentos sociais em parceria com universidades e outros
setores da sociedade se articularam no Movimento por uma Educação do Campo.
Desde então, de forma mais sistemática, o Movimento por uma Educação do Campo tem construído
uma proposta de educação do campo como oposição conceitual a escola rural ou escola no campo. Para os
articuladores, enquanto a educação rural tem por referência o produtivismo e o campo somente como lugar
da produção de mercadorias e não como espaço de vida, a educação do campo “pensa o campo e sua gente,
seu modo de vida, de organização do trabalho e do espaço geográfico, de sua organização política e de suas
identidades culturais, suas festas e seus conflitos” (Fernandes & Molina, 2004, p.38).
Afora isso, todas as ações referentes à qualificação do trabalhador são mediadas por decisões e
políticas governamentais, que desde a Conferência Internacional de Jomtien (1990) da qual o Brasil foi
signatário, tem sido orientadas por diretrizes neoliberais e por uma lógica neotecnicista afinada aos interesses
do mercado (Saviani, 2008).
Neste contexto, o fortalecimento das lutas sociais no campo, a implantação de muitos
assentamentos de reforma agrária e as reivindicações dos movimentos sociais pelo direito a educação no
campo, convergiram para colocar a disputa entre o projeto de desenvolvimento do capital e dos movimentos
sociais no centro das políticas educacionais direcionadas ao campo.

Educação rural em São Paulo


Entre os pesquisadores que se debruçam sobre a questão agrária no estado de São Paulo há um
consenso de que a agricultura está dada ao fim, uma vez comparada ao grau de urbanização e
industrialização levada a efeito no campo paulista. Do ponto de vista dessa perspectiva, não há necessidade
de haver escolas nas áreas rurais, uma vez que estão desaparecendo e, a população, ou se urbanizando,
juntamente com o campo, ou, “migrando” para a área urbana.

196
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

De acordo com o Censo Demográfico (INEP) de 2010, o Estado de São Paulo contava com
aproximadamente 1.700 mil habitantes no meio rural, o que representa cerca de 4,12% do total de sua
população. Comparando à população urbana, a população rural é pequena, em grande medida devido ao
processo de expulsão da população rural em razão da intensificação do desenvolvimento capitalista no
campo, com sua face mais perversa, o agronegócio. Entretanto, a população que vive no meio rural, como
todo e qualquer cidadão paulista, tem direito a escola perto de suas moradias, embora, não são todos os
municípios do Estado de São Paulo que possuem escolas no campo (Basso, 2013).
De acordo com Basso (2013, p.89, 90), em 2003, dos 645 municípios que compõem o estado de
São Paulo, apenas 263 mantinham escolas no campo, um total de 40% desses municípios. Embora
numericamente pareça ser pequena a quantidade de municípios com escolas no campo, a autora traz um
dado interessante, que contradiz os argumentos de que não há população no campo no estado. Além de
atender aos 4% dos moradores residentes nas áreas rurais, no ano de 2010, 68.556 alunos matriculados no
campo residiam na área urbana. Esse dado aponta que em alguns municípios paulistas, há mais escolas no
campo que na cidade.
Embora esse dado traga um pouco de alento a nós, pesquisadores da educação no campo paulista,
a realidade das escolas situadas na área rural no estado de São Paulo, ainda é pouco conhecida, e menos
ainda se conhece as condições de trabalho a que os professores estão submetidos. Sabe-se da realidade da
educação rural no país que é marcada por um processo de escolarização que atende, em sua maioria, as
séries iniciais do ensino fundamental, materializado na experiência das escolas multisseriadas, unidocentes,
que no geral, é a única alternativa para os sujeitos do campo acessar a escolarização nas comunidades em
que vivem.
Além disso, as escolas rurais multisseriadas apresentam um quadro dramático de precarização e
abandono, reflexo do descaso com que tem sido tratada a escolarização obrigatória ofertada às populações
do campo. Em São Paulo, esse modelo de organização escolar acontece majoritariamente em escolas rurais,
com alguns incidentes em escolas urbanas (Basso, 2013, p.98).
Quanto aos docentes dessas escolas rurais, existem muitas contradições entre o proposto pela
legislação e o concretizado. Os professores desenvolvem seu trabalho sob pressão, enfrentando desafios e
angústias, com sobrecarga de atividades que não fazem parte direta do processo ensino aprendizagem.
Essas características do trabalho são potencializadas nas escolas rurais, mas não são exclusivas delas. Tal
qual nas demais esferas do trabalho, exige-se cada vez mais empenho dos profissionais da educação para
alcançar os objetivos de formação escolar e profissional, além de vivências de valores e princípios éticos.
Salomão Mufarrej Hage (2011) em artigo apresentado ao Simpósio da Associação Nacional de
Pesquisa em Administração Escolar (ANPAE), discorre sobre a educação do campo, estabelecendo relação
entre os parâmetros legais de referência da qualidade educação no meio rural e as condições de trabalho dos
docentes das escolas rurais multisseriadas no Estado do Pará. Apresenta os marcos de referência sobre a
educação do campo na legislação educacional brasileira. Após pesquisa em que dá voz aos professores
rurais, apresenta aspectos de realidade das escolas rurais multisseriadas, destacando as condições de
trabalho dos docentes e os desafios que eles enfrentam na gestão dos processos pedagógicos, evidenciado
o contraste com os marcos legais estabelecidos.
Em nossa pesquisa no estado de São Paulo, estamos tomando como referência o município de
Cunha, localizado próximo ao litoral norte paulista na divisa com o estado do Rio de Janeiro. Queremos saber

197
A Escola: Dinâmicas e Atores

como os professores percebem as suas condições de trabalho se há intensificação de suas atividades e se


há e em que medida precarização de seu trabalho.
O município de Cunha foi o que mais encontramos escolas rurais no estado de São Paulo. De acordo
com dados do censo escolar (INEP) de 2014, divulgados em 2015, o município tem ao todo 66 escolas, sendo
52 rurais e 14 urbanas, divididas entre as redes públicas e privadas. Das públicas, 21 são administradas pelo
estado, 30 pelo município e 01 é privada. Dessas escolas, 100% são em regime de multisserie unidocente,
ou seja, um mesmo professor trabalha com duas ou mais turmas de alunos de anos diferentes, em uma
mesma sala.

Trabalho do professor
As transformações no mundo do trabalho, em geral, e do trabalho docente em particular, trazem um
aumento dos problemas de saúde, ansiedade, incertezas e sofrimentos psíquicos relacionados à sua
atividade profissional, o que faz com que grande parte dos estudos desenvolvidos nos últimos anos se
concentre no adoecimento do professor. Para compreender o trabalho do professor na escola rural, é
necessário ampliar os conhecimentos sobre as transformações sociais e econômicas contemporâneas, pois
as atuais estratégias de gestão e organização do trabalho na escola buscam submeter, também os
professores, a um tipo de gestão baseado na lógica do mercado.
No âmbito desta discussão, nos apossaremos da categoria trabalho docente compreendendo que
a “categoria trabalho docente abarca tanto os sujeitos nas suas complexas dimensões, experiências e
identidades quanto as condições em que as atividades são realizadas no ambiente escolar”. Envolve outras
atividades que vão além da sala de aula, além da regência de classe, sujeitas, no conjunto, a mecanismos
implantados pela gestão na busca por redução dos custos e aumento da eficácia (Oliveira, 2005).
Já ‘condições de trabalho’ envolve diferentes variáveis que vão desde o tempo de trabalho (diário,
semanal, anual), a quantidade de horas obrigatórias de permanência em sala de aula, o salário, o número de
alunos na classe, entre outros. Essas variáveis definem “o quadro legal no qual o ensino é desenvolvido;
utilizadas pelos estados nacionais para contabilizar o trabalho docente, avaliá-lo e remunerá-lo” (Tardif &
Lessard, 2014, p.111).
Destaca-se outros problemas relacionados às condições de trabalho docente como os baixos
salários, as precárias condições de trabalho, a dupla jornada de trabalho, a desvalorização, a burocratização
e rotinização das atividades, a falta de autonomia e de diálogo com a administração, o trabalho em mais de
uma escola, os contratos de trabalho que não atendem aos direitos trabalhistas, a dificuldade na participação
em cursos de aperfeiçoamento (Souza & Leite, 2011).
Dados preliminares de nossa pesquisa realizada com 35 professores de escolas rurais da rede
pública tanto estadual quanto municipal mostram que, em termos de rendimento, a maioria, 63,6% recebem
de 02 a 03 salários mínimos; 27,3% de 01 a 02 salários mínimos e 9,1% são aqueles que recebem de 3 a 4
salários mínimos. Considerando a renda familiar total, 80% dos professores afirma que essa renda varia entre
01 e 03 salários mínimos. Quando pegamos os dados sobre a participação nos dividendos na renda familiar,
93,1% afirma ser responsável principal pela manutenção financeira. Isso denota a permanência dos baixos
salários do professor.
De acordo com Deise Mancebo (2007) na pesquisa educacional brasileira, as investigações sobre
trabalho docente aparecem como objeto de estudo, no final da década de 1970. Segundo ela, neste período,

198
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

realizaram-se muitas pesquisas na área trabalho e educação, que fecundaram estudos sobre o trabalho do
professor, tendo como temas centrais a natureza do trabalho docente, sua organização e a gestão da escola.
Entretanto, continua, ao final da década de 1980, há uma mudança nessa linha de reflexão e os estudos
passaram a concentrar em aspectos culturais, étnico-raciais, de gênero e nas questões da subjetividade. A
partir dos anos 1990, houve outra guinada e as pesquisas passaram a se concentrar na formação docente e
sua “profissionalização”, com destaque para a ressignificação da formação docente, que deixa de ter como
principio o conhecimento teórico/científico e é substituído pelos ‘saberes da prática’ (Mancebo, 2007, p.467).
Acácia Kuenzer (1999) analisa as novas políticas de formação de professores em face das
mudanças ocorridas no mundo do trabalho e com base nas políticas educacionais que elas determinam desde
a aprovação da LDB. Segundo ela, as políticas de formação inviabilizam a construção da identidade do
professor como cientista da educação para constituí-lo como tarefeiro, dados o aligeiramento e a
desqualificação de sua formação.
O projeto de educação proposto para a América Latina, executado no governo de FHC, tinha como
metas o rebaixamento dos salários e o controle do trabalho dos professores, com a justificativa de que esses
profissionais seriam responsáveis pela formação de futuros trabalhadores (formação de uma classe
trabalhadora assalariada). Isso dá uma ideia da racionalização do trabalho, materializado no controle exercido
pelo Estado nos planos políticos e ideológicos. Em termos práticos, na relação capital/trabalho, tendo em vista
as necessidades de acumulação e legitimação do capitalismo, os professores são responsáveis pela
reprodução da força de trabalho (Alves, 2009, p.35).
Em se tratando da valorização docente no Estado de São Paulo, Mariana da Rocha Basílio (2016),
mostra em seu estudo que a temática tornou-se um assunto entre os anos de 2007 e 2010, com destaque
para a legislação nas políticas públicas educacionais paulistas. Segundo ela, a valorização do profissional
docente norteia outras inúmeras questões como a qualidade do ensino no Estado, o desenvolvimento e bom
rendimento dos alunos, as melhorias nas estruturas de ensino público, entre outras. Procurou compreender
como se deu a valorização docente pelo governo de José Serra, analisando os últimos decretos entre 2007 e
2010. Trabalha com definições de valor, essência e aparência, trabalho imaterial, economia do conhecimento,
realidade escolar e prática do professor, relacionando a análise sobre as políticas de valorização docente
decretadas nesse período referido. Faz um levantamento documental da forma como a valorização do
profissional docente vem sendo compreendida e desenvolvida pelo governo, mídia e população em geral para
que assim se denote os sentidos encontrados e dimensionados para a profissão docente no Estado de São
Paulo (Basílio, 2016).
As recentes políticas públicas voltadas para a educação buscam promover a justiça social, com a
marca da equidade social, direcionadas a busca da redução da desigualdade social, por meio de oferta
educativa às populações em situação de vulnerabilidade. Envolvem a ampliação do atendimento educacional
àqueles que até então estiveram alijados desse direito, com a universalização do ensino fundamental,
gradativa ampliação do acesso ao ensino médio e, o atendimento prioritário à educação infantil em creches e
pré-escolas mantidas pelo poder público.
As reformas implementadas a partir de 1990, visavam alterar radicalmente a forma de administração
do Estado e, em consequência, impactaram no sistema de ensino em todas as esferas, quer seja federal,
estadual ou municipal.

199
A Escola: Dinâmicas e Atores

Como parte desse processo de reestruturação do Estado, a descentralização administrativa e


financeira passou a ser um imperativo na administração pública, resultando em maior desregulamentação e
na transferência de obrigações e responsabilidades do poder central para o local, em última instância, à
instituição escolar, com a ênfase atribuída à gestão escolar e a participação da comunidade na gestão escola.
Aos professores compete para além de atividades de ensino, outras de ordem burocráticas, que
acabam por ocupar uma parte do tempo que deveria ser destinado ao ensinar. De acordo com o artigo 13º
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) 9394/1996, nas atividades docentes inclui-se:
participação na elaboração da proposta pedagógica; elaboração e cumprimento do plano de trabalho; zelo
pela aprendizagem dos alunos e estabelecimento de estratégias de recuperação àqueles de menor
rendimento; ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar dos períodos dedicados
ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; além disso, colaborar com as atividades de
articulação da escola com as famílias e a comunidade
Nesse sentido, direcionando o campo de execução para as instâncias de base – as escolas - diante
da nova forma de regulação, as exigências apresentadas aos profissionais da educação passaram a exigir
maior responsabilização dos trabalhadores, demandando maior autonomia, capacidade de resolver
localmente os problemas encontrados, reflexão sobre a sua realidade e trabalhar de forma coletiva e
cooperativa. Aos professores as novas demandas não deixam de causar impacto no desenvolvimento do
trabalho que executa.
Está em curso mudanças políticas que levam ao processo de intensificação e precarização do
trabalho docente; de forma que as atribuições dos professores das séries iniciais do ensino fundamental na
rede pública estabelecidas na legislação, nos documentos nacionais e locais são traduzidas em trabalho
pedagógico intensificado; sendo que os procedimentos de gestão escolar e as atividades pedagógicas
complementares à sala de aula e exigidos dos docentes contribuem para a intensificação do trabalho docente.

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201
A Escola: Dinâmicas e Atores

O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO DE ESTUDANTES DISTINGUIDOS NO


ENSINO SECUNDÁRIO: (DES)CONTINUIDADES DE PERCURSOS
[ID 229]

Germano Borges
Leonor Lima Torres
Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho (CIEd / UM); Instituto de Educação da
Universidade do Minho (IE / UM)
germanopinto@gmail.com; leonort@ie.uminho.pt

Resumo
O acesso ao ensino superior pode revelar-se uma etapa disruptiva para estudantes distinguidos por mérito
escolar no ensino secundário face a percursos marcados pela linearidade institucional da excelência
académica. A presente comunicação tem como objetivo identificar as eventuais (des)continuidades no acesso
ao ensino superior por parte de estudantes que frequentaram cursos científico-humanísticos em 3 escolas
públicas portuguesas e que de modo sucessivo ao longo do trajeto escolar no ensino secundário (10.º; 11.º e
12.º) foram premiados com o diploma de mérito ou referenciados no quadro de excelência em razão de uma
classificação média interna de frequência igual ou superior a 18 valores. Esta pesquisa inscreve-se no âmbito
de projeto de doutoramento e fará uso de uma parcela (n=340) da amostra que suporta a investigação. Os
resultados derivam da consulta efetuada aos registos biográficos do universo de estudantes laureados em
cada umas das escolas nos anos letivos de 2011/2012, 2012/2013 e 2013/2014, bem como da análise
diacrónica às listas de ingresso. Os resultados evidenciam descontinuidades expressivas no acesso ao ensino
superior com 32,9% dos estudantes distinguidos a não serem colocados na 1.ª opção da candidatura
concernente ao ano de conclusão dos estudos no ensino secundário, após infrutíferas tentativas na 2.ª e 3.ª
fase do concurso nacional. Está-se na presença de 112 estudantes três vezes “medalhados com o ouro” pelo
mesmo sistema público de ensino que na fase de transição lhes consente uma de duas alternativas: manter
a linearidade do percurso escolar com o acesso ao ensino superior por via de segundas opções ou quebrar a
sequencialidade do trajeto e voltar a concorrer no ano seguinte. Com efeito, 51,8% ingressa no tempo
institucional definido como de sucesso, mas fora do raio do par curso/estabelecimento pretendido.
Enquadram-se neste perfil os candidatos aos cursos da área de tecnologias. Por seu turno, 48,2%, a maioria
candidatos ao curso de Medicina, assume a interrupção da linearidade da trajetória escolar com vista à
continuidade das suas escolhas preferenciais. O estudo torna evidente que aproximadamente 70% dos que
procederam a nova candidatura frequentam atualmente o curso e a instituição correspondente à 1.ª opção.

Palavras-chave: Escola pública, Excelência académica, Distinção, Acesso ao ensino superior, Percursos
estudantis.

Résumé
L'accès à l'enseignement supérieur se révèle être une étape perturbatrice pour les étudiants qui se distinguent
par mérite scolaire dans l'enseignement secondaire, face à des parcours linéaires institutionnels de
l'excellence académique. Cette communication vise à identifier les éventuelles (dis)continuités dans l'accès à
l'enseignement supérieur par des étudiants qui assistent à des cours scientifiques et humanistes dans 3 écoles
publiques portugaises et successivement tout au long du parcours scolaire dans l'enseignement secondaire
(2d, 1ère, Terminale) ont reçu le diplôme du mérite ou référencés dans le cadre de l'excellence en raison d'une
note moyenne interne de fréquence égale ou supérieure à 18 points. Cette recherche s'inscrit dans un projet
de doctorat et utilisera une partie (n=340) de l'échantillon qui soutient la recherche. Les résultats sont issus
de la consultation effectuée dans les registres biographiques dans l'univers des étudiants lauréats dans
chacune des écoles dans les années scolaires 2011/2012, 2012/2013 et 2013/2014, ainsi que de l'analyse
diachronique des listes d'entrée. Les résultats ont montré des discontinuités importantes dans l'accès à
l'enseignement supérieur avec 32,9% des étudiants distingués qui ne font pas partie de la 1ère demande de
candidature concernant l'année de fin d'études dans l’enseignement secondaire, après des tentatives
infructueuses dans la 2ème et la 3ème phase du concours national. Il s'agit de 112 étudiants trois fois
"médailles d'or" par le même système d’enseignement public qui dans la phase de transition leur permet une
des deux alternatives: maintenir la linéarité du parcours scolaire avec l'accès à l'enseignement supérieur par
le biais de secondes options ou briser le parcours séquentiel et se présenter au concours à nouveau l'année

202
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

suivante. En effet, 51,8% sont intégrés en temps institutionnel avec succès, mais en dehors de du binôme
cours / d'établissement prévu. S’inscrivent dans ce profil des candidats aux cours dans le domaine de la
technologie. À son tour, 48,2%, la majorité des candidats au concours de médecine, effectue l'interruption de
la linéarité du parcours scolaire en vue de la continuité de leurs choix préférentiels. L'étude montre clairement
que environ 70% de ceux qui ont choisi la nouvelle candidature fréquentent actuellement le cours et l'institution
correspondante de la 1ère option.
Mots-clés: L’école publique, L’excellence académique, La distinction, L'accès à l'enseignement supérieur,
Les parcours des étudiants.

INTRODUÇÃO/CONTEXTUALIZAÇÃO
As cerimónias públicas de distinção constituem, na atualidade, uma prática medrante na escola
pública portuguesa, com especial proeminência no ensino secundário, visando fundamentalmente premiar os
resultados escolares dos estudantes, numa clara visão instrumental do mérito, dado que a avaliação daquilo
que conta se cinge às classificações (Torres, Palhares, & Borges, 2014). A acentuada importância que é
conferida à recompensa do mérito escolar é um dos reflexos dos cenários performativos que trespassam a
escola pública e que, invariavelmente, se constituem como fontes de pressão acrescida sobre os percursos
dos estudantes, mormente, entre aqueles que obtêm desempenhos de excelência e que frequentam as áreas
científicas de acesso aos cursos mais prestigiados do ensino superior (Almeida & Vieira, 2008). À medida que
o término do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior se aproximam, tendem a intensificar-se
os níveis de pressão sobre o desempenho escolar dos estudantes (Palhares, 2014).
Acerca das escolhas e das práticas sociais dos candidatos ao ensino superior, Vieira (2001) enfatiza
que estas são moldadas pela noção do risco de uma eventual colocação à margem do par instituição/curso
de 1.ª opção, potenciada pela introdução em 1977 do sistema de numerus clausus à totalidade dos cursos
superiores em Portugal. Almeida & Vieira (2008) descrevem o numerus clausus como um forte mecanismo
condicionador de opções e determinações dos estudantes, gerador de inconstância nos trajetos escolares,
tanto no secundário como no superior. O número circunscrito de vagas por cada instituição de ensino superior
propende não apenas a firmar uma forte hierarquização no interior do ensino superior como produz um
conjunto de efeitos sobre os percursos escolares dos alunos, nomeadamente: i) a intensificação da
seletividade social decorrente do aumento da competitividade entre os estudantes do ensino secundário,
particularmente entre aqueles que frequentam as áreas científicas de acesso aos cursos mais prestigiados
do ensino superior; ii) o despoletar de sentimentos de iniquidade e ressaibo perante a escola, em virtude dos
condicionalismos no acesso ao ensino superior público, que obriga a que muitos dos candidatos não alcancem
colocação no par instituição/curso preferencial, sendo que deste grupo, alguns deixam-se ficar no secundário
sujeitos a representações de insucesso que, segundo Almeida & Vieira (2008) “[…] verdadeiramente não o é
[…], no que representa uma penosa prova de autoconfrontação do aluno consigo próprio e com o sistema de
ensino” (p. 7); iii) o suscitar nos que ingressam fora do âmbito da opção prioritária a ausência de significado
perante os conteúdos curriculares, num desinvestimento nos estudos que pode vir a culminar numa
desfiliação institucional.
Os constrangimentos no acesso ao ensino superior não são monopólio dos estudantes com fracos
desempenhos escolares, também os estudantes de alta performance exteriorizam dificuldades no
cumprimento integral das expectativas, em particular os que perspetivam ingressar nos cursos mais restritivos
quanto à nota de candidatura, face à imprevisibilidade anual do número dos candidatos e do número de vagas
disponibilizadas pelas instituições de ensino superior (Vieira, 2014, p. 58). A presente comunicação focaliza-

203
A Escola: Dinâmicas e Atores

se na etapa da candidatura ao ensino superior dos que hoje frequentam este nível de ensino, mas que no
decurso do ensino secundário e de modo sucessivo (10.º, 11.º e 12.º) foram distinguidos por mérito escolar
em razão de uma classificação média interna de frequência igual ou superior a 18 valores. O objetivo geral é
conhecer as estratégias e as dificuldades no acesso ao ensino superior daqueles que no secundário o sistema
público de ensino outorgou com a chancela da excelência académica. Será que a candidatura ao ensino
superior deste grupo de alunos é apenas mais uma etapa de validação da linearidade das suas trajetórias
escolares de excelência? Ou representa a etapa inicial de um conjunto de descontinuidades não esperadas
que acabarão já no ensino superior por fazer gorar o estatuto de excelência anteriormente granjeado? Será
que os estudantes distinguidos por mérito escolar, os alunos excelentes do sistema, são confrontados com
escolhas moldadas pela noção do risco da colocação à margem da opção preferencial? Entre manter a
linearidade do percurso escolar com o acesso ao ensino superior por via de segundas opções, ou quebrar a
sequencialidade do trajeto com nova candidatura no ano seguinte, qual a direção trilhada por aqueles que no
término da candidatura, deparam-se com um defraudamento total (o curso e a instituição não correspondem
à 1.ª opção) ou parcial (o curso não corresponde à 1.ª opção, mas a instituição corresponde; o curso
corresponde à 1.ª opção, mas a instituição não) das expectativas.
Enquadrada no estudo 1 do projeto de doutoramento em curso de Germano Borges: Da excelência
no ensino secundário à (ir)regularidade académica no ensino superior: (Des)continuidades de percursos de
alunos distinguidos na escola pública portuguesa (SFRH/BD/102429/2014); a presente comunicação
debruça-se sobre resultados preliminares e reparte-se em dois momentos. Um primeiro momento, com a
apresentação de um breve perfil sociográfico dos participantes no estudo; e um segundo, de identificação das
(des)continuidades no acesso a este nível de ensino. Projeto de doutoramento em Ciências da Educação,
especialidade em Sociologia da Educação, desenvolve-se no departamento de Ciências Sociais da Educação
do Instituto de Educação da Universidade do Minho, financiado por Fundos Nacionais do Ministério da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, por meio da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia e pelo
Fundo Social Europeu através do POCH - Programa Operacional Capital Humano. O projeto é orientado
cientificamente por Leonor Lima Torres, Professora Associada do Instituto de Educação da Universidade do
Minho (IE-UM) e investigadora integrada do Centro de Investigação em Educação (CIEd) da mesma
Universidade.

DESENHO METODOLÓGICO
Relativamente à componente metodológico-empírica, recorreu-se a estudos de caso múltiplos
(Bogdan & Biklen, 1994) ou na aceção de Stake (2007), a estudos de casos coletivos. Foram selecionadas 3
escolas secundárias públicas da região norte de Portugal continental, de acordo os seguintes critérios:
natureza organizacional da escola pública (agrupada e não agrupada); assinatura e tipo de contrato de
autonomia (existência de contrato e tipo de contrato); posicionamento nos rankings (abaixo da 100ª posição);
implementação de mecanismos de distinção (tipos de distinção praticados). Em cada uma das escolas foram
perscrutados os registos biográficos dos alunos distinguidos por mérito escolar nos anos letivos de 2011/2012,
2012/2013 e 2013/2014. A amostra do projeto de doutoramento é constituída por 579 estudantes que
presentemente frequentam o ensino superior, cuja trajetória escolar e académica temos vindo a seguir desde
o ensino secundário. Todavia, a comunicação recai especificamente sobre a etapa da candidatura ao ensino
superior dos que ao longo do trajeto escolar em cursos científico-humanísticos foram laureados no 10.º, 11.º

204
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

e 12.º ano de escolaridade, ou seja, aqueles que granjearam 3 distinções em virtude de uma classificação
média interna de frequência igual ou superior a 18 valores (n=340). Nessa qualidade, procedemos à sua
localização no par instituição/curso superior, a partir dos dados disponibilizados online pela Direção-Geral do
Ensino superior. Com o objetivo de identificar as modalidades do acesso foram examinados minuciosamente
os resultados do concurso nacional de acesso entre 2012 e 2016. Toda a informação recolhida foi agrupada
e sistematizada na ferramenta informática de análise quantitativa, IBM SPSS Statistics.

PERFIL SOCIOGRÁFICO
O perfil médio da amostra torna evidente um trajeto escolar no ensino secundário desenrolado
essencialmente na área científica das Ciências e Tecnologias (80,6%), sem Apoio de Ação Escolar (84,4%),
cujo desempenho de excelência eleva-se à medida que a etapa neste nível de ensino aproxima-se do seu
termo (10.º- 18,3 valores; 11.º - 18,5 valores; 12.º - 18,8 valores). A amostra é constituída por uma
percentagem superior de raparigas (56,5%) do que de rapazes (43,5%) (cf. quadro 1).
Feminino 56,5%
Sexo
Masculino 43,5%
Área Científica Ciências e Tecnologias 80,6%
Ação Social Escolar Não 84,4%
10.º ano 18,3 valores
Média Interna de
11.º ano 18,5 valores
Frequência
12.º ano 18,8 valores
Bacharelato/licenciatura 34,7%
Pai Pós-graduação (especializ. 8,5%
mestrado, dout.)
Escolaridade
Bacharelato/licenciatura 44,4%
Mãe Pós-graduação (especializ. 6,2%
mestrado, dout.)
Especialista das profissões 38,2%
Pai
intelectuais e científicas
Profissão
Especialista das profissões 46,5%
Mãe
intelectuais e científicas
Profissionais Técnicos e de 42,4%
Pai
Enquadramento
Indicador Socioprofissional
Profissionais Técnicos e de 50,6%
Mãe
Enquadramento
Profissionais Técnicos e de
52,4%
Indicador Socioprofissional Enquadramento
Familiar Empresários, Dirigentes e
18,2%
Profissionais Liberais
Quadro 1 - Perfil dos estudantes distinguidos por mérito escolar (N=340)
Fonte: Análise baseada na consulta aos registos biográficos dos estudantes distinguidos em cursos
científico-humanísticos de 3 escolas públicas portuguesas nos anos letivos de 2011/2012, 2012/2013 e
2013/2014
De modo geral, os pais destes estudantes são portadores de habilitações académicas de nível
superior (43,2% dos pais; 50,6% das mães), desempenham profissões incluídas nos grandes grupos de
Especialistas das Profissões Intelectuais e Científicas (38,2% dos pais; 46,5% das mães) e a categoria
socioprofissional individual predominante é a dos Profissionais Técnicos e de Enquadramento (42,4% dos
pais; 55,1% das mães). A classe social do grupo doméstico dos estudantes sucessivamente distinguidos ao
longo do ensino secundário é marcadamente favorecida, com 70,6% da nossa amostra encaixilhada nos
grupos portadores de maiores recursos (Profissionais Técnicos e de Enquadramento - 52,4%; Empresários,
Dirigentes e Profissionais liberais - 18,2%).

205
A Escola: Dinâmicas e Atores

Este perfil está em linha com a crescente taxa de feminização nas escolas portuguesas, característica
que Almeida & Nunes (2013) cognominam de silenciosa revolução escolar e que constitui-se como uma das
quatro singularidades na educação em Portugal. A silenciosa revolução escolar protagonizada pelas
estudantes traduz-se em melhores desempenhos académicos e trajetos escolares mais longos, e que é
resultado, de acordo com as autoras, de uma maior democratização no seio das famílias portuguesas e da
massificação escolar (Almeida & Vieira, 2013).
A escolha quase unânime pela área científica das Ciências e Tecnologias é o segundo ponto a reter.
Por um lado, é indicativo do valor residual de importância que os estudantes e famílias conferem às restantes
áreas, nomeadamente às Artes e Humanidades (Nussbaum, 2010), fruto de uma ditadura do útil (Duru-Bellat,
2012), que incita os estudantes a desvalorizarem, ou não atribuírem sentido aos conhecimentos catalogados
como sem utilidade, o que amplifica a probabilidade de a instituição escolar vir a formar indivíduos utilitaristas
na lógica de um ethos competitivo (Afonso, 2010), assente na tónica do quantificável e da monitorização dos
resultados em detrimento dos contextos e procedimentos educativos (Afonso, 2009a, 2009b; Lima, 1994,
1997). Por outro lado, é o efeito do entendimento que estes estudantes fazem das Ciências e Tecnologias
como a área que disponibiliza um conjunto mais alargado de escolhas na candidatura ao acesso ao ensino
superior.
Vieira (2014), sobre a fabricação da entrada em Medicina, verifica que estes estudantes desde cedo
assumem o ingresso no ensino superior como fio condutor das suas escolhas, ainda que a opção pelo curso
seja algo que tendem a adiar para o término do ensino secundário, albergados pela área científica das
Ciências e Tecnologias, aquela que na perspetiva destes estudantes disponibiliza um maior conjunto de
escolhas futuras. Para Vieira (2014), o desejo de ingressar no curso de Medicina não se enquadra numa
vocação antetempo nem tão pouco na delimitação de um objetivo há muito definido, mas é proveniente da
acumulação de desempenhos de alta competição numa clara orientação pelo sucesso. Nas palavras da
autora, “[é], pois, o sucesso (e o grau em que ele se manifesta) que vai paulatinamente permitindo afinar
escolhas que culminam a posteriori numa decisão” (Vieira, 2014, p.64, itálico da autora). De facto, os
estudantes distinguidos vão melhorando as classificações de excelência entre o 10.º e o 12.º ano de
escolaridade, o que poderá estar relacionado com a consciencialização por parte destes estudantes de que
o ingresso no ensino superior se aproxima e a pressão aumentada leve à intensificação do estudo e a um
maior empenhamento académico (Palhares, 2014; Torres, Palhares, & Borges, 2013).
Por último, o perfil quanto às origens sociais revela estarmos na presença de estudantes, na sua
maioria, de condições económicas e culturais privilegiadas. Acerca da relação entre a origem social dos
estudantes e a trajetória escolar, Duru-Bellat (2005) argumenta que esta erige-se primordialmente de modo
indireto, por via do acesso a contextos escolares de qualidade distinta. Duru-Bellat (2005), ao fazer referência
a um conjunto de estudos sobre a escola pública francesa, ilustra o facto de que os alunos detentores de
maiores recursos são também os que ingressam em estabelecimentos de ensino mais privilegiados,
frequentam turmas homogéneas, têm acesso aos professores mais experientes, acumulam experiências
socializadoras e de aprendizagem favorecidas, são recetores de expectativas positivas e beneficiam de
melhores condições de ensino. Para a autora, é explícito que “[…] em conseqüência de os alunos mais
privilegiados se beneficiarem, em geral e em maior número, das melhores condições de ensino, torna-se difícil
dissociar os trunfos que os alunos tiram de seu ambiente social e os que tiram de seu contexto de
escolarização” (Duru-Bellat, 2005, p.26).

206
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

(DES)CONTINUIDADES NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR DOS ESTUDANTES


DISTINGUIDOS POR MÉRITO ESCOLAR
Findados os estudos no ensino secundário e feitas as escolhas na candidatura ao ensino superior, o
estudante/candidato aguarda ansiosamente pelos resultados do concurso nacional de acesso, carregando
sobre si todo um trajeto escolar anterior marcado pela excelência académica. Neste intervalo de tempo, o
temor de defraudar as elevadas expectativas que o desempenho escolar no secundário criou sobre si, mas
fundamentalmente nos que lhe são próximos, é algo que está presente e que se traduz em tensões
significativas (Vieira, 2014).
Os resultados da nossa pesquisa aludem para 64,7% de estudantes anualmente distinguidos por
mérito escolar em cursos científico-humanísticos que obtiveram colocação no par instituição/curso de 1.ª
opção, na 1.ª fase do concurso nacional de acesso. Todavia, convém ressalvar que uma percentagem
significativa de estudantes distinguidos (34,7%, correspondente a 118 candidatos) não consegue entrar na 1ª
opção (cf. gráfico 1), evidenciando o quanto o investimento e esforço empreendido ao longo da carreira
escolar poderá resultar numa quebra das expectativas e, eventualmente, num sentimento de frustração e
questionamento.

250
64,7%
220
200

150
34,7%

100 118

50

2
0
Sim Não Não concorre

Gráfico 1 - Estudantes distinguidos colocados na 1.ª opção, 1.ª fase, no concurso nacional de acesso
Fonte: Análise baseada na consulta aos registos biográficos dos estudantes distinguidos em cursos
científico-humanísticos de 3 escolas públicas portuguesas nos anos letivos de 2011/2012, 2012/2013 e
2013/2014. Análise fundamentada nos resultados do concurso nacional de acesso entre 2012 e 2016.
Direção-Geral do Ensino Superior
Deste grupo, apenas 5,1% veem satisfeitas as suas expectativas após nova tentativa na 2.ª fase. O
grupo preponderante, 112 alunos-modelo, são excluídos da opção primeira da candidatura após infrutíferas
tentativas na 2.ª e 3.ª fase do concurso nacional de acesso, acabando expostos a uma de duas alternativas:
manter a linearidade do trajeto escolar com o acesso ao ensino superior por via de segundas opções, itinerário
trilhado por 51,8%; ou quebrar a sequencialidade do trajeto com nova candidatura no(s) ano(s) seguinte(s),
roteiro continuado por 48,2% (cf. gráfico 2).

207
A Escola: Dinâmicas e Atores

60
51,8
50 48,2

40

30

20

10

0
Acesso linear, via 2.ªs opções Acesso não linear, nova
(n=58) candidatura (n=54)

Gráfico 2 - Estudantes distinguidos não colocados na 1.ª opção da candidatura ao acesso ao ensino
superior público, segundo a alternativa seguida (n=112)
Fonte: Análise fundamentada nos resultados do concurso nacional de acesso entre 2012 e 2016.
Direção-Geral do Ensino Superior
Mas quem são os protagonistas destes dois modos de encarar o defraudamento de expectativas no
acesso ao ensino superior? Dos 112 estudantes com 3 distinções por mérito escolar que viram as suas
expectativas de acesso não realizadas no término do concurso nacional de acesso, a grande maioria, 91
candidatos (81,3%) aspiravam ingressar em cursos de duas grandes áreas: a da Saúde, 60 candidatos
(53,6%) e a de Tecnologias, 31 candidatos (27,7%). Dos que acederam ao ensino superior público, de modo
linear, mantendo a sequencialidade do trajeto escolar, mas por via de segundas escolhas (n=58) (cf. quadro
3), 34 (58,6%) o fizeram à margem do curso preferencial. Enquadram-se neste perfil os candidatos aos cursos
da área de estudos de Tecnologias.
Face à colocação à margem do par instituição/curso preferencial e esgotadas as fases do concurso
nacional de acesso, 54 candidatos recusam o ingresso imediato no ensino superior, por via de segundas
opções, e inversamente aos colegas anteriormente supraditos “optam” por quebrar a linearidade do trajeto e
preparar nova candidatura no ano seguinte. A quebra da sequencialidade do trajeto é especialmente efetivada
por aqueles que aspiram à área de estudos da Saúde (31 candidatos - 57,4%), e em particular ao curso de
Medicina. A análise diacrónica às listas de ingresso entre 2012 e 2016, permite ainda observar que dos 31
estudantes distinguidos que procederam a nova candidatura no(s) ano(s) seguinte(s), 21 (67,7%) frequentam
hoje, fora da idade padrão definida institucionalmente como de sucesso, o curso e a instituição
correspondente à 1.ª opção. Este valor sobe para 29 (93,5%), se contabilizarmos os 8 candidatos que
frequentam o curso correspondente à 1.ª opção, embora noutra instituição (cf. quadro 4).

208
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O curso não
O curso O curso e a
corresponde à 1.ª
corresponde à 1.ª instituição não
opção, mas a Total
opção, mas a correspondem à
instituição
instituição não 1.ª opção
corresponde
Agricultura e Recursos Naturais 1 0 1 2
Arquitetura, Artes Plásticas e Design 0 1 1 2
Ciências 0 3 2 5
Ciências da Educação e Formação de 0 0 0 0
Professores
Direito, Ciências Sociais e Serviços 0 0 0 0
Economia, Gestão e Contabilidade 0 0 1 1
Saúde 22 4 3 29
Tecnologias 1 15 3 19
Total 24 23 11 58
Quadro 3 - Distribuição do número de candidatos distinguidos que acederam ingressar no ensino superior
público, fora do âmbito do par instituição/curso de 1.ª opção, segundo a área de estudos Fonte: Análise
fundamentada nos resultados do concurso nacional de acesso entre 2012 e 2016. Direção-Geral do Ensino
Superior
O curso O curso não
O curso e a corresponde corresponde O curso e a
instituição à 1.ª opção, à 1.ª opção, instituição não Não
Total
correspondem mas a mas a correspondem colocação
à 1.ª opção instituição instituição à 1.ª opção
não corresponde
Agricultura e Recursos 1 1 0 - 2
Naturais
Arquitetura, Artes 0 0 0 1 - 1
Plásticas e Design
Ciências 2 0 0 0 - 2
Ciências da Educação e 0 0 0 0 - 0
Formação de Professores
Direito, Ciências Sociais e 3 0 1 0 - 4
Serviços
Economia, Gestão e 0 0 1 0 - 1
Contabilidade
Saúde 21 8 0 2 - 31
Tecnologias 8 3 1 0 - 12
Não colocação - - - - 1 1
Total 35 11 4 3 1 54
Quadro 4 - Distribuição do número de candidatos distinguidos que acederam quebrar a sequencialidade do
trajeto escolar, segundo a área de estudos e a frequência atual no ensino superior
Fonte: Análise fundamentada nos resultados do concurso nacional de acesso entre 2012 e 2016.
Direção-Geral do Ensino Superior

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mapear as dinâmicas de acesso ao ensino superior público de 340 antigos estudantes de cursos
científico-humanísticos distinguidos por mérito escolar no 10.º; 11.º; 12.º constitui o objeto de estudo desta
comunicação. O perfil quanto às origens sociais revela estarmos na presença de estudantes na sua maioria
de condições económicas e culturais favorecidas. Neste particular, é importante chamar à discussão o
argumentário de Lois Weis (2013) e a referência de que a classe social tem sido desvalorizada, colocada à
margem em prejuízo de outras variáveis pela investigação e estudos sociológicos no campo da educação, o
que no entendimento da autora é desacertado, uma vez que a classe é um organizador elementar da vida
social (Weis, 2013).
Os resultados preliminares da nossa investigação evidenciam as descontinuidades no acesso ao
ensino superior público de 112 estudantes três vezes “medalhados com o ouro” pelo mesmo sistema público
de ensino que na fase de transição lhes consente uma de duas alternativas: manter a linearidade do percurso

209
A Escola: Dinâmicas e Atores

escolar com o acesso ao ensino superior por via de segundas opções ou quebrar a sequencialidade do trajeto
e voltar a concorrer no ano seguinte. De facto, deste grupo, 51,8% (a)cede ingressar no tempo institucional
delimitado como de sucesso, mas fora do par instituição/curso de 1.ª opção. Enquadram-se neste perfil os
candidatos aos cursos da área de estudos de Tecnologias (58,6%). Quanto aos 48,2%, a maioria com o curso
de Medicina no horizonte, tomam sobre si o ato de interromper a linearidade da trajetória escolar com vista à
continuidade das suas escolhas preferenciais. O estudo torna evidente que aproximadamente 70% dos que
procederam a nova candidatura frequentam atualmente o curso e a instituição correspondente à 1.ª opção.
As dinâmicas que envolvem os trajetos escolares dos alunos distinguidos, e em particular as que se
cingem à etapa da candidatura ao ensino superior e o modo como estes alunos de alto desempenho escolar
posicionam-se face a resultados menos expectáveis, evidenciam que definições unilaterais do que é um
estudante excelente ou um percurso escolar de excelência devem ser, do nosso ponto de vista, sempre
questionadas. A excelência define-se pelo estudante que é triplamente distinguido no ensino secundário, que
acede ao ensino superior público no tempo escolar definido de sucesso, de modo linear, na idade padrão,
mas fora da 1.ª opção da candidatura? Deve este percurso ser definido como focado ou de inflexão? Ou a
excelência define-se pelo estudante que é sucessivamente distinguido no ensino secundário, que falha a
colocação no curso e na instituição correspondente à 1.ª opção, após tentativas infrutíferas na 2.ª e 3.ª fase
do concurso nacional, e decide quebrar a linearidade do percurso até ao cumprimento total das suas
expectativas, ainda que tal implique aceder ao ensino superior fora da idade padrão definida como de
sucesso? Deve este percurso ser definido como focado ou de inflexão? Não será este tipo de acesso a marca
de estudantes que reúnem as condições económicas, culturais e sociais para sustentar a busca pela vocação
negada (Vieira, 2010)? Aqueles que podem usufruir de um suplemento de tempo (Araujo & Martuccelli, 2015)?
Não será este um sucesso protelado, de avanços e recuos estratégicos mais ou menos duradouros,
intencionais, como via de trânsito da realização pessoal? Estas e outras questões serão exploradas em
pesquisas posteriores, que incidirão sobre os modos como os alunos se auto-representam enquanto
jovens-estudantes e atores co-construtores do seu percurso académico.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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212
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

FORMATION INITIALE DES ENSEIGNANTS: L'USAGE DES TECHNOLOGIES


NUMÉRIQUES PAR LES ÉTUDIANTS DU COURS DE PÉDAGOGIE
[ID 67]

Martha Kaschny Borges


Isabela Santos da Silva
Diane Schlieck
Universidade do Estado de Santa Catarina
marthakaschny@hotmail.com; isabela.santosdasilva07@gmail.com; diane.pmf@gmail.com

Resumo
O uso das Tecnologias Digitais – TD em praticamente todos os setores da sociedade tem promovido
mudanças nas formas de agir, de pensar e de produzir conhecimento (Borges, 2015; Santaella, 2007).
Entretanto, na educação, alguns autores identificam certo descompasso entre os usos pessoais dos docentes
e o uso pedagógico destas tecnologias nos processos de ensino e de aprendizagem (Serres, 2013; Petarnella,
2009; Pretto, 2008). Neste contexto, esta pesquisa teve como objetivo principal mapear o uso das Tecnologias
Digitais (TD) pelos acadêmicos do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC), no decorrer dos seus estágios de docência, previstos nas sexta e sétima fases do curso.
O estudo dialoga com os autores Mendes (2015), Sibilia (2012), Silva & Claro (2007), Canário (2008), Favere
(2011), Junglos, Araújo & Favere (2015) e Prensky (2001) ao discutir as modificações na educação sob o
ponto de vista da inserção das TD nos processos de ensino e de aprendizagem, as políticas educativas
especialmente as políticas de formação de professores. A pesquisa, de abordagem quanti e qualitativa,
utilizou técnicas padronizadas de coleta de dados com o objetivo de identificar as características de vinte e
quatro acadêmicos do Curso de Pedagogia, em relação ao uso (ou não) das TD durante seus estágios de
docência, por meio de um questionário com vinte e duas questões fechadas e abertas. Os resultados apontam
que, embora a maioria dos sujeitos utilizem as TD no seu dia a dia e também em seu processo de formação
(por exemplo, para apresentações de trabalhos acadêmicos e ainda, para o planejamento das aulas de
estágio), o mesmo não ocorre durante sua prática docente. As ações dos acadêmicos nos estágios
priorizaram a mera exposição de conteúdos e a manipulação das TD apenas pelo acadêmico/docente.
Percebeu-se assim, a continuidade da lógica da transmissão de conteúdos, já que, para os alunos da escola,
restou-lhes um papel passivo e de reprodutor dos conteúdos curriculares. E mais, os acadêmicos/docentes
não problematizam o uso das TD com vistas a criar novas possibilidades de práticas pedagógicas. Assim,
permanecem e se ressignificam algumas questões: existe uma falta de incentivo e de reflexão na formação
inicial para o uso das TD? Como a formação inicial de professores contribuiu ou dificulta a inserção efetiva
das TD nos processos de ensino e de aprendizagem?

Palavras-chave: Tecnologias digitais, Formação de professores, Estágios de docência, Pedagogia.

Résumé
L’usage des technologies numériques - TN dans pratiquement tous les secteurs de la société ont favorisé des
changements dans nous façons d'agir, de penser et de produir les connaissances (Borges, 2015; Santaella,
2007). Cependant, dans l'éducation, certains auteurs identifient un écart entre les usages personnelles des
enseignants et l'usage pédagogique de ces technologies dans l'enseignement et dans les processus
d'apprentissage (Serres, 2013; Petarnella, 2009; Pretto, 2008). Dans ce contexte, cette étude visait
cartographier l'usage des technologies numériques (TN) par les étudiants d’un cours de graduation en
Pédagogie offetr par l'Université de l'Etat de Santa Catarina (UDESC), Brésil, particuliermente dans les stages
obrigatoires, prévus dans la sixième et la septième phases du cours. L'étude s’apui sur les auteurs Mendes
(2015), Sibilia (2012), Silva & Claro (2007) Canary (2008), Favere (2011), Junglos, Araújo & Favere (2015) et
Prensky (2001) pour discuter des changements dans l'éducation du point de vue de l'insertion des TN dans
les politiques de formation des enseignants et les processus d’enseignement et d'apprentissage de ces
étudiants. La recherche du type quantitative et qualitative, a utilisé des techniques standards de collecte de
données afin d'identifier les caractéristiques de vingt-quatre étudiants du Cours de Pédagogie, par rapport aux
usages (ou non) des TN dans leurs stages de formation, à travers l’applicaton d’un questionnaire avec vingt-
deux questions fermées et ouvertes. Les résultats montrent que, bien que la plupart des sujets usent les TN

213
A Escola: Dinâmicas e Atores

dans leur quotidien et aussi dans leur processus de formation (par exemple, par le biais des présentations de
documents académiques et aussi pour planifier les scéances d’stage), le même ne se produit pas au cours de
leur pratique de stage. Les actions des universitaires dans les stades ont priorisé le simple exposition du
contenu et la manipulations de TN ont été réalisées seulement pour l’universitaire / enseignement. On a
remarqué ainsi la continuité de la logique de la transmission de contenu, étant donné que, pour les élèves de
l’école, les a laissés un rôle passif et le réproducteur des contenus disciplinaires. En outre, les universitaires
/ enseignants ne problématisent pas l'usage des TN afin de créer de nouvelles possibilités pour leurs pratiques
pédagogiques. Ainsi, certains questions restent et doivent être resignifiées : il y a un manque de motivation et
de réflexion dans la formation initiale pour l'usage des TN? Comme la formation initiale des enseignants a
contribué ou a difficulté l'intégration effective des TN pour l'enseignement et l'apprentissage?

Mots-clés: Technologies numériques, Formation des enseignants, Stages, Pédagogie.

INTRODUÇÃO
O atual momento histórico se caracteriza por profundas e constantes mudanças no modo como o ser
humano vive e interpreta o mundo e os acontecimentos. As tecnologias digitais - TD exercem um papel de
destaque nos movimentos de transformação das relações entre sujeitos e objetos, aceito que estão presentes
na sociedade de forma ubíqua, móvel e pervasiva e que seu uso compreende processos de “ressignificação
e adaptação dos esquemas mentais” mobilizados pelos sujeitos quando estes utilizam os diferentes
instrumentos que têm a sua disposição (Borges, 2007).
A ampliação do uso de dispositivos tecnológicos, tanto em termos de acesso e aquisição, como em
termos de qualidade, pode promover nos sujeitos o desenvolvimento não apenas de capacidades de uso e
manejo destes artefatos, mas também de aprender, de prover serviços, informações e conhecimentos, de
articular redes de produção que permitirão e potencializarão a emergência de conhecimento novo. Além disto,
a popularização do acesso e do uso cotidiano de TD produz mudanças nos próprios dispositivos, que são
“enriquecidos” e “reelaborados” conforme são utilizados pelos diferentes atores em suas práticas (Borges,
2007, Rabardel, 1995).
Ao considerar que os diferentes setores da sociedade estão permeados por atividades que envolvem
dispositivos tecnológicos e exigem dos sujeitos um conjunto de conhecimentos mínimos para lidar com esses
objetos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), em seu artigo 22, defende o valor do
uso pedagógico de TD na Educação Básica de caráter público e gratuito. Assim, a “formação comum
indispensável para o exercício da cidadania” e os “meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”
abarcam, entre outros saberes, o conhecimento das funcionalidades das TD mais utilizadas na sociedade.
Assim, investigar e refletir sobre a inserção das TD nos espaços escolares é pensar em um assunto pertinente
ao tempo presente.
As TD estão presentes na vida das crianças e dos adolescentes. E também poderiam “estar”
presentes na vida dos estudantes, se disponibilizadas pela escola, pelos professores e até mesmo pelos
próprios estudantes. Hoje, os estudantes correspondem às primeiras gerações que cresceram cercadas por
essas tecnologias, usam computadores, videogames, tocadores de música digitais, câmeras de vídeo,
telefones celulares e todos os outros brinquedos e ferramentas da era digital. Os jogos de computadores, e-
mail, a internet, os telefones celulares e as mensagens instantâneas são partes integrais de suas vidas
(Prensky, 2001, p.1).
Segundo Sibilia (2012), trata-se de uma atitude corajosa abrir as portas da escola para esses novos
dispositivos digitais pois, ao mesmo tempo em que a instituição está aberta a novos conhecimentos e
experiências, também iniciam novos problemas como a possibilidade de não dar certo. A inserção das TD em

214
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

termos pedagógicos e de infraestrutura, podem não garantir o aprendizado, os furtos de equipamentos podem
ocorrer, os custos altos com a manutenção dos aparelhos são possíveis, entre outras dificuldades. Assim,
equipar as escolas com TD parece ser o primeiro passo. Sabe-se que adaptações são necessárias, porém,
seria ingênuo acreditar que se solucionarão por si só os complicados problemas discutidos. A partir dessas
inserções da tecnologia na escola, ela terá que enfrentar os novos desafios (Sibilia, 2012).
Esta é uma discussão bastante complexa, mas fundamental, especialmente quando se questiona até
que ponto a tecnologia se integrará a um projeto pedagógico realmente inovador, capaz de concentrar de
novo a atenção do conjunto de estudantes na aprendizagem. Trata-se de algo extremamente difícil para o
qual os professores deveriam ser “capacitados” tanto ou mais do que para lidar com os computadores e seus
programas didáticos (Sibilia, 2012, p.184). Para inserir as TD, os professores necessitam alterar seu modo
de ministrar as aulas, de planejá-las, o que exige uma mudança de postura a fim de possibilitar novas formas
de auxiliar a produção de conhecimento do estudante. Ou seja, só inserir as TD não garante o aprendizado.
Outras mudanças são necessárias diante da sua utilização. Dentre elas, mudanças na formação inicial e
continuada dos professores. Na formação de professores é importante que os processos formativos permitam
que teoria e prática não se separem, que exista uma maior aproximação acadêmica à prática escolar.
Trazer novos aparelhos digitais e recursos tecnológicos para substituir os velhos não é a solução. A
tecnologia muda a todo momento, se o professor se deparar com novos recursos digitais a cada momento
terá que aprender a usá-los constantemente. Mas, diferente de substituir, o que fazer com os recursos e de
que maneira envolver as crianças com algo que parece estar mais próximo delas do que da escola ou mesmo
dos professores?
Para Silva & Claro (2007), mesmo com a incorporação das TD, a aula pode continuar,
predominantemente, transmissão de conteúdo nas redes de ensino. O ensinar e aprender permanecem
vinculados à pedagogia da transmissão ou na lógica da mídia de massa. Conforme Prensky (2001), nossos
alunos mudaram radicalmente. Os alunos de hoje não são os mesmos para os quais o nosso sistema
educacional foi criado e, por isso, a escola precisa se atualizar para acompanhar esses alunos. Faz-se
necessário considerar que as TD possibilitam configurar espaços de aprendizagem, nos quais o conhecimento
é construído conjuntamente, porque permitem interatividade (Silva & Claro, 2007).
Assim, a pesquisa que aqui se apresenta, investigou os usos das TD pelos professores em formação
inicial em seus estágios de docência, no Curso de Licenciatura em Pedagogia oferecido pela Universidade
do Estado de Santa Catarina –UDESC.

DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS À FORMAÇÃO DE PROFESSORES


A UDESC é uma Instituição de Ensino Superior – IES, pública, na qual os acadêmicos são habilitados
para ministrar aulas na Educação Infantil, no Ensino Fundamental, além de obterem a formação necessária
para atuar na gestão da escola, na Educação de Jovens e Adultos – EJA, na Educação Especial e em outros
espaços educacionais dentro e fora da escola.
Os cursos de formação docente para a Educação Básica no Brasil sofre significativas transformações
políticas e as instituições de ensino superior têm papel de destaque neste processo. Os estabelecimentos de
ensino que formam os professores vêm sendo pressionados para a realização de uma revisão e
reorganização de seus tempos, espaços, conteúdos, metodologias, dentre outros aspectos. Percebe-se uma
intensa movimentação de políticas em ação, as quais tentam resolver problemas históricos da formação de

215
A Escola: Dinâmicas e Atores

professores no Brasil. As políticas são recriadas a partir das experiências, dos saberes e dos conhecimentos
dos sujeitos envolvidos no processo de fazer e pensar politicamente a sociedade, suas relações, seus
acúmulos, seus fenômenos. Ao tratarmos de formação profissional hoje lidamos com conceitos diferentes
daqueles que perpassam nossas organizações curriculares clássicas.
No documento em que constam as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores na Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena” (2002)
encontram-se alguns artigos relacionados às TD na formação de professores. O Artigo 2º estabelece que:
[...] a organização curricular de cada instituição observará formas de orientação inerentes à
formação para a atividade docente, entre as quais o preparo para: I - o ensino visando à
aprendizagem do aluno; II- o acolhimento e o trato da diversidade; III - o exercício de
atividades de enriquecimento cultural; IV - o aprimoramento em práticas investigativas; V - a
elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento dos conteúdos curriculares; VI - o
uso de tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e
materiais de apoio inovadores; VII - o desenvolvimento de hábitos de colaboração e de
trabalho em equipe. (Brasil, 2002, grifo nosso).
Destaca-se, ainda, no Artigo 7º (VI) que as escolas de formação garantirão, com qualidade e
quantidade, recursos pedagógicos como biblioteca, laboratórios, videoteca, entre outros, além de recursos de
tecnologias da informação e da comunicação. Nesse sentido, conforme Silva & Claro (2007), o papel do
professor é o de criar as possibilidades, a ambiência, o contexto de interação e principalmente de
interatividade.
Com o propósito de conhecer e entender de que maneira se dá a formação docente no Curso de
Pedagogia da UDESC, quais são os modos de uso das TD e os motivos que levam alguns futuros docentes
a usar ou não estas tecnologias no campo de estágio foi aplicado um questionário com os professores em
formação inicial, buscando identificar seu perfil tecnológico, compreender como ocorreu sua formação na
graduação em relação ao uso das TD, se essas ferramentas foram usadas em seu estágio de docência e de
que maneira. Afinal, os graduandos em pedagogia serão os próximos e futuros professores que estarão nas
escolas.
Neste sentido, o objetivo geral da pesquisa foi analisar de que modo os professores em formação
inicial do curso de licenciatura em Pedagogia da UDESC utilizaram as tecnologias digitais em seus Estágios
de docência. Para tal, se procurou mapear os usos das TD nos estágios de docência por meio da aplicação
de questionário junto aos estudantes do curso de Pedagogia; identificar as possibilidades, os desafios e os
obstáculos do uso das TD nos estágios e dialogar com os dados encontrados e com os autores estudados
para problematizar os usos das TD na formação inicial docente.

OS ESTÁGIOS CURRICULARES NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES


A prática do Estágio Curricular Supervisionado em Pedagogia, foco da coleta de dados e da análise
desta pesquisa, faz parte do currículo dos cursos de licenciatura da UDESC. O curso se organiza em oito
fases e os estudantes têm a disciplina de estágio desde a terceira. O objetivo do Curso de Pedagogia da
UDESC, conforme o seu Projeto Político Pedagógico, é formar docentes para trabalhar prioritariamente na
Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental com uma fundamentação teórica e metodológica
consolidada, que tenha suporte na relação teoria e prática para um exercício crítico e responsável com a
Educação Básica.
O currículo da Pedagogia é organizado por eixos: “Educação, Cultura e Sociedade” e “Teoria e Prática
Pedagógica”, ambos ressignificados de acordo com as necessidades que temos hoje na educação. Um

216
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

terceiro eixo foi contemplado no atual currículo: “Diversificação e Aprofundamento de Estudos”. Este eixo
completa o currículo com o propósito de responder à demanda que é exigida, na atualidade, de uma faculdade
de Educação.
A matriz curricular é constituída por disciplinas de caráter obrigatório, disciplinas optativas e atividades
complementares distribuídas nos três eixos de formação propostos: “Educação, Cultura e Sociedade”,
“Diversificação e Aprofundamento de Estudos” e “Teoria e Prática Pedagógica”.
O eixo “Educação, Cultura e Sociedade” é formado por disciplinas obrigatórias, estas têm como intuito
contribuir com a prática docente a partir das diferentes bases epistemológicas que compõem o campo de
estudos do curso. Busca-se neste eixo auxiliar o futuro professor no entendimento do mundo atual com base
em um trabalho que compreenda compromissos éticos, políticos e sociais. Assim, defende-se a presença
neste eixo de disciplinas ligadas à pesquisa como, por exemplo, “Pesquisas em Educação”. O eixo
“Diversificação e Aprofundamento de Estudos” é composto pelas disciplinas optativas do currículo, as quais
estão relacionadas com as áreas de pesquisa e de excelência acadêmica do Curso de Pedagogia.
Essas disciplinas foram criadas pelos grupos de pesquisa, pelos núcleos e laboratórios existentes no
Curso e também pela articulação com o Programa de Pós-Graduação em Educação a partir de suas linhas
de investigação. O eixo também é formado pelas “Atividades Complementares” previstas nas Diretrizes
Curriculares Nacionais e na Resolução nº 15/2007-CONSEPE, específica da UDESC.
No eixo “Teoria e Prática Pedagógica” são inseridas disciplinas de caráter obrigatório, além do Estágio
Curricular Supervisionado, voltadas aos saberes teórico-práticos relacionados à profissão. Uma dessas
disciplinas é “Mídia e Educação” que, segundo a ementa do curso, estuda as relações entre ciência, técnica
e cultura; pedagogias dos meios de comunicação e informação; estudo das linguagens dos diferentes
produtos da mídia e dos artefatos digitais no âmbito das práticas escolares. Este eixo possui um papel
integrador no currículo, além de também atender os conhecimentos dos Estudos Básicos. Entende-se que
seu caráter integrador se manifesta essencialmente através das disciplinas denominadas de “Práticas
Educativas”. Um dos objetivos do Curso de Pedagogia, relacionado às TD na formação de professores, é
viabilizar ao futuro docente aportes teóricos para relacionar as linguagens dos meios de comunicação à
educação nos processos didático-pedagógicos, mostrando domínio das tecnologias de informação e
comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas.
O Curso tem um total de 3852 horas aula, sendo que 360 h/a são destinadas à disciplina de Estágio.
A disciplina “Estágio Curricular Supervisionado” começa a ser cursada a partir da terceira fase e se estende
até a sétima fase. No primeiro semestre os acadêmicos têm contato com a disciplina para conhecer os
ambientes da Educação infantil, Ensino Fundamental e EJA (Educação de Jovens e Adultos). Com essa
observação, os estagiários podem explorar a escola como um todo, sua estrutura interna, sua gestão, na
relação os funcionários que explicam como funciona no dia a dia e até mesmo ter um primeiro contato com
os alunos. Na quarta e quinta fases os acadêmicos cursam as disciplinas de Estágio Supervisionado 23 II e
III, permitindo-lhes a observação dentro de sala na Educação Infantil e do Ensino Fundamental,
respectivamente. Nessa ocasião, os estagiários ficam em uma unidade escolar por um período de cinco dias,
participam da rotina da turma, podem ter momentos de conversa com os professores, troca de experiências
e um maior tempo diretamente com as crianças. Enfim, na sexta e sétima fases, acontecem os estágios de
docência (conforme programas das disciplinas Estágio Supervisionado IV e V), momento em que os alunos
vão para a sala de aula da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, fazem planos de aula com a orientação

217
A Escola: Dinâmicas e Atores

dos professores da disciplina e lecionam durante cinco dias na turma escolhida para estagiar. Nessa
oportunidade, os estagiários têm contato com os professores das turmas e a oportunidade de conhecer seus
planos de aula bem como partilhar opiniões e vivências
O estágio é realizado, preferencialmente, em escolas da rede pública da educação básica. É dada
exclusividade ao estágio de docência na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a EJA
é contemplada apenas com observações. De acordo com o Projeto Político Pedagógico do Curso de
Licenciatura em Pedagogia, o estágio curricular é considerado um movimento interdisciplinar e avaliativo,
estruturador da indissociabilidade teoria/prática e ensino/pesquisa/extensão, que pretende oferecer ao
acadêmico-estagiário oportunidades para elaboração de caminhos que oportunizem a sua formação
profissional.
Com a intenção de atingir os objetivos deste trabalho, a pesquisa apresenta uma abordagem quanti
e qualitativa. A primeira etapa foi feita com uma abordagem quantitativa, de nível descritivo. São inúmeros os
estudos que podem ser classificados sob o título de “pesquisa descritiva” e uma de suas características mais
significativas está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados (GIL, 1989, p.45).
Segundo Gil (1989) dentre as pesquisas descritivas, destacam-se aquelas que têm como objetivo
estudar as características de um grupo, incluindo-se, assim, as pesquisas que levantam opiniões, atitudes e
crenças de uma população ou um grupo.
Desse modo, foi aplicado um questionário com questões fechadas e abertas para os professores em
formação inicial, alunos das sétima e oitava fases que já concluíram a disciplina de estágio no Curso de
Pedagogia da UDESC. Procurou-se entender os modos de uso ou não usos das TD.
A abordagem qualitativa aceita o comportamento humano como sendo resultado de forças, fatores,
estruturas internas e externas que atuam sobre as pessoas, estes elementos geram determinados resultados.
As forças podem ser constatadas não somente pelo método experimental, mas também por levantamentos
amostrais (Oliveira, 2008, p.1).

O USO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE: PRINCIPAIS


RESULTADOS
Esta pesquisa mapeou os diferentes usos das TD pelos professores em formação inicial nos seus
estágios de docência por meio de um questionário aplicado com os acadêmicos das 7ª e 8ª fases do Curso
de Pedagogia da UDESC. O questionário permitiu a identificação do perfil desses futuros docentes
relacionado às TD e transitar no campo de formação do estágio.
A sétima fase da licenciatura finalizou seu estágio de docência no mês de maio de 2016. No dia da
aplicação do questionário, dos doze acadêmicos que cursam a disciplina de Estágio Curricular, haviam nove
na sala. Por isso, o questionário contou com a participação destes nove acadêmicos.
Na turma da oitava fase do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UDESC foi aplicado o
questionário com quinze acadêmicos, todos já concluíram seus estágios de docência e estão no último
semestre do curso. No dia em que o questionário foi aplicado, três acadêmicos estavam ausentes.
Para a análise do questionário aplicado com as turmas foram considerados os dois grupos, totalizando
24 participantes. Ele foi organizado em três categorias: “Perfil do estudante”, “Formação” e “Estágio
obrigatório”.

218
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A primeira categoria, “Perfil do estudante”, buscou conhecer as habilidades que os futuros professores
têm em relação às TD, assim como os recursos e aplicativos que costumam usar com mais frequência. Essa
categoria teve somente perguntas fechadas, mas com a opção de “Outros. Indique:”, caso o participante não
encontrasse a alternativa que correspondesse à sua resposta poderia escrevê-la. Algumas respostas
continham escalas entre “muito bom” e “nenhum”; outras tinham o nome de aplicativos, tipos de
equipamentos, finalidade de uso que 27 foram desde uso pessoal, trabalho de aula de graduação, trabalhos
do estágio supervisionado, trabalho até lazer e/ou outros.
A segunda categoria de perguntas foi classificada como “Formação” e as questões transitaram entre
os usos das TD durante a graduação pelos professores, pelos acadêmicos e o incentivo que tiveram, ou não,
para usá-las. As respostas foram fechadas transitando entre “sim, não e parcialmente”, “ótima” até “não fez
uso” quando perguntados sobre a ocorrência de alguma ação dos professores da graduação. Era possível
responder também sobre alternativas de recursos tecnológicos, finalidade de uso e modos de uso. Da mesma
forma que a categoria anterior, caso o estagiário tivesse outra resposta que não fosse contemplada, havia um
campo em que poderiam escrevê-la. A terceira e última categoria do questionário é qualificada como “Estágio
obrigatório” e as perguntas são relacionadas à disciplina de estágio de docência que foi cursada nos
semestres finais do Curso por essas turmas. Nesse grupo, os acadêmicos encontraram perguntas com
respostas entre “sim, não e parcialmente”, responderam sobre os recursos que utilizaram no estágio e de que
maneira. Encontraram também questões abertas, em que puderam explicar suas opiniões a partir da prática
que realizaram na disciplina de Estágio Curricular.
Os dados apontaram que os professores e os acadêmicos das 7ª e 8ª fases do Curso de Licenciatura
em Pedagogia da UDESC utilizam as TD sobretudo para planejar suas aulas e expor conteúdos à turma. O
uso ficou restrito aos acadêmicos e os estudantes das escolas pouco utilizaram as TD, assim como na
universidade, em que o uso se restringe aos professores.
Na categoria “Formação”, mesmo o currículo trazendo a disciplina de “Mídia e Educação” cuja ementa
traz como um dos objetivos da disciplina “refletir sobre os elementos da prática pedagógica e a inserção de
tecnologias na escola”, poucos acadêmicos responderam que tiveram alguma orientação para utilizar as
tecnologias digitais durante o curso. Percebeu-se que os acadêmicos só percebem as TD como algo isolado,
o qual só combina com alguns conteúdos e não percebem a transversalidade do uso desses recursos. De
acordo com Pimenta e Lima (2005/2006), os currículos de formação docente organizam-se num conjunto de
disciplinas, isoladas entre si, sem explicitação de seus nexos com a realidade que lhes deu origem. Dessa
forma, compreende-se que os acadêmicos têm dificuldade de relacionar essas disciplinas com as outras e
trazer para o momento da aula o que foi aprendido em sala de aula.
Durante o estágio de docência também foi percebido a pouca orientação para o uso das TD, visto que
os acadêmicos que as usaram fizeram por conhecimento próprio. É preciso que os professores orientadores
de estágios procedam, no coletivo, junto a seus pares e alunos, essa apropriação da realidade, para analisá-
la e questioná-la criticamente, à luz de teorias. Essa caminhada conceitual certamente será uma trilha para a
proposição de novas experiências. (Pimenta & Lima, 2006, p.14)
Como um avanço, a maioria das escolas disponibilizaram recursos tecnológicos para os estagiários
e grande parte fez uso. Porém, esse modo de uso dos acadêmicos se pareceu muito com o dos seus
professores de graduação, ambos utilizaram bastante o computador, os professores como disciplina e os
acadêmicos como planejamento (entende-se que a finalidade é a disciplina da aula) e relatório, os dois grupos

219
A Escola: Dinâmicas e Atores

pouco utilizaram como metodologia. Aqueles que utilizaram como metodologia, pouco mais da metade, dizem
ter compartilhado o uso com as crianças porém, à medida que as respostas vão sendo analisadas percebe-
se que, na verdade, algumas crianças foram até a sala de informática e utilizaram o computador, mas outras
continuaram na sala de aula e participaram de uma aula com slides, vídeos, sons, mas todos manipulados
pelos acadêmicos.
Assim, o que é praticado na universidade é reproduzido na escola: continua-se utilizando as TD como
substituição de outras tecnologias, com pouca autonomia e criação das crianças, exatamente no que poderia
contribuir o uso das TD. Por outro lado, a universidade também reflete a escola, porque ela é estudada na
graduação e não consegue se separar dos modos da lógica da transmissão de conteúdo. “Abrir” a escola
para as TD faz com que este espaço assuma outras configurações, outros projetos, um currículo e uma
articulação com o que acontece também fora da sala de aula por não ter TD dentro de sala.
Percebe-se um discurso “pronto”, em nível de senso comum e constroem-se desculpas com inúmeros
motivos para a não utilização dessas tecnologias, porém, faltam problematizações por parte dos professores
acerca dos usos e não usos das TD. Porque eu não uso? Porque uso dessa maneira? De que maneira envolvo
meus estudantes na utilização das TD e faço com que sejam autores e criadores de conhecimentos?
É importante que os futuros professores e até os professores da graduação, em suas práticas,
compreendam que não fazem uso porque outras questões incentivam o não uso, apesar de existirem redes
que motivem, investem e formam professores, existe um sistema educacional que nem sempre está
preocupado em projetar esse uso. Conforme Silva & Claro (2007), nesse cenário é importante ressaltar que
os papéis tradicionais de professores e alunos passam por significativas mudanças, uma vez que o professor,
ao invés de simplesmente transmitir os saberes, precisa aprender a disponibilizar múltiplas experimentações.
Ou seja, necessita educar com base no diálogo, na construção colaborativa do conhecimento, na provocação
para a autoria criativa do aprendiz.
Não será fácil para o professor superar o agir transmissivo em nome do agir interativo. O docente
sente-se inseguro ao ter que abandonar a posição de coautor junto ao estudante, atuando não mais como
autor e condutor exclusivo dos conhecimentos. Para Canário (2008), é importante mudar o modo de favorecer
o aprender e a relação com o saber. Os estudantes devem estar envolvidos no processo de construção dos
saberes, sendo orientados pelos professores. A experimentação ativa está no centro dos processos de
aprendizagem. As TD possibilitam configurar o espaço de aprendizagem, no qual o conhecimento é
construído conjuntamente, porque permitem interatividade. Não há como pensar em educação sem troca.
O educador, neste tempo de cibercultura, é aquele profissional responsável por traçar e sugerir
caminhos na construção do saber (Levy, 1995). Segundo Silva & Claro (2007):
O professor que quiser lançar mão da interatividade assim definida atuará não mais como
guardião e transmissor de conhecimentos, mas como propiciador de múltiplas oportunidades
de experimentações, de múltiplas expressões; como disponibilizar uma montagem de
conexões em rede que permite múltiplas ocorrências; como provocador de situações de
inquietação criadora; como arquiteto colaborativo de percursos em redes de conexões; como
mobilizador da experiência do conhecimento (p.85).
Assim, estaremos pensando em um processo social no qual se constroem as TD e o currículo em
conjunto, pois, conforme Macedo (2006), parece requisito básico para que a entrada da tecnologia no currículo
escolar transcenda uma mera instrumentalização do aluno para com ela lidar, ou seja, com a finalidade de
utilizar as TD como meios de buscar e construir conhecimento. De acordo com Silva & Claro (2007), participar
é, portanto, muito mais que responder “sim” ou “não”, é muito mais que escolher uma opção dada. Participar

220
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

é interferir no processo de criação do conhecimento, é, segundo Canário (2008), pensar a escola a partir de
uma comunidade de artesãos, ou seja, onde os saberes são reconstruídos e as práticas educativas ganham
sentido, valorizando a experiência do aluno e tendo-o como produtor de saber. Ao propor uma aula com o
uso das TD é importante pensar num trabalho conjunto com os estudantes, no qual eles possam lançar mão
de suas experiências, estas também são construídas fora da escola, e colaborar para o crescimento de toda
a turma. Experimentar e possibilitar outros modos de aprender em que talvez não seriam possíveis sem as
TD.

CONSIDERAÇÕES
A partir deste estudo, ao analisarmos os usos das TD pelos professores em formação no seu estágio
de docência, percebemos que tais usos se limitaram ao planejamento das aulas, à exposição de conteúdos
e à manipulação das tecnologias pelo preferencialmente docente, ou seja, a continuidade da lógica da
transmissão se revela.
De uma forma geral, os acadêmicos de Pedagogia utilizam as tecnologias digitais no seu dia a dia e
durante a graduação para estudos, apresentação de trabalho e planejamentos das aulas de estágio, mas não
problematizam esse uso a fim de criar novas possibilidades de práticas pedagógicas. Apesar de responderem
que não tiveram orientação durante a graduação, os acadêmicos propuseram as aulas de estágio com a
utilização das TD. Entretanto, na maior parte das aulas, as TD não foram usadas para o uso e a criação por
parte dos estudantes das escolas. Quando as crianças as utilizaram, alguns acadêmicos responderam que
foi na sala de informática para pesquisa, o que pode ser positivo se tiver uma finalidade, se as crianças
construírem essas pesquisas com a condução do professor e souberem porquê e para que estão
pesquisando, que conhecimento pode ser construído a partir dessa experiência. Ao contrário, a pesquisa sem
orientação leva a qualquer lugar.
Diante destes resultados, em que se percebe o pouco uso das TD em práticas de ensino e de
aprendizagem, novas questões surgem e podem impulsionar a novas pesquisas: como possibilitar
experimentações pelos estudantes com as TD, em situações de criação, de aprendizagem, de autoria destes
sujeitos?
Também percebemos que, apesar dos discursos apontarem e indicarem que os professores de
graduação devem orientar seus estudantes para uso pedagógico das TD nos processos de aprendizagem, o
uso efetivo parece não acontecer conforme mostram os dados da pesquisa.
Este estudo também contribui para reforçar a necessidade de se discutir a formação inicial docente
referente ao uso de tecnologias, uma vez que os discursos dos formados apontam para o uso, mas a prática
se projeta em direção contrária. É necessário que os professores da graduação reflitam sobre essa questão
para que melhorias sejam propostas no currículo praticado a fim de se refletirem em práticas pedagógicas
mais conscientes, consistentes e criativas do uso das TD.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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222
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A SAÚDE OCUPACIONAL DOS PROFESSORES PORTUGUESES: ADAPTAÇÃO E


VALIDAÇÃO DO QUESTIONÁRIO DE SAÚDE DOCENTE (QSD)
[ID 198]

Liberata Borralho
Adelinda Candeias
Saul Neves de Jesus
Universidade de Évora; Universidade de Évora; Universidade do Algarve
liber.serragrande@gmail.com; aac@uevora.pt; snjesus@ualg.pt

Resumo
A saúde ocupacional dos professores tem vindo a ser, cada vez mais, objeto de interesse no campo da
educação. Os inúmeros estudos realizados nesta área apresentam-nos uma variedade de indicadores e
instrumentos na sua abordagem. Neste sentido seria importante dispormos de um instrumento único e
específico que permita fazer a avaliação da saúde docente, que inclua simultaneamente fatores indicadores
da presença e da perda de saúde no exercício da docência, tendo como referência as principais
manifestações de deterioração da saúde e de bem-estar nos professores. Este estudo teve como objetivos
adaptar e validar o “Cuestionário de Salud Docente” (CSD) de Victoria Fernández-Puig, Jordi Mayayo, Andrés
Lusar e Carles Tejedor (2015) para os professores portugueses.
Após a adaptação do instrumento à língua portuguesa, e de forma a observar as qualidades psicométricas
desta versão, procedeu-se às análises fatoriais exploratória e confirmatória. A amostra foi constituída por
5009 professores dos ensinos básico e secundário, das escolas públicas e privadas de Portugal. Os
resultados obtidos nas análises fatoriais permitem suportar uma estrutura penta fatorial do “Questionário de
Saúde Docente” (QSD), com índices de ajustamento que sustentam a boa qualidade do modelo de referência
(M2), e ainda com valores que reforçam a sua fiabilidade e validade. O QSD é constituído por 21 itens
distribuídos por cinco fatores: bem-estar, esgotamento, distúrbios cognitivos, distúrbios músculo-esqueléticos
e alterações da voz. Conclui-se que o QSD é um instrumento que tem propriedades psicométricas adequadas
para a avaliação da saúde dos professores portugueses, sugerindo-se a sua utilização em estudos futuros.

Palavras-chave: Saúde docente, Saúde ocupacional, Riscos laborais, Bem-estar.

Résumé
La santé du travail des enseignants est de plus en plus l'objet d'intérêt dans le domaine de l'éducation. Les
nombreuses études dans ce domaine sont présentés dans une variété d'indicateurs et d'outils dans leur
approche. Dans ce sens, il serait important d'avoir un instrument spécifique unique, de faire l'évaluation de la
santé d'enseignement, y compris les facteurs indicateurs en même temps de la perte de présence et de la
santé dans la profession enseignante, en référence à la grande détérioration de la santé des événements et
bien-être des enseignants. Cette étude visait à adapter et valider le "Cuestionario de Salud Docente" (CSD)
de Victoria Fernández-Puig, Jordi Mayayo, Andrés Lusar et Carles Tejedor (2015) pour les enseignants
portugais.
Après l'adaptation de l'instrument à la langue portugaise, et afin d'observer les propriétés psychométriques de
cette version, nous avons procédé à l'exploration et analyses factorielles de confirmation. L'échantillon se
composait de 5009 enseignants des écoles primaires et secondaires, les écoles publiques et privées au
Portugal. Les résultats obtenus dans l'analyse des facteurs permettent de soutenir une structure penta
factorielle du «Questionário de Saúde Docente» (QSD), avec des indices d'ajustement qui prennent en charge
la qualité du modèle de référence (M2), et avec des valeurs qui renforcent leur fiabilité et validité. Le QSD se
compose de 21 articles distribués par cinq facteurs: la santé, la fatigue, les troubles cognitifs, les troubles
musculo-squelettiques et les changements dans la voix. Il est conclu que le QSD est un instrument qui a des
propriétés psychométriques adéquates pour évaluer la santé des enseignants portugais, ce qui suggère son
utilisation dans les études futures.

Mots-Clés: Santé des enseignants, Santé du travail, Risques professionnels, Bien-être.

223
A Escola: Dinâmicas e Atores

INTRODUÇÃO
A saúde ocupacional dos professores tem vindo a ser, cada vez mais, objeto de interesse no campo
da educação. Tal interesse justifica-se quando existem evidências de que a deterioração da saúde do docente
têm tido consequências negativas não só ao nível pessoal como organizacional, prejudicando a qualidade do
desempenho profissional dos professores e, consequentemente, a missão da escola como organização no
sentido de possibilitar a maximização dos resultados escolares/sucesso dos alunos. Está associada a
fenómenos como a desmotivação, a insatisfação profissional e o absentismo, assim como ao recente
incremento no número de professores a pedir a antecipação da reforma ou a abandonar a profissão (Ramos,
2012).
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (1981) a saúde no trabalho deve incluir todos
os aspetos da vida no trabalho, garantindo que os indivíduos se sentem seguros, saudáveis, satisfeitos e
motivados na sua atividade profissional. Neste sentido, na avaliação da saúde ocupacional entende-se que
um trabalhador está saudável não só quando não está doente, mas também quando apresenta um estado de
funcionamento ótimo, está motivado para o seu trabalho, satisfeito, comprometido com a organização e
adaptado ao contexto onde exerce a sua atividade profissional (Férnandez-Puig et al, 2015). A própria
definição de saúde como um estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença
(Who, 1948), enquadra-se nesta perspetiva. Dispor de saúde implica sentir-se competente e ativo no seu
contexto laboral e disfrutar de bem-estar, energia e relações de apreço (Chambel, 2016). Assim, a avaliação
da saúde ocupacional deve incluir, também, aspetos específicos relacionados com as manifestações de bem-
estar profissional e com o funcionamento ótimo dos trabalhadores, como a autoeficácia, motivação intrínseca,
vinculação positiva com o trabalho (engagement, flow), otimismo, determinação, sentido do coletivo e
emoções positivas de felicidade, alegria, otimismo e orgulho, entre outros (Salanova, et al, 2006). Na atividade
docente, diz-se que um professor apresenta um nível elevado de bem-estar se manifesta uma elevada
satisfação profissional, elevadas espectativas de eficácia, um enorme desejo de continuar a exercer a
profissão e se apresenta baixos índices de stresse e exaustão profissional (Jesus, 2007; Jesus et al, 2011).
Sobre os aspetos relacionados com a perda de saúde na profissão docente, são vários os estudos
que descrevem os principais problemas de saúde entre os professores, com destaque para os distúrbios
psicossociais, sendo os mais comuns o stresse e o esgotamento físico e emocional (burnout), os distúrbios
cognitivos, as alterações relacionadas com a voz e as lesões músculo-esqueléticas (Férnandez-Puig et al,
2015; Scheuch et al, 2015; FNE, 2015; APEOESP, 2010).
Verificamos que os inúmeros estudos realizados na área da saúde docente apresentam-nos uma
variedade de indicadores, variáveis e instrumentos na sua abordagem. Assim sendo, seria vantajoso
dispormos de um instrumento único e específico que permita fazer a avaliação da saúde docente, incluindo
simultaneamente fatores indicadores da perda e presença de saúde no exercício da docência, tendo como
referência as principais manifestações de deterioração da saúde e de bem-estar nos professores. Uma
contribuição recente nesta perspetiva foi a construção do “Cuestionário de Salud Docente” (CSD) de Vitória
Fernández-Puig, Jordi Longás Mayayo, Andrés Chamarro Lusar e Carles Virgili Tejedor (2015). É um
instrumento que inclui os principais indicadores de saúde, num formato breve, sendo muito útil do ponto de
vista da avaliação da saúde docente e da investigação. Permite obter informação do estado de saúde
individual e coletivo, através da perceção que o sujeito tem sobre o seu próprio estado de saúde a partir de
sintomas, pensamentos, sentimentos e comportamentos que podem definir um problema de saúde. A sua

224
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

construção teve como referência os modelos teóricos que têm em consideração dimensões positivas e
negativas da saúde laboral: o modelo Job Demands-Resources (JD-R) e o modelo RED (Salanova, et al,
2011; Llorens et al, 2007; Salanova et al, 2006) e o modelo de Rudow (1999). Estes modelos permitem incluir
aspetos explicativos da profissão e mostram não só as dimensões negativas mas também as positivas,
fundamentais na construção de uma profissionalidade docente saudável (Fernández-Puig, 2015). Ambos
entendem a saúde docente como um processo em espiral positiva, geradora de motivação, competência e
satisfação, e um processo em espiral negativa ou de deterioração da saúde, caraterizada por uma vivência
reiterada de fracasso, que produz esgotamento e conduz a uma falta de motivação e de satisfação, e a longo
prazo, à perda de saúde. Por sua vez, o modelo de Rudow (1995), que articula os processos de interação
entre o profissional e o contexto laboral na realização da atividade, baseia-se na psicologia do trabalho de
Hacker (1998). Estes modelos, desenvolvidos no âmbito da Psicologia Organizacional da Saúde, integram a
avaliação dos aspetos de deterioração da saúde, tais como transtornos ou distúrbios e alterações ou
patologias, com a avaliação de aspetos de bem-estar na realização da atividade laboral, como sejam o
engagement, satisfação, autoeficácia, motivação, e por isso, foram considerados como modelos de referência
na construção deste questionário de saúde docente.
O presente estudo tem como objetivo adaptar e validar o “Cuestionário de Salud Docente” (CSD) de
Victoria Férnandez-Puig, Jordi Mayayo, Andrés Lusar e Carles Tejedor (2015) para os professores
portugueses, para podermos dispor de um instrumento de medida que sirva para orientar tanto a avaliação e
prevenção dos riscos laborais.

METODOLOGIA
Ao longo desta secção apresenta-se uma descrição sucinta da amostra recolhida, do instrumento
aplicado e dos procedimentos adotados.

Caracterização da amostra
A amostra deste estudo é composta por 5009 professores (3889 mulheres, 77.6%) e 1120 homens,
22.4%) dos ensinos básico e secundário a lecionar, no ano letivo 2016/17, nas escolas de Portugal Continental
e nas Regiões Autónomas. A amostra integra 91.9% professores do ensino público (n=4603) e 8.1% do ensino
privado (n=406). A média de idade é de 48.4 anos (sd=7.8), sendo que a idade mínima é 21 anos e a máxima
de 70 anos. Por nível de ensino, participaram 305 professores do ensino pré-escolar (6.1%), 754 (15.1%) do
1º ciclo, 823 (16.4%) do 2º ciclo, 2824 (56.4%) do 3º ciclo e secundário, 247 (4.9%) do ensino especial e 56
(1.1%) do ensino profissional e artístico (técnicos especializados). Os dados referentes à caracterização
sociodemográfica e profissional da amostra apresentam-se discriminados na tabela 1.

Instrumento
A importância de se fazer uma avaliação da saúde docente através de um instrumento específico,
que inclua simultaneamente fatores indicadores da presença e da perda de saúde no exercício da docência,
tendo como referência os principais riscos profissionais dos professores, justificam a escolha do “Cuestionário
de Salud Docente” (CSD) de Fernández-Puig, Jordi Longás Mayayo, Andrés Chamarro Lusar e Carles Virgili
Tejedor (2015), no âmbito deste estudo.

225
A Escola: Dinâmicas e Atores

O CSD é um instrumento de origem espanhola, construído e validado com base numa amostra de
6208 professores de 197 centros educativos concertados da Catalunha (Espanha), e tem como objetivo
conhecer a perceção dos docentes sobre o seu estado de saúde. Reúne 23 itens centrados na perceção do
sujeito sobre a vivência positiva da docência e sobre a presença de sintomas físicos e psicológicos
relacionados com os riscos laborais da profissão docente: esgotamento, sintomas músculo-esqueléticos,
sintomas relacionados com a voz, sintomas cognitivos, sintomas emocionais e burnout. O formato de resposta
dos itens utiliza uma escala de Likert de 5 pontos: 1 (totalmente en desacuerdo), 2 (desacuerdo), 3 (ni de
acuerdo ni desacuerdo), 4 (de acuerdo) e 5 (totalmente de acuerdo).
Foi igualmente criado um questionário sociodemográfico e profissional que contém dados pessoais e
informações relativas à situação familiar e profissional dos professores inquiridos.

Procedimento
Este estudo transversal seguiu uma metodologia de cariz quantitativo (Montero & León, 2007), com
recurso a um questionário descritivo (CSD). A população deste estudo são os professores do ensino básico
e secundário, das escolas públicas e privadas de Portugal (n=155.138), tendo-se recorrido a uma amostra de
conveniência, inerente ao método de recolha de dados utilizado.
Após aprovação pela Direção Geral da Educação (registo 0575300002) e da aprovação pela
Comissão de Ética da Universidade de Évora, o CSD foi aplicado entre 30 de dezembro de 2016 e 20 de
janeiro de 2017, através de uma plataforma Limesurvey. Foi enviado um email, com o texto de apresentação
e o link de preenchimento do questionário, a todas escolas/agrupamentos (setor público e privado) de Portugal
Continental, Regiões Autónomas da Madeira e Açores, sindicatos e associações de professores, a solicitar a
divulgação por todos os docentes dos ensinos básico e secundário. Este estudo seguiu as recomendações
para melhorar a qualidade das investigações via Web, baseado na lista de verificação para relatar resultados
de E-Surveys via internet (CHERRIES) (Eysenbach, 2014). O texto de apresentação cumpria os
compromissos éticos definidos para investigação em educação, nomeadamente aqueles que se referem ao
consentimento informado, livre e esclarecido, de todos os que nele participam. Foram fornecidas informações
sobre a natureza e objetivos do estudo, assim como os que se referem à confidencialidade e anonimato dos
dados recolhidos. A participação era voluntária, sendo que ao submeter o questionário o professor(a) estava
a concordar com as condições de colaboração no estudo. O CSD é constituído por 23 itens de resposta
fechada, em que os participantes eram obrigados a responder a todas as perguntas numa escala de likert (de
1 a 5 pontos). As respostas eram automaticamente enviadas para uma folha de excel, sendo posteriormente
transferidos para uma base de dados do IBM SPSS (Statistical Package for Social Sciences), onde iriam ser
tratadas e analisadas.
Foram obtidos 5046 questionários, dos quais 37 (0,007%) foram eliminados por se encontrarem
incompletos.

Adaptação transcultural do CSD:


Depois de concedida autorização pelos autores do “Cuestionário de Salud Docente” (Victoria
Fernández-Puig et al, 2015), procedemos à sua adaptação para a cultura portuguesa, de acordo com os
procedimentos sugeridos por Hambleton (2005); Van Widenfelt, B., Treffers, P., Beurs, E., Siebink, B. &
Koudijs, E. (2008); Moreira (2009) e Gjersing (2010), tendo-se cumprido as seguintes etapas:

226
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

a) Adaptação transcultural utilizando método de tradução por duas pessoas bilingues (português e
espanhol).
b) Um profissional da área da Psicologia da Saúde avaliou a equivalência de conteúdo entre a versão
portuguesa e a original (retroversão independente).
c) A versão preliminar foi aplicada online a uma amostra de seis professores para avaliar a sua
compreensão e viabilidade (estudo piloto). Após o preenchimento do questionário, os indivíduos foram
questionados sobre: compreensão e pertinência das questões, adequação da escala de resposta,
facilidade e tempo de preenchimento. Todos os respondentes referiram boa compreensão e aceitação
das questões apresentadas.
d) Após a aprovação por parte da Direção Geral de Educação, o Questionário de Saúde Docente (versão
portuguesa) foi submetido a uma aplicação online mais alargada na plataforma Limesurvey, com vista
à análise da sua aplicabilidade aos professores portugueses, cujos resultados servem de objeto ao
presente estudo.

Análise dos dados


Com o objetivo de verificar as propriedades psicométricas do Questionário de Saúde Docente (QSD)
realizaram-se as seguintes análises, mantendo a coerência entre a presente validação e a realizada na
construção do instrumento original:
a) Análise da sensibilidade dos itens, a partir da média, desvio padrão, mediana, moda, assimetria e
curtose e correlação item-total.
b) Análise fatorial exploratória (AFE), realizada sobre metade aleatória da amostra (n=2506), com
extração dos fatores através do método das componentes principais com recurso à rotação ortogonal
varimax, para avaliar a estrutura fatorial do instrumento em causa. Foi utilizado o critério de Kaiser-
Meyer-Olkin e o teste de Esfericidade de Bartley para verificar a adequabilidade da amostra para a
realização da AFE (Hutcheson & Sofroniou, 1999; Marôco, 2014). Para determinar o número de
fatores utilizou-se o critério de Kaiser, selecionando os fatores com um eigenvalue superior a 1, e o
Scree Plot (figura 1). Foram considerados apenas os itens com carga fatorial superior a .40 (Moreira,
2009). A confiabilidade da estrutura fatorial foi testada através do coeficiente Alpha-Cronbach.
c) Análise fatorial confirmatória (AFC), para testar o ajustamento do modelo de referência (M1) e o
funcionamento dos seus fatores. A AFC foi efetuada sobre a segunda metade aleatória da amostra
(n=2503) aplicando o método de máxima verosimilhança (distribuição normal). A existência de outliers
foi avaliada pela distância quadrada de Mahalanobis (D2). Foram encontrados 100 sujeitos na
condição de outliers, correspondendo a 0.4% da amostra, que não foram excluídos por estarem
abaixo dos 5% recomendados por Hair et al. (2009), e porque se verificou que a sua presença não
influencia os resultados das análises efetuadas. A qualidade de ajustamento geral do modelo foi
realizada de acordo com os seguintes índices: a) Qui-quadrado (X2) e os graus de liberdade (df), b)
os índices de ajuste comparativo, CFI (Comparative Fit Index) e IFI (Bollen Fit Index). Os índices CFI
e IFI. Valores acima de .95 indicam um ótimo ajuste e os superiores a .90 indicam um ajuste adequado
(Hu & Bentler, 1999); c) os índices de ajuste geral, GFI (Goodness Fit Index) e AGFI (Ajusted
Goodness Fit Index). Ambos os índices variam entre 0 e 1, sendo que os valores iguais ou superiores
a .90 indicam um bom ajustamento do modelo; d) o Root Mean Square Error of Aproximation (RMSEA)

227
A Escola: Dinâmicas e Atores

indica a qualidade de ajustamento a partir de valores iguais ou inferiores a .06 (Hu & Bentler, 1999);
e) o SRMR (Standardized Root Mean Square Residual), sendo que índices menores ou iguais a .08
são indicativos de um bom ajuste do modelo testado (Hair et al., 2009; Kline, 2011).
O modelo de referência (M1) é constituído por quatro fatores, dois macrofatores (bem-estar e
esgotamento), distúrbios músculo-esqueléticos e distúrbios cognitivos, todos eles correlacionados. O
macrofator bem-estar inclui os constructos de satisfação e autoeficácia, e o esgotamento inclui os distúrbios
da voz. Este modelo foi comparado com quatro modelos alternativos, extraídos com base na teoria e nos
resultados obtidos das várias análises fatoriais exploratórias realizadas em função das variáveis género, tipo
de instituição e nível de ensino e nas duas metades aleatórias da amostra (n=2506 e n=2503). Desta forma,
o modelo M2 é constituído por cinco fatores, o macrofator bem-estar (que inclui satisfação e autoeficácia),
alterações da voz, distúrbios músculo-esqueléticos, esgotamento e distúrbios cognitivos. O modelo alternativo
M3 define dois macrofatores correlacionados: bem-estar, que inclui satisfação e autoeficácia, e distúrbios que
inclui esgotamento, alterações da voz, distúrbios músculo-esqueléticos e distúrbios cognitivos. O modelo
hierárquico M4, construído com base nas correlações consideráveis entre os fatores de primeira ordem
apresentadas no modelo M5 e na justificação teórica para a existência de um fator latente de ordem
hierárquica superior (Bollen, 1989), define dois fatores de segunda ordem correlacionados (bem-estar e
distúrbios). Por fim, modelo adotado pelos autores da versão original deste instrumento, constituído por seis
fatores correlacionados (M5): autoeficácia, satisfação, esgotamento, alterações da voz, distúrbios músculo-
esqueléticos e distúrbios cognitivos. Para comparar os diferentes modelos utilizou-se o AIC (Akaike
Information Criterion), de acordo com (Brown, 2009).
A fiabilidade compósita (FC) enquanto indicador da fiabilidade de constructo foi avaliada como
descrito em Fornell e Larcker (2009). De uma forma geral, considera-se que FC≥.70 é um indicador de uma
fiabilidade de constructo apropriada.
A validade do QSD foi avaliada pelos pesos fatoriais (λ) e pela fiabilidade individual dos itens (λ2). É
usual assumir que se λ de todos os itens são superiores ou iguais a .50, o fator apresenta validade fatorial, e
que λ2 ≥.25 é um indicador de fiabilidade individual apropriada. A validade convergente dos fatores foi avaliada
através da variância extraída média (VEM). Valores de VEM≥.50 são indicadores de uma validade
convergente adequada (Hair et al, 2009). Finalmente, a validade discriminante dos fatores foi avaliada pela
comparação das VEM com os quadrados da correlação entre os mesmos. A VEM dos fatores deve ser
superior ou igual ao quadrado da correlação entre esses fatores para que a validade discriminante fique
demonstrada (Marôco, 2014).
Por forma a comprovar a idoneidade do QSD realizaram-se análises confirmatórias no modelo
respecificado adotado (M1) para os subgrupos obtidos pelas variáveis género e nível de idade.
Para verificar a replicabilidade da estrutura fatorial da amostra foi realizada uma validade cruzada.
Assim, procedeu-se à divisão aleatória da amostra (n=5009) em dois grupos distintos. Desta forma, a análise
exploratória foi efetuada sobre a amostra 1 (n=5006) e a análise confirmatória sobre a amostra 2 (n=5003)
(Floyd & Widaman, 1995).
As análises estatísticas foram realizadas com recurso ao programa IBM SPSS (Statistical Package
for Social Sciences) e ao sftware AMOS (Analysis of Moment Structures), versão 24.

228
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

RESULTADOS
a) A análise da sensibilidade dos itens revelou que os dados eram executáveis à luz da normalidade,
considerando os critérios estabelecidos por Almeida & Freire (2017). A média (entre 1.50 e 3.68)
aproxima-se dos valores da mediana e da moda (entre 1 e 4). A variância dos resultados distribui-se
entre .485 e 1.996 unidades de desvio padrão (sd) face à média. Por sua vez, nenhuma variável
apresentou valores de assimetria (sk=[.004 – 1.379]) e curtose (ku= [-.36 – 1.954]) indicadores de
violações severas à distribuição normal. Com base na correlação item-total corrigido recodificaram-
se os itens 4, 6, 10, 11, 13, 15, 18, 19 e 22. Assim, os valores finais de correlação item-total corrigido
oscilam entre .47 e .71 e de alpha cronbach’s entre .91 e .92.
b) O valor de critério de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=.94) e o teste de Esfericidade de Bartley (X2(253),
n=2506)=29147.256 p<.0001) confirmaram a adequabilidade da amostra para a realização da AFE
(Hutcheson & Sofroniou, 1999; Marôco, 2014). A AFE utilizando o método das componentes principais
com recurso à rotação varimax, o critério de Kaiser (eigenvalue > 1) e a análise do Scree Plot,
revelaram a existência de quatro fatores que explicam 59.9% da variância total do constructo de saúde
docente.
O primeiro fator é composto por 9 itens (4, 6, 10, 11, 13, 15, 18, 19 e 22), relacionados com a perceção
de satisfação e autoeficácia no desempenho da profissão, constructos estes relacionados com o bem-estar
na atividade docente, motivo pelo qual o designamos de “bem-estar”. Este fator é o que apresenta maior
percentagem de variância (37.60%), com cargas fatoriais entre .62 e .83. O segundo fator indicou-nos quatro
itens (2, 5, 14 e 21) com cargas fatoriais que oscilam entre .73 e .76, que explicam 12.53% da variância total.
Este fator faz referência ao mal-estar do tipo músculo-esquelético, pelo que designamos de “distúrbios
músculo-esqueléticos”. No terceiro fator foram encontradas cinco itens com cargas fatoriais superiores a .40
(7, 8, 12, 16, e 17), todas elas relacionadas com a sensação de esgotamento, incluindo as alterações da voz,
a que atribuímos a designação de “esgotamento”. Este terceiro fator explica 5.01% da variância total e
apresenta cargas fatoriais que oscilam entre os .57 e .77. O quarto fator reúne cinco itens (1, 3, 9, 20 e 23)
com cargas fatoriais que variam entre .46 e .71, que explicam 4.79% da variância. Este último fator relaciona-
se com dificuldades de carácter cognitivo, pelo que designamos de “distúrbios cognitivos”. A confiabilidade
da estrutura fatorial foi considerada elevada, atendendo a que o coeficiente alfa Cronbach foi de .92 (Marôco,
2014), variando entre .72 e .90 entre cada um dos fatores. Estes dados encontram-se na tabela 1.

229
A Escola: Dinâmicas e Atores

Componentes Alpha
1 2 3 4
Item Cronbach
4 .62 .
6 .65
10 .63
11 .83
13 .72 .90
15 .81
18 .74
19 .81
22 .65
2 .75
5 .76
14 .77 .81
21 .73
7 .57
8 .76 .86
12 .62
16 .77
17 .64
1 .46
3 .49
9 .53 .72
20 .71
23 .48
Eigenvalues 8.647 2.881 1.153 1.102
Variância explicada 37.60% 12.53% 5.01% 4.79% 59.93%
Tabela 1 – Cargas fatoriais dos itens nos 4 fatores retidos após uma AFE com extração de fatores pelo
método das componentes principais, seguida de uma rotação varimax e com eigenvalues superiores a 1.
Alfa Cronbach e % de variância explicada por fator (N=2506)
Legenda: Método de extração: componentes principais. Método de rotação: varimax com normalização de
Kaiser. Fatores: 1 – Bem-estar; 2 – Distúrbios músculo-esqueléticos; 3 –Esgotamento; 4 – Distúrbios
cognitivos
c) Esta estrutura fatorial foi testada através de uma análise fatorial confirmatória. Assim, o objetivo desta
segunda etapa da análise é a validação do modelo de referência M1 (4 fatores correlacionados), com
recurso ao método de estimação da máxima verosimilhança, visto que a análise preliminar revelou
que nenhuma variável apresentou valores de assimetria (sk) e curtose (ku) indicadores de violações
severas à distribuição normal (|Sk|<3 e |Ku|<10; Marôco, 2014). Os resultados demonstraram que
este modelo apresenta um ajustamento sofrível, X2 (224)=3292.759 (p<.001), CFI e IFI=.892,
GFI=.893, AGFI=.868, RMSEA=.074, SRMR=.0582 E AIC=3397.759. A correlação entre os fatores
oscilou entre .35 e .82.
A análise dos quatro modelos alternativos revelaram que o modelo M2 (5 fatores correlacionados)
apresenta um ajustamento aceitável, e que os outros três (M3, M4 e M5) apresentam um ajustamento pobre.
Por sua vez, o M2 é o modelo que apresenta melhores índices de ajustamento: X2(220)=2249.495 (p<.001),
CFI e IFI=.928, GFI=.919, AGFI=.898, RMSEA=.061, SRMR=.0545 e AIC=2361.495. A correlação entre os
fatores oscilou entre .36 e .80. O modelo com dois macrofatores correlacionados (M3) apresentou piores
índices de ajustamento que o modelo de referência (M1) e que os modelos M2 e M5 (6 fatores), e melhor
ajustamento que M4: X2(229)=4882.027 (p<.001). CFI e IFI=.836, GFI=839, AGFI=.806, RSMEA=.090,
SRMR=.0739, AIC=4976.027. O modelo hierárquico M4 (com 2 fatores de 2ª ordem correlacionados) é o que
apresenta piores índices de ajustamento: x2(223)=5077.591 (p<.001), CFI e IFI, GFI=.810, AGFI=.765,
RMSEA=.093, SRMR=.0971, AIC=5183.591 com uma correlação entre os dois fatores de segunda ordem de
.87. Por último, o modelo M5 (6 fatores correlacionados) apresenta piores índices de ajustamento que M1 e
M2 e melhores que M3 e M4: X2(215)=4100.981 (p<.001), CFI e IFI=.863, GFI=.842, AGFI=.798,

230
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

RMSEA=.085, SRMR=.0853, AIC=4222.981 e uma correlação entre os fatores que varia entre .31 e 1.09. Os
índices de ajustamento geral dos modelos apresentados encontram-se representados na tabela 2.
Modelo X2 df CFI IFI GFI AGFI RMSEA SRMR AIC
M1 3293.759* 224 .892 .892 .893 .868 .074 .0582 3397.759
M2 2249.495* 220 .928 .928 .919 .898 .061 .0545 2361.495
M3 4882.027* 229 .836 .836 .839 .806 .090 .0739 4976.027
M4 5077.591* 223 .829 .829 .810 .765 .093 .0971 5183.591
M5 4100.981* 215 .863 .863 .842 .798 .085 .0853 4222.981
Tabela 2 – Índices de ajustamento para as estruturas fatoriais testadas (n=5009)
Legenda: M1 – modelo com 4 fatores correlacionados; M2 – modelo com 5 fatores correlacionados; M3 –
modelo com 2 macrofatores correlacionados; M4 – modelo hierárquico com 2 fatores de segunda ordem
correlacionados; M5 – modelo com 6 fatores correlacionados; *p<.001. A negrito apresentam-se os
resultados do modelo com melhores índices de ajustamento
De modo a melhorar o ajustamento dos modelos, foram feitas modificações a partir dos índices de
modificação (superiores a 11; p<.001) produzidos pelo AMOS e com base em considerações teóricas. Assim,
foram incluídas as seguintes trajetórias entre os resíduos dos pares de itens: no modelo M1, itens 2 e 14, 2 e
21 e 5 e 21 no fator “distúrbios músculo-esqueléticos” e 7 e 16 e 8 e 16 do fator “esgotamento”; no modelo
M2, itens 6 e 22 (“Bem-estar”) e itens 5 e 21 pertencentes ao fator “distúrbios músculo-esqueléticos”); no
modelo M3, itens 2 e 5, 2 e 3, 7 e 12, 2 e 21, 5 e 21, 14 e 21 e 9 e 23 pertencentes ao fator “distúrbios”; no
modelo hierárquico M4, itens 15 e 23, 6 e 23 e 6 e 18 do fator de primeira ordem “satisfação”; e no modelo
M5 itens 6 e 23 do fator “satisfação”, e 14 e 16 do fator “alterações da voz”.
Outras considerações sobre as propriedades psicométricas dos modelos, nomeadamente a
sensibilidade psicométrica dos itens e a consistência interna dos fatores foram consideradas nas decisões
relativas à modificação dos modelos (Marôco, 2014). Desta forma, o item 1 (“Sinto-me capaz de tomar
decisões”) foi eliminado dos modelos 1, 2 e 3, o item 20 (“Há alturas/momentos em que tenho mais distrações
que o habitual”) foi eliminado de todos os modelos, o item 3 (“Ás vezes tenho a impressão que fico
obcecado(a) com um assunto que noutro momento poderia resolver sem problema”) foi eliminado dos
modelos 4 e 5 e o item 3 (“Às vezes tenho a impressão que fico obcecado(a) com um assunto que noutro
momento poderia resolver sem problema”) foi eliminado do modelo 4, por apresentarem λ<.50 e r2<.25. Os
índices de ajustamento após respecificação dos modelos são apresentados na tabela 3.
Modelo X2 df CFI IFI GFI AGFI RMSEA SRMR AIC
M1 1500.772 178 .951 .951 .942 .924 .056 .0428 1606.772
M2 1438.241 177 .953 .954 .944 .927 .053 .0419 1546.241
M3 3101.464 181 .892 .892 .892 .862 .080 .0600 3201.464
M4 3008.436 160 .886 .886 .864 .821 .084 .0903 3108.436
M5 2860.399 172 .899 .899 .892 .855 .079 .0735 2978.399
Tabela 3 – Índices de ajustamento para as cinco estruturas fatoriais respecificadas (n=2503)
Legenda: M1 – modelo com 4 fatores correlacionados; M2 – modelo com 5 fatores correlacionados; M3 –
modelo com 2 macrofatores correlacionados; M4 – modelo hierárquico com 2 fatores de segunda ordem
correlacionados; M5 – modelo com 6 fatores correlacionados; *p<.001. A negrito apresentam-se os
resultados do modelo com melhor ajustamento
Estes resultados sugerem que as alterações realizadas na respecificação dos modelos melhoraram
significativamente a qualidade do seu ajustamento. Assim, o modelo M2 é aquele que apresenta os melhores
índices de ajustamento, quando comparado com os outros quatro, podendo considerar-se que a qualidade
do ajustamento é boa (Hu & Bentler, 1999; Kline, 2011): X2(176)=1438.241 (p<.001), CFI=.943, IFI=.954,

231
A Escola: Dinâmicas e Atores

GFI=.944, AGFI=.927, RMSEA=.053, SRMR=.0419 e AIC=1546.241. Os resultados demonstram também um


bom ajustamento do modelo M1, no entanto com índices inferiores aos de M2: X2(178)=1500.772 (p<.001),
CFI e IFI=.951, GFI=.942, AGFI=.924, RMSEA=.056, SRMR=.0428 e AIC=1606.772. Os modelos M3, M4 e
M5 apresentam um ajustamento sofrível. Para M3 obtivemos os seguintes resultados: X2(181)=3101.464
(p<.001), CFI e IFI=.892, GFI=.892, AGFI=.862, RMSEA=.080, SRMR=.0600 e AIC=3201.464, para M4:
X2(160)=3008.436 (p<.001), CFI e IFI=.886, GFI=.864, AGFI=.821, RMSEA=.084, SRMR=.0903 e
AIC=3108.436, e para o M5: X2(172)=2860.399 (p<.001), CFI e IFI=.899, GFI=.892, AGFI=.855,
RMSEA=.079, SRMR=.0735 e AIC=2978.399. O modelo M4 é o que apresenta piores índices de ajustamento,
quando comparado com os outros quatro modelos considerando-se que o ajustamento deste modelo é pobre.
De acordo com os resultados obtidos nos índices de ajustamento aquando da respecificação dos
modelos, e tendo em conta os critérios teóricos, consideramos que o M2 será aquele que melhor se adequa
para avaliar a saúde dos docentes portugueses. Assim sendo, procedeu-se à avaliação da fiabilidade e
validade deste modelo. A Tabela 4 indica-nos os valores do modelo adotado (M2), nomeadamente dos pesos
fatoriais estandardizados e da fiabilidade individual de cada um dos itens, bem como da fiabilidade compósita
dos fatores e ainda da variância extraída média (VEM) como indicador da sua validade convergente.
Fator Item Λ λ2 FC VEM
4 .64 .40
6 .67 .45
10 .67 .44
11 .86 .73
Bem-estar 13 .66 .44 .91 .52
15 .80 .64
18 .76 .58
19 .75 .57
22 .63 .39
2 .74 .55
Distúrbios
5 .68 .47
músculo-
14 .76 .58 .80 .51
esqueléticos
21 .60 .36
7 .81 .66
Esgotamento 12 .84 .70 .88 .70
17 .83 .69
Alterações da 8 .84 .71
voz 16 .86 .73 .84 .72
3 .67 .45
Distúrbios
9 .78 .61 .97 .51
cognitivos
23 .65 .42
Tabela 4 – Pesos fatoriais estandardizados e fiabilidade Individual dos Itens, fiabilidade compósita e
variância extraída média do modelo adotado (M2)
Legenda: λ=peso fatorial estandardizado; λ2=fiabilidade individual dos itens; FC= fiabilidade compósita;
VEM=variância extraída média
Como se pode constatar, todos os itens apresentam pesos fatoriais estandardizados iguais ou
superiores a .50, revelando que todos os fatores apresentam validade fatorial. Os fatores “Distúrbios
cognitivos” e “Esgotamento” apresentam correlações elevadas com os outros fatores, que oscilam entre .59
e .82 e entre .55 e .82, respetivamente. O fator “Bem-estar” é o que apresenta menores correlações com os
outros 4 fatores.
Por outro lado, também a fiabilidade compósita se revelou elevada, sendo de .91 para o “Bem-estar”,
.80 para os “Distúrbios músculo-esqueléticos”, .88 para o “Esgotamento”, .84 para os “Alterações da voz” e
.97 para os “Distúrbios Cognitivos”. A variância extraída média (VEM), um indicador da validade convergente
dos fatores, revelou-se também adequada, ao apresentar valores de .52 para o “Bem-estar”, .51 para os
“Distúrbios músculo-esqueléticos”, .70 para o “Esgotamento”, .72 para os “Alterações da voz” e .51 para os

232
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

“Distúrbios Cognitivos”. A validade discriminante dos fatores foi avaliada pela comparação das VEM com os
quadrados da correlação entre fatores (r2). Desta forma, podemos constatar que a validade discriminante dos
fatores “Bem-estar e Distúrbios músculo-esqueléticos”, “Bem-estar e Esgotamento”, “Bem-estar e Distúrbios
cognitivos”, “Bem-estar e Alterações da voz”, “Esgotamento e Distúrbios músculo-esqueléticos”, “
Esgotamento e Distúrbios cognitivos”, “Esgotamento e Alterações da voz”, “Distúrbios músculo-esqueléticos
e Distúrbios cognitivos”, “Distúrbios músculo-esqueléticos e Alterações da voz” e “Distúrbios cognitivos e
Alterações da voz”, cujas correlações ao quadrado são inferiores aos valores de VEM de cada um dos fatores
(valores de r2 entre fatores que oscilam entre .14 e .49).
Por último, e para testar a idoneidade do QSD, replicou-se o modelo adotado (M2), sobre a totalidade
da amostra, em função do género e da idade, cujos resultados são apresentados na tabela 5.
Modelo X2 df CFI IFI GFI AGFI RMSEA SRMR AIC
M2 1438.241 177 .953 .954 .944 .927 .053 .0419 1546.241
Masculino 647.089 177 .961 .961 .946 .930 .049 .0337 755.089
Feminino 2306.998 177 .949 .949 .942 .924 .056 .0414 2414.998
21-42 anos 874.427 177 .945 .945 .936 .916 .056 .0468 982.427
43-49 anos 923.177 177 .950 .950 .935 .915 .056 .0449 1031.177
50-55 anos 916.857 177 .954 .954 .934 .914 .056 .0426 1024.857
56-70 anos 698.757 177 .953 .953 .936 .917 .053 .0403 806.757
Tabela 5 – M2 em função do género e da idade (n=5009)
Legenda: M2 – modelo com 5 fatores correlacionados

DISCUSSÃO
O presente estudo teve como objetivo realizar a adaptação e validação do “Cuestionário de Salud
Docente (CSD) para os professores portugueses, originário de Espanha (Férnandez-Puig et al, 2015). Para
avaliar a validade fatorial realizaram-se análises exploratórias e confirmatórias. Após a AFC, com
respecificação das estruturas fatoriais consideradas, verificou-se que existiam dois modelos (M1 e M2) que
apresentavam um bom ajustamento. A opção pelo modelo M2 teve em consideração os índices de
ajustamento, os fundamentos teóricos e empíricos, e o fato de ser aquele que melhor se adequa ao fenómeno
em estudo. Os resultados obtidos permitem suportar a estrutura penta fatorial do “Questionário de Saúde
Docente”, com índices de ajustamento que sustentam a boa qualidade do modelo M2 e ainda com valores
que reforçam a sua fiabilidade e validade. Este modelo encontra-se representado na figura 1.
A versão portuguesa do “Questionário de Saúde Docente” (QSD) assume-se, assim, como um
instrumento válido, fiável e idóneo para a avaliação da saúde dos professores, refletindo boas características
psicométricas e apresentando uma estrutura fatorial que possibilita a realização de estudos comparativos com
outros países, nomeadamente Espanha. Este questionário para além de avaliar e prevenir os riscos laborais,
permite fazer uma promoção da saúde na docência.
O QSD apresenta as seguintes alterações quando comparado com a versão original (Férnandez-Puig
et al, 2015):
1) Na versão original os itens encontravam-se organizados e seis constructos. Por sua vez, na versão
portuguesa os itens do QSD organizam-se em cinco constructos que são apontados pela literatura
como características importantes da saúde docente: bem-estar, distúrbios músculo-esqueléticos,
esgotamento, distúrbios da voz e distúrbios cognitivos, sendo que o fator “Bem-estar” aglutina os
constructos satisfação profissional e autoeficácia;

233
A Escola: Dinâmicas e Atores

2) Na versão original os itens 11, 14 e 23 que se encontravam nos fatores “Distúrbios cognitivos”,
“Alterações da voz” e “Satisfação”, respetivamente, na versão portuguesa passaram a estar incluídos
nos fatores “Bem-estar”, “Distúrbios músculo-esqueléticos” e “Distúrbios cognitivos, respetivamente.
3) A presente versão apresenta 21 itens, ao invés dos 23 itens que compõe a versão espanhola. Assim,
o fator “Bem-estar” é constituído por nove itens, o “Distúrbios músculo-esqueléticos” por quatro itens,
o “Esgotamento” por três itens, o “Alterações da voz” por dois itens e o “Distúrbios cognitivos” por três
itens. A distribuição dos itens pelos cinco fatores é apresentada na tabela 6.
A pontuação das escalas obtém-se pela soma direta dos itens correspondentes. O cálculo do índice
total de saúde docente obtém-se a partir da soma direta da escala bem-estar e da soma inversa das escalas
distúrbios músculo-esqueléticos, esgotamento, alterações da voz e distúrbios cognitivos., de forma que uma
pontuação alta indica um bom nível de saúde e uma pontuação baixa, um nível baixo de saúde do docente.

Figura 1 – Modelo da AFC adotado (M2-respecificado) para o QSD


Legenda: Modelo da AFC adotado (M2-respecificado) para o QSD. Análise fatorial confirmatória:
X2=1438.241(177), p<.001; CFI=. 953 e IFI=.954; GFI=.944; AGFI=.927, RMSEA=.053; SRMR=.0419 e
AIC=1546.241
Os resultados das análises fatoriais demonstram a existência de cinco fatores: Bem-estar, distúrbios
músculo-esqueléticos, esgotamento, alterações da voz e distúrbios cognitivos.
O bem-estar é o fator com maior peso na variância e avalia a satisfação e a autoeficácia. O primeiro
constructo avalia a satisfação com a profissão docente, o prazer, energia e sensação de felicidade no
exercício da docência (López-Araujo et al, 2007).Trata-se de um constructo próximo do engagement, com as
dimensões de vigor, prazer e absorção, e do flow. Em estudos prévios, a satisfação mostrou correlacionar-se
negativamente com as três dimensões do burnout (Gil-Monte, 2005), diminui as possibilidades de gerar
stresse (ETUCE, 2011) e incrementa a empatia e a satisfação dos destinatários (Vermeeren et al, 2012). Por
sua vez, a autoeficácia valoriza a perceção do docente sobre a sua capacidade para obter resultados positivos
e significativos, assim como a valorização sobre a sua competência e capacidades profissionais. Inúmeros
estudos indicam a sua relação com o bem-estar físico e psicológico do docente e com uma boa qualidade
nas relações interpessoais. Obteve-se evidência empírica da sua importância no desencadear de processos
em espiral de ganho e, por isso, é um elemento relevante na prevenção da saúde profissional (Del Libano et
al, 2012).

234
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O fator esgotamento avalia a sensação de esgotamento físico e emocional provocado pelo


desempenho da atividade docente. No que se refere ao esgotamento Este fator associa-se a um maior risco
de desenvolver transtornos ou distúrbios físicos e psicológicos (Gil-Monte, 2005) e é considerado como a
dimensão central do burnout (Halbesleben & Demerouti, 2005). Este fator é o elemento decisivo nas espirais
de perda de saúde, indicando que as exigências profissionais são excessivas e que requerem mais recursos
organizativos, materiais e formativos para diminuir a carga no docente (Hakanen et al, 2006).
O fator distúrbios músculo-esqueléticos avalia a presença de mal-estar na coluna vertebral e nas
costas, sendo os danos mais frequentes as contraturas, dores cervicais e dorsais, hérnias discais e lombalgias
(Erick & Smith, 2011), estando provada a sua relação com situações de stresse (Bermúdez et al, 2010).
O fator das alterações da voz avalia a presença de sensações físicas de mal-estar relacionadas com
a voz, em concreto a afonia, ou perda da voz, fadiga vocal e dores no pescoço, sendo estes aspetos os mais
frequentes na profissão docente (Ranchal & Vaquero, 2008).
O fator distúrbios cognitivos, valoriza a presença de disfunções nas capacidades cognitivas de
concentração, memória, distrações e pensamento obsessivo. Esta sintomatologia está muito relacionada com
situações de cansaço e/ou esgotamento emocional e é consequência da elevada concentração de
glucocorticoides no hipotálamo provocada pela vivência de esgotamento emocional e de distress (Moyano &
Riaño-Hernández, 2013). É um dos efeitos negativos que participam no aparecimento de espirais negativas
de perda de saúde por diminuir as possibilidades de êxito profissional, de receber apoio dos colegas e
aumentar as possibilidades de isolamento, distância e desmotivação.

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237
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONSELHO DE CLASSE NAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: UM LEVANTAMENTO


DO ESTADO DO CONHECIMENTO
[ID 2]

Márcia Maria Rodrigues Tabosa Brandão


Kátia Maria da Cruz Ramos
Universidade Federal de Pernambuco; Universidade Federal de Pernambuco;
marciamrtb@hotmail.com; katiamcramos@gmail.com

Resumo
Um descompasso entre o avanço do debate sobre conselho de classe, na legislação e propostas do campo
educacional, e a resistente configuração desta instância como lugar de julgamento vem apontando para a
pertinência de se considerar sentidos atribuídos ao Conselho de Classe. Tal entendimento tem por base o
pressuposto de que a dinâmica escolar reflete concepções de ensino, aprendizagem e avaliação, bem como
de que a configuração do conselho de classe decorre de representações que ao mesmo tempo influenciam e
são influenciadas. Nesse sentido, a partir da compreensão de conselho de classe numa perspectiva
psicossocial, na condição de um espaço de profissionalização docente, a presente comunicação, parte
integrante de uma pesquisa desenvolvida no âmbito de um curso de Mestrado em Educação, trata de um
levantamento de estudos sobre a temática conselho de classe na sua relação com a Teoria das
Representações Sociais. Para tal fim utilizou como base de dados o acervo da Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações e do Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior, tendo como corte temporal o período de 2002 a 2014 e como descritor o termo conselho de classe.
Como resultado foi identificada, apesar do reconhecimento da pertinência da temática, uma escassez de
estudos sobre conselho de classe em geral e apenas um trabalho relacionado com a Teoria das
Representações Sociais. Nesse quadro, os aspectos privilegiados (representação social, avaliação,
democratização da gestão escolar, visão histórica), apontam para a relevância e necessidade de um maior
investimento em produções que tratem de significados historicamente conferidos e sentidos atribuídos ao
conselho de classe, no que diz respeito tanto a representações de professores como a condição de espaço
de profissionalização docente.

Palavras-chave: Conselho de classe, Representações Sociais, Estado do conhecimento.

Résumé
Il existe un décalage entre l’avance du débat sur le Conseil de Classe, dans la législation et les propositions
du champ éducationnel, et la résistente configuration de celui-ci comme lieu de jugement. Ce décalage montre
la pertinence des sens qui sont attribués au Conseil de Classe. Telle compréhension est basée sur la
supposition que la dynamique scolaire reflète des conceptions d’enseignement-apprentissage et d’évaluation,
et également que la configuration du Conseil de Classe vient des répresentations qui, dans le même temps,
influencent et sont influencées. En ce sens, à partir de la compréhension du Conseil de Classe dans une
perspective psychosociale, dans la condition d’un espace de professionalisation du professeur, cette
présentation qui fait partie d’une recherche developpée dans le cadre d’un cours de Master en Éducation, est
une collecte de données d´études sur le thème du Conseil de Classe dans sa relation avec les Théories des
Répresentations Sociales. Pour cela, elle a utilisé comme base de données la collection de la Bibliothèque
Digitale Brésilienne de Thèses et Dissertations et la base de données de Thèses de la Coordination du
perfectionnement de personnel enseignant de l’enseignement supérieur, entre 2002 et 2014 et comme
descripteur du terme Conseil de Classe. Le résultat révèle que, malgré la reconnaissance de la pertinence
thématique du Conseil de Classe, peu d’études sur ce dernier ont été réalisées et qu’il n’existe qu’une seule
recherche liée à la Théorie des Répresentations Sociales. Dans ce cadre les aspects privilegiés (répresention
sociale, évaluation, democratisation de la gestion scolaire, vision historique), montrent l’importance et le
besoin d’un plus grand investisssement dans des productions qui travaillent les significations historiquement
conférées et les sens attribués au Conseil de Classe, soit dans le sens de la répresentation des professeurs,
soit comme espace de professionalisation de ceux-ci.

Mots-clés: Conseil de Classe, Répresentations sociales, L'état de la connaissance.

238
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

INTRODUÇÃO
Ao lançar um olhar para o processo de institucionalização do conselho de classe, na perspectiva que
considera aspectos históricos, culturais e sociais de nosso país, fica patente a complexidade que envolve o
tema ao se constatar a diversidade de significados atribuídos a esta instância. Neste sentido, o conselho de
classe compreendido em seu caráter avaliativo bem como na condição de espaço de profissionalização
docente é um dos aspectos mais complexos do processo pedagógico principalmente, entre outros, pelo fato
de exigir a configuração da avaliação enquanto ação coletiva num espaço em que convivem distintos sentidos
compartilhados.
Segundo Dalben (2004) o conselho de classe foi instituído nas escolas brasileiras a partir da década
de 70, período caracterizado pelo auge da ditadura militar, em que houve o movimento de ampliação da
universalização das escolas da rede pública brasileira. Neste contexto, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) Nº
5.692/71 pode ser considerada o marco do nascedouro dessa instância, cujo caráter avaliativo tinha por base
a perspectiva do tecnicismo, em termos do controle do comportamento e formação dos alunos.
Com a abertura política nos anos 80, o panorama mais geral da redemocratização da sociedade
coincidiu com as contribuições decorrentes das concepções progressistas para repensar a prática
pedagógica, consequentemente o conselho de classe. Nessa conjuntura, o conselho de classe passa a ser
apontado como um espaço de decisões sobre o processo de ensino-aprendizagem, tendo em vista o
necessário diálogo entre formas de ensino e percursos de aprendizagens, no sentido de (re)orientar o fazer
pedagógico. Com o advento da LDB Nº 9.394/96 configura-se a possibilidade de reorganização do sistema
educacional numa perspectiva democrática. Nesse quadro, o conselho de classe assume um papel de
destaque, ao instituir-se na escola como espaço de reflexão coletiva sobre a prática pedagógica.
Acreditando que tal mudança legal e o avanço teórico supõem repercussão nas práticas no conselho
de classe, consideramos fundamental a reflexão sobre sentidos e significados atribuídos a esta instância por
professores. Isto porque a referida reflexão pode possibilitar compreensões da convivência de diferentes
contornos do conselho de classe que se desenha desde a sua implantação até os dias de hoje. No caso, a
partir da compreensão de conselho de classe numa perspectiva psicossocial, a Teoria das Representações
Sociais é privilegiada por permitir a compreensão de que o modo como os professores pensam e se
posicionam sobre o conselho de classe decorre do sentido a ele conferido. Isto porque esta teoria considera
que é no processo de construção e organização dos sentidos que os sujeitos cunham suas teorias. Portanto,
esta Teoria possibilita compreender e explicar a construção do conhecimento do senso comum, gerado
através da interação e comunicação, que orienta práticas e comunicações (Moscovici, 2003).
Nessa perspectiva, entendendo que esses desenhos refletem concepções de ensino, aprendizagem
e avaliação que são influenciadas e influenciam no processo de (re)construção de sentidos e significados de
conselho de classe, consideramos a pertinência de fazer um levantamento de estudos acerca do conselho de
classe. Nomeadamente, buscando ter uma visão do que vem sendo debatido sobre esta instância nas
pesquisas acadêmicas, em termos de discursos compartilhados que vêm contribuindo para a (des)construção
das representações sociais presentes na sociedade e na cultura escolar.
Nesse quadro, congregando dados do levantamento do estado do conhecimento de uma pesquisa
desenvolvida num curso de Mestrado em Educação, o presente artigo tem como propósito trazer elementos
para o debate sobre conselho de classe tendo como foco estudos que se debruçam sobre esta temática na
sua relação com a Teoria das Representações Sociais.

239
A Escola: Dinâmicas e Atores

Para tanto, buscando ter uma visão do que vem sendo discutido sobre esta instância, elegemos como
descritor o termo conselho de classe e como corte temporal o período de 2002 a 2014, por ter sido este
período em que houve uma intensificação do desenvolvimento de estudos acerca desta temática. Com o
propósito de ter uma visão desse debate, tomamos como fonte de consulta trabalhos disponibilizados na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e no Banco de Teses e Dissertações do Portal
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela representatividade dessas
bases no que se refere a congregar trabalhos no âmbito nacional. Para dar a conhecer o levantamento
realizado passamos a tratar do levantamento em cada base de dados e posteriormente das considerações
finais, onde são tecidas reflexões sobre a relevância e necessidade de um maior investimento em produções
que tratem de sentidos conferidos ao conselho de classe, principalmente no que diz respeito a representações
de professores.

SOBRE TRABALHOS DISPONIBILIZADOS NA BDTD


Nessa base de dados foram identificados trabalhos a partir da utilização do aplicativo de busca do
site. A partir dos trabalhos identificados pela procura avançada - resumo - realizamos a leitura do resumo e,
quando este não elucidava satisfatoriamente o conteúdo, foi preciso aprofundar a leitura recorrendo ao texto
integral.
Como resultado desse levantamento encontramos 29 (vinte e nove) trabalhos, destes 8 (oito)
dissertações abordavam o conselho de classe como objeto de investigação e os demais tomavam como
campo. Neste caso, observamos que a maioria desses últimos estudos não problematizava a dinâmica nesse
espaço, mas sim temáticas variadas que o permeiam, tais como: indisciplina, formação de professores, entre
outras.
Após essa triagem, para efetivar a análise do material fizemos a leitura de cada trabalho na direção
de identificar o foco de interesse. Nesse quadro, os achados permitiram distribuir os 8 (oito) estudos que
tratam do conselho de classe de acordo com os seguintes focos de atenção: a) Avaliação (3 trabalhos), b)
Democratização da Gestão Escolar (4 trabalhos), c) Representação Social (1 trabalho).
Os trabalhos que têm como objeto de atenção Avaliação tomam como referência a compreensão de
conselho de classe como espaço de avaliação coletiva, no que diz respeito ao seu potencial na melhoria do
processo educativo. E, reconhecendo o conselho de classe como palco de conflitos entre professores e
alunos, realça a tendência de nesta instância ser utilizada a avaliação em seu caráter classificatório,
centralizado em discussões sobre o comportamento do aluno.
O estudo de Guerra (2006) procurou compreender e analisar o conselho de classe em uma escola
pública estadual de São Paulo. Dentre os resultados apresentados pela autora destaca-se a incoerência entre
o discurso dos sujeitos e o observado no processo avaliativo no âmbito do conselho de classe. Principalmente
no que se refere a uma avaliação que ressalta os aspectos negativos da vida escolar dos alunos, assim como
pela descaracterização da real função desta instância devido a um formato de conselho burocrático
direcionado a orientação dos professores sobre o preenchimento de documentos escolares.
Alda Santos (2006) propôs uma discussão sobre o conselho de classe pela perspectiva da avaliação
educacional, buscando identificar fatores que colaboram para a construção do conceito e atuação nesta
instância, traçando o perfil do conselho de classe real e ideal. Dentre os resultados apresentados aponta que

240
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

os critérios de avaliação institucionalizados não são utilizados na prática numa escola pública estadual de
Goiás, em razão de distorções quanto a sua função e poderes.
Considerando a necessidade de investigar conselho de classe como espaço de avaliação coletiva,
Flávia Santos (2006) buscou compreender o funcionamento desta instância de avaliação praticada por
escolas públicas do Distrito Federal. Como resultado aponta que se faz necessário que o conselho de classe
coloque a avaliação a serviço da aprendizagem, ocupando o lugar de instância avaliativa, deliberativa,
coletiva, informativa da escola, visando auxiliar a construção de práticas avaliativas mais democráticas, em
que tanto o professor quanto o aluno sejam responsáveis pela aprendizagem e a avaliação.
Os trabalhos que focam Democratização da Gestão Escolar apontam para a importância da utilização
do conselho de classe como um lugar em que se torna possível o desenvolvimento democrático do trabalho
pedagógico. Nomeadamente a partir do reconhecimento da participação da comunidade escolar como
essencial no encaminhamento das demandas apresentadas.
Buchwitz (2007) ratifica o papel do conselho de classe como espaço que possibilita a participação
dos diversos segmentos da escola, com destaque para o desenvolvimento do senso crítico do aluno e a
autonomia dos pais ao participar das decisões da escola, constituindo-se como essencial para a qualidade
da democratização da gestão escolar e do ensino e aprendizagem. Nesse estudo, realizado numa escola
pública estadual de São Paulo, a autora conclui que a participação é mediada por relações de poder, sendo
elas determinantes para a ampliação da democracia neste âmbito.
O estudo de Vargas (2008) tratou do conselho de classe tendo como mote a gestão democrática na
escola pública. Neste trabalho a autora buscou demonstrar como se constitui o conselho de classe em uma
escola pública estadual do Paraná, que apesar dos desafios enfrentados pela equipe gestora, conseguiu a
participação de toda a comunidade escolar. Os resultados encontrados revelam que uma gestão plena, em
que se evidencia o papel político, entrecruzado ao papel pedagógico promove avanços significativos na
integração da equipe da escola e dos representantes da comunidade.
Camacho (2010), entendendo que o conselho de classe não deve estar associado apenas à
avaliação, mas focalizar a efetivação de projetos e parcerias com a comunidade, analisa políticas
educacionais referentes à democratização da gestão escolar e demais processos escolares ligados à
avaliação. Nesse quadro, objetivou verificar como vinha sendo estruturada a participação da comunidade na
construção da gestão democrática nas práticas do conselho de classe em escolas estaduais de São Paulo.
Como resultado apontou o conselho de classe como um dos espaços que favorecem a participação de pais
e alunos, tornando-se essencial para a qualidade da democratização da gestão escolar, do ensino e
aprendizagem.
Santos (2012) procurou investigar o conselho de classe enquanto órgão colegiado, de caráter
pedagógico, que atua como espaço democrático de avaliação coletiva. A autora teve como intenção saber se
a inclusão dos pais na composição desta instância numa escola pública estadual de São Paulo faria dela um
espaço democrático de avaliação pela via da participação. Os achados da pesquisa indicaram o conselho de
classe como um espaço promotor e fortalecedor do trabalho coletivo, tendo a gestão o papel de reorganizar
o trabalho pedagógico coletivo numa perspectiva progressista, objetivando a descentralização do poder de
decisão.
No que se refere ao objeto de atenção Representação Social encontramos apenas a pesquisa de
Galdino (2002) que aborda os sentidos construídos pelos professores acerca do conselho de classe. No caso,

241
A Escola: Dinâmicas e Atores

objetivou identificar e analisar as representações sociais de conselho de classe dos professores de uma
escola da rede particular de ensino de São Paulo que dificultam e/ou facilitam ações educativas no
desenvolvimento desta instância. Esta autora reconhece a valia do estudo à luz desta teoria por possibilitar
compreender que as representações são dinâmicas, inseridas num contexto histórico social. Seu trabalho
propõe discutir as atribuições desta instância tendo como base a fundamentação legal e teórica vigente à
época do estudo, considerando fundamental a mudança no processo avaliativo na perspectiva de uma
avaliação formadora.

SOBRE TRABALHOS DISPONIBILIZADOS NO BANCO DE TESES DA CAPES


Nessa base de dados os trabalhos foram identificados, através da busca básica, com base no
aplicativo de busca do site. A partir dos trabalhos identificados foi realizado o mesmo procedimento utilizado
na BDTD.
Identificamos nesse levantamento 39 (trinta e nove) trabalhos, destes, apenas 1 (uma) tese e 2 (duas)
dissertações tiverem o conselho de classe como objeto de estudo e, de igual modo ao encontrado na base
de dados do BDTD, 4 (quatro) trabalhos tomaram o conselho de classe como campo e o restante dos
trabalhos tratam de conselho não referente ao do âmbito escolar. Ressaltamos que um dos trabalhos, a
dissertação que tem como objeto de atenção a Democratização da Gestão Democrática, elaborada por
Santos (2012), por estar inserida no levantamento realizado no BDTD, contabilizamos apenas duas
produções. No que diz respeito a essas duas produções, uma tem como foco de atenção Avaliação e outra
uma Visão Histórica do conselho de classe.
O trabalho de Cabral (2011), que tem como objeto de atenção a avaliação, buscou refletir sobre o
conselho de classe reconhecendo o potencial desta instância para o debate a respeito do resultado do
processo educativo. Os achados revelam que no conselho de classe em uma escola pública municipal de
Campinas, em São Paulo, ocorria à avaliação oculta, não formal do cotidiano da sala de aula, podendo este
momento concorrer para ocasionar a repetência e exclusão escolar dos alunos.
A tese de Leite (2012) teve o propósito de discutir os significados do conselho de classe numa
perspectiva histórica considerando seus limites, possibilidades e especificidades em escolas estaduais do
Paraná. A autora chega à conclusão que as estratégias empregadas para a implantação de reformas
educacionais têm o poder de agir sobre o cotidiano dos sujeitos escolares, modificando suas rotinas, assim
como a cultura escolar.

SOBRE OS ACHADOS NO LEVANTAMENTO DO ESTADO DO CONHECIMENTO


Ao nos debruçarmos sobre este levantamento descobrimos que os estudos foram desenvolvidos nas
regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. No que diz respeito ao quantitativo das pesquisas, São Paulo
apresentou a maior produção, totalizando 6 trabalhos, Paraná teve 2 trabalhos e Goiás e Distrito Federal 1
trabalho. Dos locais citados identificamos que a década de 1970 se constitui como marco da
institucionalização oficial dos conselhos de classe, nos seguintes locais de pesquisa, a saber, Distrito Federal
e nos Estados: São Paulo e Paraná e que a normatização desta instância ocorreu através das diretrizes
propostas pelos regimentos únicos. Assim sendo, podemos inferir que talvez a concentração de estudos
nessas regiões possa ser justificada devido a terem legislação que orientasse esta prática.

242
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Destacamos que a preocupação em desenvolver pesquisas tendo como objeto de estudo conselho
de classe é atual, valendo enfatizar que os primeiros achados remetem a década anterior. Nesse quadro, o
debate sobre esta temática no período de 2002 a 2014 revela uma escassez de estudos, haja vista que dos
36 trabalhos encontrados, apenas 10 deles abordaram o conselho de classe como objeto de investigação.
Com efeito, embora esteja presente o debate acerca da temática ao longo do período e em
considerando o avanço da legislação e referencial teórico sobre o conselho de classe, tal cenário não
repercutiu de modo contundente no investimento de estudos sobre aspectos da própria constituição desta
instância. Ou seja, esta instância teve mais o estatuto de campo do que objeto de atenção. Consideramos
que tal fato pode estar relacionado à consideração da gênese do conselho de classe se fundamentar na
avaliação tradicional com características classificatória, autoritária e excludente ainda percebida na
atualidade.
Também reconhecemos a concentração de estudos acerca desta temática no período de 2006 a 2012
que pode ser justificada pelo fato de ter sido o início dos anos 2000 o período em que ganha relevo a discussão
sobre a avaliação formativa no campo educacional. Além de que é nessa época que os sistemas de ensino
passam a adotar novas formas de organização das escolas fundamentadas numa proposta crítica e formativa
de educação, de uma nova roupagem para essa instância a partir da inclusão do princípio gestão democrática
do ensino público na Constituição de 1988 e na LDB Nº 9.394/96.
É possível visualizar que o interesse pelos sentidos e significados atribuídos ao conselho de classe e
que tal compartilhamento norteiam as condutas e comunicação dos sujeitos inaugura o debate a respeito
desta instância, entretanto ele fica silenciado na produção científica brasileira por mais de uma década. Por
tal razão reconhecemos a relevância de buscar entender o objeto social, conselho de classe, a partir da Teoria
Moscoviciniana por considerarmos que as construções simbólicas possibilitam a comunicação entre os pares,
a solução das vicissitudes corriqueiras, assim como a interpretação da realidade
Além disso, não há como deixar de considerar as contribuições no avanço do estudo dessa teoria e
mais especificamente no que refere à compreensão dos fatos da educação, bem como, da função das
significações sociais no âmbito educacional. Para tanto recorremos a Gilly (2001) que afirma ser a área
educacional um domínio singular para perceber como se dá a gênese, evolução e transformação das
representações sociais nos grupos sociais e a repercussão dessas construções nas relações estabelecidas
por esses sujeitos. Isto porque essa teoria possibilita conhecer o sentido das práticas do cotidiano por meio
de um olhar sobre a dimensão simbólica e organizacional da vida social, permitindo a compreensão da
maneira como os sujeitos criam e significam o conhecimento e se relacionam com ele.
Reafirmamos a pertinência de recorrer a esta teoria para realizar um estudo sobre conselho de classe
por reconhecer que no contexto das mudanças ocorridas desde sua implantação diversos sentidos foram
sendo construídos.
Tal relevância de discussão sobre esta instância nos aproxima do apresentado por Rocha (1984) e
Dalben (1994, 2004) que consideram ser o conselho de classe um momento rico de significado que abrange
concepções, representações, entendimentos e práticas por parte dos sujeitos escolares que procuram, no
coletivo, no interdisciplinar, no diálogo, favorecer o desenvolvimento da educação. Nesse sentido,
reconhecemos o conselho de classe enquanto instância colegiada que visa à reflexão e avaliação acerca do
fazer pedagógico, em termos de permitir a comunidade escolar problematizar, compreender e sistematizar as
demandas apresentadas.

243
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estado do conhecimento nos possibilita identificar que a temática em tela tem levado as
pesquisadoras a lançar o olhar para diferentes aspectos acerca do conselho de classe, sendo possível
perceber o quanto estas ideias se entrecruzam e se complementam.
No que diz respeito ao conselho de classe enquanto espaço de avaliação bem como de
profissionalização docente as pesquisadoras buscaram refletir sobre a possibilidade de reorganização da
prática pedagógica tendo como mote a co-responsabilidade dos sujeitos envolvidos nesse processo visando
à promoção do desenvolvimento tanto do aluno quanto do professor. Contudo esses trabalhos ratificam o
quanto ainda é preciso avançar nestas discussões, tendo em conta as incongruências apresentadas no que
se refere ao que povoa o campo das ideias dos professores acerca desta instância e de como ela se
materializa no cotidiano. Em assim sendo, o conjunto desses trabalhos permite corroborar a afirmação de
Flávia Santos (2006) de que ao associar o conselho de classe à avaliação da aprendizagem é possível
desvendar que a comunidade escolar ainda está em processo de descoberta dos benefícios de tê-los como
aliados da aprendizagem dos alunos e do ensino pelos professores.
Nos estudos encontrados, o interesse pelo conselho de classe à luz da democratização da gestão
teve como foco refletir sobre a questão da materialização dos espaços de participação coletiva plena.
Ratificou-se, desta maneira, a pertinência do acolhimento da opinião de todos os sujeitos envolvidos, visando
à tomada de decisão a respeito das demandas educacionais no que concerne ao ensino, aprendizagem e
avaliação. Essa linha de reflexão aponta para a relevância de tratar o conselho de classe numa perspectiva
crítico transformadora, conforme declara Santos (2012), por permitir a construção de uma escola mais
solidária, humana e justa devido ao envolvimento cada vez maior da comunidade escolar em suas atividades.
Também é possível reconhecer o cuidado em analisar as formas de apropriação dos preceitos legais
sobre conselho de classe no cotidiano escolar numa perspectiva histórica. Cabe assim destacar, como bem
anuncia Leite (2012), que as reformas educacionais e políticas públicas têm o poder de operar sobre o
cotidiano dos sujeitos, alterando suas rotinas, tendo implicações na cultura escolar.
Ainda que as pesquisas verifiquem a relevância do papel do conselho de classe para a prática
pedagógica alguns trabalhos reconhecem o descompasso entre as práticas do conselho de classe em relação
ao que se determina pelos dispositivos legais. Conjuntura essa que divulga não apenas as limitações da
escola em vivenciar essas novas propostas, mas também estimular a reflexão acerca dos distintos sentidos
que os professores conferem ao estabelecido pelas instâncias normativas.
No que se refere ao único estudo acerca do conselho de classe à luz da representação social a
pesquisadora objetivou entender as construções simbólicas produzidas pelos professores, com destaque para
o fato que as representações sociais intervêm e afetam o cotidiano dos sujeitos, colaborando para criar
associações, assim como novos encontros entre as pessoas. Tal constatação nos remete as ideias de
Moscovici (2009) que considera o conhecimento do senso comum imprescindível na medida em que se busca
compreender o pensamento e a ação humanos, tendo em vista que é na relação dos sujeitos com a sua
realidade que se produz significados, ou seja, ao construir a realidade eles se configuram como tal.
Em assim sendo, este estado do conhecimento ora apresentado revela a necessidade e relevância
do investimento em estudos que tenham como foco o conselho de classe, especialmente no que diz respeito
tanto a informar quanto de colaborar no debate acerca da formação e prática docente no âmbito educacional.

244
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

REFERÊNCIAS
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Vargas, M. A. (2008). O conselho de classe: a participação da comunidade escolar. Dissertação de Mestrado,
Universidade do Oeste Paulista, Presidente Prudente, São Paulo.

245
A Escola: Dinâmicas e Atores

A LUZ E A SOMBRA NA HISTÓRIA DAS PRÁTICAS DE ENSINO: OS JESUÍTAS E AS


RELAÇÕES DE SABER-PODER
[ID 109]

José Viegas Brás


Maria Neves Gonçalve
André Robert
Universidade Lusófona – CeiED; Universidade Lusófona – CeiED; Université Lyon 2
p543@ulusofona.pt; p1873@ulusofona.pt; andre.robert@univ-lyon2.fr

Resumo
Os Jesuítas foram objecto de uma campanha obsessiva que tinha por objectivo a erradicação de toda a sua
existência. Apesar de terem conseguido o monopólio do ensino, foram veementemente acusados de terem
sido o grande travão à educação e de serem os grandes inimigos da divulgação e desenvolvimento da ciência.
A história dos Jesuítas e as práticas de ensino devem ser vistas num olhar ambivalente. Da situação história
emergente de um determinado tipo de jogos de poder, que lhes proporcionou usufruírem, por um lado, da
possibilidade de intervenção e domínio de um saber sobre as práticas de ensino, mas, por outro lado,
passaram para uma outra situação que fez deles objecto de perseguição e exclusão. Toda uma campanha
se levantou contra os jesuítas forjando-se a ideia do seu espírito anti-ciência. Eles foram apontados como os
grandes responsáveis pelo obscurantismo e pelo atraso do país, tendo por isso sido expulsos do território
português. Contudo, é hoje indiscutível que a Companhia foi essencial para o desenvolvimento do ensino
científico na Europa e em Portugal. No século XVI, o Colégio de Santo Antão, em Lisboa, o Colégio das Artes,
em Coimbra e a Universidade de Évora, a cargo dos jesuítas, emergem como referências maiores no ensino
da ciência no nosso país. Neste enquadramento, destacamos como objectivo axial deste nosso artigo analisar
e reflectir sobre a importância que a actividade da Companhia de Jesus teve para a divulgação do
conhecimento científico em Portugal e para práticas de ensino inovadoras. Como fontes do nosso trabalho
seleccionámos: (i) As Constituições da Companhia de Jesus; (ii) O Ratio Studiorum; (iii) a Sphaera Mundi. A
ciência na Aula da Esfera, manuscritos científicos no Colégio de Santo Antão; (iv) o Colégio de Campolide:
1873-1898. Em termos de conclusão, podemos dizer que, contrariamente à opinião que usualmente circula
sobre o seu papel nas ciências e nas práticas de ensino, os jesuítas foram pioneiros da divulgação científica
e de práticas pedagógicas inovadores. O seu saber foi eleito num determinado quadro sócio-histórico de
relações de poder. Porém, as alterações das relações de poder implicaram a difamação do seu saber e das
suas práticas. Confirma-se assim, o que Foucault já nos havia referido - o poder produz um saber. Serve para
dizer que se verifica esta relação biunívoca. Não há poder sem a produção correlata de um saber nem um
saber que não suponha e constitua uma certa relação de poder.

Palavras-chave: Jesuítas, Práticas científicas, Práticas de ensino

INTRODUÇÃO
A analogia dos contrários é a relação da luz com a sombra, do cume com o fundo, do cheiro
com o vazio. A alegoria, mãe de todos os dogmas, é a substituição do selo pela sua marca,
da realidade pelas sombras, é a mentira da verdade e a verdade da mentira (Eliphas Levi,
Dogme de la haute magie, cit. por Eco, 1988, p.113).
Não é possível analisar e compreender a acção dos Jesuítas, fora de um quadro de relações de
poder. A inteligibilidade deste processo está em perceber como surgiu a Companhia de Jesus, como se
relacionou no seio da Igreja e o que fez com que os seus membros fossem perseguidos e a Companhia
acabasse por ser extinta.
A luz está umbilicalmente ligada ao conhecimento dominante. O conhecimento eleito recebe a
luminosidade da verdade. Evocando o conceito de participação de Tomás de Aquino (ed. 2002) diremos que
um objecto iluminado tem luz por participar da luz divina. Admitem-se diferentes graus de luminosidade em

246
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

função da sua participação no fenómeno. Neste sentido tomar parte do fenómeno faz com que uns tenham
mais luz do que outros. Participar está relacionado com o receber. E Tomás de Aquino diz-nos que tudo o
que é recebido depende da capacidade de “recipiente”. Trata-se de algum modo da reprodução da essência
divina, da expressão da verdade. Porém, a verdade não existe no vácuo social. O debate entre a razão e a
sem-razão, ou entre verdade e mentira, é um relato de jogo de forças e poderes. Foucault (1987) trouxe-nos
uma forma inovadora de análise das relações de poder. Ele vem-nos dizer na sua obra Vigiar e Punir que
existe uma relação entre o poder e o saber. Foucault refere-nos que as sociedades são governadas por
diferentes regimes de verdade e que estes estão ligados a mecanismos de poder. A verdade não é indiferente
ao poder, nem isenta de poder. Ela surge no interface do saber e do poder. O conceito de episteme formulado
por Foucault é esclarecedor sobre este assunto. Diremos que a partir da episteme, uma determinada
interpretação se impõe como a correcta, como a verdadeira. A episteme configura a nossa maneira de ver e
pensar, ou. dito de outro modo, faz ver e pensar, servindo de padrão de referência para se dizer o que está
certo ou errado. Esta perspectiva de abordagem leva-nos à magna interrogação sobre o valor da verdade.
A vida da Companhia de Jesus foi a de uma luta permanente. O seu percurso de ascensão e de
declínio mostra que a sua existência não foi pacífica. A Companhia de Jesus foi fundada em 1540 pela bula
Regimi militantes Ecclesiae e no contexto da reforma (ou mais correctamente Contra Reforma) beneficiou de
uma ascensão notável graças ao apoio do poder régio (chegaram a ser confessores do rei). Foi o rei D. Joao
III que os incumbiu de se lançarem na evangelização planetária pelo império marítimo. Os primeiros Jesuítas
que chegaram a Portugal logo em 1540 foram Simão Rodrigues e Francisco Xavier. O primeiro ficou no nosso
país e o segundo partiu para evangelizar o Oriente. Outros importantes jesuítas haviam de ir catequizar os
índios do Brasil (como, entre tantos outros, o Pe António Vieira e José de Anchieta, ambos entrelaçando a
cultura indígena com a cristã para melhor converter os indígenas). E outros haviam de ir para Africa - a partida
da missão jesuíta ao Congo parece ter sido em finais de 1552, tendo o Colégio de Jesus de Angola ter sido
fundado em 1575 (Soares, 1994, pp. 393-416). Deste modo, podem ser apodados de Construtores da
Globalização (Franco & Fiolhais, 2016).
A cedência do convento de Stº. Antão–o-Velho feita por D. João III acabou por ser a primeira casa
própria que os Jesuítas possuiram no mundo inteiro (Lopes, 1993). Curiosamente foi também pelo poder
régio, pelo decreto de 3 de Setembro de 1759, que os Jesuítas foram expulsos do território português. Aliás,
é comummente referido que sem a supressão dos jesuítas talvez o Marquês de Pombal não tivesse alcançado
o relevo historiográfico que acabou por conseguir (Franco, 2005). A obra Deducção Cronologica e analítica
(1767), de José de Seabra da Silva, tornou-se uma das obras mais importantes de ataque aos Jesuítas "falsa,
e detestável seita dos Monarchomacos [sic] republicanos Jesuítas seus sequazes". A tese central gira em
torno da ideia de que até à entrada dos Jesuítas, Portugal foi próspero e poderoso. Com eles, Portugal entrou
em processo de decadência, particularmente nas letras e nas ciências (Lopes, 1993). A ruptura foi de tal
ordem que Pombal não só ordenou a sua extinção, como confiscou os seus bens, e ainda proibiu alguma
reminiscência da sua herança - proibiu igualmente o método de ensino dos jesuítas que era usado nas
universidades (Vogel, 2017, p.80). Esta mudança deu início à construção do sistema público de ensino, tendo
sido criado para o efeito a figura do Director Geral dos Estudos, pelo Decreto de 28 de Junho de 1759 impondo
uma centralização directiva, régia. Pretende-se, assim, dar a imagem de modernidade dos Iluministas,
iniciando-se a separação entre a fé (religião) e a razão (ciência). Esta mudança acarretou novas relações de
poder, o que trouxe consequências para a educação.

247
A Escola: Dinâmicas e Atores

Nesta teia de relações de poder é preciso notar que a Companhia acabou por nascer quase ao mesmo
tempo que a Inquisição, criada em Portugal em 1536 pela bula Cum ad nihil magis. Esta ligação cronológica
acabou também por proporcionar entre estas duas instituições relações de proximidade e de antagonismo.
Têm em comum o facto de defenderem o catolicismo e lutarem contra o avanço do protestantismo. Existem
relações complexas entre elas, revelando-se algumas cumplicidades e confrontações. Nesta teia, os jesuítas
acabam por ser acusados de alumbradismo e eramismo. Na época em que os alumbrados eram perseguidos,
o próprio Inácio de Loyola foi considerado suspeito pela Inquisição por diversas vezes, tendo chegado a ser
preso quando frequentou a Universidade de Alcalá e depois também quando foi estudar para a Universidade
de Salamanca (Loyola, 2005).
O eramismo pretendia a renovação da espiritualidade (cristianismo renovado presente no oração de
cada pessoa, bastando apenas abrir-se à acção de Deus mediante a oração mental cheia de conteúdo vital
e humano), era contra a corrupção da hierarquia eclesiástica e os aspectos mais exteriores da religiosidade
católica (Tabares, 1994).
O alumbradismo foi perseguido pela Inquisição. Entre outras coisas, eram defensores de uma
espiritualidade mais centrada na prática interior (cristianismo interiorizado), não cristocêntrica, desprezavam
os rituais e os sacramentos, do mediador entre o homem e o divino, as hierarquias e as indulgências como
forma de reduzir o castigo. Foi no século XVI uma certa forma de heresia. Baseava-se num sentimento
pessoal, de acesso a todos, não pretendia colocar uma “razão” contra a outra. Face aos verdadeiros
“iluminados” por Deus, eram considerados o oposto ao que simbolicamente representava a luz. Apesar de
ser um conceito que acolhe diferentes sensibilidades, os alumbrados serviam de critério para distinguir a
verdadeira da falsa santidade. Ainda que o alumbradismo seja colocado no lugar da sombra, num olhar
diferente podemos considerar uma teologia da luz (Sanchez, 1952, pp.125-152).
O Luteranismo e o Calvinismo desencadearam uma crítica feroz à hierarquia da Igreja. A sangria
provocada por Lutero e por Calvino só poderia ser estancada com um poder equivalente. É no seguimento
desta preocupação que se compreende o investimento que os Jesuítas fizeram na fundação de colégios e
universidades. O cristianismo que tinha sido a grande novidade que emergiu no cenário do mundo antigo
estava ameaçado (Marias, 2000, p. x). A força aglutinadora do cristianismo entrou em erosão.
Para Bobineau & Tanil-Storper (2007, pp. 22-23), não podemos definir uma sociedade apenas por um
território, nem por um conjunto de indivíduos. É preciso considerar que a sociedade é formada pela ideia que
faz de si própria. Benedict Anderson (1993, p.23) fala da importância das comunidades imaginadas na nossa
maneira de pensar. Imaginada “porque aun los miembros da la nación más pequeña no conocerán jamás a
la mayoría de sus compatriotas, no los verán no oirán siquiera hablar de ellos, pêro en la mente da cada uno
vive la imagen de su comunión”. Nesta perspectiva, a religião desempenha uma força colectiva hipostática
(forças morais), que deriva das ideias e sentimentos que a sociedade desperta em nós. A religião é este
cimento aglutinador que fabrica a comunidade moral, possibilitando que as pessoas vivam juntas. Entre a
sociedade e a religião estabelece-se uma relação recíproca.
Um dos acontecimentos mais marcante foi, segundo Veyne (2007), quando em pleno império romano
em 312, Constatino, (um dos 4 co-imperadores) se converteu ao cristianismo. Sem esta viragem
provavelmente a história teria sido outra. No século VI, o império será quase só povoado por cristãos. Com a
sua conversão, Constantino pensa poder participar numa epopeia sobrenatural, assumindo ele a direcção
para a salvação da humanidade. O trono romano, ao tornar-se cristão, possibilitou que a Igreja se

248
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

transformasse numa potência. O imenso império, que era o centro do mundo, passará a ser o império cristão.
Foi esse campo magnético que veio possibilitar, num determinado contexto, a emergência dos Jesuítas, um
pouco por todo o mundo e particularmente em Portugal. Contudo ao apogeu que a Companhia conseguiu
granjear, sucedeu a sua expulsão do território português. O Marquês de Pombal expulsa-os pelo Decreto de
3 de Setembro de 1759: “Declaro os sobreditos regulares [os Jesuítas] (…) rebeldes, traidores, adversários e
agressores que estão contra a minha real pessoa e Estados, contra a paz pública dos meus reinos e domínios,
e contra o bem comum dos meus fiéis vassalos (…) mandando que efetivamente sejam expulsos de todos os
meus reinos e domínios”. Em 1834, Joaquim António de Aguiar, no quadro da restauração do liberalismo,
expulsa-os pelo decreto de 28 de Maio de 1834. E no início da República em 1910, o então ministro da Justiça
Afonso Costa volta a expulsá-los pelo Decreto de 8 de Outubro de 1910: “Artigo 1º - Continua a vigorar como
lei da República Portuguesa a de 3 de Setembro de 1759, promulgada sob o regime absoluto, e pela qual os
Jesuítas foram havidos por desnaturalizados e proscritos, e se mandou que efectivamente fossem expulsos
de todo o país e seus domínios ‘para neles mais não poder entrar’”.
Os Jesuítas foram objecto de uma campanha obsessiva que tinha por objectivo a erradicação de toda
a sua existência. Apesar de terem conseguido o monopólio do ensino, foram veementemente acusados de
terem sido o grande travão à educação e de serem os grandes inimigos da divulgação e desenvolvimento da
ciência. A história dos Jesuítas e as suas práticas de ensino devem ser vistas num olhar ambivalente. Da
situação histórica emergente de um determinado tipo de jogos de poder, que lhes proporcionou usufruírem,
por um lado, da possibilidade de intervenção e domínio de um saber sobre as práticas de ensino, mas. por
outro lado, passaram para uma outra situação que fez deles objecto de perseguição e exclusão. Toda uma
campanha se levantou contra os jesuítas forjando-se a ideia do espírito anti-ciência dos jesuítas. Eles foram
apontados como os grandes responsáveis pelo obscurantismo e pelo atraso do país.
Partindo deste enquadramento colocámos as seguintes perguntas nucleares para este nosso
trabalho:
§ Terão sido os Jesuítas os grandes impulsionadores das práticas científicas em Portugal?
§ Será que os jesuítas foram inovadores nas suas práticas de ensino?
Face a este enquadramento, o objectivo axial deste artigo é analisar e refletir sobre a importância que
a actividade da Companhia de Jesus teve para a disseminação das práticas científicas em Portugal e para a
vulgarização das suas práticas de ensino. Como fontes do nosso trabalho seleccionámos: (i) As Constituições
da Companhia de Jesus; (ii) O Ratio Studiorum; (iii) A Sphaera Mundi. A ciência na Aula da Esfera,
manuscritos científicos no Colégio de Santo Antão; (iv) A educação moral e religiosa nos colégios dos Jesuítas
(1913); (v) o Colégio de Campolide: 1873-1898.
A metodologia centra-se na heurística e na exploração das fontes tendo como critérios de análise e
interpretação os seguintes descritores: disseminação de práticas científicas e inovação de práticas de ensino.

DISSEMINAÇÃO DE PRÁTICAS CIENTÍFICAS


Fiolhais (2013), ao abordar a história da ciência em Portugal, refere que encontramos períodos de luz
e de sombra. O período de sombra, que vai do final do século XVI e início do século XVII, tendo correspondido
à União Ibérica, foi atenuado pela intervenção dos Jesuítas. Neste período de apagamento da soberania
nacional, a acção da Companhia de Jesus foi determinante para a recepção do que a vanguarda dos cientistas
europeus ia produzindo.

249
A Escola: Dinâmicas e Atores

O interesse da Ordem inaciana pelas ciências está, desde logo, presente no Ratio Studiorum (1599),
o documento sistematizador da pedagogia jesuítica. Christopher Clavius (1537-1612), que contribuiu para a
sua redacção, insistiu que no programa de estudos se desse a mesma importância às ciências como às outras
disciplinas (Udías Vallina, 2000, pp.207-208). E Clavius tenta promover o ensino da Matemática no interior da
Companhia, procedendo a uma defesa epistemológica desta disciplina nas suas obras pedagógicas e lutando
pelo estabelecimento de uma academia dedicada ao seu ensino no célebre Colégio Romano de Itália (Mota,
2008). Assim, a par do ensino das Humanidades, entre as quais se destacavam a Filosofia e a Teologia,
ensinavam-se as ciências naturais e a matemática (Romeiras & Leitão, 2012).
Acresce a este facto, o contexto cultural em que a Companhia de Jesus é fundada, contexto esse
marcado pela emergência e florescimento da ciência moderna. Em 1543, é publicada a obra de Copérnico
que estabelece pela primeira vez o sistema astronímico heliocêntrico. Em 1609, Kepler publica a Astronomia
Nova. Em 1610 e 1630 surgem as obras Discurso e Os diálogos, de Galileu. Em 1637, Descartes edita o seu
Discurso do Método. Em 1687, Newton publica Principia Mathematica e em 1704, a obra Óptica. Estes autores
nestas obras abandonam definitivamente os princípios da ciência medieval ancorada no sistema teocêntrico
e na Física aristotélica. São estas obras e estes autores que inauguram os fundamentos da ciência moderna
ao preconizarem o método científico baseado na experimentação, na observação e nos princípios
matemáticos. Face a este cenário propício ao desenvolvimento das ciências, os jesuítas científicos, como
reconhece Thuiller (1988), se bem que não tenham inventado a ciência moderna contribuíram para o seu
desenvolvimento pela importância que deram ao ensino das matemáticas, à observação e à experimentação.
Neste mesmo sentido, sublinha Udías Vallina (2000, p.208) “los jesuitas de entonces comprendieron que era
muy necesario su presencia y trabajo en el campo de las nuevas ciencias, como parte de su trabajo apostólico
y aún ahora siguen considerándolo como uno de los ministerios de la Compañía más importantes”.
O desenvolvimento científico dos Jesuítas – já abordado por Francisco Rodrigues (1938-1950), Luís
de Albuquerque (1994), Rómulo de Carvalho (1989) e. mais recentemente, por investigadores como Leitão
(2008), Mota (2008), Gessner (2008) Romeiras (2015), Ugo Baldini (2000, 2004) entre outros - foi manifesto
quando em 1553 fundaram o Colégio de Santo Antão, onde se se distinguiram pelo ensino das Ciências, na
conhecida e célebre Aula da Esfera. A origem da designação Aula da Esfera está certamente relacionada
com os inúmeros Tratados da Esfera redigidos na Idade Média, sobretudo o Tratado da Esfera de João
Sacrobosco que datava do século XIII. Nesses tratados eram expostas noções de Cosmografia e Astronomia,
temas esses conhecidos na época como Esfera. Francisco Rodrigues, a partir de 1555, começa a ministrar
aulas de Esfera e são estas lições que estão na génese da futura Aula da Esfera (Leitão, 2008, p.20).
Na aula da Esfera, eram abordados diversos temas científicos: geometria, álgebra, trigonometria
plana e esférica, logaritmos, náutica, óptica, perspectiva, cenografia, astronímia, técnicas variadas de
Arquitectura e Engenharia militar, construção de máquinas simples e de instrumentos científicos. O papel de
relevo dado à astronomia deve-se, principalmente, às experiências feitas no Observatório astronómico de
Santo Antão, onde jesuítas, como Luis Gonzaga, Bocarro, Carbone, Borri, Teles, Soares e outros trabalharam
e deram a conhecer ao estrangeiro as observações feitas em Portugal. Assuntos importantes como o
telescópio e as observações que o seu uso permitia e as discussões sobre o ordenamento cosmológico do
mundo tiveram na referida Aula espaço relevante.
A Aula da Esfera contou com professores eminentes da ciência europeia seiscentista (Christoph
Grienberger (1564-1636), Cristoforo Borri (1583-1632), Paolo Lembo (1570-1618). E contou com os mais

250
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

destacados homens de ciência nacionais (João Delgado (1553-1612), Francisco da Costa (1567-1604), Luis
Gonzaga (1667-1714), Manuel de Campos (1681-1758), Inácio Vieira (1678-1739), entre outros. Alguns dos
alunos da Aula da Esfera viriam a tornar-se figuras com grande notoriedade nos diversas campos científicos:
o cosmógrafo e engenheiro-mor do reino, Luís Serrão Pimentel (1613-1679), o cosmógrafo-mor Manuel
Pimentel (1650-1719) e o lente de Engenharia, Francisco Pimentel (1652-1706) entre outros (Leitão, 2008,
p.19). “A Companhia de Jesus foi, provavelmente a ordem religiosa mais polémica da história moderna, mas
o seu estudo revela-se fundamental para se compreender a história da ciência nos sec. XVI, XVII e XVIII”
(Romeiras (2015, p.13)

PRÁTICAS DE ENSINO INOVADORAS


“Nem estudos nem lições” é, paradoxalmente, uma das frases das Constituições inacianas, jesuítas.
Contudo, a educação foi uma das actividades a que Companhia se dedicou desde muito cedo, como o
comprova o número de colégios jesuítas que foram sendo fundados (Couto, 2008, p.10). Entre 1540 e 1759,
os jesuítas estabeleceram em Portugal uma rede de colégios, chegando a ser responsáveis pela educação
de cerca de 20 000 alunos numa população de 3000000 de habitantes. O Colégio de Santo Antão (Lisboa),
no início do seu funcionamento em 1553, tinha mais de 500 alunos; em 1575 eram 1300 alunos, em 1588 e
1593 eram 2000. No Colégio das Artes (Coimbra) em 1558 eram 1000 alunos e em 1594 2000. Em Évora em
1575 eram 1000 e em 1592 eram 1600 alunos Em 1600, existiam entre 236 e 245 colégios jesuítas espalhado
pelos diversos países, tendo essa cifra subido até 800, em finais do século XVIII (Rodrigues, 1917, pp. 168-
169).
O Colégio de Santo Antão a que já aludimos, começou por funcionar num antigo convento de Lisboa
na zona da Mouraria, e nele se leccionavam aulas de Latim, Grego, Retórica, temas morais e religiosos.
Todavia, a par deste ensino, a Aula da Esfera tem a particularidade de se dirigir não só a futuros missionários
especializados e eruditos mas também a um público laico sedento de saberes/fazeres práticos e úteis para a
navegação, agrimensura, fortificação e máquinas de guerra. Deste modo, havia aulas ministradas em latim
para o público eclesial e culto e aulas leccionadas em português para o público laico e menos erudito. Assim,
logo no século XVI, os jesuítas tentam responder à necessidade sentida por pilotos, sotapilotos, mestres,
contramestres, guardiães a cujo cargo está o governo das ditas viagens e ainda aos cartógrafos, construtores
de instrumentos náuticos e homens do mar (Albuquerque, 1994).
Na Aula da Esfera – tendo, aliás, em linha de conta o próprio título (Esfera) - é atribuído um interesse
particular aos instrumentos, nomeadamente aos globos (o globo terrestre, o globo celeste fechado
(representando as constelações) e o globo celeste fechado (esfera armilar). São referidos também os relógios
de sol de vários tipos, um instrumento para medir a variação magnética, diversos mapas, o astrolábio
(náutico, ordinário e inclinado), a agulha de marear, a fábrica e uso da balestilha, a pedra de cevar, o
instrumento de Pedro Nunes para o nordestear e noroestear (Albuquerque, 1994).
A par das práticas inovadoras no ensino científico, como ficou demonstrado na célebre Aula da Esfera,
os colégios dos Jesuítas foram pioneiros na introdução dos jogos e da ginástica. Os padres inacianos editaram
em latim tratados de ginástica que incluíam as regras dos jogos recomendados, aceitando-se cada vez mais
a necessidade dos exercícios físicos. Os médicos do século XVIII conceberam a partir dos velhos jogos de
exercício, da ginástica dos jesuítas, uma técnica nova de higiene do corpo - a cultura física. Os padres
Jesuítas compreenderam que era possível tirar partido educativo dos jogos. Desta forma, os divertimentos,

251
A Escola: Dinâmicas e Atores

disciplinados e reconhecidos como bons, foram aceites e recomendados como meio de educação tão
estimáveis como os estudos (não só se deixou de denunciar a imoralidade da dança como se começou a
ensinar a dança nos colégios pois harmonizavam-se os movimentos do corpo e evitavam-se as más posturas,
dando desenvoltura e boa aparência).
Na sequência da restauração da Companhia de Jesus, o Colégio de Campolide, construído em 1858
por Carlos Rademaker (1828 - 1885), fazia parte de uma rede de colégios que foram fundados, uns dedicados
ao ensino secundário, outros a casas de formação religiosa em Portugal, África e Oriente. Esse Colégio
integrava já na sua organização e construção do espaço as preocupações higiénicas da época (Brás,
Gonçalves & Robert, 2016).
Para além da linha arquitectónica, o Colégio de Campolide era, segundo um ex-aluno, Benjamin de
Sousa Teixeira, “arejado e batido de ares, o sol e ar penetravam nele sem esforço, lavando-o, aquentando-o
e iluminando-o. No traçado das aulas, das salas de estudo, dos próprios recreios, ali vão esses primários
elementos exercer a sua exercer a sua benéfica acção com todo o seu poder, com a intensidade exigida, na
conta desejada” (Teixeira, 1908, pp. 202-203). Isto era de capital importância, quer para o pedagogista, quer
para o higienista. A boa distribuição da luz (sem exageros) e do ar (sem o perigo das correntes perniciosas)
demonstra a correcção que presidiu à sua construção. Refere-se ainda a existência de uma enfermaria,
reunindo todas as condições requeridas com uma perfeição inexcedível. Pedro José Ferreira (1908), na
revista O Nosso Colégio, no número 4º, comemorativo do Jubileu Campolidense, num artigo intitulado A
Educação Física sublinha que [no Colégio de Campolide] a “Ginástica está metodicamente feita e
acertadissimamente dirigida (...) porque se o corpo não for são e forte não poderá o cérebro com vantagem
fazer o seu trabalho” (Ferreira, 1907-1908, pp.207-208). Segundo este autor, “consideram-se factores da
Educação Física, a Ginástica, os jogos educativos, as excursões, os modificadores mesológicos do alto de
Campolide, o racional regime alimentar, os desportos. Considera-se a ginástica científica como a base de
toda a educação física”. E deseja que a nova reforma de estudos “conceda mais tempo à ginástica de modo
a que todos os alunos possam ter uma hora por dia”. Continua o mesmo autor e ex-aluno do Colégio de
Campolide: “O excessivo trabalho intelectual a que são sujeitos os alunos fá-los abandonar e até desvirtuar a
educação física e a moral. Todo o tempo é para os estudos e aulas intelectuais, tornando-se difícil tirar algum
tempo para os cuidados morais e físicos. No Nosso Colégio considera-se a ginástica científica como a base
de toda a educação física” (Ferreira, 1907-1908, p.208).

CONCLUSÕES
Pela nossa pesquisa, podemos afirmar que, contrariamente à opinião que usualmente circula, os
jesuítas foram grandes pioneiros da divulgação científica e de práticas pedagógicas inovadoras. O seu saber
foi eleito num determinado quadro sócio-histórico de relações de poder. Porém, as alterações das relações
de poder implicaram a difamação do seu saber e das suas práticas. Confirma-se, assim, o que Foucault (1987)
já nos havia referido - o poder produz um saber. Serve para dizer que se verifica esta relação biunívoca. Não
há poder sem a produção correlata de um saber nem um saber que não suponha e constitua uma certa
relação de poder.
Os jesuítas beneficiaram de um contexto de relações de poder. Pelo poder régio (D. João III) foram
chamados tendo desempenhado um papel importante na evangelização planetária pelo império marítimo.
Paradoxalmente, o mesmo poder régio (Marquês de Pombal) e o poder republicano (Afonso Costa) expulsa-

252
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

os do território português. Eles foram luz e, ao mesmo tempo, sombra. Foram luz quando as relações de
poder os projectou para uma posição de domínio e quando o seu saber lhes permitiu serem uma influência
modeladora não só na Igreja mas na sociedade em geral, nomeadamente na política, na diplomacia, na
cultura e na educação. E foram sombra quando foram escorraçados. Na imagiologia pombalina, os jesuítas
são os grandes oponentes da idade das luzes e no século XIX, sob a óptica anticlerical dos republicanos, são
apodados de apóstolos das trevas, na terminologia de Silva Pinto na obra dramatúrgica os Homens de Roma
(1875) tão em voga no teatro oitocentista.

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Legislação
Decreto de 28 de Junho de 1759
Decreto de 3 de Setembro de 1759
Decreto de 28 de Maio de 1834
Decreto de 17 de Novembro de 1836
Decreto de 8 de Outubro de 1010

255
A Escola: Dinâmicas e Atores

LIDERANÇAS EM CONTEXTO DE SUPERVISÃO


MODOS DE INTERAÇÃO E PRÁTICAS DE TRABALHO COLABORATIVO
[ID 274]

Alexandra Cabral
Isolina Oliveira
LE@D, Universidade Aberta
malexandracabral@gmail.com; Isolina.Oliveira@uab.pt

Resumo
As lideranças sustentáveis são eficazes quando na sua base está a congregação de vontades dos professores
que assumem como sua a missão da escola (Hargreaves & Fink, 2007). Assim, a perspetivação de uma
cultura de escola que se traduza no trabalho colaborativo, numa perspetiva de partilha e aprendizagem ao
longo da vida, consubstanciando-se numa prática reflexiva, abrirá caminho a uma melhoria das práticas
letivas. O coordenador de departamento, estrutura de liderança intermédia com responsabilidades
supervisivas, enquanto par dos seus colegas, detém uma posição de relevância, pois a operacionalização
das suas funções e a sua capacidade de articulação com a escola e os professores constituem o âmago do
pulsar pedagógico da instituição.
Com o presente estudo, visa-se compreender, relativamente a uma escola de terceiro ciclo e secundária, as
perceções do papel do coordenador de departamento, sua relação com as restantes lideranças, e a evolução
das formas de trabalho dos professores, tendo em conta as últimas alterações legislativas. Pretende-se
contribuir para a reflexão da comunidade escolar sobre as práticas vigentes na escola e a sua evolução.
Neste estudo de natureza qualitativa, a fonte primordial de recolha de dados foi a entrevista aberta a
lideranças de topo e intermédias, e a outros professores. Foram observadas reuniões e outras sessões em
torno do trabalho colaborativo e consultados documentos oficiais de escola, como o projeto educativo, o plano
anual de atividades, o regulamento interno e outros, para enquadramento da análise às entrevistas. A
informação foi cruzada e contextualizada, de modo a permitir a inferência de conclusões que espelhem os
olhares dos que vivem o processo em análise.
As conclusões preliminares apontam para diferentes perceções do papel do coordenador de departamento,
bem como da articulação entre as lideranças intermédias. Na linha desta pluralidade de conceções e também
das diferentes formas de estar e perceber a escola, verifica-se alguma diversidade de pontos de vista acerca
do modo de entender o quotidiano do professor, nomeadamente no que se refere ao trabalho colaborativo
entre pares, o que se traduz em termos de prática docente e de desenvolvimento profissional.

Palavras-chave: Coordenador de departamento, Liderança e supervisão pedagógica, Trabalho colaborativo.

Résumé
Les “leaderships soutenables” sont efficaces lorsqu’à leur base nous trouvons la congrégation de la volonté
des professeurs qui assument comme leur la mission de l’école (Hargreaves & Fink, 2007). Donc, la
perspective d’une culture d’école qui se traduise en un travail collaboratif sous le biais de partage et
d’apprentissage au long de la vie, qui s’unifie en s’appuyant d’une pratique d’enseignement réflexive,
déclenchera une amélioration des pratiques de l’enseignement. Le coordinateur de département, structure de
leadership intermédiaire ayant des responsabilités de supervision comme pair de ses collègues, détient une
position importante puisque l’opérationnalisation de ses fonctions et sa capacité à coordonner l’école et les
professeurs constituent l’amalgame du pouls pédagogique de l’établissement scolaire.
Cette étude vise comprendre, en ce qui concerne une école d’enseignement du second degré (collège et
lycée), les perceptions du rôle du coordinateur de département, son rapport avec les autres structures de
leadership ainsi que l’évolution des formes de travail des professeurs, selon les derniers changements de la
législation. Nous prétendons contribuer à la réflexion de la communauté scolaire en ce qui concerne les
pratiques en vigueur à l’école ainsi que leur évolution.
Dans cette étude qualitative, la principale source de collecte de données a été l’entretien ouvert dirigé aux
structures de leadership de sommet et intermédiaires ainsi qu’à d’autres professeurs.
Nous avons aussi observé des réunions et des sessions de travail collaboratif et consulté les documents
officiels de l’école tels que le projet éducatif de l’établissement, son plan annuel d’activités et son règlement
interne, afin de pouvoir élaborer le cadre théorique de l’analyse des entretiens. L’information a été croisée et

256
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

contextualisée pour permettre l’inférence de conclusions qui reflètent le regard de ceux qui vivent le processus
de cette analyse.
Les conclusions préliminaires indiquent différentes perceptions du rôle du coordinateur de département ainsi
que de l’articulation des leaderships intermédiaires. Dans la ligne de cette pluralité de conceptions, mais aussi
de différentes façons d’être et de comprendre l’école, nous vérifions une certaine diversité de points de vue
quant à la façon d’envisager le quotidien du professeur, surtout en ce qui concerne le travail collaboratif entre
pairs, ce qui se reflète dans la pratique de l’enseignant et de son développement professionnel.

Mots-clés: Coordinateur de département, Leadership et supervision, Travail collaboratif.

INTRODUÇÃO
Na escola do século XXI, a aprendizagem contínua por parte de todos os elementos da comunidade
educativa é um imperativo para fazer face a um mundo em constante evolução, pois é “necessário que a
escola se pense e se prepare” (Alarcão & Tavares, 2003, p.223).
No entanto, o impacto positivo da mudança, nas escolas, mensurável através dos resultados
produzidos, só terá sucesso e perdurará se partir da conjugação da vontade de todos em torno do trabalho
colaborativo, como referem Fullan & Hargreaves (2001): “As culturas colaborativas criam e sustentam
ambientes de trabalho mais satisfatórios e produtivos” (p.90). Não obstante, de acordo com Leite & Fernandes
(2010), raramente as mudanças políticas em educação obtêm uma adesão imediata por parte dos docentes,
pois o seu ponto de vista não é geralmente equacionado no delinear das opções tomadas, o que os leva a
reagir defensivamente, ao sentirem-se ameaçados, desvinculando-se e resvalando para a instabilidade e
insegurança. Tal modo de viver as mudanças vem pôr em causa o sucesso das finalidades almejadas pelas
lideranças.
No contexto das atuais políticas educativas, é nos coordenadores de departamento curricular que
assentam responsabilidades inerentes à supervisão pedagógica, articulação curricular, deteção de
necessidades de formação, avaliação de docentes, promoção do trabalho colaborativo, entre outras. Este
integra as estruturas intermédias da escola, podendo considerar-se um gestor intermédio, que, de acordo
com Oliveira (2000), “tem a possibilidade de reconhecer os desequilíbrios e as disfunções do sistema escolar
e tem a autonomia e legitimidade para promover medidas de apoio e de correcção”. (p.48)
No âmbito das funções que a primeira autora desempenha, coordenadora de departamento numa
escola de terceiro ciclo de ensino básico e ensino secundário, não agrupada, propusemo-nos refletir sobre a
figura e as funções do coordenador de departamento curricular, o seu papel na escola, as potencialidades e
constrangimentos com que se depara e o impacto que se espera da sua atuação. Considerando as funções
que a lei lhe atribui e a articulação da sua atuação com outras estruturas da escola, este trabalho tenta
perspetivar o papel do coordenador de departamento a partir do cruzamento de diferentes pontos de vista.
Este estudo tem como objetivos analisar conceções de professores sobre as lideranças intermédias
e o papel do coordenador de departamento curricular; identificar perceções sobre a articulação da ação do
coordenador de departamento curricular com a das restantes lideranças de topo e intermédias; compreender
a evolução, na escola onde se realiza o estudo, de formas de trabalho dos professores.
Pretende-se contribuir para a reflexão da escola sobre o seu funcionamento, através do entrecruzar
de diferentes olhares que se conjugarão num desenho especular consubstanciado em narrativas. Parte-se,
com Roldão (2000), do pressuposto de que o desenvolvimento profissional é essencial à escola, a considerar
como um todo que segue uma visão estratégica, e à eficácia dos seus elementos. Assim, uma “dinâmica de
desenvolvimento” levará à melhoria da escola “alimentada pela reflexão sobre as suas próprias estratégias e

257
A Escola: Dinâmicas e Atores

a correspondente capacidade de tomar ou refazer decisões em resultado dessa análise.” (p.73). Os resultados
apresentados neste estudo são ainda preliminares.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS
A colaboração empenhada entre os professores, visando o aperfeiçoamento e a melhoria, é um
primeiro passo na construção de uma cultura de escola reflexiva, enquanto “uma realidade que se pensa,
organiza, realiza e avalia a sua própria missão e respetivas funções de conhecimento, aprendizagem,
investigação e socialização” (Tavares, 2000, p.59). Neste sentido, a supervisão permite desvendar caminhos
de desenvolvimento profissional e afinar estratégias e percursos, considerando a “monitorização, regulação,
avaliação e liderança” (Alarcão, 2014, p.29). É, no entanto, impensável chegar a bom porto sem o empenho
e integração dos docentes nas ações a desenvolver, não obstante as determinações da tutela, pois, conforme
afirma Nóvoa (2002, p.60), “as escolas não podem mudar sem o empenhamento dos professores; e estes
não podem mudar sem uma transformação das instituições”.
Por outro lado, cada vez mais, o currículo é considerado “como projecto capaz de se adequar às
necessidades”, o que implica que a ação dos professores seja “guiada pela inovação e por um trabalho em
equipa” (Leite & Fernandes, 2010, p.199). Neste sentido, Stoll, Mcmahon, Wallace & Thomas (2006)
defendem as comunidades de aprendizagem profissional, “communities of continuous inquiry and
improvement”, “(…) to enhance their effectiveness as professionals for the students’ benefit” (p.223). Estas
comunidades de professores visam a melhoria das práticas, a partilha e a evolução conjunta, “teachers
collaborate to reinvent practice and share professional growth” (Little, 1999, citado em Stoll, Mcmahon,
Wallace & Thomas, 2006, p.225).
A inovação, enquanto mudança, é fomentada pelas lideranças de topo, mas o seu sucesso sustentado
depende da motivação e empenho dos professores. Consequentemente, a ação dos líderes deve motivar a
participação empenhada de todos, já que “a estandartização «à prova do professor» só contribui para
aumentar a resistência à mudança repetitiva por parte dos docentes por ela afectados”. (Hargreaves & Fink,
2007, p.27). Deste modo, convém trabalhar a longo prazo, de modo a que as melhorias se tornem consistentes
e contribuam para um crescimento harmonioso. De acordo com o conceito de “liderança sustentável”,
“aprende-se com o passado e a diversidade, (…) resiliência face à pressão, espera-se pacientemente pelos
resultados e não se conduz as pessoas ao esgotamento”. (Hargreaves & Fink, 2007, p.37).
A sustentar a ação dos diretores, e em estrita articulação com estes, existem hoje as designadas
“lideranças intermédias” ou “cargos especializados”, que “numa relação articulada com os órgãos de gestão,
colaboram na concretização do projeto educativo” (Oliveira, 2000, p.49). Hargreaves e Fink (2007) defendem
que deve valorizar-se a transparência entre os professores, numa lógica de partilha entre pares, de
colaboração, mas também de aferição de práticas: “visitas e observação de aulas interpares, revisões
conjuntas dos trabalhos dos alunos, treino realizado por outros colegas, assunção de papeis de mentor”
(p.61).

METODOLOGIA
Abordagem metodológica
Almejando-se um estudo aprofundado que induzisse a reflexão, através do entrecruzar de diferentes
olhares conjugados num desenho consubstanciado em narrativas, optou-se por um estudo de caso. Por

258
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

pretendermos perceber o entendimento de um grupo específico de pessoas e a sua interação com o universo
escolar, numa perspetiva naturalista, investigámos “os fenómenos em toda a sua complexidade e em contexto
natural”, valorizando a riqueza descritiva e pormenorizada dos dados “relativamente a pessoas, locais e
conversas” (Bogdan & Biklen, 1994, p.16). Deste modo, e aproveitando a nossa posição no contexto escolar,
procedemos à recolha de dados em ambiente natural através de contactos de proximidade, no intuito de
compreender “comportamentos a partir dos sujeitos de investigação” (Bogdan & Biklen, 1994, p.16).
Como estratégia estruturante, foi selecionada a entrevista em profundidade, acompanhada por
observação (reuniões de professores, de coordenação, de conselho pedagógico) e análise documental,
partindo-se de uma questão inicial “Como é perspetivado o papel do coordenador de departamento curricular,
enquanto estrutura de liderança intermédia, na vida da escola?”.

Recolha de dados
Foram entrevistados professores em posição de connosco partilharem uma diversidade pontos de
vista: o presidente do conselho geral, o diretor, a diretora anterior, dois coordenadores de departamento em
exercício de funções, um coordenador de diretores de turma, quatro coordenadores de área disciplinar e
quatro professores sem cargos.
Os dados foram recolhidos no espaço da escola, através de catorze entrevistas, com a duração de
cerca de uma hora cada, gravadas e transcritas. Dado pretender-se uma perspetiva em profundidade do ponto
de vista dos sujeitos, não os constrangendo nem limitando o seu espaço de reflexão, o modelo foi não
estruturado. Assim, as perguntas foram apenas elencados temas, sugeridos à medida que a conversa fluía e
quando o seu desenvolvimento se proporcionava.
Em confronto com a entrevistas foram consideradas notas de campo com base na observação
naturalista de reuniões, conversas ou ambientes, bem como a perspetiva oficial, patente nos documentos de
escola, como o projeto educativo, o relatório de autoavaliação, atas e sínteses várias.
Para o tratamento dos dados, tomámos Bardin (2015) como matriz. Formularam-se inferências,
fundamentadas em excertos de amostras, considerando-se a multiplicidade de pontos de vista e a revisão da
literatura. Por fim, registaram-se algumas conclusões, embora o processo esteja ainda em curso.

RESULTADOS
Papel e funções do coordenador de departamento
Embora o coordenador de departamento seja uma estrutura de coordenação e supervisão pedagógica
valorizada em termos legislativos, não é considerado por muitos sujeitos do estudo como um cargo que faça
sentido, já que a referência, para a maioria, é o grupo pedagógico. Afirmam que os departamentos “são de
construção um bocado artificial”.
Existe um entendimento desigual e por vezes contraditório das funções do coordenador: alguns
entrevistados consideram que a função primordial do coordenador de departamento será veicular a
informação (“…tem de transmitir o que vem do pedagógico); outros classificam-no como um representante;
outros mencionam a vertente da supervisão, ligada à ideia de avaliação de desempenho: “… um colega que
faça a avaliação e supervisão. As coisas estão ligadas”, ou referem a supervisão enquanto aferição do
cumprimento de normas e procedimentos: “… supervisão (…) verificação”. Outros, ainda, valorizam a
supervisão dos coordenadores de grupo, ou área disciplinar, e a mediação entre grupos: “saber o trabalho

259
A Escola: Dinâmicas e Atores

que os coordenadores de área disciplinar estão a fazer”; “conhecer bem o projeto de cada grupo”. A
coordenação de departamento foi também ligada a conceitos de liderança e supervisão enquanto controlo,
divulgação das boas práticas (“…cada coordenador analisa, acompanha e supervisiona?”), ou
aconselhamento e promoção da reflexão (“conselhos sobre a forma de estar e lidar…”) , desenvolvimento
profissional (“supervisão do ponto de vista do desenvolvimento profissional”) e “identificação das
necessidades de cada professor”.
No que respeita à definição do perfil necessário a esta liderança, mencionaram-se o pendor reflexivo,
a capacidade de ouvir, boas relações interpessoais (“cordialidade, respeito, aceitação”), o reconhecimento
dos pares, a capacidade de agir numa lógica de escola, de criar consensos (“gerir conflitos (…) ideias e
conceções que cada um tem”). Raramente é referida a formação especializada.

Lideranças intermédias
Consideram-se lideranças intermédias os coordenadores de departamento, os coordenadores de
diretores de turma e os coordenadores de área disciplinar, antigos coordenadores de grupo ou delegados.
Verifica-se que as lideranças intermédias são muito valorizadas pelos líderes de topo, que as
entendem como colaboradores imprescindíveis e facilitadores da ação da direção: “cargos que fazem toda a
diferença na eficácia da escola”; “as lideranças são motores”. Por outro lado, a perceção de alguns
professores é a de que as lideranças intermédias não se valorizam pela ação nem são valorizadas pelo
legislador, que, de certo modo, as coarta (“… há uma desvalorização, pela legislação, dessas estruturas
intermédias (…). Acho que deviam ser mais valorizados, mas também valorizarem-se mais.”).
É na figura do coordenador de área disciplinar, ou grupo, que reside o âmago da coordenação dos
docentes, nesta escola, principalmente dos novos professores ou daqueles que manifestem algumas
dificuldades (“Supervisão de acompanhamento de trabalho, de proximidade, auxiliando (…) ajudá-los a
superarem ou indicar-lhes caminhos…”). É quem supervisiona e coordena o trabalho colaborativo entre
docentes (“…tentar que as pessoas trabalhem em equipa, que haja uniformidade de procedimentos e de
critérios, a nível de avaliação, de execução de instrumentos de avaliação e não só, da própria metodologia
para o trabalho nas aulas”); o responsável pela verificação dos procedimentos didáticos (“… critérios
específicos – cumprimento de programas, planificações, avaliação específica das disciplinas”); e em quem o
coordenador de departamento delega a avaliação do desempenho dos membros do grupo.
O coordenador de diretores de turma, sendo embora um órgão de coordenação e supervisão, com
assento em conselho pedagógico, restringe, nesta escola, a sua ação a questões procedimentais e
organizativas: “”ajudar os colegas, se tiverem alguma dúvida, transmitir as informações do pedagógico ou da
direção, aquelas que a direção tiver”.
A perceção genérica prende-se com o entendimento de que as lideranças intermédias mantêm um
perfil muito discreto, não sendo visível a sua ação: “… as estruturas intermédias têm que funcionar – não
podem ser apenas órgãos ou cargos que passem a informação “.

Articulação entre lideranças


Formalmente, a articulação entre a direção e os coordenadores de departamento e de diretores de
turma tem lugar em conselho pedagógico: “A articulação, nós fazemo-la via pedagógico. O pedagógico toma
decisões, os coordenadores depois (…) transmitem aos professores.”. De facto, o conselho pedagógico é o

260
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

espaço em que o diretor apresenta as suas opções, ouvindo os coordenadores de departamento e os


coordenadores de diretores de turma.
Para além dos conselhos pedagógicos, realizam-se periodicamente reuniões entre coordenadores de
departamento ou coordenadores de departamento e coordenadores de área disciplinar.
A articulação entre as coordenações é vista como incipiente por alguns: ““os coordenadores de
departamento deveriam reunir-se mais (…) em que se definam ações concretas e em que se possam tomar
opções”.
É também referido por alguns entrevistados que o controlo efetuado pelos coordenadores de
departamento deveria ser mais sistemático, que deveriam ser publicitadas as boas práticas e promovida a
equidade de procedimentos.
De facto, a liderança de topo é fulcral na vida da escola, já que o diretor implementa o seu projeto e
os coordenadores têm como dever auxiliar a sua operacionalização, o que por vezes é interpretado como
inação : “…as pessoas ainda vivem um bocado na dependência daquilo que o diretor diz para fazer, ou que
a direção diz para fazer”. Por outro lado, a atuação das coordenações depende da informação veiculada pela
direção: “… o coordenador, para poder pensar sobre (…), ou como pode ajudar um professor, tem que estar
de posse da informação”. O envolvimento das lideranças intermédias, por parte da direção, é considerado
determinante, para que estas sintam como suas as decisões que têm de por à consideração dos colegas e/ou
fazer cumprir: “É preciso que o diretor possa perspetivar as coisas já com alguma tranquilidade e alguma
distância, de modo a, com alguma antecedência, envolver os coordenadores de departamento e através deles
os próprios coordenadores de área disciplinar para desempenharem determinado tipo de tarefas.”. O
envolvimento de cada um dos professores é também defendido como essencial.

Colaboração, formação, estudo e reflexão – a evolução


Ao longo do ano letivo de 2015/2016, noventa minutos semanais (não letivos) foram dedicados ao
trabalho colaborativo entre professores do mesmo grupo, ou área disciplinar. A finalidade era promover a
troca de experiências, planificações, preparação de atividades letivas, formação, posteriormente supervisão
entre pares voluntários. Considerou-se essencial “que tenham no horário uma hora em que possam discutir,
tirar dúvidas, apresentar problemas… e estar em grupo disciplinar.”. Tal determinação foi tomada pela direção
e implementada em horário semanal fixo, o que foi mal-aceite. No entanto, apesar de alguma contestação
inicial, no final do ano, todos os grupos votaram pela continuidade da medida. A apreciação das atividades
permitiu tirar algumas conclusões e proceder a recomendações. Não obstante, há quem afirme que “…foi
marcado um bocadinho à força e se calhar com o tempo isso vai dar melhores resultados” (…) “. Outros
referiram que “Há quem faça muita resistência (…) há grupos que até dizem que trabalham muito bem.” ; “(…)
os professores têm que se sentir seguros de que esse trabalho é importante que se faça e que não serve para
catalogar, não é para seriar, não é para avaliar, mas sim para melhorar as práticas.”
Importa que os docentes compreendam por que vale a pena realizar trabalho colaborativo e, em
simultâneo, invistam na melhoria das relações interpessoais.
No que respeita à organização das sessões de trabalho colaborativo, não há consensos, pois são
diversos os entendimentos sobre a planificação das atividades: defende-se o agendamento, pelo coordenador
de área disciplinar, da ordem de trabalhos (“…a riqueza do trabalho colaborativo (…) depende muito de quem
o prepara e de quem planifica a reunião.”), por oposição à determinação, pelos professores, dos assuntos a

261
A Escola: Dinâmicas e Atores

tratar: “E não havendo uma ordem de trabalhos dirigida, cada grupo pode definir o que naquele momento está
a ser mais importante, mas sempre com a perspetiva do desenvolvimento, de fazer qualquer coisa útil…”.
Levanta-se ainda a questão da verificação e apreciação do trabalho realizado. Efetuado um
levantamento das atividades de cada grupo, no final do ano transato, chegou-se à conclusão de que há
procedimentos que foram seguidos por todos os grupos. No entanto, há variações que se prendem com as
características das disciplinas a operacionalizar e com o número de professores que leciona cada disciplina
por ano. Há a considerar, ainda, as relações interpessoais e o grau de adesão dos docentes à colaboração
interpares, que teve repercussões evidentes no decorrer do processo.
Outro aspeto importante, também referido, é a não implementação, por parte de alguns professores,
de algumas decisões tomadas em grupo, pois: “…não basta criar estratégias que fazem sentido e que
deveriam automaticamente promover boas práticas, é preciso verificar se, na realidade, existem essas boas
práticas… e se todos estão a adotar essas práticas, porque o que eu vejo não é isso.”. Estas ocorrências são
atribuídas, por alguns, a falhas na supervisão, entendida, neste caso, como controle do trabalho realizado.
Assim, embora os grupos se tenham pronunciado pela manutenção do trabalho colaborativo, seria
útil uma reflexão participada que partisse de uma avaliação intermédia do processo com vista à tomada de
decisões para que se proceda aos reajustes necessários.

CONCLUSÕES
Apesar de os resultados serem ainda preliminares, é possível adiantar algumas considerações.
Os departamentos não funcionam como espaços de reflexão e ação conjunta, numa lógica de
afinidades, mas incorporam, em certos casos, pequenas “ilhas”, áreas disciplinares. O coordenador de área
disciplinar é a estrutura de supervisão pedagógica que detém contacto direto com os professores, embora
alguns grupos já explorem as afinidades entre si. Seria de equacionar uma lógica de departamento como
forma de potenciar as afinidades, salvaguardando-se embora o trabalho didático de cada disciplina.
Impõe-se a reflexão sobre a articulação entre coordenações, bem como com a direcção. A reflexão
sobre o papel e competências de cada liderança poderá ser um primeiro passo.
Será importante ponderar questões que se entrelaçam, como as relações interpessoais, a confiança,
a valorização das contribuições dos docentes, a implicação dos professores nos processos de mudança, o
empenhamento dos docentes na melhoria da escola e na inovação.
A questões levantadas sobre o trabalho colaborativo implicam uma reflexão sobre o modo como é
percecionado pelos docentes a partir de avaliações intermédias. Será de ponderar o alargamento do âmbito
deste trabalho de proximidade, que permite a articulação vertical e o desenvolvimento profissional. Poderão
considerar-se outros âmbitos, como o departamento ou a articulação horizontal e os grupos/turma.
Em suma, a reflexão deverá incidir sobre a relação entre a confiança e o empenho dos professores,
as relações interpessoais, a passagem eficaz da informação e a conjugação de esforços entre lideranças.

REFERÊNCIAS
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Professores. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão.
Alarcão, I. & Tavares, J. (2003). Supervisão da prática pedagógica, uma perspectiva de desenvolvimento
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262
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Alarcão, I. (2014). Desenvolvimento profissional, interação colaborativa e supervisão. In Joaquim


Machado & José Matias Alves (Coord), Coordenação, supervisão e liderança, Escolas, Projetos
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Bardin, L. (2015). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Bogdan, R. & Bilken, S. (1994). Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora.
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(3), 198-204.
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Reflexiva e Supervisão – Uma escola em desenvolvimento e aprendizagem (pp.43-54). Porto:
Porto Editora.
Tavares, J. (2000) Contributos psicológicos e sociológicos para uma escola reflexiva. In Alarcão, I.
(Org.), Escola Reflexiva e Supervisão – Uma escola em desenvolvimento e aprendizagem
(pp.55-66). Porto: Porto Editora.

263
A Escola: Dinâmicas e Atores

PROFISSIONALIDADE EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO: INTERVIR NA INDISCIPLINA


A PARTIR DE UM PROCESSO DE CONSULTADORIA
[ID 65]

Cristiana Cabreira
Rui Trindade
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
Mced1008764@fpce.pt; trindade@fpce.up.pt

Resumo
Os comportamentos indisciplinados tendem a ser analisados a partir do mesmo nível de gravidade, quando
na verdade, sabemos que existem diferentes níveis de indisciplina, e que estes não podem ser lidos a partir
dos mesmos pressupostos de gravidade. Por parte dos docentes percebe-se uma dificuldade em gerir os
diferentes comportamentos dentro de uma sala de aula a que se alia a diminuta formação dos docentes nesta
área. Estas questões poderão ser a razão pela qual o docente é considerado o interveniente que, em maior
parte dos casos, faz escalar os conflitos de indisciplina para patamares que extrapolam o controlo do próprio
docente.
Pretende-se aqui apresentar o trabalho desenvolvido num agrupamento de escolas no âmbito de uma
intervenção de combate à indisciplina escolar. O objetivo do trabalho pautou-se pela construção de um
dispositivo docente assente num processo de consultadoria junto dos docentes para gestão de
comportamentos indisciplinados em sala de aula, ao mesmo tempo que configura o papel dos profissionais
em Ciências da Educação enquanto consultores em contexto escolar. O trabalho desenrolou-se a partir de
duas ações nucleares: observação e consultadoria. Realizou-se observação de aulas de duas turmas, 7º e 8º
ano, e sessões de consultadoria junto de cinco professores participantes.
A metodologia investigação-ação apresentou-se como sendo a opção ideal tendo em conta o facto do
presente projeto assentar no desenvolvimento de trabalho de grupo sobre problemas reais obrigando-nos a
uma flexibilidade decorrente da complexidade dos problemas a serem apresentados e trabalhados, assim
como da imprevisibilidade da própria operacionalização dos modos de ação. Enquanto instrumentos de
recolha de dados e de avaliação do projeto recorreu-se às notas de terreno e a entrevistas semidiretivas aos
docentes participantes.
Este trabalho coloca em discussão a defesa de um tempo e de um espaço de reflexão sobre as práticas dos
docentes. A este facto junta-se a pertinência de um trabalho de tipo colaborativo para a construção de
estratégias para a gestão de comportamentos indisciplinados sala de aula. Nesta conjuntura é possível
defender a profissionalidade em Ciências da Educação a partir de um perfil de consultor capaz despoletar
processos de comunicação entre todos os atores educativos enquanto condição para a construção de
espaços de reflexão, discussão e definição de alternativas para os problemas encontrados.

Palavras-chave: Indisciplina escolar, Consultadoria escolar, Observação de aula, Investigação-ação.

Résumé
L'indiscipline a tendance à être analysé a partir du même degré de gravité, alors qu'en fait, nous savons qu'il
existe différents niveaux de comportements perturbateurs, et ils ne peuvent pas être lues à partir des mêmes
hypothèses de gravité. Pour les enseignants perçoivent une difficulté dans la gestion des comportements
différents au sein d'une classe qui combine la formation des enseignants diminutive dans ce domaine. Ces
problèmes peuvent être la raison pour laquelle l'enseignant est considéré comme l'intervenant que, dans la
plupart des cas, le fait dégénérer les conflits d'indiscipline à des niveaux qui dépassent le contrôle de
l'enseignant lui-même.
Il est prévu ici pour présenter le travail d'un groupe d'écoles au sein d'une école pour lutter contre l'intervention
de l'indiscipline. L'objectif de cette étude était basée sur une construction d'un dispositif d'enseignement basé
sur un processus de consultation avec les enseignants pour la gestion du comportement indiscipliné dans la
salle de classe, tandis que des ensembles le rôle des professionnels de l'éducation en tant que consultants
dans les écoles. Le travail se déroulait à partir de deux actions nucléaires: observation et de conseil. Nous
avons effectué des observations en classe de deux classes, 7e et 8e année, et des séances de consultation
avec cinq enseignants participants.

264
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

La méthodologie de recherche-action est présenté comme le choix idéal compte tenu du fait que ce projet
basé sur le développement du travail de groupe sur les problèmes réels qui nous oblige à une flexibilité
résultant de la complexité des problèmes à être présenté et a travaillé, ainsi que l'imprévisibilité de l'opération
même des modes d'action. Alors que les instruments et l'évaluation du projet de collecte de données fait appel
aux notes de terrain et des entretiens semi-directifs avec les enseignants participants.
Ce travail remet en question la défense d'un temps et un espace de réflexion sur les pratiques des
enseignants. Ce fait se joint à la pertinence d'un type de travail collaboratif pour élaborer des stratégies pour
la gestion des comportements en classe indisciplinée. A ce stade, il est possible de défendre le
professionnalisme des sciences de l'éducation à partir d'un capable processus de communication de
déclenchement de profil de consultant entre tous les acteurs de l'éducation comme condition pour la
construction d'espaces de réflexion, la discussion et la définition des alternatives aux problèmes rencontrés.

Mots-clés: Discipline scolaire, Conseils scolaires, Observation en classe, Recherche-action.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As páginas seguintes apresentam o trabalho realizado num Agrupamento de Escolas da área
metropolitana do Porto. Realizou-se no âmbito do Mestrado profissionalizante em Ciências da Educação e
desenvolveu-se no domínio de Intervenção Pedagógica em Contextos Educativos Formais. Teve por base o
desenvolvimento de um trabalho de consultadoria com um grupo de cinco professores como forma de
intervenção na indisciplina escolar. Todo o trabalho pautou-se pelo objetivo de desenhar a profissionalidade
em Ciências da Educação a partir de um processo de consultadoria escolar.
O presente trabalho caraterizou-se por duas ações interligadas – observação de aulas em duas
turmas (7º ano e 8º ano) e sessões de consultadoria junto dos professores participantes. As observações em
sala de aula apresentaram-se enquanto tarefa capaz de encontrar tipologias de comportamentos
indisciplinados e conflitos em sala de aula, sendo que as sessões de consultadoria se serviram destes
mesmos dados para se constituírem e provocarem momentos de discussão, reflexão e questionamento por
parte dos professores face às suas práticas de gestão de momentos de indisciplina em sala de aula.

A HETEROGENEIDADE DE UM FENÓMENO: A INDISCIPLINA ESCOLAR EM DISCUSSÃO


A escola e o conflito
Todos nós sabemos que a indisciplina no espaço escolar sempre existiu, sendo aliás um problema
“(…) tão antigo como a própria escola e tão inevitável como ela” (Estrela, 1994, p.11). Contudo, não se pode
negar que desde alguns anos que este problema escolar tem ganho diferentes contornos. Falamos da
abertura de portas à escola de massas que conduziu a uma massificação escolar que, inevitavelmente, fez
com que muitos dos que frequentam a escola pouco ou nada se identifiquem com a cultura escolar que esta
perpetua. Esta possível dificuldade da escola em gerir todas as diferenças que coabitam no seu espaço não
deixa de estar, de certa forma, relacionada com o olhar que a escola tende a ter perante o próprio conflito e
os comportamentos tidos como desviantes. A “visão tecnocrática-positivista do conflito” (Jares, 2002, p.60)
tende a ser a conceção de conflito que ainda hoje impera no contexto escolar. Segundo esta conceção, e nas
palavras de Jares (2002), a sociedade ideal seria aquela em que não existiriam conflitos e o mesmo deveria
acontecer no contexto escolar. As teorias clássicas da Organização Escolar defendiam isso mesmo, ao omitir
o conflito ou ao caraterizá-lo como um desvio. Existe, assim, uma tentativa para minimizar e prever ao máximo
a existência de conflitos, através de uma tentativa de silencia-los a eles e à diversidade de interesses.
Sabemos que ainda hoje a escola procura ao máximo silenciar os conflitos não sabendo, na verdade,
como lidar com a inevitável existência destes. Isto poderá ser explicado, em parte, pela herança deixada pelo

265
A Escola: Dinâmicas e Atores

magistrocentrismo e pelo paradigma da instrução (Estrela, 1994; Vasconcellos, 2004; Trindade & Cosme,
2010), onde o conceito de disciplina se associa, incontornavelmente, à ideia de obediência e onde o professor
continua a ter o papel principal no processo pedagógico, recusando-se a existência de qualquer tipo de desvio
que coloque em causa a mensagem que este pretende transmitir. Existe uma conceção de disciplina ainda
muito assente nos pressupostos lançados pelo “paradigma da instrução” (Trindade e Cosme, 2010), onde ao
aluno apenas cabe o papel de escutar, estamos perante uma ideia que se traduz em
um ato pedagógico centrado na palavra que exige ordem e disciplina para que a mensagem
não seja perturbada por ruídos indesejáveis. Assim se compreende que, apesar do discurso
liberalizante sobre as regras da aula, se continue a observar o predomínio daquelas que
constituíram o pilar da pedagogia tradicional: o aluno deve estar calado, quieto, atento e ser
obediente e respeitador (Estrela, 1994, p.18).
Esta ideia de disciplina muito assente na pedagogia tradicional, que ainda hoje existe no contexto
escolar, dificulta as possibilidades de refletir e compreender os comportamentos que se desenvolvem no
contexto escolar por parte dos alunos. Na verdade, percebemos que existe, desde logo, uma impossibilidade
em definir o que se entende por disciplina e, consequentemente, por indisciplina. São vários os fatores que
intervêm na sua (in) definição o que torna “praticamente impossível estabelecer universalmente quais os
comportamentos ou situações concretas merecedoras de tal adjetivação” (Carita & Fernandes, 2002, p.17).
Outra condicionante advinda da falta de clareza face ao que se entende por comportamento
indisciplinado diz respeito ao olhar homogéneo que tende a recair sobre estes comportamentos. Tudo o que
é adjetivado de indisciplina é encarado e analisado a partir do mesmo nível de gravidade, quando na verdade,
Amado e Freire (2009) trazem o contributo de defender, quando nos apresentam os níveis de indisciplina, que
os comportamentos indisciplinados não podem ser lidos a partir dos mesmos pressupostos de gravidade.

O papel da autoridade dos professores na gestão da indisciplina em sala de aula


A par do insucesso escolar aparece a indisciplina como uma questão problemática a ser gerida em
sala de aula. Comportamentos indisciplinados por parte dos alunos interferem, inevitavelmente, no sucesso
escolar desses mesmos alunos e nos restantes, mas também conduzem a graves implicações no
desenvolvimento profissional do docente. Dos professores espera-se uma capacidade, entendida como
indiscutível, de gestão de situações de indisciplina em sala de aula, mesmo quando os próprios afirmam não
ter conhecimentos nem instrumentos que lhes permitam uma gestão efetiva deste tipo de situações.
As implicações dos comportamentos indisciplinados aparecem explicitadas na própria literatura, onde
se defende que a indisciplina se reflete a nível emocional nos professores e na confiança que estes
manifestam acerca das suas possibilidades de modificar os acontecimentos, tendo em conta o investimento
excessivo na manutenção da disciplina, em comparação ao trabalho sobre os conteúdos escolares (Estrela,
1994; Clunies-Ross, Little & Kienhuis, 2008; Schaubman, Stetson & Plog, 2011). Aquelas implicações podem,
por vezes, traduzir-se em consequências de maior gravidade, nomeadamente quando os atos de indisciplina
se associam à desmotivação docente e ao possível abandono da profissão, sendo “a dificuldade em
estabelecer e manter um efetivo controlo sob o comportamento em sala de aula uma das razões que leva os
professores a abandonarem a profissão e um fator significante na desmotivação do aluno” (Clunies-Ross,
Little & Kienhuis, 2008, p.693). Importa, então, refletir, discutir e repensar os modos e os meios que são hoje
utilizados na escola como forma de gestão destes comportamentos, assim como qual é e qual deveria ser o
papel do professor na sua gestão.

266
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

À dificuldade em gerir os comportamentos dentro de uma sala de aula alia-se a diminuta formação
dos docentes nesta área. Lopes (2013) afirma a falta de investimento e desenvolvimento de formação docente
no que diz respeito à gestão da indisciplina em sala de aula. Esta ausência de formação docente, no que diz
respeito à gestão da indisciplina, poderá ser a razão que justifica o facto de o docente ser considerado o
interveniente que, em maior parte dos casos faz escalar os conflitos de indisciplina para patamares que
extrapolam o controlo do próprio docente, já que “é normalmente o adulto quem faz o conflito escalar, não o
estudante” (Long cit in Yost & Mosca, 2002, p.264). As constantes chamadas de atenção perante
comportamentos com pouca gravidade, mas reiterados, conduz ao aumento de stress no professor e no aluno,
sendo o escalar do conflito o resultado mais provável.
Apesar do docente não ter consciência da sua intervenção no escalar do conflito, a verdade é que a
resposta que estes tendem a dar aos comportamentos indisciplinados assenta, maioritariamente, em
respostas emotivas e, quantas vezes, irrefletidas, conduzindo assim a uma postura perante os conflitos que
se baseia em ações não refletidas, reação por impulso e respostas em modo negativo (Yost & Mosca, 2002;
Clunies-Ross, Little & Kienhuis, 2008; Schaubman, Stetson & Plog, 2011). Existe a defesa de que as ações
dos professores perante a indisciplina em sala de aula assentam na rotina, sem darem espaço a qualquer
tipo ação refletida “(…) as ações dos professores são largamente governadas pela rotina, onde a reflexão na
decisão tem um papel minoritário (…) quando os conflitos ocorrem na sala de aula, os professores agem com
base nas suas crenças prévias ou experiência” (Yost & Mosca, 2002, p.265).
A literatura vem ainda afirmar que a ausência de formação dos docentes para gerir os conflitos em
sala de aula faz com que estes optem por estratégias reativas – “estratégias reativas são comportamentos
dos professores que ocorrem no seguimento de comportamentos inapropriados dos alunos (…) são de caráter
remediativo” (Clunies-Ross, Little & Kienhuis, 2008, p.695). Sendo estas estratégias de caráter reativo, estas
cingem-se, maioritariamente, à adoção de estratégias punitivas que passam antes por um processo de
aumento de stress e de impacto emocional no aluno e no docente. A expulsão e punição são, assim,
apresentadas como as respostas mais comuns dadas pelos professores em situações de indisciplina (Yost &
Mosca, 2002; Schaubman, Stetson & Plog, 2011). Estas atitudes reativas apresentam-se em oposição às
respostas proactivas – “são os comportamentos que um professor pode usar a fim de diminuir a probabilidade
de uma criança demonstrar um comportamento inadequado, e que envolvem alteração de uma situação antes
de escalar para uma situação mais problemática” (Clunies-Ross, Little & Kienhuis, 2008, p.695). São atitudes
que obrigam a uma preparação prévia por parte do docente para a gestão dos conflitos, onde se pode então
inserir a questão da formação docente.
A partir desta conjuntura, acima descrita, percebe-se a pertinência da defesa do desenvolvimento das
competências relacionais dos docentes no que toca particularmente na gestão de comportamentos
indisciplinados em sala de aula (Estrela, 1994; Muscott & College, 1995; Yost & Mosca, 2002; Yost & Mosca,
2003). Procura-se o fomentar competências como o pensamento crítico dos docentes sobre as respostas que
estes têm perante comportamentos indisciplinados, que permita posteriormente uma ação mais consciente e
protetora da própria autoridade do docente.

267
A Escola: Dinâmicas e Atores

AS OPÇÕES METODOLÓGICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA AÇÃO


Investigação-ação
A metodologia escolhida para o desenvolvimento deste trabalho centrou-se na investigação-ação,
onde se defende que investigar e intervir implica reconhecer que não se parte para o terreno com uma
pergunta de partida, como acontece noutras abordagens metodológicas no campo da investigação qualitativa.
Trabalhar a partir da investigação-ação significa estar atento ao que acontece no contexto e desenvolver a
ação a partir daquilo que vamos conhecendo do terreno (Newman, 1998 cit in Zeichner, 2001).
Investigação-ação constrói-se, por isso, a partir de um ciclo de observação-reflexão-ação-avaliação-
modificação-novas direções (Mcniff & Whitehead, 2011), o que obriga a uma constante reflexão conjunta entre
todos os envolvidos sobre o trabalho que é desenvolvido e, consequentemente, à reorientação da própria
ação, onde o objetivo último se firma na construção de novos saberes. O facto do presente projeto assentar
no desenvolvimento de trabalho de grupo sobre problemas reais obriga-nos a uma flexibilidade decorrente da
complexidade dos problemas a serem apresentados e trabalhados, assim como da imprevisibilidade da
própria operacionalização dos modos de ação que serão construídos, obrigando a uma permanente reflexão
sobre a ação e a um reformular constante das estratégias. Esta contínua reflexão crítica e a reformulação das
estratégias são propício a uma intervenção fundamentada e refletida, mas também à construção de
conhecimento científico assente na prática e na reflexão sobre esta.
A esta modalidade subjaz a inevitabilidade de se constituir um projeto, entendido como processo
coletivo, composto pelo sistema local de agentes e por um sistema ‘externo’ de investigadores e técnicos,
conjunto denominado de “estrutura coletiva organizada” (Esteves, 1986, p.271). Percebe-se esta modalidade
enquanto participação conjunta entre diferentes agentes, com diferentes saberes que se conjugam ao longo
da ação.
Outro ponto a destacar a partir da modalidade aqui apresentada é a própria atividade de investigação
e do investigador face ao seu objeto de estudo:
Esta passagem do consumo à produção da sociedade não se opera espontaneamente,
mesmo em condições favoráveis criadas pelos investigadores; é preciso que estes
intervenham diretamente. Só graças a eles é que o actor pode elevar-se de um nível a outro
da realidade social, e passar das condutas de resposta e de adaptação às condutas de
projeto e de conflito (Touraine, 1984 cit in Esteves, 1986: 270).
Reconhece-se a importância do papel e da intervenção do próprio investigador em todo o processo.
A sua intervenção vai além da criação de condições para os participantes. Esta pauta-se pela ação quanto
ao modo como se questiona os participantes e quanto ao impulsionar da reflexão de forma a provocar o
conflito capaz de desencadear aprendizagem. Mais do que encontrar e partilhar respostas, o investigador
participa de forma conjunta com os participantes na construção e respostas para os problemas que são
identificados pelo coletivo.

Procedimentos utilizados
Observação de aulas
No total, foram observadas 32 aulas na turma no 7.º ano e 19 aulas na turma do 8.º ano. As
observações tiveram início a 17 de novembro de 2014 e terminaram a 12 de março de 2015. A prática de
observação em sala de aula pautou-se por um registo assente em protocolos de observação de caráter livre,
próxima do que poderemos designar por “observação naturalista” (Estrela, 1994, p.45). Este modo de

268
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

observação carateriza-se por observar o comportamento do ser humano no seu contexto de vida quotidiana,
já que “a observação naturalista é, em síntese, uma forma de observação sistematizada, realizada em meio
natural” (Ibidem). A prática das observações em sala de aula foi ao encontro das grandes linhas orientadoras
deste modo de observação, nomeadamente o facto de não ser uma observação seletiva, mas preocupar-se
em registar com precisão o contexto em que determinada situação nasce, a procura por um grande número
de unidades de comportamento e a continuidade das observações (Idem).
Não existiram guiões para condução da observação, sendo que esta se desenrolou a partir da
observação e descrição pormenorizada de episódios de indisciplina e conflito que ocorreram em sala de aula.
Em todas as observações tentei posicionar-me em um local estratégico que respeitasse duas questões:
primeiro, não interferisse com o normal desenrolar da aula e, segundo, me possibilitasse ter visão sobre toda
a sala de aula e todos os alunos. Posto isto, o fundo da sala apresentou-se, sempre, como o local privilegiado
para as observações.
Como base teórica de apoio para a observação em sala de aula, recorreu-se à categorização de
comportamentos indisciplinados construída por Amado e Freire (2009) que nos apresenta três níveis de
indisciplina.
O nível 1 de indisciplina é apresentado como aquele onde se enquadra o “incumprimento de regras
necessárias ao adequado desenrolar da aula – impedindo ou dificultando a obtenção dos objetivos de ensino-
aprendizagem” (Amado & Freire, 2009, p.11). Portanto, diz respeito ao desvio às regras de permitem o bom
funcionamento da aula, nomeadamente, no que diz respeito às questões relacionadas com a produção de
trabalho escolar e de convivência.
Segundo os mesmos autores este nível poderá ser encarado como aquele que, ainda, permite
margem de ação por parte do docente quanto à gestão dos comportamentos aqui enquadrados de forma a
evitar o escalar do conflito. É um nível que está relacionado com os aspetos pessoais do docente e de como
este gere e planifica o trabalho pedagógico, mas também com as próprias dinâmicas de interação que nascem
dentro de uma sala de aula.
O nível 2 abrange questões relacionadas com a dinâmica social. Refere-se a comportamentos que
se apresentam como perturbadores das relações humanas, podendo atingir caráter de violência. Nas palavras
de Amado e Freire (2009), os comportamentos correspondentes a este nível tendem a ocorre,
maioritariamente, no exterior do contexto de sala de aula, onde ganham maior expressão.
Apresentado como sendo menos frequente do que os anteriores, o nível 3, refere-se intimamente à
relação professor-aluno. O seu aparecimento poderá dever-se à escalada progressiva da intensidade de
tensão entre os envolvidos na gestão de conflitos correspondentes aos níveis anteriores. Por isto mesmo,
torna-se importante “uma maior atenção e aprofundamento da análise das circunstâncias, da comunicação
entre os envolvidos e das estratégias de controlo e coerção usadas pelo professor em tais circunstâncias”
(idem, p.89). Apesar de, segundo Amado & Freire (2009), ser uma minoria de alunos que se envolvem no
despoletar deste tipo de indisciplina, a verdade é que cada vez se torna mais precisa a reflexão em torno do
modo como se gerem os comportamentos indisciplinados ou, então, a ocorrência de comportamentos
enquadrados neste nível poderá tornar-se mais frequente e com graves implicações.

269
A Escola: Dinâmicas e Atores

Entrevistas semidiretivas
Como forma de perceber a pertinência do trabalho realizado para os participantes foi efetuada uma
entrevista semidiretiva a cada um dos docentes participantes. Procurou-se perceber opiniões dos docentes
sobre a temática principal do estágio – indisciplina em sala de aula, assim como as vantagens e desvantagens
percecionadas por estes relativamente a todas as atividades realizadas, como forma de concretizar uma
avaliação final.
A modalidade de entrevista semidiretiva foi a escolhida uma vez que se pretendia possibilitar uma
liberdade de resposta ao entrevistado, de maneira a libertar o seu discurso, focando-se no que fosse mais
importante para si. Apesar da não existência de um guião rígido de questões, foi construído um guião “onde
se define e regista, numa ordem lógica para o entrevistador, o essencial do que se pretende obter, embora
na interação se venha a dar uma grande liberdade de resposta ao entrevistado” (Amado & Ferreira, 2013,
p.208).

APRESENTAÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS


O modo de intervenção no presente projeto de estágio constituiu-se em duas componentes principais:
a observação – que se traduziu na modalidade de observação de aulas – e a consultadoria – através de
reuniões com os professores para devolução e discussão da informação recolhida nas observações.
Pretendeu-se ao longo do estágio concretizar uma relação entre ambas que possibilitasse a construção de
informação pertinente para discussão com os professores.
Defendeu-se ao longo do projeto de estágio a conjugação entre estas duas componentes: a cada fase
de observação proceder-se-ia à devolução e discussão das informações recolhidas com o professor da
disciplina. Posteriormente, ao seguimento de cada discussão/devolução e tendo em conta as conclusões
construídas na reunião voltar-se-ia às observações, percebendo, entre outras questões, quais os impactos
da reunião tida previamente sobre as estratégias utilizadas pelo professor.
O projeto de estágio foi composto por três momentos de observação em sala de aula procedidos por
três momentos de consultadoria, tal como nos apresenta a Figura 1:

2º Fase de
consultadoria
• 1ª Fase de • 3ª Fase de
observação • 2ª Fase de observação
observação

1º Fase de 3º Fase de
consultadoria consultadoria

Figura 1 - Apresentação das fases do projeto

270
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

De seguida serão apresentados os dois processos que compuseram as fases relativas ao trabalho
de estágio: a observação e a consultadoria.

A observação como componente do processo de consultadoria


Conhecer comportamentos indisciplinados que se despoletam dentro da sala de aula implica uma
entrada no contexto e um conhecimento sobre os próprios intervenientes. A pensar nesta questão, a
modalidade de observação em sala de aula apresentou-se como sendo a mais pertinente para se inventariar
situações de indisciplina e produzir informações contextualizadas.
Existem alguns objetivos gerais subjacentes a esta escolha pela supervisão em sala de aula:
§ Diagnosticar situações de indisciplina e de conflito em sala de aula
§ Perceber quais os intervenientes nas situações de indisciplina e de conflito
§ Observar quais as estratégias utilizadas pelos docentes em situações de indisciplina e de conflito
§ Estabelecer as informações base para discussão/reflexão com o docente sobre estratégias de gestão
de indisciplina e de conflito
§ Monitorização das estratégias de gestão de situações de indisciplina e de conflito por parte do docente
É partir destes objetivos que a observação em sala de aula se apresenta como a mais favorável para
os atingir. Pretende-se um conhecimento profundo e contextualizado das relações que se desenvolvem em
sala de aula de forma a ser possível construir tipologias de indisciplina e de conflito nesse contexto. Para tal,
importa apresentar as componentes que constituem as observações, de forma a estas não serem um fim em
si próprias.
As observações em sala de aula traduziram-se em duas situações concretas de operacionalização:
§ Observação das aulas
§ Análise das informações recolhidas
Aliado às fases referentes às observações em sala de aula tornou-se imperativo a existência de um
tempo para a leitura dos registos efetuados. A análise das informações recolhidas apresenta-se como um
momento subsequente ao das observações. A cada uma das fases de observação corresponde um momento
de análise das informações recolhidas em sala de aula.

A consultadoria enquanto espaço de partilha, reflexão e discussão


No contexto onde se desenvolveu o estágio e respeitando a natureza do projeto, defendeu-se que um
exercício de observação das aulas obrigaria à organização de um processo que permitisse a partilha, a
discussão e a reflexão com os principais interessados - os professores - acerca das informações recolhidas.
É tendo em conta esta premissa que a consultadoria se apresentou como ação possível de se concretizar na
prática os procedimentos acima mencionados. O processo de consultadoria traduziu-se em reuniões
conjuntas, ou particulares, com os professores participantes no projeto de estágio.
No total foram realizadas nove sessões de consultadoria divididas por 3 fases de trabalho. Estas
sessões de trabalho em conjunto com os professores, organizadas como tempo e espaço destinado à partilha
da análise das informações recolhidas em sala de aula e consequente discussão e reflexão sobre estas
mesmas informações, permitiu construir um espaço para discussão sobre novas estratégias a serem
trabalhadas em sala de aula relacionadas com a gestão dos comportamentos indisciplinados/conflitos, o qual
se subordinava aos seguintes objetivos:

271
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ Partilha da análise das informações recolhidas em sala de aula através das observações
§ Reflexão conjunta, entre investigador e professor (es), acerca da análise realizada sobre as
informações recolhidas em sala de aula
§ Discussão acerca das estratégias com sucesso e sem sucesso na gestão de comportamentos
indisciplinados/conflitos
§ Construção conjunta, entre investigadora e professor (es), de novas estratégias a serem utilizadas
em sala de aula para gestão de comportamentos indisciplinados/conflitos.
Ao nível da operacionalização dos momentos de consultadoria, este processo ocorreu tendo em conta
os objetivos gerais atrás enunciados, ainda que no desenrolar da ação tenha sido possível observar que o
trabalho em cada uma das fases acabou por criar algum tipo de diferenciação entre si. Isto porque, numa
primeira fase, o trabalho foi realizado em conjunto com todos os professores participantes, enquanto nas duas
restantes ocorreu através de reuniões entre um (a) professor (a) e a investigadora.

CONCLUSÕES
Os momentos de observação realizados em contexto de sala de aula apresentaram-se como a
possibilidade de identificar os limites do que podemos caraterizar como comportamentos indisciplinados e
conflitos. Tendo em atenção registar episódios que provoquem distúrbios no desenrolar da aula, a compilação
destes registos apresentou-se como que um espelho capaz de refletir os momentos críticos vivenciados em
sala de aula, no que diz respeito à indisciplina. A partir deste modo de trabalho tornou-se possível construir
tipologias de comportamentos indisciplinados e conflitos, da mesma forma que permitiu contactar com as
estratégias de gestão destes comportamentos utilizadas pelos professores, observando também quais as
suas implicações no comportamento dos alunos.
Os principais interessados nesta informação foram, obviamente, os docentes colaboradores neste
projeto que olharam para estes registos como uma possibilidade de conhecer comportamentos e episódios
que, na maioria das vezes, não são captáveis por quem se encontra envolvido numa relação. Portanto, é por
estas questões que a realização de observações em sala de aula se pode apresentar como uma atividade
que permite conferir visibilidade a acontecimentos quer através da identificação dos mesmos quer através de
leituras que permitem atribuir-lhes outros significados, eventualmente mais produtivos e concetualmente
sustentados.
Vendo em retrospetiva todo o trabalho que foi realizado, é possível defender-se que o seu grande
contributo poder-se-á centrar na possibilidade de se pensar a intervenção na indisciplina escolar a partir de
uma outra perspetiva. Demonstra a necessidade de se repensar outros modos de ação perante um problema
já muito antigo no contexto escolar, integrando nessa mesma intervenção outros agentes muitas vezes
colocados em segundo plano, como é o caso dos docentes. Talvez seja preciso discutir a verdadeira
pertinência de um trabalho junto dos docentes como meio de confrontar os problemas disciplinares em
contexto de sala de aula. Na verdade, este mesmo trabalho veio tornar visível que há professores
interessados em modificar a sua prática de ação em sala de aula, desde que se sintam implicados em todo o
processo de intervenção.
Todo o trabalho desenvolvido vem também colocar em discussão a necessidade da existência de um
tempo e de um espaço de reflexão sobre as práticas dos docentes. A este facto junta-se a pertinência de um

272
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

trabalho de tipo colaborativo para a construção de estratégias para a gestão de comportamentos


indisciplinados e conflitos em sala de aula, como nos diz um dos participantes,
(…) eu acho, na minha perspetiva que se poderia fazer de vez em quando isto, parar um
bocadinho e ver o que se anda cá a fazer. Sempre com o intuito de mudar alguma coisa,
construir alguma coisa, porque as coisas vão mudando, apesar de haver uma estrutura
comportamental, há coisas na sociedade que vão mudando e mudam também os miúdos e
nós temos de fazer também essas adaptações. Estes momentos foram bons para isto
(Professor 1).
É possível também defender-se que este trabalho ajuda a repensar o modo de realizar observações
em sala de aula. Em oposição a observações pontuais e descontínuas, o trabalho desenvolvido demonstra a
pertinência de uma ação de observação contínua e que seja acompanhada de momentos de discussão e
reflexão sobre as informações obtidas em contexto de observação em sala de aula. Assim como, constituir
as fases de observação como pontos de partida para a construção de momentos de reflexão e de trabalho
em conjunto com e entre os docentes. Na verdade, torna-se preciso pensar as observações em sala de aula
para que os docentes sejam beneficiados nas suas práticas com as informações obtidas em contexto de sala
de aula:
(…) Pensando bem naquilo que tu fizeste, acho que foi um chamar da atenção de que há a
necessidade que existam este tipo de observações, por isso é que isto veio contribuir para
uma reunião e dizer assim «olha vamos fazer isto, vamos colaborar» e automaticamente
também estamos a usufruir da resposta (Professor 2).
Esta preocupação com a conjugação de dois modelos de ação – observação e consultadoria – vem
colocar em discussão também a possível pertinência da existência de um profissional competente ao nível
académico, científico e pessoal a trabalhar em colaboração direta com os docentes, capaz de produzir novas
e diferentes interpretações, já que o trabalho desenvolvido “foi um momento que não é habitual acontecer e
se não tivéssemos tido este pretexto continuávamos a correr como habitual, portanto não havia ninguém de
fora para poder contribuir para uma análise desse tipo de situações. (…) (Professor 2). Sendo um ponto
inovador neste trabalho a existência de um agente externo que provoca a discussão e a reflexão a partir de
um contexto real e familiar aos participantes, tal como nos foi explicado,
(…) o que este trabalho se calhar pode trazer de novo, não sei até que ponto se tem feito
isso, é estares ali a observar e teres estas conversas particulares connosco e também aquela
conversa inicial geral com todos, portanto são situações práticas que foram observadas in
loco e não são simplesmente construções teóricas (Professor 3).
Na verdade, todas as questões levantadas por este trabalho, até aqui apresentadas, referentes à
indisciplina escolar em sala de aula e ao papel dos professores na sua gestão, só vêm justificar a
complexidade do que é ser hoje professor. Vêm configurar seu papel enquanto um agente que, nos dias de
hoje, necessita de se apresentar, inevitavelmente, enquanto gestor de conhecimentos, de aprendizagens e
de relações numa sala de aula. Demonstra também a pertinência da existência de um agente externo que
trabalhe de forma colaborativa com os docentes, com o objetivo de criar respostas contextualizadas aos
problemas que se desenrolam na sala de aula.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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274
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CULTURA AUDIOVISUAL, ALFABETIZACIÓN (LITERACIDAD) MEDIÁTICA Y


PERFORMANCE PARA LA FORMACIÓN DEL PROFESORADO EN EDUCACIÓN
CIUDADANA
[ID 278]

Laura Triviño Cabrera


Facultad de Ciencias de la Educación
laura.trivino@uma.es

INTRODUCCIÓN
El presente trabajo tiene como objetivo dar a conocer cómo la combinación cultura audiovisual,
alfabetización mediática y performance permite obtener resultados educativos exitosos puesto que el
alumnado se convierta en el protagonista de su propio proceso enseñanza-aprendizaje y le permite tener una
mayor consciencia sobre la necesidad de adoptar un pensamiento crítico con respecto a cuestiones
procedentes de la cultura de los medios de comunicación de masas a los que se enfrentan como ciudadanos
y ciudadanas de la sociedad postmoderna y deberán afrontar como futuro profesorado.
Resumidamente, nuestro marco de referencia serán autoras como Walker (2006), Acaso (2009) y
Domínguez (2015 que abogan por la incorporación de la cultura popular, mediática o audiovisual en el
currículum postmoderno. Así pues, presentamos una experiencia educativa desarrollada durante el curso
2015/2016 para el tercer curso de la asignatura de “Educación para la Ciudadanía y los Derechos Humanos”
del Grado de Maestra/o en Educación Primaria, impartida por el área de Didáctica de las Ciencias Sociales
de la Universidad de Málaga, realizar performances en grupos de 5 o 7 estudiantes que deconstruyeran los
mensajes emitidos por la cultura audiovisual; así como, plantear cuestiones complejas de debatir como las
relativas a la influencia de los medios de comunicación.
El alumnado se convierte en una especie de profesorado-filósofo-artista que intenta sensibilizar a los
demás sobre un determinado tema relacionado con la educación ciudadana. Su objetivo es la educación para
la ciudadanía, su instrumento, la literacidad mediática y su plataforma, la dimensión audiovisual. Los proyectos
abarcaron distintas temáticas y fueron tratados desde diferentes tipos de acciones. El alumnado en formación
docente consiguió que las performances fueran más allá de un simple trabajo de clase, puesto que, a petición
del propio alumnado, fueron grabadas y difundidas a través de youtube, en el canal creado para la asignatura
“Citizenship Education and the Human Rights”.

¿NO A LA COMPETENCIA CRÍTICA?


Ésta es el interrogante de partida. Hasta ahora, todos los empeños del sistema educativo español
estaban puestos en dotar de formación, recursos y materiales digitales a los centros educativos. Estábamos
ante el desarrollo y la apuesta por la literacidad digital tanto de docentes como de discentes; sin embargo,
ante la promoción de un SÍ a la educación “con” medios, surgía otra cuestión invisible: ¿estamos educando
“sobre” los medios? El hecho es que las personas conocen mejor o peor las tecnologías digitales, son capaces
de manejar un Smartphone, acceder a las redes sociales… pero surgía la cuestión sobre si no solo sabían
manejar las TIC, sino también si sabían pensar las TIC y todo ese mundo audiovisual que nos rodeaban
constantemente.

275
A Escola: Dinâmicas e Atores

Sí Educación “con” No Educación


medios “sobre” los medios

Mapa Conceptual 2 - ¿No a la competencia crítica?


Fuente: Elaboración propia
Este planteamiento es crucial para comprender hoy en día que, por ejemplo, un/a representante
político/a vale más por la imagen que proyecta audiovisualmente que el propio contenido de sus propuestas
y proyectos políticos. Entonces, ¿no estaríamos ante un proceso de pérdida de poder de la ciudadanía que
ha cambiado su papel activo en la democracia por un papel pasivo cedido a los medios de comunicación?,
¿no estaremos permitiendo que sean los propios medios quienes “piensen por nosotros/as”?, ¿construyan
nuestro propio juicio crítico? Este hecho nos llevó a formular que la formación del profesorado pasa por prestar
atención a su educación como ciudadanía y que para ello, debemos forjar el pensamiento crítico y para ello,
es necesario acudir a la propia cultura audiovisual, ¡llevemos a las aulas la cultura mediática, visualizarla,
analizarla, cuestionarla, interpretarla y como no, deconstruirla!

Cultura
Formación del Educación Pensamiento
Audiovisual / Pop /
Profesorado Ciudadana Crítico Mediática, etc.

Mapa Conceptual 3 - Formación del profesorado en cultura audiovisual


Fuente: Elaboración propia
De modo que propusimos que el alumnado en formación aprenda a afrontar un perfil de profesorado
que hemos acuñado como Profesorado-Filósofo-Artista (PFA). Este perfil intenta rescatar dos disciplinas que
actualmente están “en peligro”: por un lado, la filosofía, asignatura que en el currículum español tiene cada
vez menos presencia, y por otro lado, el arte, sector que en España, ha sido uno de los más perjudicados por
la crisis económica. Con esto conseguimos, un doble propósito. En primer lugar, el alumnado observe
críticamente los medios de comunicación, a través de la literacidad o alfabetización mediática; y en segundo
lugar, se convierta en creador/a o productor de cultura audiovisual que deconstruya previamente aquella
cultura que se analizó críticamente. Con estas dos facetas, llegamos hasta el objetivo de la alfabetización
mediática e informacional (AMI), término designado por la UNESCO. Hablamos del empoderamiento, dar voz
a aquellos/as que no la tienen.

276
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Empoderar

Literacidad
Performances
Mediática

Filosofía Arte

Mapa Conceptual 4 - Empoderar


Fuente: Elaboración propia
Hasta el momento, el concepto “empowerment” era designado para minorías o incluso para el propio
movimiento feminista y sus reivindicaciones políticas para hacerse visibles y conseguir derechos. Sin
embargo, ante la “indefensión” de las personas ante el alcance de la influencia de los mass media, ya
podemos empezar a repensar cómo existe una pérdida de voz por parte de la ciudadanía, y esa voz sólo
puede ser recuperada, si empezamos a enseñar a nuestras/os estudiantes a pensar críticamente aquello que
le rodea. La UNESCO (2012) manifestará con respecto a la AMI:
empoderar a las personas en todos los ámbitos de la vida para buscar, evaluar, utilizar y crear
la información de una forma eficaz para alcanzar sus metas personales, sociales,
ocupacionales y educativas. Esto es un derecho básico en un mundo digital y promueve la
inclusión social de todas las naciones (Wilson, Grizzle, Tuazon, Akyempong y Cheung, 2012,
p.16).

Realidad Educación Somos lo que no


contaminada descontaminada pensamos / Somos lo que
audiovisualmen- audiovisualmen- Somos lo que no consumimos
te te estudiamos

No soy No pienso,
ciudadana/o, soy
consumidor/a luego consumo

Mapa Conceptual 5 - De ciudadanía a consumistas.


Fuente: Elaboración propia
Para el desarrollo de la literacidad mediática, será fundamental partir de la base que hay que enseñar
a sospechar, empleando la “didáctica de la sospecha” de la profesora María Acaso (2009). Como docentes,
tenemos que enseñar a sospechar a nuestro alumnado, que duden, que se pregunten sobre su propio tiempo
presente, aquello que les rodea.
Por tanto, teniendo como base el perfil de PFA, planificamos cuatro fases en la asignatura “Educación
para la Ciudadanía y Derechos Humanos”. La primera de ellas, consistía en la proyección de la obra de la

277
A Escola: Dinâmicas e Atores

artista visual madrileña Yolanda Domínguez (2015), en la que se ironiza sobre la publicidad de las firmas de
moda. En segundo lugar, se establecen grupos de discusión sobre aquello que han observado, valorado,
interpretado de los vídeos. En tercer lugar, se propone la elección de una problemática relacionada con la
cultura audiovisual. En cuarto lugar, se invita al alumnado a que realicen su propia producción cultural
audiovisual deconstructiva, donde procedan a la creación audiovisual crítica. Por último, se creó un canal en
youtube, bajo el nombre “Citizenship Education and Human Rights. University of Málaga”, donde ya fuera de
las aulas, las producciones de las y los estudiantes fueran visibles por cualquier persona.

Figura 1 - Citizenship Education and Human Rights. University of Málaga.


Fuente: Youtube
Finalmente, el alumnado en grupos de 5 o 6 estudiantes desarrolló diferentes trabajos con
problemáticas distintas en relación a los medios audiovisuales:
Performances Problemática Audiovisual Crítica
“Mujeres, hombres y sin cabeza” Programa de televisión sexista.
“En 500 metros” Contaminación Audiovisual: Publicidad
“La realidad oculta” Influencia de Cánones de Belleza.
“Performance: El otro lado de mi Yo” Estereotipos marcados por la estética.
“Inmigrantes versus nativos digitales” El cambio de las relaciones sociales con las nuevas
“Sintiencia hacia nosotras” tecnologías.
Maternidad y Política.

Tras los resultados exitosos de esta experiencia educativa, hemos diseñado un proyecto de
investigación titulado “Girls love Beyoncé” en el que pretendemos plantear desde un punto de vista educativo
el siguiente interrogante: ¿Puede un videoclip de Beyoncé educar en el empoderamiento? Se está aplicando
en el curso 2016 / 2017 en el Máster de Formación del Profesorado de Educación Ciudadana, en la
especialidad de Ciencias Sociales, de la Universidad de Málaga.

CONCLUSIONES
En definitiva, debemos llamar la atención sobre lo que denominamos como “necesidades educativas
postmodernas” que pasarían por tener como objetivo primordial y urgente el desarrollo de competencias
críticas en el currículum; la inclusión en el proceso enseñanza-aprendizaje del estudio y la reflexión sobre la
historia del tiempo presente, caracterizada por la cultura audiovisual o popular que debe ser contemplada,
como ya dijese Trenia Walker (2006, como pedagogía; y finalmente, para llegar a la finalidad de la literacidad
o alfabetización mediática, empoderar a la ciudadanía, y eso sólo, puede conseguir situando a las personas
como agentes del cambio y para ello, debemos formar profesoras y profesores dispuestos a asumir un perfil
de Profesorado-Filósofo-Artista.

278
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

BIBLIOGRAFÍAS
Acaso, M. (2009). La educación artística no son manualidades. Nuevas prácticas en la enseñanza de las artes
y la cultura visual (3ªEd.). Madrid: Catarata.
Citizenship Education and Human Rights (2015). Hombres, Mujeres y Sin Cabeza. [Youtube]. Recuperado de
https://www.youtube.com/channel/UCnGOPAxD5BFkfhIVf2yxjDQ
Díaz Matarranz, J., Santisteban Fernández, A. & Cascarejo Garcés, A. (2013). Medios de comunicación y
pensamiento crítico. Nuevas formas de interacción social. Guadalajara: Servicio de Publicaciones de
la Universidad de Alcalá.
Domínguez, Y. (2015). Yolanda Domínguez. Recuperado de http://www.yolandadominguez.com/
Domínguez, Y. (2015). Niños versus moda. Yolanda Domínguez. [Youtube]. Recuperado de
https://www.youtube.com/watch?v=LlShHeU2qU4
Parra, D. & Segarra, J. R. (2013). La incidencia del discurso de los medios en las representaciones
socioculturales de los futuros maestros: un reto para la didáctica crítica. Díaz Matarranz, J.;
Santisteban Fernández, A., Cascarejo Garcés, A. (Eds.) (2013). Medios de comunicación y
pensamiento crítico. Nuevas formas de interacción social. Guadalajara: Universidad de Alcalá (pp.77-
87).
Walker, T. (2006). Adventures in Metropolis: Popular Culture in Social Studies. En Segall, A., Heilman, E. &
Cherryholmes, Cleo H. (Ed.) (2006). Social Studies. The Newt Generation. Re-searching in the
Postmodern (pp.171-187). New York: Peter Lang Publishing.
Wilson, C., Grizzle, A., Tuazon. R., Akyempong, K. & Cheung. C.K. (2012). Alfabetización Mediática e
Informacional. Currículum para profesores. La Habana: UNESCO.

279
A Escola: Dinâmicas e Atores

GEOMETRIA PLANA E TECNOLOGIA TOUCHSCREEN: POSSIBILIDADES DE


PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COM O TABLET
[ID 192]

Débora Menezes de Araujo Cahet


Mercedes Carvalho
Secretaria Estadual de Educação de Alagoas; Universidade Federal de Alagoas
debora1dma@gmail.com; mbettacs@uol.com.br

Resumo
Este artigo é sobre um dos desdobramentos do projeto em rede Observatório da Educação, OBEDUC, que
envolveu as Universidades Federais de Alagoas e Mato Grosso do Sul e a Universidade Estadual da Paraíba.
Em Alagoas desenvolvemos pesquisa intitulada Universidade e escola básica espaços colaborativos:
formação inicial e continuada de professores que ensinam Matemática no 5º e 6º ano do ensino fundamental
que objetivou investigar a atuação de professores que ensinam Matemática em escolas públicas de Maceió.
Neste artigo apresentamos uma investigação acerca de uma prática pedagógica que utilizou o tablet como
recurso didático para desenvolver os conteúdos sobre geometria plana com alunos do 5º ano do ensino
fundamental com o objetivo de observar quais são as contribuições do uso do tablet, como recurso didático,
no ensino da geometria plana. Esta investigação tem abordagem qualitativa, na modalidade de um estudo
exploratório. Para o desenvolvimento da mesma e, pelo fato da escola ser campo de investigação do
OBEDUC, foram adquiridos, com recursos do projeto, quarenta tablets que foram ofertados à escola campo
de pesquisa e escolhemos o tablet, por ser uma tecnologia móvel e, também, porque a integração das
tecnologias a sala de aula é cada vez mais necessário, tendo em vista que a cultura digital faz parte do
cotidiano dos alunos. Leite, Pessoa, Ferraz & Borba (2009) ressaltam que os recursos tecnológicos
possibilitam uma linguagem mais próxima dos alunos, novas formas de aprendizagem e uma maneira
diferenciada de lidar com o conhecimento. Para o andamento da investigação realizamos um levantamento
dos aplicativos disponibilizados no Play Store e adequados à faixa etária e aos conteúdos da geometria plana.
Optamos pelo Tangram, um jogo que permite identificar, comparar, compor e decompor figuras geométricas,
além de desenvolver o raciocínio lógico e a criatividade dos alunos. Como resultado, observou-se que ao
utilizarmos o tablet, além dos alunos se mostrarem motivados, esse recurso didático facilitou a aprendizagem
das características das figuras geométricas, a socialização do uso do equipamento entre os alunos e a busca
das soluções. Assim como, favoreceu a atenção, o interesse por aprender Matemática, a interação e troca de
conhecimentos entre eles, sendo, portanto, um importante recurso para o desenvolvimento do conhecimento
geométrico, além de fortalecer a colaboração entre universidade e escola básica.

Palavras-chave: Geometria, Tablet, Tecnologia.

Résumé
Cet article c’est sur un des déploiements du projet en réseau Observatoire de l’Éducation, OBEDUC, qui
impliquait les Universités Fédérales de Alagoas et de Mato Grosso do Sul et l’Université d’État de la Paraíba.
À Alagoas nous développons la recherche intitulé Université et l’école de base espaces collaboratifs: formation
initiale et continue des enseignants qui enseignent Mathématiques dans le cinquième et sixième années
(élèves en âge de dix et onze ans, respectivement, au Brésil) qui a eu pour but examiner la performance des
enseignants qui enseignent Mathématiques dans les écoles publiques de Maceió. Dans cet article nous
présentons une recherche sur une pratique pédagogique qui a utilisé la tablette comme recours didactique
pour développer les contenus sur la géométrie plane avec des élèves du cinquième année en vue d’observer
lesquels sont les contributions de l’usage du tablette, comme ressource didactique, dans l’enseignement de
la géométrie plane. Cette recherche a une approche qualitative, dans la modalité d’une étude exploratoire.
Pour son développement et, aussi pour l’école être champ de recherche du OBEDUC, les quarante tablettes
qui ont été achetés avec des recours du projet ont été fournis à l’école. La tablette a été choisis pour être une
technologie mobile et, aussi, parce que l’intégration des technologies dans les salles de classes est de plus
en plus nécessaire, en vue que la culture digitale fait partie du quotidien des élèves. Leite Pessoa, Ferraz &
Borba (2009) soulignent que les recours technologiques permettent une langage plus proche des élèves,
nouvelles formes d’apprentissage et une manière différenciée d’aborder la connaissance. Pour garantir un
déroulement de la recherche on a réalisé un soulèvement des applications rencontrés dans le Play Store

280
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

appropriés à classe d’âge et aux contenus de la géométrie plane. Nous choisissons pour le Tangram, un jeu
que permet d’identifier, comparer, composer et décomposer figures géométriques, au-delà de développer le
raisonnement logique et la créativité des élèves. Par conséquence, on a observé que quand on a utilisé la
tablette, au-delà des élèves sont devenus encore plus motivés, cette recours didactique a facilité
l’apprentissage de les caractéristiques de les figures géométriques, la socialisation de l’usage de l’équipement
entre les élèves et à recherche des solutions. Également, favorisé l’attention, l’intérêt pour aprendre
Mathématiques, l’interaction et l’échange de connaissances entre eux, donc, un important recours pour le
développement de la connaissance géométrique, en plus de renforcer la collaboration entre l’université et
l’école de base.

Mots-clés: Géométrie, Tablette, Technologie.

INTRODUÇÃO
Em 2014, a escola em que esta investigação foi realizada, foi contemplada com quarenta tablets para
serem utilizados com os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, pelo fato de ser campo de pesquisa
do projeto em rede Programa Observatório da Educação (OBEDUC) “Universidade e escola básica espaços
colaborativos: formação inicial e continuada de professores que ensinam Matemática no 5º e 6º ano do ensino
fundamental”, cujo objetivo foi investigar a atuação de professores que ensinam Matemática em escolas
públicas. Esta pesquisa estava vinculada a um projeto maior “Trabalho colaborativo com professores que
ensinam Matemática na Educação Básica em escolas públicas das regiões Nordeste e Centro-Oeste”,
aprovado pelo edital 049/2012 e financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES).
Como a geometria é um eixo importante no ensino da Matemática e os documentos oficiais
recomendam o trabalho com esse componente, pois permite ao aluno construir, representar, explorar,
perceber propriedades e aplicar esses conhecimentos em seu dia a dia e ainda, este conteúdo costuma “ser
o capítulo descartado ou empurrado para o final do ano letivo” (Walle, 2009, p.438). Assim sendo, elaboramos
atividades que envolveram tanto a manipulação de materiais concretos quanto o uso da tecnologia
touchscreen, com vistas a investigar a compreensão dos alunos do 5º ano do ensino fundamental, sobre os
conceitos de geometria ao utilizarem os tablets como recurso didático.

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR


Com a inserção das tecnologias, a escola está sendo desafiada a repensar o ensino tradicional,
centralizado na figura do professor, para dar espaço a novas formas de aprendizagem, que contemplem a
troca de experiências, a interação, o questionamento, a motivação, a reflexão e ação, em busca de superar
os desafios e reinventar a educação (Moran, 2013).
Leite, Pessoa, Ferraz & Borba (2009) ressaltam que os recursos tecnológicos possibilitam uma
linguagem mais próxima dos alunos, novas formas de aprendizagem e uma maneira diferenciada de lidar com
o conhecimento, uma vez que os alunos não dependem exclusivamente do professor, mas tem autonomia
para buscar informações. Nessa direção, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997) também
apresentam como proposta o uso das tecnologias junto ao trabalho pedagógico, como forma de facilitar o
processo de ensino e aprendizagem e promover motivação aos alunos, sendo, portanto, uma forma de
aproximar os conteúdos escolares da realidade deles, com o intuito de despertar o interesse e superar
possíveis dificuldades de aprendizagem.
Nesse sentido, o professor que ensina Matemática não pode se limitar somente ao quadro e ao livro
didático, porém precisa estar preparado para lidar com o recurso tecnológico e assim conduzir o trabalho

281
A Escola: Dinâmicas e Atores

pedagógico de modo a auxiliar os alunos a “enfrentar situações novas com criatividade e entusiasmo diante
do desafio, em vez de serem apenas instrumentalizados com fórmulas e modelos-padrão para aplicar em
situações conhecidas e específicas” (Toledo & Toledo, 2009, p.9). Cabe ao docente levar para a sala de aula
novas propostas, situações desafiadoras, que despertem no aluno o interesse e a motivação para aprender,
que permita experimentar e vivenciar novos conhecimentos, para que este consiga relacionar a Matemática
escolar com situações do cotidiano.

DISPOSITIVOS MÓVEIS TOUCHSCREEN


Os dispositivos móveis como tablets, celulares, iPads e notebooks estão cada vez presentes no
cotidiano dos alunos, sendo utilizados para as mais diversas finalidades, ou seja, para entretenimento,
informação, aprendizagem, interação etc. Por meio dos dispositivos móveis, o aluno tem a oportunidade de
aprender em espaços e tempos diferentes, o que possibilita que o mesmo seja um sujeito ativo na construção
do conhecimento.
A tecnologia touchscreen ou tela sensível ao toque, disponíveis na maioria desses equipamentos,
proporciona um contato diferente do que é permitido pelo mouse ou teclado de um computador, pois resulta
em feedbacks imediatos e novas configurações a partir dos movimentos na tela (Bairral, Assis e Silva, 2015).
Pesquisas recentes em Educação Matemática têm apontado à importância do uso de dispositivos
móveis no processo de ensino e aprendizagem Matemática, como os estudos de Bairral, Assis e Silva (2015)
a respeito da interface touchscreen em ambientes de geometria dinâmica. Dessa forma, os dispositivos
móveis podem favorecer o processo de aprendizagem, à medida que os sujeitos interagem com a tela,
realizam diversas tarefas, modificando e ao mesmo tempo criando novas maneiras de interação e
aprendizagem Matemática.
O uso do tablet, por exemplo, pode potencializar a aprendizagem do aluno, se utilizado de maneira
que desperte o interesse, a interação e a construção de novas descobertas Matemáticas. Além de ser provido
da tecnologia touchscreen, o tablet permite uma gama de possibilidades de uso, sendo seis tipos de ações
de manipulação: “tapa (tap), duplo tapa (double tap), longo tapa (long tap/ hold), arrastar (drag), mudança de
tela (flick), e múltiplos toques (girar, rotacionar)” (Bairral, Assis & Silva, 2015, p.31). As diversas ações
possibilitadas na interação com a tela, como já mencionadas anteriormente, permite a integração entre a
Matemática e interações táteis e visuais, fundamentais para a apropriação de conceitos de forma mais
concreta.

CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO
Para o desenvolvimento deste estudo foi utilizada uma abordagem qualitativa na modalidade de um
estudo exploratório, pois busca informações sobre um tema que ainda é pouco investigado. De acordo com
Fiorentini & Lorenzato (2009, p.69) no estudo do tipo exploratório “o pesquisador, diante de uma problemática
ainda pouco definida e conhecida, resolve realizar um estudo com o intuito de obter informações ou dados
mais esclarecedores e consistentes sobre ela”. Diante disso, pretende-se com este estudo refletir sobre a
contribuição do uso do tablet como recurso didático no ensino da geometria plana.

282
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Cenário da pesquisa
A pesquisa foi realizada em uma escola da rede estadual de ensino, localizada na periferia de Maceió
e atende a alunos dos anos iniciais do ensino fundamental e a educação de jovens e adultos.

Os sujeitos
Os sujeitos desta investigação são 25 alunos de uma turma regular do 5° ano do ensino fundamental
da escola ora citada, com idades entre 10 e 11 anos, que estudam no período vespertino.

Instrumentos de coleta de dados


Foram instrumento de coleta de dados os questionários e as atividades. Elaborou-se dois
questionários, ambos com perguntas abertas com a intenção de coletar dados a respeito da compreensão e
dificuldades que os alunos enfrentam sobre o conteúdo geometria plana, assim como identificar informações
no que concerne ao acesso dos alunos às tecnologias em seu cotidiano.
As atividades foram desenvolvidas em dois momentos, totalizando quatro aulas. As questões
elaboradas envolviam as figuras geométricas planas, conceitos que provavelmente já foram trabalhados nos
anos anteriores. Buscou-se analisar as informações dos questionários e confrontá-los com o desempenho
dos alunos durante a atividade.

O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE
Para o encaminhamento das intervenções propostas foram, inicialmente, analisados os recursos
didáticos que a escola dispunha, assim como alguns aplicativos que abordassem conteúdos geométricos,
para que em seguida fossem aplicados em sala de aula junto aos alunos do 5º ano do ensino fundamental.
Propomos um trabalho com o Tangram, pois acreditamos que seria uma forma de possibilitar aos aluno
explorarem de maneira concreta os saberes geométricos. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais “o
pensamento geométrico desenvolve-se inicialmente pela visualização: os alunos conhecem o espaço como
algo que existe ao redor deles. As figuras geométricas são reconhecidas por suas formas, por sua aparência
física, em sua totalidade, e não por suas partes ou propriedades” (PCN, 1997, p.82). Sendo assim, foi
organizada uma atividade com a manipulação do Tangram em material concreto e também por meio do
aplicativo no tablet.

Primeiro momento
Apresentação e aplicação de questionário
§ Apresentação do vídeo sobre a origem do Tangram e discussão;
§ Organização da turma em grupos;
§ Entrega de um Tangram para cada integrante;
§ Entrega do questionário individual para os alunos:
1) Você conhece essas figuras?
2) Quais você sabe identificar pelo nome?
3) Existe alguma figura semelhante entre as peças que compõe o Tangram? Qual?
4) Você já conhecia o Tangram?
5) O que você aprendeu sobre esse jogo?
Quadro 1 - Familiarização com o Tangram e aplicação do questionário

283
A Escola: Dinâmicas e Atores

Para dar início a atividade, a turma foi organizada em grupos de cinco alunos. Apresentamos um
vídeo que relatou a origem do Tangram de uma maneira bastante lúdica, a partir de uma história. Observamos
que os alunos acharam interessante o conteúdo do vídeo, sobretudo, a quantidade de imagens que poderiam
ser criadas com as peças do Tangram. Aproveitamos para discutir sobre o que eles haviam compreendido a
respeito da história e o que acharam do jogo. Somente cinco alunos revelaram conhecer o jogo e haviam
realizado atividades com o Tangram em anos anteriores. Alguns deles comentaram sobre a possibilidade de
construir diversas imagens com as peças do Tangram e se era possível representar tantas imagens com
apenas sete peças. Encerramos esse momento de discussão explicando que as atividades a seguir seriam
realizadas com o Tangram.
Cada integrante da equipe recebeu um Tangram manipulável para explorar o material, brincar com
as peças, fazer representações, conversar com os colegas sobre o jogo, enfim, ficaram à vontade para
manuseá-lo. Em seguida solicitamos que eles respondessem, individualmente, ao questionário, de acordo
com o que observaram no material e também a partir do conhecimento que eles tinham.
Na primeira questão “Você conhece essas figuras?” todos os alunos afirmaram conhecer as figuras
que tinham manuseado. No entanto, foi observado na segunda questão, “Quais você sabe identificar pelo
nome?” que somente nove alunos identificaram todas as figuras geométricas corretamente, quinze citaram
apenas duas figuras. Entre essas respostas estavam quadrado e triângulo e um citou somente o
paralelogramo, revelando ainda que, muitos desses alunos ainda confundem os nomes das figuras, o que
indica que esses conceitos não estão consolidados.
30

25

20

15

10

0
Triângulo Quadrado Paralelogramo

Triângulo Quadrado Paralelogramo

Gráfico 1 - Identificação das figuras geométricas planas pelos alunos do 5° ano do Ensino Fundamental
Os alunos participaram ativamente, e mesmo que alguns deles tenham demonstrado dificuldades em
identificar as figuras e reconhecer semelhanças e diferenças entre elas, observamos, a partir das respostas,
à questão 5 “O que você aprendeu sobre esse jogo?” que houve aprendizagem: “Eu aprendi que o Tangram
é formado por triângulos, quadrado e paralelogramo”. “Ao juntar as figuras podemos formar pessoas,
quadrado, várias coisas”. Dessa forma, assim como Rodrigues e Gazire (2012) entendemos que o trabalho
com materiais didáticos auxilia o aprendizado de conteúdos matemáticos.

284
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Atividades com o Tangram


§ Separe as figuras que compõem o Tangram em grupos utilizando algum critério. Qual foi o critério adotado?
§ Com quais peças podemos cobrir o quadrado?
§ Com quais peças podemos cobrir o triângulo maior?
§ E o paralelogramo?
§ Construa quadrados utilizando: duas peças, três peças, quatro peças, cinco peças;
§ Construa retângulos utilizando: três peças, quatro peças, cinco peças;
§ Construa triângulos utilizando: duas peças, três peças, quatro peças;
§ Represente a imagem apresentada.
Quadro 2 - Desafios adaptados do Portal do Professor
Na sequência foi proposto alguns desafios para que os alunos pudessem perceber semelhanças e
diferenças nas peças do Tangram. Trabalharam a composição e decomposição de figuras geométricas. Como
o trabalho foi realizado em grupo permitiu que os alunos interagissem e observamos que eles encontraram
estratégias para formar as figuras que estavam sendo propostas.
Os alunos participaram ativamente das atividades propostas em sala e embora todos dissessem
conhecer as figuras geométricas, percebemos que em algumas tarefas houve dificuldades, devido à falta de
apropriação desse conteúdo. Para Bairral (2012) é fundamental que durante o processo de escolaridade, o
aluno vivencie atividades ricas que contribuam para a construção do conhecimento geométrico, para que este
possa estabelecer conexões tanto no contexto escolar quanto fora dele.
Apesar de o Tangram tratar-se de uma novidade para a maioria deles, observamos que a partir do
jogo os alunos puderam explorar e aprender conceitos geométricos, de maneira lúdica e divertida. Segundo
Ochi, Paulo, Yokoya & Ikegami (1997) para que os alunos possam desenvolver habilidades geométricas
“devem ser ativamente envolvidos em atividades que prevejam construção, concepção, comparação,
descrição e transformação de figuras” (p.12).

Segundo momento
A intenção da proposta didática com o uso do tablet foi dar continuidade às atividades a partir da
manipulação virtual, de maneira a oportunizar aos alunos explorar novas situações de aprendizagem,
promover a criatividade e instigar o interesse pela Matemática.
§ Familiarização com o tablet
§ Apresentação do aplicativo
§ Construção de figuras no aplicativo
§ Entrega do questionário:
1) Você costuma utilizar aparelhos tecnológicos em seu dia a dia? Quais?
2) Você tem acesso à internet? Se sua resposta for afirmativa de que lugar você acessa?
3) Quais seus sites preferidos?
4) O que você achou dessa atividade?
Quadro 3 - Familiarização com o tablet, utilização do aplicativo e realização de questionário
Utilizamos o aplicativo Tangram para que os alunos pudessem explorar as figuras geométricas planas
e utilizar os conhecimentos aprendidos, com a manipulação no material concreto. Para tanto, inicialmente,
levantamos os aplicativos disponibilizados no Play Store que fossem adequados à faixa etária e com o
desenvolvimento dos conteúdos da geometria plana, para posteriormente, ser trabalhado com os alunos.

285
A Escola: Dinâmicas e Atores

Por ser algo novo na escola e pioneiro nas escolas públicas de Maceió, os alunos ficaram muito
ansiosos e entusiasmados, pois apesar de utilizarem dispositivos tecnológicos e terem acesso à internet em
seu cotidiano, conforme responderam no segundo questionário, a proposta de trabalhar com o tablet foi
inovadora, como uma das alunas bem relatou “nunca imaginei que fosse estudar com o tablet na sala de aula,
foi legal demais”.
Iniciamos com a familiarização deste recurso, em que os alunos ficaram à vontade para explorar e
conhecer os aplicativos presentes nele. Durante esse momento, percebemos que eles interagiram, pois
mesmo sendo usado um tablet por dupla, eles se organizaram e ajudavam os colegas que tinham alguma
dificuldade.
Logo em seguida, apresentamos o aplicativo Tangram para que eles pudessem conhecer e jogar. No
aplicativo eles teriam que representar as imagens com as sete peças do Tangram, e para isso, teriam que
fazer movimentos tocando na tela, com o tempo sendo cronometrado. No início tiveram um pouco de
dificuldade em representar as imagens no aplicativo, pois como se tratava de algo novo eles tiveram que se
habituar aos movimentos (tapa, arrastar, girar), e após algumas tentativas compreenderam a dinâmica do
jogo e conseguiram realizar as ações propostas. Durante a atividade com o aplicativo, os alunos puderam
visualizar as características das figuras, observá-las em diferentes posições e perceber também que era
preciso utilizar os conhecimentos aprendidos anteriormente no material concreto, uma vez que foi preciso
construir figuras geométricas a partir de outras peças.
Ao se familiarizar com a forma de manipular a tela, percebemos que eles não solicitaram tanto a
presença da professora, porém passaram a discutir as dúvidas entre si e a dar informações aos colegas sobre
como realizar os movimentos. Para Bairral, Assis & Silva (2015) “a manipulação nas telas de tablets pode
possibilitar a elaboração de gestos que, passando a compor mais uma forma de comunicação nas aulas,
favorecem a construção do conhecimento matemático” (p.27). Durante a realização da atividade, observamos
que os alunos conseguiram discutir e justificar determinadas escolhas de peças e movimentos, e mesmo
quando não conseguiam finalizar a construção das imagens, eles conversavam sobre as estratégias que
deveriam adotar.
A comunicação e interação foram vistas em todo o momento, não apenas entre eles, mas também na
manipulação com a tela, por meio de toques e gestos. Foi visível a concentração e atenção dos alunos diante
das ações que teriam que desempenhar no tablet. Em sintonia com Leite, Pessoa, Ferraz e Borba (2009)
concordamos que a tecnologia permite uma aproximação entre os conteúdos trabalhados em sala de aula
com o cotidiano dos alunos, tendo em vista uma linguagem que lhes possibilita lidar com o conhecimento de
forma diferenciada do que geralmente é proposto com o livro didático e o quadro.
A partir da atividade realizada, notamos que os alunos conseguiram fazer relações entre o Tangram
manipulável com o aplicativo proposto no tablet. A dinâmica de trabalho no tablet favoreceu a atenção, o
raciocínio lógico, o interesse por aprender Matemática, além da interação e troca de conhecimentos entre
eles, sendo, portanto, um importante recurso para o desenvolvimento do conhecimento geométrico.
Diante disso, Ponte, Brocardo e Oliveira (2009) ressaltam a importância das atividades de exploração
para a compreensão e apropriação de conhecimentos geométricos:
A exploração de diferentes tipos de investigação geométrica pode também contribuir para
concretizar a relação entre situações da realidade e situações Matemáticas, desenvolver
capacidades, tais como visualização espacial e o uso de diferentes formas de representação,
evidenciar conexões Matemáticas e ilustrar aspectos interessantes da história e da evolução
da Matemática (Ponte, Brocardo & Oliveira, 2009, p.71).

286
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

De fato, observamos que houve uma integração entre o conteúdo matemático estudado e as
interações táteis e visuais dos alunos ao manusear a tela. Além disso, a participação deles durante toda a
atividade foi bastante positiva, houve comunicação, troca de conhecimentos, autonomia e momentos de
aprendizagem.

O questionário
Para tanto, posteriormente, aplicamos um questionário individual aos alunos, com o intuito de
identificar informações quanto ao uso das tecnologias, acesso à internet e avaliação da atividade. Com base
no questionário, constatamos que todos os alunos utilizam dispositivos tecnológicos em seu cotidiano e que
os mais comuns são celular, computador, notebook e tablet. Com relação à internet, verificamos que todos
têm acesso, sendo que quinze acessam da lan house e apenas e dez têm acesso em sua própria residência.
Entre os sites acessados por eles estão facebook, jogos e You Tube. Diante disso, observamos que o uso
que esses alunos fazem uso da tecnologia e da internet são com a finalidade de diverção e não como uma
ferramenta para aprendizagem.
Dessa forma, a proposta da atividade buscou relacionar o que os alunos gostam de fazer no cotidiano
com o conhecimento matemático, ao mostrar outras possibilidades de se divertir e ao mesmo tempo aprender.
Destacamos alguns comentários registrados por eles para avaliar a proposta didática, que revelam o quanto
gostaram da atividade e como foi importante para eles: “eu aprendi que com sete peças a gente pode fazer
muitas figuras divertidas”, “aprendi a fazer figuras, desenhos, formas geométricas e muito mais”, “a atividade
deve ser repetida mais vezes”. Em conformidade com Bairral, Assis & Silva (2015), acreditamos que os jogos
em aplicativos podem reforçar o trabalho desenvolvido pelo professor em sala, pois à medida que os alunos
brincam a aprendizagem passa a ser intensificada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora os alunos no cotidiano vivenciem diferentes situações que envolvam o conhecimento de
conceitos geométricos como o espaço físico que habitam, para melhor compreendê-la é importante a
intervenção do professor, a partir de situações de ensino que problematizem, representem, manipulem
objetos, com a intenção de ampliar o pensamento geométrico do aluno. Ochi, Paulo, Yokoya & Ikegami (1997)
argumentam que os alunos precisam ser envolvidos em atividades que desenvolvam diferentes habilidades
que os possibilitem a explorar, experimentar, construir e não somente limitá-los a interpretar atividades
propostas no livro didático.
As atividades apresentadas, neste artigo, procuraram explorar não somente o reconhecimento das
figuras geométricas e a sua nomeação, mas também conceitos, regularidades e características dessas
figuras, uma vez que nessa faixa etária, a geometria deve ser trabalhada de forma experimental e intuitiva.
Portanto, é essencial a utilização de recursos didáticos no ensino da Matemática, pois as diferentes situações
de exploração, observação e representação irão contribuir, significativamente, para o desenvolvimento e
apropriação de conceitos geométricos.
Neste trabalho utilizamos o material concreto e o tablet, com vistas a possibilitar a compreensão das
características das figuras geométricas pelos alunos, mediante atividades que envolveram a construção,
percepção e comparação de figuras e o uso da tecnologia touchscreen observamos que, além dos alunos se
mostrarem motivados, esse recurso facilitou a aprendizagem das características das figuras geométricas, a

287
A Escola: Dinâmicas e Atores

socialização do equipamento e a busca de soluções. Além disso, possibilitou-lhes utilizarem os


conhecimentos aprendidos, anteriormente, com a manipulação de material concreto, além de despertar o
interesse para aprender Matemática.

REFERÊNCIAS
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Tradução Paulo Henrique Colonese (6ªEd.). Porto Alegre: Artmed.

288
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

UM MODELO DE FORMAÇÃO A DISTÂNCIA PARA A FORMAÇÃO CONTÍNUA DE


MAGISTRADOS: A ABORDAGEM HÍBRIDA COMO SOLUÇÃO
[ID 242]

Joana Caldeira
Neuza Pedro
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
joana_caldeira@hotmail.com; nspedro@ie.ulisboa.pt

Resumo
O e-learning apresenta-se como uma modalidade de formação que pretende dar resposta aos atuais desafios
no ensino-aprendizagem tendo vindo a afirmar-se progressivamente como complemento aos sistemas
tradicionais de formação. Como tal, apresenta-se um estudo relativo ao design de um modelo de formação a
distância dirigido à formação contínua dos magistrados portugueses.
O trabalho em causa encontra-se organizado em torno das seguintes questões de investigação: i) que
necessidades e interesses estão associados à implementação de um modelo de formação a distância no
domínio da formação contínua de magistrados; ii) que caraterísticas deve ter um modelo desta natureza; iii)
qual o nível de adequação de um possível modelo proposto ao contexto e ao público-alvo.
Deste modo, este resumo centra-se ao nível da análise dos resultados decorrentes da realização de uma
entrevista focus-group com o propósito de reunir diferentes especialistas de relevo na área da magistratura e
da formação a distância para que, em conjunto, analisassem criticamente uma proposta preliminar de modelo
de formação a distância para o público em causa. Assim, este focus group foi constituído por um grupo de 9
especialistas: i) 3 da área de formação de magistrados; ii) 2 ligados à área académica com investigação
científica na área do e-learning e formação a distância e iii) 4 ligados à formação de profissionais em regime
totalmente online/híbrido.
Com base na análise das informações recolhidas junto dos participantes, pudemos constatar que é
reconhecida a utilidade, viabilidade e pertinência da conceção e implementação de um modelo de formação
a distância, sendo defendida a adoção de uma abordagem híbrida para a formação de magistrados. De igual
modo, identificou-se como fundamental que no design deste modelo sejam respeitadas as especificidades do
contexto formativo e as necessidades formativas dos destinatários.
O processo de recolha dos dados bem como a análise de resultados decorreu entre 28 de setembro de 2015
a 06 de junho de 2016 e diz respeito à fase 4 de um projeto de doutoramento que assume ainda as seguintes
fases de investigação: fase 1: identificação de necessidades e interesses dos agentes envolvidos; fase 2:
análise de modelos de formação a distância existentes internacionalmente em organismos análogos; fase 3:
construção da proposta de modelo de formação a distância (versão preliminar) e fase 5: aperfeiçoamento do
respetivo modelo de formação (versão final).

Palavras-chave: Educação a distância, Blended-learning, Formação profissional, Magistrados.

Résumé
Le e-learning se défini comme une forme de formation qui vise à répondre aux défis actuels en matière
d'enseignement et d'apprentissage et qui s´affirme progressivement comme un complément aux systèmes de
formation traditionnels. Donc, nous présentons une étude sur la conception d'un modèle de formation à
distance dirigé vers la formation continue des juges portugais.
Le travail ici présenté est organisé autour des questions de recherche suivantes: i) quels besoins et quels
intérêts sont associés à la mise en œuvre d'un modèle d'enseignement à distance dans le domaine de la
formation des magistrats; ii) Quelles caractéristiques devraient avoir un modèle de cette nature; iii) Quelles
adéquations pour un modèle possible proposé dans ce contexte et ce public-cible.
Ainsi, ce résumé se centre sur l'analyse des résultats d’une entrevue de groupe de discussion qui a eu pour
but réunir différents experts compétents dans le domaine de la justice et de l'apprentissage à distance de sorte
que, ensemble, ils aient pu faire une analyse critique sur un avant-projet d’un modèle de formation à distance
pour les professionnels concernés. Par conséquent, ce groupe de discussion a été formé par un groupe de
neuf experts: i) 3 juges du domaine de la formation des magistrats; ii) 2 reliée au domaine académique de la

289
A Escola: Dinâmicas e Atores

recherche scientifique dans le domaine du E-learning et la formation à distance iii) 4 relié à la formation des
professionnels entièrement en ligne/régime hybride.
A partir de de l'analyse des informations recueillies auprès des participants, nous avons constaté qu'il ait
reconnu l'utilité, la viabilité et la pertinence de la conception et de la mise en œuvre d'un modèle de formation
à distance, bien qu’il soit préconisé l'adoption d'une approche hybride pour la formation des magistrats. De
même, il a été identifié comme fondamental pour la conception de ce modèle que les spécificités du contexte
dans le cadre de la formation et des besoins de formation des bénéficiaires soient respectés
Le processus de collecte de données et l'analyse des résultats a eu lieu entre le 28 Septembre 2015 au 6 Juin
2016 et concerne la phase 4 d'un projet de doctorat qui assume encore les phases et les questions de
recherche qui suivent: Phase 1: identification des besoins et des intérêts des argents impliqués; Phase 2:
Analyse de modèles de formation à distance existant au niveau international dans des organismes similaires;
Phase 3: Construction d’une proposition de modèle de formation à distance (projet du modèle) et phase 5:
amélioration du modèle de formation approprié (version finale).

Mots-clés: Education à distance, Blended-learning, Formation professionnelle, Magistrats.

INTRODUÇÃO
Numa época pautada por aceleradas e constantes mudanças, fundamentalmente de nível científico
e tecnológico, é impensável que se possa apenas recorrer à formação dita presencial como forma de fazer
face às necessidades e exigências da sociedade e dos diferentes profissionais.
Neste contexto, a crescente utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) tem vindo
a possibilitar o surgimento de novos suportes de aprendizagem que visam responder às necessidades da
sociedade moderna, marcando neste sentido, um papel cada vez mais dominante na educação e formação.
A formação a distância possibilita condições facilitadoras de acesso à educação ao longo da vida,
aproveitando as oportunidades colocadas à disposição pelas TIC, tendo-se afirmado progressivamente como
um complemento aos sistemas tradicionais de ensino e formação, do ponto de vista logístico e da qualidade
do ensino desenvolvido, das suas capacidades, bem como das atitudes e valores transmitidos.
É neste sentido, que o e-learning surge, hoje em dia, como um meio manifestamente reconhecido de
difusão de educação e formação e uma modalidade que pretende dar resposta aos grandes desafios no
ensino-aprendizagem.

Contexto e objetivos da investigação


O contexto do estudo em questão é o Centro de Estudos Judiciários (CEJ), mais concretamente no
seu Departamento da Formação (DEF). O CEJ é o estabelecimento de formação português, responsável pela
formação inicial e contínua de magistrados, mais concretamente, dos Magistrados Judiciais, do Ministério
Público e dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
As questões relativas à formação a distância e ao e-learning têm merecido, nos últimos tempos,
especial atenção por parte das várias entidades que, de algum modo, estão ligadas à educação e formação,
não sendo o CEJ, enquanto entidade responsável pela formação de magistrados, exceção a esta realidade.
Este estudo insere-se no âmbito do Doutoramento em Educação, na área de Especialização de TIC na
Educação, tendo como problemática central a conceção e desenvolvimento de um modelo pedagógico de
formação a distância, considerado em particular para sistemas híbridos, onde se combina a formação
presencial com a formação on-line.

290
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Com esta investigação é nosso objetivo conhecer quais são as necessidades e interesses que estão
associadas à implementação de um modelo pedagógico de formação a distância para magistrados, bem como
compreender como é que os agentes envolvidos neste processo o percecionam. Por outro lado, pretende-se
perceber quais as caraterísticas que um modelo pedagógico com estas especificidades deve ter, tendo em
conta o contexto da formação e os seus destinatários, de forma a dar resposta às necessidades identificadas
e, por último, verificar, através de uma análise efetuada por reconhecidos especialistas na área, a adequação
do modelo ao respetivo contexto e público-alvo, numa perspetiva de melhoria do modelo concebido.
Assim, convém realçar que neste artigo será apresentada de forma detalhada a metodologia do
projeto que se tem vindo a desenvolver, com um enfoque específico para a fase 1 do mesmo, relativa à análise
dos resultados inerentes à entrevista focus-group, efetuada a diferentes especialistas de relevo, ao nível da
análise da proposta preliminar de modelo pedagógico de formação a distância desenvolvido no domínio da
formação contínua de magistrados.

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
Neste estudo optou-se por uma metodologia de investigação associada a um paradigma pragmático,
privilegiando-se uma abordagem de recolha e análise de dados de natureza mista.
Segundo Johnson e Onwuegbuzie (2004), os métodos de natureza mista são definidos como “a classe
de investigação, onde o investigador combina ou mistura técnicas de pesquisa quantitativas e qualitativas,
métodos, abordagens, conceitos ou até a própria linguagem num único estudo” (p.17), de forma a obter uma
melhor compreensão dos problemas de investigação (Creswell & Clark, 2007).
Assim, e tendo por base a problemática deste estudo, bem como os objetivos já enunciados,
considera-se como estratégia metodológica o design exploratório sequencial. Desta forma, os dados são
recolhidos sequencialmente sendo-lhes atribuída prioridade específica e sendo os mesmos integrados em
uma ou em várias fases da investigação (Creswell, Clark, Gutmann & Hanson, 2003). Neste contexto, foi dada
prioridade aos dados de natureza qualitativa e foram estabelecidas duas fases de recolha de dados. A fase
inicial que consistiu num processo de recolha de dados qualitativos, à qual se seguiu uma fase de recolha de
dados quantitativos. Os resultados de ambos os métodos de recolha de dados foram analisados e integrados
de forma conjunta durante a fase de interpretação (Kroll & Neri, 2009).

Implementação
Tendo como referência o objeto e objetivos do estudo foi adotada uma estratégia metodológica que
exigiu o recurso às fases seguidamente apresentadas:

291
A Escola: Dinâmicas e Atores

2. Conceção da
versão preliminar 3. Levantamento de
1. Análise dos
modelos existentes do modelo necessidades e interesses
a nível internacional pedagógico (realização de entrevistas
individuais e coletivas)
(versão 0)

5. Aperfeiçoamento 4. Avaliação do
do modelo modelo pedagógico
6. Aplicação de
pedagógico por painel de
questionários
especialistas
(versão 1) (stakeholders)

7. Conceção da
versão final do
modelo pedagógico
(versão 2)

Figura 1. Esquema relativo ao plano de investigação


Assim e tendo como finalidade principal a construção do modelo pedagógico híbrido de formação a
distância no domínio da formação contínua de magistrados que, por um lado, seja credível e válido do ponto
de vista científico e pedagógico e, por outro, que vá ao encontro das especificidades da instituição, dos seus
atores e destinatários, especifica-se mais pormenorizadamente as fases enunciadas na figura anteriormente
apresentada:
§ Fase 1: Análise de modelos existentes a nível internacional – de acordo com a revisão da literatura
efetuada na área da formação a distância ao nível da formação contínua de magistrados no contexto
internacional, e que se designa como corpus estruturador de um “state of the art” relativo aos modelos
pedagógicos de formação a distância.
§ Fase 2: Conceção da versão preliminar do modelo pedagógico (versão 0) – tendo como referência a
análise do contexto internacional efetuada aos modelos de suporte utilizados no âmbito da formação
a distância, foi desenvolvida a versão preliminar do modelo pedagógico de formação a distância. A
conceção deste modelo teve em conta os diferentes requisitos e critérios associados à construção de
um modelo pedagógico, revestindo-se este de uma ferramenta adaptada às práticas formativas
implementadas no âmbito deste regime de formação.
§ Fase 3: Levantamento de necessidades e interesses – a realizar junto dos agentes envolvidos no
processo formativo (chefias diretas e docentes representantes das várias áreas de jurisdição: Civil,
Processual Civil e Comercial; Trabalho e da Empresa; Penal e Processual Penal; Família e das
Crianças e Inglês) e particularmente centrada na identificação da perceção dos mesmos relativamente
à utilidade e interesse da implementação de um modelo pedagógico de formação a distância para o
CEJ na atualidade.
§ Fase 4: Avaliação do modelo pedagógico por painel de especialistas (stakeholders) – a realizar
através de uma entrevista focus-group, com o objetivo de se submeter a uma análise global a versão
preliminar (versão 0) do modelo pedagógico de formação construído para os magistrados. O propósito
desta entrevista prende-se com a identificação dos aspetos a melhorar, numa perspetiva de garantir

292
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

a qualidade do processo formativo e de dar uma resposta mais eficaz às caraterísticas deste público-
alvo.
§ Fase 5: Aperfeiçoamento do modelo pedagógico (versão 1) – decorrente das etapas anteriores e
tendo por base a análise e sugestões efetuadas pelos especialistas de relevo na área da formação a
distância, formação profissional e magistratura, pretende-se neste sentido, melhorar a construção do
respetivo modelo, de acordo com as propostas recolhidas.
§ Fase 6: Aplicação de questionários – no sentido de perceber qual é que era a perceção dos
magistrados em relação à conceção de um modelo pedagógico desta natureza e que caraterísticas é
que este deveria possuir foi aplicado um questionário aos formandos inscritos nas ações de formação,
das várias áreas de jurisdição, integradas no plano de formação contínua do ano letivo 2015/2016.
§ Fase 7: Conceção da versão final do modelo pedagógico (versão 2) – decorrente da etapa anterior
houve a necessidade de integrar os contributos referentes à aplicação dos questionários na versão 1
do modelo pedagógico, concebendo-se como tal, uma versão final do mesmo (versão 2).
Paralelamente e de forma a dar uma visão mais integrada relativamente à implementação do projeto
em questão, apresenta-se um esquema ilustrativo que pretende relacionar questões os objetivos de
investigação, com os diferentes momentos do estudo, os seus participantes, bem como os instrumentos a
utilizar:

3.ª fase - Integração dos


1.ª fase - Recolha e análise de 2.ª fase - Recolha e análise de resultados QUALITATIVOS e
dados QUALITATIVOS (Questões dados quantitativos quantitativos (interpretação,
1 e 2) (Questão 3) explicação e contextualização dos
resultados)

Entrevistas individuais Dados QUALITATIVOS


(direção e coordenador do (entrevistas individuais,
DEF) e coletivas (docentes) coletivas e focus-group)

Questionários on-line
(formandos)

Entrevista focus-group
(especialistas de relevo na Dados quantitativos
área do e/b-learning e da (questionários)
magistratura)

Figura 2 - Esquema relativo à planificação e design metodológico do estudo


Tendo como referência o esquema acima apresentado, numa primeira fase do estudo, foram
recolhidos e analisados dados de natureza qualitativa, referentes aos vários participantes no estudo
nomeadamente: através de entrevistas individuais (ao diretor e diretores-adjuntos do CEJ e ao coordenador
do DEF) e de entrevistas de caráter coletivo aos docentes das várias áreas de jurisdição.

293
A Escola: Dinâmicas e Atores

No que respeita ainda aos dados qualitativos, pretendeu-se numa fase posterior do estudo, realizar
uma entrevista focus-group, com especialistas de relevo, com o objetivo de analisar a proposta preliminar de
modelo pedagógico de formação a distância desenvolvida no domínio da formação contínua de magistrados.
Em relação aos dados de natureza quantitativa, estes foram recolhidos e analisados num segundo
momento do estudo, no sentido de permitir uma melhor explicação e confirmação em relação aos dados
qualitativos, obtidos na primeira fase metodológica. Neste âmbito, aplicaram-se questionários aos formandos
que frequentaram as ações de formação das diferentes jurisdições, integradas no plano de formação contínua
de 2015/16, com o intuito de se analisar a perceção dos mesmos em relação à implementação de um modelo
pedagógico desta natureza, a funcionalidade e caraterísticas do mesmo, numa perspetiva de confirmar a
relevância do modelo em causa.
Em relação à terceira fase do estudo, os dados de natureza qualitativa e quantitativa foram
analisados, explicados e interpretados de forma conjunta, em benefício do desenvolvimento da versão final
do modelo pedagógico de formação a distância.
Assim, a presente publicação irá focar-se na 1.ª fase do projeto, organizando-se em torno dos
resultados obtidos na entrevista focus-group aos diferentes stakeholders.

Entrevista focus-group
O focus-group representa uma técnica de recolha de dados que, a partir da interação grupal, promove
uma ampla problematização sobre um tema ou foco específico.
Segundo Morgan (1997), o focus-group é uma técnica qualitativa que visa o controlo da discussão de
um grupo de pessoas, inspirada numa entrevista não diretiva, que privilegia a observação e o registo de
reações do grupo de indivíduos participante, que não seria possível captar através de outros métodos, como
por exemplo, observação participante, entrevistas individuais ou questionários.
O focus-group, tal como em qualquer outro tipo de pesquisa de natureza qualitativa, tem por finalidade
a procura de sentido e de compreensão dos complexos fenómenos sociais, onde o investigador utiliza uma
estratégia indutiva de investigação, sendo o resultado amplamente descritivo. Contudo, os propósitos que o
caraterizam contribuem para a sua especificidade funcionando como diretrizes para a sua escolha em
determinados tipos de estudo (Galego & Gomes, 2005, p.177).
Com a realização deste focus-group teve-se como propósito reunir diferentes especialistas de relevo
na área da magistratura, da formação a distância e da formação profissional, para que em conjunto,
refletissem e analisassem criticamente a proposta da versão preliminar do modelo pedagógico (versão 1).
Por outras palavras pretendia-se melhorar a proposta de modelo concebida, com base na
identificação de eventuais problemas existentes no modelo, tanto do ponto vista científico como pedagógico
e, simultaneamente, através da auscultação de especialistas conferir maior credibilidade ao modelo
desenvolvido.
Foi constituído por um grupo de nove especialistas de diferentes áreas do saber e com experiências
profissionais divergentes: i) três da área de formação de magistrados; ii) dois ligados à área académica e que
tinham como área de investigação as temáticas associadas à formação a distância; iii) quatro ligados à
formação profissional e com experiência relevante em atividades relacionadas com o desenvolvimento de
programas de formação profissional em regime totalmente a distância ou b-learning.

294
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

No que respeita à elaboração do guião do focus-group relativo ao presente estudo, este teve em conta
os temas-chave a serem investigados, com uma sequência ordenada dos mesmos, primeiramente, por
questões gerais e, em seguida, por questões mais específicas. Tal ordenação permitiu assim, que os
elementos essenciais aparecessem de uma forma mais natural, sendo que a preparação deste guião exigiu
uma análise mais rigorosa dos objetivos inerentes à própria investigação (Borges & Santos, 2005). Assim,
apresenta-se, em termos genéricos, a estrutura do guião elaborado:
§ Abertura:
§ Receção dos participantes;
§ Motivação dos participantes, assinalando a importância da sua colaboração e o valor inestimável
que o contributo destes tinha para o êxito da investigação;
§ Apresentação da instituição, do espaço e das investigadoras;
§ Apresentação individual dos participantes.
§ Introdução:
§ Enquadramento das linhas gerais do projeto, bem como apresentação do focus-group, seus
objetivos e importância para o desenvolvimento do estudo;
§ Garantia da confidencialidade das declarações prestadas, assim como o anonimato dos
participantes;
§ Autorização, por parte dos participantes, para a gravação e recolha de imagens (em formato vídeo)
do focus-group e informação acerca da duração prevista do mesmo (60 a 90 minutos);
§ Esclarecimento de possíveis dúvidas ou questões.
§ Desenvolvimento:
§ Formulação das questões divididas por blocos, segundo os objetivos que com elas se pretendia
atingir:
§ Importância da construção de um modelo pedagógico de formação a distância para a formação
contínua dos magistrados portugueses;
§ Adequação da proposta preliminar do modelo pedagógico ao contexto profissional e aos
destinatários;
§ Potencialidades e fragilidades da proposta preliminar do modelo pedagógico apresentado.
§ Conclusão:
§ Breve resumo da sessão;
§ Agradecimento da colaboração atenciosamente prestada/questões finais.

Realização da entrevista focus-group


Um mês antes da realização do focus-group, ou seja, a 28 de setembro de 2015, foi enviado um e-
mail dirigido a todos os participantes a convidá-los a colaborar no presente focus-group. Neste e-mail era
explicado, de forma genérica, o âmbito do projeto, bem como o objetivo e os elementos que iriam constituir o
focus-group, o que era esperado por parte dos participantes, a data prevista para a realização do mesmo, em
que lhes eram apresentadas duas datas possíveis (28 ou 29 de outubro de 2015), tendo os mesmos que
escolher qual a data que lhes era mais conveniente, a hora (período compreendido entre as 16h e as 18h), a
duração estimada da sessão (entre 60 a 90 minutos), bem como o local onde se iria realizar (Instituto de
Educação da Universidade de Lisboa).

295
A Escola: Dinâmicas e Atores

Complementarmente, uma semana antes da realização do focus-group, isto é, no dia 20 de outubro,


foi remetido novo e-mail aos participantes a lembrar a data de realização do mesmo (dia 28 de outubro de
2015), bem como a solicitar confirmação da respetiva presença.
Convém ainda realçar, que da lista inicial de participantes, alguns elementos referiram, de imediato,
a sua impossibilidade em estarem presentes no focus-group pelo que se teve que contactar outros
especialistas.
Antes de se iniciar a entrevista focus-group propriamente dita, os participantes foram recebidos de
maneira cordial, num ambiente agradável, tendo os mesmos sido convidados a participar num coffee break,
para criar um ambiente mais descontraído e confortável entre os participantes.
A sessão teve a duração de aproximadamente 90 minutos, tendo-se optado por um local tranquilo,
reservado, acolhedor, em que não houvessem desvios da atenção por parte dos participantes, . Além disso,
os participantes estavam dispostos espacialmente de maneira a se verem uns aos outros, com as cadeiras
organizadas em torno de uma mesa, em círculo, de forma a promover a interação entre os participantes.
A entrevista foi conduzida por duas moderadoras, com vista a aumentar a eficácia do processo de
recolha de dados (Krueger & Casey, 2009). As mesmas assumiam papéis distintos, mas complementares: i)
um moderador principal, que teve como missão conduzir a discussão no seio do grupo; e ii) um moderador
secundário, que exerceu sobretudo o papel de observador do processo de discussão, registando as
informações mais relevantes ao mesmo tempo que garantiu uma eficiente gestão do equipamento de registo
de dados.
O focus-group foi gravado (em formato áudio e vídeo), tendo sido obtida a autorização prévia dos
participantese salvaguardadas todasas questões relativas ao anonimato e confidencialidade das respostas.
A este nível e seguiu-se as recomendações de McParland e Flowers (2012) tendo-se utilizado mais do que
uma fonte de registo com vista a assegurar a “captação” de todas as interações registadas ao longo da
discussão.
No início da entrevista focus-group foi efetuada uma breve apresentação das
moderadoras/investigadoras, bem como de cada um dos participantes, com vista a obter uma caraterização
genérica dos mesmos (cargo, idade, sexo) e para estimular o conhecimento no seio do grupo. Após esta fase
de apresentação, procedeu-se a um enquadramento das linhas gerais do projeto, dos seus objetivos e
importância para o desenvolvimento do estudo, bem como do formato que a entrevista iria adotar e a total
garantia dos aspetos éticos a esta inerentes.
Contudo, convém realçar que apesar de se ter efetuado a gravação em vídeo do focus-group, esta
teve sobretudo uma função confirmatória dos dados recolhidos em áudio, tendo-se optado por não ter em
conta, para efeitos de análise de dados, os aspetos não-verbais da comunicação, por se considerar que este
não era o objetivo fulcral da realização deste focus-group, na medida que o que se pretendia era efetuar a
validação formal do modelo pedagógico de formação a distância pelos especialistas.
Posteriormente, foi efetuada a transcrição do discuso de todos os elementos do focus-group, de modo
a constituir a base da análise de dados a analisar. De forma a complementar as transcrições foram igualmente
analisadas as notas tomadas aquando a moderação do focus-group.
Neste sentido, decidiu-se efetuar a transcrição total do focus-group, para que não se perdessem
dados que pudessem ser relevantes.

296
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A transcrição resultante do focus-group foi remetida aos respetivos participantes para validação do
seu conteúdo, no dia 30 de maio de 2016, através de correio eletrónico, tendo os mesmos o prazo de uma
semana para procederem a eventuais alterações. Dos nove participantes, três efetuaram alterações
sintáticas, com o intuito de clarificarem o seu discurso não tendo contudo produzido quaiquer alterações no
sentido do texto inicial.

Resultados preliminares
Com o objetivo de sintetizar a informação recolhida durante a entrevista focus-group, optou-se por
organizar o material recolhido de acordo com as seguintes categorias de análise:
Categoria Explicitação
Define os requisitos e os aspetos a ter em conta ao nível da conceção e
1. Viabilidade
implementação de um modelo pedagógico de formação a distância
Identifica as principais finalidades e propósitos inerentes à implementação da
2. Objetivos estratégicos
modalidade de formação a distância na formação contínua dos magistrados
Refere as principais necessidades relativamente à implementação da modalidade de
3. Necessidades formativas
formação a distância na formação contínua de magistrados
4. Vantagens e benefícios da Menciona as principais vantagens e aspetos potenciadores da implementação da
implementação modalidade de formação a distância no contexto da formação de magistrados
5. Estratégias e orientações Carateriza os principais aspetos e pressupostos pedagógicos a ter em conta na
pedagógicas conceção e implementação de um modelo pedagógico de formação a distância
Identifica as caraterísticas essenciais inerentes a um modelo pedagógico de
6. Caraterísticas do modelo
formação a distância, no domínio da formação contínua de magistrados
7. Ferramentas e recursos Menciona o tipo de recursos técnico-pedagógicos a utilizar, de forma a tornar o
tecnológicos e pedagógicos processo de ensino-aprendizagem mais eficaz
Identifica os mecanismos de avaliação e de monitorização da formação de
8. Mecanismos de avaliação e
magistrados (avaliação da aprendizagem, avaliação da reação/satisfação, avaliação
monitorização
do impacto), mobilizados para aferir a aprendizagem dos formandos
Enuncia as ações de formação mais e menos indicadas para serem desenvolvidas a
9. Tipologia das ações de
distância, de acordo com a tipologia de ações de formação existente (colóquios,
formação
seminários, cursos de especialização, workshops, cursos on-line)
10. Infraestruturas e condições
Identifica as infraestruturas e condições relativas aos locais de trabalho dos
do local de trabalho dos
magistrados a fim de se poderem desenvolver ações de formação a distância
magistrados
11. Alocação do tempo Refere os principais aspetos relativos à alocação do tempo profissional dos
profissional para formação magistrados para efeitos de frequência de ações de formação a distância
Tabela 1 – Grelha de análise e de organização do material recolhido na entrevista focus-group
Assim e tendo por base as dimensões de análise anteriormente indicadas, apresentamos de forma
sumariada as principais conclusões encontradas na análise às respostas recolhidas junto dos participantes:
1. Viabilidade – para a totalidade dos intervenientes envolvidos é reconhecida a utilidade, viabilidade e
pertinência da conceção e implementação de um modelo pedagógico de formação a distância, para
a formação contínua de magistrados.
2. Objetivos estratégicos – os participantes consideram que os principais objetivos associados à
implementação deste modelo referem-se com o facto deste poder abranger um maior número de
magistrados e potenciar a qualidade de resposta da formação proporcionada.
3. Necessidades formativas – os participantes referem como necessidades que suportam a pertinência
da implementação deste regime de formação, questões como a complexidade da vida jurídica atual
(surgimento de novas leis, atualização permanente das matérias legais e aprofundamento de
conhecimentos jurídicos).

297
A Escola: Dinâmicas e Atores

4. Vantagens e benefícios da implementação – de acordo com a opinião dos participantes, as principais


vantagens e benefícios associadas à conceção de um modelo de formação a distância ligam-se à
possibilidade de articulação da gestão do tempo pessoal e profissional dos magistrados, na medida
em que permite uma maior flexibilidade na gestão dos horários e não exige deslocação física.
5. Estratégias e orientações pedagógicas – a este nível os participantes consideram que devem ser
utilizadas metodologias essencialmente práticas, que fomentem a interação entre os magistrados,
através do desenvolvimento de ações de formação do tipo workshop, constituídas com grupos mais
pequenos para fomentar a maior participação e envolvimento dos formandos no processo formativo.
6. Caraterísticas do modelo – segundo a perceção dos participantes, as caraterísticas do modelo devem
depender da duração das ações de formação, dos conteúdos a transmitir, bem como do objetivo das
mesmas, havendo, pois, a necessidade de existirem vários modelos. Neste sentido, os intervenientes
salientaram ainda que o modelo pedagógico de formação a distância concebido deve ser aberto,
flexível e dinâmico, de modo a garantir a qualidade e respeitar a complexidade da formação ministrada
aos magistrados.
7. Ferramentas e recursos tecnológicos e pedagógicos – os diferentes intervenientes referiram que é
importante haver alguma flexibilidade no que se refere à seleção e escolha do tipo de recursos e
ferramentas a utilizar na formação. Contudo, podem ser utilizados exercícios, quizzes, casos práticos,
entre outros elementos. A utilização do vídeo, enquanto recurso pedagógico é, do ponto de vista
destes participantes, considerada de grande relevância, na medida em que permite uma eficiente
transmissão dos conhecimentos e adiciona “presencialidade” ao processo formativo.
8. Mecanismos de avaliação e monitorização – esta questão revela-se menos consensual, dado que na
opinião de alguns participantes, é reconhecida a importância e a pertinência deste tipo de avaliação,
até mesmo para efeitos da credibilidade do próprio modelo de formação preconizado, ao passo que
na perspetiva de outros participantes, esta questão é muito sensível, porque implica uma análise
crítica externa, por vezes com critérios subjetivos, o que pode levar a situações difíceis de gerir do
ponto de vista do público-alvo.
9. Tipologia das ações de formação – a este nível não existiu consenso entre os intervenientes, na
medida em que uns consideram que a aplicação deste modelo pedagógico é mais apropriada para
ações de formação relacionadas com questões de natureza mais técnico-jurídica ou em áreas mais
transversais, como a Sociologia e a Psicologia; outros referem que nestas áreas mais laterais, a
aplicação deste modelo não é tão adequada.
10. Infraestruturas e condições do local de trabalho dos magistrados – foi mencionado por um dos
participantes que este aspeto não deve ser equacionado ao nível da conceção e desenvolvimento
deste modelo pedagógico, dado que a competência e responsabilidade inerente à dotação dos
tribunais com os equipamentos e condições necessárias ao desenvolvimento de ações de formação
a distância é do foro político ou económico e não pedagógico.
11. Alocação do tempo profissional para formação – os intervenientes referiram que uma ação de
formação desenvolvida a distância permite ao magistrado efetuar uma gestão mais adequada e eficaz
do seu tempo (quer a nível profissional, quer pessoal), permitindo uma maior dedicação à própria
ação de formação. Este fator é fundamental, na medida em que segundo a opinião dos inquiridos, a

298
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

falta de tempo dos magistrados, aparece por vezes associada a problemas de motivação por parte
dos mesmos para a frequência de ações de formação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O levantamento da informação efetuada junto dos diferentes especialistas revelou-se de particular
importância para este projeto, na medida em que permitiu por um lado, i) aferir da pertinência e utilidade da
conceção e implementação de um modelo pedagógico de formação a distância, para a formação contínua de
magistrados, ii) perceber que caraterísticas é que este modelo deve ter, de forma a responder às efetivas
expetativas e necessidades deste público-alvo, e por outro, iii) compreender de forma mais aprofundada quais
as reais necessidades e interesses dos magistrados. Assim, pode-se verificar através da análise efetuada,
que existe diversidade nas opiniões dos especialistas inquiridos relativamente o ao modo como percecionam
o modelo pedagógico de formação a distância cuja proposta foi submetida a apreciação. É, contudo, possível
constatar que é reconhecida a utilidade, viabilidade e pertinência da conceção e implementação de um modelo
pedagógico de formação a distância, em regime híbrido, para a formação contínua de magistrados, numa
perspetiva de envolver um maior número de formandos e reduzir a dispersão geográfica entre eles, bem como
de garantir a qualidade da formação proporcionada aos magistrados. Contudo, é fundamental que na
construção deste modelo sejam respeitadas as especificidades do contexto formativo e as necessidades
formativas e profissionais dos destinatários e seja perspetivada uma abordagem flexível na implementação
do modelo em causa, que deverá pois ser operacionalizado sempre de forma ajustada a cada formação em
causa: a sua temática, a sua duração, dinâmicas previstas, entre outros.
A crescente utilização das TIC e dos ambientes online tem vindo a possibilitar o surgimento de novos
suportes de aprendizagem que visam responder às necessidades da sociedade moderna, marcando desta
forma um papel cada vez mais dominante e indispensável na educação e na formação profissional. Este
projeto pretende pois, mobilizar tais tecnologias e ambientes online para contribuir para a modernização das
práticas formativas implementadas ao nível da formação contínua dos magistrados portugueses.

REFERÊNCIAS
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potencialidades e limites. Revista da Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado
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investigação. Revista Lusófona de Educação, 5, 173-184.
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A Escola: Dinâmicas e Atores

Krueger, R. & Casey, M. (2009). Focus-groups: A practical guide for applied research (4thEd.). Thousand Oaks,
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Morgan, D. (1997). Focus-group as qualitative research (2ndEd.). London: SAGE University Paper.

300
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DOCENTE NA EJA NO ENSINO MÉDIO-EAD DO SESI


[ID 153]

Nivia Moreira de Camargo


Sonia Maria Chaves Haracemiv
Serviço Social da Indústria-Joinville; Universidade Federal do Paraná
nmcamargo@gmail.com; sharacemiv@ufpr.br

Resumo
A relevância dessa proposta de pesquisa relaciona-se à Educação de Jovens e Adultos, no Ensino Médio, na
modalidade de Educação a Distância no contexto do Serviço Social da Indústria, frente à diversidade de
formações pedagógicas, inicial e continuada. O problema de pesquisa é quais formações pedagógicas
necessárias aos docentes para atuarem com Jovens, Adultos e Idosos no Ensino Médio à distância. Serão
investigadas as trajetórias de formação, os motivos e os desafios enfrentados pelos docentes em atendimento
as Diretrizes Nacionais e Estaduais do Ensino Médio à distância, nos cursos de Educação Básica e Educação
Profissional integrados. É preciso identificar na ótica docente os processos de formação significativos de
atuação, bem como, o desenho de currículo de formação inicial que as Instituições de Ensino Superior
poderiam desenvolver no espaço da academia e de forma continuada em parceria junto à escola. A pesquisa
se caracteriza em duas etapas, sendo a primeira revisão bibliográfica que será abordada neste artigo e a
segunda que está em desenvolvimento, pesquisa empírica por meio de entrevistas e pesquisa-ação, pois, a
pesquisadora, pedagoga da escola, vem observando, diagnosticando e registrando o objeto de estudo dessa
investigação, sobre o qual vem se debruçando na busca de fundamentação teórica que subsidiará a
elaboração, planejamento e intervenção junto ao corpo docente, no caso, o Serviço Social da Indústria de
Santa Catarina no município de Joinville, ofertando um curso de qualificação docente, em parceria com a
Universidade onde a pesquisadora faz mestrado. Os registros da pedagoga dos últimos três anos serão
considerados, mas, além disso, a elaboração e aplicação de um questionário com três campos investigativos:
Formação Profissional Docente; Relações Possíveis: Educação, Trabalho e Currículo da Escola e a Educação
a Distância e suas contribuições ao Ensino Médio integrado ao Ensino Profissionalizante. Os resultados
esperados são que esse processo de formação específico, do qual docente vem participando, contribua para
o seu desenvolvimento profissional e que o currículo do Ensino Médio na referida instituição de ensino venha
buscar as raízes das questões a serem superadas.

Palavras-chave: Formação docente, Educação a Distância, Ensino Médio, Desafios na docência.

Résumé
La pertinence de cette proposition de recherche concerne l'éducation de la jeunesse et des adultes, à l'école
secondaire, sous la forme d'enseignement à distance dans le cadre du Service social de l'industrie, en face
de la diversité de la formation éducative, initiale et continue. Le problème de la recherche est que la formation
pédagogique nécessaire pour les enseignants de travailler avec les jeunes, adultes et aînés à grande distance
de l'école. parcours de formation seront étudiées, les raisons et les défis auxquels sont confrontés les
enseignants présents les lignes directrices nationales et de l'État Moyen apprentissage à distance dans les
programmes d'éducation de base et intégrés de formation professionnelle. Nous devons identifier la
perspective enseigner les processus importants de formation de fonctionnement, ainsi que la conception des
programmes de formation initiale que les institutions de l'enseignement supérieur pourrait se développer dans
l'espace de gym et de façon continue, en partenariat avec l'école. La recherche se caractérise en deux étapes,
la première revue de la littérature qui sera discuté dans cet article et le second qui est dans le développement,
la recherche empirique au moyen d'entrevues et la recherche-action parce que le chercheur, pédagogue de
l'école, a été observe, le diagnostic et l'enregistrement de l'objet d'étude de cette recherche, sur laquelle est
appuyée dans la recherche de fondements théoriques qui subventionnent le développement, la planification
et l'intervention de la faculté dans le cas, le service social de l'industrie de Santa Catarina dans la ville de
Joinville, offre un cours de qualification de l'enseignement en partenariat avec l'Université où le chercheur est
maître. Le pédagogue enregistre les trois dernières années seront pris en considération, mais aussi le
développement et la mise en œuvre d'un questionnaire avec trois champs d'investigation: Enseignant de
formation professionnelle; Relations possibles: éducation, travail et programmes de l'enseignement scolaire
et de la distance et de leurs contributions à l'école intégrée de l'enseignement professionnel. Les résultats
attendus sont que ce processus de formation spécifique, qui a été enseignant participe, de contribuer à leur

301
A Escola: Dinâmicas e Atores

développement professionnel et le programme d'études secondaires dans cet établissement d'enseignement


va chercher les racines des problèmes à surmonter.

Mots-clés: Formation des enseignants, Enseignement a distance, L'enseignement secondaire, Les défis en
matière D'enseignement.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJA) é uma modalidade de ensino que vem ocupando
espaço nas discussões e reflexões de educadores e pesquisadores de todo o país. Ano a ano, milhares de
jovens, adultos e idosos procuram as escolas com o objetivo de retomar os estudos. São participantes ativos,
com legados históricos, que veem na EJA uma chance de adquirir conhecimento.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 205, afirma que “a educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(Brasil, 1988).
O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, atribui à
educação:
... um papel ambicioso no desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades (pois)
encaramos o próximo século como um tempo em que, por toda a parte, indivíduos e poderes
públicos considerarão a busca do conhecimento, não apenas como meio para alcançar um
fim, mas como fim em si mesmo. (Por isso) todos vão ser encorajados a aproveitar as
ocasiões de aprender que se lhes oferecem ao longo da vida e terão possibilidade de fazê-lo
(Delors et al, 2001, p.152).
Neste contexto, considerando a importância, complexidade e diversidade da modalidade, o presente
artigo discute a formação docente para Educação de Jovens, Adultos e Idosos, sobretudo na Educação a
Distância, que está prevista conforme a Lei de Diretrizes e Bases – LDB 9394/96, em seu Art. 61: a
necessidade de “formação de profissionais da educação de modo a atender aos objetivos dos diferentes
níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando” (Brasil,
1996).
A reflexão sobre a importância da formação docente para EJA, que permita a apropriação teórico-
metodológica dos conceitos de diversidade cultural, diálogo, complexidade e autonomia, busca intervir
positivamente no cotidiano e nas relações entre os participantes da EJA. Acerca disso, Freitas (2007) salienta
que:
Assim, a este educador exige-se e se espera que tenha uma postura e atitudes quase
hercúleas diante de tantas dificuldades, inseguranças e paradoxos vividos na maioria das
vezes solitária e silenciosamente. Espera-se que possa fazer com que aquelas pessoas, ali
diante de si e altamente complexas e diversas, possam aprender a ler, escrever e comunicar-
se com o mundo num movimento dialético de apropriação de sua vida e do mundo
oficialmente letrado e possa se constituir em um agente de transformação social (Freitas,
2007, p.58).
A educação como processo de ensino/aprendizagem presentes na EJA tem no professor o mediador
para o processo acontecer. A mediação deve fundamentar-se no e pelo diálogo coletivo, valorizando os
saberes do outro, seus contextos, suas histórias e sua trajetória de trabalho.
Diante disso, têm-se o seguinte objetivo de pesquisa: Quais as formações pedagógicas, inicial e
continuada, são necessárias aos docentes para atuarem com Jovens, Adultos e Idosos no Ensino Médio à
distância no SESI?
A pesquisa será realizada em duas etapas: A primeira etapa consiste em verificar o cerne do que está

302
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

sendo discutido acerca do tema e possíveis lacunas realizando pesquisa documental e bibliográfica. Para
segunda etapa da pesquisa será realizada uma pesquisa empírica com enfoque qualitativo, considerando
dados reais e aprofundando reflexões, por meio da coleta de dados, oriunda de entrevistas semiestruturadas,
que serão analisadas utilizando a metodologia da análise de conteúdo (Bardin, 1977).

FORMAÇÃO DOCENTE INICIAL E CONTINUADA NO PROCESSO DE ENSINO


APRENDIZAGEM DA EJA EAD
A literatura mostra que existem pontos de tensão na preparação teórico-metodológica prévia, na
compreensão das especificidades da EJA, nas necessidades e possibilidades dos estudantes que será
construída no processo de trabalho, em um “processo de aprendizagem, por meio do qual os professores
retraduzem sua formação e adaptação à profissão” (Tardif, 2002, p.53).
Considerando a tendência freiriana, a prática para EJA estaria pautada numa relação dialógica com
o estudante, na qual o docente se envolve e busca aprimorar sua prática buscando conhecimentos sobre a
modalidade de modo a produzir conhecimentos significativos. Quando não há essa busca, a prática
pedagógica para EJA se atém a uma reprodução ou reaplicação dos conteúdos e atividades (infantilizadas).
Ventura (2012, p.72) destaca que [...] a complexidade diferencial dessa modalidade de ensino não se realiza
satisfatoriamente com um professor motivado apenas “pela boa vontade ou por um voluntariado idealista”,
uma vez que “não se pode ‘infantilizar’ a EJA no que se refere a métodos, conteúdos e processos” .
É possível evidenciar durante a gestão e organização do corpo docente para atuar na EJA, que em
muitos casos, a motivação para trabalhar com a modalidade, acontece quando outras possibilidades foram
esgotadas, restando a EJA e toda sua bagagem histórica de preconceito. Tais fatores relacionam-se
diretamente com a incipiente formação (especialmente nas licenciaturas) até hoje disponibilizada aos
professores para atuar nessa modalidade de ensino (Ventura, 2012). Em síntese, Ventura enfatiza:
... por um lado, sob o aspecto legal, há o reconhecimento da área e da necessidade de uma
formação docente para atuar nela na perspectiva da elaboração de projetos pedagógicos
próprios; por outro lado, na prática, a questão permanece, como será visto, ainda muito
tímida, principalmente, na formação do docente que irá atuar tanto na segunda etapa do
ensino fundamental quanto no ensino médio na modalidade de EJA (ibidem, p.73).
Nessa realidade percebe-se o lugar marginal ocupado pela EJA no âmbito do sistema educacional e,
em decorrência disso, o desconhecimento da especificidade da natureza da EJA, bem como o não
reconhecimento dela como um campo de conhecimento próprio.
Em 2015 no I Colóquio de Educação de Jovens e Adultos de Santa Catarina promovido pelo Serviço
Social da Indústria - SESI (Jaraguá do Sul/SC), foi colocado em pauta as “boas práticas” dos diferentes órgãos
que atuam com a EJA no Estado de Santa Catarina.
No tocante a formação docente continuada, a representante da União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação - UNDIME colocou que: “Por força da lei – temos 40h anuais de formação para todas
as áreas. O colegiado é responsável pelas capacitações, por conta dos recursos” (Tozzo, 2015). Tratando
do mesmo tema, a representante do Conselho Estadual de Educação – CEE destaca que: “Não temos
recursos do Estado, às vezes temos recursos Federais” (Clair, 2015). A Federação da Indústria de Santa
Catariana/Serviço Social da Indústria - FIESC/SESI, coloca que:
Temos uma agenda de capacitação continuada aos docentes que atuam na EJA EAD, e esta
agenda ocorre através de treinamentos do grupo, interlocutores que realizam a formação nas
diversas unidades, no ambiente virtual de aprendizagem – em formato EAD e ainda por
videoconferências (Cobra, 2015).

303
A Escola: Dinâmicas e Atores

O Presidente do Conselho Estadual de Educação e Professor da Universidade Federal de Santa


Catarina ressalta a necessidade do entendimento de que “o empenho é diferente de desempenho. Na escola
os professores aprendem sobre teóricos, sobre seus conteúdos específicos, mas não sabem quase nada da
prática da EJA. Para trabalhar com a EJA tem que saber mais ainda, pois tem que saber de gente” (Pereira,
2015).
Na LDB, em seu Artigo 61, é afirmado o aspecto específico da formação docente para EJA, a
necessidade de “formação de profissionais da educação de modo a atender aos objetivos dos diferentes
níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando” (Brasil,
1996).
Sobre a Educação a Distância, segundo Corrêa, Espíndola & Pellegrini (2007) representam uma
inovação no processo de educação formal:
Para o trabalhador que procura a EJA esta modalidade de EAD surge como uma
possibilidade tangível e acessível para complementação dos estudos, obtenção do
reconhecimento formal de suas aptidões e conhecimentos empíricos e maneira de manter-
se como elemento ativo dentro de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo
(Corrêa, Espíndola & Pelligrini, 2007, p.6).
A pedagogia dialógica e problematizadora de Paulo Freire (2003) propõe que haja uma participação
ativa e dinâmica do aluno trabalhador na sala de aula. É necessário considerar a experiência de vida dos
alunos, isto será a base para a construção dos novos conhecimentos destes alunos jovens e adultos. Nessa
visão, a EAD tem no professor o papel de problematizador, expondo ao aluno situações reais de aplicações
dos conhecimentos formais em situações não formais, com recursos tecnológicos, formando redes de
conhecimentos.
Assim, o aluno adulto da EJA EAD precisa sistematizar os conhecimentos que já possui e que
construiu com as práticas de vida, e relacioná-los com os conhecimentos trabalhados na sala de aula e no
ambiente virtual. Para isso, reconhecer os elementos que compõem sua realidade é essencial para que, de
fato, haja uma construção do conhecimento e para que a aprendizagem seja significativa.
Para Belloni (2002) a utilização da EAD como forma de continuidade do processo de socialização e
escolarização dos sujeitos da EJA, é uma possibilidade que surge na medida em que entidades
governamentais têm oferecido condições técnicas para o acesso ao computador e internet, para uma parcela
crescente da população brasileira que estava fora da sociedade da informação.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA evidenciam a importância de projetos pedagógicos
próprios e que o perfil dos estudantes jovens e adultos, bem como, sua situação real de vida seja a base para
construção do currículo escolar, considerando as especificidades e complexidade dos sujeitos da EJA, pode-
se destacar que este processo não se realiza apenas “pela boa vontade ou por um voluntariado idealista”,
fazendo referência a “métodos, conteúdos e processos” (Brasil, 2000). O cenário é citado por Ventura:
Soma-se a esse quadro o pouco reconhecimento da área da EJA nas universidades,
perceptível também pela escassez de produção acadêmica sobre a área e, principalmente,
sobre a formação de professores de EJA. Dentre os que existem, a maior parte trata de
práticas de alfabetização e formação em serviço dos alfabetizadores, sendo, ainda mais
diminuto o número de estudos sobre a formação acadêmica inicial de professores de EJA
para atuar em toda a educação básica (Ventura, 2012 p.73).
Nos espaços de formação docente, seja inicial ou continuada, deve-se garantir e aprofundar as
discussões no compromisso de cumprir a legislação, na problematização da formação inicial, Ventura reforça
que: “as licenciaturas consideram a formação de professsores uma atividade de menos importância e que

304
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

poucos cursos propõem disciplinas específicas sobre EJA, nos currículos das licenciaturas” (Ventura, 2012,
p. 76).
Desta forma, as dificuldades encontradas pelos professores licenciados na atuação da EJA EAD
desperta reflexões acerca de como promover relações práticas docentes de modo à desnaturalizar o apartheid
educacional, que evoca a expressão de que para EJA “qualquer coisa serve”.

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ARTICULADA COM A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL


NO BRASIL
No Brasil nos últimos anos o debate em torno da Educação Profissional tem crescido
consideravelmente. Quando se trata da Educação Profissional articulada com a EJA, Haddad (2007, p.197)
nos traz, que apesar da educação de jovens e adultos ser garantida pela Constituição Federal de 1988 e pela
LDB 9.394/96 como direito de milhões de pessoas:
... não se implantou nacionalmente uma política para EJA, nem se concretizou, como
decorrência da conquista desse direito, um sistema nacional articulado de atendimento que
permita que todos os cidadãos e cidadãs acima de 14 anos possam, pela escolarização,
enfrentar os desafios de uma sociedade como a brasileira (Haddad, 2007, p.197).
Têm sido marca histórica da EJA ações descontínuas, isoladas e paliativas. Nesse sentido, Rummert
(2007) destaca que essa educação destina-se a uma classe social específica: trabalhadores que, em
segmentos fragilizados e vulneráveis, recebem políticas pontuais e de aligeirada descontinuidade.
Considerando essa perspectiva, Moura (2006) ressalta que na LDB a educação brasileira é
estruturada em dois níveis – educação básica e educação superior, sendo que, a educação profissional não
está em nenhum dos dois, consolidando-se a dualidade de forma bastante explícita. O ensino médio
encontra-se na última etapa da educação básica, já a educação profissional encontra-se em capítulo distinto.
Assim sendo, existe [...] algo que vem em paralelo ou como um apêndice e, na falta de uma denominação
mais adequada, resolveu-se tratá-la como modalidade, o que efetivamente não é correto (Moura, 2006, pp.15-
16).
Deste modo, faz-se pertinente realizar uma breve retrospectiva histórica a fim melhor compreender
seu desenvolvimento ao longo das últimas décadas, bem como seu lugar no contexto educacional atual. É
válido salientar, a dualidade existente entre a oferta educacional destinada às diferentes classes sociais da
sociedade brasileira. Para uma melhor compreensão desse fenômeno, nesse artigo, demarcaram-se alguns
momentos relevantes, para Educação Profissional dentro da história da educação nacional.
A relação entre a Educação Profissional e a Educação Básica, no Brasil, sempre foi palco de
constantes contradições, inversões e desafios. De forma diferente que a Educação Básica, a Educação
Profissional no Brasil ainda não alcançou repercussão nas políticas públicas capazes de garantir ao país a
formação contextualizada, nessa mesma direção Moura (2006) citando Ireland et alii (2004) aponta para uma
política pública para a Educação de Jovens e Adultos de forma humanizadora da educação, não se restringido
a “tempos próprios” e faixas etárias, mas que se faz ao longo da vida, de acordo com a Declaração de
Hamburgo de 1997.
Esse alargamento de conceito sobre a EJA reconhece a complexidade da modalidade, que envolve
diversas dimensões que não podem ser limitada apenas ao ensino, mas à educação.

305
A Escola: Dinâmicas e Atores

... o que realmente se pretende é a formação humana, no seu sentido lato, com o acesso ao
universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos, produzidos historicamente
pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo,
compreender no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida e
da construção de uma sociedade socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de
formação na vida e para a vida e não apenas de qualificação para o trabalho (Moura, 2006,
p. 06).
Moura (2006) ainda enfatiza que pensar dessa forma é não subsumir o sujeito à inclusão da lógica
do mercado de trabalho, mas assumir a formação do cidadão que se produz, o que produz o mundo pelo
trabalho. Esse extenso mundo do trabalho, não apenas das modernas tecnologias, mas de toda a construção
histórica que homens e mulheres realizaram.
Na questão da organização pedagógica Moura (2006) salienta o desenvolvimento de um projeto que
assume a Educação de Jovens e Adultos como um campo de conhecimento específico, o que implica em
investigar, entre outros aspectos as reais necessidades dos sujeitos alunos, e como eles
...produzem/produziram os conhecimentos que portam, suas lógicas, conhecimentos prévios
produzidos no seu estar no mundo àqueles disseminados pela cultura escolar, como interagir
com os sujeitos de conhecimento, com os sujeitos professores, nessa relação de múltiplos
aprendizados (ibidem, p.10).
Por sua vez, a Educação de Jovens e Adultos no Brasil, tem se constituído ao longo da história da
educação brasileira, em uma modalidade que responde secundariamente as expectativas e as necessidades
de sua proposta, seja pela inadequação das concepções, ou ainda, pela forma reducionista do conhecimento.

CENÁRIOS DA EDUCAÇÃO ARTICULADA E O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO


Segundo dados contidos no relatório de mapeamento e diagnóstico do Projeto EBEP Educação
Básica SESI e Educação Profissional SENAI (2011), no Brasil a industrialização ocorreu de forma tardia e foi
intensamente prejudicada pela falta de pessoas qualificadas e com formação básica capaz de garantir um
crescimento sólido do setor industrial brasileiro. Nesse momento, houve a criação do Serviço Nacional de
Aprendizagem dos Industriários (mais tarde, denominado Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial -
SENAI).
O SENAI foi criado pelo Decreto Lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942. Manfredi (2002) registra que
a criação dessa instituição esteve atrelada à necessidade de expansão da indústria nacional, no contexto das
políticas socioeconômicas de desenvolvimento da era Vargas.
A rede SENAI cresceu a um ritmo espetacular. Ao longo da sua trajetória, a instituição foi adequando
o seu projeto e modificando-se em função das exigências e das ondas de mudanças, econômicas e politicas,
do setor produtivo e da sociedade brasileira.
Posterior à criação do SENAI. Em janeiro de 1946, por meios dos Decretos Lei nº 8.621 e 8.622, a
Confederação Nacional do Comércio, tem autorização para instalar e administrar escolas de aprendizagem
comercial em todo o país. A partir desses decretos cria-se o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial –
SENAC e em Julho de 1946 é criado o Serviço Social da Indústria – SESI.
Ainda com base no relatório (SESI/SENAI, 2011), até meados dos anos de 1970, a “mão de obra” da
indústria era basicamente formada em serviço, geralmente para funções que requeriam poucos
conhecimentos intelectuais e maior habilidade física.
Na década de 1970 presenciou-se uma mudança significativa na política industrial brasileira. Esse
período foi marcado pela emergência do modelo educacional embasado na teroria do capital humano, que
preconizava a ligação direta entre investimento em educação e crescimento econômico. Esse pensamento

306
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

teve reflexos diretos nas políticas educacionais dos anos subsequentes, mas ainda assim, tais políticas não
lograram êxito em responder a necessidade do país na formação de pessoas para o pleno exercício da
cidadania. “A modernização tecnológica (ainda que no nível da adaptação e de manutenção da tecnologia
importada) inerente a esses novos setores da economia brasileira gerou novas necessidades de qualificação
profissional e novas indicativas, no campo da instrução básica e profissional popular” (Manfredi, 2002, p.79).
Com a Constituição de 1988, ao ser estabelecido os objetivos da educação nacional, houve um novo
direcionamento à educação brasileira. O preceito constitucional traz a Educação Básica com o objeto de
desenvolvimento pleno do indivíduo, seu preparo para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho
(Brasil, 1988).
Desta forma, esse preceito resgatou a função da Educação Básica de também preparar os estudantes
para se inserirem no mundo do trabalho, trazendo a ideia da inserção profissional como parte integrante da
Educação Básica.
A Lei 9394/96 que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional preconiza a Educação
Básica com a finalidade de desenvolver o estudante, assegurando a formação comum indispensável para o
exercício da cidadania e fornecer meios para progredir no trabalho ou em outros estudos posteriores (Brasil,
1996).
Nos últimos anos, o capítulo da formação profissional na LBB passou por diversas reformulações,
essas, estão diretamente ligadas ao movimento político das entidades ligadas à formação profissional, que
buscasm romper o dualismo existente na Educação Básica nacional.
A alteração da LDB, ocorrida em 2008 por meio da Lei 11.741, 16 de julho de 2008, reorganizou o
ensino profissionalizante assegurando uma trajetória mais clara para que haja convergência entre a educação
escolar e a formação profissional. A Lei nº 11.741/08 dispõe de forma sintetizada os seguintes aspectos:
a. "A educação profissional abrange os cursos de:
Formação inicial e continuada ou qualificação profissional;
Educação profissional técnica de nível médio;
Educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação.
b. A educação profissional técnica de nível médio pode ocorrer nas formas:
Articulada – com ensino médio;
Subsequente – em cursos destinados a quem já tenha concluído o ensino médio.
c. A oferta da educação profissional articulada com o ensino médio pode ocorrer de
forma:
Integrada – na mesma instituição de ensino e matrícula única para cada estudante;
Concomitante – para quem ingressa ou está cursando o ensino médio, com matrículas
distintas para cada curso, podendo ocorrer: na mesma instituição educacional, em
instituições de ensino distintas (aproveitando as oportunidades educacionais disponíveis), em
instituições de ensino distintas (mediante convênios de intercomplementaridade, com o
projeto pedagógico unificado)” (Brasil, 2008).
Para Frigotto, Ciavatta & Ramos (2005), ainda que o novo decreto possibilitasse a oferta da educação
na forma concomitante e subsequente, o mesmo configura-se um avanço na medida em que restabelece a
possibilidade de oferta do ensino integrado.
O projeto do EBEP, que é o objeto dessa pesquisa adota a forma concomitante realizada pelas
instituições de ensino do SESI e do SENAI – Serviço Social da Indústria e Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial, respectivamente.
O EBEP surgiu como possibilidade de oferta a uma educação articulada para os jovens e adultos
trabalhadores, balizado por princípios, concepções e orientações pedagógicas. Tencionou-se por meio desse
programa, implementar uma política educacional onde se romperia com a histórica dualidade estrutural
presente na educação nacional.

307
A Escola: Dinâmicas e Atores

Deste modo, é possível inferir que, se faz necessário impulsionar algumas propostas a fim de garantir
o direito do jovem e adulto trabalhador usufruir de uma educação de qualidade. Uma educação que se
fundamente nos princípios da politecnia, onde trabalho, ciência, cultura e tecnologia estejam articulados e
integrados. A integração proposta pelo Decreto nº 5.154/2004, sinaliza nessa direção.
A Educação de Jovens e Adultos tem sido apontada como uma das vias para a construção de uma
sociedade mais justa e democrática. Para tanto, deve-se considerar as demandas que as sociedades
modernas vêm impondo aos sujeitos que dela fazem parte, com vistas à superação das desigualdades
sociais, promovendo aprendizagens que garantam a inserção pelana desses sujeitos. Além, de manter um
compromisso social para assegurar a garantia dos direitos humanos e a participação cidadã.
O desafio imposto para a EJA na atualidade se constitui em reconhecer o direito do jovem e adulto
de ser sujeito; mudar a maneira como a EJA é concebida e praticada; buscar novas metodologias,
considerando os interesses dos jovens e adultos; pensar novas formas de EJA articuladas com o mundo do
trabalho; investir seriamente na formação de educadores; e renovar o currículo – interdisciplinar e transversal,
entre outras ações, de forma que este passe a constituir um direito, e não um favor prestado em função da
disposição dos governos, da sociedade ou dos empresários (Freire, 1997).

CONSIDERAÇÕES FINAIS E ENCAMINHAMENTOS FUTUROS


Busca-se com essa pesquisa respostas para algumas questões referentes: à trajetória de formação
tem os docentes que atuam na EJA EAD do SESI, os motivos que levam os docentes atuarem com a EJA,
os dilemas enfrentados pelos docentes para desenvolver o currículo da EJA em atendimento as Diretrizes
Nacionais e Estaduais.
Com este panorama traçado, analisamos nessa primeira etapa estudos bibliográficos sobre a questão
dos saberes docentes e a formação dos professores, tentamos identificar como está este campo de pesquisa
na realidade brasileira da Educação de Jovens e Adultos à distância.
Espera-se que com essa investigação a formação docente do profissional do Serviço Social da
Indústria, na Educação de Jovens e Adultos na modalidade de Educação a Distância venha atender as
demandas sociais do trabalhador com base na incompletude do sujeito.

REFERÊNCIAS
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Brasil (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
Brasil (2000). Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos: Parecer CEB nº:
11/2000 – Relator (a) Conselheiro (a): Carlos Roberto Jamil Cury. Aprovado em 10/05/2000.
Brasil (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996.
Brasil (2016). Coletânea de textos CONFINTEA Brasil+6: tema central e oficinas temáticas / Organizado por
Nacif, P., Queiroz, A., Gomes, L. & Rocha, R. Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Brasília: MEC.
Belloni, M. (2010). Educação a Distância. Campinas, Autores Associados.
Correia, M., Espíndola, K. & Pellegrini, I. Alternativas didáticas atuais na EJA/EAD consciência de mundo.
Disponível em: www.senacead.com.br/anais/encontro08/Ieda_120979360.pdf.
Delors, J. (2001). Os quatro pilares da educação. In Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez.

308
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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Freire, P. (1997). Pedagogia do Oprimido (24ªEd.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freire, P. (1996). Pedagogia da Autonomia (36ªEd.). São Paulo: Paz e Terra S/A.
Freitas, M. (2007). Educação de jovens e adultos, educação popular e processos de conscientização:
intersecções na vida cotidiana. Educação em Revista, Curitiba, (29), 47-62.
Frigotto, G., Ciavatta, M. & Ramos, M. (2005) Ensino médio integrado: concepção e contradições. São Paulo:
Cortez.
Haddad, S. (2007) A ação dos governos locais na educação de jovens e adultos. Revista Brasileira de
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Manfredi, S. (2002) Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez.
Moura, D. (2006). Educação de jovens e adultos: Formação técnica integrada ao ensino médio. Boletim n.16,
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educação profissional SENAI: relatório de mapeamento e diagnóstico do Projeto EBEP, Educação
Básica do SESI articulada com Educação Profissional do SENAI. Departamento Nacional. Brasília.
Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, R.J.: Editora Vozes.
UNESCO (2010). Marco de Ação de Belém, Brasília: UNESCO/MEC.
Ventura, J. (2012). Educação e Contemporaneidade, Revista da FAEEBA Salvador, 21 (37), 71-82, jan./jun.

309
A Escola: Dinâmicas e Atores

O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA E SUA RELAÇÃO DIALÓGICA COM A SOCIEDADE: UM


ESTUDO DE CASO A PARTIR DE TRÊS ESCOLAS BRASILEIRAS
[ID 369]

Rafael Gonçalves Campolin


Vilma Ribeiro da Silva
Eliane Alves da Silv
Noelma Soares Silva Szervinsk
Gutemberg Carvalho Vieira Silva
Universidade Nacional de la Provincia de Buenos Aires (UNICEN); Faculdade Anhanguera de Valparaíso de
Goiás (Kroton Educacional)
rafaelcampolino@yahoo.com.br ; vilmaribeiros@yahoo.com.br; elianegalegapb@hotmail.com;
noelma_s@hotmail.com.com.br; gutembergcv@hotmail.com

Resumo
As mudanças constantes no cenário globalizado e os desafios estratégicos impostos pelos novos modelos
requeridos pela sociedade, nos coloca frente ao desafio de conhecer e buscar entender o real papel da escola
no contexto dialógico com a comunidade. No cenário brasileiro, a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, estabelece que a educação é um direito social, ou seja, direito de todos e dever do Estado e
da família, com a principal função de desenvolver as pessoas para o convívio em sociedade. Nesse sentido
garantir um direito não é igualmente suficiente para a sua implantação em um país segmentado como o Brasil;
há a necessidade de investimentos em políticas públicas que desenvolvam ações voltadas para o
cumprimento da garantia constitucional. A pesquisa foi conduzida com os objetivos de conhecer os principais
desafios e entender as dificuldade encontrados pela escola no processo de integração com a comunidade
para garantir a implantação do programa governamental, intitulado “Mais Educação”, projeto interministerial
para garantir uma efetiva educação no contexto da escola em tempo integral. Para a conquista dos objetivos,
foi eleita a triangulação mista, que se constituiu de um estudo de caso, com aporte à pesquisa bibliográfica
de natureza aplicada, com abordagem quantitativa e qualitativa. Foram sujeitos da pesquisa três escola
brasileira, localizadas no Centro-Oeste do país, sendo que uma delas encontra-se na Capital do País: Distrito
Federal. A partir da investigação e da metodologia aplicada foi possível constatar, no que diz respeito a
integração de espaços da sociedade para de fato ter-se uma educação em tempo integral, que 100% das
escolas, participantes da pesquisa, encontraram consideráveis dificuldades para conduzir o programa; sendo
que 62% dos professores dessas escolas afirmaram que, de uma forma limitada, conseguiram integração
com a comunidade para garantir a execução de algumas ações do programa e 16% revelaram que não
conseguiram apoio algum. Com a pesquisa constatou-se que urge a necessidade de espaços em que os
estudantes possam sentir-se, de fato, inseridos no contexto da escola em tempo integral e que há
necessidade de integração entre as Instituições Escolares e a Comunidade local para que a escola consiga
efetivamente desenvolver seu papel social e garantir respostas positivas em ações propostas pelo Estado.

Palavras-chave: Educação Básica Brasileira, Comunidade, Programa Mais Educação, Espaços, Diálogo.

Résumé
Les changements constants dans le scénario global et les défis stratégiques imposées par les nouveaux
modèles requis par la société, met-nous relever le défi de se rencontrer et de chercher à comprendre le
véritable rôle des écoles dans le contexte dialogique avec la communauté. Dans le scénario du Brésil, la
Constitution de la République fédérale (CF) de 1988 au Brésil, affirme que l'éducation est un droit social, à
savoir le droit de tous et le devoir de l'Etat et de la famille, avec la fonction principale de développer les gens
à la vie dans la société. En conséquence d'assurer un droit est pas non plus suffisante pour sa mise en œuvre
dans un pays comme le Brésil; il y a la nécessité d'investir dans les politiques publiques pour développer des
actions pour la réalisation de la garantie constitutionnelle. La recherche a été menée dans le but de répondre
aux principaux défis et de comprendre les difficultés rencontrées par l'école dans le processus d'intégration
avec la communauté afin d'assurer la mise en œuvre du programme gouvernemental intitulé ”Mais Educação”

310
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

projet interministériel pour assurer une éducation efficace dans le contexte de école à temps plein. Pour la
réalisation des objectifs, la triangulation mixte a été élu, qui consistait en une étude de cas, avec une
contribution à la littérature de nature appliquée, à l'approche quantitative et qualitative. Ils étaient sujets de
recherche de trois écoles du Brésil, située dans le Midwest du pays, dont l'un est la capitale du Pays: District
fédéral. De la recherche et de la méthodologie appliquée, il a été établi, en ce qui concerne l'intégration des
espaces de la société d'avoir fait d'être un enseignement à plein temps, que 100% des écoles, participants à
la recherche, ils ont trouvé des difficultés considérables à conduire programme; et 62% des enseignants de
ces écoles a dit que, d'une manière limitée, ont réussi à intégrer avec la communauté afin d'assurer la mise
en œuvre de certaines activités du programme et 16% ont dit qu'ils ne pouvaient pas soutenir tout. Grâce à la
recherche, il a été constaté qu'il existe un besoin urgent pour les espaces où les élèves peuvent se sentir, en
effet, est entré dans le contexte de l'école à temps plein et qu'il ya nécessité d'une intégration entre les
institutions scolaires et la communauté locale à l'école peut effectivement développer leur rôle social et
d'assurer des réponses positives par les actions de l'État proposé.

Mots-clés: Brazilian Basic Education, Communauté, Programme Mais Educação, Spaces, Dialogue.

EDUCAÇÃO INTEGRAL: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS


Pensar sobre a escola atual e suas articulações representa, atualmente, uma ação imprescindível, e
as propostas de Escolas de Tempo Integral (ETI) geraram nos últimos anos um amplo debate. A partir desse
princípio Paiva (1985) discute o caráter pragmático nas propostas políticas no Brasil, seguida pela reflexões
de Paro (1988) que observa fatores que convergem para inviabilidade da universalização da ETI, ao passo
que Arroyo (1988) discute a consistência da Escola de Tempo Integral, enquanto projeto pedagógico,
destacando uma intenção de confinamento, tornando-se uma instituição desarticulada.
Como bem afirmou Anísio Teixeira a Proposta de Escola de Tempo Integral representou uma
oportunidade para uma vida melhor daqueles que participaram dela, vez que reconhecendo a complexidade
dessa questão Nunes (2001) deixa claro que as escolas criadas por Anísio Teixeira não foram vistas como
local de confinamento, pelo contrário, tornaram possíveis a partir da reapropriação de espaços de
sociabilidade, retirados das classes trabalhadoras, possibilitando-lhes uma melhora de vida, visto que as
reformas urbanas lhes empurravam para periferia.
Nessa narrativa, a Lei de Diretrizes de Bases 9394/96, e até mesmo as anteriores, sempre almejaram
proporcionar esse tipo de relação de múltiplos ensinos e aprendizagens, proporcionando conjuntos de
saberes a desenvolver no educando. O ensino integral, além dessas competências, objetivava desenvolver
plenamente os sujeitos, preparando-os para o convívio social e para o mercado de trabalho.
Outros sim, proporcionava horas de lazer, o que garantia o prazer em permanecer na escola e
consequentemente a evasão era minimizada, posto que a escola era um espaço atrativo, onde desenvolviam
os projetos de leitura interativa, ou seja, aquelas oficinas de teatro baseadas nos romances lidos, oficinas
variadas de danças, em que abordavam as diferentes culturas e tradições brasileiras, permitindo a
aproximação dos educandos com uma realidade diferente da que estavam acostumados cotidianamente.
Havia ainda os projetos para a formação profissional, como o de artesanatos, corte e costura,
marcenaria onde o jovem educando tornava-se dia a dia uma pessoa mais íntegra, capaz de reflexões éticas,
com uma ideologia de vida em formação. Saliente-se aqui, que a alimentação era farta de nutrientes, e
saudável. Em relação à família, havia os programas de auxilio, particularmente aos pais, com ênfase em
programas voltadas para a prevenção do alcoolismo e desajustes entre os casais. Dando uma visão da ETI
idealizada por Anísio Teixeira como um verdadeiro espaço para construção de conhecimento e
desenvolvimento de cidadãos, no entanto, um sonho que foi realidade por pouco tempo.

311
A Escola: Dinâmicas e Atores

Partindo desse ideário de escola, a pesquisa foi conduzida com os objetivos de conhecer os principais
desafios e entender as dificuldade encontrados pela escola no processo de integração com a comunidade
para garantir a implantação do programa governamental, intitulado “Mais Educação”, projeto interministerial
para garantir uma efetiva educação no contexto da escola em tempo integral.
Diante do quadro exposto o que será questionado é onde, exatamente em que ponto, houve falhas
no ensino integral? É preciso desvendar tais fracassos e entender seus entraves, para então suplantá-los e
reiniciar essa escola, que no mínimo é uma excelência no sistema educacional e na política de inclusão social.
Durante anos procura-se uma fórmula para inserir o educando dentro de uma realidade palpável e
completa, todavia continuamos a questionar o porquê de tanto insucesso - onde estamos falhando com esse
aluno? - Como podemos ajudá-lo a ser um cidadão autônomo e seguro de si mesmo? - Capaz de reconhecer
o todo que o envolve? Como ensiná-lo a vivenciar e lidar com seus próprios conflitos emocionais, sociais e
de aprendizagem? Como combater a evasão, a defasagem idade/série, a repetência e fracasso escolar?
Diante de tantas perguntas, torna-se necessário levantar velhas questões sobre educação e o ato de
educar. Vindo de encontro a estes questionamentos nos deparamos com a Proposta das Escolas de Tempo
Integral, que já há algumas décadas vem oferecendo caminhos para superar e enfrentar os problemas ora
levantados, constituindo-se assim em nosso problema de pesquisa.
Sabe-se que educar não é uma tarefa fácil, visto as inúmeras diferenças, seja da clientela estudantil,
com suas experiências, costumes, culturas e informações oriundas do mundo no qual está se formando, ou
seja pelo corpo docente com tantas fórmulas pedagógicas e tantas outras exigidas pelas instituições, sem
deixar de pensar as inúmeras frustrações que se retém em seu interior, por não conseguir inserir o educando
no meio social de forma completa e satisfatória.
Por outro lado, além da questão valorização do professor, no sentido mais estendido da palavra.
Temos ainda a instituição educativa, que nem sempre está preparada para receber o aluno com suas
diferenças, dificuldades e meio social diverso. Considera-se ainda, a questão das verbas destinadas aos
projetos escolares, as inúmeras tentativas de reimplantar o ensino em tempo integral sem o devido sucesso
esperado.
Uma experiência relevante em relação à educação integral foi conduzida na década de 1980 (entre
1984 e 1987), no Rio de Janeiro, em um programa que buscou inspiração nas ideias de Anísio Teixeira. Trata-
se da implantação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEP), pelo governo de Leonel Brizola, sob
coordenação de Darcy Ribeiro. Seu objetivo declarado era operar uma revolução no sistema educacional
capaz de diminuir os altos índices de evasão e repetência (Mignot, 2001).
Na perspectiva de Galian & Sampaio (2012) muitas foram as críticas a este projeto, ligadas à falta de
estudos criteriosos de demanda, aos altos custos das novas construções, ao desprezo com que foi tratado o
trabalho das escolas públicas da rede - tomadas como instituições representativas da falta de compromisso
com as crianças das camadas populares, à priorização dos custos em construção em detrimento de aumento
de salário dos professores, materiais didáticos e aperfeiçoamento da rede.
Um problema trazido por Demo (2007) é o fato que época não se dava importância maior à qualidade
do professor, sem perceber que aí residia um dos desafios maiores da escola integral: professores presos a
didáticas instrucionistas, aumentando seu tempo na escola, utilizando para aumentar o instrucionismo. É de
urgência a mudança desta tendência, sendo necessário aumentar o tempo de aprendizagem efetiva. Para
fazer qualquer mudança mais profunda e intensa na escola, em especial para melhorar significativamente a

312
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

aprendizagem do aluno, o desafio maior é cuidar do professor. Escola de Tempo Integral funciona com
professor de tempo integral, não para dar mais aula, mas, aproveitando melhor o tempo, fazendo como que
o aluno aprenda mais.
É merecedor de destaque no Brasil, uma experiência desenvolvida por Anísio Teixeira, na Bahia, na
década de 1950. Na qual, a escola primária seria dividida em dois setores, o da instrução propriamente dita,
ou seja, da antiga escola de letras, e o da educação propriamente dita, ou seja, da escola ativa. No setor
instrução, manter-se-ia o trabalho convencional da classe, o ensino de leitura, escrita e aritmética e mais
ciências físicas e sociais, e no setor educação – as atividades socializantes, a educação artística, o trabalho
manual e as artes industriais, e a educação Física. A escola seria construída em pavilhões, em um conjunto
de edifícios que melhor se ajustassem às suas diversas funções (Galian & Sampaio, 2012).
Segundo Teixeira (1959), essa seria uma escola parcial e para funcionar em turnos, mas virá integrá-
la, a escola-parque, e a criança faria um turno na escola-classe e um segundo turno na escola-parque. Nesta
escola, além de locais para suas funções específicas, teria mais a biblioteca infantil, os dormitórios para 200
das 4.000 crianças atendidas pelo Centro, e os serviços gerais e de alimentação. Pois a criança teria um
regime de semi-internato, recebendo educação e assistência alimentar, e cinco por cento dentre elas
receberiam mais o internato. Seriam as crianças chamadas propriamente de abandonadas, sem pai nem mãe,
que passariam a ser não as hóspedes infelizes e tristes dos orfanatos, mas as residentes da escola-parque,
às quais competiria a honra de hospedar as suas colegas, bem como a alegria de frequentar, com elas, as
escolas-classe.

MATERIAIS E MÉTODOS
Optou-se pela pesquisa do tipo qualitativa, pois conforme explica Gonçalves (2006), nesta forma de
estudo é possível uma investigação flexível, sendo permitido além de uma pesquisa bibliográfica onde se faz
uma revisão de literatura a respeito do tema, como também é possível através de uma investigação de campo
incorporar o que os participantes dizem, suas experiências, e pensamentos, respondendo ao objetivo da
pesquisa. Desta forma utilizamos para obtenção dos dados na pesquisa de campo três técnicas: O
questionário, a técnica do grupo focal e a observação geral.
Optou-se pelo questionário com questões abertas, pois este é um instrumento de investigação que
visa recolher informações baseando-se, geralmente, em um grupo. Ele se torna útil quando se pretende
recolher informações sobre um determinado tema (Gil, 1987).
Com relação ao grupo focal, trata-se de uma técnica de discussão não diretiva em grupo, que reúne
pessoas com algumas características e experiências comuns, possibilitando a discussão de um tema de
interesse (Gatti, 2005).
Segundo Queiroz (2007), a observação constitui elemento fundamental para a pesquisa,
principalmente com enfoque qualitativo, porque está presente desde a formulação do problema, passando
pela construção de hipóteses, coleta, análise e interpretação dos dados, ou seja, ela desempenha papel
imprescindível no processo de pesquisa.
A pesquisa foi realizada em três escolas da rede pública, sendo duas no estado de Goiás e uma no
Distrito Federal, Capital Federal Brasileira, contanto com a participação de 10 professores e cuja a análise
será apresentada na próxima sessão.

313
A Escola: Dinâmicas e Atores

ANÁLISES E RESULTADOS
As considerações aqui apresentadas tratam de uma análise mais ampla a partir da experiência da
Escola localizada no Distrito Federal, vez que foi constata a inexistência de diálogo entre as outras duas
instituições escolares e a comunidade, em função da precariedade das parcerias.
A Escola do Distrito Federal localizada em Ceilândia Norte e conta com aproximadamente 638 alunos
que estudam no turno matutino e vespertino.
A escola procura realizar um projeto interventivo que tem como objetivo resgatar alunos que estão
defasados em idade e série dessa forma a matrícula é prioridade para estes alunos. A equipe da escola é
formada por 10 professores regentes, dois coordenadores pedagógicos, uma professora para atendimento
no Serviço de Orientação Educacional (SOE), uma professora atendimento de apoio à aprendizagem.
O bairro onde a escola está instalada não possui locais para lazer, o entorno da escola é composto
por residências, e em uma das laterais esta instalada uma quadra, que é mal cuidada e, devido a precariedade
de segurança, o local é frequentado por pessoas alheias à escola e com interesses escusos, sendo inclusive
usada como ponto usuários de drogas, tornando um local inseguro, o que inviabiliza a utilização pela escola.
Com relação ao achados da investigação, inicialmente realizou-se uma leitura flutuante do conteúdo
dos questionários. Após essa leitura, os depoimentos foram agrupados por segmento tendo como critério os
significados que mais se aproximam. Para analisar os dados a técnica de análise de conteúdo temática
descrita por Bardin (2003) foi escolhida. Esse procedimento permitiu identificar temas e criar categorias de
análise.
A partir daí foram construídas tabelas com resultados obtidos mapeando os principais problemas
apontados pelos participantes. Utilizou-se esse procedimento para analisar os dados coletados tanto na
entrevista com a técnica do grupo focal, quanto para a análise dos questionários, conforme apresentado no
quadro abaixo.
Categoria Sub-Categoria Exemplos
“... é só com os 3º anos, eles estudam, almoçam e já vão para
outra sala ...”
De forma parcial
“... por enquanto só vai funcionar para o terceiro ano, depois
vamos ver...”
“... é meio problemática, só tem uma sala para os alunos ir, o
Forma como
espaço físico é um empecilho...”
ocorreu a Espaço físico / empecilho
“... é verdade é uma sala só, no ano passado era pior, sabe onde
instalação da
era no pátio, é um calor horrível ...”
escola pesquisada
“... na escola foi implantado um sistema de tempo integral só
para o 3º ano, mas mesmo assim ela não está preparada para
Falta de Preparo receber...”
“...Acho que para funcionar legal, precisa preparar melhor a
escola...”
Quadro 1 - Aspectos relacionados à instalação da escola
Fonte: Pesquisa de campo. Autores, 2016
Ao conversarem sobre a instalação da escola pesquisada, os participantes salientaram que ela só
funciona nos 3º anos, ou seja, a escola pesquisada é parcialmente uma Escola de Tempo Integral. Segundo
os participantes a escola é um pouco problemática, uma vez que só tem uma sala para os alunos de cada
turma usar, o espaço físico é visto como um empecilho, uma sala só para os alunos utilizarem é um problema
na opinião dos participantes, mas segundo eles já foi pior, antes era utilizado o pátio, e o calor era horrível.
Os participantes ressaltaram também que a escola não está preparada para receber em tempo integral nem
mesmo as turmas do 3º ano.

314
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Quanto à manutenção da Escola de Tempo Integral, os participantes explicaram que o recurso é


pouco, que eles têm se virado, entretanto tem sido difícil, ressaltaram o descaso das pessoas que cuidam
referindo-se aos órgãos superiores. Demonstraram certa revolta, salientando que enquanto ficarem dando
um “jeitinho”, ninguém vai se impor. Conforme Costa (1991), bem apresenta:
Embora pareça óbvio, não é demais afirmar que escolas de tempo integral demandam
maiores investimentos iniciais e correntes. Mesmo se considerarmos certas soluções que
localizam parte das ações educativas, no regime de tempo integral, fora do espaço escolar,
ainda assim os gastos com pessoal, alimentação, transporte e outras necessidades tendem
a aumentar. Entretanto, estudos já mostraram que a duplicação da jornada não chega a
representar o dobro os gastos.
Em relação ao trabalho pedagógico, os participantes demonstraram valorizar o tempo de coordenação
explicando que é toda segunda-feira o momento em que os professores organizam suas aulas. A esse
respeito, Costa (1991) aborda o seguinte aspecto: “considerando que o horário mais extenso do professor
contribui para seu maior envolvimento com o projeto da escola, consolidando um sistema de ensino mais
definido, com um corpo profissional que poderia constituir-se em interlocutor para a classe trabalhadora”.
Os participantes dizem que é um quebra cabeça, dando indícios da dificuldade que encontram
principalmente no que diz respeito aos materiais, deixam claro que não tem muitas alternativas. Na conversa
com o grupo surge a ideia do intervalo dirigido como alternativa para ajudar na prática pedagógica. Na opinião
do grupo um intervalo dirigido faz falta, pois as crianças correm e ficam muito suadas, e se fossem orientadas
no brincar, ficariam menos agitadas. Posteriormente surge o problema de quem ficaria com os alunos no
intervalo dirigido, havendo divergência, alguns participantes explicitaram não achar viável, outros disseram
que não abrem mão de lanchar no horário do intervalo.
Ao conversarem sobre a diferença entre a Escola de Tempo Integral e a tradicional, o grupo ressalta
o tempo maior que os alunos ficam na escola, segundo o grupo os alunos passam praticamente o dia todo na
escola. Segundo Cavaliere (2007):
Para isso, além de definições curriculares compatíveis, toda uma infraestrutura precisa ser
preparada do ponto de vista de espaços dos profissionais e da organização do tempo. Em
uma Escola de Tempo Integral, as atividades ligadas às necessidades ordinárias da vida
(alimentação, higiene, saúde), à cultura, à arte, ao lazer, à organização coletiva, à tomada de
decisões, são potencializadas e adquirem uma dimensão educativa.
As oficinas também são vistas pelo grupo como a diferença entre os dois tipos de escola apenas de
simples, e enfatizam que na escola tradicional as aulas são de ler e escrever e o currículo é reduzido. Também
as oportunidades são maiores, os alunos não ficam só presos às copias e leituras, participam de brincadeira,
o grupo valoriza o brincar, o relacionamento nas ETI’s, lamentando que isso não ocorra com frequência na
escola tradicional.
Quanto à aprendizagem ser de qualidade ou não, na Escola de Tempo Integral o grupo aponta
algumas dificuldades, entre elas, as condições de trabalho e o espaço físico é visto como um entrave para
aprendizagem de qualidade, também a necessidade de atividades diferenciadas que são poucas. O grupo
aponta também a necessidade de novos ambientes, sendo possível perceber certa nostalgia na fala do grupo
que esperava mais da ETI, em relação a motivação dos alunos com a possibilidade de novos ambientes. Na
prática segundo o grupo, esses ambientes ficariam limitados ao pátio, poucas oficinas na sala de aula e a
sala de informática. O outro problema apontado pelo grupo é a falta de parceria, segundo o grupo nas escolas
com parcerias funcionavam, e deveriam buscar essas parcerias no futuro para que a Escola de Tempo Integral
funcione. No atual contexto em que se encontra a escola pesquisada as parcerias não existem, o que dificulta
o funcionamento da Escola de Tempo Integral.

315
A Escola: Dinâmicas e Atores

Quanto ao funcionamento da Escola de Tempo Integral, o grupo explicou que esta funciona com aulas
regulares e com oficinas, as aulas regulares ocorrem todos os dias e as oficinas de terça e sexta-feira, pois
na segunda-feira com coordenação no horário das oficinas.
Ao se referirem a espaço externo, o grupo cita a quadra de esporte como uma opção que não podem
estar utilizando por não oferecer segurança. A escola não possui quadra interna e a quadra externa ao lado
da escola é utilizada como ponto de drogas.
A questão do ambiente externo oferecer insegurança incomoda o grupo que se sente refém. Sem
quadra de esportes, representando a perda de mais um ambiente de aprendizagem.
As parcerias são apontadas pelo grupo como uma possibilidade de melhoria para o processo
educacional, e dão indícios que acreditam que este formato de escola possa dar certo ao colocarem a
necessidade de que esta funcione toda integralmente e não apenas duas salas. Quanto ao futuro da Escola
de Tempo Integral, o grupo aposta nas parcerias, mas enfatiza que é necessário que toda a escola funcione
em tempo integral.
Em relação a resistência a implantação da Escola de Tempo Integral, o que se percebeu foi a
ansiedade e medo de se trabalhar com experiências novas, ou seja, a equipe apresentou um pouco de medo
do desconhecido. Quanto ao motivo da implantação da Escola de Tempo Integral a direção apontou a evasão
escolar, a defasagem de idade e série, ou seja, foi uma tentativa de solucionar esse problema.
Sobre as condições físicas da Escola de Tempo Integral, a direção apontou alguns problemas como
a falta de espaço, instalações precárias e adaptadas para o funcionamento, deixando claro que as condições
físicas da escola pesquisadas não são adequadas.
Crescer é desafiar-se, é estabelecer relações, é inventar novas soluções, é desenvolver um novo
olhar sobre sua própria prática e para isso o melhor caminho é a troca entre iguais. Entretanto o trabalho
coletivo não deve ser deixado ao sabor da iniciativa de cada professor nem deve ser simplesmente proposto
aos alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma Escola de Tempo Integral não pode ser uma escola dividida em turnos, todas as atividades são
entendidas como educativas e curriculares. Diferentes atividades esportivas e de lazer, culturais, artísticas de
comunicação, de educação ambiental, de inclusão digital, entre outras não são consideradas extracurriculares
ou extraclasses, pois fazem parte de um projeto curricular transversal, que oferece oportunidades para
aprendizagens significativas e prazerosas.
Na realização de uma escola em tempo integral, deve-se considerar o diálogo como pressuposto para
o encontro dos homens para transformar o mundo e para que isso seja efetivo não pode haver manipulação
de uns homens sobre outros, mas um trabalho conjunto alimentado pela democracia e liberdade, valores que
são favorecidos por uma verdadeira educação dialógica.
O grupo pesquisado mostrou-se consciente de seu compromisso em oferecer um ensino de
qualidade, mas aponta algumas dificuldades. Entre elas, as condições de trabalho e o espaço físico, a
necessidade das atividades diferenciadas ocorrerem em maior número, e ainda é preciso a realização de
parcerias no futuro para que a Escola de Tempo Integral funcione. Um entrave percebido nas interações entre
os participantes do grupo foi a questão da formação dos monitores, que podem ser estudantes de letras ou

316
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

qualquer outra formação, diferente das professoras que possuem pedagogia e são admitidas por concurso.
Esta disparidade causa desconforto e ficou aparente nas colocações dos participantes.
Partindo do contexto estudado, o que pode-se observar é que apesar dos esforços de toda
comunidade escolar para que a Escola de Tempo Integral obtenha sucesso, na prática seus principais
pressupostos foram e são desconsiderados, a falta de instalações adequadas, de professores e monitores
capacitados, de seriedade dos governantes, a ausência de um projeto pedagógico de qualidade garanta a
implantação de uma escola para todos e dotada de e equidade. O que se viu até o momento é uma escola
tradicional com nuances de uma Escola de Tempo Integral.
É através da educação dialógica que conquistaremos estes ideais de humanismo, liberdade e
democracia. A educação dialógica deve ter por objetivo formar um cidadão crítico, conhecedor de seu poder
criador e transformador. O homem dialógico deve ser alguém otimista e esperançoso, que aceite o desafio
de ser agente transformador do mundo e de também ser transformado por ele.

REFERÊNCIAS
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31 (73).

317
A Escola: Dinâmicas e Atores

OS CENTROS DE FORMAÇÃO NA DINÂMICA DAS ESCOLAS


[ID 42]

Jorge Cardoso
Lídia da Conceição Grave-Resendes
Antónia Barreto
Agrupamento de Escolas Coimbra Oeste; Universidade Aberta; Instituto Politécnico de Leiria
jorgecardoso.aeco@gmail.com; lidia.grave@uab.pt; antonia@ipleiria.pt

Resumo
O estudo, realizado a nível nacional, insere-se na temática da Formação Contínua de Professores dos
Ensinos Básico e Secundário e teve por objetivo geral, saber qual o contributo dos Centros de Formação de
Associação de Escolas na dinâmica das Escolas públicas. Para atingir aquele objetivo, propusemo-nos
cumprir os seguintes objetivos específicos: analisar as políticas dos Centros de Formação que contribuem
para a dinâmica das Escolas, interpretar as dinâmicas dos Centros de Formação conducentes ao apoio às
Escolas e identificar os constrangimentos dos Centros de Formação que condicionam a sua ação de
proximidade a nível local.
Assim, definiu-se um quadro teórico que analisou as perspetivas organizacionais dos Centros de Formação
de Associação de Escolas e a evolução diacrónica no que concerne às políticas delineadas e às dinâmicas
desenvolvidas. Neste sentido, a informação pertinente analisada permitiu-nos desenvolver um estudo
empírico com abordagens qualitativas e quantitativas, sendo aplicada uma triangulação de técnicas de recolha
e tratamento de dados, nomeadamente, entrevistas a Diretores dos Centros de Formação de Associação de
Escolas de diferentes regiões de Portugal Continental e cuja análise de conteúdo foi importante para a
elaboração de um questionário administrado a uma amostra de cerca de 70% dos Diretores daquelas
estruturas a nível nacional. Deste modo, a recolha de dados das entrevistas e a análise estatística descritiva
e inferencial do questionário possibilitou-nos alcançar os objetivos da investigação e retirar, em síntese, as
seguintes principais conclusões: os Centros de Formação de Associação de Escolas são estruturas
organizativas de proximidade que contribuem para a dinâmica das Escolas através das políticas de suporte
(objetivos que cumprem, competências atribuídas, papel esperado e liderança dos Diretores) e das suas
dinâmicas de apoio e colaboração a nível local, contudo averiguámos alguns constrangimentos de
funcionalidade dos Centros de Formação decorrentes das ausências de apoio e incentivos da administração
educativa.
Por outro lado, a investigação realizada consubstancia que as políticas dos Centros de Formação de
Associação de Escolas não são consentâneas com as suas dinâmicas a nível local.

Palavras-chave: Formação Contínua de Professores, Centros de Formação de Associação de Escolas,


Políticas dos Centros de Formação de Associação de Escolas e Dinâmicas dos Centros de Formação de
Associação de Escolas.

Résumé
L'étude, menée au niveau national, fait partie du thème de Continuing enseignants Enseignement primaire
Enseignement et secondaire et avait un objectif général, savoir ce que la contribution des centres de formation
de l'Association de l'école dans la dynamique des écoles publiques. Pour atteindre cet objectif, notre objectif
est d'atteindre les objectifs spécifiques suivants: analysant les politiques des centres de formation qui
contribuent à la dynamique des écoles, d'interpréter la dynamique des centres de formation menant à soutenir
les écoles et d'identifier les contraintes des centres de formation qui affectent leur proximité à l'action locale.
Ainsi, un cadre théorique a été décidé que analysé les perspectives d'organisation des centres de formation
de l'Association de l'école et de l'évolution diachronique en relation avec les politiques définies et dynamiques
développées. À cet égard, les informations pertinentes analysées nous a permis de développer une étude
empirique avec des approches qualitatives et quantitatives, en appliquant une technique de triangulation de
la collecte et de traitement des données, notamment des entretiens avec les directeurs des centres de
formation Association des écoles de différentes régions du Portugal et dont l'analyse du contenu était important
pour le développement d'un questionnaire administré à un échantillon d'environ 70% des directeurs de ces
structures au niveau national. Ainsi, la collecte des données tirées des entrevues et l'analyse statistique
descriptive et inférentielle du questionnaire nous ont permis d'atteindre les objectifs de recherche et de

318
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

supprimer, en résumé, les principales conclusions suivantes: Association des centres de formation scolaires
sont des structures organisationnelles de proximité qui contribuent à la dynamique des écoles grâce à des
politiques de soutien (objectifs qui répondent, conférés, rôle attendu et le leadership des administrateurs) et
dynamique et la collaboration au niveau local son soutien, encore constatés certaines contraintes de
fonctionnalité des centres de formation découlant l'absence de soutien et des incitations de l'administration
scolaire.
D'autre part, l'enquête corrobore les enseignants les politiques des centres de formation de l'Association de
l'école ne sont pas compatibles avec sa dynamique au niveau local.

Mots-clés: Formation Continue des Enseignants, Centres de Formation de l'Association de l'école, Politiques
des Centres de Formation de l'Association de l'école et les Dynamiques des Centres de Formation de
l'Association de l'école.

INTRODUÇÃO
Os Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE´s) surgiram em 1992 como uma inovação
organizacional, contudo, têm sido sujeitos a alterações e “ …nem sempre foram ao encontro das expetativas
dos docentes devido a múltiplos constrangimentos” (Cardoso, 2014, p.119).
As expetativas iniciais em torno dos CFAE deram lugar a uma realidade de fragilidade do próprio
Sistema da Formação Contínua de Professores diminuindo todo o entusiasmo e esperanças, logo após a sua
criação.
O estudo efetuado por Silva (2001, p.317) sobre os diretores dos CFAE permitiu concluir que a
formalização destas entidades “[…] identifica-se com o diretor e com a sua ação […], face ao modo como o
funcionamento destas estruturas foi estruturado.
Os CFAE fazem a diferença entre a necessidade de dar resposta às diretrizes da tutela (assegurar
prioridades nacionais de formação contínua, promover ações de formação com reflexos na carreira docente
e desconcentração de serviços) e a possibilidade de decidir localmente sobre as “prioridades locais de
formação (…) criar e gerir centros de recursos e funcionar como descentralização de serviços (Ferreira, 1994,
p. 99). Os CFAE pretendem dar visibilidade à sua especificidade e à sua singularidade organizacional,
impondo-se localmente “[…] na produção de ideias e respostas ao sistema educativo, bem como na indução
de mudanças a nível de recursos e de projetos e na consolidação de novas práticas” (Machado, 2007, p.61).
Neste contexto, os CFAE são estruturas de proximidade que justificam a sua ação apoiando as
dinâmicas das Escolas

BREVE QUADRO TEÓRICO


Os CFAE são organizações intermédias no Sistema Educativo Português que colaboram e apoiam
as Escolas e os Agrupamentos de Escolas. O estudo sobre os CFAE analisa as suas perspetivas
organizacionais.

Perspetivas organizacionais dos Centros de Formação


Se em 1993 os 190 CFAE constituíam 66,21 % do universo de entidades formadoras devidamente
acreditadas pelo CCFCP, em 2007 os 202 CFAE eram 53,16 % deste universo e em 2013, os 92 CFAE eram
apenas 32,06 %, curiosamente, do mesmo número total (287) de entidades formadoras com acreditação
válida em 31 de dezembro de 1993. No mesmo contexto, este universo de CFAE eram responsáveis por
62,49 %, 73,0 % e 62,66 % do total de ações de formação contínua com acreditação válida pelo CCFCP,
respetivamente, em 31 de dezembro de 1993, 2007 e 2013 (Santos, 2009, CCFCP, 2013). Ou seja, os CFAE

319
A Escola: Dinâmicas e Atores

são “[…] atores incontornáveis no processo da formação contínua de professores[…], protagonistas na ação
formativa junto das escolas, dos docentes e da comunidade educativa local ( Lopes, 2009, p.627).
Em 2008, a rede nacional dos CFAE é sujeita a uma profunda e importante reestruturação com a
extinção e criação de novos Centros de Formação, que originou a fusão de alguns e a uma redução
significativa no número total destas entidades.
Porém, tal como é expresso no preâmbulo dos diversos diplomas legais, a Administração Educativa
sempre reconheceu o importante papel dos CFAE na realização de ações de formação contínua, constituindo
uma mais valia para as escolas.
Decorridas cerca de duas décadas e meia após a sua existência e funcionamento, os CFAE
diferenciam-se não só pela sua realidade dinâmica que contém “[…] mudanças, ajustamentos e evolução
[…]”, mas também pela sua ação organizacional plural que “[…] remete para realidades e concretizações
diferentes que têm a ver com as políticas de formação localmente definidas e com as sensibilidades e as
opções dos atores locais” (…) e, ainda pelos “diferentes desempenhos e capacitações para enfrentar as
mudanças” (Formosinho & Machado, 2014, p.95, Machado, 2007, p.62).
Atualmente, os CFAE são uma realidade organizacional como entidades formadoras, mais próximas
e com forte ligação às escolas “ […] para realizar formação em contexto […]”, sendo os seus diretores os
principais atores, mas cujos relatórios por eles elaborados “[…] dão conta (…) da sua fragilidade
organizacional e da sua governação heterónoma, determinada pelos mecanismos de financiamento e pelas
prioridades estabelecidas pelo Ministério da Educação em função das políticas nacionais” (Formosinho &
Machado, 2014, p.94).
Em síntese, os CFAE são estruturas organizacionais importantes para o sistema educativo, pois
exercem a sua atividade junto das escolas dinamizando uma área (formação) que está no centro da “[…]
discussão das políticas e práticas educativas um pouco por todo o mundo” (Flores & Coutinho, 2014, p.7).
A Escola é o contexto real e o principal espaço “…onde os diferentes atores agem e interagem como
elementos de um sistema concreto de ação sendo o local privilegiado de realização das Ações de Formação
Contínua. Estas devem ter em consideração as necessidades reais dos atores da escola que são também
decisores no processo da sua Formação Contínua, desde o diagnóstico das reais necessidades, à
planificação, regulação e avaliação” (Cardoso, 2000, pp.127-128).
As potencialidades da formação centrada nas escolas e nas práticas profissionais é mais explorada
a partir do final dos anos 90 com a realização de novas modalidades de ações de Formação, designadamente,
oficina de formação, círculo de estudo e projeto, afastando-se, de uma perspetiva “carencialista do formando,
vendo este como ator da sua própria formação, com saberes experienciais, que reflete e é reflexivo na ação”
(Machado, 2014b, p.107).
Portanto, a formação centrada na escola está associada à ação profissional e organizacional, o que
implica trazer a escola para o “enredo” da formação (ibidem, pp.108-112).
Por outro lado, a análise organizacional dos CFAE visa áreas com maior pertinência para o seu
funcionamento no âmbito das políticas definidas pela administração educativa e das suas dinâmicas a nível
local.

320
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Políticas e dinâmicas dos Centros de Formação


A organização formal dos CFAE é definida pelas políticas delineadas a nível central pela
administração educativa, publicadas nos diplomas legais, e assenta nos seguintes aspetos:
§ Constituição: associação de escolas públicas, privadas e cooperativas, podendo constituir bolsa de
formadores.
§ Objetivos: incentivar a autoformação, a prática de investigação e a inovação educacional; identificar
as necessidades de formação; ir ao encontro das necessidades de formação identificadas e
manifestadas pelas escolas associadas e pelos respetivos docentes; promover o intercâmbio e a
divulgação de experiências pedagógicas e adequar a oferta à procura de formação.
§ Competências: identificar as necessidades de formação dos docentes definindo prioridades;
promover as ações de formação contínua conforme prioridades definidas; elaborar planos de
formação; coordenar e apoiar projetos de inovação das escolas associadas; promover a articulação
de projetos desenvolvidos pelas escolas com os órgãos de poder local e criar e gerir centros de
recursos.
§ Autonomia: têm autonomia pedagógica mas devem atender às orientações do Conselho Científico-
Pedagógico de Formação Contínua.
§ Têm sede numa das escolas associadas e têm designação própria, podendo adotar o nome de um
patrono.
§ Têm verbas próprias inscritas no orçamento da escola - sede e têm receitas próprias provenientes da
aceitação de liberalidades ou de serviços prestados.
§ Estrutura da direção e gestão: a comissão pedagógica, o diretor e o Conselho de Acompanhamento
da Gestão Administrativo-Financeira.
§ Competências da comissão pedagógica: selecionar o diretor; eleger o seu representante no Conselho
de Acompanhamento da Gestão Administrativo-Financeira; emitir recomendações sobre aspetos
pedagógicos; estabelecer a articulação entre os projetos de formação; aprovar o plano de ação;
escolher os formadores do centro; aprovar os protocolos de colaboração entre o centro e outras
entidades formadoras; propor o recurso a serviços de consultadoria para apoio ao desenvolvimento
das atividades do centro; aprovar o seu regulamento interno de funcionamento; acompanhar a
execução do plano de ação do centro, bem como do respetivo orçamento, pode nomear um consultor
de formação.
§ Competências do diretor: representar o centro de formação; presidir à comissão pedagógica;
coordenar e gerir o processo de formação contínua dos professores das escolas associadas;
promover a identificação das necessidades de formação dos docentes e a elaboração do plano de
formação do centro; assegurar a articulação com outros estabelecimentos, designadamente os de
ensino superior: promover a organização das ações previstas no plano de formação; analisar e
sistematizar a informação constante das fichas de avaliação das ações de formação contínua
realizadas e apresentá-las à comissão pedagógica e propor a movimentação das verbas inscritas
para o funcionamento do centro.
§ Estatuto do diretor: docente que poderá beneficiar de dispensa total de serviço docente; se colocado
como docente num estabelecimento de educação ou de ensino não pertencente à associação de

321
A Escola: Dinâmicas e Atores

escolas: pode concluir o seu mandato em regime de destacamento e exerce as suas funções por um
período de três anos, renovável.
§ Competências do Conselho de Acompanhamento da Gestão Administrativo-Financeira: elaborar e
aprovar o projeto de orçamento do centro e exercer o controlo orçamental sobre a atividade do centro.
Os CFAE têm muitos constrangimentos que são obstáculos às suas mais diversas dinâmicas que os
diretores enfrentam todos os dias no local da sua ação.
A investigação empírica realizada por Barroso & Canário (1999, pp.71 – 111) em CFAE da área de
Lisboa e Vale do Tejo, entre 1993 e 1996, isto é, nos três primeiros anos de funcionamento dos CFAE, permitiu
identificar os seguintes constrangimentos / dificuldades, a vários níveis:
§ ao nível do funcionamento interno do Centro: relacionamento entre os diferentes órgãos de gestão
(diretor/comissão pedagógica); funcionamento da escola-sede; as deficientes condições de trabalho
do diretor, particularmente o seu “isolamento”.
§ “ao nível da Administração situam-se quer na ação (constrangimentos criados), quer na omissão
(criação de condições de apoio ao desenvolvimento dos Centros): deficiente informação; ausência de
meios e de apoio logístico e administrativo; existência de mecanismos muito burocráticos, na relação
com a administração; ausência de personalidade jurídica dos Centros e sobretudo os
constrangimentos decorrentes da política de financiamento, nomeadamente da ausência de
autonomia financeira.” (ibidem, p.71);
§ ao nível do exercício do cargo de diretor: aspetos administrativos e financeiros (organização das
candidaturas quer para acreditação quer para financiamento decorrente da burocratização das
normas e dos procedimentos do Conselho Coordenador da Formação Contínua e do Fundo Social
Europeu) e falta de pessoal de apoio;
§ ao nível das dificuldades financeiras: ausência de um sistema definido para financiamento dos
Centros.
Contudo, no momento das “[…] iniciativas locais verificou-se, com frequência, um protagonismo dos
conselhos diretivos […]” das Escolas associadas (Barroso & Canário, 1995, pp.111).

METODOLOGIA
Os CFAE são as organizações educativas responsáveis pela gestão da formação junto dos
professores e das escolas e a sua ação é crucial para a concretização do modelo da FC no Sistema Educativo,
ressaltando a intervenção dos seus Diretores (Cardoso, Grave-Resendes & Barreto, 2015, p.1617, 2016,
p.1087).
Para atingir o objetivo geral de saber qual o contributo dos Centros de Formação de Associação de
Escolas na dinâmica das Escolas públicas, propusemo-nos cumprir os seguintes objetivos específicos:
analisar as políticas dos Centros de Formação que contribuem para a dinâmica das Escolas, interpretar as
dinâmicas dos Centros de Formação conducentes ao apoio às Escolas e identificar os constrangimentos dos
Centros de Formação que condicionam a sua ação de proximidade a nível local.
Assim, efetuámos uma investigação com os seguintes procedimentos metodológicos:
§ Revisão de literatura sobre a Formação Contínua de Professores (FCP) e sobre os CFAE
§ Análise documental dos normativos relativos à FCP e aos CFAE;

322
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ Entrevistas exploratórias, semiestruturadas, a Diretores de CFAE de diferentes regiões de Portugal


Continental;
§ Pré-questionário elaborado com base nos procedimentos anteriores aplicando-o a Diretores de
Escolas que integram a Comissão Pedagógica de CFAE, para assegurar a validade e precisão do
instrumento;
§ Questionário principal com o formato de resposta numa escala de tipo Likert de cinco intervalos com
as seguintes alternativas de resposta: concordo totalmente; concordo; não concordo nem discordo;
discordo e discordo totalmente.
§ Elaboração do questionário definitivo, de escolha múltipla e de resposta fechada, mas também com
uma questão de resposta aberta e com base no procedimento anterior;
§ Aplicação do questionário definitivo, administrado ao universo em estudo: 91 Diretores dos CFAE do
território nacional (33 na região norte, 20 na região sul, 25 na região de Lisboa, 7 no Alentejo e 6 no
Algarve), com acreditação válida à data de 31 de dezembro de 2013 (CCPFCP, 2013, p.115);
§ Recolha dos dados resultantes do questionário;
§ Tratamento, análise e interpretação dos dados obtidos, através da análise estatística descritiva no
tratamento das respostas dos questionários, em que são apresentadas as medidas estatísticas
descritivas (frequências, moda, e quando pertinente médias, medianas e desvio padrão) das
diferentes variáveis e análise estatística inferencial em que se relacionam as variáveis independentes
- dependentes;
Em termos metodológicos trata-se de uma investigação descritiva, com abordagens qualitativas e
quantitativas, sendo aplicada uma triangulação de técnicas de recolha e tratamento de dados.
Numa primeira fase foi distribuído um pré-questionário a Diretores de Escolas que integram a
Comissão Pedagógica de CFAE, para assegurar a validade e precisão do instrumento. O questionário
definitivo foi enviado, via endereço eletrónico, aos 91 CFAE, através de um link disponível no Google drive,
entre os meses de março e julho de 2014. Assim, dos 91 Diretores de CFAE responderam ao questionário
64, verificando-se uma taxa de resposta de 70,3%.

RESULTADOS
Os resultados obtidos após a aplicação das entrevistas aos Diretores de CFAE, pertencentes a 4
áreas geográficas diferentes (região norte, região centro, região de Lisboa e Vale do Tejo e região do Alentejo)
apontam para os seguintes aspetos que traduzem a opinião pessoal de Diretores com larga experiência no
respetivo cargo e que a maioria se mantém neste, desde o ano da criação dos CFAE (1992):
§ Afirmam que o Plano de Formação do CFAE é elaborado em articulação com as Escolas associadas,
utilizando o contacto direto, os endereços eletrónicos ou o contato telefónico para comunicarem entre
si e as quais constroem o seu próprio plano. O Plano de Formação é divulgado através da página
eletrónica do CFAE. Antes era a revista em formato de papel.
§ Consideram que o estilo de liderança dos Diretores dos CFAE é variável, existindo um pouco de tudo:
desconhecimento do tipo de liderança dos outros, liderança proativa, democrática,
§ Entendem que a Formação Contínua é importante na resolução de problemas, conducente à melhoria
da profissão docente.

323
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ Assumem que as necessidades de maior importância para a Formação Contínua são o financiamento
e os recursos humanos de apoio.
§ Partilham que a sua maior satisfação é a inexistência de limitações a nível pedagógico e formal, a
resolução de problemas concretos das Escolas, a página eletrónica do CFAE e a satisfação dos
docentes formandos após o sacrifício pessoal para frequentar as ações de formação.
§ Partilham, igualmente, que os aspetos que lhes provocam maior insatisfação no sistema da Formação
Contínua são a falta de financiamento, o facto da importância da formação contínua ter vindo a
diminuir, os constrangimentos e o facto do CFAE não dar resposta às solicitações de formação dos
docentes.
O estudo de âmbito nacional procurou saber qual o contributo dos Centros de Formação de
Associação de Escolas na dinâmica das Escolas públicas. Para atingir este objetivo geral, propusemo-nos
analisar as políticas dos Centros de Formação que contribuem para a dinâmica das Escolas, assim como,
interpretar as dinâmicas dos Centros de Formação conducentes ao apoio às Escolas e, também, identificar
os constrangimentos dos Centros de Formação que condicionam a sua ação de proximidade a nível local.

Políticas dos CFAE que contribuem para a dinâmica das Escolas


As políticas dos CFAE definidas pela administração educativa estão plasmadas nos diplomas legais
e podem considerar-se distribuídas pelas seguintes áreas: objetivos que os CFAE cumprem, competências
atribuídas que os CFAE cumprem, papel dos CFAE e liderança dos Diretores
Neste contexto, os Diretores dos CFAE da nossa amostra percecionam as políticas das entidades
que dirigem e que contribuem para a dinâmica das Escolas do seguinte modo:
§ Objetivos que os CFAE mais cumprem: “promover a identificação das necessidades de formação”,
“dar resposta às necessidades de formação identificadas pelos estabelecimentos de educação e
ensino associados”, “dar resposta às necessidades de formação identificadas pelos educadores e
professores” e “dar resposta às necessidades de formação manifestadas pelos estabelecimentos de
educação e ensino associados”.
§ Competências atribuídas que os CFAE mais cumprem: “promover as ações de formação contínua”,
“formar os docentes” e “elaborar planos de formação”, Ao invés, cerca de um terço dos Diretores
perceciona que as competências que os CFAE menos cumprem são “gerir centros de recursos” e
“criar centros de recursos”,
§ Papel esperado pelos CFAE: na generalidade os CFAE devem estar mais atentos à Formação
Contínua, pois “constituem uma mais-valia para os Docentes a nível do melhoramento das suas
práticas pedagógicas”, “ constituem uma mais-valia para os Docentes a nível do melhoramento das
suas competências pedagógicas” e “são garantes da formação centrada nas escolas”.
Contudo, somente o item que refere que os CFAE “constituem uma mais-valia para a reorganização
da rede dos Estabelecimentos de Ensino e Educação” foi o menos favorável para cerca de metade dos
Diretores, tendo-se registado uma maior dispersão das respostas.
§ Liderança dos Diretores: No geral, os Diretores têm exercido mais a ”liderança proativa”, e menos a
“liderança laisez faire – laissez passer.” ou mesmo “ausência de liderança”. É de salientar que menos
de metade dos respondentes tem a perceção de que os Diretores têm exercido “liderança para as
tarefas (burocrática)”.

324
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Ou seja, perante os resultados obtidos, provavelmente a política de objetivos dos CFAE está
direcionada para a sua intervenção junto dos destinatários mais próximos destas entidades: as escolas e os
docentes que nelas trabalham.
Observaram-se variações estatisticamente significativas nos seguintes objetivos normativos e com
alguns dos indicadores que caracterizam o perfil pessoal e profissional dos Diretores, estudados:
“Promover a identificação das necessidades de formação”- (número de ações de formação não
financiadas mas realizadas no último ano), “Fomentar o intercâmbio e a divulgação de experiências
pedagógicas” - (número de ações de formação não financiadas mas realizadas no último ano).
Igualmente, verificaram-se efeitos estatisticamente significativos em alguns indicadores que definem
o perfil dos Diretores e a caracterização do CFAE, sobre as seguintes competências: ”elaborar planos de
formação” (género e número de ações de formação não financiadas mas realizadas no último ano) e “formar
os docentes” (idade absoluta e setor de ensino).
Também, no que diz respeito ao estudo dos efeitos a nível estatístico, é possível afirmar que existem
diferenças estatisticamente significativas entre alguns indicadores do perfil dos Diretores e as suas perceções
sobre o papel a desempenhar pelos CFAE relativamente aos seguintes itens: “dimensão da formação”
(formação especializada); “constituem uma mais-valia para os Docentes a nível do melhoramento das suas
práticas pedagógicas” (género) e “contribuem para uma maior autonomia das escolas” (idade absoluta);
Por outro lado, são os Diretores mais velhos que concordam significativamente mais com a “liderança
democrática e liderança proactiva”. Ao invés, são os Diretores com menor tempo de serviço docente e que
relatam não ter formação especializada que concordam mais com a “ausência de liderança e liderança laisez
faire – laissez passer”. Igualmente, são os Diretores sem formação especializada que concordam mais com
a “liderança democrática e liderança proactiva”.

Dinâmicas dos Centros de Formação conducentes ao apoio às Escolas


Acerca das dinâmicas, os resultados mostram que a maior parte dos Diretores (acima de 57%) tem a
perceção de que desde 2008 têm-se verificado as seguintes dinâmicas: “houve mudança de paradigma no
Sistema de Formação Contínua” (79,7% dos respondentes), “houve mudança nas dinâmicas dos CFAE” (78,2
% dos respondentes), “houve mudança na dinâmica do funcionamento dos Centros de Formação” (76,5%
dos respondentes), “aumentou a articulação entre os Centros de Formação e as Escolas Associadas” (64,1%),
“aumentou a oferta de Formação Contínua adequada às necessidades das Escolas” (60,9%), “aumentou a
proximidade Centros de Formação – Escolas Associadas” (57,9%) e “aumentou a oferta de Formação
Contínua adequada às necessidades dos Docentes” (57,8%).
Procurámos ainda saber se as perceções dos Diretores sobre as dinâmicas dos CFAE variavam
segundo o seu perfil pessoal e profissional. Neste sentido, registaram-se diferenças estatisticamente
significativas nos seguintes itens e com as características pessoais e profissionais a seguir identificadas:
§ “Houve somente mudança na Rede Nacional dos Centros de Formação” (anos de serviço);
§ “Houve somente mudanças no financiamento dos CFAE” (setor de ensino e grupo de recrutamento);
§ “Houve apenas mudanças no volume de formação disponível” (anos de serviço docente, anos no
cargo, anos de serviço em classes e anos no cargo categorizado);
§ “Aumentou a proximidade Centros de Formação – Escolas Associadas” (idade em classes).

325
A Escola: Dinâmicas e Atores

Constrangimentos dos Centros de Formação que condicionam a sua ação de proximidade


a nível local
Quanto aos constrangimentos de funcionalidade dos CFAE, que condicionam a sua ação a nível local,
as respostas não tiveram a concordância de mais de metade dos Diretores envolvidos neste estudo. No
entanto, a significativa maioria dos Diretores considera que os maiores constrangimentos dos CFAE são a
“falta de financiamento para a Formação” (92,2% dos Diretores), a “falta de recursos humanos de apoio
(87,5%) e a “falta de autonomia financeira” (76,6%). De igual modo, têm a perceção que também são
constrangimentos dos CFAE a “dificuldade em arranjar formadores internos (61%), a “falta de apoio dos
organismos centrais do Ministério da Educação e da Ciência” (57,8%), a “falta de enquadramento jurídico
como organização” (57,8 %) e a “dificuldade em contratar formadores externos”(56,3%).
Pelo contrário, a maior parte dos Diretores da amostra discorda e discorda totalmente que a “reduzida
procura de formação por parte dos Docentes” (68,8%), o “volume de trabalho na gestão do processo de
Avaliação de Desempenho Docente” (60,9 %) e o facto dos CFAE serem “Estruturas muito burocráticas”
(56,2%) ou que “estão muito centrados no seu diretor” (54,7%), sejam constrangimentos que os preocupem
demasiado. De referir, todavia, que o item “Estruturas muito burocráticas” revelou a maior dispersão das
respostas: 56,2% discordam, enquanto 32,8% concordam e 10,9% optam pela indefinição.
E ainda, quando se considera que a “grande dependência da Escola – Sede” é um constrangimento,
parece observar-se uma certa ambiguidade nas perceções dos respondentes, pois, 42,2% discorda e
discorda totalmente, enquanto 39,1 % concorda e concorda totalmente.
Para termos uma melhor perspetiva acerca do que percecionam os Diretores sobre os
constrangimentos dos CFAE, agregámos os itens do questionário nas seguintes categorias: aspetos relativos
à “Administração”, “dificuldades financeiras”, “dificuldades de origem interna” e “falta de pessoal de apoio”.
Neste contexto, os maiores constrangimentos no funcionamento dos CFAE devem-se a “dificuldades
financeiras” (71,5 % dos Diretores) e à “falta de pessoal de apoio” (58,6%). Contrariamente, cerca de metade
dos Diretores (45,6%) discorda e discorda totalmente que os constrangimentos dos CFAE se devam a
dificuldades internas, como por exemplo, falta de colaboração das escolas associadas, elaboração do plano
de formação, procura de formação e desmotivação dos Docentes.
Ao averiguar se existiam efeitos significativos a nível estatístico entre os indicadores do perfil pessoal
e profissional dos Diretores e as suas perceções acerca dos constrangimentos dos CFAE, encontrámos
associações significativas para os seguintes itens isolados e agregados: constrangimentos ao nível da
administração (género); constrangimento devido à “falta de pessoal de apoio (idade absoluta e anos de
serviço docente); constrangimento devido a “dificuldades financeiras” ( anos no cargo de Diretor) “Estruturas
muito burocráticas” (género, formação especializada e anos no cargo); “Falta de autonomia financeira” (anos
no cargo); “Falta de recursos humanos de apoio” (género e formação especializada); “Reduzida procura de
formação por parte dos Docentes” (anos no cargo); “Dificuldades na elaboração do Plano de Formação”
(género); “Desmotivação dos Docentes” (anos de serviço em classes e setor de ensinos) e “Grande
dependência da Escola – Sede” (género, idade absoluta, anos de serviço, anos no cargo e grupo de
recrutamento).

326
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CONCLUSÃO
Os resultados obtidos evidenciam algumas variações estatisticamente significativas entre as políticas
e dinâmicas dos CFAE e o perfil pessoal (idade, género e habilitações) e profissional (tempo de serviço,
categoria profissional, grupo de recrutamento, setor de ensino e experiência no cargo). Porém, como não se
registaram em nenhum caso variações completas entre estes dois tipos de variáveis, podemos inferir que se
verificou grande homogeneidade entre as opiniões ou perceções manifestadas pelos Diretores.
Por outro lado, a recolha de dados das entrevistas e a análise estatística descritiva e inferencial do
questionário possibilitou-nos retirar, em síntese, as seguintes principais conclusões: os Centros de Formação
de Associação de Escolas são estruturas organizativas de proximidade que contribuem para a dinâmica das
Escolas através das políticas de suporte (objetivos que cumprem, competências atribuídas, papel esperado
e liderança dos Diretores) e das suas dinâmicas de apoio e colaboração a nível local, contudo averiguámos
alguns constrangimentos de funcionalidade dos Centros de Formação decorrentes das ausências de apoio e
incentivos da administração educativa.
Face aos resultados e tendo em consideração os objetivos do estudo, podemos afirmar, em síntese,
o seguinte:
§ as perceções dos Diretores acerca das políticas e dinâmicas dos CFAE não são completamente
influenciadas pelo seu perfil pessoal e profissional, pois não se registaram variações estatisticamente
significativas e consistentes para os itens analisados,
§ os Diretores mais novos, com menor tempo de serviço, com menor experiência no cargo, com
formação especializada e do género feminino manifestaram opiniões mais favoráveis acerca das
políticas definidas para os CFAE,
§ os Diretores da nossa amostra revelaram opiniões homogéneas sobre as políticas e dinâmicas dos
CFAE.
Por outro lado, a investigação realizada consubstancia que as políticas dos Centros de Formação de
Associação de Escolas não são consentâneas com as suas dinâmicas a nível local.

REFERÊNCIAS
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327
A Escola: Dinâmicas e Atores

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328
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

QUEM É O TEU PROFESSOR? – RESPONSABILIDADE EM EDUCAÇÃO


[ID 103]

Mário Pacheco Cardoso


Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
mariocardoso@campus.ul.pt

Resumo
Esta investigação tem três objetivos principais: o primeiro, identificar uma hipotética lacuna profunda do ensino
português do final do século XX e início do século XXI; o segundo, aferir as causas e consequências dessa
situação; e o terceiro, delinear uma proposta de resolução do problema. Atualmente, o ensino escolar parece
estar a passar uma crise de identidade, basta ler-se a recente obra A Sala de Aula, de Maria Filomena Mónica.
Esta crise não poderá ser, porventura, atribuída à estrutura física das escolas, tem necessariamente de o ser
aos seus agentes: pais, alunos, auxiliares e a maior responsabilidade aos docentes e a quem os formou. São
os professores que, entre muitas outras tarefas, têm a seu cargo dar um sentido à aprendizagem da sua
disciplina na vida dos alunos. O papel do professor é fundamental e requer formação e disponibilidade. Pede-
se que estabeleça uma relação mais nobre que ultrapasse a mera transmissão de conhecimentos maquinal,
que está tão bem caricaturada no conto de Isaac Azimov, “The Fun They Had”.
Um dos problemas principais é a ausência de voz do pensamento português, desinteressado, sobre educação
em Portugal, pois as ideias e os modelos adotados vêm de fora do país e não se adequam à realidade
nacional. Esta ausência de identidade, em conjunto com uma formação quase exclusivamente técnica,
contribui para que o aluno perca o sentido de comunhão com os pares e com o mundo que o rodeia. Torna-
se, assim, necessário que a escola possa oferecer uma formação holística e não apenas saberes específicos
de cada área. No panorama curricular atual, parece haver já um espaço propício para suprir essa lacuna,
embora não esteja a ser potenciado na sua totalidade, a disciplina de Educação para a Cidadania. Neste
estudo, realizou-se um inquérito a cinquenta professores, do ensino público e privado, para aferir quais as
práticas realizadas com as turmas nos tempos letivos da disciplina. Os resultados serão apresentados,
enquanto amostragem, neste trabalho e tirar-se-ão as possíveis conclusões.
Toda esta questão traz consigo um problema filosófico: saber distinguir entre moral (exterior) e ética (interior).
Se o objetivo for dar aos alunos uma lista de normas de conduta, boas maneiras, entre outras, à boa maneira
escolar, tornar-se-á estéril. Se, por outro lado, o objetivo for formar o caráter do aluno a partir da interioridade,
onde se desenvolve a ligação com o outro e com o que o rodeia, este será o terreno favorável para nascer o
sentido de pertença que aparentemente falta aos alunos portugueses.

Palavras-chave: Ética, Educação, Responsabilidade, Identidade.

Résumé
Cette recherche a trois objectifs principaux: premièrement, d'identifier, hypothétiquement, une profonde lacune
dans l'enseignement portugais de la fin du XXe siècle et au début du XXIe siècle; deuxièmement, pour évaluer
les causes et les conséquences de cette situation; et, troisièmement, d'esquisser une proposition de résolution
du problème. Actuellement, l'éducation scolaire semble passer une crise d'identité, il suffit de lire le récent livre
A Sala de Aula, Maria Filomena Mónica. Cette crise ne peut pas être attribuable à la structure physique des
écoles, elle doit nécessairement être leurs agents: les parents, les étudiants, assistants et de plus les
responsabilités des enseignants qui les formaient. Ce sont les enseignants, parmi beaucoup d'autres, qui sont
responsables de donner un sens à l'apprentissage de leur discipline dans la vie des élèves. Le rôle de
l'enseignant est crucial et nécessite une formation et de la disponibilité. Il est demandé d'établir une relation
plus noble qui va au-delà de la simple transmission de connaissances mécaniques, qui est si bien caricaturée
dans Isaac Azimov conte, "The Fun They Had".
L'un des principaux problèmes est le manque de la voix de la pensée portugaise, désintéressée, à propos de
l'éducation au Portugal, que les idées et les modèles utilisés proviennent de l'extérieur du pays et ne
conviennent pas à la réalité nationale. Ce manque d'identité, ainsi que la formation presque exclusivement
technique, contribue à l'étudiant de perdre le sens de la communion avec les pairs et avec le monde qui
l'entoure. Il est donc nécessaire que l'école puisse offrir une formation globale et pas seulement des
connaissances spécifiques de chaque région. Dans le panorama du programme actuel, il semble déjà être un
espace approprié pour combler cette lacune, mais ne pas être potentialisée dans son intégralité, la discipline
de l'éducation vers la citoyenneté. Dans cette étude, nous avons effectué un sondage auprès de cinquante

329
A Escola: Dinâmicas e Atores

enseignants, l'enseignement public et privé. Ceci, pour évaluer les pratiques menées avec les classes durant
les jours d'école pendant le temps imparti à la discipline. Les résultats seront présentés, tandis que
l'échantillonnage dans ce travail fera apparaître les possibles conclusions.
Toute cette question apporte un problème philosophique: faire la distinction entre morale (extérieur) et de
l'éthique (intérieur). Si l'objectif est de donner aux élèves une liste de règles de conduite, mœurs, entre autres,
cela va devenir stérile. Ou alors, l'objectif est de former le caractère des étudiants de l'intérieur, où la connexion
se développe entre eux et avec ce qui l'entoure. Ce sera un terrain favorable à la naissance du sentiment
d'appartenance qui, apparemment, manque aux étudiants Portugais.

Mots-clés: Ethique, Education, Responsabilité, Identité.

INTRODUÇÃO
Cumpriu a fonte o seu destino, tornando-se rio, e o rio tornando-se mar e o indivíduo
tornando-se Família, Pátria, Humanidade, subindo da sua natureza individual e animal à
perfeita natureza do Espírito.
Teixeira de Pascoaes
A nobre tarefa de preparar a geração seguinte parece ser uma preocupação de sempre na história
da humanidade. Nos primeiros textos escritos da literatura de sabedoria da Suméria aos quais temos acesso,
com mais de quatro mil anos, encontramos exemplos de vários ensinamentos com vista a um
aperfeiçoamento das virtudes humanas e preservação de normas comunitárias para uma existência pacífica.
Um belo exemplar destes escritos são as Instruções a Shuruppak, texto datado de 2600 AC e composto por
um conjunto de normas de conduta social, máximas de economia e determinações religiosas baseadas em
crenças da época. O tom é familiar, como que de um pai que ensina o filho, começando frequentemente as
diretrizes com o invocativo “meu filho”.
A educação como uma das principais preocupações manteve-se na antiguidade clássica, tendo na
Ética a Nicómaco, de Aristóteles, provavelmente o seu exemplar mais conhecido, na mesma linha dos textos
sumérios (Nicómaco foi um dos filhos de Aristóteles). Na época medieval, pensadores ligados à Igreja Católica
como Agostinho de Hipona, Anselmo de Cantuária, Boécio e tantos outros, tiveram um papel fundamental na
formação ética do homem medieval e mais tarde, Locke, Hume, Kant, Hegel, entre outros, continuaram o
trabalho de aperfeiçoamento ético e moral, com vista a uma harmoniosa convivência social. E assim
continuou, variando o público e o estilo, adaptando-se a cada época específica até chegar aos dias de hoje,
em que a pasta da educação se tornou um trunfo na agenda política de qualquer governo.

CONSTITUIÇÃO POLÍTICA E PERCURSO CURRICULAR


Assim, a Constituição da República Portuguesa, na versão publicada no Diário da República, I Série-
A, nº155, de 12 de agosto 2005, afirma no Artigo 73.º o seguinte:
1. Todos têm direito à educação e à cultura.
2. O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a
educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade
de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o
desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de
solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática
na vida coletiva.

330
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Para este trabalho e de acordo com o artigo 73.º, tratar-se-á apenas da contribuição da educação para o
desenvolvimento da compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social
e para a participação democrática na vida coletiva.
O objetivo do artigo parece ser claro e não encontrar oposição à partida. O estado assume um papel
quase paternalista, no que à educação diz respeito, desejando uma formação integral dos seus cidadãos. No
entanto, traçando o percurso académico comum aos cidadãos portugueses, poderão surgir algumas dúvidas
quanto ao modo de se atingir tal objetivo, principalmente na maneira como se percorre o caminho para lá
chegar. Segue-se um sumário do percurso escolar regular.
Nos primeiros meses de vida, os bebés ficam ao cuidado da família até começarem a frequentar o
berçário, cuja maioria da oferta está a cargo do setor privado, ou até ingressarem no ensino básico pré-
escolar, aos três anos de idade. A partir desta etapa inicial do percurso académico, o estado propõe-se ser
“complementar da ação educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita cooperação, favorecendo
a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade
como ser autónomo, livre e solidário”1. As crianças frequentam o ensino pré-escolar até aos seis anos, idade
com a qual transitam para o primeiro ciclo do ensino básico.
A segunda etapa, o ensino básico, é composta por três ciclos. No primeiro ciclo aparece pela primeira
vez e na altura certa, com Decreto-Lei n.º 139/2012 de 5 de julho 2012, o que se defende ser o lugar
privilegiado do sistema educativo onde se deve complementar o currículo da criança, com o objetivo de a
formar integralmente, a Educação para a Cidadania. Embora surja como uma área não disciplinar, recomenda
o decreto-lei que esta seja articulada com as áreas disciplinares de Português, Matemática, Estudo do Meio
e Expressões, tendo-lhe sido atribuída uma hora semanal para o efeito.
Em 2014, saiu o Decreto-Lei n.º 176/2014, de 12 de dezembro, no qual a hora semanal dedicada à
Educação para a Cidadania tem de ser dividida com Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Este
decréscimo de tempo útil para trabalhar a dimensão ética e moral adequada à idade dos alunos tem
inegavelmente impacto na sua formação, ficando o tempo semanal muito reduzido para iniciar uma
consciência moral nos alunos. Por volta dos 10 anos de idade, transitam para o segundo ciclo do ensino
básico.
No segundo ciclo, a Educação para Cidadania passa a ser de oferta complementar, sendo a decisão
de a inserir ou não no currículo da responsabilidade da direção de cada escola. No Decreto-Lei n.º 139/2012,
de 5 de julho, Artigo 12.º, no número um referente às componentes curriculares complementares afirma-se
que “As escolas dos 2.º e 3.º ciclos podem oferecer componentes curriculares complementares com carga
horária flexível que contribuam para a promoção integral dos alunos em áreas de cidadania, artísticas,
culturais, científicas ou outras.”
Entre os doze e os treze anos, os alunos transitam do segundo para o terceiro ciclo, o qual se rege,
quanto à oferta complementar, pelo mesmo decreto acima referido em relação ao segundo ciclo. É de salientar
aqui que estas idades são fundamentais para o amadurecimento interior dos alunos e para o despertar para
a realidade do “outro” como alguém com a mesma dignidade humana que o próprio.
Por volta dos quinze anos, a maior parte dos alunos terminam o ensino básico, dando início a uma
etapa decisiva no seu percurso académico futuro, dadas as opções que têm de fazer ao nível da área a
escolher para um posterior ingresso num curso universitário que definirá à partida a futura profissão a seguir.

1
http://www.dge.mec.pt/educacao-de-infancia

331
A Escola: Dinâmicas e Atores

Neste ciclo de ensino, a disciplina de Educação para a Cidadania desaparece, ficando o tratamento do que à
ética diz respeito a ser integrado na disciplina de Filosofia, comum e obrigatória a todas as áreas possíveis
dos cursos científico-humanísticos. No módulo dois do plano de estudos desta disciplina está previsto o
estudo dos conceitos de ética e moral e dos subtemas o si mesmo, o outro e as instituições, dando
profundidade ao que até então pode ter vindo a ser tratado ao longo dos anos.
Antes de passar à análise do currículo apresentado, há que fazer referência à disciplina de Educação
Moral e Religiosa, que acompanha todo o currículo escolar, desde o primeiro ciclo do ensino básico até ao
fim do secundário. Esta disciplina seria uma hipótese ainda melhor do que a Educação para a Cidadania para
contribuir para a formação integral do aluno, mas nunca tem um caráter obrigatório, é sempre facultativa,
dada a liberdade de culto religioso ou opção pelo agnosticismo e ateísmo determinada pelos progenitores.
Por sua vez, numa lógica do princípio conhecido como “ética republicana”, a Educação para a Cidadania é
obrigatória, caso esteja prevista no currículo de uma escola.

QUE EDUCAÇÃO?
Sem ação moral pode haver existência, mas não há vida. E a própria ação material, não
sendo espiritualmente orientada, esteriliza-se.
Teixeira de Pascoaes
O ser humano vê-se naturalmente obrigado a interagir com outros seres da mesma espécie desde
que nasce. Pode admitir-se sem dificuldade que quanto mais infante é, tanto mais depende de outros para
subsistir. Este aspeto não se altera com o passar dos anos e, caso a saúde em idade avançada se deteriore,
ele vê-se novamente tão dependente de outros quanto quando nasceu.
Assim, esta é uma das mais importantes dimensões da sua existência, uma vez que dura toda a sua
vida, enquanto outros aspetos como a profissão durará por volta dos uns trinta anos. Para uma educação
escolar que se impõe como obrigatória ao longo de doze anos na vida de um indivíduo e sendo impossível a
existência de um currículo individual, logo ela tem de ser universal e fracionária a partir de determinado
momento, como é. Todos os que a frequentam pertencem à classe dos seres humanos, mas nem todos serão
futuros matemáticos, advogados, etc. Logo, ela deve assentar numa base forte de desenvolvimento do ponto
de vista humano e das relações humanas que irão estar presentes para o resto da vida.
De que falamos quando falamos em educação? É inegável que a aprendizagem de uma língua
materna é fundamental, bem como a matemática e o estudo do meio para se relacionar com o ambiente que
a rodeia, mas a criança necessita de um autoconhecimento e de uma consciência para “ser humano” e melhor
conhecer também os outros com quem lida diariamente. Vários investigadores da área de psicologia, dos
quais se destacam Jean Piaget e Lawrence Kohlberg, apontaram para a idade entre os seis e os doze anos
como ideal para trabalhar, de acordo com os estágios de desenvolvimento, estas dimensões. Desde a sala
do pré-escolar, a criança tem contacto com outros “quereres” diferentes ou semelhantes ao seu, quando quer
o mesmo brinquedo que outro colega, quando quer uma brincadeira diferente dos amigos, quando tem de
esperar para falar, quando tem de ouvir a educadora e os colegas. Não há razão forte para não se aproveitar
desenvolver corretamente a consciência de si e do outro, o sentido de pertença à família, como defende a
professora e psicóloga Paula Relvas2, à comunidade e à nação.

2
Relvas, Paula (2000). O Ciclo Vital da Família.

332
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Nestas idades deve-se começar a trabalhar no sentido de atingir um dos principais objetivos da
educação: formar o indivíduo para a vida com os outros, não só com saberes específicos que o permitirão
desenvolver uma profissão, mas antes com o que o torna humano naquilo que é a convivência, o respeito e
responsabilidade para com o outro.
Em todo o percurso escolar, parece ser a Educação para a Cidadania, como disciplina ou como área
de aprofundamento, o lugar indicado para desenvolver ética e moralmente as crianças para se tornarem
sujeitos harmoniosos e conscientes de si próprios, dos outros e com sentido de pertença ao meio onde vivem.
Se se admitir que este é o caminho, o currículo nacional prevê um espaço próprio para esta “promoção integral
dos alunos”, como está descrito no Artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 139/2012, mas atribui-lhe uma hora semanal
a dividir com Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e apenas “(…) em articulação, integrando
ações que promovam, de forma transversal, a educação para a cidadania (…)”3 como se pode ler na nota
referente a esta oferta complementar, na página da Direção Geral de Educação. No 2.º e 3.º ciclos, esta oferta
é opção de escola (muitas escolas optam por não a ter) e nestes tempos letivos são desenvolvidas várias
atividades que não estão diretamente ligadas ao desenvolvimento integral dos alunos, como demonstra o
gráfico mais à frente apresentado. No ensino secundário, o desenvolvimento moral fica reduzido a um módulo
da disciplina de Filosofia, entre muitos outros a tratar ao longo de dois anos, uma vez que não existe esta
disciplina no 12.º ano.
A aprendizagem não é efetiva se não for tratada com o mínimo de dedicação. A educação informal é
ténue e não tem resultados assegurados, a aquisição de conteúdos pode dar-se ou não. Será desejável
delegar-se para este plano os conteúdos que dizem respeito ao autoconhecimento, à importância do outro
como realidade indispensável e ao sentido de pertença e influência no meio em que se está envolvido? Se o
indivíduo passa a vida inteira a “ser” pessoa humana, inserida numa realidade própria da qual faz parte e é
resultado, não parece ser de modo algum certo que se dê a esta dimensão tão importante, a condição de
opção e só em alguns ciclos. Neste aspeto frustra-se a sociedade com a escola, pois espera que ela forme
indivíduos preparados para pertencer à “macro família” que ela é e a escola pode optar por não o fazer. De
quem é este papel, então?

A OPINIÃO DOS PROFESSORES


Contra a tendência dos meios de comunicação, que são os principais responsáveis pela opinião
pública, é necessário dar voz aos professores, que são os pilares das sociedades contemporâneas, que estão
“no terreno” e saber a sua opinião sobre a pertinência de incluir estas dimensões humanas no currículo dos
alunos.
Para tal, foi realizado um inquérito a quatro escolas, duas públicas e duas privadas, nas quais foram
entrevistados cinquenta professores que têm a seu cargo tempos letivos dedicados à Educação para a
Cidadania ou equivalente, com o objetivo de perceber como estão a ser dinamizadas essas aulas e a
necessidade de introduzir os temas referidos no currículo. Primeiro importa saber qual o grau de
conhecimento da oferta programática da disciplina de Educação para a Cidadania por parte dos professores.
Como indica o gráfico 1, a maior parte dos professores admitiu ter um conhecimento razoável ou bom das
Linhas Orientadoras da disciplina que têm de lecionar, sendo que apenas quatro admitiram conhecer muito
bem o programa.

3
Decreto-Lei n.º 139/2012, Artigo 12.º.

333
A Escola: Dinâmicas e Atores

8%
18%

34%

40%

Mínimo Razoável Bom Muito bom

Gráfico 1 - Conhecimento das Linhas Orientadoras


O nível de conhecimento das Linhas Orientadoras por parte dos docentes está ligado ao tema da
segunda questão proposta: que dinâmicas reais são desenvolvidas nessa disciplina. Trinta e dois professores,
de um total de cinquenta, admitiram tratar de questões relacionadas com a direção de turma, uma vez que a
lecionação desta disciplina está a cargo do diretor de cada turma. Quinze professores referiram usar este
tempo para resolver conflitos dentro da turma ou na escola e apenas oito afirmaram trabalhar as áreas
temáticas sugeridas pela Direção Geral de Educação.

12%

11%
48%
6%

23%

Tratar de assuntos relativos à direção de turma

Gerir conflitos dentro da turma ou da escola

Fazer testes, dar matéria de outra disciplina, aulas de


substituição, etc.

Gráfico 3 – Dinâmicas em sala de aula


A terceira e última questão dirigida aos professores incidiu sobre a pertinência de incluir nas Linhas
Orientadoras da disciplina de Educação para a Cidadania, uma nova área que incluísse os temas da relação
com o outro, da identidade comunitária e nacional e o propósito da vida (e da aprendizagem escolar). O
resultado não deixa dúvidas quanto à necessidade de se trabalhar a dimensão ética do ser humano na sua
relação com o outro: quarenta e seis professores afirmaram que era urgente a inclusão deste tema; quarenta
e dois inquiridos declararam ser importante introduzir o tema do propósito da vida e da aprendizagem escolar
e trinta e dois professores referiram que era importante tratar da identidade nacional e comunitária.

334
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

35% 38%

27%

A relação com o outro (ética e cortesia)


Identidade comunitária e nacional
Propósito de vida (e da aprendizagem escolar)

Gráfico 4 - Novas temáticas em Educação para a Cidadania


Após a evidência dos resultados obtidos quanto à necessidade de desenvolver estes temas em
contexto escolar, é necessário saber que papel têm os professores no processo educativo dos alunos.

QUEM É O TEU PROFESSOR?


O título deste trabalho remete para a dimensão da responsabilidade dos professores na educação
dos alunos, que se deve dividir em duas dimensões: a que parte do interior do indivíduo como professor e a
que a sociedade lhe atribui e lhe permite ter na sua profissão.
A primeira é reflexo do que o professor é enquanto pessoa e engloba as suas expectativas
profissionais, a sua personalidade, em suma, a sua subjetividade. É responsabilidade do professor, seja qual
for a sua área de lecionação, saber que em primeiro lugar tem a seu cargo seres humanos com os quais tem
de criar uma relação saudável, cordial e de cortesia. Tem de ter noção da sua nobre tarefa de formar
indivíduos íntegros e para isso ter de conhecer os pontos importantes da sua realidade, principalmente
familiar, para os poder tratar pelo nome com propriedade. Deve ter a lucidez necessária para saber que os
alunos estão em primeiro lugar, só depois vem a disciplina que leciona e em último, caso haja espaço, estará
a realidade do próprio professor. Em segundo lugar, tem de dar sentido à sua disciplina no currículo dos
alunos. Respeitando esta hierarquia, o professor cativará rápida e seguramente os alunos, cultivando o
terreno necessário para poder fazer um trabalho tranquilo e com muitos frutos.
Assim, saber o nome do professor tornar-se-á também necessário para saber qual a sua
responsabilidade na formação de cada indivíduo. Uma vez que se está a tratar de relações humanas, parece
ser um erro tratar-se cada questão relativa a um contexto educativo próprio, como uma questão de educação
geral. Cada localidade tem o seu micro sistema educativo, mais ou menos bem-sucedido, integrado num
contexto próprio, com os seus agentes, que determinam os resultados obtidos. Naturalmente, deixa de fazer
sentido referir problemas locais como sendo questões de educação geral de um país. Torna-se necessário
passar do anonimato para a responsabilidade, este é um problema de identidade na organização da
educação.
A segunda dimensão é a responsabilidade que a sociedade atribui aos professores, pela mão do
estado enquanto regulador, ao determinar o seu campo de ação. É nesta dimensão que se torna evidente o
resultado deste sistema, cujos princípios aqui resumidamente se analisam. Se se observar que muitas das
diretrizes que chegam da Direção Geral de Educação em relação a vários aspetos da carreira de docente,

335
A Escola: Dinâmicas e Atores

podem ser já produzidas por indivíduos que foram “educados” na lógica da pirâmide em cujo cume figura a
técnica, ou seja a primazia da área disciplinar e não o aluno, onde o que importa é que o aluno aprenda a
matéria toda e sem falhas, senão não tem boa nota, independentemente de tudo o resto que está implicado
no processo de formação individual. Nesta linha de pensamento, o aluno adapta-se à matéria e não o
conteúdo ao aluno. Continuando com esta lógica ao longo da vida, quando chega a hora de desempenhar as
suas funções, o responsável pela legislação educacional vai ter em conta em primeiro lugar não o aluno como
“outro”, neste caso o professor e os alunos, pois não foi desperto para tal realidade na sua educação, mas
outros fatores secundários que são muito menos importantes e que vão dificultar consideravelmente a vida
dos envolvidos, pois está ausente a importância da dimensão humana da vida.
Uma outra forma de encarar a questão, passa por atribuir à família a responsabilidade de educar
integralmente os indivíduos, desenvolvendo as áreas que a escola se isenta de tratar. Neste contexto faria
sentido dar à formação moral dos alunos um caráter opcional, uma vez que este trabalho seria desenvolvido
em casa. Contudo, o problema não é diferente do acima referido, pois por realidade e consequência históricas,
os indivíduos que constituem as famílias portugueses contemporâneas, foram eles mesmos já educados
neste modelo em que a moral e a ética foram abandonadas no deserto da educação informal.
Será importante saber “Quem é o teu professor?” num ambiente educativo responsável, que se quer
de acordo com a dignidade humana. À criança não pode ser atribuída a culpa de não ter amadurecido
moralmente, quando a educação vigente dá um caráter opcional à formação ética. Para o “desenvolvimento
da compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação
democrática na vida coletiva” a educação integral não é uma opção, é um fundamento.

REFERÊNCIAS
Constituição da República: www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx
www.dge.mec.pt/
Relvas, P. (2000). O Ciclo Vital da Família. Porto: Edições Afrontamento.

336
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

AS INTERCONEXÕES ENTRE A ATUAÇÃO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO E


DO PROFESSOR INICIANTE: CAMINHOS PARA A PRÁXIS
[ID 237]

Leonardo Bezerra do Carmo


Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva
Universidade de Brasília – UnB/DF
leolwa@gmail.com; katiacurado@unb.br

Resumo
Como parte da Equipe Pedagógica da escola, o coordenador pedagógico é um dos profissionais que participam
do processo de formação continuada do professor iniciante na carreira e que pode acontecer de maneiras
variadas, e dependendo da forma como ocorra, pode influenciar diretamente em sua motivação e entusiasmo
em sua atuação. Temos como foco a dimensão da atuação do coordenador pedagógico no processo formativo do
professor iniciante na construção de uma perspectiva de ensino-aprendizagem através da práxis, sendo que a
temática do Professor iniciante terá colaboração dos estudos do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação e
Atuação de Professores/Pedagogos, que possui financiamento pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico. Este trabalho foi financiado pela FAPDF – Fundo de Apoio a Pesquisa do Distrito Federal, e
é resultado de pesquisa a partir de estado do conhecimento, aplicação de questionário para os professores da rede
pública de ensino do Distrito Federal – Brasil e entrevistas com o mesmo público. Vários dos levantamentos
bibliográficos e empirícos do grupo demonstram que as condições dos professores iniciantes - profissionais que
nunca atuaram e vivenciam sua primeira experiência em sala de aula – são permeadas por diversas dificuldades,
descobertas e formas de se identificar como efetivo profissional docente. Como objetivo procuramos
compreender as ações que o Coordenador Pedagógico realiza para com o professor iniciante na carreira
docente na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal em sua inserção no contexto do trabalho
docente na constituição de uma práxis. Busca-se uma aproximação em realizar uma investigação da
totalidade do contexto escolar em sua realidade histórica, suas contradições estabelecidas por meio de
mediações através do movimento dialético presente em um cenário que é pleno de múltiplas determinações,
construídos com desafios, dilemas e conquistas constantes, especialmente no início da carreira. Os
resultados indicam que: i) há apenas um estudo sobre a temática do professor iniciante e o coordenador
pedagógico; ii) os estudos apontam que não há uma especificidade do trabalho da coordenação pedagógica
com o professor iniciante; iii) os professores narram a importância da relação com o coordenador e o processo
formativo no início da carreira; iv) quando há um coletivo de apoio por parte da gestão, incluído o Coordenador
Pedagógico, o processo de inserção na carreira se torna tranquilo.

Palavras-chave: Coordenador Pedagógico, Professor Iniciante, Práxis.

INTRODUÇÃO
Um dos espaços de atuação do professor está no campo da articulação da formação de outros
docentes, nesse caso, como Coordenador Pedagógico. Como parte da Equipe Pedagógica da escola, o
coordenador é um dos profissionais que participam do processo de formação continuada do professor iniciante
na carreira. O processo de inserção do professor iniciante pode acontecer de maneiras variadas, e
dependendo da forma como ocorra, pode influenciar diretamente em sua motivação e entusiasmo em sua
atuação. Tudo isso pode conduzi-lo a ações e atitudes que ecoarão em sua vida profissional. Esse artigo se
propõe a destacar que existe uma importância na relação entre esses dois personagens, principalmente na
construção de uma perspectiva de ensino-aprendizagem através da práxis.

337
A Escola: Dinâmicas e Atores

A partir dos princípios legais, no Distrito Federal, o Coordenador Pedagógico é direcionado para uma
perspectiva de trabalho coletivo e reflexivo. Porém, ao se observar o campo da prática há a necessidade de se
questionar: o quanto dessa visão é consolidada na atuação do Coordenador Pedagógico? De acordo com o
Regimento Escolar da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal (Distrito Federal, 2015), em seu artigo 119
define que:
(...) a coordenação pedagógica – CP constitui-se em um espaço-tempo de reflexões sobre os
processos pedagógicos de ensino e de aprendizagem e formação continuada, tendo por
finalidade planejar, orientar e acompanhar as atividades didático-pedagógicas, a fim de dar
suporte ao Projeto Político Pedagógico (p.49).
Neste sentido, no âmbito das unidades escolares, se estabelece que a coordenação pedagógica se
caracterize como Coordenação Pedagógica Local – CPL e estruturalmente, conforme versa o artigo 3º da
portaria nº 284 de 31 de dezembro de 2014, deve-se formar parte do Projeto Político Pedagógico no que se
relaciona às atividades individuais e coletivas, bem como às atividades internas e externas. A forma de escolha
do professor também é definida pela portaria e se dá através de eleição pelos pares, e segundo artigo 17 , para
exercer a função de CPL, o/a professor/a deve ser:
(...) integrante da Carreira do Magistério Público do Distrito Federal; eleito/a pelos/as
professores da UE; ter no mínimo, 03 (três) anos de efetivo exercício em regência de classe ou,
caso não atenda este requisito, ter sua eleição justificada por seus pares, por meio de registro
em Ata; deve atender ao Projeto Político Pedagógico; bem como, ter habilitação compatível
com a etapa/modalidade da Educação Básica atendida na unidade escolar (Distrito Federal,
2014b).
Destacamos que nenhuma qualificação na área é requisitada, dentre cursos de extensão e/ou formação
inicial, além de também não ser citado em nenhum momento se o professor que for escolhido para o cargo
passará por algum tipo de qualificação em algum curso. Há tanto professores pedagogos quanto licenciados
atuando como CP (Coordenador Pedagógico) em diversas unidades escolares. Ainda a observar os aspectos
legais da função, temos as atribuições estabelecidas, segundo o artigo 120 do Regimento Escolar da Rede
Pública do DF (2015), o trabalho do Coordenador Pedagógico Local permanente e continuado junto ao corpo
docente que consiste resumidamente em acompanhar, elaborar, estimular, orientar e articular ações com o PPP,
com o planejamento curricular, a Coordenação Regional, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito
Federal, a comunidade local e todos os atores da unidade escolar, fomentando atividades formativas dentro e
fora do espaço da escola. Algumas indagações vão surgindo durante essas constatações: Quais seriam as
consequências desse fato para o trabalho pedagógico do professor e para a atuação do Coordenador
Pedagógico Local? Esse profissional estaria realmente preparado para participar do processo formativo do
professor iniciante na carreira?
Abordaremos a dimensão da atuação do coordenador pedagógico no processo formativo do professor
iniciante, sendo que a temática do Professor iniciante terá colaboração dos estudos do GEPFAPe – Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Formação e Atuação de Professores/Pedagogos, que possui financiamento pelo CPNq em sua
pesquisa. Este trabalho também contou com o financiamento da FAPDF – Fundo de Apoio a Pesquisa no Distrito
Federal. Vários dos levantamentos bibliográficos e empíricos do grupo demonstram que as condições dos
professores iniciantes - profissionais que nunca atuaram e vivenciam sua primeira experiência em sala de aula
– são permeadas por diversas dificuldades, descobertas e formas de se identificar como efetivo profissional
docente. Cabe aqui a diferenciação entre professor iniciante e ingressante: o primeiro se constitui em um
profissional que ainda não vivenciou experiências docentes, já o outro “já vivenciou um ou mais ciclos de
aprendizagem profissional” (Curado Silva, 2015). Esse momento inicial da carreira, tido como etapa de
inserção, não apresenta consenso quanto à sua duração. Assim, este estudo limita-se aos 05 (cinco) primeiros

338
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

anos da carreira - considerada uma média relevante entre vários autores - e fundamenta-se na teoria de
Huberman (2000), observando que esse período se associa ao início da primeira fase (“Entrada,
Tacteamento”) e se finaliza na metade da segunda fase (“Estabilização, Consolidação de um repertório
pedagógico”). Dentro aos personagens a serem observados temos a seguinte problemática: as ações e
relações estabelecidas entre coordenador pedagógico e professor iniciante podem contribuir na inserção do
professor iniciante/ingressante na perspectiva da práxis? Isso nos leva ao objetivo de compreender as ações
que o Coordenador Pedagógico realiza para contribuir com o professor iniciante e ingressante na carreira
docente na SEDF em sua inserção no contexto do trabalho docente na constituição de uma práxis.

Um caminho, dois protagonistas


Levando em consideração a temática já explicitada no objetivo proposto, com a escolha de palavras
chave específicas, iniciou-se um longo caminho de investigação nas publicações dos anais de eventos,
periódicos, teses e dissertações que dialogam com o debate educacional proposto. Foi selecionado como
recorte temporal no período de treze anos compreendido entre 2003 e 2016. Os dados desse artigo contribuiu
com auxílio dos dados já coletados pelo GEPFAPe – Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação e Atuação
de Professores/Pedagogos, em um estudo financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq, onde se aprofundam sobre a prática pedagógica de professores iniciantes na carreira
docente e seus possíveis desafios e dilemas mais frequentes. Em conjunto com o grupo, e através de um
abordagem qualitativa, foram feitos levantamento bibliográficos e a aplicação de questionário com os
professores iniciantes entre 2014 e 2015.
Dentro desta temporalidade no levantamento bibliográfico, os materiais pesquisados feitos a partir de
pesquisas brasileiras na área de educação, em língua portuguesa do Brasil, que estavam em: Periódicos,
publicações realizadas em revistas científicas, classificadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – CAPES, Qualis A1, A2, B1 e B2; Eventos¸ Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação – ANPED, Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino – ENDIPE e Congresso
Internacional sobre Professorado Principiante e Inserção Profissional à Docência – CONGREPRINCI; e também
em Teses e Dissertações armazenados no banco de dados de teses e dissertações do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT.

O COORDENADOR PEDAGÓGICO E O PROFESSOR INICIANTE: DE ONDE PARTIMOS?


Antes de explicitar esses dados, devemos deixar claro logo um resultado prévio: na utilização dos
termos para busca “coordenador pedagógico” e “professor iniciante”, foram encontradas apenas uma
correspondência em que os dois aparecessem concomitamtente em um trabalho. Percebemos que os termos
são deveras estudados separadamente, mas quando se trata de uma convergência de pesquisas sobre os
dois atores, ela é praticamente inexistente. Isso reflete mais uma vez a relevância da discussão sobre a
relação entre esses dois protagonistas do trabalho pedagógico. No geral, dentro das especificações, temos:
nos periódicos, 85 revistas com 53 artigos; nos eventos 67 trabalhos, e por fim 15 teses e 60 dissertações.
tabela abaixo nos dá um panorama geral sobre a distribuição das pesquisas.

339
A Escola: Dinâmicas e Atores

Temática Abordada
Meio de Classificação / Professor Iniciante
Coordenador
divulgação Evento Professor Iniciante e Coordenador
Pedagógico
Pedagógico
Qualis A1 06 04 -
Qualis A2 06 06 -
PERIÓDICOS
Qualis B1 09 08 -
Qualis B2 05 09 -
ANPED 11 01 01
EVENTOS ENDIPe 09 03 -
CONGREPRINCI 41 - -
TESES 11 04 -
DISSERTAÇÕES 29 31 -
TOTAL 127 66 01
Quadro 1 - Panorama do levantamento de dados – Professor Iniciante e Coordenador Pedagógico
Fonte: GEPFAPe Organização: Carmo, 2016
Partindo para uma análise categorial, nos disporemos sobre os pontos mais relevantes. Entre as
pesquisas que falam sobre o professor inciante podemos perceber um interesse pela categoria do exercício
profisional, onde, 41 trabalhos tratam de saberes docentes, práticas, experiências, descobertas, difculdades
e desafios, além de necessidades formativas que compõem o estágio inicial da carreira do professor. Em uma
análise dessas pesquisas é perceptível uma construção de identidade do professor iniciante pautada numa
prática subjetiva, ocorrendo um distanciamento da totalidade e dos processos objetivos na qual a profissão
docente também está imersa. A unidade na qual está inserida o trabalho docente é considerada uma
totalidade que não se reduz ao reconhecimento de um processo único, como parte somatória de um todo
maior, mas sim de relações que são essenciais em seus elementos articulados, responsáveis por seu
desenvolvimento, produção e natureza.
A educação como conjunto totalizante dessas relações busca uma compreensão global do
fenômeno educativo, como ele se define frente a si e ao todo. Sem isso a educação passa a
ser visualizada e difundida como uma abstração, ou melhor, como uma dissimulação de seus
reais componentes (Cury, 2000, p.67).
Então cabe aqui um questionamento à forma de análise do trabalho docente arrigimentada por
características meramente relativizadas a aparência, sobre a prática do exercício profissional relevado ao
plano do cotidiano escolar, sendo que o mesmo pressupõe um processo dialético entre as condições das
relações subjetiva, na formação do professor, e as condições objetivas, compreendidas como as condições
efetivas de trabalho, englobando, além da prática, o planejamento escolar, estudos, etc - até a remuneração
do professor.
Ainda sobre a análise categorial, percebemos um interesse de 24 pesquisas quanto a categoria do
professor iniciante por especialidade – termo que abarca especificamente os professores licenciados em
áreas de conhecimento específicas – e que traz a tona principalmente, questões quanto as falhas na formação
pedagógica desses professores e suas repercussões no exercício profissional, retornando assim ao príncipio
utilizado anteriormente na categoria de Exercício Profissional. Um conjunto de 17 trabalhos indicam uma
necessidade formativa para os professores iniciantes na carreira, seja na escola através também da formação
continuada, ou por programas de iniciação à docência, trazendo a tona a grande necessidade de haver, ou
políticas públicas que acompanhe o desenvolvimento profissional docente da sua formação inicial até o início
da carreira, ou de uma formação continuada na escola que alcance especificamente esses professores.
Se o cotidiano escolar é relevante para a formação do professor porque a escola é o futuro
local de trabalho do professor e de socialização profissional, o compromisso da formação
reside em estudar seriamente essa instituição se quiser melhorar a qualidade da formação
inicial dos professores (Giovanni & Guarnieri, 2014, p.39).

340
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Outros 12 trabalhos trazem a categoria do desenvolvimento profissional onde se destaca, em sua


maioria, a prática pedagógica como foco da inserção dos professores iniciantes, revelando novamente uma
análise da subjetividade em detrimento da totalidade da profissão docente. Ainda temos 7 trabalhos que
tratam da condição de trabalho, levantando questões importantes sobre as variadas circunstâcias que os
professores iniciantes entram na profissão e as diversas dificuldades que advém desse fato. Sete pesquisas
relacionam essas dificuldades as Programas de Inserção à docência, fazendo uma análise dos possíveis
programas ou a ausência dos mesmos. Cinco trabalho retratam aspectos da socialização escolar,
estabelecendo um foco nas relações, parcerias e hieraquias envolvidas no cotidiano escolar, e destacando
os impactos positivos e negativos ao início da carreira docente. Quatro pesquisas vão tratar das
especificidades do inicio à docência, com seus dilemas e dificuldades. Quatro trabalhos relatam uma revisão
literária, com diversas fontes de pesquisas e com recortes temporais diferentes. Outros quatro trabalhos irão
destacar as representações sociais do que é ser professor através da visão do professor iniciante e nos
conceitos relacionados à profissão, como vocação e subjetividade. No gráfico abaixo destacamos todas as
demais categorias para melhor entendimento.

Exercício Profissional 41
Professor Iniciante por Especialidade 24
Desenvolvimento Profissional 12
Condições de Trabalho 7
Programa de Inserção Profissional 7
Programas Educacionais 6
Necessidade Formativa 5
Socialização 5
Representação Social 5
Revisão de Literatura 4
Inicio a Docência 4
Formação Continuada 3
Identidade 3
Profissionalidade 2
Inserção no Mercado de Trabalho 1

Gráfico 1 - Categorias das pesquisas sobre Professor Iniciante


Fonte: GEPFAPe Organização: Carmo, 2016
A partir dos dados que nos mostram uma necessidade formativa especifica para os professores
iniciantes na carreira na escola, traçamos um caminho até o Coordenador Pedagógico e sua atuação
formativa através dos espaços da coordenação pedagógica. Os dados sobre esse personagem nos mostram
o quanto a sua atuação formativa está intrinsincamente relacionada com a formação continuada de
professores. Dos 66 trabalhos que pesquisavam o coordenador pedagógico, 20 destacam sua atuação em
espaços de formação continuada em formatos e perspectivas diversas quanto ao professor, e 7 pesquisas
mostram a sua relação com políticas públicas e programas educativos e por vezes seu aspecto gerencialista
a frente dessas intervenções. Destaco que as discussões quanto a esses aspecto gerencialista do
Coordenador Pedagógico fazem parte da atribulada constituição da identidade desse profissional no Brasil,
como destaca Domingues (2014):

341
A Escola: Dinâmicas e Atores

No Brasil, a figura do coordenador pedagógico é relativamente conhecida. Embora haja um


consenso geral sobre suas atribuições, o estatuto da coordenação pedagógica ainda é
disperso, falta unidade que sintetize os aspectos conceituais, estruturais e políticos da ação
desse profissional nas escolas espalhadas pelo território brasileiro e que institua uma
profissionalidade de coordenador pedagógico (p.15).
Em face a essa construção identitária do Coordenador Pedagógico, temos 4 pesquisas que abordam
a Identidade desse profissional, onde se destacam o aspecto processual da constituição desse profissional e
suas relações com o cotidiano da escola. Observa-se, a partir do olhar dessas pesquisas, a carência de uma
unidade formativa que venha a considerar a constituição da atuação do coordenador pedagógico. Os
cuidados dessa formação, que deveria ser contemplada na formação inicial do Pedagogo é um objeto de
discussão quanto aos cursos de Pedagogia que são direcionados a uma formação generalista e que atendem
a uma demanda do mercado por um profissinal múltiplo, que possa atuar no sistema de ensino como
professores, ou como especialistas; em orientações; em pesquisas educacionais; em movimentos sociais; em
empresas; na saúde e assistência social; sindicatos; etc. Indo ainda de encontro ao mesmo sentido teórico,
das lacunas na formação do coordenador pedagógico, 4 pesquisas estudam a atuação desse profissional e
suas relações práticas com seu contexto cultural, pedagógico e político, salientando suas dificuldades e
perspectivas da função.
Em um grupo de 10 pesquisas temos temas que convergem para o aspecto da socialização do CP
dentro de seu ambiente de trabalho – 4 estudos falam sobre Relações Interpessoais, 3 discutem a mediação
entre os pares, 1 destaca a violência na escola, outro o aspecto da indisciplina e um último tem como
problemática o respeito. Esse conjunto de pesquisas pautam-se principalmente no papel do dialógico entre
diferentes pares na atuação do CP e sua atuação como mediador de práticas pedagógicas frente ao coletivo
de personagens da cotidiano escolar. E uma situação recorrente na atuação do CP é em relação aos aspectos
disciplinares principalmente em consonância com as dificuldades dos professores frente a indisciplina dos
estudantes. As outras pesquisas ficam dispersas em temas variados, mas em que sua maioria destacam a
atuação do CP frente a suas demandas de trabalho pedagógico, admistrativo e de planejamento diário.
Podemos ter esse panorama no gráfico abaixo.

Formação Continuada 20
Políticas Públicas e Programas 7
Identidade Profissional 4
Trabalho Docente 4
Atuação do Profissional 4
Relações Interpessoais 4
Mediação 3
Educação Infantil 3
Condições de Trabalho 2
Avaliação 2
Representações Sociais 2
Inclusão 1
Formação 1
Trabalho Coletivo 1
Práxis Docente 1
Autonomia 1
Revisão de Literatura 1
Violência Escolar 1
Respeito 1
Indisciplina 1

Gráfico 2 - Categorias das pesquisas sobre Coordenador pedagógico


Fonte: GEPFAPe Organização: Carmo, 2016

342
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Em uma segunda parte, a pesquisa de campo realizada em conjunto com o grupo de estudo, a partir
do levantamento do quantitativo de professores efetivados pela SEDF no período de 2010 a 2014, onde se
identificou 4663 profissionais efetivados e distribuídos pela rede. Com essas informações foram distribuídos
70 questionários para docentes recém-contratados de diferentes regionais de ensino, onde apenas 11
professores atendiam às condições de serem iniciantes, ou seja, com até cinco anos de atividade docente e
sem experiência prévia, visto que, esses professores apresentam características distintas dos professores
ingressantes. Dentro do universo de perguntas do questionário semiestruturado elaborado pelo grupo, foram
analisadas as questões respectivas a relação do professor iniciante com a formação continuada e com os
pares da equipe pedagógica, incluído aqui o coordenador pedagógico.
Evidenciou-se um expressivo interesse pela formação continuada pelos professores iniciantes, antes
da efetivação do ingresso na carreira, mostrando uma certificação acima do exigido para o ingresso a partir
da capacidade formativa destes profissionais. Capacidades essas que se mostram:
[...] elemento essencial na adequada efetivação da aprendizagem do estudante [...] E essas
capacidades tem a ver com duas grandes dimensões principais. Em primeiro lugar aparece a
dimensão cognitiva-acadêmica, na qual se incluem a característica e a quantidade de saberes
do docente (formação acadêmica e capacitação contínua), suas estratégias pedagógicas e sua
efetividade na transmissão e construção de conhecimentos na coletividade estudantil (Vaillant
& Garcia, 2012, p.19).
Nessa relação com o processo formativo, analisou-se nos questionários que os professores iniciantes
buscam uma melhoria do desempenho profissional quanto a sua atividade docente, visando talvez, minimizar
as inseguranças e incertezas quanto ao conhecimento de sua atividade profissional. Todos os questionários
analisados demonstram uma tendência a busca por outras áreas de atuação fora da educação, ou uma
fragilidade sobre os anos iniciais da carreira e do que isso servirá para o futuro. Seguindo essa perspectiva
quanto a respostas dos docentes, teríamos então, a necessidade da participação efetiva dos pares como
parte do processo formativo pedagógico para os professores que se encontram em uma dimensão
contraditória de desistência em meio a resistência no trabalho docente. A parceria pedagógica seria
fundamental para o apoio a boas novas experiências para resistir, embora saibamos que não é somente
atuação do Coordenador Pedagógico, no caso, que irá garantir a resistência, visto que variadas
determinações compõe a totalidade da formação e atuação docente. Essa atuação pode sim, amenizar o
sofrimento deste profissional e leva-lo a refletir sobre o seu papel e impactos em seu trabalho quanto a
aprendizagem dos alunos e as relações com seus pares, visto que a escola se constitui um espaço de
intencionalidade, que articula projetos de vida e projetos sociais (Severino, 2008). Nesse movimento dialético,
constrói-se e é construída através das relações entre os sujeitos, parte da história objetiva da formação
desses professores. Tanto o docente quanto o coordenador modificam-se e são por esse movimento
modificados na medida que estabelecem suas relações com o trabalho docente, suas atividades e na
convivência profissional. Assim:
[...] o trabalho, condição básica para uma existência humanizadora, pode ser igualmente o
lugar e a causa da instauração de uma existência degradada, aviltada, totalmente
desumanizada, quando as condições de sua realização sejam deterioradas; do mesmo modo,
a inserção num grupo social e a necessária sociabilidade pode se transformar num processo
de opressão, quando prevalecem às relações de poder e dominação entre as pessoas, seja
no âmbito dos pequenos grupos, seja no âmbito dos grandes grupos societais (Severino,
2008, p.3).
Essas relações que os professores iniciantes constituem em sua carreira com seus pares em todo
seu processo de inserção, podem fazer parte de processos condicionantes apresentados e interferir nas
reflexões que o professor iniciantes venha a fazer sobre sua permanência ou não, e se considerarmos que “a

343
A Escola: Dinâmicas e Atores

taxa de redução do número de professores tende a ser mais alta nos primeiros anos da atividade profissional,
declinando à medida que se aumenta o tempo de profissão” (OCDE, 2006, p.186), teríamos aqui um número
significativo de professores em situação de incerteza profissional.
O levantamento de dados feito com os professores também identificou uma única ação de inserção
formativa de docentes iniciantes por parte da SEDF, que que consiste em um curso de formação à distância
(encontro inicial/final - presenciais) de 60 horas, realizado por meio da plataforma digital da EAPE, com
número de vagas inferior à demanda. A referida iniciativa é recente e surge em consequência da
obrigatoriedade estabelecida no artigo 11 da Lei nº 5.105 de maio de 2013, que trata da qualificação
profissional e obriga a SEDF a implementar, para os servidores em estágio probatório, curso de integração à
carreira magistério público e programas de acompanhamento e avaliação. Esta ação se firma como a única
prescrição legal em que o termo “integração” aparece. Nos demais documentos pesquisados, o entendimento
apresenta-se no sentido da continuidade da formação para o trabalho e não como processo de inserção.
Contudo, ainda é inócua, pois a adesão ao curso é opcional, não sendo um pré-requisito para ingresso nas
atividades docentes, o número de vagas não atende, a carga horária é pequena, o curso é a distância e
segundo alguns professores entrevistados, pouco divulgado, pois desconhecem o curso, muito embora tenha
interesse em realizá-lo. Ainda sobre os questionários constatou-se que os coordenadores pedagógicos não
possuem suporte ou instrução por parte da SEDF, quanto ao processo de inserção docente no trabalho
escolar e notou-se uma ausência de normativas que sistematizem e coordenem procedimentos de forma
institucional. Isso faz com que esta fase na carreira seja conduzida de maneira diversificada, pontual, aleatória
e particular, pautada nos interesses, conhecimentos e possibilidade da equipe gestora e pedagógica de sua
unidade, ocasionando um tratamento desigual e pouco técnico quando da chegada do professor iniciante.A
partir dessa análise quali-quanti dos dados obtidos com esse levantamento destacamos o local de onde
falamos, e que nos pôe a frente a uma realidade de quase inexistência de estudos na área de convergência
entre a atuação do Coordenador Pedagógico e os professores iniciantes e de pouco o quase nenhum apoio
político normativo a esse processo.

O COORDENADOR PEDAGÓGICO: ONDE ESTÁ A PRÁXIS?


Com todo pressuposto legal arregimentado pela portaria nº 15/2015 de regulamentação do Regimento
Escolar da Secretaria de Educação do Distrito Federal, entende-se que o Coordenador Pedagógico Local,
colocado no papel de assegurar que a Coordenação Pedagógica seja espaço de formação continuada do
corpo docente, conforme consta no art.120, deve assumir essa responsabilidade junto aos professores pela
melhoria do ensino na escola, buscando um trabalho em harmonia e de qualidade entre docentes e
Coordenadores Pedagógicos Locais, procurando sempre novos e melhores caminhos para a formação
continuada. Entretanto é necessário esclarecer quais aspectos dificultam a reflexão coletiva entre
professor/coordenador e os possíveis novos caminhos formativos que encontre o professor iniciante na
carreira. Como já elencado, a relação formativa entre esses dois atores é considerada importante, mas está
enfraquecida, assim como com os outros aspectos formativos da atuação do Coordenador Pedagógico, que
também acaba cada vez mais desprovida do sentido e identidade próprios em meio a essa convergência de
atuações. Quando o nosso foco está em vislumbrar o aspecto da formação continuada, o papel formador e
sua atuação com os professores iniciantes especificamente, observamos mais consistentemente esse
enfraquecimento.

344
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Quanto a formação continuada temos que salientar, como diz Dourado (2015), que a formação de
profissionais da educação básica tem se constituído em campo de disputas de concepções, dinâmicas,
políticas, currículos. De maneira geral, a despeito das diferentes visões, os estudos e pesquisa já
mencionados, apontam para uma necessidade de se repensar a unidade formativa desses profissionais,
tendo essa unidade como todo processo formativo, inicial e contínuo, pelo qual perpassa a constituição do
ser professor. Um caminho que percorre as diversas preocupações acadêmico-educacionais e que vão
procurar corrigir a frágil formação docente na universidade, vinculada ao currículo pautado no paradigma
cartesiano, fragmentado e acrítico (Crisostimo, 2003, p.106). Observando esses parâmetros de
distanciamento entre teoria e prática na formação e nessa unidade, percebe-se a necessidade de uma
reconceitualização da formação inicial dos professores, e consequentemente do profissional formador na
figura do Coordenador Pedagógico, para alcançar nesse processo, os professores iniciantes.
É necessário a esse profissional uma inteira percepção de sua atuação para que exista o
planejamento capaz de mobilizar as mudanças necessárias no trabalho docente a partir de suas relações.
Essa visão perpassa o seu vislumbre de formação do próprio CP. O caminhar entre sua formação como
formador e sua atuação será pautada nessa possibilidade de ser um “agente de mudança das práticas dos
professores”, citado por Placco & Almeida (2003) onde elas dizem, também, que esse processo se dará:
[...] mediante as articulações externas que realizar entre estes, num movimento de interações
permeadas por valores, convicções, atitudes; e por meio de suas articulações internas, que
sua ação desencadeia nos professores, ao mobilizar suas dimensões políticas, humano-
interacionais e técnicas, reveladas em sua prática.
[...] quando o coordenador planeja suas ações, atribui um sentido a seu trabalho (dimensão
ética) e destina-lhe uma finalidade (dimensão política) e, nesse processo de planejamento,
explicita seus valores, organiza seus saberes para realizar suas intenções político-
educacionais (p.17).
Nessa construção de identidade, de caminhar para a construção do prospecto de um formador, não
devemos deixar de levar em consideração que os professores iniciantes na carreira e os coordenadores
pedagógicos, e todos os outros profissionais da educação do setor público no Distrito Federal, além dos
problemas profissionais em sua própria formação, ou advindo de sua realidade, também estão sujeitos e
obrigam-se a cumprir ordens determinadas pelos dispositivos legais de sua instância superior, no caso, a
SEEDF, o que leva a considerar que todos possuem obrigações que consideram implementação de políticas
curriculares, avaliações externas ou ações específicas demandadas pela mesma. Esses aspectos dão-se de
encontro a diversas barreiras institucionais que precisam ser superadas em programas de formação
continuada e na ação do Coordenador Pedagógico. A relação precisa ser discutida, os princípios debatidos,
mediados, articulados com o trabalho pedagógico local para que tenham em si uma validade didática-
pedagógica. Ou seja, a formação para formadores precisa ser contemplada para seus profissionais, de forma
abrangente e facilitada para que influencie de modo satisfatório o trabalho pedagógico.
É necessária essa reconstrução, essa aproximação entre teoria e prática, entre formação inicial e
formação continuada no processo de atuação do Coordenador Pedagógico. Pimenta (1999) propõe o
direcionamento de espaços de produção de conhecimento e trabalho na escola, tornando a formação
continuada a continuação de sua formação inicial. Esse processo, de construção de uma indissociabilidade
entre teoria e prática na práxis, serve como processo para a concepção de uma formação de professores na
perspectiva crítica-emancipadora diz Curado Silva (2011), entretanto com o devido cuidado, segundo a
autora, quanto a formação do professor-pesquisador sobre a própria prática, pois ao prevalecer a ação
reflexiva e a valorização do senso comum como fonte fidedigna de conhecimento, parece haver na proposta

345
A Escola: Dinâmicas e Atores

do professor reflexivo a ideia de rechaçar a teoria como fonte de emancipação, de revelar a prática e, portanto,
possibilitar a práxis. Esse possível espaço de formação de professores se encaminhará para uma formação
que esteja a serviço de uma educação “desinteressada”, isto é, longe de querer saciar as necessidades
imediatas do mercado (Gramsci, 2001 apud Curado Silva, 2011), e sim fomentar a construção de uma
sociedade cidadã e detentora de autonomia crítica-reflexiva.

CONSIDERANDO AS INTERCONEXÕES ENCONTRADAS COM O PROFESSOR INICIANTE


Ao encarar os estudos analisados a partir do levantamentos bibliográfico e de dados em parceria com
o GEPFAPe quanto ao estado do professor iniciante no Distrito Federal e da atuação e formação do
Coordenador Pedagógico em um caminho para a práxis, reiteramos primeiro que, a inserção do docente
iniciante profissional se constitui em um momento típico na carreira, não só pelas condições formativas ou de
socialização profissional, mas porque extrapolam as condições normais das competências educativas dos
vários personagens do ambiente escolar, situação que deveria estar prevista desde as Diretrizes Nacionais
até a proposta de Projeto Político Pedagógico das escolas. Estes aspectos vão além do âmbito da atuação
do Coordenador Pedagógico, mas também continuam a reverberar em seu trabalho, limitando-o, a seu
conhecimento inicial e formação, ao mesmo tempo que estabelece uma perspectiva complexa de sua função.
Caminhando nessa perspectiva e a par de todos os dados analisados, vimos que caberá ao Coordenador
Pedagógico um papel formativo não simplório, mas amplo de conhecimentos, práticas, formas, procedimentos
e condições sociais e humanas que lhe permitam a auxiliar o professor iniciante junto a todos os aspectos
desfavoráveis a sua atuação, a buscar uma prática reflexiva que objetive um desenvolvimento profissional
docente adequado a princípios de uma práxis crítico emancipadora, e em sua constituição do ser professor.
Encarar entre o legal e o real e estar em posição de Coordenador Pedagógico hoje é perceber o quanto
a função está deslocada do centro das atribuições que lhe foram definidas durantes anos de crescimento e
delineamento do que é ter essa função. Enquanto coordenador, encarar minha atuação na formação docente
no espaço da comunidade escolar é procurar entender o quão preciso proporcionar ao professor inciante da
carreira um ensino-aprendizado constante e interventivo na prática pedagógica e social, consolidada através de
reflexões sobre si mesmo, sua prática e seu ambiente, norteadores para um projeto de educação pública de
qualidade. Alguns elementos que compõe o processo formativo do professor iniciante na carreira envolvem
ações e saberes construídos além das formulações teóricas contempladas pelas políticas públicas, mas que
vão de encontro ao que acontece na escola, em seus espaços e com seus atores. Analisar seu campo de
trabalho e sua inserção na carreira através da atuação do coordenador pedagógico é parcela importante para
compreender além das aparências da construção da práxis pedagógica e alcançar a essência do fenômeno,
por meio de uma leitura ampliada da realidade e por uma construção crítica sobre os dados empíricos
presentes na realidade do trabalho do coordenador pedagógico. Por fim, o interesse principal é que a
universidade se empenhe em atuar como ambiente mediador para a proliferação de espaços de formação
adequada para licenciados e pedagogos que atuariam como coordenadores pedagógicos, e através de
reflexões sobre a atuação desse profissional embasadas na epistemologia da práxis, possa incitar espaços de
discussão e cooperação entre os saberes construídos através da realidade histórica analisada sobre sua
atuação nos espaços formativos do professor iniciantes na carreira. A partir daí refletir sobre as possíveis
mudanças que decorrem com novas políticas públicas de formação do formador e para recepção de professores
iniciantes atraves das ações do Coordenador Pedagógico como articulador de perspectivas de formação

346
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

continuada docente.

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348
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES A PARTIR DO PACTO NACIONAL DA


ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PNAIC)
[ID 301]

Maria Elizabeth Guimarães do Carmo


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
bethgui@terra.com.br

Resumo
Esta comunicação tem como objetivo refletir as mudanças do sistema educacional brasileiro no que tange à
etapa da alfabetização quando da implantação do PNAIC (Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa),
tendo como eixo principal a formação continuada dos professores alfabetizadores. Sendo assim, o cerne
desse debate perpassa os desafios dos docentes frente a uma atuação pedagógica integrada que assuma a
alfabetização ao longo dos três anos iniciais da escolarização. A Portaria n. 867 (2012), em seu art. 1º, instituiu
o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), pelo qual o Ministério da Educação (MEC) e as
secretarias estaduais, distrital e municipais de educação reafirmaram e ampliaram o compromisso previsto
no Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, de alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade,
ao final do 3º ano do ensino fundamental. O ciclo de alfabetização nos anos iniciais do Ensino Fundamental
é um tempo sequencial de três anos (600 dias letivos), sem interrupções, dedicados à inserção da criança na
cultura escolar, à aprendizagem da leitura e da escrita, à ampliação das capacidades de produção e
compreensão de textos orais em situações familiares e não familiares e à ampliação do universo de
referências culturais dos alunos nas diferentes áreas do conhecimento.
A metodologia utilizada na pesquisa foi de abordagem qualitativa. Ao considerar as várias formas que a
pesquisa qualitativa pode assumir, optou-se neste trabalho por uma investigação bibliográfica a fim de
promover a problematização orgânica para então adentrar no campo empírico.
Os achados iniciais da pesquisa sugerem a necessidade do trabalho planejado e articulado, por intermédio
de práticas pedagógicas diferenciadas pelos professores responsáveis pelo ciclo de alfabetização,
propiciando o fluxo natural dos processos de aprendizagem dos alunos entre os anos-ciclo de forma a
favorecer um tempo significativo, sem interrupções, dedicados à inserção da criança na cultura escolar.

Palavras-chave: Alfabetização, Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), Ciclo de


Alfabetização, Formação de Professores

Résumé
Cette communication a pour objectif réfléchir sur les changements du système éducationnel brésilien en ce
qui concerne l'étape d'alphabétisation pendant l'implantation du PNAIC (“Pacto Nacional da Alfabetização na
Idade Certa”, en français, Pacte National de l'Alphabétisation à l'Âge Correcte) ayant comme axe principal la
formation continue des enseignants responsables de l'alphabétisation. De ce fait, le noyau de ce débat expose
les défis des professeurs pendant un travail pédagogique intégré d'alphabétisation au cours de trois premières
années de scolarisation. L'ordonnance nº 867, de 4 juillet 2012, dans l'article 1º, a institué le PNAIC, par lequel
le Ministère de l'Éducation brésilien (MEC) et les Secrétariats d'Éducation des états, des districts et des villes
ont réaffirmé et ont amplifié l'engagement prévu dans le Décret Nº 6,094, du 24 avril 2007, d'alphabétiser les
enfants jusqu'à l’âge maximum de huit ans, à la fin de la troisième année de l'enseignement primaire. Le cycle
d'alphabétisation pendant les premières années de l'enseignement primaire, c'est une période séquentielle de
trois années (600 jours de classe), sans interruptions, dédiées à l'insertion de l'enfant dans une culture
scolaire, à l'apprentissage de lecture et écrite, au développement des capacités de production et de
compréhension des textes oraux sur situations familières et pas familières et à l'élargissement de l'univers de
références culturelles des apprenants dans les différents domaines de la connaissance.
La méthodologie utilisée dans la recherche a été l'approche qualitative. En considérant les diverses manières
de la recherche qualitative, l'investigation bibliographique a été utilisée de façon à promouvoir la
problématisation organique pour ensuite prendre en compte le champ empirique.
Les découvertes initiales de la recherche suggère la nécessité du travail préparé et articulé, par l'intermédiaire
de pratiques pédagogiques différenciées par les professeurs responsables par le cycle de l'alphabétisation,
pour favoriser le fluxe naturel des processus d'apprentissage des apprenants entre les annés-cycle dans le
but d'avoir un temps significatif, sans interruptions, dédié à l'insertion de l'enfant dans la culture scolaire.

349
A Escola: Dinâmicas e Atores

Mots-clés: Alphabétisation, PNAIC, Cycle d’alphabétisation, Formation des professeurs

CICLO DE ALFABETIZAÇÃO: UM BREVE HISTÓRICO


Para melhor compreensão dos princípios que devem orientar a alfabetização na atualidade, faz-se
necessário resgatar um breve histórico das discussões sobre o tema, buscando contextualizá-lo no decorrer
dos tempos.
Nas décadas de 1970 e 1980 ocorreu a expansão das oportunidades de escolarização e os altos
índices de repetência e evasão geraram a necessidade de revisão do projeto educacional do Brasil.
A partir de 1980 a tônica das discussões educacionais migrou do processo de aprendizagem para a
desmetodização do ensino, tendo em vista as fortes contribuições de Emília Ferreiro. Dessa maneira, a
corrente teórica do construtivismo passou a orientar até mesmo os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Juntamente da desmetodização da alfabetização, criou-se o consenso de que a
aprendizagem ocorre independente do ensino e a apropriação do Sistema da Escrita
Alfabética faz-se a partir da interação com diferentes textos em atividades de leitura e
produção de texto (Souza, 2014, p.5).
Em 1990, na Conferência Mundial de Educação para Todos em Jomtien, na Tailândia, foram criadas
posições consensuais para tornar universal a educação fundamental. Foi elaborado o Plano Decenal de
Educação para Todos (1993-2003) pelo Ministério da Educação e do Desporto, buscando a equidade e a
qualidade da educação conforme os pressupostos da Constituição Federal de 1988.
Em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394, 1996) reforça o
acesso a todos à educação básica nacional comum para oferecer a todos a formação para o exercício da
cidadania.
Em 1997, foram consolidados os Parâmetros Curriculares Nacionais referentes às quatro primeiras
séries da educação fundamental. Nesse documento adotou-se o termo ciclo básico com o objetivo de efetivar
a alfabetização no lugar de seriação inicial.
Cabe ressaltar que, em um breve histórico, Mainardes (2011, p.3) relembra que o termo ciclo surge
no Brasil somente a partir de 1984 como forma de designar políticas de não-reprovação com a implantação
do Ciclo Básico de Alfabetização (CBA) na rede estadual de São Paulo. Inicialmente, o CBA em São Paulo e
em outros estados, reunia os dois primeiros anos de escolaridade, eliminando reprovação da passagem do
1º para o 2º ano. Ao longo do tempo, a política de ciclos foi sendo ampliada e atingiu o Ensino Fundamental
como um todo.
A política de ciclos demanda o desencadeamento de uma reestruturação não apenas do
sistema de organização escolar e promoção dos alunos, mas também uma reestruturação do
currículo, das metodologias, da avaliação, da gestão da escola, do processo de formação
permanente dos professores, da infraestrutura que é disponibilizada às escolas, das
condições de trabalho docente (Mainardes, 2011, p.4).
Em 2000, o Plano Nacional de Educação reforçou a necessidade da formação continuada dos
professores, inserida no trabalho pedagógico e elencou como prioridade a formação, capacitação e
valorização do magistério, reconhecendo que a educação depende da formação de professores.
Desde 2003 está sendo desenvolvido pelo MEC / Secretaria de Educação Básica, diretrizes,
ações e processo de implantação da política de formação continuada. Anterior ao PNAIC,
existiram outros programas de formação continuada para professores alfabetizadores:
Programa Parâmetro em Ação; Programa de formação de professores alfabetizadores
(PROFA); Pró-Letramento; Programa de Apoio a Leitura e Escrita (Praler) (Souza, 2014, p.8).
O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) nasce assim, como mais um
compromisso formal assumido pelos governos federal, do Distrito Federal, dos estados e municípios que visa

350
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino
fundamental. O material de apoio do PNAIC, intitulado Formação de professor alfabetizador: caderno de
apresentação, explica o surgimento do Pacto:
[...] surge como uma luta para garantir o direito de alfabetização plena a meninas e meninos,
até o 3ª ano do ciclo de alfabetização. Busca-se, para tal, contribuir para o aperfeiçoamento
da formação dos professores alfabetizadores (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa: formação de professor alfabetizador, 2012, p.5).
Os primeiros anos do Ensino Fundamental (1º, 2º e 3º anos) estão destinados à alfabetização,
formando assim o ciclo da alfabetização, o que não permite naturalizar a progressão das crianças que não
aprenderam. É tarefa primordial da escola de ajudar as crianças avançarem na escolarização, favorecendo
suas aprendizagens. É fundamental pensar a escola dentro de um conjunto de esforços pedagógicos
desenvolvidos com relevantes intenções educativas. Para a criança ter maiores oportunidades de construir
seu processo de aquisição da leitura e da escrita, ela precisa passar por um ciclo, com uma organização
pedagógica que a permita interagir com um ambiente alfabetizador rico em atividades, materiais,
intervenções, jogos e outros. Diante dessa realidade, os professores precisam estar mais seguros frente ao
desafio de trabalhar em um ciclo.
O tempo de três anos para a alfabetização foi estabelecido pelo reconhecimento da complexidade
relativa à aprendizagem e consolidação da escrita, tendo-se como princípio o domínio autônomo pela criança
da leitura e produção de textos. As crianças apresentam ritmos diferenciados de aprendizagem, podendo dar
continuidade a essa apropriação no ano seguinte, sem passar pela frustração da retenção escolar.

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
O ingresso da criança aos seis anos no Ensino Fundamental de nove anos conforme rege a Lei n.
11.274 (2006), exige uma reorganização do trabalho a ser realizado, considerando as características físicas,
afetivas, sociais e cognitivas da criança. A proposta pedagógica precisa ter como ponto de referência as
peculiaridades infantis, as características de desenvolvimento e a aprendizagem e a realidade do contexto
socioeconômico e cultural nos quais os alunos estão inseridos.
O direito ao Ensino Fundamental não se refere apenas ao acesso à matrícula, mas à permanência e
ao ensino de qualidade, com a criação de condições para a aprendizagem dessa faixa etária, com espaço,
tempo e recursos didáticos e pedagógicos adequados, com políticas educacionais que garantam uma
educação de qualidade para o desenvolvimento social.
Neste contexto, busca-se ressignificar o conceito de alfabetização para atender as demandas da
atualidade. Fala-se muito em letramento. Vive-se o desafio de alfabetizar-letrando.
Para Soares (2011) “letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e
escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se
apropriado da escrita.” (p.18). No entanto, a alfabetização, embora um processo distinto do letramento, deve
fazer parte dos objetivos escolares, pois corresponde ao processo pelo qual se adquire uma tecnologia –
escrita alfabética e as habilidades de utilizá-las para ler e escrever. Esse domínio envolve conhecimentos e
destrezas variados, como compreender o funcionamento do alfabeto, relacionar as convenções letra-som e
dominar o traçado, usando instrumentos como lápis, papel e outros materiais de apoio à escrita.
Em uma concepção de alfabetização focada na inserção das crianças nas práticas sociais, podem
ser desenvolvidas metodologias que, de modo concomitante, favoreçam a apropriação do sistema alfabético

351
A Escola: Dinâmicas e Atores

de escrita por meio de atividades lúdicas e reflexivas e a participação em situações de leitura e produção de
textos, ampliando as referências culturais das crianças.
Conhecer as etapas pelas quais a criança passa no processo de construção do conhecimento sobre
leitura e escrita é relevante e indispensável (Ferreiro & Teberosky, 1986).
O professor necessita ter domínio dessa nova concepção pedagógica a fim de direcionar seu
planejamento a curto, médio e longo prazo, ou seja, precisa estar ciente de que há uma progressão do
conhecimento durante o ciclo de alfabetização. Existem conhecimentos ou capacidades que devem ser
introduzidos na etapa escolar em que se encontra a criança, outros conhecimentos exigem uma ação
educativa que visa o aprofundamento do mesmo e há conhecimentos que serão consolidados em anos
posteriores do ciclo, mas que contemplam uma aproximação da criança desde cedo para só mais tarde se
consolidar. Daí a necessidade do planejamento coletivo a fim de que os professores possam estar
alinhavando ações que permitam essa construção, conforme podemos observar no material de apoio do
PNAIC denominado Currículo na Alfabetização: concepções e princípios:
É importante salientar que o nível de aprofundamento de um determinado conhecimento que
se busca ao lidar com crianças de seis anos, não é o mesmo que se busca com crianças de
oito anos. O professor precisa estar atento às experiências e conhecimentos prévios de sua
turma, seus interesses e modos de lidar com os saberes escolares (Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa: currículo na alfabetização: concepções e princípios: ano 01,
unidade 01, 2012, p.32).

PACTO NACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PNAIC)


Os índices da alfabetização do país apresentam um diagnóstico da qualidade do ensino na rede
municipal ou estadual sob dois aspectos, o do rendimento e o do aprendizado, servindo como balizador para
o planejamento de ações de caráter amplo. Foi possível perceber que o índice de aprendizado na escola
pública municipal de Porto Alegre está baixo, sendo necessário identificar as diversas possibilidades que
acarretam tal resultado. Um grande contingente de alunos chega ao 5° ano do Ensino Fundamental com
desempenho insuficiente, ou seja, o aluno demonstra o domínio insuficiente para as competências avaliadas
em Língua Portuguesa. 1

1
O Ideb é o principal indicador da qualidade da educação básica no Brasil. Para fazer essa medição, o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) utiliza uma escala que vai de 0 a 10. A meta para o Brasil é alcançar a média
6.0 até 2021, patamar educacional correspondente ao de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Suécia. Fonte: Prova Brasil 2013/INEP. (QEdu,
recuperado de www.qedu.org.br).

352
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Quadro I – IDEB/2013– Proporção de alunos que aprenderam o adequado na competência de leitura e


interpretação de textos até o 5º ano na rede municipal de ensino de Porto Alegre
Fonte: QEDU (2013)
Percebe-se a necessidade de aprofundar a reflexão sobre as práticas pedagógicas e sobre a
formação de docentes frente aos desafios no campo da alfabetização. Pensar na qualidade2 de processos de
alfabetização perpassa também pela clareza e intencionalidade da gestão escolar. Para Libâneo (2004, p.76,
grifo nosso) o gestor deve desenvolver a capacidade de influenciar, motivar, integrar e organizar pessoas e
grupos a trabalharem para a consecução de objetivos. Na perspectiva de uma gestão participativa é preciso
que se consiga da equipe o compartilhamento de intenções, valores, práticas, de modo que os interesses do
grupo sejam canalizados para esses objetivos, e que várias pessoas possam assumir a liderança e
desenvolver suas potencialidades.
Um país alfabetizado e letrado faz-se necessário, tendo em vista a importância da inserção de todos
os sujeitos em suas comunidades. É direito de todo cidadão a prática da leitura e da escrita.
O educador libertador tem que estar atento para o fato de que a transformação não é só uma
questão de métodos e técnicas. Se a educação libertadora fosse somente uma questão de
métodos, então o problema seria mudar algumas metodologias tradicionais por outras mais
modernas. Mas não é esse o problema. A questão é o estabelecimento de uma relação
diferente com o conhecimento e com a sociedade (Freire & Shor, 1986, p.48).
Compreender a educação como um direito fundamental coloca a criança numa condição de prioridade
absoluta e assegurar seu acesso e permanência na escola exige uma desacomodação de teorias e “certezas”,
exigindo o compromisso do professor com o despertar do encantamento do espaço chamado ESCOLA.
Acolher crianças com vivências diferentes e promover encontros formadores de sujeitos capazes de ser, viver,
conviver e aprender melhor é uma meta importante a se perseguir. Ao apropriar-se desse espaço a criança
passa a escrever a sua trajetória escolar marcada por aprendizagens significativas em um espaço coletivo de
trocas e interação.

2
A qualidade tem que ser tratada junto com a quantidade; não podendo ser revigorado o antigo e discriminatório dilema
da quantidade X qualidade e a democratização do acesso e da permanência devem ser absorvidos como um sinal de
qualidade social (Cortella, 2011, p.14).

353
A Escola: Dinâmicas e Atores

A sala de aula pode ser considerada uma janela para o mundo em que se descortinam experiências
e aprendizagens significativas. Deve-se recheá-la de afetos e conhecimentos. É nesse convívio único e
verdadeiro que acontece a magia do encontro, o vínculo que une aluno e professor para uma ação repleta de
sentido. A inclusão de crianças de seis anos no ensino fundamental requer diálogo entre educação infantil e
ensino fundamental, diálogo institucional e pedagógico, dentro da escola e entre as escolas, com alternativas
curriculares claras e uma nova concepção de sala de aula no que diz respeito à organização dos tempos e
dos espaços.
Para o PNAIC, o conceito de alfabetização considera a capacidade de ler e produzir textos para
atender a diferentes propósitos sociais com autonomia. Implica, portanto, na ampliação do universo cultural
da criança, de maneira que possibilite acesso aos textos escritos de modo a favorecer sua participação social
em diversos ambientes.
O significado da alfabetização ultrapassa de muito a mera aquisição de uma “técnica” – o
saber ler e escrever; o acesso à leitura e à escrita, como acesso a condições de possibilidade
de participação social e cultural, é, fundamentalmente, um processo político, através do qual
grupos excluídos dos direitos sociais, civis e políticos e dos privilégios culturais têm acesso
a um bem simbólico que lhe é sonegado e que é um capital indispensável na luta pela
conquista desses direitos e desses privilégios, na luta pela participação social (Soares, 2008,
p.59).
Diante desse contexto, o PNAIC vem buscar respostas e novos caminhos para uma alfabetização de
qualidade para todos. E dessa forma, prioriza a formação dos professores para reconstruir práticas
pedagógicas que possibilitem a formação de sujeitos leitores e escritores críticos, responsáveis e usuários
competentes de sua língua materna.

PLANEJAMENTO E FORMAÇÃO CONTINUADA


O diálogo entre professores, seguido de reflexão, promove uma nova ação refletida, aprimorando o
fazer pedagógico. Dessa forma, o professor irá se reinventando a cada novo encontro com seus alunos e
colegas. São nessas trocas de saberes e vivências que as experiências, inicialmente individuais, passam a
compor a identidade coletiva a ser formada no contexto escolar.
Para Tardif (2003) “o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber
deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com sua história
profissional.” (p.11).
O saber dos professores está relacionado com a pessoa e sua identidade, com a sua experiência de
vida, com a sua história profissional, com sua relação com alunos e com os demais atores escolares.
Dai decorre a necessidade e importância de escuta dos professores e suas práticas nesses encontros
de formação. Dar voz ao professor para falar de sua práxis, o auxilia na reflexão e no aprimoramento de sua
própria ação docente.
Imbernón (2006) reforça que:
O processo de formação deve dotar os professores de conhecimentos, habilidades e atitudes
para desenvolver profissionais reflexivos e investigadores. Nessa linha, o eixo fundamental
do currículo de formação de professor é o desenvolvimento da capacidade de refletir sobre a
própria prática docente, com o objetivo de aprender a interpretar, compreender e refletir sobre
a realidade social e a docência. (p.39)
A reflexão realizada pelo professor deve ultrapassar o âmbito da sala de aula e contemplar também
aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais situados no contexto da sociedade, já que os aspectos
materializados, no cotidiano da sala de aula, recebem influência do cenário de violência, opressão, exclusão

354
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

e desigualdade em que vivem nossos alunos, principalmente aqueles provenientes dos setores desprovidos
economicamente de nossa sociedade.
Para que ocorra a formação continuada efetivamente, é preciso que cada segmento assuma os
processos de formação. Ao governo cabe a responsabilidade de criar estratégias que vão orientar as ações
políticas voltadas para o desenvolvimento da melhoria da educação. À universidade cabe realizar pesquisas
científicas que sinalizem, por meio de novas teorias, questões que possam promover mudanças na prática
docente e, consequentemente, no aprendizado do aluno. De certo, a união desses segmentos pode favorecer
a construção de novos modelos de formação que, a cada dia, tenta chegar mais perto da sala de aula e do
fazer pedagógico do professor.
Se deve buscar sempre um equilíbrio entre a teoria e a prática, seja na formação inicial ou
continuada. A solução está em potencializar uma nova cultura formadora, que gere novos
processos na teoria e na prática de formação, introduzindo-nos em novas perspectivas e
metodologias (Imbernón, 2010 p.40).
As orientações do PNAIC, em seu caderno intitulado Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa: formação de professor alfabetizador (2012, p.13) esclarecem que “a capacidade de reflexividade deve
ser exercitada e fazer parte da prática cotidiana do professor, pois favorece as tomadas de decisão na sala
de aula e pode ajudar a antecipar os atos cognitivos dos seus alunos.”
Um elemento importantíssimo no processo de formação é a colaboração que vai além da socialização,
pois tem como foco o rompimento do individualismo. Busca-se por meio da colaboração, um aprendizado
coletivo, através do qual os professores exercitem a participação, o respeito, a solidariedade, a apropriação
e o pertencimento.
Um ponto que merece atenção na formação continuada diz respeito ao aprimoramento do
planejamento, sendo necessário adaptá-lo para as novas exigências em uma perspectiva de ciclo. Não basta
o professor planejar somente em seu ano-ciclo, mas deve estar em constante diálogo e levantamento de
estratégias para pensar o trabalho da alfabetização em um processo contínuo e interligado aos demais anos
do ciclo de alfabetização. Há de se romper com o planejamento somente em uma perspectiva horizontal
(mesmo ano ciclo) para pensar em um planejamento também na perspectiva vertical (anos ciclos
diferenciados).
Fernandes (2011) enfatiza que discutir planejamento significa compreender a necessidade de um
planejamento em aberto, isto é, conectado com a realidade, com as rupturas e continuidades que se
operacionalizarão no percurso da ação pedagógica, tanto em relação ao conhecimento e suas relações com
o mundo lá fora, quanto nas relações pedagógicas professor/aluno/ aluno. Para a autora, planejamento é um
ato de escolhas e decisões em suas finalidades ético-existenciais inseridas no projeto de instituição e de
sociedade. Planejamento como ideação e ato de organização do conhecimento curricular, em que a avaliação
seja um ato crítico que comunica ao professor e aos alunos como está sendo a construção pedagógica do
conhecimento.

METODOLOGIA
A metodologia utilizada na pesquisa foi de abordagem qualitativa. Ao considerar as várias formas que
a pesquisa qualitativa pode assumir, optou-se neste trabalho por uma investigação bibliográfica a fim de
promover a problematização orgânica para então adentrar no campo empírico.
Para Severino (2007):

355
A Escola: Dinâmicas e Atores

A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de


pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. Utiliza-se
de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente
registrados. (p.122)

RESULTADOS
A provocação desse estudo vem reforçando a necessidade de uma construção coletiva de
planejamento, envolvendo os professores do ciclo de alfabetização na troca de ideias, experiências, na
análise de desenvolvimento dos alunos, na ampliação do olhar entre os anos-ciclo, na tomada de decisões,
buscando quebrar a lógica do antigo e viciado olhar de dominar apenas o que cabe a cada ano escolar. Essa
nova articulação exige diálogo permanente de professores que, dessa forma, passam a ser responsáveis pelo
seu grupo de alunos não apenas 200 dias letivos, mas que assumem o compromisso de refletir o processo
de alfabetização, coletiva e reflexivamente, durante todo o ciclo da alfabetização. É importante que o professor
conheça os direitos de aprendizagem a serem contemplados para que os alunos avancem com sucesso em
sua aprendizagem. O planejamento demandará tomada de decisões coerentes quanto à rotina, aos objetivos,
aos procedimentos, à organização didática para saber onde queremos chegar e o que precisamos explorar
junto às crianças.

CONCLUSÕES
Muitas reflexões e discussões ainda são necessárias para repensar o caminho da alfabetização na
perspectiva da integração e continuidade entre os anos que compõem o ciclo de alfabetização, rompendo
com antigos “ranços” pedagógicos.
Necessário se faz um estudo contínuo e sistemático para encaminhar novos desafios que surgem no
cotidiano escolar e no decorrer do ciclo de alfabetização. Ainda é preciso continuar caminhando na
perspectiva do planejamento articulado, a fim de fomentar cada vez mais a construção de práticas
pedagógicas que incentivem o processo de alfabetização respeitando a capacidade criadora, investigadora,
espontânea e alegre da criança perceber o mundo pelo poder da palavra.

REFERÊNCIAS
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Paulo, SP: Cortez.
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disciplina de Metodologia do Ensino Superior. Porto Alegre, RS.
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de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo
sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos

356
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

6 (seis) anos de idade. Brasília, DF. Recuperado em 26 agosto, 2016, de http://www2.camara.leg.br/


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Tardif, M. (2003). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes.

357
A Escola: Dinâmicas e Atores

RESISTÊNCIA DOCENTE: O CONFLITO NA ESCOLA E O ESPAÇO DO DIÁLOGO


[ID 392]

Julia Tavares de Carvalho


Luís Paulo Cruz Borges
Maíra de Oliveira Freitas
Marcos Borges dos Santos Junior
Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira / CAp-UERJ; Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da
Silveira / CAp-UERJ; Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira/ CAp-UERJ; Graduando de Pedagogia e
bolsista de ID- UERJ;
juliadecarvalho@gmail.com; borgesluispaulo@yahoo.com.br; freitasmaira@yahoo.com.br; cunhajp2013@gmail.com

Resumo
O presente trabalho é fruto do Projeto de Iniciação à Docência (ID) “Aprendendo e crescendo com os conflitos
na escola: o respeito ao outro à serviço do desenvolvimento no ensino”, que ocorre no Instituto de Aplicação
Fernando Rodrigues da Silveira / CAp-UERJ na cidade do Rio de Janeiro. As questões de estudo que guiam
este trabalho indicam lacunas importantes no debate sobre a resolução de conflitos no ambiente escolar.
Além disso, o momento político do Brasil, onde presenciamos propostas de políticas públicas carregadas de
conservadorismo, autoritarismo e fundamentalismo cristão, como o Projeto de lei nº 9.394, que inclui entre as
diretrizes e bases da educação nacional, de 20 de dezembro de 1996, o "Programa Escola sem Partido"
(PESP), também indicam um campo de estudo amplo. É notório que as formas de resolução de conflitos em
nossa sociedade, se mostram, a cada dia, mais intolerantes, agressivas e, consequentemente, ineficazes.
Portanto, o projeto de ID se apresenta como importante possibilidade de diálogo sobre temas muito caros ao
ambiente escolar como tolerância, respeito, justiça, liberdade, cooperação, cidadania, dentre
outros. Entendendo a escola como lugar de contradição, que está relacionada com as diversas disputas
atuais, o trabalho busca problematizar o PESP, por entendermos que educar é um ato político, por isso
mesmo, não neutro. Assim, busca-se estimular um trabalho de reflexão crítica sobre a prática e de
reconstrução permanente da identidade pessoal e profissional do docente, por compreendermos o espaço da
docência como espaço de resistência e de construção de saber científico. Destacam-se os objetivos:
Contribuir para a formação de alunos capazes de resolver conflitos coletivamente; Contribuir para a formação
de alunos autônomos que atuem de maneira competente nos diversos contextos sociais; Envolver os alunos
no processo de resolução de conflitos; estimular os alunos a assumirem responsabilidades dentro e fora do
ambiente escolar; promover ações que estimulem a autonomia moral; promover discussões e espaços de
participação. Para a construção do trabalho, apoiamo-nos teoricamente em autores cujo eixo central da
discussão é a autonomia moral dos alunos, como Kamii, Aquino, Vasconcellos, De La Taille e De Vries. Como
pressupostos metodológicos, operamos a partir da pesquisa-ação em que produzimos informações e
conhecimentos sobre a ação pedagógica cotidiana. Trabalhamos a partir da ideia de ação-reflexão-ação para
assim produzir conhecimento na e sobre a prática. Diante do que foi apresentado até então, indicamos duas
abordagens de análises: i) que o diálogo deve ser entendido como uma prática pedagógica sensível à
realidade escolar; ii) que a construção de um debate que envolva autonomia, moral e ética perpassa por uma
reflexão em que a criança deva ser encarada como sujeito ativo no processo de dialogicidade e reflexão sobre
o mundo.

Palavras-chave: Construção mora, Cidadania, Sala de aula, Iniciação à docência.

Résumé
Le présent travail s’inscrit dans le Projet d’initiation à l’enseignement «Apprendre et croître avec les conflits
dans l’école: le respect d’autrui pour le développement dans l’enseignement», qui se tient dans l’Instituto de
Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira – CAp-UERJ. Les questions qui nous conduisent indiquent
d’importantes lacunes dans le débat sur la résolution de conflits dans l’environnement scolaire. En plus, le
moment politique actuel au Brésil, où l’on se trouve face à des projets de politiques publiques chargés de
conservatisme, d’autoritarisme et de fondamentalisme chrétien tels que le Projet de loi n° 9.394, qui inclut au
sein des directives et bases de l’éducation nationale du 20 décembre 1996 le «Programme École sans Parti »
(PESP), allume un large champ d’études. Il est reconnu que les formes de résolution de conflits dans notre
société sont de plus en plus intolérantes, agressives et par conséquent inefficaces. Notre projet ouvre donc

358
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

une importante possibilité de dialoguer sur quelques thèmes chers à l’environnement scolaire, comme la
tolérance, le respect, la justice, la liberté, la coopération et la citoyenneté, parmi d’autres. Tout en voyant
l’école comme un espace de contradictions qui se met en rapport avec les différentes disputes actuelles, nous
tâchons à mettre en cause le PESP puisque nous comprenons qu’éduquer est un acte politique, par
conséquent, exempt de neutralité. Nous cherchons à stimuler un effort de réflexion critique sur la pratique et
de reconstruction permanente de l’identité personnelle et professionnelle de l’enseignant, car nous concevons
l’espace d’enseignement comme un espace de résistance et de construction de savoirs scientifiques.
Quelques objectifs s’en dégagent: contribuer à la formation d’élèves capables de résoudre collectivement les
conflits; contribuer à la formation d’élèves autonomes agissant de manière compétente dans les divers
contextes sociaux; pousser les élèves à s’engager dans le processus de résolution de conflits; stimuler les
élèves à assumer des responsabilités à l’intérieur et à l’extérieur de l’environnement scolaire; promouvoir des
actions qui stimulent l’autonomie morale; promouvoir des discussions et des espaces de participation. Du point
de vue théorique, nous nous sommes appuyés sur des auteurs qui traitent de l’autonomie morale des élèves,
comme Kamii, Aquino, Vasconcellos, De La Taille et De Vries. Comme présupposé méthodologique, nous
avons mis en place une recherche-action dans laquelle nous avons produit des informations et des
connaissances sur l’action pédagogique quotidienne. Nous avons travaillé à partir de l’idée d’action-réflexion-
action pour produire de la connaissance dans et sur la pratique. Dans ce cadre, nous définissons deux
approches dans l’analyse: i) le dialogue est compris comme une pratique pédagogique sensible à la réalité
scolaire; et ii) la construction d’un débat intégrant l’autonomie, la morale et l’éthique comprend une réflexion
dans laquelle l’enfant doit être vu comme un sujet actif dans le processus de dialogue et de réflexion sur le
monde.

Mots-clé: Construction morale, Citoyenneté, Salle de classe, Initiation à l’enseignement.

INTRODUÇÃO
Os conflitos entre alunos são recorrentes no ambiente escolar, sendo inevitável em qualquer relação
social. Não importa a idade dos estudantes, as situações que geram tensões estão presentes em brincadeiras,
em debates, em atividades na sala de aula ou na quadra esportiva. Em alguns casos, a resolução pode não
oferecer grandes desafios para os envolvidos, mas muitas vezes demandam auxílio de outros atores, como
docentes, para resolver a questão. Há quem diga que temos hoje uma carência de sabedoria individual e
coletiva para lidar com situações de conflito.
Questões como indisciplina, falta de limites e desrespeito são alguns dos obstáculos enfrentados por
professores e alunos para o sucesso do trabalho escolar – seja em termos da dimensão epistêmica do ensino,
dimensão socializante da escola ou da dimensão profissionalizante da educação1. Além disso, observamos
também comportamentos e falas marcadas pela intolerância e desrespeito. Quando esses conflitos não são
resolvidos, podem gerar até mesmo a violência física.
Esse quadro configura um grande desafio para os profissionais da Educação atualmente. A instituição
escolar tem o compromisso de “garantir o acesso aos saberes elaborados socialmente, pois estes se
constituem como instrumentos para o desenvolvimento, a socialização, o exercício da cidadania democrática
e a atuação no sentido de refutar ou reformular as deformações dos conhecimentos, as imposições de crenças
dogmáticas e a petrificação de valores” (PCN, 1997). A sociedade espera mais participação política das
pessoas, mais diálogo, mais tolerância e respeito, para além de pessoas bem formadas para assumir
quaisquer postos de trabalho. Não bastassem essas complexas demandas que a instituição escolar tem o
compromisso de lidar, a escola precisa assumir sua responsabilidade de pensar nas melhores maneiras e
estratégias para lidar com os conflitos que nela se apresentam.
Foi pensando em tudo isso que o projeto “Aprendendo e crescendo com os conflitos na escola: o
respeito ao outro a serviço do desenvolvimento no ensino” foi concebido. Concordamos com DeVries e Zan

1
Aquino (1994) destaca essas três dimensões possíveis para falar sobreo papel essencial da escolarização.

359
A Escola: Dinâmicas e Atores

(1998), quando pontuam que a escola não é um espaço neutro e, independente da preocupação, os
professores e agentes estão engajados na educação social e moral das crianças, configurando-se, portanto,
uma espécie de currículo implícito.
Observamos, com frequência, que as crianças têm procurado resolver seus conflitos por meio de
agressão física e verbal, seja em sala de aula, ou durante outras atividades na escola. A necessidade da
intervenção docente com foco na resolução desses conflitos é recorrente. De acordo com De La Taille, quando
criamos uma regra de controle em vez de discutir os valores envolvidos nessa situação, criamos uma
sociedade infantil. No momento em que as pessoas precisam de regras e leis externas para regular seu
próprio comportamento, estamos diante de um problema moral (De La Taille, 2000). Em consonância com as
colocações do supracitado autor, reconhecemos e defendemos a necessidade de a escola dedicar espaço
para debates, discussão de regras que garantam a defesa dos princípios. Concordamos, portanto, que a ética
se aprende, não é algo espontâneo.
Este trabalho está organizado em quatro seções: a seção seguinte a esta breve introdução,
apresentamos o projeto o qual deu origem a este trabalho, descrevendo como ele é desenvolvido e o contexto
onde ele ocorre. Em seguida, discorremos sobre algumas impressões acerca dos possíveis impactos do
Projeto de lei nº 9.394, "Programa Escola sem Partido" (PESP), no cotidiano da escola. Na sequência,
apresentamos um breve relato de experiência com base nas atividades que foram desenvolvidas no projeto
supracitado. E, por fim, fazemos nossas considerações finais, buscando atrelar a experiência do projeto à
resistência docente, entendendo a escola como locus de resistência às práticas conservadoras e de
cerceamento das liberdades.

O projeto: “Aprendendo e crescendo com os conflitos na escola: o respeito ao outro a


serviço do desenvolvimento no ensino”
Trata-se de um projeto de Iniciação à Docência (Projeto ID), que está inserido em um Programa de
Bolsas de Iniciação à Docência vinculado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Nosso projeto,
intitulado “Aprendendo e crescendo com os conflitos na escola: o respeito ao outro à serviço do
desenvolvimento no ensino”, foi pensando para ser desenvolvido no Instituto de Aplicação Fernando
Rodrigues da Silveira, o Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAp-UERJ). O
projeto conta com a participação de três professores assistentes2 do CAp-UERJ, que atuam como professores
regentes de duas turmas de 3º ano do ensino fundamental3 (37 alunos no total), além de um bolsista4 ,
graduando do curso de Pedagogia da UERJ.
Os tópicos subsequentes buscam apresentar características importantes acerca do projeto,
esclarecendo a singularidade do contexto a que estamos submetidos.

Contexto
O Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira, o Colégio de Aplicação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (CAp-UERJ) é uma instituição de ensino pública e gratuita, localizada no bairro do
Rio Comprido, região do centro metropolitano da cidade do Rio de Janeiro. É uma unidade acadêmica da

2
De acordo com a resolução Nº 003/91, disponível em http://www.sr2.uerj.br/depesq/procienc/Resolu%E7%E3o%2003-
91.pdf, para o para provimento do cargo de Professor Assistente é necessário o título de Mestre.
3
Crianças de, aproximadamente, 8 anos.
4
Bolsista de Iniciação à Docência.

360
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Universidade, que atende a educação básica em seus diferentes níveis de ensino (ensino fundamental e
ensino médio, com estudantes a partir dos 5 anos5), a educação superior (sendo local de estágio das
licenciaturas oferecidas na Universidade) e a pós graduação (mestrado profissional em Educação).
O CAp-UERJ foi concebido, inicialmente, para ser campo de estágio das licenciaturas oferecidas na
UERJ, além de ser campo de experimentação de novos e diferentes recursos em Educação. Dessa forma, o
CAp está integralmente inserido na estrutura organizacional da UERJ e representa uma importante alternativa
de qualidade de ensino, pesquisa, extensão e cultura para o Estado, com o diferencial de poder perpassar
pelos ensinos fundamental, médio e superior.
Cabe ao Instituto de Aplicação, portanto, a função de aliar a teoria à prática, investindo cada
vez mais na educação nos diferentes níveis de ensino que oferece à sua comunidade escolar,
acreditando na sua atuação inovadora e criativa frente aos desafios do mundo (Projeto
Político Pedagógico do CAp-UERJ6).
O CAp-UERJ, por ser parte integrante e gerido pela UERJ, goza de autonomia administrativa e
pedagógica. Isso quer dizer que seus docentes possuem plena isonomia na carreira docente da UERJ, bem
como o exercício pleno das funções de ensino, pesquisa, extensão e administração.
O Instituto é, portanto, um local privilegiado para práticas inovadoras de ensino, como o
aperfeiçoamento didático e metodológicos dos ensinos fundamental, médio e superior, por meio da
implementação e difusão de novos e diferentes recursos aplicados à educação. Sua finalidade é a formação
docente inicial e continuada, em parceria com outras unidades acadêmicas da Universidade e a promoção de
educação básica de qualidade, de atividades de pesquisa em ensino e educação, da extensão universitária e
da cultura na cidade e no estado do Rio de Janeiro. E é nesse contexto em que está inserido o Projeto de
Iniciação à Docência “Aprendendo e crescendo com os conflitos na escola: o respeito ao outro à serviço do
desenvolvimento no ensino”.

A natureza do programa de ID
Como dito anteriormente, o CAp-UERJ, por ser fundamentalmente um instituto básico de aplicação,
é voltado à produção de novas formas de saber relativas à Educação em sentido amplo, e à Pedagogia e à
Didática em sua acepção dinâmica e pragmática.
Segundo os documentos disponibilizados pela Universidade7, o Programa de Bolsas de Iniciação à
docência compreende o conjunto de atividades ligadas a projetos que buscam estimular o desenvolvimento
e a utilização de metodologias inovadoras, tendo como objetivo central contribuir para a qualidade da
educação básica. É voltado para alunos de graduação das áreas de Licenciatura.
Nas unidades acadêmicas, como o CAp-UERJ, os bolsistas de Iniciação à Docência integram projetos
de pesquisa aplicados às questões que envolvam a construção do conhecimento, o processo ensino
aprendizagem e a criação e integração de recursos metodológicos nas mais variadas áreas do conhecimento.
Sob a coordenação e supervisão dos docentes lotados na unidade, mais do que ampliarem o campo usual
de aplicação de seus conhecimentos, os bolsistas têm a oportunidade e possibilidade de efetivamente
tomarem parte na construção e produção de novos saberes, além de se constituírem como elementos
multiplicadores de saberes construídos em âmbito da Universidade.

5
No Brasil, o ensino fundamental é dividido em dois segmentos: o 1º segmento contempla o 1º ao 5º ano de escolaridade;
e o 2º segmento comtempla o 6º ao 9º ano. Os três anos finais da educação básica compõe o ensino médio.
6
Disponível em http://www.cap.uerj.br/site/images/stories/noticias/projeto-politico-pedagogico-1.pdf
7
http://www.cetreina.uerj.br/estagios_int.php

361
A Escola: Dinâmicas e Atores

Para que seja concedida a bolsa e a autorização para o desdobramento das atividades, os Projetos
são avaliados por um Comitê de Avaliação, onde são considerados os seguintes indicadores: Objetivos;
Relevância; Fundamentação teórica; Apresentação de propostas para o desenvolvimento de metodologias
de caráter inovador e/ou experimental para os ensinos fundamental e médio; Viabilidade de execução;
Indicadores de desenvolvimento do projeto; Integração efetiva com o ensino fundamental e o médio;
Adequação e viabilidade dos Planos de Trabalho dos bolsistas (ênfase na execução de atividades pertinentes
à formação dos licenciandos). Além disso, anualmente o projeto é recadastrado e os bolsistas envolvidos
participam de atividades obrigatórias em que é preciso apresentar o trabalho desenvolvido a toda
comunidade.
No projeto que apresentamos aqui, embora tenhamos solicitado a participação de três bolsistas de
ID, apenas uma bolsa foi concedida. Assim, atualmente contamos com um bolsista (graduando de Pedagogia)
que atua diretamente nas atividades desenvolvidas no projeto, tanto nas reuniões para estudos, reflexões e
planejamento, quanto na realização destas em sala de aula. Compreendemos que tem sido de muita
relevância a orientação ao bolsista em um ambiente crítico, onde a prática docente é (re)avaliada e
(re)construída diariamente. Portanto, buscamos, ao longo do Projeto, estimular um trabalho de reflexão crítica
sobre a prática e a reconstrução permanente da identidade pessoal e profissional do bolsista, apropriando-
se, gradualmente do projeto pedagógico da escola e de práticas escolares reflexivas e emancipatórias.

Objetivos e metodologia adotados no Projeto


Em linhas gerais, o projeto “Aprendendo e crescendo com os conflitos na escola: o respeito ao outro
a serviço do desenvolvimento no ensino” objetiva contribuir para a formação de alunos autônomos capazes
de resolver conflitos coletivamente. Especificamente, buscamos desenvolver atividades que estimulem os
alunos a se posicionem diante de conflitos por meio do diálogo, defendendo seus argumentos e ouvindo
respeitosamente os dos demais.
Como pressupostos metodológicos, operamos a partir da pesquisa-ação em que produzimos
informações e conhecimentos sobre a ação pedagógica cotidiana. As atividades específicas do projeto
ocorrem semanalmente, em duas turmas de terceiro ano do Ensino Fundamental do CAp-UERJ, e,
quinzenalmente, a equipe se reúne para planejar e discutir as atividades, além de se dedicar à formação com
base em estudos clássicos e atuais acerca da formação moral e ética, disciplina em sala de aula, entre outros.
Dessa forma, trabalhamos a partir da ideia de ação-reflexão-ação para produzir conhecimento na e sobre a
prática. Além da observação, também, trabalhamos com o diário de campo como forma de registro das
atividades, escrita e imagens.

O FAZER DOCENTE E OS IMPACTOS DO PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO


Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.
Paulo Freire

A criação de regras de controle, ao invés da discussão dos valores envolvidos nas situações de
conflito, gera a simples normatização, deixando de lado assim a formação ética e tirando de pauta o debate
das relações entre as pessoas. Criar cidadãos éticos é uma responsabilidade de toda a sociedade e suas
instituições, incluindo a escola. Desta forma, construir outra relação educacional com a comunidade constitui-
se uma importante finalidade para uma proposta pedagógica que valorize a autonomia. Como destaca

362
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Vasconcellos (2004), a criança precisa ter espaço de expressão para sentir que a escola também é sua, que
é sujeito. Para tanto, é necessário organizar situações para que os alunos tenham a oportunidade de vivenciar
o diálogo, de refletir e de questionar o sistema no qual vivem.
Para Vasconcellos (2004), um dos maiores responsáveis pelo problema da indisciplina na escola são
as relações sociais. Já para Kamii (1986) “Se queremos que as crianças desenvolvam a autonomia moral,
devemos reduzir nosso poder adulto, abstendo-nos de usar recompensas e castigos e encorajando-as a
construir por si mesmas seus próprios valores morais” (p.109). Também sabemos que crianças desenvolvem-
se social e moralmente a partir de interações cotidianas (DeVries, 1998), sendo assim, é necessário
reelaborar as estratégias de intervenção, em especial no ambiente escolar, reinterpretando o contexto e
repensando as bases nas quais são construídas as relações sociais. O professor também precisa se constituir
como um sujeito ativo no processo, estando atento às diferenças entre os alunos, combinando-as e buscando
que cada sujeito contribua no processo de construção de conhecimentos de acordo com suas potencialidades.
No bojo de um projeto que valoriza a autonomia e um processo pedagógico que seja crítico presente
na escola pública, vivemos no Brasil um projeto de educação e escola denominado “Projeto Escola Sem
Partido (ESP)”. O projeto Escola sem Partido, então, é entendido como proposta de lei que torna obrigatória
a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio de um cartaz com os seguintes conteúdo:

Figura 2 - Fonte: www.programaescolasempartido.org/ acessado em 25 de fevereiro de 2017


Os dizeres acima refletem “Sem meias palavras, [que] os docentes são concebidos como
entregadores dos conhecimentos definidos por agentes “competentes” sob a orientação de bancos,
associações e institutos empresariais” (Frigotto, 2016, p.11). O projeto indica um modelo de educação e
escola que compreende o aluno como “tábula rasa” no processo pedagógico e o professor como uma ameaça
que pode cooptar, ou mesmo, doutrinar os estudantes.

363
A Escola: Dinâmicas e Atores

De acordo com Frigotto (2016), em citação abaixo, é preciso vislumbrar o projeto do ESP como um
projeto que não compreende a leitura de mundo como dimensão ética e política. Um projeto que deseja
silenciar as diversas vozes de pluralidade presentes no chão da escola, sobretudo, da escola pública
brasileira. Entendendo que a dimensão do educar não deve estar presente no processo de ensinar e aprender.
“Escola Sem Partido” liquidam a função docente no que é mais profundo – além do ato de
ensinar, a tarefa de educar. Na expressão de Paulo Freire, não por acaso execrado pelos
autores e seguidores da “Escola Sem partido” - educar é ajudar aos jovens e aos adultos a
“lerem o mundo”. Um dos argumentos basilares da “Escola Sem Partido” é a tese da
“Liberdade de Ensinar”. O que se elimina e combate é justamente a liberdade de educar. O
que era implícito desde a revolução burguesa, instruir sim, ainda que de forma diferenciada,
mas educar não, agora é proclamado como programa de ação. (p.12)
O ESP, contudo, não pode ser entendido como algo dado à escola e ao currículo escolar. Antes de
tudo é percebido como um projeto em disputa que precisa ser encarado na arena política, ética e moral
presente no mundo de hoje. Dessa forma, há também um grupo, já organizado, que se posiciou
contrariamente ao ESP, grupo este composto, sobretudo, de docentes, que afirma e reafirma a escola pública
como arena política que deve prevalecer as diversas vozes, já que se entende a educação como lugar de
disputa e contradição.

Figura 3
Fonte: https://pt-br.facebook.com/contraoescolasempartido/ acessado em 25 de fevereiro de 2017
Com base nas ideias explicitadas, o projeto de ID busca promover discussões com os alunos, em
sala de aula, de modo a estimular que se posicionem, levantem questionamentos e analisem as situações
assumindo uma postura moral e ética, ou seja, se contrapõe ao modelo de ESP que pressupõe um
pensamento único, sem contradições e problematização, uma história dada, pronta. Ao trazer à tona as
contradições postas na sociedade, também estamos fomentando um debate que seja crítico de maneira a
contribuir para a formação de alunos capazes de resolver conflitos coletivamente e para a formação de alunos
autônomos que atuem de maneira competente nos diversos contextos sociais. Assim, o presente projeto se
apresenta como importante possibilidade de diálogo e debate dentro do CAp-UERJ sobre temas muito caros
ao ambiente escolar, como tolerância, respeito, justiça, liberdade, cooperação, dentre outros.

364
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Ao por entre aspas a denominação de “Escola sem Partido” quer-se sublinhar que, ao
contrário, trata-se da defesa, por seus arautos, da escola do partido absoluto e único: partido
da intolerância com as diferentes ou antagônicas visões de mundo, de conhecimento, de
educação, de justiça, de liberdade; partido, portanto da xenofobia nas suas diferentes facetas:
de gênero, de etnia, da pobreza e dos pobres, etc. Um partido, portanto que ameaça os
fundamentos da liberdade e da democracia liberal, mesmo que nos seus marcos limitados e
mais formais que reais. Um partido que dissemina o ódio, a intolerância e, no limite, conduz
à eliminação do diferente (Frigotto, 2016, p.12).
O projeto de ID proposto pelo CAp-UERJ, vai ao encontro de uma perspectiva de escola que ensine
a ler o mundo a partir e com uma pluralidade de sujeitos que dela fazem parte (Freire, 1988). Ao propor um
debate em sala de aula que em temáticas como tolerância, respeito, justiça, liberdade, cooperação, entre
outros, emerjam no dia a dia, desejamos fomentar uma reflexão crítica sobre a sociedade e sobre quais são
os nossos papeis no mundo a partir e com a escola.

RELATO DE EXPERIÊNCIA
Ao longo do ano de 2016, desenvolvemos algumas atividades relacionadas ao projeto. Em um
primeiro momento, os professores orientadores discutiram qual seria a melhor estratégia para inserir o bolsista
nas atividades cotidianas dos alunos, para que esse não fosse visto como alguém estranho ao ambiente
escolar. Cabe ressaltar que por ser um Colégio de Aplicação os alunos já estão acostumados com a presença
de estagiários, monitores e bolsistas nas salas, logo, não foram necessárias muitas intervenções para que os
alunos das turmas participantes se familiarizassem com a presença do bolsista. Assim, no primeiro mês o
bolsista acompanhou algumas atividades nos horários regulares das turmas, com observação e colaboração
nas atividades desenvolvidas pelos professores. Esse primeiro contato com o grupo fez-se necessário,
também, para que o bolsista se ambientasse com o Projeto Político Pedagógico da Instituição.
Além disso, promovemos encontros em grupos de estudo e reuniões periódicas de planejamento e
formação nos horários extras, com atuação em parceria com os professores responsáveis pelas turmas de
projeto. Ao final das reuniões e observações ficava a cargo do bolsista a elaboração de relatórios das
atividades desenvolvidas. Tais relatórios têm como finalidade o registro e a avaliação do desenvolvimento do
trabalho em cada turma, além de possibilitar a troca de diferentes experiências nas duas turmas envolvidas.
Não foi raro ocorrer desdobramentos totalmente diferentes nas turmas participantes embora a proposta inicial
fosse a mesma. Como o trabalho ainda encontra-se em fase inicial, ainda não esgotamos a análise dos
relatórios, portanto novos desdobramentos científicos estão por vir.
Em nosso cronograma inicial, também marcamos reuniões quinzenais com a equipe do Projeto para
leitura e discussão de textos a fim de sistematizar o conhecimento produzido por meio de referenciais teóricos
que embasam a proposta pedagógica do Projeto. No entanto, após avaliação anual, pudemos perceber que
esse ponto precisará ser melhor desenvolvido por toda equipe. Nesse tópico cabe a ressalva que muito fatores
externos, que vão muito além das possibilidades e alcance dos participantes do projeto, prejudicaram
sobremaneira não só o andamento desse projeto especificamente, como toda produção de conhecimento da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O desfinanciamento da instituição, o atraso nos pagamentos de
salários de docentes e demais funcionários da UERJ, o atraso nas bolsas dos estudantes, dentre outros
fatores, afetaram todo o cronograma da Universidade e não foi diferente conosco. Embora esse não seja o
tema desse trabalho, por isso não nos alongaremos muito, julgamos importante um esclarecimento
conjuntural dos fatores que afetaram diretamente o projeto.

365
A Escola: Dinâmicas e Atores

Em relação às atividades desenvolvidas em sala de aula, a partir da prática, buscamos discutir


semanalmente a atuação e o papel do professor e a intervenção na/com os alunos. A avaliação do percurso
do trabalho foi de suma importância para modificar, quando necessário, as estratégias, estimulando assim
um trabalho de reflexão crítica sobre a nossa prática e de reconstrução permanente da identidade pessoal e
profissional dos docentes e bolsistas, que puderam se apropriar dos valores da instituição. Manter esse
espaço aberto para pensar com os alunos, dialogando acerca dos problemas enfrentados diariamente, além
da troca de experiência entre as turmas participantes, foi crucial para repensar as estratégias de atuação.
Também é interessante relatar a experiência do bolsista no projeto com as turmas. As diferentes
atividades que foram realizadas, com embasamento teórico, fizeram com que o bolsista pudesse refletir sobre
a relação da teoria com a prática, valorizando assim a função intencional do papel do professor. Ao longo do
projeto, o bolsista relatou a importante reflexão que o projeto proporcionou, principalmente por trazer
atividades elaboradas com foco nos alunos e nos conflitos que os estudantes vivem no cotidiano.

Algumas atividades desenvolvidas


Nessa etapa do trabalho, apresentamos algumas atividades que foram desenvolvidas nas turmas.
Ressaltamos que tais atividades foram pensadas para as nossas turmas e que, portanto, devem ser
repensadas para cada situação em casos de interesse em desenvolvê-las em outros contextos. Fazemos a
observação que não temos como objetivo trazer receitas prontas, nem tão pouco indicações de um trabalho
que deva ser seguido. Como já explicitado ao longo do trabalho, o planejamento de atividades que valorizem
os conflitos exige um ambiente que valorize e encoraje as expressões de sentimentos dos alunos. Não basta
planejar atividades, pensar em estratégias se todo ambiente escolar não compreende o conflito como parte
do processo de construção de sujeitos críticos, ou mais, não entende o momento do conflito como um
oportunidade para o aprendizado.
Além disso, mesmo em uma mesma escola, em um mesmo ano de escolaridade, com professores
que vem buscando um alinhamento teórico-pedagógico e com a atividade sendo planejada em conjunto, em
nossa experiência, verificamos que mesmo assim, a atividade pode tomar rumos muito diferenciados nas
duas turmas em que o projeto atuou. Isso não foi surpresa, uma vez que já tínhamos subjacente ao processo
o conceito dos sujeitos ímpares e idiossincráticos. Sendo assim, também não será surpresa se essas mesmas
atividades que aqui propomos não sejam uma boa ideia para um grupo diferente.
A primeira atividade do projeto em sala de aula foi a apresentação do Projeto e do Bolsista para os
estudantes. Assim como fizemos ao longo desse trabalho, explicamos para os alunos toda a natureza de um
Projeto de Iniciação à docência, a importância dele para o campo da educação e para a produção de
conhecimento da Universidade. Como os alunos já são estimulados desde que chegam à escola, no primeiro
ano de escolaridade, a participar do fazer da escola, o fato de serem consultados sobre o projeto não causou
espanto aos alunos. Assim, todos questionaram, fizeram suas perguntas, tiraram suas dúvidas e se
ambientaram com o bolsista.
Ao longo das semanas, os alunos passaram a saber e aguardar o horário do bolsista nas turmas, já
relacionando a presença ao momento de conversar sobre questões conflituosas. A interação entre as crianças
sempre foi encorajada, sendo este o objetivo central das atividades que visam a construção de um ambiente
sócio-moral. Frases simples, repetidas pelos professores, passou a fazer parte do cotidiano das crianças, tais
como: “Você já perguntou isso para o seu colega?”; “Já fez uma tentativa de falar com ele?”; “Perguntou se

366
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

essa brincadeira está agradando?”; “Antes de falar comigo (professora) já falou isso para o seu colega?”;
“Será que vocês conseguem resolver isso sozinhos?”; “Alguém tem uma dica que pode ajudá-los a resolver
essa questão?”
Ao longo do projeto, alguns temas emergiram como discussão e, atentos às demandas, os
professores trouxeram textos, charges, histórias e reportagens que ampliaram a possibilidade de interação
entre os alunos e que problematizassem ainda mais os questionamentos levantados. Temas como racismo,
pobreza, democracia, representatividade, feminismo e solidariedade foram alguns dos discutidos ao longo do
projeto.
Nas foto abaixo (figura 3), podemos observar uma discussão de um texto sobre o racismo no Brasil
que foi seguido de uma história sobre resistência (O ônibus de Rosa que narra a história de Rosa Parks). O
tema racismo também foi discutido ao longo do ano nos Projetos pedagógicos da escola, assim como indicam
as Leis 10639/ 11645 que estabelecem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
A Lei 10.639/03, também, é fruto dessa luta histórica de movimentos a favor da inclusão da história de culturas
africanas e afro-brasileiras nos currículos da escola de Educação Básica.

Figura 4 - Discussão de um texto sobre racismo


Ao longo dos últimos anos, as questões envolvendo raça, etnia, cor, gênero e sexualidade em muito
permeiam os espaços-tempos das escolas e das universidades. Tais disposições são/foram marcadas por
muitas lutas com diferentes sujeitos, ou seja, são/foram homens e mulheres que lutam/ lutaram por uma
sociedade mais justa e igualitária. Tal fato pode ser visto e revisto dentro do âmbito da historiografia brasileira.
A diversidade do campo de atuação no campo da educação revela uma multiplicidade de identidades
que o professor deve adquirir ao longo da sua formação para dar conta e abarcar todas as diferenças que
envolvem suas ações. A Lei 10.639 deve ser ponto de partida para pensar e repensar práticas educativas tão
consolidadas ou silenciadas, em especial, no ambiente escolar. Como ser professor e lidar com os próprios
preconceitos? Como lutar contra o racismo em sala de aula? São questões pertinentes para pensarmos as
identidades/diferenças que permeiam a escola.
Por fim, essa reflexão pretende contribuir com tantas outras inquietações na e para a formação
docente e pretende avançar por novas outras questões que se põem entre a escola de educação básica e a
universidade, a partir do dispositivo da Lei 10.639.

367
A Escola: Dinâmicas e Atores

Figura 5 - Conversa sobre o papel da mulher negra na sociedade


Com as problemáticas que foram surgindo, algumas sugestões trazidas pelos alunos foram colocadas
em prática, como por exemplo, a criação de regras do grupo que os “ajudassem a lembrar do que foi
combinado” (fala de uma criança). A regra discutida coletivamente foi fixada em uma das paredes da sala e,
com frequência, é referenciada pelos estudantes.

Figura 6 - “O que é um (bom) líder?”


A última atividade que gostaríamos de compartilhar neste trabalho trata-se de uma discussão sobre
“O que é um (bom) líder?”. A questão foi levantada no bojo das eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro
e, coincidentemente, durante as eleições para chefes de torcidas dos times das Olimpíadas do CAp-UERJ,
que ocorrem todo o ano. O objetivo era propor que os estudantes pensassem nas características que
esperariam de um bom líder, como um prefeito, um chefe de torcida ou um representante de turma. A partir
da discussão, elaboramos, coletivamente, uma lista com as características levantadas pelo grupo.
Durante a discussão, que envolveu e mobilizou toda a turma, algumas estudantes fizeram suas
colocações e exemplificaram mulheres como boas líderes. Reservadamente, um aluno perguntou à
professora: “Mas mulher pode ser representante?”. A professora indagou se aquela dúvida poderia ser levada
ao grupo e, diante de resposta positiva, o debate ganhou novos rumos. Muitos estudantes se posicionaram

368
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

diante da pergunta do colega, alguns em defesa da participação das mulheres em diferentes esferas da
sociedade, enquanto outros questionaram esse papel. Inclusive, houve falas em relação à fragilidade da
mulher para a realização de determinadas funções e sobre o papel de destaque do homem nessas mesmas
funções.
Esse é um assunto bastante polêmico hoje no Brasil e notamos que, mesmo sendo crianças,
apresentam opiniões bastante sólidas – muitos, inclusive, buscam argumentar com base em experiências
pessoais vivenciadas em suas respectivas famílias. E diante da discussão que tomou conta dessa atividade,
notamos que as posições que as crianças assumiram geraram um conflito de opiniões não antecipado pelos
professores.
Essa foi uma oportunidade que permitiu que os estudantes apresentassem as próprias opiniões e
ouvissem as dos colegas. O papel do professor, nesse caso, foi buscar balizar a discussão no sentido de
lembrar à turma que há um princípio que deve nortear o debate, que é o de igualdade. Todos devemos ter
nossos direitos sociais fundamentais assegurados, independente de gênero. Certamente essa discussão não
foi esgotada. Muitas leituras e debates deverão ser incentivados para que os estudantes amadureçam seus
posicionamentos em prol do bem comum. Assim esperamos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do presente trabalho, buscamos relatar como tem sido o Projeto de Iniciação à Docência,
que teve início no ano de 2016 e que se mostra como um projeto contínuo, porque o trabalho de mediar
relações de conflito entre os alunos, fazendo-os refletir sobre as consequências de suas ações em uma esfera
macro não se esgota ao final de um ano letivo.
Ao final desse primeiro ano de projeto, alguns resultados (parciais) já se mostram claros quando se
compreende a moral como objeto do conhecimento.: (1) os estudantes estão mais independentes em relação
à resolução dos próprios conflitos, buscando auxílio de um adulto somente quando necessário; (2) ainda se
desentendem, mas buscam o diálogo diante a um conflito; (3) estão começando a compreender os limites e
as possibilidades das próprias ações. Assim, expor os sentimentos, compreender outro ponto de vista e acima
de tudo, compreender o conflito como um processo (mesmo que sofrido) e uma oportunidade de aprendizado
se mostra mais eficiente do que apenas punir.
Ao entendermos os alunos como participantes dos processos institucionais e protagonistas no cenário
escolar, o foco do trabalho passa a ser o coletivo em detrimento do individual. Diante do que foi apresentado
até então, indicamos duas abordagens de análises: i) o diálogo deve ser entendido como uma prática
pedagógica sensível à realidade escolar; ii) a construção de um debate que envolva autonomia, moral e ética
perpassa por uma reflexão em que a criança deva ser encarada como sujeito ativo no processo de diálogo e
reflexão sobre o mundo.

REFERÊNCIAS
Aquino, J. (1996). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus.
Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. (1997). Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos
parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF.
Devries, R. (1998). A ética na Educação Infantil: O ambiente sócio-moral na escola. Porto Alegre: Artes
Médicas.

369
A Escola: Dinâmicas e Atores

De La Taille, Y. (2000). Limites: Três dimensões educacionais. São Paulo: Àtica.


Frigotto, G. (2016). Escola sem partido: Imposição da lei da mordaça aos professores. Revista e-Mosaicos,
vol.05, 11-13.
Freire, P. (1988). A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam (22ªEd.) São Paulo: Cortez.
Kamii, C. (1986). A autonomia como finalidade da educação: implicações da Teoria de Piaget. In A criança e
o número. Campinas, SP: Papirus.
_________. (2007). Moral e ética - dimensões intelectuais e afetivas. São Paulo: Artmed.
Vasconcellos, C. (2004). (In)Disciplina: construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na
escola. São Paulo: Libertad Editora.
Vinha, T. (2009). O educador e a Moralidade Infantil: uma visão construtivista. Campinas, SP, Mercado das
Letras.

370
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CULTURA COLABORATIVA: UM DESAFIO PROFISSIONAL


[ID 22]

Luísa Maria Serrano de Carvalh


Teresa de Lurdes Frutuoso Mendes
Instituto Politécnico de Portalegre
luisacarvalho@esep.pt; teresa.mendes@esep.pt

Resumo
Pensar a escola implica equacionar os seus atores e as relações que estabelecem entre si, nomeadamente
no que ao corpo docente diz respeito.
Tradicionalmente, a profissão docente apresentava-se como uma profissão solitária, de isolamento numa
“ilha” (sala de aula), predominando uma cultura de individualismo.
Na atualidade, os estudos, e essencialmente as práticas, tendem a demonstrar a importância e os impactos
positivos do trabalho colaborativo entre docentes e, em contrapartida, a evidenciar os efeitos perversos do
isolamento. Nem sempre é, no entanto, consensual o entendimento acerca do que é o trabalho colaborativo
e dos seus pressupostos.
Tendo em vista conhecer a forma como se processa o trabalho colaborativo, desenvolveu-se um estudo de
caso, no qual se auscultaram, por meio da aplicação de um inquérito por questionário, docentes que integram
uma estrutura intermédia de um Agrupamento de Escolas do Alentejo (Portugal), mais concretamente os
Coordenadores de Departamento.
Assumiram-se, como principais objetivos desta investigação, conhecer as práticas (colaborativas) existentes
no seio dos Departamentos Curriculares; inventariar potencialidades e constrangimentos do trabalho
colaborativo e identificar condições favoráveis à sua concretização.
Os resultados apontam para o facto de, não obstante já se indiciarem algumas práticas de cultura
colaborativa, o trabalho conjunto entre docentes ocorrer essencialmente em reuniões ordinárias e, nestas,
predominar a transmissão de informações por parte do Coordenador de Departamento. Procurar ideias junto
dos colegas tendencialmente não é referido como um procedimento que se possa desenvolver nos
departamentos, embora estes sejam considerados “espaços” privilegiados para a ocorrência de práticas
colaborativas entre docentes.
A existência de interesses e valores comuns entre os professores, bem como a recetividade para colaborar
com os outros, apresentam-se como as principais condições para que o trabalhe colaborativo resulte e tenha
um impacto positivo. Já a escassez de tempo destinado a este tipo de trabalho emerge como um dos maiores
obstáculos.
Importa conhecer a realidade por potencialmente contribuir para otimizar formas de trabalho colaborativo, o
que se configura determinante na medida em que trabalhar colaborativamente pode marcar a diferença nas
dinâmicas das escolas e provocar a mudança, não só em termos de relações entre pares, mas também em
termos de inovação pedagógica.

Palavras-chave: Trabalho colaborativo, Escola, Departamentos curriculares.

Résumé
Penser l’école implique envisager ses acteurs et les relations qu’ils établissent entre eux, en particulier en ce
qui concerne les enseignants.
Traditionnellement, la profession d’enseignant se présentait comme une activité solitaire, d’isolement dans
une “île” (la salle de classe), où prédominait une culture d’individualisme.
De nos jours, les études, essentiellement au niveau de la pratique, tendent à démontrer l’importance et l’impact
positif du travail collaboratif entre les enseignants et à mettre en évidence les effets néfastes de l’isolement.
Cependant, ce n’est pas toujours consensuel ce que l’on entend par travail collaboratif ainsi que ses conditions
d’application.
Afin de connaître le mode de fonctionnement du travail collaboratif, on a développé une étude de cas, dans
laquelle on a questionné, à travers l’application d’une enquête par questionnaire, les enseignants appartenant
à une structure intermédiaire d’un groupe d’écoles de l’Alentejo (Portugal), plus spécifiquement les
coordonnateurs des départements scientifiques.

371
A Escola: Dinâmicas e Atores

Les principaux objectifs de cette recherche sont de connaître les pratiques (collaboratives) existantes au sein
des départements; identifier les possibilités et les contraintes du travail collaboratif et identifier les conditions
favorables à son application.
Les résultats soulignent le fait que, malgré l’existence de certaines pratiques de la culture de collaboration, le
travail conjoint parmi les enseignants se produit principalement lors des réunions régulières et, dans celles-ci,
l’aspect dominant est la transmission d’informations par le coordonnateur du département.
Trouver des idées avec des collègues n’est pas encore une tendance mentionnée par les enseignants comme
une procédure qui peut se développer dans les départements, même si ceux-ci sont considérés des “espaces”
privilégiés pour le développement de pratiques collaboratives entre eux.
L’existence d’intérêts et de valeurs communs entre les enseignants, ainsi que la réceptivité de ceux-ci à
collaborer avec les autres, sont les conditions principales pour que le travail collaboratif résulte e ait un impact
positif. Par contre, le manque de temps pour ce genre de travail émerge comme l’un des obstacles majeurs à
la collaboration.
Il est important de connaître la réalité pour contribuer, potentiellement, à optimiser les formes collaboratives
de travail, ce qui est cruciale dans la mesure où le travail en collaboration peut faire une différence dans la
dynamique des écoles et provoquer le changement, non seulement au niveau des rapports entre collègues,
mais aussi au niveau de l’innovation pédagogique.

Mots-clés: Travail collaboratif, École, Départements pédagogiques.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Cultura do isolamento
Segundo Fullan & Hargreaves (2001), “o ensino não é a profissão mais antiga do mundo, mas é,
certamente, uma das mais solitárias” (p.72). Vários autores apontam para a profissão docente como uma
profissão marcada pelo isolamento, por uma postura e cultura individualista: o professor na sua sala, fechado
sobre a sua “concha”, no seu trabalho com a(s) sua(s) turma(s). Albano Estrela, na década de 90 do século
passado, referia-se precisamente a esta natureza da profissão docente, comparando-a com outros
profissionais:
Ensinar é um empreendimento solitário. Os médicos discutem os diagnósticos dos pacientes;
os advogados de defesa e de acusação analisam os julgamentos; (…) os artistas escrutinam
as telas uns dos outros (…). Os professores, pelo contrário, funcionam a quarentena
profissional, raramente tendo a oportunidade de (…) comparar convicções, trocar pontos de
vista e considerar opções (Estrela, 1992, cit. por Jesus, 2000, p.4).
A quarentena profissional, de que nos fala Estrela, influencia a atividade docente e pode limitar a
construção de alternativas pedagógicas bem como a aposta na inovação pedagógica, condicionando, por
conseguinte, o próprio processo de ensino-aprendizagem, com eventuais repercussões na aprendizagem dos
alunos e no seu sucesso escolar (Fullan & Hargreaves, 2001).
Os estudos desenvolvidos em escolas portuguesas por Lima (2000, cit. por Pacheco, 2013) remetem
para o facto de os professores terem pouco conhecimento relativamente às práticas dos seus pares em
contexto sala de aula. Tende a não existir observação mútua e os resultados apontam para a constatação de
que o pouco que conhecem dessas práticas ser deduzido a partir de conversas com os alunos.
De acordo com Fullan & Hargreaves (2001), são vários os fatores, específicos do trabalho dos
professores, que ajudam a explicar a cultura do individualismo e que se afastam da ideia de derivar de uma
“espécie de defeito de personalidade”. Por um lado, pode-se considerar os edifícios separados, as salas de
aula e os espaços divididos, ou seja, o isolamento físico que Lortie (1975, cit. por Fullan & Hargreaves, 2001)
designou por “estrutura da escola em caixa de ovos”.

372
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O “sistema de produção em série” do século XIX, em que os docentes isolados ensinavam


programas iguais a grupos de crianças segregadas por idades, foi concebido como uma
forma de disciplinar e controlar as massas. Infelizmente, esta tradição antiquada do
isolamento acabou por ser considerada como a forma “normal” de se ensinar em muitas
escolas. O hábito é difícil de quebrar. (p. 23)
Fullan & Hargreaves (2001) apresentam, como outra causa do individualismo, as expectativas
excessivamente elevadas que muitos professores têm de si próprios, numa atividade profissional por vezes
difusa, onde há que dar resposta a desafios não só pedagógicos. “(…) Os professores não têm tempo para
colaborar. Uma vez que há tanta coisa para ser feita, (…) os professores retiram-se para a sala de aula e
fecham a porta, procurando cumprir as obrigações, mesmo durante os intervalos” (p.80).
Além disso, verifica-se, por vezes, uma relutância em dar e receber ajuda, sendo frequente esconder-
se o que se sabe ou ter-se pouca confiança no que se tem para oferecer. Outras vezes, duvida-se da
colaboração, da mais-valia em trabalhar com os outros. Pode, também, simplesmente, existir o receio de pedir
apoio, de procurar melhores formas de fazer.
Hargreaves (1998) sistematiza o individualismo docente em três formas:
a. o individualismo constrangido, resultado de obstáculos ou barreiras de natureza administrativa ou
organizacional que dificultam ou impossibilitam a criação de relações de colaboração entre os
professores (ex.: a estrutura arquitetónica da escola; a incompatibilidade dos horários docentes);
b. o individualismo estratégico, que se reporta às estratégias e soluções individuais que os docentes
desenvolvem para fazer face às dificuldades que surgem no seu dia a dia, centrando a sua ação na
sua sala de aula e no trabalho com os seus alunos;
c. o individualismo eletivo, que advém da própria vontade do professor, que prefere e decide,
conscientemente, trabalhar de modo individual, ainda que o trabalho colaborativo seja encorajado e
se verifiquem condições para que seja realizado.
Repensar a cultura do isolamento apresenta-se como um imperativo, pois, segundo Fullan &
Hargreaves (2001), constitui-se como um dos maiores obstáculos para o desenvolvimento profissional dos
docentes; impede a discussão de práticas; limita acesso a novas ideias e melhores soluções; permite o
conservadorismo e a resistência à inovação no ensino; implica o não reconhecimento ou elogio do
sucesso… “Quaisquer que sejam as coisas maravilhosas que os professores possam fazer, ninguém dará
por elas e quaisquer que sejam as más, ninguém as corrigirá” (p.29). Além disso, apresenta-se como uma
das características mais salientes nos professores afetados pelo mal-estar docente.

Culturas colaborativas
Ultrapassando a cultura do individualismo, Hargreaves (1998) considera a existência de diferentes
tipos de culturas: balcanização, colegialidade artificial e colaboração.
Na cultura balcanizada, ou balcanização, “os professores trabalham não em isolamento, nem com a
maior parte dos seus colegas, mas antes em subgrupos mais pequenos, no seio da comunidade escolar”
(Hargreaves, 1998, p.240). Trata-se, normalmente, de colegas com quem se trabalha de modo mais próximo,
com os quais se tende a passar mais tempo e a conviver com maior frequência na sala de professores, ou
mesmo fora da escola. Estes grupos tendem a refletir conceções sobre a aprendizagem e até mesmo
diferentes estilos pedagógicos dentro da mesma escola (Fullan & Hargreaves, 2001). Pode verificar-se uma
tendência à criação de grupos isolados e concorrenciais, que, por vezes, reduzem as oportunidades de os

373
A Escola: Dinâmicas e Atores

professores aprenderem uns com os outros e limitam a tomada de consciência da necessidade de mudança
(Pacheco, 2013).
Na colegialidade artificial, assiste-se à colaboração entre docentes, mas de forma imposta. Não
resulta da iniciativa dos próprios. As relações que se estabelecem não são voluntárias e, por vezes, traduzem-
se num trabalho de equipa forçado. As relações podem, ainda assim, assumir-se “(…) como trampolins para
a emergência e para o florescimento de formas de relacionamento profissional mais sustentadas e mais
espontâneas nos estabelecimentos de ensino” (Lima, 2002, p.183).
Efetivamente, as culturas de colaboração propriamente ditas, “(…) não emergem espontaneamente
ou por si próprias. Elas também exigem uma orientação (…). Cria[m] oportunidades de os professores
trabalharem dentro do seu horário de trabalho. (…) Não impõem o apoio colegial e as parcerias: promovem-
nos e facilitam-nos” (Fullan & Hargreaves, 2001, p.105).
Roldão (2007) lembra que o trabalho colaborativo não se resume a colocarmos um grupo de
professores perante uma tarefa coletiva e pedir resultados. “Estrutura-se essencialmente como um processo
de trabalho articulado e pensado em conjunto, que permite alcançar melhor os resultados visados, com base
no enriquecimento trazido pela interacção dinâmica de vários saberes específicos e de vários processos
cognitivos em colaboração.” (p.27).
A cultura colaborativa é marcada pela ajuda, o apoio, a confiança e a abertura (Fullan & Hargreaves,
2001). Para Little (1990, cit. por Fullan & Hargreaves, 2001), implica e cria: a) interdependências mais fortes;
b) responsabilidade partilhada; c) empenhamento e aperfeiçoamento coletivos; d) maior disponibilidade para
participar na revisão do trabalho efetuado. “(…) Não se caracteriza pela organização formal, as reuniões ou
os procedimentos burocráticos. Também não são preparadas para projetos ou eventos específicos.” (p.89)
Hargreaves (1998) sistematizou as seguintes vantagens do trabalho colaborativo por parte dos
docentes: apoio moral; eficiência acrescida e melhorada; redução da carga de trabalho; diminuição dos
sentimentos de incerteza; poder de afirmação político; capacidade de reflexão acrescida; oportunidades de
aprendizagem profissional; aperfeiçoamento contínuo.

ESTUDO DE CAMPO
Metodologia
De acordo com Maria do Céu Roldão (2007), “o trabalho colaborativo está na ordem do dia. No plano
discursivo, parece merecer uma concordância generalizada entre professores e investigadores (…). Todavia,
não são muito numerosas (…) as práticas que se constituem, de facto, como autêntico trabalho colaborativo”
(p.25).
Atendendo a esta constatação e à importância do trabalho colaborativo em contexto educativo,
considerou-se oportuna a realização de um estudo de caso, junto de um Agrupamento de Escolas do Alentejo,
de modo a: conhecer as práticas (colaborativas) existentes no seio dos Departamentos Curriculares;
inventariar potencialidades e constrangimentos do trabalho colaborativo e identificar condições favoráveis à
sua concretização.
Optou-se pelo estudo de caso por se constituir como um tipo de estudo “(…) que permite uma análise
mais focalizada e mais compreensiva de determinadas situações, processos e/ou práticas profissionais,
podendo, por isso, contribuir para dar resposta aos imperativos de avaliação, de mudança e de melhoria que
hoje pendem sobre as escolas” (Morgado, 2012, p.7).

374
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Para o efeito, e de modo a auscultar os atores educativos, aplicou-se um inquérito por questionário
(adaptado de Pacheco, 2013) junto dos docentes que integram uma estrutura intermédia do Agrupamento de
Escolas, mais concretamente aos Coordenadores de Departamento. Trata-se de um Agrupamento de Escolas
que integra crianças da educação pré-escolar a alunos do 3.º ciclo do ensino básico.
Participaram, no estudo, vinte e dois docentes, dezassete do sexo feminino (77,3%) e cinco do sexo
masculino (22,7%). Nove indivíduos (40,9%) têm idades compreendidas entre os quarenta e um e os
cinquenta anos e treze (59,1%) têm mais de cinquenta anos.
A esmagadora maioria (90,9%) possui licenciatura. Apenas dois docentes (9,1%) têm, como
habilitação literária, o mestrado (9,1%).
Contou-se com representantes de todos os departamentos do Agrupamento de Escolas (ver tabela
1).
N %
Departamento de Educação Pré-Escolar 2 9,1
Departamento de 1.º Ciclo 7 31,8
Departamento de Línguas 4 18,2
Departamento de Matemáticas e Ciências Experimentais 3 13,6
Departamento de Expressões 5 22,7
Coordenadora de D. Turma de 2.º Ciclo 1 4,5
Total 22 100,0
Tabela 1 - Departamento a que o indivíduo pertence

Todos os indivíduos possuem mais de seis anos de serviço no Agrupamento de Escolas,


permanecendo, alguns deles, neste agrupamento, há mais de 25 anos, conforme se pode observar no gráfico
que se segue. Um indivíduo (4,5%) não respondeu a esta questão.

35
[]% []% []%

30

25

20

15

10

0
7 a 15 anos 16 a 24 anos Mais de 25
anos

Gráfico 1 - Tempo de serviço no Agrupamento de Escolas

Apresentação e análise dos resultados


Um das primeiras questões pretendia conhecer a frequência com que se efetuam as reuniões dos
departamentos curriculares. A maioria dos inquiridos, 59,1%, respondeu que ocorriam duas/três vezes por
período letivo e 40,9% referiu que as reuniões se realizavam, no seu departamento curricular, mensalmente.

375
A Escola: Dinâmicas e Atores

Relativamente ao tipo de atividade mais realizada no departamento curricular, como é visível na tabela
2, a esmagadora maioria dos inquiridos (95,5%), apontou a transmissão de informações por parte do
coordenador de departamento como sendo o tipo de trabalho mais frequentemente realizado nas reuniões
dos departamentos.
Mais usado Usado Menos usado
Transmissão de informações por parte do coordenador do
95,5% - 4,5%
departamento
Trabalho em subgrupos - 68,2% 31,8%
Trabalho em conjunto 4,5% 31,8% 63,6%
Tabela 2 – Tipos de trabalho mais utilizados nas reuniões do departamento curricular
O trabalho em subgrupos foi referenciado como um tipo de atividade também utilizado no
departamento, embora com menor frequência e por um número menor de indivíduos (68,2%).
O trabalho em conjunto, por sua vez, foi considerado o menos utilizado pelos respondentes, com
63,6%.
A tendência aponta claramente para o papel do coordenador de departamento como agente
transmissor de conhecimentos, sendo omissa a referência a outro tipo de interação entre o coordenador e os
membros do departamento. Infere-se que existe uma maior aptidão, da parte dos respondentes, para o
trabalho colaborativo em grupos mais reduzidos, mas que, ainda assim, prevalece o papel do coordenador
dos departamentos como predominante relativamente ao tipo de atividade mais realizado nos departamentos.
Confrontados com o contexto Departamento, o contexto Escola e o contexto Grupo disciplinar e
questionados acerca de qual consideram ser o mais favorável ao trabalho colaborativo, os inquiridos
destacam o Departamento. Justificam, referindo tratar-se de um contexto favorável à “partilha de valores,
ideias, experiências e interesses” (54,5%), no qual se verifica uma “visão comum sobre o ensino-
aprendizagem” (54,5%). O Departamento foi ainda apresentado como “zona de conforto onde se encontra
apoio e suporte” (45,5%). Estas respostas parecem remeter para a existência de uma cultura essencialmente
balcanizada, na medida em que encaminham para a ideia de colegas com os quais se têm algumas afinidades
e junto de quem se encontra apoio e suporte, constituindo-se, por conseguinte, como “zonas de conforto”. As
respostas evidenciam a existência de uma conceção partilhada do próprio processo de ensino-aprendizagem.
Não se centram em dimensões como o trabalho articulado, a interdependência (positiva), a responsabilidade
partilhada ou o aperfeiçoamento coletivo, como é característico das culturas colaborativas.
Questionados acerca de práticas que um coordenador de departamento pode adotar para promover
o trabalho colaborativo no departamento, os inquiridos atribuíram maior importância ao facto de o coordenador
poder: a) incentivar a partilha e a colaboração entre os membros do departamento: b) certificar-se de que
estão criadas as condições para se desenvolver um trabalho de colaboração. Daqui se infere que estes
inquiridos esperam que um coordenador de Departamento tenha um papel atuante na gestão e dinamização
do trabalho colaborativo junto dos membros do Departamento Curricular a que preside.
Quando questionados sobre os três tipos de relações que se estabelecem mais frequentemente entre
colegas no interior dos departamentos, destacam-se as respostas obtidas aos itens: planificação conjunta de
atividades letivas; disponibilidade de ajuda e apoio aos colegas que pedem conselhos; partilha de materiais
didáticos e pedagógicos (ver Tabela 3).

376
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Primeira mais Segunda mais Terceira mais


Não escolhida
frequente frequente frequente
Contar aos colegas histórias que acontecem
9,1% 4,5% 86,4%
com os alunos
Procurar ideias junto dos colegas 4,5% 95,5%
Colaboração pontual em alguma atividade 9,1% 18,2% 9,1% 63,6%
Planificação conjunta de atividades letivas 36,4% 13,6% 50%
Disponibilidade de ajuda e apoio aos colegas
4,5% 27,3% 22,7% 45,5%
que pedem conselhos
Partilha de materiais didáticos e pedagógicos 9,1% 27,3% 27,3% 36,4%
Análise/discussão com colegas sobre o
trabalho desenvolvido (postura reflexiva e 18,2% 9,1% 9,1% 63,6%
aberta à aprendizagem)
Tabela 3 – Tipos de relações entre colegas que se podem desenvolver no departamento
Poderá ser importante refletir, no seio dos departamentos, sobre as práticas e relações que
desenvolvem e as que efetivamente fomentam o trabalho colaborativo, uma vez que uma percentagem muito
significativa dos inquiridos não se refere a um conjunto de itens, que parecem promotores de práticas
colaborativas. Por exemplo, “Procurar ideias junto dos colegas” não é referido pela esmagadora maioria dos
docentes (95,5%), o que pode remeter para o que Fullan & Hargreaves (2001) apontam como uma das razões
da cultura do individualismo nas escolas: duvidar da colaboração, da mais-valia em trabalhar com os outros
ou, simplesmente, recear pedir apoio e procurar melhores formas de fazer.
De notar, no entanto, uma aparente contradição, pois, numa questão anterior, o departamento foi
referenciado, pela maioria dos docentes, como o contexto favorável à “Partilha de valores, ideias, experiências
e interesses”.
No que diz respeito ao impacto que o trabalho colaborativo entre colegas pode ter no desenvolvimento
profissional dos docentes, a tendência das respostas dos inquiridos é no sentido de apontarem
essencialmente para o aumento da criatividade (devido à troca de experiências e à discussão de ideias) e
para a promoção da aprendizagem contínua (decorrente da partilha de conhecimentos e experiências). Não
há, no entanto, consenso relativamente ao facto de o trabalho colaborativo contribuir para a diminuição da
sobrecarga de trabalho. Poderá ser importante refletir acerca da forma como se desenvolve o trabalho
colaborativo, nos departamentos. A redução da sobrecarga de trabalho é apontada na literatura precisamente
como uma das vantagens, e não desvantagem, do trabalho colaborativo.
Questionados acerca das condições necessárias para que haja um clima propício à colaboração entre
colegas, e conforme é possível observar na tabela 4, uma percentagem muito significativa dos inquiridos
optou por não assinalar nenhuma das condições expressas no questionário como hipoteticamente favoráveis
à existência de um clima propício à colaboração entre colegas. O facto de a maioria não se referir a “Gestão
organizada e competente do departamento” (72,7%) ou a “Espaço físico comum” (95,5%) pode significar que
são aspetos que já fazem parte da prática dos departamentos e que, por conseguinte, não se apresentam
como motivo de preocupação/reflexão.

377
A Escola: Dinâmicas e Atores

Mais Segunda mais Terceira mais Não escolhida


importante importante importante
Interesses e valores comuns entre os
27,3% 18,2% 13,6% 40,9%
professores
Recetividade para partilha de ideias 9,1% 27,3% 18,2% 45,5%
Recetividade para colaborar com os outros 22,7% 27,3% 22,7% 27,3%
Gestão organizada e competente do
9,1% 9,1% 9,1% 72,7%
departamento
Organização de horários compatíveis com o
22,7% 4,5% 27,3% 45,5%
trabalho de equipa dos professores
Espaço físico comum 4,5% 95,5%
Tabela 4 – Condições necessárias para que haja um clima propício à colaboração entre colegas
A condição que os respondentes identificam como a mais importante para que haja um clima propício
à colaboração entre colegas é “Interesses e valores comuns entre os professores” (27,3%). As duas segundas
condições apontadas como mais favoráveis, com a mesma percentagem, 27,3% cada, são: “Recetividade
para colaborar com os outros” e “Recetividade para partilha de ideias”.
A terceira condição mais importante, apontada pelos respondentes como sendo fundamental para
que haja um clima propício à colaboração, é a “Organização de horários compatíveis com o trabalho de equipa
dos professores”, com 27,3%, muito embora 22,7% dos docentes a tenha considerado também como mais
importante.
Tendo estes aspetos sido identificados como relevantes para um clima propício, parece importante
aferir, no agrupamento, se os mesmos se verificam ou se é necessário implementar estratégias que o
possibilitem.
Como é visível na tabela 5, no que diz respeito aos maiores obstáculos à colaboração entre colegas,
os inquiridos, na sua esmagadora maioria, não selecionaram uma série de itens apresentados no
questionário, não os considerando, portanto, como obstáculo.
Primeiro maior Segundo maior Terceiro Não escolhida
obstáculo obstáculo maior obstáculo
Interesses e valores divergentes entre os
22,7% 4,5% 9,1% 63,6%
professores
Falta de recetividade para partilha de ideias 18,2% 18,2% 18,2% 45,4%
Falta de motivação para colaborar com os
9,1% 22,7% 13,6% 54,5%
outros
Escassez de tempo destinado a este tipo de
27,3% 9,1% 13,6% 50,0%
trabalho
Tempo das reuniões marcado após uma
18,2% 27,3% 4,5% 50,0%
jornada de trabalho
Exposição das "fragilidades" 9,1% 13,6% 77,3%
Reuniões com uma ordem de trabalhos
4,5% 13,6% 81,8
demasiado extensa
Ausência de consensos devido às
9,1% 90,9%
diferentes sensibilidades dos docentes
Tabela 5 – Obstáculos à colaboração entre colegas
No entanto, dos aspetos assinalados evidenciou-se, como o primeiro maior obstáculo, a “Escassez
de tempo destinado a este tipo de trabalho” (27,3%) e, como segundo, o “Tempo das reuniões marcado após
uma jornada de trabalho” (27, 3%). A variável tempo emerge assim, mais uma vez, e de forma explícita, como
uma limitação, um obstáculo.
“A falta de recetividade para partilha de ideias” (18,2%) é o terceiro maior obstáculo à colaboração
entre colegas, mas, uma análise mais fina permite-nos verificar que, somando os três níveis, se apresenta
com uma percentagem de 54,6%. Assim sendo, a maioria dos docentes considera que a falta de recetividade
face à partilha de ideias se constitui como um verdadeiro obstáculo à colaboração entre colegas. Cruzando
esta resposta com os itens da tabela 3, parece verificar-se que a partilha de experiências e de ideias entre

378
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

colegas ainda não é uma prática efetiva em todos os departamentos. Talvez fosse interessante refletir acerca
desta evidência no seio dos departamentos, pois a partilha é a essência do trabalho colaborativo e é entendida
pela maioria dos inquiridos como sendo uma das suas principais potencialidades do trabalho entre colegas,
ao nível do seu desenvolvimento profissional. Esta constatação leva-nos também a equacionar se estaremos
perante uma cultura balcanizada ou antes perante uma colegialidade artificial que resulta, essencialmente,
da obrigatoriedade de os docentes se organizarem em grupos (Departamentos) e de partilharem o
desenvolvimento de tarefas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não obstante já se indiciarem algumas práticas (ainda “tímidas”) de trabalho colaborativo, os
resultados do estudo de caso efetuado apontam para o facto de o trabalho conjunto entre docentes ocorrer
essencialmente em reuniões ordinárias e, nestas, predominar a transmissão de informações por parte do
Coordenador de Departamento. Procurar ideias junto dos colegas tendencialmente não é referido como um
procedimento que se possa desenvolver nos departamentos, embora estes sejam considerados, pelos
inquiridos, “espaços” privilegiados para a ocorrência de práticas colaborativas entre docentes.
Na perspetiva dos inquiridos, a existência de interesses e valores comuns entre os professores, bem
como a recetividade para colaborar com os outros, apresentam-se como as principais condições para que o
trabalho colaborativo resulte e tenha um impacto positivo. Já a escassez de tempo destinado a este tipo de
trabalho emerge como um dos maiores obstáculos.
Os resultados deste estudo deverão, no entender das autoras, contribuir para uma reflexão interna
sobre as respostas obtidas pelos inquiridos, no sentido de se perceber as conceções que os mesmos
possuem do trabalho colaborativo que já é praticado nas escolas do Agrupamento e encontrar soluções para
os aspetos que os docentes ainda consideram constituir obstáculos ao trabalho colaborativo efetivo. Espera-
se que essas soluções contribuam para o enriquecimento profissional dos docentes, para a organização do
próprio Agrupamento e, obviamente, para o sucesso escolar dos alunos. Conforme recorda Lima (2002), “a
colaboração não se justifica por si própria: ela é um meio para se atingir um fim mais nobre: uma
aprendizagem mais rica e mais significativa dos alunos” (p.8).
Terminamos a comunicação com uma reflexão de Maria do Céu Roldão (2007), a propósito das
culturas colaborativas e que, na sua essência, se coaduna com os resultados da nossa investigação:
Embora sejam sobejamente reconhecidas as vantagens do trabalho colaborativo entre
professores, na prática o essencial do trabalho docente continua a ser realizado
individualmente. Afinal, por que é tão difícil introduzir práticas de trabalho colaborativo no
ensino para melhorar a aprendizagem? (p.24)

REFERÊNCIA
Fullan, M. & Hargreaves, A. (2001). Por que é que vale a pena lutar? O trabalho de equipa na escola. Porto:
Porto Editora.
Hargreaves, A. (1998). Os Professores em Tempos de Mudança. Alfragide: McGraw-Hill.
Jesus, S. (2000). Trabalho em equipa entre os professores. In S. Jesus, P. Campos, V. Alaiz, & J. Matias
(Orgs.), Trabalho em equipa e gestão escolar (pp.4-10). Porto: Edições Asa.
Lima, J. (2002). As Culturas colaborativas nas escolas. Porto: Porto Editora.
Morgado, J. (2012). O estudo de caso na investigação em educação. Santo Tirso: De Facto Editores.

379
A Escola: Dinâmicas e Atores

Pacheco, K. (2013). Os departamentos curriculares e as práticas de colaboração docente. Dissertação


apresentada para obtenção do grau de Mestre em Educação. Universidade dos Açores.
Roldão, M. (2007). Colaborar é preciso. Revista Noesis, 71, 24-29.

380
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

AVALIAÇÃO DE FORMAÇÃO CONTINUA DE PROFESSORES. UMA VISÃO


DIACRÓNICA
[ID 287]

Maria Prazeres Casanova


Adelaide Paredes da Silva
LE@D – Universidade Aberta; AlamadaForma
mcasanova@lead.uab.pt; adelaideparedessilva@gmail.com

Resumo
A avaliação da formação contínua de professores é uma necessidade preconizada pelo Decreto-Lei 127/2015,
artigo 6º, de modo a promover a melhoria do sistema de ensino e dos processos de ensino e de aprendizagem
dos professores-formandos.
Definimos como objetivo desta comunicação:
1. Analisar diacronicamente a avaliação dos formandos no que respeita às ações de formação contínua de
professores, frequentadas ao longo dos anos letivos 2013/2014 a 2015-2016.
Partindo dos dados recolhidos para proceder à avaliação da formação ministrada, poderemos inferir da
importância que a formação teve e terá no exercício da profissionalidade docente nos diferentes contextos
educacionais.
A metodologia utilizada é de caráter quantitativo, foi utilizado o inquérito como instrumento de resposta
fechada em escala de Likert aplicado aos formandos-docentes em formação nos anos letivos 2013/2014 a
2015/2016.
Analisaremos os dados recolhidos relativamente às ações realizadas num Centro de Formação, considerando
as diferentes áreas/domínios, modalidades, do Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores (cf.
Decreto-Lei 22/2014).
Poderemos verificar que o processo formativo promovido pelo Centro de Formação é considerado pelos
formandos como muito bom, assim como as aprendizagens por si realizadas.
Pelos dados recolhidos ao longo dos três anos letivos verificamos que os professores afirmam terem colocado
em prática ou virem a colocar a formação recebida. Verificamos ainda que os formandos possuem opiniões
diferentes relativamente ao espaço em que decorre a formação, uma vez que esta decorre em diferentes
escolas do concelho de Almada.

Palavras-chave: Formação de Professores, Avaliação da Formação Contínu, Monitorização da Formação


Contínua, Qualidade da Formação Contínua de Professores, Centro de Formação de Associação de Escolas.

Resumé
L'évaluation de la formation des enseignants est une nécessité préconisée par le décret-loi 127/2015, l'article
6, en vue de promouvoir l'amélioration du système d'éducation et les processus d'enseignement et
d'apprentissage des professeurs – formants.
Nous définissons comme objectif de cette communication:
1.Analyser diachroniquement l'évaluation des professeurs-formants en ce qui concerne les activités de
formation développées pour les enseignants, qui ont participé dans le processus de formation tout au long
des années scolaires de 2013/2014 à 2015-2016.
Sur la base des données recueillies pour faire une évaluation de la formation, nous pouvons en déduire
l'importance que la formation a eu et aura sur l'exercice de la profession enseignante dans différents contextes
éducatifs.
La méthodologie utilisée est de caractère quantitatif, nous avons utilisé l'enquête comme l'instrument de
réponse fermée, dans l'échelle de Likert, appliquée à la formation des enseignants-formants dans les années
scolaires de 2013/2014 à 2015/2016.
Nous allons analyser les données recueillies pour les actions menées dans un Centre de Formation, compte
tenu des différentes aires et domaines, modalités, ayant comme référence les orientations supérieures
légales, Programme Juridique de la Formation Continue des enseignants (cf. décret-loi 22/2014).
Nous pouvons voir que le processus de formation promu par le Centre de Formation est considéré par les
professeurs-formants comme très bon, ainsi que l'apprentissage qu'ils ont fait.

381
A Escola: Dinâmicas e Atores

A partir des données recueillies au cours des trois années d'études, nous avons trouvé que les enseignants
affirment avoir mis en place ou vont mettre leur formation. On a aussi vérifié que les professeurs – formants
ont des opinions différentes en ce qui concerne l'espace où la formation se déroule, étant donné que cela a
lieu dans des différentes écoles associées au Centre de Formation qui s’occupe de formation continue des
enseignants de la municipalité d’ Almada.

Mots-clés: Formation des enseignants, Évaluation de la Formation Continue, Monitorisation de la Formation


Continue, Qualité de la Formation Continue des Enseignants.

INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos o Centro de Formação tem vindo a encetar um processo de melhoria ao nível dos
processos de formação dos professores, dos assistentes técnicos e operacionais, ao nível organizacional,
identificando pontos fortes e fracos e ainda constrangimentos e ameaças que vindas do exterior da
organização são um entrave à melhoria da sua missão formativa.
A avaliação das ações de formação tornou-se a principal ferramenta usada por este Centro de
Formação para promover a melhoria das aprendizagens dos formandos e melhorar as suas práticas.
O caso que aqui apresentamos refere-se às ações de formação realizadas por um Centro de
Formação de Associações de Escolas da Região de Lisboa e Vale do Tejo ao longo dos anos escolares de
2013-2014 a 2015-2016 nas modalidades de curso de formação e oficinas de formação.

ENQUADRAMENTO DA FORMAÇÃO MINISTRADA


O Decreto-Lei 22/2014, de 11 de fevereiro define as áreas de formação nas quais se enquadram as
diferentes ações ministradas no CFAE, a saber:
a. Área da docência, ou seja, áreas do conhecimento, que constituem matérias curriculares nos vários
níveis de ensino;
b. Prática pedagógica e didática na docência, designadamente a formação no domínio da organização
e gestão da sala de aula;
c. Formação educacional geral e das organizações educativas;
d. Administração escolar e administração educacional;
e. Liderança, coordenação e supervisão pedagógica;
f. Formação ética e deontológica;
g. Tecnologias da informação e comunicação aplicadas a didáticas específicas ou à gestão escolar
(artigo nº 5).
As modalidades formativas quer as oficinas de formação, quer os cursos de formação são
caracterizadas pelo Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Continua (CCPFC), podendo assumir do
ponto de vista metodológico, um carácter exclusivamente teórico ou teórico-prático.
O fim e a função do curso de formação é a aprendizagem, a atualização, a ampliação e o
aprofundamento de conhecimentos científicos e pedagógico-didáticos e de competências profissionais.
Enquadra-se nesta modalidade a organização de colóquios, congressos, simpósios, jornadas ou outras
iniciativas formativas que se organizassem em torno de uma temática científica, pedagógica e/ou didática
podendo assumir um “carácter teórico e/ou teórico-prático concretizando-se preferencialmente em sessões
conjuntas e segundo um regime presencial” (CCPFC, 2016). Os cursos de formação funcionam
preferencialmente em regime presencial, contudo podem ser realizados “em regime de elearning (síncrono
ou assíncrono) ou de b-learning (conjugação de sessões presenciais conjuntas e sessões não presenciais

382
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

online síncronas ou assíncronas) ” (CCPFC, 2016, ponto 8.1). Os colóquios, congressos, simpósios e jornadas
terão de ser realizadas exclusivamente em regime presencial.
O Regulamento para acreditação e creditação de ações de formação contínua afirma que a
modalidade curso de formação não pode ter menos de 12 horas de formação, no entanto não impõe um
número mínimo de formandos/as para que um curso de formação seja realizado, mas recomenda que o
número não ultrapasse trinta por formador/a (CCPFC, 2016, ponto 1, número 4).
A oficina de formação é uma modalidade de formação contínua que tem por fim a “conceção, a
construção e a operacionalização quer de metodologias e técnicas quer de instrumentos, recursos e produtos
pedagógicos e/ou didáticos com vista a resolver problemas concretos e devidamente identificados ao nível
da escola e/ou da sala de aula” (CCPFC, ponto 2, número 4). Para que o desenvolvimento profissional dos
formandos seja otimizado e de modo a aperfeiçoar o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos é
necessário assegurar que a aplicação e a funcionalidade das metodologias, das técnicas e dos materiais
sejam adaptados ao contexto educativo, assim como seja promovida a reflexibilidade em torno dos
procedimentos e dispositivos adotados.
No que concerne às oficinas de formação poder-se-ão considerar três tipos de sessões de formação:
(a) “sessão presencial conjunta”; (b) “sessão online síncrona” e “sessão online assíncrona” (CCPCF, 2016,
ponto 2, número 1). A duração mínima de uma oficina de formação é de 12 horas enquanto a sua duração
máxima é de 50 horas presenciais, É de salientar que por cada hora presencial são contabilizadas duas horas
de formação, sendo uma de trabalho autónomo. As oficinas de formação só podem funcionar se existir um
número mínimo de cinco formandos e um número máximo de vinte formandos.
Esta modalidade de formação terá que articular conhecimentos teóricos e a sua aplicação prática.
Para que este processo se desenvolva harmoniosamente terão que ser seguidos os seguintes passos
sequenciais:
a. sessões presenciais conjuntas, para enquadramento teórico e/ou normativo-legal, elaboração de
metodologias e/ou de instrumentos e materiais pedagógico-didáticos e organização do desempenho
dos/as formandos/as por referência a essas metodologias e/ou instrumentos e materiais;
b. trabalho autónomo para concretização no terreno – em contexto de escola e/ou de sala de aula – das
decisões, estratégias e técnicas estabelecidas e aplicação, bem como aferição inicial dos resultados
desta, dos materiais e recursos gizados no passo anterior; essa concretização e tal aplicação devem
ser acompanhadas de um registo capaz de vir a sustentar uma reflexão consistente e de gerar, na
fase subsequente, uma discussão dos resultados obtidos;
c. sessões presenciais conjuntas, para apresentação dos resultados obtidos pelos/as diversos/as
formandos/as e, desta maneira, produzir sínteses rigorosas, convenientemente sistematizadas e
capazes de consolidar desempenhos subsequentes que se revelaram eficazes (CCPFC, 2016, ponto
2, número 5).
É preconizada a existência de oficinas de formação em regime b-learning em que pelo menos um
terço das horas deve ser realizado presencialmente e as horas de formação online assíncronas não podem
exceder um terço do total das horas das sessões presenciais (cf. CCPFC, 2016, ponto 2, número 6).
Em qualquer modalidade formativa, uma ação de formação a distância, só pode ser reconhecida pelo
CCPFC se existirem vantagens comprovadas para os formandos e estes não podem exceder mais de quinze
por formador (CCPFC, 2016, ponto 8, número 6).

383
A Escola: Dinâmicas e Atores

A avaliação dos formandos é da responsabilidade do formador e orienta-se por princípios de rigor e


de transparência. Na primeira sessão de formação é dado a conhecer os formandos os instrumentos,
processos e os critérios de avaliação (cf. Despacho n.º 4595/2015, artigo 4º).
Para que o trabalho dos formandos possa ser avaliado deverá ser tido em consideração: a) a
assiduidade de um mínimo de dois terços do tempo previsto para as sessões presenciais e/ou online, muito
embora esta não seja considerada um parâmetro de avaliação e b) o formando terá que elaborar pelo menos
um trabalho individual, apresentado sob a forma escrita.
As ações de formação são avaliadas pelos formandos, pelos formadores e pela entidade formadora,
de modo a “permitir a análise da sua adequação aos objetivos definidos e da sua relevância para a melhoria
do ensino e dos resultados escolares dos alunos, para o desenvolvimento profissional dos docentes e para a
melhoria organizacional das escolas” (Despacho n.º 4595/2015, artigo 3). Compete à Direção do CFAE a
definição do modo e dos critérios de avaliação das ações de formação, tendo em consideração: “a) a
adequação às prioridades de formação definidas; b) o funcionamento da ação de formação; c) os resultados
alcançados e d) os impactos a registar” (Despacho n.º 4595/2015, artigo 3).

PROCESSO INVESTIGATIVO
Caracterização das Ações de Formação
No presente estudo analisamos os dados recolhidos ao longo de anos escolares de 2013-2014, 2014-
2015 e 2015-2016, nas diferentes ações de formação de docentes, que ocorreram num Centro de Formação
Contínua de professores da DSRLVT (Direção de Serviços Região de Lisboa e Vale do Tejo). O público-alvo
são os docentes que participaram em ações de formação promovidas por este Centro de Formação. Na última
sessão de cada uma das ações de formação (cursos de formação e oficinas de formação) é aplicado um
inquérito (DGRHE, 2010) a cada um dos formandos.

Análise e interpretação de dados


Ao analisarmos a Figura 1 verificamos ao longo dos anos escolares 2013-2014, 2014-2015 e 2015-
2016 da existência de 70, 67 e 62 ações de formação distribuídas pelas diferentes áreas de formação
(Decreto-Lei 22/2014, artigo 5º). Constatamos que a “área de docência, área de conhecimento que constituem
matérias curriculares” é onde se situa a maioria das ações de formação realizadas. Muito embora no ano de
2015-2016 se verifique uma preocupação de distribuir as ações de formação realizadas pelas diferentes
áreas. Pelos dados recolhidos sabemos que frequentaram 1211, 1241 e 1137 formandos em cada um dos
três anos escolares (2013-2014, 2014-2015 e 2015-2016) respetivamente.

384
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

35 32
30
30
25
20
15
15 12 13 12
10 10 10 11
10 9
6 5 6 7 5
5 4
0 1 1 0
0
a) Êrea da b) Prática c) Formação d) Administração e) Liderança, f) Formação ética g) Tecnologias da
docência, ou seja, pedagógica e educacional geral escolar e coordenação e e deontológica informação e
áreas do didática na e das administração supervisão comunicação
conhecimento, que docência, organizações educacional pedagógica aplicadas a
constituem designadamente a educativas didáticas
matérias formação no específicas ou à
curriculares nos domínio da gestão escolar
vários níveis de organização e
ensino gestão da sala de
aula
2013-2014 2014-2015 2015-2016
Figura 1 - Número de Ações de Formação de acordo com as áreas de formação
Pela análise realizada à Figura 2 verificamos uma mudança de paradigma no financiamento das
ações de formação. Constatamos que no ano escolar de 2015-2016 houve um incremento das ações de
formação gratuitas, existindo somente 10 ações de formação custeadas na sua totalidade pelos formandos.
Pelos dados recolhidos temos consciência que a maioria dos professores formandos se encontra a lecionar
nas escolas públicas associadas do Centro de Formação.
20
19
18

16 15 15
14
14 13
12 11
10
10 9 9
8 7
6
6 5 5 55 5
4 4 4 44 4
4 3 3 3 3
2 2 2
2 1 11 1
00 0 00 0 0
0
Gr a t u i t a Fi n a n c i a d a Gr a t u i t a Fi n a n c i a d a Gr a t u i t a Fi n a n c i a d a Gr a t u i t a Fi n a n c i a d a Gr a t u i t a Fi n a n c i a d a Gr a t u i t a Fi n a n c i a d a Gr a t u i t a Fi n a n c i a d a
form andos form andos form andos form andos form andos form andos form andos

a) b) c) d) e) f) g)

2 0 1 3 -2 0 1 4 2 0 1 4 -2 0 1 5 2 0 1 5 -2 0 1 6
Figura 2 – Formas de financiamento das ações de formação
Ao analisarmos a Figura 3 atestamos que grande parte dos formandos são professores pertencentes
aos Quadros de Agrupamentos ou Quadros de Escola e este dado mantem-se ao longo destes anos
escolares. Verificamos ainda a existência de formandos que referem a existência de se encontrarem em outra
situação para além das identificadas (Quadro de Agrupamento ou Escola não agrupada, Quadro de Zona
Pedagógica ou professor Contratado a Termo Certo). Alguns formandos referem que se encontram
desempregados, declarando ainda que desejam atualizar conhecimentos, para deste modo terem uma
ligação profícua à problemática da educação e à prática letiva realizada nas escolas.

385
A Escola: Dinâmicas e Atores

700
590
600 563 578

500

400
195
307
300 264 173
119 137
171 186
200
116
100 67
34 26
0
Docente no Docente no Docente do Docente Outra
Quadro de Quadro da Quadro da Contratado
Agrupamento Escola Zona
2013-2014 2014-2015 2015-2016

Figura 3 – Situação profissional dos formandos


Pela análise da Figura 4 constatamos a existência de professores que afirmaram lecionar dois níveis
de ensino. Esta afirmação não foi feita pelos professores formandos no ano escolar 2013-2014, por este
motivo emergiram três novos indicadores nos anos escolares de 2014-2015 e 2015-2016: lecionação dos 1º
e 2º Ciclos do Ensino Básico, dos 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico e 3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino
Secundário. Apuramos dois indicadores moda no que se referem aos formandos que afirmam lecionar o 3º
ciclo do Ensino Básico e o Ensino Secundário, no ano escolar de 2013-2014. Numa análise mais apurada
aferimos que a quase totalidade destes professores nos anos escolares de 2014-2015 e 2015-2016 passaram
a lecionar dois níveis de ensino. Constatamos ainda a existência de um grupo de formandos que lecionam
diversos níveis de ensino.
600
513
500 481

400 340
311
275
300
169 240 244
187
102 168 178 170
200 142 140
102
39 20
100 61 18
10 27 18
0 0 0 4
0
Pré-escolar 1º Ciclo 2º Ciclo 1º e 2º 2º e 3º 3º Ciclo Secundário 3º Ciclo e Diversos
Ciclos Ciclos Ensino Ciclos de
Secundário Ensino (EE e
EMRC)
2013-2014 2014-2015 2015-2016

Figura 4 – Níveis de lecionação dos formandos


Ao observarmos a Figura 5 constatamos que um dos indicadores mais assinalados pelos formandos
é a sua necessidade de atualizar conhecimentos no domínio em que frequentam a ação de formação. É
relevante a consciência de a formação ser um dos indicadores para a avaliação do seu desempenho docente
e ainda para a progressão na carreira. É de notar a referência à necessidade dos professores formandos
afirmarem que se encontram a realizar formação para melhor desempenharem funções ou cargos atribuídos
na organização de pertença.
No final de cada ação de formação, cada um dos formandos responde a um questionário para avaliar
a formação recebida considerando os seguintes domínios: A.1. avaliação geral da ação; A.2. avaliação dos

386
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

formadores: conhecimentos/ conteúdos e exposição; A.3. organização da ação pelo centro e B – apreciação
global. Foi utilizada uma escala de Likert, em que o nível um significa mau e o nível quatro significa excelente.
Decidimos apresentar somente os valores em percentagem pertencentes aos níveis três e quatro dado que
os valores tocantes aos níveis um e dois são residuais.
900
801
800 714 735
700
600 531
500 436 434 436
400
300 257 2 2 7 215
201 182
200 131
78
100 43 3 2 37
0
0
Avaliação do Progresso na Competências Exercício de Atualização de Outros Motivos
Desempenho Carreira Digitais Funções / Conhecimentos
Docente Cargos

2013-2014 2014-2015 2015-2016

Figura 5 – Motivação para a frequência das ações de formação por parte dos formandos
Ao observarmos o Quadro I verificamos que os valores pertencentes ao ano escolar de 2015-2016
sofreram uma melhoria no que se refere ao nível quatro, tendo sido transposta a opção do nível três para o
nível quatro em comparação com os dados obtidos no ano escolar 2013-2014. Notamos ainda uma curva se
considerarmos os três anos escolares. Reconhecemos que o indicador moda se situa ao longo dos três anos
na “relação dos formadores com o grupo de formandos”. Atestamos ainda que o indicador “os objetivos
propostos foram cumpridos” foi o indicador que registou o maior aumento de percentagem no que concerne
ao nível quatro.
2013 – 2013 – 2014 – 2014 – 2015 – 2015 –
2014 2014 2015 2015 2016 2016
Nível 3 Nível 4 Nível 3 Nível 4 Nível 3 Nível 4
% % % % % %
1. Os objetivos propostos foram cumpridos 15,7 61,0 25,8 62,4 16,9 82,3
2. A metodologia foi adequada aos participantes 17,2 58,8 27,3 60,0 20,0 76,2
3. Os trabalhos práticos propostos apresentaram
17,7 57,4 24,1 62,8 20,8 77,9
coerência
4. A gestão dos recursos foi adequada 21,7 54,5 26,5 62,1 22,5 74,4
5. O espaço em que decorreu a ação foi adequado 21,3 52,0 27,7 58,5 25,2 71,0
6. O equipamento informático foi adequado 20,4 55,4 23,4 65,7 21,5 74,0
7. Relação dos formadores com o grupo de formandos 6,9 70,2 15,0 73,8 11,3 87,8
8. A ação de formação veio ao encontro das
16,9 57,8 25,4 60,5 27,1 69,5
necessidades de formação
9. As competências adquiridas vão ter impacto na
19,7 55,6 27,6 58,5 28,0 68,0
atividade profissional
10. Após esta formação irei utilizar mais as TIC nos
19,2 55,8 26,2 60,2 26,7 69,6
processos de ensino e aprendizagem
Quadro I – Avaliação geral das ações de formação realizadas ao longo dos anos escolares de 2013-2014 a
2015-2016
No Quadro II verificamos que o indicador moda se regista na afirmação que o formador demonstrou
dominar os conteúdos ao longo dos três anos escolares.
Constatamos que a opinião dos formandos melhorou ao longo dos três anos escolares, o que nos
leva a inferir da melhoria da formação.
Constatamos que ao longo dos anos o indicador “houve aprofundamento dos temas” é o indicador
que regista menor percentagem de respostas nos níveis três e quatro. Esta apreciação dos formandos

387
A Escola: Dinâmicas e Atores

mantém-se, uma vez que se mantém também o número de horas de formação ao longo dos anos escolares.
Poderemos deduzir que mesmo realizando um diagnóstico dos conhecimentos e capacidades possuídas
pelos formandos, os formadores não podem aprofundar as temáticas e até mesmo utilizar conceitos mais
complexos dada a heterogeneidade formativa do grupo em formação e o tempo de que disponível não
aumenta, nem a modalidade da ação de formação foi alterada de modo a que o formando tenha um maior
número de horas formativas.
Se somarmos as frequências de ocorrências do nível 3 com as do nível 4 verificamos que todas se
encontram acima de 75%.
2013 – 2013 – 2014 – 2014 – 2015 – 2015 –
2014 2014 2015 2015 2016 2016
Nível 3 Nível 4 Nível 3 Nível 4 Nível 3 Nível 4
% % % % % %
1. Os conteúdos foram adequados 13,0 62,8 20,6 67,3 15,4 82,9
2. Houve aprofundamento dos temas 42,1 45,1 36,3 47,3 27,1 63,0
3. A articulação dos diferentes conteúdos temáticos
29,6 57,7 25,4 60,2 20,9 71,1
foi concretizada
4. O formador demonstrou dominar os conteúdos
11,0 88,1 10,0 79,4 7,1 85,9
tratados
Quadro II - Avaliação dos formadores no que se refere aos conhecimentos/conteúdos das ações de
formação realizadas ao longo dos anos escolares de 2013-2014 a 2015-2016
O Quadro III verificamos uma subida no registo da frequência de ocorrências ao longo dos três anos
escolares. O indicador moda mantem-se ao longo dos três anos escolares “a linguagem utilizada foi clara e
assertiva”.
2013 – 2013 – 2014 – 2014 – 2015 – 2015 –
2014 2014 2015 2015 2016 2016
Nível 3 Nível 4 Nível 3 Nível 4 Nível 3 Nível 4
% % % % % %
1. A linguagem utilizada foi clara e assertiva 6,3 69,0 16,6 71,2 11,5 82,5
2. A adaptação do discurso aos destinatários/
10,5 66,3 17,3 70,7 12,0 81,5
finalidades foi conseguida
3. Houve capacidade para esclarecer as dúvidas
9,2 68,1 16,6 71,2 11,5 80,9
surgidas
Quadro III - Avaliação dos formadores no que se refere à exposição dos conteúdos nas ações de formação
realizadas ao longo dos anos escolares de 2013-2014 a 2015-2016
No Quadro IV verificamos uma melhoria na avaliação realizada pelos formandos ao longo dos anos
escolares, muito embora a linha de tendência se mantenha no que respeita à organização da ação de
formação pelo Centro de Formação. Apuramos que o indicador moda se situa no “atendimento dos formandos
foi eficiente”. No entender dos formandos o trabalho realizado pelo Centro de Formação melhorou no que se
refere à oportunidade da divulgação/informação da ação, do ajustamento da calendarização às necessidades
dos formandos, assim como à eficiência do atendimento.
2013 – 2013 – 2014 – 2014 – 2015 – 2015 –
2014 2014 2015 2015 2016 2016
Nível 3 Nível 4 Nível 3 Nível 4 Nível 3 Nível 4
% % % % % %
1. A divulgação/ informação foi oportuna 19,8 53,9 24,4 63,6 22,2 69,6
2. A calendarização foi ajustada 22,6 50,0 30,9 52,5 24,2 65,1
3. O atendimento aos formandos foi eficiente 16,3 60,0 20,3 68,8 15,9 77,7
4. O material entregue respodeu às necessidades 19,7 53,5 26,0 61,7 20,0 70,3
Quadro IV – Organização da ação pelo centro de formação no que se refere às ações de formação
realizadas ao longo dos anos escolares de 2013-2014 a 2015-2016
Na Figura 6 verificamos que os formandos respondentes avaliaram globalmente de forma positiva a
ação de formação em que participaram. Somente 0,7% dos formandos, no ano escolar de 2014-2015, avaliou

388
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

de forma negativa as ações de formação em que participou, ao analisarmos as respostas constatamos, que
os professores que avaliam desta forma referem na resposta aberta apresentada no questionário, os motivos
da sua avaliação: ausência de relação pedagógica entre formador e formando; ausência de articulação entre
os diferentes formadores e pouco aprofundamento de conteúdos.
Verificamos ainda um aumento da frequência de ocorrências no que se refere ao nível Excelente no
ano de 2015-2016.

50
45,3 45,0
45
40 36,8 38,1
36,1
35
30 28,2
25
20
15 12,5
10 8,8
6,2
4,1 2,7
5 0,7 1
0 0
0
Fraca Satisfatória Boa Muito Boa Excelente

13/ 14 14 /15 15 /16

Figura 6 – Apreciação Global

CONCLUSÃO
Neste estudo longitudinal verificamos que os formandos que mais frequentam as ações de formação
neste centro de formação são professores dos Quadros de Agrupamentos ou de Escolas não Agrupadas,
necessitando de atualização de conhecimentos. É interessante verificar que a maioria das ações de formação
se situa na área “a) Área da docência, ou seja, áreas do conhecimento, que constituem matérias curriculares
nos vários níveis de ensino”.
Constatamos a existência de uma mudança de paradigma em que o CFAE conseguiu oferecer aos
formandos formação gratuita ao invés dos anos escolares 2013-2014 e 2014-2015, em que a maioria das
ações de formação era custeada pelos formandos. Este procedimento é possível devido à existência de
projetos internacionais, de formadores pro bono e de parcerias com diversas entidades.
Atestamos que as opiniões dos formandos melhoraram significativamente no que respeita aos
diversos indicadores nos diferentes domínios ao longo dos anos escolares a que se refere o presente estudo.

REFERÊNCIAS
Decreto-lei 22/2014, de 11 de fevereiro.
DGRHE (2010). Ficha de avaliação da Ação de Formação (enviado por mail aos CFAE’s).
CCPFC (2016). Regulamento para acreditação e creditação de acções de formação contínua. In
http://www.ccpfc.uminho.pt/uploads/Regulamento%20de%20Modalidades%20de%20Forma%C3%A
7%C3%A3o.pdf (acedido em novembro 2016).
Despacho n.º 4595/2015, 6 de maio de 2015.

389
A Escola: Dinâmicas e Atores

FORMAÇÃO CONTINUA DE PROFESSORES: AÇÕES DE CURTA DURAÇÃO EM


CONTEXTO
[ID 97]

Maria Prazeres Casanova


Adelaide Paredes da Silva
LE@D – Universidade Aberta; AlmadaForma
mcasanova@lead.uab.pt; adelaideparedessilva@gmail.com

Resumo
As Ações de Curta Duração (ACD) encontram-se consignadas no Despacho n.º 5741/2015, de 29 de maio.
Os professores podem participar em ações de formação de curta duração relacionadas com o exercício
profissional, as quais têm uma duração mínima de três horas e máxima de seis horas. Estas ações são
reconhecidas pelo conselho de diretores da comissão pedagógica do Centro de Formação Associação de
Escolas.
Os professores participam em ações de formação relacionadas com o exercício profissional docente. Os
professores participam em seminários, conferências, jornadas temáticas e outros eventos de cariz científico
e pedagógico de forma voluntária tentando dar resposta às suas necessidades formativas. As Ações de Curta
Duração constituem uma resposta atempada e eficaz às necessidades de formação diagnosticadas nas
diferentes Escolas Associadas ao Centro de Formação.
A presente comunicação tem por objetivos:
1. Identificar as áreas de formação reconhecidas comissão pedagógica no ano letivo 2015/2016.
2. Identificar o número de formandos participantes nas Ações de Curta Duração.
3. Inferir das necessidades de formação de professores considerando as Ações de Curta Duração
reconhecidas.
A metodologia utilizada é de caráter quantitativo, foram utilizados dois inquéritos, de resposta fechada em
escala de likert, aplicados aos formandos-docentes em formação nas ações de formação de curta duração.
Analisaremos os dados recolhidos relativamente às ações realizadas no centro de formação, considerando
as diferentes áreas/domínios, modalidades, do Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores (cf.
Decreto-Lei 22/2014).
Em jeito de conclusão constatamos a existência de 36 ações de curta duração, no ano letivo de 2015/2016,
nas quais participaram 790 formandos. Na sua maioria as ações de curta duração tiveram a duração de 3
horas em diferentes domínios. Podemos inferir das necessidades de formação evidenciadas pelos
professores e pelas diversas escolas associadas considerando as Ações de Curta Duração reconhecidas pelo
Centro de Formação Associação de Escolas. Os diferentes planos de formação dos agrupamentos de
escolas/escolas não agrupadas constituem, no seu conjunto, o plano de ação e de atividades de cada Centro
de Formação de Associação de Escolas – Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua, no que
concerne a um território educativo geograficamente determinado pelo Ministério de Educação.

Palavras-chave: Centro de Formação de Associação de Escolas, Necessidade de formação, Ações de Curta


Duração.

Resumé
Les Actions à Court Terme sont consacrées dans la loi 5741/2015 du 29 mai. Les enseignants peuvent
participer à des actions de formation à court terme liées à leur pratique professionnelle. Ces actions ont une
durée minimale de trois heures et un maximum de six heures. Ces actions sont reconnues par le conseil de
directeurs qui intègre la commission pédagogique du Centre de Formation d’Association d’Écoles (CFAE).
Les enseignants participent à des activités de formation liées à l'exercice de la pratique professionnelle. Les
enseignants participent à des séminaires, des conférences, des séminaires thématiques et à d’autres
évènements scientifiques et pédagogiques pour répondre à leurs besoins de formation de façon responsable
et autonome. Les actions à court terme sont une réponse efficace et conçue par rapport aux besoins de
formation identifiés dans les différentes écoles associées au Centre de formation, mises en marche tout au
long de l’année scolaire.
Cette communication vise à:

390
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

1. Identifier les domaines de formation reconnus par la commission pédagogique dans l'année scolaire
2015/2016.
2. Identifier le nombre de professeurs/ formants qui participent aux actions à court terme.
3. Inférer des besoins de formation des enseignants tenant en compte les actions à court terme
reconnues et réalisées.
La méthodologie utilisée est le caractère quantitatif. Nous avons utilisé deux enquêtes, de réponse fermée, en
échelle de Likert, appliqués aux enseignants – formands dans des actions de formation à court terme, au
moment de l’évaluation finale.
Nous présentons l’analyse des données recueillies par rapport aux actions à court terme réalisées dans le
centre de formation, tenant en compte les différents domaines et les différentes aires de formation, en accord
avec le régime juridique de la formation continue des enseignants (cf. décret-loi 22/2014).
En conclusion, dans l'année scolaire 2015/2016 ont été réalisées de 36 actions à court terme, ayant comme
participants 790 enseignants. La plupart des ACD a eu une durée de trois heures dans différents domaines.
Nous pourrions en déduire les besoins de formation mis en évidence par les enseignants, et par les différentes
écoles associées compte tenu des actions à court terme reconnus par le CFAE.
Les actions de formation à court terme réalisées constituent une réponse adéquate et contextualisée aux
demandes de formation d’après les diagnostics effectués dans différentes écoles, envisageant la construction
du plan de formation de chaque école/ groupement d’écoles.
Les différents plans de formation des écoles/ groupement d’écoles constituent, dans l'ensemble, le plan
d’action et d’activités de chaque Centre de Formation de Association d’Écoles – CFAE, concernant un territoire
éducatif géographiquement déterminé par le Ministère de l’Éducation Nationale.

Mots-clés: Centre de Formation d’Association d’ Écoles, Besoin de formation, Action à court terme.

INTRODUÇÃO
No seu dia-a-dia e perante as inúmeras solicitações a que a escola tem de dar resposta são
identificadas diversas necessidades de formação de professores em contexto, de forma a poderem ser
ultrapassadas as dificuldades existentes e a vencer desafios colocados sistematicamente às escolas.
O reconhecimento das ações de formação de curta duração são da competência das entidades
formadoras. No caso dos CFAE (Centros de Formação de Associações de Escolas) compete ao Conselho de
Diretores da Comissão Pedagógica o processo de reconhecimento (art.º 19º do Decreto Lei 22/2014), a
pedido do docente que frequentou a ação ou a pedido do diretor da escola onde foi realizada a formação.
A presente comunicação será organizada da seguinte forma: far-se-á um enquadramento tendo em
conta os normativos em vigor, apresentar-se-ão os dados relativos às diferentes ações de formação de curta
duração e serão analisados e interpretados. For fim apresentar-se-á uma pequena conclusão.

ENQUADRAMENTO LEGAL
O Decreto-lei 22/2014 afirma que uma das modalidades de formação são as ações de curta duração,
com uma duração mínima de três horas e máxima de seis horas (artigos 6º e 7º do Decreto-lei n.º 22/2014).
A aprovação e o reconhecimento das ações de formação de curta duração são realizados pelas entidades
formadoras de acordo com o Regulamento Interno. Os diferentes normativos em vigor consideram entidades
formadoras “a) os Centros de Formação de Associações de Escolas (CFAE); b) as instituições de ensino
superior; c) os centros de formação de associações profissionais ou científicas sem fins lucrativos; d) os
serviços centrais do Ministério da Educação e Ciência; e) outras entidades públicas, particulares ou
cooperativas, sem fins lucrativos, acreditadas para o efeito” (Decreto-lei n.º 22/2014 no se artigo 10º e no
Despacho n.º 5741/2015 no seu artigo 2º).
O Decreto-Lei 22/2014 apresenta sete áreas em que as ações de formação contínua podem ser
agrupadas

391
A Escola: Dinâmicas e Atores

a) área da docência, ou seja, áreas do conhecimento, que constituem matérias curriculares


nos vários níveis de ensino; b) prática pedagógica e didática na docência, designadamente
a formação no domínio da organização e gestão da sala de aula; c) formação educacional
geral e das organizações educativas; d) administração escolar e administração educacional;
e) Liderança, coordenação e supervisão pedagógica; f) formação ética e deontológica; g)
tecnologias da informação e comunicação aplicadas a didáticas específicas ou à gestão
escolar (artigo 5ª).
No que se refere aos Centros de Formação de Associação de Escolas as ações de formação de curta
duração são da competência do conselho de diretores da comissão pedagógica, assim como assegurar da
sua qualidade e adequação e ainda proceder à sua certificação de acordo com o Regulamento Interno
previamente aprovado e onde deverão estar definidos os critérios de certificação e ainda a duração efetiva
do respetivo programa da ação (cf. Decreto-Lei n.º 127/2015).
O Despacho n.º 5741/2015, no seu artigo 5º afirma algumas condições para que as ações de curta
duração possam ser reconhecidas: apresentação de requerimento do interessado ou do diretor do
Agrupamento de Escolas ou Escola não Agrupada onde se realizou a ação à entidade formadora (CFAE)
acompanhado de documento comprovativo de presença e do programa temático da respetiva ação. O
conselho de diretores da comissão pedagógica, para além dos requisitos mencionados no Regulamento
Interno e próprios do contexto em que se insere o CFAE, só poderá reconhecer a ação de formação se se
verificar as seguintes condições: “a) a existência de uma relação direta, científica ou pedagógica, com o
exercício profissional; b) manifestação de rigor e qualidade científica e pedagógica; c) sejam asseguradas por
formadores que, no mínimo, sejam detentores do grau de Mestre” (ponto 2). O conselho de diretores só pode
reconhecer uma única vez a mesma ação “independentemente do formador, local ou ano de realização”
(ponto 4). As ações que se inserem em campanhas promocionais ou publicitárias não podem ser
reconhecidas pelo conselho de diretores.
Podem ser integradas no plano de formação elaborado e aprovado pelo CFAE as ações de curta
duração consideradas pertinentes, mesmo após a sua aprovação (art.º 23º do Decreto-Lei n.º 127/2015).
Poderemos inferir que a inserção no plano de formação diz respeito às ações de formação de curta duração
realizadas numa das escolas associadas do Centro de Formação e não às ações que a título individual os
professores possam fazer e solicitar o seu reconhecimento para os efeitos previstos no Estatuto da Carreira
dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (Decreto -Lei n.º 139 -A/90)
mormente, de progressão na carreira e de avaliação do desempenho docente (Decreto Regulamentar n.º
26/2012).
As ações de curta duração podem revestir a forma de conferências, seminários, palestras, mesas-
redondas, simpósios, painéis, fóruns, ciclo de palestras, jornadas ou outra atividade formativa de natureza
científica, pedagógica ou didática recorrendo a diversas metodologias (cf. Decreto-Lei n.º 127/2015), as quais
terão que possuir uma relação direta com os conteúdos “científicos integrados nos curricula do grupo de
recrutamento ou de lecionação do docente em causa” (Despacho n.º 5741/2015, artigo 5º, ponto 6). É de
destacar que o Despacho n.º 5741/2015 não refere que as ações de curta duração poderão ser de natureza
didáctica tal como é referido no Decreto-Lei n.º 127/2015.
Uma das competências da secção de formação de cada um dos centros de formação é propor a
organização de ações de formação de curta duração (artigo 16º do Decreto-Lei n.º 127/2015).
De modo a preencher os requisitos para a avaliação do desempenho docente e para a progressão na
carreira, a frequência destas ações de formação tem como limite um quinto do total de horas de formação
obrigatória no respetivo escalão ou ciclo avaliativo.

392
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

É competência do Centro de Formação de Associação de Escolas criar instrumentos de avaliação e


monitorização das ações de formação realizadas, assim como proceder ao tratamento de dados, divulgar os
resultados e ainda utilizá-los como elemento regulador da oferta formativa. É de salientar que o Decreto-Lei
127/2015 refere como um dos princípios orientadores pelos quais se devem reger os CFAE (Centro de
Formação de Associação de Escolas) a necessidade de ser avaliado o efeito forte provocado pela frequência
das ações de formação e os efeitos que as mesmas tiveram no modus faciendi dos professores e na
aprendizagem dos alunos (artigo 6.º).
O Despacho n.º 5741/2015 afirma que as instituições de ensino superior, os centros de formação de
associações profissionais ou científicas sem fins lucrativos e os serviços centrais do Ministério da Educação
e Ciência podem dispensar o reconhecimento das ações de formação de curta duração assim como a
apresentação de requerimento do formando e demais documentação (artigo 6º).
A certificação das ações de formação de curta duração processa-se pela “emissão de um certificado
autenticado pela entidade formadora no qual devem constar o nome do formando, a designação da ação, o
local e data de realização, o número de horas, o nome da entidade ou entidades promotoras e o nome e grau
académico do formador ou formadores envolvidos” (Despacho n.º 5741/2015 no seu artigo 7º, ponto 1).
Quando as ações de curta duração são da responsabilidade das instituições de ensino superior, dos centros
de formação de associações profissionais ou científicas sem fins lucrativos ou dos serviços centrais do
Ministério da Educação e Ciência, compete ao Diretor do Agrupamento de Escolas ou de Escola não
Agrupada a sua validação depois de observados todos os requisitos legais para efeitos previstos no Estatuto
da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário.

A FORMAÇÃO EM CONTEXTO NO QUADRO DAS AÇÕES DE CURTA DURAÇÃO


Compete à Comissão Pedagógica do CFAE elaborar o questionário a aplicar para avaliação das
ações de formação. Nesse sentido foi elaborada um instrumento de recolha de dados com os seguintes
indicadores: respostas às expetativas; pertinência dos assuntos tratados; os materiais utilizados foram
suficientes e adequados; a duração da ação esteve adequada; a metodologia utilizada foi adequada; os
oradores foram claros na comunicação; o horário foi adequado e adequação das instalações/espaço da
formação. Foi ainda usada uma escala com cinco níveis, sendo o um o menor e o cinco o maior.
Com base na recolha de dados realizada a partir dos questionários de inscrição dos formandos na
ação de formação e de avaliação de cada uma das Ações de formação realizadas apurámos que no ano
escolar de 2015-2014 foram planificadas trinta e seis ações de curta duração, e destas somente duas não
foram realizadas, o que perfaz uma taxa de execução de 94,44%. As ações de formação de curta duração
realizadas encontram-se distribuídas por seis áreas de formação, de acordo com o artigo 5º do Decreto-Lei
22/2014, como poderemos verificar na Figura 1. Participaram setecentos e noventa formandos nas diferentes
ações de formação de curta duração, oriundos de treze agrupamentos de escolas associadas ao Centro de
Formação.
Ao analisarmos as diferentes áreas de formação, constatamos que relativamente à área “formação
educacional geral e das organizações educativas” não existe qualquer ação de formação realizada.
Verificamos que a “área da docência, ou seja, áreas do conhecimento, que constituem matérias curriculares
nos vários níveis de ensino” é a que regista um maior número de ações desenvolvidas, contudo é na área

393
A Escola: Dinâmicas e Atores

“administração escolar e administração educacional” que regista a maior frequência de formandos que
participaram nas dez ações de formação realizadas.
Ao identificarmos a média aritmética entre o número de ações desenvolvidas e o número de
formandos constatamos que na área “prática pedagógica e didática na docência, designadamente a formação
no domínio da organização e gestão da sala de aula” se realizaram somente três ações de formação, mas é
nesta área que se regista em média o maior número de formandos participantes.
300 297
250 221
200
150 136
100 51 54
0 31
50 12 10 6
3 0 1 2
0
a) Área da b) Prática c) Formação d) Administração e) Liderança, f) Formação ética e g) Tecnologias da
docência, ou seja, pedagógica e educacional geral e escolar e coordenação e deontológica informação e
áreas do didática na das organizações administração supervisão comunicação
conhecimento, que docência, educativas; educacional pedagógica aplicadas a
constituem designadamente a didáticas
matérias formação no específicas ou à
curriculares nos domínio da gestão escolar
vários níveis de organização e
ensino gestão da sala de
aula

Número de ações realizadas Número de formandos

Figura 1 - Número de formandos participantes nas diferentes áreas de formação


Ao analisarmos a Figura 2 constatamos que a maioria dos formandos participantes nas diferentes
ACDs pertencem ao Quadro de Agrupamento ou ao Quadro de Escola, muito embora só exista uma escola
não agrupada pertencente ao CFAE. Pela análise que efetuámos nem todos os formandos que assumem ser
Quadro de Escola pertencem à Escola não Agrupada, o que significa que os professores assumem ainda a
sua pertença a uma escola específica e não ao agrupamento de pertença.

400 376
350
300
250
185
200
150 96 90
100
43
50
0
Docente no Quadro Docente no Quadro Docente do Quadro Docente Contratado Outra Situação
de Agrupamento da Escola da Zona

Figura 2 - Situação profissional dos formandos


Observamos que o indicador moda, na Figura 3, se regista na Educação Pré-escolar como sendo o
nível de lecionação dos formandos participantes, seguido do indicador que revela a lecionação do 1º ciclo do
Ensino Básico. Constatamos ainda que 208 professores lecionam mais do que um nível de ensino, sendo que
vinte e cinco lecionam todos os níveis de ensino.

394
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Poderemos inferir da enorme dispersão de trabalho desenvolvido por estes professores e por esse
motivo a sua necessidade de formação atualizada para que possam desenvolver as atividades e cargos
atribuídos com muito profissionalismo.

160
135 133
140 123
114 109
120
100
77
80
60
38 36
40 25
20
0
Edu. Pré- 1º Ciclo do 2º Ciclo do 1º e 2º 3º Ciclo do 2º e 3º Ensino 3º ciclo do Todos os
escolar E.B. E.B. ciclo do E. E.B. ciclo do Secundário E.B. e níveis de
B. E.B. Ensino ensino
Secundário

Figura 3 - Nível de lecionação dos formandos


O grau académico de licenciatura é referido por quatrocentos e noventa e quatro dos formandos. É
de salientar que duzentos e oitenta e nove possuem uma especialização ao nível de uma pós graduação,
mestrado ou doutoramento. Poderemos ainda referir que existem sete formandos que possuem outra
formação académica.

600
494
500

400

300

200 161
120
100
8 7
0
Licenciatura Pós- graduação Mestrado Doutoramento Outro

Figura 4 - Grau académico dos formandos participantes nas diferentes ações de formação
Pela análise efetuada à Figura 5 verificamos que seiscentos e nove formandos referem a
necessidade de atualização de conhecimentos como o motivo para a frequência da ACD. É interessante
constatar que duzentos e doze formandos referem que a avaliação do desempenho docente os impele a
participarem em ações de formação e ainda a necessidade de saber mais para o exercício de funções e/ou
cargos. Atestamos que duzentos e oitenta e seis formandos referiram mais do que um motivo para a sua
frequência.

395
A Escola: Dinâmicas e Atores

700 609
600
500
400
300 212
200 160
84
100 11
0
Avaliação do Progresso na Carreira Competências Exercício de Funções Atualização de
Desempenho Digitais / Cargos Conhecimentos
Docente

Figura 5 - Motivação para frequência da ACD


Verificamos que o número de respondentes ao inquérito de avaliação da ACD foi de seiscentos e
setenta e quatro e nem todos os formandos responderam a todos os indicadores.
Ao analisarmos globalmente a Figura 6 verificamos que os formandos avaliaram a ação em que
participaram de forma muito positiva. Se somarmos as respostas que identificaram o nível 4 e o nível 5
atestamos que se situam num intervalo de quinhentas e sessenta e seiscentas e treze respostas, de um
universo de seiscentos e setenta e quatro respondentes. Não se verifica nenhuma resposta de nível um para
qualquer dos indicadores, registando-se somente no nível 2, quatro respostas no indicador a duração da ação
esteve adequada e três respostas no indicador adequação das instalações/espaço da formação.
500
443
450 417 395
368 399
368
400 358
350 320

300 245 229 214 240


250 194 216
200
165
200
150
79 67 60 71
100 56 47 48 59
50
0 0 1 1 1 1 3
4
0
ão
ão
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O

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eq
ia
er

Ad
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M
s
O

Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5

Figura 6 - Avaliação das ações de formação por parte dos formandos

396
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

EM JEITO DE CONCLUSÃO
Até à publicação do Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores as ações de formação
frequentadas voluntariamente pelos docentes sob a forma de seminários, conferências, jornadas temáticas e
outros eventos de cariz científico e pedagógico não eram consideradas para efeito do Estatuto da Carreira
dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (Decreto -Lei n.º 139 -A/90)
mormente, de progressão na carreira e de avaliação do desempenho docente (Decreto Regulamentar n.º
26/2012).
Neste contexto os normativos em vigor apresentam um quadro para o desenvolvimento da formação
contínua flexível que promovem a liberdade de formação e o desenvolvimento de cada um dos docentes de
acordo com as suas necessidades pessoais e profissionais considerando a sua profissionalidade e o contexto
em que se insere a organização-escola.
As Ações de Curta Duração podem assumir uma de duas vertentes: dar resposta a um problema
muito concreto, dando lugar à partilha de práticas entre formadores e formandos ou poderão revestir-se de
uma primeira abordagem a uma determinada temática de modo a despertar interesse e motivação para a
procura de saber, ou seja para a aprendizagem por parte dos professores formandos.
Em algumas ações de formação a existência de poucos formandos e muitas vezes que já se
conhecem promove a interação entre si, mas também com os formadores. A ocorrência desta interação
promove a partilha de boas práticas que ao serem contextualizadas se renovam e se assumem como práticas
boas no trabalho diferenciado com as diferentes turmas e nomeadamente com os alunos em concreto.
Em jeito de reflexão elaborámos uma pequena análise Swot sobre a experiência realizada na
aplicação das Ações de Curta Duração no CFAE. Assim parece-nos como pontos fortes a considerar a
existência de:
1. diversidade de ações de formação existentes considerando as áreas de formação;
2. contextualização da formação, uma vez que o formador interno é um professor que leciona numa das
escolas associadas do Centro de Formação. O formador pode de forma mais cabal dar resposta aos
problemas detetados, numa lógica de resolução de problemas, promovendo a melhoria do ensino dos
professores, mas também e sobretudo a melhoria das aprendizagens dos seus alunos;
3. resposta útil e atempada, dado ser possível dar uma resposta formativa à necessidade concreta
evidenciada e de forma célere, uma vez que o seu reconhecimento não necessita de ser acreditada
pelo Conselho Científico para a Formação Contínua de Professores (CCFCP), mas pela Comissão
Pedagógica do Centro de Formação;
4. os professores das diferentes escolas associadas com formação especializada, de acordo com o
Decreto-lei 22/2014, podem partilhar o seu saber com os pares da sua escola ou de outras escolas
pertencendo à Bolsa Interna de Formadores do CFAE. Este processo conduz à rentabilização de
recursos especializados existentes nas diferentes áreas do saber.
Como oportunidades consideramos:
1. a possibilidade das Escolas Associadas em colaboração com o Centro de Formação melhorarem a
gestão de recursos humanos especializados atribuindo-lhes horas para integrarem a bolsa interna de
formadores;
2. a possibilidade de a comunidade educativa aceder a novos conhecimentos;

397
A Escola: Dinâmicas e Atores

3. motivação do corpo docente para frequentar as ações de formação dado responder a problemas
concretos de forma muito assertiva;
4. possibilidade de interajuda e aprendizagem mútua entre os participantes na formação dado todos ou
a sua maioria se conhecerem;
5. possibilidade de as ações de formação serem reconhecidas no âmbito do seu desempenho
profissional.
Como pontos fracos das ACDs parece-nos:
1. existência de pouco tempo para aprofundamentos dos conteúdos abordados;
2. somente um quinto do total das horas de formação ser considerado para efeitos de avaliação do
desempenho docente e progressão na carreira.
Parece-nos ainda que poderão existir as seguintes ameaças:
1. a escolha do formador se inadequada;
2. inadequação do horário escolhido;
3. ausência de respostas às expetativas dos formandos.

Pontos Fortes: Pontos Fracos:


• Contextualização • Pouco tempo para aprofundamento
• Diversidade das temáticas
• Utilidade • Somente um quinto do total de horas
• Resolução de problemas concretos de formação contam para o número
de horas de formação acreditada pelo
• Resposta atempada CCFC

Oportunidade: Ameaças:
• Possibilidade de melhorar a gestão de • Escolha do formador inadequada
recursos especializados • Inadequação do horário escolhido
• Acesso a novos conhecimentos • Ausência de respostas às
• Motivação do corpo docente para a expectativas dos formandos
frequência de ações de formação
• Interajuda
• Possibilidade de reconhecimento das
ações de formação frequentadas

Figura 6 - Análise Swot considerando as ações de formação realizadas.


Em suma as Ações de Curta Duração são portadoras de sementes de conhecimento, dado
promoverem o desejo de aprofundamento de novos conteúdos.

REFERÊNCIAS
Decreto-Lei n.º 22/2014, de 11 de fevereiro.
Decreto-Lei n.º 127/2015, de 7 de julho.
Despacho n.º 5741/2015, de 29 de maio.

398
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

REVISITAR OS PEDAGOGOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA EM PORTUGAL


[ID 190]

Luís Castanheira
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança
luiscastanheira@ipb.pt

Resumo
A produção bibliográfica em torno da problemática da Educação de infância (EI) em Portugal não é, ainda
hoje muito significativa. Circunscrevem-se na Literatura Educacional, teóricos preocupados em delinear uma
nova proposta educativa. Uns com o propósito de salvar as almas, através do restabelecimento da disciplina
e do ensino do Cristianismo, outros na tentativa de garantir uma socialização e um consequente domínio das
ciências, letras e instrumentos de produção. De entre os autores que se referem à educação, apenas houve
uma minoria que teceram considerações sobre o período da EI que constitiui o locus deste trabalho.
Tenho como principal objetivo apresentar as principais ideias, teorias e correntes políticas e ideológicas de
pensadores sobre a EI e sobre a organização da sociedade, ao longo da história da Humanidade desde Platão
a Piaget com influência em Portugal. Apresento aqui algumas considerações sobre a EI, desde os alvores até
ao último quartel do século XX em Portugal. É uma viagem no tempo, com omissões e lacunas, fruto de um
défice de conhecimento neste campo de estudo onde identifico e ponho em destaque as principais ideias em
circulação no campo genérico da EI e bem assim identificar os seus principais precursores em Portugal
Definir o tema desta investigação foi sobretudo pensar o objeto e não apenas escolher o assunto. Entende-
se por EI toda e qualquer educação destinada às crianças com idade inferior à idade da escolaridade
obrigatória.
Para a redação deste trabalho procedeu-se, inicialmente, a um levantamento bibliográfico e à localização de
fontes impressas e manuscritas. O acervo bibliográfico não só ajudou à construção de anotações a respeito
do surgimento da Educação de Infância, mas também favoreceu a identificação das lacunas no conhecimento
do objeto e os seus pontos de fragilidade. Depois de delimitado o objeto de estudo e o corpus documental,
procedeu-se à análise de conteúdo. Neste processo, recorreu-se ao método histórico de análise documental
e ao método de análise de conteúdo.
Ao longo da história, a educação de infância em Portugal pôde ser vista sob distintos pontos de vista e houve
sempre aspetos que, de uma forma ou de outra, sempre preocuparam os investigadores. A análise dos factos
objetivos inclui as causas e pode predizer as consequências, ultrapassando-as se nefastas para a sociedade.
Por isso, pode-se sugerir as reformas necessárias à correção das consequências previsíveis, dado o
conhecimento do passado, as repercussões no presente e, evidentemente a predição do futuro.

Palavras-chave: Pedagogos, Educação, Infância.

Résumé
La production bibliographique autour du problème de l’enfance l’Education (IE) au Portugal n’est pas très
importante, même aujourd'hui. Limitée dans la littérature pédagogique, théoriciens concernés avec décrivant
une nouvelle proposition pédagogique. Dans le but de sauver les âmes, en rétablissant la discipline et
l’enseignement du christianisme, d’autres dans le but d’assurer la socialisation et une conséquente en
sciences, lettres et instruments de production. Parmi les auteurs qui se réfèrent à l’éducation, seulement il y
avait une minorité qui fait des hypothèses sur la période de cette constitiui le locus de ce travail.
Ont comme principal objectif de présenter les principales idées, théories et courants politiques et idéologiques
des penseurs sur l’et sur l’organisation de la société, tout au long de l’histoire de l’humanité, de Platon à Piaget
ayant une influence en Portugal. Je vous présente ici quelques considérations pour EI, depuis le début du
dernier quart du XXe siècle au Portugal. C’est un voyage dans le temps, avec les omissions et les lacunes, le
résultat d’un manque de connaissances dans ce domaine d’étude où j’ai identifier et mettre dans les idées
principales dans le domaine générique de EI et identifier ses principaux précurseurs au Portugal
Définir l’objet de la présente enquête a été particulièrement penser à l’objet et pas seulement choisir le sujet.
Il est entendu par toute l’éducation destinée aux enfants sous l’âge de la scolarité obligatoire.
Pour la rédaction de ce travail était, au départ, une enquête bibliographique et l’emplacement des imprimés et
des sources manuscrites. La collection bibliographique non seulement contribué à la construction des notes
au sujet de la montée de l’éducation de l’enfance, mais favorise aussi l’identification des lacunes dans les
connaissances de l’objet et sa fragilité. Une fois défini l’objet de l’étude et le corpus documentaire, analyse de

399
A Escola: Dinâmicas e Atores

contenu. Dans ce processus, méthode historique a servi à documenter les analyses et la méthode d’analyse
de contenu.
Tout au long de l’histoire, l’éducation de l’enfance au Portugal pourrait être vu sous différents points de vue et
il y avait toujours des aspects qui, d’une manière ou d’une autre, toujours inquiètent des chercheurs. L’analyse
des objectifs comprend les causes et peut prédire les conséquences, si préjudiciable à la société. Ainsi, vous
pouvez proposer les réformes nécessaires à la correction des conséquences prévisibles, compte tenu des
connaissances du passé, les répercussions dans le présent et la prédiction du future.

Mots-clés: Enseignants, L’éducation, L’enfance.

OS PRECURSORES DA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA


Muitos autores referiram-se à educação em geral mas não o fizeram relativamente à Educação de
Infância, ou seja ao estudo das crianças antes dos sete anos de idade. Alguns deles criaram modelos pessoais
para a Educação de Infância, embora tais mode-los não fossem necessariamente construídos com base em
teorias do desenvolvimento da criança. Cada um dos modelos desenvolvidos por estes precursores era único,
fruto de um trabalho individual e baseado numa visão particular da infância e dos processos educativos.
Assim, cada um representava um tipo de currículo particular.
Importa considerar que já Platão, discípulo direto de Sócrates (427 - 347 A.C.), propôs que as crianças
pequenas ficassem sob a responsabilidade de pessoas voltadas para a sua educação. Aos três anos, o
Estado tomava conta dos meninos, dirigindo-lhes a educação. Esta, nunca deixava de ser ministrada em
comum e com o objetivo de des-truir os sentimentos e interesses que separassem o indivíduo da ideia de
Estado. Segun-do Platão “dos três aos seis anos, a educação devia ser ministrada em Jardins consistindo
principalmente na prática de jogos”.
Pode então inferir-se que a palavra Jardim-de-infância surge com Platão e que poderá ter sustentado
o conceito de Jardim-de-infância utilizado por Fröebel. Os princípios da Educação de Infância, com a idade
perfeitamente definida para as crianças de três anos foram iniciados por Platão e ainda hoje são válidos.
Platão chegou inclusive a expor programas de Educação de Infância e de organização dos Jardins-de-
infância:
Aos três anos, aos quatro anos, aos cinco anos e até mesmo aos seis anos, os divertimentos
são necessários às crianças. A partir desse momento, é preciso curá-las da moleza,
corrigindo-as, sem lhes infligir, todavia, algum castigo ignominioso (…). Nessa idade, elas
têm jogos que lhes são, por assim dizer, naturais, e que elas descobrem por si mesmas,
quando estão juntas. É por isso que as crianças de cada bairro, dos três aos seis anos, se
juntarão nos lugares que aí são consagrados aos deuses (Leis, livro VII, cit in Gomes, 1967,
p.105).
Aristóteles, em 384-322 A.C., discípulo de Platão, também abordou a questão da educação das
crianças até aos sete anos de idade. Considerava que a atividade educativa devia começar muito antes dos
sete anos de idade, na própria casa dos pais, embora a ordenação das atividades educativas fossem pertença
do Estado. Alertava os pais para que exercessem um controlo sobre a maneira como as crianças passavam
o tempo (Marques, 2001, p.41). Dos cinco aos sete anos, a criança devia aprender a ver, a ouvir e a imitar
sendo, este, o período da imitação.
A preocupação com a educação das crianças antes da idade das aprendizagens formais existe desde
a civilização Grega, acrescentando que “Aristóteles na obra “Política”, ao preconizar o início da escolaridade
formal para os sete anos, reflete sobre a importância dos anos anteriores considerando-os como período
prévio à escolarização”.
Aristóteles distingue dois períodos da vida da criança. Um vai dos dois/três anos até aos cinco anos
e outro dos cinco aos sete anos. Debruça-se mais sobre o segundo período não fazendo referência à

400
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

institucionalização da educação destas crianças e con-siderando fundamental que elas permanecessem na


família, antes do ingresso na escolaridade formal.
Quintiliano (35-95 d.C.) foi um escritor, orador e pedagogo romano do Século I que também estudou
este período da vida da criança. Considerava que esta deveria con-tactar precocemente com algumas normas
elementares, através do jogo, de forma a faci-litar a tarefa que se lhe apresentaria mais tarde. Segundo este
autor, o primeiro cuidado devia dirigir-se à ama que cuida da criança. Esta deve ser de bons costumes e falar
cor-retamente. Encarregar-se-ia de escolher os seus companheiros de brincadeira, logo que a criança, desse
os primeiros passos. A criança deveria aprender intuitivamente através de jogos e de histórias. O autor estava
a referir-se, ainda que de uma forma indireta, às cri-anças antes dos sete anos de idade.
Orígenes (185-253 d.C.), cristão egípcio, sábio e teólogo, opinava que “a educa-ção dos filhos dos
Cristãos continuava a formá-los de acordo com as condições da sua classe social, enviando-os às escolas
oficiais ou particulares, mas dava-lhes, desde pequenos, sólida orientação espiritual no lar sob a assistência
dos ministros religiosos” (Marques 2001, p.53).
São João Crisóstomo, que viveu em Antioquia nos anos de 347 a 411, mais conhecido como o “Boca
de Ouro” devido à sua eloquência, como refere Ramiro Mar-ques (2001), deixou-nos um bom livro de
Pedagogia intitulado: Sobre a Vanglória e a Educação dos filhos, que é uma crítica à vanglória que triunfa em
Antioquia. A má educação dos filhos devia-se à negligência dos pais que não foram capazes de os educar
desde a mais tenra idade para a Moral. Expõe que os pais deviam tomar cuidados com a educação dos seus
filhos de ambos os sexos, mas acrescenta que essa tarefa pertence, em primeiro lugar, à mãe, pelo facto de
passar mais tempo em casa. A responsabilidade da má educação dos filhos é, assim, dos pais que alimentam
a vaidade, o orgulho e o amor pelo luxo. São João Crisóstomo acentua que a educação começa no berço e
as virtudes devem tornar-se hábitos, antes de a criança ter oportunidade de contactar com os vícios.
Este pedagogo deixou-nos uma interessante teoria que, de modo involuntário, ou não, tem muito a
ver com a educação das crianças até aos seis anos de idade. Criou uma alegoria sobre as cinco portas de
entrada do bem ou do mal: o gosto, o ouvido, o olfato, o olhar e o tato. Todas estas portas tinham que ser
bem trabalhadas, começando pela língua da qual devem sair boas palavras,
Erasmo (1466-1536) foi pioneiro na apologia da Educação de Infância, defendendo o início dos
estudos a partir dos três anos de idade, mas sempre no respeito pela maturidade da criança, procurando
adaptar o ensino à personalidade do aprendiz (Marques, 2001, p.96).

O Período Renascentista
Uma das figuras que prestou um enorme contributo à educação de crianças antes dos sete anos de
idade foi João Amos Coménio (1592-1657). Em 1657 apresentou à socie-dade europeia o seu tratado
educacional Didáctica Magna. Nesta obra, enfatiza a impor-tância da economia do tempo em Bases para a
rapidez de ensino, com economia de tempo e de fadiga. Considerada por muitos “A sua obra-prima foi a
Didáctica Magna, talvez, o primeiro tratado completo de Pedagogia a apresentar um método de ensinar tudo
a toda a gente”.
Para Coménio a educação devia ser profundamente Cristã e precoce, ou seja, devia iniciar-se o mais
cedo possível. Organizou a sua didática em quatro períodos con-siderando os anos de desenvolvimento: o
tempo da infância, da puerícia, da adolescên-cia e da juventude, sendo que cada um desses períodos durava
seis anos, uma vez que a escola materna era até aos seis anos. Segundo Coménio a formação do homem

401
A Escola: Dinâmicas e Atores

devia começar bem cedo, pois “Não deve passar-se a vida a aprender, mas a fazer” (Coménio, 1957:128). A
grande modernidade pedagógica de Coménio reside no facto de ter defen-dido que o desenvolvimento
humano segue determinados padrões que evoluem por eta-pas “Infância, puerícia, adolescência e juventude”
(Coménius, 1957, p.410).
Outra personalidade que dedicou especial atenção a esta fase da vida da criança foi Locke (1632-
1704). Da sua obra, podem retirar-se algumas referências sobre as cri-anças antes dos sete anos de idade
ou antes da entrada na escola formal. Só quando a criança começa a desejar ler é que se impõe a
aprendizagem da leitura, através do con-tacto com as fábulas, histórias para crianças e leituras da Bíblia.
Depois de a criança ler bem, é tempo da aprendizagem da escrita. Locke, ao tecer estas considerações estaria
a referir-se ao período que antecede a entrada da criança na escola que se faria por volta dos sete anos de
idade. Segundo Marques, Locke era um pedagogo profundamente reli-gioso, pois defendia que o “menino”
aprendesse de cor o “Pai-nosso, o Credo e os Dez Mandamentos”, devendo repeti-los mesmo antes de saber
ler. Era o ensino doutrinal a fazer-se antes da entrada da criança na escola. Fica-se sem saber se Locke seria
mesmo religioso ou se era apenas o ensino que tinha caraterísticas religiosas. Refere-se às crianças de três
anos pobres, ao defender a existência de casas de trabalho com o objetivo de ocupar as crianças entre os
três e os catorze anos de idade. O objetivo era dar-lhes comida, cuidados de higiene, formação moral e
religiosa, a fim de se poderem tornar trabalhadoras obedientes, diligentes e respeitadoras.
Fénelon (1651-1715) também se preocupou com a Educação de Infância. Inte-ressou-se
essencialmente pela educação dos príncipes e das raparigas. Na obra De L` Éducation des Filles, fez
referência à Educação de Infância ao chamar a atenção para a preparação das crianças para a instrução,
mesmo antes de saberem falar bem.

O Período Iluminista
Durante o período do Iluminismo, no Século XVIII, a educação ocupava lugar de destaque nas
preocupações dos reis, pensadores e políticos. “É o Século pedagógico por excelência” (Luzurriaga, 1989,
p.149). Filosoficamente é o “século das Luzes” e políticamente, é a época do Absolutismo, marcado pelo
advento da industrialização e, con-sequentemente, pela entrada da mulher no mercado de trabalho.
Neste período, destacou-se Jean Jacques Rousseau (1712-1778) que ao delinear a Educação de
Infância ficou considerado como uma das personalidades mais desta-cadas da História da Pedagogia. Apesar
de não ter sido propriamente um Educador, as suas ideias influenciaram muito a educação da modernidade.
Foi ele quem centralizou a questão da infância na educação, evidenciando a necessidade de não considerar
a crian-ça como um homem pequeno, mas um ser que vive num mundo próprio, cabendo ao adulto
compreendê-la. Ao ressaltar esse aspeto, direciona a discussão para o reconheci-mento da necessidade de
ver a infância como um período distinto que apresenta carate-rísticas peculiares, as quais precisam de ser
estudadas e respeitadas. Rousseau chamou à atenção para esse aspeto ao afirmar:
Procuram sempre o homem no menino, sem cuidar no que ele é antes de ser homem. Cumpre, pois,
estudar o menino. Não se conhece a infância; com ideias que se tem dela, quanto mais longe vão mais se
extraviam. A infância, tem maneiras de ver, de pensar, de sentir, que lhe são próprias (Rousseau, 1979,
p.166).
Com as suas ideias naturalistas entendia que a criança devia ser libertada dos pais para ser educada
por precetores. As suas conceções sobre a educação podem ser encontradas, em grande parte, na sua obra

402
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

“Emílio” publicada em 1762. Enfatiza a individualidade do ser humano como marcante nos primeiros anos de
vida. Nessa obra, Rousseau estruturou a educação em cinco partes, de acordo com as diferentes fases a
serem vividas por Emílio – aluno imaginário – desde o seu nascimento até à idade de vinte e cinco anos. Os
dois primeiros livros Emílio foram dedicados à infância. No Livro Primeiro: do nas-cimento aos dois anos,
ressaltou a importância da valorização da infância, do seu desen-volvimento e suas especificidades. O Livro
Segundo: dos dois anos aos doze anos é apresentado como sendo a idade da Natureza, onde ele aborda
questões como o começo da fala da criança, a liberdade ligada ao sofrimento, a Educação na infância, o
homem livre, as atitudes do Educador, as virtudes e a imitação, a ação, o pensamento e entre muitos outros
temas.
Ainda no Século XVIII, no auge da Revolução Francesa, destaca-se a figura de Johann Heinrich
Pestalozzi (1746-1827), considerado o “Educador da humanidade”. Influenciado por Rousseau, preocupou-
se com a formação do homem natural e procurou unir esse homem à sua realidade histórica. Foi quem criou
o método intuitivo em educa-ção (Luzurriaga, 1969), permitindo que Fröebel, como seu discípulo, adaptasse
as suas propostas e ideias à Educação de Infância.
O sistema pedagógico de Pestalozzi tinha como pressuposto básico propiciar à infância a aquisição
dos primeiros elementos do saber, de forma natural e intuitiva. Foi considerado um dos precursores da
Educação Nova que ressaltou a importância da Psicologia na educação e definiu-a em função das
necessidades de crescimento e desenvol-vimento da criança. Há que destacar, também, que o seu projeto
educativo tinha a “Intu-ição” como fundamento básico para se atingir o conhecimento. Para Pestalozzi a
educa-ção fundamentava-se na arte de conduzir as crianças de intuições superficiais e frag-mentárias a
intuições mais claras e distintas.
Apesar de o situar no Século XVIII, é importante destacar que as suas contribui-ções foram uma mais-
valia para a estruturação do pensamento educacional do Século XIX..

A supremacia de Fröebel
Evidencia-se neste trabalho, Fröebel (1782-1852) porque, além de ser a personagem que se destacou
no contributo para o desenvolvimento da Educação de Infância, as suas ideias influenciaram o seu
desenvolvimento no mundo, onde obviamente se inclui Portugal. Trata-se de um Educador protestante alemão
que desenvolveu as suas teorias assentes em pressupostos idealistas inspiradas no amor à criança e à
Natureza. A sua filosofia educativa baseava-se na crença da unidade do mundo. Viu na Reforma da Educação
de Infância a base de qualquer Reforma educativa. Ficou notadamente reco-nhecido pela criação dos
“Kindergartens” (Jardins-de-infância), nos quais destacava ser importante cultivar as almas infantis e, para
isso, o fundamental era a atividade da cri-ança. Entendia que a educação devia desenvolver a cooperação
em vez da competição. O aprender a vestir-se, a lavar-se, não lhe parecia, em si importante: o importante era
a descoberta para a criança do mundo das formas, dos seres e das cores. Com essa intuição mestra, Fröebel,
servindo-se do instinto lúdico das crianças, propunha-se conduzi-las informalmente à descoberta da
verdadeira realidade, isto é, conduzir a alma da criança ao mundo das figuras e das formas ideais. Nesse
sentido, Fröebel criou os célebres dons: as esferas, os cubos, e outros estímulos educativos geométricos.
Fröebel contactou, também, com o Emílio de Rousseau que teve muita influência na sua Pedagogia. Deixou-
nos uma importante obra organizando as suas ideias educacionais em livros como a Educação do Homem
(1826), a Mãe e Cantos de Berçário (1843) e Pedagogia do Jardim-de-infância (1840).

403
A Escola: Dinâmicas e Atores

A expressão Jardim-de-infância seria, pois, antes de mais, uma expressão sim-bólica. As crianças no
Kindergarten de Fröebel, depois de vencidos os primeiros graus de educação pelos dons geométricos, eram
encaminhadas insensivelmente ao sabor das suas propensões lúdicas, a prestar atenção às coisas
ambientais, animais, plantas, objetos, brinquedos, aprendendo a descrevê-los, a designá-los, a distingui-los
nas suas qualidades essenciais. Adicionando a estes leves exercícios de atenção sensorial periódicas
sessões de canto, as crianças adquiriam múltiplas virtudes artísticas que as tornavam extremamente
distinguíveis nos seus lares e nas escolas onde vinham a ingressar na idade própria. Foi sob a influência das
suas ideias pedagógicas que a Educação de Infância mais se desenvolveu ao abrirem-se Jardins-de-infância
na América e por muitos países da Europa como Inglaterra, França, Holanda, Bélgica, Suíça, Áustria, Itália,
Espanha e Portugal.

O protagonismo da Escola Nova


No final do Século XIX e no decorrer do Século XX, na Europa e Estados Unidos da América, dão-se
mudanças significativas no campo educacional. Um grande movimento de renovação pedagógica,
denominado “movimento das escolas novas”, aconteceu nesse período. Pode dizer-se que a Educação de
Infância está diretamente ligada à criação da Escola Nova porque, quando surgiram os Jardins-de-infância,
tratava-se pois, de um conceito novo de uma verdadeira Escola Nova. Quando se fundou, no ano de 1889,
em Abbotsholme na Escócia, a primeira New School, começaram, a partir daí, a surgir em outros países como
na Inglaterra, Alemanha, Suíça, Estados Unidos, escolas novas para experimentarem uma verdadeira
Educação Nova, fundada no conhecimento da criança e adaptada às realidades e necessidades do mundo
moderno. Revelou-se muito importante na História da Educação através do direito da educação na família e
na escola. Pode dizer-se que esse movimento foi resultante de toda uma mudança que já vinha a ocorrer no
processo produtivo, e consequentemente, gerou mudanças sociais. Essas, por sua vez, exigiam a criação de
um novo sistema de instrução. A sua referência histórica principal baseia-se nos princípios pedagógicos da
obra de Rousseau que inaugurou uma verdadeira modernidade na educação, ao romper com os métodos
tradicionais de ensinar que se baseavam no papel principal do mestre e passaram a centrar-se na criança,
na sua atividade própria, nas suas necessidades e nos seus gostos e interesses.
A Escola Nova marcou todo o desenvolvimento da educação do século XX, pre-cisamente dentro do
campo cronológico onde se insere esta investigação. Estava em especial destaque nos tempos da 1ª
República, perdeu fulgor no Estado Novo e ganhou nova força nos primeiros tempos da democracia do pós
25 de abril de 1974. Durante o período do Estado Novo, podia não ter tido um papel de destaque, mas os
seus precursores eram seguidos nas escolas e colégios de Educação de Infância. A exemplo disso, constata-
se a influência de diversos pedagogos, constantemente evidenciados, citados, referenciados e seguidos nos
discursos de criação de instituições, bem como depois, na execução das suas ideias e metodologia de
trabalho. Os casos de Maria Montessori, Vygotsky e Piaget no campo da Educação de Infância, presentes
sempre que se aborda o tema do Jardim-de-infância. No entanto, também há autores que defendem que “As
Escolas Novas entraram em declínio precisamente no tempo da Ditadura Militar e primeiros anos do Estado
Novo, em pleno tempo de crise do sistema liberal” (Pintassilgo, 2006:268-269).
Destacam-se a seguir os principais precursores da Escola Nova e o seu contributo para a Educação
em geral e para a Educação de Infância em particular. Um dos pedagogos é precisamente John Dewey (1859-
1952), considerado como um dos principais impulsionadores e defensores deste novo modelo de Escola. Era

404
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

um filósofo e pedagogo liberal norte-americano e exerceu grande influência na Pedagogia contemporânea.


Formulou uma conceção de educação fundamentada nos princípios de utilidade do conhe-cimento
(Pragmatismo), na aquisição do conhecimento através da liberdade de experi-ência (Experimentalismo) e na
reflexão como elemento primordial da aprendizagem (Reflexionismo). As ideias de Dewey foram aplicadas,
inicialmente, ao ensino elementar e médio, mas, depois, foram estendidas à Educação de Infância pelo seu
caráter genérico, marcando, decisivamente, o movimento da Escola Nova. As suas ideias contribuíram como
fundamentos à prática de Educação de Infância no começo do século XX.
Ovide Décroly desenvolveu as suas atividades junto de crianças com necessidades educativas
especiais (1901). Este médico, belga, formulou uma metodologia a partir da crítica à organização tradicional
do ensino, denominada – Centro de Interesse –, inicialmente destinada a alunos da escola elementar, e
posteriormente aplicada com êxito em classes de Educação de Infância. A sua proposta de trabalho estava
alicerçada nas atividades da individualidade e coletividade da criança, sustentada em princípios psico-lógicos.
Primeiramente, as suas experiências foram concretizadas na sua residência, onde pôde observar,
diretamente, o desenvolvimento infantil. Num momento posterior (1907) resolveu desenvolver a sua proposta
educativa junto de crianças, criando uma escola em Bruxelas – L`Ermitage. O trabalho desenvolvido nessa
escola serviu para que as autoridades belgas oficializassem o seu sistema nas escolas públicas (Gomes,
1962, pp.139-144). A sua preocupação, ao expor a proposta, era a de substituir o ensino formalista, baseado
no estudo dos tradicionais livros de textos, por uma educação voltada para os interesses e necessidades das
crianças. O Sistema Décroly era baseado em fins e em princípios para uma nova escola, que superasse a
escola tradicional. Considerando a finalidade do seu sistema pode afirmar-se que o organizou com vista a
superar as defici-ências do sistema educativo que vigorava na época, criando novas possibilidades educa-
tivas (Gomes, 1962, pp.139-144).
Décroly concluiu que o mais importante é a criança conhecer-se a si própria para depois conhecer o
meio em que vive. Foi em função dessa conclusão e das caraterísticas e domínios, atrás citados, que
apresentou o seu programa de ideias associadas. Preocu-pou-se com a forma como devia ser abordado o
programa que apresentou. Partia do princípio que a melhor alternativa para o fazer seria o uso da
“globalização”, esta, a seu ver, só seria possível se houvesse uma mudança na dinâmica do trabalho escolar
e, para isso, propôs que o ensino fosse desenvolvido através dos Centros de Interesse. Partir do interesse da
criança significa respeitar o seu desenvolvimento e as suas necessidades; consiste em desenvolver uma
proposta educativa que considere o seu universo real e respeite os seus desejos. A dinâmica desse trabalho
vai exigir, segundo Décroly, novas estratégias para as crianças realizarem plenamente as suas atividades e,
para tal, deviam-se fazer uso da Observação associada e da Expressão (Ballesteros, 1945, pp.10-120).
A sistematização destes estudos leva à constatação, mais uma vez, da atualidade do pensamento de
Décroly, estimulando-nos a procurar um aprofundamento sobre as suas contribuições para que possamos
difundir a riqueza do seu pensamento.
Ao tratar a Educação de Infância, não posso deixar de referir o nome de Édou-ard Claparède (1873-
1940), pois desenvolveu importantes trabalhos sobre Pedagogia e Psicologia da infância. Das suas obras
destaca-se: Psicologia da criança e Pedagogia Experimental (1905), Educação Funcional (1931) e Moral e
Política (1940), por presta-rem um enorme contributo ao desenvolvimento da educação. Marques (2001,
p.168) considera que “Claparède contribui, como poucos, para o desenvolvimento de uma Pedago-gia
centrada na criança, baseada no jogo e na actividade lúdica”, onde o Professor devia ser um estimulador dos

405
A Escola: Dinâmicas e Atores

interesses e das necessidades intelectuais da criança. Para Claparède a inteligência é uma forma de
adaptação só necessária quando faltam instrumentos mais rudimentares: os instintos e os hábitos; é, assim,
que a adaptação e a capacidade para resolver os problemas podem surgir ao indivíduo sob forma empírica
ou racional. Chamou a atenção para que se conheça a criança a educar e se mobilize toda a sua atividade,
incutindo-lhe, simultaneamente, amor ao trabalho (Claparède, 1931). Esta noção de Educação, tal como as
conceções de Dewey, alterou a relação pedagógica da escola tradicional. Defendia uma “escola por medida”,
uma escola adaptada às necessidades das crianças, para melhor poderem desenvolver as suas capacidades.
Adolphe Ferrière (1879-1960) considerava a educação fundada na ciência e no bom censo como a
melhor forma para se renovar a humanidade.
Celestin Freinet (1897-1966) poderá parecer à primeira vista que nada teve a ver com a Educação de
Infância, visto que a sua maior preocupação estava voltada para a renovação do Ensino Primário público. No
entanto, à medida que se leem as suas obras, constata-se que as suas preocupações podem ser direcionadas
à Educação de Infância, ao referir-se especificamente à escola maternal e toda a sua organização (Freinet,
1969:40). Foi considerado um Educador revolucionário; o cultivo do aspeto social, na educação, foi um dos
grandes feitos desse Educador francês, Professor Primário, socialista, pacifista; acreditava mais no que
acontecia na sala de aula, no contacto direto com os seus alunos, do que nos maiores compêndios sobre
educação ou nas mais impor-tantes conferências em congressos internacionais em que tomava parte.
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) ao preocupar-se com o desenvolvimen-to cultural da
humanidade, levou a envolver-se com a infância e a elaborar alguns estu-dos que lhe permitiram compreender
o comportamento humano; “a necessidade do estudo da criança reside no facto de ela estar no centro da pré-
história do desenvolvi-mento cultural devido ao surgimento do uso do instrumento da fala” (Rego, 1995, p.25).
Vygotsky dedicou-se ao estudo da Pedologia – ciência da criança - voltada para o estu-do do desenvolvimento
humano, articulando os aspetos psicológicos, antropológicos e biológicos. O caminho trilhado baseou-se
sempre nas contribuições de Carl Marx e pro-curou compreender o homem em constantes processos de
interação social. As suas pre-ocupações foram direcionadas para o entendimento das origens sociais e das
bases culturais do desenvolvimento individual, tendo como pressuposto fundamental que “Tais processos
psicológicos superiores se desenvolvem nas crianças por meio da imersão cultural nas práticas das
sociedades, pela aquisição dos símbolos e instrumentos tecno-lógicos da sociedade e pela educação em
todas as suas formas” (Moll, 1996, p.3).
Os postulados básicos de Vygotsky dão destaque à mudança em quatro níveis históricos: - filogénico
– desenvolvimento das espécies; - histórico – história dos seres humanos; - Ontogénico – história individual
das crianças; - micro genético; - desenvol-vimento de processos psicológicos particulares. Estes níveis foram
tidos em conta por ele e pelos seus colaboradores, na proposição das suas teorias, na escola sócio histórica.
Aplicá-los ao problema do desenvolvimento cognitivo e da escolarização formal, permite compreendê-los de
forma mais aprofundada.
Há que destacar, também, no que refere à relação entre desenvolvimento e aprendizagem, a
contribuição deixada a respeito da “zona de desenvolvimento proximal”. Para Vygotsky, o desenvolvimento e
aprendizagem são processos interativos. No entanto, cabe ao processo de aprendizagem, realizado num
contexto social específico, possibilitar o processo de desenvolvimento; “a aprendizagem pressupõe uma
Natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles
que as cercam” (Vygotsky, 1994, p.99).

406
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Jerome Bruner (2001) desenvolveu estudos no campo da educação e nas teorias de desenvolvimento
da criança. A teoria de instrumentalismo evolucionista que fomen-tou baseia-se no instrumentalismo
evolucionista, uma vez que ele defendeu que o homem depende das técnicas à sua volta para o seu
desenvolvimento natural. Bruner coloca a maturação e a interação do indivíduo com o ambiente no centro do
processo do seu desenvolvimento e formação. Incorpora, de uma forma coerente, as contribuições
maturacionistas de Gesell e os contributos ambientalistas que levam a que a criança organize diferentes
modos de representação da realidade ao utilizar as técnicas que a cultura em redor lhe transmite. O cunho
desenvolvimentista da sua teoria mantém-se graças à tónica que assenta na capacidade que cada pessoa
tem de se autorregular. Bru-ner sustenta ainda que o desenvolvimento cognitivo da criança será tanto mais
célere quanto melhor for o seu acesso a um meio cultural mais rico e estimulador. Para ele, a linguagem tem
um papel ampliador das competências cognitivas da criança, ajudando-a a uma maior interação com o meio
cultural envolvente (Bruner, 2001). Para este autor, o crescimento cognitivo da criança procede da utilização
de técnicas de elaboração da informação, com o objetivo de codificar a experiência, tendo em conta os vários
sistemas de representação ao seu dispor. No seu entender, o desenvolvimento cognitivo da criança está
dividido em três etapas: a primeira etapa é até aos três anos de idade, a criança está no estádios das
respostas motoras. Neste período a criança faz representações de acontecimentos do passado através de
respostas motoras apropriadas e privilegia a ação como forma de representação da realidade, por isso
defende que a criança aprende através da manipulação de objetos e age com base em mecanismos de
reflexos simples e condicionados até atingir os automatismos normais.
A segunda etapa, dos três aos nove anos de idade, a criança está nos estádios da representação
icónica. Esta etapa baseia-se no uso de imagens sinóticas, na organização de perceções de imagens e na
organização visual. A criança apesar de conseguir repro-duzir objetos está dependente de uma memória
visual, concreta e específica.
A terceira etapa é a partir dos dez anos de idade, onde a criança se encontra nos estádios da
representação simbólica. Nesta fase, a criança consegue representar a reali-dade através de uma linguagem
simbólica, de caráter abstrato e sem uma dependência direta da realidade. Consegue manejar os símbolos
em ordem não só a fazer a sua leitura mas também a transformar a realidade. Bruner defende que a passagem
da criança por cada uma destas etapas pode ser mais rápida através da inserção da criança num meio cultural
e linguístico rico e estimulante.

A influência de Maria Montessori


Destaca-se neste trabalho Maria Montessori (1870-1959) por ser uma grande impulsionadora do
desenvolvimento da Educação de Infância, tendo o seu método, jun-tamente com o de Fröebel influenciado
fortemente o desenvolvimento da Educação de Infância em Portugal.
O envolvimento de Montessori com a Educação de Infância data de 1907, quan-do fundou em Roma
a primeira “Casa dei Bambini”, para abrigar, aproximadamente, cinquenta crianças carentes, filhas de
desempregados. Nessa casa-escola, Montessori realizou várias experiências que deram sustentação ao seu
método, fundamentado numa conceção biológica de crescimento e desenvolvimento.
A Pedagogia de Montessori, inserida no movimento da Escola Nova, como uma oposição aos
métodos tradicionais que não respeitavam as necessidades e os mecanismos evolutivos do desenvolvimento
da criança, alertou para vários erros que os adultos cometiam, por exemplo, a impaciência quanto ao ritmo

407
A Escola: Dinâmicas e Atores

de aprendizagem, muitas vezes lento, impaciência essa que varia, geralmente, na razão inversa da
necessidade e com-preensão por parte da criança. Montessori produziu uma série de material especí-fico
para a Educação de Infância, preponderante no seu trabalho educativo. Este materi-al era um auxiliar
preciosíssimo para a criança compreender as coisas, ajudando-a a desenvolver o seu impulso interior. Os
materiais produzidos eram diversificados, rela-cionados com a vida quotidiana, material sensorial, material de
linguagem, de matemá-tica e de ciências. A livre escolha dos materiais e a concentração para a sua utilização
são aspetos fundamentais para o desenvolvimento da criança (Montessori, 1944, pp.171-173).
Primordialmente, o sistema de Montessori diz respeito às crianças dos jardins-de-infância, desde os
3 aos 7 anos. Montessori procura levar a criança a trabalhar por si mesma dentro de um ambiente próprio
para uma escola ativa e de trabalho. A auto-atividade da criança é o seu princípio base. No sistema
pedagógico Montessoriano, o trabalho da criança é, fundamentalmente, trabalho individual. Em Dewey,
Décroly, Cousinet é o contrário: o fundamental é o trabalho coletivo. Em Montessori, Fröebel e Pestalozzi há
perfeita identidade de ideias, mantendo-se o mais profundo respeito pela liberdade da criança, procurando
que ela se eduque por si mesma. Na escola de Montes-sori não falta a disciplina. A professora montessoriana
não pode aprovar tudo o que a criança faz e quer, porque esta tem de respeitar o trabalho e a liberdade dos
outros. A pedagogia de Montessori, portanto, baseia-se nestes seis princípios que orientam toda a atividade
da sua Escola: 1º- Conhecimento científico da criança como fundamento de uma educação adaptada à sua
capacidade; 2º - Liberdade individual e respeito máximo pela criança; 3º - Criar um ambiente agradável às
crianças onde possam movimentar-se e crescer livremente; 4º - Autoeducação e auto atividade da criança.
Ela deve ser o agente ativo da própria educação; 5º - O Professor não deve apontar o erro nem emendá-lo,
mas a própria criança é que há-de notá-lo e corrigi-lo; 6º - O Professor não deve ensinar, mas apenas observar
para ajudar a criança. A principal virtude do Professor Montessoriano deve ser a humildade, a sua atividade
deve ser discreta, mas inteligente e constante. Aliás é este o princípio genérico das Escolas Novas. O ensino
coletivo verbal é suprimido, porque se conta com o ambiente, a precisão e a graduação do material didático.
Portanto, a ocupação fundamental do Professor consiste, sobretudo, em obser-var as crianças no seu
trabalho.

O impacto de Jean Piaget


Outro grande autor que nos deixou importantes contributos para a Educação de Infância foi Jean
Piaget (1896-1980). Estudou a evolução do pensamento até à adolescência, procurando entender os
mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para captar o mundo. Como epistemólogo, investigou o processo
de construção do conhecimento, sendo que nos últimos anos da sua vida centrou os seus estudos no
pensamento lógico-matemático. A complexidade e a extensão da sua obra levou à opção pelo seu destaque
neste estudo dos aspetos que estão mais diretamente ligados à Educação de Infância. Sempre esteve
preocupado em investigar como se dava a construção do conhecimento no campo social, afetivo, bio
fisiológico e cognitivo, mais especificamente, saber qual é a sua génese, os seus instrumentos de apropriação
e em como se constituem, sendo as crianças o seu objeto de investigação, para a construção do
conhecimento científico (Piaget, 1983).

408
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CONCLUSÃO
As ideias aqui desenvolvidas e os dados aqui deixados ficam postos na esperança do futuro. Ainda
há quem, por muito que se duvide, seja capaz de se implicar para fazer nascer uma suficiente dose de talvez
novas formas de energia.
Se as lições do passado sempre projectam alguma luz sobre os caminhos do futuro, neste
caso o olhar sobre o que não se fez (e porque não se fez) é extremamente pedagógico. Ele
mostra que a desatenção de sucessivos governos e regimes para com a Educação de
Infância não se deveu à ausência de ideias novas no espaço cultural – elas entraram no país
e até subiram aos areópagos políticos -, mas à persistência, nas esferas de decisão política,
de crenças ancestrais e outras ideias feitas, tomadas por verdades perenes. Ideias sobre a
família, a sociedade e o Estado bebidas no pensamento moderno, crenças sobre a infância
e a educação herdadas das práticas educativas tradicionais (Vilarinho, 2000, p.10).
A originalidade da Educação de Infância em Portugal pode ser identificada através de caraterísticas
que lhe são próprias: a independência histórica dos outros setores do sistema escolar; a intervenção de
diversos serviços concorrentes ou complementares; a integração nas comunidades; a forte ligação com os
pais e, note-se ainda, desde longa data, uma formação contínua específica, para os Educadores de Infância.
A evolução histórica da Educação de Infância viveu sempre entre a necessidade de resposta social para os
filhos que é preciso libertar das mães para que, com toda a liberdade, possam ser utilizadas num trabalho
produtivo imediato e o acolhimento em estruturas privadas com preocupações pedagógicas, das crianças de
camadas privilegiadas, que souberam construir para o seu uso as estruturas adequadas ao tratamento que
pretendem para os seus filhos, a fim de dinamizarem ao máximo as suas potencialidades.
Este nível de ensino foi generalizado tanto em nome da libertação dos pais e das mães, como em
nome da eficácia da formação, uma vez que para democratizar é necessário reunir e cuidar dos indivíduos
desde a mais tenra idade. Poucas destas ideias teriam sido desenvolvidas sem o contributo dos pedagogos
referidos neste texto que tiveram a arte de se dedicar e pensar a Educação de crianças o mais precocemente
possível.

REFERÊNCAS
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Bruner, J. (2001). A Cultura da Educação. Lisboa: Artmed. Edições 70.
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409
A Escola: Dinâmicas e Atores

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410
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

INVESTIGAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE UTILIZANDO COMO REFERÊNCIA OS


SEUS SABERES
[ID 209]

Natana dos Santos Castro


Jardel Claudino Pereira dos Santos
Aldalúcia Macêdo dos Santos Gomes
Rebeca Brandão Nascimento
Universidade Federal do Amazonas – UFAM
natanna_castro@hotmail.com; jardel.pibid@gmail.com; aldalucia.gomes@gmail.com;
rebecabrandaon@gmail.com

Resumo
O presente texto apresenta resultados de um estudo de caso que teve como objetivo geral, investigar as
diferenças entre o discurso e a postura docente, em uma escola estadual. O saber da tradição pedagógica se
encontra arraigado em alguns perfis dentro do corpo docente, e tem se observado que o professor estagna
ao longo da sua carreira profissional. Portanto, é necessário compreender a relação do professor e seus
aspectos, tais como suas práticas pedagógicas e entender as mudanças em seu comportamento como
docente. Interessa saber ainda como as experiências pessoais e os contextos sociais das pessoas podem
definir um modo de subjetividade particular ou singular que se expressa como subjetividade do professor.
Ademais, buscou- se compreender os significados das concepções naturais do corpo docente que foram
perdidas de forma abstratas ao longo do tempo e que acabaram resultando no sucesso ou fracasso de suas
práticas pedagógicas. A recolha de dados utilizada neste estudo ocorreu por intermédio da entrevista
classificada como não estruturada. Optou-se então pela narrativa do professor responsável por ministrar a
disciplina de biologia. Sendo gravada, na sequência transcritas na íntegra. A interpretação narrativa do
professor foi realizada com o auxílio da análise textual discursiva. O referido estudo apontou para uma nova
concepção em investigar as práticas pedagógicas e suas referências de saber enquanto docente. Os saberes
dos professores não jorram de uma única fonte, mas de uma variedade de fontes em díspar momento da
trajetória profissional do fio condutor “docente”. Diante do exposto, foi constatado que dentro do âmbito
escolar o saber em certo ponto de vista não condiz com a postura e a fala do professor. Desta forma, o
presente texto pretende auxiliar na reflexão docente e sua concepção de saber em sala de aula. Ratificando
que por trás de cada saber vivenciado o professor apresenta uma vasta gama de conhecimentos adquiridos
no decorrer de sua trajetória profissional.

Palavras-chave: Trabalho Docente, Práticas Pedagógicas, Saberes Docentes.

Résumé
Les résultats de l'étude ont été obtenus dans le cadre d'une étude de cas. Le savoir faire de la pédagogie
pédagogique se trouve à l'intérieur de la faculté docente, et le fait d'observer que le professeur est capable
d'enseigner la carrière professionnelle. Par conséquent, il est nécessaire à une relation de professeur et de
ses propres mots. Interesser le savoir comme des expériences personnelles et les contextes sociaux des
personnes peuvent définir un mode de subjectivité particulier ou singulier que se expressa como subjetividade
do professor. Ademais, buscou- seoso os significados das concepciones do do corpo docente que foram
perdidos de forma abstratas al longo do tempo y que acabaram resultando no sucesso ou fracasso de sus
prácticas pedagógicas. Un recueil de données recueillies dans le cadre d'un entretien réalisé par
l'intermédiaire d'une interview classifiée comme non structurée. Optou-se entonces pela narrativa do professor
responsável por ministrar a disciplina de biologia. Sendo gravada, na sequência transcritas na íntegra. Une
interprétation du professeur a été réalisée avec l'aide de l'analyse textuelle discursiva. Le projet d'étude est
axé sur une nouvelle conception en matière d'évaluation et d'évaluation des pratiques pédagogiques. Les
enseignants ne sont pas jorram d'une seule fonte, mais d'une variété de sources en díspar le moment de la
carrière professionnelle du fil conducteur "docente". Diante do exposto, foi constatado que dentro do campo
escolar o sabre en cierto point de vista no condiz com a postura e a fala do professor. Desta forma, o presente
texto se destine à la réflexion docente et sa conception de savoir dans sala de aula. Ratificando que par trás

411
A Escola: Dinâmicas e Atores

de cada vivenciado o professeur présente une vasta gama de conhecimentos adquiridos no conduce de sua
trajetória profesional

Mots-clés: Enseigner le travail, Les pratiques pédagogiques, Enseignantes et enseignants du savoir.

INTRODUÇÃO
O enfoque desta pesquisa é direcionado a um espaço formal de ensino, na modalidade regular escola
Estadual Márcio Nery, localizada na cidade de Manaus- Amazonas. A triagem dos dados foi direcionada ao
docente responsável por ministrar a disciplina de biologia. Objetivou-se Identificar se há diferença entre o
discurso e a postura docente. Tendo como objetivo específico: i) Investigar a concepção do trabalho docente
e seu uso de saberes como referência
Interessa saber ainda como as experiências pessoais e os contextos sociais das pessoas podem
definir um modo de subjetividade particular ou singular que se expressa como subjetividade docente (Cabruja,
2002).
O professor como autor do saber, dentro do contexto de conhecimento do aluno precisa compreender
que o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer
(Tardif, 2008). Propõe-se dessa forma, entender se a escola apresenta abordagens holísticas que possibilitem
a construção do saber de ambos os lados, tanto o saber do professor ao do aluno.
Segundo Cardoso, (1995, p.47) hoje, ser holístico é saber respeitar as diferenças, identificando a
unidade dialética das partes no plano da totalidade. A atual abordagem holística da educação não pretende
ser uma nova verdade que detenha a chave única das propostas para os problemas da humanidade. Ela é
essencialmente uma abertura incondicional e permanente para o novo. Segundo Gauthier:
Não basta o professor conhecer o conteúdo, ter talento, bom senso, seguir a intuição, ter
experiência ou ainda possuir uma vasta cultura, mesmo que estes enunciados esbocem certa
dose de realidade, mas estes mesmos enunciados impedem a manifestação de saberes
profissionais específicos do trabalho docente o que provoca na maioria das vezes um “estéril
amadorismo” no exercício da docência, o que impede de certa forma a profissionalização da
profissão (Gauthier et al, 2006).
Faz-se necessário que o professor tenha conhecimento de seus alunos, bem como os conhecimentos
adquiridos ao qual está inserido. Segundo Tardif (2007, p.49) O docente raramente atua sozinho. Ele se
encontra em interação com outras pessoas, a começar pelos alunos.

O PROFESSOR COMO FIO CONDUTOR AO ATO DE ENSINAR


Tardif (2002) identifica quatro saberes docentes: primeiro, os saberes profissionais; segundo, os
saberes disciplinares; terceiro, os saberes curriculares; quarto, os saberes experienciais. Tais saberes seriam
elementos constitutivos da prática docente.
O ato de ensinar não deve se limitar a transpor as informações ou mostrar apenas um caminho ao
saber, deve ir além de oferecer várias ferramentas para os alunos. O professor precisa compreender seu
papel em sala de aula. Ensinar muitas vezes está acoplada as ações disjuntas do professor que erroneamente
relata que tem ensinado seus alunos, porém ambos não conseguem consolidar o aprendizado. A ideia de
ensinar, precisar ser revista, á tempos os corpos docentes das escolas de nível médio remetem uma visão
distorcidas de seus alunos, que o ensinamento só torna eficaz, quando posto em uma sala de aula, o perfil
da clientela que será atendida. Seja a de alunos quietos em suas carteiras, sem ao menos compreender o
seu próprio saber.

412
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

APORTES TEÓRICOS
A delimitação teórica neste estudo de caso baseia-se, as ideias de Tardif e outros autores que
colaboraram para a compreensão e discussão do tema. Tardif elenca cinco tipos diferentes de saberes que
envolvem na atividade do docente sendo esses: os saberes da formação profissional referente ao saber
pessoal do professor; saberes embasados da sua passagem por outros âmbitos escolares; saberes
disciplinares da formação do magistério; saberes curriculares e por fim saber das suas experiências
profissionais.
De acordo com Tardif (2002) “o saber dos professores não provém de uma única fonte, mas de várias
fontes e de diferentes momentos da história de vida e da carreira pessoal e profissional” (p.21). De fato o
profissional usa em sua carreira docente seu saber pessoal adquirido enquanto ser humano sem está usando
o uniforme de professor. Segundo o autor essa natureza encontra-se em algumas ocasiões longe de ser
vivida de forma direta. O papel do investigar de forma exploratória é relacionar o discurso do docente a sua
pluralidade do saber. Pimenta reafirma essa mesma concepção do saber ao longo da experiência vivenciada.
Os saberes da experiência são aqueles advindos da história de vida, das relações que os docentes,
ou estão em formação para exercer este ofício, obtiveram ao longo de suas vidas no contato com a escola
Pimenta (2002, p.20). Para Tardif (2002, p.228), os professores de profissão possuem saberes específicos
que são mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas cotidianas.
Pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos
coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e
experienciais (Tardif, 2007 p.41).
As inquietações norteadoras para tal estudo é compreender a reflexão do professor com sua conduta
nos diferentes âmbitos em sala de aula. Segundo Perrenoud (2002), a prática reflexiva no ofício de professor
mobiliza saberem teóricos e metodológicos, mas não se reduz a eles.
Em ênfase Zeichner cita de forma mais politizada o perfil do docente reflexivo atentando para a
importância de refletir-se se os conteúdos ministrados em sala de aula alcançam o aprendizado dos alunos.
Os professores precisam saber o conteúdo acadêmico que é responsável por ensinar e como
transformá-lo, a fim de conectá-lo com aquilo que os estudantes já sabem para o
desenvolvimento de uma compreensão mais elaborada. Precisam saber como aprender
sobre seus estudantes – o que eles sabem e podem fazer, e os recursos culturais que eles
trazem para a sala de aula. Os professores também precisam saber como explicar conceitos
complexos, conduzir discussões, como avaliar a aprendizagem discente, conduzir uma sala
de aula e muitas outras coisas (Zeichner, 2008, p. 546).
Seguindo os pensamentos dos autores supracitados, uma compreensão da abordagem do saber foi
delimitada neste estudo.

METODOLOGIA
Tipo de abordagem
Dentro das metodologias qualitativas escolheu-se trabalhar com o estudo de caso no estudo das
ciências sociais essa estratégia é utilizada com frequência. O Estudo de Caso é um tipo de pesquisa cujo
objeto é uma unidade que se analisa profundamente. Esta definição do Estudo de Caso determina duas
condições básicas dele: a abrangência da unidade e também sua complexidade (Triviños, 2001, p.74).
Nesse sentindo o estudo de caso visou em investigar a concepção do trabalho docente e suas
referências ao seu saber.

413
A Escola: Dinâmicas e Atores

Coletas de Dados
Instrumentos de Coleta
Optou-se pela recolha de dados é referente à entrevistas classificada como não estruturada. Optou-
se então pela narrativa do professor responsável por ministrar a disciplina de biologia. Sendo gravada, na
sequência e transcrita na íntegra. A interpretação narrativa do professor foi realizada com o auxílio da análise
textual discursiva (Moraes & Galiazzi, 2007). A Análise Textual Discursiva sugere as seguintes etapas para a
análise e apresentação dos dados: unitarização (retiram-se fragmentos de texto que representem unidades
de significado), categorias temáticas (as unidades de significado são agrupadas segundo suas semelhanças
semânticas).

PROCEDIMENTO
A pesquisa qualitativa, segundo Ludke & André (1986), desenvolve-se em um ambiente natural, rico
em dados, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade. O processo de recolha do material foi feito
através da transcrição das gravações em áudio, da entrevista realizada.
Dessa forma o presente estudo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa qualitativa com enfoque
narrativo. A delimitação metodológica foi realizada através da investigação narrativa do professor responsável
pelo acompanhamento nessa etapa. Tal entrevista não estruturada teve por objetivo obter mais elementos
que permitissem esclarecer a trajetória profissional do docente e o seu saber adquirido em outros âmbitos
escolares. Como ainda á concepção do docente como fio condutor de seus alunos.

Análises de Dados
No presente estudo de caso a análise dos dados obtidos foi realizada a partir dos pressupostos da
Análise Textual Discursiva (Moraes & Galiazzi, 2007). Para melhor compreensão as perguntas realizadas
neste estudo de caso foram pontuadas como (P1,P2,P3,P4).E em subsequência as respostas transcritas do
entrevistado como (R1-Entrevistado, R2-Entrevistado,R3-Entrevistado,R4-Entrevistado).
Trajetória da sua carreira profissional
O século XX ocorreu uma expansão quantiqualitativa de estudos referentes à formação da profissão
como docente. Estudos que corroboraram para mudanças qualitativas. O intuito dessas pesquisas era
estabelecer o docente no centro de sua a trajetória pessoal e profissional, sua formação de identidade
profissional, sua formação constituída a partir de sua vida acadêmica e sua constituição de saber docentes
como embasamento a constituição de sua prática pedagógica.
De acordo a sua trajetória “carreira profissional” ao longo das escolas ao qual trabalhou, seu trabalho
e objetivos são satisfatório á escola Marcio Nery. Pergunta (P1)
Atentando-se a uma investigação sistêmica observa á fala do docente:

414
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

eu já trabalhei na escola estadual Marjon Silva Coutinho, já trabalhei na escola estadual


Tiradentes, trabalhei na escola da Policia Militar aqui da Codajás, já trabalhem na escola
Amazonense Dom Pedro II e agora atualmente estou aqui na escola estadual Márcio Nery.
(R1-Entrevistado)
Márcio Nery que os alunos estão muito distantes da realidade e não sabem talvez nem porque
vem à escola, isso nos traz um desafio de professor que além da gente se preocupar no
repasse dos nossos conhecimentos, temos que também entender a realidade dos nossos
alunos. Saber por que são alunos apáticos, desinteressados e agentes percebe que nos
temos que começar com uma coisa muito básica com eles, trabalhar não só a questão das
disciplinas e conteúdos mais a questão da autoestima, trabalhar a valorização do aluno é,
nos seus aspectos é cognitivo emocionais. (R1-Entrevistado).

Entrevista gravada (25/0715)


A ‘’ crise’’ alastra, o ‘‘mal-estar’’ dos professores aumenta e ‘’ toda a gente’’ fala da escola e deplora
a situação dos alunos que ou ‘‘não sabem nada’’ ou têm a ‘’ cabeça cheia de coisas inúteis’’ por
‘‘incompetência’’ ou inoperância dos professores (Fontoura, 2000, p.175).
A partir da narrativa do docente é possível ponderar que a trajetória profissional do mesmo é rica, por
pontuar que o docente já percorreu algumas escolas seletas da cidade. Alguns percalços da sua vida
profissional mostram de forma clara que a escola atual é diferenciada pelo público alvo e o aprendizado dos
alunos á baixo esperado. Do ponto de vista de investigação exploratória surge uma pergunta é possível um
mesmo docente mudar seu comportamento de acordo com seu público alvo privilegiado o âmbito escolar de
alto escalão.
A resposta do professor revela que a atual escola onde o mesmo se encontra gera á sua pratica
pedagógica um desencanto quando o objeto em questão não colabora para que ambos possam adquirir
resultados satisfatórios de ensino-aprendizagem. Vale ressaltar que ambas as partes se faz necessário se
integrar para compreender qual lacuna precisa ser fechada.

O papel do docente em conscientizar


Entrevista gravada (25/07/15)
Trabalhar essa questão do estimulo pra vida o quê mostrar qual importância do estudo pra
eles. Que terminando o ensino médio eles vão fazer parte de uma sociedade onde vão ter
que trabalhar, o mercado de trabalho vai esperar por eles é também aqueles que vão seguir
em uma universidade qualificação superior profissional então precisam de estimulo nossos
alunos precisam é mais de atividades que possam engradecer como pessoa ao mesmo
tempo acompanhado do conhecimento .Então é isso que eu vejo e na minha atividade e na
minha pratica pedagógica no meu dia-a-dia de sala de aula, eu vinha num ritmo em que
eu preocupava muito com aprovação do aluno em faculdades também e vendo também esse
lado do aluno dele , da vida estudantil dele participar de projetos na escola ,eu vi de uma
escola assim e que na nossa escola agente não ver isso eu acho que a participação do aluno
, participar de um projeto de dança ter jogos internos é xadrez e tantas outras atividades
lúdicas né isso faz com que o aluno goste da escola comece também despertar para a
aprendizagem despertar pra vida. (R1-Entrevistado)
O professor adquira uma bagagem cultural explicitamente política e social; o desenvolvimento
de capacidades de reflexão crítica capaz de perceber os processos de exclusão, ainda que
ocultos sob a ideologia dominante, e o desenvolvimento de atitudes que promovam o
comprometimento do professor como intelectual transformador (Romanowski, 2003).
O que você entende do saber dentro das práticas pedagógicas de conhecimento da escola e o seu saber
como ser humano? Pergunta (P2)
Agente busca a compreensão dos alunos, porque agente tem que entender assim é que os
nossos alunos não chegam prontos na escola é ele é um ser humano em fase de formação
né, é tanto que a finalidade do ensino médio é preparar o aluno para o mercado de trabalho
e para a vida. (R2-Entrevistado)

415
A Escola: Dinâmicas e Atores

Nesse trencho pode-se identificar o perfil do professor reflexivo. Para tanto, deve-se pensar que o
docente é posto como o agente de compreensão de seus alunos.
Sabemos e conhecemos alguns autores que relatam sobre o saber do professor de forma profissional,
as suas experiências vivenciadas ao longo de sua carreira. O que você entende do saber dentro das práticas
pedagógicas de conhecimento da escola e o seu saber como ser humano? Pergunta (P3)
Bem oportuna essa pergunta, porque quando a gente faz o concurso para a carreira do
magistério eles não abordam essa questão da prática vivenciada do professor, essa vivencia.
Por exemplo, se você fala uma outra língua, se você já assumiu cargos importantes. Não tem
diagnóstico para avaliar um conhecimento que você agrega como professor em sala de aula.
(R3-Entrevistado)
Nota-se a satisfação do docente em responder a referida perguntada.
Na concepção da sua vida profissional ao contratar os professores o sistema deveria fazer uma
abordagem das experiências vividas na passagem por outras escolas.A escola tem uma cultura própria que
permite entender tudo o que acontece nela, mas essa cultura pode ser modificada pelas próprias pessoas,
ela pode ser discutida, avaliada, planejada, num rumo que responda aos propósitos da direção, da
coordenação pedagógica, do corpo docente. (Libânio, 2000, p.109). De acordo com Libânio, se a cultura do
sistema mudasse sua concepção de integrar profissionais em sala de aula, apenas para remediar a carência
de professores para ministrarem os conteúdos das disciplinas especificas.
Eu vejo que o professor ele coloca também a sua vida, a sua experiência de vida na sua
disciplina os alunos passam a gostar mais por que aluno não vai ver só a disciplina mais
também ele vai ver o exemplo de vida que é o professor na vida deles. (R3-Entrevistado)
Para embasar a ideia do autor, ele reafirma a importância da experiência de vida inserida no seu dia-
a-dia como docente. Ele acreditar que a concepção dos alunos é cauterizar o professor como exemplo de
vida. Essa é, portanto, a perspectiva que o docente acreditar apresentar maior funcionamento.
Professor e o seu ato de ensinar nas turmas de segundo ano e terceiro ano, na sua concepção existe alguma
barreira de alcance no relacionamento entre o professor X aluno. (P4)
“Você sabe que o relacionamento entre professor e aluno x aluno professor ele é essencial no processo de
ensino e aprendiz. Por que eu vejo assim que esse relacionamento é construído”. (R4-Entrevistado)
Uma atitude bastante eficaz é investir nos vínculos, o que significa relacionar-se melhor com
os alunos e abrir possibilidades para que cresçam entre eles laços de amizade. Ajuda muito
também estabelecer limites, com a negociação de regras claras que sejam válidas tanto para
adultos quanto para crianças e jovens (Melo 2005, p.20).
Melo, afirma que se faz necessário induzir o vínculo com o aluno. Dessa forma observa-se na fala do
docente que ele se detém em investir esse vínculo em sala de aula.
O que o professor de bom senso tem que fazer entender que ele precisa ter uma relação boa
em sala de aula pra que haja confiança no professor o respeito à credibilidade naquilo que o
professor está ensinando, se ele não conseguir isso fica difícil porque vai fica aquela guerra,
do aluno que não estuda não sabe nada é o preguiçoso é o malandro como são rotulado
porque o professor não se aproxima o professor ele não entende que quando o aluno deixa
de fazer uma atividade ele não entende que teve algum problema que por trás disso o
possibilitou ,ele não chega pra pergunta , se ele chegasse pra perguntar porque você não fez
a atividade ,porque você não veio. (R4-Entrevistado)
Em suas declarações o docente aborda o perfil que pra ele representa um, profissional de bom senso.
Ele cita que é necessário que haja em sala de aula a confiança o respeito entre professor e aluno. Paulo
Freire afirma que o aluno espera não um docente que agride a decência deles como aluno. Mas um educador
com, bom senso que possui a capacidade de integrar junto ao aluno tomadas de decisões, auxiliando ás
dificuldades encontradas na caminhada escolar.

416
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O aluno não é nota, o aluno é um ser humano nós precisamos conversar nós precisamos ver
o grau de dificuldade. Certa vez você até passa um aluno mais não é porque você passou
por passar mais é porque você está presente está dificuldade agente ver que ele está com
dificuldade ali quer aprender e você não dificultar a vida desse aluno, então eu vejo eu fico
triste quando eu vejo que os alunos tiraram nota vermelha muita gente tirou nota vermelha
mais isso não é barreira pra mim certo, isso daí é um sinal que está dizendo procure ver você
está muito distante dos alunos. (R4-Entrevistado)
Outras ocorrências que foram pontuadas na transcrição do docente é a maneira como ele se importa
em relacionar que o aluno não é apenas um objeto a alcance de notas. Em suas palavras pode-se
compreender que o diagnóstico levantado pelo docente não é a nota, mas a forma de pensar dos colegas
professor, que precisam alienar a nota no seu contexto pedagógico includente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Resultado do estudo de caso e Discussão sobre a concepção do trabalho docente e seus
saberes em sala de aula
Os resultados obtidos neste estudo de caso mostraram-se surpreendentes, a priori realizar este
estudo na primeira instância foi árduo, resultando em um trabalho direcionado as concepções de referência
do saber do professor. Com objetivo de investigar a concepção das habilidades e competências do docente
em seu saber dentro do espaço escolar.
Obtiveram-se informações relevantes a respeito da trajetória de vida profissional e pessoal do
professor. Através de entrevistas realizadas com consentimento do docente pode-se constatar no grupo de
quatro perguntas não reformadas a perspectiva e sua visão referentes à sua reflexão como professor e suas
praticas pedagógicas.
A reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo e sua experiência, um mundo carregado
de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses sociais e cenários
políticos. [...] a reflexão é um conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam a
própria experiência vital (Gómez, 1992, p.103).
Mediante as perguntas respondidas pelo docente, percebeu uma contradição da sua fala ao seu
comportamento.
O que eu quero dizer com isso, por exemplo, eu já trabalhei na escola estadual Marjon Silva
Coutinho, já trabalhei na escola estadual Tiradentes, trabalhei na escola da Policia Militar
aqui da Codajás, já trabalhem na escola Amazonense Dom Pedro II e agora atualmente estou
aqui na escola estadual Márcio Nery. O que agente percebe é percebe o seguinte, é a escola
Marjon Silva Coutinho, Tiradentes e Márcio Nery parece que o público é o mesmo né, são
alunos com alto grau de dificuldade de aprendizagem
O publico alvo em termos não serão capazes de atingir um grau de compreensão a cerca dos
conteúdos ministrados o que difere esses alunos das demais escolas citadas pelo docente. Seria necessário
colocar em pratica seu saber pedagógico. [...] Os saberes pedagógicos apresentam-se com doutrinas ou
concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo, reflexões
racionais e normativas que conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e de orientação
da atividade educativa (Tardif, 2008, p.37).
Seria o caso em sistematizar os conteúdos para facilitar os conteúdos a esses alunos.
2º estrofe- “Márcio Nery que os alunos estão muito distantes da realidade e não sabem talvez nem
porque vem à escola, isso nos traz um desafio de professor que além da gente se preocupar no repasse dos
nossos conhecimentos, temos que também entender a realidade dos nossos alunos”.

417
A Escola: Dinâmicas e Atores

Na concepção do professor o que faz achar que o distanciamento da realidade dos alunos está focado
a sua falta de conhecimento. Diante dessas exigências, a escola precisa oferecer serviços de qualidade e um
produto de qualidade, de modo que os alunos que passem por ela ganhem melhores e mais efetivas
condições de exercício da liberdade política e intelectual. É este o desafio que se põe à educação escolar
neste final de século (Libâneo, 2001). Em contrapartida o enfoque ao aluno como não sabedor do
conhecimento prévio adquirido em outros âmbitos fortalece ou não sua chegada ao espaço escolar. Entretanto
a realidade do conhecimento que esses alunos segue a fala do docente não possui, seria categórico afirmar
devido a escola ser pragmática ao olhar para o aluno como a problemática para a transposição do
conhecimento. Cabe refletir que o ambiente está interligado a condução desse saber, se o fio condutor
alcançar os limites do objeto. A barreira é quebrada e o docente consegue atuar com seus saberes adquiridos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O referido estudo apontou para uma nova concepção em investigar as praticas pedagógicas e suas
referencias de saber enquanto docente. Os saberes enquanto docente não jorra de uma única fonte, mas de
uma variedade de fontes em díspar momento da trajetória profissional do fio condutor “docente”.
Diante do exposto, foi constatado que dentro do âmbito escolar o saber citado por Tardif em certo
ponto de vista não condiz com a postura e a fala do docente. Entretanto fica claro afirma que o objetivo citado
no presente estudo é auxiliar na reflexão enquanto docente e sua concepção de saber em sala de aula.
Ratificando que por trás de cada saber vivenciado o docente apresenta uma vasta gama de conhecimentos
adquiridos na sua trajetória profissional.

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419
A Escola: Dinâmicas e Atores

GESTÃO CURRICULAR E PROMOÇÃO DO SUCESSO ESCOLAR: UM ESTUDO DE


CASO
[ID 76]

Maria Isabel Guerreiro Catarino


Filipa Seabra
Universidade Aberta, Rua da Escola Politécnica; Escola Secundária do Pinhal Novo; LE@D, Universidade
Aberta; CIEd-UMinho
mariaisabelcatarino@gmail.com; fseabra@uab.pt

Resumo
Este trabalho apresenta um estudo em curso, no âmbito do Doutoramento em Educação, Especialidade em
Educação e Liderança na Universidade Aberta, sobre um projeto de gestão do currículo do 7º ano de
escolaridade, com vista à melhoria dos resultados dos alunos.
Na escola onde o projeto foi implementado, as turmas de 7º ano são constituídas com base nos resultados
obtidos nos exames de Português e Matemática no 6º ano e do nível da disciplina de inglês, permitindo com
recurso ao crédito horário atribuído pelos normativos em cada ano escolar, alterar a carga horária de
Português e Matemática.
Nas turmas em que a média fosse de nível 4 ou mais, os alunos mantiveram a carga horária definida. Nas
turmas de média inferior a 4 foram tomadas duas opções: parcerias em Português e Matemática quando o
nível era entre 3 e 4, aumento de 45 minutos em Português e Matemática e parceria a inglês quando o nível
era 3 ou menos.
Perante a aplicação deste projeto de gestão curricular, em curso, pretendemos estudar em que de que modo
as alterações do currículo através do uso do crédito de escola contemplado nos normativos têm sido
implementados e percebidos pelos intervenientes no processo. Concretamente, iremos analisar os processos
pelos quais as lideranças de topo e intermédias apoiam os professores no sentido de aplicarem uma gestão
curricular diferenciada; a alteração das práticas pedagógicas por parte dos professores e descrever os
impactos reconhecidos por professores e alunos ao nível dos resultados escolares.
Para desenvolver neste trabalho optámos por uma metodologia mista onde serão utilizados para a recolha de
dados a análise documental, entrevistas e inquérito por questionário.
A análise documental centrar-se-á nos documentos internos: atas, memorandos, relatórios, pautas das
disciplinas e das turmas em causa.Os inquéritos por entrevista serão feitos em “focusgroup” aos
subcoordenadores dos grupos de Português, Inglês e Matemática e a seis professores envolvidos no projeto;
os inquéritos por questionário serão aplicados aos professores, aos encarregados de educação e alunos das
turmas envolvidas no projeto. Neste momento, apresentam-se resultados preliminares baseados na análise
documental.
O estudo refletirá sobre a pertinência da utilização do crédito de escola na organização e gestão do currículo
do 7ºano com vista à promoção do sucesso escolar.

Palavras-chave: Currículo, Liderança, Diferenciação, Gestão Curricular.

Résumé
Cet article présente une étude en cours, dans le cadre de la thèse de doctorat en matière d’éducation,
spécialisation en éducation et le leadership à l'Université ouverte sur une gestion du programme de 7e année
pour améliorer les résultats des élèves.
Dans l'école où le projet a été mis en œuvre, les classes de 7e année sont formées d’après les résultats des
tests de portugais et de mathématiques dans la 6e année et le niveau de la discipline anglaise, ce qui permet
d'utiliser des heures de crédit attribuées par les règlements de chaque année scolaire et changer les heures
de cours de portugais et de mathématiques.
Dans les classes où la moyenne était de niveau 4 ou plus, les élèves ont gardé le calendrier défini. Dans les
classes avec une moyenne de moins de 4 deux options ont été prises: leçons de partenariat en portugais et
en mathématiques lorsque le niveau se situe entre 3 et 4, une augmentation de 45 minutes en classes de
portugais et de mathématiques et partenariat en classe d’anglais lorsque le niveau était de 3 ou moins.
Avec la mise en œuvre de ce projet de gestion de programmes d’études, en cours, nous avons l'intention
d'étudier à quelle mesure les modifications apportées aux programmes d'études, par l'utilisation du crédit

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

d’heures de l’école, prévu dans le règlement, a favorisé la réussite scolaire. Nous examinerons les processus
par lesquels les dirigeants de supérieur et intermédiaire soutiennent les enseignants afin d'appliquer une
gestion de programmes différenciée; le changement des pratiques pédagogiques des enseignants et décrire
les impacts reconnus par les enseignants et les étudiants selon les résultats obtenus par ces derniers dans
l’évaluation.
Pour développer ce travail, nous avons opté pour une méthodologie mixte qui sera utilisée dans la collecte de
données d'analyse de documents, des entrevues et enquête par questionnaire.L'analyse documentaire
portera sur des documents internes: des minutes, des mémos, des rapports, des documents d´évaluation des
élèves. Les enquêtes pour entrevue seront effectués en «Focus group» aux sous coordinateurs des groupes
de portugais, d’anglais et de mathématiques et les six enseignants participants au projet: les questionnaires,
seront appliquées aux enseignants, aux parents et aux élèves des classes participantes au projet. À ce stade,
nous présentons les résultats préliminaires basés sur l'analyse des documents
L'étude réfléchira sur la pertinence de l'utilisation des heures-crédits scolaires dans l’organisation et dans la
gestion des programmes de 7e année pour favoriser la réussite scolaire.

Mots-clés: Curriculum, Leadership, Différenciation, Gestion du curriculum.

INTRODUÇÃO
No início de cada ano os despachos normativos tendem invariavelmente defender a autonomia
pedagógica e organizativa de cada escola na implementação de projetos que valorizem boas práticas, a
colaboração entre pares e a gestão dos recursos humanos e materiais. Tal como se podia ler no despacho
normativo nº 6/2014, de 26 de maio
(…) fomenta-se a implementação de projetos próprios, que valorizem as boas experiências
e promovam práticas colaborativas, tendo em conta os recursos humanos e materiais de que
as escolas dispõem. (…) Incrementa-se a liberdade das escolas para concretizar as políticas
estratégicas que melhor promovam o sucesso escolar dos alunos e os objetivos educacionais
fundamentais. (…) a gestão das cargas curriculares de cada disciplina, as opções nas ofertas
curriculares obrigatórias ou complementares e, agora com maior liberdade e independência,
a gestão dos seus recursos humanos e a implementação das atividades pedagógicas que se
mostrem necessárias ao longo do ano letivo.
Os normativos permitem a gestão dos recursos existentes, tais como a distribuição do serviço letivo,
o crédito horário e sua distribuição, bem como a organização dos horários, o que poderá permitir um maior
grau de satisfação nos docentes e a melhoria substancial dos resultados dos alunos, considerando-se que “A
flexibilidade na gestão das horas de crédito de que as escolas dispõem possibilita importantes mudanças no
que se refere, essencialmente, ao alargamento das atividades educativas que consolidem e aprofundem
conhecimentos já adquiridos pelos alunos (…) para o desenvolvimento de ações que contribuam para a
promoção permitindo aos professores melhores condições para o seu trabalho” (Despacho Normativo n.º 6/
2014).
Neste pressuposto foi implementado numa escola secundária com terceiro ciclo um projeto que
resulta de uma tomada de consciência sobre a autonomia e liderança do diretor face a alguns normativos.
Como refere Pacheco (2008),
Do ponto de vista da teorização curricular, a interpretação do currículo como projeto significa
a possibilidade de introduzir não só componentes regionais e locais, entendidas como
exploração do meio como conteúdo de aprendizagem, mas também a permanente
recontextualização do que pode ser face ao que deve ser. Nesse sentido o currículo é
necessariamente, pela natureza da decisão educativa, uma deliberação que envolve a
construção de propostas ora adaptadas do currículo nacional, ora (re) elaboradas a partir de
estratégias de diversificação. Por exemplo, diferenciação de conteúdos, medidas de apoio
pedagógico acrescido, ação tutorial, flexibilização de critérios de avaliação e projetos
curriculares. (p.181)
O projeto de tese em curso que aqui se apresenta, intituladoGestão Curricular e Promoção do
Sucesso Escolar: Um Estudo de Caso pretende fazer um estudo sobre esse projeto de gestão e organização

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A Escola: Dinâmicas e Atores

do currículo do 7º ano de escolaridade, com vista à melhoria dos resultados dos alunos, implementado na
escola.
Este trabalho também pretende descrever os níveis de satisfação de alunos, professores e
encarregados de educação com o projeto de gestão curricular diferenciada e caraterizar a evolução dos
resultados académicos dos alunos envolvidos no projeto, ao longo de um triénio.
Na escola onde se situa o estudo, ao longo de alguns anos ao fazer-se a análise dos resultados do
3º período constatou-se que o número de retenções no 7º ano era mais elevado comparativamente com os
outros anos. Da leitura das atas dos conselhos de turma salientava-se de modo generalizado que o
background dos alunos era muito diversificado em cada turma, o que dificultava a aquisição de conteúdos e
os reforços de aprendizagem aos alunos que apresentavam mais carências.
Após várias opções e estratégias de intervenção que incluíram apoios, reforços na sala de aula,
parcerias, etc., decidiu a diretora da escola elaborar as turmas de 7º ano com base nos resultados obtidos
nos exames de Português e Matemática no 6º ano bem como o nível da disciplina de inglês e em função do
nível de cada turma, com recurso ao crédito horário atribuído pelos normativos em cada ano escolar, alterar
a carga horária de Português e Matemática.
Nas turmas em que a média fosse de nível 4 ou mais, os alunos mantinham o currículo de 7º ano com
a carga horária definida para as diversas disciplinas. Nas turmas de média inferior a 4 foram tomadas duas
opções: parcerias em Português e Matemática quando o nível era entre 3 e 4, aumento de 45 minutos em
Português e Matemática e parceria a inglês quando o nível era 3 ou menos.

OBJETIVOS
Perante a aplicação deste projeto de gestão curricular, em curso, pretendemos estudar em de que
modo as alterações do currículo através do uso do crédito de escola contemplado nos normativos,têm sido
implementadas e percebidas pelos intervenientes. De salientar que este crédito de horas difere de escola
para escola em função do desempenho da mesma, já que escolas com menor desempenho e maior
afastamento negativo relativamente às médias dos exames têm menor crédito.
Importa então analisar os processos pelos quais as lideranças de topo e intermédias apoiam os
professores no sentido de aplicarem uma gestão curricular diferenciada. É importante que os professores
percebam o projeto, o interiorizem e o desenvolvam. Só quando se sente motivado e integrado o ser humano
consegue dar vida ao que lhe é proposto, neste enquadramento é essencial que os líderes desenvolvam
estratégias para que isso aconteça.
Uma das questões que se podem levantar e que se pretende observar prende-se com a alteração
das práticas pedagógicas por parte dos professores, fruto quer participação no projeto, quer dos resultados
que num primeiro momento obtêm dos seus alunos. Importa também saber e descrever os impactos
reconhecidos por professores e alunos ao nível dos resultados escolares.
Assim este estudo definiu questões de partida:
§ De que modo as lideranças de topo e intermédias intervêm junto dos docentes implicados no projeto,
no sentido de os motivar e apoiar a desenvolver uma gestão curricular diferenciada?
§ Que reflexos tem a participação no projeto ao nível das práticas dos professores ao nível curricular e
pedagógico?

422
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ Que impactos são reconhecidos pelos professores, alunos e encarregados de educação envolvidos
no projeto de gestão curricular diferenciada ao nível dos resultados escolares e da sua evolução ao
longo dos três anos?
Destas questões, decorreu a definição dos seguintes objetivos:

1. Caracterizar o projeto de diferenciação curricular desenvolvido numa escola com 3.º ciclo e
secundário, quanto à sua génese e processo de implementação;
2. Analisar os processos pelos quais as lideranças de topo e intermédias apoiam os professores no
sentido de aplicarem uma gestão curricular diferenciada;
3. Descrever os níveis de satisfação de alunos, professores e encarregados de educação com o projeto
de gestão curricular diferenciada;
4. Compreender os impactos que a participação no projeto de gestão curricular diferenciada em curso
tem, ou não, sobre as práticas curriculares e pedagógicas dos professores;
5. Descrever os impactos reconhecidos por professores e alunos ao nível dos resultados escolares;
6. Caracterizar a evolução dos resultados académicos dos alunos envolvidos no projeto, ao longo de
um triénio.
Este trabalho relaciona-se com a área de especialização de Liderança Educacional na medida em
que pretende abordar vertentes como:
§ A liderança do diretor relativamente à construção do currículo e à definição dos objetivos pretendidos
com essa construção; ou
§ As lideranças intermédias como parte integrante do projeto.
Do conceito de diferenciação curricular podemos apreender que significa modificar o ritmo, dinâmicas
e estratégias, gerindo os tempos que destinados na matriz curricular. A diferenciação deve responder ao
progresso contínuo de cada aluno, ao seu ritmo de aprendizagem, aos métodos de adquirirem conhecimentos
como nos refere Heacox (2006). Segundo ainda a mesma autora a diferenciação curricular deverá
proporcionar aos alunos a aquisição de conhecimentos que lhes permitam no momento de avaliação nacional
obter sucesso. Quando se diagnostica a necessidade de mais tempo para alguns alunos, deverá ser esse o
enfoque da questão para que ao lhe ser permitida essa utilização o aluno tenha a possibilidade de, ao seu
ritmo, atingir os objetivos propostos em cada grau de ensino.
Nas últimas décadas, e fruto de uma modificação política, e da massificação do ensino o professor
tem sentido necessidade de diferenciar para promover o sucesso dos seus alunos. No entanto uma questão
se pode levantar: e se a diferenciação fosse a montante e fossem definidas matrizes curriculares “ampliadas”
para alunos que apresentassem nível escolar mais baixo? Nessa situação, estaríamos perante uma
diferenciação curricular não apenas entre alunos, mas entre turmas, onde o objetivo continuaria a ser o
mesmo, isto é o sucesso.
Segundo Roldão (2003) importa perceber de que modo o currículo pode transformar-se para
encontrar formas de funcionar mais adequadas à realidade existente. Assim é urgente, em função das
análises feitas diferenciarmos o currículo.
Perante a diferenciação curricular importa que se faça também uma gestão do currículo, gerindo as
atividades, as metas curriculares, os recursos, as inquietações dos alunos, envolvendo as famílias, como
refere Heacox (2006) “O professor deve reservar tempo para responder às perguntas e às preocupações que
as famílias possam ter acerca da diferenciação curricular” (p.131).

423
A Escola: Dinâmicas e Atores

METODOLOGIA
O trabalho que nos propomos desenvolver, enquadra-se num estudo de caso pois pretendemos
analisar um caso concreto, situado num contexto particular, em que decorre um projeto de diferenciação
curricular com vista à promoção do sucesso. Assim para desenvolver todo este trabalho, e fazer as descrições,
analisar as lideranças e a participação, o grau de envolvimento e a satisfação da comunidade escolar optámos
por uma metodologia mista onde serão utilizados, como métodos de recolha de dados, a análise documental,
inquérito por entrevista em focusgroup e inquérito por questionário. Segundo Fernandes (1991, p. 64) “embora
a investigação quantitativa seja preponderante e tenha permitido avanços significativos no que respeita ao
nosso conhecimento quanto ao ensino, à aprendizagem e à educação em geral, temos que reconhecer as
limitações inerentes aos métodos que lhe são específicos”em face disto e atendendo ao estudo pareceu-nos
que a investigação teria que passar também por uma pesquisa qualitativa.
A análise documental centrar-se-á nos documentos internos, tais como atas, memorandos, relatórios,
pautas das disciplinas e das turmas sujeitas a diferenciação curricular.Os inquéritos por entrevista serão feitos
em “focusgroup”aos três subcoordenadores dos grupos de Português, Inglês e Matemática e a seis
professores envolvidos no projeto, dois de cada um dos grupos disciplinares envolvidos. Por sua vez os
inquéritos por questionário serão aplicados aos professores envolvidos no projeto,a encarregados de
educação e alunos das turmas envolvidas no projeto.
Dos dados recolhidos, será feita uma análise de conteúdo e estatística. Podemos referir tal como
Lima & Pacheco (2006, p.107) que “A análise de conteúdo é a expressão genérica utilizada para designar um
conjunto de técnicas possíveis para o tratamento de informação previamente recolhida”.
Sendo um estudo de caso, a população em estudo serão todos os docentes envolvidos no projeto,
assim como os alunos do 7º ano nos anos letivos 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017 bem como os alunos
do 9º ano de 2016/2017 (alunos que em 2014/2015 ingressaram no 7º ano), fazendo um estudo comparativo
com os anos anteriores em termos de retenções e qualidade do sucesso no 7º e 9º ano. Também os pais e
Encarregados de Educação destes mesmos alunos fazem parte da população em estudo.
O inquérito por questionário aos alunos e encarregados de educação será aplicado a todas as turmas
de 7º ano que tenham participado no projeto. Assim, os alunos e encarregados de educação dessas turmas
constituirão os participantes nos dois inquéritos por questionário, esperando-se conseguir obter uma taxa de
resposta acima dos 50%.
Relativamente ao inquérito por questionário a professores este será aplicado a todos os professores
da escola que tenham estado ativamente envolvidos no projeto.
Será efetuada uma entrevista individual ao Diretor, mas no que concerne aos subcoordenadores dos
grupos disciplinares de Matemática, Português e Inglês e dois professores de cada um destes grupos de
docência a opção será de inquérito por entrevista em “focusgroup”. A opção de fazer inquérito por entrevista
a professores para além dos subcoordenadores de grupo prende-se com a necessidade de conhecer o
processo e o desenvolvimento do projeto da gestão curricular, e recolher opiniões e perspetivas de diversos
intervenientes nesse processo. Como é referido por Guerra (2008):
Face à questão de saber quem entrevistar (no interior da amostra definida), e considerando
que não se trata de interrogar indivíduos cujas respostas serão somadas, mas informadores
suscetíveis de comunicar as suas perceções da realidade através da experiência vivida, não
se procura nem a representatividade estatística, nem as regularidades, mas antes uma
representatividade social e a diversidade dos fenómenos. (p.48)

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O trabalho agora em curso surge em face dos estudos feitos, até à data, relacionados com a
diferenciação curricular que abordam a questão como estratégia de intervenção com vista à promoção da
diferenciação pedagógica em sala de aula e no tipo de atividades desenvolvidas com os alunos. Os estudos
analisados dentro desta temática, através de uma pesquisa nos repositórios institucionais de teses e
dissertações, nos últimos 10 anos, também tendem a estar muito direcionados para os alunos com
Necessidades Educativas Especiais ou para o 1º Ciclo do Ensino Básico.
Relativamente a este projeto de diferenciação curricular com alteração do desenho curricular de
algumas turmas e que está em fase de desenvolvimento, em concreto, nada tem sido referido, assim este
estudo de caso poderá ser pioneiro nesse sentido.
O estudo em causa irá refletir da pertinência da utilização do crédito de escola na organização e
gestão do currículo do 7ºano tendo em vista a promoção do sucesso escolar

RESULTADOS PRELIMINARES
O estudo encontra-se agora numa fase de recolha de dados; foram aplicados os inquéritos por
questionário que estão a ser tratados em termos estatísticos.
Da leitura dos documentos internos, nomeadamente atas e relatórios dos grupos disciplinares existe
alguma dificuldade em perceber o desenvolvimento do projeto. As atas dos vários conselhos de turma referem
pouco a implementação do projeto em causa, estando mais preocupados em justificar os níveis negativos e
não o progresso de alguns alunosque possa existir. No entanto podemos ler em duas atas os seguintes
testemunhos:
O conselho de turma considera que a estratégia das parcerias pedagógicas, em especial a
Português e Matemática foi uma medida positiva do Plano de Atividades da Turma (PAT), e
que se deve manter caso se sustente a turma de perfil. Esta medida deverá ser estendida a
outras disciplinas.
A docente de Ciências Físico-Químicas, pediu a palavra para manifestar discordância com a
posição dos encarregados de educação sobre a problemática da constituição das turmas de
perfil, referindo que é a favor deste tipo de turmas, pois sempre que necessário adota
estratégias distintas por forma a propiciar o sucesso dos alunos, situação que se verificou
com esta turma.
As atas até agora analisadas não refletem com clareza se houve alterações de práticas letivas por
parte dos docentes das turmas integradas no projeto, esperamos que através da análise aos inquéritos aos
professores das referidas turmas, complementada pelas entrevistas,esse aspeto possa tornar-se visível.
Nos relatórios dos grupos podemos encontrar mais alguns pareceres sobre o projeto como se
encontra espelhado nestes extratos:
A maioria dos professores envolvidos no projeto (os que lecionaram o 7.º e o 8.º anos) faz
uma avaliação positiva desta medida de diferenciação do ensino, na medida em que permite
consolidar conhecimentos e possibilita o aperfeiçoamento das aprendizagens.
De salientar que, nas aulas em que são praticados conteúdos gramaticais, os alunos
cooperam e solicitam mais o apoio dos professores e resolvem os exercícios com maior
facilidade, uma vez que as suas dúvidas são pontuais e podem, a partir daí, seguir o modelo
que lhes é apresentado. (Grupo de Português)
(…) conclui-se que as aulas de parceria são benéficas, contribuem positivamente, se as
turmas apresentarem um determinado perfil: autonomia, sentido de responsabilidade e um
grau de conhecimentos mediano ou superior, pois são estes alunos que mais solicitam o
apoio do professor e, depois, individualmente, conseguem dar continuidade ao processo. Em
turmas mais fracas, a presença de outro professor em sala de aula é igualmente positiva,
contudo não é suficiente. Estes alunos necessitam de um apoio mais orientado, fora do
contexto de sala de aula. (Grupo de Inglês)

425
A Escola: Dinâmicas e Atores

As parcerias e desdobramentos na disciplina de matemática, foram no entender do grupo,


positivas e profícuas nos resultados, uma vez que, as atividades realizadas na sala de aula,
ajudaram os alunos a consolidar os conteúdos lecionados e, que as mesmas devem
continuar, no próximo ano letivo, sobretudo nas turmas de perfil baixo.
As tarefas propostas e as metodologias aplicadas incidiam nos itens onde os alunos haviam
manifestado mais dúvidas/dificuldades, permitindo assim, ao docente, através dum trabalho
de maior proximidade levar os mesmos a superá-las. (Grupo de Matemática).
Uma análise preliminar destes realça uma perceção positiva da implementação do projeto, e refere a
existência de impactos ao nível da proximidade do trabalho desenvolvido com os alunos, nas turmas em que
foram implementadas parcerias e desdobramentos. No grupo de inglês, no entanto, considera-se esta medida
positiva, mas insuficiente para o trabalho com estas turmas, que no entender daqueles colegas requer
também um trabalho de apoio extra, fora da sala de aula. Assim, a opinião expressa pelos grupos diverge
quanto às potencialidades da implementação do projeto, que o grupo de matemática refere serem
particularmente relevantes junto dos alunos com maiores dificuldades, ao passo que o grupo de inglês
considera, pelo contrário, que surte maior impacto junto dos alunos com melhor desempenho à partida. O
grupo de português não diferenciou a sua análise quanto a esta dimensão.
Na medida em que a recolha de dados está numa fase muito inicial, quaisquer conclusões ou
considerações carecem de fundamentação com base na triangulação de fontes e métodos, isto é, na análise
quer dos inquéritos, quer das entrevistas que estão a decorrer. Há muito caminho a percorrer mas estamos
conscientes que “caminhante, não há caminho,se faz caminho ao andar”.

REFERÊNCIAS
Fernandes, D. (1991). Notas sobre os paradigmas da investigação em educação, Noesis, 18, 64-66.
Guerra, I. (2006). Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo. Cascais: Principia.
Heacox, D. (2006). Diferenciação curricular na sala de aula. Porto: Porto Editora.
Lima, J. Á. & Pacheco, J. A. (2006). Fazer Investigação. Porto: Porto Editor.
Pacheco, J. A. (2008). Notas sobre a diversificação/diferenciação curricular em Portugal. InterMeio: revista do
Programa de Pós-Graduação em Educação, 14 (28), 178-187.
Roldão, M. (2003). Diferenciação Curricular Revisitada. Porto: Porto Editora.

426
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

IPAD NO COLÉGIO: PROJETOS DE APRENDIZAGEM COM O MUNDO NA MÃO


[ID 349]

Rogério Cerqueira
Pascal Paulus
Pedro Sousa
Colégio Académico, Lisboa
rogerio.acad@icloud.com; pauluspascal@icloud.com; pedro.sousa.acad@icloud.com

Resumo
Apresenta-se uma investigação-ação sobre a implementação da atualização do projeto educativo num
pequeno colégio privado na zona do Saldanha em Lisboa. Em 2013 a gerência do colégio decidiu revitalizar
a sua oferta educativa, inovando a partir da reescrita do seu projeto educativo. Três anos depois, o colégio
conseguiu iniciar uma inversão de uma tendência decrescente de matricula de novos alunos para um
tendência crescente, nos 2º e 3º ciclos.
Como consultor e investigador independente, Pascal Paulus acompanhou o processo de reformulação e de
implementação deste projeto, feito pelo corpo docente, de modo cooperada. Rogério Cerqueira e Pedro Sousa
são dois dos professores que desenvolvem com colegas e crianças os projetos de trabalho no dia a dia.
O projeto assenta em duas linhas mestres e, através dele, os docentes afirmam:
§ Conceptualizamos ferramentas que desenvolvem o pensamento e introduzimos instrumentos
tecnológicos para apoiar o raciocínio lógico e pré-científico.
§ Desenvolvemos projetos e disponibilizamos instrumentos que facilitam a participação dos alunos do
colégio na organização do espaço e do tempo de aprendizagem.
Atualmente todos os alunos do colégio dispõem de um iPad. São incentivados para usá-lo tanto como
ferramenta para pesquisa como para as comunicações que apresentam à comunidade educativa. Em fase de
implementação estão os projetos de trabalho de aprendizagem no 5º 6º e 7º ano de escolaridade para ser
ampliada para todo o 2º e 3º ciclo.
O próprio processo foi motor para a formação do corpo docente participante: sucessivos inquéritos e análises
SWOT ilustram os avanços na reflexão. A análise da evolução dos documentos de monitorização, tanto entre
o corpo docente como na relação entre o corpo docente e os alunos também ilustra o processo de mudança.
Com o projeto a entrar na terceira de quatro fases, já é possível trazer para a discussão algumas conclusões
provisórias em relação ao binómio “introdução de tecnologia digital” e “introdução da participação dos alunos
na organização dos tempos e espaços de trabalho” como elemento estruturante para a inovação e
revitalização pretendida.

Palavras-chave: Projetos de trabalho, Tecnologia digital, Participação na ação educativa.

Resumé
Nous présentons une recherche-action au sujet du développement de l’actualisation du projet éducatif d’une
école privée de petite dimension, située o centre de Lisbonne (Portugal). En 2013, la gestion de l’école décida
revitaliser son offre éducatif, en innovant son projet.
Après trois années, l’école réussit l’inversion de la tendance de diminution du nombre d’élèves, élevant le
nombre d’inscrits de la 5ième année jusqu’a la 9ième.
Pascal Paulus accompagne comme consulteur et chercheur indépendant le procès de reformulation e
développement du projet, réalisé par les professeurs basé sur la coopération. Roger Cerqueira et Pedro Sousa
sont deux des professeurs qui développent au jour le jour, avec les étudiants et les collègues, les projet de
travail.
Le projet éducatif tient deux lignes maitre, et, par elles, les professeurs affirment :
§ nous conceptualisons des outils qui appuient au développement de la pensée e nous introduisons des
instruments technologiques qui soutiennent le raisonnement logique et pré-scientifique.
§ nous développons des projets e nous mettons à la disposition des instruments qui facilitent la
participation des élèves de l’école au sujet de l’organisation de l’espace et du temps d’apprentissage.
Au présent tous les élèves de l’école disposent d’une tablette électronique iPad. Ils sont encouragés à l’utiliser
aussi bien pour faire des recherches comme pour présenter le résultat de leur travail à la communauté
éducative. Une réorganisation est en cours prévoyant que tous les élèves puissent développer des projet de

427
A Escola: Dinâmicas e Atores

travail. Actuellement cela ce fait sur base régulière et simultanément pour les groupes de 5ième, 6ième et
7ième et ponctuellement en 8ième. l´élargissement jusqu’au 9ième est prévu.
Le procès mené est la force motrice pour l’éducation permanente de l’équipe d’enseignants: des successives
enquêtes et analyses SWOT en font preuve. L’analyse de l’évolution des documents de suivi, aussi bien avec
les enseignants qu’avec les enseignés montrent ce procès de changement.
Alors que le projet commence la troisième de quatre étapes, il nous est déjà donné la possibilité de retirer
quelques conclusions provisoires au sujet du binôme « introduire la technologie digitale » et « introduire la
participation des élèves au niveau de l’organisation des temps et espaces de travail » comme élément
structurel pour l'innovation et la revitalisation prétendus.

Mots-clefs: Projets de travail, Technologie digitale, Participation au procès de l’action éducatif.

IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO
A questão da utilização das novas tecnologias no ensino é desde sempre desafiante, controversa e
pertinente. O Colégio Académico em 2013 determinou que iria implementar uma solução de iPads one-to-one
(cada aluno com o seu) em todos os níveis de escolaridade, depois de discutir o assunto com os pais, podendo
estes ter dúvidas de vária ordem (Hill, 2015). Podendo contar com a experiência do passado, com os
computadores Magalhães, o Colégio Académico iniciou o projeto com a entrega dos iPads ao corpo docente
um ano antes dos alunos receberem os seus
Durante esse ano os docentes tiveram oportunidade de explorar diariamente as capacidades
tecnológicas dos iPads, tendo estes os livros de teto em formato digital nos iPads. Os docentes ainda
participaram em diversas ações de formação sobre iPads.

Imagem 1 - Primeiro momento de formação de professores para o trabalho com iPad


Em simultâneo, o Colégio de acordo com o seu Projeto Educativo estimulou a organização Projetos
de trabalho negociados entre crianças e professoras no 1º ciclo (imagem 02).
Lembramos que a Área de Projecto que já constou das matrizes curriculares dos ensino básicos e
secundário nacionais (Decreto-Lei nº 6/2001 e Decreto-Lei nº 7/2001) é agora implementada num contexto
multidimensional, que passa pela interdisciplinaridade e por grupos de trabalho heterogéneos (de diversos
anos de escolaridade). Contudo, o que no colégio se pretende é que os projetos de trabalho sejam inicialmente
decididos sob proposta das crianças e dos jovens, integrando neles o currículo em contraponto com práticas
através das quais as tarefas relacionadas com os conteúdos programáticos sejam apresentados aos alunos
sob forma de Projeto de Trabalho.

428
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Imagem 2 - Primeiro ciclo. Projeto Ler, trazer, trocar


Para explorar as possibilidades dos projetos de trabalho, decidiu-se que o próprio projeto educativo
do Colégio fosse o resultado de um trabalho conjunto de todos os professores do Colégio. Assim, o projeto
construiu-se ao longo de 6 meses de reflexão e discussão. Uma vez finalizado, foi criado um instrumento de
monitorização para que cada professor pudesse acompanhar, por si próprio, a implementação do projeto.
Entretanto, no ano 2015, os alunos receberam os seus iPads e o Colégio na sua carga horária, do 1º
e 2º ciclo, contemplou o tempo de Projeto. No presente ano letivo o Colégio estendeu, conforme previamente
agendado, o tempo de Projeto ao 3º ciclo. É neste contexto que, no 2º ano na utilização dos iPads one-to-one
e no tempo de Projeto, surge a presente reflexão. Os horários escolares do 2º e 3º ciclo foram construídos de
forma a que os alunos tivessem uma tarde de tempo de Projeto. Nesta, todos os possíveis docentes estão
alocados ao tempo de Projeto. Deste modo foram criados quatro Centros de Apoio ao tempo de Projeto,
nomeadamente Ciências, Humanidades, Artes e Movimento (imagem 03). Cada centro tem os seus docentes
que orientam os trabalhos dos alunos.

Imagem 3 - Centro de apoio Arte e Movimento


Este processo visa criar os ambientes pedagógicos que Perrenoud (1995) refere que limitam o
trabalho nas escolas como a falta de tempo, flexibilidade, autonomia, diferenciação, criatividade. Ao nível do
espaço físico, cada professor fica numa sala devidamente identificada. Esta estrutura permitiu que cada
docente pudesse acompanhar o trabalho dos alunos na área afim à da sua formação. Como é referido por
Piaget (Piaget e Inhelder, 1993) o processo de desenvolvimento do aluno não obedece a aspetos normativos
preestabelecidos, mas sim à própria construção sistemática da aprendizagem. O protagonismo é dado ao

429
A Escola: Dinâmicas e Atores

aluno e ao seu interesse em liderar o próprio processo de investigação-aprendizagem. Os alunos podem


utilizar todo o espaço disponível no Colégio, nomeadamente salas, biblioteca, laboratórios, e fora dele, quando
incluem entrevistas com profissionais ou reportagens em jardins, museus ou outras instituições.

As fases dos projetos de trabalho


De seguida, apresentam-se as diversas fases dos projetos de trabalho que decorre tipicamente em 5
semanas:
Fase 1 - carateriza-se por um brainstorm dos alunos. Esta fase tem como objetivo formar os grupos
de trabalho em função da afinidade ao tema a desenvolver. Os grupos de trabalho podem ser constituídos
por alunos de diferentes anos de escolaridade. Esta possibilidade foi também criada à luz do documento do
Conselho Nacional de Educação (2016) que refere que mais 30% das turmas do 1º ciclo já têm mais que um
ano de escolaridade e a tendência é para aumentar. Esta heterogeneidade sendo já uma realidade
incontornável, então deve ser trabalhada por forma a que resulte. Após o entendimento intra-alunos sobre o
trabalho a desenvolver, estes concretizam uma proposta de trabalho, que será analisada pelo professor ou
professores do(s) Centro(s) de Apoio. A proposta de trabalho será enviada via internet num endereço
disponibilizado num QR code (imagem 04).

Imagem 04 - Registo com QR Code para lançar o projeto na plataforma iTunes U


Fase 2 – Os docentes, após receção da proposta de trabalho, analisam a mesma à luz do curriculum
nacional dos diferentes intervenientes e ajustam-na. Nesta fase é aberto um registo no iTunes U (imagem 05)
em que é criado o curso do Projeto de Trabalho.

Imagem 05 - Planificação e monitorização através da plataforma iTunes U

430
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Os alunos são informados por email dos resultados da sua proposta de trabalho, já com um espaço
reservado on-line para gestão do Projeto e para a comunicação com o professor do Centro de Apoio. Nesta
fase os grupos de trabalho são apresentados a um docente, o qual pode não ser docente da turma. O papel
docente deixa de ser central e passa a ser a do educador que orbita em torno do Projeto e que participa
quando é solicitado pelos alunos. Esta dinâmica confirma a valorização do ensino aprendizagem por parte
dos alunos, na autoestima dos mesmos pois estes são os responsáveis pelas suas aprendizagens (Not,
1991).
Fase 3 – O iPad com a sua mobilidade permite aos alunos acederem a informação na web, criarem
filmes, fotografarem e realizarem contatos com o exterior (email ou real-live) com facilidade, ou seja, têm um
centro de recursos na palma da mão (Deang33, s.d.). Nesta fase destaca-se o trabalho cooperativo que os
alunos desenvolvem como a divisão de tarefas, a sincronização do programa Keynote e a convergência de
recursos e valências) (imagem 06), na senda das trends em educação (Governo, 2017) .

Imagem 06 - Desenvolvimento do projeto de trabalho


Fase 4 – O trabalho é dado como terminado e presente ao professor do Centro de Apoio respetivo e
ao professor de Português que analisa a linguagem utilizada. Caso o trabalho seja meramente digital este fica
guardado na iCloud onde todos os professores podem aceder.
Fase 5 – É realizado um congresso interno, com um programa para as diversas comunicações que
irão decorrer em diversas salas, com AirPlay. Previamente são relembrados alguns prós e contras deste tipo
de apresentações multimédia:
§ Facilitam a compreensão da mensagem;
§ Otimizam a retenção da mensagem por mais tempo e a capacidade de memorização;
§ Gerem a atenção seletiva da audiência;
§ Focalizam na mensagem pretendida;
§ Demonstram preparação do formador;
§ Destacam o que é crucial na mensagem;
§ Facilitam a estrutura sequencial e coerente da mensagem;
§ Podem provocar “ruído”, sobrepondo-se à mensagem;
§ Podem tornar o orador “refém” da apresentação;
§ O excesso de informação confunde a audiência, não separando o crucial do acessório;
§ Podem revelar a insegurança do orador.

431
A Escola: Dinâmicas e Atores

Fase 6 – Criou-se um dia da semana, no final de tarde, para que os alunos possam realizar estas
comunicações a toda a comunidade educativa (imagem 08). Deste modo fecha-se o ciclo e volta-se à fase 1.
Em cada uma das fases existe uma avaliação. Esta tem como objetivo não provar, seriar ou excluir, mas sim
melhorar como Stufflebeam referiu (Stufflebeam et al, 1971). Meirieu refere as máquinas aprendentes em que
se valoriza o processo e não o produto. Com a dinâmica desenvolvida pelo Colégio, vemos em cada dia de
trabalho o espaço real da criatividade e do gosto pela aprendizagem que amanhã (fase 5,6) será de ensino.

Imagem 08 - Apresentação à comunidade educativa


O tempo de Projeto com os iPads tem levantado algumas questões, nomeadamente em relação às
aulas convencionais que os Encarregados de Educação e mesmo alguns docentes, conhecem de sempre.
Incidem as dúvidas, sobre o papel do professor, a escola - animação (Meirieu, 1993) e os conteúdos que por
vezes são escolhidos pelos alunos. Damos um exemplo paradigmático de um Projeto de Trabalho do 5º ano
sobre a Tosquia de um cão. A apresentação deste trabalho revelou grande excitação por parte dos alunos, de
todos os alunos. Nele fomos igualmente confrontados com as três questões acima referidas. O professor de
apoio neste Projeto de Trabalho auxiliou os alunos a investigar sobre os revestimentos dos animais (Ciências
Naturais), os cuidados de higiene a ter no dia-a-dia, a preparação de um conjunto de questões a realizar com
o tosquiador profissional e entrar em contacto com o mesmo. A fase 6 do trabalho culmina com o tosquiador
que simpaticamente anuiu vir ao Colégio e tosquiar um cão, durante o trabalho de apresentação dos alunos.
Claro que a tosquia, foi exitante para todos, mas tal era apenas a face mais visível do trabalho que os alunos
tinham desenvolvido. O professor centrou o protagonismo nos alunos e estes foram desenvolvendo atividades
planificadas em torno das tarefas de aprendizagens (Salvador, 1994). O papel do professor do Centro de
Apoio é o de encontrar condições de “aindamar” para aceder à zona de desenvolvimento proximal de
Vygotsky.

Análise a partir da monitorização em curso


Como referimos, trata-se de uma investigação ação que acompanha o desenvolvimento do projeto
educativo que o Colégio está a desenvolver. O trabalho está em curso e permite neste momento avançar com
algumas conclusões provisórias que enunciamos de seguida, sob forma de apontamentos curtos:
§ Existe um grande envolvimento dos alunos; a taxa de participação nas tarefas é apresentada como
de 100%. É um valor atrevido num análise pedagógica de ensino aprendizagem. No entanto este
representa, que durante a execução dos Projetos de Trabalho, todos os alunos, num determinado

432
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

intervalo de tempo contribuíram na investigação e concretização do Projeto. Para uns o intervalo foi
maior, para outros menor.
§ O workflow tem sido adaptado pelos docentes na criação de momentos de flipped classroom. Os
alunos de uma turma e sob proposta do professor vão desenvolver um determinado tema (igual para
todos). Este tema, referente a uma unidade curricular é apresentado sucintamente aos alunos,
revestido de significado para os alunos conseguindo assim mobilizar os alunos; desafiante na medida
certa (Trindade, 1988) e exequível já que deve ter em conta as aprendizagens anteriores (Cosme &
Trindade, 2001). Esta apresentação é enquadrada com vista a uma aprendizagem significativa
(Valadares & Graça, 1998) e por forma a estimular a criatividade para o desenvolvimento do tema.
De seguida, implementa-se o workflow já apresentado. No presente trabalho, apresentamos
resultados de duas dinâmicas aplicada em janeiro de 2017, desenvolvidas nas disciplinas de
Matemática 9º ano (Trigonometria) e de Ciências Físico Químicas 8º ano (tabela 1). Pretendia-se
aferir as implicações neste tipo trabalho. A procura da testagem da hipótese, da mais valia deste tipo
de trabalho, a assentaria em três parâmetros: Tempo utilizado, avaliações formativas e participação
nas atividades. O objetivo em testar uma hipótese é determinar a probabilidade de ser sustentada
pelos factos (Tuckman, 2000). As turmas que permitiram realizar este trabalho eram já conhecidas
dos docentes.
Tempo Tempo Resultados Resultados % de alunos que participaram
usado pelo usado pelos obtidos em obtidos em na exposição*
Disciplina
professor alunos avaliação avaliação
(2016) (2017) formativa (2016) formativa (2017) (2016) (2017)
Ciências
65% de
Físico 3h 7h 94% de positivas 20% 100%
positivas
Químicas
40% de
Matemática 2h 4h 67% de positivas 5% 100%
positivas
* valores observados pelos docentes
Tabela 01
§ Os alunos escolhem maioritariamente a formação de grupos em função dos temas e não em função
dos amigos ou dos colegas de turma. Ao longo do ano lectivo 2015-2016, entre 40 participantes, a
escolha de parceiros em doze rondas sucessivas de projetos de trabalho verificam o referido. As cinco
crianças que se mantiveram juntos ao longo do ano são aquelas que se sentem mais seguras e
acompanhadas quando continuam a trabalhar com aquele colega ou aquela colega de quem sabe
que terá o apoio necessário para conseguir concluir as suas tarefas.

Gráfico 01

433
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ Os alunos envolvidos distinguem as aprendizagens que decorrem de aulas convencionais daquelas


que decorrem dos projetos de trabalho. A tabela 02 mostra-nos a sua perceção.
Apreciação feita pelos alunos das aprendizagens realizadas
Competências Processos
aprendi nas aulas convencionais: aprendi nas aulas convencionais:
a escrever por palavras próprios; a não passar da (inter)net;
(sem as aulas) não conseguia aprender a ler, pois (que) há temas e palavras que aprendemos só com os
com uma pessoa a puxar por mim; nossos professores;
nas aulas de HGP nós temos uma planificação que (que) não é preciso ter outras aulas, porque estas (tardes
nos ajuda e diz o que devemos fazer. de projeto) até dão para ir à Austrália e voltar.
aprendi nas tardes de projeto: aprendi nas tardes de projeto:
a mexer nas aplicações do Ipad; que com várias visões de um argumento temos um projeto
a ser mais rigoroso; mais completo;
a ser mais autónoma. ao conseguir uma “liberdade” para poder trabalhar com
meios que ninguém aconselha, consegui perceber como
trabalhar sozinha ou em grupo.
Tabela 02
§ Os alunos têm uma clara noção das competências que desenvolvem com os seus projetos de trabalho
(gráfico 02), além das competências cognitivas.

Gráfico 02
§ Em geral, constatamos uma grande profundidade no desenvolvimento dos temas. Os alunos
desenvolvem as suas investigações em torno dos temas escolhidos, mas que invariavelmente se
tornam extensíveis a outros espaços curriculares. O que é bom. As relações que encontram entre o
que estudam e as aprendizagens normativas é superior.
§ No caso dos projetos de trabalho, as conclusões têm sido projetadas nos resultados acima referidos.
Entenda-se: sempre que os alunos são avaliados em saberes estudados por si, num projeto de
trabalho, os resultados são melhores. De igual forma os colegas que assistem às apresentações têm
mais facilidade em identificar os temas a estudar.
§ Constata-se gradualmente que os alunos obtêm melhores resultados nas fichas formativas quando
comparados com os obtidos no ano anterior. Referimo-nos a uma análise que envolve três turmas: o
9º ano em 2015/16, o 9º ano atual que estava no 8º ano em 2015/16 e o atual 8ºano. A caracterização
das turmas era suficiente semelhante (em termos de aproveitamento, comportamento e número de
alunos (20)) para que seja considerado possível efetuar as análises agora apresentadas.

434
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CONCLUSÃO
O presente artigo debate a utilização de tecnologias digital, mais concretamente iPads (ProCon.org,
s.d.) no âmbito da educação escolar. Contudo, acabam por estar um pouco afastados do centro do processo
do trabalho de aprendizagem e ensino que aqui descrevemos. E de facto, não estão no centro, nem podem
estar. Quem, para nós, estará sempre no centro são as pessoas, adultas e criança, a relação pedagógica que
entre elas se constroem, ligando-se ao mar de conhecimentos e experiências que podemos mobilizar com
vista à construção da cidadania. A mobilização deste recurso multimédia, como é o caso do iPad é quase
ilimitada. Será sempre a escola que deverá gerir as suas valências de forma construtiva para proporcionar a
interação e o diálogo que é a base de qualquer projeto de aprendizagem. Nós pensamos que o caminho que
traçámos é uma das formas para o fazer.
É neste momento claro para os docentes envolvidos que será necessário aumentar o tempo
disponível para o desenvolvimento dos projetos de trabalho: ter mais tempo é um parâmetro de extrema
importância, pois ele é sempre escasso para abordar todos os temas previstos nos curricula. Contudo,
verifica-se que o tempo alocado às tarefas referente aos projetos de trabalho é superior ao que está previsto
no calendário. Parte do tempo de calendário é utilizado nas apresentações. O desenvolvimento da literacia
escrita e a oral são objetivos do projeto educativo. Estas competências deixaram de ser um extra opcional e
passou a ser uma aptidão fulcral no século XXI (Anderson, 2016). Observamos que trabalhamos e
desenvolvemos estas mesmas competências comunicacionais, quando estão implicadas numa apresentação,
na condução ou moderação de uma reunião, de uma formação de uma exposição. Esta implicação, este
sentido dado, reforça a confiança, promovendo a aquisição e treino de técnicas de apresentação, adequando-
as aos objetivos pretendidos e promovendo uma atitude mobilizadora dos participantes. Logo, é liberto tempo
de trabalho, uma vez que se transfere tempo de instrução para tempo de comunicação. O corpo docente
propõe-se reconverter este tempo ganho em mais tempo para o desenvolvimento dos projetos de trabalho.
Visualiza a possibilidade de trabalhar com as crianças e os jovens que frequentem o Colégio para gerir a
congruência entre a comunicação verbal e não verbal, optimizando a eficácia das apresentações públicas e
tertúlias académicas e incentivar a auto-consciência crítica e a capacidade de auto-regulação pelo
desenvolvimento de um plano de melhoria pessoal, como o encontramos entre outros em Rego & Cunha
(2005) e Peel (1993).

REFERÊNCIAS
Anderson, C. (2016). Ted Talks - O guia oficial para falar em público. Temas e Debates, Circulo de Leitores.
CNE (2016). Estudos, organização escolar - as turmas. Conselho Nacional de Educação.
Cosme, A. & Trindade, R. (2001). Área de Projecto. Asa Ed.
Deang33 (s.d.). 62 interesting Ways to use an iPad in the Classroom. https://www.slideshare.net/deang33
acedido em 2017-02-20.
Governo (2017) http://etwinning.dge.mec.pt acedido em 2017-02-20.
Hill, A. (2015). Parents find promise and peril in education technology.
http://www.marketplace.org/2015/05/15/ education/learning-curve/parents-find-promise-and-peril-
education-technology#.VVnBB3IB-NZ.gmail acedido em 2017-02-20.
Meirieu, P (1993). Apprendre... oui, mas comment. ESF Ed.
Not, L. (1991). As pedagogias do conhecimento. Bertand do Brasil, Ed.

435
A Escola: Dinâmicas e Atores

Peel, M. (1993). A Comunicação com Sucesso, Presença Ed.


Perrenoud, Ph. (1995). Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto Ed.
Piaget, J. & Inhelder, B. (1993). A psicologia da criança. Asa Ed.
ProCon.org (s.d.) Should Tablets Replace Textbooks in K-12 Schools? In http://tablets-textbooks.procon.org
acedido em 2017-02-20.
Rego, Pina & Cunha (2005). Comunicar. Dom Quixote Ed.
Salvador, C (1994). Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artes Médicas.
Stufflebeam, D. et al (1971). An introduction to the PDK book: Educational Evaluation and Decision Making.
Itasca, III. F. E. Peacock Publishers, Inc.
Trindade, R. (1998). As escolas do Ensino Básico coo espaços de formação pessoal e social. Porto Ed.
Tuckman, B. (2000). Manual de investigação em Educação. Fundação Calouste Gulbenkian.
Valadares, J. & Graça, M. (1998). Avaliando... para melhor aprendizagem. Coleção Plátano Universitária.

436
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

AVALIAÇÃO DE ESCOLAS: DINÂMICAS DE ATORES NUM AGRUPAMENTO DE


ESCOLAS FACE AO PROCESSO DE AUTOAVALIAÇÃO
[ID 401]

Carla Chainho
José Saragoça
ECS/Universidade de Évora e CICS.NOVA - Pólo da Universidade de Évora;
cchainho@gmail.com; jsaragoca@uevora.pt

Resumo
A avaliação de escolas é uma temática pertinente na área da Sociologia e de impacto nas organizações
escolares. As organizações escolares são complexas, albergam uma multiplicidade de atores díspares, são
submetidas a ciclos de avaliação externa que têm como objetivo promover a melhoria da qualidade das
aprendizagens dos alunos e das escolas/agrupamento de escolas. A partir dos relatórios elaborados pela
equipa de peritos de avaliação externa de escolas, o agrupamento de escolas passa a ser detentor de
informação que o possibilita colmatar as fragilidades detetadas.
É neste quadro que decorre um estudo intitulado Avaliação de Escolas: perspetivas sociológicas sobre
mecanismos de regulação e lógicas de ação dos atores escolares, que procura: a) compreender as lógicas
de ação dos atores de modo a conhecer o seu grau de apropriação dos processos de autoavaliação; b)
antecipar os “futuros possíveis” para o processo de autoavaliação do agrupamento de escolas.
Por forma a dar resposta aos objetivos propostos utilizamos uma metodologia qualitativa, de base prospetiva
(“Escola francesa de prospetiva”), que nos permite captar a regulação e as lógicas de ação dos atores diretos
e indiretos do agrupamento de escolas e para antecipar os cenários possíveis para o processo e
desenvolvimento da avaliação de escolas no agrupamento em estudo. A partir da análise das entrevistas
efetuadas - grupos focais e entrevistas individuais, a tratar com recursos a uma técnica de análise de conteúdo
mediante o software Atlas TI - partimos para a elaboração de um questionário focado em questões sobre
autoavaliação, com objetivos de mapear as estratégias, e as lógicas de ação dos atores. Os dados serão
tratados com o método MACTOR (Método ACTores, Objectivos, Relações de Força) sugerido por Michel
Godet, será operacionalizado através de um software homónimo e será produzido conhecimento que
constituirá a base para procedimentos subsequentes orientados para a antecipação de futuros possíveis da
autoavaliação no agrupamento de escolas que está a ser estudado.
Esta investigação pretende evidenciar as lógicas de ação dos atores do agrupamento em estudo no quadro
da autoavaliação e avaliação externa de escolas, potenciando, assim, melhor articulação entre os atores
traduzível em maior eficiência destes processos para o agrupamento.

Palavras-chave: Autoavaliação, Avaliação de Escolas, Avaliação Externa, Lógicas de Ação, Regulação.

Résumé
L'évaluation des écoles est le thème pertinent dans le domaine de la sociologie et de l'impact sur les
organisations scolaires. Les organismes scolaires sont complexes, qui abrite une multitude d'acteurs
disparates sont soumis à des cycles d'évaluation externe visant à promouvoir l'amélioration de la qualité de
l'apprentissage des élèves et de l'école grappe / scolaire. D'après les rapports préparés par l'équipe d'experts
de l'évaluation externe des écoles, pôle scolaire devient le détenteur de l'information qui permet de remédier
aux faiblesses détectées.
Il est dans ce contexte qui suit une étude intitulée Évaluation des écoles: perspectives sociologiques sur les
mécanismes et les logiques d'acteurs scolaires mesures réglementaires, qui vise à: a) comprendre la logique
de l'action des acteurs de connaître leur degré d'appropriation du processus auto-évaluation; b) anticiper
"futurs possibles" pour le processus d'auto-évaluation de regrouper les écoles.
L'ordre pour atteindre les objectifs proposés a utilisé une méthodologie qualitative, une base prospective
("École française de prospective"), ce qui nous permet de saisir les règles et la logique de l'action des acteurs
directs et regroupements scolaires indirects et d'anticiper les scénarios possibles pour le développement des
processus et l'évaluation des écoles dans le groupe à l'étude. De l'analyse a mené des entrevues - groupes
de discussion et des entrevues individuelles portant sur les ressources à une technique d'analyse du contenu
par le logiciel informatique Atlas.Ti - nous avons décidé de préparer un questionnaire axé sur les questions
d'auto-évaluation, avec des objectifs de cartographier les stratégies, la logique d'action des acteurs. Les

437
A Escola: Dinâmicas e Atores

données seront traitées avec la méthode MACTOR (ACTEURS Méthode, objectifs, Relations avec la Force)
suggérée par Michel Godet, il sera mis en œuvre par le biais d'un logiciel homonyme et sera produit des
connaissances qui constituera la base pour les procédures ultérieures vers l'anticipation d'une éventuelle
future auto-évaluation le regroupement des écoles est en cours d'étude.
Cette recherche vise mettre en évidence la logique de l'action du groupe d'acteurs à l'étude dans le cadre de
l'auto-évaluation et l'évaluation externe des écoles, renforçant ainsi une meilleure articulation entre les acteurs
traduisibles dans une plus grande efficacité de ces processus de regroupement.

Mots-clés: Auto-évaluation, Évaluation des Écoles, L'évaluation Externe, Logiques d'action, Regulation.

INTRODUÇÃO
Este artigo tem como finalidade dar a conhecer o trabalho de investigação que nos encontramos a
realizar no âmbito da avaliação de escolas, cujo título provisório é Avaliação de Escolas: perspetivas
sociológicas sobre mecanismos de regulação e lógicas de ação dos atores escolares. Iremos utilizar para a
realização do nosso trabalho uma metodologia de cariz qualitativo que nos ajudará sobretudo a responder ao
primeiro objetivo da nossa investigação que consiste em: a) compreender as lógicas de ação dos atores de
modo a conhecer o seu grau de apropriação dos processos de autoavaliação; iremos recorrer também à
metodologia prospetiva que nos ajudará a dar resposta ao segundo grande objetivo a que nos propomos: b)
antecipar os “futuros possíveis” para o processo de autoavaliação do agrupamento de escolas que nos
encontramos a estudar.
Temos como principal finalidade, apresentar a nossa metodologia de trabalho e a análise dos
primeiros dados recolhidos e tratados.

(INTER)LIGAÇÃO DA AVALIAÇÃO EXTERNA COM A AUTOAVALIAÇÃO: A LÓGICA DE


ATORES
As organizações escolares são instituições altamente complexas, onde se verificam constantemente
mudanças mais ou menos profundas no que diz respeito às políticas públicas educacionais e
consequentemente nas suas práticas e para um melhor entendimento requerem reflexões de cariz
sociológico.
As políticas de avaliação têm estado presentes na área da educação, tendo como referenciais gerais:
o controlo e vigilância dos sujeitos, os métodos e conteúdos educacionais, bem com outros fatores mais
específicos: a competitividade das economias, a eficácia e eficiência dos sistemas educativos, a
descentralização administrativa (autonomia), melhoria da qualidade e dos resultados escolares, o direito à
decisão que se espelha na livre escolha dos alunos e encarregados de educação sobre o estabelecimento de
ensino a frequentar (Afonso, 2010).
Em Portugal, a avaliação de escolas públicas pretende sobretudo que a avaliação organizacional se
assuma “como um contributo relevante para o desenvolvimento das escolas. Sendo a avaliação um
instrumento para melhorar o ensino e a aprendizagem e os resultados dos alunos, procura-se incentivar
práticas de autoavaliação, promover uma ética profissional marcada pela responsabilidade, fomentar a
participação social na vida da escola e oferecer um melhor conhecimento público do trabalho das escolas”
(IGEC, 2016).
A lei 31/2002 de 20 de dezembro veio desenvolver o regime já anteriormente previsto na lei n.º 46/86,
de 14 de outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo). Aprovou o sistema de avaliação dos estabelecimentos
de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, definindo orientações gerais para a

438
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

autoavaliação e para a avaliação externa. Vários estudos apontam que a Avaliação Externa de Escolas
implementada pela IGE a partir de 2006, atual IGEC, fez despoletar a autoavaliação na maioria das Escolas
e Agrupamentos de Escolas.
A Avaliação Externa de Escolas cria uma corresponsabilização nas Organizações Escolares face ao
processo de Autoavaliação. A organização escolar é chamada a dar resposta à Avaliação Externa de Escolas
perante vários aspetos respeitantes ao seu funcionamento e organização, assim como apresentar à equipa
de avaliadores externos os documentos estruturantes da escola, tais como o Projeto Educativo, Projeto
Curricular de Escola/Agrupamento, Regulamento Interno, Plano de Atividades mais recente e outros
documentos, relatórios de atividade, relatório(s) da equipa de autoavaliação, criando assim uma incumbência
deste procedimento na organização escolar. No fundo, a avaliação Externa das Escolas constitui-se como um
processo socialmente construído e estruturado em vários níveis do sistema de ensino e engloba uma
pluralidade de atores em interação, tendo em consideração inúmeros contextos sociais e organizacionais em
que a avaliação se desenrola e a relação de cada escola ou agrupamento com a IGEC e o Ministério da
Educação (Veloso, Abrantes & Craveiro, 2011). A Avaliação tem sobretudo uma função mais formativa,
participada, visa a qualidade, sendo necessária a transparência e a prestação de contas das organizações
públicas para com os cidadãos deixando de lado efeitos de caráter penalizador. Como refere Veloso, (2013),
“ a experiência da avaliação externa conduziu a IGEC à tomada de consciência da imprescindibilidade de
prestar apoio às escolas para a realização dos seus processos de auto-avaliação” (Veloso, 2013, p.20).
A autoavaliação é, sem dúvida, uma etapa muito importante no processo da avaliação institucional,
em que a realidade externa poderá contribuir para o esclarecimento crítico da realidade interna contribuindo
para a legitimidade desta. Um dos nossos objetivos é tentar perceber no agrupamento de escolas em estudo
como é que se tem desenvolvido a interação entre vários atores escolares que fazem parte da estrutura da
organização (Direção, Conselho Geral, Conselho Pedagógico, Equipa de Autoavaliação, Funcionários,
Alunos, Encarregados de Educação) com culturas e estratégias múltiplas, como encaram e qual o seu
envolvimento perante o processo de autoavaliação que se desenvolve no agrupamento de escolas.
São vários os tipos de lógicas de ação que podemos encontrar nas escolas (cf. tabela n.º 1).

439
A Escola: Dinâmicas e Atores

AUTOR TIPO DE LÓGICA DE AÇÃO CARACTERIZAÇÃO SUMÁRIA


O ator estabelece os seus domínios que estão
relacionados com as suas pertenças, que serão
Lógica de Integração
mantidas no contexto da sociedade tida como um
regime de inclusão.
FRANÇOIS DUBET
O ator visiona a sociedade como um mercado tendo
Lógica Estratégica
em conta os seus interesses
Permite ao ator ter um papel crítico, face à sociedade
Lógica de Subjetivação
envolvente.
MANUEL Existente nas organizações complexas
Lógica Cognitiva
SARMENTO
Na qual a escola exerce uma finalidade geral, que
Lógica do serviço público transcende os próprios atores envolvidos, ligada a
fatores afetivos e operacionais.
RUI DO BEM
Relacionada com a concorrência entre escolas tendo
Lógica de Mercado em conta a qualidade da oferta, a eficácia, eficiência e
sobretudo os resultados educativos
Constituem formas de ação estratégicas desenvolvidas
nas organizações, sobretudo quando os atores
Coligações partilham determinado interesse, pode ser vista como
favorável para ambas as partes envolvidas. Dão azo a
negociações e à tomada de decisões
A lógica cívica estatal está relacionada com o bem
DANIELA SILVA Cívica Estatal comum geral, é burocrática e está interligada ao projeto
nacional
É caracterizada como um bem comum, particular,
preza a solidariedade e a igualdade real de
Cívica Cidadã
oportunidades
Doméstica-Comunitária
Distingue-se pela proximidade e confiança, está
relacionada com a autonomia local
Prima pela competição entre escolas, assim como a
Económica-Mercantil
título individual
Tem como instrumento a gestão estratégica, a eficácia,
Económica-Empresarial
eficiência, qualidade e meritocracia.
Relações que as escolas estabelecem com o ambiente
exterior para influenciar a sua posição face ao território
de pertença: Relações com outras escolas, Câmaras
Lógicas de ação externas Municipais e Promoção da escola.
Tentativa da direção em controlar o ambiente externo
JOÃO BARROSO das escolas e lidar com os fenómenos de segregação e
desigualdade de oportunidades passando pelas
Lógicas de ação internas seguintes intervenções:
- Controlo dos professores sobre os órgãos de gestão;
- Relações escola-família;
- Projetos e atividades extracurriculares;
- Organização das turmas.
Tabela1 - Tipos de Lógicas de Ação
As lógicas de ação são sustentadas por objetivos e estratégias que têm como finalidade alcançar
interesses individuais e coletivos.

METODOLOGIA ADOTADA PARA A INVESTIGAÇÃO


A metodologia adotada para a realização do nosso trabalho é de cariz qualitativo, sob a perspetiva
sociológica interpretativista. O conhecimento criado está relacionado com um determinado contexto e das
interpretações efetuadas a partir dos acontecimentos e comportamentos dos atores participantes na
investigação. Tal como refere Afonso” A investigação-acção implica perseverança, num esforço contínuo para
ligar, relacionar e confrontar acção e reflexão. A reflexão abre novas opções para a ação, e a acção permite
reexaminar a reflexão que a orientou” (Afonso, 2005, p.75).

440
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A nossa abordagem qualitativa será efetuada através da análise de documentos que são
estruturantes para a organização, tais como (Regulamento Interno, Plano Anual de Atividades, Projeto
Educativo) os relatórios da Avaliação Externa de Escolas, relatórios de Autoavaliação.
Para obtermos os dados pretendidos realizámos entrevistas com base num guião de entrevista semi-
estruturada, constituído pelos objetivos gerais que definimos: a) compreender as lógicas de ação dos atores
de modo a conhecer o seu grau de apropriação dos processos de autoavaliação; b) antecipar os “futuros
possíveis” para o processo de autoavaliação do agrupamento de escolas que nos encontramos a estudar.
A partir daí formulámos um conjunto de questões que pretendem dar resposta ao nosso estudo,
enunciando, também, nalguns casos perguntas subsidiárias. Perguntas essas que nos ajudarão a conduzir a
entrevista de modo a orientar o meu esforço intelectual de gestão e recolha de dados.
Ao elaborar o guião como um instrumento orientador da entrevista, a principal preocupação foi
sobretudo facilitar o clima relacional entre entrevistados e entrevistador de modo a que as informações
fluíssem mas tendo sempre em consideração os dados que pretendíamos recolher. A maioria das entrevistas
são em grupo ou coletivas. Apenas se irão realizar duas entrevistas individuais, uma ao Diretor, outra à
Presidente do Conselho Geral do Agrupamento de Escolas. As entrevistas foram registadas em suporte áudio
com o devido consentimento dos entrevistados, tendo-se sublinhado que os dados recolhidos serão
destinados exclusivamente à investigação em causa, não sendo divulgados dados pessoais dos
entrevistados, nem identificado o agrupamento em causa, e que as gravações serão destruídas pela
investigadora logo após a sua transcrição. "O investigador procura desconstruir e reconstruir empiricamente
os actores de campo que podem ser actores/agentes individuais ou colectivos. Interessa ao investigador
verificar as interacções e regulações dos actores implicados de modo a interrogar a estrutura dos actores
pertinentes.
Após a recolha, tratamento e análise dados através das entrevistas usaremos o método MACTOR,
operacionalizado com o software homónimo proposto por Godet (1993). Vocacionado para a análise dos jogos
de atores, este método muito utilizado em estudos prospetivos, nomeadamente ao serviço da compreensão
das dinâmicas sociais dos principais atores de um determinado sistema social, permite-nos avaliar as relações
de força entre os atores e examinar as suas convergências e divergências face a um determinado número de
desafios e objetivos relacionados” (Chainho & Saragoça, 2015, p.15). Este método consiste sete etapas, as
quais passamos a descrever: primeiro é necessário elaborar de um quadro de estratégias de atores onde
cada ator será descrito como um bilhete de identidade (as suas finalidades, objetivos, constrangimentos e
meios de ação internos e as suas atitudes). Na segunda etapa identificamos os desafios estratégicos e
objetivos associados a partir daí conseguimos identificar quais os objetivos convergentes ou divergentes dos
atores. Numa terceira fase construímos uma matriz de “atores x objetivos” indicando a atitude de cada ator
face a cada objetivo passado, com o auxílio de uma escala constituída por valores que oscilam de valores
negativos, neutro e valores positivos. Na quarta fase, procedemos à hierarquização dos objetivos para cada
ator, avaliando-se a intensidade do posicionamento de cada ator utilizando uma escala específica.
Na fase seguinte, quinta fase, construímos uma matriz de influências diretas entre os atores a partir
do quadro estratégico dos atores considerando os meios de ação de cada ator. As relações de força são
medidas através através do software MACTOR, a partir das influências diretas e indirectas de cada ator.
Constrói-se um diagrama de influência-dependência dos atores. A análise das relações de força dos atores
realça os pontos fortes e fracos de cada um, assim como as suas possibilidades de defesa. Na sexta fase,

441
A Escola: Dinâmicas e Atores

identificamos quais são relações de força na análise das convergências e divergências entre atores. Os atores
têm “pesos” diferentes face aos objetivos, a sua intensidade varia. A sétima e última fase permite-nos formular
as recomendações estratégicas e provocar questões-chave para o futuro de modo a que o agrupamento de
escolas possa optar posteriormente pela situação que mais lhe convier. É necessário salientar que a utilização
deste método requer cuidados na seleção e qualidade dos dados de entrada e devem ser selecionados os
dados que sejam mais pertinentes para o estudo.

ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS


A análise e apresentação dos dados que vamos passar a apresentar são referentes a três grupos
focais entrevistados (Assistentes Operacionais, Assistentes Técnicos e Alunos) e uma entrevista individual
(Presidente do Conselho Geral) já realizadas. Cada um dos grupos focais é constituído por cinco elementos
que se encontram identificados por siglas de modo a que a situação de anonimato seja salvaguardada. Para
além destes atores já entrevistados irão também fazer parte do nosso estudo os seguintes atores: Equipa de
Autoavaliação, Diretores de Turma, Coordenadores de Departamento e os Coordenadores de Diretores de
Turma, Entidades Locais com assento no Conselho Geral, Encarregados de Educação e o Diretor do
Agrupamento de Escolas.
Iremos apresentar os dados referentes a quadro dimensões de estudo já consideradas:
I – Dinâmicas do processo de autoavaliação;
II – Atores-Chave na autoavaliação;
III – Objetivos estratégicos para a autoavaliação.
IV – Lógicas de ação dos atores
Cada uma destas dimensões está subdividida em categorias e subcategorias que vou passar a apresentar
na seguinte tabela n.º 2 abaixo mencionada:
DIMENSÕES CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
Dinâmicas do Processo de Características do processo de autoavaliação Processo sistemático e
Autoavaliação organizado
Razões do aparecimento da autoavaliação Imposição externa
Necessidade interna
Participação dos atores na autoavaliação Professores
Funcionários
Conceção e implementação do
Efeitos e impactos da autoavaliação
plano de melhoria
Supervisão da prática letiva por
pares
Atores-Chave na Principais atores Equipa de autoavaliação
Autoavaliação
Coordenadores de departamento
Diretor
Presidente do conselho geral
Objetivos Estratégicos para Estratégias da autoavaliação Aspetos pedagógicos
a Autoavaliação
Valorização da imagem da escola
Melhoria contínua
Lógicas de Ação Lógica da não integração
Lógica da subjetivação
Lógica económica-empresarial
Coligação (modo de ação)
Tabela 2 - Dimensões, categorias e subcategorias analisadas
Através da análise efetuada às quatro entrevistas realizadas detetámos o seguinte relativamente à
primeira grande dimensão: Dinâmicas do processo de autoavaliação:

442
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Os atores entrevistados até ao momento não são detentores de informação privilegiada no que diz
respeito às características do processo de autoavaliação, nomeadamente a partir de quando é que se tornou
um processo organizado e sistemático:
[AO] Processo de avaliação na escola começou acerca de 7/ 8 anos. [C_AT] Isso acontece
há 4 anos a esta parte. [PCG] Eu penso que os processos sistemáticos e organizados
começaram à pouco tempo, portanto há poucos anos e que culminaram com a apresentação
daquele projeto de autoavaliação.
Quer os Assistentes Operacionais designados por [AO] como os Assistentes Técnicos [AT] não
sabem ao certo quando começou a decorrer o processo sistemático e organizado acerca da autoavaliação.
Verificamos que que apenas a Presidente do Conselho Geral [PCG] tem mais alguma informação, tem noção
de que este processo sistemático e de modo organizado começou à relativamente pouco tempo e refere que
culminou com a apresentação do “projeto de autoavaliação” relatório de autoavaliação que se reporta ao
quadriénio que vai de 2010 a 2014.
De modo sistemático e organizado a equipa de autoavaliação existe desde o ano letivo 2013/2014.
Embora anteriormente tivesse existido na EB2/3 no ano letivo 2011/2012 a preocupação e tentativa de iniciar
este processo.
Relativamente às razões que levaram ao aparecimento da autoavaliação, se é uma imposição externa
ou se por sua vez surgiu do aparecimento de uma necessidade interna, apenas a Presidente do Conselho
Geral tem uma ideia acerca deste assunto:
[PCG] A avaliação externa de certa forma ahh encaminha-nos nesse sentido, da
autoavaliação
[PCG] […]autoavaliação e de o agrupamento proceder a uma autoavaliação ao mesmo
tempo penso que a escola também sente a necessidade de haver portanto esta recolha
sistemática de informação e de haver portanto uma avaliação, uma análise, ahh que permita
fazer a avaliação […] tentar alterar ou até tentar introduzir portanto novos caminhos, portanto
de apontar novos caminhos.
Crê que o facto de o Agrupamento de Escolas começar a efetuar a autoavaliação seja um misto das
duas realidades, por um lado refere que a Avaliação Externa acaba por transmitir essa necessidade e que o
próprio agrupamento também sente a necessidade de refletir sobre as suas práticas, de efetuar uma análise
de modo a melhorar procedimentos e apontar novos caminhos para a organização escolar.
No que se refere à categoria: participação dos atores na autoavaliação, os Assistentes Operacionais
e a Presidente do Conselho Geral referem alguns professores, dos quais têm conhecimento de que estão
interligados diretamente com a autoavaliação de escolas, isto é, fazem parte integrante da equipa de
autoavaliação:
[D_AO] Professora MM, Professora SS, e talvez também a professora…o professor JJ já
estava ao serviço? [E_AO] Já, já tava, então foi no tempo do professor JJ. A professora SS
com o professor JJ se calhar…
[PCG] Penso que a maioria, não todos, mas a maioria, mas um número significativo também
eram elementos que pertenciam ao conselho pedagógico [equipa de autoavaliação], embora
penso que foram coordenados pela professora SS.
[PCG] […]pelo facto de estar no conselho geral eu não pertenci a nenhuma comissão…a
nenhum grupo de autoavaliação.
A Presidente do Conselho Geral indica que a maior parte da equipa era constituída por membros do
Conselho Pedagógico.
É importante referir que uma das preocupações na constituição da equipa de autoavaliação foi ter
presente um elemento de cada departamento (Departamento de Línguas, Expressões, Pré-Escolar, 1.º Ciclo,
Ciências Sociais e Humanas, Matemática e Ciências Experimentais) e a partir do ano letivo (2014/2015) passa

443
A Escola: Dinâmicas e Atores

a integrar a equipa um professor de Educação Especial. Contudo não existe na equipa nenhum representante
dos alunos, funcionários, encarregados de educação e da comunidade local com assento no Conselho Geral
do Agrupamento de Escolas:
[E_AO] só quando precisam de nós, por exemplo como agora neste caso é que nos dizem,
mas nós colaboramos, né? Só quando somos chamados para colaborar.
Na categoria sobre os efeitos e impactos da autoavaliação, a Presidente do Conselho Pedagógico
acaba por referir a conceção e implementação do plano de melhoria como sendo um dos efeitos da
autaavaliação:
[PCG] Já está a ser implementado [plano de melhoria] portanto foram definidos alguns pontos
lá do plano de melhoria, alguns estão a ser implementados na totalidade outros estão a ser
parcialmente implementados
O Plano de Ação de Melhoria é um documento constituído por onze ações de melhoria que irão ser
desenvolvidas ao longo do ano letivo presente (2016/2017) com a finalização prevista de todas as ações em
julho de 2018. O Plano de Ação de Melhoria apresenta ações que foram detetadas pela equipa de
autoavaliação do Agrupamento de Escolas através do relatório de Diagnóstico de Autoavaliação e
identificadas pela última Avaliação Externa de Escolas na sequência da visita efetuada entre 17 e 20 de
novembro de 2014.
Outra das situações evidenciadas pela Presidente do Conselho Geral foi o facto de se estar a realizar
no 1.º Ciclo com os alunos do 2.º ano a supervisão da prática letiva por pares:
[PCG] houve resultados e que estão a ser, pronto, muito evidentes principalmente esses do
1.º ciclo que a professora que é coordenadora do 1.º ciclo referiu que portanto eles têm
assessorias e têm outros professores em sala de aula e têm outro tipo de apoios e que está
a dar resultados e isso deriva de por exemplo do processo de autoavaliação […] os alunos
do 2.º ano, ahh em que havia uma taxa de insucesso muito grande[…] apesar de estarmos
no início do ano letivo ahh se está a ter muito bons resultados daquele plano de melhoria que
foi traçado ahh no sentido de resolver um pouco essa situação.
Este trabalho por parte dos professores do 1.º Ciclo tem contribuído para a melhoria dos resultados
escolares dos alunos do 2.º ano que estavam a apresentar taxas de sucesso escolar pouco satisfatórias.
No que diz respeito à segunda dimensão: Atores-Chave na Autoavaliação, são considerados os
principais atores pelos entrevistados (Assistentes Operacionais, Alunos e Presidente do Conselho Geral), a
Equipa de Autoavaliação, os Coordenadores de Departamento, o Diretor e a Presidente do Conselho Geral:
[PCG] A Equipa [autoavaliação] tem um peso mais importante embora depois os […] porque
eles são extremamente importantes, extremamente importantes, sim!
[AO] + [ALUNOS] [Considerado como sendo muito importante]
[PCG] […]elementos que constituem o conselho pedagógico do qual fazem parte os
coordenadores de departamento.”
[AO] + [ALUNOS] [Considerado como sendo muito importante]
[PCG] os elementos da direção, têm um peso aí também um pouco superior
A Presidente do Conselho Geral referiu que os atores escolares (Equipa de autoavaliação,
Coordenadores de Departamento, Diretor, Presidente do Conselho Geral) têm um papel preponderante para
o desenvolvimento da autoavaliação. Os alunos e Assistentes Operacionais consideraram sobretudo como
atores-chave deste processo o Diretor e a Equipa de Autoavaliação.
Relativamente à terceira dimensão: Objetivos estratégicos para a autoavaliação, na categoria:
estratégias da autoavaliação os Assistentes Técnicos referiram os aspetos pedagógicos:
[B_AT] Deve ser sempre no sentido da melhoria quer em termos pedagógicos. [E_AT] Ver
os pontos fracos
Os Assistentes Operacionais mencionam a valorização da imagem da escola:

444
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

[E_AO] Queremos ficar bem avaliados, bem vistos” [Valorização da imagem da escola]
A Presidente do Conselho Geral indica a melhoria contínua como a grande estratégia da
autoavaliação pois permite uma reflexão contínua e isso contribui para que a melhoria seja uma constante:
[PCG] Eu penso que aquilo que o agrupamento de escolas pretende atingir num futuro
próximo é ser cada vez melhor e prestar um ensino de melhor qualidade aos alunos portanto
aqui do agrupamento. É sempre, eu penso eu que é essa a finalidade sempre maior, pronto,
que a autoavaliação será um contributo para isso na medida em que nos faz refletir e nos faz
portanto sempre melhorar.
Quanto à quarta dimensão, identificámos, no agrupamento de escolas considerado, quatro tipos de
lógicas de ação, a saber:
A lógica da não integração relacionada com os atores escolares que não são considerados atores-
chave no processo de autoavaliação:
ALUNOS [Não sabem quando começaram os processos de autoavaliação da Escola]
[E_AO] Eu não lhe posso responder porque não tenho essa informação [riso], [D_AO] eu o
que vamos sabendo é pela escola, agora se foram fazer nós ficamos sem… Não sabemos a
razão do seu aparecimento…
[A_AT] A professora SS andava envolvida nisso, antes de se ir embora, de resto não sei
mais nada, aqui, de antes não sei mais nada. [E_AT] A professora MM acho que também.
[D_AT] Exato…não sei, acho que essas duas sim.
Verifica-se o alheamento face ao processo de autoavaliação da escola sobretudo nos atores
(Assistentes Técnicos, Assistentes Operacionais e os Alunos), não sabem quando teve início quem são os
intervenientes diretos no processo e os elementos que constituem a equipa de autoavaliação.
Referenciamos a lógica da subjetivação:
[PCG] O que se pretende com o processo de autoavaliação é refletir sobre, é uma reflexão
sobre as nossas práticas, ahh sobre aquilo queee a nossa escola, o nosso agrupamento faz,
os resultados que tem, etc. Para tentar ahh ultrapassar, digamos assim, tentar traçar os
caminhos do futuro em termos do agrupamento e da escola […]
A reflexão encontra-se presente. O ator tem necessidade de ter um papel crítico face à autoavaliação.
Conseguimos identificar também a lógica económica-empresarial em que o objetivo é atingir a
qualidade e a meritocracia:
[PCG] Eu penso que aquilo que o agrupamento de escolas pretende atingir num futuro
próximo é ser cada vez melhor e prestar um ensino de melhor qualidade aos alunos portanto
aqui do agrupamento. É sempre, eu penso eu que é essa a finalidade sempre maior, pronto,
que a autoavaliação será um contributo para isso na medida em que nos faz refletir e nos faz,
portanto, sempre melhorar.
A qualidade, melhoria, eficácia e eficiência são conceitos muito presentes. Destacamos também a
coligação que é considerado um modo de ação e identificamo-lo através da entrevista realizada aos alunos
em que eles acham que é possível mobilizar os atores para a participação ativa na autoavaliação do
agrupamento de escolas:
[D_ALUNOS] Acho que é possível mobilizá-los, e possível mobilizá-los, todos fazemos parte
desta escola, todos queremos o melhor para esta escola, digo eu…Uns porque trabalham cá
outros porque estudam cá […] por exemplo, um desses atores pode com mais vontade pode
fazer ações de campanha para tentar mobilizar os outros atores que estejam mais
desmotivados, isto é um exemplo…
A Presidente do Conselho Geral refere que se houver horas comuns de trabalho entre os atores,
estes têm assim maior capacidade para se dedicar à autoavaliação:
[PCG] É necessário haver recursos, haver pessoal, existir horas de trabalho comuns entre
os coordenadores de departamento. [Necessidade de horas de trabalho comuns]

445
A Escola: Dinâmicas e Atores

BREVES CONSIDERAÇÕES FINAIS


Os atores escolares (Assistentes Operacionais, Assistentes Técnicos e Alunos) são considerados
como os menos envolvidos no processo de autoavaliação. Podemos mesmo referi-los como «não
integrados». Torna-se premente que esta situação seja invertida, é necessário a participação ativa de todos
os atores que fazem parte da organização escolar, pois, maior será a contribuição para a melhoria contínua
do Agrupamento de Escolas. É fundamental que haja uma participação ativa por parte dos encarregados de
educação e alunos no processo de autoavaliação. Há que promover a cultura de avaliação. A accountability
deve ser entendida como um conjunto articulado entre estes três conceitos: avaliação, prestação de contas e
responsabilização, só assim se conseguirá promover a corresponsabilização por parte de todos os atores
escolares, sendo o seu grau de corresponsabilização dependente do lugar e função que desempenham.
É necessária a formação de atores escolares na área da autoavaliação, traçando um caminho
estruturante para a organização escolar.
A autoavaliação deve ser assumida na organização escolar como uma prática sustentada, formativa
e promotora de empowerment, em que todos são convidados a participar, deve proporcionar um diálogo
solidário, analítico e abarcar equipas interdisciplinares.

REFERÊNCIAS
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Revista Estudos em Avaliação Educacional, 46, 343–362.
Afonso, N. (2005). Investigação naturalista em educação: um guia prático e crítico. Porto: Edições Asa.
Barroso, João (Org.) (2006). A regulação das políticas públicas da educação: espaços, dinâmicas e
actores. Unidade de I&D de Ciências da Educação. Coimbra.
Bem, R. (2005). A avaliação das escolas no quadro actual das políticas públicas em educação.
Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação. Universidade de Lisboa. Lisboa.
Chainho, C. & Saragoça, J. (2015). Avaliação de Escolas, Regulação e Lógica dos Atores: proposta de
uma metodologia de análise sociológica. In Pacheco, J. A., Sousa, J. & Costa, N. (Ed.) Seminário
Internacional Avaliação Externa de Escolas, Universidade do Minho, 8 e 9 de maio (12-16).
Braga: Instituto de Educação – Universidade do Minho. ISBN 978-989-8525-42-0.
Dubet, F. (1994). Sociologia da experiência. Lisboa: Instituto Piaget.
Godet, M. (1993). Manual de prospectiva estratégica. Da antecipação à acção. Lisboa: Publicações Dom
Quixote.
IGEC. (2016). Avaliação. Consultado em 14 fev. 2016. Disponível em http://www.ige.min-
edu.pt/content_01.asp?BtreeID=03/01&treeID=03/01/03.
Sarmento, M. J. (Org.) (1999). Autonomia da escola: políticas e práticas. Porto: Edições Asa.
Silva, D. V. (2010). Escola, estratégias e convenções. Um olhar sociológico-organizacional a partir das
representações docentes sobre a “autonomia” consagrada das escolas básicas. Revista da
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Veloso, L., Abrantes, P. & Craveiro, D. (2011). A avaliação externa de escolas como processo social.
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Veloso, L. (Org.) (2013). Escolas e avaliação externa: um enfoque nas estruturas organizacionais.
Lisboa: Editora Mundos Sociais.

446
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Referências Legislativas
Lei n.º 31/ 2002, de 20 de dezembro, Diário da República, Série I-A, n.º 294
Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, Diário da República, Série I, nº 237

447
A Escola: Dinâmicas e Atores

A UTILIZAÇÃO DAS REDES E MÍDIAS SOCIAIS NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE


PROFESSORES: UMA EXPERIÊNCIA A SER CONTADA
[ID 136]

Deise Maria Marques Choti


Marilda aparecida Behrens
PUCPR
deise.chot i@gmail.com; marildaab@gmail.com

Resumo
As Redes e Mídias Sociais ganham cada vez mais papel de destaque na sociedade contemporânea em que
se vive atualmente. Pessoas comunicam-se diariamente por meio de novas conexões virtuais em diferentes
partes do mundo, tornando essa prática comum no seu dia a dia. Sendo as instituições de ensino, parte dessa
sociedade, observa-se que a educação formal necessita favorecer por meio de suas propostas, disciplinas
que auxiliem o professor em formação continuada, a conhecer e exercitar a utilização dessas interfaces
Midiáticas, no sentido de tornar suas aulas, mais dinâmicas e conectadas com o mundo lá fora, aproximando-
se assim, das linguagens de seus alunos. Diante dessa realidade, este artigo foi desenvolvido por meio de
uma pesquisa qualitativa e teve como objetivo apresentar a experiência de utilização de Redes e Mídias
Sociais, numa disciplina para mestrandos e doutorandos, dentro de uma conceituada Universidade, no estado
do Paraná, que teve como objetivo, envolver e incentivar professores enquanto alunos/pesquisadores dessas
novas possibilidades, no intuito de uma práxis mais alinhada com a realidade atual.

Palavras-chave: Redes e Mídias Sociais, Tecnologias, Formação Continuada de Professores.

INTRODUÇÃO
Vivem-se atualmente grandes desafios, em todos os segmentos da sociedade, diante dos novos
padrões educacionais que surgem em meio às crescentes demandas sociais representadas pelas
Tecnologias da Informação e Comunicação. Percebe-se que alguns desses desafios encontram barreiras por
falta de mais conhecimento na utilização das redes e mídias sociais, tanto dentro como fora das instituições
de ensino.
Em se tratando de formação docente para o ensino superior, o desafio parece ainda maior, com a
exigência de novos processos metodológicos que possam contribuir com uma formação mais crítica dos
alunos.
Desta forma, percebe-se que o cenário educacional passa por uma grande diversidade de
transformações, transformações essas que ocorrem principalmente no que tange ao processo ensino-
aprendizagem, bem como às metodologias aplicadas nos ambientes formais das instituições de ensino.
Sendo assim, o interesse das autoras nessa temática é o de provocar uma análise e reflexão da real
importância que essas redes e mídias sociais vêm adquirindo, especialmente nas salas de aula, pois é nesse
ambiente acadêmico, por meio de pesquisas e de informações pontuais, que se entende que os atores desse
universo podem aprender a interagir com o mundo em que vivem.
Este artigo visa, portanto, apresentar a experiência da utilização das redes e mídias sociais numa
disciplina para mestrandos e doutorandos que se encontram, consequentemente, em formação continuada
no stricto sensu, numa conceituada universidade da cidade de Curitiba, Estado do Paraná/Brasil.

448
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

DESENVOLVIMENTO
O que são redes e mídias sociais
Na sociedade contemporânea, os paradigmas da ciência influenciam a educação e a revolução
informacional na sociedade como um todo. Este movimento paradigmático com visão complexa inclui a
utilização das mídias em grande escala, pela população em geral, pois mesmo não utilizando a rede
informatizada, existem múltiplos recursos, como por exemplo, os códigos de barras que se apresentam nos
produtos dentro das casas, assim, mesmo sem perceber a população utiliza-se a leitura ótica quase todos os
dias.
Fato é, também, que na sociedade contemporânea em que se vive, a mídia tornou-se um fator
relevante na vida das pessoas. Nesse sentido, cabe ressaltar que por mídia se entende “todo o suporte que
veicula a mensagem expressa por uma multiplicidade de linguagens (sons, imagens, gráficos, textos em
geral). Em outras palavras, é a união das tecnologias informáticas e suas aplicações com as
telecomunicações e com as diversas formas de expressão e linguagens” (SantoS, 2010, p.38). Atualmente
na WEB, a Internet, abriu possibilidades para criação das redes sociais que estão presentes em sites de
relacionamento online, e muitas vezes, torna-se possível construir uma rede de contatos. Como exemplos de
rede social, destacam-se hoje, as mais expressivas: Orkut (o maior do Brasil), Facebook (o maior no mundo),
Twitter (micro blog que tem função de enviar e ler informações em tempo real), LinkedIn (para fins
profissionais), Youtube, Google plus, Tumbler, MySpace, FormSpring, Delicious, entre outras. Essas redes
sociais permitem, dentro de suas características, propiciar acesso universalmente multiplicado entre os
usuários.
Um recurso que nasceu com a intenção de relacionamento pessoal, acabou gerando possibilidades
de criação de redes de grupos de pesquisas, de grupos de interesse por temáticas, entre outros
desdobramentos que estes meios oferecem se ampliando dia a dia.
Desta forma, uma rede social pode ser criada e impactar muitas comunidades e se multiplicar milhares
de vezes em horas, mas como elas aparecem podem desaparecer por deixar de interessar aquele grupo que
vai migrar para outras redes. As redes hoje, já oferecem possibilidades interessantes de pontos de encontro
de profissionais, dentre eles também os professores, que estão utilizando estes espaços online para que os
alunos acessem, discutam e aprendam. A vantagem é de que os alunos têm interesse e sabem manusear
estes recursos com presteza e habilidade, as vezes maiores que os professores. Nestes últimos tempos a
possibilidade de inserção de fotos e vídeos nas redes sociais, dentre outros recursos, abriram espaço também
para os professores e pesquisadores montarem grupos neste espaço inovador.
Como dito anteriormente, a internet inclui também, a comunicação em espaços gerados pelo correio
eletrônico, pelas redes sociais, bem como outras interfaces encontradas na web e, pode usufruir de diversos
tipos de instrumentos, como os dados, a voz, os vídeos e recursos de multimídia, dentre outros. Uma das
redes sociais utilizadas, que atinge assombrosa adesão, denominada como Facebook segundo Ferreira,
Corrêa & Torres (2012, p.1), foi lançada em 2004, “por Mark Zuckerberg, juntamente Dustin Moskovitz, Chris
Hughes e Eduardo Saverin,” e acrescentam:
A rede social Facebook é atualmente considerada um fenômeno mundial por sua visibilidade,
visitada por milhões de usuários no mundo todo vem ganhando a preferência entre os
usuários da Internet. A rede social representa uma nova forma de estabelecer relações,
realizando várias tarefas como: divulgação de produtos, notícias, fatos, o compartilhamento
de vídeos, textos, ideias, fotos, imagens e diversão por meio de seus aplicativos, etc.

449
A Escola: Dinâmicas e Atores

As redes sociais adquirem aceleradamente adeptos que além de dialogarem via online, podem utilizá-
las para estudar, trabalhar e criar espaços de discussão sobre as problemáticas sociais. Sendo assim, ao
analisar e pensar nesse tema sob o prisma oferecido pelas conceituações citadas, e pensando principalmente
como as redes e mídias sociais vêm sendo introduzidas no ambiente acadêmico, quer seja pelos próprios
alunos, quer seja por sugestão dos professores ou instituição acadêmica, acredita-se que a pesquisa do tipo
qualitativa aqui proposta pelas autoras, tornou-se relevante.

Como utilizar as redes e mídias sociais na educação


A realidade atual aponta para uma era tecnológica bastante avançada. É possível, por exemplo,
acompanhar com relativa simultaneidade acontecimentos que ocorrem ao redor do mundo. Percebe-se,
portanto, que a utilização dessas tecnologias influencia a sociedade de forma significativa. Sendo, pois, a
universidade um segmento da sociedade, esta vem sendo também afetada de forma bastante acentuada, por
meio da crescente utilização desses recursos tecnológicos. Nesse sentido, Behrens, Maseto & Moran (2010)
afirmam que:
A produção do saber nas áreas do conhecimento demanda ações que levem o professor e o
aluno a buscar processos de investigação e pesquisa. O fabuloso acúmulo da informação em
todos os domínios, com um real potencial de armazenamento, gera a necessidade de
aprender a acessar as informações. O acesso ao conhecimento e, em especial, à rede
informatizada desafia o docente a buscar nova metodologia para atender às exigências da
sociedade. Em face da nova realidade, o professor deverá ultrapassar seu papel autoritário,
de dono da verdade, para se tornar um investigador, um pesquisador do conhecimento crítico
e reflexivo. O docente inovador precisa ser criativo, articulador e, principalmente, parceiro de
seus alunos no processo de aprendizagem. Nesta nova visão, o professor deve mudar o foco
do ensinar para reproduzir conhecimento e passar a preocupar-se com o aprender e, em
especial o “aprender a aprender”, abrindo caminhos coletivos de busca e investigação para
a produção do seu conhecimento e do seu aluno. (p.71)
Diante desse novo panorama, compreende-se que a utilização de redes e mídias sociais na educação
é um fato, e, assim sendo, o professor precisa estar aberto e atento para conhecer e aplicá-las a sua prática
de sala de aula, sob pena de se tornar desatualizado e acabar por transformar as aulas em algo pouco atrativo
aos olhos cada dia mais aguçados e curiosos de seus alunos. Nesse contexto, cabe a contribuição de Kenski
(2007), quando afirma:
Professores bem formados conseguem ter segurança para administrar a diversidade de seus
alunos e, junto com eles, aproveitar o progresso e as experiências de uns e garantir, ao
mesmo tempo, o acesso e o uso criterioso das tecnologias pelos outros. O uso criativo das
tecnologias pode auxiliar os professores a transformar o isolamento, a indiferença e a
alienação com que costumeiramente os alunos frequentam as salas de aula, em interesse e
colaboração, por meio dos quais eles aprendam a aprender, a respeitar, a aceitar, a serem
pessoas melhores e cidadãos participativos. Professor e aluno formam “equipes de trabalho”
e passam a ser parceiros de um mesmo processo de construção e aprofundamento do
conhecimento: aproveitar o interesse natural dos jovens estudantes pelas tecnologias e
utilizá-las para transformar a sala de aula em espaço de aprendizagem ativa e de reflexão
coletiva; capacitar os alunos não apenas para lidar com as novas exigências do mundo do
trabalho, mas, principalmente, para a produção e manipulação das informações e para o
posicionamento crítico diante dessa nova realidade. (p.103)
Observa-se, a partir dessas considerações, que o professor deixou de ser a única referência do aluno
quando se trata de encontrar informações; porém, sua responsabilidade tem se mostrado ainda maior, pois
seus alunos utilizam-se das várias modalidades do Google e Wikipédia para pesquisar tudo e todos quantos
já se encontram publicados, e o professor nem sempre é a primeira opção de busca. Essa colocação
acompanha ainda a orientação de Behrens, Maseto & Moran (2010):

450
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

As mudanças desencadeadas pela sociedade do conhecimento têm desafiado as


universidades no sentido de oferecer uma formação compatível com as necessidades deste
momento histórico. A visão de terminalidade oferecida na graduação precisa ser
ultrapassada, pois vem gerando uma crise significativa nos meios acadêmicos. Crise
alimentada pela falsa ideia de que ao terminar o curso o aluno está preparado para atuar
plenamente na profissão. O novo desafio das universidades é instrumentalizar os alunos para
um processo de educação continuada que deverá acompanhá-lo em toda sua vida. Nesta
perspectiva, o professor precisa repensar sua prática pedagógica, conscientizando-se de que
não pode absorver todo o universo de informações e passar essas informações para seus
alunos. Um dos maiores impasses sofridos pelos docentes é justamente a dificuldade de
ultrapassar a visão de que podia ensinar tudo aos estudantes. O universo de informação
ampliou-se de maneira assustadora nestas últimas décadas, portanto o eixo da ação docente
precisa passar do ensinar para enfocar o aprender e, principalmente, o aprender a aprender.
(p.70)
Considera-se, pois, a formação continuada dos docentes no stricto sensu, aqui objeto de pesquisa,
para que utilizem as redes e mídias sociais como um dos meios para a iminente mudança na prática
pedagógica, fomentando maneiras de ampliar a informação e o aprendizado para além dos limites da
universidade.

Formação continuada de professores com o desafio das redes e mídias sociais


A formação continuada de professores parece estar cada vez mais voltada para a utilização de
recursos tecnológicos que facilitem a interatividade e reduzam o tempo e a distância entre seus participantes;
porém, os desafios nas suas utilizações ainda são grandes, seja pela falta de tempo ou pela desinformação
dos profissionais, pois, como orienta Tescarolo (2005), “a formação escolar tem como núcleo a relação
pedagógica em que a ação do formador passa a ser decisiva” (p.111).
Por outro lado, o professor não pode simplesmente adotar os recursos tecnológicos e ser um mero
instrutor ou repassador de conteúdos, pois desta forma irá se distanciar daquilo que Tardif (2000) chama de
prática profissional:
Chamamos de epistemologia da prática profissional o estudo do conjunto dos saberes
utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para
desempenhar todas as suas tarefas. A finalidade de uma epistemologia da prática profissional
é revelar esses saberes, compreender como são integrados concretamente nas tarefas dos
profissionais e como estes os incorporam, produzem, utilizam, aplicam e transformam em
função dos limites e dos recursos inerentes às suas atividades de trabalho. Ela também visa
a compreender a natureza desses saberes, assim como o papel que desempenham tanto no
processo de trabalho docente quanto em relação à identidade profissional dos professores.
(p.10)
Ainda, seguindo orientação de Juliatto (2007), alguns especialistas chegam a afirmar que o professor-
instrutor, mero repassador de informações, está com os dias contados. Com esse papel limitado, ele pode
ser facilmente substituído pelos modernos recursos da educação a distância, da informática, da internet, e
pelo poder espetacular da mídia.
Algumas competências docentes são inerentes à formação de professores, embora alguns, mesmo
sem esta formação, acabem desenvolvendo tais competências durante a carreira docente e buscando
aprimoramento para melhoria do seu desempenho em sala de aula e fora dela.
Arroyo (2002) discorre sobre as competências docentes como se fossem caixas de ferramentas.
Segundo o autor, só é possível equipar a caixa dos nossos alunos se tivermos uma variedade de ferramentas
em nossas próprias caixas. Para isso, fazem-se necessários também os recursos tecnológicos, pois desta
forma será possível aperfeiçoar desde o planejamento das aulas até sua execução efetiva.

451
A Escola: Dinâmicas e Atores

Para Claxton (2005), além de conteúdo, o professor precisa de habilidades que serão trabalhadas e
aprendidas com uma formação específica, e a tecnologia figura nesta formação. Afinal, já não é mais possível
admitir que um professor somente reproduza o conhecimento – é necessário e urgente que ele o produza.

A Experiência de criar disciplinas que atendam a essa nova demanda tecnológica


Um dos passos é preparar o professor, potencializando-o por meio de bases teóricas e práticas, na
lida pedagógica diária com os alunos. De certa maneira, busca-se instigar suas bases conceituais,
procedimentais e atitudinais, de modo que estas se inter-relacionem de tal forma que favoreçam o ensino e a
pesquisa com o apoio do grande advento representado pela informação e comunicação que circulam nas
redes e mídias sociais.
Nesta nova visão, o professor deve mudar o foco do ensinar para reproduzir conhecimento e passar
a preocupar-se com o aprender e, em especial o “aprender a aprender”, abrindo caminhos coletivos de busca
e investigação para a produção do seu conhecimento e do seu aluno. A relevância da contribuição de Meirelles
(2012) leva a expor:
Isto posto, há de considera-se então que, para além do atual avanço obtido em termos de
interface e usabilidade no que se refere ao atual estágio de desenvolvimento da maioria dos
ambientes virtuais de aprendizagem, as redes sociais representam uma nova possibilidade
que extrapola os limites circunscritos da aprendizagem formal, esta, inscrita no espaço
escolar strictu sensu e em seus simulacros virtuais materializados numa infinidade de
ambientes educacionais de aprendizagem, hoje, disponíveis no mercado. (p.4)
Partindo-se de todos os impasses que se enfrenta no Brasil e em muitos países no mundo, diante da
universalização do acesso e das populações que fazem parte da exclusão digital, dos meios de comunicação
e telecomunicação – somando-se a isso a internet e o surgimento, numa escala mais avançada, da sociedade
em rede –, cabe destacar as ideias de Guerreiro (2006):
A sociedade em rede será responsável pela difusão social do conhecimento em larga escala
de transmissão a partir de sistemas tecnológicos interconectados e inteligentes, com acesso
público para o cidadão em diferentes pontos de conectividade e interatividade, nos espaços
de grande fluxo e fácil locomoção de ambientes urbanos e rurais. Na Era da Informação, a
cidade torna-se o grande palco da história humana e da sociedade em rede. (p.173)
Neste confronto de possibilidades e impossibilidades situa-se a figura na sociedade das instituições
de ensino, representadas pelos seus atores alunos e professores, sendo esses últimos, responsáveis por
instigar e dinamizar o pensamento humano – o quanto estão preparados para este mundo novo?
Oportunizar, por meio de disciplinas de formação continuada, que considerem, incentivem e
promovam a mudança de suas práticas, acredita-se ser um dos meios que podem aflorar novos olhares para
cenários tão complexos – e ao mesmo tempo tão disponíveis, se estiverem abertos a eles. Já não basta só
olhar e ficar apenas na contemplação destas novas linguagens; é necessário envolver-se, mergulhar e
enxergar de fato estas ondas digitais, nestes espaços virtuais, e verificar o quanto se pode favorecer a prática
profissional em sala de aula e além dela. De acordo com Saad (2003):
[...] é de grande significado o que Marshall McLuhan chamava de “olhar para o futuro como
se estivéssemos olhando através de um espelho retrovisor”. Muitas pessoas da mídia
consideravam as novas mídias confirmando a previsão de McLuhan, como uma “carruagem
sem cavalos”, onde existia apenas a sua própria versão do livro eletrônico ou do cinema
interativo. A chagada da web trouxe também o questionamento dessas posições, reafirmando
o conceito de que a hipermídia é um novo meio de comunicação, como foi a prensa ou o
telefone, e não apenas um suporte para veiculação dos já existentes conteúdos, como livros,
filmes ou programas de TV [...] a hipermídia nos apresenta três atividades conjuntas: a
publicação, a comunicação e o pensar. (p.73)

452
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Nesse cenário, verifica-se que a formação desse professor articulador de informações e


conhecimentos necessita estar muito além de meramente utilizar os meios; é preciso levar o aluno a produzir
ideias, a ter consistência na informação e comunicação, enfim, aprender a pensar.
São propostas assim que envolvem e estimulam a criação de novas frentes em disciplinas de
doutorado e mestrado, como destacado anteriormente. O futuro, portanto, aponta com esta demanda de
possibilidades e bons momentos se forem feitos acertos entre informação, comunicação e o processo de
aprendizagem para apropriação de conhecimentos. Entender estes aspectos é o primeiro passo para acertar-
se com este futuro, que parece estar o tempo todo acenando e marcando sua presença no presente. Enfrentá-
lo é com certeza a alternativa para que não se permita a formação de um grande obstáculo quase que
intransponível, necessitando-se, para tanto, entender que estas novas linguagens foram criadas por seres
humanos e devem ser meios facilitadores para essa caminhada. De acordo com Carvalho (2007):
Há um desafio cultural a ser enfrentado na sociedade; desvincular o conceito de espaço
educacional como um ambiente protegido e afastado do mundo – “um casulo gestador” – e
criar novos espaços educacionais ao diversificar e ampliar as possibilidades de interação
social de procedimentos midiatizados no processo de aprendizagem. (p.73)
Está sendo gestada, com certeza, uma nova sociedade, uma nova civilização, e as instituições
educacionais não podem ficar omissas a essas rápidas e volumosas mudanças. Investigar, analisar, preparar-
se, refletir e agir são ações necessárias para os cidadãos deste novo século, neste novo milênio. Levar suas
aulas a espaços jamais imaginados, circular o pensamento em rede, interconectado, e favorecer as
informações não somente em mera comunicação, mas em possíveis soluções de que a humanidade carece,
pois a educação é um dos pilares centrais da evolução do pensamento humano e os professores, mediadores
dessa transformação.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A Pesquisa e a experiência a ser contada
Cada vez mais a pesquisa científica torna-se indispensável na busca por saberes que tornem viáveis
as ideias de implementação e mudanças educacionais. Desta forma, a universidade precisa estar alinhada e
bastante comprometida com essas mudanças e transformações midiáticas que vêm influenciando e
modificando a vida em sociedade, para que não fique aquém de suas funções sócio-educacionais, pois, como
afirma Behrens (2006):
A Revolução Tecnológica aliada a Sociedade do Conhecimento provocou um grande encontro
da Era Oral, Escrita e Digital. Essa triangulação vem se formando e tem como base o capital
humano ou intelectual. Para tanto, a sociedade precisa proporcionar processos de
aprendizagem que envolvam a criação e a busca de talentos nos seres humanos. (p.20)
Sendo assim, no sentido de responder aos questionamentos suscitados pela investigação e
consequentes influências motivadas pela utilização das redes e mídias sociais na formação continuada de
professores, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, pois, seguindo a orientação de Minayo (2003):
A pesquisa qualitativa é o caminho do pensamento a ser seguido. A pesquisa qualitativa, no
entanto, trata-se de uma atividade da ciência, que visa à construção da realidade, mas que
se preocupa com as ciências sociais em um nível de realidade que não pode ser quantificado,
trabalhando com o universo de crenças, valores, significados e outros construtores profundos
das relações que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (pp.16-18)
Percebe-se, portanto, que em uma pesquisa qualitativa, não se emprega instrumental estatístico no
processo de análise de um problema, não se tem como objetivo numa pesquisa qualitativa numerar ou medir
em unidades os dados analisados.

453
A Escola: Dinâmicas e Atores

Desta forma, esta pesquisa foi desenvolvida a partir do processo de investigação realizado durante
uma disciplina chamada Tutoria online, de um Programa Stricto Sensu em Educação numa universidade
privada do Estado do Paraná, no segundo semestre de 2014, que teve como parte do processo de avaliação
da disciplina, realizar um seminário de discussão sobre redes e mídias sociais na educação, no mês de
novembro de 2014, organizado pelos alunos do Mestrado e Doutorado do Programa Stricto Sensu. Durante
o seminário, foram apresentadas e discutidas algumas das muitas redes e mídias sociais, entre elas
Facebook, Orkut, Wikipédia, Youtube, Skype, Google Earth, Maps, Talk dentre outras.
Além dos alunos da disciplina, o evento contou com aproximadamente cem participantes, professores
convidados de várias áreas e, para efeito de certificação, foi exigido que se entregasse, a partir de blog criado
especialmente para o evento, uma síntese relatando a experiência individual e quais as redes e mídias sociais
mais utilizadas na formação continuada de cada professor participante.
Num primeiro momento da pesquisa, de posse do material recebido, foi feita uma análise de conteúdo
e identificaram-se algumas categorias, que, com base na decodificação dessas sínteses apresentadas pelos
participantes, foram classificadas e agrupadas conforme a utilização das redes e mídias sociais na formação
continuada de professores. Na categorização utilizou-se ainda a análise temática, as quais foram identificadas
pela frequência com que foram citadas, extraindo-se assim algumas partes mais relevantes desses relatos.
Na sequência, de posse desta análise, foram realizadas algumas entrevistas com amostra não
probabilística por conveniência, em virtude do fácil acesso aos respondentes, pertencentes também ao grupo
de pessoas que participaram do seminário, por meio do qual foi possível corroborar os resultados obtidos a
partir da análise dos conteúdos das sínteses dos participantes.

Análise dos resultados


Após a análise de conteúdo do material coletado durante o seminário e das entrevistas, foi verificado
com uma frequência significativa o uso das redes e mídias sociais na formação continuada de professores,
corroborando com as informações constantes nos materiais utilizados para a construção do referencial
teórico, com destaque para os seguintes pontos:
§ o uso de recursos tecnológicos tem sido utilizado com frequência na formação dos professores do
ensino superior;
§ um ponto fraco na utilização destes recursos refere-se à segurança e confiabilidade das informações;
§ a instrumentalização didática tem favorecido o trabalho pedagógico online;
§ a necessidade de inclusão digital;
§ o conhecimento por parte dos professores das redes e mídias sociais, mesmo que em alguns casos
não exista efetivamente a utilização destes recursos por parte deles;
§ a importância das redes e mídias sociais na formação dos professores e de seus alunos;
§ o crescimento da utilização desses recursos no ambiente pedagógico;
§ o planejamento nas escolas e a gestão da sala de aula com o uso desses recursos;
§ falta de tempo aos professores para poder conhecer mais sobre tais recursos e sua utilização em
benefício do planejamento das aulas.
A utilização das redes e mídias sociais tem contribuído significativamente para a formação continuada
de professores, embora sua utilização esteja restrita ainda a poucos usuários. Entretanto, sua utilização pode

454
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

compreender uma estratégia de ensino-aprendizagem eficaz, fazendo com que cada vez mais professores
em formação continuada aceitem e utilizem de forma natural tais interfaces tecnológicas.
Talvez, a maior dificuldade por parte dos professores que utilizam as redes e mídias sociais seja pela
dificuldade de entendimento de como pode ser utilizada e seus benefícios, pois abandonar processos até
então tidos como satisfatórios e combiná-los com outras formas de aprender, pode trazer em alguns casos,
resistências e desestímulo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Frente às incertezas do mundo contemporâneo, as responsabilidades atribuídas às universidades
têm exigido dos professores uma capacidade de aprendizado permanente, que perpassa as tensões
presentes no cotidiano, que envolve desde a avaliação externa dos cursos oferecidos até a avaliação da
aprendizagem dos estudantes universitários.
Tais mudanças têm tido um impacto direto sobre a formação de professores, pois a realidade mudou
e a exigência para atuar como docente tem extrapolado a formação que até então, estávamos acostumados
a receber ou desenvolver ao longo das nossas carreiras acadêmicas.
As redes e mídias sociais, quando convidadas ao ambiente formal de ensino, trazem consigo algumas
mudanças, tais como a mudança no relacionamento entre professor e aluno, pois ambos podem compartilhar
das mesmas informações pontuais e de forma simétrica, permitindo, dessa forma, tanto ao discente quanto
ao docente aprender e fazer uso dos conteúdos da rede para adquirir mais informação e transformá-las em
conhecimento.
Sendo assim, é necessário que se aprenda a dominar as diversas possibilidades e o ciberespaço,
pois de acordo com as considerações de Santos (2010), o ciberespaço é muito mais que um meio de
comunicação ou mídia. Ele reúne, integra e redimensiona uma infinidade de mídias.
Sendo assim, oferecer aos docentes/discentes disciplinas que contemplem esse aprendizado, amplia
sua visão e enriquece a prática pedagógica, pois ensinar e aprender são fundamentais para que se possa
usufruir beneficamente dessas tecnologias.
Percebe-se claramente que o uso das tecnologias associadas ao ambiente formal educativo é uma
realidade que pode ser corroborada por pesquisas específicas como esta, que tentam demonstrar como o
uso das redes e mídias sociais no ambiente acadêmico pode consubstanciar o processo ensino-
aprendizagem. O grande desafio, no entanto, é estimular nestes professores em formação continuada, o uso
dessas redes e mídias sociais como meio de interação e aprendizagem coletiva, para que compreendam de
que forma utilizá-las como valiosos métodos auxiliares de ensino.
Enquanto não dissociarmos formação docente centrada em questões de ordem mais especifica com
a formação atual que é global e em rede, será impossível uma ruptura com as práticas pedagógicas á décadas
adotadas no sistema educativo. Este processo exigirá uma nova postura dos docentes e alunos diante de um
novo cenário. Sem uma formação docente que contemple e priorize questões como aqui apontadas,
acreditamos não ser possível a transformação na forma de pensar e agir de docentes e discentes; sendo
assim, essa pesquisa calcada na experiência vivida em sala de aula, não se encerra aqui, mas se abre para
novas fronteiras de investigação no sentido de uma educação crítica, reflexiva, criativa e relevante.

455
A Escola: Dinâmicas e Atores

REFERÊNCIAS
Arroyo, M. G. (2002). Ofício de mestre: imagens e auto-imagens (2ªEd.). São Paulo: Editora Vozes.
Behrens, M. A. (2006). Paradigma da complexidade: metodologia de projetos, contratos didáticos e
portfólios. Petrópolis, RJ: Vozes.
Behrens, M. A., Maseto, M. T. & Moran, J. M. (2010). Novas tecnologias e mediação pedagógica.
Campinas: Papirus.
Carvalho, R. (2007). Universidade midiatizada: o uso da televisão e do cinema na educação superior.
Brasília: SENAC.
Claxton, G. (2005). O Desafio de aprender ao longo da vida. Porto Alegre: Artmed.
Ferreira, J., Corrêa, B. & Torres, P. (2012). O uso pedagógico da rede social facebook. In: Torres, P. &
Wagner, R. (Orgs). Redes Sociais e Educação. Desafios contemporâneos. Comunidade virtual de
aprendizagem. Porto Alegre. Ebook. EDIPUCRS.
Guerreiro, E. P. (2006). Cidade digital: infoinclusão digital e tecnologia em rede. São Paulo: SENAC.
Juliato, C. I. (2007). Parceiros educadores: estudantes, professores, colaboradores e dirigentes. Curitiba:
Editora Champagnat.
Kenski, V. M. (2007). Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas: Papirus.
Minayo, M. (2003). Pesquisa social: teoria, método e criatividade (22ªEd.). Rio de Janeiro: Vozes.
Saad, B. (2003). Estratégias 2.0 para a mídia digital: internet, informação e comunicação. São Paulo: SENAC.
Santos, E., Silva, M., Pesce, L. & Zuin, A. (Org). 2010). Educação online: cenário, formação e questões
didático-metodológicas. Rio de Janeiro: Wak.
Tardif, M. (2010). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes.
Tescarolo, R. (2005). A Escola como sistema complexo: a ação, o poder e o sagrado. São Paulo: Escrituras.

456
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

FORMAÇÃO CONTINUADA DE DOCENTES COM A UTILIZAÇÃO DAS TIC (AVAS) NA


PROPOSTA DE UM CURRÍCULO QUE PRIVILEGIE UM PARADIGMA INOVADOR
[ID 137]

Deise Maria Marques Choti


Marilda Aparecida Behrens
Jacques de Lima Ferreira
Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Universidade
Positivo
deise.choti@gmail; marildaab@gmail.com; drjacqueslima@hotmail.com

Resumo
Atualmente, vive-se uma realidade permeada por tecnologias com um universo informacional vasto, que
requer uma docência reflexiva, aberta a novas adaptações e em continuo aperfeiçoamento. Por sua vez, as
concepções de currículo constituem elementos de grande importância na organização acadêmica. Nesse
sentido, refletir sobre a prática pedagógica e tornar-se pesquisador de sua própria prática constituem
elementos fundamentais para que se firme uma docência de qualidade e inovadora, capaz de conduzir o
professor em formação, à construção de seu próprio conhecimento. Nesse contexto, surge por parte dos
autores a seguinte problemática: Como desenvolver um currículo na formação de professores na proposta de
um paradigma inovador, de forma diferenciada e significativa, a partir da utilização das tecnologias da
informação e da comunicação? Teve como objetivo: analisar a visão paradigmática inovadora de professores
que vivenciaram um currículo que inclua a utilização de tecnologias de informação e comunicação (TIC). O
universo da pesquisa envolveu três grupos de participantes (docentes da Educação Profissional de uma
instituição privada em formação continuada na cidade de Curitiba/PR, Brasil), utilizando-se como apoio o AVA
(ambiente virtual de aprendizagem) disponibilizado pela instituição. No intuito de responder a essa
problematização, foi utilizada uma pesquisa qualitativa, tipo estudo de caso, com a apresentação de um
questionário aberto que foi respondido pelos professores envolvidos no curso de formação. Desta forma
percebe-se que, aliar as tecnologias disponíveis ao currículo escolar torna-se pertinente e relevante para o
processo de ensino e aprendizagem, visto que proporcionam novas maneiras de se pesquisar as relações de
determinadas práticas pedagógicas com o cotidiano acadêmico.

Palavras-chave: Inovação, Redes e Mídias Sociais. Tecnologias. Formação Continuada de Professores.

INTRODUÇÃO
A preocupação em investigar possibilidades de ensinar e aprender na formação continuada de
professores dentro de um paradigma inovador, com significado e relevância, a partir de situações reais
encontradas no dia a dia da sala de aula virtual, levou a optar por uma metodologia que gerasse ação, reflexão
e crítica sobre as temáticas propostas com o auxilio de recursos tecnológicos disponíveis. Cabe enfatizar que
a prática pedagógica restritiva e repetitiva que foi oferecida aos alunos, tem gerado um enfrentamento junto
aos professores que atuam nas escolas, em geral, pois a Ciência da Educação/Docência vem passando um
período de transição paradigmática do século XX para o século XXI. Neste sentido, a sociedade tem desafiado
todas as organizações, sobretudo as instituições educativas, a encontrar novos caminhos que superem a
visão positivista. Neste contexto, incluem-se todas as disciplinas que compõem o currículo, das quais,
destaca-se nesta investigação, a Docência, que vem sendo repassada de maneira conservadora e, muitas
vezes, sem sentido e significado para os alunos/professores.
Sabe-se, que a docência no paradigma dominante e tradicional, ainda está presente na maioria da
atuação dos professores, pois, embora criticados, continuam a oferecer uma prática pedagógica focalizada
em responder provas, que induzem às respostas como verdades absolutas e inquestionáveis. Mas, o docente

457
A Escola: Dinâmicas e Atores

não pode parar o tempo e nem segurar os avanços da sociedade, pelo contrário, precisa ficar atento às
inovações e as possibilidades de utilizá-las para produzir conhecimento.
Sendo assim, além de uma nova abordagem do ensino, se estabelece a necessidade de utilização
dos recursos tecnológicos disponíveis, neste sentido, Sancho (2006) acrescenta a preocupação: “A principal
dificuldade para transformar os contextos de ensino com a incorporação de tecnologias diversificadas de
informação e comunicação parece se encontrar no fato de que a tipologia de ensino dominante na escola está
centrada no professor” (p.19). Mas, a grande maioria dos alunos que frequentam a escola hoje, vivem em
uma sociedade repleta de informações e aprendem de diferentes formas.
Nesse sentido, os educadores precisam procurar formação que lhes permita atuar em cenários cada
vez mais complexos, nos quais as tecnologias interativas estão cada vez mais presentes. Desse modo, com
intuito de contribuir para uma reflexão mais apurada das questões envolvidas com a interseção entre currículo,
tecnologias e formação de professores, o presente trabalho visa apresentar, uma pesquisa do tipo estudo de
caso com a apresentação de um questionário respondido pelos professores envolvidos no curso de formação.
Os resultados da pesquisa encontram-se apresentados neste artigo.

A APLICAÇÃO DE RECURSOS TECNOLÓGICOS PARA O DESENVOLVIMENTO DE


CURRÍCULO NUM PARADIGMA INOVADOR
Os paradigmas que caracterizaram a ciência, a educação, os currículos e a prática pedagógica dos
professores ajudam a entender por que a escola oferece currículos disciplinares e, porque aos alunos ainda
é oferecido um ensino conservador que leva à reprodução do conhecimento baseado em verdades absolutas
e inquestionáveis.
Os currículos conservadores propostos há quatrocentos anos, acolhem a objetividade, a
fragmentação, a comprovação, a organização estanque dos conhecimentos que se configuram na
composição de currículos baseados em disciplinas, em geral, tratadas como se não tivessem relação umas
com as outras, como peças isoladas e desagregadas, com fim em si mesmas, incapazes de se inter-
relacionar, ou seja, cada professor trabalha em sua disciplina os conteúdos estanques e dissociados das
demais (Junges & Behrens, 2010). Agrava-se o quadro quando se percebe que essa concepção ainda está
vigente na grande maioria das instituições de ensino, mas, em especial, na educação superior.
A forte caracterização disciplinar conservadora dos currículos contribui para que se organize o
conhecimento de maneira fracionada, em áreas, em escolas, em centros, em cursos, em anos, em períodos,
em bimestres e em aulas, ocasionando uma visão estanque e desconectada dos conhecimentos distribuídos
em unidades isoladas. Esse modelo newtoniano-cartesiano focado na razão e na busca da verdade dentro
da ciência tem como foco a objetividade e contamina diretamente os currículos na educação (Junges &
Behrens, 2016).
Nas últimas décadas do século XX, com o advento da sociedade do conhecimento, o paradigma
inovador denominado por Morin (2000) como paradigma da complexidade, busca a superação da lógica linear
e procura atender a uma nova concepção que tem como eixo articulador a totalidade. De acordo com o
entendimento de Morin (2015, p.9), a superação não significa “apenas que algo seja ultrapassado deve
também ser conservado, mas, também, que tudo o que deve ser conservado deve ser revitalizado”. A
proposta da visão complexa depende do avanço do paradigma da ciência que impulsiona a revisão do
processo fragmentado do conhecimento na busca de reintegração do todo. Mas, há dificuldade de mudança

458
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

paradigmática dos professores, que foram formados para atuar com concepções curriculares reducionistas
baseadas em verdades absolutas e inquestionáveis que ainda está muito arraigada no ensino nas escolas
(Ferreira & Behrens, 2016).
A projeção de um currículo com visão complexa envolve o entendimento sobre totalidade,
complexidade, transdisciplinaridade, de pluralidade cultural, da unidade na diversidade, da intersubjetividade
e das múltiplas referências, entre outros construtos. Envolve, ainda, reafirmar a importância da alteridade, da
dialética, da luta pelo acolhimento solidário das diferenças, bem como do desenvolvimento sustentável, do
posicionamento autoeco-organizadores resultantes dos diálogos que ocorrem nos processos de sala de aula.
Daí a necessidade de focalizar as diversas possibilidades de entender a educação e o currículo numa visão
complexa, integradora e global e seus desdobramentos na prática pedagógica (Behrens, Carpim & Ferreira,
2013).
Os caminhos traçados pelo paradigma inovador desafiam a pensar e viver contemplando múltiplas
tendências, aceitar e absorver as conquistas das diferentes eras e abrigar as distintas competências na prática
docente. O paradigma inovador exige metodologias diferenciadas do ato de ensinar e de aprender. Neste
processo transformador da prática pedagógica os professores precisam oferecer uma formação que acolha,
segundo Behrens (2006), as múltiplas visões a serem desenvolvidas ao longo do século XXI:
Na visão de totalidade considera-se que a prática pedagógica deve superar a visão
fragmentada, retomando as partes num todo significativo; Na visão de rede, de teia, de
conexão, considera-se que os fenômenos estão interconectados havendo uma relação direta
de interdependência entre os seres humanos. Na visão de sistemas integrados considera-se
que todos os seres humanos devem ter acesso ao mundo globalizado, aumentando assim
as oportunidades para construir uma sociedade mais justa, igualitária e integrada. Na visão
de relatividade e movimento considera-se que é essencial ter uma percepção de que os
conhecimentos são relativos, não existindo uma verdade absoluta, e que esses
conhecimentos estão em constante movimento, qualquer esforço em solidificar a verdade
poderá ser redimensionado em momentos subsequentes por novas descobertas. Na visão
de cidadania e ética considera-se que a formação dos seres humanos deve estar alicerçada
na construção da cidadania com uma postura ética, onde exista o respeito aos valores
pessoais e sociais, espírito de solidariedade, justiça e paz. (p.29)
A interconexão destas visões e o enfrentamento da necessidade de oferecer uma formação baseada
num movimento complexo, leva segundo Lévy (1994) a considerar também o encontro entre as Eras: Oral,
Escrita e Digital. Assim, a prática docente precisa continuar a contemplar a linguagem Oral e Escrita presentes
no processo de ensinar e aprender, mas oferecer aos alunos também possibilidades de acessar os recursos
tecnológicos da era Digital disponíveis no mundo virtual.
A sociedade do conhecimento impulsionou a Era Digital, que se desenvolveu por meio das tecnologias
ampliando o armazenamento, a organização e o acesso à informação. Para Sancho (2006): “Assim, o
computador e suas tecnologias associadas, sobretudo a internet, tornaram-se mecanismos prodigiosos que
transformam o que tocam, ou quem os toca, e são capazes, inclusive, de fazer o que é impossível para seus
criadores” (p.17). Sendo assim, a convicção de que a tecnologia pode auxiliar em novas propostas para
docência num paradigma inovador e auxiliar a construção de um currículo inovador baseado numa formação
continuada, acompanha a orientação de Moreira e Macedo (2002), uma vez que,
Pode-se dizer que a teorização curricular propõe formas de seleção e de organização de
experiências de aprendizagem em que conhecimentos se ensinam e se aprendem visando a
produzir determinadas identidades sociais e culturais. [...] Os currículos, portanto, ajudam a
produzir sujeitos específicos, certos homens, certas mulheres, certos professores, certas
professoras. Os currículos contribuem, em síntese, para a construção do que somos e do
que não somos. (p.8)

459
A Escola: Dinâmicas e Atores

Nesse sentido, o paradigma inovador exige a formação de profissionais como homens e mulheres
éticos, autônomos, reflexivos, críticos e transformadores, pois, ao inovar como profissionais e, em especial,
como professores, podem oferecer uma melhor qualidade de vida para seus alunos, para si mesmo e, por
extensão, para a população em geral.

A TECNOLOGIA E OS DESAFIOS DA APRENDIZAGEM NA SOCIEDADE DO


CONHECIMENTO
As mudanças sociais e o progresso tecnológico afetam significativamente a vida em sociedade e,
consequentemente, influencia a educação, a forma de ensinar e aprender e a formação docente. As
tecnologias da informação e comunicação (TIC) correspondem a todas as tecnologias que interferem e
mediam os processos informacionais e comunicativos, é um conjunto de recursos tecnológicos utilizados em
sociedade que se constituem em diferentes formas como: computadores, softwares, hardwares, celulares,
tablets, internet, entre outros.
E por conta das mudanças sociais e da forte presença das TIC, a sociedade contemporânea
necessita de profissionais que estejam preparados para atuar nos segmentos tecnológicos cada vez mais
presentes nas profissões, isso requer também modelos educacionais capazes de atender a essas inovações
tecnológicas, assim como utilizá-las no processo de ensino e aprendizagem. A universidade é uma das
responsáveis por responder a essa demanda e preparar os profissionais e os professores para corresponder
à tal exigência. Para Moran (2011):
Aos poucos, a sociedade vai se conectando à internet, com consequências profundas no
futuro próximo. Quanto mais conectada a sociedade, mas a educação poderá ser diferente.
Não haverá tanta necessidade de ficarmos todos no mesmo lugar, para aprender ao mesmo
tempo e com as mesmas pessoas. A conectividade abre possibilidades muito variadas de
aprendizagem personalizada, flexível, ubíqua, integrada. (p.125)
A pesquisadora Sancho (2006) enfatiza que é difícil negar a influência das TIC no mundo atual, vários
pesquisadores já demonstraram que as tecnologias da informação e comunicação motivam o
desenvolvimento intelectual, nas formas de aprender, de se relacionar e de construir significado e valor ao
mundo que nos cerca, pois “A maioria das pessoas que vive no mundo tecnologicamente desenvolvido tem
um acesso sem precedentes à informação; isso não significa que disponha de habilidade e de saberes
necessários para convertê-lo em conhecimento” (Sancho, 2006, p. 18). A mesma autora citada (2006) enfatiza
dois argumentos referentes as TIC que devem ser considerados e ressalta que:
1) As tecnologias da informação e comunicação estão aí e ficarão por muito tempo, estão
transformando o mundo e deve-se considerá-las no terreno da educação. 2) As tecnologias
da informação e comunicação não são neutras. Estão sendo desenvolvidas e utilizadas em
um mundo cheio de valores e interesses que não favorecem toda a população. Além de
considerar que um grande número de pessoas seguirá sem acesso às aplicações das TIC
em um futuro próximo, deve-se lembrar que os processos gerados pela combinação dessas
tecnologias e das práticas políticas e econômicas dominantes nem sempre é positivo para os
indivíduos e a sociedade. (p.18)
No contexto educacional, sem sombra de dúvidas, as tecnologias da informação e comunicação
possibilitaram muitos ganhos, principalmente, nos processos de aprendizagem. Atualmente, existem
diferentes tecnologias da informação e comunicação que podem ser utilizadas como recurso didático, em
especial, para o processo de aprendizagem do aluno.
Neste artigo, argumentamos e sustentamos que as tecnologias da informação e comunicação devem
estar a favor da educação, do processo de ensino e de aprendizagem, como instrumentos que possibilitam o
acesso a informação e a construção de conhecimento. As TIC utilizadas na educação “[...] são meio, apoio,

460
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

mas, com o avanço das redes, da comunicação em tempo real e dos portais de pesquisa, transformaram-se
em instrumentos fundamentais para a mudança na educação” em uma sociedade do conhecimento (Moran,
2011, p.90).

A IMPORTÂNCIA E A NECESSIDADE DE UM CURRÍCULO FLEXÍVEL


Por muito tempo pensou-se na organização curricular como uma ação voltada para moldar
pensamentos e atitudes dos alunos; nesse sentido, a educação com paradigma conservador caracterizava-
se por meio de uma ação curricular que deveria servir como forma de reproduzir estruturas, normas e valores
da sociedade dentro do ambiente escolar. Porém, muitas discussões têm sido promovidas em relação ao
currículo escolar, buscando destacar que ele não é meramente uma listagem de conteúdos ou uma
especificação em documento que apresenta todos os objetivos, disciplinas, conteúdos e temas a serem
tratados na escola.
Desta forma, o currículo precisa ser entendido num paradigma inovador como um processo de
construção social, atravessado por relações de poder que segundo Silva (2002) “fizeram e fazem com que
tenhamos esta definição determinada de currículo e não outra, que fizeram e fazem com que o currículo inclua
um tipo determinado de conhecimento e não outro” (p.135). Nesse sentido, percebe-se que um currículo
resulta de escolhas que devem levar em conta não apenas o que deve ser ensinado e como deve ser
ensinado, mas principalmente “por que” este conhecimento deve ser ensinado, pois:
O componente mais óbvio de uma teoria do currículo tem a ver com a questão do
conhecimento e da verdade. Afinal, supõe-se que a questão central da teorização curricular
é “o que deve ser ensinado?”, o que, por sua vez, remete à questão mais ampla “o que
constitui conhecimento válido ou verdadeiro?”. Tradicionalmente, essa última pergunta tem
sido respondida remetendo-se a teorias do conhecimento ou a epistemologia no sentido
estrito, isto é, a teoria que adotam, de uma forma ou de outra, uma concepção do
conhecimento como representação (“verdadeira”), como correspondência ou adequação a
alguma suposta e preexistente realidade, a alguma coisa-em-si (Silva, 2002b, p.37).
Sendo assim, numa escola preocupada com a construção de uma educação de qualidade para todos
os alunos, parte-se do princípio de que a diversidade é um aspecto enriquecedor de um grupo e de que as
respostas diferenciadas exigidas por alguns alunos podem beneficiar todos os outros. Uma escola inclusiva
não pode mais orientar-se pelo paradigma conservador da uniformidade curricular, pois exige alterações
profundas ao nível da organização e gestão curricular e da formação de professores e claro, de início, um
currículo flexível, portanto, adaptável, pois:
A contribuição para a gestão/flexibilização do tempo e do espaço escolares e para a
adaptação curricular passa pela possibilidade de se estabelecer uma comunicação
permanente entre os conteúdos a aprender e os alunos, a qualquer hora e desde qualquer
ponto da rede, permitindo também que o professor faça as alterações necessárias ao seu
programa, ajuste os conteúdos e o seu modo de apresentação às características e
necessidades dos alunos (Silva, 2002a, p.76).
Educar tendo em conta a diversidade, e estar aberto a novas possibilidades, tornando-se adaptável
às constantes mudanças que o ambiente escolar exige, significa quase sempre, que o professor precisa estar
atento ao ensinar em um contexto educacional no qual as diferenças individuais e entre todos os membros
do grupo, podem e devem ser destacadas e aproveitadas para um maior enriquecimento e flexibilidade do
conteúdo curricular previsto no processo ensino-aprendizagem, pois, segundo Lopes (2002) “A flexibilidade
curricular garante autonomia para as escolas expressarem suas diferenças e construírem suas identidades
próprias e formarem os jovens também em identidades autônomas” (p.113).

461
A Escola: Dinâmicas e Atores

Desta forma, ao promover o enriquecimento do currículo de forma flexível e com a ativa participação
dos seus alunos, o docente oferece oportunidades variadas para o desenvolvimento acadêmico, pessoal e
social de cada discente, valorizando e possibilitando, um amplo desenvolvimento de potencialidades.

A FORMAÇÃO DOCENTE COM A UTILIZAÇÃO DAS TIC POR MEIO DE AVA


A formação continuada de professores se dá cada dia mais, mediada por recursos tecnológicos. A
ampliação do número de instituições e de cursos de educação superior e de outros níveis de ensino leva a
necessidade de oferecer uma formação pedagógica, cujo processo, pode ser oferecido de maneira presencial
ou online. Sendo assim, cresce a utilização de ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) que promovam
essa aprendizagem, que seguindo a orientação de Barbosa (2005)
A Criação e o uso de ambientes virtuais de aprendizagem têm crescido muito no Brasil nestes
últimos anos. Têm sido cada vez mais utilizadas ferramentas como chats, listas de discussão
e fóruns para o auxílio em cursos presenciais e a distância, bem como para a criação e o
gerenciamento de comunidades virtuais. Além de ambientes já consagrados, tais como o
Teleduc, Aulanet, WebCT, etc., várias universidades e empresas vêm desenvolvendo e
utilizando seus próprios ambientes. Esses softwares têm sido amplamente utilizados em
disciplinas de matemática, idiomas e ciências, etc. Dessa forma, tornam-se necessários o
estudo e a divulgação das várias maneiras como esses ambientes são usados e seus
potenciais meios de utilização, assim como a descrição de alguns projetos de
desenvolvimento que eles recebem. (p.13)
Desta forma, para criar-se um bom ambiente virtual de aprendizagem (AVA), são necessários
minimamente: um banco de dados; um layout interessante/atrativo ao usuário (alunos e professores);
ferramentas interativas como chat e fóruns, além de bibliotecas digitais virtuais; atualização constante;
trabalho de tutoria- mediação pedagógica; postura adequada à execução da proposta partindo da tecnologia
e da prática do aprender a aprender.
Nesse sentido, espera-se encontrar os seguintes recursos nesses ambientes: fóruns, wikis; bancos
de dados; chats online; correio web; mensagens; conferências; arquivo de texto e Blogs, entre tantos outros.
Sabe-se que, atualmente, o constante desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação (TIC),
tem no decorrer dos anos, se apresentado como um fator relevante no processo mediador de ensino
aprendizagem. Nesse sentido, os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), destacam-se por proporcionar
opções que combinem a utilização de recursos humanos e tecnológicos. Ressalta-se que dentre outros
recursos disponíveis, um ambiente virtual de aprendizagem bastante utilizado na atualidade, sendo objeto
desta pesquisa, é o Moodle conforme Figura 1, que é um sistema de administração de atividades educacionais
destinado à criação de comunidades online, em ambientes virtuais voltados para a aprendizagem.

Figura 1 - Página de entrada do site da Plataforma Moodle


Fonte: http://www.moodle.org.br/

462
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

De acordo com a documentação que consta no site oficial do Moodle, a palavra referia-se
originalmente ao acróstico: Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment, que é especialmente
significativo para os programadores e acadêmicos da educação. É também um termo que descreve o
processo de navegar despretensiosamente por algo, enquanto se faz outras coisas ao mesmo tempo, num
desenvolvimento agradável e conduzido frequentemente pela perspicácia e pela criatividade. Assim, o nome
Moodle aplica-se tanto à forma como foi feito, como a uma sugestiva maneira pela qual um estudante ou um
professor poderia integrar-se estudando ou ensinando num curso online.
Esse software tem uma proposta bastante diferenciada que é aprender em colaboração no ambiente
online, baseando-se na pedagogia sócio construtivista, a qual, como nos explica Dougiamas (2009, p.18), que
desenvolveu o projeto e o lidera até hoje “não só trata a aprendizagem como uma atividade social, mas
focaliza a atenção na aprendizagem que acontece enquanto construímos ativamente artefatos (como textos,
por exemplo), para que outros vejam ou utilizem”.
Por ser um projeto Open Source (sob as condições GNU-General Public License), ou seja: aberto,
livre e gratuito, ele pode ser baixado, utilizado, modificado e até distribuído. Isso faz com que seus usuários
também sejam seus construtores, pois, enquanto utiliza-se, contribuí-se também para sua constante melhoria.
O Moodle está sendo aperfeiçoado a cada dia e é sempre possível receber novos módulos com funções que
atendam ainda mais os diversos tipos de usuários. Há possibilidades de aplicação em diferentes práticas
pedagógicas. Utilizar o Moodle não é uma tarefa difícil. Aliás, essa também é uma preocupação de Dougiamas
que afirma ser fundamental, que esta plataforma seja fácil de usar de fato, deveria ser tão intuitiva quanto
possível (Dougiamas, 2009, p.09).
Muitas Universidades e Escolas já utilizam o Moodle, não só para cursos totalmente virtuais, mas
também como apoio aos presenciais. Também é indicado para outros tipos de atividades que envolvem
formação de grupos de estudo, treinamento de professores e até desenvolvimento de projetos. Existem outros
setores, não ligados diretamente à educação, que utilizam o Moodle como, por exemplo, empresas privadas,
ONGs e grupos independentes que interagem na Internet.

A PESQUISA
O interesse desta pesquisa foi provocar uma análise e reflexão de quão realmente a mídia, e as
soluções tecnológicas disponíveis atualmente, são importantes não somente na sociedade, na educação,
mas também na prática pedagógica dos professores. Pois é a partir delas, por meio de suas informações
pontuais que o indivíduo pode aprender a interagir com o mundo em que vive tornando-se também uma
pessoa crítica, ética e de opinião formada que busque contribuir na sociedade na qual está inserido. Sendo
assim, optou-se por uma abordagem com pesquisa qualitativa, na qual utilizou-se o estudo de caso que vem
sendo muito utilizada na área da educação pelo seu forte cunho descritivo, pois estimulam os envolvidos a
pensarem livremente sobre algum tema, objeto ou conceito, bem como, propiciam a imersão em aspectos
subjetivos, ou mesmo consciente e de maneira espontânea. Busca-se com esse tipo de pesquisa, levantar às
percepções e entendimentos, ligados a natureza geral do problema, e consequentemente, deseja-se abrir
espaço para a interpretação.
O universo avaliativo inicialmente foi composto por três grupos de participantes docentes da
Educação Profissional em formação continuada, totalizando o número de 21 professores da Educação
Superior, que frequentam uma Pós-Graduação Lato Sensu em Educação (Docência) dentro da instituição em

463
A Escola: Dinâmicas e Atores

que trabalham na cidade de Curitiba, Paraná, Brasil. Para esta investigação, foi utilizado o Ambiente Virtual
de Aprendizagem disponibilizado pela própria instituição, no qual esses professores realizam formação
pedagógica continuada e puderam se manifestar sobre a utilização dos recursos tecnológicos também na
prática docente.
Sendo assim, a pesquisa aqui proposta, objetivou analisar a visão paradigmática inovadora de
professores que vivenciaram um currículo que inclua a utilização de tecnologias de informação e comunicação
(TIC). Trata-se da investigação de como se dá a apropriação de conhecimento por docentes, utilizando-se de
recursos disponíveis na Internet para ensinar e para aprender, principalmente nos Ambientes Virtuais de
Aprendizagem (AVA), proposta deste curso de Docência especificamente. Para este fim, foi proposto a
aplicação de questionário aberto contendo questões relacionadas ao curso, que foi respondido pelos
professores envolvidos nesta formação.
A seguir, apresenta-se os dados obtidos que foram tabulados e indicados em gráficos. Estabeleceu-
se como eixos de análise dos dados obtidos: a) foi realizada uma sondagem junto aos participantes, sobre o
interesse deles em participar da formação pedagógica sobre a utilização do Ambiente Virtual de
Aprendizagem no ensino num paradigma inovador. b) foi realizado o cadastro dos participantes envolvidos
na pesquisa. c) os pesquisadores realizaram um acompanhamento do grupo em contatos presenciais e online
para levantar as contribuições dos professores que participam do processo. d) foram aplicados os
questionários abertos, com a finalidade de levantar as contribuições dos professores envolvidos e que se
propuserem a utilizar o AVA como recurso de aprendizagem em suas metodologias num paradigma inovador.
Para responder ao objetivo da pesquisa, apresentamos a resposta de algumas perguntas realizadas no
questionário.
Na indagação “Ao realizar seus estudos no curso de Especialização Lato Sensu em Docência, por
meio de um Ambiente Virtual de Aprendizagem, você adquire novas competências. Qual, em sua opinião, é
a que mais se destaca?” Os pesquisadores realizaram um acompanhamento do grupo em contatos
presenciais e online para levantar as contribuições dos professores que participam do processo.

4%
11%

85%

Melhorar as competências individuais para outros trabalhos


individuais
Melhorar as competências mútuas para trabalhos cooperativos em
grupo
Melhorar as competências individuais para trabalhos competitivos
em grupo
Melhorar as competências individuais para trabalhos competitivos
individuais

Gráfico 1 - Novas competências adquiridas por meio de um Ambiente Virtual de Aprendizagem


Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados de pesquisa

464
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O resultado apresentado por meio do gráfico acima, em relação à indagação citada anteriormente,
apresenta as seguintes informações: ninguém, ou seja, 0% respondeu “melhorar as competências individuais
para trabalhos competitivos em grupo com a utilização de novas ferramentas tecnológicas” 4% responderam
“melhorar as competências individuais para trabalhos competitivos individuais com a utilização de novas
ferramentas tecnológicas”. 11% responderam “melhorar as competências individuais para outros trabalhos
individuais com a utilização de novas ferramentas tecnológicas”. E a grande maioria, ou seja, 85% respondeu
“melhorar as competências mútuas para trabalhos cooperativos em grupo com a utilização de novas
ferramentas tecnológicas”. O que nos leva a considerar que os participantes do curso de Docência estavam
bastante comprometidos com o espírito cooperativo para atingir o objetivo de melhorar as competências
mútuas por meio da utilização de novas ferramentas tecnológicas, ou seja, a grande maioria encontrava-se
estimulado ao trabalho em grupo com auxilio de novas ferramentas que propiciassem melhorar as
competências e consequentemente o crescimento do grupo.
No questionamento, ao propor aos professores que "Behrens (2002) parafraseada por Leite et al.
(2005, p.3) referenciou 4 pilares da aprendizagem colaborativa tomando como base as ideias de Jacques
Delors (a respeito desses pilares): "aprender a conhecer (relacionado ao prazer em descobrir, ter curiosidade);
aprender a fazer, aprender a viver juntos (que diz respeito ao aprender a compreender o outro) e aprender a
ser". Como questiona sua aprendizagem no curso de especialização em Docência? Numere com 1 o
que está mais desenvolvido até o momento, e assim sucessivamente. As opções dadas para esta questão
foram: a-) aprender a conhecer. b-) aprender a fazer. c-) aprender a viver juntos. d-) aprender a ser."

18%
32%

18%

32%

Aprender a conhecer
Aprender a fazer
Aprender a viver juntos

Gráfico 2 - Pilares da Aprendizagem


Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados de pesquisa
Neste gráfico percebe-se um resultado bastante interessante e equilibrado, no qual 32% dos
professores assinalaram como a) a resposta “aprender a conhecer”, 32% assinalaram como b) a resposta:
“aprender a fazer”, 18% assinalaram como c) a resposta “aprender a viver juntos”, e 18% assinalaram como
d) a resposta “aprender a ser”. O que leva a concluir que, os professores sentem-se impelidos a construir
seus pilares de aprendizagem calcados primeiramente, nas preposições de “aprender a conhecer” e “aprender
a fazer”, o que demonstra seriedade no seu trabalho docente, bem como, em sua formação continuada, no
qual aprender a conhecer e aprender a fazer é com certeza um pressuposto para a construção dos pilares de

465
A Escola: Dinâmicas e Atores

aprendizagem; seguidos igualmente de valores equilibrados de “aprender a ser” e “aprender a viver juntos”
como preposições, não menos importantes, mas com grau de escolha secundários na opinião deste grupo de
professores.
Na pergunta, nos diferentes momentos de aprendizagem por meio do Ambiente Virtual de
Aprendizagem no curso de Docência, alguns alunos assumem determinados papéis, algumas vezes impostos
pela proposta, em outros momentos de forma natural. Os participantes foram indagados: "Como você se
percebe nestas diferentes funções?" Numere a sua preferência com 1 para o que mais prefere e assim
sucessivamente. As seguintes opções foram oferecidas aos docentes para responder a este questionamento:
a-) facilitador da discussão. b-) observador do processo. c-) comentarista do conteúdo. d-) líder de equipe. e-
) apresentador de determinado tópico". As manifestações dos professores permitiram o levantamento:

16% 13%

18%
31%

22%

Facilitador da discussão
Observador do processo
Comentarista do conteúdo
Líder de equipe
Apresentador de determinado tópico

Gráfico 3 - Funções do trabalho docente


Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados de pesquisa
Pela análise do gráfico percebe-se que 13% assinalaram como a) a resposta “facilitador da
discussão”, 16% responderam como e) a resposta “apresentador de determinado tópico”, 18% responderam
como d) a resposta “líder de equipe”, 22% responderam como c) a resposta “comentarista do conteúdo” e a
maioria no total de 31% responderam como b) a resposta, “observador do processo”. Percebe-se pelo
resultado apresentado que, 32% dos pesquisados, ou seja, a maioria do grupo sente-se mais confortável na
posição de “observador do processo”, pois desta forma exime-se de um confronto direto com colegas em sua
participação em fóruns de discussão, por exemplo, onde estender sua opinião de forma veemente poderia
causar mal estar entre o grupo; nota-se que 22% atribuiu-se o papel de “comentarista do conteúdo”, o que
também corrobora a posição da maioria, mencionado anteriormente, onde o confronto é mais uma vez
evitado, pois o “comentarista do conteúdo”, comenta apenas as informações fornecidas para a elaboração
das tarefas e indagações/intervenções propositais feitas pelo mediador/tutor e opiniões próprias, eximindo-se
desta forma também, de ser mais contundente com a opinião especifica de algum colega no Ambiente Virtual;
dos participantes, 18% credita-se o titulo de “líder de equipe”, pois durante o processo de troca e construção
de conhecimento, colocaram-se por primeiro com suas opiniões, principalmente em fóruns de discussão, onde
também incitavam de forma positiva, os colegas a participarem(geralmente eram os mesmos alunos que
iniciavam as discussões); constata-se que, 16% sentiram-se como “apresentador de determinado tópico”, pois

466
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

além dos tópicos oferecidos pelo mediador, sempre traziam também, contribuições relevantes que suscitavam
a vontade de participar nos demais colegas; apenas 13% viram-se no processo como “facilitador da
discussão”, uma vez que, creditavam este papel ao tutor/mediador como sua função docente naquele
momento, e que como apresenta a maioria, preferiam não entrar em confronto direto com os demais colegas,
protegendo-se a si mesmo de uma exposição maior, bem como, salvaguardando a convivência em grupo.
Ao indagar os participantes sobre: "Como você reagiu diante da proposta de formação por meio
de Ambiente Virtual de Aprendizagem no inicio do curso?" Foram colocadas quatro opções para escolha
dos docentes que são: a-) fui resistente, mas participava(o) para cumprir a obrigatoridade do curso. b-) as
vezes não conseguia entender, mas participava para cumprir a obrigatoridade do curso. c-) me adaptei
facilmente, pois gostei da proposta. d-) ainda não me adaptei, mas participo por obrigação." Possibilitou reunir
os seguintes dados:

0%
15%
8%

77%

a b c d

Gráfico 4 - Participação do docente em Ambiente Virtual de Aprendizagem


Fonte: Elaboração dos autores partir dos dados de pesquisa
Neste gráfico, constata-se que, ninguém, ou seja, 0% respondeu d) com “ainda não me adaptei, mas
participo por obrigação”. 8% responderam com b) “as vezes não conseguia entender, mas participava para
cumprir a obrigatoriedade do curso”. 15% responderam com a) “fui resistente, mas participava para cumprir a
obrigatoriedade do curso”. E majoritariamente, ou seja, 77% responderam com c) “me adaptei facilmente, pois
gostei da proposta”. O que demonstra que a maioria sentiu-se estimulado a conhecer uma nova proposta de
aprendizagem por meio de um Ambiente Virtual, resultando em uma fácil adaptação e ambiente favorável ao
desenvolvimento de novas competências; 15% afirmam que tornaram-se resistentes pelo fato de estar lidando
com o desconhecido, porém não deixaram de participar pela obrigatoriedade do compromisso assumido;
apenas 8% atribui a dificuldade em entender o conteúdo proposto e os próprios caminhos oferecidos pelo
AVA, e também cumprindo de forma obrigatória sua participação no curso por meio do Ambiente Virtual de
Aprendizagem, o que leva a reflexão de que o saldo é bastante positivo por se tratar de uma turma piloto na
oferta por parte da instituição, deste tipo de curso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista do objetivo da pesquisa que se propôs analisar a visão paradigmática inovadora de
professores que vivenciaram um currículo que privilegiou a utilização de tecnologias de informação e
comunicação (TIC). Diante dos dados da pesquisa, destacamos que a utilização das tecnologias da

467
A Escola: Dinâmicas e Atores

informação e comunicação na prática pedagógica do professor devem estar a favor do processo de ensino e
aprendizagem como recursos que precisam estar conectados a realidade do aluno e do professor. O currículo
na perspectiva paradigmática que prioriza as tecnologias da informação e comunicação precisa contemplar a
diversidade, as distintas competências na prática docente. O paradigma inovador exige metodologias
diferenciadas no ato de ensinar e de aprender. Neste processo transformador da prática pedagógica os
professores precisam oferecer uma formação que acolha, as tecnologias da informação e comunicação para
produzir conhecimento, que seja útil na vida do aluno, em especial, na sua vida profissional.

REFERÊNCIAS
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Silva, T. T. (2002). Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte:
Autêntica.

468
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O USO DA TECNOLOGIA COMO FERRAMENTA DE APOIO AOS MÉTODOS


PEDAGÓGICOS TRADICIONAIS
[ID 41]

Marcelly Homem Coelho


Morgana Sarto
Luciana Frigo
Eliane Pozzebon
Laboratório de Tecnologias Computacionais, Universidade Federal de Santa Catarina
marcelly_homem@hotmail.com; morgana.sartor@outlook.com; luciana.frigo@ufsc.br ;
eliane.pozzebon@ufsc.br

Resumo
O presente artigo tem como objetivo descrever as ações do projeto de extensão universitária, Meninas
Digitais, da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, a proposta desse é promover minicursos e
oficinas a estudantes de Escolas Públicas Brasileiras com o intuito de divulgar as áreas de ciências exatas e
tecnologia, para despertar o interesse de estudantes do ensino médio e, desta forma, motivá-las a seguir
carreira em Computação. Além disso, as ações do projeto contribuem para apoiar os métodos pedagógicos
tradicionais. Para a realização das oficinas busca-se uma metodologia diferenciada, utilizando ferramentas
inovadoras, dinâmicas e interativas para estimular a criatividade e refletir sobre os desdobramentos da
tecnologia na vida das pessoas, principalmente como alternativa de apoio ao aprendizado das disciplinas.
Por fim, os resultados obtidos a partir da analise de relatos por parte dos docentes e estudantes evidenciam
satisfação, no que diz respeito à metodologia do projeto aplicada nas escolas. Sendo assim, pode-se observar
a necessidade de proporcionar um modelo alternativo que pode ser replicado em outras instituições de ensino
médio tradicional.

Palavras-chave: Tecnologia, Educação, Oficina.

Résumé
Cet article vise à décrire les actions du projet d'extension de l'université, les filles numériques, Université
fédérale de Santa Catarina, le but est de promouvoir des formations courtes et des ateliers aux élèves des
écoles publiques brésiliennes afin de divulguer les domaines des sciences et la technologie, pour susciter
l'intérêt des élèves du secondaire et ainsi les motiver à poursuivre une carrière dans l'informatique. En outre,
les actions du projet contribuent à soutenir les méthodes traditionnelles d'enseignement. Pour les ateliers est
demandée une méthodologie différente, en utilisant des outils innovants, dynamiques et interactifs pour
stimuler la créativité et de réfléchir sur les conséquences de la technologie dans la vie des gens, en particulier
comme une alternative à soutenir l'apprentissage des disciplines.
Enfin, les résultats obtenus à partir de l'analyse des rapports par les enseignants et les élèves montrent la
satisfaction à l'égard de la méthodologie du projet dans les écoles. Ainsi, on peut observer la nécessité de
fournir un modèle alternatif qui peut être reproduit dans d'autres institutions traditionnelles du secondaire.

Mots-clés: Technologie, Éducation, Atelier.

INTRODUÇÃO
A escola retrata, muitas vezes, uma didática que é pouco intuitiva e bastante abstrata dos conteúdos
apresentados aos estudantes, como fórmulas físicas, matemáticas, cronologia de acontecimentos históricos,
regras ortográficas (Bastos, 2010). Diante dessa situação a tecnologia na educação ganha espaço tentando
apoiar os métodos pedagógicos tradicionais.
A inclusão de tecnologias no ambiente escolar tem apresentado diferentes métodos de ensino que
podem ser aplicados em sala de aula, com o intuito de contribuir para o avanço da prática docente como

469
A Escola: Dinâmicas e Atores

alternativa as metodologias tradicionais. A proposta descrita pelos autores (Coelho et al, 2015) tem como
finalidade despertar um maior interesse dos estudantes, aumentar a sua criatividade e estimular a
aprendizagem dos conteúdos, analisando sempre o ponto de vista dos alunos e quais são as concepções
sobre incluir a tecnologia digital no ensino aprendizagem.
De acordo com (Pozzebon et al, 2013), a robótica educacional é uma aplicação da tecnologia na área
pedagógica, sendo mais um instrumento que oferece aos participantes, no caso, os alunos e professores, a
oportunidade de vivenciar experiências semelhantes às que terão na vida real, dando a estes a chance de
solucionar problemas.
Neste trabalho são apresentadas as ações do projeto de extensão, Meninas Digitais – UFSC. Além
de descrever os resultados obtidos através da realização de oficinas na Escola de Ensino Municipal Dite
Freitas, bem como as metodologias desenvolvidas para despertar o interesse dos estudantes, através do
emprego de ferramentas tecnológicas no ensino de computação, matemática, física e entre outras disciplinas.
Considerando que é de suma importância buscar alternativas para proporcionar o processo de ensino-
aprendizagem dessas disciplinas mais interdisciplinar, dinâmico e atraente, transformando a atividade de
busca do conhecimento mais motivadora, o que significa disponibilizar oportunidades infinitas para o
desenvolvimento cognitivo dos estudantes.
Este artigo conta, além desta parte introdutória, com uma seção onde são apresentados fundamentos
teóricos sobre o tema tecnologia como ferramenta educacional; na seção 2 é feita uma abordagem sobre o
projeto, com a proposta de usar software e hardware educacional no ensino; na seção 3 são apresentadas
as metodologias aplicadas nas oficinas; a seção 4 relata os resultados obtidos; e a última seção, 5, descreve
as considerações finais.

TECNOLOGIA COMO FERRAMENTA INTERATIVA NO ENSINO


De acordo com os autores (Chiofi et al, 2014) as tecnologias permitem aplicabilidades pedagógicas
inovadoras que podem contribuir para um melhor desempenho dos estudantes em sala de aula. Abaixo são
apresentadas algumas iniciativas relacionadas ao assunto.
A fim de aumentar o envolvimento dos alunos no aprendizado de matemática os autores (Andrade et.
al, 2013) descrevem uma proposta para unir o desenvolvimento de jogos ao aprendizado da disciplina. Além
de desenvolver a lógica de programação eles estudam o conteúdo matemático do qual trata o jogo. Para isso
foi utilizado o Scratch que possui uma interface gráfica baseada em blocos, o usuário vai agrupando-os de
acordo com o seus objetivos. O foco do projeto é despertar um maior interesse dos estudantes e incentivá-
los a desenvolver jogos educativos para outras matérias.
No artigo (Cardoso et al, 2016) os autores ressaltam a utilização da plataforma educacional MIT App
Inventor de desenvolvimento de aplicativos Android para promover o interesse do público jovem na construção
de aplicativos para smartphones. O objetivo é incentivar meninas do ensino médio a considerarem as carreiras
de ciências exatas, engenharias e, em especial, computação como opções de cursos superiores. Para isso,
o projeto disponibiliza oficinas, materiais, palestras e entre outras atividades.
Em busca de novas técnicas para inovar a sala de aula (Pozzebon et al, 2013) visa instigar a
curiosidade e a criatividade dos alunos para solucionaram diferentes tipos de problemas relacionados a
diferentes disciplinas. Pra isso, utiliza aplicação de robôs como uma ferramenta didática no ensino das
matérias do nível médio nas escolas públicas.

470
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

De acordo com (Coelho et al, 2016), para incentivar o aprendizado de alunas é de suma importância
buscar alternativas para proporcionar um processo de ensino-aprendizagem atraente e um ambiente
motivador. O artigo relatar a experiência de oficinas práticas, as quais tratam de experimentações reais acerca
dos conceitos de eletrônica e eletricidade. O desafio proposto pelo projeto foi apresentar a domótica para as
participantes, realizando um protótipo de automação de uma casa de bonecas, auxiliando assim a construção
de novas habilidades e competências.

SOBRE O PROJETO MENINAS DIGITAIS – UFSC E SUAS AÇÕES


O projeto Meninas Digitais – UFSC faz parte de um Programa da Sociedade Brasileira da
Computação tem como objetivo divulgar a área de Ciência da Computação para despertar o interesse
de estudantes do ensino médio/tecnológico, a conhecerem melhor a área e, desta forma, motivá-los a seguir
carreira afins. As ações do projeto são diversificadas: são promovidos oficinas; realização de dinâmicas;
palestras com estudantes e profissionais que já atuam na área compartilhando suas experiências, visitas
técnicas a universidades e empresas de tecnologia e entre outras.
Estudantes de escolas públicas, da região sul do país, são convidados a participar de atividades
práticas que privilegiam as seguintes ações: discussão, projeto, prototipação e apresentação de suas ideias
para a criação de soluções tecnológicas que possam melhorar a vida das pessoas em diferentes contextos
como educação, sustentabilidade, gênero, saúde, mobilidade urbana. Os estudantes são orientados a
realizarem as atividades por acadêmicos dos cursos de Engenharia de Computação e Tecnologia de
Informação e Comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina.
As oficinas oferecidas são de diversos temas, entre eles estão experimentação de física, computação
“desplugada”, desenvolvimento de aplicativos móveis e jogos digitais, construção de robôs e sistemas de
automação, montagem de circuitos elétricos e eletrônicos, implementações e construções da domótica e de
cidades inteligentes. Para a realização das tarefas o projeto busca utilizar ferramentas mais dinâmicas e
interativas para estimular, explorar a criatividade e a refletir sobre os desdobramentos da tecnologia na vida
das pessoas.

METODOLOGIA E DESCRIÇÃO DAS OFICINAS


As oficinas aconteceram no período de março de 2014 a março de 2015 e a proposta foi observar
como ocorre o entendimento dos conceitos das disciplinas introduzidos no Ensino Médio, a partir de atividades
experimentais e teóricas, baseadas em desafios e apoiadas em ambientes educacionais tecnológicos.
A metodologia proposta baseou-se na realização de quatro oficinas, que são: Desenvolvimento de
Jogos Digitais; Desenvolvimento de Aplicativos Móveis; Construção de Robótica Educacional e Montagem de
Circuitos Elétricos, aplicadas em laboratório de informática da Universidade Federal de Santa Catarina e na
Escola de Ensino Municipal Dite Freitas, tendo como amostra 40 adolescentes na faixa etária dos 15 aos 16
anos.

Oficinas de Desenvolvimento de Jogos Digitais


A primeira oficina ofertada pelo projeto foi sobre desenvolvimento de jogos digitais, foram realizados
dois encontros tratando desse tema. No primeiro encontro, os bolsistas distribuíram uma apostila introdutória
sobre a ferramenta tecnológica que seria utilizada, a qual serve como material de apoio às estudantes,

471
A Escola: Dinâmicas e Atores

descrevendo algumas características da plataforma e exemplos de criações de mundos virtuais. Além disso,
os bolsistas realizaram uma breve apresentação do ambiente e auxiliaram as estudantes na criação de um
mundo virtual.
O objetivo da oficina de criação de jogos é de estimular as participantes no desenvolvimento de
aplicações que fortaleçam as competências necessárias para o progresso do raciocínio lógico relacionando
esse conhecimento ao ensino tradicional.
A ferramenta tecnológica utilizada foi o software educativo gratuito Kodu Game Lab, mantido pela
Microsoft. O software possui uma interface intuitiva, vários objetos e personagens que podem ser incluídos
nas aplicações, além de linguagem de programação visual de fácil compreensão. Esses aspectos permitem
que a resolução dos problemas relacionados às funcionalidades de cada objeto do mundo virtual seja
compreensível por não exigirem um conhecimento aprofundado em uma linguagem de programação. Outro
benefício é que o usuário pode disponibilizar seu jogo na comunidade e acessar aos demais jogos de outros
desenvolvedores.
No segundo encontro, a proposta foi que as estudantes criassem seu próprio jogo, este, por sua vez,
deveria estar relacionado a contextos do ensino tradicional – disciplinas como matemática, geografia, história,
biologia, foram abordadas. Ao término da atividade, foram realizadas apresentações dos mundos virtuais
criados, isso fez com que houvesse uma interação e troca de experiência entre as participantes. Intuiu-se
com este exercício a interligação de conceitos aprendidos em sala de aula com a nova ferramenta tecnológica,
esta que agora as alunas estavam aptas a utilizar.

Oficinas de Desenvolvimento de Aplicativos Móveis


As oficinas sobre desenvolvimento de aplicativos móveis têm como objetivo ensinar as estudantes a
construir aplicativos para smartphones. Para a realização da oficina foi usado software App Inventor. O
ambiente de desenvolvimento apresenta uma interface intuitiva e são programados por meio de linguagens
de programação visual permitindo que as alunas possam criar aplicativos para dispositivos móveis Android
sem necessitar apropriar-se da sintaxe de uma linguagem de programação. Nesse ambiente, as participantes
puderam compreender alguns conceitos de programação, na medida em que avançam nas suas criações.
Inicialmente, os bolsistas fizeram uma breve apresentação e, em seguida, uma descrição sobre a
plataforma, juntamente com a entrega de apostilas introdutórias, as quais facilitaram a aprendizagem.
Em um segundo momento, foi proposta a criação de um aplicativo móvel. Por meio dessa atividade,
as estudantes puderam conhecer e compreender as partes do desenvolvimento, que consiste em
prototipação, programação e testes. Ao término da criação do aplicativo, as participantes compartilharam os
aplicativos, através de dispositivos móveis, como celulares e tablets que elas levaram à oficina. Depois de
terminada a atividade em conjunto com os bolsistas, as alunas foram estimuladas a criar aplicativo
educacional.
Em relação aos resultados da oficina de desenvolvimento de aplicativos móveis, a Escola de Ensino
Municipal Dite Freitas, no ano de 2014, participou do Desafio do Conhecimento, organizado pela Revista Its.
Ao longo da competição foi proposta a resolução de tarefas, com o objetivo de desenvolver habilidades aos
estudantes e promover a busca pela pesquisa e conhecimento. Os desafios eram variados, mas todos tinham
como foco a temática “todos por um planeta melhor”. Os estudantes poderiam utilizar recursos tecnológicos
para que as produções fossem mais divertidas.

472
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Uma das tarefas chamava-se “Ambientes inteligentes, pessoas mais conectadas” o propósito da
mesma era desenvolver um protótipo de um aplicativo mobile que proporcionasse ambientes inteligentes para
um planeta melhor. A participante do projeto, Talissa Corrêa, desenvolveu uma aplicação para dispositivos
móveis, não apenas o protótipo, como sugerido pelo concurso, fez a programação, designer e testes. O
desenvolvimento foi na plataforma App Inventor, já que agora a aluna conhecia a ferramenta, o aplicativo se
chamava Question Tags. O App mostrava palavras diferentes e o usuário teria que descobrir o significado,
isso agregaria vocabulário a ele. A execução dessa tarefa permitiu ampliar a pontuação da escola, resultando
na terceira colocação geral na competição.

Oficinas de Introdução a Robótica


Na oficina de introdução à robótica a proposta era que as estudantes realizassem a construção e
programação, utilizando como ferramenta tecnológica os Kits LEGO Mindstorms®. Optou-se pela separação
em equipe de 10 estudantes, para que assim fosse possível dividir os 40 alunas da turma em quadro grupos,
de forma a proporcionar o maior contato possível entre elas na realização da atividade. Só assim seria
possível fazer o rodízio de atividades de modo que os quatro grupos estariam trabalhando o tempo todo sob
o acompanhamento de um bolsista com cada grupo, e a supervisão do professor-supervisor com todos.
Os grupos construíram cada qual o seu robô, esse por sua vez, teria de utilizar sensores para realizar
determinada ação. Foram implementadas algumas funcionalidades, como por exemplo, a movimentação e a
interação. O protótipo deveria ser capaz de se locomover de forma inteligente pelo ambiente, que com o
auxílio de sensores de cor, ultrassom e pressão, possibilitaram trabalhar com a lógica de programação e
alguns os conceitos de física mecânica.
Por fim, foi elaborada uma apresentação da atividade, na qual cada grupo deveria mostrar o robô
construído e suas funcionalidades. Essa interação permitiu um melhor relacionamento dos bolsistas com as
estudantes, e assim um melhor rendimento das alunas na atividade.

Oficinas de Introdução a Circuitos Elétricos e Eletrônicos


A oficina de iniciação a elétricos e eletrônicas, foi a última oficina ofertada, fez uso do kit didático de
eletrônica LittleBits, nos quais os componentes de um circuito se encaixam uns aos outros por contato e
permanecem conectados por atração magnética. A oficina segue a seguinte ordem, primeiramente é realizada
a distribuição de apostilas com informações importantes sobre cada grupo de peças, sua utilização e
aplicações, em um segundo momento, são apresentados conceitos de circuitos elétricos e física
eletromagnética; na sequência são feitas demonstrações de exemplos com o objetivo de mostrar as principais
funcionalidades do kit utilizado e para enserar é proposto uma situação problema que no caso foi de realizar
a automação de uma casa de boneca.
Ao decorrer da aula, foram realizadas atividades para demonstrar o uso do kit e na sequência as
estudantes foram estimuladas a solucionar um problema apresentado. O desafio envolveu conceitos de
circuitos eletrônicos com aplicações em automação residencial, estimulando e fortalecendo a disciplina de
física elétrica e o raciocínio lógico.
Dentre as atividades desenvolvidas pelas estudantes está o desenvolvimento de automação
residencial de uma casinha de boneca, incluindo automação do portão; uso de sensores para acendimento
automático das lâmpadas; efeitos sonoros; sistema de elevador inteligente e entre outros. Os circuitos são

473
A Escola: Dinâmicas e Atores

desenvolvidos em grupos e qualquer uma das estudantes poderia se registrar no site do LittleBits e publicar
o projeto elaborado em sala, compartilhando o conhecimento adquirido com a comunidade que faz uso do kit
ao redor de todo o mundo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
No início da primeira oficina os estudantes responderam um questionário solicitando que
descrevessem o entendimento que tinham sobre alguns conceitos de Computação. Percebeu-se que a
maioria não tinha um entendimento real sobre esses conceitos, respondendo às vezes vagamente, ou
assumindo não ter ideia do que poderia ser. Ao final da última oficina, o mesmo questionário foi aplicado e as
respostas foram bem mais consistentes. Assim, foi possível observar as mudanças que ocorreram no
entendimento dos conceitos abordados nas aulas práticas. O projeto finalizou os encontros com um debate
sobre Computação, Tecnologia e Educação, nesse estavam presentes Engenheiras que trabalham em áreas
afins e Professores Universitários, enriquecendo ainda mais o aprendizado dos participantes.
Os questionários foram respondidos anonimamente por um formulário eletrônico, com a finalidade de
que os estudantes pudessem mostrar suas opiniões sem serem influenciados. Duas pesquisas foram
aplicadas, uma antes das oficinas, com o objetivo de verificar a base de conhecimento dos participantes, e
outra após a conclusão, a qual analisava o entendimento adquirido ao longo da prática pedagógica. Na
questão que verificava se os alunos gostam de tecnologia, 88% responderam que sim e quando questionadas
se gostariam de aprender a desenvolver nossas habilidades tecnológicas educacionais, 86% responderam
afirmativamente. Esse resultado mostra que o uso da tecnologia no ambiente escolar é visto de forma
possitiva por grande parte dos estudantes.
A aprendizagem foi percebida através dos comentários e observações que as estudantes escreveram
ao final de cada encontro relatando suas construções, tentativas, erros e acertos, o que nos permitiu
acompanhar o processo de evolução do desenvolvimento das atividades propostas ao decorrer do ano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo dos resultados preliminares da investigação e considerando aqueles que advêm da análise
dos questionários aplicados nas oficinas realizadas, os relatos apontam que foi possível proporcionar aos
estudantes uma nova forma de visualizar conteúdos interdisciplinares. Outra conclusão que sobressai da
análise realizada trata do uso da tecnologia no campo educacional, como forma mais atrativa, esse aspecto
leva-nos a elencar que a proposta do projeto traz benefícios para as estudantes, professores e instituições de
ensino e toda a comunidade.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
S.A. Nº 05/2012 – Forma-Engenharia, MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras nº 18/2013 e ao Edital Probolsa 2014
da Universidade Federal de Santa Catarina. Agradecemos também a Escola de Ensino Municipal Dite Freitas
e ao Instituto Alcoa.

474
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

REFERÊNCIAS
Andrade, M., Silva, C. & Oliveira, T. (2013). Desenvolvendo Games e Aprendendo Matemática Utilizando
o Scratch. XII Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital.
Bastos, B. L., Borges, M. & Abreu, J. D. (2010). Scratch, Arduino e o Construcionismo: Ferramentas
para a Educação. I Semenário de Tecnologia Educacional de Araucária. 01–10.
Cardoso, J. P., Almeida, K. C., Frigo, L. B. & Pozzebon, E. (2016). Empoderamento Feminino com
Dispositivos Móveis. XXXVI Congresso da Sociedade Brasileira de Computação. 2670–2674.
Chiofi, L. C. & Oliveira, M. (2014). Uso das Tecnologias Educacionais como Ferramenta Didática no
Processo de Ensino Aprendizagem: Os Desafios da Escola Pública Paranaense na Perspectiva
do Professor. Programa de Desenvolvimento.
Coelho, M. H., Cardoso, J. P., Florzino, R., Frigo, L. B. & Pozzebon, E. (2015). O Desafio de Mudar o
Papel das Mulheres na Indústria de Games. Computer on the beach. 249–258.
Coelho, M. H., Sartor, M., Frigo, L. B. & Pozzebon, E. (2016). Incentivando o Ingresso de Mulheres nos
Cursos de Engenharia e Tecnologia. XXXVI Congresso da Sociedade Brasileira de Computação.
2683–2687.
Pozzebon, E. & Frigo, L. B. (2013). Robótica no Processo de Ensino Apredizagem. International
Conference on Interactive Computer aided Blended Learning, 104–107.

475
A Escola: Dinâmicas e Atores

O “NÓS DO EU”: A INTERDISCIPLINARIDADE NA RELAÇÃO CORPO E


ALFABETIZAÇÃO ATRAVÉS DOS PROJETOS DE TRABALHO
[ID 329]

Márcio Cardoso Coelho


Maria Elizabeth Guimarães do Carmo
Universidade Federal do Rio Grande do Sul; (UFRGS); Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul; (PUCRS)
coelhocardosomarcio@gmail.com; bethgui@terra.com.br

Resumo
Esta comunicação tem como objetivo refletir a prática pedagógica a partir de projetos de trabalho em classes
de alfabetização, através de interações do professor-referência e do professor de Educação Física. As
diretrizes para o trabalho com crianças em processo de alfabetização do Ensino Fundamental devem
considerar que o desenvolvimento humano não se realiza de maneira linear e fragmentada, mas em estreita
relação com a infância. Desse modo, deve ser um período privilegiado para o trabalho com as várias
dimensões do desenvolvimento humano, tendo como referência a infância, possibilitando ao aluno o
desenvolvimento das diversas expressões e o acesso aos saberes nas suas diferentes áreas de
conhecimento. Assim, a proposta pedagógica se estabelece tendo como foco a criança e sua inserção
sociocultural. Por esse motivo, prevê a utilização de estratégias que viabilizem uma maior flexibilização do
tempo escolar, com menos cortes e descontinuidades, utilizando-se de estratégias que, de fato, contribuam
para o desenvolvimento da criança, possibilitando-lhe, efetivamente, uma ampliação qualitativa do seu tempo
na escola. A Educação Física, vem sendo chamada a participar ativamente desse processo escolar da
criança, não dissociando corpo e mente. Ela está incluída em um processo global, relacional e interdisciplinar,
estando inserida no processo formativo globalizado do aluno. Entende-se que o corpo privilegiado nas “aulas
de movimento” é o mesmo presente nas “aulas de “raciocínio”.
A metodologia utilizada no presente estudo é de abordagem qualitativa. Optou-se por uma investigação
bibliográfica a fim de fomentar a reflexão teórica do debate em questão para então dialogar e estender ao
campo empírico.
Os achados iniciais da pesquisa sinalizam para a reflexão de que o currículo fragmentado sem relação com
o contexto sociocultural do aluno e sem interação com os demais saberes escolares, torna o processo de
aprendizagem um mero acúmulo de conteúdos e informações desconexas.

Palavras-chave: Currículo, Projetos de trabalho, Alfabetização, Educação Física.

Résumé
Cette communication a pour objectif réfléchir sur la pratique pédagogique de projets de travail dans les cours
d'alphabétisation, à partir d'interactions entre le professeur-référence et le professeur d'Éducation Physique
et Sportive (EPS). Les directives pour le travail avec des enfants pendant le processus d'alphabétisation dans
l'enseignement primaire doivent considérer que le développement humain ne se réalise pas de manière
linéaire et fragmenté, mais en étroite relation avec l'enfance.
Ainsi, cette période-là doit être tournée vers le développement humain avec ses différents aspects, ayant
l'enfance comme référence et permettant à l'apprenant le développement de diverses expressions et l'accès
aux savoirs dans ses différents domaines de connaissance.De cette façon, la proposition pédagogique est
centrée sur l'enfant et son insertion socioculturelle. Donc, l'utilisation des stratégies qui permettent un
assouplissement du temps scolaire, avec moins de discontinuité et coupures et par stratégies qui contribuent
réellement pour le développement de l'enfant, peut garantir, effectivement, un élargissement qualitatif du
temps scolaire de l'enfant. L'Éducation Physique et Sportive (EPS) est appelée à participer activement du
processus scolaire de l'enfant, sans dissocier le corps et l'esprit. L'EPS est inclue dans un processus global,
relationnel et interdisciplinaire, inséré dans un processus formatif globalisé de l'apprenant. On comprend que
le corps présent pendant les cours de “mouvement” est le même présent pendant le cours de “raisonnement”.
La méthodologie utilisée dans la recherche a été l'approche qualitative. Dans le but de promouvoir la réflexion
théorique du débat, on a fait une investigation bibliographique, pour, par la suite, dialoguer et prolonger vers
le champ empirique. Ultérieurement, on a décidé de réaliser une “recherche action” qui, selon André (2012),
est caractérisée par un plan d'action, basé sur les objectifs, un processus d'accompagnement et de contrôle
d'action planifiée et le rapport concomitante de ce processus.

476
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Les découvertes initiales de la recherche attirent l’attention sur la fragmentation du curriculum qui n’ayant pas
de relation avec le contexte socioculturel de l’apprenant ni d’interaction avec les autres domaines de
connaissances scolaires peut rendre le processus d’apprentissage devenir une simple accumulation de
contenus et d’informations décousues.

Mots-clés: Curriculum, Projets de travail, Alphabétisation, Éducation Physique et Sportive (EPS).

O “NÓS DO EU”: A INTERDISCIPLINARIDADE NA RELAÇÃO CORPO E ALFABETIZAÇÃO


ATRAVÉS DOS PROJETOS DE TRABALHO
Inúmeros são os desafios na atualidade para atender as exigências da necessidade de um país
letrado. Conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394, de 20 de dezembro de
1996, em seu artigo 22, “o direito à Educação Básica é garantido a todos os brasileiros, tendo por finalidades
“desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Sendo a alfabetização um direito de
todo cidadão e um dos exercícios fundamentais para a cidadania, as diretrizes norteadoras do ciclo de
alfabetização apontam para significativas mudanças no que diz respeito ao currículo e à organização escolar.
O trabalho pedagógico em turmas de alfabetização precisa levar em conta a singularidade das ações infantis
e o direito à brincadeira, à produção cultural, à exploração do corpo, entre outros aspectos da infância. É
preciso garantir o respeito ao tempo da criança de ser criança, a fim de que ela possa ser atendida em suas
necessidades e não frente à necessidade de vencer “metas educativas”. A inclusão da criança aos seis anos
no Ensino Fundamental não significa antecipar aprendizagens, mas propiciar às crianças um tempo maior de
inserção lúdica e de construção de saberes. O trabalho com crianças em processo de alfabetização do Ensino
Fundamental deve considerar que o desenvolvimento humano não se realiza de maneira linear e fragmentada,
mas em estreita relação com a infância. Desse modo, deve ser um período privilegiado para o trabalho com
as várias dimensões do desenvolvimento humano, tendo como referência a infância, possibilitando ao aluno
o desenvolvimento das diversas expressões e o acesso aos saberes nas suas diferentes áreas de
conhecimento. A proposta pedagógica se estabelece tendo como foco a criança e sua inserção sociocultural.
Por esse motivo, prevê a utilização de estratégias que viabilizem uma maior flexibilização do tempo escolar,
com menos cortes e descontinuidades, utilizando-se de estratégias que, de fato, contribuam para o
desenvolvimento da criança, possibilitando-lhes, efetivamente, uma ampliação qualitativa o seu tempo na
escola. Há de se reconhecer que o conhecimento do corpo e suas funções propiciam importante relevância
no processo de alfabetização haja vista que, para os alunos que estão na faixa etária dos anos iniciais do
ensino fundamental, há a necessidade da execução de movimentos que são importantes para o
desenvolvimento da escrita, além do mesmo servir como fonte inesgotável de saber, integração e exploração
do mundo. Diante disso, cabe às escolas recriarem espaços de significativas vivências que possibilitem esse
desenvolvimento. Nesta perspectiva, Filho (2016), acredita que “no desenvolvimento da individualidade, que
as crianças criam a unicidade (somos todos um), constituindo assim, o agir e proceder na e pela coletividade.

Projetos de trabalho: para além dos conteúdos escolares


Diante dos desafios de uma vivência escolar repleta de sentidos e de ação da criança na construção
do seu processo de alfabetização, entendemos que a organização escolar por Projetos de Trabalho contempla
uma visão diferente do que seja conhecimento e currículo.

477
A Escola: Dinâmicas e Atores

Os Projetos de Trabalho caracterizam-se pela forma de abordar um determinado tema ou


conhecimento, permitindo uma aproximação da identidade e das experiências dos alunos, e um vínculo dos
conteúdos escolares entre si e com os conhecimentos e saberes produzidos no contexto social e cultural,
assim como com problemas que dele emergem. Sendo assim, os Projetos de Trabalho ultrapassam os limites
das áreas e conteúdos curriculares tradicionalmente trabalhados pela escola. O conhecimento aqui não é
entendido como algo acabado e pronto. O aluno desenvolve uma atitude ativa reflexiva diante de suas
aprendizagens, pois torna-se responsável pelo processo de construção de conhecimento. Ele percebe o
sentido e o significado do conhecimento para a sua vida, para a sua compreensão do mundo.
Fernando Hernández (1998) define os projetos de trabalho não como uma metodologia, mas como
uma concepção de ensino, uma maneira diferente de suscitar a compreensão dos alunos sobre os
conhecimentos que circulam fora da escola e de ajudá-los a construir sua própria identidade.
Trabalhar seguindo os princípios que organizam a ação educativa por intermédio de Projetos de
trabalho, requer uma nova postura do professor. O professor assume uma posição de aprendiz, orientador,
organizador e mediador do conhecimento, fomentando o diálogo, a participação, a dúvida, a busca, a
curiosidade do aluno. Os projetos de trabalho não contemplam apenas a renovação de atividades, tornando-
as criativas, e sim possibilitam o repensar da prática pedagógica. Segundo Nogueira (2008), os projetos de
trabalho contemplam as diferentes formas de aprendizagem dos alunos através das redes de significados.
Para Coelho e colaboradores (2016), os projetos de trabalho podem potencializar o trabalho coletivo, repensar
a organização dos conteúdos, desenvolver e ampliar a pesquisa docente e ter como ponto de partida a
realidade sociocultural dos estudantes.
Hernández (1998) enfatiza ainda que o trabalho por projeto não deve ser visto como uma opção
puramente metodológica, mas como uma maneira de repensar a função da escola. Tais características
evidenciam a relação interdisciplinar, global, não fragmentada e principalmente não hierarquizada, na qual se
constituem os projetos de trabalho (Hernandez & Ventura,1998).
Zabala (1998) enfatiza que será necessário oportunizar situações em que os alunos participem cada
vez mais intensamente na resolução das atividades e no processo de elaboração pessoal.
O aluno passa a ser visto como sujeito ativo que usa sua experiência e conhecimento para resolver
problemas.
Aprende-se participando, vivenciando sentimentos, tomando atitudes diante dos fatos,
escolhendo procedimentos para atingir determinados objetivos. Ensina-se não só pelas
respostas dadas, mas principalmente pelas experiências proporcionadas, pelos problemas
criados, pela ação desencadeada (Leite, 2000).
A organização escolar por Projetos de Trabalho potencializa a interdisciplinaridade, que segundo
Fazenda (1993), se caracteriza por uma relação de “integração, reciprocidade, mutualidade, copropriedade e
diálogo”, aproximando as relações existentes entre os diferentes saberes e áreas. O trabalho com projetos
permite romper com as fronteiras disciplinares, favorecendo o estabelecimento de elos entre as diferentes
áreas de conhecimento numa situação contextualizada da aprendizagem.
Um processo educativo desenvolvido na perspectiva interdisciplinar contribui para uma formação
mais crítica, criativa e responsável dos alunos.

Currículo escolar e sua intencionalidade


Faz-se necessário repensar a concepção de currículo frente aos desafios da alfabetização. A
definição de currículo associa-se a diferentes concepções, que resultam dos diversos modos de como a

478
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

educação é concebida historicamente, bem como das influências teóricas que a afetam. O currículo reflete
intencionalidade teórica, incorporando discussões acerca dos conhecimentos escolares, procedimentos e
relações sociais que compõem o cenário das aprendizagens, sobre valores e sobre as identidades que se
almeja construir. O currículo, também se caracteriza por ser um campo de disputas e poder, Apple (2001),
Torres Santomé (2013).
A cultura adquire, no contexto atual, um papel significativo na vida social. Não há educação que não
esteja imersa na cultura da humanidade e, particularmente, do momento histórico em que se situa.
A escola é, sem dúvida, uma instituição cultural. As relações entre escola e cultura devem ser
concebidas de maneira entrelaçadas, como uma teia tecida no cotidiano e com fios e nós profundamente
articulados.
Sendo a escola uma importante instituição, assume a responsabilidade social fundamental de
transmitir cultura, oferecer às novas gerações o que de mais significativo culturalmente produziu a
humanidade. A escola, nesse contexto, passa a ser concebida como um espaço de cruzamento, conflitos e
diálogo entre diferentes culturas. Para isso, faz-se necessário identificar as diferentes culturas que se
entrelaçam no universo escolar. A escola está sendo chamada a lidar com a pluralidade de culturas,
reconhecer os diferentes sujeitos socioculturais presentes em seu contexto, abrir espaços para a
manifestação e valorização das diferenças.
Diante desse contexto, é importante destacar a importância de um currículo escolar emancipador e
interdisciplinar que privilegie os direitos de aprendizagem relacionados à formação de sujeitos críticos,
criativos e ativos. O professor também passa a ser atuante, crítico e mediador por excelência. De acordo com
Freire (2009) o professor, na perspectiva da interdisciplinaridade, não é um mero transmissor de informações,
mas sim é mediador do processo de ensino e aprendizagem junto aos seus alunos. O professor é um
pesquisador que possibilita aos alunos, também, a prática da pesquisa. A problematização como metodologia
para a construção de saberes dá condições ao aluno de mover-se no âmbito das teorias, das diferentes áreas
do saber, construindo a teia de relações que vai torná-lo autônomo diante da autoridade do saber. O professor
pesquisador constitui-se, portanto, em agente necessário de uma formação calcada na interdisciplinaridade.

Alfabetização: recriando a escola e as práticas pedagógicas


Para Pellegrini e Barela (1998), no início da vida escolar, em especial, dos alunos da educação infantil
e dos anos iniciais, a atividade é muito importante no estabelecimento de relações entre o ser humano em
desenvolvimento e o ambiente que o rodeia. É muito importante a aquisição de habilidades e também a
tomada de consciência do corpo e de suas relações com o meio.
É de suma importância a interação do corpo de forma completa no contexto da escola para se
entender as relações com o mundo da escrita. O conhecimento do seu próprio corpo e de suas partes permite
que o sujeito se relacione com o meio.
O corpo tem o poder intrínseco de dar existência humana, expressa na sensibilidade, nas
emoções, nos sentimentos, no subjetivo, que vão traduzir a intencionalidade que se encontra
na interioridade. Este fato é contrário a uma exterioridade em que o corpo se apresenta como
mecânico, objetivo e homogêneo. (Cunha, Kunz & Surdi, 2016)
Durante o projeto Adote um escritor, desenvolvido por meio de uma parceria entre a Câmara Rio-
Grandense do Livro e a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre foi desenvolvido um trabalho de
parceria entre a professora referência de uma turma e o professor de Educação Física. O Projeto tem como

479
A Escola: Dinâmicas e Atores

finalidade despertar o interesse pela literatura e formar novas gerações de leitores. A leitura prévia de alunos
e professores propicia um mergulho na literatura do escritor escolhido, culminando com a visita do mesmo à
escola.
Foi apresentado às crianças da turma de 1º ano o livro infantil “Qual é, qual é? Gincana na escola”,
da autora Anna Cláudia Ramos. Após a leitura feita pela professora do livro, foi explorado o contexto da
história, estabelecendo relações entre o enredo e as práticas vivenciadas pelas crianças. Nas aulas de
Educação Física, a turma participou de uma Gincana, explorando os diferentes movimentos e desafios do
corpo. Foi necessário resgatar valores como respeito, coleguismo, tolerância, solidariedade entre os alunos
participantes. Os espaços externos da escola foram explorados como possibilidades de vivenciar atividades
físicas e sociais. Paralelamente a esse trabalho de exploração do corpo em espaços amplos, foi sendo
trabalhada a produção gráfica do corpo e a escrita. As atividades realizadas foram registradas através de
fotos, desenhos, escrita, modelagem. Os alunos participaram das modalidades esportivas contempladas no
livro. As imagens retratadas no livro foram exploradas em espaços amplos da escola e reproduzidas de forma
gráfica a partir do próprio corpo dos alunos. A autoimagem é um aspecto subjetivo construído pela troca de
experiências que transmitem uma forma pessoal de ser e ver o outro, envolvendo também o espaço ao redor.
Ao final do projeto, os alunos receberam uma medalha de participação. No dia da visita da autora da
escola, os alunos apresentaram as produções feitas ao longo do projeto, tais como relatório fotográfico,
escritas espontâneas, contorno do corpo, registro das expressões corporais, modelagem, entre outros.
Os alunos retomaram a rede de conhecimento construída no início do projeto em que registraram,
coletivamente, o que já sabiam sobre o tema (hipóteses), o que gostariam de aprender, onde buscar o
conhecimento (recursos), como aprender (procedimentos) para, então, fechar a rede (conclusões) com os
conhecimentos construídos ao longo do trabalho.
Mais do que uma técnica atraente para o trabalho com os conteúdos, os projetos propiciam uma
mudança na maneira de pensar e repensar a escola e o currículo na prática pedagógica.
Dessa maneira, o aluno é convidado a buscar, descobrir, construir, criticar, comparar, dialogar,
analisar, vivenciar o próprio processo de construção do conhecimento (Zabala, 1998).

METODOLOGIA
A metodologia utilizada na pesquisa foi de abordagem qualitativa. Ao considerar as várias formas que
a pesquisa qualitativa pode assumir, optou-se neste trabalho por uma investigação bibliográfica a fim de
promover a problematização orgânica para então adentrar no campo empírico.
Para Severino (2007):
A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de
pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. Utiliza-se
de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente
registrados.
Posteriormente a investigação bibliográfica, optou-se então por realizar uma pesquisa ação, que
segundo André (2012), caracteriza-se por um plano de ação, baseado em objetivos, um processo de
acompanhamento e controle da ação planejada e no relato concomitante desse processo. Como professores
e pesquisadores, acreditamos em uma educação de cunho emancipatória e a opção pela pesquisa ação, nos
remete ao que indica Bracht e colaboradores (2007), que nesta perspectiva, procura-se vincular o
conhecimento da realidade, da própria prática com a ação e os sujeitos que na pesquisa “tradicional”,
participam meramente como informantes, aqui atuam também como sujeitos pesquisadores de sua prática.

480
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

RESULTADO
A escola assume papel fundamental na formação dos sujeitos para agir na sociedade e para participar
ativamente das diferentes esferas sociais. O ensino da leitura e da escrita é um dos direitos de grande
relevância nessa formação, pois assume uma função social indispensável para os alunos participarem
ativamente de seu meio social. Currículo aqui não é mais concebido como algo somente a ser transmitido e
absorvido. Currículo envolve experiências que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações
sociais, e que contribuem para a construção das identidades dos alunos. Promover espaços de construção
da leitura e da escrita, inserir a criança no mundo do letramento, oferecer oportunidades de acesso à cultura
e ao conhecimento são tarefas de grande responsabilidade do educador que precisa estar atento às
mudanças paradigmáticas desse novo tempo. Assim sendo, se faz necessária a reorganização das práticas
escolares possibilitando o trabalho interdisciplinar, o planejamento coletivo e a ação refletida dos professores,
de modo que a escola possa se reinventar e produzir saberes essenciais à libertação. É possível observar a
busca de práticas interdisciplinares entre professores, ainda que timidamente, o que implica na transformação
e redimensionamento da relação pedagógica baseada na transmissão do saber de uma disciplina ou matéria
a uma relação pedagógica dialógica, através de um novo jeito de ensinar e aprender.

CONCLUSÕES
As reflexões feitas neste estudo não têm como propósito se esgotar aqui, mas contribuir para
discussões e debates mais aprofundados sobre a temática. Faz-se fundamental a criação de espaços que
possibilitem a adequação de práticas pedagógicas diferenciadas e um currículo escolar voltado a atender à
diversidade da realidade escolar para que não se fique reproduzindo conhecimentos fragmentados,
descontextualizados e sem sentido e significados para os alunos. A educação precisa se fortalecer, mediante
uma firme fundamentação na possibilidade do aprender a ser, fazer, conhecer e viver em sociedade, pilares
da educação para um novo tempo. O Projeto é, portanto, a ressignificação do espaço escolar, tornando a sala
de aula um ambiente dinâmico de interação, de relações pedagógicas e de construção do conhecimento. É
mais do que uma forma de organizar o conhecimento escolar, pois implica numa mudança de currículo e,
consequentemente, numa mudança da própria escola. Assim sendo, a alfabetização ganha um novo destaque
implicando na ampliação do universo cultural, social e físico da criança, de maneira que possibilite acesso às
práticas cotidianas de leitura e escrita de modo a favorecer sua participação em diversos ambientes e
contextos.

REFERÊNCIAS
André, M. E. (2012). Etnografia da prática escolar . Campinas: Papirus.
Apple, M. W. (2001). Educação e poder. Porto: Porto editora.
Bracht, V., Caparroz, F. E., Fonte, S. S., Frade, J. C., Paiva, F. & Pires, R. (2007). Pesquisa em ação Educação
Física escolar. Ijui: Editora Unijui.
Coelho, M. C., Oliveira, L. N., Rocha, L. O., Medeiros, T. N., Goularte, G. G. & Bossle, F. (2016). Projetos de
Trabalho e Educação Física escolar. Um olhar a partir das produções. corpoconsciência, 45-56.
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escola (pp. 33-48). Ijui: Unijui.

481
A Escola: Dinâmicas e Atores

Fazenda, I. C. (1993). Interdisciplinaridade: Um projeto em parceria. São Paulo: Loyola.


Filho, W. L. (2016). Possibilidades Educacionais do Movimento ( Se-movimentar) no contexto do mundo da
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Penso.
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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

TDA/H: UM TRANSTORNO DESAFIADOR


[ID 270]

Vanusa dos Reis Coêlho


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
vanusa.coelho.rodrigues@gmail.com

Resumo
A aprendizagem é definida como um processo evolutivo e constante, que envolve um conjunto de
modificações no comportamento do indivíduo e é constituída por diversos fatores, como por exemplo,
aspectos fisiológicos, neurais e emocionais. Assim, quando se fala em educação e aprendizagem, também
se fala de processos neurais, pois, o cérebro e suas regiões desempenham um importante papel para que
ocorra a aprendizagem. Assim, um assunto polêmico diretamente relacionado a aprendizagem é o Transtorno
de Déficit de Atenção e Hiperatividade, popularmente conhecido pela sigla TDA/H ou simplesmente
hiperatividade. O TDA/H caracterizado como um distúrbio neurobiológico que apresenta um padrão
persistente de desatenção, e/ou hiperatividade/impulsividade, apesar de ser reconhecido oficialmente pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), está envolto em discussões que ainda não encontraram consenso
gerando dúvidas e tornando-se um desafio para os profissionais da educação tendo em vista que esse
transtorno afeta de maneira direta o ambiente escolar dificultando o ensino aprendizagem. Subsídios para o
entendimento do TDA/H devem surgir de estudos multidisciplinares da área das neurociências, área em que
este estudo vem encontrar seu referencial teórico. Este estudo utiliza o método dialético como base para seu
processo de investigação e análise por trabalhar levando em consideração o contrassenso e o conflito, assim,
este procedimento sugere revisão e reflexão crítica submetendo à análise toda interpretação já existente do
objeto de estudo. Assim, este estudo, cujo objetivo é fazer uma reflexão sobre as controvérsias que cercam
o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDA/H), trata-se de uma pesquisa bibliográfica descritiva,
pois se utiliza de estudos de diversos autores obtidos em livros, jornais, revistas e internet organizando-os,
avaliando-os e correlacionando-os. Esse tipo de pesquisa tem sido utilizada em estudos exploratórios ou
descritivos em que ainda há falta de consenso e/ou dificuldades de conceituação ou formulação de hipóteses
precisas sobre o objeto de estudo. Dentre os principais resultados encontrados nessa investigação está a
constatação de que a origem desse transtorno não é totalmente conhecida. Alguns estudos reforçam a
hipótese de seu caráter hereditário, entretanto, outros estudos afirmam que o TDAH teria procedência
multifatorial (genética, ambiente e etc.) e outros, ainda, postulam que seria uma desordem nas funções
executivas, o sistema de gerenciamento do cérebro. Por outro lado verificou-se que a inexistência de um
sistema classificatório único também impede o consenso acerca do TDA/H. Os Franceses, por exemplo, não
utilizam o sistema classificatório de transtornos mentais (DSM), pois, a Federação Francesa de Psiquiatria
desenvolveu um sistema de classificação que prioriza as razões psicossociais e culturais ao invés das
farmacológicas, que para os franceses, disfarçam os sintomas. Já o Brasil adota o sistema classificatório de
transtornos mentais (DSM) que divide o TDA/H em três tipos e para os Estados Unidos o transtorno seria
dividido em seis subtipos. Paralelamente a isso, existe um excesso de informações divergentes que a
população recebe através da mídia que colaboram para alimentar os múltiplos pontos de vista contraditórios
acerca do transtorno.

Palavras-chave: TDA/H, Desafios, Educação.

Résumé
Le TDA / H (attention du trouble déficitaire avec ou sans hyperactivité) est caractérisée comme un trouble
neurobiologique qui a une tendance persistante d'inattention et / ou d'hyperactivité / impulsivité qui en dépit
d'être officiellement reconnue par l'Organisation mondiale de la santé (OMS) est enveloppé dans des
discussions qui ont pas encore trouvé un consensus dans la société et dans l'environnement scientifique. Par
conséquent, cette étude est venue de l'observation que le manque de consensus sur le diagnostic, le
traitement et l'origine de la maladie entre les différents professionnels concernés (médecins, psychologues,
psychologues scolaires, enseignants, etc.). Dans ce contexte, cette étude vise à identifier à la fois le
«diagnostic» donné par des enseignants des dernières années de l'école primaire d'un établissement public
et l'orientation offerte par eux, et d'enquêter sur le rôle de ces enseignants sur le TDA / H. Le but de ce
dévoilement des caractéristiques des représentations sociales qui soutiennent le «diagnostic» afin que l'étude
des représentations sociales d'un objet par un groupe permet de révéler le sens que cet objet évoque dans le
groupe, il est entendu que cette la théorie propose des cadres théoriques qui nous permettent de comprendre

483
A Escola: Dinâmicas e Atores

les connaissances entourant le trouble en question. A cet effet, l'étude a été divisée en deux phases. La
première phase consiste à effectuer des recherches documentaires et bibliographiques à plus tard dans la
deuxième phase, effectuer des entrevues semi-structurées avec les enseignants des dernières années de
l'école primaire d'un établissement public. Pour l'analyse des données est destiné à utiliser le logiciel
ALCESTE (Analyse lexicale par Contexte d.um Ensemble de segments de Texte) une donnée de programme
d'analyse textuelle qui vise à trouver les informations dans un texte. Résultats partiels de la première phase
de cette étude sont que l'étiologie du TDA / H ne soit pas totalement connu et de nombreuses recherches
convergent pour renforcer l'hypothèse de son héréditaire, mais d'autres études convergent sur l'interprétation
selon laquelle l'ADT / H serait multifactorielles origine avec des composants génétiques et environnementaux,
ainsi que ces dernières années, le trouble déficitaire de l'attention a été vu par certains spécialistes comme
un trouble des fonctions exécutives. Il a été constaté que le manque d'un système de notation d'un monde est
un facteur qui entrave le consensus, par conséquent, chaque système comprendre et classer le désordre
d'une manière différente. Le Brésil, par exemple, adopte le système des troubles mentaux (DSM) qui divise le
TDA / H en trois types de classification. Déjà les Etats-Unis, a annoncé qu'il développera son propre système
de classification dans laquelle le désordre serait divisé en six sous-types, et les Français, à leur tour, ont leur
propre système de notation qui priorise des raisons psychosociales et culturelles derrière les éléments de
preuve et non les produits pharmaceutiques. Aucun test d'imagerie ou des tests neuropsychologiques
spécifiques pour le diagnostic de TDA / H, pour l'instant, les tests d'imagerie sont limitées à la recherche. En
outre, le TDA / H peut être confondue avec d'autres troubles mentaux tels que le trouble de Resister-Defiant,
trouble de la conduite, troubles de l'humeur, trouble de l'anxiété ou des troubles du développement tels que le
retard mental, des troubles d'apprentissage scolaire et le trouble la coordination du développement.

Mots-clés: TDA / H, Défis, Éducation.

INTRODUÇÃO
A aprendizagem é definida como um processo evolutivo e constante, que envolve um conjunto de
modificações no comportamento do indivíduo e é constituída por diversos fatores, como por exemplo,
aspectos fisiológicos, neurais e emocionais. Assim, quando se fala em educação e aprendizagem, também
se fala de processos neurais, redes que se formam e neurônios que se ligam fazendo novas sinapses. O
cérebro e suas regiões, lobos, sulcos, reentrâncias tem um desempenho especifico e verdadeira importância
em um trabalho conjunto, em que cada componente precisa e interage com o outro.
A importância dada aos problemas relacionados à aprendizagem aumentaram expressivamente em
grande parte pelo fato de que o sucesso do sujeito está ligado ao seu bom desempenho escolar. Dentro desse
contexto, um tema polêmico que afeta a aprendizagem e vem sendo “batizado” como “doença da moda” é
o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, popularmente conhecido pela sigla TDA/H ou
simplesmente hiperatividade.
O TDA/H caracterizado como um distúrbio neurobiológico que apresenta um padrão persistente de
desatenção, e/ou hiperatividade/impulsividade, apesar de ser reconhecido oficialmente pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), está envolto em discussões que ainda não encontraram consenso.
De acordo com, Benczik (2010), a etiologia do TDA/H não é plenamente conhecida, deste modo, a
despeito de pesquisas extensas, ainda não há uma concordância científica sobre a etiologia do TDA/H.
Diversas pesquisas afluem para fortalecer a hipótese que o TDA/H tem um caráter hereditário
expressivo. No entanto, de acordo com Riesgo & Rohde (2004), também há hipóteses científicas sobre os
mecanismos anatômicos, fisiopatológicos e bioquímicos. Estudos usando metodologias clínicas,
neurobiológicas, neuroquímicas, neuropsicológicas, neurofisiológicas, psiconeurofarmacológicas e
neuroimagenológicas convergem para a interpretação de que o TDA/H teria origem multifatorial, com
elementos genéticos e ambientais, onde possivelmente genes irregulares de pequenas consequências em
combinação com um ambiente hostil, formatariam um cérebro alterado em sua estrutura química e anatômica.

484
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Diante desse cenário, o objetivo deste estudo é fazer uma reflexão sobre as controvérsias que cercam
o TDA/H, um transtorno cujo diagnóstico e tratamento ainda possui pouco consenso em muitos setores
públicos e privados.
Conforme Collares & Moyses (2010), em busca de consenso acerca do TDA/H, em novembro de
1998 foi realizada uma reunião cientifica convocada pelo NIH (National Institute of Health), instituição
americana principal financiadora de pesquisas nessa área. A reunião denominada Consensus Development
Conference on the Attention Deficit Hiperactivity Disorder (ADHAD) tinha como objetivo estabelecer um
consenso científico para o diagnóstico e tratamento de TDA/H objetivo este que, no entanto, não aconteceu
e que parece ainda estar longe de acontecer, pois, o National Institute of Mental Health (NIH), anunciou à
comunidade científica que a organização não adotaria o DSM-V e iria conduzir as pesquisas para longe das
categorias fixadas pelo DSM.
A falta de um sistema classificatório único é um fator que também dificulta o consenso acerca do
TDA/H. Os Franceses, por exemplo, não utilizam o sistema classificatório de transtornos mentais (DSM), pois,
a Federação Francesa de Psiquiatria desenvolveu um sistema de classificação em oposição ao DSM que
prioriza as razões psicossociais e culturais subjacentes aos indícios e não as farmacológicas, que para os
franceses, dissimulam os sintomas.
Por outro lado, no DSM V, sistema classificatório utilizado no Brasil, o TDA/H é dividido em:
§ Tipo Predominantemente Desatento;
§ Tipo Predominantemente Hiperativo-Impulsivo;
§ Tipo Combinado.
No entanto, em contraponto com o DSM V, de acordo com Collares & Moyses (2010), nos Estados
Unidos, o neurocientista e psiquiatra Daniel G. Amen indica que existem seis subtipos:
§ TDA/H combinado;
§ TDA/H tipo primariamente desatento;
§ TDA superfocado;
§ TDA de lobo temporal;
§ TDA límbico;
§ TDA anel de fogo.
Paralelamente a isso, existem as sucessivas e inúmeras informações que dificultam o posicionamento
dos profissionais e da sociedade em geral acerca do assunto. Como exemplo pode-se citar a transformação
do TDA/H em doença da moda, por conta do excesso de informações técnicas e paratécnicas que a população
recebe através da mídia e, principalmente, a falta de informações de alguns profissionais (pediatras,
neurologistas, psicopedagogos, professores, psicólogos e etc.) sobre o assunto. Deste modo, esses e outros
fatores corroboram para alimentar os diversos pontos de vista conflitantes acerca do transtorno.

REFERENCIAL TEÓRICO
Contribuições para a compreensão do TDA/H devem advir de uma rede de pesquisas multidisciplinar
que incluem neurologia, neurogenética e neurociência dos sistemas, dentre outras. Assim sendo, é na área
das neurociências que este estudo vem encontrar seu referencial teórico.
No futuro, com os estudos da neurociência espera-se obter subsídios conclusivos para identificar e
caracterizar consensualmente o TDA/H, pois, as descobertas no campo da neurociência são indispensáveis

485
A Escola: Dinâmicas e Atores

para que o TDA/H possa passar de uma classificação baseada na descrição clínica dos sintomas para um
modelo baseado nas causas do transtorno. Assim, os estudos das neurociências em combinação com os
rápidos progressos tecnológicos prometem progressos para a compreensão desse transtorno.
Deste modo, entende-se que a neurociência, através de seus estudos ligados ao processo de
aprendizagem, surge como um recurso que poderá por fim às dúvidas e controvérsias sobre o TDA/H, seu
diagnóstico e tratamento, ou seja, poder-se-á diferenciar com segurança o que é TDA/H do que não é.

METODOLOGIA
A pesquisa que dá base a este estudo tem o método dialético como fio condutor do processo de
investigação e análise. Optou-se pelo método dialético por trabalhar considerando a contradição e o conflito,
ou seja, a totalidade e a unidade dos contrários, assim, este método implica sempre em uma revisão e em
uma reflexão crítica submetendo à análise toda interpretação já existente do objeto de estudo.
Portanto, este estudo, cujo objetivo é fazer uma reflexão sobre as controvérsias que cercam o
transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDA/H), trata-se de uma pesquisa bibliográfica descritiva por
se utilizar de material de vários autores obtidos em livros, jornais, revistas e internet registrando-os,
analisando-os e correlacionando-os sem manipular o material de análise. Portanto, pesquisa bibliográfica é a
revisão da literatura que denominamos de levantamento bibliográfico ou revisão bibliográfica, a qual pode ser
realizada através de livros, periódicos, artigo de jornais, sites da Internet dentre outras fontes.
Esse tipo de pesquisa cujo trabalho investigativo é minucioso em busca do conhecimento tem sido
utilizada em pesquisas exploratórias ou descritivas, ocorrências em que ainda há falta de consenso,
discordâncias e dificuldade de conceituação ou formulação de hipóteses precisas sobre o objeto de estudo
escolhido. Portanto, a pesquisa bibliográfica possibilita uma maior reflexão sobre as informações quando da
análise dos dados dispersos nas publicações, permitindo assim a reflexão crítica sobre o objeto de estudo
proposto.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Conforme Collares & Moyses (2010), o diagnóstico do TDA/H ainda é feito baseado no quadro clinico
comportamental, pois, ainda não existem testes de imagem ou testes neuropsicológicos específicos para esse
transtorno.
A presença dos sintomas do TDA/H não é o único pré-requisito para emitir-se o diagnóstico da
doença. Deste modo, tem sido fonte de preocupação a emissão de diagnósticos de TDA/H realizados por
profissionais não médicos. Isso ocorre devido a falta de testes de imagem ou testes neuropsicológicos
específicos para o diagnóstico de TDA/H e, algumas vezes, devido ao falso entendimento de que o
diagnóstico pode ser realizado apenas com o uso de escalas respondidas por pais e professores.
Por enquanto, os testes de imagem estão restritos a pesquisas e com relação aos exames
neuropsicológicos, Mattos, Alfano & Araújo (2004), afirmam que:
pode ser importante, mas não é necessário para o processo diagnóstico, uma vez que a
avaliação do comportamento, mesmo com o uso de critérios bem definidos, ainda é
fundamentada em percepções e opiniões pessoais, tanto do paciente como de seus pais e
mesmo do médico (p.152).
A comunidade científica chama atenção para o fato de que o diagnóstico do TDAH deva ser feito por
profissionais habilitados e qualificados, já que os sintomas presentes no TDA/H também são notados em
outras patologias. Assim sendo, o diagnóstico do TDA/H é multidisciplinar e deve ser feito por um conjunto de

486
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

profissionais capacitados como, por exemplo, neurologista, psicopedagogos, psicólogos e etc. e não por
apenas um profissional.
Como ainda não há testes laboratoriais, de imagem ou neuropsicológicos específicos para o
diagnóstico de TDA/H, basicamente, o DSM V usa como critérios, o número, frequência e rigor dos sintomas
de hiperatividade, impulsividade e desatenção sendo imperioso que os sintomas estejam presentes antes dos
doze anos de idade, com a persistência de no mínimo seis meses, observados em dois ou mais ambientes,
e que, sobretudo causem um dano significativo no funcionamento acadêmico, social e ocupacional dos seus
portadores.
De acordo com o DSM V, a criança deve atestar critérios em pelo menos seis itens de desatenção
(tipo desatento) ou seis itens de hiperatividade e impulsividade (tipo hiperativo), ou com itens dos dois (tipo
Combinado).
Também é aconselhável realizar, com profissionais das áreas multidisciplinares, avaliações de
atenção, percepção, linguagem, coordenação e memória. Ao longo do processo devem ser analisadas
informações provenientes de entrevistas obtidas com o próprio individuo avaliado, familiares e professores.
O diagnóstico do TDA/H não é fácil e oferece dificuldades maiores quando se refere aos lactentes e
pré-escolares. De acordo com estudiosos, os critérios operacionais do DSM V não são garantidos para
crianças menores de quatro anos e seis meses, pois, níveis inadequados de atenção, hiperatividade e
impulsividade podem ser comportamentos normais nestas idades.
Conforme Riesgo & Rohde (2004) é comum a associação do TDA/H com outros distúrbios mentais
como, por exemplo, Transtorno Opositor-Desafiador, Transtorno de Conduta, Transtornos do Humor,
Transtorno de Ansiedade ou com distúrbios do desenvolvimento como Deficiência Mental, Transtorno de
Aprendizagem Escolar e Distúrbio do Desenvolvimento da Coordenação.
Assim, de acordo com Benczik (2010), Nessas situações, o uso de entrevistas de comportamento,
com itens do DSM IV como, por exemplo, a escala para diagnóstico de TDA/H (MTA-SNAP-IV) e a aplicação
de testes psicométricos, como o teste de Inteligência Weschsler - WISC III são utilizados para concretizar o
diagnóstico.
Conforme Riesgo & Rohde (2004), algumas pesquisas no campo das neurociências sugerem que o
cérebro das pessoas que sofrem de TDA/H sejam morfologicamente diferentes. Estudos de imagiologia por
ressonância magnética (IRM) mostraram diversas diferenças morfológicas entre os cérebros dos sujeitos com
TDA/H, embora os resultados algumas vezes tenham sido incoerentes entre si. Já estudos na substância
branca, apresentaram adulteração de conectividade entre o córtex pré-frontal direito e os gânglios basais, por
exemplo.
Para Riesgo & Rohde (2004), os resultados dos estudos obtidos com IRM funcional mostram uma
hipoatividade frontal comprometendo regiões do córtex, dentre outras e estudos longitudinais relataram um
atraso de cerca de três anos na maturação do cérebro com TDA/H.
Esses autores também acreditam que o TDA/H seria um transtorno hereditário, mas que os resultados
dos estudos genéticos até o momento não são claros e conclusivos. No entanto, dentre os diversos fatores
de risco para o TDA/H, uma revisão confirmou a prematuridade e o tabagismo maternal durante a gravidez
como fatores de risco.
Riesgo & Rohde (2004) indicam que os estudos das neurociências demonstram que os cérebros dos
indivíduos com TDA/H são diferentes dos indivíduos-referência e que, mais recentemente, os estudos sobre

487
A Escola: Dinâmicas e Atores

as bases neurobiológicas do TDA/H mudaram de um modelo baseado em diferenças regionais do cérebro


para um contexto caracterizado por uma conectividade alterada entre várias áreas. No entanto, ainda estão
sendo feitas pesquisas sobre os elementos individuais dessas redes.
Por outro lado, alguns especialistas consideram que o prejuízo ou disfunção nas funções executivas
seja a origem principal do TDA/H. Alterações em habilidades como controle inibitório e autorregulação, além
de memória de trabalho, planejamento e déficits atencionais tem sido documentadas no TDA/H. Para Barkley
(2002), as habilidades executivas são desenvolvidas mais tardiamente, além de serem menos refinadas em
pacientes com TDA/H em comparação a crianças com desenvolvimento típico. É importante salientar que
déficits executivos podem ser encontrados no TDA/H, porém, este não é um fator determinante para o
diagnóstico.
Conforme Mattos, Alfano & Araújo (2004), infelizmente os estudos das neurociências ainda não
encontraram nenhum marcador neurobiológico que seja ao mesmo tempo sensível e específico para
caracterizar o TDA/H, por esse motivo, o diagnóstico desse transtorno ainda é baseado em critérios
comportamentais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste estudo é fazer uma reflexão, à luz das neurociências, sobre as controvérsias que
cercam o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDA/H) cujo diagnóstico e tratamento ainda possui
pouco consenso em muitos setores públicos e privados.
Verificou-se que a etiologia do TDA/H não é plenamente conhecida e que diversas pesquisas
convergem para reforçar a hipótese de seu caráter hereditário, porém, outros estudos convergem para a
interpretação de que o TDAH teria origem multifatorial, com componentes genéticos e ambientais e outros,
ainda, acreditam que o TDA/H seria um transtorno das funções executivas, o sistema de gerenciamento do
cérebro. Deste modo, alguns estudiosos entendem que os sintomas realmente prejudiciais e persistentes do
TDA/H não seriam os da hiperatividade/impulsividade, mas a grande variedade de prejuízos atentivos que
estão estreitamente relacionados às funções executivas.
Diante desse cenário observa-se que a falta de um sistema classificatório único é um fator que
também dificulta o consenso acerca do TDA/H. Os Franceses, por exemplo, não utilizam o sistema
classificatório de transtornos mentais (DSM), pois, a Federação Francesa de Psiquiatria desenvolveu um
sistema de classificação em oposição ao DSM que prioriza as razões psicossociais e culturais subjacentes
aos indícios e não as farmacológicas, que para os franceses, dissimulam os sintomas. Já o Brasil adota o
sistema classificatório de transtornos mentais (DSM) que divide o TDA/H em três tipos e os Estados Unidos,
anunciou que irá desenvolver seu próprio sistema de classificação em que o transtorno seria dividido em seis
subtipos.
Paralelamente a isso, existem as sucessivas e inúmeras informações que dificultam o posicionamento
dos profissionais e da sociedade em geral acerca do assunto. Como exemplo pode-se citar a transformação
do TDA/H em doença da moda, por conta do excesso de informações técnicas e paratécnicas que a população
recebe através da mídia e, principalmente, a falta de informações de alguns profissionais (pediatras,
neurologistas, psicopedagogos, professores, psicólogos e etc.) sobre o assunto. Deste modo, esses e outros
fatores corroboram para alimentar os diversos pontos de vista conflitantes acerca do transtorno.

488
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Assim sendo, entende-se que a neurociência através de seus estudos e pesquisas ligados ao
processo de aprendizagem, surge como um recurso que poderá, futuramente, por fim às dúvidas e
controvérsias que cercam o transtorno. Com a compreensão sobre o funcionamento dos neurônios, sinapses,
correntes elétricas neuronais e o funcionamento químico dos neurotransmissores, por exemplo, será possível
avançar na compreensão, diagnóstico e tratamento do TDA/H.
Portanto, ao final deste estudo chega-se a conclusão de que ainda é preciso refletir mais
profundamente sobre as complexidades e especificidades que compõem o déficit de atenção e a
hiperatividade. O TDA/H não é fácil de ser diagnosticado, no entanto, através dos estudos da neurociência
poder-se-á diferenciar com segurança o que é TDA/H do que não é.

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Benkzic, E. (2010). Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade: Atualizações Diagnósticas e
Terapêuticas: um guia de orientação para profissionais. São Paulo: Casa do Psicólogo.
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pela redução de questões sociais a doença de indivíduos. São Paulo: Casa do Psicólogo, cap. 5,
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Artmed,

489
A Escola: Dinâmicas e Atores

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM CONTEXTO COLABORATIVO E


NÃO-FORMAL: ESTUDO DE CASO DE TECNOLOGIA ESPACIAL NO PROJETO
CANSAT AÇORES
[ID 334]

José António Contente


Instituto de Educação;Universidade de Lisboa
contente.jose@gmail.com

Resumo
Existe nos Açores uma estação da Agência Espacial Europeia. Desde 2011, várias equipas açorianas de
ensino de nível secundário ganharam algumas competições, nacionais e europeias do projeto CanSat
(literalmente ”satélite numa lata”).
O CanSat traduz a construção de um minissatélite lançado até 1000m que fornece de dados por telemetria
na sua queda.
Como se processa a resolução de problemas no CanSat?
Em Portugal faltam estudos sobre resolução de problemas em projetos educativos de tecnologia espacial
como o Cansat.
O estudo de caso desenvolveu-se com quatro alunos do nível secundário que orientados por um professor
realizaram o Cansat Açores-2016. A equipa participante no estudo ganhou o Cansat nacional e europeu em
2016.
Utilizaram-se técnicas qualitativas de colheita e análise de dados. Forte motivação dos alunos, do professor
e da escola participante no CanSat, vantagens do contexto cooperativo/competitivo e não formal são alguns
traços salientes dos resultados. A resolução de problemas revela dimensões para além da tradicional
“tentativa erro”, sugerindo um modelo específico, onde os processos metacognitivos dos alunos se
aprofundam no desenvolvimento do projeto e são comparáveis ao pensamento complexo presente nas
investigações científicas.

Palavras-chave: Resolução de problemas, Tecnologia espacial na escola, Trabalho colaborativo, Ensino não-
formal.

Résumé
Le projet CanSat ("satellite dans une boîte», littéralement) est la construction d'un minisatellite projetté à
1000m qui fournit des données par télémétrie dans sa chute.
Comment résoudre les problèmes chez les étudiants dans le CanSat?
L'étude de cas a été développé avec quatre étudiants du secondaire dirigés par un enseignant; ils ont réalisé
un projet de technologie spatiale (CanSat Açores). L'équipe qui a participé à l'étude a gagné le CanSat
national et européen en 2016.
Ils ont utilisé des techniques qualitatives pour la collecte et l'analyse des données. Une forte motivation des
étudiants, de l’ enseignant coordinateur, et de l’ école participante à CanSat, des avantages de l' ambiance
coopérative / compétitive et un climat non-formel ce sont quelques traits visibles des résultats. La résolution
des problèmes révèle des dimensions au-delà de la méthode "essai et erreur" traditionnelle, ce qui suggère
un modèle spécifique où les processus métacognitifs des élèves s’ approfondissent pendant le développement
du projet et ils sont comparables à la pensée complexe présente dans la recherche scientifique.

Mots-clés: Résolution des problèmes, Technologie spatiale à l'école, Travail collaboratif, Éducation non
formelle.

CONTEXTUALIZAÇÃO
O projeto CanSat (literalmente ”satélite numa lata”) da Estação Espacial Europeia (ESA) foi criado no
ano 2000. Inscreve-se nas várias atividades organizadas pela ESA para grupos específicos, como o das

490
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

comunidades educativas, dando-lhes informação e criando materiais inspiradores que ajudam professores e
alunos no processo de ensino-aprendizagem (ESA, s/d).
Num breve “rastreio da trajetória” do Cansat Açores, desde 2011 várias escolas secundárias e
profissionais têm constituído equipas que integram as competições nacionais e europeias neste projeto
educativo. Em 2013 e 2016 duas dessas escolas obtiveram o 1º prémio a nível nacional e europeu e em 2011
um 3º prémio na competição europeia do CanSat. A grande adesão das escolas açorianas, e os sucessos já
alcançados nas competições CanSat, são dados que merecem melhor compreensão e inserem-se no objeto
em que se baseia o estudo que parcialmente se apresenta neste artigo.
O desafio do CanSat ou satélite em forma de lata cilíndrica (115 mm de altura, 66 mm de diâmetro e
uma massa de 350g), onde são incorporados todos os sistemas, contempla o lançamento até 1000 m de
altitude e uma aterragem segura. Após a separação do foguetão de lançamento a 1000 metros, na descida
controlada é realizada uma experiência científica e são captados sinais de telemetria por uma estação
recetora criada e operada pelas equipas. Estas são condições obrigatórias exigidas pela ESA e inscrevem-
se na missão primária. A descrição do projeto CanSat revela o seu desenvolvimento num contexto não-formal
e privilegia a abordagem por resolução de problemas.
Como se processa a resolução de problemas em alunos de nível secundário, no âmbito do projeto
CanSat de tecnologia espacial que se desenvolve num ambiente colaborativo e não formal?
O estudo é relevante pela atualidade da temática e forte motivação e adesão transversal às escolas
dos Açores, pelos escassos trabalhos de investigação na ligação da tecnologia espacial ao ensino e
aprendizagem centrados na resolução de problemas em ambiente colaborativo e não-formal.
A noção de problema pode deslocar-se num continuum desde a relação do indivíduo com a situação
até às características da própria tarefa (Santos & Ponte, 2002). Neste estudo, foca-se a atenção nas situações
imprevisíveis colocadas aos alunos que resolvem problemas e ao professor que os coordena (Schoenfeld,
1985). Interessa também compreender as análises e raciocínios ligados às tarefas e fases da resolução dos
problemas (Shulman & Tamir, 1973, Smith, 1991). Neste trabalho, entende-se por problema para os alunos
qualquer tarefa que lhes é atribuída e não tem solução antes de investigada.
No esteio da Abordagem Baseada na Resolução de Problemas (ABRP), Dewey é um dos pilares do
construtivismo por acreditar na unidade entre a teoria e a prática para além da interação com a sociedade
com a finalidade de representação da democracia no processo educativo (Lambros, 2013; Galvão & Almeida,
2013). Casos-problema surgidos na ABRP deste estudo integram-se numa visão construtivista e sócio
construtivista que confere ao professor um papel de tutor-mediador dos processos de aprendizagem do grupo,
com a vista a acelerar aspetos cognitivos da zona de desenvolvimento proximal (Ausubel, 1968; Piaget, 1974;
Vygotsky, 1986; Fensham, Gunstone & White,1994). O projeto CanSat Açores (2016) refere a abordagem por
resolução de problemas como modo privilegiado de aprendizagem.
A literatura valoriza a resolução de problemas de modo colaborativo e o papel da educação não formal
como abordagem que rompe com a diferença entre currículos e quotidiano permitindo aprendizagens
significativas, motivadoras e promovedoras da autonomia e capacidades críticas e reflexivas do aluno
(Osborne & Dillon, 2008: OECD, 2013). Estes conceitos são assumidos neste estudo porquanto eles integram
as práticas e ambientes dos alunos envolvidos no CanSat Açores.

491
A Escola: Dinâmicas e Atores

METODOLOGIA
O estudo aqui descrito é de cariz qualitativo e orientação interpretativa (Erickson, 1986) eficaz para
avaliar o raciocínio e as experiências dos alunos numa atividade de resolução de problemas.
O estudo empírico desenvolveu-se em duas fases (Fase I- março a maio de 2016) e Fase II-
junho/julho de 2016) onde se aplicaram diversos instrumentos: questionários (Q1 e Q2) com perguntas
semiabertas, entrevistas e observação de alunos em atividades de resolução de problemas (Tuckman, 2012;
Bogdan & Biklen, 2013).
Trata-se de um estudo de caso porquanto se trata de uma abordagem metodológica de investigação
de um fenómeno contemporâneo no seu contexto e no mundo real que se adapta à investigação em educação
(Yin, 2015). Este estudo descritivo e interpretativo, matizado pela compreensão de realidades múltiplas,
implicou a imersão do investigador no campo de estudo como observador não participante durante dois anos.
Os participantes foram quatro alunos (S1, S2, S3 e S4) de nível secundário e o professor que
coordenou (PC). Os alunos tinham idades compreendidas entre os 17 e 19 anos. O professor coordenador
tinha 20 anos serviço e experiência de participação em projetos.
A validade e fiabilidade do estudo baseia-se na técnica da triangulação múltipla utilizada com a
aplicação de diversos instrumentos (Patton, 1980; Denzin, 1984; Stake, 2009; Flick, 2013) e na análise
indutiva das entrevistas com o objetivo identificar os traços salientes, temas e regularidades que emergiram
das respostas dos alunos (Yin, 2015). Estes procedimentos visaram garantir a credibilidade da investigação

RECOLHA DE DADOS
Fase I- Q1 (março de 2016) e E1 (maio de 2016) durante o processo de construção do satélite e das
competições nacional e europeia e Fase II- Q2 e E2 (julho de 2016) após a competição europeia, para além
de análise documental e diário de bordo com registos das observações não participantes. As entrevistas foram
analisadas indutivamente com o objetivo de identificar habilidades, padrões e regularidades nas respostas
dos alunos que emergiram de suas próprias respostas (Miles & Huberman, 1994). A categorização dos dados
recolhidos foi realizada com base em critérios pré-definidos definidos na literatura sobre habilidades cognitivas
(Zollher & Puskin, 2007) para além de algumas das categorias de Marcou (2007) que codificou estratégias de
comportamento e auto-regulação cognitivas e metacognitivas na resolução de problemas de matemática.
Dada a especificidade do estudo, algumas categorias emergiram da análise (Bardin, 2014) como as relativas
ao pensamento convergente/divergente (Kuhn,1989, 2009), pensamento lateral (Bono, 2014) e pensamento
computacional (Brennan & Resnick, 2012).
A literatura dá grande relevância às questões da motivação e das emoções na resolução de
problemas (Immordino-Yang & Damásio, 2007; Zimlich, 2016). Por limitação de espaço, as parcas referências
a aspetos motivacionais e emocionais baseiam-se nos critérios e escalas de avaliação dos estudos de Neves
e Boruchovitch (2007) e de Izard (1977), adotados numa seção dos dois questionários (Q1 e Q2) aplicados
aos alunos.

RESULTADOS
Na tabela 1 transcrevem-se algumas respostas a duas questões do questionário 1 (Q1) aplicados aos
alunos (S1 e S2) nas Fases I e II. As questões focalizam-se no modo de resolução de problemas que os
alunos valorizam mais.

492
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

(3.1.) Quais as principais dificuldades que sentiste em Estratégia de comportamento e autorregulação


cada uma das fases em que estiveste mais envolvido? cognitivas e metacognitivas
Como resolveste essas dificuldades? Tipo de pensamento
S1Q1 “ Estive mais ligado ao paraquedas e um dos Elaboração e organização cognitiva
meus problemas foi fazer o paraquedas Pensamento convergente
suportar 100kg de força… tive de recorrer a
muitos recursos como bainha reforçada e furos
também reforçados”.
S2Q1 “Os sensores de radiação foram o maior Organização cognitiva e Regulação metacognitiva
problema”…fiz muitas pesquisas e testes” Pensamento convergente
Tabela 1 - Excertos de respostas de dois alunos (S1 e S2) ao questionário1 (Q1)
A tabela 2 mostra uma categorização que expressa o nível de habilidades cognitivas no processo de
resolução dos problemas identificados nos dois questionários (Q1 e Q2) aplicados aos alunos, bem como nas
duas entrevistas (E1 e E2).
Identificação problema Aluno Modo de resolução Nível Categoria
Q1 Paraquedas S1 Operativo 3 LOCS
Programação S2 "Tentativa-erro balizada" 5 HOCS
Q2 Programação S1 Tentativa 5 HOCS
Sensores S2 Pesquisa e muitos testes 5 HOCS
Programação S4 Pesquisa e estudo 5 HOCS
Tabela 2. Modos de resolver problemas e níveis de categorias cognitivas
Transcrição de excertos de respostas de dois alunos (S1 e S2) nas entrevistas 1 e 2 (E1 e
E2)
Na Tabela 3 apresentam-se excertos de transcrições das Entrevistas 1 e 2 (E1 e E2) aos alunos (S1e
S2) identificam-se estratégias de comportamento e autorregulação cognitivas e metacognitivas (Marcou,
2007) bem como algumas que emergiram da análise.
Estratégia de
comportamento e Tipo de
Conversação
autorregulação cognitivas pensamento
e metacognitivas
S1E1
I: Participaste na construção do paraquedas?
S1: ..”começámos com um paraquedas muito robusto e muito Elaboração e organização Pensamento
grande. E quando fomos testá-lo, ele não conseguiu suportar cognitiva convergente
os 100 kg, ou seja, há uma velocidade standard que ele tem
que cumprir na descida… ele estava muito rápido. Depois
tivemos que reduzir a área do paraquedas
I: Como é que reduziram?
S1: A gente tem um simulador que simula cada descida do Elaboração e planeamento Pensamento
paraquedas. E esse simulador já faz um cálculo da descida. metacognitivo convergente
Depois fomos ao Laboratório… para pôr 100 kg que era para
ver se o tecido (dacron) suportava os 100 kg força…
O 1º de todos a gente pôs os 100 kg e o dracon rompeu.
Depois reforçámos as bainhas, as costuras e os sítios onde os
fios são amarrados e ele conseguiu suportar…

I: E que testes é que fizeram depois desse problema estar


resolvido?
S1: A gente foi para um edifício alto na avenida para poder testar Tarefa Físico-Matemática Pensamento
os metros por segundo, ou seja, com um tubo calculávamos convergente
para determinar a altura do prédio e depois de saber isso,
fomos para o topo…deixámos cair o satélite e fizemos as
contas até dar 8 a 9 m/s…
S1E2

493
A Escola: Dinâmicas e Atores

I: Na construção do paraquedas houve mais algum problema


que te lembres e que tenha tido alguma importância?

S1: Sim, o tamanho dos fios. Inicialmente quando os fios foram Regulação metacognitiva Pensamento
cortados, alguns tinham 1cm de diferença e isso é suficiente convergente
para não dar certo. Ou seja, todos têm que suportar mais ou
menos uns 8 e tal quilos.
S2 E1
I: Usa várias hipóteses?
S2: Vou pondo uma hipótese de cada vez. Depois fazemos os Monitorização Pensamento
testes e se não corresponderem a essa hipótese, passamos a metacognitiva lateral
outra.
I: Quais foram os principais problemas que encontraste até
agora?
S2: …GPS, que estava a dar alguns problemas…a hipótese estava Gestão de recursos e Pensamento
na programação do ARDUINO. Eu fui vendo com o Professor regulação metacognitiva convergente
e verificámos que tinha um erro. Era uma chaveta que estava
mal e foi o suficiente para criar conflito.
I: Quantas tentativas fizeram para chegar a esse resultado?
S2: … foi o dia todo. Só no dia a seguir é que concluímos que o Monotorização Pensamento
problema não estava no programa LabView e fomos para o metacognitiva convergente/
programa ARDUINO. Pensamento
divergente
S2 E2
S2: Os sensores de radiação foram o maior problema… Gastei Elaboração cognitiva Pensamento
muitas horas porque a gente levou tempo a concluir que o divergente
problema estava nos sensores, que os sensores eram
sensíveis demais e (como é que eu vou explicar?) atingiu o
nível máximo, por exemplo, com valores mínimos. Ou seja,
eram sensores muito sensíveis
I: O que fizeram para chegar a essa conclusão?
S2: Muitos testes. Tapar os sensores… … cálculos, por exemplo… Regulação metacognitiva e Pensamento
tentativa e erro; ver o problema de trás para a frente, ver se o monitorização divergente
erro estava antes ou se era mesmo naquele ponto. Muitas metacognitiva
vezes a gente pode chegar ao fim e o erro estar mesmo no
início
Tabela 3 - Estratégias de comportamento e autorregulação cognitivas e metacognitivas e tipos de
pensamento
Termos associados ao Cansat pelos participantes no estudo
Na Tabela 4 apresentam-se as palavras-chave que os alunos associam ao projeto CanSat no âmbito
das respostas ao questionário 2 aplicado após conclusão do concurso/competição europeu (julho2016
A indicação de palavras-chave corresponde a um ensaio cognitivo (Marcou, 2007) que permite
compreender os atributos principais que os alunos (S1, S2, S3 e S4) e o Professor Coordenador (PC)
associam ao CanSat (Tabela 4).
Termos que os alunos associam ao CanSat
S1 1 - Inovador 2 – Criativo 3 - Aprendizagem
S2 1 - Criativo 2 – Desafiante 3 - Inovador
S3 1 - Esforço 2 – Dedicação 3 - Trabalho
S4 1 - Desafiante 2 – Exigente 3 - Inovador
Termos que o PC diz que os alunos associam ao CanSat
Aprendizagem; inovação; disciplina; trabalho em equipa; check list
Termos que o PC associa ao CanSat
Rigor, organização e dedicação
Tabela 4 - Termos associados ao Cansat

494
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Motivação e emoções no desenvolvimento do CanSat


As questões de motivação relacionada com a resolução de problemas está aferida pelas respostas a
questões inscritas nos questionários 1 e 2 (Q1 e Q2). A Tabela 5 mostra o número de alunos que classificou
cada uma das questões.
Q1 Q2
Questões
Muito Médio Pouco Nada Muito Médio Pouco Nada
1. Como classificas a tua motivação para
participar no projeto? 4 4

2. Reservei este tempo ao projeto CanSat


3 1 3 1
porque é importante para mim
3. Tenho vontade de conhecer e aprender
assuntos novos 4 4

4. Gosto de adquirir novos conhecimentos 4 4


5. Esforço-me bastante nos projetos deste
tipo mesmo sabendo que não vão valer 4 4
como nota
6. Este tipo de projetos dão-me prazer e
alegria 3 1 3 1

7. O projeto Cansat liga-se a meu emprego no


1 2 1 2 2
futuro
Tabela 5 - Número de alunos e grau qualitativo atribuído à sua motivação no CanSat

Escala da Teoria Diferencial das Emoções


Para averiguar o estado emocional dos alunos utilizou-se a escala da Teoria Diferencial das Emoções
de Carrol Izard (1977) constituída por sete emoções negativas (raiva, desgosto, desprezo, angústia, medo,
vergonha e culpa), duas emoções positivas (interesse e alegria) e uma neutra (surpresa). A intensidade das
emoções foi medida em escala pontuada por 0 – não senti e 5 – senti muito (Tabela 6). A Escala da Teoria
Diferencial das Emoções foi aplicada na Fase II (julho 2016) do estudo, após a finalização das atividades.
INTENSIDADE
EMOÇÕES
0 1 2 3 4 5
5.1. Interesse, curiosidade, atenção 4
5.2. Alegria, felicidade, contentamento 1 3
5.3. Surpreso, espanto, pasmo 2 2
5.4. Angústia, aflição, agonia 2 2
5.5. Cólera, raiva, ira 2 2
5.6. Nojo, repugnância, repulsão 3 1
5.7. Desprezo, desdém, menosprezo 3 1
5.8. Medo, temor, receio 2 1 1
5.9. Vergonha, timidez, acanhamento 3 1
5.10. Tristeza, desânimo, desmoralização 2 1 1
Tabela 6. Nível emocional dos alunos em relação ao CanSat (Baseada em Izard,1977)

A intervenção do Professor Coordenador


A contingência de algumas observações, o elogio aos alunos, os alertas para a centração e
focalização nos objetivos do projeto são algumas das situações expressas nos excertos das entrevistas 1 e 2
ao Professor Coordenador. Estas referências procuram compreender o seu papel de orientação, o apoio aos
alunos envolvidos no projeto e o (s) modos como perceciona a resolução de problemas pelos seus alunos,
bem como e as prioridades que o Professor Coordenador atribui ao projeto (Tabela 7).

495
A Escola: Dinâmicas e Atores

Estratégia de
comportamento e
Tipo de
Conversação autorregulação
pensamento
cognitivas e
metacognitivas
E1 PC
I: Como desenvolvem os alunos a caminhada deste projeto?
PC: A caminhada é desenvolvida sempre como quem constrói uma casa,.. Tarefa físico Pensamento
começa-se pela parte que suporta tudo, que é chamado o sistema de matemática convergente
recuperação,…paraquedas que tem que ser muito bem calculado
porque são os tais requisitos do CANSAT, ou seja, determinam um
intervalo de velocidade no qual tem que estar situado o satélite, ou seja,
neste caso, tem que descer entre os 8 e os 11 metros/segundo.
I: O que indicaria como sendo as maiores dificuldades?
PC: “…trabalhamos muito com …sensores, microcontroladores se eles têm Gestão de Pensamento
3 ou 4 sensores, que podem individualmente trabalhar muito bem, mas recursos, convergente
quando se passa para a conjugação e integração dos vários sensores organização
num mesmo dispositivo de controlo, surgem conflitos e cognitiva,
problemas…eles têm que fazer um trabalho de pesquisa bastante regulação
direcionado e aprofundado, em fóruns etc... Esse é o maior problema metacognitiva e
que eu vejo neste tipo de projetos, ou seja, a ligação entre a professor mentor
programação ao equipamento…o meu trabalho aí é de orientar” …
I: E acha que essa visualização é útil para eles?
PC: É útil do ponto de vista deles transmitirem a sua ideia, mas também para Organização Pensamento
quem está a orientar … os nossos quadros normalmente estão sempre cognitiva computacional
cheios de setas e diagramas, fluxogramas para estruturar o
pensamento…
I: Que modelo pensa que os alunos têm para resolver problemas?
PC: “Na minha ótica e da experiência que eu tenho, o modelo tem como Regulação e Pensamento
núcleo o objetivo que eles pretendem atingir... têm que ter noção dos monotorização convergente
limites ao nível elétrico e eletrónico, das alimentações, a própria metacognitiva
interface de comunicação entre os sensores e o micro controlador, ou
seja, chamaríamos a todo esse grupo de constrangimentos, as
limitações”.
E2PC
I: No seu entendimento, como é que os alunos resolvem problemas?
PC: Há sempre uma primeira fase que é, se é um problema lançado pelo Gestão de
orientador “Olha, trabalha-me neste; vê se me consegues resolver recursos e
isto”… muitas vezes eles ajudam-se mutuamente ....Se é uma monitorização
dificuldade que eles encontram durante o seu percurso, eles nunca metacognitiva
avançam sem comunicar à equipa… O raciocínio deles é ao nível de:
ok, ao fazer a medição, que tipo de problemas é que eu posso introduzir
aqui e posso avariar alguma coisa? ... Ao nível da programação, se é
preciso fazer alguma correção ou fazer alguma experiência, por há,
digamos, um protocolo..
Aí, quando se faz, é preciso saber fazer as medições, porque os
equipamentos têm que ser ligados de uma determinada forma para não
danificarem nem o aparelho, nem o circuito.

I: Esse protocolo é uma coisa escrita ou é uma coisa que eles já têm?
PC: É uma coisa mental. Quando o protocolo, digamos, não resolve, temos Monitorização Pensamento
que entrar num processo de, às vezes, até desconstruir as coisas metacognitiva divergente e
...nessa fase é que às vezes surgem situações inesperadas... essa fase pensamento
é que muito importante e eles têm muito esse cuidado a pensar sempre lateral
um bocadinho mais além…
Tabela 7 - Excertos das entrevistas 1 e 2 ao Professor Coordenador (E1 PC e E2 PC)

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


Os resultados mostram que a resolução de problemas no projeto CanSat Açores 2016 se manifestam
em habilidades cognitivas de grau elevado (HOCS- higher order cognitive skills), com uma forte motivação
dos alunos e do professor coordenador, da escola para além do ambiente colaborativo e contexto não formal
vantajosos.

496
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Os alunos usam estratégias complexas para processar informações, nomeadamente, investigam na


internet, analisam e sintetizam informações pertinentes e utilizam conhecimentos teóricos relevantes para dar
sentido à informação recolhida. Além disso, debatem as suas ideias, em grupo e em fora da especialidade,
expandindo e reformulando ideias e mostram um profundo entendimento técnico de áreas como eletrónica,
eletricidade, programação, mecânica e soldadura fundamentais para o sucesso da resolução de problemas
do projeto CanSat. Finalmente, eles procuram controlar o processo de resolução de problemas, monitorizando
o seu progresso, avaliando casos-problema e decidindo de acordo com os objetivos de cada etapa de
construção do satélite. Ensaio e elaboração cognitivos organização cognitiva, regulação e monitorização
cognitivas para além de cálculos físico-matemático são estratégias de comportamento e autorregulação
cognitivas e metacognitivas reveladas na resolução de problemas no projeto CanSat correspondem a
estratégias de autorregulação na aprendizagem (Zimmerman & Martinez-Pons,1986) e incluem gestão
cognitiva, metacognitiva e de recursos (Polya, 1978; Flavel, 1979; Pintrich,1999). O estudo mostra o uso de
um grande número de estratégias metacognitivas. As entrevistas indicam cuidados para não danificar o
material elétrico, o que constitui uma estratégia de monotorização cognitiva de grau elevado. Solicitar ajuda
do Professor Coordenador ou participar em fora de discussão permite que os alunos identifiquem quando não
conseguem prosseguir sozinhos e demonstra uma capacidade de encontrar fontes úteis para assistência ao
projeto. As competências adquiridas pelos alunos durante o seu curso que abrange Programação, Eletrónica,
Física, Mecânica e Soldadura conferiu-lhes “um efeito de força e sentido de eficácia” para resolver problemas
desde o início do projeto.
As referências à dualidade pensamento convergente/divergente (Kuhn, 1989, 2009) ao pensamento
lateral (Bono, 2014) e ao pensamento computacional (Brennan & Resnick, 2012) como dados que emergiram
das entrevistas revelam a complexidade e a integração de diferentes tipos de raciocínio utilizados pelos alunos
neste projeto. A heurística para resolver problemas também esteve presente neste projeto quando os alunos
encararam um problema a partir de vários ângulos sem se centrarem numa única perspetiva, o que deixa
emergir uma aproximação ao pensamento lateral. A formação dos alunos, em particular nas linguagens de
programação (Arduino) e eletrónica parecem induzir a um pensamento marcado pelos esquemas, desenhos,
diagramas e fluxogramas com “in-put e out-put” como ressalta das entrevistas ao Professor Coordenador e
como se verifica nos modos de pensar dos alunos no “voltar atrás para corrigir erros”. O Professor
Coordenador indica mesmo a questão dos “protocolos mentais” e da check-list como fatores presentes e
decisivos no sucesso do desenvolvimento do projeto.
Na literatura a autoconfiança e as emoções positivas dos alunos conferem-lhes resiliência perante
as dificuldades e mantêm a sua capacidade de ultrapassá-las nos processos de resolução de problemas com
sustentado empenhamento cognitivo (Schunk, 1989; Schwarz, 1990). As emoções influenciam
diferencialmente as abordagens estratégicas e a qualidade da solução (Schwarz, 2000). O elevado grau de
motivação revelado nas respostas ao questionário 1, bem como nas entrevistas 1 e 2 e a clara propensão
manifestada para as emoções positivas expressas no questionário 2 reforçam a ideia que estes aspetos foram
determinantes para o sucesso da resolução de problemas no projeto CanSat. Na superação de dificuldades
o apoio emocional e intelectual no grupo e do professor coordenador reforçam este clima positivo.
Como se viu nas entrevistas a alguns alunos e Professor Coordenador a colaboração foi um meio
importante para superar algumas dificuldades. O desenvolvimento do projeto em ambiente não formal
constitui outra dimensão do projeto que é salientada na entrevista do Professor Coordenador como situação

497
A Escola: Dinâmicas e Atores

habitual na escola que promove a autonomia dos alunos e até abrange dimensões de maior solidariedade no
grupo. A literatura em educação reforça o papel da educação não formal como abordagem que rompe com a
diferença entre currículos e quotidiano, reduz a formalidade da escola transmissiva, permitindo aprendizagens
significativas, motivadoras e promovedoras da autonomia e capacidades críticas e reflexivas do aluno
(Ferreira, Pinto, Salvador, Botelho & Chagas, 2000; Garner, Hayes & Eilks,2014).

CONCLUSÕES
Os resultados mostram diferentes modos de resolução de problemas no projeto CanSat. No geral,
este grupo de alunos que teve sucesso nas competições nacional e europeia do projeto CanSat revelaram
grau elevado de habilidades cognitivas e metacognitivas, capacidade de utilizar e adequar o pensamento
convergente às heurísticas do pensamento divergente refletindo flexibilidade ou plasticidade cerebral.
Tratando-se de um projeto que requer minúcia, alto grau de abstração e integração os conhecimentos prévios
sólidos ao nível da Programação, Eletrónica, Física, Mecânica e Soldadura constituíram fatores cruciais do
pensamento computacional revelado, eficaz na resolução de casos-problema suscitados no desenvolvimento
do projeto. A perceção positiva dos alunos em relação ao projeto manifestou-se no elevado grau de motivação
durante todo o progresso do projeto. A dimensão motivacional associou-se à “curiosidade”, ao caráter
“inovador” que os alunos atribuíram ao projeto, ao apelo desafiante de competição e pela grande colaboração
que se fundou nos elementos do grupo incluindo o Professor Coordenador e a própria escola. O projeto
CanSat mostrou-se de grande potencialidade na sustentação de processos colaborativos de construção de
conhecimentos e o grupo de alunos revelou grande positividade emocional que ajudou ao envolvimento global
nas tarefas. A satisfação com o trabalho de grupo tanto se associa às aprendizagens significativas dos alunos,
como às relações positivas que promove (Sofia, Faria, Baptista, Freire & Galvão, 2013).
O papel do professor assumiu um papel de “tutor- mediador” das aprendizagens, incentivando os
alunos, lançando-lhes casos-problema e propondo-lhes desde o início do projeto tarefas focadas.
Estando em curso a criação de um currículo regional nos Açores, sendo conhecidas as preocupações
das entidades oficiais com a necessidade de melhoria dos níveis globais de literacia científica indica-se uma
recomendação. Os resultados deste estudo recomendam a introdução nos novos curricula regionais de
projetos de resolução de problemas em contextos colaborativo e não formal com vista a promover
aprendizagens significativas que reduzam a barreira entre os muros escolares e a vida real, mediante práticas
letivas que se ancorem mais em fatores de sucesso e estratégias metacognitivas.

REFERÊNCIAS
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Bogdan, R. C. & Biklen, S. K. (2013). Investigação qualitativa em educação. Uma Introdução à Teoria dos
Métodos. Porto: Porto Editora.
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498
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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CanSatAçores (2016). CanSat. Disponível em http://cansatacores.org/
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501
A Escola: Dinâmicas e Atores

LIMITES E POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA COMO ESPAÇO NA


FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DO CEEBJA
[ID 284]

Angela Renata de Sousa Cordeiro


Sonia Maria Chaves Haracemiv
Secretaria de Estado da Educação do Paraná; Universidade Federal do Paraná
angela.cordeiro@gmail.com.br; sharacemiv@ufpr.br

Resumo
O cenário contemporâneo é marcado pela globalização que trouxe inovação e rapidez em todas as áreas,
principalmente no que se refere à comunicação. O desenvolvimento tecnológico trouxe a necessidade de
novos conhecimentos e habilidades que é a premissa que tange os segmentos do mundo do trabalho. Para
adequação dessa realidade busca-se o aprimoramento e conhecimento contínuo, isso, para manter-se
atualizado e apto a competitividade exigida para sua empregabilidade. Os avanços tecnológicos do contexto
atual têm trazido novas perspectivas no âmbito educacional, em especial na área de formação de professores,
que tem exigido uma nova postura dos envolvidos no processo de ensino aprendizagem. A pesquisa visa
abordar a problematização da Educação a Distância como instrumento para a formação inicial e continuada
de professores do Centro de Educação de Jovens e Adultos. As mídias cada vez mais sofisticadas e
interativas, a evolução e o desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação, bem como o
surgimento dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem, não são suficientes para produzir conhecimentos por
si mesmos. Torna-se relevante à pesquisa da Educação a Distância como instrumento para a formação
continuada de professores, para que se possam avaliar os desafios dessa modalidade no campo educacional.
O estudo será realizado com os professores do CEEBJA Campo Comprido da cidade de Curitiba, Paraná,
Brasil, tendo como objetivo identificar os limites e possibilidades da educação à distância como espaço de
formação do professor. A pesquisa trata da utilização das tecnologias da Informação e Comunicação, aliadas
à formação dos professores, e as reflexões sobre o trabalho pedagógico na escola, com base nas mediações
técnicas e no desenvolvimento do processo formativo dos profissionais da educação. A fundamentação
teórica teve como base as leituras de livros, artigos nas mídias eletrônicas e revistas, onde se buscou
fundamentar o tema a ser pesquisado sobre a perspectiva da contextualização do cenário da escola de jovens
e adultos. A metodologia de investigação está caracterizada como Pesquisa-ação, o que torna relevante à
pesquisa no cotidiano escolar, para que se possam avaliar os desafios dessa modalidade no campo
educacional com jovens e adultos trabalhadores.

Palavras-chave: Educação e Tecnologias, Formação Docente, Educação de Adultos.

Resumé
La scène contemporaine est marquée par la mondialisation qui a apporté l'innovation et de la vitesse dans
tous les domaines, notamment en matière de communication. Le développement technologique a apporté la
nécessité de nouvelles connaissances et compétences qui est la prémisse que respecter les segments du
marché du travail. Pour adapter cette réalité vise à améliorer la connaissance et continue, afin de maintenir à
jour et adapter la compétitivité nécessaire à leur employabilité. Les progrès technologiques dans le contexte
actuel ont apporté de nouvelles perspectives dans le secteur de l'éducation, en particulier dans le domaine de
la formation des enseignants, qui a exigé une nouvelle attitude de ceux qui sont impliqués dans le processus
d'enseignement et d'apprentissage. La recherche vise à répondre à la problématique de l'éducation à distance
comme un outil pour la formation des enseignants initiale et continue des jeunes et des adultes Education
Center. Les médias de plus en plus sophistiquées et interactives, l'évolution et le développement des
technologies de l'information et de la communication et l'émergence d'environnements d'apprentissage virtuels
ne suffisent pas à produire des connaissances pour eux-mêmes. Il est pertinent de recherche en éducation
Distance comme un outil pour la formation continue des enseignants, afin qu'ils puissent évaluer les défis de
ce type dans le domaine de l'éducation. L'étude sera menée avec les enseignants CEEBJA long terrain de
Curitiba, Parana, Brésil, visant à identifier les limites et les possibilités d'enseignement à distance que l'espace
de formation des enseignants. La recherche porte sur l'utilisation des technologies de l'information et de la
communication, ainsi que la formation des enseignants, et les réflexions sur le travail pédagogique à l'école,
sur la base des médiations techniques et le développement du processus de formation des professionnels de

502
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

l'éducation. Le cadre théorique a été basée sur les lectures des livres, des articles dans les magazines et les
médias électroniques, où il a demandé l'appui du sujet à l'étude sur la perspective du contexte du scénario de
jeune école et les adultes. La méthodologie de recherche se caractérise par la recherche-action, ce qui est
pertinent pour la recherche à l'école tous les jours, afin qu'ils puissent évaluer les défis de ce type dans le
domaine de l'éducation avec les jeunes et les adultes travailleurs.

Mots-clés: Éducation et des technologies, La formation des enseignants, L'éducation des adultes.

INTRODUÇÃO
O cenário contemporâneo é marcado pela globalização que trouxe inovação e rapidez em todas as
áreas, principalmente no que se refere à comunicação. O desenvolvimento tecnológico trouxe a necessidade
de novos conhecimentos e habilidades que é a premissa que tange os segmentos do mundo do trabalho.
Para adequação dessa realidade busca-se o aprimoramento e conhecimento contínuo, isso, para manter-se
atualizado e apto à competitividade exigida para sua empregabilidade. É neste contexto que o objeto de
estudo será realizado com os professores do Centro de Educação Básica de Jovens e Adultos - CEEBJA
Campo Comprido.
Os avanços tecnológicos do contexto atual têm trazido novas perspectivas no âmbito educacional,
em especial na área de formação de professores, que tem exigido uma nova postura dos envolvidos no
processo de ensino aprendizagem, uma vez que “as novas tecnologias educacionais passam a exigir do
profissional docente, novas posturas frente ao conhecimento e ao processo cognitivo de aprendizagem de
seus alunos” (Nascimento, 2001, p.5).
Nesse sentido, a formação de professores é pensada como um processo continuum (Knowles & Cole,
1995), que não tem um período específico de realização (formação inicial ou continuada), mas se configura
como um desenvolvimento constante e reflexivo, considerando elementos pessoais e profissionais da
trajetória docente.
As mídias cada vez mais sofisticadas e interativas, a evolução e o desenvolvimento das Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs), bem como o surgimento dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem
(AVA), não são suficientes para produzir conhecimentos por si mesmos. Torna-se relevante à pesquisa da
Educação a Distância como instrumento para a formação continuada de professores, para que se possam
avaliar os desafios dessa modalidade no campo educacional. Dessa forma, o problema de estudo propõe-se
a responder ao questionamento: Quais os limites e possibilidades da educação a distância como espaço de
formação continuada do professor do CEEBJA? Outros questionamentos são necessários para nortear a
pesquisa, como: Qual o domínio dos professores do CEEBJA frente a utilização das TICs como ferramentas
de ensino e aprendizagem? Como vem sendo o processo de formação continuada dos professores do
CEEBJA nas modalidades presencial e/ou a distância? Quais as concepções de EaD, enquanto espaço de
inclusão social, acadêmica e pessoal tem os professores do CEEBJA?
Esse trabalho tem como objetivo maior identificar os limites e possibilidades da educação a distância
como espaço de formação continuada do professor, o que exige analisar as concepções de EaD do professor
do CEEBJA como espaço de inclusão social, acadêmica e pessoal na sua formação continuada, investigando
junto aos mesmos as práticas docentes vividas nas suas trajetórias profissionais utilizando as TICs como
material didático, e como resultado espera-se que os mesmos produzam material didáticos em diferentes
áreas do conhecimento utilizando as TICs nas práticas docentes.

503
A Escola: Dinâmicas e Atores

A metodologia utilizada é da pesquisa-ação, onde teoria e prática vem permeando as etapas deste
trabalho, frente a realidade complexa, que caracteriza a escola, para que a mesma seja estudada com rigor
científico, necessário para que os pesquisadores obtenham subsídios numa vertente qualitativa de pesquisa,
pelo fato de haver uma atenção com o preparo do planejamento, com o controle da pesquisa, com a escolha
do objeto, bem como, porque os estudos qualitativos são considerados importantes ao proporcionar a real
relação entre teoria e prática, oferecendo ferramentas eficazes para a interpretação das questões
pesquisadas no âmbito da escola (André & Lüdke, 1986).
Essa pesquisa vem sendo desenvolvida no Centro Estadual de Educação Básico para Jovens e
Adultos CEEBJA Campo Comprido, localizado na cidade de Curitiba, Estado do Paraná, sendo o público
objeto da intervenção os professores do Ensino Fundamental e Médio. A escola possui aproximadamente 85
docentes. O estudo se estende aos professores da rede Estadual de Educação dos 32 Núcleos SEED do
Paraná, inscritos no Grupo de Trabalho em Rede (GTR), na Plataforma SACIR do Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE.
A estratégia de ação da pesquisa, intervenção e implementação, foi a elaboração de um Caderno
Temático, material impresso com textos relacionados ao tema, disponibilizado on-line para todos os
professores envolvidos na pesquisa. Como a Pesquisa-ação exige num primeiro momento a Fase
Diagnóstica, muito importante para conhecer a visão dos professores, equipe diretiva e pedagógica sobre os
Limites e Possibilidades da Educação a Distância como Espaço na Formação Continuada do professor do
CEEBJA, foi elaborado um Instrumento de Coleta de Dados, questionário com questões abertas e fechadas,
em cinco Campos Investigativos: 1- Identificação Profissional; 2- As concepções de EaD, enquanto espaço
de inclusão social: 3- Formação continuada EaD na visão do professor da EJA; 4- O professor da EJA e
projetos elaborados pela equipe pedagógica na área de formação continuada para os professores de CEEBJA
na modalidade EaD; 5- As TICs como ferramentas de ensino - o domínio dos professores frente às novas
tecnologias. O levantamento de dados é necessário para subsidiar os estudos que foram planejados no
Caderno Pedagógico em três Unidades, sendo que na Unidade I buscar-se-á discutir as concepções de
Educação à Distância - EaD do professor do CEEBJA, visando levá-lo a identificar o espaço virtual como
espaço de inclusão social, acadêmica e pessoal na sua formação continuada. Na Unidade II será trabalhado
de modo a levá-lo a repensar suas práticas docentes vividas nas trajetórias profissionais. Na Unidade III serão
produzidos e aplicados materiais didáticos em diferentes áreas do conhecimento, com a utilização das TICs,
tendo como subsídios teóricos e metodológicos as Diretrizes Curriculares Estaduais e a Proposta Política
Pedagógica.

EAD NAS DIMENSÕES PESSOAL, ACADÊMICA E SOCIAL


Os sujeitos da educação de jovens e adultos na atualidade do CEEBJA
Atualmente é fundamental caracterizar os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos - EJA, visto ser
a diversidade uma das principais marcas dessa modalidade de ensino, sendo inegável que estes sujeitos
estão concretamente situados na sociedade e ao retornarem à escola estão convictos da falta que a
escolaridade faz em suas vidas e embora venham a se integrar numa modalidade educacional ainda
desvalorizada socialmente, retornam sabendo o que precisam da escola. Um dos desafios postos nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, indica que o ensino na EJA deve
atender a três funções: reparadora, equalizadora e qualificadora. A função reparadora refere-se à dívida

504
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

social, constituída pela negação do direito à educação de jovens e adultos no país até a Constituição de 1946.
A função equalizadora diz respeito à garantia de direitos e distribuição de bens às pessoas, possibilitando-
lhes novas inserções na vida social, no trabalho e na participação ampliando-se para além da alfabetização.
A função permanente atribui à EJA o papel de propiciar aos educandos constante processo de aprendizado
a atualização dos conhecimentos, ao longo de toda a vida (Brasil, 2000). A negação de um direito subjetivo
básico como é o direito à educação o submete a constantes privações de toda espécie, pois a falta de
conhecimentos básicos o leva a exclusão do acesso a outros direitos também básicos como o pleno acesso
à saúde, à moradia, ao lazer, aos bens culturais e tecnológicos. Nesse sentido, a educação é mobilizadora
do acesso a todos os demais direitos sociais. Esse sujeito constitui uma parcela significativa da população
brasileira que é invisibilizada socialmente e que sofre interdições de diversos outros direitos, com grande
freqüência, pela falta de conhecimento de como acessá-los. Sem uma certificação que comprove um mínimo
de escolaridade formal, por exemplo, o trabalhador não consegue se integrar ao mundo do trabalho formal.
Embora ter a certificação de conclusão do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio não garante acesso direto
ao trabalho formal, não ter documentação escolar que comprove a conclusão desses níveis de ensino é
impeditivo cabal e atrela a vida de milhares de cidadãos a uma inserção precária no mundo do trabalho, pela
urgência que estes têm em prover sua sobrevivência e a de suas famílias.
Portanto, quando retornam à escola, os estudantes da EJA não estão em busca do que perderam na
infância, ou de um tempo perdido, mas dos conhecimentos que lhes permita plena vida cidadã adulta e os
capacitem a integrar-se no mundo do trabalho formal onde seus direitos trabalhistas sejam assegurados. Essa
compreensão é fundamental para auxiliar a escola a não correr o risco de infantilizar as atividades
pedagógicas que desenvolve junto aos jovens e adultos trabalhadores, e que muitas vezes motiva uma nova
evasão escolar.

TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS E FORMAÇÃO NO ESPAÇO DO CEEBJA


Conhecendo a estrutura e funcionamento do CEEBJA
Em Curitiba, a EJA está integrada nos sistema de ensino municipal e estadual, sendo oferecida nos
níveis do Ensino Fundamental e Médio. A oferta de turmas para EJA do primeiro segmento, que corresponde
aos primeiros cinco anos do Ensino Fundamental, é de responsabilidade do sistema municipal de ensino. O
sistema estadual de ensino oferta escolarização para a EJA nos Centros Estaduais de Educação Básica para
Jovens e Adultos (CEEBJA), também é ofertada oportunidades de escolarização através de Ação Pedagógica
Descentralizada, as chamadas turmas de APED, nos espaços das escolas da rede estadual e em espaços
cedidos pelas escolas da rede municipal. A clientela do referido CEEBJA é constituída de adolescentes e
adultos com defasagem em relação a escolarização fundamental e cujos vínculos com a escola formal foram
desfeitos. Vale relatar que a estrutura física, instrumental e pedagógica, atual é originária de um processo que
o empenho compartilhado - Direção, Corpo Docente, funcionários da escola, Conselho Escolar e APAFs
(Associação de Professores, Pais, Alunos e Funcionários) - buscaram para melhorar os serviços prestados a
sua clientela e que no início de tudo, nem ao menos tinham o mobiliário básico (mesa, cadeira, etc.) Sendo
que hoje contam com salas separadas por divisórias, material permanente tais como: carteiras, escrivaninhas,
estantes, cadeiras, fogão, geladeira, pia, dentre outros. Houve a informatização da Secretaria e também a
aquisição de copiadora e duplicadora. Atualmente a Escola está funcionando na Rua Eduardo Sprada, 310,
Campo Comprido, Curitiba, PR, em um prédio alugado, com água, energia elétrica e esgoto da rede pública

505
A Escola: Dinâmicas e Atores

e coleta de lixo periódica. Também conta com uma estrutura física de sala de diretoria, sala de professores,
laboratório de informática e cozinha.

Repensando a docência na EJA e o uso das Tics


Ao se pensar o professor como sendo o principal ator no processo ensino-aprendizagem onde procura
fazer uso das tecnologias investigando e buscando caminhos que transformem a maneira de se apresentar
os conteúdos, através da diversidade e inovação na sala de aula ele assume o papel de facilitador da
construção do conhecimento pelo aluno e não um mero transmissor de informações. É imprescindível que o
docente esteja em constante processo de formação em busca de sua qualificação profissional. A formação
continuada docente, além de levar em consideração sua trajetória pessoal, uma vez que a trajetória
profissional só terá sentido se relacionada à vida pessoal, individual e na interação com o coletivo, deve
também inspirar a análise e a reflexão crítica sobre sua prática educacional, sobre sua função como docente,
pois é a partir dessa reflexão que irá se transformar em um agente capaz de construir sua identidade
profissional docente, possibilitando a adaptação às diversas e rápidas mudanças no campo da educação e
considerando de forma competente todos os aspectos que compõem e influenciam o contexto social e como
conseqüência o escolar, principalmente aos desafios encontrados na realidade da sala de aula.
Desta forma, pensar em educação escolar na EJA é pensar uma educação de direito e voltada para
a perspectiva da emancipação humana. Para Saviani (2007), a noção de emancipação refere-se à uma
educação que forma o homem autônomo intelectual e moralmente, com capacidade de compreender as
condições histórico-culturais da sociedade em que vive. Trata-se no âmbito escolar de uma educação voltada
para a crítica e reflexão dos contextos sociais, visando propiciar formas aos educandos de se situar na
sociedade na sociedade em que vivem.
Freire (1998) defende uma perspectiva de educação emancipatória, a qual valoriza o homem no
mundo e possibilita-lhe adquirir a consciência da sua importância na construção da realidade em que vive, ou
seja, do próprio mundo. Desta forma, faz-se necessário que o professor ensine aos educandos da EJA, que
o mundo real é uma construção humana e social a partir das nossas atitudes, das nossas idéias e da nossa
relação com o outro.
Neste sentido, a escola é a instituição social que tem por princípio instrumentalizar os sujeitos que
por ela passam, por meio da apropriação do conhecimento científico, levando-os ao desenvolvimento,
aprimoramento e autonomia intelectual, numa prática pedagógica dialógica, transformadora e emancipadora
(Freire, 1998).
A escola de Educação de Jovens e Adultos na sua incumbência de ensinar os conhecimentos para
os alunos trabalhadores, não pode fazê-lo apenas através da transmissão técnica dos conteúdos, pois os
educandos são sujeitos sociais de aprendizagem e necessitam compreender cientificamente, o conjunto de
conhecimentos do mundo real em que vivem, para nele atuarem de forma consciente e com autonomia. Nesta
perspectiva, o ensino na escola é um processo que consiste numa atividade humana e política de formação
e emancipação, isso exige um professor que estude continuamente, que leia, que reflita sobre a prática, um
pesquisador, um profundo conhecedor do homem e da sua história, da produção do conhecimento e da
necessidade de conhecimento e formação humana de cada contexto social, no espaço e no tempo (Freire,
2003).

506
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O fazer pedagógico e a produção do conhecimento são permanentes desafios para educadores e


educandos. O educador consciente de sua prática pedagógica apoia-se na constante reflexão crítica de seu
fazer pedagógico. A docência não pode ser exercida de outra forma. O profissional da educação, para realizar
plenamente o seu trabalho, é desafiado a trabalhar com as transformações dos contextos sociais, políticos,
econômicos e culturais que alteram e determinam o mundo em que vive. Estas constatações implicam ver na
urgência de formar docentes com o hábito de estudo e da pesquisa vinculados às suas experiências
cotidianas coletivas e individuais, com o intuito de pensar a prática pedagógica, a carreira, a profissão, suas
condições de trabalho, como processos que integram a sua identidade profissional. Essas questões
necessitam ser amplamente discutidas pelos próprios docentes da EJA, e como propõe Freire (1998), é
preciso intervir para melhorar.

APRENDENDO E TRANSFORMANDO O ENSINO NA EJA COM A UTILIZAÇÃO DAS TICS


A EJA fundamenta-se epistemologicamente na perspectiva de emancipação humana defendida por
Freire, a qual exige do docente conhecer o aluno da EJA para compreender a escola articulada,
contextualizada e coerente com as condições sócio-históricas e culturais dos sujeitos da EJA. O tema
abordado sobre as tecnologias da informação e comunicação (TICs), aliada à formação dos professores,
remete a reflexões sobre o trabalho pedagógico na escola, com base nas mediações técnicas e no
desenvolvimento do processo formativo dos profissionais da educação. Constata-se que, o uso de recursos
tecnológicos sofisticados não tem assegurado transformações nas práticas pedagógicas nas escolas.
O desenvolvimento das TICs traz ao processo do ensino e da aprendizagem um conjunto significativo
de alterações, desde os suportes materiais às metodologias, até os modelos conceituais da aprendizagem.
Sua importância se dá pelo aumento do interesse, participação e motivação dos alunos, a aprendizagem mais
significativa e a aula produtiva e dinâmica, facilitando a problematização dos conteúdos.
Evidencia-se também, a necessidade da formação e o aperfeiçoamento dos docentes quanto ao uso
das TICs para que os professores sejam capacitados para assumir o papel de facilitador da construção do
conhecimento pelo aluno e não um mero transmissor de informações.
O uso das tecnologias por si só não representa mudança pedagógica, se for usada somente como
suporte tecnológico para ilustrar a aula, o que se torna necessário é que ela seja utilizada como mediação da
aprendizagem para que haja uma melhoria no processo ensino-aprendizagem.
O cenário mutante, na escola e em seu entorno, constitui situação anacrônica entre as práticas
docentes e as expectativas sobre a função da escola na atualidade. Existe um sentimento geral de que a
escola e, mais particularmente, os professores “falham” no cumprimento de seu trabalho. A determinação da
natureza do trabalho docente poderia indicar formas que pudessem superar a aprendizagem receptiva. Nessa
perspectiva, uma redefinição da formação do professor teria por objetivo fomentar ou promover aprendizagens
ativas, intentando superar a simples aquisição de conteúdo escolar preestabelecido. Apesar de se alardear o
novo, a sociedade da informação e do conhecimento, onde, presumidamente, não só se consome, mas se
produz informações, os professores, como “ponta” da inovação, terá muito pouco que falar sobre sua
formação. Haverá quem os oriente sobre quais competências profissionais se deseja para que o sistema
público de ensino seja transformado. Além disto, o estabelecimento de rede, com vista ao trabalho
pedagógico, aponta para entendimentos de uso das TICs muito contraditórios.

507
A Escola: Dinâmicas e Atores

As tecnologias da informação e comunicação estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano, não
apenas no trabalho, em nossos lares, elas abrem uma gama imensa de fontes de informação e de
comunicação nos mais diversos locais. Principalmente nas escolas, eles ainda podem aumentar o potencial
criativo e garantir mais autonomia a educadores e educandos. Convém fazer algumas reflexões sobre as
TICs, tais como: os educadores estão maduros para aceitá-las; ou temerosos de que elas tomem seus
lugares; ou ainda com uma sensação de impotência por não terem o domínio sobre as mesmas; ou ainda de
serem superados em conhecimento nestas TICs pelos educandos.
Muitas escolas acabam por incentivar o uso de laboratórios de informática, principalmente aquelas
que já contam com acesso a internet, mas nem sempre com a qualidade que o recurso deveria possibilitar
apenas como marketing da instituição de ensino. A tecnologia aplicada no desenvolvimento de conteúdos
possivelmente levará a melhores oportunidades de ensino, buscando-se aprimorar o desenvolvimento dos
educandos como pesquisadores da História, bem como de outras disciplinas. Facilitando desta forma a
comunicação entre educadores e educandos, mas não deixando de lado o importante papel dos indivíduos
envolvidos no processo, pois a tecnologia sem dúvida pode ajudar, mas quem realmente faz o ensino são as
pessoas, que com empenho, ferramentas, capacitação e tecnologias adequadas certamente alcancem o
êxito.
Sabe-se que a tarefa é árdua e exige muitas mudanças de comportamentos, valores, estruturas
enraizadas em interesses mercadológicos, individualistas e concorrenciais nas próprias relações pessoais e
institucionais, fazem-se necessárias rupturas, inclusive a aceitação das TICs no meio escolar por boa parcela
dos educadores não vem a ser unânime.
O que se faz necessário é desvincular-se a prática docente do ciclo vicioso que acaba por limitar o
papel da escola e do próprio educador, onde por vezes as aulas não têm atrativas, o educando fica relegado
a mero espectador.
É imperativo que as TICs também contribuem para a mudança de postura dos educadores, que estes
realmente eduquem com qualidade, comprometimento, e não façam seus educandos perderem suas
potencialidades apenas reproduzindo o que lhes é repassado.
É importante esclarecer que “é difícil encontrar um aluno entusiasmado com a escola. Na contramão,
é difícil encontrar um aluno que não tenha paixão pela mídia”. Esta afirmação alerta que a escola precisa ser
mais atraente e moderna, modernidade que permeia os jovens, que buscam tudo que seja tecnológico, as
novidades das novidades. Mas existem alguns entraves sendo “preciso, porém não fantasiar as coisas”
(Demo, 2007, p.86).
Faz-se imperativa a análise das afirmações, onde realmente muitos estudantes não conseguem
acompanhar a velocidade das inovações e as novas necessidades do mercado de trabalho, e que
obrigatoriamente não serão solucionadas apenas com um diploma, e que reforça a constatação deste
problema é que segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF) nem todos estão alfabetizados
plenamente, analisando-se os números de 2009 percebe-se que 15% da população brasileira com idade entre
15 e 24 anos é classificada como analfabeta funcional, e pior ainda é que só um terço dos jovens brasileiros
atingiu a alfabetização plena, desta forma percebem-se melhorias nos índices, mas há muito a mudar e
evoluir.
A existência dos computadores nas escolas, bem como aulas de informática não correspondem ao
que muitos acreditam ser a inclusão digital, deve possibilitar a melhoria do ensino. É de suma importância a

508
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

capacitação dos professores, para que estes possam estar aptos a realmente fazer uso da tecnologia,
incorporando-a no seu planejamento em sala de aula de forma criativa e agregadora, superando a sua
formação tradicional.

AÇÃO E REFLEXÃO: ALGUNS RESULTADOS ESPERADOS


Considerando que o objetivo deste estudo consiste em identificar os limites e possibilidades da
educação a distância como espaço de formação continuada do professor, a perspectiva desse trabalho será
identificar e compreender as experiências concretas vividas pelos professores do CEEBJA e de escolas de
EJA, bem como, a interação com o educando e a reflexão sobre suas atividades cotidianas com o uso das
TICs. Para tanto, será realizada a leitura do texto “Das salas de aula aos ambientes virtuais de Aprendizagem”
que trata sobre o espaço virtual como espaço de inclusão social e acadêmica tornando necessário a reflexão
sobre o tema repensando suas práticas ligadas a ele, procurando retratar as concepções da EaD, do professor
do CEEBJA, visando levá-lo a identificar o espaço virtual como espaço de inclusão social, acadêmica e
pessoal na sua formação continuada.
A educação deve resgatar o sujeito-aprendiz como um ser integral, um ser que pensa que sente que
intui que capta e expressa o mundo mediado pelo corpo que tem linguagens próprias sendo necessário que
a educação seja compreendida como um sistema vivo – em processo que troca energia com o meio, em que
o conhecimento está em constante construção mediante interações, transformações e enriquecimento
mútuos. Diante dessa realidade, os professores irão listar recursos tecnológicos com condições de propiciar
o desenvolvimento de um projeto que possa trazer um olhar diferente ao conteúdo pedagógico que sua escola
possui. Deverão também responder outros questionamentos como o professor da EJA pode tornar o
educando protagonista do conhecimento de sua disciplina e como as TICs podem ser uma ferramenta
educacional de aperfeiçoamento e de possível mudança na qualidade do ensino?
O principal objetivo desta pesquisa é de que na medida em que este trabalho avance em reflexão dos
limites e possibilidades da educação à distância, o CEEBJA se torne um espaço de formação continuada do
professor. É de suma importância a capacitação dos professores, para que estes possam estar aptos a
realmente fazer uso da tecnologia, incorporando-a no seu planejamento em sala de aula de forma criativa e
agregadora, superando a sua formação tradicional. É imperativo que as TICs também contribuam para a
mudança de postura dos educadores para que estes realmente eduquem com qualidade, comprometimento,
e não façam seus educandos perderem suas potencialidades apenas reproduzindo o que lhes é repassado.
Torna-se relevante à pesquisa na EJA na modalidade de Educação a Distância como instrumento para a
formação continuada de professores e instrumentos de prática docente, no cotidiano escolar, para que se
possam avaliar os desafios dessa modalidade no campo educacional com jovens e adultos trabalhadores.

REFERÊNCIAS
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André & Ludke, M. (1986). A pesquisa em Educação: abordagens qualitativas.
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509
A Escola: Dinâmicas e Atores

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issues. In American Educational Reasearch Journal, 30, 473-495.
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Nóvoa, A. (1995). O Passado e o Presente dos Professores.
Saviani, D. (2007). Sobre a natureza e especificidade da Educação. Pedagogia Histórico - Crítica: primeiras
aproximações.

510
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

TECNOLOGIAS DIGITAIS: PRÁTICAS E REFLEXÕES NO CONTEXTO DO ENSINO


MÉDIO A DISTÂNCIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
[ID 82]

Gisele do Rocio Cordeiro


Maria Lourdes Gisi
Centro Universitário Internacional; Pontifícia Universidade Católica do Paraná
gisele.c@uninter.com ; maria.gisi@pucpr.br

Resumo
Este trabalho visa fomentar uma discussão acerca do uso da tecnologia digital no contexto do Ensino Médio
a Distância junto a alunos de educação de jovens e adultos (EJA). O objetivo desse estudo foi investigar de
que forma as tecnologias digitais utilizada no Curso de Ensino Médio a distância configuram os espaços de
aprendizagem e analisar as dificuldades encontradas. Na educação a distância (EaD) da Instituição
pesquisada acontecem diálogos e mediações que fomentam a construção do conhecimento e o registro
dinâmico das interações, a comunicação síncrona acontece dentro dos ambientes virtuais de aprendizagem
por meio de chat previamente agendados no qual alunos e professores conversam como em qualquer bate-
papo, estes chats buscam esclarecer dúvidas de conteúdo, com professores da disciplina e também dúvidas
administrativas ou de utilização do ambiente virtual de aprendizagem. Em um primeiro momento buscou-se
realizar um levantamento de estudos relacionados a EJA e a educação a distância. Como aportes teóricos
utilizou-se textos de Bourdieu (1996, 2001, 2014), Pretti (2009, 2010), Possari (2001, 2002, 2009) e Freire
(1987, 1996). Na sequência foi realizado o levantamento de dados dos alunos do curso, com a intenção de
conhecer a importancia do uso das tecnologias digitais, assim como as dificuldades encontradas pelos
estudantes. Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório e descritivo em um Curso Ensino Médio a
distância de educação de jovens e adultos da região sul do país. A base de dados é constituída
exclusivamente pelas informações presentes no cadastro acadêmico da instituição e no ambiente virtual de
aprendizagem dos alunos. São analisadas suas participaçoes via chat, forum das disciplinas, e link de tutoria
onde os alunos expressam suas dúvidas, com o objetivo de verificar de que forma as tecnologias digitais sao
citadas como facilitadoras ou não no ensino e aprendizagem dos alunos. Os resultados da pesquisa apontam
que o trabalho com as tecnologias alteram não só a visão de mundo dos alunos da EJA, mas o seu cotidiano
seja em casa ou no trabalho. Eles percebem que as tecnologias podem contribuir não só para as situações
cotidianas, como podem alargar suas oportunidades quanto à construção de saberes à medida que
possibilitam novas formas de se comunicar e se relacionar. Porém ao mesmo tempo ao iniciar o Curso
apresentaram muitas dificuldades principalmente em relação aos conhecimentos básicos de informática.

Palavras-chave: Tecnologias digitais, Ensino médio, Educação a Distância.

INTRODUÇÃO
Este trabalho visa fomentar uma discussão acerca do uso da tecnologia digital no contexto do Ensino
Médio a Distância junto a alunos de educação de jovens e adultos (EJA). O objetivo desse estudo foi investigar
de que forma as tecnologias digitais utilizadas no Curso de Ensino Médio a distância configuram os espaços
de aprendizagem e analisar as dificuldades encontradas.
A Eja é uma modalidade de ensino que busca atender aqueles jovens e adultos que não conseguiram
concluir a educação básica na idade própria. Os dados divulgados pelo Ministério da Educação permitem
visualizar o número de jovens que se encontram nesta modalidade educacional.
O gráfico evidencia um total de 3,4 milhões de alunos frequentando a educação de jovens e adultos.
No período de 2007 a 2015 observa-se uma redução de mais de 1,5 milhão de alunos. A análise dos dados
mostra ainda que das matrículas de 2014 em relação aos dados finais de 2015, ocorreu um decréscimo de
0,4%, o que equivale a 178.653 matrículas. Do total de matrículas declaradas em 2016 e referentes ao Censo
de 2015, 81,7% são provenientes de escolas públicas e 18,3% de escolas privadas. A rede municipal é

511
A Escola: Dinâmicas e Atores

responsável por quase metade da declaração (46,9%), seguida pela estadual, que atende 34,1% do total. A
rede federal participa com 0,7% do total. Em relação à localização do estabelecimento de ensino, observou-
se que, das matrículas declaradas, 88,6% são de escolas urbanas e 11,4% de escolas rurais. (Brasil, 2015).

Gráfico 1 – Número de Matricula de EJA


Fonte: INEP/MEC (Brasil, 2015)
Considerando que o contingente de jovens e adultos matriculados na EJA é significativa é que a
Educação a Distância contribui com aqueles estudantes que tem dificuldade de assistir aulas presencialmente
porque trabalham ou porque residem em localidades de grande distância de escolas que ofertam a
modalidade.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Inicialmente, foram levantadas informações gerais sobre o curso Ensino Médio à distância da Região
Sul, considerando o período de entrada de 2016 com os alunos ativos no Curso, com o objetivo de descrever
o perfil desses alunos para tratar em seguida das suas dificuldades e facilidades relacionadas ao uso das
tecnologias digitais.
A base de dados do estudo é constituída exclusivamente pelas informações do cadastro presentes
no sistema acadêmico da instituição foco de pesquisa e no ambiente virtual de aprendizagem. Ressalta-se,
assim, a possibilidade de qualquer IES de estabelecer uma estratégia inicial que favoreça a aprendizagem
desses alunos a partir das informações constantes em seu cadastro de acompanhamento discente e nas
discussões ocorridas no ambiente virtual por meio dos chats, fóruns e links de tutoria.
Na oferta da educação a distância (EaD) da Instituição pesquisada acontecem diálogos e mediações
que fomentam a construção do conhecimento e o registro dinâmico das interações, a comunicação síncrona
acontece dentro dos ambientes virtuais de aprendizagem por meio de chats previamente agendados no qual
alunos e professores conversam como em qualquer bate-papo, estes chats buscam esclarecer dúvidas de
conteúdo, com professores da disciplina e também dúvidas administrativas ou de utilização do ambiente
virtual de aprendizagem.
Para atingir os objetivos propostos nesse estudo, realizou-se uma pesquisa de caráter exploratório e
descritivo, com abordagem qualitativa. Segundo Severino (2007, p. 123), “[...] a pesquisa exploratória busca

512
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

levantar informações sobre um determinado objeto, delimitando assim um campo de trabalho e mapeando as
condições de manifestação desse objeto”. A pesquisa exploratória é uma fase preparatória para a pesquisa
descritiva, que “[...] além de registrar e analisar os fenômenos estudados, busca identificar suas causas, seja
através da aplicação do método experimental, seja através de interpretação possibilitada pelos métodos
qualitativos”.

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


EJA tem como finalidade dar sequência na aprendizagem de jovens e adultos que não conlcuiram
seus estudos na idade própria e orientá-los para a sequencia de estudos e de trabalho. Estes estudantes ao
chegar na escola trazem consigo uma bagagem de experiências vividas que requer uma abordagem
adequada a esta condição.
Segundo Souza (2011)
Os sujeitos da EJA atualmente são o trabalhador experiente e o jovem com outro tipo de
experiência no mundo. A relação entre educação e trabalho está bastante presente nessa
modalidade de educação básica, a exemplo dos programas que atendam às demandas
voltadas ao ensino médio e profissional. (p.20)
O acesso a educação de jovens e adultos está garantido pela Constituição Federal de 1988, no art.
208, que diz: “o dever do estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino
fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria. II –
progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuita ao ensino médio.” (Brasil, 1988).
De acordo com LDBEN nº 9.394/1996 art.37, a A EJA é uma modalidade da educação básica: “A
educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
Ensino Fundamental e Médio na idade própria”. (Brasil, 1996)
Neste sentido, o Estado tem obrigação de oferecer gratuitamente estudos aos alunos que por algum
motivo não puderam concluir seus estudos no momento certo de sua vida, ou seja, quando os mesmos
estavam pra terminar os estudos no ensino médio.
A LDBEN, a Lei nº 9.394, nos artigos 37 e 38 aborda a Educação de Jovens e Adultos, com a
inclusão de novo parágrafo do art.37, proveniente da Lei nº 11.741, de 16/7/2008:
Art. 37: A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou
continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não
puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas,
consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho,
mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na
escola, mediante ações integradas e complementares entre si.
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a
base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter
regular.
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I - no nível de conclusão do ensino
fundamental, para os maiores de quinze anos; I I - no nível de conclusão do ensino médio,
para os maiores de dezoito anos.
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão
aferidos e reconhecidos mediante exames. (Brasil, 2008)
O Decreto nº 5.622/2005, que regulamenta o artigo 80 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional sobre a Educação a Distância, também contemplou a
EJA e permite sua oferta, nos termos do art. 37 da LDB. No seu art. 31 consta:

513
A Escola: Dinâmicas e Atores

Os cursos a distância para a educação básica de jovens e adultos que foram autorizados
excepcionalmente com duração inferior a dois anos no ensino fundamental e um ano e meio
no ensino médio deverão inscrever seus alunos em exames de certificação, para fins de
conclusão do respectivo nível de ensino. (Brasil, 2005)
O Decreto, desse modo, por contraste, estabelece como regra que a duração mínima dos cursos de
EJA, pela mediação da EAD no Ensino Fundamental, não poderá ser inferior a 2 (dois) anos e, no Ensino
Médio, não poderá ser inferior a 1 (um) ano e meio. E como o princípio da isonomia deve ser observado
quanto à equiparação do ensino a distância com o presencial, segue-se que também no caso desse último é
aplicado o mesmo critério mínimo de duração. Afinal, o art. 3º desse Decreto, em seu §1º diz: Artigo 3º [...]
§1º Os cursos e programas a distância deverão ser projetados com a mesma duração definida para os
respectivos cursos na modalidade presencial. Desse modo, a questão da duração fica regulamentada em
nível nacional por decreto. (Brasil, 2005)

O ESTUDANTE DE EAD
A educação a distância requer certas características dos estudantes para que tenham sucesso no
seu curso, o que, por sua vez, também implica uma atuação específica dos professores e tutores. O estudante
da EaD precisa ser estimulado a ter uma postura mais ativa diante do conhecimento e ter participação na sua
construção.
A autonomia é a habilidade de se responsabilizar por sua própria aprendizagem de acordo com o
nível de ensino, a partir de um plano de estudos com os recursos necessários (Cortelazzo, 2013, pp.20-1).
Na prática, em todos os níveis e em todas as modalidades de ensino, a autonomia é, em geral,
desconsiderada, mas o que se propõe é que esse princípio seja retomado como essencial para que a
aprendizagem aconteça de modo significativo.
Outro princípio importante á a autoaprendizagem. Conforme Cortelazzo (2013, p.155), a educação a
distância exige uma abordagem que pressupõe a aprendizagem de quem sabe o que quer, estabelece seus
objetivos, é autônomo e precisa de conhecimento e habilidades para desempenhar bem sua função social e
profissional.
O aluno da EaD também precisa familiarizar-se com os mecanismos tecnológicos oferecidos pela
Instituição para ter contato virtual com professores, tutores e colegas. Para isso, precisa interagir e usar
ferramentas de comunicação, como chats, fóruns e mensagens diretas, pois essa interatividade é fundamental
no processo de ensino e aprendizagem. Também é muito importante que o aluno receba orientação, ajuda e
feedback, a fim de confirmar a aprendizagem correta e rever hipóteses que precisam ser superadas e avançar,
em muitas situações do senso comum, para a construção científica. Para tanto, precisa ter disciplina perante
seus estudos, dedicar-se aos estudos com seriedade e regularidade, mediante planejamento. Tais
características contribuem para diminuir a evasão, mas que não se resume ao esforço dos estudantes, pois
resulta de uma multiplicidade de causas.
As instituições, por sua vez, precisam desenvolver estratégias para identificar as dificuldades do aluno
prestes a evadir. Mezzari (2013, p.169) sugere um processo de acompanhamento contínuo e permanente do
aluno, um monitoramento constante do seu desempenho, bem-estar, adaptação, interação, entre outros.
O objetivo do acompanhamento é criar uma base para planejar e desencadear ações que assegurem
que o aluno ajuste suas expectativas e o esforço que precisa dedicar às condições do curso que pretende
realizar.

514
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

AS TECNOLOGIAS DIGITAIS UTILIZADA NO CURSO DE ENSINO MÉDIO EJA A DISTÂNCIA


Nossa sociedade está vivendo imersa no contexto digital, onde todas as áreas estão sendo
influenciadas pela presença das tecnologias digitais, que mudam as formas de comunicação e de expressão.
O que antes demorava para ser anunciado, hoje é feito instantaneamente, em diferentes linguagens. Isso
muda a forma de ser e de estar dos sujeitos, ou seja, as condutas são modificadas e, com elas, as formas de
conhecer.
Um dos princípios da cultura digital destacados por Lemos (2009, p.39) refere-se à possibilidade de
emitir em rede, conectar-se com outras pessoas, “produzir sinergias, trocar pedaços de informação, circular,
distribuir”. As ações dos estudantes indicaram um movimento natural em direção a essa socialização e
distribuição das informações, embora ainda os professores estejam dando pouca abertura e propiciando
poucos espaços para que essas trocas e publicações aconteçam na web. As publicações na web, quando
realizadas, são feitas pelos professores a partir dos materiais e produções dos estudantes.
A aprendizagem mediada por tecnologias de comunicação e de informação não é apenas uma
questão técnica. Ela traz consigo mudanças que vão muito além de aspectos técnicos, pedagógicos e
administrativos. Mudanças estas que estão relacionadas a uma nova forma de pensar. E, nesse sentido, é
importante destacar que se o uso das tecnologias digitais não romper com o paradigma empirista de ensino-
aprendizagem, estas serão apenas mais uma ferramenta para o repasse de informações, e não uma efetiva
possibilidade de construção do saber por parte de estudantes e professores. Nesse caso, pode acontecer que
apesar da inserção dessas tecnologias, movimentos inovadores possam não existir (Soares e Valentini,
2012).
As tecnologias digitais podem ser utilizadas para configurar espaços de aprendizagem, permitindo o
registro e a socialização de atividades de aprendizagem. Deste modo, apesar da distância física, espacial e
mesmo temporal, podem acontecer diálogos e mediações que fomentem a co-construção, a coautoria e o
registro dinâmico das interações ocorridas no referido espaço (Soares & Valentini, 2012).

O QUE REVELAM OS DADOS DA INSTITUIÇÃO


A partir dos dados obtidos em um curso de Ensino Médio na modalidade de educação de jovens a
adultos, de uma instituição de educação superior a distância da Região Sul do país, pode-se representar o
número de ingressantes, caracterizar o sujeitos da pesquisa, identificar as suas percepções sobre esta
modalidade de ensino.
O Curso de Ensino Médio Eja EaD investigado tem um total de 1109 alunos ativos que ingressaram
na Instituiçãono ano de 2016. Dentre os sujeitos pesquisados temos alunos em três estados do Brasil, Paraná,
Santa Catarina e Goiás.
Destes, 530 alunos são do sexo feminino e 579 do sexo masculino.

515
A Escola: Dinâmicas e Atores

52% 48%

Feminino Marculino

Gráfico 2 – Representação por sexo


Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa de campo (2016)
Embora a EJA atenda a cerca de 100 mil idosos (60 anos e mais), a faixa etária de 15 a 44 anos
responde por 86,1% de suas matrículas (Brasil, 2015). O sujeitos investigados tem na sua maioria idade entre
17 e 27 anos.

2% 0%

10%
24%
64%

17 a 27 anos 28 a 38 anos 39 a 49 anos


50 a 60 anos mais de 60 anos

Gráfico 3 – Representação por Idade


Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa de campo (2016)

Dificuldades e facilidades relacionadas ao uso das tecnologias digitais


O estudo realizado em uma IES com base em seus dados, pode ser mais detalhado porque é possível
institucionalizar-se um mecanismo de acompanhamento da evasão, registrando os diversos casos,
agrupando e analisando subgrupos, ou diferentes situações (cancelamento, trancamento, transferência,
desistência, por exemplo) e, a partir daí, organizar tabelas e gráficos que demonstrem a evolução da evasão
para buscar formas de combatê-la com fundamento nos resultados. (Silva Filho et al, 2007).
No primeiro módulo de 2016 os alunos cursaram as disciplinas de Física, História, Língua Portuguesa
e Artes e no Segundo Módulo do ano cursaram as disciplinas de Biologia, Filosofia, Química e Sociologia.
Após análise das conversas dos alunos com os tutores do Curso, pode-se observar quais as
dificuldades apontadas pelos alunos, dentre elas destacam-se:
§ Dificuldades com o Ambiente Virtual,
§ Dificuldades de Interpretação das Atividades solicitadas,

516
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ Dificuldades com o sistema da Educação a Distância,


§ Dificuldades com o sistema de Avaliação,
§ Dificuldades com os Conteúdos e Dificuldades com a Tecnologia.
Essas dificuldades foram apontadas em todas as disciplinas Cursadas durante o ano de 2016, se
destacando as Dificuldades com o Sistema de Avaliação.
Do total de alunos matriculados no Curso apenas 378 expressaram suas angústias no Ambiente
Virtual. Destes 90 alunos na disciplina de Artes, 47 em Física, 23 alunos em História, 68 em Língua
Portuguesa, 64 em Biologia, 54 em Filosofia, 4 em Química e 1 em Sociologia.
As dificuldades citadas pelos alunos da EJA podem ser observados no Quadro 1:
Língua
Dificuldades Física História Artes Biologia Filosofia Química Sociologia Total
Portuguesa
Dificuldades com o
2 1 10 4 3 20
Ambiente Virtual
Dificuldades de
Interpretação das 11 3 13 16 10 11 64
Atividades solicitadas
Dificuldades com o
sistema da Educação a 17 9 22 20 22 17 4 1 112
Distância
Dificuldades com o
31 8 35 43 27 22 2 168
sistema de Avaliação
Dificuldades com os
10 3 9 6 1 29
Conteúdos
Dificuldades com a
3 2 4 1 10
Tecnologia
Quadro 1 – Dificultades dos alunos de EJA
Fonte: Elaborado a partir dos dados da Instituição Pesquisada
Pode-se perceber que a dificuldade que mais preocupa os alunos é a Avaliação.
No Gráfico 4 observamos também um valor significativo em relação as Dificuldades com a Tcecologia,
pois os apontamento sobre a Eduicação a distância e Dificuldades com o próprio Ambiente Virtual somam um
total de 142.

7% 2% 5%
16%

42%
28%

Dificuldades com o Ambiente Virtual


Dificuldades de Interpretação das Atividades solicitadas
Dificuldades com o sistema da Educação a Distância
Dificuldades com o sistema de Avaliação
Dificuldades com os Conteúdos
Dificuldades com a Tecnologia

Gráfico 4 – Dificuldades dos alunos da EJA


Fonte: Elaborado a partir dos dados da Instituição Pesquisada

517
A Escola: Dinâmicas e Atores

As dificuldades foram agrupadas em três categorias: Dificuldades com as Tecnologias Digitais


(Dificuldades com o Ambiente Virtual, Dificuldades com o sistema da Educação a Distância e Dificuldades
com a Tecnologia), Dificuldades na disciplina (Dificuldades de Interpretação das Atividades solicitadas e
Dificuldades com os Conteúdos) e Dificuldades com o sistema de Avaliação.
Dificuldades Apontamentos
“Oi eu preciso de uma informação, onde vou acessar para fazer a postagem dos trabalhos? (Acabei
esquecendo)” (A1 Biologia).
“Olá, boa noite estou tendo dificuldades para entregar o trabalho de biologia sobre o aedes e
mosquitos transmissores de doenças, anexei e gostaria de ter certeza de que foi enviado
Dificuldades corretamente, para que se houver algum erro ainda haja tempo de enviá-lo novamente.” (A2 Biologia)
com o
Ambiente “Boa tarde, eu fiz uma coisa muito errada apertei finalizar a atividade avaliativa antes de terminar de
Virtual responder agora to arrasada n sei o q fazer foi sem querer me ajude o q faço?” (A3 Biologia)
“Onde faço a postagem do trabalho de artes? Pois no AVA não localizei lugar para fazer a postagem”
(A4 Artes)
“Não estou entendendo como usar o AVA tenho realizar os trabalhos e não consigo” (A5 Artes)
“Olá fiquei com várias dúvidas em relação ao estudo a distância, minhas pergunta são ... minhas
avaliações principais serão feitas no polo, certo? Mais em questão de atividades, trabalhos serão
Dificuldades somente pelas apostilas, pelo Ava ou terei que passar em cadernos, ou só estudar as apostilas e
com o sistema depois fazer a avaliação para conclusão das matérias? Se puder me tirar essas dúvidas eu agradeço”
da Educação (A6 Biologia)
a Distância
“Oi gostaria de saber se tem no sistema atividades para fazer. onde vejo isso ou é só apostila to meio
perdida” (A7 Língua Portuguesa)
“Olá , pra mim entregar o texto do trabalho eu tiro uma foto ou escrevo nos comentários ?” (A8
Filosofia
Dificuldades “Não consegui anexar meu trabalho de acordo, pois não tenho conhecimento de informática.” (A9
com a Filosofia)
Tecnologia
“Olá bom dia !! Teria como me dar uma nova chance de fazer as avaliações, pois não sabia mexer
no site achei que seria apenas uma prova de arte “ (A10 Artes)
Quadro 2 – Dificuldades com as Tecnologias Digitais
Fonte: Elaborado a partir dos dados da Instituição Pesquisada
Conforme um dos tutores que tem experiência de cinco anos no atendimento desses alunos,
[...] os estudantes da EJA na modalidade a distância, têm dificuldades com as tecnologias,
principalmente no caso de alunos com mais idade, tal dificuldade se justifica pela ausência
do contato com meios tecnológicos – estes levam um tempo maior para se adaptar. Já os
alunos que possuem maior familiaridade com as tecnologias, a dificuldade inicial está em
relação ao sistema, de saber como ele funciona, quando deve acessar, porém a adaptação
acaba sendo rápida.
Segundo uma tutora que atua há dez anos na EaD, existem
[...] dois perfis de alunos na EJA. Alunos mais jovens e mais interados nesse mundo da
tecnologia e alunos mais velhos que ficaram por muitos anos fora da escola. Esses sentem
mais dificuldades, e necessitam da presença mais frequente do tutor na sala de aula.
Para os tutores apesar das dificuldades as tecnologias digitais são ferramentas que auxiliam na
aprendizagem, como fonte de informação e instrumento para desenvolver as atividades relativas ao curso de
EJA a distância. Na educação a Distância o uso das tecnologias é muito positivo, contribuí para o acesso à
informação, ou seja, é mais uma ferramenta para auxiliar na busca do conhecimento e fonte de pesquisa.
Como se trata de modalidade a distância é fundamental o acesso a tecnologias digitais, porém o material
impresso, livros, apostilas são importantes e constituem parte integrante no processo ensino-aprendizagem
no decorrer do curso.
Para que a EAD se efetive de forma satisfatória é necessário, de inicio, criar atitudes positivas frente
às tecnologias e às redes digitais. Pelo fato de possibilitarem o prolongamento de habilidades cognitivas,
como a memória, a imaginação e a percepção, por exemplo, as tecnologias com suporte digital podem

518
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

favorecer o acesso ao saber por outras vias que não as convencionais, com isso, as possibilidades de
compreensão, de criação, de cooperação e de interação, quando veiculadas em ambiente de rede. (Villardi &
Oliveira, 2005, p.69). Segundo Moran (2011), a sociedade conectada em rede aprende de forma muito mais
flexível, através de grupos de interesse (listas de discussão), de programas de comunicação instantânea e
pesquisando nos grandes portais, inúmeros grupos profissionais trocam experiências de forma muito mais
constante e aberta. Há milhares de redes de colaboração, por exemplo, em medicina, divididas por
especialidades, por temas e o mesmo acontece em todas as áreas de conhecimento. É ainda muito incipiente
o fenômeno para podermos avaliar até onde a aprendizagem efetiva acontece nestes ambientes informais
mais do que nos formais. No “estar junto virtual” há interação entre o professor - aluno e entre os próprios
alunos, possibilitando a troca de informações e assim colaborando para a aprendizagem colaborativa. Nos
ambientes virtuais educacionais de aprendizagem “o estar junto estar junto” é valorizado por impulsionar o
aluno a criar um ambiente para a sua aprendizagem colaborativa. As Tecnologia digitais têm como intenção
ampliar o ensino a distância sem ficar presas apenas à visão do professor, sendo assim contando com a
contribuição do aluno para construir a sua aprendizagem.
Dificuldades Apontamentos
“Boa Tarde, A proposta do trabalho diz que o texto deve contar de 10 a 20 linhas. O texto Pode passar
das 20 linhas ou não ?
“ (A11 Biologia)
Dificuldades
“Eu já li umas três vezes e não to conseguindo entender. O texto aqui fala sobre o sintoma de anorexia
de
e bulimia mas não explica nada sobre as perguntas” (A12 Biologia)
Interpretação
“Olá boa tarde, estou bem atrapalhada em relação as aulas, tem uma atividade da pag29 questões 1
das Atividades
e 2, vi o vídeo no AVA mais, não achei nada que relacionasse a essa atividade da apostila, poderia
solicitadas
me ajudar por favor? (A13 Biologia”)
“Eu não entendi o que está sendo pedido no trabalho de Filosofia da professora Daiana. É para falar
sobre o texto ou sobre a frase, o mal é um fenômeno superficial? Obrigada” (A14 Filosofia)
“Bom dia... Minha dúvida é a seguinte, fiz o trabalho de filosofia, mas acho que não está bom, porém
está me dando um "branco", não estou conseguindo raciocinar sobre o assunto, se minha nota não
for boa, posso fazer outro trabalho quando abrir a repostagem?” (A14 Filosofia)
“Olá gostaria de esclarecimento desta questão 2.Qual a distância percorrida e o deslocamento numa
viagem de Curitiba-Paranaguá-Curitiba? eu errei no trabalho, coloquei a distância percorrida X e o
deslocamento Y ? Teria que ter somado os dois valores ? Pois pelo que entendi, foram duas
perguntas.” (A15 Física)
Dificuldades
“Olá gostaria de saber de a questão 3 da Atividade Avaliativa está correta: Ao realizar o aquecimento
com os
de água para fazer café, a temperatura da água deverá atingir 90°C. Considerando que a temperatura
Conteúdos
inicial da água seja de 20°C, a variação da temperatura na escala Fahrenheit é de: A 120°F. B 122°F.
C 124°F. D 126°F. E 128°F. Ao usar a equação de conversão: valor de celsius dividido por 5 igual a
valor de Fahrenheit menos 32 dividido por 9, informado na aula 3, não está batendo o resultado, já
fiquei várias horas tentando verificar o que está havendo e no meu ver a equação está correta,
somente não finalizei a prova por conta desta questão” (A16 Física)
“Boa tarde professora o que é exatamente uma interpretação de texto? Tem algum tipo de exercício
que ajude?” (A17 Língua Portuguesa)
“Oi boa noite, estou com grandes dúvidas em relação as provas finais, recebi no dia 12 de setembro
um pdf com conteúdo para a prova de Biologia, são essas as matérias que deverei estudar para essa
prova de finalização? “ (A 18 Biologia)
“Boa tarde infelizmente vou ficar pra exame em filosofia1 somei as notas e fiquei com 57.5 de media
como funciona o EXAME ? Com essa média que fiquei de 57.5 Será que consigo ser aprovado com
mais tranquilidade já que preciso de 60” (A19 Filosofia)
Dificuldades “Bom dia. Reprovei em física, não tem opção de pedir um novo exame no Único, como irá proceder?”
com o sistema (A20 Física)
de Avaliação “Bom Dia, Refiz o trabalho de física e tirei 8.0, com isto ainda permaneço abaixo da média? E faço o
exame?” (A21 Física)
“Olá estou com dúvida referente a Atividade Supervisionada História I e II, pois no trabalho diz: deverá
produzir um texto que responda à pergunta, mas que não deverá exceder 15 linhas e no word Texto
de 20 a 30” (A22 História)
“Olá, professora Daniele Gostaria de saber porque tirei 40 no requisito 3/5 Conteúdo abordado com
clareza? Referente a Atividade Supervisionada Língua Portuguesa I” (A 23 Língua Portuguesa).
Quadro 3 - Dificuldades na disciplina
Fonte: Elaborado a partir dos dados da Instituição Pesquisada

519
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considera-se que as tecnologias alteram não só a visão de mundo dos alunos da EJA, mas o seu
cotidiano seja em casa ou no trabalho. Eles percebem que as tecnologias podem contribuir não só para as
situações cotidianas, como podem alargar suas oportunidades quanto à construção de saberes à medida que
possibilitam novas formas de se comunicar e se relacionar. Porém ao mesmo tempo ao iniciar o Curso
apresentaram muitas dificuldades principalmente em relação aos conhecimentos básicos de informática. Tal
constatação requer um preparo prévio em informática, pois ao contrário se inviabiliza esta modalidade de
ensino.
Os processos de ensino e aprendizagem vêm passando por modificações significativas nos últimos
anos. Se considerarmos os avanços da tecnologia nos nossos dias veremos que a sociedade já incorporou
novas linguagens e procedimentos em todos os setores da vida. Por meio da EAD, num processo de
aprendizagem professores e alunos interagem num espaço virtual em qualquer hora e qualquer lugar.
As Tecnologia digitais trazem flexibilidade para a educação a distância no quesito espaço – tempo,
diminuindo a demora nas repostas às dúvidas do aluno, a separação física, a solidão que muitas vezes é
apontada como o grande empecilho da EAD. Com essas dificuldades superadas, é proporcionado um
encontro entre sujeitos em um terceiro espaço específico, capaz de englobar todos num mesmo ambiente
virtual.

REFERÊNCIAS
Brasil (2005). Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/
arquivos/pdf/portarias/dec5.622.pdf.
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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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521
A Escola: Dinâmicas e Atores

A AVALIAÇÃO DAS ESCOLAS: EFEITOS DA AVALIAÇÃO EXTERNA NAS DINÂMICAS DE


AUTOAVALIAÇÃO DA ESCOLA
[ID 113]

Ana Paula Correia


Escola Secundária/3º CEB Poeta Al Berto, Sines
apcorreia.svp@gmail.com

Resumo
O presente artigo tem a finalidade de divulgar os principais resultados de um estudo de caso múltiplo
desenvolvido no âmbito do programa de doutoramento em Ciências da Educação pela Universidade de Évora.
O objetivo da investigação foi encontrar as mudanças e implicações, operadas nas dinâmicas e práticas de
autoavaliação de escola, decorrentes do processo de avaliação externa desenvolvido pela Inspeção-Geral de
Educação e Ciência, desde o ano de 2007. Neste trabalho dá-se eco a algumas das questões de investigação
que permitiram compreendermos as dinâmicas da avaliação institucional nas escolas e os seus efeitos na
mudança e melhoria da escola. Os resultados tendem a evidenciar que as organizações educativas, nas
respostas às prescrições externas para a avaliação e melhoria da escola recorrem a estratégias e táticas
plurais, de tal modo que as mudanças que ocorrem, mais do que respostas à necessidade de eficácia e
melhoria interna da escola, traduzem-se em processos de adaptação, que variam consoante as tensões
existentes entre o contexto institucional e o ambiente competitivo onde as escolas estão inseridas.

Palavras-chave: Avaliação de escolas, Respostas estratégicas, Mudança organizacional, Melhoria educativa.

Résumé
Cet article vise à diffuser les principaux résultats d'une étude de cas multiple développé dans le cadre du
programme de doctorat en Sciences de l'Éducation de l'Université d'Évora. L'objectif de cette recherche était
de trouver les changements et les répercussions, exploités dans la dynamique et les pratiques d'auto-
évaluation de l'école, résultant du processus d'évaluation externe développé par l'Inspection Générale de
l'Education et de la Science depuis 2007. Dans ce travail, on fait l'écho de quelques questions de recherche
qui ont permis de comprendre les dynamiques de l'évaluation institutionnelle de l’école et de leur effet sur le
changement et l'amélioration de l'école. Les résultats montrent que les organisations éducatives, en réponse
aux exigences externes pour l'évaluation et l'amélioration de l'école utilisent plusieurs stratégies et plusieurs
tactiques, afin que les changements qui se produisent, répondent non seulement au besoin de l'efficacité et
de l'amélioration interne de l’école, mais se traduisent aussi par des processus d'adaptation, qui varient selon
les tensions qui existent entre le contexte institutionnel et l'environnement concurrentiel où se trouvent les
écoles.

Mots-clés: L’évaluation des établissements scolaires, Réponses stratégiques, Changement organisationnel,


Amélioration de l’éducation.

INTRODUÇAO
Em Portugal, a problemática da avaliação institucional da escola tem, ao longo dos últimos anos,
ocupado um lugar de destaque na agenda das políticas educativas, sendo apresentada como um instrumento
decisivo para a melhoria da qualidade do serviço público de educação. No quadro de novas formas de
governação da escola e de modos de regulação pós-burocrática, assume-se que a avaliação externa e a
autoavaliação se podem completar e enriquecer mutuamente, levando a uma melhoria das práticas e dos
seus resultados, fazendo emergir nas escolas uma “cultura de avaliação” de escola.
Porém, se no plano das orientações para a ação é possível instituir a emergência de uma “cultura de
avaliação” e regulamentar a mudança, o quotidiano escolar torna evidente que, no plano da ação
organizacional (Lima, 2003), propriamente dita, não é por se “decretar” o aparecimento de uma “cultura de

522
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

avaliação” que as escolas e os seus atores desenvolvem dinâmicas de ação que sustentem a consolidação
de uma cultura de melhoria. A avaliação institucional da escola, ao interferir com os interesses, motivações e
objetivos dos atores, não se constitui como um ato neutro, mas coloca-se como uma questão eminentemente
política, onde se confrontam os dispositivos de poder e os atores (Machado, 2013). A dimensão política da
avaliação conduz a que processos avaliação externa e de autoavaliação de escola acabem por refletir os
comportamentos estratégicos dos atores educativos, não se resumindo apenas a uma resposta à necessidade
de eficácia e melhoria.
No atual contexto de responsabilização (accountability) das escolas pelos resultados escolares, de
aumento da pressão para avaliações externas e de elaboração de rankings, na qual está sobretudo em causa
a necessidade de uma resposta às ambições de performatividade, não tem sido fácil para as escolas
desenvolverem processos de autoavaliação que consigam promover a capacidade de mudança e melhoria
interna. Nomeadamente quando, para além de estarem dependentes de uma administração educativa
centralizada, têm de convencer, no jogo da oferta e da procura que se estabelece no “mercado”, a “clientela”
acerca da sua performatividade.
Na questão da autoavaliação, face às pressões e exigências, por vezes contraditórias, quer de um
“Estado institucional”, quer de uma “ordem institucional de mercado” (Estevão, 1998), as escolas vivem
atualmente numa encruzilhada de tensões entre proporcionarem, por um lado, indicadores que permitam
aferir a qualidade da escola na sua “versão mercantil” e, por outro, criar formas de avaliação congruentes com
o seu ethos escolar e com a melhoria da escola na sua totalidade.
A acrescentar a estas tensões está o facto das políticas nem sempre proporcionarem os estímulos e
as condições adequados à aprendizagem e à capacitação dos atores para o desenvolvimento de práticas de
autoavaliação e de ações de melhoria (Afonso, 2010). As escolas deparam-se, hoje em dia, com enormes
dificuldades em serem capazes de desenvolver de forma autónoma processos de autoavaliação, assentes na
colaboração e na reflexão crítica e criativa entre todos os atores educativos. A falta de conhecimentos e
competências por parte dos professores no âmbito da avaliação de escola conduz a que, na maioria das
situações, os processos de autoavaliação revelem objetivos inconsistentes e não consensuais, tecnologias
pouco claras e, frequentemente, mal dominadas. A associar a esta situação temos a reduzida participação e
implicação dos atores internos da escola no processo de autoavaliação, o predomínio de processos de
tomada de decisão desordenados, imprevisíveis e improvisados e a falta de capacidade das escolas para
usar os dados da avaliação na melhoria (Alves & Correia, 2008; Correia, 2011; Simões, 2010).
As tensões da escola são ainda agravadas quando no âmbito do programa de Avaliação Externa das
Escolas (AEE), se prevê a avaliação do próprio processo de autoavaliação de escola e quando se constata a
associação das classificações obtidas na AEE à atribuição de recursos, oriundos da administração central, e
à credibilização da imagem da escola, o que lhes vai permitir atrair, ou não, os seus “clientes”.
A tese (neo)institucional, na sua vertente sociológica, ao colocar em destaque o caráter construído
da realidade (Berger & Luckmann, 1967; Meyer & Rowan, 1999) abre o espaço para a compreensão do modo
como as escolas procuram gerir essas tensões. Se tomarmos como referência o quadro cultural e cognitivo
que envolve os atores sociais, o desenvolvimento de práticas de autoavaliação de escola, de per si, enquanto
símbolo de qualidade importado do setor empresarial, possibilita a inscrição da escola no modelo normativo
de “boa escola”. Em consequência a escola é aceite externamente, o que lhe permite garantir os recursos, da
parte da administração central, e assegurar os “clientes” num mercado cada vez mais competitivo.

523
A Escola: Dinâmicas e Atores

Na realidade portuguesa, se considerarmos que as escolas operam em ambientes altamente


institucionalizados (Meyer & Roman, 1999; Meyer, Scott & Deal, 1992; Sá, 2004), perante o que está em
“jogo”, mais do que a obtenção de dados para utilizar na melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem,
as escolas procuram desenvolver práticas de autoavaliação que de per si lhes garantam a legitimidade
organizacional e a credibilização social. Porém, não obstante o isomorfismo com os seus meios institucionais,
as escolas, enquanto construções coletivas dotadas de margens de autonomia relativa, para além de
reprodutoras de ordens externas, são produtoras de sentidos e de lógicas de ação específicas. Daí que,
enquanto “jogadoras ativas”, recorram no âmbito dos seus processos avaliativos a respostas estratégicas
(Oliver, 1991) ou “soluções organizacionais” que lhes permitem gerir as tensões existentes entre o contexto
institucional e o ambiente competitivo onde estão inseridas.
Neste contexto, é nosso objetivo contribuir para o conhecimento de como se desenvolvem os
processos de avaliação institucional nas escolas e quais os efeitos da avaliação institucional nos processos
de mudança e melhoria da escola. Procura-se verificar quais as respostas das escolas aos processos de
avaliação institucional, no sentido de compreender o que realmente mudou nas escolas e de que modo os
dados da avaliação externa e interna são encarados como uma base para iniciar processos de melhoria.

CONTEXTUALIZAÇÃO E METODOLOGIA
Com a finalidade de construir conhecimento acerca da problemática da avaliação de escolas e dos
seus efeitos na mudança e melhoria da escola centrámo-nos num paradigma de investigação naturalista
seguindo uma abordagem qualitativa e interpretativa da realidade, por considerarmos que esta responderia
melhor aos objetivos da investigação. Sendo a escola uma “organização educativa complexa”, de forma a
conseguirmos um conhecimento profundo acerca do nosso objeto de estudo optámos pela realização de um
estudo de caso múltiplo ou coletivo de tipo descritivo (Yin, 1993). Com esta opção cobrimos um leque alargado
de contextos, no sentido de usufruir de um maior conhecimento sobre diversas perspetivas de construir
processos de autoavaliação nas escolas. Como tal, optámos pelo estudo de “cinco casos” – três
agrupamentos de escolas e duas escolas secundárias – pois partimos do pressuposto da existência de tipos
diferentes de condições entre os casos a nível do contexto organizacional e das dinâmicas inerentes aos
processos avaliativos (Yin, 2005).
Dada a complexidade das situações estudadas, no processo de recolha de dados privilegiámos
diversas técnicas como os inquéritos por questionário, a observação não participante, o grupo focal (focus
group), as entrevistas semiestruturadas e a análise documental. Procurámos sobretudo obter informação e
conhecimento através dos protagonistas do processo avaliativo – docentes, não docentes, alunos e pais e
encarregados de educação - utilizando a triangulação como forma de superar o possível enviesamento e
controlar a validade das informações. Na análise dos dados quantitativos recorremos à análise estatística
utilizando o programa IBM SPSS 19. Os dados qualitativos foram tratados através da análise de conteúdo
(Bardin, 2009). Para concretizar a análise de conteúdo produziu-se um sistema de categorias de modo a que
os dados, para cada uma das dimensões, pudessem ser agregados em unidades de sentido, em função das
categorias definidas. No decorrer do estudo procurámos respeitar os princípios básicos da ética de
investigação, nomeadamente no que respeita ao consentimento informado, à garantia da confidencialidade e
ao anonimato das escolas e dos respondentes.

524
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nesta análise e discussão dos dados recolhidos optámos por separar os campos de análise em dois
grandes eixos complementares e interrelacionados. O primeiro eixo de análise incide na dimensão processual
da avaliação, ou seja, no desenvolvimento dos processos de avaliação institucional nas escolas. Neste
primeiro eixo apresenta-se os dados relativos às seguintes dimensões: (1) O processo de autoavaliação de
escola nas escolas; e (2) O processo de avaliação externa nas escolas. O segundo eixo de análise incide na
dimensão substantiva da avaliação, ou seja, nos efeitos produzidos pelos processos de avaliação institucional
(avaliação interna e externa) nas mudanças e melhoria da escola. Neste eixo consideramos as seguintes
dimensões de análise: (1) Os usos e fins dos processos de avaliação de escola; e (2) As mudanças resultantes
do processo de avaliação institucional nas escolas.

Os processos de avaliação institucional nas escolas: a ação da escola e dos seus atores
O processo de autoavaliação de escola nas escolas
Ao procurarmos perceber as perceções dos atores educativos acerca do modo como se desenvolveu
o processo de autoavaliação de escola (AAE) constata-se que, em todas as escolas, a decisão de
implementação do processo esteve centralizada num ator em particular- o diretor - não resultando de uma
preocupação compartilhada pelos atores da escola e do compromisso comum em melhorar a qualidade da
prestação do serviço educativo. O certo é que, se não existir o compromisso dos atores pela melhoria (Bolívar,
2012), os esforços de mudança ficam com os seus efeitos bastante limitados. O incentivo para essa tomada
de decisão passou pela conformidade legal e pela resposta à pressão institucional da AEE, o que permite
inferir que a AAE emerge como uma avaliação interna com caráter impositivo, na medida em que as escolas
foram “obrigadas a escolher livremente” (Sá, 2009) implementar o seu processo. O processo de AAE emerge
assim de uma “aceitação resignada”, sendo percecionado pelos docentes como a melhor forma de fazer as
coisas (taked for granted) (Sá, 2004), de modo a responder à pressão da AEE.
Na maioria das escolas percebe-se que os elementos do órgão de administração e gestão (diretor,
adjuntos, ou assessor) integram a equipa de autoavaliação, sendo esta, em algumas das escolas, coordenada
por esses elementos. Em consequência, face ao poder hierárquico do órgão de administração e gestão,
emerge a perceção da AAE como um instrumento de controlo burocrático e de sancionamento. Neste quadro,
se tivermos em conta a natureza política da avaliação de escola, a integração na equipa de AAE de elementos
do órgão de administração e gestão poderá indiciar uma estratégia de controlo do processo por este órgão,
sendo que o domínio das “zonas de incerteza” lhe vai assegurar, dentro da incerteza, a possibilidade de
controlar o “jogo de poder” (Crozier & Friedberg, 1977). Ainda que os critérios de constituição das equipas de
AAE se ancorem na existência de formação especializada no domínio da avaliação de escolas constata-se
que, na maioria das escolas, apenas o coordenador da equipa de AAE possui essa formação, bem como, a
disponibilidade de horário para a execução das tarefas de avaliação.
Quanto à intervenção dos restantes parceiros educativos nos trabalhos das equipas de AAE verifica-
se que, em todas as escolas, o “motor” da conceção e implementação da AAE são sobretudo os docentes
(Correia, 2011). Embora a dinâmica necessária aos trabalhos das equipas de AAE nem sempre se coadune
com a disponibilidade de horários dos outros parceiros educativos, o certo é que a sua participação não
equitativa e equilibrada pouco contribui para a obtenção de diferentes perspetivas sobre a escola, podendo
gerar nestes atores sentimentos de desmotivação e desinteresse.

525
A Escola: Dinâmicas e Atores

Percebe-se que, na maioria das escolas, a tomada de decisão quanto à conceção dos dispositivos
de AAE e à implementação do processo, assim como, as tarefas de execução da AAE, são realizadas, quase
exclusivamente, pelo coordenador da equipa. Assim sendo, o modo de funcionamento das equipas reduz-se
à dinamização unipessoal do seu coordenador. Estamos, assim, perante processos de AAE que não resultam
do confronto de perspetivas e da partilha ativa dos diversos elementos da equipa, os quais deveriam decidir
em conjunto o processo de construção e de implementação da AAE, bem como, interpretar os seus resultados
(Alaiz et al, 2003).
Quanto à participação e ao envolvimento da generalidade dos atores educativos no processo de AAE,
constata-se que, na maioria das escolas, apenas alguns atores participam neste processo, acabando o
mesmo por ser percecionado, sobretudo pelos docentes, como um processo burocrático de ritualização da
eficácia da ação organizacional.
Perante a pressão e a incerteza, na conceção do quadro operacional da AAE, a maioria das escolas,
tende a importar mimeticamente os referenciais construídos “fora” da escola por especialistas em avaliação
e levados a cabo por organizações que se reconhecem como credíveis e legitimadas. Acresce ainda que,
todas as escolas, procederam à adaptação do quadro de referência da sua autoavaliação aos domínios do
referencial da AEE. Tendo como pano de fundo a necessidade de prestação de contas, este referencial é
assumido, de forma explícita, pelas escolas como o referente da AAE. Percebe-se, a necessidade de agir de
acordo com os “padrões convencionais” ditados pelas autoridades na matéria, sendo notória a centralidade
da AEE na conceção do processo de AAE. Poderá, assim, inferir-se que sendo a escola uma organização
sujeita a um forte controlo burocrático, por parte das instâncias superiores, e estruturada por modelos
(burocráticos) impostos pela administração central, a referencialização do processo de AAE, será sempre
feita em conformidade com os “indicadores de qualidade” produzidos pelo poder central, tanto mais quando
da resposta a estes indicadores poderá resultar a obtenção de “prémios ou castigos” (Sá, 2009).
Nestas circunstâncias, o processo de AAE ao assumir um padrão comum, mais do que expressar a
singularidade e a diversidade de cada contexto, e contribuir para o reforço da capacidade interna de mudança
e melhoria da escola (Bolívar, 2012), acaba por configurar uma autoavaliação heteroreferenciada, o que vai
ao encontro das conclusões dos trabalhos de alguns especialistas em avaliação quando convocam a ideia de
uma “autoinspecção” (MacBeath, 2004; Palma, 2001).

O processo de avaliação externa nas escolas


Ao procurarmos perceber as perceções dos atores educativos acerca do modo como se desenvolveu
o processo de avaliação externa (AEE), e quais os modos de apropriação e interpretação dos resultados da
AEE verifica-se que, na maioria as escolas, houve a preocupação de envolvimento dos elementos
intervenientes nos painéis nos procedimentos da AEE. Esse envolvimento é tendencialmente centrado na
transmissão de informação, cuja finalidade passa por preparar os atores, nomeadamente os professores, para
que disponham de um conjunto de informações que lhes permita responder de forma convergente às questões
da equipa avaliadora. Há assim a preocupação das escolas e das suas lideranças em demonstrar perante a
inspeção a conformidade com as orientações prescritas. Quanto à reação dos atores organizacionais à visita
da equipa de AEE, a ação desta equipa é associada, na maioria das escolas, a um papel de fiscalização,
controlo e de verificação da conformidade legal e normativa, decorrente da tradição inspetiva da Inspeção-
Geral da Educação e Ciência (IGEC) e das consequências da intervenção da AEE. O que permite inferir que

526
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

a ação da inspeção traz em si um “mandato e uma autoridade” (MacBeath & McGlynn, 2002) e que, face à
pressão da avaliação e à existência de diferentes interesses em “jogo”, as escolas e os seus atores tendem
a recorrer a diversas estratégias no sentido garantir a conformidade com a imagem de “boa escola”. Percebe-
se que a AEE é percecionada pelos atores como uma avaliação de certificação da conformidade e da
performatividade da escola (Afonso, 2010; Simões 2011), sendo notório que, mais do que a preocupação com
a eficácia e melhoria da escola, as escolas e os seus atores procuram “manter a face” (Estevão, 1998) e
assegurar a legitimidade.
Quanto à interpretação dos resultados do relatório da AEE, constata-se que, embora nem todas as
escolas se tenham reconhecido na imagem que o relatório apresentou delas, todas as escolas apresentam
um maior nível de concordância em relação aos seus pontos fortes do que em relação aos seus pontos fracos.
Isto significa que há tendência para enfatizar os pontos fortes e minimizar os pontos fracos na medida em que
estes denunciam “desvios” em relação à imagem de “boa escola” e, como tal, colocam em causa a
legitimidade, ou seja, a “lógica da confiança” na ação da escola e dos seus atores. Percebe-se que, em todas
as escolas, a apropriação dos resultados da AEE pelos professores não foi objeto de uma discussão profunda
e de uma reflexão crítica no seio dos diversos órgãos e estruturas da escola. Nesta situação, torna-se evidente
que os resultados da AEE, dificilmente serão utilizados para a definição de estratégias de melhoria das
práticas e dos resultados da aprendizagem dos alunos (MacBeath, Meuret, Schratz & Jackobsen, 2005;
Santos Guerra, 2003). Parece claro que a AEE acaba por ser perspetivada pelos docentes mais pela lógica
sumativa do que pela lógica formativa, pois não são desenvolvidos processos de reflexão que permitam
confrontar os pontos fracos e as apreciações do relatório da AEE com as práticas da escola ou com os
resultados dos processos de autoavaliação, no sentido da sua desconstrução e interpelação.

Os efeitos da avaliação institucional nos processos de mudança e melhoria da escola


Os usos e fins dos processos de avaliação de escola
Ao procurarmos perceber como são utilizados os resultados da avaliação institucional da escola
constata-se que os principais utilizadores da avaliação têm sido os diretores e as equipas de autoavaliação.
Quanto à utilização dos resultados da AEE, ainda que, em todas as escolas, ao nível da prestação do serviço
educativo, não se constate uma estratégia integradora de melhoria, todas adotam procedimentos de melhoria
como resposta reativa a alguns dos pontos fracos evidenciados no relatório da AEE. Este comportamento das
escolas de resposta imediata aos “indicadores de qualidade” utilizados na AEE, torna evidente que as escolas
reagem através da fixação na medida (Ehren & Visscher, 2006; Pacheco, 2014, 2015), pois desenvolvem-se
procedimentos para alcançar os indicadores de sucesso propostos pelo modelo da AEE independentemente
dos objetivos que lhes estão subjacentes. É também notória uma reação de ossificação, pois as escolas
abstêm-se de inovar respondendo apenas ao preconizado no modelo da AEE ( Ehren & Visscher, 2006;
Pacheco, 2014, 2015).
Percebe-se que, na maioria das escolas, os resultados da AEE, através da primazia que conferem
aos resultados académicos, acabam por ter um impacto nos modos de organização e de desenvolvimento do
currículo (Pacheco, 2015). Nas disciplinas sujeitas à avaliação externa das aprendizagens, as práticas
passaram a ter um maior foco na melhoria dos resultados, para tal, foram implementadas práticas de utilização
de matrizes e testes comuns, assim como, provas aferidas internas de modo a reduzir os desvios
relativamente às avaliações externas de aprendizagens. O que permite inferir sobre o efeito procedimental da

527
A Escola: Dinâmicas e Atores

AEE (Ehren & Visscher, 2006; Pacheco, 2015). Neste quadro, as escolas passam a atribuir uma maior
importância aos resultados académicos passando o foco da ação pedagógica a estar mais centrado nas
aprendizagens mensuráveis em detrimento das menos mensuráveis, o que permite inferir sobre os possíveis
riscos de uma visão em túnel (Ehren & Visscher, 2006; Pacheco, 2014, 2015).
Quanto ao uso dos resultados da AAE na promoção de processos de melhoria constata-se que, na
maioria das escolas, existe uma débil articulação entre a intenção e ação no que respeita à utilização dos
dados da AAE em processos de melhoria. Embora, em todas as escolas, os resultados da AAE tenham sido
divulgados nas estruturas formais, não foram promovidos processos de reflexão que conduzissem a um
compromisso dos atores com a melhoria, nem foram implementadas quaisquer ações de melhoria. Os
principais utilizadores dos dados do processo de AAE são os diretores que recorrem à estratégia da
“atribuição ambiental” (Brunsson, 2006), explorando as zonas de incerteza que subsistem, de modo a
justificarem, de forma assumida ou defensiva, a sua infidelidade institucional (Sá, 2004) quanto à não
utilização dos resultados da autoavaliação em processos de melhoria. Entre as razões apontadas para a falta
de articulação entre o processo de AAE e a melhoria da escola destacam-se as pressões e exigências
institucionais, oriundas do Ministério da Educação, como o processo de avaliação de desempenho dos
docentes e o processo de agregação de escolas, ou ainda as pressões internas para a realização de outras
“tarefas de inovação”, cujas agendas são potencialmente conflituantes com os objetivos da AAE. Em algumas
das escolas verifica-se que, face às pressões do ambiente externo, com impacto no ambiente interno, os
diretores recorrem à estratégia hipocrisia institucional (Sá, 2004), procurando através de uma desarticulação
cronológica justificar o uso dos dados em processos de melhoria. Percebe-se que o uso dos dados da AAE
tem apenas como propósito a “gestão de evidências” de forma a demonstrar perante as instâncias superiores
a conformidade institucional, ou então é utilizada no âmbito de uma estratégia de gestão/promoção da imagem
pública da escola como forma a divulgar aos pais as melhores performances da escola.

As mudanças resultantes dos processo de avaliação institucional nas escolas


Ao procurarmos perceber quais as perceções dos atores sobre natureza das mudanças que se
fizeram sentir na escola em consequência dos processos de avaliação institucional (avaliação externa e
interna) constata-se que a natureza das mudanças tem um maior impacto na dimensão organizacional da
escola, tendo como referente os indicadores de qualidade e eficácia da AEE. Com efeito, o processo de AEE
foi determinante na tomada de decisão das escolas acerca da implementação da AAE, sendo esta assumida,
em todas as escolas, como uma avaliação interna com caráter impositivo (Sá, 2009), o que poderá vir a
colocar em causa o objetivo de melhoria que se pretende. É notória a habituação dos docentes às praticas
de AAE e perceção das mesmas como um “processo burocrático ou inútil” (Marchesi, 2002) sem qualquer
influência nas práticas de ensino. Denota-se que os docentes procedem à aceitação dessas práticas como
“factos objetivos”, considerando-as a melhor forma de fazer as coisas (taked for granted) no sentido de
responder às pressões externas. O processo de autoavaliação acaba por estar, em todas as escolas, mais
centrado nas estruturas de gestão e administração, sendo notório o alheamento da generalidade dos docentes
relativamente ao processo. Denota-se ainda, na maioria das escolas, que o referencial da AEE influenciou a
definição dos indicadores da AAE, dada a necessidade de prestar contas ou de responder aos pontos fracos
numa posterior visita da avaliação externa.

528
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Ao nível do planeamento da ação educativa, o processo de AEE conduziu, em todas as escolas, a


uma apropriação por parte dos diretores, e dos coordenadores de órgãos de gestão e lideranças intermédias,
do discurso da qualidade, da eficácia e da eficiência. Além disso, verifica-se uma maior preocupação com a
elaboração dos instrumentos orientadores, como o projeto educativo da escola, tendo como base
pressupostos gerencialistas, procurando introduzir nos mesmos objetivos precisos que se traduzem na
fixação de metas quantificadas. O que permite inferir do efeito de legitimação discursiva e procedimental da
AEE (Pacheco, 2014, 2015).
Percebe-se também que os processo avaliativos serviram, em duas das escolas, como instrumento
de diagnóstico para a conceção dos documentos orientadores da escola e como meio de monitorização da
sua execução. Além destas mudanças, constata-se que, na maioria das escolas, no âmbito dos processos de
AAE implementaram-se procedimentos estruturados e sistemáticos de monitorização e análise dos resultados
escolares, existindo a preocupação de comparar os resultados das avaliações internas com os resultados das
avaliações externas das aprendizagens dos alunos. Ainda ao nível das mudanças organizacionais verifica-se
que os processos de avaliativos levaram, todas as escolas, a desenvolverem procedimentos uniformizados
de registo, organização e estruturação da informação criando instrumentos que permitam o registo de
“evidências” de modo a dar resposta a futuras solicitações da AEE. Este quadro permite inferir que, em todas
as escolas, as mudanças organizacionais são pontuais, centradas sobretudo nos procedimentos burocráticos
e no “mimetismo com a avaliação externa”, deixando sobressair a “obsessão pelas estatísticas” (Machado,
2010) “ e a preocupação de “fazer prova”, de modo a justificar, numa lógica de prestação de contas, perante
o Estado ou o mercado o valor da escola.
Quanto à natureza das mudanças que se fizeram sentir a nível da dimensão pedagógica e curricular
constata-se que o processo de AEE induziu, a maioria das escolas, a definirem critérios uniformizados para
avaliação das aprendizagens dos alunos. O que permite inferir que esta definição traduz uma maior
preocupação com a aferição das avaliações internas das aprendizagens e com a aproximação das mesmas
aos resultados das avaliações externas. Há também, em consequência dos processos AEE e de AAE, uma
interiorização pelos docentes da necessidade de melhoria dos resultados escolares e um maior enfoque das
práticas na melhoria dos resultados escolares. Esta situação permite confirmar o efeito visão em túnel (Ehren
& Visscher, 2006; Pacheco, 2014, 2015), sendo o trabalho docente influenciado pela valorização dos
resultados académicos. Parece claro que, embora os processos avaliativos tenham incitado a algumas
mudanças pedagógicas e curriculares, verifica-se uma débil articulação desses processos com o núcleo
técnico do ensino e da aprendizagem (a sala de aula), enquanto foco prioritário da melhoria (Bolívar, 2012;
Elmore, 2000).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora o programa de AEE tenha despertado as escolas para o desenvolvimento de processos de
autoavaliação de escola, ainda existe um longo caminho a percorrer para que se consiga fazer emergir nas
escolas uma cultura de avaliação. Perante as políticas de comando centralizado e de controlo da
conformidade, a intenção de diálogo entre a AEE e um processo de melhoria através da avaliação institucional
é praticamente impossível, tanto mais quando os processos de autoavaliação são objeto de avaliação e
classificação por parte da AEE. Os olhares dos atores, particularmente dos docentes, estão muito marcados
pela matriz de intervenção inspetiva da IGEC, o que se reflete na perspetiva de controlo que têm da AEE.

529
A Escola: Dinâmicas e Atores

Esta perceção dos docentes acerca do papel da AEE acentua-se quando consideramos as suas
consequências em termos de prémios ou sanções, na medida em que as classificações obtidas nessa
avaliação vão condicionar o percurso profissional e a carreira dos diretores e professores. Para além disso,
o incumprimento das expetativas criadas no que respeita a uma contratualização efetiva da autonomia e a
ausência de uma relação de reciprocidade, no que se refere à responsabilização das escolas e das restantes
estruturas do Ministério da Educação, pelos resultados obtidos na avaliação conduzem a que os processos
de avaliação de escolas sejam percecionados pelas escolas e pelos seus atores como ritualísticos.
Face à pressão e à incerteza, os casos aqui estudados mostraram que as escolas e os seus atores
recorrem a respostas estratégicas (Oliver, 1991) ou “soluções organizacionais”, de modo a justificarem o
“valor” da escola perante os seus “clientes” e “investidores”, tendo em conta os seus interesses e objetivos
individuais e organizacionais. Como tal, as mudanças que ocorrem nas estruturas, nos processos e nas
práticas, mais do que resposta à necessidade de eficácia e melhoria interna da escola, traduzem-se em
processos de adaptação que variam consoante as tensões entre o contexto institucional e o ambiente
competitivo onde as escolas estão inseridas.
Neste cenário, consideramos, que apenas num contexto afastado do controlo e da pressão e com o
apoio de facilitadores externos as escolas e os seus atores poderão apropriar-se das competências
necessárias ao desenvolvimento de processos de autoavaliação e, em consequência, virem a consolidar uma
cultura de avaliação. Ainda que as inovações e as mudanças tenham de ser construídas em cada
estabelecimento de ensino, enquanto contexto de ação concreta, para que as práticas de autoavaliação se
constituam como “uma pedagogia do empowerment, da reflexividade e da autonomia” (Afonso, 2011) é
necessário que as políticas educativas tenham como foco a criação de condições para o desenvolvimento da
capacidade de aprendizagem das escolas e para a capacitação dos professores para o desempenho das
suas práticas.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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532
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

NARRATIVAS ILUSTR(ADAS): SABERES E EXPERIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DE


JOVENS E ADULTOS
[ID 257]

Adriana Alves Fernandes Costa


Fabrícia Vellasquez Paiva
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
profa.adriana@hotmail.com; fabriciavellasquez@yahoo.com.br

Resumo
A presente pesquisa de iniciação científica, concluída no ano de 2016, esteve inserida no Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio, fomentado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, no Brasil. O trabalho foi realizado com três bolsistas estudantes
do curso de formação de professores de nível médio (antigo curso Normal) do Colégio Estadual Presidente
Dutra, na cidade de Seropédica, Rio de Janeiro, e teve como problema a captura das concepções de escola
dos jovens que estão na Educação de Jovens e Adultos, a partir de fotografias. O objetivo principal foi
identificar e analisar os olhares dos jovens: como enxergavam a escola, o que os mobilizava nesse espaço,
o que os desmotivava, o que favorecia curiosidade ou desinteresse, a partir de suas próprias narrativas. O
projeto se apoiou no estudo dos referenciais, cujas bases nos foram fornecidas por intermédio das
discussões/produções sobre linguagem narrativa. Assim, a proposta de trabalho contou com uma pesquisa
participante, na qual três jovens estudantes foram convidados a fotografarem com seus aparelhos de celular
uma sequência de três a cinco imagens que representasse os modos como enxergavam a escola, ou que
representação faziam daquele universo educativo – textos ilustrados e/ou imagéticos que demonstrassem
motivação, expectativa, desânimo, alegria, etc. As fotografias coletadas indicaram que os espaços mais
fotografados eram os mais utilizados pelos estudantes no cotidiano escolar. Os dados também revelaram que
a grande maioria das imagens registradas (refeitório e corredor do pátio da escola) capturaram os espaços
físicos em momentos em que não havia circulação de pessoas. Na etapa final do projeto, em reunião, o grupo
de estudantes bolsistas e participantes da pesquisa socializaram as suas narrativas e compartilharam os
motivos que justificaram as escolhas das imagens.

Palavras-chave: Fotografia, Educação de Jovens e Adultos, Narrativas.

Résumé
Cette recherche de premier cycle déjà terminé l'année 2016, a été inséré dans le programme institutionnel de
bourses d'initiation scientifique pour High School, promu par le Conseil national de développement scientifique
et technologique, le Brésil. L'étude a été menée avec trois étudiants boursiers du cours de formation des
enseignants de niveau intermédiaire (anciennement le cours normal) de State College Président Dutra, dans
la ville de Seropédica, Rio de Janeiro, et avait comme un problème pour attraper les conceptions de l'école
des jeunes ils sont dans l'éducation des jeunes et des adultes, à partir de photographies. L'objectif principal
était d'identifier et d'analyser les yeux des jeunes: l'école vue, qui mobilisaient cet espace, ce qui a provoqué
la démotivation, ce qui a favorisé la curiosité ou manque d'intérêt de leurs propres récits. Le projet a été basé
sur l'étude de référence, dont les bases nous ont fourni à travers les discussions / productions de langage
narratif. Ainsi, le travail proposé comprenait une recherche participative dans laquelle trois jeunes étudiants
ont été invités à photographier avec leurs appareils mobiles une séquence de trois à cinq images qui
représentent la façon dont pourrait voir l'école, ou la représentation en cet univers éducatif - illustrés et / ou
textes illustrés pour démontrer la motivation, l'attente, la dépression, la joie, etc. Les photographies recueillies
indiquent que les zones les plus photographiées ont été les plus utilisés par les étudiants dans la routine
scolaire. Les données ont également révélé que la grande majorité des images enregistrées (cafétéria et
corridor) a capturé les cours d'école des espaces physiques dans les moments où il n'y avait pas de
mouvement des personnes. Dans la dernière étape du projet en réunion, le groupe d'étudiants boursiers et
participants à la recherche socialisée leurs récits et partagé les raisons des choix d'images.

Mots-clés: Photographie, Éducation des jeunes et des adultes, Narrations.

533
A Escola: Dinâmicas e Atores

INTRODUÇÃO
Esse texto1 discorre sobre um projeto de iniciação científica, concluído no ano de 2016, sob a
coordenação das autoras, que aconteceu com o apoio do PIBIC-EM: Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica para o Ensino Médio, fomentado pelo CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, no Brasil. Tratou-se de um trabalho desenvolvido com bolsistas estudantes do curso
Normal do Colégio Estadual Presidente Dutra, na cidade de Seropédica, Rio de Janeiro, sendo que as
atividades aqui compartilhadas foram desenvolvidas pelas docentes que atuam na Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro.
A perspectiva da investigação, direcionada ao segmento da EJA (Educação de Jovens e Adultos),
teve como objetivo principal identificar e analisar as concepções que tais jovens possuíam sobre a escola, a
partir de suas próprias narrativas.
A proposta metodológica foi, portanto, convidar três jovens que estudavam na EJA da escola
participante a fotografar com seus aparelhos de celular uma sequência de três a cinco imagens que
representassem os modos como enxergavam a escola, aquele universo educativo – fotografias que
demonstrassem motivação, expectativa, desânimo, alegria, diferentes ideias e sentimentos em relação aos
modos de entender a unidade escolar em que estudavam. Em fase posterior, em reunião com os estudantes
da EJA, o grupo de estudantes bolsistas discutiram os motivos que marcaram as escolhas do alunado
investigado. A reunião foi filmada com a intenção de deflagrar as narrativas produzidas pelos educandos, a
partir de suas próprias imagens.
Dessa forma, foram vários textos, em linguagens diferentes, na perspectiva de se entender,
especialmente, as concepções de escola de jovens que estão na EJA. Já com os estudantes bolsistas,
também vislumbramos um plano de trabalho que não apenas viabilizasse um diálogo com o universo da
pesquisa, mas, sobretudo, que o ato do pesquisar fizesse sentido para esses estudantes e jovens
pesquisadores. Um sentido essencialmente marcado pela concepção de investigação enquanto ato que
produz conhecimento com o outro numa relação dialógica. Portanto, intencionamos potencializar um processo
que se constituiu democrática e coletivamente, de forma que as jovens bolsistas construíram conhecimentos
que relevantes em e para suas trajetórias de formação.
A fim de traçar esta escritura, organizamos o texto da seguinte maneira: primeiramente, discorremos
sobre a compreensão da Educação de Jovens e Adultos enquanto educação da classe trabalhadora, com o
objetivo de aproximar o leitor do contexto temático de que tratamos; posteriormente, abordamos a fotografia
enquanto texto que possui uma linguagem singular; em seguida, apresentamos uma análise de parte dos
dados coletados, e finalizamos com apontamentos de possíveis aprofundamentos a se produzir sobre a
temática tratada por este artigo.

NARRATIVAS E FOTOGRAFIAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 208, afirma que é dever do Estado garantir
“ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria”

1
Por se tratar de uma pesquisa, parte desse texto foi publicada, ainda quando a referida investigação estava em
andamento, no livro: Costa, A., Evangelista, F. & Prado, G. (2017). Narrativas que nos transformam: o que contam os
educandos? São Carlos: Pedro&João editores.

534
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

(Brasil, p.77). Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 20 de dezembro de


1996, trata a Educação de Jovens e Adultos, de modo mais explícito e diretivo, em dois artigos: 37 e 38.
Art. 37. A Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou
continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não
puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas,
consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho,
mediante cursos e exames.
§ 2º O poder público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na
escola, mediante ações integradas e complementares entre si.
§ 3º A Educação de Jovens e Adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação
profissional, na forma do regulamento.
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a
base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter
regular.
Para nós, a Educação de Jovens e Adultos, como uma modalidade educativa, é compreendida no
diálogo com Rummert (2007, p.63), quando afirma: “regulamentada como modalidade de ensino, é, sem
dúvida, uma educação de classe”. Assim, nos referimos a uma educação voltada à classe trabalhadora, uma
população excluída social e historicamente do direito à educação. Gadotti (2013, p.19), ao tratar de uma visão
ampliada da Educação de Adultos, a afirma como um direito humano à educação:
A educação, independentemente da idade, é um direito social e humano. Muitos jovens e
adultos de hoje viram esse direito negado na chamada “idade própria” e negar uma nova
oportunidade a eles é negar-lhes, pela segunda vez, o direito à educação.
Vicentini (2012, p.39), em sentido semelhante, ressalta:
A EJA se constitui, a meu ver, um modo de intervenção social, no sentido de articulá-la com
um projeto de sociedade mais justo e igualitário, é desta forma, uma posição política, que
não se revelou, ainda, como marco, como projeto realizado por parte de toda sociedade civil.
Portanto, ao discutirmos o conceito de Educação de Jovens e Adultos, é importante não considerá-
lo, unicamente, como uma ausência de escolaridade que deveria acontecer em idade esperada. Para além
de se garantir um direito ao acesso, “a questão não está apenas no ato de aprender, mas no que se aprende.
Trata-se de garantir uma ‘aprendizagem transformadora’” (Gadotti, 2013, p.7), ou seja, as proposições do
conteúdo e da forma de como se aprende. Uma defesa, pois, à aprendizagem:
Quando falamos de centralidade da questão da aprendizagem, queremos realçar a
importância da aprendizagem, sobretudo num país como o Brasil, que se preocupou pouco
com o direito do aluno aprender na escola. O direito à educação não se limita ao acesso [...].
Não se trata de deslocar a tônica da educação para a aprendizagem. Trata-se de garantir,
por meio de uma educação com qualidade social, a aprendizagem de todos os cidadãos e
cidadãs (Ibid., p.7).
Dessa maneira, se faz importante considerar quem são os sujeitos da EJA, especialmente porque há
uma pluralidade de indivíduos, não somente pertencentes a faixas etárias distintas, mas constituídos de
culturas diversas, sendo, portanto, um possível equívoco generalizar as características desse público.
Considerando tal cuidado, podemos dizer que se trata de jovens, adultos e idosos com insuficiente ou
nenhuma escolarização e, além do pouco ou nenhum acesso à escolaridade, também foram e ainda são
excluídos social e economicamente.
Nesse sentido, a pesquisa abordada neste texto se preocupou em identificar a pluralidade de
concepções que possuem os estudantes que estão na EJA. Sabe-se que, a partir da década de 1990,
pesquisas têm identificado e abordado a característica denominada “juvenilização da EJA”, ou seja, um
crescente número de jovens presentes nas salas de aula de tal modalidade educativa. Dessa forma, o cenário
da EJA, nas últimas décadas, se alterou significativamente – fato que demanda compreender, por exemplo:

535
A Escola: Dinâmicas e Atores

Quem são tais jovens? Como concebem, quais expectativas têm sobre a escola? As questões, além de
potencializar o conhecimento sobre tais sujeitos, podem denotar pistas, indicações importantes para a
construção de boas práticas que possam promover processo de ensino e de aprendizagem.
Com isso, através de diferentes linguagens, nos atentamos para os dizeres denunciados por eles,
para, assim, (re)valorizá-los epistemologicamente como fundamento que oriente a configuração da
modalidade educativa aqui tratada.
Como forma de capturar olhares, trabalhamos com a linguagem, especialmente a de imagens, que
estamos denominando, no projeto, de narrativas ilustr(adas)2, numa provocação possível com a língua,
sugerindo, na mesma palavra, tanto a adjetivação de ‘narrativa ilustre’, porque própria, de si, de quem a quer
revelar, quanto a concepção de ilustração, especificamente em fotografias produzidas pelos jovens
estudantes da EJA.
Tomamos como ponto de partida o conceito de linguagem em Bakhtin (2004), constituída pelo
fenômeno social da interação verbal. Para nós, portanto, a linguagem possui uma constituição social que a
marca, a identifica.
Assim, partimos da compreensão de linguagem a partir das leituras possíveis dos estudantes, para
que intentemos chegar às leituras sobre os mesmos sujeitos. Mais do que trabalhar a produção textual como
marca gráfica, muitas vezes, única e valorizada pela escola, como resultado de um processo de ensino na
EJA, o projeto aqui abordado procurou explorar a constituição do “saber de si”, para “se dizer” em textos
ilustr(ados), em imagens fotográficas.
Entendemos, assim como Freire (1989) e Machado (1999), que é indispensável que todos façam uso
da palavra, escrita ou imagética, tendo acesso a todos os seus usos. Nesse sentido, a apropriação da
linguagem através de imagens é fundamental para o desenvolvimento social e intelectual do ser social, pois
viabiliza uma liberdade de leitura que pode não ser igualmente possível quando a história é contada em
palavras – a polissemia é resgatada com mais facilidade nos textos não-verbais. O leitor se relaciona com o
texto imagético sem a obrigação primeira de “decodificá-lo”, mas sim de observar tentando compreender as
imagens que vê, fato que lhe propicia a associação com a realidade vivida.
Por entendermos a fotografia como um texto, vemos nela uma possibilidade de capturar uma cena,
um contexto, com significado. Ademais, no mundo pós-moderno, a imagem é uma forma de linguagem
valorizada em razão de possuir um impacto sobre o sujeito numa sociedade que faz uso de meios tecnológicos
para potencializar a fluidez e a rapidez da comunicação.
Para Souza & Lopes (2002, p.61), a fotografia “se constitui uma escrita atual do homem, mediada por
tecnologia criadora de uma narrativa figurada”. Nesse sentido, pode deflagrar narrativas por intermédio da
linguagem da imagem, que vão além do limite de uma palavra, por exemplo, por mais polissêmica que seja.
Logo, é importante salientar que as narrativas deflagradas pela fotografia não se constituem um complemento
da escrita, uma vez que justamente se configuram como um outro texto. Assim, compartilhamos com as
referidas autoras quando esclarecem que as fotografias

2
O referido projeto de iniciação científica se intitula “Narrativas ilustr(adas): saberes e experiências da Educação de
Jovens e Adultos”, contemplado pelo edital PIBIC-EM/UFRRJ/2015.

536
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

desencadeiam um outro modo de olhar o mundo, enriquecendo as possibilidades de


apresentação dos fatos, objetos, pessoas e acontecimentos. A construção de sentido através
da imagem se dá na interlocução, num primeiro momento, entre o sujeito e a câmara
fotográfica e, posteriormente, no diálogo entre o pesquisador e o jovem fotógrafo, que narra
por meio de palavras o sentido das imagens que foram selecionadas no cotidiano e
produzidas como fotografias, permitindo que sejam analisadas sob novo ângulo de visão
(Souza & Lopes, 2002, p.67).
Com isso, nosso intuito é capturar a singularidade do olhar do jovem que está na EJA, uma vez que
a proliferação da fotografia se faz presente em nossos tempos e nas práticas cotidianas, cada dia mais.
Considerando, pois, o processo já apontado de “juvenilização da EJA”, acreditamos que esse trabalho, a partir
desse gênero textual, nos revelou um importante movimento de trabalho, como o aceite de um grupo de
pesquisadoras, a partir da Universidade, que não só olha para a Escola – e, nesta, para a EJA –, como
também deseja dialogar para conhecer quem são esses autores que vêm ocupando essa modalidade de
forma não menos ilustre e/ou não menos necessária.

O QUE CONTAM OS EDUCANDOS: A ESCOLA E AS FOTOGRAFIAS


A escola em que desenvolvemos a pesquisa está localizada em um bairro à beira da antiga estrada
Rio - São Paulo (BR-465) e está situada no município de Seropédica, no estado do Rio de Janeiro. A referida
unidade escolar atende estudantes do Ensino Médio Regular e da EJA. Na ocasião funcionava em três
períodos: matutino, vespertino e noturno. Possuía um laboratório de informática, uma biblioteca, um refeitório,
dez salas de aula, uma sala de professores e uma quadra. É importante ressaltar que está em uma região
com poucos recursos econômicos: o bairro não possui asfalto nem rede de esgoto. Contudo, o prédio escolar
era bem zelado e arejado.
Nesse cenário, as três bolsistas3, juntamente com as coordenadoras do projeto, contataram a escola
com o objetivo de construir um trabalho em parceria, de conhecer a comunidade escolar, apresentar a
proposta inicial da pesquisa e discutir sua viabilidade.
Após tal contato, as bolsistas aplicaram um pequeno questionário em todas as salas de aula para
mapear o contexto da pesquisa (recursos físicos e humanos), além de diagnosticar a população de estudantes
da EJA: sexo, cor declarada, naturalidade, religião, indicadores da vida acadêmica, ocupação, principais
atividades culturais de interesse e, por fim, as razões e expectativas em relação à sua presença na escola.
Tais dados foram discutidos nas reuniões de formação com as referidas bolsistas, com o objetivo de relacionar
a realidade vivida e os estudos realizados sobre a temática investigada.
Do universo pesquisado, obtivemos 28 respostas e através de tais dados observamos que a maioria
dos alunado da EJA era mulheres.

3
O projeto inicialmente contava com oito bolsistas, mas esse número foi reduzido apenas nos últimos cinco meses, devido
à falta de engajamento dos outros cinco. Tal dado também nos foi importante, pois, ainda que fossem estudantes muito
jovens e sem vivência acadêmica, sua falta de compreensão do movimento de dedicação à leitura, às reuniões e às
atividades acarretou em seu desligamento do projeto. Entendemos que se trata, talvez, de uma discussão que merece,
também, ser pesquisada/entendida por si só, como outro objeto de estudo.

537
A Escola: Dinâmicas e Atores

Identificação do sexo
15,5
15
15

14,5

14

13,5
13
13

12,5

12
Masculino Feminino

Também observamos que a predominância de jovens negros evangélicos que nasceram no estado
do Rio de Janeiro. Já em relação as principais formas de fonte informação, diagnosticamos a internet como
principal veículo, como nos mostra o gráfico a seguir:

Fonte de Informação
25

20

15

10

0
TV JORNAL REVISTA RÁDIO INTERNET OUTRAS
FORMAS

TOTAL Resposta 1 Resposta 8 Resposta 9 Resposta 13 Resposta 21

Além disso, grande parte dos investigados demonstraram ter o cinema como principal fonte de lazer,
bem como ter o hábito de ler livros com os seguintes gêneros literários:

538
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Gêneros literários preferidos


15
10
5 2 3 14
1 6 5
0 4 1 4
Ficção Não-ficção Livros Técnicos Livros de outros Nenhum
autoajuda
1. a principal 2. segunda 3. terceira e assim por diante.
atividade cultural
mais importante.

Resposta 1 Resposta 2 Resposta 3 Resposta 4 Resposta 5


Resposta 6 Resposta 7 Resposta 8 Resposta 9 Resposta 10 Resposta 11
Resposta 12 Resposta 13 Resposta 14 Resposta 15 Resposta 16 Resposta 17
Resposta 18 Resposta 19 Resposta 20 Resposta 21 Resposta 22 Resposta 23
Resposta 24 Resposta 25 Resposta 26 Resposta 27 Resposta 28

Em uma etapa posterior, as três bolsistas disponibilizaram seus celulares a três estudantes da EJA e
lhes pediram que fotografassem seus modos de ver e sentir a escola. Portanto, cada educando produziu cinco
imagens, totalizando quinze fotografias, assim distribuídas: uma do laboratório de informática, quatro do
refeitório, duas da sala de aula, três do corredor do pátio, duas do banheiro, duas da quadra (fotografada duas
vezes por um mesmo aluno) e uma da cozinha.
As imagens fotografadas pelos três jovens estudantes da EJA nos indicaram algumas interpretações,
pois analisamos junto às bolsistas que os espaços mais fotografados são aqueles por onde os estudantes
mais circulam, pois são os lugares de convivência social.
Compreendemos a provável presença de uma concepção de escola como lugar essencialmente
físico, concreto, já que não houve nenhuma imagem que retratasse pessoas fazendo uso dos espaços
escolares. Ainda que, na ocasião do registro da fotografia, houvesse um número reduzido de estudantes na
escola, não houve iniciativa dos educandos em selecionar imagens em que apareceriam pessoas
(professores, funcionários, demais alunos) nos respectivos ambientes.
Na etapa seguinte, foi possível analisar elementos que favoreceram nossa hipótese de que os
estudantes enxergavam, possivelmente, a escola enquanto algo externo a eles, no sentido de constituir um
espaço distante de seus interesses e expectativas.
Ressaltamos que um estudante fotografou a quadra com o sentido de registrar a imagem de um lugar
do qual não faz uso, mas que gostaria de. Nesse caso, acreditamos que a fotografia pode ser interpretada
como um registro de um desejo, de algo por vir, mas, por vezes, não alcançado – ou talvez nunca efetivado
– também por conta da antiga concepção de EJA, mencionada anteriormente, como uma necessidade de
‘recuperação do tempo perdido’ em idade escolar não realizada.
Outro aspecto importante se refere às ausências de imagens capturadas, pois não houve nenhum
registro da biblioteca da escola ou mesmo de espaços outros, embora na escola tenha sido frequente o
discurso de que esses espaços estariam disponíveis aos estudantes mesmo no turno da noite. Na sequência
compartilhamos as imagens que mais apareceram:

539
A Escola: Dinâmicas e Atores

As narrativas que socializadas pelos estudantes que justificaram as escolhas das referidas imagens
demonstraram a ausência de um olhar voltado ao que se faz e produz no espaço escolar, como se a
concretude da EJA fosse o espaço físico, essencialmente. A literatura que aborda o tema nos mostra que
cada vez mais se faz importante firmar o lugar do direito desses sujeitos, a luta histórica pelo acesso à
educação deve ser rememorada e exercida cotidianamente por toda a sociedade.
Nesse sentido, é fundamental que as políticas destinadas à modalidade aqui discutida sejam
pautadas pelas demandas das pessoas jovens e adultas, nesse sentido Carreira (2014) diz que
Muitos dos sujeitos que chegam à EJA chegam a ela em decorrência de experiências de
exclusão e de discriminação que ocorreram no ensino regular e na sociedade. É importante
que ao chegarem à EJA encontrem um lugar onde suas histórias, saberes e diferenças
tenham espaço e acolhimento e possam contar com o apoio de outras políticas para além
da educação que ampliem suas condições de permanência e maior sucesso na educação e
na vida (p.226).

540
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Portanto, são imagens, vozes, discursos em luta. Narrativas tecidas na história social brasileira, que
têm direitos negados, mas estão presentes nos diferentes espaços sociais e especialmente na escola, eles
devem ser potencializados.

CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS
Ao traçarmos o principal objetivo dessa investigação – identificar e analisar as concepções que tais
jovens possuem sobre a escola, a partir de suas próprias narrativas – desejávamos saber, assim, o que
pensavam os jovens que estão na EJA. São, portanto, jovens da classe trabalhadora, indivíduos que possuem
formas de enxergar a escola e, por isso, acreditamos que suas considerações sobre ela podem nos indicar
pistas de construção de um processo de ensino-aprendizagem mais ajustado às reais necessidades dessa
população.
Desse modo, sabemos, ainda, que a fotografia representa um pensamento, uma ideia. Aquele que
fotografa expõe um pensamento, uma intencionalidade e, por sua vez, expõe-se. Por isso, pensamos que os
educandos que estão na EJA nos sinalizam textos, mensagens sobre suas formas de enxergar a escola.
Assim, a pesquisa nos revelou que o trabalho com fotos pode ser ainda mais explorado na escola e
na pesquisa.
O processo de reinvenção da concepção de escola tão caro à EJA se torna possível quando
problematizado e dialogado especialmente em forma de narrativas e imagens, como é o caso da presente
pesquisa. Para tal, no entanto, compreendemos que também se faz necessário que novos editais continuem
possibilitando os discursos possíveis de pesquisa ainda mais próximos entre escola e universidade.
Por fim, o presente estudo nos revelou, até o presente momento, mais perguntas do que respostas,
e isso é esperado em pesquisas na área de Ciências Humanas. Ademais, jamais teremos uma resposta
pronta e comprovada sem variação, pois vimos estudando sujeitos que estão em constante mudança. Nesse
sentido, pretendemos continuar as buscas em momentos outros, visto que a pesquisa não acaba aqui – ela
é apenas um ponto de partida, e não um ponto de chegada.

REFERÊNCIAS
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541
A Escola: Dinâmicas e Atores

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Associados: Cortez (Coleção polêmicas do nosso tempo; 4).
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Vellasquez, F. (2008). A literatura infanto-juvenil na formação social do leitor: a voz do especialista e a vez do
professor nos discursos do PNBE 2005. Rio de Janeiro: UFRJ. Dissertação de Mestrado.

542
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA PARA A FORMAÇÃO CRÍTICA DO PEDAGOGO


[ID 340]

Alana Gabriela Vieira Alvarenga da Costa


Lucília Chaves de Oliveira
Universidade Federal de Goiás
allannaalvarenga@gmail.com; luciliadeoliveira@gmail.com

Resumo
Os questionamentos feitos por Saviani (1985) em “Educação: do senso comum a consciência filosófica” vão
de encontro aos nossos e nos motivou ao desenvolvimento desse trabalho. Importa-nos pensar a respeito
das contribuições da Filosofia para a formação do pedagogo, de modo que sua formação se caracterize pela
criticidade, reflexão e enfrentamento. Tendo como pressuposto que a Filosofia exerce um papel fundamental
e contribui significativamente para a formação do pedagogo, interessa-nos saber de que forma se dá este
papel e em quais elementos se centra. Em conformidade com Saviani (1985), defende-se que a Filosofia não
se constitui apenas em uma disciplina ou conteúdo, mas, sobretudo, em uma atitude. A atitude a que nos
referimos, que julgamos fundamental para a formação do pedagogo, é a da reflexão frente aos problemas
impostos, ação que implica retomar, avaliar, reavaliar, questionar, revisar, analisar detidamente. Na reflexão
filosófica, faz-se necessária uma série de exigências, apresentadas pelo autor a partir de três requisitos: a
radicalidade, o rigor e a globalidade, elementos que abordaremos. Deste modo, para compreendermos melhor
o lugar da filosofia na formação do/a pedagogo/a, o presente trabalho mostrará com base nos conceitos e
questionamentos apresentados por Saviani (1985), entre outros autores, os desafios e avanços da filosofia
da educação, destacando a importância desta para uma formação crítica. Isto é, apontaremos a
potencialidade da filosofia na formação do profissional crítico, autocrítico e consciente dos processos que o
circundam, colaborando, diretamente, para o abandono da ignorância, para a conscientização da alienação e
a busca pela sabedoria. Para além disso, apresentaremos a filosofia, não como instrumento, ou um meio para
alcançar algo e sim como base sólida para o ofício do educador. No sentido de que esta não apenas faz parte
do currículo do curso de pedagogia como mero acessório, uma gama de conteúdos aplicáveis em dado
momento de necessidade, pelo contrário, esta seria basilar para todos os momentos, para todas as
necessidades, para resolução de problemas, enfim, para a formação do professor.

Palavras-chave: Formação, Filosofia, Pedagogia, Criticidade.

Résumé
Les questions soulevées par Saviani (1985) dans dans l'œuvre “Educação: do senso comum a consciência
filosófica” rencontre pleinement les objectifs pour nous définis ici et nous a motivés à l'élaboration de ce travail.
Ici nous avons soin de réfléchir à la contribution de la philosophie à la formation de l'enseignant, de sorte que
leur formation se caractérise par la criticité, la réflexion et la confrontation. Avec l'hypothèse que la philosophie
joue un rôle fondamental et contribue de manière significative à la formation du pédagogue, nous sont
intéressés à savoir comment donner ce rôle et dans lequel les éléments se concentre. Conformément à
Saviani (1985), nous pensons que la philosophie n'est pas en soi une discipline ou le contenu, mais surtout,
l'action. L'attitude à laquelle nous nous référons, que nous considérons comme essentiel pour la formation du
pédagogue est le de la réflexion face aux problèmes qui lui sont imposées, action qui implique le besoin de
reprendre, d'évaluer, de réévaluer, à réviser, d'analyser en profondeur le problème. Dans la réflexion
philosophique, une série d'exigences est nécessaire, présenté par l'auteur de trois exigences: la radicalité, la
précision et les éléments globaux que nous abordons. Ainsi, afin de mieux comprendre la place de la
philosophie dans la formation du pédagogue, ce travail va montrer basé sur les concepts et les questions
présentées par Saviani (1985), entre autres, les défis et les progrès de la philosophie de l'éducation, en
soulignant l'importance de cette formation pour une critique.Autrement dit, nous allons souligner le potentiel
de la philosophie dans la formation du professionnel critique, l'auto-critique et conscient des processus qui
l'entourent, ce qui contribue directement à l'abandon de l'ignorance à la conscience de l'aliénation et de la
recherche de la sagesse. En outre, nous présentons la philosophie, non pas comme un outil, ou un moyen de
réaliser quelque chose, mais comme une base solide pour le bureau d'éducateur. Dans le sens que cela non
seulement fait partie du programme d'enseignement de la pédagogie comme simple accessoire, une gamme

543
A Escola: Dinâmicas e Atores

de contenu pertinent à un moment donné de la nécessité, au contraire, il serait fondamental pour tous les
temps, à tous les besoins, pour le dépannage enfin, pour la formation des enseignants.

Mots-clés: Formation, Philosophie, Pédagogie, Criticité.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este trabalho se desenvolve em torno da problemática das possíveis contribuições da Filosofia para
a formação crítica do pedagogo. Aqui, evidenciamos a importância da filosofia durante a formação e atuação
do pedagogo, a partir das definições apresentadas, basicamente por Saviani (1996), acerca das
particularidades da Filosofia da Educação para a formação crítica. Neste sentido, trataremos a filosofia não
apenas como disciplina que figura entre aquelas obrigatórias ao curso de Pedagogia no Brasil mas como
sendo essencialmente uma postura diante da realidade posta. A filosofia deve ser uma atitude fundamental
ao pedagogo que, neste caso, se posicionará de maneira crítica em relação aos problemas, buscando
solucioná-los com rigorosidade, de forma radical e determinada, em consideração a conjuntura e as relações
que este se encontra. Em outras palavras, o profissional crítico e consciente é o que a filosofia da educação
visa formar. Alguém que reconhece e participa dos processos que o circundam. Deparamo-nos com discursos
e ações pedagógicas voltadas para a defesa do pragmatismo, cujo interesse envereda-se para aquilo que é
utilitário, bem como com cursos de formação de professores, em que paira o conformismo e a supercialidade,
em termos teóricos e de crítica social, decorrentes de uma formação aligeirada. Considerando os cursos de
formação, mais especificamente os que formam pedagogas e pedagogos, fundamentados sobre esses
moldes questionamo-nos: qual o lugar da filosofia na formação destes sujeitos? A filosofia pode contribuir
para que sejam formados numa perspectiva crítica? A disciplina Filosofia da Educação encontra-se como
disciplina obrigatória nos cursos de pedagogia no Brasil. Apesar disto, esta acaba por ser negligenciada e
tomada por muitos como demasiadamente teórica e, de certo modo, descolada da realidade vivida, ou que
será vivida, pelo pedagogo em sua atuação profissional. A dicotomia entre teoria e prática é reclamada pelos
alunos, que por não verem serventia na filosofia, se distanciam dela. O que não parece evidente, e buscamos
explicitar neste trabalho, é, justamente, a importância da formação crítica para a prática pedagógica.
Entendemos que, com a reflexão filosófica e suas devidas especificidades será possível a formação de
educadores que visam emancipação e auto-emancipação.

CONTRIBUIÇÕES DE DERMEVAL SAVIANI


Problema
Diferentemente dos demais animais, os indivíduos da espécie humana, possuem um imperativo que
os distinguem de todas as outras espécies do planeta, a eles não bastou apenas o suprir das necessidades
biológicas e a manutenção da sobrevivência, há neles outro elemento, que se encontra no mundo da
linguagem, conforme apresenta Duarte Júnior (1991) “nós possuímos uma dimensão a mais em relação ao
animal, que transforma radicalmente a vida meramente biológica em algo qualitativamente diferente. Esta
dimensão é a dimensão simbólica do mundo humano: a palavra” (p.16). Portanto, o mundo humano
transcende a existência puramente biológica e é composta por uma gama de elementos, que compõe um
todo complexo, em que homens e mulheres, ao longo da história, se desafiaram a compreender. Na busca
pelo entendimento da complexidade do mundo, da vida, da humanidade, diversos conhecimentos foram
elaborados no decorrer da História, em especial a Filosofia, desde seu surgimento se ocupou de pensar o

544
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

sentido das coisas, questionar, criticar, averiguar e compreender, os fenômenos do universo, das sociedades,
dos indivíduos. Ao pensar sobre as contribuições da Filosofia para a Educação Saviani (1985) elenca como
elemento fundamental o conceito de problema, pois para ele seria o problema o objeto e ponto de partida da
Filosofia. Diante do problema o homem se vê obrigado a repensar suas ações, reelaborar, planejar,
questionar, alterando, dessa forma, seu ato natural, sendo colocado numa situação em que é exigido dele
reflexão e pensamento. No entanto, “problema” é um termo que se tornou corriqueiro, empregado no cotidiano
com outros sentidos, que pouco ou nada tem a ver com este sentido que remete ao filosófico, por isso, faz-
se necessário pensar sobre seus empregos e significados. Para compreender o que caracteriza um problema
há que se refletir acerca do porque se quer saber algo, muito mais do que, qual a resposta daquilo que se
quer saber, ou seja, qual a motivação por trás da ação. Nem toda questão ou pergunta é um problema, por
mais complexa ou difícil que possa ser, conforme, Saviani (1985) o que caracteriza um problema é a
necessidade, de querer conhecer, descobrir, alcançar, como motivação essencial, que impulsiona a ação,
“assim uma questão, em si, não caracteriza o problema, nem mesmo aquela cuja resposta é desconhecida;
mas uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer, eis aí um problema” (Saviani, 1985
p.21).

Reflexão filosófica
De acordo com Saviani (1985), reflexão filosófica implica retomar, avaliar, reavaliar, questionar,
revisar, analisar detidamente, ou seja, posicionar-se criticamente em relação as conjunturas que se
apresentam nas relações educacionais. Mera reprodução ou aplicação de conteúdos em uma dada situação,
de maneira arbitrária, simplista e parcial não se pauta em uma reflexão filosófica. Pelo contrário, se distancia
a passos largos dessa atitude que busca pela profundidade das coisas, por suas especificidades em relação
ao todo. Para esta postura, como defende Saviani (1996), faz-se necessária uma série de exigências.
A primeira, radicalidade, infere que o problema deve ser analisado em suas nuances de maneira
radical. Em outras palavras, deve ser entendida em suas especificidades e aspectos que remontam suas
raizes e fundamentos. Buscando, a partir de uma reflexão, de fato, profunda e interressada resolver os
problemas que são postos. A segunda, rigor, refere-se a necessidade de que se utilize métodos determinados,
ações sistemáticas, busque técnicas adequadas a cada objeto, que garantam a seriedade, ética e
compromisso com a reflexão filosófica, para que se opere de forma profunda. Por fim, na terceira exigência,
de conjunto, para que o problema não seja analisado de forma descolada da realidade, este deve ser visto
em uma perspectiva de conjunto; relacionando as questões centrais com o contexto histórico, social, político
e cultural. Reconhecendo todo e qualquer problema como algo inserido em uma conjuntura e, por isso,
relacionado à aspectos que o circundam.

RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA


Ao discutirmos acerca da formação docente o enfoque sobre teoria e prática torna-se essencial, tema
que é alvo de diversas discussões, pesquisas, estudos, em que pesam diversas concepções. Nas formações
em licenciaturas, principalmente nos cursos de pedagogia, em que se debruçam mais detidamente sobre os
processos educacionais, muitos discursos são pronunciados, em que a maioria dos graduandos criticam os
currículos dos cursos acusando-os de serem muito teóricos e pouco práticos e que por esse motivo não
preparam apropriadamente para a prática nas escolas, já que “na prática a história é outra”. Defrontamo-nos

545
A Escola: Dinâmicas e Atores

com uma aversão à teoria, diante de formações cada vez mais pragmáticas, tecnicistas, cujo enfoque é muito
mais mercadológico do que propriamente científico, em que pouco importa os processos de formação cultural,
os conhecimentos e criticidade dos sujeitos que estão sendo “formados”. Tais concepções pensam a teoria e
a prática de modo fragmentado, em que a segunda torna-se mais importante, compreensão coerente com a
lógica capitalista, em que importa o pragmático, o útil, o lucrativo. Não há espaço e nem é vantajoso que se
tenham profissionais críticos que problematizem e questionem o sistema, melhor que sejam reprodutivistas,
práticos, executores, qualificados e conformados. Em contraposição a essas compreensões fragmentadas de
teoria e prática. Adorno (1995) apresenta que não é possível transformar o mundo sem interpretá-lo, que
pensar é um tipo de práxis, portanto de ação consciente. Afirma ainda, que teoria e práxis não são
imediatamente a mesma coisa, no entanto, não transcorrem independentemente. Em corcondância com esta
concepção Coêlho (2009, p.20) afirma que “o pensamento e a ação, a teoria e a prática são, portanto,
realidades diferentes e, ao mesmo tempo, indissociáveis, inseparáveis, que impõe uma à outra exigências
eticopolíticas na esfera da reflexão, da teoria, da história e da prática”. Portanto, são esferas fundamentais
para a formação dos sujeitos, numa perspectiva crítico emancipatória.

FILOSOFIA E FORMAÇÃO HUMANA


O discurso é arma poderosa de convencimento, dominação, crítica etc... Sendo utilizado
veementemente no processo de conquista e manutenção da hegemonia que, por sua vez, pressupõe a
difusão de uma determinada concepção de mundo (Rummert apud Shiroma & Turmina, 2011). Isto é, a
linguagem não é neutra, pelo contrário, sempre está amarrada a determinada concepção de mundo (Gramsci
apud Shiroma & Turmina, 2011), por esse motivo, o apelo à emancipação feito pelos governantes e pelos
documentos oficiais produzidos pelos Organismos multilaterais como UNESCO (Organização das Nações
Unidas para Educação, Ciência e Cultura), dentre outros, “podem ser uma espécie de disfarce da manutenção
da ordem geral de um estado de menoridade” (Adorno, 1995, p.180), noutras palavras, manutenção da ordem
social opressora pautada na lógica do capital. Com base em Chauí (apud Shiroma, 2003), “a ideologia
dominante se faz, sobretudo pelo que silencia. O intuito de recuperar nossas palavras vai além de retomar
expressões que nos eram tão caras e nos foram tiradas; implica expor o silenciado, devolver-lhe a matriz
radical e produzir um contradiscurso” (p.16). Na intenção de produzir esse contradiscurso como é proposto,
deve ser retomada a epistemologia da práxis que coloca-se contraditória ao paradigma hegemônico, ao
positivismo, ao reducionismo, a fragmentação do real que é limitado a percepção imediato e individual dos
fatos e ao recuo da teoria. Esta concepção epistemológica é crítica e vislumbra, através do trabalho e com
base na relação dialética entre teoria e prática, a possibilidade de transformação da realidade (Souza &
Magalhães, 2016). Neste caso, a emancipação dos sujeitos (professores e professoras, alunos e alunas – a
sociedade em geral) é a busca essencial. O ideal de emancipação é inerente a todos os processos norteados
pela epistemologia contra hegemônica. Isto é, devem primar por uma concepção essencialmente
emancipadora com bases filosóficas capazes de suscitar libertação. Ao adotar o posicionamento da
epistemologia da práxis assume-se uma ação transformadora consciente que se baseia na unidade entre
teoria e prática. Sendo, neste caso, a única verdadeiramente capaz de transformar a realidade e conduzir à
emancipação a partir do trabalho docente. Como afirma Adorno (1995) “o professor precisa ter clareza quanto
a que sua tarefa principal consiste em se tornar supérfluo” (p.177), libertando os alunos (as) das amarras de
um conhecimento autoritário, no qual não exista lugar para o erro, para o questionamento ou para a

546
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

contradição. Apenas desta forma a emancipação se fará possível, no incentivo à autonomia que desperta a
busca pelo “novo”, pelo diferente, desembrutecendo e libertando das amarras da dominação. Neste ponto,
retomamos a importância da filosofia ser adotada como uma atitude, como revela Saviani (1985). Em outras
palavras, na filosofia não há a divisão insistentemente propagada entre teoria e prática. Como evidenciamos,
estas são indissociáveis. Afinal, pensar é também, por sua vez, uma ação. A proposta de emancipação
coloca-se de forma basilar nas concepções defendidas na epistemologia da práxis. Apenas a partir de uma
atitude transformadora consciente torna-se possível buscar pela emancipação. Na repetição da prática pela
prática não há caminho possível para concretizar o ideal de emancipação, pois esta, quando dissociada da
teoria só é capaz de reproduzir o que já foi feito, obedecendo a lógica do capital, a manutenção da ordem
social. A educação configura-se, em um campo de lutas, conflitos e interesses, portanto, não neutro, em que
coexistem distintas posturas epistemológicas que sustentam diversas concepções de sujeito, sociedade e
educação. Quando falamos em posturas epistemológicas nos referimos a visão de mundo, de homem, de
conhecimento, ciência e de sociedade que cada sujeito assume, ainda que não o diga ou não tenha total
consciência dessa adesão. Essa visão dá sustentação aos princípios, ações, posturas éticas e morais, ou
seja, ao modo de ser e estar no mundo de cada sujeito. Relaciona-se com uma concepção de homem,
sociedade, cultura, educação e filia-se a um paradigma. Por paradigma entende-se “uma construção teórica
que tem o sentido de auxiliar a apreensão organizada das relações sociais, num tempo e num espaço”
(Cunha, 1996, p.117). De outro modo, complementando o que já foi dito, Kunh (apud Souza, 2014, p.222)
apresenta paradigma como “a constelação de crenças, valores, técnicas partilhadas e aceitas pelos membros
de uma sociedade científica, que permitem explicar aspectos da realidade”. Sendo assim, a escola é
potencialmente emancipadora e alienante ao mesmo tempo, tudo dependerá do posicionamento adotado
pelos que formam esta instituição. Se o interesse for positivista, mecanicista, ou seja, pautado no paradigma
dominante e na epistemologia da prática, a manutenção da ordem social será o principal objetivo e o único
fim. Entretanto, se a epistemologia da práxis for a base de todos os direcionamentos, a emancipação é a meta
e, então, torna-se possível através da transformação social e da resistência a opressão e todo o sistema
defensor de uma lógica mercantil da educação. Neste sentido, como afirmam Jorge Larrossa e Walter Kohan
na apresentação da coleção Educação: Experiência e Sentido da obra O mestre ignorante – cinco lições sobre
a emancipação intelectual de Jacques Rancière (2015) “educamos para transformar o que sabemos, não para
transmitir o já sabido”. É preciso compreender, isto é, se posicionar de maneira crítica em relação à realidade
que vivemos para que a educação se desprenda das meras divisões conteudísticas e se importe em formar
o ser humano em sua integralidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, acreditamos na Educação em sua potencialidade emancipatória, num ensino crítico e
instigante, que considera os educandos como sujeitos históricos, ativos e capazes, em que o professor não é
visto como mero reprodutor de conteúdos, de disciplinas compartimentadas, fragmentadas. Defendemos um
ensino que forme sujeitos críticos e emancipados, que não aceite tudo o que lhes é imposto sem
questionamento, mas que se interrogue do “sentido e da finalidade das coisas, da humanidade, da sociedade,
do homem [...] na busca da verdade, na interrogação das ideias e da realidade, da teoria e da prática” (Coêlho,
2009, p.23). Para isso, vemos a Filosofia como fundamental para a construção de práticas educativas mais
críticas e verdadeiras, para a formação de profissionais, de pedagogos, que compreendam o sentido mesmo

547
A Escola: Dinâmicas e Atores

da Educação, como formação humana, com enfoque na emancipação dos sujeitos, que se preocupam com
a formação integral dos sujeitos em todas as suas esferas e complexidade. Pois, como afirma Coêlho (2009,
p.16) “o que justifica, dá vida e sentido à escola, à relação pedagógica, ao trabalho de docentes e discentes,
é o processo de formação humana que aí se realiza e a relação de professores e estudantes com a cultura,
com o pensamento, com o saber vivo, instigante e que a cada momento se produz, se interroga e se recria”.

REFERÊNCIAS
Adorno, T. (1995). Educação e emancipação. Tradução Wolfgang Leo Maar. – Rio de Janeiro: Paz e
Terra.
________. (1995). Notas Marginais Sobre Teoria e Práxis. In: Palavras e Sinais – modelos críticos 2.
Rio de Janeiro: Vozes, 202-229.
Coêlho, I. M. (2009). Filosofia, cultura e formação: uma introdução. In:_____. (Org.). Educação, cultura
e formação: o olhar da filosofia. Goiânia: Ed. PUC Goiás, 15-27.
Cunha, M. I. (1996). Relação ensino e investigação. In Passos Alencastro Veja. Uma Didática: sobre o ensino
e suas relações. Campinas, SP: Papirus.
Duarte Júnior, J. F. (1991). Por que arte-educação? 6. ed. Campinas, SP: Papirus.
Rancière, J. (2015). O mestre ignorante – cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de
Lilian do Valle (3ªEd.). Belo Horizonte: Autêntica Editora.
Saviani, D. (1985). Educação: do senso comum a consciência filosófica. São Paulo: Cortez Editora:
Autores associados.
Shiroma, E. O. (2003). A mística da profissionalização docente. Revista Portuguesa de Educação.
Braga: Universidade de Minho, 16 (02), 7-24.
Shiroma, E. O. & Turmina, A. C. (2011). A (con)formação do trabalhador de novo tipo: o “ensinar a ser”
do discurso de autoajuda. 34ª Reunião Anual Anped. Educação e Justiça Social, Natal,
Disponível em: http://www.anped.org.br/app/webjornalismo/34reuniao/images/trabalhos/GT09/
GT09-53%20int.pdf
Souza, R. & Magalhães, S. (Orgs.) (2016). PNE/2014-2024 e a qualidade da educação brasileira:
tendências políticas para a formação, profissionalização e trabalho docente. Revista UBA.
Argentina. Prelo.

548
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS:


QUESTIONANDO AS PRÁTICAS DOS DOCENTES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
[ID 172]

Margarida Costa
Isabel Sanches
Universidade Lusófona
margaridacostta@gmail.com; isabelrsanches@gmail.com

Resumo
O estudo que aqui se apresenta faz parte de um projeto mais alargado que tem como objetivo o
desenvolvimento de uma tese de doutoramento versando as práticas dos Docentes de Educação Especial,
na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa. Pretendemos, com este estudo, explicar
e compreender a forma como estes docentes agem e gerem as situações de apoio aos alunos considerados
com Necessidades Educativas Especiais, tendo como referência os pressupostos de Educação Inclusiva:
planificação para toda a classe, ensino cooperativo e aprendizagem cooperativa. A observação realizada aos
três Docentes de Educação Especial focou-se nas suas rotinas de trabalho, na sala de aula e no gabinete de
Educação Especial, com especial destaque para as formas de atuação e modalidades de apoio. Ocorreram
em dois Agrupamentos de Escolas, de dois concelhos, do distrito de Leiria. Os comportamentos não-verbais
foram registados pelo investigador e os comportamentos verbais foram audiogravados. O registo das
observações foi realizado em “grelha”, descrevendo, em texto corrido, nas diferentes colunas, as situações,
comportamentos e atividades observadas e comentários/inferências, o mais próximo possível do acontecido.
A análise obrigou ao levantamento de categorias temáticas, subcategorias e indicadores que emergiram do
conteúdo transcrito de cada unidade de contexto, tendo como background os objetivos da observação.
Conseguimos apurar que os Docentes de Educação Especial apoiaram os alunos considerados com
Necessidades Educativas Especiais, sentados na mesa de trabalho do aluno, individualmente ou em pequeno
grupo, integrando ou não as atividades da classe. Os Professores do Ensino Regular observados assumiram
o papel principal junto destes alunos, mostrando não reconhecer como pares efetivos os Docentes de
Educação Especial que trabalham nas suas salas.

Palavras-chave: Docente de Educação Especial, Educação Inclusiva, Necessidades educativas especiais,


Observação naturalista, Práticas pedagógicas.

Résumé
L'étude présentée ici fait partie d'un projet plus vaste qui vise à développer une thèse de doctorat traitant des
pratiques des enseignants d'éducation spéciale à l'Université Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
Lisboa. Nous avons l'intention, avec cette étude, d’expliquer et comprendre comment ces enseignants
agissent et gèrent les situations de soutien pour les élèves considérés comme ayant des besoins éducatifs,
en référence aux hypothèses de l'éducation inclusive: la planification pour l'ensemble de la classe,
l'enseignement et l'apprentissage coopératifs. L'observation faite aux trois enseignants d'éducation spéciale a
été concentrée sur leurs routines de travail dans la salle de classe, avec un accent particulier sur les formes
d'action et les modalités de soutien. Ont été observé deux groupes scolaires du district de Leiria. Les
comportements non verbaux ont été enregistrés par l'enquêteur en papier et pour les comportements verbaux
on a utilisé un enregistreur. On a utilisé une « grille » pour faire la description des situations, des
comportements observés, les activités et les commentaires/inférences, aussi près que possible de ce qui est
arrivé. L'analyse a été faite par catégories thématiques, sous-catégories et indicateurs qui ont émergé de
chaque unité de contexte, ayant comme toile de fond les objectifs de l'observation. Nous avons pu constater
que les enseignants d'éducation spéciale ont appuyé les étudiants considérés avec besoins éducatifs
spéciaux, assis sur le bureau de l'étudiant, individuellement ou en petits groupes, en intégrant ou non les
activités de la classe. Les professeurs d'éducation régulière observés ont pris la tête parmi ces étudiants,
montrant qu’ils ne reconnaissent comme paires efficaces les enseignants d'éducation spéciale qui travaillent
dans leurs salles de classe.

549
A Escola: Dinâmicas e Atores

Mots-clés: Besoins éducatifs spéciaux, Education inclusive, Enseignant d'éducation spéciale, Observation
naturaliste, Pratiques d'enseignement.

INTRODUÇÃO
A motivação para a temática aqui abordada: "A inclusão de alunos com Necessidades Educativas
Especiais: questionando as práticas dos Docentes de Educação Especial" resulta de sermos Docentes de
Educação Especial (DEE) e de nos interessarmos pelas questões que lhe dizem respeito, em especial as
suas práticas. Pouco se tem investigado sobre esta temática, pelo que se desconhece o que é o quotidiano
destes profissionais.
Enclausurados entre um discurso profícuo sobre a Educação inclusiva e suas práticas e toda uma
praxeologia moldada na Educação Especial, através da legislação vigente, é difícil ter segurança e coerência
no que se diz e no que se faz. Constata-se que à deriva andam as escolas, bem como os seus profissionais,
no que às práticas de Educação Inclusiva diz respeito, podendo observar-se tanto exemplos muito bons como
muito maus, de acordo com os perfis dos profissionais envolvidos.
Estas constatações despertaram-nos o interesse e a curiosidade em saber o que estes docentes
fazem com os alunos que lhe são distribuídos para apoio e como eles se articulam com os professores das
respetivas classes, o que também nos poderá servir para uma reflexão mais profunda sobre as nossas
próprias práticas.
Pareceu-nos que a forma mais segura de chegar às práticas dos DEE seria acompanhá-los no seu
dia-a-dia, entrando nos seus espaços e nos seus tempos de trabalho. Não foi fácil conseguirmos esta
abertura, mas congratulamo-nos por ter conseguido.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DO DISCURSO À PRÁXIS


A Educação Inclusiva desafia as escolas a mudar o seu discurso educativo e as suas práticas de
atuação. A investigação realizada mostra, nos profissionais, um discurso que não apresenta dúvidas sobre
os benefícios da inclusão, demonstrando também que existem discrepâncias entre o discurso inclusivo e a
ação inclusiva, nas aulas e nas escolas (Costa & Sanches, 2016). É mais ou menos consensual que a
Educação Inclusiva traz vantagens a todos os intervenientes do processo educativo, pois a diversidade é mais
rica e mais desafiante que a homogeneidade.
Quando se olha para as práticas educativas desenvolvidas na escola e na sala de aula, o panorama
não é tão favorável. Os professores concordam, sim, com a Educação Inclusiva desde que não interfira
diretamente no nosso modo de fazer e de estar, o que é impossível, dado que incluirmos e estarmos incluídos
nos obriga a um outro modo de ser, de fazer e de estar connosco e com os outros. Trabalhar numa escola
inclusiva não é, não pode ser, a mesma coisa que trabalhar na escola tradicional, pois estamos confrontados
com outro tempo, outras exigências, outros públicos.
A sala de aula, atendendo à reflexão que aqui se faz, é um espaço privilegiado para se efetuar a
mudança necessária. Nela coabitam os principais ingredientes – a diversidade dos alunos e a necessidade
de encontrar resposta para essa mesma diversidade. Concentremo-nos em algumas estratégias que poderão
ajudar a mudar a cultura da sala de aula, as aprendizagens dos alunos e o desempenho dos profissionais:
§ planificação para todo o grupo - enfoque no desenvolvimento de competências académicas e sociais,
em simultâneo, e na organização dos conteúdos em pequenos projetos;

550
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ parceria pedagógica - cooperação entre professor da classe e professor de educação especial


(incluem-se outros técnicos, se existirem, entre eles os terapeutas e os assistentes operacionais);
§ aprendizagem cooperativa - organização da sala em pequenos grupos, corresponsabilizando cada
um pelo sucesso do outro (auto e heteroavaliação) e desenvolvendo as competências sociais ao
mesmo tempo que se aprendem os conteúdos académicos, tendo em conta objetivos bem
determinados, métodos de ensino/aprendizagem alternativos, um ensino flexível e a constituição de
subgrupos;
§ diferenciação pedagógica inclusiva – organização e distribuição das tarefas ao grupo e a cada um
dos elementos, tendo em conta o seu potencial emergente (aquilo que ainda não fazem, mas serão
capazes de fazer);
§ grupos heterogéneos e rotativos – heterogeneidade em função do sexo, desempenho académico e
social, etnia, cultura, etc;
§ ensino estruturado – planificação, intervenção e avaliação das atividades, partindo dos saberes já
adquiridos para os que se pretendem fazer adquirir, com reforços adequados e válidos;
§ envolvimento da escola/comunidade e seus intervenientes – saída da sala de aula para os contextos
escola/comunidade, implicando, sempre que possível, os seus líderes;
§ envolvimento das famílias – participação ativa dos encarregados de educação, chamando-os a
colaborar no projeto educativo que está a ser desenvolvido;
§ ação/reflexão/ação – dinâmica de investigar para agir e refletir para novamente agir (Sanches, 2011b).
Numa Educação para o século XXI, o modelo de atuação na escola e na sala de aula tem de centrar-
se na diversidade dos alunos como fator para o equilíbrio do grupo, dela tirando partido no trabalho em equipa;
num professor orientador das aprendizagens, que reflete sobre as suas práticas, que investiga para encontrar
respostas, que experimenta e que faz funcionar a sua criatividade, que procura os seus pares e com eles
partilha vivências e saberes, apostando, sempre que possível na parceria pedagógica; em alunos implicados
e corresponsabilizados na procura e apropriação do saber, cooperando com os seus colegas, os que têm
mais e os que têm menos sucesso académico e social; em encarregados de educação colaborantes, atentos
e corresponsáveis no processo educativo; em diretores capazes de eliminar barreiras que estão a impedir
que se processem as aprendizagens; em comunidades de aprendizagem em que todos se sentem
corresponsáveis pelos sucessos e insucessos e arranjam maneira de gerar o sucesso de todos os alunos.

O DOCENTE DE EDUCAÇÃO ESPECIAL: CONCEPTUALIZAÇÃO E FUNÇÕES


O movimento da escola inclusiva/educação inclusiva, numa perspetiva de educação para todos,
introduz nos sistemas educativos um novo conceito, o apoio educativo, substituindo a tradicional educação
especial. A designação de professor de educação especial é substituída pela designação de docente/
professor de apoio (Despacho Conjunto n.º 105/97, de 1 de julho), deslocando-se a perspetiva de intervenção,
centrada no aluno, para a intervenção centrada no professor e na classe.
Em 2006, foi publicado o Decreto-Lei nº. 20/2006, de 31 de janeiro, relativo à adoção de medidas que
favoreçam a estabilização do sistema de colocação do corpo docente da educação pré-escolar e dos ensinos
básico e secundário. Este enquadramento normativo cria o quadro de educação especial destinado a
promover a existência de condições para a inclusão socioeducativa de crianças e jovens com NEE de carácter
prolongado, donde emerge o Docente de Educação Especial (DEE).

551
A Escola: Dinâmicas e Atores

Posteriormente, o Ministério da Educação aprova o Decreto-Lei n.º 27/2006, de 10 de fevereiro, que


cria e define os grupos de recrutamento para efeitos de seleção e recrutamento do pessoal docente da
educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, a exercerem funções de Educação Especial,
conforme Tabela 1:
Grupo de recrutamento Código Educação Especial
Educação Especial 1 910 Educação Especial 1 – apoio a crianças e jovens considerados com
graves problemas cognitivos, com graves problemas motores, com
graves perturbações da personalidade ou da conduta, com
multideficiência e para o apoio em intervenção precoce na infância.
Educação Especial 2 920 Educação Especial 2 – apoio a crianças e jovens com surdez moderada,
severa ou profunda, com graves problemas de comunicação, linguagem
ou fala.

Educação Especial 3 930 Educação Especial 3 – apoio educativo a crianças e jovens com
cegueira ou baixa visão.
Tabela 1 – Docentes de Educação Especial: grupos de recrutamento
De acordo com a legislação vigente (Decreto-Lei 3/2008, de 7 de janeiro) e suas sucessivas
alterações, a intervenção dos Docentes de Educação Especial assenta na elaboração de Relatórios Técnico-
Pedagógicos, Programas Educativos Individuais e Planos Individuais de Transição, e numa intervenção
especializada assente em estratégias de diferenciação pedagógica pelos docentes especializados que
envolve a adaptação do processo de ensino-aprendizagem às necessidades de cada aluno e pressupõe
objetivos, currículos, programas, opções pedagógicas e didáticas, bem como regras e critérios de avaliação
das aprendizagens adequados à especificidade dos alunos.
Em relação à articulação entre o DEE e o professor da classe, os enfoques vão no sentido da
realização de um trabalho conjunto de diversificação das práticas pedagógicas, do desenvolvimento de
metodologias e estratégias de diferenciação pedagógica, da implementação da dinâmica de grupo, do
trabalho cooperativo, da tutoria pedagógica e do trabalho de projeto (Ministério da Educação, DEB, 1998).

METODOLOGIA
Neste estudo, de abordagem qualitativa (Bogdan & Biklen, 2003), a observação naturalista (Afonso,
2005) foi a técnica de investigação utilizada. Optámos por esta técnica porque nos obrigava a entrar nos
contextos onde decorre a ação pedagógica e porque ajuda na modificação de comportamentos e das práticas,
através da reflexão/avaliação das atividades implementadas e observadas.
Segundo Tuckman (2002), durante a observação, o investigador tem de “estar sentado nas salas de
aula, de uma forma tão discreta quanto possível” (p.523), olhando para encontrar algo “sem influenciar aquilo
para que se está a olhar” (p.524), sendo depois “os dados analisados indutivamente, como se reunissem, em
conjunto, todas as partes de um puzzle” (p.508).
Enquanto investigadores, tivemos um papel de observador outsider, permanecendo na sala de aula,
sem interferirmos nas atividades, seguindo o princípio da não-participação nas atividades observadas
(durante o decorrer das atividades letivas e após as mesmas) e no gabinete de Educação Especial.
As observações sobre as práticas dos DEE decorreram em quatro dias nos meses de abril, maio e
junho de 2016. Observámos três Educadoras de Infância (Grupo 100) em três salas de Jardins de Infância,
dois PER (Grupo 110) em duas salas de aula de Escolas Básicas do 1.º Ciclo do Ensino Básico e três DEE
(Grupos 910 e 930), que apoiavam individualmente ou em grupo os alunos considerados com NEE, integrando
ou não as atividades da turma dentro da sala de aula e fora dela. A observação fora da sala de aula, no

552
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

gabinete de Educação Especial, localizado num Centro Escolar com Pré-escolar e 1.º Ciclo Ensino Básico,
do distrito de Leiria, serviu para recolha da informação sobre as práticas que os DEE observados
desenvolviam no apoio e na avaliação de alunos.
Recorremos ao registo áudio e fizemos o registo dos comportamentos e atividades, em texto corrido,
o mais próximo possível do acontecido. Depois, foi organizado o texto, em “grelha” de 2 colunas. Numa coluna,
como se de um puzzle se tratasse, fizemos interagir os comportamentos verbais (transcritos da gravação
áudio) com os comportamentos não-verbais e atividades, registados pelo observador; na outra coluna,
anotámos os comentários e inferências que a descrição do “acontecido” sugeria. As observações focaram-se
na atuação e nas decisões que os DEE tomavam no seu local de trabalho para apoiarem os alunos
considerados com NEE. Para tal, registámos o que os DEE fizeram, o que disseram, com quem intervieram
e que materiais usaram.
Para organizarmos e fazermos o tratamento da informação recolhida, cada aula observada foi tomada
como uma unidade de contexto. Houve a identificação dos participantes com a atribuição de códigos a cada
DEE, Professor do Ensino Regular (PER) e Educador de Infância (EI). Todos os docentes observados foram
codificados com nomes fictícios e posteriormente apenas pela letra inicial desse nome. Na Tabela 2
mostramos os códigos atribuídos aos DEE nas atividades observadas em sala de aula e no gabinete de
Educação Especial.
CÓDIGOS
CÓDIGOS - Observações em sala de CÓDIGOS - Observações em gabinete de Educação
dos
aula Especial
NOMES Docentes
FICTÍCIOS Observação Observação Observação Observação Observação Observação Observação
DEE PER EI Naturalista Naturalista Naturalista Naturalista Naturalista Naturalista Naturalista
1 2 3 1 2 3 4
“Luís” e
L P LOB1 + P1
“Paulo”
“Cristina”,
“Inês” e
C PR I COB1 + I1 COB2+PR2 COB3+ I3
“Patrícia
Rosa”
“Sandra”,
AN
“Ana SOBG SOBG SOBG SOBG
S + SOB1+AN1 SOB2 + C2
Nunes” e 1 2 3 4
C
“Carla”
Tabela 2 - Codificação
Conforme a Tabela anterior, as observações em sala de aula iniciam pela primeira letra do nome
fictício de cada DEE, seguidas das letras OB (Observação) e do número da observação efetuada a cada DEE
naquele contexto. Para as observações naturalistas registadas no gabinete de Educação Especial
acrescentámos a letra G (Gabinete).
Toda a informação foi agregada em categorias que emergiram do conteúdo da informação, cotejado
com os objetivos da observação, depois subdivididas em subcategorias, por sua vez subdivididas em
indicadores, seguindo o modelo de análise de Esteves (2006). Tivemos em conta os critérios enunciados por
Bardin (1977) para a categorização: exclusão mútua; homogeneidade; pertinência; e objetividade.
À data das observações, o “Luís” tinha 3 anos de tempo de serviço em Educação Especial, a “Cristina”
tinha 12 anos e a “Sandra” tinha 10 anos.

553
A Escola: Dinâmicas e Atores

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS


A informação recolhida foi agregada em categorias, subcategorias e indicadores, identificando a forma
como os DEE exercem as suas práticas. Atente-se nas tabelas que se seguem e respetiva análise.

Atividades observadas em sala de aula


Da análise da informação resultou uma primeira categoria: gestão da organização e funcionamento
das atividades da turma, conforme a Tabela que se segue.
Categoria Subcategorias Indicadores
Educador de Infância (EI)/ Professor Controlo do barulho na sala de aula
Gestão da do Ensino Regular Preparação dos materiais e recursos utilizados
organização e (PER) Orientação do desenvolvimento das atividades
funcionamento das Docente de Educação Especial Tentativa de inclusão por parte do DEE na orientação
atividades da (DEE) das atividades da sala
turma
Orientação conjunta de algumas (poucas) atividades
Colaboração entre PER e DEE
Desautorização do DEE pelo PER
Tabela 3 – Subdivisão da categoria Gestão da organização e funcionamento das atividades da turma
Foram os Educadores de Infância e os PER que fizeram o controlo do barulho na sala de aula e
prepararam os materiais e recursos utilizados nas aulas. Dos três DEE observados, apenas a “Cristina”
participou mais ativamente, numa das observações, na preparação dos materiais e recursos utilizados com
os alunos. A “Cristina” ajudou na preparação da sala, a nível da colocação das mesas, das cadeiras, ligou o
computador para mostrar um vídeo à turma e uniu duas cartolinas com fita-cola, com a PER. A “Sandra”
procurou um jogo novo para apoiar individualmente um aluno e o “Luís” não preparou nada.
Houve uma tentativa de inclusão por parte do “Luís” e da “Cristina” na orientação das atividades da
sala. Esta interação nunca se verificou no caso da “Sandra”. No caso do Luís:
DEE: “Decímetro escreve-se dm” [o DEE tenta introduzir-se no diálogo entre o PER e a A.I.,
despropositadamente].
(…)
No caso da “Cristina:
DEE: “O que é que se diz, J.?”
J: “Obrigado.”
(…)
Foi observada a colaboração entre o PER e o DEE para orientação conjunta de algumas atividades.
Houve desautorização do DEE pelo PER, no decorrer de uma observação:
PER: “Já vi com ‘h’ e sem ‘h’” [o PER corrige o DEE].
(…)
No decorrer das atividades observadas na sala de aula pudemos verificar que os alunos considerados
com NEE são orientados, pelo PER e pelo DEE, nas atividades que realizam, conforme a Tabela que se
encontra a seguir.

554
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Categoria Subcategorias Indicadores


Diálogo de privilégio entre o PER e os alunos
Educador de Infância/ Professor do considerados com NEE
Ensino Regular Trabalho do PER com o aluno considerado com
(PER) NEE, individualmente, integrando as atividades da
turma
Orientação dos Diálogo de privilégio entre o DEE e os alunos
alunos considerados com NEE
considerados com Docente de Educação Especial
(DEE) Apoio do DEE ao aluno considerado com NEE,
NEE
individualmente, integrando ou não as atividades da
turma
Conversa entre o PER, a DEE e o aluno considerado
Colaboração entre PER e DEE com NEE, para orientação do seu trabalho
Pedido de ajuda do PER
Tabela 4 - Subdivisão da categoria Orientação dos alunos considerados com NEE
Numa das observações, verificámos que existiu trabalho de uma PER com uma aluna considerada
com NEE, individualmente, integrando as atividades da turma. Verificámos a existência de diálogo de
privilégio entre PER e alunos considerados com NEE, em duas observações naturalistas na sala de aula.
Porém, consideramos que um desses diálogos foi demasiado exaustivo, com uma dessas alunas, não sendo
bom para a aluna [cega] nem para os outros alunos, seus pares. Uma PER trabalhou com os alunos
considerados com NEE, individualmente, integrando as atividades da turma:
A PER aproximou-se da L. para ver o que estava a fazer: “L. o que é que tu queres escrever?
Qual é a mensagem que tu queres colocar no cartaz?”
L.: “O mais importante é o afeto.”
PER: “Então começa a escrever. Como sabes começamos sempre com letra maiúscula no
início de cada frase. Escreve e depois vais ilustrar este espaço.”
(…)
Pudemos observar um diálogo de privilégio entre o DEE e o aluno considerado com NEE. Quando
esta situação é recorrente, como neste caso, consideramos que a prática que o DEE desenvolve não é
inclusiva, pois se o DEE fala, em particular e recorrentemente, com a aluna considerada com NEE, ambos
[DEE e aluna considerada com NEE] se isolam do resto da turma. Tanto o “Luís” como a “Cristina” “abusaram”
do diálogo com os alunos que apoiam. A “Sandra” foi a que menos falou com os alunos que apoiou. Não
pareceu que esta DEE evidenciasse os seus alunos perante os seus pares, a turma e a escola.
Observámos que o DEE apoia o aluno considerado com NEE, individualmente, integrando ou não as
atividades da turma. No caso do “Luís”, a aluna é apoiada individualmente, integrando as atividades da turma,
está em sintonia com os colegas e sente-se à vontade na turma.
Verificámos que, numa outra unidade de contexto, existiu uma colaboração entre a PER e a “Cristina”,
ambas conversaram com uma aluna considerada com NEE para orientação do seu trabalho.
Existiram pedidos de ajuda dos PER aos DEE:
PER: “Ó L. [DEE] vê lá se consegues que a A.I. consiga contar todas as partes do metro
articulado.”
(…)
Relativamente às modalidades de apoio em relação aos alunos considerados com NEE, podemos
observar que os alunos foram apoiados na sala de aula, com a turma de pertença e fora da sala de aula,
conforme Tabela 5.

555
A Escola: Dinâmicas e Atores

Categoria Subcategorias Indicadores


Apoio do DEE em grupo, na sua mesa de trabalho
Modalidades de Apoio do DEE, individualmente, na sua mesa de
Na sala de aula, com a turma de trabalho
apoio em relação
pertença
aos alunos Apoio do DEE ao aluno considerado com NEE,
considerados com integrando as atividades da turma
NEE durante as Saída dos alunos considerados com NEE, da
atividades letivas Fora da sala de aula turma, para o gabinete de Educação Especial:
Apoio individual e Apoio em grupo
Tabela 5 - Subdivisão da categoria Modalidades de apoio durante as atividades letivas
Na sala de aula, todos os DEE apoiaram os alunos sentados na mesa de trabalho do aluno. A
“Cristina” apoiou os alunos em grupo, integrando-os nas atividades da turma. O “Luís” deu apoio individual na
mesa da aluna, integrando-a nas atividades da turma. A “Sandra” não apoiou os alunos integrando-os nas
atividades da turma, à exceção de uma das situações em que a aluna apoiada foi cantar em grupo com os
seus pares, da mesma idade. Verificou-se a saída de um aluno numa situação, de duas alunas em outro caso
e de um grupo, de três alunos considerados com NEE, durante as atividades letivas, para serem apoiados
pela “Sandra”, no gabinete de Educação Especial.
Constatou-se que, após as atividades letivas, o apoio foi dado na sala do Jardim de Infância a dois
alunos em simultâneo, pela “Cristina” conforme a Tabela 6.
Categorias Subcategorias Indicadores
Construção de puzzles
Modalidades de Execução de grafismos e de números
apoio em relação Exploração da noção de peso
aos alunos Apoio da DEE “Cristina”, a dois alunos ” Treino da memória visual com recurso ao Jogo do
considerados com em grupo, após as atividades letivas Ruca
NEE, após as Identificação de estados de emoção através de
atividades letivas expressões faciais
Arrumação dos materiais
Tabela 6 - Subdivisão da categoria Modalidades de apoio após as atividades letivas
A “Cristina” motiva e orienta o trabalho dos alunos para construírem puzzles. Olhava, via se estava
bem e ia dialogando com os alunos:
DEE: “Aqui em cima, J.”
(…)
DEE: “Muito bem, J..”
(…)
A “Cristina” explorou a noção de peso:
DEE: “És capaz de ir buscar a minha pasta?”
D.: “Sim.”
DEE: “… mas com cuidado.”
D.: “Sim.”
DEE: “Está ali em cima. Cuidado. Consegues?”
D.: “Sim.”
DEE: “Está leve ou pesada?”
O D. disse que estava pesada.
A DEE recorreu ao Jogo do Ruca para que os alunos fizessem treino da memória visual. Quando um
dos alunos perdia o jogo por não conseguir encontrar os pares de cartas suficientes, ficava muito triste. A
DEE aproveitou a situação para explorar os estados de emoção através das expressões faciais: uma cara

556
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

contente/triste/zangada. No fim das atividades, a DEE informou os alunos que o tempo tinha acabado e deu-
lhes ordem para arrumarem os materiais:
DEE: “Olha, o J. vai arrumar o livro mas antes empresta-me cá o teu livro… D., arruma as
cartas se faz favor. Junta-as e põe o elástico.”

Atividades observadas em gabinete de Educação Especial


As atividades observadas em gabinete de Educação Especial estiveram focadas na avaliação de uma
aluna referenciada para a Educação Especial, conforme a Tabela que se segue.
Categorias Subcategorias Indicadores
Conversa da DEE “Sandra” para preparação da aluna
Identificação da aluna
Identificação das partes do corpo humano
Imitação de tarefas para observação da dominância
lateral
Trabalho da Reconhecimento da lateralidade em si e no outro
“Sandra” no Discriminação de noções temporais
Avaliação de aluna referenciada para a
gabinete de Memória auditiva
Educação Especial
Educação Discriminação de pares de palavras iguais ou
Especial diferentes (perceção auditiva)
Leitura da aluna
Interpretação do texto
Expressão escrita (resumo da história)
Escrita de números por ordem crescente
Resolução de problemas
Tabela 7 – Categorização do trabalho da DEE para avaliação de uma aluna referenciada para a Educação
Especial
Observámos parte da avaliação que a “Sandra” fez a uma aluna referenciada, por não ter conseguido
terminar a mesma e, apenas, no dia seguinte ir concluí-la. A DEE começou por conversar com a aluna,
perguntou-lhe o nome completo, a data de nascimento e a morada. Pediu-lhe para identificar partes do corpo
humano (sobrancelha, ombro, pulso, tornozelo, cotovelo, pálpebra). A aluna fez de conta que estava a comer
sopa, a martelar com uma régua, a escovar os dentes e a roupa. Teve de espreitar por um canudo e pela
fechadura da porta, para que a DEE visse qual era o seu olho dominante.
A DEE questionou a aluna sobre os dias da semana, os meses do ano, as estações do ano, os
minutos de uma hora. Esta teve de ouvir e de reproduzir batimentos, números, nomes de pessoas, cores,
nomes de cidades e de frutos. Fez discriminação de pares de palavras iguais e diferentes para avaliação da
sua perceção auditiva (ex.: já/chá; meta/neta; vaca/faca), dizendo se as palavras eram iguais ou diferentes.
A DEE pediu-lhe para ler um texto. Posteriormente, a DEE leu-lhe o mesmo texto, fez-lhe perguntas sobre o
mesmo e pediu à aluna para escrever o que sabia sobre a história. A aluna escreveu algumas palavras mas
a DEE teve dificuldade em perceber o que estava escrito.
DEE: “Queres ler tu para mim o que escreveste? É mais fácil, se calhar. Lê tu para mim.
A aluna começou a ler o que tinha escrito mas começou a gaguejar, demonstrando que nem ela
estava a perceber o que tinha escrito.
A DEE ditou-lhe números e a aluna registou-os. Posteriormente, a DEE pediu-lhe para os colocar por
ordem crescente. Por último, a aluna teve de resolver problemas, como é o caso que se segue:
DEE: “Quantos quilos de limões podemos comprar com 3€, se cada quilo está a 0.50€? Tens
3€ para comprar limões. Cada quilo custa 0.50€. Quantos quilos vamos poder comprar?”

557
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Numa escola inclusiva tem de existir uma educação inclusiva, isto é, uma educação em que o grupo
sendo heterogéneo não represente um problema mas um desafio à criatividade e profissionalismo dos
docentes, originando mudanças de mentalidade e de práticas educativas. Sendo assim, a Educação Inclusiva
preconiza o desenvolvimento das aprendizagens de cada aluno com o grupo e com o mesmo grupo.
Numa Escola Inclusiva, o DEE necessita de desenvolver um trabalho em articulação constante com
os professores do ensino regular (Mota & Sanches, 2009). Porém, os DEE observados sentam-se ao lado
dos alunos que apoiam e permanecem durante todo o tempo, indicando-lhes o que têm de fazer e como fazer.
Será que estes docentes geram autonomia nesses alunos agindo dessa forma? Será que estes alunos se
sentem incluídos no seu grupo?
Num dos momentos da observação a que assistimos aquando da colaboração do PER com o “Luís”,
o PER foi colocar corretamente o papel na máquina de braille, ultrapassando a nosso entender o seu colega
“Luís” que estava sentado mesmo ao lado da máquina e da aluna. Agindo desta forma, os PER assumem-se
como os atores principais, são o centro do poder na sala de aula. Não valorizam e não procuram tirar partido
de uma partilha de saberes e de experiências que está ali mesmo à sua mão. Por sua vez o DEE nada faz
para conquistar um espaço naquela sala de aula. Entra, senta-se ao lado do aluno e com ele fala baixinho.
Assume o estatuto de aluno.
Nesta dinâmica perdem todos:
§ os alunos considerados com NEE porque não são verdadeiros pares dos seus colegas;
§ os outros alunos porque não aprendem a viver e a trabalhar com a diversidade;
§ os Professores de Ensino Regular porque não aproveitam os recursos para diversificar as suas
práticas;
§ os Docentes de Educação Especial porque não se esforçam para entrar nas dinâmicas das aulas e
no diálogo pedagógico com os colegas;
§ a escola, no seu conjunto, porque se perdem oportunidades e se desperdiçam recursos que, se
viabilizados, poderiam fazer da escola um lugar mais aprazível para todos;
§ a sociedade, em geral, porque perdendo a escola, perde a sociedade.
A falta de abertura ao diálogo, ao confronto, à partilha de ideias, de materiais e de metodologias de
ensino-aprendizagem são um dos problemas dos professores. Como profissionais da Educação o nosso
grande desafio é fazer com que os nossos alunos sejam o foco principal da nossa atividade profissional,
independentemente do nosso estatuto. O ato educativo não pode ser um ato isolado, tem de ser partilhado,
refletido e avaliado por todos e com todos os intervenientes.

REFERÊNCIAS
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Bardin, L. (1977). L'analyse de contenu. Paris: PUF.
Bogdan, R. & Biklen, S. (2003). Investigação qualitativa em educação. Uma introdução à teoria e aos métodos.
Porto: Porto Editora.
Costa, G. & Sanches, I. (2016). Um olhar sobre a inclusão educativa: conceções dos professores do ensino
secundário. Revista Lusófona de Educação, 34, 161-179.

558
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Esteves, M. (2006). Análise de conteúdo. In J. Á. Lima, & J. A. Pacheco, Fazer investigação. Contributos para
a elaboração de dissertações e teses (pp.105-126). Porto: Porto Editora.
Mota, A. & Sanches, I. (2009). Cooperar para incluir. Formas de cooperação entre o docente de educação
especial e o docente titular de turma, no 1º ciclo do ensino básico. In A. Estrela, Actas do XVI Colóquio
da AFIRSE/AIPELF, Tutoria e mediação. Novos desafios à investigação educacional (pp.1-18).
Lisboa: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Lisboa. ISBN 978-972-
8036-98-0.
Sanches, I. (2011). Em busca de indicadores de Educação Inclusiva. A "voz" dos professores de apoio sobre
o que pensam, o que fazem e o que gostariam de fazer. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas.
Sanches, I. (2011b). Do 'aprender para fazer' ao 'aprender fazendo': as práticas de educação inclusiva.
Revista Lusófona de Educação, 19, 157-163.
Tuckman, B. (2002). Manual de investigação em educação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

LEGISLAÇÃO CONSULTADA
Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro;
Decreto-Lei n.º 27/2006, de 10 fevereiro;
Decreto-Lei nº. 20/2006, de 31 de janeiro;
Despacho Conjunto n.º 105/97, de 1 de julho.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

DESENVOLVIMENTO DE UMA COMUNIDADE VIRTUAL DE PRÁTICA NO CONTEXTO


DE UM CURRÍCULO DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES
[ID 53]

Conceição Courela
Isolina Oliveira
LE@D, Universidade Aberta
mcourela@lead,uab.pt; Isolina.Oliveira@uab.pt

Resumo
O estudo apresentado centra-se numa comunidade de prática constituída por docente e tutores (equipa
docente) de uma unidade curricular integrada num curso de profissionalização em serviço de professores
dos ensinos básico e secundário. Este curso decorreu de acordo com o modelo pedagógico da
Universidade Aberta de Portugal (UAb). A equipa docente estava familiarizada com esse modelo e seus
artefactos, a que acresce a operacionalização de uma liderança distribuída, perspetivada como uma
caraterística emergente de uma rede de interações ou de um grupo de pessoas.
Neste sentido, os objetivos da investigação são: i) analisar a dinâmica conducente a uma liderança em
contexto on line, isto é, a e-liderança distribuída pelos diferentes membros da equipa docente; ii) averiguar
em que medida essa dinâmica contribuiu para o desenvolvimento profissional dos participantes.
Do ponto de vista metodológico, seguiu-se uma abordagem interpretativa de inspiração etnográfica, focada
nas interações assíncronas entre docente e tutores e entre tutores nos fóruns da referida unidade curricular.
Os participantes no estudo são os dez elementos da equipa docente responsável pela unidade curricular,
todos eles profissionais de educação com experiência na formação contínua de professores realizada pela
UAb. Os dados foram recolhidos através da análise dessas interações e dos vários documentos que foram
objeto de debate nos fóruns de discussão, em particular instrumentos de avaliação em formato digital, critérios
de avaliação e comentários avaliativos. e de conversas informais entre os participantes.
Os processos promotores da liderança distribuída encontram-se ancorados no modelo pedagógico da UAb;
no caso em estudo, as opções e as características pessoais e profissionais da docente e dos tutores
permitiram incrementar, de uma forma inovadora, as potencialidades conferidas pelo design da unidade
curricular, nomeadamente no que se refere à participação ativa no fórum e ao acesso de todos os tutores à
classe virtual assegurada pela docente. O recurso às tecnologias digitais, aliadas a uma perspetiva
democrática e colaborativa, facilitaram a construção de uma liderança distribuída, a qual possibilitou a
discussão e aprofundamento de conceitos relacionados com a avaliação em educação e com práticas
pedagógicas. Estas condições foram essenciais no desenvolvimento de processos de articulação, no que
concerne à avaliação digital dos desempenhos dos formandos.

Palavras-chave: Avaliação digital, E-liderança, Inovação curricular, Liderança distribuída.

INTRODUÇÃO
O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) e a emergência da Web 2.0
suportam a criação de ambientes digitais, propícios à disseminação de conteúdos e à comunicação mediada
pelo computador. Estes ambientes podem ser direcionados para a aprendizagem em comunidades virtuais
(Tinoca & Oliveira, 2013). Nestas comunidades a aprendizagem colaborativa é fundamental (Dillenbourg,
1999), aliada à valorização de perspetivas múltiplas e à centralidade do participante na construção do
conhecimento (Garrison & Anderson, 2003; McConnell, 2006; Tinoca & Oliveira, 2013).
Este estudo centra-se numa comunidade de prática online, entendida como um grupo de indivíduos
que comunicam e interatuam num ambiente tecnologicamente mediado, estruturado segundo tópicos de
interesse profissional (Lee, Vogel & Limayem, 2002; Wallace & Pantelli, 2016). Esta comunidade desenvolveu-
se numa unidade curricular (Modelos de Avaliação Pedagógica – MAP), integrada numa das edições do curso
de profissionalização em serviço de professores (CPS), oferecido pela Universidade Aberta de Portugal (UAb).

560
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Com este estudo procuramos investigar como uma equipa docente se constituiu como uma
comunidade virtual de prática. tendo como propósito a gestão pedagógica das classes virtuais. Assim, este
estudo tem como objetivos:
§ Analisar a dinâmica conducente a uma liderança em contexto online, isto é, a e-liderança distribuída
pelos diferentes membros da equipa docente;
§ Averiguar em que medida essa dinâmica contribuiu para o desenvolvimento profissional dos
participantes.

QUADRO DE REFERÊNCIA TEÓRICA


O desenvolvimento do conceito subjacente à comunidade de prática radica no trabalho de Lave e
Wenger (1991), retomado por Wenger, McDermott & Snyder (2002), caraterizado por três elementos
fundamentais: (i) o domínio, ou seja, o campo de atuação, que permite a criação de uma base de interesses
e objetivos comuns; (ii) a comunidade, um conjunto de pessoas, heterogéneas, envolvidas por interesses
comuns, onde surgem lideranças que vão contribuindo para o desenvolvimento da comunidade; (iii) a prática
assumida pela partilha dos repertórios, das suas experiências ou de novos conhecimentos. Pode, então,
entender-se como grupos de pessoas que procuram conhecer, melhorar e ampliar as práticas.
Uma comunidade de prática apresenta um desenho aberto, que lhe confere flexibilidade para
adaptação às mudanças e um ritmo próprio que a caracteriza; prevalecem o diálogo e as interacções entre
os participantes, que exibem níveis de participação conscientes. A participação é valorizada e registam-se
combinações de familiaridade e espontaneidade (Wenger, McDermott & Snyder, 2002). Na formação da
comunidade existem interesses comuns e são estabelecidas as relações entre os membros, definem-se
tempos concretos durante os quais existe intercâmbio de ideias e saberes, que permitem a co-construção do
conhecimento e o desenvolvendo de formas próprias de colaboração. Como estrutura dinâmica, a
comunidade de prática transforma-se ao longo do tempo, podendo desaparecer, ou formalizar-se ou evoluir
para uma nova comunidade (Wenger, McDermott & Snyder, 2002) .
Na comunidade virtual em estudo a comunicação é horizontal e dialógica, com partilha de
compromissos focados na docência e que permitem a construção de conhecimento e a aprendizagem
contextualizada (Gaspar, Oliveira & Behar, 2012; Henriques & Oliveira, 2014; Oliveira & Courela, 2016). As
práticas de liderança passam pela explicitação de normas e de políticas (Peece & Shneiderman, 2009;
Wallace & Panteli, 2016) e pela coordenação entre os participantes (O’Mahony & Ferraro, 2007).
Para Wallace & Panteli (2016), os líderes online podem apresentar quatro comportamentos tipo –
interativo, instrutivo, estimulante e silencioso – que não nos parecem mutuamente exclusivos e, como os
autores defendem, refletem-se de forma diversa no envolvimento dos participantes. Consideramos que, de
acordo com o seu tipo de comportamento, o líder pode promover diferentes graus de participação e a
assunção de funções de liderança pelos membros da comunidade. Um líder predominantemente interativo
ou estimulante poderá ser mais facilitador de uma liderança distribuída do que um líder instrutivo. Já um
líder essencialmente silencioso poderá dar espaço a uma liderança distribuída (Spillane & Sherer, 2004)
não intencional, em que membros da comunidade ocupem o aparente vazio da liderança.
O conceito de liderança distribuída (Spillane & Sherer, 2004) assume que a “atividade de liderança é
distribuída numa rede de líderes, seguidores e situação – ferramentas, estruturas organizacionais e outros
artefactos” (p.13). Para Bennett, Wise, Woods & Harvey (2003), a liderança distribuída assenta em três

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A Escola: Dinâmicas e Atores

premissas: i) é uma propriedade emergente de um grupo ou rede de indivíduos em interação; ii) há abertura
de fronteiras na liderança e iii) as diferentes competências de liderança estão disseminadas no grupo. Neste
sentido, “a liderança distribuída é representada como dinâmica, relacional, inclusiva, colaborativa e situada
num contexto” (Bolden, 2002, p.4).
Em cenários online, o líder detentor de competências diversificadas, age como um facilitador no
processo distributivo, o que é favorecido por tecnologias como os fóruns assíncronos, onde os participantes
desenvolvem as competências necessárias (Oliveira & Courela, 2016). Para tal, o líder deve encorajar a
participação de todos nas tomadas de decisão. A prática de liderança distribuída não deve ser entendida
como resultado do conhecimento e das competências do líder, mas como decorrente das interações entre os
participantes e as situações, que incluem estruturas, rotinas e ferramentas, através dos quais os participantes
agem (Spillane, 2005).
O desenvolvimento profissional dos professores é um processo complexo, configurado pelos cenários
em que desenvolvem a sua atividade profissional, as oportunidades de formação que têm e as suas
características individuais (Fullan & Hargreaves,1992; Tinoca & Oliveira, 2014). O perfil de competências para
educadores e professores dos ensinos básico e secundário é constituído por quatro dimensões: profissional,
social e ética; desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; participação na escola e relação com a
comunidade; e desenvolvimento profissional ao longo da vida (Ministério da Educação, 2001). Os professores
desenvolvem as três primeiras dimensões ao cumprirem o serviço que lhes é distribuído na escola; a quarta
dimensão pode concretizar-se através da participação dos professores em cursos de formação onde se
efetive a ampliação teórica na sua relação com a prática (Tillema & Smith, 2009), através do desempenho de
funções extra escola, nomeadamente as que envolvem a participação em comunidades de prática, como a
que nos propomos analisar. Na unidade curricular de MAP os tutores são professores dos ensinos básico e
secundário, com larga experiência profissional e profundo conhecimento sobre os conteúdos abordados
nessa unidade.

METODOLOGIA
Este estudo assume uma abordagem interpretativa (Denzin, 2002), histórico e culturalmente situada,
de inspiração etnográfica (Hamido & César, 2009) Trata-se de uma situação singular que se enquadra numa
perspectiva de design-based research (Cobb, Confrey, diSessa, Leher & Schauble, 2003; Wang & Hannafin,
2005).
O foco de análise são as interações assíncronas entre docente e tutores e entre tutores nos fóruns
da referida unidade curricular, assumindo-se uma análise sociocultural do discurso (Mercer, Littleton &
Wegerif, 2009). Este modo de análise centra-se no conteúdo, função e formas partilhadas de compreensão,
em contexto social, ao longo do tempo. Este tipo de análise tem sido utilizada para avaliar as interacções em
atividades mediadas pelo computador (Kumpulainen & Wray, 2002; Mercer et al, 2009).

Participantes
Os participantes são a professora e os nove tutores de MAP. Os tutores são profissionais de
educação, de diversas áreas e com experiência de tutoria. Cada tutor assegurava a liderança de uma a
três classes virtuais, com o número médio de 52 formandos cada, num total de 15 classes virtuais.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Procedimentos
A unidade curricular é da responsabilidade da professora, que efetuou o seu desenho e coordena
uma equipa de tutores. A professora assegura uma classe virtual e os tutores as restantes. O currículo
desta unidade curricular é centrado na avaliação das aprendizagens, abordando temáticas como a evolução
das conceções teóricas da avaliação; avaliação sumativa e avaliação numa perspectiva formativa e práticas
que a permitem operacionalizar; definição e explicitação dos critérios de avaliação; instrumentos de avaliação
e desenho de programas de avaliação das aprendizagens dos alunos.
Os dados foram obtidos no fórum de discussão e passados para uma folha Excel, em que ficou
registado o tema de cada entrada, quem a inseriu, professora ou tutor, e quantos posts foram elaborados para
cada entrada. Foram lidas todas as entradas e todos os posts, para se estabelecerem categorias indutivas
(Clandinin & Connelly, 1998). As categorias evidenciam processos que visam consensualizar procedimentos
sobre o uso de ferramentas e artefactos e negociar significados relacionados com a avaliação das
aprendizagens (Hmelo-Silver, Chernobilsky & Nagarajan, 2009). As categorias indutivas foram agrupadas em
quatro dimensões e seguiu-se a redução dos dados, isto é, em cada categoria foram agrupadas as entradas
da autoria da professora e dos tutores, conforme se apresenta no Quadro 1.
Na dimensão “Conteúdos” incluem-se os aspetos respeitantes aos conteúdos científicos inerentes às
perspetivas e práticas de avaliação pedagógica. As interacções surgem a propósito da necessidade de aferir
determinados conceitos visando o esclarecimento dos formandos.
A dimensão “Práticas de avaliação” refere o acerto de procedimentos facilitadores da equidade entre
os formandos, no que concerne à aplicação dos instrumentos de avaliação, fornecimento de feedback
descritivo e classificação.
A dimensão “Monitorização da ação da equipa docente” diz respeito ao aprimoramento das práticas
dos tutores em relação a aspetos burocráticos do funcionamento da unidade curricular, como o lançamento
das atividades previstas no Plano da Unidade Curricular (PUC) e pedidos dos estudantes, geralmente sobre
o (in)cumprimento de prazos.
A dimensão “Socialização” inclui felicitações e referências a momentos festivos que não estão
diretamente relacionados com os conteúdos científicos da formação.
Domínios Categorias Frequência Frequência
Conteúdos Clarificação de conceitos 9T 32
10 P 66
Práticas de avaliação Criação de consensos sobre práticas de avaliação
21 T 77
Monitorização da ação da equipa 18 P 146
Funcionamento da unidade curricular
docente 39 T 81
1P 0
Socialização Eventos festivos/outros
5T 20
Professora 36
Total de entradas dos participantes 515
Tutores 82
Legenda: P– professora, T – tutores
Quadro 1 – Domínios e categorias de análise das interações no fórum

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


A coordenação desta comunidade era efetuada num fórum inserido na classe virtual da professora,
designado por Espaço Docente. A mensagem de abertura deste fórum, com a tónica na valorização da
diversidade da experiência dos tutores e no reforço da disponibilidade da professora, criaram um clima
propício às interações e à partilha de ideias.

563
A Escola: Dinâmicas e Atores

Das 118 entradas neste fórum, 36 são da autoria da professora e 82 dos tutores, o que evidencia a
gestão democrática desta unidade curricular (Quadro 1). O número total de posts é de 515, o que equivale a
uma média de aproximadamente cinco posts por entrada, embora o número de posts seja bastante variável
com o assunto focado em cada entrada. Os assuntos foram iniciados pela professora ou pelos tutores, o que
ilumina a existência de uma comunicação horizontal, em que as práticas colaborativas assentam nas tarefas
(Gaspar, Oliveira & Behar, 2012; Lave & Wenger, 1991). A acessibilidade da classe virtual da professora a
todos os tutores facilita a liderança, promovendo a gestão dos diversos artefactos como atividades formativas
e os enunciados dos e-fólios – e ferramentas – como os fóruns de discussão assíncrona.
A disponibilização de artefactos e ferramentas era concertada nas diferentes classes virtuais, graças
à calendarização do PUC. A classe virtual da professora apresentava modos de comunicação com os
formandos que os tutores podiam reproduzir/adaptar nas respetivas classes virtuais. As particularidades na
gestão de cada classe virtual eram partilhadas na comunidade, constituindo o domínio “Monitorização da ação
da equipa docente”, como no seguinte exemplo, em que uma tutora divulga a questão colocada por uma
formanda:
Tutora A: Gostaria de saber se à semelhança do que tem acontecido com outras disciplinas,
é possível a professora alterar o dia de entrega do e-folio A, nem que seja um dia?
Estou a pensar responder: como a disponibilização do e-fólio foi antecipada, não será
possível alterar ou prorrogar o dia de entrega. Será que posso?
Professora : Concordo com a sua resposta, de facto, a antecipação já teve esse objetivo...
Existem 10 posts de concordância, o que revela a atenção conferida por cada tutor à questão que foi
suscitada pela tutora A.
No que respeita à dimensão “Conteúdo” e à categoria “Clarificação de conceitos”, todas as
interacções foram iniciadas por tutores. Numa delas, uma tutora solicita esclarecimento quanto a uma forma
de avaliação alternativa, colocando a seguinte postagem de uma formanda:
Tutora B: (...) É uma disciplina que se baseia no estudo do objeto técnico e
consequentemente, no desenvolvimento de projetos, aplicando para o efeito a metodologia
projetual, ou por outras palavras, o método de resolução de problemas.(...) No decurso da
planificação e desenvolvimento dos projetos propostos na disciplina, o principal instrumento
de avaliação a que recorro para determinar o progresso das aprendizagens dos meus alunos,
são as grelhas de avaliação intermédia do projeto (...)
A este propósito, a tutora questiona:
Tutora B: Consideramos a metodologia projetual como instrumento de avaliação alternativa?
No corpo do trabalho não são feitas referências às etapas, como é realizado e apresentado
o projeto, nem em que consiste esta metodologia... dando grande relevância às grelhas de
avaliação.
Professora: De facto, os professores de ET trabalham por projetos (há um livro editado pela
UAb dedicado a esta área, onde se explica e fundamenta esta metodologia). Julgo que se
deve aceitar uma vez que a estudante situa as suas opções na disciplina que leciona e parece
que as fundamenta.
Tutor C: Caso queira consultar o excelente livro a que a Professora aludiu, ele encontra-se
disponível na biblioteca da UAb. O livro é: Porfírio, M. (1992). Metodologia do Projecto
Tecnológico. Lisboa: Universidade Aberta.
Nestas interacções, a professora parece evidenciar um comportamento interactivo e instrutivo
(Wallace & Panteli, 2016), ou seja, uma liderança mais centralizada, o que é habitual nos programas de pós
graduação, como referem os autores, com os quais o CPS apresenta algumas semelhanças. Com a
intervenção de outros tutores transita-se para uma liderança distribuída (Bennett, Wise, Woods & Harvey,
2003; Bolden, 2002; Oliveira & Courela, 2016; Spillane & Sherer, 2004).

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Ainda relativamente a “Conteúdos - clarificação de conceitos”, uma outra tutora coloca a seguinte
questão:
Tutora D: Uma estudante colocou este post e também eu estou a precisar de ajuda, pois não
conheço nada que possa aconselhar à aluna. O post é o seguinte: Para elaborar,
positivamente, este último trabalho, falarei do instrumento de avaliação que utilizo em sala
de aula: a avaliação prática - o teste prático. Como professora de dança, a minha disciplina
é exclusivamente prática, pelo que considero pertinente que seja este o instrumento de
avaliação selecionado para descrição e apresentação.[…] Tem sido muito difícil encontrar
bibliografia generalizada sobre este instrumento de avaliação, tal como nos foram
apresentados recursos sobre os testes, relatórios e portefólios.[…] Tenho tentado ao nível da
educação física, mas nem sempre a correspondência é tão direta.[…] Tem algum
conselho/orientação que me possa fornecer?
Professora: Interessa esclarecer/tranquilizar a estudante sobre o que se pretende. A análise
reflexiva sobre o teste prático/prova prática utilizado em dança (e, também, em educação
física) tem de basear-se nas perspetivas desenvolvidas nos textos disponibilizados, no
programa das próprias disciplinas (finalidades e objetivos gerais, orientações metodológicas,
...) e na experiência dos próprios docentes.
Este post acaba por suscitar a reflexão por parte da tutora D, graças à qual consegue responder à formanda,
pois coloca o seguinte post de resposta:
Tutora D: Obrigada, Professora […] Entendido!
Esta interação permitiu à tutora responder a uma situação nova, aspeto relevante no seu
desenvolvimento profissional.
No domínio “Avaliação das aprendizagens”, na categoria “Criação de consensos sobre práticas de
avaliação” diversas interacções ilustram a partilha e a negociação que acompanham a elaboração dos
enunciados e a posterior classificação das diversas provas de avaliação. Para a preparação para as provas
finais foram facultados alguns enunciados de anos anteriores e um tutor coloca a seguinte entrada:
Tutor E: Tenho seguido os vários tópicos aqui abordados (…). Contudo, mesmo já tendo
respondido nesta linha de pensamento, alguns estudantes mantêm a dúvida relativamente à
questão 3.2., cujo enunciado é o seguinte: “3.2. Descreva dispositivos que contribuem para
a objetividade da avaliação e que o professor pode criar em colaboração com alunos e
encarregados de educação.”
A este propósito, o tutor coloca vários possíveis indicadores de resposta à consideração da professora, que
responde
Professora: Já outros estudantes colocaram esta pergunta e a resposta deve ser no sentido
que a Questão 3 do p-fólio do ano anterior não pode ser respondida com base nos textos
deste ano. Essa pergunta referia-se ao texto do JP que este ano não foi disponibilizado.
Reforce a mensagem que devem centrar o estudo nos 4 tópicos que estão nas Indicações.
A partilha que caracterizou esta comunidade de prática, durante várias edições do CPS, permitiu que
a professora convidasse os tutores a contribuírem para a elaboração dos enunciados dos instrumentos de
avaliação e respetivos critérios de avaliação. A respeito da elaboração do enunciado de uma das provas, por
uma das tutoras, registaram-se 15 posts. Os critérios de avaliação foram propostos pela professora e
discutidos e alterados pela equipa docente, tendo sido registadas 13 participações.
A elaboração dos instrumentos de avaliação e a sua posterior avaliação são práticas complexas, que
envolvem a negociação entre os participantes, correspondendo a empreendimentos conjuntos da comunidade
de aprendizagem (Wenger, McDermont & Snyder, 2002). Observamos o fortalecimento dos laços
sociocognitivos e emocionais entre os participantes, como evidenciam as interações registadas no domínio
“Comunicação” na categoria “Acontecimentos festivos/ outros”, como a marcação de encontros presenciais
para o conhecimento mútuo e o convívio, como é expectável nas comunidades de prática (Gaspar, Oliveira &
Béhar, 2012; Wenger, McDermont & Snyder, 2002).

565
A Escola: Dinâmicas e Atores

A tutoria desta unidade curricular exigiu a mobilização e o desenvolvimento de competências de


natureza tecnológica, colaborativa e reflexiva elaboradas o que constitui uma inegável oportunidade para o
desenvolvimento profissional dos participantes. Para além do aprofundamento de conhecimentos sobre a
avaliação em educação e o desenvolvimento de competências de reflexão e colaborativas foi desenvolvida,
por alguns participantes desta comunidade de aprendizagem, investigação sobre processos de tutoria que
originou a publicação de artigos. Em conversas informais com diversos tutores temos recolhido evidências
empíricas que apontam para a transição destas competências para outros cenários profissionais,
designadamente para o desempenho de cargos nas escolas, para o início de programas doutorais e exercício
de funções como formadores, em centros de formação de professores e em cursos da Unidade de
Aprendizagem ao Longo da Vida, da UAb.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criação de uma comunidade virtual de prática focada na tutoria de uma unidade curricular pode
permitir a emergência de práticas, ancoradas em ferramentas e artefactos, que deles se apropriam
participando ativamente, não só na sua utilização na gestão pedagógica de cada unidade curricular, mas
também na sua construção. A circunstância de a professora assumir esta distribuição de poder pela equipa
constitui uma condição facilitadora para a emergência de uma liderança distribuída pelos diferentes membros
da equipa docente. Em diversas situações as questões suscitadas pela prática possibilitam que um tutor
assuma a liderança da equipa, que sugira possíveis decisões quanto a esse aspeto específico, como é próprio
deste tipo de liderança (Spillane, 2005). A liderança distribuída predomina nesta comunidade de prática o que
não invalida que, em determinados momentos, a professora chame a si a responsabilidade da decisão e
oriente os tutores a propósito dos esclarecimentos conceptuais a fornecer aos formandos. Tal prática justifica-
se pela existência de um currículo comum a todas as classes virtuais, cujo desenvolvimento é necessário
assegurar.
A manutenção e fortalecimento desta comunidade ao longo de diversas edições do curso em questão
revela a sua importância para os participantes, provavelmente porque é reconhecida como uma oportunidade
ímpar para o seu desenvolvimento profissional.

REFERÊNCIAS
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568
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

POR UM CURRÍCULO FEMINISTA: A JUSTIÇA CURRICULAR E A POSSIBILIDADE


DE UMA NOVA ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA
[ID 121]

Priscila Aparecida Silva Cruz


Lucélia Tavares Guimarães
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
priscilaascruz@gmail.com; luguimaraes@uems.br

Resumo
O currículo tradicional, calcado em perspectivas hegemônicas, que atendem a manutenção de valores
machistas, eurocêntricos, tradicionais e religiosos, em seu maior grau de complexidade colabora, tanto
diretamente quanto indiretamente, para que aconteçam as efetivações dos controles de dominação da mulher
pelo homem, uma vez que este é elaborado, desde a modernidade, com intuito de atender um padrão social
a serviço de uma escolarização falocêntrica e patriarcal. Os discursos cristalizados no currículo falocêntrico
possibilitam que as identidades de gênero sejam fixadas conforme o projeto político, cultural e ético do
patriarcalismo dominante. O gênero é o elemento constitutivo das relações sociais fundadas nas diferenças
percebidas entre os sexos, sendo o modo primário de significar relações de poder. A abordagem das questões
educacionais, produzidas majoritamente por homens, são masculinas e o currículo falocêntrico atua como
legitimador e construtor de diferenciações sociais de gênero, levando a da manutenção de valores machistas
na escolarização e impossibilitando a inclusão de perspectivas feministas nessa. O currículo é uma arena de
conflitos e como espaço institucionalizado precisa se assumir enquanto produtor e cristalizador de violências
e desigualdades e promover situações de discussão sobre essas. Iremos tratar da urgência de efetivarmos
uma educação igual, feminista, que convide a uma nova estética da existência, que estranhe as
normatizações na construção de gênero e recuse aceitar o silenciamento dos que não estão representados
no currículo e promova a justiça curricular.

Palavras-chave: Gênero, Desigualdades, Experiências, Normatizações.

Résumé
Le programme traditionnel, fondé sur les perspectives hégémoniques qui répondent aux valeurs chauvines de
maintenance, eurocentriques, traditionnels et religieux dans son degré de complexité plus élevé contribue à
la fois directement et indirectement, pour que cela se produise les fonctionnements de la domination du
contrôle des femmes par l'homme, car il est établi de la modernité, afin de répondre à une norme sociale au
service d'un phallocentrique, la scolarisation patriarcale. Les discours cristallisés dans les programmes
phallogocentrique permettent des identités de genre sont établies en tant que projet politique, le patriarcat
dominant culturel et éthique. Le genre est un élément constitutif des rapports sociaux fondés sur des
différences perçues entre les sexes, étant le principal moyen de signifier les relations de pouvoir. L'approche
des questions éducatives, majoritamente produites par des hommes sont des actes pédagogiques masculins
et phallogocentriques comme légitimant et différenciations sociales entre les sexes constructeur, conduisant
à la préservation des valeurs sexistes dans l'éducation et la prévention de l'inclusion des perspectives
féministes sur cette question. Le programme est une arène de conflits et comme un espace institutionnalisé
doit être assumée en tant que producteur et cristallisateur de la violence et les inégalités et de promouvoir la
discussion sur ces situations. Nous allons aborder les efetivarmos urgentes une éducation égale, féministe,
d'inviter la nouvelle esthétique de l'existence, ce qui étrange les normes sur la construction du genre et refuse
d'accepter le silence de ceux qui ne sont pas représentés dans le programme et promouvoir la justice
curriculaire.

Mots-clés: Sexe, Inégalités, Des expériences, Normalisations.

INTRODUÇÃO
O artigo busca problematizar, no currículo escolar, a ética e a estética da existência no processo de
produção de subjetividade, ou seja, o modo como o indivíduo se constitui a si mesmo como sujeito de suas

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A Escola: Dinâmicas e Atores

próprias ações e em sua relação com o outro. Iremos tratar da urgência de efetivarmos uma educação igual,
feminista, que convide a uma nova estética da existência, que estranhe as normatizações na construção de
gênero e recuse aceitar o silenciamento dos que não estão representados no currículo e promova a justiça
curricular.
Com isso, acreditamos que será possível aprimorar as discussões acerca da necessidade da
construção de uma nova estética da existência, propondo a invenção de novos modos de vida, abrindo
possibilidades para a fluidez e multiplicidade das identidades de gênero, para novas experiências afetivas e
sociais.
Por meio de levantamento bibliográfico acerca do papel do currículo na formação humana e como
instrumento de luta por igualdade de gênero, iremos tratar da urgência de efetivarmos uma educação igual,
feminista, que convide a uma nova estética da existência, que estranhe as normatizações na construção de
gênero e recuse aceitar o silenciamento dos que não estão representados no currículo e promova a justiça
curricular, buscando problematizar, no currículo escolar, a ética e a estética da existência no processo de
produção de subjetividade, ou seja, o modo como o indivíduo se constitui a si mesmo como sujeito de suas
próprias ações e em sua relação com o outro.

O PAPEL DO CURRÍCULO NA CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE DO SUJEITO


MODERNO
Teorizar acerca do currículo é considerar a necessidade de situá-lo nas mais diversas relações
sociais, pensando com trama cultural, política, social e escolar, carregados de intencionalidades que
expressam as lutas de poder em que está inserido. Herdeiro de uma herança cartesiana, mecanicista e
reguladora, o currículo é um importante mecanismo de controle na constituição da Sociedade Moderna, pois
ele, apoiado em outras práticas institucionais, permitiu a regulamentação e normalização dos corpos, por meio
de mecanismos de controle e disciplina constante nesses. “O nexo íntimo e estreito entre educação e
identidade social, entre escolarização e subjetividade, é assegurado precisamente pelas experiências
cognitivas e afetivas corporificadas no currículo”. (Silva, 1995, p.184)
Enlaçado aos regimes de poder, o currículo com seu potencial criador, constrói e transmite discursos
de ação, através da construção de “regimes de verdade”, consolidando conhecimentos individuais e coletivos.
É pelo currículo que serão sancionadas algumas normas e práticas de disciplinamento, consequentemente
de produção do sujeito moderno.
A história do sujeito, como ser-para-si, é a história das tecnologias que produzem a
experiência de si. E estas, por sua vez, não podem ser analisadas sem relação com um
domínio de saberes e com um conjunto de práticas normativas: “A experiência de si seria,
então, a correlação, em um corte espaço-temporal concreto, entre domínios de saber, tipos
de normatividade e formas de subjetivação. É uma correlação desse tipo que se estabelece
na estrutura e funcionamento de um dispositivo pedagógico (Larrosa, 1994, pp.56-57).
O currículo existe na composição da instituição disciplinar chamada escola, nele irão ser
corporificadas a organização de conhecimentos pela qual o sujeito irá regular a si e o outro, como membros
institucionalizados.

570
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

[...] a escola encarregou-se de operar as individualidades disciplinares, engendrando novas


subjetividades e, com isso, cumpriu um papel decisivo na constituição da sociedade moderna.
A escola “foi sendo montada como a grande – e (mais recentemente) a mais ampla e
universal – máquina capaz de fazer, dos corpos, o objeto do poder disciplinar; e assim, torná-
los”; além do mais, a escola é, depois da família (mas, muitas vezes, antes dessa), a
instituição de seqüestro pela qual todos passam (ou deveriam passar...) maior tempo de suas
vidas, no período da infância e da juventude. Na medida em que a permanência na escola é
diária e se estende ao longo de vários anos, os efeitos desse processo disciplinar são
notáveis. Foi a partir daí que se estabeleceu um tipo muito especial de sociedade, a qual
Foucault adjetivou de sociedade disciplinar (Veiga-Neto, 2005, p.84).
A educação formal passou a ser condição para o sujeito penetrar na ordem do discurso da
Modernidade, sendo essa compreendida como o conjunto de práticas discursivas e não discursivas que busca
a constituição do sujeito, sendo o aparelho pelo qual o sujeito pode ter acesso aos discursos historicamente
produzidos pela humanidade. Sendo assim, “[...] Todo sistema de educação é uma maneira política de manter
ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”
(Foucault, 1999, p.44).
Currículo é uma construção social, que entrecruza práticas que poderão ser entendidas num processo
complexo que envolve fases que perpassam o as esferas econômicas, culturais, sociais, políticas,
administrativa e dos condicionamentos escolares.
[...] o currículo é uma coleção de sistemas de pensamento que incorporam regras e padrões
através dos quais a razão e a individualidade são construídas. As regras e padrões produzem
tecnologias sociais cujas consequências são regulatórias. A regulação envolve não apenas
aquilo que é cognitivamente compreendido, mas também como a cognição produz
sensibilidades, disposições e consciências no mundo social (Popkewitz, 2011, p.193).
Se entendermos a cultura e o currículo como práticas de significação, estas só podem ser
compreendidas no interior das relações sociais, pois é a partir da identidade dessas relações que atribuímos
significados e sentidos. Por isso, tal produção não é pura, desinteressada, verdadeira, mas sim trata-se de
uma luta contestada, disputada, conflitiva, por hegemonia, por predomínio.
A educação, a escola, o currículo estão, naturalmente, no centro desses processos. A escola,
histórica e tradicionalmente, tem sido vista como cumprindo uma tarefa de homogeneização
social e cultural. O currículo- como corporificação de um suposto conjunto de valores,
conhecimento e práticas culturais- tem um papel crucial nesse processo. A escola e o
currículo têm sido vistos- e têm realmente cumprido- a tarefa de incorporação de grupos
culturais diversas ao suposto núcleo cultural comum de uma nação. Educar é, nessa
perspectiva, basicamente um processo de incorporação cultural (Silva, 1995, p.195).
Com o advento da pedagogia feminista, as teorias pós estruturalistas tiveram grande relevância ao
expandir as noções acerca de dominação e o construto ideológico, ampliando a noção de poder e fornecendo
uma noção complexa de como esse é exercido e manifestado na sociedade, posteriormente ampliando suas
análises, passando a considerar as categorias como raça, gênero e etnia. O descentramento do sujeito
possibilitou pensar as formas pelas quais as experiências são constituídas e vivenciadas, construindo a
identidade dos sujeitos, nesse sentido as relações de gênero é um dos principais enfoques dessa teoria,
sendo que o feminismo aparece para questionar a hegemonia da cultura patriarcal na produção do
conhecimento.
Expressando-se de formas diversas, por vezes aparentemente independentes, feministas e
pós- estruturalistas compartilham das críticas aos sistemas explicativos globais da sociedade;
apontam limitações ou incompletudes nas formas de organização e de compreensão do
social abraçadas pelas esquerdas; problematizam os modos convencionais de produção e
divulgação do que é admitido como ciência; questionam a concepção de um poder central e
unificado regendo o todo social (Louro, 2008, p.29).
Silva aponta que “as linhas do poder da sociedade estão estruturadas não apenas no capitalismo,
mas também pelo patriarcado” (Silva, 2015, p.91). A desigualdade entre homens e mulheres é confirmada na

571
A Escola: Dinâmicas e Atores

educação e no currículo, a hegemonia curricular visa construir identidades masculinas para controle e
dominação, gerando hierarquias nos espaços de formação dos sujeitos sociais e com isso, as tensões. O
currículo valorizava aspectos da vida que diziam respeito as experiências e interesses masculinos, como
valorizava a separação entre sujeitos, o domínio e o controle, a racionalidade e a lógica, a ciência e a técnica,
o individualismo e a competição, sendo o objetivo do feminismo ao indagar esses interesses o de promover
um currículo que considerassem as experiências e conhecimentos femininos em sua formulação.
O interesse era que houvesse o equilíbrio de todos os interesses e particularidades, incluindo valores
femininos, como importância das ligações sociais, intuição, artes e estética, comunitarismo e cooperação, no
currículo. As questões raciais e étnicas também começaram a fazer parte das teorias pós-críticas do currículo,
tendo sido percebida a problemática da identidade étnica e racial. Quando o currículo transmite valores
hegemônicos da classe dominante, as formas de construção e transmissão do conhecimento irá prestigiar
esses, suscitando um poderoso elemento de dominação. Diante da inseparável relação entre poder e saber,
o currículo materializa o conhecimento para que os indivíduos sejam regulamentados e disciplinarizados, para
atenderem aos valores de uma sociedade. “A imposição não é feita através da força bruta, mas através da
inscrição de sistemas simbólicos de acordo com os quais a pessoa deve interpretar e organizar o mundo e
nele agir” (Popkewitz, 2011, p.186).
Atuando como mecanismo disciplinar, o currículo constitui-se como instrumento normalizador, que
usa ferramentas de distinção e identificação destinadas à constituição de sujeitos.
[...] A ordenação, o disciplinamento e a regulação através das regras discursivas tornam-se
centralmente importantes na medida em que o processo de escolarização regula o
conhecimento do mundo e do ‘eu’ através de seus padrões de seleção, organização e
avaliação curricular (Popkewitz, 2011, p.183).
Sendo fruto de construções históricas, a formulação das intencionalidades da cultura curricularizada
está em contínuo processo de constituição, dessa forma, os significados e as intencionalidades são
constantemente reformulados e desconstruídos pelas práticas discursivas, sendo que
[...] uma prática discursiva não é um ato de fala, não é uma ação concreta e individual de
pronunciar discursos, mas é todo conjunto de enunciados que ‘formam o substrato inteligível
para as ações, graças ao seu caráter de judicativo e ‘veridicativo’’. Isso equivale dizer que as
práticas discursivas moldam nossas maneiras de constituir o mundo, de compreendê-lo e de
falar sobre ele (Veiga-Neto, 2007, p.93).
O currículo torna-se, assim, um dispositivo pedagógico, influenciando na mudança de racionalidade
que se constrói nas práticas e relações sociais. Um dispositivo pedagógico será, então, qualquer lugar no
qual se constitui ou se transforma a experiência de si. Qualquer lugar no qual se aprendem ou se modificam
as relações que o sujeito estabelece consigo mesmo. Logo, o currículo em seu maior grau de complexidade
colabora, tanto diretamente quanto indiretamente, para que aconteçam as efetivações dos controles de
dominação discursivas e não- discursivas.
[...] o currículo é uma coleção de sistemas de pensamento que incorporam regras e padrões
através dos quais a razão e a individualidade são construídas. As regras e padrões possuem
tecnologias sociais cujas consequências são regulatórias (Popkewitz, 2011, p.186).
O currículo está vinculado informações acerca de qual conhecimento é validado e qual ser humano
pretende constituir. Interrogá-lo implica questionar sua condição de transmissor de conhecimento e como
prática social corporificada de produção de sujeitos.

572
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CURRÍCULO, RELAÇÕES DE GÊNERO E A POSSIBILIDADE SUPERAR SUA AMARRAS


EXCLUDENTES
No final do século passado o mundo vivia a tensão e os progressos causados pela Guerra Fria, as
lutas por direitos humanos e contra a discriminação impulsionaram a luta de diversos grupos por maior
visibilidade social. No ocidente, o movimento feminista ganhou fôlego, e por meio das lutas desse as mulheres
conquistaram direitos negados ao logo da história.
Na virada do século, as manifestações contra a discriminação feminina adquiriram visibilidade
e uma expressividade maior no chamado ‘sufragismo’, ou seja, no movimento voltado para
estender o direito do voto às mulheres. Com uma amplitude inusitada, alastrando-se por
vários países ocidentais (ainda que com força e resultados desiguais), o sufragismo passou
a ser reconhecido, posteriormente, como a ‘primeira onda’ do feminismo (Louro, 2008, p.15).
A primeira onda do feminismo possibilitou que a mulher ocupasse um lugar primordial nas
reivindicações acerca da organização da família, acesso ao ensino formal e ingresso a algumas profissões.
No desdobramento do movimento, na segunda onda, que o feminismo, para além das preocupações sociais
e políticas, irá se preocupar em elaborar teorias, sendo engendrado o conceito de gênero. Tratava-se de
colocar em evidência as condições hierárquicas que omitiram a mulher da história, problematizando “os
modos convencionais de produção e divulgação do que é admitido como ciência; questionam a concepção
de um poder central e unificado regendo o todo social (Louro, 2008, p.29)
O objetivo era sair da invisibilidade a partir das denúncias acerca da condição da mulher, nesse
processo, a própria ciência passa a ser questionada, isso porque essa estava impregnada de valores
machistas e portanto não era capaz de responder as indagações feitas pelo movimento feminista acerca da
situação das mulheres na sociedade.
A crítica consistia no modo como o conhecimento era produzido, pois esse era pautado na
centralidade do homem.O projeto científico da modernidade, corporificado no currículo, foi construído para
educar o sujeito cartesiano, que é homem, branco, europeu.
Na verdade, há uma ciência que ganhou legitimidade e universalidade. Esta ciência, escrita
com maiúsculas, fala por todos e de todos, já que foi pensada, conduzida e instituída a partir
dos interesses e das questões daqueles cujas vozes pretenderam (e pretendem) representar
toda a humanidade. Mas esta Ciência também foi feita- é indispensável reconhecer isso- por
um grupo ou uma parte da humanidade. Ela foi feita pelos homens- os homens brancos
ocidentais da classe dominante- os quais, supostamente, fizeram as perguntas e deram as
respostas que interessavam a todas as pessoas. Possuidores de alguma capacidade
‘extraordinária’, eles sempre ‘souberam’ o que era importante em geral (Louro, 2008, p.143).
Nesse sentido, o conceito gênero passa a servir como ferramenta analítica e política, sendo esse
definido por Scott (1990, p.21) como elemento constitutivo das relações sociais fundadas nas diferenças
percebidas entre os sexos, sendo o modo primário de significar relações de poder, rejeitando o caráter fixo e
imutável das oposições binárias, negando a naturalização das desigualdades.
A compreensão das relações de gênero implica que sejam entendidas como uma construção social
baseada na diferenciação biológica dos sexos, expressa através de relações de poder e subordinação,
representada pela discriminação de funções, atividades, normas e condutas esperadas para homens e
mulheres em cada sociedade. O processo de construção das diferenças vai além dos papeis e funções sociais
atribuídos a cada um, mas deve-se considerar como as instituições indicam como a feminilidade e
masculinidade deve ser vivida, promovendo reflexões sobre a condição social de ser homem e mulher, a partir
da noção de que o processo de constituição desse sujeito se dá por meio de relações de poder.

573
A Escola: Dinâmicas e Atores

Através de processos culturais, definimos o que é - ou não - natural; produzimos e


transformamos a natureza e a biologia e, consequentemente, as tornamos históricas. Os
corpos ganham sentido socialmente. A inscrição dos gêneros - feminino ou masculino- nos
corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas
dessa cultura. As possibilidades da sexualidade - das formas de expressar os desejos e
prazeres - também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de
gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são
moldadas pelas redes de poder de uma sociedade (Louro, 2008, p.6).
O currículo colocará em prática conhecimentos que moldarão comportamentos diversos e que será
moldado por esses. A socialização e o projeto cultural do currículo se darão através dos conteúdos e formas
presentes nesses e as práticas que irão permeá-lo. Descontruindo ou mantendo os discursos normativos que
estabelecem as condições de ser homem e mulher na sociedade, o discurso contido no currículo é capaz de
construir identidades como se dará a construção do gênero no sujeito, construindo sua identidade, “a
pretensão é, então, entender o gênero como constituinte da identidade dos sujeitos. Os valores contidos
nesse não só constroem estereótipos de gênero, mas a forma de se pensar enquanto gênero, ou seja, as “[...]
formas de conhecer, ensinar ou aprender são problematizadas como expressando de forma privilegiada a
experiência e perspectiva masculinas. O conhecimento é masculino. O currículo é masculino”. (Silva, 1995,
p.189)
Tendo isso, é possível rejeitar os discursos sobre a construção de gênero e sexualidade como algo
biológico, e compreender que essas formas discursivas são construídas para atender o interesse de
determinado seguimento em determinado local. Desse modo, o
[...] falocentrismo do currículo tem implicações não apenas para a formação da identidade
feminina, como também, é evidente, para a produção da identidade masculina. Ao fixá-las às
subjetividades que lhe foram atribuídas pelo patriarcalismo dominante, um currículo
masculinamente organizado contribui, centralmente, para reproduzir e reforçar o domínio
masculino sobre as mulheres (Silva, 1995, p.189).
Sendo assim, importa a compreensão de como as diferenças e desigualdades de gênero e
sexualidade são produzidas dentro dos processos sociais e quais as condições de surgimento dos discursos
que legitimam esses processos de diferenciações. Cada sociedade constrói os critérios que resultam na
construção social das relações de gênero e sexualidade, sendo articulada pelas relações de poder impostas
em dado período. Com Foucault (2003), compreendemos que a sexualidade é uma construção histórica e
social, estando intrinsicamente relacionada as formas culturais de como a sociedade é constituída e
organizada, sendo um dispositivo histórico.
Nessa perspectiva admite-se que as diferentes instituições e práticas sociais são constituídas
pelos gêneros e são, também, constituintes dos gêneros. Estas práticas e instituições
‘fabricam’ os sujeitos. Busca-se compreender que a justiça, a igreja, as praticas educativas
ou de governo, a politica, etc. são atravessadas pelos gêneros: essas instâncias, práticas ou
espaços sociais são ‘generificados’- produzem-se, ou ‘engendram-se’, a partir das relações
de gênero (mas não apenas a partir dessas relações, e sim, também, das relações de classe,
étnicas, etc.) (Louro, 1997, p.25).
Em contramão do currículo masculino temos a possiblidade da constituição do currículo feminista,
que pressupõe uma estética da existência baseada no cuidado de si e no cuidado do outro (Foucault, 2006).
O currículo feminista deve pautar-se na questão da diferença, saindo da busca pela normalização dos sujeitos.
Isso porque no currículo também existe a possibilidade de movimento, pois está em continuo processo de
constituição, com seu potencial criador, possibilita que o sujeito tome conhecimento da condição de produção
discursiva que molda sua subjetividade, e quando isso ocorre, esse pode passar a exercer liberdade sobre
seu modo de ser e pensar, resistindo aos efeitos do currículo, tendo consciência do jogo de ideologias que
perpassam as instituições. Nesse sentido,

574
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A educação pode muito bem ser, de direito, o instrumento graças ao qual todo o indivíduo,
numa sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso; sabemos no
entanto que, na sua distribuição, naquilo que permite e naquilo que impede, ela segue as
linhas que são marcadas pelas distâncias, pelas oposições e pelas lutas sociais. Todo o
sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos
discursos, com os saberes e os poderes que estes trazem consigo (Foucault, 1999, p.12).
Foucault (2006, p.14) nos traz noções que possibilitam pensar o currículo como espaço de emersão
de uma nova estética da existencia, pautada no cuidado de si (epiméleia heautoû), que repensa a atitude do
consigo para com o outro.
A subversão que essas incorporações e, principalmente, que os questionamentos feministas
vão trazer para o pensamento terá como resultado uma transformação epistemológica, uma
transformação no modo de construção, na agência e nos domínios do conhecimento. (...) Na
verdade, isso ocorre fundamentalmente porque ele redefine o político, sugerindo mudanças
na sua natureza. Se “o pessoal é político”, como expressa um dos mais importantes insights
do pensamento feminista, então se compreenderá de um modo novo as relações entre a
subjetividade e a sociedade entre os sujeitos e as instituições sociais (Louro, 2008, p.148).
O cuidado de si necessita da presença e da intervenção do outro e da prática de si consigo mesmo.
Prática de si que é também prática política, isso porque “a estética da existência, na medida em que ela é
uma prática ética de produção de subjetividade, é, ao mesmo tempo, assujeitada e resistente: é, portanto, um
gesto eminentemente político” (Revel, 2005, p.44). Quando há a responsabilidade de cuidar de si e do outro,
existirá uma nova prática curricular, capaz de promover uma nova estética da existência, que estranhe as
normatizações na construção de gênero e recuse aceitar o silenciamento dos que não estão representados
no currículo e promova a justiça curricular e possibilite uma vida criativa e inventiva, em que haja
experimentação de novas formas de afetos.

CONCLUSÃO
O currículo, como campo de produção de saber pode ser um mecanismo de luta, que pode promover
a intervenção cultural no processo de produção de identidades, podendo contribuir na ampliação do
enfrentamento crítico, nas questões cotidianas que envolvem as desigualdades. Com seu potencial de revolta,
o educador tem a tarefa de problematizar os modos de produção de ciência, questionar quais os poderes
expressos nesse, proporcionar um debate critico acerca do conhecimento que está sendo transmitido,
demonstrando quais grupos estão silenciados por esse. É urgente que sejam pensadas e colocadas em
práticas outras formas de proporcionar a igualdade entre as diferenças no currículo, isso permitirá que a
educação subverta e conteste os valores excludentes corporificados no currículo, promovendo um currículo
feminista, talvez o único com valores capazes de promover uma nova estética da existência.
Os discursos produzidos no currículo para o processo de escolarização normalizam não apenas a
forma comportamental e distinta como uma menina e o menino devem agir, também implica regular as
emoções e afetos que esses podem sentir. “Aquilo que está escrito no currículo não é apenas informação- a
organização do conhecimento corporifica formas particulares de agir, sentir, falar e ‘ver’ o mundo e o ‘eu’”.
(Popkewitz, 2011, p.174).
É preciso que educadores estejam atentos as dinâmicas de poder produzidas no currículo,
observando as lutas em torno de sua construção, para entenderem que o processo de subjetivação do sujeito
não é desinteressado, inevitável, natural e instável, mas produto da construção social e histórica
proporcionado também pelo currículo.

575
A Escola: Dinâmicas e Atores

REFERÊNCIAS
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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

MEMÓRIAS DE PROFESSORES E O TRABALHO DO TEMPO PRESENTE


[ID 117]

Charles Moreira Cunha


Universidade Federal de Minas Gerais
charlescunha@hotmail.com

Resumo
A pesquisa analisou as lembranças de professores/as sobre suas vidas nas escolas onde foram crianças,
adolescentes e jovens alunos e alunas, posto que as mesmas, hoje guardadas em suas memórias,
apresentam-se e perpassam suas formas de ser e de exercer a docência. Escolhemos 15 professores do
Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas de cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte. As
entrevistas ocorreram nos anos de 2007, 2008 e 2009, permitiram que esses profissionais buscassem suas
lembranças de seus tempos pretéritos na escola.
Como referenciais teóricos, entre outros autores, Maurice Halbwachs e Walter Benjamim, discutem os
conceitos de memória e experiência. Suas reflexões nos permitem considerar, que em cada tempo os
humanos encontram possibilidades de releitura e reconvocação das experiências vividas, e esse lembrar é
mais ou menos associado aos acontecimentos aqui e agora.
A investigação escutou tais recordações, por meio da realização de quinze entrevistas narrativas individuais,
de uma entrevista coletiva com quatro professoras, gravada, e da escrita de uma professora. Mediante tais
procedimentos metodológicos e com um aporte qualitativo, sem qualquer pretensão de generalização ou de
representatividade numérica, buscamos desvelar o que foi significativo em suas vidas de crianças,
adolescentes e jovens alunos e alunas. Por este caminho, no trabalho vivo com a memória, encontramos
suas lembranças relativas às imagens, relações e convivências que tiveram com seus ex-professores e
colegas de escola inscritos no contexto da arquitetura, dos lugares, dos fazeres, dos rituais e objetos que
constituem o cotidiano e a cultura da escola e da sala de aula, entre outras de suas pretéritas vivências
discentes, costuradas de afetos e sentimentos vários. Ora recordados como alegria e prazer, ora como
dificuldades e pequenos sofrimentos, inscritos nos momentos e experiências revividos nas lembranças.
Orientados pelos princípios teórico-metodológicos da pesquisa qualitativa e da História Oral, em particular, o
estudo procura compreender o que tais lembranças representam e a sua importância nas experiências desses
professores no presente, entendendo que o presente as convoca, ressignifica e atualiza.
As narrativas dos professores investigados se remetem às décadas de 50 a 90, permitindo observar nas
relações entre os docentes e discentes de então, mudanças nas práticas pedagógicas e condutas docentes
em sala de aula, se comparadas ao presente.

Palavras chave: Escola, Memória, Docência, Experiência.

Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.


Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
Álvaro de Campos
O trabalho docente, seu exercício diário, guarda em cada instante, um patrimônio que em parte, não
reflete as normatizações da profissão, sejam elas definidoras de tempos, procedimentos, recursos materiais,
valores éticos e também salariais da política educacional. O patrimônio de que trato constitui-se das
experiências vividas que se fizeram memórias, essas construídas ao longo de anos, na vida de estudantes
que se tornaram professores, e que do presente, com todas as demandas e desafios, compõem o sentir e o
fazer da profissão. Há um diálogo perene, e em parte, segredado, entre o passado e o presente no exercício
da profissão docente. As narrativas dos professores, nos contam como do presente, convocamos ao trabalho
nossas memórias.
Analisamos as lembranças de professores/as sobre suas vidas nas escolas onde foram crianças,
adolescentes e jovens alunos e alunas, uma vez que as mesmas, hoje guardadas em suas memórias,
apresentam-se e perpassam suas formas de ser e de exercer a docência. Escolhemos 15 professores do

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas de cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte. As
entrevistas ocorreram nos anos de 2007, 2008 e 2009.
Como referenciais teóricos, entre outros autores, Maurice Halbwachs e Walter Benjamim, discutem
os conceitos de memória e experiência. Suas reflexões nos permitem considerar, que em cada tempo os
humanos encontram possibilidades de releitura e reconvocação das experiências vividas, e esse lembrar é
mais ou menos associado aos acontecimentos aqui e agora.
A investigação escutou tais recordações, por meio da realização de entrevistas narrativas individuais,
de uma entrevista coletiva com quatro professoras, gravada, e da escrita de uma professora. Mediante tais
procedimentos metodológicos e com um aporte qualitativo, sem qualquer pretensão de generalização ou de
representatividade numérica, buscamos desvelar o que foi significativo em suas vidas de crianças,
adolescentes e jovens alunos e alunas. Por este caminho, no trabalho vivo com a memória, encontramos
suas lembranças relativas às imagens, relações e convivências que tiveram com seus ex-professores e
colegas de escola inscritos no contexto da arquitetura, dos lugares, dos fazeres, dos rituais e objetos que
constituem o cotidiano e a cultura da escola e da sala de aula, entre outras de suas pretéritas vivências
discentes, costuradas de afetos e sentimentos vários. Ora recordados como alegria e prazer, ora como
dificuldades e pequenos sofrimentos, inscritos nos momentos e experiências revividos nas lembranças.
Orientados pelos princípios teórico-metodológicos da pesquisa qualitativa e da História Oral, em particular, o
estudo procura compreender o que tais lembranças representam e a sua importância nas experiências desses
professores no presente, entendendo que o presente as convoca, ressignifica e atualiza.
As narrativas dos professores investigados se remetem às décadas de 50 a 90, permitindo observar
nas relações entre os docentes e discentes de então, algumas mudanças nas práticas pedagógicas e
condutas docentes em sala de aula, se confrontadas a partir do tempo presente.

DIÁLOGOS ENTRE O PRESENTE E AS MEMÓRIAS DE PROFESSORES


A fonte oral, como nos diz Bosi (2003) em “O tempo vivo da memória – ensaios de psicologia social”
(p.20), sugere mais que afirma, caminha em curvas e desvios obrigando a uma interpretação sutil e rigorosa.
E assim é que escutamos as narrativas sobre os processos que construíram as memórias que investigamos.
Um desafio ao se trabalhar com a fonte oral, constitui-se pelo fato de lembramos a partir do presente, e esse,
por sua vez, apresenta-se também difuso, complexo, diverso e que por essas facetas, nos colocam em um
diálogo tenso e denso com o mundo que sentimos e conhecemos. A profissão docente, em seu cotidiano,
constitui-se em entre-tempos, passado e presente, numa trama não linear, mas complexa, difícil de
dissecação, digo, numa trama rizomática como na tese Deleuzeana, num labirinto sem começo, meio e fim,
sem o fio de Ariadne, que permite-nos saber com segurança por ande andamos, por onde voltamos. Investigar
o presente, escutando e caminhando pelos caminhos das memórias, nos revelam essa bela complexidade,
entre tempos, espaços, afetos, desafetos e processos formativos os mais diversos. Afinal, somos resultado
de tudo que vivemos individual e coletivamente.
Lembrar, a nosso ver, tem a função de, a partir do presente, evidenciar e produzir reverberações nos
gestos, palavras, ideais, conflitos, tensionamentos entre outras facetas da vida social. Em cada uma destas
dimensões evocadas encontram-se lembranças e esperanças de histórias ainda subterrâneas.
Escutar as lembranças de professores em exercício possibilitou-nos saber sobre como esses
narradores que não deixaram a sala de aula, mas mudaram de lugar dentro dela, construíram, em parte, o

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

que hoje são como professores. Buscamos saber sobre suas experiências, o que os tocou, os formou, seja
por meio das imagens que hoje são externadas de antigos/as professores/as, de traços e marcas
inesquecíveis, descobertas, afetos, desafetos, grupos de amigos e amigas, seus corpos, valores,
sentimentos, de aulas e dos espaços escolares, uniformes, castigos. Enfim, são esses os elementos que nos
debruçamos, primeiramente na escuta, posteriormente organização de categorias e escrita, comentada e
dialogada com as teorias pertinentes.
O corte geracional permitiu-nos olhar primeiramente de maneira fragmentada e também poder
descobrir pontos de contato entre os acontecimentos lembrados ou distintos. A instituição escola se
apresentou por meio de suas normas e regulações, os rituais, os papéis de professor/a e estudante, valores
e também o fugidio, contraditório e o devir estiveram anunciados de maneira sintética ou em prolongamentos
de narrativas vivas no presente.

Vejamos a seguir uma seqüência de narrativas


Que tudo que você passou na vida, para esse lugar do professor é importante ter percorrido
esse caminho, como eu percorri. Eu acho que ele me sustenta. Ele me sustenta bastante. É
claro que a memória é importante para você ter um sentimento de empatia, você tem que ter
vivido aquilo. Você colocar no lugar no outro, é bastante complicado. A não ser se você tem
uma sensibilidade muito aguçada. E tendo vivido aquilo é muito mais fácil. (Professora Maria
Helisa - 54 anos)
A primeira escola minha foi uma escola [...] escola Sarah Kubitschek. Que a gente pegava o
uniformezinho azul e foi da época do Juscelino Kubitschek, eram das poucas escolas assim.
E era um local pequeno, sala de aula pequena, e geralmente era assim, nas periferias, nas
vilas mais afastadas... então era aquela meninada, né? E a professora era uma Deusa, né?
Uma mãe para a gente. O que ela falasse era lei. Então, eu lembro da professora Nilse, era
um professora negra, muito exigente, sabe? Ela dava reguada na gente e quando ela falava
todo mundo parava, sabe? E tudo era na base da fala, aquela[...] tinha que obedecer
cegamente. (Professor Tobias - 60 anos)
As formas deles trabalharem acabam influenciando no nosso trabalho. Nossa, eu falo isso
porque fulano falou isso. Eu ajo assim, porque eu acho que eu gostava de quando meu
professor agia assim. Eu costumo dizer assim, “Gente, isso é mamão com açucar”. Aí, eu
penso, eu falo isso porque Zé Renato falava isso todas as aulas, né? O meu professor de
cálculo. Ele falava assim, “O gente, isso é mamão com açucar ces vão fazer isso com o olho
fechado”. Então eu peguei essa mania que não é minha, é dele. (Professora Lídia - 50 anos)
Por exemplo, do ensino médio, que para mim é a... foi a maior mentira. E do professor de
português que eu descobri depois que também era tudo muito bom, tudo muito engraçado,
mas que na verdade aprender... pelo menos, assim, aprender o que deveria eu nunca
aprendi. Então eu acho que isso, por exemplo, está na minha cabeça quando estou na sala
de aula. Se está sendo uma mentira, se os meninos não estão aprendendo. Então, por
exemplo, para mim é muito angustiante quando eu percebo que não estou aprendendo. Que
apesar de tudo que se faz, das tentativas, das estratégias que a gente usa, porque eu acho
que eu lembro que eu não aprendi. (Professor Reinold - 45 anos)
Em 1973 minha mãe deu aula para mim. Era uma classe multisseriada de 2ª e 3ª série e
outro para a 3ª. Meus colegas tinham raiva e quando eu tirava total nas provas diziam que
minha mãe me mostrou a prova. Era injusto, já que mamãe nem me dizia a nota antes dos
demais. Ver a prova seria absurdo!
Na 3ª série, a professora D. Çãozinha puxava o meu saco, nem disfarçava! Hoje eu entendo
que ter uma aluna que cumpre tudo, lê todos os livros da Biblioteca (eram poucos, na
verdade) e ainda vai buscá-la em casa com flores na mão, é mesmo para encher o coração
de alegria.Nas férias de julho, o dever era completar um diário num caderninho pequeno onde
tínhamos que registrar a nossa rotina, os nossos sentimentos e nossas vivências e
impressões. Eu adorei fazer, mas para a maioria da classe foi uma tortura! (Professora
Penha)
Que tem assim alguns, algumas pessoas que são enviados de Deus, né? Porque tem
professor que te recebe, né? E outros são enviados do Capeta”. (risos) Falei pra eles e citei
o exemplo dessa Paula. (risos) Toda hora os meninos ficavam brincando com esse negócio
dessa Paula, porque essa Paula, ela marcô... Essa professora que ficava zombando, né? No

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A Escola: Dinâmicas e Atores

meu primeiro dia de aula, oh ela me marcou, marcou minha vida inteirinha, inteirinha, cara.
Inteirinha... eu pensava nisso. E eu, lá em casa os negócio era tudo regrado, né? Eu lembro
que às vezes chorando, tinha que colorir alguma coisa, minha mãe comprava uns lápis... a
metade do que é um lápis hoje. Vendia umas caixinhas pequenas com quatro lápis, daquelas
cores primárias, né? Quatro lápis. Aí eu tinha que dividir essa caixinha de lápis com um irmão
que tava na primeira série do lado, segunda série, e, essa professora dele parecia bicho. Se
você olhasse pra ela era igual esses cachorros que quando tão querendo comer, comer osso,
você vai chegar (rosnou imitando um cachorro), entendeu? Oh, você chegava na sala até o
ar era diferente. [...] (Professor Laerte)
Para a categorização das entrevistas e estruturação da análise e do trabalho como um todo, tomamos
os elementos constitutivos da memória tal como colocado por Pollak (1992), quais sejam, os acontecimentos,
as pessoas/personagens e os lugares, pois eles estavam nitidamente presentes e entrelaçados nos relatos
dos entrevistados e entrevistadas. Em suas narrativas estão entrelaçados estes três elementos da memória
que, em nosso caso, nos remetem aos espaços escolares, (salas de aulas, pátios, bibliotecas); aos seus
objetos (cadernos, lápis, livros, quadro e giz) e às suas respectivas divisões e hierarquias, ritualísticas e
práticas.
De acordo com Alberti (2004), “[...] a historia oral investiga a memória lá onde ela não é apenas
significado, mas também acontecimento, ação” (p.36). Se a história dos humanos é construída por eles
próprios como mostra Alberti, pensamos que é possível, então, encontrar sinais dessa auto-construção
quando esses sujeitos relatam suas experiências imiscuidas em contingências, momentos de confluências e
divergências, acontecimentos inacabados, visto que ainda estão vivos na memória; outros, abandonados,
mas que podem vir à tona, em diálogos e conflitos cujas marcas ainda estão vivas.
Para Burgess (2001) “[...] a abordagem fundamental usada pelos sociólogos empenhados na recolha
de materiais históricos é a história de vida, que inclui grande parte do material autobiográfico e apresentado
nas próprias palavras do informante” (pp.138-139). O mesmo autor sugere ainda a história de vida tópica
como estratégia metodológica, o que nos orientou no estudo de nosso objeto, que não se define como sendo
um estudo de história de vida, porém, é desse campo, o material que nos ajuda a investigar as lembranças
de professores sobre sua vida escolar.
As lembranças apresentadas evidenciam-nos elementos constitutivos do que entendemos ser a
condição docente, pretérita, presente e anunciadora de futuro. Assim, investigamos a docência nesta
composição, por um lado feita de experiências narradas em suas dimensões individuais e coletivas
constituídas de histórias, culturas, normas, éticas e funções sociais que perduram e transformam-se ao longo
dos anos dentro e fora da instituição escola. Por outro lado, temos uma mirada investigativa, exercitando o
olhar atento sobre as narrativas concernentes às experiências dos antigos alunos e seus ex-professores, um
e outro, sujeitos sócio-culturais, portanto, sujeitos de identidades no presente e que trazem indícios, tal como
nos fala Benjamin, do futuro.
Bosi, em diálogo com Halbwachs, elucida a natureza das lembranças ao salientar que “[...] a memória
se enraíza no concreto, no espaço, nos gestos, imagens e objetos” (Bosi, 2003, p.16). As lembranças dos
professores trazem todos esses elementos. Elas auxiliam a entender as experiências e as relações que os
mesmos viveram nas escolas por onde passaram, na condição de estudantes, com seus colegas de classe e
antigos professores. Esses viveres que eles e elas trazem consigo e os retomam no tempo presente
constituem assim uma tessitura de espaços, gestos, objetos, imagens, valores, entre outras dimensões. Trata-
se, sobretudo, de um tecido que provoca e convoca os docentes a lembrar e articular o passado e o agora de
cada dia de trabalho.

580
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A condição docente presente, tem passado, nela há um sujeito sócio-cultural que se lembra, tem
identidades, sabe dizer de onde veio, por onde andou, com quem dialogou e conflitou experiências. São
identidades, no plural, pois pudemos ver e escutar, pelas narrativas, que são muitos os narradores, diferentes
em gerações e gêneros, são originários de cidades grandes e pequenas. O rememorado nos apresenta traços
identitários plurais, entrevistos pelo como se narra o como se viveu as relações sociais dentro das escolas.
São memórias que apresentam os narradores por onde e através de quais processos se formaram. Portanto,
temos uma condição de quem se lembra e narra, mostra-se como sujeito de múltiplas identidades, formadas
por longos anos e em tempos pretéritos que ainda suspiram a cada instante narrado. Pois, mais uma vez,
fazemos alusão aos segundos prenhes do vivido, cheios de histórias e possibilidades, como nos dizem Carlos
Rodrigues Brandão (1998) e Walter Benjamin (2004).
Os antigos professores ainda fazem companhia aos professores que são no presente. Entram em
suas salas de aulas, nas atividades, estão nas tramas das relações entre docente e discente. Podemos dizer
que há, dentro das escolas, junto ao grupo dos professores, um mosaico de relações no presente, diante de
seus estudantes, da escola, dos rituais e, nesse mesmo mosaico, outros, de memórias tecidas com sutilezas,
quase imperceptíveis, entretanto, também ainda presentes. O homem vê a si mesmo em pequenos
momentos, em pequenas recordações, encontra-se consigo em seus próprios percursos, como num porvir
entrelaçado entre passado e presente, mirando-se em um futuro incompleto, podendo, ainda, a partir dessa
condição inacabada, conduzir-se a pensar num exercício renovado de si. O exercício coletivo do grupo de
professores, o exercício da docência dentro de uma escola, envolve memórias – espaciais, temporais, de
objetos, personagens e relações sociais, que perenizam a docência de ontem e de hoje.
Abandonar as histórias dos homens ordinários é perigoso. Alguém deseja incendiar as lembranças
em função de poder escrever o passado homogêneo e vazio das vidas humanas. (Re) escrever as histórias
dos homens, seria algo assemelhado a interpretar marcas do passado, transformando-as em códigos
decifráveis a partir do presente. Benjamin (2004) chama de redenção “a possibilidade presente de realizar o
que nos foi negado” (p.132).
Das marcas do passado, vivas na memória narrada, professores e professoras se mostram,
permitindo-nos olhá-los através de centelhas que iluminam e dão forma às suas identidades.
Marcas ainda perenes, reconhecíveis e/ou parcialmente transformadas. Marcas que ainda
intermediam as relações entre docentes e discentes.
O lembrado constitui de experiências perpassadas pelo cotidiano escolar, sobretudo dentro das salas
de aulas, onde a maior parte de uma vida discente e docente acontece. O lócus da pesquisa e das narrativas
enredou-se e desenredou-se dentro das salas de aulas, diariamente, por não menos que dez anos na vida
de cada entrevistado. Arroyo (2000) nos acompanha na mirada desta pesquisa, concordamos com a sugestão
“estamos atrás de nossa identidade de mestres. O que não mudou, talvez, possa ser um caminho tão fecundo
para entender-nos [...] todos os mestres repetem hábitos e traços, saberes e fazeres. Nosso ofício carrega
uma longa memória” (p.17).
Assim, encontramos hábitos, traços, saberes e fazeres nas narrativas, trazidas em companhia de
imagens, sentimentos e sentidos. São esses os elementos que escrevem nas memórias dos narradores suas
histórias e de seus contemporâneos de sala de aula. Professores e professoras lembram-se, re-atualizam e
criam histórias das relações vividas com antigos mestres e colegas de turma. Há a nosso ver, a construção
de um quadro social da memória docente, que se compõe, sobretudo pelas relações específicas que são
perpassadas pela natureza da instituição escola. Da natureza da docência e conseqüentemente da discencia.
Um quadro social, como nos diz Halbwachs (2004) é instituído pelas relações entre os homens, produzindo

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A Escola: Dinâmicas e Atores

códigos específicos, oriundos de suas experiências compartilhadas, significadas socialmente, e, assim,


sustentando-se pelas raízes que crescem e aprofundam pelas vielas ou entranhas dos homens. É do autor a
noção de que corrobora nossa pretensão em afirmar a existência de um quadro social da docência, pois “os
quadros coletivos da memória não se resumem em datas, nomes e fórmulas, eles representam correntes de
pensamentos e de experiências onde reencontramos nosso passado” (Halbwachs, 2004, p.71).
Das tramas externadas pelas narrativas, podemos inferir sobre alguns traços das lembranças
docentes. São carregadas de valores do presente transformadas em críticas que pouco relativizam os juízos
dirigidos à escola e, sobretudo à docência que cada um viveu por não menos que dez anos. Evidenciam
mudanças e encurtamento das distâncias entre docentes e discentes. Representam permanências e
alterações nos cotidianos e práticas pedagógicas privilegiadas pelos antigos professores. Revelam um
desaparecimento dos castigos físicos e exposições vexatórias a que eram sujeitados os alunos em sala.
Permanecem como as experiências vividas e guardadas na memória, estão presentes em seus cotidianos de
trabalho, sobretudo nas relações com os seus discentes. São permeadas por esquecimentos e o
silenciamentos.
O grupo de entrevistados narrou suas experiências em escolas urbanas e rurais, num período que
nos remete à década de 50 até os anos 90. Interrogamo-nos se nestes anos passados, e, totalizando cerca
de 50 anos, haveria grandes mudanças nas relações sociais dos grupos de discentes e docentes por eles
apresentados? Que marcas perduram? Novamente, Halbwachs (2004) nos ajuda nessa questão, diz o autor
“ali encontramos inscrita ou indicada a marca dos acontecimentos ou das imagens de outrora à medida que
respondiam ou respondem ainda a um interesse ou a uma preocupação do grupo” (p.126).
Verificamos aspectos que indicam ter havido mudanças nas condutas e práticas pedagógicas dos
anos 50 aos 90. Por exemplo, nos dois últimos grupos geracionais não mais há registros de castigos ou
exposição vexatória de alunos em sala, o caderno de ponto some, a excessiva prática da cópia da matéria
escrita no quadro de sala, a prova oral também não estão mais presentes.
No segundo, terceiro e quarto grupo, encontramos com um fenômeno que mostra o professor
afastando-se da prática de ensinar. Os docentes aparecem nas portas das salas conversando; presenteando
seus alunos com as questões da prova nas vésperas; a bola é jogada para os alunos rolarem juntos delas
pelas quadras esportivas; facilita-se a prova e a reprovação não mais é anunciada. As narrativas nos mostram
parte dos docentes não mais vigiando e punindo os corpos. Aqueles não mais os corrige, não os ensina, não
os disciplina. São lembranças com imagens de antigos professores perdidos e vazios das experiências do
educar. Há uma perda de si e da alteridade com os estudantes.
Aquele que esteve perto, em vigília agora aparece na imagem lembrada do professor desinteressado
– presente nas narrativas de Reinold, Gisa, Lidia, Franco, Laerte, Lucas. Os narradores viram mudanças
também na forma escolar – Esmeralda, Laerte, Gisa, Jairo, Helena - viram mudanças em certos casos na
mesma escola. Exemplos como o de Esmeralda quando muda da escola da roça para a cidade; ou de Laerte
quando vê as salas cheias de diferentes estudantes de lugares e classes sociais diferentes da cidade, bem
como o fim dos testes de nivelamento e seleção de alunos por cognição, ou classe social, ou ainda quando
vai para o ensino noturno; ou o exemplo de Helena quando reencontra com a antiga professora carrasca, a
Sandra, no ensino médio, sendo outra a conduta da professora; ou do professor Jairo que vê mudança na
classe social dos alunos que freqüentam a escola onde estudou e na qual trabalha atualmente.

582
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Lembremos que são narrativas de ex-alunos que hoje são professores. Quem conta-nos suas
histórias, são atores que conheceram espaço, tempo, enredos, cenários, dinâmicas, conflitos, contradições e
tudo mais sobre a vida docente e discente ao longo de muitos anos. São lembranças ditas e dirigidas,
sobretudo ao presente, pois o passado é trazido ao aqui e agora não para dizer-nos era assim, mas também
como diz Pollak (1989) “a organização das lembranças se articula igualmente com a vontade de denunciar
aqueles aos quais se atribui maior responsabilidade pelas afrontas sofridas” (p.22). Denunciar só se faz a
partir do presente, e não para julgamentos sepultados, mas vivos.
Não diríamos que são lembranças do tempo que não mais existe. Que são narrativas em busca do
tempo perdido, como bem o fez Marcel Proust (2001). Ou ainda, que algo se perdeu ou quebrou-se. São,
sobretudo, imagens, sentimentos e sentidos que estão presentes e são tocadas e nos tocam. São lembranças
que reclamam assento sobre a vida dos sujeitos coletivos, em nosso caso, discentes e docentes. Esses
sujeitos coletivos guardam na dinâmica de suas vidas, suas lembranças, que não são presentificadas em
estado puro, pois são para cada um, reatualizadas em função da experiência do tempo presente, pois a
lembrança conserva-se em relação à existência das condições atuais que permitem nela se recolocar.
A trama da memória pelas lembranças imbrica o individual no social e o inverso também. O lugar de
quem fala interfere na construção das lembranças, nas tramas feitas e escolhidas a partir do presente. As
lembranças são de atuais professores, que estão diariamente sendo confrontados entre passado vivido,
assentado e o presente que desafia com diferentes pontos de vista, sobretudo por parte dos atuais do
presente. Há então um encontro de apreços relacionados à escola, à docência e a discência, cada qual com
diferentes apreços.
Este trabalho com memórias buscou contribuir com os estudos que são sensíveis às histórias dos
homens, em nosso caso, pesquisamos ‘o como’ e ‘o quê’ se lembram professores e professoras de suas
trajetórias e relações sociais dentro de suas escolas. São lembranças que nos possibilita uma aproximação
de experiências que foram formadoras dos sujeitos e que hoje nos ajudam a ler por meio de suas lembranças
a experiência da docência e da escola no presente.

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585
A Escola: Dinâmicas e Atores

TESSITURA CURRICULAR FARROUPILHA: RESSIGNIFICANDO AS PRÁTICAS


PEDAGÓGICAS
[ID 276]

Alexandra Dalpiaz
Letícia Nunes
Marícia Ferri
Colégio Farroupilha
alexandra.dalpiaz@colegiofarroupilha.com.br; Leticia.Nunes@colegiofarroupilha.com.br;
Maricia.Ferri@colegiofarroupilha.com.br

Resumo
Ressignificar o currículo do Colégio Farroupilha no séc. XXI representa um grande desafio para a gestão
pedagógica, visto que se faz necessário ousar garantindo a perenidade dessa renomada instituição
centenária. Conciliar tradição e inovação é uma tarefa complexa, que se revela como uma característica do
colégio ao longo de sua história. Diante dos apelos do cenário educacional à gestão pedagógica (Direção
Pedagógica e Coordenações de Ensino) do Colégio Farroupilha iniciou, em 2013, o seu projeto de
reestruturação curricular, objetivando qualificar as práticas pedagógicas e contribuir de forma significativa no
processo de formação dos estudantes. Nesse período, iniciou-se a elaboração das Matrizes Curriculares em
substituição ao Plano de Estudos, até então vigente na instituição. No segundo semestre de 2013, a gestão
aplicou uma avaliação externa nos estudantes do 3° ao 5º ano, 8ª série e 3º série do Ensino Médio para
evidenciar as necessidades de ajustes no currículo do colégio.
Elaborou-se um plano estratégico para empreender as ações projetadas entre os anos 2013 a 2018. O plano
foi delineado em oito estratégias, sendo elas: avaliação externa para mensurar os resultados acadêmicos;
consultorias; alinhamento de práticas; plano de formação continuada; elaboração de Matrizes - Curriculares,
Socioemocional e de Referência -, benchmarketing; projeto-piloto nos Anos Iniciais; mensuração da
satisfação dos estudantes, das famílias e dos professores. Destacam-se as ações que envolveram os
professores e as equipes pedagógicas: formação continuada (palestras, relatos, discussões, reuniões e
estudos), planejamento, metodologias, avaliação, estilos e ritmos de aprendizagem, assim como estudo sobre
a Matriz de Referência do Exame Nacional do Ensino Médio, a nova Base Nacional Curricular Comum e
outros documentos legais. Em 2016, foi aplicada uma pesquisa para mensurar o nível de satisfação dos
professores dos Anos Iniciais com relação à nova organização curricular baseada em competências e
habilidades, também uma pesquisa qualitativa, através de um questionário aplicado aos estudantes e pais
dos 3º, 4º e 5º anos. Em 2017, serão elaboradas as Matrizes de Referência.
Os estudos realizados e os resultados das pesquisas de satisfação mostraram que o investimento no currículo
por competências e habilidades tem contribuindo na formação integral dos estudantes, bem como na
qualificação da dinâmica curricular.

Palavras-chave: Competências, Habilidades, Currículo.

Résumé
Donner une nouvelle signification au curriculum du Collège Farroupilha (École d’Enseignement Primaire et
Secondaire Farroupilha) au XXIe siècle, représente un grand défi pour la gestion pédagogique, étant donné
qu’il est nécessaire d’oser et à la fois garantir la pérennité de cette célèbre institution centenaire. Concilier la
tradiction et l’innovation est une tâche complexe, ce qui s’est révélé d’être une caractéristique de l’École tout
au long de son histoire. Face aux demandes du scénario éducationnel à la gestion pédagogique (Coordination
Pédagogique et Unités d’Enseignement) le Collège Farroupilha a commencé en 2013, son projet de
restructuration curriculaire, ayant comme but de qualifier les pratiques pédagogiques et de contribuer de
manière significative dans le processus de formation des élèves. Pendant cette période, nous avons
commencé à élaborer les Matrices Curriculaires pour remplacer le Plan d’Études, en vigueur jusqu’alors dans
l’institution. Au cours du 2e semestre de 2013, la gestion a mis en oeuvre une évaluation externe auprès des
élèves de CE2 à CM2, et de la 4e à la terminale pour mettre en évidence les besoins d’ajustements dans le
curriculum de l’École. Un plan stratégique a été élaboré pour entreprendre les actions élaborées entre les
années 2013 à 2018. Le plan a été conçu en huit stratégies, comme il suit : évaluation externe pour mesurer
les résultats académiques ; services conseil ; alignement des pratiques ; plan de formation continue ;

586
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

élaboration de Matrices - Curriculaires, Socio-émotionnelles et de Référence - ; benchmarketing ; projet pilote


de l’École Primaire ; évaluation de la satisfaction des élèves, des familles et des enseignants. On souligne les
actions qui ont impliqué les professeurs et les équipes pédagogiques : formation continue (conférences,
rapports, discussions, réunions et études), planification, méthodologies, évaluation, styles et rythmes
d’apprentissage, ainsi que l’étude de la Matrice de Référence de l’Examen National de l’Enseignement
Secondaire (Lycée), de la nouvelle Base Nationale Curriculaire Commune et d’autres documents légaux. En
2016, une recherche a été appliquée ayant comme but de mesurer le niveau de satisfaction des enseignants
de l’École Primaire par rapport à la nouvelle organisation curriculaire basée sur les compétences et savoir-
faire, et aussi une recherche qualitative, par l’intermédiaire d’un questionnaire appliqué aux élèves et parents
des CE2, CM1 et CM2. En 2017, les Matrices de Référence seront élaborées. Les études menées et les
résultats des recherches de satisfaction ont montré que l’investissement dans le curriculum par compétences
et savoir-faire contribue dans la formation intégrale des élèves, ainsi que dans la qualification de la dynamique
curriculaire.

Mots-clés: Compétences, Savoir-faire, Curriculum.

APRESENTAÇÃO DO PROJETO
O Colégio Farroupilha é uma das instituições de educação básica mais antigas do Rio Grande do Sul.
Foi fundada há 130 anos pela Associação Beneficente Alemã, uma entidade originalmente criada para auxiliar
os imigrantes alemães e seus descendentes que estavam chegando ao sul do Brasil.
O colégio é mantido pela Associação Beneficente e Educacional de 1858 e tem como visão ser
referência na Educação pelas práticas pedagógicas mais modernas, pelos resultados efetivos, pela formação
humana e pela diversidade e amplitude da formação.
O Centro de Ensino Médio Farroupilha é constituído por duas unidades em Porto Alegre: a Três
Figueiras, localizada no bairro Três Figueiras, e a Correia Lima, localizada dentro do Centro de Preparação
de Oficiais da Reserva de Porto Alegre (CPOR/PA), na qual atende crianças e jovens bolsistas. Atualmente,
a escola contribui na formação de 2.777 estudantes, de quatro meses a 17 anos de idade.

Cenário em que surgiu o projeto e justificativa para a sua implantação


A educação vive um novo paradigma educacional, no qual o processo educativo desloca-se do eixo
da liberdade de ensino para o direito de aprender. Cabe à educação, portanto, a missão de fazer com que
todos desenvolvam os seus talentos e potencialidades, responsabilizando-se pela capacidade de construção
e realização dos seus projetos de vida.
Frente a esse contexto, gestores e professores contemporâneos passaram a preocupar-se com a
garantia da aprendizagem dos estudantes, redefinindo seu currículo escolar baseado no contexto
sociocultural e nas necessidades desses discentes. Assim, segundo Moro (2016, p.7), o cenário educacional
brasileiro, particularmente no que se refere à Educação Básica, passou a se preocupar com estes dois
fenômenos marcantes: as avaliações em larga escala e o foco na qualidade da educação escolar. Juntamente
com a elaboração dessas avaliações, foram elaboradas as Matrizes de Referência (baseadas em
competências e habilidades), que estabeleceram critérios e indicadores para mensurar a proficiência dos
estudantes.
Diante dos apelos do cenário educacional à gestão pedagógica (Direção Pedagógica e Coordenações
de Ensino), o Colégio Farroupilha iniciou em 2013 o seu projeto de reestruturação curricular, quando, então,
sentiu a necessidade de elaborar Matrizes Curriculares em substituição ao Plano de Estudos, até então
vigente na instituição, posto que este já não atendia às necessidades da contemporaneidade.

587
A Escola: Dinâmicas e Atores

No segundo semestre de 2013, a gestão aplicou uma avaliação externa nos estudantes do 5º ano, 8ª
série e 3º série do Ensino Médio para evidenciar as necessidades de ajustes no currículo do colégio. De posse
dos resultados, contratou uma consultoria externa e iniciou a discussão sobre a implantação de um currículo
por competências e habilidades com as equipes pedagógicas dos níveis de ensino e com professores e,
posteriormente, socializou a temática e as intencionalidades com os demais colaboradores da escola. Durante
o ano de 2014 e 2015, os estudos se intensificaram e as Matrizes Curriculares foram sendo estruturadas com
base no Plano de Estudos vigente na época, nas Matrizes de Referência do Enem (Exame Nacional do Ensino
Médio) e do Inade (Instituto de Avaliação e Desenvolvimento Educacional) e em outros documentos oficiais
do Ministério da Educação. Para a elaboração das Matrizes Curriculares, fez-se necessário um estudo
aprofundado sobre competências e habilidades, metodologias de ensino-aprendizagem, planejamento e
avaliação curricular, a fim de alicerçar o novo currículo e, por consequência, ressignificar as práticas
pedagógicas.
Em 2016, os professores assessores de área, juntamente com os demais docentes, com a gestão e
com as equipes pedagógicas dos níveis de ensino estão realizando o refinamento das Matrizes Curriculares,
a fim de aparar arestas entre os níveis e entre os anos/séries. Todos os professores do colégio, ao longo do
primeiro semestre, participaram de momentos de formação para a apropriação da nova Tessitura Curricular
Farroupilha, assim intitulada pela gestão pedagógica. Essa consiste no entrelaçamento das Matrizes
Curriculares em Áreas de Conhecimento e em Componentes Curriculares; da Matriz Socioemocional; das
Concepções de - Aprendizagem, Metodologia e Avaliação - gerando um currículo alicerçado em competências
e habilidades cognitivas e socioemocionais, desdobradas em habilidades e atitudes.

Tessitura Curricular
De acordo com Valente (2002), na atualidade, “as competências permeiam as discussões
pedagógicas levando os professores a buscarem elementos que propiciem o seu entendimento e formas de
incorporá-las aos projetos educativos” (p.2). Para ela, a noção de competência surgiu junto com as inovações
oriundas da Escola Nova de Dewey que visava romper com a lógica da Escola Tradicional, a qual, segundo
a autora, enfatizava a teoria em detrimento da ação. Dessa forma, a noção de competência surge objetivando
que os estudantes encontrem significado nos conteúdos escolares e que a escola considere as motivações e
os interesses dos estudantes e não somente o conhecimento previamente estabelecido pelo currículo escolar.
Diante disso e da análise dos dados educacionais brasileiros que apontam a necessidade de
priorização da formação integral dos estudantes, a gestão e as equipes pedagógicas reafirmaram o seu
compromisso com o processo formativo de subjetividades, com os modos de ser sujeito, com sua
integralidade e inteireza, lançando, em 2016, a Matriz Socioemocional do Colégio Farroupilha, elaborada
pelos orientadores e psicólogos educacionais do colégio, a qual constitui-se em três eixos: Identidade
(Autoconhecimento, Autoconceito e Autoestima), Convivência (Habilidades Sociais e Cooperação) e
Cidadania (Liderança e Sustentabilidade), que perpassam toda a Educação Básica, sendo, ainda, os eixos
desdobrados em competências e habilidades para todos os níveis de ensino.

GESTÃO DO PROJETO
Estratégias e ações adotadas para atingir objetivos
O Plano Estratégico para Ressignificação Curricular foi delineado em oito estratégias fundamentais:

588
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ Estratégia 1 – avaliação externa para mensurar os resultados acadêmicos;


§ Estratégia 2 – consultorias e/ou assessorias externas para capacitações;
§ Estratégia 3 – alinhamento de práticas;
§ Estratégia 4 – plano de formação continuada;
§ Estratégia 5 – elaboração de Matrizes;
§ Estratégia 6 – benchmarketing;
§ Estratégia 7 – projeto-piloto de ressignificação curricular de forma disruptiva nos Anos Iniciais;
§ Estratégia 8 – mensuração da satisfação dos estudantes, das famílias e dos professores.
§ As oito estratégias foram desdobradas em ações anuais, realizadas nos diferentes níveis de ensino.

Metodologia de aplicação e execução do projeto


Diante dos riscos que uma mudança curricular pode gerar em uma instituição de ensino, a gestão
pedagógica entendeu que seria prudente realizar um piloto disruptivo nos Anos Iniciais. A escolha pelo nível
se deu em função de a sua coordenadora possuir Graduação em Pedagogia, revelando-se estudiosa
apaixonada pela temática de competências e habilidades, sendo, ainda, Mestre em Educação com foco em
competências e habilidades e tendo experiência como elaboradora, juntamente com outros profissionais, das
Matrizes Curriculares de uma Rede de Colégios no Brasil. Desse modo, efetivamente, em 2014, a equipe
pedagógica dos Anos Iniciais (coordenadora, orientadoras e psicólogas educacionais, orientadores
disciplinares, assistente pedagógica, auxiliar de coordenação, auxiliar de ensino), professores e monitores
lançaram-se ao referido desafio.
Inicialmente, a equipe mapeou algumas fragilidades nas práticas curriculares dos Anos Iniciais, tais
como: currículo desarticulado e fragmentado em algumas áreas de conhecimento; práticas individualizadas,
desalinhadas e com pouca contextualização e problematização; avaliação da aprendizagem focada somente
no resultado e não no processo; fragilidades no trabalho em equipe.
Depois de mapeado os pontos fortes e fracos, criou-se um GT - Grupo de Trabalho – composto por
uma professora representante de cada ano, uma orientadora e a coordenadora de ensino, para juntas
planejarem estratégias e ações para alinhar as práticas que se faziam necessárias para qualificar os
processos pedagógicos e administrativos dos Anos Iniciais. Essa dinâmica de constituição de GT’s foi muito
eficiente o que se tornou uma prática sistemática no nível de ensino, até os dias atuais, para os desafios,
projetos, atividades e eventos do cotidiano escolar.
Desse primeiro GT, resultou o documento intitulado Alinhamento de Práticas nos Anos Iniciais 2014,
o qual foi entregue a toda equipe dos Anos Iniciais na Jornada Pedagógica de fevereiro e, a cada ano letivo
que se inicia, é entregue o documento atualizado, com as necessidades e demandas verificadas no ano
anterior.
Do final do ano letivo de 2013 aos dias atuais, são perceptíveis as mudanças ocorridas nas práticas
curriculares dos Anos Iniciais. Dentre as mudanças, destacam-se:
§ Planejamento Trimestral: por competências e habilidades, monitora-se cada componente curricular
e as interfaces na área do conhecimento e entre as áreas;
§ Planejamento de Sequências Didáticas: contemplam-se as habilidades descritas nas Matrizes
Curriculares;
§ Mapa de Provas: equilibram-se as operações mentais e o grau de complexidade das questões;

589
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ Capas de Prova: expõem-se as habilidades avaliadas no instrumento e a devolutiva da prova passa


a apresentar a marcação das habilidades desenvolvidas, em desenvolvimento e/ou em que o
estudante apresenta dificuldades;
§ Fichão Avaliativo: contempla descrição trimestral das competências e habilidades desenvolvidas,
em desenvolvimento e/ou em que o estudante apresenta dificuldades, por área de conhecimento e
componentes curriculares, entregue aos estudantes e a suas famílias ao término de cada trimestre;
§ Planilhas e gráficos para acompanhamento dos estudantes e da turma: explicitam o
desenvolvimento de competências e habilidades.
§ Autoavaliação dos Estudantes: contempla os indicadores descritos em habilidades
socioemocionais linkadas aos 7 hábitos do programa de liderança e empreedorismo “O Líder em Mim”
e a elaboração de estratégias e metas pelos estudantes para melhoria do seu desempenho.
§ Refinamento do Projeto Hábitos de Estudo: configura-se na definição de estratégias específicas e
de peças de comunicação para cada ano escolar, a fim de desenvolver nos estudantes o hábito de
estudar periodicamente.
Cabe enfatizar que as mudanças implantadas e implementadas, assim como os documentos
elaborados, foram fruto de uma construção coletiva que envolveu muitas mãos, mentes e corações.

Aspectos inovadores relacionados à prática


A proposta de ressignificação curricular de um colégio, com o porte e o renome do Colégio
Farroupilha, representa, por si só, uma estratégia ousada da gestão pedagógica, uma vez que um erro
relevante no currículo pode manchar uma história centenária. Porém, como cabe à gestão também zelar pela
perenidade da instituição, acredita-se que a estratégia citada configura-se como um ato de comprometimento
e de inovação educacional.
Enfatizam-se, nesse contexto de mudanças, os seguintes aspectos inovadores:
§ O Planejamento Trimestral por competências e habilidades, objetivando monitorar cada
componente curricular e as interfaces na área do conhecimento e entre as áreas; através de planilha
específica, criada pela equipe dos Anos Iniciais.
§ O processo de elaboração das Sequências Didáticas por área do conhecimento, em duplas de
professoras, as quais planejam as aulas semanais ou quinzenais da área do respectivo ano e enviam-
nas para as demais professoras do ano para que todas as turmas vivenciem as sequências
planejadas. Essas sequências são alicerçadas nas habilidades selecionadas para o trimestre, nas
quais a descrição de todos os planejamentos das aulas deve constar e, assim, garantir o
desenvolvimento das habilidades elencadas pelos estudantes, do mesmo modo que as atividades
avaliativas que constam nas sequências e servem de diagnóstico do processo de aprendizagem dos
estudantes e de replanejamento para as próximas sequências. Ressalta-se que as sequências
figuram como um norteador do currículo, visando garantir a qualidade e a diversidade educacional
para todas as turmas, porém cada professora titular tem liberdade para incrementar as sequências
de acordo com as necessidades de sua turma. Geralmente, quando isso acontece, a professora que
incrementou socializa com as demais, assim construindo um processo de planejamento colaborativo,
em que todas as professoras são corresponsáveis por todas as áreas.
§ O processo avaliativo inicia-se na aplicação das sequências didáticas e na verificação da

590
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

aprendizagem dos estudantes, através das estratégias e atividades avaliativas previamente


planejadas. Além disso, a dupla de professoras elabora as provas das áreas, as quais contêm um
Mapa de Prova onde constam as habilidades avaliadas em cada uma das questões e quais operações
mentais nelas envolvidas, bem como os tipos de questões, os seus níveis, o equilíbrio entre elas na
prova, a partir da Taxonomia de Bloom. Através do mapa, a coordenação de ensino e os assessores
de área avaliam as questões e verificam se o instrumento atende aos critérios e à metodologia criada
pelos Anos Iniciais para elaboração de provas e atividades avaliativas.
§ Na capa das provas, das atividades e dos trabalhos avaliativos, consta uma tabela com as
habilidades avaliadas no instrumento, nas quais o estudante recebe o feedback das habilidades que
desenvolveu, que estão em processo e/ou em dificuldades, assim ele tem a possibilidade de
autorregular-se, gerenciando o seu processo de desenvolvimento e criando estratégias para alcançar
suas metas. Entende-se que, dessa forma, a família também consegue acompanhar e ajudar
seus/suas filhos (as) no desenvolvimento das habilidades propostas para o trimestre.
§ Planilhas e gráficos de cada instrumento avaliativo para acompanhamento pela professora dos
estudantes e da turma no desenvolvimento das competências e habilidades previstas.
§ Fichão Avaliativo, com descrição trimestral das competências e habilidades desenvolvidas, em
desenvolvimento e/ou em que o estudante apresenta dificuldades, por área de conhecimento e
componentes curriculares, entregue aos estudantes e suas famílias ao término de cada trimestre.
§ Autoavaliação dos Estudantes, com indicadores descritos em habilidades socioemocionais e
elaboração de estratégias e metas pelos estudantes para melhoria do seu desempenho e
relacionamento interpessoal.
§ Projeto Hábitos de Estudo, com definição de estratégias específicas e de peças de comunicação
para cada ano escolar, a fim de desenvolver nos estudantes o hábito de estudar periodicamente,
através do gerenciamento da sua rotina e de utilização de diversas técnicas de estudo, aplicáveis a
cada faixa etária.
Destacar aspectos inovadores na ousada proposta da instituição só se torna viável porque entende-
se que os gestores devem promover “uma atuação inspiradora e mobilizadora de energia e competência
coletiva orientada para a efetividade” (Lück, 2010, p.24).

RESULTADOS
No intuito de tornar mensurável o que estudantes, famílias e professores compreendem acerca do
trabalho com competências e habilidades desenvolvido pela escola, elaborou-se um questionário com três
perguntas fundamentais, adaptadas ao trabalho de cada segmento:
§ Estudantes do 3º ao 5º ano dos Anos Iniciais
1. Qual a sua opinião sobre a proposta pedagógica do Colégio Farroupilha baseada no
desenvolvimento de competências e habilidades nos estudantes?
2. Você sabe para que servem as habilidades que constam nas atividades e nas provas? Explique.
3. O que você faz a partir dos resultados expressos pelas habilidades das provas?
§ Famílias do 3º ao 5º ano dos Anos Iniciais com filhos nos Anos finais e/ou Ensino Médio no
Colégio Farroupilha
1. Como você avalia a proposta pedagógica do Colégio Farroupilha baseada em um currículo que

591
A Escola: Dinâmicas e Atores

visa ao desenvolvimento de competências e habilidades nos estudantes?


2. Quais as mudanças mais relevantes que você considera nessa proposta por competências e
habilidades em relação à proposta por conteúdos?
3. Como você percebe o desenvolvimento cognitivo e socioemocional do(a) seu/sua filho(a) diante
dessa proposta?
§ Professores do 1º ao 5º Anos Iniciais
1. Como você avalia a proposta pedagógica do Colégio Farroupilha baseada em um currículo que
visa ao desenvolvimento de competências e habilidades nos estudantes?
2. Quais as mudanças mais relevantes que você considera nessa proposta por competências e
habilidades em relação à proposta por conteúdos?
3. Como você percebe o desenvolvimento cognitivo e socioemocional dos seus estudantes diante
dessa proposta?
Participaram da pesquisa todos professores titulares e especializados do 1º ao 5º ano, todos os
estudantes do 3º, 4º e 5º ano e somente as famílias de 3º ao 5º ano que possuem filhos, estudando no Colégio
Farroupilha nos Anos Finais e/ou Médio. A escolha desses anos deveu-se ao fato da ressignificação curricular
ter iniciado nos Anos Iniciais em 2014, assim esses estudantes e suas famílias já teriam experimentado as
mudanças, possuindo, assim, propriedade para opinar e, desse modo, inferiu-se que as famílias escolhidas
poderiam estabelecer uma possível comparação metodológica entre as vivências dos seus/suas filhos(as)
nos diferentes níveis de ensino.
Nesse sentido, destaca-se que participaram 230 estudantes do 3º ano, 213 estudantes do 4º ano,
210 estudantes do 5º ano, 47 professores e 133 famílias. A partir das respostas obtidas de cada segmento
da comunidade escolar, constatou-se que a proposta do currículo por competências e habilidades vem sendo
entendida por todos, revelando índice de satisfação que supera o esperado. Para este trabalho trouxemos
apenas as constatações dos estudantes, dos pais e dos professores com relação à primeira e à segunda
perguntas do questionário.
Os estudantes, ao serem questionados sobre o que acham acerca da proposta da instituição por
competências e habilidades avaliaram como uma ótima metodologia, pois, como afirma uma estudante do 3º
ano, “podemos ver diretamente o nosso desempenho [...] ver os erros e acertos”. Outro estudante relata que
“é muito bom porque vou saber o que eu tenho que estudar mais e saber se o que estudei estava bom”.
Destacaram, ainda, que ela serve para o acompanhamento do seu desenvolvimento, verificando se o
estudante saiu-se bem ou mal; o que se precisa melhorar, o que se pode manter. Afirmaram também que
oferece a oportunidade de reconhecimento de erros; facilita o estudo dos estudantes, na medida em que
podem saber as habilidades que precisam desenvolver, contribuindo, assim, para a promoção do
autogerenciamento.
Com relação ao entendimento da função das habilidades na capa das provas, foi predominante, entre
os estudantes dos anos pesquisados, o destaque de que as habilidades, quando registradas na capa da
avaliação, servem para verificar se o desenvolvimento está bom ou ruim; se tem dificuldade na aprendizagem
ou se está bem; possibilitam, ainda, averiguar o nível de aprendizagem do estudante e, ao professor, avaliar
melhor. Alguns estudantes trouxeram também que esse novo processo ajuda a compreender o conteúdo que
está presente no instrumento avaliativo. Conforme discorreram alguns estudantes: -“elas mostram se estou
indo bem ou não”; - “Quando vejo, procuro estudar os erros e continuar os acertos”(3º ano); - “Servem para

592
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

indicar o que nós atingimos nas atividades e nas provas e para vermos o que precisamos estudar mais” (4º
ano); - “ as habilidades que constam nas atividades e nas provas servem para demonstrar o desenvolvimento
do aluno e a competência e a atenção que o aluno tem nas aulas e o seu esforço nos estudos” (5º ano).
Os estudantes do 5º escreveram sobre a importância de olhar o resultado e estudar mais as
habilidades que precisam, refazendo os exercícios em que mostraram dificuldade, além disso prestar atenção
às aulas e manter-se bem quando atingiu a habilidade. É notório destacar que alguns estudantes de todos os
anos relataram seus sentimentos ao receber a avaliação com tabela de habilidades. Dizem sentir-se felizes
quando o “X” está na primeira coluna (habilidade desenvolvida), um pouco chateados, quando está na coluna
do meio (habilidade em desenvolvimento) e muito tristes, quando o “X” está na terceira coluna (apresenta
dificuldades). Mesmo que tenham ficado tristes, os estudantes enfatizam a importância da tabela avaliativa
para ajudá-los no acompanhamento de suas aprendizagens e incentivá-los a estudar mais. Nas palavras de
um estudante: “eu reviso a minha avaliação, depois vejo o que eu tirei em habilidades não desenvolvidas e
estudo o conteúdo que eu não fui muito bem. Quando tiro habilidade em desenvolvimento vejo o que preciso
estudar mais. Quando tiro habilidade desenvolvida, eu continuo estudando no mesmo ritmo para tirar a
mesma avaliação” (5º ano).
Os pais mostram o olhar atento no acompanhamento da aprendizagem dos filhos conforme
mostraram as respostas ao questionário. A primeira pergunta - Como você avalia a proposta pedagógica do
Colégio Farroupilha baseada em um currículo que visa ao desenvolvimento de competências e habilidades
nos estudantes? -, apresentou relatos muito significativos, dos quais foram feitos alguns recortes para elucidar
este documento. Os pais do 3º ano avaliaram que - a partir desta proposta: “Os filhos recebem um currículo
completo para a vida”; - “O estudante é avaliado de acordo com suas reais habilidades, respeitada a
individualidade e as diferenças, sem se descuidar da aprendizagem em si, a identificação da habilidade que
deve ser desenvolvida torna o processo de aprendizagem mais rápido; outra família grifou - “Parece ser a
maneira mais completa e perfeita para construir conhecimentos lógicos, científicos, sociais e pessoais”.
Os pais do 4º ano e do 5º ano apontaram em suas respostas também ter uma avaliação satisfatória
da proposta pedagógica. Destacaram como: “Muito válido, muito importante o aluno ser estimulado a revelar
suas habilidades, seus dons, melhorando como aluno e futuramente tornando um ótimo profissional, com
autonomia, liderança, proatividade. Além disso, fortalecendo a sua autoestima; avaliamos de forma positiva
onde deverá haver uma proposta global para a vida e seus desafios”. - “Eu avalio como uma proposta
inovadora e super atualizada com uma preocupação direta nos alunos e pais em oferecer um ensino mais
dinâmico e moderno, onde os alunos são participativos e interagem entre e com professores, tornando-os
importantes para a escola, com suas ideias e interesses próprios”.
No que se refere à segunda questão - Quais as mudanças mais relevantes que você considera nessa
proposta por competências e habilidades em relação à proposta por conteúdos? -, os pais do 3º ano fizeram
as seguintes colocações: - “A aprendizagem do todo, o desenvolvimento mais amplo, integral e multidisciplinar
do aluno”; - (...) as mudanças que consideramos relevantes são as que oportunizam a aplicação e
compreensão dos conteúdos, deve privilegiar não apenas o saber, mas “o que fazer” ou “saber fazer”.
Também o desenvolvimento emocional, o que considero atualmente mais relevante”.
Os pais do 4º ano, em resposta a essa questão, escreveram: “A integração dos conteúdos e a
avaliação mais individualizada do aluno”; “As mudanças nos seus comportamentos, crianças que sabem
avaliar as diferentes situações, têm suas próprias opiniões e decisões”; “A principal mudança é a preparação

593
A Escola: Dinâmicas e Atores

global do seu humano pensante e participativo e engajado na resolução das adversidades da vida e não
somente apresentando uma visão restrita e infalível dos conteúdos”; “A possibilidade de um crescimento
multidisciplinar, uma maior abrangência do conhecimento”.
Os pais do 5º ano destacaram o acompanhamento da nota/desenvolvimento do seu/sua filho(a), se o
estudante foi bem ou mal, o que precisa melhorar, o que pode manter, o reconhecimento de erros, a facilitação
de estudo para os estudantes, a consciência das habilidades que precisa desenvolver; conforme relatou uma
família – (...) destaco o comprometimento e necessidade de um envolvimento maior do aluno. A nova proposta
é inovadora. Foge do modelo tradicional”.
Os professores também participaram da pesquisa de satisfação e trouxeram apontamentos que
demonstraram a satisfação em fazer parte dessa nova proposta curricular. A primeira pergunta: Como você
avalia a proposta pedagógica do Colégio Farroupilha baseada em um currículo que visa ao desenvolvimento
de competências e habilidades nos estudantes? -, mostra o grau de satisfação dos educadores na medida
em que surgiram respostas como as que foram selecionadas: “O trabalho com competências e habilidades
abrange uma amplitude maior na construção da aprendizagem dos estudantes, pois visa ao todo, aspectos
cognitivos e socioemocionais. Potencializa a metacognição”; - “Trabalha de forma intencional e sistemática
um conjunto de habilidades com as quais o sujeito pode apreender e construir conhecimento para além deste
ou daquele componente curricular”; - “O trabalho com competências e habilidades tem proporcionado às
famílias acompanhar o desenvolvimento dos seus filhos de forma mais clara, sabendo as habilidades já
atingidas e quais ainda necessitam de reforço; com esta proposta consegue-se promover o encontro entre
formação e prática, dando maior sentido aos conteúdos de ensino abordados”.
A segunda questão: Quais as mudanças mais relevantes que você considera nessa proposta por
competências e habilidades em relação à proposta por conteúdos? -, os professores destacaram as seguintes
mudanças: “O desenvolvimento integral dos estudantes, a relação permanente entre os aspectos cognitivos
e socioemocionais. Interliga saberes, informações e significa-as. Os próprios estudantes conseguem
perceber o que se espera deles quando tomam conhecimento das competências e habilidades a serem
desenvolvidas”; - “Explicita mais a intencionalidade da ação pedagógica, tanto para o educador quanto para
o educando, além de favorecer um acompanhamento mais fidedigno dos resultados alcançados naquilo que
foi trabalhado, possibilitando diagnósticos e retomadas mais significativos e qualificados”; - “A mudança mais
significativa está relacionada à credibilidade no processo avaliativo, já torna-se um método mais esclarecedor
tanto para os estudantes e familiares como para os professores no momento de apresentar os resultados”.
Destaca-se que um expressivo número de professores considera que a proposta por competências e
habilidades visa à evolução do estudante com mais qualidade em relação à proposta por conteúdos, pois o
professor não se detém na necessidade de vencer os conteúdos propostos e consegue intervir com mais
qualidade no processo de aprendizagem, visualizando suas dificuldades e monitorando seu progresso.
A partir da pesquisa realizada com os estudantes, com os pais e com os professores do colégio,
percebeu-se que o investimento feito na mudança curricular tem sido aprovado pelos envolvidos e tem
consolidado a busca da instituição em promover o desenvolvimento de competências significativas ao
estudante, as quais o instrumentalizam para enfrentar os desafios cotidianos.
Diante dos resultados, o Colégio Farroupilha reitera o seu compromisso com a sua missão que visa
à formação integral dos seus estudantes, contribuindo, assim, para que se tornem cidadãos competentes para
viver a contemporaneidade. Também reafirma, por meio de uma prática ousada e inovadora de seus gestores,

594
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

sua visão que almeja ser referência na Educação por meio das práticas pedagógicas mais modernas, dos
resultados efetivos, da formação humana e da diversidade e amplitude de seu aprimoramento acadêmico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos empreendidos pela instituição e os resultados da pesquisa de satisfação demonstram que
o investimento no currículo por competências e habilidades contribui para a formação de um sujeito capaz de
se relacionar com o seu entorno, construindo o conhecimento e vivendo em sociedade.
Nesse cenário, os estudantes que hoje vivenciam este currículo serão, segundo o que se acredita,
cidadãos mais atuantes e críticos, porque, efetivamente, fazem parte de uma dinâmica curricular que
considera que o processo educacional deve “(...) levar o aluno a desenvolver seu potencial mediante o
alargamento de seus conhecimentos, habilidades e atitudes, de forma associada, e passa, por isso, a envolver
o aluno em uma participação ativa” (Lück, 2010, p.58), tornando-o, assim, protagonista de sua história.
Os profissionais que atuam na escola e recebem a formação adequada ao desenvolvimento do
trabalho com competências e habilidades sentem-se motivados e instigados a darem o seu melhor, pois fazem
parte de um contexto escolar que os vê como capazes e competentes, além de fornecer-lhes a formação
necessária para que possam atuar de modo qualificado e efetivo nessa relevante proposta pedagógica.

REFERÊNCIAS
Luck, H. (2010). Concepções e processos democráticos de gestão educacional. Petrópolis. Rio de Janeiro:
Vozes.
Moro, M. (2016). Processos Avaliativos como desafios contemporâneos – sentimentos de educadores dos
anos iniciais sobre construção da avaliação por competências e habilidades. Trabalho de Conclusão
de Curso de Especialização. Universidade Pontifícia Universidade Católica do RS.
Valente, S. M. P. (2002). Competências e habilidades: pilares do paradigma avaliativo emergente. Texto
integrante da Tese de Doutorado: Parâmetros Curriculares e Avaliação nas Perspectivas do Estado
e da Escola, defendida na UNESP/Marília em 20 de junho de 2002. Disponível em:
http://docslide.com.br/documents/competenciasehabilidades-textoformatado.html. Acesso em: 03 de
fevereiro de 2016.

595
A Escola: Dinâmicas e Atores

LA IDENTIDAD, EL ESTATUS Y LOS COMPONENTES DE LA PROFESIONALIDAD


DEL DOCENTE DE MÚSICA PARA LA MEJORA DE LA CALIDAD DE LA
ENSEÑANZA EN LA GESTIÓN DE LA SITUACIÓN PEDAGÓGICA
[ID 44]

Maria delSer-Guillén
Radio Clásica (Radiotelevisión Española); Escuela Municipal de Música y Danza “Luigi Boccherini” de
Boadilla del Monte (Madrid)
mariadelserguillen@gmail.com

Resumen
La pertinencia de este trabajo se basa en un conjunto de hechos y determinaciones esenciales que emergen
con intensidad desde la segunda mitad del siglo XX en las dinámicas europeas y nacionales. Por una parte,
las propuestas curriculares en las que se adopta la noción de competencia definida para una cultura
compartida en la Unión Europea como respuesta a las expectativas sociales actuales -que conlleva adaptar
los contenidos de enseñanza a las situaciones prácticas-, vinculada a la formación de los docentes que
expertos de ámbitos nacionales e internacionales sitúan en estrecha relación con la calidad de la enseñanza
y articulada en la complementariedad entre formación en las disciplinas que se deben enseñar según una
lógica disciplinar junto a una lógica técnico-profesional. Y, por otra, la emergencia internacional de una doble
orientación global: la profesionalización y formación de los docentes y el enfoque (orientación) cultural de la
enseñanza, marco en el que se inscribe el reto del desarrollo competencial y profesional docente en sus
dimensiones intelectuales, metodológicas y comportamentales. Se ha procedido a la búsqueda de los
documentos oficiales, estudios, orientaciones, informes y proyectos realizados desde las dinámicas
internacionales y europeas (Groupe de Travail Bologne, Proyecto Tuning y Proyecto Polifonia-AEC de
Erasmus Thematic Network for Music), significativos para disponer de los referentes necesarios que
contextualizan este trabajo y cumplir con los siguientes objetivos: indagar en los aspectos teórico-
conceptuales, socio-institucionales, académicos y curriculares de la enseñanza, definir el estatus y la
identidad del docente relacionándolo con el perfil profesional y las funciones y actuaciones del profesorado
correspondiente, y establecer el valor, la funcionalidad y las potencialidades en términos de implicaciones
educativas para un desarrollo experto de las condiciones de su profesionalización.
Finaliza el trabajo con la exposición de un conjunto de conclusiones que, adoptando una actitud reflexiva, se
articulan en torno a tres aspectos: el propio proceso de investigación, los resultados obtenidos en función de
los objetivos planteados y las perspectivas para futuras investigaciones, aportando la convicción de que la
construcción de esa identidad profesional es dinámica y tiene lugar en relación con factores institucionales y
académicos, personales, biográficos y sociales colectivos incidiendo así en su carácter plural.

Palabras clave: Competencias profesionales docentes, Sistema didáctico, Lógicas disciplinar y técnico-
profesional, Planificación e intervención educativa.

INTRODUCCIÓN
La íntima relación entre las disciplinas artísticas y la necesidad de la multidisciplinariedad para una
formación completa han hecho tomar conciencia del compromiso y la responsabilidad del docente hacia el
conocimiento y el desarrollo de los factores clave que intervienen en la Educación Musical, entendida hoy
como un elemento necesario para el desarrollo integral del individuo. Existen al respecto una serie de hechos
y determinaciones que emergen con intensidad desde la segunda mitad del siglo XX en las dinâmicas
europeas y nacionales entre las que cabe destacar:
§ la consecuente inserción progresiva de la Educación Musical en los sistemas de educación y
formación nacionales en los niveles obligatorios y postobligatorios, y en los superiores conforme al
proceso de construcción de Europa, desde la propuesta del Espacio Europeo de Educación Superior
(EEES);

596
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ la noción de competencia como respuesta a las expectativas sociales actuales, ante la estimación del
papel crucial que desempeñan los docentes en la mejora de la calidad y la eficacia de los aprendizajes
de los jóvenes y adultos, como se recoge en el documento de la Commission Européene (2005), que
propone una serie de principios comunes para la elaboración de políticas de formación de profesores.
§ las determinaciones sobre el objetivo estratégico común Mejorar la calidad de los sistemas de
educación y formación en la Unión Europea (UE) –que se desglosa en los objetivos conexos 1.1.
Mejorar la educación y la formación de profesores y formadores y 1.2. Desarrollar las aptitudes
necesarias para la sociedad del conocimiento-, y
§ la emergencia internacional en las últimas décadas de una doble orientación global: la
profesionalización y formación de los docentes y el enfoque (orientación) cultural de la enseñanza.
Como se viene planteando desde la concepción de las enseñanzas musicales en los niveles
profesional y superior, no se puede obviar el planteamiento de Lang (1996) quien –en la perspectiva de la
profesionalización docente de cualquier especialidad-, ha afirmado que el logro de los aprendizajes es el
resultado “de un cálculo eficaz de los medios que se han de movilizar” (p. 24). En este sentido, existe un
amplio consenso en considerar que los medios de enseñanza o materiales didácticos suponen una referencia
y un apoyo para los docentes y los alumnos y han de ser tomados como elementos genericos de la calidad
de la educación (UNESCO, 2005), cuyo valor y funcionalidades residen en su dimension pedagógica, tomada
como cualidad emergente de la calidad de la enseñanza y el aprendizaje.

CONFIGURACIÓN DEL PERFIL PROFESIONAL DEL DOCENTE PARA UNA ENSEÑANZA DE


CALIDAD: SU IDENTIDAD Y SU ESTATUS
Para abordar la enseñanza de las disciplinas instrumentales, son significativas las aportaciones de
Goodson (2000) sobre la comprensión de los aspectos del currículum contemporáneo. Pone de manifiesto
que identificar y comprender la estructura y la organización de la enseñanza nos sitúa ante las
interdependencias entre definiciones académicas o pautas sobre los conocimientos curriculares y las vidas
laborales y profesionales institucionalizadas remitiéndonos, en gran parte, a la premisa heredada del siglo
XVIII que afirma que la enseñanza de alto nivel se asocia primero a una personalidad competente. Son el
resultado de un saber adquirido y muestran los elementos de la identidad profesional de los docentes, dotados
de un perfil competencial propio que les permite el ejercicio de sus funciones. Funciones que se materializan
en acciones y tareas docentes y que tienen gran importancia en la construcción social de las disciplinas
instrumentales en un contexto que se nos muestra como un modelo (didáctico) del que, en Legendre (1993)
se precisa que es guía de acción y pensamiento e instrumento de comunicación entre los diversos
participantes de una esfera de estudios.

Elementos implicados en las situaciones pedagógicas


Gracias a las precisiones aportadas desde las diversas ciencias de la educación sobre las situaciones
pedagógicas, se ha conferido al proceso de comunicación para suscitar el aprendizaje, una concepción
científica indispensable ya que se trata de sustentarlo “por medio de procedimientos administrativos, recursos
humanos y materiales apropiados para asegurar el desarrollo de las actividades de enseñanza y aprendizaje”
(ibidem, p.660).

597
A Escola: Dinâmicas e Atores

Como encontramos en este mismo autor, cada situación pedagógica se nos muestra como un conjunto
integrado de relaciones e interdependencias entre sus componentes, presididas por las competencias
profesionales docentes (Garmston, 1998). Sus componentes se abordan como categorías educativas,
actantes esenciales que configuran para Chevallard (1991) una estructura sistémica denominada sistema
didáctico, tradicionalmente representado por la figura emblemática del triángulo didáctico de Houssaye
(2000). En sus vértices sitúa las categorías educativas siguientes: el Sujeto (S) –el alumno que aprende; el
Objeto (O) –los contenidos de enseñanza y aprendizaje; el Agente (A) –en su doble vertiente: la del profesor
como recurso humano por excelencia, con una formación especializada, una metodología, que moviliza sus
competencias profesionales docentes y la de los recursos materiales, en particular los métodos/tratados. Para
los docentes, y de forma particular para los investigadores, se pone de manifiesto la importancia y los retos
que conllevan dos de los sectores que aseguran la construcción de toda situación pedagógica: el sector 1.
Elaboración didáctica de los contenidos y el sector 3. Interacciones didácticas que ilustran los autores citados
y que representamos en la Figura 1, tomada de Duplessis (2008).

Figura 1 - Tomado de Duplessis, 2008, Le triangle didactique (schéma): les trois dimensions de la recherche
didactique [Esquema en línea]
Es otro componente categorial el léxico en sus vertientes de discurso disciplinar propio y de/para la
enseñanza, que hacen posible la comunicación en la situación pedagógica.

La formación para la enseñanza: las lógicas de acción docente


Se dota de sentido a la formación para la enseñanza, caracterizada en Roy (1991) como “primera
dimensión del proceso de enseñanza” (p.33), según una lógica disciplinar junto a una lógica técnico-
profesional. Enseñanza que se actualiza en los actos profesionales docentes de planificación e intervención
educativa (Lenoir et al, 2007; Roy, 1991), y puede ser descrita en función de un modelo pedagógico (Astolfi,
Darot, Ginsburger-Vogel & Toussaint, 1997), de una estrategia pedagógica global o, en términos más
precisos, en función de los métodos para la enseñanza. Por lo que respecta al enfoque (orientación) cultural
de la enseñanza, (Sharp & Le Métais, 2000), se indica que no se trata solo de formar a individuos virtuosos
organizando la enseñanza para la adquisición de una técnica sino además para los conocimientos científico-
culturales, los del contexto socio-histórico que subyacen a los propiamente de naturaleza técnica.

598
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Conocimientos tomados como contenidos, según Pérez Gómez (1992), de la “cultura pública” (p.108),
organizados en disciplinas.
Procede el estudio y comprensión de las situaciones pedagógicas en torno a sus dos articulaciones
esenciales: (i) la gestión del contenido y (ii) la gestión de la clase, por su fuerte incidencia en la calidad de la
enseñanza y de los aprendizajes de los alumnos (Nault & Fijalkow, 1999).
(i) La gestión del contenido disciplinar corresponde al sector de la elaboración didáctica de los
contenidos (Figura 1), en el que el docente realiza el acto profesional de planificación en términos de objetivos
de aprendizaje y de elementos competenciales (cognitivos, funcionales y personales y sociales) (Roy, 1991).
(ii) La gestión de la clase, como resultado ante todo de la evolución de los contextos, de los recursos
y características del alumnado, nos remite al sector de las interacciones didácticas –presentado también en
la Figura 1-, en el que el docente realiza el acto profesional de intervención (ibidem).
Corresponden, respectivamente, a las lógicas de acción citadas, la lógica disciplinar y la lógica
técnico-profesional porque se trata de la organización interna de los contenidos de las disciplinas, cuyos
elementos y factores armonizados dan cuenta de su dimensión pedagógica y generan implicaciones
educativas consecuentes.

LAS COMPETENCIAS COMO COMPONENTES DE LA PROFESIONALIDAD DEL DOCENTE


Según el Consejo europeo de Lisboa (2000), todo ciudadano europeo debe poseer los conocimientos
necesarios para poder desenvolverse en la sociedad del conocimiento actual, en la que estamos asistiendo a
un incremento de demanda de capacidades y cualificaciones, a nivel tanto personal como socio-profesional,
y un marco europeo debería definir las nuevas cualificaciones básicas que deben proporcionarse a todos los
individuos desde las primeras edades y a lo largo de toda la vida, para contribuir al desarrollo sostenible de
nuestra sociedad.
Se plantearon trece objetivos conexos comunes, relativos a la calidad, la accesibilidad y la flexibilidad
de los sistemas de educación y formación nacionales. Ante la formulación precisa del Objetivo estratégico 1.
Mejorar la calidad y la eficacia de los sistemas de educación y formación en la UE, se ha añadido que para
su logro:
(…) deberá prestarse mayor atención a elevar el nivel de la cualificaciones básicas
[competencias clave], (…) garantizar una docencia de calidad, ofrecer una formación inicial
del profesorado adecuada, así como un desarrollo profesional continuo de profesores y
formadores (…) impulsar unos sistemas eficaces de aseguramiento de la calidad (Diario
Oficial de la Unión Europea, 2009, pp.3-4).
Y, de los objetivos conexos que conllevan estas determinaciones destacamos el Objetivo conexo 1.1.
Mejorar la educación y la formación de profesores y formadores, por su referencia a nuestro trabajo.
Aun cuando Denyer, Furnémont, Poulain & Vanloubbeek (2007) insisten en que la educación ha
valorado antes que los ámbitos laborales las cuestiones referidas a las competencias y su desarrollo en los
individuos, no se puede obviar que su origen se encuentra en el programa de alcance internacional, llevado
a cabo entre 1997-2003, Definición y Selección de Competencias (DeSeCo, 2003), en el que se proporcionan
los fundamentos teórico-conceptuales aplicables y adaptables para las políticas educativas de todos los
países, en colaboración con la UNESCO.
En Eurydice (2002), se recogen como “las competencias genéricas que los individuos necesitan para
convertirse en miembros activos de un mundo profesional flexible, con capacidad de adaptación” (p.155). De
sus denominaciones y definiciones, destacamos la denominada 8. Expresión cultural que vincula

599
A Escola: Dinâmicas e Atores

explícitamente a la Música y cuya descripción es la siguiente: “La expresión cultural comprende una
apreciación de la importancia de la expresión de ideas de forma creativa en una serie de medios de expresión,
incluyendo la música, expresión corporal, literatura y artes plásticas” (Comisión Europea, 2004, pp.8-9).
Con la finalidad de poner a disposición puntos de referencia y convergencia, de mejorar la
comprensión mutua de las enseñanzas musicales superiores en Europa, e informar a los interesados a nivel
de las materias, en el año 2000, por iniciativa de las Universidades de Deusto y Groningen, comienza a
desarrollarse el proyecto de cooperación Tuning - Sintonizar las estructuras educativas de Europa. Los
documentos Tuning Project Educational Structures in Europe (2006) y Tuning Educational Structures in
Europe (2009), pretenden armonizar y hacer comparables, compatibles y transparentes los planes de estudio.

Precisiones sobre la noción de competencia para el ámbito disciplinar de la enseñanza de


la Música
Para centrarnos en la competencia clave 8, que incluye la atención al ámbito del aprendizaje y la
enseñanza de la Música, estimamos oportuno exponer algunos datos significativos que sustentan su
configuración, su identificación y comprensión.
A la búsqueda de un consenso sobre la noción consolidada que encierra el término competencia,
Legendre (2008) nos aporta que la noción de competencia, desde los años setenta, se ha desarrollado en el
mundo del empleo para incidir en las capacidades de los individuos en el desempeño de sus puestos de
trabajo. Su paso al ámbito de la didáctica profesional plantea que será mediante una pedagogía centrada en
las actividades como los conocimientos se construirán de forma dinámica, en función de situaciones de
actuación profesional eficaz. Son las actuaciones profesionales para resultados prácticos las que guían la
toma de decisiones para organizar los programas formativos, y proponer situaciones pedagógicas en relación
directa con el ejercicio de la actividad profesional.

Sus implicaciones
Esta vinculación de las competencias a la acción, a la profesión, se encontraba ya explícita en
Pedagogía, y en Perrenoud (2004) -que se ocupa de clarificar su confusión conceptual-, encontramos que
toda competencia conlleva un saber hacer complejo (un grado de suficiencia), para desempeñar una función
o realizar una tarea en determinadas situaciones. Conforme a una terminología cognitivista, se trata de
conocimientos tomados como un saber declarativo de elementos cognitivos; aptitudes (capacidades,
habilidades, destrezas), como un saber hacer de elementos funcionales; y actitudes tomadas como un saber
ser de elementos personales y sociales.
Esta consolidación de competencia en su acepción académica, como nos presenta el análisis y
reflexión de Riesco González (2008) en un representativo artículo para nuestro ámbito de la Educación
Superior, se ha logrado gracias a “la voz de los expertos” que “destacan que no basta con nombrar la
competencia; hay que definirla y hacerla operativa” (p. 93).

Condiciones intrínsecas para las enseñanzas musicales


Se entiende que nos situamos ante un enfoque por competencias, las cuales se convierten en
objetivos de aprendizaje que requieren, en primer lugar, hacer explorar/seleccionar, formalizar/estructurar e
integrar/movilizar de forma adecuada esos saberes de conocimientos declarativos, aptitudes y actitudes de

600
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

orden tanto cognitivo, como funcional (que incluye lo psicomotriz) y personal y social (que incluye lo socio-
afectivo y emotivo). En segundo lugar, tomar en consideración para las situaciones pedagógicas, las
características que Roegiers (1999) ha enunciado como: 1. Movilización de un conjunto de recursos y 2.
Relación con una familia de situaciones, junto a las fases y condiciones del proceso de aprendizaje que
ilustran los investigadores. Y, en tercer lugar, delimitar los componentes curriculares objetivos pedagógicos y
competencias para las enseñanzas musicales en los niveles que nos ocupan, asegurando las
compatibilidades entre programas. Para ello, se tiene en cuenta el Marco de Certificaciones del EEES, los
Descriptores de Dublín y de Dublín / Polifonia (DDP), en donde se presentan los objetivos en tres partes. Sus
denominaciones y descripción de competencias se ofrece en los términos de objetivos prácticos, teóricos y
generales.
Al mismo tiempo, se estima la necesidad de tener en cuenta el trabajo del Groupe de Travail Polifonia
sur le Troisième cycle (2007) en donde se alude a un esquema de referencia sobre los tipos o aspectos de
aprendizaje para esos objetivos y competencias. A ellos subyacen, para cada situación pedagógica centrada
en el alumno, los objetivos de aprender, apropiarse, interiorizar y utilizar.

Funciones y actuaciones profesionales docentes. Sus principios


De forma complementaria a estas especificaciones, accedemos a las aportaciones que, desde
diversas instancias, contemplan al docente a través de la función central que hemos descrito anteriormente:
gestionar la situación pedagógica.
Perrenoud (2004), consciente de la imposibilidad de abordar las competencias sólo desde un punto
de vista técnico y para facilitar su identificación, las sintetiza en términos operativos. Propone cuatro funciones
de todo docente que estima prioritarias:
§ Organizador de una pedagogía constructivista y responsable del sentido de los contenidos;
§ Creador de situaciones de aprendizaje;
§ Gestor de la heterogeneidad; y
§ Regulador del proceso y del itinerario de formación.
Forman parte de un conjunto de constantes que diversos estudios observacionales identifican en el
trabajo docente como planificación, información, facilitación del aprendizaje, mediación o evaluación del
proceso, entre otras. Existen correspondencias con los planteamientos del Proyecto Tuning (2003), cuando
precisamente se puede leer en el documento Tuning Project Educational Structures in Europe (2006) que “El
nivel disciplinar / área de conocimiento es el contexto apropiado para (…) relacionar cursos y títulos con
mapas de profesiones y perfiles académicos profesionales (…) identificar competencias” (p.80). Y cuando
además se desprende del mismo que la clasificación que en él se encuentra de las competencias (las
genéricas y las disciplinares) por sus funciones instrumentales, interpersonales y sistémicas, se convierte en
el marco aplicable para el sector profesional docente.

UN DOBLE PERFIL PROFESIONAL EN LOS MÚSICOS INSTRUMENTISTAS


Desde la toma de conciencia de las diferentes formas en las que se desarrolla la formación del músico
instrumentista, en el estudio de Vicente y Aróstegui (2003) sobre las expectativas laborales de los titulados
en el Grado Superior de Música, se han identificado dos: la interpretación y la enseñanza, que conllevan
efectivamente la emergencia en el músico instrumentista de un doble perfil profesional: la interpretación y la

601
A Escola: Dinâmicas e Atores

docencia. Es evidente que con la introducción de la formación específica a la docencia, se ha asumido una
doble identidad en el músico instrumentista y, en consecuencia, ese doble perfil profesional de intérprete y de
profesor.
Así se expone en Polifonia Working Group for Instrumental and Vocal Music Teacher Education (2010)
en donde, bajo el enfoque de la calidad, se atiende al desarrollo de una profesionalidad y se describen los
diferentes factores que pueden definir la identidad profesional del músico–intérprete y del músico-profesor.
Nos encontramos ante la configuración de un doble perfil profesional que se inscribe -para esas disciplinas
instrumentales-, en su referente socio-histórico; inserta esas prácticas interpretativas en el estilo en una
tradición histórica -es decir, en la identidad del músico-intérprete según un modelo cultural enraizado en un
modelo didáctico instituido que incorpora lo pedagógico a lo artístico, a la búsqueda de la excelencia-; y que
conlleva la integración de competencias estimadas necesarias.
En el itinerario conceptual en torno a la identidad profesional, al perfil profesional del docente en
general en educación y sus competencias, Roy (1991) centró la atención en el significado intrínseco de acto
profesional de enseñanza, y siguiendo la opinión de Zabala y Arnau (2007) sobre las competencias
genéricamente consideradas, conviene que sean descritas tomando como eje la noción de interacción
didáctica (comunicativa), actualizada en las relaciones pedagógicas. De forma coherente, cabe decir que son
las competencias profesionales docentes las que legitiman -para y en la gestión de la situación pedagógica-,
las funciones, actuaciones y dispositivos profesionales de enseñanza, y los esquemas de acción en cada
contexto académico.

CONCLUSIONES
Para las instituciones de educación y formación, la convicción de que la calidad del aprendizaje es el
resultado de la calidad de la enseñanza se percibe como un desafío derivado de las competencias sociales,
culturales y de política educativa. Podemos afirmar que la calidad es inseparable de la pertinencia social, y
que la exigencia de calidad -y las políticas que pretenden asegurar la calidad-, implica al docente esforzarse
por adquirir competencias y hacer mejorar así cada componente de la institución, y la institución misma como
entidad global que funciona como un sistema coherente. Y es en relación con las dinámicas internacionales
y nacionales como los conceptos de calidad y de competencia se dan la mano –complejos, dinámicos,
pluridimensionales y evolutivos-, y han suscitado importantes debates para determinar una visión y una
aplicación consensuada.
Es así que tanto la calidad como las competencias, se utilizan ya sea en sentido normativo de grado
de excelencia, ya sea en sentido descriptivo como un rasgo o atributo, y susceptible en ambos casos de
expresión cuantitativa y cualitativa. La demanda de calidad es una realidad que, hoy, a todo sistema educativo
le concierne dar respuesta. Tanto la calidad -abordada como un conjunto de características y propiedades
relacionadas de forma sistémica -, como las competencias del docente, son la expresión de diversas
coherencias entre los componentes de todo sistema y deben satisfacer las necesidades y expectativas de los
potenciales destinatarios.
Se necesita así de un profesional de la educación que cuente con herramientas conceptuales y
metodológicas que ayuden a entender e intervenir en situaciones educativas que son singulares y, por
definición, complejas y es por lo que se pretende la delimitación y legitimidad de esa profesionalización por
parte de los organismos oficiales y a través de modelos de profesionalidad. Nos encontramos ante una

602
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

necesidad de competencias que son disciplinares, pluri y transdisciplinares que delimitan un concepto
holístico del orden de la acción eficiente, eficaz y creativa en los contextos profesionales, en la que se
movilizan recursos internos y externos, orientada a una finalidad, a un desarrollo contextualizado que es más
cuestión de un saber combinatorio (integrado y movilizado).
La transformación profunda que se está produciendo en el aprendizaje y la enseñanza de la Música,
como ocurre en el ámbito de la Educación no es sólo en el nivel de las opiniones y de los conceptos
conscientes sino -y lo que es más importante-, en el de la percepción y los hábitos de pensamiento, con
frecuencia inconscientes, sobre los cuales los docentes basamos nuestro discurso y nuestras acciones.
Retomamos por tanto la convicción genérica -extensiva a los niveles educativos superiores y a todas las
disciplinas-, que para enseñar no basta con saber la asignatura.
Con respecto al propio proceso de investigación, la oportunidad, pertinencia y utilidad buscadas en la
producción de conocimiento relativo a los componentes de la profesionalidad del docente se han visto
sustentadas, por la recopilación de aportaciones teóricas, conceptuales, institucionales, académico-
educativas y empíricas que, procedentes de múltiples contextos y diversos ámbitos disciplinares, así como
de profesionales expertos, han contextualizado esta investigación en el marco de la creciente
institucionalización de la especialidad de Interpretación en la Educación musical. Cabe confirmar, por tanto,
la existencia de una preocupación común compartida por inscribir y legitimar las enseñanzas y la investigación
en el ámbito de la Música en los parámetros de transparencia, armonización, comparabilidad y acreditación.
Con respecto a los resultados obtenidos en función del objeto de estudio y de los objetivos planteados,
el hecho de situarnos en la perspectiva de su utilización como un posible modelo didáctico nos ha permitido,
por una parte, la exposición de evidencias que se inscriben en las necesarias y complementarias corrientes
de la orientación cultural de las enseñanzas correspondientes a las disciplinas instrumentales y de la
profesionalización de los docentes de la especialidad, delimitando el estatus y la identidad del perfil profesional
del docente para la mejora de la calidad de la enseñanza en la gestión de la situación pedagógica. Por otra,
la demostración de una fuerte vinculación de las funciones y actuaciones profesionales del docente de la
especialidad al perfil profesional competencial respecto de un sistema experto de competencias profesionales
docentes; derivadas éstas de las dinámicas europeas en materia de comparabilidad y transparencia de las
cualificaciones.
Con respecto a las perspectivas para futuras investigaciones, entendemos que este trabajo puede
abrir varias perspectivas de investigación con la finalidad última de contribuir a optimizar las acciones relativas
al aprendizaje y enseñanza de la Música y de la configuración del perfil competencial del docente en la
perspectiva de la mejora de la calidad explorando las lógicas disciplinar y técnico-profesional para establecer
pautas de adaptación, identificar factores de actualización y enriquecer y afianzar su estructura y organización.

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605
A Escola: Dinâmicas e Atores

TIPO DE PROFESSOR E TIPO DE TURMA: DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA


EM TERMOS DA EFICÁCIA DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM SALA
DE AULA NO ENSINO BÁSICO
[ID 371]

Paulo Coelho Dias


Instituto Politécnico de Santarém; CIES – Instituto Universitário de Lisboa
paulo.dias@ese.ipsantarem.pt; pgdias@sapo.pt

Resumo
Num estudo anterior procurámos aferir até que ponto as características pedagógicas do professor
condicionavam os níveis de aprendizagem dos respetivos alunos. Nesse estudo fomo-nos apercebendo,
colateralmente, que algumas das variáveis referentes ao desempenho pedagógico dos professores, se
revelaram fortemente dependentes do conjunto dos alunos integrantes de cada turma. Nesse sentido, ficou
por desvendar qual a relação que se estabelece entre o tipo de professor e o tipo de turma.
Assim, nesta comunicação procuraremos dar resposta ao seguinte questionamento: Serão as características
pedagógicas de cada professor, que definem graus diferenciais da sua eficácia, condicionadas pelo tipo de
turma?
A amostra que serviu de base a este artigo foi composta por 24 professores e 651 dos seus alunos,
representativa das escolas do Concelho de Olhão, Distrito de Faro. Como Plano de Observação recorremos
a grelhas categorias de avaliação de sala de aula construídas por nós como resultado de um ano letivo
completo de observação. Paralelamente, utilizámos grelhas de registo de sala de aula por sinais para
quantificar a quantidade e a qualidade da informação veiculada pelo professor e pelos alunos em sala de aula.
Como resultados mais salientes da análise destaca-se desde logo, a confirmação da eficácia relativa dos
professores entre si. Neste âmbito, destaca-se como uma variável fundamental a capacidade do professor
para controlar o comportamento da turma, porquanto esta variável condicione outras como o processo de
interação em sala de aula que é decisivo para a aprendizagem. Se é certo que a variável tipo de professor é
fundamental para explicar uma parte relevante dessa capacidade de controlo, verdade é, também, que essa
variável interage com o tipo de turma, pelo que a eficácia do professor não pode ser desligada da turma com
a qual trabalha, em termos que nós apresentamos e problematizamos a diversos níveis.

Palavras-chave: Processo de ensino-aprendizagem, Eficácia do Professor, Estudos de sala de aula.

Résumé
Dans une étude précédente, nous avons cherché à évaluer dans quelle mesure les caractéristiques des
enseignants influent sur les niveaux d'apprentissage des élèves. Dans cette étude, entre-temps, nous avons
réalisé, collatéralement, que certaines des variables liées à la performance éducative des enseignants, se
sont avérés fortement dépendantes des caractéristiques de chaque classe. En ce sens, il était d'étudier quelle
est la relation qui est établie entre le type d'enseignant et le type de classe. Ainsi, cette communication
cherchera à répondre à la question suivante: Les caractéristiques pédagogiques de chaque enseignant, qui
définissent des degrés différentiels d'efficacité, sont conditionnée par le type de classe?
L'échantillon qui a été la base de cet article a été composé de 24 enseignants et 651 de leurs étudiants des
écoles de Olhão, Faro. Comme plan d'observation nous avons utilisé grilles catégorielles construites par nous.
Dans le même temps, nous avons utilisé des grilles des signes pour quantifier la quantité et la qualité des
informations fournies par l'enseignant et les élèves dans la classe.
Comme les résultats les plus saillants de l'analyse se distingue immédiatement, la confirmation de l'efficacité
relative des enseignants entre eux. Dans ce contexte, se distingue comme une variable clé de la capacité de
l'enseignant à contrôler le comportement de la classe, parce que cette variable influences d'autres comme les
débats dans la salle de classe qui sont cruciales pour l’apprentissage. Il est certain que le type d'enseignant
est fondamental pour expliquer une partie importante de la capacité de gestion, mais il est également vrai que
cette variable interagit avec le type de classe, de sorte que l'efficacité des enseignants ne peut pas être
déconnecté de la classe avec laquelle cela fonctionne en termes que nous présentons et problématisons a
différents niveaux.

Mots-clés: Processus d'enseignement-apprentissage, Efficacité des enseignants, Observation en classe.

606
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

INTRODUÇÃO
Nos últimos anos têm vindo a acentuar-se pressões cruzadas sobre os sistemas de ensino para que
sejam alcançados níveis mais elevados de formação escolar e de especialização, fundamentalmente devido
à globalização e ao consequente aumento da competição nos mercados mundiais. Neste processo, acentua-
se a relevância da avaliação das escolas lato sensu e da eficácia dos professores stricto sensu (Libman, 2012,
p.159).
Tradicionalmente, os estudos sobre eficácia do professor tendiam a circunscrever o seu âmbito à
análise restrita do efeito da pedagogia do professor junto dos seus alunos. Paralelamente, os estudos sobre
avaliação do desempenho do professor surgiram da necessidade de avaliar as escolas sendo a avaliação do
desempenho dos professores um dos seus braços fundamentais de análise, fundamentalmente no âmbito da
microescala, ou seja, na chamada avaliação interna das escolas. Pelas inevitáveis interseções os estudos
sobre eficácia do professor e sobre a avaliação do desempenho docente acabaram por encontrar-se. A
eficácia do professor é, assim, cada vez mais, estudada e contextualizada no âmbito da avaliação das
escolas.
Por sua vez, isolar a avaliação das Instituições Educativas do respetivo Território Educativo (Pinhal,
1993), constituiria um erro de análise porquanto se tenha percebido que existe uma parte não negligenciável
(se não a maior) do sucesso escolar dos alunos que precede a sua entrada na Escola e que decorre do seu
capital cultural familiar (Bourdieu & Passeron, s.d.; Bernstein, 1985; 1996; etc.). Assim, no atual estado da
arte a inclusão da comunidade educativa como um dos pilares inexoráveis da explicação do sucesso dos
alunos é fundamental. Ainda assim, o principal foco de atenção tem vindo a deslocar-se da família ou, mais
propriamente, da família como explicação exclusiva, para o Professor.
Porquê dedicar ao papel do Professor um lugar de destaque nesse trinómio -Família, Escola,
Professor? Porque as condições familiares de partida das famílias dos alunos são essencialmente irredutíveis
(Libman, 2012) e, assim sendo, a procura de uma solução para a melhoria do sucesso escolar dos alunos
desloca-se para a Escola, globalmente entendida e, de uma forma especial, para o Professor. Neste âmbito,
há cada vez mais estudos que demonstram que, perante uma mesma turma, diferentes professores
conseguem apresentar resultados completamente diversos entre si (Rivkin, Hanushek & Kain, 2005).
Face ao exposto, o objeto desta comunicação é, primeiramente, a identificação de práticas
pedagógicas mais eficazes por parte do professor (no seguimento de um estudo anterior Dias, 2011),
procurando, seguidamente, contextualizá-las no âmbito das turmas onde foram observadas, perspetivando
em que medida esse perfil de desempenho do professor, desde logo a sua eficácia relativa, é condicionada
pelas caraterísticas das turmas onde leciona.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A procura da melhoria dos resultados dos alunos e, mormente, a tentativa de diminuir as taxas de
repetência e de abandono escolar são uma das maiores preocupações atuais no âmbito da investigação
educacional (Mangiante, 2012; Libman, 2012). Nesta procura de elevação do sucesso escolar dos alunos um
dos braços mais relevantes de investigação tem-se situado, desde logo no âmbito da Sociologia da Educação,
em torno do contexto familiar dos alunos, por exemplo, em termos do capital cultural diferencial que as familiás
facultam (Bourdieu e Passeron, s. d.) e dos códigos linguísticos também eles decorrentes do contexto familiar
(Bernstein, 1985, 1996) enquanto antecedentes e condicionantes do processo de ensino-aprendizagem em

607
A Escola: Dinâmicas e Atores

sala de aula. De facto, quer na natureza dos curricula (aquilo que se ensina), quer na forma como se ensina
as estruturas de conhecimento e de captação e produção de conhecimento são inicialmente e
maioritariamente construídas no contexto familiar ou noutro que o substitua constituindo, no momento da
apropriação do saber e na hora da sua transmissão, um fator de favorecimento ou de desfavorecimento,
consoante nos localizamos junto de alunos das classes mais altas ou mais baixas. Contudo, uma vez que as
intervenções junto das famílias tendem a ser essencialmente mais irredutíveis, é do lado da escola e mais
especificamente dos respetivos professores que se centra a atenção por forma a conseguir as melhorias
desejadas (Libman, 2012), porquanto se saiba que o tipo de professor é a variável que sozinha mais explica
sobre os resultados da escola (Eide et al, 2004; Ellett & Teddlie, 2003; Hattie, 2009; Rivkin, Hanusek & Kain,
2005; Scriven, 1994). Mormente, a reforçar esta tendência, existe inúmera evidência empírica que atesta que,
perante uma mesma turma, diferentes professores conseguem resultados completamente distintos,
demonstrando que, para além do contexto familiar anteriormente mencionado, existe de facto um papel
inquestionável do professor nesse processo (Rivkin, Hanushek & Kain, 2005), remetendo, para a eficácia do
professor. Consequentemente, tem aumentado a atenção sobre os meios mais eficazes e fidedignos para
medir o desempenho do professor (aquilo que ele faz) e a sua eficácia (o seu impacto nos alunos). Neste
âmbito, a observação de aulas concretas é o instrumento por excelência para esse fim, mas há que ter em
conta que “a eficácia do professor é um constructo complexo que depende de um número elevado de variáveis
que têm efeitos diretos e indiretos na aprendizagem dos alunos. A eficácia de um professor não é apenas
responsabilidade dele, mas, antes, é responsabilidade da escola como um todo e dos seus membros (alunos
e pessoal).” (Campbell et al, 2004, p.217). Na verdade, a eficácia do professor nãos nasce do nada, ex nihilo
nihilis, sendo um processo interativo ela decorre, desde logo, dos alunos, das turmas, das escolas, do
respetivo território educativo (Glass, 2004; OECD, 2005; Thrupp, 1999). Neste âmbito, ainda não existe um
acordo entre os investigadores quanto aos indicadores que devem ser usados para definir «qualidade de
lecionação», uma vez que diferentes indicadores usados produzem resultados inconsistentes, inconclusivos
ou até contraditórios» (op. cit., p.159). Esta situação decorre do enfoque com o qual tais análises são feitas,
em função dos diferentes stakeholders educativos psicólogos, sociólogos, políticos, éticos, etc. (Dwyer &
Stufflebeam, 1996). Ainda assim, e, focalizando-nos especificamente na sala de aula, existe algum consenso
em torno das seguintes dimensões de eficázia: a organização ou o planeamento de sala de aula, o
relacionamento ou o clima de aula (Farr, 2010; Felouzis, 2007; Mangiante, 2011; Opdenakker & Damme,
2006), o nível comunicacional (Ballou & Podgursky, 2000; Gustafsson, 2003; OECD, 2005; Rice, 2003;
Youngs et al, 2003), a capacidade de gestão do grupo-turma (Morgan et al, 2014; Opdenakker & Damme,
2006) e os resultados dos alunos (Cochran-Smith, 2001; Glass, 2004, Schalock, 1998) embora se saiba que,
exatamente pelo seu caráter interativo, algumas das componentes do desempenho do professor sejam mais
estáveis do que outras (Polikoff, 2013). Por esta razão, nos últimos dez anos, tem vindo a aumentar o
interesse em torno da estabilidade do desempenho do professor e da sua eficácia (Campbell et al, 2004;
Darling-Hammond et al, 2012; Goldhaber & Hansen, 2010; Papay, 2011; Polikoff, 2013; Welsh, 2011).

METODOLOGIA
Amostra
A amostra que serviu de base a este artigo foi composta por vinte e quatro professores e 651 dos
seus alunos, representativa das escolas do Concelho de Olhão, Distrito de Faro. A amostra de alunos do 5º

608
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ano correspondeu a 179 indivíduos do sexo masculino (52.6%) e 161 do sexo feminino (47.4%). Por sua vez,
a amostra do 7º ano é composta por 163 alunos do sexo masculino (52.4 %) e por 148 do sexo feminino (47.6
%). (Para uma descrição detalhada vidé Dias, 2009, 2011).

Plano de Observação
A informação respeitante a este artigo (que, por sua vez, é parte integrante de um estudo maior)
resultou de dois anos de observação de sala de aula. No primeiro ano de observação começámos com um
estudo naturalista (observação direta não participante) a registar num diário de campo o máximo de
informação possível referente a cada contexto de sala de aula, procurando, gradualmente, identificar as
variáveis mais importantes decorrentes da própria realidade observável. À medida que fomos observando
tudo sem qualquer especificação em particular, começámos a perceber que certos aspectos eram mais
importantes do que outros para compreender o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula. Só após
termos identificado tais variáveis construímos as nossas próprias grelhas categoriais de observação do
comportamento docente (grelha contendo dezanove variáveis passíveis de caracterizar o perfil de cada
professor). Este primeiro instrumento construído possibilitou-nos caracterizar a dimensão pedagógica do
desempenho de cada professor. Posteriormente, os professores foram avaliados aula a aula, em cada
unidade temática, segundo essas variáveis, pontuadas numa escala de um a cinco, identificando, no nível
mínimo da escala, um comportamento ineficaz (I) e, no outro, o correspondente comportamento eficaz (E),
Paralelamente, desenvolvemos uma grelha de sinais (parcialmente adaptada de Estrela, 1995)
através da qual construímos sinais específicos para a classificação e posterior medição de cada uma das
formas de comunicação verbal em sala de aula (exposições, perguntas ou respostas dos alunos e/ou do
professor).
Para cada aula observada foi feita a posterior quantificação da sinalização desenvolvida por cada
aluno e pelo professor o que deu origem, por sua vez, à criação de cinco variáveis: a quantidade e qualidade
da informação transmitida pelo professor em cada aula (Índice Geral Médio de Observação da Informação
Transmitida pelo Professor - IGMOITP); a quantidade e a qualidade de informação transmitida pelos conjunto
dos alunos (Índice Geral de Observação - IGO), o número de incentivos do professor à participação dos alunos
ao longo de cada aula (Índice Geral Médio de Incentivo de Transmissão de Informação – IGMITI) e, por fim,
construímos uma variável onde medimos o número de vezes que a aula foi bloqueada por níveis de ruído tão
intensos que ficaram impossibilitadas todas as formas de comunicação verbal entre o professor e os alunos
(Índice Geral Médio de Ruído Extremo – IGMRE). Esta variável foi criada por oposição a todas as situações
em que os níveis de ruído foram sempre perfeitamente compatíveis com a circulação de informação (na
maioria das vezes resultando dela), situação que, por isso, designámos por ruído funcional.
Identificámos, ainda, o tempo médio de estudo para cada aluno (pelo Manual Escola e/ou pelos
apontamentos das aulas), o que deu origem à variável TRAB. Posteriormente, para a avaliação do
desempenho dos alunos, passámos a cada uma das turmas três avaliações estandardizadas de
conhecimentos cuja classificação deu origem às variáveis NNOTA1, NNOTA2 e NNOTA3 (nesta comunicação
apenas nos ativemos a NNOTA1). Na participação verbal, para além da variável IGO, que já referimos atrás,
construímos ainda uma outra variável TRAB através da qual medimos a percentagem de participação de cada
aluno em cada aula (esta variável não foi usada nesta comunicação).

609
A Escola: Dinâmicas e Atores

Modelo de análise e procedimentos


Aplicámos uma análise fatorial ao conjunto das dezanove variáveis da grelha categorial do professor
para ver se haveria alguns fatores agregadores das tendências das várias variáveis estudadas. Com base
nesse estudo conseguimos isolar quatro fatores, identificados pelas variáveis com maior saturação em cada
um deles (vidé, Bryman e Cramer, 1996): denominámos o primeiro fator relacionamento entre o professor e
os alunos (RELACI); o segundo, nível de planeamento das aulas (PLANEA); por sua vez, o terceiro
denominámos forma de comunicação dos conteúdos pelo professor (COMUNI); o quarto, utilização de
recursos inovadores na transmissão de conteúdos feita pelo professor (RINOVA). Este fator como só
apresentava uma única variável foi abandonado.
Para isolarmos a variação (se alguma) observada nos três fatores supramencionados e nos quatro
índices referidos, observmos a lecionação de cada um dos 24 professores acompanhados junto da sua melhor
e pior turma (que foram escolhidas seguindo o próprio critério do professor). Posteriormente, recorremos ao
uso do Teste U de Mann – Whitney para o estudo comparativo de duas amostras não relacionadas (neste
caso as duas turmas de cada professor).

ANÁLISE DE DADOS
Diagrama Causal - 5º e 7º anos

PPART

(0 .2 7/ 0 .2 6 ) (0 .3 5/ 0 .3 2 )

IGO

(0 .53 / 0 .53 )
(0 .14 / 0 .15) (0 .19 / 0 .18 )

(0 .18 / 0 .15)
(0 .2 2 / 0 .4 7)
COMUNI NNOTA3

(0 .4 6 / 0 .56 )

PLANEA

(0 .56 / 0 .4 3 ) (0 .2 6 / 0 .16 )
(0 .2 4 / 0 .2 2 )
(0 .2 0 / 0 .2 6 )

(-0 .4 2 / -0 .3 9 )
(0 .2 6 / 0 .3 6 )
IGMRE IGMOITP TRAB (0 .4 4 / 0 .77)
NNOTA2
(-0 .14 / -0 .2 8 )
(0 .3 8 / 0 .3 7)
(-0 .2 4 / 0 .18 )

(-0 .13 / -0 .2 4 )
RELACI (0 .2 9 / 0 .51) (0 .2 4 / 0 .2 1) (0 .4 7/ 0 .6 7)

(-0 .0 7/ -0 .13 )

NNOTA1
IGMITI

Características do Professor e Dinâmica de sala de aula


1. Informação transmitida pelo professor (IGMOITP). (Valores de associação das variáveis por ordem
decrescente de relevância para IGMOITP):
§ IGMRE (ß=-0.41956, p<0.001);
§ PLANEA (ß=0.25552, p<0.05);
§ RELACI (ß=-0.24158, p<0.05).
2. Níveis de ruído extremo (IGMRE):
§ Relação não recursiva (seta dupla) com o Planeamento (PLANEA):
a) Quanto menor a capacidade do Professor para controlar a turma maior o ruído extremo e vice-
versa V7 (Ƭ=-0.70, p<0.000005);
3. Planeamento da aula (PLANEA):
§ Relação não recursiva com COMUNI (mútua influência com PLANEA):

610
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

a) Exposições dos assuntos de uma forma sequencialmente lógica, recorrendo a factos


significativos/Bom Plano de Aula (PLANEA) permite, tendencialmente, uma localização ao nível
da compreensão dos alunos (COMUNI) (Situação de eficácia); Professores que saltaram
etapas no processo expositivo/sequenciamento errado ou incompleto/Ausência de ou mau
Plano de Aula (PLANEA) tendem a localizar-se, tendencialmente, fora do nível da compreensão
dos alunos (COMUNI) (Situação de ineficácia);
b) Um professor com níveis médios ou elevados de adaptação ao nível de compreensão
comunicacional dos alunos (COMUNI) apresenta maior facilidade em implementar um Plano
de Aula (quando ele existe) (PLANEA). (Situação de eficácia); Um professor com níveis médios
ou elevados de inadaptação ao nível de compreensão comunicacional dos alunos (COMUNI)
apresenta maior dificuldade em implementar um Plano de Aula (quando ele existe, mesmo que
bem delineado) (PLANEA). (Situação de ineficácia)
4. Relacionamento na aula (RELACI):
§ Relação não recursiva com IGMRE. (Relação moderada pela capacida-de de gerir a turma (V7)):
a) Se o Professor consegue gerir a turma (V7) o relacionamento, fortemente afetivo, entre o
professor e os alunos (RELACI) é positivo: predominam as situações em que se desenvolvem
debates de sala de aula com amplo envolvimento dos alunos (Situação de eficácia);
b) Se o professor não consegue gerir a turma (V7) o ruído eleva-se vezes de mais tornando-se
extremo. Tendencialmente, aumentam os níveis de irritabilidade do professor, associados a
maior impaciência, começando a dar as respostas directamente, não promovendo a
competição saudável entre os alunos (pois poucos são os que continuam a acompanhar a aula)
e demonstrando parcialidade, pois, uma vez que os restantes não se interessavam pela aula,
o professor leciona para esse grupo de alunos com os quais se mantem praticamente em
diálogo fechado (RELACI). (Situação de ineficácia);
§ Relação não recursiva com IGMITI. Os professores que não incentivam ou até cortam as tentativas
de participação oral dos alunos apresentam, tendencialmente um pior relacionamento com os
alunos (RELACI). (Situação de ineficácia); Os professores que, pelo contrário, promovem e
incentivam a participação nos debates de sala de aula desenvolvem, tendencialmente, um melhor
relacionamento com os alunos (situação de eficácia).

Características do professor, dinâmica de sala de aula e estratégia de estudo dos alunos.


§ Estudo formal para a disciplina (TRAB). (Valores de associação das variáveis por ordem decrescente
de relevância para TRAB):
§ PLANEA. 5º ano: ß=0.56486, p<0.00005; 7º ano: ß=0.42975, p<0.00005.
§ IGMOITP: 5º ano: ß=0.25762, p<0.01; 7º ano: ß=0.35516, p<0.0005.
§ COMUNI. 5º ano: ß=0.26209, p<0.01; 7º ano: ß=0.16209, p<0.01.
§ IGMRE. 5º ano: ß=-0.13984, p<0.05; 7º ano: ß=-0.28289, p<0.005.

Características do professor, estratégia de estudo e aprendizagem dos alunos.


§ Resultados na escrita (NNOTA1). (Valores de associação das variáveis por ordem decrescente de
relevância para NNOTA1):

611
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ TRAB. 5º ano: ß=0.47412, p<0.00005; 7º ano: ß=0.67437, p<0.00005.


§ IGMOITP. 5º ano: ß=0.29442, p<0.0005; 7º ano: ß=0.51152, p<0.00005).
§ COMUNI. 5º ano: ß=0.23984, p<0.0005; 7º ano: ß=0.21091, p<0.05.
§ RELACI. 5º ano: ß=-0.07483, p=0.05; 7º ano: ß=0.13200, p<0.05.
§ Resultados na oralidade (IGO). (Valores de associação das variáveis por ordem decrescente de
relevância para IGO):
§ RELACI. 5º ano: ß=0.53094, p<0.00005; 7º ano: ß=0.53174, p<0.00005. Tendencialmente, são os
professores que privilegiam um melhor ambiente em sala de aula, nomeadamente, levando os
alunos à descoberta das respostas em vez de apresentá-las directamente, promovendo um nível
elevado de competição saudável entre eles, num clima de imparcialidade, os que conseguem
maiores quantidades de informação transmitida pelos alunos.
§ PLANEA. 5º ano: ß=0.18530, p<0.00005; 7º ano: ß=0.18048, p<0.05.
§ TRAB. 5º ano: ß=0.18449, p<0.01; 7º ano: ß=0.15530, p<0.05.
§ COMUNI. 5º ano: ß=0.14257, p<0.05; 7º ano: ß=0.14557, p<0.05.

Discussão de resultados
Características do professor, estratégia de estudo e aprendizagem dos alunos
1 - No seguimento de um estudo anterior (Dias, 2011) verifica-se, efetivamente, uma relação entre a
Prática Pedagógica do Professor e os resultados dos alunos, medidos primeiro pelo seu tempo médio
de estudo e, depois, pelos seus resultados numa prova escrita estandardizada e na participação oral
em sala de aula.
Globalmente, verifica-se que os Professores mais eficazes apresentam todas ou algumas das
seguintes competências:
a) Desenvolvem bons Planos de Aula, introduzindo debates de sala de aula onde são mobilizados factos
relevantes e significativos para os alunos, frequentemente partindo e mobilizando os seus saberes
prévios (conceitos âncora). Em termos de resultados médios, esta estratégia suplanta claramente as
aulas expositivas centradas no professor. Mas para poder estabelecer uma tal dinâmica
comunicacional, o professor precisa conseguir controlar o comportamento da turma (pré-condição).
Sem isto a circulação da informação fica comprometida, condicionanado globalmente o planeamento
da aula, dado que o professor não consegue ou consegue com dificuldade implementar o que tinha
previsto no seu Plano de Aula;
b) Por sua vez, a participação nos referidos debates de sala de aula resulta de motivação dos alunos
para esse fim, desde logo decorrente do encorajamento e da monitorização que o professor faz das
participações individuais dos alunos e da sua capacidade para criar um clima de imparcialidade (clima
de aula), para que o debate se alargue ao máximo possível de alunos. Neste processo, a mobilização
dos saberes dos alunos aumenta o incentivo à participação -Temas Geradores de P. Freire (2007)
(RELACI);
c) A forma de comunicação é fundamental- utilização de níveis de linguagem/códigos linguísticos
diferenciados (CR+CE) recomenda-se (COMUNI).
Ainda assim, tendo-se verificado que o controlo das questões disciplinares (ruído extremo) é
fundamental no âmbito da dinâmica de sala de aula, com impactos diretos nos resultados dos alunos, como

612
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

saber se não é o tipo de turma que, nuns casos com alunos mais problemáticos e noutros menos, não
determina tais diferenças disciplinares com evidentes impactos nos resultados encontrados?
Face ao exposto, avançámos, então, para um segundo momento de análise de dados, comparando
as mesmas 19 variáveis estudadas (os três fatores – PLANEA, RELACI e COMUNI) para a melhor e a pior
turma de cada um dos nossos 24 professores. Vejamos (na página seguinte) o que conseguimos:

613
A Escola: Dinâmicas e Atores

TABELA I - Análise de variações nos fatores Relacionamento entre o Professor e os alunos (RELACI), Planeamento das aulas (PLANEA)
e Forma de comunicação dos assuntos pelo Professor (COMUNI) (24 Professores em duas Turmas distintas)

FATOR RELACI
Média dos soma dos
U de Mann- W de Significância
Variável Turma casos números de números de Z
Whitney Wilcoxon Assintótica (bilateral)
ordem ordem
V6 Pior 24 16,88 405,00
Melhor 24 32,13 771,00 105,000 405,000 -3,880 0,000
TotaL=48
V9 Pior 24 21,63 366,00
Melhor 24 27,38 810,00 66,000 366,000 -4,732 0,000
TotaL=48
V10 Pior 24 15,25 519,00
Melhor 24 33,75 657,00 219,000 519,000 -1,460 0,144
TotaL=48
V11 Pior 24 22,81 547,50
Melhor 24 26,19 628,50 247,500 547,500 -0,860 0,390
TotaL=48
V12 Pior 24 19,71 473,00
Melhor 24 29,29 703,00 173,000 473,000 -2,560 0,010
TotaL=48
V13 Pior 24 23,73 569,50
Melhor 24 25,27 606,50 269,500 569,500 -0,404 0,686
TotaL=48

FATOR PLANEA
Média dos soma dos
U de Mann- W de Significância
Variável Turma casos números de números de Z
Whitney Wilcoxon Assintótica (bilateral)
ordem ordem
V1 Pior 24 14,23 341,50
Melhor 24 34,77 834,50 41,500 341,500 -5,325 0,000
TotaL=48
V4 Pior 24 24,21 581,00
Melhor 24 24,79 595,00 281,000 581,000 -0,153 0, 879
TotaL=48
V5 Pior 24 24,31 583,50
Melhor 24 24,69 592,50 283,500 583,500 -0,101 0,920
TotaL=48
V7 Pior 24 12,63 303,00
Melhor 24 36,38 873,00 3,000 303,000 -6,253 0,000
TotaL=48
V8 Pior 24 24,69 592,50
Melhor 24 24,31 583,50 283,500 583,500 -0,096 0,924
TotaL=48
V18 Pior 24 24,44 586,50
Melhor 24 24,56 589,50 286,500 586,500 -0,034 0,973
TotaL=48
V19 Pior 24 15,44 370,50
Melhor 24 33,56 805,50 70,500 370,500 -4,612 0,000
TotaL=48

FATOR COMUNI
Média dos soma dos
U de Mann- W de Significância
Variável Turma casos números de números de Z
Whitney Wilcoxon Assintótica (bilateral)
ordem ordem
V2 Pior 24 23,50 564,00
Melhor 24 25,50 612,00 264,000 564,000 -0,530 0, 596
TotaL=48
V3 Pior 24 24,50 588,00
Melhor 24 24,50 588,00 288,000 588,000 0,000 1,000
TotaL=48
V14 Pior 24 21,98 527,50
Melhor 24 27,02 648,50 227,500 527,500 -1,333 0,183
TotaL=48
V17 Pior 24 24,08 578,00
Melhor 24 24,92 598,00 278,000 578,000 -0,225 0, 822
TotaL=48

614
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Efeito «tipo de turma» na dinâmica de sala de aula


I – PLANEA. A variação das turmas produz alterações estatisticamente significativas neste Fator: diminui
a capacidade de controlo disciplinar da turma pelo professor, afetando negativamente a lógica do
desenrolar da aula, aumentando as perdas de tempo durante a aula (dificultando ou até bloqueando
a implementação do Plano de Aula).
II – RELACI. A variação das turmas produz alterações estatisticamente significativas: Como
consequência de I, aumenta o nível de impaciência do Professor; Eleva-se o número médio de vezes
que ele apresenta as respostas diretamente à turma, passando a centrar-se mais nuns alunos do que
noutros, perdendo imparcialidade. (O professor «refugia-se» nos alunos que o seguem).
III – COMUNI. Não foram verificadas quaisquer diferenças estatisticamente significativas neste fator em
função do tipo de turma.

CONCLUSÃO
Confirmando resultados de um estudo anterior (Dias, 2011), verificámos que existe uma relação entre
as práticas pedagógicas dos professores, as estratégias de estudo dos alunos e os seus resultados, medidos
na escrita e na oralidade. Os professores que facultam maior informação aos alunos são também aqueles
que, tendencialmente, apresentam turmas com tempos médios de estudo mais elevados e em que os alunos
conseguiram melhores resultados, em média. A quantidade de informação transmitida pelo professor, por sua
vez, decorre da capacidade que este profissional tem de controlar disciplinarmente as respetivas turmas. No
caso em que o consegue, a sua eficácia atinge os níveis mais elevados quando procura desenvolver bons
debates de sala de aula, mobilizando o maior número de alunos possível. Neste processo, a adequação da
linguagem do professor (por forma a ser acessível ao nível dos alunos) e, paralelamente, a capacidade de
partir dos conhecimentos dos alunos (conceitos âncora) para alicerçar sobre eles o nome saber a dquirir, é
fundamental.
Por sua vez, ao termos verificado, paralelamente, que a capacidade que cada professor demonstra
de controlar disciplinarmento os seus alunos decorre, em grande parte, do tipo de turma, percebe-se que, em
função das cacarteísticas desta, uma parte muito significativa da eficácia do professor (que referimos em
cima) pode ficar condicionada. O facto da docência ser uma atividade eminentemente relacional encontra
aqui toda a pertinência porquanto se perceba que o professor não leciona sozinho ele fá-lo para e portanto,
condicionado, pelo grupo de alunos ao qual se dirige. Os nossos dados confirmam, assim, estudos de outros
autores segundo os quais a capacidade de «gerir» a turma é fundamental (Brophy, 2000; Hirsch, 1998;
Opdenakker & Damme, 2006). Ainda assim, Opdenakker & Damme (2006), por exemplo, apresentam essa
capacidade como estando apenas ligada ao professor, tendo os nosso dados, pelo contrário, evidenciado a
ligação inexpunável que tal variável apresenta com o tipo de turma, pelo caráter inevitavelmente relacional do
processo de enisno-aprendizagem em sala de aula.
Nesta comunicação apresentámos os valores de eficácia e de interação, tipo de professor/tipo de
turma, agregados para o conunto dos professores. Ora, podendo perspetivar-se que haja variações individuais
por professor, procuraremos, em futuros trabalhos, facultar uma leitura mais fina destes dados, por professor.

615
A Escola: Dinâmicas e Atores

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617
A Escola: Dinâmicas e Atores

A PERCEPÇÃO DE PROFESSORES ACERCA DOS DESAFIOS DA


EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
[ID 403]

Aline Diesel
Daniela Diesel
Centro Universitário UNIVATES/BRASIL
aline.diesel@hotmail.com; danieladiesel@universo.univates.br

Resumo
Esta comunicação é resultado de uma dinâmica desenvolvida com os 14 professores que integram o quadro
docente de uma escola de Educação Básica, de uma cidade do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Essa
dinâmica, realizada ao longo de uma oficina denominada “Metodologias Ativas de Ensino da Educação
Básica”, ministrada pelos autores deste trabalho, foram disponibilizados diversos objetos, cabendo aos
professores escolher um que representasse o que, na visão deles, possui uma relação analógica com um
desafio da educação. Nesse sentido, delimita-se como propósito deste trabalho conhecer a percepção de
professores da Educação Básica acerca dos desafios da educação contemporânea, por meio do sentido
atribuído por eles à relação de semelhança entre diferentes objetos e o contexto educacional. Assim, este
trabalho constitui-se em uma abordagem qualitativa, sendo os dados coletados ao longo de uma oficina, a
qual foi gravada e, posteriormente, degravada. A análise dos dados seguiu a técnica da análise do conteúdo.
Como resultados, evidenciou-se que os docentes apontaram como desafios os seguintes objetos: controle
remoto, remetendo à ideia de tecnologia; caminhão de brinquedo, referindo os caminhos com curvas que tem
que percorrer ao longo do ano; tesoura, que leva a ideia de poder o que não deu certo; prendedor de roupas,
mencionando o desafio de prender a atenção dos alunos; vidro de perfume, referindo a dificuldade de explorar
todo o potencial do aluno; pilha, aludindo o desafio de lidar com a energia do aluno; carro, mencionando a
velocidade com que as coisas mudam, e a escola precisa acompanhar; avião, apontando para a necessidade
de se dar asas ao aluno; canetinha hidrocor, referindo o colorido que precisa ser atribuído às aulas; fósforo,
levando a ideia de promover a luz; suco de maracujá, remetendo à difícil missão de sensibilizar o aluno para
a aprendizagem significativa; e o celular, referindo-se novamente à tecnologia. Essas percepções revelam
que os docentes envolvidos nesse estudo atribuíram sentidos significativos aos objetos, estabelecendo
importantes relações analógicas entre os estes e os desafios da educação, o que evidencia que estão
conscientes dos obstáculos com que se deparam diariamente na rotina da sala de aula. Além disso, percebe-
se a preocupação desses docentes em relação à aprendizagem de conteúdos que realmente serão relevantes
para os alunos.

Palavras-chave: Educação contemporânea, Desafios, Percepção dos docentes.

Résumé
Cette communication est le résultat d une dynamique développés avec les 14 enseignants qui font partie du
personnel enseignant d' une école de l' éducation de base, une ville de Rio Grande do Sul au Brésil. Cette
dynamique a eu lieu le long d'atelier intitulée "méthodes actives d' éducation enseignement de base" donnée
par les auteurs de cet ouvrage, plusieurs objets ont été mis à la disposition, en laissant aux enseignants qui
choisissent de représenter, qui à leur avis, il dispose d'une connexion analogique avec un défie de l'éducation.
Vail sachant la réception de l'éducation de base des enseignants sur les défis de l'éducation contemporaine,
en passant par les sens attribué par eux à la relation de similitude entre les différents objets et le contexte
éducatif. Ce travail constitue une approche qualitative, et les données recueillies l'ors d'une atelier qui a été
enregistré et plus tard annulées. L'analyse des données a suivi la technique de l analyse de contenu. En
conséquence il est devenu clair que les enseignants ont fait remarquer que les défis les objets suivants: le
contrôle à distance, se référant à l' idée de la technologie; camion jouet, se référant route avec des courve qui
doivent aller tout au long de l année; ciseaux qui prend l' idée de ce qui ne fonctionne pas; pince à linge, citant
le défi de tenir l' attention des élèves ; bouteille de parfum, se référant à la difficulté d'explorer le plein potentiel
de l' étudiant: cellule, faisant allusion au défi de faire face à l' energie de l' etudiant; voiture, citant la rapidité
avec laquelle les choses changent, et l' école doit suivre: avion, montrant la nécessité de donnée des ailes à
l' étudiant: marqueur stylo se référant à la couleur qui doit être assignée à des classes: allumettes, en prenant
l' idée de promouvoir la lumière : passion jus de fruit, se référant à la difficile mission de sensibiliser les élèves

618
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

à un apprentissage significatifs: et la cellule, se référant à nouveau à la technologie. Ces perceptions révèlent


que les impliqués dans cette étude ont attribué des significations importantes à des objets établissant des
relations analogique importants entre eux et les défis de l' éducation, quels éléments de preuve sont conscient
des obstacles auxquels ils sont confrontés quotidiennement dans la routine de la salle de classe. En autre,
nous voyons la préoccupation de ces enseignants concernant le contenu d'apprentissage qui sera réellement
pertinent pour les élèves.

Mots-clés: Éducation Contemporaine, Défis, Perception des enseignants.

INTRODUÇÃO
A popularização do uso da internet tem modificado profundamente as estruturas sociais, econômicas
e educacionais. Por exemplo, 20 anos atrás, não imaginávamos o quanto a internet poderia interferir nos
processos de ensino e aprendizagem no âmbito educacional. Esse avanço levou a sociedade a um novo
patamar de comunicação. A constituição do ciberespaço, por sua vez, alavanca novos modos de
comunicação, tencionando modos hegemônicos de relacionarmo-nos com o conhecimento. A virtualização
da realidade permite em um primeiro momento que sejam retomados os vetores de virtualização de uma
sociedade oral, estabelece-se assim um espaço não-designável, no qual ocorrem interações e novas formas
de relações humanas (Lévy, 1998).
No Brasil, uma reportagem do Jornal Zero Hora, retratando dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad), de 2014, mostra que 54,4% dos brasileiros (95,4 milhões de indivíduos) utilizaram a
rede mundial naquele ano. Ainda de acordo com a reportagem, em 2014, mais da metade dos domicílios
passaram a ter acesso à internet (54,9%), o equivalente a 36,8 milhões de lares. A proporção é ainda maior
no Rio Grande do Sul, onde 59% dos domicílios têm acesso à web.
No campo educacional, as tecnologias estão cada vez mais presentes e influenciam diretamente nos
modos de ser e de se relacionar dos alunos com o meio no qual estão inseridos. Na escola contemporânea
assiste-se a uma acelerada reconfiguração dos processos de ensino e de aprendizagem e em especial, o
modo como os alunos relacionam-se com o conhecimento. Essa ruptura nas formas até então hegemônicas
de relacionar-se com o conhecimento está intrinsecamente relacionada à emergência de novas Tecnologias
da Informação e Comunicação nas salas de aulas.
Diante dessas considerações, delimitou-se como objetivo deste estudo averiguar de que forma os
professores vislumbram as tecnologias digitais como um desafio na educação atual. Os dados foram
coletados ao longo de uma dinâmica desenvolvida com os 14 professores que integram o quadro docente de
uma escola de Educação Básica, localizada no Vale do Taquari/RS/BRA, em que estes deveriam escolher
um objeto que representasse um desafio para a educação.

APORTE TEÓRICO
Um dos maiores desafios da educação é lidar com aprendizes da era digital, ou nativos digitais, isto
é, com os indivíduos que nasceram imersos na tecnologia e que estão habituados a receber e a buscar
informações a partir das mais diversas fontes on-line (Silva, 2014). A navegação na internet por meio de
recursos digitais exige habilidades específicas para selecionar aquilo que é necessário (ibidem). Assim, a
escola precisa se adequar a essa nova era, assim como outros segmentos adequaram-se.
Diante de tal contexto, a escola encontra-se em um momento histórico de muitas incertezas e
desafios. Um dos maiores desafios está relacionado com a forma de ensinar para os alunos do século XXI.
Neste sentido, discursa Sibilia (2012):

619
A Escola: Dinâmicas e Atores

[...] enquanto os alunos de hoje vivem fundidos com diversos dispositivos eletrônicos e
digitais, a escola continua obstinadamente arraigada em seus métodos e linguagens
analógicos; isso talvez explique porque os dois não se entendem e as coisas já não
funcionam como esperaria. (p.181)
Podemos dizer que estamos frente a uma espécie de guerra entre gerações, de linguagem e de
tecnologia, conforme apontado por Ramos de Ó & Costa (2007), que citam:
Há aqui um conflito que não é apenas de gerações; é primordialmente de linguagem.
Fatalmente temos que nos adaptar aos artefatos da tecnologia e utilizá-los como recurso para
a transformação da nossa mundividência. Isso porque o mundo tornou-se muito mais
extenso, mais complexo, sobretudo, através das novas tecnologias, não fazendo mais
sentido, por exemplo, opor natureza e cultura. (p.112)
Alguns autores entendem que a presença maciça das tecnologias no cotidiano dos indivíduos
contribui para que se configurem novos processos de aprendizagem. É o caso do conectivismo, preconizado
por Siemens (2005). Para o autor, ao referir-se ao conectivismo:
O conhecimento pessoal é composto por uma rede que alimenta as organizações e
instituições, que por sua vez alimenta de volta a rede e então continua a prover aprendizagem
para o indivíduo. Este ciclo de desenvolvimento do conhecimento (da pessoa para a rede
para a organização) permite que os aprendizes se mantenham atualizados em seus campos,
através das conexões que formaram (p.7).
Outro aspecto a ser ponderado é que, com a popularização dos recursos tecnológicos e da internet,
os sujeitos passaram a ter acesso a uma infinidade de informações. Contudo, isso não significa que as
pessoas estejam ficando mais sábias, visto que ter informação não implica em ter conhecimento. De acordo
com Valente (2013), o “conhecimento é o que cada indivíduo constrói como produto do processamento, da
inter-relação entre interpretar e compreender a informação” (p.37), isto é, torna-se conhecimento quando o
indivíduo atribui um sentido à informação.
Mesmo que, nas últimas décadas, estejam sendo desenvolvidos estudos e discussões acerca dos
efeitos das tecnologias digitais no contexto escolar, ainda há um descompasso “entre o formato de ensino
que a escola preconiza e a forma como as novas gerações aprendem” (Silva, 2014). Pesquisas científicas
convergem para a importância da inserção dos recursos educacionais digitais nas escolas; contudo, para que
ocorra essa inserção, a instituição precisa superar uma série de obstáculos, entre os quais está a
infraestrutura disponível (Diesel, 2016).
Equipar as escolas com tecnologia de ponta parece ser o primeiro passo para tentar transgredir essa
perspectiva. Contudo, “[...] a tão buscada adequação entre a escola e o mundo atual não deve limitar-se a
usar a tecnologia como recurso didático ou a fazer da telemática um instrumento a favor do barateamento e
da disseminação do ensino”, no caso dos cursos a distância. “É evidente que essas adaptações também são
necessárias e até promissoras, mas seria ingênuo acreditar que solucionarão por si só os complicados
problemas [...]” em relação aos processos de ensino e de aprendizagem (Sibilia, 2012, pp.181-182).
As tecnologias digitais “estão sendo utilizadas, em geral, para simplesmente automatizar velhas
práticas, por exemplo para substituir o lápis e papel, para a produção de texto, para o acesso imediato à
informação e para armazenar informação” (Valente, 2013, p.36). Contudo, segundo o autor, nenhuma dessas
inovações está relacionada com o processo de ensinar e aprender. Por conta disso, a inserção das
tecnologias do planejamento didático se constituiu um grande desafio da escola atual.
Neste trabalho, defende-se que a superação desse desafio está voltada para a formação do professor,
que, de acordo com Nóvoa (1995), deve oferecer ao professor condições de produção de sentidos sobre as
vivências e sobre suas experiências. O autor ainda complementa:

620
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O trabalho centrado na pessoa do professor e na sua experiência é particularmente relevante


nos períodos de crise e de mudança, pois uma das fontes mais importantes de stress é o
sentimento de que não se dominam as situações e os contextos de intervenção profissional.
É preciso um tempo para acomodar as inovações e as mudanças, para refazer as identidades
(Nóvoa, 1995, p.26).
Podemos ver que a prática reflexiva do professor oferece condições ao professor de reconhecer
problemas e de propor soluções. Sob essa linha, Schön (1995) considera que um professor reflexivo deve ter
um olhar atento para o seu aluno e sua prática. Mais do que isso, o docente precisa deixar seu aluno
expressar-se e planejar sua aula com base no conhecimento tácito expresso pelo aprendiz.
Diante do exposto nesta seção, podemos propor que a prática reflexiva do professor pode ser um
caminho para a superação dos desafios presentes no âmbito escolar. Além disso, a reflexão sobre a própria
prática pode fazer o professor identificar os desafios pelos quais a educação se depara, como veremos nas
etapas seguintes.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este trabalho é resultado de uma dinâmica desenvolvida com os 14 professores que integram o
quadro docente de uma escola de Educação Básica, localizada no Vale do Taquari/RS/BRA. Essa dinâmica
foi realizada ao longo de uma oficina, denominada “Metodologias Ativas de Ensino da Educação Básica”,
ministrada pelos autores deste trabalho.
Nessa dinâmica, que foi a primeira atividade da oficina, foram disponibilizados diversos objetos e os
professores deveriam escolher dois deles. Um dos objetos deveria representar o que levam em conta para o
planejamento das suas aulas e o outro deveria representar o que, na visão deles, consideram um desafio da
educação. Entre os objetos havia brinquedos (carros, caminhão, fantoche, celular...), utensílios domésticos
(pilha, peneira, prendedor de roupa, fósforo, etc.), controle remoto, molho de chaves, livro, revista, material
escolar (caneta hidrocor, caneta corretiva, etc.), colar, alimentos (sachê de suco em pó, pirulito), carteira,
perfume, espelho de bolsa, escova de bolsa, entre outros. Ressalta-se que o foco deste estudo recaiu sobre
os objetos e as percepções atreladas aos desafios.
Assim, este trabalho constitui-se em uma abordagem qualitativa, em que os sujeitos são 14
professores de diferentes áreas, que integram o quadro de docentes de uma escola Educação Básica. Os
dados foram coletados ao longo de uma oficina, a qual foi gravada e, posteriormente, degravada. A análise
dos dados seguiu a técnica da análise do conteúdo, proposta por Bardin (2012). De acordo com essa técnica,
os dados foram analisados e posteriormente criadas categorias de análises.

ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS


Ao longo da dinâmica, foi possível evidenciar que as falas dos professores seguiam duas vertentes.
Um considerável número de professores apontou as tecnologias digitais educacionais como um dos principais
desafios da escola, o que deu origem a uma categoria. Outra parcela apontou como desafios aspectos do
cotidiano escolar, como podemos ver na categoria Subjetividades da Escola.

Tecnologias digitais educacionais


Ao referirem-se aos desafios da escola, as tecnologias digitais apareceram diversas vezes no
discurso dos professores. Remetendo-se ao objeto controle remoto, o Professor 1 considerou ser um desafio:

621
A Escola: Dinâmicas e Atores

[...] fazer ele entender que o professor está lá na frente ensinando para o futuro dele do que
a tecnologia em si. Não que a tecnologia não seja importante, mas naquele momento, o foco
tem que ser a aula do professor e não só a tecnologia. Porque o aluno às vezes, deita em
cima da classe e parece que dormiu só duas ou três horas a noite inteira e com certeza a
tecnologia roubou parte do sono dele. Ele não sabe aproveitar o bom da tecnologia, por
exemplo, se tu manda ele fazer uma pesquisa, a grande maioria não sabe fazer uma
pesquisa. Eles vão lá, control C e Control v. [...] É, então acho que tem os dois lados da
tecnologia (Professora 1).
Na fala dessa professora, percebe-se uma resistência muito forte em relação às tecnologias. Esse
trecho confirma o descompasso existente entre a configuração dos modelos atuais de ensino e os processos
de aprendizagem das novas gerações, conforme apontado por Silva (2014).
Outro aspecto relevante ponderado por um docente investigado diz respeito ao uso do celular em sala
de aula.
Até agora, isto é um desafio para todos, principalmente em sala de aula, que atrapalha muito,
os alunos se aproveitam do celular para muita coisa, até gravando aulas, fotografando os
professores, e ano passado estava demais, a gente não tinha mais o controle, estava horrível.
Esse ano a gente pegou junto e proibimos o uso em sala de aula. Até agora está funcionando,
tomara que dê certo. [..] Só que agora, eles saem para ir ao banheiro, mas não é por
necessidade, mas é pra mexer no celular. Mas aos poucos a gente vai corrigir eles
(Professora 10).
Na opinião desse professor, a proibição foi necessária para que os professores pudessem dar aulas
com mais tranquilidade e para que os alunos não se dispersassem com tanta facilidade. Contudo, menciona
que os alunos buscam alternativas para transgredir a proibição. Com base nisso, questiona-se: será que a
proibição do uso do celular é a postura ideal?
Em parte, divergimos desse posicionamento, pois entendemos que incorporar as tecnologias digitais
ao cotidiano da escola pode não só atrair os alunos para os conteúdos escolares, como também contribuir
para o processo de ensino e de a aprendizagem, já que traz mais dinamicidade para o ensino. Entretanto,
temos ciência de que, para que ocorra mudança pedagógica, é necessário movimentar estruturas e
procedimentos na área da educação.
Acerca dessa temática, Valente (2013) menciona que:
Para que essas tecnologias estejam integradas às atividades curriculares é preciso implantar
mudanças políticas, concepções, valores, crenças, processos e procedimentos que são
centenários e que certamente vão necessitar de um grande esforço dos educadores e da
sociedade como um todo. (p.43)
A Professora 13, valendo-se do objeto pendrive, também se reporta à tecnologia como um desafio
para a educação:
Em relação ao nosso desafio, eu escolhi a tecnologia como um benefício da escola, porque
eu penso também que ela tem muito a nos ajudar, e o pendrive com um objeto que acumula
conhecimento e ele pode me mostrar os avanços que eu tive nessa caminhada, porque eu
vou registrar os meus trabalhos e vou observar o quanto eu pude avançar na minha
caminhada do conhecimento e da aprendizagem (Professora 13).
Na perspectiva dessa professora, está implícita a dualidade entre informação e conhecimento,
conforme mencionado anteriormente, a partir de Valente (2013). A referida docente aponta como desafio o
fato de a escola ter de auxiliar o aluno no processo de transformar a informação em conhecimento.

Subjetividades da escola
Por meio da reflexão sobre a própria prática proposta neste trabalho, os sujeitos investigados
trouxeram diversos desafios relacionados a especificidades da escola. A professora 2, valendo-se de um
objeto caminhão de brinquedo, fez referência ao desafio que é enfrentar os obstáculos diários da rotina
escolar:

622
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

[...] eu escolhi um CAMINHÃO que representa a quilometragem que a gente tem que
percorrer até o final do ano para que a criança aprenda. Que na verdade a gente quer. Então
eu peguei o caminhão justamente pelo percurso que eu vou ter que passar, que eu vou ter
que enfrentar com eles para chegar aonde a gente quer (Professora 2).
Já a Professora 3 optou pelo objeto tesoura para representar o desafio do professor de saber “podar”,
isto é, saber escolher caminhos teórico-metodológicos em suas aulas, saber escolher as atitudes com seus
alunos, entre outras:
A TESOURA que representa que a gente tem que saber o que podar. O que é certo, nos
serviu, analisar, recortar... essa parte foi legal, mas essa parte aqui não. Tirar o que não deu
certo (Professora 3).
Entende-se que o termo “podar” utilizado pela professora não se refere a moldar o aluno. Esse
professor vale-se de termo para tratar das escolhas do professor. Para este sujeito investigado, é preciso que
o professor saiba recortar e excluir o que não foi adequado. Acreditamos que essa abordagem converge com
a perspectiva de Schön (1995), sobre a reflexão sobre a própria prática, conforme apresentado anteriormente.
Muito interessante foi a fala do Professor 4, ao mencionar um prendedor:
E um desafio nos dias de hoje seria prender nosso aluno (PRENDEDOR), a tecnologia
puxando pra tudo que é lado e nós tentando prender, muitas vezes tu vê que ele está na sala
mas está olhando para o nada, tá pensando em outra coisa. E você ali, as dez e meia da
noite tentando explicar que aquela conta é importante que ele saiba fazer, mas ele já está
pensando no amanhã, preciso dormir, ainda mais agora que nós proibimos o celular também,
né. Então eles não veem a hora de acabar a aula para ver se entrou alguma mensagem.
Então nós estamos tentando prender esse aluno o tempo todo pra que as coisas fluam
(Professor 4).
Na sua fala, o professor menciona o desafio de prender a atenção do aluno, deve-se levar em conta
as inúmeras funções que lhe são atribuídas ao professor, como os múltiplos papéis que este precisa exercer
em uma sala de aula. Neste sentido também discursa o professor 5, ao escolher um frasco de perfume e
relacionar como desafio a necessidade de atender as individualidades de cada aluno:
É nos pequenos frascos que estão os melhores perfumes”. As vezes a gente não dá nada
por um aluno mas é de lá que vai sair grandes coisas. Pode olhar, por exemplo, Einstein teve
sérios problemas na escola, ele era disléxico e tudo e hoje ele é considerado um dos maiores
cientistas. O próprio criador do computador Alan Turing teve sérios problemas de
aprendizagem e criou uma das maiores invenções da contemporaneidade. Então tem tudo
isso, depende do olhar de como tu vê, de como tu trabalha. E aproveitar os pequenos
perfumes (Professor 5).
Nessa mesma linha está a fala do Professor 7. Este sujeito, valendo-se de um avião de brinquedo,
mencionou a necessidade de a escola dar asas aos alunos.
Escolhi como um desafio um AVIÃO, porque o nosso papel é dar asas, trabalhando conteúdo.
Porque os alunos sem conhecimento ele não evolui como pessoa. [...] Tudo o que a gente
não trabalha, porque a gente se perde no coração da escola, muitas vezes e a gente deixa
de dar asas (Professora 7).
Essa fala converge com Freire (2011), que entende que a escola precisa dar conta do conhecimento,
de modo a dar condições de o aluno desenvolver sua autonomia e sua capacidade de pensar criticamente
sobre as situações.
O Professor 8, por sua vez, mencionou a necessidade de o professor dar um colorido aos conteúdos
de suas aulas, tal como faz a canetinha hidrocor nas pinturas em classe.
A CANETINHA, que seria o desafio, como uma possibilidade de uma nova prática, de um
novo registro que possa dar um colorido assim como a canetinha a esse nosso ato de educar
(Professora 8).
O próprio professor faz uma análise de sua prática e aponta a necessidade de se dar um colorido as
aulas, seria esse colorido tornar as aulas mais atrativas? Alterar as práticas pedagógicas para que possam ir
de encontro com a geração de alunos que se encontram em nossas escolas?

623
A Escola: Dinâmicas e Atores

Já o Professora 11:
Quanto ao fogo. A minha disciplina é às vezes é fogo, é luz, calmaria. Ontem estava falando
das coordenadas, aí os alunos perguntaram: Professora, o que tu pensa da crise? Eu disse,
que legal! Aí eu falei, tudo tem dois lados. Aí eles disseram: ah, professora, tem que matar
tudo. E disso: não, tem que matar a nossa ignorância. Daí eles começaram xingar
loucamente, que a política é uma sujeira. Eu disse não, a política da Grécia é boa, da cidade,
de discutir a nossa vida. Aí eu vi que não ia apagar o fogo. Eu achei muito boa aquela aula,
eu saí vibrando daquela aula, porque os alunos do primeiro ano pensam, gente! E a opinião
deles não tem que ser necessariamente a tua, seja lá qual for (Professora 11).
O professor ao relatar uma aula que na sua perspectiva é ‘fogo’, pode se ponderar uma aula onde
permeio o debate, a discussão, ou ainda, as opiniões dos alunos. Cabe aqui o professor explorar a visão dos
alunos sobre determinado conteúdo. Atualmente, o professor não é mais o detentor de todo o saber, e sim,
cabe a ele de desmistificar e formar opiniões de seus alunos.
Por fim, a professora 12 mencionou:
[...] é pela aprendizagem sensorial. A gente tem que trabalhar com os sentidos (tato, olfato,
audição, paladar e visão) pra alcançar a memória afetiva do aluno, pra que, a partir do
momento que se alcance a memória afetiva do aluno, a gente consiga ficar lá dentro do
coração dele, ficar lá dentro do pensamento dele, pra que de vez em quando ele se lembre
do conhecimento de Platão ou de quem quer que seja. [...] A gente precisa sensibilizar o
aluno para esse conteúdo que às vezes é pesado, mas que pode ficar em leve, dependendo
da abordagem que a gente fizer e das estratégias que a gente utilizar (Professora 12).
A fala da professora remete a ideia da necessidade de usar diferentes estratégias das quais estão
sendo utilizadas na maioria das salas de aulas. A professora enfatiza a importância da adaptação das
metodologias de ensino, através de intervenções que possam facilitar a aprendizagem do aluno, que possa
sensibiliza-lo para uma aprendizagem sensorial, conforme destacado pela mesma. Neste sentido, também
cabe destacar a fala “alcançar a memória afetiva do aluno”, o que permite pensar o quão importante é o
professor adotar uma estratégia que marque a memória do aluno perante determinado conteúdo. Ou ainda,
que vá ao encontro do aluno e a forma com o qual o professor conduz a aprendizagem de fato do seu aluno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade contemporânea ao sofrer as mudanças com a inserção das tecnologias, interfere
diretamente nas relações humanas e no modo de comunicar-se dos indivíduos com o meio e entre si. Desta
forma é preciso direcionar a constituição curricular e as práticas pedagógicas para além daquelas que vem
sendo desenvolvidas. É nítido que os desafios que permeiam o ambiente escolar são muitos e que estes
permanecessem ligadas a fatores sociais, culturais e históricos, necessitando a escola, urgentemente
encontrar a sua direção, o seu norte, o seu sentido, o direcionamento para que esta possa avançar tão
rapidamente e juntamente com as mudanças que vem ocorrendo da sociedade.
Para Silva (2014), não se pode ignorar a experiência vivida pelos aprendizes com as TICs, sendo
necessário trazer estas para dentro da sala de aula. Quase todo o conhecimento humano está agora
disponível em rede e ao simples “clique’” de um mouse ou de uma tela touch screen. Assim sendo, a escola
deve caminhar junto com a sociedade e suas constantes modificações, pois os alunos que nelas vivem são
as mesmas crianças e jovens que constituem a sociedade contemporânea.
Os docentes envolvidos nesse estudo atribuíram sentidos significativos aos objetos, estabelecendo
importantes relações analógicas entre estes e os desafios da educação, o que evidencia que estão
conscientes dos obstáculos com que se deparam diariamente na rotina da sala de aula. Além disso, percebe-
se a preocupação desses docentes em relação à aprendizagem de conteúdos que realmente serão relevantes
para os alunos.

624
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Cabe ainda, considerar que este estudo evidencia a preocupação dos professores com o processo
de ensino e aprendizagem, o que encontra-se claramente nas falas apresentadas por estes ao longo do
trabalho. Da mesma forma, cabe destacar a importancia de uma formação continuada que contemple a
reflexão do professor sobre as suas práticas, sobre o contexto no qual esta inserido e no seu papel no
processo num todo.

REFERÊNCIAS
Bardin, L. (2012). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.
Diesel, A. (2016). Estratégias de compreensão leitora: uma proposta de atividades desenvolvidas sob a
perspectiva das metodologias ativas de ensino. 148 f. Dissertação (Mestrado em Ensino) - Centro
Universitário UNIVATES, Lajeado, 08 dez. 2016.
Freire, P. (2011). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.
Lévy, P. (1998). O que é virtual? (2ªEd.). São Paulo: Editora 34.
Mattar, J.(2013). Aprendizagem em ambientes virtuais: teorias, conectivismo e MOOCS. São Paulo:
TECCOGS-PUC/SP, (7), 21-40, jan.-jun.
Nóvoa, A. (1995). Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote.
Ramos J. & Costa, M. (2007). Desafios à Escola Contemporânea: um diálogo. Revista Educação e Realidade.
Porto Alegre, Brasil. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 32 (2),109-116.
Schön, D. (1995). A Formar professores como profissionais reflexivos. In Nóvoa, A. (Coord). Os professores
e a sua formação (2ªEd.). Lisboa: Dom Quixote.
Sibilia, P. (2012). Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Contraponto.
Siemens, G. (2005). Conectivismo: Uma teoria de aprendizagem para a idade digital. Disponível em:
http://usuarios.upf.br/~teixeira/livros/conectivismo%5Bsiemens%5D.pdf. Acesso em: 08 set. 2015.
Silva, E. M. O. (2014). Como aprende o nativo digital: reflexões sob a luz do conectivismo. Revista
Intersaberes. 9 (17). Disponível em: http://www.grupouninter.com.br/intersaberes/index.php/revista/
article/view/545/367. Acesso em: 23 de maio de 2015.
Valente, J. A. (2013). As tecnologias e as verdadeiras inovações na educação. In Almeida, M., Dias, P. &
Silva, B. (Orgs). Cenários de inovação para a educação na sociedade digital (pp.35-46). São Paulo:
Edições Loyoloa.

625
A Escola: Dinâmicas e Atores

A VISÃO DE ESTUDANTES ADOLESCENTES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE NA


CONTEMPORANEIDADE
[ID 315]

Daniela Diesel
Suzana Feldens Schwertner
Nélia Amado
Centro Universitário UNIVATES/BRASIL; Universidade do Algarve; UIDEF, Instituto de Educação,
Universidade de Lisboa
danieladiesel@universo.univates.br ; suzifs@univates.br ; namado@ualg.pt

Resumo
O presente estudo apresenta narrativas de jovens estudantes acerca do papel do professor na escola na
contemporaneidade. Para tal, foram realizados encontros em forma de focus group na busca de compreender
as perspectivas dos jovens sobre a escola e o papel dos professores na sua formação. O estudo é qualitativo,
através do uso da técnica focal, onde foram organizados quatro encontros com estudantes do segundo ano
do Ensino Médio de uma escola pública e uma escola privada de um município do estado do Rio Grande do
Sul, Brasil, no primeiro semestre de 2016. De entre as temáticas emergentes destaca-se o pouco espaço
dedicado a ouvir os estudantes. Os dados permitem conhecer a importância que os alunos atribuem à figura
do professor na escola e os efeitos de sua conduta nos processos de ensino e de aprendizagem. Os alunos
manifestam o desejo de aulas dinâmicas, que ultrapassem o espaço da sala de aula. As vozes dos alunos
revelam a permanência de um ensino enraizado no método tradicional, onde o professor transmite o
conhecimento da mesma forma para todos os alunos como se fossem um só. Nas suas narrativas, os alunos
mostram a percepção de que o professor não é mais aquela figura detentora de todo o conhecimento. Para
concluir, as narrativas apresentam percepções dos alunos sobre: a necessidade de práticas de ensino que
se prolonguem para além da sala de aula; a importância das relações afetivas e interpessoais entre professor
e aluno; a possibilidade de o conhecimento ser construído na relação professor/aluno, o qual deixa de ser o
transmissor; a eficácia do ensino focado nos conhecimentos prévios do aluno. O estudo busca, com estas
contribuições, pensar o estudante como ator e protagonista do processo de ensino e aprendizagem.

Palavras-chave: Prática docente, Estudantes, Ensino e aprendizagem, Escola.

Résumé
Cette etude presente des dialogue de jeunes etudiants en cê qui concerne le role de l'enseignant à l' école de
nos jour. Á cette fin, des reunions ont ete organisees sous la forme de groupes de discussion dans la quete
pour comprendre les perspective des jeunes sur l' école et le role des enseignants dans leur formation. L'
etude est qualitative par l' utilisation de liaison technique , ou ils ont ete organises quatre rencontres avec les
etudiants dês deuxieme annee de l' école secondaire d une ecole privee dans une municipalite de l' etat de
Rio Grande do Sul, Brasil lá promiere moitier de 2016. Parmi les themes emergents il met en evidence le peu
d' espace dedie a l' ecoute des etudiants. Les resultats revelent l' importance que les eleves accordent
enseignant figurera dans l' école et les effets de leur conduite dans l' enseignement et l' apprentissage. Les
etudiants expriment le desir de leçons dynamiques au-dela de l' espace en classe. Les voix des eleves revelent
la permanence d' une ecole ancree dans la methode traditionnelle ou l' enseignant transmet des
connaisssance de la meme maniere pour tous les eleves comme si elles etaient une seule. Dans leurs recits
les eleves montrent la perception que l' enseignant est plus le personnage tient toute les connaisssance. Pour
completer les recits, perceptions actuelles des etudiants sur: Lá necessite de pratique d' enseignement qui
vont au-dela de la salle de classe; L' importance de l' affectif et les relation interpersonnelles entre l'
enseignant/eleve; La possibilite de la connaisssance en cours de constrution dans la relation maitre/etudiant
qui est plus l' emetteur de l' efficacite de l' enseignement Axé sur la connaisssance prealable de l' etudiant. L'
etude cherch, avec ces contribuitions pensent que l' etudiant en tant qu' acteur et protagoniste du processus
d' enseignement et de d' apprentissage.

Mots-clés: Enseignement pratique, Les étudiants, L'enseignement et l'apprentissage, L'école.

626
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

INTRODUÇÃO
Vivemos em um tempo de reconfiguração dos processos de ensino e aprendizagem, onde professor
tem sido um dos atores mais questionado neste processo. Suas atribuições se tornam cada vez mais
numerosas no contexto da escola contemporânea. Entretanto, essas atribuições são diferentes daquelas que
lhe foram ensinadas durante a sua formação, o que coloca em discussão a sua forma de ensinar.
Atualmente nossas escolas constituem-se por alunos intensamente conectados e aclamando
mudanças tanto de cunho prático como curricular, pois estes pedem mudanças nas metodologias de ensino,
na forma de aprender, nos conteúdos que lhes são ensinados e na maneira que são lhes transmitidos esses
ensinamentos. Como ensinar uma geração de alunos que, muitas vezes, não está de acordo com a forma de
aprender que lhes é imposta? Ou que não quer aprender por meio do método tradicional de ensino que ainda
permanece sendo ofertado na maioria das escolas? O que os estudantes têm a dizer sobre a prática de ensino
que os professores vêm utilizando nas suas aulas?
Ao enfatizar essa problemática, o presente estudo objetiva refletir, a partir do olhar dos estudantes,
as percepções que estes possuem sobre a ação docente do professor na escola contemporânea. Assim como
identificar os desafios que envolvem o ensino para adolescentes na escola nos dias de hoje. Este estudo é
fruto de uma dissertação de mestrado que busca dar voz a estudantes adolescentes, procurando imprimir
destaque a estes atores enquanto constituintes e pertencentes ao seu processo de ensino e de aprendizagem.

APORTE TEÓRICO
Em meio a esta sociedade contemporânea, que se encontra em constante transformação, situa-se a
escola que vive um período de instabilidades e de incertezas. Conforme Canário (2006), é preciso uma
reinvenção da escola, do ofício do professor e do modo como a escola atual concebe os processos de
aprender e de ensinar.
As modificações ao longo dos séculos fazem com que a escola assuma novos sentidos na
contemporaneidade, mesmo que funcione, conforme ressalta Sibilia (2012), como uma “tecnologia de época”
(p.16), criada em um contexto e que continue atuando com as mesmas características, os estudantes se
modificaram com a passagem dos séculos.
E neste contexto encontra-se a figura do professor, a quem se demanda uma gama de atribuições,
como habilidades, técnicas, saberes e competências para a sua ação docente com jovens estudantes na
contemporaneidade. De acordo com Canário (2006), o professor pode ser comparado a um ‘artesão’, aquele
que precisa ser criativo, ser inspirador, possuir originalidade nas suas atividades, dar graça às suas obras,
ou ainda, conforme o mesmo autor, ser um bricouler, expressão em francês que significa aquele que ‘faz
tudo’, que está amparado por uma série de elementos que o auxiliam a reinventar práticas. O professor está
sempre em confronto com situações desafiadoras, a ação docente requer habilidades similares a de
‘malabaristas’, através de movimentos dinâmicos e de expressão, que definem o seu modo de ser e agir, a
maneira com que o professor se insere no contexto escolar.
Para Dubet (1997), ‘ser professor’ é estar no fio da navalha, na corda bamba, a cada dia, a cada
situação, a cada ato. O docente é testado, julgado, avaliado, inclusive contrariado por alunos, pais, colegas
de trabalho, equipe diretiva; enfim, por aqueles que vivem o ambiente escolar.

627
A Escola: Dinâmicas e Atores

Acredita-se que ser professor na escola contemporânea requer saberes para além daqueles que são
abordados e discutidos na formação inicial. Tardif (2012) define os saberes docentes como um saber plural,
oriundo da formação profissional, de saberes disciplinares, curriculares e experienciais.
O sociólogo François Dubet (1997) menciona a dificuldade que os professores possuem em
estabelecer relações com os alunos e conquistá-los. Ressalta que ensinar é um trabalho minucioso, que é
preciso recomeçar a cada dia, em cada entrada na sala de aula. Mesmo com o cansaço em algumas situações
do dia a dia escolar, ainda há professores que fazem muito bem o seu trabalho. Mas por outro lado, muitos
‘jogam a toalha’, desistem de seu próprio potencial de preparar aulas que motivem a aprendizagens dos
alunos e ‘fingem’ dar aulas. Por outro lado, os alunos, por sua vez, desmotivados perante o fato, fingem ouvir
e participar das aulas.
Assim, ensinar supõe também aprender a ensinar, aprender a dominar progressivamente os saberes
necessários à realização do trabalho docente. Para Tardif (2012), os saberes essenciais de um professor são
oriundos da sua formação profissional de saberes disciplinares, curriculares e experienciais:
[...] a relação dos docentes com os saberes não se reduz a uma função de transmissão dos
conhecimentos já constituídos. Sua prática integra diferentes saberes, com os quais o corpo
docente mantém diferentes relações. Pode-se definir o saber docente como um saber plural,
formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação
profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais. (p.32)
Indiferente ao nome ou à associação que se atribui à figura do professor, sua ação requer inúmeros
saberes. Existem saberes para além daqueles que são ensinados aos professores ao longo de sua formação,
alguns saberes estão diretamente ligados à experiência da prática do trabalho, nas atividades de interação
humana, entre pessoas que constituem os seus movimentos de ação docente.
De acordo com Isabel Freire et al (2012), o ensino baseia-se principalmente nas relações
interpessoais com os alunos, com os demais colegas, com os encarregados de educação e todos os
responsáveis no processo educativo, razão pela qual os autores assumem que as experiências emocionais
são constantes. As emoções marcam as relações interpessoais entre os atores do contexto escolar, mas
acima de tudo entre professor e aluno, assim como as experiências, a afetividade e o sentimento se fazem
necessários nessas relações.
A sociedade escolar acaba por esquecer a fase de vida do seu aluno e não o deixa viver a sua
adolescência, estando apenas preocupada com as normas e os padrões sociais ao invés de olhar diretamente
o aluno. Para Sayão e Aquino (2004), “[...] hoje, parece que estamos roubando o futuro dessa geração mais
nova, inclusive na escola” (p.47). Os professores acabam por persuadir o seu próprio olhar em relação ao
aluno, pois criam expectativas sobre os alunos e comparam-nos com adultos e seu modo de ser, esquecendo
que estes jovens estudantes querem apenas ser eles mesmos, no seu tempo, na sua época, com a sua
maneira de ser.
Ser adulto e relacionar-se com adolescentes, de acordo com Gomes et al (2013), envolve um
distanciamento, pois na sua maioria o adulto adota o esquecimento da própria adolescência, porque o vento
dos tempos mudou a paisagem das épocas. A distância e o desconhecimento dos professores e gestores em
relação aos adolescentes, em parte, pode ser a explicação da questão de tantas escolas enfrentarem
incidentes frequentes por parte dos adolescentes em crise.
A compreensão do que significa ser adolescente na contemporaneidade é atravessada pelas
características que são próprias a este tempo. Conforme Berté (2013), isso significa que as relações que o
adolescente estabelece com o mundo a sua volta estão “[...] permeadas pela mobilidade, fluidez, inatualidade,

628
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

mudança, transformação, rapidez e também mediadas pelos mecanismos tecnológicas que intensificam a
troca de informações e ampliam as conversações” (p.13).

METODOLOGIA
A metodologia utilizada neste estudo é de cunho qualitativo por meio da técnica de grupo focais que,
segundo Barbour (2009), busca compreender a perspectiva interna, os valores próprios do grupo em estudo,
sendo que os insights gerados através das discussões permitem entender como este grupo processa e
significa os temas pautados no debate. Para tal, foram organizados quatro grupos focais com estudantes
entre 15 e 17 anos, do segundo ano do Ensino Médio, de uma escola pública e de uma escola privada em
um município do interior do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, ao longo do primeiro semestre de 2016.
Por meio da técnica de grupos focais, conforme Gatti (2005), é possível manifestar uma variedade de
pontos de vista, por se tratar de uma técnica que favorece as interações entre o grupo e permite a captação
de significados. Para a autora, as potencialidades desenvolvidas em pesquisas através de grupo focais são
interessantes, pois o material que emerge das discussões, como ideias, opiniões, modo de ver, atitudes,
valores, que são produzidos num coletivo, podem ser processados e evidenciados mostrando mudanças que
vão se alternando ao longo das dinâmicas de trabalho.
Os encontros foram organizados e realizados pela própria pesquisadora, e primeira autora deste
artigo, que assumiu o papel de ‘moderadora’ do grupo, conduzindo as discussões, de modo a envolver todos
os participantes, intervindo apenas para introduzir novas questões e/ou para facilitar o processo em curso.
Os encontros foram gravados por meio de gravador digital e posteriormente transcritos na sua íntegra para
análise dos dados.
Os encontros foram previamente agendados com a equipe diretiva, ocorreu dentro do turno de aula
num tempo de 45 minutos a 60 minutos. Foram realizados num espaço da escola, sala de aula e auditório,
locais onde os alunos se pudessem sentir confortáveis e à vontade para expressar seus anseios e suas
opiniões. Em cada encontro foi apresentada uma questão norteadora para o debate. No primeiro encontro foi
lançada a questão: “Qual a função do professor na escola hoje?” para os alunos manifestarem a sua opinião
livremente. No segundo encontro foram apresentadas duas charges (ilustração humorística para satirizar
algum acontecimento da atualidade) com o intuito de lançar o questionamento sobre as percepções sobre a
ação docente no ensino para adolescentes. No terceiro encontro, os alunos foram divididos em grupos e
desafiados a elaborarem uma dramatização sobre o que, na visão deles, é ser um bom professor e quais as
competências que este precisa ter para o ensino com adolescente. As dramatizações foram gravadas por
câmeras digitais e no quarto encontro foram apresentadas ao grande grupo para a reflexão coletiva sobre as
competências de um professor na escola contemporânea.
A partir dos encontros, emergiram muitas narrativas, que perpassaram desde os diversos papeis que
a escola desempenha, a função do professor, o ensino apresentado ainda como método tradicional e o
reduzido espaço dedicado à escuta dos alunos. Pudemos elencar algumas narrativas que apontam as
percepções em relação à maneira que o professor desenvolve o processo de ensino e como esse processo
poderia ocorrer.
Os dados foram analisados por meio de análise textual discursiva, conforme Moraes (2011), na qual
busca-se deixar que os fenômenos se manifestem, sem impor-lhes direcionamento. Desta análise foram
emergindo algumas categorias que nos ajudam a compreender o olhar e a voz dos estudantes envolvidos

629
A Escola: Dinâmicas e Atores

neste estudo. Para identificar as narrativas dos estudantes e manter o anonimato, foram denominados por
“Estudante 1, Estudante 2, Estudante 3”...e assim sucessivamente, na ordem de sua participação nos grupos.

AS PERCEPÇÕES DOS ESTUDANTES


As narrativas emergentes nas discussões dos grupos focais com os estudantes nos permitiram criar
três unidades de análise que serão apresentados na sequência: a importância de relações afetivas e
interpessoais entre professor e aluno; o ensino enraizado no método tradicional; o professor não é mais o
detentor do saber.

A importância de relações afetivas e interpessoais entre professor e aluno


Inicialmente, ao questionarmos os estudantes sobre a ação docente, estes destacaram as relações
que envolvem este processo. Um dos aspectos mais destacados pelos estudantes foi a importância de uma
intensa relação interpessoal para o bom andamento do processo de ensino e aprendizagem.
Segundo os alunos para que a aprendizagem de fato se efetive, é imprescindível a disponibilidade do
professor de se aproximar afetivamente do aluno, estabelecendo vínculos conforme evidenciam as falas: “...
o professor precisa ser divertido, mas sério ao mesmo tempo” “Por mais que a gente esteja na era digital, a
gente ainda precisa dessa coisa humana, desse contato com o professor” (Estudante 6).
As palavras dos jovens mostram que eles reconhecem e valorizam a presença do professor no seu
percurso de formação, dando especial destaque à qualidade das relações que se estabelecem entre os vários
atores envolvidos. Freire et al (2012) destacam que o ensino se baseia principalmente nas relações
interpessoais com os alunos, com os demais colegas, razão pela qual os autores assumem que as
experiências emocionais são constantes neste processo. As emoções marcam as relações interpessoais
entre os atores do contexto escolar, mas acima de tudo entre professor e aluno, assim como os sentimentos,
as experiências e a afetividade. Também Maturana (2002) reforça a ideia de que o sentimento de afeto é uma
referência que influencia diretamente nas emoções e que auxilia as relações humanas; no caso, reconhecer
o outro como o legítimo, aceitar o aluno em sua totalidade.
Essas experiências também são sentidas pelos alunos quando eles explanam em suas discussões
que, com o passar do tempo, na medida que os alunos vão crescendo, as relações de aproximação entre
professores e alunos é enfraquecida: “... quando somos pequenos os professores mimam e agora parece que
não estão nem aí ” (Estudante 7).
Ainda relacionam o fato de que não gostar de um determinado professor interfere diretamente em não
gostar de determinada disciplina: “Quando ela (estudante) não gosta do professor, tu acaba se
desinteressando pela matéria” (Estudante 3). Ou, ainda, a importância da empatia entre ambos:
... quando tu tem uma afinidade com o professor, tu aprende muito mais! Quando tu sabe que
o professor se preocupa contigo, quando ele conversa contigo. E não é aquele professor que
só cumpre aquilo que foi dado a ele. E, sim, quando ele te ajuda, está ali contigo, é muito
melhor (Estudante 3).
Os jovens percebem que nem sempre o professor consegue estar completamente disponível para
lecionar:
Quando um professor não está bem, ele não consegue tirar tudo e entrar numa porta de sala
de aula e entrar bem para dar a sua aula. São poucos os que conseguem fazer isso. E a
gente consegue perceber se ele está bem ou não. Da mesma forma que quando o professor
gosta da gente ele sabe quando a gente não está bem. Quando ele tem essa característica
humana, acaba que a gente se preocupa mais com nossos estudos, e o professor acaba
criando esse carinho pelos alunos (Estudante 1).

630
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Os jovens percebem quando um professor não está bem emocionalmente ou quando alguma coisa
está afetando-o e relacionam esse fator como algo determinante para o processo de ensino e aprendizagem.
Pois na visão destes jovens o professor necessita disponibilizar-se afetivamente nas relações com seus
alunos, sendo que ao preocupar se com o processo num todo o professor de fato estabelece laços de afeto
com seus alunos.

Ensino enraizado no método tradicional


Relativamente às práticas de ensino, os estudantes reconhecem que o ensino se encontra ainda
fortemente enraizado no método tradicional. As narrativas os estudantes apelam por aulas dinâmicas, que
extrapolem os limites da sala de aula, conforme destaca um estudante: “a aula do professor deve ser
dinâmica, uma aula dinâmica seria.... não seriam questões no quadro, seria ao ar livre” (Estudante 3). O aluno
ao citar “ao ar livre”, entende a necessidade de práticas que possam romper com o espaço da sala de aula,
do quadro negro e possibilitar outros ambientes e ferramentas que favoreçam a aprendizagem. Não apenas
como mudança de cenário, mas como modificação na forma de entender as relações com conhecimento, o
processo de ensino e de aprendizagem.
Outro estudante também ressaltou:
... eu acho que é tudo muito igual, sentamos ali e o professor escreve no quadro. Ou pegamos
o livro e ele diz tal página e fizemos as atividades. Não tem coisas diferentes que estimulem
a gente a fazer, de querer gostar de estudar. Não estudamos para uma prova, decoramos!
Então não estamos aprendendo, só decorando para tirar uma nota boa (Estudante 1).
Os excertos das conversas com os alunos permitem afirmar que muitas aulas se baseiam continuam
com um professor expondo o conhecimento apoiando-se no quadro e dirigindo-se aos alunos como se todos
fossem iguais. Os próprios alunos reconhecem que a sua “aprendizagem” se reduz a decorar os conteúdos
para a prova de avaliação.
Entretanto, em meio a um mundo mediado pelas Tecnologias de Informação e Comunicação, as
relações entre quem ensina e quem aprende sofrem profundas mudanças. Faz-se necessário analisar a
postura e forma de ensinar por parte dos professores, já que este não é mais a fonte principal do
conhecimento.

O professor não é mais o detentor do saber


Percebe-se que há uma transformação no campo das relações professor/aluno, assim como nos
diferentes saberes que compõem o processo de ensino e aprendizagem. Essa transformação está atrelada
ao ‘saber’ vindo do campo do ‘outro’; no caso, o saber que estava, até então, unicamente, na figura do
professor, passa a ser legitimado por diferentes saberes, oriundos tanto dos alunos quanto dos professores.
As infinitas possibilidades na qual sociedade tecnológica se configura atualmente faz com que o professor
deixe de ser o detentor de todo o conhecimento e se torna aprendente junto de seu aluno.
Os alunos possuem a percepção de que o professor não é mais aquela figura detentora de todo o
conhecimento: “... o professor antigamente tinha autoridade, porque ele que sabia tudo...agora, o aluno pode
saber muito mais que o professor” (Estudante 9). “O professor, não sabe tudo, mas o básico, para poder
explicar. Ele não precisa saber tudo também, ninguém sabe” (Estudante 3). “...ele não precisa saber tudo
sobre a matéria, mas quando ele não souber ele precisa dizer, olha eu não sei, mas eu posso procurar”
(Estudante 3). “Ele aprende também quando a gente fala alguma coisa que ele não sabe” (Estudante 4).

631
A Escola: Dinâmicas e Atores

As narrativas confirmam que o papel do professor não é unicamente de transmitir o conhecimento, e


sim, de estabelecer relações nas quais alunos e o professor se tornam aprendentes do mesmo processo.
Onde ambos possam buscar a informação e juntos criar estratégias e mecanismos para facilitar o processo
de ensino e aprendizagem.
Além disso, os estudantes reconhecem que o papel do professor na escola contemporânea não é
mais unicamente de transmitir o conhecimento e sim de descontruir ideias e valorizar o conhecimento prévio
com o qual aluno chega à aula. “... esse é o papel do professor, abrir a nossa mente e para que aceitamos as
outras opiniões. E não ficar somente na nossa opinião, tem muitas opiniões diferentes e precisamos aprender
a ouvir e respeitar” (Estudante 1).

CONSIDERAÇÕES
O contato com os adolescentes permitiu verificar, por meio de suas narrativas, o quanto a figura do
professor é um elemento importante da escola e o quanto a sua conduta influencia nos processos de ensino
e de aprendizagem. Importante considerar que estes processos de ensino necessitam do envolvimento nas
relações interpessoais, criando vínculos de afeto entre professor/aluno. Um aspecto fortemente destacado
pelos estudantes foi a importância dessa intensa relação interpessoal para o bom andamento do processo de
ensino e aprendizagem. E para que ela se efetive, é imprescindível a disponibilidade do professor em se
aproximar afetivamente do aluno, estabelecendo vínculos de confiança e de respeito.
Outro aspecto apontado e que cabe considerarmos é que os alunos de hoje clamam por práticas que
possam romper com o limitado/fechado espaço da sala de aula e o quadro negro, sugerindo outros ambientes
e ferramentas que favoreçam a aprendizagem.
Neste sentido existe uma reconfiguração dos papeis em sala de aula, onde o professor deixa de ser
o transmissor do conhecimento e a possibilidade de o conhecimento ser oriundo tanto de alunos quanto de
professores passa a ser efetiva.
Para concluir, as narrativas apresentam percepções dos alunos sobre a necessidade de dinamizar as
práticas de ensino do professor para além da sala de aula; a importância das relações afetivas e interpessoais
entre professor/aluno; a possibilidade de o conhecimento ser oriundo tanto de alunos quanto de professores,
o qual deixa de ser o transmissor; a eficácia do ensino focado nos conhecimentos prévios do aluno. O estudo
busca, com estas contribuições, pensar o estudante como ator e protagonista do processo de ensino e
aprendizagem.

REFERÊNCIAS
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article/ view/144. Acesso em: 12 nov. 2015.
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Paulo, Revista Brasileira de Educação, (5), 222-31, maio/ago.
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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Disponível em: http://impactum-journals.uc.pt/index.php/rppedagogia/article/view/1742. Acesso em:


13 nov. 2015.
Gatti, B. A. (2005). Grupo Focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Líber Livro Editora.
Gomes, C. A., Brasil, K. & Almeida, S. (2013). Adolescência: desafios da complexidade. Revista Jounal
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em: 02 nov. 2015.
Maturana, H. (2002). Emoções e linguagens na educação e na política. Belo Horizonte: UFMG.
Moraes, R. & Galiazzi, M. C. (2011). Análise Textual Discursiva (2ªEd.). Ver. – Ijuí: Ed. Unijuí.
Tardif, M. (2012). Saberes Docentes e Formação Profissional (13ªEd.). Petrópolis, RJ: Vozes.
Ramos, Ó. J. & Costa, M. (2007). Desafios à Escola Contemporânea: um diálogo. Revista Educação &
Realidade. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Brasil. 32 (2), 109-116.
Sayão, R. & Aquino, J. G. (2004). Em defesa da escola. Campinas, SP: Papirus.
Sibilia, P. (2012). Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Contraponto

633
A Escola: Dinâmicas e Atores

A EMERGÊNCIA DA COMPONENTE AUTOCRÍTICA NUMA SUPERVISÃO DA EDUCAÇÃO:


REINVENTAR AS PROFISSÕES DA EDUCAÇÃO DESCONSTRUINDO CLIVAGENS
IDENTITÁRIAS
[ID 332]

Dora Domingues
Maria João Mogarro
Instituto da Educação, Universidade de Lisboa
doradomingues@campus.ul.pt; mjmogarro@ie.ulisboa.pt

Resumo
As potencialidades teórico-epistemológicas e praxiológicas da supervisão da educação são impressivas tal
como os seus constrangimentos. A emergência da exploração e promoção de novas sinergias colaborativas
partem do pressuposto da responsabilidade partilhada na educação no século XXI.
Com o objetivo de mapear o campo da supervisão da educação recorreu-se a técnicas de pesquisa
bibliográfica em bases, técnicas de análise documental, temática e de conteúdo. A investigação foi organizada
da seguinte forma: caracterizar a produção académica pós-graduada especializada em supervisão de terceiro
ciclo de 2006 a 2015; situar a produção especializada em relação às restantes produções portuguesas
similares que usam o termo supervisão; identificar na legislação nacional usos de configurações primitivas
próximas às noções atuais de supervisão.
A construção de identidades e competências coletivas é um constrangimento cujas lógicas burocráticas mais
mecanicistas do que profissionais têm alimentado. A identidade de uma comunidade de profissionais da
educação não pode deixar de integrar a secular interiorização de clivagens identitárias, sendo um dos alvos
a desconstruir pois interage, profundamente, com os conhecimentos tácitos mais enraizados. Urge refletir
coletivamente sobre a fragilidade de uma vertente autocrítica em torno da supervisão que, apesar da riqueza
das estratégias e seu valor indiscutível, ainda deixam transparecer os impactos das clivagens entre
profissionais da educação.
Talvez um foco democrático na reconstrução de conhecimentos possa ajudar as profissões da educação a
encontrarem um marketing profissional como promotores da aprendizagem para o século XXI, construindo
contextos de educação menos formalizados, multiplicadores de possibilidades e tão diversos quanto a
criatividade humana possa perspetivar, construir e transformar.

Palavras-chave: Supervisão da educação, Campo de produção, Identidade profissional.

Résumé
Les potentialités théoriques, épistémologiques et praxéologiques de la supervision de l’éducation sont aussi
impressives que leurs contraintes. L’émergence de l’exploration et promotion de nouvelles synergies
collaboratives partent de la présupposition de la responsabilité partagée dans l'éducation au XXIe siècle.
Avec l’objectif de cartographier le sujet de la supervision de l’éducation on a eu recours à des techniques de
recherche bibliographique dans des bases de données, à des techniques d’analyse documentaire, thématique
et de contenu. La recherche a été organisée de la façon suivante: caractériser la production académique
universitaire spécialisée en supervision du troisième cycle entre 2006 et 2015; placer la production spécialisée
par rapport à d’autres productions portugaises similaires qui utilisent, elles aussi, le vocable supervision;
identifier dans la législation nationale les usages de configurations primitives proches des notions actuelles de
supervision.
La construction des identités et des compétences collectives est une contrainte entretenue par des logiques
bureaucratiques, plus mécanistes que professionnelles. L'identité d'une communauté de professionnels de
l’éducation ne peut manquer d'intégrer la séculaire intériorisation des clivages identitaires, c’est une des cibles
à déconstruire car elle interagit, profondément, avec les connaissances tacites les plus enracinées. Il est
urgent de réfléchir collectivement sur la fragilité de l’aspect autocritique au tour de la supervision que, malgré
la richesse des stratégies et de sa valeur incontestée, elles laissent, encore, transparaître les impacts des
clivages entre les professionnels de l'éducation.
Peut-être un regard démocratique sur la reconstruction des connaissances pourra aider les professions de
l'éducation à trouver un marketing professionnel en tant que promoteurs de l'apprentissage pour le XXIe siècle,

634
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

construisant des contextes d'éducation moins formalisés, multiplicateurs de possibilités et aussi divers que la
créativité humaine puisse prévoir, construire et transformer.

Mots-clés: Supervision de l’éducation, Domaine de production, Identité professionnelle.

INTRODUÇÃO
Este texto, integrante de uma investigação de doutoramento em curso, financiada pela Fundação para
a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/100457/2014), deve ser tido como um ensaio cuja natureza é exploratória
e preliminar. As zonas de questionamento identificadas são diretamente influenciadas pela sociologia clínica
de Bourdieu (2004a, 2004b) e pelo seu conceito de campo de produção, entendido este como microcosmo
social cuja evolução de posições e disposições podem ser mapeadas, estabelecendo-se relacionamentos
historicamente situados e datadas (Bourdieu, 2008). Como influência indireta identifica-se a ética de
renovação epistemológica proposta por Morin (2007) no seu paradigma da complexidade, onde a educação
(Morin, 2002) e a ciência (Morin, 2005) são apontadas como vias de regeneração societal. Neste cruzamento,
o mapeamento da supervisão da educação procura ser, simultaneamente, um esforço de representação
crítica e de interpretação autocrítica de um espaço de possibilidades de renovação, de abertura ao Outro e
promoção de sinergias colaborativas.
Relativamente ao conceito de supervisão segue-se a conceptualização e axiologia preconizadas por
Alarcão e Canha (2013), embora se problematize zonas de interface que se consideram essenciais,
designadamente as relativas aos processos continuados de socialização profissional e interprofissional numa
perspetiva de investigação e desenvolvimento. Nesse sentido, o campo de produção cultural referente à
supervisão da educação (sVE) visa explorar zonas de sombra transdisciplinares através da dialogia entre
uma via meta científica (revisão, análise e síntese da investigação para produção, disseminação e discussão
de conhecimento) e uma via tecnocientífica (concertação, modelização e monitorização de novos contextos
de educação integradores). Na confluência das duas vias, os contextos de educação e/ou de trabalho
(organizacionais ou artesanais) são entendidos como modelizações, sendo considerados como espaços
integradores de desenvolvimento humano, ou seja, organizam-se em torno dos processos continuados de
aprendizagem ao longo da vida onde se incluem sinergias colaborativas entre diferentes socializações
profissionais e outros interlocutores (Formosinho, Oliveira-Formosinho & Machado, 2010; Imaginário &
Castro, 2011; Schuller & Watson, 2013).
Defendem-se, por isso, espaços de discussão cujo enfrentamento é inadiável face aos desafios desta
nova etapa civilizacional. Tal implica necessidades de reconceptualização das missões nos sistemas de
educação e/ou educativos e/ou de ensino e de ressocialização dos profissionais da educação (pE) que
exercem funções no sistema de educação (sE).
A sVE situa-se numa abordagem transdisciplinar, interior ao domínio da supervisão e orientação da
prática profissional (SOPP), visando a construção de um espaço reflexivo e autocrítico no campo da produção
cultural especializada em supervisão, contextualizada no campo social concernente ao sE português. A
hipótese da desconstrução das clivagens identitárias na zona de sombra da relação entre supervisão,
socialização profissional e aprendizagem em contexto de trabalho, em vez de estratégica poderá constitui-se
como uma impostura dada a sua espessura socio histórica. Mas, no sentido de uma transformação das
instituições de educação ao longo do século XXI, afigura-se como central a concertação dialogada e a
construção participada de novas sinergias colaborativas coadjuvantes dos processos de ressocialização dos
diferentes pE.

635
A Escola: Dinâmicas e Atores

SUPERVISÃO EM EDUCAÇÃO: PARA O ESTUDO DE UM CAMPO DE PRODUÇÃO


A (auto)crítica e reflexão epistemológica, ao longo do século XX, implicadas nos estudos sobre a
ciência (Nunes & Roque, 2008) possibilitaram a construção e desenvolvimento desse espaço eclético de
problematização socio histórica da ciência enquanto prática comunitária, socializada e socializadora
(Bourdieu, 2004a, 2004b).
A estratégia reflexiva (auto)crítica, incluindo a vigilância epistemológica (Bourdieu, 2004a), poderá ser
uma via de (des)construção necessária à inovação e conversão coletiva (Bourdieu, 2004b) das instituições
de educação (Santos, 2011) porque interage com novas possibilidades de transformação de conhecimentos,
incluindo os tácitos e/ou pré-reflexivos, que atravessam os diferentes domínios de um sE. Destes salientam-
se os seguintes eixos de problematização: o capitalismo académico, os mercados de conhecimento e as
novas necessidades de pensamento crítico (Paraskeva, 2009); os colégios invisíveis e os ciclos de
comunicação de informação científica especializada (Correia & Mesquita, 2013, p.54) pouco ajustados às
diferentes necessidades transdisciplinares de integração da generalidade dos pE; e a urgência de
concertação e consolidação de novos contratos sociais para um sE do século XXI (Silva et al, 2015).
Face a tal visão entende-se a inexistência de estudos de sistematização da literatura cinzenta,
portuguesa, relacionada com o termo supervisão uma lacuna (cf. Alarcão & Canha, 2013; Gaspar et al, 2012)
expressiva da emergência de uma componente autocrítica na sVE. Este domínio não é só relevante para a
socialização profissional como também o pode ser para a ressocialização profissional ao longo do século XXI
dado o seu potencial de desconstrução de significações tácitas em torno do contexto de prática pedagógica
e/ou aprendizagens em contexto de trabalho relacionadas com os diferentes pE que atuam no sE.

Construções identitárias e sVE


Sob o enfoque das permeabilidades e dinâmicas entre habitus, a ciência e o conhecimento por si
construído podem ser entendidos como exteriorizações de um sentido do jogo corporizado e ajustado aos
campos de intervenção e aos espaços de demarcação. O campo é uma “institucionalização de um ponto de
vista nas coisas e nos habitus” (Bourdieu, 2001, p.121) de pensamento, de relação com o Outro, de ação e
prática, de defesa e interação, em suma, de produção cultural (Bourdieu, 2007, 2008).
Considerando-se pertinente a tentativa de desenvolvimento de uma sociologia clínica no campo da
sVE, esta é relacionada com a restante investigação doutoral nacional que inclua: a utilização manifesta do
termo supervisão, em geral, incluindo-se os diferentes campos académicos e suas problemáticas
relacionadas, direta ou indiretamente, com a problematização dos processos continuados de socialização e
dinâmicas colaborativas interprofissionais em contexto formação académica ou outro.

Sinergias educativas?
Sobre o campo de produção cultural da educação Azevedo (2012) realça que “os professores são
profissionais com graves problemas de identidade profissional” (p.3). Desta afirmação duas questões
emergem: Que pE (cf. Monteiro, 2005, pp.33-34) não se identificam como tal? Não será necessária uma
estratégia de desconstrução de clivagens identitárias no sentido de uma ressocialização profissional coletiva?
Nesta zona de questionamento faz sentido refletir (auto)criticamente sobre eventuais clivagens
identitárias a desconstruir da administração à academia, passando por todos os diferentes operacionais do
topo à base do sE, não esquecendo uma reflexão autocrítica cívica que vise a problematização de

636
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

construções como: “Mas, com profissionais assim, como podem as instituições escolares [e não escolares]
cumprir a sua missão sociocultural?” (Azevedo, ibidem).

MAPEAMENTO DO CAMPO sVE


Uma vez que se partiu da inexistência de uma sistematização da literatura cinzenta relacionada com
o campo de produção da sVE, foram excluídas fontes primárias (e.g. Gaspar et al., 2012) ou secundárias (e.g.
Alarcão & Canha, 2013, pp.16-21), bem como usos implícitos e/ou na órbita do termo supervisão, mesmo que
sejam relacionáveis com o campo da educação. Tal justifica-se pela necessidade de se estabelecerem limites
razoáveis de investigação. Por exemplo, só no Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP)
existem cerca de duas centenas de artigos relacionáveis com o uso manifesto do termo supervisão.
Relativamente à literatura cinzenta (e.g. relatórios de estágio de práticas supervisionadas e/ou dissertações
ou teses) no âmbito de especializações em supervisão ou utilizações manifestas do termo supervisão (e.g.
título, assunto e descrição) o volume do acervo nacional ascende à ordem dos milhares.

A produção pós-graduada e a sVE


No sentido de um mapeamento mínimo da sVE enquanto domínio de produção pós-graduada
procurou-se sistematizar informações, designadamente marcos temporais das primeiras ofertas e produções.
Como primeiras ofertas identificam-se: o curso de estudos superiores especializados em supervisão e gestão
da formação da Escola Superior de Educação de Lisboa (portaria 1047/93 de 18/10); o ramo de supervisão e
orientação pedagógica do mestrado em educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
(portaria 849/84 de 5/11); e o ramo de supervisão e formação do doutoramento em didática da Universidade
de Aveiro (UA) na década de 90. As primeiras dissertações encontradas, pertencentes à Universidade de
Lisboa (UL), datam de 1988, desenrolando-se a partir daí a expansão dos acervos e diversificação de ofertas.
Entre teses, do que se conseguiu apurar, uma primeira produção data de 1996 e uma terceira de 2005, ambas
pertencentes ao ramo de supervisão e formação do curso de didática da UA. Uma segunda tese, também do
acervo da UA, data de 2004 e corresponde ao curso de supervisão.

Contextualizações
De 1988 a 2015, o acervo nacional de dissertações e teses só de ramos especializados no domínio
da sVE excede as quatrocentas produções (dados provisórios). Neste tipo de produções integram-se âmbitos
profissionais específicos (e.g. enfermagem) e outros contextos (e.g. Angola) como seria espectável. Só no
acervo pertencente à UL, um dos maiores acervos especializados institucionais (dissertações e teses de
supervisão e orientação da prática profissional) podem ser identificadas mais de uma centena de produções.
Em termos de ofertas formativas de mestrado e doutoramento especializadas no domínio da sVE a
diversidade é também expressiva de algum interesse pois não só é amplo o conjunto de instituições que
desenvolvem diferentes ofertas como poderão ser os enquadramentos teórico-epistemológicos preconizados,
atendendo-se a inferências a partir dos objetivos dos planos de estudos disponíveis nos sítios institucionais.
Em termos de temáticas e contextualizações problemáticas pode existir maior proximidade entre
produções especializadas/não especializadas do que entre o grupo especializado em sVE, pois a socialização
profissional (e.g. formação inicial, estágios, contextos de trabalho) é um domínio de problematização de

637
A Escola: Dinâmicas e Atores

interface, cruzando contextos e situações (e.g. contextos escolares e não escolares, situações de educação
não formal, profissões, instituições, especializações).

TESES DE DOUTORAMENTO EM SUPERVISÃO: CARACTERIZAÇÃO DE UM CAMPO


No sentido do mapeamento do campo da sVE utilizaram-se técnicas de pesquisa bibliográfica, de
análise documental, temática e de conteúdo. O estudo exploratório foi modelizado por referência aos usos
manifestos do termo supervisão, considerando-se diferentes campos de produção relacionados entre si por
se entenderem como artefactos coletivos decorrentes da manutenção e desenvolvimento do sE.
Da literatura cinzenta relacionável com a utilização manifesta do termo supervisão, considerou-se a
seguinte associação agrupamento/critérios de elegibilidade de produções: campo académico de
especialização em sVE por integração do termo nas designações dos ramos; académico genérico por
utilização do termo supervisão entre descritores da produção nas fichas bibliográficas (título,
assuntos/palavras-chave, descrição/resumo); campo burocrático-administrativo focado nos normativos de
configuração e funcionamento do sE (e.g. D/decreto, DL/decreto-lei, DN/despacho normativo, P/portaria).
O estudo foi orientado no sentido das seguintes focalizações: delimitar do grupo de teses de
especializações em supervisão; caracterizar genericamente a investigação doutoral portuguesa, de 2006 a
2015, relacionada com o uso do termo supervisão; e identificar ocorrências do termo supervisão ou outros da
mesma família na legislação nacional.
Apesar dos constrangimentos relativos à utilização das fichas bibliográficas institucionais como
material empírico (e.g. identificação ou não de palavras-chave nas teses; seleções efetuadas sobre produções
anteriores a 2013), entende-se que estas facilitam a pesquisa de produções visadas (cf. DL 115/2013 de 17/8;
P 285/2015 de 15/9).

Investigação doutoral portuguesa e a supervisão


Após escolha do RCAAP e da opção exclusiva do termo supervisão nos campos de pesquisa em
modo disjuntivo (título ou assunto ou descrição) analisaram-se 125 fichas bibliográficas, tendo-se identificado
113 produções distintas. As produções foram divididas em quatro grupos mutuamente exclusivos: o A (gA)
relativo às especializações em sVE; o B (gB) com produções relacionadas com os cursos que integram ramos
da sVE; o C (gC) com temáticas eventualmente pertinentes para o campo da sVE; e o D (gD) que agrupa as
restantes situações.
A distribuição temporal das produções é tendencialmente crescente como apresentada no gráfico um
(G1), podendo-se apreciar as diferentes confrontações analíticas efetuadas na figura um (F1).

638
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Gráfico 1 - Distribuição temporal

Figura 1 - Confrontações analíticas


De 2006 a 2008, não se encontraram produções passíveis de integrar o grupo A, constituído por 30
produções. Um mapeado referente às produções no domínio das especializações em sVE está representado
na figura dois (F2).
Embora se possa considerar o ano de 2013 como um ponto de viragem na produção especializada
em sVE por referência à diversificação de ofertas formativas, no aumento das produções com acesso a partir
do RCAAP deve ser tida em consideração a regulamentação relativa ao depósito das produções (cf. P
285/2015 de 15/9).
A diversidade encontrada fundamenta a pertinência de um balanço epistemológico do campo, bem
como a monitorização da evolução de significações do conceito e uma prospeção de ausências ao nível da
investigação no domínio (cf. Alarcão & Canha, 2013; Gaspar et al, 2012).

639
A Escola: Dinâmicas e Atores

Figura 2 - Mapeamento do gA
Da análise dos resumos constantes das fichas bibliográficas foi criada uma classificação da
terminologia utilizada nas produções relativas às especializações no domínio da sVE. Esta está representada
no quadro um (Q1).
Categorias de anexação Terminologia no domínio especializado em supervisão
Especializações e componentes curriculares Supervisão pedagógica, supervisão da prática pedagógica.
Contextos e/ou situações Supervisão da formação/ da formação inicial, formação de
supervisores, supervisão das práticas/ práticas pedagógicas/ de
ensino, prática profissional supervisionada, autossupervisão.
Orientações Pedagógica, dialógica, colaborativa, avaliativa, reguladora, clínica.
Focagens Desenvolvimento profissional, estruturas intermédias, exercício da
supervisão, processos de supervisão, papel do supervisor, funções
supervisivas, conceções.
Figuras/ agentes Supervisora universitária, supervisores pedagógicos, professores/
docentes.
Quadro 1 - Classificação da terminologia
No grupo B, referente a produções que utilizam o termo supervisão entre os seus descritores e que
pertencem a cursos de igual designação aos das teses do grupo A, agruparam-se 36 produções.
Em termos globais, o curso de ciências da educação (CE) é o que tem maior número de produções
(42%), seguido de didática/didática e formação (31%), educação (22%) e estudos da criança (6%).
As diferentes decomposições analíticas e respetivas distribuições podem ser analisadas a partir da
figura três (F3).

640
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Figura 3 - Distribuições no gB
Na generalidade, a maioria das produções relacionadas com usos do termo supervisão não estão na
dependência de outros ramos, mas se até 2010 pode ser atribuída uma maior preponderância ao domínio da
didática/UA, posteriormente, de 2011 a 2015, a maioria das produções associam-se aos cursos de CE. Tal
pode ser explicado pela inclusão de produções de outras instituições sem partição em ramos nos cursos em
causa conforme se pode inferir a partir do quadro dois (Q2).

Quadro 2 - Decomposições no gB

641
A Escola: Dinâmicas e Atores

Quanto à análise de usos do termo supervisão no título e nas palavras-chave/assuntos, para além do
uso simples do termo, verifica-se a necessidade recorrente de especificação de enquadramentos podendo
considerar-se este um padrão como poderá ser inferido a partir do quadro três (Q3).
Tema Clarificação de abordagens
Título Supervisão curricular, supervisão de estágios, supervisão da
formação, supervisão da gestão curricular, supervisão da
investigação doutoral
Palavras-Chave/ Assuntos Supervisão da prática pedagógica, supervisão dialógica, supervisão
de professores, supervisão colaborativa, supervisão pedagógica
Quadro 3 - Clarificação de abordagens

No grupo C agruparam-se produções de diferentes cursos por se identificarem temáticas com


interesse para o domínio da supervisão como está patente no quadro quatro (Q4).
Áreas Temáticas
Ciência Política Universidade
Enfermagem Ensino clínico, modelo de supervisão clínica
Letras Língua portuguesa
Motricidade humana Supervisão parental
Multimédia em educação Comunidade de prática online
Psicologia da educação Vivências académicas em estágio
Psicologia do desenvolvimento Intervenção precoce
Psicologia do trabalho e das organizações Supervisão em coaching
Psicologia da saúde Bullying no local de trabalho
Serviço Social Supervisão na formação
Quadro 4 - Temáticas de outros cursos
O grupo D agrega 31% das produções e envolve vinte e dois cursos de diferentes campos
académicos. Destes apenas o ramo de accounting, do curso de management do Instituto Superior de Ciências
do Trabalho e da Empresa, corresponderá a uma especialização associável a outro domínio distinto do campo
da educação/socialização profissional.
Conforme se pode inferir a partir das designações dos cursos das teses dos grupos C e D, constantes
do quadro cinco (Q5), as utilizações do termo supervisão relacionam-se com diferentes temáticas e envolvem
uma expressiva diversidade (cf. Alarcão & Canha, 2013).
Campos académicos que integram utilizações do termo supervisão
Engenharia eletrotécnica e de computadores/ Automação e robótica (UC e UP), engenharia informática (UC),
informática (UL), engenharia mecânica, engenharia mecatrónica e energia (EU), e engenharia civil (UM)
Engenharia química e biológica (UM), biociência e biologia (UC), saúde internacional (U Nova Lisboa) e enfermagem
(U Católica)
Gestão (ISCTE e EU), management/ accounting (ISCTE); ciências empresariais (UM), finanças
Psicologia/ Psicologia clínica (UM)
Ciências políticas (U Lusófona), ciência política e relações internacionais (UM), estudos de desenvolvimento (UL),
direito, justiça e cidadania do século XXI (UC), ciências sociais/ serviço social (U F Pessoa) e serviço social (U Católica)
Quadro 5 - Cursos das teses dos grupos C e D

Socializações profissionais
Contrastando grupos, o domínio problemático mais estudado é o da formação, sendo a socialização
profissional no ensino, em comparação com outras (cf. especialistas de coaching) a que aparenta favorecer
uma maior necessidade de enunciação de diferenciações entre os profissionais implicados na socialização.
Esta zona de questionamento ou problemática da desconstrução das representações do Outro pode revelar-
se pertinente no sentido do desenvolvimento de novas sinergias colaborativas entre pE. Talvez seja mais
difícil a partilha de responsabilidades entre pE devido às estratégias organizacionais de hierarquização,
decomposição e homogeneização.

642
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A segunda grande preocupação é relativa à avaliação do desempenho docente. Neste conjunto a


inspiração autocrítica é mais clara, embora a artificialidade da relação entre avaliadores e avaliados nem
sempre seja explorada no sentido da construção de novos compromissos profissionais que possibilitem a
reconversão de lógicas burocráticas mais mecanicistas do que profissionais.

O CAMPO BUROCRÁTICO-ADMINISTRATIVO
Através de indexadores de legislação foram pesquisadas ocorrências do termo supervisão ou outros
conexos (cf. Alarcão & Canha, 2013) ou com significação próxima (e.g. superintendência, estágio, direção,
fiscalização, monitorização, acompanhamento, coordenação). A pesquisa não foi exaustiva tendo-se optado
pela constituição de amostra intencional procurando-se diversidade de exemplos. Os diplomas considerados
centrais, associados a diferentes componentes da socialização profissional, foram agrupados em duas
categorias dicotómicas: profissionais de ensino; outros profissionais. Relativamente à primeira categoria
foram distintos os seguintes domínios: habilitações, formação e estágios; estatutos e atribuições
administrativo-gestionárias; e outras situações.
As primeiras ocorrências identificadas datam do início da década de 60 em diplomas de diferentes
ministérios (e.g. decreto-lei 43514 de 23/2/1961) e relacionam-se com diversas temáticas (e.g. acordos entre
Portugal e outros países).

Ambientes profissionais
Pelo que se conseguiu apurar uma das primeiras associações explícitas entre o uso do termo
supervisão e a socialização profissional pode ser encontrada na portaria 19091 de 26/3/1962, da
responsabilidade dos ministérios da educação nacional e do ultramar. Este diploma aprova os programas dos
seguintes cursos: serviço social, educadores sociais, educadores de infância, monitores de família e
monitores de infância. No entanto, apenas no curso de serviço social está prevista a componente “supervisão
individual”, integrante da parte prática do quarto ano (portaria 19091 de 26/3/1962).
Considerando-se a situação de estágio o contexto central de origem do campo da sVE (cf. Alarcão &
Tavares, 2013), foram explorados usos do termo (ou outros da mesma família) relativamente às situações de
estágio. De forma geral, a situação de estágio e/ou formação em contexto de trabalho pode ser considerada
um ícone no âmbito da socialização secundária e/ou de especialização, embora com potenciais
diferenciações internas e de orientação externa (cf. estágio de arquivistas criado em 1913 conforme decreto
508 de 21/05/1914 para as bibliotecas e arquivos nacionais; estágio de enfermeiras militares regulado pela
portaria 1180 de 15/12/1917).

A zona dos pE
No âmbito da habilitação para o magistério, já no final do século XIX e início do século XX estavam
presentes referências aos exercícios práticos (decreto de 22/12/1894) e/ou prática pedagógica e/ou
conhecimentos pedagógicos, sendo estes aparentemente valorizados quer para o magistério quer para o
exercício de outras funções especializadas como as de inspeção (cf. decreto de 24/12/1901 e de 3/10/1902;
decreto de 9/12/1911; decreto de 956 de 17/10/1914; decreto de 1501 de 13/4/1915; decreto 2117 de
3/12/1915; decreto 2509 de 14/7/1916; decreto 2646 de 26/9/1916; decreto 3012 de 6/3/1917 e sua retificação
de 3/9/1917; decreto 22369 de 30/3/1933 e decreto de 22777 de 29/6/1933).

643
A Escola: Dinâmicas e Atores

Salientando-se que na década de 30, os inspetores tinham de ter concluído as cadeiras da seção de
pedagogia das faculdades de letras (decreto 22369 de 30/03/1933 e decreto 22777 de 29/6/1933), a segunda
ocorrência de termo próximo de supervisão, que consta da portaria 139-A/76, possibilita uma segunda
associação entre supervisão e o momento de estágio, bem como da relação entre a supervisão da prática
pedagógica e as atribuições da inspeção.
No quadro seis (Q6) apresentam-se as principais categorias exploratórias que relacionam as
ocorrências de termos próximo ao de supervisão e a relação estabelecida com a formação como via para a
ressocialização de docentes, pois em qualquer dos casos o exercício efetivo da docência era uma condição
de partida para as intervenções efetuadas.

Quadro 6 - Supervisão e ressocialização profissional


Neste domínio destaca-se a consagração da área da supervisão pedagógica e formação de
formadores como integrante do conjunto de áreas formação especializada dos docentes (cf. quadro seis).
Relativamente ao primeiro uso da expressão nos diplomas consultados este data de 1980 e refere-se à
atribuição da Direcção-Geral do Ensino Secundário de “supervisão pedagógica do 12º ano” (decreto-lei
240/80 de 19/7) na sequência da extinção do ano propedêutico do ensino superior.
No domínio das atribuições referentes à coordenação de serviços e/ou de gestão intermédia quer no
ensino não superior (portaria 679/77 de 8/11; portaria 765/77 de 19/12; despacho normativo 171/79 de 24/7;
portaria 703/79 de 26/12) quer no superior (decreto-lei 448/79 de 13/11; decreto-lei 158/81 de 1/7) são
recorrentes utilizações de diversos termos no âmbito da supervisão.

644
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas dinâmicas em torno da supervisão (e.g. Alarcão & Canha, 2013) e supervisão pedagógica (e.g.
Gaspar et al., 2012; Vieira et al., 2010) a espessura sócio histórica das evoluções relativas às socializações
profissionais na área da educação carecem de imagens mais claras por referência às eventuais dinâmicas
implícitas entre habitus no sE. O modus operandi associado ao que hoje pode ser entendido por supervisão
está presente na legislação desde os primeiros passos do sistema de ensino. Nos diferentes usos do termo
supervisão ou seus associados nos normativos é de realçar a sua associação a momentos de intervenção no
sentido da alteração de algumas clivagens (e.g. profissionais/não profissionais) e tentativa de construção de
redes identitárias por via administrativa (e.g. exercícios de cargos e outras funções). A (des)construção e
(re)construção coletiva poderá ser um ponto central na via autocrítica e reflexiva da sVE como se espera ter
demonstrado.

REFERÊNCIAS
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Editora.
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desenvolvimento humano. In J. Formosinho, J. Machado & J. Oliveira-Formosinho. Formação,
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Gaspar, M. I., Seabra, F. & Neves, C. (2012). A supervisão pedagógica: significados e operacionalização.
Revista Portuguesa de Investigação Educacional. Supervisão, colegialidade e avaliação, 12, 29-57.
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645
A Escola: Dinâmicas e Atores

Santos, B. (2011). A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da
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Schuller, T. & Watson, D. (2013). Learning through life: inquiry into the future for lifelong learning. Leicester:
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Vieira, F., Moreira, M. A., Barbosa, I., Paiva, M. & Fernandes, I. (2010). No caleidoscópio da supervisão:
imagens da formação e da pedagogia (2ªEd. Revista e ampliada). Mangualde: Pedago.

646
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

LIGAÇÕES ENTRE A PESQUISA E A PRÁTICA: DESAFIOS DA FORMAÇÃO NA


APROPRIAÇÃO DA AUTONOMIA PROFISSIONAL DOS DIRETORES DE
ESTABELECIMENTOS ESCOLARES
[ID 144]

Houssine Dridi
Madeleine Tchimou
Université du Québec à Montréal
dridi.houssine@uqam.ca; tchimou.madeleine@uqam.ca

Resumo
A natureza complexa das situações escolares enfrentadas pelos administradores da escola e seus ramos
representam um desafio no exercício de julgamento e tomada de decisão e leva ao aumento da demanda
sobre a formação de parcerias. Em um contexto sócio-legal onde a coordenação e espaço regulação escola
consagrar, propomos uma reflexão sobre a apropriação de autonomia profissional pela escola para
orientações e na sequência de uma formação obrigatória as expectativas de crescimento. Questionamos,
com antecedência, sobre um mal-entendido persiste quanto à definição de autonomia profissional por cada
parte (escolar e profissional). Mesmo que a autonomia profissional refere-se aos campos de conhecimento e
habilidades adquiridas durante o período de treinamento para o exercício de uma profissão, é também uma
natureza individual e chama a essência de cada indivíduo e o desenvolvimento da pessoa. Confrontado com
as demandas e influências de culturas vizinhas, ela muda ao longo da vida de trabalho. Para estudar este
fenómeno, contamos com uma pesquisa com questionários e entrevistas com 45 contatos estar em diferentes
níveis da sua função de gestão e de ter beneficiado ou beneficiar de uma educação universitária. A análise
da prática de histórias e dados do questionário indicaram uma dificuldade em explorar resultados da
investigação universitária por cenários de prática. Este estudo ilustra os desafios da formação para habilitar
as direções em exercício e indicações se tornam apropriar negócio autonomia profissional com a
complexidade das intervenções: liderança exercício, estratégias de implementação para a mudança,
mobilizando pessoal educação em todo o desempenho acadêmico, etc. Iniciativas são apresentados que
tentar responder a estes desafios e pensar e soluções surgiram para ajudar a melhorar a educação em uma
aproximação entre teoria e prática.
Palavras-chave: Formação, Investigação, Propriedade, Autonomia profissional, Liderança escolar.

Résumé
Le caractère complexe des situations scolaires rencontrées par les directions d’établissement et leurs
directions générales pose un défi dans l’exercice du jugement et dans la prise de décision et engendre des
exigences accrues envers la formation partenariale. Dans un contexte socio-légal où la coordination et la
régulation enchâssent l’espace scolaire, nous proposons une réflexion sur l’appropriation de l’autonomie
professionnelle par les directions d’établissement scolaire pendant et suite à une formation obligatoire aux
attentes grandissantes. Nous nous questionnons, au préalable, sur une mécompréhension qui persiste quant
à la définition de l’autonomie professionnelle par chacune des parties (universitaire et professionnelle). En
effet, même si l’autonomie professionnelle se rapporte aux domaines des connaissances et des compétences
acquises durant la période de formation, en vue de l’exercice d’une profession, elle est aussi d’ordre individuel
et puise à l’essence même de chaque individu et au développement de la personne. Confrontée aux exigences
et aux influences des cultures environnantes, elle se transforme tout au long de la vie professionnelle. Pour
étudier ce phénomène, nous nous basons sur une enquête comprenant des questionnaires et des entrevues
auprès de 45 interlocuteurs se situant à des niveaux différents de leur fonction de direction et ayant bénéficié
ou bénéficient d’une formation universitaire. L’analyse des récits de pratique et des données des
questionnaires fait ressortir une difficulté d’exploiter des résultats de recherche universitaire par les milieux de
pratique. Cette étude permet d’illustrer les défis de la formation à permettre aux directions en exercice et les
directions en devenir de s’approprier leur autonomie professionnelle face à la complexité des interventions :
exercice du leadership, stratégies d’implantation du changement, mobilisation du personnel éducatif autour
de la réussite scolaire, etc. Des initiatives sont présentées qui tentent de répondre à ces défis et des pistes de
réflexion et de solution sont dégagées pour permettre d’améliorer la formation dans un rapprochement entre
théorie et pratique.

647
A Escola: Dinâmicas e Atores

Mots-clés: Formation, Recherche, Appropriation, Autonomie professionnelle, Direction d’établissement


scolaire.

CONTEXTE ET DÉMARCHE DE L’ÉTUDE


Notre étude se situe dans le champ des préoccupations relatives aux transformations actuelles du
système éducatif et du défi que posent ces transformations à la gouvernance scolaire. Plus précisément, elle
a pour objet l’analyse des contributions de la formation des directions d’établissement scolaire à l’appropriation
des connaissances théoriques et expérientielles (savoir scientifique et savoir de l’action) en autant que celles-
ci constituent une réponse aux changements engendrés par les modes de régulation et l’aspiration à une école
dynamique où la réussite scolaire intègre la réussite de tous (ou du plus grand nombre). En soulignant les
faiblesses des modèles qui se cantonnent au transfert des connaissances et leur manque de pertinence au
regard de l’autonomie professionnelle des directions d’établissement scolaire, cette étude propose des
avenues qui permettraient de soutenir l’amélioration continue de la formation, d’appuyer les stratégies
d’appropriation des connaissances et de favoriser une certaine et progressive autonomie professionnelle.
Le contexte actuel se démarque par une intensification des intentions et des déclarations de
décentralisation des responsabilités et des pouvoirs en matière de gouvernance scolaire, allant des niveaux
supérieurs vers des niveaux locaux, du ministère à la commission scolaire (autorité intermédiaire) et de la
commission scolaire au profit de l‘établissement scolaire. Cette délocalisation des pouvoirs est somme toute
relative. Si la direction d’établissement scolaire semble récupérer certains pouvoirs qu’elle réclamait pour
élargir sa marge de manœuvre dans la gestion de son établissement, elle doit composer avec un Conseil
d’établissement au sein duquel les parents exercent désormais un pouvoir revendiqué, obtenu et plus étendu.
Simultanément, l’acte administratif ne cesse de prendre des proportions de plus en plus importantes
(Lalancette, 2014), complexifiant et alourdissant la tâche de la direction d’établissement scolaire. Peu de place
est alors accordée à l’acte pédagogique.
En effet, les mécanismes de reddition de compte remplissent l’espace de gestion de la direction
d’établissement scolaire par leur nombre, leur complexité et leur nature bureaucratique, laissant peu de place
à la dimension pédagogique, au dialogue et à la décision collective. Le contexte dans lequel nous nous situons
depuis plus d’une décennie se distingue par la mise en place des mécanismes de la réforme de 1998 (dite
réforme Marois). La décentralisation des responsabilités et des pouvoirs en faveur des directions
d’établissement scolaire était l’un des mécanismes importants des changements opérés comme suite logique
de la réforme (Bernatchez, 2011). Cette décentralisation est censée fournir les gouvernes d’une gestion
autonome. Or, le ministère de l’éducation, comme les Commissions scolaires actionnent des mécanismes de
mise en œuvre, de suivi et de contrôle leur permettant de garder une partie de ces pouvoirs. Ce qui rend
l’autonomie tout à fait relative. Si le nouveau rôle de la direction d’ES est plus ou moins défini, il est plutôt
encadré par différentes règlementations ou conventions. Toutefois, et même dans ce contexte de gestion axée
sur les résultats, la direction est tenue d’avoir une vision plus globale de la gestion en général et une application
de certaines dimensions de façon plus spécifiques à l’administration scolaire. Elle doit aussi posséder des
aptitudes de communication et de leadership.
Pour ce faire, le nouveau rôle de la direction nécessite, dès l’entrée en fonction, une connaissance
plus fine des approches de gestion, appliquées à l'administration scolaire. Mais ces aptitudes ne font pas seule
le poids. Un constat en ressort: le degré d’un recours systématique et approfondi aux techniques de la nouvelle
gestion publique dépend du degré de perméabilité des structures institutionnelles aux idées managériales, tel

648
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

qu’analysé par Hood (2000) et Merrien (1999). Il est éclairant de retenir, d’abord, que des difficultés sont
générées par l’application de processus parfois complexes et peu ajustables à la réalité des organisations tant
ils sont instrumentaux. Ensuite, les expériences menées jusqu’à ce jour montrent clairement que les
changements organisationnels introduits entraînent des réactions et des comportements d’adaptation qui
compromettent les objectifs visés et parfois même détériorent la capacité de répondre correctement aux
finalités.
Les retombées des activités de recherche peuvent être lointaines. Cela peut prendre du temps et varie
selon le domaine d’application. En ce qui a trait au domaine de la gestion, les besoins urgents et les demandes
pressantes quant aux indicateurs de performance ne permettent pas toujours aux acteurs de prendre le temps
de s’inspirer de la recherche. Il est difficile aussi de prendre le temps de partager et d’apprendre des
expériences des autres. La mobilisation des connaissances qui a besoin de maturation se trouve affectée par
le recours à des routines et des façons de faire inspirées du quotidien.
La formation en partenariat entre l’UQAM (Université du Québec à Montréal) et les Commissions
scolaires a été conçue pour tenter de répondre à de telles exigences en aménageant un programme qui est
censé répondre aux défis que rencontrent les directions d’établissement scolaire. Cette formation configurée
en un programme de DESS de 2e cycle totalise 4050 heures dans différentes activités pédagogiques. Celles-
ci se composent ainsi: 1350 heures de formation en salle de classe ou d’activités en présentiel sous la
supervision d’un professeur, d’un chargé de cours ou d’un assistant, et, 2700 heures d’activités pédagogiques
encadrées ou dévolues à l’étudiant lui-même. Autrement dit, pour chaque crédit de 15 heures de cours,
l’étudiant doit réserver 30 heures de plus pour les lectures, les préparations, les exercices et les études de
cas par exemple.
Or, constatant des difficultés à déployer une autonomie professionnelle certaine chez les directions
d’établissement scolaire, la Commission scolaire partenaire a décidé de mener une enquête auprès de
finissants et de récents diplômés en appliquant un questionnaire qui porte essentiellement sur la satisfaction
des étudiants par rapport à leurs études au DESS et leur perception du transfert qu’ils auraient fait de leurs
études. Les interlocuteurs devaient se prononcer sur les contenus des différents cours, sur les méthodes
pédagogiques, sur les activités pédagogiques, sur la prestation d’enseignement, sur le transfert des
connaissances, sur l’appropriation d’une autonomie professionnelle. Mais, aucune question ne portait sur les
mécanismes d’appropriation et de gestion des connaissances post-formation.
Afin de mesurer la satisfaction des participants à cette formation et ses retombées dans la pratique, à
partir des impacts de la formation, la Commission scolaire partenaire, a appliqué un sondage par questionnaire
distribué auprès de 4 cohortes d’étudiants-praticiens (n=45). Les réponses complètes et traitées concernaient
17 personnes, dont des diplômés en fonction comme directions-adjointes (n=15) et des finissants, en fonction
comme enseignants (n=2). Le questionnaire comprenait 23 questions dont 20 questions fermées et 5 ouvertes
(deux questions fermées avec espace pour des justifications).

La formation et ses exigences : liens entre recherche et pratique


Dans le contexte de la société du savoir, les politiques publiques proposent des cadres normatifs et
des plans d’action qui cherchent à valoriser la formation des personnes et la mobilisation des savoirs
(Bernatchez, 2011). Étant donné l’obligation d’une formation de 2e cycle, les commissions scolaires jouant le
rôle de partenaires et ayant la liberté de choisir avec quelle université elles désirent faire affaire, notamment

649
A Escola: Dinâmicas e Atores

lorsqu’il y a plus d’une université qui peuvent se concurrencer, deviennent des partenaires actifs dans la
programmation des cours et des contenus. Elles peuvent demander la création ou la modification d’un contenu
pour l’adapter à ce qu’elles pensent être un changement ou une orientation utile. Les universités de leur côté,
peuvent offrir tout à fait librement une programmation qui semble correspondre aux compétences utiles aux
directions d’établissement scolaire. Mais les deux partenaires tentent de maintenir une collaboration visant
l’amélioration constante et le maintien de la qualité du programme et ses objectifs.
Avec ses objectifs tant généraux que spécifiques, le programme vise avant tout le développement
professionnel des gestionnaires des établissements d’enseignement, tant au niveau préscolaire, primaire et
secondaire qu’au niveau collégial (pré-universitaire). Dans le cadre de cette formation, le gestionnaire en
fonction ou le futur gestionnaire est appelé à avoir une posture de praticien réflexif, de leader et d’agent de
changement en s’engageant de façon continue dans une démarche de renouvellement de gestion visant la
réussite des élèves de son établissement. Les activités organisées dans le cadre du programme de formation
visent à favoriser chez les participants l’appropriation et l’approfondissement des méthodes et outils de gestion
ainsi que le développement du jugement professionnel par l’objectivation des pratiques, la conceptualisation
et la théorisation des cas, le réinvestissement dans la pratique et son observation, la coconstruction de savoirs
et le développement des compétences, la réflexion critique en vue d’améliorer les pratiques professionnelles,
l’accroissement de l’efficience dans l’exercice de la fonction de gestionnaire, l’amélioration et le
développement des institutions ainsi que l’ouverture à la recherche.
Pendant la formation et une fois la formation complétée, les gestionnaires sont censés maîtriser des
habiletés en matière de gestion tant pédagogique qu’administrative ou organisationnelle. Ils seraient en
mesure de maîtriser les divers processus de gestion d’un établissement scolaire en tenant compte des
particularités des milieux. Ils sont appelés à encourager le travail en équipe-école (regroupant le personnel
scolaire) pour élaborer et réaliser le projet éducatif local. Le leadership, dimension transversale, prenant une
place centrale dans la formation dans sa version partagée, est censé les conduire à accorder une place
privilégiée à la formation continue du personnel scolaire afin de renforcer l’efficacité organisationnelle de
l’établissement en l’articulant autour d’une gestion stratégique et avec une vision prospective du système
éducatif et de leur établissement.
Les participants à cette formation, sont baignés dans le contexte de la gestion axée sur les résultats
avec des études de cas impliquant des approches de gestion centrées sur les résultats (tout en les comparant
aux approches jadis centrées sur les moyens et les processus). Ils sont amenés à analyser, de façon
contextualisée, les changements apportés à la fonction et aux tâches d’une direction d’établissement scolaire.
Ils devraient pouvoir prendre conscience de la nécessité d’actualisation des connaissances et des pratiques
au-delà de la formation et tout au long de leur carrière.
Avec cet état des lieux et la description des exigences qui ont été intégrées dans les programmes de
formation (DESS), il est tout à fait légitime de se poser la question, à savoir : pourquoi la majorité des praticiens
retombent dans la routine et aient beaucoup de difficultés à s’approprier une plus large autonomie dont ils ont
besoin pour relever les défis inhérents à la gestion d’un établissement scolaire?

Problématique de l’autonomie professionnelle chez les gestionnaires de l’éducation


L’autonomie professionnelle est un concept générique qui se prête à différentes interprétations. Il peut
être défini comme étant la «possibilité de décider sans en référer à un pouvoir central, à une hiérarchie, une

650
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

autorité» (Larousse, 2004, p.102). Mais l’autonomie professionnelle exige l’acquisition, l’accumulation et la
circulation du savoir, la fluidité et l’accessibilité à l’information comme le précise Foucault (1994). Or, dans le
cadre de l’exercice de la fonction de direction d’établissement scolaire l’autonomie est relative et les termes
de l’exercice de la fonction ainsi que l’accomplissement des tâches éloignent quelque peu la direction d’une
maîtrise plus grande. Cette autonomie est relative en raison notamment : i) de la posture de la direction, ii) du
cadre législatif (politiques et règlementations émanant du ministère), iii) du cadre administratif (interventions
de la commission scolaire), et iv) des contours des conventions collectives.
En ce qui concerne la posture, même si l’autonomie professionnelle se rapporte aux domaines des
connaissances et des compétences acquises durant la période de formation, en vue de l’exercice d’une
profession, elle est aussi d’ordre individuel et puise à l’essence même de chaque individu et au développement
de la personne (Allaire & Benoît et al, 1995; Legendre, 2005). Confrontée aux exigences et aux influences des
cultures environnantes, elle se transforme tout au long de la vie professionnelle (Ellis, 1994 ; Le Boterf, 1999,
2001, 2006; Landry, 2012). Les directions n’ayant pas le temps nécessaire, la motivation ou l’engagement
indispensable, n’accordent pas l’importance requise à la formation continue, à la recherche documentaire et
aux mécanismes de coconstruction de savoirs, à la collaboration et au leadership partagé qui peuvent leur
permettre de répondre plus positivement aux exigences du contexte et des pouvoirs supérieurs et
intermédiaires.
En ce qui a trait au cadre législatif, Lalancette (2014) confirme que les établissements d’enseignement
du secteur public au Québec ont acquis, au cours des trente dernières années, une relative autonomie (inscrite
dans la loi) qui a contribué à renforcer considérablement le rôle des directions d’établissement, en leur
octroyant davantage de pouvoirs et de responsabilités. Lalancette révèle aussi que «certaines modifications
successives […] qui sont venues agir sur l’application de cette loi, ont eu pour conséquence de limiter la portée
de cette autonomie» (p.30). Que ce soit l’encadrement opéré sur et autour des activités éducatives de l’école,
que ce soit les nouvelles règles et normes introduites avec l’approche de la gestion axée sur les résultats, ont
eu pour effet de réduire les marges de manœuvre en configurant pour les directions plusieurs activités. Dans
le même sens, Bernatchez (2011, p.164), estime que «d’un côté, le discours sur la professionnalisation laisse
croire à une certaine autonomie de la direction d’établissement et de l’autre, les initiatives gouvernementales
vont à l’encontre de cette ambition». C’est dans ce contexte que la direction d’établissement doit assumer
cette dimension de sa fonction, la gestion administrative.
Quant au cadre administratif, il a subi de nombreux amendements et modifications durant des
décennies au gré des recherches, des orientations politiques et des pressions de toutes sortes. Lalancette
(2014) rappelle que du dépôt du Livre blanc du ministre Camille Laurin (1982) qui redonnait à l’école tous les
pouvoirs, en passant entre autres par le projet de loi 107 (L.Q. 1988, c. 84), le projet de loi 180 (L.Q. 1997, c.
96), le projet de loi 124 (L.Q. 2002, c. 63), le projet de loi 88 (L.Q. 2008, c. 29) et, tout dernièrement, le projet
de loi 56 (L.Q. 2012, c. 19), l’école québécoise a vu son rôle et ses responsabilités subir de nombreux
changements. La situation actuelle revigore les revendications de la délégation des pouvoirs.
La commission scolaire partenaire a produit un document en guise d’un bref guide (2 pages) qui
rappelle certaines dimensions de l’autonomie professionnelle aux directions d’établissement scolaire qui
entrent en fonction (CSMB, 2009). Elle les avertit d’emblée de la mise au jeu de l’autonomie professionnelle
dès l’entrée en fonction par une confrontation à la réalité scolaire qui est nettement différente de ce que
certaines ou certains ont connu comme enseignantes et enseignants. L’objet d’un tel document est de «fournir

651
A Escola: Dinâmicas e Atores

des repères pour mieux cerner l’étendue et les limites de l’autonomie professionnelle» (CSMB, 2009, p.2).
Quelques trois références, considérées comme utiles sont fournies et portant sur l’autonomie professionnelle,
sont censées être utiles pendant toute la durée de l’engagement. Dans ce texte, il est question de distinguer
deux axes de l’autonomie professionnelle. L’une renvoie à l’autonomie stratégique, la liberté de définir les
problématiques et les objectifs. L’autre rappelle l’autonomie opérationnelle, dans laquelle, une direction
d’établissement scolaire peut choisir les moyens appropriés pour atteindre les objectifs fixés.
Lalancette (2014) précise à la suite de son enquête auprès des directions d’établissement scolaire
qu’il faut différencier le travail prescrit, le travail réel et le travail souhaité. L’autonomie professionnelle étant
diminuée, elle ne manque pas d’affecter la satisfaction au travail ainsi que la marge de manœuvre, données
essentielles et significatives pour les gestionnaires. En outre, dans un contexte aux multiples demandes et
pressions, l’autonomie de la direction d’établissement scolaire est une condition de son efficacité. Toutefois,
cette condition relève tout aussi bien du rapport au savoir que peut avoir ou développer une direction
d’établissement scolaire. Plus cette direction est au fait des résultats de la recherche scientifique et des travaux
portant sur la gestion stratégique scolaire, plus elle se donne l’espace du recul et de la réflexion, plus elle sera
à l’aise pour affronter un contexte complexe et exigeant.

Rapport au savoir des directions d’établissement scolaire


Les directions scolaires peuvent jouer un rôle crucial dans la réduction de l’écart entre le monde de la
recherche et celui de la pratique en éducation (Landry et al, 2008). Ils peuvent tout aussi arriver à dépasser
les tensions entre sphère administrative et sphère pédagogique, comme celles décrites par Endrizzi et Thibert
(2012). Mais l’initiative post-formation appartient aux directions comme elle appartient aux responsables et
décideurs de la Commission scolaire, avant tout. Pour ce faire, l’initiative pédagogique doit être au cœur de
l’établissement et ne peut venir que d’un collectif (Gauthier, 2007, Spillane et al, 2008). Tous ces acteurs
doivent tenter de s’approprier les connaissances par un réinvestissement dans la pratique à partir de projets
réels. Ils ont à faire une distinction notable : Il ne s’agit en réalité pas de quelque autorité personnelle du niveau
supérieur qui irait imposer un « pouvoir pédagogique », mais de la fonction d’initiative pédagogique dont
chaque membre du personnel scolaire doit être porteur et qui doit être répartie entre les acteurs, et coordonnée
par le chef d’établissement (Gauthier, 2007). Une telle initiative dépend d’un leadership pédagogique qui
devrait être au centre des actions dans la mesure où un tel leadership est engagé avec l’identification,
l’acquisition, l’affectation, la coordination et l’utilisation des ressources sociales, matérielles et culturelles qui
établissent les conditions préalables, pour tout le personnel scolaire, au renforcement de l’enseignement et
des apprentissages. Ce type de leadership implique de mobiliser le personnel, les élèves pour repérer et
s’attaquer aux tâches d’innovation pédagogique et exploiter les ressources nécessaires pour soutenir la
transformation de l’enseignement et des apprentissages (Spillane et al, 2008).
Au titre du rapport au savoir Piaget concevait que
L’humain se développe en tant que constructeur actif de ses savoirs. Chaque
personne possède un bagage de connaissances, d'habiletés, de compétences et de
croyances qui influence la perception et l'interprétation qu'elle se fait de son
environnement. En d'autres mots, ce bagage sert de fondement à la construction de
ses connaissances. (Martel, 2005)
Mais plus souvent, utilisée par différents courants et disciplines, la notion de « rapport au savoir » a
été reprise et formalisée par les didacticiens (Charlot, 1997 et 2003). Étant donné sa relative nouveauté dans
le champ scientifique, elle demeure imprécise, même si elle est devenue de plus en plus un concept central

652
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ou une notion générique. Jusqu’ici, le rapport au savoir, notion ou concept, ne peut se matérialiser en une
théorie construite à partir d’éléments fragmentaires. Nous croyons, comme certains chercheurs1, que ce travail
de conceptualisation, à travers des recherches théoriques et pratiques, permettra une meilleure
compréhension de ce qui se joue dans la conception de cours à distance dont un des objectifs est de
rapprocher le savoir de l’apprenant.
Si les directions d’établissement scolaire n’ont pas un rapport fort et évident au savoir, cela pourrait
être dû à différents facteurs. D’abord, le facteur temps et la lourdeur de la tâche ne laissent pas de répit pour
s’investir dans des activités d’auo-formation, de formation ou d’information. Ensuite, ces directions n’ont pas
été recrutées ni par l’université, ni par les commissions scolaires, en fonction de leur posture ou de leurs
aptitudes à s’intéresser nécessairement aux productions relatives à la gestion d’un établissement scolaire. Ce
rapport au savoir demeure donc faible et signifie qu’une analyse plus articulée sur le plan de la formation
comme sur le plan de l’appropriation des connaissances et de leur utilisation sur le terrain doit être engagée
dans une collaboration entre les partenaires.

Dimensions de l’appropriation des connaissances et réinvestissement


Cette première étape de l’analyse des résultats permettra de révéler certaines justifications concernant
d’un côté, la satisfaction relative à la prestation de la formation, et, de l’autre, les facteurs estimés contribuer
ou non à l’autonomie professionnelle ainsi que les dimensions permettant de porter un regard sur le rapport
au savoir des gestionnaires. En effet, les résultats obtenus concernent différentes parties, contenus et
approches du programme. La première partie porte sur les activités d’introduction à la gestion, appelée bloc
1. La deuxième partie porte sur les activités de gestion d’un établissement scolaire, appelée bloc 2. La
troisième partie porte sur les activités de mentorat, appelée bloc 3. La quatrième partie porte sur les activités
de synthèse, appelée bloc 4.
En ce qui a trait au bloc 1, les activités d’introduction à la gestion, 12 étudiants sur 17 sont satisfaits,
ce qui représente une proportion de 70%; 4 étudiants sont peu satisfaits, ce qui représente 23 %; et, 1 étudiant
est insatisfait. Ces activités d’introduction sont censées permettre à l’étudiant-praticien une familiarisation avec
la fonction et les rôles de la direction. En s’appuyant sur des approches de Mintzberg (1984), de Brassard &
Brunet (1986), l’étudiant est appelé à situer les différents rôles et activités dans des définitions qui prennent
leurs sources dans les descriptions faites par Mintzberg et d’autres auteurs. Ces repères lui permettraient de
prendre conscience de l’importance et de la pertinence de chacun des rôles qu’une direction est appelée à
jouer quotidiennement ou périodiquement. En plus d’une analyse réflexive que le praticien apprenant est
appelée à mener, il est sollicité pour apprendre à observer son milieu en prenant un certain recul, une certaine
distance lui fournissant un dégagement pertinent de sa lourde tâche quotidienne. Cette posture nécessite un
renoncement à la routine et aux actions spontanées dans lesquelles peut se trouver ou peut adopter une
bonne majorité des directions.
Le programme tel qu’il est conçu, avec une répartition des contenus en blocs, vise à permettre à tout
apprenant i) de revisiter certaines notions et dimensions de la gestion des établissements scolaires, par le
rappel de certains principes des théories de l’organisation ; ii) d’appliquer des dimensions théoriques et des
connaissances expérientielles à différentes problématiques et situations articulées autour d’études de cas ; iii)

1
Dans ce sens, l’équipe Savoirs et rapport au savoir de l’Université Paris X s’appuie sur les conceptualisations à
orientation psychanalytique.

653
A Escola: Dinâmicas e Atores

de s’adjoindre à un mentor pour exposer des expériences, échanger sur des situations problématiques et
partager des points de vue ; iv) de s’engager dans une posture réflexive par la production de synthèses et de
rapport de synthèses inspirées de la réalité du milieu scolaire spécifique.
Si dans les résultats certaines dimensions paraissent contradictoires, il n’en demeure pas moins que
certains éléments des contenus offerts doivent être considérés sous différents angles : la pédagogie de façon
générale, les activités qui font un lien direct avec la pratique (ou plutôt la réalité) des apprenants, les prérequis
de la formation conjuguée forcément aux aptitudes réelles de l’apprenant. Même si cet apprenant occupe un
poste de leader qui est censé posséder des connaissances plus approfondies sur l’ensemble du milieu scolaire
dont lequel il –baigne-. Les contenus devraient être examinés selon les cohortes, leur engagement, leur degré
d’implication, leur intérêt et les objectifs poursuivis par chacun des apprenants. Les apprenants arrivent au
programme avec différents niveaux de maîtrise des contenus offerts : leur préparation n’a pas été des plus
harmonieuses et leur curiosité intellectuelle ainsi que le rapport au savoir qu’ils entretiennent peuvent marquer
de nettes différences. Ajoutons à cela le temps passé entre leur formation initiale et leur sélection dans une
cohorte pour suivre le programme peut être diversifiée et représenter des temps plus ou moins longs.
Autrement dit, le temps passé entre la formation initiale, et les années d’exercice, et le retour aux études,
dénote une certaine distanciation du praticien – redevenu apprenant – avec la pratique réflexive, fondée sur
les lectures, la recherche et l’analyse, etc. Il est par ailleurs, difficile, sinon impossible d’ajouter dans le
programme des cours de rattrapage pour permettre à chacun d’être au niveau. Certains des apprenants ont
pu, durant une telle période, explorer des méthodes, participer à différentes activités ou événements, pratiquer
une lecture d’appropriation de nouvelles connaissances. Ces apprenants avec un savoir différentiel marquant,
en intégrant le programme, ils sont outillés pour participer pleinement aux activités pédagogiques, travailler
sur des problèmes complexes, se saisir d’études de cas avancées.
Le sondage révèle qu’une grande majorité (environ 80%) des interlocuteurs estiment que la formation
permet de faire un lien entre théorie et pratique et qu’ils sont en mesure d’effectuer des transferts dans leur
milieu de pratique. Toutefois, il faut relativiser cette – tendance -, dans la mesure ou plusieurs d’entre eux
n’ont pas expérimenté réellement, en grandeur nature, et, dans des projets d’importance un tel transfert. Ce
sondage destiné à porter un certain jugement sur la formation et sa qualité en prenant appui sur la mesure de
la satisfaction des apprenants-praticiens, ne touche pas des directions expérimentées et qui ont fait leur
formation plusieurs années auparavant. Parallèlement, si ce sondage devait toucher des directions qui ont
terminé leur formation il y a plusieurs années, on serait éloigné des diverses modifications qui ont touché le
programme. Une telle contradiction met une limite à toute analyse strictement objective. Nous devons naviguer
entre une réalité estompée (cohortes récentes) et une réalité plus dure et éloignée de la substance actuelle
du programme (cohortes anciennes). Cela emmène des questionnements pour lesquels il est difficile
d’apporter des réponses objectives.
Parallèlement, des activités de formation, d’appropriation et de perfectionnement relèvent de la
responsabilité des autorités intermédiaires (Commissions scolaires) qui sont responsables des budgets, de la
libération des tâches et des actions visant le développement professionnel, comme condition pour renforcer
l’autonomie professionnelle.

654
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CONCLUSION
Nous pensons que l’atteinte d’objectif visant le développement de l’autonomie professionnelle et le
renforcement du rapport au savoir passe indubitablement par des dimensions telles que le partage et
l’appropriation de la mémoire organisationnelle. Et, ces dimensions demeurent encore de véritables points
bloquants au sein des organisations. Les méthodes de gestion de connaissances ne sont pas suffisantes,
dans les organisations éducatives plus spécifiquement, pour permettre une appropriation efficace des
connaissances par les acteurs de l’organisation et notamment par les directions d’établissement. Or, l’objectif
d’une capitalisation des connaissances est bien le partage et la réutilisation d’une expérience dans le but
d’optimiser le processus d’apprentissage organisationnel (Castillo et al, 2004).
C’est pourquoi au-delà de ce que peut révéler une étude sur la satisfaction des apprenants et la
perception qu’ils ont de leur capacité à transférer des connaissances acquises lors de formations, comprendre
les stratégies et les moyens mis en place par les directions scolaires (aux niveaux des commissions scolaires
et des établissements scolaires) permettrait, mieux encore, de révéler l’appropriation des résultats de la
recherche et de connaître les actions mises en place dans le cadre de gouvernance scolaire, par les
chercheurs et les gestionnaires, pour conserver et réinvestir les données de la recherche. Le projet que nous
tenterons de mettre de l’avant permettra de compléter le portrait des activités de transfert et d’appropriation
de l’autonomie professionnelle en gestion de l’éducation. Le but de cette prochaine étude est d’effectuer un
dépassement épistémologique et méthodologique de ce qui a été mené avec le présent sondage en focalisant
l’attention de l’analyse sur des contributions de formation à l’appropriation des connaissances ainsi qu’au
mode de leur gestion en élargissant le spectre de la population ciblée (gestionnaires novices et expérimentés).
Parmi les propositions que nous mettons de l’avant dans un prochain projet de recherche, il s’agit de
valoriser:
§ la recherche-action comme stratégie de formation;
§ un modèle itératif : formation-recherche-accompagnement;
§ un modèle cyclique : théorie-pratique / réflexion-action;
§ la Collaboration ouverte qui implique la participation au processus (élaboration-réalisation-application-
transformation).
Les différents modèles combinés impliquent que le chercheur-formateur-accompagnateur s’investisse
directement auprès des personnes participantes. Il s’agit dans le cadre de telles approches d’articuler rigueur
et souplesse. Dans ce sens, le modèle proposé par Lafortune (2008) propose une dynamique cyclique alliant
la théorie à la pratique et la réflexion à l’action. Un tel modèle intègre les participants (directions
d’établissement et personnel scolaire) dans les différentes étapes du processus de formation-recherche-
accompagnement. Le projet de recherche est alors conçu en collaboration en comité paritaire, lorsqu’il s’agit
idéalement d’équipes engagées.

REFERENCES
Allaire, B. et al (1995). Autonomie professionnelle. Notre manière d’y voir. Montréal: FPPSCQ-CSN.
Bernatchez, J. (2011). La formation des directions d’établissement scolaire au Québec: apprendre à
développer un savoir-agir complexe, Télescope, 17 (3), 158-175.
Brassard, A., Brunet, L., Corriveau, L. & Martineau, G. (1986). Les rôles des directions d'école dans la relation
école-commission scolaire, Revue des sciences de l'éducation, 12 (2), 251-275.

655
A Escola: Dinâmicas e Atores

Castillo, O., Matta, N. & Ermine, J-L. (2004). De l’appropriation des connaissances vers l’acquisition des
compétences. Troyes, France: Tech-Cico, Université de technologie de troyes et INT, Département
Systèmes d’Information, Evry, France.
Charlot, B. (1997). Du rapport au savoir. Éléments pour une théorie. Paris: Anthropos.
Charlot, B. (2003). La problématique du rapport au savoir. Dans S. Maury & M. Caillot (Dir.), Rapport au savoir
et didactiques. Paris: Éditions Fabert.
Ellis, G. (1994). The study of second language acquisition. Oxford : Oxford University Press.
Hood, C. (2000). The art of the state : culture, rhetoric and public management. Oxford: Oxford University
Press.
Lafortune, L. (2008). Un modèle d’accompagnement professionnel d’un changement : pour un leadership
novateur. Québec: Presses de l’Université du Québec.
Lalancette (2014). Gouvernance scolaire au Québec: représentations chez les directions d’établissement
d’enseignement et modélisation. Rapport de recherche. Montréal: FQDE.
Legendre, R. (2005). Dictionnaire actuel de l’éducation. Montréal: Guérin.
Landry, R. (2012). Processus de construction de l’identité professionnelle de direction d’établissement scolaire
à travers leur leadership pédagogique par une méthodologie axée sur une pratique réflexive guidée.
Thèse de doctorat, UQATR-UQAM.
Le Boterf, G. (1999). L’ingénierie des compétences. Paris: Éditions d 'Organisation.
Le Boterf, G. (2001). Construire les compétences individuelles et collectives. Agir et réussir avec compétence.
Paris: Éditions d'Organisation.
Le Boterf, G. (2006). Construire les compétences individuelles et collectives. Agir et réussir avec compétence
-Les réponses à 100 questions, 4e édition. Paris: Éditions d'Organisation.
Martel, V. (2005). Émergence d’une communauté d’apprentissage en réseau à l’ordre primaire : l’activité de
transformation d’un environnement d’apprentissage par la direction, les enseignants et les élèves
(étude de cas). Mémoire de maîtrise. Département d’études sur l’enseignement et l’apprentissage.
Université Laval.
Merrien, F. X. (1999). La nouvelle gestion publique : un concept mythique. Lien social et Politiques, (41), 95-
103.
Mintzberg, H. (1984). Le manager au quotidien. Les dix rôles du cadre. Montréal: Les Éditions Agence d'Arc.

656
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, LINGUAGEM E MÍDIAS: UMA PROPOSTA DE


FORMAÇÃO DE PROFESSORES
[ID 163]

Manuela Pires Weissböck Eckstein


Marta Rodrigues Anciutti
Lara Pires Weissbock Eckstein
Cintia Cargnin Cavalheiro Ribas
Priscila Soares Vidal Festa
Rubia Carla Santi
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO; Universidade Estadual do Centro-Oeste –
UNICENTRO; Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO; Faculdades Opet; FAE Centro
Universitário; Faculdades Secal
pedagoga.manuela@gmail.com; martanciutti@gmail.com; prof.larapires@gmail.com;
cintiaccavalheiro@hotmail.com; priscila.festa@fae.edu; rubiasanti@secal.edu.br

Resumo
A formação continuada de professores, de acordo com Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Brasileira (Lei n. 9394/1996), deve ser ofertada para qualificar o trabalho docente, visando o alcance de
melhores níveis de aprendizado, bem como assegurar aos profissionais da educação, condições para a
reflexão sobre sua prática pedagógica. Considerando que as mudanças efetivadas no mundo globalizado e a
rápida produção e difusão de conhecimentos exigem atualizações constantes desse profissional, os
professores rede municipal de ensino, participaram de um processo de formação que possibilitou novos
olhares a respeito dos currículos formadores das instituições de ensino, o redimensionamento das práticas
pedagógicas e a reflexão da participação social do professor como agente de transformação social. Como é
sempre necessária a articulação de novas possibilidades formativas, pensadas para responder ao dinâmico
processo de mudanças sociais e educacionais, a qualificação do professor, aliada a sua experiência,
possibilita a construção de uma base sólida de conhecimento, ligada a sua habilitação, que pode ser revertida
em benefício dos educandos. Tendo como base esses pressupostos, foram realizadas pesquisas junto a
professores de uma rede municipal de educação da região do centro-oeste do Paraná (Brasil), com o objetivo
de realizar um levantamento de necessidades pedagógicas em relação a formação, visando estruturar um
programa de capacitação. A partir de uma pesquisa, verificou-se a necessidade de aprofundamento de
temáticas relevantes, como a alfabetização e o letramento, educação inclusiva, gestão da escola e linguagem
midiática. O que norteou a organização didática da formação foram princípios da heutagogia, aliadas com
propostas de aula invertida na modalidade de educação a distância. Ao nos reportarmos aos estudos de
Filatro (2009), Hase & Kenyon (2000), Silva (2010), Lave & Wenger (1991) e Almeida (2009), as atividades
desse projeto mostraram possuir uma forma híbrida, ou seja, de caráter presencial e a distância. Nesse
sentido, propôs-se a oferta de cursos com metodologia híbrida para socialização de práticas pedagógicas que
oportunizaram apropriações de conhecimento, como subsídio ao planejamento pedagógico e a construção
de projetos de ensino e de aprendizagem para as escolas do município. Os cursos foram efetivados com o
apoio de docentes da Unicentro de diversos departamentos pedagógicos.

Palavras-chave: Formação de professores, Formação continuada, Práticas pedagógicas, Mídias.

Résumé
La formation continue des professeurs, conformément à la Loi des Directives et Bases de
l’Education Nationale Brésilienne (Loi n. 9394/1996), doit être proposée pour qualifier le travail
d’enseignement, en vue d’atteindre aussi bien de meilleurs niveaux d’apprentissage que d’assurer aux
professionnels de l’éducation des conditions de réflexion sur la pratique pédagogique. En considérant que les
changements effectués dans le monde globalisé et que la production et la diffusion rapide des connaissances
exigent des actualisations constantes de ces professionnels, les professeurs du réseau municipal
d’enseignement ont participé à un processus de formation qui a ouvert des regards nouveaux au sujet des
programmes de formation des institutions d’enseignement, le redimensionnement des pratiques

657
A Escola: Dinâmicas e Atores

pédagogiques et la réflexion sur la participation sociale du professeur en tant qu’agent de transformation


sociale. Comme l’articulation de nouvelles possibilités de formation, pensées pour répondre au processus
dynamique de changements sociaux et éducatifs, est toujours nécessaire, la qualification de l’ensignant, alliée
à son expérience, permet la construction d’une base solide de connaissance, liée à son habilitation, qui peut
être appliquée au bénéfice des élèves. Ayant pour base ces présupposés, des recherches ont été réalisées
auprès des enseignants d’un réseau municipal d’éducation de la région du centre-ouest du Paraná (Brésil),
ayant pour but de réaliser un sondage des besoins pédagogiques par rapport à l’éducation, visant à structurer
un programme de formation. À partir d’une de ces recherches, on a vérifié le besoin d’approfondir les
thématiques pertinentes, telles que l’alphabétisation et le littérisme, l’éducation inclusive, la gestion de l’école
et le langage médiatique. Ce qui a guidé l’organisation didactique de la formation, ce sont les principes de la
heutagogie, liés à des propositions de cours inversé dans la modalité d’éducation à distance. Lorsque nous
nous sommes référés aux études de Filatro (2009), Hase & Kenyon (2000), Silva (2010), Lave & Wenger
(1991) et Almeida (2009), les activités de ce projet ont démontré une forme hybride, c’est-à-dire, de caractère
présentiel et à distance. En ce sens, nous avons proposé l’offre de cours avec une méthodologie hybride pour
la socialisation de pratiques pédagogiques qui donnent la possibilité d’appropriations de connaissance, en tant
qu’aide à la planification pédagogique et à la construction de projets d’enseignement et d’apprentissage pour
les écoles de la municipalité. Les cours ont été effectués avec le soutien des enseignants de Unicentro de
divers départements pédagogiques.

Mots-clés: Formation des Professeurs, Formation Continue des Professeurs, Pratiques Pédagogiques,
Médias.

INTRODUÇÃO
O mundo tem passado por rápidas e constantes mudanças nas mais diversas esferas, seja política,
econômica, cultural e social, influenciando diretamente as relações entre os seres humanos e os seus
espaços, exigindo cada vez mais a busca por estratégias de adequação de convivência e (re)organização
das estruturas de acesso e tratamento das informações que se fazem disponíveis em diversos meios
comunicacionais. Neste contexto, considera-se de suma importância atentar à questões pontuais, neste caso
a educação, uma vez que é um dos pilares de transformação da sociaedade.
Considerando a importância de os profissionais da educação estarem em constante aperfeiçoamento
profissional, da mesma forma com que essas exigências são postas à outros profissionais, em decorrência
às demandas globais, espaços de formação continuada aos docentes devem ser geridas e organizadas de
forma a atender as especificidades nas quais estes estão inseridos, buscando possibilitar novos olhares a
respeito dos currículos formadores das instituições de ensino, sobre o redimensionamento das práticas
pedagógicas e a reflexão da participação social do professor como agente de transformação social.
Logo, o objetivo desse texto é tratar sobre algumas questões educacionais voltadas a formação
continuada de professores, a partir de uma discussão teórica e análise de um projeto extensionista,
“Formação Continuada e Integrada para os profissionais da educação: Práticas Pedagógicas, Linguagem e
Mídias”, aplicado à professores de um município localizado na região do centro-oeste do estado do Paraná,
Brasil, através do Núcleo de Educação a Distância da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO,
com sede no município de Guarapuava, uma das correntes mais fortes em que a Universidade se coloca em
contato imediato com a comunidade, meio pelo qual tantos outros projetos de formação continuada foram e
têm sido realizados.
De forma geral, para que o projeto de formação ganhasse forma, trabalhou-se com as seguintes
premissas: foram realizadas pesquisas junto aos professores da rede municipal de educação do município,
com o objetivo de realizar um levantamento de necessidades pedagógicas em relação a formação, visando
estruturar o programa de capacitação. A partir da pesquisa, verificou-se a necessidade de aprofundamento

658
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

de temáticas relevantes, como a alfabetização e o letramento, educação inclusiva, gestão da escola e


linguagem midiática.
O caminho percorrido, portanto, foi buscar organizar a oferta de cursos a partir de uma metodologia
híbrida para socialização de práticas pedagógicas que, de certa forma, oportunizaram apropriações de
conhecimento, como subsídio ao planejamento pedagógico e a construção de projetos de ensino e de
aprendizagem para as escolas do município. Os cursos foram efetivados com o apoio de docentes da
Universidade Estadual do Centro-Oeste - Unicentro (Guarapuava/PR) e dos seus diversos departamentos
pedagógicos.
Em um primeiro momento, foram discutidas algumas bases conceituais a partir dos estudos de
Behrens (1996), Candau (1996 e 1997), Cunha & Fernandes (1994) e Santos (2011), e as bases legais a
partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9394/1996) e o Plano Nacional de Educação de 2001.
E, na sequência, sobre o projeto extensionista de formação continuada.

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM DISCUSSÃO: BASES CONCEITUAIS E


LEGAIS
A problemática da formação continuada de professores tem adquirido cada vez mais relevância e
destaque, em decorrência da busca pela qualidade de ensino, especialmente no ensino básico. Logo, para a
introdução de qualquer proposta que se preconize uma renovação das escolas e das práticas pedagógicas,
a formação continuada de docentes passa a ser um aspecto especialmente crítico e importante, em que o
professor é o principal agente.
Quando nos colocamos a refletir sobre as premissas conceituais de formação continuada de
professores, muitas são as perspectivas que estas são tratadas. Neste caso, nosso interesse não esteve em
desenvolver uma análise profunda acerca do conceito, mas de especificar quais são as concepções que
nortearam este trabalho.
Como sabemos, a formação continuada se constitui de natureza complexa e que pode ser abordada
e refletida a partir de distintos enfoques, dimensões e estratégias.
E nesta perspectiva, Caudau (1996), focaliza três aspectos fundamentais: a escola como locus da
formação continuada, a valorização do saber docente e a centralização da reflexão sobre ciclo de vida
profissional de professores. Questões estas, levadas em consideração na elaboração do projeto extensionista
aqui tratado.
Cunha e Fernandes (1994), fazem ponderações importantes acerca do tema:
a) a formação contínua de professores deve alimentar-se de perspectivas inovadoras, que
não utilizem as “práticas tradicionais”, mas que procurem investir nas alternativas que têm a
escola como referência; b) a formação contínua deve valorizar as alternativas de formação
participada e de formação mútua, estimulando a emergência de uma nova cultura profissional
no seio do professorado; c) a formação contínua deve alicerçar-se numa reflexão na prática
sobre a prática, através de dinâmicas de investigação ação e de investigação formação,
valorizando os sabres de que os professores são portadores; d) é necessário incentivar a
participação de todos os professores na concepção, realização e avaliação dos programas
de formação contínua e consolidar redes que viabilizem uma efetiva cooperação institucional;
e) a formação contínua deve capitalizar as experiências inovadoras e as rede de trabalho que
já existem, investindo na sua transformação qualitativa em vez de instaurar novos dispositivos
de controle e enquadramento. (pp.208-209)
Logo, é importante compreender que a formação continuada deve estar sempre articulada ao
desenvolvimento e à produção do professor como pessoa e como profissional, bem como à busca pelo
desenvolvimento e a produção da escola como instituição educativa e formativa.

659
A Escola: Dinâmicas e Atores

No Brasil, a partir da década de 1990 é que a atenção se voltou a fortalecer políticas públicas que
dessem conta de garantir a qualidade nos cursos de formação de professores nos mais diversos níveis e
modalidades de ensino, atribuindo responsabilidades à órgãos públicos para a garantia do prover das
mesmas.
Para Santos (2011, pp.1-2), no momento em que houve, principalmente a partir da década de 1990,
a defesa de que “a melhoria do ensino pode se dar por meio da qualificação docente” o que contribuiu para
que haja “um forte incremento nas políticas de formação continuada, tendo por resultado a formulação de
novas propostas e programas e a ampliação dos investimentos públicos”, é que o Ministério da Educação e
Cultura (MEC) do Brasil, em parceria com os sistemas de ensino estaduais e municipais, têm buscado
implementar novos programas de formação continuada para os profissionais, principalmente da educação
básica.
Portanto, considerando os saberes que o professor constrói na sua vivência profissional, em que o
pilar dessas práticas deve estar bazilado na busca por romper com a premissa de que a escola é apenas o
espaço de aplicação de teorias e o professor um mero executor de planos e estratégias propostos por
especialistas. Além disso, como reitera Santos (2011), “a articulação entre instituições que apresentam
funções diferentes no trato da formação docente (instituições mantenedoras e instituições formadoras), pode
vir a se constituir como uma possibilidade de superação de políticas, que teve seu processo de planejamento
marcado pela separação entre os que pensam e os que executam” (p.9).
Quanto as bases legais para a formação continuada de professores, estas estão embasadas em
premissas da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB 9394/1996), as quais estabelecem as diretrizes da educação nacional no Brasil nos
mais diversos níveis e modalidades de ensino.
Partindo das atribuições dos docentes, frente a essa legislação, considera-se que seja necessário
criar meios que possibilitem que eles entrem em contato com seus pares e com profissionais que se dedicam
a estudar a formação continuada de professores, com o intuito de (re)criarem estratégias que lhes auxiliem
na efetivação das atribuições cotidianas que se fazem cada vez mais exigentes. E é neste contexto em que
a universidade deve passar a fomentar e criar meios para que estas ações se efetivem.
Afim de que, em regime colaborativo, os caminhos para a qualidade da educação no país, possam
ser fortalecidos, reconhecemos que esta é uma tarefa importante e que merece um olhar particular, para cada
município e escola.
Ainda nesse contexto, além dos momentos de formação de forma presencial, observamos a
possibilidade de ampliação dos programas de educação à distância (EAD), também incentivados pela LDB,
em seu “Título VIII – Das Disposições Gerais- Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a
veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação
continuada” (Brasil, 1996, p.6). Nessa forma de ensino, inclui-se os cursos oferecidos pelas universidades por
meio de convênios com municípios, centros pedagógicos, escolas, ou outras instituições ou empresas, tendo
como instrumentos, além da efetiva ação do professor docente, acesso a materiais escritos e livros,
transmissões de informações por canais especiais de televisão e a conexão à Internet.
Em 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE), sob a Lei 10.172/2001, estabelecendo conformidade
com a LDB/1996, explicita que essa modalidade de formação “deverá ser assegurada pelas secretarias de
estaduais e municipais de educação, cuja atuação incluirá a coordenação, o financiamento e a manutenção

660
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

dos programas permanentes e a busca de parcerias com universidades e outras instituições de ensino
superior” (Santos, 2011, p.7). Além disso, outro aspecto de similitude entre a LDB/1996 e o PNE/2001, é a
valorização da modalidade de educação à distância no que tange a realização dos programas de formação
continuada de professores.
Neste sentido, é imprescindível que o planejamento e a criação de projetos de formação se efetivem
e que possam oportunizar uma reflexão sobre o processo de formação no qual os sujeitos estão envolvidos.
Behrens (1996, p.135) afirma que a essência da formação do profissional da educação parte da
[...] construção coletiva do saber e a discussão crítica reflexiva do saber fazer”, o que indica
que é a partir de um trabalho com outras pessoas que todos ganham. A experiência e a
reflexão se tornam, neste momento, instrumentos contínuos de análise. E, além disso, que
“na busca da educação continuada é necessário ao profissional que acredita que a educação
é um caminho para a transformação social (Behrens, 1996, p.24).
Estas questões também se relacionam ao poder de ação do professor, ou seja, é preciso que este
profissional esteja consciente e seja responsável por esta formação, bem como sensibilizado pela
necessidade de transformar constantemente sua ação pedagógica e sua participação nos processos de
gestão que envolve a educação.
Logo, projetos que envolvam a formação de professores, na modalidade à distância, podem
oportunizar a criação de ambientes de aprendizagem colaborativos, em que os envolvidos possam se tornar
ativos e interagir com outros sujeitos, outras vivências e com diferentes objetos de conhecimento. Considera-
se, nesse sentido, que a EAD, promovendo a articulação de momentos presenciais e instrumentos
organizados para a formação à distância pode atender de forma qualitativa os envolvidos.

O PROJETO DE FORMAÇÃO EM AÇÃO: DO PLANEJAMENTO À PRÁTICA


A proposta de formação continuada proposta pela Unicentro, por meio do Núcleo de Educação a
Distância e da Secretaria Municipal de Educação de um município do centro-oeste do Paraná, Brasil, coloca
em voga uma discussão muito antiga sobre a importância da formação, principalmente a continuada, de
professores que atuam nas redes municipais de ensino do país.
Esse assunto, de forma alguma se esgotará um dia. O processo de formação do professor deveria se
alargar e não estagnar. O investimento é necessário por parte dos municípios, mas até que ponto todos
compreendem e usam esses conhecimentos para melhorar a sua prática?
A partir desse movimento e da intenção do município (objeto também desse texto) em oportunizar
uma formação diferenciada para seus professores, é que pensou-se inicialmente na qualificação de todos os
sujeitos envolvidos com a escola: professores e gestores. Em muitos momentos da formação, essa ação se
constituiu como um espaço de avaliação, de tomada de decisões, de pensar sobre as concepções de ensino
e de aprendizagem e dos saberes que todos produzem diariamente.
Mais do que isso, todas essas questões envolveram uma reflexão teórica sobre os componentes
curriculares, sobre as práticas didáticas e sobre a organização do trabalho pedagógico, principalmente na
instrumentalização para a elaboração das Diretrizes Curriculares Municipais.
Nesse contexto, focou-se em uma estrutura didático-pedagógica que pudesse atender os objetivos
propostos, principalmente oferecendo um espaço virtual de ensino e de aprendizagem que atendesse a
proposta de formação continuada durante um ano.
O que norteou, nesse sentido, a organização didático-pedagógica desse programa de formação,
foram perspectivas que incidissem os princípios da heutagogia, marcas de uma concepção conectiva de

661
A Escola: Dinâmicas e Atores

ensino e de aprendizagem, principalmente no que tange as propostas de aula invertida na modalidade de


educação a distância. Portanto, as atividades desse projeto mostraram possuir uma forma híbrida, ou seja,
de caráter presencial e a distância.
A partir de um entendimento macro, a Heutagogia norteou a proposta de formação continuada pois
compreende uma alternativa de ensino e de aprendizagem que trabalha na perspectiva da autoaprendizagem,
no que Almeida (2009, p.117), defende como produção de conhecimentos compartilhado. Eckstein, Knuppel
& Anciutti (2014, pp.646-647) discutem que esse conceito amplia a concepção da Andragogia, “[...] ao
reconhecer as experiências cotidianas como fonte de saber”, incorporando a “[...] autodireção da
aprendizagem como foco nas experiências”. Essas questões pontuam que a Heutagogia reforça ações como
a autoaprendizagem, o conhecimento compartilhado e a aprendizagem como foco em experiências, todos
esses, elementos de uma concepção conectiva de ensino e de aprendizagem em EaD. Além disso, Hase e
Kenyon (2000) ponderam que a aprendizagem, nessa perspectiva, acontece a partir do que é compartilhado,
da construção e reconstrução de saberes.

A PROPOSTA DOS CURSOS OFERTADOS


A partir da pesquisa realizada com os professores do município, os temas indicados para o programa
de formação foram: educação infantil, letramento, alfabetização matemática, educação inclusiva, gestão
educacional e tecnologias. A partir destes, incluíram-se outros.
Nesse contexto, propôs-se a oferta de seis cursos de cento e vinte horas, com metodologia híbrida
(presencial e a distância) e duas oficinas presenciais para socialização de práticas pedagógicas. Além disso,
um curso de Língua Portuguesa (a distância) que foi direcionada para desenvolver a competência
comunicativa dos profissionais da educação das redes municipais de ensino.
A partir disso, optou-se por uma proposta de trabalho alicerçada na organização por temáticas.
Entendeu-se, no momento de planejamento do programa, que atenderia com mais especificidade as
necessidades apontadas pelos professores. Assim, de forma geral, o programa buscou atender dois eixos:
O primeiro, pensando em evidenciar os critérios específicos de construção e fortalecimento dos
conceitos básicos que envolvem a temática, por meio da plataforma Moodle. O segundo, organizando
materiais didáticos de apoio ao trabalho docente, principalmente voltados ao a reconstrução permanente do
tratado na temática.
As temáticas ou cursos, foram pensados a partir de módulos de estudos com uma carga horária de
cem horas cada, organizados com dezesseis horas presenciais, distribuídas em momentos de formação
conforme cada necessidade apresentada pela temática e oitenta e quatro horas no ambiente Moodle, com a
utilização das ações metodológicas diferenciadas. Cada curso apresentou uma proposta didática e
metodológica diferenciada, como segue. O curso de Língua Portuguesa foi organizado em cento e vinte horas
e tratou dos seguintes temas: linguagem e comunicação, processos de leitura, oralidade e escrita, resumo e
resenha. O curso Trabalho Pedagógico na Educação Infantil também teve uma carga horária de cento e vinte
horas e tratou sobre: políticas públicas para a educação infantil no Brasil, a organização do trabalho
pedagógico com crianças de 0 a 5 anos e as linguagens na educação infantil: corporal, plástica, musical,
verbal e matemática. O curso de Letramento Literário, com carga horária de cento e vinte horas, trabalhou
com gêneros literários, poesia na educação infantil e o letramento literário na sala de aula. O curso de
Alfabetização Matemática, também com cento e vinte horas, tratou sobre situações-problemas no ensino da

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

matemática, jogos e brincadeiras no ensino da matemática e planejamento e avaliação de matemática. O


curso de Educação Inclusiva e projeto de apoio pedagógico escolar, com cento e vinte horas, tratou sobre o
processo de ensino e de aprendizagem, transtornos funcionais específicos e jogos pedagógicos. E por fim, o
curso Gestão Educacional, com cento e vinte horas, trabalhou com análise da realidade escolar, fundamentos
filosóficos e científicos e organização do trabalho coletivo.
As duas oficinas complementares foram trabalhadas de forma diferenciada. A oficina Cultura Plural –
Cinema, teve carga horária de quarenta horas e tratou dos seguintes temas: identidade cultural na pós-
modernidade, introdução à história do cinema e técnicas básicas de leitura crítica. Já a oficina Tecnologia de
Informação e Comunicação para a Educação, com carga horária de quarenta horas, tratou sobre uma leitura
crítica sobre comunicação, tecnologia e educação, elaboração de projetos com o uso das TIC´s, o trabalho
diferenciado com as tecnologias na educação e a diferença entre informática e educação.
Todos os cursos e oficinas trabalharam com questões práticas e também na plataforma Moodle, como
já mencionado anteriormente. De forma geral, o objetivo foi promover a articulação da teoria e da prática, o
aprofundamento de conteúdos e também uma forma de socializar o saber apreendido pelos alunos. O acesso
a plataforma, deu-se através do cadastramento (login e senha). A área do aluno compreendeu calendário,
relatório de atividades, notas, diários, fóruns, questionários, tarefas, chats e webconferências, podendo ser
acessado pelos alunos, de acordo com sua disponibilidade de tempo. Nos módulos, como enriquecimento
teórico-metodológico e ainda, como forma de dinamizar as discussões, foram indicados tanto artigos de
periódicos especializados, como artigos de revistas e jornais de caráter geral, virtuais ou não. Algumas
publicações dos próprios formadores também foram disponibilizados.
Após a formação, o coletivo constituiu um caderno pedagógico que buscou registrar as reflexões e
anseios dos professores, no que diz respeito aos assuntos abordados nas diversas oficinas e cursos, por
meio da reflexão e do diálogo com todos os profissionais da rede pública municipal de ensino. Esse material
foi organizado de tal forma que estivessem incluídas as discussões realizadas no período de formação, como
por exemplo, todas as disciplinas ministradas no Moodle, bem como as oficinas. O material foi também
disponibilizado virtualmente a todos os professores, que puderam ter o material da plataforma Moodle,
diagramado em formato de livro digital, também disponível para impressão.
De forma geral, compreendemos que a proposta apresentada pelo o projeto fez com que incidissem
outras questões sobre a formação continuada dos professores do município e se tornou também um
instrumento importante de avaliação para um novo processo: a construção coletiva do Plano Municipal de
Educação e das Diretrizes Municipais de Educação. Esses, se tornaram mais dois projetos de extensão, da
Universidade com o município.

CONCLUSÕES
Esse texto buscou tratar sobre o curso de extensão Práticas Pedagógicas, Linguagem e Mídias: uma
proposta de formação de professores, uma parceria entre a Universidade Estadual do Centro-Oeste –
UNICENTRO, por meio do Núcleo de Educação a Distância e um município localizado na região do centro-
oeste do estado do Paraná, Brasil.
Foi possível reconhecer que o movimento de articulação dos níveis e modalidades de educação, se
tornou uma realidade diferenciada, pois ao mesmo tempo em que os profissionais da rede municipal trazem
sua realidade para os momentos de formação, essas experiências são discutidas com os docentes da

663
A Escola: Dinâmicas e Atores

universidade, proporcionando uma troca de experiências e conhecimentos significativos. Também foi objeto
deste projeto, demonstrar que é possível criar diferentes estratégias metodológicas para a formação de
professores na perspectiva do hibridismo.
Uma vez que partimos da concepção de que é importante que haja a articulação entre a universidade
e a escola, por exemplo, quando trata-se de pensar em estratégias para a formação continuada de docente,
considera-se que o projeto desenvolvido proporcionou meios para que os envolvidos entrassem em contato
com seus pares e com profissionais que se dedicam a estudar a formação continuada de professores, com o
intuito de (re)pensar suas práticas docentes. E isso por partirmos do entendimento do quão imprescindível é
a construção coletiva do saber e a sua discussão crítica reflexiva, o que indica que é a partir de um trabalho
com outras pessoas que todos ganham. A experiência de cada um dos sujeitos participantes e a reflexão
realizada se tornarão, com certeza, instrumentos contínuos de análise, considerando que essas práticas são
importantes quando acreditamos que a educação é um caminho para a transformação social.

REFERÊNCIAS
Almeida, M. (2009). As teorias principais da andragogia e heutagogia. São Paulo: Pearson Education do
Brasil.
Behrens, M. (1996). Formação continuada dos professores e a prática pedagógica. Curitiba, PR: Champagnat.
Brasil. Senado Federal. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96. Brasília.
Brasil. Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.
Diário Oficial da União. Brasília.
Caudau, V. M. (1996). Formação continuada de professores/as: questões e buscas atuais. Disponível em:
http://www.novamerica.org.br/revista_digital/L0122/rev_emrede02.asp. Acesso em 23 de dezembro
de 2016.
Cunha, M. & Fernandes, C. (1994). Formação continuada de professores universitários: uma experiência na
produção de conhecimento. In Educação Brasileira. Brasília, DF, 16 (32), 189-213, jan./jul 1994.
Eckstein, M., Knuppel, M. & Anciutti, M. (2014). A atuação do gestor pedagógico em núcleos de educação a
distância. Disponível em http://esud2014.nute.ufsc.br/anais-esud2014/files/pdf/128191.pdf. Acesso
em 23 de dezembro de 2016.
Hase, S. & Kenyon, C. (2000). From andragogy to heutagogy. Austrália: Southerm Cross University.
Disponível em http://ultibase.rmit.edu.au/Articles/dec00/hase2.htm#ref. Acesso em 23 de dezembro
de 2016.
Santos, E. (2011). Políticas de formação continuada para os professores da educação básica. Disponível em
http://www.anpae.org.br/simposio2011/cdrom2011/PDFs/trabalhosCompletos/comunicacoesRelatos/
0141.pdf. Acesso em 23 de dezembro de 2016.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A SUPERVISÃO NUMA VISÃO INTEGRADA DO CURRÍCULO


[ID 285]

Rui Cordeiro da Eira


Maria Ivone Gaspar
Casa Pia de Lisboa; Universidade Aberta, Centro de Estudos em Desenvolvimento Humano da UCP
profruieira@gmail.com; ivonecgaspar@gmail.com

Resumo
A presente comunicação tem como suporte um projeto de investigação que promove a reflexão acerca da
complementaridade entre ensino formal e não formal, na perspetiva da sua integração curricular; pressupondo
a interligação entre a aprendizagem teórica e prática, a complementaridade das funções de professores e
formadores, desenvolvidas na preparação, aplicação e apreciação de atividades comuns e a relevância de
processos supervisivos dessas atividades, com a eventual emergência de modelos específicos de supervisão.
Focalizando-se na práxis de visitas de estudo organizadas por entidades não escolares, assume natureza
teórica, exploratória e descritiva, apoiada em inquérito por questionário aos elementos de equipas educativas
envolvidas em visitas de estudo a uma quinta pedagógica. Apresentam-se, assim, as bases teóricas para um
currículo integrado desenvolvido em visitas de estudo, aprofundando a pedagogia experiencial na sua base;
explora-se a aplicabilidade do conceito de comunidade de prática na articulação pedagógica entre as equipas
educativas envolvidas na dinamização dessas visitas, questionando-se o papel da supervisão em contextos
de educação não formal desta tipologia.

Palavras-chave: Educação não formal, Visita de estudo, Comunidade de prática, Supervisão.

Resume
Cette communication est soutenue par un projet de recherche qui favorise la réflexion sur la complémentarité
entre l'éducation formelle et non formelle dans la perspective de son intégration curriculaire. Le recherche
présume le lien entre théorie et pratique, la complémentarité des rôles des professeurs et formateurs,
développée dans la préparation, la mise en œuvre et l'évaluation des activités conjointes, aussi bien que la
pertinence de supervision de ses activités, avec l'émergence éventuelle de modèles spécifiques. L'étude se
centralise sur la praxis des sorties scolaires organisées par des institutions non-scolaires, supposant sa nature
théorique, exploratoire et descriptive, soutenu par questionnaire aux éléments de l’équipes pédagogiques
impliquées dans le visite à une ferme pédagogique. On va explorer les bases théoriques par un programme
d'études intégré en sorties scolaires, à l'égard de l'approfondissement de sa pédagogie expérientielle et
l'applicabilité de le concept de «communauté de pratique» dans l'articulation de l’équipes pédagogiques
impliquées dans ces visites, questionnant le rôle de supervision dans les contextes d'éducation non formelle
de ce type.

Mots-clés: Éducation non-formelle, Sortie scolaire, Communauté de pratique, Supervision.

A SUPERVISÃO NUMA VISÃO INTEGRADA DO CURRÍCULO


Esta comunicação desenvolve-se no âmbito de um dos eixos do projeto de investigação «Supervisão:
modelos e processos», em curso no Centro de Estudos em Desenvolvimento Humano da Universidade
Católica Portuguesa; projeto que visa o estudo de modelos e processos de supervisão em diferentes
contextos educativos e formativos.
Reporta-se ao conhecimento construído no eixo da supervisão em educação não formal, com base
num estudo de natureza teórica, exploratória e descritiva, apoiado por informação recolhida por questionário
aos elementos de equipas educativas envolvidas em visitas de estudo a uma quinta pedagógica.
A comunicação estrutura-se em três pontos. Em primeiro lugar, apresentam-se as visitas de estudo
como uma prática de educação não formal, aprofundando a pedagogia experiencial na sua base; de seguida,

665
A Escola: Dinâmicas e Atores

explora-se a articulação dos conhecimentos curriculares entre as equipas educativas envolvidas na


dinamização de visitas de estudo, indiciando, nesse contexto, a aplicabilidade do conceito de comunidade de
prática; para, em terceiro lugar, questionar o papel da supervisão em contextos de educação não formal, sob
a perspetiva de a considerar um eixo da visão integrada do currículo.

Educação: (não) formal e experiencial


As expressões «educação formal» e «educação não formal» emergiram há quase meio século, no
quadro de uma crise educativa que questionava a educação escolar; marcada, nas palavras de Canário
(2006), por um défice de «sentido» e de «legitimidade». Questionava-se, então, o papel socioeducativo
hegemónico atribuído à escola, com base na premissa de que a educação deveria ocorrer, continuamente,
ao longo da vida e não apenas na infância e juventude, mas também, na confirmação de que a escola não
conseguia, afinal, proporcionar uma educação para todos, contribuindo, indiretamente, para a exclusão de
muitos e, também, para a emergência de escolas alternativas (Trilla Bernet, 2004; Palhares 2008).
O conceito de «educação não formal» começou por assumir uma função pragmática, enquadrando
cursos de educação e formação de jovens e adultos, de algum modo, marginalizados pelos sistemas
educativos formais (Smith,1996). Contudo, nas últimas duas décadas, a vertente não formal dispersou-se por
múltiplos públicos-alvo e por diferentes espaços e projetos educativos (Trilla Bernet, 2004; Palhares 2008),
designadamente: empresas, centros de formação, corporações profissionais, museus, centros de ciências e
tecnologia, instituições do foro artístico, desportivo e sociocultural, entre outras; congregando, assim, os
papéis de alternância e complementaridade, na articulação com a educação formal, na senda, voluntária ou
involuntária, de uma «sociedade aprendente» e de uma «cidade educativa» (Faure, 1972, 1982; Trilla Bernet,
2004). Em suma, «vivemos num mundo em que a educação cada vez mais transcende as fronteiras do
escolar» (Canário, 2006, p.198), sendo útil reconhecer nessas circunstâncias, mais do que uma ameaça, uma
oportunidade para o desenvolvimento integrado da educação formal.
Na sua génese, os conceitos de educação formal e de educação não formal assumem, em comum,
a intencionalidade e a estruturação do que se deve aprender, pelo que adquirem uma natureza curricular.
Consideramos, então, que será o modelo de organização do currículo e o modo da sua operacionalização
que melhor diferenciam o significado das duas expressões e que melhor poderão contribuir para a
resignificação dos conceitos e para a sua consagração no campo educativo (Eira, 2013).
O currículo não formal distingue-se do formal por uma maior plasticidade. O seu desenvolvimento
deve assentar numa matriz de tipo «circular» (Gaspar & Roldão, 2007), tomando como elementos
construtivos: ambientes genuínos, problemas sociais, planos de estudos formais, necessidades específicas
de aprendizagem e até a experiência de vida dos aprendentes.
Na sua praxis, o currículo não formal é marcado pela experiência, recorrendo, frequentemente, a uma
relação pedagógica de tipo formativo e à contextualização prática dos conteúdos (Trilla Bernet, 2004). Em
contraste com o ambiente escolar, o currículo não formal transfigura-se em ambientes de aprendizagem
diversos e peculiares, frequentemente, abertos à interação. Neste enquadramento, torna-se útil reconhecer
as visitas de estudo dinamizadas por entidades não escolares, enquanto práticas de educação não formal,
embora sobre o intento da sua integração num só currículo, o formal.
A educação formal, por contraste, assenta o seu projeto no ensino descontextualizado de uma
extensa gama de conteúdos. Essa é, talvez, a base da sua sustentabilidade no centro do campo educativo,

666
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

na medida em que continua a ser um modelo eficaz para operacionalizar os planos de estudo formais, na
amplitude que lhes é reconhecida. É precisamente por esse pendor didático descontextualizador, que
consideramos útil a articulação da educação escolar com outras respostas educativas não formais, na medida
em que poderão contribuir, substancialmente, para tornar a aprendizagem mais significativa e, nessa
condição, mais motivante e inclusiva.
Esta linha de reflexão pressupõe, então, que o ensino desenvolvido em contextos de visita de estudo,
em espaços não escolares, por ensinantes não docentes, deverá focar-se, tanto quanto possível, no currículo
formal. Desafio que se coloca, com grande complexidade e exigência, às equipas educativas em interação,
dentro e fora da escola. No plano conceptual, os professores e formadores envolvidos em visitas de estudo
deverão assumir-se co-construtores de um currículo de experiências, o que gera a necessidade da sua
colaboração eficaz.
Na caracterização do desenvolvimento curricular implicado na prática de visita de estudo
considerámos útil a conjugação de duas linhas conceptuais. A primeira é a de «currículo interacional»,
apontada por Gaspar & Roldão (2007), que compreende o currículo como produto da interação entre o plano
e o contexto de aprendizagem, assumindo a relação pedagógica e o processo de aprendizagem como eixos
centrais do seu desenvolvimento. A segunda é a de «currículo paralelo», proposta por Tomlinson et al (2000,
2009), que compreende o desenvolvimento paralelo e integrado de quatro linhas curriculares estratégicas: (1)
a de base disciplinar, de natureza tipicamente formal; (2) a de conexões, que visa a interligação de
conhecimentos pluridisciplinares numa perspetiva pragmática; (3) a linha prática, que coloca o educando na
posição de aprendiz e (4) a identitária, que coloca o educando na posição de perito do seu processo de
aprendizagem. Apresenta-se na figura 1 uma representação esquemática articulada dessas duas linhas
conceptuais.

Figura 1 – Dimensões estratégicas do currículo não formal desenvolvido em visitas de estudo. Articulação
dos modelos teóricos de «currículo interacional» (Gaspar & Roldão, 2007) e de «currículo paralelo»
(Tomlinson et al, 2000, 2009)
Estas linhas de abordagem, sublinhando a complementaridade entre os currículos formal e não formal
desenvolvidos em visitas de estudo, configuram a visão de um currículo integrado, em que a interação de

667
A Escola: Dinâmicas e Atores

aprendizagens formais e não formais pode resultar, sinergicamente, numa experiência educativa mais ampla
e significativa.
Inspirados nos modelos teóricos de aprendizagem experiencial propostos por Dewey (1938, 1997),
Kolb (1984), Beard & Wilson (2002, 2006) e Race (2005), preconizamos uma leitura teórica eclética acerca
do processo de aprendizagem baseado em experiências de segunda ordem. De acordo com Malinen (2000),
as experiências de segunda ordem – genuínas, imediatas, interativas, marcadas pela incerteza – desafiam
as experiências de primeira ordem – passadas, memorizadas, de algum modo, virtuais, incompletas e
distorcidas.
A originalidade de uma experiência de segunda ordem deriva de um contexto de aprendizagem
interativo que identificamos com quatro polos. O primeiro, o ambiente físico, representa o meio corpóreo em
que se estrutura o ensino experiencial. Sublinha-se, neste domínio, o evidente contraste entre o ambiente
escolar e a maioria dos ambientes em que se desenvolvem visitas de estudo, quanto à natureza, diversidade
e poder estimulante das experiências de interação oferecidas. O segundo, o ambiente cultural, congrega as
conceções abstratas e o conhecimento como património humano. Construção intergeracional que nos
distingue enquanto espécie social aprendente, que, preponderando na experiência escolar, não poderá deixar
de se implicar na maioria das experiências de aprendizagem, onde quer que se realizem. O terceiro, o
ambiente intrapessoal, materializa-se nos processos intelectivos na base da aprendizagem, permitindo
estabelecer a interação entre os ambientes físico e cultural, para, de algum modo, os transformar. E
finalmente, o ambiente interpessoal, que materializa o contexto da aprendizagem através de processos
intersubjetivos, pela interação com outros na interação conjunta com o mesmo ambiente de aprendizagem.
O contexto de aprendizagem, compreendido como fenómeno pessoal, será marcado pela interação
entre aprendentes e entre aprendentes e ensinantes, na sua interação simultânea, com maior ou menor grau
de articulação, com os ambientes físico e cultural em seu redor; ambientes esses que também se confrontam
de forma interativa, uma vez que a apreensão e reflexão de fenómenos físicos convoca saberes inscritos
numa cultura comum, que, por sua vez, motivam a manipulação desses fenómenos com objetivos
compartilhados. Apresenta-se na figura 2 uma representação esquemática dos quatro ambientes em
interação.

Figura 2 – Ambientes em interação na aprendizagem baseada em experiências de segunda ordem

668
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Há que reconhecer que estes quatro ambientes interligados podem assumir diferentes proporções e
múltiplos pontos de interligação, traduzindo, de algum modo, a diversificação curricular reconhecida na
vertente não formal da educação. Se os transpusermos para o contexto prático de visitas de estudo, podemos
definir uma matriz pedagógica aplicável à conceção didática de atividades formativas.
Atendendo a que estas circunstâncias pedagógicas tendem a interagir de forma sinérgica, há que
procurar enriquecer a experiência de aprendizagem nos seus diferentes domínios, pelo seu cruzamento
consequente. A título de exemplo, a cooperação e a colaboração dependem da observação e da reflexão
individual, amplificando-as. Estas, por sua vez, são ferramentas intelectivas necessárias para lidar com
fenómenos físicos complexos. Nesse processo de racionalização serão convocados conhecimentos já
produzidos sobre fenómenos correlacionados, que podem ser partilhados e reconstruidos, sob diferentes
ângulos, pelos aprendentes em cooperação ou colaboração. Constituem, então, mecanismos sinérgicos, que
contribuem para tornar os processos de aprendizagem mais eficientes e significativos.
A construção didática baseada na experiência pode assentar nos três paradigmas educativos,
atualmente, mais reconhecidos: (1) sob o paradigma comportamental, na medida em que privilegia o ambiente
de aprendizagem físico e cultural como mediador da mudança comportamental; (2) sob o paradigma cognitivo,
na medida em que privilegia a racionalização dos fenómenos ambientais, reconstruindo-os à luz de
conhecimentos anteriores e (3) sob o paradigma interpessoal, pela via da construção intersubjetiva de
conhecimento, contexto que releva a raiz social da aprendizagem, por si só, gerador de experiências de
segunda ordem.
Na esteira de Gaspar, Pereira, Oliveira & Teixeira (2015), no delineamento didático de experiências
formativas considerámos particularmente relevantes alguns modelos de ensino emergentes dos paradigmas
referidos, com particular destaque: (i) o modelo de instrução direta, de conceção comportamental, (ii) o modelo
de resolução de problemas, de conceção cognitiva e (iii) o modelo de investigação em grupo, de conceção
interpessoal. No entanto, pela relação pedagógica esporádica e limitação de tempo que caracterizam a
maioria das atividades educativas desenvolvidas em visitas de estudo, constatamos que a aplicação em
exclusivo de qualquer um destes modelos seria inadequada.
Da nossa experiência em atividades formativas de diferentes tipologias, sentimos a necessidade de
desenhar um novo modelo de ensino que, apesar da exigência em alargar e aprofundar a investigação,
cruzará, naturalmente, características de paradigmas diferentes. Entretanto, estamos em condições de
afirmar que a sua base de sustentação estará na «experienciação orientada», baseada na articulação das
estratégias de «diálogo reflexivo» e de «experimentação assistida» (Eira, 2013). Apresenta-se, na figura 3,
um exemplo prático ilustrativo dessa conceção pedagógica.

669
A Escola: Dinâmicas e Atores

Figura 3 – Confeção de queijo na «Quinta do Arrife». Demonstração do trabalho da coalhada, que precede
a moldagem individual do queijo pelos educandos.

Interação em comunidade de prática


Na esteira do enquadramento pedagógico e didático que traçámos, há que considerar que, na sua
globalidade, a visita de estudo deverá constituir uma estratégia pedagógica prática, iniciada e concluída em
contexto escolar, mas, de alguma forma, partilhada entre duas equipas educativas: a escolar e a formativa,
esta última, com sede em espaço não escolar.
Colocam-se, então, três questões operacionais: (1) como definir uma estratégia pedagógica global
para a visita de estudo? (2) como articular estratégias parciais para concretizar a estratégia global? e (3) como
comunicar acerca dessas estratégias, (i) atendendo à distância física que separa as duas equipas, antes e
após a visita, mas também (ii) à distância psicológica, que por vezes limita a interação entre ensinantes, até
na própria visita de estudo?
A resposta física que encontrámos passa pelo uso de ferramentas de comunicação virtual, de que
são exemplo as plataformas de e-learning (e.g. “Moodle”, “Wordpress”, “Google for Education”), estruturadas
para a publicação de informação e comunicação em fórum. A interação a distância permitida por estes
recursos poderá, na modalidade b-learning – «blended (e)learning» (Monteiro, Moreira & Lencastre, 2015) –,
enquadrar a interação presencial decorrida na visita de estudo.
A comunicação virtual implica, no entanto, uma vontade genuína de comunicar, cuja sustentabilidade
passará, em boa medida, pela crença na estratégia prática, mas também, na confirmação de resultados
pedagógicos mais favoráveis do que os alcançados sem uso da mesma, contexto de interação em que
consideramos útil ancorar o conceito de comunidade de prática.
O conceito de comunidade de prática – «community of practice» (CoP) – proposto por Etienne Wenger
(1998, 2008), refere grupos de indivíduos com práticas comuns, que interagem para co-aprender e aprofundar
essas práticas. Para concretizar uma comunidade de prática, segundo o autor, será fundamental conhecer e
circunscrever o seu domínio temático, encontrar os elementos dessa comunidade e caracterizar,
objetivamente, a sua prática. Considerando a possibilidade de fazer emergir uma comunidade de prática
envolvida no desenvolvimento de visitas de estudo (1) o seu domínio será a educação experiencial, com foco
em espaços não escolares, (2) a comunidade será constituída por professores e formadores e (3) como
prática comum, encontram-se as próprias ações de ensino desenvolvidas, dentro e fora da escola.
O contexto comunitário referido materializa-se na interação voluntária, flexível e pragmática dos
ensinantes, com três objetos que se representam esquematicamente na figura 4: (1) os saberes formais e

670
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

não formais, na forma de conteúdos a articular com base nas experiências práticas; (2) as práticas de ensino
refletidas, visando a sua contribuição para a integração curricular objetivada e (3) a aprendizagem dos
educandos, observada como indicador da qualidade dos processos curriculares em integração.

Figura 4 – Contexto pedagógico de interação numa comunidade de prática envolvida na dinamização de


visitas de estudo
A prática de uma comunidade com estas características passa, necessariamente, pela transformação
de experiências pedagógicas vivenciadas, em experiências de segunda ordem, desenvolvidas em contextos
paralelos. Para tal, tornam-se relevantes: a observação, a reflexão e a inovação de práticas de ensino, bem
como um sistema de avaliação eficaz dos processos de aprendizagem, configurados num projeto de
investigação-ação. Considera-se, ainda, necessário, aprofundar a dimensão formativa nessa prática (Alarcão,
2002), visando dar competências aos elementos da comunidade para a sua intervenção cooperante ou
colaborativa; processo que pode passar pelo recrutamento de formadores no seio da própria comunidade,
numa lógica de alternância de papéis ensinantes e aprendentes.
Deste modo, importa avaliar a contribuição efetiva que as comunidades de prática poderão trazer ao
funcionamento racional das organizações de onde emergem. Explorando o conceito de comunidade prática
sob uma conceção de «escola aprendente», evocamos as cinco características organizativas consideradas
por Senge, Cambron-McCabe, Lucas, Smith, Dutton & Kleiner (2000, 2012), situando-as na interação dialética
entre ensinantes dos contextos formal e não formal.
O pensamento sistémico será essencial para garantir a compreensão alargada dos ambientes e
contextos de ação em que os elementos da comunidade se inserem. Sem este conhecimento, será difícil
formular objetivos congruentes para as visitas de estudo. Contudo, a definição de objetivos também depende,
em boa medida, de uma visão educativa partilhada, que sirva de matriz para definir focos de ação, e que
funcione como fonte de motivação.
O aprofundamento de modelos mentais, como são exemplos os modelos de ensino aplicados em
estratégias de visita de estudo, a par com uma conceptualização adequada da práxis, contribuem
efetivamente para uma comunicação mais eficaz, a ferramenta essencial para a operacionalização de todas
as «disciplinas» organizacionais.

671
A Escola: Dinâmicas e Atores

A consolidação individual de competências pedagógicas e didáticas experienciais constituirá a base


operante e inteligente da comunidade referida, no entanto, o trabalho de equipa será, por excelência, a
«disciplina» prática, podendo assumir diferentes formas, desde a partilha de um para muitos, ou alguns, à
partilha em subgrupos, ou à partilha generalizada em grande grupo. Requerem-se, nestes cenários, relações
do tipo cooperativo e colaborativo, e por inerência, a aprendizagem continuada nas próprias dinâmicas de
trabalho de equipa, sendo indispensável, para tal, criar condições pessoais e interpessoais para a observação
de outros, mas também para se ser objeto de observação por outros.
No contexto organizativo traçado, parece-nos evidente que a comunidade de prática constitua um
ambiente permeável à supervisão, sendo plausível que tal associação assuma uma perspetiva holística e
sustentável.

A supervisão emergente numa comunidade de prática


Com uma história relativamente recente, constatamos que o conceito de «supervisão», aplicado ao
contexto pedagógico, não está ainda estabilizado no campo científico. Gaspar, Seabra e Neves (2012)
identificam quatro eixos na supervisão: (1) a orientação; (2) o acompanhamento; (3) a liderança e (4) a
avaliação. Importa, neste sentido, ponderar a sua aplicabilidade ao contexto de uma comunidade de prática,
ela própria desenvolvida em ambiente educativo não formal, marcado pela interação voluntária e pela
cooperação e colaboração estabelecidas em contexto inter-organizacional.
Compreendendo os processos de «acompanhamento» e de «orientação», numa lógica dialética,
potencialmente desenvolvida entre pares, consideram-se de fácil aplicação na interação pedagógica em
comunidades de prática, consubstanciando um ambiente de aprendizagem profissional, assente em
dinâmicas formativas contextualizadas.
Os eixos da «liderança» e da «avaliação» serão, naturalmente, condicionados pela informalidade
inerente ao funcionamento de uma comunidade de prática. A liderança, pela necessidade de integração de
funções e iniciativas num ambiente multi-organizacional a montante. A avaliação, sem condições formais para
estimar o desempenho dos ensinantes, deverá centrar-se, sobretudo, nos processos pedagógicos
desenvolvidos, com particular enfoque na aprendizagem dos educandos.
Nas condições apontadas, consideramos que estes quatro eixos se devem complementar na
supervisão, projetando-se, então, no desenvolvimento profissional dos ensinantes envolvidos em visitas de
estudo e na qualidade educativa manifesta a partir dessas visitas. O acompanhamento será essencial para
potenciar competências de ensino experiencial nos professores e formadores que integram a comunidade de
prática. A orientação será o principal veículo para corporizar e difundir modelos relevantes para o
funcionamento dessa comunidade. A liderança torna-se essencial no desenvolvimento de práticas
cooperativas e colaborativas, como fator intrínseco de motivação e coesão das equipas. E por último, a
avaliação centrada nos processos de aprendizagem pode constituir um meio eficaz para a reflexão crítica e
objetiva dos processos de ensino, contribuindo, nessa condição, para a consolidação de uma visão partilhada
do currículo desenvolvido em visitas de estudo.
Se conceptualizarmos a integração curricular como resultado da interação de saberes teóricos e
práticos adquiridos em diferentes ambientes e contextos de aprendizagem, teremos de considerar que um
projeto educativo baseado em experiências de segunda ordem implica sempre harmonização de conteúdos
a ensinar e aprender, mas também de estratégias didáticas relevantes para tal, corroborando a afirmação de

672
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Dewey (1938, 1997) de que «não há disciplina mais exigente do que a experiência quando realizada com fins
educativos». É nesse contexto de relativa complexidade que se pode considerar relevante a supervisão, como
eixo do processo de enriquecimento curricular formal fundado em atividades educativas não formais. A
supervisão desenvolvida, ela própria, em contexto não formal, constitui-se um instrumento de aproximação
de experiências de ensino e aprendizagem, tendo em vista a sua valorização educativa, ideia que se
representa esquematicamente na figura 5.

Figura 5 – A supervisão como eixo da integração curricular formal de contextos não formais
Em suma, partilhámos uma linha teórica que conceptualiza a educação não formal sob uma
perspetiva curricular fundada na experiência, assumindo a sua natureza – simultaneamente, objetiva,
subjetiva e intersubjetiva –, como objeto e objetivo de aprendizagem, focando a investigação no contexto de
visitas de estudo dinamizadas por entidades não escolares, para o qual se apresentaram modelos de ensino
e de aprendizagem baseados na experiência genuína, de segunda ordem.
Identificámos necessidades de interação entre as equipas educativas das vertentes formal e não
formal de um currículo paralelo e interativo, à luz de uma estratégia prática que pressupõe ensinar e aprender
fora da escola, mas que, todavia, se deve iniciar e concluir em contexto escolar. Admitiu-se, neste contexto,
a aplicação do conceito e a exploração da práxis de uma comunidade de prática baseada na comunicação
virtual, como meio para a articulação de estratégias pedagógicas e objetivos curriculares, mas também para
o desenvolvimento profissional dos ensinantes envolvidos.
Reconhecemos a supervisão como instrumento determinante de uma construção curricular integrada,
acreditando que poderá constituir uma ferramenta essencial na área da pedagogia; afirmando-se, então, como
um dos eixos no campo do currículo, indispensável na integração das componentes prática e teórica dos
planos de estudo, na senda de uma educação integral, que se pretende, integradora.

REFERÊNCIAS
Alarcão, I. (2002). Escola reflexiva e desenvolvimento institucional: Que novas funções supervisivas?.
In J. Oliveira-Formosinho (Org.) A Supervisão na formação de professores (vol.1). Porto: Porto
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673
A Escola: Dinâmicas e Atores

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674
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

INSERÇÃO PROFISSIONAL NA ESCOLA BASICA PELAS REPRESENTAÇÕES DE


PROFESSORES: UM ESTUDO COM A TECNICA Q
[ID 126]

Romilda Teodora Ens


Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin
Sueli Pereira Donato
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)-Brasil; Universidade Estadual de Londrina (UEL)-
Brasil; Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)-Brasil
romilda.ens@gmail.com; elsapessoapullin@gmail.com; suelidonato@gmail.com

Resumo
Discutir e refletir acerca da inserção docente no espaço escolar em interface com a profissionalização docente
situada num cenário educacional, que almeja a garantia do direito à educação, está no bojo dos impactos que
‘ser professor’ é um processo complexo, pela responsabilização, precarização do trabalho e dificuldades em
atender o regido pela política educacional de uma educação para o mercado. Somadas à legislação
reguladora da formação inicial, a formação continuada é criada com o objetivo de suprir falhas dessa formação
e atender ao perfil socioeconômico daqueles que buscam a docência como profissão, os menos favorecidas.
Nessa pesquisa, analisamos e discutimos a inserção inicial na profissão docente a partir das representações
de professores dos anos finais do Ensino Fundamental (n=25) que atuavam em escolas estaduais de Curitiba
(PR) selecionadas por conveniência, a fim de interpretarmos como representam a inserção profissional, e
como se situam e vivenciam a sua profissão. Para verificar qualitativa e quantitativamente dimensões
subjetivas pertinentes ao exercício profissional desses professores, foi utilizada a metodologia Q , visto que
esta é simultaneamente uma técnica e uma metodologia para investigar a subjetividade humana, a partir dos
pontos de vista das pessoas. As análises para desenhar as representações da inserção profissional de
professores foram realizadas a partir dos consensos do que percebem e comunicam a partir de suas vivências
profissionais. As análises, permitem afirmar que os professores: refletem sobre sua prática; percebem pela
prática que ser professor significa ser um eterno estudante; evidenciam a importância da formação critica dos
alunos; reconhecem que o professor aprende com os alunos; valorizam o trabalho coletivo; não acreditam
que amor e dedicação sejam suficientes para ser professor; avaliaram a formação atual do professor como
não adequada à sala de aula, assinalando que a teoria na prática é outra. O reconhecimento social da
profissão e a ressignificação da docência, atravessados por questões de infraestrutura, salariais etc, são
necessários para a conscientização de que, ser e estar na profissão professor, é a de se inscrever reflexiva e
ativamente em processos contínuos de influências e de mudança social.

Palavras-chave: Inserção profissional,,Formação de professores,Técnica Q,,Representação social.

Résumé
Discuter et réfléchir sur l'insertion de l'enseignant dans l’espace de l'école en interfaçage avec sa
professionnalisation située dans le cadre de l’éducation, qui veut asssurer le droit à l'éducation, est au cœur
de l'impact qui cause «être un enseignant» dans un processus de compléxité à cause de la responsabilité, de
la précarité du travail enseignant, ainsi que par les dificultés de répondre à la politique de l’éducation pour le
marché. Accrue à la législation régissant la formation initiale, la formation continue est créée dans le but de
combler les lacunes de cette formation et de répondre au profil socio-économique de ceux qui cherchent
l'enseignement en tant que profession, les moins favorisés. Dans cette recherche, nous analysons et discutons
l'insertion initiale dans la profession enseignante à partir des représentations des enseignants de dernières
années de l'école primaire (n = 25) qui ont travaillé dans les écoles publiques de l´’État du Paraná, à Curitiba
(PR), choisis par la facilité d’interpréter la manière comment ces enseignants représentaient l’insertion
professionnelle ainsi comment ils se situent et vivent leur profession. Pour vérifier qualitativement et
quantitativement les dimensions subjectives pertinentes à l'activité professionnelle de ces enseignants, la
méthodologie Q a été utilisée car elle est à la fois une technique et une méthodologie pour étudier la
subjectivité humaine, à partir des points de vue des personnes. Les analyses qui permettent de dessiner les
représentations de l’insertion professionellele des enseignants ont été développées à partir du consensus de

675
A Escola: Dinâmicas e Atores

ce qu'ils perçoivent et communiquent de leurs expériences professionnelles. Les analyses nous permettent
d'affirmer que les enseignants: réfléchissent sur leur pratique; Ils se rendent compte que la pratique d'être un
enseignant signifie d’être un éternel étudiant; ils mettent en évidence l'importance de la formation critique des
étudiants; ils reconnaissent que l'enseignant apprend avec les étudiants; ils apprécient le travail collectif; ils
ne croient pas que l'amour et le dévouement sont suffisants pour être un enseignant; ils ont évaluer que leur
formation initiale est insuffisante pour le domaine de la salle de classe, en soulignant que la théorie en pratique
est toute autre. La reconnaissance sociale de la profession et le recadrage de l'enseignement, traversé par de
problèmes infrastructuraux, de salaire, etc., sont nécessaires autant leur faire prendre conscience que pour
être dans la profession d'enseignant, il faut s’engager dans de processus continués d’influences et de
changement social.

Mots-clés: Insertion professionnelle, Formation des enseignants,Technique Q, ,Représentation sociale.

INTRODUÇÃO
Dispor-se a falar do início profissional exige uma retomada das experiências vividas, organizadas no
momento e situação em que alguém as relata. No caso desta pesquisa, buscamos obter o quadro de
referências que orientou as comunicações de professores sobre suas experiências de início profissional, que
em 2013 atuavam nos anos finais do Ensino Fundamental. Essa escuta aconteceu em situação individual
semiestruturada, em escolas estaduais do município de Curitiba.
Cientes de que as vivências informadas assumem o que elas significam no presente para quem as
relata e que terminologias como “iniciação profissional” e “inserção profissional” são por si uma abstração que
“[...] desvela e torna presente as determinações e relações, os nexos e as conexões do pretérito dos objetos
ou dos fatos observados, que a consciência aparente não alcança” (Hoff, 2012, p.17), optamos por utilizar a
metodologia Q nesta investigação.
Este artigo apresenta após algumas considerações iniciais sobre formação de professores, outras
pertinentes ao uso dessa metodologia, seguindo-se a descrição dos resultados, discussões e ponderações
finais.
A formação inicial obtida em licenciaturas, exigida para professores atuarem nos anos iniciais da
escolarização (Ensino Fundamental no Brasil), tem sido posta em questão por diversos autores (Marcelo
Garcia, 1999; Gatti 2012; Romanowski, & Martins, 2011), seja pelo aligeiramento desse processo formativo,
ou pelas formas de organização e práticas desarticuladas que essa formação mantém com as unidades
escolares (Gatti, 2011), ao não preparem adequadamente os professores para as exigências implicadas no
trabalho docente em contextos escolares. No entanto, como lembra Catani (1998), essas questões
“[...chegam ], por vezes, a tornar secundário o reconhecimento das imposições concretas da realidade e da
dimensão econômica da profissão” (p.26).

CAMINHOS DA PESQUISA
Diversas têm sido as estratégias utilizadas para escutar as vozes dos professores sobre o que
sentiram no início de suas carreiras (Catani, 1998, 2003; Sousa, 1998) e se percebem como profissionais (por
exemplo, Freitas, 2002). Algumas como as entrevistas são utilizadas por investigadores para se acercarem
dos sentidos atribuídos a vivências de sua atuação anterior nos espaços escolares de sala de aula [...], seja
pela análise de notas biográficas ou das histórias de vida dos professores para verificar como eles têm se
apropriado dos saberes necessários à sua prática, como bem ponderam, entre outros Nóvoa (1995) e
Goodson (1995).

676
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Para verificar qualitativa e quantitativamente algumas dimensões subjetivas pertinentes ao exercício


profissional de 25 professores foi utilizada a metodologia Q (Stephenson, 1953; Gatti, 1972). Esta
metodologia, relativamente nova, tem sido utilizada no estudo sistemático de uma ampla gama de objetos
dos campos da psicologia, ciência política, comunicação, ciências da saúde, educação, desde que o físico e
psicólogo William Stephenson, em 1930, a propôs Brown, 2008). Nos anos de 1970 e 1980, segundo Amin
(2000) “programas de computador foram desenvolvidos para realizar análises estatísticas dos dados
derivados dos métodos Q, e assim facilitar a conversão de dados subjetivos em quantitativos” (p.411).
A técnica Q, segundo Gatti (1972), viabiliza identificar “a significação intra-individual” (p.46), por
exemplo de afirmações propostas para classificação para obter “uma imagem da opinião do indivíduo sobre
o objeto considerado ou de sua atitude em relação a este” (Selltiz1, 1971, citado em Balduino & Lessa, 1986,
p.39). A metodologia Q esclarece Silva (2012), possibilita um meio sistemático para examinar e compreender
o quadro de referências que orienta as comunicações de alguém sobre um determinado objeto. Esse quadro
modela seu ponto de vista, uma das dimensões da externalização de sua subjetividade. Por isso, Amin (2000)
acentua que “o significado literal de subjetividade é o ponto de vista individual” (p.411) Esse autor alude,
ainda, às duas premissas sobre subjetividade nas quais essa metodologia se sustenta: a subjetividade de
uma pessoa é passível de ser comunicada a outros e sempre decorre do seu ponto de vista, afim de afirmar
que esses conceitos de orientação individual são a “essência da metodologia Q” (p. 411).
A identificação da ordenação sistemática que um sujeito realiza a partir de um conjunto de estímulos
(amostra Q) para o qual foi informado sobre uma distribuição de valoração específica, revela a estrutura e a
forma de suas opiniões subjetivas. Em suma, segundo Amin (2000), a importância da metodologia Q reside
no fato dela não só gerar como categorizar um conjunto de ideias acerca do tema investigado. O padrão de
respostas obtido baseia-se nas similaridades e não similaridades de perspectivas entre os respondentes, que
após análises estatísticas fatoriais, por exemplo, com auxílio do programa SPSS – Statistical Program in
Social Science, determinam os fatores (Quadro 1).
Escores X Número de cartões disponíveis
Menor Maior
importância importância
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
X X X X X X X X X X X
X X X X X X X X X X X
X X X X X X X X X
X X X X X X X
X X X X X X X
X X X X X
X X X X X
X X X
X X X
X X X
X X X
X
X
X
X
Quadro 1 - Critérios para atribuição do grau de importância aos 70 itens
Fonte: As autoras (2016)
Na presente pesquisa, objetivou-se conhecer as representações da inserção profissional de
professores a partir dos consensos, os quais podem ser tomados como projeções do que professores

1
Selltiz, C. et al (1971). Métodos de pesquisa nas relações sociais. Tradução de Dante Moreira. São Paulo, Herder.

677
A Escola: Dinâmicas e Atores

percebem e comunicam a partir de suas vivências profissionais. Para tal, a amostra Q foi constituída por 70
afirmações2 para que os professores participantes indicassem o grau de importância relativa de cada uma. A
orientação da tarefa proposta foi a de que após a leitura dos 70 cartões dispostos em uma mesa o participante
graduasse, com auxílio de cartões, as afirmações por importância, da maneira que considerasse mais
adequado, pois não havia por suposto qualquer resposta certa ou errada. Para realizar a tarefa ele deveria
atribuir valor 0 aos de menor importância e 10 aos de maior importância, porém informado que dispunha de
apenas dois cartões para cada uma dessas valorações, de três cartões para as valorações 1 e 9, de cinco
cartões para os valores 2 e 8, e assim por diante (Quadro 1). A distribuição resultante das afirmações pelos
critérios estipulados assemelha-se a uma distribuição normal ou quasi-normal, ao situar as afirmações mais
importantes e as menos importantes nos extremos da curva de distribuição e na região central as demais.
A aplicação do instrumento foi individual em uma sala da própria escola do participante. O participante
podia alterar a posição dos cartões quanto fosse necessário, visto que a tarefa da escolha dos cartões mais
ou menos importantes e classificação das demais afirmações, conforme critérios propostos, demandam
negociações contínuas dos sentidos dos enunciados. Quando ele/ela considerasse que havia terminado, isto
é, a distribuição dos cartões retratasse seu ponto de vista pessoal, informava ao aplicador para que e a sessão
fosse encerrada.
Não foi estipulada a duração da sessão, para que o participante pudesse realizar a tarefa com
tranquilidade.
Procedimentos estatísticos foram utilizados para a análise das escolhas individuais. Inicialmente, foi
realizada a correlação das respostas e produzida uma tabela de intercorrelação entre os respondentes,
gerando uma matriz de correlação Q, a qual revelou o grau de semelhança ou de diferença nas perspectivas
dos participantes. Em seguida, essa matriz foi submetida à análise fatorial por respondente (análise por
componentes principais) para identificar os fatores. As cargas fatoriais, isto é, os coeficientes de correlação
obtidos expressam o grau de associação do ponto de vista de cada participante aos fatores identificados.

A PESQUISA
A coleta de dados foi realizada no município de Curitiba (PR) com 25 professores, a maioria mulheres
(76%), com idade entre 21anos a mais de 40 anos, metade deles com mais de 31 anos, como se pode
observar na Tabela 1. Atuavam nas séries finais do Ensino Fundamental, com 10 anos de exercício docente
(16%) ou menos (60% com 5anos a 7anos). Mais da metade (64%) sentia-se realizado em seu trabalho de
professor, e 80% pretendia continuar exercendo essa profissão. Possivelmente, por isso, 76% deles não
concluíram, ou estavam cursando outro curso, bem como poucos (16%) eram os que exerciam outra função
além da docência, apesar de 68% terem trabalhado anteriormente em outro campo profissional. A maioria
não acumula outra função com a docência (84%).
Dois grupos foram constituídos (G1 e G2), a partir da convergência quanto ao grau de semelhança e
diferença na classificação desses 70 itens, como resultado da correlação entre eles (Tabela 1). A separação
das convergências entre os grupos deve-se à análise realizada com o apoio do software ALCESTE, que
reuniu todas as respostas sem separar os respondentes. Em seguida foi calculada a análise fatorial das notas

2
Os itens do instrumento foram levantados pelos sentidos mais frequentes registrados na literatura pertinente, discutidos
e definidos no grupo de pesquisa: “Políticas, Formação de Professor, Trabalho Docente e Representações Sociais –
PEFORS ». do PPGE/PUCPR. Os dados foram validados pela acessoria na FCC.

678
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

atribuídas aos itens, o que gerou uma matriz que permitiu identificar fatores dos quais vamos analisar dois
pontos básicos. O grupo 1 ficou constituído pelos sujeitos que obtiveram maiores pontuações, isto é, por
terem valorizado mais os mesmos itens/afirmações propostos (n=10), O grupo 2 agregou aqueles cujas
respostas se distribuíram de modo mais dispare entre si (n=15).
Grupos
Variáveis 1 2 Total Sig.*
(n=10) (n=15)
Masculino 20% 27% 24%
Sexo Feminino 80% 73% 76% ,702
Total 100% 100% 100%
21 a 30 anos 33% 40% 38%
31 a 40 anos 56% 47% 50%
Idade ,915
Mais de 40 anos 11% 13% 13%
Total 100% 100% 100%
Sim 10% 33% 24%
Fez ou faz outro curso universitário Não 90% 67% 76% ,181
Total 100% 100% 100%
Sim 100% 67% 80%
Pretende continuar trabalhando como
Não ------ 33% 20% ,041
professor
Total 100% 100% 100%
Sim ----- 27% 16%
Acumula outra função com a docente Não 100% 73% 84% ,075
Total 100% 100% 100%
Sim 90% 47% 64%
Sente-se realizado/satisfeito como
Não 10% 53% 36% ,027
professor
Total 100% 100% 100%
(*) significativo para p<0,10.

Tabela 1 - Características dos professores participantes, por Grupo constituído pela similaridade de
respostas aos 70 itens3 (Técnica Q)
Fonte: As autoras, com dados da pesquisa
Analisamos nos dois grupos os indicativos de representações pelos consensos a respeito de
formação e inserção profissional, os quais podem ser tomados como projeções do que esses professores
percebem e comunicam a partir de sua prática profissional de menos de 10 anos de exercício, um período
que é denominado por Huberman (1995) de estabilização, consolidação.
Huberman (1995, analisando os percursos profissionais de professores do ensino médio da Suiça,
tendo por perspectiva suas carreiras propôs cinco “fases, transições, ‘crises’” (p. 47. grifo do autor) que
atravessam não só a carreira do ensino, quanto por vezes a maioria desses profissionais (Figura 1).
Posteriomente, Gonçalves (1995, p.163) tendo por referência Huberman (1995), baseado nas
entrevistas que realizou com 42 professores do ensino primário de Portugal, também identificou cinco etapas
ou sequências, que permitiram que ele organizasse um itinerário de desenvolvimento das suas carreiras
(Figura 2) conforme figura 1.
A caracterização dessas etapas/fases é descrita por Gonçalves (1995, pp.164-165), das quais
sintetizamos as que, de algum modo, cobrem pelo tempo de exercício profissional os professores
participantes de nosso estudo.

3
As estatísticas do grau de importância atribuído aos itens pelos respondentes foram realizadas na FCC/CIERS-Ed, e
sumarizadas pelas autoras nas tabelas apresentadas.

679
A Escola: Dinâmicas e Atores

Figura 1- Carreira de Professores: percurso temático


Fonte: Huberman (1995, p. 47)
A etapa do início na carreira docente “oscila entre uma luta de sobrevivência, determinada pelo
choque do real, e o entusiasmo da descoberta de um mundo novo” Condições difíceis de trabalho, “falta de
preparação, efectiva ou suposta [...] e o ‘não saber como fazer-se aceitar como professora’ ” marcam as
experiências de luta para os professores sobreviverem como profissionais, enquanto que a “autoconfiança,
motivada pela condição de ‘estar preparada’ para o exercício docente” distinguem as das que no início
relataram que não haviam enfrentado dificuldades (Gonçalves, 1995, p.164, grifos do autor).
ANOS DE EXPERIÊNC1A ETAPAS/TRAÇOS DOMINANTES
1-4 O <<INÍCIO>>
(Choque do real, descoberta)

5-7 ESTABILIDADE
(Segurança, entusiasmo, maturtidade)

8-15
DIVERGÊNCIA (+) DIVERGÊNCIA (-)
(Empenhamento, entusiamo) (Descrença, rotina)

15-20/25 SERENIDADE
(Reflexão, satisfação pessoal)

25/40 RENOVAÇÃO DO DESENCANTO


<<INTERESSE>> (Desinvestimento e saturação
(Renovação do entusiasmo)
Figura 2- Etapas da Carreira
Fonte: Adaptado pelas autoras a partir de Gonçalves (1995, p.163)
A fase seguinte, a da estabilidade “oscila entre os 5 e 7 anos de experiência, podendo em alguns
casos prolongar-se até cerca dos 10, os pés assentaram no chão, a confiança foi alcançada” (Gonçalves,
1995, p.164, grifo do autor) Os professores conduzem o processo de ensino-aprendizagem com satisfação.
Salvo raras exceções, esse autor verificou que essa fase mostrou-se relativamente uniforme, quer para as
professoras que relataram o início da carreira como fácil ou mais difícil.
A fase de divergência instala-se, entre os 8 e os 15 anos de exercício docente, e em comparação à
anterior esta acentua um certo sentido profissional de desequilíbrio (positivo ou negativo), sendo enviesada
em alguns casos pela dificuldade ou não experienciada na fase/etapa inicial da carreira.

680
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PROJEÇÕES DOS PROFESSORES SOBRE INSERÇÃO PROFISSIONAL


Na análise das convergências das respostas dos participantes, admitimos que no todo suas escolhas
projetem um modo de dizer, ou discurso o qual, segundo Cavaco (1995), “[...] se não reconstitui a realidade
vivida, dá, no entanto, conta do sentido e significado que [...a] vivência [informada] assume, no presente, para
o sujeito de enunciação” (p.162).
Os 14 itens concernentes à categoria “Inserção profissional” foram subdividos em dois
componentes/conjuntos: um relativo à “Escolha profissional, quesitos e avaliações sobre Alunos”, com 12
afirmações e outro para à “Relação com alunos/coordenação/ direção/ políticas”. No processamento da
análise fatorial verificamos que só o primeiro fator respondeu por 90% da variabilidade interna dos resultados.
As avaliações desses itens permitem afirmar que os grupos se diferenciam entre si, de forma significante
(Tabela 2).
Média do Média do
Categorias Afirmações Grupo 1 Grupo 2 Diferença *Sign
(n=10) (n=15)
Um bom professor possui predisposição para a
7,4 6,0 1,4 0,06*
mudança.
Estou satisfeita com minha profissão, porque amo o que
7,4 4,9 2,5 0,04*
faço!
Ser professor é superar o caráter ingênuo de mero
6,9 5,3 1,6 0,04*
transmissor do conhecimento
Escolha profissional, quesitos e

Trabalho docente depende do professor e da estrutura


avaliações sobre alunos

5,2 6,2 -1,0 0,09*


das escolas.
Atualmente, os alunos não respeitam seus professores 4,2 6,5 -2,3 0,03*
O apoio do coordenador pedagógico é fundamental para
6,2 4,9 1,3 0,05*
o trabalho do professor.
A realidade da escola é muito mais complexa daquela
4,2 5,7 -1,5 0,08*
que imaginei quando aluno(a) de graduação.
Na prática tive a certeza da minha escolha profissional. 7,3 3,3 4,0 0,00*
Sinto que os alunos hoje não querem nada com nada. 3,5 5,7 -2,2 0,01*
Ser professor hoje é muito difícil. 3,2 5,3 -2,1 0,08*
Para ser professor precisa ter “dom”. 5,3 3,2 2,1 0,03*
Tenho perdido gradativamente o entusiasmo pela
1,6 4,9 -1,7 0,09*
profissão e não a recomendo aos meus filhos e amigos.

Os colegas me ajudaram no início de minha profissão. 5,0 3,1 1,9 0,07*


coordenação/
Relação com

políticas
direção/
alunos/

Não encontro motivação e apoio por parte da direção. 2,1 3,8 -1,7 0,09*

Nível de significância p<0,10


Tabela 2 – Inserção Profissional: Resultados Convergentes do Grau de Importância Atribuído aos Itens por
Categoria e Grupo de Respondentes
Fonte: Estatísticas realizadas pela FCC/CIERS-Ed. Adaptado pelas Autoras
Na categoria inserção profissional, as médias mais baixas de pontuação foram verificadas em itens
diferentes em cada grupo: à perda gradativa de entusiasmo pela profissão, admitindo que não a
recomendariam para seus filhos e amigos (média=1,6 no G1), e a quanto sentem que foram auxiliados pelos
colegas no início da profissão.no G2 (média= 3,8). Possivelmente, uns por não se sentirem realizados como
professores, não se sentirem valorizados por parte dos pais, alunos, escola e sociedade (P13; P22), pelo

681
A Escola: Dinâmicas e Atores

baixo salário (P6; P17), pelas dificuldades que enfrentam em sala de aula (P15; P25), outros por não
conseguirem ensinar o que pretendem (P14), por não perceberem ter tido apoio dos colegas quando iniciaram
(P1; P3; P8; P21), conforme dados obtidos no questionário do perfil.
Pode-se dizer que quando assumiram na prática seu ofício, os participantes do grupo 1 sentem que
estavam mais seguros de sua escolha profissional do que os do grupo 2 (diferença das médias= 4,0, favorável
a G1).
Os participantes do G2 reconhecem mais do que os do G1 que seu trabalho depende tanto de seu
desempenho quanto da estrutura das escolas (média=6,2 no G2). Percebem ainda, mais do que os do G1,
que atualmente os alunos não respeitam seus professores (média=6,5). As diferenças de pontuações nos
dois grupos, apesar de não significativas, são favoráveis ao G2. Possivelmente por isso, foram os que mais
admitiram ter perdido o entusiasmo pela profissão não a recomendando para seus filhos e amigos (média=4,9
no G2).
Pode-se afirmar, entretanto, que são os participantes do G1 que mais valorizaram as afirmações
pertinentes à relação de sua formação com a prática e a realidade que encontram nas escolas, seja porque
gostam do que fazem (média=7,4), pela importância que atribuem tanto ao apoio dispensado pelo
coordenador pedagógico (média= 6,2), quanto à predisposição para mudança para serem bons professores
(7,4), e em reconhecerem o auxílio de colegas no início de sua carreira profissional (média=5,0). Ainda se
observa na Tabela 2 que a percepção dos participantes de ambos os grupos é mais negativa quanto a como
percebem o apoio por parte da direção, quanto avaliam seu nível de motivação (médias de 2,1 e 3,8,
respectivamente para o G1 e G2).
Para os participantes do G2 “hoje é mais difícil ser professor” do que para os de G1 (médias de 5,3 e
3,2, respectivamente). São os deste grupo que mais percebem que para ser professor precisa “ter dom”
(média 5,3) e que para ser “bom professor” há que haja predisposição para a mudança (média 7,4), e os que
menos sentiram que a realidade da escola, apesar de complexa, não era muito diferente da que imaginaram
enquanto alunos de graduação (média 4,2 X 5,7 no G2).
Os participantes do G2 são mais velhos do que os do G1, os que menos se sentem realizados como
professores (Tabela 1), e os que mais percebem que seu trabalho depende não só de si como também da
estrutura das escolas e do apoio por parte da direção (TABELA 2). No entanto, não reconhecem tanto quanto
os participantes do G1, a importância do apoio do coordenador pedagógico para seu trabalho, apesar da
diferença das médias ser pequena (1,3).
Destacamos entre os seis princípios que Gonçalves (1995) enunciou para sustentar suas questões
investigativas o relativo ao desenvolvimento profissional, pois este “mais do que outros aspectos do
desenvolvimento do indivíduo é condicionado pelos factores de contexto, podendo acontecimentos de
natureza sociopolítica e cultural vir a alterá-lo ou, mesmo, a determiná-lo” (p.148). Seriam então as condições
de acolhimento, de apoio da direção, da estrutura das escolas onde os participantes de nosso estudo foram
e estão trabalhando alguns dos fatores que os afetaram subjetivamente para terem perdido gradativamente
o entusiasmo pela profissão que exercem, inclusive não a recomendando a seus filhos e amigos?
Entre as razões que desmotivam os participantes de continuarem como professores destacam-se,
isoladamente ou não: o salário (28%), condições de trabalho e a não perspectiva de mudança no sistema
(24%), a baixa valorização do professor (20%), desrespeito (20%), indisciplina (16%). Instigados a se
posicionarem quanto ao que valorizam em seu trabalho, “indicando características, qualidades, habilidades

682
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

exigidas etc,” (item 11 do questionário) 44% valorizaram as mudanças e progressos que percebem ao ensinar
seus alunos.
Na Tabela 3 relacionamos as maiores médias, ou seja, as afirmações mais valorizadas pelos sujeitos
da pesquisa. Destacamos que apenas em uma das médias a diferença entre o Grupo 1 e 2 foi estatisticamente
significante, assinalando divergência importante entre os grupos. Essa proposição ocupa o quarto lugar nessa
seleção o que indica maior divergência quanto às convergência de posição dos dois os grupos.
Média Grupo Média Grupo Média
Afirmações por Item
1 (n= 10) 2 (n=15) geral
Por meio da prática foi possível perceber que a profissão "ser professor
7,7 6,6 7,0
(a)" significa ser "um(a) eterno(a) estudante".
É importante desenvolver formação crítica do aluno. 7,3 6,3 6,7
É preciso que os pais participem mais da vida escolar dos filhos. 5,9 7,2 6,7
Um bom professor possui predisposição para a mudança. 7,4 6,0 6,6*
Faço uso de diferentes estratégias de ensino para alcançar todos os
6,9 6,0 6,4
alunos.
Minha prática me mostrou que preciso estar em constante atualização. 6,7 6,1 6,3
Como professor também aprendo com os alunos. 6,4 6,2 6,3
Sempre reflito sobre minha prática como professor(a) 6,1 6,3 6,2
Acreditar na educação é fundamental para ser professor. 6,9 5,7 6,2
A existência do trabalho coletivo é importante para a troca de experiência
6,4 6,0 6,2
e conhecimentos..
*Indica diferença significante entre as médias dos Grupos 1 e 2. Pvalor<0,10
Tabela 3 - Os itens com maiores médias gerais
Fonte: Estatísticas realizadas pela FCC/CIERS-Ed. Adaptado pelas Autoras

REFLEXÕES...
As análises nos permitem afirmar que os professores: refletem sobre sua prática; percebem pela
prática que ser professor significa ser um eterno estudante; evidenciam a importância da formação critica dos
alunos; reconhecem que o professor aprende com os alunos; valorizam o trabalho coletivo; não acreditam
que amor e dedicação sejam suficientes para ser professor; avaliaram a formação atual do professor como
não adequada à sala de aula, assinalando que a teoria na prática é outra. O reconhecimento social da
profissão e a ressignificação da docência, atravessados por questões de infraestrutura, salariais etc, são
necessários para a conscientização de que, ser e estar na profissão professor, é a de se inscrever reflexiva e
ativamente em processos contínuos de influências e de mudança social.

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685
A Escola: Dinâmicas e Atores

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O QUE DIZEM AS TESES E DISSERTAÇÕES DA PUCPR -


EM 2014
[ID 130]

Romilda Teodora Ens

Paola Andressa dos Reis Ostrovski Oliveira

Edina Dayane de Lara Bueno


Pontifícia Universidade Católica do Paraná
romilda.ens@gmail.com; paah_dessa@hotmail.com; dayanebuenocouto@yahoo.com.br

Resumo
A presente pesquisa busca compreender a formação de professores e sua repercussão na instituição escolar,
tendo por objetivo realizar um estudo do tipo Estado da Arte com as teses e dissertações produzidas, em
2014, pelos mestrandos e doutorandos do PPGE/PUCPR, para elencar aspectos emergentes, silenciados e
as contribuições dessas produções para a formação de professores. A opção pela pesquisa qualitativa, por
meio de um estudo do tipo Estado da Arte, exploratório-descritivo, possibilitou sistematizar os trabalhos,
utilizando os REDUC’s, protocolos que permitem a identificação: do tipo de documentos, título, palavra-chave,
metodologia, conteúdo, conclusão e as referências (nacionais e estrangeiras). Os resumos constituíram o
corpus processado pelo software IRAMUTEQ, a partir das variáveis: dissertações (15) e teses (25),
possibilitando a análise de similitude e o desenho de nuvem de palavras. A árvore máxima, construída a partir
da similitude, permite visualizar o grau de conexidade entre as palavras mais frequentes por tipo de produção
(dissertação/tese). Os dados foram analisados com o apoio da análise de conteúdo. Na Nuvem de Palavras
lexográfica, gerada pelo software IRAMUTEQ, para a variável dissertações destacam-se as palavras:
professor, pesquisa, formação, ensino, educação, estudo, analisar e praticar. Com base na variável teses, as
palavras professor, ensino, formação, educação, processo, analisar, pesquisa, docente, estudo e aluno foram
as mais frequentes. As dissertações e teses defendidas no ano de 2014 inserem-se especificamente em duas
linhas de pesquisa da instituição: História e Políticas da Educação e Teoria e Prática Pedagógica na Formação
de Professores, ambas. relacionadas com o processo formativo dos professores e suas especificidades, bem
como com as práticas pedagógicas que acontecem no cotidiano das instituições educativas. Evidencia-se a
partir da análise dos REDUCs que a abordagem qualitativa é mais utilizada nesses trabalhos. As análises
viabilizaram explicar a presença das palavras enfatizadas nas teses e dissertações (professor, formação,
ensino, pesquisa; educação), como indicam a necessidade de análises e reflexões sobre o processo formativo
dos professores, condições de trabalho e de profissionalização docente no Brasil.

Palavras-chave: Formação de professores, Educação, Processos formativos, Estado da arte.

Résumé
Cette recherche vise à comprendre la formation des enseignants et leur impact dans les écoles, avec le but
de (réalise) développer une étude du type dr l’état de l’art des thèses et mémoires produites en 2014 par les
étudiants en master et les doctorants du PPGE / PUCPR ayant ppour but d’énumérer des aspects émergents
qui ce sont silenciés, ainsi que les contributions de ces productions pour la formation des enseignants. Le
choix pour cette recherche qualitative, à travers d’une étude de l'état de l'art, exploratoire et descriptive, a
permis de systématiser les travaux, à l'aide du REDUCs qui sont de protocoles qui permettent l'identification,
comme suit: le type des documents, le titre, les mots clés, la méthodologie, le contenu, la conclusion et les
références (nationales et étrangères). Les résumés ont constitué le corpus traitées par le software
IRAMUTEQ, à partir des variables: mémoires de master (15) et thèses (25), ce qui permet l'analyse de
similarité et le dessin du nuage de mots. L'arbre maximale construite à partir de la similitude, permet de
visualisé le degré de compléxité des mots les plus fréquemment utilisés par type de production (mémoire /
thèse). Les données ont été analysées avec l'appui de l'analyse du contenu. Dans le Nuage de mots
lexográfica généré par le logiciel IRAMUTEQ pour dissertations variables, il y a les mots suivants: enseignants,
la recherche, la formation, l'éducation, l'éducation, l'étude, analyser et pratiquer. Sur la base de la variable
thèses, nous avons trouvés les mots professeur, lenseignement, formation, éducation, processus, analyse,
recherche, étude, étudiants c’étaient les plus fréquentes. Les Mémoires et les thèses soutenues en 2014 sont

686
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

incluses en particulier dans deux axes de recherche de l'institution: Histoire et Politiques de l’éducation, et
théorie et pratique dans la formation des enseignants, les deux en rapport avec le processus de formation des
enseignants et de leurs spécificités, ainsi que les pratiques pédagogiques qui se produisent tous les jours
dans les établissements d'enseignement. Il ressort de l'analyse des REDUCs que l'analyse qualitative est la
plus utilisée dans ces travaux. Les analyses ont permis d’expliquer la présence des mots les plus fréquents
dans les thèses et les mémoires (formation des enseignants, enseignement, recherche, éducation), et ont
aussi indiqué la nécessité d'analyse et de réflexion sur le processus de formation des enseignants, les
conditions du travail et la professionnalisation des enseignants au Brésil.

Mots-clés: Formation des enseignants, 'Éducation, Processus de formation, État de l'art.

INTRODUÇÃO
O presente estudo vincula-se ao projeto de pesquisa que tem como título “Políticas de formação de
professores: representações sociais sobre inserção, trabalho docente e profissionalização no espaço escolar”,
aprovado pelo Parecer n. 535.602 do Comitê de Ética em Pesquisa da PUCPR. Projeto este vinculado ao
Grupo de Pesquisa “Políticas, Formação do Professor, Trabalho Docente e Representações Sociais –
POFORS” do PPGE/PUCPR e, integrante da rede de pesquisa sobre a Profissionalização Docente,
coordenada pelo CIERS-ed/FCC.
Os cursos específicos para formação de professores no Brasil só foram inaugurados no final do século
XIX. E com o avanço da industrialização, ocorrida no século XX, a preocupação sobre a formação dos
professores para o ensino secundário e a necessidade de se aumentar a escolaridade dos trabalhadores nas
indústrias foram fatos precursores para a mudança e expansão no sistema educacional (Gatti & Barreto,
2009). De acordo com Woodring (1975 apud Marcelo Garcia, 1999, p. 22) “se a formação de professores se
define simplesmente como a educação daqueles que vão ser professores, a sua história coincide com a
história da educação”. Nesse mesmo sentido, Campos (2004) afirma que
As reformas educacionais iniciadas na década de 90, dentre essas a da formação dos
professores, relembramos, requerem ser compreendidas como parte das ações
implementadas no contexto da reestruturação do Estado brasileiro que, em consonância com
a “agenda neoliberal” promoveu ajustes, estabeleceu novos marcos regulatórios, mudando
substancialmente o campo da educação (p.2).
Os cursos de formação de professores passaram por fortes alterações a partir da promulgação da
LDB nº 9.394/1996, porém, ainda ficaram com resquícios da legislação anterior – Parecer nº 161/1986, do
Conselho Federal de Educação. Dessa forma, foi somente a partir de 2002, que as adaptações de currículo
começaram de fato a ocorrer, através das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
e das diretrizes curriculares de cada curso, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (Gatti & Barreto,
2009). Do mesmo modo, Vieira (2015) destaca que
Com as mudanças ocorridas a partir de meados da década de 1990, que passaram a
enfatizar a formação docente como foco prioritário das políticas educacionais, este quadro
tende a ser redimensionado. Nos últimos anos começam a surgir contribuições que sugerem
novas interfaces da pesquisa nessa área – sendo possível divisar um incremento dos estudos
voltados para a Política Educacional e a Formação de Professores (p.17).
Os estudos de autores como Nóvoa (1995, 2009), Gatti e Barreto (2009), Gatti, Barreto e André
(2011), Ens, Eyng e Gisi (2010), Shiroma, Moraes e Evangelista (2007), Vieira (2015), Sheibe (2015), nos dão
indicativos de que as reformas da década de 1990 e dos anos 2000, têm refletido sobre a organização da
escola e do trabalho docente, gerando assim mudanças significativas na profissão do professor, porém, não
atendendo as propostas de profissionalização docente. Aspectos esses que causam a intensificação e
precarização do trabalho docente, gerando problemas de atratividade e permanência na carreira do professor.

687
A Escola: Dinâmicas e Atores

Nesse sentido buscou-se desenvolver um estudo do tipo “Estado da Arte”, onde se buscou enfocar o
que dizem as teses e dissertações apresentadas pelos mestrandos e doutorandos da PUCPR no ano de
2014, relacionadas as linhas de pesquisa: a) Histórias e Políticas da Educação; b) Teoria e Prática
Pedagógica na Formação de Professores. Foi possível então, encontrarmos dados que nos possibilitaram
esclarecer a influência que a formação de professores possui sobre os espaços escolares e quais os aspectos
que poderiam vir a contribuir na construção de novas políticas para a formação de professores.
As teses e dissertações foram submetidas a um tipo de resumo denominado REDUC, fundamentado
nas considerações de Brzezinski (2006), o qual nos possibilita a identificação de dados como: instituição
responsável; tipo de documento (tese ou dissertação); título do trabalho; autor(es); orientador(es); palavra-
chave; conteúdo, metodologia; conclusão e referências (nacionais e internacionais). Esse tipo de resumo é
pautado na abordagem de cunho qualitativo que “exige que o mundo seja examinado com a ideia de que
nada é trivial, que tudo potencial para construir uma pista que os permita estabelecer uma compreensão mais
esclarecedora do nosso objeto de estudo” (Bogdan & Biklen, 1994, p.49). Em seguida, para uma melhor
análise dos resumos produzidos, foi utilizado um programa denominado IRAMUTEQ, que segundo Camargo
e Justos (2013a, 2013b) gera uma árvore de similitude e indica a conectividade entre os principais conceitos
utilizados nos trabalhos.

METODOLOGIA E COLETA DE DADOS


De acordo com Gil (2005), pelo fato de serem diferentes entre si, as pesquisas necessitam ser
categorizadas de acordo com seus objetivos e particularidades. Outro ponto pertinente destacado pelo autor
diz respeito a forma de coleta de dados, pois assim se manterá a qualidade da investigação e sua
preservação.
Na realização da presente pesquisa, foi utilizada como metodologia o estudo do tipo “Estado da Arte”,
pertencente a abordagem de cunho qualitativo. Esse tipo de pesquisa tem por objetivo expor quais as
metodologias utilizadas em cada trabalho que é submetido a análise do pesquisador e auxiliar, também, na
percepção de outros resultados que são importantes para a criação de ideias sobre a formação inicial e
continuada dos docentes.
As pesquisas do tipo Estado da Arte, de acordo com Romanowski & Ens (2006)
[...] podem significar uma contribuição importante na construção do campo teórico de uma
área de conhecimento [...] essas analises possibilitam examinar as ênfases e temas
abordados nas pesquisas; os referenciais teóricos que subsidiaram as investigações; a
relação entre o pesquisador e a prática pedagógica; as sugestões e proposições
apresentadas pelos pesquisadores; as contribuições da pesquisa para a mudança e
inovações da pratica pedagógica; a contribuição dos professores/pesquisadores na definição
das tendências do campo de formação de professores (p.39).
Os procedimentos para realizar um pesquisa do tipo “estado da arte”, segundo Romanowski (2002
apud Romanowski & Ens, 2006), são:
Definição dos descritores para direcionar as buscas a serem realizadas; localização dos
bancos de pesquisas, teses e dissertações, catálogos e acervos de bibliotecas, biblioteca
eletrônica [...]; estabelecimento de critérios para a seleção do material [...]; coleta do material
de pesquisa [...]; leitura das publicações com elaboração da síntese preliminar considerando
o tema, os objetivos, as problemáticas, metodologias, conclusões, e a relação entre o
pesquisador e a área; organização do relatório do estudo [...]; análise e elaboração das
conclusões preliminares (p.43).
Torna-se evidente que o pesquisador decida utilizar esse tipo de pesquisa como forma de atingir
determinados objetivos, precisa impreterivelmente adotar esses processos de realização para que a pesquisa

688
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

consiga atingir o seu verdadeiro propósito que é a investigação das considerações teóricas que já foram
produzidas sobre um determinado tema, em uma área específica.
Foi solicitado dessa foram juntamente a secretaria do Programa de Pós-graduação em Educação da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PPGE/PUCPR, o documento que elencasse as teses e
dissertações defendidas no ano de 2014. A lista fornecida está distribuída em duas linhas de pesquisa: a)
História e Políticas da Educação, b) Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores. Ambas
possuem como objetivos contribuir para a elaboração de políticas docentes e com o processo formativo dos
profissionais que estão na instituição. Obtivemos acesso então as 14 teses e 25 dissertações que compunham
o documento disponibilizado (Quadro 1). Para analisá-los foi utilizado o REDUC, seguido do programa
IRAMUTEQ, que a partir da conexão que cria entre as palavras mais utilizadas pelos autores em seu trabalho
possibilita compreender quais os temas abordados nas teses e dissertações.
Linhas de Pesquisa Teses Dissertações
História e Políticas da Educação 7 14
Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores 7 11
Não encontradas 1 0
Total 15 25
Quadro 1 – Número de teses e dissertações por linha de pesquisa.
Fonte: dados organizados pelas autoras com base no acervo virtual da PUCPR, 2016
Após a coleta de dados, as teses e dissertações apresentadas em 2014 pelos mestrandos e
doutorandos do programa PPGE/PUCPR, foram analisadas com o intuito de descobrir quais as contribuições
por elas apresentadas condizentes com a formação de professores e suas possíveis implicações nas novas
perspectivas do papel do docente, bem como sua relevância para o ensino deste. O referencial teórico
apresentado está relacionado aos estudos sobre a pesquisa na área da formação de professores, politicas
docentes e tipo de pesquisa, que no caso desse trabalho diz respeito ao estudo do tipo Estado da Arte.
Os resumos realizados – REDUCs possibilitaram uma visão geral do trabalho que se deseja analisar.
A leitura de cada uma das teses e dissertações permitiu identificar o local de apresentação, nome do autor,
tema, orientador, palavras-chave, referências bibliográficas (nacionais e estrangeiras) e a conclusão à qual o
autor chegou com a determinada pesquisa. Logo, com a utilização do REDUC (anexo A), o IRAMUTEQ e a
análise realizada dos trabalhos, foi possível perceber no que o processo formativo dos docentes influencia no
ambiente escolar e como ela contribui para o crescimento profissional deste.

ANÁLISE E DISCUSSÃO
O estudo teve como banco de dados a relação de trabalhos fornecidos pela secretaria do Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE). A lista indicava 15 teses e 25 dissertações defendidas no ano de
2014.
De acordo com essa lista, foi iniciada a busca pelos trabalhos completos. Para termos acesso ao
conteúdo, tivemos que realizar o download de todos os trabalhos disponíveis. Durante a busca, foram
encontrados alguns impasses, das 15 teses, 1 não foi possível realizar o download, pois a autora requer os
direitos autorais. Em relação às dissertações, 1 apresentou divergência em relação ao título do trabalho e o
apresentado na lista, porém apesar disso, foi possível realizar o download do trabalho.
Ao fazer a análise das dissertações submetidos aos REDUCs, podemos destacar que, os
procedimentos metodológicos nelas utilizados têm como principal abordagem a de cunho qualitativo,
contando com a utilização de: entrevistas estruturadas e semiestruturadas, análise documental, observação

689
A Escola: Dinâmicas e Atores

em sala, questionários, um estudo de caso. Temos ainda um trabalho relacionado ao enfoque fenomenológico
hermenêutico, bem como, à pesquisa bibliográfica, do tipo estado da arte e pesquisa desenvolvimento. Assim
como esses, as teses também destacaram a abordagem qualitativa como a mais utilizada. Foram utilizadas
também a metodologia ferramental teórico metodológico da história cultural, a proposta teórica metodológica
da hermenêutica e a análise pautada nos ciclos de políticas.
Inferimos que essa abordagem metodológica foi a mais utilizada para a realização das pesquisas, nas
teses e dissertações, pois, essa técnica proporciona uma visão geral dos temas que o pesquisador decide
estudar e possibilitar resultados mais significativos. Além do mais
“1 - Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o
investigador o instrumento principal [...].
2 - A investigação qualitativa é descritiva.
3 - Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente
pelos resultados ou produtos.
4 - Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva.
5 - O significado é de importância vital na abordagem qualitativa” (Bogdan & Biklen, 1994, p.
47-51)
De acordo com a Nuvem de Palavras lexográfica (Figura 1) gerada pelo programa IRAMUTEQ,
destacamos como os termos mais utilizados nas dissertações, os conceitos: professor, pesquisa, formação,
ensino, educação, estudo, analisar e praticar. Elas conectam entre si devido as dissertações estarem
relacionadas ao processo formativo do professor, indiferente da maneira como essa é tratada ao longo do
trabalho, esse ainda pode ser colocado como o tema que deu origem as pesquisas. Como palavra central da
nuvem destacamos professor, sendo que ele é o principal protagonista do processo educativo destacado nas
dissertações. Isso também é destacado por Gatti, Barretto & André (2011) ao indicarem ser “o(a) professor(a)
é o(a) ator(atriz) que está no centro do trabalho educacional institucionalizado, envolvido indissoluvelmente
nas relações educativas” (p.26).

Figura 7 - Nuvem de palavras de maior incidência das dissertações (PUCPR, 2014)


Fonte: Rodado pelo software IRAMUTEQ

690
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Ao serem submetidas ao programa IRAMUTEQ, a nuvem de palavras criada a partir dos resumos das
teses (Figura 2) foi a seguinte.

Figura 8 - Nuvem de palavras de maior incidência das teses (PUCPR, 2014)


Fonte: Rodado pelo software IRAMUTEQ
Assim como nas dissertações, podemos elencar a figura/palavra do professor como sendo o
protagonista dos temas tratados nas teses. As palavras professor, ensino, formação, educação, processo,
analisar, pesquisa, docente, estudo e aluno aparecem como as mais utilizadas. São conectadas entre si, pois
dizem respeito ao tema central que permeou a produção das teses que diz respeito a formação dos
professores e sua atuação nas mais diferentes instancias educacionais.
A relação entre os trabalhos tornou-se mais evidente na medida em que a pesquisa foi se
desenvolvendo por meio da formulação e da análise dos REDUCs e da Nuvem de Palavras e Árvore de
Similitude gerada pelo software IRAMUTEQ. As palavras mais destacadas foram “professor”, “formação”,
“ensino”, “pesquisa” e “educação”, destacando assim a necessidade de se debater o processo formativo dos
docentes, para que esse trabalhe da melhor forma nas instituições educativas.
Há relação entre as dissertações 5 e 13, pois as duas abordam o ensino da sociologia. A primeira
evidencia questões sobre a criação e da multiplicidade da Sociologia, e a última, revela alguns eixos acerca
da metodologia de ensino da disciplina e a sua importância prática para os discentes.
Já dissertação 8, traz explicitamente a formação continuada de professores da educação básica,
relacionando-a com a base epistemológica transumanista, além de descriminar sobre a diversidade conceitual
da formação de professores. A dissertação 11 está conectada com o trabalho 8, porque, explica as
contribuições que a metacognição possibilita para uma eficaz formação continuada de professores, nos mais
variados níveis. Outra dissertação a respeito da mesma temática é a 21 que retrata a formação continuada
de docentes, com o enfoque voltado às políticas do Estado do Paraná.
A epistemologia da complexidade é destacada na dissertação 7, na qual o eixo de discussão é o
ensino médio profissionalizante. Nesse trabalho o autor revela a necessidade educativa do professor
apresentar uma postura inovadora, com o aperfeiçoamento de suas metodologias para motivar os alunos no

691
A Escola: Dinâmicas e Atores

processo ensino e aprendizagem. Esse pensamento está presente também na tese 14, na qual o autor afirma
a necessidade de formar professores que ensinem os pilotos de aviões a reduzirem os acidentes aéreos no
Brasil.
A teoria das representações sociais, fundamentada em Alves-Mazzotti (2008) e Jodelet (2001),
embasa a fundamentação teórica da dissertação 2, evidenciando as representações dos professores da rede
municipal de Araucária/PR acerca do termo indutor “formação continuada”. A dissertação 4, revela a
concepção dos professores a respeito da Resolução de Problemas na prática pedagógica do ensino
fundamental, no município de Colombo/PR. No mesmo viés, a dissertação 21 apresenta o aporte teórico de
Abric (2011), que explicita as representações dos professores que participaram do Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE, no estado do Paraná, no que concerne ao processo de formação
continuada. Por sua vez, a dissertação 25 também se apropria dessa teoria ao revelar as representações dos
professores acerca da formação do sujeito e das políticas educacionais voltadas aos anos iniciais do ensino
fundamental. Já, a tese 5 apresenta resultados referentes as representações dos professores sobre aspectos
históricos (período de 1964 a 1985) da disciplina de Geografia em Curitiba.
Os pensamentos de Paulo Freire na área educacional estão destacados nas dissertações 10, 15, 23
e na tese 2. Seus estudos são reconhecidos na educação a partir dos princípios da dialogicidade, do respeito,
da valorização do conhecimento prévio do aluno e do desenvolvimento da consciência crítica. Nesse sentido,
a dissertação 10 destacou a influência de Paulo Freire na educação, especialmente na área pedagógica da
educação de jovens e adultos.
As tecnologias presentes na atualidade influenciam e transformam o contexto social. Dessa forma, a
dissertação 1 expõe o gestor como articulador das tecnologias na escola. Na dissertação 19, o uso das
tecnologias alia-se com a produção escrita. A tese 8, discute o uso dos Recursos Educacionais Abertos na
formação dos alunos e dos professores de uma escola pública. O processo de ensino-aprendizagem da
cibercultura é evidenciado na tese 10, que investigou a influência da mediação pedagógica e suas influências
no ensino superior.
Por outro lado, a educação no campo é destacada nas dissertações 12 e 17 que retratam as políticas
de formação dos profissionais que atuam nessa modalidade de ensino. A dinâmica da escola do campo, sua
heterogeneidade, a diversidade de idade dos alunos, o rendimento escolar, a desmotivação e a formação
precária dos docentes são apontados pelos autores.
A discussão sobre as relações étnico-raciais estão presentes na dissertação 14, que mostra o dilema
de educadores invisíveis na instituição escolar. Ainda nessa temática, a tese 3 destaca a invisibilidade e a
exclusão da população negra nas práticas e nas políticas educacionais no Brasil.
O ensino da matemática, tanto na educação básica, quanto no ensino superior, é tratado nas
dissertações 20 e 24 e nas teses 1 e 12. Na dissertação 20, a autora aborda questões relativas à formação
de professores licenciados em matemática que atuam na rede estadual do Paraná. A dissertação 24, destaca
pontos relacionados à concepção da matemática por meio de matérias concretos na escola primária do
Paraná, no período de 1902 a 1932. Assim, a tese 1 explica a influência de Zoltan Paul Dienes no sistema de
numeração decimal e na cultura escolar paranaense de 1960 até 1989. A tese 12 traz as influências das
cartas de Parker para o ensino da matemática na primeira metade do século XX, na escola primária
paranaense.

692
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O processo formativo e a prática docente são influenciadas por instrumentos pedagógicos abordados
nas dissertações 3, 6, 16 e 18, nas teses 6, 11, 13. As políticas de avaliação e da qualidade da educação
superior estão relacionadas na dissertação 9 e na tese 15, considerando-se as suas influências para a
profissionalidade docente.
O estudo do tipo estado da arte presente na dissertação 22, fala sobre os estágios supervisionados
e a tese 9 trata sobre a docência universitária, que se inter-relacionam no cenário formativo de professores,
sendo eles atuantes na educação básica ou no ensino superior.
Por fim, a tese 7, destaca questões relativas a constituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Curso de Pedagogia, instituído pela Resolução CNE/CP Nº 1, de 25 de maio de 2006 (Brasil, 2006), a qual
define os princípios, as condições de ensino e aprendizagem, planejamento e avaliação para as instituições
de ensino superior que ofertam essa licenciatura. Por conseguinte, está relacionada com todos os outros
trabalhos analisados, pelo motivo desta ser a diretriz que regula o processo formativo dos professores que
atuam nos mais diferentes níveis de ensino.
Nessa perspectiva, as teses e dissertações defendidas no ano de 2014, dialogam pelo fato de
diferentes autores pesquisarem acerca da formação de professores, desde o processo formativo inicial até o
continuado perpassando pelas políticas educacionais.

CONSIDERAÇÕES EM ABERTO
Ao analisar as teses e dissertações do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCPR/2014,
foi possível estabelecer relações entre essas produções e suas similitudes. Constatou-se que os temas
pesquisados pelos mestrandos e doutorandos, contribuem para a transformação do processo formativo
docente que incide no espaço escolar. Somente as reflexões dos pesquisadores não bastam para que ocorra
uma mudança efetiva, pois é preciso haver uma transformação nos eixos basilares da formação de
professores no Brasil. Tanto que Nóvoa (1995), afirma que “a formação não se constrói por acumulação [...],
mas sim através de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade
pessoal” (p.25).
A presente pesquisa busca auxiliar e contribuir com futuras investigações, ao sumarizar o que já foi
estudado no programa de pós-graduação em educação em uma universidade localizada em Curitiba, Paraná.
Esse estudo, também, possibilita novos conhecimentos e direções aos professores, já que as pesquisas
podem ser instrumentos para novas construções de práticas docentes.

REFERÊNCIAS
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A Escola: Dinâmicas e Atores

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694
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: UM DESAFIO PARA A GEOGRAFIA


ESCOLAR
[ID 325]

Maria Helena Esteves


Emanuella Vieira
Universidade de Lisboa, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território
me@campus.ul.pt; mesteves@sapo.pt; emanuellavieira@campus.ul.pt; emanuellageo@hotmail.com

Resumo
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) trouxeram aos professores novas possibilidades de
exploração das temáticas escolares facilitando a construção de experiências de ensino/ aprendizagem mais
interessantes e motivadores e, principalmente, mais próximas dos interesses dos alunos. A investigação que
se apresenta tem como objetivo compreender como a utilização das TIC em sala de aula é uma ferramenta
importante no que diz respeito à promoção de uma aprendizagem mais significativa. No caso concreto
específico da Geografia Escolar (disciplina escolar em que decorreu a experiência de investigação- ação) é
muito importante compreender como a utilização das TIC promove melhorias nos processos de aprendizagem
dos conteúdos escolares, dá um contributo importante na formação de cidadãos geograficamente
competentes e promove a formação cidadã. A investigação apresentada desenvolveu-se numa escola de
Fortaleza (Brasil) no âmbito das aprendizagens realizadas na Geografia Escolar.

Palavras-chave: Geografia, TIC, Educação para a cidadania, Portugal, Brasil.

INTRODUÇÃO
A investigação que apresentamos incide sobre a importância que as Tecnologias de Informação e
Comunicação têm atualmente como ferramentas ao serviço do professor para desenvolver aulas diferentes
do modelo transmissivo tradicional. Trata-se de um projeto de investigação ação realizado numa escola de
Fortaleza que procurou combinar a investigação e a ação no sentido de atuar sobre um problema que importa
resolver - os baixos níveis de desempenho dos alunos e consequentes baixos resultados escolares.
Consideramos que a investigação ação é uma metodologia de investigação muito importante que
permite ao professor uma exploração reflexiva da sua prática no sentido de resolver os problemas
identificados (Latorre, 2003). Neste sentido, apresenta-se nos capitulo seguintes uma breve reflexão sobre a
importância das TIC no ensino aprendizagem para depois se passar à experiência de investigação ação -
contextualizando a introdução das TIC no Brasil para depois descrever a investigação realizada (incluindo a
participação da disciplina de Geografia lecionada no ensino secundário). Por fim serão apresentadas algumas
reflexões sobre os principais resultados identificando alguns desafios que se colocam à escola em geral e
para o ensino e aprendizagem da Geografia em particular.

A IMPORTÂNCIA DAS TIC NO ENSINO – APRENDIZAGEM


Em 2004 a Unesco publica o seu relatório “Las tecnologías de la información y la comunicación en la
formación docente” onde afirma que a introdução das tecnologias de informação e comunicação na área
educativa é um passo fundamental para a promoção de uma transformação do papel que a educação tem na
sociedade. As tecnologias de informação e comunicação (TIC) são todos os recursos tecnológicos utilizados
em sala de aula para apoiar o ensino e a aprendizagem (televisão, computador, internet, blogs, jogos, etc).

695
A Escola: Dinâmicas e Atores

A grande mudança preconizada pressupõe uma passagem de um modelo de ensino centrado no


professor para outro centrado no aluno. As inúmeras teses de mestrado e doutoramento que têm sido
apresentadas (o Repositório Científico de Acesso Aberto em Portugal inclui cerca de 170 teses de mestrado
e 30 de doutoramento sobre as TIC defendidas em 2015) nesta área de investigação educativa demonstram
o interesse que este tema tem despertado na promoção de uma escola ligada às evoluções da tecnologia.
Demonstram igualmente uma preocupação em aproximar a escola (e a sala de aula) dos interesses e
necessidades formativas dos alunos.
Para Ricoy (2005) as TIC são ferramentas educativas com grande potencialidade na promoção de
um ensino mais centrado no aluno, logo são muito importantes na alteração das conceções tradicionais de
ensino. A autora chama no entanto a atenção para o facto de alguns estudos revelarem que as TIC ainda não
são muito utilizadas nas nossas escolas, ou, quando o são, surgem como apoio a aulas expositivas. Segundo
Area (2010) a utilização das TIC em sala de aula nem sempre corresponde a momentos de inovação
pedagógica face a práticas tradicionais de ensino e aprendizagem, nomeadamente quando apenas servem
para apoiar as exposições do professor ou como formas de aprofundar os conteúdos trabalhados no manual
escolar.
A utilização das TIC em sala de aula implica assim uma alteração importante no papel
tradicionalmente desempenhado por professores e alunos. O seguinte quadro procura sintetizar a mudança
que importa realizar no papel do professor e dos alunos, aspeto fundamental no desenvolvimento de um
ensino centrado no aluno.

Papel do Professor Papel do Aluno

Facilitador da aprendizagem, colaborador, tutor, guia e Participante ativo no processo de


participante no processo de aprendizagem aprendizagem

O professor permite que o aluno seja mais responsável O aluno produz e partilha conhecimento, e em alguns
pela sua aprendizagem dando-lhe várias hipóteses de a momentos atua como especialista. A aprendizagem é uma
desenvolver atividade colaborativa que se realiza com os colegas
Quadro 1 - Papel do professor e alunos numa aprendizagem centrada no aluno (adaptado de UNESCO,
2004)

Sem esta mudança, a utilização das TIC em sala de aula poderá correr o risco de ser uma extensão
de um ensino tradicionalmente centrado no professor, tal como Area (2010) procurou demonstrar. No entanto,
esta renovação das práticas docentes terá que passar por um processo de formação inicial e contínua que
possibilite a implementação de novos modelos de ensino e aprendizagem apoiados no uso das TIC.
A nossa investigação centra-se na utilização das TIC nas aulas de Geografia do ensino secundário e
apresenta-se como um estudo comparativo entre as práticas docentes entre a realidade portuguesa e
brasileira. A utilização das TIC na Geografia Escolar é há muito defendida pelos investigadores desta área
(Lambert, 2000; Robertson, 2004; Balderstone, 2006; Lambert & Jones, 2013). Neste sentido, nos próximos
capítulos apresentaremos parte da investigação já desenvolvida no âmbito da importância da utilização das
TIC na melhoria do rendimento escolar dos estudantes de Geografia.

TIC E GEOGRAFIA ESCOLAR NO BRASIL


De acordo com Almeida (2008) as ações de inclusão das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) na educação tem origem praticamente no século XXI, com proposições de inserção das ferramentas
tecnológicas nas escolas, Estas ferramentas são caracterizadas pela conectividade e mobilidade,

696
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

intensificando a criação de uma cultura tecnológica e possibilitando a promoção da inclusão digital da


comunidade escolar no sentido de uma autonomia social, uma perspectiva fundamental para a redução das
desigualdades sociais e para o desenvolvimento sustentável dos países. Portanto, revela-se a importância
das políticas públicas para a implementação e desenvolvimento das TIC nas escolas, proporcionando
aprimoramentos no sistema educacional, pois suas assimetrias são reveladas pelo desempenho dos
estudantes através do uso da linguagem digital, em uma sociedade tecnologizada. Neste capítulo
apresentam-se as principais políticas públicas de introdução das TIC no sistema escolar brasileiro para de
seguida nos focarmos na experiência de utilização das TIC para melhorar o desempenho académico dos
estudantes.

Uso das TIC na Educação Básica - algumas políticas


No final da década de 1970 teve início a inserção da informática na educação, em especial no Ensino
Médio. Esta iniciativa decorreu a partir do intercâmbio entre a Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e o Massachusetts Institute of Technology (MIT), em especial com Seymour Papert e Marvin
Minsky e os criadores da filosofia LOGO, preconizando as primeiras pesquisas sobre a utilização dos
computadores com finalidade educativa sendo que estas investigações envolviam pesquisadores das áreas
de Psicologia, Linguística e Computação (Nascimento, 2007; Almeida, 2008).
De acordo com Bonilla & Pretto (2000) entre os anos de 1983 e 1984, a Secretaria Especial de
Informática (SEI) em associação com o Ministério da Educação (MEC) e com a participação da comunidade
científica recomendou a criação de centros de pesquisa piloto em universidades brasileiras no intuito de
formar e capacitar os recursos humanos, principalmente professores e alunos de ensino fundamental e médio
e de educação especial, objetivando a informatização da educação pública do Brasil. Na década de 1990 foi
criado o Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO), cujo objetivo inicial era o de promover
a utilização dos recursos tecnológicos como ferramenta de melhoria do ensino, projeto que esteve centrado
na instalação de laboratórios de informática nas escolas (Brasil, 1997; Almeida, 2008).
No ano de 2007, o PROINFO passou a ser chamado de Programa Nacional de Tecnologia
Educacional (PROINFO Integrado), o qual tinha por principais objetivos: a distribuição de equipamentos e a
promoção do uso pedagógico das TIC nas redes públicas de educação básica (UNESCO, 2016). O programa
ainda está em vigor, sob responsabilidade da Secretaria de Educação Básica.
Um dos maiores projetos criados no Brasil acerca do uso e intensificação das TIC na escola, ficou
conhecido por (UCA) Um Computador por Aluno, o qual possibilitou que estados e municípios adquirissem
laptops, tendo sido implantado com o objetivo de intensificar a presença e uso das tecnologias de informação
e comunicação nas escolas, na tentativa de garantir às camadas populares o acesso às ferramentas
tecnológicas, educação e cultura. Face ao contexto descrito no próximo capítulo apresenta-se a experiência
de atividades de sala de aula usando as TIC e seu contributo para o desempenho escolar dos estudantes.

Utilização de recursos multimídia e o desempenho acadêmico dos alunos


Contexto da investigação e atividades realizadas
A investigação decorreu na Escola de Ensino Médio Dona Hilza Diogo de Oliveira que é uma
instituição da rede de ensino estadual do estado do Ceará, localizada no bairro Vila Velha - Fortaleza/Ceará,
classificada pela Secretaria de Educação como nível A, devido ao seu desempenho e à baixa vulnerabilidade.

697
A Escola: Dinâmicas e Atores

A escola funciona nos turnos manhã, tarde e noite, e era frequentada por 904 alunos no ano de 2015. No 1º
ano em média a cada 100 alunos cerca de 36 estavam com atraso escolar de 2 anos ou mais e no 2º ano em
média a cada 100 alunos cerca de 30 estavam com atraso escolar de 2 anos ou mais. Este foi o problema
identificado - um atraso escolar relevante num grupo significativo de alunos do ensino médio (equivalente ao
secundário em Portugal).
É uma escola equipada com uma biblioteca, 12 salas de aula, laboratório de ciências, quadra de
esportes, sala de professores, sala de diretoria, sala para coordenação pedagógica e uma secretaria, além
de 56 computadores, em que 7 são destinados ao uso da gestão, 1 está determinado à utilização por parte
dos professores e os 46 restantes estão designados ao uso dos alunos no laboratório de informática, que está
munido para além dos computadores ligados à rede mundial, por dois projetores, equipamento de áudio e ar
condicionado, valendo salientar que alguns dos computadores apresentaram defeitos e a internet não pôde
ser acessada durante dois períodos letivos.
Nesta experiência de investigação ação participaram 229 alunos dos 1ºs e 2ºs anos do Ensino Médio
do turno vespertino, pois a professora possuía maior carga horária neste período e assim era possível uma
maior interação e assiduidade por parte dos alunos. No decorrer do ano letivo, especificamente no primeiro
e quarto período nas aulas de Geografia, foram implementadas algumas atividades utilizando as TIC, fazendo
uso uso dos objetos de aprendizagem, pois a utilização dos recursos digitais proporcionam uma maior
dinamização das aulas, tornando-as mais atraentes, instigantes e dinâmicas (Moran, 2000; Callai e Santos,
2009).
Os objetos de aprendizagem são caracterizados por qualquer recurso suplementar ao processo de
aprendizagem, que pode ser reusado para apoiar a aprendizagem, (Fabre, Tarouco & Tamusiunas, 2003).
Segundo Wiley (2000), Hoffman (2007) e Bear et al (2009) o objeto de aprendizagem é qualquer material ou
arquivo digital, como, por exemplo, textos, imagens, vídeos, aplicações, páginas web, utilizados com fins
educacionais.
A atividade realizada inicialmente consistiu na montagem de quebra-cabeças com mapas dos Brasil
e de todos os continentes com o intuito de aprofundar o conhecimento acerca de Cartografia, conteúdo
ministrado na primeira etapa do 1º ano do Ensino Médio. Posteriormente, foi trabalhado com o tema
Geoprocessamento e mapas, onde se utilizou o Google Earth, o qual permite a localização de praticamente
toda superfície terrestre. Através deste programa conseguimos imagens aéreas dos arredores da escola e da
cidade de Fortaleza e através da utilização de um editor de texto os alunos puderam localizar determinados
pontos da cidade, alguns a pedido da professora e outros elencados pelos alunos. Ao final da primeira etapa
os estudantes resolveram em uma plataforma digital algumas questões estilo Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), com os objetivos de verificar o aprendizado dos conteúdos e de identificar as competências
e habilidades adquiridas pelos estudantes no decorrer da etapa.
Durante o segundo período e o terceiro laboratório de informática da escola ficou sem conexão com
a internet, além de alguns computadores terem apresentado problemas, por isso, não foi possível desenvolver
as experiências com os objetos de aprendizagem deste período letivo. Na quarta etapa o laboratório de
informática voltou a funcionar com acesso à internet e demais ferramentas tecnológicas. Neste período
ocorreu o trabalho interdisciplinar entre Geografia, Biologia e Química, onde trabalhou-se a Questão
Ambiental e o Desenvolvimento Sustentável, foi utilizado o software de Histórias em Quadrinhos (HagaQue),

698
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

em que em duplas os alunos desenvolveram suas histórias sobre o tema proposto. A figura seguinte
exemplifica um dos trabalhos realizados pelos alunos.

Figura 1- História em quadrinhos criada pelos alunos em HagaQue


Fonte: http://pan.nied.unicamp.br/~hagaque/
Resultados das atividades desenvolvidas
Neste ponto será apresentada uma análise dos resultados escolares dos alunos do 1º ano no
decorrer da experiência referida com o uso dos Objetos de Aprendizagem e sem o uso dos mesmos. A figura
seguinte ilustra os resultados escolares obtidos junto dos alunos do 1º ano.

Figura 2 - Evolução das Médias por Bimestre do 1º ano do Ensino Médio


Fonte: Secretaria da Educação do Estado do Ceará (SEDUC-CE)
Como se pode observar na Fig.2, ocorreu uma correlação positiva entre as atividades desenvolvidas
e o desempenho dos alunos nas etapas em que foram utilizados os recursos tecnológicos como forma de
promover a melhoria do ensino e da aprendizagem em Geografia, verificando -se que os estudantes
desenvolveram uma maior autonomia e participação ativa no processo. O fato mencionado anteriormente

699
A Escola: Dinâmicas e Atores

ocorreu nas três turmas pesquisadas, pois as mesmas apresentaram um crescimento exponencial em seus
resultados, iniciando pelo 1º ano F, que ao final do primeiro período escolar obteve 5,9 pontos como média
final em Geografia, utilizando as TIC. Nos dois períodos seguintes (períodos em que o laboratório de
informática ficou subutilizado por motivos externos) a média permaneceu praticamente inalterada, obtendo
resultados correspondentes a 6,0 pontos no segundo período e 6,2 na terceira etapa. Já no último período
escolar (no qual voltou-se a usar o laboratório de informática e os demais recursos tecnológicos) a turma
alcançou um bom o resultado, conquistando 8,5 pontos, sendo assim possível constatar uma melhoria nos
resultados acadêmicos com o uso das tecnologias em sala de aula.
A melhoria dos resultados acadêmicos com o uso das TIC repetiu-se nas outras turmas, tanto no 1º
ano G e como no 1º ano H, a primeira apresentou média no 1º período de 6,1, permanecendo a mesma na
etapa seguinte, já na terceira etapa , a turma apresentou um baixo crescimento, o qual manifesta-se por 6,3,
já na última etapa houve um salto para 6,9 pontos. A última turma, o 1º ano H, apresentou a maior queda em
seus resultados sem o uso das TIC e o melhor desempenho com o uso das mesmas, pois no 1º período letivo
a turma apresenta média 7,0. Nos períodos seguintes verifica-se um sério declínio em suas notas, caindo
para média 6,0 e posteriormente para 5,3. Já na última etapa, verificou-se um forte crescimento, pois a turma
obteve valor 5,3 e saltou para 7,5, constatando que o uso das TIC contribuiu para a melhoria dos resultados
acadêmicos, e principalmente, na construção de uma aprendizagem significativa.
Como já exposto, a experiência foi realizada nas turmas de 1ºs e 2º anos, para as últimas foram
criados slides e vídeos explicativos por parte dos alunos sobre a Geopolítica Atual, tema ministrado na
primeira etapa. Da mesma forma em que ocorreu nas turmas dos 1ºs anos, as turmas dos 2ºs anos ao final
da primeira etapa resolveram em uma plataforma digital questões estilo ENEM.
Nas duas etapas subsequentes não foram realizadas atividades no laboratório de informática, uma
vez que o motivo já foi relatado, dessa forma não poderemos apresentar as experiências ocorridas nestes
períodos. Já no último período letivo voltamos a utilizar os recursos tecnológicos, tendo sido trabalhado o
tema Fontes Alternativas e Uso de Energia no Brasil, primeiramente ocorreu a análise do conteúdo,
posteriormente foi realizado um trabalho entre a disciplina de Geografia e a disciplina de Física, em que os
alunos em duplas ou pequenos grupos assistiram ao vídeo sobre o uso de energia e desenvolveram um
pequeno projeto sobre o monitoramento das atividades cotidianas das pessoas no que diz respeito ao uso de
energia elétrica, orientando o consumo fundamentado em seus hábitos, com o objetivo de evitar o
desperdício, recomendando ações que visem a redução do consumo.
A figura seguinte apresenta os resultados do desempenho acadêmico dos alunos dos 2ºs anos no
decorrer da experiência a partir do uso dos Objetos de Aprendizagem.

700
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Figura 3 - Evolução das Médias por Bimestre do 1º ano do Ensino Médio


Fonte: Secretaria da Educação do Estado do Ceará (SEDUC-CE)
Como se pode observar na Fig.3, ocorreu uma correlação positiva no que concerne ao uso das TIC
e a melhoria do desempenho dos alunos. Assim como foi constatado nas turmas do 1º ano, verificou-se que
nestas os estudantes desenvolveram maior autonomia e participação no processo de ensino/aprendizagem.
Iniciando nossos estudos acerca do uso das ferramentas tecnológicas nas turmas dos 2ºs anos, verificou-se
que a turma do 2º ano E, encerrou a etapa 1 com média 7,0. Nesta foram utilizados os objetos de
aprendizagem, nas etapas seguintes não houve a utilização dos mesmos, observando uma queda no
rendimento na disciplina de Geografia. Durante a etapa 2, a turma teve como resultado a nota 6,7, e no
período seguinte a média continuou a reduzir, desta vez para 6,2. Já no último período, com o emprego das
ferramentas tecnológicas a turma obteve 7,1 como média final.
Abordando o 2º ano F, houve um comportamento um pouco diferenciado em relação às demais
turmas, alcançando média 5,3, ao final do 1º período. Na etapa seguinte, sem o uso dos objetos de
aprendizagem ocorreu um crescimento, uma vez que obteve-se a nota 5,3 e a mesma alcançou 5,9 pontos,
no outro período observamos uma leve queda no desempenho, cuja nota alcançada foi 5,5 valores. Na última
etapa com a utilização das TIC e a implementação do projeto a turma obteve a média 7,9, crescendo quase
três pontos seu resultado.
Uma das turmas que apresentou o maior crescimento com o uso das TIC e um sério decréscimo em
seu resultado sem a utilização das mesmas, foi o 2ºG, pois durante o 1º período letivo a turma atingiu a média
6,8, no segundo e terceiro períodos a nota ficou não ultrapassou 5,7 valores. Em contrapartida, na última
etapa, com a utilização dos objetos de aprendizagem, a turma apresentou um elevado crescimento, atingindo
a média 8,1.
Por último, vamos nos referir ao 2º ano H, esta turma nas três etapas iniciais apresentou resultados
bem semelhantes, cuja média variou entre 5,8 e 6,0 valores. Já na última etapa, fazendo uso dos objetos
educacionais, a turma apresentou um elevado crescimento, evidenciando o desempenho 8,2.
A partir da experiência relatada, consideramos que a utilização das TIC gerou um impacto positivo,
melhorando o desempenho dos alunos, contribuindo com a criatividade, com o senso de responsabilidade

701
A Escola: Dinâmicas e Atores

durante a aprendizagem, motivação, na dinamização das aulas e com o forma de trabalhar, a qual tornou-se
mais autônoma e eficaz (Almeida, 2000; Demo, 2008).

REFLEXÕES FINAIS: DESAFIOS PARA A GEOGRAFIA ESCOLAR


A experiência desenvolvida permitiu chegar a algumas reflexões importantes. A primeira é que as TIC
são importantes no sentido de desenvolver um ensino mais motivante mas importa contrariar a tendência que
muitos estudos têm revelado - os professores usam efetivamente as TIC mas muitas vezes como apoio a
métodos de ensino tradicionais. A utilização eficaz das TIC implica no desenvolvimento de novas
metodologias de trabalho, propiciando uma alteração na forma de ensinar (Almeida & Valente, 2011) - e este
é talvez um dos desafios mais importantes a vencer na maioria das disciplinas escolares e também pelos
professores de Geografia, pois devem estar abertos para pensar processos diferentes que também
possibilitem a construção do conhecimento (Kenski, 2002).
Verificou-se igualmente que existe também alguma dificuldade por parte dos alunos na utilização de
algumas TIC - se em termos de pesquisa na internet são exímios, importa desenvolver a capacidade de
analisar criticamente a informação a que têm acesso. Logo, utilizar as TIC em sala de aula implica o
desenvolvimento de competências ligadas à utilização de software educativo mas também de seleção da
informação que se encontra disponibilizada em qualquer página ou blog da internet. Cabe assim à escola o
papel de desenolver, aprimorar o senso de criticidade e de criar estratégias que propicie ao aluno aprender
de maneira significativa fazendo uso das ferramentas tecnológicas.
O que o projeto de investigação ação demonstrou é que a utilização das TIC em sala de aula se
revelou uma experiência motivadora, de desenvolvimento de autonomia e capaz de melhorar o desempenho
académico dos alunos envolvidos. Tendo sido uma experiência no âmbito das temáticas da Geografia escolar
também ficou demonstrado que a Geografia tem muito a beneficiar com a utilização das TIC (do ponto de
vista dos principais atores educacionais, refletindo no processo de ensino e aprendizagem) . Esta investigação
faz parte de um projeto de doutoramento que envolverá outras escolas brasileiras, especificamente do estado
do Ceará e também uma comparação com a realidade portuguesa. Neste sentido, será possível aprofundar
esta experiência e compreender outros aspectos relacionados com a utilização das TIC por parte dos
professores e dos alunos. O que parece claro é o fato de ao desenvolver a utilização das TIC na escola (e na
disciplina de Geografia) está-se a contribuir para o desenvolvimento de competências de localização e
atuação no espaço muito importantes para a formação de cidadãos mais informados, tal como é preconizado
nos documentos orientadores da introdução das TIC no ensino. Esta dimensão formativa será analisada em
estudos posteriores envolvendo a realidade portuguesa no sentido de encontrar dimensões comparativas
relacionadas com as aprendizagens realizadas pelos alunos.

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702
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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em 15/06/2016.

703
A Escola: Dinâmicas e Atores

PERSPETIVA DE FORMADORES NA ÁREA DAS TIC SOBRE A FORMAÇÃO QUE


DESENVOLVEM
[ID 119]

Helena Felizardo
Fernando A. Costa
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
helfel@gmail.com; fc@ie.ulisboa.pt

Resumo
Este trabalho insere-se na segunda fase de um estudo mais vasto que tem o propósito de definir um perfil de
competências dos formadores ligados aos Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE),
responsáveis pela formação contínua de professores na área das TIC. Apesar de os professores que
auscultámos na primeira etapa do nosso estudo possuírem uma perspetiva bastante positiva sobre a
competência dos formadores, assim como da formação que tem sido desenvolvida na área das TIC, são
várias as evidências e as referências na literatura de que a formação contínua de professores nesta área tem
tido um reduzido impacto na integração das TIC em sala de aula e na prática pedagógica dos professores.
Sendo os formadores o foco da nossa investigação, auscultámos um grupo de formadores experientes,
ligados a um CFAE da zona Centro, a fim de perceber a sua perspetiva sobre a formação de professores na
área das TIC e, em particular, sobre o seu papel, funções e contexto de trabalho. Escolhemos como técnica
de pesquisa o Focus Group por permitir aprofundar a discussão e troca de opiniões entre os participantes a
partir de questões sugeridas pelo investigador. Com esta estratégia, procurámos aprofundar o nosso
conhecimento sobre aqueles que têm a seu cargo a formação contínua dos professores na área das
tecnologias digitais.
A partir da análise de conteúdo efetuada, podemos avançar, em síntese, que os formadores têm ideias claras
sobre o propósito da formação contínua de professores na área das TIC, explicitando constrangimentos que
afetam a eficácia das ações de formação que desenvolvem. No entanto, em questões relacionadas com o
estatuto do formador ou as competências necessárias ao exercício desta função, o discurso é hesitante e
contraditório, talvez porque estes temas sejam ainda pouco discutidos e refletidos entre eles.
Os inquiridos reconhecem, embora indiretamente, as lacunas existentes no recrutamento e na formação que
lhes é facultada para o exercício da função de formadores e valorizam, sobretudo, a formação que fazem por
iniciativa própria, assim como os conhecimentos que advêm da sua experiência, autodidatismo e intuição.
A próxima etapa da investigação em curso será a análise da perspetiva dos diretores de CFAE, através de
entrevistas semiestruturadas. A partir da triangulação da informação recolhida ao longo destas três etapas,
esperamos contribuir para uma reflexão fundamentada sobre as dimensões chave de um perfil de formador
na área das TIC.

Palavras-chave: Formação contínua de professores, Tecnologias digitais, Formadores, Perfil de


competências.

Résumé
Ce travail fait partie de la deuxième phase d'une étude plus vaste qui vise à définir un profil de compétences
pour les formateurs liées aux Centres de Formation des Associations d’Écoles (CFAE), qui sont responsables
de la formation des enseignants dans les TIC. Bien que les enseignants que nous avons interrogés dans la
première étape de notre étude ait un point de vue très positif sur les compétences des formateurs, ainsi que
de la formation qui a été mis au point dans les TIC, il existe plusieurs références dans la littérature que la
formation les enseignants dans ce domaine a eu peu d'impact sur l'intégration des TIC en salle de classe et
dans la pratique des enseignants.
Puisque les formateurs sont au centre de notre recherche
Nous avons interrogé un groupe de formateurs expérimentés, lié à un Centre de Formation (CFAE) du Centre
du Portugal, afin de comprendre leur point de vue sur la formation des enseignants en TIC et en particulier sur
leur rôle, leurs fonctions et leur contexte de travail. Nous avons choisi comme technique de recherche le
groupe de discussion pour permettre le dialogue et l'échange de points de vue entre les participants sur les
questions proposées par l'enquêteur. Avec cette stratégie, nous cherchons à approfondir notre compréhension
de ceux qui sont en charge de la formation des enseignants dans le domaine des technologies numériques.

704
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

De l'analyse de contenu effectuée, nous pouvons avancer, synthétiquement, que les formateurs ont des idées
claires sur le but de la formation des enseignants dans les TIC, en expliquant les contraintes qui affectent
l'efficacité des activités de formation qui se développent. Cependant, sur les questions liées à leur statut et
identité ou aux compétences nécessaires pour exercer cette fonction, le discours est hésitant et contradictoire,
peut-être parce que ce sont thèmes encore peu discuté et réfléchi entre eux.
Les répondants reconnaissent, quoique indirectement, les lacunes dans le recrutement et la formation qui leur
est fourni pour l'exercice de la fonction de formateurs et ils valorisent, au-dessus de tout, la formation qu'ils
font de leur propre initiative, ainsi que les connaissances qui viennent de leur expérience, l'auto-apprentissage
et l'intuition.
La prochaine étape de la recherche en cours sera d'analyser la perspective des directeurs des Centres de
Formation (CFAE), par le biais d'entretiens semi-structurés. De la triangulation des informations recueillies à
travers ces trois étapes, nous espérons contribuer à un débat éclairé sur les principales dimensions d'un profil
de formateur dans les TIC.

Mots-clés: Formation continue des enseignants, Technologies numériques, Formateurs, Profil de


compétences.

INTRODUÇÃO E CONTEXTO DO ESTUDO


Numa sociedade em rede, em que as tecnologias móveis vão assumindo um papel cada vez mais
predominante, não apenas no quotidiano pessoal e profissional dos adultos, mas também e, sobretudo, no
quotidiano das crianças e dos jovens, é emergente repensar a educação e a escola. Isso impõe, por sua vez,
repensar a formação contínua de professores e, consequentemente, um perfil de formador capaz de
desenvolver um leque de competências de natureza científica, didática e pedagógica (Meirinhos & Osório,
2009) para a era digital. É necessário refletir sobre o perfil daqueles que podem apoiar novas práticas e novas
metodologias de trabalho na sala de aula, ajudando os professores a mudar o modo tradicional de concretizar
o processo de ensino e aprendizagem equacionando o uso das tecnologias digitais.
Embora o sentido mais amplo do que é um formador de professores englobe “todos aqueles que
facilitam ativamente a aprendizagem (formal) dos estudantes, futuros professores e dos professores”
(European Commission, 2013), o foco da nossa investigação restringe-se aos formadores responsáveis pela
formação contínua de professores na área das TIC ligados aos Centros de Formação de Associação de
Escolas.
Num estudo que realizámos anteriormente, tivemos a oportunidade de fazer a caracterização destes
formadores verificando que, para além de não terem uma preparação ou formação específica para o exercício
da função de formador da formação continua de professores, são recrutados maioritariamente em função da
sua licenciatura na área da informática (Felizardo, 2012). Um eventual pendor da componente técnica
relativamente à componente pedagógica que daí pode inferir-se, levou-nos a ponderar a necessidade de
refletir sobre as competências necessárias aos profissionais responsáveis pelo desenvolvimento profissional
dos professores no que respeita à integração curricular das tecnologias digitais.
Apesar da reconhecida importância da formação de professores para o uso das tecnologias digitais
em contexto educativo, verificamos que são escassas as referências sobre a sua importância efetiva neste
processo, em particular sobre o perfil daqueles que projetam e levam a cabo a formação. É aliás essa uma
das razões pelas quais nos propomos aprofundar a reflexão sobre um perfil de formador capaz de ajudar os
professores a integrar as tecnologias digitais de forma efetiva na sua prática pedagógica.

705
A Escola: Dinâmicas e Atores

No contexto de uma investigação que se encontra ainda em curso, apresentamos aqui os resultados
de segunda fase do nosso estudo. Depois de auscultarmos os professores, que apresentam uma perspetiva
bastante positiva, quer sobre a competência dos formadores, quer sobre o modo como a formação na área
das TIC tem sido desenvolvida, auscultámos um conjunto de formadores de professores na área das TIC a
fim de caraterizar as suas perceções sobre a própria formação que desenvolvem no contexto dos CFAE.

A FORMAÇÃO CONTINUA NA ÁREA DAS TIC EM PORTUGAL E OS FORMADORES


Apesar do tempo decorrido desde a chegada dos computadores e da Internet à escola, das diretrizes
emanadas pelas entidades europeias e de, ao longo das últimas décadas, serem vários os incentivos e as
estratégias da tutela no sentido de apetrechar as escolas de infraestruturas e equipamentos tecnológicos, e
de promover a necessária formação de professores, a integração das TIC no currículo ainda está longe de
ser uma realidade (Costa, 2004; 2009; Costa (Coord.), 2008; Almeida & Valente, 2011). Mesmo que os
professores pareçam estar mais cientes dos eventuais benefícios da integração das tecnologias digitais nas
suas práticas e no trabalho dos seus alunos, quando as usam parecem fazê-lo sobretudo, para transmissão
de conteúdos, não sendo visível uma utilização potenciadora de mudanças significativas nas formas de
trabalho dos seus alunos (Costa, 2004, 2009; Almeida & Valente, 2011; Ertmer & Ottenbreit-Leftwich, 2013;
Vrasidas, 2015).
A solução para uma integração plena das tecnologias digitais na aprendizagem poderá situar-se
sobretudo, na opinião de alguns autores, ao nível de mudanças relacionadas com os aspetos metodológicos,
ou seja, com a dimensão pedagógica (Tondeur et al, 2008; Almeida & Valente, 2011; Costa, 2012). Nesta
linha, Tondeur et al (2008) sugerem que a integração das TIC deve ser encarada como um meio de envolver
os alunos na aprendizagem, para apoiar uma aprendizagem significativa e não como um fim em si mesmo.
Ertmer & Ottenbreit-Leftwich (2013) defendem, por outro lado, uma abordagem de integração da
tecnologia baseada na visão avançada por Jonassen (1996) do uso de computadores como ferramentas
cognitivas, desenvolvendo uma visão clara quanto à verdadeira finalidade e utilidade das tecnologias na
formação de professores, concentrando os esforços de integração da tecnologia na pedagogia, no que a
tecnologia permite e apoia, em vez de centrar esforços predominantemente na tecnologia. Deste modo, a
formação de professores na área das TIC deveria preconizar uma utilização da tecnologia com vista a
estimular a aprendizagem (António & Lemos, 2015). Esta ideia reforça a inter-relação entre o uso da
tecnologia e a necessidade de uma modificação da prática pedagógica que, segundo de Mattos, Junior & de
Mattos (2005), é um processo de reestruturação inerente ao uso dessa mesma tecnologia, embora muito
difícil, pois exige uma rutura com os ambientes educacionais pautados por paradigmas tradicionais e
disciplinares.
Nesta linha, percebemos que as competências dos professores para a integração das tecnologias no
currículo são múltiplas e complexas e que a formação contínua de professores na área das TIC, centrada na
capacitação técnica dos professores (Costa, 2004, Almeida & Valente, 2011, Felizardo & Costa, 2012) e, por
vezes, desligada da ação docente, nas suas vertentes curricular e didática (Roldão, 2011), não tem
contribuído, de forma eficaz, para a superação das dificuldades dos professores nomeadamente em termos
de domínio dos saberes pedagógicos e de avaliação (Timperley, 2011) ou com aquilo que Alvarez (2013)
denomina de “alienação profissional” dos professores, ou seja, as dificuldades em refletir sobre as próprias

706
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

práticas quando não dominam os conhecimentos teóricos que subjazem e permitem construir sentido para
essas mesmas práticas.
Atendendo ao facto que os programas de desenvolvimento profissional contínuo dos professores tem
maior probabilidade de sucesso se deslocados para dentro da escola (Vrasidas, 2015), envolvendo os
professores em comunidades de prática e redes de aprendizagem profissional (Albion et al, 2015) e de que o
formador da formação contínua de professores na área das TIC pode ter um papel crucial na transformação
da educação através do potencial inovador que as tecnologias digitais podem aportar, considerando o
conjunto de fatores contextuais, cognitivos e afetivos que podem agir como facilitadores ou como inibidores
do processo de integração das tecnologias em contexto educativo (Ertmer & Ottenbreit-Leftwich, 2013), no
contexto português, talvez sejam os Centros de Formação de Associação de Escolas que melhor podem
responder às necessidades das escolas e dos professores. No entanto, procuramos perceber, num estudo
mais amplo que íntegra a pesquisa aqui apresentada, que perfil de competências deve possuir o formador na
área das TIC, para que possa atender à multiplicidade de necessidades a que é necessário responder quando
o objetivo é principalmente o de ajudar os professores a serem capazes de mobilizar o potencial pedagógico
das tecnologias enquanto estratégia de aprendizagem e de desenvolvimento global dos alunos.

METODOLOGIA
Com a finalidade de recolher as perspetivas de formadores da formação continua de professores na
área das TIC sobre a formação que desenvolvem, no âmbito da formação efetuada pelos CFAE, em particular,
sobre o seu papel no contexto da formação continua de professores nesta área, foi utilizada a técnica do
Focus Group, um método de investigação que assume a forma de uma discussão estruturada, envolvendo a
partilha e a clarificação de pontos de vista e ideias entre os participantes. Inscrito no paradigma qualitativo. É
uma técnica com particular interesse na análise de temas ou domínios que envolvem questões complexas
que precisam de ser exploradas com maior detalhe e de uma forma mais aprofundada.
Considerando que, num estudo anterior, tivemos a oportunidade de recolher elementos que
permitiram caracterizar os formadores e recolher as suas peceções sobre o trabalho que desenvolvem e sobre
a formação desenvolvida pelos CFAE, através da aplicação de um questionário extensivo, tivemos em vista,
com esta técnica, o aprofundamento de questões já recolhidas e a obtenção de uma maior riqueza de
pormenores resultantes de uma informação qualitativa e pouco estruturada (Coutinho, 2011), de modo a obter
resposta às seguintes questões de investigação: o que pensam os formadores (i) sobre a formação
desenvolvida ao nível da formação contínua de professores na área das TIC, (ii) sobre o papel que
desempenham junto dos professores em formação, (iii) sobre a formação que lhes tem sido facultada como
formadores da formação contínua professores nesta área e (iv) sobre as competências que julgam ser
necessárias para o exercício das suas funções.
De acordo com Godoy (1995), uma das caraterísticas básica da pesquisa qualitativa é a preocupação
do investigador com o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida. Neste sentido, e apesar de ter
sido auscultado um pequeno grupo de formadores (seis), esta técnica facilitou a reprodução do discurso
ideológico das relações macrossociais, tornando-se promotora de autorreflexão (Gondim, 2003), permitindo
uma clarificação sobre as conceções, preocupações, princípios e referências predominantes destes
profissionais relativamente às ações que desenvolvem e ao seu impacto na integração curricular das
tecnologias digitais.

707
A Escola: Dinâmicas e Atores

Segundo Oliveira & Freitas (1998), é recomendável que os grupos tenham um tamanho médio, de
seis a dez pessoas. Suficientemente pequeno para que todos tenham oportunidade de partilhar perceções e
suficiente grande para fornecer diversidade de perceções. Considerando, portanto, que o tamanho ótimo para
um grupo focal é aquele que permite a participação efetiva dos participantes e a discussão adequada dos
temas e tendo em conta que, apesar dos participantes serem um grupo com características comuns, se deve
assegurar o equilíbrio entre uniformidade e diversidade do grupo (Galego & Gomes, 2009), selecionámos um
grupo de seis participantes constituído por formadores de diferentes grupos disciplinares e níveis de ensino.
Tivemos ainda como critério selecionar formadores experiente de modo a termos participantes com maior
riqueza de vivência para partilhar e uma maior maturidade e reflexão sobre as suas práticas de formadores.
Todos eles são provenientes de um Centro de Formação da Zona Centro, a fim de facilitar a deslocação dos
intervenientes para a sessão de focus group que se realizou no dia 3 de dezembro, numa escola básica da
zona centro do país, com a duração de 85 minutos.
Relativamente ao tipo e estruturação das entrevistas, o Focus Group realizado com os formadores
participantes seguiu a abordagem mais comum, moderadamente estruturada (Silva, Veloso & Keating, 2014).
A estratégia para implementar um grau de estrutura moderada foi a de partir de questões mais genéricas, o
que permitiu aos participantes pensarem sobre o tema, colocando, depois questões mais especificas à medida
que a discussão avançava e sempre que se verificou que os formadores não respondiam ao que era solicitado
ou ainda para clarificar ideias expostas ou reconduzir a discussão para os temas em foco. Esta abordagem
permitiu aceder às perspetivas dos participantes, garantido que respondessem aos interesses específicos da
investigadora.
O guião da entrevista a partir do qual foi orientada a discussão era constituída por sete temas
desdobrados nalgumas questões mais específicas, constantes do quadro 1, e que serviram de orientação
para a dinamização da discussão.
1 - Propósito da formação contínua de professores em TIC.
Qual deve ser o propósito último da formação contínua de professores na Uso pessoal; profissional;
área das tecnologias digitais? pedagógico, mudança de práticas…
2 - Competências dos professores para a integração das TIC em contexto educativo (Contexto de trabalho dos
formadores)
Quais as competências mais relevantes nos professores para a integração Conhecimentos
das TIC na prática pedagógica? Habilidades
Atitudes
3 – Eficácia do trabalho do formador da formação contínua na área das TIC (Contexto de trabalho dos
formadores)
Quais os principais obstáculos a um impacto mais efetivo da formação que Dificuldades sentidas pelos
desenvolvem, para um uso eficaz das tecnologias em contexto educativo? formadores
Que estratégias seriam necessárias para ultrapassar esses obstáculos? Papel do formador da formação
contínua em TIC
4 – Identidade/estatuto dos formadores da formação continua na área das TIC
Que estatuto têm os formadores da FC de professores na área das TIC? Estatuto formal/informal
Que implicações tem o estatuto do formador no trabalho com os professores? Implicações positivas / Implicações
negativas
5 – Preparação/formação dos formadores da formação continua na área das TIC
Que formação específica é dada aos formadores para o exercício da função de formador de professores?
Como deveria ser a preparação dos formadores da fc de professores para a integração das tecnologias digitais?
Que competências devem ser privilegiadas?
Que entidade(s) formadora(s) para formar formadores?
6 - Visão estratégica para o desenvolvimento profissional dos professores na área das TIC.
Que estratégias poderiam ser levadas a cabo para melhorar a qualidade do processo formativo?
Como poderiam os formadores contribuir para a mudança de práticas neste contexto?
Quadro 1 - Temas/Questões e tópicos

708
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A análise de conteúdos foi efetuada com o apoio do software NVivio 11, procedemos a uma avaliação
sistemática do corpo do texto resultante da transcrição das interações realizadas entre os participantes do
Focus Group, de forma a organizar a divisão das componentes das mensagens em categorias. Este processo
de categorização que consiste na operação de classificação, visa produzir um sistema de categorias, de modo
a reunir elementos segundo critérios pré-definidas anteriormente à análise e associados ao quadro teórico
decorrente da revisão da literatura e análise documental (Coutinho, 2011).
Os temas e questões do guião de entrevistas, estabelecidas como categorias: (i) Propósito da
formação contínua de professores em TIC; (ii) Competências dos professores para a integração das TIC; (iii)
Eficácia do trabalho do formador, (iv) Identidade e estatuto do formador; (v) Preparação dos formadores; (vi)
Visão estratégica, a partir das quais foram definidas as subcategorias de análise, ajustadas no processo de
análise de conteúdo.
O tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação dos dados obtidos foi realizada
fundamenta-se na teoria que dá sentido a essa mesma interpretação (Bardin, 2004).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


A partir da análise de conteúdo efetuada aos dados obtidos, podemos avançar que os formadores
têm ideias claras sobre o (i) propósito da formação contínua de professores na área das TIC e que as
explicitam, facilmente. Esta deve, sobretudo, promover a capacitação técnica dos professores, mas também
induzir novas metodologias. Fizeram ainda referência à mudança na relação professor-aluno, à reflexão sobre
as potencialidades das TIC e ao “gosto de aprender”, sendo esta a única menção que se aproxima de uma
referência à melhoria dos resultados de aprendizagem dos alunos. (ii) Sobre as competências dos professores
para a integração das TIC, apontam exclusivamente caraterísticas atitudinais, tais como: sentir necessidade;
abertura; confiança, autoestima; ousadia (aceitar desafios); motivação e autoaprendizagem. No entanto,
centram-se na temática do domínio técnico da utilização das ferramentas, quando falam de formação que
desenvolvem ou na formação de formadores.
(iii) Sobre o que condiciona a eficácia das ações de formação que desenvolvem com os professores,
os formadores têm ideias muito precisas sobre os vários constrangimentos que explicitam prontamente: a
descontextualização da formação face ao trabalho que é desenvolvido nas escolas, a frequência da formação
em TIC por falta de alternativas, a heterogeneidade dos grupos de formação e o tempo da formação, pós-
laboral e a falta de recursos materiais. A eficácia do trabalho do formador parece depender, portanto, mais da
conceção e da configuração da formação do que da sua própria atuação.
(iv) Quando se aborda a questão da identidade e estatuto do formador, verifica-se um discurso mais
hesitante e até mesmo contraditório. Identificam-se preferencialmente com a função de professores da sua
disciplina, evidenciando no discurso algumas contradições que se prendem com o facto de não se
conseguirem descolar desta forma de se identificarem como colegas e pares dos professores seus formandos,
o que consideram muito positivo pela proximidade e cumplicidade com os colegas em formação. No entanto,
acabam por identificar alguns constrangimentos, nomeadamente quando se referem a uma das funções
inerentes ao formador que é a avaliação dos formandos. Esta é, segundo eles, com frequência geradora de
conflitos. Apesar de não reconhecerem ter tido alguma vez um problema dessa natureza, acabam por
assinalar, todos eles, ter vivenciado um ou outro conflito ao longo do exercício da função de formador.

709
A Escola: Dinâmicas e Atores

(v) Os formadores inquiridos reconhecem, embora indiretamente, as lacunas existentes no


recrutamento dos formadores e na formação que lhes é facultada que consideram escassa e, quando ocorre,
fora do contexto das suas necessidades. Em contrapartida, valorizam bastante a formação que fazem por
iniciativa própria, assim como os conhecimentos que advém da sua experiencia, autodidatismo e a sua
intuição. Sobre as competências necessárias ao formador, tiveram dificuldades em iniciar a discussão e em
enumerar capacidades importantes para o exercício da função de formador da formação contínua de
professores em TIC. Referiram a comunicação, capacidade que consideraram indispensável, mas depois
apenas acrescentaram termos com um sentido similar como empatia, envolver e motivar.
(vi) Finalmente, parecem ter uma visão clara sobre o papel do formador no processo de integração
das tecnologias no currículo e sobre a formação em si, também. Esta deve ser indubitavelmente da
responsabilidade dos CFAE, mesmo a formação dos formadores. Rejeitam a massificação da formação e
defendem uma formação centrada nas necessidades dos professores e dos projetos das escolas. Sobre o
papel do formador, consideram que este deve ser o modelo, um facilitador que acompanha os formandos não
apenas no contexto da formação formal, mas também informalmente nas escolas.

REFLEXÃO FINAL
Os formadores demonstram possuir ideias claras e precisas sobre (i) o propósito da formação
contínua de professores em TIC; sobre (ii) as competências dos professores para a integração das TIC; sobre
(iii) a eficácia do trabalho do formador e sobre (vi) a visão estratégica para a integração das TIC, embora
apresentem opiniões contraditórias, nomeadamente entre o propósito da formação centrada na capacitação
técnica dos professores e a as competências que julgam ser necessárias para a integração das TIC, todas
elas de âmbito atitudinal. Sobre a eficácia do seu trabalho, centraram-se em questões extrínsecas aos seus
métodos e modos de trabalhar com os professores, apontando problemas e constrangimentos relacionados
com a conceção e organização da formação.
Quanto à (iv) identidade e estatuto de formador, assim como às (v) preparação e competências
necessárias para as funções de formador da formação contínua de professores em TIC, apresentaram ideias
pouco claras e superficiais, demonstrando que estes são temas sobre os quais nunca refletiram
anteriormente.
Sobre a Educação, em geral, opinam com muita veemência. Dizem que é urgente uma mudança de
paradigma, que é preciso flexibilizar o currículo e a organização das escolas, mobilizar os encarregados de
educação, em suma, repensar a escola.

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712
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

INOVAÇÃO E APRENDIZAGEM COM A ESCOLA PRESENTES NO CURRÍCULO DO


CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA DE UMA UNIVERSIDADE
COMUNITÁRIA CATARINENSE
[ID 182]

Robinalva Borges Ferreira


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS
robinalva.ferreira@acad.pucrs.br

Resumo
Este estudo está inserido no eixo 6: Currículo, tecnologias digitais e inovação e teve como objetivo analisar
as inovações e as aprendizagens com a escola presentes no currículo do curso de Licenciatura em Educação
Física de uma universidade comunitária catarinense.
A base teórica partiu de Morgado & Pacheco (2000), no sentido de que o currículo é decisivo para melhoria
da qualidade de ensino e a inovação significa algo novo numa dada realidade ou uma modificação parcial
conjugada com o antigo.
A investigação foi desenvolvida por meio de uma abordagem qualitativa (Lüdke & André, 2003), e a análise
do Projeto Pedagógico e o questionário online foram utilizados para coletar os dados, tendo como
interlocutores: dois coordenadores e cinco professores do curso e duas professoras supervisoras de estágio
de uma escola pública estadual. A análise dos dados foi realizada utilizando a técnica qualitativa da Análise
Textual Discursiva de Moraes & Galiazzi (2014) e a partir da unitarização e da categorização emergiram três
categorias: inovação e o currículo integrado, inovação e a relação dialógica e inovação e as metodologias
ativas.
Os resultados sinalizam, na primeira categoria, que as tendências críticas da educação física estão presentes
na organização curricular epistemológica/didática e que há integração dos componentes curriculares:
disciplinas, estágio, atividades complementares, prática como componente curricular, atividades integradas
nas fases e na escola. A segunda categoria expressa que o diálogo é um elemento fundante tanto no curso
como entre o curso e a escola. E a terceira categoria aponta a diversidade de metodologias ativas utilizadas,
tendo a pesquisa e a extensão como princípios educativos e a avaliação diversificada.
Como devir apareceu: o avanço nas ações da coordenação e da Instituição para consolidar as políticas
propostas, ampliar a inter-relação entre os oito cursos de licenciatura, a interdisciplinaridade e a relação
teoria/prática. Emerge ainda o devir de aprofundar este estudo.

Palavras-chave: Currículo, Licenciatura em Educação Física, Inovação, Escola, Projeto Pedagógico.

Résumé
Cette étude s’inscrit dans l’axe 6: Cursus, technologies numériques et innovation; elle a pour objectif
d’examiner les innovations et les apprentissages à l’école présents dans le cursus du cours de licence en
Éducation physique au sein d’une université communautaire dans l’État brésilien du Santa Catarina.
Elle s’appuie sur une base théorique partant de Morgado & Pacheco (2000), en ce sens que le cursus est
déterminant pour renforcer la qualité de l’enseignement et que l’innovation représente quelque chose de
nouveau apporté dans une réalité donnée ou un changement partiel conjugué avec l’ancien.
Cette investigation a été menée dans une approche qualitative (Lüdke & André, 2003), et l’analyse du Projet
pédagogique ainsi que le questionnaire en ligne ont servi à la collecte des données, les interlocuteurs étant:
deux coordinateurs, cinq enseignants du cours objet de l’étude et deux enseignants chargés de la direction
de stage dans une école publique. Pour l’analyse des données, on a appliqué la technique qualitative de
l’Analyse textuelle discursive de Moraes & Galiazzi (2014), et à partir de l’unitarisation et de la catégorisation
ont émegé trois catégories: innovation et le cursus intégré; innovation et la relation dialogique ; innovation et
les méthodologies actives.
Les résultats indiquent, pour la première catégorie, que les tendances critiques de l’éducation physique sont
présentes dans l’organisation épistémologique/ didactique du cursus, et qu’il y a une intégration des
composantes programmatiques: disciplines, stages, activités complémentaires, pratique en tant que
composante programmatique, activités intégrées dans chaque phase et au sein de l’école. La deuxième
catégorie exprime le fait que le dialogue est un élément fondant aussi bien à l’intérieur du cours qu’entre le

713
A Escola: Dinâmicas e Atores

cours et l’école. Et la troisième catégorie montre la diversité de méthodologies actives utilisées, ayant pour
principes éducatifs la recherche et la formation continuée, et l’évaluation diversifiée.
En devenir, on a pu noter: le progrès dans les actions de la coordination et de l’établissement en vue de la
mise en oeuvre des politiques proposées, de l’élargissement de l’inter-relation des huits cours de licence,
l’interdisciplinarité et le rapport théorie/ pratique. Il apparaît encore le désir d’approfondir cette étude.

Mots-clés: Projet pédagogique, Cursus, Licence en Éducation physique, Innovation, École.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A partir da análise do Projeto Pedagógico do curso de Educação Física de uma universidade
comunitária catarinense foi construída a problemática do estudo: quais as inovações e as aprendizagens com
a escola estão presentes no currículo do curso de Educação Física com 43 anos de existência?
O objetivo foi analisar as inovações e as aprendizagens com a escola presentes no currículo do curso
de Licenciatura em Educação Física de uma universidade comunitária catarinense.
O currículo é decisivo para melhoria da qualidade de ensino, das práticas docentes e da renovação
das instituições e expressa a interlocução dos componentes e determinações pedagógicas, políticas,
administrativas e de inovação (Morgado, 2000).
A inovação significa algo novo numa dada realidade, podendo ser uma modificação parcial conjugada
com o antigo, que emerge dos integrantes da comunidade escolar para além da decisão administrativa
(Pacheco, 2000).

METODOLOGIA
A investigação foi desenvolvida por meio de uma abordagem qualitativa, utilizando o questionário
online e a análise do Projeto Pedagógico para coletar os dados.
O questionário foi enviado por e-mail para os 33 professores e dois coordenadores do curso de
Educação Física e para os três professores supervisores de estágio de duas escolas, com o prazo de 12 dias
para retorno junto com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE assinado, sendo que
responderam no prazo, cinco professores, dois coordenadores do curso e dois professores supervisores de
estágio da escola estadual. Portanto, o estudo contou com nove interlocutores.
As duas escolas, uma estadual de Santa Catarina e outra municipal de Criciúma, foram selecionadas
porque recebiam estagiários do curso há mais de cinco anos.
Os dados foram analisados utilizando os pressupostos da Análise Textual Discursiva - ATD de Moraes
e Galiazzi (2014), sendo que na primeira etapa foi realizada a unitarização, por meio da desmontagem das
respostas, o que originou 74 unidades de sentido. Na segunda etapa foi realizada a categorização,
estabelecendo relações e aproximações dos discursos, das quais originaram as categorias emergentes: 31
categorias iniciais, seis intermediárias e três categorias finais: inovação e o currículo integrado, inovação e a
relação dialógica e inovação e as metodologias ativas. A última etapa foi a escrita do metatexto que expressa
a análise, a compreensão, o contraditório junto à descrição, interpretação e a fundamentação.

Caraterização do lócus da pesquisa


O curso de Educação Física estudado foi criado em 1974, funciona no período noturno, possui mais
de 300 acadêmicos, 33 professores e três funcionários. Desde sua criação passou por dez reformulações
curriculares, a partir da reavaliação periódica do seu Projeto Pedagógico.

714
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A escola da rede pública estadual de Santa Catarina foi fundada em 1962, tem aula nos três turnos,
atende aproximadamente 700 estudantes do ensino fundamental e médio e 40 professores.

Caracterização dos interlocutores


Os sete professores do curso de Educação Física apresentam a seguinte caracterização: cinco
professores e dois coordenadores, o atual e um anterior, do curso de Educação Física, quatro são mulheres
e três são homens. Cinco deles têm mais de 41 anos, são do quadro regular e estão há mais de 10 anos no
curso. Um professor é do quadro temporário e tem menos de 30 anos. Um não está mais na Instituição. Seis
professores colaram grau há mais de vinte anos e um professor há seis anos. Cinco são mestres, um é doutor
e um tem especialização.
Todos os interlocutores participam das atividades do programa de formação continuada de docentes
da Instituição. Cinco professores participam de programas de pesquisa e dois de extensão.
Quanto às duas professoras supervisoras de estágio de Educação Física: uma tem até 30 anos e a outra
mais de 40, sendo que a primeira está no início da carreira e a outra tem mais de 19 anos de exercício
profissional. Ambas têm curso de especialização na área. Uma supervisiona estágio há três e a outra há 19
anos.

INOVAÇÃO E O CURRÍCULO INTEGRADO


Nesta primeira categoria os resultados sinalizam a presença das tendências críticas da Educação
Física na organização curricular epistemológica/didática; a integração dos componentes curriculares:
disciplinas, Trabalho de Conclusão de Curso -TCC, estágio, atividades complementares, Prática como
Componente Curricular, atividades integradas e na escola; a interdisciplinaridade, a relação teoria/prática e a
relação com a escola, originando assim seis subcategorias: PPC e a inovação curricular, PPC e a concepção
crítica, PPC e a interdisciplinaridade, PPC e a relação teoria/prática, PPC e a escola e o devir do PPC.

PPC e a inovação curricular


Os resultados apontam os avanços inovadores do currículo do curso ao longo dos anos.
Para C1 (os coordenadores foram identificados como C1 e C2), a alteração mais significativa foi iniciada em
2004, restringindo os campos de atuação para dentro e fora do espaço escolar: “Em toda a história do curso,
43 anos, a matriz curricular sofreu 10 alterações. Acredito que a mais significativa foi a reformulação da matriz
curricular orientada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, criando a habilitação Bacharelado. A implantação
ocorreu no 1º semestre de 2004”.
Os movimentos anteriores de alteração curricular seguiram no sentido de acrescentar e retirar créditos
e deslocar disciplinas de fase.
A mudança que urge efectuar situa-se precisamente na proposta de construção de projectos
curriculares que tornem possível a reconstrução do currículo em face das dificuldades
diagnosticadas. Tal medida basear-se-á, com efeito, na desnormalização do processo de
ensino-aprendizagem, ou seja, na concepção, desenvolvimento e avaliação de projectos
curriculares ditados não pela situação de exceção, mas sim pelo imperativo de garantir um
sucesso qualificado a todos os alunos (Pacheco, 2000, p.15).
Isso aconteceu de fato no processo de gestão do currículo do curso, pois para além de considerar a
legislação vigente, pareceres e documentos acerca da inovação no ensino superior, foram contempladas as
vozes de professores, estudantes e funcionários e da escola, além dos resultados da avaliação institucional.

715
A Escola: Dinâmicas e Atores

O entendimento de C2 sobre inovação no currículo frente à base epistemológica didática, reflexões e


concretudes é o seguinte:
[...] Foram levantadas proposições para a organização dos estágios obrigatórios e
acrescentadas ou modificadas várias disciplinas (jogos de mesa, esportes radicais, esportes
alternativos...). Contudo, a inovação também passa pela própria reflexão sobre o currículo e
seu caráter formativo, com propostas de modificação nas Atividades Complementares e
utilização de outras iniciativas formativas como o Seminário da Educação Física, uma política
de apoio aos Grupos de Pesquisa e incentivo à participação dos acadêmicos em projetos de
extensão.
Para Beane (2000), o currículo coerente é:
Aquele que permanece uno, que faz sentido como um todo e cujas peças, quaisquer que
sejam, estão unidas e ligadas pelo sentido da totalidade. A noção de coerência inicia-se com
uma visão de currículo como um conceito amplamente concebido que tem conteúdo. Não é
simplesmente um conjunto de peças dispersas que se acumulam nas experiências dos
alunos. Um currículo coerente confere o sentido da floresta assim como o das árvores, a
noção de unidade e ligação, de relevância e pertinência. As partes ou peças estão ligadas e
integradas de uma forma visível e explícita. Existe a noção de um objetivo mais abrangente,
estimulante, e acções estão ligadas a esse objetivo. (p.42)
Talvez essa foi a visão de currículo pensada pela comissão e pelo colegiado do curso, no sentido de buscar
uma integração dos componentes curriculares, com coerência, movimento, flexibilidade e integração e atingir
o objetivo do curso, que é: “Habilitar profissionais para atuarem como docentes na educação infantil e
educação básica, socializando o conhecimento científico da cultura do movimento humano acumulado
historicamente pela humanidade, produzindo novos saberes que possam contribuir com a transformação
social e a melhoria da qualidade de vida” (PPC do curso, 2016).
De acordo com o PPC (2016), a matriz curricular do curso está organizada, a partir de 2004, em cinco
áreas do conhecimento que dialogam horizontal e verticalmente durante as oito fases, de acordo com o
quadro abaixo.
Área 1: Conhecimentos gerais e fundamentos pedagógicos.
Área 2: Conhecimentos biológicos para a atividade física/movimento humano.
Área 3: Conhecimentos técnico-pedagógicos do esporte.
Área 4: Conhecimentos da cultura do movimento humano.
Área 5: Conhecimentos referentes à parte pedagógica.
A divisão de disciplinas por área do conhecimento pode ser considerada uma inovação curricular,
pois para cada área foi designado um professor coordenador, objetivando estudar os programas e propor a
interdisciplinaridade. A partir de então esses professores passaram a se reunir periodicamente para discutir
o PPC.
Em 2009 o INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira incluiu o
Núcleo Docente Estruturante-NDE no instrumento de avaliação para reconhecimento e renovação deste dos
cursos de graduação.
Portanto, iniciamos este processo cinco anos antes da regulamentação nacional.
A Resolução 08/2010 da Câmara de Ensino de Graduação da Unesc regulamenta o NDE, e em seu
Art. 2º prevê: “É um órgão consultivo, responsável pela concepção, implementação e atualização do Projeto
Pedagógico dos Cursos de Graduação da Unesc”.
PA (professores foram identificados como PA, PB, PC, PD e PE) destaca como inovação o conselho
de fase por proporcionar uma avaliação dialógica entre professor, acadêmicos e coordenação.

716
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PPC e a concepção crítica


Os professores e o coordenador demonstraram conhecer o PPC e destacaram como uma das
inovações a concepção crítica presente.
A inovação no curso de Educação Física, para o C1 está na: “Implantação e efetivação de teorias
metodológicas progressistas/críticas; efetivação da prática como componente curricular; formação ampliada
de conhecimentos de variados saberes (pedagógicos, filosóficos, biológicos, esportes hegemônicos e não
hegemônicos e conhecimentos da cultura corporal do cotidiano escolar)”.
O PPC do curso (2016, p. 35) aponta para uma concepção crítica de educação e de Educação Física:
[...] A definição por matrizes filosóficas críticas do Curso encaminha o estudo e
aprofundamento do referencial psicológico Histórico Cultural; da pedagogia Histórico Crítica
e, no caso específico da educação física, do estudo das elaborações críticas da área como
a crítico superadora e crítico emancipatória.
As abordagens críticas, presentes no PPC e no cotidiano do curso de Educação Física, são: crítico
emancipatória proposta por Eleonor Kunz (1991) e crítico superadora do Coletivo de Autores (início anos
1990).
E ainda PC destacou que o “fundamento da inovação curricular para elaboração do plano semestral
das disciplinas é a tendência crítica”.
Pacheco (2000) cita Giroux & Simon (1994): para ter os componentes integrados no currículo de um
projeto formativo um primeiro ponto a ser considerado é a implementação de uma pedagogia intercultural
(conhecimentos de contextos específicos dos alunos e das culturas dentro das várias civilizações históricas)
e de uma pedagogia crítica (discutida a partir de um tempo, um espaço e um tema específicos).

PPC e a interdisciplinaridade
A interdisciplinaridade como princípio do currículo foi evidenciada por meio de três formas: atividades
integradas entre vários componentes curriculares, conteúdo clássico e existência de disciplinas.

Atividades integradas
As falas dos professores se referem às atividades integradas realizadas por duas ou três disciplinas
na fase, todo semestre, e o diálogo entre as disciplinas de diversas fases devido às relações entre os
conteúdos.
Para C2:
[...] A interdisciplinaridade é perseguida, por exemplo, em projetos articulados pelas
disciplinas dentro de uma mesma fase, ou pela participação de outras fases nas
apresentações de determinada disciplina ou seminário de estágio. O Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência-PIBID foi um movimento que permitiu o avanço das
discussões entre os cursos de licenciatura [...]
Segundo Pacheco (2000), a proposta de projetos curriculares exige a análise dos referenciais
mínimos, a identificação das estruturas da coordenação curricular, das condições da cultura escolar e dos
modelos curriculares. A estrutura de coordenação curricular se refere à possibilidade das disciplinas não se
dispersarem e se consolidarem num processo de ação, não fragmentado pelos professores. Importante
também as tarefas programadas pelos grupos e pelos departamentos disciplinares.
As condições da cultura escolar se remetem à colegialidade, participação e colaboração e parceria
entre professores, estudantes, coordenação e especialmente ao desenvolvimento da profissionalidade
docente. E os modelos curriculares precisam reforçar a integração entre as disciplinas e/ou áreas

717
A Escola: Dinâmicas e Atores

interdisciplinares e não contribuir para a balcanização curricular, ou seja, “para a existência de espaços de
aprendizagem circunscritas não só ao espaço e território de cada disciplina, mas também ao livre arbítrio de
cada professor” (Pacheco, 2000, p.24).

Conteúdo clássico
Para um professor (PE), a interdisciplinaridade vem sendo discutida a partir de várias perspectivas,
mas chama a atenção para os conteúdos clássicos, tendo em vista sua amplitude que contempla a
interdisciplinaridade. “Meu entendimento é de que se trabalhamos com o conteúdo clássico – que por realizar
a leitura de seu tempo tem que ser por excelência interdisciplinar – o princípio da interdisciplinaridade estará
presente”.
Talvez somente a utilização do conteúdo clássico não seja suficiente para que a interdisciplinaridade
ocorra no desenrolar do currículo, considerando a ideia de D’Hainaut (1980) citado por Pacheco (2000, p.31):
“É um processo de abordagem que consiste em abordar os problemas dos conteúdos não por uma disciplina,
mas por um princípio organizador comum a várias disciplinas”.

Existência de disciplinas
O mesmo professor apresenta a segunda ideia de que a interdisciplinaridade ocorre devido ao
alinhamento do referencial teórico e epistemológico existente no desenvolvimento das disciplinas curriculares,
mas destaca que a existência de disciplinas é um forte componente para que a interdisciplinaridade ocorra.
Porém, há outros indicativos da possibilidade interdisciplinar como, por exemplo, quando as
disciplinas pedagógicas procuram explicitar as atividades de ensino a partir de um mesmo
referencial, isto por si é uma prática que efetiva a interdisciplinaridade. Tudo isso prevê que
hajam disciplinas fortemente constituídas, pois a sua diluição, como defendem alguns
teóricos interdisciplinares, leva a impossibilidade de sermos interdisciplinares pelo simples
fato da supressão das disciplinas (PE).
Moreira e Tadeu da Silva (1994) citados por Pacheco (2000, p.31) defendem a presença das
disciplinas no currículo e a busca de uma abordagem dos conteúdos curriculares “a partir da integração ou
da visão global das diferentes disciplinas”.

PPC e a relação teoria/prática


A relação teoria prática foi outro ponto forte apresentado pelos docentes do curso, com entendimento
de que são indissociáveis.
PB: “A relação teoria prática é indissociável. Toda prática é respaldada em uma teoria e busco sempre
destacar isso durante as aulas. Em certos momentos isso se evidencia, ao propor ações em que se efetive
objetivamente a teoria em determinada prática [...]”.
Fernandes & Cunha (2013) entendem que:
A teoria, dialeticamente, está imbricada com a prática. Caso contrário, a teoria tende a se
tornar um acúmulo de informações sem uma sistematização que fundamente as evidências
colhidas em uma prática refletida que a projete e recrie. Essa relação – dialetizada nas
contradições e imprevisibilidades que a realidade complexa, mutante e ambivalente
possibilita – faz com que “na prática a teoria seja outra”, exigindo que se mude a teoria para
transformar em prática. O desafio é tomá-las como totalidade, como faces indissociáveis do
ato de conhecer. (pp.54-55)
A relação teoria prática ocorre na maioria das disciplinas com a realização de atividades
diversificadas, de acordo com os professores.

718
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PPC e a escola
A aprendizagem com a escola foi o fio condutor deste estudo no sentido de perceber sua contribuição
na melhoria do currículo do curso de Educação Física.
Os aspectos destacados foram os espaços de diálogo e reflexão nos programas de extensão, das
disciplinas de estágio e TCC.
Para PA: “Disciplinas de Estágio, TCC, projetos de extensão possibilitam o diálogo com a escola no
sentido de qualificar a formação dos futuros professores de Educação Física. Esse espaço se coloca como
uma das referências para reflexão dos processos de ensino na graduação. Destaco também programas como
PIBID e PROESDE (Programa de Educação Superior para o Desenvolvimento Regional de Santa Catarina),
que nos mostram possibilidades ricas de se pensar o currículo em diálogo com a educação pública”.
PE chama a atenção para as condições objetivas de ensino na escola, o que é extremamente
relevante, tendo em vista que muitas vezes discutimos o ensino nas condições ideais e não reais.
S2 tem a mesma percepção, de que o estagiário precisa observar a realidade escolar para elaborar
seu planejamento de atuação no estágio.
Os professores supervisores de estágio apresentam a perspectiva de uma via de mão dupla: tanto a
escola contribui com o aprendizado do acadêmico e a melhoria da disciplina de estágio quanto os estudantes
e professor supervisor da escola aprendem novos conteúdos e metodologias.
Pacheco (2000) diz que o currículo precisa ser pensado com a colaboração de todos os atores e que
precisamos levar em consideração a realidade nacional, regional e local.

Devir do PPC
Os interlocutores destacaram muitos avanços inovadores no currículo, mas também aspectos que
ainda precisam ser melhorados, referentes à interdisciplinaridade, relação teoria/prática, relação com a escola
desde a primeira fase, metodologias inovadoras, problematização dos conteúdos, flexibilização e a
diversificação de possibilidades do currículo e a inter-relação entre os oito cursos de licenciatura da Instituição.
Para C2, o previsto no PPC precisa ocorrer no cotidiano, pois ele norteia as situações e antecipa
cenário em construção, se aplica na sala de aula, mas existe a necessidade de parte do corpo docente
avançar nas questões pedagógicas para harmonizar com o PPC. E ainda são necessárias ações da
coordenação no sentido de efetivar as políticas previstas no PPC, bem como da Instituição.
C1: “Podemos avançar na questão referente ao currículo ampliado na relação com os demais cursos
de Licenciatura da Instituição e maximizar a interdisciplinaridade. Desenvolver com maior volume os temas
relacionados a educação, as relações étnico-raciais e o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena”.

INOVAÇÃO E A RELAÇÃO DIALÓGICA


A segunda categoria expressa a relação dialógica entre: coordenação/professores/acadêmicos no
conselho de fase, curso/escola, estagiário/supervisor na escola e no seminário de estágio, no qual diretor e
supervisor são convidados a participar.
As supervisoras disseram que conhecem um pouco o PPP por meio do estágio e do diálogo com
estagiários.
“Os estagiários oferecem aulas bem planejadas e inovadoras, além da interação e discussão com
professor supervisor do estágio”. (S2)

719
A Escola: Dinâmicas e Atores

“Geralmente mostro meu planejamento ao estagiário e entramos num acordo para definir o tema a
ser trabalhado”. (S1)
Ensinar exige disponibilidade para o diálogo e consequentemente a abertura para o mundo e para o
outro, tendo em vista que são experiências fundantes do ser inacabado, e o fechamento seria a transgressão
da incompletude (Freire, 2011).
“O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se
confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história” (ibidem,
p.133).

INOVAÇÃO E AS METODOLOGIAS ATIVAS


Nesta terceira categoria aparece a diversidade das metodologias ativas nas quais os professores
utilizam a pesquisa e a extensão como princípios educativos, a problematização e a interdisciplinaridade,
além da avaliação diversificada.
C1 e C2 disseram que a maioria dos professores utiliza as metodologias ativas nas aulas e C1 disse
também que os professores utilizam a pesquisa e extensão como princípios educativos.
Os professores ratificaram a citação dos coordenadores:
“Dinamicidade nas aulas, participação constante dos alunos, diversidade das metodologias, reflexão
do processo ensino-aprendizagem pelos acadêmicos, alcance dos objetivos propostos etc.” (PA).
“Utilizo data show; alunos utilizam em aula seus computadores para registro e pesquisa, vídeos,
pesquisa nos diferentes níveis de ensino para análise da conjuntura escolar e da educação física” (PD).
“Não saberia especificar, porque na medida em que trabalho numa perspectiva em que os
acadêmicos precisam produzir os conhecimentos aprendidos acredito que todas as estratégias que utilizo
estão dentro do princípio das metodologias ativas/inovadoras” (PC).
Somente um dos cinco professores do curso (PB) disse que não utiliza metodologias ativas nas suas
aulas.
Ensinar e aprender na universidade, em plena era digital, exige repensar a docência e propor
metodologias que incorporem estratégias e recursos formativos próximos à realidade social dos estudantes
para que adquiram conhecimentos e atinjam com êxito a exigência profissional atual. É necessário levar em
conta os diferentes meios de informação e comunicação que dão acesso ao conhecimento juntamente com a
aquisição de competências que permitam ao estudante resolver situações problema no exercício profissional.
Hoje é impensável uma prática docente baseada unicamente na transmissão de saberes pré-determinados e
fechados e que considere a pessoa em formação um ser passivo, que não fale, contradiga ou construa a sua
aprendizagem (Simón & Miravalles, 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões teórico/empíricas sinalizam que o objetivo do estudo foi alcançado e evidenciam três
categorias emergentes - inovação e o currículo integrado, inovação e a relação dialógica e inovação e as
metodologias ativas – e que: o curso de Educação Física com 43 anos realizou dez alterações de matriz
curricular a qual apresenta ampla integração; o diálogo é um elemento permanente tanto no curso como entre
o curso e a escola; a escola tem voz relevante nas alterações curriculares realizadas; os professores utilizam
metodologias ativas e a inovação se faz presente no cotidiano do curso.

720
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O devir também apareceu no estudo, pois ainda falta a interdisciplinaridade, relação teoria/prática,
alguns professores utilizarem metodologias inovadoras, a problematização dos conteúdos e a inter-relação
entre os oito cursos de licenciatura da Instituição.

REFERÊNCIAS
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de cursos de graduação - Bacharelados e Licenciaturas do Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior - SINAES. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/superior/
condicoesdeensino/Extrato_reconhecimento_licenciatura.pdf Acesso em: 29 de nov. 2016.
Fernandes, C. M. B. & Cunha, M. I. (2013).Formação de professores: tensão entre discursos, políticas, teorias
e práticas. Inter-Ação. Goiânia, 38 (1), 51-65, jan./abr.
Freire, P. (2011). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 2reimp. (43ªEd.). São
Paulo: Paz e Terra.
Moraes, R. & Galiazzi, M. (2014). Análise textual discursiva.(2ªEd.), Ijuí: Unijuí.
Pacheco, J. A. (Org.) (2000). O que é um currículo coerente? In: Beane, J. A. Política de integração curricular.
Portugal: Porto.
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curricular. Portugal: Porto.
_______. (2000). Territorializar o currículo através de projectos integrados. In ________. Política de
integração curricular. Portugal: Porto.
Pimenta, S. G. (2006). O estágio na formação de professores: unidade entre teoria e prática? (7ªEd.). São
Paulo: Cortez.
Simón, B.P. & Miravalles, A. F. (2013). Propostas metodológicas. In: Bautista, G. Escofet, A. Enseñar y
aprender em la universidad. Barcelona: Octaedro S.L.
UNESC (2016). PPC do Curso de Licenciatura em Educação Física. Disponível em: http://www.unesc.net/
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_______. (2010). Resolução 08/2010/Câmara de Ensino de Graduação. Regulamenta o NDE dos cursos de
graduação da Unesc. Disponível em: http://www.unesc.net/portal/resources/files/66/14-%20
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Pdf. Acesso em 29 de nov. 2016.
Zabalza, M. A. & Cerdeiriña, M. A. (2010). Planificación de la docência em la universidad: elaboração de las
guías docentes de las matérias. Madrid/Espanha: Narcea.

721
A Escola: Dinâmicas e Atores

INCLUSÃO EDUCACIONAL DOS ALUNOS SURDOS BRASILEIROS: DESAFIOS E


POSSIBILIDADES
[ID 208]

Priscila Soares Vidal Festa


Cintia Cargnin Cavalheiro Ribas
Manuela Pires Weissb ö ck Eckstein
Rubia Carla Santi
FAE Centro Universitário; Faculdades Opet; Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO;
Faculdades Secal
priscila.festa@fae.edu; cintiaccavalheiro@hotmail.com; pedagoga.manuela@gmail.com;
rubiasanti@secal.edu.br

Resumo
A inclusão educacional de alunos com deficiência no Brasil é garantida por diversos documentos, entre eles
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, a Política de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva de 2008 e a Lei nº 13.146 de 2015, conhecida como a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência. Por meio dessas legislações e diretrizes, a Educação Especial, voltada para o
atendimento das pessoas com deficiência, instaura-se em uma perspectiva inclusiva e tendo no Atendimento
Educacional Especializado um espaço considerado como serviço a favor dos alunos com necessidades
educacionais especiais no Brasil. Ao compreender o aluno surdo a partir de uma visão socioantropológica,
defende-se a condição bilíngue e bicultural do mesmo. A partir desses pressupostos, o objetivo da presente
pesquisa é de analisar a realidade da inclusão de surdos retratada na literatura científica do Brasil, buscando
dessa forma delinear os desafios e as possibilidades que essa inclusão pode oferecer ao educando surdo,
assim como para a comunidade escolar. A metodologia utilizada nessa pesquisa apresentou caráter
qualitativo do tipo bibliográfico, sendo que a coleta dos dados foi realizada por meio do site SciELO, utilizando
o marcador de pesquisa “inclusão de surdos”. Selecionaram-se para a pesquisa os artigos datados a partir
de 2008, ano em que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva foi adotada no Brasil.
Foram obtidos 17 artigos publicados de 2012 a 2016. Os artigos analisados auxiliaram na compreensão das
relações existentes na inclusão de alunos surdos na escola comum do ensino regular. Embora a inclusão seja
uma realidade pautada no arcabouço normativo do país, percebe-se que os desafios para sua efetivação são
muitos. Mesmo que a Língua Brasileira de Sinais tenha sido oficializada no país desde 2002 por meio da Lei
nº 10.436, ainda existe desconhecimento da língua por parte dos professores e da comunidade escolar, assim
como são evidenciadas as dificuldades na realização das práticas pedagógicas necessárias para a efetivação
do processo de ensino-aprendizagem do educando surdo na escola comum.

Palavras-chave: Surdez, Libras, Inclusão.

Résumé
L’inclusion scolaire des élèves en situation de handicap au Brésil est garantie par divers documents, parmi
lesquels la Loi des Directives et Bases de L’Education Nationale de 1996, la Politique de l’Education Spéciale
dans la Perspective de l’Education Inclusive de 2008 et la Loi nº 13.146 de 2015, connue comme la Loi
Brésilienne de l’Inclusion de la Personne Handicapée. Au moyen de ces législations et directives, l’Éducation
Spéciale, tournée vers l’assistance aux personnes handicapées, se fonde sur une perspective inclusive,
autrement dit et qui dispose dans l’Assistance Educative Spécialisée, d’un espace considéré comme un
service en faveur des élèves qui présentent des besoins éducatifs particuliers au Brésil. Lorsqu’on
comprend l’élève sourd à partir d’une approche socio-anthropologique, nous défendons la condition bilingue
et biculturelle de celui-ci. À partir de ces présupposés, le but de la présente recherche est d’analyser la réalité
de l’inclusion des sourds décrite dans la littérature scientifique du Brésil, en cherchant, de cette façon, à tracer
les défis et les possibilités que cette inclusion peut offrir à l’apprenant sourd, aussi bien qu’à la communauté
scolaire. La méthodologie utilisée dans cette recherche a présenté un caractère qualitatif du type biographique,
et la collecte de données a été réalisée à travers le site SciELO, en utilisant le signet de recherche « inclusion
de sourds ». Nous avons sélectionné pour la recherche les articles datés depuis 2008, année où la Politique
Nationale de l’Education Spéciale dans la Perspective Inclusive a été adoptée au Brésil. Nous avons trouvé 17

722
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

articles publiés de 2012 à 2016. Ces articles analysés nous ont aidé à la compréhension des
rapports existants dans l’inclusion des élèves sourds à l’école ordinaire d’enseignement régulier. Malgré le fait
que l’inclusion soit une réalité réglée par la structure normative du pays, nous comprenons que les défis pour
sa réalisation sont nombreux. Même si la Langue des Signes Brésilienne a été officialisée dans le pays depuis
2002 par la Loi nº 10.436, il existe encore une méconnaissance de cette langue de la part des professeurs et
de la communauté scolaire. Et les difficultés dans la réalisation des pratiques pédagogiques nécessaires à
l’accomplissement du processus de l’enseignement-apprentissage de l’apprenant sourd dans l’école ordinaire
sont mises en evidence.

Mots-clés: Surdité, Langue des Signes Brésilienne, Inclusion.

INTRODUÇÃO
A inclusão educacional de alunos com deficiência no Brasil é garantida por diversos documentos,
entre eles a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), a Política de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008) e a Lei nº 13.146 de 2015 (Brasil, 2015) conhecida como
a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Por meio dessas legislações e diretrizes, a Educação Especial, voltada para o atendimento das
pessoas com deficiência, instaura-se em uma perspectiva inclusiva, ou seja, reconhecendo o espaço da
escola comum do ensino regular como um local de produção de conhecimento para todos e tendo no
Atendimento Educacional Especializado [AEE] um espaço considerado como serviço a favor dos alunos com
necessidades educacionais especiais no Brasil.
Ao compreender o aluno surdo a partir de uma visão socioantropológica, defende-se a condição
bilíngue e bicultural do mesmo. Essas questões passam a identificar o surdo enquanto um sujeito dotado de
linguagem e cultura própria, que precisam ser evidenciadas no espaço escolar. Portanto, este artigo busca
responder à seguinte problematização: Qual é a realidade da inclusão de alunos surdos na escola comum
brasileira?
A partir desses pressupostos, o objetivo da presente pesquisa é de analisar a realidade da inclusão
de surdos retratada na literatura científica do Brasil, buscando dessa forma delinear os desafios e as
possibilidades que essa inclusão pode oferecer ao educando surdo, assim como para a comunidade escolar.
A metodologia utilizada nessa pesquisa apresentou caráter qualitativo do tipo bibliográfico, sendo que
a coleta dos dados foi realizada por meio do site SciELO, utilizando o marcador de pesquisa “inclusão de
surdos”. Selecionaram-se para a pesquisa os artigos datados a partir de 2008, ano em que a Política Nacional
de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva foi adotada no Brasil. Foram obtidos 17 artigos publicados de
2012 a 2016. Os artigos analisados auxiliaram na compreensão das relações existentes na inclusão de alunos
surdos na escola comum do ensino regular. Embora a inclusão seja uma realidade pautada no arcabouço
normativo do país, percebe-se que os desafios para sua efetivação são muitos.

A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL


No território brasileiro a educação de surdos tem sido datada desde 1857, quando o então imperador
Dom Pedro II juntamente com o professor surdo francês Ernest Huet fundam na cidade do Rio de Janeiro o
Imperial Instituto de Surdos-Mudos, por meio da Lei nº. 839, de 26 de setembro (Januzzi, 2012).
Desde então, a educação de alunos surdos tem sido discutida no cenário brasileiro, levantando
questões importantes a respeito de sua aprendizagem, tais como: procedimentos pedagógicos, formação de
professores e a utilização de uma língua para a instrução.

723
A Escola: Dinâmicas e Atores

Outro marco importante no contexto educacional brasileiro foi a consolidação da Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva realizada por meio do Decreto nº 6.571/2008
(Brasil, 2008) do AEE que prevê a inclusão de alunos, que antes eram atendidos pela Educação Especial em
instituições próprias, na escola comum do ensino regular, fortalecendo dessa forma a função do AEE. Este
documento apresenta a definição de Educação Especial em outra perspectiva, como aquela que é
caractetizada como uma modalidade transversal em todos os níveis de ensino, etapas e modalidades e
apresenta função de realizar a disponibilização de recursos e serviços “de acessibilidade e o atendimento
educacional especializado, complementar à formação dos estudantes com deficiência” (Brasil, 2008, art. 1)
assim como os alunos que apresentam transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação.
Então, para verificar o desenvolvimento das pesquisas brasileiras relacionadas a esta temática,
buscou-se analisar a produção científica de artigos sobre a educação de surdos no Brasil, abrangendo artigos
datados de 2012 a 2016.

Pesquisas brasileiras sobre surdez


Em 2012, a pesquisa realizada por Schemberg, Guarinello e Massi (2012) apresenta as concepções
de pais e professores a respeito das interações linguísticas de crianças surdas. Para esta pesquisa, foram
entrevistadas doze familiares (quatro pais e oito mães) de crianças surdas e aplicou-se um questionário para
os doze professores destas crianças matriculadas no ensino regular.
Como resultado, apontou-se que tanto os professores como os familiares destas crianças surdas não
utilizam a Língua de Sinais Brasileira [Libras] como forma de interação, também “percebeu-se que familiares
e professores apresentam um desconhecimento acerca da surdez, da língua de sinais e das consequências
da surdez para o surdo” (Schemberg, Guarinello & Massi, 2012, p.17).
No artigo de Lucca, Chiari & Goulart (2012), encontra-se uma pesquisa sobre a compreensão de
leitura de 35 alunos surdos que frequentam a rede regular de ensino com e sem apoio pedagógico. Com
relação aos resultados, apontam que “não há diferença na compreensão de leitura entre os alunos deficientes
auditivos que recebem e não recebem acompanhamento pedagógico especializado” (Lucca, Chiari & Goulart,
2012, p. 342), além disso, “os professores sabem pouco sobre a deficiência auditiva, o que dificulta a criação
de situações de aprendizagem significativas, menos mecânicas e mais interativas, visando à implementação
de ações para a alfabetização (Lucca, Chiari & Goulart, 2012, p.347).
Já a pesquisa de Dorziat & Araújo (2012) ressalta a importância do profissional tradutor intérprete de
Libras [TILS] no processo de escolarização do aluno surdo na escola comum. Os dados foram coletados em
cinco escolas estaduais brasieliras na cidade de João Pessoa no Estado da Paraíba, por meio de entrevistas
com 13 intérpretes. Vale ressaltar que por meio da lei nº 12.319/2010 (Brasil, 2010), o tradutor intérprete de
Libras teve sua profissão instituída legalmente no cenário brasileiro, as autoras ainda apontam que a “lei
representa uma vitória, pois, a partir dela, os TILS têm reconhecido seu trabalho, para o qual existe uma
demanda significativa, englobando espaços públicos e privados” (Dorziat & Araújo, 2012, p.395).
O estudo de Resende & Lacerda (2013) defende que, embora o governo brasileiro realize movimentos
visando a mobilização da escola comum para incluir todos nos alunos no sistema de ensino, a proposta de
educação inclusiva precisa ser estudada e debatida. Nesse sentido, um ponto importante nessa discussão é
para que exista uma política voltada para o atendimento dos alunos surdos, faz-se necessário levantar as

724
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

matrículas dos alunos surdos nas escolas municipais, estaduais e federais para que exista a efetivação da
educação inclusiva para os surdos brasileiros (Resende & Lacerda, 2013).
Outro tema importante relacionada com a educação de surdos é abordado por Aspilicueta, Leite, Rosa
& Cruz (2013), ao relatar uma pesquisa relacionada com a descrição de linguagem de 3 alunas surdas em
duas escolas inclusivas, sendo que em uma escola, existe apenas uma aluna surda e em outra, existe um
número maior de alunos surdos. O estudo traz como resultados que na observação realizada, a escola que
apresenta mais surdos se preocupou mais no investimento na comunicação com esses estudantes
(Aspilicueta et al, 2013).
Neste âmbito, Lodi (2013) apresenta uma reflexão a respeito dos termos propostos na Política de
Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, proposta pelo Ministério da Educação em 2008 e suas relações
com o Decreto nº 5.626/2005, o qual traz considerações importantes sobre a educação de surdos no Brasil.
Um ponto importante a ressaltar são os objetivos de cada documento, visto que a Política de Educação
Especial defende a inclusão destes alunos enquanto a comunidade surda e pesquisadores “advogam que a
educação de surdos constitui-se como um campo específico do conhecimento, distanciando-se da educação
especial” (Lodi, 2013, p.49), provocando ações que visam a inclusão no ambiente educacional, mas não a
efetividade linguística neste espaço escolar.
Os pesquisadores Espote, Serralha & Scorsolini-Comin (2013), ao analisar 8 artigos produzidos de
2005 a 2011 sobre surdez na literatura brasileira, relatam que a inclusão de surdos no contexto educacional
não se desenvolve de modo satisfatório por vários motivos como o despreparo dos professores e dos sistemas
de ensino, culminando em ações reducionistas como a garantida de vagas nas escolas, mas
“desconsiderando abordagens que abarquem seus protagonistas, familiares, profissionais de saúde e de
educação de maneira integrada” (Espote, Serralha & Scorsolini-Comin, 2013, p.77).
A respeito da Libras [Língua Brasileira de Sinais] Guarinello et al. (2013) trazem à discussão a questão
da inserção da disciplina de Libras nos cursos de Fonoaudiologia. De acordo com os autores, seguindo a
abordagem estabelecida a partir de 1960, “o reconhecimento e a adoção da língua de sinais, enquanto
primeira língua dos surdos e da língua nacional, como de uma segunda língua, passaram a ganhar força”
(p.334) em diferentes países, como o Brasil.
Na pesquisa realizada pelos autores, a partir de questionários aplicados a 240 acadêmicos de
Fonoaudiologia de 7 instituições de ensino superior brasileiras, percebeu-se por meio dos dados obtidos que,
em sua maioria, a carga horária da disciplina de Libras é mínima, tendo variação de 30 horas a 120 horas.
Vale ressaltar que o próprio Decreto nº 5.626/2005 não orienta sobre a carga horária do ensino de Libras,
tampouco sobre quais seriam os atributos necessários para o seu plano de ensino, o que “resulta na
indefinição de critérios mínimos a serem seguidos para garantir o acesso aos acadêmicos aos conhecimentos
teórico-práticos fundamentais para uma formação de qualidade acerca da Libras”. (Guarinello et al, 2013, p.
338).
Em relação à produção de 2014, de acordo com Silva, Silva & Silva (2014) em seu artigo sobre a
inclusão e os processos de escolarização descritos na perspectiva de 6 alunos surdos do Ensino Médio de
uma escola pública do Distrito Federal, em Brasília, traz à reflexão a percepção das práticas docentes
realizadas em uma escola de inclusão.

725
A Escola: Dinâmicas e Atores

Por meio de entrevistas semiestruturadas, identificou-se nos relatos a importância da utilização da


Libras para a aprendizagem dos alunos surdos, a presença do intérprete de Libras, assim como a necessidade
de recursos imagéticos enquanto estratégia pedagógica.
Embora a escola receba os alunos surdos na sala de aula comum, estes possuem o direito de receber
o atendimento especializado em contraturno, muitas vezes realizado por meio das salas de recursos que
contam com professores especializados. “Outros desdobramentos interessantes foram o papel de instrutores
e professores surdos na escolarização e a urgência de se criarem políticas educacionais” (Silva et al, 2014,
p.261), que fortaleçam a escola de surdos e com surdos.
Em outra pesquisa, Fernandes & Moreira (2014) trazem um panorama das políticas educacionais
voltadas para os surdos no Brasil desde a década de 1990. Nesse sentido, foram destacadas as questões
presentes no campo da política linguística e da educação inclusiva para surdos, apontando que existe um
desvio no foco da educação de surdos, pois de acordo com as políticas educacionais vigentes no cenário
brasileiro “o impacto central é não assegurar o direito à Libras como língua materna na infância, conforme
reivindicam os movimentos surdos e está assegurado na letra da lei” (Fernandes & Moreira, 2014, p.51).
Marques, Barroco & Silva (2014) corroboram que a questão linguística do surdo precisa ser
considerada em um ambiente dito bilíngue. Além disso, os autores chamam a atenção ao ensino de Libras
para as crianças ouvintes, no sentido de multiplicar os interlocutores em língua de sinais, oportunizando
“trocas linguísticas efetivas entre os pares surdos e ouvintes, e às crianças ouvintes oferta o acesso a um
universo cultural desconhecido” (Marques, Barroco, & Silva, 2014, p.504).
Devido a estas questões de barreiras linguísticas presentes nas escolas inclusivas, Campello &
Rezende (2014) apontam que o Movimento Surdo no Brasil defende a Escola Bilíngues para Surdos, sendo
que sua intenção foi reafirmada perante a eminência do fechamento do histórico Instituto Nacional de
Educação dos Surdos [INES] em 2011. Mediante esta questão, manifestações foram realizadas para que as
Escolas Bilíngues para Surdos fizessem parte do Plano Nacional de Educação [PNE], sancionado por meio
da Lei nº 13.005/2014 (Brasil, 2014), sendo considerado uma grande conquista para a comunidade surda
brasileira.
Em 2015, os autores Sales, Penteado & Moura (2015) discutem o processo de ensino-aprendizagem
de alunos surdos em aulas de matemática nos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola da rede
pública de ensino em São Paulo. De acordo com a pesquisa, por meio da Libras, os alunos surdos
conseguiram estabelecer interações sobre o conteúdo com os colegas e com o professor, ampliando seu
campo lexical na Libras ”bem como para o envolvimento dos alunos na atividade uma vez que oferece uma
oportunidade de exploração das propriedades matemáticas envolvidas nas tarefas” (Sales, Penteado, &
Moura, 2015, p.1268).
Ainda no que tange ao desenvolvimento da aprendizagem de estudantes surdos em disciplinas
específicas, Oliveira & Benite (2015) tratam das narrativas produzidas por professores e intérpretes de Libras
sobre as aulas de ciências para alunos surdos em três escolas públicas. Mesmo com a presença do
profissional tradutor e intérprete em sala de aula, os resultados apontam que o bilinguismo ainda não é efetivo
no ambiente escolar e que “a barreira linguística é a maior dificuldade encontrada no aprendizado dos
conhecimentos científicos pelos alunos surdos” (Oliveira & Benite, 2015, p.457).
Outra pesquisa realizada em 2015 por Bruno & Lima (2015) adentra a questão cultural e linguística
do surdo ao investigar a inclusão da criança Kaiowá surda brasileira na família e na escola. Esta pesquisa

726
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

partiu de um estudo etnográfico realizado nas Aldeias Bororó e Jaguapiru em Dourados, no Mato Grosso do
Sul. Foram realizadas entrevistas semiestruturas e observações com os participantes dos seguintes
ambientes das crianças surdas: a casa de três famílias indígenas com crianças surdas e três escolas
indígenas.
Com a coleta de dados, apontou-se que no relacionamento familiar existe uma necessidade
comunicativa voltada para a interação, no entanto, “observamos que as famílias indígenas desconhecem a
Libras e utilizam gestos e descrições de ação e de objetos para estabelecerem o mínimo de comunicação
com suas crianças surdas“ (Bruno & Lima, 2015, p.136). Os professores indígenas entrevistados
demonstraram vergonha por não conhecerem métodos pedagógicos para o ensino a alunos surdos, além de
reconhecerem a importância do intérprete de Libras, que vem a suprir a escassez de diálogo entre o professor
indígena e o estudante surdo.
No ano de 2016, Silva & Silva (2016) apresentam uma pesquisa sobre os relatos dos profissionais de
uma escola inclusiva de ensino Médio da rede pública do Distrito Federal que recebe alunos surdos. Foram
realizadas entrevistas semiestruturadas com: “a diretora, o supervisor pedagógico, a coordenadora de
linguagens e códigos, a coordenadora de humanas, o coordenador de exatas, o professor de português como
segunda língua” (Silva & Silva, 2016, p.33) assim como a professora que atua da sala de recursos e a
intérprete de Libras.
De acordo com o resultado das entrevistas, percebeu-se que a Libras é considerada como parte do
desenvolvimento bicultural dos alunos, porém, alguns profissionais parecem negar “constantemente a
validade de um ensino que priorize a Libras” (Silva & Silva, 2016, p.39).
Em 2016, outra pesquisa a respeito de investigação sobre discursos e a prática da inclusão foi
realizada por Bruno & Coelho (2016) com foco nos alunos índios e surdos. De acordo com as autoras, “existem
no Brasil 238.113 indígenas matriculados em escolas localizadas nas aldeias” (Bruno & Coelho, 2016, p.681)
e existem cerca de 8.772 de indígenas que não ouvem ou possuem dificuldades em ouvir.
Como resultado das análises, o índio surdo brasileiro foi situado como parte de uma cultura
diferenciada, revelando assim dificuldades, possibilidades e também as carências de comunicação situadas
no espaço escolar. Muitos índios surdos ainda não recebem atendimento educacional especializado e não
contam com a presença do tradutor intéprete de Libras. “Os resultados apontaram a necessidade de criação
de espaços de diálogo junto à comunidade escolar indígena, para que a questão da educação de pessoas
surdas seja discutida e construída” de modo coletivo (Bruno & Coelho, 2016, p.681).

CONCLUSÕES
O levantamento dos 17 artigos sobre educação de surdos no Brasil produzidos do ano de 2012 a
2016, possibilitou a elaboração algumas conclusões substanciais, dentre elas, a de que a legislação brasileira
tem procurado atender às necessidades educacionais dos alunos com deficiência, partindo do pressuposto
de prover a educação para todos. Mas, no caso dos alunos surdos, existem outras questões relevantes que
vão além da garantia do direito da matrícula na escola comum e do atendimento educacional especializado.
Nas pesquisas analisadas, foram abordadas os seguintes assuntos: a dificuldade da utilização da
Libras no contexto familiar e educacional, por pais e professores; a falta de informação sobre assuntos
relacionados à surdez por parte da comunidade escolar; dificuldade do delineamento da função do TILS em
sala de aula, que muitas vezes extrapolam o papel de mediador linguístico; embora o Decreto nº 5.626/2005

727
A Escola: Dinâmicas e Atores

(Brasil, 2005) aborde a questão bilíngue do surdo, ainda existem práticas oralistas nas escolas; aparente
despreparo dos professores e dos sistemas de ensino que recebem esses alunos; falta de parceria entre os
professores regentes e os profissionais do AEE; bilinguismo não efetivo nas escolas e as questões
relacionadas com a precariedade do atendimento aos índios surdos.
Mesmo que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) tenha sido oficializada no país desde 2002 por meio
da Lei nº 10.436, percebe-se que ainda existe desconhecimento da língua por parte dos professores e da
comunidade escolar, assim como são evidenciadas as dificuldades na realização das práticas pedagógicas
necessárias para a efetivação do processo de ensino-aprendizagem do educando surdo na escola comum.
Portanto, apesar da aprovação da Lei nº 10.436/2002 (Brasil, 2002), das especificações presentes no
Decreto nº 5.626/2005 (Brasil, 2005) e das diretrizes produzidas pela Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008), a educação de surdos apresenta grandes lacunas no
processo de inclusão nas escolas comuns, caracterizando um movimento que ainda precisa fortalecer-se e
aprofundar suas discussões no cenário brasileiro.

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729
A Escola: Dinâmicas e Atores

PROJOVEM URBANO: GESTÃO EM DIFERENTES ESPAÇOS PEDAGÓGICOS


[ID 90]

Rogério Soares Fragoso

Sonia Maria Chaves Haracemiv


Universidade Federal do Paraná; Curitiba, Paraná, Brasil
profrogeriosoares@yahoo.com.br; sharacemiv@ufpr.br

Resumo
O trabalho de pesquisa Gestão em diferentes espaços pedagógicos do Projovem Urbano (Programa Nacional
de Inclusão de Jovens e Adultos) busca investigar a gestão do referido programa quanto aos espaços e o
currículo, e as interferências na aprendizagem dos educandos frente às diferentes práticas pedagógicas,
individual e coletiva, bem como, identificar as formas de interação, apropriação de conhecimento,
reelaboração das experiências e a inserção social e profissional de jovens que se encontram em situação de
vulnerabilidade social. O desafio dessa pesquisa reside em pretender ampliar e sistematizar os saberes de
práticas que possam transformar a realidade da Educação de Jovens e Adultos, da Rede Municipal de Ensino,
da cidade de Curitiba, Paraná, Brasil. A investigação busca compreender as visões diversificadas sobre os
aspectos referentes ao Projovem Urbano, pelos depoimentos de educadores e educandos que vivenciaram e
vivenciam as práticas pedagógicas do programa, O trabalho historia a implantação do programa em nível
nacional e na Rede Municipal de Educação de Curitiba, desvelando a significação da aprendizagem com
diferentes gestões e espaços. O Projovem Urbano com seus três eixos fundamentais da Política Nacional
representa o compromisso para com os jovens brasileiros que mais sofrem com as consequências de um
processo de exclusão dos bens sociais, entre os quais, a educação e o trabalho, apresentando em seu Projeto
Pedagógico Integrado articulação entre Conclusão do Ensino Fundamental, Qualificação Profissional Inicial e
experiências de Participação Cidadã. O espaço desta investigação é uma escola da Rede Municipal de
Ensino, da Secretaria Municipal de Educação, da cidade de Curitiba, Paraná, Brasil, na qual foi desenvolvido
o Programa Projovem Urbano com educandos de ambos os sexos, na faixa etária de 18 a 29 anos. A Pesquisa
Ação opção metodológica para esse estudo com dados coletados pela observação e diagnóstico que
subsidiaram o planejamento e a intervenção docente. Espera-se, com os resultados da pesquisa, identificar
quais as diferenças entre as práticas pedagógicas do Programa no atendimento as demandas da comunidade.

Palavras-chave: ProJovem Urbano, Gestão de Espaços, Currículo, Práticas Pedagógicas.

Résumé
La gestion de la recherche dans différents espaces éducatifs ProJovem urbains (Programme national pour la
jeunesse et l'inclusion des adultes) vise à étudier la gestion de ce programme sur les espaces et les
programmes, et l'ingérence dans l'apprentissage des élèves avant à différentes pratiques d'enseignement,
individuel et collective, ainsi que d'identifier les moyens d'interaction, l'appropriation des connaissances, des
expériences et de remaniement de l'intégration sociale et professionnelle des jeunes qui sont en situation de
vulnérabilité sociale. Le défi de cette recherche est de vouloir étendre et systématiser la connaissance des
pratiques qui peuvent transformer la réalité de la jeunesse et de l'éducation des adultes, Municipal Education
Network, la ville de Curitiba, Paraná, Brésil. La recherche vise à comprendre les divers points de vue sur les
aspects relatifs à ProJovem urbaine, par le témoignage des enseignants et des étudiants qui ont expérimenté
et programme de pratiques d'expérience d'enseignement, le travail historique la mise en œuvre du programme
au niveau national et Curitiba Education Réseau municipal, révélant l'importance de l'apprentissage avec
différentes directions et des espaces. Le ProJovem urbain avec ses trois axes principaux de la politique
nationale est l'engagement des jeunes Brésiliens qui souffrent le plus des conséquences d'un processus
d'exclusion des biens sociaux, y compris, l'éducation et le travail, en présentant dans son Programme
d'éducation intégrée articulation d'achèvement de l'enseignement primaire, Qualification professionnelle
initiale et de l'expérience de la participation citoyenne. La portée de cette recherche est une école de
l'éducation Réseau municipal, le Département municipal de l'éducation, de la ville de Curitiba, Paraná, Brésil,
qui a été développé ProJovem Programme urbain avec les élèves des deux sexes, âgés de 18-29 années.
L'option méthodologique de recherche-action pour cette étude avec les données recueillies par l'observation
et le diagnostic qui a soutenu l'intervention de la planification et de l'enseignement. Il est prévu, avec les

730
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

résultats de la recherche, identifier les différences entre les pratiques pédagogiques du programme pour
répondre aux exigences de la communauté.

Mots-clés: ProJovem Urban Spaces gestion, Programmes d'études, Les pratiques pédagogiques.

INTRODUÇÃO
O desafio e ao mesmo tempo desejo do profissional do Magistério da Rede Municipal de Educação
de Curitiba, enquanto pesquisador reside em pretender ampliar e sistematizar os saberes na educação, com
uma concepção de investigação de práticas que acreditam na transformação da realidade. A proposta deste
trabalho de pesquisa intitulado: “Gestão de diferentes currículos e espaços pedagógicos no Projovem
Urbano”, sob um olhar mais atento quanto a compreensão epistemológica, assumir uma postura de
enfrentamento em busca de alternativas e dificuldades que se apresentam na prática, o que impedem, em
alguns momentos, a inclusão dos jovens no referido programa.
A partir da experiência pedagógica surgiram algumas reflexões que desafiaram os sentimentos do
pesquisador, profissional do magistério, em sua prática educativa. O Programa Nacional de Inclusão de
Jovens na modalidade urbana - ProJovem Urbano vem buscando formar educadores para responder aos
desafios que se apresentem durante a execução do programa, o que demanda a competência para planejar
e agir cooperativamente e a capacidade de considerar as diferentes facetas do educando como ser humano.
O programa recomenda que o professor, além da condição de especialista em uma disciplina deve atuar como
educador, no sentido amplo da palavra, desempenhando dois papéis distintos, mas inseparáveis: todo
educador é especialista em sua área de conhecimento, mas é também orientador da aprendizagem, vista
como elemento de construção da autonomia intelectual do educando/sujeito e de uma visão mais ampla do
processo educacional (Brasil, 2008).
A investigação busca compreender as visões diversificadas sobre os aspectos referentes ao Projovem
Urbano, pelos depoimentos de educadores e educandos que vivenciaram e vivenciam as práticas
pedagógicas do referido programa, questionando como a gestão de diferentes espaços e currículos interferem
nas práticas pedagógicas e na aprendizagem dos educandos do Projovem Urbano? Qual o perfil do educando
egresso do Projovem Urbano que foi atendido no ônibus itinerante e na escola em 2006 a 2009, e o perfil dos
educandos de hoje? Qual a interferência na aprendizagem do educando, sendo ele o dono da voz no
Projovem Urbano, no espaço do ônibus? Quais as diferenças no desenvolvimento das práticas pedagógicas
do Projovem Urbano no atendimento ao currículo da escola e do ônibus? Qual o significado na aprendizagem
do educando do Projovem Urbano o atendimento individual e coletivo?
O objetivo dessa pesquisa é identificar a gestão dos espaços, escola e ônibus itinerante e o currículo
do Projovem Urbano quanto à interferência nas práticas pedagógicas e na aprendizagem dos educandos.
Para tanto, foi necessário historiar a implantação do programa Projovem Urbano na Rede Municipal de
Educação de Curitiba, buscando traçar o perfil do educando egresso do Projovem Urbano atendido no ônibus
itinerante e na escola em 2006 a 2009. Nessa busca é necessário traçar o perfil dos educandos que hoje
frequentam o Projovem Urbano na voz do educando egresso do referido programa, na Secretaria Municipal
de Educação de Curitiba, buscando ouvir na voz dos educandos quanto à significação da aprendizagem.
A partir das experiências vividas foi possível observar e diagnosticar as diferenças no
desenvolvimento das práticas pedagógicas do Projovem Urbano no atendimento ao currículo da escola e do
ônibus itinerante, o significado da aprendizagem no atendimento individual e coletivo, relatando as

731
A Escola: Dinâmicas e Atores

experiências e vivências, no período de 2006 a 2015, leitura crítica e reflexiva da luta pela direito à educação
voltada aos jovens da faixa etária de 18 à 29 anos.
O espaço escolhido para esta investigação são três escolas da Rede Municipal de Educação (RME),
da Secretaria Municipal de Educação de Curitiba (SME), a qual está comprometida com a democracia, a
participação, a inclusão e a transformação social. Também, foi consultado o cadastro dos egressos de 2006
a 2009, na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) (Brasil,
2008), e do período de 2009 a 2015 na Secretaria Municipal de Educação de Curitiba.

A HISTÓRIA DA IMPLANTAÇÃO DO PROJOVEM URBANO


Em junho de 2005, a Medida Provisória 238/2005, instituiu o ProJovem Urbano, convertida na Lei
11.129/2005, regulamentada pelo Decreto 5.557 de 05/10/2005, o qual definiu em seu artigo segundo, a
finalidade do programa:
... executar ações integradas que propiciem aos jovens brasileiros, na forma do curso previsto
no artigo 81 da Lei 9.394/96, a elevação da escolaridade dos jovens, visando à conclusão do
Ensino Fundamental, à Qualificação Profissional, em nível de formação inicial, voltada a
estimular a inserção produtiva cidadã e ao desenvolvimento de Ações Comunitárias com
práticas de solidariedade, exercício de cidadania e intervenção na realidade local (Brasil,
2005).
Conforme determina a lei 11.692/2008, a faixa etária de atendimento foi ampliada para 18 a 29 anos
e aumentou a duração do curso para 18 meses. Desde a sua criação o Projovem Urbano teve o caráter de
intervenção emergencial, destinada a atender parcela significativa dos jovens com o perfil socioeconômico
tipificado como público-alvo, que tem necessidade de retornar a trajetória escolar e prosseguir nos estudos.
Assumiu também caráter experimental ao basear-se em novos paradigmas, constituindo sua proposta
curricular com base em conceitos inovadores que dão suporte à articulação entre o Ensino Fundamental, a
Qualificação Profissional e a Participação Cidadã, visando à formação integral do jovem, considerado como
protagonista da sua formação. A Qualificação Profissional tem-se apresentado como um dos fatores principais
de atração para o programa representando fator decisivo para o ingresso no curso e uma chance de aprender
uma profissão. A Participação Cidadã representa oportunidade significativa de aprendizagem, resgate de
cidadania e desenvolvimento social (Brasil, 2008).
Com intuito de ampliar o programa e de incorporá-lo efetivamente às políticas nacionais de educação,
em 21 de dezembro de 2011, o Decreto 7.649 determinou que a execução e a coordenação nacional do
Projovem Urbano ficassem no âmbito do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Assim o programa passou
a ser executado em âmbito nacional, no Ministério da Educação, ficando integrado à modalidade Educação
de Jovens e Adultos (EJA) (Brasil, 2011). Em âmbito local, passou a ser coordenado pelas secretarias de
educação dos estados e/ou município e do Distrito Federal, que a ele fizerem adesão. A condição para que
os municípios parceiros iniciem suas atividades é a existência de pelo menos um núcleo com 200 estudantes.
As secretarias e seus órgãos regionais são orientados a planejar um esquema de ação próprio para informar
aos jovens de sua localidade sobre a oferta do programa (Brasil, 2011).
As matrículas dos estudantes são feitas diretamente nas escolas públicas escolhidas pelos entes
federados parceiros para desenvolver o curso. O programa integra a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e
a Educação Profissional, somando o trabalho como princípio educativo. É o resultado da integração e
articulação entre ambas, concebido como alternativa de inclusão social de jovens excluídos da escola e do
trabalho. Essa inclusão social se dará pela elevação dos níveis de escolaridade desses jovens, pela sua

732
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

qualificação inicial para o trabalho e pela sua participação cidadã que busca incluí-los social e culturalmente,
como cidadãos atuantes.
O programa propõe um trabalho na perspectiva de contribuir especificamente para a reinserção do
jovem na escola; a identificação de oportunidades de trabalho e qualificação profissional inicial; a oferta de
oportunidades de desenvolvimento de vivências desses jovens em ações comunitárias e o acesso dos
educandos à inclusão digital como instrumento de inserção produtiva e de comunicação (Brasil, 2004).
A meta inicial do ProJovem Urbano foi atender a cerca de 200.000 jovens, no período de 2005 a 2008,
atuando em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal. Em 2006 ampliou o atendimento aos municípios
das regiões metropolitanas que possuíam 200.000 habitantes ou mais, tendo recebido a adesão de 29 cidades
(Brasil, 2005).
A avaliação do programa em 2010 indicou que os jovens excluídos estão mais dispersos
geograficamente, apontando a necessidade de ampliar o alcance do programa para cidades menores, uma
vez que parte substantiva dos jovens brasileiros deixa de ser contemplada, quando se restringe o atendimento
a municípios com mais de 200 mil habitantes (Brasil, 2010).
A avaliação do programa em 2010 indicou o limite das atuais ofertas educacionais para esse tipo de
público e deixou clara a dependência desses jovens em relação às políticas específicas. Mostrou também
que os jovens se preocupam em obter a certificação do Ensino Fundamental e aprender uma profissão por
acreditarem que estas são condições básicas para sua emancipação e a de suas famílias (Brasil, 2010).
O Projovem Urbano é um dos eixos fundamentais da Política Nacional e representa o compromisso
para com os jovens brasileiros que mais sofrem com as consequências de um processo de exclusão dos bens
sociais, entre os quais a educação e o trabalho. O programa ProJovem Urbano, voltado especificamente para
o segmento mais vulnerável e menos contemplado por políticas públicas vigentes: jovens na faixa etária de
18 a 29 anos, que terminaram o quinto ano, mas não concluíram o nono ano do Ensino Fundamental, sendo
que muitos não tem vínculos formais de trabalho. O programa caracteriza-se como emergencial, atendendo
um segmento que tem necessidade de chegar ao Ensino Médio, baseando sua proposta curricular em novos
paradigmas de ensino e aprendizagem (Brasil, 2005).
O programa foi criado como ação integrante da Política Nacional de Juventude lançada pelo governo
federal em 2005. Implantado sob a coordenação da Secretaria Nacional de Juventude da Secretária-Geral da
Presidência da República, em parceria com os Ministérios da Educação, do Trabalho e Emprego e do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Viabilizou-se, por meio dos sistemas de educação a certificação
de conclusão do Ensino Fundamental e de Qualificação Profissional (Brasil, 2005).
A formação integral no ProJovem Urbano compreende atividades de Formação Básica (800horas),
Qualificação Profissional (350 horas) e Participação Cidadã (50 horas), somando 1.200 horas presenciais,
além de 400 horas de atividades não-presenciais, totalizando 1.600 horas. Aos alunos, devidamente
matriculados, é concedido um auxílio financeiro mensal, no valor de R$ 100,00 (cem reais). O recebimento
desse auxílio condiciona-se à frequência e à entrega dos trabalhos escolares. Assim, o aluno deve
comparecer todo mês a, pelo menos, 75% das atividades presenciais, em cada unidade formativa, incluindo
as atividades de Participação Cidadã programadas e entregar 75% dos trabalhos escolares previstos para
cada mês (Brasil, 2005).
O exame nacional externo para fins de certificação no Ensino Fundamental ocorre ao término do curso
e tem como referência uma matriz de habilidades e conhecimentos elaborada em consonância com o

733
A Escola: Dinâmicas e Atores

currículo, por comissão especialmente designada para essa tarefa. O programa também oferece certificação
de Qualificação Profissional em um arco de ocupações (Brasil, 2005).
O programa caracteriza-se por apresentar: propostas inovadoras; Projeto Pedagógico Integrado
(PPI), articulando conclusão do Ensino Fundamental, Qualificação Profissional Inicial e experiências de
Participação Cidadã, como base para o alcance da finalidade pretendida; materiais pedagógicos
especialmente produzidos para atender a essas características do programa, constando de guias, manuais e
vídeos destinados a alunos; educadores; gestores e instituições de formação de educadores (Brasil, 2005).
O programa propõe estratégias com objetivo de reconduzir os jovens para os sistemas educacionais,
criando e validando múltiplas formas e múltiplos espaços de aprendizagem, de modo a ampliar o acesso aos
sistemas de ensino e aumentar a probabilidade de permanência neles (Brasil, 2005). A organização curricular
inovadora e flexível, buscando aliar teoria e prática formativa, que se articula à dimensão educativa do trabalho
e à participação cidadã. Apresenta Unidades Formativas tendo como propósito possibilitar a construção do
conhecimento em um processo contínuo. Cada Unidade Formativa articula-se em torno de um eixo
estruturante, de instrumentais conceituais e de ações curriculares. O eixo estruturante corresponde, em cada
unidade, a uma situação de instrumentos conceituais que indicam a perspectiva de abordagem da situação-
problema. As ações curriculares, relativa às áreas de Língua Portuguesa e Língua Estrangeira, Artes,
Matemática e Informática, estavam presentes em todas as Unidades Formativas. No tratamento dos
instrumentais conceituais, sempre busca combinar a ótica das Ciências da Natureza (Física, Química e
Biologia) com a ótica das Ciências Humanas (Língua Portuguesa, Geografia, História, Ciências Sociais e
Língua Estrangeira Moderna-Inglês) (Brasil, 2005).
As Unidades Formativas propostas pelo programa distribuem-se em Unidades Temáticas. A Unidade
Formativa I o tema Juventude e Cultura, trabalhando cultura como construção histórica e coletiva que atribui
sentido ao mundo, forma identidades, produz linguagens e ferramentas, institui regras e costumes, e o
reposicionamento diante do fato de que o reconhecimento social de distintas culturas está sujeito às relações
assimétricas de poder político e econômico (Brasil, 2005).
Na Unidade Formativa II o tema foi Juventude e Cidade, onde as práticas de ocupação do espaço
urbano pelos jovens (vivência na cidade globalizada) e o reposicionamento diante das dinâmicas urbanas de
inclusão e exclusão social deveriam ser discutidas (Brasil, 2005). Já na Unidade Formativa III a temática
Juventude e Trabalho tratando as transformações pelas quais vem passando a sociedade contemporânea e
as práticas de inserção dos jovens no trabalho, bem como o reposicionamento diante das dinâmicas de
inclusão e exclusão no trabalho e na escola (Brasil, 2005). Na Unidade Formativa IV o tema tratado foi
Juventude e Comunicação sob a ótica da Informação e comunicação na sociedade contemporânea e as
práticas dos jovens e o reposicionamento diante das dinâmicas de inclusão e exclusão no acesso à
informação e comunicação (Brasil, 2005).
O tema Juventude e Tecnologia abordado na Unidade Formativa V buscou discutir a ciência e
tecnologia na sociedade contemporânea e suas repercussões na vida do jovem, diante das dinâmicas de
inclusão e exclusão social no acesso às novas tecnologias (Brasil, 2005). E na Unidade Formativa VI o tema
era Juventude e Cidadania onde eram discutidas as diferenças sócias culturais que segmentam a juventude
brasileira: preconceitos e discriminações intra e intergeracionais. Reposicionamento diante das dinâmicas de
inclusão e exclusão sociais que expressam desigualdades e diferenças (geração, gênero, raça-etnia,
deficiências físico-psíquicas) (Brasil, 2005).

734
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Os princípios da proposta pedagógica do ProJovem Urbano incluem as ideias de protagonismo do


jovem e democracia participativa, a gestão da sala e aula implica relação pedagógica de mão dupla: não é
apenas o professor que ensina para o educando aprender; há uma troca de saberes: ambos ensinam e ambos
aprendem. Não se pode deixar de valorizar o que cada um tem a dar: todo mundo é bom em alguma coisa!
Por isso é tão interessante que o currículo seja amplo e diversificado, abrangendo diferentes dimensões do
ser humano, possibilitando aos educandos várias oportunidades de contribuir para com curso, colegas e
comunidade (Brasil, 2005).
A gestão da classe implica levar em conta a negociação entre educandos e educadores, que resulta
no currículo real. É necessário que as questões sejam discutidas, abrindo-se a possibilidade de acordos entre
educandos e educadores, entretanto, há que se levar em conta a questão do estabelecimento de limites, pois,
fazem parte do contexto dos jovens, mas são focalizados pelos diferentes campos do conhecimento segundo
as especificidades do olhar de cada um,
... tendo em vista a promoção da equidade e, assim, considerando as especificidades de seu
público: a condição juvenil e a imperativa necessidade de superar a situação de exclusão em
que se encontram esses jovens no que se refere aos direitos à educação, ao trabalho e à
cidadania. Entende-se ainda que o acesso a esses direitos, assim como a outros direitos
universais, só será pleno quando a sociedade reconhecê-los e, particularmente, quando os
segmentos deles privados assumirem-se como cidadãos ativos, conscientes do seu direito a
ter direitos e da necessidade de lutar por eles (Brasil, 2012, p.34).
Há assuntos sobre os quais se podem discutir, estabelecer acordos, votar, há outros que podem ser
discutidos para assegurar que todos os compreendem bem, mas que são inegociáveis: não se pode admitir
violência, agressão física ou verbal aos colegas e educadores; não se pode abrir mão da aprendizagem, das
provas e do cumprimento de determinadas tarefas (Brasil, 2005).
Em Curitiba os núcleos que atendem o ProJovem Urbano são escolas da Rede Municipal de
Educação de Curitiba, trabalhando com gestão compartilhada. O inicio dos trabalhos foi na data de 21 de
Janeiro de 2006, tanto nas sete escolas e o “ônibus itinerante”, que atendia as oito regionais. Os professores
selecionados foram capacitados, profissionais competentes e engajados na proposta, com objetivo de
mudanças significativas na modalidade de ensino para jovens, da faixa etária entre 18 a 29 anos, da cidade
de Curitiba. Adotando novos paradigmas e novos métodos por parte dos educadores, que foram
desenvolvidos ao longo de inúmeros encontros e debates entre especialistas em educação, trabalho e
assistência sociais proporcionados pela Secretaria Municipal de Educação de Curitiba.

PROJOVEM URBANO: NA VOZ DOS EDUCANDOS A SIGNIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM


COM DIFERENTES GESTÕES DE ESPAÇOS
A proposta do ProJovem Urbano para Educação Básica de jovens e adultos, em Curitiba, anúncio de
uma possibilidade ineditamente viável, não ocorre ao acaso nem vem sendo construída individualmente, mas
sim como alternativa construída coletivamente a partir da vivencia crítica, capaz de superar as situações-
limites que muitas vezes dificultam a concretização.
Aprender a trabalhar cooperativamente e a levar os educandos a fazê-los também, planejando e
executando coordenadamente as atividades de ensino e aprendizagem, de modo a favorecer, juntamente
com as apropriações dos conteúdos básicos e a concretização da interdisciplinaridade, a formação das
identidades dos jovens, o desenvolvimento de seus valores éticos e de cidadania, na certeza de que “os
objetivos propostos nos planejamentos de aprendizagem devem ter relação com os programas escolares,
exigindo noções e conhecimentos” (Freire, 1996, p.34).

735
A Escola: Dinâmicas e Atores

No entanto, entre o pensado na proposta original e o vivido algumas situações-limites, mesmo que
denunciadas e anunciadas, podem causar contratempos. Uma proposta diferenciada para escola de Jovens
e Adultos (EJA) deve ser pensada nos processos de ensino e aprendizagem a partir do educando,
considerando que “ensinar a pensar certo não é uma experiência em que ele - o pensar certo - é tomado em
si mesmo e dele se fala ou uma prática que puramente se descreve, mas algo que se faz e que se vive
enquanto dele se fala com a força do testemunho (Freire, 1996, p.41).
Considerando a fala do mestre, a boa prática pedagógica deve: respeitar e partilhar o processo que
será vivido por todos como algo novo, preservando a individualidade de cada um. Assim, a esperança de que
tudo pode dar certo tomou conta dos educandos e dos educadores, principalmente acreditaram que:
... exercendo como ser humana a irrecusável prática de interligar, desafiar o educando com
quem se comunica e a quem se comunica produzir sua compreensão do vem sendo
comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação que não
se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico (ibidem, p.42).
O resultado foi um conjunto inovador que combinou ações educacionais, formação profissional e
desenvolvimento comunitário. A experiência atraiu outros jovens ao programa, permitindo a ampliação de
novos espaços e entradas de educandos no Projovem no município de Curitiba.
Porém, é preciso ressaltar uma discussão de um dos problemas ao qual lutou-se desde o início do
percurso: o fato da Exclusão Escolar, exigindo uma reflexão destacando a palavra exclusão, onde percebe-
se que este termo vem do latim exclusione e significa ato de excluir, exceção; quando alguém é privado ou
excluído de determinadas funções, no caso, excluído de estudar, sendo esta uma “ação ou efeito de colocar
à margem um ou vários indivíduos. Supressão que pode ser de direitos e/ou do acesso a bens ou serviços,
tanto materiais quanto simbólicos” (Nascimento, 1994 apud Queiroz, 2002. p.2).
Também o termo exclusão escolar apresenta uma variação de significados, como situações de
carência, discriminação, vulnerabilidade, violência, falta de oportunidade, prioridade, dentre outros. Seguindo
com todos estes questionamentos, onde a pergunta que não queria se calar era: porque tantos jovens fazem
parte desta exclusão escolar?
Uma das respostas encontrada ao longo da pesquisa é de que são vítimas de processos sociais,
políticos e econômicos excludentes. As práticas revelaram que existem muitos fatores que interferem na
ausência escolar destes jovens, dentre eles se destacam: surgimento de uma inesperada gravidez,
consequente necessidade de começar a trabalhar, ter que ajudar os pais, problemas de saúde, a escola ser
longe de casa, relação difícil com os professores, não da escola, o comportamento não ser o mais adequado
e, devido a isso, terem sido “convidados” a sair da escola, dependência químicas, ou ainda, jovens que
viveram de curtos percursos escolares e que não usufruíram de uma preparação adequada.
Mediante vários problemas, estudar passa a ser uma atividade secundária para muitos jovens.
Portanto, alguns desistiram de estudar, por começarem a trabalhar, alegando “não ter ajuda, o tempo para
estudar era pouco e não conseguiam cumprir as atividades, desmotivando-se até desistirem” (Educandos,
2009).
Pelas periferias da cidade de Curitiba, com mutirões realizados pela coordenação em conjunto com
o grupo de professores, nos finais de semana, o ônibus percorria “favelas”, “invasões” e “becos”, estradas de
barro, subidas e descidas, à procura de jovens que tinham o perfil solicitado para estudar no programa. Com
esta iniciativa, começaram a embarcar os primeiros “passageiros”: eram jovens à margem da sociedade,
alguns com famílias desintegradas, “viciados”, com sérios problemas de aprendizagem e grande defasagem
de conteúdo, enfim, jovens com pouca ou nenhuma perspectiva.

736
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O clima hostil foi sendo superado com o aprimoramento das relações entre educadores e educandos
nas salas de aula. Os educandos traziam em seus rostos de rapazes e moças traços evidentes de sua história,
as quais de vida marcantes. Eram jovens esperançosos e animados porque no trajeto desta viagem iriam
receber a tão esperada bolsa de R$ 100,00 (cem reais), e de participar das Ações Comunitárias e
especialmente, pela oferta de Qualificação Profissional.
Infelizmente alguns foram ficando ao longo do caminho, muitos foram os motivos relatados, como:
“surgiu um emprego, mesmo não sendo registrado, incompatível com o horário das aulas, problemas de
saúde, internação em clínicas de reabilitação para drogados, cumprindo penas em penitenciárias”
(Educandos, 2009). Algumas das moças relataram que foram submetidas ao “machismo” de seus maridos
que, com ciúmes, desencorajavam e até proibiam suas esposas de frequentarem as aulas, sendo excluídas
uma vez mais do direito de estudar. Enfim, exclusões dos mais variados tipos: econômica, social, da
informação e da cultura. A experiência positiva atraiu outros jovens, permitindo a realização de novas entradas
do programa no município de Curitiba. Olhar para trás e enxergar o caminho percorrido e ver que o ProJovem
Urbano está cada vez mais consolidado como uma política pública de relevância para a juventude curitibana,
como pode ser constatada nas vozes dos educandos quando colocam que a “[...] presença constante que me
ensinou; nos textos dos guias de estudo; ou nos momentos de lição; a valorizar os caminhos; da minha
formação” (Educando, 2006).
Ao integrar Ensino Fundamental, Qualificação Profissional e Participação Cidadã, o programa
oportunizou aos jovens novas formas de interação, apropriação de novos conhecimentos, reelaborassem
suas próprias experiências e sua visão de mundo e, ao mesmo tempo, se reposicionassem quanto à sua
inserção social e profissional, sendo que:
... a formação de competências não é evidente e que depende em parte da escolaridade
básica, resta decidir quais ela deveria desenvolver prioritariamente. Ninguém pretende que
todo saber deve ser aprendido na escola. Uma boa parte dos saberes humanos é adquirida
por outras vias. Dizer que cabe à escola desenvolver competências não significa confiar-lhe
o monopólio disso (Perrenoud, 1999, p.84).
A atuação dos educadores do Projovem Urbano nas escolas e nas salas de aulas, espaços que as
propostas pedagógicas se concretizavam, é nesses espaços que se constrói o currículo real. No caso do
Projovem Urbano, isso significa, sobretudo, lidar com o múltiplo e os plurais presentes nas experiências e
conhecimentos prévios dos jovens, onde a escola seja capaz de trabalhar um currículo significativo, preparada
para que o ensino e a aprendizagem que de fato se efetivem em que a proposta político pedagógica, estando
alicerçada em uma pedagogia crítica, capaz de desafiar o educando a pensar criticamente a realidade social,
política e histórica (Freire, 1996, p.44).

REFLEXÕES NECESSÁRIAS
Nossa vida de professor pode ser comparada à uma viagem de ônibus, principalmente nós, como
professores do ProJovem Urbano, em nosso agitado cotidiano de sala de aula e até mesmo atuando no
interior de um ônibus. Surge então nesta viagem e em nossa carreira profissional no ProJovem Urbano, que
exigiu de nós professores e coordenação, uma interação entre todos para que pudéssemos superar as
diferenças de personalidade e unir os talentos de cada um para alcançarmos o mesmo objetivo: a formação
educacional e profissional dos nossos educandos.
Associar forças, somar as competências, estabelecer a real união para juntar as ideias e construir um
processo de aprendizagem melhor; é o que nos move a lecionar no ProJovem Urbano.

737
A Escola: Dinâmicas e Atores

O programa exigiu da coordenação e de nós professores e dos próprios jovens, com estilos, culturas
e formações diversificadas, fazendo então o diferencial desta equipe que se formou no ProJovem Urbano ao
longo destas fases, que muitas vezes foram marcadas pelo pessimismo e pelas dificuldades pedagógicas e
administrativas que marcaram o percurso desta viagem.
Vale dizer aqui: “o impossível é apenas aquilo que alguém teve coragem de realizar”. Podemos falar
que nós tivemos essa coragem, impulsionados muitas vezes por um sonho, movidos por uma paixão; fomos
aos poucos envolvidos pelo desafio que nos foi apresentado pela nossa coordenadora municipal. Nos unimos
e unidos fomos todos maiores do que somados unicamente, juntamos forças contra as ameaças que nos
faziam, em alguns momentos, desistir. Formamos com coordenação municipal, pedagógica, administrativa e
professores um grupo capaz de superar os obstáculos que surgiram no trajeto deste trabalho.

REFERÊNCIAS
Brasil (2005). Manual do Educador ProJovem Urbano: Orientações Gerais. Secretaria Geral da Presidência
da República. Secretaria Nacional da Juventude, Brasília – DF. Disponível em:
http://www.desenvolvimentosocial.pr.gov.br/arquivos/File/Projovem%20Urbano/projeto_pedagogico_
projovem_PPI.pdf. Acesso em: 24/02/2017.
Brasil (2008). Plano Nacional de Formação para Gestores, Formadores e Educadores – Projovem Urbano.
Secretaria Geral da Presidência da República. Secretaria Nacional da Juventude. Brasília – DF.
Disponível em: http://www.desenvolvimentosocial.pr.gov.br/arquivos/File/Pro jovem%20Urbano/
projeto_pedagogico_projovem_PPI.pdf Acesso em: 24/02/2017.
Brasil (2010). Disponível em: http://www.desenvolvimentosocial.pr.gov.br/arquivos/File/Projovem%20Urbano/
projeto_pedagogico_projovem_PPI.pdf. Acesso em: 24/02/2017.
Brasil (2011). Coordenação Nacional do Projovem Urbano no âmbito do MEC. Decreto nº 7.649, DE 21
de dezembro de 2011. Presidência da República. Casa Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7649.htm. Acesso em: 24/02/2017.
Castro, J. (2008). Juventude e Políticas Sociais no Brasil. Brasília: IPEA.
Curitiba (2012). Resolução e Diretrizes Curriculares para Educação de Jovens e Adultos. Prefeitura Municipal
de Curitiba, Secretaria Municipal da Educação, Gerência de Educação de Jovens e Adultos. Curitiba.
Freire, P. (1987). Pedagogia do Oprimido (22ªEd.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freire, P. (1996). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra.
Nascimento, E. (1994). Exclusão social: as múltiplas dimensões do fenômeno. Brasília: UnB. In Queiroz, V.
M. (2002). Sociologia da sociologia da exclusão social. Sociedade e Cultura, 5 (2), julho-dezembro,
pp.193-198. Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil. Disponível em: http://www.redalyc.org/
pdf/703/70350209.pdf. Acesso em: 23/02/2017.
Perrenoud, P. (1999). Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed Editora.

738
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A LIDERANÇA DE COORDENADORES DE DEPARTAMENTO DE UMA


ESCOLA SECUNDÁRIA
[ID 54]

Ana Isabel Freitas


Lídia da Conceição Grave-Resende
LE@D, Universidade Aberta; Departamento de Educação e Ensino à Distância, Universidade Aberta
anaisabelesjm@hotmail.com; lidia.grave@uab.pt

Resumo
A função de coordenador de departamento curricular é recente no nosso país. Espera-se que estes líderes
intermédios exerçam uma liderança pedagógica, apelem à participação dos docentes e contribuam para a
melhoria da qualidade escolar. Este artigo pretende dar a conhecer os resultados de uma investigação que
teve como objeto de estudo as práticas de liderança dos coordenadores de departamento curricular de uma
escola secundária, no Funchal. Optou-se por um estudo de caso, de natureza mista, aplicando aos
professores da escola o Inventário das Práticas de Liderança-Observador, de Kouzes & Posner (2003) e
entrevistas a cinco coordenadores de departamento. Concluímos que a prática de liderança mais exibida
pelos coordenadores tem a ver com a possibilidade de “Permitir que os outros Ajam”, seguida das práticas
“Mostrar o Caminho”, “Encorajar a Vontade”, “Desafiar o Processo” e “Inspirar uma Visão Conjunta”.
Verificamos que elegeram como prioridade para a sua ação a representação dos colegas no conselho
pedagógico e o estabelecimento de uma comunicação eficaz entre os diferentes órgãos da escola. A opção
assumida é suportada na interpretação da legislação e no tipo de cultura que carateriza cada um dos
departamentos. A mesma afasta-se do exercício de uma liderança pedagógica, veiculada às aprendizagens
da própria escola.

Palavras-chave: Líderes intermédios, Coordenadores de departamento curricular, Modelo de práticas de


liderança de Kouzes & Posner.

Résumé
Le rôle de coordonnateur de département, est relativement nouveau dans notre pays. Il est prévu que ces
leaders intermédiaires exercent une direction pédagogique, appel à la participation des enseignants visant à
améliorer de l'école. Cet article vise à présenter les résultats d'une enquête qui avait pour objet d'étude les
pratiques de leadership des coordonnateurs de département d'une école secondaire à Funchal. Nous avons
mené une étude diversifiée, appliquée aux enseignants de l’école la méthode de Kouzes & Posner "Inventaire
des pratiques de leadership-Observateur" (2003) et un entretien à cinq différents coordonnateurs de
département. Nous avons conclu que le type de leadership le plus répandu par les coordonnateurs est lié à la
possibilité de “Permettre à d'Autres d’Agir”, suivie par la pratique de “Montrer la Voie”, “Encourager leur
Volonté”, “Défier le Processus” et “Inspirer une Vision Commune”. L'aspect le plus important de leur rôle est
ce de permettre une communication efficace entre les différentes structures de l'école. L'option prise par eux-
mêmes est la base de l'interprétation qui fait les lois qui régissent son action et le type de culture qui caractérise
chacun des départements. Par conséquent, il écarte de l'exercice du leadership pédagogique transmis à
l'apprentissage des élèves et de l'école elle-même.

Mots-clés: Leaders intermédiaires, Coordonnateurs de département scolaires, Kouzes & Posner, modèle de
pratiques de leadership.

INTRODUÇÃO
A liderança existe desde que a espécie humana vive em grupo, o que a torna um objeto de estudo
muito antigo e de grande interesse. No entanto, foi com o desenvolvimento da psicologia social, no século
passado, que a necessidade de compreender/explicar o comportamento humano na sua relação com o outro
se acentuou. Desde então, os estudos sobre o tema têm proliferado, dando origem a um conjunto de teorias

739
A Escola: Dinâmicas e Atores

que, nas palavras de Sanches (2009), transformaram a liderança num sistema adaptativo e complexo. Essa
complexidade expressa-se também nas múltiplas definições que nos são oferecidas para o conceito. No
entanto, para Bush (2007), Leithwood, Day, Sammons, Harris & Hopkins (2006) a liderança pode ser definida
de um modo muito simples: liderança implica direção e influência sobre os outros, para que fins desejáveis
possam ser alcançados. Nas escolas, esse exercício de influência pode ser feito pelos líderes de topo, os
líderes intermédios ou mesmo por professores que “fazem as diferenças nos seus contextos e situações de
trabalho através da agência e da participação em iniciativas inovadoras” (Flores, Ferreira & Fernandes, 2014,
p.47). Para um melhor conhecimento da “influência” dos coordenadores de departamento curricular,
realizamos uma investigação sobre a sua ação, no âmbito do doutoramento em Educação, da Universidade
Aberta, na especialidade de Liderança Educacional, Dos coordenadores de departamento, espera-se o
exercício de uma liderança pedagógica que apele à participação e ao self-engagement dos docentes e que
contribua para a melhoria da qualidade escolar.

LÍDERES INTERMÉDIOS NA ESCOLA


São vários os estudos que consideram a ação do diretor da escola como um catalisador para a
organização (Horn & Marfan, 2010; Leithwood et al, 2006; Pinto, Galdames & Rodriguez, 2010) e como um
dos elementos que aí pode fazer a diferença (Bolívar, 2012; Day, Sammons, Leithwood, Hopkins, Gu, Brown
& Ahtaridou, 2011, Fullan, 2003, 2014; Hargreaves & Fink, 2007; Harris & Lambert, 2003; Hallinger, 2009,
2011). Todavia, investigações mais recentes mostram também que o líder escolar dificilmente conseguirá a
melhoria da sua escola se não for coadjuvado por outros professores líderes, cuja ação principal se deve
focar no processo de ensino e de aprendizagem e no trabalho colaborativo com os seus pares.
Na literatura de origem anglo-saxónica estes líderes são hoje conhecidos como middle leaders e
grande parte da investigação realizada sobre o seu papel foca-se na ação dos “heads of department” no Reino
Unido e nos “departamental chairs” nos Estados Unidos. Segundo Busher, Hammersley & Turner (2007),
delegados de grupo, professores orientadores/supervisores e diretores de turma também encaixam na
categoria de líderes intermédios, mas a terminologia para a sua referenciação pode variar em função do nível
de ensino ministrado na escola. Porém, para Pinto et al (2010) a expressão líderes intermédios, além de
aplicar-se aos docentes a quem foi atribuído um cargo formal de liderança, também se aplica aos professores
que exercem a sua atividade nas salas de aula e que influenciam os seus colegas sem possuírem qualquer
cargo formal de liderança. Estes líderes devem ser capazes de construir equipas de trabalho, interagir com
os seus pares em espaços de colegialidade e de colaboração, apoiar as equipas diretivas nas tomadas de
decisão, enfrentar os obstáculos que surjam no seu caminho e não perder de vista a melhoria do processo
de ensino e de aprendizagem.
No nosso país, entre os líderes intermédios nas escolas encontram-se os coordenadores de
departamento curricular de quem se espera o exercício de uma liderança pedagógica que contribua para a
melhoria da qualidade escolar.

COORDENADORES DE DEPARTAMENTO CURRICULAR


As escolas portuguesas são geridas por órgãos de gestão de topo e órgãos de gestão intermédia.
Entre os primeiros encontra-se “o director”, órgão unipessoal no continente e o conselho executivo na Região
Autónoma da Madeira (RAM), constituído por um presidente e dois ou quatro vice-presidentes, em função do

740
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

número de alunos da escola. Dos órgãos de gestão intermédia fazem parte os departamentos curriculares,
os conselhos de grupo, os conselhos de turma e outros órgãos de natureza pedagógica definidos em função
dos regulamentos internos das escolas. De acordo com o Decreto Legislativo Regional nº 21/2006/M, de 21
de junho, os departamentos curriculares, constituídos pelos professores dos diferentes grupos de
recrutamento e áreas disciplinares, são estruturas de apoio ao conselho pedagógico e têm como função
desenvolver medidas que reforcem a articulação interdisciplinar na aplicação dos planos de estudo. Esta
articulação deverá ser feita pelo coordenador, eleito pelos delegados de grupo do seu departamento. O
quadro seguinte descreve as competências dos coordenadores de departamento curricular (CDC) e o seu
processo de seleção.
O coordenador de departamento curricular
(Decreto Legislativo Regional nº 21/2006/M, de 21 de junho)
§ Eleito pelos delegados de grupo que constituem o seu departamento por um período de quatro
Seleção
anos.
§ Garantir a articulação entre o departamento e as restantes estruturas de orientação educativa
§ Planificar e avaliar as atividades do departamento
§ Garantir a participação do departamento na elaboração dos instrumentos de autonomia da escola
§ Elaborar um relatório crítico anual
§ Participar no conselho pedagógico
Competências § Promover a articulação entre a formação inicial e a formação contínua dos professores
§ Identificar as necessidades de formação dos professores do departamento
§ Exercer as demais competências fixadas no regulamento interno
§ Possibilidade de ser um dos quatro docentes a integrar a secção de avaliação interna do
desempenho docente do conselho pedagógico (Decreto regulamentar nº 26/2012, de 21 de
fevereiro)
Quadro I – Competências do coordenador de departamento curricular
As funções atribuídas ao CDC contemplam, assim, o exercício de uma liderança pedagógica e
profissional, de gestão, de desenvolvimento curricular, de representação e, possivelmente, de avaliação. De
acordo com Ávila de Lima (2008) foi o cargo de coordenador de departamento curricular que promoveu a
liderança dos professores e reconheceu a sua ação como um dos elementos fundamentais para a melhoria
da escola. Estudos realizados no plano internacional partilham da mesma ideia (Brown & Rutherford, 1998;
Brown, Rutherford & Boyle, 2000; Busher Fletcher & Turner, 2007; Feeney, 2009), mas reconhecem que o
papel do coordenador pode ser ambíguo, precisando de ser clarificado. Busher et al (2007) consideram que,
em princípio, os departamentos são comunidades de prática onde os professores trabalham em conjunto para
encontrarem estratégias que levem a um melhor desempenho dos seus alunos e à melhoria a nível escolar.
No nosso país, estudos já efetuados sobre a sua acção consideram que as práticas colaborativas estão
ausentes dos departamentos (Ávila de Lima, 2008; Pires, 2012; Sequeira, 2012) e que os coordenadores
reduzem a sua acção à gestão do currículo, à gestão do dia-a-dia e à transmissão de informações aos seus
colegas. No entanto, Ávila de Lima (2008) considera que a sua acção poderia ter um papel importante na
escola se os coordenadores agissem, nomeadamente, (i) como líderes profissionais, (ii) ajudassem a criar
um clima de mudança nos seus departamentos, (iii) adotassem um estilo de liderança que favorecesse a
direção e a coesão do departamento, exercendo influência significativa na qualidade do ensino e da
aprendizagem nas áreas do currículo sob a sua responsabilidade, ajudando na melhoria dos resultados
escolares dos alunos. Acrescenta, porém, que, para uma melhor compreensão do seu papel e do impacto da
sua ação nas escolas portuguesas, serão necessários mais estudos que recolham a opinião daqueles que
com eles trabalham e que os próprios sejam ouvidos sobre o que julgam ser o objeto e o propósito das suas
funções na escola.

741
A Escola: Dinâmicas e Atores

METODOLOGIA
A investigação que realizamos, assumindo a forma de estudo de caso de natureza mista, pretendeu
responder a seis questões de investigação: (i) Como se caraterizam as práticas de liderança dos
coordenadores de departamento curricular, de acordo com o modelo de Kouzes & Posner? (ii) Quais são as
conceções dos coordenadores de departamento curricular, relativamente ao seu papel e às funções que lhes
são atribuídas? (iii) Que obstáculos encontram os coordenadores de departamento curricular no exercício da
sua ação? (iv) A ação exercida pelos coordenadores de departamento curricular inscreve-se no âmbito da
gestão ou da liderança escolares? (v) As práticas de liderança dos coordenadores de departamento curricular
evidenciam o exercício de uma liderança pedagógica? (vi) Que impacto têm as práticas de liderança exercidas
pelos coordenadores de departamento curricular na organização escolar?
O estudo foi realizado numa escola secundária do Funchal, de grande dimensão, com uma oferta
educativa predominantemente orientada para o prosseguimento de estudos, um quadro docente estável,
gerida por um conselho executivo com uma vasta experiência no domínio da gestão escolar. Os CDC são
professores que possuem entre 21 a 26 anos de ensino, com experiência em cargos de liderança intermédia.
Os departamentos que coordenam são constituídos por uma média de 40 professores que pertencem a
grupos disciplinares afins. Foram eleitos pelos delegados de grupo que integram o seu departamento, tendo
a obrigação de reunir mensalmente com os mesmos, após a reunião do conselho pedagógico. Enquanto
delegados coordenam as reuniões quinzenais do seu grupo disciplinar.
O questionário “Inventário das Práticas de Liderança – Observador”, de Kouzes & Posner (2003),
(LIP-O) foi o instrumento aplicado aos 233 professores que exerciam funções na escola no ano letivo
2013/2014, entre os dias 4 a seis de fevereiro. Aos cinco CDC foi realizada uma entrevista semiestruturada
para cruzarmos a sua opinião, sobre a sua ação, com os dados obtidos nos questionários.
O LIP-O é constituído por trinta questões que pretendem avaliar cinco práticas de liderança que se
traduzem em dez mandamentos ou comportamentos considerados essenciais pelos autores, para que os
líderes consigam feitos extraordinários na sua organização (Kouzes & Posner, 2009). Carateriza-se,
seguidamente, as cinco práticas de liderança.
Mostrar o caminho - Os líderes devem ser um exemplo para os liderados, agindo tendo em conta os valores
que defendem para a organização. A sua ação deve sustentar-se na credibilidade, colocando as pessoas em
primeiro lugar, mostrando respeito pelos liderados e conquistando o seu respeito. “Clarificar valores,
encontrando a própria voz e estabelecendo ideias comuns” (1) e “Dar o exemplo ao agir de acordo com os
ideais comuns” (2), são os comportamentos que explicitam esta prática de liderança.
Inspirar uma visão conjunta - Os líderes têm visões para a organização que devem partilhar com os
liderados, com paixão, conseguindo o seu apoio para que essa visão se torne uma realidade. Ao mesmo
tempo, devem ouvir “as esperanças, aspirações, visões e valores de todos” (Kouzes & Posner, 2009, p.39),
para que os liderados sintam que o líder compreende as suas necessidades. “Conceber o futuro, ao imaginar
possibilidades excitantes e enobrecedoras” (3) e “Atrair os outros numa visão comum ao apelar às aspirações
comuns” (4) são, os mandamentos/comportamentos que explicitam esta prática.
Desafiar o processo - A criação de um movimento de liderança, desafiando o processo (Kouzes & Posner,
2009), permitindo a criação de atividades inovadoras, incentivando a aprendizagem, olhando os erros como
oportunidades e um desafio, são fatores essenciais para a mudança. Esta prática materializa-se em dois
comportamentos: “Procurar oportunidades ao tomar a iniciativa e procurar formas inovadoras para melhorar”

742
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

(5) e “Experimentar riscos ao proporcionar constantemente pequenas vitórias e aprendendo com a


experiência” (6).
Permitir que os outros ajam - Os desafios, fomentadores da inovação, só podem acontecer se houver,
efetivamente, um trabalho de equipa, onde o eu é um “nós”, palavra mágica que alimenta a colaboração, cria
confiança e permite que todos se identifiquem com os resultados obtidos. Por isso, o líder “Deve fomentar a
colaboração ao criar confiança e facilitando as relações” (7) e “Dar força aos outros aumentando-lhes a
determinação e desenvolvendo as competências” (8).
Encorajar a vontade - O cansaço e até mesmo a exaustão podem afetar todos quantos trabalham numa
organização. Por isso, os líderes devem reconhecer e estimular o trabalho individual para que todos se
sentiam motivados e fortalecidos para continuarem o caminho. “Reconhecer contributos mostrando gratidão
pela excelência individual” (9) e “Celebrar os valores e as vitórias criando um espirito de comunidade” (10)
são os comportamentos que o líder deve exibir quando quer encorajar a vontade
Para responderem ao questionário os inquiridos utilizaram uma escala que varia entre 1 e 5, em que
1 significa que esse comportamento nunca é observado; 2 significa que o comportamento é observado
ocasionalmente; 3 significa a exibição desse comportamento algumas vezes; 4 significa que os liderados
julgam que o líder exibe esse comportamento muitas vezes e uma pontuação de 5 significa que os inquiridos
julgam que o líder exibe frequentemente esse comportamento.
Após a recolha dos dados obtidos nos questionários e nas entrevistas procedemos ao seu
cruzamento, com vista à obtenção de resultados fidedignos.

RESULTADOS
Os dados recolhidos através do LIP-O foram tratados através do programa informático SPSS 20.0
(Statistical Package for Social Sciences). As médias obtidas nas cinco práticas de liderança foram calculadas
pela soma dos seis itens que as compõem, variando entre 6 e 30. A obtenção de resultados mais elevados
significa que o líder exibe os comportamentos que lhe estão associados e as médias mais baixas significam
que os comportamentos que lhe estão associados não são percecionados pelos liderados. As médias obtidas
em cada mandamento foram calculadas pela soma da pontuação obtida em cada um dos três itens que lhes
estão associados, variando os seus valores entre 1 e 15. Num universo de 233 professores, responderam ao
questionário 176, apesar de muitos não terem pontuado todos os itens pelo que fomos confrontados com um
grande número de “não respostas”. A tabela com os resultados obtidos em cada prática de liderança pode
ser observada em seguida.

743
A Escola: Dinâmicas e Atores

Prática-Mandamento n "̅ ± % &' − &)


Mostrar o caminho 130 21,8 ± 5 19 - 25
Clarificar os valores, encontrando a própria voz e estabelecendo ideias comuns 132 10,5 ± 2,9 9 - 12
Dar o exemplo ao agir de acordo com os ideais comuns 132 11,3 ± 2,5 10 - 13
Inspirar uma visão conjunta 128 20,1 ± 5,4 17 - 24
Conceber o futuro, ao imaginar possibilidades excitantes e enobrecedoras 130 9,5 ± 2,8 8 - 12
Atrair os outros numa visão comum ao apelar às aspirações comuns 129 10,6 ± 2,9 9 - 13
Desafiar o processo 128 20,5 ± 5,1 18 - 24
Procurar oportunidades ao tomar a iniciativa e procurar formas inovadoras para
melhorar 130 10,1 ± 2,7 9 - 12
Experimentar e correr riscos ao proporcionar constantemente pequenas vitórias
e aprendendo com a experiência 130 10,5 ± 2,6 9 - 12
Permitir que os outros ajam 129 23,1 ± 5,1 20 - 27
Fomentar a colaboração ao criar confiança e facilitando as relações 132 11,9 ± 2,8 10 - 14
Dar força aos outros aumentando-lhes a determinação e desenvolvendo as
competências 131 11,2 ± 2,5 10 - 13
Encorajar a vontade 129 21,3 ± 5,7 18 - 25
Reconhecer contributos mostrando gratidão pela excelência individual 131 10,6 ± 3 9 - 13
Celebrar os valores e as vitórias criando um espírito de comunidade 131 10,7 ± 2,9 9 – 13
n – número de professores ; x+ ± S média e desvio padrão; Q' − Q) Primeiro quartil e terceiro quartil
Tabela 1 – Estatística descritiva das dimensões das práticas de liderança
A análise da tabela permite-nos tirar as seguintes conclusões, com base nos valores obtidos em cada
prática de liderança e respetivos mandamentos:
Mostrar o Caminho - esta prática obteve média de 21,8, numa escala que varia entre 6 e 30. Os
mandamentos que explicitam esta prática apresentam valores bastante próximos; Inspirar uma Visão
Conjunta – média de 20,1, com um desvio padrão de 5,4, o que mostra alguma divergência entre os
professores relativamente às pontuações atribuídas; Desafiar o Processo – média de 20,5, o que significa
que, na opinião dos professores, os CDC “desafiam muitas vezes o processo; Permitir que os Outros Ajam
– média de 23,1 o valor mais elevado, o que nos permite inferir que os docentes da escola consideram que
os CDC exibem comportamentos que “permitem que os outros ajam”; Encorajar a Vontade – média de 21,3
e um desvio padrão de 5,7 o que traduz a existência de divergências na forma como os cento e vinte e nove
professores pontuaram nos itens que avaliam esta prática no LIP-O, o que aconteceu em todas as práticas
de liderança.
Os dados obtidos nas entrevistas ajudaram-nos a compreender os resultados obtidos em cada prática
de liderança. A partir da sua transcrição foram surgindo as categorias de codificação, determinadas pelas
questões de investigação. O “papel das lideranças intermédias”, “departamentos curriculares”, “conceções de
liderança”, “ação do coordenador”, “impacto da ação do coordenador”, “reconhecimento” e “balanço e legado”
foram as categorias escolhidas. Verificamos que os CDC consideram que o seu papel na escola está “um
bocado apagado”, que os departamentos curriculares “não trouxeram mais-valias à escola”, que o seu papel
é importante a “nível da transmissão de informações aos seus colegas”, assumindo-se como “intermediários”
entre os diferentes órgãos. Alguns professores não sabem quem é o seu coordenador de departamento. “Não
há reuniões entre o CDC e os professores e quando é preciso resolver algum problema é o delegado que o
faz”. As programações e as planificações para o processo de ensino e de aprendizagem são feitas nos grupos
disciplinares. Os CDC consideram que a liderança no departamento é exercida de “forma positiva”, mas nem
todos se consideram líderes. Afirmam que o seu papel na escola está mais relacionado com funções de
gestão e que são líderes nas suas salas de aula. Quando foram eleitos para o cargo tinham como objetivos

744
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

principais estabelecer “uma comunicação eficaz” entre o conselho executivo e os seus colegas e representá-
los no conselho pedagógico. O impacto para a sua ação na escola dever-se-á fazer sentir nestes domínios e
não no domínio pedagógico. Como delegados, consideram que nem sempre é fácil criar espaços de
colaboração nos seus grupos, “porque os seus colegas já têm muita experiência”. O mesmo acontece com a
“inovação” que é “difícil”, mas importante e acarinhada, desde que traga benefícios para os alunos. A forma
de “reconhecer e a celebrar os sucessos” é determinada pelas caraterísticas dos grupos que representam e
pelas suas personalidades. Alguns CDC referem que as disciplinas do seu departamento “não têm muito
sucesso”, outro refere que é muito exigente, por isso “nunca fico satisfeito com os resultados”, outro faz “um
elogio” quando considera que há algo que o mereça e outro acha que os sucessos “devem ser partilhados
com toda a escola”. Como balanço e legado para o futuro, gostariam de ser olhados “como professores
exigentes” e como alguém que, no exercício das suas funções, contribuíu para a melhoria da escola.

CONCLUSÕES
Os dados obtidos permitem-nos responder às nossas seis questões de investigação: (i) os
professores da escola onde decorreu o nosso estudo consideram que os CDC “permitem que os outros
ajam”, deixando espaço aos seus colegas para fazerem o seu trabalho de forma autónoma; “mostram o
caminho”, agindo de acordo com os valores que defendem para o exercício da sua profissão; “encorajam a
vontade”, elogiando quando o trabalho realizado no seu departamento é reconhecido pela comunidade
escolar; “desafiam o processo”, quando nos seus departamentos/grupos abrem a possibilidade da
introdução de novos projetos/estratégias para a melhoria do ensino e da aprendizagem; “inspiram uma visão
conjunta”, quando apelam ao profissionalismo docente, com vista à melhoria da aprendizagem dos alunos.
(ii) Os CDC elegeram como as suas principais prioridades a representação dos seus colegas no conselho
pedagógico e o estabelecimento de uma comunicação eficaz entre os vários órgãos da escola. Reduzem a
sua ação à interpretação que fazem da legislação sobre as suas competências. (iii) Como obstáculo ao
exercício da sua ação identificam o não reconhecimento do lugar que ocupam na hierarquia organizacional,
a autonomia de cada professor se sente imbuído e o isolamento que, de uma forma geral, carateriza o trabalho
nos departamentos e nos grupos disciplinares. (iv) A sua ação inscreve-se sobretudo no âmbito da gestão ou
de uma liderança gerencial/formal, o que encontra justificação nas prioridades que escolheram para o
exercício das suas funções. (iv) As suas práticas de liderança não evidenciam o exercício de uma liderança
pedagógica; a sua ação não tem influência direta no processo de ensino e de aprendizagem dos alunos e não
acompanham o trabalho pedagógico dos seus colegas. (vi) A ação do delegado de grupo terá sempre mais
impacto na escola no processo de ensino e de aprendizagem do que a ação do CDC. É no plano das atitudes,
com o seu esforço, empenho e boas relações interpessoais que julgam ajudar a construir uma escola melhor
para os alunos e para os professores.
Em conclusão, podemos afirmar que os CDC do nosso estudo não se assumem como agentes de
mudança. Optaram por um exercício de uma liderança que pode ser designada de gerencial/formal. A
literatura da especialidade diz-nos que os líderes intermédios deviam ter um papel de destaque na melhoria
da escola se os mesmos exercessem uma influência positiva sobre os seus pares, orientando e
supervisionando o seu trabalho pedagógico e trabalhando com as lideranças de topo. Os CDC do nosso
estudo optaram por não “desafiar o processo”, considerando que ao cumprirem as suas funções estão a

745
A Escola: Dinâmicas e Atores

contribuir para o bom funcionamento da escola enquanto organização e, como tal, ajudando a criar condições
para a melhoria da escola.

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série, Nº 37

747
A Escola: Dinâmicas e Atores

DIVERSIDADE E CUSTO DE ACESSO À ESCRITA ALFABÉTICA: CONTRIBUIÇÕES


DA EDUCAÇÃO INFANTIL AOS SUJEITOS DO LETRAMENTO
[ID 393]

Maíra de Oliveira Freitas


Luiz Antônio Gomes Senna
Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira/ CAp-UERJ; Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (ProPed-UERJ)
freitasmaira@yahoo.com.br; senna@senna.pro.br

Resumo
A discussão proposta neste trabalho tem origem nos estudos realizados pelo Grupo de Pesquisa Linguagem,
Cognição Humana e Processos Educacionais, que investe seus esforços na produção de investigações sobre
os aspectos da linguagem e os modos de representação do conhecimento com fins de repercussão no
cotidiano das práticas escolares. O ensino da leitura e da escrita constitui-se umas das fundamentais
atribuições da escola, já que se configurou como relevante instrumento para que os alunos exerçam os seus
direitos universais de acesso à escrita alfabética e à cultura letrada. No entanto, já é bem sabido por toda
comunidade, seja acadêmica ou não, que a experiência brasileira de educação escolar, ainda colhe enormes
fracassos no que concerne a Alfabetização. Muitas são as hipóteses e discussões na academia a respeito do
comportamento manifesto pelo aluno em situação de diversidade no processo de letramento, sejam elas
étnicas, culturais ou sociais. No entanto, pouco se discute as diversidades no modo com o sujeito aprende,
ou seja, pouco se fala em diversidade de aprendizado. Portanto, no referido trabalho, buscamos traçar o perfil
do sujeito cognoscente subjacente ao processo de alfabetização e seus aspectos individuais de aprendizagem
no que dizem respeito à elaboração de conceitos científicos. Por fim, compreendendo a docência como um
espaço de produção do conhecimento, focamos o estudo em um segmento específicos da Educação Básica:
a Educação Infantil. A partir da discussão da seleção de práticas pedagógicas mediadoras de aprendizagens,
buscamos alternativas inclusivas que favoreçam as subjetividades do contexto educacional diverso.

Palavras-chave: Letramento, Educação infantil, Diversidade de aprendizado, Modos de pensamento,


Práticas pedagógicas.

Résumé
La discussion mise en avant dans ce travail s’origine dans les études réalisées par le groupe de recherche
Langage, Cognition Humaine et Processus Éducatifs, qui s’investit dans les recherches sur les aspects du
langage et les modes de représentation de la connaissance afin d’influencer les pratiques scolaires
quotidiennes. L’enseignement de la lecture et de l’écriture constitue l’une des prérogatives fondamentales de
l’école puisqu’il s’est configuré comme un outil important pour que les élèves exercent leur droit universel
d’accès à l’écriture alphabétique et à la culture lettrée. Pourtant il est reconnu par toute la communauté, qu’elle
soit académique ou non, que les expériences brésiliennes de l’éducation scolaire trouvent encore de graves
échecs en ce qui concerne l’alphabétisation. Il y a bien d’hypothèses et de discussions dans l’académie sur le
comportement de l’élève en situation de diversité dans le processus de littératie, qu’elle soit ethnique, culturelle
ou sociale. Cependant, on discute peu des diversités dans la façon dont le sujet apprend ; en d’autres termes,
on traite insuffisamment de la diversité d’apprentissages. Dans ce travail, nous cherchons donc à dresser le
profil du sujet de connaissance sous-jacent au processus d’alphabétisation et les aspects individuels
d’apprentissage en ce qui concerne l’élaboration de concepts scientifiques. Ultérieurement, en partant d’une
conception de l’enseignement comme un espace de production de connaissances, nous concentrons l’étude
sur une tranche particulière de l’éducation basique : l’éducation infantile. À partir de la discussion sur la
sélection de pratiques pédagogiques de médiation d’apprentissage, nous cherchons des alternatives
inclusives qui favorisent les subjectivités au sein d’un contexte éducatif divers.

Mots-clé: Littératie, Éducation infantile, Diversité d’apprentissage, Moyens de pensée, Pratiques


pédagogiques.

748
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A ALFABETIZAÇÃO E O FRACASSO
A discussão proposta neste trabalho tem origem nos estudos realizados pelo Grupo de Pesquisa
“Linguagem, Cognição Humana e Processos Educacionais”1, que investe seus esforços na produção de
investigações sobre os aspectos da linguagem e os modos de representação do conhecimento com fins de
repercussão no cotidiano das práticas escolares.
O ensino da leitura e da escrita constitui-se umas das fundamentais atribuições da escola, já que se
configurou como relevante instrumento para que os alunos exerçam os seus direitos universais de acesso à
escrita alfabética e à cultura letrada. No entanto, já é bem sabido por toda comunidade, seja acadêmica ou
não, que a experiência brasileira de educação escolar, ainda colhe enormes fracassos no que concerne a
Alfabetização. Mesmo nos dias atuais, ainda somos incapazes de assegurar a todos cidadãos plena
apropriação da língua escrita enquanto instrumento de integração social.
Compreender a língua escrita como fenômeno intimamente ligado à possibilidade de inclusão social
é mais de que uma opção teórica, mas sim uma opção político/ideológica que considera que o papel da escola
é preparar o aluno para pensar cientificamente, quando lhe for necessário. Desta forma, a função do
Letramento seria introduzir os indivíduos nas práticas de certos códigos que podem estar, ou não,
impregnados com a cultura escrita. No entanto, torná-lo membro da cultura científica, deverá ser uma opção
do sujeito e não uma imposição social e escolar.
Desta forma, o desafio da Educação Inclusiva é, justamente, dar a possibilidade aos alunos de
transitarem entre suas formas de pensamento (narrativo ou científico), sem que haja uma violência cultural
por parte da escola, que legitima apenas uma forma de pensar. Fica claro, no entanto, que se o sujeito não
souber transitar entre a forma de pensamento, ainda legitimada pelas práticas educativas e pela cultura
dominante, será sim, vítima de exclusão e jamais será aceito como um membro da cultura científica.
Diante desse contexto, as competências de leitura e escrita são requisições para a inserção social e
tem um espaço considerável devido a sua relevância, tanto no cotidiano escolar, quanto na própria vida dos
sujeitos. Torna-se imperativo que a escola proporcione oportunidades de construção das competências
linguísticas necessárias para que o sujeito possa se formar um leitor competente.
No entanto, mesmo reconhecendo as inúmeras iniciativas da comunidade científica e escolar, ainda
colhemos dados muito preocupantes no Brasil. Embora saibamos que o conceito de alfabetização é muito
fluido e que não há critérios universais que permitam definir com precisão o que caracteriza uma criança
alfabetizada, a definição dos conhecimentos e habilidades que a criança deve dominar para que seja
considerada alfabetizada deveria preceder a avaliação da alfabetização.
O Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) divulgaram os dados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), realizada em 2014. Os dados
mostram que 22,21% dos alunos estão no nível mais baixo de leitura. Isto significa que eles só são capazes
de ler palavras, mas não de compreender frases e textos.
A escala de proficiência de escrita tem cinco níveis. O primeiro concentra os alunos que não
conseguiram produzir um texto, entregaram a prova em branco ou apenas com desenhos. Do total de crianças
do 3º ano de escolas públicas que fizeram a ANA, 11,64% estão no nível 1. A faixa de proficiência
subsequente agrega os alunos que ainda trocam as letras das palavras e, portanto, não produzem textos

1
Liderado pelo Prof. Dr. Luiz Antonio Gomes Senna, compõe a Linha de Pesquisa “Educação Inclusiva e Processos
Educacionais” (EDU/PROPED/UERJ).

749
A Escola: Dinâmicas e Atores

legíveis. O nível 2 concentra 15,03% dos alunos brasileiros. A taxa do nível mais alto, o 5, revela que apenas
9,88% das crianças já escrevem de acordo com o que se espera ao fim do ciclo de alfabetização.
Portanto, embora possamos questionar a maneira como os dados e avaliação foi referenciada, o que
não faremos nesse trabalho, é anterior a essa discussão o fato de crianças e adultos ainda colherem fracassos
no que diz respeito à aquisição da língua escrita e a alfabetização ainda ser vista como uma das maiores
problemáticas escolares.

DISCUSSÃO DE CURRÍCULO E CONTEÚDO


Segundo Senna (2007, p.25), a educação escolar é não mais do que uma extensão do modelo de
educação adotado pela sociedade em todas as suas esferas e modos de ação. A educação formal, serve a
sociedade na medida em que institui-se como instrumento gerador de homens civilizados.
No entanto, considerando a sociedade brasileira, com suas múltiplas culturas, uma vez que fomos
formados pela miscigenação de diferentes povos2, seria possível uma educação única para toda a população?
Além disso, em uma sociedade desigual como a nossa, onde claramente a classes dominantes,
mesmo sendo a minoria numérica, possuem uma voz muito mais aceita nos meios sociais, vinculada aos
padrões de sociedade civilizada em detrimento das vozes dissonantes das classes menos favorecidas, seria
possível estabelecer uma unidade no que diz respeito à educação?
Ao que diz respeito à escola, parece que sim. Embora saibamos que o modelo de sociedade fundante,
no qual a escola se fundamenta, baseado na lógica cartesiana, que propõe uma conduta típica (individual,
exclusiva e laboral)3, nada condiz com o sujeito brasileiro e suas especificidades. Porém, mesmo assim, a
escola questiona, o tempo todo, a maneira como o sujeito representa sua visão de mundo – seja na escrita
ou na fala- baseada em sua visão cientificista e universal de indivíduo. Não se questiona o sujeito cognoscente
subjacentes a essas práticas, o sujeito brasileiro, único, singular, peculiar.
Neste processo, podemos destacar o racionalismo cartesiano e o empirismo newtoniano, como
determinantes para a construção de um novo paradigma que revolucionou não apenas a Educação, mas
também, estruturou o pensamento intelectual e social, conforme nos aponta Doll (1997). A Ciência Moderna,
baseada então no racionalismo de Descartes e o empirismo de Newton, cumpre tão bem o seu papel que
torna-se um dogma que perdura e impregna ainda hoje as bases teóricas e as práticas educacionais, mesmo
diante de um mundo que já inaugurou a contemporaneidade.
O método definido por Descartes para conduzir corretamente a razão na busca da verdade pautava-
se em quatro regras metodológicas, a saber:
Primeira Regra: Aceitar apenas o que se apresenta para a mente “tão clara e distintamente”
que a sua verdade é auto-evidente.
Segunda Regra: Dividir cada dificuldade “em tantas partes quanto possível” para uma solução
mais fácil.
Terceira Regra: “Pensar de maneira ordenada”, como os antigos geômetras com suas “longas
cadeias de raciocínio”, sempre prosseguindo gradualmente, daquilo que é “mais simples e
fácil de compreender” para o mais complexo.
Quarta regra: Revisar tudo o que foi dito acima, para ter “certeza de que nada foi omitido
(Descartes apud Doll, 1997, p.46) (grifos do autor).

2
Para maior aprofundamento sobre este assunto, ler: Darcy Ribeiro, A formação do povo brasileiro.
3
Senna (2011, p.34)

750
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Tamanha foi a influência, que o pensamento iniciado no século XVII por Descartes operou uma
transformação radical na filosofia, impondo-se também na literatura, na moral, na política, na teoria do estado
e da sociedade, além de influenciar todo o desenvolvimento da sociedade.
Tal metodologia cartesiana define, portanto, uma racionalidade científica a partir da qual somente um
tipo de conhecimento é legitimado: o conhecimento científico. Esse modelo idealizado de cidadão da cultura
Moderna – o sujeito cartesiano - era, e ainda é o que se busca formar na Escola. Essa busca concretiza-se a
partir da assunção de modelos educacionais - pautados em metodologias curriculares mecanicistas e
fechadas - que possibilitem emergir tais figuras cartesianas.
As escolhas curriculares pautadas na lógica da ciência moderna desprezaram as formas de
construção de conhecimentos construídos cotidianamente pelas comunidades de base oral para considerar
apenas um único modelo: o lógico-científico.
Sendo assim, ao privilegiar em suas práticas somente o modelo cartesiano, a escola passou a
menosprezar o conhecimento popular trazido pelo aluno como forma legítima de pensar, agir e interagir no
mundo, servindo assim como mecanismo segregacional. Por sua vez o processo de ensino-aprendizagem,
influenciado pelas bases cartesianas de sujeito universal, garantiu a escola um caráter discriminatório e
seletivo dos sujeitos que ali poderiam ser capazes a orientar-se em uma perspectiva científico-cartesiana.
Desta forma, estamos diante de uma contradição: O Letramento seria uma possibilidade de garantir
aos sujeitos inclusão social no que diz respeito à práticas letradas da cultura científica. No entanto, em
contraposição a esse posicionamento, essa mesma escola que é responsável por garantir mecanismos de
inclusão social é, justamente, a que segrega e exclui os indivíduos que pertençam a culturas de base oral.

HABILIDADE DE LEITURA COMO DESENVOLVIMENTO DO MODO CIENTÍFICO DE


PENSAMENTO
Sabemos que a criança é um ser social, que interage de acordo com o seu meio. Sabemos também
que a prática escrita é a única legitimada pelos meios escolares, uma vez que, no mundo moderno, é
considerada a ferramenta do pensamento científico. Desta forma, até então, a língua escrita ocupa um lugar
central na cultura científica/ cartesiana e a escola é a instituição mais consolidada de perpetuação desta forma
de cultura. Logo, podemos concluir de antemão que a escola, com a sua única forma prevalecente de cultura,
a científica, já é excludente em sua concepção. Segundo Senna (2001b):
O conceito de leitor consagrado na cultura da Idade Moderna resulta do desenvolvimento de
três tecnologias que, embora abordadas aqui como fatos isolados, resultam de um projeto de
geração de homens civilizados pela Razão. Tais tecnologias são o letramento, a
gramatização e o método científico.
Logo, essa escola, ainda muito necessária, deverá ter uma preocupação especial com a inclusão dos sujeitos
de cultura oral nas práticas sociais dominadas pela cultura científica, principalmente, no que diz respeito ao
emprego da língua escrita em contextos formais não hipertextuais. Segundo Senna (2001b)
As condições para criação do perfil do leitor que hoje caiu no senso comum deram-se
propriamente pelo estabelecimento dos parâmetros e condutas do método científico, em
torno das quais se estabeleceu uma ruptura com o modelo natural de funcionamento da
mente.
Logo:
(...) a concepção clássica de leitor, um sujeito que, mais do que ledor de textos escritos, é
um leitor de mundo numa perspectiva científica, linear, atemporal e subordinada a relações
de causalidade estritamente lógicas.

751
A Escola: Dinâmicas e Atores

A hipótese de que tanto fala quanto escrita, compartilhem do mesmo sistema gramatical, ou seja, de
que tenha a mesma natureza, sem diferenças materiais e estruturais, vem acompanhando a cultura escolar
há séculos. Podemos perceber esta indistinção nos métodos de alfabetização, nos termos como “consciência
fonológica” e no discurso corrente de nossos pares.
Tamanha aproximação e falta de clareza do que é próprio da fala e do que é particular da escrita, faz
com que muitos estudos e, consequentemente, que muito das práticas de professores, atribuam à construção
da escrita, o que supostamente a psicolinguística atribui ao desenvolvimento da fala.
Do ponto de vista da psicolinguística, como especificado por Senna (2011), fala e escrita, tratam-se
de dois sistemas semióticos distintos e autônomos entre si. Assim, o que se aplica à fala, não
necessariamente, se aplica à escrita.
A língua materna, fala, é responsável por constituir a identidade e a consciência dos indivíduos,
organizando toda sua atividade simbólica. Este sistema de expressão, não é ensinado para as crianças, ele
surge na imersão do indivíduo na cultura. Seu caminho de aquisição é natural, portanto intuitivo.
Já a escrita, não ocorre de forma natural, uma vez que necessita de uma aprendizagem sistematizada,
por submeter-se ao controle de regras e normas de natureza estatutária. (Senna, 2011, p.137)
Para falar, uma criança não necessita de um grau de planejamento muito amplo, já que para que haja
entendimento, diversos fatores extralinguísticos, como gestos, entonação ou até expressões faciais ajudarão.
Além disso, a própria dinamicidade do processo, onde se pode perguntar novamente ou voltar à frase anterior,
também facilita a comunicação.
Já com a escrita, um planejamento prévio, portanto uma complexa elaboração do pensamento está
envolvida. Além disso, a fala é a representação sociocultural de uma sociedade, diferente do que ocorre com
a escrita, que tem sua natureza arbitrária e excludente.
Conforme nos afirma Senna (2011)
A tradição cultural moderna compreende a fala como um sistema menor a ser substituído
pelo sistema de escrita formal, este considerado como índice de boa formação cultural. A
alfabetização é vista, desse modo, como um marco de formação cultural [...] (p.235)
Assim, “sob forte preconceito, a fala acabou relegada à segregação desde o Renascimento e, como um
dogma, a alfabetização perpetuou-se como prática de pura aculturação” (Senna, 2011, p.236).
Com isso, as bases da sociedade moderna, cartesiana e grafocêntrica, são edificadas e o dogma da
alfabetização perpetuou o modelo de identidade social – científico-cultural de caráter universal - até os dias
atuais.
Diante das considerações, fica mais do que claro que a escrita é uma forma de expressão cuja origem
é autoritária e segregacionista. Considera somente um modo de pensar, excluindo assim os que não pensam
de maneira cartesiana, considerando-os anormais por não atingirem a categoria de ideais.
Assim, não se mostra possível incluir em um mesmo programa “a fala e a escrita, sem se considerar
o fato de constituírem-se dois sistemas representacionais distintos, operados segundo modos de pensamento
diferentes” (Senna, 2011, p.260)
Segundo Senna, os modos de pensamento sustentam a maneira pela qual a inteligência humana
estabelece seus princípios de interação com o mundo.
No modo narrativo, a organização intelectual do indivíduo ocorre sem planejamento prévio, os
modelos abstratos são mais difíceis de serem elaborados; o que importa é o vivido, o momento, a relação do
sujeito com as situações reais que enfrenta em sua vida concreta.

752
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

No modo narrativo, os indivíduos, geralmente advindos de culturas de bases orais, formam a sua
identidade e desenvolvem ferramentas cognitivas específicas para lidar com o mundo construído à margem
da cultura científica.
O mesmo raciocínio embasa os modos de pensamento: o indivíduo se organiza na condição de sujeito
a partir dos efeitos causados pela maneira como internalizou as situações vividas. Por sua vez, parece-me
muito aceitável que possam existir diferentes maneiras de conviver, entender e interagir com o mundo: um
modo de pensamento produzido eminentemente pela cultura oral, o modo narrativo; e o outro produzido pela
cultura escrita, que é o modo científico de pensamento.
Cada um deles desenvolve no sujeito da aprendizagem características específicas. Como
complemento destas discussões, proponho a análise do quadro explicativo abaixo, descrito por Senna (2003),
que muito bem diferencia os dois modos de pensamento:
Propriedades dos modos científico e narrativo do pensamento
Modo Narrativo Modo Científico
Centrado na realidade presente e imediata do Centrado na percepção de uma fração da realidade de mundo,
mundo; de caráter abstrato e simbólico;
Despreza o futuro e dedica pouca atenção à Privilegia a análise do passado como forma de preparar um
analise do passado; mundo melhor;
Opera sob um esqema de atenção multidirecional, Opera sob um esquema de atenção concentrada em apenas um
projetando-se, ao mesmo tempo, sob diversos foco, desprezando o contexto;
focos de atenção;
Demanda um esquema psicomotor em constante Demanda um esquema psicomotor em repouso diante do foco de
ação diante do mundo, resultando no privilégio ao atenção, resultando no privilégio ao estático, à calma e ao
movimento e à agitação; silêncio;
Privilegia esquemas de ação que se organizam à Privilegia esquemas de ação que somente se põem em ação
medida que vão agindo sobre o mundo; sobre o mundo após planejamento prévio;
Privilegia acordos orais, negociados caso a caso, Privilegia acordos escritos, normatizados e formalizados, não
conforme as relações que se estabelecem a cada necessariamente controlados por acordos interpessoais;
contrato;
Centraliza a experiência intelectual no sujeito, Centraliza a experiência intelectual ao objeto/foco da atenção,
caracterizando-a como fenômeno profundamente caracterizando-a como fenômeno isolado de questões afetivas
socioafetivo. pessoais.
Tabela 1
Fonte: Senna, 2003, p.16
Após analise do quadro, podemos concluir que existem fatores culturais que interferem sobre os
modos de pensamento. O modo de pensamento narrativo é o produzido, tipicamente, pelas culturas onde as
tradições orais prevalecem em relação às científicas. Já o científico, é o originado das culturas escritas, onde
o modelo de conduta sociocultural é determinado pelos parâmetros cartesianos.
Como os sujeitos de pensamento narrativo operam com base no modo fundamentado nas
experiências reais de mundo, portanto concretas, e sendo a escrita uma ferramenta de caráter meramente
artificial, portanto abstratas, parece-nos que os modos de pensamento nos ajudam a traçar um caminho que
relacione o modo do pensamento com os custos na construção da escrita.
O modo de pensamento preconizado pela escola, onde a escrita é o caráter mais legítimo, é o modo
científico. Logo, os sujeitos que demandam um maior custo de alfabetização, são, preponderantemente, os
oriundos das culturas de tradição oral, isso quer dizer que advém, preponderantemente, das camadas menos
favorecidas da sociedade.
As diferentes experiências de mundo – narrativas ou científicas – geram visões também distintas. No
entanto, a escrita e o seu mecanismo de perpetuação de poder – a escola – são sistema (escrita) e meio
(escola), altamente associados a padrões lógico cartesianos, exigindo dos sujeitos padrões de conduta
igualmente lógico cartesianos.

753
A Escola: Dinâmicas e Atores

O PAPEL DA EDUCAÇÃO INFANTIL


As práticas de alfabetização na sociedade moderna, estiveram baseadas na logica da missão social
da escola como locus de preparação para o trabalho.A Educação Infantil, mesmo com sua peculiaridade, e
até com a sua possibilidade de subversão a esta ordem, também insiste em adotar em sua estrutura curricular,
uma cisão que relaciona o processo com o produto, sendo os fins educacionais escolhidos primeiro em
detrimento do processo, que vira simples pretexto para se chegar ao fim.
A partir da concepção letramento adotada neste trabalho, partindo do pressuposto que o processo de
letramento seja muito mais do que se deter a utilização de códigos escritos, onde o objetivo é fazer com que
os sujeitos empreguem de forma consciente os modos de pensamento. Nesta seção, travamos discussões
acerca de práticas com crianças pequenas que sejam compatíveis com o conceito de letramento aqui
empregado.
Na Educação Infantil a escassez de material referencial, específico, que oriente a prática educativa
acabou por acarretar práticas escolares posicionadas nas extremidades do processo: ou antecipam as
práticas, com o objetivo de “preparar para alfabetização” (esta é a posição da maioria) ou simplesmente,
ignoram totalmente tudo o que diz respeito às práticas letradas da cultura escrita, como se esta não fizesse
parte das práticas culturais de nossa sociedade.
Acreditamos que é sim, papel da Educação Infantil despertar o interesse das crianças por práticas
escritas, para que esta, a escrita, se torne um instrumento, significativo de linguagem. Desta forma, a nossa
posição em relação a esse impasse, ao mesmo tempo em que nega os posicionamentos extremados,
acreditando em uma proposta a favor da possibilidade de que crianças menores de seis anos ampliem suas
habilidades de uso da linguagem escrita, mostro-me, porém, ciente da existência de uma linha extremamente
tênue entre, de um lado, antecipar o processo e, de outro, negá-lo.
A Educação Infantil é a primeira responsável por inserir os sujeitos em práticas culturais cartesianas,
já que a escola constitui o espaço em que os elementos da cultura científica são experienciados,
especialmente em sociedades de cultura oral - como no Brasil – em que práticas culturais cartesianas não se
revelam cotidianamente. Portanto, entendemos que é, definitivamente, dever deste segmento iniciar o
processo de Letramento, entendido aqui na perspectiva de Senna:
Letramento compreende não apenas uma concepção restrita a práticas sociais que envolvam
leitura e escrita, mas que desenvolva competências que afetem todas as áreas do
desenvolvimento, ajudando o aluno a construir uma ponte entre conceitos cotidianos e os
conceitos científicos, a fim de alcançar o desenvolvimento de práticas letradas. (Senna, 2003,
p.15)
Para isso, as práticas de Letramento na Educação Infantil devem ser pautadas e orientadas por uma
intencionalidade pedagógica, que busque assegurar às crianças o acesso e inserção na cultura letrada, sem,
ao mesmo tempo, ferir as características típicas da faixa etária, e o seu direito de aprender através de
mecanismos lúdicos.
[existe uma confusão e] um mau entendimento do que seria trabalhar com a escrita na
Educação Infantil. Associam aprender a língua escrita como uma disciplina, uma tarefa
pesada que tira a criança da brincadeira a que ela tem direito, quando isso pode e deve ser
feito de forma lúdica, com grande interesse e prazer (Soares, 1998, p.9)
A intencionalidade do professor, neste momento, é de extrema importância. É o adulto quem deverá
estar atento para a criação de propostas e espaços lúdicos definidos e equipados com materiais de apoio,
que darão suporte à brincadeira. Serão estes espaços e materiais que irão fomentar o jogo com os papéis
sociais e, desta forma, darão funcionalidade às práticas de cultura escrita.

754
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O papel do educador é organizar as tarefas de aprendizagem, permeadas por jogos e brincadeiras,


possibilitando que as crianças as experimentem e, aplicando os conceitos à tarefas práticas, aprendam a
compreender como usá-los para seus próprios fins.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do trabalho partimos do pressuposto de que a educação é condição universal para o
desenvolvimento do ser humano. Na nossa sociedade, o caminho encontrado para transmitir culturalmente
os valores e bens culturais produzidos pela humanidade, foi através da instituição escola. A apropriação da
cultura e do pensamento científico não ocorre de maneira direta, uma vez que depende, essencialmente, da
organização, papel esse atribuído, em nossa sociedade, ao professor.
Buscamos também discutir a existência de modos de pensamento diferentes e o trajeto percorrido
pela escolarização moderna, onde a escola constituiu-se e construiu sua história desprezando essa
pluralidade. Ao tentar enquadrar todos os sujeitos em um padrão específico de desenvolvimento, o
considerado único desejável, a escola tornou-se um local de seleção e exclusão social. Portanto, destacamos
como papel do professor ser um mediador entre a relação dos sujeitos, excluídos por terem um modo de
pensamento baseado na oralidade, com a cultura científica. Assim, ressaltamos a mediação pedagógica como
a mais importante tarefa do trabalho docente, principalmente dos professores de EI.
Na última seção, propusemo-nos a discutir o grande, e ainda obscuro, desafio vigente na Educação
Infantil: como introduzir crianças pequenas em práticas científicas, aceitas pela cultura dominante, sem
antecipar a Alfabetização e, consequentemente, o estigma do fracasso escolar?
Diante desta provocação, ressaltamos a importância de seleção de práticas pedagógicas mediadoras
de aprendizagens, que favoreçam o desenvolvimento integral das crianças, levando-as ao Letramento, sem
desrespeitar as características de sua faixa etária e sem antecipar os processos de Alfabetização. Para tanto,
refletimos em como ampliar o contato das crianças com o mundo da escrita, sem que isso signifique
desconsiderar suas necessidades e interesses, buscando então, inseri-las em um ambiente prazeroso e
significativo, levando sempre em consideração a dimensão lúdica, uma vez que compreendemos a
brincadeira como a principal característica da cultura da infância.

REFERÊNCIAS
Doll, J.R. & Willam, E. (1997). Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artes Médicas.
Senna, L., Araujo, L., Soares, A., Ribeiro, J. & Martins, R. (2001a). O leitor, o professor e o pensamento
narrativo. In I Seminário Internacional de Educação. CINORTE/PR: UEL. ISSN 1676-0417. n.i.
Senna, L.(2001b). O perfil do leitor contemporâneo. In I Seminário Internacional de Educação. CINORTE/PR:
UEL. ISSN 1676-0417. n.i.
_______. (2003). O Planejamento no ensino básico & o compromisso social da educação com o letramento.
Educação e Linguagem. São José dos Campos.
_______. (2007). Letramento: Princípios e processos. Curitiba: Ibpex.
Senna, L. & Godoy, E. ( 2011). Psicolinguística e letramento. Curitiba: Ibpex.
Soares, M. (1998). Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica.
http://portal.inep.gov.br/web/saeb/ana/resultados. Acesso em 19 de janeiro de 2017.

755
A Escola: Dinâmicas e Atores

SISTEMAS EDUCACIONAL BRASILEIRO: POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO


INSTITUCIONAL E INDICADORES DE DESEMPENHO ESCOLAR COMO
INSTRUMENTO DE GESTÃO
[ID 91]

Viviane Kanitz Gentil


Miriam Pires Correa de Lacerda
Marta Sisson Castro
URCAMP; UNIPAMPA; PUCRS
vivianegentil@gmail.com; miriam.lacerda@pucrs.br

Resumo
O presente estudo parte do entendimento de que a avaliação externa é um instrumento da gestão escolar
que pode conduzir o planejamento de ações pedagógicas e o bom desempenho escolar. A pesquisa objetiva
identificar os resultados favoráveis de avaliação externa das escolas municipais de Bagé/RS/Brasil, através
do Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira (Ideb), visando aprofundar discussões sobre como –
e mediante quais circunstâncias – o bom desempenho escolar nos resultados do Ideb possam estar
relacionadas a variáveis e a fatores demandados da gestão educacional. Correlativo a isso, propõem-se
também compreender, como ocorre o processo de legitimação das estatísticas oficiais nestas instituições
educativas e qual o perfil dos gestores que nelas atuam. O estudo toma como referência o dados do Ideb, por
ser um índice que combina desempenho nas provas nacionais (Saeb e Prova Brasil) com dados da aprovação
escolar, e passa a representar no âmbito do setor público importante mecanismo de monitoramento de
qualidade dos sistemas escolares. A pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso, que envolve com 21
Escolas Municipais de Ensino Fundamental de Bagé, que ofertam anos iniciais e participaram de três anos
de amostragem. O estudo analisa os diferentes resultados dentre as escolas, e a evolução das escolas nos
diferentes de sua participação. Paralelamente também identifica as ações da gestão diante a realidade da
escola. Finalizada a análise dos dados coletados, alguns resultados parciais se apresentam, e constata-se
que os resultados do Ideb, nos anos inicias, apresentam significativa diferença dentre as escolas municipais,
oscilando também os índices das escolas nas amostragem de cada ano, havendo movimentos expressivos
nos resultados, o que nos leva a indagar quais os fatores que interferem nestes indicadores de desempenho,
e reforça a hipótese da importância das boas práticas de gestão como fator de significativa relevância na
obtenção de bons índices de avaliação e desenvolvimento da educação. A pesquisa sinaliza a correlação
positiva entre gestão e os indicadores oficiais de qualidade da educação, destacando que o perfil dos
dirigentes escolares e os estilos mais democráticos favorecem os melhores desempenhos das escolas
pública.

Palavras-chave: Gestão Educacional, Educação Básica, Ideb, Avaliação.

INTRODUÇÃO
O presente estudo, aborda o sentido mais amplo, das políticas e princípios de gestão educacional
do município de Bagé/RS/Brasil, e destaca a importância da apropriação dos dados de avaliação externa por
parte dos gestores educacionais. A pesquisa visa investigar os resultados favoráveis de avaliação externa
das escolas municipais de Bagé, através dos indicativos de desempenho escolar, o Índice de
Desenvolvimento da Educação Brasileira (IDEB), visando compreender e aprofundar a discussão sobre como
– e mediante quais circunstâncias – o bom desempenho das escolas públicas municipais possam estar
relacionadas a variáveis e a fatores da perspectiva de gestão educacional. Correlativo a isso, será preciso
também compreender, como ocorre o processo de legitimação das estatísticas oficiais nas nestas instituições
educativas e qual o perfil dos gestores que desenvolvem suas atividades nestas escolas. Sendo este o
princípio inicial do estudo, apresento apenas um recorte de pesquisa, decorrente de atividade desenvolvida

756
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

junto ao grupo de Pesquisa sobre Avaliação e Gestão Escolar. Especialmente neste trabalho apresentamos
os dados quantitativos da pesquisa, identificando as escolas municipais de Bagé e seus índices do IDEB nos
anos de 2007, 2009, 2011 e 2013, incitando reflexões e propondo hipóteses de análise. Bagé é um município
da Microrregião da Campanha Meridional, na Mesorregião do Sudoeste Rio-grandense, no estado do Rio
Grande do Sul, no Brasil, com uma população de 116.794 mil habitantes. O índice de desenvolvimento
humano do município, em 2010, era de 0,895. Segundo a classificação do Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), o município está entre as regiões consideradas de alto desenvolvimento humano.
A taxa de analfabetismo no município (até 2010) era de 4,93 por cento. Sob a responsabilidade da Secretaria
Municipal de Educação e Desporto está a coordenação de 60 Escolas, sendo 37 Escolas de Ensino
Fundamental na zona urbana, 5 Escolas de Ensino Fundamental localizadas na zona rural, 17 Escolas de
Educação Infantil e 1 Escola de Educação Profissional.
Para a realização dessa pesquisa, a metodologia proposta é a do tipo qualitativa, visto que, de acordo
com as observações de Bogdan & Biklen (1994), focada em um estudo de caso. Especificamente neste
recorte de pesquisa, as informações coletadas tem como base, dados estatísticos de documentos oficiais do
governo publicados no banco de dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), que destacam os resultados do IDEB que é umafomentam uma tentativa de articular de forma
integrada avaliação, financiamento e gestão. Isto é, a partindo dos resultados obtidos no IDEB é traçada uma
política de investimentos e de gestão escolar voltada a manter ou recuperar a oferta de educação de
qualidade, sendo finalidade do IDEB verificar se a escola possui elementos estruturados para fornecer
uma educação de qualidade.
Para Vieira (2009), o IDEB é importante como indicador de qualidade da educação. Entretanto, ainda
segundo a autora, não há garantia de sua utilização, nem compromissos de melhorias. A expectativa com
relação ao IDEB é que este instaure uma política de responsabilização e de prestação de contas dos sistemas
educacionais e das escolas a toda a sociedade. Percebe-se, então, a necessidade dos sistemas de ensino
e das escolas inicialmente reconhecerem os dados estatísticos e posteriormente analisarem e discutirem os
dados estatísticos das avaliações externas, como forma de construírem a sua prática com vista ao
desenvolvimento das aprendizagens dos alunos e desta forma construir metas e alternativas da melhoria dos
processos de ensino e aprendizagem.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nas duas últimas décadas a avaliação tornou-se um tema em destaque no cenário da Educação
Brasileira, revelando-se um importante instrumento para a melhoria da qualidade da educação. Com isso, a
avaliação tem o papel de orientar o aluno e a escola, à tomarem consciência de seus conhecimentos, terem
posicionamento crítico e saberem se estão avançando na superação das dificuldades para continuar
progredindo no processo de ensino aprendizagem (Hoffmann, 2012), além disso podemos também enfatizar
que é instrumento importante para orientar gestores na condução e proposição de políticas educativas
eficientes.
No Brasil, os resultados de avaliações externas, como indicadores da qualidade da educação
oferecida nas escolas, foram instituídos após a efetivação das políticas neoliberais, nas décadas de 1980 e
1990, cujas características de descentralização, desregulação, participação mínima do Estado, privatização,
investimentos do capital internacional (Akkari, 2011), foram bastante significativas, pois nesse momento o

757
A Escola: Dinâmicas e Atores

Estado, atendendo à lógica do mercado, assume novas características e passa a intervir na área educacional
conforme diretrizes de órgãos internacionais tais como o Banco Internacional para a Reconstrução
e Desenvolvimento e o Fundo Monetário Internacional, e é através da avaliações de larga escala, passa a
verificar resultados da implementação de políticas e ações educativas.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica foi criado em 1988, é desenvolvido pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP/MEC, realizado a cada
dois anos. Desde 1988, a Constituição Federal prevê a necessidade de além de garantir ensino fundamental
obrigatório e gratuito, assegurar a “garantia de padrão de qualidade” (Brasil, 1988).
Nestes 25 anos, a avaliação dos sistemas educacionais, passou por várias alterações, revisões e
mudanças. Principalmente durante a década de 90, a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso,
diversas implantações de mudanças legais foram definitivas para o fortalecimento do sistema nacional de
avaliação, entre elas a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDBEN nº 9394/96,
o financiamento da educação por meio da Lei nº 9424/96, que regulamentou o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), a criação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, a municipalização do ensino e o forte apelo da racionalidade técnica para
equacionar os problemas educacionais.
Nesse contexto, com a LDBEN/96 a proposta de avaliação externa é reafirmada em seu artigo 9º:
[...] VI - assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino
fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a
definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino (Brasil, 1996).
Assim, a partir das previsões legais, em nível nacional foi criado o SAEB (Sistema de Avaliação da
Educação Básica) que desde 1990, realiza bienalmente amostragem. Em 2005, através da Portaria
Ministerial n° 931, de 21 de março, houve o desmembramento do SAEB, propondo um sistema composto por
dois processos de avaliação, sendo um mais amplo, vinculado ao sistema nacional e outro ao rendimento
escolar. Alterou-se o nome histórico de SAEB para Exame Amostral do SAEB, sob a denominação de
Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB), ou seja para melhorar a radiografia do ensino público
brasileiro por unidade escolar, o Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP/MEC) aperfeiçoou o SAEB, incluindo a Prova Brasil, mantendo inalterada a avaliação amostral do
SAEB, que hoje se chama Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB), e a Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar (ANRESC), mais detalhada e com foco em cada unidade escolar. O nome do SAEB foi
mantido nas publicações e demais materiais de divulgação e aplicação da avaliação.
A Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) são avaliações para
diagnóstico, em larga escala, desenvolvidas pelo INEP/MEC. Têm o objetivo de avaliar a qualidade do ensino
oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários
socioeconômicos.
Nos testes aplicados na quarta e oitava séries (quinto e nono anos) do ensino fundamental e na
terceira série do ensino médio, os estudantes respondem a itens (questões) de Língua Portuguesa, com foco
em leitura, e matemática, com foco na resolução de problemas. No questionário socioeconômico, os
estudantes fornecem informações sobre fatores de contexto que podem estar associados ao desempenho.
Os dados dessas avaliações são comparáveis ao longo do tempo, ou seja, pode-se acompanhar a evolução
dos desempenhos das escolas, das redes e do sistema como um todo.

758
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

No engendramento de todas essas questões, que simbolizam significativas mudanças históricas e


conceituais sobre a implantação dos sistemas de avaliação, cabe ressaltar que o SAEB monitora a qualidade
da educação básica brasileira por meio de testes e tem como base uma matriz de competência, construída
sob os mínimos propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais e atendendo às sugestões dos diferentes
sistemas. O nível de abrangência incluiu todas as redes de ensino público (federal, estadual e municipal).
Bauer (2013), destaca que o sistema propõem uma avaliação amostral, e que o resultado não serve
para avaliar a qualidade da escola, mas deve possibilitar a avaliação do desempenho dos sistemas
educacionais, ou seja, das redes municipais, estaduais e federal de educação, além do sistema público e
privado. Permitindo, também, estudo detalhado e com foco em cada unidade escolar, proporcionando aos
gestores possibilidades de reflexões pedagógicas importantes. Em suas divulgações, por seu caráter
universal, o nome de Prova Brasil, desta forma objetiva-se a possibilidade de avaliar a qualidade da escola.
É a primeira iniciativa brasileira, no sentido de conhecer mais profundamente os problemas e
deficiências de seu sistema educacional, para orientar com maior precisão as políticas governamentais
voltadas para a melhoria da qualidade do ensino. Além de ser um dos mais amplos esforços no sentido de
coletar dados sobre a qualidade da educação no país, é um dos principais sistemas de avaliação em larga
escala da América Latina (Bauer, 2013).
As avaliações externas, além de fornecer dados estatísticos oficiais sobre a qualidade de ensino do
país, procuram identificar as condições internas e externas que interferem no processo de ensino e
aprendizagem, por meio da aplicação de questionários respondidos por alunos, professores e diretores, e por
meio da coleta de informações sobre as condições físicas da escola e dos recursos de que ela dispõe.
Por serem produzidas a partir de procedimentos científicos, as estatísticas assumem importante papel
entre as técnicas de governo, apoiando-se na premissa de que na modernidade saber e poder precisam
estar associados, pois “os Estados passam, pelo acúmulo de informações, a mensurar o poder de que
dispõem, recorrendo para tanto, entre outras coisas, à produção de estatísticas oficiais” (Gil, 2007, p.21).
Para Gil (2007), as estatísticas desde o século XIX, são muito bem aceitas pelas elites intelectuais.
Isso se deve à crença compartilhada de que estas apresentariam uma descrição neutra e objetiva da
realidade, assegurada pela universalidade dos números e capaz, de indicar com imparcialidade as políticas
adequadas. Entretanto, a neutralidade que atribuem as estatísticas não existe, tendo em vista que estas são
produzidas para fins específicos e por apresentar apenas números mostram aspectos parciais da sociedade.
No Brasil, a garantia desse padrão de qualidade, segundo o aparato legal, poderá ser atestado através
de sistemas de avaliação externos criados em regime de colaboração com os Estados e municípios,
reafirmando a importância da avaliação em todos os seus segmentos para a reorganização do trabalho
pedagógico eficaz.
O propósito implícito na LDB 9394/96 em adotar um sistema de avaliação foi o de transformar a
avaliação em um instrumento de mudança da realidade educacional do país visando a melhoria do padrão de
qualidade do ensino, mas não podemos esquecer que também existem críticas a este sistema, sendo que
Freitas (2007) emitindo sua crítica ao encaminhamento das políticas de avaliação acima, explicita que se trata
de um sistema baseado no modelo americano de “responsabilização” e, portanto, que visam transformar o
serviço público em mercado (ou mais precisamente em um quase-mercado).
Nesse contexto o ato de ensinar e de aprender está relacionado a realizações de mudanças e
aquisições de conhecimento, tanto motores, cognitivos, quanto afetivos e sociais. Com base nesses preceitos,

759
A Escola: Dinâmicas e Atores

a avaliação, ou seja, o ato de avaliar consiste em verificar se os mesmos estão sendo realmente alcançados
no nível exigido pelo professor servindo de suporte para que o aluno avance na aprendizagem e na construção
do saber. Pois segundo Freitas (2007) “A avaliação não se restringe a instrumentos de medição, mas acaba
sendo configurado como instrumento de controle disciplinar, de aferição de atitudes e valores dos alunos”
(p.63) e de certa forma pode ir muito além do âmbito de sala de aula e ampliar para as averiguações no
contexto mais amplo de ensinar e aprender.

AVALIAÇÃO EXTERNA COMO MEIO DE GESTÃO


Os dados publicados pelo INEP em 2013, referentes às metas do IDEB para 2012 e apresentaram
resultados positivos, na análise do Ministério da Educação e de muitos órgãos da mídia.
Com base na planilha de dados do INEP, num estudo dos resultados, e considerando apenas os
índices obtidos nos anos iniciais do ensino fundamental, destacam-se os dados da cidade de Bagé, em
especial das escolas de ensino fundamental da rede municipal.
Evitando tornar o estudo uma análise puramente quantitativa, é relevante analisar alguns dados do
IDEB entre as esferas e sistemas de ensino, as escolas com melhores resultados, as oscilações de resultados,
formulando hipóteses, assim fomentando a forma de compreender o tão complexo é o indicador em questão
e quais os riscos de um simples ranking entre escolas e unidades federativas.
Como dados iniciais de nossa análise, verificamos que os índices de nosso país estão em atividades
crescente nos últimos anos. A média nacional do IDEB, em 2005, foi de 3,8 nos primeiros anos do ensino
fundamental, em uma escala de zero a dez. Em 2007, essa nota subiu para 4,2 e, em 2011, alcançou 5,0. De
acordo com nota do governo federal, esse resultado dos anos iniciais (primeiro ao quinto) ultrapassou não só
a meta para 2011 (de 4,6), como também a proposta para 2013, que era de 4,9. Nessa etapa do ensino, a
oferta é prioritariamente das redes municipais, que concentram 11,13 milhões de matrículas, quase 80% do
total. O IDEB para os anos iniciais do ensino fundamental da rede municipal foi calculado em 5.222 municípios
sendo que a meta para 2011 foi alcançada por 4.060 deles (77,5%). Ao considerar estas projeções
destacamos o quadro síntese dos dados Brasileiros do IDEB nos anos inicias:

Figura 1- Dados do IDEB observado e metas 2005 -2013


Fonte: http://ideb.inep.gov.br/resultado
Percebemos que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2013, mostra que o
País ultrapassou as metas previstas para os anos iniciais (1º ao 5º ano) do ensino fundamental em 0,3 ponto.
O IDEB Nacional nessa etapa ficou em 5,2, enquanto em 2011 havia sido de 5,0. Conforme o site oficial do
INEP, os anos iniciais do ensino fundamental são oferecidos prioritariamente pelas redes municipais, que
respondem por 81,6% das matrículas da rede pública nessa etapa em 2013. O total de estudantes nos
primeiros anos do fundamental é de 15.764.926, sendo 84% deles (13.188.037) de escolas públicas. As metas
da rede municipal de ensino foram alcançadas por 69,7% dos municípios brasileiros em 2013.

760
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Como toda análise é muito subjetiva dependendo, portanto dos interesses de quem a faz, não se
pode fazer uma leitura superficial desses resultados e achar que está tudo bem com relação à aprendizagem
dos alunos já que o IDEB mede rendimento e fluxo escolar.
Contudo, de acordo com Costa (2013), o desempenho dos estudantes no período escolar é o maior
responsável pelo cumprimento das metas do IDEB de 2005 a 2013. Nesse período, de acordo com dados do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), nos anos iniciais do ensino
fundamental, o desempenho representou 63,7% do IDEB e a aprovação, 36,3%. Segundo Costa (2013):
com base em uma escala, sabemos, de acordo com a nota, o conhecimento que é dominado
pelos estudantes. Nos anos iniciais do ensino fundamental, isso significa que os alunos têm
quase um ano e meio, dois anos a mais do conhecimento esperado para o período.
Ao nos defrontar com os dados Nacionais e a expressiva representação da educação desenvolvida
pelos Sistemas Municipais de Educação, destacamos a condição do município de Bagé/RS, que no ano de
2007 apresentava uma média de 4,1, condição que estava abaixo dos dados Nacionais e que na avaliação
posterior em 2009 apresenta uma regressão ainda maior em seus índices baixando 0,3 pontos de seus
resultados. Neste momento o município ficou com uma média de 3,8, resultado negativo, que foram
recuperados de forma significativa nos índices de 2011, apresentando um crescimento de 1 ponto, com
resultado de 4,8, superando a meta Nacional estipulada em 4,6 pontos, mas ainda ficando abaixo da média
Nacional de 5,0 pontos. Já no ano de 2013 o município cresceu mais 0,2 pontos em seus índices de
desempenho educacional.

Figura 2 – Fluxograma de evolução do IDEB 2005 -2022 - Bagé


Fonte: http://www.qedu.org.br
Hoje a educação de modo geral, principalmente nas escolas públicas tem uma grande preocupação
com os resultados das avaliações externas dos educandos, e por esta razão nos últimos anos o Governo
Federal tem destinado para as Secretarias de Educação, mais recursos tentando assim aproximar o máximo
possível os resultados do IDEB com a média mundial. Certamente esta realidade não foi diferente no
município de Bagé.
Em razão disso, esse tipo de avaliação externa como Prova Brasil que vem sendo aplicada nas
escolas, veio acompanhada com um objetivo de assegurar um processo avaliativo mais transparente, uma
vez que, esse instrumento oportuniza evidenciar a real aprendizagem dos alunos de 2º, 5º e 9º ano
matriculados nas escolas públicas brasileiras, subsidiando, desta forma o olhar avaliativo em relação à
aprendizagem, com o intuito de melhorar cada vez mais os resultados da educação no Brasil. Vasconcelos
(2002) afirma que,

761
A Escola: Dinâmicas e Atores

[...] alterar a realidade é um grande desafio, e uma transformação mais substancial que pode
depender da acumulação de uma série de pequenas transformações na mesma direção.
Tenta-se hoje uma mudança durante uma semana, se não funciona já não pratica mais. É
preciso persistir, ter a impaciente paciência histórica para conseguir os resultados almejados
(2002, p.102).
Avançar no que diz respeito aos padrões de aprendizagem, é o ponto central destaca Blasis (2012).
Este é o sentido da avaliação externa. É preciso apropriar-se dos resultados, compreendê-los em
profundidade, mas também olhar para além deles, considerando-se o conjunto de fatores que de fato
produzem uma educação de qualidade.
A responsabilidade e o compromisso dependem tanto das escolas, quanto do poder público. Sem o
apoio e os insumos necessários às escolas e à ação docente, os possíveis avanços poderão ser tímidos. Faz-
se necessário um olhar cuidadoso para escola e para cada ambiente. Diante do fato apresentamos quadro
síntese dos dados das Escolas Municipais de Bagé.
ESCOLA DE BAGÉ 2007 2009 2011 2013
EMEF São Pedro 4.7 4.5 5.4 5.7
EMEF Antônio Fuedkalil 3.9 3.8 4.3 4.4
EMEF Darcy Azambuja 4.4 2.8 4.5 4.8
EMEF João Severiano da Fonseca 3.8 3.1 4.8 5.6
EMEF Gen Emilio Luiz Mallet 4.0 3.7 4.4 5.3
EMEF Kalil a Kalil 4.0 X 4.8 4.5
EMEF Mal José de Abreu 4.2 4.0 5.3 5.1
EMEF PE Edegar Aquino Rocha 4.1 3.8 5.1 4.9
EMEF Pérola Gonçalves 5.0 X 4.8 5.3
EMEF Creuza Brito Giorgis 3.7 3.5 4.0 4.0
EMEF Prof Maria de Lourdes M Molina 3.6 3.4 3.7 4.2
EMEF Prof Peri Coronel 4.1 3.6 4.9 4.4
EMEF Prof Manoel Arideu Monteiro 3.4 3.9 5.7 5.2
EMEF Prof Miranda 4.3 3.9 4.7 X
EMEF Reny Rosa Colares 4.2 3.7 4.7 4.4
EMEF Roberto M Burns 4.4 X 4.4 4.6
EMEF Santos Dumont 5.0 X 5.1 6.0
EMEF Ver Carlos Mario Mércio da Silveira 3.7 3.4 4.3 4.7
EMEF Dr Antenor G Pereira 4.7 4.8 5.9 6.0
EMEF Dr Nicanor Penna 4.4 X 4.2 4.1
EMEF Fundação Bidart 4.1 4.4 5.7 5.5
EMEF Gabriela Mistral 3.7 4.4 4.2
EMEF Téo Vaz Obino 4.0 X 4.7 5.2
Tabela 1 – Dados Estatísticos do Municipais de Bagé – Escolas Municipais
Fonte: Dados do INEP/2014 – Síntese GENTIL, 2015
Identificando as 21 escolas elencadas para esta pesquisa, podemos destacar que todas recebem
orientações pedagógicas e acompanhamento da Secretaria Municipal de Educação, sendo que o IDEB é
divulgado para todas as Escolas e projetos alternativos são propostos aos gestores das escolas municipais.
Ao analisarmos os dados municipais podemos destacar 5 blocos de Escolas, sendo o primeiro de
escolas as quais se destacam com índice de IDEB 6,0 e tornam-se referência na cidade. Um segundo bloco,
onde se identifica a escola Municipal de Ensino Fundamental João Severiano da Fonseca que teve o
crescimento mais significativo do índice de IDEB, apresentando um crescimento de 0,8 pontos em seus
resultados. Um terceiro Bloco de Escolas que envolvem a maioria delas, onde há um crescimento continuo
do IDEB. No quarto bloco podemos identificar escolas que tiveram um decréscimo em seus índices de
avaliação, sendo alguns significativos, trazendo uma situação de alerta, e no quinto Bloco três escolas que
tem índices baixos e que também não melhoraram seus resultados na avaliação de 2013, situação que coloca
estas escolas em uma conjuntura de extrema preocupação perante os gestores.
Ao observar-se a conjuntura geral destas escolas, várias hipóteses de pesquisa nos inquietam, pois
vários fatores e dimensões podem estar interferindo como prerrogativa essencial de análise.

762
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Não se pode descartar a hipótese de que existem vários aspectos referentes à qualidade do
processo educativo e do próprio ambiente escolar que interferem diretamente nas notas
obtidas pelas escolas e pelas redes escolares no IDEB, e que não são considerados por este
sistema de avaliação (Ferron & Silveira, 2012, p.45).
Assim como este resultado, associado com a “ausência de projetos e planos na educação municipal,
a maioria dos municípios visitados não possuía um documento formal que orientasse sua ação” (Castro &
Souza, 2008, p.18), pois as escolas municipais, em sua maioria são supervisionadas pela sua mantenedora,
e a ausência de planejamento também pode ser um dos fatores que contribua para excelência de bons dados
alcançados ou não.
Analisar a complexidade destes dados pode nos trazer várias informações e também interrogações,
mas em nossos estudos não podemos deixar de considerar a importância dos processos pedagógicos
promovidos e as contribuições de gestor escolar na condução de processos de ensino e aprendizagem de
qualidade, pois “a importância da gestão, como fator de mudança e transformação da escola, tem sido uma
evidência que aparece em estudos internacionais e nacionais, que buscam identificar fatores associados a
qualidade da educação” (Castro, 2009, p.117).
O cenário que permeia as discussões sobre o IDEB: de um lado uma esfera excessivamente otimista
e, de outro, aqueles que não o vêem com a mínima possibilidade de diagnosticar os sistemas de ensino,
aferindo seus níveis de qualidade. Existem certamente alguns pontos positivos no IDEB, pois queiram ou não,
é a primeira vez que o país possui um indicador sintético tão assimilável e prático, inclusive para comparações
e análises de dados. O que é certo, é que se deve fazer uso desses dados para a mobilização da sociedade
em prol da qualidade da educação, superando a permeabilidade às ideologias capitalistas e mercadológicas
que ele, mesmo tendo suas vantagens, não deixa de ter.
Portanto, segundo Mello & Souza (2005), “não é que as avaliações consigam atender a todas as
questões que preocupam; mas os problemas associados às avaliações parecem ser claramente preferíveis
aos problemas associados à sua não existência, como a falta de parâmetros” (p.31).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não deixa de ser indispensável que o país tenha uma fonte de dados proveniente das avaliações
externas, como a Prova Brasil e SAEB, pois se tornam elementos necessários para a compreensão global do
desempenho de milhões de crianças.
Diagnosticar é sem dúvidas umas das funções das avaliações educacionais e não há a possibilidade
de se buscar construir um “sistema nacional de educação articulado”, se não se desenvolverem mecanismos
confiáveis de verificação do rendimento escolar. A base nacional comum de conteúdos a serem ministrados
em todo o país, já se encontra prestigiada na LDB nº 9394/96 e nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs). Cabe agora, dar credibilidade e autonomia para as unidades escolares de todo país, para propor
mudanças e envolver pais e membros da sociedade civil no “acompanhamento consciente” das aplicações
das avaliações e divulgação de seus resultados, pois, já ocorreram e certamente ocorrerão tentativas de
“ocultamento” da realidade educacional de algumas escolas.
Por isso concluo que o IDEB é mais um instrumento regulatório do que um definidor de
critérios para uma melhor aplicação dos recursos da União visando alterar indicadores
educacionais. O resultado de cada município e de cada estado será (e já está sendo) utilizado
para ranquear as redes de ensino, para acirrar a competição e para pressionar, via opinião
pública, o alcance de melhores resultados. Ou seja, a função do MEC assumida pelo governo
Lula mantém a lógica perversa vigente durante doze anos de FHC (Freitas, 2007, p.967).

763
A Escola: Dinâmicas e Atores

Diante destes aspectos faz-se de extrema importância aprofundar a análise de dados decorrentes de
cada escola identificada no município de Bagé, pois cada uma delas apresenta um contexto de escola, uma
realidade socioeconômica e dados do senso do IBGE bastante específicos, pois simplesmente perceber a
fragilidade das escolas em seus dados estatísticos, não se faz suficiente. Sabemos que a prática constitui-se
numa tarefa árdua, uma vez que nos deparamos com limitações de várias naturezas, além de enfrentarmos
as dificuldades de caráter material, tal como falta de recursos e de equipamentos, também sofremos as
restrições impostas pelo contexto social, que nem sempre é receptivo à mudança e à inovação.

REFERÊNCIAS
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764
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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Vieira, S. (2009). Educação básica: política e gestão da escola. Brasília: Liber Livro.

765
A Escola: Dinâmicas e Atores

A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA PERSPECTIVA DOS ASSENTAMENTOS EM


RORAIMA
[ID 194]

Ernan José Ghedi


Leila Marcia Ghedi
Aldalúcia Macedo dos Santos Gomes
Universidade Estadual de Roraima; Instituto Federal de Roraima; Universidade Federal do Amazonas
ejghedin@gmail.com; leilaghedin@gmail.com; aldalucia.gomes@gmail.com

Resumo
A pesquisa foi desenvolvida pelos alunos residentes nos município de São Luiz, São João da Baliza e Caroebe
durante o curso de especialização em Educação do Campo. Teve abordagem qualitativa, utilizando-se
entrevistas com moradores antigos da região. A análise dos dados foi realizada a partir das falas dos sujeitos
entrevistados, que foram transcritas e posteriormente unificadas para compor o presente trabalho. O objetivo
foi estudar como se construiu a história da educação do campo a partir do histórico dos assentamentos nos
municípios que constituem a BR 210 na região sudeste do Estado de Roraima e que sujeitos construíram os
movimentos em defesa da educação do campo nesta Região. Para alcançar os objetivos foi traçada como
questão norteadora o questionamento: Como aconteceu o desenvolvimento da educação do campo nos
municípios que constituem a BR 210 na região sudeste do Estado?

Palavras-chave: Educação do Campo, Histórico dos Assentamentos, BR 210.

Résumé
Le sondage a été élaboré par les étudiants vivant à São Luiz, São João da Baliza et Caroebe au cours de
spécialisation en éducation en milieu rural. Nous avons eu une approche qualitative, au moyen d'entrevues
avec d'anciens résidents. L'analyse des données a été réalisée à partir des discours des personnes
interrogées, qui ont été transcrites puis assemblés pour composer ce travail. L'objectif était d'étudier comment
construit l'histoire de l'éducation en milieu rural de l'histoire des colonies qui constituent le BR 210 dans la
région sud-est de l'État de Roraima et quels sujets construit des mouvements pour la défense de l'éducation
rurale dans cette région. Pour atteindre les objectifs foitraçada que guider la question question: Comment le
développement de l'éducation rurale dans les municipalités qui composent le BR 210 dans la région sud-est
de l'Etat a fait?

Mots-clés: Rural Education, Histoire des colonies, BR 210.

REVISÃO DA LITERATURA
História da Educação do Campo
O presente processo fundamenta-se em perspectivas teóricas centradas na crítica da educação
ligada aos diferentes contextos político, econômico, ideológico e cultural. Nesse sentido o conhecimento é o
fator que contribui para a manutenção de uma estrutura social, e a possibilidade para mudança está na
apropriação do conhecimento por parte daqueles que estão à margem da sociedade. É este sentido que
deverá reger uma pedagogia do campo no contexto da formação. Nesta pesquisa foram desenvolvidos
métodos que possibilitam que o real histórico seja abstraído. Esse processo é operado por meio da prática
do ensino com pesquisa, que permite a reflexão crítica que emana da participação num contexto social e
político, que ultrapassa os espaços da escola, o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido,
interpretado, escrito e reescrito.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A educação do campo pensada e implementada a partir da década de 90 no Brasil, e significou a


mobilização dos camponeses na disputa pelo protagonismo na construção de políticas públicas, em contra
posição as iniciativas organizadas historicamente pelo estado. A partir dos anos 90 o debate em torno da
questão da educação do campo ocupou espaço na agenda política do governo. Esse momento foi fruto das
demandas dos movimentos e organizações sociais do campo, dos camponeses e dos trabalhadores rurais
(Bezerra Neto, 1999). Na região da BR 210 a Educação do Campo chegou em 2004 através do convênio:
UEA/INCRA/PRONERA. Neste momento histórico a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) foi
convidada pelo INCRA/PRONERA, para executar um curso de formação de professores, onde o público a ser
formado seriam os moradores das áreas rurais do Estado de Roraima. A direção do INCRA já havia procurado
a Universidade Estadual de Roraima (UERR) para executar o curso de formação de professores, mas a
mesma recusou a proposta. Com a desistência da UERR a UEA aceitou o desafio de formar 100 professores
que fossem moradores ou filhos de moradores das áreas rurais do Estado de Roraima, onde foram formados
alguns trabalhadores rurais da região onde foi feita a presente pesquisa, na BR 210. Foi nesta data que a
Educação do Campo chegou à região pesquisada, uma educação aclamada pelos moradores do Campo.
Para Stédile (1999).
Não estamos somente preocupados com a conquista de um pedaço de terra, mas com a
formação integral de toda nossa base social. Queremos ser libertos e construir comunidades
bonitas, com outras relações sociais, baseadas na amizade, na solidariedade. Enfim,
comunidades desenvolvidas, no sentido pleno da palavra. (p.107)
O trabalho coletivo desempenhado, por exemplo, nas lavouras, na criação dos animais e nas marchas
e os aspectos educacionais devem caminhar na mesma direção. Essa relação fortalece todos os sujeitos que,
direta e indiretamente, participam da construção da escola do Campo. Não se constrói absolutamente nada
de autônomo e emancipador se os sujeitos do campo não perceberem a necessidade de envolvimento com
essa identidade e com as questões que tocam o fazer pedagógico. É através dessa organização que
educadores e educandos avançam na realização dos seus sonhos e superação dos desafios. É importante
salientar nesse texto, a nossa preocupação com as diversas possibilidades de envolvimento geradas pelo
coletivo. Este não é libertador quando as atitudes tomadas passam pelo receio de ser diferente e contrária a
maioria do grupo. Assim, nesse processo de organização e envolvimento coletivo, Abramovay (1985)
argumenta que: os acampados, ao se organizarem coletivamente, deixam de ser apenas os objetos do
processo de reforma agrária e tornam-se sujeitos, eles passam do plano receptivo para o ativo. Nesse sentido,
a luta por uma educação do campo, incorpora a ocupação como mais uma das estratégias utilizadas pelos
movimentos sociais. Luta popular de resistência coletiva em defesa de seus ideais, proporcionando processos
de aprendizagens e construção política. O coletivo nessa conjuntura pode ser libertador, pois a organização
familiar e o envolvimento com a desapropriação do latifúndio, o estabelecimento do assentamento, a produção
agrícola e intelectual e a escola, na perspectiva freireana, são acompanhadas pelas resistências múltiplas.
Dessa forma, Caldart (2004) sinaliza para a urgência de uma pedagogia do oprimido que dialogue
com a articulação nacional por uma educação do campo, com os trabalhadores/as rurais e seus diversos
movimentos sociais. Uma educação que valorize os sujeitos e envolva-se com suas lutas sociais e formação
política, numa perspectiva emancipatória, histórica e identitária. Essas experiências fazem parte da
organização dos educadores e educandos. A conquista da educação do campo pelos movimentos sociais é
um projeto em disputa pela hegemonia, e inscreve-se como um dos componentes indispensáveis de
estratégia das forças políticas em luta pelo alargamento da democracia na sociedade brasileira, nos campos
e cidades. As formas de pressão, de negociação, os mecanismos de decisão adotados e as tensões

767
A Escola: Dinâmicas e Atores

permanentes nas relações entre os envolvidos podem contribuir para a construção da consciência crítica, o
fortalecimento da autonomia intelectual, a conquista de direitos e a coerência na utilização dos saberes da
terra.
Nos movimentos sociais, sabe-se que as políticas são formas de se garantir alguma coisa para a
população, pois a sociedade capitalista, utiliza-se da Educação como mecanismo social e político a seu favor
para se manter no poder, tanto no aspecto econômico quanto político. Pois o saber escolar é um ato que
ocorre no cotidiano, que atuam no indivíduo como verdades, valores, princípios etc., que orientam a postura
social e política de cada ser humano. Segundo Ghedin (2012).
A luta por políticas públicas significa a garantia ao direito assegurando o acesso universal à
educação, no caso da Educação do Campo que seja no e do Campo. Pois, conforme Caldart
(2004, p. 25-6), “[...] povo tem o direito de ser educado no lugar onde vive; o povo tem direito
a uma participação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua
cultura e às suas necessidades humanas e sociais [...].
Para Borges (2006), a Educação é compreendida por sua função social, desenvolvida na formação
do ser humano para atender à sociedade, não esquecendo que existem modelos estabelecidos pela estrutura
econômica, com direção a ser alcançada pelo sistema. Mas, apesar de todos os aparatos ideológicos, a
Educação possui um caráter político, uma vez que o ser humano em sociedade produz sua existência e, ao
mesmo tempo, sofre mudança em seu comportamento, significando, assim, ações sociais. É nessa dimensão
que a educação do Campo deve caminhar na perspectiva dos Movimentos Por uma Educação do Campo.
Para Ghedin (2007), deve-se partir do fato e do pressuposto de que a escola é uma construção histórica
situada no tempo e no espaço, de acordo com a cultura da sociedade que a formula, que envolve uma filosofia
de produzir intencionalidades diversas, de representações variadas, que nem sempre mostra, na superfície,
tudo o que pode significar, em termos de consequências que pode produzir. Neste sentido, o movimento por
uma educação do campo constitui-se em espaços instituídos pelas necessidades dos movimentos sociais
camponeses, reivindicar e garantir participação nas decisões, a reivindicação do acesso da população
camponesa ao conhecimento produzido a partir das práticas educativas das áreas rurais.
Nessa direção, Caldart (2010) afirma que a educação do campo além de se centrar na escola, provoca
uma nova educação do campo que orienta práticas para além da escola e de um projeto educativo com o
objetivo de não a tornar refém de sua própria lógica constitutiva. A escola é um direito de todas as pessoas.
Ela tem um papel educativo específico no mundo moderno, a ponto de que quem não passa por ela fica hoje
em condição social desigual (Freire, 1996).
A educação do campo nasceu como crítica a realidade da educação brasileira. Desse modo essa
educação surge com intuito de criticar uma realidade histórica estabelecida, manifestando desse modo a luta
por uma concepção de educação e de campo. Neste sentido Borges (2007) afirma que os movimentos sociais
sabem que as políticas públicas são formas de se garantir alguma coisa para a população, pois a sociedade
capitalista, utiliza-se da educação como mecanismo social e político a seu favor para se manter no poder,
tanto no aspecto econômico e político. Estando ciente desta forma de dominação é imprescindível conhecer
a história da educação do campo na região pesquisada. Porque é a partir do conhecimento do que aconteceu
anteriormente com a educação do campo é que podemos ajudar os sujeitos do campo na mudança para uma
educação do campo com qualidade. Para Borges (2006) a educação é compreendida pela sua função social,
desenvolvida na formação do ser humano, partindo desta verdade podemos afirmar que o homem do campo
está ficando para trás em relação à educação ofertada pelo sistema educacional, o camponês necessita de
uma educação libertadora, transformadora que o ajude a sair da barreira da alienação.

768
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O conhecimento produzido pelas universidades e seus pesquisadores não encontra correlato político
e com isso as populações do campo continuam numa luta sempre fracassada, pois o que lhes oferecem não
são mais do que as migalhas dos investimentos necessários para retirá-los das condições em que se
encontram. Os políticos decidem por si onde gastam o dinheiro e assim mantém as populações como reserva
de dependência para alimentar currais eleitorais. Quando o sistema educacional oferece escola e professores
para atender a demanda existente nas áreas mais distantes a maioria das crianças não aprendem
adequadamente. A exemplo disso podemos informar que em alguns municípios do sul do estado de Roraima
há crianças aprovadas para o sexto ano do ensino fundamental que não conseguem ler uma oração completa
e interpretá-la, por isso podemos afirmar que o currículo da escola do campo precisa ser construído
socialmente e a parte do modelo excludente imposto pelo liberalismo, a educação do campo deve estar de
acordo com o desenvolvimento social, econômico e desalienante do homem e mulher do campo. A educação
do campo torna-se significativa ao se propor como uma alternativa de leitura crítica da realidade, esta não é
uma tarefa exclusiva do ensino fundado na reflexividade, mas de todo o processo educativo; torna-se próprio
da razão pelo fato de que o processo educativo se mostra mais como alienação do que como emancipação.
Visto que a aprendizagem do pensar é uma atividade inerente à totalidade do processo educativo. Segundo
Freire (1986), a educação é um processo que deve conduzir à reflexão, pois.
[...] o que se visa é a formação de cidadãos críticos, ativos, que intervenham no processo de
transformação da sociedade. Esse processo comporta o domínio das formas que permitem
chegar à cultura sistematizada. E por esse motivo [...] já estaria justificada a importância da
reflexão. (p.24)
A educação ao longo de décadas tem pervertido as relações humanas e condenado grandes massas
de classes trabalhadoras ao conformismo e à alienação; justamente por representar a lógica do sistema. A
educação do campo deve romper radicalmente com essa lógica através da participação política do educador
educando, pois somente assim poderemos construir uma práxis libertária, capaz de oferecer elementos para
que o educando leia e compreenda a realidade, dando-se conta do meio no qual se insere e das causas da
sua opressão, poderá libertar-se de toda forma de conformismo e alienação encontrando e apontando
caminhos para a participação ético-política de toda sociedade (Ghedin, 1997). Neste sentido a educação do
campo está propondo uma real transformação no educando do meio rural, que ele entenda a sua situação de
excluído e a partir daí busque meios e formas para se libertar e buscar alternativas que melhore sua vida e
de toda a sociedade rural.
Dessa forma, entendemos que uma investigação que envolve os aspectos citados na legislação
anterior, deve ressaltar metodologias que atendam aos estudantes campesinos nos seus direitos que estão
postos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB e que estes sejam executados para dar uma melhor
educação às crianças, em especial, as do campo. O § 3° assegura que as propostas pedagógicas da
educação infantil para as crianças filhas de agricultores familiares, extrativistas, pescadores, artesanais,
ribeirinhos, assentados e acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, povos da floresta, devem:
I. Reconhecer os modos próprios de vida no campo como fundamentais para a constituição
da identidade das crianças moradoras em territórios rurais;II. Ter vinculação inerente à
realidade dessas populações, suas culturas, tradições e identidades, assim como a práticas
ambientalmente sustentáveis (Brasil-LDB, 1996).
Partindo desses direitos, é importante ressaltar aos professores e a gestão das escolas do campo a
inclusão no currículo de elementos pedagógicos que possibilitem trabalhar os aspectos socioemocionais de
estudantes campesinos, tendo em vista que isto implica diretamente no seu desenvolvimento cognitivo.
Assim, compartilhamos a ideia de se pensar como o espaço físico e social é fundamental para o

769
A Escola: Dinâmicas e Atores

desenvolvimento total dos estudantes e como este ajuda na estrutura das funções motoras, sensoriais
simbólicas, lúdicas e relacionais. Segundo Carvalho & Rubiano apud Oliveira (1994) considera-se o arranjo
espacial de fundamental importância, na medida em que podemos organizá-lo por meio de espaços
semiabertos, proporcionando aos estudantes e ao educador uma fácil visão de todo o espaço disponível, bem
como o favorecimento das interações sociais, possibilitando analisar a importância do espaço físico e sua
influência no aprendizado de campesinos.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS


As análises e discussões foram realizadas a partir dos autores que perfazem a fundamentação teórica
e o cruzamento com dos dados obtidos nas entrevistas com os moradores mais antigos de cada município ou
vicinal, os quais foram considerados informantes-chave. As entrevistas foram transcritas e posteriormente
categorizadas para facilitar a análise dos dados. A categorização, a análise e a interpretação dos dados não
são atividades mentais separadas, porém para melhor compreensão apresentamos separadamente para que
o leitor entenda mais claramente o processo de desenvolvimento da pesquisa. Conforme exposto e para não
contradizer as bases conceituais da educação do campo e Freire (1999) quando diz que o diálogo democrático
e a consulta comunitária para o desenvolvimento de atividades é dar autonomia ao sujeito por meio da
educação.
A todos participantes perguntamos “como foi a construção da educação do campo nos assentamentos
dos municípios da região sudeste do Estado de Roraima, ao longo da BR 210?
Na pesquisa de campo realizada pelos estudantes B. A. Viana e G. S. Viana no ano de 2013, na
entrevista com o senhor F. N. de M. (conhecido como barbeiro), este afirmou que foi o primeiro desbravador
de São Luiz do Anauá, “cheguei aqui em 1976 e depois foi chegando outras famílias que foram se
organizando, elegeram um líder e construíram a primeira escola do município que recebeu o nome de ‘Escola
de 1º. Grau João Rodrigues da Silva”. O informante em questão destaca que a atividade principal da
comunidade na época era a agricultura e o extrativismo de madeira. O entrevistado destaca também que
basicamente todos os membros da comunidade tinham lotes rurais, por isto se organizaram e conseguiram
junto ao governo do Estado a abertura de várias vicinais para facilitar o acesso e o escoamento da produção.
Outro participante da pesquisa foi a Professora Marta, entrevistada pelo estudante A. E. de S.
Almeida, no ano de 2014. A professora destaca que esteve presente desde a fundação da primeira escola,
esta destaca que “as escolas foram criadas pelo governo para suprir as necessidades que iam surgindo de
acordo com o povoamento do lugar”.
Na fala do entrevistado F. N. de M. fica claro a organização e união entre as famílias agricultoras
daquele momento. Podemos dizer com isto que a comunidades se ajudavam mutuamente e praticavam o
regime de mutirão. Porém, na fala da professora observamos que contradiz o entrevistado anterior, enquanto
um assegura que os movimentos sociais foram cruciais para o desenvolvimento da educação no campo na
região, o outro destaca que isto foi acontecendo por meio do governo do ex-território para atender a
necessidades locais.
Com isto, estamos tendenciosos a acreditar que podem ter acontecido as duas situações ao mesmo
tempo, pois se levarmos em consideração que a colonização da região foi feita pelo INCRA, a característica
principal dos assentamentos é a organização, união e mutirões por meio dos sindicatos e associações de
residentes. Pode não ter ocorrido com algumas escolas, mas em outras, principalmente nas vicinais,

770
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

seguramente aconteceu. Por fazer parte da pesquisa como estudante e como sujeito é que falo com esta
segurança, fez parte da minha vivência participar de vários movimentos desta natureza. Neste contexto está
presente a ideia de Borges (2006), que como nós, defende que o camponês precisa de uma educação
libertadora e transformadora.
Outra entrevista foi realizada por E. J. Ghedin, no ano 2014, com o presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de São Luiz do Anauá. Este destaca que “a educação não formal dos trabalhadores e
filhos de trabalhadores rurais, iniciou com os cursos dados pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), GTA
(Grupo de Trabalho Amazônico), SEBRAE e Igreja Católica, estes cursos geralmente aconteciam nas próprias
vicinais ou no pavilhão da Igreja Católica”. A fala do presidente pode justificar a contradição das informações
dadas pelo senhor F. N. de M. e pela professora, sendo compreensível o desencontro de informação tendo
em vista que um estava mais ligado aos movimentos sociais e outro mais ligado ao governo (funcionária).
Como estes cursos eram oferecidos para um público específico e as vezes na própria vicinal, nem todos os
residentes da vila poderiam ficar sabendo destes cursos. O presidente destaca a ação o governo na
implantação das escolas. O presidente ainda destaca que o INCRA ofereceu alfabetização de jovens e
adultos, por meio do PRONERA em todas as vicinais, nos anos de 2003 à 2008.
Nos outros municípios da região Sudeste do Estado, a história da educação no campo não foi
diferente. Em São João da Baliza, a estudante F. dos S. Araujo, no ano de 2013, realizou a entrevista com a
senhora A. C. a qual destaca que está na região desde 2004, a entrevistada enfatiza que “há muitas
dificuldades na região, as estradas não existem, as crianças andam quilômetros a pé, háfalta de professores”.
Também em São João da Baliza, o estudante J. F. da Silva, no ano de 2013 realizou a pesquisa e
destacou que a educação no campo na região foi construída por meio dos movimentos sociais e pelos sujeitos
participantes destes movimentos. Eram agricultores e agricultoras familiares. A criação dos movimentos
sociais se deu a partir de 1984 por meio da CPT e por incentivo da Igreja Católica.
A estudante N. Barros, no ano de 2014, realizou a entrevista com a professora que trabalha na região
desde 1988, no PA Jatapu, navicinal 34. A professora destacou que nos primeiros anos de sua docência tinha
apenas o ensino médio, que o concluiu com muito esforço. A professora enfatizou que
no ano de 1988 surgiu a necessidade de criar uma nova escola, tinha várias crianças na
idade de estudar, então a comunidade se reuniu e foi até a coordenadora do Centro Regional
de Educação reivindicar e ficou decidido que ali iria abrir uma nova escola. A escola foi
construída pelos pais, com coberta de palha e paredes de lascas, as mesas e cadeiras para
os alunos também foi construída de lascas.
Aqui novamente aparece a luta das famílias agricultoras para que os filhos estudassem e mais uma
vez a organização social está presente.
No Caroebe a estudante S. A. Monteiro, afirma que, a Educação Formal no município iniciou-se no
ano de 1978, com a implantação da escola José Barbosa dos Santos, que era localizada às margens do rio
Caroebe, em uma casa de apoio aos castanheiros, que ficava nas dependências da fazenda do senhor Sabá
Severo. A escola ficava localizada na fazenda devido à quantidade de famílias que ali residiam.
A escola atendia a alunos de primeira a quarta série do ensino fundamental em turmas multisseriadas.
As primeiras professoras a lecionar tinham apenas a terceira série do ensino fundamental, e eram professoras
por que tinham mais conhecimento do que as outras pessoas daquele lugar.
Atualmente há no município 18 escolas municipais sendo 14 escolas no campo. A Educação ainda
enfrenta muitas dificuldades nos dias atuais, como, a escassez de recursos didáticos, pedagógicos, cursos
de formação, merenda, condições adequadas de trabalho.

771
A Escola: Dinâmicas e Atores

Em 2014, a mesma aluna realizou a entrevista com senhor M. e com seu A. Macuxi, que estão na
região desde 1987 e 1986, respectivamente. Os informantes destacaram as dificuldades de acesso: “nem
bicicleta passava”. A base produtiva era arroz, milho e macaxeira. A primeira escola foi construída somente
em 1992 pela prefeitura. Na entrevista com um morador da vicinal 09, este destacou que “muita coisa mudou
de lá pra cá, já tem água encanada, luz, escola, transporte escolar”. Porém, se mostra indignado com a
estrada que só piorou.
Fica claro nas falas dos sujeitos entrevistados a preocupação com a educação que é dada a seus
filhos, com as vias de acesso em péssimas condições. Percebe-se também que esta é uma preocupação de
todos. Percebe-se também, que o histórico da educação no campo e nos municípios em que foi aplicada a
pesquisa, é parecida, começou com camponeses e que posteriormente foram agregando outras pessoas que
também ajudaram a construir a educação do campo na região.
As categorias que surgiram a partir das entrevistas foram a união, a organização, a atividade de
mutirão e a luta por melhores condições de vida, trabalho e estudo. Podemos observar que estas
características são ressaltadas pelos teóricos que sustentaram a pesquisa, tais como Freire (1986), Ghedin
(1997), Borges (2006), Caldart (2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para responder a problemática levantada inicialmente e atingir os objetivos propostos, estes foram
trabalhados de maneira integrada e visualizando a pesquisa de maneira ampla e completa, isto facilitou a
análise dos dados e a traçar algumas considerações. A construção da história da educação no campo a partir
do histórico dos assentamentos nos municípios que constituem a BR 210, na região sudeste do Estado de
Roraima possibilitou a percepção de algumas características que são comuns a todas as comunidades
estudadas e que ajudaram a construir os movimentos em defesa da educação no campo na Região.
As características encontradas foram luta pelo bem comum, trabalho em mutirão, união e organização
em prol de um objetivo comum. Foi possível identificar os sujeitos e os movimentos que construíram a
educação no campo na BR 210, especificamente na região sudeste do Estado. Com base nestas informações
foi possível discutir a Educação no Campo desenvolvida atualmente na região sudeste do Estado de Roraima.
Esta por sua vez, direcionada para uma educação que retira o campesino de suas casas e os leva para a
cidade com a justificativa que é mais econômico para os entes públicos (prefeitura e estado). Desta maneira
ao invés de fixar o agricultor e sua família na roça, passa a promover o êxodo do campesino para a cidade.
Nesta pesquisa ficou claro que, a Educação que está sendo desenvolvida na região é a Educação no
campo, que é uma educação que vem de cima para baixo que não está interessada em desenvolver o cidadão
rural em todas as suas potencialidades, é uma educação alienante, excludente, escravista, etc., que só está
reproduzindo o desejo do pensamento hegemônico, e tem como finalidade formar um cidadão, que seja um
mero produtor de alimentos para a cidade.
Mas o que os moradores do campo desejam é a Educação do Campo, que éuma educação
desalienante, libertadora, transformadora, etc., que propõe ajudar o cidadão do campo a sair desta condição
de mero produtor. E ser um cidadão que participa da sociedade de um modo geral como, ajudar na elaboração
de políticas públicas que realmente diga o que o campo precisa e não aceitar os investimentos públicos no
campo, como se fossem esmolas dadas pelo governo.

772
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

REFERÊNCIAS
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Manaus: Edições UEA/ ed Valer.

773
A Escola: Dinâmicas e Atores

PROFESSORES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR: DESAFIOS DO PROCESSO DE


FORMAÇÃO
[ID 81]

Maria Lourdes Gisi


Gisele do Rocio Cordeiro
Gabriela Campos
Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Centro Universitário Internacional; Pontifícia Universidade
Católica do Paraná
maria.gisi@pucpr.br; gisele.c@uninter.com; gabriela.campos3@gamil.com

Resumo
O estudo tem como objeto de investigação a educação superior e busca analisar a percepção de professores
sobre os desafios do processo de formação. A educação superior se reveste de fundamental importância na
atualidade, mas não significa que o diploma seja suficiente, se requer profissionais qualificados, que possuam
características tais como autonomia, iniciativa, interesse, criatividade, relacionamento interpessoal, dedicação
e conhecimentos em ferramentas tecnológicas. Assim a preocupação não pode estar centrada somente no
aumento das taxas de matrícula e tampouco somente nos requisitos do mercado. A pesquisa foi desenvolvida
a partir de uma abordagem qualitativa, mediante realização de grupo focal. Foram realizados dois grupos
focais, cada um com duas seções, o primeiro grupo focal contou com a participação de sete professores, o
segundo contou com participação de seis professores, ambos os grupos constituídos de professores de
educação superior, de diferentes áreas do conhecimento e de instituições privadas. Em relação à pesquisa
realizada foram levantadas questões relativas às condições de trabalho, excesso de burocracia e falta de
interesse de professores em aprimorar sua prática, demonstrando as dificuldades decorrentes do contexto de
trabalho que interferem no alcance da qualidade. Foram levantadas, também, questões relacionadas à
imaturidade e desinteresse dos estudantes, falta de conhecimentos básicos, estudo prejudicado em função
do trabalho. Em termos de propostas os professores indicaram a necessidade de compatibilizar uma base
teórica reflexiva com a demanda da área profissional, usar novas tecnologias interativas, contextualização do
ensino, metodologia de projetos, auto avaliação dos professores, motivação dos alunos e o professor como
mediador do processo de ensino-aprendizagem. Os resultados demonstram que o processo de formação vem
adquirindo maior complexidade em um contexto no qual se espera que a educação adquira característica
mercadológica, podendo levar a uma relação frágil com o conhecimento e professores com dificuldade em
lidar com os processos pedagógicos de modo a contemplar um processo de formação humana integral.

Palavras-chave: Educação Superior, Acesso, Permanência, Formação.

INTRODUÇÃO
O estudo tem como objeto de investigação a educação superior e busca analisar a percepção de
professores sobre o desafio do processo de formação, considerando o acesso, a permanência e a qualidade
do processo educativo. Parte do pressuposto de que para o acesso a postos de trabalho na atualidade, o
diploma é requisito fundamental, mas não suficiente, pois se observa a necessidade de contemplar novas
habilidades próprias dos avanços ocorridos na sociedade contemporânea, uma exigência que surgiu nas
últimas décadas com forte impacto na formação profissional.
De acordo com Ferreira & Oliveira (2011), tais avanços vêm “[...] evidenciando mudanças
significativas nas concepções e nos papéis sociais que desempenham” (p.39) as universidades na chamada
sociedade do conhecimento, um movimento internacional cujo pressuposto é que “[...] sociedade e economia
devem estar assentadas no conhecimento como estratégia de competitividade, tanto no cenário local como
no regional e no internacional” (p.40). Morosini (2016) com base em Ustárroz (2016) indica que o processo

774
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

de expansão da educação superior é fortemente marcado por fatores como “a democratização, a privatização
e a internacionalização. Como outra face de uma mesma moeda, três relevantes fatores também se projetam
sobre o atual contexto da educação superior: a diversificação, a mercantilização e a estandardização” (p.36).
Assim as reformas da educação superior somente podem ser compreendidas considerando a
conjuntura econômica, política e social e a sua influência nas políticas educacionais. No Brasil, as reformas
da educação superior, tiveram como preocupação a adequação às políticas emanadas dos organismos
internacionais, com foco na formação de competências, o que pode ser observado nas diretrizes curriculares
nacionais dos cursos de educação superior. No que se refere aos professores que atuam na educação
superior não existe uma identidade única, de acordo com Morosini (2000) alguns tem formação em cursos de
licenciatura, ou de pós-graduação lato ou stricto sensu e outros atuam com base na experiência adquirida na
sua área de atuação fora da universidade.
A partir das considerações apresentadas, surge o questionamento sobre como vêm sendo efetivado
o acesso, a permanência e a formação de jovens na educação superior? Com o objetivo de analisar esse
processo é que se buscou realizar uma pesquisa junto a professores de diferentes instituições privadas de
educação superior de Curitiba.

METODOLOGIA
Optou-se, nesse estudo, por uma pesquisa qualitativa que, de acordo com Giroulx (2010), possibilita
o emprego de novas perspectivas e interpretações mais próximas dos contextos das situações, trazendo
novos esclarecimentos, embora dados quantitativos, divulgados por organismos nacionais e internacionais
sobre a temática, também serão considerados, sendo desenvolvida a partir de grupo focal.
O estudo mediante a técnica de grupo focal foi realizado com o objetivo de conhecer as percepções
dos professores sobre a temática investigada com dois grupos de diferentes áreas de conhecimento,
buscando identificar a percepção dos participantes sobre o acesso, a permanência e o processo de formação.
O grupo focal é uma técnica que favorece o aprofundamento de um tema à medida que oportuniza o debate
sobre um tema em mais de um encontro com o mesmo grupo. Neste estudo foram organizados dois grupos,
cada um com dois encontros. Os professores participantes desse estudo atuam em instituições de educação
superior de Curitiba e o requisito para participar do grupo focal foi estar atuando na sua área profissional com
no mínimo três anos e ter disponibilidade para os encontros. A seleção dos professores ocorreu pelas
características comuns relacionados ao objeto de pesquisa e de áreas de conhecimento diversas, o que
ofereceu a possibilidade de apresentar diferentes percepções sobre a temática. Os dados foram colhidos a
partir da discussão sobre o tema, com duração em torno de uma hora e meia, tomando-se o cuidado em criar
um ambiente propício para obter percepções sem que os participantes se sentissem pressionados conforme
as indicações de Gatti (2005) e Lervolino & Pelicioni (2001).
A coordenadora da pesquisa atuou como moderadora e os relatos foram gravados para posterior
análise de conteúdo. Um grupo foi realizado no segundo semestre de 2015 e o segundo grupo no primeiro
semestre de 2016, ambos com dois encontros de uma hora e meia. Dois estudantes1 participaram como
observadores.

1
Otavia Kreitlow Basso e Andrey Alves Kochake, estudantes de iniciação científica (PIBIC) da PUCPR participaram de
todas as etapas de realização do grupo focal.

775
A Escola: Dinâmicas e Atores

CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA


Apresentam-se, a seguir, os resultados obtidos junto aos professores do grupo focal, indicando
inicialmente a caracterização dos participantes. Em relação à formação acadêmica todos possuem graduação
e mestrado em diferentes áreas, quatro são doutorandos em Educação, um é doutorando em Física e outro
em Matemática Aplicada, três são doutores em Educação e um é doutor em Educação e também em Ciências
Sociais.
Quanto a atuação profissional, dos 13 participantes todos são professores de educação superior,
sendo que três acumulam o cargo de coordenaor de cursos, um de diretor de instituição de ensino e um
também de consultor de empresas. Todos professores são de áreas distintas, o que foi intencional na escolha
dos participantes, pois o intuito foi conhecer as percepções existentes nas diferentes áreas do conhecimento.
A partir dos depoimentos obtidos junto ao grupo focal foram analisados o acesso e a permanência
educação superior e a qualidade da educação, duas categorias que se apresentam como os grandes desafios
da educação superior na atualidade.
Acesso e permanência na educação superior. O acesso à educação superior ainda é para poucos,
como explica Oliveira (2013):
A história do acesso à educação superior no Brasil revela uma tensão permanente entre
continuidade e ruptura com os mecanismos de seletividade social, mas com prevalência da
continuidade dos modelos ou processos de seleção dos melhores, segundo as capacidades
individuais, ainda que embasado, em geral, no discurso da igualdade de oportunidades e
mesmo da democratização do acesso. (p.273)
O acesso à educação superior já carrega em si uma história de discriminação, pois ainda se constata
uma elitização desde a criação dos primeiros cursos superiores no período do Brasil Colônia. Embora em
termos da legislação se observam avanços relacionados à ampliação do acesso à educação superior ainda
assim o acesso é privilégio daqueles que têm melhores condições econômica, em especial para aqueles
cursos mais concorridos.
Pode-se considerar educação superior no Brasil privada, pois de acordo com o Censo da Educação
Superior de 2015 das 8.033.574 matrículas, 75,7% se encontram em instituições privadas que, por sua vez,
totalizam 87,5% de todas as Instituições de educação Superior (Brasil, 2015).
Para minimizer tal situação foram aprovadas e implementadas políticas compensatórias tais como o
Programa Universidade para Todos (ProUni), um programa do Ministério da Educação, criado pelo Governo
Federal em 2004, que concede bolsas de estudo integrais e parciais (50%), em instituições privadas de ensino
superior, em cursos de graduação, a estudantes brasileiros (Brasil, 2005). Além disso, tem-se também o
Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), um programa do Ministério da Educação, destinado a financiar
prioritariamente estudantes de cursos de graduação, regularmente matriculados em instituições de ensino
não gratuitas, cadastradas no programa com avaliação positiva no SINAES e operacionalizado pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE (Brasil, 2001).
Para as instituições públicas foi aprovado em 2007 do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
A partir desse plano, é aprovado o REUNI, pelo Decreto 6.096/2007, que teve como objetivo a ampliação do
acesso à educação superior por meio do “Aumento do número de vagas/alunos nas salas de aula [...] abertura
de cursos noturnos, diminuição do custo/aluno, flexibilidade dos currículos, novas arquiteturas curriculares e
ações de combate à evasão” (Brasil, 2007).
Outra iniciativa do governo foi a criação da Universidade Aberta do Brasil – UAB, com o objetivo de
implantar um sistema nacional de educação superior a distância, em especial para professores em exercício

776
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

que não possuem curso superior ou não possuem curso na área de atuação e a formação de novos
professores para a educação básica. Segundo Paim (2014), a UAB envolve 104 instituições de ensino
superior públicas, 668 polos de apoio presencial e mais de 90 mil concluintes, 35.000 professores da
educação básica.
Cabe destacar, ainda, como importante conquista, a aprovação da Lei de Cotas – Lei 12.711, de
agosto de 2012, regulamentada pelo Decreto 7.824/2012, que “[...] garante a reserva de 50% das matrículas
por curso e turno nas 59 universidades federais e nos 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia
a alunos oriundos integralmente do ensino médio público [...]” (Brasil, 2012).
Entre os programas que têm como objetivo assegurar o acesso e a permanência de estudantes na
educação superior, foi aprovado Decreto 7.234/2010 o Programa Nacional de Assistência Estudantil –
PNAES, destinado aos estudantes de instituições públicas federais para as áreas: moradia, alimentação,
transporte, atenção à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio pedagógico e acesso,
participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades e superdotação (Brasil, 2010).
Os diferentes programas de assistência estudantil existentes em instituições públicas e os programas
e ações voltados à área acadêmica, como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC),
Programa de Monitoria, o Programa de Iniciação à Docência (PIBID) e o Apoio à participação em eventos
também, de alguma forma, contribuem para a permanência e a melhoria da aprendizagem. No entanto, apesar
dos programas, existem problemas para manter os estudantes na educação superior. Os desafios, portanto,
são enormes e no atual contexto de crise econômica e política, o corte de verbas destinadas à educação
ameaça os programas e as ações já existentes.
Tais esforços são insuficientes, como já mencionado, pois muitos jovens nem conseguem terminar o
ensino médio, como bem indica Pochmann (2007,) “A necessidade de antecipar renda futura ou de ajudar no
orçamento familiar tem pressionado os filhos, sobretudo os de famílias de menor renda, a terem uma
passagem breve pela escolar” (p.63). Outros não tiveram oportunidade de adquirir os conhecimentos
necessários para o acesso e a permanência na educação superior. Conforme Bourdieu & Passeron (2014)
tem relação com o capital cultural de estudantes. Piketty (2015) ao analidar a situação da educação superior
em diferentes países toma como base de análise Bourdieu & Passeron e conclui que: “seria ingenuidade
imaginar que a gratuidade é suficiente para resolver todos os problemas” (p.473), se refere a mecanismos de
seleção social e cultural substituindo a seleção financeira. Observa ainda que “não existe uma maneira
simples de atingir uma igualdade verdadeira de oportunidades no ensino superior. Trata-se de um desafio
central para o Estado social no século XXI...” (p.474). Está se refindo aos países desenvolvidos, no caso do
Brasil este desafio é ainda maior considerando o número de jovens que ainda não conseguem terminar o
ensino médio.
Os professores participantes da pesquisa consideram importantes os programas de acesso e
permanência como o ProUni para aqueles estudantes que têm dificuldades para pagar as mensalidades e
não conseguiram vaga em uma instituição pública.
[...] são vários fatores que contribuem ou não para que o aluno chegue a educação superior,
a gente sabe que os alunos que tiveram acesso às políticas de incentivo para o ensino
superior hoje estão aí, a gente tem uma aluna no nosso programa que teve uma formação
pelo FIES e PROUNI e hoje ela está no doutorado. (D)
Houve um acréscimo, os alunos têm mais oportunidades pelas políticas de acesso como o
ProUni e o Fies, este último possibilita maior acesso, pois não exige que o aluno tenha
estudado em escola pública. (C)

777
A Escola: Dinâmicas e Atores

A permanência dos estudantes na educação superior depende de vários fatores, sendo o financeiro
um dos mais importantes, mas as dificuldades de aprendizagem também se constituem em motivo
significativo, como bem colocam os participantes (I ) e (J):
[...] assim, eu percebo que o aluno [no curso de direito] quando entra na universidade, ele
percebe que não consegue dar conta das leituras. [...] não conhece autores de referência [...]
tem uma questão de grande evasão, entram 400 alunos no primeiro período e saem 100 no
quinto ano. (I)
[...] encontrei um aluno de química [...] e perguntei por que ele tinha saído, ele disse que não
estava conseguindo acompanhar os conteúdos, porque o que ele teve de química no ensino
fundamental e médio foi muito fraco. (J)
Já tive [alunos] que reprovaram uma, duas ou três vezes em cálculo I, cálculo II, álgebra
linear e acabaram quase entrando em depressão, daí desistiram do curso.
Outro fator relacionado à evasão refere-se aos alunos que entram pela segunda chamada, o que não
é, em geral, uma das opções desejada, como indica a participante (N), que afirma: “[...] aluno fica animado
porque tem vaga [...] ao decorrer do curso ele vai vendo que não é o que ele queria.”
A dificuldade apontada pela participante (J) também se refere às condições financeiras, tais como
transporte, alimentação e fotocópias. Esta é uma dificuldade muito presente em instituições públicas e
privadas de estudantes bolsistas e não bolsistas.
[...] sobre a graduação e a dificuldade do acesso por parte dos financiamentos que a
instituições não estavam recebendo, a gente sabe que isso tudo é uma questão política,
financeira, de formação do professor, de realidade social em vista do percurso histórico sobre
o acesso de ensino superior. (D)
O problema da evasão tem sido motivo de preocupação, conforme já indicado por Gisi & Gurgel (2016)
é um problema multicausal que envolve tanto consições econômicas dos estudantes, como uma trajetória
estudantil de baixo rendimento, assim como problemas que decorrem da própria instituição de ensino e dos
processos pedagógicos. De acordo com Speller; Robl & Meneghel (2012) “tanto a ociosidade quanto o
fenômeno da evasão, que causam o baixo índice de conclusões na educação superior, têm sido pouco
estudados pelos pesquisadores” (p.12). Os autores se referem também a migração de “estudantes de uma
instituição para outra ou de cursos presenciais para cursos a distância que ainda são pouco compreendidos”.
De acordo com o Censo da Educação Superior na rede federal mais de 84 mil vagas remanescentes não
foram preenchidas (Brasil, 2015)

QUALIDADE DA EDUCAÇÃO
Para discutir qualidade se faz necessária uma reflexão sobre como operam as instituições de
educação superior, nesta perspectiva Cunha (2016) contribui quando aborda as condições da universidade
contemporânea indicando três aspectos: a) Mudança Paradigmática, b) Ampliação das Tecnologias Digitais
e, c) Mudanças no Mundo do Trabalho. Em relação à primeira afirma que as “insituições escolarizadas
assumiram o paradigma da ciência moderna” (p.89) o que influenciou fortemente os currículos organizados
de forma verticalizada e monodisciplinar. E, ainda de acordo com a autora neste paradigma “O conceito de
normalidade se instituiu como um referente da organização humana e a média baliza o padrão desejável. Ou
seja, o sujeito da aprendizagem é invisível como categoria estruturante dos processos pedagógicos. (p.90).
Em relação à segunda condição que se refere às tecnologias digitais, discute as implicações para o processo
de ensino-aprendizagem que se refere à uma mudança no papel do professor que “precisa articular a
informação e o sujeito aprendiz”. O acesso à informação não é suficiente, pois é diferente de conhecimento
que é ressignificado pelo sujeito a partir das suas “estruturas cognitivas, culturias e emocionais” (p.91). Em

778
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

relação à Terceira condição Cunha (2016) observa “fluidez das tradições profissões e imprevisibilidade dos
trajetos” (p.93) profissionais. Tal condição tem impactos no processo de formação e impõe a necessidade
de rever a organização curricular. No entanto o que se oberva a partir da pesquisa é que os professores
enfrentam enormes dificuldades em sua prática pedagógica. Os professors participantes dos estudos
levantaram questões relativas às condições de trabalho e falta de interesse dos professores em aprimorar
sua prática, demonstrando dificuldades decorrentes do contexto de trabalho, as quais interferem no alcance
da qualidade. Tais dificuldades podem ser observadas na fala do participante (D):
[...] é que como professor hoje é uma grande dificuldade no processo de ensino, na
graduação, no ensino superior é que a vida do professor hoje não está mais pautada só no
processo de ensino-aprendizado, hoje o professor que dá aula no ensino superior é um
professor com multitarefas, [são] vários motivos porque estão sobrecarregados com pesquisa
ou eles estão fazendo muitos processos burocráticos, dentro da própria instituição.
Sobre a qualidade da formação existem várias críticas tanto as relacionadas às instituições como na
atuação de professores e alunos.
[...] o que eu queria destacar também é que há uma dicotomia, eu ouço muito nos corredores
assim, na teoria é uma coisa na prática é outra, não se consegue ou não se entende a relação
da prática com a teoria, assim o que eu quero dizer com isso, muitas vezes quem está na
academia, não quero generalizar, mas há um distanciamento do campo de atuação
profissional. (F)
Os alunos são pragmáticos, pois eles têm uma cobrança muito grande em relação ao
mercado [...] eles vêm com muita defasagem e exigem da gente uma sensibilidade quanto a
começar com o “bê a bá”. (H)
Foram levantadas questões relacionadas à imaturidade e ao desinteresse dos estudantes, à falta de
conhecimentos básicos e ao estudo prejudicado em função do trabalho.
[...] o perfil deles ainda é de imaturidade. Alguns ainda não escolheram uma profissão, apenas
escolheram um curso, mas não significa que eles escolheram uma profissão. [...]. Nós temos
hoje alunos que ainda estão assistindo aula e participando das aulas e digo mais assistindo
e nem participando, eles sentam, ficam, termina a aula [...] eu fico vendo o sacrifício do aluno
de chegar, sentar e ficar até a hora de levantar e ir embora. [...] A dificuldade dele, aquela
cara de “me deixa dormir, me deixa em paz, me largue aqui”, e toda vez que você o provoca
ele prefere dizer “eu não sei” sem ao menos fazer uma tentativa. (C)
Segundo (J), há necessidade de mudar a metodologia de ensino, pois a ênfase tem sido conteudista,
com pouca participação dos estudantes no seu processo de aprendizagem, incentivando eles a serem mais
autônomos e segundo (N): “[...] eles são muito dependentes”, mas como considera (J) “[...] os professores
também ainda não estão preparados para essa mudança”.
Nestes depoimentos aparecem problemas antigos como da relação teoria/prática e metodologias que
não contemplam a participação dos estudantes, mas também uma percepção do desinteresse dos
estudantes. De fato, um ensino que se pauta apenas na transmissão do conteúdo não contextualizado e
centrado no professor não irá despertar o interesse dos estudantes
Os dados da pesquisa mostram um esforço na ampliação do acesso, mas insuficiente para atingir a
Meta proposta no Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014) e, evidenciam que há muito para ser feito para
a permanência e conclusão com sucesso dos estudantes. Aliado ao esforço de ampliação do acesso e das
condições para a permanência dos estudantes na educação superior, faz-se urgente repensar o processo de
formação.
De acordo com documento da UNESCO (2015): “Educação para a Cidadania Global: preparando
alunos para os desafios do século XXI”. As competências básicas podem ser assim sintetizadas a) construção
de uma identidade coletiva; b) profundo conhecimento de questões globais e valores universais como justiça,
igualdade, dignidade e respeito; c) Habilidades cognitivas para pensar de forma crítica, sistêmica e criativa;

779
A Escola: Dinâmicas e Atores

d) Habiliddes sociais como empatia e resolução de conflitos e) Capacidade para agir de forma e responsável
e colaborativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que a educação superior se constitui em uma das principais condições para a
mobilidade social à medida que no atual contexto social cada vez mais o diploma é requisito no mercado de
trabalho, as dificuldades de acesso e permanência apresentam-se como um grande desafio. Assim, quando
os estudantes que conseguem ingressar na educação superior não permanecem e não concluem com
sucesso o curso escolhido, é preciso repensar a educação superior, suas políticas, a organização, a gestão
e o processo pedagógico das instituições de educação superior.
No que se refere aos desafios para as instituições de educação superior se requer a ampliação de
vagas públicas, incremento da interiorização, ampliação do financiamento aos estudantes, fomento às
políticas e aos programas de inclusão e de ações afirmativas, estímulo à pesquisa científica e tecnológica e
ao considerar a trajetória dos estudantes que chegam à educação superior se faz necessário, tamém, o
compromisso com formação dos professores para educação básica (Speller, Rol & Meneghel (2012, p.19-
20). Pode-se acrescentar ainda a necessária reorganização curricular de modo a superar a estrutura vertical
e monocultural.
É preciso entender o processo de formação em uma perspectiva ampliada a partir da articulação
teórico/prática e de uma proposta pedagógica interdisciplinar. Estas novas expectativas de formação
pressupõem uma ruptura com modelos rígidos das instituições de educação superior, de currículos
estandardizados, de metodologias tradicionais que levam ao pensamento crítico e criativo.
Em termos de propostas os professores indicaram a necessidade de compatibilizar uma base teórica
reflexiva com a demanda da área profissional, usar novas tecnologias interativas, contextualização do ensino,
metodologia de projetos, auto avaliação dos professores, motivação dos alunos e o professor como mediador
do processo de ensino-aprendizagem. Os resultados demonstram que o processo de formação vem
adquirindo maior complexidade em um contexto no qual se espera que a educação adquira característica
mercadológica, podendo levar a uma relação frágil com o conhecimento e professores com dificuldade em
lidar com os processos pedagógicos de modo a contemplar um processo de formação humana integral.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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782
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

COMUNICAÇÃO MEDIADA POR TIC: SABERES, COLABORAÇÃO E CONFLITO NA


APRENDIZAGEM ONLINE
[ID 112]

Lidiane Goeder
Martha Kaschny Borges
Universidade do Estado de Santa Catarina/Centro de Educação a Distância; Universidade do Estado de
Santa Catarina/Centro de Ciências Humanas e da Educação
lidiane.goedert@gmail.com; marthakaschny@hotmail.com

Resumo
O objetivo deste estudo foi analisar os saberes compartilhados e a efetivação da comunicação mediada em
ambientes virtuais. Os sujeitos da pesquisa foram 160 estudantes de cursos de graduação e educadores de
escolas do Ensino Fundamental e Médio brasileiros que participaram de um curso de extensão online. O curso
se intitulou ‘Mediação de conflitos na comunicação online’ e foi oferecido no primeiro semestre de 2016 pela
Universidade do Estado de Santa Catarina.
Os dados foram coletados no ambiente virtual a partir das interações realizadas nas ferramentas fórum e wiki,
em quatro atividades que objetivaram, respectivamente: discutir situações de conflito online vivenciadas pelos
participantes; debater sobre a importância da afetividade na linguagem para a emergência de novas
aprendizagens, com vistas à minimizar a ocorrência de conflitos; sistematizar um plano de ação para
mediação de conflitos na comunicação online; elaborar coletivamente um texto com regras de conduta para
melhorar este tipo de comunicação.
Inicialmente realizamos um levantamento bibliográfico centrado nos conceitos de mediação pedagógica e de
processo comunicacional, sob a forma de uma revisão sistemática de literatura. Tal revisão possibilitou
associar os saberes dos participantes às seguintes categorias relacionais: comunicação e linguagem;
comunicação e afetividade; comunicação e feedback; comunicação e colaboração; comunicação e
divergências.
Os resultados evidenciaram que os principais conflitos presentes na comunicação online estão relacionados
à dificuldade de compreensão da linguagem utilizada na comunicação online; à sensação de solidão por parte
do estudante na interação com os colegas; à falta de afetividade na comunicação; à ansiedade dos estudantes
em obter retorno imediato às dúvidas enviadas; à dificuldade de trabalhar coletivamente e colaborativamente;
aos conflitos decorrentes de ideias divergentes. Acreditamos que esses conflitos necessitam ser mediados
pedagogicamente com o objetivo de melhorar as interações, qualificar o processo comunicativo e gerar
sentimentos que reforcem a participação autônoma, coletiva e colaborativa dos sujeitos.

Palavras-chave: Educação a Distância, Mediação de Conflitos, Comunicação online. Afetividade.

Résumé
Le but de cette étude a été d'analyser les connaissances partagées et la promotion de la communication
médiatisée dans des environnements virtuels. Les sujets de l'étude étaient 160 étudiants de cours de
graduation et des enseignants des établissements d'enseignement primaire qui ont participé d'un cours de
formation continue, en ligne. Le cours est intitulé «Médiation des conflits dans la communication online» et qui
a été offert dans le premier semestre de l'année 2016, par l'Université de l'État de Santa Catarina.
Les données ont été recueillies dans l'environnement virtuel à partir des interactions réalisées sur les outils
forum et wiki, au cours de quatre activités dont l'objectif a été d'analyser les situations de conflit online vécues
par les participants; réfléchir sur l'importance de l'affectivité dans la communication pour le développement
de nouveaux apprentissages, afin de minimiser l'occurrence des conflits; systématiser un plan d'action pour la
médiation des conflits dans la communication online; rédiger collectivement un texte avec des règles de
conduite pour améliorer ce type de communication.
Dans un premier temps, nous avons réalisé une révision bibliographique sur les concepts de médiation
pédagogique et de processus de communication, sous la forme d'une révision systématique de la littérature.
Cette révision a permis d'associer la connaissance des participants aux catégories relationnelles suivantes: la
communication et la langue; la communication et de l'affectivité; la communication et le feedback; la
communication et la collaboration; la communication et les divergences.

783
A Escola: Dinâmicas e Atores

Les résultats ont montré que les principaux conflits actuels dans la communication online sont liés à la difficulté
de comprendre le langage utilisée dans la communication online; le sentiment de solitude des étudiants par
rapport à leur manque d'interaction avec leurs collègues; le manque d'affectivité dans communication; l'anxiété
des étudiants en obtenir une réponse immédiate aux questions envoyées; la difficulté de travailler
collectivement et en collaboration; les conflits découlant des idées divergentes. Nous croyons que ces conflits
doivent être médiées pédagogiquement afin d'améliorer les interactions, de qualifier le processus de
communication et de générer des sentiments qui favorisent la participation autonome, collective et
collaborative des sujets impliqués.

Mots-clés: Éducation à distance, Médiation des conflits, Communication online, Affectivité.

INTRODUÇÃO
Cada período histórico e cada tipo de sociedade são caracterizados por uma determinada ecologia
comunicacional e educacional que lhes é devida e proporcionada pela conjuntura dos seus sistemas
tecnológicos. Sendo assim, a análise histórica de cada época e cada sociedade fornece um quadro de
compreensão dos impactos dos sistemas tecnológicos de informação no desenvolvimento da relação do
homem com a comunicação e dos reflexos que as mudanças provocam nas estruturas educativas (Silva,
2005). Nessa mesma perspectiva, Kenski (2003) salienta que as tecnologias que marcam cada período
histórico, disponíveis para utilização por determinado grupo social, transformam essencialmente as suas
formas de organização social, a comunicação, a cultura e a própria aprendizagem.
Nesse sentido, a sociedade contemporânea, também denominada de Sociedade da Informação e
Conhecimento (SIC), apresenta a tecnologia como um dos aspectos que se destacam como essenciais, além
da informação, da comunicação e do conhecimento (Silva & Pereira, 2011). Para esses autores, se estes
elementos, em termos históricos, sempre se aliaram ao desenvolvimento das sociedades, na época atual são
considerados cruciais, expandindo os seus efeitos às diversas dimensões sociais, dentre elas a educativa.
A sociedade contemporânea, marcada pela presença e influência das tecnologias digitais e mídias
interativas, tem provocado professores e alunos a vivências de processos de ensino-aprendizagem que
instigam a colaboração, a inovação, o compartilhamento e a coletividade (Jenkins, 2009). Esta sociedade
dinâmica, caracterizada por mudanças significativas nos processos comunicativos e educativos, dentre
outros, transformou valores e diversificou as formas de relação com o saber.
Sendo assim, Silva & Pereira (2011) destacam que a análise do impacto das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) na educação não poderá acontecer dissociada do desenvolvimento das
competências críticas de acesso, pesquisa, seleção, avaliação e reconfiguração da informação, permitindo
uma movimentação ágil e fluente. Logo, as propostas didático-metodológicas em contextos educativos
mediados por tecnologias devem favorecer, dentre outros aspectos, o exercício cognitivo, a aproximação
entre os sujeitos e o desenvolvimento de habilidades comunicativas.
Diante desse contexto, apresentamos neste artigo reflexões decorrentes dos saberes compartilhados
em um curso de extensão online, com a temática ‘Mediação de conflitos na comunicação online’, oferecido
no primeiro semestre de 2016 a 160 estudantes de cursos de graduação e educadores de escolas do Ensino
Fundamental e Médio brasileiros. Este curso integrou as ações do Programa de Extensão ‘Mediação da
comunicação na Educação a Distância’, do Centro de Educação a Distância da Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC).

784
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

COMUNICAÇÃO MEDIADA POR TIC


A mediação pedagógica é um processo comunicacional, conversacional, de construção de
significados, cujo objetivo é expandir as possibilidades de diálogo e incentivar a construção de um saber
relacional, contextual, gerado na interação professor-aluno (Shechtman, 2009). Dessa forma, a mediação
pedagógica pressupõe a ação de um docente que ajuda a desenvolver no aluno a curiosidade, a motivação,
a autonomia e o gosto pelo aprender, seja no ambiente presencial ou no ambiente virtual (Machado, Ferreira
& Aquinio, 2010).
A importância da mediação pedagógica está na qualidade da interação que acontece entre os sujeitos
envolvidos no processo educativo. Nesse sentido, é importante que ambos estejam comprometidos no
processo, uma vez que só o aluno pode fazer aquilo que produz conhecimento, cabendo ao professor fazer
alguma coisa para que o aluno o faça (Nicolodi & Schlemmer, 2009).
Em suas obras, Freire (2002) também enfatiza aspectos dos saberes docentes, marcadamente
mediadores, entre os quais se destaca:
[...] ensinar não é transferir conteúdo a ninguém, assim como aprender não é memorizar o
perfil do conteúdo transferido no discurso vertical do professor. Ensinar e aprender têm que
ser com o esforço metodicamente crítico do professor de desvelar a compreensão de algo e
com o empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando, como sujeito de aprendizagem,
no processo de desvelamento que o professor ou professora deve deflagrar (p.134).
Para Freire, o professor tem o papel de estabelecer relações dialógicas de ensino e aprendizagem.
O professor, nessas relações, ao passo que ensina, também aprende. Logo, professor e estudante aprendem
juntos, em um encontro democrático e afetivo, em que todos podem se expressar.
A Educação a Distância (EaD) quando ofertada com uso da internet exige atitudes e comportamentos
apropriados de seus interlocutores para não comprometer o relacionamento interpessoal das comunidades,
que podem ser consideradas complexas pela multiplicidade de diferenças encontradas nos grupos que se
comunicam basicamente por meio da escrita e pelo fato da interação acontecer, majoritariamente ou
totalmente, em tempos e espaços diversos (Lima, 2012). Essas características exigem que os sujeitos
envolvidos com cursos online desenvolvam habilidades adicionais para promover as interações e
interatividades, assim como com tudo que decorrem desses processos comunicativos, como o próprio conflito
e a cooperação.
Em contextos de ensino e aprendizagem a distância, a linguagem escrita é um dos meios utilizados
como maneira de expressão e interação, tanto nos chats, como nos e-mails e fóruns. É fato também que a
Educação a Distância se efetiva por meio do uso de tecnologias e estratégias didáticas que possam unir,
virtualmente e/ou de forma assíncrona, os sujeitos, as mensagens e os conteúdos envolvidos no processo de
ensino e aprendizagem (Schneider, Souza & Moares, 2007). Nesse cenário, a comunicação e a mediação
têm importância fundamental à medida que a distância geográfica precisa ser superada e que o sentimento
de pertencimento grupal precisa ser estabelecido.
Segundo Primo (2005) os slogans cativantes de construção de um mundo “mais humano” a partir de
mais comunicação possibilitada pelas tecnologias de informação e comunicação também ignoram, sejam por
ingenuidade ou deficiência teórica, que o conflito é próprio do humano e que comunicação não é sinônimo de
transmissão inquestionável nem de intercâmbio consensual. Logo, é possível afirmar que cooperação e o
conflito são conceitos que não se opõe. Segundo o autor, pode-se até afirmar que interagir é, pelo contrário,
estar em conflito e que negar o conflito seria negar a própria possibilidade de comunicação.

785
A Escola: Dinâmicas e Atores

Importante salientar que cada sujeito tem suas características, porém, estas podem ser ocultadas ou
expressadas considerando o grau de pertencimento, afetividade, afinidade e semelhança com os membros
de um grupo, como numa comunidade online. Segundo Lima (2012), no dia a dia é comum encontrarmos
pessoas mais falantes ou mais tímidas, outras mais auditivas, algumas ignoradas, umas que inspiram sinais
de confiança, algumas que se destacam mais, etc. O comportamento e a atitude podem estar relacionados à
língua, ao poder ou à cultura das demais pessoas dos grupos e, dependendo das circunstâncias, são capazes
de gerar ruídos na comunicação que podem levar ao surgimento do conflito.
Quando esses fatores se fazem presentes em cursos ofertados na modalidade EaD, as expressões
são evidenciadas especialmente pela participação nos fóruns online, visto que os sujeitos no grupo despertam
a atenção de outras pessoas que, ao invés de focarem nas atividades propostas no planejamento didático,
investem uma parte do tempo em discussões paralelas capazes de afetar o desempenho individual ou grupal
(Lima, 2012). Por isso, a autora salienta que em cursos a distância exige-se que a comunicação escrita seja
polida, clara e objetiva ao tratar questões que possam desencadear ruídos e conflitos uma vez que as
mensagens trocadas podem estar influenciadas, por fatores como: estilos de comunicação, linguagem,
gênero, aspectos culturais, personalidade, experiência, status, interesses, questões emocionais, dentre
outras causas.
De modo geral, observa-se que vários autores participam da mesma opinião de que o conflito é um
processo natural e inerente à dinâmica organizacional e das equipes, podendo emergir por meio das relações
entre indivíduos de um mesmo grupo ou equipe, entre grupos ou equipes, entre os diferentes níveis
organizacionais e entre organizações.
Considerando a centralidade da comunicação na EaD, analisamos neste estudo os saberes
compartilhados no Curso ‘Mediação de conflitos na comunicação online’ buscando trazer à tona questões que
possam contribuir para ampliar a reflexão acerca do uso das tecnologias postas à serviço da informação e
comunicação nessa modalidade. Abrem-se, assim, novos processos de aprendizagem que oferecem
possibilidades de renovar ou mesmo romper com a práxis do modelo tradicional da educação, muitas vezes
transposto para os modelos pedagógicos em EaD.

O CURSO DE EXTENSÃO ‘MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NA COMUNICAÇÃO


ONLINE’: ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO
O curso de extensão ‘Mediação de conflitos na comunicação online’ foi ofertado em segunda edição
no primeiro semestre de 2016 a quatro turmas, totalizando 160 cursistas. Foi desenvolvido totalmente no
Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle durante um período de sete semanas. O conteúdo do curso
totalizou 60 horas de estudo e foi organizado em dois módulos de 30h, assim definidos: Módulo I - Interação
e interatividade na comunicação online, com o objetivo foi identificar e discutir situações de conflitos na
comunicação online; Módulo II - A mediação de conflitos na Educação a Distância: desafios e possibilidades,
em que o objetivo era identificar possibilidades de mediação de conflitos na Educação Online e a Distância.
As atividades planejadas para o curso envolveram a leitura de artigos, previamente selecionados,
vídeos, participação em fóruns de discussão e elaboração de um texto colaborativo por meio do recurso Wiki.
Essas atividades foram organizadas em quatro propostas com os seguintes títulos e objetivos:
i) Fórum - vivências de conflitos na EaD: discutir situações de conflito online vivenciadas pelos
participantes, respondendo como surgiu o conflito, quem eram os envolvidos e como foi mediado.

786
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ii) Fórum - linguagem e afetividade na comunicação online: debater a questão ‘Como a afetividade e
a linguagem podem impulsionar novas aprendizagens na Educação a Distância, especialmente nos
ambientes virtuais de aprendizagem, promovendo uma comunicação mais eficaz entre os alunos e os
docentes (professores, tutores) e evitando a ocorrência de conflitos?’.
iii) Fórum - plano de ação: elaborar um plano de ação para mediação de duas das três situações
expostas no enunciado, quais sejam: a presença de um aluno que se sobressai o tempo todo aos demais nos
debates em fóruns, sendo sempre o primeiro a fazer tudo e, ainda, chama a atenção dos colegas em tom de
cobrança, como se fosse o líder da turma; a presença de um aluno que não elabora os textos com suas
próprias ideias/palavras, pois o faz por meio de recortes de textos prontos na internet e cópias de trechos das
respostas dos próprios colegas, sem fazer referências aos materiais pesquisados; a presença de aluno que
utiliza de linguagem abreviada (tb, vc, kdê, entre outras) e informal nas suas respostas às atividades de
aprendizagem
iv) Wiki - netiqueta da comunicação: elaborar coletivamente uma netiqueta para a comunicação em
ambientes virtuais de aprendizagem, estabelecendo algumas regras de conduta na comunicação docente-
aluno e aluno-aluno em fóruns, chat, e-mail, feedback, etc; devendo propor regras de conduta para melhorar
a comunicação e evitar "ruídos” ou conflitos.
Para esse artigo analisamos os saberes compartilhados pelos cursistas em todas as atividades,
objetivando apresentar um cenário das principais situações que decorreram dos relatos compartilhados. Os
critérios de avaliação que evidenciamos nas atividades de aprendizagem requeriam dos cursistas a sua
participação efetiva por meio da apresentação de argumentos coerentes e pertinentes à temática proposta,
mantendo o seu foco e objetivo.

METODOLOGIA DE ANÁLISE
Os dados analisados foram recolhidos no ambiente virtual no qual foi desenvolvido o curso de
extensão a partir das interações dos participantes nas quatro atividades mencionadas. Para a análise dos
saberes compartilhados efetivamos um levantamento bibliográfico de publicações científicas, utilizando um
protocolo específico decorrente dos princípios subjacentes a uma revisão sistemática de literatura,
envolvendo o entrelaçamento entre mediação pedagógica e processo comunicacional. A partir disso, foi
possível agrupar os saberes nas seguintes categorias relacionais: comunicação e linguagem; comunicação e
afetividade; comunicação e feedback; comunicação e colaboração; comunicação e divergências.
Para a apresentação dos fragmentos dos saberes compartilhados no curso manteve-se o anonimato
dos cursistas, os quais foram referenciados da seguinte maneira: termo Cursista + número sequencial da
relação total de cursistas em ordem alfabética + turma (T1, T2, T3, T4). Exemplo: Cursista12T4.

ANÁLISE DOS SABERES


As respostas dos cursistas às atividades evidenciaram, em sua maioria, aspectos recorrentes nos
relatos de conflitos envolvendo a comunicação em contextos de ensino e aprendizagem online, tais como:
dificuldade de compreensão da linguagem utilizada na comunicação, tanto por docentes quanto por
estudantes; sensação de solidão por parte do estudante na interação com os colegas nos fóruns, a qual foi
associada à falta de afetividade na comunicação; ansiedade dos estudantes em obter retorno imediato às
dúvidas enviadas aos docentes/tutores; dificuldade de trabalhar coletivamente e colaborativamente; embate

787
A Escola: Dinâmicas e Atores

a partir de posicionamentos ou ideias divergentes. A partir do resultado dos relatos dos cursistas organizamos
as seguintes categorias de análise, envolvendo a ocorrência de conflitos decorrentes da comunicação em
cursos a distância: comunicação e linguagem; comunicação e afetividade; comunicação e feedback;
comunicação e colaboração; comunicação e divergências.

Comunicação e linguagem
A ocorrência de conflitos entre os sujeitos do processo educativo a distância foi relacionada à
dificuldade de compreensão da linguagem utilizada na comunicação, tanto naquela realizada pelos docentes
quanto pelos estudantes, conforme pode-se observar no relato a seguir:
Os conflitos que já vivenciei ou observei em ambiente digital costumam ser causados por
ruídos nos processos de comunicação, especificamente, escrita/leitura parcial ou
descontextualizada dos discursos (Cursista3T4)
De acordo Bairral (2007), as tarefas sugeridas e desenvolvidas no processo interativo serão
relevantes na construção do conhecimento dependendo das condições de trocas de informação e da
qualidade da comunicação desencadeada nos diferentes espaços com diferentes especificidades. Diante
deste pensamento, percebemos que a fluidez ou não na comunicação pode potencializar ou minimizar
conflitos, interferindo diretamente na motivação do aluno para seu aprendizado. Os problemas no processo
de comunicação advindos dos ruídos que vão desde distorções na pontuação da língua culta até bloqueios
emocionais do receptor, podem ser enfrentados mesmo antes de se tornarem conflitos.

Comunicação e afetividade
A participação dos cursistas expondo vivência de conflitos na comunicação na EaD também foi
recorrente nas atividades e evidenciou que a falta de afetividade atrapalha a comunicação e o
desenvolvimento em um curso a distância podendo gerar conflitos.
Sou aluna de Pedagogia do polo de Itapema, e tenho escutado muitos comentários dos meus
colegas sobre reclamações feitas por eles e a aspereza das respostas dadas pelos
professores a distância, no início do curso. (Cursista51T1)
Ficou latente nessa experiência a necessidade de se sentir compreendido e seguro nas relações
online e isso exige um olhar atento que venha a motivar a continuação das relações em um ambiente virtual.
O sentimento de solidão, que pode atingir os alunos na modalidade EaD, foi mencionado pelos cursistas e
associados ao surgimento de conflitos. Essa sensação pode ser minimizada com a prática da afetividade nas
comunicações. Sihler & Ferreira (2011), além de defenderem o posicionamento de que os vínculos afetivos
são determinantes para a construção de conhecimentos significativos na EaD, afirmam que tais vínculos estão
diretamente ligados à condição de permanência ou evasão dos alunos.
A afetividade aproxima professor e aluno, mas também pode aproximar o aluno das ferramentas
tecnológicas, das atividades, das leituras, aspectos importantes para o aprendizado. De acordo com Espírito
Santo (2011), os vínculos afetivos entre professor e alunos são fundamentais para o desenvolvimento da
aprendizagem. Esse autor também ressalta que o emprego de uma linguagem dialógica escrita mais
apropriada amplia o grau de comprometimento entre os envolvidos e torna mais significativa a aprendizagem
online. Já para Arantes (2002) os estados emocionais do indivíduo (positivo ou negativo) influenciam seus
pensamentos e ações tanto como as capacidades cognitivas. Percebe-se, desta forma, a importância do
afeto, pois este desencadeará soluções na resolução de conflitos.

788
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Comunicação e feedback
A associação dos cursistas à ocorrência de conflitos relacionados ao feedback também foi recorrente
e envolvia basicamente a ausência ou demora nos retornos dos docentes/tutores às dúvidas enviadas pelos
alunos e feedback pouco qualificados às atividades de aprendizagem, conforme exemplificados nos relatos a
seguir.
O maior problema vivido por mim durante este curso foi a demora nos questionamentos feitos
no fórum, e a dificuldade em encontrar os responsáveis para sanar as dúvidas por exemplo
montamos uma comissão de formatura e tentamos encontrar algum responsável que
pudesse nos informar como proceder e até hoje ainda não me indicarão ninguém um joga
pro outro. (Cusista58T2)
Sendo o público alvo do ensino a distância, aquelas pessoas que possuem pouco tempo livre
e que precisam conciliar emprego, estudo, responsabilidades do dia a dia como, casa, filhos
etc, não me diferencio. Porem minha maior dificuldade foi em relação a interação, aos atrasos
e ausências de feedbacks. (Cursista40T4)
Uma situação que acontece e que é considerada por mim um conflito, é a demora com o
feedback das dúvidas lançadas nos fóruns. Muitas vezes essas dúvidas são respondidas
depois da data de entrega do trabalho ou até de uma prova, o que prejudica o aluno.
(Cursista25T3)
Sobre a relação comunicação e feedback, Flores (2009) destaca que ao emitirmos uma mensagem
sentimos a necessidade de feedback seja, acerca dos aspectos positivos ou da necessidade de melhorias.
Para a autora, nos modelos de EaD que utilizam a Internet como tecnologia principal ou de apoio, o professor
que está no ambiente virtual de aprendizagem diretamente em contato com os alunos, pode utilizar o feedback
para responder dúvidas, avaliar e desenvolver outras atividades inerentes à docência.
Ao perceber o feedback como um ato de comunicação, o diálogo deve estar presente na linguagem
utilizada para efetivá-lo. No caso da EaD, a linguagem escrita é o principal signo deste ato. O professor deve
então aproveitar os recursos da linguagem para o sucesso da aprendizagem dos alunos. Acredita-se ainda
que o tempo de resposta e a qualidade do feedback do professor são outros dois aspectos motivacionais para
o aluno que espera um retorno no outro lado da máquina (Flores, 2009).

Comunicação e colaboração
Trabalhar de forma coletiva e colaborativa é uma competência que o aluno da EaD precisa
desenvolver. No entanto, percebemos que muitos conflitos vivenciados pelos cursistas reforçam essa
dificuldade, especialmente quando envolvem a realização de atividades em grupo.
Os saberes evolvendo a relação entre comunicação e colaboração foram especialmente evidentes na
atividade 4, que consistia na construção coletiva de uma netiqueta da comunicação.
Segundo Barbosa (2012) os novos paradigmas educacionais de EaD conduzem a prática educativa
a eleger a comunicação, o diálogo, a colaboração como aspectos importantes de estratégias pedagógicas
para desenvolver o processo educativo. Acreditamos que esses aspectos favorecem a criação de um
ambiente agradável em que a cooperação passa a fluir espontaneamente.

Comunicação e divergências
Sobre os conflitos decorrentes de posicionamentos divergentes, também salientados pelos cursistas,
é preciso destacar a importância do respeito às ideias que cada um apresenta. Esse embate deve ser visto
como algo positivo e necessário à aprendizagem. Esse enfrentamento requer vontade de resolução e
percepção que o outro não é seu adversário, mas sim sujeito que faz parte deste processo de comunicação.

789
A Escola: Dinâmicas e Atores

Além dessa percepção, é imperativo a expressão dos valores sociais, baseados no respeito e na afetividade
e no senso de pertencimento coletivo. Segundo Pallof & Pratt (2002), para comunicar sentimentos em EaD
(com alunos e professores) é preciso que se crie o senso de comunidade e que se dê espaço para a vida
pessoal e comum. Isso acontece quando o sujeito se sente pertencente ao grupo.
Sou acadêmica do curso de Pedagogia EaD e neste espaço houve conflitos diante dos
trabalhos de grupo do curso, muitas vezes por discordância de opiniões e interpretações
diferentes diante das mensagens online. (Cursista13T2)
Durante minha formação na EAD não vivenciei nenhum conflito, porém acredito que as
origens dos conflitos são causadas em sua maioria por divergências de ideias, por
mensagens e emails que não transmitem uma mensagem clara e objetiva, apresentando
sentindo de ambiguidade. (Cursista35T3)
Atrasos no cronograma por parte dos docentes/tutores, problemas técnicos com o AVA, falta ou pouca
empatia entre os sujeitos, também foram aspectos mencionados pelos cursistas e associados ao surgimento
de conflitos decorrentes da comunicação em cursos a distância. No entanto, acredita-se que todos os sujeitos
do processo educativo em contextos de ensino e aprendizagem a distância podem contribuir na constituição
de um ambiente afetivo, voltado ao desenvolvimento cognitivo, tendo disposição para resolver conflitos e por
que não dizer de não provocar novos conflitos.

CONCLUSÃO
A partir das respostas e interações realizadas nas quatro atividades, conclui-se que os principais
exemplos de conflitos na comunicação em contextos de ensino e aprendizagem online que se destacaram
nos saberes compartilhados pelos cursistas em um curso de extensão, estão relacionados: às características
da linguagem praticada; à sensação de solidão ou ausência de afetividade entre os sujeitos; ao feedback
docente demorado e pouco qualificado; ao perfil dos estudantes para atuar de forma coletiva e colaborativa;
à maturidade dos estudantes para lidar com ideias divergentes. A partir da análise dos aspectos apresentados
pelos cursistas relativos a vivências de conflitos na EaD chama-nos a atenção a relevância da constituição de
uma equipe docente integrada, pois na EaD à docência se configura de forma compartilhada (tutores
presenciais, tutores a distância, professores, por exemplo), evitando desencontros de informações e
garantindo uma comunicação mais efetiva. Foi possível perceber nos saberes compartilhados que muitos
conflitos vivenciados pelos cursistas estavam associados à falta de integração docente. Segundo Barbosa
(2012) os novos paradigmas educacionais de EaD conduzem a prática educativa a eleger uma comunicação
mais autônoma, tanto por parte do aluno quando quanto do docente/tutor; a necessidade de cuidados no uso
de linguagem a qual precisa ser adequada aos diferentes contextos; atenção ao tempo no retorno às dúvidas
dos estudantes pelo professor e ao envio de feedbacks das atividades, os quais devem ser construtivos e
sinalizar os avanços e o que o aluno ainda pode melhorar; a afetividade deve se expressar na relações e
interações e isso pode se expressar na forma como escrevemos e nos posicionamos, no respeito aos ritmos
e no espírito coletivo e colaborativo. Portanto, acreditamos que em qualquer situação que possa deflagrar
conflito em sala de aula online precisa ser mediada pedagogicamente apresentando como objetivos melhorar
as interações, qualificar o processo comunicativo e gerar sentimentos que reforcem a participação autônoma,
coletiva e colaborativa dos sujeitos.

790
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

REFERÊNCIAS
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791
A Escola: Dinâmicas e Atores

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223-233.

792
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O PERCURSO FORMATIVO DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA DAS CIÊNCIAS


COGNITIVAS
[ID 211]

Aldalúcia Macêdo dos Santos Gomes


Evandro Ghedin
Leila Márcia Ghedin
Universidade Federal do Amazonas; Instituto Federal de Roraima
aldalucia.gomes@gmail.com; evandroghedin@gmail.com; leilaghedin@gmail.com

Resumo
Este texto apresenta resultados de uma pesquisa qualitativa com aportes etnográficos, guiada pela
abordagem fenomenológica e desenvolvida com o objetivo de analisar o percurso formativo de estudantes
(Professores do Ensino Básico e Superior) do Mestrado Acadêmico de uma instituição do Estado do
Amazonas. No desenvolvimento da pesquisa contou-se com a colaboração de dezesseis estudantes e quatro
professores, sendo que estes permitiram que suas aulas fossem observadas e gravadas em áudio. Para a
coleta de informações, além da análise das gravações das aulas a pesquisadora utilizou-se da observação
participante e de entrevistas semiestruturadas. Ademais buscou-se alicerçar a reflexão realizada com teóricos
da Ciência Cognitiva, da Educação Cognitiva, da Psicologia Cognitiva e da Neurociência como Sternberg
(2010), Consenza & Guerra (2011), Bransford et al (2007), Gazzaniga & Heatherton (2005). As análises
realizadas indicam que o percurso formativo dos mestrandos em Educação em Ciências na Amazônia foi rico
em ações desencadeadoras de experiências construídas a partir da mobilização de distintos processos
cognitivos o que permite afirmar que esse percurso formativo é importante para a concepção de recursos
humanos destinados ao Ensino de Ciências na Amazônia.

Palavras-chave: Percurso Formativo, Professores, Ciências Cognitivas.

Résumé
Cet article présente les résultats d'une recherche qualitative avec des contributions ethnographiques, guidée
par l'approche phénoménologique et développée afin d'analyser les étudiants de cours de formation
(enseignants de l'éducation de base et supérieur) Maître académique de Amazonas institution de l'Etat. Dans
le développement de la recherche a compté avec la collaboration de seize étudiants et quatre professeurs, et
ces permis à leurs leçons ont été observées et enregistrées audio. Pour recueillir des informations, et l'analyse
des enregistrements des leçons du chercheur a été utilisé l'observation participante et des entretiens semi-
structurés. En outre, il a cherché à soutenir la réflexion menée avec cognitive théorique Science, éducation
cognitive, psychologie cognitive, et de Neurosciences comme Sternberg (2010), Consenza & War (2011),
Bransford et al (2007), Gazzaniga & Heatherton (2005). Les analyses indiquent que le cours de formation pour
Master en sciences de l'éducation en Amazonie a été riche en déclenchant des actions expériences
construites à partir de la mobilisation des différents processus cognitifs qui nous permet d'affirmer que cette
formation est importante.

Mots-clés: Formatives cours, Les enseignants, Les sciences cognitives.

INTRODUÇÃO
A reflexão sobre elementos cognitivos percebidos no processo educativo do ensino superior exigiu
um olhar sobre o que se aprende e como se aprende na realidade strictu sensu, mestrado, base estruturante
para pensar as relações de processo ensino e aprendizagem na formação do estudante-mestrando em
Educação em Ciências na Amazônia.
Refletir sobre a formação de estudante-mestrando-pesquisador é refletir sobre múltiplas realidades
envolventes interna e externamente no mestrado, não como critica avassaladora ao programa, mas como

793
A Escola: Dinâmicas e Atores

reflexão teórica da estruturação cognitiva da realidade de uma primeira turma de mestrado acadêmico, ou
seja, a matriz de todo processo do construto intelectual a ser absorvido pela sociedade; isto implica pensar
sobre a própria formação, não de negar a qualidade e a capacidade de quem está aprendendo, mas de pensar
sobre a prática docente, quando efetivada nas relações socioculturais e socioeducativas, resultante da
primeira turma deste mestrado acadêmico.
Quanto aos sujeitos da pesquisa, por motivos metodológicos, se fará referência basicamente ao
trabalho realizado pelos professores responsáveis pelas 3 (três) disciplinas obrigatórias, tendo em vista que
foi durante o desenvolvimento destas que houve o efetivo convívio de todos os 20 (vinte) estudantes. Nesse
contexto, pode-se dizer que os sujeitos da pesquisa se restringiram a 16 (dezesseis) estudantes e 3 (três)
professores que, de acordo as suas disponibilidades, aceitaram colaborar com a pesquisa.
Vale salientar que o pretendido não foi uma tarefa fácil de ser cumprida tendo em vista as implicações
de ser a pesquisadora uma das estudantes que compunham a turma de 2010, fato que não implicou na
ausência de críticas ao próprio desempenho da pesquisadora. Porém, a possibilidade de construir um
percurso de sua vida particular, com vistas à formação acadêmica e pessoal, exigindo o exercício de olhar,
voltar e refletir sobre sua própria formação proporcionando, nesse contexto, a construção de uma formação
profissional crítica e reflexiva, por vezes traumáticas, porém memorável, tomou corpo e se materializou na
força que moveu a pesquisadora passo a passo na trajetória percorrida proporcionando-lhe desta forma um
amadurecimento científico.

REVISÃO DA LITERATURA
As Implicações das Ciências Cognitivas para uma Educação Cognitiva
As últimas décadas trouxeram grandes revoluções para a humanidade, as mudanças nas formas de
relações, entre outras coisas mudaram completamente as formas de gerenciar a própria aprendizagem e o
próprio conhecimento, portanto, o uso potencial da inteligência para formulação de novas maneiras de pensar
a realidade, ou seja, reaprender a pensar, parece ser o grande desafio da escola e da educação cognitiva.
Vive-se hoje em uma sociedade que exige novas perspectivas e novas maneiras de pensar.
Com o avanço da ciência cognitiva ocorreu também um aumento quanto aos questionamentos em
relação ao cérebro, tais como: de que maneira ocorre a interação entre mente e corpo? Como ocorre o pensar,
falar, planejar, raciocinar, aprender e recordar? Quais são os embasamentos físicos das capacidades
cognitivas? As funções inatas impõem ao ser humano uma maneira fixa de experimentar o mundo? Como
uma experiência que tem a duração de minutos pode se converter numa lembrança que dura a vida toda?
Questões como essas já não são mais o território da metafísica especulativa, pois são agora terrenos
férteis da pesquisa experimental, tornando-se verdadeiros desafios para os cientistas que se ocupam dos
estudos no campo das ciências que investigam a parte mais importante do corpo humano, o cérebro. Foi
nesse sentido, que a psicologia cognitiva, avançou muito nas últimas décadas, pois os psicólogos cognitivos
estão particularmente preocupados em conhecer como a anatomia e a fisiologia do sistema nervoso afetam
e são afetados pela cognição humana (Sternberg, 2010).
A necessidade de conhecimento sobre o sistema nervoso cresceu fantasticamente nas últimas
décadas. Esta demanda levou a Organização Mundial de Saúde – OMS eleger os anos 90 como a “década
do cérebro”. Nesta década, observou-se o crescente avanço em saberes acerca da cognição humana mais
do que em todos os séculos anteriores. Desta forma, tais avanços permitiram que os pesquisadores

794
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

observassem os processos da aprendizagem humana, fornecendo novos dados sobre como os processos
cognitivos funcionam no ato de aprender (Bransford, Brown & Cocking, 2007).
Porém, ainda hoje, se observa que os processos metodológicos de ensino ofertados aos estudantes
em determinadas instituições de ensino caminham na direção contrária dos processos mentais realizados por
este importante órgão, ou seja, não consideram as descobertas realizadas pelas ciências cognitivas ao longo
da história de sua existência, uma vez que se observa a supervalorização do processo cognitivo da memória.
Bransford, Brown & Cocking (2007), afirma que “os campos da neurociência e da ciência cognitiva estão
ajudando a satisfazer a curiosidade fundamental sobre como as pessoas pensam e aprendem” (p.155).
Neste sentido é que a ciência cognitiva tem se mostrado um campo fértil na busca por compreender
e conhecer os mecanismos da aprendizagem, com ênfase no entendimento, na reflexão e não apenas no
processo de memorização de conteúdos para serem armazenados. Apesar dos avanços no campo da ciência
cognitiva, Bransford et al (2007) afirma “que os estudantes têm poucas oportunidades de entender ou dar
sentido a certos tópicos, pois diversos currículos enfatizam mais a memória que o entendimento” (p.25).
Os estudos que se propõem a explicar o intrincado funcionamento do cérebro têm trazido
consequências relevantes para a educação. Percebe-se, atualmente, certo interesse por parte dos
educadores em compreender melhor o funcionamento do cérebro humano e as estratégias de aprendizagem
e desenvolvimento por ele realizadas. Portanto, o avanço produzido no campo da ciência cognitiva tem
contribuído para a compreensão de muitos problemas relacionados com o processo de ensino-aprendizagem.
Bransford, Brown & Cocking (2007) afirma:
Trinta anos atrás, os educadores prestavam pouca atenção ao trabalho dos cientistas
cognitivos, e os pesquisadores do nascente campo da ciência cognitiva trabalhavam bastante
afastados das salas de aula. Atualmente, os pesquisadores cognitivos estão dedicando mais
tempo ao trabalho com professores, testando e refinando suas teorias em salas de aula reais,
onde podem ver como os diversos ambientes e as interações nas salas de aula influenciam
as aplicações de suas teorias (p.19).
Nesse sentido, não é necessário ser um neurocientista ou cientista cognitivo para ter interesse sobre
a importância dos processos cognitivos no percurso formativo dos estudantes, seja qual for o nível de ensino.
No entanto, vale destacar que a intenção desta pesquisa nunca foi a de se aprofundar nas neurociências ou
psicologia cognitiva, uma vez que o objeto de estudo delineia-se pela compreensão de como determinadas
estratégias de ensino realizam a mobilização de distintos processos cognitivos que por sua vez podem
desencadear aprendizagens em níveis, velocidades e durabilidades distintas.
Desta forma, acredita-se que a educação cognitiva desencadeia uma aprendizagem resultante da
mobilização de “processos, estruturas, princípios e estratégias cognitivas para aprender de forma contínua e
permanente” (Fonseca, 2001, p.21), esta mobilização de distintos processos cognitivos amplia a capacidade
de aprender ativamente e não para a passiva acumulação de informações.
Esse modelo foi encontrado na formação dos mestrandos em Educação em Ciências na Amazônia,
turma de 2010. Pois, eles construíram e produziram conhecimentos de modo autônomo. Em concordância
com a educação cognitiva, as atividades formativas propostas e desenvolvidas provocaram a análise crítica
da realidade, mediado por profundas e sistemáticas reflexões que conduziram em momentos específicos o
ensino à construção do conhecimento para a cidadania. Essa construção do conhecimento se diferencia do
processo de reprodução do conhecimento como algo estático e apresentado pelo professor como imutável e
alheio às questões sociais que fazem parte da vida daqueles que participam.

795
A Escola: Dinâmicas e Atores

As atividades propostas exigiam a estruturação de questões ou problemas que aguçavam a dúvida e


instauravam os debates, estes conduziam ao desenvolvimento intelectual dos participantes de modo que
todos se sentiam encorajados em expor suas ideias e opiniões, propiciando um clima favorável à mobilização
de distintos processos cognitivos que segundo Fonseca (2009) fornece ferramentas psicológicas que
“maximizam a capacidade de aprender a aprender, de aprender a pensar e a refletir, de aprender a transferir
e a generalizar conhecimentos e de aprender a estudar e comunicar, muito mais do que aprender a memorizar
e a reproduzir informação” (p.10)
Ao defender uma educação cognitiva como pressuposto para a construção do pensamento autônomo,
procura-se também refletir não apenas sobre o desenvolvimento da inteligência cognitiva dos sujeitos
recorrendo à mobilização de suas aptidões, mas discutir os rumos que a escola vem assumindo nesse
processo.
O papel ativo dos sujeitos aprendentes, parece ser o ponto de convergência dos teóricos que discutem
a aprendizagem, porém ressalta-se que no processo de formação aqui discutido, é difícil determinar com
exata precisão em quais momentos ou atividades demandaram maior, ou melhor, desempenho cognitivo,
tentou-se chegar a aproximação por meio da observação e experiências relatadas no decorrer das entrevistas,
afinal a qualidade das oportunidades de aprendizagem diferenciaram-se de um sujeito para o outro, pois
aprende-se e ensina-se de diferentes maneiras e em lugares diferentes mediado por distintas interações que
extrapolam os encontros formativos.
A qualidade das oportunidades e as experiências que delas decorrem são diferenciadas da oferta
formal de ensino, pois num processo formativo, a capacidade de aprender dos sujeitos é permeada por fatores
individuais como tomada de decisões, inseguranças, capacidade de contextualizar e atribuir significado ao
que está sendo apresentado.
Estas singularidades segundo Bransford, Brown & Cocking (2007) dão entender que uma educação
cognitiva não procede apenas de “professores talentosos” e bem intencionados, tampouco de currículos bem
estruturados, mas há que se considerar ainda que o conhecimento não se dá de forma aleatória, mas depende
deliberadamente do sujeito, pois este precisa também querer aprender, uma vez que não há como ocorrer a
efetivação de um projeto de ensino sem que haja um projeto de aprendizagem.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS


A Análise dos dados levou em consideração a fala dos estudantes – mestrandos, durante as
entrevistas nas quais ficaram evidenciadas as atividades, que segundo eles, foram mais significativas em seu
percurso formativo.

Aplicação de um Produto do Mestrado Profissional


Esta atividade foi desenvolvida na disciplina Fundamentos em Educação em Ciências e consistiu em
uma oficina pedagógica para efeito de análise descritiva dos produtos oriundos das dissertações
desenvolvidas pelos estudantes egressos do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências na Amazônia, para
tanto foi necessário ler, utilizar as estratégias metodológicas descritas para aplicação do produto, produzir um
texto descritivo da experiência construída, apresentar e debater os resultados em sala de aula, etapas a serem
cumpridas com o intuito de compreender a educação em ciências.

796
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

As dificuldades para a realização desta atividade apresentaram-se aos estudantes das formas mais
variadas, dentre estas: a compreensão dos conceitos científicos; a de conseguir espaço físico para aplicação
do produto; as dificuldades na aplicabilidade do produto, incompatibilidade de horários, entre outras.
Vale ressaltar que os resultados aqui discutidos correspondem aos relatos e experiências vivenciadas
pela pesquisadora e socializadas pelo grupo após a aplicação dos produtos que consistiam em roteiros
metodológicos para a realização de aulas práticas de ciências, na educação básica.
A primeira etapa da atividade consistia na leitura de uma dissertação durante a qual se percebeu que
foi necessário mobilizar vários processos cognitivos, como atenção, reflexão e memória, evidenciados pela
pesquisadora e nos relatos dos demais estudantes em sala de aula, como se observa no fragmento da fala
do estudante I:
[...] Na FEC precisei ler prestando bastante atenção para tentar assimilar o máximo de
informações possíveis, por outro lado a forma como a pesquisa foi realizada me fez voltar ao
passado, levando-me a refletir sobre o início da minha prática com os meus alunos [...].
A fala do estudante acima remete a afirmação de Cosenza & Guerra (2011):
É importante notar que, no processo de leitura, há também a mobilização da atenção [...]. O
cérebro, com a participação da atenção, pode decodificar uma palavra por uma via ou por
outra, invertendo a prioridade das computações cerebrais de acordo com as necessidades
do momento (p.104).
As experiências de leitura, dependendo da afinidade do leitor com o tema abordado demandam maior
ou menor nível de atenção. Observou-se que alguns estudantes tiveram mais dificuldade por não possuírem
conhecimentos prévios acerca de determinados conceito científicos. Segundo Cosenza & Guerra (2011) “no
processo de ensino o conteúdo apresentado terá mais chance de ser significante aquilo que tenha ligações
com o que já é conhecido, que atenda a expectativas ou que seja estimulante e agradável para o aprendiz.”
A segunda etapa da atividade consistiu em definir e contatar uma escola a fim de realizar a aplicação
dos produtos. Nessa etapa surgiram dificuldades em virtude da própria incompatibilidade de horários dos
mestrandos e dos estudantes das escolas. Diante dos imprevistos e limitações em relação ao tempo/espaço
disponível foi necessário recorrer inúmeras vezes ao replanejamento, o que levou também à reelaboração de
estratégias que pudessem efetivar a proposta que fora solicitada.
A capacidade cognitiva de planejar e replanejar a própria ação emerge do exercício constante da
reflexão, processo este que não pode estar desvinculado da formação docente.
Na etapa seguinte ocorreu a aplicação dos produtos em ambiente escolar o que demandou a
mobilização de processos cognitivos como a reflexão desencadeada pela percepção de que estratégias de
ensino funcionam de formas diferenciadas em realidades distintas.
A análise desta atividade indicou que em todas as etapas houve a mobilização de mais de um
processo cognitivo e que o ato de prestar atenção e refletir foram constantes em todas as etapas
desenvolvidas.

Trajetórias de Descobertas
Como estratégia metodológica para compor o levantamento situacional dos mestrandos da turma de
2010, o professor ministrante da disciplina Pesquisa em Educação em Ciências solicitou aos estudantes a
produção de um texto de caráter narrativo. Para auxiliar na composição do texto o professor forneceu um
roteiro intitulado “Trajetórias de Descobertas”, constituído dos seguintes tópicos: 1) Compreendendo-se a
partir do passado; 2) Compreendendo-se a partir do presente e 3) As perspectivas acadêmicas.

797
A Escola: Dinâmicas e Atores

Esta atividade exigiu um complexo exercício mental dos mestrandos, pois tiveram que “revirar” suas
memórias, na busca por informações sobre local de nascimento, seus antepassados, infância, tradições
familiares, acontecimentos que os marcaram em épocas anteriores, assim como fatos marcantes dos
primeiros anos de vida escolar.
Observando e analisando o desenvolvimento da atividade pode-se dizer que o principal processo
cognitivo mobilizado foi à memória, fato percebido pela pesquisadora e também pelos demais estudantes da
turma investigada, como se pode perceber na fala do estudante I: “[...] para produzir um texto que retrata a
tua vida desde a infância, sem dúvida a memória fica muito evidente nesse processo [...]. É muito interessante
parar e relembrar sua postura como profissional, as suas memórias, a sua história de vida [...].”
No primeiro momento, foi necessário que cada sujeito recuperasse informações da sua memória
(mental e social) na busca de elementos que conformaram a sua existência desde o nascimento. Processo
que exigiu a ativação de conexões que permitissem vasculhar a memória de longo prazo aquelas que se
referem ao armazenamento relativamente permanente de informações (Gazzaniga & Heatherton, 2005) a fim
de cumprir com o proposto no roteiro da atividade.
Ao recuperar situações do passado o sujeito relembra e revive situações que nem sempre se
apresentaram de forma prazerosa, percebendo-se a mobilização também das emoções, como se observa na
fala do sujeito M: “[...] essa foi uma das atividades mais difíceis pra mim, porque tive que relembrar de
situações da minha infância que deixaram marcas e causaram muita tristeza pra minha família [...]. Minha
infância não foi nada fácil! [...].”
Muito embora o desenvolvimento da atividade tenha mais frequentemente mobilizado a memória
percebeu-se que outros processos cognitivos como inteligência, pensamento, percepção, reflexão e
consciência, também foram mobilizados, isto ficou evidente na socialização dos resultados, onde se observou
que alguns estudantes enfatizaram a primeira etapa da atividade, outros preferiram direcionar suas produções
textuais mais para a segunda ou terceira etapa sugerida no roteiro elaborado pelo professor da disciplina.
No decorrer das apresentações, além de um nítido esforço mental para relembrar o passado, foi
mobilizado um esforço igual para tentar compreender o presente, de modo especial no tangente as
implicações de se estar iniciando um curso de mestrado e as possíveis consequências desta escolha para a
vida pessoal e profissional de cada sujeito, fato perceptível na fala do estudante M:
[...] além de “vasculhar” a minha memória para escrever sobre minha trajetória de vida, pude
perceber a questão da inteligência, pois como sabemos são múltiplas, mas eu não pensava
assim antes [...] até entrar no mestrado que pelo fato de não ter aptidão para a matemática
eu me achava uma pessoa limitada ou pouco inteligente, mas na verdade, eu tenho aptidão
para a linguística [...] outra característica dessa atividade foi reflexão [...]. É muito
interessante você perceber e praticar a reflexão, a outra questão é a consciência que me
fez entender a questão da minha identidade, o meu papel na sociedade, então quando a
gente pensa, memoriza, reflete e percebe através da percepção o mundo científico, o
fenômeno que a ciência traduz pra gente você passa a ter uma consciência de que você tem
um papel no mundo e esse papel é justamente o de transformar, construir pessoas, os
arquitetos, os engenheiros constroem pontes, estruturas, edifícios, nós professores
construímos personalidades, pessoas, cidadãos para viver no mundo, não pensando em
transformar o mundo para ser um mundo melhor, mas pensando em transformar pessoas,
melhorar as pessoas para viver um mundo melhor!
Embora o roteiro para a composição do texto tenha sido o mesmo para os vinte estudantes, o
resultado da produção final fora bastante diversificado, nenhum texto ficara igual ao outro. De acordo com
Izquierdo (2011) “O acervo de nossas memórias faz com que cada um de nós seja o que é: um indivíduo, um
ser para o qual não existe outro idêntico” (p.11).

798
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O esforço cognitivo realizado por cada mestrando ao longo do desenvolvimento de cada etapa serviu
para se compreender que é necessário distinguir ciência e conhecimento, pois de acordo com Almeida (2012):
[...] A ciência é uma forma particular de conhecimento. O conhecimento não se reduz à
ciência. Além dos conhecimentos teóricos e técnicos veiculados pelas escolas e
universidades, as experiências felizes ou traumáticas no interior da família, o convívio, a
imitação de valores e personagens que nos marcam, as dores da alma, a obra de arte, o
romance, o cinema, as viagens, os acontecimentos inesperados e o erro, são igualmente
fontes importantes de conhecimento. Em sua concepção complexa, o conhecimento é o
conjunto que abriga competência (aptidão para conhecer), atividade cognitiva (pensamento,
percepção corpórea) e saberes construídos pelas sociedades humanas ao longo de sua
trajetória como espécie (p.91).
Ao observar o relato de cada mestrando percebeu-se que o conteúdo socializado era a parte visível
de um grande iceberg que tentou se moldar pela forma da ciência, mas que a parte maior e invisível aos olhos
está conformada de emoções e saberes que constituem cada ser. O resultado da atividade deixou evidente
que não se pode compreender o sujeito de forma fragmentada, o que ocasiona uma visão distorcida e parcial.
Esse exercício serviu também para mostrar, aos mestrandos, a importância de o docente procurar conhecer
os estudantes, sua história, suas memórias, pois elas interferem e influenciam no processo de aprendizagem.

Produção de Textos
Embora esta estratégia metodológica tenha sido realizada nas três disciplinas obrigatórias ficou
evidente nas falas dos sujeitos entrevistados a relevância deste tipo de atividade na disciplina de História da
Filosofia da Ciência em Educação em Ciências, percebeu-se que ao contrário das outras disciplinas esta
atividade foi desenvolvida como ponto de partida para desencadear a discussão em sala de aula, sendo
apontada pelos estudantes como relevante para processo de construção e produção de conhecimento. A
princípio, a proposta lançada pelo docente aparentava ser apenas produção de textos a partir das leituras
prévias, contudo transformou-se em uma atividade que possibilitou mobilizar vários processos cognitivos,
como atenção, reflexão, memória, inteligência e emoção proporcionando desta forma fértil debate, ora em
grupos menores, ora no grupo maior no qual envolvia todos os estudantes da turma. Como ficou evidenciado
na fala do estudante C: “[...] o que mais me chamou a atenção nessa atividade foram às leituras e discussões
em grupo, os debates [...] considero pertinente na aquisição e troca do conhecimento [...] então penso que
essa estratégia de aula é muito interessante!”
Na fala do estudante Q percebe-se a importância desta atividade:
[...] a produção dos textos nos levou a um aprofundamento teórico pra que
compreendêssemos como realmente acontece e se constrói a História da Filosofia do Ensino
de Ciência a compreender como realmente eu tenho que mudar a minha postura em termo
de compreensão epistemológica e desta forma modificar minha realidade e minha prática em
sala de aula. Na HFC, nós tivemos discussões bastante consistentes que até hoje eu releio
os livros, os textos produzidos, e minhas anotações e servem tanto como referência pra
escrever minha dissertação como referência pra elaboração de prática docente mesmo.
Muitas das leituras que na época em que estávamos cursando as disciplinas não faziam o
menor sentido agora fazem todo o sentido [...].
A experiência de ler determinada obra e ter a sensação de não ter entendido nada ou quase nada foi
vivenciada por muitos dos estudantes, provocando em certos momentos angústia, medo e insatisfação.
Porém, observou-se que alguns estudantes sentiram-se estimulados ante aos desafios propostos pelo
docente, levando-os a mergulhar num intenso processo de leitura.
Conforme relato dos estudantes as leituras, produções de textos e consequentemente os debates em
sala de aula, provocavam-lhes verdadeiros conflitos cognitivos.

799
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As realidades de ensino percebidas durante a pesquisa mostraram-se instigadoras da construção do
conhecimento, mostraram-se dinâmicas ao buscar proporcionar aos mestrandos subsídios para ler, entender
e intervir na realidade na qual estavam inseridos, geralmente, instigavam à compreensão dos fenômenos
sociais, naturais e educacionais.
Percebeu-se nesse percurso que as atividades formativas mobilizaram, principalmente, a atenção, a
percepção, a reflexão e a emoção. Certamente, outros processos foram mobilizados em conjunto com estes
que aqui foram evidenciados, uma vez que dificilmente um sujeito consegue mobilizar um processo cognitivo
de forma dissociada de outros.
Nesse sentido, as atividades formativas propostas pelos docentes e desenvolvidas pelos mestrandos
criaram concepções, induziram a mudança de posturas profissionais, mas acima de tudo despertaram
emoções que foram às vezes compartilhadas, às vezes ignoradas e outras vezes abafadas, emoções estas
diretamente relacionadas à condição de ser humano, ser imperfeito, mutante no sentido de viver em constante
processo de formação.
O processo de formação vivido pelos sujeitos da pesquisa, certamente, lhes proporcionou subsídios
para uma prática docente mobilizadora de processos cognitivos, a qual pode permitir que num ambiente
escolar, o ensino das ciências aconteça de modo significativo, mas não milagroso, pois é importante que para
se ensinar, haja alguém que tenha interesse em aprender, ou seja, que o ato de ensinar desperte interesse,
seja útil e possua significado para quem aprende e, para isso, apenas conhecer sobre processos cognitivos
não parece ser suficiente, é necessário, mudar a forma de se realizar a docência das ciências no sentido de
superar a prática disciplinar, fragmentada, descontextualizada e superficial.
Por fim, elucida-se que o meio para motivar e desafiar futuros professores das distintas ciências deve
se dar por intermédio de constantes tentativas da realização de releituras do mundo. Neste sentido, a
educação cognitiva, por intermédio da mobilização adequada de processos cognitivos, surge como um
caminho para a releitura, representação e compreensão do mundo. Desse modo, tão importante quanto
propor atividades formativas dinâmicas mobilizadoras de diversos processos cognitivos, é chamar atenção
para o tipo de aprendizagem que está sendo desenvolvida e para as emoções que vão surgindo no
cumprimento das tarefas e metas estabelecidas, pois o que se espera desse curso é que suas ações
consigam contribuir para uma formação crítica e reflexiva dos mestrandos que são e/ou serão responsáveis
por efetivar uma educação em ciências, num contexto tão complexo como é a Amazônia.

REFERÊNCIAS
Almeida, M. (2012). Ciências da Complexidade e Educação: razão apaixonada e politização do pensamento.
Natal, RN: EDUFRN.
Bransford, J., Brown, A. & Cocking, R. (Orgs) (2007). Como as Pessoas Aprendem: cérebro, mente,
experiência e escola. Tradução: Carlos David Szlak. Ed. Senac- São Paulo.
Cosenza, R. & Guerra, L. (2011). Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed.
Fonseca, V. (2001). Aprender e reaprender: educabilidade cognitiva no século 21. São Paulo, SP: Editora
Salesiana.
Gazzaniga, M. & Heatherton, T. (2005). Ciência Psicológica:mente, cérebro e comportamento. Trad. Maria
Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed.

800
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Izquierdo, I. (2011). Memória. Porto Alegre: Artmed.


Sternberg, R. (2010). Psicologia Cognitiva. São Paulo: Cengage Learning.

801
A Escola: Dinâmicas e Atores

A AGREGAÇÃO DE ESCOLAS E A (MELHORIA DA) QUALIDADE DAS APRENDIZAGENS

[ID 379]

Sónia Gomes
Maria José Silvestre
Centro de Investigação em Educação e Psicologia - Universidade de Évora
scsdgomes@gmail.com; mariajosesg.silvestre@gmail.com

Resumo
Nas últimas décadas, a maioria das escolas públicas portuguesas do ensino não superior, por via da
agregação, reconfigurou-se, passando a ter uma nova dimensão espacial, com um funcionamento
geograficamente disperso, como garante da adoção de soluções mais eficazes.
Interessando-nos investigar o contributo da agregação das escolas na melhoria dos resultados escolares dos
alunos, implementámos um estudo que se insere no paradigma interpretativista e recorre a uma abordagem
predominantemente qualitativa, no sentido de: i) Verificar de que forma os normativos legais valorizam os
resultados escolares; ii) Verificar de que forma a ênfase nos resultados escolares se encontra ou não no cerne
dos Projetos Educativos dos agrupamentos; e iii) Conhecer as perceções dos líderes de topo das
organizações, relativamente à importância atribuída aos resultados escolares e ao contributo da agregação
de escolas para a melhoria dos mesmos.
Do cruzamento dos dados emanados do discurso dos diretores ouvidos em entrevista e dos documentos
analisados (normativos legais e Projetos Educativos), constatámos que o enfoque legislativo está centrado
na melhoria dos resultados escolares, pondo em evidência a aposta na tríade resultados escolares,
responsabilização e autonomia. Contudo, e ainda que os agentes educativos se tenham vindo a apropriar da
ideologia da melhoria dos resultados, deixam transparecer que a organização do ensino e a tomada de
decisões continuam concentradas no Ministério da Educação. A agregação das escolas constitui-se como
uma das mais recentes medidas da política educativa de promoção da melhoria desejada, a qual, embora de
difícil implementação, já tem vindo a contribuir para a adoção de soluções equilibradas e racionais.

Palavras-chave: (Mega)Agrupamentos de escolas, Resultados escolares, Melhoria.

Résumé
Au cours des dernières décennies, la plupart des écoles publiques portugaises de l'enseignement non
supérieur, par agrégation, s’est reconfigurée, ayant une nouvelle dimension spatiale, géographiquement
dispersée, afin d'assurer l'adoption de solutions plus efficaces.
Nous sommes intéressés à étudier la contribution de l'agrégation des écoles pour améliorer le rendement
scolaire des élèves et nous avons implémenté une étude inclus dans le paradigme interprétatif, qui utilise une
approche qualitative, afin de : i) Vérifiez la façon dont la législation vise à améliorer les résultats scolaires ; ii)
Vérifiez comment l'accent sur les résultats scolaires est ou non au cœur des projets éducatifs des
regroupement d’écoles ; iii) Connaître les perceptions des directeurs des organisations scolaires, en ce qui
concerne l'importance accordée aux résultats scolaires et la contribution de l’agrégation des écoles pour les
améliorer.
L’ intersection entre des données émanées des discours des directeurs interviewés et l’analyse des
documents (législation et projets éducatifs), nous a permis de constater que l'approche législative vise à
améliorer les résultats scolaires, en soulignant l'importance de trois aspects: les résultats scolaires, la
responsabilité et l'autonomie .
L’ intersection entre des données émanées des discours des directeurs interviewés et l’analyse des
documents (législation et projets éducatifs), nous a permis de constater que l'approche législative vise à
améliorer les résultats scolaires, en soulignant l'importance de trois aspects: les résultats scolaires, la
responsabilité et l'autonomie .
Cependant, et bien que les agents éducatifs se sont appropriés de l'idéologie de l'amélioration des résultats,
ils montrent que l'école et la prise de décisions restent concentrées au Ministère de l'Education.
L'agrégation des écoles est l'une des directrices les plus récentes de la politique éducative visant à promouvoir
l'amélioration souhaitée, qui, bien que difficile à mettre en œuvre, a déjà contribué à l'adoption de solutions
équilibrées et rationnelles.

802
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Mots-clés: (Mega)Regroupements d’écoles, Résultats scolaires, Amélioration.

INTRODUÇÃO
A questão de fundo do presente texto cruza a análise da evolução das medidas de política educativa
em Portugal, ao longo das últimas décadas (no que concerne especificamente ao reordenamento da rede
escolar despoletado pelo alargamento da escolaridade obrigatória a doze anos), com o olhar investigativo
colocado na importância atribuída aos resultados escolares e à qualidade das aprendizagens (um dos maiores
e mais atuais desafios colocados à educação neste século) por duas organizações educativas que
consubstanciam uma nova configuração organizacional, fruto da agregação de escolas (uma oportunidade,
segundo a filosofia que lhe está subjacente).
Por via dos agrupamentos de escolas e da agregação, as escolas passaram a ter uma nova dimensão
espacial e a funcionar como teias organizacionais dispersas no espaço geográfico (Supico, 2013) como
garante da adoção de “soluções [locais e contextualizadas,] equilibradas e racionais”, que promovam a
“coerência do projeto educativo e a qualidade pedagógica (…) numa lógica de articulação vertical dos
diferentes níveis e ciclos de escolaridade”, “percursos sequenciais e mais articulados, assegurando uma
transição adequada entre níveis e ciclos de ensino”, a “minimização das situações de isolamento de escolas
(…) e, desse modo, prevenir a exclusão social e escolar” bem como a “racionalização e eficiência da gestão
dos recursos humanos e materiais” (preâmbulo do Despacho n.º 5643-F/2012, de 26 de abril).
No que concerne especificamente às políticas educativas, as últimas três décadas deixaram-nos um
legado difícil de adjetivar (e ajuizar) no tempo presente. Temos vindo a assistir a alterações significativas no
sistema educativo: foram, por um lado, as mudanças alicerçadas no triângulo da territorialização (no âmbito
da gestão flexível do currículo), da autonomia e da gestão e administração, mas também, e transversalmente,
as alterações no plano da organização da rede escolar, em particular com a formação dos agrupamentos de
escolas e, posteriormente, com a agregação de escolas num processo que ficou conhecido como a
constituição de ‘mega agrupamentos’ (Martins, 2015).
Os agrupamentos de escolas estão referenciados como a “mais eficaz unidade de gestão escolar em
Portugal” (preâmbulo do Despacho n.º 4463/2011, de 11 de março), cabendo aos seus diretores a tarefa de
os gerir com esse fim. Contudo, facto é que a vida atual quotidiana nas escolas portuguesas de nível não
superior, apesar de um discurso (continuado) de “autonomia”, se encontra refém muito mais de opções
políticas de nível macro e meso, do que de opções de nível micro.
A agenda política nacional tem seguido de perto a agenda política internacional, o que teve início
ainda antes do contexto recente e atual de crise económica global – e, a título de exemplo, será de mencionar:
os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), que surgiram no final da década de noventa do
século passado por influência direta do modelo das ZEP (zones d’ éducation prioritaire) francesas; a política
de prestação de contas e accountability que se alastrou a todo o ocidente; e o enfoque nos resultados
escolares e o peso mediático dos rankings (dos estados e das escolas) que ganharam grande visibilidade
com a aplicação estandardizada de testes como os do PISA (Programme for International Student
Assessment), que avaliam (apenas) a qualidade das aprendizagens nas áreas da leitura, matemática e
ciências –, existindo mesmo, como salienta Rodrigues (2012), “todo um movimento para a fixação de metas
ambiciosas que permitam acelerar a universalização da educação nos diferentes países” (p.1). É, igualmente,
inequívoco e globalmente partilhado o papel social da escola, já que se parte do entendimento generalizado

803
A Escola: Dinâmicas e Atores

de que só uma escolarização longa e de sucesso parece garantir a igualdade de oportunidades, uma
cidadania plena e o futuro (bem-sucedido) dos países.
Refletir sobre as oportunidades e os desafios da educação no século XXI exige-nos, portanto, um
exercício de dupla análise, uma vez que se, por um lado, importa pensar o presente para perspetivar o futuro,
por outro lado é pertinente ponderar as condições que, num passado mais ou menos próximo, nos conduziram
ao presente em análise. Em matéria de educação, tal como nas demais áreas da vida coletiva e social, o
presente encontra-se na encruzilhada entre causas e consequências do caminho que os decisores políticos
escolherem.

OS (MEGA)AGRUPAMENTOS DE ESCOLAS EM PORTUGAL


Em Portugal, as primeiras referências aos agrupamentos de escolas e à possibilidade da sua
constituição começaram a surgir em 1997, com o Despacho Normativo n.º 27/97, de 2 de junho, e em 1998,
no Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, o Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos
estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário bem como dos respetivos
agrupamentos. O primeiro diploma – que autoriza a constituição de agrupamentos de escolas logo a partir de
1997/1998, inclusive, desde que sirvam fins específicos (Ponto 2.2 do Despacho Normativo n.º 27/97, de 2
de junho) – assume-se como um regime de preparação para concretizar e aplicar, no ano seguinte, o segundo,
constituindo-se este, sim, uma verdadeira referência, no âmbito da autonomia e descentralização das políticas
educativas, ao institucionalizar a constituição e a regulamentação dos agrupamentos de escolas como forma
de incrementar a qualidade do ensino. Foram estabelecidos os critérios e as finalidades que vieram a alicerçar
todo o edifício jurídico-pedagógico inerente a esta nova forma organizacional, sendo aceites, num primeiro
momento, propostas quer de agrupamentos verticais, quer de agrupamentos horizontais, isto é, podiam
agrupar-se jardins-de-infância com escolas do 1.º ciclo do ensino básico (constituindo-se um agrupamento
horizontal) ou estes estabelecimentos de ensino com escolas de 2.º e 3.º ciclos e/ou secundárias (dando
origem a um agrupamento vertical). Surgem, assim, neste contexto, os primeiros agrupamentos de escolas
enquanto unidades organizacionais dotadas de órgãos próprios de administração e gestão e constituídas por
estabelecimentos de educação pré-escolar e de um ou mais níveis e ciclos de ensino, a partir de um projeto
comum com vista à realização de finalidades específicas (artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de
maio).
Todavia, em 2003, com o Despacho n.º 13313/2003, de 8 de julho – relativo à concretização do
processo de agrupamentos de escolas –, generaliza-se de forma expressiva a formação de agrupamentos
um pouco por todo o país e surgem novas orientações legislativas que, sem apontar inconvenientes à
constituição de agrupamentos horizontais, impõem o modelo vertical (apontando o horizontal apenas para
casos excecionais) e colocam o conceito de agrupamento numa lógica de articulação vertical dos vários níveis
de escolaridade do ensino, do pré-escolar ao 9.º ano de escolaridade (a escolaridade obrigatória naquela
data) ou ensino secundário.
Em 2008, a publicação do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril – o Regime de autonomia,
administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e
secundário, que veio revogar o Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio – veio reforçar a imposição e a
extensão da verticalização e estabelecer que as escolas deixam de ser consultadas sobre o processo de
associação – tornando-se, como classifica Barroso (2005b) o “terceiro excluído” (p.73) – assim como a

804
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

consulta às autarquias passa a ser um procedimento sem impacto na decisão final. Não obstante, o Decreto-
Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, mantém praticamente intactos o conceito de agrupamento de escolas bem
como os princípios, objetivos e critérios do processo introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio.
Por sua vez, posteriormente, o alargamento da escolaridade obrigatória a doze anos (por força da
aplicação da Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto) vem justificar o reordenamento da rede escolar e, através da
Portaria n.º 1181/2010, de 16 de novembro, num processo de adequação dos projetos educativos ao objetivo
de uma escolaridade de doze anos para todos, são estabelecidas as orientações para o reordenamento da
rede e estipulados os procedimentos de criação, alteração e extinção de agrupamentos de escolas. Tornou-
se, então, necessário promover condições para a criação e consolidação de unidades de gestão que
integrassem todos os níveis de ensino e que permitissem a um aluno completar a escolaridade obrigatória
(de 12 anos) no mesmo agrupamento de escolas, se assim o desejasse. E, neste contexto, surge a
concretização da agregação de escolas que nos conduziu à extinção de escolas e agrupamentos em prol da
constituição de novos agrupamentos, alguns dos quais considerados, pelo seu número de alunos, ‘mega
agrupamentos’.
A agregação de agrupamentos já se encontrava formalmente referenciada em 2008, no Decreto-Lei
n.º 75/2008, de 22 de abril – constituindo-se um processo distinto do de um agrupamento de escolas –,
estando previsto que, para “fins específicos”, “a administração educativa (…) pode[ria], por sua iniciativa ou
sob propostas dos agrupamentos e escolas não agrupadas, constituir unidades administrativas de maior
dimensão por agregação de agrupamentos” (Artigo 7.º). No entanto, apenas dois anos depois, se revelou
necessário utilizar, como esclarece Martins (2015, p.22) – e se reconhece no ponto 1.1 do Despacho n.º 5634-
F/2012, de 26 de abril –, “o mecanismo previsto no artigo 7.º do regime de autonomia, administração e gestão
– a agregação de agrupamentos – para se atingirem os objetivos definidos no artigo 6.º (…) para a constituição
dos agrupamentos de escolas”, verificando-se que “os fundamentos, objetivos e critérios que fundamentaram
a formação das agregações de agrupamentos são afinal os que estão atribuídos aos agrupamentos e que
subjazem à sua criação”. Todavia, agrupamento de escolas e agregação de agrupamentos são, por força do
Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, e como já referimos anteriormente, distintos e independentes, com
objetivos e finalidades diferenciados, podendo, portanto, os resultados alcançados com a agregação de
escolas ter sido comprometidos por não se ter adotado os procedimentos e agido em conformidade com o
que foi estabelecido no artigo 7.º deste diploma.
Segundo Martins (2015), se se tivesse agido de acordo com o que está definido no artigo 7.º do
Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril,
a agregação de agrupamentos seria uma entidade formada (…) pelo conjunto de
agrupamentos constitutivos dessa agregação mas agrupamentos em atividade isto é
enquanto entes jurídicos autónomos e com personalidade jurídica própria. Seria então esta
agregação uma estrutura próxima de uma “federação” de agrupamentos de escolas. Pelo
contrário, ao fazer as agregações no âmbito do artigo 6.º, o que o governo criou foi, de facto
e em bom rigor, mega agrupamentos uma vez que esta estrutura, única, foi constituída a
partir da fusão e da extinção dos anteriores agrupamentos (p.23).
Contudo, considerando que a lei que alarga a escolaridade obrigatória a doze anos é posterior ao
Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, é possível compreender o recurso ao mecanismo previsto no artigo
7.º deste decreto para, na prática, promover a criação de agrupamentos de maior abrangência.
Com o Despacho n.º 4463/2011, de 11 de março, o Estado, numa tentativa de aproximação com os
municípios nas matérias relativas à gestão da rede escolar, envolve novamente as autarquias no processo,
estabelecendo que as propostas poderiam ser apresentadas pelas direções regionais de educação, após

805
A Escola: Dinâmicas e Atores

consulta dos conselhos gerais e municípios, ou ao diretor regional da educação, por iniciativa das escolas,
depois de serem consultados os respetivos municípios. E é, através da publicação do Despacho n.º 5634-
F/2012, de 26 de abril, que se calendarizam e se clarificam os princípios e critérios de orientação, as exceções,
bem como alguns procedimentos de transição a aplicar às novas unidades orgânicas resultantes da
constituição de agrupamentos ou agregações, tendo o procedimento sido dado como concluído, pelo
Ministério, em janeiro de 2013.
Para além dos argumentos pedagógicos subjacentes ao aumento da qualidade da educação (o
incremento da sequencialidade no percurso escolar e na transição entre níveis e ciclos, a articulação
curricular, o combate ao isolamento e exclusão social e escolar, o reforço da capacidade pedagógica das
escolas), a fundamentação política para o processo de agregação de escolas (tal como para a constituição
de agrupamentos) também recorreu a argumentos económicos, relacionados com um propósito da gestão
racional de recursos humanos e materiais.
Esta nova reorganização da rede escolar poderia ter sido encarada, pelo menos teoricamente, como
um procedimento natural e coerente no âmbito do alargamento da escolaridade obrigatória aos doze anos,
mas, de facto, na prática, a medida gerou reservas e resistências por parte de vários setores da sociedade,
nomeadamente no âmbito do debate político. As críticas evidenciavam duas grandes preocupações – a
grande dimensão de algumas das novas organizações-escolas, potenciadora de distanciamento físico e
humano; e o facto de transparecer que a medida foi aplicada mais por imperativos de natureza económica do
que por critérios e motivações do foro pedagógico –, interessando-nos compreender, em concreto, de que
forma é que a agregação de escolas tem vindo a contribuir para a melhoria da qualidade das aprendizagens
realizadas pelos alunos e, consequentemente, para a melhoria dos seus resultados escolares.

OBJETIVOS E METODOLOGIA DO ESTUDO


Recentemente, por via da agregação, as escolas passaram a ter uma nova dimensão espacial e a
funcionar como teias organizacionais dispersas no espaço geográfico (Supico, 2013) como garante da adoção
de “soluções equilibradas e racionais”, promotoras, nomeadamente, da “qualidade pedagógica” (preâmbulo
do Despacho n.º 5643-F/2012, de 26 de abril).
Daí que, movidas pela inquietação de conhecer alguns dos efeitos desta medida promissora, nos
tenha interessado avançar com o presente estudo, centrado na seguinte questão: Será que a agregação de
escolas tem contribuído para a melhoria da qualidade das aprendizagens e, sobretudo, para a melhoria dos
resultados escolares dos alunos (um dos seus objetivos legalmente expressos)?
Para tal, estabelecemos como objetivos investigativos: (i) Verificar de que forma os normativos legais
valorizam os resultados escolares; (ii) Verificar de que forma a ênfase nos resultados escolares se encontra
ou não no cerne dos Projetos Educativos dos agrupamentos; e (iii) Conhecer as perceções dos líderes de
topo das organizações, relativamente à importância atribuída aos resultados escolares e ao contributo da
agregação de escolas para a melhoria dos mesmos.
Centrámo-nos no paradigma interpretativista e levámos a cabo um estudo contextualizado, assente
numa abordagem predominantemente qualitativa, por considerarmos que seria esta a que melhor responderia
aos objetivos da investigação.
O estudo foi realizado em dois agrupamentos de escolas do Alentejo, tendo sido realizadas
entrevistas semiestruturadas, em outubro de 2015, aos seus diretores. A seleção dos agrupamentos de

806
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

escolas e dos inquiridos esteve subjacente aos seguintes critérios: 1) escolas alvo de novo desenho
organizacional por via da agregação de escolas; 2) região Alentejo, a área de influência da Universidade de
Évora; e 3) liderança de topo. Foram selecionados os agrupamentos que, ficticiamente, designamos por Alfa
e Beta, com ofertas educativas desde a educação pré-escolar até ao 12.º ano do ensino secundário, um deles
(o primeiro) situado numa cidade na qual existem várias organizações escolares com ofertas educativas
semelhantes e o outro é a única unidade orgânica de ensino público de uma pequena vila do interior.
A recolha e a análise dos dados iniciaram-se após a produção da matriz de categorização, que incluiu
a definição das subcategorias usadas na análise de conteúdo. Analisámos um largo número de informações
complexas e pormenorizadas, tendo por base a análise discursiva. Recorremos à análise de conteúdo das
entrevistas, cruzando os dados com os que a leitura dos Projetos Educativos das duas organizações-escola
em análise e da legislação possibilitou. O conhecimento emergiu como resultado das reinterpretações das
investigadoras sobre a realidade em apreço, a partir da análise cruzada das informações explícitas e implícitas
provenientes de diversas fontes e que aliaram análise documental (Projetos Educativos dos agrupamentos e
legislação) com a análise do discurso dos atores organizacionais ouvidos em entrevista.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os normativos legais…
Numa primeira fase da presente investigação, com a finalidade de compreendermos como são
valorizados os resultados escolares dos alunos na legislação e de que forma se versa nos normativos legais
o objetivo de contribuir para a melhoria do sucesso escolar e educativo, analisámos a legislação que à data
da realização do estudo regulamentava a vida das escolas/agrupamentos e a atuação dos agentes
educativos, a saber:
§ Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) – Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, com as alterações
introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de setembro, e pela Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto;
§ Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril (DL 75/2008) – alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 224/2009,
de 11 de setembro, e 137/2012, de 2 de julho –, que aprova o Regime jurídico da autonomia,
administração e gestão das escolas;
§ Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, que estabelece os princípios orientadores da organização,
da gestão e do desenvolvimento dos currículos dos ensinos básico e secundário, bem como da
avaliação e certificação dos conhecimentos adquiridos e capacidades desenvolvidas pelos alunos,
aplicáveis às diversas ofertas curriculares do ensino básico e do ensino secundário;
§ Decreto-Lei n.º 176/2012, de 2 de agosto, que regula o regime de matrícula e de frequência no
âmbito da escolaridade obrigatória das crianças e dos jovens com idades compreendidas entre os 6
e os 18 anos e estabelece medidas que devem ser adotadas no âmbito dos percursos escolares dos
alunos para prevenir o insucesso e o abandono escolares;
§ Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho, a segunda alteração do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de
abril, supra mencionado;
§ Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho, a primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de
julho, igualmente já referenciado;
§ Despacho Normativo n.º 13/2014, de 15 de setembro, que regulamenta a avaliação e certificação
dos conhecimentos adquiridos e das capacidades desenvolvidas pelos alunos do ensino básico e

807
A Escola: Dinâmicas e Atores

seus efeitos bem como as medidas de promoção do sucesso escolar que podem ser adotadas no
acompanhamento e desenvolvimento dos alunos.
A análise de conteúdo dos referidos textos legais indicados remeteu-nos para quinze conceitos-chave
como os mais recorrentes do discurso político atual, dez dos quais (os dez primeiros) constituem os tópicos
explicitamente enunciados na LBSE (cf. Quadro 1).
Normativos legais
Conceitos-chave LBSE DL 75/ DL 176/ DL 137/ DL 139/ DL 91/ DN 13/
2008 2012 2012 2012 2013 2014
1. Igualdade de oportunidades
2. Formação integral; progresso
social, económico e cultural de
todos os portugueses
3. Sucesso (escolar/educativo)
4.Desenvolvimento de
capacidades/ potencialidades/
aptidões
5. Conhecimentos; o que se
ensina e aprende
6. (Aumento da) Qualidade;
cultura de rigor e de excelência;
ensino exigente
7. Melhoria; fortalecimento de
desempenhos; melhoria do que
se ensina e aprende; qualidade
e exigência no ensino;
educação e formação de
qualidade
8. Competências;conhecimentos
(profissionais)
9.Aperfeiçoamento;
(re)qualificação (profissional)
10. Apoios; acompanhamento;
superação de dificuldades
11. Recuperação dos resultados
da aprendizagem (através de
provas e exames)
12. Percurso sequencial e
articulado
13. Melhoria dos desempenhos
pedagógicos e organizacionais
14. Reforço da liderança nas
escolas
15. Reforço da prestação de
contas e responsabilização
Quadro 1 - Conceitos-chave presentes na legislação analisada
Numa segunda fase de análise da legislação portuguesa relativa à educação, centrámo-nos em
diplomas que, embora revogados, regulamentaram, até há poucos anos, a vida das escolas/agrupamentos e
a atuação dos agentes educativos.
Da leitura do Quadro 1 constata-se que é o conceito-chave 7. Melhoria aquele que marca uma
presença transversal em todos os normativos legais utilizados na primeira fase de análise, ainda que seja por
via de algumas expressões sinonímicas: fortalecimento de desempenhos; melhoria do que se ensina e
aprende; qualidade e exigência no ensino; educação e formação de qualidade. Surgem também como
recorrentes, embora sejam referenciados na maioria dos normativos em análise e não na sua totalidade, os
conceitos-chave 6. (Aumento da) Qualidade; cultura de rigor e de excelência; ensino exigente, 10. Apoios;
acompanhamento; superação de dificuldades, 3. Sucesso (escolar/ educativo) e 2. Formação integral;
progresso social, económico e cultural de todos os portugueses.

808
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Constata-se também que, para além dos dez conceitos-chave presentes na LBSE, surgem na
legislação analisada nessa primeira fase, e ainda que com uma expressão menos significativa, os conceitos-
chave 11. Recuperação dos resultados da aprendizagem (através de provas e exames), 12. Percurso
sequencial e articulado, 13. Melhoria dos desempenhos pedagógicos e organizacionais, 14.Reforço da
liderança nas escolas e 15. Reforço da prestação de contas.
De facto, o Despacho Normativo n.º 13/2014, de 15 de setembro, traz a novidade do alargamento do
ano letivo, nos 4.º e 6.º anos de escolaridade, com vista à recuperação das aprendizagens num período
suplementar de aulas, para os alunos que não tenham tido sucesso na 1.ª fase da avaliação sumativa externa,
dando-lhes a possibilidade de realizarem novas provas numa 2.ª fase. Já o Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de
julho, remete-nos para os conceitos-chave 12.Percurso sequencial e articulado e 13.Melhoria dos
desempenhos pedagógicos e organizacionais, o primeiro associado a um dos objetivos explícitos da
agregação de escolas (mencionados nos normativos em vigor, entre os quais o Despacho n.º 5634-F/2012,
de 26 de abril, que estabelece os princípios e critérios de orientação para a constituição de agrupamentos de
escolas e agregações) e o segundo ao reforço de algumas das linhas de política educativa relacionadas com
a prestação de contas e responsabilização das organizações escolares pelos resultados académicos dos
alunos, conceitos que já vinham enunciados em 2008, no Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril.
No Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, surgem destacados, entre os seus princípios orientadores,
dois que enfatizam os aspetos do rigor e da qualidade na linha da demais legislação, a saber: “c) Promoção
da melhoria da qualidade do ensino” e “l) Promoção do rigor da avaliação, valorizando os resultados escolares
e reforçando a avaliação sumativa externa no ensino básico” (p. 3477).
Constatámos ainda que o Decreto-Lei n.º 50/2011, de 8 de abril - a quarta alteração do Decreto-Lei
n.º 74/2004, de 26 de março (revogado pelo Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho), que estabelecia os
princípios orientadores da organização e da gestão curricular do ensino secundário, bem como da avaliação
das aprendizagens – assim como a Portaria n.º 244/2011, de 21 de junho - que veio alterar a Portaria n.º
550-D/2004, de 21 de maio (entretanto revogada pela Portaria n.º 243/2012, de 10 de agosto) e aprovava o
regime de organização, funcionamento e avaliação dos cursos científico-humanísticos de nível secundário de
educação – continham já elementos discursivos explícitos da necessidade de as organizações educativas
utilizarem a informação extraída da avaliação discente no sentido de melhorar a qualidade do sistema
educativo, através de uma tomada de decisões para o seu aperfeiçoamento e o reforço da confiança social
no seu funcionamento; melhorar a qualidade das aprendizagens; e do desenvolvimento de práticas de
autoavaliação da escola que visem a melhoria do seu desempenho.
Tal como demonstrou um estudo que levámos a cabo em 2010, afigura-se-nos que, nas últimas
décadas, o enfoque legislativo tem-se centrado na melhoria e na qualidade das organizações e do sistema
educativo, promovendo a escola como “motor de duplo desenvolvimento”, capaz de potenciar, por um lado, o
“crescimento, desenvolvimento e valorização da pessoa/aluno enquanto destinatário da acção educativa (o
serviço educativo de uma escola concreta)” e, por outro, “o desenvolvimento do sistema educativo em geral
(o serviço público de educação)” (Fialho, Cid, Silvestre & Gomes, 2010, p.10). Parece que a mais recente
legislação sobre educação continua a acentuar o enfoque nos resultados escolares, todavia na linha das
recomendações apresentadas no Relatório da OCDE de 2012, relativamente ao modelo de avaliação externa
das escolas (AEE) português. Isto é dizer que “the criteria and questions governing judgements and the
methods employed should all focus much more directly on the quality of learning and teaching and their

809
A Escola: Dinâmicas e Atores

relationship to student outcomes” (OCDE, 2012, p.112). A aposta terá de recair na qualidade da aprendizagem
e do ensino e na sua relação com os resultados dos alunos, devendo-se privilegiar “o mérito, a assiduidade,
a responsabilidade, a disciplina, a integração dos alunos na comunidade educativa e na escola, a sua
formação cívica, o cumprimento da escolaridade obrigatória, o sucesso escolar e educativo e a efetiva
aquisição de conhecimentos e capacidades”, tal como ficou estabelecido no Estatuto do Aluno e Ética Escolar,
em 2012 (Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro, p.5103). E, nesta conjuntura, verifica-se a necessidade de
proceder a, tal como é referido no relatório da OCDE (2012), “significant alterations to existing models and
instruments and a determined effort to build a culture of openness and reflection around what happens during
the learning and teaching process” (p.112).
O ‘incremento da autonomia’ das organizações escolares foi cedido em troco de uma maior
responsabilização pelos resultados alcançados, requerendo-se que “cada escola se torne mais exigente nas
suas decisões e estabeleça um forte compromisso de responsabilização pelas opções tomadas e pelos
resultados obtidos” (Despacho Normativo n.º 13-A/2012, de 5 de junho, p.20564). A “concretização da
autonomia pedagógica e organizativa exige decisões sustentadas pela escola, exige condições por parte
desta para as concretizar, exige recursos e uma boa gestão destes” (Ibidem), pelo que a sua concessão
necessita de ter por base não só a assunção de responsabilidades por parte dos órgãos de direção, gestão e
administração escolares, como, a montante, exigirá a imprescindível competência da organização pela
seleção das melhores opções pedagógicas e organizativas. Preconiza-se “a liberdade das escolas para
concretizar a promoção do sucesso escolar dos alunos e dos objetivos educacionais fundamentais” (Ibidem)
–, transferindo-se para estas algumas decisões sobre opções de organização curricular (a gestão das cargas
curriculares de cada disciplina, as opções nas ofertas curriculares obrigatórias ou complementares e a
organização e duração dos tempos letivos escolares) e a gestão dos recursos humanos –, todavia a escola
terá de responder perante o resultado das suas decisões, nomeadamente à tutela e à comunidade educativa.
Em concreto, e no que se refere em específico à aprendizagem dos alunos, o Despacho Normativo
n.º 13/2014, de 15 de setembro, salienta que, efetivamente, cada escola deve adotar “procedimentos de
análise dos resultados da informação relativa à avaliação da aprendizagem dos alunos, proporcionando o
desenvolvimento de práticas de autoavaliação da escola que visem a melhoria do seu desempenho” (p.
23829), devendo a informação tratada e analisada ser disponibilizada à comunidade escolar (cf. número 2 do
Artigo 10.º da Portaria n.º 244/2011, de 21 de junho).
A análise das políticas educativas de nível macro, como vimos, conduziu-nos à conclusão de que
existe uma ênfase na tríade resultados escolares, responsabilização e autonomia. Todavia, da delineação da
política educativa a nível macro à aplicação dessas diretrizes a um nível micro – ou seja, em cada organização
escolar – vai um largo passo. Da retórica política ao empowerment coletivo e individual existe um largo
caminho a percorrer, ou melhor, existem vários caminhos possíveis para percorrer, cabendo a cada
organização-escola uma escolha sábia e responsável. E é no contexto da autonomia – legislada, porém muito
pouco efetiva, como defende Barroso (2005a) – que é possível “dar sentido a espaços e tempos
organizacionais, individuais e colectivos, de diálogo e deliberação, onde é indispensável a imaginação e a
inovação, o controlo democrático e participativo” (Afonso, 2010, p.14). No entanto, a organização do ensino
e a tomada de decisões continuam concentradas no Ministério da Educação, competindo às escolas assumir
o papel de serviço local do Estado e aos professores o papel de agentes educativos (Dias, 2003; Silva, 2006;
Santos, 2007).

810
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Em concreto, nos dois subcapítulos que se seguem, podemos verificar de que forma em cada uma
das unidades de gestão escolares estudadas (Agrupamentos Alfa e Beta) se implementaram algumas das
diretrizes decretadas.

Os projetos educativos dos agrupamentos…


As duas organizações escolares em análise apresentam e justificam os seus Projetos Educativos
(previstos para o triénio 2014-2017) com base no enunciado legal do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril,
o Regime jurídico da autonomia, administração e gestão das escolas. Se, no enunciado do Projeto Educativo
do Agrupamento Beta (PE_Beta), pode ler-se:
no sentido de dar cumprimento ao Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril (alterado pelos
Decretos-Leis n.º 224/2009, de 11 de setembro e 137/2012, de 2 de julho), este documento
constitui-se o Projeto Educativo (PE) do Agrupamento [Beta] (…) que consagra a orientação
educativa do agrupamento (…), elaborado e aprovado pelos seus órgãos de administração e
gestão para um horizonte de três anos, no qual se explicitam os princípios, os valores, as
metas e as estratégias segundo os quais o agrupamento (…) se propõe cumprir a sua função
educativa” (ponto 1 a) do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 75/2008) (p.3)
O Agrupamento Alfa começa por apresentar uma tripla dimensão da sua conceção de Projeto
Educativo (político-normativa, administrativo-organizacional e pedagógica), encontrando também no Decreto-
Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, a fundamentação da sua atuação organizacional:
o Decreto-Lei n.º75/2008, de 22 de Abril, no n.º1, do artigo 9.º, com a nova redação que lhe
foi dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho, estabelece, na alínea a), n.º 2, do artigo
9.º, que o projeto educativo constitui um documento objetivo, conciso e rigoroso, tendo em
vista a clarificação e comunicação da missão e das metas da escola no quadro da sua
autonomia pedagógica, curricular, cultural, administrativa e patrimonial, assim como a sua
apropriação individual e coletiva. (p.2)
Sobressai uma semelhança discursiva, facilmente justificável e compreensível pelo facto de em
ambas as escolas existir a vontade (clara, expressa e inequívoca) de cumprir a legislação, de agir legalmente,
de sustentar a atuação organizacional (o nível micro das políticas educativas) nas políticas definidas
centralmente (a nível macro). Contudo, a legislação, pelo menos no plano retórico, deixa às escolas alguma
margem de autonomia e, neste sentido, interessa-nos conhecer as formas que encontraram para
operacionalizar no terreno as políticas educativas e adequar as respostas organizacionais à realidade
concreta ou contexto territorial e ao público-alvo bem como, e mais concretamente no que respeita à temática
central do presente estudo, as formas organizacionais específicas de espelhar nos textos dos seus Projetos
Educativos a valorização dos resultados escolares e da sua melhoria.
A análise de conteúdo que efetuámos aos Projetos Educativos dos Agrupamentos Alfa e Beta permitiu
verificar que os conceitos-chave presentes na legislação (Quadro 1) são operacionalizados nas medidas de
política educativa de nível micro ou local como mostra o Quadro 2.

811
A Escola: Dinâmicas e Atores

Medidas de política educativa de nível micro ou local


Conceitos-chave
Agrupamento Alfa Agrupamento Beta
“oferta educativa formal e dos serviços “estabelecemos os princípios de qualidade,
especializados de apoio educativo (SPO e equidade e diferenciação, inovação e rigor”
Ensino Especial)” (p. 24) (p.19)
1. Igualdade de
“Fomentar a qualidade do ensino “Princípio orientador 2 -Proporcionar uma
oportunidades
prestado, assegurar a igualdade de educação para a inclusão e com igualdade
oportunidades no acesso e sucesso de oportunidades” (p. 25)
escolares,” (p. 25)
Clubes e vários projetos assumem-se “preparar os nossos jovens de hoje para os
2. Formação integral; “como formas de educação para uma desafios de amanhã, no tempero dos
progresso social, cidadania mais informada e participativa” valores de uma sociedade democrática: a
económico e cultural de (p. 24) autonomia, a solidariedade, a tolerância, a
todos os portugueses responsabilidade, o civismo, o respeito e a
valorização do trabalho. (p. 19)
“oferecer aos nossos discentes condições “3. Princípios orientadores[:](…) 2 -
de aprendizagem adequadas às suas Intensificar a qualidade do processo de
3.Sucesso
necessidades.” (p. 25) ensino e aprendizagem” (p. 21)
(escolar/educativo)
Eixo 1 - Sucesso educativo: Melhorar o
Sucesso Escolar (p. 26)
Clubes e vários projetos constituem “dar resposta às exigências do mundo atual
4. Desenvolvimento de
“dispositivos de consolidação e de - que, face à globalização,
capacidades/
enriquecimento das aprendizagens reclama uma maior competitividade,
potencialidades/
curriculares” (p. 24) rentabilidade, flexibilidade e uma mão-de-
aptidões
obra cada vez mais qualificada” (p. 21)
“Como escola inclusiva que se assume, o “promover um processo de ensino que
5. Conhecimentos; o que Agrupamento procura responder às permita o desenvolvimento de
se ensina e aprende diversas dificuldades e diversidade dos aprendizagens significativas, pessoalmente
seus alunos” (p. 24) gratificantes e socialmente úteis” (p. 21)
6. (Aumento da) “impulsionar um modelo pedagógico “tem como missão proporcionar um serviço
Qualidade; cultura de ajustado às necessidades e interesses educativo embebido “nos princípios do rigor
rigor e de excelência; dos seus alunos, assegurando um ensino e da qualidade” (p.19)
ensino exigente e aprendizagem de qualidade.” (p. 25)
“assegurando uma educação de “formar jovens aptos para o
qualidade a todos, através da prosseguimento de estudos nos
7.Melhoria;
implementação de projetos de promoção estabelecimentos de ensino superior e/ou
fortalecimento de
do sucesso educativo, de prevenção da para a inserção na vida ativa” (p.19)
desempenhos; melhoria
indisciplina e de adoção de
do que se ensina e
comportamentos saudáveis.” (p. 24) “Reforçar a importância da diferenciação do
aprende; qualidade e
“desenvolver projectos de inovação e ensino e das práticas pedagógicas,
exigência no ensino;
empreendedorismo de modo a promovendo as que se revelem mais
educação e formação de
incrementar a qualidade de vida a médio eficazes” (p. 24)
qualidade
e longo prazo da Comunidade Escolar.”
(p. 25)
8. Competências; Promoção de atividades/ projetos de “dar resposta às exigências do mundo atual
conhecimentos “desenvolvimento de competências - que, face à globalização,
(profissionais) tecnológicas” e de “envolvimento dos reclama uma maior competitividade,
9. Aperfeiçoamento; alunos e restante comunidade educativa rentabilidade, flexibilidade e uma mão-de-
(re)qualificação na criação e/ou participação em projetos obra cada vez mais qualificada” (p.21)
(profissional) inovadores” (p. 30)
Projetos: EPIS ; Fénix “Proporcionar um acompanhamento eficaz
dos percursos escolares dos alunos, com
identificação precoce de casos-problema
10.Apoios;
para posterior encaminhamento e ativação
acompanhamento;
de recursos, medidas de apoio e
superação de
mecanismos de responsabilização efectiva”
dificuldades
(p. 25)
“Melhorar a qualidade da resposta
educativa aos alunos com NEE” (p. 24)
11. Recuperação dos
resultados da
------ ------
aprendizagem (através
de provas e exames)
“Queremos criar as condições de um “o ensino terá de se centrar no
12. Percurso sequencial
caminho que torne o Agrupamento desenvolvimento de competências que
e articulado permita uma escolaridade obrigatória de
atrativo de forma a ser procurado pela

812
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

qualidade do seu ensino e pela sucesso e de qualidade a todos os alunos”


diferenciação das suas ofertas.” (p. 26) (p. 21)
13.Melhoria dos “melhoria da prestação do serviço “Princípio Orientador 2 - Intensificar a
educativo” (p. 24) qualidade das aprendizagens, com reflexos
desempenhos
na melhoria do sucesso
pedagógicos e
educativo (avaliações internas e externas)”
organizacionais (p. 24)
4.2. Equipas de apoio aos órgãos de “uma liderança partilhada e democrática
gestão: “Tendo como princípios a coesão (…) [, que procurará] reunir consensos na
e a colaboração institucionais, foram resolução de problemas” (p.19)
14. Reforço da liderança criadas equipas com o objetivo de apoiar
nas escolas os órgãos de gestão para que em
conjunto se mobilizem comunidades de
prática, numa lógica reflexiva de
autodesenvolvimento” (p. 23)
“- Procurar que o desvio entre as “Consolidar o processo de autoavaliação do
classificações internas e externas não agrupamento” (p. 23)
ultrapassa os 2 valores no ensino “Elaborar um plano de melhoria atento às
secundário e 0,5 pontos no ensino básico. necessidades de aperfeiçoamento e
- Posicionar as escolas do agrupamento desenvolvimento do agrupamento
15. Reforço da prestação
na primeira metade dos rankings identificadas pelos processos de avaliação
de contas e
nacionais.” (p. 26) interna e externa” (p. 24)
responsabilização
Plano estratégico: definido a partir “do “Princípio Orientador 2 - Intensificar a
trabalho efetuado pelas diferentes qualidade das aprendizagens, com reflexos
equipas de avaliação interna e de um na melhoria do sucesso
inquérito efetuado à comunidade educativo (avaliações internas e externas)”
educativa” (p. 27) (p. 24)
Quadro 2 - Medidas de política educativa assumidas nos Projetos Educativos dos agrupamentos por
conceito-chave
A leitura do Quadro 2 permite verificar que os agrupamentos de escolas em análise definiram medidas
locais de política educativa que operacionalizam os conceitos-chave assumidos nos normativos legais, ainda
que grande parte das estratégias sejam as que são indicadas e disponibilizadas pelo Estado.
É de destacar o facto de nenhum dos Projetos Educativos contemplar medidas subjacentes ao
conceito-chave 11. Recuperação dos resultados da aprendizagem (através de provas e exames). Contudo,
para um melhor entendimento, importa salientar que os normativos legais que apresentam este conceito-
chave são mais recentes, tendo sido publicados poucos meses antes da elaboração/ aprovação dos Projetos
Educativos das organizações em análise.

A voz dos líderes organizacionais


Antes da discussão em torno das perceções sobre a agregação de escolas e seus efeitos, importa,
para uma melhor compreensão da mesma, efetuar uma breve caraterização dos percursos dos diretores
ouvidos em entrevista.
Quando entrevistados, ambos exerciam o cargo em análise há dois anos – em virtude de a agregação
de escolas ter ocorrido há cerca de dois anos – e tinham sido diretores de estabelecimento(s) de ensino que
atualmente pertencem aos agrupamentos em análise. O diretor do Agrupamento Alfa foi líder de topo, durante
oito anos, de um agrupamento de escolas que existia antes da agregação, com ofertas desde o pré-escolar
até ao 9.º ano, enquanto que, o diretor do Agrupamento Beta exerceu o cargo, num período de três anos, na
única escola secundária com 3.º ciclo do concelho. Relembra-se, ainda, uma outra característica distintiva
entre as duas organizações estudadas: enquanto que o Agrupamento Alfa se situa numa cidade, na qual
existem várias organizações escolares com ofertas educativas semelhantes, o Agrupamento Beta é a única
unidade orgânica de ensino público de uma pequena vila do interior.

813
A Escola: Dinâmicas e Atores

Na perspetiva dos inquiridos, a agregação de escolas “teve um impacto direto nas rotinas de gestão”
(Alfa), uma vez que “as tarefas são em maior volume porque o agrupamento passou a ter alunos desde o pré-
escolar ao 12.º ano” (Beta) e, nesta fase, tratou-se de agregar “uma escola secundária com um agrupamento
que só ia até ao 9.º ano, [o que] é juntar realidades completamente diferentes” (Alfa). A agregação das escolas
fez o diretor do Agrupamento Alfa reviver os problemas de outrora – “o tipo de problemas com que me deparei
agora, já tinha conhecido quando passámos de agrupamento horizontal a vertical. Portanto, esta experiência
para mim não é nova” –, ainda que com maior intensidade – porque “por incrível que pareça, as dificuldades
situaram-se mais ao nível da escola secundária. (…) No secundário as pessoas que eu encontrei são pessoas
muito mais fechadas, com estereótipos de há muitos anos e com muitas (ênfase) dificuldades em aderirem a
mudanças” (Alfa) –, e veio dificultar a tarefa do diretor do Agrupamento Beta por ser totalmente novo para si
a gestão de uma organização-escola constituída por mais do que um estabelecimento de ensino:
antes da agregação, a minha tarefa enquanto diretor da escola secundária era muito mais
fácil. Sendo um universo mais pequeno, com apenas um estabelecimento de ensino, era
muito mais fácil, agora é mais complicado. Apesar de que o número de elementos da equipa
ser maior. (…) Apesar das responsabilidades estarem divididas desta forma, é mais difícil dar
conta de tudo e partilhar. (…) É tudo em maior dimensão… Há mais problemas. Resolve-se
um e aparece logo outro a seguir. É tudo mais rápido”.
Ambos reconhecem que as políticas educativas têm evoluído bastante na última década,
condicionando todo o trabalho realizado nas escolas, mas não mencionaram o processo de agregação das
escolas verificado recentemente entre as opções com um impacto mais significativo no desempenho do cargo
de gestor/líder. Deram destaque às seguintes medidas de política educativa: 1) à criação dos agrupamentos
de escolas que ocorreu no final do século passado e início do presente, por se considerar “terrível exercer um
cargo de gestão quando nós estamos distantes da maioria das escolas e jardins-de-infância do Agrupamento”,
sobretudo quando “as pessoas, maioritariamente, nos patamares de gestão intermédia, (…) não a assumem”
e os diferentes atores “não reconhecem as chefias intermédias e só reconhecem o diretor” (Alfa); e 2) à
obrigatoriedade da autoavaliação e à implementação do programa da avaliação externa de escolas (AEE), os
quais impulsionaram “nós tentarmos descobrir e ir ao fundo da questão das causas do insucesso dos alunos
ou da indisciplina, que são as preocupações fundamentais da escola” (Beta).
Por sua vez, e apesar de enumerarem algumas opções políticas que têm dificultado o trabalho das
escolas – nomeadamente os procedimentos e critérios na definição da rede escolar, o número mínimo de
alunos estabelecido para a constituição de turmas (Beta), “mão-de-obra que não é a adequada àquele tipo
de alunos” (Alfa), etc. –, os inquiridos consideram que “tem-se notado alguma abertura e vontade, por parte
da tutela, em dar a todas as escolas, todas na sua totalidade, algumas ferramentas que permitam
caminharmos no sentido do sucesso dos alunos” (Beta), estando reunidas todas as “condições para isso”
(Alfa; Beta).
No caso concreto dos agrupamentos em análise, e na perspetiva dos seus líderes de topo, a
agregação de escolas veio possibilitar, tal como preconizado no Despacho n.º 5634-F/2012, de 26 de abril, a
adoção de soluções mais equilibradas e racionais, nomeadamente:
1) na gestão dos recursos humanos (docentes e não docentes) e materiais;
2) na construção de um Projeto Educativo mais coerente com uma escolaridade de 12 anos (ainda que
a sua elaboração seja mais difícil, tal como refere o diretor do Agrupamento Alfa), promotor de percursos
sequenciais e mais articulados – embora “verticalmente, até conseguimos mais ou menos articular.
Horizontalmente, não, ainda está a ser difícil” (Alfa) –, marcados por uma transição adequada entre níveis e
ciclos de ensino;

814
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

3) na prevenção da exclusão social e escolar; e


4) na promoção da qualidade pedagógica, pela “diversidade de experiências, pela planificação tendo em
conta os contributos dos vários atores, dos vários professores que, sendo um conjunto mais alargado, reúne
uma maior variedade de experiências. Há mais olhares sobre o mesmo problema e, em princípio,
conseguimos arranjar respostas mais eficazes, mais ricas” (Beta).
Todavia, a agregação de escolas não conseguiu cumprir, nestes agrupamentos, os seus objetivos de
minimização das situações de isolamento das escolas, porque, embora existam “equipas pedagógicas que
agregam todos os ciclos (…), projetos de articulação muito interessantes (…) E também temas comuns a todo
o Agrupamento” (Alfa), “ficou praticamente tudo igual” (Beta) a este nível e “as escolas das freguesias rurais
continuam isoladas” (Alfa).
Ainda que também não se tenha constituído uma mais-valia no combate ao abandono escolar nas
duas realidades em análise – porque “o abandono nunca foi um problema” (Beta) –, a agregação das escolas
permitiu, na perspetiva dos diretores inquiridos, adequar a dimensão e as condições das escolas do concelho
à promoção do desenvolvimento e do sucesso escolar das crianças e dos alunos:
a agregação das escolas neste concelho veio permitir fazer um trabalho continuado e de
responsabilização dentro de cada área disciplinar e ninguém vai depois poder dizer que o
aluno não adquiriu determinadas competências porque a escola anterior, porque a área
disciplinar do outro agrupamento ou da outra escola, não fez o seu trabalho. Agora são todos
responsáveis porque todos pertencemos à mesma unidade orgânica (Beta);
eu herdei uma escola que estava no caos, que era a pior da cidade. (…) Encontrei
professores desanimados, pais que não queriam que os filhos para aqui viessem, alunos que
eram com certeza os mais problemáticos da cidade.(…) E acho que tem sido uma conquista,
muito interessante até de ver! Até pelo n.º de procedimentos disciplinares e pelo n.º de
ocorrências, que diminui ano após ano. E vejo alunos já com comportamentos
completamente diferentes (Alfa).
No entanto, se, por um lado, no Agrupamento Beta – atualmente, a única organização escolar do
concelho que oferece ensino básico e secundário – “a agregação permite juntar mais os alunos [do 3.º ciclo
– o único nível de ensino oferecido por duas unidades orgânicas distintas –] em determinada modalidade,
numa lógica de agrupamento, em vez de se fazer, eventualmente, propostas da mesma oferta formativa em
escolas diferentes” (Beta), por outro lado, “a rede escolar na cidade/concelho [do Agrupamento Alfa] não está
bem definida” (Alfa), verificando-se que “em cada final de ano letivo é uma guerra, com processos que
escondem, é terrível” (Alfa). Neste último caso, no entendimento do diretor, e perseguindo a lógica de uma
escolaridade de 12 anos, “o que deveria acontecer era: consoante os alunos que nós temos no ensino básico,
assim era os alunos que teríamos até ao ensino secundário. E não é assim”. Só assim, na perspetiva deste
diretor, “numa escala bastante interessante, bastava boa-vontade e uma mente aberta de todos nós” e
“poderia ser que estes reagrupamentos, estes atuais Agrupamentos de Escolas resultassem em melhorias de
resultados de alunos, pois haveria um conhecimento maior e mais profundo dos alunos (desde o pré ao 12.º
ano). Haveria uma deteção de situações problemáticas cedo e um acompanhamento desses alunos…” (Alfa).
Em qualquer uma das realidades em estudo é atribuída “muita importância aos resultados escolares”
(Alfa), constituindo estes “uma grande preocupação” (Beta), que exige uma reflexão constante e a
comparação dos “resultados desta escola com os resultados de outras escolas da localidade e do concelho
e média nacional…” (Alfa). Na perspetiva dos diretores inquiridos, “nos últimos anos tem havido uma melhoria
nos resultados escolares” (Beta), “no sucesso dos alunos…e até mesmo na qualidade do sucesso” (Alfa),
contudo “há que estudar se essa melhoria se deve à agregação” (Beta). Segundo o diretor do Agrupamento
Beta, “a agregação tem um papel na melhoria dos resultados”, todavia, na perspetiva de ambos os inquiridos,

815
A Escola: Dinâmicas e Atores

poderão concorrer para tal outras variáveis que não são consequência da agregação: o facto de que a “escola
tem muito mais apoios e os professores ficam muito mais aqui” (Alfa) e a “diversidade da oferta formativa, (…)
[que possibilita] que os alunos procurem e sejam orientados para a oferta formativa mais adequada para eles
e, consequentemente, que lhes permita um maior sucesso” (Beta). Impõe-se, então, a implementação de
estudos científicos que permitam “determinar o contributo de cada uma delas, [das variáveis,] na melhoria dos
resultados dos alunos” (Beta).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em jeito de conclusão, é de salientar o enfoque dos normativos em vigor na melhoria dos resultados
escolares, sendo evidente a aposta na tríade resultados, responsabilização e autonomia. O eventual
‘incremento da autonomia’ das organizações escolares foi cedido a troco de uma responsabilização pelos
resultados escolares alcançados, exigindo-se-lhes decisões sustentadas e a seleção das melhores opções
pedagógicas e organizativas no sentido da prestação de um serviço educativo de qualidade (Despacho
Normativo n.º 13-A/2012, de 5 de junho).
No que concerne às organizações escolares em análise, identificámos, nos seus Projetos Educativos,
catorze dos quinze conceitos-chave que destacámos como recorrentes na legislação mais recente,
operacionalizados em medidas de política educativa de nível micro, sobressaindo a necessidade e a vontade
dos agentes educativos em cumprir com a legislação bem como agir dentro da legalidade. Apesar do discurso
(continuado) de ‘autonomia’, e ainda que os agentes educativos se tenham apropriado do discurso político,
afigura-se-nos que a organização do ensino e a tomada de decisões permanecem muito concentradas no
Ministério de Educação, continuando as escolas reféns muito mais de opções políticas de nível macro e meso,
do que de opções locais.
Constatou-se que os resultados escolares assumem, de facto, um papel preponderante e uma
preocupação constante na política educativa e na vida quotidiana das escolas, estando na base da maioria
das opções tomadas. Foram identificadas, pelos líderes de topo, como ‘preocupações fundamentais da
escola’ atual o insucesso escolar (identificado, fundamentalmente, a partir da análise dos resultados escolares
dos alunos) e a indisciplina.
É reconhecido que a agregação das escolas (uma das opções tomadas pela tutela no sentido de
proporcionar a melhoria desejada) teve impacto direto (ainda que nem sempre positivo) nas rotinas da escola
e veio possibilitar, na perspetiva dos inquiridos (com base na experiência vivida), a adoção de soluções mais
equilibradas e racionais a vários níveis, com reflexos (embora indeterminados) na melhoria dos resultados
escolares dos alunos. Embora não tenha sido referenciado entre as opções do Estado com impacto mais
significativo no desempenho do cargo de gestor/ líder organizacional, na perspetiva dos inquiridos, o processo
de agregação de escolas facilitou, nas ‘suas’ organizações-escola: a gestão dos recursos humanos e
materiais; a construção de um Projeto Educativo mais coerente, promotor de percursos sequenciais e mais
articulados, com uma transição adequada entre níveis e ciclos de ensino; a prevenção da exclusão social e
escolar; e a promoção da qualidade pedagógica. Por sua vez, não foi notado o seu contributo no combate ao
abandono escolar (talvez por este não se constituir um problema nos contextos em análise) e, sobretudo, na
minimização das situações de isolamento das escolas.

816
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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de mestrado apresentada no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.

817
A Escola: Dinâmicas e Atores

“MENTES SORRIDENTES”- IMPACTO DA AQUISIÇÃO DE COMPETÊNCIAS DE


“MINDFULNESS” EM CONTEXTO ESCOLAR
[ID 261]

Dulce Gonçalves
Cátia Almeida
Sofia Gonçalves
Mónica Pinto
Agrupamento de Escolas João Villaret; Hospital de Dona Estefânia; Centro de Desenvolvimento do Hospital
Beatriz Ângelo; Centro de Desenvolvimento do Hospital Beatriz Ângelo
dulce_sg@sapo.pt; cvoar3@gmail.com; sofia.goncalves@hbeatrizangelo.pt;
sandra.pinto@hbeatrizangelo.pt

Resumo
O presente trabalho pretende divulgar a avaliação do projeto-piloto Mentes Sorridentes desenvolvido no ano
letivo 2015-2016 no Agrupamento de Escolas João Villaret (Loures). Este consistiu na transmissão de técnicas
de mindfulness à comunidade escolar, procurando responder aos níveis elevados de ansiedade e dificuldades
de atenção/concentração e emocionais dos alunos. Foi estabelecida uma parceria com o Hospital Beatriz
Ângelo, que acompanhou e avaliou o projeto.
Evidências crescentes revelam que a prática de mindfulness melhora o bem-estar psicológico, (Singleton et
al, 2014), os sintomas de ansiedade (Roemer et al, 2009), os sintomas de desatenção e hiperatividade
(Zyloska et al, 2008), entre outros.
No âmbito educativo, a nível internacional, os resultados obtidos revelam-se promissores. Por outro lado, não
divergem particularmente dos resultados obtidos com adultos, sendo que as escolas que integram programas
de mindfulness têm resultados significativos a nível do bem-estar emocional dos seus alunos, da saúde
mental, da sua capacidade de aprendizagem e, até, da melhoria da sua condição física.
A nível da metodologia empregue, procedeu-se ao estudo descritivo com avaliação pré e pós-intervenção dos
alunos de 2º e 3º ciclo participantes, através dos testes D2 (concentração), SDQ (funcionamento global), PH
Self-Concept Scale (auto-conceito), Diário das Mentes e Ficha de auto-avaliação. Pessoal docente e não-
docente e encarregados de educação responderam a questionários de avaliação. Fez-se análise descritiva e
comparativa dos dados quantitativos (SPSS v.20) (IC 95%, p<0,05) e de conteúdo dos dados qualitativos.
No universo avaliado, n=65, 61,5% sexo masculino, média etária=12,6, verificou-se uma melhoria no Índice
de Concentração e Desempenho Global no D2, no score de autoconceito, de problemas emocionais e
comportamentais e de funcionamento global. Qualitativamente, os alunos notaram melhoria no controlo da
ansiedade, do desempenho e concentração, diminuição da impulsividade, maior prazer nas relações e maior
sentido para a vida. A avaliação pelos adultos também foi positiva.
O estabelecimento desta parceria permite realçar a importância de uma intervenção conjunta nos problemas
de comportamento, atenção e emocionais dos adolescentes. As técnicas de mindfulness mostram resultados
positivos na gestão emocional, aumentando a disponibilidade para as aprendizagens e melhorando a
qualidade de vida dos alunos.

Palavras-chave: Mindfulness, Atenção/ concentração, Emoções, Escola.

Résumé
Ce document vise à divulguer l'évaluation du projet pilote «Mentes Sorridentes» développé durant l'année
scolaire 2015-2016 à l'École Groupe João Villaret (Loures). Celui-ci consiste dans la transmission des
techniques de la pleine conscience (“mindfulness”) à la communauté scolaire, cherchant á répondre a dés
haut niveaux d'anxiété de difficultés de l'attention / concentration et besoins émotionnels des étudiants. Un
partenariat avec l'hôpital Beatriz Angelo a été créé, et l’hôpital á suivi et évalué le projet.
L'évidence croissante montre que la pratique de la pleine conscience améliore le bien être psychologique,
(Singleton et al, 2014), les symptômes de l'anxiété (Roemer et al, 2009), les symptômes de inattention et
d'hyperactivité (Zyloska et al, 2008), entre autres.
Dans le cadre d’éducation au niveau international, les résultats semblent prometteurs.

818
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

En outre, ils ne diffèrent pas particulièrement des résultats obtenus à partir d'adultes, et queles écoles qui
intègrent des programmes de pleine conscience ont des résultats significatifs en termes de bien-être
émotionnel de ses élèves, de la santé mentale, de leur capacité à apprendre et même l'amélioration de leur
condition physique.
Au niveau de la méthodologie employée, nous avons procédé à l'étude descriptive avec évaluation pré et
post-intervention á des élèves du collège et lycée participants, avec le test D2 (concentration), SDQ
(Fonctionnement global), PH Self-Concept Scale (concept de soi), Diario das Mentes et des fiches de auto-
évaluation.
Personnel enseignant et non enseignant et des parents ont répondu à des questionnaires d'évaluation. On a
fait une analyse descriptive et comparative des données quantitatives (SPSS v.20) (95%, p <0,05) et du
contenu des données qualitatives.
Dans l'univers évalué, n = 65, 61,5% d'hommes, âge = 12,6 on vérifie qu’il y a eu une amélioration de l’indice
de la concentration et de la performance globale en D2, du score de l'auto-concept, des problèmes
émotionnels et comportementaux et du fonctionnement global. Qualitativement, les élèves ont noté des
améliorations dans le contrôle de l'anxiété, de la performance et de la concentration, l’impulsivité á diminue,
on trouve un plus grand bonheur dans les relations et un plus grand sens à la vie. L´évaluation faites par les
adultes, a également été positive.
La mise en place de ce partenariat permet de souligner l'importance de l'intervention conjointe des problèmes
de comportement, de l'attention, et les besoins émotionnels des adolescents. Les techniques de la pleine
conscience montrent des résultats positifs dans la gestion des émotions, augmentant la disponibilité pour
l'apprentissage et l'amélioration de la qualité de vie des étudiants.

Mots-clés: Mindfulness, Attention / concentration, Les émotions, L'école.

INTRODUÇÃO
O projeto “Mentes Sorridentes” nasceu da necessidade de encontrar estratégias de intervenção
inovadoras no contexto escolar, nomeadamente, em relação ao insucesso escolar, comportamento disruptivo,
níveis elevados de ansiedade e dificuldades de atenção e concentração manifestados por um grupo de alunos
do Agrupamento de escolas João Villaret, em Loures.
Inspirado no projeto australiano Smiling Mind, foi concebido e implementado um conjunto de 8
sessões semanais, baseadas em técnicas de mindfulness, realizadas em pequeno grupo na escola, com um
conjunto de alunos sinalizados pelos professores por dificuldades de atenção / concentração, emocionais e
comportamentais com impacto nos resultados académicos.
No nosso agrupamento, sito na periferia de Lisboa, em Loures, a preocupação centrada no insucesso
escolar tem-se aliado à dificuldade em lidar com comportamentos de caráter disruptivo, níveis elevados de
ansiedade e dificuldades de atenção e concentração manifestados pelos alunos e com impacto em toda a
comunidade escolar.
Foi na busca de soluções que definimos um projeto inspirado no Smiling Mind, iniciativa australiana
que implementa sessões de mindfulness nas escolas e que prontamente colaborou connosco.
Assim, um grupo de professores e técnicos concebeu e implementou um conjunto de 8 sessões
semanais, baseadas em técnicas de mindfulness, realizadas em pequeno grupo na escola, com um conjunto
de alunos sinalizados pelos professores, os quais revelavam dificuldades de atenção / concentração,
emocionais e comportamentais com impacto nos seus resultados académicos.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
O vocábulo mindfulness tem a sua origem na palavra sati da antiga língua Pali, empregue nas
escrituras do Budismo Theravada (a mais antiga escola budista fundada na Ìndia). A tradução inglesa (Siegel
et al, 2008) procurou transmitir o conceito de atenção, memória, consciência, mas o significado é, na verdade,
mais abrangente, remetendo para a ideia de, através do controlo respiratório, treinar a atenção de forma

819
A Escola: Dinâmicas e Atores

plena, adquirindo consciência de cada momento, (“moment-by moment awarness”, Germer et al, 2005, p.6),
com o propósito de, sem julgamento, aceitar essa experiência (Kabat-Zinn, 2003).
Com os trabalhos do americano John Kabat-Zinn nos anos 90 este conceito foi aplicado pela primeira
vez em contexto terapêutico, com resultados comprovados no alívio do stresse e da dor crónica (Mindfulness
Based Stress Reduction Program), suscitando o interesse da comunidade científica.
Nos últimos anos, com a evolução das Neurociências, o papel das técnicas de mindfulness tem sido
clarificado e são numerosos os estudos com resultados promissores.

FUNDAMENTAÇÃO
Sabe-se que, apesar da função respiratória ser controlada pelo Sistema Nervoso Autónomo (SNA)
(que, por definição, não depende da vontade do indivíduo), é, das funções básicas, apesar de poder ser
afetada pela experiência pessoal e pelas circunstâncias, aquela que mantém algum controlo voluntário. Esta
noção é a base de todas as técnicas de mindfulness. Momentos de stresse e ansiedade resultam numa
respiração ofegante, rápida e superficial, afetando as funções cerebrais pelo desequilíbrio hidro-eletrolítico e
ácido-base consequente (Moore et al, 2011). O controlo consciente e rotineiro da respiração, pelo contrário,
tem um efeito tranquilizador, como consequência da regulação da atividade cardíaca e do reequilíbrio do SNA
(Fokkema,1999; Sovic, 2000; Lehrer, et al, 2009; Moore et al, 2011).
Evidências crescentes revelam que a prática de mindfulness melhora o bem-estar psicológico,
(Singleton et al, 2014), os sintomas de ansiedade (Roemer et al, 2009; Hofman et al, 2010), os sintomas de
desatenção e hiperatividade (Zyloska et al, 2008; Weijer-Bergsma, et al, 2012), os sintomas depressivos
(Teasdale et al, 2000; Hofman et al, 2010), a qualidade de sono (Baer et al, 2005; Winbush et al, 2007) e a
impulsividade associada às adições (Baer, 2003).
A investigação de Singleton (Singleton et al, 2014) revelou que um programa de treino de mindfulness
de oito semanas condicionou o aumento da densidade do hipocampo (essencial para a aprendizagem e para
a memória) e das estruturas cerebrais relacionadas com a autoconsciência, compaixão e introspeção. Por
outro lado, verificou-se a diminuição da densidade da amígdala, o que parece justificar a redução dos níveis
de stresse relatados pelos indivíduos (Hozel et al, 2011; Hofman et al, 2010).
Outros estudos têm revelado melhoria a nível das competências sociais e emocionais dos sujeitos
que praticam mindfulness (Baer, 2003; Salmon et al, 2004). Da mesma forma, constatou-se uma melhoria das
funções executivas, da performance intelectual, da atenção e concentração, da memória de trabalho e da
memória visuo-espacial, com a utilização do mindfulness (Jha et al, 2007; Chambers et al, 2008; Zeidan et al,
2010).
Estes resultados explicam o alargamento crescente da aplicação desta técnica a diversos contextos
– saúde, mundo empresarial, militar e educação.

MINDFULNESS NA EDUCAÇÃO
Uma vez que, no mundo ocidental, sobretudo nos países anglófonos, as técnicas de mindfulness
começaram a integrar a educação, a ciência começou, igualmente, a alargar o seu campo de estudo a esta
área.

820
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Entre os vários programas entretanto concebidos para as escolas, realçamos, sobretudo pelo
universo envolvido, o programa Mindfulness in Schools (.b), no Reino Unido, MindUp, nos EUA e Smiling
Mind, na Austrália.
Considerando que se trata de um público específico e apesar de algumas falhas que os estudos
revelam (entre outras, número limitado de participantes, por norma voluntários, inexistência de testes
standartizados, parco uso de grupos de controlo), os resultados obtidos revelam-se promissores. Por outro
lado, não divergem particularmente dos resultados obtidos com adultos, sendo que as escolas que integram
programas de mindfulness têm resultados significativos a nível do bem-estar emocional dos seus alunos, da
saúde mental, da sua capacidade de aprendizagem e, até, da melhoria da sua condição física.
Parte desta investigação alarga a análise de resultados aos docentes que recebem formação,
concluindo que o ambiente escolar e profissional melhora.
Na verdade, estes estudos partilham a perceção de que os programas de treino de mindfulness
podem ter um caráter protetor da saúde mental e preventivo da doença mental ou dificuldades psicológicas.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA
O projeto foi iniciado no ano letivo 2014-2015 com a professora de Educação Especial do
Agrupamento João Villaret (Loures), Dulce Gonçalves. No contexto restrito de um grupo de alunos com
necessidades educativas especiais diversificadas, aplicou-se um conjunto de sessões de mindfulness
adaptadas a partir do projeto australiano SmilingMind.
Assistiu-se a uma diminuição da ansiedade e melhoria da atenção, da autoestima e dos resultados
académicos, objetivada pelos alunos, encarregados de educação (EE) e professores.
Desta experiência piloto nasceu o projeto “Mentes Sorridentes”, com alargamento do público-alvo e
maior estruturação da intervenção.
Assim, no ano letivo 2015-2016, o projeto foi alargado aos alunos sinalizados pelos professores e que
revelavam dificuldades de atenção/concentração, problemas de comportamento, baixa autoestima,
desmotivação e dificuldades de integração.

IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO
A preparação do projeto teve início com a criação de um conjunto específico de materiais: ficheiros
vídeo e áudio, guião de implementação (em articulação com os parceiros australianos) e site. Seguidamente
foram desenvolvidas as parcerias (nomeadamente com o Centro de Desenvolvimento do Hospital Beatriz
Ângelo e patrocinadores diversos) e foi concebido um um protocolo de avaliação do impacto da intervenção.
Seguidamente foi dada formação específica a 44 professores voluntários, ministrada pela
Coordenadora do projeto, de modo a garantir a uniformidade do protocolo. No sentido de modular o ambiente
geral e a cultura escolar, ofereceu-se esta formação também a 30 assistentes operacionais e técnicos.
Os alunos com dificuldades acentuadas atenção/concentração, emocionais ou comportamentais
foram sinalizados pelos respetivos Diretores de Turma, tendo os Encarregados de Educação consentido a
intervenção.
Constituíram-se grupos de 10-12 alunos que, voluntariamente, realizaram as sessões de 30 minutos
por semana, ao longo de 8 semanas, durante o intervalo do almoço, com o apoio de um professor
(denominado facilitador).

821
A Escola: Dinâmicas e Atores

No total cumpriram integralmente o projeto 123 alunos, entre os quais 12 alunos do 1º ciclo e 9 alunos
do jardim de Infância. Entre estes, 21 alunos tinham Necessidades Educativas Especiais. Curiosamente, ao
longo do tempo, assistiu-se ao efeito contágio interpares, tendo havido alunos não inicialmente sinalizados a
pedir para frequentar as sessões. Foi possível dar resposta, até ao fim do ano letivo, a um total de 140 alunos.
As sessões seguiram um protocolo pré-definido, sendo os temas desenvolvidos de forma
progressivamente mais complexa.
Em cada sessão os alunos registavam o seu estado emocional no “Diários das Mentes”. O projeto
preconizava que, durante as 8 semanas, os alunos reproduzissem diariamente em casa os exercícios
aprendidos na sessão, com o suporte dos ficheiros áudio.

AVALIAÇÃO DO PROJETO
Foram incluídos na amostra analisada os alunos que completaram os instrumentos de avaliação nos
dois momentos da mesma e que realizaram a maioria das sessões do projeto. No decorrer do mesmo, vários
alunos manifestaram o desejo de integrar as sessões, o que lhes foi permitido, não tendo, no entanto, sido
incluídos na amostra analisada.
Inicialmente, pensou-se que o grupo de alunos em lista de espera pudesse funcionar como grupo-
controlo, mas, não tendo sido possível recrutar um número suficiente para os momentos das avaliações, essa
comparação não foi efetuada.
Dos 140 alunos que participaram do projeto, 65 (46%) constituem a amostra analisada.
Os alunos onde se verificaram valores patológicos nos instrumentos de avaliação foram identificados
e sinalizados aos responsáveis.
Foi empregue um conjunto de instrumentos aos alunos, nomeadamente:
§ Teste D2 de Brickencamp, medida da capacidade de concentração (Índice de concentração) e
Desempenho global;
§ SDQ (Strenghts and Difficulties Questionnaire) de Goodman, medida do funcionamento global, com
5 subescalas e um score total: problemas emocionais, problemas de comportamento, problemas com
pares, hiperatividade e comportamento pró-social;
§ PHSCS (Piers- Harris Self-Concept Scale), medida do auto-conceito (score total da escala);
§ Diário das Mentes, completado após cada sessão;
§ Ficha de avaliação do projeto, com escalas de Likert, preenchida no fim do mesmo;
§ Foram gravados, após consentimento, testemunhos dos alunos em formato de vídeo acerca da
experiência de participação no projeto.
Os três primeiros instrumentos foram aplicados em conjunto aos alunos participantes antes do início
das sessões, de forma anónima, na presença das profissionais de saúde envolvidas no projeto, no auditório
da escola. No fim das sessões foi repetido o mesmo protocolo de avaliação.
Para pais, professores e pessoal não docente foi aplicado um questionário online de avaliação do
projeto no final da sua implementação.
Procedeu-se à análise descritiva e comparativa dos dados quantitativos (SPSS v.20) (IC 95%) e
análise de conteúdo dos dados qualitativos.

822
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

RESULTADOS
A amostra final, constituída por 65 alunos, sendo 61,5% do sexo masculino, apresentava uma média
etária de 12,6 anos [10, 16] (DP 1,87).
No teste D2 verificou-se uma melhoria significativa no Índice de Concentração (IC) entre os dois
tempos da avaliação (P 54,74à P 67,44) (Wilcoxon test, p=0,000). O mesmo foi verificado para o
Desempenho Global (P 61,56à P 68,83) (Wilcoxon test, p=0,009).
No SDQ, que avalia o funcionamento global, houve diminuição no score total de dificuldades, mas
sem significado estatístico. No grupo com valores patológicos de funcionamento global (n=13) essa melhoria
verificou-se igualmente, mas sem diferenças significativas nos dois tempos de avaliação. Após a intervenção,
7 alunos mantinham valores patológicos no score total do SDQ.
No que diz respeito às subescalas deste questionário, verificou-se que houve diminuição dos
problemas internalizantes, dos problemas com os pares e dos sintomas de hiperatividade, mas sem
significado estatístico. Não houve alteração significativa no score da subescala de comportamento pró-social.
Verificou-se um aumento dos problemas de comportamento entre os dois momentos de avaliação, mas sem
significado estatístico.
Na escala de autoconceito houve um aumento do score total entre os dois tempos de avaliação (P
45,4à P 52,96), sem significado estatístico. Antes da intervenção, 12 alunos apresentavam um auto-conceito
muito baixo (≤P5), sendo apenas 6 nestas condições após a intervenção. Destes, 3 alunos eram os mesmos
(ausência de melhoria) e 3 alunos apresentavam de novo valores preocupantes.
Nos Diários das Mentes, em perguntas de resposta aberta, os alunos salientaram melhorias subjetivas
em diferentes âmbitos, nomeadamente:
§ Melhoria na capacidade de atenção e concentração
§ Menor nível de ansiedade nas aulas e nos testes
§ Menor impulsividade
§ Sentimentos de gratidão para com a vida e para com os outros
§ Maior atenção aos detalhes
§ Maior consciência de si, melhor autoconhecimento
§ Maior prazer nas relações
§ Sentido para a vida e projeção de futuro
Os mesmos aspetos foram referidos pelos alunos nos testemunhos gravados.
No questionário de avaliação do projeto, 95% dos alunos referiu que os exercícios respiratórios
propostos eram fáceis ou muito fáceis. Já no que diz respeito aos exercícios de visualização do corpo, 37%
considerou-os difíceis ou muito difíceis. Para 45% dos alunos partilhar os seus pensamentos e sentimentos
com os colegas do grupo foi muito importante e para 22% deles foi uma tarefa fácil. Para 14% dos alunos
esta partilha foi muito difícil.
Cerca de ¾ dos alunos repetiram, pelo menos ocasionalmente, as sessões propostas em cada
semana, como preconizado pelo projeto e a maioria destes dentro da escola, em momentos de tensão ou
stresse.
76% dos alunos referiram que as melhorias sentidas foram notadas por terceiros.
No questionário de avaliação do projeto aos Diretores de turma dos alunos sinalizados, estes referiram
melhorias na ansiedade e nível de concentração dos alunos, mais evidentes nos alunos com piores

823
A Escola: Dinâmicas e Atores

performances iniciais. Apenas 39% dos professores aplicaram os exercícios respiratórios nas suas turmas,
maioritariamente por falta de tempo ou formação, mas 97% deles referiram que aconselhariam este projeto a
outras pessoas.
Os professores que frequentaram as sessões referiram terem-se inscrito por curiosidade (52%), por
necessitarem de relaxar (45%) ou por sentirem necessidade de aprender a ter autocontrolo (32%). A grande
maioria deles aplicou as técnicas adquiridas em proveito pessoal (92%) e 53% aplicou-as com os alunos. As
maiores melhorias sentidas referiam-se ao bem-estar, aos níveis de ansiedade, à concentração e à
impulsividade.
A totalidade dos professores considerou a experiência Muito Boa ou Excelente.
De forma semelhante aos professores, os assistentes operacionais e técnicos que quiseram
experimentar as sessões das “Mentes Sorridentes” fizeram-no maioritariamente por curiosidade e
necessidade de relaxar. Metade deles referiu utilizar as técnicas aprendidas no seu contexto pessoal e a
maioria referiu a melhoria no bem-estar como aspeto mais positivo do projeto.
A totalidade dos participantes classificou como Muito bom ou Excelente a experiência.
Por seu lado, os encarregados de educação dos alunos, não tendo frequentado as sessões, avaliaram
as mudanças que sentiram nos seus educandos. Salientaram as melhorias na autoestima, na impulsividade,
na ansiedade e na concentração. Dois terços dos encarregados de educação apoiou o seu educando na
realização dos exercícios em casa. A totalidade deles recomendaria esta intervenção a outras pessoas.

CONCLUSÕES
Pelo reduzido tamanho da amostra e pela ausência de grupo controlo, os resultados quantitativos são
limitados.
Por outro lado, existe um conjunto de limitações inerentes a este estudo, nomeadamente o facto de
as medidas de avaliação serem de autopreenchimento (arriscando enviesamento da avaliação por serem os
participantes a reportar os sintomas), a amostra ser pequena e ter havido alguma dificuldade no
preenchimento dos questionários por parte de alguns alunos.
No entanto, da avaliação do projeto “Mentes Sorridentes” concluímos ser uma resposta que vai ao
encontro das necessidades sentidas. Com relativamente poucos meios (humanos e materiais), foi possível
introduzir na rotina diária dos alunos participantes alguns exercícios respiratórios simples, inspirados no
mindfullness.
Independentemente da idade, os alunos foram capazes de participar ativamente nas sessões,
reproduzindo-as fora do tempo semanal em grupo. Sabe-se que a eficácia da intervenção está na repetição
diária dos exercícios, integrando-os no “modo de estar individual”, como mais uma estratégia de coping para
as situações de tensão e stresse.
Por outro lado, foi muito interessante verificar a propagação do projeto por toda a escola, com alunos
não selecionados a pedir para integrar o projeto, bem como o pessoal docente e não docente a aderir a estas
práticas, apesar de algum desconforto inicial.
As melhorias sentidas por todos os participantes em termos de bem-estar geral, concentração,
redução da ansiedade, controlo da impulsividade, maior autorregulação, maior conhecimento próprio e maior
consciência corporal são aspetos que gostaríamos de realçar.

824
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Nas palavras de João dos Santos: “a escola é o lugar da saúde mental”. E para estes alunos, esta foi
realmente uma experiência do “espaço-escola” diferente: além das aprendizagens académicas habituais, a
escola proporcionou-lhes experiências emocionais, relacionais, de encontro consigo mesmo e com a
alteridade que deixou de ser sentida como ameaçadora. Algo muito semelhante ocorreu com os adultos
participantes, com uma melhoria notável no ambiente geral da escola.
Deste projeto-piloto se pode concluir que os exercícios de mindfulness, aplicadas num protocolo
simples e curto, obtêm resultados positivos na gestão emocional que permite a disponibilidade para as
aprendizagens e a melhoria da qualidade de vida dos alunos.

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827
A Escola: Dinâmicas e Atores

O PROCESSO DE AUTOAVALIAÇÃO DAS ESCOLAS DO 1.º CICLO E INFANTÁRIOS


DO FUNCHAL: UMA NARRATIVA NA AFERIÇÃO DA QUALIDADE DO SISTEMA
EDUCATIVO
[ID 308]

Ana Isabel de Gouveia


Nuno Miguel Silva Fraga
Universidade da Madeira; Faculdade de Ciências Sociais; Departamento de Ciências da Educação
ana.isabel.gouveia@hotmail.com; nfraga@staff.uma.pt

INTRODUÇÃO
Muito embora os discursos políticos denunciem as vantagens da avaliação, reconhecemos que esta
temática não está suficientemente amadurecida nas práticas profissionais, em especial no que respeita aos
aspetos da sua aplicação concreta na avaliação das organizações educativas. Neste contexto, colocasse à
escola a necessidade de desenvolver uma cultura de avaliação das suas práticas, com vista à prestação de
contas, o que implica também que se assuma como uma organização aprendente.
Reportando para a Região Autónoma da Madeira, este processo de autoavaliação chega às Escolas
Básicas do 1.º ciclo com Pré e aos Infantários Públicos, no regime de obrigatoriedade como refere a Lei
31/2002 de 20 de dezembro e a Portaria nº 245/2014, de 23 de dezembro, sendo apenas implementado no
ano letivo de 2015/2016.
Refira-se que este processo inserido no projeto de Aferição da Qualidade do Sistema Educativo da
Região Autónoma da Madeira tem como objetivo (re)formular as políticas educativas nas diferentes áreas no
quadro do Sistema Educativo Regional e melhorar os procedimentos, os padrões, as competências e as
aprendizagens.
Para a divulgação e orientação do projeto de autoavaliação às escolas, mais diretamente junto aos
diretores e à sua equipa operacional, foi constituída uma equipa concelhia da área escolar do Funchal com
cinco elementos: a delegada escolar, três diretores e uma educadora de infância, sendo que esta última,
sediada na Delegação Escolar do Funchal, exercia a função de coordenadora.
Com este estudo pretendeu-se dar a conhecer o modo como o processo de Autoavaliação foi
implementado nas diversas Escolas Básicas do 1º ciclo com Pré Escolar e Infantários e demonstrar através
de um relatório final os resultados concluídos pelas escolas.
Assim sendo, este estudo consiste em dois momentos. No primeiro momento iremos abordar a
projeção do processo de autoavaliação nas escolas, começando por fazer uma contextualização do processo,
focando os objetivos, a função da equipa concelhia e a metodologia adotada. No segundo momento daremos
a conhecer a análise e os resultados obtidos.
Considera-se que a autoavaliação vem reforçar os hábitos de reflexão, não apenas na gestão, na
organização e na liderança da escolas, como também, nas práticas pedagógicas. Daí que leva-nos a olhar a
autoavaliação, não como um fim em si mesma, tendo como objetivo a obtenção de um resultado, mas como
uma estratégia para melhorar as suas práticas.

828
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

1.º MOMENTO
O processo de autoavaliação nas Escolas: suas projeções nas Escolas Básicas do 1º Ciclo
com Pré escolar e Infantários
Escolas com processos sustentados de autoavaliação são escolas mais reflexivas, mais
abertas à mudança, mais conscientes e mais envolvidas nas melhorias a implementar. São
escolas do século XXI. (Pinto, 2010, p.78)
O século XXI trouxe um novo ciclo de mudança do sistema educativo em Portugal que sob um olhar
neoliberalista incentiva a privatização do ensino, a subordinação da educação à lógica de mercado, com livre
escolha da escola pelos pais, a competição interescolas, através de rankings, o reforço da autoridade, do
rigor e da disciplina. (Estêvão, 2002; Barroso, 2003).
Perante este cenário, cuja educação se encontra ligada à esfera económico-empresarial, deparamo-
nos com a avaliação das escolas como uma prestação de contas e de responsabilização. Contudo, se
olharmos as escolas como organizações aprendentes, a autoavaliação vem promover a melhoria contínua da
qualidade educativa ao incentivar a valorização das práticas de colaboração e de reflexividade dos atores
educativos como condições necessárias, entre outras, para enfrentar os quotidianos das escolas num tempo
de incertezas (Canário, 2009). Desvela-se assim a importância de uma cultura de avaliação nas escolas que
fomente o olhar crítico e participativo dos diferentes atores.
Digamos que uma avaliação orientada para os processos de melhoria ao nível da organização e do
funcionamento tem também repercussões na melhoria da qualidade da educação que nelas é oferecida e
vivida. (Leite et al, 2006, p.21). O que leva-nos a reconhecer a avaliação como um instrumento de projeção
da imagem ou imagens da própria escola, sendo que,
La finalidad última es mejorar esa realidad, esa imagen que se proyecta en el espejo y que
tiene constituye un servicio social que está presidido por lo valores. No hay una imagen única,
hay muchas imágenes. Se trata de que la que proyectan los más desfavorecidos no se vea
menospreciada, sino ayudada a mejorar, después de mirarse en el espejo. (Guerra, 2008,
p.1)

CONTEXTUALIZAÇÃO
Recuando um pouco na história, percebe-se que a globalização contribuiu para que a educação
perdesse o seu valor intrínseco passando a ser reconhecida como um valor de uso, inspirada na teoria de
Marx sobre o valor, valorizando apenas os resultados obtidos. É com esta mudança de paradigma que a
escola ocupa um lugar de efetivação das políticas educativas, agravando a pressão social e por
consequência, uma maior responsabilidade dos atores educativos.
A escola como organização complexa e inserida num determinado meio socioeconómico a avaliação
deve ter em conta, o contexto e a influência que exercem sobre ela. Neste decorrente, a autoavaliação
destaca-se como um meio de reflexão e de tomada de decisões em prol da melhoria da qualidade educativa
pois “permite a los protagonistas verse con claridad y precisión”. (Santos Guerra, 2001, p.11)
É sabido que a autoavaliação das escolas em Portugal iniciou-se com caráter facultativo, apesar de
encontrar-se fundamentada no Decreto-lei 115-A/98. Mais tarde, com a Lei n.º 31/2002, de 20 de Dezembro
sobre o sistema de avaliação das escolas, mais precisamente no artigo 6.º, a autoavaliação passou a ser
obrigatória, apenas no território continental.
Estamos assim perante uma etapa fundamental no sistema educativo uma vez que a avaliação passa
a ser um instrumento central de definição das políticas educativas, referindo no 3º artigo os seus objetivos,dos

829
A Escola: Dinâmicas e Atores

quais a melhoria da qualidade do sistema educativo, da sua organização e dos seus níveis de eficiência e
eficácia.
Reportando para a realidade da Região Autónoma da Madeira, e após a publicação do DL 31/2002,
de 20 de dezembro, é publicado na Região Autónoma da Madeira, o DLR 21/2006/M, de 21 de junho que
define o Regime de Autonomia e Administração das escolas básicas integradas e dos estabelecimentos do
2º e 3º ciclos do ensino básico e secundário da rede pública. Saliente-se que o preâmbulo defende um “quadro
de descentralização da administração educativa e consequente autonomia das escolas, numa perspectiva de
decidir «com e não sobre», que se sublinham os princípios democráticos de participação e de exercício de
cidadania crítica”, cabendo ao Conselho da Comunidade Educativa, “órgão de participação e representação
da comunidade educativa” a responsabilidade pela “definição da política educativa de escola” (art. 6º).
Assente neste princípio, as escolas como organizações passam a ter uma maior responsabilização sendo-
lhes pedido a prestação de contas através do processo avaliativo.
Tendo por base o quadro normativo vigente, designadamente a Lei 31/2002 de 20 de dezembro e a
Portaria nº 245/2014, de 23 de dezembro, o processo de autoavaliação obrigatório iniciou-se em 2014 apenas
nas Escolas de 2º e 3º Ciclo e Secundárias. Sendo este processo extensível às Escolas do 1º Ciclo com Pré-
Escolar e Infantários a partir do ano letivo de 2015/2016.
Neste contexto, a autoavaliação das Escolas pretende promover a avaliação das estruturas da
educação e do ensino, considerando as suas especificidades e contexto, no sentido de formular as políticas
educativas nas diferentes áreas, no quadro do Sistema Educativo Regional. Refira-se ainda que este processo
avaliativo das escolas prepara as escolas para uma avaliação externa.
Assim, olhou-se à possibilidade em nortear a autoavaliação das escolas, não apenas como um modo
de desmistificar este processo, como também em minimizar as ansiedades e os constrangimentos dos
intervenientes escolares que se encontram subjacentes à desconstrução deste processo avaliativo.
De acordo com o que foi estabelecido, cada área escolar era constituída por uma equipa
coordenadora representativa de todos os envolvidos interessados, devendo integrar representantes da
comunidade local.
Assim sendo, a Área Escolar do Funchal, sediada na Delegação Escolar do mesmo Concelho era
composta por cinco elementos liderados pela delegada escolar, os quais passamos a nomear:
§ Três diretores de escolas;
§ Um representante da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens;
§ Uma educadora de infância a exercer funções de coordenadora (neste processo) em regime de
destacamento/mobilidade na Delegação Escolar do Funchal
No início da implementação deste processo avaliativo considerou-se pertinente a formação promovida
pelo Gabinete de Apoio à Organização e Planeamento do Sistema Educativo Regional (GAOPSER) a alguns
elementos da Equipa Coordenadora Concelhia. Esta formação constou na desconstrução do processo de
autoavaliação de um agrupamento no continente, na voz de uma diretora.
O passo seguinte teve como prioridade a organização das escolas para a chegada deste processo
formando uma equipa operacional que seria liderada pelos diretores.
Numa primeira abordagem onde se reuniram os elementos da GAOPSER, da equipa coordenadora
da Delegação Escolar do Funchal (DEF) e da equipa operacional das escolas, foi dado a conhecer o ciclo
avaliativo pretendido para este arranque do processo. Sendo este o ano de implementação foi pedido às

830
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

escolas apenas a fase do diagnóstico e as definições de prioridades do ciclo avaliativo, como podemos
verificar na figura abaixo.

Figura 2 – Esquema do ciclo avaliativo


Assim, a fase do diagnóstico constava do levantamento de dados no eixo dos recursos e dos
processos, passando ao tratamento dos dados recolhidos e sua análise. Na definição das prioridades,
partindo das conclusões obtidas após o cruzamento dos dados, seriam delineadas prioridades no sentido de
melhorias.

O papel da Equipa Coordenadora da Delegação Escolar do Funchal e seus objetivos


Reconhecendo tal como Almerindo (2010) que a escola pública é um espaço onde se atualizam
relações de poder, conflito e negociação, e um lugar onde se expressam interesses e perspetivas divergentes,
e objetivos frequentemente não consensuais, digamos que não é fácil construir formas estruturadas de
autoavaliação autónomas. Daí que este olhar à autoavaliação, reporta-nos para um processo complexo e
denso, que além de favorecer o envolvimento crítico e criativo dos professores, educadores e outros atores
educativos, entende-se que a ilusão da (suposta) transparência de algo que é familiar aos sujeitos pode ser,
também aqui, um obstáculo à compreensão da realidade educacional e organizacional e, neste sentido, um
fator a terem conta no desenvolvimento da própria autoavaliação.
Mais se acrescenta que a avaliação, enquanto reflexão rigorosa sobre a realidade dinâmica das
mudanças é algo de imprescindível, não apenas para as compreender e valorar, como também, para poder
atuar sobre elas e transformar a dinâmica da sua implantação e desenvolvimento (Guerra, 2003a, p.90).
Digamos que este processo leva-nos a pensar a avaliação que imersa no campo da política, implica valores
e aspirações da sociedade.
Na Delegação Escolar do Funchal, a equipa coordenadora desempenhou um papel preponderante
na implementação deste processo que se iniciava nas escolas, sendo que, no culminar deste processo
avaliativo, foi da sua responsabilidade a construção de um relatório final de Autoavaliação das Escolas deste
Concelho.
Refira-se que com este relatório pretendeu-se contribuir para o aperfeiçoamento do serviço educativo
e demonstrar todo o empenhamento na execução deste processo que visou sobretudo, a persecução dos
seguintes objetivos:

831
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ Desenvolver um processo de autoavaliação como estratégia para garantir a qualidade educativa e


responsabilizar os seus atores;
§ Reunir informação essencial, identificando pontos fortes e pontos fracos das instituições públicas, de
modo a assegurar a manutenção dos níveis de qualidade já alcançados e contribuir para o
aperfeiçoamento/melhoria dos aspetos menos conseguidos;
§ Disponibilizar informação relativa ao grau de satisfação da comunidade educativa e caraterizar o
desempenho das Escolas;
§ Valorizar as aprendizagens e a qualidade da experiência escolar dos alunos, avaliando, tanto quanto
possível, a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem.
Atualmente com a entrada em vigor da lei que determinada a obrigatoriedade da autoavaliação houve
a necessidade em proporcionar às escolas alguns instrumentos orientadores na caminhada deste processo.
Apresentou-se um documento de trabalho com princípios orientadores sob a forma de roteiro de autoavaliação
onde constavam as fases do processo, o plano de ação e a calendarização.
Neste sentido foram realizadas várias reuniões com a presença dos elementos representativos das
escolas, dando a conhecer não apenas o projeto de aferição da qualidade educativa que a DRIG
implementava, como também os objetivos pretendidos pela tutela e algumas diretrizes.
A fim de facilitar este processo, a GAOPSER indicou um modelo orientador, o referencial comum de
avaliação, inspirado no modelo CAF que é aplicado em Portugal Continental. A equipa da DEF trabalhou o
referido modelo em conjunto com as equipas operacionais das escolas, não apenas por ser um documento
novo, mas por ser denso e complexo. Note-se que do debate afloraram novos olhares que ao serem
partilhados vieram enriquecer a desconstrução deste processo avaliativo.
Este documento orientador consta de três eixos: o eixo dos recursos, dos processos e dos resultados
(fig.4), encontrando-se em cada eixo as dimensões, os componentes, os possíveis referentes e exemplos de
fontes de verificação.
Saliente-se a existência de algumas dificuldades das escolas em avaliar o eixo dos processos pela
dificuldade em mensurar alguns componentes, tais como as práticas pedagógicas, a cultura relacional e
organizacional. Com o objetivo de colmatar esta lacuna sentida pelas escolas, construíram-se instrumentos
de caráter facultativo, tais como, inquéritos por questionários, direcionados para os diferentes público
educativos e tabelas em excel a fim de facilitar a recolha de dados para que pudessem ser posteriormente
analisados. Paralelamente, foi criado um clima de aquietação, promovendo momentos de troca de
experiências e de conhecimentos com os intervenientes envolvidos no processo. Na figura abaixo podemos
ver a estrutura sucinta do referencial comum de avaliação.

832
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

autoavaliação

Recursos Processos Resultados

Avaliação externa das escolas


Contexto social local e regional

Crianças/Alunos Prestação de serviços


Avaliação das
aprendizagens

Aprendizagem/Educação
Docentes
/Ensino
(In)sucesso

Não docentes Cultura organizacional Abandono

Encarregados de
educação Cultura relacional Ambiente escolar

----------- Liderança Grau de satisfação

Infraestrutura
Projeto educativo e Reconhecimento
Identidade social

Figura 4 – Referencial para o Processo de Autoavaliação das Escolas


Neste alinhamento foi igualmente demonstrado às escolas um modelo de calendarização do processo
para uma melhor gestão do tempo, uma vez que os referidos relatórios deveriam ser entregues na DEF no
final de junho. Assim, cada escola através da sua respetiva equipa operacional, elaborou a sua calendarização
de modo a respeitar os prazos de entrega do relatório.
Importa salientar que a equipa coordenadora deste processo teve a responsabilidade de analisar os
relatórios, recolher os dados e após o cruzamento dos mesmos, elaborar um relatório final que fora enviado
à DRIG.
Um dos aspetos facilitadores deste processo foi a presença de um elemento coordenador na DEF
que veio proporcionar um contacto mais direto com os diretores das escolas. Acrescente-se que foram
realizadas reuniões de acompanhamento, orientação e de esclarecimentos com os elementos das equipas
operacionais das escolas. Paralelamente, a pesquisa e a análise documental contribuíram para um maior
enriquecimento de conhecimentos sobre o processo avaliativo.

METODOLOGIA
Relativamente à metodologia aplicada na construção deste relatório e tendo em consideração “el
carácter único, irrepetible, dinámico, lleno de valores e imprevisible de cada escuela” (Santos Guerra, 2001),
optou-se por uma abordagem qualitativa e não quantitativa. Ou seja, acreditamos que não existem escolas
iguais sendo que a eficácia das escolas é consensual quando interligado à melhoria dos processos de
aprendizagens dos alunos, do reconhecimento das suas diferenças, das necessidades e potencialidades.
Assim sendo, pretendeu-se ser fidedignos ao diagnóstico feito por cada escola, tendo em conta, não
apenas as suas especificidades, como também, o facto de todas evidenciarem que trabalham as várias
dimensões do referencial embora dão mais ênfase a alguns componentes.
A amostra incide sobre o público-alvo das vinte e sete escolas do ensino básico com pré-escolar,
incluindo cinco infantários, todos da rede pública. Assim sendo, e num clima cooperativista, procedeu-se à
desconstrução dos diversos relatórios de autoavaliação considerando o eixo dos recursos, dos processos e
dos resultados onde se encontram esplanadas as várias dimensões.

833
A Escola: Dinâmicas e Atores

Neste alinhamento, a equipa coordenadora optou por analisar e sintetizar os aspetos referentes aos
pontos fortes, fracos e aos de melhoria referenciados nos relatórios de autoavaliação.
Subjaz a uma leitura dos resultados, foram cruzados os dados da recolha obtida, com uma maior
incidência sobre os pontos acima mencionados.

2.º MOMENTO DE DESCONSTRUÇÃO


Como chegamos à análise dos resultados
A eficácia de uma escola não se mede: constrói-se, negoceia-se, pratica-se e vive-
se.(Thurler, citado por Roullier, 2008. p.93)
No entanto, “não é fácil construir formas de autoavaliação autónomas que sejam estruturadas tendo
como base processos de reflexividade” (Afonso, 2002a, p.36), numa época em que cada vez mais são
atribuídas aos professores outras responsabilidades além de lecionar as suas aulas, descurando o tempo
para a reflexão.
Nesta preocupação, Fullan & Hargreaves (2001, p.114) consideram este um “ciclo vicioso” sendo que,
“a pressão retira tempo à reflexão e a falta de reflexão obscurece as formas de alívio da pressão”. É neste
sentido que se torna necessário a criação de tempos e de espaços para que aconteça um processo de
autoavaliação consciente e adaptado à realidade de cada escola.
Desafiamos os atores educativos para a importância de uma cultura de escola colaborativa, de forma
a incrementar uma liderança transformadora e consolidar o processo de autoavaliação, sabendo que as
oportunidades de melhoria na qualidade do ensino estão na capacidade das escolas responderem a estes
desafios. (Fialho, 2009, p.145).
Outro desafio cabia à equipa coordenadora da DEF que perante os relatórios de autoavaliação das
escolas, tinha a tarefa de analisar os vários resultados a que as escolas chegaram.
Assim num clima de cooperativismo e decidindo-se por uma leitura minuciosa dos documentos, fez-
se uma análise e sintetizamos os aspetos referentes aos pontos fortes e aos pontos fracos. Aplicamos como
critério de seleção, o número de vezes que estes pontos surgiam nos relatórios de autoavaliação e que eram
transversais a todas as escolas. Com base nesta análise concluímos os pontos fracos e os pontos fortes das
escolas e algumas tendências para a melhoria que passamos a mencionar nas conclusões.

As conclusões obtidas
Avaliar escolas com rigor implica conhecer a especial natureza e configuração que elas têm,
enquanto instituições enraizadas numa determinada sociedade: a sua heteronomia, as suas
competentes nomotéticas, os seus fins ambíguos, a sua débil articulação, a sua problemática
tecnologia. Por outro lado é imprescindível ter em conta o caráter único, irrepetível, dinâmico,
cheio de valores e imprescindível de cada escola (Guerra, 2002, p.11)
Atendendo a que o objetivo do presente documento é diagnosticar os aspetos referenciados na
autoavaliação das vinte e sete escolas da rede pública do Concelho do Funchal, incluindo cinco Infantários,
e com base nos resultados a que cada escola concluiu, passamos a elencar os principais resultados o mais
fidedigna possível.
Assim sendo, e percorrendo o referencial de avaliação do modelo aplicado pelas escolas, foi visível
o percurso prático na construção dos relatórios, o que facilitou uma leitura na horizontal de todos os processos
em estudo. Registe-se ainda e tal como foi referido na metodologia adotada, a análise e a interpretação destes
processos tiveram como princípio, o desmistificar a avaliação como uma prestação de contas e evitar a

834
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

“obsessão avaliativa de cariz quantitativista e comparativista” (Almerindo, 2009, p.14). Significa que foram
respeitadas as especificidades de cada escola, as diferentes visões educacionais e políticas, e distintas
qualificações, experiências, empenhos, motivações e capacidades de potenciar ou mobilizar os graus de
autonomia relativa disponíveis.
Neste contexto procurou-se “compreender as perceções individuais [de cada escola] ” (Bell, 1997,
p.19) sendo que, os relatórios de autoavaliação expressam a reflexão das escolas sobre a visão e a missão
a que se propõem.
Saliente-se ainda que os resultados aqui apresentados surgem do cruzamento de dados recolhidos
da análise e interpretação dos referidos relatórios. Neste sentido e partindo do pressuposto que o relatório
final elaborado pela equipa coordenadora pretende dar uma visão introspetiva da vida das escolas, passamos
a nomear os pontos fortes mais relevantes, os pontos fracos mais focados e as melhorias pretendidas.
Assim sendo, os Pontos fortes incidiram sobre as seguintes dimensões e respetivos componentes,
verificando-se:
§ Dimensão Educação/Ensino - As práticas pedagógicas e a monitorização da avaliação da
educação/ensino;
§ Cultura Organizacional - O trabalho em equipa e a Comunicação interna;
§ Cultura relacional - A relação estabelecimento - pais/encarregados de educação e parcerias e
recursos da comunidade envolvente;
§ Liderança - Gestão dos recursos humanos e materiais, motivação dos profissionais e visão
estratégica e planeamento; Projeto Educativo e Identidade - Identidade e sentido de pertença com
o estabelecimento;
§ Grau de Satisfação - Na prestação e funcionamento de serviços, como na qualidade do processo de
educação/ensino/aprendizagem e ainda segurança e ambiente escolar.
§ Relativamente aos Pontos fracos e considerando igualmente as dimensões e componentes,
concluímos:
§ Infraestruturas – As instalações (desadequadas e deficiente manutenção),equipamento
(manutenção) e material (escasso);
§ Não docentes – Formação contínua (ausência), limitações por motivo de saúde e idade avançada
(pouca produtividade);
§ Alimentação/Cozinha – Qualidade dos alimentos/refeições;
§ Elevado número de alunos por turma – Condiciona o sucesso das aprendizagens e da qualidade
educativa;
§ Recursos humanos para o apoio pedagógico/substituição – Dificulta a gestão e organização da
escola.
Conscientes de que a reflexão sobre os pontos fracos reporta para processos de melhoria, todas as
escolas destacaram essa preocupação ao mencionar a existência de estratégias que a ser estudadas possam
ser implementadas no próximo ano letivo. Acrescente-se que ainda registaram os pontos que continuam numa
zona confortável, e que estão igualmente sujeitos a constante melhoria/consolidação, em prol da qualidade
educativa.
Assim, passamos a mencionar os aspetos mais relevantes às melhorias:
§ Melhorar atitudes e condutas dos alunos dentro dos espaços escolares;

835
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ Envolver mais os pais /encarregados de educação na vida da escola;


§ Implementar estratégias para uma maior responsabilização dos pais nos comportamentos dos filhos;
§ Aumentar a participação, o interesse e a assertividade dos encarregados de educação nas
aprendizagens dos filhos;
§ Melhorar a cultura de colaboração e apoio mútuo;
§ Melhorar a cultura de partilha de experiências e práticas;
§ Incentivar os profissionais da escola à utilização dos recursos dasTIC;
§ Continuar a manter o aperfeiçoamento institucional no que diz respeito à comunicação entre as várias
entidades e as escolas.
Relativamente aos constrangimentos sentidos, as escolas destacaram alguns aspetos que
passamos a mencionar:
§ Insuficiência de carga horária dos elementos da equipa operacional para a elaboração do processo
de autoavaliação;
§ As horas da componente não letiva/tempo de escola foram manifestamente insuficientes;
§ Falta de formação nesta área.
§ As sugestões apresentadas pelas escolas incidiram sobre:
§ Redução de carga horária letiva aos elementos da equipa operacional;
§ Um crédito horário para as escolas de modo a suprimir a redução solicitada para a equipa
operacional;
§ Uma seleção mais criteriosa da equipa operacional de autoavaliação (o facto do docente estar sem
componente letiva não significa que esteja motivado e preparado para exercer esta função).
Em síntese, registe-se que estes documentos de autoavaliação revelam dinâmicas de reflexão e de
ação para a melhoria da qualidade educativa que trespassam a organização, a gestão e a liderança das
escolas.

EM JEITO DE REFLEXÃO
Face ao exposto, e tendo em conta as reflexões realizadas pelas escolas, acreditamos que um
mecanismo de autoavaliação de escola não é estático e fechado, mas sim evolutivo que estando ao serviço
da comunidade educativa suscitará a problematização e a co-construção do sentido dado à mudança.
Assim, a autoavaliação de escola será um meio de incentivar a assunção de uma maior
responsabilidade coletiva, quer na procura, quer na sustentabilidade da qualidade, nomeadamente, através
da promoção de um trabalho colaborativo entre os diferentes atores da comunidade educativa, assim como
no incentivo e orientação de ações formativas que facultem um desenvolvimento profissional.
Como equipa coordenadora responsável pela divulgação, orientação e monitorização deste processo
avaliativo das escolas, foi nosso propósito incutir desde o início, segurança e confiança aos atores
intervenientes neste processo.
Em nosso entender foram cruciais as várias reuniões entre a Equipa Concelhia e os Diretores das
Escolas/Infantários, assim como foram facultados alguns instrumentos de apoio para a recolha de dados.
Em suma, podemos afirmar que inicialmente o processo teve um olhar apreensivo por parte das
escolas que gradualmente foi diminuindo, sendo que no final do ano letivo sobressaiu uma visão mais otimista
e utilitária do processo por todos os intervenientes. O que nos leva a considerar o contributo da avaliação das

836
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

escolas no desenvolvimento de uma cultura de escola, que orientada para a mudança e para a melhoria
contínua, promove uma cultura de autoavaliação.

REFERÊNCIAS
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complexa. In Revista do Centro de Formação Francisco de Holanda.
Almerindo, A. (2009). Nem tudo o que conta é mensurável ou comparável. Crítica à accountability baseada
em testes estandardizados e rankings escolares. In Revistan Lusófona de Educação, 13 (1),13-29.
Bell, J. (1997). Como realizar um projeto de investigação. Lisboa: Gradiva.19.
Bolivar, A. (2000). Los centros educativos como organizaciones que aprenden: Promesa y realidades. Madrid:
La Muralla.
Canário, R. (2009). O que é a Escola? Um «olhar sociológico». Porto: Porto Editora.
Fialho, I. (2009). Avaliação externa das escolas. Desafios e oportunidades de melhoria na qualidade do
ensino. In Bonito, J. (Org.) (2009). Ensino, qualidade e formação de professores. Évora:
Departamento de Pedagogia e Educação-Universidade de Évora, 107-116.
Formosinho, J. (2010). A autonomia das escolas em Portugal (1987-2007). In J. Formosinho, A. S. Fernandes,
J. Machado & H. Ferreira (Eds.). J. M. Alves (Coord.), A autonomia da escola em Portugal. 43-55.
Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão.
Fullan, M. & Hargreaves, A. (2001). Por que é que vale a pena lutar? O trabalho de equipa na escola. Porto:
Porto Editora.
Guerra, S. (2001). La escuela que aprende. Ed. Morata. Madrid. (Traducido al portugués por la Editorial
ASSA).
Guerra, S. (2002). Como num espelho – a avaliação qualitativa das escolas. In J. Azevedo (Org.). Avaliação
das escolas – consensos e divergências. Porto: Edições Asa.11.
Guerra, S. (2003a). Uma seta no alvo – A avaliação como aprendizagem. Porto: Edições Asa.
Leite, C., Rodrigues, L. & Fernandes, P. (2006). A auto-avaliação das escolas e a melhoria da qualidade da
educação – um olhar reflexivo a partir de uma situação. Revista Estudos Curriculares, 21-45 In
http://www1.porto.ucp.pt/twt/same/MyFiles/MeusDocumentos/Artigos/Auto_Avaliacao_das_escolas_
um_olhar_reflexivo.pdf.
Neto, A. (2002a). Avaliação e desenvolvimento organizacional da escola. In Costa, J., Neto-Mendes, A. &
Ventura, A. (Org.), Avaliação de Organizações Educativas, Aveiro: Universidade de Aveiro, 51-68.
Pinto, A. (2010). Auto-avaliação e avaliação externa das escolas. In Silva, J. (2010). Autoavaliação das
Escolas e Processos de Auto-monitorização. Revista ELO 17. Guimarães: Centro de Formação
Francisco de Holanda, 71-78.
Thurler, M. & Perrenoud, P. (1994). A Escola e a Mudança. Porto Alegre: Escolar Editora. 93.

Legislação consultada
Portaria nº 245/2014 de 23 de dezembro, aprova o regime jurídico da Aferição da Qualidade do
Sistema Educativo Regional.

837
A Escola: Dinâmicas e Atores

Decreto Legislativo Regional n.º 21/2006/M Altera o Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, de 31 de
Janeiro, que aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de
educação e de ensino públicos da Região Autónoma da Madeira.
Lei n.º 31/2002, de 20 de dezembro, no art.º 6 aprova a autoavaliação com caratér obrigatório.
Decreto-lei nº 115-A/98 de 4 de maio de 1998 (Regime de autonomia, administração e gestão dos
estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensino básico e secundário).

838
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

POLÍTICAS DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE ORGANIZAÇÕES EDUCATIVAS:


CONTRATOS DE AUTONOMIA E DESENVOLVIMENTO NAS ESCOLAS PÚBLICAS
[ID 268]

Maria Helena Santos Gregório


Universidade do Algarve
mhgregorio@ualg.pt

Resumo
Esta investigação desenvolveu-se com o propósito de compreender o desenvolvimento que os Contratos de
Autonomia fizeram emergir nas organizações educativas do projeto piloto, enquanto políticas de gestão e
administração da escola. Para tal, propusemo-nos analisar e compreender como o Contrato de Autonomia
determina ou influencia a gestão e administração destas organizações escolares.
Ao longo das últimas décadas, do Portugal democrático, a descentralização e a autonomia têm recebido
bastantes desenvolvimentos tanto ao nível do seu estudo teórico, como ao nível da sua implementação
prática. As diversas políticas educativas, apresentadas pelo Legislador, bem como a autonomia escolar
através de contrato, têm sido alvo de debates densos e alargados a todos os quadrantes da vida social e
politica.
Seguimos a metodologia de investigação qualitativa e optámos pelo estudo de casos múltiplos, para a análise
dos dados recolhidos junto da gestão escolar (de topo e lideranças intermédias), continuada pela análise de
conteúdo assistida por computador. Os resultados apurados são apresentados numa perspetiva global.
Encontramos, nos resultados apurados, bastantes indicadores referentes a descrições sobre o modo como
se vivenciam, no dia a dia destas escolas, processos de gestão e de liderança. Estes não se referem apenas
ao contratualizado e ao modo como as escolas tiveram que criar condições para a sua aplicação, mas também
a dimensões de ação e de intervenção emergentes desta contratualização, em vários âmbitos e extensões
do seu desenvolvimento organizacional e profissional. Destacam-se aspetos relacionados com a prestação
de um serviço educativo com mais sucesso; com “papéis” desempenhados pelas lideranças intermédias mais
robustos; e aspetos que se prendem com a adequação de procedimentos de autoavaliação mais eficazes,
com vista a obtenção de melhores resultados dos alunos.

Palavras-chave: Políticas Educativas, Organizações Escolares, Autonomi, Contratos de Autonomia,


Desenvolvimento Organizacional.

Résumé
Cette recherche a été développé afin de comprendre le développement que les contrats d'autonomie ont fait
émergé dans les organisations educatives du projet pilote, en tant que politiques de gestion et d'administration
de l'école. À cette fin, nous avons proposé d'analyser et de comprendre comment le contrat d'autonomie
détermine ou influence la gestion et l'administration de ces organismes scolaires.
Au cours des dernières décennies, de la démocratie au Portugal, la décentralisation et l'autonomie ont reçu
un bon nombre de développements tant en termes de son étude théorique comme au niveau de sa mise en
œuvre pratique. Les différentes politiques éducatives présentées par le législateur bien que l'autonomie des
établissements scolaires par contrat, ont fait l'objet des denses débats étendus à tous les secteurs de la vie
sociale et politique.
Nous avons suivi la méthodologie de la recherche qualitative et nous avons opté pour l'étude de cas multiples
pour l'analyse des données recueillies sur la gestion de l'école (dirigeants de top et intremediaires), poursuivi
par l'analyse de contenu assistée par ordinateur. Les résultats obtenus sont présentés dans une perspective
globale.
Nous avons trouvé dans les résultats obtenus, suffisamment d'indicateurs pour une description de la façon
dont on vit le quotidien de gestion et de leadership. Celles-ci ne se réfèrent pas seulement au contracté et
comment les écoles devaient créer des conditions pour sa mise en œuvre, mais aussi à des dimensions
émergentes de l'action et de l'intervention de la contractualisation dans divers domaines et extensions de leur
développement organisationnel et professionnel. Évidence d’aspects liés à la provision d'un service éducatif
avec plus de succès; joués par les dirigeants intérmediaires plus robustes; et des aspects liés a l’ajustement
des procédures d'auto-évaluation plus efficaces afin d'obtenir les meilleurs résultats des élèves.

839
A Escola: Dinâmicas e Atores

Mots-clés: Politiques Éducatives, Organisations scolaires, Autonomie, Contrats d’Autonomie,


Développement Organisationnel.

INTRODUÇÃO
As medidas políticas relativas à autonomia das escolas justificam-se pela necessidade de aumentar
a eficácia nos processos de tomada de decisão (Lima, 2002; Dias, 2008). Assim, a autonomia das escolas
passa a ser entendida no contexto da descentralização top down, do centro para a periferia, cujo impacto se
fez sentir a partir dos anos 80, a nível mundial (Menitra, 2009).
As reformas educativas empreendidas a partir dos anos 80 enquadram-se num contexto mais
complexo de mudanças nas relações entre o Estado, as instâncias supranacionais, a sociedade civil e as
comunidades profissionais e científicas (Nóvoa, 1995). Estas ganham sentido perante situações com as quais
o Estado teve dificuldade em lidar, nomeadamente o aumento das desigualdades sociais, os maus resultados
escolares e o agravamento dos problemas culturais e económicos (Nóvoa, 1995).
Foi neste ambiente, fruto das consequências da modernidade (Dale, 2004), que o Estado se sujeitou
a um conjunto de profundas transformações que assumiram duas vertentes: a relação com o exterior (as
instâncias supranacionais) e com o interior (a Nação) (Menitra, 2009).
É, ainda, importante ter em conta que este processo não decorreu de forma linear. Em Portugal este
começa a emergir a seguir à integração na União Europeia, em 1986.
Nos países de tradição centralizada, como Portugal, a necessidade de introduzir mudanças na
organização e funcionamento da gestão pública foi, em grande medida, justificada pela necessidade de
concorrer com a agenda económica global, assente em ideias de competitividade e critérios de gestão eficaz
e eficiente em contextos de mercado (Afonso, 2001; Lima, 2002). Desta conexão a instâncias supranacionais
emerge um novo modo de regulação, o transnacional, que se traduz por um conjunto de discursos,
instrumentos e normas que passam a ser utilizados por políticos, especialistas e funcionários como
legitimação das propostas e decisões a tomar sobre o sistema educativo (Barroso, 2006).
Neste contexto, o Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de abril, opta por uma lógica de matriz, afastando
uma solução normativa de modelo uniforme, estabelece regras claras de responsabilização que se destinam
a abrir caminho à celebração dos Contratos de Autonomia (Silva, 2008).
A autonomia constitui um investimento nas escolas e na qualidade da educação, devendo ser
acompanhada, no dia a dia, por uma cultura de responsabilidade partilhada por toda a comunidade educativa.
Consagra-se, assim, um processo gradual que permita o aperfeiçoamento das experiências e a aprendizagem
quotidiana da autonomia, em termos que favoreçam a liderança das escolas, a estabilidade do corpo docente
e uma crescente adequação entre o exercício de funções, o perfil e a experiência dos seus responsáveis.
Neste trabalho, opta-se por entender a noção de autonomia da escola, num sentido mais amplo, enquanto
processo de reestruturação do governo das escolas.
A questão da contratualização emerge como uma modalidade de gestão escolar alternativa, tanto à
normalizada, pelo Legislador, como à da descentralização para as autarquias (Formosinho, Fernandes &
Machado, 2010), fora de um modelo liberal ou de um modelo de escola privada ou, ainda, com caraterísticas
empresariais (Formosinho, Fernandes & Machado, 2010).
À noção da governação por contrato subjaz uma negociação entre a escola e o Ministério da
Educação acerca das metas a atingir, dos compromissos acerca do que se pretende realizar, do período da

840
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

sua realização e dos esforços das partes com vista à sua realização (Formosinho & Machado, 2010; Gaudin,
2007).
Este reforço da autonomia da escola revela-se num desenvolvimento no processo da
reconceptualização da intervenção do Estado na educação e como a legitimação da sua intervenção na
gestão das escolas, apelando a um maior envolvimento e responsabilização dos atores educativo locais,
através da prestação de contas (accountability) e de programas de avaliação escolar (Formosinho & Machado,
2007).
O grande propósito destas medidas é a melhoria das aprendizagens dos alunos, as suas melhores
classificações académicas, e o aumento dos níveis de escolarização da população em geral (Formosinho &
Machado, 2010).
Os Contratos de Autonomia para o desenvolvimento das escolas emergem em função do estipulado
pelo Decreto-Lei n.º 115 – A/98 de 4 de maio, onde autonomia é definida como “o poder reconhecido à escola
pela administração educativa de tomar decisões nos domínios, estratégico, pedagógico, administrativo,
financeiro e organizacional, no quadro do seu projeto educativo e em função das competências e dos meios
que lhe estão consignados”, e o Projeto Educativo assume-se como o melhor instrumento de concretização
desta autonomia.
A natureza do contrato de desenvolvimento da autonomia reside no fato de este não ser apenas um
documento, mas sim um produto de trabalho que resulta de um processo que vai da autoavaliação à redação,
análise, reformulação e negociação da proposta para um Contrato de Autonomia (Formosinho, 2010).
Os contratos individuais entre cada escola e a Tutela não estão subordinados a uma matriz
normalizada no que concerne ao seu fundamento: finalidades, objetivos, metas, competências e projeto.
Sendo uma iniciativa da escola, o contrato representa a estratégia da organização escolar para utilizar os
seus pontos fortes e para ultrapassar os seus pontos fracos, usando as oportunidades e evitando as ameaças.
Por conseguinte, os contratos serão todos diferentes (Formosinho, 2010). Embora, no seu aspeto formal todos
os contratos têm que especificar os objetivos, as metas, os recursos distribuídos e as competências
específicas atribuídas à escola (Formosinho, 2010).
Enquanto processo de melhoria do serviço público de educação a governação por contrato, conforme
referido pelo Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de maio, esta assenta na conceção de que a autonomia da escola
é um processo de construção social (Barroso, 1996; Formosinho et al, 2010) e de que o seu desenvolvimento
deve partir da iniciativa da escola, fazer-se por fases com níveis acrescidos de competência e
responsabilidades correspondentes ao grau de capacitação da escola. Deste contrato devem constar as
competências a transferir e os meios que serão especificamente afetados à realização dos seus fins, sendo
certo que, numa primeira fase, o requisito essencial é a escola dispor de órgãos em funcionamento de acordo
com o definido neste diploma e, numa segunda fase, tenha obtido uma avaliação favorável realizada pela
administração educativa (Formosinho et al, 2010).
Este diploma destaca a modalidade de governação por contrato utilizada já em diversos programas
nacionais (Formosinho & Machado, 2007) e utilizada na administração pública na Europa, mesmo em países
de tradição mais centralista e burocrática (Gaudin, 2007; Formosinho et al, 2010). Trata-se de uma
modalidade de governação que coloca como pré-requisito o princípio da liberdade das partes contratantes,
nomeadamente a liberdade da escola para manifestar vontade de celebrar ou não contrato e traçar os
objetivos de desenvolvimento organizacional, calcular os custos, negociar os compromissos com a

841
A Escola: Dinâmicas e Atores

administração e o acompanhamento e monitorização da execução do contrato programa (Barroso, 1996;


Formosinho & Machado, 2000; Formosinho et al, 2010). Ao mesmo tempo não faz do reforço da autonomia
da escola “um fim em si mesmo, mas um meio de as escolas prestarem em melhores condições o serviço
público de educação” (Barroso, 1996, p.32).
O propósito deste trabalho visa proporcionar uma melhor compreensão do desenvolvimento que os
Contratos de Autonomia fizeram emergir nas organizações educativas que fizeram parte do projeto piloto.
Propomo-nos, assim, analisar e explorar como o Contrato de Autonomia determina ou influencia a gestão e
administração destas organizações escolares.

METODOLOGIA
O desenvolvimento deste trabalho, seguiu a opção por um trabalho exploratório, descritivo,
interpretativo e heurístico, assente na metodologia qualitativa. A escolha recaiu sobre o Estudo de Caso pois
este encara o caso numa perspetiva holística, sistémica, ampla, integrada, e tem como propósito compreender
o caso no seu todo e na sua unicidade. A escolha do Estudo de Caso de tipo coletivo ou multicasos, que se
verifica quando são estudados vários casos, foi opção para possibilitar um conhecimento aprofundado sobre
o fenómeno em análise.
Quanto à seleção dos casos, esta foi intencional, seguindo o caso de conveniência, as duas escolas
com Contrato de Autonomia assinado, em 2007, na região do Algarve, dada a proximidade do investigador
aos casos permitir os melhores procedimentos de recolha dos dados favorecendo a melhor gestão de tempo
e dos recursos humanos e materiais. A seguir designadas, por questões de confidencialidade, por Escola A
e Escola B.
A seleção dos protagonistas da investigação aconteceu em função da literatura consultada e após a
obtenção de todas as respetivas autorizações necessárias. Fizeram parte do estudo os elementos da gestão
de topo e da gestão intermédia de ambas as escolas bem como os professores mais antigos dessas escolas
(Sénior staff), num total de 11 professores, distribuídos da seguinte forma: 6 professores no Caso A (Diretor,
Subdiretor, 2 Adjuntos, Diretor de Turma, Sénior Staff) e 5 professores no Caso B (Diretora, Subdiretora, 2
Adjuntos, 2 Assessores). Na escola B, a diretora e a subdiretora assumiram-se, igualmente, como Sénior staff
(dado o tempo de serviço e as diversas funções de lideranças já desenvolvidas).
Nos procedimentos metodológicos, como técnicas e instrumentos de recolha de dados, recorremos a
uma entrevista semiestruturada cujo guião foi construído a partir dos itens que constam no modelo do quadro
de referência para avaliação externa das escolas (IGEC, 2011; 2012), e no International Successful School
Principals’ Project (ISSPP) (Day, 2007). A análise documental foi realizada a partir dos documentos recolhidos
junto das respetivas organizações produtoras que os disponibilizam para consulta, alguns na sua página
virtual (v.g., IGEC, 2012). As notas de campo resultaram de observação naturalista realizada durante os
contactos com as escolas.
Ainda nos procedimentos metodológicos e para o tratamento e análise dos dados recolhidos,
procedemos á análise de conteúdo, assistida por computador. Começamos pela construção de categorias, a
partir das quais identificamos subcategorias emergentes e procedemos, de seguida, á distinção de
indicadores a partir da análise dos segmentos de texto dos documentos recolhidos. A triangulação
metodológica foi utilizada por forma a validar os resultados do nosso trabalho.

842
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise de conteúdo, assistida por computador, realizada aos dados recolhidos pela entrevista
semiestruturada, que construímos e validamos para o efeito deste trabalho, foi complementada pelos dados
recolhidos da análise documental e das notas de campo e revelou-nos várias categorias de análise, das quais
emergiram um número variável de subcategorias, com um número, igualmente, variável de indicadores
identificados por cada subcategoria.
Para a descrição e análise de resultados que aqui nos propomos apresentar vamos centrar-nos na
categoria que denominamos de “Contratos de Autonomia”. Esta categoria agregou as ideias referentes à
construção e implementação do Contrato de Autonomia nas escolas.
O fato de termos apurado um grande número de unidades de registo para esta categoria, distribuídas
de forma diferente ao longo de várias subcategorias de análise, de onde foram identificados diversos
indicadores, permite-nos inferir que este foi um dos aspetos fulcrais das entrevistas cedidas pelos
protagonistas do nosso estudo, não só ao nível das questões colocadas como também ao nível do teor das
suas conversas, pois embora as questões cobrissem um vasto leque de assuntos, os protagonistas utilizavam,
como exemplo, nas suas respostas, as práticas desenvolvidas no quotidiano ao abrigo do contratualizado
(Lima, 1998). Passamos de seguida a apresentar e a analisar os resultados obtidos nesta categoria analisada.

Subcategorias emergentes da categoria de análise "contrato de autonomia”


Para a descrição e análise desta categoria, optámos por seguir uma ordem de apresentação e de
discussão que reflete o histórico do processo da contratualização, e que se expressa na seguinte sequência:
negociação do Contrato de Autonomia; responsabilidade e cumprimento; identificação com o Contrato de
Autonomia; valorização do Contrato de Autonomia; consolidação da escola; vantagens do Contrato de
Autonomia; práticas de autonomia; resultados; mais-valias do Contrato de Autonomia. O gráfico 1 ilustra esta
distribuição dos segmentos de texto apurados em cada uma das subcategorias emergentes.

9. Mais-valias do 1.Negociação
8. Resultados contrato de do contrato de
(dos alunos) autonomia autonomia
8% 4% 29%

2.Responsabili
7.Práticas de dade e
autonomia cumprimento
27% 1%

3. Identificação
com o contrato
6. Vantagens de autonomia
do contrato de 4%
autonomia
3% 5. 4. Valorização
Consolidação do contrato de
da escola autonomia
3% 21%

Gráfico 1 - Subcategorias emergentes da categoria de análise "Contrato de Autonomia”

843
A Escola: Dinâmicas e Atores

Vamos centrar a nossa análise nas subcategorias que emergiram com maior número de segmentos
de texto e que foram: “negociação do Contrato de Autonomia”, que integrou todas as unidades de registo que
se referem ao relato dos vários momentos conducentes à celebração do Contrato de Autonomia.
Seguida da subcategoria “práticas de autonomia” que refere ideias em relação às diversas práticas
desenvolvidas com o propósito de melhorar a escola enquanto organização que promove um serviço
educativo, bem como no que se refere à evolução e aprofundamento do contratualizado e da autonomia.
Da subcategoria „valorização do Contrato de Autonomia“, que agregou unidades de significado
referentes à importância atribuída ao Contrato de Autonomia em função dos desafios colocados por este e
das possibilidades de aprofundamento da autonomia, que este, ainda, possibilitou à escola, com vista à
realização da sua missão e objetivos.
E da subcategoria “resultados” que se refere aos resultados académicos e pessoais dos alunos, bem
como ao desafio da responsabilização para a prestação de contas da escola.
Começamos a nossa análise pela subcategoria emergente “Negociação do Contrato de Autonomia”
e respetivos indicadores apurados.

Subcategoria “Negociação do Contrato de Autonomia” e indicadores apurados


Nesta subcategoria destacam-se os seguintes indicadores apurados: “Áreas e âmbitos de incidência
do Contrato de Autonomia”; Da iniciativa à concretização do Contrato de Autonomia”; “Elaboração da proposta
e desenvolvimento organizacional” e “Os processos de partilha na tomada de decisões”, conforme passamos
a apresentar na tabela 1.
Unidade de registo
N %
1.1.Negociação do Contrato de Autonomia 73 29,44
1.1.1. Da iniciativa à concretização do Contrato de Autonomia 15 20,54
1.1.2.Elaboração do Contrato de Autonomia: potencialidades e constrangimentos 8 10,95
1.1.3.Os processos de partilha na tomada de decisões 12 16,43
1.1.4.Elaboração da proposta e desenvolvimento organizacional 13 17,80
1.1.5.Áreas e âmbitos de incidência do Contrato de Autonomia 23 31,50
1.1.6.Legitimação do Contrato de Autonomia 2 2,73
Tabela 1 - Subcategoria “Negociação do Contrato de Autonomia” e indicadores apurados
Algumas áreas e âmbitos de incidência do Contrato de Autonomia bem como o Decreto-Lei nº
75/2008, de 22 de abril, focavam as lideranças, a participação da comunidade, e, ainda, aspetos sugeridos
pelo Ministério da Educação como a redução das taxas de insucesso e abandono escolar.
A contratualização foi um processo que demorou largos meses a concluir (Oliveira et al, 2006;
Formosinho & Machado, 2009; 2010), com bastantes momentos de reflexão interna e negociação com o
Ministério. Iniciou-se com um expressar de ideias sentidas como necessárias pelos elementos da escola,
seguida por uma fase de reuniões com elementos de outras escolas, a consulta e a reunião com diversas
instâncias de poder e instituições de investigação e desenvolvimento de conhecimento científico
(benchmarking), ou seja, passou por todo um processo de negociação minuciosa até à sua versão final
assinada.
Esta contratualização e o colocar em prática do contratualizado, levou, igualmente, a vários exercícios
de experimentação e reajuste das práticas (Formosinho & Machado, 2009; 2010).
O processo de partilha na tomada de decisões vem apelar a que estas aconteçam num espaço e num
tempo adequado em função da situação e dos atores neles envolvidos (lideranças distribuídas ou partilhadas).

844
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Subcategoria “Práticas de autonomia” e indicadores apurados


Para esta subcategoria foram identificados vários indicadores, entre os quais destacamos “Inicio: da
contratualização à implementação” e “Desenvolvimento organizacional com a autonomia”, apresentados na
tabela 2.
Unidade de registo
N %
1.7.Práticas de autonomia 66 26,61
1.7.1. Inicio: da contratualização à implementação 28 42,42
1.7.2. Estratégias de gestão da implementação do contrato 2 3,03
1.7.3. Áreas negociadas 7 10,60
1.7.4. Desenvolvimento organizacional com a autonomia 25 37,87
1.7.5. Relações com outros 3 4,54
Tabela 2 - Subcategoria “Práticas de autonomia” e indicadores apurados
O contratualizado foi bastante importante nas práticas de autonomia desenvolvidas pela escola,
sustentando-as. Da contratualização à implementação do contratualizado, foram desenvolvidas diversas
práticas (pedagógicas, liderança, participação) com impactos diversos em todos os atores educativos locais.
E, uma vez mais, o desenvolvimento da escola (profissionais incluídos) deveu-se bastante à
contratualização da autonomia (Costa, 1996; Formosinho & Machado, 2009; 2010).

Subcategoria “Valorização do Contrato de Autonomia” e indicadores apurados


Nesta subcategoria apuraram-se os indicadores que passamos a destacar “Desenvolvimento
organizacional ao abrigo do Contrato de Autonomia” e “Dos benefícios ao orgulho da garantia de qualidade”,
conforme o apresentado na tabela 3.
Unidade de registo
N %
1.4. Valorização do Contrato de Autonomia 52 21
1.4.1. Contrato de Autonomia como instrumento importante de autonomia: da contratualização 8 15,38
à responsabilização
1.4.2. Desenvolvimento organizacional ao abrigo do Contrato de Autonomia 27 51,92
1.4.3. Dos benefícios ao orgulho da garantia de qualidade 17 32,69
Tabela 3 - Subcategoria “Valorização do Contrato de Autonomia” e indicadores apurados
Os desafios lançados através do Contrato de Autonomia foram responsáveis por parte do
desenvolvimento organizacional pelo qual cada escola passou. Este trouxe benefícios, como por exemplo,
uma certa garantia de qualidade na prestação dos serviços educativos. E ainda, acarretou uma
consciencialização de responsabilidade, melhor definida.

Subcategoria “Resultados (dos alunos)” e indicadores apurados


Os indicadores apurados nesta subcategoria que destacamos foram “Da deterioração da escola aos
bons resultados dos alunos” e “Valor acrescentado dos resultados para prestação de contas”, conforme
apresentado na tabela 4.
Unidade de registo
N %
1.8. Resultados 19 7,66
1.8.1.Da deterioração da escola aos bons resultados dos alunos 16 84,21
1.8.2. Valor acrescentado dos resultados para prestação de contas 3 15,78
Tabela 4 - Subcategoria “Resultados (dos alunos)” e indicadores apurados
Sem Contrato de Autonomia um dos caos em estudo encontrar-se-ia em parcas condições e não num
processo de grande desenvolvimento organizacional.

845
A Escola: Dinâmicas e Atores

Os resultados obtidos pelos alunos constituem um valor acrescentado encarado como lucro ou retorno
para o momento da prestação de contas junto da Tutela (accountability).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procurámos compreender como o Contrato de Autonomia contribui para o desenvolvimento das
organizações escolares, encarado de forma geral, e considerando vários aspetos do contratualizado.
Os resultados obtidos sugerem a prática de muitos dos aspetos referidos na literatura. A
contratualização constituiu um processo longo de negociação e de reflexão acerca das organizações (Gaudin,
2007; Formosinho & Machado, 2009; 2010), bem como da prestação de contas (Afonso, 2010). A
contratualização contribuiu, de modo geral, para o desenvolvimento organizacional das escolas (Bolivar,
2012), do desenvolvimento dos profissionais, e também do seu desenvolvimento pessoal. A contratualização
permitiu, ainda, o aprofundamento da autonomia através de um maior envolvimento das lideranças
intermédias (Bolivar, 2012; Day et al, 2011; Leithwood, 2001; Mourshed, 2007; OCDE, 2008).
Este trabalho descreveu vários aspetos relativos aos Contratos de Autonomia como o processo de
negociação interno e externo (com a Tutela) ao contratualizado, a responsabilidade sentida perante a
necessidade do cumprimento, as vantagens e as mais valias que as práticas desenvolvidas ao abrigo do
Contrato de Autonomia trouxeram para a consolidação da escola enquanto agrupamento de vários níveis de
ensino e o sucesso académico dos alunos permitiu-nos compreender como o Contrato de Autonomia
contribuiu para o desenvolvimento das escolas e em várias dimensões organizacionais.

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846
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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848
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

EDUCAÇÃO, LAZER E TRABALHO: RELAÇÕES ESTABELECIDAS NAS ESCOLAS


DE EPT
[ID 245]

A. Vitor Guimarães
Centro Federal de Educação Tecnológica De Minas Gerais
vitor@deii.cefetmg.br

Resumo
O estudo apresentado aqui é resultado de pesquisa cujo objetivo foi delimitar e analisar os significados das
relações estabelecidas entre educação, lazer e trabalho no interior de escolas de Educação Profissional e
Tecnológica com base nas atividades e nas manifestações culturais relacionadas ao lazer e incorporadas aos
processos educacionais e ao cotidiano dessas escolas. Tomando por objeto de estudo essas relações, a
investigação realizada teve como objetivos específicos: identificar as atividades e manifestações culturais
relacionadas ao lazer; caracterizar as perspectivas de educação, de trabalho e de lazer consideradas; em
função disso, compreender os significados conferidos a essas atividades e manifestações na formação dos
educandos; verificar como se dá o processo de inserção e constituição dessas atividades e manifestações
nessas escolas. O princípio metodológico fundamental de pesquisa foi a dialética materialista e a principal
fonte de dados foi a realidade estudada no interior das escolas investigadas, dado o caráter qualitativo do
estudo, além da produção acadêmica relacionada à temática, em relação ao campo de pesquisa em trabalho
e educação e aos estudos do lazer no Brasil. Os procedimentos metodológicos levaram em conta dois
movimentos de pesquisa interligados: (1) a pesquisa bibliográfica e documental; e (2) a pesquisa de campo,
propriamente dita. No primeiro, a pesquisa envolveu: (a) levantamento e análise da produção acadêmica
relacionada à problemática; (b) análise dos documentos obtidos nas escolas estudadas; e, no segundo: (c)
observação direta do ambiente escolar; (d) entrevistas semiestruturadas com os sujeitos da pesquisa. As
conclusões indicam que as atividades e manifestações culturais relacionadas ao lazer, uma vez incorporadas
aos processos educacionais das escolas pesquisadas, se apresentam, não só como uma alternativa de lidar
com o conhecimento do ponto de vista didático-pedagógico, mas também como possibilidades de
potencializar esses processos, sendo elas mesmas objeto de estudo e produção de conhecimento a serem
consideradas. Também indicam que, a julgar pelas perspectivas a partir das quais o lazer é entendido e pelo
que elas indicam, poderíamos considerar que essas atividades e manifestações são, sim, relacionadas ao
lazer, mas o seriam sem, necessariamente, um atrelamento obrigatório a ele, o que confere a elas um caráter
que iria além do lazer.

Palavras-chave: Educação, Lazer, Trabalho, Educação Profissional e Tecnológica.

Résumé
L'étude présente et discute le résultat d'une recherche qualitative dont l'objectif a été comprendre les liens
entre éducation, loisir et travail à l'intérieur de deux écoles publiques de formation professionnelle. Prenant
en compte les activités pédagogiques et les événements culturels liés aux loisirs dans la vie quotidienne de
ces écoles, nous avons cherché à : identifier les activités et manifestations culturelles liées aux loisirs ; vérifier
comment se déroulent les processus d'insertion et de mise en place de ces activités et des événements dans
ces écoles; caractériser les perspectives de l'éducation, de travail et des loisirs dans l'intention de comprendre
la signification qu'elles assument dans la formation pour les sujets concernés. L’étude est basé dans les
principes théoriques et méthodologiques de la dialectique matérialiste, dont la confrontation des données de
la réalité des ces écoles aux études du champ de recherche travail et éducation, et aux études sur le loisir au
Brésil. Les procédures méthodologiques ont mis en place deux mouvements de recherche : (1) la recherche
bibliographique et documentaire : (a) l'analyse de la production académique liée aux termes fondamentaux de
la question, (b) l'analyse des documents obtenus dans ces institutions et ; (2) la recherche de terrain : (c)
l'observation directe de l'environnement scolaire et, (d) l'enquête auprès des élèves et enseignements dans
ces écoles. Les résultats indiquent que les activités et manifestations culturelles liées aux loisirs, une fois
intégrées dans les processus éducatifs des écoles étudiées, ont rendu les contenus des disciplines plus
significatifs pour tous, et ont facilité le processus enseignement-apprentissage du point de vue didactique et
pédagogique. Ils indiquent également que, à en juger du point de vue à partir duquel les loisirs sont entendus
et ce qu'ils indiquent, nous pourrions considérer que ces activités et événements sont, en effet, liés aux loisirs,
mais pas d'un point de vue nécessaire, pourvu que leur sens est au-delà.

849
A Escola: Dinâmicas e Atores

Mot-clés: Education, Loisir, Travail, Education Professionnelle et Technologique.

NOTAS INICIAIS
Este texto apresenta parte dos resultados de pesquisa de doutoramento (Guimarães, 2014) cujo
objetivo foi delimitar e analisar os significados das relações estabelecidas entre educação, lazer e trabalho no
interior de escolas de Educação Profissional e Tecnológica (EPT), com base nas atividades e nas
manifestações culturais relacionadas ao lazer e incorporadas aos processos educacionais e ao cotidiano
dessas escolas. Essas atividades e manifestações culturais são entendidas como ações humanas vividas no
cotidiano escolar e/ou fora dele e que, em determinado momento, irão integrar ou participar das várias práticas
que compõem esses processos.
A questão central, ou questão-síntese, como nos indica Gamboa (2013, pp.87-111), e que conduziu
a esse objetivo trata de indagar: essas atividades e manifestações, uma vez incorporadas aos processos
educacionais nas escolas, em se tratando de uma educação e de um ensino integrados de fato, nos quais os
aspectos da formação técnica específica não estariam descolados da formação humana em si mesma,
perpassam e integram os processos de formação do educando/trabalhador próprios da escola de EPT, ainda
que não sejam reconhecidas e/ou consideradas práticas pedagógicas nesses processos?
Outras questões, obviamente, foram consideradas diante da problemática enfrentada ao longo da
pesquisa. Para respondê-las, tomando como objeto de estudo as relações entre educação, lazer e trabalho,
o movimento provocado por essa intenção mais geral levou a outras tarefas em termos de objetivos mais
específicos, articulados entre si e não necessariamente sequenciais, uma vez que as ações para alcançá-los
se deram de forma articulada.
Postos a problemática e os objetivos, na pesquisa realizada, essencialmente qualitativa, tomou-se
como princípio fundamental a perspectiva da dialética materialista, expresso no caráter dinâmico, social e
histórico da ação humana, procurando expressar uma parte dos resultados ainda não publicados – outros
resultados foram publicados em Guimarães (2016) e Guimarães & Aranha (2015, 2016 –, de maneira que não
se perca de vista este princípio.

ACERCA DA METODOLOGIA
No recorte da realidade estudada, quando se considera a dialética materialista, há que se levar em
conta, como indicado por Frigotto (1997, p. 87), a dimensão da totalidade, o que não significa considerar todos
os fatos da realidade estudada. Aqui, “totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético, no
qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente
compreendido”, como nos diz Kosik (2002, pp.43-44). Nesse contexto, importa ainda considerar as
contradições expressas na realidade investigada e compreendê-la numa perspectiva dialética “significa não
só que as partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo [...]” e que,
ao estudá-la “o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o todo se
cria a si mesmo na interação das partes”. A apreensão da realidade se dá, de forma a ser concretizada num
movimento recíproco, cujo processo dinâmico, vivo, se dá na forma de correlações em espiral, integrando e
tensionando a totalidade em relação às contradições evidenciadas e, da mesma forma, na direção contrária.
Considera-se nisso a concreticidade do real, que envolve, não só a totalidade, mas também a contradição
(Kosik, 2002) e, nesse sentido, “[...] como conseguir que o pensamento, ao reproduzir espiritualmente a

850
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

realidade, se mantenha à altura da totalidade concreta e não degenere em totalidade abstrata?” (p.50). Este
“o problema fundamental da teoria materialista do conhecimento [...]” (Kosik, 2002, p.57).
Dado o princípio fundamental da pesquisa, importa indicar que a principal fonte de dados foi a
realidade estudada no interior das escolas investigadas e que os procedimentos metodológicos levaram em
conta dois movimentos de pesquisa interligados, necessariamente integrados por correlações em espiral: (1)
a pesquisa bibliográfica e documental; e (2) a pesquisa de campo, propriamente dita. No primeiro, a pesquisa
envolveu: (a) levantamento e análise da produção acadêmica relacionada à problemática, em relação ao
campo de pesquisa em trabalho e educação e aos estudos do lazer no Brasil; (b) análise de documentos
obtidos nas escolas estudadas; e, no segundo movimento: (c) observação direta do ambiente escolar; (d)
entrevistas semiestruturadas com os sujeitos da pesquisa.
Durante a pesquisa, em duas instituições de EPT de Belo Horizonte – os Campi I e II do Centro
Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) e o Colégio Técnico (COLTEC) da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) –, no estado de Minas Gerais, no Brasil, foram realizadas
entrevistas com alunos(as) na faixa etária de 14 a 19 anos. Filhos(as) de trabalhadores(as) de classe média,
na sua maioria, considerando dados socioeconômicos como renda familiar e emprego com carteira assinada,
matriculados(as) em cursos da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM) na modalidade
integrada. Além deles, foram entrevistados alguns de seus professores(as), a maioria com titulação de
mestrado e/ou doutorado, alguns deles atuando ainda na graduação e/ou na pós-graduação.

PARA ONDE APONTAM OS DADOS


Feita a pesquisa, dois aspectos se destacaram, fortemente, considerando-se o princípio metodológico
assumido: primeiro, o de finalizar uma parte da trajetória cujo fio condutor abriu possibilidades bastante
promissoras, levando-se em conta um movimento em espiral cujas correlações possíveis permitiram tratar as
relações entre educação, lazer e trabalho de forma mais incisiva em relação aos processos educacionais em
si mesmos; e, segundo, o de que a trajetória foi construída e reconstruída o tempo todo, num movimento
dinâmico, e é um conjunto de trilhas em aberto a serem percorridas, cujos próximos caminhos se juntam no
delineamento contraditório e, ao mesmo tempo, coeso das idas e vindas que lhe conferem sentido.
Foi possível perceber que essas possibilidades se expressam na ação dos sujeitos ao confrontarem
a realidade em que vivem, analisando-a, refletindo acerca de suas ações, projetando o reordenamento dessas
ações a partir do que o trato com a problemática proposta vai provocando nas suas nuances e variações. Isso
visto na realidade estudada nas escolas permite dizer que as atividades e manifestações culturais
relacionadas ao lazer sugerem e/ou indicam que se está a gestar algo que, por dentro do universo do lazer,
a considerar sua parcela de ludicidade, de criatividade, de prazer e elementos assemelhados a essa dimensão
do ser humano, ontocritativo, rompe com as questões que o aprisionam no licere – naquilo que é preciso
“permitir”, “autorizar”, que “seria lícito” – e proíbem, exatamente, esses elementos em determinados
momentos, dadas as condições das quais resulta o lazer que temos hoje na formação social capitalista em
que vivemos.
Estamos diante de refletir sobre o significado licere do lazer e, se pensássemos que algo é proibido
– já que não é permitido, autorizado ou lícito –, não sendo de bom tom explicitá-lo e/ou experimentá-lo em
algum lugar ou espaço, estaríamos diante de algo com alto grau de transgressão e de subversão da ordem.
Poderíamos dizer então que, diante do que temos de formação social – a escola incluída nesse contexto – ,

851
A Escola: Dinâmicas e Atores

a ideia de lazer institucionalizada não está muito distante da fórmula de implementação como “receita e
remédio” para a ocupação do tempo livre dos trabalhadores, o que passaria pela adoção de iniciativas na
área da educação visando a adequada (con)formação dos trabalhadores – e também de suas famílias – a um
determinado modo de vida, com o qual o lazer “permitido” estaria de acordo (Marcassa, 2002).
Pode-se dizer que, com base no que o estudo mostrou, as atividades e as manifestações relacionadas
ao lazer são, efetivamente, reconhecidas e incorporadas ao cotidiano escolar, integrando os processos
educacionais de formação dos alunos, futuros trabalhadores, e, de forma direta e/ou indireta, assumem papel
relevante nesses processos, constituindo-se, por vezes, como práticas e atividades pedagógicas no universo
de formação da escola de EPT. Quando nos deparamos com elas no interior das escolas pesquisadas,
encontramos algo que está relacionado a uma perspectiva brincante num espaço onde, a princípio, não
haveria como brincar, já que se trata da formação para o mundo do trabalho, da preparação para o exercício
da atividade profissional em determinada área e, ali, tradicional e conservadoramente, não se poderia “brincar
em serviço”, sob pena de ficar sem o atributo da boa nota, da boa avaliação. No entanto, a ação do homem
em qualquer esfera de sua vida não se dá apartada das suas características inerentes, do seu modo de ser
ontocriativo, da sua capacidade de criar e de recriar a realidade e que está relacionada a essa forma brincante
e criativa de lidar com a realidade cotidiana das escolas.
No entendimento dos sujeitos da pesquisa, o que estaria ligado às atividades e manifestações
culturais relacionadas ao lazer e integrado nos processos educacionais, entre outras coisas, corresponde a
um suposto processo de integração da vida escolar ao que se vive fora da escola, na vida cotidiana, de modo
que o conhecimento tratado tenha significado e faça algum sentido, particularmente para os alunos.
[...] a gente aprende mais. Eu aprendi mais nesse trabalho que a gente está estudando, eu
aprendi muito mais [...] porque quando ela [a professora] traz coisas de fora, da nossa
realidade, facilita muito mais o aprendizado. Igual o professor de Filosofia [...], ele dá
muitos exemplos do cotidiano que, pra mim, facilita muito mais pra aprender. Interligar,
entendeu? Sai daquela coisa, daquela matéria que... mas traz coisa de fora, sabe? Acho que
é muito mais fácil (Linda, Aluna do CEFET-MG).
A reflexão da aluna Linda, ao voltar seu olhar para a própria trajetória dentro da escola, indica que as
“coisas de fora” e que estariam relacionadas ao lazer estariam a facilitar o seu aprendizado e, por isso, seriam
importantes, como algo que favoreceria a conexão entre o que a escola seleciona em termos de conhecimento
escolarizado e o que esse conhecimento significa, no que diz respeito à relação com a realidade vivida pelo
aluno. Nesse entendimento, a perspectiva segundo a qual o lazer seria resultado das relações tensas entre
capital e trabalho, as quais o colocam como uma provável forma dominante de ocupação do tempo livre
(Mascarenhas, 2005), também indica, nesse contexto, que as possibilidades de experimentar determinado
conhecimento ficam mais acessíveis agregando-se algo que está no âmbito da realidade fora da escola e que
poderia colaborar no processo de aprendizado em seu interior.
Por outro lado, esse papel desempenhado, particularmente, pelo aspecto mais criativo e brincante,
presente em grande parte das atividades mais próximas do lazer, também seria objeto de certa (con)formação
do sujeito em relação ao que se exige dele no mercado de trabalho capitalista, contribuindo para esse ajuste
às regras. “Porque eu acho que isso é mais próximo do que o mercado pede da gente. Hoje em dia está
todo mundo pedindo que cada dia a gente seja mais criativo, cada dia...” (Lina, Aluna do CEFET-MG, grifos
meus).
Lina estava a refletir sobre um trabalho escolar na disciplina de História, realizado em grupo, com
recursos de vídeo, de teatro, de música, no qual ela e seus colegas se propuseram a tornar o trato com o
conhecimento mais divertido, mais engraçado, embora seja algo atrelado ao atendimento dos ditames do

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

mercado de trabalho.
Pode-se dizer ainda que o papel das atividades e manifestações relacionadas ao lazer passa pela
materialização de algumas ações efetivas, que participam não só da estruturação da realidade como também
de sua transformação quando nos deparamos com essas atividades e manifestações integradas às
estratégias pedagógicas dos professores e às ações dos alunos nas suas tarefas escolares e nas demais
atividades no interior das escolas.

As atividades e manifestações culturais relacionadas ao lazer como recurso didático-


pedagógico
Nas entrevistas com os alunos do COLTEC, um deles referiu-se às aulas de um de seu professores
como um exemplo de uso de recursos que facilitavam o seu aprendizado, a partir do uso do teatro como
mediação no trato do conhecimento em física. Jonas, aluno do Curso de Automação Industrial dizia que isso
o ajudava bastante em relação a se apropriar do conhecimento tratado ou, pelo menos, a se lembrar do que
se tratava.
Embora não houvesse, formalmente, uma previsão para a inclusão de manifestações do tipo nas
aulas, os professores expressavam a necessidade de que era “preciso colocar isso, por exemplo, ter um
artifício desse durante as aulas” (Yoda, Professor do COLTEC). Isso estaria relacionado, ainda, de acordo com
o professor Yoda, do Curso de Automação Industrial, a certa habilidade ao lidar com as atividades e
manifestações relacionadas ao lazer, utilizadas como recurso pedagógico nesse contexto.
O que pode ser percebido, ainda que as atividades e as manifestações relacionadas ao lazer estejam
a potencializar e facilitar os processos educacionais ainda não aparecem de forma intencional e consciente.
Isso indica que não estaria o âmbito do lazer a delimitar e/ou orientar o que os professores e os alunos vão
agregar a esses processos e que essas atividades e manifestações são, de certo modo, ressignificadas no
contexto escolar e, posteriormente, fora dele. Isso está relacionado, na trilha do que nos ensina Kosik (2002),
àquela noção de práxis que é ativa, materializada pelas pessoas, historicamente, a partir do que se lhes
apresenta, numa unidade concreta, em progresso, na qual não é possível decompor seus elementos em
constituintes e cuja atividade prática não se manifesta contraposta à teoria, à elaboração com base na
totalidade de ser ontocriativo do humano.
Isso pôde ser percebido nas atividades observadas durante a pesquisa e desenvolvidas no cotidiano
das escolas, nas quais o contexto de distinção de classes, se não impediu que as atividades e manifestações
culturais relacionadas ao lazer fossem incorporadas aos processos educacionais, apontou para algumas
medidas adotadas no sentido de combater essa distinção e de que o acesso e a oferta de ensino fossem cada
vez mais ampliados e consolidados, haja vista a adoção, por exemplo, da política de cotas e de princípios
orientadores voltados para isso nas respectivas propostas político-pedagógicas das escolas. Se, de todo
modo, são medidas que procuram equilibrar e impulsionar a oferta de ensino de qualidade e o acesso a esse
ensino nas escolas de EPT, no sentido de favorecer a entrada e a permanência de alunos negros, pardos,
indígenas e daqueles com menor poder aquisitivo, privilegiando ainda os oriundos de escolas públicas, ainda
há muito o que fazer nessa direção, no processo de democratizar amplamente essa oferta e esse acesso – e
poderíamos nos referir a “(re)democratizar”, haja vista o cenário enfrentado no Brasil, desde o golpe jurídico-
midiático-parlamentar de 2016, travestido de impeachment, e que levou à deposição da Presidenta Dilma
Roussef, eleita em 2014, e a ascensão ao poder de um governo ilegítimo, sem nenhum voto popular e com

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A Escola: Dinâmicas e Atores

viés ultraconservador, misógino e, claramente predisposto a retirar direitos e conquistas sociais dos
trabalhadores, privilegiando uma agenda neoliberal e, ultrapassada dentro do próprio neoliberalismo.

Que atividades e manifestações seriam essas?


Dados os limites desta comunicação, o QUADRO 1, a seguir, indica uma parte do que pôde ser
apreendido, na observação direta do cotidiano escolar e nas entrevistas, como atividades e manifestações
que eram (e ainda são) incorporadas às aulas por professores e alunos, tanto no COLTEC quanto no CEFET-
MG.
Alunos(as) Professores(as)
Cinema (no trato do conhecimento, em geral, e no debate Teatro; música; fotografia; cinema; vídeo (documentários
em relação a questões socioculturais); vídeo (produção e/ou filmes); artes plásticas (nas aulas de artes e
dos alunos, documentários e outros); música/letra literatura); e dinâmicas/debates – como recursos didático-
(espaços de promoção da arte e da cultura); poesia (não pedagógicos;
só em literatura); artes plásticas; teatro (no trato de Trabalho coletivo/cooperativo (matemática, biologia);
conteúdos das disciplinas); debates (simulações e aspectos brincantes no trato do conhecimento (química);
aprofundamento em assuntos tratados); pesquisas de visitas técnicas/trabalho de campo (relacionados a cada
campo e visitas técnicas/trabalhos de campo com viés setor e coordenação de curso específicos e com trato das
brincante (nas áreas de formação específica técnicas). questões sociais relacionadas).
Quadro 1 – Atividades e manifestações culturais relacionadas ao lazer e incorporadas às aulas por
alunos(as) e professores(as)
Fonte: Dados de observação direta do cotidiano escolar e das entrevistas (Guimarães, 2012)
Essas atividades e manifestações, além de serem identificadas nas aulas observadas ao longo da
pesquisa, eram incorporadas a outras práticas pedagógicas no cotidiano das escolas, passando a se tornarem
elementos mediadores, integradores, complementares e/ou motivadores do trato com o conhecimento.
Identificadas como “lazer” pelos sujeitos, pode-se dizer, à luz do que os estudos do lazer no Brasil apontam,
que não são, exatamente, lazer. O “lazer”, entre aspas aqui, pretende indicar a apreensão de ações e práticas
dos sujeitos que, na sua materialização, experimentam tensões no momento em que se passa a considerar
a possibilidade (real) de experimentar algum lazer na escola, com seu caráter de livre escolha, por exemplo,
de desembaraço das obrigações do trabalho, da família, da escola, entre outras (Marcellino, 1995, pp.30-32;
Dumazedier, 1976, p.34). Ações e práticas que permitiriam legitimar as atividades e manifestações
relacionadas a ele como parte do cotidiano escolar, no qual as atividades e as tarefas escolares, em geral,
constituem a maior e mais significativa parte das obrigações dos sujeitos em formação e não haveria, a
princípio, espaço para se experimentar (ou vivenciar) o “lazer”. Este, no entanto, é incorporado como parte
das obrigações sem ser obrigatório.
Daí que, reforce-se, utilizamos a expressão atividades e manifestações culturais relacionadas ao
lazer, consideradas aqui como ações humanas vividas no cotidiano escolar e/ou fora dele e que, em
determinado momento, irão integrar ou participar das várias práticas que compõem esses processos. Ações
humanas que estariam relacionadas ao que poderíamos chamar de lazer, não definidas, portanto, exatamente
como lazer e que não poderiam ser colocadas sob a sua “tutela” conceitual, tal como expressa a produção
acadêmica dos estudos do lazer.
De fato, a julgar pelas perspectivas a partir das quais o lazer é entendido e pelo que elas indicam,
poderíamos considerar que essas atividades e manifestações são relacionadas ao lazer, mas o seriam sem,
necessariamente, um atrelamento obrigatório a ele. São parte das construções socioculturais do ser humano,
resultam de suas ações, sejam elas quais forem, e adquirem significados que ultrapassam o de lazer nos
vários sentidos que assumem para os sujeitos nas situações que estes enfrentam no seu cotidiano. De todo

854
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

modo, as atividades e as manifestações consideradas aqui como relacionadas ao lazer foram assim
percebidas pelas características evidentes que as remetem aos vários aspectos que o definem como parte
das ações humanas, componente do patrimônio sociocultural criado e acumulado pelo ser humano e, por isso
mesmo, como instituição constituída ao longo da história como direito social, ainda que se torne mera
mercadoria em grande parte desse processo (Marcassa, 2002, pp.158-176; Mascarenhas, 2005, pp.254-267;
Padilha, 2006a, p.12 e 2006b; Peixoto, 2007, p.304; Pinto et al, 1999; Santos, 2008, p.54; Silva, 2001, p.17 e
2012, pp.229-232).
No cenário em que se situam as escolas pesquisadas, experimentar uma “situação de lazer” apontaria
para um caráter desinteressado, na expressão gramsciana do termo (Gramsci, 1982, p.136), a considerar que
são atividades e manifestações relacionadas ao lazer que são incorporadas aos processos educacionais e
continuam a ser de livre escolha, ainda que nos limites das escolas, pois os sujeitos que indicaram isso o
fizeram porque a atividade ou a manifestação a que se referiram ou pelas quais optaram não ficaram somente
no que elas proporcionaram naquele momento em que foram experimentadas. Uma vez parte de processos
educacionais no interior das escolas pesquisadas, passaram a integrar, de forma dinâmica, o conjunto de
determinada formação na EPT e que estaria articulada a uma perspectiva de formação politécnica (Frigotto,
2006, 2012; Machado, 1991; Manacorda 2007; Marx 2010, pp.552-553; Moura, Lima Filho e Silva, 2012;
Saviani, 1989, 2003, 2007), para além do simples treinamento e do simples adestramento do educando.
Seriam, ainda que circunscritas aos limites e às condicionantes do cotidiano escolar e não integradas,
formalmente, a esses processos, parte integrante da formação humana, por vezes colocadas em segundo
plano, mas de evidente participação e significado nessa formação e, por isso mesmo, experimentadas e
ressignificadas na extensão aos vários âmbitos da vida dos sujeitos.

PARA TRILHAR UM CAMINHO


Os conceitos e os modos por meio dos quais é entendido e/ou concebido o lazer, considerando os
dados da pesquisa e o conhecimento acumulado dos estudos que tratam dele no Brasil, apontam a relação
existente entre o que significa experimentar várias das atividades e das manifestações relacionadas à música,
ao cinema, ao teatro, às atividades físicas... (Guimarães, 2014, pp.273-332) – para ficar apenas em algumas
daquelas identificadas nos processos educacionais das escolas pesquisadas – e o modo como os sujeitos
conferem novos significados a elas. Essas atividades e manifestações são atravessadas pelo encontro com
o outro como um momento especial, não só de socialização, mas também, e particularmente, de aprendizado
a partir dele. Elas, no entanto, constituem-se a partir da dimensão da cultura e são vividas e experimentadas
no seu âmbito?
Pode-se dizer que sim, mas não se pode dizer que são vividas e experimentadas em um tempo
disponível ou institucionalizado para tal (Gomes, 2003, p.297; Marcellino, 2008, pp.12-13), no qual não
existiriam obrigações de qualquer tipo, já que acontecem integradas aos processos educacionais nas escolas,
supostamente considerados como impeditivos a essas atividades, já que seriam parte dessas obrigações, tal
como outras relacionadas ao trabalho, à família. Esse tempo terá o significado e o sentido que lhe conferirem
os sujeitos, ainda que nos limites do tempo escolar, programado e rigidamente controlado (ou não,
dependendo dos alargamentos provocados pelas ações das pessoas em relação a isso).

855
A Escola: Dinâmicas e Atores

À GUISA DE PASSAGEM
Nos limites desta comunicação, procurou-se indicar parte dos resultados da pesquisa realizada em
Guimarães (2014) e pode-se dizer que, em síntese, as atividades e manifestações culturais relacionadas ao
lazer, uma vez incorporadas aos processos educacionais das escolas pesquisadas, se apresentam, não só
como uma alternativa de lidar com o conhecimento do ponto de vista didático-pedagógico, mas também como
possibilidades de potencializar esses processos, sendo elas mesmas objeto de estudo e produção de
conhecimento a serem consideradas. Também indicam que, a julgar pelas perspectivas a partir das quais o
lazer é entendido e pelo que elas indicam, poderíamos considerar que essas atividades e manifestações são,
sim, relacionadas ao lazer, mas o seriam sem, necessariamente, um atrelamento obrigatório a ele, o que
confere a elas um caráter que iria além do lazer.

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857
A Escola: Dinâmicas e Atores

SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: INFLUÊNCIAS NOS


CURRÍCULOS DE FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES E NA GESTÃO DAS
ORGANIZAÇÕES ESCOLARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA
[ID 47]

Edilene Rocha Guimarães


Manuela Esteves
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco – IFPE; Instituto de Educação –
ULisboa
edileneguimaraes@recife.ifpe.edu.br; mesteves@ie.ulisboa.pt

Resumo
O trabalho em curso tem como objetivo realizar um estudo comparado entre Portugal e Brasil sobre os
sistemas de avaliação da educação superior e, em particular, suas influências nos currículos de formação
inicial de professores e na gestão das organizações escolares da educação básica. Com base em referenciais
construídos internacionalmente, propõe-se compreender como os sistemas de avaliação da educação
superior português e brasileiro interagem com as políticas curriculares e de que forma seus efeitos estruturam
estratégias de conformação dos currículos de formação inicial de professores e estratégias de gestão nas
organizações escolares da educação básica. Utiliza-se uma metodologia qualitativa, tendo como principal
técnica de tratamento dos dados a análise de conteúdo temática. Nos resultados analisa-se como os sistemas
de avaliação se constituem referencial básico para os processos de regulação e supervisão da educação
superior, a fim de promover a melhoria da qualidade e valorização das identidades das organizações
escolares.

Palavras-chave: Sistemas de avaliação, Educação superior, Currículo, Formação inicial de professores,


Organizações escolares.

Résumé
Le travail en cours a pour but de mener une étude comparative entre le Portugal et le Brésil sur les systèmes
d'évaluation de l'enseignement supérieur et, en particulier, leur influence sur les programmes de formation
initiale des enseignants et la gestion des organisations scolaires de l'éducation de base. En partant d’un
référentiel construit à l'échelle internationale, il est proposé de comprendre comment les systèmes portugais
et brésilien d’évaluation de l’éducation supérieure interagissent avec les politiques du curriculum et comment
ses effets donnent lieu à des stratégies de gestion des programmes de formation initiale des enseignants et à
des stratégies de gestion dans les organisations scolaires de l'éducation de base. Une méthode qualitative,
ayant comme principale technique de traitement de données l'analyse de contenu thématique est utilisée. Les
résultats mettent en évidence comment les systèmes d'évaluation constituent un cadre de base envisageant
les processus de régulation et de supervision de l'enseignement supérieur afin de favoriser l'amélioration de
la qualité et la valorisation des identités des organisations scolaires.

Mots-clés: Systèmes d'évaluation, Enseignement supérieur, Curriculum, Formation initiale des enseignants,
Organisations scolaires.

INTRODUÇÃO
O trabalho em curso tem como objetivo realizar um estudo comparado entre Portugal e Brasil sobre
os sistemas de avaliação da educação superior e, em particular, suas influências nos currículos de formação
inicial de professores e na gestão das organizações escolares da educação básica. Com base em referenciais
construídos internacionalmente, propõe-se explicar como os sistemas de avaliação da educação superior
português e brasileiro interagem com as políticas curriculares e de que forma seus efeitos estruturam

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

estratégias de conformação dos currículos de formação inicial de professores e estratégias de gestão nas
organizações escolares da educação básica.
Parte-se da compreensão que as organizações supranacionais, como a ONU, a OCDE, a UNESCO,
o FMI, o Banco Mundial, a União Europeia, têm promovido a construção de “um consenso educativo
sustentado por um discurso planetário em torno do propósito de tornar competitivos os sistemas educativos
a nível internacional”. Entretanto, “este consenso está longe de se verificar numa pretendida homogeneização
das realidades concretas”, especialmente no que se refere às políticas de formação de professores (Esteves,
2015, p.145).
Considerando que as orientações das políticas curriculares e avaliativas estão definidas por agendas
transnacionais (Guimarães & Pacheco, 2014), mas que estão sujeitas aos processos de recontextualização,
os quais são produtores de discursos híbridos (Ball, 1994), o estudo propõe analisar como os sistemas de
avaliação se constituem referencial básico para os processos de regulação e supervisão da educação
superior, a fim de promover a melhoria da qualidade e valorização das identidades das organizações
escolares.

QUADROS TEÓRICOS DE REFERÊNCIA


Neste trabalho parte-se do pressuposto que avaliação é “um fenômeno complexo, contraditório e
multirreferencial, nunca linear; cumpre finalidades distintas e atende a interesses diversos”. A avaliação tem
se constituído como “campo de conflitos e de disputas, consequentemente, ultrapassa a dimensão técnica e
circunscreve-se num campo socioeconômico-político e cultural mais amplo, porque produz sentidos, consolida
valores, provoca mudanças” (Freitas, 2012, p.122).
Estrela & Simão (2003, p.116) orientam que “uma avaliação da qualidade que seja ela própria
avaliação de qualidade constrói-se por aproximações sucessivas, tirando as lições da experiência através da
reflexão crítica, do debate e da investigação”. Os sistemas de referência “deverão equacionar e articular os
eixos político, técnico e ético-axiológico de modo a explicitar as regras do jogo, tomando em consideração os
factores institucionais, as relações de poder e as perspectivas e sentimentos dos diferentes actores”.
Dias Sobrinho (2003) faz uma distinção entre avaliação para regulação, que exige informações em
larga escala, que são mensuráveis, comparáveis e padronizadas, e avaliação para fins educacionais, com
função formativa, que fornece informações para a tomada de decisão no nível da instituição, curso, família ou
individuo, que são específicas e contextualizadas. A primeira tende a focalizar resultados e produtos e
apresenta uma tendência quantitativa; a segunda prioriza processos e dinâmicas e tende a ser de natureza
qualitativa. Portanto, “as diferentes finalidades da avaliação tendem a gerar diferentes metodologias,
instrumentos e procedimentos que, por sua vez, geram tensões entre avaliação e regulação” (Verhine, 2015,
p.606).
O desenvolvimento da avaliação como campo disciplinar e política pública adveio, entre outros
fatores, da necessidade de respostas às exigências estatais nos países centrais, para supervisionar
programas sociais de larga escala, informar deliberações políticas e prestação de contas.
Diversos autores do Campo da Avaliação alertam para que os objetivos de um programa ou política
educacional devam ser examinados, pois a avaliação tem que ser mais ampla, englobar questões,
reivindicações e preocupações dos implicados e interessados diretamente por esses programas ou políticas.
“Esse aspecto revela a avaliação como atividade política e demanda da avaliação o engajamento com os

859
A Escola: Dinâmicas e Atores

temas da democracia e da justiça social, postulando-a como forma de poder, reconhecendo os interesses
múltiplos na e da avaliação” (Silva, 2015, p.55).
Ernest House (1992) propôs como constructo teórico de análise da avaliação a “análise de inovação
educacional” a partir de três perspectivas: tecnológica, política e cultural. A perspectiva tecnológica se pauta
pelo mundo da produção, tem interesse no produto ou na consecução de metas, focaliza a aprendizagem
realizada, recorre a conceitos como entrada e saída, fluxos e tarefas, e valoriza a eficiência. Já a perspectiva
política remete à imagem de negociação e volta-se para o contexto e os conflitos e compromissos entre
grupos, emprega conceitos como poder, autoridade e interesses, e valoriza a legitimidade do sistema de
autoridade. Destaca-se a perspectiva cultural que “tem como imagem a comunidade, pois focaliza o conflito
de valores, privilegia as relações interpessoais e os significados, valorizando a conformidade e a tolerância”
(Weber, 2010, p.1248).
Considera-se que, mesmo tendo marcas liberais, calcadas nas ideias de liberdade de escolha,
individualismo e competição, há a possibilidade de explorar a atividade avaliativa nas políticas sociais,
caracterizadas como situação pública, em sua dimensão de decisão coletiva e democrática (House, 2000;
Weber, 2010)
Entretanto, entende-se que os paradigmas da avaliação sejam na perspectiva da avaliação
instrumental, paradigma caracterizado pelo controle, ou na perspectiva da avaliação democrática, paradigma
que propõe a melhoria e emancipação das instituições, ainda estão em conflito e disputam espaço nas
políticas avaliativas.
Neste trabalho considera-se como referência as concepções de avaliação democrática: 1. formativa,
que foca aprendizagem, diagnóstico, ações; 2. processual, que considera uma prática evolutiva, sistêmica,
integrada; 3. emancipatória, que produz autoconhecimento, construção e reconstrução para uma cultura de
avaliação com permanente atitude de tomada de consciência sobre sua missão e finalidades acadêmica e
social.
Entende-se, também, a avaliação como ferramenta de gestão, através dos processos de
autoavaliação que visa o autocontrole da realidade institucional e do seu planejamento. Uma vez que a gestão
se constitui no trabalho de organização, orientação e mobilização de esforços e recursos, “para promover o
trabalho educacional com a máxima efetividade possível”, como condição para que os estudantes tenham
experiências formativas de qualidade, “que lhes permitam desenvolver competências múltiplas necessárias
para o enfrentamento dos desafios da vida” (Lück, 2012, p.28).
Bertolin (2009) destaca a predominância de três tendências que caracterizam a qualidade da
educação superior no contexto atual: a) visão economicista, para a qual a educação superior teria como
missão principal contribuir para o crescimento da economia e preparar os indivíduos para o mercado de
trabalho, sendo caracterizada pelo uso de termos como empregabilidade e eficiência, e enfatiza a educação
superior como instrumento necessário à potencialização do crescimento da economia; b) visão pluralista, que,
além de ressaltar o papel relevante da educação superior no processo de desenvolvimento econômico,
também valoriza seu papel no desenvolvimento cultural, social e democrático, sendo caracterizada pela
incidência de termos como diferenciação, pertinência e relevância, e a ênfase na participação da educação
superior na emergência das especificidades locais; c) visão de equidade, para a qual a educação superior
tem por missão contribuir para a coesão social, nela ganhando destaque o termo equidade, tanto com o

860
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

significado de igualdade de oportunidades de acesso à educação superior, quanto com o sentido de nível de
homogeneidade da educação que é proporcionada pelas instituições.
Na avaliação de cursos de formação inicial de professores, objeto de estudo deste trabalho,
considera-se a concepção de “cultura de avaliação”, composta por quatro dimensões: 1) autenticidade –
derivada da necessidade de focar a avaliação em competências; 2) consistência – relacionada ao currículo e
ao processo de aprendizagem; 3) transparência – centrada em torno do estudante e do seu envolvimento no
processo de aprendizagem; 4) praticabilidade – derivada das restrições institucionais que afetam tanto o
ensino como as práticas de avaliação (Tinoca, Oliveira & Pereira, 2014).
Na relação entre avaliação e currículo, entende-se o currículo como um projeto que exige um espaço
escolar democrático, através da participação efetiva e ativa dos docentes e discentes na definição das
estratégias institucionais coadunadas com as orientações da política e na elaboração dos projetos educativo,
curricular e didático (Guimarães, 2014; Pacheco, 2001).

METODOLOGIA
Com fundamento no Ciclo de Políticas de Bowe, Ball & Gold (1992) e Ball (1994), seguindo as
orientações metodológicas de Mainardes (2006), e nos referenciais de análise para políticas curriculares
identificados por Pacheco (2003), utiliza-se uma metodologia qualitativa, tendo como base dados empíricos
sobre os sistemas avaliativos da educação superior em Portugal e no Brasil, cujo corpus foi constituído por
documentos normativos e relatórios das comissões de avaliação externa.
Na análise documental, a principal técnica de tratamento dos dados utilizada foi a análise de conteúdo
temática (Esteves, 2006; Bardin, 1979). Escolheu-se como campo da pesquisa a formação inicial de
professores, através dos Cursos de Mestrado em Ensino do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
(IE-ULisboa) em Portugal e os Cursos de Licenciatura do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
de Pernambuco (IFPE) no Brasil.

RESULTADOS
Analisou-se os Relatórios de Avaliação Externa das Comissões da Agência para Avaliação e
Acreditação do Ensino Superior (A3ES) em Portugal, e das Comissões do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) no Brasil. Os códigos atribuídos às unidades de contexto
representam a instituição, IE-ULisboa (UL) e IFPE (IF), seguida da letra inicial da especialidade do curso,
perfazendo um total de 7 cursos por instituição:
§ IE-ULisboa: ULM = Matemática; ULH = História; ULAV = Artes Visuais; ULFQ = Física e Química;
ULPL = Português e Latim; ULBG = Biologia e Geologia; ULF = Filosofia.
§ IFPE: IFM = Matemática; IFAM = (Artes) Música; IFF = Física; IFQ-V = Química-Vitória, IFQ-I =
Química-Ipojuca; IFQ-B = Química-Barreiros; IFG = Geografia.
Foram tomadas em consideração quer as avaliações positivas e os pontos fortes assinalados sobre
cada curso, na medida em que podem influir sobre o currículo de formação ao reforçar concepções e práticas
atuais, quer as avaliações negativas e as recomendações de melhoria da qualidade, na medida em que
podem induzir mudanças curriculares.

861
A Escola: Dinâmicas e Atores

O Caso Português
Inicialmente foram analisados os Relatórios de Avaliação Externa dos Cursos de Mestrado em Ensino
do IE-ULisboa, definindo-se categorias e subcategorias que apontam os aspectos positivos e negativos, os
quais podem influenciar os currículos. Os resultados da análise dos dados foram agrupados em 07 categorias,
conforme Tabela 01.
Subcategorias
Categorias
Aspectos Positivos Cursos Aspectos Negativos Cursos
A1. Oferta de unidades 5 A3. Excesso de unidades 1
curriculares opcionais curriculares (UC).
A2. Organização geral coerente 1 A4. Atribuição inapropriada de 1
A. Planos de estudo
determinadas unidades
curriculares (UC) a uma dada
componente.
B1. Coerência dos objetivos 4 B4. Confusão entre objetivos do 1
gerais com a missão da curso e objetivos de aprendizagem
Universidade. dos estudantes.
B. Finalidades e B2. Conhecimento dos objetivos 4 B5. Falta de fomento e apoio à 1
objetivos gerais gerais pelos docentes e investigação.
estudantes.
B3. Clareza na formulação dos 2
objetivos.
C1. Os objetivos estão definidos e 4 C4. Falta de discriminação dos 2
operacionalizados. objetivos em termos de
C2. Os objetivos são adequados 2 conhecimentos, aptidões e
C. Objetivos de competências.
às competências a desenvolver
aprendizagem
pelos estudantes. C5. Falta de operacionalização dos 1
C3. A consecução dos objetivos é 1 objetivos
mensurável.
D1. Pertinência dos conteúdos. 2 D4. Sobreposição/ repetição de 4
D2. Articulação entre objetivos e 2 conteúdos em diversas unidades
conteúdos. curriculares (UC).
D. Conteúdos
D3. Distribuição dos conteúdos 1 D5. Bibliografia genérica e 2
pelas unidades curriculares (UC). desatualizada.
D6. Conteúdos elementares. 1
E1. Promoção da iniciação à 5 E8. Não inserção dos estudantes 4
investigação educacional. em projetos de investigação.
E2. Boa organização da 4 E9. Falta de atividades práticas ou 3
componente de Iniciação à Prática laboratoriais e de estudos de caso.
Profissional (IPP).
E3. Articulação das metodologias 4 E10. Número limitado de aulas 3
com os objetivos. observadas pelo supervisor (PES).
E4. Centralidade dos objetivos e 2
das metodologias nos alunos. E11. Prática supervisionada em 3
E. Estratégias e apenas um dos dois ciclos de
Metodologias E5. Relevância atribuída à 2 ensino.
unidade curricular de Prática de E12. Falta de articulação das 2
Ensino Supervisionada (PES). unidades curriculares.
E6. Coerência entre objetivos, 2
conteúdos e metodologias. E13. Sobrecarga dos estudantes 2
com módulos e seminários.
E7. Existência de estruturas de 2
apoio aos estudantes. E14. Deficiência da componente 1
investigativa nos relatórios da PES.

F1. Coerência da avaliação com 3 F4. Falta de ponderação dos 5


os objetivos e conteúdos. diversos trabalhos na avaliação
F2. Adequação da carga média de 2 final.
F. Avaliação das
trabalho do estudante. F5. Falta de coerência da avaliação 1
aprendizagens
face às metodologias usadas.
F3. Dominância de trabalhos 1
escritos.
G. Professores G1. Perfil adequado do 7 G5. Escassa produção 3
como recursos coordenador do Ciclo de Estudos investigativa dos docentes na área
curriculares (CE) do Ciclo de Estudos

862
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

G2. Docentes da IES com 4 G6. Coordenador sem produção 3


produção científica relevante na científica na área do CE.
área do Ciclo de Estudos G7. Falta de formação em 2
G3. Orientadores cooperantes 4 supervisão da prática pedagógica.
especializados
G4. Orientadores cooperantes 4 G8. Falta de comunicação entre 1
experientes e disponíveis docentes da IES e orientadores
cooperantes.
Tabela 1 - Categorização dos Relatórios de Avaliação Externa dos Mestrados para o Ensino do IE/ULisboa
- Portugal
Da Tabela 1 acima destacamos as subcategorias e suas “unidades de contexto” com frequência
superior a 50% (04 cursos), que revelam 11 aspectos positivos que podem influenciar o currículo ao reforçar
concepções e práticas atuais, e que revelam 03 aspectos negativos que podem induzir mudanças curriculares:
§ Subcategorias – Aspectos Positivos
A1. Oferta de unidades curriculares opcionais (ULM, ULH, ULAV, ULFQ, ULF);
B1. Coerência dos objetivos gerais com a missão da Universidade (ULM, ULAV, ULFQ, ULBG);
B2. Conhecimento dos objetivos gerais pelos docentes e estudantes (ULM, ULFQ, ULPL, ULBG);
C1. Os objetivos estão definidos e operacionalizados (ULM, ULH, ULFQ, ULF);
E1. Promoção da iniciação à investigação educacional (ULM, ULAV, ULPL, ULFQ, ULBG)
E2. Boa organização da componente de Iniciação à Prática Profissional (ULH, ULAV, ULPL, ULFQ);
E3. Articulação das metodologias com os objetivos (unidades de contexto: ULM, ULPL, ULFQ,
ULBG);
G1. Perfil adequado do coordenador do Ciclo de Estudos (ULM, ULH, ULAV, ULFQ, ULPL, ULBG,
ULF);
G2. Docentes da IES com produção científica relevante na área do Ciclo de Estudos (ULM, ULFQ,
ULBG, ULF);
G3. Orientadores cooperantes especializados (ULM, ULFQ, ULPL, ULF);
G4. Orientadores cooperantes experientes e disponíveis (ULH, ULAV, ULFQ, ULF).
§ Subcategorias – Aspectos Negativos
D4. Sobreposição/ repetição de conteúdos em diversas unidades curriculares (ULM, ULH, ULAV,
ULPL);
E8. Não inserção dos estudantes em projetos de investigação (ULM, ULAV, ULPL, ULF);
F4. Falta de ponderação dos diversos trabalhos na avaliação final (ULM, ULH, ULPL, ULFQ, ULF).

O Caso Brasileiro
Os Relatórios de Avaliação Externa dos Cursos de Licenciaturas do IFPE foram analisados, definindo-
se categorias e subcategorias que apontam os aspectos positivos e negativos, os quais podem influenciar os
currículos. Os resultados da análise dos dados foram agrupados em 08 categorias, conforme Tabela 02.

863
A Escola: Dinâmicas e Atores

Subcategorias
Categorias
Aspectos Positivos Cursos Aspectos Negativos Cursos
H1. Contempla as demandas efetivas 5 H3. As políticas institucionais de 4
de natureza educacional, ensino, pesquisa e extensão estão
econômica e social em processo de implementação
H. Projeto no curso
H2. As políticas institucionais de 3
Pedagógico do
ensino, pesquisa e extensão estão
Curso (PPC) H4. As instalações como salas de 1
muito bem implantadas no curso.
aula e laboratório são
insuficientes.
I1. Contempla os aspectos de 4 I3. Carga horária total muito 1
flexibilidade, carga horária, extensa para o cumprimento da
interdisciplinaridade, articulação entre integralização do curso em 4 anos.
I. Estrutura teoria e prática.
curricular I2. São oferecidas dez disciplinas 1 I4. O componente Libras ofertado 1
optativas para que o aluno curse, no apenas no último semestre do
mínimo, uma delas. curso.
J1. Coerência com perfil profissional 5 J3. Não foi observado a 1
do egresso, estrutura curricular e materialização das habilidades
J. Objetivos do
contexto educacional. relacionadas a flexibilidade e
curso autonomia.
J2. Foco nas necessidades de um 1
docente que irá trabalhar na região.
K1. O perfil profissional expressa as 4 K4. Algumas disciplinas como 1
competências do egresso. química analítica se encontram
K2. Concessão de bolsas de incentivo 3 distanciadas das disciplinas
acadêmico, monitoria, iniciação básicas, dificultando o processo
K. Objetivos de científica, iniciação à docência e de formativo.
aprendizagem extensão. K5. Ausência de programas de 1
K3. As atividades acadêmicas são 2 nivelamento e/ou aulas de reforço,
incentivadas e a participação em exceto monitoria acadêmica.
eventos externos tem sido realizada.
L1. Os títulos da bibliografia básica e L3. Não é possível afirmar a 3
complementar são contemplados pelo completa realização das
acervo da biblioteca, além do acesso atividades experimentais previstas
às revistas eletrônicas e bibliotecas pelo PPC.
virtuais. L4. São disponibilizadas 405h 1
L. Conteúdos
L2. Os conteúdos possibilitam o 4 para práticas como componente
desenvolvimento do perfil profissional curricular, porém nos conteúdos
nos aspectos: atualização, não há uma descrição sistemática
adequação das cargas horárias e da destas atividades.
bibliografia.
M1. Excelente integração com as M4. Apesar da IES oferecer cursos 2
escolas da educação básica da rede na modalidade EAD, não são
pública de ensino, inclusive com um previstas ações nessa plataforma
PIBID muito bem implementado. no curso presencial.
M5. No TCC as temáticas 1
M2. O estágio curricular 5 observadas nos projetos o
M. Estratégias e supervisionado, as atividades aproximam mais do bacharelado
Metodologias complementares e o trabalho de do que da licenciatura.
conclusão de curso (TCC) estão muito
bem regulamentados e
institucionalizados.
M3. As TICs implantadas no processo 3
de ensino-aprendizagem permitem
executar o PPC.
N1. Os procedimentos de avaliação 4 N3. A avaliação dos processos de 1
utilizados nos processos de ensino- ensino-aprendizagem não está
aprendizagem atendem à concepção descrita nos planos de ensino.
do curso definida pelo PPC.
N. Avaliação das
N2. A avaliação ocorre de forma 2
aprendizagens
diversa, por meio da avaliação escrita
individual, além de listas de
exercícios, seminários e relatórios de
aulas práticas.

864
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O2. Experiência de magistério 6


superior.
O. Professores
O3. A atuação do Núcleo Docente 3 O6. Núcleo Docente Estruturante 1
como recursos
Estruturante (NDE) é excelente nos (NDE) não tem resolvido alguns
curriculares
aspectos: concepção, problemas pontuais de caráter
acompanhamento, consolidação e pedagógico, caracterizando falta
avaliação do PPC. de interação com o corpo docente
O4. Boa produção científica, cultural, 3 do Curso.
artística ou tecnológica do corpo
docente.
Tabela 2 – Categorização dos Relatórios de Avaliação Externa das Licenciaturas do IFPE - Brasil
Da Tabela 02 acima destacamos, também, as subcategorias e suas “unidades de contexto” com frequência
superior a 50% (04 cursos), que revelam 11 aspectos positivos que podem influenciar o currículo ao reforçar
concepções e práticas atuais, e que revelam apenas 02 aspectos negativos que podem induzir mudanças
curriculares:
§ Subcategorias – Aspectos Positivos
H1. Contempla as demandas efetivas de natureza educacional, econômica e social (IFAM, IFF, IFQ-
V, IFQ-I, IFQ-B);
I1. Contempla os aspectos de flexibilidade, carga horária, interdisciplinaridade, articulação entre teoria
e prática (IFAM, IFF, IFQ-V, IFQ-B);
J1. Coerência com perfil profissional do egresso, estrutura curricular e contexto educacional (IFAM,
IFF, IFQ-V, IFQ-B, IFG);
K1. O perfil profissional expressa as competências do egresso (IFAM, IFF, IFQ-V, IFQ-B);
L1. Os títulos da bibliografia básica e complementar são contemplados pelo acervo da biblioteca,
além do acesso às revistas eletrônicas e bibliotecas virtuais (IFAM, IFF, IFQ-V, IFQ-I, IFQ-B, IFG);
L2. Os conteúdos possibilitam o desenvolvimento do perfil profissional nos aspectos: atualização,
adequação das cargas horárias e da bibliografia (IFAM, IFF, IFQ-V, IFQ-B);
M1. Excelente integração com as escolas da educação básica da rede pública de ensino, inclusive
com um PIBID muito bem implementado (IFAM, IFF, IFQ-V, IFQ-B, IFG);
M2. O estágio curricular supervisionado, as atividades complementares e o trabalho de conclusão de
curso (TCC) estão muito bem regulamentados e institucionalizados (IFAM, IFQ-V, IFQ-B, IFQ-I,
IFG
N1. Os procedimentos de avaliação utilizados nos processos de ensino-aprendizagem atendem à
concepção do curso definida pelo PPC (IFAM, IFF, IFQ-V, IFQ-B);
O1. Experiência no exercício da docência na educação básica (IFAM, IFF, IFQ-V, IFQ-I, IFQ-B, IFG);
O2. Experiência de magistério superior (IFAM, IFF, IFQ-V, IFQ-I, IFQ-B, IFG).
§ Subcategorias – Aspectos Negativos
H3. As políticas institucionais de ensino, pesquisa e extensão estão em processo de implementação
no curso (IFM, IFF, IFQ-I, IFQ-B);
O5. Produção científica, cultural, artística ou tecnológica do corpo docente é muito baixa, quase
incipiente (IFM, IFAM, IFQ-V, IFQ-B).

865
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados permitem concluir que os Relatórios de Avaliação Externa têm reforçado os currículos
da formação inicial de professores, seja nos Cursos de Mestrado em Ensino do Instituto de Educação da
Universidade de Lisboa (IE-ULISBOA) em Portugal, ou nos Cursos de Licenciatura do Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE) no Brasil, pois destacam em sua maioria os aspectos
positivos e os pontos fortes dos cursos, influenciando os currículos ao reforçar concepções e práticas atuais.
O prosseguimento desta pesquisa passará por entrevistas com os coordenadores destes Cursos, no sentido
de, por um lado, validar a hipótese de que as avaliações positivas recebidas reforçaram os currículos e de,
por outro lado, saber se os aspetos negativos assinalados na avaliação externa deram lugar a mudanças
curriculares, bem como a orientação dada às mesmas.

REFERÊNCIAS
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Dias Sobrinho, J. (2003). Avaliação: políticas educacionais e reformas da educação superior. São Paulo:
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A. F. Moreira & J. A. Pacheco (Org.), Currículo, Internacionalização e Cosmopolitismo: Desafios
Contemporâneos em Contextos Luso-Afro-Brasileiros (pp.141-154). Vol.II (1ªEd.). Santo Tirso:
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Contributos para a elaboração de dissertações e teses (pp.105-126). Porto: Porto Editora.
Estrela, M. T. & Simão, A. M. (2003). Algumas reflexões sobre práticas de avaliação do ensino
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Brasil e sua influência no currículo. In Atas do XI Colóquio sobre Questões Curriculares / VII
Colóquio Luso-Brasileiro / I Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de Currículo (pp.3553-3562). Braga:
UMinho.

866
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Lück, H. (2012). Perspectiva da avaliação institucional da escola. Petrópolis: Vozes. (Série cadernos de
gestão).
Mainardes, J. (2006). Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de políticas
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anos do SINAES. Avaliação, 20, (3), 603-619.
Weber, S. (2010). Avaliação e regulação da educação superior: conquistas e impasses. Educação &
Sociedade, 31 (113), 1247-1269.

867
A Escola: Dinâmicas e Atores

VALIDAÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS DIGITAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DA


CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA
[ID 223]

Tânia Guindeira
Henrique Gil
Escola Superior de Educação de Castelo Branco; Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de
Castelo Branco, Centro de Administração e Políticas Públicas – Universidade de Lisboa
tf.tania.guindeira@gmail.com; hteixeiragil@ipcb.pt

Resumo
As Tecnologias de Informação e Comunicação disseminaram-se na escola contribuindo para a inclusão social
de crianças com necessidades educativas especiais. No entanto, embora as Tecnologias de Informação e
Comunicação contenham imensas funcionalidades e capacidade de adaptação às necessidades individuais,
nem sempre reúnem todas as ferramentas essenciais para desenvolver uma competência específica e os
seus subdomínios.
Esta lacuna desencadeou a presente investigação, que visa a validação de um conjunto de jogos que promova
o desenvolvimento da consciência fonológica em idade pré-escolar. Estes jogos foram construídos através de
um programa de caráter utilitário: PowerPoint da Microsoft. Com eles pretende-se averiguar o contributo dos
recursos digitais, no desenvolvimento da consciência fonológica em crianças com necessidade educativas
especiais. Os objetivos traçados consistiram em: promover a utilização das Tecnologias de Informação e
Comunicação no âmbito das necessidades educativas especiais; implementar estratégias para a utilização
de recursos digitais ao nível do desenvolvimento da consciência fonológica em crianças com necessidades
educativas especiais; validar protótipos de «Jogos Educativos Digitais» elaborados.
A investigação é de caráter qualitativo e exploratório, constituindo um estudo de casos múltiplos, numa
perspetiva de investigação-ação. Baseou-se no trabalho de campo, que envolveu duas crianças e os «Jogos
Educativos Digitais» elaborados. No processo investigativo realizaram-se sessões práticas de intervenção
com as crianças, recolhendo-se as respetivas notas de campo, sendo possível efetuar reformulações nos
jogos.
Paralelamente entrevistaram-se dois especialistas em Tecnologias de Informação e Comunicação e uma
especialista em Educação Especial que avaliaram os jogos.
Após a recolha, tratamento e análise dos dados aferiu-se que as crianças participantes obtiveram bons
resultados na aquisição das competências de consciência fonológica, registando-se uma acentuada melhoria
ao nível da aprendizagem, participação, envolvimento, interesse, colaboração e persistência, conduzindo a
uma melhoria gradual no seu desempenho. Os resultados obtidos vieram ao encontro das expectativas dos
especialistas entrevistados, tal como se tornou evidente na análise de conteúdo das respetivas entrevistas,
tendo estes apreciado positivamente a construção global dos jogos, considerando-os uma mais-valia no
processo de ensino/aprendizagem.

Palavras-chave: Consciência Fonológica, Jogos Educativos Digitais, Necessidades Educativas Especiais,


Tecnologias de Informação e Comunicação.

Résumé
Technologies de l'information et de la communication se sont propagées à contribuer à l'inclusion sociale des
enfants ayant des besoins éducatifs spéciaux école. Cependant, bien que les technologies de l'information et
de la communication contiennent immense fonctionnalité et adaptabilité aux besoins individuels, ne répondent
pas toujours tous les outils essentiels pour développer une expertise spécifique et ses sous-domaines.
Cette lacune a déclenché cette recherche, qui vise à valider une série de jeux qui favorisent le développement
de la conscience phonologique dans le préscolaire. Ces jeux ont été construits par un utilitaire de programme
de caractère: Microsoft PowerPoint. Avec eux est destiné à déterminer la contribution des ressources
numériques, le développement de la conscience phonologique chez les enfants ayant des besoins éducatifs
spéciaux. Les objectifs fixés étaient les suivants: promouvoir l'utilisation des technologies de l'information et
de la communication dans le contexte des besoins éducatifs spéciaux; mettre en œuvre des stratégies pour
l'utilisation des ressources numériques au développement de la conscience phonologique chez les enfants
ayant des besoins éducatifs spéciaux; valider des prototypes de «Jeux éducatifs numériques» générés.

868
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

La recherche est le caractère qualitatif et exploratoire, étant une étude de cas multiples, une recherche-action
prospective. Il est basé sur le travail de terrain, qui a impliqué deux enfants et «Jeux éducatifs numériques»
générés. Dans le processus d'enquête ont eu lieu les pratiques d'intervention des sessions avec les enfants,
la collecte des notes de terrain respectifs, et vous pouvez faire des retraitements dans les jeux.
Dans le même temps, ils ont été interrogés deux experts en technologies de l'information et et un spécialiste
en éducation spécialisée en revue les jeux.
Après la collecte, le traitement et l'analyse des données, il se mesure que les enfants participants ont réussi
à acquérir les compétences de conscience phonologique, enregistrant une nette amélioration en termes
d'apprentissage, la participation, la participation, l'intérêt, la coopération et la persistance, conduisant à une
amélioration progressive des performances. Les résultats sont à la hauteur des attentes des experts
interrogés, comme sont devenues évidentes dans les interviews respectives analyse de contenu, et ceux-ci
ont apprécié positivement la construction globale des jeux, en les considérant un avantage dans le processus
d'enseignement / apprentissage.

Mots-clés: Conscience phonologique, Jeux éducatifs numériques, Besoins éducatifs spéciaux, Technologies
de l'Information et Communication.

CONCEITO DE NECESSIDADE EDUCATIVAS ESPECIAIS E A EDUCAÇÃO ESPECIAL EM


PORTUGAL
O conceito de NEE surgiu em 1978 com o Relatório Warnock Report, o qual incluía todos os alunos
que exigissem recursos/adaptações especiais no processo de ensino/aprendizagem, dispares de alunos com
a mesma idade, por apresentarem dificuldades ou incapacidades que se refletem numa ou mais áreas de
aprendizagem (Bairrão, Felgueiras, Fontes, Pereira & Vilhena, 1998).
Este conceito foi adotado em Portugal nos anos 80, porém o marco decisivo na garantia do direito de
frequência das escolas regulares a alunos que, até então, estavam a ser educados em ambientes segregados,
surge apenas na década de 90, com a publicação do Decreto-Lei 319/91 de 23 de agosto. Este compreendia
um grupo heterogéneo de alunos, cujas dificuldades/incapacidades podiam ir de grau ligeiro a severo, sendo
as necessidades educativas de caráter mais ou menos prolongado, centrando-se nos problemas dos alunos,
não tendo em consideração os fatores que lhe são extrínsecos.
Em 1994, resulta da reunião de noventa e dois países e cinco organizações internacionais a
Declaração de Salamanca, que veio reconhecer a necessidade de assegurar a educação de todas as crianças
com NEE, dentro do sistema de educação regular. A Declaração de Salamanca incluiu no conceito de NEE
as deficiências, as dificuldades de aprendizagem, a sobredotação e as crianças socialmente desfavorecidas
(UNESCO, 1994).
O Decreto-Lei 6/2001 de 18 de janeiro e o Decreto-Legislativo 15/2006/A, caraterizam as NEE de
caráter permanente como limitações/incapacidades inerentes ao processo de aprendizagem do indivíduo,
resultantes de fatores endógenos, que podem ou não ser agravados por fatores ambientais, consequentes
de anomalias congénitas e adquiridas nas funções ou nas estruturas do corpo.
Atualmente, o enquadramento legal da Educação Especial (EE) em Portugal, baseia-se no Decreto-
Lei 3/2008 de 7 de janeiro, com alterações introduzidas pela Lei nº 21/2008 de 12 de maio. Este decreta quais
os apoios especializados no âmbito da educação pré-escolar, ensino básico e secundário, do setor público,
particular, cooperativo ou solidário. Reformulou a definição da população alvo da EE, circunscrevendo-se aos
alunos com limitações significativas ao nível da atividade e da participação, decorrentes de alterações
funcionais e estruturais, de caráter permanente, que resultem em dificuldades continuadas no âmbito da
comunicação, aprendizagem, mobilidade, autonomia, relacionamento interpessoal e participação social.

869
A Escola: Dinâmicas e Atores

Este quadro legislativo estabeleceu uma alteração significativa ao nível da avaliação das crianças
integradas na EE, passando a ser efetuada através da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF).
Esta é vista como um elemento facilitador, já que vem unificar e padronizar a linguagem utilizada, permitindo
a estruturação do trabalho comum para a descrição da saúde, contemplando uma série de componentes
(funções e estrutura do corpo; atividade e participação; e fatores contextuais) que abarcam, numa perspetiva
dinâmica, todas as dimensões relacionadas com as NEE.

CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E A LITERACIA


Gillon (2004), define a consciência fonológica como a habilidade metalinguística complexa que
permite refletir sobre a estrutura fonológica da linguagem oral. Inclui a consciência de que a fala pode ser
segmentada em unidades menores e de que estes segmentos podem ser discriminados e manipulados. Neste
sentido, a consciência fonológica é a capacidade de analisar, identificar e manipular conscientemente as
sílabas e os fonemas que constituem as palavras. Esta capacidade adquire-se antes de a sua manifestação
ser explícita, refletindo-se através da sensibilidade para o sistema dos sons da língua. A evolução da
consciência fonológica desenvolve-se no sentido das unidades maiores (frase/palavras) para os segmentos
mais pequenos (sílaba/fonema), expressando-se em níveis de complexidade, nomeadamente consciência da
palavra, consciência silábica e consciência fonémica (Sim-Sim, 1998). Para a iniciação da leitura e escrita
esta capacidade deve estar desenvolvida e o seu treino deve ocorrer nesta ordem (Rios, 2011).
A aprendizagem da leitura e da escrita, ao contrário do processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem oral, que ocorre de forma espontânea desde que a criança esteja exposta à língua materna, exige
um processo de aprendizagem formal, no qual estão envolvidas competência cognitivas, psicolinguísticas,
percetivas, espácio-temporais, grafomotoras e afetivo-emocionais (Freitas, Alves & Costa, 2007). O código
de escrita da língua portuguesa baseia-se na correspondência entre os fonemas e grafemas. Assim, para que
se obtenha sucesso no processo de aprendizagem da leitura e da escrita é determinante a promoção da
relação fonema/grafema.
O alfabeto tem o intuito de representar graficamente os fonemas da linguagem oral, porém a
correspondência fonema/grafema, por vezes, é ambígua. Isto porque, para que se concretize esta
representação é necessário dirigir a atenção para a estrutura fonológica da linguagem oral, conseguindo
identificar e manipular os seus segmentos, nomeadamente, palavras, sílabas e fonemas (Rios, 2011). Neste
seguimento, Cervera & Ygual (2001) consideram que existe uma relação ténue entre as dificuldades de
aquisição da leitura e da escrita e o atraso no desenvolvimento das pré-competências da linguagem oral.
Deste modo, consciência fonológica é uma pré-competência que, existindo antes do ensino formal da leitura
e da escrita, constitui um bom preditor de sucesso para a aquisição de ambas (Rios, 2011).
De acordo com a American Speech Language Hearing Association (2001), as dificuldades de leitura
e de escrita são frequentemente associadas a perturbações fonológicas, manifestando a consciência
fonológica e a aprendizagem da leitura e da escrita uma relação inversamente proporcional, na medida em
que níveis elementares de consciência fonológica promovem níveis elementares de leitura e escrita que, por
sua vez, favorecem o desenvolvimento de capacidades fonológicas mais sofisticadas (Valente & Alves
Martins, 2004; Sim-Sim, Silva & Nunes, 2008).

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

INFLUÊNCIA DAS TIC NO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM DE CRIANÇAS COM


NEE
A escola necessita de se adaptar às necessidades individuais dos seus alunos, tendo em conta a sua
diversidade e as suas vivências. A distinção evidente que existe entre a Educação Especial (EE) e a Educação
Regular (ER), no âmbito das tecnologias digitais, prende-se com o caráter de imprescindibilidade que elas
assumem na EE, já que estas muitas vezes são a alternativa mais eficaz para a existência de comunicação
(Rodrigues, 2010). Deste modo, as tecnologias podem facilitar a comunicação, esbatendo as barreiras
especiais, auxiliando a integração da pessoa com NEE na vida ativa (Silva, 2006).
Gil (2007) assegura que as tecnologias digitais proporcionam novos espaços e novas formas de
aprender e de ensinar, contribuindo para esbater os contextos e as idiossincrasias de cada comunidade,
convergindo com a opinião de Francisco (2011) que considera que as elas participam de forma imperativa na
adequação do sistema educativo às necessidades dos alunos. Nesta ótica, constituem uma ferramenta
fundamental para a adequação da Educação às necessidades de cada aluno, adaptando-a a uma realidade
social promotora de igualdade, acessibilidade e respeito pela diversidade (Vásquez, Montoya & Pérez, 2006).
Gil (2014) afirma que desde muito cedo as tecnologias revelam-se atrativas e estimulantes para os
mais pequenos, aumentando os seus níveis de atenção e motivação nas atividades nelas desenvolvidas. Três
das principais vantagens das TIC relacionam-se com: 1) facilidade no acesso a diferentes fontes de
conhecimento; 2) permitem combinar diferentes domínios que se pretendem estudar; e 3) constituem um
instrumento pedagógico que permite conjugar diferentes programas e métodos de educação e formação.
Rosa (2006) adverte para o facto de as TIC não constituem uma solução “milagrosa”, para a resolução
dos problemas do processo de aprendizagem. No entanto a autora tal como Correia (2008) defende que as
TIC facilitam a concretização de diversos objetivos pedagógicos, uma vez que são bastante atraentes
enriquecendo os tradicionais métodos de ensino, proporcionando aos alunos e professores ambientes de
aprendizagem mais participativa, fomentando a tomada de decisões sobre o que aprender e ensinar,
centrando o ensino no aluno. Assim, é fundamental a renovação constante da atividade pedagógica, ao nível
das conceções e dos métodos, com o intuito transformar o processo de ensino/aprendizagem em algo
atraente, percetível e eficaz, que vá ao encontro de todos os alunos.

METEDOLOGIA
O presente estudo assenta em dois pressupostos: 1) verifica-se atualmente um crescente aumento
das dificuldades na aquisição da leitura e da escrita nos primeiros anos do ensino básico, consequente de
atrasos no desenvolvimento da consciência fonológica na idade pré-escolar; 2) embora existam diversos
recursos digitais, ainda não se encontram recursos que contemplem o desenvolvimento da consciência
fonológica. Neste sentido, tendo consciência da incontestável relevância das TIC na educação, foi
desenvolvido um conjunto de «Jogos Educativos Digitais» que visam colmatar a falta de recursos digitais
neste âmbito. Em seguimento, o presente estudo recai sobre a validação dos mesmos, tendo a seguinte
questão de partida: «Serão os recursos digitais adequados para promover o desenvolvimento da consciência
fonológica em crianças com NEE?». Os objetivos gerais que nortearam esta investigação consistem em:
§ Promover a utilização das TIC no âmbito das NEE.
§ Implementar estratégias para a utilização das TIC ao nível do desenvolvimento da consciência
fonológica em crianças com NEE.

871
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ Validar protótipos de «Jogos Educativos Digitais» elaborados para a investigação.


A investigação é de caráter qualitativo e exploratório, constituindo um estudo de casos múltiplos, numa
perspetiva de investigação-ação.
Posteriormente à fase de enquadramento conceptual do estudo procedeu-se à implementação do
mesmo, segundo um plano estruturado. Na primeira etapa contactou-se com os intervenientes neste
processo, nomeadamente a instituição onde decorreu o estudo, os pais das duas crianças participantes, os
dois especialistas em TIC e o especialista em EE que avaliaram os «Jogos Educativos Digitais».
Tendo em conta a avaliação anteriormente efetuada às crianças traçou-se o plano de intervenção,
optando-se pela observação participante como técnica de recolha de dados, construindo-se duas grelhas de
observação para registar os resultados relativos à funcionalidade dos jogos e ao conteúdo dos mesmos, ou
seja, o desenvolvimento das competências de consciência fonológica. Para averiguar a opinião dos
especialistas em TIC e em EE acerca das potencialidades das TIC no processo de aprendizagem dos alunos
e para recolher a opinião e a avaliação dos mesmos face aos «Jogos Educativos Digitais» efetuados pela
investigadora realizaram-se entrevistas semiestruturadas, às quais se efetuou uma análise de conteúdo, a
qual facilitou a posterior análise e reflexão das mesmas. Para garantir a fiabilidade do estudo triangularam-se
os dados recolhidos junto das crianças, com dados obtidos durante as entrevistas e com estudos
anteriormente efetuados na áreas das TIC.

Caracterização dos casos


Neste estudo participaram duas crianças, A e B, com 5 anos e 9 meses e 5 anos e 11 meses,
respetivamente. A criança A tem como diagnóstico Espetro do Autismo e a criança B apresentava uma
Perturbação Fonológica. As crianças já se encontravam a realizar sessões de Terapia da Fala
aproximadamente há um ano e atualmente necessitavam de desenvolver a consciência fonológica, uma vez
que iriam ingressar no 1º Ciclo do Ensino Básico no presente ano. A criança A evidenciava como áreas fortes
a motricidade global, a cognição e ao nível da linguagem a semântica. Manifesta boa capacidade de memória,
perceção e discriminação auditiva. Quanto às áreas mais deficitárias identificou-se o comportamento, a
interação, a pragmática e a fonologia, área essencial à aquisição da leitura e da escrita.
Na criança B destacam-se como áreas fortes do desenvolvimento global a motricidade global e fina,
a cognição e, ao nível da linguagem, a semântica, a morfossintaxe e a pragmática. A memória, a perceção e
discriminação auditiva constituem também as áreas fortes da criança. A área mais deficitária no
desenvolvimento da criança B era efetivamente a fonologia.

Caracterização dos «Jogos Educativos Digitais»


Os «Jogos Educativos Digitais» correspondem a recursos informáticos, efetuados pela investigadora,
recorrendo ao programa PowerPoint da Microsoft. Estes jogos têm o intuito de promover o desenvolvimento
da consciência fonológica, facilitando a aquisição futura da leitura e da escrita. Estes foram divididos em seis
níveis de acordo com a complexidade, seguindo os marcos do desenvolvimento da consciência fonológica:
§ Nível A: divisão e síntese silábica;
§ Nível B: identificação de som inicial;
§ Nível C: identificação de som final;
§ Nível D: identificação de rima;

872
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ Nível E: manipulação silábica (omissão de sílaba inicial, final e inversão silábica);


§ Nível F: divisão e síntese fonémica.
Todos estes níveis contêm apenas imagens de palavras com representação gráfica, não
contemplando ‘pseudo-palavras’. A temática dos jogos foi a «Magia», sendo atribuído a cada nível uma
«Mascote» e uma cor de fundo específicas. Cada nível contém um menu e a explicação/exemplificação do
tipo de competência a desenvolver, existindo nos menus a opção para ouvir a explicação e a opção para jogar
o(s) jogo(s). Cada opção disponível no menu é apresentada sobre a forma escrita que se encontra associada
a uma imagem (do tema da magia) (Figura 1). As instruções dos jogos são verbais (através de gravação
áudio), sendo associadas à sua forma escrita (Figura 2).

Figura 1 – Exemplo de dois menus

Figura 2 - Jogo de Identificação de Som Inicial


Em todos os jogos é possível voltar ao menu ou ouvir novamente as instruções, através da utilização
de ícones que os representam. Os jogos dão sempre o feedback da opção tomada, seja este ‘positivo’ (p.ex:.
«Boa») ou ‘negativo’ (ex: «Oh tenta de novo!») (Figura 3). Todos os jogos oferecem numa fase inicial uma ou
duas ajudas visuais e auditivas, para que as crianças obtenham sucesso (Figura 4). No final do jogo é sempre
dado um feedback positivo, recorrendo-se a ilustrações de desenhos animados (Figura 5).

873
A Escola: Dinâmicas e Atores

Figura 3 - Feedback positivo e negativo

Figura 4 - Primeira ajuda fornecida no Jogo de Divisão Silábica

Figura 5 – Reforço final

Nos jogos utilizaram-se como imagens os símbolos pictográficos para a comunicação (SPC), já que
são simples, intuitivos, de fácil compreensão e associação à imagem real. Têm a vantagem de ser utilizados
nas intervenções terapêuticas com crianças com NEE, pelo que estas já estão familiarizadas com eles.
Todos os blocos de jogos possuem a mesma estrutura, já que se pretendia que fossem de fácil utilização
e orientação, seguindo o princípio de coerência interna definido por Costa (2007).

874
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Plano de Intervenção
Para a implementação dos «Jogos Educativos Digitais» traçou-se um plano de intervenção, no qual
se contemplaram os objetivos, os materiais a utilizar, a duração/frequência e a avaliação do mesmo. O plano
foi aplicado de janeiro a março de 2016, em duas sessões individuais por semana de 60 minutos, em contexto
clínico, sendo subdividido em 16 planos por sessão.
As sessões contemplaram essencialmente a utilização dos «Jogos Educativos Digitais» a serem
validados, utilizando-se também materiais em formato papel, com o intuito de consolidar e generalizar as
competências desenvolvidas. Na avaliação observou-se o interesse, a interação, a participação, a
colaboração e a persistência nas atividades, bem como a média/taxa de sucesso. O plano foi implementado
em computador e em tablet.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A recolha de dados efetuada através das grelhas revelou que as crianças utilizavam com facilidade
os «Jogos Educativos Digitais», compreendendo a função dos ícones que permitiam voltar ao menu e ouvir
novamente as instruções. As explicações e as instruções dos jogos eram claras e de fácil compreensão e as
suas imagens eram intuitivas e de fácil reconhecimento. Nas sessões de implementação dos jogos
registaram-se melhorias significativas ao nível da participação, interesse, persistência e envolvimento das
crianças na aprendizagem. Verificou-se que o comportamento teve uma melhoria acentuada, especialmente
na criança A, diminuindo a resistência à execução de atividades e aumentando a tolerância à frustração.
Os jogos foram testados em computador e em tablet, obtendo as crianças mais sucesso na
manipulação do último. As crianças não só desenvolveram as competências de consciência fonológica em
todos os seus subníveis, nomeadamente consciência silábica, consciência de rima, manipulação silábica e
consciência fonémica, como também a criança com espectro do autismo adquiriu a leitura global de palavras.
O sucesso obtido pelas crianças foi atingindo progressivamente, porém registou-se uma ligeira quebra
ao nível das competências mais complexas, tais como a manipulação silábica e a síntese e segmentação
fonémica. Analisando a prestação das crianças e os seus cometários ao longo das sessões, concluiu-se que
os jogos são amigáveis e prazerosos, sendo a temática dos mesmos (magia) do agrado das mesmas.
Os especialistas em TIC e em EE partilham da opinião que as TIC representam um papel importante
no processo de ensino aprendizagem, considerando que promovem o sucesso escolar, facilitando a
adequação do plano curricular às necessidades individuais dos alunos, aumentando a sua motivação.
Todavia, asseguram que as escolas não disponibilizam recursos suficientes, adequados e inclusivos,
acentuando que a maioria dos professores não possui formação para utilizar as TIC assertivamente, nem as
perspetivando como um contributo adequado no seio do paradigma da escola inclusiva.
Avaliação por eles efetuada aos jogos foi positiva, apreciando a escolha das imagens e todas as suas
componentes áudio, visual e escrita. Em unanimemente consideraram os jogos, uma mais-valia no processo
de ensino/aprendizagem, assegurando que vêm colmatar uma lacuna nesta área da aprendizagem. Em
consenso referiram que os jogos constituirão um facilitador da aprendizagem da leitura e da escrita, em
crianças com NEE, não prevendo obstáculos à sua utilização, nem observando limitações e erros na
construção dos mesmos. Os especialistas fizeram algumas sugestões, com o intuito de melhorar e aperfeiçoar
os jogos, nomeadamente associar a todas as imagens a sua palavra escrita, diminuir a informação contida
nos menus, simplificar algum vocabulário utilizado e criar dois níveis, «iniciado» e «avançado», sendo que no

875
A Escola: Dinâmicas e Atores

primeiro a passagem pelas explicações fosse obrigatória e no segundo fosse opcional, no entanto não foi
possível efetuar essa alteração devido ao programa no qual estão construídos os jogos.
Triangulando os dados recolhidos junto das crianças com os obtidos nas entrevistas dos especialistas,
destacaram-se alguns pontos convergentes. Como os especialistas previram, as crianças evidenciaram
dificuldade na manipulação de alguns menus, pelo que foi necessário simplificá-los, para que mais facilmente
e autonomamente as crianças selecionassem a opção por elas pretendida. Os especialistas asseguraram que
os «Jogos Educativos Digitais» iriam promover a autonomia, a motivação e o interesse, facilitando a
individualização do ensino, diminuindo o insucesso, o que se constatou na implementação dos mesmos.

PRINCIPAIS CONCLUSÕES
Este estudo embora seja de natureza restrita, uma vez que se reportar a um estudo de casos múltiplos
com apenas duas crianças, permitiu aferir dados importantes relativamente à performance dos «Jogos
Educativos Digitais» e ao seu desempenho no desenvolvimento da consciência fonológica. Neste sentido,
conclui-se que os jogos permitem a individualização e a adequação do ensino às necessidades das crianças
com NEE, facilitando o desenvolvimento da consciência fonológica, permitindo uma aprendizagem gradual,
promovendo a aquisição da literacia. Os jogos foram de fácil manuseio para as duas crianças participantes
no estudo, embora tivessem necessitado de algumas modificações e reformulações. Com a sua
implementação verificou-se que a motivação, a colaboração e envolvimento das crianças durante a
aprendizagem se mantiveram sempre elevados.
Os especialistas consideraram os «Jogos Educativos Digitais» um bom recurso para o
desenvolvimento da consciência fonológica, assegurando que serão uma mais-valia para o processo de
ensino/aprendizagem, especialmente por colmatarem uma lacuna nesta área da aprendizagem.
Considera-se que os resultados obtidos junto das crianças participantes no estudo convergiram com
a opinião/avaliação dos especialistas em TIC e em EE obtendo-se, no geral, uma avaliação muito positiva dos
mesmos.
A utilização do computador e do tablet durante a implementação dos «Jogos Educativos Digitais»
permitiu avaliar a performance dos mesmos em multiplataforma, concluindo-se que mantêm a sua qualidade
visual, áudio e escrita, não apresentando limitações ao nível da execução em plataformas distintas. Desta
forma, pôde-se adaptar a implementação dos jogos às dificuldades manifestadas pelas crianças, ao nível do
manuseamento do rato do computador.
Em suma, conclui-se que embora não se podendo generalizar, os jogos poderão ser utilizados como
uma ferramenta facilitadora do desenvolvimento da consciência fonológica em crianças com NEE, que auxilie
os modelos tradicionais de ensino a superar as dificuldades encontradas ao nível da aquisição da literacia.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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877
A Escola: Dinâmicas e Atores

PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL: POSSIBILIDADES REAIS PARA A FORMAÇÃO


CONTINUADA DE PROFESSORES
[ID 377]

Elisângela Gonçalves Branco Gusi


Instituto Siel
elisangelagusi@hotmail.com

Resumo
Esta pesquisa revela os resultados da investigação que dispôs do seguinte questionamento: Quais conteúdos
a Psicomotricidade Relacional pode contribuir para o desenvolvimento dos professores de ensino básico,
quando agregada a formação pessoal durante a formação continuada? O objetivo foi identificar os conteúdos
que a Psicomotricidade Relacional pode despertar e/ou desenvolver nos professores do ensino básico,
quando agregada a formação pessoal. Para chegar aos resultados optou-se em: identificar os sentimentos
apresentados após a vivência psicomotora relacional. Acompanhar o desenvolvimento dos grupos atendidos
e sua evolução. Apresentar as características da Psicomotricidade Relacional no trabalho com professores.
Verificar a influência da formação no dia a dia escolar. A formação pessoal vem sendo discutida cada vez
mais, um dos pontos culminantes trata da forma como dos docentes lidam com as situações de conflito diário
e seu próprio estresse. A metodologia utilizada para a investigação foi do tipo pesquisa ação intervenção
(Maren, 1996) a qual preconiza a formação e acompanhamento de um grupo de professores, de uma mesma
escola, durante o período de 3 anos e meio, totalizando 8 encontros práticos e 8 encontros teóricos. Os
resultados mostraram que o tempo e espaço criado nas vivências psicomotoras relacionais despertaram
reflexões profundas sobre o fazer pedagógico e pessoal, onde os conteúdos como: frustração, medo,
agressividade, afetividade, alívio de estresse, ansiedade, tolerância e escuta, quando desenvolvidos torna os
professores mais compromissados, atentos, tolerantes, afetivos, disponíveis e desestressados. Relatam a
importância da continuidade do trabalho como ponto de equilíbrio para o período letivo.

Palavras chave: Psicomotricidade relacional, Formação pessoal, Formação continuada, Ensino básico.

Résumé
Cette recherche révèle les résultats de la recherche qui a fourni à la question suivante: Quel contenu le
psychomoteur Relational peut contribuer au développement des enseignants de l'école primaire, quand
agrégée formation personnelle pour la formation continue? L'objectif était d'identifier le contenu relationnel
psychomotricité peut éveiller et / ou développer les professeurs d'éducation de base, lorsqu'elles sont
agrégées formation personnelle. Pour obtenir les résultats, il a été décidé: identifier les sentiments présentés
après l'expérience psychomoteur relationnelle. Suivez le développement de groupes desservis et de leur
évolution. Présenter les caractéristiques relationnelles psychomoteurs travailler avec les enseignants. Vérifiez
l'influence de la formation sur la journée scolaire. La formation personnelle est discutée plus en plus, l'un des
points forts est la façon dont les enseignants face à des situations de conflits quotidiens et de leur propre
stress. La méthodologie utilisée pour la recherche était une sorte d'intervention action de recherche qui appelle
à la formation et le suivi d'un groupe d'enseignants de la même école pendant la période de 3 ans et demi,
pour un total de 8 réunions pratiques et théoriques 8 réunions. Les résultats ont montré que le temps et
l'espace créé dans les expériences psychomotrices relationnelles ont suscité de profondes réflexions sur le
faire éducatif et personnel où des contenus tels que la frustration, la peur, l'agressivité, l'affection, le
soulagement du stress, l'anxiété, la tolérance et l'écoute, quand développé les rend plus d'enseignants
dévoués, attentifs, tolérants, affectueux, disponibles et sans contrainte. Rapport sur l'importance de continuer
à travailler comme un point pour le terme de l'équilibre pour l'année scolaire.

Mots-clés: Psychomotricité relationnelle, Formation personnelle, Formation continue, L'éducation de base.

INTRODUÇÃO
Esta pesquisa buscou identificar os conteúdos que a prática psicomotora relacional pode desenvolver
no trabalho de formação continuada com professores do ensino básico.

878
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A Psicomotricidade Relacional é um método discutido pelo francês André Lapierre que tem
repercussão nos trabalhos desenvolvidos nas escolas, clínicas e empresas. O objetivo é desenvolver
aspectos psicomotores e relacionais sobre si mesmo e na relação com outros.
Com o objetivo de desenvolver os aspectos relacionais dos professores (formação pessoal) do ensino
básico o trabalho se deu de forma continuada e teve como tempo de análise 3 anos consecutivos. Durante
esse tempo houveram 8 encontros práticos e 8 encontros teóricos focados na discussão, tendo como média
dois ou três encontros anuais de cada modelo (teórico e prático).
Os encontros aconteceram, na maioria das vezes, durante a semana pedagógica, a qual é destinada
ao estudo e reciclagem dos professores. A escola analisada possui a psicomotricidade relacional na grade
curricular desde 2006, o que garante o atendimento a todas as crianças. Os professores iniciaram a formação
pessoal, com caráter de formação continuada no ano de 2013. Nesse tempo, alguns profissionais foram
agregados e outros ausentados da formação devido ao desligamento da empresa por diversos motivos. O
que se percebe é que a rotatividade, atualmente, é menor do que há 3 anos atrás, quando iniciou a formação.
Cada encontro prático possui uma proposta que seja compatível a necessidade do grupo. A escolha
sempre foi feita pela formadora e pesquisadora a partir da decodificação realizada sobre o grupo do encontro
anterior e investigação junto a coordenação e/ou direção da escola. Os encontros teóricos ocorreram com a
discussão sobre as ações durante as práticas e apresentação de fotos ou vídeos dos conteúdos evidenciados.
A maioria dos grupos foram compostos por profissionais da escola de diversos setores. É relevante incluir
todos os setores, pois traz o sentimento de inclusão e respeito por parte da gestão, a qual inclusive, participa
também.
A metodologia aplicada nesta pesquisa segue as diretrizes da proposta de Van der Maren (1996), de
pesquisa ação-intervenção, pois trata-se de uma pesquisa onde o formador é também pesquisador. Nesta
perspectiva traz o objetivo de disseminar uma inovação; há criação ou improvisação pedagógica, a partir do
percurso pessoal do pesquisador, propondo um caminho de possibilidades com a utilização de algo já
existente, para que seja testado de maneira diferente e, então, compartilhado por meio da pesquisa.

PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL: CARACTERÍSTICAS DA PRÁTICA


O trabalho com adultos traz a demanda de condução por um profissional experiente, que além de
possuir formação adequada, deve estar amparado pela sua própria análise pessoal. Este atendimento, não
possui caráter terapêutico, embora algumas pessoas o relatem como sendo (Lapierre, 2002). O objetivo é o
fortalecimento pessoal, que se dá a partir de um espaço e tempo de escuta, descarrego de tensões (Batista,
2014), experiências afetivas e agressivas, vivências simbólicas, aceitação incondicional do que e como é, ou
seja, da pessoa antes do profissional que representa e da função que exerce. Sua inteireza é explorada por
via do brincar espontâneo e simbólico, expondo seu eu ao outro e a si mesmo, muitas vezes de maneira
inconsciente (Lapierre & Lapierre, 2010).
É compreensível que a escola, com seus afazeres diários, tem dificuldade com tempo. Alguns
profissionais trabalham em outras instituições ou estudam o que torna o tempo que não estão em atendimento
aos alunos muito escasso. Para tanto, os encontros são direcionados para as semanas pedagógicas, que são
momento de planejamento, decisões sobre os próximos meses de trabalho, formação continuada, revisão
sobre os aspectos ocorridos de relevância e possíveis destaques do próximo semestre.

879
A Escola: Dinâmicas e Atores

Cada encontro trouxe materiais pertinentes aos objetivos propostos pela pesquisadora, em
atendimento as demandas do grupo. Os materiais utilizados são os clássicos da psicomotricidade relacional
e outros que foram agregados posteriormente.
Cada material possui uma simbologia e pode despertar conteúdos a eles associados. Os materiais
utilizados durante os encontros foram:
1. Bolas: usada em diversas vivências, tem valor simbólico de nutrição, outra pessoa e preencher um
espaço vazio. Como é um objeto conhecido por todos, pode promover as relações próximas ou a
distância (Lapierre & Aucouturrier, 2009).
2. Bambolês: permite a relação com o espaço interno e externo. Durante os encontros foi um material
pouco explorado pelos participantes. Tem conteúdo de penetração e isolamento.
3. Cordas: estabelece a relação com o outro ou isolamento, aprisionamento (ibidem). Durante os
encontros foi explorado como aprisionador, para amarrar e prender. Alguns momentos lúdicos no jogo
estereotipado para pular corda e simbolicamente para delimitar espaços.
4. Bastões: é um material ligado a expressão da agressividade (ibidem). Muito utilizado pelos
participantes da pesquisa. Esse material colaborou intensamente para a regulação do tônus e da
agressividade do grupo.
5. Jornais: é um material que estimula o caos (ibidem). Foi utilizado em uma das vivências e despertou
grande euforia no grupo.
6. Tecidos: esse material foi bastante utilizado nas vivências e colaborou para o investimento no
feminino, masculino, simbólico e de espaço. Por se tratar de um material extremamente maleável
estimula a fantasia e a contenção (ibidem).
7. Tinta: material que está ligado as marcas, registros, cores e outros conteúdos decorrentes da proposta
apresentada. Foi utilizado em uma vivência e apresentou extrema aceitação pelo grupo.
8. Paraquedas lúdico: em todos os encontros sustentou a roda inicial e final, em alguns encontros foi
absorvido no brincar servindo de contenção, casa ou representação do poder.
9. Tijolos lúdicos: esse material foi utilizado em uma vivência e despertou grande interesse pelos
participantes. Trouxe conteúdos de construção, agressividade e transgressão. Embora este material
esteja na classificação clássica, foi usado, inicialmente, por Lapierre e Aucouturrier em seus
atendimentos e atualmente por Rodriguez & Llinares (2008) e Gusi (2016).
Todas as vivências seguiram a rotina sugerida por Lapierre & Lapierre (2010) com roda inicial,
momento de brincar, relaxamento e roda final.
Algumas características da Psicomotricidade Relacional realizada com professores, interferem
significativamente nas possibilidades de repercussão no dia a dia escolar.
A primeira delas é o cuidado que se tem no setting quanto ao incentivo de uma vivência reconhecida
pelo brincar espontâneo, onde se investe na expressão simbólica e a relação estabelecida entre todos os
envolvidos.
Os materiais utilizados servirão de mediadores da relação e promoverão possibilidades de
estabelecer relações, criar movimento ou construções.
A valorização no corpo como comunicador, revela a fala interior, transfere emoções e ampara
estímulos de reconhecimento das próprias limitações. Neste aspecto o corpo fala por meio as ações que mais
tarde farão parte das reflexões sobre o vivenciado. Todas as ações passam por uma reflexão pessoal e por

880
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

consequência sugerem relação com a prática diária em sala de aula e, sobretudo, às relações estabelecidas
com os alunos.
Nosso ponto de partida é essencialmente diferente, no sentido de que partimos do corpo, do
corpo agindo em uma relação direta com os objetos, os sons, o espaço, os outros (Lapierre
& Aucouturier, 2004, p.114).
Os encontros vivenciais ocorrem por meio de uma rotina, proposta por André Lapierre. Inicia-se com
a retirada dos sapatos e entrada no setting (espaço que acontecem as vivências)1. Todos são convidados a
sentar ao redor do paraquedas lúdico2 e ali se inicia a roda inicial. Neste tempo há liberdade de expressão
verbal sobre a repercussão do tempo que antecedeu a vivência, possíveis demandas latentes, angustias, ou
mesmo situações ocorridas na escola e que mereçam destaque.
Passado o tempo da roda inicial, os participantes são conduzidos ao brincar. Os materiais são
escolhidos e disponibilizados a partir dos objetivos propostos para o grupo. No caso dessa pesquisa o
planejamento foi realizado a partir do desenvolvimento apresentado pelo grupo.
Os participantes se envolvem no jogo simbólico, alguns com intensidade maior e outros com
intensidade menor. Cada um tem a liberdade de se expressar como desejar, portanto, entrar ou não nas
propostas que um grupo de pessoas traz, dependerá de sua própria demanda. As ações durante o brincar,
serão conteúdos para a reflexão que se dará. É fundamental que cada participante contate com sua liberdade
e se envolva de forma espontânea.
Após o momento do brincar, todos os participantes são convidados ao relaxamento. É o tempo de
resgatar o contato com a respiração, os batimentos cardíacos e as reflexões. O relaxamento propõe um
encontro consigo mesmo, podendo o participante, refletir sobre suas atitudes durante o brincar e fazer
conexões com as ações diárias.
Para finalizar todos retornam a posição circular, sentados sobre o paraquedas, para verbalizarem e
registrarem suas indagações, impressões, observações, é o momento de refletir e, se desejar, compartilhar
com o grupo. Neste tempo, os participantes explanam sobre situações que vivenciaram durante o brincar ou
da vida diária. Além do espaço para verbalizar, os participantes registram por escrito3 suas inquietações.
O tempo vivencial dura em média 3 horas e ocorre com intervalo de 3 ou 4 meses.
O encontro teórico ocorre poucos dias após a vivência. Momento reflexivo sobre o que foi vivido e sua
prática profissional.
Para acompanhar o desenvolvimento do grupo e as reflexões na pertinência do dia a dia na escola,
é realizado o encontro teórico. Estes encontros ocorrem após alguns dias do encontro prático e tem a
finalidade de estimular reflexões, amparar situações de demandas ocorridas no dia a dia pós vivência e
esclarecer sobre possíveis dúvidas que possam ocorrer.
Os encontros têm duração de uma hora, em média, podendo chegar a uma hora e trinta minutos.
Inicialmente são apresentadas as fotos ou vídeos da vivência, assim os participantes têm a oportunidade de
contatar novamente com as ações e sentimentos incluídos durante a prática.
A verbalização é democrática, inicialmente proposta pela formadora e seguida pelo grupo. É relevante
que os participantes falem, reflitam, questionem. Nesse processo é possível compreender a evolução do
grupo, suas necessidades, desejos, anseios, medos, ambivalência, frustração, entre outros conteúdos.

1 Esse espaço deve ser de contenção, de preferência um espaço fechado que ao final possam deitar no chão para o
relaxamento.
2
Material arredondado, colorido, feito de tecido.
3 Esse registro é chamado de auto análise, onde cada um escreve sobre suas observações pessoais.

881
A Escola: Dinâmicas e Atores

Durante os encontros teóricos é possível verificar contradições de apontamentos feitos após a


vivência, muitas vezes pelo amadurecimento emocional reflexivo vivido pelo participante. Ocorre que após a
vivência, momento de euforia emocional, a expressão é carregada de sentimentos e com o passar dos dias,
mais tranquilamente, novas ideias e reflexões tomam espaço em si, trazendo novos pareceres, os quais são
relatados no grupo.
O espaço e tempo destinado as reflexões ocorridas a partir do encontro prático, sustenta a
possibilidade desse encontro apresentar sua relevância. A dificuldade que foi encontrada, com os
participantes da pesquisa, foi compor o grupo com 100% de participação dos presentes no encontro prático,
isso ocorre devido as funções exercidas no ambiente escolar e carga horária de cada um. O resultado
observado com os participantes do encontro teórico se deu de maneira extremamente satisfatória, reforçando
a relevância do mesmo.

A FORMAÇÃO PESSOAL AGREGADA A FORMAÇÃO CONTINUADA


A formação pessoal, vem sendo discutida nas pesquisas de Nóvoa (1992) com a metodologia das
histórias de vida e Imbernón (1992) numa perspectiva complexa sobre a educação, onde o envolvimento
emocional emparelha a qualquer outro aspecto desenvolvido na escola do ensino básico.
A formação pessoal agregada a formação continuada, sugere que os aspectos relacionais
vivenciados no dia a dia dos professores tenham um espaço de discussão e desenvolvimento. Os aspectos
relacionais estão ligados as relações estabelecidas com colegas de trabalho e com os alunos, como a
interrelação, trabalho em grupo, inclusão profissional, empatia, estresse, tolerância, persistência, afetividade,
agressividade, disponibilidade e outros aspectos que potencializam as relações consigo e com o outro.
Para Philippe Perrenoud (2008), é fundamental que trabalhe a formação pessoal do professor, sem
querer assumir um papel de terapeuta. Possibilitar momentos e espaços reflexivos para que o professor
alcance suas relações consigo e com o outro, compreenda mais o outro, seus limites e capacidades.
No âmbito da formação, deparamo-nos com imensas ambivalências, com mecanismos de
defesa que, às vezes, se tornam ainda mais fortalecidos quando o inconsciente prático se
comunica, sem solução de continuidade, com o inconsciente “freudiano”. Quem sabe se por
trás de um aparente desajuste didático na condução das perguntas dos alunos não se oculta
alguma manifestação de medo ou de desprezo, de amor pelo poder, ou mesmo de sadismo
e negação do outro? Tais atitudes estão arraigadas nas camadas da personalidade e
manifestam-se em outros contextos relacionais. A principal ferramenta de trabalho do
professor é sua pessoa, sua cultura, a relação que instaura com os alunos, individual ou
coletivamente. Mesmo que a formação esteja centrada nos saberes, na didática, na
avaliação, na gestão de classe e nas tecnologias, nunca deve esquecer a pessoa do
professor (Perrenoud, 2008, p.176).
A reflexão sobre aspectos pessoais, não se caracteriza como elementos terapêuticos, mas reflexões
sobre o modo de ser, de agir, de relacionar-se e principalmente, de lidar com conteúdos trazidos pelos alunos
em sala de aula. Se parar para refletir sobre as tensões que invadem as escolas, e que de certa forma,
influenciam no processo de ensino aprendizagem, vamos nos deter a agitação e falta de limites por parte dos
alunos. Como lidar com essa situação? O que fazer com crianças/jovens para modificar? Motivar? Somente
motivar basta? E o professor, será que está preparado para intervir com esses alunos? Será que a formação
atende a essa demanda?
Já preconizado por Arroyo (2012), a importância do corpo na escola, quando aponta sobre os
‘exercícios de ser criança, justifica o olhar que deve-se ter na relação estabelecida com a criança. Esse olhar
refere-se a olhar com a criança, resgatar sua criança anterior.

882
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A formação de professores deve procurar em primeiro lugar o olhar as crianças, com olhos de crianças
e fazer o exercício de ser criança, sem contudo infantilizar-se, compreendendo o modo como elas constroem
histórias e cultura no presente e, por conseguinte, a sociedade (ibidem).
Esta pesquisa usou como método de intervenção na formação pessoal a psicomotricidade relacional.
Sobre esse método é possível encontrar pesquisas como: a desenvolvida por Batista (2014) que reflete sobre
a experiência com professores do ensino básico, a qual aponta o estresse docente como dificultador das
relações e desenvolvimento da docência e a pesquisa desenvolvida por Gusi (2016), que aponta a relevância
do método para a formação pessoal de docentes do ensino superior.
A experiência ocorrida nesta pesquisa, aponta conteúdos pessoais desenvolvidos durante os
encontros. Estes conteúdos foram identificados a partir de sentimentos expressos nas auto análises, descritas
ao final dos encontros práticos.
Alguns perceberam rapidamente todo o proveito que poderiam tirar disso para seu ensino.
Retomando as descobertas e os temas vivenciados durante as sessões, analisando-os junto
com as crianças, prolongando-os, investindo-os em diferentes disciplinas escolares, eles
foram levados a modificar profundamente não apenas o seu ensino, mas sua maneira de ver,
de compreender, de “vivenciar” a criança, a sua maneira de pensar a pedagogia e, algumas
vezes, inclusive a sua maneira de ser. A “vivência psicomotora” tornou-se a própria base de
seu ensino (Lapierre & Aucouturier, 2004, p.20).

RESULTADOS DA PESQUISA
Evolução do Grupo de Professores
Na reflexão verbal e no desenvolvimento das vivências
§ Ampliação da disponibilidade corporal.
§ Capacidade de silenciar-se para escutar o outro.
§ Reconhecimento de sentimentos bons e ruins.
§ Autonomia para discutir sobre as relações estabelecidas dentro e fora da vivência.
§ Melhor elaboração afetiva das relações.
§ Aceitação das diferenças.
§ Superação das etapas sugeridas por André Lapierre (2010)

Influência dessa formação no dia a dia escolar


§ Melhora na relação interpessoal.
§ Potencialização do auto conhecimento.
§ Grupo mais unido e tolerante.
§ Ampliação da expressão afetiva.
§ Reconhecimento de seu limite e do limite do outro.
§ Diminuição do estresse.
§ Maior percepção das dificuldades de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos.

883
A Escola: Dinâmicas e Atores

Sentimentos expressos após as vivências


Descritos ou verbalizados
Liberdade Paz
União Entrosamento
Confiança em si e no outro Criatividade
Afetividade Reconhecimento de poder
Aprendizado Cumplicidade
Parceria Coragem
Alívio Medo
Proteção Pertencimento
Feliz Culpa
Prazer
Afirmação
Agressividade
Angústia

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Refletir sobre a formação pessoal dos professores, é abrir novas possibilidades de alcançar um
professor mais disponível, centrado e consciente de sua prática.
A pratica psicomotora relacional, preconiza esse tipo de ação. Permite com sua prática, vivenciar
situações e sentimentos que fazem-se presentes no dia a dia da sala de aula e que muitas vezes, os
sentimentos que envolvem, ficam misturados, tornando a resolução difícil e desgastante.
O professor, resgatando sua auto-estima, sua disponibilidade, reconhecendo seus limites, aceitando
o outro por aquilo que é, principalmente, sentindo que faz parte de todo processo, torna-se mais disponível
para buscar novas ferramentas, ampliar sua criatividade, e se fortalecer com mecanismos didáticos.
O resgate afetivo e a inclusão são aspectos fundamentais para a equipe escolar, visto que a dimensão
de grupo deve estar atrelada e engajada com todos na busca real de uma educação consciente e fortalecida.
A formação continuada está caminhando para uma abertura real ao campo emocional, tendo em vista
as pesquisas descritas neste artigo.
As instituições de ensino, seja da educação básica ou superior, necessitam urgentemente afinar o
olhar para as questões emocionais dos professores. Suas demandas “gritam por socorro” diariamente, nas
relações que estabelecem entre seus pares e seus alunos. A influência externa contamina o ambiente escolar
a todo momento, a pressão por resultados, sentimentos expressos nas demandas pessoais, significação do
fazer pedagógico que expressa o interesse dos alunos, entre muitas justificativas que fragilizam o professor
em sua atuação. Dispor de um espaço para refletir sobre sua atuação, descarregar o estresse que sua
profissão apresenta, compreender-se nas relações encontrando seus limites e reconhecendo os limites dos
outros, são alguns dos benefícios que a formação pessoal, por via da psicomotricidade relacional pode
possibilitar, resultando em aspectos positivos para exercer sua profissão, como apresentado nesta pesquisa.
A proposta dessa formação não exclui da formação continuada outros conteúdos como:
aprimoramento técnico, metodológico, didático e de conhecimentos, mas acrescenta o campo pessoal como
relevante e necessário para uma melhor atuação, visto que a educação possui papel fundamental no
desenvolvimento de todos seres humanos.
A capacidade da auto gestão das próprias emoções, não é tarefa fácil e no exercício de uma profissão
onde as relações estabelecidas ganham espaço decisivo no aprender, o desenvolvimento pessoal é de
extrema pertinência e precisa ser reconhecido como tal.

884
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Esta pesquisa delimitou a análise da formação de um grupo de professores, trouxe inovação na


característica de continuidade e propostas, mas não é entendida como um fim. O grupo continuará com a
formação e possivelmente novas observações ocorrerão, proporcionando vazão para novas publicações, tão
necessárias para o campo científico.

REFERÊNCIAS
Arroyo, M. & Silva, M. (2012). Corpo Infância: Exercícios tensos de ser criança por outras pedagogias dos
corpos. Petrópolis: RJ: Vozes.
Batista, M. (2014). Estresse Docente: contribuições da prática psicomotora relacional para o seu
enfrentamento (1ªEd.). Fortaleza: RDS editora.
Gusi, E. (2016). Psicomotricidade relacional: um método para o desenvolvimento pessoal e profissional do
professor. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba.
Imbernón, F. (2009). Formação Permanente do professorado novas tendências. São Paulo: Cortez.
Lapierre, A. (2004). A Simbologia do Movimento Psicomotricidade e Educação (3ªEd.). Curitiba: Filosofart
Editora.
Lapierre, A (2002). Da psicomotricidade relacional à análise corporal da relação. Curitiba: Ed. UFPR.
Lapierre, A. (2002). O Adulto diante da criança de 0 a 3 anos: Psicomotricidade relacional e formação da
personalidade. Curitiba: Ed. UFPR.
Llinares, M. & Navarro. A. (1998). Psicomotricidad y Globalização Del Curriculum de educación infantil.
Ediciones.
Nóvoa, A. (1992). Os professores: um “novo” objecto de investigação educacional? In Nóvoa, A. (Org.) A
Vida de professores. Porto: Porto Editora.
Perrenoud, P (2008). A Prática Reflexiva no Ofício de Professor: Profissionalização e Razão Pedagógica.
Porto Alegre: Artmed.
Van Der Maren, J. (1996). Méthodes de recherche pour l´éducation. Montréal Bruxelas: PUM e Boeck.

885
A Escola: Dinâmicas e Atores

INOVANDO A INCLUSÃO: IMPLANTAÇÃO DA PRÁTICA PSICOMOTORA


RELACIONAL NA ESCOLA
[ID 378]

Elisângela Gonçalves Branco Gusi


Instituto Siel
elisangelagusi@hotmail.com

Resumo
Este estudo apresenta as reflexões oriundas da análise e observação de escolas que implantaram a
psicomotricidade relacional na grade curricular como facilitadora da inclusão. O questionamento da pesquisa
gravitou sobre: Quais os possíveis benefícios que a psicomotricidade relacional pode apresentar para a
inclusão das diferentes demandas das crianças no dia a dia escolar? O objetivo foi acompanhar e analisar
escolas que implantaram a psicomotricidade relacional na grade curricular. Delimitou-se a analisar o formato
de implantação da prática na escola, perceber as modificações no comportamento social, motor e relacional
das crianças e destacar possíveis especificidades com crianças inclusivas. A metodologia aplicada neste
estudo foi o estudo de caso, pois se pretendeu analisar cada caso e suas consequências. Foram analisadas
3 escolas da rede particular de ensino básico (Educação infantil e séries iniciais) de Curitiba/Pr - Brasil,
totalizando 93 questionários respondidos por profissionais dessas escolas e acompanhamento de observação
durante 2 semestres letivos. O resultado da pesquisa mostrou a relevância do método para intensificar a
inclusão, isso decorrente da atividade espontânea fortalecida pelo jogo simbólico, onde os indivíduos
ampliaram a comunicação, o conhecimento sobre si, a criatividade, a autoestima, aceitaram uns aos outros
com suas próprias demandas. Outro aspecto fundamental foi o trabalho realizado com profissionais e pais,
ampliando a mesma linguagem em todas as vias da escola. As especificidades das crianças com demandas
especiais não destoaram no grupo, pelo contrário ocorreram ações naturais nas práticas, visto a valorização
pelo que há de positivo em cada um por parte de outras crianças e profissionais.

Palavras-chave: Psicomotricidade relacional, Inclusão, Inovação, Ensino básico.

Résumé
Cette étude présente les réflexions découlant de l'analyse et de l'observation des écoles qui ont mis en œuvre
la psychomoteur relationnelle dans le programme en tant que facilitateur d'inclusion. La remise en question
de la recherche gravitait sur: Quels sont les avantages possibles que psychomoteur relationnelle peut
présenter à l'inclusion des différentes demandes des enfants tous les jour d'école? L'objectif était de surveiller
et d'analyser les écoles qui ont mis en œuvre la psychomoteur relationnelle dans le curriculum. Délimité à
examiner le format pratique de mise en œuvre à l'école; remarquer les changements dans le comportement
social, le moteur et les relationnelles enfants; et mettre en évidence les spécificités possibles avec enfants
compris. La méthodologie utilisée est l'étude de cas, afin qu'il puisse analyser chaque spécificité et ses
conséquences. Nous avons analysé trois écoles de l'éducation de base privée (éducation de la petite enfance
et l'enseignement primaire - premières années) de Curitiba / Pr - Brésil, totalisant 93 questionnaires remplis
par des professionnels dans ces écoles et le suivi de l'observation pour 2 semestres. Le résultat de la
recherche a montré la pertinence de la méthode pour améliorer l'inclusion, qu'en raison de l'activité spontanée
renforcée par le jeu symbolique où les individus ont augmenté la communication, la connaissance de l'autre,
la créativité, l'estime de soi, a accepté l'autre avec leurs propres exigences . Un autre aspect important est le
travail effectué avec les professionnels et les parents, l'extension de la même langue dans tous les itinéraires
scolaires. Les spécificités des enfants ayant des besoins spéciaux ne destoaram dans le groupe, au contraire,
il y avait des actions naturelles dans la pratique, que l'appréciation de ce qui est positif dans chacun des autres
enfants et des professionnels.

Mots-clés: Psychomotricité relationnelle, L'inclusion, L'innovation, L'éducation de base.

INTRODUÇÃO
A Psicomotricidade Relacional discutida na década de 70, pelo educador físico André Lapierre, é uma
ferramenta que tem agregado muitas experiências no âmbito educacional. A prática possibilita um tempo e

886
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

um espaço de fortalecimento pessoal e cognitivo, agregado as relações profissionais, sociais e familiares. A


partir de uma atividade prática espontânea fortalecida pelo jogo simbólico e disponibilidade de materiais
próprios, ocorre a possibilidade dos indivíduos participantes ampliarem a comunicação, o conhecimento sobre
si, potencializar a criatividade, melhorar a autoestima entre outros aspectos fundamentais para a saúde
emocional e social.
Sua práxis está diretamente engajada ao atendimento de pessoas na dinâmica grupal, englobando
tanto o atendimento para crianças, quanto para adultos.
O objeto de estudo desse artigo, gravita aos arredores dos procedimentos de implantação da prática
de Psicomotricidade Relacional na escola. Tais procedimentos fortalecem e direcionam a eficácia dos
resultados gerais dos atendimentos que envolvem a prática psicomotora relacional.
A Psicomotricidade Relacional na escola está inserida no atendimento de crianças, professores,
demais profissionais da escola e pais. Cada campo de atuação que a prática está inserida, traz seus
benefícios e possibilita o fortalecimento das questões relacionais, cognitivas e afetivas.
Estabelecer procedimentos fieis e estruturados ao desenvolvimento da prática da Psicomotricidade
Relacional na escola, fideliza o método, André Lapierre, deixou como diretriz, além de estabelecer uma
mesma comunicação, baseada na afetividade, por todas as pessoas envolvidas no sistema educacional,
sejam alunos, pais, professores e funcionários.
A proposta de implantação da prática de Psicomotricidade Relacional na escola, compõe um olhar às
relações pessoais e a saúde emocional de todos indivíduos envolvidos. Com este objetivo, no decorrer do
artigo estará explicitado cada propósito de atendimento e procedimentos necessários a integração e
desenvolvimento da prática psicomotora relacional.

ATENDIMENTO AO CORPO DOCENTE E FUNCIONÁRIOS DA ESCOLA


A Psicomotricidade Relacional vem em encontro com a busca incansável dos gestores a uma
formação, que possibilita a real integração e fortalecimento da equipe de trabalho, elementos que promovam
o desenvolvimento profissional do corpo docente escolar. Atua no campo da formação pessoal, que até então,
encontrava-se em uma lacuna compreensível, a ferramenta desenvolvida a partir de um trabalho consistente,
aproxima os objetivos que proporcionam o alcance da excelência de desenvolvimento profissional almejada
e elencada pelas instituições de ensino.
Repensar a educação é promover uma completa inversão dos valores. É outorgar prioridade
ao ser, e não ao ter.(...) No tipo de educação que defendemos, o processo essencial, no qual
a atenção do educador segue permanentemente concentrada, não é mais o processo de
ensino, de transmissão de saberes, mas o processo de evolução da pessoa (Lapierre, 2004
p.109).
A realidade apontada, no que diz respeito ás relações do/no trabalho vivenciadas pelos professores,
preocupam cada vez mais os gestores. Tanto no que diz respeito ao trabalho em equipe, quanto à
comunicação entre professores e alunos.
A escola na busca de um trabalho que amplie os limites, favoreça a qualidade das relações e que
estas, fecundem seus resultados numa relação mais significativa e proveitosa para a aprendizagem, recorre
a Psicomotricidade Relacional para o atendimento de professores e funcionários.
O trabalho desenvolvido, utilizando-se a ferramenta da Psicomotricidade Relacional preconiza a
diminuição de: conflitos pessoais e profissionais, stress, incompatibilidade nas relações de trabalho, saúde
emocional precária, comunicação deficitária, baixa de auto estima, absenteísmo docente, rotatividade, entre

887
A Escola: Dinâmicas e Atores

outros aspectos que prejudicam o desempenho da equipe de trabalho escolar, encontrando resultados que
minimizem essas dificuldades, que tanto interferem no processo de ensino aprendizagem dos alunos. É a
busca pela qualidade de vida do professor, já preconizada por Lapierre, 2004 “A qualidade de vida é a
qualidade do ser, não do ter. Ser, existir, é exercer livremente o próprio poder de agir sobre o meio, mantendo
a autonomia das próprias decisões.”
Neste momento, você deve estar se perguntando, mas, como acontece esse trabalho com os
professores?
Primeiramente é realizado um encontro prático com todos os professores e funcionários da escola. A
partir da prática da Psicomotricidade Relacional os professores e funcionários inserem-se numa comunicação
infraverbal corporal, por meio do brincar espontâneo e do jogo simbólico, as relações são estabelecidas e
fortalecidas. O grupo engaja em um mesmo contexto, simbólico, capaz de desbravar atitudes e movimentos
de registros arcaicos.
Cada vivência, ao transportar seus objetivos, fará uso de uma categoria/combinação de materiais
próprios da Psicomotricidade Relacional.
As vivências seguem uma rotina própria, inicialmente, na chegada retiram-se os sapatos, que são
deixados em um espaço apropriado, juntamente com outros objetos pessoais trazidos pelos participantes.
Momento de sentar em roda, falar sobre as perspectivas, dificuldades e propostas para brincar. Em seguida,
é feita a orientação e, se for o caso1, distribuídos os materiais que serão utilizados para o início da sessão.
Após um momento de movimento e baixa da resistência consciente, o grupo passa ao relaxamento,
onde possibilita-se encontrar reflexões acerca do que foi vivenciado.
O fechamento de cada trabalho vivencial, acontece em um momento de reflexão em grupo, sentados
em roda é possível verbalizar sobre o que foi vivenciado e fazer uma reflexão acerca de conteúdos pessoais.
Dando continuidade a esse momento vivencial, em outro momento, é feito um encontro teórico, o qual
objetiva refletir sobre conteúdos fundamentais para as relações interpessoais, a partir do que foi vivenciado
no momento prático.
Estes encontros, práticos e teóricos devem ter continuidade, mais ou menos trimestrais.

ATENDIMENTO AOS ALUNOS


A Psicomotricidade, atualmente, vem sendo estudada como fundamental ferramenta do professor. A
necessidade é apontada graças a práticas da educação baseada em aspectos da motricidade da humana.
Apresento um caminhar reflexivo às relevâncias da Psicomotricidade Relacional integrada a grade
curricular das escolas. Entenda que indiferente da idade em questão, a base de estudo e experiência certifica-
se com os mesmos objetivos e resultados, pois trabalha-se pela essência do ser.
O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (1998), preconiza:
A dimensão subjetiva do movimento deve ser contemplada e acolhida em todas as situações
do dia-a-dia na instituição de educação infantil, possibilitando que as crianças utilizem gestos,
posturas e ritmos para se expressar e se comunicar. Além disso, é possível criar,
intencionalmente, oportunidades para que as crianças se apropriem dos significados
expressivos do movimento (p.30)

1
Existem sessões que não utilizam materiais e outras que só iniciam sem materiais, os mesmos são colocados a partir
do momento que o grupo ultrapassa a etapa proposta anteriormente.

888
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O linear histórico envolvendo a Psicomotricidade, nos traz a contribuição de diversos pesquisadores.


Para compreender mais estas contribuições seguirá os cortes epistemológicos da psicomotricidade, segundo
o Psicomotricista e Psicanalista argentino Esteban Levin (2004).
O autor refere-se á três cortes epistemológicos, rapidamente, são eles:
O primeiro corte epistemológico remete as pesquisas da neuropsiquiatria a respeito do funcionamento
motor do indivíduo, favorecendo neste aspecto a reeducação motora, num devir histórico de 1900.
O segundo corte epistemológico traz os estudos da psicologia, em especial a psicologia genética.
Neste momento histórico, o ato motor está diretamente ligado ao corpo, este corpo já é visto em seu
movimento, ou seja, o corpo com seu movimento passa a ser um instrumento de construção da inteligência.
O terceiro e último corte epistemológico refere-se às contribuições psicanalíticas, onde situa-se o
sujeito com seu corpo em movimento. Compreende-se nessa passagem o sujeito desejante,
Partindo do terceiro corte epistemológico, na década de 70, alguns autores, entre eles André Lapierre
e Bernard Aucouturier, definem a Psicomotricidade como a motricidade da relação.
Vieira, Batista + Lapierre (2005) destacam o papel da psicomotricidade nos dias atuais: “Atualmente,
temos uma psicomotricidade que visa privilegiar a qualidade da relação afetiva, a disponibilidade tônica, onde
o corpo e a motricidade são abordados como unidade e totalidade do ser.” (p.28).
Essa prática é responsável, não só pelos aspectos motores, mas as relações estabelecidas e
referenciadas no devir relacional da aprendizagem, compete aos momentos de expressões corporais, de
movimento, maiores possibilidades do aluno apoderar-se de seu corpo como instrumento de projeção, relação
e aprendizagem.

Na prática psicomotora relacional o aluno, expressa-se em sua plenitude, com seus movimentos,
desejos, necessidades, medos, seu corpo está atuante no meio, nas relações estabelecidas com o outro e
com os objetos. O professor, uma vez inserido na prática de movimento corporal, poderá aproximar-se de
forma mais efetiva e incondicional do aluno, favorecendo a construção vincular da relação professor e aluno2.

Ferreira & Acioly-Régnier (2010) apontam em sua pesquisa o lugar das relações de afetividade na
escola.

A escola como lugar privilegiado para a formação exclusiva da cognição tem encontrado
desafios antes não imaginados, pois em que pesem as tentativas de impedir o surgimento
dos afetos no ato educativo, a sua presença aparece nas atividades propostas, nas
relações que são estabelecidas, nos ditos e não ditos que povoam o imaginário escolar,
(...) (p. 24)
O aluno de que está construindo sua personalidade, buscando uma identidade própria, absorve
“modelos”, que rodeiam sua volta. Muitas crianças de Educação Infantil permanecem na escola por 8h ou
mais, o que supõe um maior contato com o ambiente escolar do que com o ambiente familiar, segundo a
revista NOVA ESCOLA- ago/2007. Paralelo a isso, é na fase da Educação Infantil que a motricidade toma
seu caráter mais relevante, é a fase da experimentação, construção e descobertas na construção do eu como
indivíduo atuante no meio. O Referencial Curricular da Educação Infantil (1998) diz:

2
Item tratado anteriormente sobre a formação continuada de professores, no atendimento para professores e funcionários

889
A Escola: Dinâmicas e Atores

Nesse sentido, as instituições de educação infantil devem favorecer um ambiente físico e


social onde as crianças se sintam protegidas e acolhidas, e ao mesmo tempo seguras para
se arriscar e vencer desafios. Quanto mais rico e desafiador for esse ambiente, mais ele lhes
possibilitará a ampliação de conhecimentos acerca de si mesmas, dos outros e do meio em
que vivem.
O trabalho com movimento contempla a multiplicidade de funções e manifestações do ato
motor, propiciando um amplo desenvolvimento de aspectos específicos da motricidade das
crianças, abrangendo uma reflexão acerca das posturas corporais implicadas nas atividades
cotidianas, bem como atividades voltadas para a ampliação da cultura corporal de cada
criança.” (V.3 p.15).
Sendo este, um dos papéis da Educação, a Psicomotricidade Relacional envolvida em suas
argumentações relacionais, motoras e cognitivas, permite o estabelecimento de troca entre professor e aluno
facilitando as relações corporais as quais inscrevem-se registros pessoais que traduzirão a amplitude do ser.
Possibilitando o desenvolvimento global da criança, como afirmam os autores Meur & Staes (1989):
Portanto a função motora, o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento afetivo estão
intimamente ligados na criança: a psicomotricidade quer justamente destacar a relação
existente entre a motricidade, a mente e a afetividade e facilitar a abordagem global da
criança (...). (p.5)
Entende-se que para a criança o envolvimento do adulto em suas tentativas experienciais, fortalece
seu campo de visão, ampliando o vínculo que dará subsídios fortalecedores para favorecer o ambiente
educativo no processo de ensino aprendizagem.
O elo positivo na relação criança e adulto favorece sua base pessoal, na construção do sujeito, sendo
este, reprodutor do modelo em sua fase adulta, como cita Diniz & Koller, 2010 enunciando a reflexão de
Bronfenbrenner.
(...) oferecer a criança outro estilo relacional, aumentando e complexificando as suas
possibilidades relacionais e vinculares. Assim, é importante destacar como o próprio
desenvolvimento parental é influenciado pelo comportamento e desenvolvimento de seus
próprios filhos, o que mais uma vez reforça a ideia do desenvolvimento como processo
dinâmico, influenciado pelos vários sistemas e elementos que o constituem. Nessa
perspectiva, percebe-se que, ao longo do tempo, influenciado pelas pessoas e o contexto no
qual se desenvolve.
Estudos no campo da Psicopedagogia, também concordam que a aprendizagem se dá nessa relação
com outro e que dele dependem sua eficácia, como as experiências de Jorge Larrosa citado por Barbosa &
Souza (2010):
Para a Psicopedagogia, portanto, a aprendizagem depende do aprendiz, mas não somente
dele. Depende, também e fundamentalmente, do outro, do que ele vive com esse outro, das
experiências que, segundo Jorge Larrosa (2004), são da ordem daquilo que “nos passa”, e
não somente do que se passa. Não basta viver uma situação; é preciso que ela apaixone,
mobilize e toque verdadeiramente o aprendiz (p.24).
Encontra-se consonância sobre este aspecto, na teoria de Henry Wallon (1995), onde é destacado a
importância do ambiente social, suas trocas e benefícios trazidos pelas mesmas. Também é apontado que a
motricidade do indivíduo é sua primeira forma de expressão, sendo esta, afetiva. Compreende que o “diálogo
tônico” é o primeiro nível de socialização do indivíduo.
Destaca-se, portanto, a importância da relação do adulto/professor estabelecida com o aluno, sendo
esta facilitada no campo da Psicomotricidade Relacional, por meio do brincar. Não um professor que observa
o brincar, mas aquele que se insere no brincar do aluno, ocupando um papel simbólico no jogo. Seja este
brincar puramente motor, seja simbólico no faz-de-conta, o professor inserido coloca-se a par do mundo do
aluno, entendendo-o com mais propriedade, para então, auxiliá-lo com maior competência em seu
desenvolvimento.

890
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O caminho mais eficaz para aproximar-se (poder conhecer melhor) a criança é por meio do brincar,
pois segundo Jardim (2003) “A criança recria suas experiências através de suas brincadeiras(...)” (p.36) “(...)
Por meio da brincadeira, as crianças nos mostram que da desordem inicial, do conflito, surgia uma desordem
necessária para a situação que viviam. Brincando, manifestavam suas regras e a possibilidade de se
ordenarem.” (p.84)
Neste aspecto, também percebemos que as intervenções psicológicas utilizam-se da ludicidade, do
brincar para acessarem o aluno.
A inclusão demanda de um professor atento a toda nuance que as relações se dão e ainda envolver
o corpo como meio de comunicação, tornando-se disponível para a comunicação do aluno em sua mais
integra expressão.
O fortalecimento de vínculo tão discutido na Educação Infantil, deixa de ter atenção em outros níveis
de ensino. Essa quebra vincular e de olhar, muitas vezes, é motivo de dificuldades ligadas ao aprendizado e
a inclusão como aponta José & Coelho (2010).
(...) o papel do professor é fundamental. Sua atitude para com os alunos pode influenciar de
maneira decisiva a construção da autoimagem deles, de sua maneira de ver a si mesmos.
Você pode promover ou estimular o crescimento emocional de seus alunos todos os dias, de
mil e uma formas. Você já deve ter percebido quanto sua figura é significativa para seus
alunos. E isso tem consequências bem serias. Nem que fizesse um grande esforço para
apenas transmitir novos conhecimentos às crianças, uma professora não conseguiria. Seu
método de ensinar, suas atitudes o jeito de se relacionar com cada aluno, e até mesmo a
frequência com que ela fala com cada um, o interesse e o carinho que mostra até sem querer,
estariam influenciando todo o desenvolvimento afetivo das crianças. Em consequência, ela
estaria influindo sobre a formação do autoconceito, sobre a motivação e a capacidade de
aprendizagem.
O atendimento psicomotor relacional aos alunos na escola acontece semanalmente, com duração de
uma hora. Em um espaço protegido, longe de olhares externos e com o uso de materiais próprios da
Psicomotricidade Relacional. As práticas seguem rotinas próprias, assim como as propostas anteriormente
no atendimento de professores e funcionários. Ao final de cada sessão, é realizado um registro físico, podendo
ser desenho para crianças menores ou escrita, para aquelas que já integraram essa ferramenta.
O psicomotricista relacional responsável pelas sessões na escola, é ativo ao corpo docente, participa
de reuniões com pais, equipe pedagógica e administrativa da escola, elabora relatórios sobre os alunos
atendidos e participa de momentos festivos e formativos proporcionados pela escola.
Os alunos participantes das práticas de Psicomotricidade Relacional, dispõe-se de maior tranquilidade
em nível emocional, o que permite ampliar a concentração, criatividade, disponibilidade para aprender, na
socialização mais tolerância, fortalecimento da afetividade, canalização da agressividade positiva, entre
outros aspectos relevantes para o aprendizado.

ATENDIMENTO AOS PAIS


A participação dos pais no processo de aprendizagem de seus filhos é imprescindível, assim confirma
o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, sob a Lei n° 8.069/1990, de 13 de julho de 1990: “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família (CF, art. 205), reclama atenção especial dos pais, pois estes
têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores” (CF, art. 229).
No que tange o atendimento da Psicomotricidade Relacional aos pais, é agregado atendimentos
individualizados para acompanhamento das observações feitas nas sessões, palestras e discussões acerca
do comportamento e desenvolvimento infantil e quando acertado com a escola, eventos que busquem tempo

891
A Escola: Dinâmicas e Atores

e espaço para receberem seus filhos numa relação de afetividade e dinamicidade aprimorando o ajuste da
comunicação e relação familiar.

PESQUISA
A pesquisa ocorreu durante 2 semestres em três escolas que concordaram em implantar a
psicomotricidade relacional na grade curricular.
Antes de iniciar a implantação do método, questionou-se os professores sobre:
1- Dificuldades apresentadas pelas crianças inclusivas no dia a dia.
2- Dificuldades encontradas pelo corpo docente no atendimento às necessidades especiais das
crianças.
O resultado das respostas enviadas pelos professores foram:
Dificuldades apresentadas pelas crianças inclusivas no dia Dificuldades encontradas pelo corpo docente no
a dia atendimento às necessidades especiais das crianças
§ Socialização; § Possibilidades de trabalho variadas/diversidade
§ Aprendizagem; pedagógica.
§ Limites; § Relação pessoal.
§ Concentração; § Tolerância.
§ Rejeição;
§ Irritabilidade.
Compreendendo o universo das três escolas pesquisadas, as demandas inclusivas foram:
§ Síndrome de Down.
§ Desafio opositor.
§ TDAH
§ Autismo.
§ Paralisia motora
§ Altas habilidades
As dificuldades que os professores apontavam levavam ao interesse de uma formação apropriada e
que fortalecessem elementos básicos para o dia a dia escolar.
A formação dos professores tem de ser alicerçada numa informação coerente, numa
experiência prática e numa procura científica, rigorosa e metodologicamente dimensionada.
Só dentro destas coordenadas pode nascer a compreensão das práticas educacionais e a
superação dos tradicionais empirismos (Fonseca, 1989).
Após a implantação da prática psicomotora relacional nas escolas, o relato dos professores
apontaram para as seguintes modificações:
§ Ampliou-se a escuta sobre o outro.
§ Maior tolerância sobre as dificuldades.
§ Inclusão com mais facilidade no grupo.
§ Investimento nas possibilidade simbólicas e de aceitação quanto ao tempo de retorno.
§ Compreensão sobre a rejeição.
A pesquisa se encerrou, mas as escolas continuaram com as atividades, pois a mudança foi
significativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Psicomotricidade Relacional, como relatado anteriormente, é uma ferramenta que pode estar
inserida em diversos atendimentos na escola. Colabora intensamente no desenvolvimento da aprendizagem
potencializando atitudes positivas e relevantes à formação pessoal, tanto de alunos como para professores.

892
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A implantação dessa ferramenta no âmbito escolar seguindo todos os atendimentos apresentados


neste artigo, promove a saúde emocional, comunicação única e afetiva, regulação das relações interpessoais,
redução do nível de stress, motivação para a aprendizagem, socialização, prazer entre as relações, entre
outros aspectos positivos para o contexto escolar.
Por fim, o processo de implantação da Psicomotricidade Relacional na escola, deve ser iniciado com
um trabalho focado nos professores e funcionários, na busca do desenvolvimento pessoal, atendimento aos
alunos, precavendo objetivos que potencializam o aprendizado e o atendimento aos pais, onde encontra-se
possibilidades de comunicação enraizadas nas atitudes positivas para a educação dos filhos.
A inclusão torna-se inclusiva quando algo é feito pela coletividade respeitando a individualidade de
cada um. O objetivo não foi implantar uma prática para crianças de inclusão, mas promover um movimento
para todos e nesse “todos”, absorvessem elementos que fortalecessem as relações, a aceitação do outro, a
escuta, os limites, entre outros necessários a boa convivência.
O trabalho com os professores é fundamental e não pode ser dispensado, a escola deve arcar com
esse papel, de formadora, para dar horizonte a educação que almeja.

REFERENCIAS
Barbosa, L. & Sousa M. (2010). Segredos do Aprender: A Psicopedagogia e as Elaborações Simbólicas. São
José dos Campos: Pulso.
Diniz, E. & Koller, S. (2010). O afeto como um processo de desenvolvimento ecológico. In Dossiê Cognição,
Afetividade e Educação. Educar em Revista. Curitiba: Editora UFPR, (36), 65-76.
Ferreira, A. & Acioly-Régnier, N. (2010). Contribuições de Henri Wallon à relação cognição e afetividade na
educação. . In: Dossiê Cognição, Afetividade e Educação. Educar em Revista. Curitiba: Editora UFPR,
(36), 21-38.
Fonseca, V. (1989). Educação Especial. Lisboa: Ed. Noticias.
Jardim, C. (2003) Brincar: um campo de subjetivação na infância. São Paulo: Annablume.
José, E. & Coelho, M. T. (2010). Problemas de Aprendizagem (13ªEd.). São Paulo: Àtica.
Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990: Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências.
Lapierre, A. & Aucouturier, B. (2004). A Simbologia do Movimento: Psicomotricidade e Educação (3ªEd.).
Curitiba: Filosofart.
Levin, E. (1995). A Clinica Psicomotora: O Corpo na Linguagem (6ªEd.). Petrópolis: Vozes.
Meur, A. & Staes, J. (1989). Psicomotricidade: educação e reeducação. São Paulo: Manole.
Minstério Público do Paraná, acesso em 26/05/13, em http://www2.mp.pr.gov.br/cpca/telas/ca_ igualdade_
5_2_2_14.php)
Referencial Curricular Nacional Para Educação Infantil/. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de
Educação Fundamental. MEC/SEF, Brasília, 1998.
Revista Nova Escola. Acesso em 27/09/10, em revistaescola.abril.com.br/educacao-infantil/educacao-
infantil.../educacao-infantil-prioridade-422791.shtml
Vieira, J., Batista, M. & Lapierre, A. (2005) Psicomotricidade Relacional: A teoria de uma prática (2ªEd.).
Curitiba: Filosofart.
Wallon. H. (1995) As origens do caráter na criança. Nova Alexandria, S. Paulo.

893
A Escola: Dinâmicas e Atores

PENSAMENTO COMPLEXO E A PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL: UM OLHAR


PARA A FORMAÇÃO DO DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
[ID 375]

Edna Liz Prigol


Elisângela Gonçalves Branco Gusi
PUCPR; INSTITUTO SIEL
prigoledna@gmail.com; elisangelagusi@hotmail.com

Resumo
O tema central desta pesquisa envolve a formação docente, pensamento complexo e psicomotricidade
relacional. A verificação realizou-se na linha de pesquisa Teoria e Prática Pedagógica na Formação de
Professores, no grupo PEFOP (Paradigmas educacionais e formação de professores), do Programa de Pós-
graduação em Educação (PPGE), da PUCPR. A pesquisa teve como objetivo geral: realizar atividades de
vivencia com os docentes da educação superior, utilizando os fundamentos da psicomotricidade relacional
para formar docentes com visão complexa permitindo trabalhar com o acadêmico em todos os seus aspectos
intelectuais, físicos, psíquicos, biológicos, afetivos e emocionais. Numa abordagem qualitativa, tipo estudo de
caso, envolveu a análise da formação continuidade institucional docente, em um centro universitário da rede
privada. Para coleta dos dados utilizou-se da aplicação de questionário para 77 docentes e encontros com
dezenove professores que participaram das vivências de psicomotricidade relacional. Os estudos revelaram
que após as vivências os docentes refletiram mais sobre si mesmos e as relações estabelecidas diariamente
no centro universitário.

Palavras-chave: Formação docente, Educação superior, Complexidade, Psicomotricidade relacional.

Résumé
Le thème central de cette recherche implique la formation des enseignants, la pensée complexe et
psychomotricité relationnelle. La vérification a été effectuée dans la ligne de la théorie de la recherche et de
la pratique d'enseignement dans la formation des enseignants dans le groupe PEFOP (paradigmes éducatifs
et la formation des enseignants), le programme de formation postdoctorale (PPGE) PUCPR. L'enquête visait
à: effectuer des activités d'expériences avec les enseignants de l'enseignement supérieur, en utilisant les
principes fondamentaux de la psychomoteur relationnelle pour former les enseignants avec vue complexe qui
vous permet de travailler avec le milieu universitaire dans toute sa intellectuel, physique, psychologique,
biologique, affective et émotionnel. Une approche qualitative, une étude de cas concernait l'analyse de la
continuité institutionnelle de l'enseignement de la formation dans un centre universitaire du réseau privé. Pour
la collecte de données a été utilisé un questionnaire à 77 enseignants et des rencontres avec dix-neuf
enseignants qui ont participé aux expériences de psychomotricité relationnelle. Des études ont montré que,
après les expériences des enseignants reflètent plus sur eux-mêmes et les relations établies chaque jour dans
le centre universitaire.

Mots- clés: La formation des enseignants, L'enseignement supérieur, La complexité, Psychomoteur


relationnelle.

INTRODUÇÃO
Hoje existe uma enorme exigência e necessidade de profissionais críticos, criativos, autônomos e
competentes que estejam aptos a enfrentar os desafios postos na contemporaneidade que em decorrência
dos avanços científicos e tecnológicos provocaram grandes transformações na sociedade. Este cenário
necessita de pessoas que se apropriem de conhecimentos, desenvolvam habilidades e capacidades de
raciocinar e gestar soluções oferecendo respostas aos diversos problemas a serem enfrentados. Estas
transformações vêm alterando entre outras coisas os papeis dos profissionais, como já afirmava Moraes
(1997) na década de 90:

894
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A ciência está exigindo uma nova visão de mundo, diferente e não fragmentada. A atual
abordagem que analisa o mundo em partes independentes já não funciona. Por outro lado,
acreditamos na necessidade de construção e reconstrução do homem e do mundo, tendo
como um dos eixos fundamentais, a educação, reconhecendo a importância de diálogos que
precisam ser restabelecidos, com base em um enfoque mais holístico e em um modo menos
fragmentado de ver um mundo e nos posicionarmos diante dele. Já não podemos prescindir
de uma visão mais ampla, global para que a mente humana funcione de modo mais
harmonioso no sentido de colaborar para a construção de uma sociedade mais ordenada,
justa, humana, fraterna e estável. (p.20)
Diante deste desafio o professor universitário hoje necessita além do domínio de conhecimentos
específicos de sua área e saber ensiná-los, mas compreender o significado e a possibilidade de fazer com
que os acadêmicos se apropriem destes conteúdos e possam utilizá-los para se transformarem em cidadão
do mundo aptos a enfrentar os desafios impostos pela sociedade. Nessa direção Imbernón (2010) observa
que “[...] a nova era requer um profissional da educação diferente” (p.12), com competências além da
científica, pedagógica e didática, mas um professor que tenha uma docência que possa enfrentar e se adaptar
aos novos problemas, conviver com as alterações, incertezas, transitoriedade dos conhecimentos e com as
situações ambíguas e conflituosas.
As exigências do novo perfil docente vão além do domínio de conteúdos e aplicação de estratégias e
técnicas de ensino necessita um professor mais capacitado, habilidoso, com nível de percepção e de
consciência mais ampliada para as possibilidades de interações que podem ocorrer no interior da sala de
aula.

FORMAÇÃO DOCENTE
Estas pontuações conduzem para ampliação da discussão na direção de pensar na dimensão pessoal
do professor, Zabalza (2004) afirma que “[...] os professores ensinam tanto pelo que sabem como pelo que
são” (p.131), implicando a compreensão de que a qualidade da docência está diretamente ligada aos
conhecimentos pedagógicos e específicos da área de atuação, mas também a pessoa do profissional da
educação.
Este ser professor reflete em sua docência aquilo que pensa, suas percepções, sua consciência que
“[...] por sua vez, é construída de maneira crescente e recursiva mediante processos de autorreflexão e de
auto-organização constante, onde o produto é, ao mesmo tempo, causa e causante daquilo que produz”
(Moraes, 1997, p.33), isto porque o docente deve ser visto de forma integral, corpo, mente e intelecto e não
fragmentado entre o pessoal e o profissional, “[...] biologicamente falando, não dá para separar
desenvolvimento humano do desenvolvimento profissional, já que o SER e o FAZER estão absolutamente
co-implicados na corporeidade humana” (ibidem, grifos do autor).
A identidade docente é construída ao longo do tempo e do contexto, pois o docente é visto como um
sujeito histórico e que se adapta as necessidades do contexto em que está inserido, com as práticas que
resistem a inovações, aos confrontos entre teorias e as práticas tradicionais e contemporâneas, aponta-nos
Pimenta & Anastasiou (2005) que
[...] constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere
à atividade docente no seu cotidiano, com base nos seus valores, em seu modo de situar-se
no mundo, em sua história de vida, em suas representações, em seus saberes, em suas
angústias e anseios, no sentido que tem em sua vida o ser professor.
Seguindo esta linha de pensamento sobre como o docente se faz professor universitário e o que o
leva a atuar de uma forma na sua docência e não de outra, direciona a reflexão sobre as influências pessoais,
do percurso escolar e acadêmico e também pelo transcurso da vida profissional. Este aspecto pode ser

895
A Escola: Dinâmicas e Atores

justificado pelo viés do processo identitário da profissão docente sugerido por Nóvoa (1992, p.17), pois a
identidade é um procedimento complexo que vai se construindo e “[...] passa também pela capacidade que
exercemos com autonomia a nossa atividade, pelo sentimento de que controlamos o nosso trabalho”, o autor
acrescenta ainda neste sentido que a identidade do docente está ligada a apropriação de sentido, pois “[...] a
maneira como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando
exercemos o ensino”.
Muitos autores pesquisam sobre a formação docente, desta maneira é imperioso revisitar as
orientações conceituais que de acordo com Carlos Marcelo (1999, p.32) as mais utilizadas são as orientações
acadêmica, orientação tecnológica, orientação social-reconstrucionista e orientação personalista, esta última
se torna bem significativa para este estudo, pois “[...] a formação de professores deixa de ser um processo
de ensinar aos futuros professores como ensinar, sendo o mais importante a autodescoberta pessoal, o tomar
consciência de si próprio” (ibidem, p.38) enfatiza o caráter pessoal do ensino e está centrada no
desenvolvimento pessoal do docente.
Zabalza (2004) aponta três grandes dimensões quanto ao papel docente de Ensino Superior, e nesta
pesquisa o enfoque prevalece na dimensão pessoal, porém pouco relatada nas formações continuadas.
Dimensão profissional que permite o acesso aos componentes essenciais que define essa
profissão: quais são as exigências, como constrói sua identidade profissional e em torno de
quais parâmetros faz, quais são os principais dilemas que caracterizam o exercício
profissional [...].
Dimensão pessoal que permite considerar alguns aspectos de grande importância no mundo
da docência: tipo de envolvimento e compromisso pessoal característicos da profissão
docente, ciclos de vida do docente e situações pessoais que os afetam, problemas de ordem
pessoal que costumam acompanhar o exercício profissional, [...].
Dimensão administrativa que nos situa diante dos aspectos mais claramente relacionados
com as condições contratuais, com os sistemas de seleção e promoção, [...]. (p.106)
Nesta direção, fica claro que a finalidade da formação é possibilitar que o docente possa se
desenvolver integralmente, como pessoa e profissional da educação, para ter condições de analisar, refletir
e intervir sabiamente na sala de aula, evitando a racionalidade técnica e instrumental da educação. A
formação compreendida na sua integralidade, vista como um processo contínuo que ocorre formal e
informalmente, individual e coletivamente, natural ou estruturada, enfim de diversas maneiras com o objetivo
de proporcionar ao docente informações indispensáveis para uma docência que corresponda aos desafios da
contemporaneidade.

COMPLEXIDADE
Precisamos ampliar a percepção de mundo e no processo educacional, reforçando a ideia do global
em vez de local, visão sistêmica em oposição à fragmentação, a interdependência posicionada pelo
pensamento ecológico, a concepção de totalidade e não mais de separatividade. Perceber o ser humano
integral, não o dividindo em mente e corpo, interno e externo, sujeito e objeto, hemisférios da razão e o da
emoção, para isso é vital não apenas aprender, nem reaprender, ou conforme o caso, até desaprender, mas
como complementa Morin (2005) “[...] reorganizar nosso sistema mental de reaprender a aprender” (p.36), de
reconhecer que esta percepção está inscrita em nosso corpo/ corporeidade, isto é, na capacidade do indivíduo
sentir e utilizar o corpo. Isto ocorre na interação com o mundo, que por meio do corpo recebe uma resposta,
que informa ao cérebro por meio de seus órgãos sensório motores, as respostas obtidas do ambiente,
podendo alterar ou reafirmar suas intenções.

896
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

É necessário que o docente aprenda a desconstruir velhos pensamentos e buscar novos rumos para
a docência, entendendo que não existe um método a ser seguido, mas um conhecimento a ser lapidado e
construído, requerendo e necessitando identificar que existe “[...] o não idealizável, o não raciocinável, o que
foge às regras, o enorme. Existe a urgência de um princípio de conhecimento que não apenas respeite, mas
revele o mistério das coisas” (Morin, 2005, p.36), precisamos evitar o pensamento que separa, que desuni,
vindouro de um pensamento cartesiano que impossibilita olhar o corpo na unidade complexa do homem,
sendo necessário na docência “[...] compreender que a ênfase do pensamento complexo é a concepção do
corpo como corporeidade, isto é, a visão do corpo integrado no humano e no processo de humanização”,
(Queiroz, 2008, p.78), levando o professor a reconhecer e trabalhar com o educando em todos os seus
aspectos físicos, psíquicos, biológicos, afetivos e emocionais e não mais apenas como um ser intelectual,
pois “[...] o corpo é, do ponto de vista científico, a instância fundamental e básica para articular conceitos
centrais para uma teoria pedagógica. Em outras palavras; somente uma teoria da corporeidade pode fornecer
as bases para uma teoria pedagógica” (Assmann, 1995, p.113).
A docência permeada pelo pensamento complexo percebe o aluno na sua multidimensionalidade,
desenvolve o autoconhecimento, a capacidade de interiorização e harmonização. Resgata a dualidade entre
corpo e mente racional e emocional, identifica a existência de diferentes estilos de aprendizagem resgatando
uma docência de escuta sensível, propondo ambientes acolhedores intelectualmente e emocionalmente,
dinâmicos, flexíveis, mais cooperativos e solidários. Este pensamento é respaldo nas palavras de Behrens
(2005) que afirma:
[...] que os professores deverão acreditar que os alunos são capazes, que tem emoções, que
tem capacidade, que são inventivos e que, principalmente, são capazes de estabelecer
relações dialógicas nas quais possam realizar um trabalho coletivo, participativo, criativo e
transformador na construção de um mundo melhor. (p.68)
A docência deve compreender a multidimensionalidade humana do aprendiz, compreender que não
é só racional, intelectual, mas também é constituído de “[...] poesia, de prosa, de estética, de beleza, de
admiração e emoção” (Moraes, 2008, p.166). A autora completa afirmando a importância de recursos
multissensoriais, perceberem no outro, suas possibilidades de aprender por meio dos sentidos, de atividades
que permitam à dramatização, a representação, a intuição, os sentimentos, a integração corpo, mente,
espírito, emoção, sentimento e pensamento.
Uma nova maneira de pensar é proposta por Morin (1999), pois necessitamos produzir conhecimento,
isto é pensar complexo, ecologizante, ecossistêmico religando diversos saberes em diferentes dimensões da
vida, percebendo a complexidade das relações existentes entre as partes e o todo, focalizar as inter-relações
sujeito/objeto, pensar o objeto e suas relações, compreender a dinâmica não-linear presente no conhecimento
e na aprendizagem, religar, contextualizar, problematizar em oposição ao pensamento que separa, fragmenta,
simplifica e reduz a realidade e o conhecimento.
O desafio que se impõem aos docentes é que sejam construtores e reconstrutores do conhecimento
e de suas aprendizagens, devem ser vistos como pesquisadores, questionadores, inovadores, eternos
observadores, sábios e competentes.

PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL
Para encontrar as convergências que justifiquem a Psicomotricidade Relacional como possível
ferramenta para a formação de professores com vistas a identidade, formação pessoal e necessidades,

897
A Escola: Dinâmicas e Atores

contaremos com Lapierre (2002) discorrendo sobre a importância da psicomotricidade relacional nas
formações das Ciências Humanas:
Alguns de nós defendiam uma formação universitária muito aberta e considerávamos que o
estudo da relação entre o corpo e o psiquismo não deveria ser limitado somente a profissão
de psicomotricista, pois interessava a todas as profissões relacionadas às Ciências
Humanas. O estudo da psicomotricidade devia, então, ser integrado aos diferentes currículos
universitários que preparam para as funções educativas, sanitárias ou sociais. (p.35)
A Psicomotricidade Relacional, portanto, centra sua proposta na formação continuada do educador,
sob a perspectiva de formação baseada num modelo de educação mais aberta à construção do
conhecimento. Neste sentido, é por meio do aprender no ato, fazendo, criando e recriando possibilidades de
ser, ao mesmo tempo em que reforça o senso de identidade pessoal e a autonomia do sujeito que essa
proposta contribui para o crescimento pessoal e profissional do docente.
Fundamentalmente o olhar para a formação pessoal do professor, vem ganhando espaço, portanto é
pela linha deste viés que encontramos ressonância com a prática psicomotora relacional.
A prática psicomotora relacional, também aqui chamada de vivência, possui elementos que a
caracteriza e difere de outras práticas psicomotoras.
Primeiramente a rotina realizada em cada encontro:
1. Retirada dos sapatos para entrar no setting. Segundo Lapierre (2004) retirar os sapatos é uma maneira
simbólica de despir-se, baixar as resistências.
2. Roda inicial. Todos os participantes sentam-se em roda, que se faz em cima de um paraquedas lúdico
ou o tapete. O tapete tem valor simbólico no setting, representa a “casa” do psicomotricista relacional.
No momento da roda inicial são colocadas as regras e as orientações para os participantes, em
contrapartida é um momento em que os participantes se apresentam e falam sobre suas expectativas,
dificuldades, medos, anseios, discutem sobre algum tema ou mesmo aspectos relevantes para o
momento.
3. Brincar. Também chamado de jogo espontâneo, esse é o momento de expressão pela
espontaneidade; geralmente após a consigna feita pelo psicomotricista relacional na roda inicial, os
participantes dispõem-se a explorar o corpo e os materiais ali deixados. Encontram um ritmo seguindo
a música que toca e se envolvem no próprio brincar.
Este espaço de brincar possibilita a expressão simbólica, por meio das ações corporais de uma fala
inconsciente. Além das regras de cuidado com o próprio corpo e o corpo do outro, são acrescidas no trabalho
com adultos a não verbalização.
4. Relaxamento. Após a vivência que desperta o prazer do movimento do corpo, os participantes são
levados ao relaxamento. É neste momento que o psicomotricista relacional verbaliza palavras que
possibilitam reflexões sobre as ações realizadas no brincar. Estas reflexões permitem que o
participante se reorganize internamente, fortalecendo seus pensamentos e sentimentos.
5. Roda final. Ocorre em duas partes: primeiro a verbalização e em seguida o registro. Após o
relaxamento, todos os participantes são convidados a se sentarem em roda novamente. Neste
momento, o psicomotricista relacional instiga a verbalização dos participantes, sobre os sentimentos
vivenciados e possíveis conexões com situações reais (Vieira et al, 2005). Após isso, são distribuídas
fichas para os participantes elaborarem a autoanálise de sua participação. É próprio dos participantes
acrescentarem algumas reflexões, desejos, agradecimentos, entre outros elementos que consideram
fazer parte do trabalho desenvolvido.

898
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

6. Feedback. Após a finalização das1 ou da vivência, o psicomotricista relacional encontra-se novamente


com o grupo que realizou o trabalho. O encontro tem o objetivo de fornecer mais elementos reflexivos
a partir da vivência realizada. São apresentadas fotos e músicas da vivência, também é possível
acrescentar algumas reflexões escritas nas auto-análises, sem identificação, mas que levem o
participante a repensar sobre a ação no brincar e sua prática profissional. O encontro é teórico e
possui um tempo reduzido em comparação com as vivências.
Uma das principais ferramentas utilizadas na prática psicomotora relacional é o jogo simbólico. Para
favorecer a desinibição dos participantes e potencializar a expressão simbólica dos conteúdos pessoais, são
utilizados materiais específicos e um espaço livre e protegido.
O jogo simbólico tende a desculpabilizar sentimentos que são de difícil expressão, pois permite que
o participante exprima seu desejo no brincar sem ser constrangido, culpabilizado ou mesmo reprimido (Vieira
et al, 2005).
Para potencializar ainda mais o jogo simbólico, cada material utilizado possui uma simbologia e pode
despertar conteúdos pessoais. Os materiais escolhidos para cada vivência dependem do objetivo proposto.
São: bolas, cordas, aros, bastões, caixas de papelão, tecidos, jornais, paraquedas lúdico, tijolos lúdicos e
música.
Os materiais são também favorecedores das relações e meios de expressão inconsciente. A escolha
e utilização deles, somadas às posturas no brincar, rendem um espaço de “escuta e decodificação” por parte
do psicomotricista relacional. A intervenção se dará pelo brincar e a verbalização ao final ampliará a reflexão
das ações.
Durante as vivências psicomotoras relacionais, existe a expressão de conteúdos pessoais por meio
da fala corporal. Há a busca de uma reorganização pessoal desses conteúdos.
A comunicação durante as vivências acontece por meio da ligação tônica. A expressão simbólica e
psicoafetiva que ocorre durante o brincar nas vivências traduzem a “fala” inconsciente por meio do corpo.
O corpo é carregado de emoções, sensações, desejos, entre outros sentimentos, os quais são
expressos nas relações estabelecidas durante o brincar.
Quando os participante se envolvem no brincar transferem sua carga tônica para a relação com o
outro ou com o objeto. A partir dessa carga tônica, ou melhor, do tônus que o indivíduo coloca na relação,
possibilita que o psicomotricista relacional decodifique qual ou quais demandas o participante está trazendo.
A decodificação é a interpretação daquilo que não é dito e sim sentido. (Lapierre & Aucouturrier,
2004). Portanto, a preparação ou formação do psicomotricista relacional é de fundamental relevância para a
apropriação dos conteúdos e posicionamentos necessários na intervenção da prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados foram coletados a partir da aplicação de 77 questionários e destes 19 professores
participaram das vivências de psicomotricidade relacional, seus depoimentos podem ser analisados na Tabela
8.

1
Existem encontros de formação continuada que são realizadas 2 vivências seguidas no mesmo período.

899
A Escola: Dinâmicas e Atores

Relevância da
Citações
formação pessoal
Procuro ambientes formadores (presenciais ou virtuais) que me possibilitem interfaces
prazerosas (Professor 01)
E de grande importância, para a modificação de conceitos (Professor 02)
Como docentes estamos lidando com pessoas e quanto mais preparados, inclusive no aspecto
pessoal, melhor atuaremos. (Professor 03)
Totalmente (Professor 04)
Sim. (Professor 05)
Fundamental pois o professor deve mudar de dentro para fora (autopoiese) romper paradigmas
reestruturar, acreditar para depois poder atuar com seus alunos. (Professor 06)
Não temos como separar somos um conjunto de coisas, ações ... (Professor 07)
Concordam
Muito, considerando que o professor é além de tudo responsável pela formação do aluno
(Professor 08)
A formação técnica sem envolvimento ético é estéril (Professor 09)
Na minha área que é psicologia é essencial, pois a pessoa é nosso foco de trabalho. Assim a
análise pessoal (processo terapêutico) contribui para saúde mental e por efeito para o exercício
docente. (Professor 10)
Embora não tenha clareza das diferenças entre essas duas propostas de formação. Entendo
que uma se articula a outra (Professor 11)
Sem dúvida a formação pessoal é indispensável para que o docente tenha sempre em mente a
necessidade de renovação pessoal, afim de não entrar no estresse funcional. (Professor 12)
Como docentes estamos lidando com pessoas e quanto mais preparados, inclusive no aspecto
pessoal, melhor atuaremos (Professor 03)
Reflete sobre as Fundamental pois o professor deve mudar de dentro para fora (autopoiese) romper paradigmas
reestruturar, acreditar para depois poder atuar com seus alunos. (Professor 06)
relações
Não temos como separar somos um conjunto de coisas, ações. (Professor 07)
interpessoais Na minha área que é psicologia é essencial, pois a pessoa é nosso foco de trabalho. Assim a
análise pessoal (processo terapêutico) contribui para saúde mental e por efeito para o exercício
docente (Professor 10)
Reflete sobre o Sem dúvida a formação pessoal é indispensável para que o docente tenha sempre em mente a
estresse necessidade de renovação pessoal, afim de não entrar no estresse funcional. (Professor 12)
Procuro ambientes formadores (presenciais ou virtuais) que me possibilitem interfaces
prazerosas (Professor 01)
E de grande importância, para a modificação de conceitos. (Professor 02)
Não temos como separar somos um conjunto de coisas, ações ... (Professor 07)
Releva a formação considerando que o professor é além de tudo responsável pela formação do aluno. (Professor
pessoal-associada 08)
ao desenvolvimento A formação técnica sem envolvimento ético é estéril. (Professor 09)
profissional Na minha área que é psicologia é essencial, pois a pessoa é nosso foco de trabalho. Assim a
análise pessoal (processo terapêutico) contribui para saúde mental e por efeito para o exercício
docente. (Professor 10)
Embora não tenha clareza das diferenças entre essas duas propostas de formação. Entendo
que uma se articula a outra. (Professor 11)
Pela instituição onde trabalho não. (Professor 03)
Não (Professor 04)
Não, pela Puc não, pois sou professora convidada, portanto apenas ministro aulas na pós
graduação. (Professor 05)
Não (Professor 08)
Não participa de Especificamente pessoal não (Professor 10)
formação pessoal A prática cotidiana revela muitas diferenças de comportamento e focos de interesse e nessas
situações, quando não proponho algo que vá de encontro ao aluno sinto dificuldade. (Professor
11)
Há muitos anos a instituição de pós-graduação CIPEX, promoveu alguns encontros onde
proporcionava formação pessoal a todos os docentes. (Professor 12) (no momento não
participa)
Tabela 8- Depoimentos dos professores
Os estudos revelaram que após as vivências os docentes refletiram mais sobre si mesmos e as
relações estabelecidas diariamente no centro universitário. Formaram percepções sobre as necessidades dos
acadêmicos no momento que contatam com o novo, com a aprendizagem, com a frustração, com as
dificuldades, os medos, as incertezas e formas de superação. Sensibilizaram com atenção aos aspectos
pessoais de seus acadêmicos, levando em conta suas demandas ao planejarem as aulas, em seus discursos
ampliaram as possibilidades de atingir seus objetivos a partir de maior envolvimento docente com os

900
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

acadêmicos e ampliação de práticas que agreguem as diversas inteligências dos mesmos. Por fim, refletiram
sobre a profissão docente e a relevância na formação profissional dos acadêmicos.
A pesquisa apontou a relevância do trabalho relacionado ao campo pessoal, na formação continuada
de professores.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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902
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A ESCRITA COMO PROCEDIMENTO DE AUTORIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS NO CONTEXTO PRISIONAL
[ID 148]

Jane Cleide Alves Hir


Sonia Maria Chaves Haracemiv
Universidade Federal do Paraná, Brasil
janecleideh@gmail.com; sharacemiv@gmail.com

Resumo
O trabalho de pesquisa busca investigar a contribuição da mediação docente na aprendizagem da escrita
com autoria, o que possibilita uma reflexão sobre a alfabetização e letramento na Educação de Jovens e
Adultos (EJA) – Fase I no espaço prisional, a fim de identificar em que medida a mediação docente contribui
para a aprendizagem da escrita na perspectiva da autoria, no referido espaço. Será investigado a luz da teoria
a compreensão do espaço carcerário, tanto na sua dimensão física quanto nas relações de assujeitamento e
poder, como também o conceito de autoria e de linguagem no contexto da prática pedagógica na relação
dialógica do processo. O lócus da investigação é a Penitenciária Central Estadual Feminina, localizada no
município de Piraquara, Paraná/Brasil. Essa unidade prisional atende a 300 detentas em regime fechado e
dentre elas foram selecionadas 10 educandas da Fase I, que corresponde aos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Nesse sentido, busca-se identificar os limites e possibilidades do trabalho pedagógico no
espaço prisional, caracterizar o papel da mediação docente no processo da escrita e relacionar o
desenvolvimento da autoria com a apropriação do sistema da escrita. Este estudo intenciona investigar ainda,
a ação educativa no fortalecimento da autoria como elemento promotor da emancipação do sujeito com vistas
à reinserção social como direito do sujeito em privação de liberdade e dever da instituição prisional. A pesquisa
em tela tem uma abordagem qualitativa, considerando como primordial o contato direto com os educandos e
a observação e análise do cotidiano escolar. Nesse sentido, a pesquisa ação é a opção metodológica para
esse estudo no qual os questionários e análise das produções escritas subsidiaram o planejamento e a
intervenção docente. Espera-se, com os resultados da presente pesquisa, identificar as contribuições da
mediação docente no ensino da escrita, mapear estratégias de encaminhamento metodológico da produção
escrita e dessa forma aprofundar a reflexão sobre a apropriação e uso do sistema da escrita com autoria no
espaço prisional.

Palavras-chave: Escrita, Mediação Pedagógica, Autoria, Espaço Prisional.

Résumé
La recherche vise à étudier la contribution de la médiation de l'enseignement dans l'écriture de l'apprentissage
avec les auteurs, ce qui permet une réflexion sur l'alphabétisation et de l'alphabétisation dans la jeunesse et
de l'éducation des adultes (EJA) - Phase I dans l'espace de la prison afin d'identifier où comme la médiation
de l'enseignement contribue à l'apprentissage de l'écriture du point de vue de l'auteur, dans cet espace. La
lumière de la théorie sera étudiée pour comprendre l'espace de la prison, à la fois en taille physique et dans
les relations de sujétion et de puissance, ainsi que le concept de la paternité et de la langue dans le contexte
de la pratique pédagogique en relation dialogique du processus. Le lieu de la recherche est le pénitencier de
l'État central des femmes, situé dans la municipalité de Piraquara, Paraná / Brésil. Cette unité de la prison sert
300 détenus en régime fermé et parmi eux ont été sélectionnés 10 Educandas Phase I, qui correspond aux
premières années de l'école primaire. En ce sens, il cherche à identifier les limites et les possibilités du travail
pédagogique dans l'espace carcéral, caractériser le rôle de la médiation des enseignants dans le processus
d'écriture et concernent le développement de la paternité avec le système d'écriture de la propriété. Cette
étude vise à approfondir l'action éducative dans le renforcement de la paternité comme un élément promoteur
de l'émancipation du sujet en vue de la réinsertion sociale en tant que loi soumis à la privation de liberté et le
devoir de l'institution pénitentiaire. L'écran de recherche a une approche qualitative, compte tenu de
l'importance vitale de contact direct avec les étudiants et l'observation et l'analyse de la vie quotidienne de
l'école. En ce sens, la recherche-action est l'option méthodologique pour cette étude dans laquelle les
questionnaires et l'analyse des productions écrites subventionnées l'intervention de la planification et de
l'enseignement. Il est prévu, avec les résultats de cette recherche, pour identifier les contributions de la
médiation de l'enseignement dans l'enseignement de l'écriture, des stratégies méthodologie de cartographie

903
A Escola: Dinâmicas e Atores

de routage d'écriture production et donc d'approfondir la réflexion sur la propriété et l'utilisation du système
d'écriture écrit dans l'espace de la prison .

Mots-clés: Écriture, Enseignement médiation, Paternité, Prison de la région.

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CONTEXTO PRISIONAL


A história da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil está inserida em um campo de luta desde
o desenvolvimento da educação no país. Ela se institucionaliza a partir da catequização indígena que por
meio da transmissão da língua portuguesa serve como elemento de dominação e aculturação (Paiva, 1973).
A partir deste contexto inicial, a EJA sofreu a influência direta das diferentes concepções de educação
que nortearam as políticas públicas educacionais e esteve, via de regra, inserida em um contexto de luta pela
legitimação do direito ao conhecimento de seus sujeitos, sujeitos que defendemos como “capazes de pensar
a si mesmos, capazes de intervir, de transformar, de falar do que fazem, mas também do que sonham, do
que constatam, avaliam que decidem e que rompem com o estabelecido” (Freire, 1997, p.10).
A educação de jovens e adultos no contexto prisional do Estado do Paraná é normatizada pelas
Diretrizes Curriculares da EJA e se efetiva numa parceria com a Secretaria de Segurança do Paraná (SESP)
por meio dos Centros Educacionais de Educação Básica (CEEBJAS) que atendem às unidades prisionais.
Vivendo os conflitos como professora alfabetizadora entre identidade e delito, normas de segurança
e formação do pensamento crítico, silenciamento e autoria, relações de poder versus sujeição, a pesquisadora
questiona: em que medida a mediação docente contribui para a aprendizagem da escrita na perspectiva da
autoria no espaço prisional? Como trabalhar a identidade do aluno sem adentrar por suas trajetórias pessoais
marcadas pelo delito? O que estes sujeitos sabem, podem e querem dizer? Como lhes garantir a apropriação
da escrita e, ao mesmo tempo, possibilitar a autoria da palavra?
Trata-se de uma pesquisa em educação de abordagem qualitativa centrada na observação e no
registro dos processos de escrita. O lócus da investigação é a Penitenciária Central Feminina (PCEF)
localizada no município de Piraquara, PR. Essa unidade prisional atende a 314 detentas em regime fechado.
O objetivo desta pesquisa de investigar a contribuição da mediação docente na aprendizagem da
escrita na perspectiva da autoria no espaço prisional foi delineado a partir do observado e registrado, o que
possibilitou identificar os possibilidades e limites do ensino da escrita, mapeando as histórias de vidas, os
diferentes processos de escolarização e as dimensões contextuais do/no espaço prisional. Para tanto, a ação
pedagógica foi planejada visando analisar as interferências dos encaminhamentos didático-pedagógicos na
aprendizagem da escrita com autoria das mulheres privadas de liberdade.
A Educação de Jovens e Adultos - EJA no espaço prisional é uma modalidade de ensino que atende
ao Ensino Fundamental e Médio, numa organização curricular específica da rede de ensino estadual do
estado do Paraná.
A pesquisa que este artigo pretende abordar tem como lócus o Presídio Central Estatual Feminino
(PCEF) atendido pelo CEEBJA Dr Mário Faraco que atende a 11 unidades prisionais de Curitiba e região
metropolitana da rede de ensino estadual do estado do Paraná. No Quadro I se apresenta a Matriz Curricular
organizada em áreas do conhecimento, como consta na Proposta Político Pedagógica da instituição dos anos
iniciais do Ensino Fundamental

904
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ESTABELECIMENTO: CEEBJA DR “MÁRIO FARACO”


ENTIDADE MANTENEDORA: Governo do Estado do Paraná
MUNICÍPIO: Piraquara NRE: Área Metropolitana Norte
ANO DE IMPLANTAÇÃO: 1º Semestre/2009 FORMA: Simultânea
CARGA HORÁRIA TOTAL DO CURSO: 1440 H/A ou 1200 HORAS
Total de
ÁREAS DO CONHECIMENTO Total de horas/aula
Horas
LÍNGUA PORTUGUESA, MATEMÁTICA e ESTUDOS da SOCIEDADE
1200 1440
e da NATUREZA.
TOTAL 1200 1440
Quadro I - Matriz Curricular dos anos iniciais do Ensino Fundamental (2015)
Essa organização de ensino acontece apenas na Fase I (anos iniciais do Ensino Fundamental). Na
Fase II (anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio), a organização curricular é por disciplina e é
ofertada uma de cada vez.
Na Fase I o professor trabalha com as três áreas do conhecimento, o que a princípio possibilita um
trabalho mais significativo com a escrita na perspectiva do letramento na medida em que favorece um projeto
educativo interdisciplinar embora exija também um cuidado maior na elaboração do planejamento e dos
instrumentos avaliativos considerando que os alunos possuem diferentes níveis de alfabetização.

O LÓCUS DA PESQUISA
O Presídio Central Feminino – PCEF é uma unidade prisional inaugurada em 06/11/2012, em um
prédio que havia sido presídio masculino e que atualmente abriga cerca de trezentas detentas provisórias em
regime fechado. O espaço destinado à escola foi construído em 2015 com recursos próprios da escola. São
oito salas de aula, uma sala para uma biblioteca improvisada, sala de professores e sala de atendimento
pedagógico. A construção, apesar de nova, apresenta problemas de infiltração e acústica, além de iluminação
deficiente.
O acesso a este espaço é feito por meio da entrada principal do complexo prisional de Piraquara e
para adentrar ao prédio onde se situa o relógio ponto da unidade e o portal de detecção de metais há uma
revista pessoal para todos os docentes e equipe pedagógica, assim como visitantes, enfermeiros e agentes
que acessam o presídio.
Após a passagem é preciso caminhar cerca de 500 metros pela parte lateral do edifício até a porta do
Presídio Central Feminino, cujo portão é aberto pelas agentes, e em seguida atravessar um pátio coberto e
um corredor com 50 celas dispostas lado a lado, 25 de cada lado. Nesse ponto, é preciso aguardar que as
agentes abram as grades e descer alguns lances de escada para chegar até as salas de aula.
As salas têm cerca de 6m de comprimento por 5m de largura com capacidade para acomodar 30
pessoas em uma disposição tradicional de sala de aula. As janelas altas deixam entrar a luz com parcimônia,
mantendo-se uma certa penumbra no ambiente. Dois banheiros com instalações bem precárias estão
localizados ao fundo da construção, o que incentiva os encontros entre as mulheres e possibilita o uso de
cigarros.

Quem são esses sujeitos?


O Plano Estadual de Educação voltado ao sistema prisional apresenta um mapeamento da faixa etária
e da escolaridade dos sujeitos apenados no Paraná. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias - INFOPEN, “a população carcerária feminina paranaense apresenta-se extremamente jovem,

905
A Escola: Dinâmicas e Atores

65% encontra-se na faixa de 18 a 34 anos e com baixíssimo nível de escolaridade, sendo que 53% não possui
o Ensino Fundamental completo” (Brasil, 2012).
A partir da análise desses dados, pode-se inferir a necessidade de uma reflexão cuidadosa sobre a
urgência do planejamento das Políticas Públicas no Sistema Penal do Paraná, bem como da implementação
de uma proposta pedagógica que auxilie as apenadas na construção de sua autonomia pessoal,
considerando, principalmente, o fato de ser essa população muito jovem o que indica que após o cumprimento
da pena há uma expectativa de tempo de vida significativa para sua reinserção social ou para sua reincidência
no crime.
Nessa perspectiva, considerando as necessidades do mundo contemporâneo e a situação do
apenado cuja reinserção na sociedade exige a aprendizagem de uma nova maneira de ser e estar no mundo,
o ensino da escrita precisa ir muito além da apropriação do sistema da escrita, necessita ser pensado como
instrumento de inserção do sujeito na sociedade letrada conferindo-lhe uma possibilidade maior de ser visto
e ouvido e consequentemente ser inserido de forma positiva na vida social, uma vez que “os alfabetizandos
necessitam perceber a necessidade de outro aprendizado, o de escrever a sua vida, o de ler a sua realidade,
o que não será possível se não tomam a história nas mãos para, fazendo-a, por ela serem feitos e refeitos”
(Freire, 1968, p.18).
Na sociedade atual, a leitura e a escrita organizam os espaços, orientam procedimentos e instruem.
Ler e escrever com autonomia significa ter acesso a um mundo de informações, sem as quais o indivíduo vive
em estado de interdição, ou seja, não participa das práticas sociais que circulam. Na prisão, espaço de
restrições por excelência, não ler e não escrever significa estar duplamente interditado.
O grupo participante da pesquisa é composto por mulheres com faixa etária que varia de 23 a 69 anos
e de diferente profissões, havendo predomínio do papel de dona de casa e de ocupação informal, ou seja,
sem registro profissional. Essa diferença etária e de contexto socioeconômico faz parte da especificidade da
Educação de Jovens e Adultos.
A coleta de dados pessoais como faixa etária, processos de aprendizagem, causas do abandono da
escola, local de origem, número de filhos, entre outros, foi realizada por meio de dinâmicas de apresentação
e propostas de produção escrita como estratégia para o fortalecimento dos vínculos do grupo e da relação
educadora com as educandas.
Considerando que o trabalho educativo com outros sujeitos exige pensar outras pedagogias, para
tanto foram organizadas duas sequências didáticas para a Avaliação Diagnóstica com objetivo de
identificação dos sujeitos e validação das histórias de vida. Utilizou-se como recurso pedagógico a dinâmica
de grupo, a contação de histórias e a produção de pequenos textos (Arroyo, 2014).
A pesquisa sobre a qual este artigo discorre está sendo desenvolvida numa abordagem qualitativa
em que o objeto de pesquisa “a escrita como procedimento de autoria no contexto da educação em prisões”
está sendo observado in loco em três fases distintas: Avaliação Diagnóstica, Intervenção e Análise dos dados.

O ESPAÇO DA PRISÃO E A ESCRITA


No estado do Paraná, a educação no espaço prisional tem buscado acompanhar as principais
deliberações dos Congressos Penitenciários Internacionais com a proposição de diferentes alternativas para
o tratamento penal. No entanto, o espaço prisional ainda se apresenta fortemente marcado pela concepção
punitiva e pelo assujeitamento. Trabalhar a escrita numa concepção emancipatória neste espaço significa

906
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

travar um embate ideológico constante e desigual tanto em relação aos sujeitos que constituem este espaço
como em relação a própria organização do espaço e à limitação de recursos físicos e materiais pedagógicos
permitidos.
É preciso cotidianamente conciliar normas de segurança que a rigor se embasam no silenciamento e
na aceitação tácita com o desenvolvimento do pensamento crítico. É preciso atentar para os acordos,
identificar as relações de poder que se estabelecem dentro do grupo, na própria sala de aula e distribuir
espaços de fala com cuidado. Nessa complexa trama, delineia-se, então, o grande conflito: Como autorizar
esses sujeitos subjugados a dizer a sua palavra?
A concepção punitiva do espaço prisional e os procedimentos de subordinação induzem a um
processo de “apagamento” do indivíduo e reafirmam a sua despersonalização. Dessa forma, uma proposta
pedagógica que considere a leitura e a escrita como prática significativa, em oposição às condições adversas
impostas pelo sistema, pode contribuir para o resgate da subjetividade e construção de outras identidades,
viabilizando uma autoria para além do delito.
Segundo Bakhtin (2003), “todo texto tem um sujeito, um autor (o falante ou quem escreve). Assim, o
ato de escrever é um ato de autoria, visto que é exigido daquele que escreve uma tomada de decisões sobre
o que e como dizer.” (p.308). A partir dessa ótica, além de possibilitar a apropriação das regras da variedade
linguística padrão, o professor torna-se o mediador entre o aluno e a cultura letrada na qual se insere.
Conforme Schwartz (2012), “[a] intervenção do professor precisa ir ao encontro dos saberes já construídos
dos alunos, ou seja, a proposta didática precisa ficar na intersecção entre o possível e o difícil” (p.160).
A pesquisa em tela analisa a contribuição de uma proposta de ensino da língua materna pautada na
perspectiva sociolinguística em que o ato de escrita é concebido como a oportunidade que um sujeito tem de
representar sua visão de mundo em uma prática social de comunicação socialmente reconhecida. É no
exercício desta autoria – a busca do conteúdo e da forma, o que e como dizer – que é possível construir a
autonomia do pensamento.
Para assumir sua condição de sujeito, o homem precisa aprender a dizer a sua palavra. Paulo Freire
(1987) afirma que “com a palavra, o homem se faz homem. Ao dizer a sua palavra, pois, o homem assume
conscientemente sua essencial condição humana” (p.13). Este é o sentido da escrita que tem norteado as
práticas de ensino da língua escrita no trabalho aqui apresentado: ensinar a escrever para ser e estar no
mundo (mesmo atrás das grades), para se fazer ver e ouvir, para participar, atuar, concordar, discordar. Nesse
contexto, a escrita assume outra possibilidade: mostrar uma autoria para além do delito. Revelar uma mulher
com histórias, memórias, sentimentos e aprendizagens. Uma vida anterior à prisão, refletida no presente ou
projetada para o futuro. As mulheres apenadas trazem como sujeitos históricos de seu tempo uma bagagem
de experiências diversas que a escrita auxilia a partilhar a medida que se investe da permanência que lhe é
própria.

PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
Embora esta pesquisa não esteja concluída, a análise da trajetória percorrida até aqui nos permite
inferir algumas possíveis considerações. A escrita como meio de comunicação é uma necessidade no sistema
prisional e este é um aspecto positivo no ensino da escrita neste espaço. Assim, um projeto de ensino da
escrita no espaço prisional deve considerar esta necessidade.

907
A Escola: Dinâmicas e Atores

No imaginário escolar que essas mulheres trazem o ensino da escrita está fortemente ligado aos
exercícios de ortografia e classificações linguísticas e dissociadas da escrita enquanto interação humana.
Desse modo, é preciso que a prática de ensino da escrita promova esta abordagem.
E em relação à autoria, acreditamos que apesar dos limites impostos, não é possível abrir mão – no
exercício da docência – de fazer da ação pedagógica o espaço para “uma reconciliação individual com o ato
de aprender” (Mayer, 2006, p.28), no qual seja considerada a identidade única do sujeito, pois
independentemente das condições “essa parte da pessoa humana, precisamente por depender tão
essencialmente da natureza e de forças que não podem ser controladas pela vontade alheia, é a mais difícil
de destruir e, quando destruída é a mais fácil de restaurar” (Arendt, 1989, p.504).
Ao se trabalhar com a escrita na perspectiva da autoria estamos trabalhando com a identidade única
do sujeito, pois escrever é “mostrar-se’, dar-se a ver, fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro” Foucault
(2006, p.150). Esse mostrar-se está ancorado no diálogo, na troca, na abertura ao outro e, portanto, no
fortalecimento da identidade em um mundo de relações.

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908
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

FORMAÇÃO EM REDE: UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS DIDÁTICOS VIRTUAIS A


PARTIR DA EXPERIÊNCIA DESENVOLVIDA NO CURSO INTRODUÇÃO AO
PENSAMENTO DE JOÃO DOS SANTOS
[ID 337]

Patrícia Helena Carvalho Holanda


Antonia Lis de Maria Martins Torres
Herminio Borges Neto
UFC
profa.patriciaholanda@gmail.com; lisdemaria@mutimeios.ufc.br; herminio@multimeios.ufc.br

Resumo
Este trabalho objetiva descrever e analisar os processos didáticos virtais tomando como referência o curso à
Distância: “Introdução ao Pensamento de João dos Santos: estudo sobre a Pedagogia Terapêutica”,
desenvolvido em parceria com a Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa (PT) e a
Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação e Laboratório de Pesquisa
Multimeios/Fortaleza/Brasil. O curso teve o intuito de difundir o referencial teórico de João dos Santos,
psicanalista, intelectual, pedopsiquiatra e pedagogo português. Foi desenvolvido através do ambeinte virtual
Moodle, ministrado através de módulos temáticos, os quais foram organizados didaticamente, contemplando
as principais ideias desenvolvidas por João dos Santos na elaboração da sua teoria. Por esse motivo, os
conteúdos abordados no referido curso foram voltados para discussão das questões cognitivas e afetivas na
prática pedagógica dos professores e profissionais da área de educação e saúde. A metodologia pautou-se
numa abordagem sócio-interacionista focado na interação aluno-aluno mediado pelo diálogo e troca de
experiência no ambiente virtual com o professor-formador, assessores pedagógicos, coordenação, tendo
como suporte as tecnologias digitais da informação e comunicação. Tal abordagem de ensino, contribuiu para
desenvolver uma capacitação de professores/formadores integrada ao acompanhamento discente, com a
finalidade de suprir as demandas do curso em relação à formação docente. Destarte, as ações formativas do
referido curso foram dirigidas para qualificação de profissionais e alunos da graduação e pós-graduação das
áreas de educação e saúde do Ceará-Brasil e Portugal, possibilitando a formação desses profissionais para
um melhor atendimento à infância em seu processo cognitivo-afetivo e social de escolarização.

Palavras-chave: Sócio-Interacionista, Mediação, Diálogo, Ensino a Distância.

Résumé
Ce travaux vise à décrire et analyser les processus d'apprentissage virtuel en référence au cours réalisé à
distance : «Introduction à la pensée de John dos Santos: étude sur Pédagogie thérapeutique", développé en
partenariat avec l'École des sciences de l'Université de Lisbonne (PT) et l'Universidade Federal do Ceará,
Faculdade de Educação et le Laboratoire de Pesquisa Multimeios / Fortaleza / Brésil. Le cours vise à diffuser
le cadre théorique de João dos Santos, psychanalystes, intellectuel, psychiatre de l'enfant et des enseignants
portugais. A été développé par le millieu virtuel Moodle, enseigné à travers des modules thématiques, où ils
ont été organisés didactiquement, en contemplant les principales idées développées par João dos Santos
dans le développement de sa théorie. Pour cette raison, le contenu couvert dans ce cours étaient axées sur
la discussion des problèmes cognitifs et affectifs dans la pratique pédagogique des enseignants et des
professionnels de l'éducation et de la santé. La méthodologie a été une approche socio-interacionista axée
sur l’interaction élève-élève médiée par le dialogue et l’échange d’expériences dans l’environnement virtuel
avec l’enseignant/formateur, de conseillers pédagogiques, de coordination, avec le soutien de technologies
numériques de l’information et de communication. Une telle approche de l’enseignement, contribué à
développer une formation des enseignants/formateurs, étudiants de suivi intégré afin de répondre aux
exigences du cours en ce qui concerne la formation des enseignants. Par conséquent, les actions formatives
de ce cours ont été dirigées vers des professionnels qualifiés et de premier cycle et des étudiants diplômés
dans les domaines de l’éducation et la santé du Ceará-Brésil et Portugal, permettant la formation de ces
professionnels pour un meilleur service à l’enfance dans les processus cognitifs, éducation sociale et affective.

909
A Escola: Dinâmicas e Atores

Mots-clés: Partenaire-Interacionista, Médiation, Dialogue; Enseignement à distance.

INTRODUÇÃO
Experiência não é aquilo que se fez, mas o que se faz com aquilo
que se fez – (Aldous Huxley)
Este trabalho pretende descrever e analisar os processos didáticos virtuais tomando como referência
o Curso à Distância: “Introdução ao Pensamento de João dos Santos: estudo sobre a Pedagogia Terapêutica”,
desenvolvido em parceria com o Instituto Federal do Ceará (IFCE), a Universidade Federal do Ceará (UFC),
Faculdade de Educação (FACED) e o Laboratório de Pesquisa Multimeios/Fortaleza/Brasil.
O curso teve o intuito de difundir o referencial teórico de João dos Santos, psicanalista, intelectual,
pedopsiquiatra e pedagogo português.
A opção pela oferta do curso à distância deve-se ao fato dessa modalidade possibilitar o
desenvolvimento de experiências e didáticas inovadoras como oportunidade de transformação de
referenciais, de concepções e de práticas. Outrossim, a escolha da referida modalidade para o
desenvolvimento desta formação deve-se, ao fato de que as tecnologias digitais permitem a expansão para
redes de ensino que requerem professores habilitados para o exercício da docência, para além dos limites
territoriais e geográficos, colocando os participantes em uma rede de formação mais ampla.
Destaca-se, ainda, que o material foi enriquecido com resultados de pesquisa realizada, no ano de
2015, no âmbito do estágio sênior pós-doutoral, na Universidade de Lisboa, apoiado pela CAPES, acerca da
teoria do psicanalista português, João dos Santos. A nossa pretensão consistiu em oferecer uma formação
que articulasse as questões cognitivas e afetivas na prática pedagógica dos professores e profissionais da
área de educação e saúde que, muitas vezes, não são reconhecidas no espaço da escola.
Vale ressaltar que, o conceito de aula e de curso mudou, com o processo ensino-aprendizagem
possibilitado por tecnologias digitais, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou
temporariamente. Sem esquecer que, a metodologia da Educação a Distância possui uma grande relevância
social, pois permite o acesso ao sistema àqueles que vêm sendo excluídos do processo educacional superior
público, por morarem longe das universidades ou por indisponibilidade de tempo nos horários tradicionais de
aula, uma vez que a modalidade de Educação a Distância contribui para a formação de profissionais sem
deslocá-los de seus locais de morada.
Adotamos como pressuposto básico desta experiência o pensamento de Demo (2004), o qual defende
que a realidade para existir como produção científica tem que ser construída. Portanto, pensamos num
processo de investigação como uma construção coletiva, em que pesquisadores e alunos de mestrado e de
doutorado da Linha História da Educação Comparada sejam responsáveis por essa construção; para que isso
possa ocorrer, definimos como metodologia a pesquisa-participante, a partir de fundamentos expressos por
Demo (2004) em relação a esse tipo de metodologia.

O CURSO
O Curso proposto, “Introdução ao Pensamento de João dos Santos: Estudo sobre a Pedagogia
Terapêutica” teve o intuito de difundir os estudos do importante psicanalista e médico, pertencente à segunda
geração de psicanalistas ligados a Freud, considerado hoje um dos introdutores da Psicanálise em Portugal.
Sua obra nos coloca diante de uma visão integrada do desenvolvimento humano, que envolve a educação na
família, na escola e na comunidade, ao propor uma Pedagogia Terapêutica.

910
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O objetivo precípuo do Curso consistiu em promover ações formativas voltadas para qualificação de
profissionais e alunos da graduação e pós-graduação das áreas de educação e saúde do Ceará-Brasil e
Portugal para um melhor atendimento à infância em seu processo cognitivo-afetivo e social de escolarização,
com destaque, para as crianças com alguma deficiência e dificuldades mais significativas, que repercutam na
aprendizagem da leitura, da escrita e cálculo, visando fortalecer a habilidade linguística, o raciocínio lógico e
o restabelecimento de relações afetivas e de sociabilidade, cujo fim reside em favorecer a inclusão plena
dessas crianças no sistema escolar e meio social.
O Curso foi desenvolvido na modalidade à distância, via internet, por meio de ambiente virtual de
aprendizagem (Plataforma Moodle Multimeios/UFC). A metodologia pautou-se numa abordagem sócio-
interacionista focado na interação aluno-aluno mediado pelo diálogo e troca de experiência no ambiente virtual
com o professor-formador, assessores pedagógicos, coordenação, tendo como suporte as tecnologias digitais
da informação e comunicação.
A elaboração de módulos temáticos - contou com a colaboração de especialistas na área, da
Universidade Federal do Ceará, da Faculdade de Motricidade Humana/UL e outros parceiros que
contempleram os conteúdos que foram trabalhados no decorrer do curso.
As aulas foram desenvolvidas da seguinte forma: no primeiro momento, foi realizada uma
apresentação dos conteúdos abordados nos módulos de estudo, acompanhados de reflexões que propiciaram
um diálogo do professor com o texto e dos alunos cursistas entre si. No segundo momento, foi prescrita
atividades fundamentadas no conteúdo dos módulos, onde foram desenvolvidas pesquisas bibliográficas e
de campo. No terceiro momento, as reflexões proporcionadas pelo desenvolvimento das atividades nas
etapas anteriores foram usadas como aporte para a elaboração de artigo científico e produção de um vídeo.
A seguir apresentamos os componentes curriculares do curso no Quadro 1.
Componentes Curriculares Carga Horária
Módulo I – Introdução à Metodologia do Curso – EaD 16
Módulo II - Introdução ao Pensamento Santiano 32
Módulo III – Família, Processos de Subjetivação 32
Módulo IV – Ideias Psicopedagógicas 32
Módulo V- O Olhar Santiano sobre as Políticas de Inclusão 32
Trabalho Final – Elaboração de Artigo científico ou do vídeo 16
Total de horas 160
Quadro 1 - Componentes Curriculares do curso
A frequência mínima exigida aos alunos foi de 75% das aulas e atividades programadas e a
elaboração de um artigo científico ou vídeo sobre a temática do curso. Os artigos que alcançaram as melhores
notas integrarão um eBook organizado pelos coordenadores e professores do Curso, a ser divulgado no site
João dos Santos no Século XXI http://joaodossantos.net/, juntamente com os vídeos que forem melhores
elaborados.

TEORIA SÓCIO-INTERACIONISTA E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UMA RELAÇÃO A SER


REFLETIDA
Neste estudo não temos a pretensão de transpor os conceitos das teorias sócio-interacionista para a
educação a distância, mas sim, utilizá-los para buscar um entendimento da aprendizagem dos alunos do
curso em estudo.
A teoria de Vigotski (1896-1939) destaca-se entre os autores que estudam as teorias socioculturais
da aprendizagem e do ensino; sua explicação do carater social e do cultural, como mediadores dos processos

911
A Escola: Dinâmicas e Atores

psicológicos, inerentes ao ser humano, é relevante para compreensão do processo ensino-aprendizagem na


modalidade de ensino a distância.
Vigotski é um dos autores que mais tem se destacado nos últimos tempos na literatura das áreas de
interesse da psicologia cognitiva. Seu principal foco de estudo, no âmbito dessa área são as funções mentais
superiores. Sua teoria encontra-se fundamentada nos princípios do materialismo histórico-dialético,
particularmente de Marx e Spinozza, na União Soviética pós-revlucionária de 1917, e defende, como um de
seus principais postulados básicos, que as mudanças históricas promovem mudanças na natureza humana
e que o ser humano se constitui como sujeito por intermédio da relação com o outro social.
Trazendo essa reflexão para o contexto da educação a distância, é oportuno atentar para os
processos de produção e elaboração das formações em rede, principalmente no que tange a efetivação de
propostas pedagógicas alinhadas à produção do conhecimento, compreendendo-o como:
uma rede complexa de capacidades gerais como observação, atenção, memória, julgamento,
etc., mas um conjunto de capacidades específicas, cada uma das quais, de alguma forma,
independe das outras e se desenvolve independentemente. [Sendo assim,] aprendizado é
mais do que a aquisição de capacidade para pensar; é a aquisição de muitas capacidades
especializadas para pensar sobre várias coisas (Vigotski, 2003, p.108).
Portanto, urge investigar em que medida as proposta formativas tem priorizado às necessidades
cognitivas do desenvolvimento humano, bem como sua capacidade de crescimento intelectual, considerando
seu processo formativo, sua criatividade e ainda produção de sujeitos autores e co-autores.

SOBRE OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO EM REDE


Existe atualmente uma demanda generalizada da sociedade civil em torno do acesso de crianças e
jovens à escolarização, para que sejam incluídos na nova sociedade que se desenha. A própria história da
educação brasileira vem mostrando, desde as primeiras formas de instrução, a existência de projetos sociais
que tornam a escolarização mais um elemento de consolidação do modelo econômico de interesses
estrangeiros e de acirramento das desigualdades sociais.
Sendo assim, a educação na socidade em rede (Castells,1999) tem sido garantia e suporte à indústria
da informática nacional. Considerando a educação como formadora das mentes e das necessidades dos
usuários das próximas décadas, novas necessidades escolares colocam-se como fundamentais, por exemplo,
a introdução das linguagens midíaticas aos processos formativos, atrelando-se com isso necessariamente ao
uso das interfaces digitais interativas (Yong, 2014).
A inserção dessas tecnologias é apresentada como tentativa de melhorar o ensino, de forma que os
alunos possam familiarizar-se com as interfaces digitais, espera-se despertar no aprendiz a curiosidade, a
vontade de saber o que está ao seu alcance para que ele possa selecionar os melhores meios (Perrenoud,
2000).
Além dos professores, a instituição escolar é composta por futuros profissionais que em breve
ocuparão os postos de trabalho. Pensando nisso, observamos um movimento de expansão das políticas
públicas de acesso ao ensino superior através da educação a distância, disseminada por vez, como associada
à ideologia da modernização e revolução no ensino. Esta mística faz com que vários educadores apostem
nas possibilidades que os ambientes virtuais proporcionam, gerando um sentimento de “imersão” no mundo
tecnológico, possibitado pela sociedade em rede.
Sabemos que esse paradigma tecnológico encontra-se enraigado no tecnicismo, a partir de uma
visão limitada, restrita e eficientista, cujo objetivo era preparar o jovem para o mundo do trabalho, ancorada

912
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

em fundamentos teóricos, ideológicos e tecnológicos externos, não reconhecendo as reais necessidades dos
educandos, mas para satisfazer as necessidades de ordem econômica, postas pelo mercado. Chegando
como imposição dos países mais ricos, aos países mais pobres, como simples transferência de teorias
estrangeiras que fundamentavam os usos das tecnologias, assim como também serviam, como ligação para
estabelecer acordos financeiros e incrementar a importação de equipamentos.
Contudo, segundo Gomes (2004) a educação em rede tem provocado mudanças no conhecimento,
no saber, imprimindo novo tipo de sociedade, nova forma da humanidade apreender a informação, elaborar
os conhecimentos, trazendo várias questões para o ensino virtual, inclusive questionando a centralidade do
professor como único detentor do conhecimento, única fonte de informação, tornando-o dispensável dentro
de uma sociedade tecnológica, ao lado dessas tecnologias com a qual o educando adquire certa autonomia
de aprendizagem.
Infelizmente, acontece que a maioria das justificativas para a introdução dessa percepctiva de
formação está articulada à desqualificação e à desvalorização das práticas dos professores, apresentando-
as como arcaicas e obsoletas. Em contraposição à discussão, a experiência formativa no curso à distância:
“Introdução ao pensamento de João dos Santos: estudos sobre a Pedagogia Terapêutica”, ofertado na
modalidade EAD, demonstrou que as interfaces digitais podem ser utilizadas como recursos didático-
pedagógicos, auxílio ao trabalho do professor e não em substituição, principalmente porque este profissional
é responsável pela seleção e exploração dessas tecnologias, de acordo com o contexto específico, dando-
lhe a devida dimensão educacional. Compreendendo como, quando e por que devem ser utilizadas essas
interfaces, objetivando facilitar o ensino, a aprendizagem dos educandos.
Sabemos que a maioria dos docentes não tiveram formação que lhes possibilitassem vivenciar os
processos virtuais através da educação em rede. Assim, uma experiência com uma formação em rede permite
ao professor atualizar sua formação, obviamente com todas as condições de trabalho oferecidas pelo setor a
que estão vinculados, uma vez que as decisões pedagógicas passam pela capacidade do professor
selecionar os recursos, bem como as melhores estratégias, de serem aplicados no contexto da sala de aula,
sejam estas presenciais ou virtuais.

PROCESSOS DIDÁTICOS NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Vários questionamentos se fazem presentes quando se discute os processos didáticos na educação
em rede. Um deles diz respeito ao currículo, que, para alguns críticos, não vem acompanhando o contexto da
sociedade tecnológica. Outro questionamento que se faz trata da formação deficiente do professor. Pimentel
& Mill (2013) ao pontuarem acerca dos desafios contemporâneos educacionais enfatizam:
As práticas pedagógica cotidianas, na relação dialógica entre professores e alunos, podem
ser analisadas em termos de ensino, aprendizagem e inovação. Como desdobramento dessa
relação entre docentes e discentes, podemos tratar dos processos cognitivos e construção
do conhecimento de educandos e educadores, da relação de interação entre mestre e
díscipulos, das inovações técnico-pedagógicas nas práticas de ensino-aprendizagem dos
alunos, da análise do currículo e dos materiais didáticos em geral. (p.13)
Para esse trabalho tomaremos para reflexão os aspectos que envolvem as interações e os processos
de aprendizagem. No campo da educação, é quase impossível falarmos em interação sem recorrer aos
estudos desenvolvidos por Jean Piaget ao ressaltar que a interação ocorre através da relação que o sujeito
estabelece com os objetos, mas alerta que essa interação tem limite determinado para que realmente ocorra
a construção do conhecimento. Entretando, Valente (2013) alerta para o fato de que Piaget se propunha

913
A Escola: Dinâmicas e Atores

apenas em investigar qual o conhecimento as pessoas adquirem nessa relação com o mundo, sendo que sua
pretensão não seria construir mecanismos para adquiri-los, mas apenas investigar como essa relação
acontece.
Numa outra perspectiva, Vigostski, mencionado anteriormente, ocupou-se em propiciar meios para
que as pessoas acessem esse conhecimento, construíndo e acessando através das relações tecidas entre
os pares. Todavia, propõe uma diferença entre desenvolvimento e processo de aprendizagem. Para ele, o
aprendiz deverá perpassar por variadas fases de desevolvimento (afetivo e potencial) até alcançar os
processos de ensino-aprendizagem. Nesse processo, estariam envolvidos tanto aprendiz, como os
educadores, as relações estabelecidas entre os pares, ou seja, todos os envolvidos no processo educativo.
Desse modo, “do ponto de vista educacional, é impraticável pensarmos em tudo que uma pessoa deve saber
tenha que ser construindo de maneira individual, sem ser auxiliada por outros” (Valente, 2013, p.28).
Trazendo essas reflexões para o ensino a distância, de imediato a nomenclatura remete a ausência
de alguém que conduza o processo educativo. Para tanto, é oportuno destacar que qualquer processo
educativo requer a mediação docente. Desse modo, nos processos educativos virtuais isso também não é
diferente, mesmo porque estamos tratando de educação, tendo a necessidade constante da “presença” de
alguém que conduza, realizer as mediações e as interações necessárias nos ambientes virtuais, possibilitando
a aprendizagem afetiva, conduzindo a formação dos conceitos. Neste sentido, nosso entendimento do
fazer/pensar/mobilizar processos educativos comungam com as ideias de Freire ao resssaltar: “Ninguém
educa ninguém, os homens se educam em comunhão”.
A experiência do curso em EAD que ora apresentamos, como não poderia deixar de ser, teve como
um dos seus objetivos estabeler os processos de interação, alimentados na trama das relações tecidas no
decorrer do curso. Tais relações ocorreram desde a composição de uma equipe composta por profissionais
oriundos de Instituições e formações diferenciadas, assim como nas interlocuções realizadas entre os
participantes do curso, envolvendo cursistas de várias regiões do Brasil e discentes de Portugual. Desse
modo, o sentido educativo das interfaces digitais contribuiu sobremaneira para o fortalecimento dos processos
de interação e aprendizagem dialogada, construindo de modo coletivo e colaborativo.
Todavia, é preciso enfatizar que quando se trata de ensino a distância ainda encontramos alegações
e posturas demasiamente enraigadas ao processo histórico do ensino a distância que, inicialmente primava
por práticas instrucionistas e reprodutivistas. Por outro lado, há estudos de Moore (1993) tem que se
debruçado em compreender a estrutura dos cursos ofertados na modalidade EAD, observando as relações
entre alunos e professores, bem como o grau de autonomia presente nessas propostas. Moore (1993)
estabelece o diálogo e flexibilidade nas propostas curriculares como elementos fundantes do processo do
ensino e da aprendizagem em processos educativos virtuais. Assim, o grau de interação e aprendizagem
dependerá da estrutura didático-pedagógica presente nos cursos, o que envolve um repensar sobre a
concepção de currículo, ensino, aprendizagem, avaliação e formação docente.
A concepção de ensino a distancia do Curso “Introdução ao pensamento de João dos Santos“ teve
como referência as investigações desenvolvidas pelo Laboratório de Pesquisa Multimeios (FACED/UFC), que
tem se debruçado ao estudo que envolvem diversas questões no campo da educação virtual, acumulando
vasta experiência de pesquisa na área.
Em linhas gerais, o Laboratório prioriza uma concepção diferenciada de ensino a distância na medida
em que busca desenvolver coletivamente a condução do trabalho docente virtual, ou seja, não adota a divisão

914
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

social do trabalho que hierarquiza funções; a estruturação dos cursos procura adotar um desing didático
intensional, sistematizado e flexível; ocupa-se em investigar e refletir acerca dos os processos identidários
dos docentes, problematizando suas condições laborais em contextos virtuais; toma a mediação docente
como o grande desafio nos processos virtuais, mesmo porque parte-se da premissa que as interações só irão
ocorrer nos ambientes virtuais na medida em que os professores/formadores saibam tão somente conduzir
às interfaces digitais, mas que igualmente potencializem o sentido didático-pedagógico presente em cada
ferramenta.
Desse modo, entendemos que a efetividade da educação em rede perpassa necessariamente pela
formação dos professores, pois eles é que exploram junto aos discentes, os novos recursos, elaborando,
criando, recriando, contribuindo na aprendizagem, acompanhando os discentes durante o período de sua vida
escolar e desenvolvendo as melhores estratégias de aprendizagem. Em vista disso, é importante que os
professores tenham habilidades para o uso efetivo dos recursos tecnológicos.
Dessa forma, há uma pressão da sociedade para que os professores utilizem esses artefatos e
estabeleçam outro tipo de aprendizagem, buscando, na multiplicidade de informações, os meios necessários
ao aprendizado do aluno, de forma que ele se faça autônomo de seu próprio processo. A discussão levanta
a tese de que os professores se tornaram os principais responsáveis pelo uso das interfaces digitais em seu
campo de atuação profisisonal.
Autores como Libâneo (2000) e Perrenoud (2000) apresentam características desejáveis ao novo
perfil docente, destacando as competências necessárias na sociedade marcadas pelas constantes
transformações científicas e tecnológicas. Entretanto, não sinalizam elementos que ajudem a definir e a
construir situações concretas ao tipo de formação necessária, nem tão pouco discutem que condições de
trabalho docente são necessárias. Além disso, pouco tem sido as iniciativas capazes de apontar saídas reais
que contribuam de forma eficiente no tocante à formação de professores e às questões trazidas pelo mundo
digital e pela cibercultura.
No entanto, a experiência formativa com o Curso João dos Santos revelou que é possível pensarmos
em ampliarmos e efetivarmos práticas com vista ao um modelo pedagógico que objetivem um ensino
intencional, sistemático e significativo na construção de saberes.
Por outro lado, constata-se a necessidade de uma constante reflexão teórica que deve ser efetivada
pelo profissional da educação em sua prática pedagógica de atuação com as tecnologias digitais. Sem dúvida,
ao passo que isso se constitui um desafio para a profissão, também abre possibilidade para construção de
novos espaços profissionais e novos dilemas, tensionados na dinâmica do trabalho cotidiano, lugar primordial
onde se dá o fazer profissional docente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo surgiu de inquietações que emergiram em razão das nossas vivências como
docentes no contexto da educação a distância, compreendo-a como campo de possibilidades pedagógicas.
Logo, é preciso ponderar que quando se fala em educação a distância, estamos tratando um de conceito
dinâmico, complexo e que ainda estamos por endender determinados aspectos que contribuem para o
entendimento desta modalidade de ensino. Entretanto, é preciso pontuar a educação como elemento central
desse debate. A partir desse entendimento da compreensão da educação como um todo é preciso atentar-se
aos processos didáticos-pedagógicos.

915
A Escola: Dinâmicas e Atores

A partir desta experiência, investigamos de que modo vem se constituindo a educação em rede
considerando o processo de expansão da educação a distância no ensino superior, viabilizado através da
implementação de políticas públicas de formação docente na última década. Em se tratando das
possibilidades apontamos a ampliação do campo de trabalho docente, as vivências interativas em processos
de educação virtual, a potencialização da prática docente, a (re)organização da gestão do tempo/espaço
pedagógico e outros/novos modos de intervenção/mediação pedagógica.
Ademais, na experiência com o curso nos propondo trabalhar com a concepção de aprendizagem
fundamentada na teoria sócio-interacionista de Vygotsky (2003), possibilitando aos sujeitos propor e discutir
conceitos, organizar ideias ao longo do processo educativo, com o diferencial de uma proposta didático-
pedagógica intencional disponilzada no ambiente virtual moodle. Dessa maneira, é possível dizer que os
participantes do Curso foram colaboradores no processo educativo vivenciado, aprendendo mutuamente nas
relações interativas, possibilitadas pelos usos das interfaces digitais.
No aspecto das contradições percebemos a precarização das condições materiais e estruturais de
trabalho, professores que não tiveram formação para atuarem em contextos virtuais. Em sua grande maioria
não se reconhecem como docente, além de não perceberem que os elementos pedagógicos na docência
virtual são diferenciados. Esses dados apontam a necessidade de continuarmos investigando as questões
relativas aos processos de educação virtual e suas implicações no trabalho docente.

REFERÊNCIAS
Castells, M. (1999). A sociedade em rede. Coleção A era da informação: Economia, Sociedade e cultura (vol.
1). São Paulo: Paz e Terra.
Demo, P. (2004). Aprendizagem no Brasil: ainda muito por fazer. Mediação: Porto Alegre.
Freire, P. (1987). Pedagogia do Oprimido (17ªEd.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Gomes, M. V. (2004). Educação em rede: uma visão emancipadora. São Paulo: Cortez.
Libâneo, J. (2000). Adeus, professor, Adeus Professora? Novas exigências educacionais e profissão docente.
São Paulo: Cortez.
Moore, M. (1993) Theory of Transactional Distance. In: Keegan, D. (Ed.). Theoretical Principles od Distance
Education (pp.22-38). Londres: Routledge.
Pimentel,N. & Mill, D. (2013). Educação a distância: desafios contemporâneos, São Carlos: EdUFSCar.
Perrenoud, P. (2000). Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.
Young, R. (2014). Inserção Das Interfaces Digitais Interativas (IDI) No Ensino Presencial Superior: Práticas
Educativas E Formação Docente No Curso De Pedagogia Da UERN. Tese (doutorado) –
Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira.
Vygotsky, L. (2003). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores.
São Paulo: Martins Fontes.
Valente, J. (2013). O papel das interações e as diferentes abordagens pedagógicas de Educação a Distância.
In Mill, D. & Pimentel, N. Educação a distância: desafios contemporâneos (pp.25-41), São Carlos:
EdUFSCar.

916
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A EMERGÊNCIA DO DISCURSO DO CONSUMO NA BASE NACIONAL COMUM


CURRICULAR BRASILEIRA – LIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE SUJEITOS
ESCOLARES CONSUMIDORES
[ID 15]

Patrícia Ignácio
Universidade Federal do Rio Grande – Brasil
patricia.ignacio@furg.br

Resumo
O estudo apresenta uma investigação que teve por objetivo analisar e colocar em discussão a forma como o
discurso do consumo conseguiu adentrar no jogo de saber-poder do campo da educação e se materializou
na proposta da Base Nacional Comum Curricular (2015) brasileira. Bem como, apresentar os saberes e
dizeres do consumo que reverberam dessa interpenetração. Para mostrar as condições de existência do
discurso do consumo na Base Nacional Comum Curricular e os temas, conceitos e objetos que emergem,
foram selecionados e analisados excertos do documento que se referem ao consumo. A estratégia analítica
foi inspirada nas proposições de Foucault acerca da análise do discurso; nos Estudos Culturais; e em estudos
que descrevem a condição humana em contextos socioculturais em que a consumo tem se mostrado o
sistema de valores central. As categorias de análise foram produzidas a partir de aproximações com a
arqueologia de Foucault (2009), no que se refere: aos campos discursivos aos quais ele se filia; em algumas
das formas pelas quais os enunciados se relacionam, combinam ou divergem entre si; e aos temas que
compõem o discurso. Os primeiros achados apontam para: a coexistência do discurso do consumo na Base
Nacional Comum Curricular com os discursos ambiental, cidadão, médico, publicitário e matemático; e uma
trama discursiva que reverbera conceitos, objetos e temas sobre a administração do consumo; a cidadania
pelo consumo; a capacitação para ações de compra e venda; os direitos do consumidor; o consumo versos a
preservação do ambiente; o consumo consciente; a ética do consumo; e o consumo e as desigualdades
sociais. O que se percebe é que o discurso do consumo, em meio a outros discurso, está na ordem do
acontecimento, da multiplicidade e do devir no discurso educacional. Neste contexto, sua emergência na Base
Nacional Comum Curricular sustenta sua adjetivação de obrigatoriedade no processo de escolarização e
acaba por compor uma gama de significados aos quais crianças e jovens têm acesso, estabelecendo uma
política curricular que convoca e capacita os sujeitos escolares para transitar em uma ordem social marcada
para e pelas leis do mercado.

Palavras-chave: Educação e consumo, Base Nacional Comum Curricular, Sujeitos escolares consumidores,
Discurso do consumo.

Résumé
L’étude présente une recherche visant à analyser et à mettre en discussion la façon dont le discours de la
consommation a réussi à entrer dans le jeu, à savoir puissance du champ de l’éducation et matérialisée
dans le projet de Base Curriculaire commun National Brésilien (2015). Ainsi que la présentation des
connaissances et dire que la consommation se répercute dans cette interpénétration. Pour afficher les
conditions d’existence du discours de la consommation dans le Base Curriculaire commun National
Brésilien et les thèmes, concepts et objets qui émergent, ont été sélectionnés et analysés les extraits du
document relatif à la consommation. La stratégie analytique a été inspirée par les propositions de Foucault
sur l’analyse du discours; dans les études culturelles; et dans des études qui décrivent la condition humaine
dans des contextes sociaux et culturels, dont la consommation c’est avérée être le système de valeurs
centrales. Les catégories d’analyse ont été produits à partir des approximations avec archéologie de
Foucault (2009), en ce qui concerne: les champs discursifs auquel il participe; dans quelques-unes des
façons dont les déclarations se rapportent, combiner ou s’écartent les uns des autres; et les thèmes qui
composent le discours. Les premiers résultats, a souligné: la coexistence du discours de la consommation
dans le Base Curriculaire commun National Brésilien comme les discours environnementales, citoyen,
médecin, publiciste et mathématicien; et une intrigue qui se répercute les concepts discursifs, des objets
et des thèmes concernant l’administration de la consommation; de citoyenneté; la formation pour l’achats
et la ventes des stocks; droits des consommateurs; la consommation versets la préservation de
l’environnement; la consommation consciente; l’éthique de la consommation; consommation et les

917
A Escola: Dinâmicas e Atores

inégalités sociales. Ce que nous voyons, c’est que le discours de la consommation, au milieu d’autres
discours, est l’ordre de l’événement, de la multiplicité et l’avenir dans le discours éducatif. Dans ce
contexte, votre situation d’urgence dans votre adjectivation de Base Curriculaire commun National
Brésilien obligatoire soutient dans le processus de scolarisation et composé en fin de compte un éventail
de significations qui les enfants et les jeunes ont accès, établissement d’une politique de programme
d’études qui convoque et habilite l’objet à utiliser dans un ordre social marqué pour et par les lois du
marché.

Mots-clés: Education et Consommation, Base Nationale Curriculaire commun, Sujets Escolaires


Consommateurs, École sujets communs aux consommateurs, Discours de la consommation.

INTRODUÇÃO
A vontade de verdade dos profissionais do campo da educação, no Brasil, de educar para o consumo
se materializou em diferentes ações, ao longo dos anos. Já em 1986 foi aplicado, em escolas públicas do sul
do país, um plano experimental de Educação do Consumidor (BRASIL, 1990b). Em âmbito nacional, o
Ministério da Educação reuniu nos anos 90 especialistas em Educação do Consumidor com o objetivo de
estudar a viabilidade da inclusão da referida temática no currículo da Educação Básica.
Desde então, as escolas brasileiras têm sido invadidas, especialmente na última década, por um
número significativo de artefatos destinados à educação para o consumo. Materializado nos planos de aula
do Portal do Professor/MEC, em livros paradidáticos, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (ibidem, 1997),
nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais na Educação básica (ibidem, 2013), e, atualmente, na proposta
da Base Nacional Comum Curricular - BNCC (ibidem, 2015), o discurso do consumo mostra-se cada vez mais
entrecruzado ao processo de escolarização.
Nesse contexto, este artigo apresenta alguns resultado iniciais da pesquisa “Lições de consumo nas
práticas discursivas escolares – a Pedagogização do consumo em sala de aula e o governamento dos sujeitos
escolares para o consumo”, cujo objetivo é tentar entender como o processo de escolarização vem se
posicionando em relação ao consumo e qual o seu trabalho no processo de produção dos sujeitos em uma
sociedade regida para e pelas leis do mercado. Posições estas que se materializam nos planos de aula, na
formação de professores, nos livros didáticos e paradidáticos e nos documentos oficiais brasileiros - para este
estudo, a proposta da Base Nacional Comum Curricular.
A proposta da Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2015) brasileira despontou - em atendimento
à Constituição Federal de 1988, à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Brasil, 1996), ao Plano Nacional
de Educação (Brasil, 2014) e em conformidade com as Diretrizes Curriculares Nacionais - como complemento
às políticas voltadas a construção de uma base comum de conhecimentos/saberes/conteúdos capazes de
promover e assegurar o direito à educação de norte a sul do país. Trata-se de um documento oficial, de
grande circulação, capilaridade, status e difusão no campo da Educação Brasileira, que expressa os saberes
e conhecimentos considerados essenciais à formação dos sujeitos escolares.
Assim sendo, ao emergir na BNCC (Brasil, 2015) - em meio a outros discursos - o consumo assume
a adjetivação de obrigatoriedade e ocupa lugar de destaque enquanto conteúdo a ser ensinado. Esse
entrecruzamento se dá em um sistema de filiação e negociação de conceitos com diferentes campos saber,
promovendo novos enunciados para a formação discursiva da educação para o consumo.
Partindo desse entendimento, o presente artigo se propõe a analisar e colocar em discussão a forma
como o discurso do consumo conseguiu adentrar no jogo de saber-poder do campo da educação e se
materializou na proposta da Base Nacional Comum Curricular (2015) brasileira. Bem como, apresentar os

918
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

saberes e dizeres do consumo que reverberam dessa interpenetração, por meio da análise de conceitos,
objetos e temas.

O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO E A APROPRIAÇÃO DOS DISCURSOS SOCIAIS


Em seu livro Ordem do Discurso (2008), Michel Foucault caracterizou o sistema de educação como
um dos locais onde os sujeitos podem, não só ter acesso a qualquer tipo de discurso, mas também condições
de “[...] manter ou de modificar a apropriação de discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem
consigo [...]” (Foucault, 2008, p.44). Para o pensador, o sistema de ensino se constitui em um sistema de
práticas de significação que pedagogizam, (con)formando os sujeitos a uma dada ordem, por meio de arranjos
de poder discursivo ou simbólico.
Para Raymond Williams (1992) a escola se configura como um espaço de transmissão e perpetuação
da experiência humana. Experiência definida pelo autor como cultura. Williams (Ibid.) descreve a cultura como
memória viva a ser transmitida.
Na esteira da compreensão de que a cultura é parte integrante do currículo escolar, a pesquisadora
Marisa Vorraber Costa descreve a escola como “[...] um lugar na cultura, um lugar onde a cultura circula, onde
culturas se encontram e negociam, onde se produz e consome cultura [...]” (Costa & Momo, 2009, p.524).
Consequentemente, um lugar que muito ensina sobre “[...] nosso período histórico e sobre novas funções e
significados [...]” (ibidem, p.524), a partir da ordem social contemporânea. Nesse viés interpretativo, a autora
vê o espaço da escola como componente, palco e agente da cena cultural, imbricado na luta, na circulação e
na disseminação de códigos da cultura de consumo, capazes de operar na produção dos sujeitos escolares.
Filiado a esse viés investigativo, o processo de escolarização é aqui entendido como uma maquinaria
que reverbera discursos histórico, social e culturalmente datados e localizados e atua na produção de
subjetividades infantis para uma determinada ordem social, através de um currículo capaz de produzir formas
de vida consideradas adequadas pelo campo da educação. Para tanto, ele seleciona, do universo de
conhecimentos e saberes da cultura, a porção que considera importante em um dado momento histórico,
pertinente a sua função social e de interesse da sociedade e os recontextualiza (Berstein, 2003), os didatiza
para as novas gerações, os qualifica de acordo com sua gramática discursiva.
Dentre os saberes da cultura selecionados para a formação dos sujeitos escolares, quem vem
ganhando espaço e materialidade no campo da educação - por sua circulação, trânsito, aderência e
capilaridade - é o consumo.
Presente nas sociedades contemporâneas e interferindo de forma incisiva na maneira como os
sujeitos relacionam-se, vestem-se, comportam-se e constituem as suas identidades, a racionalidade do
consumo está, cada vez mais, imanente à vida dos sujeitos (Canclini, 2006; Sarlo, 2006; Costa, 2009). “[...]
Encontramo-nos em pleno foco do consumo enquanto organização total da vida quotidiana [...]” (Baudrillard,
2008, p.20), como centro organizador da ordem política, econômica, social e cultural (Costa, 2009).
Jean Baudrillard (2008), um dos primeiros a caracterizar as sociedades movidas e engendradas pelo
consumo, apontou em seu livro A sociedade de consumo que a multiplicação dos objetos, serviços e bens,
bem como o seu excesso e abundância, modificaram profundamente a vida dos sujeitos sociais.
Mike Featherstone (1995), fundamentado nas discussões e problematizações da Escola de Frankfurt
e da Teoria Crítica, percebeu o consumo implicado na cultura e o concebeu como ferramenta capaz de
constituir um estilo de vida. Em suas investigações, Featherstone apresenta três nuances para a cultura de

919
A Escola: Dinâmicas e Atores

consumo. No primeiro posicionamento, o autor fala que há um acúmulo de cultura material, produzido pela
expansão e fabricação de mercadorias. No segundo, refere-se à forma como as mercadorias operam – por
meio de dimensões simbólicas – como demarcadores das relações sociais. No terceiro, narra o consumo
como meio de satisfação dos sonhos e prazeres.
Em relação ao consumo, estudiosos dos estudos culturais tais como Canclini (2006), Sarlo (2006),
Costa (2009), entre outros, têm adicionado o assunto à sua agenda de investigações como um conjunto de
práticas de significação capaz de compor não só a identidade dos sujeitos, mas de conduzi-los para uma
forma particular de ser e conviver em sociedade. Forma esta – baseada nas regras do mercado – que alterou
os princípios da cultura contemporânea e as formas de exercer a cidadania.
Na esteira dessas percepções, o conceito de consumo que embasa o presente artigo está associado
à ideia de que ele é constituído por um sistema de significações e classificações que estabelece uma forma
específica de ser e conviver em uma dada ordem social. Ele é o traço definidor das condutas dos sujeitos
(Costa, 2009) e está fortemente implicado na cultura contemporânea – cultura consumista. É uma prática de
significação na Sociedade de Consumo, que passou a ser inserida entre discursos do campo da educação.
Acrescido a este entendimento, o consumo é aqui também compreendido - a partir das teorizações
de Foucault (2008) - como um discurso. Ao empregar o termo discurso, Foucault se distanciou de conceito,
sentido oculto, análise e interpretação ou teoria. Não o compreendeu como significado das palavras, mas sim
como “[...] práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam [...]” (Foucault, 2009, p.55). Assim
sendo, os conceitos que a sociedade evoca não correspondem à qualidade, à essência, à verdade, mas a
trocas e negociações de sentidos que a linguagem estabelece com as diferentes representações. Há um
campo de condições de existência produzido dentro de uma sociedade que controla, seleciona, organiza e
redistribui a produção dos discursos.
Para o estudo das condições de existência do discurso do consumo na proposta da BNCC (Brasil,
2015), foram selecionados e analisados excertos do documento que tratam sobre o consumo. Como chave
de análise, foram utilizadas categorias produzidas a partir de aproximações com a arqueologia de Michel
Foucault (2009), no que se refere às regras de formação dos objetos, às regras de formação dos conceitos e
às regras de formação das estratégias do discurso no processo de escolarização, explicitadas: nos campos
discursivos aos quais se filia, em algumas das formas pelas quais os enunciados se relacionam, combinam
ou divergem entre si e nos temas que compõem o discurso.

UM EXERCÍCIO DE ANÁLISE DISCURSIVA


A trama discursiva do consumo na Base Nacional Comum Curricular
[...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada,
organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar
seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade. [...] Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar
de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa
(Foucault, 2008, pp.8-9).
Não se pode dizer tudo, em qualquer circunstância e a qualquer tempo. Existem regras que
determinam o que é “verdadeiro” e o que é “falso”. Existem regras que colocam em evidência uma vontade
de verdade, que exerce uma espécie de coerção ou pressão sobre os outros discursos. Assim sendo, os
discursos em si mesmos não são nem verdadeiros nem falsos (Foucault, 2009), mas são constituídos de
formações discursivas, que propagam vontades de verdade.

920
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Assim, para que o discurso do consumo adentrasse ao campo da educação e fizesse parte da Base
Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2015), existiu um conjunto de condições de possibilidade e existência,
em um determinado tempo e espaço, de onde emergiu tal rede de saberes. Bem como de uma família de
campos de saber, com a qual dialoga para a aparição e manutenção do mesmo.
Tal entrecruzamento, forte indício da pedagogização do discurso do consumo no discurso
educacional, se dá em um sistema de filiação e negociação de conceitos com diferentes campos enunciadores
do discurso do consumo. Ou seja, para compor os objetos, os conceitos e os temas que transitam na BNCC
(Brasil, 2015), o processo de escolarização selecionou e ressignificou enunciados de outros campos de saber,
bem como gerou novos enunciados para compor a emergência da formação discursiva da educação para o
consumo na Base Nacional Comum Curricular (ibidem).
Para tanto, o discurso do consumo dialoga com campos de saber que já transitam na escolarização
e estão na agenda das discussões contemporâneas, tais como os discursos: ambiental, cidadão, médico,
publicitário e matemático, para, em um regime de coexistência discursiva, compor o quadro de sistemas de
significações que fazem parte da pedagogização do discurso do consumo nas práticas discursivas escolares.
Um dos campos de saber de maior aderência ao discurso do consumo na BNCC (Brasil, 2015) é o
discurso ambiental. No texto de abertura da Área de Ciências da Natureza, por exemplo, a educação para o
consumo aparece entre os temas a serem discutidos de forma contextualizada e articulado aos saberes de
outros componentes da área e de outras área.
A preocupação com o consumo humano e a preservação dos recursos naturais aparece, por exemplo,
no componente curricular Ciências, na Unidade de Conhecimento – Ambiente, recurso e responsabilidades.
Segundo as intenções da unidade, é preciso levantar questões sobre:
[…] qual a relação existente entre o consumo humano e a disponibilidade de recursos
naturais? Qual a relação existente entre modelo de desenvolvimento econômico, padrões de
consumo humano e sustentabilidade? Qual o potencial de aproveitamento dos ambientes, a
começar pelo ambiente doméstico? Qual a relação entre consumo e produção de resíduos?
Como as atividades humanas inserem-se em ciclos e processos naturais (químicos, físicos,
biológicos e geológicos), afetando-os? (Brasil, 2015, p.158)
Sobre esse assunto, os Parâmetros curriculares nacionais já afirmavam que “[...] o atual modelo
econômico estimula um consumo crescente e irresponsável de bens materiais, mas depara com a
constatação de que há um limite para esse consumo que de fato condena a vida na Terra a uma rápida
destruição [...]” (Brasil, 1997, p.36). Reforçando esse entendimento, a BNCC (Brasil, 2015) dá destaque aos
efeitos danosos das ações humanas sobre o ambiente, problematizando “[…] a intensificação do efeito estufa;
mudanças na camada de ozônio; chuva ácida; ilhas de calor; aquecimento global; propostas de aumento de
fontes renováveis de energia, de acordo com as possibilidades e contextos de cada região” (ibidem, p.212),
entre outros. A regra é entender o Planeta Terra como um organismo vivo e interligado, para consumir os
recursos naturais de forma consciente e responsável e não trazer prejuízos para si, para o bem estar coletivo,
para a sobrevivência da humanidade e para o Planeta (Boff, 1995).
Além disso, segundo a proposta da BNCC (Brasil, 2015, p.68), práticas de invenção e de cuidados
com o mundo se fortalecem em análises da exploração de tecnologias, de energia, do ambiente, do trabalho
humano, fundamentando a avaliação e a adoção de atitudes de consumo responsável, de promoção de
sustentabilidade e de solidariedade planetária.
Para a formação do consumidor consciente, a BNCC (Brasil, 2015) estabelece, também um conjunto
de objetivos que devem ser alcançados por meio de ações tais como: “identificar situações inadequadas”

921
A Escola: Dinâmicas e Atores

(ibidem, p.182), compreender e discutir os problemas naturais a partir de “componentes históricos, sociais e
políticos” (ibidem, p.203) e problematizar o consumo de energia dos diferentes países e suas consequências
para o Planeta Terra (ibidem, p.212).
O discurso do consumo em prol da cidadania e dos direitos do consumidor aparece no documento
fortemente relacionado aos campos político e jurídico. Ancorado na compreensão de que as maneiras de
consumir alteraram as possibilidades e as formas de exercer a cidadania (Canclini, 2006), a leitura,
compreensão e interpretação do Código de Defesa do consumidor, bem como de outros “textos das esferas
política, jurídica e reivindicatória” (Brasil, 2015) são considerados essenciais para o exercício da cidadania.
Para assegurar a racionalidade das relações de consumo, a Constituição Federal Brasileira rege no
artigo 5º inciso XXII que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (Brasil, 1988,
documento não paginado). Além disso, conforme o artigo 24, “Compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre: [...] VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico” (Brasil, 1988,
documento não paginado). Já nos princípios gerais da atividade econômica (Artigo 170), a defesa do
consumidor emerge como um dos itens para a existência digna.
No Código de defesa do consumidor (1990a), além da preocupação com os direitos e deveres nas
práticas de consumo, a educação para o consumo é citada como um dos direitos básicos do consumidor: “II
- a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de
escolha e a igualdade nas contratações;”. Ou seja, é direito do cidadão ser educado para o consumo, uma
vez que a escolarização tem como função social a educação, logo coube a ela inserir o consumo no processo
de escolarização.
Aprender a consumir e estabelecer um conjunto de ações de consumo considerado adequado para
manter a saúde e o bem estar, é o foco do debate do discurso médico. Denominados pelo documento como
“práticas cotidianas de cuidados pessoais”, o consumo de água, o consumo de diferentes tipos de alimentos,
para manutenção da saúde (Ciências – 1o. EF) dialoga e se articula com as narrativas contemporâneas sobre
a busca do corpo ideal, saudável e perfeito. Ainda em função da saúde e do bem estar dos sujeitos, a BNCC
(Brasil, 2015) propõem “atitudes cuidadosas com o ambiente e com a própria saúde”(ibidem, p.271) e a
identificação de doenças associadas ao consumo e seus impactos na saúde humana (Química – 3o. EM).
A capacitação para ações de compra e venda – advinda do campo da economia - mostra-se em
destaque na BNCC (Brasil, 2015) no discurso matemático, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino
Médio. Neles o que se percebe é a emergência de uma gramática voltada para os procedimentos de compra,
venda, formas de pagamento, troco, lucro, prejuízo, (4o. EF). Além disso, afirma que o trabalho com os
números no Ensino Médio, deve “valorizar questões relacionadas à Matemática financeira, possibilitando ao/à
estudante compreender aspectos da economia brasileira e tomar decisões, por exemplo, sobre compras a
prazo ou à vista” (ibidem, p.141), através dos cálculos de acréscimos e decréscimos, taxa percentual e juros
compostos, parcelamentos, financiamentos, dentre outros, instituindo o vocabulário do consumo no campo
da educação.
Já as relações entre mídia, consumo e publicidade emergem nos componentes Artes, Geografia,
Língua Portuguesa e Língua Estrangeira. Reconhecer, compreender e analisar as implicações da mídia e da
publicidade nos modos de vida e consumo dos sujeitos aparecem em todos os referidos componentes
curriculares. O estudo da persuasão e do apelo ao consumo são mencionados, em especial, nos objetivos

922
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

das Línguas Portuguesa e Estrangeira, tendo em vista que é preciso “debater temáticas relativas ao consumo”
(Brasil, 2015, p.60), pois a descoberta das crianças e jovens como alvos fáceis de captura para o consumo
(Klein, 2009) tem produzido uma avalanche de peças publicitárias votadas para esse público. Assim sendo,
cabe ao campo da educação educar o olhar dos sujeitos escolares em relação a administração dos seus
desejos de consumo.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Partindo da compreensão de que a escola desempenha um importante papel pedagógico, cujo
objetivo é a “[...] transmissão de uma verdade que tem por função dotar um sujeito qualquer de aptidões,
capacidades, saberes, etc., que ele antes não possuía e que deverá possuir no final dessa relação pedagógica
[...]” (Foucalt, 2010, p.366), a elaboração da proposta da Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2015)
demarca a vontade de verdade do campo da Educação acerca dos conhecimentos, aptidões, capacidades e
saberes que a tradição pedagógica tem apontado como essenciais à formação dos sujeitos escolares.
Vontades que determinam formas de educação datadas e localizadas em um tempo e espaço específicos.
Tempo e espaço cada vez mais marcados e regidos pelas leis do mercado.
Nesse contexto, o que se configura é o acontecimento discursivo do consumo no campo da educação.
Momento em que uma gama de conhecimentos que emergem a partir das relações de consumo, passaram a
ser pedagogizados no campo da educação, por meio de práticas discursivas, implicadas na transmissão de
verdades capazes de constituir os sujeitos (Foucault, 2010).
Assim sendo, ao emergir na Base Nacional Comum Curricular o discurso do consumo recebe, por
meio de regulamentação, status de saber a ser discutido e ensinado no campo da educação. A partir desta
interpenetração, uma rede de saberes, novas economias de poder e novas identidades passaram a emergir
no discurso educacional. Ou seja, trata-se da produção, captura e mediação pedagógica do sujeito escolar,
por meio de discursos e práticas com o objetivo explícito de sua (trans)formação enquanto sujeito consumidor.
Em outras palavras, a coexistência do discurso do consumo com os diferentes campos de saber e o
conjunto de conceitos, objetos e temas que reverbera dessa trama discursiva, acaba por compor uma gama
de significados aos quais crianças e jovens têm acesso, promovendo a convocação e a capacitação dos
sujeitos escolares para transitar em uma ordem social marcada pela centralidade do consumo.
Contudo, faz-se oportuno pontuar que a proposição acima não implica na compreensão de que os
sistemas de significação produzidos na emergência do discurso do consumo na proposta da BNCC (2015)
sejam acolhidos, compreendidos, geridos, vivenciados, assimilados, incorporados, de uma mesma forma, por
todos os sujeitos. Existem outras narrativas nas quais os sujeitos podem se filiar e/ou transitar na composição
de suas identidades.
Além disso, o presente trabalho expressa uma das possíveis interpretações armadas a partir do marco
teórico-metodológico escolhido acerca da relação consumo e educação. Outros mapas podem produzir outras
formas de dizer sobre e, inclusive, de dizer contra as questões pontuadas neste estudo. O que se percebe é
a importância de problematizar junto aos profissionais da educação e à comunidade escolar como tais
questões serão desenvolvidas nas salas de aula de todo o país.

923
A Escola: Dinâmicas e Atores

REFERÊNCIAS
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Boff, L. (1995). Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática.
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http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-referencia.pdf. Acesso
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nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC.
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Pesquisa, São Paulo, 120, 75-110.
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Janeiro, 14 (42), 521-533.
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Foucault, M. (2008). Ordem do discurso (16ªEd). São Paulo: Loyola.
Foucault, M. (2009). Arqueologia do saber (7ªEd). Rio de Janeiro: Forense Universitária.
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Sarlo, B. (2006). Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina (4ªEd). Rio de
Janeiro: UFRJ.
Williams, R. (1992). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

924
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A INSPEÇÃO GERAL DA EDUCAÇÃO: ENTRE A BUROCRACIA E A AMBIGUIDADE NOS


PROGRAMAS DE ACOMPANHAMENTO
[ID 283]

Luciana Salvador Joana


Maria João de Carvalho
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) – Universidade do Porto
luciana.joana@hotmail.com; mjcc@utad.pt

Resumo
Partindo do pressuposto assumido pela Inspeção Geral da Educação de que a ação inspetiva e a sua
intervenção nas escolas permitirão um aperfeiçoamento da qualidade do serviço prestado e que a clareza das
expectativas dos professores é essencial para a conquista e consecução dos procedimentos metodológicos
a desenvolver, realizámos, em 2013, um estudo empírico com o objetivo de analisar as representações de
professores do 1º Ciclo e de inspetores da educação acerca do modo de atuação e consecução dos objetivos
a que se propõem os segundos, aquando o desenrolar das atividades dos Programas de Acompanhamento.
O estudo adotou uma metodologia qualitativa, tendo sido usados como instrumentos de recolha de dados
questionários, entrevistas semiestruturadas e análise de documentos. Participaram na investigação dezanove
professores do Primeiro Ciclo do Ensino Básico e quatro inspetores da educação.
Os resultados da investigação evidenciam o grau de concordância e discordância em relação ao papel da
Inspeção Geral da Educação, mais concretamente em relação à importância e eficiência dos Programas de
Acompanhamento, criados com o objetivo de observar e acompanhar a ação educativa.
Assumindo as diferentes funções deste organismo, os professores apontam como principal impacto do
trabalho inspetivo a melhoria do funcionamento das escolas, não lhes identificando nenhuma competência no
que ao processo pedagógico respeita. Lamentam a inexistência da ação de acompanhamento mais voltada
para a pedagogia, alegando a sua importância na procura de soluções para os problemas das escolas e na
melhoria do processo educativo. Os esforços registados por parte dos atores inspetivos na procura de uma
relação colaborativa com as escolas e professores parecem ainda não ser notados por todos os professores
ao afirmarem sentirem ansiedade e alguma preocupação quando por eles visitados.
Oscilando entre a obrigação das exigências burocráticas impostas pelo Ministério que os tutela e as
reclamações e exigências próprias do seu quotidiano, os inspetores vêem-se, muitas vezes, num limbo entre
o cumprimento do papel oficial, determinado pelas funções e atribuições definidas nos documentos que
regulamentam e orientam a profissão e o cumprimento do papel real, onde cabem as necessidades e pedidos
de ajuda de professores, tornando a sua atuação difusa por se ver obrigado a responder a um tão grande
número de solicitações.

Palavras-chave: Inspeção em Educação, Programas de Acompanhamento, Qualidade da Educação,


Burocracia, Ambiguidade.

Résumé
En partant de la présupposition assumée par l'Inspection Général de l'Éducation que l'action inspective et son
intervention dans les écoles permettront un perfectionnement de la qualité du service rendu et que la clarté
des attentes des enseignants est essentielle pour la conquette et consécution des procédés methodologiques
à dévelloper, nous avons realisé, en 2013, une étude empirique avec le but d'analyser les réprésentations
des professeurs du premier cycle et des inspecteurs de l’éducation sur le mode d'éxécution et consécution
des objectifs aux quels se proposent les seconds, lorsque se développent les activités du programme
d'accompagnement.
L'étude a adopté une mèthodologie qualitative, ayant été usés comme instruments de collecte de donnés
questionnaires, interviews semi-structurées et anályse de documents. Ont participé dans l'investigation dix-
neuf professeurs du premier cycle de l'enseignement basic et quatre inspecteurs de l’éducation.
Les résultats de la recherche montrent le degré d'accord et de désaccord en rapport au rôle de l' Inspection
Général de l' Éducation, plus précisément en ce qui concerne l’importance et l'efficience des programmes
d'accompagnement, crées afin d'observer et accompagner l' activité educative.

925
A Escola: Dinâmicas e Atores

En assumant les differentes fonctions de cet organisme, les professeurs soulignent que le principal impact du
travail inspectif est d'améliorer le fonctionnement des écoles, ne leur reconnaissant aucune compétence dans
le processus pedagogique. Ils regréttent l'absence d’action d’accompagnement plus ciblée pour la pedagogie,
allégant son importance dans la recherche de solutions pour les problèmes dans les écoles, et d’améliorer le
processus éducatif. Les éfforts enregistrés par les acteurs inspectifs dans la recherche d'une relation
colaborative avec les écoles et professeurs semblent ne pas être encore remarqués par tous les professeurs
quand ils affirment sentir anxiété et une certaine inquietude quand ils sont visités par les inspecteurs.
En oscillant entre l'obligation des exigences bureaucratiques imposées par le Ministère que les tutelle et les
réclamations et éxigences propres de leur quotidien, les inspecteurs se voient, souvent, dans les limbes entre
le respect du rôle de responsable de la conformité officielle déterminée par les fonctions et atribuitions définies
dans les documents qui régulent et guident la profession et le compliment du rôle réel, oú se situent les besoins
et les demandes d'aide des professeurs, faisant sa performance diffuse pour se voir obligé à répondre à un
aussi grand numéro de solicitations.

Mots-clés: Inspection en Éducation, Programmes d’A ccompagnement, Qualité de l'Éducation, Bureaucratie,


Ambiguité.

A INSPEÇÃO GERAL DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA: ENTRE A BUROCRACIA E A


AMBIGUIDADE NOS PROGRAMAS DE ACOMPANHAMENTO
A inspeção escolar tem acompanhado o desenvolvimento dos sistemas educativos desde fins do
século XIX e, apesar das diferentes modalidades adotadas para o cumprimento deste acompanhamento, pode
destacar-se como uma das suas principais funções a representatividade do Estado na criação, fiscalização e
controlo dos estabelecimentos educativos nos sistemas escolares. Tradicionalmente, a inspeção, enquanto
órgão pertencente ao Estado, instruído para controlar a efetivação do processo educativo em cada uma das
instituições escolares, estava fortemente relacionada com as decisões, estratégias e formas de supervisão,
como forma de governação do processo educativo.
A mudança de paradigma inspetivo está muito relacionada com as variações da organização
administrativa da educação resultantes da maior ou menor descentralização da administração e da crescente
autonomia das escolas, a quem se tem pedido que respondam, de forma contextualizada, às necessidades
educativas das populações que assistem e, ao mesmo tempo, aos níveis de exigência da qualidade das
aprendizagens e de desempenho.
A inspeção da educação surge como fruto de uma série de fatores advindos das relações
estabelecidas entre o Estado burocrático e o sistema de produção capitalista. A organização burocrática e o
desenvolvimento industrial sempre andaram lado a lado, sendo as empresas e o Estado as organizações que
mais se destacaram na utilizção do aparelho burocrático. Neste cenário, a inspeção educativa apresenta-se
submetida ao Estado burocrático, tornando-se burocratizada pelo poder estatal. Revela- se, então, como
instrumento burocrático que traduz um modelo político-social que é utilizado pelo Estado como um dos
elementos de controlo.
Com efeito, “O presente parece reafirmar a dificuldade em substituir estruturas administrativas ao
mesmo tempo que confirma a quase natural tendência para recuperar padrões burocráticos supostamente
em vias de desaparecerem” (Carvalho, 2011, p.34). Na escola esse controlo também se dá com bastante
veemência. A escola como micro sistema dessa organização encontra-se, também, submetida à burocracia
Estatal que determinará a legalidade do seu ensino. Nesse sentido, a inspeção escolar faz-se muito presente,
com as suas atitudes de controlos burocráticos.
Garcia (2009) conclui que o Estado burocrático interfere na atuação do inspetor escolar numa visão
progressista, na medida em que impondo o cumprimento da legislação no interior da escola ele está a definir

926
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

subtilmente e a limitar, de certa forma, a prática do profissional. A “rigidez comportamental” e consequente


racionalidade (instrumental) que advém deste tipo de sistema organizacional rompe com a espontaneidade
dos atores inspetivos uma vez que permite tornar previsíveis os seus comportamentos, “transformando-os em
conformistas, em meros cumpridores do estabelecido, ao mesmo tempo que garantem a convergência da
política adoptada e, nesse sentido, torna[m]-se o seu instrumento de concretização” (Carvalho, 2011, p.39).
Deste ponto de vista os inspetores são tidos como sujeitos passivos, meros executores e cumpridores das
normas estipuladas pela organização que representam. Torna-se, então, de grande importância que os atores
inspetivos acreditem na possibilidade de mudança, na possibilidade de abrir espaços para a emergência de
uma racionalidade emancipatória, favorecendo a reorganização da sociedade e a reinvenção da cultura
(Gonçalves, 1999). Importa que o seu papel não se resuma ao detetar falhas e desvios e à sua denúncia
perante os órgãos competentes. Importa que desenvolva todo um trabalho relacionado com aspetos
preventivos, corretivos e de assessoramento.
Atualmente a Inspeção da Educação não é utilizada unicamente como organismo de controlo não
havendo, no entanto, um modelo coordenado e confluente de assessoramento (Pardinilla, 2006). Este modelo
dá lugar, na prática, a um conjunto disperso de tarefas ou à duplicação das mesmas, a uma ambiguidade de
regras e gera, nas escolas, confusão, descontentamento e apatia. Esta tensão de modelos entre o que se
projeta fazer e o que realmente se faz leva a um grande desgaste por parte do inspetor, e não contribui para
o seu desenvolvimento. Esta realidade configura-se nos planos anuais onde ações prioritárias respondem a
um modelo técnico-pedagógico e atuações habituais, (que ocupam a maior parte do tempo do inspetor,
respondem a um modelo burocratizado (Frades, 2007; Pardinill, 2006).
Este modelo burocrático, visível na função de supervisão e controlo da Inspeção da Educação
estende-se, também, à função de assessoramento (associada aos Programas de Acompanhamento - PA),
apesar de ser reconhecida nas funções da inspeção, surgindo a problemática na forma como se efetivam as
ações. Se, neste tipo de programas, se realizam práticas de controlo burocrático como a aplicação de
questionários formais, revisão de documentos à luz da normativa e com escasso conhecimento da realidade
de cada escola, contacto inexistente com a prática letiva e com os professores, o acompanhamento produzirá
informações tendenciosas, o retorno dos resultados formais e convergirá num impacto pouco notório na
prática da sala de aula. Desta forma, a função de acompanhamento perde todo o seu peso conceptual e
limita-se a informar sobre “o que há para fazer” ou sobre “o que falta a respeito de”.
Consideramos que a Inspeção Escolar está marcada por processos burocráticos, fazendo parte de
uma rede de relações de produções e reproduções que, tal como afirma Pereira, “afirmam um modo de
funcionamento que induz a efeitos de submissão dos sujeitos” (2012, p.19). Contudo, estas práticas poderão
não ser próprias de uma entidade exclusivamente burocrática, podendo rever-se também nos modelos de
ambiguidade e, na linha de pensamento de Lima, “ não sendo exclusivamente uma coisa ou outra poderá ser
simultaneamente as duas” (2001, p.47). A este fenómeno o autor chama “modo de funcionamento díptico”
(ibidem).
Torna-se, deste modo, pertinente acrescentar ao modelo de análise o Modelo da Ambiguidade pelas
virtudes interpretativas que apresenta, em complemento com o Modelo Burocrático, não aceitando o
predomínio exclusivo do modelo burocrático nem pretendendo afastá-lo pois, como refere Lima, “o modelo de
anarquia organizada desafia o modelo bem instalado da burocracia racional, não por procurar sobrepor-se-

927
A Escola: Dinâmicas e Atores

lhe, mas por procurar competir com ele na análise de certos fenómenos e de certas componentes das
organizações” (1998, p.84).
A inspeção escolar, como entidade ambígua, destaca a incerteza e a imprevisibilidade nas estruturas
organizacionais consequência da instabilidade e da complexidade características da ação organizacional. Se
o modelo burocrático se debruçava quase unicamente na análise simplista da versão oficial e formal da
realidade, ignorando as camadas ocultas da realidade que não se encontram descritas nos esquemas oficiais,
este rompe com a ideia de certas imagens estereotipadas acerca da ação organizacional, do seu carácter
sistemático, planeado e racional.

PERCURSO METODOLÓGICO
Perante o acima descrito e a fim de conhecer melhor esta organização do Ministério da Educação
(ME) e a respetiva Cultura Organizacional realizámos, em 2013, uma investigação com recurso à metodologia
de estudo de caso, num Agrupamento de Escolas da zona Centro do país. Partindo da análise e reflexão
acerca da temática em estudo procuramos responder à seguinte questão de partida: Quais as representações
dos professores do 1º Ciclo do Ensino Básico e dos inspetores acerca da atividade inspetiva no âmbito dos
PA desenvolvidos pela Inspeção Geral da Educação e Ciência (IGEC)?
Foi nosso objetivo descrever e interpretar, com a maior acuidade possível, as perceções e as
expectativas dos professores do 1º CEB relativamente à ação inspetiva. Realizamos um estudo empírico de
carácter descritivo e interpretativo, embora recorrendo à perspetiva de continuum metodológico, no plano dos
procedimentos investigativos (Huberman, Miles, 1994).
Em termos de delineamento metodológico, esta investigação empírica é constituída por três fases
distintas. Numa primeira fase, e por forma a estudar as representações dos professores do 1º CEB a trabalhar
na Escola em questão, durante o ano letivo de 2012/2013, acerca da ação inspetiva no campo das atividades
desenvolvidas nos PA, procedemos à recolha de dados através de um inquérito por questionário a 16
professores. Numa segunda fase e com o objetivo de clarificar e aprofundar os dados obtidos no primeiro
momento, escolhemos, aleatoriamente, três dos professores (P1, P2, P3), que entrevistamos recorrendo à
modalidade de entrevista semiestruturada, modalidade também usada para a recolha de dados referentes a
quatro inspetores da educação (I1, I2, I3, I4), a exercer funções na zona Norte do país. Numa terceira fase
procedemos à análise documental recorrendo, para o efeito, a documentos oficiais da escola em análise, atas
de reuniões e relatórios elaborados após a intervenção inspetiva, tanto por parte dos atores inspetivos como
por parte dos atores intervencionados.

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS


De acordo com a orgânica da IGEC, com o Plano Anual de Atividades (2013) e com o discurso dos
inspetores, o principal objetivo das atividades dos PA é o de melhorar as aprendizagens das crianças e dos
alunos e o funcionamento mais eficaz, eficiente e económico das instituições objeto de intervenção.
A propósito dos objetivos da ação inspetiva inquirimos os professores acerca da representação que
possuem sobre as preocupações e objetivos dos inspetores na sua ação nas escolas. E, a este respeito,
93,75% dos respondentes afirma que a principal preocupação de uma atividade inspetiva é a de verificar a
conformidade documental; 87,5% dos professores afirma que o principal intuito é o de analisar as taxas de
sucesso dos alunos e verificar o cumprimento das disposições legais. Verifica-se, ainda, que a maioria dos
professores toma como objetivo menor da visita inspetiva o conhecer as características socioculturais e

928
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

económicas dos alunos e a discussão de questões de segurança. Pode, portanto, dizer-se que, na opinião
dos professores, a ação dos inspetores se baseia na observação, análise e correção documental,
debruçando-se pouco sobre as questões de caráter pedagógico.

discutir as questões de segurança das escolas 43,75


refletir com os professores sobre as práticas de ensino-
62,5
aprendizagem
analisar o comportamento dos alunos 50

observar as práticas de ensino-aprendizagem 56,25

analisar as taxas de sucesso dos alunos 87,5

incentivar o trabalho colaborativo 56,25

promover a ética profissional 56,25

verificar a conformidade documental 93,75

colaborar na procura de soluções para os problemas da escola 62,5

verificar o cumprimento das disposições legais 87,5


conhecer as características socioculturais e económicas dos
6,25
alunos

Gráfico 1 - Representações dos professores sobre o objetivo das intervenções inspetivas


Justificando a pertinência do carácter mais burocrático atribuído pelos professores à atividade da
inspeção, P3 afirma que “a verificação documental e o cumprimento legal trarão uma educação com mais
qualidade uma vez que se trata de uma educação mais organizada e atualizada. E quanto mais organizada e
atualizada a escola for, melhores serão os resultados dos alunos”. No entanto, P2 alude ao facto de haver
“sempre alguma coisa de positivo [na atuação inspetiva] mas muito mais importante que o trabalho da
inspeção em termos de melhoria do funcionamento das escolas e no sucesso escolar dos alunos são as
políticas educativas definidas, a qualidade e a intensidade dos programas dos governos e a situação
socioeconómica das famílias.”
Questionamos, ainda, os professores acerca das representações tidas sobre o que deveriam ser os
objetivos/preocupações da IGEC. A este respeito, na opinião destes profissionais, os inspetores deveria
deslocar-se às escolas com o propósito de apontar soluções para a resolução de problemas pedagógicos
(93,75%), elucidar os professores acerca da legislação em vigor (75%), analisar os aspetos negativos e
positivos da prática pedagógica (75%) e refletir com o professor sobre as suas práticas (68,75%).

929
A Escola: Dinâmicas e Atores

analisar os materiais de apoio usados pelos professores 37,5

observar aulas 12,5

auscultar os alunos relativamente às práticas dos professores 43,75

analisar as planificações 37,5

verificar o cumprimento programático 62,5

analisar os documentos da escola 62,5

ajudar a tutela a rever a legislação em vigor 62,5

elucidar os professores acerca da legislação em vigor 75


apontar soluções para a resolução de problemas
93,75
pedagógicos
refletir com o professor sobre as suas práticas 68,75
analisar os aspectos positivos e negativos da prática
pedagógica 75

orientar a prática pedagógica dos professores 62,5

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
%

Gráfico 2 - Representações dos professores cerca das preocupações que os inspetores deveriam ter ao
visitarem uma escola
Ciente deste desejo por parte dos docentes com quem trabalha diariamente, o inspetor I3 refere “eles
[professores] esperam muitas vezes que nós tenhamos uma varinha mágica que os ajude a ultrapassar as
etapas mas há coisas que só se aprendem fazendo”. Da mesma opinião, I4 afirma “ [os professores] gostariam
que nós resolvêssemos todos os problemas mas nós também não temos uma varinha mágica”. Também
Alarcão & Tavares (1987) referem que um supervisor tem de estar atento às experiências passadas, aos
sentimentos, perceções e capacidade de reflexão do professor. Acrescentam que um supervisor não deve
dar receitas de como fazer, antes criar um espírito de investigação ação junto do professor.
Curiosamente, e apesar do desejo de auxílio manifestado pelos professores, 87,50% destes
exprimem o seu desacordo em relação à observação da prática letiva em contexto sala de aula. Ou seja, é
percetível o desejo por parte dos docentes em receber auxílio de outros agentes educativos, mas é evidente,
também, o medo das suas atividades poderem ser avo de crítica. Certo é que aquando do seu discurso, os
inspetores referiram-se maioritariamente a atividades desenvolvidas junto de órgãos de gestão das escolas,
em detrimento das práticas dos professores dentro das salas de aula. Incidiram mais na perspetiva
burocrática, organizacional e institucional do que na perspetiva pedagógica. Sublinhamos ainda que, e de
acordo com o Plano Anual de Atividades da IGEC para 2013, estão planeadas mais do dobro das atividades
dos Programas de Controlo (PC) comparativamente aos PA, numa proporcionalidade de 20% para 52,9%, o
que demarca e assegura o objetivo primordial da IGEC - o de controlar. Os inspetores referiram que um dos
seus objetivos primordiais é assegurar a promoção da qualidade e do sucesso educativo dos alunos, mas
eles próprios centraram o seu discurso na escola como Instituição, não como um local de aprendizagem e
desenvolvimento intelectual, social e cultural dos alunos.
Quando questionado sobre as alterações nos objetivos da ação inspetiva, I2 refere que “ (…) o grande
objetivo mantém-se, o de controlo. Tem mais esta questão do acompanhamento que penso que antes não
teria”, e justifica estas alterações com “as mudanças no próprio sistema educativo”. Sublinha ainda o facto de

930
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

o regime de autonomia das escolas trazer grandes alterações a nível do funcionamento e dos propósitos da
inspeção. Como objetivo principal da IGEC, I3 aponta o “garantir um serviço público de educação, prestar
apoio e devolver à escola informação para a tomada de decisões pela tutela. Garantir a equidade e a
universalidade do ensino”. A prestação de contas ao ME é referida, também, por I4, como um dos principais
objetivos deste organismo.

Funções
As ações decorrentes dos PC estão ligadas à organização do ano letivo nas escolas, à fiscalização
das provas finais e exames nacionais, à organização e funcionamento dos estabelecimentos do Ensino
Particular e Cooperativo, aos cursos profissionais no ensino público e nas escolas profissionais e ao controlo
do uso das denominações reservadas às instituições de ensino superior (IGEC, 2013). Nestas ações cabe
aos atores inspetivos “seguir as escolas em termos legislativos e aspetos legais, verificar a conformidade.”
(I2). Em ações desta índole, os inspetores não podem agir de uma forma tão democrática com um docente
que, por exemplo, não age em consonância com a lei. “Em alguns casos temos de explicar que não vamos
em visita de cortesia”, afirma I3 quando abordado sobre a questão. Nestes casos a postura tem de ser alterada
sem, no entanto, perder o respeito para com os demais intervenientes. Não deverá pois transmitir tanta
abertura ao diálogo e à compreensão uma vez que estão a ser aferidas questões estritamente legais. De
acordo com os entrevistados, as ações de carácter disciplinar são imprevisíveis, em termos de
calendarização, dada a sua natureza.
Nas atividades dos PA o mesmo não se verifica. Neste tipo de ações pretende-se aferir procedimentos
e promover melhorias, não fazendo uso da avaliação nem da repreensão. “Nestas atividades somos sempre
bem-vindos”, refere I4. “Pretendemos que os professores reflitam sobre as suas práticas e que possam
melhora-las”, conclui.
Independentemente do tipo de programa ou atividade a desenvolver pela inspeção, os inspetores
destacam o facto de lhes ser de todo impossível a verificação de todos os pormenores organizacionais e
documentais uma vez que, quando se deslocam a uma escola com um determinado objetivo este já vem
muito bem definido e planeado. Logo, não poderão verificar a conformidade de todos os aspetos gerais e
específicos da escola que é intervencionada. I4 acrescenta: “Eu limito-me àquilo que está determinado no
roteiro de uma atividade. Não vou para além disso (…) de certa forma estamos um pouco limitados”.
Uma vez inquiridos sobre a importância das funções dos inspetores, os professores ordenaram de
forma crescente um conjunto de funções elencadas. Desta forma, 93,75% dos professores é da opinião de
que a monitorização do funcionamento das escolas e o acompanhamento e orientação das práticas
pedagógicas dos professores são as funções mais importantes da IGEC. O assegurar das disposições legais
surge em terceiro lugar com 31,25% da opinião dos professores e em, quarto lugar, a fiscalização de provas
de avaliação externa com 18,75% das opiniões. A instrução de processos disciplinares e a participação no
processo de avaliação dos professores são consideradas como funções menos importantes (37,75% e
31,25% respetivamente).
Os três professores entrevistados assumem que as funções da inspeção prendem-se, sobretudo, com
a verificação documental e regulamentação organizacional. P2 assegura que as funções deste organismo
“prendem-se basicamente com a verificação do cumprimento da lei em vigor” e sublinha, “A inspeção
preocupa-se sobretudo com a legislação”. A apoiar esta ideia P1 refere que “neste momento as funções deles

931
A Escola: Dinâmicas e Atores

[inspetores] são muito burocráticas e não trarão, com certeza, benefícios para os nossos alunos. Poderão
trazer mais benefícios a nível da gestão, isso sim. (…) Parece-me que deveriam ter funções mais pedagógicas
e menos burocráticas”.
Os professores manifestam a necessidade de um corpo inspetivo que assuma as funções de apoio
técnico, pedagógico e de acompanhamento, colocando a função de avaliação em segundo plano. Este
propósito inspetivo é operacionalizado, em particular, através da intensificação das atividades desenvolvidas
no âmbito do PA. Os procedimentos metodológicos a elas inerentes, baseados em pressupostos de cariz
preventivo, caracterizam-se pelo primado atribuído à reflexão conjunta do inspetor e do professor, mediante
uma atividade interativa de observação das áreas que se relacionam com a realização e coordenação
pedagógicas e curriculares, com a ação ou atitude dos professores e com a integração comunitária, no sentido
de, conjuntamente, delinearem as melhores estratégias de intervenção para o desenvolvimento das crianças
e dos restantes intervenientes educativos (IGEC, 2015).
Os professores sublinham a necessidade de um corpo inspetivo que não desenvolva apenas
programas e atividades de caráter formativo e preventivo, mas, também, a necessidade de uma entidade que,
e parafraseando Carneiro (2008), ajuíze criteriosamente o trabalho de cada um e contribua para o êxito do de
todos, que os apoie e defenda os seus direitos junto das entidades competentes, que estimule os cumpridores
e controle os prevaricadores e os ociosos, que entre em parceria com aqueles docentes, sem deixar de lhes
exigir o que é legal e justo e que defenda os direitos dos utentes do sistema, de modo a proporcionar um
serviço educativo de qualidade para todos.
Estas funções consubstanciam o atual Plano de Atividades da IGEC (2013) onde, a certo passo, e
nesta perspetiva, se afirma que é competência da entidade inspetiva, no respeito pela liberdade que a relação
educativa implica, comprovar o modo como se realiza o processo educativo, devendo ser um órgão
profissional e estável, cuja função primordial será a análise e valoração técnica da realidade escolar.
Contudo, alguns dos inspetores entrevistados demonstram alguma preocupação com o alcance dos
objetivos das atividades desenvolvidas no âmbito dos PA não os garantindo. I2 afirma que “nem sempre as
condições de trabalho são as ideais. [O alcance dos objetivos] prende-se muito com custos. Nem sempre a
inspeção pode andar no terreno. É preciso verificar se os custos que ela envolve justificam os fins”. O
interlocutor I3 é da opinião de que as atividades dos PA “deveriam ser buriladas porque o que eu acho é que
não temos ações de acompanhamento. Esses programas limitam-se a uma verificação da normatividade. (…)
Não há um acompanhamento no sentido de verificar se houve procedimentos, mecanismos, dispositivos que
foram montados para a melhoria dos aspetos identificados e que careciam de alteração. Na realidade nós
estamos lá três dias e depois não voltamos. A função de acompanhamento deveria ter outro enquadramento”.
I3 refere ainda que “são intervenções bem pensadas, que deixam muita informação à escola mas que não
têm consequência porque nós entregamos 100% do resultado final à escola. Algumas nem sequer dão a
conhecer os resultados finais”.
Por seu turno, I2 delimita bem os objetivos da ação inspetiva aquando do desenrolar de atividades do
PA: “O acompanhamento é ver como é que determinados domínios da escola são levados a prática, como é
que funcionam e como é que poderiam funcionar melhor. Não é chegar lá e a inspeção ter de ajudar as
escolas. Nunca esteve nos nossos objetivos, não é missão da inspeção. Para isso há outras estruturas como
a Direção Regional de Educação”.

932
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Professores e inspetores não estão, de todo, em pontas opostas em relação à opinião manifestada
sobre as funções de acompanhamento da IGEC. Se por um lado a classe docente reclama maior envolvimento
no âmbito pedagógico por parte dos inspetores, por outro os inspetores também não dão garante de que
estas atividades estejam a ser desenvolvidas de uma forma a que os objetivos que nelas vigoram sejam
cumpridos, confirmando a posição tomada pelos professores. Parece-nos que, e no seguimento da opinião
de I1 e I3, as atividades estão bem planeadas mas não são, inteiramente, exequíveis deixando os professores
sem resposta a um quadro de problemas que gostariam de ver solucionados. “O acompanhamento não pode
ser apenas recolha de informação, sensivelmente no fim do ato praticado, para correções subsequentes, mas
um sistema que permita conhecer, avaliar e corrigir uma situação durante o seu desenvolvimento” (I1).

Metodologias inspetivas
No Plano Anual de Atividades da IGEC (2013) já estão constituídas as equipas de trabalho e os
respetivos coordenadores para cada atividade que a Inspeção vai desenvolver. O número de coordenadores
das equipas varia de acordo com o tipo de atividade. Se para o desenvolvimento de uma certa atividade forem
necessárias equipas com um maior número de inspetores, são nomeados dois coordenadores para cada
equipa.
Em cada atividade “são definidos roteiros a nível nacional. É a equipa dos serviços centrais que
concebe um roteiro e esse é aplicado em todas as escolas que são alvo dessa atividade” esclarece I1. Nesse
guião estão contempladas as metodologias a utilizar no ato inspetivo: análise documental: Projeto Educativo;
Plano Anual de Atividades; Relatório de Autoavaliação ou Avaliação Interna; Plano de Ações de Melhoria;
análise dos resultados escolares; documentos de planeamento, realização e avaliação do ensino e das
aprendizagens; relatórios de intervenções da IGEC no agrupamento/escola não agrupada; outros documentos
que a equipa inspetiva considere necessários. Entrevistas semiestruturadas ao diretor do agrupamento de
escolas ou escola não agrupada, a coordenadores de departamento ou outros atores que as equipas
inspetivas considerem necessário.
No final da intervenção os inspetores envolvidos na atividade têm de elaborar três relatórios: um
relatório de cada intervenção na escola; um relatório final da realização da atividade na escola e outro relatório
global, sobre os resultados obtidos aquando da sua ação.
Informa I3 que, apesar das grandes orientações metodológicas já virem definidas nos guiões/ roteiros
de trabalho por forma a uniformizar o trabalho de todos os inspetores, “existem algumas áreas onde podemos
ser nós a flexibilizar”.
Parece-nos, aqui, que a Tutela poderá estar a revelar uma maior preocupação com a uniformização
de procedimentos entre escolas e com a economia de tempo no tratamento dos dados recolhidos, em
detrimento do estudo e compreensão das especificidades de cada contexto em que as mesmas estão
inseridas, de modo a proceder a ações de acompanhamento rigorosas e concisas. Medina (2008) defende
que só poderá haver compreensão e uma justa avaliação das metodologias adotadas e desenvolvidas nas
escolas quando os próprios inspetores forem confrontados e experienciarem as condições e situações reais
com que a escola, professores e alunos se debatem diariamente. Não nos parece de todo fácil construir um
guião de trabalho de tal forma completo que consiga abranger todas as realidades existentes em todas as
escolas, do pré-escolar ao ensino secundário, de forma a realizar um estudo rigoroso sobre as mesmas.

933
A Escola: Dinâmicas e Atores

Depois de delineado o tipo de ação e a equipa inspetiva é feito um primeiro contacto com a escola a
intervencionar. Este contacto é, normalmente, feito telefonicamente e com uma semana de antecedência. São
explicados, em termos gerais, os objetivos da ação e os documentos que deverão estar disponíveis para
apreciação.
Chegado o dia da visita, numa ação de acompanhamento, a equipa inspetiva, ao deslocar-se à escola,
dirige-se à direção da escola por forma a anunciar a sua presença e fazer uma pequena reunião, onde explica
os objetivos e propósitos da ação. Posteriormente, os inspetores são remetidos para um gabinete onde
desenvolvem o seu trabalho de observação, pesquisa documental e realização de entrevistas, se assim for
necessário, para o esclarecimento de alguma dúvida que surja no decorrer da análise dos documentos.
Os inspetores entrevistados esclarecem que, no final da ação, é sempre feita uma última reunião com
os intervenientes no processo inspetivo para abordar e refletir em conjunto sobre os dados recolhidos. Nessa
altura, sublinham-se os aspetos positivos e os aspetos a melhorar (I4).
Quando solicitados a opinar sobre as metodologias utilizadas pelos inspetores, aquando das ações
nas escolas, 93,75% dos professores considera a apresentação de sugestões de aperfeiçoamento de
processos e práticas a mais importante. Facto que vem ao encontro do desejado pelos próprios quando
referem que anseiam que os inspetores os ajudem na resolução de problemas pedagógicos. Este aspeto está
intimamente relacionado com as ações dos PA realizadas pelos inspetores.
Como igualmente importante, os professores registam a realização de entrevistas a órgãos de gestão
(81,25%) e a órgãos pedagógicos (75%).
Embora estes apelem à ajuda na orientação da prática pedagógica, assim como no aperfeiçoamento
de processos e práticas, é notória a renitência na aceitação de inspetores nas suas salas de aula (apenas
37,5% dos professores referiram esta metodologia como importante). Torna-se oportuno recordar a
resistência dos professores em serem observados pelos inspetores em situação de sala de aula. Como poderá
um inspetor sugerir e refletir sobre formas de aperfeiçoamento de práticas pedagógicas, de forma coerente e
rigorosa, se não observarem o que está a ser praticado na sala de aula?

apresentação de sugestões 93,75


comunicação dos resultados 75
questionários aos alunos 62,5
abservação de aulas 37,5
entrevista a órgãos de gestão 81,25
entrevista a órgãos pedagógicos 75
entrevista a professores 62,5
recolha documental 62,5
reunião prévia 62,5

0 20 40 60 80 100
%

Gráfico 3 - Representações dos professores sobre as metodologias inspetivas

CONCLUSÕES
Durante esta investigação procuramos, pelo testemunho de alguns professores e inspetores, expor
as funções e metodologias usadas pela IGEC no âmbito das atividades desenvolvidas nos PA. Procuramos,

934
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ainda, compreender a relação existente entre ambas as partes e averiguar o impacto causado pela ação
inspetiva na escola e nos professores.
De entre as diversas funções da IGEC destacamos as de Acompanhamento por terem sido alvo de
mais atenção por parte dos inspetores entrevistados e por nelas intentarem uma ação mais profunda. Ainda
assim, a representação que os professores têm em relação à atividade inspetiva é de que esta se centra mais
no domínio do controlo em prejuízo da função de acompanhamento que se dizem realizar. Os professores
reclamam uma ação de acompanhamento mais intensa que os auxilie na descoberta de soluções para os
problemas diários e na melhoria da prática pedagógica. Ainda assim, é visível uma objeção por parte destes
profissionais à entrada dos atores inspetivos nas suas salas, negando a necessidade de observação da
prática letiva no desenvolvimento eficaz das atividades dos PA.
Os professores não confirmam a existência de uma ligação de causa efeito entre a intervenção
inspetiva e a melhoria nas práticas letivas, sublinhando, ao invés, a intensificação das obrigações burocráticas
que pouco ou nada parecem trazer de positivo aos resultados escolares dos alunos.
Apesar do carácter exploratório deste estudo empírico, consideramos que constitui um impulso para
a reflexão e desenvolvimento de atitudes e procedimentos, tanto no que toca à entidade inspetiva como no
que toca ao sistema educativo, uma vez que, face aos resultados obtidos, parece existir a necessidade de
mudanças a nível da atuação da IGEC de forma a alcançar os objetivos a que se propõem nos PA.
Nesta hesitação entre o cumprimento das obrigações burocráticas impostas pelo Ministério e as
solicitações e demandas inerente à ação quotidiana, estes profissionais vêem-se, muitas vezes, numa certa
dualidade em que, se por uma lado têm de cumprir com o papel oficial, determinado pelas funções e
atribuições da atividade inspetiva, por outro têm de responder às exigências do quotidiano cumprindo o papel
real, entendido quando se pensa na forma de atuação inspetiva, na medida em que não possuindo nenhum
tipo de especialização em determinado nível de ensino a sua atuação torna-se imprecisa por se ver obrigada
a responder a um tão grande número de solicitações.

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935
A Escola: Dinâmicas e Atores

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Pereira, J. (2012). Inspeção Escolar: uma análise das relações de poder. Dissertação de Mestrado,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Centro de Educação e Humanidades, Faculdade de
Educação.

936
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

CURRÍCULO, CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO: A NOÇÃO DE LÍNGUA EM ESTADO DE


ARTE COMO POTÊNCIA METODOLÓGICA CAPAZ DE ESTIMULAR AS
HABILIDADES DOS SUJEITOS DO CONHECIMENTO
[ID 154]

Sandra Klafke
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/ UFMS
sandra_klafke@yahoo.com.br

Resumo
A partir de uma teorização sobre a linguagem que subverte a lógica do cogito cartesiano (Valéry, 2011; 1988;
1997; 1955), objetiva-se apresentar uma possibilidade metodológica que, marcada por princípios linguístico-
enunciativos (Benveniste, 1995; 2006) e inspirada em noções do campo da filosofia (Agamben, 2015; 2013;
2012; 2008), contribui para a reflexão acerca da ideia de currículo escolar, tendo em vista a dimensão de
língua em estado de arte (Klafke, 2016) como dispositivo que potencializa o desenvolvimento de técnicas de
ensino e de aprendizagem pertinentes ao aprimoramento da imaginação, da criatividade e da inovação, no
âmbito da sala de aula. Metodologicamente, esta proposta, de caráter teórico-reflexivo, parte da
impossibilidade de que a experiência humana possa ser reduzida a um “sujeito padrão”, assim como do ponto
de vista de língua como sistema que engendra e interpreta os sistemas da cultura. Desse prisma, a língua
pode comportar uma dimensão em estado de arte que estratifica a rigidez do currículo escolar ao ressignificar
a experiência da entrada do homem na linguagem. O produto gerado por esta reflexão indica que a língua em
estado de arte desperta o nascer da experiência humana na linguagem quando evoca a realidade positiva
que revolve o conjunto do simbólico e estimula o homem, na e pela linguagem, a realocar-se e a procurar
uma nova posição para si no universo discursivo. Por consequência disso, o homem, agora sujeito do
conhecimento, torna-se capaz modificar a sua realidade, a si mesmo e a comunidade da qual participa.

Palavras-chave: Língua em estado de arte, Dispositivo, Enunciação, Conhecimento, Inovação.

Résumé
À partir de théoriser sur la langue qui subvertit la logique du cogito cartésien (Valéry, 2011; 1988; 1997; 1955),
l'objectif est de présenter une possibilité méthodologique qui, marqué par des principes linguistiques et
énonciatives (Benveniste, 1995; 2006 ) et inspiré par le domaine de la philosophie des notions (Agamben,
2015; 2013; 2012; 2008), contribue à la réflexion sur l'idée de programme scolaire, compte tenu de la
dimension de la langue dans l'état de l'art (Klafke, 2016) en tant que dispositif ce qui améliore le
développement de l'enseignement des techniques et d'apprentissage pertinentes pour l'amélioration de
l'imagination, la créativité et l'innovation dans la salle de classe. Méthodologiquement, cette proposition, le
caractère théorique et de réflexion de l'impossibilité de l'expérience humaine peut être réduite à un «sujet
standard," comme point de vue de la langue comme un système qui génère et interprète les systèmes de
culture. Dans cette optique, la langue peut avoir une dimension à l'état de l'art qui stratifie la rigidité du
programme scolaire pour recadrer l'expérience homme d'entrée dans le langage. Le produit généré par cette
réflexion est que la langue dans l'état de l'art éveille l'aube de l'expérience humaine dans le langage quand
évoque la réalité positive qui tourne le jeu symbolique et stimule l'homme, et par le langage, de déménager à
et chercher une nouvelle position pour lui-même dans l'univers discursif. En conséquence de cela, l'homme,
maintenant le sujet de la connaissance, il est en mesure de modifier votre réalité, vous et la communauté à
laquelle il participe.

Mots-clés: La langue dans l'état de l'art, Dispositif, Énonciation, Connaissance, Innovation.

INTRODUÇÃO
As possibilidades de um fazer inovador em Educação têm motivado discussões cujo ponto de
intersecção é a oportunidade de potencializar os currículos, sejam eles da educação básica, média ou de
nível superior. Hoje, debate-se fortemente acerca de metodologias com base em propostas tecnológicas; no

937
A Escola: Dinâmicas e Atores

entanto, o que se observa é que o aparato tecnológico não traz consigo a garantia de que o conhecimento
gerado a partir de suas ferramentas estimule a criatividade e a capacidade inventiva dos estudantes. Essa
constatação, ainda que de caráter puramente empírico, inevitavelmente interroga a maneira como nós,
profissionais e pesquisadores interessados pela área da Educação, entendemos a inovação em sala de aula
e, ainda, nos faz refletir acerca da maneira como lidamos com o estímulo de criatividade em âmbito escolar.
Em esfera educacional, a tendência é tratar inovação como palavra-chave quando o assunto em pauta
é a metodologia para o trabalho em sala de aula. Nesse ínterim, são discutidos os métodos tradicionais de
ensino (professor como “transmissor” de conhecimento) em detrimento dos métodos de ensino dito “ativos” e
multi/transdisciplinares, nos quais o protagonismo dos estudantes é valorizado e estimulado com vistas a uma
aprendizagem baseada no diálogo e na construção do saber. Por atribuir especial significado à importância
do estímulo do protagonismo dos estudantes em sala de aula, neste texto parte-se de uma teorização sobre
a linguagem - abordada como potência, como uma vontade de poder (Valèry, 2011) - que subverte a lógica
do cogito cartesiano, por meio da possibilidade aberta pela noção de Língua em estado de arte1 (Klafke,
2016).
Sendo assim, objetivando discutir a LA como método que tenciona o currículo escolar2 e estimula a
criatividade e a inovação em sala de aula - indo ao encontro das reais necessidades do sujeito
contemporâneo, indivíduo capaz de usar a imaginação e a criatividade como suportes para transformar a si
mesmo e a comunidade da qual faz parte - organiza-se este artigo em dois tópicos, além da introdução e das
considerações finais, a saber:
(2) Currículo e inovação: uma fuga à ideia de sujeito único, no qual discutem-se questões relativas ao
saber científico e às concepções de currículo e de inovação fundantes desta proposta;
(3) Estratificação da ideia de sujeito único: a língua em estado de arte como dispositivo metodológico,
no qual apresenta-se a noção de LA como força centrífuga3 que pode estimular a criatividade, a fim de criar
espaços inovadores em sala de aula e potencializar as habilidades dos sujeitos do conhecimento.
A título de esclarecimento, uma palavra final necessita ser dita antes do fechamento deste item
introdutório: o conceito de LA que suporta metodologicamente esta proposta foi elaborado a partir de
inspirações originadas nos campos da arte (Agamben, 2013) e da filosofia (Agamben, 2008; 2012) e remete
a um fundamento teórico fortemente marcado por uma tradição linguístico-enunciativa (Benveniste, 1995;
2006; 2014) que deixa transparecer o lugar de fala da pesquisadora que o elaborou. O que se deve abstrair
do termo cunhado por Klafke (2016) não é o sentido de que exista uma “língua em estado de arte” e outra
“língua em estado de ‘não arte’”, uma vez que a essência da expressão criada pela linguista tem por base
uma noção sistêmica e estruturalista de língua (herança saussureana). Todavia, o conceito de LA projeta-se
para além do legado de Saussure (CLG) ao assumir a possibilidade de variação da instituição de “referência4”
(Benveniste, 1995; 2006) no processo de significação. Isso quer dizer, conforme a pesquisadora, que a LA

1
Doravante, LA.
2
Currículo escolar: pode ser lido e entendido neste texto de modo abrangente, uma vez que a metodologia estratificadora
contida na proposta metodológica aqui apresentada, acredita-se, é capaz de se ser aplicada aos diferentes níveis de
ensino, desde que ajustada aos propósitos do grupo alvo com o qual se quer trabalhar.
3
Termo inspirado da teoria bakhtiniana de vozes discursivas.
4
Em suma, a referência é instituída a partir do momento em que o indivíduo abre a boca e assume-se como ‘eu’ em seu
discurso, instaurando um tu diante de si. Os índices de referência são orientados, para trás e para frente, a partir do tempo
presente, e o espaço (aqui), tal como o tempo, está atrelado ao ‘eu’ e ao discurso que o contém (Vier & Klafke, 2015,
p.214).

938
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

“[…] é algo que o homem acessa de si mesmo […] e por isso […] tem como base não o signo saussuriano,
mas a potência da matéria significante” (Klafke, 2016, p.133).

CURRÍCULO E INOVAÇÃO: UMA FUGA À IDEIA DE SUJEITO ÚNICO


O currículo escolar, ferramenta que organiza, orienta e determina práticas e condutas em âmbito
educacional pode, de maneira abrangente, ser definido como um documento que reúne de forma integrada o
conjunto de práticas, saberes, valores, competências, habilidades etc. que necessitam ser desenvolvidas
pelos sujeitos em formação para que possam agir e se relacionar de maneira competente com o meio no qual
estão inseridos, dos pontos de vista histórico e social.
Se é verdade que o currículo pode assim ser definido, temos aqui a primeira brecha para interrogar o
lugar de fala tradicional a que, atualmente, as próprias instituições educacionais ainda submetem alunos e
professores, já que que, em essência, a ideia de currículo sugere a abertura do que acontece em sala de aula
para o mundo: “a essência da aprendizagem significativa está em que as idéias expressas simbolicamente
se relacionam de maneira não arbitrária, mas substancial com o que o aluno já sabe”. (Asubel in Sacristán &
Pérez Gómes, 1996, p.46).
Portando, o saber que o aluno traz consigo é necessidade e natureza fundante de sua própria
capacidade para aprender coisas novas, pois cada um de nós, como seres viventes, desde o nascimento,
somos expostos (na e pela linguagem) a inúmeras representações (sistemas semióticos) acerca do mundo,
sendo por meio delas que aprendemos a entender a realidade5 que nos rodeia e a criá-la discursivamente,
descobrindo-a ao mesmo tempo em que desvendamos a nós mesmos.
A compreensão e o reconhecimento de si como sujeito6 no mundo está diretamente ligada a nossa
habilidade para usar a língua e, a partir dela, dizer “eu”, imprimindo consciência na instância discursiva que
contém o pronome de primeira pessoa. No entanto, a capacidade de um locutor para se substancializar em
“eu” exige, necessariamente, a proposição de um “tu”, real ou imaginário. É no e pelo processo intersubjetivo
que a linguística da enunciação observa o nascer da subjetividade, sendo esse o movimento que permite com
que o “eu” deixe de ser uma categoria vazia de pronome de primeira pessoa e se plenifique de sentido,
subjetivando a língua e a modificando7.
Conforme Benveniste (2006), a língua é o meio através do qual somos capazes de realizar qualquer
tipo de troca e de comunicação, em virtude da natureza duplo significante de sua unidade (signo:
semiótico/semântico), que se mostra semiótica tanto na estrutura formal quanto no funcionamento, facilitando
toda a troca e viabilizando toda cultura, pois é recebida nos mesmos valores de referência por todos os
indivíduos que participam de uma mesma comunidade.
[...] sem ultrapassar a constatação empírica, é claro que nossa vida inteira está presa em
redes de signos […] Estes signos parecem engendrar-se e multiplicar-se em virtude de uma
necessidade interna, que aparentemente responde também a uma necessidade de nossa
organização mental (Benveniste, 2006, p.51).
Nessas circunstâncias, é possível descrever a organização mental como um processo de construção
de realidades criadas/inventadas pelos sujeitos a partir de si e das representações que engendram sobre o

5
Realidade/real: os termos devem ser entendidos, nesta proposta, como construções discursivas, sendo, portanto,
atrelados à enunciação e ao mundo que contém e é contido por quem diz “eu”.
6
Sujeito: de filiando-se ao pensamento da linguística da enunciação, trata-se daquele que é efeito, não origem da
enunciação.
7
Sentido de que o locutor marca subjetivamente, de maneira única e irrepetível, seu querer dizer; não o de que ele
provoca alterações no sistema da língua.

939
A Escola: Dinâmicas e Atores

mundo que os contém e que é contido por eles. Desse modo, entende-se o pensamento como um lugar
privilegiado a partir do qual é possível observar as invenções do intelecto, indicando que aquilo que “[...]
contenho de desconhecido a mim mesmo que me faz ser eu mesmo” (Valéry, 1997, p.59). Na mesma direção,
Agamben (2012, p.16) apresenta a noção de que o homem é um ser formado por duas partes, uma composta
pelas experiências vividas e outra pelas experiências não vividas. As últimas não se organizam
cronologicamente nas situações que não vivemos, mas sim no inseparável, convivendo conosco no bem e no
mal.
As concepções de ambos os autores levam a crer que, no processo de formação de um sujeito do
conhecimento, o conteúdo determinado pelo currículo entra como um “terceiro” na cadeia discursiva que liga
o homem e a historicidade que o constitui. Com isso, entende-se que o conhecimento ingressa na relação
entre “[...] o olho e mundo e entre o Eu e si mesmo” (Agamben, 2015, p.89) e faz operar a máquina da
significação, uma vez que revolve o conjunto do simbólico8 e revela-se como acontecimento de linguagem
que convoca “[…] o “eu” a assumir lugar de existência e a criar um discurso” sobre o mundo (Klafke, 2016,
p.137), a partir da realidade elaborada no e pelo processo de conhecer algo novo e de (re)conher(-se) como
sujeito aprendente.
Pensar o processo de aprendizagem nessa perspectiva nos aproxima mais das noções de
singularidade e de subjetividade do que propriamente de uma ideia de identidade, uma vez que se parte do
princípio de que o despertar para o conhecimento é um acontecimento de linguagem cujo processo de
descoberta revela-se como meio que não conduz o sujeito a nenhum outro lugar que não seja a ele mesmo.
Concebendo subjetividade e singularidade como premissas para formação de sujeitos do
conhecimento, entende-se não haver espaço para que se proponha a noção de identidade como fundamento
determinante para a elaboração das orientações curriculares, pois
A redução da experiência humana a um único sujeito, um sujeito ‘padrão’, separa homem e
linguagem, já que torna o homem o símbolo do método, faz dele um modelo regular e
previsível, torna-o símbolo do conhecimento, descolado do caráter singular e impossibilitado
de ter/viver a experiência de “ser si mesmo” na e pela linguagem (Klafke, 2016, p.20).
Na mesma direção, Valèry (1998), cujo pensamento não invalida o estudo de Descartes ao apresentar
outra possibilidade para que se pense o “eu” e a categoria de sujeito, propõe um novo olhar teórico ao inverter
o “penso, logo existo”. Para o filósofo, o “eu” não é entendido como essência do Ego, mas como função do
próprio pensamento, ou seja, como uma espécie de potência que ativa o pensar, como uma capacidade
funcional que se acessa em uma posição consciente que “[…] guarda, esse espírito simbólico, a mais vasta
coleção de formas, um tesouro sempre claro às atitudes da natureza, um poder sempre iminente e que cresce
de acordo com a extensão de seu domínio” (Valéry, 1998 p. 55). Logo, pode-se, segundo o filósofo, inverter
a ideia do cogito: o homem não “pensa e logo existe”, ele “existe e por isso pode pensar”.
Contrariar a lógica proposta por Descartes significa compreender o homem, ser antropológico que
tem lugar na linguagem, como o suporte (no sentido de suportar) onto-antropológico de toda experiência.
Sendo assim, o cogito é deixado em suspensão pela proposta metodológica de que trata este artigo. Se
contrário fosse, a teorização em desenvolvimento padeceria “enformada” (sentido de moldada) por uma
estabilidade metodológica massificadora e homogeneizadora de condutas, portanto impossibilitada de
assumir o princípio de que “[…] a inscrição do locutor no discurso acontece de maneira heterogênea, pois

8
Termo inspirado na ideia lacaniana: trata-se do conjunto das representações que fazemos do/sobre o mundo; e por meio
das quais nos compreendemos. Língua: sistema semiológico que arrasta as representações que criamos a respeito do
mundo, com o qual nos relacionamos discursivamente.

940
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

cada ato enunciativo está assinalado por determinações diversas (cultura; tempo; espaço etc.) e faz
transparecer um sujeito a cada vez singular” (Klafke, 2016, p.66).
Sob esse ponto de vista, não é demasiado afirmar que uma das possibilidades para inovação no
currículo escolar pode, sim, estar diretamente ligada à possibilidade de que o aluno se reconheça como
protagonista ativo e responsável por seu próprio processo de construção do conhecimento. No entanto, para
que isso seja possível, acredita-se ser necessário transformar a sala de aula em um ambiente em que os
estudantes possam experimentar/viver “[…] práticas sociais e intercâmbios acadêmicos que induzam à
solidariedade, à colaboração, à experimentação compartilhada, assim como a outro tipo de relações com o
conhecimento e a cultura que estimulem a busca, o contraste, a crítica, a iniciativa e a criação” (Sacristán &
Pérez Gómez, 1996, p.32).
Porém, para que o aluno seja motivado a subjetivar e protagonizar seu próprio processo de aprender
faz-se importante uma estrutura curricular que não se prenda ao autoritarismo e aos modos de ofertar
conhecimento via práticas de ensino-aprendizagem centradas no professor como transmissor de
conhecimentos. Necessita-se de um modelo em cuja potência motriz esteja a invenção e a colaboração,
portanto mais preocupado com o processo que conduz o discente ao contato e à descoberta do conhecimento,
à produção do novo, do que propriamente interessado em médias e avaliações. “No melhor dos casos – esse
modo de tentar operar na educação via uma aula que se admita, a cada vez, como reinvenção de si –, cria
possibilidades inesperadas que coloquem em jogo o próprio fazer, descentralizando uma prevista e
imaginável autoridade do docente pesquisador” (Adó et al, 2015, p.95).
Se é verdade que “todo fazer pressupõe em campo empírico e experimental o exercício da
apropriação de um pensar”, conforme Adó et al (2015), este texto parte para o item que apresenta a Língua
em estado de arte como dispositivo metodológico que pode ser capaz de potencializar o desenvolvimento de
técnicas de ensino e de aprendizagem estratificadoras da rigidez dos currículos, culminando em ações
relevantes para o aprimoramento da imaginação, da criatividade e da inovação em sala de aula.
Sendo assim, no próximo item, o processo a ser realizado não pretende “aplicar” a linguística ao
quadro, como talvez sugira o título do dispositivo metodológico, assim como também não projeta um pouco
de história da arte na proposta curricular. A noção de LA, antes de tudo, trata-se de um esforço para anular a
distância (a censura) que separa institucionalmente a vida e o conteúdo curricular, pois “[...] viver é, a todo
instante, sentir falta de alguma coisa – modificar-se para atingi-la – e, desse modo, tender a substituir-se no
estado de sentir falta de alguma coisa” (Valèry, 2011, p.83).

ESTRATIFICAÇÃO DA IDEIA DE SUJEITO ÚNICO: A LÍNGUA EM ESTADO DE ARTE COMO


DISPOSITIVO METODOLÓGICO
Com inspiração foucaultiana, dispositivo é um conceito que pode ser encontrado na teoria de
Agamben e tem por função designar quaisquer coisas que, de algum modo, capturem, orientem, determinem,
interceptem, modelem e controlem os gestos, as opiniões e os discursos dos seres humanos. Nas palavras
do autor italiano, o sujeito “resulta da relação entre e, por assim dizer, do corpo a corpo entre os viventes e
os dispositivos” (Agamben, 2013, p.41). Homem e linguagem são indissociáveis, de acordo com Benveniste
(2006). Nesse sentido, o homem pensa porque existe na e pela linguagem, que é a atividade significante por
excelência. A constituição do conhecimento, ao que se entende, surgirá para o homem porque é na e pela
linguagem que ele constrói o exercício de experimentar(-se) a/na (auto)consciência de/sobre si mesmo.

941
A Escola: Dinâmicas e Atores

Com a convicção de que é preciso rejeitar a definição de um sujeito padrão, muitas vezes fabricado
pelos currículos escolares, especula-se a possibilidade de que a LA, como dispositivo metodológico, possa
contribuir para que se perceba que, em sala de aula, professor e aluno necessitam assumir papeis de
protagonistas e de co-responsáveis pelo singular e irrepetível instante de ensino-aprendizagem. Entretanto,
como fazer uso do dispositivo LA?
Em primeiro lugar, trabalhar com a dimensão da língua em estado de arte exige, por parte dos
profissionais da educação, a assunção de riscos. Determina, antes de tudo, esforço reflexivo sobre o próprio
fazer docente, já que é a partir da crítica, da autocrítica e do questionamento do conhecido que se percebe
que o raciocínio que se faz sobre conclusões provadas, se, de um lado, não traz riscos, de outro lado, só
pode nos levar a ensinar apenas o que já é conhecido. Instigado pela vocação pelo risco deve ser o
profissional que queira aventurar-se pela dimensão de LA, pois necessita ter em mente que a justificativa
maior para a abordagem da proposta curricular em sala de aula deve ser a produção de conhecimento com
potencial para gerar novas experiências de aprendizagem.
O profissional da educação que concebe a LA faz de sua aula o espaço para o nascimento da
subjetividade do “sujeito aprendente”, de um sujeito do conhecimento, e não de um sujeito padrão, já que
oportuniza aos discentes o conhecimento como experiência. Do ponto de vista da teoria agambeniana, a
experiência configura-se como algo que se pode fazer, e não como algo que se pode ter, portanto requer
espaço para que o estudante sinta necessidade de se posicionar, na e pela língua, frente ao conteúdo em
estudo, instituindo referência.
A experiência nasce na passagem da língua ao discurso, porque o processo requer uma dupla
operação: subjetivação e dessubjetivação. Tal posicionamento tem fundamento na potência exigida do sujeito
psicossomático para que ele se torne um sujeito da enunciação. Para uma aprendizagem bem-sucedida,
entende-se que o aluno deve, primeiro, dessubjetivar-se, abolindo sua figura enquanto sujeito real (sujeito
empírico), tornando-se, assim, sujeito da enunciação, e identificar-se com o “eu” –substancialmente vazio e
de existência atrelada à referência e à instância discursiva, assumindo eticamente compromisso com o real,
responsabilizando-se e protagonizando a própria aprendizagem, assim como “[…] ampliando o alcance dos
sentidos e da ação. Ao mesmo tempo, o próprio uso das ferramentas que vai desenvolvendo influi nos modos
de raciocinar, atuar, perceber e pensar o mundo a si mesmo” (Vygotsky, 1988 apud Litwin, p.40).
A ideia da LA, inspirada na posição agambeniana de potência, é fortemente marcada pela significação
que advém da matéria duplo significante (língua) que produz o humano. A linguagem é a faculdade que abre
para o homem a porta do que o mundo “é”, permitindo que ele exerça a potência9 de dizer. Dessa maneira,
LA é designada como a dimensão da língua que toca a linguagem, transportando-nos para o sentir, quando,
no processo de instauração de referência (eu-tu-aqui-agora), na instância de enunciação, somos impelidos a
nos (re)encontrar conosco mesmos e, no singular tempo-espaço de uso da língua, (re)descobrir uma maneira
de nos propormos/comprometemos eticamente com o real, subjetivando e dessubjetivando a matéria
significante. “A linguagem é uma máquina, o homem o motor que a faz funcionar e a língua o dispositivo que
o aparelha para que ele possa movimentar as engrenagens” (Klafke, 2016, pp.83-84).

9
Não podemos confundir potência com liberdade, já que todo poder nasce de um poder não e toda potência é
automaticamente também impotência. “Autenticamente livre, nesse sentido, seria não quem pode simplesmente cumprir
este ou aquele ato, mas aquele que, mantendo-se em relação com a privação, pode a própria impotência” (AGAMBEN,
2015, p.250).

942
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Nessa linha de raciocínio, entende-se que a interpretância, no ato-processo10 de aprendizagem, foge


para a dimensão discursiva em que os fragmentos de memória adquiridos pelo homem, nos diferentes “aqui-
agora” em que experienciou o uso da língua, são tencionados pelo contato com o conteúdo das novas
aprendizagens, desde que elas sejam capazes de movimentar sua memória simbólica, instigando-o a “[…]
reorganizar (e ressignificar), no pelo uso da língua, através do resgate das instituições de referência da qual
ele fez/faz parte, sua experiência na linguagem” (Klafke, 2016, p.139).
Pensar em LA, portanto, é assumir que é a partir de um novo reconhecimento de si que o aluno se
põe diante do conhecimento e, a partir daí, tem estimuladas suas imaginação e criatividade, suportes
essenciais para seu progresso como ser humano, pois o tornam “[…] sujeito da sua própria história e,
consequentemente, da história coletiva. Mas esta condição depende de fatores educacionais,
organizacionais, informativos e comunicativos. […] parte integrante de todo processo de aprendizagem do
cidadão” (Bruner, 1987, Macluhan, 1989; apud Litwin, p.40).
Do ponto de vista da elaboração, a LA é motivada a partir da língua-discurso11 e expressa-se através
do “sentir” proveniente do traço de referência positiva que pode ser arrecadado pelo sujeito que se coloca em
posição de aprender. A LA é o traço volitivo-emocional12 que preenche o abismo entre o homem e o conteúdo
a ser aprendido, sendo esta dimensão estimulada quando o aluno, a partir do resgate da referência positiva,
reinstitui referência frente ao conhecimento a ser mobilizado pelo conteúdo curricular. “[…] a língua em estado
de arte é potência que provoca o homem em contingencialidade a passar do antropológico para o linguístico,
no qual ele precisa reinstituir referência subjetivando o discurso […] a partir de si […]” (Klafke, 2016, p.136).
Pelo entendimento da LA, “busca-se reconhecer a força do conhecimento empírico voltado a ser criação pela
potência sinérgica do pensamento. Ultrapassar a lógica totalizadora, redutora e racionalizadora do conceito
colocando-o para funcionar, também, como força empírica; um gesto sempre inacabado como é a vida” (Adó
et al, 2015, p.92).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o propósito de contribuir com as discussões acerca da metodologia para o trabalho em sala de
aula, este texto, de caráter experimental, apresenta Língua em estado de arte como um caminho possível à
estratificação de currículos centralizados na lógica do sujeito único, que orienta e modelo o teor do conteúdo
que chega à sala de aula. Para tanto, a metodologia proposta distancia-se da ideia de padronização de
conhecimento e cerceamento de criatividade por acreditar que o currículo precisa ser elaborado com a
finalidade de suprir as necessidades dos sujeitos contemporâneos, indivíduos cuja capacidade inventiva tem
sido relegada à noção de sujeito padrão, categoria fadada a (re)produzir apenas aquilo que já é conhecido.
Como resultados preliminares, entende-se que abordar a LA como dispositivo metodológico significa
compreendê-la como espaço para a emanação do eu que foi desestabilizado pela proximidade com os objetos
do conhecimento e que, ao primeiro contato, é a abordagem e a motivação a que o aluno estiver exposto que
podem garantir seu engajamento no processo de aprendizagem que, se bem sucedido for, o estimulará a
encontra dentro de si mesmo os mecanismos que o conduzam à assimilar os saberes. Observa-se que a LA

10
Ato porque estimula protagonismo; processo porque é (re)elaboração do novo a partir de experiencia anterior e interior.
11
Língua-discurso: a língua individual legada a cada um de nós
12
Volitivo-emocional: relacionado à potência que arranca do homem a contingencialidade e faz transbordar o sentir, uma
emoção que não cabe em palavra justamente por ser língua em estado arte e tocar a linguagem.

943
A Escola: Dinâmicas e Atores

estimula o nascer da experiência humana na linguagem quando evoca a realidade positiva que revolve o
conjunto do simbólico e estimula o homem a realocar-se e a procurar uma nova posição para si no universo
discursivo, em um tempo infinitamente presente, mobilizando a cadeia significante da qual faz parte a favor
de sua necessidade de existir na e pela língua. Por consequência disso, o homem, agora sujeito do
conhecimento, torna-se capaz modificar não apenas a sua realidade e a si mesmo, mas também a
comunidade da qual participa e, até mesmo, para além dela.

REFERÊNCIAS
Adó, M.; Campos, M. & Corazza, S. (2015). Educação Por Escrito, Porto Alegre, 6 (1), 81-97, jan.-jun. 2015.
Agamben, G. (2015). A potência do pensamento. Ensaios e conferências. Trad. Antônio Guerreiro. Belo
Horizonte: Autêntica Editora.
Agamben, G. (2013). O homem sem conteúdo (2ªEd.). Trad. C. Oliveira. Belo Horizonte: Autêntica Editora.
Agamben, G. (2012). Profanações. Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo.
Agamben, G. (2008). Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Trad. Henrique Burigo.
Belo Horizonte: Editora UFMG.
Benveniste, É. (2006). Problemas de Linguística Geral I.
Benveniste, É. (1995). Problemas de Linguística Geral II.
Klafke, S. (2016). (Re)criação enunciativa da experiência humana: a fotografia como testemunho. [Tese].
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, São
Leopoldo, RS.
Litwin, E. (1997). Tecnologia educacional: políticas, histórias e propostas. Porto Alegre: Artes Médicas.
Sacristán, G. J. & Pérez Gomes, A. I. (1996). Compreender y transformar la enseñanza. Madrid: Ed.Morata.
Valéry, P. (2011). Variedades. Trad. M. M. Siqueira. São Paulo Iluminuras.
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Vygotsky, L. (1997). Obras escogidas V: Fundamentos de Defectologia. Madrid: Visor.
Vier, Sabrina & Klafke, S. (2015). Palavras para fazer ouvir interrogações. ReVEL, 13 (25).

944
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

UM ESTUDO SOBRE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E FORMAÇÃO DOCENTE


[ID 96]

Eliane de Andrade Krueger


Sonia Maria Chaves Haracemiv
Prefeitura Municipal de Curitiba; Universidade Federal do Paraná
deandrade.eliane@gmail.com; sharacemiv@ufpr.br

Resumo
Este artigo apresenta as primeiras discussões sobre a Educação em Direitos Humanos e Formação dos
Educadores/as dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Curitiba, Paraná,
Brasil, objeto de estudo de pesquisa do Mestrado Profissional da Universidade Federal do Paraná. A referida
pesquisa tem como objetivo investigar as concepções e as práticas docentes em uma escola pública dos anos
iniciais do Ensino Fundamental de Educação Básica da Rede Municipal de Ensino de Curitiba no processo
de formação docente. Busca-se identificar as aproximações e distanciamentos entre a concepção prévia dos
docentes e as concepções prescritas nas Diretrizes Curriculares Nacionais e nos planos Nacional, Estadual
e Municipal, bem como a relação teoria e prática na formação docente no trabalho pedagógico com os temas
relacionados a Educação em Direitos Humanos. Vários são os estudiosos que se debruçam sobre o tema
tendo em vista a atualidade e a urgente necessidade de se implantar definitivamente uma Educação em
Direitos Humanos condizente com os aspectos legais, humanos e sociais. Neste sentido a escola
desempenha importante função, exigindo de seus profissionais docentes uma formação inicial e continuada
em que saberes e fazeres docentes estejam em consonância com uma efetiva Educação em Direitos
Humanos. O espaço desta investigação é uma escola da Rede Municipal de Ensino, da Secretaria Municipal
de Educação, da cidade de Curitiba, Paraná, Brasil, que oferece ensino gratuito de 1º a 5º ano dos anos
iniciais do Ensino Fundamental. Como opção metodológica para esse estudo foi escolhida a Pesquisa Ação
para obtenção de dados que subsidiarão o planejamento e a intervenção docente. Como estratégia
metodológica um Curso de Extensão Universitária, com 30 horas de teoria e prática. Este instrumento está
direcionado para a coleta, descrição e interpretação dos dados. Espera-se, com os resultados pesquisa,
identificar as concepções e as práticas em Educação em Direitos Humanos e as possíveis defasagens da
formação docente inicial e a necessidade de formação docente continuada para a efetiva prática da
Educação em Direitos Humanos.

Palavras-chave: Educação, Direitos Humanos, Formação Docente.

Résumé
Cet article présente les premières discussions sur l'éducation aux droits humains et de la formation des
éducateurs / que les premières années de l'école primaire de Curitiba Enseignement Réseau municipal,
Paraná, Brésil, objet de recherche d'études de la maîtrise professionnelle de l'Université fédérale du Paraná.
Cette recherche vise à étudier les conceptions et les pratiques d'enseignement dans une école publique dans
les premières années de l'école élémentaire de l'éducation de base de Curitiba Enseignement Réseau
municipal dans le processus de formation des enseignants. Le but est d'identifier les similitudes et les
différences entre la conception préalable des enseignants et les concepts prescrits dans les lignes directrices
du programme national et national, l'Etat et les plans municipaux, ainsi que la relation entre la théorie et la
pratique dans la formation des enseignants dans le travail pédagogique avec les questions liées à l'éducation
aux droits humains. Il y a plusieurs chercheurs qui ont abordé la question en vue de la présente et la nécessité
urgente d'établir définitivement une éducation aux droits humains en accord avec le cadre juridique, humain
et social. En ce sens, l'école joue un rôle important, exigeant que leurs enseignants professionnels formation
initiale et continue où les connaissances et pratiques des enseignants sont en ligne avec une éducation
efficace des droits humains. La portée de cette recherche est une école de l'éducation Réseau municipal, le
Département municipal de l'éducation, de la ville de Curitiba, Paraná, Brasil, qui fournit l'éducation gratuite du
1er au 5e année des premières années de l'école primaire. En option méthodologique pour cette étude a été
choisi la recherche-action pour obtenir des données qui subventionner l'intervention de la planification et de
l'enseignement. Comme stratégie méthodologique un cours University Extension avec 30 heures de théorie
et de la pratique. Cet instrument est dirigé à la collecte, la description et l'interprétation des données. Il est
prévu, avec les résultats de la recherche, identifier les concepts et pratiques en éducation aux droits humains

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A Escola: Dinâmicas e Atores

et les éventuelles lacunes de la formation initiale et la nécessité de la formation des enseignants a continué
pour la pratique efficace de l'éducation aux droits humains.

Mots-clés: Éducation, Droits Humains, La formation des enseignants.

INTRODUÇÃO
O recorte teórico apresentado neste artigo faz parte de um projeto de pesquisa cujo tema é Educação
em Direitos Humanos e formação docente dos Educadores/as dos anos iniciais do Ensino Fundamental da
escola pública de Educação Básica da Rede Municipal de Ensino de Curitiba, Paraná, Brasil, em processo de
formação continuada. Nesta pesquisa busca-se identificar as aproximações e distanciamentos entre a
concepção prévia dos docentes e as concepções prescritas nas Diretrizes Curriculares Nacionais e nos planos
Nacional, Estadual e Municipal, e a relação teoria e prática na formação docente no trabalho pedagógico com
os temas relacionados a Educação em Direitos Humanos. Neste contexto há que se questionar quais os
desafios enfrentados na escola de Educação Básica, quanto ao desenvolvimento das práticas pedagógicas
em EDH e a necessidade de contínua formação docente. Como forma metodológica de ação planejada a
investigação se caracteriza por pesquisa-ação, o que possibilita aos participantes, condições de investigar
sua própria prática de forma crítica e reflexiva, promovendo mudanças atitudinais do próprio professor e da
cultura escolar e fazendo surgir uma ressignificação do conceito de professor, de aluno, de aula e de
aprendizagem. O espaço desta investigação é a Escola Municipal Prof. Ulisses Falcão Vieira, que oferece
ensino de 1º a 5º ano dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino. Como estratégia
metodológica um Curso de Extensão Universitária, com 30 horas, é o ambiente educativo utilizado para
coleta, descrição e conjuntamente as interpretações dos dados. Com os resultados da pesquisa, espera-se
identificar as concepções e as práticas em EDH e as possíveis defasagens da formação docente inicial e a
necessidade de formação docente continuada para a efetiva prática da Educação em Direitos Humanos.
As contribuições teóricas apresentadas tendo a escola como espaço de formação de formação
continuada, valorizam os saberes docentes consideram que as experiências e vivências profissional dos
professores são a bases para o surgimento de novos caminhos na formação docente. As concepções e ideias
apresentadas tem como objetivo a formação do professor reflexivo cuja prática cotidiana leva a ação-reflexão-
ação, como parte fundamental na descoberta de novos caminhos para uma real e abrangente formação
profissional do docente.
Partindo do princípio de que a educação é em si um direito humano, e levando em conta a realidade
educacional brasileira, em que a maioria das escolas e seus profissionais ainda não foram devidamente
preparados, e ou, qualificados para uma Educação em Direitos Humanos, justifica-se a necessidade de
pesquisas sobre o assunto que levem a discussão, reflexão e propostas de ações que efetivem a prática
consciente e cidadã dos direitos humanos.
É notório que nas últimas décadas a Educação em Direitos Humanos tem ganhado destaque nas
discussões e nas ações, por se tratar de um dos mais importantes instrumentos de combate às violações de
direitos humanos, buscando pela educação a tolerância, a valorização da dignidade e respeito aos princípios
democráticos.
Partindo do princípio de que a educação é em si um direito humano, um meio indispensável para o
acesso a outros direitos e levando em conta a realidade educacional brasileira, em que a maioria das escolas
e seus profissionais ainda não foram devidamente preparados, e ou, qualificados para uma Educação em

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Direitos Humanos, justifica-se a necessidade de pesquisas sobre o assunto que levem a discussão, reflexão
e propostas de ações que efetivem a prática consciente e cidadã dos direitos humanos.
A Educação em Direitos Humanos propõe o trabalho conjunto da educação formal e não-formal –
escola e sociedade – que valorize as experiências da vivência da cidadania e do respeito à diversidade e à
diferença, sendo assim a Educação em Direitos Humanos não é tarefa exclusiva da escola e deve acontecer
em todos os ambientes de convivência humana e nos diferentes campos de formação.
De acordo com Candau (2013), educar em direitos humanos é um trabalho de construção individual
e igualmente coletivo:
... educar (e educar-se) em Direitos Humanos é bem mais que adicionar um componente
novo à prática formativa e educativa. É, na verdade, construir uma nova identidade: a de
educador e educadora em Direitos Humanos, o que faz toda a diferença quando se tem em
mente uma educação que contribua para o exercício da cidadania, para a construção de uma
sociedade marcada, definitivamente, pela dignidade de toda a pessoa humana. E mais: é
construir não apenas a identidade pessoal, mas tecer também uma identidade coletiva que
aproxima e alimenta cada um e cada uma de nós (p.27).
A escola como fundamental instrumento de uma verdadeira Educação em Direitos Humanos, se
depara diariamente com inúmeros problemas sociais que evidenciam a necessidade de uma prática
pedagógica de conscientização cidadã que possa ser também humanizadora. Nesse sentido a Educação em
Direitos Humanos é essencial para a construção de uma sociedade mais justa, onde as pessoas sejam
respeitadas e valorizadas dentro de suas diversidades como indivíduos dignos. Deve ter dentre seus objetivos
levar o indivíduo a desenvolver sua autonomia pessoal e senso crítico que o torne capaz de construir e
contribuir na criação de uma sociedade igualitária onde o respeito e dignidade humana sejam valorizados.
Para que aconteça uma verdadeira educação em Direitos Humanos e para a formalização e
disseminação dos conteúdos necessários, é fundamental que as escolas constituam uma verdadeira
comunidade democrática. Para tal é imprescindível que a escola deixe de ser apenas mera difusora dos
direitos e deveres do cidadão, e efetivamente passe a ensinar a cidadania democrática e participativa dentro
e fora a escola. Assim se concretiza o papel da educação como agente transformador da sociedade.
É através da formação dos profissionais da educação e de suas práticas pedagógicas que são
desencadeadas mudanças significativas na educação, desta forma, é imprescindível a discussão, a análise e
pesquisa sobre a educação em Direitos Humanos com o objetivo de uma reflexão sobre quais saberes são
necessários, e ou, como estão sendo trabalhados pelos docentes através dos diversos cursos de formação,
e como eles têm interferido na formação dos educadores.
A formação docente em direitos humanos está intimamente ligada a uma prática pedagógica
condizente com o respeito ao ser humano bem como de uma educação que privilegie as dimensões inter e
multidisciplinar que envolve a temática. Nesse sentido, há que se valorizar o que é construído e não
simplesmente transmitido, entendendo-se que é na escola onde estão presentes as diferenças e os diferentes,
suas vivências e experiências que precisam ser significadas à luz de uma educação em direitos humanos. É
através do processo de reflexão dos saberes que vão sendo recontextualizados que as mudanças nas
práticas pedagógicas acontecerão, por isso a formação continuada deve ser permanentemente incentivada.
É necessário que o trabalho de educação em direitos humanos no contexto escolar esteja vinculado
a práticas democráticas, estabelecendo uma relação de respeito com todos aqueles envolvidos dentro do
contexto, de modo que a escola necessariamente vivencie os princípios democráticos.
Segundo Maria Vitória Benevides (2007) “trata-se de uma educação permanente e global, complexa
e difícil, mas não impossível” (p.348), pois o educador em direitos humanos na escola sabe que não terá

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A Escola: Dinâmicas e Atores

resultados no final do ano, como na demais disciplinas, mas poderá contemplar os resultados através da
transformação de pensamentos e comportamentos que que se refletem dentro e fora da escola.
Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser são exigências deste
novo olhar sobre a educação. Neste contexto há que se repensar a formação inicial de professores, bem
como estabelecer um link direto e permanente com a formação continuada incentivando sempre um olhar
crítico e criativo. Indivíduo, escola e sociedade, cada qual dentro de suas peculiaridades, são os elementos
e instrumentos indissociáveis na criação de uma efetiva Educação em e para Direitos Humanos.

EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS


As questões e discussões que envolvem a Educação em Direitos Humanos no Brasil ainda são
recentes. No ensino formal as ações ainda são tímidas tendo em vista a abrangência do que propõe o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH. Percebe-se, no entanto, que no campo da educação
não formal, mais especificamente nas organizações da sociedade civil o assunto vai além da discussão e já
se pontuam ações sistemáticas sobre o tema. Somente através do desenvolvimento de processos
participativos e de construção coletiva, e do fortalecimento de práticas individuais e sociais que favoreçam a
apreensão de conhecimentos, que deverão acontecer a formação de uma consciência cidadã e a afirmação
de uma cultura de Direitos Humanos.
A literatura disponível sobre Educação em Direitos Humanos aponta sempre que esta deve estar
dirigida aos valores de respeito ao ser humano e à sua dignidade, tendo como objetivo a formação de uma
cultura que privilegie a igualdade, a diversidade e tolerância entre todos os indivíduos. Para que isso aconteça
é necessário que as pessoas atuem de maneira responsável e compartilhada de forma a garantir a promoção
dos Direitos Humanos.
Entendida como um processo contínuo e permanente, a Educação em Direitos humanos é uma
responsabilidade que deve ser compartilhada entre a sociedade, o Estado e a comunidade internacional,
necessitando além da regulamentação em documentos oficiais nacionais e internacionais, programas que
indiquem ações efetivas para sua aplicação e afirmação. Nesta direção a ONU considera que existe um
consenso da comunidade internacional de que a EDH atua de modo decisivo para a realização dos Direitos
Humanos, compreendendo que ela promove o entendimento de que cada pessoa é responsável pela
concretização do respeito a tais direitos.
A Educação em Direitos Humanos ao promover a autonomia do indivíduo, influencia em sua forma
de sentir e agir tornando-o capaz de transformar ao meio em que vive. Esta transformação de atitudes,
crenças e respeito ao valores e princípios democráticos cria novas práticas sociais que leva toda pessoa a
ser respeitada pela dignidade que lhe é inerente.
Lembra-nos Paulo Freire que a pedagogia não deve ser apenas ensino e aprendizagem, mas uma
pedagogia voltada a uma educação que ajude o sujeito a construir possibilidades de ser livre e usufruir
a liberdade de maneira consciente e responsável. Trata-se de um processo de ensino-aprendizagem e vice-
versa em que o indivíduo tome posse de seus direitos e sinta-se um sujeito de direitos humanos. Um processo
que valoriza a história e a realidade do educando e a partir dela ensina e aprende.
Freire (1991) oferece um conceito de EDH em seu projeto da Pedagogia do Oprimido como sendo
uma “educação em favor da emancipação permanente dos seres humanos, considerados como classe ou
como indivíduos, educação que se põe como um que fazer histórico em consonância com a também histórica

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

natureza humana, inclusive, finita, limitada” (p.72).

FORMAÇÃO DOCENTE
As últimas décadas foram marcadas por significativas transformações sociais, econômicas e políticas,
trazendo como consequência a necessidade de se repensar a escola atual e as mudanças necessárias na
formação das gerações futuras. Neste contexto há que se pensar na profissão docente que também é
chamada a rever sua formação e atuação frente as necessidades do momento atual. Isto significa revistar e
delinear quais os conhecimentos que o professor precisa durante sua formação, inicial ou continuada, tendo
em vista as novas tarefas que dele são exigidas.
Num sentido amplo, a formação de professores e uma atividade humana complexa, institucionalizada,
e intencional, implícita no campo da educação como uma categoria teórica, uma área de pesquisa, conteúdo
da política educacional e uma prática pedagógica.
Segundo Paulo Freire, a formação de professores é um processo permanente que vai além da fase
inicial estendendo-se de forma continuada. Está além das ofertas e práticas formais das políticas públicas e
educacionais, privilegiando também o cotidiano do exercício profissional como uma prática pedagógica
escolar efetiva. Sendo assim, a formação – inicial e continuada – é fundamental ao profissional da educação
que deve entender que seu trabalho e a eficiência de sua prática pedagógica estão diretamente ligados ao
caráter permanente e contínuo de formação.
Considerando a perspectiva histórico-crítica, a formação de professores sugere a criação e a
organização de situações problematizadoras da realidade, considerando a objetividade-subjetividade dos
sujeitos e suas circunstâncias. Não se restringe ao ensino- de conteúdos disciplinares, ao saber fazer
pedagógico ou métodos para aprendizagem ensinar e aprender, mas entende que fazem parte do processo.
Desta forma há que se considerar como princípios úteis aos processos formadores: a) a formação seja ela
inicial ou continuada necessita estar dentro um contexto de problematização da realidade; b) neste processo
o diálogo é fundamental sendo necessário saber ouvir; c) também é necessário considerar o tempo para que
se materialize as políticas e as ações educativas; (d) teoria e prática estabelecem uma relação dialógica na
concretização dos objetivos.
Na leitura, Nóvoa (1998), tem-se que todo processo de formação deve ter como referencial o saber
docente, o reconhecimento e valorização desse saber. Sendo assim, a formação continuada deve considerar
as etapas de desenvolvimento profissional do docente, valorizando seus aspectos psicossociais. Para este
teórico, é necessário considerar as diferenças de anseios e necessidades entre o docente em fase inicial, o
que já possui anos de experiência pedagógica e aquele que se encontra no final da carreira docente à espera
da aposentadoria. Nóvoa (1998) faz uma crítica aos “pacotes de formação continuada”, ao não considerarem
as diferenças, tampouco o contexto no qual o docente está inserido, e aponta que:
Toda a formação encerra um projecto de acção. E de transformação. E não há projecto sem
opções. As minhas passam pela valorização das pessoas e dos grupos que têm lutado pela
inovação no interior das escolas e do sistema educativo. Outras passarão pela tentativa de
impor novos dispositivos de controle e de enquadramento. Os desafios da formação de
professores (e da profissão docente) jogam-se neste confronto (Nóvoa, 1998).

ALGUMAS REFLEXÕES
Nestas primeiras discussões sobre educação em direitos humanos e formação docente nota-se que
o tema é assunto vasto e de permanente discussão, constituindo-se sempre num desafio e busca incessante

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A Escola: Dinâmicas e Atores

de novos caminhos e possibilidades. Será a partir da concepção de educação que busca efetivar a cidadania
plena para a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos, além
da defesa socioambiental e da justiça social que se pode pensar nas mudanças e transformações necessárias
para uma sociedade mais justa e igualitária. A afirmação da diversidade é o primeiro passo na construção de
uma identidade que se faz e refaz permanentemente, tendo na Ética o elemento que define as relações sociais
e interpessoais.
Com relação à formação de professores para/em direitos humanos, pode-se constatar que ainda é
recente e tímida a introdução desta temática ao conteúdo formativo dos docentes em geral, considerando o
fato de serem poucos os sistemas de ensino, os centros de formação de educadores e de organizações que
trabalham nesta perspectiva. Por outro lado, a desvalorização docente parece senso comum.
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos indica que o professor insira a educação em
direitos humanos nas diretrizes curriculares; integrando esta educação aos conteúdos, metodologias e formas
de avaliação; sugere que professores e colegas sejam estimulados à reflexão e discussão do tema; que se
desenvolva uma pedagogia participativa capaz de tornar a educação em direitos humanos um assunto
relevante aos alunos, em todos os níveis. O documento propõe ainda que se promova a discussão de temas
como gênero e identidade, raça e etnia, orientação sexual e religião, entre outras.
Ainda que sustentados por aspectos legais e pelas reais necessidades da educação, para que haja,
de fato, a formação de professores em direitos humanos, é necessário que estes sejam percebidos como
profissionais mobilizadores de processos pessoais e grupais de natureza cultural e social.
Desta forma, e partindo do princípio de que a educação é em si um direito humano, e levando em
conta a realidade educacional brasileira, em que a maioria das escolas e seus profissionais ainda não foram
devidamente preparados, e ou, qualificados para uma Educação em Direitos Humanos, justifica-se a
necessidade de pesquisas sobre o assunto que levem a discussão, reflexão e propostas de ações que
efetivem a prática consciente e cidadã dos direitos humanos.

REFERÊNCIAS
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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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Vozes.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

A ESCOLA E O ATO EDUCATIVO: ALGUNS IMPASSES NO BRASIL ATUAL


[ID 343]

Leandro de Lajonquière
Luís Adriano Salles Souto
Simone Zanon Moschen
Université Paris VIII; Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Université Paris VIII; Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
leandro.de-lajonquiere@univ-paris8.fr; lasalles.souto@gmail.com; simoschen@gmail.com

Resumo
Este trabalho interroga o Plano Nacional de Educação (PNE) e a Base Curricular Nacional Comum (BNCC) –
documentos que regem as políticas de educação básica no Brasil - a partir de uma pergunta: como se concebe
a infância quando se enuncia o compromisso do ato educativo com a diversidade e com a experiência
democrática? Propomos que a “educação para a diversidade”, lema das políticas públicas de educação
destinadas à infância e à juventude no Brasil atual, confronta-nos com a tarefa de refletirmos sobre o
compromisso da escola com um horizonte plural, inclusivo e democrático. Sustentaremos nossos argumentos
destacando as polêmicas e lutas políticas atuais entre os que defendem as diretrizes de uma educação inclusiva
e democrática e aqueles que se opõem a esses preceitos denunciando-os como parte de um projeto doutrinador
da infância.

Palavras-chave: Educação básica, Escola, Ato educativo, Esfera pública, Esfera privada.

Resumé
Cet article interroge le "Plano Nacional de Educação" (PNE) et la "Base Curricular Nacional Comum" (BNCC)
- documents officiels des politiques de l'éducation basique au Brésil - à partir d'une question: comment
concevoir l’enfance quand on énonce l'engagement de l'acte éducatif avec la diversité et l'expérience
démocratique? Nous proposons que la «éducation pour la diversité» - thème des politiques d'éducation
publiques visant les enfants et les jeunes au Brésil d’aujourd'hui/actuel - nous confronte avec la tâche de
réfléchir sur l'engagement de l'école avec un horizon pluriel, inclusif et démocratique. Nous allons soutenir nos
arguments soulignant la controverse et les luttes politiques actuelles entre ceux qui défendent les directrices
d'une éducation inclusive et démocratique et ceux qui s'opposent à ces préceptes en les dénonçant comme
un projet de endoctrinement de l'enfance.

Mots-clés: Éducation de base, École, Acte éducatif, Sphère publique, Sphère privée.

INTRODUÇÃO
É sobretudo como política pública que o significante “inclusão”, representando um esforço do Estado
por corrigir democraticamente as desigualdades enfrentadas pelas “minorias”, faz sua aparição no Brasil
recente. Consideramos o comprometimento do Estado brasileiro fundamental para o avanço civilizatório de
nossa sociedade e destacamos que a consolidação e o alcance do projeto inclusivo requer que os agentes
encarregados pela ação pública levem em conta a complexidade das dinâmicas econômicas, históricas e
culturais que produzem sociedades tão desiguais como a nossa.
É nesse sentido que pensamos e que nos engajamos com a formação de professores na perspectiva
da educação inclusiva: como agentes públicos que colocam em marcha aquilo que é virtual na letra das leis
que atualmente regulam as políticas educacionais no país, os professores vêm sendo convocados a se
posicionar diante dessa complexidade e, a partir disso, a se responsabilizarem pela desativação das dinâmicas
que produzem a exclusão no contexto de suas práticas. Afinal, as instituições não existem senão através de

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

suas práticas e é pelo exercício de fazer operar aquilo que é apenas virtual no plano da lei que uma sociedade
pode avançar no aprimoramento dos dispositivos inclusivos e democráticos.
Assim, parece-nos relevante que nos perguntemos como a ação dos agentes públicos é vislumbrada
no projeto de uma sociedade inclusiva e democrática a partir das relações entre a escola e aquilo trataremos
como a “preparação” para a vida numa polis plural. Vejamos como o Plano Nacional de Educação (PNE)
brasileiro nos ajuda a estabelecer essas relações entre inclusão, escola e democracia a partir do projeto
inclusivo.

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO


A Constituição brasileira de 1988, considerada um importante marco para a elaboração de políticas
públicas inclusivas, marca o reingresso do país na ordem democrática depois de mais de 21 anos de ditadura
civil-militar. Conhecida como “Constituição cidadã”, ela acompanha as mais aprimoradas democracias mundiais
ao tornar cláusulas pétreas a igualdade e a liberdade e assegurar a todos o direito à participação na elaboração
e no controle das políticas de Estado, bem como a proteção contra o arbítrio, o casuísmo e o autoritarismo.
Para os propósitos deste trabalho, interessa-nos o Art. 214 do texto constitucional, artigo que estabelece o PNE
- Plano Nacional de Educação e determina cinco diretrizes permanentes para as políticas educacionais do país.
O PNE articula um Sistema Nacional de Ensino (SNE) comprometido permanentemente com o
diagnóstico, o planejamento e a execução das políticas educacionais no país. Partindo dessas diretrizes fixadas
pela Constituição, o PNE deve atualizar, a cada dez anos, diretrizes, metas e estratégias para as políticas
públicas de educação nacional com o objetivo de que tais políticas possam engendrar ações capazes de
responder aos problemas que emergem no laço social em um determinado contexto histórico - impasses esses
que digam respeito, claro, ao ato educativo.
Em análises que fazem das políticas educacionais formuladas entre 1988 e os primeiros anos do atual
milênio, diversos autores (Neves, 2008) ressaltam o embate travado nos anos 1990 entre os defensores de um
projeto de educação capaz de acompanhar as demandas advindas da globalização neoliberal e aqueles que
resistiam ao projeto de vincular as políticas educacionais à lógica do mercado. Na base dessa resistência, o
argumento de que tal vinculação afastaria o campo da educação de uma série de problemas que lhe dizem
respeito. Como resultado dessa disputa entre diferentes concepções de educação, formulam-se dois PNEs no
ano de 1997.
O PNE “oficial”, apresentado pelo Ministério da Educação brasileiro, foi concebido no binômio
democracia/competitividade (Neves, 2008) e atribuiu ao campo da educação um papel fundamental em relação
às exigências de uma nova organização do trabalho, agora marcada por inéditos moldes técnicos e
organizacionais. Para essa nova organização, o sistema de ensino vigente era considerado atrasado e
ineficiente, razão pela qual seria necessário que se estabelecessem vínculos mais orgânico entre os processos
educacionais e a lógica de produção que emergia, então, no mundo. Isso, no entanto, não poderia ser levado
a cabo sem a desconstrução de um conjunto de teses que, por mero “ranço” ideológico, insistiam, ainda, em
afastar o ato educativo da dinâmica e dos interesses do capital – algo considerado demasiadamente anacrônico
para uma nação à beira do século XXI.
Como contraponto ao PNE oficial, diversos movimentos sociais articulam o “Plano Nacional de
Educação da Sociedade Brasileira”. Em linhas gerais, esse documento buscava afirmar uma posição de
resistência à proposta de conformar a educação às demandas do neoliberalismo globalizado: à educação -

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A Escola: Dinâmicas e Atores

sustentava-se de entrada - não caberia um papel subserviente ao capital; num segundo plano, o documento
reivindicava o fortalecimento da escola pública e o compromisso do Estado com a universalização da educação
em todos os níveis, assinalando, também, a responsabilidade da educação com a produção de uma sociedade
“diversa e plural”, algo que envolveria a urgente confecção de uma Base Nacional Curricular Comum para
alavancar um projeto nacional de educação (Brasil, 1997).
As políticas de educação nos anos 2000, mais distantes dessas contendas que tão fortemente
marcaram a década de 1990, destacam a pluralização de diferenças e de desigualdadesdiante das quais o ato
educativo tem uma responsabilidade: o ato educativo não visa à conciliação superficial entre os desiguais,
tampouco à promoção do dissenso e da luta entre eles. O ato educativo, sem poder ignorar que diferenças
engendram desigualdades, deve “promover a diversidade afirmando a igualdade” (Brasil, 2014). Observemos
as diretrizes do PNE 2014, que deverá regular as políticas educacionais do Brasil até 2024:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na
erradicação de todas as formas de discriminação;
IV - melhoria da qualidade da educação;
V - formação para o trabalho e para a cidadania;
VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;
VII - promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País;
VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do
Produto Interno Bruto – PIB;
IX - valorização dos (as) profissionais da educação;
X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade
socioambiental.
Não nos resulta difícil conceber que as diretrizes em itálico, fixadas na Constituição de 1988, são de
uma objetividade bem mais evidente e circunscrevem algo a que se adere de forma muito mais “automática”.
Alguns aspectos das demais, no entanto, ao pautarem o problema da discriminação, dos valores éticos e morais
da sociedade e destacarem, por fim, o princípio do respeito aos direitos humanos e à diversidade, apontam
para um além: para além da universalização do acesso à educação e da ampliação de recursos que viabilizem
a qualificação tanto dos processos educacionais quanto dos profissionais envolvidos com as práticas
educativas, elas comprometem o ato educativo com a construção de uma sociedade plural, democrática e
inclusiva.
Que às políticas públicas de educação sejam endereçadas demandas relativas às questões que
emergem em torno da igualdade e da diversidade significa o reconhecimento, por parte do Estado, de que
numa sociedade democrática a pluralidade se associa à igualdade, bem como o entendimento de que não é
possível operar sobre a desigualdade sem que se levem em conta as diferenças. É nesse sentido, então, que
ao estabelecer para o decênio 2014 - 2024 o lema “Educação e diversidade: justiça social, inclusão e direitos
humanos”, o PNE afirma a escola como um “dispositivo de inclusão de sociedade plural e democrática” (Brasil,
2014).

954
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Educação Inclusiva
A educação inclusiva, em primeiro lugar, não tem a ver com “integração”. A integração designa o ato
de se buscar incorporar elementos “diferentes” a um conjunto homogêneo. A educação inclusiva, longe disso,
busca produzir uma outra forma de enunciar a diferença: a diferença está entre singularidades, não em alguém.
Ao despersonalizar a diferença, a educação inclusiva permite pensar que não há um conjunto homogêneo que
precederia a integração dos “estrangeiros”. Os “diferentes”, aqui, antes de qualquer alusão aos que não podem
ser vistos, pensados ou educados, não correspondem àqueles que estão em oposição a um todo “íntegro”
marcado por uma unidade de línguas, aprendizagens, corpos ou comportamentos.
Rompendo com as categorias que ao longo da história da educação estabeleceram as relações entre
a norma e o desvio, a educação inclusiva busca pensar - e constituir - uma escola em que todos (e cada um,
singularmente) possam ter lugar. Nesse sentido, nem as características genéticas ou as necessidades
especiais, nem a orientação sexual e tampouco a identidade cultural, as convicções políticas ou religiosas -
nada disso pode privar alguém da experiência de ingressar e permanecer na escola. Mas como se assegura
que a escola se constitua como um dispositivo de inclusão? É em relação a esses desafios que o PNE articula
as diretrizes apresentadas acima a um conjunto de metas e estratégias que tem por objetivo engendrar ações
educativas que promovam a diversidade e a “experiência democrática” no equipamento escolar.
Compreendemos as diretrizes do PNE como enunciados que demarcam ética e politicamente, os
compromissos do Estado no campo das políticas públicas de educação; as metas, por outro lado, constituem
um conjunto de objetivos que emergem no interior desse enquadre e que conferem certa objetividade ao Plano
permitindo, por exemplo, que se possa avaliar, no tempo, se ele está sendo efetivamente cumprido. As
estratégias, por outro lado, indicam meios através dos quais se pode atingir fins previamente definidos.
Consideremos, agora, aquela que é a mais polêmica das estratégias do PNE 2014: a elaboração de
uma base curricular nacional. Prevendo a articulação de “temas transversais” capazes de viabilizar “ações
inclusivas de reconhecimento”, a Base Nacional Curricular Comum (Brasil, 2016) é vista por alguns como uma
das principais medidas para a construção dessa sociedade plural, inclusiva e democrática que está na base
das diretrizes do PNE.

Distribuição e reconhecimento
O projeto inclusivo e democrático de educação enunciado nas diretrizes do PNE supõe, para o sucesso
de sua realização, a promoção de políticas intersetoriais de distribuição de renda e estabelece, para as políticas
educativas, que as ações dos agentes do Estado sejam pautadas pelo reconhecimento de um processo
histórico de exclusão baseado sobretudo nas desigualdades de gênero, de raça e de pertencimento religioso.
Se as políticas de distribuição constituem “medidas redistributivas” (Brasil, 2010) e não implicam diretamente
as ações educativas, as de reconhecimento, por outro lado, tocam em cheio o campo da educação: nelas se
situa o equipamento escolar como chave para o trabalho de nomeação dos marcadores (gênero, raça e
pertencimento religioso) implicados em processos que historicamente tendem a converter diferenças em
desigualdades (ibidem). A reparação de injustiças sociais, conforme essa compreensão, implicaria, assim, tanto
essas medidas (re)distributivas quanto o complexo ato de nomear para reconhecer alguns dos marcadores
implicados nas dinâmicas da exclusão.
Para se combater as desigualdades e as injustiças decorrentes do “valor” social de que é investido
cada um desses marcadores de diferença (ibidem), a estratégia da redistribuição dos bens materiais implicaria

955
A Escola: Dinâmicas e Atores

que pensássemos, num primeiro plano, um esquema igualitário e universalista; a desigualdade e a exclusão
simbólica, num outro plano, exigiria que o Estado colocasse em marcha ações de reconhecimento numa
dinâmica diferenciadora e particularista. As ações dessa segunda natureza – aquelas que buscam desativar a
engrenagem da exclusão a partir do reconhecimento e da nomeação desses marcadores de diferença – vêm
sendo discutidas em profundidade no contexto da elaboração da Base Nacional Curricular Comum (BNCC),
documento previsto pelo PNE.
Em consonância com as diretrizes do PNE, a BNCC busca estabelecer os parâmetros gerais para a
educação básica (educação infantil, fundamental e média) nacional destacando os preceitos da educação como
direito numa perspectiva inclusiva e democrática. Num país de dimensões continentais e tão profundamente
marcado pelas idiossincrasias regionais, a BNCC confere uma unidade ao projeto nacional de educação. No
que consiste essa unidade?
Ao estabelecer referências para a construção das bases curriculares nacionais, esse documento leva
em conta as diferentes etapas do ensino e a diversidade cultural do país afirmando um preceito: o de que a
escola é o equipamento onde se realiza a “alfabetização científica” e, ao mesmo tempo, onde se criam as
condições para a “experiência democrática” (Brasil, 2016). Essa “experiência democrática”, veremos a seguir,
implica a indissociabilidade entre a “alfabetização científica” e “formação ética” - formação essa pautada na
ideia de que a escolarização é um dispositivo fundamental para a produção das condições que viabilizam uma
sociedade plural, democrática e inclusiva.
Sabemos que o acesso ao conhecimento é tradicionalmente associado à função da escola e é dessa
função que a escola obtém, historicamente, boa parte de sua legitimidade social. Devemos considerar, no
entanto, que a escola não é exatamente o lugar onde o conhecimento está à espera para ser “distribuído” e
“assimilado”. A alfabetização científica, assim, não é algo que ocorre como efeito dessa distribuição: ela ocorre
em meio às relações que se produzem nos diversos contextos do equipamento escolar e é por esse motivo,
aliás, que a escola não deve se colocar como mera espectadora da sociabilidade que se atualiza em seu
domínio; longe disso, a escola deve estar comprometida com a construção de um projeto político-pedagógico
capaz de realizar a transmissão do conhecimento e, ao mesmo tempo, abordar temas que problematizem as
formas de sociabilidade estabelecidas em torno de padrões discriminatórios e excludentes1 (ibidem).
É nesse sentido, então que para além da definição de conteúdos comuns para construção de um
currículo nacional, a BNCC estabelece uma série de temas transversais2 que deverão aprofundar as relações
entre a alfabetização científica e a reflexão ética como uma de suas principais estratégias. O trabalho com
esses temas, sublinhamos, colocará em relevo justamente aquelas ações de “reconhecimento” implicadas no
projeto inclusivo e associadas ao lugar político que a escola assume no contexto das políticas educacionais
inclusivas.
São três, em especial, os marcadores de diferença que deveriam ser reconhecidos e trabalhados
transversalmente pelos agentes públicos de educação no contexto escolar: sexualidade, raça e religiosidades3.

1
Parte-se do pressuposto, de que a alteração desses padrões na escola repercute na mudança dos padrões da sociedade
como um todo.
2
Um tema transversal não se “encaixa” em uma ou outra disciplina específica; os temas transversais devem, portanto, ser
abordados pelas diferentes áreas do conhecimento e pelos conjunto dos agentes públicos que compõem a escola.
3
A BNCC inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" e
“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” e Orientação sexual, respectivamente. Para o tema Orientação sexual, por
exemplo, prevê-se a discussão sobre sexualidades, gênero, organismo, corpo e erotismo, algo que nos remete à
transposição de uma concepção naturalista da sexualidade.

956
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Esses temas transversais convocam a escola a fazer uso das ferramentas científicas para colocar em destaque
os diversos mecanismos sociais, políticos e culturais que engendram a exclusão.

Alfabetização científica e formação ética


Pensemos, por exemplo, no tema transversal da sexualidade e nos eixos que devem nortear, conforme
a BNCC, a forma de abordá-lo. A justificativa para a sua inclusão nas bases de um currículo nacional tem duas
fontes: a primeira é situar o caráter interdisciplinar da abordagem dessa temática e os conteúdos a serem
trabalhados com os alunos em cada etapa da educação básica; a segunda revela a preocupação em indicar a
“postura” e a “abordagem” (Brasil, 2016) esperada para os professores diante de um tema que comporta pelo
menos três dimensões: a discussão sobre o organismo, sobre o corpo e, a mais polêmica, sobre gênero.
Se por um lado a sexualidade deve ser abordada pela escola em suas distintas dimensões - biológica,
psíquica e sociocultural - através do acesso ao saber constituído pelas diferentes disciplinas, por outro, então,
supõe-se que, como tema transversal, a sexualidade não “cabe” num agenda rígida: embora possa haver
momentos definidos nos quais se trata do assunto, o que está em jogo, aqui, é a implicação dos professores e
do equipamento escolar como um todo no trabalho com o que irrompe na forma de uma curiosidade, de um
conflito, da paródia de uma música, da escolha de um apelido. Os grandes temas transversais implicam, nesse
sentido, o que é da ordem dos acontecimentos e é na relação dos alunos com os colegas, com os professores,
com a matéria, etc., que emergem as próprias vias de enlace entre a alfabetização científica e formação ética.
É nesse sentido, portanto, que a transversalidade requer que o professor, em especial, tenha domínio
teórico da área pela qual é responsável: o domínio dos saberes de uma disciplina fornece ao professor
autoridade intelectual. De modo sucinto, os saberes da disciplina compõem-se dos conhecimentos, teorias,
métodos, conceitos, autores e tradições de uma determinada disciplina. Mas isso só não basta: se é exigido
do professor conhecimento de sua área específica, também lhe será exigida a reflexão sobre as relações entre
o saber “acumulado” pela disciplina da qual está encarregado e o papel da escola numa sociedade plural e
democrática.
Embora certa qualificação seja indispensável para a autoridade do professor, a qualificação, por maior
que seja, nunca engendra por si só sua autoridade. A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo
e ser capaz de instruir os pequenos acerca deste; a sua autoridade, porém, assenta-se em sua
responsabilidade com o mundo: “face à criança, é como se o professor fosse um representante de todos os
adultos e dissesse, então, para os pequenos: eis, aí, o mundo” (Arendt, 2011). Que os professores, ao
alfabetizarem cientificamente os pequenos o façam mediante a “apresentação do mundo” não significa, note-
se, que estejam desconsiderando a educação que crianças e adolescentes recebem no contexto
doméstico/familiar. Longe disso, abordar o mundo na escola significa constituir um espaço de diálogo entre a
diversidade dos valores e crenças transmitidos inclusive nos diversos contextos familiares. Num contexto plural
como o da escola, cabe, portanto, a abordagem dos diversos pontos de vista de uma sociedade democrática:
a alfabetização científica, assim, implica a simultaneidade entre a aquisição e ampliação do conhecimento e a
problematização do mundo para que os próprios alunos constituam um lugar próprio de enunciação.
Ao fazer isso, os professores possibilitam que o aluno distinga o que é próprio de sua de sua intimidade
e o que, por outro lado, é pertinente à experiência de partilha do espaço público. Assim, se retomamos aqueles
marcadores de diferença indicados anteriormente, devemos ressaltar que tal experiência nada tem a ver com
as atitudes de benevolência, compaixão ou tolerância com os “diferentes” mas implica, conforme se sustenta

957
A Escola: Dinâmicas e Atores

na BNCC, a construção de uma sociabilidade baseada nos preceitos que sustentam uma sociedade plural,
democrática e inclusiva. É por essa razão, aliás, que a BNCC busca construir uma proposta curricular na qual
o “problema” das diferenças deve ser abordado a partir de uma questão: como fazer da esfera pública um
espaço de negociação de modos de convívio considerando-se o horizonte de uma igualdade que não abole as
diferenças? (Brasil, 2016). A “educação para a experiência democrática”, assim, convoca a escola a
responsabilizar-se com a sustentação de um espaço no qual as diferenças fundam um comum que não se
assenta na lógica das identificações imaginárias – aquelas nas quais o eu e o outro só se reconhecem a partir
da lógica especular das identidades que rechaçam tudo o que é apreendido como estrangeiro.
Se considerarmos que isso é uma pauta central das emergentes políticas de Estado, cabe que
interroguemos, agora, as tensões que com frequência se produzem entre as esferas do público e do privado,
uma vez que o acolhimento e a promoção das diversidades no pluralismo democrático colocam em jogo, muitas
vezes, possíveis desencontros entre o que se transmite no contexto mais restrito dos núcleos familiares e aquilo
que embasa a formulação dessas políticas, a saber, uma determinada concepção de espaço público. Aqui
começam as querelas entre o que cabe à esfera pública e o que diz respeito ao privado, já que as estratégias
de reconhecimento – e a consequente necessidade de nomeação dos marcadores que historicamente nos
permitem refletir sobre a produção da desigualdade - requerem, como vimos, que a escola promova a discussão
sobre os processos histórico-culturais produtores da exclusão.

INFÂNCIA E EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA


Hannah Arendt não é uma autora que se tenha dedicado a pensar a educação. Mas encontramos em
sua reflexão ética e política preciosas pistas para retomarmos os impasses que o texto da lei inaugura quando
destaca o horizonte ético da inclusão e os valores de uma sociedade plural e democrática como norte das
atuais políticas educacionais. Pensemos, agora, sobre aquilo que seria próprio da educação que corresponde
à escola e como essa etapa nos permite pensar uma espécie de passagem que nos parece fundamental para
a constituição da experiência democrática.
A escola, segundo Arendt, envolve uma das “etapas” da educação (Arendt, 2011, p.238), a saber,
aquela que coloca em jogo a passagem da esfera privada para a esfera pública do mundo. Diferentemente do
oikos (casa), a esfera pública do mundo ou mundo comum é aquela em que se realiza o encontro das diversas
formas de habitar e de experimentar o mundo, e é nesse sentido que a escola teria a ver com o tempo das
primeiras experiências com uma alteridade que extrapola o que é da ordem do familiar: ela é a instituição que
interpomos entre os domínios da intimidade e do público com o objetivo de “equipar” as crianças com as
ferramentas necessárias para a vida na polis. É em relação a essa experiência, aliás, que a etapa da educação
escolar parece ser decisiva: na escola se expandem as formas de estar com outros que também se encontram
no mesmo processo de deixar, durante algumas horas do dia, os seus “ninhos” primordiais de experiências e
de sentidos sobre a vida e o mundo.
A esfera pública implica a constituição de um comum que nada tem a ver com unidade ou consenso,
mas com a palavra que tem o poder de viabilizar a experiência da diferença (Arendt, 2009). Desde o seu
ingresso, nas séries iniciais, as crianças precisam ir percebendo a natureza desse espaço público que é a
escola, e para cada série, então, são previstas ações pedagógicas que paulatinamente ajudam os pequenos a
reconhecer que ali há regras próprias que podem até mesmo ser bem diferentes daquelas que valem no
contexto familiar. Aqui, portanto, podemos retomar o que anunciamos anteriormente: se a escola

958
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

tradicionalmente figura como o local onde se realiza a alfabetização científica, é, também, o equipamento no
qual devem ser constituídas as condições de um tipo de sociabilidade que pode diferir daquela que é
experimentada no seio da família.
Tais noções nos parecem extremamente pertinentes para enfrentarmos algumas das reações à
proposta de uma educação inclusiva voltada para a construção das condições que viabilizam a experiência
democrática numa polis plural e inclusiva. Como exemplo mais importante dessas reações, o Movimento Escola
sem Partido (MESP) contrapõe-se àquilo que denomina de uma perigosa “ideologização da escola” em curso
no país e reivindica à família o direito da transmissão dos valores morais às crianças. Trata-se, em nossa leitura,
de reações que tentam borrar a descontinuidade entre as esferas pública e privada requerida pelos regimes
democráticos. Essa “colonização”, ressalte-se, reverbera na forma de pressupostos familistas que empobrecem
o caráter público da escola.

EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL NA CONCEPÇÃO DO “MOVIMENTO ESCOLA SEM


PARTIDO”
O MESP prega “o fim da doutrinação política e ideológica em sala de aula” e que busca instituir
mecanismos de controle sobre o conteúdo trabalhado pelos docentes em sala de aula. De acordo com o
Movimento, é “notório” que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas
obras, respectivamente, para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e
ideológicas que os levariam a adotar padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual
e religiosa – incompatíveis com os que lhes são transmitidos no âmbito familiar. Diante dessa realidade, seria
preciso adotar, com urgência, medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas
escolas como modo de se impedir a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral
que esteja de acordo com suas próprias convicções.
De forma objetiva, o MESP alcançou uma vitória bastante significativa na própria votação do Plano pelo
Congresso Nacional brasileiro em 2014, quando deputados ligados ao movimento conseguiram aprovar a
retirada do inciso III das diretrizes do Plano alguns “termos” (justamente os marcadores que vimos
anteriormente) que revelam “o caráter eminentemente ideológico do PNE”. Onde se lê, como vimos acima, “III
- superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas
as formas de discriminação” constava, originalmente, “III - superação das desigualdades educacionais, com
ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. A supressão desses
“termos ideológicos” vem afetando, também, a consolidação da BNCC.
Não se trata, destacamos, de mero preciosismo em relação à escolha dos termos. O que está em jogo,
aqui, é uma disputa em torno do caráter educacional da escola, algo que fica claro ao se conhecerem as
diretrizes gerais do movimento. Defendendo que “professor não é educador” e sim apenas uma espécie de
instrutor que deve se limitar a transmitir “a matéria da disciplina”, busca-se fazer com que os docentes não
desperdicem o valioso tempo da alfabetização científica com a abordagem de questões cujo caráter “partidário
e ideológico” seria inegável (MESP). Reivindica-se, mais do que isso, que a forma de abordar esses temas
deve ser decidida pelos pais ou responsáveis, ou seja, por aqueles que aqueles que têm, por direito, a
responsabilidade pela transmissão de valores morais aos pequenos. Trata-se, neste ponto, de uma
interpretação equivocada da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que em seu artigo 12 garante aos
pais o direito de que seus filhos recebam educação moral e religiosa de acordo com as suas convicções no

959
A Escola: Dinâmicas e Atores

espaço privado da família, vedando ao Estado qualquer medida restritiva que limite a liberdade individual de
crença.
Buscando fazer com que o poder público não interfira na “na formação religiosa” e nem na orientação
sexual dos alunos – interferência essa que é capaz de comprometer “o desenvolvimento da personalidade em
harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo” (MESP), o MESP busca impedir o desenvolvimento
de ações públicas que claramente implicariam a “destruição da família” e dos “valores e morais” alicerçados na
“lei natural”.
Se, de fato, os professores não têm o direito de coagir os alunos a mudarem as suas crenças e valores,
os pais e ou responsáveis teriam o direito de privar os filhos à experiência do encontro e do diálogo outras
crenças e outros valores no espaço público? Sustentamos que a postura dos educadores precisa refletir valores
democráticos e pluralistas, não cabendo a eles julgar como certa ou errada a educação que cada família oferece
em nenhuma situação. Do professor, portanto, espera-se a capacidade intelectual e a disponibilidade alargar a
quantidade e a qualidade dos argumentos de um debate, atentando especialmente para a disputa entre pontos
de vista hegemônicos e não hegemônicos; nesse horizonte, os professores sustentam, em ato, que as
respostas automáticas e as adesões apressadas a uma ou outra posição quase sempre desconsideram a
complexidade sociocultural de questões que parecem simples e individuais.
Dito de outra forma, a educação para a experiência democrática tem a ver com ultrapassar os estreitos
limites dos preconceitos e das palavras de ordem. Caberá à escola, assim, respeitar as diferenças expressas
pelas famílias apontando, no entanto, para o caráter agonístico4 da discussão que cabe ao espaço público.
Afirmar o caráter agonístico da experiência da escolarização é afirmar que a esfera pública do mundo constitui
um palco de embate entre forças e sentidos múltiplos, palco em que o efeito do encontro das diferenças não
tem solução final.

REFERÊNCIAS
Arendt, H. (2009). O que é política? Rio de janeiro: Bertrand Brasil.
________ (2011). Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva.
Brasil (1988). Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/
Constituicao.htm. Acessado em 27/02/2017.
Brasil (1997). Plano nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira. Disponível em:
http://www.adusp.org.br/ files/PNE/pnebra.pdf. Acessado em 27/02/2017.
Neves, L. (2008). Educação e política no limiar do século XXI. Campinas: Autores Associados.
Basil (2010). Políticas intersetoriais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2010/2014/lei/
l12405.htm
Brasil (2014). Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação 2014. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acessado em 27/02/2017.
Brasil (2016). Base Nacional Curricular Comum. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/
site/inicio. Acessado em 27/02/2017.
Programa Escola sem Partido (MESP). Disponível em: http://www.programaescolasempartido.org. Acessado
em 27/02/2017.

4
O termo agon tem se difundido no campo da teoria democrática, a partir dos trabalhos dos chamados teóricos agonísticos
da democracia e tem sido usado para se referir a uma revalorização do papel do debate, da disputa e do conflito na política.

960
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PERSPECTIVAS SOBRE O APROFUNDAMENTO DA CENTRALIZAÇÃO DOS PROCESSOS


DECISÓRIOS NUMA INSTITUIÇÃO DO ENSINO SUPERIOR
[ID 9]

João Leitão
Instituto Politécnico da Guarda
jcleitao@yahoo.com

Resumo
Este trabalho teve por objectivo, reflectir sobre as mudanças recentes, fruto da implementação daLei 62/2007,
de 10 de Setembro nas Instituições de Ensino Superior, tendo tido como consequências mais profundas, a
concentração de competências decisórias, no âmbito da figura do Reitor no caso das Universidades e na
Presidência no caso dos Institutos Politécnicos e respectivos Conselhos Gerais, retirando aos docentes, o
espaço de participação, decisão e democraticidade típica dos sistemas de Ensino Superior.
Procurou-se com este trabalho realizado numa Instituição do Ensino Superior (IES), auscultar o balanço feito
pelos docentes sobre a mais profunda mudança, nos mecanismos de tomada de decisão e nos processos de
governação da Instituição ocorrida desde 2008.
Foi também propósito deste trabalho de auscultação da comunidade docente, promover uma atitude
prospectiva relativamente à possibilidade de maior aprofundamento dos mecanismos de decisão por parte
dessa Instituição, fruto da revisão periódica dos seus estatutos, dentro de uma lógica ainda mais centralizada,
como seria o caso da extinção das Escolas/Unidades Orgânicas e consequente dissolução dos Conselhos
Técnico-Científicos colocando em causa, os poucos mecanismos que ainda subsistem, de participação dos
docentes na vida da sua instituição.

Palavras-chave: Ensino Superior, Cooperação, Centralização do processode decisão.



NOTA INTRODUTÓRIA
Este trabalho teve por objectivo, reflectir sobre as mudanças recentes, fruto da implementação daLei
62/2007, de 10 de Setembro nas Instituições de Ensino Superior, que teve como consequências mais claras,
a concentração de competências decisórias, no âmbito da figura do Reitor no caso das Universidades e na
Presidência no caso dos Institutos Politécnicos e respectivos Conselhos Gerais, retirando aos docentes, o
espaço de participação, decisão e democraticidade típica dos sistemas de Ensino Superior.
Esta lei, faz tábua rasa de todo um processo que remonta aos anos 60 e 70, que sob pressão dos
movimentos sociais procurava promover a participação dos trabalhadores nas decisões das suas instituições,
sobretudo nos anos 80 e 90 em que a reorganização do trabalho, pretendia fundar um modelo que promove-
se a participação, a qualificação e o envolvimento dos trabalhadores permitindo uma ampla cooperação entre
empregadores e empregados, sendo que os primeiros viam neste propósito a forma de tornar as suas
instituições mais competitivas, num espaço de ampla cooperação, que tinha por objectivo esbater interesses
distintos entre trabalhadores e gestão, postura tão clara da leitura Marxista em períodos anteriores.
Procurou-se com este trabalho realizado numa Instituição do Ensino Superior (IES), auscultar o
balanço feito pelos docentes dessa instituição sobre a mais profunda mudança, nos mecanismos de tomada
de decisão e nos processos de governação da Instituição ocorrida desde 2008.
Foi também propósito deste trabalho de auscultação da comunidade docente, promover uma atitude
prospectiva relativamente à possibilidade de maior aprofundamento dos mecanismos de decisão por parte
dessa Instituição, fruto da revisão periódica dos seus estatutos, dentro de uma lógica ainda mais centralizada,
como seria o caso da extinção das Escolas/Unidades Orgânicas e consequente dissolução dos Conselhos

961
A Escola: Dinâmicas e Atores

Técnico-Científicos colocando em causa, os poucos mecanismos que ainda subsistem, de participação dos
docentes na vida da sua instituição.
Por último pretendeu-se que os docentes expressassem de forma tão livre quanto possível, através
de uma pergunta aberta, os sentimentos que vivenciaram desde 2008 até à data com esta forma de
governação da instituição.
Resta ainda agradecer a todos os docentes da Instituição, que colaboraram nesta recolha de
informação levada a cabo pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior-SNESup, esperando que em próximas
consultas o número de inquéritos por questionário aqui atingido, seja em muito ultrapassado.

O OBJECTIVO DESTE TRABALHO


Este trabalho de pesquisa tem como principal objectivo proceder ao levantamento das opiniões dos
docentes de uma Instituição de Ensino Superior (IES), referente a alguns aspectos relativos à revisão dos
Estatutos dessa mesma institutição.
O levantamento das opiniões dos docentes realizado permitiu ao Sindicato Nacional do Ensino
Superior – SNESup, orientar a sua posição na defesa dos melhores interesses da qualidade da educação
superior, na procura de uma melhor representatividade e salvaguarda dos interesses legítimos dos docentes,
face ao sistema de governação implementado pela IES.
A recolha de informação decorreu entre 26/04/2016 a 26/05/2016, tendo sido recolhidos 91 inquéritos
por questionário e validados 90 inquéritos por questionário. Dos 173 docentes IES, mais de metade dos
docentes respondeu no espaço de um mês, ao Inquérito por Questionário realizado pelo Sindicato Nacional
do Ensino Superior – SNESup.
A resposta dada pelos docentes da IES, em muito ultrapassa o número de docentes sindicalizados o
que demonstra a existência de uma base de apoio do SNESup junto dos docentes muito maior do que se
poderia prever. Tais números demonstram que a partilha das perspetivas e ideais sobre a política para o
Ensino Superior por parte do SNESup e dos docentes, assenta numa base de representatividade amplamente
alargada.
A revisão dos Estatutos da IES, surge na sequência da sua alteração em 2008, decorrente da Lei
62/2007, de 10 de Setembroque teve como consequências mais claras, a concentração de competências
decisórias que até à data pertenciam a cada uma das escolas, como seja a nomeação dos directores de
escolas pelo presidente do instituto o que colocou em causa a relação de representatividade sempre desejável
entre docentes e directores, bem como a criação de um todo-poderoso Conselho Geral afastado em muito de
toda a dinâmica interna das escolas, dos docentes, dos funcionários e dos alunos que vêem na tomada de
decisões por parte deste órgão a ausência de envolvimento da comunidade académica no processo decisório.
Decorrente da Lei 62/2007, de 10 de Setembro, a IES, opta por propor nos seus futuros estatutos, na
perspectiva de maior aprofundamento da verticalidade das decisões, um conjunto de órgãos aos quais estava
obrigado por lei, mas também incluindo outros que como se disse procuram aprofundar ainda mais este
processo tal como está definido Artigo 78.º nº2 “Além dos órgãos previstos no número anterior, os estatutos
podem prever a existência de outros órgãos, de natureza consultiva”.
A estas mudanças dependentes da obrigatoriedade da referida lei, somaram-se outras com um
sentido único, tornar mais opacas as decisões.Assim a criação de três órgãos fruto da Revisão dos Estatutos
em 2008 Conselho Geral, Presidente e Conselho de Gestão e mais três que a IES decidiu adoptar, Conselho

962
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Superior de Coordenação, Conselho para a Avaliação e Qualidade e Provedor do Estudante, consumaram


este propósito.
Temos assim que volvidos estes oito anos, torna-se absolutamente necessário auscultar a
comunidade equestionar se o caminho que foi sulcado pelaIES, com estes Estatutos, devem ser revistos
numa outra perspectiva diametralmente oposta ao fechamento daIES sobre os seus próprios órgãos, onde o
deficit de representatividade e de democraticidade interna, estão a ser constantemente confrontados, ou se o
aprofundamento da organização deveria continuar na óptica de uma maior centralização dos processos de
decisão.

PERSPECTIVAS TEÓRICAS SOBRE OS PROCESSOS DE PARTICIPAÇÃO NAS


ORGANIZAÇÕES
Pode-se considerar que os tempos que vivemos são evidências de um retrocesso nas formas de
representação organizacional, que com o advento da Sociedade de Bem-Estar se tinha trilhado. O
desenvolvimento de formas cada vez mais participativas de intervenção na vida das organizações teve nos
anos “60 e 70, sob pressão dos movimentos sociais (…) a promoção da participação dos trabalhadores nas
decisões (…) que na década de 80 e particularmente de 90 advogava que a reorganização do trabalho, a
promoção da qualificação, o envolvimento dos trabalhadores nas decisões, o diálogo e a cooperação entre
empregadores e empregados, eram vistos como meios de revitalização das empresas” (Kovács & Castillo,
1998, p. 116), este foi o seu momento áureo, de um desejável acompanhamento por parte das organizações
dos processos sociais e políticos das nações no sentido da democraticidade, onde o processo de cidadania
se aprofundava nas sociedades e por extensão a cidadania no trabalho, fruto de um modelo de democracia
em expansão.
O “Estado de bienestar, precisamente porque el marco de expectativas crecientes y de rápido
reconocimiento de derechos no convencioanles de ciudadania se incrusto en las diferentes culturas” (Tezanos
& Morales, 1998, p.162) entre as quais as culturas organizacionais, onde o conceito de cidadania no trabalho
registou um rápido e amplo crescimento.
Temos assim que as organizações e o trabalho hoje em dia por oposição aos anos 90, tendem a ser
cada vez menos “um lugar de cidadania, de sociabilidade, de expressão da subjectividade” (Kovács & Castillo,
1998, p.129) resultando neste caso “numa mera participação formal, levando à apatia ou, até, ao aumento da
pressão e controlo sobre os indivíduos e grupos, resultando na perda da sua autonomia” (ibidem, p.130).
Convém ainda referir, que os mecanismos mais centralizadores da decisão, em organizações onde o
capital humano está fortemente desenvolvido, como é o caso, geram processos de resistência à mudança
muito efectivos e dificilmente ultrapassáveis, enquanto as condições que o provocaram persistirem. Neste
caso a centralização das decisões, tem promovido “a resistência à mudança podendo ser uma fonte de conflito
funcional e, em definitivo, diminuindo a capacidade de adaptação e o progresso organizacional” (Camara,
1986, p.170)
Por oposição a tomada de decisão, com amplo nível de participação em situações sociais, políticas e
económicas extremamente complexas como é o caso, permite uma série de vantagens para apoio “aos
processos de decisão:
§ Há um conjunto maior de informações;
§ Há um número maior de pontos de vista e abordagens;

963
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ As pessoas compreendem a decisão;


§ As pessoas comprometem-se com a decisão.” (Gonçalves, 2014, p.443)
A este propósito, Mintzeberg considera “que a estrutura é centralizada quando todos os poderes de
decisão se situam num único ponto da organização” (Mintzberg, 1995, p.208), digamos que ainda não é este
o caso, mas torna-se bem visível que os mecanismos de centralização são bastante efectivos congregando-
se em poucos órgãos e com baixa representatividade. Esta perspectiva de centralização é tanto mais errada,
quanto se considerar como é o caso, que as respostas a meios dinâmicos e fluídos, sendo este o caso do
meio envolvente das IES, exige à organização respostas rápidas e locais a desafios que em muito ultrapassam
o espaço local, regional, nacional e até mesmo europeu. Este autor avança ainda com uma última razão para
se promover a descentralização a motivação.
Sendo que o poder e a fonte de poder, quando erradica do espaço de decisão de forma muito
substancial, aqueles sobre os quais recaem as consequências do exercício desse poder, subtraindo-os do
processo de tomada de decisão, conduz a situações de aumento de conflitualidade interna, dentro das
organizações, mais ou menos gravosas, dependendo da profundidade e extensão das decisões tomadas.
Somos assim levados a considerar que “os mecanismos do poder são uma das molas importantes da
vida das organizações” (Fileau & Clotilde Marques-Ripoul, 2002, p.224) que nesta perspectiva se defende
que sejam utilizados de forma a envolver nos processos de decisão, os próprios trabalhadores que neste caso
em virtude de serem altamente qualificados, quando envolvidos poderiam trazer, para a organização uma
miríade de pontos de vista substancialmente alargados para os processos de mudança dentro da
organização.
Contudo ao contrário do que se possa pensar, o poder e a utilização do poder, não é só uma
prerrogativa dos dirigentes. Os “dirigentes e os responsáveis não serão os únicos, na organização a deterem
o poder?” (Fileau & Clotilde Marques-Ripoul, 2002, p.224).
Assim e recorrendo a um outro conceito o de autoridade, facilmente encontramos dentro das
organizações pessoas e grupos que visivelmente a exercem, por vezes de forma formal outras vezes de forma
informal, podendo promover em determinados momentos processos conflituais dentro das organizações,
sobretudo, quando estas por via de quem exerce o poder formal, não consegue gerir estes focos de autoridade
e potencial conflitualidade, tendo em conta o manancial que estas outras perspectivas quando ouvidas e
trabalhadas no sentido da coresponsabilização e participação nos processos de tomada de decisão, podem
vir a constituir-se como forças de profunda relevância para uma coliderança nas organizações, desde que as
pessoas se sintam devidamente envolvidas nos processos de tomada de decisão.
Esta questão do uso do poder, por vezes por lideranças, que o exercem autocraticamente e sem o
escrutínio necessário e adequado pelos seus pares tendo em conta determinados envolvimentos políticos,
sociais e jurídicos geram deficit democrático, que se traduz neste trabalho, pela ausência de
representatividade dos diversos actores nos órgãos de decisão como seja o Conselho Geral entre outros. Se
já por si a ideia de poder, representa em si uma relação assimétrica entre actores, na medida em que quem
o tem de forma implícita ou explicita quando o exerce pretende levar o outro a agir com um determinado fim,
diminuindo a sua liberdade e aumentando o uso do seu poder sobre os outros, leva-nos a considerar que o
exercício desse poder, deve ser acompanhado de processos de legitimação democrática e portanto de
representatividade, que não ponham em causa o uso quando legitimo desse poder.

964
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

No caso das IES, a forma como o poder está a ser organizado e utilizado, baseia-se sobretudo com
base em três dos cinco sistemas de dominação, “ideológico, político e burocrático” (Ferreira, Neves &
Caetano, 2001, p.106), como de resto se pode verificar, com a aprovação da Lei 62/2007, de 10 de Setembro.
O facto de no caso desta IES, o aprofundamento dos mecanismos de decisão terem sido mais
aprofundados, do que aquilo que a própria lei impunha (Lei 62/2007, de 10 de Setembro), uma vez que
deixava campo aberto no Artigo 78.º nº2 “Além dos órgãos previstos no número anterior, os estatutos podem
prever a existência de outros órgãos, de natureza consultiva”. Pode-se considerar que aqui claramente é dado
um sinal muito forte pela própria lei, no sentido, de motivar lógicas comportamentais por parte dos actores
políticos, muito mais fortes com o intuito de promoveram ainda mais a concentração do poder decisório, deste
modo à que considerar que a lei, “as regras ‘oficiais’ promulgadas pela direcção das organizações têm por
ambição influenciar o comportamento dos membros da organização”, de que é exemplo, a nomeação dos
directores e vice-directores de escola, e os processos miméticos que se replicam da presidência para as
direcções de escola, passando pelas coordenações de Unidades Técnico Cientificas (UTC’s) coordenação de
áreas entre outras.
E que por via de processos tecnológicos assentes sobretudo nas novas tecnologias de informação,
reforçam ainda mais o poder destes actores. Estas relações de poder “son a un tiempo el origen y el resultado
de las estratificaciones que forma subgrupos polarizados en distintos grados”(Guiot, 1985, p. 88), sendo
exemplo a filtragem de informação que chega a cada órgão e trabalhador em função da sua relevância na
cadeia de poder.
A par e passo com esta tendência, as possibilidades conferidas pelas tecnologias de informação ainda
aprofundam mais este tipo de modelos de controlo e centralização da gestão “promovendo um processo de
centralização de decisões graças às possibilidades que as novas tecnologias oferecem pela integração da
informação e pela unificação do sistema de controlo” (Kovács & Castillo, 1998, p.120), um controlo temporal,
um controlo de preenchimento de requisitos tecnológicos, um controlo de default em que o próprio sistema
informático cria os seus alertas, e age sancionando a ausência dos procedimentos em falta por parte dos
utilizadores (docentes), mas sem ter em conta a envolvência situacional em que esse default se concretizou.
Neste quadro organizacional, onde a participação é suprimida até ao mínimo, onde os directores e
vice-directores de escola são nomeados pela presidência, estaremos perante aquilo que Anthony Giddens
considera ser o “reconhecimento que goza pelas outras partes, de os subordinar de acordo com o seu direito
legitimo em exercer a autoridade” (Giddens, 1998, p.178). Dir-se-ia que esta hierarquia do poder apoia-se em
“miembros voluntários o designados de oficio se encargam de velar por la ejecución de las decisiones
tomadas” (Guiot, 1985, p.87).
Socorrendo-nos novamente de Giddens, o autor considera “que quem detém o poder desenvolve
normalmente sanções que fortalecem a sua posição” (Giddens, 1998, p.179), parece bem este ser o caso
apoiando-se na lei, e aproveitando-a para a levar ainda mais longe o processo de centralização da decisão,
do poder e da autoridade.
Em diversos trabalhos científicos feitos sobre questões como a autonomia dos docentes, o peso dos
docentes nos processos de tomada de decisão na sua instituição, entre outros são os próprios docentes que
reconhecem que o seu peso é pouco ou nenhum, tal como se constata neste estudo quando se solicita ao
docente que reflicta quanto à influência que têm sobre a formulação de políticas académicas “questionados
sobre a influência (muita, alguma, pouca ou nenhuma) que têm na formulação de políticas académicas chave

965
A Escola: Dinâmicas e Atores

ao nível da sua unidade, 42,4% dos docentes responde que tem pouca ou nenhuma influência na sua
formulação.” (Machado, Soares, Brites, Farhangmehr & Gouveia, 2014, p. 92).
Já quanto à influência que o docente tem pessoalmente na formulação de políticas académicas chave,
ao nível da sua instituição, a situação é ainda pior “neste caso a percentagem de docentes que referem ter
nenhuma ou pouca influência no processo de tomada de decisão é superior, sendo a maioria dos inquiridos
(62,6%)” (ibidem, p.92).
É precisamente este sentimento de impotência, em coparticipar nos destinos da organização através
de processos participativos até então existentes, que coloca em causa uma outra dimensão, que é a
satisfação organizacional, esta variável desde Taylor que vinha sendo considerada como muito importante,
uma vez que “explicita ou implicitamente, é associada simultaneamente à produtividade da empresa e à
realização pessoal” (Vala, Monteiro, Lima, & Caetano, 1994, p.101).
Temos assim que considerar que o contexto organizacional e muito em concreto o clima
organizacional, que é responsável não só pela forma como o trabalhador faz a construção dessa realidade
organizacional, mas sobretudo pela forma como o condiciona na sua estratégia, na sua autonomia e na sua
participação no contexto laboral e organizacional, neste novo contexto é levado ao extremo.
Muitos são os trabalhos científicos que estabelecem uma relação positiva entre a participação e
satisfação do trabalhador, de algum modo quanto maior a congruência entre a participação desejada e a
participação efetiva, maior a satisfação, que em grande parte se fica a dever, à sensação de aumento do
controlo por parte do trabalhador, do seu posto de trabalho e da sua organização.
Para a caracterização da satisfação em ambientes organizacionais à que considerar os seguintes
modelos de explicação da satisfação:
Variáveis da Satisfação Conceitos Chave
Características da função
Situacionais Características do processo de tomada de decisão
Características do reforço
Discrepância entre expectativas e resposta da
Individuais
organização
Comparação social
Interação social Processamento social da informação
Cultura organizacional
Quadro 1
Fonte: Vala, Monteiro, Lima, & Caetano, 1994, p.102
Tudo isto de resto já anteviam numa outra reflexão os seus autores, quanto às “significativas
mudanças nos contextos em que as universidades actuam e nas expectativas sobre o modo de organizar e
governar os sistemas e as instituições” ao que referiam a existência de “pressões para introduzir ideias e
práticas associadas à gestão, competitividade e transparência” (Pedrosa & Queiró , 2005, p.4) O dilema
parece no entanto estar instalado, “queremos uma universidade de burocratas, zelosos devotos do relógio de
ponto, ou cientistas e criadores.” (Cunha, 2005, p.108).

METODOLOGIA
O instrumento de recolha de informação
O inquérito por questionário era constituído por oito perguntas, uma delas era uma pergunta aberta
que visava a possibilidade do inquirido, poder pronunciar-se sobre este tema (revisão dos Estatutos da IES)
da forma mais ampla que desejasse. Foram assim realizadas as seguintes questões:

966
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ Considera que o actual modelo de eleição para a presidência daIES, é representativo da comunidade
docente? (90 respostas)
§ Considera-se enquanto docente, representada(o) na actual formulação/composição, do Conselho
Geral da IES? (90 respostas)
§ As actuais Unidades Orgânicas(Escolas) daIES: (89 respostas)
§ Os Conselhos Técnico-Científicos existentes em cada uma das Unidades Orgânicas(Escolas) daIES:
(90 respostas)
§ Como deve ser efectuada a escolha dos diversos Directores e Vice-Directores das Unidades
Orgânicas(Escolas)? (90 respostas)
§ O número de lugares que está atribuído por Unidade Orgânica/Escola no Conselho Geral: (86
respostas)
§ Em sua opinião os Delegados Sindicais de cada Unidade Orgânica/Escola: (90 respostas)
§ Se considera existir qualquer outra questão a este respeito, que queira referir, utilize o espaço que se
segue. (12 respostas)

Amostra
A técnica de amostragem selecionada foi a amostragem aleatória simples que se caracteriza por
“conferir a qualquer elemento a mesma probabilidade de ser selecionado” (Vicente, 2012, p.54).
Toda a população alvo, todos os docentes da IES, para a qual foi feito o envio do Inquérito por
Questionário perfazia na totalidade as características pretendidas, que era ser docente na IES, o que desde
logo o habilitava a responder a este Inquérito por Questionário, uma vez que detinha a característica
fundamental requerida para poder responder ao mesmo.
Deste modo o método de amostragem escolhido ficou a dever-se à motivação dos docentes em
participarem neste processo de auscultação, sobre a Revisão dos Estatutos da IES.
A auscultação da comunidade docentes da IES decorreu entre 26/04/2016 a 26/05/2016. Para
participarem no estudo era condição, os docentes terem facultado o respectivo email ao SNESup para que o
Inquérito por Questionário lhes fosse enviado uma vez que o inquérito por questionário foi realizado por via
email através da ferramenta Google Drive – Formulários do Google.

A dimensão da Amostra
Nível de confiança em % 99%
Erro máximo admissível (em %) 2,00%
Percentagem de indíviduos que possui o atributo 99,00%
Dimensão da população (opcional) 173

967
A Escola: Dinâmicas e Atores

Dimensão da amostra população finita 85


Cálculos auxiliares:
Valor critíco da normal-padrão 2,576
pxq=px(1-p) 0,010
Dimensão da amostra população finita (teórica) 84,246
Dimensão da amostra população finita (efectiva) 85
Cálculo do erro máximo admissível
Inputs:
Nível de confiança em % 99%
Dimensão da amostra 85
Percentagem de indivíduos que possui o atributo 99,00%
Dimensão da população (opcional) 173
Erro máximo da população finita 0,43%
Cálculos auxiliares:
Valor critíco da normal-padrão 2,576
pxq=px(1-p) 0,010
Erro máximo população finita 0,43%
Sendo que quanto menor é a variabilidade da população, menor é a amostra necessária, e o facto de
ser essa a realidade com que nos confrontámos neste estudo, uma vez que a população revelou um total
grau de adesão à amostra conferindo-lhe a homogeneidade da característica que se pretendia encontrar na
população, ser docente da IES, permitiu respeitar e ultrapassar o nível de amostragem que relembre-se era
de 85 inquéritos por questionário validados, tendo sido validados 90.
Considera-se que este é o melhor método de amostragem, para o estudo em causa, uma vez que
havendo o controlo das características (ser docente da IES), que têm por base a razão fundamental pela qual,
o sujeito foi selecionado para receber o Inquérito por Questionário, habilitando-o deste modo a responder,
estariam reunidas as condições fundamentais para a escolha deste processo de amostragem.
Note-se ainda que os critérios de cálculo do valor da amostra eram muito exigentes, pois estamos a
falar de um nível de confiança de 99%, com um erro admissível de 2%, o que confere a este estudo um alto
grau de exatidão desta amostra de 85 indivíduos, tendo sido ainda assim ultrapassado o valor da amostra
uma vez que foram inquiridos e validados 90 inquéritos por questionário.

TRATAMENTO DOS DADOS RECOLHIDOS


Nesta primeira parte apresenta-se o tratamento das respostas relativas, à forma como a orgânica da
IES, presente no actual estatuto se consomou na perspectiva dos docentes, numa segunda parte irá tratar-
se o conjunto de perguntas, que procura identificar a posição dos docentes face a um possível
aprofundamento dos Estatutos, na óptica de uma maior centralização dos processos de decisão na IES.

16; 18%

74; 82%

Não Sim

Gráfico 1 - O modelo de eleição para a presidência da IES


Será o modelo de eleição para a presidência da IES, representativo da comunidade docente?

968
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Dos 90 docentes da IES, que responderam a esta questão os docentes consideraram claramente
que o actual modelo de eleição para a presidência da IES, está longe de ser representativo da comunidade.
Sendo que apenas 16 (17,8%), docentes consideram que este modelo de eleição é representativo, enquanto
74 (82,2%) consideram que este modelo de eleição para a presidência da IES não é representativo da
comunidade docente.
Torna-se por isso premente considerar, novos modelos de eleição para a Presidência da instituição,
em que sobretudo permita à comunidade de docentes da IES, uma maior participação na eleição do seu
representante, assente num modelo de eleição mais amplo como seria o caso se a opção fosse de “um
docente, um voto”.

21; 23%

69; 77%

Não Sim
Gráfico 2 - A representação dos docentes na actual formulação/composição, do Conselho Geral da IES
Considera-se representado enquanto docente na actual formulação/composição, do Conselho Geral
da IES?
Tal como na pergunta anterior os 90 docentes que responderam a esta questão, consideram que o
actual modelo de representação dos docentes no Conselho geral da IES, está longe de os representar.
Apenas 21 (20,2%) dos docentes considera representativo a actual formulação do Conselho Geral da IES,
sendo que 69 (79,8 %) consideram que o actual modelo não os representa.
Também aqui urge, encontrar-se um novo modelo de representação dos docentes, uma das medidas
poderia ser a obrigação do Conselho Geral, em tornar pública a sua ordem de trabalhos, bem como os
documentos de suporte à decisão, com uma antecedência de pelo menos quinze dias. Esta medida permitiria
a reflexão e a discussão dos diversos temas pelos docentes, que em reunião convocada pelos seus
representantes poderiam manifestar a sua perspectiva sobre os diversos pontos da ordem de trabalhos, por
forma a permitir aos representantes dos docentes assumirem uma posição em Conselho Geral realmente
representativa dos docentes que representam.

969
A Escola: Dinâmicas e Atores

24; 28%

62; 72%

Sub-representa a Unidade Orgânica/Escola na qual está


integrada(o).
É representativo da Unidade Orgânica/Escola na qual está
integrada(o).

Gráfico 3 - O número de lugares atribuído por Unidade Orgânica/Escola no Conselho Geral é


representativo da sua Unidade Orgânica

Considera que o número de lugares atribuído por Unidade Orgânica/Escola no Conselho Geral é
representativo da Unidade Orgânica na qual está integrado(a)?
Esta pergunta foi respondida por 89 docentes, tendo 24 (27,9%) considerado que o número de lugares
atribuído por Unidade Orgânica/Escola no Conselho Geral é representativo da Unidade Orgânica na qual está
integrada(o) e 62 (72,1%), considerado que sub-representaa Unidade Orgânica na qual está integrada(o).
O facto de nesta pergunta, como nas outras, os docentes se considerarem sub-representados, é bem
demonstrativo da desarticulação entre a esfera da governação, e neste caso, da sua unidade orgânica. Seria
de se considerar até por uma questão de equilíbrio entre as diversas unidades orgânicas e cumprimento de
compromissos entre elas, uma maior paridade entre as mesmas, uma unidade orgânica um voto, permitiria o
reequilíbrio entre as mesmas.
Abordaremos agora nesta segunda parte do tratamento dos resultados deste inquérito por
questionário, a forma como os docentes considerariam um maior aprofundamento, da revisão dos estatutos
da IES, dos mecanismos de decisão, por via de um sistema de governação ainda mais centralizado na IES.

18; 20%

71; 80%

Devem manter-se. Não se devem manter.

Gráfico 4 - Devem manter-seas actuais Unidades Orgânicas(Escolas) da IES


As actuais Unidades Orgânicas do DA IES devem manter-se?
Esta pergunta foi respondida por 89 dos docentes que responderam a este inquérito por questionário,
considerando 18 (20,2%) docentes que as actuais unidades orgânicasnão se devem manter, contrariamente
71 (79,8%) dos docentes consideram que as actuais unidades orgânicas devem manter-se.

970
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Fica claro, que por parte dos docentes da IES, não haverá mais espaço para a perca de autonomia
decisória, reforçada por uma única unidade orgânica que tenderia a centralizar mais os processos de decisão,
afastando ainda mais do espaço decisório os docentes e restante comunidade educativadas realidades de
proximidade, que são as dinâmicas das escolas, dos cursos e das Unidades Técnico Científicas
(departamentos).

30; 33%

60; 67%

Devem manter-se. Não se devem manter.


Gráfico 5 - Devem manter-seos Conselhos Técnico-Científicos em cada uma das Unidades
Orgânicas(Escolas) daIES
Os Conselhos Técnico-Científicos existentes em cada uma das Unidades Orgânicas(Escolas) da IES
devem manter-se?
Dos 90 docentes que responderam a esta pergunta, 30 (33,3%) são da opinião que os actuais
Conselhos Técnico-Científicos existentes em cada uma das Unidades Orgânicas (Escolas) da IES não se
devem manter. Por oposição 60 (66,7%) docentes consideraram que se devem manter os actuais Conselhos
Técnico-Científicos existentes em cada uma das Unidades Orgânicas(Escolas) da IES.
Mais uma vez as repostas quanto a esta possibilidade de diminuição da autonomia das escolas, e
centralização dos processos de decisão em órgãos de governação de pouca ou nenhuma representatividade,
e longe da proximidade sempre necessária para a participação da comunidade, foram claramente recusados
pelos docentes que responderam a este inquérito por questionário.

21; 23%

69; 77%

Deve ser por eleição, entre os Docentes de cada uma das Unidades
Orgânicas(Escolas).

Deve manter-se a actual forma de seleção dos Diretores e Vice-


Directores das diversas Unidades Orgânicas(Escolas).

Gráfico 6 - Como deve ser efectuada a escolha dos diversos Directores e Vice-Directores das Unidades
Orgânicas(Escolas)
Como deve ser efectuada a escolha dos diversos Directores e Vice-Directores das Unidades
Orgânicas(Escolas)?

971
A Escola: Dinâmicas e Atores

Tendo-se obtido 90 respostas a esta pergunta, 21 (23,3%) são da opinião que se deve manter a actual
forma de selecção dos Directores e Vice-Directores das diversas Unidades Orgânicas (Escolas), enquanto
que 69 (76,7%) consideram que deve ser por eleição, entre os Docentes de cada uma das Unidades
Orgânicas (Escolas).
Verifica-se na resposta a esta pergunta por parte dos docentes, que a desvinculação entre quem faz
a gestão diária das escolas e os docentes, é vista de forma profundamente negativa, indo ao encontro da
ideia que processos de decisão mais verticalizados em nada ajudam em sistemas como os de educação
superior, sendo que uma das suas missões é o desenvolvimento de processos democráticos onde a
participação tem um papel de relevo, para a partilha e tomada de decisões. Por essa razão a possibilidade
dos docentes de forma representativa elegerem os próprios directores e vice-directores das escolas, como
acontece em todas as outras Instituições de Ensino Superior Politécnico é uma medida prioritária na reposição
de processos de decisão descentralizados, que deve ser tida em conta, pela IES e pelo Sindicato Nacional
do Ensino Superior – SNESup, no reajustamento dos Estatutos.

24; 27%

66; 73%

Devem ter assento no Conselho Geral da IES.


Não devem ter assento no Conselho Geral da IES.

Gráfico 7 - Os Delegados Sindicais de cada Unidade Orgânica/Escola, devem ter assento no Conselho
Geral da IES?
Os Delegados Sindicais de cada Unidade Orgânica/Escola devem ter assento no Conselho Geral da
IES?
Foram obtidas 90 respostas a esta pergunta, sendo que 24 (26,7%) docentes consideram que os
Delegados Sindicais de cada Unidade Orgânica/Escola, não devem ter assento no Conselho Geral da IES,
enquanto que 66 (73,3%) docentes consideram que os Delegados Sindicais de cada Unidade
Orgânica/Escola, devem ter assento no Conselho Geral da IES.
Mais uma vez fica claro o papel que os Delegados Sindicais desempenham e podem vir a
desempenhar, na vida democrática das Instituições de Ensino Superior, constituindo-se enquanto mediadores
e interventores dos interesses da comunidade docente, perante aqueles que num momento da sua vida de
docentes têm a responsabilidade de gerir uma Instituição de Ensino Superior, sendo por todas as razões
desejável que se crie um sistema que efetivamente dê resposta aos desejos dos restantes docentes de
representatividade, de coparticipação nos processos de decisão e de descentralização da vida académica da
sua instituição.
De algum modo fica claro que as respostas às perguntas colocadas, são encaradas por parte dos
docentes como a negação da “humanização e democratização do trabalho, numa perspectiva instrumental de

972
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

melhoria da competitividade ou ainda na óptica de mudanças socioculturais” (Kovács & Castillo, 1998, p.115)
para lá de mostrarem uma posição legítima de resistência por parte dos docentes, a um processo de mudança
que visa afastá-los da participação na tomada de decisões.
No fundo a mudança legislativa1 que impulsiona todo o processo de centralização da organização,
sendo que neste caso a instituição a leva mais além, com a nomeação por parte da presidência dos Directores
de Escola e Vice-directores, faz tábua rasa de todo um processo que que remonta aos anos
60 e 70, sob pressão dos movimentos sociais (…) procurando promover a participação dos
trabalhadores nas decisões (…) que na década de 80 e particularmente de 90 advogava-se
que a reorganização do trabalho, a promoção da qualificação, o envolvimento dos
trabalhadores nas decisões, o diálogo e a cooperação entre empregadores e empregados,
como meios de revitalização das empresas. (Kovács & Castillo, 1998, p.116)
A participação tendia assim a ser vista como um poderoso motor de melhoria da produtividade, da
qualidade e da performance num contexto de intensificação, competição e da globalização, que se vive há
muito no ensino superior.
A par e passo com esta tendência, as possibilidades conferidas pelas tecnologias de informação ainda
aprofundam mais este tipo de modelos de controlo e centralização da gestão “promovendo um processo de
centralização de decisões graças às possibilidades que as novas tecnologias oferecem pela integração da
informação e pela unificação do sistema de controlo” (Kovács & Castillo, 1998, p.120).
Temos assim que as organizações e o trabalho tendem a ser cada vez menos “um lugar de cidadania,
de sociabilidade, de expressão da subjectividade” (ibidem, p.129) resultando neste caso “numa mera
participação formal, levando à apatia ou, até, ao aumento da pressão e controlo sobre os indivíduos e grupos,
resultando na perda da sua autonomia” (ibidem, p.130).
Por fim a última questão a pergunta aberta, que tinha por objectivo permitir aos inquiridos
responderem livremente em torno deste tema, a revisão dos Estatutos da IES. Pretendia-se uma reflexão
sobre o balanço que se fazia desde a sua publicação em 2008, como também a possibilidade de serem
propostas a Conselho Geral medidas ainda mais centralizadoras das decisões e por isso menos participadas
pela comunidade académica, sendo esta cada vez menos envolvida no processo de tomada de decisão no
seu Instituto e portanto cada vez mais resistente ao processo de mudança, que todos parecem concordar ser
uma necessidade.
Convém ainda referir, que os mecanismos mais centralizadores da decisão, em organizações onde o
capital humano está fortemente desenvolvido, como é o caso, geram-se processos de resistência à mudança
muito efectivos e dificilmente ultrapassáveis enquanto as condições que o provocaram se mantiverem, neste
caso a centralização as decisões, assim “a resistência à mudança pode ser uma fonte de conflito funcional e,
em definitivo, diminui a capacidade de adaptação e o progresso organizacional” (Camara, 1986, p.170).
As respostas obtidas foram doze, o que na nossa perspectiva SNESup, seria desejável um número
muito mais elevado de respostas, contudo as que foram dadas são bem ilustrativas do sentimento das
pessoas em torno da temática que lhe foi proposta para reflexão.
§ A orgânica actual não é favorável à partilha e discussão de informação. Na orgânica anterior os
docentes sentiam-se mais envolvidos num todo que era a Escola/Instituição IES, podendo colaborar
na resolução de interesses de um todo (IES). E julgo que é como um todo que se deve pensar em
termos de instituição.

1
Lei 62/2007, de 10 de Setembro

973
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ As questões colocadas neste inquérito são muito importantes para compreender uma certadistorção
do modelo de governança atual das IES e das UO, que poderia ser consideravelmente melhorado
para garantir maior envolvimento e participação da comunidade académica.
§ É clara a falta de democraticidade dentro da organização, já neste momento se sente a asfixia, é de
lamentar que num espaço onde também se ensina a pensar a Liberdade e a Democracia, que existam
propostas como esta de retirar a pouca representatividade que os docentes e outros ainda lhes resta
dentro da Instituição.
§ Os delegados Sindicais devem ter assento no CG do DA IES, mas devem SER INTERVENTIVOS,
tendo em conta as suas funções sindicais (e não enquanto docentes). Estes representantes não
devem ser contabilizados no nº de lugares por Unidade Orgânica. Os Conselhos Técnico-Científicos
existentes em cada uma das Unidades Orgânicas(Escolas), para aumentar a massa crítica. Todas as
alterações do estatuto, que impliquem perca de democraticidade devem ser fortemente rebatidas e
dissuadidas... (Não se devem ajustar os estatutos da IES aos inúmeros regulamentos e despachos
emanados...)
§ O atual modelo de organização da IES está fortemente blindado à regular participação dos docentes,
concentrando (e ocultando) muitas decisões em poucas pessoas, escolhidas em conformidade com
a prática do servilismo.
§ Toda a actual estrutura dentro de cada escola e dentro de cada uma das unidades técnico-científicas
funciona de forma demasiado fechada e contribui de modo demasiado elevado para o afastamento
em colegas e para a não envolvência.Embora concorde, em parte, com o actual modelo de CTC, há
lugares que deviam ter assento por inerência.Deveria voltar a ser possível estabelecer uma "cadeia"
que incentivasse a transmissão de informações desde o topo até à base da cadeia, pois só assim
será possível a envolvência de todos.
§ Penso que a legislação obriga a que a eleição do presidente seja pelo Conselho Geral
§ Reflexão para alteração da idade da Reforma, pois é excessivo com prejuízo dos alunos e dos recém
licenciados o sistema atual, em que muito poucos chegam à idade exigida em condições capazes...
Sabe-se que em França aos 60 já é permitida…, o que ainda é um exagero…
§ As decisões são tomadas sem haver consulta suficiente.O Conselho Científico deveria integrar todos
os doutorados de cada escola.A haver uma comissão permanente, ela deveria integrar os professores
coordenadores e os coordenadores das áreas científicas.
§ Devem providenciar e insistir na luta de antecipar as reformas, pois quem começou a trabalhar mais
cedo não aguenta, pois está cansado.
§ O atual modelo de representação e de gestão da instituição é perniciosonas instituições de reduzida
dimensão (como é o caso da IES) e favorece o clientelismo. Não se justifica.
§ Os delegados devem ter assento e nesse caso o número de lugares de cada UO no CG, não deve
"ser afetado" pela presença do número de delegados sindicais, enquanto nessa função.
§ No que diz respeito ao tratamento da pergunta aberta:
§ Considerou-se primeiramente três categorias que englobam três ideias chave: Participação nos
processos; Envolvimento da comunidade académica e por último Democraticidade mais ampla
no processo de tomada de decisão.
Destacam-se assim as seguintes afirmações por parte dos diversos inquiridos:

974
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Participação nos processos:


§ “A orgânica actual não é favorável à partilha e discussão de informação. Na orgânica anterior os
docentes sentiam-se mais envolvidos num todo que era a Escola/Instituição IES, podendo colaborar
na resolução de interesses de um todo (IES). E julgo que é como um todo que se deve pensar em
termos de instituição.”
§ “distorção do modelo de governança atual das IES e das UO, que poderia ser consideravelmente
melhorado para garantir maior envolvimento e participação da comunidade académica.”
§ “O atual modelo de organização IES está fortemente blindado à regular participação dos docentes”
§ “concentrando (e ocultando) muitas decisões em poucas pessoas, escolhidas em conformidade com
a prática do servilismo.”
Uma segunda categoria: Envolvimento da comunidade académica:

§ “Deveria voltar a ser possível estabelecer uma "cadeia" que incentivasse a transmissão de
informações desde o topo até à base da cadeia, pois só assim será possível a envolvência de todos”
§ “As decisões são tomadas sem haver consulta suficiente.”
§ “dentro de cada escola e dentro de cada uma das unidades técnico-científicas funciona de forma
demasiado fechada e contribui de modo demasiado elevado para o afastamento em colegas e para
a não envolvência.”
Uma terceira categoria: Democraticidade mais ampla no processo de tomada de decisão:

§ “É clara a falta de democraticidade dentro da organização, já neste momento se sente a asfixia”


§ “Todas as alterações do estatuto, que impliquem perca de democraticidade devem ser fortemente
rebatidas e dissuadidas...”
§ “O atual modelo de representação e de gestão da instituição é pernicioso”
§ “é de lamentar que num espaço onde também se ensina a pensar a Liberdade e a Democracia, que
existam propostas como esta de retirar a pouca representatividade que os docentes e outros ainda
lhes resta dentro da Instituição”
§ “nas instituições de reduzida dimensão (como é o caso da IES) e favorece o clientelismo.”
Uma quarta categoria visava dar cobertura às afirmações relativas, ao quadro de envelhecimento dos
recursos humanos, que como em todas as instituições aqui também se faz sentir. Deste modo esta quarta
categoria é a Idade de Reforma:
§ “Devem providenciar e insistir na luta de antecipar as reformas, pois quem começou a trabalhar mais
cedo não aguenta, pois está cansado.”
§ “Reflexão para alteração da idade da Reforma, pois é excessivo com prejuízo dos alunos e dos recém
licenciados o sistema atual, em que muito poucos chegam à idade exigida em condições capazes…
Sabe-se que em França aos 60 já é permitida…, o que ainda é um exagero”
Uma quinta categoria, que diz respeito a um papel mais interventivo e representativo dos delegados
sindicais, nos diversos órgãos da IES. Assim considerámos a seguinte categoria: Integração dos Delegados
Sindicais nos órgãos daIES
§ “Os delegados Sindicais devem ter assento no CG da IES, mas devem SER INTERVENTIVOS, tendo
em conta as suas funções sindicais (e não enquanto docentes). Estes representantes não devem ser
contabilizados no nº de lugares por Unidade Orgânica”

975
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ “Os delegados devem ter assento e nesse caso o número de lugares de cada UO no CG, não deve
"ser afetado" pela presença do número de delegados sindicais, enquanto nessa função”
Outra categoria visava dar resposta, às afirmações relativas à composição dos Conselhos Técnico-
Científicos, a qual será identificada como: Composição dos Conselhos Técnico-Científicos
§ “Os Conselhos Técnico-Científicos existentes em cada uma das Unidades Orgânicas(Escolas), para
aumentar a massa crítica”
§ “Embora concorde, em parte, com o actual modelo de CTC, há lugares que deviam ter assento por
inerência.”
§ “O Conselho Científico deveria integrar todos os doutorados de cada escola.”
Por fim uma última categoria que visa agregar um conjunto de afirmações, que embora não
relacionáveis entre elas não deixam de ser importantes, é por essa razão, uma categoria aberta sendo essa
precisamente a forma como será identificada: Categoria aberta
§ “As questões colocadas neste inquérito são muito importantes para compreender uma certa”
§ “Não se devem ajustar os estatutos da IES aos inúmeros regulamentos e despachos emanados...”
§ “Penso que a legislação obriga a que a eleição do presidente seja pelo Conselho Geral”
§ “A haver uma comissão permanente, ela deveria integrar os professores coordenadores e os
coordenadores das áreas científicas.”

CONCLUSÃO
Fica claro neste inquérito por questionário, realizado aos docentes daIES, que os docentes são muito
críticos dos princípios que desde 2008 vêm orientando a IES, quer nos processos de tomada de decisão, quer
na falta de envolvimento dos docentes na discussão das questões que dizem respeito à vida da sua instituição.
Tudo isto se traduz, numa falta de participação e envolvimento dos docentes, na vida da organização
muito marcada por palavras como sejam as recolhidas nas questões abertas, que demonstram isso mesmo
“afastamento em colegas e para a não envolvência”, “As decisões são tomadas sem haver consulta
suficiente.”, “desde o topo até à base da cadeia, pois só assim será possível a envolvência de todos” entre
outras afirmações.
Fruto desta forma de gestão, que se tem vindo a promover e que consequentemente desemboca num
deficit de democraticidade interna encontrando eco nas seguintes afirmações dos docentes,“falta de
democraticidade”, “asfixia”, “O atual modelo de representação e de gestão da instituição é pernicioso”, “nas
instituições de reduzida dimensão (como é o caso da IES) e favorece o clientelismo.” entre outras, que são
profundamente demonstrativas do clima que se vive na IES.
Do mesmo modo quando se ausculta os docentes no sentido, de se verificar o balanço que fazem
dos processos de eleição e nomeação para os diversos órgãos de gestão e de consulta, (gráficos nº 1, 2, e
3) caracterizam-se por uma forte repulsa pelos docentes da IES, que em muito se fica a dever à baixa
representatividade que têm nesses órgãos, como também na desvinculação entre esses órgãos e os próprios
docentes não envolvendo os docentes, quer pela falta de transmissão de informação, quer posteriormente na
consulta dos docentes nos processos de tomada de decisão.
Um outro aspecto, que deve ser reflectido, é o facto dos docentes considerarem que existe espaço e
necessidade, para os Delegados Sindicais integrarem alguns dos órgãos da IES, (gráfico nº7) como é o caso

976
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

do Conselho Geral, na medida em que reconhecem o contributo dos Sindicatos na defesa do Ensino Superior,
da sua qualidade e na defesa da condição docente.
Por último, será de considerar que as respostas dadas pelos 90 inquiridos neste inquérito por
questionário, desenvolvido pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior-SNESup, demonstra que rejeitam
fortemente o aprofundamento da centralização dos processos de decisão em órgãos de governação (gráficos
nº4 e 5). Esta postura dos docentes vai ao encontro da ideia que processos de decisão mais verticalizados
em nada favorecem a governação de sistemas como os de educação superior, sendo que uma das suas
missões é o desenvolvimento de processos democráticos, tendo a participação um papel central e de relevo,
para a partilha e tomada de decisões, sobre a vida das instituições.

REFERÊNCIAS
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Giddens, A. (1998). Política Sociologia e Teoria Social. Oeiras: Celta.
Gonçalves, S. P. (2014). Psicossociologia do Trabalho e das Organizações. Lisboa: Pactor.
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Pedrosa, J. & Queiró, J. (2005). Governar a Universidade Portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste
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Tezanos, J. & Morales, R. (1998). Tecnologia y Sociedad em el Nuevo Siglo. Madrid: Sistema.
Vala, J., Monteiro, M. B., Lima, L. & Caetano, A. (1994). Psicologia Social das Organizações. Oeiras: Celta.
Vicente, P. (2012). Estudos de Mercado e de Opinião. Lisboa: Sílabo.

977
A Escola: Dinâmicas e Atores

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA,


INTERDISCIPLINARIDADE E CURRÍCULO
[ID 155]

Claudia Almada Leite


Jurema Rosa Lopes
PPGHCA/UNIGRANRIO
claudia.aleite2013@gmail.com; jlopes@unigranrio.edu.br

Resumo
Este estudo se insere na linha de pesquisa Narrativas, Práticas Sociais e Poder do Programa de Pós-
Graduação em Humanidades, Culturas e Artes da Universidade do Grande Rio e objetiva problematizar a
formação dos professores das ciências como orientador das aprendizagens dos alunos. Como
desdobramento do objetivo inicial investigamos o desenvolvimento da alfabetização científica na pós-
graduação, como uma das possibilidades de mudança na prática do professor da educação básica, em sala
de aula. A questão que provoca o nosso desconforto intelectual, central na presente discussão, está em saber
como o desenvolvimento da alfabetização científica na pós-graduação, provoca ou não, alteração na prática
do professor da educação básica? Outra questão está em saber como os espaços de formação de professores
de ciências, desenvolvem e articulam: alfabetização científica – interdisciplinaridade - currículo?
Estabelecemos como critério de seleção dos sujeitos, egressos do Mestrado em Ensino das Ciências da
Universidade do Grande Rio que desenvolvem suas atividades docentes junto aos alunos da Educação
Básica. Desenvolvemos o estudo articulando a formação do professor aos conceitos de alfabetização
científica, interdisciplinaridade e currículo. A alfabetização científica desenvolve a autonomia intelectual e
capacidade de comunicação. Considerando a escola como um local em que as pessoas em relação vão
formando uma vasta teia, a interdisciplinaridade é fundamental para promover o diálogo entre professores e
alunos. Nessa perspectiva defendemos o currículo como práticas que propiciam a construção de identidades
sociais e culturais. Fundamentamos na pesquisa os conceitos de formação de professores e desenvolvimento
profissional docente. Trazemos na presente reflexão, o fragmento da narrativa de dois professores de
matemática, identificados como Nogueira e Andrade. Os resultados mostram que, para os professores, a
imersão na pesquisa possibilitou uma análise de como professores e alunos aprendem. Segundo esses
professores, a busca por conhecimentos é infinita e jamais deixarão de aprender na medida em que ensinam.
Concluímos que embora os egressos sejam oriundos de um ambiente de trabalho escolar, o qual
habitualmente discrimina o campo disciplinar da Matemática, as narrativas apontam não só para a abertura
ao diálogo interdisciplinar, como também indicam uma prática interdisciplinar.

Palavras-chave: Formação de Professores, Alfabetização Científica, Interdisciplinaridade, Currículo.

Résumé
Cette étude fait partie de la ligne de recherche Narratives, pratiques sociales et pouvoirs du programme
d'études supérieures en sciences humaines, des arts et des cultures à l'Université de Rio Grande et de discuter
objectivement la formation du professeur de sciences en tant que superviseur de l'apprentissage des élèves.
En conséquence de l'objectif initial, nous étudions le développement de la culture scientifique à l'école d'études
supérieures, comme l'une des possibilités de changement dans la pratique de l'enseignant de l'enseignement
primaire dans la salle de classe. La question qui cause notre malaise intellectuel, central dans cette discussion
est de savoir comment développer la culture scientifique à l'école d'études supérieures, les causes ou non, le
changement dans la pratique des enseignants de l'éducation de base? Une autre question est de savoir
comment les espaces des enseignants des sciences de la formation, à développer et à articuler: la culture
scientifique - interdisciplinarité - programme? Établi comme critère de sélection des sujets, Master diplômés
en enseignement de l'Université de Rio Grande Sciences pour développer leurs activités d'enseignement avec
les élèves de l'éducation de base. Nous avons développé l'étude liant la formation des enseignants aux
concepts de la culture scientifique et programme interdisciplinaire. La culture scientifique développe des
compétences de l'autonomie et de la communication intellectuelle. Compte tenu de l'école comme un lieu où
les gens vont vers la formation d'un vaste réseau, est essentiel à l'interdisciplinarité de promouvoir le dialogue
entre les enseignants et les étudiants. Dans cette perspective, nous défendons les programmes que les

978
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

pratiques qui favorisent la construction des identités sociales et culturelles. Nous base dans les concepts de
formation des enseignants de la recherche et le développement professionnel des enseignants. Nous
apportons à cette réflexion, le fragment du récit de deux professeurs de mathématiques, identifiés comme
Alves et Afonso. Les résultats montrent que, pour les enseignants, l'immersion dans la recherche rendu
possible une analyse de la façon dont les enseignants et les élèves apprennent. Selon ces enseignants, la
recherche de la connaissance est infini et ne cessent d'apprendre la mesure où ils enseignent. Nous concluons
que, bien que les diplômés viennent d'un milieu de travail scolaire, qui discrimine généralement le champ
disciplinaire des mathématiques, le récit pointe non seulement pour l'ouverture au dialogue interdisciplinaire,
mais aussi une pratique interdisciplinaire indiquerons.

Mots-clés: Formation des enseignants, L'alphabétisation scientifique, Interdisciplinaire, Programme d'études.

INTRODUÇÃO
A profissão docente tem como elemento legitimador o saber, e cabe ao educador ampliar, aprofundar,
e melhorar a sua competência profissional e pessoal, transformando intencionalmente o seu saber em
aprendizagens relevantes para os seus alunos. Os educadores têm que ter a capacidade de manter a
curiosidade sobre a sua turma, identificar interesses significativos nos processos de ensino e aprendizagem,
e valorizar e procurar o diálogo em sala de aula, pois sabemos que “[...] as conversações nas quais estamos
imersos ao fazermos ciência que determinam o curso da ciência” (Maturana, 2001, p.146), e também o
despertar dos alunos pelo interesse pela observação, pesquisa e ciência.
Neste contexto, buscamos neste estudo problematizar a formação dos professores das ciências como
orientador das aprendizagens dos alunos, investigando o desenvolvimento da alfabetização científica na pós-
graduação, como uma das possibilidades de mudança na prática do professor da educação básica, em sala
de aula. Este é um estudo de natureza qualitativa desenvolvido por meio de uma pesquisa exploratória com
foco na análise de narrativas. Estabelecemos como critério de seleção dos sujeitos, egressos do Mestrado
em Ensino das Ciências da Universidade do Grande Rio que desenvolvem suas atividades docentes junto
aos alunos da Educação Básica. Trazemos na presente pesquisa, o fragmento da narrativa de dois
professores de matemática. Os resultados mostram que, para os professores, a imersão na pesquisa
possibilitou uma análise de como professores e alunos aprendem. Segundo esses professores, a busca por
conhecimentos é infinita e jamais deixarão de aprender na medida em que ensinam.
Para compreendermos este contexto intencional dos docentes, e dialógico entre docentes e
estudantes no caminho da alfabetização científica buscamos Gérard Fourez (1995) que nos leva a refletir
sobre o “sujeito de observação” (p.59), que é o sujeito pesquisador, onde inclui-se professores e alunos. O
autor destaca que “na medida em que a observação se liga à linguagem e a pressupostos culturais falar de
um sujeito de observação puramente individual, é ficção”, ou seja, “a observação é uma interpretação” (p.40)
deste sujeito histórico-cultural, que vive em sociedade, e tem um contexto de vivências. Ele contesta que a
observação científica seja uma “visão espontânea” e uma “mera atenção passiva” (p.39), e acrescenta que
“quando se trata de uma observação científica, é a coletividade científica” (p.59) que está presente e perpassa
os processos de observação, onde ‘a objetividade não tem lugar nem na subjetividade, nem em um “real em
si”, mas na instituição social do mundo’, há medida que o sujeito científico é “uma maneira socialmente
estabelecida de estruturar o mundo” (p.52), “a fim de produzir o objeto científico” (p.52).
Moreira & Candau (2007, p.27, grifos das autoras) explicam que “quando um grupo compartilha uma
cultura, compartilha um conjunto de significados, construídos, ensinados e aprendidos nas práticas de
utilização da linguagem”, e assim, ‘a palavra cultura implica, portanto, o conjunto de práticas por meio das

979
A Escola: Dinâmicas e Atores

quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo”, ou seja, “um conjunto de práticas
significantes’ nas vivências coletivas.
O aprendizado das Ciências (Krasilchick, 2011, p.59), “é importante considerar o papel do
desenvolvimento da linguagem”, e também suscitar “o potencial desse aprendizado no desenvolvimento das
habilidades para expressar ideias e pensamentos ou para argumentar nos níveis mais complexos do
raciocínio”. Esta autora estabelece relação entre as fases da alfabetização científica e os quatro estágios de
aquisição de linguagem. No primeiro estágio “a linguagem é descritiva e restrita aos nomes de objetos,
fenômenos e espécimes”, no segundo estágio aparecem relações causais “com expressões como porque,
portanto, mesmo que, porém limitadas a um fator”. O terceiro estágio apresenta características que envolvem
o “uso de argumentos multidimensionais na análise dos problemas”, no quarto estágio há o desenvolvimento
da “linguagem matemática, que amplia as possibilidades e a precisão das expressões” (2011, p.60, grifos da
autora).
Fourez (2003) situa a Alfabetização Científica dentro de uma tensão entre duas perspectivas, a que
visa à formação do cidadão e a que visa à preparação de especialista. Este autor explica que “os cursos de
ciências que visam à formação de cientistas se ramificam em física, química, biologia. Os que visam à
formação cidadã (e talvez a da maioria dos jovens), falam de ambiente, de poluição, de tecnologia, de
medicina, de conquista espacial, da história do universo e dos seres vivos, etc.” (p.113), e que “a maneira de
fazer funcionar a complementaridade entre estas duas abordagens ainda está por ser encontrada” (114) nas
diversas Ciências.
Gérard Fourez (1997, p.62, grifos do autor) determina três características para que um estudante seja
considerado Alfabetizado Cientificamente, que possua “autonomia (possibilidade de negociar suas decisões
perante as pressões naturais e sociais), uma certa capacidade de comunicar (encontrar maneiras de dizer),
um relativo domínio e responsabilidade, frente a uma situação concreta”. E este autor informa que “o sujeito
da alfabetização científica não é mais o indivíduo isolado, mas o grupo” (Fourez, 2003), pois “nunca é
inteiramente só que se afronta a realidade, mas também em grupo, em comunidade humana, em sociedade
organizada” (p.114) o que possibilita um processo dialógico no grupo, “um debate democrático” (p.115) em
comunidade, que permite um aprendizado dos estudantes, no caminho de “um ensino de ciências e de
tecnologias que se articule com este mundo e consiga analisá-lo” (p.122), é uma construção intencional de
ensino que caminha numa perspectiva interdisciplinar.
No sentido do ensino das Ciências num enfoque interdisciplinar, há necessidade de se pensar na
“profissão professor” (Nóvoa, 1999, p.31, grifos do autor) e no Desenvolvimento Profissional Docente (García,
1999), pois a intencionalidade do educador (Vigotski, 2003; Prestes, 2012) ao ensinar é de suma importância
no processo de ensino-aprendizagem. Fourez (2003, p.111) salienta que “a formação dos licenciados esteve
mais centrada sobre o projeto de fazer deles técnicos de ciências do que de fazê-los educadores. Quando
muito, acrescentou-se à sua formação de cientistas uma introdução à didática de sua disciplina”, o enfoque
na formação desses professores gira em torno do aspecto técnico e experimental, e não de suscitar “questões
epistemológicas, históricas e sociais. Seus estudos não estão muito preocupados em introduzi-los nem à
prática tecnológica, nem à maneira como ciências e tecnologias se favorecem, nem às tentativas
interdisciplinares”, o que reflete num ensino de âmbito teórico e experimental que não se preocupa com as
inter-relações sociais.

980
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Assim, pensando na Formação de Professores, e no ensino das Ciências no contexto da


Alfabetização Científica entendemos a perspectiva de Gérard Fourez da importância de deslegitimar a visão
da ciência como absoluta, valorizando seu aspecto construído pelos seres humanos. No entendimento de
“uma ciência construída socialmente para a sociedade e um conhecimento científico socialmente reconhecido
e historicamente condicionado, ambos, extremamente eficazes para resolver interrelações com o mundo”
(Lima & Ghedin, 2009, p.2) dentro de um aspecto cooperativo, dialógico, interdisciplinar e curricular.

ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA, INTERDISCIPLINARIDADE E CURRÍCULO


Fourez (1995) examina o método científico clássico através do método dialético analisando como
podemos ter “uma certa distância em relação à visão espontânea que se pode ter da observação, das leis,
das provas, dos processos de verificação etc., sempre de maneira a obter uma visão mais crítica” (p.39). Lima
e Ghedin (2009) nos indicam que de acordo com Fourez “na ânsia de legitimar a Ciência podemos omitir os
traços ou vestígios históricos e situacionais da origem da fonte daquilo que não podemos chamar de verdade,
mas de válido para aquela situação, naquele momento e para aquele grupo social” (p.6), e esta atitude dos
educadores “significa tentar fazer o aluno acreditar no que lhe é ensinado, sem levar em consideração, sua
cultura e seus valores individuais” (Lima & Ghedin, 2009, p.6).
Essa visão mais crítica e investigativa no constructo das ciências precisa estar presente na
perspectiva e intencionalidade dos educadores ao pesquisarem e planejarem as suas aulas. Lima & Ghedin
(2009, p.5) indicam que Fourez ressalta que “enquanto professores apresentamo-nos como agentes humanos
que na sala de aula temos potencial para provocar modificações no desenvolvimento dos alunos, em decisões
ou atitudes que resultarão em interferências positivas ou negativas”, e neste sentido “como professores
podemos exercer uma posição de auxílio ou de obstáculo ao desenvolvimento moral e intelectual dos alunos.”
Neste sentido, pensamos na Alfabetização Científica, Interdisciplinaridade e Currículo inserido no
contexto dos cursos de Formação e Especialização docente trazemos neste estudo como resultado em uma
perspectiva de análise das narrativas, os dados coletados junto a dois Professores Egressos do Mestrado em
Ensino das Ciências da UNIGRANRIO:
Nogueira: O Mestrado Profissional em Ensino das Ciências alavancou de maneira
praticamente imediata o meu crescimento profissional, não só pelas oportunidades que
naturalmente surgiram, bem como pelos conhecimentos e práticas adquiridas durante o
curso, que permitiram muitas e produtivas reflexões sobre minha prática docente

Andrade: Todo o trabalho de pesquisa, as leituras durante o projeto, fizeram, também, com
que hoje eu analise a aprendizagem do aluno de forma mais ampla, considerando sua história
de vida.
Estes relatos nos fazem refletir que os professores inseridos num contexto de reflexões, diálogo e
argumentação nos cursos de Formação no ensino das Ciências perpassados por um aprendizado pautado
nas questões da Alfabetização científica, Interdisciplinaridade e Currículo pode estimular e aprimorar o
desenvolvimento dos professores nas suas capacidades de autonomia, comunicação, domínio e
responsabilidade que são características de um sujeito alfabetizado cientificamente, segundo Fourez (1997).
Desta forma, os educadores na intenção de pensarem na construção de um ensino baseado na
Alfabetização Científica tem que estarem cientes que “ciência, por mais que se ofereça como conhecimento
irrecusável, por conta de seu método, constitui-se em polêmica sem fim, porque, apesar da formalização
metódica, é tão somente um tipo de interpretação, do ponto de vista do observador” (Demo, 2010, p.130) e
polêmica entendida numa visão positiva e dialógica que “não precisa ser algo negativo; ao contrário, desde

981
A Escola: Dinâmicas e Atores

que fundada em esforço meticuloso e ético de fundamentação. Em sala de aula, a diversidade de olhares é
riqueza, não fraqueza” (p.130), e esse movimento da aceitação das diversas ideias construído juntamente
entre professores e alunos, dentro de um processo cooperativo, dialógico e argumentativo levam ao
desenvolvimento das funções psíquicas superiores (Vigotski, 2010) e aprendizagem dos educandos.
Na perspectiva de Fourez (2003, p.113, grifos do autor) a Alfabetização Científica é expressa em
termos de finalidades humanistas, sociais e econômicas. “Os objetivos humanistas visam à capacidade de se
situar em um universo técnico-científico e de poder utilizar as ciências para decodificar seu mundo [...] trata-
se de poder participar da cultura do nosso tempo.” Para este autor as finalidades sociais estão direcionadas
a “diminuir as desigualdades produzidas pela falta de compreensão das tecno-ciências, ajudar as pessoas a
se organizar e dar-lhes os meios para participar de debates democráticos que exigem conhecimentos e um
senso crítico [...] uma certa autonomia na nossa sociedade”, e as finalidades econômicas e políticas indicam
“participar da produção de nosso mundo industrializado e do reforço de nosso potencial tecnológico e
econômico.”
Lima & Ghedin (2009, p.5) ressaltam que para Fourez “enquanto professores apresentamo-nos como
agentes humanos que na sala de aula temos potencial para provocar modificações no desenvolvimento dos
alunos”, e estas transformações se expressam “em decisões ou atitudes que resultarão em interferências
positivas ou negativas, ou seja, como professores podemos exercer uma posição de auxílio ou de obstáculo
ao desenvolvimento moral e intelectual dos alunos”, e esta influência positiva ou negativa, é reflexo da
intencionalidade das ações dos educadores. Sasseron & Carvalho (2011, p.68) explicam que “Fourez defende
a necessidade de um ensino que desenvolva o espírito crítico” e questionador dos alunos “que sejam capazes
de perceber os benefícios e malefícios provenientes das inovações científicas e tecnológicas e, na medida do
possível, estabeleçam julgamentos quanto a esses” num processo dialógico incitado pelos educadores.
A profissão docente tem como elemento legitimador o saber, e cabe ao professor ampliar, aprofundar,
e melhorar a sua competência profissional e pessoal focando os seus esforços na atualização contínua, em
processos de Formação e Desenvolvimento Profissional Docente, que integra saberes individuais, coletivos
e científicos de tal forma que estes se correlacionem numa integração de saberes com a finalidade de uma
prática docente atualizada, crítica e criativa. E nessa perspectiva “o projecto de uma autonomia profissional,
exigente e responsável, pode recriar a profissão professor e preparar um novo ciclo na história das escolas e
dos seus actores” (Nóvoa, 1999, p.31, grifos do autor).
Carlos Marcelo García (1999) traz reflexões sobre Desenvolvimento Profissional Docente,
direcionadas à formação inicial e contínua, que tenham potencial de autorreflexão crítica sobre sua prática.
Nesse sentido a formação é entendida “como um processo de desenvolvimento e de estruturação da pessoa
que se realiza com o duplo efeito de uma maturação interna e de possibilidades de aprendizagem, de
experiências dos sujeitos” (García, 1999, p.19, grifos do autor), construídas nas vivências cotidianas dos
professores, em sala de aula, na comunidade escolar e nas suas relações em sociedade.
Neste sentido, Nóvoa (1999) nos incita a refletir que “o que está em causa é a possibilidade de um
desenvolvimento profissional (individual e colectivo), que crie as condições para que cada um defina os ritmos
e os percursos da sua carreira e para que o conjunto dos professores projecte o futuro desta profissão” (p.30,
grifos do autor), num caminho com foco num ensino de cunho interdisciplinar, pois “quanto à
interdisciplinaridade, apenas raramente lhes ensinamos como fazer intervir, para resolver uma situação
problemática, as disciplinas pertinentes, sejam elas de ciências naturais ou humanas” (Fourez, 2003, p.111).

982
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Nessa vertente, pensamos em Santos (2008, p.34) que traz a discussão sobre a importância das ciências
sociais que trouxeram “um estatuto epistemológico e metodológico próprio, com base na especificidade do
ser humano e sua distinção polar em relação à natureza.”
As discussões interdisciplinares são essenciais, para que o ensino das Ciências seja trabalhado nas
escolas de forma que conscientize o cidadão numa visão ampla do seu pertencimento à biosfera e de sua
responsabilidade social com o planeta. Krasilchick (2006, p.160) enfatiza a importância dos educadores terem
“conhecimentos relativos às estratégias que permitem relações mais harmônicas entre a sociedade humana
e a natureza” que perpassa por reflexões e discussões sobre os caminhos interdisciplinares a serem
percorridos, que “tem a ver não apenas com um trabalho em equipe, mas também com um individual”, postos
os objetivos docentes em sala de aula (Lopes, 2011, p.118).
Outro aspecto no ensino de Ciências que deve ser trabalhado pelos professores é a integração
intradisciplinar que se configura pela inter-relação dos vários conceitos de uma determinada disciplina na
formação de um conjunto conexo evitando que sejam “apresentados e cobrados conhecimentos factuais,
muitas vezes irrelevantes e desconexos em relação às outras áreas da disciplina ciências e às demais
disciplinas do currículo” (Krasilchick, 2012, p.15).
Aliada à interdisciplinaridade, temos a questão da transversalidade que encontramos nos Temas
Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que suscitam questões sociais a estarem veiculadas
nos conteúdos disciplinares, “através de um tratamento transversal, isto é, que não os caracterizasse como
disciplina ou área, mas que permitisse sua abordagem por todas elas” (Souza, 2012, p.51), e a
transversalidade traz “à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma relação entre aprender
conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real e de sua
transformação (aprender na realidade e da realidade) (Brasil, 1998, p.30).
Lopes (2000) destaca “a escola como um local em que as pessoas em relação vão formando uma
vasta teia. Considerar, então, a prática pedagógica da escola como ação apenas do professor de turma” (p.66)
é não incluir os diversos atores que fazem parte da comunidade escolar e que partilham suas vivências nesta
teia. Leis (2011) nos informa que “a interdisciplinaridade pode ser definida como um ponto de cruzamento
entre atividades disciplinares, multidisciplinares e transdisciplinares, com lógicas e histórias diferentes [...] ela
tem a ver não apenas com um trabalho em equipe, mas também com um individual” (p.118), e aponta que
nas universidades têm sido desenvolvido trabalhos em prol da interdisciplinaridade, e que traz o perigo de
que essas “estruturas departamentais podem acabar sendo colonizados pela lógica da disciplina de origem
do departamento, contribuindo assim para a banalização da perspectiva interdisciplinar” (p.119).
Mortimer (2002, p.29) ressalta a importância do ensino das Ciências estar inserido na dimensão do
cotidiano e indica que “as propostas curriculares afirmam e nós, pesquisadores, confirmamos, que o
conhecimento científico é essencial para as decisões que tomamos na vida cotidiana” e suscitando as
questões interdisciplinares indica “que muitas das situações cotidianas que a ciência poderia explicar são, na
verdade, complexas e envolvem a articulação de vários conceitos científicos, algo a que o professor muitas
vezes não está acostumado” a articular.
Pensando nas questões curriculares que influenciam nos processos formativos citamos Moreira &
Candau (2007, p.28) que definem currículo como “um conjunto de práticas que propiciam a produção, a
circulação e o consumo de significados no espaço social e que contribuem, intensamente, para a construção
de identidades sociais e culturais [...]” e “um dispositivo de grande efeito no processo de construção da

983
A Escola: Dinâmicas e Atores

identidade do (a) estudante”, que está integrado num grupo cultural. Numa conjuntura que “o currículo é um
campo em que se tenta impor tanto a definição particular de cultura de um dado grupo quanto o conteúdo
dessa cultura”, portanto “o currículo não é um veículo que transporta algo a ser transmitido e absorvido, mas
sim um lugar em que, ativamente, em meio a tensões, se produz e se reproduz a cultura”, tensões estas que
emergem por ser o currículo “um campo em que se tenta impor tanto a definição particular de cultura de um
dado grupo quanto o conteúdo dessa cultura. O currículo é um território em que se travam ferozes
competições em torno dos significados” nas relações de poder dos grupos.
Nesta perspectiva, Souza (2012) destaca que “Foucault contribui para a compreensão das relações
entre currículo e poder, quando afirma que somos governados por mecanismos muito sutis, e que nos
tornamos sujeitos como resultado de um processo de produção cultural e social.” (p.47). E acrescenta que
Foucault aborda as “relações de poder que se estabelecem em toda a sociedade, que podem ser exercidas
por todos e que só existem em mútua dependência com o saber, porque dele se utilizam e por ele se
expressam. O saber é parte do poder”. Portanto, para Foucault (1994, p.57) “saber e poder não são opostos,
aparecerão sempre interligados em uma relação caracterizada pelo fato de que o poder e o saber funcionam
em uma relação de correlação e não de causalidade”. E assim na concepção foucaultiana “é possível entender
o currículo como um dispositivo que não só reproduz, representa ou sustenta as relações sociais, mas produz
saberes, verdades, sujeitos e práticas que se desdobram em relações de poder” dentro das particularidades
dos diversos grupos inseridos em sociedade.
Desta forma, neste estudo dos diversos autores pesquisados que abordam as Ciências na sua
perspectiva de análise, intervenção, pesquisa, influência histórica e questões curriculares, compreendemos
que há necessidade de um ensino planejado e direcionado na intenção da Formação e Desenvolvimento
Profissional Docente num contexto da Alfabetização Científica e da interdisciplinaridade, para que traga a
possibilidade de um ensino e aprendizado das Ciências concretizado em espaços de trocas dialógicas e
reflexivas das vivências cotidianas da profissão professor inserida numa teia tecida de singularidades e
particularidades.

CONSIDERAÇÕES
Este estudo, percorrendo e refletindo sobre as proposições de diversos autores da área das Ciências
intentou compreender as possibilidades do ensino e aprendizado das Ciências numa relação com as
concepções da Alfabetização Científica, Interdisciplinaridade e Currículo na perspectiva da Formação e
Desenvolvimento Profissional Docente através da e inter-relação pesquisa de diversos autores que abordam
estas questões nas Ciências, com destaque para Gérard Fourez, Thomas Samuel Kuhn, Imre Lakatos,
Myriam Krasilchick, Boaventura de Sousa Santos, Héctor Ricardo Leis, Michel Foucault, Antonio Flávio
Barbosa Moreira, Vera Maria Candau, António Nóvoa e Carlos Marcelo García.
A partir das premissas desses autores, é possível entender a possibilidade dos educadores terem a
capacidade de manter a curiosidade em sua turma, identificar interesses significativos nos processos de
ensino e aprendizagem e valorizar e procurar o diálogo com colegas experientes para troca de saberes numa
perspectiva das possibilidades dos movimentos interdisciplinares e como apoio na reflexão das diversas
situações vivenciadas no cotidiano escolar. Pois a fragmentação do conhecimento impossibilita ao educando
observar as relações de interdependência entre os conteúdos e de situar todas essas informações em um
contexto e em conjunto na vida cotidiana.

984
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A concepção das Ciências por Gérard Fourez permitiu compreender o importante papel da
Alfabetização Científica tanto na perspectiva do ensino em sala de aula, como da Formação de Professores
no sentido de possibilitar a formação do sujeito reflexivo, comunicativo e autônomo, que tenha a capacidade
argumentar, e a curiosidade de investigar as questões que suscitam no ensino e aprendizado das Ciências.
Esse movimento gera transformação e desenvolvimento dos estudantes. Vigotski (2009) explica que, o que
sujeito internaliza, através da interpretação dos significados do mundo em suas vivências é cultura, e gera
transformação, e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Dentro deste contexto, o educador tem que estimular um ambiente motivador e desafiador em sala
de aula, direcionado à pesquisa, argumentação, elaboração e cooperação, colocando como meta a ser
alcançada pelo aluno, o desafio científico de se tornar autor. Este movimento possibilita ao aluno desenvolver
a capacidade de produzir o seu próprio texto, utilizando a linguagem científica e os devidos cuidados
metodológicos, sempre atentos da contextualização deste aprendizado com as questões das vivências
cotidianas.
Então, cabe aos educadores estarem conscientes da importância da integração das disciplinas
aliadas a uma conjugação com as questões da vida real, que os professores possam criar possibilidades de
um ensino com foco na Alfabetização Científica que seja mais dinâmico, otimizado pelas inter-relações e
compreensão mútua, numa troca de vivências, estimulando a capacidade de cooperação entre os diversos
atores da comunidade escolar em prol do desenvolvimento e aprendizado de todos.
Dessa forma, há necessidade do foco nas questões curriculares no que buscamos compreender com
Lopes e Moreira e Candau, para que possam nos ajudar de forma a suscitar discussões críticas sobre como
trabalhar com a interdisciplinaridade de forma a construir um movimento de interdisciplinaridade entre as
ciências humanas e ciências naturais, que não seja somente de caráter pragmático, mas que possa ser
efetivamente posto em prática.
Este estudo é finalizado com um desejo forte de contribuir para ampliar as concepções de Formação
de Professores referenciadas em práticas docentes de cunho interdisciplinar e apoiada na concepção da
Alfabetização Científica e dos debates sobre Currículo e que possa atravessar as fronteiras dos espaços de
Formação e Desenvolvimento Profissional Docente. Então pensamos que estudos sobre os diversos autores,
destas áreas, possam colaborar para que atitudes visando um ensino e aprendizado das Ciências na esfera
da Alfabetização Científica e Interdisciplinaridade seja praticada de forma intencional e estruturada e ajude o
educador na sua intencionalidade e no seu papel de orientador seja nos processos de instrução nos espaços
de desenvolvimento docente, seja nos espaços de sala de aula, contribuindo com ações e metodologias que
incitem os processos internos de desenvolvimento dos sujeitos.

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ciclos: apresentação dos temas transversais (p.436). Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:
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A Escola: Dinâmicas e Atores

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986
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

EXPERIMENTANDO UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA COM ESTUDANTES COM


DEFICIÊNCIA VISUAL DO ENSINO FUNDAMENTAL
[ID 357]

Bianca Della Líbera


Claudia Jurberg
Instituto Benjamin Constant; Fundação Oswaldo Cruz
biancadellalibera@gmail.com; cjurberg@yahoo.com.br

Resumo
A deficiência visual (DV) atinge 3,6% da população brasileira, mas o acesso à informação não é
satisfatoriamente acessível às pessoas com DV. Para favorecer tal acesso, recursos de tecnologia assistiva,
sobretudo aqueles relacionados ao computador e às tecnologias móveis, vêm ganhando espaço entre
pessoas com DV. Estudantes com DV de uma escola especializada do Rio de Janeiro, Brasil, são usuários
de redes sociais em dispositivos móveis e se interessam por seu uso para atividades que promovam troca de
experiências relacionados às especificidades das pessoas com DV e à interação entre pessoas com
deficiência e destas com pessoas sem deficiência. Assim, constituímos com esse grupo uma comunidade de
prática (CoP), a fim de discutir questões relevantes para os participantes e de gerar ações que permitissem o
compartilhamento do conhecimento gerado nessas discussões. Buscamos então, nesta investigação,
evidenciar o potencial da CoP no acesso à informação relevante a estudantes com DV. Alinhada à teoria da
aprendizagem situada proposta por Lave e Wenger, uma CoP é constituída por um grupo de pessoas que
compartilham uma paixão, um interesse ou um problema, e que aprendem coletivamente sobre aquilo que
compartilham por meio de constante interação. Ela se beneficia da interação virtual, e considerando que os
estudantes envolvidos têm desenvoltura no uso de dispositivos móveis com acesso à internet, e que usam
diferentes plataformas para se comunicar, escolhemos o aplicativo WhatsApp como meio de interação virtual,
por causa de sua disponibilidade, facilidade e preferência de uso relatadas por eles. Até o momento,
discutimos questões sobre alimentação e sexualidade. O primeiro tema envolveu a relação da alimentação
com certas condições visuais, com algumas doenças e com a prática de esportes; dietas da moda; e relação
entre alimentos transgênicos e desenvolvimento de doenças. Quanto a sexualidade, surgiram questões sobre
sexo seguro, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez, além de identidade de gênero e respeito à
diversidade sexual. A CoP se mostrou espaço privilegiado para o compartilhamento de ideias e experiências
sobre temas de interesse dos participantes. Durante as interações, foi gerado conhecimentos que será
compartilhado em atvidades culturais da escola e em canal do YouTube. Estaremos, assim, dando visibilidade
a temas de interesse de pessoas com DV, e contribuindo para seu acesso à informação e seu consequente
processo de inclusão.

Palavras-chave: Deficiência Visual, Comunidade de Prática, WhatsApp.

Résumé
La déficience visuelle (DV) atteint 3,6% de la population brésilienne, mais l'accès à l'information n’est pas
suffisamment accessible aux personnes avec DV. Pour faciliter cet accès, les ressources en technologies
d'assistance, en particulier ceux liés aux technologies mobiles et l'ordinateur, devient de plus en plus populaire
avec des personnes DV. Les élèves DV d’une école spécialisée à Rio de Janeiro, au Brésil, sont les utilisateurs
des réseaux sociaux sur les appareils mobiles et sont intéressés à son utilisation pour des activités qui
favorisent l'échange d'expériences liées aux exigences spécifiques des personnes DV et l'interaction entre les
personnes handicapées et celles non handicapées. Donc, nous avons formé avec ce groupe une communauté
de pratique (CoP), pour discuter des questions pertinentes aux participants et à générer des actions qui
permettent le partage des connaissances générées dans ces discussions. Nous cherchons dans cette
recherche mettre en évidence le potentiel de la CoP pour l'accès à l'information pertinente pour les étudiants
DV. Aligné avec la théorie de l'apprentissage proposé par Lave et Wenger, une CoP se compose d'un groupe
de personnes qui partagent une passion, un intérêt ou un problème, et qui en apprendre collectivement sur ce
partage à travers l'interaction constante. Ils bénéficient de l'interaction virtuelle, et considérant que les
étudiants impliqués ont facilité dans l'utilisation des appareils mobiles avec accès à Internet, et utilisent
différentes plates-formes de communication, on a choisi l'application WhatsApp comme un moyen d'interaction
virtuelle, en raison de sa disponibilité, la facilité et préference de l'utilisation rapporté par eux. Jusqu’à présent,

987
A Escola: Dinâmicas e Atores

nous discutons des questions à propos de la nourriture et de la sexualité. Le première thème abordé la
connexion d'alimentation à certaines conditions visuelles, certaines maladies et la pratique des sports;
régimes à la mode; et la relation entre les aliments génétiquement modifiés et le développement de la maladie.
En ce qui concerne la sexualité, des questions se posent à propos de la sexualité sans risque, les maladies
sexuellement transmissibles et la grossesse, et l'identité de genre et le respect de la diversité sexuelle. La
CoP est avéré être un espace privilégié pour partager des idées et des expériences sur des sujets d'intérêt
pour les participants. Au cours des interactions, il a été généré des connaissances qui seront partagés dans
activités culturels scolaires et para un canal YouTube. Nous allons, ainsi, donner une visibilité aux questions
d'intérêt pour les personnes DV, et contribuer à leur accès à l'information et leur processus de l'inclusion.

Mots-clés: Déficience Visuelle, Communauté de Pratique, WhatsApp.

INTRODUÇÃO
Segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), 3,6% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência visual autodeclarada (IBGE -
Coordenação de Trabalho e Rendimento, 2015). Clinicamente, a deficiência visual engloba alterações na
visão que vão desde a perda parcial de funções visuais como a acuidade visual e o campo visual, até a perda
total da visão (Haddad & Sampaio, 2010), definindo dois grupos de deficiência: a cegueira, caracterizada pela
perda total da visão ou capacidade muito baixa de enxergar, que exija da pessoa utilização de recursos de
substituição da visão; e a baixa visão ou visão subnormal, caracterizada por menor comprometimento da
capacidade visual, em que a pessoa pode ser auxiliada por recursos para melhor resolução visual (Fundação
Dorina Norwill para Cegos, [201-]; Haddad & Sampaio, 2010). E segundo a legislação brasileira, é considerada
pessoa com deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 0,05 no melhor olho,
com a melhor correção óptica possível (cegueira) ou acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a
melhor correção óptica possível (baixa visão); ou cujo somatório da medida do campo visual em ambos os
olhos seja igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores (Brasil,
1999, 2004).
Pessoas com deficiência visual têm menos acesso a informações sobre saúde, especialmente sobre
questões que não guardam relação direta com a deficiência visual, uma vez que dificilmente encontra-se
material educativo e/ou informativo adaptado a essa parcela da população (Harrison, Mackert, & Watkins,
2010). Nesse cenário, a tecnologia assistiva (TA) pode atuar no sentido de reduzir a diferença que existe entre
a quantidade de informação disponível para o público em geral e para o público deficiente visual, na medida
em que materiais não adaptados podem ser acessados por meio de recursos de TA.
A TA é uma área de conhecimento interdisciplinar, que se refere ao conjunto de recursos, adaptações
e serviços que podem contribuir para a ampliação ou o desenvolvimento de habilidades, ou ainda para a
realização de alguma função que se encontra impedida em pessoas com deficiência (Bersch, 2013; Santos,
Ellwanger, Stanherlin & Kilian, 2012), e engloba metodologias e estratégias que visam promover a autonomia,
independência, qualidade de vida e inclusão social de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade
reduzida, em caráter permanente ou temporário, sendo, assim, um elemento essencial à promoção dos
direitos humanos (Brasil, 2009).
Existem diferentes tipos de TA para as pessoas com deficiência visual, que vão desde a bengala ao
computador, passando pelo sistema de leitura e escrita Braille e os instrumentos nele utilizados. Pensando
nesses recursos como ferramentas para a divulgação de informação sobre saúde, destacaremos aqueles
relacionados ao computador e seus periféricos, e aos dispositivos móveis. Softwares e aplicativos diversos
em conjunto com sintetizadores de voz permitem que o deficiente visual interaja com computadores, celulares

988
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

e tablets independentemente de sua interface predominantemente gráfica, facilitando o acesso à informação


e às interações sociais (Nunes, Dandolini & Souza, 2014). Particularmente em relação aos dispositivos móveis
com conexão à internet, estes vêm se tornando cada vez mais importantes para as pessoas com DV, pois a
combinação entre a tela sensível ao toque e os recursos de acessibilidade dos próprios sistemas operacionais
promovem uma navegação simples e eficiente por parte dessas pessoas. Além disso, as redes sociais em
dispositivos móveis vêm se mostrando como um ambiente favorável às interações sociais e aos processos
de educação dessas pessoas (Fuglerud, Tjostheim, Gunnarsson & Tollefsen, 2012; Tollefsen, Dale, Berg &
Nordby, 2011).

METODOLOGIA
Este trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa de doutoramento em andamento, cujo
objetivo geral é avaliar o impacto de redes sociais no engajamento público de estudantes com DV em
questões sobre saúde. As características das investigações conduzidas ao longo da pesquisa nos permitem
defini-la como qualitativa: os dados coletados visam descrever ações realizadas com uma população limitada
de estudantes com DV e são predominantemente descritivos. Os participantes da pesquisa são estudantes
cegos e com baixa visão entre 12 e 19 anos, regularmente matriculados em uma escola especializada em
deficiência visual localizada na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Embora haja diferenças entre os recursos de
TA utilizados e a forma como pessoas cegas e com baixa visão utilizam as tecnologias, todas as atividades
foram feitas com os participantes cegos e com baixa visão juntos, já que na escola, com exceção das turmas
de alfabetização, todas as atividades são feitas dessa forma.
Para melhor compreender como os deficientes visuais utilizam as tecnologias móveis e as redes
sociais, realizamos dois grupos focais com estudantes cegos e com baixa visão da referida escola. Como
resultado, percebemos que esses estudantes são usuários de redes sociais em dispositivos móveis e se
interessam por seu uso para atividades que promovam construção de conhecimento, embora esse potencial
ainda não seja explorado pedagogicamente, e trocas de experiências relacionados às especificidades dos
deficientes visuais e às interações entre pessoas com deficiência e destas com pessoas sem deficiência (Della
Líbera & Jurberg, 2016). Assim, constituímos com esse grupo de estudantes uma comunidade de prática, a
fim de discutir questões que fossem relevantes para os participantes, e de gerar ações que permitissem o
compartilhamento do conhecimento gerado nessas discussões.
Uma comunidade de prática (CoP) é constituída por um grupo de pessoas que compartilham uma
paixão, um interesse ou um problema, e que aprendem coletivamente sobre aquilo que compartilham por
meio de constante interação (Wenger, 2006). Embora diferentes arranjos entre pessoas possam ser
denominados comunidades, Wenger (1998) destaca que uma CoP precisa apresentar três características
fundamentais: uma área de conhecimento ou interesse comum que dá identidade ao grupo, que no nosso
caso é a deficiência visual; o engajamento do grupo em atividades e discussões que geram ajuda mútua e
permitem que os participantes aprendam uns com os outros; e o compartilhamento de práticas referentes ao
seu interesse em comum.
É importante ressaltar que uma CoP difere de um grupo de discussão na medida em que este último
é constituído com o objetivo de se discutir um tema proposto por um indivíduo e, terminada a discussão, o
grupo é dissolvido, enquanto a discussão da CoP não se esgosta em um tema único. Também é diferente de
um grupo de trabalho, que possui hierarquia, propósito determinado e metas a serem cumpridas, pois na CoP

989
A Escola: Dinâmicas e Atores

a participação é sempre voluntária e a relação entre seus membros deve se estabelecer de forma horizontal.
Ela se mantém de forma orgânica, com as discussões gerando práticas, que levam a novas discussões e
assim por diante. Nessa configuração, todos os membros apresentam potencial para contribuir igualmente
com a construção coletiva do conhecimento, embora seja observada uma estruturação natural em torno de
três grupos distintos, porém essenciais: um pequeno grupo de participantes-chave, que tendem a manter as
atividades acontecendo; um grupo maior de membros ativos que participam constantemente, mas seguem a
direção dada pelos participantes-chave; e o maior grupo, periférico, cujos membros não costumam participar
ativamente, mas continuam na comunidade pois têm inetresse em ouvir e aprender (Rue, 2008).
Uma CoP se beneficia da interação virtual, uma vez que a colaboração está no centro das práticas
da comunidade e é a razão de ser da Web 2.0 (Rue, 2008); no entanto, a tecnologia utilizada deve ser simples,
efetiva e transparente (Rue, 2008), não podendo se constituir em um obstáculo para a participação na
comunidade. Considerando que os estudantes envolvidos têm bastante desenvoltura no uso de celulares e
smartphones com acesso à internet, e que usam diferentes plataformas para se comunicar (Della Líbera &
Jurberg, 2016), escolhemos dentre as utilizadas por eles o aplicativo WhatsApp como meio de interação virtual
de nossa CoP. Os fatores que pesaram na escolha desse aplicativo foram a disponibilidade, a facilidade e a
preferência de uso relatadas pelos estudantes (Della Líbera & Jurberg, 2016).
O Whatsapp é, segundo seu próprio site, um aplicativo de troca de mensagens por celular que, por
utilizar o plano de dados de internet móvel, não gera custos adicionais para o envio de mensagens, que podem
conter textos, imagens, vídeos e áudios (arquivos de áudio ou mensagens gravadas pelo usuário). Configura-
se como uma rede social uma vez que o aplicativo permite a criação de grupos cujos participantes podem ser
adicionados a partir da lista de contatos de qualquer um dos membros com status de administrador do grupo,
e que há possibilidade de produção e compartilhamento de conteúdo dentro do próprio grupo e entre grupos
ou usuários (boyd & Ellison, 2008).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O grupo do WhatsApp foi inicialmente formado com 16 participantes (13 estudantes e três
professoras) e todos receberam o status de administrador, pois assim todos poderiam adicionar novos
membros a qualquer momento. Logo após a criação do grupo, duas estudantes deixaram de participar; uma
delas alegou que tinha pouca memória no celular e não conseguiria participar do grupo, pois as conversas
não são recebidas quando não há espaço de armazenamento suficiente, e outra não deu nenhuma
explicação. Uma participante foi adicionada para participar do primeiro bate papo e dois saíram após o
segundo bate papo. Atualmente, conta com 13 participantes (10 estudantes e três professoras).
Começamos com a apresentação da proposta do grupo e dos participantes, e logo nas primeiras
postagens um estudante se destacou como animador do grupo, convidando os demais a participar, embora
mais tarde esse mesmo estudante tenha se distanciado um pouco das discussões feitas. Começamos com
um bate papo sobre alimentação saudável, compartilhamos músicas que falam sobre comida e o ato de
comer, e conversamos sobre criar uma playlist com essas músicas no YouTube. Para que a playlist fosse
coletiva e do grupo, decidimos criar um canal no YouTube, que pudesse também reunir outras ações da
comunidade. Foi criado então o canal Mundo Nosso, cuja definição coletiva é “Somos um grupo de estudantes
com deficiência visual e estamos aqui para falar sobre coisas que acontecem ao nosso redor. Vamos falar de
saúde, esportes, tecnologia, família, relacionamentos, preconceito, bullying e etc. Sejam bem vindos ao

990
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Mundo Nosso!”. A definição dada pelos estudantes refelte seu desejo, revelado durante a realização dos
grupos focais (Della Líbera & Jurberg, 2016), de discutir e publicar questões sobre seu cotidiano, como forma
de mostrar ao público em geral de que são capazes de levar a mesma vida de pessoas sem deficiência; eles
apenas precisam de algumas adaptações para que isso aconteça.
A comunidade ficou pouco movimentada no período seguinte, correspondente à semana de provas
da escola, e durante esse período refletimos sobre a janela de interesse e participação dos estudantes no
processo. Eles apresentam um alto interesse durante um curto espaço de tempo, passam alguns dias sem
nenhuma participação, e voltam a interagir com bastante entusiasmo. Por causa desses picos de interesse,
decidimos que seria necessário que as respostas aos questionamentos levantados fossem dadas
rapidamente, antes que se perdesse o foco naquele assunto.
Passado o período de baixa atividade, retomamos a conversa e os estudantes se mostraram
fortemente engajados com a discussão, sendo que três estudantes vêm se destacando desde então na
condução das conversas e animação dos demais membros, constituindo o grupo de participantes-chave. Foi
sugerido que retomássemos o tema da alimentação saudável, e sugerimos convidar especialistas nos
diferentes temas de interesse do grupo para participar das discussões, sendo a ideia prontamente aceita pelos
participantes. Pedimos também que eles listassem outros temas de interesse, e foram listados namoro,
sexualidade e gênero, diversidade e bullying.
Especificamente sobre o tema namoro, sexualidade e gênero, os estudantes ressaltaram que a
adolescência lhes traz uma série de dúvidas e questionamentos. Afirmaram que começaram a se interessar
por relacionamentos com outras pessoas, e têm dúvidas sobre comportamento e prevenção de gravidez e
doenças sexualmente transmissíveis, além de demonstrar preocupação com atitudes desrespeitosas e
preconceituosas em relação à identidade de gênero. Os questionamentos levantados pelos estudantes nos
levam a nosso pressuposto inical de que, ebora haja diferentes iniciativas de se levar informação sobre o
tema e discutí-la com adolescentes, seja na área de saúde, na da educação ou em sua interface, não há
material disponível nem estratégias traçadas para que o mesmo seja feito quando esses adolescentes têm
necessidades especiais.
Partindo dos temas sugeridos, combinamos um primeiro bate papo com duas professoras da escola
engajadas em pesquisas e iniciativas sobre sexualidade e gênero, na primeira sexta-feira das férias escolares,
no período da tarde. Alguns dias antes do encontro marcado, pedimos aos estudantes que começassem a
colocar no grupo dúvidas e perguntas que poderiam ser abordadas. No dia do encontro, as professoras foram
adicionadas ao grupo antes do horário combinado e começaram a interagir com os participantes, motivando-
os para o bate papo. Alguns estudantes não participaram dessa interação preliminar, e a eles foram feitos
lembretes individuais via aplicativo e, para aqueles que não visualizaram a mensagem, tentamos contato via
telefone. Dois estudantes participaram do bate papo do início ao fim, e mais três tiveram participação parcial
(entraram após o começo e/ou saíram antes do fim). As perguntas eram livres, e versaram principalmente
sobre aspectos relacionados à saúde sexual, com ênfase na prevenção a doenças sexualmente
transmissíveis, principalmente HIV/Aids, e riscos de gravidez. Após o término do bate papo, três estudantes
que não haviam participado de forma síncrona tiveram acesso ao conteúdo discutido e fizeram mais algumas
perguntas, que foram respondidas pelas professoras participantes da CoP. Curiosamente, foi somente nesse
momento que surgiram questões relacionadas à afetividade e à diversidade sexual. Acreditávamos que essas
questões seriam levantadas durante o bate papo, uma vez que haviam sido mencionadas anteriormente, mas

991
A Escola: Dinâmicas e Atores

os estudantes que o haviam feito não puderam participar sincronamente. Dias depois, o assunto surgiu
novamente e alguns estudantes sugeriram que fosse marcado um novo bate papo para tratar especificamente
de questões sobre respeito à diversidade.
Avaliamos essa primeira experiência positivamente, pois os estudantes tiveram liberdade para se
expressar e puderam compartilhar experiências e gerar conhecimento. Além disso, uma vez que a discussão
ficou disponível para todos os participantes a qualquer tempo, ela não se limitou aos participantes que
estavam presentes no momento do bate papo, nem se restringiu ao seu tempo de duração. Os participantes
se sentiram confortáveis para retornar ao tema e para sugerir novos desdobramentos e discussões. Também
as professoras convidadas avaliaram a atividade positivamente, conforme podemos perceber no depoimento
a seguir:
Observei como um saldo bastante positivo a liberdade de expressão dos alunos pois ainda
hoje, para muitos, sexo é um assunto tabu. Surgiram questionamentos sobre sexo anal, por
exemplo, que é um assunto cuja prática é criticada ou até proibida em determinadas
denominações religiosas. (V., professora).
Com o desenrolar das conversas, o grupo voltou a discutir alimentação, e convidamos uma
nutricionista para um novo bate papo. O encontro foi marcado para uma sexta-feira à noite, e a convidada
também foi adicionada antes do horário previsto para interagir informalmente e motivar o grupo. O número de
participantes foi menor que o do encontro anterior (dois estudantes participaram do início ao fim e apenas um
participou parcialmente), mas houve um número maior de perguntas, possivelmente porque alimentação é
um tema que não apresenta tantos tabus quanto sexualidade e assim os participantes se sentiram mais à
vontade para expor seus questionamentos.
Foram discutidas questões sobre alimentação adequada a adolescentes praticantes e não praticantes
de esporte, alimentação relacionada a certos tipos de doença, hábitos alimentares que estão constantemente
na mídia, como dieta sem glúten e dieta vegetariana, e relação entre alimentos transgênicos e
desenvolvimento de doenças. Outros participantes tiveram acesso à discussão posteriormente, mas desta
vez a discussão não se prolongou para além do encontro, provavelmente porque o tema já havia sido discutido
anteriormente. Pudemos perceber que, embora temas levantados pelos estudantes sejam aqueles que estão
em voga na mídia, existe uma lacuna entre a quantidade e qualidade de informação que chega até as pessoas
com DV, o que costuma acontecer por meio de outras pessoas, sendo-lhes privado o acesso direto a fontes
de informação.
Durante as férias escolares, a interação entre os participantes dentro da CoP foi menos frequente,
mas voltou a se intensificar com a aproximação dos Jogos Paralímpicos. Com a campanha promovida para
venda de ingressos, os participantes falaram um pouco sobre seu desejo de assistir, ou não, os Jogos. Alguns
afirmaram que iriam a diferentes sessões, nomeadamente aquelas de esportes que praticam, como futebol
de 5, natação e, em especial, goalball. Por outro lado, outros disseram não ter interesse, e uma das
participantes disse que preferia que o dinheiro gasto com os Jogos tivesse sido investido na educação. Iniciou-
se uma discussão sobre a representatividade dos deficientes, a partir da campanha estrelada por atores que
tiveram suas fotos editadas para que tivessem corpos como os de deficientes físicos, mas a dificuldade em
acessar o grupo durante as férias acabou por diluir a discussão, que eventualmente foi encerrada.

CONCLUSÃO
A CoP vem se mostrando como espaço favorável de discussão de questões relevantes para este
grupo de estudantes, permitindo o compartilhamento de ideias e práticas e a construção coletiva de

992
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

conhecimento acerca de interesses em comum. Foi constituído um ambiente propício à discussão de temas
relevantes que contemplam a especificidade dos estudantes envolvidos enquanto grupo de adolescentes com
DV. Considerando que a escola não é o único espaço onde ocorre aprendizagem, a CoP pode atingir objetivos
de aprendizagem determinados pelos próprios estudantes uma vez que seu foco são temas de interesse que
muitas vezes ultrapassam os muros da escola (Wenger, 2006).
A escolha do aplicativo WhatsApp como ambiente de interação da CoP foi bastante positiva, uma vez
que os participantes já se sentiam confortáveis para usar a ferramenta e para se expressar por meio dela. A
familiaridade com o aplicativo permitiu que que as interações acontecessem de forma natural, e que os
estudantes utilizassem o grupo para se comunicar de forma autônoma e por iniciativa própria, ainda que
algumas vezes tenha sido necessária alguma motivação por parte das professoras participantes.
As férias escolares representaram uma limitação à atividade da CoP. Houve menor participação nas
discussões, uma vez que as rotinas individuais ficaram bastante diversas, havendo menos momentos de
participação síncrona, necessárias ao enriquecimento dos bate papos marcados. Além disso, alguns
estudantes se beneficiam da conexão wi-fi da escola para acessar a internet e possuem apenas o plano de
dados móveis da operadora de telefonia quando estão em suas residências, o que limita seu acesso à rede.
Ainda que tenham existido limitações, acreditamos que a experiência foi produtiva e permitiu a
geração de conhecimento que será posteriormente compartilhado em rede. Acreditamos que o acesso a esse
tipo de conteúdo produzido pelos próprio estudantes contribui para dar visibilidade às pessoas com DV,
favorecendo seu processo de inclusão.

REFERÊNCIAS
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Tecnologia_Assistiva.pdf
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993
A Escola: Dinâmicas e Atores

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994
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O PAPEL DO BRAILE EM DIFERENTES SUPORTES NO PROCESSO DE INCLUSÃO


DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
[ID 373]

Bianca Della Líbera


Vanessa França da Silva
Marcia Noronha de Mello
Instituto Benjamin Constant, Fundação Oswaldao Cruz; Instituto Benjamin Constant; Instituto Benjamin
Constant
biancadellalibera@gmail.com; nessa.math@gmail.com; surdocegueira.mellomarcia@gmail.com

Resumo
A Lei Brasileira de Inclusão, escrita à luz da Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência, traz um conceito de deficiência que não considera apenas critérios biomédicos,
mas também políticos, em que pesa a relação de desigualdade imposta pela sociedade a um corpo com
impedimentos, seja por barreiras urbanísticas, arquitetônicas, atitudinais, tecnológicas, nos transportes ou
nas comunicações. Assim, para serem efetivos, os processos de inclusão de pessoas com deficiência devem
levar em conta as necessidades, funcionalidades e capacidades de cada indivíduo.
A tecnologia assistiva (TA) tem papel fundamental nesses processos, uma vez que contribui para proporcionar
ou ampliar funcionalidades, promovendo autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social,
constituindo-se, assim como elemento essencial à promoção dos direitos humanos. E a TA aliada às
tecnologias da informação e comunicação (TIC) permite que pessoas com deficiência tenham acesso à
informação, um dos grandes obstáculos por elas enfrentados na atualidade.
A leitura e a escrita têm papel importante no acesso à informação em diferentes meios, do impresso ao digital,
e se o advento do sistema de escrita braile foi um divisor de águas para pessoas com deficiência visual (DV),
a combinação desse sistema com as TIC pode representar novas perspectivas de inclusão para essas
pessoas. Buscamos assim, nesta pesquisa, compreender o papel do braile em diferentes suportes na
promoção da autonomia de pessoas com DV para o acesso à informação e a participação em atividades
pedagógicas.
Para tanto, acompanhamos estudantes do ensino fundamental e adultos em processo de reabilitação na
utilização de teclados adaptados em braile e de displays braile para acesso ao computador, durante atividades
pedagógicas e recreativas. Além disso, fizemos entrevistas semiestruturadas com os sujeitos e seus
professores, a fim de compreender em que medida esses recursos promoveram a autonomia das pessoas
com DV. Os resultados mostraram que os recursos auxiliaram aqueles que estavam em processo de
alfabetização na aquisição do sistema braile, e permitiram que aqueles que não tinham domínio de técnicas
de digitação mas tivessem domínio do braile tivessem acesso à informação e participassem das atividades
pedagógicas em igualdade de condições com os demais.

Palavras-chave: Deficiência visual, Tecnologia assistiva, Tecnologias da Informação e Comunicação, Braile.

Résumé
La Loi Brésilienne de l'Inclusion, écrit à la lumière de la Convention des Nations Unies relative aux droits des
personnes handicapées, apporte une notion de handicap qui ne considère pas que les critères biomédicaux,
mais aussi politique, dans lequel pèse ratio d'inégalité imposée par la société à un organisme ayant une
déficience, soit par des barrières urbaines, architecturales, attitude, technologique, du transport ou de
communication. Donc, pour être efficaces, le processus d'inclusion des personnes handicapées devraient
prendre en compte les besoins, les caractéristiques et les capacités de chaque individu. L’ assistive
technologie (AT) a un rôle clé dans ces processus, parce qu’il aide à fournir ou à étendre les fonctionnalités,
la promotion de l'autonomie, l'indépendance, la qualité de vie et de l'inclusion sociale, qui est essentielle à la
promotion des droits de l'homme. Les TA ainsi que les technologies de l'information et de la communication
(TIC) permettent aux personnes handicapées ont accès à l'information, l'un des principaux obstacles auxquels
ils sont confrontés aujourd'hui. Lecture et écriture ont un rôle important dans l'accès à l'information dans
différents médias, de l'imprimé au numérique, et si l'avènement du système d'écriture Braile a été un tournant
pour les malvoyants (DV), la combinaison de ce système avec les TIC peuvent représenter de nouvelles
opportunités pour l'inclusion de ces personnes. Nous essayons à cette recherche, comprendre le rôle du braile

995
A Escola: Dinâmicas e Atores

dans les différents supports pour accéder l'autonomie des personnes avec DV grâce à l'accès à l'information
et la participation à des activités éducatives. Pour ce faire, nous suivons les étudiants et les adultes de l'école
primaire dans le processus de réhabilitation avec l'utilisation des claviers adaptatifs en braile et display braile
pour l'accès à l'ordinateur pendent des activités éducatives et récréatives. De plus, on fait des entretiens semi
structures avec les sujets et leurs enseignants pour comprendre dans quelle mesure ces ressources ont promu
l'autonomie des personnes avec DV. Les résultats ont montré que les ressources ont aidé ceux qui étaient
dans le processus d'alphabétisation pour l'acquisition du braile, et aussi ont permis à ceux qui n'avait pas des
competénces sur les techniques de dactylographie mais avait connaissance du Braile peuvent être accès à
l'information et à la participation à des activités éducatives des conditions d'égalité avec les autres.

Mots-clés: Déficience Visuelle, Technologie d'Assistance, Technologies de l'Information et de la


Communication, Braille.

INTRODUÇÃO
A Lei Brasileira de Inclusão (Brasil, 2015), que leva em consideração as propostas da Convenção da
Organização das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2007), nos traz um
conceito de deficiência que ultrapassa critérios biomédicos e incorpora a discussão sobre a relação de
desigualdade imposta pela sociedade a um corpo com impedimentos, seja por barreiras urbanísticas,
arquitetônicas, atitudinais, tecnológicas, nos transportes ou nas comunicações. Assim, muito mais que uma
condição clínica, a deficiência se constitui como uma barreira à participação plena do sujeito na sociedade
(Diniz, Barbosa & Santos, 2009).
O acesso à informação é fundamental para a inclusão das pessoas e sua participação na sociedade,
e tal acesso deve ser garantido também às pessoas com deficiência. Além disso, é preciso lembrar que, na
sociedade da informação, o estar conectado à rede é fundamental para que o acesso à informação seja pleno.
Pensando nas pessoas com deficiência, a tecnologia assistiva (TA) tem papel fundamental na acessibilidade
de modo geral, uma vez que contribui para proporcionar ou ampliar funcionalidades, promovendo autonomia,
independência, qualidade de vida e inclusão social (Bersch, 2013; Brasil, 2009; Galvão Filho, 2009). E aliada
às tecnologias da informação e comunicação (TIC), a utilização de TA permite que pessoas com deficiência
tenham acesso à informação, um dos grandes obstáculos por elas enfrentados na atualidade (Torres, Mazzoni
& Alves, 2002). Nesse sentido, trazemos experiências de utilização do braile em diferentes suportes, inclusive
digitais, que podem nos ajudar a compreender o papel do braile em diferentes suportes na promoção da
autonomia de pessoas com deficiência visual (DV), por meio de sua utilização em atividades pedagógicas e
no acesso à informação.

LEITURA E ESCRITA
A leitura e a escrita são fundamentais no acesso à informação em diferentes meios, do impresso ao
digital, e o advento do sistema de escrita braile foi um divisor de águas para pessoas com deficiência visual
(DV). No entanto, ainda que o sistema braile seja a forma que pessoas com DV tenham para acessar meios
impressos, a quantidade e complexidade de sinais, as dificuldades em sua aprendizagem, o tamanho dos
impressos, a velocidade de leitura, a limitação em estratégias de busca de informação e as dificuldades de
uso das ferramentas de leitura e escrita são alguns obstáculos a seu uso (Tobin & Hill, 2015). Podemos citar
ainda como obstáculos a aquisição e uso do braile as limitações do tato (nomeadamente em pessoas com
diabetes), o pouco material de apoio para alfabetização, as questões de orientação espacial e coordenação
motora, o sentido da leitura e escrita (escreve-se de forma espelhada em relação à leitura), o esforço motor
e a revisão e edição do texto.

996
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Na tentativa de minimizar tais obstáculos, podemos usar a combinação do sistema braile com TIC e
recursos de TA, tanto na aprendizagem do sistema quanto no acesso à informação. E embora alguns desses
recursos possam ser vistos como substitutos do braile, seu uso pode resultar no encorajamento do uso do
braile (Tobin & Hill, 2015)

RECURSOS TECNOLÓGICOS
Dosvox
É um sistema computacional criado pelo Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (NCE/UFRJ) especificamente para a atender pessoas com DV. Ele permite que pessoas
cegas utilizem um microcomputador comum (PC) para desempenhar uma série de tarefas, adquirindo assim
um nível alto de independência no estudo e no trabalho. O sistema é gratuito e pode ser baixado do site
http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/.
O Dosvox possui um sintetizador de voz que dá um retorno auditivo às ações executadas pelo usuário,
que por sua vez utiliza apenas o teclado para interagir com o computador. Sua utilização é bastante intuitiva
e comandos de ajuda sempre disponíveis não exigem que o usuário memorize atalhos para todos os
programas e comandos que precisa utilizar, o que garante uma maior facilidade de uso quando comparado
aos leitores de tela, ainda que apresente algumas limitações para certas atividades, como a navegação na
internet.
O sistema possui vários programas diferentes, que são executados no ambiente do sistema.
Destacaremos aqui aqueles utilizados nas intervenções exemplificadas nesta comunicação: Edivox (editor de
textos, que possui ainda função de emular uma máquina de escrever braile); Webvox (navegador de internet);
Googlevox (programa que facilita a pesquisa por meio do Google sem necessidade de uso do navegador de
internet); Voxtube (programa para acesso, download e conversão para áudio de vídeos do Youtube); e
Jogavox (programa que permite criar, editar e executar jogos). Dentro do Jogavox, iremos ressaltar três jogos
cujo público-alvo são crianças na fase de alfabetização: Letravox, Letrix e Contavox.
O Letravox (jogo das letrinhas), também chamado de Menino Curioso, é um jogo no qual a criança
pode explorar o teclado, pressionando letras e conhecendo-as através da associação das mesmas com uma
palavra iniciada por ela e uma frase que contextualize essa palavra. E além das letras, o jogo também
reconhece os números, repetindo um mesmo som tantas vezes quanto for a representação do número e,
depois, informando que número é. Ao selecionar teclas que não são números ou letras, o jogo envia uma
resposta com a frase “eu não sou letrinha não”, e aleatoriamente apresenta a atividade de salvar uma vogal,
em que a criança deve digitar a vogal sorteada pelo programa. Este jogo é utilizado principalmente para
identificação das letras iniciais de palavras e memorização da localização de grupos principais de teclas (as
letras, os números, as teclas de comando). Como o áudio pode ser modificado, as palavras apresentadas
pelo jogo podem ser alteradas de acordo com o planejamento do professor.
O Letrix (jogo das palavrinhas), é um jogo no qual o usuário pode, além de explorar o teclado
pressionando uma letra ou número e ouvir sua representação fonética, escrever palavras e frases e ouví-las.
Há a possibilidade de alterar a cor do fundo da tela, cor e tamanho das letras (recursos importantes e atrativos
para alunos com baixa visão) e ainda é possível gravar em áudio sons, palavras, frases ou textos para serem
executados quando determinadas palavras ou expressões são escritas. Com o uso deste programa,
trabalhamos a escrita, ordem numérica e memorização do teclado.

997
A Escola: Dinâmicas e Atores

O Contavox é um jogo de cálculos matemáticos utilizando as quatro operações, organizadas por


níveis de dificuldade e construído em um ambiente que simula campeonatos de futebol. Neste jogo,
estudantes que possuem maior dificuldade de raciocínio lógico-matemático são auxiliados de forma
individualizada, com recursos concretos externos. Assim como os demais jogos disponíveis no sistema
Dosvox, as operações matemáticas apresentadas podem ser modificadas de acordo com as necessidades
pedagógicas de cada turma e/ou estudante.

Teclado adaptado
Os teclados comuns possuem as teclas F, J e 5 do teclado numérico marcadas, e isso facilita o
posicionamento das mãos e a orientação para a digitação. No entanto, como existem diferentes modelos de
teclado e a posição das teclas pode variar, pessoas que estão se familiarizando com o teclado ou que
apresentam dificuldade em memorizar a posição das teclas podem se beneficiar do uso de teclados
adaptados. Para nossas atividades com pessoas com DV, utilizamos um teclado que alia alto contraste ao
braile: as teclas são cobertas por uma impressão das letras em fonte grande e cor preta em fundo amarelo, e
sobre essa impressão temos também a letra impressa em braile. Assim, o teclado pode ser utilizado tanto por
pessoas com baixa visão como por pessoas cegas. A figura 1 mostra um exemplo desse tipo de teclado.

Figura 1 - Exemplo de teclado adaptado


Fonte: https://goo.gl/b3CUJz

Linha Braile
A linha braile, ou display braile, é um periférico de entrada e saída que, quando conectado ao
computador ou outro dispositivo (como tablets e smartphones) converte o texto da tela em texto braile em
uma linha de celas com pinos móveis, e que também possui teclas de digitação braile e de navegação pelo
conteúdo da tela. Pode ser usada em conjunto com leitores de tela, permitindo um retorno sonoro por meio
da síntese de voz, ou sem eles, sendo o retorno apenas em texto. Por isso, é um equipamento importante no
uso autônomo do computador por pessoas com surdocegueira. A figura 2 mostra um exemplo de linha braile.

998
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Figura 2 - linha braile conectada a um computador do tipo laptop.


Fonte: https://goo.gl/xVt8ce

INTERVENÇÕES
Caso 1 – Estudantes da classe de alfabetização
Trabalhamos com uma classe de alfabetização com cinco estudantes cegos em processo de
alfabetização. Estes estudantes estavam aprendendo a utilizar a máquina de escrever braile e, para alguns,
esse processo pode ser difícil. Conferir a letra digitada requer o deslocamento do papel colocado na máquina,
e um erro não pode ser facilmente apagado. Utilizamos então, com esses estudantes, o editor de textos do
sistema Dosvox (Edivox), que possui uma função emuladora do teclado da máquina de escrever braile:
utilizamos as teclas S, D, F, J, K e L para os pontos 1, 2, 3, 4, 5 e 6, respectivamente. Além disso, fizemos
uma marcação com textura nessas teclas, para que sua identificação e o posicionamento das mãos fosse
mais fácil. Os estudantes compreenderam rapidamente a técnica de uso do teclado dessa forma, e recebemos
feedback positivo da atividade tanto por parte dos estudantes como das professoras. Foram citadas como
vantagens a maior facilidade em digitar as letras, pois a digitação não requer tanta força como na máquina
de escrever; a possibilidade de se saber imediatamente se os pontos correspondentes a cada letra foram
digitados corretamente, já que o computador “lê em voz alta” (por meio do uso do sintetizador de voz) a letra
digitada; e a facilidade de se apagar erros.

Caso 2 – Estudante do 2º ano aprendendo braile


O estudante em questão foi alfabetizado em tinta, mas por causa de perda progressiva da visão,
iniciou-se o processo de alfabetização em braile. O estudante apresentava alguma resistência ao uso desse
sistema, e decidimos utilizar alguns jogos do Dosvox (Letravox, Letrix e Contavox) em combinação com o
teclado adaptado. A partir de então, a professora notou uma melhor aceitação do braile em papel, com mais
autonomia na leitura, e os pais do estudante também adotaram o uso do teclado adaptado em casa, dando
continuidade ao trabalho iniciado na escola. Como resultado, o estudante melhorou sua habilidade de leitura
em braile tendo como suporte o papel, além de se tornar mais independente no uso do computador com
auxílio do teclado adaptado.

Caso 3 – Estudante do 4º ano em atividades pedagógicas


A estudante em questão, ao contrário dos demais em sua turma, não utilizava o computador de forma
independente por não dominar o uso do teclado comum. Para que ela pudesse realizar as atividades no

999
A Escola: Dinâmicas e Atores

laboratório de informática que envolviam o uso do editor de textos e de pesquisas na internet com a mesma
autonomia de seus colegas, sugerimos que ela utilizasse o teclado adaptado. Com isso, a estudante, que
tinha bom domínio do sistema braile, passou a utilizar os mesmos recursos disponíveis a seus colegas para
realizar as tarefas.

Caso 4 – Adulto cego em processo de reabilitação


Para uma pessoa cuja perda de visão ocorreu na idade adulta e que já dominava o uso do
computador, a utilização da linha braile permitiu tanto a prática da leitura e escrita braile quanto o acesso
independente ao computador, em especial ao processo de escrita e revisão de textos.

Caso 5 – Adulto surdocego em curso superior


Uma vez que o estudante em questão já possuía bom domínio do sistema braile, a utilização da linha
braile permitiu que ele tivesse acesso aos conteúdos disciplinares de forma autônoma, além de agilizar sua
produção textual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem alguns obstáculos ao uso da TA e das TIC em nosso contexto, como a formação docente
ainda insuficiente para o uso pedagógico dessas tecnologias, o número pequeno de profissionais
especializados na implementação de um programa de tecnologias educacionais e uma política institucional
de uso de tecnologias incipiente, que se reflete diretamente na falta de equipamentos adequados e em número
suficiente e na ausência de corpo técnico que resolva problemas rapidamente. Ainda assim, acreditamos que
as iniciativas apresentadas foram exitosas, auxiliando na aquisição e uso contextualizado do sistema braille
e contribuindo para sua utilização de forma significativa pelas pessoas com DV. Dessa forma, ressaltamos
que os recursos tecnológicos não funcionam como substitutos desse sistema, mas sim como ferramentas que
contribuem para sua continuidade e expansão.

REFERÊNCIAS
Bersch, R. (2013). Introdução à Tecnologia Assistiva. Disponível em http://www.assistiva.com.br/ Introducao_
Tecnologia_Assistiva.pdf
Brasil (2015). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições
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Brasil. Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Comitê de Ajudas
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Tobin, M. & Hill, E. (2015). Is literacy for blind people under threat? Does braille have a future? British Journal

1000
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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Torres, E., Mazzoni, A. & Alves, J. (2002). A acessibilidade à informação no espaço digital. Ciência Da
Informação, 31 (3), 83–91. https://doi.org/10.1590/S0100-19652002000300009

1001
A Escola: Dinâmicas e Atores

CULTURA E ESCOLA: ANÁLISE DA INSERÇÃO CULTURAL DOS ALUNOS DO


INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE BRASÍLIA -
CAMPUS ESTRUTURAL
[ID 19]

Erika de O. Lima
Juliana Viégas P. V. dos Santos
Daniela Veiga de Oliveira
Crisonéia Nonata de Brito Gomes
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília
erika.lima@ifb.edu.br ; juliana.santos@ifb.edu.br; daniela.veiga@ifb.edu.br; crisoneia.gomes@ifb.edu.br

Resumo
O objetivo desse artigo foi analisar a inserção cultural dos alunos do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de Brasília - Campus Estrutural, DF, a partir da realização de atividades extracurriculares,
visando agregar conhecimentos aos debates realizados em sala de aula, assim como, propiciar aos discentes
a inclusão social e cultural. Tendo como metodologia a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo de
caráter quantitativo que descreveu e analisou questionários aplicados aos alunos dos cursos de Formação
Inicial e Continuada de Espanhol e Inglês, do Curso Técnico em Mecânica Automotiva e do Curso de
Licenciatura em Matemática, que realizaram visitas técnicas no ano de 2015. Verificou-se que as visitas
técnicas com o viés cultural, permitem observar, o sentimento de pertencimento e a integração entre alunos
da mesma turma e de turmas diferentes.

Palavras-chave: Inclusão cultural, Educação, Visita técnica.

Résumé
Le but de cette étude était d'analyser l'intégration culturelle des étudiants de l'Institut fédéral de l'éducation,
des sciences et de la technologie Brasilia - Campus structurel, DF, de la réalisation des activités parascolaires
afin d'ajouter des connaissances aux discussions en classe, ainsi que, fournir aux étudiants l'inclusion sociale
et culturelle. Avec la méthodologie de la recherche bibliographique et de la nature quantitative de la recherche
sur le terrain qui a décrit et analysé les questionnaires donnés aux étudiants des cours de formation initiale et
continue espagnol et en anglais, du cours technique en mécanique automobile et études de mathématiques,
qui a effectué des visites techniques en 2015. il a été constaté que les visites techniques de préjugés culturels,
permettent de voir, le sentiment d'appartenance et d'intégration des étudiants de la même classe et de classes
différentes.

Mots-clés: Inclusion culturelle, L'éducation, Visite technique.

INTRODUÇÃO
Essa pesquisa lança um olhar educativo e social sobre as atividades extracurriculares com enfoque
cultural praticado por professores do campus Estrutural, do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Brasília.
A cidade onde é desenvolvida a pesquisa, encontra-se no Distrito Federal que é constituído de trinta
Regiões Administrativa - RAs, o campus Estrutural se situa na Unidade de Planejamento Territorial Central
RA - XXV.
A formação da cidade Estrutural tem sua origem em uma invasão de catadores de lixo próximo ao
aterro sanitário do Distrito Federal existente há décadas naquela localidade. Pessoas eram atraídas para o

1002
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

lixão em busca de meios de sobrevivência e foram ali alinhando seus barracos para moradia. No início dos
anos 90, aquele conjunto de barracos adjacentes ao lixão foi-se ampliando e transformando na “ocupação
irregular da Estrutural”. No início pouco menos de 100 domicílios encontravam-se fincados no local. A
conhecida ocupação ampliou-se e mais tarde foi transformada na Vila Estrutural pertencente à Região
Administrativa do Guará. Em janeiro de 2004, a Lei nº 3.315 criou o Setor Complementar de Indústria e
Abastecimento - SCIA, que foi transformado em Região Administrativa XXV, e a Vila Estrutural como sua sede
urbana, hoje com população estimada em 35.801 habitantes (PDAD 2013/2014).
Segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios PDAD – 2013/2014 – Estrutural, os
moradores da Cidade Estrutural têm pouco hábito de frequentar museus e outras atividades culturais da
região, o que corrobora com a iniciativa desenvolvida de minimizar a carência cultural e a dificuldade de
acesso aos equipamentos culturais e atrativos turísticos da cidade.
Considerando as informações apresentadas, esse artigo objetiva analisar a inserção cultural dos
alunos do Campus Estrutural a partir da realização de atividades extracurriculares, visando agregar
conhecimentos aos debates realizados em sala de aula, assim como, propiciar aos discentes a inclusão social
e cultural.

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA DE BRASÍLIA - IFB


A Escola Técnica Federal de Brasília (ETFB) foi fundada no final da década de 1950, como Escola
Agrotécnica de Brasília, na cidade de Planaltina, pelo Plano de Metas do Governo do Presidente Juscelino
Kubitschek e inaugurada em 21 de abril de 1962, subordinada à Superintendência de Ensino Agrícola e
Veterinário do Ministério da Agricultura, tendo como objetivo ministrar os cursos regulares dos antigos Ginásio
e Colegial Agrícola. Por meio do Decreto nº 60.731 de 19 de maio de 1967, determinou-se a subordinação
das Escolas Agrícolas do Ministério da Agricultura ao Ministério da Educação e da Cultura. Com a extinção
da Escola Didática do Ensino Agrário, os colégios de aplicação voltaram a ter a denominação anterior de
Colégio Agrícola de Brasília. O Colégio Agrícola de Brasília foi transferido para o Governo do Distrito Federal
por meio do Decreto Nº 82. 711 de 24 de novembro de 1978, celebrado entre a então Fundação Educacional
do Distrito Federal (FEDF) e a Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário do Colégio Agrícola. A partir
da Portaria Nº 129, de 18 de julho de 2000, o Colégio Agrícola de Brasília passou a denominar-se Centro de
Educação Profissional - Colégio Agrícola de Brasília (CEP/CAB), com a finalidade de qualificação e
requalificação profissional, objetivando a realização de Cursos de Formação Inicial e Continuada de
Trabalhadores e Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, direcionados à demanda
mercadológica, principalmente em sua área de abrangência.
Em 29 de dezembro de 2008, em razão do plano federal de educação técnica e tecnológica na
implantação de um novo modelo de instituição de educação profissional, é criado o Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB), por intermédio da Lei nº 11.892, como entidade de natureza
autárquica, vinculada ao Ministério da Educação.
Em virtude da visão Estratégica do IFB, de fazer a educação profissional e tecnológica alcançar mais
capilaridade no Distrito Federal, essa expansão do IFB para outras Regiões Administrativas foi passo natural,
levando-se em consideração o significativo contingente populacional, o baixo índice de desenvolvimento
socioeconômico e a abrangência do IFB nas RAs do DF.

1003
A Escola: Dinâmicas e Atores

O IFB tem como missão oferecer ensino, pesquisa e extensão no âmbito da Educação Profissional e
Tecnológica, por meio da inovação, produção e difusão de conhecimentos, contribuindo para a formação
cidadã e o desenvolvimento sustentável, comprometidos com a dignidade humana e a justiça social.
A implantação do campus Estrutural iniciou no segundo semestre de 2011 com a realização de
audiências públicas para definição dos cursos que seriam ofertados. No primeiro semestre de 2012 às
atividades de ensino, foram iniciadas com a oferta de cursos de formação inicial e continuada, e em fevereiro
de 2015 as atividades foram transferidas para o Campus definitivo, os cursos ofertados atualmente são
Licenciatura em Matemática, Técnico Subsequente em Manutenção Automotiva e Cursos de Formação Inicial
e Continuada de idiomas e informática.

O PATRIMÔNIO CULTURAL NO PROCESSO EDUCACIONAL


O conceito de Patrimônio Cultural não se restringe apenas à arquitetura e a outros bens móveis, mas
deve ser entendido de forma bem ampla, pois a ele pertencem também todas as manifestações culturais de
um povo. E não se devem considerar apenas as manifestações das classes dominantes, mas também as
expressões de todas as classes sociais, pois isto é o verdadeiro testemunho de uma civilização (Pellegrini
Filho, 1993).
De acordo com a Constituição Federal (1988) em seu art. 216 constituem patrimônio cultural brasileiro:
os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
O patrimônio aparece como um elemento fértil para a escola por não ter um lugar fixo (VIANA, 2009).
Trabalhar o patrimônio na escola significa ampliar sua compreensão até as coletividades, e não se
reduz a levar alunos a visitar museus e monumentos histórico, mas significa observar o contexto cultural dos
alunos, suas memórias e apropriações, utilizando este saber em favor da escola.
O processo educativo, em qualquer área de ensino/aprendizagem, tem como objetivo levar os alunos
a utilizarem suas capacidades intelectuais para a aquisição e o uso de conceitos e habilidades, na prática,
em sua vida diária e no próprio processo educacional, o uso leva à aquisição de novas habilidades e conceitos
(HORTA, 2004). As escolas devem participar desse processo de apropriação, através de visitas técnicas a
museus, arquivos e bibliotecas públicas (Vasconcelos & Santos, 2012). No caso específico de Brasília, pela
diversidade de patrimônio cultural existentes, essa prática é facilitada.

INCLUSÃO SOCIAL E CULTURAL DAS ATIVIDADES EXTRACURRICULARES ATRAVES DAS


VISITAS TECNICAS
Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (1998), prevêem, como temas transversais, a ética, a
orientação sexual, a saúde, o trabalho e o consumo, a pluralidade cultural e o meio ambiente. Tais temas
contribuem para uma educação embasada em um valor social e não apenas tecnicista.
No que se refere às recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, relativos aos
temas transversais, Santos ressalta que:

1004
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

[...] Os temas transversais, tendo em vista um tema social, transgridem as fronteiras


epistemológicas de cada disciplina, possibilitando uma visão mais significativa do
conhecimento e da vida. Na medida do viável, os temas transversais resgatam as relações
existentes entre os conhecimentos.
[...] o conhecimento transdisciplinar associa-se à dinâmica da multiplicidade das dimensões
da realidade e apoia-se no próprio conhecimento disciplinar. Isso quer dizer que a pesquisa
transdisciplinar pressupõe a pesquisa disciplinar, no entanto, deve ser enfocada a partir da
articulação de referências diversas. Desse modo, os conhecimentos disciplinares e
transdisciplinares não se antagonizam, mas se complementam (2008, p.75).
Para o mesmo autor "[...] esse novo olhar da transdisciplinaridade traz ainda um desafio maior: o de
transitar pela diversidade dos conhecimentos".
Em virtude da formação de tipo disciplinar, os professores que enfrentam o desafio da
transdisciplinaridade estão sujeitos a ambiguidades e contradições que vão sendo corrigidas
e adequadas na medida do aprofundamento conceitual e, principalmente, da autocrítica entre
os pares. Essa mudança atitudinal condiciona-se à mudança epistemológica: mudar um
determinado conceito exige, por sua vez, mudanças de outros correlacionados, dando lugar
a uma rede de conceitos (sistema) (Santos, 2008, p.76).
Partindo do entendimento ampliado sobre a política curricular, apresentada no Parecer CNE/CEB N°
7/2010, e percebendo a vulnerabilidade social e cultural dos alunos que semestralmente ingressavam nos
cursos do campus Estrutural, foram planejadas atividades culturais, utilizando a liberdade de ensinar, como
fator impulsionador de aproximação dos alunos da cultura e do amplo patrimônio da cidade de Brasília.
As atividades práticas também podem ser realizadas por meio de trabalhos de campo, visitas em
museus, dentre outros (Hodson, 1996 apud Prigol & Giannotti, 2008). Tais práticas, possibilitam ao educando
um reforço no que é ensinado de forma teórica, ampliando a visão de mundo e as possibilidades de articulação
entre escola - trabalho - vida.

METODOLOGIA DA PESQUISA
O ponto de partida de uma pesquisa científica deve basear-se em um levantamento de dados. No
presente artigo, num primeiro momento, foi feita uma pesquisa-bibliográfica. No segundo momento, com o
objetivo de conseguir informações e coletar dados que não foram possíveis somente pela pesquisa
bibliográfica, foi realizada a pesquisa de campo de caráter quantitativo.
A pesquisa quantitativa foi realizada através dos questionários aplicados a quarenta e sete alunos
dos cursos de Formação Inicial e Continuada de Espanhol e Inglês, Curso Técnico em Mecânica Automotiva
e do Curso de Licenciatura em Matemática, que realizaram visitas técnicas no ano de 2015. Foram
trabalhados pela visão global do objeto pesquisado e do contexto que o circunda, buscando absorver dos
documentos e respostas, todos os aspectos importantes que contribuíram para a pesquisa.

RESULTADOS
Análise das visitas técnicas
Foram analisadas 04 visitas técnicas no ano de 2015, com duração média de 4 (quatro) horas cada
e descritas no quadro abaixo no que se refere aos cursos envolvidos, locais visitados e objetivos dessas
visitas.

Visita 1: A visita foi realizada pelos alunos e professores dos cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) de Operador
de Microcomputador, Inglês e Espanhol no Centro Cultural Banco do Brasil, (CCBB), teve como modelo de turismo
pedagógico e destacou-se pelo caráter pluridisciplinar desenvolvendo elementos de visita e pós-visita. Aponta-se o
elemento educacional, cultural e inovador pois os alunos visitaram, apreciaram e conheceram obras de arte de artistas
renomados mundialmente. Os conhecimentos adquiridos nesta visita, foram aplicados nas respectivas salas de aula.

1005
A Escola: Dinâmicas e Atores

Visita 2: Esta visita foi realizada pelos alunos e professores dos cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) de
Operador de Microcomputador, Inglês, Espanhol e Técnico em Manutenção Automotiva ao Teatro Cláudio Santoro, onde
os alunos tiveram a oportunidade de contemplar a apresentação da Orquestra Sinfônica de Brasília. O caráter
pluridisciplinar da visita destacou-se em virtude da oportunidade oferecida aos alunos em conhecer a música clássica e
erudita, enriquecendo o ensino-aprendizagem e despertando o interesse em variados aspectos culturais, bem como
proporcionando a interação de diferentes modalidades de ensino.

Visita 3: Visita a la Embajada del Chile. A visita foi realizada por alunos e a professora do Curso de Espanhol Básico à
Embaixada do Chile, que teve o caráter multidisciplinar, destacando-se os elementos culturais e sócio linguísticos que
enriqueceram o ensino-aprendizagem, tornando assim um instrumento teórico e prático para as aulas futuras.

Visita 4: Um Zoo Noturno: Os alunos dos Cursos Operador de Microcomputador, Auxiliar Administrativo, Inglês e Espanhol
Básico, realizaram uma excursão ao Zoológico de Brasília no período noturno. Foi um período de visita apenas de uma
noite e destacou-se pelo caráter pluridisciplinar, que constituiu-se como prática que visa uma compreensão de
conhecimentos específicos. A visita pode ser caracterizada como uma metodologia de ensino-aprendizagem que
privilegia a formação técnico-profissional.
Quadro 1 - Análise de dados baseado nos objetivos das visitas técnicas
Fonte: Elaboração própria, 2016
As visitas técnicas realizadas pelos alunos dos cursos Técnicos e de Formação inicial e continuada –
FIC do IFB, foram de extrema importância para o aprendizado e o desenvolvimento sócio cultural desses
alunos. A atividade de visita técnica visa o encontro desses alunos com o universo amplo de conhecimentos
possibilitando meios que proporcionem aos participantes uma formação mais ampla que colabore com a
reflexão dos alunos em relação à postura como cidadãos críticos e participativos na sociedade.

A opinião dos alunos sobre as atividades culturais


A descrição dos dados, nos leva a discutir assuntos pertinentes, no que se refere à importância das
visitas técnicas no contexto dos cursos Técnicos e de Formação Inicial e continuada – FIC do IFB, e também
a elementos específicos da realidade dos participantes deste estudo.

Tabela 1 - Atividades culturais realizadas antes de entrar no IFB


Fonte: Elaboração própria, 2016
Considerando como Atividades Culturais show, cinema, biblioteca, exposições, orquestras, museus,
e outros, podemos observar que, antes de ingressar no Instituto Federal de Brasília, só 10 (dez) alunos, que
somam apenas 21,7% haviam participado de mais de 6 (seis) atividades culturais, sendo este um número
insignificante diante das tantas opções que são oferecidas à população de um modo geral. Representando

1006
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

23,9% dos alunos, 11 não puderam ou não tiveram a oportunidade de participar dos milhares de eventos que
ocorreram durante o ano de 2015. Apesar de somar 41,3% dos entrevistados, apenas 19 estudantes já haviam
participado de alguma atividade, mas não passavam de três.

Tabela 2 - Motiva da não participação


Fonte: Elaboração própria, 2016
Dentre os motivos informados pelos alunos para a não participação em nenhuma Atividade Cultural,
um informou ter dificuldade de transporte, 3 não tinham informações sobre eventos, 5 deixaram de participar
por falta de recurso financeiro e, entre outros motivos, citaram o fato de não achar importante e não morar em
Brasília.

Tabela 3 - Visitas realizadas após ingresso no IFB


Fonte: Elaboração própria, 2016
Ingressar nos cursos FIC, Técnico ou Licenciatura, oferecidos pelo campus Estrutural do IFB, mudou
a realidade dos alunos. Além do incentivo fornecido pelo campus, os alunos ainda se despertaram para buscar
outros eventos. Com a realização das quatro visitas técnicas, o número de alunos que participaram de 1 a 3
visitas praticamente dobrou, passando de 41,3% para 82,6%. A aluna que não participou dos eventos
informou não haver compatibilidade com os horários dela.

1007
A Escola: Dinâmicas e Atores

Tabela 4 - Visitas promovidas pelo IFB


Fonte: Elaboração própria, 2016
Analisando o gráfico acima, podemos perceber que 56,8% dos alunos só participaram de eventos
quando oferecidos pelo Campus Estrutural. Apenas 1 aluno participou de outras visitas técnicas não
oferecidas pelo campus e 1 aluno participou de muitos outros eventos.
A segunda parte do questionário constitui-se de uma parte descritiva, onde os alunos respondem a
questões descritivas sobre a opinião dos mesmos sobre as visitas. As respostas mais citadas foram:
experiência agradável, divertida, dinâmica, interessante, importante para a promoção da interdisciplinaridade
e consideraram um grande aprendizado uma vez que possibilitou o conhecimento de outros lugares. Uma
grande parte dos discentes avaliou como ótimo essa oportunidade promovida pelo IFB, campus Estrutural.
Com a análise das respostas é possível constatar que o transporte é um fator que impede os alunos
de conhecerem monumentos e apreciarem as exposições e apresentações culturais que são constantes na
Capital Federal, apesar de muitos morarem na cidade Estrutural, uma das cidades satélites mais próxima do
centro da capital. A disponibilidade de ônibus institucional, rompe essa dificuldade aproximando os alunos
dessas possibilidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa demonstra que o ambiente cultural pode ser um aliado ao processo de aprendizagem,
pois o discente se aproxima da realidade vivenciando atividades culturais até então desconhecidas pelos
mesmos apesar de residirem na Capital Federal. Verificou-se que as visitas técnicas com o viés cultural,
permitem a reflexão, observação, integração entre alunos da mesma turma e de turmas diferentes.
O embasamento teórico apresentado neste artigo, dá suporte a essa prática educativa, pois
demonstra que as atividades extracurriculares, correspondem a uma prática educativa, que complementa a
formação técnica, social e cultural.
Outra questão a ser ressaltada é o fortalecimento da auto estima dos alunos que passam a fazer parte
do “grupo” que se sentem pertencentes ao local onde habitam, pois conseguem identificar os espaços
públicos, além disso, conhecem para que se destinam, qual o propósito, sua importância artística,
arquitetônica, cultural, política e social. É possível se inferir que esse conhecimento e sentimento, desperta
nos alunos a vontade de continuar essa descoberta, repassando às demais pessoas de sua convivência, a
vontade de conhecer também. Dessa forma, uma atividade extracurricular, atinge muito mais do que o aluno,
atinge toda uma comunidade.

1008
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Ressalta a importância dessas visitas culturais, já que é no campo que os alunos podem assimilar
mais conhecimentos e perceber in loco aspectos ligados ás disciplinas. Essa pesquisa atinge o objetivo
traçado, de forma a apresentar e descrever a educação cultural através das visitas técnicas extracurriculares,
realizadas com os alunos do campus Estrutural - IFB no ano de 2015, demonstrando o agregamento de
conhecimentos aos debates realizados em sala de aula, assim como, propiciou aos alunos-cidadãos o
sentimento de pertencimento à cidade e desse modo, a promoção à inclusão social dessa comunidade por
meio das atividades de ensino aliadas a extensão.

REFERÊNCIAS
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agosto de 2015 em: http: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988.
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Brasília: MEC.
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março, 2016 em: http://www.codeplan.df.gov.br/images/CODEPLAN/PDF/pesquisa_ socioeconomica
/pdad/2013/PDAD_SCIA_ESTRUTURAL_2013-2014.pdf.
Gonçalves Santos, J. (2003). O patrimônio como categoria de pensamento. In R., Abreu & M., Chagas (Org.),
Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos (pp.22-29). Rio de Janeiro: DP&A.
Horta Parreira, M. et al (1999). Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: IPHAN/ Museu Imperial.
Pelegrini Filho, A. (1993). Ecologia Cultura e Turismo. Campinas, SP: Papirus.
Prigol, S. & Moraes, S. (2008). A importância da utilização de práticas no processo de ensino-aprendizagem
de ciências naturais enfocando a morfologia da flor. 1° Simpósio Nacional de Educação. XX Semana
de Pedagogia. Cascavel, PR. Disponível em 01 de abril de 2016 em: http://www.unioeste.br/
cursos/cascavel/pedagogia/eventos/2008/1/Artigo% 2033.pdf.
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perdido. Revista Brasileira de Educação, 37 (13), 71 - 83. Disponível em 15 de março de 20-16 em:
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v13n37/07.pdf.
Vasconcelos Batista, L. & Santos Souza, F. (2012). Identidade, Educação, e Patrimônio: A Experiência de
Educação Patrimonial na Escola Estadual Giselda Belo em Garanhuns - PE. VI Colóquio
Internacional, São Cristovão, SE. Disponível a 26 de agosto de 2015 em: http://educonse.com.br/
2012/eixo_17/PDF/29.pdf.
Viana Fonseca, F. (2009). Patrimônio e educação: Desafio para o processo de ensino aprendizagem.
Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense, RJ. Disponível em 17 de agosto de 2015.

1009
A Escola: Dinâmicas e Atores

PROPOSTA DE RECONHECIMENTO DE SABERES DOS PROFESSORES DA


EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: IMPLEMENTANDO O RECONHECIMENTO DE
SABERES E COMPETÊNCIAS
[ID 262]

Natália Valadares Lima


Daisy Moreira Cunha
Universidade Federal de Minas Gerais; Universidade Federal de Minas Gerais
natvlima@gmail.com; daisy-cunha@uol.com.br

Resumo
A presente comunicação tem como objetivo discutir o desenvolvimento e implementação de políticas públicas
voltadas para o reconhecimento de saberes e competências dos professores da carreira do Ensino Básico
Técnico e Tecnológica (EBTT). Para tal, realizamos um breve histórico das bases legais que viabilizam a
implementação do Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC) pelas instituições que compõe a Rede
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Brasil. A partir desse levantamento, aprofundamos nossa
análise sobre o processo de reconhecimento de saberes a partir da implementação de tal processo no Centro
Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. A análise aqui proposta aponta para a necessidade de
se pensar as formas de implementação de políticas de reconhecimento de saberes docentes no Brasil, uma
vez que constata-se uma valorização das atividades de pesquisa, em detrimento das atividades de ensino.
Ademais, a forma de avaliação, por meio de análise documental, coloca em questão quais são os saberes
valorizados e avaliados no âmbito do RSC.

Palavras-chave: Saberes docentes, Ensino básico, Técnico e Tecnológico, Reconhecimento de saberes.

Resumé
Cette communication présente la mise en œuvre d’un dispositif de reconnaissance des savoirs et des
compétences des enseignants de l'enseignement technique dans le cadre du Centre Fédéral de l'Éducation
Technologique de Minas Gerais (CEFET-MG) au Brésil. La communication présente comme la RSC
(Reconhecimento de Saberes e Competências) a été réglementée au Brésil, ainsi que les critères, exigences
et dilèmes d’un tel processus d'évaluation. À cette fin, nous avons analysé les textes juridiques régissant la
RSC au Brésil, ainsi que les documents fournis par le CEFET-MG sur sa démarche d'évaluation. Enfin, nous
nous interrogeons sur les conditions de possibilité d’une tel démarche d’évalutation des connaissances
acquises dans le cadre de l'expérience de l'enseignement.

Mots-clés: Savoirs enseignants, Formation professionnelle, Reconnaissance des savoirs.

INTRODUÇÃO
Esta comunicação visa apresentar as primeiras discussões resultantes da pesquisa de doutorado
intitulada Experiência, saberes e formação: reconhecimento de saberes e competências dos professores do
ensino básico, técnico e tecnológico e tem como objetivo central problematizar o desenvolvimento e
implementação de políticas públicas voltadas para o reconhecimento de saberes e competências dos
professores da carreira do Ensino Básico Técnico e Tecnológica (EBTT). Para tal, realizamos uma análise
dos dispositivos legais que dispõem sobre políticas voltadas para o reconhecimento de saberes construídos
ao longo da vida, aprofundando nossa discussão ao tratar dos dispositivos de reconhecimento de saberes
dos docentes da educação profissional atualmente vigentes no Brasil, denominado Reconhecimento de
Saberes e Competências.

1010
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A questão da aprendizagem ao longo da vida e, portanto, do reconhecimento dos saberes


construídos em diferentes locais e externos às instituições de ensino, vêm ganhando centralidade nos dias
atuais. Nesse contexto, faz-se necessário discutir quais as são alternativas para valorização das
aprendizagens realizadas pelos sujeitos ao longo de sua vida. Subjacente à essa noção, concebe-se que a
educação se dá em diferentes tempos e espaços, ultrapassando as formas institucionalizadas de educação.
Reconhece-se que a educação se estende à diferentes contextos sociais, tal como o trabalho, atividades
comunitárias e a vida familiar, que, por sua vez, constituem-se como lócus de produção de saberes. A
aprendizagem não pode mais ser delimitada ao tempo de escolarização formal, considerando-se (e exigindo-
se) que ela aconteça continuamente no decorrer da vida do indivíduo.
Em consonância com esse discurso, ampliam-se as demandas por iniciativas que busquem
desenvolver metodologias que viabilizem o reconhecimento social de aprendizagens construídas na/pela
experiência (Moraes & Neto, 2005; Alcoforado, 2008). São vários os autores que estudam a implementação
desses dispositivos em diferentes países ao longo das últimas quatro décadas (Bjørdnâvold & Le Mouillor,
2009; Young & Allais, 2013; Jarvis, 2014; entre outros).
As iniciativas nesse sentido são respaldadas pelas orientações emitidas por agências internacionais
a respeito da educação e formação de adultos (Alcoforado, 2008). Nesse âmbito, destacamos a atuação da
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), que, por meio das
Conferências Internacionais sobre Educação de Adultos, especialmente daquela realizada no ano de 1998,
recomenda a seus Estados membros a elaboração de políticas públicas de validação e certificação de saberes
resultantes de diferentes tipos de experiência (UNESCO, 1999).
Nesse contexto, o governo do Brasil vem tentando desenvolver políticas públicas que procuram
avaliar e certificar os saberes dos trabalhadores, independentemente de sua inserção em rotas de formação
escolares. Essas ações tomam como fundamento legal o artigo 41 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) de 1996 (Lei 9.394/1996), que dispõe que “o conhecimento adquirido na educação
profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para
prosseguimento ou conclusão de estudos” (Lei 9.394/1996), respaldando a criação de políticas públicas
voltadas para a certificação profissional de trabalhadores através do reconhecimento dos saberes construídos
na atividade de trabalho.
A partir da LDBEN, as discussões acerca da promoção de programas voltados para o
reconhecimento e a certificação de saberes ganharam espaço no plano governamental. Localizamos como
uma das políticas públicas mais recentes nesse sentido, a instituição da Rede Nacional de Certificação
Profissional e Formação Inicial e Continuada (Rede Certific) no ano de 2009. Essa Rede tem como objetivo
promover a formação e certificação profissional de adultos trabalhadores, e comporta, majoritariamente,
certificações de profissões que requerem pouca escolarização, como pedreiros, pintores, criadores de peixe,
dentre outras (Lima, 2011).
Uma outra corrente da certificação de saberes do trabalho, dessa vez voltada para os professores
da educação profissional e tecnológica, localiza-se na elaboração do Reconhecimento de Saberes e
Competências (RSC) no ano de 2012. Esse dispositivo, previsto na lei 12.772/2012, possibilitou que
professores ocupantes de cargos da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT)
insiram-se em processos de reconhecimento de saberes para fins de obtenção de Retribuição por Titulação,
conforme será detalhado abaixo.

1011
A Escola: Dinâmicas e Atores

Diante desse quadro emergente, a presente comunicação propõe um levantamento das políticas
que viabilizam o reconhecimento de saberes dos docentes do EBTT, visando problematizar a forma como
essas políticas vêm sido implementadas. Considerando que o Reconhecimento de Saberes e Competências
(RSC) é a política vigente com tal finalidade, exploramos mais aprofundadamente como ela está constituindo
no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) - uma das instituições que
compõe a Rede Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - para questionar os pressupostos teóricos-
metodológico que a orientam.

BASES LEGAIS DO RSC


O processo de Reconhecimento de Saberes e Competências dos professores do Ensino Básico,
Técnico e Tecnológico (EBTT) surgiu no ano de 2012, com a promulgação da lei 12.772, de 28 de dezembro
de 2012. Esse dispositivo vem à tona para atender às demandas de reestruturação da carreira de magistério
EBTT, que ganharam destaque com o movimento grevista dos docentes das instituições de ensino federal no
ano de 2012.
Esta lei estabelece em seu artigo 18, inserido no capítulo que trata sobre a remuneração do plano
de carreiras e cargos do magistério federal, que
No caso dos ocupantes de cargos da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico, para fins de percepção da RT [Retribuição por Titulação], será considerada a
equivalência da titulação exigida com o Reconhecimento de Saberes e Competências –RSC
(Lei 12.772/2012).
A Retribuição por Titulação que trata o artigo 18 constitui-se enquanto parte do vencimento dos
docentes das instituições de ensino federais, composta pelo Vencimento Básico somado à Retribuição por
Titulação à qual o docente fizer jus. Em alguns casos, a Retribuição por Titulação é responsável por um
aumento significativo no salário dos docentes, podendo chegar a representar mais de 50% da composição
salarial de um professor. Assim sendo, a Retribuição por Titulação via obtenção de RSC abriu possibilidades
de grandes ganhos financeiros pelos docentes inseridos na carreira EBTT e teve ampla abrangência, como
será explicitado no caso do CEFET-MG.
A lei 12.772/2017 estabelece a concessão de RSC em três diferentes níveis, a saber: 1) diploma de
graduação somado ao RSC-I, que equivale ao título de especialista; 2) certificado de pós-graduação lato
sensu somado ao RSC-II, que se equipara ao mestrado; e 3) titulação de mestre somada ao RSC-III, que
equivale ao título de doutor. Assim sendo, os docentes que obtiverem o RSC em qualquer um dos níveis,
receberá a Retribuição por Titulação referente ao nível superior ao de sua titulação acadêmica.
É importante ressaltar que a equivalência entre o RSC e a titulação acadêmica somente pode ser
adotada para cálculo da Retribuição por Titulação, sendo que a promoção e/ou a aceleração da promoção na
carreira EBTT, também regulamentadas pela lei 12.772/2012, ainda se vinculam à exigência de titulação
acadêmica. Nesse sentido, a promoção de um professor para Classe Titular, somente poderá acontecer
mediante a apresentação do título de doutor, bem como a aprovação no processo de avaliação de
desempenho e a elaboração de memorial das atividades acadêmicas desenvolvidas ou defesa de tese
acadêmica inédita.
Para a elaboração de procedimentos de concessão do RSC, a lei 12.772/2012 criou o Conselho
Permanente para Reconhecimento de Saberes e Competências (CPRSC). Este Conselho é responsável por
determinar as diretrizes e procedimentos para a concessão do RSC, analisar e homologar os regulamentos

1012
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

específicos de cada Instituição Federal de Ensino para o RSC, e orientar a supervisão do Ministério da
Educação e do Ministério da Defesa sobre a concessão do RSC pelas Instituições Federais de Ensino.
O CPRSC é composto por representantes do governo federal, dos gestores da Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica, dos trabalhadores da educação federal e da comunidade em geral.
Com esse arranjo, o CPRSC parece contemplar a representação dos principais setores envolvidos e
interessados na implementação e desenvolvimento do processo de Reconhecimento de Saberes e
Competências.
Ao tratar do processo de Reconhecimento de Saberes e Competências, a Portaria nº 491/2013, que
rege o RSC, estabelece que ele deverá ser conduzido por uma Comissão Especial composta por docentes
internos e externos à instituição do professor solicitante do RSC. É exigido que os membros da banca sejam
docentes da carreira EBTT e que, no mínimo, 50% destes sejam profissionais externos à instituição. Todos
os membros da Comissão Especial são escolhidos por meio de sorteio no Banco de Avaliadores, composto
por professores da carreira em questão.
Já a Resolução 01, de 20 de fevereiro de 2014, que estabelece as diretrizes para o processo de
RSC, apresenta, pela primeira vez em textos legais, uma definição do que se entende por Reconhecimento
de Saberes e Competências. De acordo com seu artigo 2º:
Conceitua-se Reconhecimento de Saberes e Competências o processo de seleção pelo qual
são reconhecidos os conhecimentos e habilidades desenvolvidos a partir da experiência
individual e profissional, bem como no exercício das atividades realizadas no âmbito
acadêmico, para efeito do disposto no artigo 18 da Lei nº 12.772, de 2012 (Resolução 01,
2014).
Assim sendo, o texto da Resolução explicita que o processo de reconhecimento deve se basear nas
experiências individuais de cada docente, desenvolvidas ao longo da vida, e não somente no âmbito da
instituição de ensino ao qual o docente se vincula. Nesse sentido, o artigo 7º da Resolução coloca que o
reconhecimento das atividades independe do tempo em que as mesmas foram realizadas.
Em uma análise dos critérios para concessão do RSC aos docentes, verificamos que a valorização
da experiência profissional dos docentes, em especial a atuação em sua área de formação, concentra-se no
primeiro nível do RSC, sendo que nos outros dois níveis as atividades acadêmicas são predominantes. A
título de exemplificação, elencamos abaixo as atividades relacionadas na Resolução nº 01/2014 como
passiveis de avalição para obtenção do RSC de nível 3.
a) Desenvolvimento, produção e transferência de tecnologias;
b) Desenvolvimento de pesquisas e aplicação de métodos e tecnologias educacionais que proporcionem
a interdisciplinaridade e a integração de conteúdos acadêmicos na educação profissional e
tecnológica ou na educação básica;
c) Desenvolvimento de pesquisas e atividades de extensão que proporcionem a articulação institucional
com os arranjos sociais, culturais e produtivos;
d) Atuação em projetos e/ou atividades em parceria com outras instituições;
e) Atuação em atividades de assistência técnica nacional e/ou internacional;
f) Produção acadêmica e/ou tecnológica, nas atividades de ensino, pesquisa, extensão e/ou inovação;
g) Outras pós-graduações stricto sensu, na área de interesse, além daquela que o habilita e define o
nível de RSC pretendido, no âmbito do plano de qualificação institucional.
Constata-se que as atividades avaliadas nesse nível dizem respeito, principalmente, à participação
em eventos e cursos, orientação de alunos, desenvolvimento de pesquisas e/ou atividades de extensão.

1013
A Escola: Dinâmicas e Atores

Consideramos, ainda, que esses critérios de avaliação deixam de lado a valorização das atividades de ensino
em sala de aula, característica primordial da docência, bem como supervalorizam as atividades de pesquisa,
trazendo à tona um novo perfil de professor da educação profissional, pautando-se na sua atuação enquanto
pesquisador.
As atividades dos docentes são avaliadas por meio de análise de relatório contendo a documentação
que prove a realização das mesmas ou, quando se trata de atividades realizadas antes de 1º de março de
2013, por meio de memorial descritivo elaborado pelo docente e contendo a descrição detalhada de sua
trajetória profissional e acadêmica. Dessa forma, a análise dos saberes proposta pelo RSC pauta-se na
comprovação documental de atividades desenvolvidas, deixando de lado qualquer possibilidade de análise
do trabalho docente como um todo, portanto, não tratando dos saberes desenvolvidos na experiência de
trabalho.
A definição dos parâmetros de avaliação ficou a cargo de cada uma das instituições federais de
ensino, e devem ser determinadas por meio de regulamento interno, considerando as especificidades
institucionais. Uma vez elaborados, os regulamentos devem ser submetidos à avaliação do Conselho
Permanente de Reconhecimento de Saberes e Competências e somente podem ser publicados após sua
aprovação.
Para aprofundamos a análise do processo de avaliação do RSC, optamos por estudar como se dá
o processo de Reconhecimento de Saberes e Competências no Centro Federal de Educação Tecnológica de
Minas Gerais (CEFET-MG), o qual será apresentado a seguir.

O RECONHECIMENTO DE SABERES E COMPETÊNCIAS NO CEFET-MG


Breve caracterização da instituição
O CEFET-MG foi criando em 1978, por meio da lei 6.545/78, que transformou as então Escolas
Técnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica. Apesar de constituir-se enquanto Centro
Federal de Educação Tecnológica somente em 1978, a instituição se origina da Escola de Aprendizes e
Artífices de Minas Gerais criada em 1909. Desde sua inauguração até o ano de 1978, a instituição passou
por diversas transformações, sendo denominada Liceu Industrial de Minas Gerais, a partir de 1941; Escola
Industrial de Minas Gerais, em 1942; Escola Técnica de Belo Horizonte, no mesmo ano, e se Escola Técnica
Federal de Minas Gerais, entre 1959 e 1978.
Atualmente, o CEFET-MG possui 11 campi, sendo 4 localizados na região metropolitana de Belo
Horizonte e 7 distribuídos entre as cidades de Araxá, Curvelo, Divinópolis, Leopoldina, Nepomuceno, Timóteo,
Varginha. A instituição oferta cursos técnicos nas modalidades integrada, concomitante e subsequente, além
de cursos superiores de graduação e pós-graduação. No total são ofertados 93 cursos do ensino técnico, 19
cursos de graduação e 16 cursos de pós-graduação, estes divididos entre especialização lato sensu,
mestrado e doutorado (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais [CEFET-MG], 2015).
Enquanto instituição federal de ensino, o CEFET-MG emprega docentes das carreiras de Magistério
Superior e do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, sendo 71 docentes inseridos na primeira e 853 docentes
da carreira EBTT. É importante ressaltar que essa divisão na carreira não implica a limitação da atuação do
docente em um só nível de ensino, pois eles podem atuar tanto no ensino superior quanto no ensino médio,
independentemente da carreira na qual se inserem.

1014
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Ao todo, o CEFET-MG possui 924 professores, sendo que destes 396 são doutores, 456 são mestres,
20 são especialistas, 12 possuem o título de aperfeiçoados e 40 são graduados (CEFET-MG, 2015). No que
diz respeito ao RSC, até o final do ano de 2015, foram concedidos 484 RSCs, distribuídos da seguinte forma:
10 RSCs de nível I, 37 RSCs de nível II e 436 RSCs de nível III.
Ao analisarmos esses dados, contatamos que 96% dos docentes com mestrado no CEFET-MG foram
aprovados no processo de avaliação do RSC III. Já o número de professores com RSC II, ultrapassa a
quantidade de docentes com especialização da instituição, fato que pode ser explicado pelo tipo dos dados
apresentados neste momento, pois, enquanto o número de docentes se refere à dezembro de 2015, os dados
sobre a concessão de RSC diz respeito a todas as solicitações já aprovadas no âmbito da instituição, sendo
que, em alguns casos, o docente pode ter se desligado da instituição posteriormente à concessão do RSC.
A apresentação inicial dos dados acima apresentados serve para explicitar o impacto que a política
de reconhecimento de saberes teve no CEFET-MG. Fazendo-se necessário, na próxima etapa desta
pesquisa, uma análise mais aprofunda sobre o processo de reconhecimento em si, bem como sobre a
natureza dos saberes valorizados e o impacto dessa política para as instituições de ensino, em especial sobre
o processo de qualificação acadêmica dos docentes.

Os dispositivos do RSC no CEFET-MG


O Reconhecimento de Saberes e Competências no CEFET-MG foi regulamentado pela Resolução
CD-019/14, de 10 de junho de 2014. Em consonância com as determinações legais, a Resolução estabelece
que os procedimentos para concessão do RSC aos docentes da instituição serão conduzidos por Comissão
análoga à Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD). Esta Comissão será composta por membros
do CPPD pertencentes exclusivamente à carreira EBTT.
Para fazer jus ao RSC o docente deve protocolar a solicitação junto ao CPPD, por meio do
preenchimento de formulários específicos e apresentação da documentação comprobatória das atividades
realizadas ao longo de sua vida. Além do formulário de solicitação, o docente deverá preencher um “relatório
descritivo”, informando as atividades realizadas ao longo de sua trajetória acadêmica, profissional e
intelectual. De acordo com a Resolução CD-019/14, o relatório descritivo deve conter:
[...] c) o itinerário de formação, aperfeiçoamento e titulação; d) a descrição da atuação
docente; e) a indicação e descrição de produção acadêmica, técnico-científica, literária,
artística e/ou esportiva; f) descrição das atividades de prestação de serviços à comunidade;
g) indicação e descrição de atividades de administração e/ou participação em colegiados e
conselhos deliberativos, órgãos de classe ou outros; h) indicação de títulos, homenagens,
prêmios e/ou aprovações em concursos; i) cópias de documentos que comprovem as
atividades contidas no relatório descritivo, devidamente validadas pela Comissão análoga à
CPPD; j) planilha de atividades e pontuação; k) quadro-síntese das atividades descritas no
relatório [...] (CEFET-MG, 2014).
A avaliação do relatório descritivo deve ser realizada por Comissão Especial composta por 4
(quatro) membros, sendo dois internos e dois externos a instituição. Destaca-se que a constituição das
Comissões Especiais é variável, uma vez que os avaliadores são escolhidos por meio de sorteio a partir dos
docentes que fazer parte do Banco de Avaliadores institucional e nacional.
Toda avaliação é orientada por um sistema de pontuação estabelecido no âmbito da instituição. Os
critérios de avaliação são elencados em uma planilha na qual consta o tipo da atividade, os fatores de
pontuação e o valor máximo que poderá ser alcançado em cada atividade. A descrição das atividades,
denominadas de Diretrizes na Resolução CD-019/14, por sua vez, são subdivididas em ações específicas,
relacionadas à diretriz em questão. No Quadro 1, apresentamos as diretrizes para avaliação no RSC-II, com

1015
A Escola: Dinâmicas e Atores

seu peso e as respectivas pontuações máximas. Já no quadro 2 são explicitadas as atuações avaliadas dentro
da diretriz IV desse mesmo nível.
Pontuação
Diretrizes Reconhecimento de Saberes e Competências II Peso
Máxima
I - Orientação do corpo discente em atividades de ensino, pesquisa, extensão, e/ou
2 20
inovação
II - Participação no desenvolvimento de protótipos, depósitos e/ou registros de
1 10
propriedade intelectual
III - Participação em grupos de trabalho e oficinas institucionais 2 20
IV - Participação no desenvolvimento de projetos, de interesse institucional, de ensino,
2 20
pesquisa, extensão e/ou inovação
V - Participação no desenvolvimento de projetos e/ou práticas pedagógicas de
1 10
reconhecida relevância
VI - Participação na organização de eventos científicos, tecnológicos, esportivos, sociais
1 10
e/ou culturais
VII - Outras pós-graduações lato sensu, na área de interesse, além daquela que o habilita
1 10
e define o nível de RSC pretendido, no âmbito do plano de qualificação institucional
Subtotal 10 100
Quadro 1 - Diretrizes de avaliação do RSC-II

Fator de Quantidade Pontuação


RSC II Unidade Quantidade Pontuação
Pontuação máxima Máxima
IV - Participação no desenvolvimento de projetos, de interesse institucional, de ensino, pesquisa, extensão
e/ou inovação.
Elaboração de projetos de ensino,
1 pesquisa, inovação tecnológica ou 10,00 projeto 2 0 20
extensão
Coordenação de projeto de
mês por
2 pesquisa, inovação tecnológica ou 0,83 24 0 20
projeto
extensão
Desenvolvimento de projetos
visando a capacitação de mês por
3 0,83 24 0 20
professores ou outros projeto
profissionais
Atuação nas atividades de ensino,
pesquisa e extensão e as
atividades inerentes ao exercício
de direção, assessoramento,
4 0,21 Mês 96 0 20
chefia, coordenação ou
assistência na própria instituição,
nos diversos níveis e modalidades
de ensino
Participação em projetos de
mês por
5 ensino, pesquisa, inovação 0,56 36 0 20
projeto
tecnológica ou extensão
Quadro 2 - Atuações avaliadas dentro da diretriz IV do RSC-II
O valor de cada diretriz pode variar entre 10 e 30, dependendo do peso que a instituição atribui a
mesma, que pode variar entre 1 e 3. Da mesma forma, a pontuação relacionada a cada atuação do docente
também pode variar entre 10 e 30, contudo a soma das atuações deve respeitar o valor máximo da diretriz
em questão. Por exemplo, o número máximo de projetos de pesquisa, ensino, extensão e inovação
tecnológica (item I da Quadro 3) que podem ser reconhecidos para fins de obtenção do RSC II é de 2 projetos.
Uma vez que o fator de pontuação é de 10 pontos por projeto, o valor máximo a ser alcançado pelo docente
são 20 pontos. Tendo em vista que o valor máximo da diretriz IV é também de 20 pontos (ver Quadro 2), ao
contemplar integralmente o item I desta diretriz, o docente já obteve toda a pontuação possível dentro desta
diretriz, sendo que as outras atuações listadas neste âmbito podem ser desconsideradas, para fins de
avaliação.

1016
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Para fins de avaliação o docente poderá pontuar em qualquer um dos níveis do RSC, e não somente
no nível pretendido. Contudo, a pontuação máxima a ser alcançada em cada um dos níveis é de 100 pontos,
ou seja, o maior valor que poderá ser atingido por um docente é de 300 pontos no total. Para a aprovação no
RSC, o professor deverá conseguir no mínimo 50 pontos, em qualquer nível, mas é preciso que ele obtenha,
obrigatoriamente, no mínimo 25 pontos no nível do RSC pretendido.
Essa definição de valores máximos a serem atingidos no reconhecimento de saberes nos coloca a
questão sobre o efetivo reconhecimento de saberes docentes, pois a avaliação é limitada a contemplação da
pontuação pré-definida, correndo-se o risco de ignorar grande parte desenvolvidas pelos docentes dentro e
fora da instituição de ensino. Por outro lado, a delimitação do mínimo de pontos a serem atingidos parece-
nos extremamente baixa, ainda mais se considerarmos que na soma total dos pontos distribuídos no sistema
de pontuação estabelecido pela instituição é de 2.400 pontos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse trabalho buscamos problematizar como as ações voltadas para o reconhecimento de saberes
e certificação de professores do Ensino Básico Técnico e Tecnológica (EBTT) vêm se corporificando nas
políticas públicas brasileiras. Para tal, apresentamos a forma como o RSC vem sendo regulamentado pelo
governo federal e implementado em uma instituição de ensino da Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica.
Em uma primeira análise do processo de reconhecimento de saberes e competências constatamos
que ele se constitui como forma de avaliação meramente qualitativa, centrada na agregação de documentos
comprobatórios de atividades valorizadas dentro um referencial de avaliação estático. Tal formato, levanta
questões sobre o que está realmente sendo valorizado e quais saberes docentes estão sendo reconhecidos
no curso desse processo. Ademais, abre-se, assim, questionamentos quanto as possibilidades de avaliação
dos saberes docentes e qual seria uma forma mais coerente de avaliação.
Essa discussão aponta para a complexidade um processo de avaliação que valoriza, ainda,
majoritariamente, as atividades de pesquisa, em detrimento da experiência profissional do sujeito, bem como
das atividades de ensino em sala de aula. Coloca-se em pauta, então, quais serão/são os efeitos dessa
valorização para o desenvolvimento de atividades dos docentes da carreira EBTT dentro das instituições de
ensino no Brasil.
Destacamos, ainda, que o trabalho docente é rico em saberes. Estes são construídos no curso do
trabalho, junto aos alunos, aos pares e à comunidade, não podendo ser delimitado dentro de grades de
avaliação estáticas. Assim, é preciso nos atentarmos para que o processo de avaliação desses saberes não
se constitua em mais uma atividade burocrática realizada no âmbito das instituições de ensino, mas sim como
um processo de valorização dos saberes docentes.

REFERÊNCIAS
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de um modelo português de educação e formação de adultos. Tese de Doutoramento. Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.
Bjørdnâvold, J. & Le Mouillor, I. (2009). Learning outcomes in validation and credit systems. European journal
of vocational training (pp.27-47).

1017
A Escola: Dinâmicas e Atores

Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (1996). Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Brasília, DF: Diário Oficial da União.
Lei Nº. 12.772, de 28 de dezembro de 2012 (2012). Dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e
Cargos de Magistério Federal. Brasília, DF: Diário Oficial da União.
Portaria nº 491, de 20 de junho de 2013 (2013). Cria o Conselho Permanente para o Reconhecimento de
Saberes e Competências da Carreira do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico.
Resolução CNE nº 01, de 20 de fevereiro de 2014 (2014). Brasília, DF: Diário Oficial da União.
CEFET-MG (2014). Resolução CD-019/14, de 10 de junho de 2014. Belo Horizonte: CEFET-MG.
CEFET-MG (2015). Relatório de Gestão do exercício de 2015. Belo Horizonte: CEFET-MG.
Jarvis, P. (2014). From adult education to lifelong learning and beyond. Comparative Education, pp.45-57.
Lima, N. V. (2011). Análise do sistema de reconhecimento de saberes e certificação profissional brasileiro:
um olhar sobre a Rede CERTIFIC. Monografia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
Moraes, C. & Neto, S. (2005). Educação, Formação Profissional e certificação de conhecimentos:
considerações sobre uma política pública de certificação profissional. Educação & Sociedade, 1435-
1469, abril.
UNESCO (1999). Conferência internacional sobre a educação de adultos: Declaração de Hamburgo: Agenda
para o futuro. Brasília: SESI/UNESCO.
Young, M. & Allais, S. (2013). Implementing National Qualification Frameworks across five continents.
Londres: Routledge.

1018
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

NARRATIVA DE FORMAÇÃO: O QUE É SER PROFESSOR NA BAIXADA


FLUMINENSE?
[ID 234]

Jurema Rosa Lopes


Rachel Monteiro Wyatt
Eline das Flores Victer
UNIGRANRIO
jlopes@unigranrio.edu.br; kra.w@hotmail.com; eline.victer@unigranrio.edu.br

Resumo
O presente estudo objetiva analisar a importância da relação entre atividade de trabalho, formação e tempo
de construção do conhecimento de professores da rede pública, concursados que lecionam na Baixada
Fluminense/RJ/Brasil, e que, em uma fase de sua escolaridade, cursaram a Educação de Jovens e Adultos.A
narrativa, quanto ao caminho metodológico adotado, privilegia a atividade de trabalho no encontro e
reencontro entre trabalhadores, de um lado, o professor entrevistado, de outro, os pesquisadores–professores
entrevistadores. A expectativa do encontro, desperta em ambos reflexões sobre si próprio, posto que trata-
se de seres humanos em relação estudando experiências de outros seres humanos em suas relações. Com
foco numa abordagem qualitativa, a pesquisa narrativa ao ser estruturada tem como intenção, compreender
e interpretar as dimensões pessoais e humanas, mais amplas que os modelos e esquemas fechados. O fato
de trabalharmos com seres humanos em determinada época, lugares e atividades, nos leva a compreender
a pesquisa em constante e contínuo processo de transformação, uma vez que diz respeito à dinamicidade
que envolve vidas e histórias compostas e narradas. Consideramos aqui, a narrativa do Professor, identificado
como Lúcio, que desenvolve suas atividades docentes junto aos alunos do nono ano do Ensino Fundamental
na Baixada Fluminense/RJ/Brasil. A narrativa produzida pelo professor pode revelar de que modo os
processos formativos podem ser facilitadores ou inibidores de processos de transformação nas escolas.
Concluímos que a atividade de trabalho tanto do professor como de qualquer trabalhador por estar
relacionada a vida e a história, coloca para o próprio trabalhador, opções de escolhas o que supõe debates
com ele mesmo, equivocidades e também comprometimentos. Também o estudo abre perspectivas para se
pensar a formação de professores e o propósito de cada um na atividade a ser desenvolvida na relação
professor-aluno.

Palavras-chave: Narrativa, Formação do professor, Atividade de trabalho.

Résumé
Cette étude vise à analyser l'importance de la relation entre l'activité de travail, la formation et le temps de la
connaissance des enseignants des écoles publiques, qui enseignent dans la Baixada Fluminense / RJ / Brésil,
et dans une phase de leur formation, ont assisté à la Education de jeunesse et adultos. L'écrit, comme
l'approche méthodologique adoptée, met l'accent sur l'activité de travail lors de la réunion entre les travailleurs:
l'enseignant et intervieweurs. La réunion, se réveille dans les deux réflexions sur lui-même, car il est des êtres
humains en ce qui concerne l'étude d'autres expériences humaines dans leurs relations. En se concentrant
sur une approche qualitative, la recherche narrative à être structuré est destiné à, comprendre et interpréter
les dimensions personnelles et humaines, plus larges que les modèles et les systèmes fermés. Le fait de
travailler avec les humains à certains, des lieux et des activités fois, nous amène à comprendre la recherche
dans le processus constant et continu de transformation, en ce qui concerne la dynamique impliquant des vies
et des histoires composées et racontées. Nous considérons ici le récit de l'enseignant, identifié comme Lucius,
qui développe ses activités d'enseignement avec les élèves de la neuvième année de l'école élémentaire dans
la Baixada Fluminense / RJ / Brésil. Le récit produit par l'enseignant peut révéler comment les processus de
formation peuvent être des facilitateurs ou inhibiteurs des processus de transformation dans les écoles. Nous
concluons que l'activité de travail à la fois l'enseignant et tout travailleur à être liés à la vie et de l'histoire, des
lieux pour le travailleur, les choix d'options qui implique des débats avec lui-même, et aussi equivocidades
engagements. Aussi l'étude ouvre des perspectives de réflexion sur la formation des enseignants et le but de
chacune des activités à développer dans la relation enseignant-élève.

Mots-clés: Narrative, La formation des enseignants, Activité de travail.

1019
A Escola: Dinâmicas e Atores

INTRODUÇÃO
A presente reflexão é um recorte de uma pesquisa mais ampla intitulada “Atividade de trabalho,
formação e construção de conhecimento: o que é ser professor na Baixada Fluminense?”, quando numa
perspectiva interdisciplinar, objetivamos analisar o percurso de formação de professores egressos da
Educação de Jovens e Adultos na Baixada Fluminense/RJ.
Vale ressaltar que a questão referente à Educação de Jovens e Adultos se encontra direcionada aos
professores que passaram pela escola pública, saíram em determinado momento da vida, retornaram á escola
e tornaram-se professores dessa mesma escola pública. Compreendemos que relacionar a formação
docente, tendo como antecedente uma fase de sua escolarização na Educação de Jovens e Adultos, é mais
uma possibilidade de ampliar o nosso conhecimento sobre a contribuição dessa modalidade de ensino.
Qualificamos nossa abordagem de narrativa docente de formação porque é a partir do mundo interior
através das ideias, dos sentimentos e das emoções que se apresenta um percurso exterior caracterizado por
atividades, deslocamentos e encontros. Desse modo é da qualidade das aprendizagens aceitas ou refutadas
pelos participantes que aprofundamos nossos saberes sobre o lugar da formação docente a partir das
experiências ao longo das quais se formam e se transformam as nossas identidades.
Em nossas reflexões trazemos a palavra do Professor de Biologia, identificado com Lúcio, que
desenvolve suas atividades docentes junto aos alunos do nono ano do Ensino Fundamental, em Belford
Roxo/Baixada Fluminense/ no Estado do Rio de Janeiro/Brasil, local em que o o referido professor viveu até
sua adolescência. Apresentamos em seguida, fragmentos da sua narrativa, sobre o seu percurso escolar,
como aluno, na Educação de Jovens e Adultos até o seu ingresso na rede pública de ensino como professor
da Educação Básica.
Defendemos que a questão do conhecimento está ligada a uma série de problemáticas que compõem
a formação do ser humano; assim, consideramos dois polos na formação docente: vida e história (Schwartz,
2000). Referimo-nos à vida e à história em movimento, que se expressam narrativamente na busca da
construção de significados que descrevem o homem e imprimem a vida e as experiências na atividade de
trabalho.
Abordamos,inicialmente, a partir da narrativa do docente, seu retorno à escola enquanto aluno da
Educação de Jovens e Adultos. Nesse retorno, sua narrativa revela como os processos formativos podem ser
facilitadores ou inibidores de processos de transformação nas escolas. Em seguida apresentamos a narrativa
do Prof. Lúcio, como professor da rede pública, pautada no processo de descobertas ou legitimação de
saberes sobre si mesmo que passa pelo conhecimento daquilo que concebemos que somos, do que
pensamos, do que fazemos, do que valorizamos, do que desejamos na relação com outro ser humano.

“MINHAS INSPIRAÇÕES, ASPIRAÇÕES E DESEJOS DE SER PROFESSOR?”


Na presente reflexão, trazemos a narrativa do Professor Lúcio, que desenvolve suas atividades
docentes junto aos alunos do nono ano do Ensino Fundamental, em Belford Roxo- Baixada Fluminense-RJ-,
local em que viveu até sua adolescência e no seu percurso de escolarização, foi aluno da Educação de Jovens
e Adultos.
As ideias, os sentimentos, as emoções que apresentam um percurso exterior são caracterizados
como atividades, deslocamentos e encontros. Esses últimos aspectos são evidenciados a partir das
aprendizagens aceitas ou refutadas pelos sujeitos e permitem aprofundarmos sobre o lugar da formação

1020
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

docente. Nesse sentido qualificamos nossa abordagem de narrativa docente. Com foco numa abordagem
qualitativa, a pesquisa narrativa ao ser estruturada tem como intenção compreender e interpretar as
dimensões pessoais e humanas mais amplas que os modelos e esquemas fechados (Clandinin & Connely,
2011).
Segundo as autoras, a educação se expressa em forma de experiências e as mesmas acontecem
narrativamente. As experiências vividas têm como base o tempo, os seres humanos, a ação e o contexto. O
fato de trabalharmos com seres humanos em determinada época, lugares e atividades, nos leva a
compreender a pesquisa em constante e contínuo processo de transformação, uma vez que diz respeito à
dinamicidade que envolve vidas e histórias compostas e narradas.

O retorno à escola como aluno: “Um professor arrogante.... eu sentia que qualquer frase
que eu fizesse não estaria boa.....”
Depois de 10 anos já trabalhava, tinha minha vida, aí pensei[…]. Eu vou estudar, tenho que
voltar a estudar. Porque eu ia fazer uma entrevista ou outra para ver se melhorava de emprego,
de salário alguma coisa[...] não conseguia porque só tinha o ensino fundamental. Resolvi voltar
a estudar, procurei uma escola particular e lá era o ano letivo de um ano. Já estava no ensino
médio, então na primeira semana aconteceu tudo de errado na escola nos primeiros dias de
aula. Um professor arrogante, hoje em dia eu encontro com ele, coincidência ele era muito
arrogante então tipo assim ele pedia uma frase[...] nós tivemos aulas dois dias com ele, durante
aquela semana ele pediu uma frase e eu sentia que qualquer frase que eu fizesse não estaria
boa. Fiquei pensando eu vou ficar aqui e ele toda vez vai ser do contra, mas[...] parecia algo
pessoal comigo, mas eu não sou assim. Resolvi sair da escola, só estudei essa semana. (Prof.
Lúcio).
Depois de dez anos, ao retornar à escola, “na primeira semana aconteceu tudo de errado na escola
nos primeiros dias de aula”. O Prof. Lúcio depara-se com “um professor arrogante”, distante dos estudantes,
indiferente à situação dos alunos e ao estreitamento da relação entre os que ensinam e os que aprendem. A
indiferença “parecia algo pessoal comigo, mas eu não sou assim. Resolvi sair da escola, só estudei essa
semana”. Em relação aos alunos que retornam à escola, pensamos que o medo de não conseguir levar
adiante o propósito de voltar a estudar pode fazê-lo desistir na primeira dificuldade. O receio em fracassar ou
ser bem aceito na escola faz emergir, nos parece, a ansiedade em encontrar na escola, um espaço acolhedor
que seja capaz de lhe proporcionar o resgate de sua integridade. Em relação ao professor “arrogante”, como
destaca Rancière (2013), não crê no poder da inteligência dos alunos trabalhadores do curso noturno; há
seres superiores, certamente os alunos do diurno, e seres inferiores, sendo que estes não podem aprender o
que aprendem os superiores, por isso acrescenta: “eu sentia que qualquer frase que eu fizesse não estaria
boa”
Duas aulas de um mesmo professor foram suficientes para que o Prof. Lúcio , na época, aluno da
EJA, determinado a estudar, procurasse outra escola depois de dez anos afastado. A frase de si para si
mesmo “eu sentia que qualquer frase que eu fizesse não estaria boa”, foi o ponto de partida para a tomada
de decisão, seguida de novas ações para o seu retorno à escola.
Fui procurar uma escola perto da minha casa na Abolição era supletivo do ensino médio e lá
eu comecei a estudar gostei muito. [...]Nessa escola, a relação era muito boa, todos os
professores eram muito simpáticos, educados, preocupados com os alunos, com o
aprendizado, se tinha alguma dúvida, todos eles explicavam o que você precisava. O
tratamento dos professores foi totalmente diferente [...] eu saía do trabalho às vezes sujo, eu
trabalhava com banho e tosa e ia direto estudar, mesmo assim eu não era tratado diferente
porque eu não tinha tempo de ir a casa, muitas vezes eu ia direto sujo e com cheiro de
perfume de cachorro E mesmo assim eu era bem tratado, então eu gostei muito mais por
isso, por causa dessa liberdade que eu tive de não ter que ir arrumadinho, de não ter que
agradar a ninguém, eles foram bastante agradáveis comigo (Prof. Lúcio).

1021
A Escola: Dinâmicas e Atores

Ainda com o desejo de retornar à escola, encontrou no “supletivo do ensino médio” uma nova
possibilidade de estudar. Sabemos que a relação professor-aluno em sala de aula é complexa e abarca vários
aspectos. Aqui o Prof. Lúcio não faz referência especial a um professor, mas aos professores de uma
determinada escola, o que nos leva a considerar a participação do coletivo dessa escola nas questões
relacionadas ao atendimento aos alunos da EJA. Pensamos que as decisões que circulam e movimentam o
coletivo de trabalho na escola convocam seus sujeitos a negociar com o que a equipe propõe. Assim, a
relação professor-aluno processa-se tanto na esfera pessoal, pautada no que cada professor realiza, como
na esfera coletiva, relacionada ao convívio e interação com o outro.
Nesse sentido, acreditamos que o resultado do trabalho na escola, junto a pessoas jovens e adultas,
depende da qualidade das relações do conjunto de sujeitos envolvidos nas atividades em direção ao passado
dos alunos e as futuras expectativas dos mesmos ao retornar ao espaço escolar.

O retorno à escola como aluno: “Eu me apaixonei por física.... eu quero dar aula de física.....”
Eu me apaixonei pelas aulas de física, eu olhava a professora dando aula e eu pensava: eu
quero dar aula de física porque física é muito bom. Um dia ela falou: - ser professor de física
é muito difícil. Ser professor é difícil, ela contou uma história muito triste[...]. Eu lembro que
ela falava que professor ganhava muito mal, ainda mais professor de física, não era qualquer
um que consegui acabar a faculdade de física, isso para mim foi um incentivo, (risos...) a
dificuldade toda que ela colocou e olha que eu era o aluno nota 10 dela, só tirava 9 (nove) e
10 (dez). Mesmo assim ela tentou desanimar, não a mim, a turma. Até hoje eu não entendo,
eu não entendo porque que ela falava daquele jeito, ela parecia tão feliz dando aula!! Quando
ela começava a falar da física[...] a aula dela era ótima, ela ensinava super bem, mas eu não
entendo porque que ela julgava que a pessoa não podia fazer faculdade de física. Daí decidi:
- vou fazer faculdade de física!
“Um dia ela falou que ser professor de física era muito difícil”, a frase nos remete às experiências
vividas com base no tempo, nos seres humanos, na ação e no contexto. O tempo, segundo Elias (1998),
considerado como meio de orientação, elaborado pelos homens com vistas a realizar tarefas sociais muito
precisas, nos leva a pensar sobre as expectativas do professor em relação às turmas de crianças, jovens,
adultos e idosos. Essas expectativas podem estar ligadas à procedência étnica, ao nome, aos aspectos
físicos, a idade, entre outras, de modo que isso fará com que o professor trate de modo diferenciado seus
alunos. Parece-nos que nem todos os professores fazem uma reflexão sobre suas expectativas diante de
uma turma. Acreditamos que por isso a professora destacou: “ser professor de física é muito difícil”,
descartando qualquer possibilidade do estudo da física pelos os alunos da EJA. Física pode ser “difícil”, porém
“ela parecia tão feliz dando aula [...]quando ela começava a falar da física [...]a aula dela era ótima, ela
ensinava super bem”, essa frase nos remete a uma segunda interpretação que parece sugerir a dificuldade
da maioria das pessoas em estudar física, não a dela, fazendo acreditar em sua tendência a se perceber
como dotada de um interior inacessível aos outros, por esse motivo “parecia tão feliz”. Nessa lógica os “outros”
são percebidos como algo de fora, pela dificuldade “deles” em aprender os conceitos da física. Sabemos que
a EJA caracteriza-se pela presença de alunos que não tiveram acesso ao ensino regular, nesse sentido
questionamos se a idade pode ser um fator que contribua para uma expectativa baixa do professor em relação
aos alunos.
Ainda podemos interpretar que o fato “ela tentou desanimar, não a mim, a turma” nos remete ou não
a uma tensão que supõe opções, debates e comprometimento, por isso o Prof. Lúcio destaca “daí eu decidi,
vou fazer faculdade de física!

1022
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O retorno à escola como professor: “Fui ser professor na escola onde estudei”
O processo de descobertas ou legitimação de saberes sobre si mesmo passa pelo conhecimento
daquilo que concebemos que somos, do que pensamos, do que fazemos, do que valorizamos, do que
desejamos na relação com outro ser humano. Assim, o Prof. Lúcio destaca:
Fui ser professor na escola onde estudei para poder concretizar o meu desejo que era o de
poder ajudar a escola, os alunos de Belford Roxo. Apesar do que a gente aprontou na escola!
Liguei para pedir GLP (GLP- Gratificação por Lotação Prioritária), quem atendeu foi à diretora.
Ela se apresentou como, professora Joelma. Perguntei: - Professora Joelma Marinho? - Ela
disse sim. Falei: - fui seu aluno. Ela falou: - que bom, ter um aluno que vai dar aula aqui.
Adorei. Qual o seu nome? Falei L. Ela respondeu: - L. A.? Esse nome não me é estranho
você é aquele aluno da turma que tinha seis Ls? Respondi: - sim! -Ela respondeu: - só que
não lembro qual deles. Amanhã estou te esperando na porta [...] quando cheguei e abri o
portão ela olhou para mim, botou a mão na cabeça e falou: - meu Deus! Você não vai colocar
minha escola de cabeça para baixo de novo? (Prof. Lúcio).
O “desejo que era o de poder ajudar a escola, os alunos de Belford Roxo” levou o Prof. Lúcio a acreditar
que poderia ajudá-los tanto na escola quanto no local onde viveu até sua adolescência. A narrativa do Prof.
Lúcio pode revelar de que modo os processos formativos podem ser facilitadores ou inibidores de processos
de transformação nas escolas. O fato de comparar-se antes, enquanto aluno, e depois, como professor, faz
emergir possibilidades que sinalizam novas pistas de ação. Por esse motivo, destaca “apesar do que a gente
aprontou na escola!”. A ex-professora, preocupada com a turma “que tinha seis Ls”, ao receber o Prof. Lúcio
no portão da escola, “olhou [.], botou a mão na cabeça e falou: - meu Deus! Você não vai colocar minha escola
de cabeça para baixo de novo?”. Parece-nos que a professora, tanto em relação ao Lúcio-aluno, quanto na
primeira reação diante do Lúcio-professor, desconsidera o fato de que professores e alunos são de gerações
diferentes e que os alunos se relacionam socialmente dentro e fora do espaço escolar. Nesse entrelaçamento
de valores, novos saberes vão se constituindo. Ao confiarmos que a educação é prática que exige reflexão e
compartilhamento, esse intervalo entre as gerações é preenchido pelo novo e pelo desconhecido, de modo
que os sujeitos envolvidos caminhem no processo educacional para a compreensão de que sempre há espaço
para novos horizontes.

O retorno à escola: “eu professor”


A experiência que é a própria vida oportuniza interrogar-nos sobre nossas escolhas no desenvolvimento
de nossas atividades, especialmente, na relação professor-aluno. Destacamos, a seguir, as surpresas do
Prof. Lúcio diante das opiniões formadas sobre determinada turma ou aluno.
No CIEP Wilson Grey lá em Belfort Roxo fui conversei com todo mundo da escola que eu já
conhecia [...] eu perguntei pra diretora da escola, diretora adjunta Tem alguma coisa... porque
eu não sabia tipo, posso botar aluno para fora de sala, posso fazer isso porque a gente ouve
essas coisas né. Como é que faz e a diretora adjunta perguntou você vai pra que turma?
Falei vou para 601 aí ela falou assim; - ah! Toma cuidado com Gabriel. Entrei pra sala me
apresentei para todo mundo né coloquei lá o cabeçalho no quadro, já tinha me esquecido da
orientação cuidado com Gabriel. [...] comecei escrever no quadro quando eu ia começar
minha aula minha primeira aula profissionalmente, entrou na sala um garotinho sorridente
olhou pra minha cara e falou assim: - Você que é o professor Luiz? Falei sou e você é o
Gabriel? Aí ele Falou:- Sou eu mesmo. Ele era magrinho, cabeçudinho e pequeno. Mas ele
tinha cara de levado então ele entrou rindo e perguntando aí eu falei Ahhh!!! sou eu e você o
Gabriel, prazer Gabriel procure o seu lugar é senta, sério para acabar com a brincadeira (Prof.
Lúcio).
No processo de formação do Prof. Lúcio, em espaço já conhecido durante a infância e adolescência,
o CIEP Wilson Grey em Belford Roxo, agora como professor, ao buscar informações sobre aspectos
administrativos, ficou surpreso com o destaque “ah! Toma cuidado com Gabriel”. O cuidado com Gabriel nos
remete às opiniões formadas por sentimentos sobre fatos observados de modo superficial ou comentados por

1023
A Escola: Dinâmicas e Atores

outras pessoas. Esses dados recebidos pelo professor podem estar ligados à procedência étnica, ao nome,
aos êxitos ou fracassos do aluno, entre outros. Esses fatos, geralmente, estão relacionados às expectativas
dos professores sobre uma turma ou aluno o que habilitam a reproduzir os efeitos já conhecidos. No entanto,
“entrou na sala um garotinho sorridente, olhou pra minha cara e falou assim: - Você que é o professor Luiz?
Falei: sou e você que é o Gabriel?”. O Prof. Lúcio, certamente, não entendeu a recomendação diante de ‘um
garotinho sorridente’. Pensamos que não há como o professor adotar para si, qualquer opinião sobre turmas
ou alunos. Considerando as experiências de cada professor, é preciso criar condições para ver de novo o que
dizem, ter visto e conhecer os fatos que poderiam ser a causa da difusão de determinado comportamento de
turmas ou alunos, na escola. Nesse sentido, torna-se imperativo que o professor identifique as diferentes
situações que se apresentam na sala de aula, com a preocupação de que a sua análise sobre os outros não
fique detida na superfície ou no óbvio, mas que busque uma leitura atenta das diversidades que se
apresentam em sala de aula. Assim, destaca:
Os alunos levados eu trato bem, com educação, eu os respeito, não falo alto, não grito [...].
Penso: - quando eu era aluno e estava aprontando e querendo mostrar que tinha razão, se
alguém dissesse o contrário ou gritasse comigo eu enfrentava (...) é o que normalmente
acontece. Por experiência própria quando tem algum problema na sala de aula, antes do
negócio crescer eu já chamo, converso baixo pergunto quem começou o que começou,
porque isso começou e se antes teve alguma coisa? (Prof. Lúcio)
Conforme destaca Josso (2002), se a experiência é um poderoso caminho do saber-fazer e dos
conhecimentos, esta torna-se um suporte para o Prof. Lúcio ao destacar que “quando eu era aluno e estava
aprontando e querendo mostrar que tinha razão, se alguém dissesse o contrário ou gritasse comigo eu
enfrentava”. Como aluno “levado” que foi, o Prof. Lúcio se mostra atento ao comportamento dos seus alunos,
além de narrar que os trata bem. A consciência do que fazia e, talvez, como desejasse ser tratado, possibilita
intervir na formação dos seus próprios alunos de forma mais criativa. A consciência do aluno “levado” que foi
e o reconhecimento do que se tornou, permite ao Prof. Lúcio reagrupar o que foi apreendido na sua relação
enquanto aluno junto aos seus professores. Esse conhecimento evidencia tensões singulares como uma
capacidade de reações programadas e identificação, por isso destaca que, diante de situações conflituosas
na escola, ao se interpelado “eu enfrentava (...) é o que normalmente acontece”. Também evidencia uma
capacidade de responsabilização e de orientação de modelos culturais, assim destaca “os alunos levados eu
trato bem, com educação, eu os respeito, não falo alto, não grito.” A narrativa, como afirma Josso (2002),
congrega e entrelaça experiências que oportunizam nos interrogar sobre as nossas escolhas, por isso o Prof.
Lúcio destaca que “quando tem algum problema na sala de aula, antes do negócio crescer eu já chamo,
converso baixo, pergunto quem começou o que começou, porque isso começou e se antes teve alguma
coisa?”

CONCLUSÃO
Aqui, destacamos três aspectos sinalizados, por nós, como importantes:
1º referente a atividade de trabalho tanto do professor como de qualquer trabalhador que, por estar
relacionada à vida e à história, coloca para o próprio trabalhador escolhas, as quais suscitam debates
com ele mesmo, equivocidades e também comprometimentos. Cabe a cada professor a partir das
discussões, leituras e análises sobre o processo de ensinar e aprender fazer suas escolhas;
2º destaca a narrativa como potencializadora do processo de formação a partir de sentidos e de
significados que possibilitam uma autorreflexão, tendo em vista que os professores da rede pública

1024
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

de ensino percebem outras formas de qualificar a sua prática pedagógica, o que, certamente, contribui
com a sua formação enquanto docentes e a nossa formação enquanto pesquisadores;
3º relacionado à Educação de Jovens e Adultos, abre perspectivas para se pensar os motivos do
abandono ou retorno do adulto à escola, possibilitando novas indagações sobre a EJA, sobre a
formação de professores e o propósito de cada um na atividade a ser desenvolvida na relação
professor-aluno.

REFERÊNCIAS
Clandinin, D. & Connelly, F. (2011). Pesquisa narrativa: experiência e história em pesquisa qualitativa.
Tradução: Grupo de Pesquisa Narrativa e Educação de Professores ILEEI/UFU. Uberlândia: EDUFU.
Josso, M. (2012). O corpo biográfico: corpo falado e corpo que fala. Educação e Realidade. Porto Alegre, 37
(1), 19-31, jan./abr.
Rancière, J. (2013). O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Trad. Lilian do
Vale.Belo Horizonte:Autêntica.
Schwartz, Y. (2000) Trabalho e uso de si. Pro-posições, 11 (2), 34-50.
________. (2000) Ergologue, est-ce um métier? In Le paradigme ergologique ou um métier da
Philosophe.Toulouse- France, OCTARÈS Éditions.

1025
A Escola: Dinâmicas e Atores

A AUTOFORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO. UM


PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL, SOCIAL E PROFISSIONAL
[ID 203]

Adriana Salete Loss


Ana Paula Viana Caetano
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS; Instituto de Educação da Universidade de Lisboa – IE/Lisboa
adriloss@uffs.edu.br; apcaetano@ie.ulisboa.pt

Financiamento: CAPES/Brasil

Resumo
Sabemos que para o significativo desempenho profissional, na área da Formação de professores e
educadores, é imprescindível a ampliação das inteligências intra e interpessoais, favorecendo o
desenvolvimento da consciência de si, da consciência da relação com o outro e da consciência profissional.
Neste sentido, propomos uma formação continuada para o desenvolvimento das dimensões pessoal, social
e profissional em que a partir da investigação-formação pretendeu-se simultaneamente desenvolver, regular
e compreender os processos formativos em curso. Os objetivos da pesquisa foram: a) Identificar, nas
vivências de autoformação, os processos formativos que contribuem para o desenvolvimento do sentido do
cuidado ao educador; b) Compreender as repercussões das vivências nas dimensões intra e interpessoais e
éticas do Ser educador; c) Destacar as contribuições da autoformação para a profissão do ser educador. O
estudo teve como enquadramento teórico reflexões acerca da formação de professores e educadores a partir
de Josso, Nóvoa, Caetano e Estrela. Assim, a investigação sob a abordagem qualitativa, de caráter descritivo-
interpretativo e a partir da metodologia investigação-formação propomos a autoformação dos participantes
para a busca do desenvolvimento pessoal, social e profissional. O estudo empírico teve como público alvo
professores, educadores e estudantes de Pedagogia na Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS/Brasil) e,
estudantes e diplomados dos mestrados do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (IE-ULisboa). A
recolha de dados ocorreu a partir dos encontros organizados em oficinas ou sessões de autoformação
estruturadas em três módulos, assim intitulados: Consciência de si; Consciência da relação com o outro; e
Consciência profissional. As oficinas foram constituídas de atividades de autoconhecimento, de leituras de
textos, de reflexão e de expressão a partir de diferentes linguagens: narrativas orais e escritas, movimentos
do corpo a partir da dança, teatro, desenho, poesia e brincadeiras e jogos cooperativos. Os resultados da
pesquisa revelaram que os trabalhos pedagógicos de autoformação permitiram aos participantes o
desenvolvimento da sua consciência nas dimensões pessoal, social e profissional.

Palavras-chave: Formação de professores, Autoformação, Formação ética.

Résumé
Nous savons que pour une performance professionnelle significative dans le domaine de la formation des
enseignants et éducateurs, l'expansion de l'intelligence intra et interpersonnelle est essentielle, en
encourageant le développement de la conscience de soi, de prise de conscience de la relation avec chaque
prise de conscience des autres et professionnel. En ce sens, nous proposons une formation continue pour le
développement des dimensions personnelles, sociales et professionnelles de la recherche-formation visait à
développer simultanément, de réglementer et de comprendre les processus de formation en cours. Les
objectifs de recherche sont les suivants: a) identifier, dans les expériences d'auto-formation, les processus de
formation qui contribuent au développement du sens des soins à l'éducateur; b) Comprendre l'impact des
expériences dans les dimensions intra et interpersonnelles et éthiques de Être éducateur; c) Mettre en
évidence les contributions de l'auto-formation pour la profession d'éducateur. L'étude a été réflexions cadres
théoriques sur la formation des enseignants et des éducateurs de Josso, Nóvoa, Caetano e Estrela. Ainsi, la
recherche dans l'approche, le caractère descriptif et d'interprétation qualitative et de la méthodologie de
recherche-formation, nous proposons l'auto-formation des participants à la poursuite du développement
personnel, social et professionnel. L'étude empirique visait les enseignants du public, les éducateurs et les
étudiants de l'enseignement à l'Université fédérale des frontières du Sud (UFFS/Brasil) et les étudiants et les
diplômés des diplômes de l'Institut de l'éducation, Université de Lisbonne (IE-ULisboa) de maîtrise. La collecte
des données a eu lieu à partir de réunions organisées dans des ateliers ou des sessions organisées en trois

1026
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

modules d'auto-formation, ainsi intitulé: lui-même la conscience; La conscience de la relation avec l'autre; et
de la conscience professionnelle. Les ateliers ont été faites des activités d'auto, des lectures de textes, de
réflexion et d'expression de différentes langues: récits oraux et écrits, les mouvements du corps de la danse,
le théâtre, le dessin, la poésie et des jeux et des jeux coopératifs. Les résultats du sondage ont révélé que le
travail éducatif de l'auto-formation a permis aux participants de développer leur prise de conscience dans les
dimensions personnelles, sociales et professionnelles.

Mots-clés: Formation des enseignants, Auto-formation, Formation à l'éthique.

INTRODUÇÃO
O estudo aqui apresentado surge do trabalho de pesquisa do pós-doutorado, da docente Adriana
Salete Loss, da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, campus Erechim, este desenvolvido entre
dezembro de 2014 e julho de 2015, no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa/Portugal e financiado
pelo Ministério da Educação e Cultura - Programa Nacional de Pós-doutoramento – CAPES -, com a temática
“A autoformação no processo educativo e formativo do profissional da educação - Um processo de
desenvolvimento pessoal, social e profissional”. Tal estudo de pós-doutoramento foi desenvolvido com
estudantes do curso de Pedagogia da UFFS e professores da rede escolar do município de Erechim, no Brasil,
e com as turmas dos Mestrados, Mestrado em Educação, Mestrado em Ciências da Educação e Mestrado
em Educação e Formação e diplomados do IE/UL, por meio de sessões de autoformação, na perspectiva da
metodologia investigação-formação.
Neste sentido, propomos uma formação continuada com temas nas dimensões pessoal, social e
profissional por meio de oficinas e/ou sessões onde se privilegiou a troca de experiências a partir de atividades
com situações de autoconhecimento, de estudos, de reflexão e de expressão a partir de diferentes linguagens:
narrativas orais e escritas, movimentos do corpo a partir da dança, teatro, desenho, poesia e brincadeiras e
jogos cooperativos.
A autoformação é um processo que visa o autoconhecimento na relação dinâmica e ativa do Eu com
o outro. Assim, o princípio da autoformação significa predispor o sujeito ao diálogo consigo mesmo e com o
outro a partir das experiências vividas. Ela também é uma ação educativa que possibilita aos sujeitos o
“caminhar para si”, como afirma Josso (2004), a partir do diálogo e da relação com o outro, para a construção
de compreensões e para o assumir responsabilidades frente à vida cotidiana.
A formação humana constitui-se a partir da prática sistemática de vivências de autoconhecimento, da
ação comunicativa e reflexiva do sujeito consigo, com o outro e com o mundo. Por isso, as vivências de
autoformação possibilitam a construção de experiências de autoconhecimento, do saber cuidar de si,
enquanto Eu individual, coletivo e profissional.
A relevância do estudo está no fato de promover a formação continuada com enfoque no
desenvolvimento da consciência ética frente às dimensões pessoais, sociais e profissionais, em que
processos pedagógicos de autoformação contribuem para o processo educativo e formativo. Para tanto,
passamos a apresentar brevemente a revisão bibliográfica, a proposta metodológica de investigação e os
resultados com suas respectivas reflexões.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA PARA O ESTUDO


Ao concebermos que o processo de formação pessoal, social e profissional se dá ao longo da vida,
necessitamos vivenciar e fazer experiências nos espaços educativos com propostas de autoformação.

1027
A Escola: Dinâmicas e Atores

A autoformação é a construção de sentido aos nossos sentidos, é a busca do significado de quem


somos e para onde queremos ir. Assim, autoformar-se é constituir sentido aos afazeres cotidianos, às
aprendizagens, às experiências e aos conhecimentos. De acordo com Josso (2004), a busca de sentido está
associada à busca de conhecimento, à busca de si e de nós e à busca de felicidade.
É importante destacar o conceito de Galvani (2002) que a autoformação não é um processo isolado
caracterizando-se como uma egoformação, mas um componente da formação que considera três pólos: si
(autoformação), os outros (heteroformação), as coisas (ecoformação).
A investigação-formação, fundamentada nos trabalhos de Josso, desenvolvida em suas pesquisas de
Histórias de Vida para a autoformação de adultos, busca mobilizar os sujeitos para a capacidade reflexiva.
Para Josso (2004), o projeto de formação constituído pelo sujeito e mediado pelo investigador-
formador, a partir de estratégias instigadoras das experiências, requer a ação de projeção. O processo de
projeção é constituído pelo ato de aprender a descobrir novos meios de pensar e de fazer diferente.
A investigação-formação como dispositivo educativo propõe a orientação dos sujeitos à produção de
conhecimento e do projeto de formação. Nesse sentido, o investigador-formador instiga o sujeito à construção
do projeto de formação que dá sentido ao seu ato de aprender, no formar-se e transformar-se como pessoa.
Assim, durante a investigação, os participantes vivenciam momentos de aprendizagem que são
definidas por Josso (2004) como: do distanciamento, da implicação, da responsabilização e da
intersubjetividade. Os momentos de aprendizagem do distanciamento referem-se à alternância das atividades
individuais e grupais que se dão no decorrer do processo da investigação, que permitem o olhar sobre si e
sobre os outros. A aprendizagem da implicação relaciona-se ao ato de aprender pela socialização, as
diferentes ações e reações que se dá entre os sujeitos. A aprendizagem da responsabilização é a ação que
emerge da relação entre participantes da investigação e, se constitui na tomada de consciência a fazer (a
autorizar-se a pensar). Por fim, a aprendizagem da intersubjetividade é a ação que possibilita a compreensão
ao sujeito de si mesmo e dos outros.
As práticas de vivências, então, para a constituição de experiências formadoras, requerem
situações de interação do sujeito consigo mesmo, com os outros, com o ambiente natural ou com as coisas,
as quais constituirão os aspectos interpretativos do processo de formação.
Para Josso (2004), as etapas que constituem a investigação-formação, na prática de seminários, são:
a apresentação da proposta, as informações, discussão e negociação, a narrativa oral e os comentários e
análises das narrativas escritas. A partir dessas etapas facultadas aos participantes, possibilitamos o
desenvolvimento da capacidade de auto-reflexão, capacidade de implicação correlata a um empenho
responsável e a capacidade de comunicação em situação de confrontação intersubjetiva. Conforme Josso
(2004), essas capacidades são exercidas e desenvolvem-se em três tempos: na narrativa oral, na narrativa
escrita e na interpretação intersubjetiva.
A organização da ação pedagógica de autoformação constitui-se em processo de socialização das
experiências interiorizadas, seguidas da auto-reflexão. Por meio da escuta atenta aos discursos dos
participantes é orientada a compreensão dos sentidos construídos, individualmente, pelos sujeitos no
processo existencial. Assim, a atuação do orientador-mediador (o sujeito investigador) constitui-se na
perspectiva da provocação e interrogação durante os discursos. Sendo que, o objetivo dessa ação é instigar
o sujeito participante a reconstruir suas experiências, para a tomada de consciência de sua subjetividade.
Nesse sentido, conforme Caetano (2016):

1028
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Trata-se de aprofundar uma ética situada, contextualizada, embora sem perder a dimensão
mais universalista do pensamento ético, onde aos fundamentos racionais se aliam
fundamentos emocionais, afetivos e intuitivos, onde princípios e finalidades se integrem para
sustentar análises e decisões e onde as comunidades vão evoluindo pela participação e
diálogo, à luz de uma reflexão ética. (p.158)

PERCURSO METODOLÓGICO DO ESTUDO


A Pesquisa
A formação continuada, na perspectiva da investigação-formação, somente foi possível a partir de um
intenso estudo e planejamento de propostas pedagógicas em formato de oficinas, no Brasil, e sessões em
Lisboa. Assim, passamos à descrição dos procedimentos da pesquisa:

Público-alvo
Os participantes da investigação-formação foram:
§ Acadêmicos do curso de Pedagogia da UFFS/campus Erechim/RS.
§ Professores da rede pública de ensino: educação infantil e anos iniciais de Erechim/RS.
§ Acadêmicos dos Mestrados: Mestrado em Educação; Mestrado em Ciências da Educação; Mestrado
em Educação e Formação no IE/ULisboa.
§ Professores da rede de ensino e diplomados pela IE/ULisboa.

Metodologia de pesquisa
Na experiência desenvolvida com os estudantes do curso de Pedagogia da UFFS e professores em
exercício das escolas municipais e estaduais do município de Erechim, no Brasil, as oficinas foram organizadas
em três Módulos de autoformação, e cada módulo com 4 oficinas, totalizando 12 encontros, a se efetivarem
semanalmente e com duração de uma hora e meia. Já na experiência realizada com estudantes do Mestrado
em Ciências da Educação, do Mestrado em Educação, do Mestrado em Educação e Formação, com professores
da rede de ensino e com educadores já diplomados do IE/ULisboa, as sessões foram organizadas a partir dos
mesmos módulos e objetivos desenvolvidos no Brasil, mas cada módulo com 3 sessões, totalizando 9 encontros,
a se efetivarem semanalmente e com duração de duas horas.
Desse modo, apresentamos no quadro abaixo os módulos com seus respectivos objetivos e
procedimentos:

1029
A Escola: Dinâmicas e Atores

Módulos norteadores Objetivos dos módulos


Processos formativos
da autoformação de autoformação
Objetivo: Vivenciar e Dinâmicas de integração do grupo e troca de afetividade.
refletir a relação do Eu Trabalho com fotografias.
consigo próprio e com o Leitura e reflexão de textos para o processo de autoconhecimento.
Módulo 1
outro, para a tomada de Narrativas orais e escritas a partir de perguntas orientadas para o
Consciência de si
consciência de si, na autoconhecimento.
perspectiva do Expressão artística: desenho e poesia.
autoconhecimento Expressão corporal: movimentos com o corpo, dança, relaxamento e
introspecção.
Objetivo: Refletir sobre Leituras e reflexões de textos referentes ao tema da ética nas
as relações do Eu relações (o cuidar do outro, do meio ambiente, do planeta).
consigo mesmo, com o Narrativas escritas e orais sobre as relações interpessoais.
outro e com o planeta Mensagens em vídeos e slides sobre as relações interpessoais.
Módulo 2 para a autocrítica e para Expressão corporal: a dança para o desenvolvimento da afetividade
A consciência da a convivência social e no grupo.
relação com o outro planetária. Dinâmica Grupal com atividade cooperativa e competitiva para a
reflexão sobre a inclusão e a exclusão nas relações interpessoais.
Trabalhos artísticos: construção de mosaicos referente às questões
ambientais e sociais; dramatização referente aos desafios às
relações humanas nos espaços educativos e de trabalho.
Objetivo: Analisar as Expressão corporal: movimentos com o corpo, dança, relaxamento e
concepções, a escolha e introspecção.
Módulo 3 os desafios do Ser Leituras e reflexões de textos referentes à profissão do ser educador.
A consciência educador para fortalecer Narrativas escritas e orais sobre a profissão do ser educador.
profissional a consciência e Trabalhos artísticos: desenho, dramatização e declamação de
comprometimento poesias.
profissional.
Quadro 1 - Propostas das oficinas/sessões de autoformação
Fonte: Própria do autor
Durante os encontros de autoformação, as narrativas orais foram gravadas e as narrativas escritas
registradas em folhas ofício A4. Também, ocorreu o registro fotográfico dos diferentes momentos da formação
continuada.

Da análise e resultados
Para o desenvolvimento do trabalho de interpretação e análise das narrativas o
investigador/orientador buscou realizar:
a) A descrição das oficinas e sessões com transcrição das narrativas orais e escritas, primeiramente das
oficinas desenvolvidas na UFFS/Brasil e, posteriormente, das sessões realizadas na IE/Lisboa.
b) O mapeamento com redução de conteúdos e interpretação dos registros orais e escritos significativos
e emergentes dos módulos, conforme os objetivos da pesquisa e a partir das categorias centrais,
como: Cuidar de si; Cuidar do outro; Cuidar da profissão.

RESULTADOS E REFLEXÃO DAS EXPERIÊNCIAS


O estudo, na perspectiva da investigação-formação, desenvolveu processos formativos com
narrativas orais e escritas e da utilização da arte (dança, poesia, teatro, desenho, etc), proporcionando a
formação nas dimensões do “Cuidar de si; Cuidar do outro; Cuidar do profissional” em que pudemos
diagnosticar as repercussões e as contribuições no desenvolvimento pessoal, social e profissional do
educador ou futuro educador.
Nesse sentido, a investigação revelou a relevância e a necessidade de investimento do processo
autoformativo nas seguintes dimensões: autoconhecimento – autoanálise/autocrítica; a expressão corporal; o
cuidado na relação com o outro; o cuidar a profissão/ética nas relações.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O autoconhecimento: autoanálise/autocrítica
Desenvolver o cuidar de si repercute numa ética de si mesmo, eu sou responsável pelo que sou.
Quando tomada a consciência da responsabilidade com o si mesmo, indubitavelmente, tem-se a
responsabilização com o outro, pois o Eu somente é na relação com o outro.
O cuidar de si é uma dimensão humana que precisa ser aprendida, vivenciada e experienciada ao
longo da vida. Por isso, consideramos importante e necessário que os centros educativos tenham como
propósito a formação humana na dinâmica do processo do autoconhecimento.
A inteligência intrapessoal é necessária para o desenvolvimento da inteligência interpessoal, em que
ambas permitem a experiência da responsabilização, da ética. Saber conviver consigo mesmo e com o outro
é desafio constante da humanidade desse século que clama incessantemente pela ética nas relações.
A autocrítica é uma auto-ética porque nos permite impedirmos o império do narcisismo, colocando-
nos na condição de aprendentes que não cessam de perguntar, de questionar e de duvidar para a prática do
bem viver consigo e com o outro.
O processo da reflexão critica sobre si próprio foi verificado pelos participantes como uma
aprendizagem que contribuiu para as suas relações cotidianas, de modo que ocorreu como nos afirmam
algumas falas:
Sujeitos da pesquisa (Brasil) Sujeitos da pesquisa (Portugal)
E4: [...] Quantas vezes a gente se esquece de se perdoar, E1: [...] Aprendi a pensar mais nos porquês de minhas
de sentir o emocional. atitudes, aprendi a ouvir as minhas emoções. [...]
Continuo com muitas sombras na minha vida que
E 6 –[...]. As pessoas também não tem confiança em si, não fazem de mim uma pessoa frágil e ansiosa.
olham para si, então, como irão confiar nos outros.
E10: [...] a importância de olharmos para nós próprios
E6: Às vezes a gente age pelo impulso. quer a nível sentimental, espiritual, emocional e
do corpo humano. É fundamental para o nosso
bem-estar criar momentos de reflexão e tomada
de consciência de quem sou “Eu”. [...]
A reflexão sobre si próprio é um processo de encontro com o íntimo do Eu no sentido de instigar o Eu
a repensar-se e recriar-se. É a atenção, a vigilância contínua para com as ações e atitudes. “A atenção regula
a emoção” (Goleman, 2014, p.99).
Para Goleman (1997) a atenção continuada dada aos nossos sentidos íntimos se dá a partir da
“consciência autorreflexiva, a mente observa e investiga ela própria as experiências, incluindo as emoções”
(p.66). E acrescenta: “A autoconsciência pode ser uma vigilância dos estados íntimos, mas uma vigilância
que não reage nem julga” (ibidem, p.67).

A expressão corporal
Ao reportamo-nos às vivências da investigação-formação em que em muitas sessões pudemos
realizar atividades como: a expressão corporal, a dança, o relaxamento, a introspecção, entre outras. Tais
atividades foram significativas porque proporcionaram aos participantes, bem-estar físico, mental e emocional,
assim expressas em suas falas:
Sujeitos da pesquisa (Brasil) Sujeitos da pesquisa (Portugal)
E1: [...] gente chega tensa e vai relaxando. E 1: O relaxamento é muito bom. Dá um sentimento de
otimismo.
E2: Mais descansada. Agora dá para enfrentar mais 4 horas
de aula. E 2: [...]. O corpo pede relaxamento e aí quando você
relaxa esse peso que fica transbordando.
E4: A serenidade. A gente chega cansada e fica tranquila, E 5: Senti tranquilidade, mais próxima de mim mesma.
serena. Se calhar deveríamos fazer mais vezes disso.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Dessa forma, podemos dizer que as vivências proporcionaram aos participantes o reconhecimento
do Eu enquanto corpo, mente, emoção e energia. O processo de atenção ao corpo, à respiração, às emoções
e aos pensamentos e a própria troca de energia nas atividades de interação do Eu com o outro vivenciadas
nas sessões permitiram aos sujeitos a harmonização entre corpo, emoção e mente, de modo a criar condições
para o melhor aproveitamento intelectual. Isso porque, de acordo com Josso (2008): “As práticas de
relaxamento e de meditação fazem emergir uma postura interior que leva à consciência da consciência,
permitindo uma lucidez aguçada na busca de si e de nós” (p.45).
Assim, mesmo com as diferenças encontradas nos dois grupos da investigação-formação, nos
apercebemos da importância dos trabalhos pedagógicos, tanto na formação inicial ou contínua dos
professores ou educadores, voltados para as dimensões como: a expressão corporal, a expressão emocional
e afetiva, o exercício do relaxamento e da introspecção. Nesse sentido, reafirma-se o que dissemos por meio
das palavras da educadora (E10/Portugal) ao apresentar suas reflexões acerca das sessões de
autoformação: “[...] Vejo que isso faz falta aos meus alunos, para eles se libertarem daquilo que trazem de
casa. [...] Isto está me fazendo bem como profissional. Eu quando chego em casa vou ler o referencial teórico.
Para mim está a fazer bem.”

O cuidado na relação com o outro


Entre diferentes atividades pedagógicas, leituras de textos e reflexões, os participantes evidenciaram
que na relação do Eu com o outro é fundamental reconhecer o outro como parte do Eu e a necessária empatia
para a ética nas relações. Vejamos algumas falas que revelam as aprendizagem realizadas durante as
vivências:
Sujeitos da pesquisa (Brasil) Sujeitos da pesquisa (Portugal)
E3: [...] o autocontrole é um exercício que temos que fazer. E 6: Pôr-me mais no lugar do outro, percebendo os
seus sentimentos e atitudes. Valorizar as diferenças
E4: [...] Sempre refletir antes da ação. dos outros, como forma de me enriquecer e crescer.
E5 – Aprendi a olhar nos olhos das pessoas e falar com o E 7: Na minha relação com o “outro” é necessário
coração e a sensibilidade. [...]. que me coloque mais vezes no papel deste, pois
assim talvez entenda melhor o seu comportamento e
E15 – Ouvir, aceitar opiniões diferentes. reflicta melhor sobre o meu próprio comportamento.
E10: Escutar o outro. [...]

E3: A primeira atitude de ética que deve ser intensificada é o E 1: [...] Tornou-me mais sensível em trabalhar em
respeito. Respeito às diversidades, às ideias dos colegas e dos grupo.
alunos. Quando se respeita se olha nos olhos do colega,
E 5: Aprendi valores como saber escutar e aceitar o
adquire-se uma postura empática.
outro tal como ele é. [...].
A inteligência social é a inteligência interpessoal, em que há a relação do compromisso e da
responsabilização do Eu com o outro. Nela ocorre a interação Eu-Tu, na perspectiva da socialização, da
integração e da empatia. De modo que o desenvolvimento da inteligência social requer a aprendizagem a
partir da escuta atenta para a inter e subjetividade do sujeito e para a dimensão da empatia, a sintonização
com o sentimento do Outro.
Para Goleman (2011) a consciência social “refere um espectro, de capacidades que vai desde
reconhecer instantaneamente o estado de espírito interior de outra pessoa a compreender os seus
sentimentos e pensamentos, passando por ‘topar’ complicadas situações sociais” (p.132).
Assim, conforme Goleman (1997), o exercício do aprender a ver as coisas da perspectiva dos outros
é uma atitude que fomenta a empatia e a tolerância. Pelo diálogo aberto e franco, o Eu passa a “[...] sintonizar-
se com os sentimentos dos outros, ser capaz de resolver desacordos de modo a que não degenerem em

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

discussões, ter a capacidade de entrar em estado de fluxo enquanto se faz o seu trabalho” (Goleman, 1997,
p.171).
A ética nas relações, algo tão precioso nos dias de hoje, requer a predisposição do Eu a caminhar
para além das questões morais próprias ou da sociedade, no sentido do sair de si mesmo ao encontro do
outro. Esse caminhar em direção ao encontro do outro vai exigindo e colocando o Eu no processo da
aprendizagem do Ser ético.

O cuidar a profissão
O pensamento de Nóvoa (2009) de que “[...] é impossível separar as dimensões pessoais e
profissionais. [...]” (p.38), reafirma nossas convicções sobre a importância da vivência da autoformação nos
cursos de formação inicial e continuada de educadores. A educação emocional, social e profissional são
dimensões que se interligam mutuamente, pois um pensar-se bem como profissional requer antes o pensar-
bem na relação do Eu consigo mesmo e na relação com o outro.
A formação emocional e a formação social implicam diretamente na formação profissional, pois o
trabalho que o Eu passa a realizar na e com a sociedade reflete a sua subjetividade e, essa afetará outras
subjetividades. Tal afetação exige o comprometimento, a responsabilidade e a solidariedadade; isso é a ética.
A ética profissional ao constituir-se no processo relacional diário e permanente entre os sujeitos, é
desafio para os cursos de formação inicial e continuada dos profissionais da educação e nessa dimensão
Estrela (2010) argumenta que:
São várias as razões que justificam a necessidade dos sistemas educativos actuais
investirem mais na educação emocional dos alunos e professores: o reconhecimento cada
vez mais fundamentado das relações entre cognição, emoção e ética e do funcionamento
holístico do ser humano; a importância da afectividade como um dos pilares do convívio
humano, facilitando ou impedindo a tolerância e a solidariedade; os novos desígnios de
educação escolar que, nos chamados quatro pilares da educação, contemplam o saber viver;
o papel supletivo da escola em relação a défices da educação familiar; as tensões geradas
por um ensino competitivo como preparação para uma sociedade competitiva; o papel dos
sentimentos na regulação das relações pedagógicas e na aprendizagem das disciplinas.
(p.40)
Nesse intuito provocamos nas vivências de autoformação com sujeitos em processo de formação
inicial e de formação continuada, para além da reflexão do cuidar de si e do cuidar do outro, a reflexão sobre
a profissão de ser educador, no sentido de revisitar as concepções e as imagens construídas do ser educador
e de desvelar os dilemas e os desafios da profissão na perspectiva da construção do profissional como
intelectual ético. Assim, entre diversas reflexões entre os participantes apresentamos algumas falas:
Sujeitos da pesquisa (Brasil) Sujeitos da pesquisa (Portugal)
Reflexões/Aprendizagens: Reflexões/Aprendizagens:
E 14 – [...] As vivências me ajudaram a fortalecer-me, a E 2: Aprendi mais sobre as fragilidades da identidade
desacomodar-me e a rever algumas coisas. da profissão e também sobre minha escolha
por esse campo de formação, meus motivos
E 8- Na formação profissional buscar conhecer-se, conhecer o e encantamentos.
outro, saber das minhas escolhas, saber o que ser ético
e não ético depende das minhas escolhas. E 3: [...] Fomos desafiados a pensar no educador
como investigador que procura produzir
conhecimento. [...]
E 9: Um professor/educador tem que ser/sentir-se
humano. [...]
Cuidar da profissão tem haver com a nossa capacidade de comprometimento e responsabilidade de
colocarmo-nos a serviço junto ao e para com o outro. É a presentificação da profissionalidade e

1033
A Escola: Dinâmicas e Atores

profissionalismo no grupo social. A profissionalidade, conforme Estrela (2015) é o conjunto articulado de


saberes, saberes-fazer e atitudes, e profissionalismo traz em si os aspectos éticos e deontológicos.
O cuidado com o educador deve ser tema dos cursos de formação inicial e continuada como processo
autoformativo das relações consigo mesmo, com o outro e com a profissão.
Com relação às contribuições da autoformação, das narrativas de si para a profissão do ser educador,
pudemos organizar uma síntese dos trabalhos realizados nos dois grupos (Brasil e Portugal) que são
passíveis de serem contempladas no quadro abaixo:
Efeitos
Cuidar de si Cuidar do outro Cuidar do profissional
Repercussões
Significância da autoanálise;. Reconhecer-se no outro; Busca da Formação
integral: cognitiva,
O Diálogo com o outro para a A escuta, a sensibilidade, o emocional, social,
busca de si. diálogo e a partilha.
espiritual, corporal, etc.
O tempo para si, de se sentir, Aprender a compreender o Observância das relações
de se observar. outro. e ética profissional;
O conhecimento para o A ética na relação com o Refletir sobre a concepção
autocontrole. outro a partir o diálogo, o de educador que temos.
respeito e a valorização.
Cuidar de si para melhorar Reavaliar-se
como profissional. A necessária e importante constantemente como
presença do outro, bem profissional.
Maior valorização e respeito a como, a sincronia nas
si. relações grupais. Tomada de consciência
Projeções/
Aprendizagens Rever a história de vida, sair dos problemas e desafios
Aprendendo com as da profissão.
da zona de conforto; mudar de experiências dos outros.
atitudes. Busca da dimensão
Empatia – colocar-se no humanista na profissão.
Afetividade na relação grupal. lugar do outro.
Atividades de desbloqueio – Gostar da profissão.
A liberdade e a
dinâmicas intra e interpessoal. responsabilidade na Busca do conhecimento:
Autoconhecimento na relação relação com o outro. investigação/pesquisa.
com o outro: acolher-se e Consciência crítica e ação
aceitar-se. frente às questões sociais e
Ouvir mais as emoções ambientais.
Consciência hologramática
das relações.
Quadro 2 - Resultados da pesquisa
Fonte: Própria do autor
Assim, pudemos confirmar em nossa investigação-formação que a proposta de autoformoção é de
extrema relevância na formação inicial e continuada dos professores e/ou educadores, principalmente na
perspectiva da construção da dimensão ética nas relações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação do humano em suas dimensões pessoal, emocional, social, política, profissional e ética
dá-se em processo contínuo e descontínuo, na dinâmica do aprender e do desaprender, da construção e da
desconstrução. É um processo que requer dos centros de formação o constante “estímulo na perspectiva
crítico-reflexivo, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as
dinâmicas de autoformação participada” (Nóvoa, 1992, p.25).
No processo de formação de professores e/ou educadores a realidade profissional torna-se o objeto
para a investigação, para a formação, para a reflexão e para a ação ou intervenção, de modo que a ação é
revisitada pela reflexão na perspectiva não somente para a apresentação de resultados, mas de construção

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

de conhecimentos acerca do estudo. Em que, “os processos de investigação-formação e investigação-ação


desenvolvidos constituem-se enquanto processos interactivos e abertos de negociação constante [...]”.
(Caetano, 2004, p.32)
Para tanto, o ensejo pelo desenvolvimento da proposta de autoformação requer um conjunto de
princípios e perspectivas que, noutros projetos de investigação-formação com uma dimensão ética, se têm
vindo a afirmar, nomeadamente,
princípios estratégicos mais amplos – de participação, reflexividade e contextualização – e
em perspectivas de uma formação indagativa, dialógica e experiencial.
Concorrem, coerentemente com estas perspectivas de formação, perspectivas éticas que
assentam numa ética da compreensão, da responsabilidade e do cuidado e onde confluem
vias contextualistas, teleológicas e deontológicas, embora com um pendor mais forte para
uma ética situada e uma construção social do pensamento ético. (Caetano, 2010, pp.169-
170)

REFERÊNCIAS
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comparativo entre situações de formação pela investigação-ação. Portugal: Porto Editora.
_______ (2010). Da análise conjunta de todos os casos de formação à continuidade da investigação. In M.T.
Estrela & A. P. Caetano (Orgs.). Ética profissional docente – Do pensamento dos professores à sua
formação (pp.161-176). Lisboa: EDUCA, 2010.
_______ (2016). Formação de professores e ética profissional na promoção de comunidades de prática. In E.
Medeiros (Org). Formação Pluridimensional de Educadores e Professores em Dinâmicas de
Intervenção Educacional: Currículo(s), Cultura(s) e Saberes na Sociedade do Conhecimento (pp.147-
161). Lisboa: Piaget.
Estrela, M. T. (2015). Antecedentes do Projecto Ira – Origens e evolução de um projecto de investigação. In
Caetano, A. P.; Rodrigues, A. & Esteves, M. (Orgs.). As ciências da educação na obra de Maria Teresa
Estrela. Lisboa: Educa.
_______ Caetano, A. P. (2010). Ética profissional docente – Do pensamento dos professores à sua formação.
Lisboa: EDUCA, 2010.
Galvani, P. (2002). A Autoformação, uma perspectiva transpessoal, transdisciplinar e transcultural. In
Educação e Transdisciplinaridade II (pp.95-121). São Paulo. Triom/Unesco. Disponível em
http://unesdoc. unesco.org/images/0012/001297/129707por.pdf
Goleman, D. (1997). Inteligência Emocional. Lisboa: Temas e Debates e Círculos de Leitores.
_______ (2014). Foco – O motor oculto da excelência (2014). Lisboa: Temas e Debates – Círculo de Leitores.
_______(2011). Inteligência Social – A nova ciência do relacionamento humano. Lisboa: Temas e Debates e
Círculos de Leitores.
Josso, M.C. (2004). Experiências deVida e Formação.São Paulo: Cortez.
Nóvoa, A. (1992). Os professores e sua formação. Portugal: Dom Quixote.
_______ (2009). Para uma formação de professores construída dentro da profissão. Revista de Educación,
350 Sept.-Dic., 2009, 203-218. Disponível em http://www.revistaeducacion.mec.es/re350/re350_09
por pdf

1035
A Escola: Dinâmicas e Atores

ENSINO MÉDIO NOTURNO: FRAGILIDADES E DESAFIOS ATUAIS

[ID 164]

Ana Lúcia Sant´Ana Maçaneiro


Sonia Maria Chaves Haracemiv
Secretaria de Estado da Educação; Universidade Federal do Paraná
macaneiro@seed.pr.gov.br; sharacemiv@ufpr.br

Resumo
O presente trabalho é resultado de pesquisa realizada no Programa de Desenvolvimento do governo do
Estado do Paraná, nos anos de 2014 e 2015, que investigou o Ensino Médio Noturno do Colégio Estadual
Emílio de Menezes, localizado em Curitiba-Paraná, visando identificar as representações sociais de escola
sob a ótica dos educandos e educadores. Para tanto exigiu investigar essas representações via memória e
trajetória da vida escolar dos educandos e educadores. A fundamentação se deu em três dimensões teóricas,
a Dimensão histórica do Ensino Médio, pela qual se pode perceber a história do ensino Médio brasileiro, entre
conversas e controvérsias de interesses políticos, econômicos hegemônicos em diferentes épocas. A
Dimensão pessoal, focando a formação inicial ou continuada dos professores, entendidas como direito, que
deve ser continuamente ofertado em parcerias com as Universidades e Secretarias de Educação na busca
da junção teoria/prática. A terceira Dimensão das Representações Sociais de escola, tema da pesquisa, pois
a mesma se refere aos olhares da comunidade,dos professores envolvidos e, em especial dos educandos. A
investigação caracterizou-se como pesquisa-ação, pois o problema já vinha sendo sentindo pela falta de
motivação e evasão dos educandos. A partir de então, oportunizados um espaço de estudos e reflexões com
professores e estudantes sendo que com os primeiros será realizado por meio de reuniões pedagógicas, nas
horas atividades e nas reuniões de formação. Para fim de diagnóstico, planejamento e elaboração de um
caderno didático, foram aplicados e analisados questionários aplicados à 79 discentes com intuito verificar as
questões de ordem social, econômica como implicadores de desempenho escolar. Os resultados levaram
considerar que há caminhos que precisarão ser refeitos, mudando estratégias, com ações de reflexão todo o
tempo e consolidação das relações entre educando, educadores e componentes curriculares a fim de
redesenhar a escola pública, aprimorando os relacionamentos, contextualizando conteúdos e diversificando
metodologias para despertar no educando o querer aprender.

Palavras-chave: Ensino Médio Noturno, Juventude, Representação Social de Escola.

Résumé
Ce travail est le résultat de recherches menées dans le programme de développement du gouvernement
Paraná État pour les années 2014 et 2015, qui a enquêté sur le Moyen-Nuit Etat Education College Emílio de
Menezes, situé à Curitiba, Paraná, d'identifier les représentations sociales l'école du point de vue des étudiants
et des éducateurs. Par conséquent nécessaire d'enquêter sur ces représentations par la mémoire et l'histoire
de la vie scolaire des élèves et des éducateurs. La raison a été donnée en trois dimensions théoriques, la
dimension historique de l'école secondaire, où l'on peut voir l'histoire de l'école secondaire du Brésil, entre les
conversations et controverses, hégémonique économique et politique à des moments différents. La dimension
personnelle, en se concentrant sur la formation initiale ou continue des enseignants, compris comme un droit
qui doit être continuellement offert en partenariat avec les universités et les départements de l'éducation à la
recherche jonction théorie / pratique. La troisième dimension de l'École des représentations sociales, sujet de
recherche, car il se rapporte à la communauté regarde, les enseignants impliqués, et surtout les étudiants. La
recherche a été caractérisée comme la recherche-action, parce que le problème était déjà ressentir les effets
du manque de motivation et d'évitement des étudiants. Depuis lors, les études oportunizados spatiales et
réflexions avec les enseignants et les étudiants est que le premier sera accompli par le biais de réunions
éducatives, des activités et des heures dans des réunions de formation. Pour le diagnostic, la planification et
la préparation d'un livre d'enseignement, ils ont été appliqués et analysés questionnaires donnés à 79
étudiants afin de vérifier les questions de implicadores sociales, économiques et scolaires performance. Les
résultats ont conduit à considérer qu'il existe des chemins qui doivent être refaits, l'évolution des stratégies,
avec la réflexion disponible tout le temps et la consolidation des relations entre les étudiants, les éducateurs
et les composantes du programme d'études pour réaménager l'école publique, l'amélioration des relations, de

1036
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

contextualisation contenu et la diversification des méthodologies d'éveiller chez l'étudiant désireux


d'apprendre.

Mots-clés: Moyen-Nuit Etat Education, Jeunesse, Représentation sociale de l’École.

INICIO DE CONVERSA SOBRE O ENSINO MÉDIO


A partir da inquietação observada junto aos estudantes matriculados no Colégio Estadual Emílio de
Menezes, no Ensino Médio do período noturno, percebeu-se nesses sujeitos um certo grau de desestímulo
com relação a sua formação, inicia- se uma pesquisa com base em um referencial teórico que trouxesse um
suporte para possível tomada de decisão. Então, optou-se por estudar três dimensões teóricas, a saber:
Dimensão histórica do Ensino Médio: esta dimensão leva a percepção de que toda a história do referido grau
de ensino brasileiro, que vem ocorrendo entre conversas e controvérsias de interesses políticos, econômicos
hegemônicos de determinada época, levando a políticas públicas sentidas pelos brasileiros, em especial
educadores, por meio de Leis e Decretos que muitas vezes não contemplavam uma educação de qualidade.
A segunda Dimensão denomina-se de pessoal por estar focada na formação dos professores, designada
como inicial ou continuada. Esta última, entendida como direito ao docente, que deve ser continuamente
ofertado em parcerias com as Universidades, Institutos de Ensino Superior e Secretarias de Educação na
busca da junção teoria/prática, sem deixar que uma prevaleça sobre a outra, de modo que o professor, ao
retornar a escola sinta-se mais confiante no seu trabalho e em si mesmo. A terceira Dimensão da pesquisa
pauta-se em um tema, de extrema importância, pois o mesmo se refere às Representações Sociais de escola,
sob os olhares da comunidade, dos professores envolvidos.
Assim sendo, a partir do questionamento: Quais as representações sociais de escola têm o
educando do Ensino Médio Noturno, surge da necessidade de estudo e análise a respeito do envolvimento
do jovem educando com sua formação, com o intuito de identificar o que estes estudantes pensam a respeito
de escola. O objetivo dessa pesquisa foi o identificar as representações sociais de escola dos educandos do
Ensino Médio Noturno, exigindo investigar as representações de escola via memória e trajetória da vida
escolar dos educandos e educadores da Escola Pública do Ensino Médio Noturno, bem como, historiar como
a escola vem sendo vista pela humanidade, buscando traçar o perfil dos estudantes de Ensino Médio da
Escola Pública em foco e a escolaridade de seus familiares. Tendo esses objetivos atingidos foi possível
analisar os dados da pesquisa no sentido de compor as representações de escola de Ensino Médio
historicamente delineado pelos educandos e educadores, identificar os desafios e obstáculos a serem
superados visando alcançar um modelo de escola com estrutura e funcionamento que desperte o interesse
de todos por ela.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: VENDO E LENDO O MUNDO SOB OUTROS OLHARES


Sabe-se que o homem, enquanto ser social interage com o ambiente e com os outros, e ao longo do
tempo modifica-se e é modificado por esse ambiente. No entanto busca- se na Psicologia Social, estudos
referentes ao comportamento humano, focando como o pensamento, sentimentos e comportamento dos
indivíduos são influenciados por outras pessoas.
De acordo com Durkheim (1898) apud Moscovici (1961), as representações sociais se constituem em
fenômenos psíquicos e sociais identificados como ciência, ideologia e mito.

1037
A Escola: Dinâmicas e Atores

Para Piscarreta (2002), o conceito de representação social, originou-se da teoria sociológica de


Durkheim (1898), na qual separou radicalmente as representações individuais e coletivas, sendo que estas
últimas se constituem em maneiras estáveis de compreensão coletiva. Enquanto isto, para Moscovici (1961),
as representações sociais se apresentam com uma estreita ligação com os fenômenos representativos da
sociedade, como a desigualdade de poder e com os processos sociais que retratam as diferenças sociais.
Para Jodelet (1989), as representações sociais são uma forma de conhecimento elaborado e
compartilhado pela sociedade com um objetivo prático e que contribuem para a construção de uma realidade
comum a um grupo social. No entanto, pressupõe representações, todas as interações humanas que surjam
entre pessoas ou entre grupos, mas só será representação social, quando tal interação causar uma alteração
interna e mental sobre as pessoas e influenciar no comportamento do indivíduo participante de uma
coletividade. As representações sociais têm como finalidade tornar familiar algo não familiar, ou a própria não
familiaridade, mas de modo que se opere uma mudança em que se questione o tradicional os universos
consensuais (Moscovici, 2003).
No entendimento de Vala (2006) a representação “é sempre a representação de qualquer coisa”,
entendida como atividade de construção e de simbolização. Sendo assim, representação é um confronto
mental que se constrói com questionamentos e com diálogos, com o objeto das interações humanas. As
representações sociais possuem relacionamentos com base em todas as interações humanas, sejam elas
em grupo ou entre pessoas, envolvendo três critérios:
1.Caráter quantitativo: por ser partilhada por um grupo de indivíduos; 2.Caráter genético: por
ser produzido coletivamente, resulta no produto das interações e dos fenômenos da
comunicação no interior de um grupo social; 3.Caráter funcional- por se constituir como um
guia de comunicação e também para as atitudes, contribuindo para diferenciar as
representações sociais (Vala, 2006. p.461).
De acordo com as diferenciações das representações sociais Moscovici (2003) esclarece que as
mesmas podem ser hegemônicas, emancipadas e polêmicas. Em relação às representações sociais
hegemônicas, estas equivalem a representação coletiva proposto por Durkheim (1869), são partilhadas por
todos os membros de um grupo estruturado. Pode–se citar como exemplo, um partido, uma religião, uma
nação. As representações sociais consideradas emancipadas refletem na cooperação entre os grupos,
apresentando como resultado a troca de significados diferentes a respeito do mesmo objeto. As
representações sociais polêmicas são aquelas que surgem no decurso de conflitos sociais, dentro de um
grupo e apresenta pontos de vista diferentes sobre o mesmo objeto.
Na formação e no funcionamento das representações sociais encontram-se dois processos que se
apresentam intrinsecamente ligados nos moldes dos fatores sociais, sem ser sequenciais, identificados por
ancoragem e objetivação (Moscovici, 1961). A ancoragem altera os processos de não familiar para o familiar
e a objetivação une a ideia de conceitos abstratos não familiares com a realidade, e torna-se a base que leva
a compreensão como palavras e noções são transformadas em coisas, exteriores as realidades dos
indivíduos (Vala, 2006).
O primeiro passo no processo de ancoragem é mudar ideias e imagens comuns a um contexto
familiar, ou seja, transformar algo que desconhece que intriga em algo que se pode classificar, dar nomes
tornando-o familiar. O processo de ancoragem encontra-se entre dois polos, precedendo a objetivação de um
lado e, por outro sendo precedida por esta. Ao preceder a ancoragem refere-se ao tratamento da informação
exigindo pontos de referência e, enquanto precedida, a ancoragem refere-se à função social das
representações, na qual permite melhor compreender como os elementos representados e contribuem para

1038
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

constituir as relações sociais (Moscovici, 1961). O processo de objetivação envolve três etapas: construção
seletiva, esquematização ou nó figurativo e naturalização.
Na etapa primeira, construção seletiva, realiza-se uma seleção de informação das inúmeras crenças
e ideias a respeito de um objeto, as quais dependem das normas e valores do grupo (Vala, 2006). Na segunda
etapa, esquematização, verifica-se uma organização dos elementos que constituem a representação, que
entre si estabeleceram um padrão de relações estruturadas (Cabecinhas, 2004). Na terceira etapa,
naturalização, as relações acontecem como naturais e adquirem materialidade, ou seja, o abstrato torna-se
concreto.
De acordo com Moscovici (2003), as representações sociais têm como objetivo identificar como os
indivíduos e grupos podem construir um mundo estável e previsível diante da diversidade humana, de suas
atitudes, de sua estranheza e imprevisibilidade. Nesse sentido, busca-se por meio desta pesquisa, revelar o
que pensa os jovens alunos a respeito da escola. Para tanto, o trabalho de pesquisa será identificar as
representações sociais de escola, na voz dos educandos.

O JOVEM DO ENSINO MÉDIO NOTURNO: REFERÊNCIAS E PREOCUPAÇÕES


Tendo como foco a juventude, público alvo da pesquisa, considerou a mesma como plural, palavra
que remete a variedade do jeito de ser e agir dos jovens. De acordo com o Conselho Nacional da Juventude
CONJUVE jovens são as pessoas que se encontram na faixa etária de 15 a 29 anos, sem desconsiderar a
relação com o tempo e espaço onde este sujeito vive, com as referências culturais, econômicas e sociais,
tendo a imagem que se cria a seu respeito, ou seja, são as diferentes caracterizações de jovens que leva a
pensar em juventudes no plural.
Vivencia-se uma era em que a juvenialidade é perseguida por muitos, há uma busca incessante por
valores e características ligadas ao jovem como a energia, a estética corporal, a busca pelo novo
caracterizando a juvenilização da sociedade. No entanto também se constrói uma visão negativa dos jovens
quando a eles se associa o tráfico de drogas, a gravidez precoce na adolescência, o consumo de álcool, os
homicídios e assim cristaliza-se esta fase da vida como um período problemático, sendo os mesmos vistos
pela sociedade como alguém em transição/passagem para a vida adulta, um vir a ser, com isso nega-se a
este sujeito o presente vivido.
Não foram poucas as transformações que o mundo tem passado neste século, o que tem trazido
fortes impactos alterando a vida das pessoas especialmente dos jovens no que diz respeito à socialização, a
escola, ao mundo do trabalho, ou seja, nos seus pensamentos e modos de vida. Portanto os problemas acima
mencionados podem ser visualizados como necessidades que não foram atendidas, sendo que muitos dos
problemas que estão relacionados a eles, não foram produzidos pela juventude.
Esta explosão de novos conceitos traz impasses para estes jovens que buscam o direito de trabalhar,
estudar e sonhar, o que demanda políticas públicas de direitos voltadas para os 51,3 milhões de jovens
brasileiros respeitando as distintas condições sociais, a diversidade cultural, a diversidade de gênero, assim
como as diferenças territoriais. Para tanto, faz se necessário identificar quem são estes sujeitos, educandos,
suas experiências e vivências, o que buscam na escola pública. Com o suporte de uma pesquisa-ação
realizada no Colégio Estadual Emílio de Menezes, verificou-se o perfil destes estudantes, que segundo Arroyo
(1986), “são trabalhadores que estudam”. No Quadro I apresentam-se dados que possibilitam traçar o perfil

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A Escola: Dinâmicas e Atores

dos educandos do Ensino Médio quanto ao sexo, faixas etárias e estado civil de 79 educandos do Ensino
Médio Noturno do Colégio Estadual Emílio de Menezes participantes da pesquisa.
Faixas Etárias Estado Civil
Sexo Freq.
15-17 18-20 Mais de 21 Solteiros Casados Relação Estável
M 52 36 13 03 50 01 01
F 27 19 08 00 27 00 00
Quadro 1 - Identificação do aluno do ensino médio noturno
Observando estes dados é pertinente destacar que o Colégio em seu período noturno, traz na grande
maioria estudantes oriundos do período matutino, alunos desta instituição de ensino desde o 6º ano, que por
vários motivos iniciam precocemente no mercado de trabalho, ou utilizam o período da manhã para outros
estudos por isso, a grande maioria deles encontra-se na faixa etária coerente para o Ensino Médio, ou seja,
dos 15 aos 17 anos de idade. A questão da juvenialidade no ensino noturno vem sendo percebido pelos
docentes das escolas.
Em relação à questão de gênero no que se refere ao Ensino Médio nesta unidade escolar observou-
se, a título de comparação entre os turnos ofertados, por meio do Registro das matrículas no SERE (Sistema
Estadual de Registro Escolar) que no período matutino estão matriculadas apenas 27 alunas a mais do que
estudantes do sexo masculino e no período noturno eles são a maioria, tais dados estão relacionados com a
questão de segurança no bairro e também com a inserção deste gênero no mercado de trabalho logo após o
término da primeira etapa do Ensino Fundamental.
No entanto, bastante desafiadora é a realidade atual do Colégio Estadual Emílio de Menezes em
relação às matrículas referentes ao Ensino Médio, nos turnos matutinos e noturno, do gênero feminino, uma
vez que se apresenta na contramão da realidade brasileira.
No segundo campo investigativo pesquisou-se sobre as condições sociais do aluno do Ensino Médio
noturno, no que tange o local de residência, moradia própria ou alugada, com quem o educando reside e
quantas pessoas moram com o mesmo.
A importância do Quadro II se instaura nas condições sociais que os educandos apresentam e como
tais condições interferem no processo educativo escolar do jovem aluno.
Local de Residência Moradia Reside com Nº de Pessoas por
Residência***
Bairros Freq Própria Alugada Familia- Outros
Só 1-3 4 5-6 8-13
res * **
Capão Raso 51 34 17 49 02 00 18 21 09 01
Pinheirinho
20
Novo Mundo 14 06 19 00 01 09 07 04 00
Xaxim
CIC
Tatuquara 08
05
Umbará 03 08 00 00 05 04 01 00
Campo de
Santana
TOTAL 79 53 26 76 02 01 32 32 14 01
Quadro 2 - Condições Sociais Do Aluno Do Ensino Médio Noturno
NOTAS: *Familiares – Pais, Avós, Tios e Primos
** Outros correspondem a esposo/a, companheiros, amigos
*** Faixas criadas frente aos números apontados na pesquisa
Diante deste panorama, é perceptível que a maioria dos estudantes, do Ensino Médio Noturno, do
Colégio Estadual Emílio de Menezes fazem parte da comunidade do Capão Raso, localidade do Colégio.
Bastante preocupante é a quantidade de famílias que não possuem casa própria, uma vez que nos dias de

1040
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

hoje a renda familiar em grande parte é composta pela soma dos rendimentos de mais de um integrante da
família.
Há de se considerar uma parcela considerável da população que não tem acesso ao Programa Minha
Casa Minha Vida, ofertado pelo Governo Federal.
Estão apresentadas no Quadro III o campo que trata a respeito da profissão ou atividade de trabalho
e faixas salariais que correspondessem ao próprio educando, seus pais e ou outros com quem convivem.

PROFISSÃO OU ATIVIDADE DE TRABALHO FAIXAS SALARIAIS****


Prestador (a) de Empregado (a)
Perfil Serviço c/carteira Empresário (a) 1a3 4a6 7 a 10 + de 10
(autônomo) assinada
Aluno* 00 51 01 39 02 00 01
Aluna** 01 26 00 19 00 01 00
Pai 16 31 03 23 14 06 07
Mãe 22 27 04 41 08 03 01
Outro (s)*** 00 00 00 07 01 00 00
Quadro 3 – Profissão/atividade de trabalho e renda familiar mensal
NOTAS: A respeito de faixas salariais* 10 alunos não responderam. ** 07 alunas não responderam.** * Perfil
de outras pessoas com as quais o aluno convive. ****Referencia: Salário Mínimo Brasileiro
Como retrata o quadro acima, a grande maioria é empregada com carteira assinada, sendo que
ganham de 1 a 3 salários mínimos. Quando a questão se refere aos familiares e outros com quem os
estudantes convivem foram mencionados na pesquisa o número de 50 pais. Em relação aos pais dos
estudantes pesquisados, nota-se um descompasso de salários entre os gêneros, sobretudo na medida em
que as faixas salariais sobem a percentagem cai em relação ao gênero feminino. De acordo com Rosemberg
(2001) para melhor entender a situação, seriam necessárias outras pesquisas e estudos para destrinchar
valores e significados atribuídos à educação formal de pais, mães, professores, estudantes, empregadores
(as), empresários (as) e a perspectiva das relações de gênero no cotidiano escolar.
No quarto campo, foi investigada a representação de escola para o aluno do período noturno, na
relação carga horária de trabalho e outros estudos, bem como os motivos de frequentar o Ensino Médio
Noturno, mesmo para aqueles que trabalham para além da carga horária de 40 horas semanais. O Quadro
IV, retrata estas informações.
S F FAIXAS ALÉM DO ENSINO MÈDIO MOTIVOS PARA CURSAR O ENSINO MÈDIO NOTURNO
E R ETÁRIAS NOTURNO
X E F
O Q R Carga Aumento da Não
Aumento da Somente
E Horária Outros Não renda familiar adaptação ao
renda adquirir bens
de Estudos Trabalha e adquirir bens período
Q familiar consumo
Trabalho consumo matutino

15-17 36 29 11 04 02 05 13 00
18-20 13 06 00 00 01 06 01 00
M 52
+ de 21 03 02 00 00 02 01 00 00
15-17 19 15 02 05 03 00 07 02
F 27 18-20 08 04 01 00 01 01 03 02
+ de 21 00 00 00 00 00 00 00 00
Quadro 4 - Representação da escola pelo aluno ensino médio noturno
Cabe ressaltar, que muitos educandos aqui mencionados mantêm-se ocupados de 6 a 8 horas diárias
somando horas trabalhadas, pois participam do Programa Jovem Aprendiz, do governo Federal. Em relação
ao gênero feminino, ao serem solicitadas a apontar quais ocupações exercem além do Ensino Médio Noturno,
a grande maioria, corresponde ao grupo de 15 a 17 anos responderam que estudam à noite devido à carga
horária de trabalho. Ao serem questionadas quais motivos levaram a frequentar a escola noturna, registraram

1041
A Escola: Dinâmicas e Atores

que trabalham para adquirir bens de consumo por isso estudam à noite. É pertinente ressaltar que neste
período também encontramos alunas do período noturno que estão inseridas no Programa Jovem Aprendiz,
dividindo seu tempo em cursos, trabalho e Ensino Médio. As estudantes que estão na faixa etária entre 18 e
20 anos, estudam à noite devido à carga horária trabalhada, sendo que grande parte das respondentes
registraram que destinam sua renda para adquirir bens de consumo.
Diante dos dados acima, constata-se que, dos 79 estudantes pesquisados, matriculados no Ensino
Médio Noturno, são trabalhadores que estudam (Arroyo,1986). Nota-se, na pesquisa, o maior contingente
estuda no período noturno, para durante o dia trabalhar e destinar seus ganhos para o consumo, deixando
para um segundo plano a sua formação. Este pensamento tem haver com a sensação de “pertencimento” ao
seu grupo de jovens que valoriza o TER, bastante difundido nas sociedades capitalistas onde a vida das
pessoas gira em torno do consumo desenfreado que em muitas situações chegam a patamares que
comprometem a qualidade de vida das pessoas.
A pesquisa também revela que os estudantes, se submetem ao mundo do trabalho, enquanto
estudam por necessidade de complementar a renda familiar; e ainda, que os respondentes trabalham para
ajudar financeiramente a família e também para adquirir bens de consumo. Percebe-se na soma desses dois
índices que muitos jovens estudantes, do Colégio Estadual Emílio de Menezes, estão inseridos na realidade
de adulto, com responsabilidades no trabalho, estudos e na renda da família.
Para tanto, nota-se a centralidade que o trabalho ocupa na vida dos jovens estudantes, seja ele como
fonte de sobrevivência e geração de renda ou como um dos princípios educativos básicos do Ensino Médio
como destaca as Novas Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, Capítulo II Art. 5º, Capítulo VIII inciso 1, p.
2 ao conceituar trabalho. “(...) sua perspectiva ontológica de transformação da natureza, como realização
inerente ao ser humano e com mediação no processo de produção e existência” (Brasil, 2012). Assim sendo,
se o trabalho é essencial para a vida humana enquanto processo de humanização, o sistema capitalista
vigente na sociedade atual, conseguiu desumanizá-lo, atribuindo a ele minguados salários, que aliena e
fabrica ilusões (Brasil, 2014. p.38).
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) em seu relatório sobre o trabalho decente na
juventude registra na década de 1990 até o ano de 2006 que houve melhora nos anos de escolaridade dos
jovens, porém com uma queda destes no mercado de trabalho. Mas complementa que os jovens continuavam
em desvantagens quanto à formalidade dos empregos, a valorização salarial e carga horária trabalhada em
relação aos adultos. Hoje o que temos percebido com as mudanças sociais e econômicas no mundo
globalizado é que para poderem se integrar ao mercado de trabalho, os jovens têm que conciliar trabalho,
educação e formação profissional (OIT, 2009).
No cenário brasileiro atual, as políticas públicas voltadas para o jovem, ainda deixam a desejar na
garantia de qualificação, emprego e renda que possam levar os jovens a desenvolver suas potencialidades e
contribuir para o desenvolvimento social do país.

ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DE ESCOLA E OS DESAFIOS NOS PROCESSOS DE


ENSINO E APRENDIZAGEM
Quanto às fragilidades e obstáculos sentidos na estrutura e funcionamento da escola para que a
mesma seja um espaço interessante no processo de ensino e aprendizagem, os educandos do Ensino Médio

1042
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Noturno apontaram desafios que precisam ser superados em várias categorias, dentre elas, estrutura física,
relacionamento e metodologia de ensino.
O registro das vozes desses educandos nos leva a repensar e resignificar a escola como local de
aprendizado para a cidadania, onde merece destaque o respeito à participação dos alunos como contribuição
valorosa para a melhoria do ambiente escolar nas diversas dimensões e categorias. Segundo Demo(1988),
a participação não é algo natural e, sim, um processo de conquista, aprendizado e, sobretudo, de disputa com
o poder dominante. Á medida que nos organizamos para participar, estabelecemos uma disputa com o poder
dominante e, com isso, criamos uma outra forma de poder. No quesito metodologia, o saber /fazer pedagógico
docente encontra-se aquém das expectativas do alunado do período noturno, desta unidade de ensino, que
após sua jornada de trabalho adentram a escola, sentam-se ainda enfileirados e quando lhes interessa ouvem
os professores. Alguns executam as tarefas, outros “colam” de seus colegas e assim continuam no ano
seguinte. Ambos, aluno e professorado estão convictos de que é assim mesmo, sempre foi assim. Para Freire
(2002), ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo e acrescenta:
... como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no
mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou
aprendidos implica tanto o esforço da reprodução da ideologia dominante quanto o seu
desmascaramento. Dialética e contraditória, não poderia ser a educação só uma ou só a outra
dessas coisas. Nem apenas reprodutora nem apenas desmascaradora da ideologia
dominante (Freire, 2002, p.110).
E ainda, de acordo com Arroyo (2014), são outros sujeitos, que demandam outras pedagogias, como
afirma a Professora GTR (2015) em relação aos fatores que desmotivam os educandos a permanecerem na
escola, ela aponta que inclusive eles educadores em suas trajetórias de formação continuada, não dão
continuidade aos estudos.

CONSIDERANDO AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESCOLA É PRECISO...


A diversidade das escolas públicas, em especial de Ensino Médio Noturno, traz em seu bojo
particularidades de escola, estudantes, docentes que uma vez identificadas pela comunidade escolar se faz
necessário interpretar e destacar o que precisa ser mudado, e o que deve permanecer como está na busca
da melhoria da qualidade educação.
Após a pesquisa pode-se identificar o perfil do estudante de Ensino Médio, do período noturno do
Colégio Estadual Emílio de Menezes. São eles, os estudantes do gênero masculino, que encorpam as
matrículas tanto no período matutino como no noturno. Neste último a característica principal é de
trabalhadores que estudam e que após a exaustão de um dia de trabalho, pouco produzem em relação aos
ensinamentos ministrados pela escola.
No entanto, se fez necessário ouvi-los com mais atenção, conhecê-los e reconhecer seus familiares
como parte da escola. Foi notável a receptividade de todos no estreitamento destas relações que por meio
de palestras e encontros serviram de base para elevar a auto-estima de muitos e realimentar suas
esperanças, por meio do conhecimento adquirido na escola. Quanto aos profissionais da educação buscou-
se por uma formação continuada em serviço que em um primeiro momento seria aos sábados mas, não se
concretizou por ter sido 2015 um ano conturbado para a educação, portanto a formação aconteceu nas horas
atividades, reuniões pedagógicas e conselhos de classe com os professores presentes e iniciamos um
“alinhavo” de componentes curriculares com diferentes disciplinas a fim de contextualizá-los e dar a eles
maior significância.

1043
A Escola: Dinâmicas e Atores

Sabe-se que o desafio é grande, mas estamos mais seguros do que buscamos, temos muito chão
pela frente, mas continuaremos a buscar uma educação de qualidade com estrutura e funcionamento que
desperte o interesse de todos os educandos pela escola.

REFERÊNCIAS
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Arroyo, M. G. (2014). Outros Sujeitos, outras pedagogias (2ªEd.). Rio de Janeiro: Vozes.
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(4ªEd.) Brasília: Ipea.
Brasil. Lei n. 9.394 de 20de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Diário
Oficial da União, Brasília, 1996. Disponível em: bd.camara.gov.br/bd. Acessado em: 01/12/2016
Brasil. Ministério Da Educação. (2014). Pacto Nacional para o Fortalecimento do Ensino Médio.
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Médio. Brasília, DF.
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Monteiro, M. (Cord). Psicologia Social (7ªEd.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

1044
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO:


SABERES, EXPERIÊNCIAS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NUMA PERSPECTIVA
INCLUSIVA
[ID 128]

Glaé Corrêa Machado


Pontifícia Universidade Católica do RS/PUCRS
glaemachado@hotmail.com

Resumo
Este artigo tem por objetivo apresentar estudos originados numa dissertação, que investigava práticas
pedagógicas inclusivas, procurando compreender os saberes necessários aí construídos, a partir de
narrativas de professores da rede municipal de Montenegro/RS. A questão central indagava: Quais são e
como podem ser construídos os saberes necessários à prática dos professores para a inclusão de alunos
com necessidades educacionais especiais? Para participar da pesquisa, foram selecionadas cinco
professoras dessa rede municipal de ensino, que atuavam na Educação Básica nos níveis da educação
infantil, ensino fundamental, educação de jovens e adultos e no serviço do laboratório de aprendizagem e
que, ao longo de suas carreiras, incluíram em suas práticas alunos com necessidades educacionais especiais.
A pesquisa fundamentou-se na abordagem qualitativa e apoiou-se em Delors, Edler Carvalho, Mantoan,
Freire, Gauthier, Pimenta, Tardif, Josso, Lüdke & André, Jovchelovitch & Bauer. A partir do processo de
análise, foi possível identificar três dimensões, com base nas temáticas utilizadas nesse trabalho: a) Educação
Inclusiva; b) Saberes Necessários; e c) Vivência/Experiência. No intuito de sinalizar os achados dessa
pesquisa, o trabalho apresenta as possibilidades e os caminhos encontrados sob a forma de quatro sínteses
temáticas, que ensaiam uma resposta para a questão central dessa investigação: a concepção das
professoras pesquisadas; a formação e a experiência como espaço significativo para a construção dos
saberes necessários; a vivência/experiência como possível caminho para a Educação Inclusiva; a quarta e
última síntese nos remete a uma nova perspectiva dessa investigação, a escola como espaço de formação e
transformação.

Palavras-chave: Formação de Professores, Saberes dos Professores, Educação Inclusiva.

Résumé
Cet article vise à présenter une thèse origine des études, enquêtes sur les pratiques pédagogiques inclusives,
en essayant de comprendre les connaissances nécessaires, il construit, à partir des comptes des municipalités
Monténégro / RS des enseignants. La question centrale posée: Quels sont et comment les connaissances
nécessaires à la pratique des enseignants pour l'inclusion des élèves ayant des besoins éducatifs spéciaux
peut être construit? Pour participer à l'enquête ont été choisis cinq enseignants que les écoles municipales,
qui ont travaillé dans l'éducation de base dans les niveaux de l'éducation de la petite enfance, l'enseignement
primaire, les jeunes et l'éducation des adultes et l'apprentissage service de laboratoire et, tout au long de leur
carrière, Ils ont inclus dans leurs pratiques élèves ayant des besoins éducatifs spéciaux. La recherche a été
basée sur une approche qualitative et fondée sur Delors, Edler Carvalho, Mantoan, Freire, Gauthier, poivre,
Tardif, Josso, Lüdke & Andrew Jovchelovitch & Bauer. Du processus d'analyse, il a été possible d'identifier
trois dimensions, sur la base de thèmes utilisés dans ce travail: a) l'éducation inclusive; b) Connaissances
requises; et c) Expérience / Experience. Afin de signaler les résultats de cette recherche, le document présente
les possibilités et les moyens trouvés sous la forme de quatre synthèses thématiques, qui répètent une
réponse à la question centrale de cette recherche: la conception des enseignants interrogés; la formation et
l'expérience comme un espace important pour la construction des connaissances nécessaires; l'expérience /
expérience en tant que chemin possible pour l'éducation inclusive; la quatrième et dernière synthèse nous
conduit à une nouvelle perspective de cette recherche, l'école comme un espace de formation et de
transformation.

Mots-clés: Formation des enseignants, Des connaissances des enseignants, L'éducation inclusive.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

INTRODUÇÃO
Motivada pelas palavras de Freire (1996), que nos lembra da “experiência de abertura como
experiência fundante do ser que se descobre inacabado, e se abre ao mundo inaugurando uma relação
dialógica, confirmando sua inquietação e curiosidade” (p.21), apresento o estudo realizado, a partir de uma
dissertação, cujo objetivo foi investigar professores que possuem práticas pedagógicas inclusivas e
problematizar como eles constroem os saberes necessários a essa prática, a partir de narrativas de
professores do município de Montenegro/RS. Em relação aos participantes, foram escolhidas para essa
pesquisa cinco professoras da rede municipal, que atuam na educação básica nos níveis da educação infantil,
ensino fundamental, educação de jovens e adultos e no serviço do laboratório de aprendizagem. A escolha
dessas professoras buscou selecionar profissionais que, ao longo de suas carreiras, incluíram em suas
práticas alunos com necessidades educacionais especiais.
Assumir a educação como escolha pessoal e profissional é uma decisão responsável e apaixonada,
mas apostar numa perspectiva educacional como a Inclusão constitui-se num desafio, o que, segundo Freire
(2000, p.81) exige acreditar que “a mudança do mundo implica a dialetização entre denúncia da situação
desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho” (...), pois é “a partir desse saber
fundamental: mudar é difícil, mas é possível, que vamos programar nossa ação político-pedagógica, não
importa o projeto com o qual nos comprometemos” (...). Acreditar nesse desafio e escolhê-lo como objeto de
investigação significa uma busca por possibilidades e conhecimentos, ainda escassos ou pouco difundidos
nessa área, porém cada vez mais necessários e urgentes.
Quando se fala em Educação Inclusiva, a distância entre o concebido e o realizado pode ser explicada
pelo próprio entendimento que se tem da inclusão. O fato de estar sendo discutida, principalmente, em
eventos sobre a educação especial traz a falsa idéia de que a proposta é, apenas, para aqueles que têm sido
considerados como o seu alunado. São percepções indicadoras tanto de desinformação, quanto da
implementação das práticas inclusivas apenas com alunos que freqüentam classes e escolas especiais,
inserindo-os em turmas do ensino regular.
Edler Carvalho (2006) afirma que “a acolhida implica uma série de ressignificações na percepção do
outro, bem como um conjunto de providências que envolvem, desde espaços físicos até os espaços
simbólicos” (p.49), que neste caso, são ambos propulsores das forças que qualificam a natureza dos laços
sociais. O respeito à diversidade exige, sobretudo, respeitar os diferentes saberes das muitas pessoas com
quem convivemos e aceitar os nossos não-saberes.
Esse processo investigativo teve origem na experiência vivida junto a APAE Montenegro, num Projeto
de Inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais (deficiência mental) na rede regular de
ensino, uma parceria bem sucedida, que trouxe muitos questionamentos. A partir dessa vivência e da minha
atuação como Orientadora Educacional e Psicopedagoga na rede municipal de Montenegro, apoiando os
professores no processo de inclusão, observei que certas condições como estrutura física, formação inicial
de professores e apoio das mantenedoras são praticamente as mesmas nas escolas públicas e privadas;
então, me senti motivada a ouvir professores que possuem práticas pedagógicas inclusivas e compreender
como eles constroem os saberes necessários a essa prática.
Creio ser importante reforçar que o tema desta pesquisa foi trabalhado em três dimensões: a
Educação Inclusiva, os Saberes e a Formação de Professores, com apoio em autores como Delors, Edler
Carvalho, Mantoan, Freire, Gauthier, Pimenta, Tardif, Josso, entre outros; essa diversidade de referenciais se

1046
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

fez necessária pela complexidade do tema e das temáticas por ele abarcada. Para dar andamento a essa
pesquisa, definiu-se como questão central: Quais são e como podem ser construídos os saberes necessários
à prática dos professores para a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais?
Como forma de alcançar as possibilidades que esse processo investigativo intencionou sinalizar,
destaco as narrativas de professores e seu processo de análise temática como dados significativos e que me
auxiliaram nessa caminhada, seguindo as orientações da pesquisa qualitativa conforme Lüdke & André e a
perspectiva das narrativas conforme Jovchelovitch & Bauer. Enfatizo que este estudo oportunizou, para além
da reflexão sobre minha própria prática e da prática de todas as professoras envolvidas, uma melhor
compreensão dos processos de inclusão, sua complexidade e especificidades.
Em relação à implementação da proposta da inclusão educacional escolar, há resistências de muitos
professores e familiares; dúvidas de outros que se declaram preocupados com o desmonte da educação
especial, das salas de recursos e serviços itinerantes; e, também, a aprovação e o entusiasmo de muitos, que
estão fazendo com que ela aconteça. A resistência dos professores e de alguns pais é por eles explicada em
razão da insegurança no trabalho educacional escolar a ser realizado nas classes regulares, com os alunos
com deficiência.
Ao procurar esclarecer que o paradigma da inclusão escolar não é específico para alunos com
deficiência, representando um resgate histórico do igual direito de todos à educação de qualidade, encontram-
se algumas objeções na assimilação da idéia. Por parte da maioria dos sujeitos parece uma ideia
condicionada, de que a inclusão é para os alunos da educação especial migrarem das classes e escolas
especiais para as classes regulares. Esse argumento é tão forte que mal permite discutir outra modalidade
de exclusão: a dos alunos que nunca tiveram acesso às escolas sejam alunos com ou sem deficiência e que
precisam nelas ingressar, permanecer e aprender.
Felizmente, é possível encontrar o entusiasmo manifesto em muitos pais e professores, certos de
que, na diversidade, reside a riqueza das trocas que a escola propicia. Uma turma heterogênea serve como
oportunidade para os próprios alunos conviverem com a diferença e desenvolverem os saudáveis sentimentos
de respeito ao outro. Com o desafio do trabalho na diversidade, os professores também ganham, pois as
tradicionais práticas pedagógicas centradas no ensino homogêneo, repetitivo e desinteressante, passam a
ser repensadas na direção dos quatro pilares para a educação do século XXI propostos pela UNESCO:
aprender a aprender; aprender a fazer; aprender a ser e aprender a viver junto (Delors, 1998).
Dentre as reflexões sobre a educação inclusiva, outro aspecto conceitual que merece análise é a
relação entre inclusão e integração como processos interdependentes, embora vários autores renomados e
o próprio Ministério da Educação considerem que o termo integração deva ser abandonado. A discussão
sobre o abandono do termo integração é um esforço enorme, em busca da exatidão terminológica para que
uma palavra – inclusão – dê conta, com maior precisão possível, de todas as implicações de natureza teórica
e prática dela decorrentes e que garantam a todos o direito à educação, bem como o sucesso na
aprendizagem.
Para pensar a inclusão dos alunos com deficiência(s) nas classes regulares, é importante oferecer-
lhes a ajuda e o apoio de equipes de educadores que acumularam conhecimentos e experiências específicas,
podendo dar suporte ao trabalho dos professores e familiares, para que esses alunos não sejam meros
números que constam nas matrículas ou nas salas de aula das escolas regulares.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Autores como Mantoan (2005) se definem pela inclusão incondicional, que dispensam programas,
currículos, atividades e recursos pedagógicos individualizados; pois eles acreditam que essa estratégia é mais
uma barreira à inclusão, porque é uma solução que exclui, que segrega e desqualifica o professor regente da
classe e que o acomoda, não provocando mudanças na sua maneira de atuar, uma vez que as necessidades
educacionais do aluno com deficiência são supridas pelo apoio do professor especializado (pp.85-90).
Inclusão incondicional, com a qual me inquieto, devido às condições vividas em nossos sistemas escolares e
ao grande número de alunos que não se inserem nesta proposta, necessitando sim de apoio, intenso e
permanente, mas que, ao mesmo tempo, vislumbro como ideal a ser alcançado pela educação.
Entretanto, ao propor para alguns a garantia do atendimento educacional especializado em salas de
recursos, em classes ou em escolas especiais, não estou defendendo que se mantenham como têm sido,
nem que funcionem como espaço institucionalizado do fracasso escolar e muito menos como ambientes
exclusivos e excludentes. A defesa da melhoria das respostas educativas da escola inclui, nos processos de
reforma, a ressignificação das modalidades de atendimento da educação especial. Faz-se necessária uma
profunda revisão de seus papéis, seja em relação ao alunado que devem receber, seja em relação ao
processo de ensino e aprendizagem a ser adotado nelas, seja em relação ao seu funcionamento, e que devem
estar previstos no projeto pedagógico dessas escolas.
Ainda, em relação à inclusão e à integração, parece-me que há uma luta entre dois campos de forças:
um, dos que defendem, unicamente, o termo inclusão e o outro, dos que defendem a proposta da educação
inclusiva sem desconsiderar a importância da integração como processo interativo e que deve fazer parte da
educação inclusiva (Carvalho, 2006, p.30), com o qual me identifico e penso ser o mais viável para o nosso
contexto educacional.
Tal concepção, na visão de Edler Carvalho, tem sido reforçada pelo uso da expressão: alunos com
necessidades especiais – genérica e abrangente – ou pela dicotomia do nosso sistema educacional – ou é
comum, para os ditos normais, ou é especial, para os que necessitam de atendimento educacional
especializado. E, nesse caso, a inclusão tem sido dirigida a estes, na medida em que se diferenciam da
maioria (conceito estatístico de normalidade) ou não correspondem ao modelo esperado (conceito ideológico
de normalidade) (2006, p.31).
A possibilidade de acompanhar e conhecer as professoras com que atuo em minha rede de ensino,
mais profundamente, foi um momento pedagógico de muita construção, crescimento e amadurecimento.
Ocasionou também momentos de interação e troca entre todas nós, e que foi definido pelas participantes,
durante a devolução das narrativas, como momentos significativos e formadores, o que faz recordar Freire
(1996), quando nos lembra que “sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca,
não aprendo nem ensino” (p.85).

CAMINHOS METODOLÓGICOS
As orientações metodológicas que adotei nesse trabalho estão baseadas na perspectiva de pesquisa
qualitativa, conforme Lüdke & André (1986). Essas autoras destacam as seguintes características básicas de
uma pesquisa qualitativa: ter o ambiente natural como fonte direta de dados, os quais devem ser
predominantemente descritivos, existir uma preocupação muito maior com o processo do que com o produto,
perceber o significado que as pessoas dão às coisas. É necessário retratar, ainda, a perspectiva dos
participantes. Nesse sentido, para o desenvolvimento dessa pesquisa me inspirei nos critérios recorrentes da

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Narrativa. Na perspectiva de Jovchelovitch & Bauer (2002), trata-se de um método de pesquisa muito
difundido nas Ciências Sociais, pois tem em vista uma situação que encoraja e estimula um entrevistado a
contar a história sobre algum acontecimento importante de sua vida e do contexto social. Com base nessas
crenças, explicito os passos que foram dados nessa investigação: os instrumentos, a coleta e a análise dos
dados coletados, a partir dos procedimentos metodológicos por mim elencados.

INSTRUMENTOS
A escolha da Narrativa como metodologia para essa pesquisa qualitativa leva em consideração o que
Jovchelovitch & Bauer (2002, p.110) apresentam como características das narrativas em relação à realidade
propriamente dita e à representação dessa realidade, uma vez que ela privilegia a realidade do que é
experienciado pelos contadores de história e refere-se ao que é real para esse contador, assim como
expressam a verdade de um ponto de vista, de uma situação específica no tempo e no espaço.
A narrativa é o processo de ressignificação do acontecimento narrado, em momentos de imbricação
entre personagem e pesquisador e essa experiência ocorre na interação que se dá entre os dois sujeitos
históricos. A utilização da narrativa como instrumento de pesquisa, no sentido atribuído por Benjamin (1996),
coloca o pesquisador como participante da história de seus personagens, a partir do momento em que ele é
também participante nessa reconstrução. Os instrumentos utilizados para coleta de dados nesta pesquisa são
narrativas escritas, apoiados nos fundamentos de Cunha (1998), que afirma: “as narrativas dos sujeitos são
a sua representação da realidade e, como tal, estão prenhes de significados e reinterpretações (...)” (p.38).
A escolha das narrativas escritas justifica-se, segundo Cunha (1998), por elas representarem “um
processo profundamente emancipatório em que o sujeito aprende a produzir sua própria formação,
autodeterminando a sua trajetória” (p.40). Permitir-se protagonizar a própria vida implica, entre outras coisas,
desconstruir e reconstruir as próprias experiências, através da memória e da materialização de lembranças.
De acordo com Josso (2004), a narrativa escrita apresenta-se, “como uma tentativa de dar acesso a um
percurso interior que evolui correlativamente (...) para um percurso exterior caracterizado por acontecimentos,
atividades, deslocamentos, relações contínuas e encontros, pertenças etc.” (p.186). Na condição de
pesquisadora, trabalhei consciente de que o ato narrativo se fundamenta na memória do narrador, e que a
significação dada ao fato no momento de seu acontecimento é ressignificada no momento da enunciação
desse fato, em virtude de que a memória é reconstrutiva, além de ser seletiva. Eu observei esse aspecto
durante a investigação. Contudo, é significativo o esclarecimento de Cunha (1998) sobre a reinterpretação
de significados, mostrando que “uma narrativa acaba sempre sendo um processo cultural, pois tanto depende
de quem a produz como depende de para quem ela se destina” (p.9).

COLETA E ANÁLISE DOS DADOS


No andamento da pesquisa, a coleta de dados compreendeu dois movimentos: no primeiro, solicitei
às professoras escolhidas a produção de uma narrativa escrita e individual, na qual contassem suas histórias
pessoais e profissionais, assim como suas experiências em relação à inclusão. No segundo movimento,
começamos com a devolução das narrativas, marcada pelo diálogo com as professoras participantes acerca
da experiência de refletir sobre aspectos de sua vida pessoal e profissional, movimento pouco utilizado no
cotidiano dos professores, mas considerado pelas participantes como significativo e formador.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Para a análise dos dados coletados, segui a proposta de Jovchelovitch & Bauer (2002), os quais
sugerem a transcrição e a análise temática, como uma das formas de analisar as pesquisas que têm como
caminho metodológico as narrativas. Segundo os autores acima citados, o primeiro passo na análise dos
dados é a conversão deles, através da transcrição das narrativas, o que não se fazia necessário, uma vez
que elas foram escritas. Seguindo as orientações de Jovchelovitch & Bauer (2002), de que “a transcrição, por
mais cansativa que seja, é útil para se ter uma boa apreensão do material, e por mais monótono que o
processo de transcrição possa ser, ele propicia um fluxo de ideias para interpretar o texto” (p.106), reescrevi
todas com esse intuito.
Na análise temática, se constrói um referencial de codificação, por isso os autores recomendam que
seja um procedimento gradual de redução do texto qualitativo. As unidades do texto são progressivamente
reduzidas em duas ou três rodadas de séries de paráfrases. Num primeiro momento, passagens inteiras ou
parágrafos são parafraseados em sentenças sintáticas. Estas sentenças são posteriormente parafraseadas
em palavras-chave. Ambas as reduções operam com generalizações e condensações de sentido. Na prática,
o texto é colocado em três colunas; a primeira contém a transcrição, a segunda contém a primeira redução,
e a terceira coluna contém apenas palavras-chave (Jovchelovitch & Bauer, 2002, p.107).
A partir deste parafrasear, desenvolve-se um sistema de dimensões com o qual todos os textos
podem ser, em última análise, codificados, caso necessário. O produto final constitui uma interpretação das
narrativas, juntando as estruturas de relevância dos informantes com as do pesquisador. A fusão dos
horizontes dos informantes e do pesquisador é algo que tem a ver com a hermenêutica (Jovchelovitch &
Bauer, 2002, p.107).
Por último, nessa fase, ocorreu o tratamento e a interpretação dos dados que, como sinaliza Brandão
(2003), em boa medida, é para essa etapa que convergem todas as outras, embora ela não seja a última
(p.250). Conforme o autor, todo o trabalho feito até então, processado e ordenado na etapa anterior, é agora
submetido ao estudo e às descrições, às comparações e às interpretações partilhadas pelas pessoas da
equipe. É importante lembrar que a esse conjunto de processos críticos da inteligência se dá o nome de
análise dos dados da pesquisa.
A partir do processo de análise, foi possível identificar três dimensões, com base nas temáticas
utilizadas nesse trabalho: as concepções dos professores sobre a inclusão; a formação e a experiência como
espaços significativos de construção de saberes; e a experiência como possibilidade e caminho para a
inclusão. No intuito de sinalizar os achados dessa caminhada, sem, contudo conferir-lhe status de conclusão
definitiva, exponho as possibilidades e os caminhos encontrados sob a forma de quatro sínteses temáticas.
A primeira síntese temática indica a concepção das professoras pesquisadas em relação à Educação
Inclusiva. A análise mostrou que as professoras participantes consideram a Educação Inclusiva como um
processo pelo qual precisamos desmistificar os preconceitos, os próprios e os da comunidade escolar, para
num futuro próximo eliminá-los, através da acolhida e da ressignificação na percepção do outro. Elas
percebem também a Educação Inclusiva como um novo paradigma, que se constitui pelo apreço à diversidade
como condição a ser valorizada, para que, futuramente, não se pense mais em inclusão, mas numa educação
de boa qualidade para todos. Essas educadoras creem numa inclusão em que a aprendizagem seja o objetivo
da prática pedagógica, que se planeja com base nos alunos reais e nas suas necessidades, adaptando o
currículo a isso, através de uma metodologia e de uma avaliação flexíveis e diferenciadas, em que sejam
removidas as barreiras para a aprendizagem.

1050
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Na segunda síntese temática, temos a formação e a experiência como espaço significativo para a
construção dos saberes necessários. Na compreensão das professoras pesquisadas, os profissionais que
buscam a inclusão necessitam de formação continuada para melhorar suas práticas, que, apesar de recentes,
são significativas e produtoras de mudanças de paradigmas sobre o que acreditavam como prática inclusiva.
Em relação aos saberes necessários a uma prática inclusiva, as professoras que participaram desse estudo
elencaram saberes como: teórico (disciplinar e curricular), experiencial, da ciência da educação, da tradição
pedagógica e da ação pedagógica, nomenclatura apoiada nos estudos de Gauthier (2006), Pimenta (1999) e
Tardif (2002). Revelaram necessários também conhecimentos didáticos, pedagógicos e metodológicos
consistentes, assim como saberes da experiência prática, que somente serão construídos a partir do trabalho
com esses alunos. No que se refere à construção/aquisição dos saberes, conhecimentos e habilidades
necessários à prática inclusiva, acreditam que eles podem se originar em cursos, seminários, palestras, livros,
trocas de experiências entre professores que trabalham com a educação comum e especial. Essas práticas
podem se dar no ambiente escolar como espaço de discussão e questionamentos entre escola e família, no
ambiente universitário, através de práticas e estágios, nas famílias e até mesmo na internet.
A terceira síntese temática traz a vivência/experiência como possível caminho para a Educação
Inclusiva. Na análise dessa temática, as participantes da pesquisa narraram suas experiências como novas
e significativas. Momentos de aprendizagem, de troca e diálogo com alunos, familiares e colegas,
experiências que, segundo elas, modificaram suas práticas docentes. Em relação às vivências/experiências
na Educação Inclusiva, as professoras manifestaram a necessidade de formação, estudos e trocas de
experiências e de constante construção teórico-prática, que se faz mister nesse processo inclusivo. Os
depoimentos das professoras pesquisadas apontam para a necessidade e a importância das
vivências/experiências para a efetivação das práticas inclusivas, que nos fazem crer na validade do conceito
de experiência formadora de Josso (2004), segundo o qual, “qualquer prática deixa traços; que toda tomada
de consciência cria novas potencialidades; e que a transformação é um processo que se desdobra em razão
de um caminhar interior mais ou menos consciente antes de se tornar visível para o outro” (p.145).
Por fim, mas longe de concluir essa caminhada, temos a quarta e última síntese temática, que nos
remete a uma nova perspectiva dessa investigação, a escola como espaço de formação e transformação.
Durante toda a análise dessa pesquisa, nos deparamos com as concepções das professoras pesquisadas;
com a experiência e a formação como espaço de construção desses saberes; e com a vivência/experiência
como possibilidade para inclusão. Entretanto, para que todas essas situações sejam viabilizadas,
necessitamos do espaço educativo. É aqui que se destaca a escola, como um possível espaço da formação
e da transformação, seja de paradigmas, de professores, de alunos, pais ou comunidade escolar. Acreditar e
apostar nas escolas como espaços educativos de construção de personalidades humanas, como solos férteis
para o desenvolvimento de sujeitos autônomos, críticos e criativos, onde crianças, jovens e adultos aprendam
a serem pessoas, penso ser o grande desafio. Nessa perspectiva, recorro a Mantoan (2006a), a qual nos
lembra que a escola prepara para o futuro, e, se as crianças aprenderem a valorizar e a conviver com as
diferenças nas salas de aula, serão adultos bem diferentes de nós, que temos de nos empenhar tanto para
entender e viver a experiência da inclusão (p.61).

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A Escola: Dinâmicas e Atores

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As escolas inclusivas são para todos, implicando um sistema educacional que reconheça e atenda às
diferenças individuais, respeitando as necessidades de qualquer dos alunos. Nessa perspectiva, não apenas
os alunos com deficiência seriam ajudados e sim todos os que, por inúmeras razões, endógenas ou exógenas,
temporárias ou permanentes, apresentam dificuldades de aprendizagem ou no desenvolvimento. A melhoria
da qualidade das ofertas de atendimento educacional é uma necessidade que se impõe, para garantir o direito
público e subjetivo de cidadania dessas pessoas.
Antes de discutir o como incluir, é importante ter bem claro que a idéia da inclusão educacional
pressupõe a melhoria da resposta educativa da escola para todos, em qualquer das ofertas educacionais,
pois diante do fracasso escolar de tantos alunos, a tendência tem sido a de considerá-los, igualmente, como
alunado da educação especial.
É importante lembrar que a proposta da Educação Inclusiva não foi concebida para determinados
alunos apenas, pois é considerável a produção do fracasso escolar, excludente por sua própria natureza.
Sendo assim, a escola precisa melhorar para todos, indistintamente. Este é o verdadeiro significado da
Educação Inclusiva, uma educação de boa qualidade para todos, indiscriminadamente.

REFERÊNCIAS
Benjamin, W. (1996). Magia e técnica, arte e política. In Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1.
Brandão, C.. (2003). A pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa no trabalho do educador. São
Paulo: Cortez.
Cunha, M. I. (1998). O professor universitário na transição de paradigmas. Araraquara: JM Editora.
Delors, J.(Org.) (1998). Educação - Um Tesouro a Descobrir - Relatório para a Comissão Internacional Sobre
Educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez, MEC/UNESCO.
Carvalho, R. (2006) Educação Inclusiva: com os pingos nos “is” (4ªEd.). Porto Alegre: Mediação.
Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (23ªEd.). São Paulo:
Paz e Terra.
_______ (2000). Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e outros escritos (6ªEd.): São Paulo: UNESP.
Gauthier, C. et al (2006). Tradução Francisco Pereira de Lima. Por uma teoria da Pedagogia: pesquisas
contemporâneas sobre o saber docente (2ªEd.). Ijuí: UNIJUÍ.
Josso, M. (2004) Experiências de vida e formação. Tradução: José Claudino e Júlia Ferreira. São Paulo:
Cortez.
Jovchelovitch, S. & Bauer, M. (2002) Entrevista Narrativa. In Bauer, M. & Gaskell, G. Pesquisa Qualitativa
com texto, imagem e som – um manual prático (3ªEd.). Petrópolis, RJ: Vozes.
Lüdke, M. & André, M. (1986). Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU.
Mantoan, M. T. (2005). Caminhos Pedagógicos da Educação Inclusiva. In Gaio, R. & Meneguetti, R. Caminhos
Pedagógicos da Educação Especial (3ªEd.). Petrópolis, RJ: Vozes.
_______. (2006a). Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer? 2 ed. São Paulo: Moderna.
Pimenta, S. (Org.). (1999). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez.
Tardif, M.. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

UM OLHAR QUE EDUCA.


DIMENSÕES VISUAIS NA RELAÇÃO EDUCATIVA, A PARTIR DA LIGAÇÃO ENTRE A
BELEZA E A APRENDIZAGEM.
UMA PROPOSTA PARA UMA MELHOR QUALIDADE DA APRENDIZAGEM DENTRO
DA DINÂMICA DE ENSINO E PARA OS ACTORES DA EDUCAÇÃO
[ID 352]

Emanuela Mancino
Dipartimento di Scienze Umane per la Formazione “R. Massa”, Università degli Studi di Milano-Bicocca
Emanuela.mancino@unimib.it

Resumo
Enquadramento teórico
O olhar de inveja destrói a beleza, não deixa apreciar. Inveja, então, é a figura de um sentimento quase ou
totalmente incapaz de "venerar", segundo Nietzsche, o que é grandeza, porque expressa uma ação, incapaz
de manter a grandeza. Grandeza da inveja não combina com a grandeza da beleza, o que acaba por ser
incontrolável em seu corpo inteiro: a complexidade do conhecimento é o congelamento assustador,
bloqueando; que intimida. Às vezes acontece, quando alguém é atraído pela beleza, ter experiência de
inadequação, devido às suas ferramentas, para a ousadia da empresa, ao excesso aterradora de beleza, de
difícil acesso ou in-cluir. Inveja aparece: o que não é acquirable torna-se objeto de um detalhe-vivissecção,
colhidas e analisadas com uma capacidade crítica (de disjunção, na verdade), que rompe a unidade que de
outra forma é assustador.
Referências teóricas são: Merleau-Ponty, Foucault, Detienne, Heidegger, Ricoeur.
Metodologia utilizada
Este texto explora a dimensão da inveja, assim entendida, a partir de sua declinação ética, na fronteira com
a dimensão de justiça; neste caso, olhar invejoso é sim um olhar interrogativo; ele se pergunta, que é dizer,
como o mérito do sucesso do outro aconteceu. Inveja produz questionando não como sobre os efeitos, como
sobre os processos. Mas muitas vezes o poder de destruir do olhar invejoso atinge vez a necessidade de um
ato de poder (um visual ou através da visão) da ação da beleza do outro. Pode ser o tema da relação
educacional ou objecto de aprendizagem. Estes declinações do olhar invejoso são analisados a partir da
literatura, do mito e da iconografia ligada ao poder do olhar.
A metodologia è portanto hermenêutica.
Principais resultados da investigação
O texto também avança para uma análise da realidade educacional de olhar para promover a sua consciência
educativa e sugerir maneiras de investigar as possibilidades de educação de olhar, de julgar, de ouvir, de
receber e de espelhamento, durante a relação educativa, tomado como intercâmbio entre indivíduos e como
uma interação entre sujeito e "sujeito" de aprendizagem.

Palavras-chave: Dimensão ética, Dimensão estética, Aprendizagem e beleza, Filosofia da educação.

Résumé
Cadre théorique
L'envie de regarder détruit la beauté, je l'apprécie toujours. L'envie, alors, est la figure d'un sentiment presque
ou totalement incapable de "vénérer", selon Nietzsche, qui est la grandeur, parce qu'il exprime une action,
incapable de maintenir la grandeur. envier la grandeur ne correspond pas à la grandeur de la beauté, qui finit
par être ingérable dans votre corps tout entier: la complexité de la connaissance est le gel effrayant, bloquant;
intimidante. Parfois, il arrive quand quelqu'un est attiré par la beauté, ont une expérience insuffisante en raison
de ses outils pour la hardiesse de l'entreprise, l'excès terrifiant de la beauté, d'accès difficile ou en conclure.
Jalousie apparaît: ce qui est pas acquirable devient l'objet d'un détail-vivisection prélevé et analysé avec une
capacité critique (de disjonction, en fait), ce qui brise l'unité qui est par ailleurs effrayant.
Références théoriques sont: Merleau-Ponty, Foucault, Detienne, Heidegger, Ricoeur.
Méthodologie utilisée

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Ce texte explore la dimension de l'envie, ainsi comprise, de sa déclinaison éthique, en bordure de la dimension
de la justice; dans ce cas, regardez jaunisse est plutôt un regard interrogateur; il se demande, c'est-à-dire que
les mérites de la réussite de l'autre est arrivé. Envie produit des questionnement n'a pas aimé les effets et sur
les processus. Mais souvent, le pouvoir de détruire le mauvais œil atteint à nouveau la nécessité d'un acte de
pouvoir (un visuel ou par la vue) l'action de beauté de l'autre. Il peut faire l'objet de la relation ou l'apprentissage
objet éducatif. Ces déclinaisons de mauvais œil sont analysés dans la littérature, le mythe et l'iconographie
liée à la puissance de la vue. La méthodologie est donc herméneutique.
Principaux résultats de la recherche
Le texte avance aussi à une analyse de la réalité éducative de la recherche pour promouvoir leur sensibilisation
à l'éducation et de suggérer des moyens d'enquêter sur le regard des possibilités d'éducation, de juger,
d'entendre, de recevoir et de mise en miroir au cours de la relation éducative, considéré comme l'échange
entre les individus et comme une interaction entre le sujet et «sujet» de l'apprentissage.

Mots-clés: Dimension éthique, Dimension esthétique, L'apprentissage et la beauté, Philosophie de


l'éducation.

A comparação com o mundo exterior e com os outros é inerente ao processo da existência humana.
O meio desta comparação são os sentidos. Todo mundo toma informações através dos sentidos de ver, ouvir,
provar, cheirar, tocar. Mesmo na forma atual de falar, até mesmo as formas mais comuns de categorizar
estilos de aprendizagem são baseados em sentidos: aprendizagem auditiva ou memória, aprendizagem visual
ou memória ... todos têm uma preferência inata por aprender com um desses estilos. Nosso desenvolvimento
está estritamente ligado à nossa dimensão estética (Gundara, 1986). Neste ensaio, a dimensão estética será
representada pelo olhar. O termo "estética" vem da língua grega e da filosofia grega. A palavra aesthesis pode
ser traduzida como senso, sentimento, sensação, mas, mais profunda, aesthesis significa reconhecimento
sensorial, e é importante, na perspectiva dessas páginas, por causa da natureza da experiência baseada no
corpo e reconhecimento que aesthesis envolve.
Nossas emoções são modificadas pelo modo como nosso olhar sobre o mundo e sobre as outras
mudanças (Heidegger, 1976, p.188). E nossa atividade infantil começa no que Piaget definiu como a
coordenação motora sensorial, que é o modo como as funções e sentidos motores exploram e aprendem o
mundo circundante. (Piaget, 1976, Vidal, 1989). O reconhecimento estético é caracterizado pela experiência
de compreensão (Rasmussen, 1990) e representa uma visão de mundo qualitativa que dá significado à vida.
Este tipo de significado tem que ser com interpretação, forma simbólica sensual e emoções. Aprendizagem,
como uma atividade de pegar o mundo, é caracterizada como uma complexidade relacional.
A dimensão estética da aprendizagem percorre o pensamento filosófico sobre a educação desde a
visão platônica da "idéia" como resultado do que se vê, do conhecimento como uma "visão". A relação entre
a visão, a estética e o que é visível e sensível cria uma experiência que Dewey chamou emocional. O ato de
ver, de ver, implica tanto a existência incorporada, situada e um mundo material: compartilhamos um modo
semelhante de existência com outro sujeito de visão, mas vivemos essa existência de forma discreta,
autônoma e específica e baseada na história. O que sentimos com nossos sentidos pode ser harmonia, rítmo,
regularidade. Mas pode ser o oposto. Dis-harmonia, não-rítmo e irregularidade. A alternância rítmica dentro
do homem e do mundo, a variação rítmica dentro de uma relação equilibrada com um contexto particular (Di
Gregory, 2008, p.250) pode introduzir a ligação entre estética e ética. Se ética, de acordo com Nel Noddings,
é "como devemos conduzir nossas vidas e, especialmente, como devemos interagir com os outros" (Nodding,
1998, p.136), de acordo com Dewey emoção, imaginação, empatia, como fatores eficazes, são parte Da
experiência moral, do significado e da compreensão (Dewey, 1934). A possibilidade de discernir e ver várias

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

possibilidades de agir, dentro de uma dada e comum situação, é uma forma dramática de imaginação moral
(Dewey, 1922).
A coisa certa a fazer precisa de uma educação, uma prática. Para os gregos antigos, a idéia de "bom"
estava estritamente ligada à idéia de beleza. Educar à beleza, dando à beleza o sentido do prazer como
qualidade do que poderia ser valorizado como positivo, intrínseco, imediato. Nós nos movemos na direção da
expansão, e nós existimos em termos de relacionamento: estamos em relação. Do encontro entre ética e
estética vem a consciência de um ser humano como energheia, como um poder de existir. Aristóteles
chamado energheia este poder (Metafísica), Spinoza falou conatus, libido Freud. O homem, como sujeito
desejante, como poder voluntário, não percebe o limite de seu poder, se não faz uma comparação com o
resto do mundo e percebe seu desejo em relação ao que sente como um "bem" para Ele, como um horizonte
de beleza.
Mas, através da comparação, ele pode aprender medições, diferenças e, talvez, injustiças. O ato de
comparar e ter modelos pode ser o ponto de partida de você para considerar a relação entre beleza, inveja,
olhar e aprendizagem. O invejoso sofre vendo a beleza do outro, sofre diante do que não pode possuir. Sua
dor tem a ver com o sentimento de perder a si mesmo, de perder a possibilidade de ser (Frankel & Sherick,
1977). O efeito da inveja, nessa perspectiva, é uma re-visão do eu, uma re-visão dos outros e uma re-visão
dos desejos. O que eu invejo é beleza para mim. A aparência estética da beleza está entrelaçada com a
experiência de olhar: e isso abre caminhos excitantes para explorar no espaço das dimensões complexas da
aprendizagem. O ato de "tomar algo de beleza" (ou algo relacionado à beleza, incluindo seus opostos) é
impulsionado pela curiosidade e pelo desejo, mas acompanhado por uma sensação de medo e paralisia; O
que nos atrai pode tornar-se monstruosamente ou terrivelmente belo, ou - extrair do léxico do excesso
associado à beleza - "muito bonito". Existe uma espécie de insustentabilidade inerente à beleza. O que é
muito bonito e, portanto, torna-se monstruoso ou terrível não só gera oxímoros, mas também nos leva a
experimentar um desconcertante senso de excesso que imediatamente nos estimula a exercer alguma forma
de controle sobre o imenso e desconcertante espaço aberto que estamos vislumbrando: Resultado, nos
esforçamos para reduzir o que percebemos como difícil de gerenciar. Assim, o conceito de monstruoso - em
que beleza e medo estão inextricavelmente entrelaçados - ganha terreno. O termo "monstruoso" tem
conexões lexicais e semânticas com a dimensão visual do "olhar invejoso"; o latim lemma monstrum vem da
forma intensificante de monere, que significa "aconselhar" e "avisar".
O monstrum é algo que é mostrado ou "que se mostra", particularmente na semântica da religião;
Mais especificamente, é um sinal maravilhoso, divino ou extraordinário. O que é maravilhoso e parece ser um
aviso requer necessariamente nossa atenção, seja em termos de um esforço para salvaguardar e proteger,
seja para observar e analisar de perto e com desconfiança. Tomar consciência das formas como o ato de
olhar se relaciona com a aprendizagem e a beleza nos leva à realização - numa perspectiva observacional
sobre a dinâmica da inveja - de que olhar é uma competência que pode ser educada e, de fato, é o resultado
de nossa educação História: nossa maneira de ver as coisas e nosso próprio modo de vida (inveja ou ser
envejados) depende muito da nossa cultura particular de olhar.
Explorar a relação entre inveja e aprendizagem representa uma perspectiva incomum na reflexão
teórica ou prática sobre a educação, um contexto em que a inveja é geralmente percebida como inesperada.
No entanto, parece que a categoria da inveja pode lançar nova luz sobre a paisagem da aprendizagem, se
vista a partir do paradigma filosófico do problematicismo, da fenomenologia e da pesquisa pedagógica que

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A Escola: Dinâmicas e Atores

se concentrou no sujeito, não em termos absolutos ou ideais, mas sim como Uma função do seu inconsciente
cognitivo e emocional entrelaçando com seu próprio ambiente e história.
A necessidade inalienável de levar em conta o contexto da aprendizagem e a importância crucial de
ver a dinâmica educacional em termos de pensamento complexo (como E. Morin ensina) e narrativa (como
na visão de G. Bateson) não podem deixar de levar a considerar a até que ponto a aprendizagem é meta-
aprendizagem e o fato de que nosso conhecimento do conhecimento cada vez mais precisa incluir espaço
para refletir sobre as emoções suscitadas e agidas em torno do evento educacional. Nossa maneira de olhar
sofreu e continua a ser submetida a um treinamento estético: aprendemos a selecionar, a escolher, a
maravilhar-nos, a descobrir e a identificar harmonia e pertencimento.
Conhecimento pode ser adquirido com delicadeza, curiosidade e um espírito de investigação; objetivo
procurado com voracidade, atitude manhoso, agressiva ganancioso ouro ou açambarcamento; ouro mais uma
vez, pode definir a aquisição de conhecimentos por tentativa de prender o mundo e os outros em seu caminho
de modo que eles não podem se mover ou evoluir, de modo que eles não podem nos forçar a troca de
perspectiva de ouro modificar a nossa visão pessoal do mundo, de modo que eles não podem envolve-nos
numa responsabilidade, mesmo pesada crítica antes-nos para com os outros. Este é o que acontece quando
o olhar invejoso entra em jogo.
E é precisamente a partir de uma perspectiva pedagógica e portanto relacional que a inveja pode ser
interpretada como um sentimento solitário, para ser mantida em segredo, para ser escondida, admitida com
grande relutância até para si mesmo (porque a palavra inveja raramente pode ser pronunciada sem raiva,
Raiva que provém da experiência de se sentir desfavorecida em relação à pessoa que é invejada, e porque
admitir a inveja significaria admitir a própria inferioridade. A única relação dinâmica possível para uma pessoa
invejosa é a de fixação. A inveja é um sentimento que isola, que impede a troca. É por isso que pode ser
identificado, inclusive sob a perspectiva da filosofia da educação, na intersecção da troca interna-externa e,
portanto, pedagogicamente, no núcleo profundo e (não por acaso) em suas raízes mais profundas e não
visíveis, Para onde a identidade foi formada e continua a ser construída.
Explorar a inveja na dinâmica da aprendizagem ou do fracasso de aprender significa, inevitavelmente,
comparar a inveja (entendida tanto como paixão quanto como elemento cultural) com a noção de outra
dimensão-chave da aprendizagem ligada à experiência estética e às relações, a saber, a admiração. Se
fôssemos apenas ver a admiração como o oposto do desprezo, perderíamos sua ligação emocional complexa
com a inveja. Segundo Perniola, as três dimensões da admiração são a apreciação, a surpresa e a inveja.
Todos estes três aspectos estão concomitantemente presentes na palavra grega antiga para o verbo invejar
ágamai (agalma significava imagem divina e valor econômico como entendido antes da invenção do dinheiro).
O verbo tem três significados; Ser admirado, sentir inveja ou ressentimento. Seguindo esta linha de
argumentação, dado que a admiração desempenha um papel fundamental não só na economia cultural, mas
em todas as dimensões emocionais e cognitivas da aprendizagem, qualquer espectro de emoções associadas
a ela deve ser visto como um modo ou estilo de aprendizagem: Genuíno entusiasmo ao temor e inveja. Nem
mesmo as paixões descritas ou entendidas como vergonhosas podem ser excluídas: assim, a inveja está ao
lado da voracidade. Portanto, a inveja não se refere apenas a uma lógica competitiva que regula relações de
dominação ou rivalidade.
A aprendizagem é, portanto, uma atividade humana que, para citar Deleuze, resiste à morte porque
realiza em si mesma sua própria natureza como um impulso cultural privilegiado que cria conexões, elos e

1056
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

narrativas que nunca foram formadas antes. A aprendizagem é, portanto, a expressão mais radical da
criatividade, mediada por sentimentos de admiração e de admiração e admiração. A própria inveja se origina
em um vício que pode ser definido como incomum em comparação com seus "companheiros" fraquezas;
Enquanto os outros pecados envolvem algum elemento de prazer, a inveja é alimentada pela necessidade de
defender uma identidade ameaçada. As pessoas que invejam percebem a beleza - a boa fortuna dos outros
como uma ameaça à sua própria afirmação de si: são perturbadas por um excesso de "beleza" que leva a
uma comparação com a sua própria beleza, que, por conseguinte, tem de ser defendida. Ao defender o eu, a
inveja tende a comprimir seu objeto numa tentativa de limitar seu crescimento e expansão. Assim a inveja
patrulha as fronteiras, montando guarda sobre a coexistência difícil de limites e mudança. Nietzsche nos
lembra que os gregos antigos interpretaram o sucesso humano como um dom e uma inveja divinos como
conseqüência da impiedade (deixando de lado, por agora, o fato de que muitos deuses gregos admitiram ser
invejosos das divindades do Monte Olimpo ou dos mortais comuns) Grandeza e beleza eram geralmente
veneradas. A veneração foi um ato de reconhecimento e apreciação e permitiu que os antigos identificassem
grandeza e beleza e os adotassem como modelos, metas e horizontes futuros. Em contraste, a inveja é uma
forma de impotência que mina a auto-estima das pessoas que a experimentam, impedindo-as de lidar com
seus limites - que "simplesmente" exigem ser aceitas, abraçadas ou até mesmo avaliadas - e portanto
contemplando a beleza serenamente.
Aprendizagem pode encontrar oportunidades surpreendentes e potentes para questionar e perguntar,
quando é capaz de permanecer fiel ao tornar-se de seu olhar. Assim, o ato de aprender pode envolver
diferentes modos de olhar: afastando-se do "poder convencional" poderoso e sólido entre ver e conhecer,
olhar também pode ser uma questão de observar, defender, contemplar, anseio, persistência. Ao olhar, o
mundo torna-se um texto e os intercâmbios entre o sujeito e o mundo fazem o olhar em transformação e
desejo de mudança. O mundo e o outro se tornam eventos textuais ou discursivos, para serem lidos e
reescritos.
Refletir sobre os riscos da fixidez de nosso olhar no aprendizado também significa propor uma visão
de educação e aprendizagem baseada em uma visão menos voraz e mais delicada. Decidimos chamar essa
perspectiva de "pedagogia do sentido suspenso". A salvaguarda representada por esta proposta educativa,
na medida em que incentiva atitudes de vigilância, concentração e atenção, também tem a ver com a
resistência à tentação de interpretar, de ouvir o outro no sentido forte (e designativo) do termo. É difícil
permanecer em uma condição de significado suspenso, como o imposto pelo silêncio do outro, dimensão
secreta ou invisível. Quando olhamos para o outro, aprender a ir além da fixidez ou poder bloqueador de um
olhar que define e circunscreve, não é fácil; Ele requer o ajuste a um período de tempo diferente do
normalmente praticado e experiente em relações educacionais, muitas vezes marcado por pressa. A inveja
pressupõe certeza sobre a identidade do outro. Uma fixação que nos permite bloquear o outro, enquanto ao
mesmo tempo nossa própria imagem dele ou dela está congelada. É mais difícil se acostumar ou encontrar
tempo para parar e cuidar da relação, criando assim as pré-condições necessárias para "discernir um
significado oculto em um significado aparente".
Em linha com a ideia de Ricoeur de um processo de compreensão que não se imobiliza na primeira
pausa da explicação, mas trata a "compreensão do outro" como "um horizonte, um fim" e não um fato
ontológico, uma perspectiva que explora a relação Da inveja com a educação fornece uma excelente base
para uma verdadeira pedagogia do significado suspenso. Isso não só facilita uma prática de cuidar da outra

1057
A Escola: Dinâmicas e Atores

baseada no respeito, na escuta e nas atitudes de autêntica intimidade defendidas pela filósofa Maria
Zambrano; Educar-nos na pedagogia do significado suspenso também nos leva a nos concentrar em nossa
própria abordagem de dar significado. Descobrir como esperar, como sugerido por nossa reflexão sobre a
história de Medusa e sua maneira de aprender sobre o mundo e ela mesma, pode nos ensinar a fazer uma
pausa com nossas interpretações e contemplar o fato de que todas as abordagens hermenêuticas têm o
potencial de descobrir e revelar gradualmente a Aspectos da existência que constituem nossos olhares como
um método, transformando-os em lente, filtro, desejos e expectativas. Nossa persistência neste "caminho
mais longo" será melhorada se considerarmos quanto conforto geralmente derivamos de nossas expectativas
sobre o que vamos ver. Estamos preocupados quando o significado nos escapa, quando a informação
disponível para nós é incompleta, quando somos confrontados por um possível enigma. É interessante
observar como o nosso olhar reage quando encontra uma fotografia, imagem ou definição que não designa,
mas atrai nossa atenção precisamente por causa de seu fracasso em fazê-lo, insinuando, permitindo
vislumbrar sua falta de completude. Tornamo-nos conscientes de que nestes casos sentimos o desejo de
recuperar a parte que falta em nosso próprio bem, de nos afastarmos das perguntas e interpretações que
imediatamente se agitam dentro de nós. Em contraste, é possível explorar, à luz da dinâmica de olhar e da
emoção da inveja, as características afetivas de nossa própria aprendizagem: isso envolve um certo grau de
auto-reflexividade, que, por sua vez, exige o desenvolvimento da capacidade cognitiva de Identificar nossas
próprias teorias implícitas de aprendizagem. Explorar o ato de olhar como um tema educativo tem como
objetivos, entre outros, promover a conscientização e contribuir para a compreensão de como educar para
olhar, julgar, ouvir, receber, aceitar e refletir no contexto da relação educacional, entendida como um
intercâmbio entre sujeitos e como a interação entre sujeito e "objeto" da aprendisagem.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

POLÍTICAS EDUCATIVAS E O ENSINO MÉDIO PÚBLICO NO BRASIL: TENSÕES,


CONTRADIÇÕES E VÍNCULOS ENTRE OS JOVENS E A ESCOLA
[ID 350]

Luciana Pedrosa Marcassa


Centro de Ciências da Educação - Universidade Federal de Santa Catarina
luciana.marcassa@ufsc.br

Resumo
O presente texto é parte de uma pesquisa sobre Juventude Pobre e Escolarização, que tem por objetivo
analisar os sentidos atribuídos à escola, os motivos que geram o abandono escolar, a presença do trabalho
na vida dos estudantes, suas expectativas de futuro e as atividades e interesses dos jovens para além da
escola. A pesquisa busca conhecer o que mantém e o que afasta a juventude da escola, considerando as
múltiplas determinações e dilemas que concorrem neste processo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa,
exploratória e descritiva, que se utiliza de análise de documentos, questionários, entrevistas e grupos focais,
com base no materialismo histórico-dialético, particularmente nas reflexões oriundas dos debates sobre
educação, trabalho e políticas públicas que encontram nos textos de Antonio Gramsci sua fonte de inspiração.
A pesquisa tem como foco os jovens estudantes, especialmente do Ensino Médio, de 10 escolas públicas
localizadas nos territórios do maciço do Morro da Cruz em Florianópolis – SC, região geopoliticamente
segregada e periférica, embora situada no centro da cidade. Uma das questões que vem se destacando nesta
investigação diz respeito às políticas educativas e as ações pedagógicas que podem contribuir para fortalecer
o vínculo dos jovens com a escola. Ao interpretarmos os depoimentos dos jovens sobre os problemas da
escola, podemos escutar, às avessas, o que eles desejam e esperam dela. Entre as ações, programas e
políticas que pretendem tornar o Ensino Médio mais atraente aos jovens, identifica-se tensões e contradições
entre o que as escolas, os formuladores das políticas, seus gestores e docentes propõem aos jovens, e o que
os próprios estudantes consideram fundamental para a sua formação, para um bom desempenho, para a
criação de vínculos com a escola e o melhor aproveitamento da experiência escolar. Assim, é na disputa pela
hegemonia das ações, projetos, programas e políticas desenvolvidas em nome dos jovens que emergem
relações de poder não facilmente dissolvidas nos tempos e espaços convencionais da prática pedagógica,
sem uma ampla e profunda discussão sobre o papel da escola, as intenções e objetivos das políticas
educativas e os sentidos que jovens estudantes atribuem à escolarização, diante de um contexto de
mudanças da própria função da escola, de incertezas quanto ao futuro profissional e de precarização das
condições de vida e de trabalho.

Palavras-chave: Juventude, Escola, Políticas Educativas, Relações de Poder.

Résumé
Ce texte fait partie d’une recherche sur les jeunes défavorisés et de sa scolarisation, qui vise à analyser les
sens assignées à l’école, les raisons qui génèrent la l’abandon scolaire, la présence du travail dans la vie des
étudiants, leurs attentes vis-à-vis de l’avenir et les activités et les intérêts des jeunes, au-delà de l’école. La
recherche vise à savoir ce qui maintient les jeunes dans l’école, considérant les déterminations multiples et
les dilemmes qui sont en concurrence dans ce processus. C’est une recherche qualitative, exploratoire et
descriptive, dont utilise l’analyse des documents, des questionnaires, des entrevues et des groupes de
discussion, basées sur la dialectique du matérialisme historique, en particulier dans les débats sur l’éducation,
de travail et des politiques publiques qui trouvent dans les textes d’Antonio Gramsci la source d’inspiration. La
recherche se concentre sur les jeunes, surtout des lycéens, des 10 écoles publiques situées sur le territoire
du Morro da Cruz à Florianópolis – SC, région périphérique géopolitiquement, bien que situé dans le centre
de la ville. Une des questions a révélé dans la recherche est concernée des politiques éducatives et des
actions éducatives qui peuvent contribuer à renforcer le lien des jeunes avec l’école. Pour interpréter le
témoignage de jeunes sur les problèmes de l’école, on peut entendre, à l’inverse, ce qu’ils veulent et s’y attend.
Parmi les actions, les programmes et les politiques qui visent à rendre le lycée plus attrayant pour les jeunes,
nous identifions la présence de tensions et de contradictions entre ce que les écoles, les décideurs politiques,
gestionnaires et enseignants proposent et offrent aux jeunes, et ce que les étudiants eux-mêmes considèrent
essentiels pour votre formation, à la création de liens avec l’école et la meilleure des expérience scolaire.
Donc, dans le dispute de hégémonie des actions, projets, programmes et politiques mises en œuvre pour le

1060
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

compte de jeunes apparaissent nouveaux rapports de force pas facilement dissous dans les temps et les
espaces de pratique de l’éducation conventionnelle, sans un débat large et profond sur le rôle de l’école, les
intentions et les objectifs des politiques éducatives et les sens que les élèves attachent à l’éducation, face à
la transformation du rôle de l’école, à l’incertitude quant à l’avenir professionnel et la précarité des conditions
de travail et de vie.

Mots-clés:Jeunesse, École, Polítiques Éducatives, Rapports de force.

INTRODUÇÃO
Este texto faz parte da Pesquisa “Juventude Pobre e Escolarização: relações com a escola, o trabalho
e a cultura em territórios de precariedade”, desenvolvida coletivamente pelos pesquisadores do TMT – Núcleo
de Estudos sobre as Transformações no Mundo do Trabalho, do CED/UFSC. A amostra da pesquisa é
composta por 10 Escolas de Educação Básica da região do maciço do Morro da Cruz em Florianópolis – SC
e são identificadas na pesquisa por siglas: PA, HT, HS, LM, GV, IEE, LLM, JC, SH, SS (EJA – Educação de
Jovens e Adultos).
O maciço do Morro da Cruz (MMC), território em que estão localizadas as escolas da pesquisa, está
situado na porção central da Ilha de Santa Catarina, mas não integra o cenário paradisíaco da “Ilha da Magia”,
amplamente divulgado na mídia. Composto por aproximadamente 18 comunidades, sua população vive em
assentamentos precários e ainda sofre pela ausência de espaços de lazer e de serviços públicos adequados.
Não há consenso em relação ao número de habitantes das comunidades, mas as lideranças comunitárias
estimam que existam cerca de 30.000 pessoas residindo nos morros, o que equivale a quase 8% da
população absoluta da capital.
As mediações criadas pelo/no território afetam diretamente a condição juvenil e a experiência de viver
a juventude. Assim, a juventude pobre dos territórios do maciço do Morro da Cruz não foge dos processos de
controle, de contenção e de conformação de suas práticas, comportamentos e ideias, de seus modos de viver
e conviver com a pobreza.
Por outro lado, o aumento das oportunidades educacionais, do prolongamento da escolarização
média, das políticas de acesso e permanência aos estabelecimentos de ensino (na educação básica e no
ensino superior), das políticas públicas para a juventude brasileira nos últimos 30 anos, bem como a
emergência de movimentos sociais, no campo e na cidade, protagonizados por jovens, tudo isso revela as
novas formas de expressão da juventude brasileira, suas demandas e formas de inserção na totalidade social,
incluindo as lutas por melhores condições de vida e de trabalho. Portanto, a juventude não é somente objeto
de controle político e ideológico, é também sujeito de muitas lutas e conquistas de direitos.
Vale dizer que, quando falamos em “juventude”, a concebemos como categoria social que se
caracteriza pela heterogeneidade, portanto, marcada por determinações de classe, gênero, etnia e também
clivada por diferenças produzidas pelas condições educacionais e culturais, pelo local de moradia, e pela
relação que estabelece com outras gerações, em especial com o mundo adulto e sua entrada nele. Por isso,
é importante compreendermos as experiências concretas nas quais a juventude se produz, articulando
expectativas, o ambiente cultural, trajetórias, modos de pensar e agir com as condições materiais e concretas
nas quais esses jovens estão inseridos. Como diz Maria Alice Foracchi (1977) no clássico estudo sobre O
estudante e a transformação da sociedade brasileira, “Menos do que uma etapa cronológica da vida, menos
do que uma potencialidade rebelde e inconformada, a juventude sintetiza uma forma possível de pronunciar-
se diante do processo histórico e de constituí-lo, engajando-se” (p.303).

1061
A Escola: Dinâmicas e Atores

Os sujeitos da pesquisa são adolescentes e jovens estudantes dos anos finais do Ensino
Fundamental (7º e 8º anos) e do Ensino Médio (1º, 2º e 3º anos), que frequentam as escolas acima
mencionadas nos três períodos, matutino, vespertino e noturno, totalizando cerca de 1.181 estudantes.
O objetivo geral da pesquisa é conhecer o que aproxima, mantém e fortalece os vínculos dos jovens
com a escola, bem como o que afasta e gera o abandono escolar, considerando os sentidos atribuídos à
escola e aos estudos nas condições atuais da escola pública brasileira, a relação com o trabalho e as
condições de vida dos estudantes e suas famílias, e o ambiente cultural em que vivem os jovens. Quanto à
metodologia, trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo exploratória e descritiva, que se utiliza de
questionário, grupos focais, entrevistas, análise de políticas e de documentos produzidos pelas escolas e
dados estatísticos nacionais, estaduais e locais. Os dados são analisados à luz do método dialético, de modo
que a subjetividade dos jovens, isto é, seus depoimentos, suas representações e o sentido que atribuem à
escola não são tratados de forma isolada da objetividade, ou seja, das condições de produção material da
vida e da situação concreta da escola hoje.
Neste texto, procuro explorar as convergências e os descompassos entre as políticas educacionais
para o Ensino Médio e as perspectivas de formação e emancipação da juventude pobre no Brasil. Para tanto,
no primeiro momento, apresento os marcos legais que estruturam o Ensino Médio público no Brasil, bem
como o conjunto de decretos, resoluções, pareceres, leis e programas que foram criados para este nível de
ensino desde 1996 (ano em que se estabelece a nova LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Naciona,
Lei 9.394/1996), até o novo Ensino Médio, criado pela Medida Provisória nº 746, de 2016. No segundo
momento, exploro alguns depoimentos dos jovens sobre os sentidos de frequentar a escola, seus vínculos
com ela e suas expectativas. Finalmente, procuro demonstrar as contradições entre as políticas para o Ensino
Médio, supostamente voltadas aos interesses e necessidades dos jovens, e o que, de fato, os jovens nos
revelam sobre os estudos e a escola. Espero com isso contribuir com o debate sobre a educação pública
brasileira, especialmente no que se refere aos estudos sobre juventude, trabalho, educação e políticas
públicas.

AS POLÍTICAS PARA O ENSINO MÉDIO NO BRASIL: OBJETIVOS E TENDÊNCIAS


O marco legal e mais importante da organização do sistema educacional brasileiro e que define a
estrutura e função do Ensino Médio é a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9.394/1996) que estabelece, como dever do Estado, a oferta da Educação Básica dos 4 aos 17 anos,
organizada da seguinte forma: Educação Infantil (até 5 anos de idade); Ensino Fundamental (1º ao 9º ano);
Ensino Médio (1º ao 3º ano).
Em seu Artigo 35 define o Ensino Médio como etapa final da educação básica, com duração mínima
de três anos, tendo como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental,
possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo
a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento
da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

1062
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a


teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Esta lei é considerada um avanço na política educacional brasileira porque promoveu a extensão da
obrigatoriedade e gratuidade do Ensino Médio, passando a reconhecê-lo como etapa final da educação
básica. Isso fez aumentar substancialmente os decretos, resoluções, pareceres, leis e programas para este
nível de ensino sob a influência de múltiplos sujeitos sociais e coletivos, num processo complexo e
controvertido de definições de políticas e estratégias. Alguns desdobramentos dessa nova condição do Ensino
Médio no Brasil podem ser visualizados nas seguintes iniciativas: Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997 –
Regulamenta a Educação Profissional (Brasil, 1997); Portaria MEC nº 438, e 28 de maio de 1998 – Institui o
Exame Nacional do Ensino Médio (MEC, 1998); Resolução CNE/CEB nº 3, de 26 de junho de 1998 – Institui
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (CNE, 1998); Parâmetros Curriculares Nacionais –
Ensino Médio (Brasil, 2000); Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio – PROMED (Brasil, 2000);
Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001 – Aprova o Plano Nacional de Educação (2001- 2011) (Brasil, 2001);
Decreto nº 5.154/2004 (Brasil, 2004) que altera a LDB no que diz respeito à Educação Profissional, até então
separada do Ensino Médio regular, criando o Ensino Médio Integrado (hoje oferecido, principalmente, pelos
Institutos Federais de Educação); Programa Ensino Médio Inovador - ProEMI (Portaria Ministério da Educação
nº 971, de 9 de outubro de 2009); Parecer CNE/CED nº 5, de 4 de maio de 2011 (CNE, 2011), que trata das
novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e Resolução CNE/CEB nº2, de 30 de janeiro de
2012, que institui as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (CNE 2012); Pacto Nacional
pelo Fortalecimento do Ensino Médio (Portaria Ministério da Educação nº 1.140, de 22 de novembro de 2013);
Lei 13.005 de 25 de junho de 2014, que aprova o novo Plano Nacional de Educação (2014-2024) (Brasil,
2014); Base Comum Curricular Nacional (proposta preliminar, 2ª edição revista, abril de 2016); Medida
Provisória nº 746, de 2016, que institui o Novo Ensino Médio, com alterações substantivas na LDB.
Nos documentos acima elencados, é possível observar que “a disputa conceitual é, na verdade,
expressão da disputa por hegemonia travada entre as classes sociais, mais diretamente entre seus
intelectuais orgânicos” (Ramos, 2011, p.784). Muitas vezes, a adoção de ideias e conceitos historicamente
vinculados à luta dos trabalhadores é incorporada nos textos, mas sob os efeitos de uma metamorfose
conceitual que esconde as alianças do bloco no poder com os interesses do capital, por exemplo: o
estabelecimento de parcerias com a iniciativa privada, a formação flexível em consonância com um trabalho
e um mercado flexíveis, e o empreendedorismo como solução para o desemprego estrutural.
Nesses documentos e políticas para o Ensino Médio nos últimos 30 anos percebe-se a ocorrência de
preocupações com: a definição da juventude como categoria social (fruto da emergência desse debate desde
a década de 1960-1970); a singularidade dos sujeitos, os anseios e necessidades dos jovens e a pluralidade
de interesses dos mesmos; o desenho curricular que, supostamente fechado e homogêneo, seria
desinteressante aos jovens (daí a proposição do currículo flexível, com diferentes percursos formativos
centrados em áreas de formação); a necessidade de preparar sujeitos ativos, inventivos, participativos,
cooperativos, em última instância, polivalentes e empreendedores, ou seja, preparados para diversificadas
inserções sociais, em especial, no mundo do trabalho; e finalmente, a escolarização e a formação como uma
trajetória individual, centrada na aquisição de competências (habilidades e conhecimentos) integradoras da
condição de empregabilidade dos jovens.

1063
A Escola: Dinâmicas e Atores

Os documentos orientadores do Ensino Médio após 1996 foram baseados, portanto, na lógica do
desenvolvimento de competências, sendo que o conhecimento escolar perdeu centralidade na organização
curricular na medida em que foram subsumidos às competências, habilidades e domínio de tecnologias a
serem adquiridas pelos alunos. Estabeleceu-se que a educação estaria estruturada em quatro alicerces,
orientados pelo Relatório Jacques Delors (2003) para a UNESCO: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver e aprender a ser (BrasiL, 2000). O currículo para o Ensino Médio também foi organizado por
três grandes áreas de conhecimento (Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias) e busca a integração do
conhecimento a partir dos conceitos de “contextualização” e “interdisciplinaridade”. As políticas curriculares
deste período foram alvo de críticas por não reconhecer que os problemas desta etapa de ensino não seriam
somente pedagógicos (Ramos, 2011). O enfoque nas competências resultou na responsabilização dos
sujeitos pelos resultados (sucessos ou fracassos), pela subordinação da educação às exigências do mercado
do trabalho implícito na ideia de “educar para a vida”, além de fragilizar o conhecimento científico.
Trabalho, Ciência, Tecnologia e Cultura (conforme o Art. 5º, inciso VIII das Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM, 2012), passaram a formar, assim, a “base da proposta e do
desenvolvimento curricular” (Resolução CNE/CEB 2/2012, 2012, p.02), sendo o trabalho apresentado como
princípio educativo em sua dimensão ontológica e histórica, o que, do ponto de vista conceitual representa
um avanço. Contudo, ao mesmo tempo em que se vê o surgimento de propostas curriculares ‘inovadoras’,
com a assunção, no plano documental, de conceitos e categorias de setores progressistas, observa-se a
“reificação de atividades e métodos ativos para tornar o currículo interessante aos estudantes” (Ramos, 2011,
p.772).
Finalmente, cabe dizer que as preocupações em torno da inserção da juventude em um determinado
“lugar” no mundo da produção resultaram na retomada do Ensino Médio integrado à Educação Profissional,
tal como configurada hoje pela Medida Provisória 746 que criou o Novo Ensino Médio. Porém, a proposta do
novo Ensino Médio pressupõe uma formação ainda mais frágil e reduzida do ponto de vista do conhecimento,
na medida em que subordina os percursos formativos oferecidos pelas escolas aos arranjos produtivos locais,
ou seja, submete os estudantes aos interesses e necessidades do mercado e da produtividade do capital.

EXPECTATIVAS DOS JOVENS EM RELAÇÃO À ESCOLA: TENSÕES E CONTRADIÇÕES


Conforme os dados da pesquisa, 49% dos jovens buscam a escola “para adquirir conhecimentos” e
outros 31,3% “para melhorar seu futuro e de sua família”. Isto indica que os jovens atribuem à escola o sentido
de realização pessoal, projeção econômica e ascensão social, ainda que a escola não seja capaz de realizar
essa integração com o trabalho, dado o quadro de desemprego estrutural existente hoje no Brasil. Por outro
lado, é fato que mais da metade dos jovens da pesquisa (69,2%) já trabalha ou precisa trabalhar em virtude
de suas condições econômicas. É assim que, na relação com o trabalho, a escola perde o sentido de “adquirir
conhecimentos”, já que não permite a inserção do jovem no trabalho como atividade realizadora, mas ao
contrário, o obriga a aceitar qualquer oportunidade emprego que lhe garanta subsistência, e assume o
significado de “certificação” necessária ao ingresso no mundo produtivo, como uma credencial para o acesso
ao emprego a renda.
Não é o ensino da escola, em si, que vai nos levar para frente, mas sim para terminar o
terceiro ano, está escrito ali, terceiro ano, entendeu? É o papel que vale mais, não vale o
conhecimento, o que vale é o papel (Grupo focal SH, 3 EM noturno, 2015).

1064
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Esse fenômeno é fruto da crise do capital que produz a ruptura da linha de continuidade entre
formação escolar e mercado de trabalho - possível somente em contextos de pleno emprego – e inviabilizam
as possibilidades de mobilidade social ascendente ambicionadas pelos estudantes. De acordo com Gentili
(1999) trata-se do fim da promessa integradora da escola e sua consequente substituição pela promessa de
empregabilidade, que se torna uma consequência necessária das contradições do capitalismo, induzindo os
jovens a obter sempre novas credenciais de acesso ao mercado de trabalho, ou seja, “uma busca cada vez
mais forte de novas oportunidades, configurando uma demanda endógena de escolaridade” (Spósito, 2004,
p.79).
Em virtude dessa busca incessante das condições de empregabilidade requeridas pelo mercado,
temos uma realidade educacional hoje diversa no Brasil: os jovens da pesquisa já superaram o grau de
escolaridade dos pais, mas isso não implica maior domínio de conhecimentos e nem maior renda. De qualquer
maneira, o vínculo com a escola, mesmo frágil, é estabelecido em razão de necessidades concretas e das
projeções de futuro que jovens trabalhadores elaboram em seus percursos, muitas vezes interrompidos, de
formação dentro e fora da escola
Porque eu sei que lá na frente vou me arrepender [se não estudar]. Eu vou querer ter o que
os outros têm, eu vou querer ter carro, casa só para mim e aí eu sei que não ia dar (Grupo
focal SS, segundo segmento EJA, matutino, 2015).
Preciso ser alguém na vida e aí quando crescer vou estar sossegado e conseguir um
emprego bom (Grupo focal SS, segundo segmento EJA, matutino, 2015).
Se por um lado os estudantes buscam a escola por acreditarem que ela lhes oferece qualquer
credencial que lhes garanta emprego (“preciso ser alguém na vida”), o qual está intimamente relacionado com
os benefícios que o trabalho pode lhes trazer (subsistência, estabilidade, consumo, o “carro”, a “casa”, etc),
por outro lado a escola, nas condições precárias em que se encontra, não corresponde aos desejos e
expectativas dos jovens, uma vez que ela, ao invés de ampliar horizontes, universalizar condições de
permanência e sucesso alicerçados em padrões socialmente referenciados de qualidade pedagógica,
promove uma conformação social pela via da dualidade de novo tipo, em que a quantidade e variedade das
ofertas de formação, condições de permanência, acesso ao conhecimento e obtenção da certificação não
significam oferta ampla, “mas sim pulverizada, desigual, regular, instável [...] cujos sentidos verdadeiros só
são apreensíveis se levarmos em conta o efeito de conjunto dessa variedade de ações instáveis e orgânicas
à lógica da forte fragmentação do trabalho e do imprescindível controle social” (Rummert, Algebaile & Ventura,
2012, p.44).
Percebemos, dessa forma, uma enorme contradição entre o que os jovens desejam e esperam da
escola e o que a escola pública tem lhes proporcionado em termos de formação e projeção de futuro. Os
conhecimentos assumem um caráter de certificação e tem relação direta com a inserção dos jovens no
mercado de trabalho, mas este último tem demonstrado incapacidade de acolher a juventude escolarizada,
se não, como “exército de reserva”, no trabalho informal, precário e para funções simples.

As políticas educacionais e os vínculos entre jovens e escola


Os jovens indicam que o principal problema da escola é o desinteresse e a desmotivação dos
estudantes, fator que estaria na base do abandono escolar e se constitui na principal justificativa das atuais
reformas do Ensino Médio. Porém, o que se pretende é impor reformas sem recursos, incentivando parcerias

1065
A Escola: Dinâmicas e Atores

com a iniciativa privada, sem resolver os graves problemas relativos à estrutura física e pedagógica que
impactam na qualidade da educação escolar e geram desinteresse e desmotivação.
Assim, se a escola não pode ser valorizada pelo que ela oferece em termos de conhecimento e
formação, já que os conteúdos foram reduzidos e se apresentam distantes da vida, das necessidades e das
expectativas dos estudantes, o que sobra são as relações interpessoais que nela são tecidas diariamente. Os
jovens dão mostras de que valorizam a escola pelos professores, pelos colegas, pelos espaços de convívio
e participação, pelos projetos culturais. Mas os jovens não abdicam da escola e, nessa permanência, vão
construindo outros vínculos que passam, inclusive, pelo aprimoramento de sua formação. A imensa maioria
(88,2%) dos estudantes deseja continuar os estudos, seja acessando um curso técnico, superior
profissionalizante ou mesmo a universidade, ainda que alguns enfrentem enormes dificuldades para fazê-lo.
De qualquer forma, as possibilidades de prolongamento da escolarização, sobretudo pela via do Ensino
Superior, e a concretização de um projeto de realização profissional, figuram entre os aspectos que mais
fortalecem a permanência e o vínculo dos jovens com a escola.
No ideário desses jovens um curso universitário “abre portas”, apresentando-se como algo que pode
garantir “um futuro melhor”, de modo que, “não se pode parar de estudar”. Assim, o acesso ao ensino superior
é visto por estes jovens como “um diferencial para o mercado de trabalho [...] quem é formado em alguma
coisa tem muito mais chance do que quem não tem ensino superior”. A continuidade dos estudos pela via do
Ensino Superior se apresenta como possibilidade de “ganhar melhor”, uma vez que, segundo nos relata o
estudante do 3º ano do Ensino Médio da escola LM, “Acho que sem nível superior a gente vai ganhar no
máximo dois salários mínimos”.
Diante desses depoimentos, nota-se a importância de políticas de permanência e prolongamento da
escolarização articuladas com políticas de acesso e expansão do Ensino Superior público, o que, infelizmente,
se contradiz com as reformas em curso que tendem a elitizar e privatizar o Ensino Superior público.
Portanto, os jovens se encontram desmotivados porque a escola, nas condições em que se encontra,
não é capaz de lhe fornecer o que eles desejam, pois o que valorizam nela é o que ela não inclui no rol de
suas tarefas específicas. A necessidade dos jovens de baixa renda de produzirem sua vida imediata é a causa
das trajetórias escolares suspensas ou definitivamente interrompidas, posto que os projetos de realização
profissional são frequentemente adiados, isso quando encontram algum apoio e subsídio dentro da escola e
junto às famílias.
Além disso, as atuais políticas e reformas educacionais reduzem os conhecimentos escolares a meras
competências e habilidades laborais úteis às funções de trabalho simples a serem desempenhadas pelos
jovens que precisam produzir sua subsistência imediata, o que é uma enorme cilada do ponto de vista de uma
educação que efetivamente contribua e permita aos jovens da classe trabalhadora irem além dos limites
impostos pelas determinações econômicas e de classe, em direção à realização de um projeto emancipador.

CONCLUSÕES
Concluímos que, para além daquela juventude que é produzida nos discursos e documentos das
políticas, é necessário conhecermos, de fato, a juventude brasileira, em especial a juventude pobre, seus
problemas, necessidades, anseios, suas experiências e formas de manifestação, pois só assim será possível
pensar em políticas que venham ao encontro de seus interesses e necessidades.

1066
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Para tanto, o reconhecimento da totalidade social que envolve escola, trabalho e políticas educativas
na sociedade capitalista é fundamental para não responsabilizarmos exclusivamente as escolas e seus
sujeitos pelos graves problemas que acometem a educação brasileira. Promover reformas no sistema de
ensino em nome da motivação dos estudantes sem recursos suplementares para a infraestrutura, exigir
melhor preparação dos professores sem melhoria de salário e carreira ou tentar atrair os estudantes para as
escolas oferecendo-lhes supostas possibilidades de escolha em seus percursos curriculares sem
conhecimentos críticos e aprofundados, não possui nenhum efeito duradouro.
A escola pode ser um rico espaço de formação emancipadora desde que, em sua tarefa específica,
coloque à disposição de todos um conhecimento poderoso capaz de despertar o desejo pelo saber, de
transformar os sujeitos e de ajudá-los a compreender e intervir sobre a realidade. Para que essa escola se
efetive, necessitamos de políticas que não apenas respondam às necessidades e expectativas imediatas de
reprodução da juventude, mas que possibilite a ampliação de horizontes, levando-os além.

REFERÊNCIAS
Algebaile, E. (2009). Escola Pública e pobreza no Brasil: a ampliação para menos. Rio de Janeiro: Lamparina,
FAPERJ.
Cordeiro, D. (2009). Juventude nas sombras: escola, trabalho e moradia em territórios de precariedades. Rio
de Janeiro: Lamparina, FAPERJ.
Foracchi, M. (1977). O estudante e a transformação da sociedade brasileira (2ªEd.). São Paulo: Companhia
Editora Nacional.
Gentili, P. (1999). Educar para o desemprego: a desintegração da promessa integradora. In Frigotto, G. (Org).
Educação e Crise do Trabalho: perspectivas de final de século (3ªEd.). Petrópolis: Vozes.
Mészáros, I. (2008). A educação para além do capital. [Tradução Isa Tavares] (2ªEd.). São Paulo: Boitempo.
Ramos, M. O currículo para o Ensino Médio em suas diferentes modalidades:concepções, propostas e
problemas. Educação e Sociedade. Campinas, 32 (116), 2011.
Rummert, S., Algebaile, E. & Ventura, J. (2012). Educação e formação humana no cenário da integração
subalterna no capital imperialismo. In Silva, M., Evangelista, O. & Quartiero, E. (Orgs.). Jovens,
trabalho e educação: a conexão subalterna de formação para o capital. Campinas: Mercado das
Letras.
Spósito, M. (2004). (Des)encontros entre os jovens e a escola. In Frigotto, G. & Ciavatta, M. (Orgs). Ensino
Médio: ciência, cultura e trabalho (pp.73 – 91). MEC, SEMTEC - Secretaria de Educação Média e
Tecnológica.

1067
A Escola: Dinâmicas e Atores

DAS RELAÇÕES HEGEMÔNICAS AO RECONHECIMENTO DE IDENTIDADES: UMA


ESCOLA POSSÍVEL?
[ID 359]

Ana Claudia C. Martinez


Cecília Maria Marafelli
Flávia Alves Machado Lino
Jacqueline Teixeira
Maria Inês Rocha de Sá
Marina A. Novaes e Cruz
Mônica de Freitas Teixeira
Rafaela B. C. C. de Oliveira
Sandra Regina G. Pimentel
Colégio Pedro II
martinez_anaclaudia@hotmail.com; cmmarafelli@yahoo.com.br; monicaft@terra.com.br;
flaviaamlino@gmail.com; jteixeira_22@yahoo.com.br; ines.rdsa@gmail.com;
marinanovaesecruz@hotmail.com; monicaft@terra.com.br; fafa_bisacchi@hotmail.com;
srgp26@hotmail.com

Resumo
O Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Diferenciada - Nepedif, formado por educadores do
Campus Humaitá I do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, Brasil, constitui-se como um espaço de discussão
e troca de saberes e práticas no campo da Educação Diferenciada. Partindo, sobretudo, dos referenciais de
Boaventura de Sousa Santos (2007) e Miguel Arroyo (2014), o núcleo tem como principal objetivo promover
e valorizar as culturas tradicionais, colaborando para seu fortalecimento e reconhecimento, através do
intercâmbio entre comunidades caiçaras, indígenas e quilombolas e os docentes e discentes do Colégio Pedro
II. Desde meados de 2016, o núcleo, em parceria com o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis
da Bocaina – OTSS, vem desenvolvendo, especificamente, ações de aproximação com a comunidade
tradicional caiçara do Pouso da Cajaíba, no município de Paraty, Rio de Janeiro. A pesquisa ação foi a direção
metodológica assumida pois, aliada às atividades de extensão e às práticas pedagógicas desenvolvidas,
possibilita uma maior aproximação com a história, a identidade, as línguas, a pluralidade cultural e as
especificidades das comunidades tradicionais. O presente artigo relata o trabalho desenvolvido pelo Nepedif,
problematizando as relações hegemônicas no campo da educação, e pretende contribuir para a construção
de um plano educacional diferenciado que embase a construção de novas políticas públicas para uma
educação emancipatória. O presente trabalho recebeu auxílio financeiro do Colégio Pedro II.

Palavras-chave: Educação Básica, Educação Diferenciada, Comunidades Tradicionais.

Résumé
Le Groupe d’Études et de Recherches sur l’Éducation Différenciée – Nepedif, composé par des éducateurs
du Campus Humaitá I du Colégio Pedro II, à Rio de Janeiro, Brésil, représente un éspace de discussion et
d’échange de savoirs et de pratiques dans le domaine de l’Éducation Différenciée. S’appuyant surtout sur les
références de Boaventura de Sousa Santos (2007) et Miguel Arroyo (2014), le groupe a pour principal objectif
la promotion et la mise en valeur des cultures traditionnelles, en collaborant à leur renforcement et à leur
reconnaissance par le biais de l’échange entre des communautés caiçaras (de pêcheurs), indigènes et
quilombolas (descendants d’esclaves fugitifs qui vivaient dans des communautés libres) d’un côté et les
enseignants et élèves du Colégio Pedro II de l’autre. Depuis la mi-2016, le groupe, en partenariat avec le
Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (Observatoire de Territoires Durables et
Sains de la Bocaina) – OTSS, développe en particulier des actions de rapprochement avec la communauté
traditionnelle caiçara de Pouso da Cajaíba, dans la commune de Paraty, Rio de Janeiro. La recherche-action
s’est constituée de la direction métholologique prise, car , aliée aux activités d’éxtension et aux pratiques

1068
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

pédagogiques développées, elle rend possible un plus grand rapprochement avec l’histoire, l’identité, les
langues, la pluralité culturelle et les spécificités de ces cummunautés traditionnelles. Cet article signale le
travail développé par le Nepedif, en problématisant les relations hégémoniques dans le domaine de
l’éducation, et entend contribuer à la construction d’un projet éducatif différencié qui soutienne la construction
de nouvelles politiques publiques ayant pour objectif une éducation émancipatrice.

Mots-clés: Éducation de Base, Éducation Différenciée, Communautés Traditionnelles.

INTRODUÇÃO
O presente artigo tem o objetivo de trazer à tona a discussão acerca da necessidade de construção
de práticas pedagógicas diferenciadas para populações tradicionais e que possuem formas próprias de
organização social, ocupando e utilizando territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução
cultural, social, religiosa e econômica.
O reconhecimento de que as pessoas que vivem no campo, conceito aqui utilizado como contraponto
ao de espaço urbano, têm direito a uma educação diferenciada daquela oferecida a quem vive nas cidades é
recente e inovador, e ganhou força a partir da instituição, pelo Conselho Nacional de Educação, das Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (2002). Esse reconhecimento extrapola a noção
de espaço geográfico e compreende as necessidades culturais, os direitos sociais e a formação integral
desses indivíduos.
De acordo com Boaventura de Sousa Santos, a realidade social encontra-se dividida em ‘deste lado
da linha’ e ‘do outro lado da linha’, numa divisão tão radical que “(...)‘o outro lado da linha’ desaparece como
realidade, torna-se inexistente e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob
qualquer modo de ser relevante ou compreensível.” (Santos, 2007, p.71).
Indo ao encontro dessa ideia, Miguel Arroyo afirma que se os Outros não existem, “(...) não são
passíveis de serem incluídos, nem reguláveis, nem emancipáveis, nem capazes de estar copresentes nos
mesmos espaços e nas mesmas pedagogias.” (Arroyo, 2012, p.09). E, indo além, chama a atenção para a
necessidade de desconstruir a forma como esses Outros são pensados, lembrando que o saber instituído os
conforma como “objetos naturais, em estado de natureza, primitivos, selvagens” (ibidem, p.03) e que a
empreitada educativa e civilizatória dos sistemas de educação pública coloca a educação escolar como um
percurso que leva da incultura à cultura e da ignorância ao saber.
Partindo desses pressupostos é que este artigo trata a questão da Educação Diferenciada,
acreditando que é necessário e urgente construir as pontes que levem ao Outro e que nos distanciem de uma
sociedade em que “(...) a negação de uma parte da humanidade é sacrificial, na medida em que constitui a
condição para que a outra parte da humanidade se afirme como universal.” (Santos, 2007, p.76).
É notório que os desafios para a oferta de uma educação diferenciada de qualidade para essas
populações são muitos e de diversas ordens. Buscando possibilidades de enfrentamento de tais desafios, é
que foi criado o Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre Educação Diferenciada – Nepedif.

CONSTRUINDO PONTES: DO SUJEITO INVISIBILIZADO AO OUTRO


O Nepedif, o Colégio Pedro II e o OTSS
O Nepedif – Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre Educação Diferenciada – é formado por educadoras
do Colégio Pedro II, instituição pública de ensino localizada no Rio de Janeiro, Brasil, que vem, recentemente,
ampliando seu campo de atuação e dedicando-se também à pesquisa.

1069
A Escola: Dinâmicas e Atores

Considerado uma “ilha” de excelência em meio a um ensino público deficitário e de baixa qualidade,
como aponta o sistema nacional de avaliação da Educação Básica, o Colégio Pedro II é a prova viva de como
a diversidade é fator de riqueza e crescimento para os alunos formados ali. Com ingresso feito por sorteio, a
partir da Educação Infantil, seus estudantes convivem em um espaço plural, em que estão representados
todos os estratos da sociedade. Ainda assim, não passam despercebidas as tensões e dificuldades de um
projeto como esse: é fato que, se o ingresso dos alunos é feito de forma imparcial e igualitária, ao longo do
percurso percebem-se as muitas situações em que o modelo universal de humanidade, citado por Santos, e
consequentemente, o de educação, se impõem em detrimento de uma abordagem mais abrangente e diversa.
Constituindo-se, então, como um prolongamento do projeto educativo, o Nepedif pretende avançar
para além ‘deste lado da linha’ na construção de ações pedagógicas que possam englobar a diversidade e
contribuir para a formação de sujeitos conscientes de sua importância e de seu papel na sociedade. Nessa
jornada, junta-se ao OTSS – Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina – organização
que atua baseada na ecologia de saberes, conceito fundamental de Santos, buscando o desenvolvimento de
ações que garantam os direitos das comunidades tradicionais indígenas, quilombolas e caiçaras da região da
Bocaina, que engloba os municípios de Angra dos Reis e Paraty, no Rio de Janeiro, e Ubatuba, em São Paulo
(Ilustração 1).

Ilustração 1 - Localização das comunidades tradicionais da região da Bocaina, nos municípios de Ubatuba,
Angra dos reis e Paraty
A comunidade tradicional caiçara do Pouso da Cajaíba e sua luta pelo direito à
educação
País de dimensão continental, o Brasil, ao mesmo tempo em que se orgulha de sua imensa variedade
cultural, envergonha-se da descomunal desigualdade socioeconômica. Em uma metrópole como o Rio de
Janeiro, por exemplo, convivem expoentes do bem estar e do desamparo total – e em relação a este último,
os direitos básicos garantidos por lei são, via de regra, desrespeitados. No caso de localidades e comunidades

1070
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

mais afastadas dos grandes centros urbanos, como as do município de Paraty, a situação, então, tende a se
agravar.
O termo caiçara denomina os habitantes tradicionais dos litorais sul e sudeste do Brasil, comumente
associados ao trabalho pesqueiro artesanal, à moradia e ocupação do território por várias gerações e à
manutenção das tradições culturais por via oral. As comunidades caiçaras de Paraty são reconhecidas e
protegidas pelo Decreto de Lei No 6.040/2007, por meio da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Ainda que protegida legalmente, o que se apresenta de fato é uma comunidade em constante
ameaça, seja pelo não cumprimento de seus direitos básicos, e entre eles destacamos a educação para
crianças e jovens, ou pela impossibilidade de se manter em seu território, região litorânea de expressiva
beleza, sem a sombra da especulação imobiliária e do turismo desordenado e predatório.
Para fazer face a tais questões, a comunidade se organiza coletivamente, com o apoio do OTSS e do
Fórum de Comunidades Tradicionais, organização que reúne representantes de grupos indígenas,
quilombolas e caiçaras. Sobre esse aspecto, dos coletivos sociais, Arroyo (2009) afirma que:
Seus movimentos e ações coletivas podem ser vistos como uma reação na medida em que
em suas ações se mostram presentes, existentes, incômodos. Mostram-se presentes na
arena política, econômica, cultural, pedagógica, nas marchas, ocupações, nas cidades e nos
campos. Uma presença coletiva afirmativa em que não se reconhecem, mas contestam as
formas negativas, inferiorizantes em que foram pensados. Nessa afirmação como sujeitos
existentes, contestam de maneira radical, na raiz, o pensamento que os pensou e classificou
como inexistentes, como meros objetos e produzem outras formas de pensá-los (p.04).
A comunidade do Pouso da Cajaíba conta com cerca de 200 habitantes e luta, entre outras causas,
pelo direito à educação para seus filhos. Ao negar a forma simplista e pré-concebida como são vistos e ao se
afirmar como sujeitos de uma história diversa, trazem à tona a necessidade de rever, entre tantos aspectos,
também o da escolarização formal. O desafio que se impõe é a implementação de um projeto de educação
formal, garantido pelo poder público, mas diferenciado, que leve em conta as características próprias dessa
comunidade e considere suas tradições como componente intrínseco dessa implementação.
Até 2015, a comunidade contava apenas com uma escola municipal multisseriada para atender aos
alunos do 1º ao 5º ano – 1º segmento – do Ensino Fundamental. A ampliação desse atendimento,
contemplando também os alunos do 2º segmento, era uma luta antiga, apesar de urgente, já que a não oferta
de educação básica para essa faixa etária resultava em duas situações, igualmente excludentes: os alunos
simplesmente deixavam de estudar ao terminar o primeiro segmento do Ensino Fundamental ou precisavam
abandonar suas famílias e território em busca da escola. Não raro, famílias inteiras deixavam para trás seus
lotes de terra no território, suas raízes e tradições para estabelecer-se na cidade, quase sempre de forma
precária, ao acompanhar os filhos em idade escolar.
Finalmente, em 2016, uma ação do “Coletivo de Apoio à Educação Diferenciada ̶ espaço de
discussão e planejamento estratégico ̶ constituído por educadores e parceiros alinhados com essa luta”
(Cruz et al, 2017. p.08) conseguiu, junto à Secretaria de Educação Municipal de Paraty, atender a essa antiga
reivindicação da comunidade: a implementação de uma turma de 6º ano e a promessa de continuidade das
séries seguintes nos anos subsequentes. O Coletivo elaborou uma minuta que regulamenta a escola de 2º
segmento do Ensino Fundamental nas comunidades caiçaras do Sono e do Pouso da Cajaíba, e o decreto
que cria a categoria “Escola de Campo”, até então inexistente.
No entanto, a luta pelo direito à educação formal não se esgota na oferta de escolas e é ampliada
com a reflexão sobre que escola é essa: uma escola em que os processos pedagógicos repetem e legitimam

1071
A Escola: Dinâmicas e Atores

os padrões ou uma escola em que se podem construir novas pedagogias, de afirmação da produção cultural
e intelectual dessa comunidade, de valorização de sua história e tradição?
Ainda de acordo com Arroyo (2009),
Não apenas educação direito de um cidadão abstrato. Não apenas escolas públicas
abstratas, mas escolas públicas do campo, [...] populares, nas comunidades, com as marcas
de suas culturas e identidades, com educadores professores arraigados nas comunidades.
Não mais políticas, currículos generalistas, mas focados, reconhecendo os diferentes como
sujeitos (p.03).
É nesse escopo que se insere o trabalho do Nepedif: atuar junto à comunidade na construção de um
projeto de Educação Diferenciada. A luta pelo território e pela garantia de sua identidade enquanto povo
tradicional passa pela conquista de uma educação formal, porém diferenciada. Por esse caminho se acredita
ser possível construir os conhecimentos que possam garantir sua permanência na terra e fortalecer os valores,
a tradição e a cultura locais. Essa educação implica, portanto, no questionamento de um currículo que
conserva as marcas da herança hegemônica e na problematização das relações de poder, identidade e
conhecimento nele presentes.

As atividades do Nepedif
Desde sua fundação, o principal trabalho do Nepedif tem sido a aproximação com a comunidade do
Pouso da Cajaíba, buscando obter informações, entrar em contato com os saberes locais e entender as
expectativas dos professores e moradores acerca da educação, ações fundamentais para a compreensão da
diversidade e do valor da cultura caiçara.
Com essa intenção, entre outubro de 2015 e fevereiro de 2016, OTSS e Nepedif realizaram algumas
atividades preparatórias: Oficina de Planejamento Estratégico CPII/OTSS, Oficina de Planejamento
Conhecendo o Território e Oficina de Educação Diferenciada no território. Esses encontros tiveram
como objetivo traçar os primeiros planos de ação, ouvir as experiências e demandas das comunidades locais
e estabelecer um plano de trabalho em que se pudesse garantir a centralidade da cultura caiçara no currículo,
incorporando seus saberes tradicionais, valores e lutas políticas e sociais e potencializando as relações
pessoais e coletivas.
Vale ressaltar que da Oficina de Educação Diferenciada no território (ilustração 2) resultou a
elaboração, conjunta com moradores locais, de um conceito para a Educação Diferenciada Caiçara:
“Educação que respeita e valoriza a cultura e os saberes do território. Educação crítica, conectada com a
realidade local e global, buscando qualidade de vida de forma sustentável.” Esta, então, passou a ser a
premissa norteadora para a elaboração do Plano Político Pedagógico da escola do Pouso da Cajaíba, uma
das reivindicações da comunidade e da professora da escola local.

1072
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Ilustração 2 - Oficina de Educação Diferenciada no território


Após as oficinas de preparação, começaram a ser pensadas situações efetivas de aproximação. A
primeira delas foi a participação no Arraial Caiçara da comunidade do Pouso da Cajaíba, festa tradicional
local que vem sendo resgatada pelos moradores após algum tempo sem acontecer.
Em contatos prévios, as professoras do CPII e a professora das séries iniciais da escola local traçaram
um plano de trabalho que envolvia a pesquisa, pelos alunos da comunidade, de receitas típicas, músicas e
relatos sobre o tradicional festejo. Com esse material, as crianças prepararam cartazes com receitas típicas
e letras de músicas cantadas nos antigos arraiais, além de terem confeccionado bandeirinhas e objetos de
decoração com motivos caiçaras para a mesa da festa. No dia do evento, as professoras realizaram,
conjuntamente, uma Oficina de Culinária, com o preparo de duas receitas: uma típica da festa caiçara,
pesquisada pelos alunos junto às famílias, e outra, presente nas festas juninas do Colégio Pedro II.
Por fim, professoras, alunos e outras pessoas da comunidade colaboraram, em mutirão, com a
arrumação do Arraial, que tinha, entre os pratos servidos, as receitas preparadas pelos alunos.
Ainda que a avaliação dessa primeira atividade de aproximação tenha sido positiva, ficou claro que
era insuficiente para os objetivos propostos. O Núcleo ponderou que, em grande parte pela precariedade do
contato com as professoras – a energia elétrica ainda não é uma realidade em todo o local, os sinais de
telefonia e internet são inconstantes e é grande a distância entre as cidades, cerca de 400 km –, os laços de
aproximação deveriam ser fortalecidos. Em função disso, planejou-se outra atividade, uma oficina de
narrativas.
A Oficina de Narrativas (ilustração 3), realizada em outubro de 2016, seguiu uma configuração
diferente da Oficina de Culinária, pois, além da participação dos alunos, pretendeu contar com a participação
dos pais, responsáveis e moradores locais. A atividade teve como objetivo compartilhar e trocar saberes,
memórias e histórias a partir de relatos dos participantes.

1073
A Escola: Dinâmicas e Atores

Ilustração 3 - Oficina de Narrativas: roda de conversa


Os moradores do território foram convidados previamente, através de uma distribuição de folhetos
feita na escola, para uma sessão de cinema com pipoca seguida de debate. Todos os adultos e jovens da
comunidade estavam convidados a participar.
Após a exibição do filme Narradores de Javé, de Eliane Caffé, as integrantes do Nepedif propuseram
uma reflexão coletiva sustentada pelo mote do filme – a luta da comunidade fictícia de Javé para evitar seu
iminente desaparecimento, devido à construção de uma represa na região – explorando o imbricamento entre
a ficção de Javé e a realidade do Pouso da Cajaíba.
À sessão realizada em um espaço coletivo da comunidade seguiu-se uma roda de conversa motivada
por questões “provocadoras”: Como narramos a nossa história? O que é importante relembrar e contar da
nossa história? Pouco a pouco as pessoas presentes foram se colocando e narrando episódios significativos
de seu dia a dia na comunidade do Pouso da Cajaíba. Assim, foram surgindo, na roda de conversa, pequenas
histórias de vida que evidenciavam as dificuldades e carências cotidianas. Nesse contexto de aproximação e
troca, surgiram demandas e reivindicações importantes, que devem nortear ações e projetos urgentes para a
comunidade, como a necessidade de impulsionar o turismo sustentável de base comunitária e a capacitação,
especialmente dos jovens, para o uso das tecnologias nessa e em outras atividades.
As Oficinas foram as primeiras práticas pedagógicas realizadas, mas, apesar de positivas e de grande
valor para a aproximação e conhecimento do nosso campo de atuação, o Núcleo entende que outras ações
ainda se fazem necessárias para a concretização dos desafios propostos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ação do Nepedif junto à comunidade tradicional caiçara do Pouso da Cajaíba é o início de um
trabalho que pretende não somente estabelecer pontes, mas contribuir para uma troca efetiva, de parte a
parte, em que os saberes deixem de se apresentar de forma hegemônica e excludente para se constituírem
em um todo multifacetado e complementar. Nesse sentido, vem construindo as ligações necessárias para
uma interlocução que se considera fundamental - a troca de saberes e experiências, sem que haja
predominância ou hegemonia de nehuma das partes.
No horizonte de trabalho do Núcleo temos, como perspectiva para o ano de 2017, a inserção em outro
território caiçara, o da Praia do Sono, no intuito de promover uma maior aproximação da sua escola de 1º
segmento com a escola do Pouso da Cajaíba; a participação nos encontros de formação promovidos pelo
OTSS e pelo Fórum de Comunidades Tradicionais, que reúnem educadores do Fórum e de algumas escolas

1074
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

municipais da região costeira e a elaboração de programas de formação continuada com os professores das
escolas municipais dessa região.
Além do já exposto, o Nepedif pretende investir na elaboração conjunta do Plano Político Pedagógico
para o 1º segmento do Ensino Fundamental da escola do Pouso da Cajaíba, uma antiga reivindicação da
professora que lá atuava, já autorizada pela Secretaria de Educação. Sobre esse último tópico, no entanto,
soubemos, há poucos dias, que a professora da escola, após anos de trabalho junto à comunidade, passará
a atuar em outra localidade. Essa informação nos leva a prever mais algum trabalho de aproximação, já que
não sabemos quem assumirá o posto nem quais são suas expectativas e projetos de trabalho.
Outro aspecto que não podemos deixar de mencionar ao fazer esse balanço das atividades do
Nepedif diz respeito aos impactos que esses movimentos de aproximação e reconhecimento do território e da
comunidade caiçara trazem para o trabalho cotidiano – a outra face de nossa atividade profissional – com os
alunos do Colégio Pedro II. Muito embora tenhamos ali uma realidade completamente distinta em termos de
público atendido e recursos, humanos e materiais, disponíveis, não há como deixar de refletir e promover o
exercício constante de repensar nossas práticas pedagógicas no sentido de não reforçar, ainda que de forma
involuntária ou irrefletida, as relações de poder hegemônicas alimentadas por visões limitadas, pré-
concebidas e preconceituosas acerca dos Outros que, em maior ou menor grau, encontram-se sempre acerca
de nós.
Reforçamos, então, que somente a partir de uma abordagem respeitosa, que considera igualmente
valiosos os saberes e conhecimentos do Outro, é que podemos empreender um esforço educativo
diferenciado e emancipatório. Em particular, ao nos juntarmos à comunidade do Pouso da Cajaíba em sua
luta pelo direito à educação, incorporamos nossa experiência a esse projeto, sem pretender ditar normas ou
prescrever saberes acadêmicos. O que se pretende ao final é construir uma base de atuação que possa se
expandir a outras comunidades em situação semelhante, contribuindo para que o acesso à educação pública
de qualidade seja uma realidade em nosso país.
Por fim, é Arroyo que nos indaga “(...) como tornar visível esse outro pensamento, esse auto-
conhecimento e essa desconstrução das formas legítimas de pensá-los? Com que pedagogias? Poderão ser
as mesmas com que foram ocultados, inferiorizados?” (Arroyo, 2009, p.04) e indica:
Suas pedagogias passam, sobretudo, por reafirmar suas identidades coletivas singulares,
históricas que (...) padrões racializados não conseguiram destruir. Passam por se contrapor
aos processos brutais de tentar despojar-lhes de seu lugar na produção cultural, intelectual,
moral da humanidade e especificamente de nossa história. Mostram sua rica produção. Se
contrapondo afirmando-se, ocupando lugares, territórios do trabalho, do poder, do
conhecimento, da cultura, se afirmam sujeitos de conformação de outras pedagogias (...).
(p.27)

REFERÊNCIAS
Arroyo, M. G. (2009). Ações Coletivas e Conhecimento: Outras Pedagogias? Disponível em: http://www.
universidadepopular.org/site/media/leituras_upms/Acoes_Coletivas_e_Conhecimento__30-11-
09.PDF. Acesso em out. 2016.
Arroyo, M. G. (2014). Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis: Vozes.
Brasil. Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 8 de fev. 2007. Seção 1, p.316.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Cadernos SECAD 2, Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas. Brasília, DF: SECAD, 2007.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/ educacaocampo.pdf. Acesso em out.
2016.
Cruz, M., Teixeira, J., Sá, M. & Campuzano, A. (2017). Educação Diferenciada para o Pouso da Cajaíba: uma
proposta de trabalho para o ´outro lado da linha´?. Encontro Internacional pela unidade dos
educadores – Pedagogia Cuba 2017, 30 -01 a 3 – 02 2017, Havana: Cuba Educa.
Santos, B. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes Novos estudos -
CEBRAP no. 79 São Paulo. Nov. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0101-
3002007000300004&script=sci_arttext. Acesso em ago. 2015.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

AS PROVAÇÕES DO TRABALHO DOS FORMADORES DE EDUCAÇÃO E


FORMAÇÃO DE ADULTOS NUM CONTEXTO DE MÚLTIPLAS INCERTEZAS:
REFLEXÕES A PARTIR DE UM ESTUDO DE CASO
[ID 331]

João Eduardo Martins


Faculdade de Economia da Universidade do Algarve
jrmartins@ualg.pt

Resumo
Procura-se com esta comunicação levar a cabo uma reflexão empiricamente sustentada sobre os desafios do
trabalho dos formadores de educação e formação de adultos na sociedade portuguesa, a partir de uma
investigação levada a cabo na região do Algarve que teve como objecto de estudo os sentidos, as lógicas de
acção e os modos de apropriação do programa de política pública designado por Iniciativa Novas
Oportunidades. Enquadrada teoricamente a pesquisa com forte centralidade pelo conceito de provação
(épreuve) tal como ele é proposto na sociologia da individuação de Danilo Martuccelli, a investigação debruça-
se entre os seus principais eixos de análise sobre os modos individuados de ser educador e formador de
adultos e sobre as principais provações por que passam estes actores a quando da tarefa de implementação
das políticas que têm a responsabilidade de concretizar nos terrenos da acção pública educativa. Trata-se de
um estudo qualitativo que procura de forma aprofundada e numa lógica da descoberta compreender o modo
como as políticas são apreendidas nos terrenos das práticas educativas e que tem a sua entrada privilegiada
a partir das representações dos formadores e que foram apreendidas a partir do recurso a entrevistas
aprofundadas. Os principais resultados de investigação apontam para a existência de múltiplas formas
individuadas de se ser formador de adultos e para uma diversidade de provações com que estes actores se
confrontam nas suas práticas educativas nos seus quotidianos de trabalho. As provações resultantes do
trabalho com públicos de características marcadamente diferenciadas e com diferentes tipos de valorização
da educação e formação. A prova do trabalho com populações com elevados níveis de iliteracia. A prova do
trabalho com públicos percebidos como “difíceis” com quem se tem que trabalhar no sentido do caminho da
plena integração nas principais dimensões da vida em sociedade. A prova do fazer face a múltiplas incertezas
associadas à condição do exercício da actividade de educador e formador de adultos. Conclui-se com a ideia
forte de que a complexidade dos desafios do trabalho dos formadores de adultos nas sociedades de risco em
que vivemos ganha em compreensão e inteligibilidade social se mobilizarmos uma sociologia que articule os
níveis micro, meso e macro da realidade social.

Palavras-chave: Formadores, Educação de Adultos, Provações, Incerteza Societal.

Résumé
Avec cette communication, on cherche accomplir une reflection empiriquement appuyé sur les défis du travail
des formateurs d’éducation et de formation d’adultes dans la société portugaise, à partir d’une investigation
menée dans la région de l’Algarve et qui a eu comme object d’étude les sens, les logiques d’action et les
modes d’appropriation du programme de politique publique désigné par Iniciativa Novas Oportunidades. La
recherche théoriquement encadrée par une forte centralité du concept de épreuve comme proposé dans la
sociologie de l’individuation de Danilo Martuccelli se concentre, parmis ses principaux axes d’analyse, sur les
modes individués d’être un éducateur et formateur d’adultes et sur les épreuves principales qui ces acteurs
traversent pendant la tâche d’implémentation des politiques dont ils ont la responsabilité de concrétiser sur le
térrain de l’action publique éducative. Il s’agit d’une étude qualitative qui cherche, d’une façon approfondie et
dans une logique de découverte, à comprendre le mode dont les politiques sont saisies sur les térrains des
pratiques éducatives, qui ont son entrée privilegiée à partir des répresentations des formateurs, et qui ont été
appréhendées en ayant recours à des entretiens approfondis. Les résultats principaux de la recherche pointent
vers l’existence de multiples formes individuées d’être formateur d’adultes, et vers une diversité d’épreuves
avec lesquelles ces acteurs sont confrontés dans ses pratiques éducatives dans leur travail quotidien. Les
épreuves qui résultent du travail avec des publiques avec des charactéristiques nettement différenciées et
avec des différents types de valorization de l’éducation et de la formation. L’épreuve du travail avec des
populations ayant des niveaux elevés d’illetrisme. L’épreuve du travail avec des publiques perçus comme

1077
A Escola: Dinâmicas e Atores

« difficilles », et avec qui on doit travailler vers le chemin de la pleine intégration dans les dimensions clés de
la vie en société. L’épreuve du faire face à des nombreuses incertitudes associées à la condition de l’exercice
de l’activité d’éducateur et formateur d’adultes. On conclut avec une forte idée que la complexité des défis du
travail des formateurs d’adultes dans les sociétés de risque dans lesquelles nous vivons gagne en
compréhension et intelligibilité social, si on mobilise une sociologie qui articule les niveaux micro, meso et
macro de la realité sociale.

Mots-clés: Formateurs, Education d’Adults, Épreuves, Incertitude Sociétal.

INTRODUÇÃO
Procura-se neste texto levar a cabo uma reflexão sociológica sobre alguns dos principais desafios do
trabalho dos formadores de educação e formação de adultos na sociedade portuguesa, a partir de uma
investigação realizada na região do Algarve que teve como objecto de estudo os sentidos, as lógicas de acção
e os modos de apropriação do programa de política pública designado por Iniciativa Novas Oportunidades
(Martins, 2014). Enquadrada teoricamente a pesquisa com forte centralidade pelo conceito de provação
(épreuve) tal como ele é proposto na sociologia da individuação de Martuccelli (2006), a investigação debruça-
se entre os seus principais eixos de análise sobre os modos individuados de ser educador e formador de
adultos e sobre as principais provações por que passam estes actores a quando da tarefa de implementação
das políticas que têm a responsabilidade de concretizar nos terrenos da acção pública educativa. Como
enfrentam os formadores de adultos o desafio histórico, no contexto da sociedade portuguesa, de formar um
público de baixas qualificações escolares e profissionais a quem se pretende reconhecer, validar e certificar
competências? Trata-se de um estudo qualitativo que procura de forma aprofundada e numa lógica da
descoberta compreender o modo como as políticas são apreendidas nos terrenos das práticas educativas e
que tem a sua entrada privilegiada a partir das representações dos formadores e que foram apreendidas a
partir do recurso a entrevistas aprofundadas. As entrevistas foram realizadas em duas organizações
educativas, na região do Algarve, um Centro de Formação Profissional e uma Associação de
Desenvolvimento Local. O trabalho destes formadores decorreu em dois cursos EFA, com dupla certificação,
que deram equivalência ao 9º ano de escolaridade e nível II de qualificação profissional. A maior parte dos
adultos destinatários destes cursos EFA (Educação e Formação de Adultos) são mulheres, com idades muito
diversificadas, desempregadas e com baixos níveis de qualificação escolar e profissional. A sociologia da
individuação é uma macrossociologia que levando muito a sério as existências individuais, neste caso, de
cada um dos formadores/técnicos que trabalha nos dispositivos de educação de adultos da Iniciativa Novas
Oportunidades, tem como finalidade última a compreensão, não dos indivíduos em si, mas das grandes
transformações societais que ocorrem num determinado momento sócio-histórico. A sociologia da
individuação parte do indivíduo como elemento central mas não é o mesmo que é o objecto último da análise
sociológica (Martins, 2014, p.93). O conceito de prova é um operador analítico central desta proposta de
interpretação teórica. Seguindo a conceptualização proposta por Martuccelli podemos dizer que as provas
“são os desafios históricos, socialmente produzidos, desigualmente distribuídos, que os indivíduos são
constrangidos a enfrentar” (Martuccelli, 2006, p.12). São algumas das provações identificadas na nossa
análise que de seguida passamos a apresentar.

AS PROVAÇÕES DO TRABALHO DOS FORMADORES


A análise dos dados permitiu a identificação de um conjunto de provações centrais no trabalho dos
formadores:

1078
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

a) O trabalho sobre um público percepcionado como “difícil”;


b) As dificuldades em mudar comportamentos;
c) A gestão de uma ordem social potencialmente conflitual;
d) A gestão da heterogeneidade presente no espaço da formação;
e) A baixa literacia dos adultos formandos;
f) A prova da imprevisibilidade.

O trabalho sobre um público percepcionado como “difícil”


A primeira provação que aqui destacamos remete para a dificuldade da relação pedagógica com o
público com quem se trabalha no dia-a-dia. Na produção dos sentidos extraídos da conversa que tivemos
com os diversos formadores destacam-se significações tais como “público difícil”, “grupos difíceis”, “turma
muito difícil”, ou ainda “lidar com pessoas extremamente complicadas”. O discurso de Leonardo, formador de
Inglês num curso EFA, é exemplificativo deste conjunto de perspectivas. Como refere o próprio, o seu trabalho
implica que “para além de ser formador” se tenha que ser um pouco “psicólogo” e “assistente social”.
(…) pois é interessante, tem que se ter se calhar muito, o que me vem a cabeça é que além
de ser formador também temos que ser psicólogo, assistente social, um bocadinho isso tudo.
Entrevistador – Quer especificar um pouco melhor isso?
Entrevistado – Porque lidamos com um público difícil, baixa auto-estima (…) no início quando
comecei a minha carreira como formador, não concordava muito com isso, achava que estava
aqui para transmitir conteúdos, sobretudo, continuo a achar também que como formador
tenho que transmitir conteúdos e fazer com que as pessoas adquiram conhecimentos e
competências mas também há muito trabalho a fazer a nível da auto-estima, relações de
conflito, a nível do Inglês nós este ano tivemos que dedicar várias sessões ao trabalho em
equipa, às relações interpessoais, à gestão de conflitos, porque havia ali, há sempre crises e
este grupo não foi dos mais difíceis, comparando com os outros dois que eu já trabalhei e
pelas histórias que eu oiço de outros formadores, há grupos ainda mais difíceis.
Maria Eduarda, formadora de Cidadania e Empregabilidade, licenciada em Gestão de Recursos
Humanos, outra das formadoras entrevistadas, refere que a maior dificuldade do seu trabalho tem que ver
com “o público-alvo dos cursos”:
Entrevistador: E essa dificuldade achas que se deve a quê?
Entrevistada: Penso que tem um pouco a ver com o público-alvo dos cursos, pronto, há
pessoas que pensam que estão ali a tirar o curso que acham que estão ali durante um ano e
que no fim têm o certificado e não precisam fazer grande esforços para ficar com o curso. E
depois recebem uma bolsa de formação, salário mínimo nacional e subsídio de alimentação
e transporte, em alguns dos casos recebem subsídio de acolhimento e aquilo é encarado
como um emprego mas em que não é necessário fazer muito esforço para chegar ao fim.
Para alguns dos formadores entrevistados as representações pela negativa sobre o público-alvo da
formação constituem assim um aspecto importante que marca a relação pedagógica. Num dispositivo que
pretende reconhecer as competências que os adultos produziram ao longo das suas vidas nos mais diversos
espaços e tempos do seu trajecto de socialização, um público percepcionado pelas suas “carências” e
“handicaps”, ou pela ausência de interesse nas questões da aprendizagem e da formação, pode constituir-se
como um verdadeiro desafio ao trabalho formativo. Quando os não-públicos da educação e formação chegam
a este tipo de dispositivos de educação de adultos é toda a prática do trabalho dos formadores que tem que
ser repensada.

As dificuldades em mudar comportamentos


Outra provação importante do trabalho pedagógico dos formadores é a dificuldade em mudar os
comportamentos dos destinatários na direcção pretendida por quem exerce o trabalho de socialização sobre

1079
A Escola: Dinâmicas e Atores

o outro (Dubet, 2002). Não são todos os destinatários que revelam esta “resistência à mudança” da
transformação de si tal como imaginada pelos formadores entrevistados; para alguns destes trata-se mesmo
de uma minoria, mas isso não impede que este seja um dos aspectos do seu trabalho que ganha uma forte
centralidade nos sentidos socialmente produzidos em situação de entrevista.
A dificuldade do trabalho formativo não está associada à transmissão de conteúdos à maneira do
tradicional modo escolar de educar mas sim quando se trata de modificar comportamentos.
Bem, eu sou formadora de Cidadania e Empregabilidade e é uma área que é comportamental
e para além disso trabalhamos ou tentamos trabalhar competências que é operacionalizar,
pôr em prática determinadas acções e isso é muito complicado, pelo menos para mim, tentar
passar a mensagem às pessoas de coisas que eu acho que são importantes. Ou seja, acho
que é fácil, relativamente fácil, transmitir conhecimento que não é isso que se pretende num
curso de formação e educação de adultos, passar daí para modificar comportamentos é
relativamente difícil, não quer dizer que não se consiga e a longo prazo vê-se alguns
resultados, mas é um trabalho que implica algum esforço e empenho também da minha parte
para com eles para que consigamos trabalhar todas as competências do Referencial de
Competências-Chave.
Por exemplo, quando há situações de conflito entre eles uma pessoa sente-se um bocado
cansada e afinal que trabalho é o meu não é? E afinal o que é que tem servido? E isso nós
vemos muito nas nossas reuniões da equipa pedagógica, portanto, não só eu mas também
os outros formadores, às vezes ficam a pensar mas afinal o que é que nós andamos a fazer?
Quer dizer, parece que, ainda no outro dia na semana passada chamámos a atenção sobre
que não podem fazer isto, não podem fazer aquilo, uma semana depois já estão outra vez a
discutir, já armaram outra vez confusão e nesses momentos uma pessoa sente um bocado,
que trabalho é este? Estas pessoas não mudam?
A prova do trabalho sobre o outro na busca da alteração do seu comportamento pode mesmo levar a
um sentimento de impotência quando os destinatários teimam em manter os seus habitus (Bourdieu, 1980)
comportamentais recusando as mudanças propostas. Outros ainda fazem depender o sucesso do seu
trabalho da vontade individual dos destinatários em quererem participar do seu processo de mudança.
Quando os adultos querem mudar esse trabalho é facilitado e a mudança é possível. Quando os adultos não
querem mudar a mudança torna-se impossível. Encontramos aqui o poderoso mecanismo de legitimação das
desigualdades sociais identificado por Martuccelli (2006), a responsabilização social pelo insucesso educativo
atribuída aos próprios indivíduos independentemente dos mecanismos sociais e culturais que participam na
produção desse mesmo insucesso. Os “bons beneficiários” da formação facilitam o sucesso da formação e o
processo de mudança desejada; os “maus beneficiários” impossibilitam esse processo de mudança (Martins,
2014).

A gestão de uma ordem social potencialmente conflitual


Esta provação põe em evidência o facto de a ordem social no espaço da formação ser uma ordem
social potencialmente conflitual que tem que ser constantemente negociada entre formandos e formadores
de modo a produzirem-se os consensos sociais necessários ao “bom” funcionamento da acção de formação.
O trabalho de formação para funcionar passa por dar uma atenção específica da parte dos formadores e
mediadores dos cursos EFA à gestão das relações e em particular à gestão de conflitos.

1080
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Entrevistador – Como é que é a vida do mediador que faz a sua actividade nos cursos EFA?
Entrevistada – (Risos) É um bocadinho complicado porque é uma permanente mediação de
conflitos, portanto, estes cursos têm muitos conflitos. As pessoas passam o dia inteiro juntas.
São pessoas que não estão habituadas a estudar nem a estar fechadas numa sala, portanto,
passam o dia inteiro, sete horas por dia fechadas e depois quando são pessoas do mesmo
local que já se conheciam isso não facilita pelo contrário prejudica, portanto, as pessoas já
têm confiança umas com as outras e o que leva às vezes a uma falta de respeito mais
facilmente do que não se conheciam de lado nenhum. E aqui, neste curso todas as pessoas
são daqui, moram cá, não são originárias daqui a maioria mas já moram cá há alguns anos,
portanto, a maior parte deles conheciam-se e depois há uma grande diferença de idades que
por um lado é vantajoso mas por outro lado também cria ali alguns constrangimentos,
portanto, a pessoa mais velha no início do curso tinha cinquenta e três e a mais nova tinha
dezoito e estas diferenças depois também tem sido fáceis de gerir.
O conflito pode existir em estado latente ou manifesto. Algumas situações de conflito no contexto da
formação ilustram de modo claro como a gestão de conflitos é uma provação forte do trabalho de formar.
Entrevistador – Tinha aqui uma pergunta que de certa forma tu já abordaste que é, costuma
haver conflitos no espaço da formação? Se sim, pedia-te para descreveres alguma situação
que possa ter acontecido, não sei se te lembras de alguma situação agora deste curso…
Entrevistada – (Risos)...deste curso, no outro dia a Sónia teve que lá ir, não foi comigo, teve
que lá ir porque uma quis bater na outra, porque a outra fazia, cada vez que falava a outra
fazia bzzzzzz e a que falava entendeu que a outra lhe estava a chamar de cobra venenosa
por causa do bzzzzzz e então levantou-se para ir bater na outra e então houve uma que se
teve que se meter no meio e a outra agarrou-lhe no pescoço (risos) depois a Sónia teve que
lá ir e então conseguiu-se perceber que o bzzzzzz não é cobra venenosa, é choques
eléctricos e pronto, uma vez tive um mas isso foi comigo, levantou-se uma de uma cadeira
com uma garrafa de água cheia para ir bater na outra, há coisas e discussões daquelas às
vezes valentes, situação assim má foi só mesmo essa da garrafa, mas entretanto no curso
que em fiz mediação também houve ali umas situações de quase pancadaria, há assim umas
coisas para animar as sessões.
O conflito pode ser percepcionado a partir de uma trajectória modal das relações conflituais. O
processo de formação, diz-nos um dos formadores entrevistados, é como as “relações entre as pessoas”,
como os “namoros”. Há uma fase do enamoramento, nos primeiros meses de formação que remete para a
fase em que o grupo se conhece e esse é o período da “paixão”, em que “toda a gente se ama” e em que
“tudo é uma maravilha”. Depois surge a fase da ramela que “é quando a gente acorda ao lado do outro e vê
que o outro afinal tem ramelas nos olhos, não é a estrela de cinema, mas tem defeitos” e é nesta fase que
surgem os conflitos, o que exige neste período uma “especial atenção dos formadores” e da “mediação”. Esse
trabalho de atenção e de gestão do conflito vai permitir chegar à fase do reenamoramento: “em que
conseguimos lidar uns com os outros tanto com os seus defeitos como com as suas virtudes” o que permite
o “reequilíbrio” do grupo que é suficiente para chegar ao final da formação. Este padrão é percepcionado
como uma constante em todos os grupos: “a fase da ramela pode ser mais cedo, pode ser mais tarde, mas
acontece sempre”.

A gestão da heterogeneidade no espaço da formação


A análise do material empírico do estudo em causa permitiu-nos constatar que a heterogeneidade
dos saberes e competências dos adultos que frequentam os cursos EFA é sentida como uma dificuldade do
trabalho pedagógico e informa-nos que uma das coisas que dá mais trabalho aos formadores “é o lidar com
a diferença muito grande às vezes do background dos formandos”. Estamos a falar de uma diferença que
pode ser percebida como indo do “zero para o oitenta”. Em certas situações pedagógicas os formadores
sentem que a gestão da heterogeneidade se apresenta como um desafio de tal modo “complicado” que é
“como estar a aprender uma língua estrangeira com uma pessoa que nunca abriu a boca para falar aquela
língua e outra que viveu metade da vida no país onde aquela língua se fala”. Os colegas de línguas sentem

1081
A Escola: Dinâmicas e Atores

particularmente o problema da diferença de conhecimentos e de competências dos adultos que têm pela
frente. Diferenças muito grandes são percebidas como um acréscimo de dificuldade do seu trabalho “porque
as estratégias e as ferramentas são diferentes para uns e para outros”, “um grupo grande é complicado” e “é
um desafio ao formador lidar com um grupo heterogéneo”. Também ao nível da área de competência-chave
de Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) podemos ter formandos que nunca mexeram num
rato do computador e outros como um nível elevado de competência como utilizadores. Os grupos com que
efectivamente se trabalha são percebidos como “demasiadamente heterogéneos”. A heterogeneidade e a
diferença de capacidades, é assim, para uma boa parte dos formadores entrevistados uma dificuldade com
que se confrontam no seu trabalho e um verdadeiro desafio ao qual têm que fazer face. A prova aqui é
trabalhar sobre a singularidade de cada adulto e em simultâneo trabalhar com todos no espaço da formação.

A baixa literacia dos adultos formandos


Esta é uma prova que remete para uma questão estrutural da qualificação da população adulta em
idade activa em Portugal. Os seus baixos níveis de literacia. Em meados da década de noventa do século
passado, um primeiro inquérito extensivo sobre a literacia dos portugueses coordenado por Ana Benavente
(1996) permitiu pôr a nu os baixíssimos níveis de literacia dos portugueses à época e já na primeira metade
do século XXI a tese de doutoramento de Patrícia Ávila (2005) vem reforçar a ideia de que este é um desafio
estrutural da sociedade portuguesa que está longe de ser ultrapassado. O desafio de fazer face às baixas
competências de literacia dos destinatários da Iniciativa Novas Oportunidades aparece com força no discurso
de alguns formadores e em algumas áreas específicas de competência como é o caso do Inglês. Como nos
diz um dos formadores de Inglês entrevistado “são as pessoas que menos estudaram anteriormente que mais
dificuldade têm em dar o salto”. Os formandos de um curso B3 podem entrar no curso com níveis de
escolaridade anteriores muito diferenciados desde que não tenham cumprido o 9ª ano de escolaridade. Uma
escolaridade mais elevada parece ser favorável a uma melhor consolidação e desenvolvimento das
aprendizagens e das competências em Língua Inglesa.
Entrevistador – Na sua opinião que importância é que tem o perfil dos adultos formandos,
essa descrição que me esteve a fazer, no funcionamento do trabalho pedagógico de um
formador EFA? De que forma é que pode ter influência…
Entrevistado – O perfil, em termos de língua, tenho que ver quais são as competências que
eles já têm. É assim, quanto menos habilitações, há pessoas às vezes que só têm a 4ª classe
depois podem ir fazer o 9º ano, podem ir fazer um B3 se quiserem. Sei que à partida essas
pessoas têm maiores dificuldades, não sei explicar isso. Quanto menos estudaram
anteriormente mais dificuldades têm para dar o salto. Tenho que ter isso em conta, esse
contexto (…)
O “problema” estrutural da iliteracia dos portugueses impõe-se assim com força no trabalho quotidiano
dos formadores de adultos. Fazer face a um dos principais desafios das Sociedades da Informação (Lyon,
1992), da Sociedade em Rede (Castells, 2002) ou da Economia do Conhecimento (Giddens, 2008) não uma
tarefa fácil. Ao mesmo tempo que se impõe trabalhar com todos os destinatários do grupo de formação é
preciso estar atento ao perfil de competências e às dificuldades específicas de cada um.

As múltiplas incertezas do ofício de formador


Por último, mas não menos importante, a prova da imprevisibilidade. Como nos diz um dos
entrevistados, por muito bem preparados que estejam os técnicos e os formadores que enfrentam a prova da
implementação das Novas Oportunidades: “nós nunca estamos preparados para tudo aquilo que nos vai
acontecer”. Esta imprevisibilidade com que se defrontam os técnicos que têm uma responsabilidade acrescida

1082
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

no trabalho de construir colectivamente a medida de política pública aqui em análise assenta para muitos
deles numa tripla incerteza. Uma incerteza forte derivada de muitos deles terem uma condição face ao
trabalho de “instalação na precariedade” (Castel, 1998) em que não se sabe se no futuro vai ou não haver
projecto (Boltanski & Chiapello, 1999). Uma boa parte dos formadores que trabalha na educação e formação
de adultos encontra-se numa situação de enorme precariedade que se estende do trabalho às suas vidas
pessoais. Uma incerteza associada a um trabalho sobre a singularidade de cada adulto e a grupos de
formandos com as suas particularidades específicas que colocam problemas por vezes difíceis de enfrentar.
Por exemplo quando se trata de fazer um trabalho sobre destinatários percepcionados como “sem perfil” para
a frequência dos dispositivos de reconhecimento e validação de competências ou o trabalho formativo sobre
formandos que são enviados para a formação pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional de forma
“forçada” e que recusam o trabalho de formação. Uma incerteza associada à necessidade de fazerem existir
os projectos das associações onde trabalham produzindo dessa forma a própria necessidade de fazer existir
as organizações. Sem captação, financiamento e criação de projectos, as organizações colapsam. Todos
estes diferentes níveis de incerteza estão ainda fortemente dependentes de um outro nível transversal aos
três anteriormente identificados. A descontinuidade das políticas públicas para a educação e formação de
adultos em Portugal. O fim da Iniciativa Novas Oportunidades é elucidativo de um historial de políticas públicas
que tem tido os seus avanços e recuos consoante a queda e a ascensão ao poder dos diferentes governos.
A afirmação do Primeiro-Ministro à época, do governo de direita no poder, de que esta medida de política
mais não faria do que passar uma “certificação à ignorância” dos portugueses foi um bom prenúncio do fim
de mais um programa importante no combate ao atraso estrutural da população portuguesa em idade adulta
em Portugal. Terminamos com a ideia forte de que a complexidade dos desafios do trabalho dos formadores
de adultos nas sociedades de risco (Beck, 1986) em que vivemos ganha em compreensão e inteligibilidade
social se mobilizarmos uma sociologia que articule os níveis micro, meso e macro da realidade social. É isso
que permite uma entrada pela sociologia da individuação à maneira de Danilo Martuccelli (2006). A
compreensão sociológica de uma determinada singularidade societal a partir da vida quotidiana dos
indivíduos.

REFERÊNCIAS
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(Dissertação de Doutoramento).
Beck, U. (1992). Risk Society: Towards a New Modernity. Londres. Newbury Park e Nova Deli: Sage
Publications.
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1084
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

QUELLE EST LA RELATION ENTRE LE COMPORTEMENT AGRESSIF CHEZ LES


ÉLÈVES ET L'ÉCHEC SCOLAIRE?
[ID 312]

Maria José D. Martins


Adelaide Proença
Instituto Politécnico de Portalegre, UIDEF-IEUL
mariajmartins@esep.pt; adelaideproenca@esep.pt

Tradutrice: Anne Studer

Résumé
L'échec scolaire, ses causes, et la promotion de la réussite scolaire, ont été une préoccupation du système
éducatif portugais, partagée par différentes idéologies politiques, et qui est resté un problème d'éducation
prioritaire pendant plusieurs décennies. Afin d'aider à comprendre les causes de l'échec scolaire et de mieux
promouvoir la réussite éducative, sont analysées les données de deux études (l’une avec 572 élèves de
l'enseignement de base et de l’enseignement secondaire, et l’autre avec 15 enseignants des trois niveaux de
l'éducation de base), qui ont évalué les relations qui existent entre le comportement agressif entre pairs, perçus
et auto-rapportés par les étudiants, et leur réussite scolaire, d'une part, et les perceptions des enseignants du
comportement de leurs élèves et leur réussite scolaire, d’autre part. Dans la première étude, nous avons utilisé
un questionnaire pour évaluer l'agressivité/la victimisation entre élèves (verbale, relationnelle et physique), et
un questionnaire nominal. Dans la deuxième étude, nous avons appliqué un questionnaire sur la perception
des enfants à risque social aux enseignants, qui comprenait une mesure de comportements agressifs. Les
données de ces questionnaires ont été liées à une mesure de réussite scolaire (réussite ou échec à la fin de
l'année scolaire). Les résultats suggèrent une relation entre le comportement agressif des élèves et l'échec
scolaire, que ce soit selon les rapports des élèves ou que ce soit à travers la perception des enseignants, ce
qui suggère que les programmes de prévention de l'intimidation, de l'indiscipline et de l'agression entre élèves,
impliquant la participation des étudiants eux-mêmes, puissent aider à favoriser la réussite scolaire, et donc
favoriser l'inclusion de tous les élèves et la prévention de l'abandon scolaire.

Mots clés: Échec scolaire, Agression entre collègues, Inclusion.

Resumo
O insucesso escolar, as suas causas, e a promoção do sucesso académico têm sido uma preocupação do
sistema educativo português partilhada por diferentes ideologias políticas, e que se tem mantido como um
problema educativo prioritário ao longo de várias décadas. No sentido de contribuir para compreender as
causas do insucesso escolar e melhor promover o sucesso educativo analisam-se os dados de duas
investigações (uma com 572 alunos do ensino básico e secundário e outra com 15 professores dos três níveis
do ensino básico) que procuraram verificar quais as relações que existem entre as condutas agressivas entre
pares, percepcionadas e auto relatadas pelos alunos e o seu sucesso escolar, por um lado, e as percepções
dos professores sobre as condutas dos seus alunos e o seu sucesso escolar, por outro. No primeiro estudo
utilizou-se um questionário para avaliar agressão/vitimação entre pares (verbal, relacional e física) e um
questionário de nomeação de pares. No segundo estudo aplicou-se um questionário de perceção de crianças
em risco social a professores, que incluía uma escala sobre condutas agressivas. Os dados obtidos nestes
questionários foram relacionados com uma medida de sucesso escolar (aprovação/reprovação no final do
ano letivo). Os resultados sugerem uma relação entre o comportamento agressivo dos alunos e o insucesso
escolar, quer nos auto e hetero relatos dos alunos, quer através da perceção dos docentes, sugerindo que
programas de prevenção de bullying, indisciplina e agressão entre pares, que envolvam a participação dos
próprios alunos, podem contribuir para a promoção do sucesso escolar, e consequentemente para a inclusão
de todos os alunos e para a prevenção do abandono escolar.

Palavras-chave: Insucesso escolar, Agressão entre pares, Inclusão.

1085
A Escola: Dinâmicas e Atores

INTRODUCTION
L’échec scolaire : causes et facteurs multiples
L’échec scolaire est un problème transversal à différents pays, aux causes multiples, et qui, dans le
cadre des politiques du système éducatif, a été assumé au Portugal comme une priorité durant plusieurs
décades.
Diverses causes ont été identifiées pour expliquer l’échec scolaire, notamment l’absence de soutien
familial et la faible valorisation que la famille attribue à l’école et aux apprentissages (Almeida, Gomes, Ribeiro,
Dantas, Sampaio, Alves, ...Santos, 2005); le rôle des professeurs et leurs méthodes d’enseignement
(Carvalho & Convoy, 2015); le faible niveau socio-économique des familles, en accord avec les études
internationales PISA, comparant les données de différents pays de l’OCDE, qui mettent en évidence le fait
qu’une grande majorité d’élèves qui échouent viennent de familles de niveaux sociaux, économiques et
culturels en-dessous de la moyenne, et révèlent également que cette relation est encore plus accentuée dans
le cas spécifique du Portugal, relativement à d’autres pays de l’OCDE (aQeduto, 2016a; 2016c; Ribeiro,
Almeida & Gomes, 2006). D’autres types d’études ont de plus mis en évidence l’importance que les
camarades, et le type de relation de convivialité qui s’établit avec ces derniers, peuvent avoir sur la réussite
ou l’échec scolaire, et la poursuite des études ou l’abandon scolaire consécutifs (Bilié, Flander, & Rafajac,
2014; Veiga, Wendzel, Melo, Pereira & Galvão, 2014).

Relations entre pairs et échec scolaire


Les analyses faites dans le cadre des études aQueduto (2016b) suggèrent également qu’un bon climat
relationnel, qu’il soit perçu comme tel par les élèves ou, encore plus, par les professeurs et les directeurs
d’école, est en lien avec de meilleurs résultats académiques, et que les situations d’indiscipline affectent la
réussite scolaire. C’est dans ce cadre que se situe la thématique de cet article et la recherche ici décrite.
Janoz & Blanc (2000), dans le cadre d’études sur certaines des variables psychologiques associées
à l’abandon, le renoncement et l’absentéisme scolaire, ont identifié différents types ou profils d’élèves se
trouvant dans ces conditions en fonction de 3 axes d’expérience: inadaptation scolaire de type
comportementale, peu d’efforts scolaires (faible motivation), et faibles résultats scolaires. Les différentes
trajectoires d’abandon scolaire peuvent ainsi être associées : à des élèves dont les faibles résultats scolaires
sont dûs à des besoins éducatifs spécifiques associés à des décifits cognitifs, sans inadaptation scolaire de
type comportemental; à des élèves présentant une faible motivation pour les tâches académiques, une
inadaptation et des résultats scolaires modérés ; à des élèves ayant un faible résultat scolaire et une faible
motivation; et finalement à des élèves présentant une inadaptation scolaire de type comportemental élevée,
associée à une faible motivation et à de faibles résultats scolaires. Ces derniers, selon les auteurs mentionnés,
constituent le plus fort pourcentage d’élèves en situation d’abandon scolaire (Janoz & Blanc, 2000). Plusieurs
études paraissent ainsi indiquer une association entre l’adaptation à l’école, la nature des relations entre pairs,
la réussite ou l’échec solaire, et l’abandon scolaire (Janoz & Blanc, 2000; Veiga, Wendzel, Melo, Pereira, &
Galvão, 2014).
Liar, Vitaro, Barker, Brendegen, Trembley & Boivin (2012) ont tenté de clarifier le rôle médiateur de la
victimisation de la part des pairs, et des difficultés académiques et des faibles résultats scolaires, dans le
développement de problèmes d’externalisation (par exemple, des comportements d’agressivité et
d’hyperactivité) et d’internalisation (par exemple, problèmes d’anxiété, de dépression), au long d’une stratégie

1086
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

de recherche longitudinale avec des enfants âgés de 6 à 8 ans. Les auteurs mentionnés ont constaté, d’une
part, que les problèmes d’externalisation conduisaient à l’échec académique, aux faibles résultats scolaires,
et à des expériences de victimisation de la part des collègues, et que d’autre part, l’échec scolaire et la
victimisation par les collègues prédisaient des problèmes d’internalisation et d’externalisation, pour les filles
aussi bien que pour les garçons. L’étude a ainsi mis en évidence l’importance que les problèmes précoces
d’externalisation peuvent avoir sur l’échec académique et sur des problèmes postérieurs d’internalisation (Liar
et al, 2012).
Dans une étude qualitative menée avec des adolescents âgés de 15 à 18 ans, qui avaient déjà eu
l’expérience de l’échec scolaire et du changement d’une école à une autre avec des curriculums alternatifs,
Slaten, Elison, Hugues, Yough & Shemwell (2015) soulignent des aspects comme l’acceptation par les pairs
et le respect des adultes (professeurs, directeurs et personnel administratif) comme facteurs que les jeunes
considèrent comme importants pour leur implication à l’école et leur succès scolaire, entre autres faits de
nature plus académique (comme la flexibilité du curriculum et le respect du rythme individuel d’apprentissage).
Feldman, Ojanen, Gesten, Schrandt, Brannick, Totura, …Bronw (2014) ont examiné les effets que
l’occurrence de comportements de bullying chez des enfants de l’enseignement primaire aurait sur des
adolescents fréquentant l’enseignement secondaire, au niveau des résultats scolaires, des avertissements
donnés par les professeurs et de l’absentéisme scolaire, à travers une étude de type longitudinale. Les
résultats obtenus ont révélé que l’engagement de jeunes enfants dans le bullying, dans le rôle de l’agresseur,
était au moment de l’adolescence associé au faible rendement scolaire, à l’échec scolaire, aux problèmes de
discipline perçus par les professeurs, et à l’absentéisme scolaire. Par contre, l’expérience de victimation dans
l’enfance ne paraissait avoir aucune conséquence concernant les variables considérées à l’adolescence, ce
qui laisse suggérer, d’une part, une plus grande stabilité du comportement agressif comparativement à celui
de victime, et de l’autre, la possibilité d’une altération des circonstances contextuelles dans lesquelles s’est
déroulée la victimation, tout comme le fait que la résilience joue un rôle, en évitant que les conséquences de
la victimation à court terme (la peur, l’anxiété, les problèmes psychosomatiques et la baisse des résultats
scolaires) se maintiennent à long terme (Feldman et al, 2014).
Afin d’éclairer la nature de l’association entre réussite et échec scolaire et le type de relation qui
s’établit entre pairs, les deux études ici présentées ont comme objectif de :
§ Vérifier dans quelle mesure les redoublements passés sont associés à l’expérience actuelle de
victimation et/ou d’agression (physique et/ou verbale/relationnelle) des adolescents à l’école.
§ Vérifier s’il existe des différences entre les expériences de victimation et/ou d’agression (physique
et/ou verbale/ relationnelle), vécues à l’école par les adolescents, en fonction de la réussite ou de
l’échec à la fin de l’année scolaire où ont eu lieu ces conduites.
§ Vérifier s’il existe des différences en termes de perception des professeurs concernant les conduites
antisociales de leurs élèves (enfants et adolescents), en fonction de la réussite ou de l’échec scolaire
de ces derniers en fin d’année scolaire.

1087
A Escola: Dinâmicas e Atores

METHODOLOGIE
Étude 1
Participants
Ont participé à cette étude 572 adolescents, 286 de sexe masculin et 286 de sexe féminin, fréquentant
la 7e, la 9e et la 11e année de différents groupements scolaires situés dans une ville du Haut Alentejo au
Portugal, âgés de 12 à 21 ans, la moyenne d’âge étant située à 14,7 ans et le mode à 14 ans.

Instruments
Une version adaptée du questionnaire d’exclusion sociale et de violence scolaire (QEVE) de Diaz-
Aguado (2004) qui inclut, parmi d’autres échelles qui ne font pas l’objet de cet article, deux sous-échelles
relatives à des comportements agressifs et à des expériences de victimation, de 15 itens chacune, et une
échelle de 1 à 4, permettant à chacun de se situer relativement à chaque item (jamais, quelques fois, souvent,
presque toujours). L’adaptation de ce questionnaire à la population portugaise a révélé 2 facteurs pour
chacune des sous-échelles : d’un côté, le facteur qui évalue l’agression et la victimation verbale et relationnelle
(par exemple: insulter, parler mal de), et d’un autre côté, l’agression et la victimation physique (par exemple,
battre, abîmer). Les Alphas de Chronbach ont révélé une bonne consistance interne, et donc une fidélité
élevée, étant donné que dans la sous-échelle de victimation l’alpha de Cronbach a été de 0.84, et de 0.89
dans l’échelle de l’agression (Martins, 2005, 2009). Une mesure d’hétéro-rapport relative à l’agressivité perçue
par les pairs dans le groupe-classe a de plus été obtenue, dont les valeurs ont été normalisées à travers un
pourcentage de nominations obtenues pour chaque élève à la qualification être agressif dans le groupe-classe.

Procédure
Une autorisation des directeurs des groupements scolaires concernés a été obtenue, de même que
le consentement informé des professeurs et des élèves. Le questionnaire a été appliqué collectivement dans
chacune des classes.

Étude 2
Participants
Quinze professeurs, 5 titulaires du 1er cycle, 4 professeurs principaux du 2e cycle, et 6 professeurs
principaux du 3e cycle de l’enseignement de base, de tous les groupements scolaires situés dans une
municipalité donnée du Haut Alentejo/Portugal, ont répondu à autant de questionnaires que d’élèves, c’est-à-
dire à un questionnaire par élève fréquentant un des trois cycles de l’enseignement de base, 228 élèves en
tout. Parmi les 15 professeurs, âgés de 35 à 55 ans, et ayant un temps de service compris entre 6 et 28 ans,
6 étaient de sexe masculin et 9 de sexe féminin. Les réponses des enseignants ont porté sur chacun des
élèves du total de la population scolaire du groupement scolaire de cette municipalité, 134 élèves de sexe
masculin et 83 de sexe féminin, âgés de 6 à 18 ans, avec une moyenne d’âge de 10.99 ans. 49 enfants
fréquentaient le 1er cycle, 35 fréquentaient le 2e cycle, et 56 fréquentaient le 3e cycle de l’enseignement de
base (Martins & Figueira, 2015).

1088
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Instrument
Une adaptation du questionnaire pour la détection d’enfants en situation de risque social de Diaz-
Aguado & Arias (1999) a été utilisée. Ce questionnaire est composé de 80 itens qui sont distribués en 4 sous-
échelles; dans cet article, seules seront traitées les données référentes à la sous-échelle des conduites anti-
sociales (composée de 24 itens, par exemple: détruit les objets des autres). Les professeurs signalaient une
des six alternatives pour chacun des itens, sachant que 1 correspondait à l’absence de comportement de
risque, et 6 à la manifestation d’un comportement de risque très élevé. L’alpha de Cronbach de cette sous-
échelle a été de 0.92 (Martins & Figueira, 2015).

Procédure
L’autorisation du directeur du groupement scolaire a été sollicitée et obtenue, de même que le
consentement informé des enseignants, et la confidentialité des données référentes à chaque élève a été
garantie par la mise en place d’un code substituant le nom pour croiser les résultats des différentes variables.
Les questionnaires ont été remis aux enseignants, et après un certain temps, ces derniers les ont déposés
dans une boîte, où ils ont par la suite été recueillis (Martins & Figueira, 2015).

PRESENTATION DES RESULTATS


Étude 1 – Perspective des élèves
Les données du tableau 1 présentent les moyennes et les écarts-type dans les deux sous-échelles de
victimation, dans les deux sous-échelles d’agression, et la perception de l’agressivité par les pairs, référents
aux élèves n’ayant jamais redoublé au moment du recueil des données, et aux élèves ayant redoublé une fois
ou plus avant le recueil des données. Après application d’un test T, les résultats ont révélé que les différences
dans les deux sous-échelles de victimation et dans les deux sous-échelles d’agression ne sont pas
statistiquement significatives; seules sont statistiquement significatives les différences de mesure de
perception de l’agression par les pairs, étant donné que t(295.33) = 2.55, p < 0.05. On vérifie que la perception
que les camarades de classe ont du comportement agressif des collègues, tel qu’il se manifeste dans le
présent, est supérieur, en termes moyens, pour les élèves qui ont au moins redoublé une fois par le passé.
Pour vérifier l’existence d’une association entre le nombre de redoublements passés et l’expérience
actuelle de victimation et/ou d’agression (physique et/ou verbale/relationnelle) à l’école, on a de plus appliqué
le test du Coefficient de Corrélation de Pearson à chaque paire de variables. Les résultats suggèrent
l’existence d’une association significative entre le nombre de redoublements passés et la perception de
l’agressivité par les pairs (r = .11, p < .01). On peut en conclure que les plus hauts niveaux de perception
d’agression par les pairs sont associés à un plus grand nombre de redoublements dans le passé. La nature
de cette étude ne permet pas d’établir une relation de cause à effet entre les deux variables. En ce qui
concerne les auto-rapports, cette association n’a été manifeste ni pour la victimation, ni pour l’agression.

1089
A Escola: Dinâmicas e Atores

Échec scolaire passé N M ET Sig.


A redoublé une fois ou
Victimation 193 8.08 2.04
+ .821
(verbale +relationnelle)
N’a jamais redoublé 372 8.12 2.41
A redoublé une fois ou
191 10.12 1.77
Victimation (physique) + .560
N’a jamais redoublé 365 10.00 1.91
A redoublé une fois ou
Agression 193 9.41 2.40
+ .301
(verbale +relationnelle)
N’a jamais redoublé 371 9.20 2.02
A redoublé une fois ou
195 8.48 1.20
Agression (physique) + .064
N’a jamais redoublé 371 8.26 1.540
A redoublé une fois ou
Perception de 197 0.054 0.54
+ .011
l’agression par les pairs
N’a jamais redoublé 375 0.029 0.03
Tableau 1 – Moyennes et écarts-type d’élèves n’ayant jamais redoublé avant le recueil de données de cette
étude et d’élèves ayant redoublé au moins une fois
Le tableau 2 présente les moyennes et les écarts-type que les élèves ont obtenu dans les deux sous-
échelles de victimation, dans les deux sous-échelles d’agression, et dans l’agressivité perçue par les pairs, en
fonction de la réussite, de l’échec et de l’abandon scolaire à la fin de l’année scolaire du recueil de données
de cette recherche. Soulignons que dans ce cas le recueil de données relatif à la victimation et à l’agression
a été réalisé au long de l’année scolaire, et que la mesure de réussite ou d’échec scolaire a été réalisée à la
fin de l’année, contrairement au cas décrit plus haut (tableau 1). Après l’application du test ANOVA, les
résultats ont révélé des différences significatives au niveau de la réussite scolaire en fonction : de l’expérience
de victimation physique, étant donné que F(2,553) = 5.36, p < .01 ; de la conduite d’agression de type verbale
+ relationnelle étant donné que F(2,561) = 6.82, p < .01 ; de la conduite d’agression de type physique, étant
donné que F(2,563) = 6.82, p < .05 ; et aussi de l’agressivité perçue par les pairs étant donné que F(2,569) =
11.75, p < .01.
Pour identifier le sens des différences significatives, un test Pos Post Hoc de Gabriel a été appliqué,
qui a révélé que dans les sous-échelles de victimation de type physique, d’agression de type
verbale+relationelle, et de la perception de l’agression par les pairs, les élèves qui ont abandonné l’école ont
montré, en moyenne, des niveaux plus élevés de ce type de conduites que les élèves redoublants, et ces
derniers plus que les non-redoublants. Dans la sous-échelle de l’agression de type physique, on vérifie que
les élèves redoublants ont, en moyenne, montré plus d’agression physique que les élèves non-redoublants.

1090
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Réussite/ échec Sig.


N M ET
scolaire actuel
Réussit 468 8.07 2.32
Victimation .691
Echoue 83 8.23 2.31
(verbale + relationnelle)
Abandonne 14 8.50 1.95
Réussit 460 9.97 1.84
Victimation (physique) Echoue 82 10.16 1.58 .005
Abandonne 14 11.57 3.08
Réussit 469 9.21 2.01
Agression .001
Echoue 81 9.29 2.27
(verbale + relationnelle)
abandonne 14 11.36 4.45
Réussit 468 8.26 1.21
Agression (physique) Echoue 84 8.70 2.24 .016
Abandonne 14 8.86 1.61
Perception de Réussit 463 .030 .86
l’agressivité par les Echoue 85 .063 .13 .000
pairs Abandonne 14 .14 .17
Tableau 2 - Moyennes et écarts-type d’élèves qui ont réussi l’année de la recherche, et d’élèves qui ont
échoué cette même année

Étude 2 – Perception des professeurs


Le tableau 3 présente les moyennes et les écarts-type obtenus par les élèves sur l’échelle des
conduites antisociales, telles qu’elles ont été perçues par les professeurs, en relation à la réussite ou à l’échec
scolaire de ces élèves à la fin de l’année où ont été recueillies les données. On vérifie ainsi qu’environ un
septième des élèves ont échoué cette année-là, et que leur moyenne sur l’échelle des conduites antisociales
est supérieure à la moyenne des élèves ayant réussi, de façon statistiquement significative, étant donné que
t(226/41.261) = - 2.187, p <0.05, c’est-à-dire que les élèves ayant échoué à la fin de l’année scolaire ont
montré plus de conduites antisociales au long de cette année-là, d’après la perception qu’en ont eu les
professeurs.
Réussite/ échec
N M ET Sig.
scolaire
Échelle des conduites A réussi 197 (83.8%) 32.06* 10.25 .00
antisociales A échoué 31 (13,6%) 36.19* 9.70 .00
Tableau 3 – Conduites agressives perçues par les professeurs et réussite ou échec scolaire Adapté de
Martins & Figueira (2015, p.48)

CONCLUSIONS ET DISCUSSION
Les résultats de la recherche de la première étude révèlent une association entre le comportement
agressif et les redoublements passés uniquement au niveau de l’agression perçue par les pairs (à travers les
hétéro-rapports). C’est-à-dire que les camarades perçoivent comme étant plus agressifs dans le présent les
élèves qui présentent un vécu de redoublements scolaires dans le passé. Cependant le redoublement passé
n’a présenté d’association avec aucun type de victimation ou d’agression auto-relatée dans le présent. Plus
précisément, les résultats ont révélé qu’une histoire de redoublement dans le passé n’apparaît pas associée
à l’agression entre pairs à travers les mesures d’auto-rapport, mais qu’elle apparaît associée à l’agression à
travers les mesures d’hétéro-rapport. Les résultats ont aussi mis en évidence le fait que l’expérience de
victimation de type physique, l’agression de type verbale+relationnelle, et la perception de l’agression de la
part des pairs, peuvent conduire à court terme à l’abandon scolaire, en conséquence de l’échec scolaire,
tandis que la manifestation de conduites d’agression physique conduit plus directement au redoublement, à

1091
A Escola: Dinâmicas e Atores

court terme (c’est-à-dire l’année même où elles se manifestent). Les données révèlent ainsi que l’expérience
de victimation et les conduites d’agression affectent les résultats scolaires des élèves à court terme.
Dans la seconde étude, on a vérifié que lorsque les professeurs considéraient que les élèves
montraient plus de conduites antisociales, la tendance à ce qu’ils échouent en fin d’année était plus forte
(Martins & Figueira, 2005).
Cette recherche présente quelques limitations, étant donné que sa nature transversale ne permet pas
d’établir des relations de cause à effet entre les variables étudiées, mais elle permet d’établir quelques
associations qui sont cohérentes avec les résultats obtenus dans d’autres contextes et en suivant d’autres
méthodologies (e.g., Feldman, et al, 2016; Liar, et al, 2012).
Bien que la nature transversale de la recherche ne permette pas d’établir des relations de cause à
effet, elle suggère qu’un passé de redoublements peut contribuer à des comportements d’agression dans le
présent, et aussi, de façon encore plus expressive, que les conduites agressives peuvent de leur côté
contribuer à l’échec en fin d’année, pour différentes raisons, soit que ces conduites interfèrent dans
l’implication des élèves dans les tâches académiques, soit qu’elles compliquent les apprentissages et/ou que
les professeurs considèrent ces élèves comme étant moins impliqués académiquement, ou montrant plus de
difficultés d’apprentissage, et les perçoivent comme ayant un rendement scolaire moindre que les autres. Ce
qui conduit donc à un plus grand nombre de redoublements parmi les élèves qui manifestent des
comportements agressifs de type physique et/ou des conduites antisociales. La recherche suggère également
que la victimation affecte les résultats scolaires indirectement, étant donné qu’elle peut conduire à l’abandon
scolaire.
L’étroite relation entre la réussite scolaire et le type de relations qui s’établit entre pairs a été mise en
évidence dans diverses études présentant des méthodologies autres. Les études aQetudo (2016b) ont mis en
évidence que la réussite scolaire exige de bonnes ambiances d’apprentissage, et les études sur l’implication
de l’élève à l’école (Veiga et al, 2014) soulignent la part jouée par différentes composantes pour atteindre les
objectifs scolaires, notamment : la composante cognitive relative à l’implication dans des apprentissages
profonds et significatifs ; la composante affective qui se rapporte à la motivation, aux sentiments de connexion
avec les professeurs et avec les camarades ; et la composante comportementale, qui se réfère à la persistance
dans les apprentissages et à la participation aux diverses activités de l’école (ibidem).
Les deux études ici présentées ont ainsi contribué à alerter sur l’importance que les relations entre
collègues et le type de convivialité qui s’établit dans les écoles peuvent avoir sur la réussite ou l’échec scolaire.
Les données suggèrent que les programmes de promotion de la réussite scolaire doivent inclure, en sus des
questions strictement académiques, des dimensions liées à la prévention de la violence scolaire et à la
promotion d’un vécu social positif, étant donné que la nature des environnements sociaux d’apprentissage
contribue aussi à la réussite scolaire et à l’inclusion sociale.

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1093
A Escola: Dinâmicas e Atores

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PORTAL

1094
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PRÁTICAS DE LIDERANÇA DO(A) DIRETOR(A) EM ESCOLAS PÚBLICAS DA ZONA


CENTRO DE PORTUGAL
[ID 58]

Bela Elisabete Ferreira Correia de Matos


Lídia da Conceição Grave-Resendes
Universidade Aberta
belamatos@gmail.com

Resumo
De entre os diversos patamares da administração e da organização escolar, o campo da gestão e da liderança
destacou-se como um dos mais dilemáticos e controversos no atual contexto das políticas educativas,
justamente por representar o espaço onde se disputam e entrecruzam, por um lado, os valores da cidadania
e da participação democrática, e, por outro lado, os valores da gestão e da eficácia técnica.
A investigação aqui apresentada teve como principal objetivo caracterizar e identificar as práticas de liderança
utilizadas pelos/as Diretores/as das Escolas Públicas da Zona Centro de Portugal, segundo o modelo
desenvolvido por Kouzes e Posner.
O enquadramento teórico do nosso estudo versou sobre uma revisão aprofundada das lideranças com enfase
a nível das organizações escolares, assim como a liderança na perspetiva da Avaliação Externa das Escolas.
Aprofundou-se também a análise da Liderança no Contexto Normativo Educacional Português, através do
estudo da legislação existente desde 1974. O Modelo de Kouzes e Posner foi desenvolvido com maior
pormenor.
A análise dos dados recolhidos demonstrou que a prática de liderança mais utilizada pelos/as Diretores/as
das Escolas Públicas da Zona Centro de Portugal foi “Permitir que os outros ajam”. Por outro lado, a prática
que apresentou valores mais baixos foi “Inspirar uma visão conjunta”.
Para todas as variáveis (género, tipo de estabelecimento, experiência no cargo, idade, formação
especializada), a prática de liderança com valores mais elevadas foi “permitir que os outros ajam”, exceto nas
categorias “Escola Não Agrupada” e “Escolas que não foram alvo de Avaliação Externa”. Nestas duas últimas
categorias, “encorajar a vontade” foi a prática que apresentou as médias mais elevadas.
Verificaram-se diferenças significativas na prática de liderança “Mostrar o caminho”, no que ao género
feminino diz respeito, e na prática “Encorajar a vontade”, relativamente aos (às) Diretores(as) de Escolas que
não foram alvo da visita da avaliação externa das escolas.
Os/AS Diretores/as do nosso estudo entendem a escola de hoje como tendo, primordialmente, uma função
social e que a sua missão é fomentar a colaboração através da criação de um clima positivo dentro das
organizações que lideram. Relativamente ao impacto da Avaliação Externa das Escolas na sua atuação como
líderes máximos das Unidades Orgânicas, aquela que foi mais significativo para eles na sua prática de liderança
foi “desafiar o processo”.

Palavras-chave: Diretores, Práticas de Liderança, Avaliação Externa.

Résumé
Parmi les différents plans de l’administration et de l’organisation scolaire, le domaine de la gestion et du
leadership s’est distingué comme l’un des plus débattu et controversé et dans le contexte actuel des politiques
éducatives, justement parce qu’il représente l’espace où se discutent et croisent, d’un côté, les valeurs de la
citoyenneté e de la participation démocratique, et, de l’autre, les valeurs de la gestion et de l’efficacité
technique.
L’investigation ici présentée a eu comme but principal de caractériser et d’identifier les pratiques de leadership
utilisées par les Directeurs/Directrices des Écoles Publiques de La Région Centre du Portugal, selon le modèle
développé par Kouzes et Posner.
L’encadrement théorique de notre étude a porté sur une révision approfondie des leaderships avec une
accentuation au niveau des organisations scolaire, bien comme le leadership du point de vue de l’Évaluation
Extérieure des Écoles. On a aussi approfondi l’analyse du leadership dans le Contexte Normatif Educationnel
Portugais, à travers de l’étude de la législation existante depuis 1974. Le Modèle de Kouzes et Posner a été
développé avec plus de détail.

1095
A Escola: Dinâmicas e Atores

L’analyse des données recueillies a démontré que la pratique de leadership la plus utilisée par les
Directeurs/Directrices des Écoles Publiques de la Région Centre du Portugal a été « Permettre que les autres
agissent ». D’autre part, la pratique qui des valeurs moins élevés a été «Inspirer une vision d’ensemble».
Pour toutes les variantes (genre, type d’établissement, expérience en fonction, âge, formation spécialisée), la
pratique de leadership avec des valeurs plus élevées a été «permettre que les autres agissent», à l’exception
des catégories «Écoles Non Agroupées» et «Écoles qui n’ont pas été objet de l’Évaluation Extérieure». Dans
ces deux dernières catégories, «encourager la volonté» a été la pratique qui a présenté des moyennes plus
élevées.
On a vérifié des différences signifiantes dans la pratique de leadership «Montrer le chemin», en ce qui
concerne le genre féminin, et dans la pratique «Encourager la volonté», relativement aux
Directeurs/Directrices des Écoles qui n’ont pas été objet de la visite de l’évaluation extérieure des écoles.
Les Directeurs/Directrices de notre étude perçoivent l’école d’aujourd’hui comme ayant, primordialement, une
fonction sociale et que leur mission est d’encourager la collaboration à travers la création d’un climat positif
dans les organisations qu’ils dirigent. En ce qui concerne l’impact de l’Évaluation Extérieure des Écoles dans
leur façon d’agir comme leaders maximum des Unités Organiques, celle qui a été plus signifiante pour eux,
dans leur pratique de leadership, a été « défier le procès».

Mots-clés: Directeurs, Pratiques de Leadership, Évaluation Extérieure.

PROBLEMÁTICA DA INVESTIGAÇÃO
A escola pública tem sido submetida nos últimos anos a uma pluralidade de medidas e programas
reformadores com implicações visíveis aos níveis da sua organização e administração, das relações laborais
e das identidades profissionais dos professores, do clima de trabalho e das metodologias pedagógicas, da
reconfiguração das relações de poder e dos perfis de liderança, entre outras dimensões pertinentes.
De entre os diversos patamares da administração e da organização escolar, o campo da gestão e da
liderança destacou-se como um dos mais dilemáticos e controversos no atual contexto das políticas
educativas, justamente por representar o espaço onde se disputam e entrecruzam, por um lado, os valores
da cidadania e da participação democrática e, por outro lado, os valores da gestão e da eficácia técnica
(Torres & Pallares, 2009).
A temática da liderança tem sido vastamente estudada nas suas mais diversas vertentes e é
transversal a todas as civilizações.
A história dos vencedores é, na opinião de Silva (2008), a que mais abundantemente está
documentada, estudada e divulgada, sendo construída em torno de personalidades que ganham relevância
e se imortalizam pelas suas qualidades como chefes militares, reformadores, estadistas, tendo todos em
comum o facto de se afirmarem pelas suas qualidades como líderes capazes de agregarem em seu torno
forças sociais relevantes e concretizarem projetos de grande impacto coletivo.
A dinâmica e motivação para a continuidade da investigação sobre o temática da liderança, tem sido
o desafio de conseguir chegar à suprema compreensão de qual o significado de liderança e de construir um
quadro teórico válido e integrado da teoria da liderança, permitindo a emergência de diferentes paradigmas e
abordagens, explorando diversas vertentes nas quais se projeta a influência do líder e as relações/efeitos que
se estabelecem pela sua ação/feedback em contextos organizacionais diferenciados.
Acresce, ainda, que à medida que a complexidade social expressa em múltiplas organizações -
públicas, privadas, prosseguindo fins não lucrativos – que procuram, a maioria delas, suprir e satisfazer de
alguma forma, necessidades e anseios da sociedade, que a acuidade e pertinência da investigação sobre o
que é a “liderança, o seu papel e valor, enquanto factor fulcral de condução desses múltiplos interesses
sociais, tem conduzido, particularmente os estudiosos da gestão, a assumir a questão da liderança como a
sua missão central de investigação” (Almeida, 2006, p.22).

1096
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Sendo generalizada a ideia de que o sucesso das organizações depende diretamente da liderança,
Bento (2008) atribui à liderança um papel importantíssimo no estudo e implementação da mudança em todas
as organizações.
O mesmo autor opina que em Portugal e nos países de tradição centrista, denota-se uma resistência
à mudança por parte das organizações escolares. Tal facto pode ser explicado pela inação interna à própria
organização ou pela propensão desta em manter a estabilidade.
No entanto, a agenda política e governativa portuguesa inscreveu, a partir da publicação do Decreto-
Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, a liderança (unipessoal) enquanto variável determinante para o funcionamento
eficaz dos estabelecimentos escolares.
Foram muitas as mudanças implementadas nos últimos anos nos Agrupamentos de Escolas e
Escolas não agrupadas nacionais: avaliação do desempenho docente e não docente, estatuto do aluno,
alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos, regras dos concursos dos professores, organização e
distribuição do serviço nas escolas, a reorganização da rede escolar, entre muitas, muitas outras mudanças.
Por outro lado, é fácil constatar, à semelhança de outros domínios legislativos, que a profusão de
legislação publicada é em tal quantidade que, muitas vezes, não permite a sua leitura adequada e a
interiorização dos princípios que dela emanam.
As Escolas não têm tido, sobretudo nos últimos anos, a oportunidade de validar os sucessos ou
insucessos da implementação das várias medidas legisladas e preconizadas porque os próprios diplomas e
leis se vêm sobrepondo uns aos outros.
A experiência pessoal que tivemos como vice-presidente do Conselho Executivo e como Adjunta do
Diretor e que temos, presentemente, como Subdiretora de um Agrupamento de Escolas, permite-nos afirmar
que o cargo Diretor(a) assume, presentemente, uma exigência muito elevada, pela dedicação e competência
que são investidas diariamente na liderança dos estabelecimentos de ensino.
Pela nossa própria experiência, sabemos que muitas vezes o segredo de uma liderança partilhada
passa por saber em que situações o líder deve agir como chefe e em que situações deve atuar como um
parceiro. É inevitável que o líder escolar (Diretor/a) faça convergir as suas necessidades individuais com as
do estabelecimento de ensino e que possua uma personalidade marcante e um conhecimento generalista do
ambiente externo e interno da organização que lidera.
Segundo Bolivar (2012) a liderança dos Diretores é um fator de primeira ordem na melhoria da
educação, mostrando a investigação que, para além da qualidade e do trabalho dos professores, “a liderança
do diretor é o segundo fator interno à escola, que mais relevância tem na consecução da aprendizagem. Para
além disso, a qualidade dos professores pode ser potencializada, pela própria ação dos líderes nesse âmbito”
(p.11).
Na opinião de Kouzes & Posner (2009), as pessoas enquanto líderes e quando estão no seu melhor
desempenho tendem a exercer ou a aplicar um conjunto de práticas de liderança nomeadamente, desafiar o
estabelecido, inspirar uma visão partilhada, capacitar os outros a agir, mostrar o caminho e a encorajar a
vontade.
Quando os líderes usam estas práticas, clarificam os seus próprios valores pessoais e dão o exemplo,
alinhando as suas ações com os valores partilhados; imaginam o futuro, pensando em possibilidades
estimulantes e enobrecedoras, cativando os outros para uma visão comum e apelando a aspirações
partilhadas.

1097
A Escola: Dinâmicas e Atores

Também procuram oportunidades, buscando modos inovadores de mudar, crescer e melhorar e


experimentam e correm riscos, gerando constantemente pequenas vitórias e aprendem com os erros. Por
outro lado, incentivam a colaboração, promovendo objetivos comuns e construindo confiança e fortalecendo
os outros, ao mesmo tempo que partilham informações e poder de decisão. Reconhecem, igualmente, os
contributos, mostrando apreciação pela excelência individual e celebrando valores e vitórias, criando um
espírito de grupo.

OBJETIVOS DO ESTUDO
Os objetivos do nosso estudo passam por:
§ Caracterizar e identificar as práticas de liderança implementadas pelos/as Diretores/as dos
Estabelecimentos de Ensino Públicos da Zona Centro, segundo o modelo desenvolvido por Kouzes
e Posner;
§ Conhecer a perceção que os/as Diretores/as têm sobre a escola de hoje e a sua missão no papel de
liderança que representam;
§ Entender o impacto que a avaliação externa provocou nas práticas de liderança e na performance
dos líderes máximos das unidades orgânicas.

QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO
Estabelecemos algumas questões basilares e orientadoras para a presente investigação procurando
analisar a temática em questão. Assim:

Pergunta de partida:
Quais são as práticas de liderança mais experimentadas pelos Diretores/Diretoras da Zona Centro de
Portugal, de acordo com o modelo preconizado por Kouzes e Posner?

Perguntas específicas:
§ Como se caracterizam as práticas de liderança dos Diretores/as das Escolas públicas da Zona Centro
de Portugal, segundo as cinco dimensões definidas pelo modelo de Kouzes e Posner?
§ Existem diferenças, estatisticamente significativas, entre as práticas de liderança em função do
género do/a Diretor/a?
§ Existem diferenças, estatisticamente significativas, entre as práticas de liderança dos/as Diretores/as
em função do tipo de estabelecimento de ensino (Agrupamento de Escolas vs Escolas não
agrupadas)?
§ Existem diferenças, estatisticamente significativas, entre as práticas de liderança em função da
experiência no cargo do/a Diretor/a?
§ Existem diferenças, estatisticamente significativas, entre as práticas de liderança em função da idade
do/a Diretor/a?
§ Existem diferenças, estatisticamente significativas, entre as práticas de liderança em função da
formação especializada do/a Diretor/a?
§ Existem diferenças, estatisticamente significativas, entre as práticas de liderança em função da visita
da Avaliação Externa das Escolas às Unidades Orgânicas?

1098
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ Qual a perceção que os/as Diretores/as têm da escola hodierna?


§ Qual a perceção que os/as Diretores/as têm sobre a missão no papel de liderança que representam?
§ Qual a perceção que os/as Diretores/as têm sobre o impacto que a avaliação externa da escolas
provocou na sua performance como líderes máximos das unidades orgânicas que lideram?
§ Existem diferenças, estatisticamente significativas, entre as práticas de liderança em função do
estabelecimento ter sido, ou não, alvo da Avaliação Externa das Escolas?

METODOLOGIA
Optamos, na nossa investigação, por uma metodologia mista.
A recolha de informação para a realização deste trabalho foi feita através de inquérito por questionário.
O mesmo foi administrado junto dos/as Diretores/as dos estabelecimentos de ensino público da Zona Centro.
Os questionários utilizados foram de administração direta (ou autoadministrados), em que o próprio inquirido
registou as suas respostas.
O instrumento utilizado neste estudo compreende duas partes:
§ 1.ª Parte: consta de um questionário destinado a recolher informação relativa aos dados biográficos
e a perceção dos inquiridos relativamente a conceitos como “escola de hoje”, “principal missão como
líder” e “impacto da avaliação externa na atuação como líder”.
§ 2.ª Parte: recorremos ao inquérito por questionário, utilizando a versão original portuguesa do
instrumento de Kouzes & Posner (2009) – Leadership Practices Inventory (LPI). O instrumento dos
autores é composto por 30 afirmações (itens), 6 afirmações para medir cada uma das 5 práticas de
líderes exemplares.
Cada afirmação tem uma pontuação de dez pontos numa escala tipo Likert: 1 – quase nunca; 2 – raramente;
3 – pouco; 4 – de vez em quando; 5 – ocasionalmente; 6 – às vezes; 7 – com certa frequência; 8 – geralmente;
9 – com muita frequência; 10 – quase sempre, indicando os inquiridos a frequência com que praticam as
ações descritas em cada uma das afirmações apresentadas.
A consistência interna das subescalas foi avaliada com o coeficiente de consistência interna Alfa de
Cronbach. Os valores obtidos variam entre um mínimo de 0,664 (fraco mas aceitável) na subescala “Modelar
o caminho” e um máximo de 0,799 (razoável) na subescala “Encorajar o coração” (Tabela 1).

Alfa de Cronbach N.º de itens


Mostrar o caminho ,664 6
Inspirar uma visão conjunta ,694 6
Desafiar o processo ,772 6
Permitir que os outros ajam ,728 6
Encorajar a vontade ,799 6
Tabela 1 – Consistência interna
Relativamente às questões abertas do instrumento e aos relatórios produzidos pela Inspeção-Geral
da Educação, foi realizada uma análise de conteúdo.

PROCEDIMENTOS ESTATÍSTICOS
A análise estatística envolveu medidas de estatística descritiva (frequências absolutas e relativas,
médias e desvios padrão) e estatística inferencial. Nesta, usou-se a estatística paramétrica pois as nossas
variáveis dependentes eram de tipo quantitativo. Assim, nas hipóteses em que estamos a comparar dois
grupos utilizou-se o teste t de Student. Nas hipóteses em que estamos a comparar mais de dois grupos usou-

1099
A Escola: Dinâmicas e Atores

se o teste Anova One-Way. Os pressupostos destes testes, nomeadamente o pressuposto de normalidade


de distribuição e o pressuposto de homogeneidade de variâncias foram analisados com os testes de
Kolmogorov-Smirnov e teste de Levene. Aceitou-se a normalidade de distribuição dos valores para as
amostras com dimensão superior a 30, de acordo com o teorema do limite central. O nível de significância foi
fixado em (α) ≤ 0,05. No entanto, as diferenças significativas para um nível (α) ≤ 0,10, também foram
devidamente comentadas.
A análise estatística foi efetuada com o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão
20.0 para Windows.

VARIÁVEIS
Variáveis independentes
Foram criadas as seguintes categorias de variáveis independentes:
§ Género – Feminino e Masculino.
§ Idade – igual ou inferior a 24 anos; 25 – 35 anos; 36 – 45 anos; 46 – 55 anos; e mais de 55 anos.
§ Antiguidade em funções de liderança – há 5 ou menos anos; entre 6 e 10 anos; entre 11 e 15 anos;
entre 16 e 20 anos; e há mais de 20 anos.
§ Tipo de estabelecimento de ensino – Agrupamento de Escolas e Escola não agrupada.
§ Formação especializada no âmbito da gestão e administração escolar – Sim e Não.
§ Visita da Avaliação Externa das Escolas – Sim e Não.

Variáveis dependentes
As variáveis dependentes deste estudo são as subescalas do LIP:
§ Mostrar o caminho
§ Inspirar uma visão conjunta
§ Desafiar o processo
§ Permitir que os outros ajam
§ Encorajar a vontade

APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS
Caracterização da População
Dos 147 inquiridos, colaboraram no estudo 70 Diretores/as, dos quais 66,0% afetos ao género
masculino e 34,0% ao género feminino (Gráfico 1).

1100
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

34%

66%

Masculino Feminino

Gráfico 1 – Género dos inquiridos


Em termos de idade, a maioria dos inquiridos encontra-se no escalão etário 46-55 anos (58,6%). Os
mais novos representam 14,3% e os mais velhos 27,1% (Gráfico 2).
70,0%

60,0%

50,0%

40,0%

30,0%

20,0%

10,0%

0,0%
36-45 anos 46-55 anos > 55 anos

Gráfico 2 – Idade dos inquiridos

A maioria dos diretores tem entre 11-15 anos de experiência em funções de liderança (31,4%) –
Gráfico 3. Os diretores mais experientes têm mais de 20 anos (12,9%) e os menos experientes menos de 5
anos e representam 21,4% dos inquiridos.

1101
A Escola: Dinâmicas e Atores

35,0%

30,0%

25,0%

20,0%

15,0%

10,0%

5,0%

0,0%
< 5 anos 6 - 10 11-15 16 - 20 > 20

Gráfico 3 – Experiência em funções de liderança


Uma proporção bastante elevada dos Diretores (74,3%) lidera em estabelecimentos de agrupamento
de escolas e 14,3% em escolas não agrupados (Tabela 2).
Frequência Percentagem
Agrupamento de Escolas 60 85,7
Escola não agrupada 10 14,3
Total 70 100,0
Tabela 2 - Como caracteriza o estabelecimento de ensino que lidera?
A maioria indica que tem formação especializada no âmbito da gestão e administração escolar
(82,9%) – Tabela 3.
Frequência Percentagem
Sim 58 82,9
Não 12 17,1
Total 70 100,0
Tabela 3 – Formação especializada
Dos que têm formação especializada, para além da licenciatura, a maior parte é detentora do grau de
mestre (20 Diretores/as) ou tem uma especialização em Administração e Gestão.
Da nossa população de estudo, 85,7% afirma que o agrupamento de escolas/escola não agrupada
foi alvo de avaliação externa das escolas (AEE), pela equipa da IGE/IGEC (Tabela 4).
Frequência Percentagem
Sim 60 85,7
Não 10 14,3
Total 70 100,0
Tabela 4 – Avaliação externa
Destes últimos, as UO que lideravam foram avaliadas, maioritariamente, em ambos os ciclos
(66,7%), 26,7% no 1.º ciclo e apenas 6,7% no 2.º ciclo (Tabela 5).
Frequência Percentagem Percentagem válida
1.º Ciclo 17 24,3 24,3
2.º Ciclo 3 4,3 28,6
Ambos 40 57,1 85,7
Total 60 85,7 100
Omissos 10 14,3

Total 70 100,0
Tabela 5 – Ciclo de avaliação
Os estabelecimentos de ensino que foram alvo da avaliação externa apenas no 1.º Ciclo de Avaliação,
obtiveram no domínio «liderança» “Bom” (10) ou “Muito Bom” (7).

1102
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

12

10

0
Bom Muito Bom

Gráfico 11 – Avaliação obtida no domínio «liderança» pelos estabelecimentos de ensino avaliados apenas
no 1.º Ciclo da Avaliação Externa das Escolas
Os três estabelecimentos de ensino que foram alvo da avaliação externa apenas no 2.º Ciclo de
Avaliação, obtiveram no domínio «Liderança e Gestão» “Bom” (2), encontrando-se o terceiro estabelecimento
de ensino (Gráfico 4), no momento da administração do nosso instrumento, a aguardar a respetiva
classificação

2,5

1,5

0,5

0
Bom Por atribuir

Gráfico 4 – Avaliação obtida no domínio «liderança e gestão» pelos estabelecimentos de ensino avaliados
apenas no 2.º Ciclo da Avaliação Externa das Escolas
Avaliados em ambos os ciclos da Avaliação Externa das Escolas foram quarenta estabelecimentos.
Os resultados obtidos nos domínios «Liderança» (1.º ciclo) e da «Liderança e Gestão» (2.º ciclo), estão
expressos no gráfico em baixo (Gráfico 5).

1103
A Escola: Dinâmicas e Atores

20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0

m
om

om

r
e

ui
nt

nt
Bo

Bo

rib
-B

-B
ie

ie
ic

ic

at
to

to
uf

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lo

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ui

ui

or
-S

-S
ic

c
-M

-M

-P
i
C

C
lo

lo


lo

lo

lo
ic

ic
ic

ic

ic
C

C
C

C



Gráfico 5 – Avaliação obtida nos domínios «liderança» (1.º Ciclo) e «liderança e gestão» (2.º Ciclo) pelos
estabelecimentos de ensino avaliados apenas no 2.º Ciclo da Avaliação Externa das Escola
As estatísticas descritivas das respostas às 30 questões do questionário do LIP podem ser
observadas na Tabela n.º 6. Nela, indicamos os valores mínimos e máximos, médias e respetivos desvios
padrão. A questão mais bem pontuada foi a questão “Trato os outros com dignidade e respeito” (m=9,63,
quase sempre) e a menos bem pontuada foi “Peço que os outros compartilhem um sonho empolgante para o
futuro” (7,16, com alguma frequência).
Desvio
N Mínimo Máximo Média
padrão

Dou um exemplo pessoal do que espero dos outros. 70 1 10 8,41 1,77

Eu falo sobre futuras tendências que influenciarão o


70 3 10 7,97 1,46
modo de execução do nosso trabalho.
Procuro oportunidades desafiadoras que testem as
70 5 10 8,16 1,20
minhas habilidades e os meus conhecimentos.
Desenvolvo relações cooperativas entre as pessoas com
70 7 10 9,14 0,86
quem trabalho.

Elogio as pessoas quando fazem um trabalho bem feito. 70 6 10 9,10 1,09

Dedico tempo e energia a garantir que as pessoas com


as quais trabalho sigam os princípios e padrões 70 4 10 8,37 1,19
adotados.
Descrevo uma imagem estimulante de como o futuro
70 1 10 7,67 1,66
poderá ser.
Desafio as pessoas a usarem meios novos e inovadores
70 5 10 8,60 1,31
ao realizarem o seu trabalho.

Ouço ativamente os diversos pontos de vista. 70 4 10 8,64 1,26

Faço questão de que as pessoas saibam que confio nos


70 6 10 8,80 1,03
seus conhecimentos.

Cumpro as minhas promessas e os meus compromissos. 70 5 10 9,37 0,98

Peço que os outros compartilhem um sonho empolgante


70 1 10 7,16 2,21
para o futuro.
Procuro, fora dos limites formais da organização, meios
70 3 10 8,27 1,46
inovadores de melhorar o que fazemos.

Trato os outros com dignidade e respeito. 70 6 10 9,63 0,78

1104
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Garanto que os outros sejam recompensados de modo


criativo pelas suas contribuições para o sucesso de um 70 3 10 8,50 1,32
projeto.
Peço feedback em como as minhas atitudes afetam o
70 3 10 7,84 1,46
desempenho dos outros.
Envolvo as pessoas numa visão comum para mostrar
como os seus interesses a longo prazo podem ser 70 4 10 8,33 1,33
realizados.
Pergunto “O que podemos aprender?” quando as coisas
70 3 10 8,36 1,53
não saem conforme o esperado.
Apoio as decisões que os outros tomam por iniciativa
70 4 10 8,63 1,27
própria.
Reconheço publicamente aqueles que dão um exemplo
70 5 10 8,86 1,30
de compromisso com os valores compartilhados.
Construo consenso em torno de um conjunto de valores
70 3 10 8,59 1,31
para administração da nossa organização.
Descrevo uma visão geral daquilo que almejamos
70 6 10 8,67 1,03
conquistar.
Tomo as medidas necessárias para garantir que
estabeleçamos objetivos possíveis, façamos planos
70 6 10 8,54 1,13
concretos e definamos metas mensuráveis para os
projetos e programas em que trabalhamos.
Dou bastante liberdade e opções para as pessoas
70 5 10 8,60 1,24
decidirem como executar o trabalho.

Encontro formas de comemorar as conquistas. 70 4 10 7,84 1,46

Deixo clara a minha filosofia de liderança. 70 5 10 8,74 1,26

Falo com convicção sincera sobre o significado e os


70 6 10 9,14 0,98
objetivos maiores do trabalho.
Experimento e assumo riscos, mesmo quando há
70 5 10 8,60 1,36
possibilidade de fracasso.
Faço com que os outros aprendam novas habilidades e
70 5 10 8,47 1,16
se desenvolvam para progredir no seu trabalho.
Demonstro reconhecimento e apoio aos membros da
70 6 10 9,16 1,00
equipa pelas suas contribuições.

Legenda: 1 – Quase nunca 5 – Ocasionalmente 10 – Quase sempre


Tabela 6 – Escala de liderança
No que se refere às dimensões, os diretores obtêm valores mais elevados na dimensão “Permitir que
os outros ajam” (8,85) e mais baixos na dimensão “Inspirar uma visão conjunta” (8,15). Excetuando as
diferenças entre as dimensões “Mostrar o caminho” e “Desafiar o processo” e entre as dimensões “Mostrar o
caminho” e “Encorajar a vontade”, todas as diferenças são estatisticamente significativas (p < ,05) – Tabela
7.

Mínimo Máximo Média Desvio padrão


Mostrar o caminho 5,50 10,00 8,55 0,82
Inspirar uma visão conjunta 5,83 10,00 8,15 0,94
Desafiar o processo 6,33 10,00 8,42 0,91
Permitir que os outros ajam 7,00 10,00 8,85 0,72
Encorajar a vontade 6,17 10,00 8,71 0,85
Tabela 7 – Estatísticas descritivas

1105
A Escola: Dinâmicas e Atores

Os coeficientes de correlação entre as dimensões da escala de liderança são todos estatisticamente


significativos, positivos e moderado ou elevados. A correlação mais elevada ocorre entre as dimensões
“Desafiar o processo” e “Inspirar uma visão conjunta” (r = ,796). A correlação mais baixa ocorre entre as
dimensões “Encorajar a vontade” e “Mostrar o caminho” (r = ,796) – Tabela 8
Mostrar Inspirar Desafiar Permitir
Inspirar ,624**
Desafiar ,684** ,796**
Permitir ,712** ,655** ,733**
Encorajar ,600** ,625** ,697** ,738**
* p ≤ ,001

Tabela 8 – Estatísticas descritivas

RESULTADOS EM FUNÇÃO DAS VARIÁVEIS INDEPENDENTES


O Quadro 1 resume os resultados obtidos nas cinco Práticas de Liderança em função do género, tipo
de estabelecimento, experiência no cargo, idade, formação especializada do/a Diretor/a e o facto de a
organização ter sido, ou não, avaliada externamente.
Tipo de Formação
Avaliação
Dimens

Género estabeleci- Experiência no cargo Idade Especiali-


Externa
ão

mento zada
Masc Fem. AE ENA <6 6-10 11-15 >15 36-45 46-55 >55 Sim Não Sim Não
caminho
Mostrar

8,42 8,81* 8,57 8,48 8,57 8,55 8,51 8,60 8,62 8,48 8,68 8,54 8,63 8,52 8,77
o
uma visão
conjunta
Inspirar

8,16 8,13 8,16 8,07 7,69 8,31 8,24 8,26 8,00 8,10 8,32 8,19 7,96 8,10 8,44
processo
Desafiar

8,40 8,47 8,42 8,45 8,10 8,46 8,71 8,32 8,52 8,31 8,61 8,50 8,06 8,38 8,65
o
Permitir que
os outros
ajam

8,78 8,99 8,86 8,78 8,58 8,86 9,05 8,84 8,82 8,76 9,08 8,82 9,01 8,81 9,12
Encorajar a
vontade

8,65 8,82 8,68 8,92 8,68 8,69 8,80 8,65 8,82 8,56 8,98 8,70 8,73 8,64 9,13*

*Valores estatisticamente significativos


Quadro 1 – Resumo dos resultados obtidos em cada uma das cinco Práticas de Liderança, em função do
género, tipo de estabelecimento, experiência no cargo, idade do/a Diretor/a, Formação Especializada e
Avaliação Externa

RESULTADOS DA DEFINIÇÃO DE «ESCOLA DE HOJE»


Da análise das respostas dadas pelos líderes máximos dos estabelecimentos de ensino públicos da
Região Centro, é possível realçar que estes entendem a «escola de hoje» como um espaço onde se privilegia
a construção de atitudes e valores, promovendo a formação integral dos agentes educativos. A escola é,
também, o lugar onde se formam cidadãos e se educa para a cidadania. A perspetiva social da escola assume,
para os nossos respondentes, a dimensão mais preponderante da resposta que a escola de hoje deve ou
proporciona aos que nela “habitam” diariamente, com especial relevo no que aos alunos diz respeito.

1106
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A “função académica” da escola e o facto de esta ter de preparar os alunos para o futuro, para a vida
ativa, assume, imediatamente a seguir à perspetiva social da escola, a função mais importante, segundo os
nossos respondentes, da escola de hoje.
Se por um lado os líderes do nosso estudo consideram que a escola de hoje é um lugar empreendedor
e/ou inovador (15 asserções), o mesmo número de asserções (15) foi registado relativamente ao facto
destes/as Diretores/as considerarem que a escola de hoje é um lugar confuso, indefinido, sem linhas
orientadoras carecendo, até, de falta de autonomia.

RESULTADOS DA OPINIÃO DOS(AS) DIRETORES(AS) SOBRE A PRINCIPAL MISSÃO DO


LÍDER DE UMA UNIDADE ORGÂNICA (UO)
A prática “Permitir que os outros ajam”, “Mostrar o caminho” e “Encorajar a vontade” são as que
registam o maior número de asserções dadas pelos Diretores(as), enquadrando-se nas mesmas a missão
que os/as Diretores/as entendem ser a sua como líderes máximos das UO em que se encontram.
A prática de liderança “Permitir que os outros ajam” é a única onde se registam asserções em toda a
dimensão: categoria (“Permitir que os outros ajam”), subcategorias (“Fomentar a colaboração” e “Dar força
aos outros”) e mandamentos (“Criação de um clima de segurança”, “Incremento de relações interpessoais”,
“Aumentar a autodeterminação” e “Desenvolver a competência e confiança nos outros”).
A principal missão dos(as) Diretores(as) é, na opinião dos respondentes, “Fomentar a colaboração”,
através da “Criação de um clima de segurança”, nomeadamente motivando, incentivando e apoiando os
colaboradores, ao mesmo tempo que promovem o bem-estar na organização, asseguram consensos e criam
climas positivos dentro da escola.

RESULTADOS DO IMPACTO DA AVALIAÇÃO EXTERNA DAS ESCOLAS (AEE) NA


ATUAÇÃO DOS(AS) DIRETORES(AS) COMO LÍDERES DE UM AGRUPAMENTO/ESCOLA
NÃO AGRUPADA
Analisando as respostas dos/as Diretores/as relativamente ao impacto da AEE na sua atuação como
líderes das respetivas UO, é possível verificar que este impacto foi mais significativo na prática de liderança
“Desafiar o processo” (com um total de 25 asserções), no sentido em que os resultados obtidos permitiram,
aos respondentes, procurar oportunidades e experimentar correr riscos, essencialmente no que ao aprender
a partir da experiência diz respeito, nomeadamente:
§ Melhoria do serviço prestado e superação dos pontos fracos;
§ Maior reflexão/consciencialização sobre o trabalho realizado;
§ Maior organização e sistematização.
É, ainda, possível salientar que 10 respondentes avaliados em ambos os ciclos de AEE identificaram
um impacto negativo dessa mesma intervenção inspetiva, tendo expressado opiniões como: “Mudou muito
pouco”, “Nenhum impacto”, “Poucas”, “Praticamente nula”, “Nenhum”, “Não mudei o meu modo”, “Impacto foi
reduzido”, “Não considero que tenho tido impacto significativo”. No entanto, destes 10 respondentes, 9
mantiveram no 2.º ciclo a avaliação atribuída no 1.º ciclo da AEE (Muito Bom=4; Bom=5) e uma delas subiu,
inclusivamente, de “Bom” para “Muito Bom”.

1107
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONCLUSÕES
Evidenciam-se os aspetos que advêm da pesquisa realizada, em relação às questões orientadoras
que lhe deram sentido.
Assim:
§ Das cinco práticas de liderança “Permitir que os outros ajam” é praticada por um maior número de
Diretores/as das Escolas públicas da Zona Centro do nosso país, seguindo-se a prática “Encorajar a
vontade”.
§ A prática de liderança “Mostrar o caminho” depende do género, uma vez que se verificam diferenças
estatisticamente significativas, favoráveis ao género feminino. O género feminino obteve, igualmente,
valores mais elevados do que o género masculino nas restantes práticas de liderança.
§ Os/as Diretores/as dos Agrupamentos de Escolas obtiveram valores mais elevados do que os/as
Diretores/as de Escolas não agrupadas em todas as práticas de liderança, embora não sejam
estatisticamente significativas em relação a nenhuma das cinco práticas.
§ Os/as Diretores/as com mais anos de experiência no cargo obtiveram valores mais elevados do que
os seus pares com menos anos de experiência no cargo, apenas na prática “Mostrar o caminho”,
embora não se verifiquem diferenças estatisticamente significativas.
§ Os/as Diretores/as mais velhos obtiveram valores mais elevados, em todas as Práticas de Liderança,
do que os seus pares mais novos, embora não sejam estatisticamente significativas em relação a
nenhuma das cinco práticas.
§ As práticas de liderança não dependem da formação especializada dos/as Diretores/as. Os líderes
com formação especializada obtêm, apenas, valores mais elevados dos que os seus pares sem
formação especializada, nas práticas “Inspirar uma visão conjunta” e “Desafiar o processo”, não se
verificando qualquer diferença estatisticamente significativa em nenhuma das cinco práticas de
liderança.
§ A prática de liderança “Encorajar a vontade” depende do facto de a unidade orgânica ter recebido, ou
não, a visita da avaliação externa das escolas, uma vez que se verificam diferenças estatisticamente
significativas, favoráveis aos/às Diretores/as cujas escolas foram alvo da AEE.
§ Os/as Diretores/as das unidades orgânicas que não foram alvo da AEE obtiveram valores mais
elevados em todas as práticas de liderança.
§ Os/as Diretores/as entendem a «Escola de hoje» como um espaço onde se privilegia a construção
de atitudes e valores, promovendo a formação integral dos agentes educativos. A escola é, também,
o lugar onde se formam cidadãos e se educa para a cidadania. A perspetiva social da escola assume,
para os nossos respondentes, a dimensão mais preponderante da resposta que a escola de hoje
deve ou proporciona aos que nela “habitam” diariamente, com especial relevo no que aos alunos diz
respeito.
§ A principal missão dos(as) Diretores(as) é, na opinião dos respondentes, “Fomentar a colaboração”,
através da “Criação de um clima de segurança”, nomeadamente motivando, incentivando e apoiando
os colaboradores, ao mesmo tempo que promovem o bem-estar na organização, asseguram
consensos e criam climas positivos dentro da escola.
§ O impacto foi mais significativo, na opinião dos respondentes, na prática de liderança “Desafiar o
processo”, no sentido em que os resultados obtidos permitiram procurar oportunidades e

1108
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

experimentar correr riscos, essencialmente no que ao aprender a partir da experiência diz respeito,
nomeadamente: melhoria do serviço prestado e superação dos pontos fracos; maior
reflexão/consciencialização sobre o trabalho realizado; e maior organização e sistematização.

REFERÊNCIAS
Almeida, M. (2006). O futuro da liderança de topo na Administração Pública Portuguesa. Forças motrizes e
Cenários possíveis. Universidade do Minho, Escola de Economia e Gestão, Braga. [Dissertação de
mestrado, documento policopiado].
Bento, A. (2008). Desafios à liderança em contextos de mudança. In A. Mendonça & A. Bento (Org.).
Educação em Tempo de Mudança (pp.31-54). Funchal: Grafimadeira.
Bolívar, A. (2012). Melhorar os processos e os resultados educativos. O que nos ensina a investigação. V. N.
Gaia: Fundação Manuel Leão.
Kouzes, J. & Posner, B. (2009). O Desafio da Liderança. Portugal: Caleidoscópio.
Silva, J. (2008). Líderes e Lideranças em Escolas Portuguesas. Trajectos Individuais e Impactos
Organizacionais. Espanha: Universidad de Extremadura [Tese de doutoramento, documento
policopiado].
Torres, L. L. (2006). Cultura organizacional em contexto escolar. In Compreender a Escola. Perspectivas de
análise organizacional (pp.133-195). Porto: ASA.

1109
A Escola: Dinâmicas e Atores

APRENDIZAGENS DE FUTUROS PROFESSORES DE FÍSICA E QUÍMICA SOBRE A


NATUREZA DAS TAREFAS
[ID 316]

Carla Matoso
Mónica Baptista
Ana Maria Freire
Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação – Instituto de educação da
Universidade de Lisboa; Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
cmmatoso@campus.ul.pt; mbaptista@ie.ulisboa.pt; amfreire@ie.ulisboa.pt

Resumo
O professor é um profissional com múltiplas valências, já que mobiliza competências em vários domínios
quando toma opções sobre o que e como ensina e com que finalidades. O professor aprende quando colabora
com os outros professores, observa, analisa e reflete sobre os seus alunos e o seu trabalho. No mestrado em
Ensino da Física e da Química é incentivada a colaboração, a reflexão e a investigação centrada na prática
nas unidades curriculares de Iniciação à Prática Profissional. Nesse processo, os futuros professores
constroem conhecimento que os leva a utilizar estratégias inovadoras, como um meio de promover e melhorar
as aprendizagens dos seus alunos. Nesta comunicação pretende-se, assim, dar a conhecer as aprendizagens
realizadas pelos futuros professores sobre o desenvolvimento de tarefas com um maior grau de abertura
durante a iniciação à prática profissional.
Neste estudo, participam 5 futuros professores de Física e Química. Utilizam-se vários instrumentos de
recolha de dados: documentos escritos, que incluem os planos de aula, as tarefas aplicadas em sala de aula
e as reflexões escritas dos futuros professores; entrevistas semiestruturadas, realizadas a cada um dos
professores participantes; e entrevista em grupo focado.
Os resultados mostram que o mestrado contribui para que os futuros professores construam e apliquem
tarefas com maior grau de abertura. Os futuros professores salientam que os alunos não podem desenvolver
apenas competências do conhecimento científico nas suas aulas. Pelo que importa conceber tarefas, com
crescente grau de abertura, de modo a potenciar as aprendizagens dos seus alunos e a promover o
desenvolvimento de outro tipo de competências. Isso leva a que os futuros professores também valorizem o
questionamento em sala de aula e a discussão em grupo para que os alunos encontrem e utilizem estratégias
para responder às questões colocadas.
Os futuros professores reconhecem que a utilização dessas tarefas acarreta mudanças nas rotinas de sala
de aula, já que os alunos são mais ativos e responsáveis pela sua aprendizagem e o professor assume o
papel de orientador e facilitador da aprendizagem. Ademais, consideram que é importante criar ambientes
que estimulem e incentivem o trabalho autónomo dos seus alunos.

Palavras-chave: Conhecimento do futuro professor, Práticas letivas, Formação de professores, Papel do


aluno, Papel do professor.

Résumé
Le professeur est un professionnel avec des capacités multiples, puisqu'il mobilise des compétences dans
divers domaines en faisant des choix sur quoi et comment enseigner et à quelles fins. Le professeur apprend
quand il collabore avec les autres professeurs, quand il observe, analyse et pense à leurs étudiants et à leur
travail. Dans le Mestrado en Enseignement de la Physique et la Chimie, on encourage la collaboration, la
réflexion et la recherche axée sur la pratique, dans les cours d'Introduction à la Pratique Professionnelle. Dans
ce processus, les futurs professeurs construisent les connaissances qui les conduisent à utiliser des stratégies
innovatrices comme un moyen de promouvoir et d'améliorer les apprentissages de leurs élèves. Dans cette
communication, on vise, donc, donner à connaître les apprentissages réalisés par les futurs professeurs sur
le développement des tâches avec un plus grand degré d'ouverture pendant l'initiation à la pratique
professionnelle.
Dans cette étude, y ont participé cinq futurs professeurs de Physique et Chimie. On utilise différents outils de
recherche de données: des documents écrits, y compris des plans de cours, les tâches appliquées dans la

1110
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

salle de classe et les réflexions écrites des futurs professeurs ; des interviews semi-structurées réalisées à
chacun des professeurs participants; et l’interview en groupe focalisé.
Les résultats montrent que le Master contribue aux futurs professeurs à construire et à mettre en œuvre des
tâches avec un plus grand degré d'ouverture. Les futurs professeurs soulignent que les étudiants ne peuvent
pas seulement acquérir des compétences de connaissances scientifiques dans leurs classes. Par conséquent,
il est important de concevoir des tâches, avec l'augmentation du degré d'ouverture, afin de promouvoir
l'apprentissage de leurs élèves et de promouvoir le développement d'autres compétences. Cela mène à que
les futurs professeurs valorisent aussi le questionnaire dans la salle de classe et la discussion en groupe pour
que les étudiants trouvent et utilisent des stratégies pour répondre aux questions posées.
Les futurs professeurs reconnaissent que l'utilisation de ces tâches entraîne des changements dans les
routines de la salle de classe, puisque les élèves sont plus actifs et responsables de leur apprentissage et le
professeur assume le rôle de conseilleur et de facilitateur de l'apprentissage. En outre, ils estiment qu'il est
important de créer des environnements qui stimulent et encouragent le travail autonome de leurs étudiants.

Mots-clés: La connaissance du futur professeur, Les pratiques d'enseignement, La formation de professeurs,


Le rôle de l'étudiant, Le rôle du professeur.

INTRODUÇÃO
O conhecimento de professor inclui uma constelação de saberes específicos que envolve o
conhecimento relacionado com a prática em sala de aula, a participação em atividades e em projetos de
escola e a interação com os outros membros da comunidade escolar (Ponte & Oliveira, 2002). Deste conjunto
de saberes, emerge o conhecimento didático, o que o professor utiliza para promover a aprendizagem dos
seus alunos (Kind, 2009). É o conhecimento que permite ao professor selecionar e utilizar analogias,
ilustrações, exemplos e demostrações mais adequados para ensinar um conjunto de alunos com
determinadas características (Shulman, 1987). Deste modo, pode pensar-se o conhecimento didático como
possuindo duas componentes: uma delas é o conhecimento do professor quando planifica o ensino de um
dado conteúdo a um conjunto de alunos. Trata-se de um conhecimento explícito e envolve uma reflexão sobre
a ação. A outra componente corresponde ao ato de ensinar um tema de um determinado modo com um dado
objetivo para um conjunto de alunos de modo a melhorar o seu aproveitamento. Neste caso, o conhecimento
pode ser tácito ou implícito e envolve uma reflexão na ação (Guess-Newsome, 2015). Concebido deste modo,
o conhecimento didático é definido como um conhecimento pessoal e que depende de um contexto específico
(tópico a ser ensinado, metodologia, características dos alunos) (Guess-Newsome, 2015).
O professor desenvolve conhecimento didático enquanto planifica, reflete e ensina (Magnusson,
Krajcik, & Borko, 1999). Sendo um processo que também ocorre na prática de sala de aula, o conhecimento
didático é um elemento central do conhecimento prático do professor. A experiência influencia o
desenvolvimento do conhecimento didático quando o professor tenta compreender o modo como se
implementam as estratégias de ensino em situações reais de sala de aula (Nilsson, 2008). Da sala de aula
emerge então um conhecimento que se constrói com a prática do professor (Elbaz, 1983). Contudo, essa
construção só ocorre quando o professor recorda, narra, revive e reflete sobre a prática (Shulman, 2004).
Enquanto profissional reflexivo, o professor consegue lidar com situações de incerteza, instabilidade,
singularidade e conflito de valores que caracterizam a sua prática (Schön, 1987; 1991).
Neste estudo, é utilizado o modelo conceptual (Ponte, 2012) que foi adaptado para a disciplina de
Física e Química. Este compreende quatro vertentes: (a) o conhecimento da disciplina que inclui o
conhecimento dos conceitos e os conteúdos de ensino, as suas formas de raciocínio, de argumentação e de
validação, bem como as inter-relações dentro da sua disciplina e com outras disciplinas; (b) o conhecimento
do currículo, no que concerne às suas finalidades e objetivos, a organização dos conteúdos e o conhecimento

1111
A Escola: Dinâmicas e Atores

dos materiais e as formas de avaliação a utilizar; (c) o conhecimento dos alunos e da aprendizagem, ou seja,
o conhecimento dos seus interesses, das suas dificuldades e necessidades mais frequentes, dos seus
processos de aprendizagem e dos aspetos sociais e culturais que podem influenciar o seu desempenho
académico; (d) o conhecimento da prática letiva, no que respeita às planificações, conceção de materiais,
avaliação da aprendizagem dos alunos e do ensino do professor (Ponte & Oliveira, 2002). O conhecimento
da prática letiva ocupa o lugar central, dado que é neste núcleo que se tomam as opções que orientam a
prática e regulam o processo de ensino. Porém, esta vertente não pode ser separada das restantes, pois
todas elas, quer de um modo quer de outro, estão sempre presentes na ação do professor quando ensina
Física e Química (Ponte, 2012).
Estando o conhecimento didático intimamente ligado à prática do professor é importante identificar
fatores que potenciem o seu desenvolvimento. Deste modo, torna-se pertinente investigar os efeitos da
reflexão e investigação centrada na prática no desenvolvimento do conhecimento didático, em diferentes
contextos, nomeadamente na formação inicial de professores.
No mestrado em Ensino da Física e da Química, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa,
procura-se promover a colaboração, a reflexão centrada na prática e o trabalho de cariz investigativo
(Deliberação nº 5/2007, Princípios e Organização dos Mestrados em Ensino). Nas unidades de iniciação à
prática profissional, incentivam-se os futuros professore a conceber e aplicar tarefas de investigação que
envolvam os alunos em questões científicas.
Numa aula com tarefas de investigação, os alunos procuram ativamente respostas a questões
científicas que partem de situações do dia a dia. Os alunos formulam questões, pesquisam informação,
planificam e realizam experiências, utilizam diferentes ferramentas para a recolha de dados, analisam,
discutem e comunicam resultados (NRC, 1996). A utilização de tarefas de investigação serve como ponto de
partida para a compreensão de fenómenos naturais e o desenvolvimento de competências complexas. Os
alunos envolvem-se em práticas mais autênticas que os ajuda a compreender como se desenvolve o
conhecimento científico (Anderson, 2002; NRC, 2000).
O professor orienta enquanto interage com os alunos, incentiva os alunos a aceitar e a dividir a
responsabilidade pela sua aprendizagem, assegura um ambiente propício à aprendizagem, disponibiliza
materiais e recursos aos alunos e estimula a cooperação entre os alunos (Anderson, 2002; NRC, 2000).
Na iniciação à prática profissional, os futuros professores recolhem evidências sobre as
aprendizagens e as dificuldades dos seus alunos, de modo a tornar a sua reflexão fundamentada. Neste
processo, vão construindo conhecimento que os leva a utilizar estratégias inovadoras, como um meio de
promover e melhorar as aprendizagens dos seus alunos (Loucks-Horsley, Love, Stiles, Mundry, & Hewson,
2003). Assim, pretende-se dar a conhecer as aprendizagens realizadas pelos futuros professores sobre o
desenvolvimento de tarefas com um maior grau de abertura durante a iniciação à prática profissional.

METODOLOGIA
Neste estudo recorre-se a uma abordagem qualitativa com orientação interpretativa (Erickson, 1986).
Segue-se uma breve descrição dos participantes, do contexto de estudo, dos processos e instrumentos de
recolha de dados, assim como dos processos de análise de dados.

1112
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Participantes
Participaram 5 futuros professores, alunos do segundo ano de Mestrado em Ensino da Física e
Química, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, que frequentaram as unidades curriculares de
Iniciação à Prática Profissional III e IV. Dos cinco participantes, um é do sexo masculino e os restantes do
sexo feminino. As suas idades estão compreendidas entre os 29 e os 41 anos. Quatro dos participantes são
licenciados e um é doutorado. Um dos participantes não tem experiência profissional no ensino, sendo que
os restantes possuem pouca experiência, entre dois a seis anos de serviço.

Contexto de Estudo
Em Portugal, o Mestrado em Ensino da Física e da Química concede habilitação profissional para a
docência (Decreto-Lei nº 220/2009 de 8 de setembro). A sua estrutura curricular decorre de alguns princípios
que norteiam a formação científico-profissional. Valoriza-se a capacidade reflexiva e crítica dos futuros
professores, bem como se procura desenvolver uma atitude de questionamento e um trabalho de cariz
investigativo sobre a prática supervisionada (Deliberação nº 5/2007, Princípios e Organização dos Mestrados
em Ensino).
A Iniciação à Prática Profissional é uma área curricular presente nos quatros semestres do mestrado
em ensino da Física e da Química. Tem um papel fundamental na formação inicial, dado que o futuro professor
aprende a adotar uma perspetiva profissional sobre as situações com que se depara, assim como a refletir e
a lidar com os problemas que lhe são colocados na prática (Decreto-Lei nº 43/2007 de 22 de fevereiro, artº
14; Deliberação nº 5/2007, Princípios e Organização dos Mestrados em Ensino).
Na Iniciação à Prática Profissional III, o mestrando começa a assumir os papéis profissionais do
professor, numa ou mais turmas do professor cooperante. Cada futuro professor tem de realizar três
intervenções na sala de aula. Na Iniciação à Prática Profissional IV, o futuro professor planifica e leciona uma
unidade didática ou parte dela. Nesse seguimento, desenvolve um trabalho de cariz sobre uma problemática
de ordem curricular (Deliberação nº 5/2007, Princípios e Organização dos Mestrados em Ensino).
Nas sessões, realizadas no Instituto de Educação, promove-se uma aprendizagem colaborativa, entre
os futuros professores, com ciclos de planeamento, lecionação de aula e reflexão sobre a prática. Os futuros
recolhem evidências sobre as aprendizagens e as dificuldades dos seus alunos, para tornar a sua reflexão
fundamentada e construir conhecimento a partir da sua prática.

RECOLHA DE DADOS
Nesta investigação recorre-se a vários instrumentos de recolha de dados (Patton, 2002),
nomeadamente entrevista em grupo focado, entrevistas semiestruturadas individuais, reflexões finais dos
relatórios de ensino da prática supervisionada.

Análise de Dados
A análise dos dados é o processo organizado e sistemático que visa dar um significado aos dados
recolhidos durante a investigação. É necessário transcrever as entrevistas para aumentar o conhecimento do
fenómeno em estudo e comunicar os resultados obtidos (Bogdan & Biklen, 1994; Creswell, 2003). Efetuou-se
uma análise de conteúdo (Bogdan & Biklen, 1994) das reflexões finais e das transcrições das entrevistas

1113
A Escola: Dinâmicas e Atores

individuais e da entrevista em grupo focado. Emergiram as categorias: natureza das tarefas, papel do aluno
e papel do professor.

RESULTADOS
Os resultados apresentados descrevem o contributo do mestrado em ensino da Física e da Química
para que os futuros professores construíssem e aplicassem tarefas com maior grau de abertura.

Natureza das tarefas


Os futuros professores planificam as suas intervenções e constroem as tarefas para aplicar em sala
de aula. Os futuros professores identificam a conceção de tarefas como uma aprendizagem:
(aprendi a) fazer tarefas mais abertas que permitam aos alunos criar mais autonomia e mais
responsabilidade no sentido de desenvolvimento de diferentes tipos de competências, não
só do conhecimento científico, mas que, depois eles, em situações mais abrangentes do dia-
a-dia, consigam dar resposta, consigam pesquisar, consigam recolher dados (Sofia,
entrevista em grupo focado)
Alexandra também menciona que:
O facto de ter aprendido a construir recursos que me permitissem dar aulas de forma
diferente do ensino tradicional, porque no fundo eu até poderia querer fugir do ensino
tradicional, mas não saberia como. (…) Aprendi a construir recursos que me permitem
efetivamente ter um tipo de ensino mais aberto, mais… pronto, diferente do ensino
tradicional, ou seja, tarefas de investigação (…) (entrevista individual)
Jorge valoriza o facto de os alunos desenvolverem outro tipo de competências com as tarefas de
investigação:
eles pela primeira vez tiveram contacto com materiais de laboratório, de atividades
laboratoriais… Competências de comunicação, eles finalmente aprenderam a fazer
perguntas uns aos outros, a discutir uns com os outros, a apresentar as coisas uns aos outros
(entrevista individual)
A Alexandra acrescenta, por sua vez, que:
(…) e ver que dali saíam resultados, e, que à medida que os alunos iam realizando mais
tarefas, eu perceber que eles tinham cada vez mais facilidade em resolver essas tarefas, e,
portanto, perceber que eles aprendiam realmente outras coisas para além dos conceitos
científicos, porque eles dão o salto, as dificuldades passam a ser aprendizagens (entrevista
individual)
A construção deste tipo de tarefas permite que os alunos desenvolvam vários tipos de competências
(conhecimento, raciocínio, comunicação e atitudinais). A mobilização de competências do conhecimento
científico deixa de ser o único objetivo das aulas de Física e Química.
Estas aprendizagens levam a novas, já que os futuros professores aplicam as tarefas concebidas na
sala de aula. Eles referem, por exemplo, “como questionar os alunos sem lhes dar as respostas, serem eles
a procurar esses conhecimentos” (Sofia, entrevista individual), o “tentar orientar, aprender a não dar
respostas, portanto, não centrar tanto a aula em mim. E penso que isso foi o maior feito que consegui” (Isabel,
Entrevista individual). A Alexandra enfatiza “o trabalho deles (alunos), mais grupo a grupo, e depois a minha
discussão em turma.” e acrescenta:
aprender e buscar aquele conceito e aquele exemplo, agora vou aqui, agora vou ali…
portanto, tentar aquilo que eu tentei ao longo… para mim, para a minha aprendizagem foi
essencialmente isso, foi aprender a discutir com eles e deixar que eles trabalhassem de forma
mais autónoma, sem lhes dar a resposta. (Entrevista individual)
A gestão da sala de aula, bem como o questionamento são fatores importantes, visto que a aplicação
deste tipo de tarefas altera a rotina da sala de aula e a prática do professor.

1114
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Papel do aluno
A aplicação destas tarefas tem consequências no papel do aluno. Os futuros professores referem que
os alunos se tornaram “Muito mais autónomos, muito mais independentes, com maior capacidade de gestão
e de ultrapassar as dificuldades em sala de aula, desenvolveram estratégias, conseguiram comunicar melhor”
(Jorge, entrevista). A Sofia reforça essa ideia quando descreve o papel dos alunos: ”Efetivamente, eles
(alunos) envolvem-se mais e aprendem e… respondem, sabem. E é interessante ver esta transformação que
ocorreu em IPP (Iniciação à Prática Profissional). Eu acho que esta aprendizagem foi muito, muito positiva.”
(Entrevista em grupo focado). Jorge descreve a evolução dos seus alunos no sentido de uma maior autonomia
e responsabilidade:
Desde a primeira até a última tarefa, o que se verificou é que os alunos já pediam muito
menos a intervenção do professor. Já haviam criado novas estratégias para alcançar as
aprendizagens, as perguntas que faziam ao professor eram muito menos diretas, eram muito
mais para auxiliar no raciocínio que estavam a ter, ou alguma dúvida que poderiam ter, que,
ultrapassando, facilitava o raciocínio, e recorriam muito mais à discussão com os colegas…
(Entrevista individual)
Os futuros professores reconhecem que os alunos têm um papel mais ativo que se traduz numa
crescente autonomia e numa maior responsabilidade pela sua aprendizagem.

Papel do professor
A utilização destas tarefas leva a mudanças no papel do professor. Jorge refere, por exemplo que:
O papel do professor na sala de aula serve como um moderador da sala de aula. As tarefas
de investigação dão muita autonomia aos alunos, mas especialmente no 7.º ano eles
precisam ser fortemente orientados, especialmente quando não estão habituados a tarefas
de investigação. E o papel do professor em sala de aula acaba por ser um papel de
coordenador, de monitor. (Entrevista)
Esse aspeto também é mencionado pela Isabel:
Como futura professora deverei criar ambientes de aprendizagem informais, que coloquem o
aluno no centro da sua própria aprendizagem e facilitar esse mesmo processo, através de
processos de orientação e questionamento. É também essencial promover um ambiente em
que os alunos se sintam confortáveis em participar, em colocar questões e em expor ideias,
pelo que um professor deve possuir características pessoais que promovam este tipo de
interação (…). (Reflexão final)
Carolina também reflete sobre o papel do professor como orientador:
O ensino não se limita à mera transmissão de conhecimentos. É necessário desenvolver
várias competências. Um professor é acima de tudo, um educador que, além da sua
disciplina, ensina outros conhecimentos, atitudes, valores, conduzindo os alunos à procura e
construção do seu próprio conhecimento. (Reflexão)
A Sofia acrescenta ainda que é importante permitir “aos alunos desafiarem as suas suposições,
explorarem e construírem o seu conhecimento” (Reflexão final). Os futuros professores assumem, deste
modo, que o papel do professor é de orientador e facilitador das aprendizagens dos seus alunos. E referem
ainda que o professor deve proporcionar desafios aos seus alunos que os levem a mobilizar competências
diversas.

DISCUSSÃO DE RESULTADOS E CONCLUSÕES


Neste estudo, os futuros professores compreendem que as tarefas de investigação podem ser usadas
para ensinar ciência e sobre ciência. A aprendizagem colaborativa é um fator que propicia a reflexão e que
leva à mudança das conceções bem como a uma maior compreensão por parte dos professores (Anderson,
2002). A colaboração é um fator que os futuros professores evidenciam como um aspeto positivo na iniciação

1115
A Escola: Dinâmicas e Atores

à prática profissional, pois tiveram oportunidade de aprender uns com os outros sobre a conceção e aplicação
de tarefas de investigação. A reflexão centrada na prática foi outro fator, pois os futuros professores
reconhecem que as tarefas de investigação podem ser usadas para que os seus alunos desenvolvam
competências complexas.
Tseng, Tuan & Chin (2013) realizaram um estudo, com professores experientes, em que são
mencionados esses fatores para que ocorram mudanças nas suas práticas. Os professores, quando
confrontados com as aprendizagens dos alunos, sentem-se motivados para aplicar tarefas de investigação.
Lebak & Tinsley (2010) enfatizam a utilização do vídeo das aulas e a reflexão colaborativa como catalisadores
nas mudanças das práticas de professores, também experientes, que os leva a centrar o ensino nos seus
alunos.
O conhecimento que os futuros professores vão construindo leva-os a planificar, a conceber e aplicar
tarefas com maior grau de abertura. Eles salientam que os alunos devem desenvolver outras competências
que não apenas as do conhecimento científicos. Pelo que importa conceber tarefas desafiantes, com um
maior grau de abertura, para potenciar as aprendizagens e a autonomia dos seus alunos. Os futuros
professores também valorizam o saber questionar e a discussão em grupo que levem os alunos a procurar
estratégias para responder às questões colocadas.
A utilização de tarefas com maior grau de abertura traz mudanças na rotina da sala de aula. Os futuros
professores salientam que o aluno assume um papel mais ativo, tornando-se mais autónomo e responsável
pela sua aprendizagem. No entanto, uma mudança em sala de aula não ocorre, por si só, é preciso que o
professor favoreça essa transformação. O professor deve criar um ambiente em sala de aula que seja
desafiante para os alunos. As tarefas de investigação podem ser utilizadas para atingir esse fim.

REFERÊNCIAS
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1116
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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1117
A Escola: Dinâmicas e Atores

HISTÓRIA DA CIÊNCIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS: UM


ESTUDO PRELIMINAR
[ID 292]

Paulo Maurício
Isabel Chagas
Bianor Valente
Escola Superior de Educação de Lisboa; Instituto de Educação da Universidade de Lisboa; Escola Superior
de Educação de Lisboa
paulom@eselx.ipl.pt; michagas@ie.ulisboa.pt; bianorv@eselx.ipl.pt

Resumo
A integração da História da Ciência no processo de ensino-aprendizagem tem sido advogada desde há mais
de um século. Mais recentemente, com um conjunto significativo de investigações empíricas e normativas
desenvolvidas em torno, entre outros, do International History, Philosophy and Science Teaching Group,
consolidou a História da Ciência como um campo de investigação promotor de um melhor ensino-
aprendizagem, levando à compreensão da ciência como um processo e não como um conjunto de factos, leis
e teorias, facilitando a mudança concetual e uma aprendizagem mais profunda da ciência e da sua natureza.
Os curricula nacionais e internacionais integraram, ainda que de modo diverso, a Natureza da Ciência,
conceptualizada como um constructo onde a História da Ciência constitui um dos pilares, sendo os outros a
psicologia, a sociologia e a filosofia da ciência, exigência à qual a formação de professores tanto inicial como
contínua precisa de dar resposta.
Apresentamos uma análise aos resultados da investigação normativa e empírica em torno do uso da História
da Ciência na educação em ciência e descrevemos brevemente como a História da Ciência é contemplada
nos curricula nacionais nos vários níveis de ensino.

Palavras-chave: História da Ciência, Formação inicial de professores, Currículo.

Résumé
L'intégration de l'Histoire de la Science dans le processus d'enseignement-apprentissage est préconisée
depuis plus d'un siècle. Plus récemment, avec un ensemble significatif de recherches empiriques et
normatives développées autour, entre autres, de l’International History, Philosophy and Science Teaching
Group, l'Histoire de la Science s’est consolidée comme champ de recherche promoteur d'un meilleur
enseignement-apprentissage, conduisant à la compréhension de la science comme un processus et non
comme un ensemble de faits, lois et théories, ce qui facilite le changement conceptuel et un apprentissage
plus approfondi de la science et de sa nature.
Les curricula nationaux et internationaux ont intégré, quoique de manière différente, la Nature de la Science,
conceptualisée comme une construction où l'Histoire de la Science est l'un des piliers, les autres étant la
philosophie, la psychologie et la sociologie de la science, la formation des enseignants, aussi bien initiale que
continue, doit répondre à cette exigence.
Nous présentons une analyse des résultats de la recherche normative et empirique autour de l'utilisation de
l'Histoire de la Science dans l'enseignement des sciences et nous décrivons comment l'Histoire de la Science
est envisagé dans les programmes nationaux dans les différents niveaux d'enseignement.

Mots-clés: Histoire de la Science, Formation initiale des enseignants, Curriculum.

INTRODUÇÃO
Desde há vários anos, a investigação em didática da ciência faz uso da História da Ciência (HC) com
o objetivo de promover um melhor ensino e aprendizagem da Natureza da Ciência (NC), melhorar as atitudes
dos estudantes para com a Ciência, auxiliar na mudança concetual e promover uma mais profunda
compreensão das ideias científicas (Allchin, 2013; Matthews, 2015).

1118
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Convidado para contribuir para o “Projeto Física”, Holton (1998) desenvolveu uma abordagem didática
integrando a visão de acordo com a qual “historicamente, quase todas as descobertas fundamentais ou leis
na ciência desenvolveram-se […] como parte de uma constelação e redes interdisciplinares.” (p.295) Ou seja,
o desenvolvimento de uma qualquer lei, conceito ou teoria, teve, em algum momento da sua construção,
influências de outras áreas do conhecimento e da atividade humanas. Isidor I. Rabi, então um físico na
Universidade de Columbia, convidado por Gerald Holton para liderar o comité consultivo do “Projeto Física”
detinha a seguinte visão da ciência:
A Ciência é uma aventura de toda a humanidade para aprender a viver e talvez amar o
universo no qual se encontra. Ser parte desse empreendimento é compreender,
compreender-se a si mesma, começar a sentir que existe uma capacidade inerente à
humanidade - muito para lá do que ela sente que tem - de uma extensão infinita das
possibilidades humanas…Proponho que a ciência seja ensinada, em qualquer nível, do mais
baixo ao mais elevado, de um modo humanista. Deve ser ensinada com uma determinada
compreensão histórica, com uma certa compreensão filosófica, com uma compreensão social
e humana, no sentido biográfico, da natureza das pessoas que fazem esta construção, os
seus triunfos, tentativas e adversidades (Holton, 2003, p.615).
Holton (1998) desenvolveu esta abordagem procurando, com ela, aumentar o interesse na ciência em
estudantes com interesses diversos. Como escreveu:
Alguns [estudantes] estão interessados nas ciências sociais, nas humanidades e nas artes,
na tecnologia, em ‘ainda em nada em concreto’, em aprendizagem verbal mais do que
instrumental, etc. Alguns podem apreciar trabalhar em laboratórios, mas têm pouca
capacidade de verbalização e de escrever as coisas de modo claro. (p.292)
Além deste fator que podemos designar como motivacional, para envolver os estudantes na
aprendizagem de ciências, a visão de Holton (2014) pretendia que os estudantes que frequentassem um
curso do “Projeto Física” aprenderiam “não apenas que F é igual a ma, mas também que a ciência é uma
parte fascinante da cultura humana” (p.1876).
Matthews (2015) denomina esta abordagem ao ensino das ciências como liberal, já articulada, entre
outos, por Ernst Mach, James Conant, Joseph Schwab e Gerald Holton. De acordo com Matthews (2015) esta
abordagem assenta na “convicção de que a aprendizagem da ciência (suas teorias, afirmações de
conhecimento, metodologias e métodos) necessita de ser acompanhada pela aprendizagem sobre ciência (a
sua ligação com a cultura, comércio, tecnologia, matemática, filosofia, mundovisões e religião)” (p.750).
Assim, na abordagem liberal ou humanista ao ensino e aprendizagem das ciências, conhecer sobre ciência
tem um estatuto equivalente a ensinar e aprender as leis, conceitos, teorias ou metodologias científicas.

A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO: INVESTIGAÇÃO NORMATIVA


Em 1987 dá-se a formação do grupo International History, Philosophy, and Science Teaching (IHPST)
que tem, 2 anos depois, a sua primeira conferência bianual em Talahasse, Flórida. Três anos após esta
conferência, em 1992, tem inicio a publicação da Science & Education, revista supervisionada pelo grupo.
Esta cronologia esconde que estes desenvolvimentos foram resultados, em parte significativa, de felizes
acasos e coincidências, fruto dos quais temos hoje uma vasta literatura sobre o uso da HC na educação em
ciência (Matthews, 2015).
De facto, em 2014 é editado o International Handbook of Research in History, Philosophy and Science
Teaching, com 75 capítulos e 125 autores de 30 países. Esta abrangência e profundidade é uma evidência
do trabalho realizado neste período. Para além das conferências bianuais, o grupo IHPST tem promovido
conferências regionais, tendo a primeira conferência regional na Europa tido lugar em 2016, em Flensburg,
Alemanha.

1119
A Escola: Dinâmicas e Atores

Após esta brevíssima abordagem ao quadro institucional e académico que enquadra o essencial da
produção científica em HC e Educação em Ciência, introduzimos os principais resultados normativos da
investigação nesta área (Matthews, 2015):
a) A HC tem um valor intrínseco.
b) A HC promove uma melhor compreensão dos conceitos e processos científicos.
c) A HC permite a realização de conexões dentro de tópicos curriculares, por um lado, e entre áreas
disciplinares diversas, por outro.
d) A HC humaniza o conhecimento de conteúdo.
e) Uma abordagem histórica pode revelar paralelismos entre o desenvolvimento cognitivo e o
desenvolvimento científico ajudando no processo de desenho curricular.
f) A HC contribui para a compreensão da Natureza da Ciência.
A HC tem um valor intrínseco. A ausência, nos cursos de História, de referências substanciais a
resultados científicos, matemáticos e tecnológicos e sua interligação com os aspetos sociais, políticos e
económicos do desenvolvimento histórico geral é uma omissão com consequências relevantes na educação
geral dos estudantes. De entre os variadíssimos conteúdos de caráter iminentemente interdisciplinar
referimos: a Revolução Francesa e o clima propício ao trabalho científico por ela proporcionada; as questões
económicas da Revolução Industrial que tiveram ligação direta com desenvolvimentos tecnológicos e
científicos; a ligação entre o Iluminismo e a ciência moderna; o papel duplo do Catolicismo no desenvolvimento
da ciência; o desenvolvimento de métodos de medida do tempo, a navegação marítima, e, mais tarde, os
transportes ferroviários e a necessidade de coordenação do tempo; o papel de Reis e Príncipes no
desenvolvimento do mecenato e consequência diretas na atividade científica.
Longe de esgotar as possibilidades que um ensino da História que integrasse a HC como um conteúdo
com estatuto equivalente à História social, esta listagem apenas pretende chamar a atenção à existência do
problema: a HC não tem merecido, até à data, uma posição na educação correspondente à sua relevância.
A HC promove uma melhor compreensão dos conceitos e processos científicos. Toda a compreensão
é necessariamente histórica. O desenraizamento de conceitos, leis ou teorias do seu desenvolvimento
histórico e a sua apresentação ahistórica fomenta uma aprendizagem por memorização. Ao contrário, a
elaboração de uma rede que integre esses resultados científicos no seu desenvolvimento histórico, permite
atribuir-lhes significado para além da forma aparente que assumem num determinado momento.
El-Hani at al. (2014), trabalhando a evolução histórica do conceito de gene e como ele é apropriado
em livros de texto do ensino pré-universitário no Brasil, chegam à conclusão de que:
Usando a grande maioria destes manuais, os estudantes e professores não obtêm nem um
vislumbre das atuais discussões sobre genes. Alguns podem pensar que é demasiado exigir
que a educação em ciência considere os recentes desenvolvimentos [deste assunto] ao nível
do ensino secundário. No entanto, para a maioria dos estudantes, esta pode ser a ultima
oportunidade para aprenderem sobre genes e a sua função e, assim, construírem uma
posição crítica em relação à discussão dos genes em questões sócio-científicas, desde a
segurança de organismos geneticamente modificados ao uso de testes genéticos na
sociedade. (p.496)
Seguindo o trabalho de Hl-Hani (2014), verificamos que o desconhecimento, pelos estudantes, dos
limites de validade em que os vários modelos para os genes foram construídos (Conceção Mendeliana,
molecular clássica e informacional), levam a que os usem indistintamente.
A HC permite a realização de conexões dentro de tópicos curriculares, por um lado, e entre áreas
disciplinares diversas, por outro. A HC permite a integração de outras disciplinas e áreas académicas no

1120
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

estudo de determinado tópico em ciências. Esta visão é a “espinha dorsal” de uma educação liberal. De acordo
com Osborne & Dillon (2008), uma visão Europeia da educação, se existe, “consiste na visão liberal de que
deve servir os propósitos de oferecer aos jovens o melhor que vale a pena conhecer. Em muitos países
Nórdicos existe a noção complexa de bildung a qual expressa que a educação deve desenvolver o potencial
de cada individuo” (p.15).
A ciência desenvolveu-se em conjunto com a matemática, a filosofia, tecnologia, comércio, arte e
literatura. Não explicitar estas relações na educação em ciências é não dar a conhecer aos estudantes que a
compartimentalização disciplinar é útil para o ensino, mas comporta uma amputação do real desenvolvimento
das coisas.
A HC humaniza o conhecimento de conteúdo. Questões sócio-científicas como o uso militar da
energia nuclear, os resultados de acidentes em centrais nucleares, a poluição marítima e morte de peixes e
mamíferos devido aos plásticos ou o uso de dispositivos high-tech pelos militares levam a que muitos
estudantes, em alguma altura da sua vida, repudiem a ciência. Algum conhecimento histórico pode suavizar
e até inverter este processo. Conhecer aspetos da vida atribulada de cientistas e da sua relação com os
poderes políticos e militares poderá levar a que aspetos negativos da ciência e tecnologia possam ser
contextualizados e, assim, relativizados. Não será por acaso que biografias de muitos cientistas se tornaram
best-sellers e que um tema aparentemente árido que não passava das portas da academia, o problema da
longitude, tenha sido tratado e transformado por Dava Sobel, uma jornalista, no assunto central de um dos
seus best-sellers. Que a história da ciência possa ser trazida ao grande público, com proveito para este e sem
distorções de maior, é uma indicação que o seu uso em sala de aula pode ser realizado, também sem
distorções de maior e com proveito para os estudantes.
Uma abordagem histórica pode revelar paralelismos entre o desenvolvimento cognitivo e o
desenvolvimento científico ajudando no processo de desenho curricular. Wandersee (1992), evidenciando a
historicidade da cognição, relembra o dito de Ausubel - o fator mais importante que influencia a cognição é o
conhecimento que o aluno já tem – que, afirma, estabelece um principio fundamental da historicidade.
Wandersee (1992) adianta, referindo-se a investigação psicológica que “parece que os humanos podem atuar,
e atuam, com base nos significados que estabeleceram previamente para os conceitos aprendidos. Todo o
conhecimento prévio é um prólogo da construção de significados presente” (p.425). No entanto Wandersee
(1992) alerta para uma falácia: a conceção de que os alunos recapitulam a história da ciência à medida que
eles aprendem um tópico específico. Investigando a aprendizagem da fotossíntese com 1400 alunos, verificou
que eles não recapitulavam a história da ciência mas que, frequentemente exibiam conceções alternativas
muito similares a conceções que, em algum momento da evolução do conceito foi defendida. Assim a história
da ciência poderá constituir-se como uma ferramenta heurística para antecipar algumas das dificuldades
conceptuais dos estudantes (Wandersee, 1992). Ou seja, HC pode servir para planear intervenções didáticas
que promovam a mudança concetual (Maurício, Valente & Chagas, 2016, 2017).
A HC contribui para a compreensão da Natureza da Ciência. Clough (2006) coloca assim a questão:
A frase ‘natureza da ciência’ é geralmente usada para referir questões tais como o que é a
ciência, como ela funciona, os fundamentos epistemológicos e ontológicos da ciência, como
os cientistas trabalham como um grupo social, como a sociedade, ela própria influencia e
reage aos empreendimentos científicos. (p.463)
Clough (2006) continua, afirmando que para compreender estes assuntos, necessitamos de
contributos de várias disciplinas como a historia, a filosofia e a sociologia da ciência. A literatura sobre a NC
é muito vasta (e.g. Allchin, 2013; Erduran & Dagher, 2016; Lederman, 2007) pelo que representamos na

1121
A Escola: Dinâmicas e Atores

Figura 1 uma expressão diagramática da NC a qual, não sofreria objeção de maior de nenhum autor – a não
ser o relevo dado à HC. A este propósito poderíamos referir o trabalho sociológico de Ziman (2000) e a
representação associada da NC em Afonso (2008), onde a HC está escondida numa dimensão não
representada, não explícita.

Figura 1 - Concetualização da NC. A HC fornece o contexto para uma adequada integração da psicologia,
da filosofia, e da sociologia da ciência no desenvolvimento de uma adequada visão da NC
Os benefícios, para a educação em ciência, apontados por filósofos da ciência, historiadores da
ciência e educadores, do uso da HC no ensino e aprendizagem de ciências não é universalmente aceite.
Alguns autores contestam a sua utilidade ou, pelo menos, destacam o alcance limitado que o uso da HC teria
na visão dos estudantes sobre a NC (Abd-El-Khalick & Lederman, 2000), outros, defendendo a utilidade da
HC na educação em ciências evidenciam os constrangimentos que têm dificultado a sua implementação
(Höttecke & Silva, 2011). Ainda assim, apesar das dificuldades, tem sido realizada investigação empírica em
torno do desenvolvimento de estratégias e conteúdos para o uso da HC em sala de aula ou em ambientes
não formais. É de alguma dessa investigação que iremos dar conta de seguida.

A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO: INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA


Esta nossa abordagem à investigação empírica não será sistemática nem abrangente. Com ela,
apenas pretendemos colocar em evidência alguns projetos relevantes. Deste modo, selecionamos três
projetos que, pelos resultados alcançados ou abrangência, dão uma indicação do que, nesta área está a ser
realizado.

Projeto IHPST
O projeto europeu IHPST envolveu 10 parceiros de 8 países Europeus (Höttecke, Henke, & Riess,
2012). Teve como foco o desenvolvimento de estratégias mais efetivas de desenvolvimento e implementação
da HC no ensino das ciências e resultou num conjunto de recursos desenvolvidos pelos parceiros juntamente
com professores nas escolas e traduzidos em várias línguas. A equipa portuguesa desenvolveu um trabalho
em torno das atividades oceanográficas do Rei D. Carlos para alunos do 10º ano de Biologia (Faria, Pereira,
& Chagas, 2012). Esta atividade foi posteriormente adaptada e desenvolvida para alunos mais novos.

“Pequenas histórias por detrás da ciência: trazer a ciência e os cientistas para a vida”
No âmbito do projeto apoiado pela National Science Foundation, “Pequenas histórias por detrás da
ciência: trazer a ciência e os cientistas para a vida” (Clough, 2011), foram desenvolvidas pequenas histórias
(short-stories) elaboradas para o ensino e aprendizagem em ensino universitário de cursos introdutórios de

1122
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

várias disciplinas científicas. O objetivo não foi apenas o desenvolvimento de conhecimento na área da NC,
mas também assistir o ensino e aprendizagem de conhecimento de conteúdo disciplinar.
Disponíveis na página do projeto – https://www.storybehindthescience.org/index. html – as
histórias foram desenvolvidas num quadro concetual trabalhado por Metz et al. (2007) onde a narrativa é a
estratégia para o uso da HC no ensino.

Storytelling@Teaching Model
Desenvolvido na Universidade de Flensburgh, Alemanha, pelo grupo de Peter Heering, o projeto
Storytelling@Teaching Model usa histórias baseadas em episódios históricos num quadro concetual
desenvolvido por Stephen Klassen (Klassen, 2009, 2010). Uma caraterística essencial do projeto é a
colocação da ênfase no contar a história por parte do professor em sala de aula. A história não é lida, é
contada, dramatizada. Para isso os professores recebem formação adequada. Os resultados preliminares
apresentados na 1º Conferência Regional Europeia do IHPST em 2016 revelam aspetos interessantes e
levaram a implementar melhorias no projeto. As histórias e outro material, como vídeos e quadro concetual
encontram-se na página do projeto: http://science-story-telling.eu/en/node/276
Este projeto, ainda em desenvolvimento, apresenta resultados preliminares encorajadores. Os outros
dois projetos, já concluídos, levaram à criação de materiais que sustentam o uso da HC muito para lá do fim
dos respetivos projetos.

A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES EM PORTUGAL


A formação de professores acompanha o sistema dual das Instituições de Ensino Superior (IES) em
Portugal. A formação de educadores e professores do 1º e 2º Ciclo do Ensino Básico (CEB) é realizada nas
Escolas Superiores de Educação dos Institutos Politécnicos enquanto da formação de professores do 3º CEB
e ensino Secundário é realizada no ensino Universitário não politécnico.
Os professores do 1º CEB têm uma formação inicial generalista pois irão desenvolver o ensino e
aprendizagem da Matemática, do Português, do Estudo do Meio (integra a História, a Geografia e as Ciências
da Natureza) e ainda, o campo das expressões em regime de monodocência. O mesmo acontece com os
educadores de infância que procuram, utilizando o princípio da continuidade educativa, e trabalhando a “Área
de expressão e comunicação” e a “Área de conhecimento do mundo” iniciar as crianças à aprendizagem do
Português e da Matemática, no primeiro caso, e das ciências físicas e naturais, no segundo caso (Silva, 2016).
Já os professores do 3º CEB e secundário são professores em regime de monodocência recebendo
formação para o ensino e aprendizagem de Biologia e Geologia, por um lado, ou de Física e Química, por
outro, no ensino secundário. O 2º CEB é uma área de transição de que não nos vamos ocupar neste estudo
preliminar.
Os curricula em Portugal, com especial destaque para o 3º CEB e ensino secundário referem
explicitamente, ainda que de modo diverso, o uso da HC no ensino (Ver o caso das Ciências Físico-Químicas
na Tabela 1).

1123
A Escola: Dinâmicas e Atores

3º CEB: CIÊNCIAS FÍSICO-QUÍMICAS


Ano Domínio Subdomínio Descritor
1.7 Identificar Galileu como pioneiro na utilização do telescópio
na observação do céu (descobertas do relevo na Lua, fases
de Vénus e satélites de Júpiter).
7 Espaço Universo
1.8 Caracterizar os modelos geocêntrico e heliocêntrico,
enquadrando-os historicamente (contributos de Ptolomeu,
Copérnico e Galileu).
Explicação e 1.16 Indicar o contributo de Lavoisier para o estudo das reações
representação químicas.
8 Reações Químicas
de reações
químicas
Classificação dos 1.1 Identificar marcos importantes na história do modelo
Materiais atómico.
Estrutura
9 Propriedades dos 2.1 Identificar contributos de vários cientistas para a evolução da
Atómica
materiais e Tabela Tabela Periódica até à atualidade.
Periódica
Tabela 1 - A HC no 3º CEB
Podemos identificar, no currículo do 1º CEB (Ministério da Educação e Ciência [MEC], 2004) alguns
aspetos que levam ao tratamento da NC e da HC. Nomeadamente, nos Objetivos Gerais, constam, entre
outros, os seguintes: “Desenvolver e estruturar noções de espaço e de tempo e identificar alguns elementos
relativos à História e à Geografia de Portugal.” (p.103)
Este objetivo constitui uma oportunidade para de modo simples mas relevante, inserir marcos
científicos que possam ser identificados pelas crianças como pertencentes à História de Portugal,
operacionalizando, deste modo o resultado normativo do valor intrínseco da HC.
Utilizar alguns processos simples de conhecimento da realidade envolvente (observar,
descrever, formular questões e problemas, avançar possíveis respostas, ensaiar, verificar),
assumindo uma atitude de permanente pesquisa e experimentação. (p.103)
Este objetivo introduz conceitos (observar, formular questões, ensaiar, verificar, experimentar) e
atitudes (permanente pesquisa e experimentação) que uma adequada abordagem da NC neste nível etário
pode conduzir a ganhos cognitivos e atitudinais que de outro modo se perdem.

CONCLUSÕES
No presente trabalho, revisitámos e sistematizámos os resultados normativos da investigação sobre
o uso da HC na educação em ciência. Demos a conhecer alguns estudos empíricos que destacámos apenas
a título indicativo da produção na área. Outros trabalhos onde a HC ou, mais genericamente, a HFC, é usada
em sala de aula podem ser encontrados por exemplo em Teixeira, Greca & Freire Jr (2012) que realizaram
uma revisão sistemática de intervenções didáticas usando a HC, reportadas na literatura, relacionadas com
o campo disciplinar da física.
Por fim, abordámos a formação inicial de professores de ciências em Portugal, evidenciando o seu
caráter dual. Realizámos uma observação dos curricula nacionais e verificámos que a HC está presente como
um conteúdo, com enfase especial para o 3º CEB e ensino secundário. No entanto encontramos referências
ao conhecimento sobre ciência nas orientações curriculares para o 1º CEB que são reforçadas se tivermos
em conta o princípio da continuidade educativa.
Face a esta presença nos curricula dos ensinos básico e secundário torna-se pertinente investigar
como é que a HC se encontra presente nos curricula da formação inicial de professores das IES, que
estratégias e recursos são usados bem como quais os objetivos propostos.

1124
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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1126
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

OS EFEITOS DAS ESTRATÉGIAS DE SUPERVISÃO NA FORMAÇÃO INICIAL SOBRE


A PRÁXIS DOS PROFESSORES EM INÍCIO DE CARREIRA: UM ESTUDO NA ÁREA
METROPOLITANA DE LISBOA
[ID 256]

Maria Gabriela Meireles


Branca Miranda
Universidade Aberta; LE@D, Universidade Aberta
gabrielasalis@sapo.pt; branca.miranda@uab.pt

Resumo
A Supervisão numa perspetiva Democrática e de colaboração articula-se entre si com o intuito de fomentar e
promover o desenvolvimento e a eficácia dos docentes. No âmbito deste estudo para além irmos explorar o
conceito de Supervisão Democrática, debruçar-nos-emos particularmente sobre a dimensão formativa e
colaborativa da supervisão, já que na formação inicial coloca-se a tónica na dimensão horizontal da
supervisão, que inclui pressupostos da prática eminentemente colaborativa, entre os professores que
partilham entre si a responsabilidade das funções supervisivas.
Nesta perspetiva, a Supervisão conjuga a autosupervisão e a ‘intervisão’ dos outros professores e dos
professores orientadores cooperantes ao potenciar dinâmicas entre pares no acompanhamento e na
orientação da formação corresponsabilizando os formandos na condução do seu percurso.
A Supervisão interpares, só poderá assumir-se como prática de emancipação pessoal e de transformação
social quando toma como objeto principal a mudança coletiva, promovendo o questionamento e a intervenção
sobre os aspetos intelectuais e morais do papel do professor na arena social.
Neste artigo apresenta-se um estudo de cariz qualitativo onde se pretendeu analisar o papel dos modelos e
estilos supervisivos desempenhados pelos professores orientadores cooperantes durante a formação inicial,
nas práticas decorrentes dos professores recém-diplomados, particularmente quanto às perceções sobre as
práticas de trabalho colaborativo entre pares. A pesquisa desenvolveu-se em escolas do 1.º, 2º e 3.º ciclo do
ensino básico e do ensino secundário, da área metropolitana de Lisboa. Participaram neste estudo recém-
diplomados com seis ou menos anos de profissão.
Os resultados desta investigação indicam-nos que os modelos e estilos supervisivos desempenhados pelos
professores orientadores cooperantes podem ser, uma das dimensões promotoras das práticas colaborativas
nas práticas decorrentes do professores recém-diplomados com efeitos nos professores experientes e,
consequentemente, na organização- escola.

Palavras-chave: Supervisão colaborativa, Colaboração, Modelos e contextos de formação inicial de


professores.

Résumé
La supervision dans une perspective démocratique et de collaboration est articulée d’elle-même avec l’objectif
de fomenter et promouvoir le developpement et l’efficacité des enseignants. Dans le domaine de cette étude,
outre notre exploration de la conception de Supervision Démocratique, nous examinerons particulièrement la
dimension formative et collaborative de la supervision, vu que dans la formation initiale se détache la
dimension horizontale de ladite supervision, laquelle inclut des hypothèses de la pratique éminemment
collaborative parmi les professeurs qui se partagent la responsabilité des fonctions de supervisionDans cette
perspective la Supervision conjugue l’auto-supervision et ”l’intervision” des autres professeurs ainsi que des
professeurs orientateurs coopérants. Tous potentialisent des dynamiques entre pairs dans l’accompagnement
et l’orientation de la formation coreponsabilisant les stagiaires dans le chemin de leur parcoursLa Supervision
interpairs ne sera prise que comme pratique de l’émancipation personnelle et comme transformation sociale
quand on prend comme objet principal le changement collectif. Ainsi, celle-la développera la promotion des
Questionnement et l’intervention sur les aspects intellectuels et moraux du rôle du professeur dans l’arène
sociale.Cet article présente une étude de nature qualitative, où on a prétendu analyser le rôle des modèles et
des styles de supervision joués par les professeurs orientateurs coopérants pendant la formation initiale.ainsi
que dans les pratiques .conséquentes des nouveaux professeurs diplômés concernant particulièrememt les
perceptions sur les pratiques de travail collaboratif entre pairs. La recherche a été developpée sur des écoles
du 1,2,3 cycles et sur l’enseignement secondaire de l’aire métropolitaine de Lisbonne.Cette étude a eu la

1127
A Escola: Dinâmicas e Atores

participation des nouveaux diplômésayant jusqu’à six années de carrière d’enseignant.Les résultats de cette
recherche nous indiquent que les modèles et styles de supervision joués par les professeurs orientateurs
coopérants pourront être une des dimensions promues des pratiques collaboratives dans les pratiques
résultantes chez les professeurs récemment diplômés ayant des effets sur les professeurs expérimentés et,
en conséquence ,sur l’organisation-école.

Mots-clés: Supervision Collaborative, Collaboration, Modèles et Contextes de Formation initiale de


Professeurs.

INTRODUÇÃO
Começaremos este artigo com uma breve revisão da literatura sobre o conceito de supervisão,
designadamente o conceito de supervisão colaborativa, alguns modelos supervisivos, nomeadamente os
modelos dialógico e integrador, da supervisão clínica e sua articulação com a reflexão. De seguida, abordar-
se-á a articulação entre os modelos e estilos supervisivos.
A opção desta matriz teórica é consequência deste artigo basear-se nos dados recolhidos num estudo
qualitativo sobre a relação entre as práticas de ensino supervisionadas, os modelos e contextos de formação
inicial nas práticas e aprendizagens decorrentes dos recém-diplomados, tendo como objetivo: aferir nas
escolas da região em estudo o papel dos modelos e estilos supervisivos dos orientadores cooperantes nas
práticas decorrentes dos professores recém-diplomados, assim como, o impacto da práxis dos recém-
diplomados nas mudanças das práticas dos professores experientes e da organização-escola.
Estes objetivos resultam da necessidade de responder à seguinte questão de investigação: qual a
relação entre o papel das práticas do ensino supervisionado, os modelos e contextos de formação inicial nas
aprendizagens e práticas decorrentes dos recém-diplomados. Esta questão surge do facto de se verificarem
alguns constrangimentos nas mudanças das práticas dos professores, nomeadamente, em alguns
professores experientes.
Este problema sobre as resistências dos professores, mais propriamente dos professores
experientes, às mudanças das práticas com vista à melhoria dos resultados dos alunos, surge do facto do
investigador deste estudo constatar que estes entraves parecem ser mais evidentes em escolas em que os
recém-diplomados surgem como ‘ilhas’ no seio do corpo docente e, sobretudo, em escolas onde não há
núcleos de estágio.
Para além de se ter em conta, o facto de se desenvolver ao nível do espaço europeu de ensino
múltiplos esforços no sentido de haver alguma convergência nos sistemas de ensino, com vista à melhoria
dos resultados dos alunos e, ainda, as práticas de ensino supervisionadas em Portugal que poderão ser outros
dos eixos a considerar nas aprendizagens e práticas decorrentes à fase inicial das práticas pedagógicas dos
recém-diplomados, estamos convictos da relevância que esta problemática poderá ter no âmbito das novas
tendências do ensino em Portugal.
Para alcançar o objetivo definido, houve a necessidade de recolher dados relativamente a fontes
primárias e secundárias, garantindo todos os procedimentos éticos. Enquanto, que as fontes primárias
forneceram-nos dados para a caracterização das escolas e dos meios, as fontes secundárias permitiram
passar em revista a literatura, assim como, ajudaram a fundamentar as opções metodológicas desta
investigação.
Porém, dada a necessidade de se extrair informações do contexto real, socorremo-nos da entrevista
semiestruturada e das narrativas com o intuito de recolher os dados, sendo que o tratamento e interpretação

1128
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

dos mesmos foi sustentada, respetivamente, pela Análise de Conteúdo de Bardin e pelo método de Labov.
Finalmente, tentaremos interrelacionar os dados entre si de forma a retirar as conclusões possíveis.
Os dados obtidos conduzem-nos à conclusão que as práticas de ensino supervisionadas,
designadamente as práticas supervisivas democráticas são indutoras da transformação das práticas dos
professores. Assim como os modelos e contextos de formação, mais propriamente, percursos e currículos de
formação em que haja uma alternância entre a teoria e a prática conduzem a aprendizagens mais
significativas nos recém-diplomados.

CONCEITO DE SUPERVISÃO
Segundo Vieira (2006) a Supervisão “articula a teoria e prática de regulação de processos de ensino
e aprendizagem (…) numa direção com o desenvolvimento da reflexividade profissional dos professores para
a melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos” (p.15).
Enquanto para Alarcão & Canha (2013), a Supervisão é “um processo de acompanhamento de uma
atividade através de processos de regulação que são enquadrados por um referencial e operacionalizados
em ações de monotorização em que a avaliação está obviamente presente” (p.19). Já para Roldão (2014) a
Supervisão caracteriza-se “como um dispositivo processual de melhoria e desenvolvimento, acompanhado
ou participado” (p.37). E daí que fazer Supervisão é “interagir com pessoas e criar condições para que elas
interajam entre si, interajam consigo e interajam com os ambientes que as cercam, desenvolvendo-se e
contribuindo para o desenvolvimento daqueles com quem convivem (…)” (Alarcão & Canha, 2013, p.76) e por
isso, a Supervisão caracteriza-se por “acompanhar para monitorizar e ativar percursos de desenvolvimento”
(ibidem, p.76).
Perante os conceitos de supervisão supracitados, os autores parecem manter a mesma linha de
pensamento e fazem uma caracterização da Supervisão como um processo que visa a melhoria do
desenvolvimento profissional resultante de um ambiente de interação entre os colegas docentes.
Por sua vez, a Supervisão sustentada em princípios democráticos dá lugar a uma Supervisão
Colaborativa- modalidade em que as pessoas e a interação que geram entre si, com vista ao desenvolvimento
de um projeto comum, emergem como elementos fundamentais para a qualidade da atividade profissional
(ibidem).
Mas como a Supervisão numa perspetiva Democrática e a Colaboração são conceitos que se
articulam entre si com o intuito de fomentar e promover o “desenvolvimento e a qualidade” dos docentes
(ibidem, p.59), no âmbito deste estudo para além irmos explorar a Supervisão Democrática vamos
debruçarmo-nos particularmente sobre a dimensão formativa e colaborativa da Supervisão. Assim, de acordo
com o atual conceito de Supervisão, a avaliação de desempenho profissional no âmbito da Supervisão de
pares visa, sobretudo, a melhoria da atividade profissional enfocado na qualidade do ensino e das
aprendizagens (Moreira, 2009).

SUPERVISÃO COLABORATIVA: DIMENSÃO HORIZONTAL


Na situação da Supervisão na dimensão da formação inicial “evidencia-se uma dimensão horizontal
da supervisão, que pode assumir contornos nítidos de prática eminentemente colaborativa, ao ser exercida
pelos membros do grupo enquanto pares que dividem entre si equitativamente a responsabilidade na
condução desta atividade supervisiva” (ibidem, p.53).

1129
A Escola: Dinâmicas e Atores

A dimensão horizontal da Supervisão Colaborativa assume um especial enfoque, quando a formação


ocorre em contexto de trabalho, designadamente entre profissionais experientes no sentido em que a
aprendizagem resulta da “interação com os seus colegas“ o que suporta práticas mais integradoras (…) nas
tomadas de decisão (…) no que se refere à gestão e avaliação dos seus desempenhos individuais quer
relativas à construção, condução e acompanhamento dos planos de formação” (ibidem, p.54) e daí que o
enfoque da Supervisão deverá cair mais sobre a “atividade em si mesma” (ibidem, p.54).
A Supervisão interpares, ou Supervisão Horizontal (Sá-Chaves, 2002; Alarcão & Roldão, 2008) só
poderá assumir-se como “prática de emancipação pessoal e de transformação social quando se coloca ao
serviço de algo que transcende as lógicas e interesses individuais e toma como objeto principal a mudança
coletiva, promovendo o questionamento e a intervenção (…) do professor (Moreira, 2009, p.254).
Por conseguinte, a Supervisão da formação conjuga a autosupervisão e o “olhar sobre os outros e o
olhar do formador a favor de um propósito comum de desenvolvimento (…), ao integrar dinâmicas horizontais
de acompanhamento e de orientação da formação que corresponsabilizam os formandos na condução do seu
percurso” (Alarcão & Canha, 2013, p.54).

SUPERVISÃO COLABORATIVA
Esta perspetiva da prática supervisiva entre pares (horizontal) fez emergir o conceito de Supervisão
Colaborativa que é “um dos paradigmas mais prometedores que surgiram na idade pós moderna é o da
colaboração, enquanto princípio articulador e integrador da ação, da planificação da cultura, do
desenvolvimento, da organização e da investigação” (Hargreaves, 1998, p.277).
No entanto, Alarcão (2014) utiliza a expressão “interação colaborativa” pois segundo a autora “criam
uma nova sinergia e adquirem um significado mais potente” (Alarcão, 2014, p.22).
Mas as novas dinâmicas formativas, pressupõem que as práticas de ensino supervisionadas
desempenhadas pelos professores orientadores cooperantes também sejam sustentadas nos mesmos
princípios, e por isso importa, agora revisitar de uma forma breve alguns dos modelos e estilos supervisivos
intrínsecos aos princípios democráticos e inerentes às funções dos professores orientadores cooperantes.

MODELO SUPERVISIVO DIALÓGICO E INTEGRADOR


O diálogo é a linha mestra do modelo supervisivo dialógico. Waite (1995) acredita na supervisão
dialógica, enquadrada num determinado contexto.
Nesta abordagem supervisiva “atribui-se à linguagem e ao diálogo crítico um papel de enorme
significado na construção da cultura e do conhecimento próprio dos professores (...)” (Alarcão & Tavares
2003, p.40), torna-se mais fácil fazer emergir abordagens supervisivas sustentadas em “relações simétricas
de colaboração e de base clínica (no sentido da supervisão clínica” (Alarcão & Tavares 2003, p.40) uma vez
que a colaboração e a equidade no estabelecimento de relações interpessoais assumem o papel central nesta
abordagem supervisiva.
Contudo, em situações de ambientes supervisivos formativos a interpenetração de modelos
supervisivos emerge naturalmente na prática supervisiva do professor, sendo que o “cenário integrador” assim
designado por Sá-Chaves (2002) é um dos processos que otimiza os princípios do diálogo e da colaboração
ativa por “permitir respeitar o direito à diferença em cada professor e o número infinito de variações que

1130
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ocorrem na atividade profissional dos professores” (Alarcão & Tavares 2003, p.43), fazendo “uma síntese dos
outros tipos de orientação, adotando uma visão eclética” (Trindade, 2007, p.82).
Também, porque, releva o modelo de Supervisão Clínica como estratégia de operacionalizar “os
princípios do diálogo e da colaboração ativa, na medida em que os encontros pré e pós observação serão
“entendidos precisamente como momentos em que pode emergir um diálogo fecundo com vista ao
aperfeiçoamento das práticas” (Silva, 2014, p.48).
Trindade (2007, p.83) vincula a mesma linha de pensamento de Alarcão & Tavares (2003) e
acrescenta que o modelo integrador “desenvolve-se em torno das práticas pedagógicas do formando, exige
a colaboração estreita entre este e o seu orientador e este terá de estar muito atento às vertentes da
aprendizagem e do desenvolvimento do formando”.
Atentemos de seguida ao modelo supervisivo baseado na observação e reflexão.

MODELO DA SUPERVISÃO CLÍNICA E SUA ARTICULAÇÃO COM A REFLEXÃO


Segundo Goldhammer et al (1980) in Formosinho (2002a), a supervisão clínica fornece “aos
supervisores e aos professores linhas de orientação tangíveis para a prática” (p.69), permite, assim, a
articulação entre as etapas da Supervisão Clínica e, as etapas da investigação-ação, pois
O processo de Supervisão Clínica está centrado na observação, análise e reflexão sobre a
própria actuação e sobre a actuação dos colegas, promovendo a ligação entre três vectores:
acção, reflexão e colaboração, numa dinâmica em tudo semelhante à dinâmica da
investigação-ação. Ambos os processos supervisão clínica e investigação-ação são
integrados, não distintos entre si; há um momento interativo, que consiste na observação
da ação (…), acompanhado por momentos de reflexão pré-ativa e pós ativa (Moreira &
Alarcão, 1997, p.124).
Após esta breve abordagem de alguns modelos supervisivos, torna-se pertinente de alguma forma
‘casar’ (aspas nossas) os modelos com os estilos supervisivos e focar algumas competências dos professores
orientadores cooperantes.

ARTICULAÇÃO ENTRE OS ESTILOS SUPERVISIVOS E OS MODELOS SUPERVISIVOS E O


PERFIL DO PROFESSOR ORIENTADOR COOPERANTE
Todo o processo de desenvolvimento de uma prática associada à corrente de Schön (2000) e que,
portanto, se assume ‘reflexiva’ (aspas nossas), presume que os professores orientadores cooperantes
estejam preparados para serem os promotores da aprendizagem numa comunidade aprendente (Alarcão &
Tavares, 2003).
Este tipo aprendizagem, característica do pensamento de Schön (1983, 1987), supõe previamente
que o professor orientador cooperante esteja apto para promover todo um processo de formação baseado no
modelo reflexivo. Neste modelo, o formando passa a ser o foco e o protagonista do processo de construção
do conhecimento pessoal e profissional, enquanto que o professor orientador cooperante terá um papel de
facilitador de todo o processo de auto desenvolvimento do profissional (Oliveira, 1992) e que no entender de
Glikcman (1985) in Alarcão & Tavares (2003), o professor orientador cooperante assume uma posição de
colaboração ao adotar um estilo supervisivo colaborativo ao “dar a sua opinião”, ao “ajudar a encontrar
soluções” e ao “negociar” com o seu formando.

1131
A Escola: Dinâmicas e Atores

O professor orientador cooperante também assume um estilo colaborativo no cenário dialógico e


integrador uma vez que neste modelo supervisivo estão subjacentes princípios democráticos de colaboração
e de interajuda.
Assim, a figura do professor orientador cooperante pode ter um papel determinante no
desenvolvimento profissional do docente recém-diplomado e daí que para Formosinho (2002a, p.234),o
professor orientador cooperante deverá ser um professor entre o conjunto dos professores, ou seja, um
professor, “mas um professor de valor acrescentado”. Por sua vez, Nóvoa (2009) defende que o professor
orientador cooperante deve ser um dos professores mais experientes que seja, simultaneamente, uma pessoa
e um professor reconhecido pelos seus colegas.
Deste modo, uma vez apresentadas algumas das características de alguns estilos supervisivos
associados a alguns dos modelos de formação de professores e o perfil do professor orientador cooperante,
passaremos de seguida a apresentar a metodologia de investigação.

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
Este artigo baseia-se nos dados recolhidos, num estudo qualitativo sobre a relação entre as práticas
de ensino supervisionadas e os modelos e contextos de formação inicial nas aprendizagens e práticas
decorrentes dos recém-diplomados, tendo como objetivos: aferir nas escolas da região em estudo o papel
dos modelos e estilos supervisivos dos orientadores cooperantes nas aprendizagens e práticas decorrentes
dos professores recém-diplomados, assim como, o impacto da práxis dos recém-diplomados nas mudanças
das práticas dos professores experientes e da organização-escola.
Estes objetivos resultam da necessidade de responder à seguinte questão de investigação: qual a
relação entre o papel das práticas do ensino supervisionado, os modelos e contextos de formação inicial nas
aprendizagens e práticas decorrentes dos recém-diplomados.
A relevância deste problema é consequência de o pesquisador que nesta investigação toma o papel
de observador não participante, constatar que as resistências dos professores, mais concretamente de alguns
professores experientes, às mudanças das práticas com vista à melhoria dos resultados dos alunos parecer
ser mais evidente em escolas em que os recém-diplomados surgem como ‘ilhas’ no seio do corpo docente e,
sobretudo, em escolas onde não há núcleos de estágio.
Para responder a esta questão de investigação, optámos por desenvolver um estudo qualitativo.
Para a recolha de dados, elaborámos um guião de entrevista e utilizámos a técnica da entrevista
semiestruturada, que submetemos a um conjunto de professores orientadores cooperantes e professores
recém-diplomados com seis ou menos anos de profissão, de escolas do 1.º, 2.º e 3.º Ciclo do ensino básico
e do ensino secundário da área metropolitana de Lisboa. A opção pela utilização da entrevista
semiestruturada foi baseada no facto de esta ser adequada para o tratamento deste tipo de problemática,
pois permite explorar a fundo uma determinada situação em contexto real, e ainda, suportámo-nos das
narrativas porque nos abrem caminho para compreender aprofundadamente, os contextos, os processos e
os comportamentos dos professores.
Antes, durante e após a recolha de dados, quer no que se refere à fase da análise de documentos
oficiais, quer no que se refere à fase de análise de referências bibliográficas, e ainda, durante todo o trabalho
de campo operacionalizado através das entrevistas e das narrativas construídas com base nos registos
efetuados durante as entrevistas, foram garantidos todos procedimentos de natureza ética. Tanto em relação

1132
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

às entrevistas como às narrativas foram assegurados todos procedimentos de confidencialidade relativamente


à identidade dos participantes, assim como para o tratamento e análise das informações recolhidas, através
da utilização de siglas dos entrevistados/entrevistas, tendo-se adotado as siglas de ‘R.C.’ e ‘O.C,’
respetivamente, para os professores recém-diplomados e para os professores orientadores cooperantes.
A extensão e a riqueza dos dados recolhidos obrigou-nos a tomar algumas decisões cruciais quanto
à técnica e à metodologia a utilizar para a sua análise, exploração e tratamento, considerando que a técnica
de Análise de Conteúdo a mais adequada para trabalhar os dados obtidos, resultantes das entrevistas e o
método de Labov para a análise das narrativas.
Então, podemos traduzir todo o processo de categorização de análise das entrevistas de acordo com
as seguintes etapas:1.º Leitura flutuante de cada entrevista; 2.º Sublinhámos frases ou períodos (unidades
de contexto) que estivessem em conformidade com os objetivos definidos e /ou que nos dessem informação
pertinente; 3.º Agrupámos as frases das entrevistas no objetivos pré-definidos nas entrevistas; 4.º Fizemos
uma leitura vertical e horizontal dos dados das entrevistas; 5.º Fizemos análise cruzada dos dados das
entrevistas; 4.º Definimos dimensões com base nos objetivos gerais da entrevista; 5.º Definimos categorias e
subcategorias a priori e a posteriori; 6.º Fizemos inferências e interpretação de dados; 7.º Construímos tabelas
com as Dimensões, Categorias e Subcategorias. Com as narrativas seguimos o modelo linguístico do método
de Labov e incluímos os seis elementos: resumo, orientação, compilação da ação, avaliação, resolução e
coda.
Seguidamente, realçaremos (apenas) algumas dessas Dimensões, Categorias e Subcategorias do
estudo realizado.

ANÁLISE DE RESULTADOS
Dimensão: Representações
Categoria: Conceito de Supervisão
Nesta Categoria, tivemos a intenção de averiguar as representações que os dois grupos de
professores em estudo têm acerca do conceito de Supervisão.
Quanto ao grupo de dezoito professores recém-diplomados, parece prevalecer uma representação
associada ao “acompanhamento”, sendo que o professor recém-diplomado (R.C.2) afirma que a Supervisão
para além de ser uma “Orientação, acompanhamento, ajuda, colaboração” também “tem sempre a parte de
inspeção e eu não gosto de ser observada, sinto-me inibida mas também depende da pessoa que nos está a
supervisionar”.
Para os dez professores orientadores cooperantes que entrevistámos, realçam a Supervisão como
“um desenvolvimento” associada à reflexão, designadamente como diz, por exemplo, o professor orientador
cooperante (O.C.1) uma “reflexão conjunta e trabalho colaborativo”, estando em consonância com o professor
orientador cooperante (O.C.4) que afirma que de acordo com a sua perspetiva de Supervisão ajuda a
“pensarmos em conjunto” (…), na melhoria da prática e novas oportunidades de trabalho e desenvolvimento
profissional”.

1133
A Escola: Dinâmicas e Atores

Dimensão: Modelos e estilos supervisivos e o impacto das práticas de ensino


supervisionadas
Categoria: Práticas de Ensino Supervisionadas
Subcategoria: Papel das Práticas de Ensino Supervisionadas nas práticas do Recém-diplomado
Nesta Subcategoria desta Categoria, era nosso intuito compreender qual o papel do desempenho das
práticas de ensino supervisionadas nas práticas do recém-diplomado. Nesta Subcategoria vamos analisar a
perspetiva dos professores orientadores cooperantes e dos professores recém-diplomados.
Tivemos oportunidade de registar que os professores recém-diplomados consideram que o modelo e
o estilo de liderança do professor orientador cooperante pode influenciar a maior ou menor abertura para o
desenvolvimento de práticas dos recém-diplomados com os seus pares. A maioria dos professores recém-
diplomados entrevistados parece ter experienciado práticas supervisivas democráticas e colaborativas por
parte do seu professor orientador cooperante, havendo uma ou outra exceção. Passaremos de seguida a
relatar o testemunho de alguns dos respondentes do grupo de recém-diplomados.
Os professores recém-diplomados (R.C.5) e (R.C.6) estão em concordância e enquanto (R.C.5) refere
que “Os meus melhores supervisores e que me abriram mais os horizontes eram aqueles que não eram tão
rígidos e em conversa informais iam-nos dando outros caminhos (…), um bocadinho mais de apoio tutorial”,
o professor recém-diplomado (R.C.6), menciona que “Sentimo-nos mais à vontade quando somos
supervisionados no momento da aula com o tipo de pessoas que sejam mais informais porque nos deixaram
mais à vontade do que propriamente aquela pessoa muito rígida ali a olhar para nós e isso não ajuda tanto”.
Tivemos oportunidade de registar que os professores orientadores cooperantes identificam-se com
práticas colaborativas tanto no que se refere ao modelo como ao estilo supervisivo uma vez acreditam que
as práticas colaborativas promovem o desenvolvimento profissional. Note-se que o professor orientador
cooperante (O.C.1), afirma que as práticas colaborativas, “são muito mais abertas e muito mais informais do
que quando é hierarquia e, por isso, não estão tão à vontade e depois aquilo que o professor orientador
cooperante diz é mais válido do que propõe o formando, portanto, provoca um desequilíbrio e não promove o
conhecimento”.

Dimensão: contributo do recém-diplomado no professor orientador cooperante e na


comunidade docente
Categoria: Mudança de práticas
Subcategoria: Contributo do recém-diplomado na comunidade docente
Nesta subcategoria também registámos a perspetiva dos professores orientadores cooperantes e dos
recém-diplomados e era nosso propósito compreender qual o papel que os recém-diplomados podem ter na
mudança das práticas dos outros professores. Demos conta que ambos os grupos dos respondentes estão
conscientes que podem dar um forte contributo na transformação das práticas dos outros docentes. Os
professores orientadores cooperantes por proporcionarem ambientes facilitadores de aprendizagem e os
recém-diplomados por serem portadores de novas abordagens teóricas/práticas e que de certa forma poderão
informalmente e em contexto de reuniões de grupo ou departamento transmitir essas novas temáticas.
Neste sentido o professor orientador cooperante (O.C.1) diz que “Às vezes essas pessoas felizmente
estão abertas às lufadas de ar fresco que vem das universidades de coisas que não estão muito bem a par e
que através desses novos formandos conseguem entrar facilmente nas escolas, pelo menos a isso estão

1134
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

abertos”…. e que é reforçado pelos professores recém-diplomados e um deles (R.C.1) convida mesmo os
seus pares a observarem as suas aulas dizendo que “(…)se quiserem podem vir fazer a aula comigo e vice-
versa. (…). Por vezes colegas minhas dizem que estão com falta de ideias e eu digo: Vem, vem ver a minha
aula pode ser que tires alguma ideia”.

Dimensão: Contributo do recém-diplomado no professor orientador cooperante e na


comunidade docente
Categoria: Paradigmas de formação do recém-diplomado
Nesta categoria também registámos a perspetiva dos professores orientadores cooperantes e dos
recém-diplomados e tentámos compreender qual o modelo de formação curricular mais eficaz para o
desempenho das práticas dos recém-diplomados.
Nesta subcategoria apresentamos a perspetiva dos professores orientadores cooperantes e dos
professores recém-diplomados e em ambos os grupos de professores há a preferência por percursos de
formação em que haja uma alternância entre teoria e prática, como por exemplo afirma o professor recém-
diplomado (R.C.2) quando diz que “O estágio alternado pode ter as suas vantagens. Temos a fase do
conhecimento e depois vamos aplicá-la na prática e depois voltamos a intercalá-la com a fase do
conhecimento poderá ser mais vantajoso” e é corroborado pelo professor orientador cooperante (O.C.3) que
afirma que “Alternando. Porque eu acho que assim a teoria fica mais perto da prática (…).Teoria sobre aquela
área e depois logo a prática e depois da prática poderá extrair alguma teoria e sempre assim”.

CONCLUSÕES
Retomando a principal questão de investigação sobre a possível relação entre o papel das práticas
do ensino supervisionado, os modelos e contextos de formação inicial nas aprendizagens e práticas
decorrentes dos recém-diplomados, julgamos poder concluir com segurança que os recém- diplomados
podem ter um papel ativo na transformação das práticas dos outros docentes, e ainda que a cultura de
investigação sustentada na combinação da teoria/prática, associadas às práticas colaborativas e
democráticas são eixos prioritários para incrementar novas aprendizagens entre pares e entre as instituições.
Em jeito de balanço final, podemos concluir que tanto as práticas dos professores recém-diplomados
como uma formação centrada na prática baseada em princípios democráticos e colaborativos, constituem,
com grande probabilidade, os principais fatores determinantes para incrementar a mudança das práticas
profissionais dos docentes e, consequentemente, determinantes para uma melhor eficácia do processo ensino
aprendizagem com vista à melhoria dos resultados dos alunos.
Assim, importa atuar resolutamente no sentido de contrariar alguns focos de resistência à mudança
das práticas por parte de alguns professores, como precondição para que as novas tendências formativas,
possam assumir o seu papel como verdadeiro instrumento de uma (renovada) estratégia de mudança de
práticas na organização Escola.

REFERÊNCIAS
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Editora.

1135
A Escola: Dinâmicas e Atores

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Silva, I. G. (2014). Um modelo de supervisão pedagógica para o professor de filosofia. Dissertação de
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http://hdl.handle.net/10400.2/3433

1136
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ESTUDO DE CASO DE UMA INSTITUIÇÃO ESPECIALIZADA: A INCLUSÃO E SUAS


IMPLICAÇÕES PARA UMA GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA
[ID 342]

Marcia Noronha de Mello


Instituto Benjamin Constant
surdocegueira.mellomarcia@gmail.com

Resumo
O estudo busca analisar as ações dos gestores do Instituto Benjamin Constant do Rio de Janeiro, para se
adequarem às políticas educacionais de inclusão em vigor no país, sem perder o caráter democrático e
participativo presente nos principais documentos legislativos e na Constituição Federal do Brasil. A pesquisa
foi desenvolvida em três etapas: análise documental, aplicação de questionários fechados e entrevistas semi-
estruturadas onde foram consultados vários atores do universo escolar: gestores, professores, alunos,
funcionários e membros das associações de pais e professores. O objetivo principal foi o de trazer à tona os
múltiplos olhares em relação à gestão e ao entendimento de conceitos de democracia, gestão participativa e
inclusão. O referencial teórico incluiu autores como Lück (2010), Demo (2001), Cury (2006), Paro (2003),
Mainardes (2011). Os resultados obtidos apontaram um entendimento positivo em relação à gestão da
Instituição, embora tenham sido registradas críticas à forma como o processo de inclusão vem sendo
implementado ainda que reconhecendo os esforços da gestão para sua execução. Sua relevância está
voltada para a discussão do papel da gestão educacional em escolas especializadas na efetivação de políticas
inclusivas que garantam equidade de acesso à educação básica.

Résume
L'étude vise à analyser les actions des gestionnaires de Benjamin Constant Institut de Rio de Janeiro, en
fonction des politiques d'inclusion d'enseignement en vigueur dans le pays, sans perdre le démocratique et
participatif caractère présent dans les principaux documents législatifs et la Constitution fédérale du Brésil. La
recherche a été menée en trois étapes: analyse de documents, l'application des questionnaires fermés et des
entretiens semi-structurés qui ont été consultées divers intervenants du milieu scolaire: les gestionnaires, les
enseignants, les étudiants, le personnel et les membres des associations parents-enseignants. L'objectif
principal était de faire ressortir les multiples points de vue sur la gestion et la compréhension des concepts de
la démocratie, la gestion participative et de l'inclusion. Le cadre théorique comprenait des auteurs comme
Lück (2010) Demo (2001) Cury (2006), Paro (2003), Mainardes (2011). Les résultats ont montré une
compréhension positive de la gestion de l'institution, même si elles ont été enregistrées critique sur la façon
dont le processus d'inclusion a été mis en œuvre, bien que il y a la reconnaissance des efforts de la direction
pour sa mise en œuvre. Sa pertinence est axée sur la discussion sur le rôle de gestion de l'éducation dans les
écoles spécialisées pour la réalisation des politiques inclusives qui garantissent un accès équitable à
l'éducation de base.

INTRODUÇÃO
A consecução da implementação de políticas públicas ao longo da História da Educação no Brasil
está intimamente ligada ao papel da gestão escolar. O tema está presente em vários documentos e
legislações brasileiras voltadas para o cumprimento de metas e a busca de estratégias que contemplem a
inclusão de pessoas com deficiência na rede regular de ensino. Os dados e considerações a serem
apresentados no presente artigo se referem a um recorte de dissertação de mestrado que buscou analisar as
implicações e desafios impostos pelas políticas de inclusão para a implementação uma gestão democrática
numa instituição especializada para deficientes visuais no Rio de Janeiro.
Por ocasião do levantamento do estado da arte para a pesquisa aqui relatada para o eixo da gestão
educacional foram encontrados apenas 493 registros no Banco de Teses da Coordenação de

1137
A Escola: Dinâmicas e Atores

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) correspondentes aos anos de 2010-2014.Ao se


realizar o refinamento buscando pesquisas de gestão educacional de escolas especializadas não foi achado
nenhum registro. Foram ainda analisados os bancos de teses da Universidade Estácio de Sá do Rio de
Janeiro e o acervo bibliográfico do Instituto Benjamin Constant, objeto de nosso estudo de caso.
A pesquisa tinha como objetivo geral analisar da estrutura organizacional do Instituto Benjamin
Constant (IBC) sob a ótica da gestão democrática e participativa, na implementação das políticas públicas de
inclusão a partir dos olhares de seus profissionais, alunos e usuários e analisar os discursos dos sujeitos da
pesquisa em relação à gestão do IBC a partir dos eixos temáticos da pesquisa, a saber: inclusão, educação
especial e gestão democrática e participativa.
O contexto histórico que levou ao estudo de caso desta instituição se deu em função do
questionamento do papel de escolas especializadas como escolas de ensino fundamental a partir do ano de
2009 (Resolução n.4, de 2 de outubro de 2009) que apontavam para o fechamento da Instituição objeto da
pesquisa sob a alegação de que estava em descordo com a legislação brasileira que estabelecia a inclusão
total de alunos com deficiência na rede regular de ensino.
Dois documentos serviram de ponto de partida. O Ofício nº 1941/2010 SEESP/GAB – Brasília, 14 de
dezembro de 2010, encaminhado à então Diretora Sra. Érica Deslandes Magno Oliveira , encaminhando o
Parecer nº 172 da Secretaria de Educação Especial, não deferindo a aprovação do novo regimento interno
proposto pelo IBC; e o Ofício nº66/2011/MEC/SEESP/DPEE – Brasília- DF, 16 de fevereiro de
2011encaminhado à então Diretora Geral, Sra. Odete Santos Duarte, assinado pela Diretora de Políticas de
Educação Especial da época, Sra. Martinha Clarete Dutra Santos, convocando para uma reunião em Brasília
a ser realizada no dia 1º de março com destaque na pauta para Implementação da Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. O documento estabelecia ainda o fechamento da
escola em dezembro do mesmo ano dando como opção às crianças então matriculadas o encaminhamento
para o Pedro II sem necessidade de processo seletivo. Logo estabeleceu-se um longo debate acerca do papel
das duas instituições especializadas uma na área da surdez, o Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES) e do Instituto Benjamin Constant (IBC) , referência nacional na área da deficiência visual, debate este
que alcançou a mídia e gerou várias manifestações populares e por parte das associações de surdos e cegos,
que incluíram manifestações em Brasília a favor da manutenção das referidas instituições e contra as medidas
que vinham sendo tomadas.
O questionamento a respeito do papel das escolas especializadas na política inclusiva se concentrou
então em torno do Projeto de Lei n. 8.035/2010 e a meta 4 do referido documento que trazia à discussão a
inclusão ou exclusão do termo “preferencialmente” no texto do projeto. A Meta 4 estabelecia a
universalização, “para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento
educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema
educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados,
públicos ou conveniados” (grifo nosso, texto definitivo da Lei 13.005, de 25 de junho de 2014).
Os reflexos logo se fizeram sentir no IBC gerando uma grande mobilização entre os profissionais e
gestores na defesa da instituição, mas ao mesmo tempo com críticas em relação à gestão e a participação
de todos os segmentos na elaboração do novo regimento e do Plano Político Pedagógico da Escola

1138
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

METODOLOGIA
A pesquisa de abordagem qualitativa contou com a participação de 84 sujeitos, sendo que destes 42
eram formados por alunos, pais, responsáveis e reabilitandos (adultos com deficiência visual adquirida
inscritos no Programa de Reabilitação do IBC); 35 eram profissionais de vários segmentos. Contamos ainda
com a participação de 4 especialistas externos e 3 gestores do Instituto Benjamin Constant.

Características dos sujeitos


Em relação à categoria funcional: Efetivos: 12; Contratados: 3; Temporários:4; Terceirizados: 16;
Em relação ao tempo de serviço: 5 com menos de um ano; 13 entre 1 e 3 anos; 7 entre 4 a 8 anos e
6 com mais de 16 anos de casa;
Em relação ao gênero: 33 homens e 44 mulheres;
Em relação à área de atuação dos profissionais participantes: 9 professores; 1 coordenador de área;
5 funcionários administrativos; 1 inspetor; 9 profissionais da saúde (fisioterapeutas e terapeutas
ocupacionais).
Em relação à condição visual: 21 respondentes cegos; 3 de baixa visão; 18 videntes

Instrumentos da pesquisa
§ dois questionários, um voltado para o grupo de profissionais e outro para o grupo de alunos e
reabilitandos;
§ três roteiros de entrevista: um para os gestores, outro para os profissionais e um terceiro para os
especialistas na área da inclusão.

RESULTADOS
Para a questão voltada para a visão da comunidade a respeito da gestão tivemos como
classificadores as opções: Gestão autocrática, Gestão democrática, Gestão participativa, Gestão democrática
e participativa, Nenhuma das opções.
As respostas dadas pelo grupo dos profissionais foram de 10 opções para gestão democrática, 7
opções para gestão participativa, 7 opções para gestão democrática e participativa, 3 opções para nenhuma
das opções e 0 opções para gestão autocrática.
No grupo dos responsáveis e reabilitandos os dados encontrados foram de 17 opções para gestão
autocrática, 6 para gestão democrática, 4 para gestão participativa, 7 para gestão democrática e
participativa,15 para nenhuma das opções.
Em termos percentuais o somatório dos dois grupos correspondeu a Gestão autocrática 12,92%,
Gestão democrática 12,16%, Gestão participativa 8,36%, Gestão democrática e participativa 10,64%,
Nenhuma das opções 11,4%.
A questão que analisava a visão da comunidade IBC a respeito dos gestores teve como
classificadores as opções Competentes, Esforçados, Atuantes, Eficazes e apresentou os seguintes
resultados: para o grupo de profissionais tivemos 6 opções para competentes, 16 opções para esforçados, 6
opções para atuantes, 1 opção para eficazes; no grupo de responsáveis e reabilitandos os dados obtidos
foram de 8 opções para competentes, 12 opções para esforçados, 6 opções para atuantes, 1 opção para
eficazes.

1139
A Escola: Dinâmicas e Atores

Para esta questão os percentuais foram de Competentes 7,84%, Esforçados 15,68%, Atuantes
6,72%, Eficazes 1,12%.
Como parte das questões analisadas foi solicitado aos sujeitos que atribuíssem notas à gestão do
IBC. As opções eram de 1 a 3, 4 a 5, 6 a 7, 8 a 9 e 10. Foram obtidas no grupo de profissionais 1 opção para
nota entre 1 e 3, 7 opções para notas entre 4 e 5, 10 opções para notas entre 6 e 7, 11 opções para notas
entre 8 e 9 e 6 opções com a nota 10. Já no Grupo dos responsáveis e reabilitandos encontramos 8 opções
para notas de 1 a 3, 9 opções para notas entre 4 e 5, 10 opções para notas entre 6 e 7, 8 opções para notas
8 e 9 e 6 opções para nota 10.
Em termos percentuais as notas obtidas foram de Nota 1 a 3 – 6,84%, Nota 4 a 5 – 12,16%, Nota 6 a
7 – 15,2%, Nota 8 a 9 – 14,44%, Nota 10 – 9,12%. Sendo assim, podemos considerar que de uma maneira
geral a gestão do IBC na época era considera entre boa e regular, com 38,76% de notas entre 6 a 10 e 19%
consideraram as notas entre 1 a 5.
A partir das entrevistas destacamos algumas respostas a respeito das políticas de inclusão.
Penso que as políticas muitas vezes não trabalham com todas as realidades educacionais; o que
causa uma série de conflitos e até prejuízos aos estudantes com necessidades especiais. Em outros
momentos vejo a política pública sem efeito, não conseguindo tirar os entraves e barreiras à inclusão. A
exemplo da Meta 4 do PNE (especialista 1)
As políticas de inclusão são importantíssimas, e nos últimos anos, temos tido avanços no Brasil em
relação a isso. [...] Os avanços, porém, são mais legislativos do que práticos (professor 1)
[...] tenho dificuldades de responder a essa questão, pois em tempos de inclusão, ainda
não consigo definir com clareza o que seriam políticas públicas de educação especial
(especialista 2)
A política de inclusão vem se consolidando nas últimas décadas. Porém o que se observa na troca
de experiências com professores de diversas regiões do país e também na leitura dos resultados de
pesquisas é que estamos longe de promover uma educação de qualidade para o público alvo da educação
especial (gestor 1)
Finalmente os dados das entrevistas em relação ao papel das escolas especializadas num sistema
educacional inclusivo. Destacamos as seguintes falas:
ESPECIALISTAS
§ Acesso total à educação em todos os níveis como responsabilidade única do poder público
§ Necessidade de apoio, formação profissional e mudança atitudinal
§ A meta 4 do PNE não pensa nas especificidades
§ Direito de escolha da família se deseja a escola regular ou a especializada
GESTORES
§ A escola especializada como local de experimentação, produção de conhecimento e capacitação de
docentes
§ As escolas especializadas desempenham um papel importante no processo de inclusão de pessoas
com deficiência por sua concentração de profissionais capacitados e especializados
PROFESSORES
§ Atuação das escolas especializadas limitada à educação infantil e aos primeiros anos do ensino
fundamental

1140
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ As políticas não atendem à realidade nacional, particularmente a Meta 4 dando margem à diversos
conflitos

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O conceito de gestão escolar vem sendo redefinido a partir da necessidade de se levar em conta a
escolha de princípios norteadores compatíveis com as necessidades educacionais brasileiras (Lück, 2010,
Ball & Mainardes, 2011, Mello, 2014).
Considerando-se a questão do conceito de gestão como transversal a todos os segmentos do sistema
educacional se faz necessária uma sinergia entre todos os atores como parte do esforço de articulação das
organizações de ensino para que haja uma mudança paradigmática (Lück, 2010, Mello, 2014).
Para a conceituação do que seja uma gestão democrática e participativa vamos buscar novamente
em Lück (2010) os elementos que devem compor o conceito. Segundo a autora, gestão educacional
compreende todo um processo de gerir a dinâmica do sistema educacional em harmonia com as políticas
públicas educacionais e o comprometimento com os princípios da democracia de tal forma que se crie um
ambiente de participação e compartilhamento para a tomada conjunta de decisões (Lück, 2010).
Lembramos ainda que a doutrina democrática já se fazia presente em importante documento histórico
da educação brasileira que é o chamado Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, e que já
propunha uma reconstrução educacional no Brasil. Lemos no Manifesto, “pretendeu um grupo de educadores,
nestes últimos doze anos, transferir do terreno administrativo para os planos políticos-sociais a solução dos
problemas escolares” (Azevedo et al, 1932, p.32).
Cabe ainda assinalarmos que a ótica de gestão democrática e participativa tem seus princípios
estabelecidos na Constituição Federal do Brasil de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei n° 5.692/96, como também em outros documentos e programas tanto de Estado quanto de governo no
Brasil (Mello, 2014).

CONSIDERAÇÕES
As escolas especializadas voltadas para o Ensino Fundamental e Médio seriam resquícios de uma
gestão centralizadora por parte do Ministério da Educação uma vez que seriam atribuições das redes
municipais e estaduais. A democratização do ensino seria uma forma de descentralizar o processo
educacional.
As instituições especializadas lutam pelo seu reconhecimento como inclusivas considerando-se as
especificidades das deficiências, e não mais excludentes de acordo com a interpretação da Lei de Diretrizes
e Bases e do Plano Nacional de Educação e diversos autores da Educação Especial.
Em relação à uma gestão participativa não se observa uma homogeneidade dos diversos grupos e
associações existentes. Percebemos nos familiares uma grande preocupação com a discriminação de seus
filhos nas escolas regulares.
Exigências de agências de fomento internacionais subordinam a educação ao compromisso de
atender demandas dos setores produtivos da economia do país o que se traduz numa maior cobrança em
relação à produtividade do setor educacional público.

1141
A Escola: Dinâmicas e Atores

Novas demandas e novas competências são cobradas dos gestores tais como: competência,
capacidade de liderança, ações orientadas pelo princípio da descentralização, decisões compartilhadas e
participativas.
Necessidade de se ampliar as pesquisas sobre o cotidiano escolar para ampliar linguagens e meios
de comunicação entre a academia, professores e formuladores de políticas.
Em relação ao IBC podemos dizer que o Instituto hoje é uma instituição em busca de uma nova
identidade. Para isso foi observada a renovação do quadro de profissionais com a admissão de professores
mestres e doutores; negociações para ampliação do quadro administrativo com a aprovação do novo
regimento que traz entre outras novidades a criação de uma novo departamento voltado para a pós-graduação
com a implementação de um mestrado profissional na área da deficiência visual; construção coletiva de um
novo Plano Político Pedagógico para a Instituição com a participação de todos os departamentos e não
apenas dos professores lotados no Departamento de Educação.

REFERÊNCIAS
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1142
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO ESPECIAL: A


BUSCA DE ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM OS NOVOS DESAFIOS DO
COTIDIANO ESCOLAR
[ID 330]

Marcia Noronha de Mello


Bianca Della Líbera
Instituto Benjamin Constant
surdocegueira.mellomarcia@gmail.com; biancadellalibera@gmail.com

Resumo
Dados do Censo Escolar de 2014 apontam que mais de 698 mil estudantes especiais se encontravam
regularmente matriculados em classes regulares da educação básica em escolas da rede pública, o que
representou um percentual de inclusão de 93% em classes comuns. O aumento da presença dessas crianças
com deficiência veio se refletir diretamente na formação de professores que atuam nesta área, com a procura
cada vez maior de cursos de capacitação e especialização nas diversas deficiências. O objetivo deste estudo
piloto foi analisar as principais questões levantadas por profissionais com formação em pedagogia e
especialistas na área da deficiência visual, surdez e surdocegueira, suas motivações para a busca de uma
formação continuada e sua relação com a crise de identidade vivida por estes professores ao se confrontarem
com um universo novo de atuação pedagógica. Autores como Freire (2011), Caiado et al (2011), André (2016;
2008) e Nóvoa (1999; 2016) norteiam o trabalho. A pesquisa é fruto da aplicação de um questionário fechado
a 50 profissionais da educação especial oriundos de vários estados brasileiros e da realização de 12
entrevistas semi-estruturadas com professores da rede municipal e de uma escola especializada no Rio de
Janeiro. Os resultados apontam para a necessidade de mudanças estruturais não apenas nos currículos dos
cursos de pedagogia e educação especial, como também no que é oferecido como formação continuada. A
maioria dos professores não se sente preparada para enfrentar os novos desafios de crianças com deficiência
atualmente matriculadas na rede pública. Relatam um grande grau de frustração, culpa e incapacidade de
lidar com a nova realidade.

Palavras-chave: Formação de Professores, Educação Especial, Inclusão.

Résume
Recensement scolaire de 2014 montre que plus de 698,000 étudiants spéciaux ont été inscrits dans les
classes régulières de l'éducation de base dans les écoles publiques, représentant pourcentage d'inclusion de
93% dans les classes ordinaires. La présence accrue de ces enfants handicapés est venu se refléter
directement dans la formation des enseignants travaillant dans ce domaine, avec la demande croissante de
formation et de spécialisation dans divers handicaps. Le but de cette étude pilote était d'analyser les
principales questions soulevées par des professionnels ayant une formation en pédagogie et des experts dans
le domaine de la déficience visuelle, la surdité et la surdicécité, ses motivations pour la poursuite de la
formation continue et sa relation avec la crise d'identité vécue par ces enseignants lorsqu'ils sont confrontés
à un nouvel univers de l'activité pédagogique. Des auteurs tels que Freire (2011), Caiado et al (2011), André
(2016; 2008) et Nóvoa (1999; 2016) guider le travail. La recherche est le résultat de l'application d'un
questionnaire fermé à 50 profissionels de l'éducation spéciale arrivant de divers états du Brésil et de mener
12 entretiens semi-structurés avec les enseignants du réseau municipal et d’une école spécialisée à Rio de
Janeiro. Les résultats soulignent la nécessité de changements structurels non seulement dans les
programmes des cours d'enseignement et de l'éducation spéciale, ainsi que ce qui est offert en formation
continue. La plupart des enseignants ne se sentent pas prêts à faire face aux nouveaux défis des enfants
handicapés actuellement inscrits au public. Ils font état d'un degré élevé de frustration, la culpabilité et
l'incapacité de faire face à la nouvelle réalité.

Mots-clés: Formation des Enseignents, Éducation Spéciale, Inclusion.

1143
A Escola: Dinâmicas e Atores

INTRODUÇÃO
O presente artigo traz algumas considerações acerca das políticas públicas de inclusão e seus
reflexos em toda a estrutura escolar, nas relações entre os estados e municípios com o governo federal e,
principalmente, no impacto produzido na capacitação, formação inicial e continuada de professores da
Educação Especial.
Trata-se de um estudo piloto cujo objetivo principal foi levantar e identificar o perfil inicial dos
profissionais da educação que procuram os cursos de capacitação em áreas específicas da educação
especial. Fazem parte ainda do projeto a ser desenvolvido a formação de grupos de estudo e pesquisas nas
áreas das tecnologias assistivas educacionais aplicáveis na área da educação especial e o desenvolvimento
de projetos dentro do conceito de comunidade de prática para uma maior aproximação e intervenção na
realidade dos profissionais egressos de nossos cursos e estimular a criação de novas estratégias para a área
da deficiência visual, baixa visão, surdocegueira e múltipla deficiência com o apoio das Tics.
O tema da formação de professores não é novo no campo das pesquisas educacionais. Gatti (2010)
ao analisar a estrutura dos cursos de licenciatura e pedagogia no Brasil através das ementas das disciplinas
ofertadas, destaca, no que diz respeito à Educação Especial, um percentual de apenas 3,8% no conjunto de
disciplinas dos currículos encontrados nos cursos de Pedagogia. Segundo a autora “há uma insuficiência
formativa evidente” (Gatti, 2010, p.1371) que se traduz em currículos fragmentados e dispersos, onde na
formação específica as abordagens são mais descritivas, com pouca relação com a prática e incipientes no
que diz respeito a o que e como ensinar. Nóvoa (1999, p.28) destaca em seus estudos sobre a evolução dos
currículos da formação de professores a existência de uma oscilação entre pólos, a saber, o metodológico, o
disciplinar e o científico. Segundo o autor esses pólos contribuem, por sua vez, para a manutenção do
engessamento das ciências da educação. Nas palavras do autor, “Estes pólos tendem a reproduzir dicotomias
várias, nas quais, aliás, a epistemologia das ciências da educação tem estado encerrada: conhecimento
fundamental/conhecimento aplicado, ciência/técnica, saberes/métodos, etc.” (Nóvoa, 1999, p.28).
No campo das políticas públicas de formação de professores no Brasil vamos ter vários programas
ofertados pelo Ministério da Educação (MEC) visando o aprimoramento da educação básica e a busca de
uma melhor qualificação para os profissionais de ensino. Dentre os principais programas do MEC para a
formação continuada de professores destacamos: Formação no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa; ProInfantil; Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – Parfor; Proinfo
integrado; E-Proinfo; Pro-letramento; Rede Nacional de Formação Continuada de Professores.
Apesar destas iniciativas as dificuldades encontradas pelos profissionais da educação em busca de
uma melhor formação fica ainda mais agudo quando falamos das políticas públicas de inclusão e o papel da
Educação Especial neste cenário. No documento subsidiário publicado pelo MEC em 2015 e que trata das
Orientações para a Implementação da Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
a preocupação com a formação de professores está traduzida na criação do Programa de Formação
Continuada de Professores em Educação Especial, tanto na modalidade à distância, através da plataforma
da Universidade Aberta do Brasil (UAB), quanto presencial com a criação da Rede Nacional de Formação de
Profissionais da Educação - RENAFOR, credenciando instituições de nível superior para a oferta de cursos
voltados para os profissionais da educação básica, sendo que parte destes cursos são geridos pela Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e chamados de RENAFOR-
SECADI, direcionados, portanto, para a formação de professores para práticas educacionais inclusivas. O

1144
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

pagamento para bolsas de estudos e pesquisas para estes cursos encontram-se normatizados pela
Resolução CD/FNDE nº 45, de 29 de agosto de 2011. Em 2014 o catálogo da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) relacionava 18 cursos, tanto presenciais quanto
à distância, abrangendo temas tanto ligados ao Atendimento Educacional Especializado quanto para questões
específicas de acessibilidade para os alunos com deficiências matriculados na rede regular. Os temas
contemplavam a gestão para a inclusão, o Atendimento Educacional Especializado (AEE), Acessibilidade na
Atividade Física Escolar, Ensino da Língua Brasileira de Sinais na perspectiva da Educação bilíngue, Língua
Portuguesa para surdos e deficientes auditivos como segunda língua, ensino do Sistema Braille, uso do
sistema FM no ambiente escolar e uso pedagógico dos recursos de Tecnologia Assistiva.
Como modalidade de educação escolar a Educação Especial vem se alinhando às políticas inclusivas,
ajustando-se ao novo entendimento, ou seja, não mais como substitutiva do ensino comum, mas como um
modo transversal a todos os níveis e modalidades de ensino. Para isso é necessária, além de adequações
curriculares, uma nova ética. Num documento produzido pela Secretaria de Educação do Distrito Federal,
Currículo em Movimento da Educação Básica – Educação Especial lemos:
O reconhecimento das diferenças e a conscientização acerca da garantia de igualdade de
oportunidades orientam para uma política permeada pela ética de inclusão, ou seja, a
conscientização de atitudes que favoreçam que os indivíduos possam ser desiguais, inclusive
para exercer o imperativo da ética de inclusão implicada no direito da cidadania e
fundamentada no direito, que as pessoas com necessidades educacionais especiais têm de
tomar parte ativa na sociedade, com oportunidades iguais às da maioria da população.(Brasil,
SEDF, n.d, p.15).
A questão ética é trazida à discussão também por Nóvoa (1999) no âmbito da identidade do que ele
chama deste novo profissionalismo docente. Para o autor, “o novo profissionalismo docente tem de basear-
se em regras éticas, nomeadamente no que diz respeito à relação com os restantes actores educativos, e na
prestação de serviços de qualidade” (p.29).
Ainda para uma melhor contextualização do universo de profissionais abrangido pelo presente estudo
piloto estão relacionados aos dados do Censo Escolar de 2014 que apontava que mais de 698 mil estudantes
especiais se encontravam naquele ano regularmente matriculados em classes regulares da educação básica
de escolas públicas o que em termos percentuais representou uma taxa de inclusão de 93% em classes
comuns. Dados recentemente divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep) do Censo Escolar 2016 apontam para o crescimento de matrículas em classes regulares e um
significativo declínio de matrículas em escolas especiais. Segundo o Inep encontramos só na Educação
Infantil 82% dos alunos matriculados em classes comuns. No ensino fundamental este percentual é de 57,8%.
Atualizando os dados, vamos encontrar nas Notas Estatísticas do Censo Escolar de 2016, já disponibilizados
para consulta, um total de 796.486 alunos matriculados em escolas regulares e apenas 174.886 matriculados
em instituições exclusivas de educação especial. Ainda de acordo com o Censo Escolar de 2016 são os
estados da Região Norte e Nordeste do Brasil que apresentam os maiores índices de inclusão, com 90,7% e
94,3% respectivamente.
Diante desta nova realidade os professores das redes públicas brasileiras buscam cada vez mais
cursos de capacitação ou formação continuada para fazer frente aos desafios impostos pela nova legislação.
O Instituto Benjamin Constant do Rio de Janeiro, escola especializada e centro de referência na área da
deficiência visual, oferece cursos de extensão e capacitação na área da deficiência visual, baixa visão e
surdocegueira, não apenas no Rio de Janeiro como em estados e municípios em qualquer ponto do território
nacional. Como professoras ministrantes de um curso voltado para os Aspectos Educacionais da

1145
A Escola: Dinâmicas e Atores

Surdocegueira e outro de Informática Educativa e Tecnologias Assistivas com Enfoque na Deficiência Visual
realizados pela Divisão de Capacitação e Recursos Humanos do Instituto Benjamin Constant entramos em
contato direto com profissionais que atuam em escolas inclusivas e se sentem despreparados para enfrentar
os desafios impostos pelas crianças, em sua maioria com múltiplas deficiências, matriculadas na rede pública.
A observação da repetição do discurso de descontentamento, insegurança, despreparo, frustração e
incapacidade de lidar com a nova realidade foi o ponto de partida para o presente estudo. Ainda, a
heterogeneidade dos sujeitos que se inscrevem nestes cursos foi o primeiro desafio a estimular o projeto da
pesquisa.

METODOLOGIA
De acordo com Gil (2010), Silva & Silveira (2009) e Esteban (2010) a pesquisa-ação se caracteriza
por estar voltada à prática educacional tendo como objetivo principal a melhora desta prática. Ainda de acordo
com Esteban (2010), historicamente a pesquisa-ação surgiu ainda nos anos de 1970, na Grã-Bretanha,
relacionada à reforma do currículo, o que também se harmoniza com nossos objetivos uma vez que é no
currículo dos cursos de pedagogia que vamos encontrar as deficiências apontadas pelos participantes deste
piloto. Sendo assim, este estudo, de cunho qualitativo, encontrou inicialmente na metodologia da pesquisa-
ação uma forma de vir a intervir em mudanças não apenas de domínio teórico ou instrumental, como na
informática educativa, mas também atitudinais nos profissionais da educação especial que manifestam com
regularidade sua insatisfação com sua formação e se sentem despreparados para enfrentar os desafios das
salas regulares ou mesmo das salas de recursos no atendimento a pessoas com necessidades educacionais
especiais. Identificamos ainda na metodologia, com o apoio da formação de uma comunidade de prática, uma
forma de manter contato com os participantes da pesquisa através de grupos no WhatsApp e no Facebook,
estabelecendo desta maneira a dinâmica necessária para o alcance dos objetivos traçados. Encontramos
ainda em Gil (2010) as orientações necessárias para a elaboração do instrumento deste pré-teste. Este estudo
piloto abrange um universo total de 62 participantes de variadas formações iniciais, egressos ou ainda
frequentando os cursos de capacitação de curta duração do Instituto Benjamin Constant no Rio de Janeiro,
nas áreas de surdocegueira e informática educativa. A coleta de dados se deu, primeiramente, por e-mail e
uma vez tendo o aceite da participação, foram distribuídos questionários com perguntas fechadas, igualmente
enviados por correio eletrônico. As questões encaminhadas abrangiam dados sociodemográficos, além do
levantamento de suas formações iniciais e titulação, tais como cursos de especialização, mestrado e
doutorado. Deste grupo inicial de 62 participantes foram selecionados doze profissionais em curso presencial
no momento da aplicação de parte dos questionários, para entrevistas semi-estruturadas realizadas nos
intervalos das aulas. Por serem cursos de capacitação voltados para profissionais de educação e saúde
encontramos respondentes das mais variadas formações e áreas de interesse. Não houve nesta etapa do
estudo critério de exclusão, o que explica a participação neste levantamento inicial, de profissionais como
fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais), todos atuantes
no momento da pesquisa em escolas especiais ou sala de recursos, no atendimento educacional
especializado das escolas inclusivas do Rio de Janeiro ou de seus estados de origem. A única exceção foi
um ortoptista, militar da Marinha, que por servir próximo ao Instituto se interessou em frequentar os cursos da
instituição e hoje faz um trabalho de divulgação das questões relacionadas à cegueira e surdocegueira em

1146
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

seu campo profissional. Por ter aceito e pela originalidade de seu interesse foi mantido como sujeito neste
estudo piloto.
As figuras e quadros que se seguem ilustram alguns dados destacados pela pesquisa do perfil dos
participantes:
Na Figura 1 e nos Quadros 1, 2 e 3, que têm como base os dados levantados pelos instrumentos da
pesquisa demonstramos alguns dados interessantes para que se tenha uma melhor percepção dos sujeitos
envolvidos e suas características.
Amazonas – 2 Minas Gerais - 10
Amapá – 5 Mato Grosso - 1
Pernambuco – 7 Rio de Janeiro - 26
Sergipe – 2 Rio Grande do Sul - 5
Maranhão – 1 São Paulo - 3

N= 62

Figura 1 - Sujeitos da pesquisa por distribuição territorial


Área de atuação Formação Inicial Quantitativo de sujeitos
Gestores Pedagogia e Educação Especial 5
Professores de sala regular Disciplinas Curriculares Específicas 10
Pedagogia
Professores de Sala de Recursos Especialização em áreas específicas 25
das deficiências
Fisioterapia
Fisioterapeutas 5
Pedagogia
Terapeutas Ocupacionais Terapia Ocupacional 8
Pró-Libras
Intérpretes de Libras 8
Pedagogia Bilingue
Curso Superior em Tecnologia em
Ortoptistas 1
Optometria
Quadro 1 - Sujeitos da pesquisa por área de atuação e formação inicial
Aqui destacamos a concentração de professores e profissionais das salas de recursos e chamamos
a atenção para a presença de gestores, o que para nós é um movimento bastante significativo. (Quadro 1)
Formação Pedagogia, Educação Especial, História, Matemática, Ciências, Português, Música, Fisioterapia,
Inicial Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Psicologia, Pró-Libras, Jornalismo, Educação Física
Educação Especial, Especialização em Deficiência Auditiva, Especialização em Deficiência Visual,
Especialização Especialização em Libras, Especialização em Problemas do Desenvolvimento da Infância e da
Adolescência, Educação Ambiental, Atividades Físicas e Esportivas para pessoas com deficiência
Quadro 2 - Formações iniciais e continuadas apontadas pelo estudo-piloto
Mestrado em Educação 5 profissionais
Mestrado em outras áreas 2 profissionais
Doutorado em Educação 2 profissionais
Doutorado em outras áreas Nenhum respondente
Quadro 3 - Quantitativo de Participantes com Pós-Graduação

1147
A Escola: Dinâmicas e Atores

Nestes quadros (Quadros 2) chamamos a atenção para a diversidade de formações iniciais o que
demonstra que é na formação continuada que os profissionais começam a delinear suas áreas de
concentração de interesse. Observa-se ainda um quantitativo muito pequeno de formações em Mestrado e
Doutorado na área da Educação (Quadro3).

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES


Pesquisas voltadas para a formação de professores passam necessariamente pela discussão de
temas como profissionalização e identidade. O professor como agente transformador e ator na construção de
novos saberes agora em conjunto com seus alunos, não mais simples repositórios de conhecimentos vem
sendo tema de reflexão de autores como Freire (2011), Nóvoa (1999), André (2016).
Segundo Freire (2011) a experiência de formação deve ser permanente cabendo uma nova
compreensão em relação ao processo e o papel de quem forma e de quem é formado, e que mesmo sendo
diferentes entre si “quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser
formado” (ibidem, p.25). Esta dialética conduz a uma reflexão crítica sobre a prática onde a relação
Teoria/Prática passa ser o fundamento desta reflexão para que não se caia em discussões teóricas estéreis
e que a prática não se reduza a um simples ativismo (ibidem, p. 24). Complementa: “Por isso é que, na
formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática”
(ibidem, p.40).
Outro importante fator destacado por Freire (2011, p.42) diz respeito à importância de se reconhecer
e assumir uma identidade cultural, entendendo que esta abrange tanto a dimensão individual quanto coletiva,
representada pela classe dos educandos. Lemos ainda em Freire que “a questão da identidade cultural, de
que fazem parte a dimensão individual e a de classe dos educandos cujo respeito é absolutamente
fundamental na prática educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado. Tem que ver
diretamente com a assunção de nós por nós mesmos. É isto que o puro treinamento do professor não faz,
perdendo-se e perdendo-o na estreita pragmática visão do processo (ibidem).
Nóvoa (1999) contribui para esse debate ampliando o papel de agentes culturais desempenhado
pelos professores pela assunção do papel de agentes políticos onde a escola passa a ser um instrumento de
estratificação social permitindo que se ampliem as esperanças de mobilidade social para diversas camadas
da população. “Os professores são funcionários, mas de um tipo particular, pois a sua ação está impregnada
de uma forte intencionalidade política, devido aos projetos e às finalidades sociais de que são portadores”
(Nóvoa,1999, p.17).
No campo das pesquisas na área de formação de professores no Brasil temos em André (2016) um
expoente nome. Na autora vamos encontrar a discussão da necessidade de se formar um professor
pesquisador em benefício do próprio desenvolvimento profissional deste. André (1999) destaca a importância
da perspectiva reflexiva crítica do professor sobre a sua prática, chamando a atenção para um outro aspecto
da formação, que vai além do processo e se volta para o sujeito a quem ela se destina e para que se destina,
estendendo este conceito para o coletivo da escola, ou seja, vem propor uma escola reflexiva. “Pode-se
pesquisar e ensinar ao mesmo tempo. Posso extrair de minha ação docente algumas questões intrigantes,
às quais são necessários esclarecimentos e, então, me disponho a pesquisar (André, 1999, p.21).Para isso
se faz necessário, portanto, repensar as formas ou metodologias de formação, levando o professor a ser
coparticipante do processo, “que seja incluído nas decisões sobre seu desenvolvimento profissional, se

1148
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

envolva no aprendizado, e que nesse movimento, passe da curiosidade ingênua para a curiosidade
epistemológica, como nos ensina Freire” (ibidem, p.22).
Para responder às questões de para que formar professores Gatti (in André, 2016, p.35) vem
corroborar com os autores citados anteriormente ao demonstrar a relevância da formação de professores em
função do trabalho relacional que estes desenvolvem na educação escolar, levando às novas gerações
conhecimentos necessários para a preservação da vida humana como também à vida social para que possam
exercer sua cidadania com consciência moral e ética. (ibidem). Em seu olhar sobre os currículos dos cursos
de pedagogia através da análise das ementas das disciplinas ligadas à educação e suas práticas constata
repetições e superposições, e acrescenta “não havendo abordagem interdisciplinar entre os conhecimentos
de área e existindo pouca abordagem de práticas educativas para a educação básica” (ibidem, p.41).
Em nossos resultados preliminares constatamos que estas questões levantadas pelos autores citados
se confirmam pela fala dos nossos professores respondentes e entrevistados. Dentre as falas dos sujeitos da
pesquisa destacamos:
Em relação à sua formação inicial:
§ Minha formação inicial rasa, sendo insatisfatória para enfrentar as especificidades da inclusão;
§ Percebe-se uma grande resistência, principalmente pelos professores da rede regular, sentem-se
muito despreparados e com precárias orientações e apoio;
§ A minha formação inicial não foi satisfatória, a cada curso percebo que preciso mais ...
§ Não considero minha formação inicial satisfatória, é preciso reformular a formação inicial;
§ Considero a minha formação inicial satisfatória. Minha graduação é em Educação Especial pela
UFsCar;
§ Sou formada em Pedagogia. Meu curso foi bom, mas a realidade é outra. Me sinto insegura para
trabalhar com algumas deficiências.
Em relação à visão dos profissionais quanto a sua atuação em salas de recursos ou itinerâncias
selecionamos:
§ Não me sinto preparada. Falta material e apoio;
§ As crianças estão chegando agora com múltiplas deficiências. Não sei por onde começar. Não
estou preparada;
§ Sinto pena das crianças; acho que faço pouco; as famílias são muito difíceis;
§ Faço o que posso [...] procuro me nutrir e agregar conhecimentos para assim orientar e apoiar os
colegas da sala regular;
§ Tento conversar e mostrar que é possível encarar as atribulações de forma simples, porém bem
feita. Dificuldade sempre existiu e sempre existirá, assim devemos encarar o “problema” de frente,
percebendo as diferenças e mostrando-as de maneira natural para que a inclusão seja feita.
Finalizando, em nossa análise preliminar de resultados relacionamos como relevantes os seguintes
aspectos:
§ Foi observado uma grande dificuldade em colocar no papel de forma objetiva os desafios enfrentados
pelos professores de salas de recursos e mesmo de salas regulares. Repete-se o discurso comum
de que “é difícil”, “faltam recursos”, “não temos apoio”, “não estou preparada”;
§ Observou-se ainda que há muito pouca ou nenhuma familiaridade dos professores em responderem
questionários enviados por e-mail ou outras ferramentas da internet. A maioria não responde;

1149
A Escola: Dinâmicas e Atores

§ A fala ainda muito emocional que se observa durante os cursos aponta para a necessidade de
espaços, presenciais ou virtuais, para que esses sentimentos de isolamento e impotência sejam
compartilhados e trabalhados.
Consideramos importante dar continuidade à pesquisa, agora com instrumentos mais adequados e
ajustados para o nosso objetivo maior que é o de desenvolver projetos dentro do conceito de comunidade de
prática para uma maior aproximação e intervenção na realidade dos profissionais egressos de nossos cursos
e estimular a criação de novas estratégias para a área da deficiência visual, baixa visão, surdocegueira e
múltipla deficiência com o apoio das Tics. Para tal estabelecemos como próximos passos reformular o
questionário tornando-o mais objetivo para o foco da pesquisa; ampliar o quantitativo de participantes através
de uma survey utilizando as ferramentas do google; Ajustar o roteiro da entrevista; formar um grupo de
comunidade de prática usando o ambiente virtual para estimular os estudos e pesquisas na área.

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1150
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A AVALIAÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL DE ENSINO DO PORTUGUÊS (PNEP):


AS PERCEÇÕES DO FORMADORES RESIDENTES
[ID 31]

Teresa de Lurdes Frutuoso Mendes


Luísa Maria Serrano de Carvalho
Instituto Politécnico de Portalegre
teresa.mendes@esep.pt; luisacarvalho@esep.pt

Resumo
Este artigo apresenta um estudo das perceções dos formadores residentes (FR) do núcleo regional de
Portalegre, provenientes de cinco agrupamentos de escolas do Alto Alentejo (Portugal), sobre o Programa
Nacional do Ensino do Português (PNEP), um Programa de formação contínua iniciado em 2006/07 e
concluído em 2009/10. O PNEP, direcionado para os professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico, foi concebido
com a finalidade de melhorar o ensino da língua portuguesa nos domínios da oralidade, leitura, escrita e do
conhecimento explícito da língua, através de uma articulação entre as instituições de ensino superior
responsáveis pela formação de professores e um vasto número de agrupamentos de escolas disseminados
por todo o país.
Os FR, na sua dupla função de formandos (nas instituições de ensino superior) e de formadores (nos seus
agrupamentos de escolas), assumiram um papel determinante nesse processo formativo, enquanto
mediadores entre os diversos atores educativos, pelo que o nosso estudo se centrou nas perspetivas dos FR
do núcleo de Portalegre sobre o Programa e o impacto nas práticas educativas dos docentes nele envolvidos.
Definiram-se como principais objetivos desta investigação conhecer a perspetiva dos formadores residentes
que integraram o núcleo regional de Portalegre no último ano da implementação do Programa relativamente
ao processo formativo desenvolvido e analisar, do seu ponto de vista, o impacto da referida formação na
prática pedagógica docente e nas dinâmicas entre os atores educativos.
Nesse sentido, procedeu-se a um estudo de caso, no qual se auscultaram, por meio da aplicação de uma
entrevista semidiretiva, os formadores residentes do PNEP que, em 2009-2010, integraram o núcleo regional
de Portalegre. Realizou-se também uma análise qualitativa dos relatórios do PNEP que, nesse ano, foram
elaborados pelo Núcleo Regional, de modo a cruzar as perceções dos FR no final do processo formativo e as
que possuem na atualidade.
Os resultados apontam para a perceção positiva que os FR possuem sobre o processo formativo e sobre o
desenvolvimento profissional que o mesmo implicou nas suas práticas e nas dos professores do 1.º ciclo do
ensino básico envolvidos na formação. Indicam também que as mudanças produzidas pelo PNEP continuam
a surtir efeitos nos contextos profissionais em que, volvidos seis anos, os ex-formandos se encontram
inseridos.

Palavras-chave: Formação contínua, Professores, Ensino Básico, Ensino-aprendizagem da língua


portuguesa.

Résumé
Cet article présente une étude sur les perceptions des résidents formateurs (FR) du noyau de régionale de
Portaleqrei qui englobait cinq groupes d'écoles de l’Alto Alentejo (Portugal),concernant de Programme
National de l'Enseignement du Portugais (PNEP), un programme de formation continue lancé en 2006/07 et
achevé en 2009/10. Le PNEP, dirigé aux enseignants du 1er cycle de l'enseignement, est conçu dans le but
d'améliorer la langue portugaise dans les domaines de la voie orale, de la lecture, l'écriture et de la
connaissance explicite de la langue, par le biais d'une articulation entre les institutions d’enseignement
supérieur responsables de la formation des enseignants et un grand nombre de groupes d'écoles réparties
dans tout le pays.
Les FR, dans son double rôle de stagiaires (en IES) et des formateurs (dans leurs groupes scolaires), ont joué
un rôle de premier plan dans ce processus de formation, en tant que médiateurs entre les différents acteurs
de l'éducation, de sorte que notre étude a porté les perspectives des FR du noyau de Portalegre à propôs
l'impact du Programme sur les pratiques pédagogiques des enseignants qui y ont participé.
Les objectifs principaux de cette recherche étaient de connaître le point de vue des formateurs résidents qui
ont intégré le noyau régional de Portalegre dans la dernière année son implémentation en ce qui concerne le

1151
A Escola: Dinâmicas e Atores

processus de formation et d'analyser, à partir de leur point de vue, l'impact de la formation dans la pratique
pédagogique et la dynamique entre les acteurs de l'éducation.
En ce sens, nous avons procédé à une étude de cas, dans lequel nous avons questioné, par l'application d'une
entrevue semidiretiva, les formateurs résidents du PNEP qui, en 2009-2010, ont intégré le noyau régional de
Portalegre. On a également procédé à une analyse qualitative des rapportes du PNEP qui, à cette époque
lá,ont été préparés par le noyau régional, pour percevoir les perceptions des FR à la fin du processus de
formation et celles qu’elles ont aujourd'hui.
Les résultats soulignent la perception positive que les FR ont sur le processus d'enseignement et sur le
perfectionnement professionnel dans leurs pratiques et dans les pratiques pédagogiques des enseignants du
1er cycle de l'enseignement fondamental impliqués dans la formation. Ils indiquent également que les
changements produits par le PNEP continuent de produire des effets dans des contextes professionnels dans
lesquels, après six ans, les anciens stagiaires appartiennent.

Mots-clés: Formation continue, Les enseignants, Ll'éducation de base, L'enseignement et l'apprentissage du


portugais.

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO


Programa Nacional de Ensino do Português – princípios e estrutura organizativa
O Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP) foi um programa oficial de formação contínua
de professores cuja principal finalidade consistiu na “melhoria das condições de ensino e aprendizagem da
língua portuguesa como meio de melhorar os níveis de compreensão de leitura e de expressão oral e escrita
em todas as escolas do 1.º ciclo” (Despacho n.º 546/2007, Diário da República, 2.ª série - N.º 8-11 de janeiro
de 2007, p.899). O PNEP foi implementado entre os anos 2006/07 a 2009/10. Previa-se a sua continuidade
por um período temporal mais lato e abrangendo, numa segunda fase, o 2.º CEB, mas o Programa foi
abruptamente interrompido pela tutela por alegadas questões financeiras.
Para justificar a necessidade desta intervenção a larga escala, alegou-se, [no Despacho n.º 546/2007,
de 11 de janeiro de 2007], “o baixo nível em literacia revelado pelos alunos portugueses em estudos nacionais
(…) nas provas nacionais de aferição dos anos 2000 a 2005, nos exames nacionais do 9.º ano de 2005 e nos
resultados revelados pelos alunos portugueses em estudos internacionais” (Sim-Sim & Ramalho, cit. por
Pereira, 2010, p.3).
Ao PNEP foi também atribuída a missão de
formar os professores para o novo programa de português […], tendo esse desígnio
contribuído para um entendimento definitivo de que o desenvolvimento profissional
pretendido era um desenvolvimento curricular necessário à efetivação das mudanças no
currículo da língua do 1.º ciclo do ensino básico e, concomitantemente, ao êxito do processo
de avaliação do desempenho docente, que, naturalmente, se passará a realizar com
referência a esses novos enquadramentos curriculares (Pereira, 2010, p.3).
A finalidade do PNEP consistia em criar e desenvolver uma rede nacional de formação, centrada nas
escolas/agrupamentos, em articulação e com a supervisão das Instituições de Ensino Superior (IES) regionais
de modo a modificar e inovar as práticas docentes e elevar os níveis de desempenho dos alunos nos vários
domínios do Português no 1.º Ciclo do Ensino Básico. No fundo, o que se pretendia era melhorar os níveis de
desempenho dos alunos em leitura, escrita e conhecimento da língua nesse nível de escolaridade, de modo
a que existisse uma continuidade e uma progressão nesses domínios em anos subsequentes.
A formação estruturou-se da seguinte forma: num primeiro momento, os formandos das IES
receberam formação por parte da Comissão de Acompanhamento (CA); posteriormente, procedeu-se à
formação, pelos formadores das IES, dos Formadores Residentes (FR), que, em cada núcleo de formação
regional, representavam os agrupamentos de escolas abrangidas pelo Programa, recebendo formação dos
formadores das IES, em sessões de acompanhamento e aprofundamento; seguidamente, replicavam e

1152
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

adaptavam os conhecimentos adquiridos nas Escolas/Agrupamentos que representavam, conforme se pode


observar sumariamente na figura seguinte:

Formadores Formandos
Residentes

Formadores
IES

Comissão Nacional de
Acompanhamento (CNA)

Figura 1 – Estrutura da Formação


Em cada núcleo (IES), periodicamente, realizavam-se sessões temáticas e de formação (plenárias
regionais, de acompanhamento e de aprofundamento). Nas Escolas/Agrupamentos, cabia aos FR realizar
sessões tutoriais, de acompanhamento a cada formando do agrupamento/escola, em sala de aula,
supervisionadas pela coordenação da IES; as sessões de reflexão e partilha dos resultados obtidos (IES)
eram posteriormente realizadas no núcleo de formação regional para reflexão e acompanhamento de todo o
processo formativo.
Após mais de seis anos de interrupção do PNEP, interessou-nos averiguar a forma como as ex-
formadoras residentes do núcleo regional de Portalegre, que no último ano de implementação do Programa
foram agentes de mediação entre a IE e as Escolas/Agrupamentos, percecionam a formação recebida e dada
nesse ano (2009-2010) e as suas opiniões relativamente ao impacto que a mesma teve na alteração de
práticas docentes e nas eventuais melhorias de resultados dos alunos.

PARTE II – ESTUDO DE CAMPO


Metodologia
Para aprofundar o conhecimento acerca da relevância do PNEP, realizou-se um estudo de caso, que
incidiu no núcleo regional de Portalegre e nas perceções dos FR desse mesmo núcleo. Definiram-se, como
objetivos desta investigação: a) conhecer a perspetiva dos formadores residentes que integraram o núcleo
regional de Portalegre no último ano da implementação do Programa (2009/2010) relativamente ao processo
formativo desenvolvido e b) analisar, do seu ponto de vista, o impacto da referida formação na prática
pedagógica docente e nas dinâmicas entre os atores educativos.
Para o efeito, procedeu-se à recolha de dados por meio da realização de uma entrevista semidiretiva
junto dos FR do núcleo regional de Portalegre, bem como à análise de conteúdo dos relatórios do PNEP que,
nesse ano, foram elaborados pelo núcleo regional, de modo a cruzar as perceções dos FR no final do
processo formativo e as que possuem na atualidade.

1153
A Escola: Dinâmicas e Atores

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS


A análise dos relatórios regionais do PNEP (2010)
No Relatório preliminar (fevereiro de 2010) do Núcleo Regional de Portalegre, respeitante à formação
do PNEP, ficou demonstrado que as Formadoras Residentes consideravam que, à época, “a formação à
distância [tinha] sido concretizada de forma regular, não só como modalidade privilegiada para troca de
materiais e esclarecimento de dúvidas, no interior de cada agrupamento, mas também entre formandos e
formadores residentes dos diversos agrupamentos envolvidos na formação” (Mendes & Soares, 2010a, p.3).
Até então, nesse ano, estabelecera-se “uma comunicação em rede que todos os que a utilizam
[consideravam] extremamente gratificante para o aperfeiçoamento das suas práticas letivas (Mendes &
Soares, 2010a, p.3).
Já no Relatório final, elaborado pela Coordenação do Núcleo Regional e enviado à Comissão de
Acompanhamento em agosto de 2010, podem ler-se as seguintes considerações:
No Núcleo Regional de Portalegre, o Programa Nacional de Ensino do Português teve, em
2009-2010, uma forte receptividade por parte dos formandos e das Formadoras Residentes
envolvidos na formação. Tal como a equipa de coordenação pôde comprovar ao longo do
ano, através das visitas institucionais bem como do acompanhamento prestado de forma
presencial e on-line às FR, houve mudanças de práticas efectivas nos diversos
agrupamentos, com professores empenhados em consolidar os seus conhecimentos e em
implementar estratégias inovadoras que se revelaram extremamente benéficas para as
crianças. A participação no Encontro Nacional e a última sessão plenária regional
confirmaram a qualidade dos materiais produzidos e das sequências didácticas concretizadas
pelos diversos formandos envolvidos no Programa, sendo um sinal claro de vontade de
continuar a construir um percurso formativo alicerçado nos pilares em que se funda o PNEP
(Mendes & Soares, 2010b, p.20).
A leitura e a análise de ambos os relatórios permitem-nos concluir que Formadoras Residentes e
Formandos implicados na formação, nesse ano letivo, tinham conceções bastante favoráveis sobre a mesma,
considerando-a uma mais-valia na consolidação dos seus conhecimentos científicos e pedagógico-didáticos
no âmbito do Ensino do Português. Perspetivava-se, na altura, que o Programa viesse a ter continuidade no
ano letivo seguinte, abrangendo já os professores do 2.º Ciclo do Ensino Básico. Tal não veio a suceder, por
imposições governamentais, como já foi referido, mas a vontade de continuar o percurso continuou, tal como
concluiu a equipa de coordenação regional do PNEP no seu Relatório Final, após analisar os questionários
aplicados a todas as FR e a todos os formandos: “o empenho e a dedicação a esta causa foram uma realidade
da parte de todos – equipa de coordenação incluída” (Mendes & Soares, 2010b, p.20).

A perceção dos Formadores Residentes (2016)


No ano 2009/10, último ano de implementação do PNEP, foram cinco os FR que integraram o núcleo
regional de Portalegre, sendo provenientes de diferentes agrupamentos de escolas do Alto Alentejo
(Portugal).
Desses cinco FR, e passados seis anos, foi possível voltar a localizar três deles, a fim de, e conforme
com o que nos propusemos, aferir as suas perceções acerca do PNEP. Os três participantes são do género
feminino e possuem idades compreendidas entre os 50 e os 55 anos. As três são licenciadas, possuindo
ainda, uma delas, Pós-Graduação em Bibliotecas Escolares.
O PNEP, conforme já referido, foi um programa direcionado para os professores do 1.º Ciclo do Ensino
Básico, com o intuito de melhorar o ensino da língua portuguesa nos domínios da oralidade, da leitura, escrita
e do conhecimento explícito da língua. As entrevistadas integram, precisamente, o Departamento do 1.º Ciclo

1154
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

e pertencem aos Quadros de Agrupamento. Todas elas detêm dois anos de experiência enquanto formadoras,
sempre no âmbito do PNEP. De experiência profissional, possuem entre 28 e 33 anos.
Questionadas acerca da importância da formação realizada pelo Núcleo Regional do PNEP, enquanto
formadoras e docentes, as três participantes no estudo referiram-se à relevância da formação, na medida em
que permitiu a aquisição/aprofundamento de conhecimentos e o desenvolvimento de competências. Uma das
entrevistadas (E3) afirmou ainda que:
a) Possibilitou transmitir esses conhecimentos aos colegas, num trabalho colaborativo e de
aprendizagem mútua (partilha, reflexão e construção conjunta de conhecimento);
b) Promoveu o desenvolvimento profissional (próprio e o dos colegas), contribuindo para o progresso da
Escola/Agrupamento;
c) Aprovisionou o grupo de docentes de “ferramentas de trabalho” relevantes para a diversificação de
estratégias e metodologias de ensino;
d) Potenciou/transformou o trabalho diário de sala de aula, implementando (e incentivando) atividades
formativas e práticas significativas;
e) Permitiu incentivar os colegas a participar na inovação, melhoria e diferenciação da qualidade de
ensino.
As três entrevistadas afirmaram que a formação por elas promovida, enquanto FR, foi muito bem
aceite por parte dos seus colegas do agrupamento de escolas. Uma das entrevistadas acrescentou que “(…)
ainda hoje esperam a continuação do projeto” (E2).
Questionadas acerca do seu papel no processo formativo, duas delas referiram-se, de forma explícita,
a: a) um papel mais diretivo e expositivo nas apresentações teóricas e b) um papel mais de orientação, nas
sessões de caráter mais prático, dando lugar até à coadjuvação em contexto sala de aula. Estas duas
entrevistadas não deixaram, no entanto, de afirmar que, mesmo nas sessões mais teóricas, nunca se
descurou a participação dos formandos. A terceira entrevistada vincou ainda de forma mais clara, os “tempos
de partilha de saberes e experiências”, de “novas aprendizagens” (E3). Reforçou, conforme já o havia feito
numa questão anterior, o trabalho colaborativo, a articulação, a discussão acerca das práticas e valorização
das experiências de cada formando.
De realçar que, quando inquiridas acerca da forma como se processou, efetivamente, a articulação
entre FR-formandos, todas elas enfatizaram que decorreu com base na partilha, na coadjuvação, com
momentos ora mais formais, ora mais informais. Uma das entrevistadas acrescentou que, além das sessões,
“o correio eletrónico e o telefone também foram utilizados, como recursos para esclarecimentos” (E3).
As três consideram que a formação provocou mudanças nas práticas pedagógicas dos seus colegas
formandos, essencialmente ao nível das estratégias e metodologias usadas, ao nível das práticas e dinâmicas
em sala de aula e, consequentemente, nas aprendizagens dos alunos, nos diferentes domínios. Uma das
entrevistadas esclarece que “a abordagem dos conteúdos é feita de forma mais eficaz e lúdica ao mesmo
tempo” (E3).
As entrevistadas foram ainda unânimes ao afirmar que se verificaram transformações nas relações
entre colegas, conquistando-se uma maior proximidade nas relações inter pares, na dinâmica de grupos, na
prática de partilha de saberes e experiências e de desenvolvimento de projetos conjuntos, mesmo entre os
colegas que se encontram em escolas de 1º ciclo, separadas geograficamente. Existe um sentido mais
coletivo, de trabalho colaborativo, e menos individualista.

1155
A Escola: Dinâmicas e Atores

Entendem que, mesmo decorridos seis anos, a mudança se enraizou e que nomeadamente os
docentes que usufruíram da formação do PNEP continuam a adotar as metodologias e materiais decorrentes
da formação. A experiência formativa do PNEP encontra-se bem presente e é referida como modelo formativo.
O trabalho colaborativo deu frutos. “Houve também uma evolução positiva nos resultados dos alunos, na área
de Português” (E3). Os ex-formandos continuam motivados para inovar as suas práticas.
Questionadas acerca da sua perspetiva acerca do facto de o PNEP não ter tido continuidade, duas
delas referiram que, e em contradição com o que haviam afirmado anteriormente, “se perdeu o espírito de
equipa e de mudança que tínhamos conseguido” (E1).
Uma destas entrevistadas refere ainda que “a não continuidade deve-se talvez a questões políticas”
e acrescenta que se tratava de “(…) um conceito de formação muito positivo que terminou, a meu ver,
prematuramente” (E2). Ao encontro desta ideia, a terceira entrevistada afirma que “a continuidade do PNEP
seria muito importante para os professores que frequentaram a formação e em especial para os que não
tiveram essa oportunidade” (E3).
Por fim, as três entrevistadas reforçaram a importância de se retomar este “conceito de formação”
(E2), por se entender como um “modelo de formação ideal” (E3). Argumentam com o facto de se promover
uma articulação entre a teoria e a prática, permitindo a atualização das práticas e dando resposta às
necessidades dos professores.
Uma das entrevistadas destacou ainda o papel do núcleo regional e dos FR no âmbito do PNEP,
referindo que: “a linguagem falada por mim era (e é) a mesma dos formandos e sentia os mesmos
problemas/limitações. O papel do núcleo regional foi fundamental neste processo, apoiando na
implementação de novos conceitos, na definição de estratégias e formas de atuar e de avaliar e refletir sobre
o trabalho desenvolvido” (E3).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos relatórios Preliminar e Final da Coordenação do Núcleo regional do PNEP, elaborados
em 2010, e da entrevista, em 2016, às formadoras residentes que, à época, integravam o Núcleo, permite-
nos concluir que o PNEP foi um Programa que atingiu os objetivos a que se tinha proposto e que existe, da
parte dos agentes nele envolvidos, o desejo da sua revitalização e da sua continuidade em anos de
escolaridade subsequentes ao 1.º Ciclo do Ensino Básico. Para além disso, é evidente hoje, após mais de
seis anos da conclusão do Programa, que as práticas docentes continuam a privilegiar, em contexto educativo,
as metodologias e os conhecimentos adquiridos ao longo da formação. O PNEP teve, decididamente, como
demonstra o estudo de caso analisado, implicações também no perfil profissional dos docentes, que
atualmente se sentem mais aptos para dar resposta efetiva aos desafios que o sistema educativo, nos moldes
em que está delineado, lhes impõe. Seria desejável, portanto, em nosso entender, que o PNEP fosse
revitalizado e que abrangesse um maior número de formandos, de todos os ciclos de escolaridade, para que
a atividade docente refletisse os avanços científicos e metodológicos que a investigação tem vindo a
demonstrar nos últimos anos. O trabalho colaborativo entre pares e com as Instituições de Ensino Superior
abalizadas para a formação contínua de professores constituir-se-ia, como julgamos, uma forma de continuar
a partilhar experiências e conhecimentos profissionais em prol do sucesso educativo dos alunos e da
qualidade de ensino.

1156
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

REFERÊNCIAS
Ministério da Educação (2006). Programa Nacional de Ensino de Português no 1.º ciclo do Ensino
Básico. Lisboa: ME/Comissão Nacional de Acompanhamento do PNEP.
Mendes, T. & Soares, A. (2010a). Relatório Preliminar de atividades do PNEP. Portalegre: ESEP.
Mendes, T. & Soares, A. (2010b). Relatório Final de atividades do PNEP. Portalegre: ESEP.
Pereira, I. (Coord) (2010). O ensino do português no 1.º ciclo do ensino básico. Construção de saberes
profissionais no contexto do PNEP e do novo programa de português. Vol. I. Braga: Instituto de
Educação da Universidade do Minho.

Documento legal
Despacho n.º 546/2007, Diário da República, 2.ª série - N.º 8, de 11 de janeiro de 2007.

1157
A Escola: Dinâmicas e Atores

A DIMENSÃO DA GESTÃO ESCOLAR NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA


CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE NA PERSPECTIVA DA IMPLEMENTAÇÃO DAS
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA OS CURSOS DE LICENCIATURA
NO BRASIL
[ID 298]

Ana Maria de Albuquerque Moreira


Carmenísia Jacobina Aires
Ruth Gonçalves de Faria Lopes
Universidade de Brasília
anaalbuquerque@unb.br; jacob@unb.br; ruth@unb.br

Resumo
Um dos aspectos centrais no cotidiano do trabalho educativo realizado no espaço escolar é a sua gestão.
Inúmeros e crescentes são os debates e a produção científica em torno da gestão escolar, à luz de diferentes
perspectivas. Outro aspecto crucial trata da formação para o exercício da gestão escolar. Neste estudo, nossa
proposta central é discutir os desafios postos para os cursos de formação de professores no Brasil, a partir
da publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e a formação
continuada, Resolução CNE no. 2, de 1o. de julho de 2015. Nessas Diretrizes Curriculares Nacionais, a
dimensão dos conteúdos atinentes à gestão da escola, interligada à gestão do sistema de ensino, ganhou
maior destaque por parte dos legisladores. Com base nesse cenário, questionamos: qual a concepção de
gestão que aparece contida no documento? Apresenta relações com a gestão democrática? De que maneira
mudanças na formação estão relacionadas com as dinâmicas vividas no espaço escolar? Para desenvolver
tal proposta de estudo, adotamos a abordagem de investigação qualitativa e as técnicas da pesquisa
bibliográfica e da análise documental. Os documentos analisados, além das referidas Diretrizes Curriculares
Nacionais, incluem a Constituição Federal/1988, a LDB/1996, o Plano Nacional de Educação/2014,
determinantes nos cursos de formação de professores. O referencial teórico inclui reflexões acerca da
formação de professores, da gestão escolar e democrática (Paro, 2007, 2011; Vieira, 2007, 2015; Oliveira,
2014) assim como da escola como instituição onde esses processos impactam no alcance de seus objetivos
e no desenvolvimento de uma educação de qualidade e socialmente referenciada (Ball, 1995; Nóvoa, 1995;
Lima, 2001, 2011). Como resultado, destacamos desafios que chegam à gênese dos cursos de licenciatura,
no sentido de buscar superar dicotomias históricas nos conteúdos formativos e a centralidade da escola de
educação básica, como espaço de articulação entre o fazer, o pensar e a formação.

Palavras-chave: Gestão Escolar; Formação de Professores, Diretrizes Curriculares Nacionais.

INTRODUÇÃO
As mudanças no quadro legal, político e educacional após a promulgação da Constituição Federal de
1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), lei no 9.394/1996, atribuíram maior centralidade à
escola e ao seu fundamental papel na escolarização com qualidade para uma sociedade democrática. Tal
centralidade trouxe mudanças nas relações políticas das escolas com os sistemas de ensino e com a
comunidade nas quais se encontram inseridas (Ball, 1995; Nóvoa, 1995; Lima, 2001, 2011). No esteio das
políticas de descentralização e de democratização da educação, a unidade escolar conquistou maior
autonomia, o que ocasionou em novos direcionamentos no papel da equipe de gestão da escola, aspecto
que, consequentemente, trouxe à tona uma série de discussões a respeito da formação para atuação nas
atividades relacionadas à gestão escolar.

1158
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Mais recentemente, foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em
nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e a formação continuada, Resolução CNE no. 2, de 1o. de julho de 2015. Nesse documento,
temas atinentes à gestão dos sistemas de ensino e das unidades escolares foram inseridos entre os eixos de
estruturação curricular nos cursos de formação para a docência, refletindo a preocupação com a temática.
Com base nessa nova proposta, elaboramos alguns questionamentos para reflexão, buscando
contribuir para os processos de reformulação curriculares advindos de tais mudanças:
§ Qual a concepção de gestão que aparece contida no documento?
§ Apresenta relações com a gestão democrática?
§ De que maneira mudanças na formação impactam nas propostas atuais e estão relacionadas com as
dinâmicas vividas no espaço escolar?
Com essa perspectiva, adotamos como metodologia de estudo uma abordagem qualitativa, com a
utilização das técnicas de pesquisa bibliográfica e da análise documental. Os documentos em análise
consistem em importantes referenciais para a discussão da dimensão da gestão escolar:
§ Diretrizes Curriculares Nacionais
§ Constituição Federal - CF/1988
§ Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB/1996
§ Plano Nacional de Educação - PNE/2014
Além desta introdução, este trabalho é composto pelas seguintes seções que sintetizam nossas
reflexões: 1. A escola no contexto histórico da gestão democrática; 2. Diretrizes Curriculares de Pedagogia –
2006, e 3. Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Licenciatura – 2015. Nas considerações finais,
traçamos desafios para a formação dos docentes e possíveis impactos nas escolas.

A ESCOLA NO CONTEXTO HISTÓRICO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA


Considerando os períodos recentes, pode-se dizer que os estudos sobre a Administração da
Educação e Escolar, no Brasil, são desenvolvidos em duas fases. Uma, dos anos 1930 ao final dos anos 1970
e outra, dos anos 1980 até a atualidade. A primeira, contempla os primeiros escritos teóricos, identificada em
grande medida com o paradigma positivista, sofreu influência da Europa e dos Estados Unidos da América.
No que tange à formação específica para o cargo de diretor escolar, a exigência se faz presente na
primeira LDB Lei n. 4024/1961 ao estabelecer, no Artigo 42, que “o Diretor da escola deverá ser educador
qualificado”. Este conceito foi regulamentado por meio do Parecer nº 93/62 do antigo Conselho Federal de
Educação (CFE), significava que o diretor deveria reunir qualidades pessoais e profissionais que o tornassem
capaz de infundir à escola a eficácia do instrumento educativo por excelência e de transmitir a professores,
alunos e à comunidade sentimentos, ideias e aspirações de vigoroso teor cristão, cívico, democrático e
cultural.
A Reforma do Ensino Superior advinda pela Lei nº 5.540 de 1968 contemplou a exigência de formação
do administrador escolar, para todos os níveis de ensino, em cursos superiores. Normativas especificas -
Resolução nº 02/69, anexa ao Parecer nº 252/69, do então Conselho Federal de Educação (CFE),
determinavam que a formação de professores para o ensino normal e de especialistas, para as atividades de
orientação, administração, supervisão e inspeção, no âmbito das escolas e sistemas escolares, deveria

1159
A Escola: Dinâmicas e Atores

ocorrer no curso de graduação em Pedagogia. Essa formação foi identificada como de acentuado viés
tecnicista.
Assim, durante certo tempo, a administração foi concebida como um instrumento de caráter universal,
supostamente neutra, desviando os fins da educação e os objetivos próprios da escola. Os cursos abrangiam
conhecimentos relativos à administração científica e gerencial da escola clássica, como se fora possível a
aplicação desses princípios em instituições educacionais. Essa concepção e modelo de formação dos
dirigentes escolares – habilitação em Administração Escolar, baseada na racionalidade técnica, permaneceu
vigente devido às exigências do MEC.
A fase seguinte, a partir de meados dos anos 1970, identifica-se no campo político com o esgotamento
do regime militar iniciado nos anos 1960. Naquele período o Brasil viveu mobilizações e lutas pela
redemocratização, ocorreram mudanças significativas nos âmbitos político, econômico e social.
A promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988, representou a finalização de um ciclo
político vivido pelo estado brasileiro. As conquistas alcançadas mediante sua aprovação demandavam a
elaboração de novos aparatos legais para cumprir as diretrizes instituídas.
Dessa forma, seguindo os preceitos constitucionais, foram aprovadas e sancionadas a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996 e, mais recentemente, a Lei nº 13.005/2014
que institui o Plano Nacional de Educação – PNE, constituindo-se determinantes marcos regulatórios do
sistema educacional brasileiro. Entre as diversas deliberações lavradas no texto constitucional e nessas leis,
ressalta-se o estabelecimento da gestão democrática como princípio, no ensino público. Conquanto seja uma
inegável conquista, ainda observa-se no processo de regulação da temática, uma compreensão desvirtuada
do conceito de democracia. Nesse sentido, fundamentada na neutralidade da gestão educacional, resulta um
mosaico de regulamentações que evidenciam a feição do clientelismo e do patrimonialismo nas práticas de
gestão, cujo escopo é ainda de cunho gerencialista.
Arroyo critica a então pretensa neutralidade que querem atribuir à administração da educação e
contrapõe-se a essa despolitização e centralização. Conclama, por sua vez, pela busca por mecanismos que
viabilizem a democratização das estruturas educacionais através da participação popular na definição de
estratégias, na organização escolar, na alocação de recursos e, sobretudo, na redefinição de seus conteúdos
e fins. Fazer com que a administração da educação recupere seu sentido social (Arroyo, 1979, p.46).
Félix (1985) reafirma o caráter predominantemente político da administração escolar, na medida em
que é instrumento de controle do processo educativo, tendo em vista os interesses capitalistas e não mero
conjunto de técnicas necessárias ao “bom andamento” da educação escolar.
As reflexões e produções de Paro (1992, 2000, 2002, 2007, 2010, 2011) com relação ao tema,
guardam intrínseca relação com o cenário vivenciado pela sociedade educativa e pelos educadores que
compartilham com a crítica ao modelo de administração, que se configurou na década de 1980. Autor de
diversas obras atuais relativas à gestão democrática na educação, aborda a questão a partir de uma base
marxista de análise.
Em sentido geral, segundo Paro (2000), a administração pode ser vista como a “utilização racional de
recursos para a realização de fins determinados” (p.18), podendo ser empregada em processos de diferentes
naturezas. Sem negar a contribuição da administração com os processos educativos, o autor ressalta a
natureza da racionalidade empregada na prática administrativa. Sua crítica recai sobre a racionalidade
capitalista, que transforma o trabalho, de sentido da existência humana, em exploração da vida, colocando-o

1160
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

à serviço de determinada classe social – a classe dominante dos meios de produção. Os princípios da
administração geral, segundo a racionalidade capitalista, ao serem adotados nos espaços escolares, além de
compactuar com essa racionalidade, contribuem com a manutenção das relações de exploração capitalista.
Paro (2000) também analisa a questão da formação do diretor. Entende que há duas posições acerca
da formação do diretor. Uma, compreende processo de formação técnica específica tendo em vista funções
que irá realizar e ignora o caráter político da função. Na outra a formação deve ser essencialmente educativa,
posição com a qual concorda. Afiança que tanto com relação aos processos formativos como sobre o
provimento do cargo de diretor escolar, os estudos da administração da educação, não são politicamente
neutros, ou seja, devem cumprir funções políticas sociais e culturais de acordo com a dinâmica da sociedade.

DIRETRIZES CURRICULARES DE PEDAGOGIA – 2006


Concomitante à implementação do princípio da gestão democrática, o Conselho Nacional de
Educação (CNE) aprovou, por meio da Resolução nº 01 de 15 de maio de 2006 as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Este documento estabelece referências
sobre a preparação do futuro pedagogo no que concerne à aquisição de conhecimentos relativos ao
planejamento, avaliação e à gestão democrática da escola e do sistema de ensino. Estabelece, desse modo,
a necessidade de formação dos profissionais na área de conhecimento, certamente, na perspectiva de
preparo para funções afetas à gestão.
Com esse horizonte, o artigo 4o da RESOLUÇÃO CNE/CP No 1/2016 estabelecia que:
O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer
funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos
cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de
serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos
pedagógicos.
Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na organização
e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:
I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias
do setor da Educação;
II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e
experiências educativas não-escolares;
III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em
contextos escolares e não-escolares.
Dessa forma, no âmbito das discussões que precederam as DCN 2006 e, em seguida, em seu
processo de implementação, forjou-se uma nova identidade para os formados no curso de pedagogia. De
acordo com Brzezinski (2011), essa nova concepção resultou em uma “identidade consensuada” dos
pedagogos na medida em que articulava três dimensões na formação que refletiam possibilidades do
exercício profissional dos graduados: docência, pesquisa e gestão.
Para atingir os objetivos das DCN/2006, os cursos de pedagogia deveriam ser reestruturados
seguindo uma organização curricular que contemplava três núcleos: núcleo de estudos básicos; núcleo de
aprofundamento e diversificação de estudos, e núcleo de estudos integradores. A carga horária total dos
cursos deveria compreender um mínio de 2.800h de atividades formativas, incluindo 300h de estágio
supervisionado e 100h de atividades teórico-práticas.
A gestão deixou de ser vista definitivamente como uma habilitação específica na formação, para ser
tratada como uma dimensão da formação, buscando, assim, articular a formação às mudanças que ocorriam
nas escolas com a implementação do princípio da gestão democrática. Com a maior autonomia conquistada
pelas escolas, suas dinâmicas internas, configuradas na prática educativa, e suas dinâmicas externas,

1161
A Escola: Dinâmicas e Atores

explicitadas na relação com os sistemas de ensino e a comunidade escolar, passaram a exigir conhecimentos
e habilidades de gestão.

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA OS CURSOS DE LICENCIATURA – 2015


Passados quase vinte anos da promulgação da LDB/1996 e com o processo histórico de
concretização da gestão democrática da educação, esta passou a configurara também como uma meta no
Plano Nacional de Educação aprovado em 2014 para vigorara até 2024.
A meta 19 do PNE/2014 coloca para os sistemas de ensino o propósito de: Assegurar condições, no
prazo de 2 anos, para a efetivação da gestão democrática da Educação, associada a critérios técnicos de
mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo
recursos e apoio técnico da União para tanto.
Fortalecido o princípio da gestão democrática, um dos pontos cruciais para sua efetivação nas escolas
públicas está no trabalho docente, tanto na gestão do processo de ensino e aprendizagem que ocorre na sala
de aula e nos projetos educativos, quanto na articulação da escola com seu entorno e com os sistemas de
ensino. Cada vez mais, observa-se que implantar uma gestão democrática exige a participação de todos e a
formação de todos os docentes que atuam numa unidade escolar, não apenas das equipes gestoras.
Ademais, grande parte dos sistemas estaduais e municipais de ensino no Brasil – aos quais estão vinculadas
as escolas de educação básica – adotam a eleição como mecanismo de condução ao cargo de direção da
escola. Isso implica em que todos os docentes estejam preparados para assumir a gestão da escola, com
conhecimentos a respeito de seus processos políticos e operacionais.
As modificações no quadro político e legal e as exigências advindas da realidade das escolas públicas
motivaram novas reflexões e discussões a respeito da formação inicial e continuada dos docentes. Após
intensos debates, o Conselho Nacional de Educação (CNE) promulgou novas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica
para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada (Resolução n.2, de 1 de
julho de 2015).
No atual contexto histórico, entendemos que as DCN/ 2015 refletem, concomitantemente: avanços
na compreensão do papel do Estado e das instituições formadoras na garantia do direito à educação com
qualidade socialmente referenciada, a centralidade da escola de educação básica, e a dimensão da gestão
escolar articulada à docência e à pesquisa (identidade consensuada).
Conforme o Artigo 3o. das referidas Diretrizes Curriculares Nacionais, A formação inicial e a formação
continuada destinam-se, respectivamente, à preparação e ao desenvolvimento de profissionais para funções
de magistério na educação básica em suas etapas – educação infantil, ensino fundamental, ensino médio –
e modalidades – educação de jovens e adultos, educação especial, educação profissional e técnica de nível
médio, educação escolar indígena, educação do campo, educação escolar quilombola e educação a distância
– a partir de compreensão ampla e contextualizada de educação e educação escolar, visando assegurar a
produção e difusão de conhecimentos de determinada área e a participação na elaboração e implementação
do projeto político-pedagógico da instituição, na perspectiva de garantir, com qualidade, os direitos e objetivos
de aprendizagem e o seu desenvolvimento, a gestão democrática e a avaliação institucional.
Com essa perspectiva, as DCN/2015 também estabelecem, para a organização curricular dos cursos
de licenciatura, três grandes núcleos:

1162
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

I. núcleo de estudos de formação geral


II. núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos
III. núcleo de estudos integradores
A carga horária total dos cursos de licenciatura foi ampliada, devendo compreender um mínimo de
3.200 horas, incluindo:
§ 2.200 h = atividades formativas –núcleos I e II
§ 400 h = prática como componente curricular
§ 400h = estágio supervisionado – área de formação e/ou áreas especificas
§ 200 h = atividades teórico-práticas de aprofundamento – núcleo III

CONSIDERAÇÕES FINAIS: DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO E POSSÍVEIS IMPACTOS NA


ESCOLA
As novas diretrizes para a formação inicial e continuada dos docentes da educação básica trazem
importantes desafios seja para os sistemas de ensino, seja para as instituições formadoras, que, mediante o
que define a legislação, devem ser instituições de ensino superior.
Os desafios não são poucos e envolvem, basicamente, a reestruturação dos currículos das
licenciaturas ofertadas por tais instituições, oque necessita da superação de dicotomias históricas nos
conteúdos formativos (modelo 3 +1) e na maior articulação entre instituições formadoras e escolas de
educação básica – sistemas de ensino.
No mesmo sentido, faz-se necessária a inclusão dos temas afeitos a gestão escolar entre os
conteúdos dos cursos de licenciatura, buscando garantir a concepção da gestão como mediação para
concretização de uma educação de qualidade socialmente referenciada. Entendemos que a criação de
centros de formação de pedagogos e docentes da educação básica nas universidades públicas é um passo
relevante nesse processo e que permitiria, de forma articulada a outras políticas de valorização docente, um
trabalho educativo mais efetivo com vistas à consolidação de uma sociedade democrática.
Como possíveis impactos na gestão das escolas, espera-se uma formação mais qualificada que
amplie os espaços de atuação dos docentes nas escolas, associando sala de aula ao contexto político,
econômico e social no qual a unidade escolar está inserida. Compreende-se que, a partir das reformulações
dos currículos, seja possível uma atuação profissional dos docentes que considere a organicidade da escola,
não mais dividida entre atividades-fim e atividades-meio, mas sim como atividade educativa.
O presente trabalho não se encerra aqui, ele resulta de um levantamento documental e de reflexões
iniciais que tomam por base o referencial teórico da gestão democrática da escola. Nas próximas etapas
pretendemos aprofundar as reflexões e analisar a dimensão da gestão em novos currículos de licenciatura.
Assim, pretendemos contribuir para as discussões e as mudanças em curso.

REFERÊNCIAS
Aires, C. (2008). Planejamento e Gestão Escolar. PEDEaD – Pedagogia, Modulo VI, Brasília: Universidade
de Brasília, 2009. http://www.fe.unb.br/graduacao/online/modulos-ped-ead-acre/modulo6/
planejamento-e-gestao-escolar. Acesso 10/02/2015.

1163
A Escola: Dinâmicas e Atores

Aires, C. & Moreira, A. M. (2015). A avaliação do Pacto Nacional pelo fortalecimento do Ensino Médio (PNEM)
na percepção de gestores escolares do Distrito Federal – Brasil. Comunicação apresentada em: XXII
Colóquio Afirse. 29 a 31 de janeiro de 2015, Lisboa, Portugal.
Aires, C. (2015). Panorama nacional de efetivação da gestão democrática na educação portal.mec.gov.br/
.../26111-produto1-panorama-nacional-efetivacao-gestao-democratica.
Brzezinski, I. (2001). Pedagogo: delineando identidade(s). Revista UFG, julho 2001, Ano XIII, no. 10.
Dourado, L. F. & Fernandes, L. (2000). A escolha de dirigentes escolares: políticas e gestão da educação no
Brasil. In Ferreira, N. (Org.). Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios.
São Paulo: Cortez.
Paro, V. (1990). O conceito de administração em geral. In Paro, V., Administração escolar: introdução crítica
(4ª Ed.). São Paulo: Cortez.
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qualidade do ensino. Ed. Ática.
Paro, V. (2011). Crítica da Estrutura da Escola. São Paulo: Cortez, 2011.
Teixeira, A. (1961). Que é Administração Escolar?. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. RJ: INEP, 36
(84), 84-89.
Vieira, S. & Vidal, M. (2015). Gestão democrática da escola no brasil: desafios à implementação de um novo
modelo. In Revista Iberoamericana de Educación, (67), 19-38 (ISSN: 1022-6508) - OEI/CAEU.

1164
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

DINÂMICAS, CONDIÇÕES, MODELOS E PRÁTICAS REFLEXIVAS DE FORMAÇÃO-


AÇÃO CENTRADA NA EPA-CARVALHAIS/MIRANDELA
[ID 89]

Carla Moreno
Miguel Portugal
Luísa Orvalho
Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Carvalhais/Mirandela, Portugal; Escola
Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Carvalhais/Mirandela, Portugal; UCP|Centro de
Estudos de Desenvolvimento Humano, SAME|FEP-Católica Porto, Portugal
dadjunta.epa@gmail.com; miguel.portug@gmail.com; lorvalho@porto.ucp.pt

Resumo
O público que hoje frequenta as escolas exige organizações mais inclusivas, professores que implementem,
colaborativamente, estratégias de ensino mais estimulantes e eficazes para uma ampla diversidade de
crianças e jovens, com características e necessidades próprias. No entanto, a necessidade de
desenvolvimento profissional dos professores tem caminhado lado a lado com as dificuldades em encarar,
incrementar e avaliar sistematicamente a mudança nas escolas, tanto ao nível organizacional como da cultura
profissional.
O presente estudo de caso visa analisar os impactos produzidos pelas estratégias de formação na
capacitação e empoderamento dos professores e formadores (desenvolvimento profissional) e no
desenvolvimento organizacional da Escola Profissional Agrícola de Carvalhais, Mirandela (EPA-
Carvalhais/Mirandela), como resultado da mediação de uma consultoria externa realizada no âmbito da
Formação Avançada em Ciências da Educação (FACE), eixo Valorização do Ensino Profissional (VEP), do
Serviço de Apoio à Melhoria da Educação (SAME), Católica Porto, baseada na lógica oficinal de formação
para a mudança, centrada na ação, visando a inovação e o trabalho colaborativo. Analisaram-se as
oportunidades e constrangimentos, os logros e malogros do processo, no intuito de refletir sobre o modo como
as estratégias de formação terão atingido o nível organizacional e a cultura profissional dos docentes da
escola.
Concluiu-se que as estratégias de formação se constituíram em oportunidades de mudança organizacional e
incremento do desenvolvimento profissional, embora não sem constrangimentos, sobretudo sob a forma de
resistências, objetivas e subjetivas, evidenciadas pelos agentes envolvidos.

Palavras-chave: Consultoria no Ensino Profissional, Estratégias colaborativas de formação-ação, Inovação


para a Mudança, Desenvolvimento profissional e organizacional.

Resumé
Le public qui assiste les écoles d'aujourd'hui exige des organisations plus inclusifs, les enseignants mettent
en œuvre, en collaboration, des stratégies d'enseignement les plus stimulants et efficaces pour un large
éventail d'enfants et les jeunes, avec leurs propres caractéristiques et besoins. Toutefois, la nécessité pour le
développement professionnel des enseignants est allé de pair avec des difficultés en vue, d'améliorer et
d'évaluer systématiquement le changement dans les écoles, tant au niveau organisationnel que la culture
professionnelle.
Cette étude de cas vise à analyser les impacts produits par les stratégies de formation dans la formation et la
responsabilisation des enseignants et des formateurs (développement professionnel) et le développement
organisationnel de l'EPA-Carvalhais / Mirandela, à la suite de la médiation par un cabinet externe réalisée
dans la formation avancé dans l'éducation (FACE), axe Professional Education Enhancement (VEP), Service
de Support pour l'Amélioration de l'Éducation (SAME), Porto Catholique, basée sur la formation de l'atelier
logique pour le changement, l'accent sur l'action visant à l'innovation et le travail collaboratif. Analyser les
opportunités et les contraintes, les réalisations et les échecs du processus afin de réfléchir sur la façon dont
les stratégies de formation auront atteint la culture organisationnelle et professionnelle des enseignants.
Il a été conclu que les stratégies de formation constituées de changement et d'accroître les possibilités
d'organisation pour le développement professionnel, mais non sans contraintes, en particulier sous la forme
de résistance, objective et subjective, comme en témoignent les agents impliqués.

1165
A Escola: Dinâmicas e Atores

Mots-clés: Activité de conseil sur la formation professionnelle, Les Stratégies de collaboration de formation-
action, de l'Innovation pour le changement, Le développement professionnel et organisationnel.

INTRODUÇÃO
A literatura da especialidade tem mostrado como as culturas profissionais e organizacionais dos
professores privilegiam um desenvolvimento curricular homogéneo e uniformizador. Por um lado, a conceção
centralizada e burocrática de organização, que promove um «currículo uniforme – pronto-a-vestir de tamanho
único» (Formosinho, 1991), orientada pelos princípios da uniformidade e homogeneização das normas,
espaços, tempos, alunos, saberes e processos de inculcação, com a classe como padrão organizativo do
trabalho dos professores, que passam a «ensinar a muitos como se fossem um» (Barroso, 1995; 2001). Nesta
escola orientada por uma lógica taylorista de organização do trabalho, floresce uma pedagogia transmissiva,
uma “pedagogia ótima” (Formosinho & Machado, 2009), indiferente às diferenças dos alunos (Canário, 2005),
na qual o ensino é concebido como ato de expressar, falando, um saber formalizado que o professor possui
e os alunos adquirirão, compreendendo ou não, ouvindo (Roldão, 2010b). Neste contexto, a “gramática da
escola” (Tyack & Tobin, 1994) persistiu, invariável, naturalizada, como imagem incontestada de escola
(Nóvoa, 1995), mesmo numa via de ensino, como o ensino profissional, projetado, desde a sua génese, para
atender às necessidades, características e interesses diversos dos alunos (Orvalho & Alonso, 2011).
Por outro lado, o individualismo/isolacionismo no trabalho dos professores (Lima, 2002), ajuda a
manter a pedagogia transmissiva (Formosinho & Machado, 2009) e gera a fragmentação, que conduz à
balcanização (Hargreaves, 1998), não permitindo que os professores aprendam com colegas de outras áreas
(Lima, 2002). A rematar o diagnóstico, um crescente corpo de investigação (v.g. Frazão, 2011; Marques,
2002; Portugal, 2017; Sousa M. L., 2004; Sousa F., 2007) tem revelado que os professores, mesmo em
contextos de clara multidiversidade, tendem a privilegiar uma gestão uniformizadora do currículo, explicada
pela persistência de formas cristalizadas de organização homogeneizadora do ensino e de uma cultura
profissional pouco aberta a mudanças.
Contudo, a investigação apresenta caminhos de possibilidade para transcender esta forma escolar
homogeneizante, uniformizadora e pouco propiciadora de mudança. Um desses caminhos é a gestão
diferenciada do currículo (Roldão, 2003). Tomlinson (2008) entende que o ensino diferenciado deverá
orientar-se pelos princípios gerais de um currículo de qualidade, tarefas desafiantes, uma gestão flexível do
currículo, através da avaliação formativa e criando um ambiente de comunidade de aprendizagem. Com base
nestes princípios os professores poderão diferenciar o conteúdo, o processo, o produto, a organização dos
espaços e tempos com base no nível de preparação, do interesse e do perfil de aprendizagem dos alunos. O
perfil de aprendizagem dos vários alunos é distinto graças à cultura, ao género, às inteligências preferenciais
(Gardner, 1983, 1993) e aos estilos de aprendizagem (Dunn & Dunn, 1978; Silver, Strong & Perini, 2010).
A aprendizagem baseada em projetos é uma estratégia de aprendizagem em que os alunos são
desafiados a resolver problemas ou a fazer simulações que mimetizem a vida real, possibilita uma
aprendizagem que mobiliza conhecimentos de diversas áreas de modo integrado, implica uma aprendizagem
direta e ativa do aluno e é ideal para dar sentido às aprendizagens, pois proporciona a aprendizagem em
contexto de mundo real e favorece a motivação, dando aos alunos possibilidades de escolha, personalizando
a sua experiência de aprendizagem (Larmer & Mergendoller, 2015). A investigação (Barron & Darling-
Hammond, 2008) mostra, designadamente, que: a aprendizagem baseada em projetos desenvolve as
capacidades de identificar problemas, argumentar e planificar; os alunos que falham no ensino tradicional

1166
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

tendem a ter sucesso na aprendizagem baseada em projetos; a aprendizagem baseada em projetos é um


tipo de aprendizagem que beneficia alunos com estilos de aprendizagem grupal e tátil ou cinestésico; e os
alunos que se envolvem neste tipo de aprendizagem desenvolvem capacidades de mobilização de
conhecimentos para aplicação prática, tanto ou mais do que os alunos envolvidos noutras formas tradicionais
de aprendizagem.
Tanto o ensino diferenciado como a aprendizagem baseada em projetos requerem uma avaliação
essencialmente formativa e formadora. Além de uma avaliação da aprendizagem (que ocorre quando os
professores utilizam elementos da aprendizagem dos alunos para fazer julgamentos sobre o seu desempenho
em relação aos objetivos de aprendizagem, descrevendo o grau em que o aluno atingiu os objetivos de
aprendizagem e demonstrando o que ele sabe e pode fazer, ocorrendo geralmente no final de uma unidade
de ensino, semestre ou ano letivo), a literatura tem insistido na maior eficácia pedagógica tanto de uma
avaliação para a aprendizagem – utilizando a avaliação durante o processo de ensino-aprendizagem para
elevar o rendimento dos alunos, com base na ideia de que estes aprendem mais quando compreendem os
objetivos pretendidos para a sua aprendizagem, onde estão em relação a esses objetivos e como podem
alcançá-los (como podem preencher as lacunas no seu conhecimento) –, como de uma avaliação como
aprendizagem, que ocorre quando os alunos refletem sobre como monitorizar os seus progressos para
informar os seus futuros objetivos de aprendizagem, pondo em jogo a responsabilidade dos alunos em relação
à aprendizagem e à avaliação, envolvendo-os no processo de auto e heteroavaliação (Ferreira, 2007; Lopes
& Silva, 2012).
Muitos autores veem na colegialidade e no trabalho colaborativo formas de transcender a organização
homogeneizante do ensino e a pedagogia uniformizadora prevalecentes na forma escolar (Lima, 2002;
Roldão, 2007b; Shulman & Shulman, 2004). O trabalho colaborativo é um processo de trabalho articulado e
pensado em conjunto para melhor alcançar os resultados pretendidos. Implica conceber estrategicamente a
finalidade que orienta as tarefas de ensino e organizar adequadamente todos os dispositivos dentro do grupo,
de modo a:
(1) alcançar com mais sucesso o que se pretende (as aprendizagens pretendidas), (2) activar
o mais possível as diferentes potencialidades de todos os participantes (no âmbito do grupo-
disciplina, do grupo-turma, ou outros) de modo a envolvê-los e a garantir que a atividade
produtiva não se limita a alguns, e ainda (3) ampliar o conhecimento construído por cada um
pela introdução de elementos resultantes da interação com todos os outros (Roldão, 2007b,
p.27).
Enquanto característica definidora de profissionalidade docente, a aquisição e desenvolvimento do
conhecimento profissional tem sido apontado como fator determinante no sucesso das aprendizagens dos
alunos (Lopes & Silva, 2010; Roldão, 2007a, 2010a). Destacaríamos aqui dois modelos de formação contínua
de professores. Por um lado, o modelo centrado nas escolas, em que o professor é o sujeito da sua formação,
envolvendo-se no levantamento de necessidades, na planificação, execução e avaliação da sua formação.
Trata-se de uma formação centrada nas práticas e no contexto de problemas a resolver, realizada no local e
posto de trabalho e que incrementa, de facto, o desenvolvimento profissional dos professores (Canário, s/d;
Formosinho, 2014). Outro modelo igualmente promissor é o modelo baseado nas escolas e nas instituições
de formação de professores. Este modelo procura combinar as vantagens organizacionais e pedagógicas da
especialização e a proximidade dos interesses e preocupações dos professores. Na sua variante forte, a
iniciativa de formação cabe às escolas e a execução às instituições de formação. Na sua variante mitigada,

1167
A Escola: Dinâmicas e Atores

ambas as entidades podem ter a iniciativa da formação, procurando garantir-se a especialização e a


proximidade dos professores através de acordos e protocolos de formação (Formosinho, 2014).

A FORMAÇÃO-AÇÃO CENTRADA NA EPA-CARVALHAIS/MIRANDELA


Enquadramento
A partir da análise SWOT e dos relatórios da autoavaliação interna e externa entendeu a Direção da
Escola Profissional de Agricultura de Carvalhais, Mirandela (EPA-Carvalhais/Mirandela) a urgência de
priorizar duas grandes dimensões, nomeadamente, o trabalho colaborativo, entre pares, sustentado pelas
Novas Tecnologias, com o propósito de implementar uma liderança de cariz transformacional, capaz de inovar
práticas educativas. Neste contexto, colocaram-se seis grandes desafios: Estamos dispostos a mudar?
Ensinamos a todos da mesma maneira? Que metodologias de aprendizagem usamos? Como avaliamos?
Sabemos trabalhar colaborativamente? Sabemos inovar? Para orientar e ajudar a dar resposta a estas e
outras questões foi promovida, pela Direção da Escola, um contrato de consultoria externa prestado pelo
Serviço de Apoio à Melhoria das Escolas (SAME), na modalidade de Oficina de Formação, no âmbito da
formação contínua certificada, Formação Avançada em Ciências da Educação-Ensino Profissional (FACE-
Ensino Profissional), subordinada ao tema “(Re)Aprender a ensinar e avaliar nos cursos profissionais: o saber
em ação”, com duração de 50 horas, sendo 25 horas presenciais e 25 horas de trabalho autónomo, orientada
pela Doutora Luísa Orvalho, consultora (SAME) e investigadora (Centro de Estudos de Desenvolvimento
Humano), da Universidade Católica Portuguesa – Católica Porto. Nesta «lógica oficinal de formação para a
mudança, visando o desenvolvimento profissional, a aprendizagem organizacional e o trabalho colaborativo
contínuo suportado por uma liderança transformacional» (Orvalho & Alves, 2016, p.145), foram lançados
desafios e desenvolvido trabalho coletivo e individual, tendo em vista a inovação das práticas educativas,
«balizada pelas melhorais que [a escola] quer implementar, combinando a pesquisa (teoria), com a prática da
aprendizagem colaborativa, centrada na sala de aula e ou empresa (FCT e PAP)» (Orvalho & Alves, 2016,
p.155). Esta formação representou um marco no que se refere ao paradigma de ensino e aprendizagem na
EPA-Carvalhais/Mirandela tendo sido a “pedra de toque” para um virar de página naquela que é a história da
Escola.

O percurso
O caminho iniciou-se com a predisposição de todos para a mudança, através do compromisso
individual de renovação e de motivação intrínseca para rasgar com o convencional, abrindo portas para a
inovação organizacional e pedagógica, «partindo do reconhecimento dos talentos, pontos fortes-prouds e dos
pontos fracos-sorries de cada participante (competências e qualidades pessoais), define-se um plano de
melhoria com base no compromisso na mudança» (Orvalho, L. & Alves, J.M., 2016. p.155).
Os primeiros passos foram dados timidamente tomando os professores consciência de que se teria
que construir um documento, que assumiu a forma de um e-referencial, que respondesse a um conjunto de
questões que foram consideradas pertinentes no Ensino Profissional e que dessem resposta a alunos,
encarregados de educação, professores e parceiros da EPA-Carvalhais/Mirandela. Os passos seguintes
foram sustentados pelas sugestões e propostas apresentadas em pequeno e grande grupo para a elaboração
do Plano de Melhoria. Neste sentido, o documento determinou as diferentes ações e respetivas metas a

1168
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

desenvolver, com as várias lideranças da Escola e elementos do corpo docente, com o intuito de promover a
melhoria das aprendizagens de todos os alunos e o sucesso educativo.
Nesta caminhada, depressa se deparou com a necessidade de modificar o processo de ensino e
aprendizagem em contexto de sala de aula. Desenvolveram-se tertúlias sobre ensino estratégico,
diferenciação pedagógica e avaliação formativa, envolvendo os professores em formação, com base na
análise e discussão pedagógico-didática de obras de referência naquelas áreas (Ferreira, 2007; Roldão,
2010b; Tomlinson, 2008).
Com base no modelo de diferenciação pedagógica desenvolvida por Tomlinson (2008), os
professores diagnosticaram estilos de aprendizagem e inteligências múltiplas nos seus alunos (Lopes & Silva,
2010) e planearam o desenvolvimento curricular diferenciando o conteúdo, o processo e o produto das
aprendizagens. Num dos casos, realizaram-se três aulas com estratégias de ensino diferenciadas em
codocência, com base nas quais se produziu um estudo de caso relatado em artigo científico apresentado no
VII Congresso Mundial de Estilos de Aprendizagem, realizado no Instituto Politécnico de Bragança, nos dias
4, 5 e 6 de julho de 2016 (Portugal, Moreno & Orvalho, 2016).
Foi igualmente desenvolvido um seminário sobre aprendizagens baseadas em projetos, dinamizado
pelo segundo autor deste artigo, professor de Área de Integração (componente de formação sociocultural dos
Cursos Profissionais) e um professor de Tecnologias e Processos e Aplicações de Mecatrónica (componente
técnica), no qual se refletiu, por um lado, sobre os princípios organizadores da metodologia de projeto e, por
outro lado, sobre projetos levados a efeito na escola e o que, e como melhorar em futuros projetos de
aprendizagem.
O e-portefólio foi também uma ferramenta de ensino, aprendizagem e avaliação formativa trabalhada
pelos professores, conscientes que esta metodologia facilita a aprendizagem e a avaliação integral dos
alunos, refletindo sobre as suas competências e atitudes ao longo do percurso e sobre as atividades que mais
contribuíram para este crescimento pessoal. O portefólio eletrónico permite avaliar o processo (para além do
produto), permitindo a sua consulta em qualquer lugar onde haja Internet. Como tal, representa um
instrumento de avaliação que permite aceder a evidências de capacidades e conhecimentos que não seriam
de igual modo observáveis através de outras formas de avaliação (Bernardes & Miranda, 2009; Neves &
Ferreira, 2015). O e-portfólio, como ferramenta essencial no apoio à aprendizagem, planificando atividades
com mostras reais e atuais que permitam despertar a atenção, desenvolver a compreensão auditiva,
antecipar, selecionar e relacionar informação, fazer inferências, estimular o pensamento, a imaginação,
desenvolvendo assim também, processos de autorregulação das aprendizagens.
Em suma, a utilização das novas tecnologias, em particular do e-portefólio para a avaliação das
aprendizagens de forma contínua e continuada (tendo em vista uma avaliação formativa e formadora com
feedback imediato e em tempo real), pode melhorar as aprendizagens no Ensino Profissional.
Ao longo desta caminhada, houve a necessidade de reformular e avaliar as dinâmicas desenvolvidas
através de uma avaliação contínua e formativa, contemplada nos objetivos gerais e específicos. Ainda que
de forma inacabada toda esta caminhada culminou numa apresentação pública, no Seminário Final de
Avaliação da Oficina, sob a forma de Tertúlia Regional, “Colaborar para Inovar no Ensino Profissional”,
realizada no dia 19 de julho de 2016, em Carvalhais/Mirandela, onde estiveram presentes todos os atores
organizacionais desta ação, bem como entidades externas e parceiros estratégicos.

1169
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONCLUSÃO
O Ensino Profissional, dada a sua especificidade e as características distintivas e inovadoras da
estrutura curricular modular, exige constantes adequações, quer ao nível do processo, quer ao nível do
produto, daí ser imperioso a dimensão colaborativa e cooperativa de todos os agentes educativos para atingir
com êxito a praxis educativa revista na missão, visão e valores institucionais da EPA-Carvalhais/Mirandela.
Perante os desafios iniciais os professores sentiram a mudança. Inovaram? Se entendermos a
inovação como mudança de atitude e saída da área de conforto, então terá sido efetivada, através de
introdução de novas metodologias, práticas pedagógicas e instrumentos avaliativos conducentes ao sucesso.
O que se observou é a que os professores parecem entender que a direção a tomar deverá ser aquela
caracterizada pelo trabalho de pesquisa contínuo e partilha de práticas educativas, no desenvolvimento do
que se considerou ser um processo de comunicação sem preconceitos em busca do saber e do saber fazer,
num espaço em constante mutação, e que exige aos professores capacidades de observação, de
questionamento e de adaptação relativamente às diferentes realidades experienciadas.
Será importante realçar, do mesmo modo, que um sistema de ensino que promulga o uso das novas
tecnologias a favor da concretização de uma aprendizagem efetiva, não poderá negligenciar a formação
contínua dos seus professores e continuar a protelar a renovação e a atualização dos espaços de
aprendizagem, tendo como responsabilidade máxima proporcionar a criação/inovação.
Perante os desafios e exigências colocados à Escola – e para que esta possa contribuir com respostas
eficazes e eficientes e adequadas à complexidade de que estes se revestem – é imprescindível poder contar
com docentes que acreditam no seu poder e nas suas capacidades de (trans)formação, de (re)criação e de
(auto)regulação da sua prática. Assumindo o desenvolvimento profissional docente simultaneamente como
motor, processo e produto da ação pedagógica, os professores apontaram três dimensões que consideraram
centrais nesse desenvolvimento: era digital, liderança transformacional e trabalho colaborativo.
Cientes da dificuldade de avaliar o real impacto da formação contínua na ação profissional dos
professores, do que se observou pode, ainda assim, concluir-se que as estratégias de formação se
constituíram em oportunidades de mudança organizacional e incremento do desenvolvimento profissional,
embora não sem constrangimentos, sobretudo sob a forma de resistências, objetivas e subjetivas,
evidenciadas pelos agentes envolvidos. Este testemunho foi apresentado na publicação on line, Desafios 18,
Cadernos de Trans_formação, de dezembro de 2016, da Faculdade de Educação e Psicologia, SAME,
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1172
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

FORMAÇÃO DOCENTE: INTERFACES ENTRE A PERCEPÇÃO DOS ESTUDANTES


DE PÓS-GRADUAÇÃO E SEU AMBIENTE EDUCATIVO
[ID 129]

Jaqueline Salanek de Oliveira Nagel


Maria Beatriz de Castro Silva Bruce
Romilda Teodora Ens
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
jaquenagel@gmail.com; prof.mbeatriz@gmail.com; romilda.ens@gmail.com

Resumo
O presente trabalho tem por objetivo apresentar um estudo das percepções sobre formação docente de
estudantes de um programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Educação. Na tentativa de desvendar as
imagens representativas que emergiram nas respostas à indagação “Com base no processo de sua formação
no ensino superior e suas experiências práticas, como você percebe a formação de professores?” de 16
desses estudantes. As respostas escritas pelos sujeitos foram analisadas à luz da abordagem da
fenomenologia hermenêutica. Para a interpretação dos dados foi utilizado o software IRAMUTEQ (2009) para
a identificação não só das palavras e ideias que congregavam com maior força as demais (árvores de
similitude), como para expressar figurativamente essas associações (nuvens). Os resultados evidenciam
perspectivas diferenciadas acerca dos processos de formação docente assinalam para aspectos formativos
deficitários vivenciados, apontam para a necessidade de formação continuada, esta com caráter
compensatório. Alguns relatos expressam que a formação continuada carrega entre suas marcas e de modo
singular a imagem de um profissional fragilizado acadêmica e socialmente, seja porque sua formação inicial
se consolidou distante da realidade da prática na qual exercem seu ofício, ou mesmo não os instigou à
refletirem sobre suas práticas educativas e para a função social que desempenham enquanto profissionais.
Não obstante, reconhecem diferenças entre instituições de ensino superior, responsáveis pela formação
profissional de docentes. Pelos relatos, nota-se que o percurso das formações dos professores é diferenciado
e que valorizam a formação continua como necessária pelos subsídios que fornecem para a prática
profissional. Conclui-se quanto à necessidade de se envidarem esforços para superar o desafio para a
conscientização dos professores da necessidade de formação contínua sob distintas modalidade/formas,
como passo inicial para estar e ser professor, de modo a que consolidem seus processos identitários pessoais
e profissionais, bem como ampliem seus saberes, por exemplo, por ações coletivas como tentativas de
resposta, construídas dialogicamente entre os que partilham o contexto social e cultural vivenciado pelo
profissional em seu cotidiano escolar.

Palavras-chave: Ambiente Educativo, Formação Continuada, Formação Docente, Relação Pedagógica,


Pesquisa.

Résumé
Ce travail a pour but celui de présenter une étude des perceptions sur la formation des enseignants auprès
les étudiants d’un programme du Post-Grade Stricto Sensu en Éducation. En essayant de dévoiler les images
représentatives qui ont émergés des réponses à la demande : «Fondés sur le processus de votre formation
supérieure et sur votre expérience pratique, comment voyez-vous la formation des enseignants?» de 16 de
ces étudiants. Les réponses écrites par les sujets ont été analysées sous la perspective de l’approche de la
phénoménologie herméneutique. Pour l’interprétation des données, le software IRAMUTEQ (2009) a été utilisé
non seulement pour identifier les mots et les idées les plus fortes que les autres (arbres de similitude), mais
aussi pour exprimer figurativement ces associations (nuages). Les résultats montrent des perspectives
différenciées à propos du processus de formation des enseignants, des aspects formatifs déficitaires
expérimentés et la nécessité d’une formation continue, celle-ci en caractère compensatoire. Certains rapports
expriment que la formation continue porte entre ces marques et d’une manière singulière l’image d’un
professionnel académique et socialement fragile, soit parce que sa formation initiale a été consolidée loin de
la réalité de la pratique de l’exercice de la profession ou même parce qu’il n’a pas été encouragé à réfléchir
sur ses pratiques éducatives et sur sa fonction sociale en tant que professionnel. Cependant, ils reconnaissent
les différences entre les établissements d’enseignement supérieur responsables pour la formation des

1173
A Escola: Dinâmicas e Atores

enseignants. Les rapports, ont montré que le parcours de la formation des enseignants est différencié et que
la formation continue devient nécessaire en raison de ses subventions fournies à la pratique professionnelle.
On conclut sur la nécessité de faire des efforts pour surmonter le défi de sensibiliser les enseignants sur la
nécessité d’une formation continue en différentes formes comme un premier pas pour être enseignant de
façon à consolider leurs processus identitaires personnels et professionnels ainsi qu’à élargir leurs
connaissances, par exemple, par des actions collectives en tant qu’essais de donner de réponses construites
dialogiquement parmi ceux qui partagent le contexte social et culturel expérimenté par le professionnel dans
sa routine scolaire

Mots-clés: Environnement Educatif, Formation Continue, Formation des Enseignants, Relation Pédagogique,
Recherche.

INTRODUÇÃO
Esse estudo apresenta a imagem da formação de professores a partir do relato das experiências de
dois grupos de estudantes em uma formação Stricto Sensu em Educação. Os estudantes em questão são,
em sua maioria, professores atuantes em sala de aula ou gestão pedagógica e buscam o aprimoramento de
sua função na continuidade de sua carreira.
O aporte metodológico utilizado foi o da fenomenologia hermenêutica, a partir da seguinte questão
proposta: “Com base no processo de formação vivenciado na educação superior e em suas experiências
profissionais, descreva como percebe e em que se constitui a formação de professores?”.
A adequação ao recurso metodológico está pela intenção de analisar os dados em possíveis nexos
proximais dos grupos pesquisados em uma imagem comum. Para tanto, buscou-se a associação das palavras
em aproximação léxica com relação à frequência das palavras pronunciadas pelos sujeitos envolvidos.
Estudos sobre as percepções dos professores se faz pertinente ao reconhecer a relevância desse
profissional no contexto escolar, tanto como agente transformador nos espaços educativos, como autor de
seus caminhos formativos ou mesmo como aqueles que conhecem as necessidades do ambiente educativo.
Segundo a base teórica da Comissão Internacional sobre Educação do século XXI, a educação torna-
se indispensável aos ideais de desenvolvimento humano e o professor situa-se como elemento significativo
nesse processo. Existe o reconhecimento de que são cobradas tarefas de base pedagógica quase impossível
aos docentes, tal como formação de caráter moral e espiritual das novas gerações e o entendimento de que
o ambiente escolar necessita agregar atitudes reflexivas para direcionamento qualitativo da educação,
começando pelo papel desempenhado pela docência nas diferentes situações vividas na escola.
Formações docentes, em especial as continuadas, são identificadas como necessidade quase
obrigatória aos professores, haja vista os problemas encontrados no espaço escolar da atualidade, ainda que
os efeitos não se façam expressivos na prática pedagógica diária. Estabelecidas principalmente a partir dos
anos noventa pela concepção pedagógica crítico-reflexiva e inserção direta no ensino superior, essas
formações, têm na imagem de que o professor o sujeito transformador de suas próprias práticas, elemento
ativo e reflexivo que será capaz de exercer seus saberes e construir-se de maneira autônoma a partir de sua
realidade (Gatti, 2009). De forma crítica, Estevão (2015) percebe que as formações continuadas possuem
elementos de uma política de esvaziamento das relações democráticas, sendo a escola um lugar de várias
vozes e mundos que definem sua realidade organizacional. Nesse ambiente o trabalho do professor se faz a
margem da organização do sistema.
O conceito de formação docente é compreendido em Marcelo Garcia (1989) como conjunto de
experiências que ocorrem dentro de uma determinada estrutura, na qual “experiências não ocorrem no vazio.

1174
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Ocorrem num mundo social, físico, psicológico, etc. determinado. Desse modo, as experiências ocorrem em
indivíduos e grupos que possuem ‘estruturas conceptuais’ que dão sentido a tais experiências” (p.40).
Segundo o autor, métodos tradicionais não estão adequados à demanda da prática que a docência
necessita, uma vez que desconsideram as peculiaridades da escola, as diferenças e o necessário elo da
coletividade. Assim, o termo “formação de professores” assume características de que aprender é manter
relações de funcionalidade com o ambiente em que se encontram. O conceito se estabelece na capacidade
do sujeito em adquirir experiências, modificar condutas ou mesmo refletir de modo contextual e interventivo
pelas relações no/com o meio em que se encontra. Em outras palavras, cabe ao indivíduo à ativação e
desenvolvimento do seu processo de aprendizagem, o que implica relações diretas com seu contexto social
(Vaillant & Marcelo 2012).
Para Aguerrondo (2003) as formações de professores são produtos decorrentes das necessidades e
demandas da sociedade atual, de um quadro social complexo em que os professores ocupam posição em
destaque e são desafiados a buscar novos conhecimentos pelo cenário profissional em que estão. O que
decorre é que muitas vezes os professores não se sentem capacitados para atuar nas escolas. Por isso
mesmo, ações de cunho coletivo seriam significativas, uma vez que agem como resposta às características
de um quadro social compartilhado.
A formação docente torna-se alicerce para enfrentamento das dificuldades encontradas no contexto
do espaço escolar onde os professores são chamados para um conjunto de funções ou papéis, muitas vezes
indefinidos ou estendidos, que colocam em discussão se estariam num movimento de reinvenção do
profissional em formação. Para Ens, Donato & Ribas (2015), citando Morgado (2005), em face de
complexidade e desafios do mundo e da escola, a atuação docente requer uma gama de conhecimentos
próprios e de atividades ao que chamariam de “profissionalidade”. O termo se faz entendido como processo
interno para cada pessoa e mobiliza-se em diferentes atividades que o profissional consegue desempenhar
ou conjunto de aspectos específicos da ação docente. Com isso, na formação do professor está a base para
enfrentamento das situações vividas no contexto escolar, mas esse mesmo contexto será capaz de produzir
o alargamento de suas funções.

FORMAÇÃO, AMBIENTE E PROCESSO IDENTITÁRIO


O contexto escolar proporciona diversas experiências por quem o vivencia e, neste ensejo, acontece
à formação do professor. A formação contínua acompanha o processo indenitário, que de acordo com Pimenta
(1996) é um processo com “caráter dinâmico da profissão docente como prática social” (pp.75-76), pois é a
partir da leitura crítica que o profissional tem da sua realidade que surgirá a possibilidade de modificá-la. Logo,
a visão crítica, oriunda da relação entre a teoria e a prática do professor, oportunizará inferências no ambiente
escolar. A formação contribui para pensá-lo e repensar da própria prática, auxiliando a compreensão de todos
os aspectos que a legitimam.
Ainda como destaque, Pimenta (2005) apresenta que a função da escola é formar cidadãos com a
capacidade crítica para uma sociedade plural, que muitas vezes esbarra na falta de estruturação do trabalho
docente e da vida da escola, onde professores criam resistências às pressões que eles sofrem pelo contexto
social e institucional, obrigando-os a limitar suas análises e preocupações somente com problemas de sala
de aula.

1175
A Escola: Dinâmicas e Atores

Para Freire (2001, 2012) no jogo das relações com o outro o ser marca, assim como se deixar marcar
socialmente e assim a criticidade será entendida como fator de preponderância na escola ao se estabelecer
em aspectos humanos pela eminência das relações. A educação estabelecida pelo sentido da organicidade
necessita substituir qualquer artificialidade e passividade por conhecimento. Isso inclui o conceito de ambiente
educativo com qualidade: valoração das experiências, profundidade na interpretação de problemas, gosto
pelo debate, historicidade e busca dos elementos culturais contidos. A posição cada vez mais crítica diante
de seu contexto torna a escola plástica. A chamada transitividade crítica trazida por Freire (2001) posiciona a
instituição de maneira não centralizadora de forma a crescer democraticamente.
A função da escola de formação docente apresenta recursos de uma política que se faz de modo a
não atender o desenvolvimento da criticidade e pesquisa de uma realidade a qual o professorado precisa
viver. Ens, Ribas & Donato (2015) percebe que o processo de preparação ao magistério tem-se voltado a
atender as necessidades do ideário neoliberal e de uma política que ainda não estabeleceu padrões mínimos
de qualidade frente aos desafios das escolas. Ao trazer Saviani (2009), afirmam que no contexto brasileiro, a
profissionalização docente enfrenta redefinição, diversificação e alargamento de suas funções. Pelos dados
de pesquisa das autoras, a imagem representativa dos professores sobre os sentidos atribuídos aos
professores às contribuições da formação inicial envolve o estabelecimento de uma formação em bases
teóricas e certo distanciamento metodológico entre teoria e prática; didática representada como contributo
burocrático e dicotomização entre os conteúdos e vivências. As representações se voltam para as dificuldades
no enfrentamento vivenciado no espaço educativo pelo modelo de formação fragilizado. Além disso, um dado
relevante está na não correspondência aos próprios interesses dos futuros professores e mesmo dos
docentes que já se encontram em exercício. Além disso, a cobrança social imposta à docência incide
diretamente em sua identidade, pois “a sociedade vem cobrando da escola uma racionalidade do saber ao
responsabilizar os professores pela funcionalidade da escola, sem refletir sobre o que existe por trás de todas
as incumbências impostas à escola” (Ens, Donato & Ribas, 2015, p.166).
Percebe-se que o fato de uma política voltada somente para o mercado preconiza somente na teoria
o respaldo de critérios reflexivos e críticos, mas na verdade reduz-se os níveis de consciência política ao
enfraquecer a construção da identidade do profissional.
Em contributo, Freire (2001, 2012) chama de “inoperosidade” da educação a desvinculação da
experiência real e do respaldo acrítico, vertical e assistencialista em que não há responsabilidade e decisão.
Gestos que resultam em passividade e domesticação terminam por relacionar ao sentimento de culpa por não
conseguirem dar conta do “alargamento de suas funções docentes, o que vem repercutindo significativamente
na profissionalidade docente” (Ens, Donato & Ribas, 2015, p.164).
Para Aguerrondo (2012) os princípios fundamentais para a qualidade do ambiente educativo se
agrupam em duas dimensões: uma exógena que se expressa pelas definições políticas e ideológicas que
definem os fins e objetivos do próprio sistema e outra que se expressa em requerimentos concretos ou
fenomenológicos, sendo esses últimos como algo que se vê materialmente e se estabelece em acordos e
definições firmados e opções escolhidas entre os que vivenciam o contexto. Explica o teor da qualidade da
aprendizagem pelos vieses reflexivos dos participantes desse processo.

1176
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PERCURSO METODOLÓGICO
A metodologia escolhida para a realização deste trabalho tem como base a fenomenologia
hermenêutica, destacada por Crewswell (2014) como a descrição de um “significado comum para vários
indivíduos das suas experiências vividas de um conceito ou um fenômeno” (p.72). O fenômeno escolhido foi
o processo de formação de professores, a partir das experiências profissionais e formativas no ensino
superior.
Sabe-se que a fenomenologia parte da estrutura básica da intencionalidade, o que significa dizer que
há uma relação de busca às respostas que se pretende estudar, ou seja, não há neutralidade por parte do
pesquisador, pois este seleciona previamente aquilo que pretende conhecer (Garnica, 2011). Parte-se de uma
experiência singular para a universalidade, numa atitude de reflexão, ou seja, a linguagem dialética se baseia
tanto no procedimento prático, quanto na apreensão do pensamento (Trivinos, 2011).
A questão norteadora da pesquisa já mencionada teve o intuito de explorar as percepções dos
professores em formação continuada e a relevância deles no ambiente educativo escolar.
Do grupo pesquisado, foram 10 sujeitos na primeira pesquisa e 8 da segunda, totalizando 18
participantes. Os grupos participavam de um programa de pós-graduação em Educação, professores atuantes
em sua maioria.
As perguntas estavam impressas em uma folha de papel ofício e foram entregues aos pesquisados
numa relação direta no ambiente em que buscavam a extensão de sua formação acadêmica.
Após a coleta dos dados, foi elaborado o corpus textual para os dados serem rodados no programa
IRAMUTEQ, onde foi delineada a análise de similitude e a nuvem de palavras a partir da análise léxica do
corpus. Os dados colhidos foram transcritos em sua totalidade, sem negação de nenhuma parte observada.
O software IRAMUTEQ – Interface de R pourles Analyses Multidimensionelles de Texteset de Questionnaires
é um recurso que viabiliza a imagem de aproximação léxica com relação à frequência das palavras
pronunciadas com a finalidade de desvendar a fala comum do grupo observado. Sua vantagem, segundo
Camargo & Justo (2013), está pelo rigor estatístico e a possibilidade de sua utilização em diferentes recursos
técnicos.

FORMAÇÃO CONTINUADA E AMBIENTE EDUCATIVO: AS PERCEPÇÕES DOS


ESTUDANTES
Da análise das percepções sobre a formação profissional, tanto inicial quanto continuada, e pelos
dados colhidos, percebe-se a imagem caracterizada pela busca de conhecimentos que se façam relacionados
à função social que desempenham ou buscam desempenhar.
A pesquisa revela que a aprendizagem adquirida pela docência nem sempre se fez conectada aos
desafios vividos de sua função social, principalmente em sua formação inicial. Dessa forma, esse grupo de
estudantes, professores atuantes em sua maioria, reconhece que suas formações apresentam uma demanda
na tentativa de suprir certa carência de conhecimentos necessários para sua função, enriquecendo os dados
já identificados nesse estudo. Saberes, portanto, advindos das exigências do cotidiano escolar e social e suas
variáveis.
A formação continuada é considerada como uma necessidade permanente para o desenvolvimento
profissional. O processo de formação como algo constante, rigoroso e organizado, se expande por toda a
carreira docente, concebendo dinamicidade à carreira.

1177
A Escola: Dinâmicas e Atores

O texto de Nóvoa (1992) traz a reflexão acerca do processo de formação que


não tem valorizado uma articulação entre a formação e os projetos das escolas, consideradas
como organizações dotadas de margens de autonomia e de decisão de dia para dia mais
importantes. Estes dois ‘esquecimentos’ inviabilizam que a formação tenha como eixo de
referência o desenvolvimento profissional dos professores na dupla perspectiva do professor
individual e do coletivo docente (p.24).
O modelo hoje utilizado para a formação de professores está repleto de novas concepções, as quais
são suportadas pelo repertório de conhecimento a respeito da prática reflexiva, a produção de saberes e
práticas inovadoras (Magalhães, 2008). O professor é o intelectual crítico que participa ativamente do esforço
em desvendar o oculto, buscar a origem histórica e social daquilo que se apresenta a nós como “natural”, e
por conseguir captar e mostrar relações e experiências de valor educativo duvidoso.
O profissional precisa refletir a própria prática, de acordo com Nóvoa (1992):
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas),
mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção
permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar
estatuto ao saber da experiência (p.25).
O conceito de formação profissional e continuada pode ser de amplo aspecto ao apresentar
características diferenciadas. Pela pesquisa de Gatti & Barreto (2009), a partir dos indicadores do Censo de
Profissionais do Magistério da Educação Básica (2003), em que há certa sintonia com os relatos ao avaliar
que os elementos deficitários da formação atendem ao caráter compensatório, destinado a preencher lacunas
da formação inicial. Reformula-se, no desenvolvimento da prática docente em ação e perfaz a ideia de que o
próprio exercício pedagógico diário revela-se como uma espécie de formação.
A figura 1 mostra a nuvem de palavras gerada a partir do software Iramuteq, a partir dos dados
colhidos junto aos 18 estudantes/professores.
As palavras em destaque nas respostas foram: “formação” e “professor”. Merecem destaque para a
análise as palavras: “profissional”, “prático”, “aula”, “sala” e “processo”.
Sobre a palavra “profissional”, um dos participantes da pesquisa coloca em seu depoimento:
Profissão inicial – magistério voltado para questões do processo de ensino, o que me ajudou
muito, pois iniciei minha profissão na área de alfabetização.
No curso superior – pedagogia – havia um distanciamento entre o que eu vivia na escola, na
sala de aula, e o que eu estudava, aprendia e discutia na universidade. Tive o privilegio de
contar com a minha coordenadora pedagógica que contribuiu com a minha formação
profissional naquela época, discutia o meu plano de aula, as minhas atividades, propostas
aos alunos, bem como, sugeria outras e propiciava momentos de leitura e trocas entre os
professores (Aluno 01).

1178
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Figura 1 – Nuvem de Palavras Lexográfica


Em consonância com a fala do professor, Nóvoa (1992) corrobora que:
a formação pode estimular o desenvolvimento profissional dos professores, no quadro de
uma autonomia contextualizada da profissão docente. Importa valorizar paradigmas de
formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a
responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como
protagonistas na implementação das políticas educativas (p.27).
Por esse viés ressalta-se a perspectiva de um ambiente educativo se faz no desenvolvimento do
potencial humano, o que na tarefa docente seria a busca pela interpretação da realidade, avaliação constante
das ações e papel ativo no desenvolvimento de sua autonomia. Isso torna o ambiente propício à
aprendizagem de todos, ao que Alarcão (2001) vê como processo de experiências que nasce da necessidade
contemporânea dos problemas vividos no âmbito escolar. A ideia de ambiente educativo possibilita o
entendimento de um lugar que se constitui por seu formato interativo, capaz de refletir ou interferir nos
comportamentos e atitudes dos que ali se inserem.·.
A respeito do termo “prático”, Gatti (2009) destaca sobre a formação docente que “a qualidade da
formação inicial e do desenvolvimento profissional dos professores tem relação com a preparação dos
profissionais que atuam como formadores nesse trabalho, seu domínio conceitual e prático e seu
envolvimento e compromisso com a formação de educadores” (p.229).
No depoimento do Aluno 05, essa relação entre o formador e o estudante fica clara quando ele traz
que:
[...] percebo a formação de professores muito focada nos conteúdos científicos que ele deve
ensinar e pouco ou quase nada focada em disciplinas pedagógicas que produzam reflexão
sobre o que é ser professor e no seu papel como agente modificador de uma realidade social.
A metodologia em geral acaba sendo extremamente tradicional quando o professor é formado
e isso influencia na sua prática profissional, pois o aluno tende a repetir quando ensina, a
maneira como aprendeu. Como o ensino tradicional valoriza a reprodução de conteúdo e não
a produção e reflexão a respeito do conteúdo, a forma de ensinar se torna um ciclo vicioso
(Aluno 05).
O envolvimento do formador é fundamental na concepção de “aula” dos estudantes. No depoimento
do Aluno 06, aparece como o formador conduzia a aula:

1179
A Escola: Dinâmicas e Atores

As aulas que vivenciei, geralmente, eram opositivas - pouco dialogadas. Poucos seminários
desenvolvidos. Assim quando faço uma auto avaliação percebo minha fragilidade em me
expressar em público e até mesmo, o esforço que faço para escrever. Talvez se durante a
graduação, tivesse tido mais estímulo, com certeza seria hoje um profissional mais
desenvolvido e com mais segurança (Aluno 06).
O formador tem o papel de oportunizar a reflexão nos estudantes, pois, a relevância dada ao
pensamento prático dos profissionais é uma razão que influencia e determina a pratica de ensino (Marcelo
Garcia, 1992).
Em alguns relatos há a demonstração de um cenário no qual o professor percebe que sua formação
se consolidou de forma distante da realidade da prática em exercício ou não se desenvolveu de modo a
viabilizar a reflexibilidade de sua função social:
[...] conteudista e instrucionista, focada muitas vezes no “que” ensinar e no “como” ensinar,
desconsiderando muitas vezes outras dimensões relevantes relacionadas aos aspectos
epistemológicos, políticos, e sociais. Creio que o “para quê?” ensinar e o “para quem?” e
“para qual sociedade?”, nem sempre eram devidamente explorados. Percebo ainda uma
dissociação entre a teoria e a prática, bem como não havia especificamente, uma
preocupação de refletir na ação e sobre a ação (Aluno 9).
Percebo a formação de professores muito focada nos conteúdos científicos que ele deve
ensinar e pouco ou quase nada focada em disciplinas pedagógicas que produzam reflexão
sobre o que é ser professor e no seu papel como agente modificador de uma realidade social
(Aluno 5).
A palavra “processo” surge em vários depoimentos, como do Aluno 07:
A formação de professores se constitui em um processo contínuo, de maneira multidisciplinar.
É realizada com base na análise da prática, reflexão sobre suas ações, diálogo com teorias,
leituras e no ato de sua prática de docência. Esta baseada na necessidade do ensino, mas
também na compreensão dos fenômenos em que está inserido (Aluno 07).
Neste viés, Pimenta (2012) elucida sobre a construção identitária do professor, quando destaca o
caráter dinâmico da profissão docente: “a profissão de professor, como as demais, emerge em dado contexto
e momento históricos, como respostas a necessidades que estão postas pelas sociedades, adquirindo
estatuto de legalidade” (p.19). Pimenta (2012) ainda coloca que o professor
constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor conferem à
atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no
mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias
e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor (p.20).
Freire (2011) ressalta o ciclo gnosiológico que se estabelece pelo exercício inseparável entre ensinar,
aprender e pesquisar, enquanto o exercício crítico, ou curiosidade epistemológica, viabiliza a superação da
cultura da ingenuidade e pode mudar à qualidade da aprendizagem. O necessário diálogo que o professor
realiza, tanto em sua prática pedagógica como no enaltecimento de sua autonomia, prevê a bisca da
conscientização de si e dos seus alunos durante a realização de suas tarefas e reflexão dos resultados
apresentado numa relação intrinsicamente dialógica: pesquisar, refletir e buscar a autonomia. O que garante
a escola um espaço em que trabalhar e formar tomam dimensões similares (Freire, 2011; Nóvoa, 1992).
A figura 2 apresenta a Análise de Similitude das respostas dos estudantes.
A resposta para a questão explorada pelo Aluno 08 demonstra a relação entre as palavras “ser”,
“profissional” e “prática”, que estão ligadas de forma perene.

1180
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Percebo a formação de professores como um processo que se constitui no aprofundamento


da teoria em constante relação com a prática. Com base na minha experiência profissional
percebo que me envolvo mais com a prática principalmente por ter começado a atuar antes
de mesmo ingressar na educação superior. Foi no cotidiano da sala de ala que as
necessidades da formação foram surgindo, pois agia de maneira intuitiva e imitava meus
colegas mais experientes [...] Acredito que o aprofundamento e a formação continuada, no
meu caso, impulsionam na concretização de um trabalho docente mais consistente e
qualitativo. Comparando o inicio do processo da minha formação com o momento atual,
percebo que a maturidade e o conhecimento adquirido caminham de forma crescente e
precisam se refazer a cada dia (Aluno 8).

Figura 2 – Análise de Similitude


O depoimento evidencia a relação entre a identidade do professor – o ser – com a profissionalização,
agregando a prática ao processo de formação. Pimenta (2012) corrobora com a reflexão sobre a formação
de professores.
[...] a formação envolve um duplo processo: o de autoformação dos professores, a partir da
reelaboração constante dos saberes que realizam em sua prática, confrontando suas
experiências nos contextos escolares; e o de formação nas instituições escolares em que
atuam. Por isso é importante produzir a escola como espaço de trabalho e formação, o que
implica gestão democrática e práticas curriculares participativas, propiciando a constituição
de redes de formação continua, cujo primeiro nível é a formação inicial (p.33).
O processo de formação docente não deve ser desconsiderado do universo prático, uma vez que da
experiência ou dinâmica conjunta, contínua e permanente os saberes aprendidos tanto podem ser descritos,
como analisados por suas interações. A possibilidade da reflexão crítica pode permitir a docência transformar
sua prática pedagógica mediante a tomada de consciência dos valores e significados ideológicos da
instituição da prática cotidiana.

REFLETINDO
Na pretensa de buscar um recurso com capacidade de contribuir para novos conhecimentos
pedagógicos e elevação da autonomia e reflexão por parte da docência, parece convergir ao reconhecimento

1181
A Escola: Dinâmicas e Atores

de elementos como autonomia e reflexão são capazes de resultar em qualidade no sistema educacional, na
medida em que propiciam a elevação de aspectos gnosiológicos e epistemológicos por parte dos professores.
Os relatos aqui apresentados direcionam para o exercício inseparável entre ensinar, aprender e
pesquisar, aliado ao exercício crítico que viabiliza a superação da cultura da ingenuidade e pode contribuir
para a qualidade da aprendizagem das escolas em sua realidade prática, tal como os ensinamentos de Freire
(2011).
O diálogo que o professor necessita realizar para elevação de sua autonomia, ao tomar consciência
da realização de suas tarefas e refletir sobre os resultados de sua ação pedagógica, tornam-se elementos
significativos e uma forma de pesquisa pelos dados advindos do próprio ambiente em que os professores
estão. Desse modo, o conceito de formação será entendido não de forma isolada e sim de modo contextual
e relacional, no e com o contexto da prática pedagógica em exercício.
Caso permita superar o isolamento docente e a concepção de um local de trabalho com baixo valor
interativo e qualitativo entre pares, a escola passa a ser considerada como lugar de formação contínua. A
socialização implica uma fusão de aprendizagens, reelaborações conjuntas e elementos culturais agregados.
Pode-se viabilizar que a aprendizagem dos professores se caracteriza pelas relações estabelecidas em certo
momento social e cultural.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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1183
A Escola: Dinâmicas e Atores

POLÍTICAS PÚBLICAS DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR E


DESEMPENHO DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR
[ID 346]

Ana Nascimento
Belmiro Cabrito
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
amarnascimento@gmail.com; b.cabrito@ie.ul.pt

Resumo
São múltiplos os papéis que o Estado assume face à Escola, que dependem, nomeadamente, da missão que,
em cada momento histórico, lhe é cometida. Nesse sentido, o Estado desenvolve relações complexas com a
Escola, com vista à prossecução daquela missão. Independentemente da originalidade de cada ator, existe
algum consenso em considerar que, perante a Escola, o Estado assume os papéis de regulador, financiador,
garante de igualdade de oportunidades e, em algumas áreas, empregador. Por seu turno, a Escola, ao
ensinar; não discriminar; formar crianças, jovens e adultos de forma responsável e independente; apetrechar
os alunos de competências que garantam a sua independência e desenvolvimento pessoal, social e
profissional, responde às exigências que são feitas pelo Estado e pela sociedade. Esta relação complexa que
envolve múltiplos atores e situações é válida para todos os níveis de ensino pelo que falar de Escola é falar,
também, do ensino superior. Neste segmento educativo, concretamente no que respeita à oferta pública, o
Estado assume os mesmos papéis. No entanto, nas últimas décadas, tem-se assistido a uma reorganização
destes papéis, vindo o Estado a preocupar-se mais com os processos de regulação e demitindo-se
progressivamente do papel de financiador. Aquela reorganização poderá ter impacto no desempenho das
Instituições de Ensino Superior (IES), uma vez que ao verem diminuir as suas receitas oriundas do Orçamento
do Estado, as IES são forçadas a reorganizar-se no sentido de procurar receitas que colmatem as quebras
das receitas afetas pelo governo. Esta procura de novas fontes de financiamento poderá fragilizar as IES que
se tornam mais dependentes de stakeholders externos que seguem, também, os seus objetivos, e de que
poderá decorrer uma natureza mercantilista do ensino superior. Neste artigo apresenta-se um estudo de caso
múltiplo realizado na área metropolitana de Lisboa, no âmbito de um doutoramento, com bolsa da FCT, que
assentou, no seu estudo empírico, na realização de 37 entrevistas a dirigentes das IES e a patrocinadores,
com o objetivo de, com eles, discutir o papel do Estado perante o ensino superior, verifica o impacto das
novas políticas de financiamento das IES no cumprimento da sua missão e perceber como o Estado está a
desempenhar os papéis que tem perante estas instituições e, por arrastamento, perante a Escola e a
sociedade.

Palavras-chave: Estado, Regulação, Financiamento do ensino superior, Missão do ensino superior.

INTRODUÇÃO
Este artigo decorre da investigação no âmbito do doutoramento em Educação de um dos autores,
realizado no Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, intitulado “Financiamento do ensino superior
público português: diversificação de fontes” (bolsa de doutoramento da Fundação para a Ciência e
Tecnologia, referência SFRH/BD/84398/2012) e foi o tema levado a apresentação no XXIV Colóquio da
AFIRSE, Lisboa.

O ESTADO E A EDUCAÇÃO
A provisão de educação é dos maiores setores de atividade pública pelo o mundo e todos os países
agem como se o fornecimento dos padrões apropriados de educação estivessem próximos, em prioridade,
da defesa e segurança dos cidadãos (Hanushek, 2002). O final do séc. XX foi palco de rápidas mudanças
tecnológicas, com impacto nos sistemas capitalistas e mudanças com implicações a nível da organização e
do papel dos estados-nação, que alteraram algumas funções por forma a potenciar o crescimento económico

1184
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

nacional e ultrapassar a crise do estado, que conduziu ao aumento da desigualdade e exclusão social,
traduzindo-se na modificação do papel do estado na sociedade, especialmente a nível da concessão dos
direitos sociais (Bauer, 2008). No que concerne ao ensino superior (ES), estas mudanças aceleradas na
política, na economia e na demografia fizeram com que o ES e a ciência se tornassem instrumentos de
importância crescente nas economias políticas nacionais e as relações entre o governo e o ES foram
redefinidas, sendo este, alvo de crescente escrutínio e supervisão governamental e obrigado a redefinir-se e
competir em várias formas mercantis (Henkel, 2005). Apesar da presença do governo ser consensual na
educação, a extensão da sua ação e o grau de envolvimento são variáveis mesmo considerando que o nível
de educação e a sua qualidade contribuem para o bem estar dos indivíduos e que a educação tem um papel
muito forte nas economias nacionais, (Hanushek, 2002; Cabrito, 2002).

Estado, Governo e Políticas Sociais e Educativas


Para Höfling (2001), “estado” corresponde a um conjunto de instituições permanentes – órgãos
legislativos, tribunais, exército, e outras – que possibilitam a ação do governo. Para Della Porta (2003), o
conceito não está muito bem definido mas, genericamente, refere-se a um ordenamento político específico
que surgiu na Europa no séc. XIII, que se foi desenvolvendo até à formação do estado moderno, sendo um
fenómeno europeu. Para Schiera (1991, cit. por Della Porta, 2003), a conceção de estado envolve três
elementos: a) territorialidade do comando, mediante um processo de centralização territorial; b) obrigação
política, reconhece ao estado o monopólio de força legitima e c) desenvolvimento de uma burocracia pública,
vinculada ao respeito pelo estado de direito (2003, p.19). Höfling (2001), refere que ‘governo’ consiste num
conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organizações civis) propõe para
a sociedade como um todo e que configura a orientação política de determinado governo que assume e
desempenha funções de estado num período temporal. Políticas públicas referem-se ao estado em ação, que
implanta um projeto de governo através de programas e ações dirigidas a setores específicos da sociedade.
São da responsabilidade do estado, a sua implementação e manutenção a partir de um processo de decisão
que envolve órgãos públicos e agentes sociais relacionados com a política a implementar e assim, não podem
ser reduzidas a políticas do estado (Höfling, 2001).
Políticas sociais são ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo estado,
relacionadas com a redistribuição dos benefícios sociais para diminuir as desigualdades sociais e estruturais
produzidas pelo desenvolvimento socioeconómico, oriundas dos movimentos populares do séc. XIX, dirigidas
aos conflitos entre capital e trabalho, nas primeiras revoluções industriais (Höfling, 2001). Estas políticas
constituem-se como formas de interferência do estado de modo a manter as relações sociais de uma dada
formação social, com diferentes formas em diferentes sociedades e conceções de estado. Segundo Della
Porta (2003), foi a partir do séc. XX que as políticas sociais ganharam importância, e, numa primeira fase,
visou-se o alargamento da instrução, condição prévia para usufruto de direitos de cidadania e o
desenvolvimento de um sistema de instrução nacional a partir do séc. XIX foi apoiado por correntes como o
Iluminismo, como instrumento de educação, das correntes que se opunham ao poder da Igreja sobre o estado,
da burguesia, que pretendia uma força de trabalho qualificada e dos trabalhadores que viam a educação como
instrumento de emancipação. Os direitos sociais foram interpretados, segundo Della Porta (2003), como
resultado do desenvolvimento da burguesia, dado que o aumento da produtividade permite investir mais
recursos no bem estar dos cidadãos mas a redução de fontes de solidariedade (2003, p.66) (família, Igreja),

1185
A Escola: Dinâmicas e Atores

a maior esperança de vida associada à riqueza, a necessidade de trabalho qualificado, apelam a uma maior
intervenção do estado.
Höfling (2001), explica as opções em termos de políticas sociais nos estados capitalistas,
independentemente de um cariz mais liberal ou social democrata através de dois autores, um inscrito na
tradição marxista, Claus Offe, e outro na tradição liberal, Milton Friedman. Assim, Offe, analisa as origens das
políticas sociais do estado capitalista para a sociedade de classes, onde o estado atua como regulador das
relações sociais ao serviço da manutenção das relações capitalistas na totalidade e não ao serviço dos
interesses do capital, estando voltado essencialmente para o conteúdo das ações do estado. Assim, os
interesses que originaram as politicas sociais do estado capitalista situam-se no desenvolvimento do processo
de acumulação de capital e nas crises do capitalismo, as forças de trabalho podem ser destruídas e
ultrapassarem as competências dos atores em jogo para as ultrapassar. Nesta altura, as funções que
inicialmente pertenciam às esferas privadas da sociedade e que estavam fora da ação estatal (educação),
passam a ser desempenhadas pelo estado, ou seja, “em momentos de profunda assimetria nas relações entre
os proprietários de capital e proprietários de força de trabalho, o estado atua como regulador a serviço da
manutenção das relações capitalistas em seu conjunto” (Höfling, 2001, p.33). Esta função reguladora exerce-
se através da política social e assim o estado capitalista moderno providenciaria a qualificação de mão de
obra para o mercado de trabalho e através das políticas sociais, mantinha controlados os segmentos da
população não inseridos no processo produtivo (Höfling, 2001). O estado deve responder aos problemas
originados pelo sistema de acumulação capitalista, assegurando as condições para reproduzir a força de
trabalho, adequando quantitativamente as forças de trabalho ativas e passivas, e a reprodução da aceitação
desta condição.
Offe & Lenhardt (1984, cit por Höfling, 2001) apresentam dois esquemas argumentativos da ciência
política para explicar as origens das políticas sociais do estado, o primeiro baseado na teoria dos interesses
e necessidades, a partir das exigências da organização dos trabalhadores assalariados e o segundo, a partir
dos imperativos do processo de produção capitalista e das suas exigências de funcionamento. Assim as
origens da política social relacionam-se com um processo de mediação enquanto estratégia do estado, entre
interesses conflituantes.
No que concerne às políticas educativas, Offe (1984, cit por Höfling, 2001), interpreta-as de um ponto
de vista estratégico do estado no sentido de estabelecer o máximo de ações de troca para o capital e para a
força de trabalho, para maximizar a probabilidade de que membros de ambos os lados possam ser integrados
nas relações de produção capitalistas. Por se reportarem a diferentes grupos, o impacto destas políticas
sociais é influenciado pelo efeito de interesses diferentes que são expressos nas relações de poder. Além
disso, como refere Middleton (2001), o exercício da política raramente consiste numa atividade consistente
ou completamente racional e as políticas atuais representam “uma mistura de elementos diversos e
frequentemente contraditórios, influenciado por diferentes interesses, eleitorados e histórias institucionais”
(2001, p.540).
Para Höfling (2001), a conceção neoliberal da sociedade e do estado inscreve-se na tradição do
liberalismo clássico dos sécs. XVIII e XIX, sendo Adam Smith um marco no liberalismo económico e Friedrich
Hayek um marco do neoliberalismo e as posições de Milton Friedman identificam-se com este último. Ambos
teceram considerações sobre as relações entre o estado e políticas educacionais e a sua tradução em
programas governamentais. Para os economistas clássicos, o papel do estado estaria maioritariamente

1186
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

limitado à provisão de bens públicos essenciais como a defesa nacional, a manutenção da lei e ordem, a
definição e o reforço dos direitos de propriedade e o reforço dos contratos, mas Adam Smith aceitava o papel
do estado na provisão de educação e certos empreendimentos públicos e que as instituições deviam incluir
uma matriz de financiamento estável (Stiglitz, 2001). Assim, as teorias políticas neoliberais consideram as
funções do estado como a garantia dos direitos individuais sem interferências na vida pública nem na esfera
económica. Entre estes direitos estão o direito à propriedade privada, à vida, à liberdade e os meios
necessários para a efetivação destes direitos e, dado que o estado não concede propriedade, deve limitar-se
a arbitrar mas não a regular conflitos que possam emergir na sociedade entre disputas de classe. Por outro
lado, as teorias neoliberais defendem a posição “menos estado e mais mercado” (2001, p.36), criticam o
estado keynesiano, defendem a liberdade individual, a regulação pelo mercado e limitam a intervenção
estatal, ideias que ganharam força durante a crise da década de 70 e consideradas como saídas para a
mesma. São por isso defensores da iniciativa individual como base para a atividade económica e confiam no
mercado como regulador da renda e da riqueza. O papel do estado é de promoção de condições competitivas
para o exercício da liberdade individual e para os contratos privados e consideram autoritária a interferência
do estado nas dimensões sociais (Höfling, 2001).
Assim, para esta corrente, as políticas sociais do estado – ações que visam regular os desequilíbrios
da acumulação de capital – são consideradas barreiras a essa acumulação e responsáveis pela crise social,
dado que a intervenção estatal inibe a iniciativa privada, podendo eventualmente bloquear os mecanismos de
mercado que corrigem esses desequilíbrios. Aqui, o livre mercado é considerado como um mecanismo capaz
de gerar igualdade nas relações entre os indivíduos e das oportunidades no mercado de trabalho (Höfling,
2001). Considerando as políticas educativas, defendem que não é responsabilidade do estado a provisão
universal de educação pois um sistema educativo estatal compromete a possibilidade de escolha dos pais
para a educação dos filhos. Considera que o estado deve dividir ou transferir as responsabilidades educativas
com o privado de modo a aliviar os contribuintes (impostos) que financiam o sistema público de ensino sem
o utilizar, o que permitiria também alargar o leque de ofertas educativas e a escolha dos pais. Desta forma,
estimulava-se a competição no mercado educativo, mantendo os padrões de qualidade e a participação
estatal limitar-se-ia à entrega de cheques ensino aos necessitados, para adquirirem os serviços educacionais
no mercado à sua escolha e, caso o valor do serviço educativo fosse superior ao cheque, a diferença seria
paga pelas famílias. Esta perspetiva é entendida ainda como uma forma de redução dos custos do estado e
aumentar a eficiência (Höfling, 2001).

Papel do estado perante o Ensino Superior (ES)


Para Hanushek (2002), existem vários argumentos que, genericamente, justificam o nível de
envolvência governamental na educação como as externalidades, as economias de escala, falhas de mercado
em geral e razões de distribuição, sendo que perante estes motivos, torna-se pouco provável que as decisões
de cariz privado conduzam a soluções sociais ótimas. Para Barr (2002) o papel do governo é garantir que os
estudantes estejam bem informados sobre as escolhas possíveis do ES e que o governo constitui uma das
partes interessadas no ES, assim como os pais, os estudantes, as universidades e o mercado de trabalho.
Barr (2002), considera ainda que o papel do governo, do lado da procura, deve fortalecer a mesma, sendo
financiador parcial, pelos benefícios gerados através do ensino e da investigação; deve ser um facilitador para
a aquisição de recursos privados, organizador dos empréstimos dos estudantes, criando mecanismos que

1187
A Escola: Dinâmicas e Atores

possam fortalecer o consumo individual do ES e fazer face às falhas de mercado e promotor do acesso ao
ES, de modo a garantir a equidade, Do lado da oferta, Barr (2002) considera que o governo deve atuar como
regulador, de modo a garantir a qualidade do sistema de ES, mas este controlo de qualidade não tem de ser
intrusivo ou burocrático; deve ser promotor de iniciativas, alocando recursos para determinadas iniciativas ou
indivíduos; deve estabelecer um teto máximo para as propinas, deve intervir como ator para influenciar o nível
de competição. Refere ainda que o papel do governo é tornar possível a difusão do investimento educativo e
os seus custos equitativamente distribuídos (Glennerster, Falkingham & Barr, 1995). Barr (1998, p.37) propõe
dois modelos de organização do ES, considerando a intervenção do governo: a) modelo guarda noturno – em
que as universidades são livres de estabelecer o valor das propinas, sendo a intervenção do governo limitada
ao cálculo do número de bolsas e seu valor, estabelecidos com referência à visão política sobre a dimensão
e a eficiência do sistema de ES e a necessidade de contenção da despesa pública e b) modelo
intervencionista – o governo tem mais controlo, procedendo à alocação de recursos, como a distribuição de
bolsas pelas instituições mais pobres.
Hanushek (2002) refere que, para além das externalidades, existe um papel do governo na educação
relacionado com as falhas de mercado, sendo a mais premente as imperfeições do mercado de capitais no
sentido em que, se os indivíduos não podem financiar o seu capital humano, pode acontecer um
desinvestimento na educação. Depois, a questão da informação no aspeto em que os resultados dos
estudantes dependem de uma série de fatores interrelacionados como a capacidade dos estudantes, a
influência dos pais e amigos e a classificação das escolas (Cabrito, 2002). Para Hanushek (2002), a segunda
categoria que justifica a intervenção do governo na educação é a redistribuição, ou seja, se a sociedade tem
determinados objetivos para a distribuição da riqueza e padrões de bem estar, é improvável que o mercado
atinja esses objetivos. A partir deste pressuposto, o autor coloca duas questões. A primeira é que não existe
muita investigação sobre a natureza exata da intervenção do estado, por exemplo, se as externalidades estão
relacionadas com a qualidade da escolaridade ou apenas a uma quantidade mínima. Depois a questão de
que tem sido dada muito pouca consideração aos mecanismos apropriados para a intervenção
governamental, por exemplo, no caso de o governo pretender lidar com as imperfeições do mercado se deve
fornecer educação gratuita ou a baixo preço, dar empréstimos aos estudantes, gerir as escolas ou dar
cheques ensino aos alunos.
Mary Henkel (2005) considera que, em função das mudanças a que se tem vindo a assistir no contexto
do ES e na investigação, as relações entre o estado e o ES encontram-se em redefinição e as IES e os seus
membros estão sujeitos a um crescente acompanhamento e escrutínio por parte do estado e necessitam de
se relocalizar e competir em várias formas de mercado. A diminuição de financiamento público e o crescimento
e a diversificação da área de atuação das IES, tornou a necessidade de financiamento urgente, exercendo
uma pressão sobre estas instituições no sentido de gerir o novo ambiente político onde se enquadram mas
também rever as conceções sobre a sua missão, o seu papel, relações e as fronteiras de ação (Henkel, 2005).
Desta forma, e como refere Lima (2013), não quer dizer que o estado-nação “tenha deixado de ser um ator
relevante, mas que as suas fronteiras são agora mais porosas” (2013, p.12).

ENQUADRAMENTO DO ESTUDO: METODOLOGIA


Para compreender a política de diversificação das fontes de financiamento das IES portuguesas, esta
investigação pretendeu clarificar de que forma os seus dirigentes (conselhos gerais/ reitores/ presidentes/

1188
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

diretores das unidades orgânicas) interpretam a autonomia universitária e procuram fontes alternativas de
financiamento externo. O ponto de partida foi perceber qual o papel que a diversificação das fontes de
financiamento pode desempenhar no futuro do ES português; medir o contributo de cada fonte de
financiamento no orçamento total das instituições; verificar a forma de utilização desse financiamento; e
analisar o modo como as instituições gerem a sua autonomia num quadro de “abertura” ao financiamento
externo. A escolha da área geográfica da investigação – as IES da Área Metropolitana de Lisboa, deveu-se
a: a) n.º de IES existentes nesta área; b) é a região com maior peso no total da população nacional; c) o n.º
de inscritos no ES público é o mais elevado (cerca de 37% do total de alunos, GPEARI, 2011). A investigação
decorreu em três fases. Na primeira, uma pesquisa documental sobre o tema. Na segunda utilizou-se a
abordagem de estudo de caso múltiplos (Arnal et al Cit. por Morgado, 2012) ou coletivos (Stake, 1999, cit. por
Morgado, 2012) e as conclusões obtidas se referem a um contexto mais abrangente, podendo uma grande
variedade de formas (Bogdan & Biklen, 1994). Nesta investigação cada IES é um caso e para os explorar
utilizou-se uma abordagem qualitativa, através de entrevistas semi-diretivas ou semiestruturadas (Stake,
2007, p.81). Após as entrevistas, identificaram-se financiadores, que foram entrevistados, o que permitiu
perceber as razões subjacentes a esses financiamentos, os objetivos desta forma de “ajuda”, as razões de
escolha pelo financiamento de determinada instituição e possíveis exigências às instituições financiadas. As
entrevistas foram analisadas através de análise de conteúdo (Bardin, 1979) e foi feita uma triangulação (Stake,
2007) dos dados. Num terceiro momento, após a triangulação, proceder-se-á à redação do relatório final.

Resultados
Institutos Superiores Politécnicos
Quanto ao papel do estado sobre o ES, os entrevistados consideram que o estado deve ser regulador,
dois entrevistados consideram que é o seu papel por excelência, dado que o estado deve regular o que
financia. Quanto ao grau de regulação, alguns entrevistados consideram que deveria existir menos legislação
e que as IES deveriam ter mais autonomia para definir as regras internas. Outros referem-se à necessidade
da regulação ter que ser feita de forma isenta e não ceder a pressões, caso existam. Referem que o estado
não tem sido muito competente na regulação e dão como exemplo a expansão desordenada do ensino privado
e a proliferação de cursos no ensino público. Deve regular também a nível da definição de estratégias de
desenvolvimento, de visão de sociedade e, neste caso, a visão da direção do ES, da educação, as relações
com instituições internacionais, a adequação da oferta do ES às necessidades do mercado de trabalho.
Os entrevistados consideram que o estado deve financiar o ES público, na quase totalidade ou na
maior parte, para garantir a igualdade de oportunidades pois se não financiasse, as propinas teriam o valor
real e a maioria da população não podia frequentar o ES e também garantir a existência e a manutenção de
cursos sem muita procura, mas que são essenciais (filosofia). No entanto, alguns consideram que as IES
também têm que procurar receitas nas parcerias, prestações de serviços e projetos que devem responder a
necessidades regionais, “obviamente que estes fundos angariados podiam ser utilizados para investimentos
nas próprias instituições… não só com o único objetivo de ganhar dinheiro mas prestar serviços para participar
no desenvolvimento da região”., uma vez que o estado não tem capacidade para suportar na totalidade o ES.
Todavia, alguns entrevistados referem-se aos cortes cegos no financiamento pelo estado, que asfixiam as
IES adiantando a necessidade de novas regras de financiamento; um crê que o estado deveria financiar os
alunos com melhor desempenho, reduzindo-lhes progressivamente a propina, como motivação.

1189
A Escola: Dinâmicas e Atores

O papel do estado como empregador surgiu na educação e na enfermagem considerando que a


ingerência do estado no número de vagas deveria exercer-se de outra forma e o estado deveria regular a
adequação da oferta à procura em termos de vagas.
Alguns entrevistados salientam o papel do estado como garante de igualdade de oportunidades, no
sentido de garantir condições a quem deseje prosseguir os estudos, proteger o direito à educação, as
minorias, os mais desfavorecidos. Nesta ótica, o financiamento deve ser dado às instituições, pois “… a
principal função do estado é essa igualdade de oportunidades, mesmo às vezes num ensino que possa não
ser muito rentável, tem que o assegurar, o que significa que tem que haver financiamento próprio para as
instituições e não necessariamente às pessoas…”

Universidades
A regulação do ES deve ser um dos papéis do estado: “regulador porque devia fazer as regras, fazer
a superintendência do cumprimento dessas regras e promover a avaliação… “. No entanto, para os
entrevistados o estado não é um bom regulador. É uma máquina burocrática pesada, complexa e muitas
vezes ininteligível, que coloca entraves constantes à dinâmica e à atividade das IES. A regulação devia ser
mais flexível e aberta, dando oportunidade a quem está no terreno, de decidir. A quantidade de legislação,
sobrepõe-se e contradiz-se, complicando e tornando pouco dinâmica a gestão das IES, principalmente a nível
financeiro:
estamos sempre a pensar, se calhar estou a fazer qualquer coisa ilegal porque sabemos que
deve de haver uma legislação que diz algo e que se calhar não devíamos estar a fazer assim
porque temos a noção e a ideia clara de que há regulação a mais… neste sentido em que
ela porventura não é muito transparente, não é muito clara e desgasta, só de falar nisso fico
cansado.
Os entrevistados entendem a necessidade de legislação, como consequência e necessidade de
prevenção de abusos, especialmente a nível financeiro mas
tem que haver um papel de confiança nas IES… não cabe ao estado dizer qual o
conhecimento que vai ser gerado. Ou seja, por vezes saem diretivas que dizem assim, as
áreas prioritárias de ensino são estas e estas. Deixem-nos a nós, que temos autonomia
científica mostrar que sabemos identificar as áreas prioritárias de formação (…) para esta
autonomia funcionar, acho que é papel do estado dar o máximo de autonomia administrativa
e científica e pedagógica às IES… ter autonomia e não ter dinheiro não me serve de nada,
ter autonomia e ter excesso de regulação.
O papel regulador também deve ser exercido na definição de prioridades e opções de investimento,
conforme a visão de desenvolvimento do país. Para alguns entrevistados, o estado deve ter um papel de
empregador, criando concursos anuais de emprego, com numerus clausus, e providenciador de serviços.
Certos serviços, na sua opinião, não deveriam sair do estado.
Todos os entrevistados concordam que o estado deve ser o financiador, embora não na totalidade,
responsabilizando o parcialmente as IES no sentido de angariarem receitas próprias mas consideram que o
financiamento pelo estado é imperativo para garantir a igualdade de oportunidades e ajudar os
desfavorecidos. Um entrevistado refere que os cortes deveriam ter sido mais faseados, para dar tempo de
adaptação às IES ao novo modelo e desenvolverem estruturas de angariação de fundos, o que leva tempo,
recursos humanos e materiais. No entanto, são vários os entrevistados que salientam o modo como as IES
se têm adaptado aos cortes sistemáticos, mantendo o funcionamento e a qualidade do ensino. Ao mesmo
tempo, a crise económica deve ser um tempo de reflexão em relação ao despesismo anterior. A falta de
financiamento cria constrangimentos na investigação, na falta de pessoal:

1190
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

… é um ciclo vicioso, gostaríamos de fazer uma coisa diferente mas depois com que meios?
Com que possibilidade é que temos de implementar algo ainda mais experimental ou algo
que tenha uma parte laboratorial … temos os problemas dos constrangimentos orçamentais
e vêm os problemas da falta de pessoas.
Para alguns entrevistados, o estado tem a obrigação de garantir a manutenção de certas áreas
mesmo que estas não tenham um retorno económico. Dois entrevistados referem-se à tradição europeia de
um ensino suportado pelo estado para justificar a continuação do seu apoio, dado ser uma cultura distinta do
modelo americano. Um entrevistado refere-se ainda à questão do brain drain, um investimento estatal que
depois é utilizado noutro país.
Para alguns entrevistados, o principal papel do estado, pelo financiamento é garantir a igualdade de
oportunidades, o estado social, corretor das clivagens económicas da sociedade. Deve proteger o direito à
educação, constitucionalizado, porque a universidade “… é pública mas não é estadual e é preciso perceber
que o que é público é o que é de todos” e deve garantir-se que ninguém é excluído por condições económicas
e garantir um sistema de ES de qualidade
… que permita que o país consiga depois alimentar a cadeia económica com qualidade, com
técnicos qualificados, com capacidade de organização, de iniciativa e inovação para produzir
bens e serviços que satisfaçam a necessidade local e internacional (…) o estado tem que
fazer é garantir que existe essa oferta, se não há privada, há pública. Uma vez montada,
devia mantê-la… a obrigação é, uma vez mantido o sistema, deve mantê-lo de uma forma
boa…
Deve promover o investimento na investigação por forma a estimular o desenvolvimento do país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O financiamento do ES público, como é percetível na literatura científica de várias partes do mundo,
é complexa e não consensual. Muitos cientistas sociais se têm debruçado sobre a questão. Para uns, o ES,
pelos efeitos privados produzidos, deve ser financiado pelos beneficiários. Para outros, pelas externalidades
positivas resultantes, monetárias e não monetárias, deve ser financiado pelo estado. Neste ínterim, outros
referem a necessidade de o financiamento do ES ser partilhado pelo estado, estudantes e sociedade, não só
pelas razões aduzidas pelos diversos investigadores mas, também, pela incapacidade que os estados têm,
hoje, de financiar, na totalidade, este segmento educativo. O mesmo se verificou na presente investigação.
Todos os entrevistados, ainda que em diferentes escalas, consideram que o estado deve ter um papel
regulador, deve ser um financiador ativo como forma de garantir o direito de todos à educação e maximizar a
igualdade de oportunidades de acesso e de permanência dos estudantes, numa palavra para garantir níveis
efetivos de equidade. Os entrevistados consideram ainda que o estado deve ser provedor de serviços,
empregador. No entanto, atualmente, referem que o estado, a nível de regulação e financiamento, tem
dificultado a dinâmica e atividade das IES, devido a um excesso de burocracia e de quadros legais que se
sobrepõem e que os cortes de financiamento têm sido abruptos, não permitindo às IES a adaptação a um
tempo de austeridade. Apesar disso, as IES têm respondido de forma positiva, mantendo a qualidade do
ensino e dos serviços.

REFERÊNCIAS
Bardin, L. (1979). A Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70.

1191
A Escola: Dinâmicas e Atores

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brasileira. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, 24 (3), 557-575.
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1192
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

DIÁLOGO DE SABERES: UMA PROPOSTA PARA ENSINO DE BIOLOGIA E QUÍMICA


[ID 152]

Rebeca Brandão Nascimento


Irlane Maia de Oliveira
Aldalúcia Macêdo dos Santos Gomes
Universidade Federal do Amazonas; Universidade Federal do Amazonas; Universidade Federal do
Amazonas
rebecabrandaon@gmail.com; irlanemaia@uol.com.br; aldalucia.gomes@gmail.com

Resumo
As escolas das comunidades ribeirinhas possuem ambientes naturais que proporcionam uma percepção
imediata da realidade diante da rica biodiversidade, seja dos rios ou da floresta. É correto dizer que essas
comunidades estão inseridas em um imenso laboratório vivo, então pensa-se que o ensino da biologia e
química constituem-se em importante ferramenta para alcançar um aprendizado facilitador e significativo, uma
vez que, ensinar a ciência nessas disciplinas é envolver os estudantes nas observações diretas e sistemáticas
dos fenômenos da natureza.
O presente texto apresenta os resultados de um estudo realizado no âmbito da Pós – Graduação, sob a
orientação da abordagem qualitativa e que objetivou apresentar uma das possibilidades de construir um
processo dialógico capaz de tornar saberes primevos em saberes escolares a partir do diálogo com o saber
científico utilizando como contexto central o peixe elétrico.
O processo dialógico é construído pelo método da história oral, transcrito e analisado pela técnica da análise
da conversa. O instrumento para o levantamento dos dados se deu a partir de entrevistas gravadas e a partir
disso realizou-se, de forma fidedigna, a transcrição das referidas entrevistas.
A pesquisa construiu um processo dialógico entre os saberes primevos com os saberes científicos buscando
a inovação metodológica do ensino de biologia e química e ressignificando a prática docente.
Os resultados da pesquisa forneceram subsídios para a elaboração de um plano de aula onde o elemento
que constituiu o conteúdo se deu a partir do contexto histórico cultural amazônico que tiveram como disciplinas
estruturadoras do diálogo, a Biologia e a Química.
O plano de aula denota uma inovação a começar pela postura do professor, uma vez que sai da sala de aula
e do livro e, vai à busca de novos sentidos na comunidade e ao retornar para a sala de aula é capaz de
ressignificar, não só a sala, mas o livro didático.
Portanto, diante desse enunciado é que a proposta torna-se relevante, uma vez que, a escola é um espaço
de retroalimentação dos saberes.
Diante dos resultados apresentados vislumbramos, também, possibilidades qualitativas no processo da
aprendizagem dos estudantes juntamente com a comunidade ribeirinha, uma vez que ambas têm a
possibilidade de tornarem-se protagonistas de um projeto de ensino onde todos são responsáveis por sua
aplicação.

Palavras-chave: Saber primevo, Saber científico, Saber escolar, História Oral.

INTRODUÇÃO
O Relatório Delors (1998) prescreveu quatro pilares para a educação do século 21, aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. Analisando as escolas do passado e a
do presente, parece que esses pilares ainda estão apenas na teoria, porém em voga nos discursos
educativos. Esses pilares visam definir novas abordagens no processo de ensinar e aprender, e para
desenvolver esses processos, os nossos professores, em sua maioria, seja na formação inicial, ou na
contínua, não estão sendo formados e capacitados para tal perspectiva, pois a formação ainda está afiançada
em currículos descontextualizados e desvinculados do contexto da escola se justificando em percepções
equivocadas, de que o melhor sistema é o que reprova. Assim, é mantido um ensino falido que só examina e
não avalia os processos do ato de aprender, mas o aqui e agora de conteúdos, que muitas das vezes, não

1193
A Escola: Dinâmicas e Atores

tem sentido para o estudante, e assim se evidencia a completa letargia na qual a escola se encontra. “Que
se trate dos poderes públicos, da sociedade, ou dos indivíduos, a dificuldade está em última análise, em
conseguirmos ultrapassar as tensões de sentido oposto, que afetam hoje em dia, muitas atividades humanas”.
(Delors, 1998, p.47).
Faz-se necessário proclamar a inovação escolar, convidando-a para se vê diante de seus muros,
percebendo, ouvindo a comunidade garimpando seus saberes para dialogar e formar uma comunidade de
aprendizagens que se entrelacem produzindo saberes.
Ressaltamos que muitos desses saberes estão cristalizados no ambiente escolar por cultuar apenas
a transmissão de informações. Portanto, ratificamos a importância de uma construção dialógica de saberes
para ampliar possibilidades e mobilizar a escola para romper com seu estado letárgico e se reconhecer como
espaço educativo de produção de saberes.
Essa mobilização deverá evidenciar os elementos culturais que podem catalisar mudanças
significativas na prática docente e no projeto político pedagógico com a pactuação de formar cidadãos para a
vida, onde a lógica do ordenamento social se pauta hoje na equidade social imbricadas no uso racional dos
recursos naturais e na revalorização da vida.
As escolas das comunidades ribeirinhas possuem ambientes naturais que proporcionam uma
percepção imediata da realidade diante da rica biodiversidade, seja dos rios ou da floresta. É correto dizer
que essas comunidades estão inseridas em um imenso laboratório vivo, e pensar que o ensino da biologia,
química e física poderá ter um aprendizado facilitador e significativo, uma vez que, ensinar a ciência nessas
disciplinas é envolver os estudantes nas observações diretas e sistemáticas dos fenômenos da natureza.
Porém, está inserido nesse laboratório vivo não vem tornando a aprendizagem facilitada e nem
significativa, essa afirmativa pode ser corroborada a partir da posição do Brasil no Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes – PISA, onde na sua última edição em 2012, galgamos a amarga posição do 59º no
ranking de ciências onde participaram 65 países.
A qualidade no ensino de ciências tem preocupações que somam desde a formação inicial e contínua
de professores, até suas metodologias. Portanto, essas dificuldades afetam diretamente a aprendizagem e
diretamente aos professores, pois os mesmos estão se desmotivando por reconhecer os baixos salários e a
desqualificação do ensino público, e com isso, torna a carreira menos atrativa.
Enquanto a melhoria salarial não se torna uma realidade, existem perspectivas para elevar a
qualidade do ensino a partir das inovações metodológicas onde os processos poderão ser compartilhados
com a comunidade, e uma das perspectivas se fundamenta na iniciativa do professor saber envolvê-la nesse
processo onde esse envolvimento poderá se constituir em um instrumento de superação da fragmentação do
conhecimento (Seniciato & Cavassan, 2004).
Para esse envolvimento o professor precisa reconhecer a importância dos saberes da comunidade
para construir o processo dialógico.
O objetivo desta pesquisa é apresentar uma das possibilidades de construir um processo dialógico
capaz de tornar saberes primevos em saberes escolares a partir do diálogo como saber científico o utilizando
o contexto central o peixe elétrico.

1194
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O ENSINO DE BIOLOGIA E QUÍMICA NA AMAZÔNIA


A Amazônia, também é reconhecida pela diversidade de saberes cultuados pela tradição dos povos
indígenas, pois foi a partir deles que aprendemos o saber da pesca, da agricultura, da astronomia, dos mitos
e das lendas, esses saberes são ensinados de geração em geração.
Ao pensamos sobre o Ensino de Biologia e Química, especificamente nos espaços escolares das
comunidades ribeirinhas percebemos, ainda, um ensino centrado na memorização de conceitos, transmissão
de conteúdos sem nenhum contexto na realidade local.
Sendo a Amazôniaculturalmente marcada pelos povos indígenas, hoje sua populaçãoé composta por
aproximadamente 200 mil índios, constituindo 81 etnias diferentes, em pleno domínio e uso de suas culturas
e línguas únicas.
A cultura amazônica é caracterizada por grupos de pessoas que habitam os interiores, as margens
dos rios, como características, esse modelo de vida representa experiência e conhecimento sobre as formas
de existência e de utilização qual estão inseridos (Cavalcante & Weigel, 2004).
Sabe-se que a Amazônia apresenta grande potencial em recursos naturais do planeta, muitos
estudiosos consideram seus ambientes naturais um grande “laboratório vivo” para desenvolver práticas de
ensino, pois sendo explorados de forma correta contribuem para a construção do conhecimento cientifico.
Um dos grandes desafios da educação atual é preparar os indivíduos para viverem dentro dos
contextos sociais, com conhecimentos de habilidades dinâmicos (Gouvea & Leal, 2001).
Para uma formação cidadã temos a responsabilidade de conservar a biodiversidade que nos cerca
para que o planeta se torne habitável. A inserçãodos estudantes em um ambiente com a biodiversidade
estabelecida cria-se vínculos criando laços orgânicos despertando a valorização da vida.
Com isso a promoção para a sensibilização aos problemas socioambientais contribuindo para uma
educação com o compromisso de formar pessoas sensíveis e solidárias, pessoas conscientes dos processos
da vida (Brasil, 1999).
Essa perspectiva do ensino para o contexto amazônico se delineia em um dos objetivos dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, “valorizar a vida em sua diversidade e a preservação dos ambientes”
(Brasil, 1999, p.86), pois estar-se-á promovendo a conservação de inúmeras espécies da flora e da fauna
amazônica ameaçadas de extinção.

Os saberes: primevo, científico e escolar


Sabe-se que as escolas transmitem um saber que a mesma não produziu, mas que se apropria como
verdade absoluta sem questionar, porque traz uma validação acadêmica.
Nas escolas parece usual não se dar voz à comunidade para que esta possa trazer seus saberes,
assim, continua propalando um ensino ahistórico, asséptico e descontextualizado da realidade escolar.
O saber primevo, também denominado popular, tradicional, ou ciência do povo – etnociência. É um
saber que não possui o status cientifico, não tem prestigio dentro da sociedade por estar ligado às práticas
do nosso cotidiano. Santos (2004) e Chassot (2008), dizem que esse saber será, foi ou está sendo um saber
científico. Um exemplo para ilustrar essa reflexão está nas pesquisas científicas sobre o uso de plantas como
remédiocaseiro.
O saber científico é um saber sistemático, construído sob a lógica de um paradigma dominante
objetivando corroborar suas teorias a partir de processos rigorososdo método científico. Esse saber possui

1195
A Escola: Dinâmicas e Atores

validação institucional diante de três estruturas organizacionais: econômico, político e social que vem
mantendoesse saber, o detentor de verdades, hoje de verdades provisórias segundo os adventos da Física
Quântica.
Com efeito, a ciência, nos nossos dias, ocupa em muitas mentes o lugar antes destinado à religião,
em que o dogmatismo está presente com igual rigidez e intensidade que aquele atribuído à religião de então
– e nossas atuais universidades e escolas também respiram e exalam o dogmatismo e falsas certezas
herdados dessa postura cientificista. “O ideal é que a ciência seja um processo e não uma posição ou sistema
de crenças” (Sheldrake, 2016, p.33).
O saber escolar está centrado na transmissão do conhecimento produzido pela ciência e que o
recurso para essa transmissão dar-se-á pelo livro didático. Dessa forma a escola acaba sendo reprodutora
do conhecimento e não produtora, pois a escola é um espaço de circulação de saberes, porém o
conhecimento que é transmitido acaba sendo ensinado como verdade absoluta.
Logo, a escola inseridaem uma comunidade não sabe explicar seus próprios saberese acaba
rejeitando-os por não terem um estatuto socialmente privilegiado, e ao desprezá-los se desfaz de um processo
histórico cultural na qual marginaliza práticas que poderão se constituir em elementos para os conteúdos
escolares. Cabe nesse momento destacar o importante papel que tem o professor dentro das escolas, e diante
de seus saberestorna-se eixo estruturante dos diálogos de saberes ressignificandosua própria prática diante
desse processo.

METODOLOGIA
A pesquisa se caracterizana abordagem qualitativa em que o objeto é os saberes detidos por
pescadores com vasta experiência na pesca, especificamente, a pesca do peixe elétrico. O método utilizado
é a historia oralonde secaracteriza por ser “um procedimento metodológico que busca, pela construção de
fontes orais e documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e
interpretações” (Delgado, 2016).
Essa perspectiva vem sendo difundida por possibilitar desenvolver interpretações que incorporam os
sujeitos envolvidos na pesquisa ampliando as possibilidades de compreender o contexto cultural de qualquer
processo investigativo a partir da memória (Selau, 2014).
O instrumento para o levantamento dos dados se deu a partir de entrevistas gravadas. Com o avanço
da tecnologia a gravação é um recurso facilitador que auxilia na coleta de dados, pois a captura de sons e
imagens reduz muitos aspectos que podem interferir na fidedignidade da coleta pela observação (Pinheiro,
Kakehashi & Angelo, 2005).
A transcrição das gravações expressa um sentido da realidade narrada reduzindo a distância do que
é pesquisa e do que é pesquisado, entre teoria e dados, entre contexto e ação, (Maanen, 1979).
A técnica utilizada para analisar as gravaçõesfoi feita pela análise da conversa que consiste em
investigar determinada sociedade, seus métodos, seus saberes e suas organizações (Garfinkel, 1960).
Diante das gravações foi realizada a primeira oitiva visando à apropriação da conversas sinalizando
a constituição do corpo linguístico que se deu a partir da segunda oitiva.

1196
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Resultados
Os resultados apresentados foram obtidos através do método de história oral e o levantamento dos
dados se deu a partir de entrevistas gravadas. Foram entrevistados dois pescadores, que começaram suas
atividades de pesca ainda na infância por influencia do pai, pois é comum em comunidades ribeirinhas as
crianças participarem de atividades do lar.
Os pescadores tiveram suas identidades reservados e foram identificados como pescador A e pescaor
B durante a transcrição da entrevista gravada.
Os rios amazônicos são repletos de grupos de espécies de peixes. Os Gymnotoidei,são aqueles que
possuem órgãos elétricos que descarregam pulsos elétricos fracos na água, durante toda sua existência.
Esses peixes são encontrados dentro de seis famílias e a família mais conhecida nas comunidades ribeirinhas
é a família Electrophoridae onde compreendendo o gênero Electrophorus (poraquê), forma uma família
própria.
Foi perguntado os pescadores: O que você sabe sobre o peixe elétrico? A partir dessa pergunta uma
grande diversidade de assuntos foram descritos (saberes primevos) e foram dialogados com o saberes
científicos e por fim proposto um plano de aula com esse conteúdo.
Os entrevistados dizem que o poraquê se “esconde” na cabeceira do rio. Quando se diz que o poraquê
vive neste lugar podemos identificar as características do seu habitat.
A bacia amazônica é um ambiente natural de grande diversidade de peixes, suas águas têm
características únicas. O Rio Negro tem águas escuras e ácidas, o Rio Amazonas tem águas barretas onde
podemos encontrar muitos sedimentos em suspensão.
Quando os pescadores falam que o poraquê se esconde na cabeceira dos rios, podemos observar o
tipo de espécies que se encontram em determinados ambientes aquáticos. Aqui se pode dialogar com a área
da Ecologia, pois a mesma estuda os ecossistemas e suas características e interações com os meios.
Temos também os diferentes tipos de rios, onde a físico-química que é um conteúdo proposto na
disciplina de Química irá mostrar que os processos químicos da água estão associados com a grande
diversidade de espécies e sobrevivência desses peixes, pois algumas espécies são encontradas em um rio e
outras não onde esses fatores são os determinantes para essa distribuição.
Outro assunto levantado pelos pescadores é a diferença desse peixe. Um dos entrevistados diz que
os poraquês têm uma “orelha” e que os sarapós já não possuem.
Essa estrutura é a nadadeira peitoral que por ficar próxima a cabeça assemelha-se com uma orelha,
mas que ambas as espécies apresentam essa estrutura que é diferencia de espécie para espécie.
Logo área que pode ser destacada em relação à colocação dos pescadores é a morfologia.
A morfologia trata do estudo da forma e da estrutura de um organismo ou sistema, suas
transformações que sofrem com o passar do tempo, a morfologia é fundamental para a identificação e
classificação de espécies.
Outra característica que é muito forte dentro dessa espécie é o órgão elétrico. Durante a entrevista
os pescadores falaram de situações que viveram durante suas atividades diárias em sua comunidade
ribeirinha.
Um dos pescadores narrou que certa vez estava cortando juta (que é uma fibra têxtil vegetal que tem
valor comercial como renda para as comunidades ribeirinhas, que se encontra na beira do rio), que durante a

1197
A Escola: Dinâmicas e Atores

retirada desse material, o pescador sentiu uma forte repulsão do terçado na água, onde o terçado foi lançado
para longe, isso aconteceu por conta da liberação da corrente elétrica através do órgão elétrico.
O órgão elétrico é um conjunto de tecidos especializados, e a descarga elétrica é produzida por
células que são chamadas de eritrócitos, que são células musculares modificadas.
Quando descrevemos o órgão elétrico de um peixe podemos desenvolver assuntos como tecido
epitelial, as diferentes células e suas especificidades e sistema muscular. O sistema muscular é um dos
sistemas mais importantes para o funcionamento do corpo humano, os músculos são usados de forma
voluntária e involuntária,
O tecido epitelial é um dos principais grupos de tecidos celulares, onde tem como função revestir a
superfície externa e de diversas cavidades do organismo.
Muitos mitos são carregados juntamente com esses saberes primevos, que quando postos frente aos
saberes científicos, apresentam possíveis explicações.
Temos como exemplo a narração de um dos entrevistados, onde o mesmo faz o seguinte relato, que
durante a cheia dos rios amazônicos algumas espécies de árvores ficam submersas nos rios, e pessoas que
moram perto desses ambientes dizem que o poraquê libera o seu “choque” e acaba derrubando os frutos das
árvores para poder se alimentar.
Quando levamos esse relato para uma análise cientifica podemos notar que, algumas dessas
experiências/histórias que os caboclos trazem (saberes primevos) podem dialogar com os saberes científicos.
O poraquê por ter a característica de liberar descarga elétrica de mais ou menos 600 volts (Bullock
1974), essa corrente elétrica se propagapela água que tem como uma das características a condutividade,
com isso criando uma propagação na água, logo se um poraquê libera essa descarga e um fruto cai próximo
a onde ele está o mesmo pode aproveitar para sua alimentação.
Quando analisamos essas narrações podemos observar como esses saberesprimevossão ricos em
conhecimentos, mesmo recebendo o menor prestigio por não possuírem o cunho acadêmico, mas que o
mesmo dialoga perfeitamente com o saber cientifico, onde o saber escolar poderá fazer o suporte do aluno
ajudando a reelaborar seu conhecimento cotidiano com o conhecimento cientifico.
Vemos também que o ambiente escolar não tem uma interação com o local que ele está inserido.
Alguns professores que lecionam nessas escolas ribeirinhas trazem consigo uma bagagem de vários saberes
vindo de várias fontes, dentro dessa comunidade que vive, alguns desses professores são filhos, netos e
outros graus de parentescos com pescadores, agricultores e outros atores desse ambiente, onde esses
professores se apegam somente o que é proposto pelo livro didático, transmitindo um conhecimento pronto,
desprezando o que é local.
Dentro dessas analises temos como produto uma proposta metodológica para o dialogo dos saberes
primevos e científicos. Será proposta uma aula que poderá ser usando o peixe elétrico como conteúdo no
ensino de Biologia e Química.

1198
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Plano de aula
TEMA: O peixe elétrico.
OBJETIVOS
GERAL: Promover o diálogo do saber primevo tornando-o saber escolar a partir do saberes científico do
ensino da biologia e da química.
ESPECÍFICOS:
§ Identificar conceitos biológicos e químicos do peixe elétrico dialogando com o saber primevo e
científico.
§ Demonstrar a diferença existente entre esses saberes enfatizando que na ação dialógica para
aprender,ambos são necessários para a compreensão da realidade cultural.
§ Reconhecer os saberes da comunidade como patrimônio cultural e material situando a escola como
instituição mantenedora desse patrimônio.

PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS
O professor levará para a sala uma caixa contendo papeis com as seguintes palavras: CHOQUE,
ÁGUA, PEIXES, AMAZÔNIA, TECIDOS, CÉLULAS, ORGÃO ELÉTRICO, MORFOLOGIA, CORRENTE
ELÉTRICA, pH, CONDUTIVIDADE, H2O.
O professor irá pedir para que os alguns estudantes retirem esses papéis e pedir para que cada um
que retirou leia o que está escrito e peça para que fale a primeira palavra que tenha associação com a palavra
retirada, por exemplo, se o aluno retirou a palavra Amazônia ele pode associar a palavra Amazônia com
florestas, e assim por diante. O professor irá escrever na lousa cada palavra dita pelos estudantes. Após isso
ele irá começar a expor o conteúdo peixe elétrico a partir das palavras que foram retiradas no inicio da aula
pelos seus estudantes.
No inicio o professorar irá utilizar a palavra AMAZÔNIA, onde o mesmo falará sobre os principais
assuntos que a corresponde como: grande diversidade de fauna e flora, sua população, características
particulares, como diversidades dos rios e dos peixes que encontramos nesse rio, sua dinâmica. A partir
dessa demonstração o professor poderá introduzir o conceito de ecologia, mostrando o conceito através de
um exemplo que os estudantes conhecem bem.
A próxima palavra que será utilizada é ÁGUA, o professor irá utilizar os conceitos de físico-química
que é um conteúdo dentro da área da química. Falara que a água possui características que lhe definem, e
que nos rios amazônicos essas águas tem composições químicas totalmente peculiares, tornando assim
aquele ambiente único. Por exemplo, o Rio Negro apresenta uma cor mais escura que o Rio Amazonas uma
cor mais clara, pois no Rio Negro encontra-se uma grande quantidade de matéria orgânica por conta da
grande quantidade de folhas e árvores que se tem ao redor desse rio, logo ele terá uma concentração de
ácidos bem maior, um pH mais alto, diferente tipos de peixes e outros organismos, e o Rio Amazonas já
possui um pH mais baixo, sua cor é mais clara por conta da sua formação geológica, pois o mesmo nasce na
Cordilheiras dos Andes, trazendo consigo uma grande concentração de sedimentos e dando características
tão únicas. O professor também poderá usar a palavra H2O onde falará o que é nomenclatura química, outra
palavra que também será usada é a CONDUTIVIDADE, onde será dito que a condutividade é uma
característica que também encontramos na água.

1199
A Escola: Dinâmicas e Atores

A próxima palavra é PEIXE, aqui o professor poderá falar que a região amazônica tem uma grande
diversidade de peixes, e pode usar os conceitos de taxonomia e MORFOLOGIA que é outra palavra que foi
retirada pelos estudantes. Depois de ser dito sobre a diversidade dos peixes amazônicos, será falado sobre
o peixe elétrico.
Será dito o que é um peixe elétrico. Quem são, onde pode-se encontrar, será dito sobre o CHOQUE
que tanto rodeia mitos e lendas dentro das comunidades. Será mostrado o tipo de peixes elétricos, quais os
tipos de CORRENTE ELÉTRICA que cada um apresenta, será abordado o conceito de evolução para explicar
sobre como esses TECIDOS e as CELULAS se especializaram para criar o ORGÃO ELÉTRICO.

AVALIAÇÃO
Os estudantes serão avaliados oralmente e tem como critério a interação durante a exposição do conteúdo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa construiu um processo dialógico entre os saberes primevos com os saberes científicos
buscando a inovação metodológica do ensino de biologia e química e ressignificando a prática docente.
Diante dos resultados apresentados vislumbramos, também, possibilidades qualitativas no processo
da aprendizagem dos estudantes juntamente com a comunidade escola tornam-se protagonistas de um
projeto onde todos são responsáveis pela qualidade da educação.
A proposta evoca novas posturas frente aos desafios de romper com a fragmentação do saber. A
proposta elaborada em um plano de aula, onde demonstra a possibilidade de diálogo dos saberes da
comunidade representado pelo pescadore do saber científico representado pelo professor onde a inovação
se dá ao tornar o saber primevo em saber escolar.
O plano da aula denota uma inovação a começar pela postura do professor, uma vez que sai da sala
de aula e do livro e,vai à busca de novos sentidos na comunidade e ao retornar para a sala de aula é capaz
de ressignificar, não só a sala, mas o livro didático.
Com isso, se apropria de uma visão epistêmica considerada hoje necessária na formação de
professores, pois essa visão estabelece atitudes de diálogos envolvendo a escola, a universidade e a escola
para propor frentes de ações para rever o projeto político pedagógico da escola.
Portanto, a pesquisa abre novas frentes de investigação, sendo uma delas o currículo de formação
de professoresna perspectiva que contemple o diálogo dos saberes.
Nesse sentido se fazem necessárias as reflexões filosóficas e epistemológicas para compreender
posturas dogmáticas que ainda permeiam os currículos de formação de professores, pois essas posturas se
chocam com a Lei da Educação Básica – LDB, com as Diretrizes de Formação de Professores, com o Plano
Nacional de Educação – PNE e com a Base Nacional Comum Curricular, estando esse, em processo de
discussão para a aprovação em âmbito nacional.

REFERÊNCIAS
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receptors and the assignment of their functions together with an introduction to electroreceptors. In
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1200
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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1201
A Escola: Dinâmicas e Atores

FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O CAMPO: A AUSÊNCIA DE DISCUSSÃO SOBRE


AS CLASSES MULTISSERIADAS NOS CURSOS DE PEDAGOGIA
[ID 386]

Luiz Bezerra Neto lbezerra


Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
ufscar@gmail.com.br

Resumo
Embora o Brasil tenha uma vasta população que habita no meio rural e traga em sua história um longo período
em que as pessoas que aí residem estudem próximos a sua localidade, os cursos de formação de professores,
mormente os cursos de pedagogia não trazem em seu currículo a discussão sobre as classes multisseriadas.
É relativamente comum, os alunos concluírem os cursos de pedagogia em nossas faculdades sem jamais
terem ouvido falar em salas multisseriadas, escolas unidocentes ou mesmo educação rural.
Cumpre salientar que a partir da década de 1990, com a luta dos movimentos sociais que atuam no campo,
em defesa de uma educação do campo este tema veio à tona, embora não tenha sensibilizado
adequadamente os cursos de formação de professores para esta discussão.
Além disso, os cursos de pedagogia são sempre acusados de serem cursos de formação marxista, com muita
teoria e pouca prática. Dados que não se confirmaram ao longo da pesquisa.
Trata-se de uma pesquisa realizada a partir dos projetos de curso contidos nas páginas das principais
universidades brasileiras distribuídas nas cinco regiões do país. Para tanto foram selecionados 81 cursos
assim distribuídos: 5 na região norte, sendo duas federais, uma estadual e duas privadas; 10 na região
nordeste, sendo 4 federais, 4 estaduais e duas privadas; 9 no centro oeste, sendo 3 estaduais, 3 federais e 3
privadas; 12 no sudeste, sendo 3 federais 4 estaduais e 5 privadas; e 8 na região sul, sendo 3 federais, 2
estaduais e 3 privadas.

Palavras-chave: Classes multisseriadas, Escolas unidocentes, Educação do campo, Educação rural.

Resumé
Bien que le Brésil ait une grande population vivant dans les zones rurales et apportait son histoire une longue
période dans laquelle les gens qui y vivent étudie près de leur emplacement, des cours de formation des
enseignants, en particulier les cours de pédagogie n’ont pas dans votre programme d'études la discussion
des classes à plusieurs niveaux. Il est relativement fréquent les étudiants complets des cours de pédagogie
dans nos collèges sans avoir jamais entendu parler de classes à plusieurs niveaux, écoles individuelles ou
l'éducation rurale. Il convient de noter que, dès les années 1990, avec la lutte des mouvements sociaux qui
travaillent dans la campagne en défense de l'éducation rurale, ce sujet est venu, mais n’est pas sensibilisé
adéquatement les cours de formation de enseignants pour cette discussion. Par ailleurs, les cours de
pédagogie sont toujours accusés d'être des cours de formation marxiste, avec beaucoup de théorie et peu de
pratique. Ces informations ne sont pas confirmées au cours de la recherche. Ceci est un sondage des projets
en cours contenus dans les pages des grandes universités brésiliennes réparties dans cinq régions du pays.
Par conséquent, nous avons sélectionné 81 cours répartis comme suit : cinq dans le nord (2 fédérales, 1
publique et 2 privées), 10 dans le nord-est (4 fédérales, 4 publiques et 2 privées), 12 dans le sud-est (3
fédérales, 2 publiques et 3 privées).

Mots-clés: Classes à plusieurs niveaux, Écoles individuelles, Domaine de l’éducation, Éducation en milieu
rural.

Embora o Brasil conte com uma vasta população que habita no meio rural e traga em sua história um
longo período em que as pessoas que aí residem estudavam próximos as suas localidades, os cursos de
formação de professores, mormente os cursos de pedagogia não costumam apontar em suas matrizes
currículares, a discussão sobre as classes multisseriadas. Aliás, não é difícil de constatar que a maioria dos
alunos que concluem os cursos de pedagogia jamais ouviu falar em classes multisseriadas ou escolas
unidocentes, características fundamentais das escolas localizadas nas zonas rurais.

1202
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Apesar de termos um enorme contingente de pessos que vivem e trabalham nessas áreas, temos
observado que muitos estados e municípios não tem dado a devida atenção para as pessoas que estão em
idade escolar, ou seja, para os estudantes aí residentes. A pouca atenção dada pelos governantes pode ser
percebida nos projetos de formação de nossas universidades e nas normativas para os cursos de formação
de professores estabelecidos pelo ministério da Educação.
Na esteira desta discussão temos observado que muitos munícipios tem investido contra as escolas
rurais, e é possível que esta falta de discussão sobre a escola rural nas licenciaturas tenha contribuído para
o Fechamento de 24 mil escolas do campo, em apenas 10 anos, conforme afirmavam os dirigentes do MST,
Oziel Pereira e Roça Gouveia, no assentamento 17 de abril, em Eldorado dos Carajás, no Pará, em 28 de
junho de 2011.
É neste sentido que Luiz Felipe Albuquerque, em texto disponível na página do MST afirma que
Mais de 24 mil escolas no campo brasileiro foram fechadas no meio rural desde 2002. O
fechamento dessas escolas demonstra o drástico problema na vida educacional no Brasil,
especialmente no meio rural (www.mst.org.br). (acessado em 23/06/2013).
É importante observarmos que o fechamento destas escolas se dá, via de regra, não por falta de
alunos, mas por que muitos municípios e até mesmo alguns estados preferem fechar as escolas rurais,
aquelas situadas no campo e transportar as crianças para a cidade. No melhor dos casos, muitos municípios
promovem a nucleação de escolas, concentrando crianças de vários assentamentos, sítios e fazendas em
um mesmo espaço, assim, o transporte se dá intracampo. Ocorre que o tempo que as crianças e jovens
permanece nos ônibus, barcos, caminhões e outros meios de locomoção, muitas vezes é maior do que o
tempo que o estudante permanece na escola.
De acordo com Erivan Hilário, do Setor de Educação do MST
O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que está
em jogo é algo maior, relacionado às disputas de projetos de campo [uma vez que segundo
ele] os governos têm demonstrado cada vez clara a opção pela agricultura de negócio – o
agronegócio – que tem em sua lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por
conseguinte, um campo sem cultura e sem escola. (www.mst.org.br). (acessado em
23/06/2013).
Estas escolas são fechadas tanto pelos estados como pelos municípios, nem sempre com anuência
do governo federal que é responsável apenas indiretamente, ou seja, na medida em que não cria mecanismos
de impedimento para estes fechamentos. O problem é que com o fechamento das escolas no campo, dificulta-
se que
que as crianças e os jovens possam se apropriar do conhecimento historicamente acumulado
pela humanidade, que esse conhecimento esteja vinculado com sua prática social e que,
sobretudo, esse conhecimento seja um mecanismo de transformação da vida, de
transformação para que ela seja cada vez mais plena, cada vez mais solidária e humana
(www.mst.org.br). (acessado em 23/06/2013).
Esta luta pelo acesso ao conhecimento que classe trabalhadora aspira que as camadas da classe
dominante insistem em lhes negar. É nesse sentido que podemos compreender a luta dos movimentos sociais
por uma “educação do campo”, enquanto um projeto de formação que deve atender aos interesses da classe
trabalhadora, pois de outra forma, seria um projeto reacionário à medida que esta proposta de educação se
dá através da busca de uma escola diferenciada daquela que é proporcionada ao trabalhador urbano. Neste
senido, romperia com a unidade da classe trabalhadora, unidade esta que dá sentido revolucionário à luta.
Sendo assim, por compreender a educação do campo como um projeto de resistêrncia ao fechamento das
escolas rurais e à condição em que estas escols eram mantidas, entendemos que é legítimo afirmar que este
projeto nasceu

1203
A Escola: Dinâmicas e Atores

como uma crítica a situação da educação brasileira no campo. E essa situação na época
revelava justamente o fechamento das escolas no campo e o deslocamento das crianças, de
jovens e de adultos do campo para a cidade. (www.mst.org.br). (acessado em 23/06/2013).
Outro problema a ser considerado, no caso brasileiro, diz respeito às desigualdades sociais que
refletem também como desigualdades regionais. Assim, podemos perceber que algumas regiões são mais
penalizadas com o fechamento de escolas e a consequente expulsão das crianças, do que outras. Nesse
sentido é que destacamos o maior fechamento de escolas na região nordeste, dado que esta é a região que
concentra a maior parte da população no campo brasileiro.
Por isso, é maior o impacto nessa região. A exemplo, a maioria das famílias em projetos de
assentamentos de Reforma Agrária estão no Nordeste. É onde se fecha mais escola e
continua sendo uma região que apresenta baixos níveis de escolaridade da população no
quadro geral brasileiro (www.mst.org.br). (acessado em 23/06/2013).
Como o projeto educacional de uma determinada sociedade tem implicações para todos os seus
cidadãos, o campo, por ser a parte mais vulnerável da nossa sociedade, dado o pouco desenvolvimento das
relações de produção ainda existentes no Brasil, sobretudo na região nordeste, esta fica mais fragilizada, daí
a educação ser tida como algo muito importante para o MST, pois segundo seus dirigentes é preciso
assegurar a formação inicial e continuada dos educadores nas diversas áreas do
conhecimento para atuação na educação básica, uma vez que são mais de 200 mil
educadores no campo sem formação superior; garantir educação profissional técnica de nível
e superior; e que se efetive uma política pública com a participação efetiva das comunidades
camponesas, dos movimentos sociais do campo (www.mst.org.br). (acessado em
23/06/2013).
Além do problema de fechamento das escolas e do pouco investimento na formação continuada dos
professores, a maioria das escolas que existem no campo estão em condições precárias. Os dados do IBGE
apontavam em 2011, que ainda temos cerca de 14,1 milhões de analfabetos, o que corresponde a 9,7% do
total da população com 15 anos ou mais de idade. Além disso, um em cada cinco brasileiros é analfabeto
funcional, ou seja, lê e escreve, mas não consegue compreender, interpretar ou escrever um texto. Na região
nordeste do Brasil, 18,7% da população é analfabeta. São mais de sete milhões de pessoas. Entre as pessoas
com mais de 15 anos considerados analfabetos funcionais (...) e, destas, mais da metade vivem no meio rural
(jornal do MST, Número, 46 Jun. 2011).
Alem disso, A média de anos de escolaridade das crianças e jovens entre 10 e 16 anos, no Nordeste,
é de 4,4 anos, muito baixa, mesmo para os padrões brasileiros.
Outra observação que se faz necessária, refere-se à pesquisa de Avaliação da Qualidade da
educação nos Assentamentos de Reforma Agrária no Brasil – PQRA, realizada pelo Incra em 2010, e
publicada no dia 31 de maio de 2011. Esta pesquisa, no que se refere à questão educacional, aponta os
seguintes indicadores:
§ O Brasil tem 923.609 famílias vivendo em 8.763 assentamentos.
§ Deste contingente populacional, 15,58% não foram alfabetizados; 42,27% cursaram
apenas até a 4ª série; 27,27% concluíram o ensino fundamental; 7,36% fizeram uma parte
do ensino médio e 6,04% concluíram a Educação Básica (nível fundamental e médio).
§ Os piores indicadores estão nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, seguidas da região
Norte.
§ No Nordeste, o índice de não alfabetizados é de 18,41%, no Centro-Oeste de 13,86% e no
Norte é de 11,06% .
§ Em todas as regiões do País, a metade da população, em média, tem apenas 4 anos de
escolaridade. Um quarto da população conclui o ensino fundamental.
Se tomarmos como referência os dados do Censo Escolar, INEP/MEC, podemos constatar que:

1204
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ No meio rural, no ano de 2002, existiam 107.432 escolas. Já em 2009, o número de


estabelecimentos de ensino reduziu para 83.036, significando o fechamento 24.396
estabelecimentos de ensino, sendo 22.179 escolas municipais. Isso representou, nas
regiões Sul e Centro-Oeste, uma redução de mais de 39% do total de estabelecimentos de
ensino no meio rural, seguidas pela região Nordeste 22,5%, Sudeste 20% e Norte 14,4%.
Somente na região Nordeste isso significou o fechamento de mais de 14 mil escolas, ou
seja, mais da metade do total de estabelecimentos foram fechados em sete anos.
§ O número de matrículas no meio rural, nos referidos anos, reduziu de 7.916.365 para
6.680.375 educandos, representando um número de 1.235.990 que estão sem escola ou
que foram obrigados a estudar na cidade (PQRA, realizada pelo Incra em 2010, e publicada
no dia 31 de maio de 2011)
Outra questão relevante pode ser verificada quando observamos que as escolas do campo continuam
a fechar. Para termos uma ideia do tamanho do problema, basta observarmos que cerca de 9 mil escolas
foram fechadas somente entre os anos de 2010 e 2013. Somando-se estas escolas fechadas àquelas já
identificadas no período anterior, podemos concluir que entre os anos de 2003 a 2013 foram fechadas 32.770
escolas no campo, (uma redução de 31% de escolas), reduzindo drasticamente o investimento no setor. O
quadro se agrava quando constatamos que atualmente existe 70.816 escolas, sendo 70% dessas,
multiseriadas.
Cumpre salientar que a partir da década de 1990, com a luta dos movimentos sociais que atuam no
campo, tanto esta temática sobre a multisseriação, quanto a discussão sobre o materialismo histórico nas
escolas do campo, vieram à tona, principalmente quando surgiu o movimento “por uma educação do campo”.
Em que pese o fato deste movimento, em muitos casos, ter optado por tendências advindas da pós-
modernidade e, tenha optado por investir muito na questão da multicuralidade, a questão do materialismo
histórico constantemente vem à tona.
Para finalizar, cumpre destacar que mesmo sendo temáticas fundamentais para os movimentos
sociais e para as escolas rurais, estes temas não tem sensibilizado adequadamente os coordenadores de
cursos de formação de professores para esta discussão. Por isso, é comum observarmos que estas questões
passam ao largo de quaisquer programas de curso quer nas faculdades e universidades particulares, quer
nas públicas, federais ou estaduais.
Por sua vez, os cursos de pedagogia são sempre acusados de serem cursos de formação marxista,
com muita teoria e pouca prática. Daí a necessidade de se investigar também esta questão. Por isso, esta
pesquisa busca compreender estas duas questões fundamentais. 1 – por que os cursos de formação de
professores ignoram a possibilidade de trabalho de seus egressos nas escolas rurais e, 2 – em que medida
os cursos de pedagogia trazem uma dimensão marxista em sua formação?
Tentando compreender melhor esta questão, realizamos a pesquisa, a partir dos projetos de curso
contidos nas páginas das principais universidades brasileiras distribuídas nas cinco regiões do país. Para dar
conta desta investigação foram selecionados 81 cursos de pedagogia assim distribuídos: 5 cursos na região
norte, sendo dois cursos de universidades federais, uma universidade estadual e duas faculdades privadas;
10 cursos na região nordeste, sendo 4 em universidades federais, 4 em universidades estaduais e duas em
faculdades privadas; 9 cursos na região centro oeste, sendo 3 em universidades estaduais, 3 em
universidades federais e 3 faculdades privadas; 12 cursos na região sudeste, sendo 3 em universidades
federais 4 em universidades estaduais e 5 em faculdades privadas; e 8 cursos na região sul, sendo 3 em
universidades federais, 2 em universidades estaduais e 3 em faculdades privadas.
Realizar este tipo de pesquisa não foi fácil, primeiro porque dificilmente encontramos nos programas
de curso uma menção explícita ao materialismo histórico em seus projetos, depois porque poucos são os

1205
A Escola: Dinâmicas e Atores

cursos que tem alguma disciplina que tratam de marxismos e, quando o fazem é em disciplinas optativas ou
eletivas e nunca em disciplinas obrigatórias do curso. Com relação às classes multisseriadas, é ainda mais
difícil, pois somente alguns cursos voltados para a educação do campo, através do programa de licenciaturas
em educação do campo é que encontramos algumas referências ao trabalho no meio rural e nunca como
formação para o trabalho em classes multisseriadas.
Se os cursos de formação de professores não se referem ao marxismo, qual a causa de grupos de
pedagogos e “políticos profissionais”, fazerem esta pesada crítica aos cursos de formação de professores,
acusando-os de serem cursos de formação ideológica através de um viés que teria como pressuposto teórico-
metodológico o materialismo histórico dialético?
Como já apontado, as universidades nem sempre disponibilizam em suas páginas, as ementas dos
cursos. Às vezes, quando disponibilizam ementas, não disponibilizam bibliografia. Sabemos que mesmo que
estejam disponibilizadas bibliografias e ementas, ainda assim, não podemos afirmar que estas sejam de fato
cumpridas, mas, para a nossa pesquisa, isto pode servir como indício do que se está estudando nos cursos
de graduação em pedagogia.
Outro aspecto importante a ser considerado é que o peso maior dado às universidades estaduais e
federais deveu-se ao fato de serem estas universidades estatais em que se supõe ter menor influência do
setor privado, daí, a suposição de que teria melhores condições de abordar as temáticas em questão com um
pouco mais de facilidade. Embora a pesquisa ainda não esteja totalmente concluída já pudemos observar que
estas questões tem passado à margem das discussões.
Assim, observamos que Numa universidade Federal da região Norte, encontrei bibliografia que
trabalha com comentadores e críticos de Marx. Não encontrei nenhuma referência diretamente a Marx, assim
numa disciplina de Filosofia da Educação, coloca-se como bibliografia um texto de Marilena de Sousa Chaui,
cujo título é Convite à filosofia. Na mesma disciplina aparece várias bibliografias de filosofia para crianças.
Embora na ementa de uma das disciplinas se aponte para a discussão das Matrizes teóricas da
filosofia da educação Filosofia e filosofia da educação, destacando o liberalismo, o marxismo, a
fenomenologia e o pragmatismo, os autores contemplados: Dermeval Saviani, com seu texto: Educação: do
senso comum à consciência filosófica e Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. Nesta mesma
ementa aparece o texto de Nilson Gromann,. Filosofia para crianças: investigação e democracia na escola.
Como podemos perceber, o marxismo nesta universidade passa apenas pela leitura de um de seus
comentadores.
Numa universidade federal do nordeste, não tivemos acesso à bibliografia utilizada, mas pudemos
perceber que até a criação do REUNI, o curso de pedagogia tinha uma disciplina cujo título era Trabalho e
Educação. Acreditamos, pela própria proposta da disciplina que pudesse discutir alguma coisa sobre
marxismo, mas com a reformulação do curso foi substituída e dada equivalência à disciplina denominada
Educação Profissional, cuja ementa traz a seguinte redação:
Estuda as dimensões sócio-históricas, políticas e econômicas da educação profissional no
Brasil à luz da relação trabalho, conhecimento e educação, tendo em vista a formação de
professores para atuarem no ensino básico e em cursos de EJA integrados à educação
profissional. Analisa as políticas curriculares e suas decorrências para a articulação entre
educação geral e educação profissional como fundamentos da formação humana, com
ênfase nos desdobramentos da LDB 9.394/96, contemplando os níveis básico, técnico e
tecnológico.
Com isso, a possibilidade de discussão à luz do marxismo desapareceu.

1206
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Ao consultar uma universidade federal na região sul, constatei que o curso possui algumas disciplinas
obrigatórias que poderão tratar da questão pelo viés do marxismo, quais sejam: Estado e Políticas
Educacionais, Educação e Sociedade I, Educação e Trabalho, sendo que esta última inverte a relação
entre trabalho e educação, tal qual é trabalhado pelos marxistas, ficando mais com a posição liberal de
educação e trabalho.
Além disso, encontramos algumas disciplinas optativas que podem se aproximar da discussão, como
é o caso da disciplina Capitalismo e Educação cuja ementa afirma que tem como objetivo geral estudar,
As categorias analíticas fundamentais do capital e seu movimento contraditório; as
configurações históricas capitalistas, desde a cooperação simples até o atual padrão de
acumulação; as transformações no mundo do trabalho e sua relação com o fenômeno
educacional; a relação entre capital, trabalho e educação; a educação na perspectiva da
classe trabalhadora.
Outra disciplina que me pareceu importante nesta universidade é a disciplina Economia da
Educação em cuja ementa se propõe a conceituar
O sistema econômico. Economia da Educação: (...) Desenvolvimento econômico. Educação
e desenvolvimento. Custo da Educação. O capital humano. Oferta e demanda em Educação.
No nordeste, numa instituição particular, sua página na internet não contribui muito, pois não traz
ementas nem bibliografias, mas pela sua grade é possível perceber que o curso de pedagogia é quase todo
voltado para o trabalho na empresa, com grande ênfase na pedagogia hospitalar.
Da mesma forma, numa universidade estadual da região sudeste nada é disponibilizado, além do
quadro de disciplinas sem nenhuma ementa.
Numa universidade particular que atua no país inteiro, de forma padronizada, verificando alguns
cursos da região sudeste percebemos muita ênfase no marketing e nos brinquedos e pouco nas disciplinas
de fundamentos. Assim, podemos concluir que as alegações de que os cursos de formação de professores
são cursos de formação ideológica são falaciosas e que a discussão sobre educação no campo ainda
precisam ser introduzidas nestes cursos.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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1208
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE


DOCENTE
[ID 5]

Ana Flávia Teodoro de Mendonça Oliveira


Universidade Federal de Goiás (UFG)
anaflavia_teodoro@hotmail.com

Resumo
Na presente pesquisa buscamos compreender como se constitui o processo de construção da identidade do
aluno docente no curso de formação inicial, a partir dos saberes docentes do professor formador, e se essa
identidade construída se aproxima de uma perspectiva inclusiva ou excludente. Na análise de conteúdo
fundamentada em Bardin (1977), verificamos que a grande maioria dos professores-formadores apresenta
concepções integradoras, realiza uma prática pedagógica excludente, não mobiliza saberes relacionados à
educação da pessoa com deficiência. Entretanto, ao voltar à análise para o aluno-docente foi possível
encontrar uma identidade construída pautada em princípios inclusivos. Constata-se, portanto, que a mudança
na forma de ver a pessoa com deficiência não foi proveniente dos saberes teóricos construídos em sua
formação, mas atribuem essa mudança à relação estabelecida com os colegas surdos na Universidade.

Palavras-chave: Formação de Professores, Inclusão, Identidade docente.

Résumé
Dans cette étude, nous cherchons à comprendre comment est le processus de construction de l'étudiant de
l'enseignement dans le cadre de la formation initiale de l'identité, de l'enseignement des connaissances du
formateur d'enseignants, et cette identité construite se rapproche d'une perspective inclusive ou exclusive.
Dans l'analyse du contenu basé sur Bardin (1977), nous constatons que la grande majorité des enseignants-
formateurs présente des concepts d'intégration, effectue une pratique pédagogique exclusive, ne pas
mobiliser les connaissances liées à l'éducation des personnes handicapées. Cependant, pour revenir à
l'analyse pour l'étudiant-enseignant a été possible de trouver une identité construite guidée par des principes
inclusifs. Il semble, par conséquent, que le changement dans la façon de voir la personne handicapée n'a pas
de connaissances théoriques intégré dans leur formation, mais attribuent ce changement à la relation établie
avec les collègues sourds à l'Université.

Mots-clés: La formation des enseignants, L'inclusion, L'identité de l'enseignant

INTRODUÇÃO
Compreende-se que uma das barreiras a serem removidas para o sucesso da inclusão encontra-se
na garantia ou na promoção de um processo de formação inicial que possibilite ao aluno-docente mudar os
valores e concepções a respeito da educação das pessoas com deficiência. Pode-se falar, então, de um
processo de formação que possibilitasse a construção de uma identidade inclusiva.
É nesse contexto que um estudo mais minucioso sobre a formação de professores para a educação
inclusiva se torna tema relevante de pesquisa, uma vez que estudos realizados por Carvalho (1998), Garcia
(1999), Martins (2003), Mantoan (2005), dentre outros, salientam que, para que a inclusão se concretize na
plenitude de sua proposta, é necessário pensar na formação do professor. Como aponta Carvalho (1998),
sem que haja uma formação desses educadores, corre-se o risco de apenas inserir a pessoa com deficiência
no convívio com outras crianças, sem que se efetivem, entre todos, trocas interativas enriquecidas pela plena
aceitação das mesmas.
Nesse sentido, Garcia (1999) ressalta que cada vez mais vem se firmando a necessidade de
incorporar nos programas de formação de professores conteúdos para aquisição de conhecimentos,

1209
A Escola: Dinâmicas e Atores

competências e atitudes que permitam aos professores em formação compreender as complexas situações
de ensino, enfatizando-se especialmente as atitudes de abertura, reflexão, tolerância, aceitação e proteção
das diferenças individuais e grupais.
Entretanto, cabe salientar que formar o professor para a educação inclusiva não consiste apenas em
incluir nos programas dos cursos de formação inicial disciplinas relacionadas à educação das pessoas com
deficiência, pois entende-se que o processo é bem mais complexo, já que o trabalho na diversidade requer
mudança de atitudes, de valores e de concepções frente às diferenças, implicando também num processo
de transformação de identidades excludentes em identidades inclusivas.
Dessa forma, os estudos de Dubar (1997) sobre a construção das identidades sociais e profissionais
parecem bastante relevantes para pensar a questão da construção da identidade do aluno-docente. O autor
afirma que a identidade é um produto de sucessivas socializações, portanto, a construção da identidade
corresponde ao processo de comunicação ou de socialização que a produz, enquanto
[...] resultado simultaneamente estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e
objectivo, biográfico e estrutural dos diversos processos de socialização que em conjunto
constroem os indivíduos e definem as Instituições (Dubar, 1977, p.105).
Tratando mais especificamente da questão da formação, Dubar (1997) destaca que fazer um
indivíduo passar de uma forma identitária para uma outra, constitui um objetivo muito ambicioso, que exige
da formação uma mudança na configuração dos saberes e a relação vivida no trabalho; portanto, alerta para
o fato de que, “se estes elementos não mudarem, há muito poucas hipóteses de a formação modificar quem
quer que seja” (p.51).
Assim, o entendimento de que o curso de formação exerce grande influência na construção da
identidade do sujeito, tendo em vista que o aluno-docente é um professor em formação, conduz a pensar no
professor-formador como um importante ator nesse processo. Nesse sentido, Zeichner (1993) afirma que a
tarefa do professor formador consistiria em ajudar os futuros professores a adquirirem as atitudes, os saberes
e as capacidades essenciais para o desenvolvimento de um trabalho eficiente junto a uma população
estudantil variada, possibilitando-lhes o desenvolvimento de capacidade reflexiva, para que tenham meios de
intervenção na realidade, com o intuito de transformá-la.
No entanto, fazendo uma ligação com o objeto de estudo, que é a construção de uma identidade
docente inclusiva, fundamenta-se no pressuposto de que para se perceber a abordagem de um determinado
programa de formação de professores, não basta olhar para o seu conteúdo curricular, mas é preciso ver
também os saberes mobilizados pelo professor-formador, ou seja, que saberes esses professores têm
mobilizado e como têm mobilizado, tendo em vista que o trabalho docente ou a prática docente é uma
atividade que mobiliza diversos saberes, pois, como afirma Tardif (2005), “um professor é, antes de tudo,
alguém que sabe alguma coisa e cuja função consiste em transmitir esse saber a outros” (p.31).
A abordagem teórica adotada por Tardif (2005) considera que o saber do professor é um saber social
que pode ser adquirido no contexto de uma socialização profissional; isto significa que as relações dos
professores com os saberes nunca são relações estritamente cognitivas, mas são mediadas pelo trabalho.
Coloca-se, portanto, os saberes docentes desse professor como eixo central na discussão sobre a construção
da identidade do aluno-docente, tendo em vista que os saberes mobilizados pelos mesmos poderá contribuir
para a construção de uma identidade inclusiva ou excludente.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

OBJETIVOS
Diante do acima exposto, a presente pesquisa teve como objetivo buscar compreender como se
constitui o processo de construção da identidade do aluno docente no curso de formação inicial, a partir dos
saberes docentes do professor formador, e se essa identidade construída se aproxima de uma perspectiva
inclusiva ou excludente.

METODOLOGIA
Considerando que o objeto da investigação é “a construção da identidade do aluno-docente nos
cursos de formação inicial”, utilizou-se a abordagem de pesquisa qualitativa, o que se justifica pela própria
especificidade do nosso objeto e não por uma opção pessoal. Como afirma Minayo (1999), a polêmica
quantitativo versus qualitativo não pode ser assumida simplesmente como uma opção pessoal do cientista
ao abordar a realidade, mas como um caráter específico do objeto de conhecimento, ou seja, o ser humano
e a sociedade, que se recusa a se revelar apenas em números ou a se igualar com sua própria aparência.
Em relação ao campo de pesquisa, optou-se por selecionar uma instituição que em virtude do seu
caráter histórico, pois foi fundada em 1973, sempre se destacou pela sua preocupação com a educação das
pessoas com deficiência, mais especificamente das pessoas com surdez. Outro fator decisivo na escolha foi
o fato de que a instituição teve a iniciativa de “incluir” alunos surdos em turma regular do curso de Pedagogia.
Além disso, na organização curricular do curso de Pedagogia, fica evidente a preocupação com a
formação de professores para a educação especial, uma vez que ao longo dos sete semestres são oferecidas
as seguintes disciplinas: Anatomia, Fisiologia e Patologia dos órgãos da Audição e Fonação (quarto período);
Língua de Sinais, Aquisição e desenvolvimento da linguagem do DAC, Introdução ao Estudo do Excepcional
(quinto período); Estágio Supervisionado de Educação Especial I (sexto período); Problemas Sociais do
Deficiente da Audiocomunicação; Estágio Supervisionado de Educação Especial II (sétimo período).
Os sujeitos dessa pesquisa foram 10 professores-formadores do curso de pedagogia e os 12 alunos-
docentes do referido curso. Optou-se por selecionar tanto professores-formadores do curso de pedagogia
que ministravam disciplinas na área de educação inclusiva, quanto professores-formadores que ministravam
outras disciplinas que não tratavam diretamente da educação da pessoa com deficiência, por entender que
do ponto de vista de uma educação inclusiva a discussão sobre a inclusão das pessoas com deficiência deve
permear todo o processo de formação do aluno-docente, sem se restringir apenas as disciplinas específicas
ou as disciplinas afins dos cursos de formação de professores.
Com relação aos alunos-docentes, foram selecionados aqueles do segundo, do quinto e do sétimo
períodos do curso de Pedagogia, por entender que essa construção acontece de forma processual, através
das múltiplas socializações estabelecidas, conforme aponta Dubar (1997). Portanto, a justificativa para a
seleção desses períodos deve-se ao fato de compreender que ver o aluno em diferentes momentos de sua
formação oferece condições de vislumbrar melhor o processo de construção de sua identidade.
Como instrumentos de pesquisa utilizou-se o questionário e a entrevista não estruturada. Em relação
ao procedimento de tratamento e análise dos dados da investigação utilizou-se a Análise de Conteúdo em
Bardin (1977), definida como:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores
quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens (p.42).

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Foram seguidas então as etapas básicas propostas por Bardin (1977) para a análise de conteúdo dos
documentos (entrevistas), a saber: a pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos resultados
obtidos e a interpretação. A partir da definição da unidade de registro, iniciou-se a “categorização”, onde foi
empregado o processo de categorização com categorias a priori, sugeridas pelo referencial teórico e com
categorias a posteriori, elaboradas após a análise do material.
Foram definidas as seguintes categorias: a concepção do professor-formador acerca da educação
das pessoas com deficiência; a prática pedagógica do professor-formador e a construção de uma identidade
inclusiva; a educação das pessoas com deficiência revelada nos saberes mobilizados pelo professor-
formador; a construção dos saberes relativos à educação da pessoa com deficiência e a formação do
professor-formador; a concepção do aluno-docente acerca da educação das pessoas com deficiência; a
relação entre os alunos-ouvintes e alunos-surdos e o reflexo na construção de sua identidade.

RESULTADOS
Para a compreensão do objeto de estudo, serão explicitadas o que as narrativas dos professores-
formadores revelam acerca das suas concepções a respeito da educação da pessoa com deficiência e a
partir daí será realizada a a análise a respeito do que evidencia a narrativa dos alunos-docentes.

A concepção do professor-formador acerca da educação das pessoas com deficiência


A pesquisa mostrou que, de maneira geral, a grande maioria dos professores formadores ainda
apresenta uma concepção integradora em relação à educação da pessoa com deficiência, o que se evidencia
pela crença muito presente de que o problema está centrado na pessoa com deficiência e não na escola ou
no sistema de ensino que não tem garantido aos mesmos uma educação de qualidade. O discurso abaixo
explicita bem essa posição:
Acho que a inclusão tem fatores positivos e negativos. [...] Mas acho que essa inserção
depende de alguns critérios, como o grau do problema da criança, o estímulo anterior que
ela recebeu, da condição que ela vai chegar em sala de aula. (P6 – Professora da disciplina
Psicologia do Desenvolvimento).
Trata-se, portanto, de uma concepção de inserção parcial, onde terão acesso à escola apenas
aqueles alunos cuja deficiência não apresentar risco para a escola e para os professores, o que aponta em
direção à integração, que de acordo com o que Mantoan (2005) afirma, nessa perspectiva “a escola não muda
como um todo, mas os alunos têm de mudar para se adaptarem às suas exigências” (p.23).
A preocupação com o tipo de deficiência do aluno também faz parte da concepção integradora
apresentada por algumas professoras, evidenciando a ideia de que nem todos os alunos com deficiência
cabem nas turmas de ensino regular.
Eu vejo a inclusão das pessoas com deficiência de forma positiva [...], mas acho que depende
muito das circunstâncias, depende do tipo de deficiência apresentada pelo aluno. [...] A gente
sabe que até mesmo os meninos normais têm processos de aprendizagens distintos, imagine
se já tem essa heterogeneidade que faz parte do processo, imagina ter que trabalhar com
esses outros alunos que precisam de uma atenção maior. Isso pode dificultar muito o trabalho
do professor (P4 – Professora da disciplina Currículos e Programas).
Para Mittler (2003), essa crença do professor de que alunos com deficiência necessitam de
tratamento especial dificulta a inclusão dos alunos que têm deficiência. Nesse sentido, Carvalho (1998)
também adverte que muitos professores não se sentem competentes para ensinar os alunos que têm
deficiência por acharem que precisam se tornar especialistas em deficiência, não levando em consideração
que a sua verdadeira especialização é no aprendiz enquanto ser que evolui e constrói conhecimentos.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A prática pedagógica do professor-formador e a construção de uma identidade docente


inclusiva
Ao analisar a prática pedagógica do professor-formador, percebe-se em alguns casos a grande
resistência dos mesmos em receber os alunos surdos nas suas salas de aula, revelando que as expectativas
desses professores em relação às pessoas com deficiência continuam sendo muito pautadas por valores
excludentes, evidenciando o quanto é marcante no imaginário desses educadores que o insucesso do aluno
está relacionado à sua incapacidade para aprender ou à sua deficiência.
[...] eu tenho alunos surdos e ouvintes em sala de aula, e quando os surdos atingem os
objetivos básicos eu já acho que foi o suficiente. [...] eu tenho um compromisso com
determinados assuntos e a gente precisa andar depressa, eu tenho que cumprir uma
determinada programação e por isso os surdos se prejudicam, por que eu vou pela grande
maioria. Então alguns assuntos que para o surdo eu teria que trabalhar em seis aulas eu
trabalho em duas, e eles acabam se prejudicando. Eu sei que o aluno surdo é mais lento, que
ele não vai chegar, por exemplo, se eu tenho três objetivos na minha aula, ele vai atingir o
objetivo básico e não atingirá os três. (P2 – Professora da disciplina Estrutura e
Funcionamento do ensino I e II; Medidas Educacionais I e II).
Nesse caso, considera-se que sua prática é excludente, contrariando o que propõe a educação
inclusiva, pois como afirma Mendes (2002), a escola inclusiva requer a efetivação de currículos adequados
(adaptados ou modificados quando necessário) e uma prática pedagógica flexível com arranjos e adaptações
que favoreçam o bom aproveitamento da pessoa com necessidades educacionais especiais.

A educação da pessoa com deficiência revelada nos saberes mobilizados pelo professor-
formador
No que se refere aos saberes mobilizados pelos professores-formadores, observa-se que a
abordagem das questões relacionadas à deficiência está, de maneira quase que unânime, presente apenas
nos saberes mobilizados por aqueles educadores que trabalham com disciplinas específicas relacionadas à
educação especial. Os demais professores justificam a ausência dessa temática alegando que não faz parte
do conteúdo de sua disciplina, ou que não tiveram formação para trabalhar com conteúdos relacionados à
educação da pessoa com deficiência.
Eu não contemplo na minha disciplina a questão das diferenças, das minorias ou da
deficiência, pois a carga horária da disciplina não nos permite tratar desses assuntos. [...] e
mesmo que a carga horária da minha disciplina permitisse tratar desse assunto, eu não o
abordaria, pois apesar de ter feito mestrado em Psicologia, eu não tive formação para essa
área (P4 – Professora da disciplina Currículos e Programas).
Por outro lado, constata-se também que os professores-formadores das disciplinas específicas,
quando abordam o assunto, geralmente não levam o aluno a construir uma consciência crítica a respeito das
diferenças, pois como já enfatizamos, esses professores geralmente trabalham no sentido apenas de
sensibilizar o aluno docente para a necessidade de tolerância e respeito para com as pessoas que têm
deficiência.
A gente trabalha as patologias, como Deficiência Mental, com enfoque para a Síndrome de
Down. Nesses módulos falamos um pouco sobre etiologia, algumas prevenções e como o
professor deve lidar com esse aluno na escola regular. [...] O meu objetivo maior é a
sensibilização do aluno, que eles reflitam sobre seus próprios preconceitos, então se eu
conseguir fazer com que ele se coloque no lugar do outro, já estou satisfeita (P1 - Professora
da disciplina Introdução ao Estudo do Excepcional).
Silva (2000) questiona esse tipo de estratégia utilizada por esses professores formadores e chama
atenção para o fato de que é necessário mostrar que a identidade, tal como a diferença, é fabricada no
contexto de relações culturais e sociais e está em estreita conexão com as relações de poder. Portanto, para

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A Escola: Dinâmicas e Atores

o autor, esse tipo de abordagem deixa de questionar as relações de poder que produzem a identidade e a
diferença, produzindo como resultado novas dicotomias, como a do dominante tolerante e a do dominado
tolerado ou a da identidade hegemônica mais benevolente e da identidade subalterna mais respeitada

A relação entre os alunos-ouvintes e alunos-surdos e seu reflexo na construção da


identidade docente
Se a identidade é construída através dos diversos processos de socialização (Dubar, 1997), não se
pode restringir essa construção apenas à relação do aluno docente com os saberes do professor-formador,
tendo em vista que em sua formação o aluno também se socializa com outros sujeitos, dentre eles, os colegas
surdos em sala de aula regular do referido curso de Pedagogia. Portanto, na análise dessa categoria buscou-
se verificar em que medida a relação entre os alunos surdos e os alunos ouvintes tem provocado mudanças
de concepções a respeito da deficiência e se essas mudanças têm contribuído para a construção de uma
identidade docente inclusiva.
Como observa-se no discurso do aluno A2, a pessoa com deficiência, no caso o surdo, era visto, a
princípio, como alguém incapaz, sem condições de aprender, restando-lhe apenas o atendimento clínico.
Esse dado indica a negação, ou desvalorização da pessoa em detrimento de sua deficiência. No entanto,
percebe-se que a partir do momento que se estabelece a relação entre os dois sujeitos (aluno-ouvinte e aluno-
surdo) essa concepção sofre transformações, pois conforme o aluno afirma, a partir do momento que o
conheceu, ele passou a ver que eles tinham uma vida comum como qualquer pessoa.
[...] Eu achava que todas as pessoas deficientes tinham retardo mental, que não adiantava
ir para a escola, porque eles não tinham condições de aprender. [...] eu acho que essa visão
minha mudou logo no início quando eu entrei na faculdade e comecei a conviver com os
surdos, percebi então que eles tinham uma vida comum como de qualquer pessoa. Acho que
o que mais contribuiu para que essa visão mudasse foi à convivência com os colegas surdos,
pois uma coisa é o professor falar, ler texto e outra coisa é a gente conviver no dia a dia, lado
a lado (A2 – 5º período)
É interessante ressaltar que o aluno A2 destaca que essa convivência com os surdos teve um peso
muito maior na sua mudança de concepção, do que os saberes trazidos pelo professor-formador. Pode-se
afirmar que à medida que se estabelece a interação entre os sujeitos, o outro, aquele considerado como
“diferente” ou patológico, passa a não ser visto mais como desviante, mas a deficiência passa a ser entendida
como algo comum. Esse fato confirma o que nos diz Goffman (1988) quando salienta que mais do que mais
do que estabelecer laços de solidariedade entre pessoas com deficiências e pessoas “normais” a partir da
convivência, existe a possibilidade de que se integrem, de modo à romper a ambivalência existente na
vinculação do indivíduo com sua categoria estigmatizada.
No relato do aluno A6 percebe-se também que a convivência com os colegas surdos, além de
promover a socialização, produziu também uma visão menos preconceituosa em relação às pessoas com
deficiência, confirmando o que nos diz Martins (2004), que os alunos não deficientes convivendo num
ambiente em que a heterogeneidade é percebida como um fator comum, crescerão com uma visão menos
preconceituosa sobre tais pessoas, assim como mais realista sobre a vida e sobre a diversidade humana.
A convivência com os surdos aqui na faculdade me fez ter uma visão menos preconceituosa,
e me fez perceber também que eles são iguais a nós e que tem apenas uma deficiência, por
exemplo, antes eu passava na sala e não falava com eles, pois tinha certo receio, depois eu
já comecei a falar e a socializar melhor com eles e a entender melhor às diferenças (A6 - 7º
período)

1214
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A análise das narrativas, portanto, permite compreender que os saberes mobilizados na formação
tiveram um impacto pequeno no que se refere à mudança de concepção em relação à pessoa com deficiência.
Essa evidência nos conduz ao que diz Tardif (2005) a respeito da formação universitária, a qual trata os
alunos como espíritos virgens e não levam em consideração suas concepções e suas crenças. Nesse sentido,
o autor esclarece que os alunos terminam o curso de formação sem terem sido abalados em suas crenças,
crenças essas que vão se reatualizar no momento de aprenderem a profissão na prática.
Entretanto, apesar de se verificar que os saberes mobilizados na formação tiveram pouco impacto
sobre a mudança de concepção dos alunos-docentes, fica evidente que o contato, ou o convívio, em sala de
aula, dos alunos-ouvintes com os alunos-surdos possibilitou, na maioria dos casos, a oportunidade de
construção de uma concepção menos excludente. Essas relações abalaram as crenças, as certezas e as
representações que os alunos-ouvintes tinham a respeito das pessoas com deficiência, contribuindo assim
para a construção de uma identidade mais inclusiva.

CONCLUSÃO
A partir das análises empreendidas, depara-se, mais uma vez, com a questão inicial da pesquisa:
será que os saberes mobilizados pelo professor formador têm contribuído para a construção de uma
identidade docente inclusiva dos alunos de Pedagogia? Ao considerar o acima exposto, é possível pensar
que esta contribuição é pouco significativa, já que os professores-formadores, em sua maioria, apresentam
concepções integradoras, realizam uma prática pedagógica excludente, não mobilizam saberes relacionados
à educação da pessoa com deficiência, ou quando mobilizam, não o fazem sob uma perspectiva inclusiva.
Entretanto, ao voltar o olhar para o aluno-docente, encontra-se uma identidade construída pautada
em princípios inclusivos. Noutras palavras, poderíamos dizer que os alunos, em sua grande maioria,
apresentam uma identidade inclusiva, fruto de uma boa relação estabelecida com os alunos-surdos, o que
fica evidente não só pelo fato de considerar que as pessoas com deficiência devem estar na sala de aula
regular, mas também por fazer referência à importância de se respeitar as diferenças e fazer com que todos
se sintam bem vindos na escola.
Outro aspecto importante que emergiu no discurso dos alunos-docentes, diz respeito à necessidade
de preparação da escola e da formação do professor para receber o aluno com deficiência, ficando evidente
que esses alunos conseguem fazer uma clara distinção entre “inserção e inclusão”. Ou seja, eles expressam,
com amplo “consenso”, que é inconcebível o aluno com deficiência está matriculado na escola regular como
se estivesse apenas fazendo parte do cenário, sem efetivamente estar incluso.
As constatações advindas desse estudo direcionam para dois aspectos que considerados peculiares
nessa pesquisa e que pode subsidiar as discussões a respeito da formação de professores para a educação
inclusiva. O primeiro aspecto é a importância da inclusão do aluno com deficiência nas Universidades, em
cursos de formação de professores e demais cursos de nível superior. O significado dessa inclusão vai muito
além de garantir o acesso dos mesmos à educação superior, mas implica num reconhecimento do significado
simbólico que essa inclusão tem para a construção da identidade profissional do aluno, à medida que as
relações estabelecidas entre esses sujeitos ampliam a visão dos mesmos a respeito da pessoa com
deficiência, desconstruindo estigmas, quebrando preconceitos, removendo barreiras e finalmente
contribuindo para a formação de professores com uma visão mais inclusiva.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Outro aspecto é o fato de que a formação inicial pode ser um lócus privilegiado para o
desenvolvimento integrado de saberes, de formas de atuar na docência e de desenvolvimento de uma
identidade profissional inclusiva, o que significa que a natureza dos saberes docentes do professor-formador
pode ser uma via pertinente para pensarmos na construção dessa identidade, ou seja, é urgente que se
revejam os saberes dos professores-formadores em relação à educação das pessoas com deficiência.
Para possibilitar, portanto, a construção de uma identidade inclusiva, o professor-formador precisará,
por exemplo, fazer na sua disciplina interfaces com os saberes relativos à educação de pessoas com
deficiência. Acredita-se que esse entrelaçamento de saberes pode ser positivo, se todos os professores-
formadores, de todas as disciplinas, abrirem mão do uso exclusivo de conteúdos e métodos específicos de
sua área de conhecimento e assumirem a finalidade dos cursos de formação, que é formar um professor
comprometido com a educação de todos.
Nesse sentido, acredita-se que as Instituições de Ensino Superior e em particular, os Centros de
Educação, podem desenvolver importante papel na melhoria da formação do professor-formador por meio,
por exemplo, da ampliação de oferta de disciplinas sobre a temática, tanto na graduação, como nos
programas de mestrado e doutorado, fomentando a discussão a respeito da educação inclusiva e estimulando
a pesquisa nessa área. Essa parece ser uma via que pode propiciar um redimensionamento nos saberes
desse profissional, possibilitando a desconstrução de concepções excludentes e a construção de saberes
pautados em valores inclusivos.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PORTAL DO PROFESSOR DO MEC: FORMANDO PROFESSORES PARA


EDUCAÇÃO INCLUSIVA?
[ID 7]

Ana Flávia Teodoro de Mendonça Oliveira


Universidade Federal de Goiás (UFG)
anaflavia_teodoro@hotmail.com

Resumo
Na presente pesquisa, objetivamos investigar a representação cultural da deficiência nos discursos midiáticos
do Portal do Professor do MEC, buscando identificar os estereótipos e as possíveis essencializações
existentes na produção dos sujeitos com deficiência. Nossa análise fundamentou-se na perspectiva
foucaultiana de análise arqueológica do discurso, portanto, elegemos como arquivo um conjunto de
documentos que vão desde aulas produzidas no Espaço da aula, passando por publicações no Jornal do
professor, por discursos de profissionais da educação, veiculados nos vídeos institucionais, até músicas,
artigos de revistas, vídeos do youtube, dentre outros. Os achados da pesquisa revelam que, embora o
discurso do Portal atraia os professores pelas possibilidades de intervenção, de transformação que oferece,
conquanto seja subsidiado pelo Ministério da Educação, continua persistindo na produção da deficiência de
uma maneira pejorativa e estereotipada. Assim, o Portal do Professor do MEC, ao colocar ao dispor dos
professores metodologias variadas, ao prescrever práticas pedagógicas que cumpram as metas educacionais
propostas pelo Estado Brasileiro, para educação das pessoas com deficiência, numa perspectiva inclusiva,
pode acabar produzindo um efeito contrário, tendo em vista que muito do que é proposto nesse espaço
formativo está atrelado a uma concepção de educação normalizadora e patologizante.

Palavras-chave: Formação de Professores, Inclusão, Portal do Professor do MEC.

Résumé
Dans cette recherche, nous avons cherché à enquêter sur la représentation culturelle du handicap dans le
discours médiatique du ministère de Portal Teacher Education, cherchant à identifier les stéréotypes et les
essentializations existants possibles dans la production des personnes handicapées. Notre analyse a été
basée sur la perspective de Foucault de l'analyse du discours archéologique, donc nous avons choisi de
déposer un ensemble de documents allant des classes produites dans la classe de l'espace, à travers des
publications dans le Journal de l'enseignant par l'éducation des professionnels discours, servi dans vidéos
d'entreprise, de la musique, des articles de magazines, des vidéos youTube, entre autres. Les résultats du
sondage révèlent que, bien que le discours Portal attirer des enseignants par les possibilités d'intervention de
transformation offre, même si elle est subventionnée par le Ministère de l'éducation, persiste dans la
production du handicap d'une manière péjorative et stéréotypée. Ainsi, le Portail des enseignants MEC, de
fournir à diverses méthodologies enseignants, de prescrire des pratiques d'enseignement qui répondent aux
objectifs éducatifs proposés par l'État brésilien pour l'éducation des personnes handicapées dans une
perspective inclusive, il peut finir par produire l'effet inverse, étant donné qu'une grande partie de ce qui est
proposé dans cet espace de formation est liée à une conception de l'éducation et de la normalisation de la
pathologisation.

Mots-clés: Formation des enseignants, L'inclusion, Portail des enseignants MEC.

INTRODUÇÃO
O Portal é um espaço formativo permanente, que busca apoiar os cursos de capacitação do ProInfo
Integrado; oferecer aos professores um ambiente para que estes, após a conclusão do curso, sintam-se
incluídos em uma comunidade de pessoas que utilizam Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na
Educação; disseminar experiências educacionais das e nas diferentes regiões do Brasil; oferecer recursos
multimídia em diferentes formatos, assim como fornecer materiais de estudo, dicas e trocas de experiências
entre professores de diferentes locais, formação e interesses. Ademais, ele oferece um jornal eletrônico para

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A Escola: Dinâmicas e Atores

atender a divulgação de eventos, ideias dos educadores, bem como uma revista eletrônica que permita aos
professores a divulgação de suas ideias e experiências.
Nesse contexto, faz-se necessário ressaltar que os conteúdos sobre a deficiência estão presentes em
todas as seções referidas anteriormente, pois, efetuando uma busca através da expressão inclusão da pessoa
com deficiência encontramos duas edições do Jornal do Professor, 33 Recursos Educacionais, além de 769
aulas, no Espaço da Aula, com a referida temática, evidenciando uma grande produtividade de saberes sobre
a questão, circulando no espaço formativo do Portal.
Esse aspecto nos leva a inferir que o Portal, além de assumir um lugar importante na produção de
verdades sobre as pessoas com deficiência, também atua instituindo práticas e definindo decisões
pedagógicas de muitos professores. Dessa forma, consideramos que o Portal do Professor do MEC é um
local de produção sociopolítica e de formação, que, em suas formas peculiares de realização, transita e
negocia significados sobre a deficiência, o que excede em muito à sua pragmática de veículo informativo.
Assim, fundamentados nos Estudos Culturais de vertente pós-estruturalista, inferimos que os modos de dizer
sobre a deficiência nos processos formativos são práticas culturais, cuja permanência deve ser inquirida, pois
ensinam ao professor o que é ser deficiente.
No entanto, faz-se necessário destacar que concebemos representação cultural de acordo com a
abordagem construcionista de Hall, em que “a representação é a produção de significados através da
linguagem” (Hall, 1997b, p.28). Nessa perspectiva, a representação cultural é entendida como:
[...] o processo pelo qual os membros de uma cultura utilizam a língua (amplamente definida
como qualquer sistema que empregue signos, qualquer sistema significante) para produzir
significados. Esta definição já carrega a importante premissa de que as coisas – objetos,
pessoas, eventos do mundo – não têm em si qualquer significado estabelecido, final ou
verdadeiro. Somos nós – na sociedade, nas culturas humanas – que fazemos as coisas
significarem, que significamos. (ibidem, p.61)
Nesse sentido, acreditamos que os significados produzidos através dos processos de representação
cultural auxiliam os professores a pensar a deficiência, a interpretarem-na, a atribuir sentido a ela, a dar-lhe
um significado. Tais proposições colocam-nos diante da urgência de analisar os discursos dos processos
formativos, no sentido de desvelar os possíveis essencialismos existentes na produção de sujeitos com
deficiência. Sobre os essencialismos, Weeks (2001) explica que:
[...] é o ponto de vista que tenta explicar as propriedades de um todo complexo por referência
a uma suposta verdade ou essência interior. Essa abordagem reduz a complexidade do
mundo à suposta simplicidade imaginada de suas partes constituintes e procura explicar os
indivíduos como produtos automáticos de impulsos internos. (p.43)
Portanto, ao examinar os textos culturais do referido espaço formativo, interessamo-nos em saber se
os enunciados que orientam, aconselham e instituem uma forma de atuação docente fundamentam-se numa
visão estereotipada da deficiência. Bhabha (1998) afirma que:
[...] o estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação de uma dada
realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa, fixa, de representação que, ao
negar o jogo da diferença (que a negação através do Outro permite), constitui um problema
para a representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais (p.117).
O que há de se ter em mente, então, é que a representação estereotipada da deficiência pode
direcionar o comportamento e as atitudes dos professores em relação a esses sujeitos, uma vez que “esse
estereótipo será o alvo das ações subsequentes e, ao mesmo tempo, o biombo que estará interposto entre o
agente da ação e a pessoa real à sua frente”. (Amaral, 1998, p.18). Com efeito, acreditamos que, ao desvelar
a representação cultural da deficiência, podemos contribuir para a ruptura de certezas, verdades e crenças

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

preestabelecidas a respeito dos sujeitos com deficiência, visando à problematização dos discursos formativos
na área da educação inclusiva.

OBJETIVOS
Objetivo geral
Objetivamos investigar qual a representação cultural da deficiência nos discursos midiáticos do Portal
do Professor do MEC. Para tanto, estabelecemos dois objetivos específicos, a saber:

Objetivos específicos
§ Identificar que representações são potencializadas e que representações são excluídas, na
emergência de uma trama discursiva que coloca a deficiência como foco nos artefatos culturais
midiáticos do Portal do Professor do MEC;
§ Identificar os estereótipos e possíveis essencializações existentes nos discursos produtores da
deficiência.

METODOLOGIA
Para analisar os diferentes discursos que produzem a deficiência na trama discursiva do Portal do
Professor do MEC, fundamentamo-nos na análise arqueológica de Foucault (2013). No tocante a essa
abordagem, consideramos pertinente apresentar algumas características da análise arqueológica, a saber:
A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas
obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos, mas os próprios discursos,
enquanto práticas que obedecem a regras. (...) Não é o retorno ao próprio segredo da origem;
é a descrição sistemática de um discurso-objeto. (pp.169-170).
Dessa forma, ao adotar o projeto foucaultiano como abordagem metodológica, partimos do suposto
que:
[...] não existe um discurso de poder de um lado e, em face dele, um outro contraposto. Os
discursos são elementos ou blocos táticos no campo da correlação de força; podem existir
discursos diferentes e mesmo contraditórios dentro de uma mesma estratégia; podem, ao
contrário, circular sem mudar de forma entre estratégias opostas. (Foucault, 2005, p.96)
Nesse sentido, selecionamos para o nosso arquivo de pesquisa textos culturais diversos, uma vez
que, ao examinar esse material, constatamos que as pessoas com deficiência que falam ou são faladas no
Portal do Professor do MEC, dispersavam-se de inúmeras formas e através das diversas modalidades
enunciativas, como: no discurso dos vídeos institucionais, das matérias veiculadas no jornal do professor, na
entrevista com profissionais, nas reportagens, nas imagens e nos discurso das aulas destinadas a formar o
professor.
Além disso, a opção por analisar os discursos emergentes da cultura de massa deve-se ao fato de
entendermos que a educação ou a formação dos professores também acontece em outras ambientações.
Assim, fundamentados nos Estudos Culturais de vertente pós-estruturalista, valemo-nos do conceito de
pedagogia cultural assinalado por Steinberg (1997), que revela que educação pode ocorrer numa variedade
de locais sociais nos quais se incluem as instituições de ensino formais, como a escola ou a universidade,
porém não se limita a elas. Na perspectiva assumida pela autora, “lugares pedagógicos são aqueles onde o
poder se organiza e se exercita, tais como bibliotecas, TV, filmes, jornais, revistas, brinquedos, anúncios,
videogames, livros, esportes, etc.” (Steinberg, 1997, p.102).

1219
A Escola: Dinâmicas e Atores

RESULTADOS
Nossa análise permite-nos constatar que as aulas, os vídeos, as músicas, as histórias em quadrinhos,
os artigos de jornais e de revistas, disponíveis no espaço formativo do Portal, vão tecendo em sua
materialidade diferentes maneiras de dizer a deficiência, fazendo aparecer discursos por vezes antagônicos,
enunciados nem sempre lineares, mas que, em seu conjunto e em sua dispersão, produzem diferentes
maneiras de captar a verdade sobre os sujeitos com deficiência.
Nos arquivos analisados, constatamos a existência da construção e disseminação de uma
representação da deficiência atrelada à ideia de heroísmo e de superação. Encontramos, nos textos culturais,
um enaltecimento das capacidades dos sujeitos com deficiência, estabelecendo-se a construção de um
personagem heroico que, apesar de todo sofrimento, consegue superar as adversidades.
O vídeo do youtube (Tocando o céu sem braços), veiculado na aula As deficiências múltiplas na
escola e utilizado como recurso pedagógico, retrata bem o enaltecimento das capacidades heroicas dos
sujeitos com deficiência. O filme apresenta a história de uma garota com deficiências múltiplas realizando
atividades diversas, como: a participação em esportes variados, a realização de uma série de atividades sem
o apoio das mãos, entre elas dirigir, secar o cabelo, trocar as lentes de contato, abastecer o carro com o apoio
dos pés, digitar vinte e cinco palavras por minuto. O ápice do filme se dá quando Jessica aparece pilotando
uma aeronave com os pés, sendo que, aliado ao discurso imagético, vão surgindo no discurso escrito palavras
de exaltação aos feitos heróicos da garota com deficiência, como podemos observar nos excertos abaixo:
Esta mulher inspiradora e heroína para muitos, irradia felicidade e um grande senso de
humor. É a primeira mulher piloto na história da aviação que pilota sem os braços; Até a data
tinha contabilizado 130 horas de vôo sozinha. (Aula deficiências múltiplas na escola / Espaço
da Aula / vídeo “Tocando o céu sem braços”).
Nos enunciados analisados, enfatiza-se a proeminência ou quase superioridade das pessoas com
deficiência em relação aos ditos normais, dando-nos a impressão que, ao enaltecer as habilidades e
capacidades dessas pessoas, atenua-se a imagem da invalidez e da incapacidade. Esse discurso também
está presente em outros arquivos, como podemos observar abaixo:
Tanto eu quanto o Brasil inteiro ficamos muito satisfeitos com eles (as pessoas com
deficiência), na verdade, eles conseguiram provar que são tão capazes e até mais capazes
que os supostos normais (Vídeo – Esporte como fator de inclusão).
No discurso imagético extraído das aulas Somos todos iguais, as imagens de comemoração,
associadas ao enunciado Amputados vencedores, reforça a ideia da deficiência atrelada à superação e à
vitória. Nesse contexto, torna-se evidente a estratégia de espetacularização da deficiência, em que essas
pessoas são consideradas como seres com capacidades quase sobrenaturais, dando a impressão de que
podem ultrapassar qualquer limite, que são verdadeiros heróis.
Nesse momento, é importante fazer referência aos estudos de Goffman (2004), que trabalham com o
conceito de estigma. O autor destaca que o estigmatizado (que nesse estudo refere-se à pessoa com
deficiência) apresenta-se como se estivesse em exibição, de modo que suas condutas são inalcançáveis
pelas outras pessoas, sobretudo se considerar que os outros não passaram por todas as provações que eles,
já que não possuem nenhum tipo de deficiência. Assim, “seus menores atos, (...) podem ser avaliados como
sinais de capacidades notáveis e extraordinárias nessas circunstâncias” (Goffman, 2004, p.16).
Ao realçarem as capacidades e os atos heroicos das pessoas com deficiência, os discursos do Portal
podem de alguma forma retirar a dimensão de humanidade desses sujeitos, descaracterizando-os e
construindo-se uma ideia falsa que, por vezes, não corresponde à realidade. Por isso, concordamos com

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Carvalho (2005) quando adverte que negar a deficiência (sensorial, mental, física, motora, múltipla e outras)
é tão perverso quanto lhes negar a possibilidade de acesso, ingresso e permanência bem-sucedida no
processo educacional escolar, configurando-se como uma forma de exclusão mais grave do que a física, que
segrega pessoas em espaços restritivos, pois revela a sua exclusão dentro de nós, num movimento
inconsciente de rejeição às suas diferenças.
Em relação à surdez, observamos que uma das representações que aparecem nos discursos
encontrados no Portal é aquela que associa surdez à limitação ou à falta. Estas são ilustradas pelo texto
sugerido para debate numa das aulas desse espaço formativo, cujo título é Os surdos-mudos e suas
limitações, em que mais uma vez, num jogo de objetivação, ressalta-se a incapacidade dessas pessoas de
interagir com o mundo, devido às limitações decorrentes da perda da audição.
Os Surdos-mudos e suas limitações
As pessoas surdo-mudas estão desprovidas de sua fala e de sua audição. Por esse motivo,
a sua interação com o mundo está seriamente comprometida. Esse fato torna limitado o seu
convívio social, tornando-as mais dependentes e dificultando-as de exercerem a sua
cidadania. (Espaço da Aula – Aula: Diferentes Leituras para pessoas com necessidades
especiais: Braille, Libras e leitura labial).
Em consonância com Thoma (2002), acreditamos que não podemos desvincular a surdez da falta da
audição, contudo, afirmar que os surdos são limitados, que não conseguem interagir com o mundo social, ou
exercer a sua cidadania, é um grande equívoco, que tem como consequência a construção de significados
que colocam os surdos numa posição de subalternidade em relação à comunidade ouvinte.
De outro modo, as formulações expressas nos artefatos culturais midiáticos do Portal, que fazem
referência a pessoas cegas, parecem ter uma fixação pela relação entre a cegueira e o tato, dando-nos a
impressão que a cegueira está localizada apenas dentro dessa ordem particular. Os fragmentos abaixo
ilustram essa relação.
Em seguida, o professor deverá fazer os seguintes questionamentos, para os alunos do grupo
“A” (os que estão vendados):
§ Tateiem o objeto e digam o que estão sentindo.
§ Qual é a forma do objeto?
§ Qual sentido você está usando neste momento?
§ Como você está se sentindo sem enxergar o objeto? (Aula - A deficiência visual na escola
/ Espaço da Aula)
Obviamente não podemos negar as relações entre cegueira e tato, no entanto, cremos que essas
associações, recorrentes nos discursos dos artefatos culturais midiáticos, reforçam apenas o já conhecido da
cegueira e não contribuem para desestabilizar as verdades a respeito desses sujeitos. Em consonância com
Silva (2009), pensamos que seria mais interessante estimular os estudantes e as estudantes a:
[...] explorar as possibilidades de perturbação, transgressão e subversão das identidades
existentes. (...) Estimular em matéria de identidade, o impensado e o arriscado, o inexplorado
e o ambíguo, em vez do consensual e do assegurado, do conhecido e do assentado. (ibidem,
p.100)
Nesse sentido, acreditamos que seria muito mais interessante possibilitar aos professores em
formação conhecer o inesperado sobre a pessoa cega, experimentando perspectivas desconhecidas e
desafiadoras sobre a deficiência, ajudando os docentes em formação a reconhecer as diferenças como
significativas, sem vê-las como essenciais ou imutáveis.
No entanto, enquanto a pessoa cega é fixada a partir do uso do tato ou dos sentidos, as narrativas
que se produzem a respeito da deficiência intelectual acabam por localizar ou definir esses sujeitos a partir
do referente monstruosidade, dando-nos a impressão de que estes continuam sendo vistos como uma coisa,

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A Escola: Dinâmicas e Atores

quase como animais. Essa relação pode ser percebida na própria atividade proposta na aula intitulada A
deficiência Mental na Escola, em que a professora propõe a leitura do texto Uma história de Terror.
No texto proposto pela docente para discussão da deficiência intelectual, a palavra monstro aparece
de forma recorrente, evidenciando-se as marcas da diferença física e das deformidades, bem como os
sentimentos de medo vividos por aqueles que se aproximam do suposto personagem anormal. Esses sentidos
são marcados no discurso, através dos enunciados abaixo:
Em uma montanha perto da cidade, havia um castelo assombrado. Nele morava um homem
que tinha o rosto marcado por cicatrizes, três olhos, um rabo de macaco. Ele não tinha nome,
mas todos na cidade o chamavam “Biruto da Meia Noite” por causa do barulho que ele fazia
à meia noite (...). (Uma história de Terror – Atendimento Educacional Especializado – Def.
Mental)
Além disso, os discursos sobre a monstruosidade encontram suporte também na imagem exibida no
texto a ser consultado. A imagem retrata a figura da fera, um ser primitivo, com uma espécie de três olhos na
face, os dentes pontiagudos, dando a impressão de uma fera pronta a se revelar, uma fera que nem parece
gente. Portanto, em face dos enunciados acima, supomos que o objetivo da atividade proposta pela docente
foi o de levar os alunos a refletirem sobre a deficiência intelectual, relacionando-a a desvios físicos e psíquicos.
Ao produzir um discurso sobre a deficiência a partir de um referencial de monstruosidade, a professora
está resgatando e ressignificando os elementos da memória social, histórica e mítica sobre esses sujeitos.
Nesse caso, cabe esclarecer que para Foucault (2002):
[...] a noção de monstro é essencialmente uma noção jurídica – jurídica, claro, no sentido lato
do termo, pois o que define o monstro é o fato de que ele constitui, em sua existência mesma
e em sua forma, não apenas uma violação das leis da sociedade, mas uma violação das leis
da natureza. Ele é um registro duplo, infração às leis em sua existência mesma. (p.69)
Ainda com relação ao trabalho com a temática deficiência intelectual, as categorias de exotismo estão
presentes na música É tão lindo, utilizada como estratégia pedagógica na aula A deficiência mental na escola.
É tão lindo
(Al Kasha / J. Hirschom /
Edgard Poças)

Se tem bigodes de foca


Nariz de tamanduá

Parece mesmo estranho,


Heim!

Também um bico de pato


E um jeitão de sabiá
Mas se é amigo
Não precisa mudar

E é tão lindo
Deixa assim como está (...)
Esse discurso é em si problemático, pois, ao posicionarem os sujeitos com deficiência intelectual
como estranhos ou exóticos, corre-se o risco de fortalecer nos professores em formação o sentimento de
rejeição, de repulsa e de medo em relação a esses alunos e, mais do que isso, pode fortalecer no professor
o desejo de normalizar esses sujeitos, enquadrando-os “numa normativa que seja capaz de fazer diluir e
desaparecer suas diferenças, tornando-o extremamente conhecido e familiar, a ponto de inferiorizá-lo e
diminuí-lo” (Lunardi, 2004, p.15).
Logo, parece-nos crucial suspeitar dessas traduções pedagógicas que, por meio dos estereótipos,
banalizam as diferenças e constroem o Outro com deficiência intelectual como seres maléficos, ou como
alguém que só resta à escola tolerar. Sobre esse tipo de estratégia, Silva (2009) alerta-nos para o quanto elas

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

podem ser danosas, pois se resumem a apresentar aos estudantes formas superficiais e distantes das
diferentes culturas, tornando o outro um dado exótico e curioso, sem questionar as relações de poder
envolvidas na produção da identidade e da diferença.
Diante do exposto, percebemos que todas as representações enumeradas anteriormente
correspondem a representações culturais reveladoras de uma luta pelo poder de dizer sobre a deficiência.
Contudo, tais significados não são estáveis nem únicos e as linguagens utilizadas para fazer referência às
pessoas com deficiência mudam constantemente, indicando a fluidez e a mutabilidade dos significados.
Tais considerações marcam a importância de ressaltarmos que nossas análises não contemplam a
multiplicidade de sentidos possíveis de constituírem-se a partir da leitura dos textos culturais disponibilizados
no espaço formativo do Portal, pois, é preciso considerar que, quando essas histórias chegam ao seu público
de destino (os professores que acessam o Portal do Professor do MEC) os sentidos podem ser reafirmados,
mas também podem ser criados novos sentidos, contribuindo para atitudes favoráveis ou desfavoráveis diante
daqueles que possuem uma deficiência.

CONCLUSÃO
Ao identificar as múltiplas representações culturais da deficiência no espaço formativo do Portal,
percebemos que a deficiência é produzida ou construída na repetição de textos e de imagens que alcança
um nível de consenso ao ser enunciada por diferentes sujeitos, produzindo-se efeitos de verdade. Em sendo
assim, reconhecemos que a deficiência nada mais é que a incidência regular de certos temas, imagens e
falas produzidas por sujeitos que ocupam posições distintas e que enunciam em espaços formativos diversos.
O problema é que o Portal do Professor do MEC, ao colocar ao dispor dos professores metodologias
variadas, ao mostrar as condutas desejáveis, ao prescrever práticas pedagógicas que cumpram as metas
educacionais propostas pelo Estado Brasileiro para educação das pessoas com deficiência, numa perspectiva
inclusiva, pode acabar produzindo um efeito contrário, tendo em vista que muito do que é proposto nesse
espaço formativo está atrelado a uma concepção de educação normalizadora e patologizante, contrariando
os pressupostos básicos de uma educação inclusiva.
Podemos dizer então que, embora o discurso do Portal atraia os professores pelas possibilidades de
intervenção e de transformação da sua prática pedagógica, apesar do conjunto heterogêneo de técnicas que
utiliza, é capaz de seduzir porque produz a identificação com as metas, desejos, anseios e vontade de
mudanças em relação à educação de alunos e alunas com deficiência. Embora seja subsidiado pelo MEC e
receba legitimidade no seu poder de enunciação, por estabelecer acordos colaborativos com Universidades
públicas nacionais e internacionais, o referido Portal continua persistindo na produção da deficiência de uma
maneira pejorativa e estereotipada, fazendo com que o sujeito com deficiência, na sua multiplicidade e
diferença, seja substituído por uma construção imaginária que, por vezes, não tem nenhuma relação com a
realidade.
Essa maneira de representar culturalmente a deficiência através de estereótipos pode trazer sérias
implicações para a formação de professores com base nos pressupostos da educação inclusiva, visto que os
discursos estereotipados produzem não só o aluno com deficiência, mas também e, sobretudo, os professores
em formação, subjetivando-os. Isso significa que os enunciados produzidos sobre a deficiência no espaço
formativo do Portal nomeiam, simplificam, enquadram a deficiência, mas também regulam, coordenam e
governam as ações dos professores, estruturando a sua forma de ver e pensar a realidade.

1223
A Escola: Dinâmicas e Atores

É exatamente por isso que não podemos continuar produzindo - nas formações de professores virtuais
ou presenciais - conhecimentos sobre a deficiência que encerrem ou aprisionem esses sujeitos nos discursos
da estereotipia e dos essencialismos. Acreditamos ser necessário produzir uma reflexão permanente a
respeito das condições de produção do conhecimento sobre a deficiência nos espaços formativos,
possibilitando aos alunos em formação a construção de um olhar crítico sobre os sentidos, as imagens e os
enunciados que falam sobre os sujeitos com deficiência problematizando-os.

REFERÊNCIAS
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In Aquino, J. G. Diferenças e preconceitos na escola: alternativas teóricas e práticas (2ªEd.). São
Paulo: Summus.
Bhabha, H. K. (1998). O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG.
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Foucault, M. (2002). Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). Tradução de Eduardo Brandão.
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and Signifying practices, London: Thousand Oaks.
Lunardi, M. L. (2004). Pedagogia da diversidade: normalizar o outro e familiarizar o estranho. In Reunião Anual
da ANPED, Caxambu. Anais eletrônicos. Caxambu: ANPED, 2004. Disponível em:www.Anped.org.br/
reuniões/27/tp.htm#gt15. Acesso em: 15 mar. 2012.
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Petrópolis: Vozes, p.73-102.
Steinberg, S. (1997). Kindercultura: a construção da infância pelas grandes corporações. In Silva, L., Azevedo,
J. & Santos, E. (Orgs.), Identidade social e a construção do conhecimento. Porto Alegre: Secretaria
Municipal da Educação.
Thoma, A. S. (2002). O cinema e a flutuação das representações surdas - Que drama se desenrola neste
filme? Depende da perspectiva. 200f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-
graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre.
Weeks, J. (2001). O corpo e a sexualidade. In Louro, G. (Org.), O corpo educado: pedagogias da sexualidade
(pp.37-82). Belo Horizonte: Autêntica.

1224
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A INCLUSÃO DO ALUNO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA): UM


OLHAR PARA O USO DA COMUNICAÇÃO SUPLEMENTAR E ALTERNATIVA (CSA)
NA SALA DE AULA REGULAR
[ID 8]

Ana Flávia Teodoro de Mendonça Oliveira


Ana Emília da Silva Adriano
Universidade Federal de Goiás (UFG); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
anaflavia_teodoro@hotmail.com; milinhadriano@gmail.com

Resumo
A Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) caracteriza-se por um conjunto de métodos e técnicas que
facilitam a comunicação, ampliando as possibilidades de troca, de experimentação individual e de
relacionamento com o outro. Nesse sentido, o presente trabalho buscou compreender como está sendo
realizado o processo de inclusão do aluno com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no que diz respeito à
utilização da Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) na sala de aula regular. A pesquisa foi realizada
com professores de uma escola municipal do Recife (PE), onde se utilizou como instrumentos metodológicos
o questionário e a entrevista não-estruturada. Na análise de conteúdo fundamentada em Bardin (1977),
verificamos que os professores acreditam que a Comunicação Suplementar e Alternativa favorece o
aprendizado da criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e que o uso de Tecnologia Assistiva auxilia
na inclusão social desses alunos. Em relação aos recursos utilizados, os docentes salientam que utilizam
como estratégias e recursos a mesa alternativa, imagens do software boardmaker e atividades com figuras.
Contudo, alegam que as formações continuadas são insuficientes para trabalhar com a Comunicação
Suplementar e Alternativa (CSA) e que há pouco suporte técnico do Atendimento Educacional Especializado
(AEE). Nesse sentido, o nosso estudo aponta que o professor sente-se despreparado para trabalhar com os
alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), usando a Comunicação Suplementar e Alternativa, sendo
que essa dificuldade deve-se inicialmente a falta de formação inicial e continuada que atenda às necessidades
dos docentes e os capacite a lidar com as ferramentas tecnológicas. Além disso, outra questão importante é
a falta de suporte técnico ou de serviços que auxiliem diretamente o professor, o usuário e sua família na
seleção, na aquisição e no uso dos recursos de Comunicação Suplementar e Alternativa. O apoio do professor
do Atendimento Educacional Especializado ainda é muito reduzido, apontando para a necessidade de que os
professores da sala de aula regular recebam um suporte mais específico para desenvolver suas atividades
com crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista, Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA), Inclusão.

Résumé
La communication complémentaire et alternative (AAC) se caractérise par un ensemble de méthodes et de
techniques qui facilitent la communication, en élargissant les possibilités d'échange d'expérimentation
individuelle et de la relation avec l'autre. En ce sens, cette étude visait à comprendre comment il est mené le
processus d'inclusion des élèves ayant des troubles du spectre autistique (TSA) concernant l'utilisation de
communication améliorée et alternative (AAC) dans la classe ordinaire. L'enquête a été menée avec les
enseignants d'une école publique à Recife (PE), qui a été utilisé comme outils méthodologiques du
questionnaire et un entretien non structuré. Dans l'analyse du contenu basé sur Bardin (1977) ont constaté
que les enseignants estiment que la communication complémentaire et alternative favorise l'apprentissage
des enfants atteints de troubles du spectre autistique (TSA) et l'utilisation de la technologie d'assistance permet
l'inclusion sociale de ces étudiants. En ce qui concerne les ressources utilisées, les enseignants soulignent
que les stratégies et les ressources utilisées comme la table de remplacement, des images de logiciels
Boardmaker et des activités avec les chiffres. Cependant, ils soutiennent que la formation continue sont
insuffisantes pour travailler avec la communication complémentaire et alternative (AAC) et qu'il ya peu de
soutien technique du spécialiste de l'éducation (ESA). En ce sens, notre étude montre que les enseignants se
sentent pas prêts à travailler avec des élèves atteints de troubles du spectre autistique (TSA) en utilisant le
complémentaire et la communication alternative, et cette difficulté est d'abord dû au manque de formation
initiale et continue qui répond aux besoins des enseignants et leur permettre de faire face à des outils

1225
A Escola: Dinâmicas e Atores

technologiques. En outre, une autre question importante est le manque de soutien ou des services qui aident
directement l'enseignant, vous et votre famille dans la sélection, l'acquisition et l'utilisation des ressources de
communication améliorée et alternative technique. Service éducatif des enseignants spécialisés est encore
très faible, soulignant la nécessité pour les enseignants en classe régulière reçoivent un soutien plus
spécifique pour développer leurs activités avec les enfants atteints de troubles du spectre autistique (TSA).

Mots-clés: Trouble du spectre autistique, Communication complémentaire et alternative (CSA), Inclusion.

INTRODUÇÃO
A filosofia da inclusão, conforme nos aponta Sanchez (2005), defende uma educação eficaz para
todos, onde as escolas, enquanto comunidades educativas devem satisfazer as necessidades de todos os
alunos, sejam quais forem as suas características pessoais, psicológicas ou sociais. Trata-se de estabelecer
os alicerces para que a escola possa educar com êxito a diversidade de seu alunado e colaborar com a
erradicação da desigualdade e injustiça social.
Assim, entende-se que garantir às pessoas com deficiência uma educação de qualidade, pressupõe
um esforço em direção à busca de inovações pedagógicas, além de esforço em direção à modernização e
reestruturação das condições atuais de nossas escolas, especialmente no que diz respeito às barreiras
comunicacionais, que se colocam como grande entrave para o desenvolvimento e inclusão dos alunos com
deficiência, especialmente daqueles que apresentam limitações na comunicação oral.
Nesse sentido, é preciso salientar que encontram-se entre as pessoas com incapacidade
comunicativa crianças, jovens e adultos com deficiência motora, deficiência intelectual, atraso no
desenvolvimento da linguagem, autismo e outras deficiências de linguagem adquiridas ou deficiências do
próprio desenvolvimento (Tetzchner, 2009).
Nesse contexto, diversos estudos tem apontado para as dificuldades na comunicação verbal e não
verbal das crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Kanner (1943), em seus estudos iniciais sobre
o autismo, enfatizava que entre os inúmeros aspectos encontrados nessa patologia, encontram-se as
dificuldades na linguagem. Essas alterações de linguagem, vão desde a ausência total da fala até o uso
inapropriado do código linguístico, com a utilização da ecolalia, inversão pronominal e fala descontextualizada.
Assim, para o percentual de alunos autistas que estão inclusos na sala de aula regular e que são
totalmente incapazes de falar ou cuja fala não preenche as funções comunicativas necessárias ao seu
desempenho acadêmico, é necessário que haja a utilização de outros sistemas de comunicação. Nesse caso,
pode-se dispor de sistemas criados ou adaptados especialmente com a finalidade educativa ou terapêutica
como as pranchas de alfabeto ou símbolos pictográficos, os comunicadores e até sistemas sofisticados de
voz sintetizada (Glennen, 1997).
Schirmer & Bersch (2007), salientam que os Sistema de Comunicação Suplementar e Alternativa,
compreendem os recursos, as estratégias e as técnicas que apoiam modos de comunicação existentes (fala
reduzida e pouco inteligível) ou que substituem a fala. Sobre isso, os autores afirmam que:
Os sistemas de CAA podem ser organizados em recursos que não necessitam auxílio externo
(sinais manuais, gestos, apontar, piscar de olhos, sorrir, vocalizar) e os que necessitam
auxílio externo (objeto real, miniatura, retrato, símbolo gráfico, letras e palavras, dispostos
em recursos de baixa e alta tecnologia). O usuário da CAA sinalizará a mensagem que deseja
expressar, apontando para o recurso externo que será organizado para ele (pranchas com
símbolos, objetos, miniaturas), além de utilizar seus gestos, vocalizações e demais
expressões particulares (p. 57).
Um dos sistemas de Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) amplamente utilizado
com crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é o PECS. Segundo Bondy e Frost (1994), o Picture

1226
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Exchange Communication System (PECS) foi desenvolvido em 1985 como um sistema de Comunicação
Alternativa e Aumentativa para indivíduos com TEA e doenças do desenvolvimento relacionadas, com o
objetivo de promover a iniciação de comunicação.
Tamanaha & Perissinoto (2009), afirmam que o PECS é um dos programas de comunicação mais
utilizados e envolve não apenas a substituição da fala por uma figura, mas incentiva a expressão de
necessidade e desejos. Sendo composto por figuras/fotografias selecionadas de acordo com o repertório
lexical de cada sujeito, sendo que, seu treinamento acontece por meio de seis fases. Segunda as autoras
essas fases preconizam o entendimento do uso de cartões, a discriminação de figuras, a seleção autônoma
de cada cartão, a construção frasal com a utilização inclusive de sinais pictográficos
Assim, diante das inúmeras dificuldades na comunicação, é indispensável que as escolas eliminem
essas barreiras e adotem práticas de ensino adequadas às diferenças dos alunos com TEA, promovendo
acessibilidade comunicacional. Sendo assim, diante das dificuldades encontradas em relação à linguagem,
entendemos que a Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) pode favorecer muito o desenvolvimento
dos alunos com Transtornos do Espectro Autista (TEA).
Nesse sentido, acreditamos que a inclusão dos alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) só
será satisfatória se houver um respeito pelas necessidades individuais desses sujeitos. Dessa forma,
entendemos que os recursos de CSA podem ser importantes aliados na inclusão desses sujeitos, sendo
assim, o professor deve estar preparado para trabalhar com as diferenças e com as questões referentes à
acessibilidade comunicacional, pois, possibilitar ou garantir o direito de "voz" aos alunos com TEA constitui-
se em um dos principais direitos para se caminhar rumo à construção de uma educação inclusiva.

OBJETIVOS
Objetivo Geral:
Compreender como está sendo realizado o processo de inclusão do aluno com Transtorno do
Espectro Autista (TEA) no que diz respeito à utilização da Comunicação Suplementar e Alternativa na sala de
aula regular.

Objetivos Específicos:
§ Identificar quais estratégias, recursos e serviços que são utilizados com o objetivo de proporcionar o
uso da Comunicação Suplementar e Alternativa aos alunos com Transtorno do Espectro Autista
(TEA).
§ Analisar que saberes os professores tem construído em sua formação continuada acerca da
Comunicação Suplementar e Alternativa.

METODOLOGIA
Considerando que o objeto de nossa investigação é “Compreender como está sendo realizado o
processo de inclusão do aluno com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no que diz respeito à utilização da
Comunicação Suplementar e Alternativa na sala de aula regular”, nos aproximamos da abordagem de
pesquisa qualitativa, o que se justifica pela própria especificidade do nosso objeto e não por uma opção
pessoal. Como afirma Minayo (1999), a polêmica quantitativo versus qualitativo não pode ser assumida
simplesmente como uma opção pessoal do cientista ao abordar a realidade, mas como um caráter específico

1227
A Escola: Dinâmicas e Atores

do objeto de conhecimento, ou seja, o ser humano e a sociedade, que se recusa a se revelar apenas em
números ou a se igualar com sua própria aparência.
A Pesquisa realizada em uma Escola Municipal da cidade do Recife, nos ciclos de alfabetização e
ensino fundamental (séries iniciais). Um fator decisivo para escolha dessa instituição de ensino foi o fato de
que a mesma promove a inclusão de alunos com TEA e possui Atendimento Educacional Especializado
(AEE), responsável pela implementação de ajudas técnicas no que diz respeito a Comunicação Suplementar
e Alternativa.
Os sujeitos dessa pesquisa foram professores da alfabetização e do ensino fundamental I. A seleção
desses docentes justifica-se pelo fato dos mesmos terem em sua sala de aula alunos com TEA e utilizarem
em sua prática pedagógica o Sistema de Comunicação Suplementar e Alternativo.
. Utilizamos como instrumentos de pesquisa o questionário e a entrevista não estruturada. Em relação
ao procedimento de tratamento e análise dos dados da investigação nos referenciamos na Análise de
Conteúdo em Bardin (1977), que a define como:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores
quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens (p.42).
Seguimos então as etapas básicas propostas por Bardin (1977) para a análise de conteúdo dos
documentos (entrevistas), a saber: a pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos resultados
obtidos e a interpretação. A partir da definição da unidade de registro, iniciamos a “categorização”, onde
empregamos o processo de uma categorização com categorias a priori, sugeridas pelo referencial teórico e
com categorias a posteriori, elaboradas após a análise do material.
Foram definidas as seguintes categorias: a concepção dos professores acerca da Comunicação
Suplementar e Alternativa (CSA); A construção de saberes sobre a Comunicação Suplementar e Alternativa
nos cursos de formação (inicial e continuada); O suporte técnico do Atendimento Educacional Especializado
(AEE); Estratégias e recursos utilizados com o objetivo de proporcionar o uso da CSA aos alunos com TEA.

RESULTADOS
Para compreender como está ocorrendo o processo de inclusão do aluno com TEA no que diz respeito
à utilização da CSA na sala de aula regular, elegeu-se como categoria inicial de análise “a concepção dos
professores acerca da comunicação suplementar e alternativa”.

A concepção dos professores acerca da Comunicação Suplementar e Alternativa


Em relação a concepção dos professores acerca da Comunicação Suplementar e Alternativa,
observa-se que as docentes P2 e P6, reconhecem que esse tipo de comunicação favorece o aprendizado das
crianças que não conseguem se comunicar oralmente. Como pode ser observado abaixo:
São aquelas que complementam principalmente o aprendizado da criança especial, que não
consegue se comunicar oralmente convencionalmente, como a gente se comunica (P2 –
Professora do Atendimento Educacional Especializado).
É uma forma de comunicação com auxílio de tecnologia ou uso de imagens e símbolos que
visam ser um suporte para atividades de crianças autistas (P6 – Professora de aluno com
TEA)
Por outro lado, é possível perceber o desconhecimento das professoras P1 e P3 em relação ao
conceito de “Comunicação suplementar” e/ou “alternativa”.

1228
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Suplementar e Alternativas (...) eu sei que é através de computador e multimídias, de


legendas diferenciadas, mais ou menos o que eu entendo é isso (P1 – Professora de aluno
com TEA).
Complementar é quando está faltando, e suplementar é quando está a mais, ele é de alta
habilidade, então a gente tem que dar a mais do que ele tá ali, quando ele tá ali, na
especificidade dele que é de mais conhecimento que os outros, habilidade maior de que os
outros e do mesmo jeito que ele tá sendo assim discriminado, sentido a necessidade de uma
transferência (P3 – Professora do Atendimento Educacional Especializado).
É interessante observar que a própria professora do atendimento Educacional Especializado (AEE),
desconhece o conceito de comunicação suplementar e alternativa, o que de certa forma, causa
estranhamento, tendo em vista que a referida docente é a profissional capacitada a contribuir com o suporte
técnico aos professores da sala de aula regular.
Nesse sentido, é preciso esclarecer que comunicação suplementar e alternativa (CSA) é uma das
áreas da Tecnologia Assistiva e compreende um grupo integrado de componentes como símbolos,
representações gestuais, auditivas, gráficas ou táteis de um conceito; os recursos, que são dispositivos
utilizados para transmitir as mensagens e que podem ser eletrônicos ou não eletrônicos; as estratégias que
compreendem o modo como os recursos de comunicação alternativa serão utilizados; e as técnicas, que
incluem acesso direto pelo apontar ou olhar e os sistemas de varredura. (Pelosi, 2011).
A dificuldade em conceituar ou em definir o que é o sistema de “Comunicação suplementar e/ou
alternativa (CSA)” é resultado de lacunas na formação inicial e continuada do docente, como podemos
constatar através na análise da próxima categoria.

A construção de saberes sobre a Comunicação Suplementar e Alternativa nos cursos de


formação continuada
Percebe-se que apesar da escola receber equipamentos e recursos tecnológicos para trabalhar com
a CSA, existe uma lacuna em relação à formação continuada desses profissionais, como podemos constatar
abaixo:
Nunca participei de nenhuma formação continuada na área de Comunicação Suplementar e
Alternativa oferecida pela rede (P5 – Professora de alunos autistas).
Schirmer e Nunes (2015), afirmam que para que se possa garantir o acesso de alunos com deficiência
ao conhecimento, aos espaço físico, às interações sociais e à comunicação, é necessário que os professores
tenham conhecimento sobre Tecnologia Assistiva e, especialmente, sobre a comunicação suplementar e
alternativa (CSA).
Por outro lado, alguns professores que receberam formação continuada a consideram insuficiente
para atender às necessidades ou as exigências do trabalho com a CSA com alunos autistas.
De vez em quando eles (prefeitura) estabelecem assim, um no começo do semestre, em cada
semestre, ne!? E durante o processo a gente também teve algumas capacitações, de vez em
quando, eles chamam a gente pra alguma capacitação nova, mas assim não é só na área de
autismo, sabe!? De deficientes de uma forma geral (P1 - Professora de aluno autista).
Lá no curso de educação inclusiva que eu fiz, a gente teve aula sobre isso (...) mas assim,
eu tenho dificuldade, eu não tenho esse treinamento (P4 – Professora de alunos autistas).
É interessante ressaltar que os professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE) são os
que recebem a formação continuada de maneira mais aprofundada e com uma carga horária mais ampla
Logo que chegaram os computadores, os boardmakes, que foi montada essa sala, a gente
passou um mês recebendo formação. (...) A gente passou uma semana aprendendo a usar
essas mesas e toda a tecnologia assistiva que tem nela (P2 – Professora do Atendimento
Educacional Especializado).

1229
A Escola: Dinâmicas e Atores

Contudo, apesar dessa formação mais ampla e aprofundada do professor de Atendimento


Educacional Especializado (AEE) no que diz respeito a CSA, os professores do ensino regular evidenciam
que recebem pouco apoio desses profissionais.

O suporte do Atendimento Educacional Especializado no trabalho com a Comunicação


Suplementar e Alternativa
O professor da sala de aula regular que recebe alunos com transtorno do Espectro Autista (TEA)
afirmam sentir necessidade de um suporte maior para realizar esse trabalho. De acordo com os professores,
o suporte recebido do Atendimento Educacional Especializado (AEE) é muito restrito, dificultando o processo.
Não tenho muito domínio dessas Tecnologias Assistivas. Muitas delas tô conhecendo agora.
Suporte técnico temos muito pouco, a mãe me ajuda muito. Como eu disse, a professora do
AEE, que é do contra turno, que auxilia também, mas também é muito pouco, nunca tive
nenhuma formação da rede, especifica para isso (P5 – Professora de alunos autistas).
Não domino muito, procuro, vejo e não domino muito a tecnologia, eu levo os meninos pra
aula de informática, pra sala do computador, quando a moça, assistente, está lá, pra ela
ajudar como manuseio, tá certo!? Porque eu sinto dificuldade (...) eu não tenho esse
treinamento (P4 – Professora de alunos autistas).
Nessa perspectiva, muitos professores salientam que as atividades relacionadas ao uso CSA,
ficam restritas as salas de recursos multifuncionais.
Existem muitas dificuldades, a começar pela falta de conhecimento no sistema de educação,
o próprio departamento de Educação Especial não nos orientam e as atividades ficam
limitadas às salas de Recursos Multifuncionais) (P6 – Professora de alunos autistas).
Na verdade, o trabalho de implementação do sistema de Comunicação Suplementar e Alternativa
(CSA), deve ser um trabalho de parceria entre o professor do AEE e o professor da sala de aula regular. De
acordo com Ropoli et al (2010), o Projeto Político Pedagógico (PPP) prevê ações de acompanhamento e
articulação entre o trabalho do professor do AEE e os professores das salas comuns, além de ações de
monitoramento da produção de materiais didáticos especializados, bem como recursos necessários para a
confecção destes.
Dessa forma, o professor de AEE assume, um papel importante de articulador e mediador, entre os
diferentes atores do contexto escolar. Schirmer & Nunes (2015), salientam que para que a TA e a CSA façam
parte do dia a dia da escola, é fundamental que os professores que atendam os alunos com deficiência sejam
capazes não apenas de implementar seus recursos, mas de trabalhar em parceria com colegas, assim como
com outros profissionais envolvidos com o aluno, além de favorecer interações ricas em comunicação.
Segundo Bryant & Bryant (2012), o termo “Serviço de Tecnologia Assistiva” inclui qualquer serviço
que diretamente auxilie o usuário ou a sua família na seleção, aquisição ou no uso do recurso. Afirma ainda
que o serviço compreende
a) o levantamento das necessidades do usuário, sua avaliação funcional e análise do
ambiente em que essa tecnologia será utilizada; b) indicação e compra do recurso de TA; c)
seleção, confecção, ajuste, customização, adaptação, manutenção, conserto ou substituição
do recurso de TA; d) orientação quanto ao uso do recurso de TA em outras terapias,
intervenções ou serviços, como as associadas à Educação ou programas de reabilitação; e)
treinamento e assistência técnica para usuário e seus familiares; e f) treinamento e
assistência técnica para profissionais que tenham contato próximo com o usuário (p.375)
Nesse sentido, Pelosi (2012) sublinha que é necessário que haja um profissional fazendo a interface
entre o recurso e o usuário, e que considere não apenas suas características físicas, cognitivas, sensoriais e
emocionais, mas a atividade que será desempenhada e o contexto em que ela acontecerá.

1230
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Estratégias e recursos utilizados com o objetivo de proporcionar o uso da CSA aos alunos
com TEA
Em relação aos métodos e recursos de CSA utilizados, percebe-se certa confusão em relação aos
recursos utilizados. De acordo com a professora de Atendimento Educacional Especializado P2, na escola é
utilizado o PECS. Contudo, ela apresenta pouco conhecimento em relação a esse método, confundindo-o
com a simbologia PCS (Símbolos de Comunicação Pictórica) disponíveis através do programa de computador
boardmaker:
Hoje, a gente usa os PECS, que o MEC manda um CD com o boardmaker, que a gente usa,
a gente não usa muito todas, mas a gente usa algumas, alguns dos PECS. Quando não é o
PECS, a gente tira foto de alguma situação que a gente quer que eles façam, copiem, a gente
tira fotos, pega de revista (P2 – Professora do Atendimento Educacional Especializado).
Na verdade, o PECS é um sistema de comunicação alternativa que consiste no intercâmbio de figuras
como uma forma interativa de transmitir uma mensagem a alguém. As crianças são motivadas a solicitar algo
desejado entregando um cartão de comunicação à outra pessoa para obter o item desejado (Walter e Nunes,
2008).
Ainda em relação aos recursos e estratégias utilizadas, as professora P4 e P5, salientam que utiliza
como recurso a mesa alternativa e outras formas de comunicação, como se pode observar no discurso abaixo:
Eu uso a mesa alternativa, que a gente usa através da positivo, eles mandaram uma mesa,
tem uma pessoa que auxilia a gente (P4 – Professora de alunos autistas).
Uso muitas atividades e orientações com figuras, desenhos e expressões, e, tem surtido
efeito e alguns comandos de forma bem imperativa, para conseguirmos estabelecer um elo
(P5 – Professora de alunos autistas).
A partir da análise apresentada anteriormente, observa-se que existe dificuldades por parte dos
professores em compreender e utilizar os recursos de CSA dentro do ambiente escolar, por conta do
desconhecimento de estratégias e recursos que possam ser utilizados, a fim de poder propiciar inclusão social
ao aluno com TEA.

CONCLUSÃO
A presente pesquisa permite-nos concluir que os alunos com TEA não estão realmente inclusos, no
que diz respeito à acessibilidade comunicacional em sala de aula regular. Nesse sentido, o nosso estudo
aponta que o professor da sala de aula regular embora tenha alunos com transtorno do Espectro Autista em
sala de aula regular sentem-se despreparados para trabalhar com os mesmos, usando a Comunicação
Suplementar e Alternativa (CSA).
Essa dificuldade deve-se inicialmente a falta de uma formação continuada que atenda às
necessidades dos docentes e possam capacitá-los a lidar com as ferramentas tecnológicas. Nesse âmbito,
acreditamos ser necessário uma formação continuada que busque resgatar e ressignificar o trabalho com a
CSA que já é realizado com os alunos com TEA, trazendo novas possibilidades de ensino e estratégias
didáticas que correspondam às necessidades dos professores.
É curioso observar que a maioria dos professores entrevistados possui especialização em Educação
Especial, tornando-se evidente que as especializações lato sensu, também não têm oferecido às ferramentas
necessárias para trabalhar com a área de Tecnologia Assistiva, principalmente no que diz respeito a CSA.
Além disso, outra questão importante é a falta de suporte técnico ou de serviços que auxiliem
diretamente o professo na aquisição e no uso dos recursos de CSA. O apoio do professor do AEE ainda é

1231
A Escola: Dinâmicas e Atores

muito reduzido, apontando para a necessidade de que os professores da sala de aula regular recebam um
suporte mais específico para desenvolver suas atividades com crianças com TEA.
Ademais, a pesquisa revela que os professores tem uma compreensão muito reduzida em relação ao
método PECS, o que pode de certa forma trazer prejuízos para o trabalho com alunos com Transtorno do
Espectro Autista, tendo em vista que muitos estudos tem mostrado que o referido método é extremamente
eficaz, apresentando resultados animadores quanto à aquisição de habilidades linguísticas de crianças com
autismo.
Por fim, diante dos dados apresentados, acredita-se ser necessária a inclusão de conteúdos teóricos
e práticos sobre a comunicação suplementar e alternativa na grade curricular dos cursos de pedagogia. Além
disso, faz-se necessário a inclusão de disciplinas sobre Tecnologia Assistiva nos cursos de pós-graduação
latu sensu e stricto sensu em Educação. Acredita-se que essas ações poderão oferecer subsídios teórico-
práticos para que os professores contribuam com a democratização do ensino para toda a população
estudantil, particularmente dos alunos com Transtorno do Espectro Autista que não conseguem se comunicar
oralmente.

REFERÊNCIAS
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knowledge and skills for service delivery [Knowledge and Skills]. Disponível em: http://www.asha.org/
policy/KS2002-00067.htm. Acesso em: 29, out/2014
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nov/2014.
Bryant, D. & Bryant, B. (2012). Assistive Technology for People with Disabilities. Boston: Pearson.
Mendes, E. (2002). Perspectivas para a Construção da Escola Inclusiva no Brasil. In Marine, S. & Palhares,
M. Escola Inclusiva. São Carlos: Edufscar.
Minayo, M. (1999). O desafio do conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde (6ªEd.). São Paulo: Hucitec;
Rio de Janeiro: Abrasco.
Pelosi, M. & Souza, V. (2011). O funcionamento das salas multifuncionais e o perfil de seus professores. In
Mendes, E. & Almeida, M. (Org.). A pesquisa sobre inclusão escolar em suas múltiplas dimensões:
teoria, política e formação. Marília: ABPEE.
Ropoli, E. et al (2010). Educação especial na perspectiva da inclusão escolar: a escola comum inclusiva.
Brasília, DF: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Fortaleza: Universidade
Federal do Ceará. V.1. (Coleção A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar).
Sanches, P. A. (2005). A educação Inclusiva: um meio de construir escolas para todos no século 21. In
INCLUSÃO. Revista da Educação Especial. Ano 1, nº 01, Outubro de 2005.
Schirmer, C. & Bersch, R. (2007). Comunicação Aumentativa e Alternativa - CAA. In Schirmer, C. et al.
Atendimento Educacional Especializado: Deficiência Física. Distrito Federal: MEC/DF.
Tamanaha, A. & Perissinoto, J. (2009). As diferentes formas de Comunicação verbal e não verbal de crianças
autistas: a intervenção fonoaudiológica em foco. In Deliberato, D., Gonçalves, M. & Macedo, E.
Comunicação Alternativa: teoria, prática, tecnologia e pesquisa. São Paulo: Memnon Edições
Científicas.

1232
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Tetzchner, S. V. (2009) Suporte ao desenvolvimento da comunicação suplementar e alternativa. In Deliberato,


D., Gonçalves, M. & Macedo, E., Comunicação Alternativa: teoria, prática, tecnologia e pesquisa. São
Paulo: Memnon Edições Científicas.
Walter, C. & Nunes, D. (2008). Estimulação da linguagem em crianças com autismo. In Lamônica, D. (Org.)
Estimulação da linguagem: aspectos teóricos e práticos. São José dos Campos: Pulso.

1233
A Escola: Dinâmicas e Atores

PROGRAMA CIÊNCIA NO COTIDIANO: FAMÍLIA, ESCOLA COM A UNIVERSIDADE


[ID 344]

Irlane Maia de Oliveira


Ana Cláudia Maquiné Dutra
Aldalúcia Macêdo dos Santos Gomes
Universidade Federal do Amazonas
irlanemaia@uol.com.br; claudia.maquine@hotmail.com; aldaluciagomes@gmail.com

Resumo
O presente texto apresenta resultados das ações de extensão do Programa Ciência no Cotidiano – PROCIC.
Este programa diante dos Estágios Supervisionados I e II, observou o desinteresse dos estudantes de uma
turma do 8º ano nas aulas de ciências e a baixa frequência dos pais dos estudantes nas reuniões de Pais e
Mestres em uma escola estadual de Manaus. Diante dessas observações foram pensadas e planejadas ações
curriculares vinculadas às disciplinas, Ensino de Ciências e Sociedade e Instrumentação para o Ensino de
Ciências Naturais com objetivos de solucionar os problemas. O percurso metodológico esteve centrado na
perspectiva da interação-reflexão-ação e dos diálogos situandos os problemas e planejando as ações
desenvolvidas no ano letivo de 2015, pelos pelos acadêmicos bolsistas do programa ciência no cotidiano. Ao
considerar a família e a escola metaforicamente falando, o “cordão umbilical” que nutre um dos processos
para a formação humana e diante desta compreensão foi pertinente propoor ações para solucionar tais
problemas. Neste sentido, a universidade em sua prática social contribuiu significativamente para que este
“cordão”, sob a égide da participação afetiva e efetiva da família na escola possa legitimar o compromisso
social diante da indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão.

Palavras-chave: Ciência, Escola, Família e Universidade.

INTRODUÇÃO
O Programa Ciência no Cotidiano – PROCIC, é uma plataforma de organização e de desenvolvimento
das ações curriculares para o cumprimento da prática social da universidade com a comunidade e da prática
como comonente curricular para a formação de professores de Ciências Naturais. Delineia em seu arcabouço
metodológico objetivações com o compromisso no cumprimento da missão social da Universidade Federal do
Amazonas, bem como promover o estímulo para a participação efetiva da família na vida escolar dos filhos a
partir das reuniões de pais e mestres. O programa foi institucionalizado e tem suas atividades amparadas
pela Resolução nº 015/2013 da Câmara de Extensão e Interiorização da Universidade Federal do Amazonas
- CEI, e conta com um auxílio finaceiro de R$ 1.500,00 para a compra de materiais (cartuchos de tintas, papel,
etc.) e quatro (4) bolsas de extensão para os acadêmicos do curso de Licenciatura em Ciências Naturais
ordenado pela Pró-Reitoria de Extensão – PROEXT. As ações curriulares do programa se estruturam em
duas atividades: A investigação como estratégia motivacional para as aulas de Ciências e Famíia, Escola om
a Universidade. Estas atividades foram pensadas e planejadas após as observações orientadas em uma
escola estadual realizada a partir do Estágio Supervisionado I e II, e levantou situações problemas como: a
falta de interesse dos estudantes em uma Tuma de 8º ano da disciplina de ciências naturais e a baixa
frequência dos pais nas reuniões de pais e mestres. A partir deste levantamento e dos relatos dos professores
das escolas que corroboram com as observações, e em sua maioria consideram difíceis de serem superados
considerando a: falta de laboratório, salas superlotadas, falta de espaço, o tempo de cinquenta minutos não
permite desenvolver atividades práticas, lúdicas ou experimentais tonando o ambiente escolar

1234
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

desinteressante. Sem estímulo da escola, a situação poderá se agravar em casa, quando os pais não se
preocupam com vida escolar dos filhos.
Visando a compreensão dos fatos observados, e notadamente as aulas de ciências, ainda está
centrada em aula expositiva, tendo o livro didático com o único recurso utilizado para o ensino. Neste sentido,
os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, documento que preconiza diretrizes para a educação básica
alerta para que as práticas pedagógicas estimulem o interesse, a curiosidade dos estudantes para a ciência,
para a tecnologia e para a compreensão da realidade, sendo necessário que os conteúdos estejam inter-
relacionados com a realidade local e universal. Assim sendo, a inserção da universidade no contexto escolar
a partir do programa ciência no cotidiano está contribuindo com a família no sentido de pactuar compromissos
para a melhoria do processo ensino e aprendizagem, elevando assim, o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica. Com isso, os objetivos do programa são: Promover por meio das ações de extensão a
difusão e a popularização da ciência a partir da interação-reflexão-ação contemplando a educação básica, o
ensino superior, bem como proporcionar a compreensão da ciência no cotidiano, reconhecendo-a como
ferramenta para o desenvolvimento social, científico e tecnológico capaz de potencializar a aprendizagem dos
conceitos científicos no contexto escolar despertando o interesse pelo estudo da ciência.
Sendo a escola e a universidade estruturas sociais construídas para promover a capacidade crítica e
pensante dos estudantes, é necessário romper a distância entre família e escola, e esta, com a universidade,
pois são considerados eixos fundantes para a formação do cidadão crítico, atuante e propositivo para a
solução de problemas. Dessa forma, ensinar a ciência sem problematizar o cotidiano e investigar seus
fenômenos é um ato que podemos considerar irresponsável, tendo em vista que a sociedade do século 21
conclama uma formação cidadã pautada no aprender a conhecer, a fazer, a viver com os outros e a ser para
enfrentar os desafios do mundo globalizado.
Ao longo desses quarto anos, o programa vem desenvolvendo atividades intergradas à formação de
professores de Ciências Naturais com estratégias para o fortalecimento do compromisso social da
universidade com a comunidade escolar na perspectiva de elevar a qualidade do ensino de ciências do 6º ao
9º ano e consequentemente a formação inicial de professores de Ciências Naturais na Universidade Federal
do Amazonas.

A FAMILIA E A ESCOLA: UMA PARCERIA AFETIVA E EFETIVA NO INTERESSE DOS


ESTUDOS
Compreender como se constitui a autoestima dos estudantes é fundamental para se conhecer suas
implicações no processo de aprendizagem, como também elaborar recursos e formas de intervenção.
A autoestima é compreendida pela Psicologia da Educação como a capacidade de confiar em si
mesmo, de se sentir capaz, seguro, diante dos desafios da vida, é ter amor próprio, é saber expressar de
forma adequada para si e para os outros as próprias necessidades e desejos estabelecendo a autoestima,
com isso a formação da identidade pessoal. Assim sendo, a família é o pilar desse processo.
Para que o indivíduo se desenvolver positivamente é necessário que se leve em consideração a
integração afetiva e efetiva da família, o seu todo, nas suas dimensões física, psicológica, cultural e social. A
estrutura da pessoa humana é constituída por necessidades, impulsos instintos, emoções, inteligência,
valores, atitudes existenciais. Sentir-se amado, protegido, valorizado é o alicerce da maturidade afetiva, a
base da autoestima e da confiança nos outros. É a condição básica para a personalidade sadia, forte e

1235
A Escola: Dinâmicas e Atores

equilibrada (Bortoli, 1997). A pessoa que não tem estima por si mesma sente-se inferior aos outros, incapaz,
tímida, insegura diante das dificuldades na vida, tem medo de se arriscar diante do novo, medo do fracasso,
de não ser aceita, medo de errar, de reconhecer os próprios erros, limites, defeitos. Esses medos levam ao
encolhimento, à recusa de desenvolver seu potencial, à fuga que gera a insegurança e a sensação de
incapacidade. Sentimentos como a depressão, ansiedade e a raiva, são gerados pela baixa autoestima,
subjacentes à qual está a carência afetiva, ou melhor, por trás do sentimento de inferioridade está a sensação
de não ser aceito, não ser compreendido, não ser amado.
A presença dos pais e da família é fundamental na construção da autoestima. Pesquisas apontam,
estudantes que apresentavam boa autoestima advêm de famílias, onde os pais apresentam elevada
autoestima de si, são mais receptíveis, positivas em relação aos seus filhos, manifestam mais afeto, elogiam,
estabelecem limites agindo de forma clara e firme, proporcionam orientação e disciplina e ao mesmo tempo
são amorosos, incentivam os filhos a terem suas próprias opiniões e a manifestá-las diante dos outros. Ao
contrário, dos pais com a baixa estima, são mais distantes, desafetuosos, sem controle e sem exigências.
Estes pais não demonstram competências e menos estima por si mesmo.
Se os pais estão sempre apresentando perspectivas negativas aos filhos, e se estão sempre os
rotulando de inúteis e incapazes, ou usando de zombarias e ironias, irá se formar neles uma imagem
“pequena” de seu valor. E se com os amigos, na rua e na escola, repetem as mesmas relações, teremos uma
pessoa totalmente desinteressada, sua autoestima é baixa, sem nenhum sentimento de autoavaliação.
A escola, juntamente com o professor, pode representar uma parceria efetiva no desenvolvimento
afetivo, de motivação e da autoestima da criança visto que, depois da família, ele é uma das pessoas mais
próximas. O que ele diz e faz influi consideravelmente na maneira de agir e ser do estudante, pois ele é um
formador de opiniões, um mediador na sua formação. Por isso, a relação professor e estudante são cruciais
no processo do ensino e aprendizagem, visto que retroalimenta uma relação de respeito e reciprocidade, o
que denota o bem estar didático e pedagógico deste processo. Quando o professor demonstra uma
afetividade verdadeira, que se preocupa com os estudantes, acreditando neles e em suas potencialidades,
aceitando-os do jeito que são, mas sabe repreender na hora de fazer correções por querer o bem comum, a
reciprocidade é a moeda de troca. “Um professor fascinante é mestre da sensibilidade. Ele sabe proteger a
emoção nos focos de tensão” (Cury, 2003, p.65).
Deve-se ter consciência do quanto é importante desenvolver e elevar a autoestima, pois o ato de
aprender não responsabilidade única dos estudantes, mas, também, dos pais, familiares e professores por
serem os mobilizadores para o desenvolvimento da autoestima, despertando assim o interesse nos estudos.

DESENVOLVIMENTO DAS AÇÕES DO PROGRAMA CIÊNCIA NO COTIDIANO


A abordagem metodológica se deu pela interação-reflexão-ação considerando as situações
problemas observadas nos estágios supervisionados em uma escola da rede estadual de ensino na cidade
de Manaus. As etapas descritas abaixo levaram em considerações o cronograma das atividades
desenvolvidas no ano de 2015. Todas as ações foram desenvolvidas por acadêmicos da licenciatura em
Ciências Naturais matriculados nas disciplinas de Instrumentação para o ensino de ciências e Ensino de
Ciências e Sociedade concretizando a prática como componente curricular preconizada na Resolução Nº 2
de 15 de junlho de 2015 das Diretrizes de Formação de profesores para a Educação Básica.
Observações orientadas

1236
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Após o aceite da escola para o desenvolvimentos das ações do programa, os acadêmicos realizaram
observaçoes orientadas pela professora orientadora do estágio supervisionado e com o diálogo estabelecido
coletou informações da realidade escolar e foram discutidas sob dois aspectos: as metodologias utilizadas
pelo professor de Ciências Naturais e a presença dos pais (família). Os estágiários adotaram o caderno de
campo, onde faziam suas anotações e nesses diálogos discutia-se, e por unanimidade consideraram a falta
de interesse dos estudantes em uma Turma de 8º ano na disciplina de ciências naturais e a baixa frequência
dos pais nas reuniões de pais e mestres como situações problemas.
A presença dos pais (famíia) na escola foi analisada in locús das reuniões escolares realizdas na
própria escola. Neste formato, foi possível inserir o acadêmico em formação inicial para participar
efetivamente dessa realidade escolar, e com isso, desenvolver habilidades para identificar elementos que
pudessem levá-los à refletir sobre os problemas e propor ações para resolvê-los. Essa atuação é sine qua
non para a prática profissional, elevando o seu reconhecimento de sua importância na sociedade.

A investigação como estratégia motivacional para as aulas de Ciências


Objetivo: Desenvolver a atitude investigativa para a compreensão dos fenômenos da natureza e
problematizá-los a partir dos eixos temáticos: Terra e Universo, Vida e Ambiente, Ser Humano e Saúde e
Tecnologia e Sociedade.
Os professores de Ciências contam com o apoio de segunda a quinta no turno matutino dos
acadêmicos bosistas do programa, onde todos cumprem uma carga horária de doze (12) horas semanais na
escola se responsabilizando em planejar atividades práticas e experimentais considerando que não se tinha,
a princípio, na escola, o laboratório de ciências. Esta estratégia tornou as aulas mais atrativas, uma vez que
o único reurso utlizado pelos professores se resumia ao livro didático.
Com a mobilização para a atitude da investigação diante das práticas de experimentos, os estudantes
passam a compreender como a ciência constitui métodos para explicar os fenômenos conceituando-os
científicamente. Com isso, os fenômenos do cotidiano começam podem ser explicados. Como exemplo: por
que o leite derrama quando ferve e a água não? Este fenômeno entre muitos outros começam a ser
compreendidos e com isso os conceitos cieníficos. O apoio dos acadêmicos aos professores estabeceu uma
relação mediadora neste processo de construção do conhecimento. Além desse apoio, os estudantes, tabém
contam nos mêses de janeiro e junho, período de férias, com a semana de práticas experimentais e visitas
em espaços não formais: museus, institutos de pesquisa e laboratórios da universidade.
Dessa forma, o ensino de ciências não fica restrito somente a sala de aula e os estudantes podem
ampliar suas visões de ciência, reconhecer sua apliabilidade no cotidiano, explicar os fenômenos físicos,
químicos e biológicos diante dos conteúdos aprendidos na escola como: tensão superficial, estudos da
matéria, fotossíntese, as funções químicas da célula, misturas, luz, eletricidade, calor e temperatura, produção
de calor por combustão, sistema respiratório, estados físicos da matéria, ação e reação, etc. E até questionar
a ciência, interpretar suas teorias mesmo partindo do senso comum para que em dialógo com o saber cienífico
possa transformar a informação em conhecimento.

Família, Escola com a Universidade


Para o desenvolvimento dessa atividade, primeiramente foi realizada a aproximação da universidade
com os pais dos estudantes a partir das reuniões de pais e mestres no incio do ano letivo de 2015 e se

1237
A Escola: Dinâmicas e Atores

estendeu à todas as reuniões de finais de bimestres, ou seja, de dois em dois meses, os pais devem se fazer
presentes na escola para ouvir os professores, o gestor e receber os boletins de notas. Este é momento em
que a equipe do programa se apresenta e divulga as ações no âmbito da escola, convidando os pais para
participarem e acompanharem seus fihos em suas tarefas escolares.
Visando a participação efetiva dos pais, foi orientado que na ausência por motivos de trabalho, podiam
indicar um responsável da família. Este fato vem sendo entendido pela gestão escolar como uma forma de
mobilizá-los para o compromisso e não ficarem alheios aos filhos.
Todos já estão cientes e reconhecem o dever de acompanhar as tarefas de casa, bem como, manter
o diálogo com a escola visando o aprimoramento da efetiva da participação dos pais na vida escolar de seus
filhos, e a universidade deve continuar a manter sua função precípua com a escola.
Os registros fotográficos das ações encontram-se no site: (http://procic.webnode.com).

RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES
As ações desenvolvidas pelo programa são indissociáveis do ensino, pesquisa e extensão, onde os
acadêmicos se inseriram na prática como componente curricular circunscrita no projeto pedagógico do curso
de licenciatura em Ciências Naturais. As problemáticas foram levantadas a partir das observações orientadas
e os diálogos provocaram reflexões delineando ações propositivas para as soluções dos problemas. As duas
ações curriculares planejadas envolveram a família, a escola e universidade em uma interação afetiva e
efetiva em prol de despertar o interesse dos estudantes para o ensino de ciências e promover a participação
efetiva dos pais na vida escolar de seus filhos.
Assim sendo, considera-se como resultados:
Os professores de ciências da escola contam desde 2015 com o apoio de acadêmicos nas atividades
práticas. A escola hoje disponibiliza uma sala para o laboratório de ciências, e este vem sendo
instrumentalizado com o apoio financeiro da Pró-Reitoria de Extensão da universidade, com isso, as práticas
tornaram-se uma realidade nas aulas de ciências. A investigação se concretizou como uma estratégia
motivacional para despertar o interesse dos estudantes nas aulas de ciências dirimindo as dificuldades de
assimilação de conteúdos por meio de atividades experimentais e visitas em museus, instituições de pequisa
e laboratórios da universidade. Estas ações já fazem parte do cotidiano dos estudantes e da formação inicial
de professores de ciências adensadas pelas reflexões acerca de suas ações didáticas. As ações promveram
oportunidades de os professores das escolas se apropriassem de outras metodologias, gerando reflexões e
despertando interesses em concorrer as seleções de mestrados na área de educação em ciências.
O programa teve e tem um papel fundante no resgate da relação da universidade com a escola que
reconheceu o seu distanciamento, e essa aproximação se fez necessária, pois a escola é o espaço de
profissionalização, sem escolas não formam professores. E a qualidade desta formação prescreve parcerias
com o compromisso de melhorar a qualidade do ensino de ciências nas escolas públicas considerando as
últimas colocações do Brasil na Avaliação Internacional de Desempenho de Estudantes - PISA. Portanto,
integrar a família, a escola com a universidade é estratégico para alcançar bons resultados, e isso, inclui o
Indice de desenvolvimento da Educação Básica – IDEB.
Hoje a postura exigida do professor formador que vivencia a indissociabilidade e percebe a
universidade distante da escola e esta da família, e da comunidade não é mais limitada, pois os sistemas
educativos estão responsáveis em dar respostas aos desafios da sociedade mundialmente conectada pelas

1238
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

tecnologias da informação e comunicação pautada na perspectiva de valorização e enriquecimento contínuo


dos saberes para o pleno exercício da cidadania adaptando-nos às exigências desse novo século, e sendo a
educação um tesouro a descobrir torna-se veementemente uma exigência a ousadia, considerando, mais
uma vez, a latente necessidade das inovações metodológicas. Ousar requer coragem e creditude diante de
fundamentos teóricos práticos. Portanto, inovar é a ordem de qualquer processo investigativo, pois não basta
apenas coletar dados, analisá-los, apresentá-los e defendê-los, pois são somente processos normativos a
serem cumpridos, é necessário ir além desses marcos incorporando a sensibilidade ao aprendiz. Os desafios
das ações se revestiram de coragem para ultrapassar certas barreiras inflexíveis, e essa ultrapassagem abriu
perspectivas para uma nova atuação metodológica no ensino de ciências, pois Sócrates nos legou o
reconhecimento de não saber o que se pensa saber, e essa reflexão não foi para nos limitarmos, mas para
não cessarmos o desejo de busca do saber ditada por Aristóteles, e que Platão creditou em nossa capacidade
de imersão a partir das ideias e acreditamos ser, a mola propulsora que dá sentido, significado e materialidade
ao saber a ser aprendido.
A universidade e a escola estão se reinventando diante da parceria firmada diante do programa que
visou concretizar a prática social da universidade na perspectiva de ações que pudessem resolver problemas.
Ao vivenciar o espaço escolar, os acadêmicos juntamente com o professor formador se apropriam desse
espaço como campo profissional de sua atuação, portanto não há dicotomia entre teoria e prática, com isso,
a escola e a universidade ambas se reinventam partilhando seus desafios mutuamente tornando-se
potencialmente parceiras.
Sabe-se existir conflitos entre a escola e a universidade decorrente da forma de como vem sendo
realizados os estágios supervisionados. Não entraremos no mérito desta discussão, porém ditamos, as ações
criaram laços sociais com a comunidade escolar e seu entorno. A escola além de seu papel social é entendida
também como laboratório de pesquisa pelo professor formador, dessa forma, não se pode pensar a escola
apenas como espaço para receber estagiários, coletar dados para pesquisas ou realizar ações pontuais.
Diversas possibilidades foram desveladas, a interação família, escola com a universidade
transformou o cotidiano acadêmico e escolar e com isso, novos problemas estão levantados e novas
demandas apresentadas, e com elas, novas ações serão planejadas para fortalecer os laços socialmente
institucionalizados.

REFERÊNCIAS
Brasil (1996). Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais. http://portal.mec.gov.br/seb/
arquivos/ pdf/ciencias.pdf
Brasil (2015). Resolução nº 2, de 1º de julho. Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de
professores em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para
graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. http://pronacampo.mec.
gov.br/images/pdf/res_cne_cp_02_03072015.pdf
Bortoli, E. (1997). Dinâmica da personalidade. São Paulo: Cortez.
Cury, A. (2003). Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante.
https://pt-br.facebook.com/programaciencianocotidiano
http://procic.webnode.com

1239
A Escola: Dinâmicas e Atores

ENTRE OS JARDIM DE INFÂNCIA E A ESCOLA DO 1.º CEB – O OLHAR DE


ESPECIALISTAS EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO FACE À TRANSIÇÃO PARA A
ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA
[ID 356]

Miguel Oliveira
Instituto Politécnico de Leiria – ESECS | CICS.NOVA
miguel.oliveira@ipleiria.pt

Resumo
O presente artigo refere-se a uma investigação que procura compreender a transição, articulação e
continuidade educativa entre a Educação Pré-Escolar e o 1.º Ciclo do Ensino Básico. Assim, e recorrendo a
um estudo de caso, com uma componente de investigação longitudinal, analisámos discursos, práticas e
documentos de um agrupamento do centro litoral de Portugal com o intuito de compreender como se realiza
a transição do JI para o 1.º CEB, nomeadamente no que respeita ao desenvolvimento de processos de
articulação entre etapas educativas; conhecer as expectativas das crianças dos educadores de infância e dos
professores do 1.º CEB em relação à transição; perceber como os educadores de infância, os professores do
1.º CEB e os especialistas ligados à Educação de Infância e ao Ensino Básico entendem o conceito de
competência e quais consideram ser as competências a desenvolver pelas crianças que terminam a
Educação Pré-Escolar e vão iniciar o 1.º CEB; compreender como as crianças experienciam a transição entre
etapas educativas e percecionam o seu percurso escolar; e comparar a opiniões de todos os intervenientes
sobre as competências que as crianças deverão ter desenvolvido no final da Educação Pré-Escolar. Neste
artigo apenas nos iremos centrar nas perspetivas dos especialistas. As estratégias de articulação nem sempre
são orientadas para uma transição eficaz e para uma continuidade educativa de qualidade.

Palavras-chave: Articulação, Continuidade Educativa, 1.º Ciclo Ensino Básico, Educação Pré-Escolar,
Transição.

INTRODUÇÃO
Este artigo resulta de um estudo sobre a transição entre a Educação Pré-escolar (EPE) e o 1.º ciclo
do Ensino Básico (1.º CEB). Trata-se de uma fase que coloca novos desafios e exigências às crianças e que
deve garantir uma continuidade alicerçada em aprendizagens realizadas.
O nosso grande objetivo foi compreender como se processa a continuidade educativa,
nomeadamente no que respeita à articulação entre etapas na transição do JI para o 1.º CEB. O estudo foi
desenvolvido em quatro estabelecimentos educativos do mesmo agrupamento escolar (dois JI e duas escolas
do 1.º CEB, situados em duas localidades, uma em meio urbano e outra em meio rural). Depois de
entrevistados dois grupos de crianças no último ano da EPE, primeiro ano e quarto ano do 1.º CEB e também
as educadoras de infância e as professoras do 1.º CEB que trabalharam com estes dois grupos/turmas,
entrevistámos quatro especialistas em Ciências da Educação, nomeadamente Teresa Vasconcelos, Gabriela
Portugal, Maria do Céu Roldão e Luísa Alonso. Entre outras questões de investigação procurámos saber:
Como é que as especialistas em Ciências da Educação perspetivam o processo de transição entre a EPE e
o 1.º CEB?
É a resposta a essa questão que iremos explorar neste artigo, situando as perspetivas das
especialistas numa breve clarificação dos conceitos de transição articulação e continuidade fundamentais
neste estudo, e numa referência à metodologia utilizada, para depois apresentar os dados recolhidos junto
das especialistas e algumas conclusões.

1240
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

TRANSIÇÃO, ARTICULAÇÃO E CONTINUIDADE EDUCATIVA


Recorrendo a Oliveira & Lopes da Silva (2016) a transição pode ser encarada como “uma fase
intermédia e simultaneamente como ação de passagem de um contexto para outro, implicando progressão e
evolução” (p.982).
As transições podem ser vistas como acontecimentos em que um indivíduo vive uma experiência de
descontinuidade mas que, ao mesmo tempo, deverão promover respostas comportamentais ou novas
asserções (Hopson & Adams, 1977; Brammer & Abrego, 1981; Formosinho & Araújo, 2004; Oliveira & Lopes
da Silva, 2016, Oliveira, 2016). Após a análise de vários modelos Vernberg e Field (1990) isolaram um
elemento comum salientando que “a transição é o momento em que o individuo se depara com um
determinado número de tarefas, as quais representam exigências relativamente aos seus recursos
adaptativos”. Estes autores esclarecem que estas tarefas podem ser de ordem psicológica, social,
interpessoal e/ou comportamental (Formosinho & Araújo, 2004, p.28).
O conceito de transição, para muitos autores, remete para momentos de descontinuidade, no entanto
também pode supor um processo de continuidade, se for bem pensada e trabalhada cuidadosamente pelos
intervenientes. Independentemente do modo como é pensada e concretizada, a transição, neste caso entre
o final da EPE e o 1.º CEB, implica sempre efetuar uma passagem, atravessar as fronteiras, deixar o que é
familiar para enfrentar o que é desconhecido, o que pode ser assustador ou desafiador (Oliveira e Lopes da
Silva, 2016).
Outro conceito-chave e que importa clarificar é articulação. Recorrendo ao dicionário "articulação" é
"o ponto de união entre as peças de um aparelho ou máquina" e que "articular" é "juntarem-se dois ou mais
elementos para funcionar em conjunto ou formar um conjunto", é "adaptar, juntar, unir" (in Dicionário da
Academia das Ciências de Lisboa, 2001).
Transpondo o conceito para a articulação curricular entre a EPE e o 1.º CEB esta poderá ser encarada
como o conjunto de atividades promovidas pelas escolas (dentro e fora da escola, no horário letivo e não-
letivo), com crianças, famílias, educadores e professores com a intenção de facilitar a transição entre o JI e o
1.º CEB (Serra, 2004).
Por último, e não menos importante, é fundamental clarificar o conceito de continuidade educativa
uma vez que nos parece que, embora distinta, é quase indissociável de articulação curricular. Segundo Dinello
(1987), citado por Oliveira & Lopes da Silva (2016, p.983) a continuidade educativa “é uma percepção exterior
do fenómeno”, já numa observação com maior profundidade “se compreende a necessidade de uma
articulação para um maior aproveitamento dos ciclos, certamente ligados, mas intrinsecamente diferenciados.
Na visão da continuidade aparece uma imagem do produto objectivado, na articulação é o processo que se
dimensiona”.
Se para Nabuco (2002) o processo educativo exige continuidade, sendo um dos aspetos mais
importantes da transição, para Homem (2002, p.17) não se trata apenas de uma questão importante, mas de
um fator decisivo para o sucesso escolar, e em que o sucesso da EPE depende muito do modo como for
organizada a continuidade para a etapa seguinte. A mesma autora, citando Formosinho (2000), defende que
…mais do que cenários desconectados, as crianças beneficiam de sistemas de atenção e
educação que estejam bem ligados entre si, cujas influências não se neutralizem ou curto
circuitem, mas que se complementem mutuamente, proporcionando, no seu conjunto,
oportunidades educativas ricas e polivalentes… (p.17).
Se ao considerarmos a continuidade educativa como “a união entre as partes, como linha de ligação
entre os diversos espaços, agentes e momentos educativos” (Zabalza, 2004, p.10), depreendemos que alude

1241
A Escola: Dinâmicas e Atores

para duas partes distintas e, consequentemente, para algo que contém em si uma certa descontinuidade.
Contudo, de acordo com o referido por Piaget (1982) esta (des)continuidade deverá ser pensada de modo a
não se tornar um obstáculo intransponível para as crianças. É necessário ter em conta que, quanto maior for
a distância entre a cultura da escola e a cultura do JI, maior será o desafio para a criança e o risco de não ser
capaz de cumprir e compreender o que lhe é exigido pelo professor (Fabian & Dunlop, 2007).
A continuidade, mesmo portadora de uma certa descontinuidade, salienta-se no contexto educativo
como uma questão central e integrante no processo de transição (Oliveira, 2016a).

METODOLOGIA
Optámos pela abordagem qualitativa enquanto estratégia metodológica que melhor serve os objetivos
desta investigação. A “investigação qualitativa” pode ser encarada de diversas formas e com significados
distintos. Muitos autores reconhecem a dificuldade de apresentar uma definição específica. Denzin & Lincolm
(2000) qualificam esta investigação de genérica, vendo-a como “um conjunto de práticas e material
interpretativo que tornam o mundo visível” (p. 3). Ainda dentro desta linha de pensamento os mesmos autores
afirmam que “a palavra qualitativa implica enfase nas qualidades das entidades, nos processos e nos
significados que não são experimentalmente examinados ou medidos, em termos de quantidade, contagens,
intensidade ou frequência” (Denzin & Lincolm, 2000, p.8).
Assim, e recorrendo a um estudo de caso, com uma componente de investigação longitudinal,
analisámos discursos, práticas e documentos de um agrupamento do centro litoral de Portugal com o intuito
de compreender como se realiza a transição do JI para o 1.º CEB.

Técnicas e Instrumentos de Recolha de Dados no Percurso da Investigação


No que respeita a técnicas de recolha da informação pertinente para o desenvolvimento do nosso
estudo, recorremos à entrevista. Recorremos igualmente à pesquisa documental – com particular enfoque
nos Projetos Educativo e Curricular do Agrupamento e nos Projetos Curriculares de Grupo/Turma dos
educadores e professores envolvidos na investigação. Esta modalidade é considerada por vários autores
como uma técnica muito utilizada em exclusividade ou complementaridade com outras técnicas de recolha e
análise de dados (Oliveira, 2016b).
Os guiões de entrevista que construímos nesta investigação serviram de orientação, funcionando
como um guia para que os entrevistados pudessem falar sobre os conteúdos relevantes para o nosso estudo,
procurando servir a dinâmica de uma conversação planeada. Foram aplicados a educadores, a professores
do 1.º CEB, a crianças e a especialistas, seguindo igual estrutura dentro de cada um dos grupos, pois como
refere Tuckman (1994) “(…) a apresentação das mesmas questões a diferentes pessoas é uma estratégia
para obter uma variedade de perspetivas sobre essas mesmas questões” (p.517).
A tabela seguinte sintetiza o processo de recolha de informação através da realização de entrevistas,
indicando-se o período e o local onde foram realizadas, bem como os entrevistados envolvidos.
Do conjunto dos entrevistados só as especialistas são identificadas por serem personalidades
reconhecidas com obra publicada, cujas perspetivas importava identificar e situar. A confidencialidade dos
dados e anonimato das outras fontes de informação assegurados no início de cada entrevista facilitaram a
abertura e à vontade na partilha da informação.

1242
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Fases Etapas Entrevistas Estabelecimento Intervenientes


1 Educadora Dina
JI Bairro Plátanos
Etapa 1 2 Crianças
EPE 3 Educadora Ana
JI Pessegueiro
4 Crianças
5 Professora Teresa
6 Alunos
Etapa 2 Escola 1.º CEB Bairro Plátanos
7 Professora Lúcia
1.º Ano 8 Alunos
Fase I 1.º CEB
9 Professora Branca
Escola 1.º CEB Pessegueiro
10 Alunos
11 Professora Teresa
12 Alunos
Etapa 3 Escola 1.º CEB Bairro Plátanos
4.º Ano 13 Professora Lúcia
1.º CEB 14 Alunos
15 Professora Tininha
Escola 1.º CEB Pessegueiro
16 Alunos
17 ESE de Lisboa Teresa Vasconcelos
Etapa I 18 U. Aveiro Gabriela Portugal
Fase II Especialistas 19 U. Católica Maria do Céu Roldão
20 U. Minho Luísa Alonso
Quadro 1 – Entrevistas realizadas nas diferentes etapas e fases do estudo (Oliveira, 2016b)
Procedemos à análise de conteúdo para tratamento dos dados, entendendo-a como um conjunto de
procedimentos metodológicos que visa a produção de um texto analítico e que apresenta o corpo textual dos
documentos recolhidos, de um modo transformado. O investigador, através de uma interpretação adequada,
deve definir regras e justificar teoricamente essa transformação (Delgado & Gutiérrez, 1995). Bardin (2000),
defende que a análise de conteúdo visa “obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (…) que permitam a influência de conhecimentos relativos às
condições de produção/receção (variáveis inferidas) destas mensagens” (p.42).

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS


A Experiência da Transição para o 1.º CEB
Relativamente à transição entre a EPE e o 1.º CEB, Teresa Vasconcelos considera que há muito por
fazer pois do seu ponto de vista “em vez da burocracia podia-se trabalhar verdadeiramente a pedagogia e
não se tem feito isso”. A sua perspetiva é a de que, apesar de estar provado cientificamente que uma boa
transição entre a EPE e o 1.º CEB é extremamente importante, nos últimos trinta anos pouco ou nada se fez
a este respeito. Esta especialista considera que “as transições na vida das pessoas tenham que ter alguma
dureza, porque geram conflitos e um pouco de conflito é bom”, no entanto este conflito não pode ser tão forte
como é a transição entre o JI e a escola do 1.º CEB. As transições são parte integrante de um percurso, seja
ele qual for. A especialista descreve a falta de articulação e continuidade entre a EPE e o 1.º CEB,
essencialmente, como um desaproveitamento em termos de desperdício “ao não se saber o que se fez antes.
Está-se a repetir e desperdiçar muito trabalho feito que tem que se potencializar” (E17 – Vasconcelos, ESE
Lisboa).
Essa rotura poderia ser evitada se houvesse uma aproximação metodológica entre EPE e 1.º CEB, o
que para Luísa Alonso, seria “extremamente enriquecedor”. Considera que, por vezes, existe falta de abertura
da EPE para o 1.º CEB preconizando uma descontinuidade sentida especialmente pelas crianças que “quando

1243
A Escola: Dinâmicas e Atores

se confrontam com o 1.º CEB é quase como se tivessem de começar de novo” (E20 – Alonso, U. Minho).

Dificuldades da Transição e Articulação entre a EPE e o 1.º CEB


Culturas profissionais e organizacionais distintas
A principal dificuldade na articulação entre a EPE e o 1.º CEB, na opinião de Maria do Céu Roldão,
está a montante do problema de articular as competências das crianças e é resultante de educadores e
professores terem culturas profissionais e organizacionais distintas, com formação, história e referentes
simbólicos muito diferentes, “são dois universos que têm muito pouco que ver um com outro”.

Não articulação e a descontinuidade das aprendizagens


Outro grande problema da transição é a não articulação e a descontinuidade das aprendizagens, com
consequências nefastas:
…o problema de transição, os tais momentos de dique que deveriam ser patamares, é que o
percurso do currículo de um aluno é construído não só de descontinuidades, mas sobretudo
de não articulação das aprendizagens numa progressão. Neste sentido é uma das evidências
que nós temos. E que voltamos a ter daqui para a frente (E19 – Roldão, U. Católica)…
Nas transições entre a EPE e o 1.º CEB ou entre o 1.º CEB e o 2.º CEB normalmente não há
continuidade e as crianças continuam a lidar com segmentações:
…além da dos patamares, há uma segmentação incomunicante entre as áreas do currículo.
Acho importante que estejam lá as áreas, mas elas deviam ser trabalhadas entre professores.
Isso não acontece e não vai acontecer enquanto a forma de organizar o trabalho docente se
mantiver dentro do paradigma atual, que é o individual (E19 – Roldão, U. Católica)… .

A comunicação entre educadores e professores do 1.º CEB


Esse processo de passagem, que constitui um dos grandes problemas da articulação tem a ver com
a comunicação entre docentes. Recorrendo a Maria do Céu Roldão, podemos mesmo fazer a pergunta “Como
é que nós queremos que se articule o pré-escolar com o 1.º CEB se os profissionais do pré-escolar e do 1.º
CEB também não articulam entre si ou articulam muito pouco?” (E19 – Roldão, U. Católica).
Um conhecimento dos dois contextos educativos, comunicação recíproca e partilha de informação, é
aliás, para Gabriela Portugal uma condição indispensável para assegurar “uma transição fluida com base em
informação partilhada” (E18 – Portugal, U. Aveiro).

Diferenças entre práticas como obstáculos à articulação


Conhecendo melhor o 1.º CEB do que a EPE, Maria do Céu Roldão considera que há grandes
diferenças nas metodologias utilizadas nos dois contextos educativos, o que não significa que umas sejam
melhores do que as outras. No 1.º CEB deixa de haver trabalho experimental, perdem-se os espaços
diferenciados, a opção de circulação e os momentos comuns para sistematizar e registar, enquanto na EPE
se privilegiam as metodologias de interação, dando oportunidade às crianças de agir e de interagir. No 1.º
CEB essa prática reduz-se alegadamente porque existe um currículo mais formal:
…poderia aproveitar-se a tradição que começa no pré-escolar, dos alunos terem espaços
diferenciados e com alguma opção de circulação, com momentos de bola ao centro como
muitas vezes eu digo em linguagem desportiva, que têm que ser mais sólidos para
sistematizar, para registar, etc. Mas isso perde-se por força do predomínio universal do
chamado formato escolar para usar a linguagem do Rui Canário (E19 – Roldão, U. Católica)…

1244
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Luísa Alonso também reconhece que as práticas pedagógicas, no 1.º CEB, sempre estiveram mais
próximas de um modelo mais convencional, apresentando como fundamento a abordagem às expressões, ao
lado mais ligado à sensibilidade e à ludicidade, que está confinado ao tempo remanescente das restantes
atividades, Língua Portuguesa, Matemática e Estudo do Meio.

Diferenças na organização do espaço e dos materiais


As crianças na EPE devem experimentar diversos e diversificados materiais. Aliás, para Teresa
Vasconcelos faria sentido que também a sala no 1.º CEB funcionasse com ateliês ou oficinas de construção
de conhecimento, tal como acontece na generalidade dos JI.
No 1.º CEB o espaço normalmente é uniforme embora com adaptações de acordo com o trabalho a
desenvolver. Maria do Céu Roldão afirma que “por exemplo nos trabalhos de grupo dá-se uma voltinha às
mesas”. Em relação aos materiais “em geral o que se privilegia é o material único, a ficha igual para todos e
o manual igual para todos”. Para esta especialista a organização do espaço da sala do 1.º CEB poderia ser
semelhante à organização das salas de JI, onde existem áreas de aprendizagem distintas e diversificadas: “a
aprendizagem podia dar continuidade à lógica dos chamados «cantos», com espaços para cada trabalho”
(E19 – Roldão, U. Católica). Defende ainda que deveria haver, no 1.º CEB, materiais diversificados,
selecionados intencionalmente pelo professor.
Também Luísa Alonso é da opinião que no 1.º CEB existem “pouquíssimos materiais na sala de aula”,
há “livros e pouco mais”.
Demarcando-se do olhar mais crítico das outras especialistas, Gabriela Portugal acredita que a
organização dos espaços e dos materiais, no 1.º CEB, está a mudar para melhor e que, em alguns casos, se
está a aproximar do contexto da EPE. Mas na verdade, há uma ideia generalizada de que a organização do
espaço e dos materiais, no 1.º CEB, é muito redutora e que, quando comparada com a organização do JI, se
perde a diversidade e multiplicidade de áreas de trabalho e materiais e, consequentemente, possibilidades
de aprendizagem.

Diferenças nas regras de funcionamento dos grupos


Maria do Céu Roldão defende que os professores do 1.º CEB queixam-se que as crianças não trazem
regras do JI e que os educadores não querem que elas tenham regras antes do tempo, no entanto colocam-
se as seguintes questões: que regras serão essas? Estarão eles a falar das mesmas regras? Os maiores
desfasamentos entre estes dois contextos, sentidos pelos alunos, são as coisas que podiam fazer e deixam
de poder; a distância nos relacionamentos com os professores e a formalização: “no 1.º CEB [os alunos] têm
de aprender uma distância e uma formalização, que por vezes é gratuita” (E19 – Roldão, U. Católica).
As regras no 1.º CEB têm pouco fundamento pedagógico e didático e dificultam a continuidade entre
a EPE e o 1.º CEB:
…as crianças têm de aprender novas regras, mas tendo a ver com o tipo de competência e
de trabalho que se está a desenvolver para essa competência. Precisam de saber que não
podem falar ao mesmo tempo, por exemplo. Se fosse isso [de as crianças precisarem de
saber que não podem falar ao mesmo tempo] poderia ter uma continuidade fácil com o pré-
escolar, mas não é isso. São regras que são assim, porque sim. Porque se entende que essa
é a socialização do 1.º CEB e têm pouco fundamento pedagógico ou didático. Não se ensina
que não se fala quando estamos a desenvolver um trabalho de certo tipo, mas que se deve
falar quando é outro, o princípio é não se falar nas aulas. E falar é portar-se mal…. [Mas no
1.º CEB ] (…) não se ensina para que eles percebam quando é que podem ou não falar. Não
se pode falar ou levantar e pronto (E19 – Roldão, U. Católica)…

1245
A Escola: Dinâmicas e Atores

Deste modo, quando no JI as crianças se levantam e falam normalmente durante as atividades,


quando chegam ao 1.º CEB: “quem se levanta ou fala é logo avaliado como portando-se mal, o que é oposto
ao que eles viviam no pré-escolar onde contudo havia regras” (E 19 – Roldão, U. Católica). Este é um exemplo
das tais crenças: “os professores do 1.º CEB (…) acham um disparate as crianças poderem levantar-se
quando querem e os educadores de infância acham um disparate eles estarem rígidos” (E19 – Roldão, U.
Católica).
A mesma especialista é da opinião que no 1.º CEB há regras sem sentido e muito pouco ligadas a
questões de aprendizagem: “por exemplo o estar calado é um tipo de padrão que se associa à escolaridade
mais formal, que é muito exterior à realidade da aprendizagem”. Pensa que nem os próprios professores têm
uma justificação para o tipo de socialização, afirmando que “a primeira socialização que se faz [no 1.º CEB]
é entrar no modelo Taylorista: todos quietinhos, todos caladinhos, todos sentadinhos, todos seguidinhos, só
falam quando lhes derem oportunidade, o que não corresponde a uma grande exigência, muitas vezes, pelo
contrário” (E19 – Roldão, U. Católica).

Diferenças de gestão curricular com impacto na transição


Há realmente muitas diferenças na gestão curricular na EPE e no 1.º CEB. Gabriela Portugal centra
as diferenças, essencialmente, nos documentos curriculares, na planificação e na avaliação. Defende que a
avaliação não se deve basear nem só em checklists, como é comum encontrar na EPE, nem só nas
aprendizagens escolares, como é comum no 1.º CEB. Por outro lado, a existência de um programa para o 1.º
CEB e de orientações curriculares para a EPE, faz toda a diferença na hora de planificar. Gabriela Portugal
considera que os educadores, embora planifiquem em função das características das crianças, assumem
uma postura menos rígida do que os professores do 1.º CEB, mas acabam muitas vezes por seguir um modelo
de planificação pouco flexível e pouco reflexivo:
…naturalmente, os educadores assumirão uma postura mais onde, com maior probabilidade,
poderão considerar diferentes aprendizagens a realizar pelas crianças em função da sua
perceção do grupo e das crianças em particular. Mas, é um facto que muitos educadores têm
práticas de planificação e de organização de atividades muito rígidas e com pouca reflexão
crítica relativamente ao potencial desenvolvimental e de aprendizagem da oferta educativa
(E18 – Portugal, U. Aveiro)… .
O discurso das políticas educativas no 1.º CEB encontra-se sobretudo centrado nos resultados. São
esses que importa aferir como prova de sucesso escolar, no entanto, Luísa Alonso sublinha que “é impossível
haver sucesso se não se investe muito nos processos” (E20 – Alonso, U. Minho).
Na EPE, segundo Maria do Céu Roldão, os educadores têm uma visão mais voltada para o afetivo e
para os interesses, não havendo a cultura de formalizar as aprendizagens. Considera também que a avaliação
incide essencialmente no que as crianças gostam mais, no que viram e fizeram e não nas aprendizagens que
fazem:
…Raramente essa avaliação (…) incide realmente sobre o que [a criança] aprendeu, mas
mais no que gostaram ou não, o que viram e no que fizeram. Também são elementos a
avaliar, mas não há aquela cultura de formalizar aprendizagens. Perguntar, por exemplo,
depois de uma visita ao jardim zoológico, o que aprenderam sobre os animais, o que
aprenderam a fazer, em vez de perguntarem o que gostaram mais (E19 – Roldão, U.
Católica)… .
No que concerne à avaliação nesta etapa educativa, Teresa Vasconcelos faz referência ao
reducionismo, ou seja, à generalizada aplicação de fichas de avaliação a que os educadores por vezes se
cingem, em vez de criar portefólios. Defende ainda que, os educadores não se devem deixar pressionar pelos

1246
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

órgãos de gestão das escolas, sublinhando que a elaboração dos sumários deve também ser feita pelas
crianças como processo reflexivo, “os sumários do dia ou da manhã vêm nos dizeres das crianças (…) são
feitos pelas crianças e é no fim da manhã que nós enumeramos” (E17 – Vasconcelos, ESE Lisboa).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Das opiniões e contributos das especialistas pudemos perceber que este estudo confirma as
investigações já desenvolvidas sobre as dificuldades da transição, de articulação e a descontinuidade entre
etapas. Parece não ter havido grande evolução e que pouco se tem feito, ao longo das últimas décadas, com
a intenção de melhorar a articulação, a transição e a continuidade educativa entre o JI e o 1.º CEB.
Pudemos perceber que os grandes problemas nesta passagem são, por exemplo, o facto de haver
culturas profissionais e organizacionais distintas entre educadores e professores; não haver articulação mas
sim uma descontinuidade nas aprendizagens das crianças; a falta de comunicação entre educadores e
professores do 1.º CEB; as diferenças entre práticas nos dois contextos como obstáculos à articulação; as
diferenças na organização do espaço e dos materiais; as diferenças nas regras de funcionamento dos grupos
e também as diferenças de gestão curricular com impacto na transição.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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1248
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

AÇÃO EDUCATIVA E A REALIDADE EDUCACIONAL BRASILEIRA: DOS


PROCESSOS COTIDIANOS À POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DOCENTE
EMANCIPATÓRIA
[ID 102]

Neide da Silva Paiva


Milene do A. F. Vicente
Sandra Valéria Limonta Rosa
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Secretaria Municipal de Educação de Goiânia; Universidade
Federal de Goiás, Secretaria Municipal de Educação de Goiânia; Universidade Federal de Goiás
neidepaivapaiva@bol.com.br; milenevicente74@gmail.com; sandralimonta@gmail.com

Resumo
Este texto tem por objetivo apresentar um recorte possível da realidade educacional brasileira e refletir sobre
as suas práticas pedagógicas. A reflexão fundamenta-se em autores que procuram apreender teórica e
empiricamente as concepções e os conceitos que permeiam a educação escolar, bem como o desafio de
pensar formação do professor no século XXI, discutindo na perspectiva ao que o texto se propõe. Para
desenvolvimento do estudo utilizaram-se discussões realizadas no grupo de pesquisa da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás: Teorias da Educação e Processos Pedagógicos - nos anos de 2014/2015, e
estudos dos Grupos de Pesquisa da Universidade Federal de Goiás - Faculdade de Educação: Educação,
Ensino, Espaço, Tempo (2010-2013) e Trabalho docente e educação escolar (2015-2016).

Palavras-chave: Educação brasileira, Práticas pedagógicas, Globalização, Emancipação.

Résumé
Ce texte vise à présenter une coupe possible de la réalité éducative brésilienne et de réfléchir sur leurs
pratiques d'enseignement. La réflexion est basée sur les auteurs qui cherchent à apprendre théoriquement et
empiriquement les idées et les concepts qui imprègnent la formation scolaire et le défi de penser la formation
des enseignants dans le XXIe siècle, discuter de la perspective de ce que le texte propose. Pour développer
l'étude utilisée pour discussions au sein du groupe de l'Université Catholique de Goiás de recherche: Théories
de l'éducation et des processus pédagogiques - dans les années 2014/2015, et des études sur les groupes
de l'Université fédérale de Goiás de recherche - École d'éducation: l'éducation, l'éducation, espace, Temps
(2010-2013) et de l'enseignement et de l'éducation de travail (2015-2016).

Mots-clés: Éducation brésilienne, Les pratiques pédagogiques, La mondialisation, L'émancipation.

INTRODUÇÃO
O termo educação é complexo e a investigação do fenômeno educativo perpassa pelo viés de
interesse ou de campo de estudo da parte interessada. Assim, o entendimento, a compreensão desse
fenômeno, ocorre frequentemente de forma sectária, parcial sob vários enfoques: o antropológico, o
sociológico, o econômico, o psicológico, o biológico, o histórico, o pedagógico, entre outros. É certo que como
ponto de vista crítico-social, a educação é uma atividade intencionalmente impulsionada de acordo com a
finalidade que se estabelece dentro e fora do cenário de interesses e práticas das classes sociais. Dessa
forma, os sujeitos internalizam qualidades e capacidades humanas necessárias à sua atividade prática,
muitas vezes reforçando o interesse da sociedade. O objetivo deste texto é apresentar um recorte possível
da realidade educacional brasileira na perspectiva ao que o texto se propõe, bem como o desafio de pensar
formação do professor no século XXI, ressaltando que a educação escolar depende dos interesses e práticas

1249
A Escola: Dinâmicas e Atores

de classe, por isso está ligada à transformação das relações sociais. Muito já se discutiu sobre o assunto em
produções e pesquisas, contudo, a proposta deste trabalho é o de disseminar a premissa da educação como
forma de viabilizar e consolidar o processo de formação humanista universal, que supere a formação
individualista. No decorrer do texto retornaremos a esse ponto. Antes, porém, será feito uma breve reflexão
acerca da temática educação. A civilização grega foi a primeira a pensar de forma racional o cotidiano
essencial, a universalidade. A educação passou a ser compreendida como algo de importância fundamental
à vida humana. Ganhou por isso, outro entendimento que seria uma educação por excelência, coletiva
(Jaeger, 2001). Assim, os gregos compreenderam a vida sem explicações mitológicas, buscavam
explicações, sentido no real, no mediato. Passaram a tomar as decisões a partir do que se discutia em praça
pública. “A palavra não é mais o termo ritual, a fórmula justa, mas o debate contraditório, a discussão, a
argumentação” (Vernant, 1984, p.34). (Comenius, 2001) propunha uma teoria humanista e espiritualista, que
defendia a ideia de escola como um espaço que poderia proporcionar educação ao homem para que ele
estivesse no mundo não como espectador, e sim como ator. Para ele poder-se-ia ensinar tudo a todos, sobre
princípios e fundamentos. (Rousseau, 1995) Resguardado sua aproximação com a ideologia burguesa, há
uma contribuição fundamental de seu pensamento para a ideia de omnilateralidade humana, uma vez que
defendia a formação da criança baseada nos princípios de liberdade, autonomia e moralidade. Para (Libâneo,
2011) “ensinar é colocar o aluno numa atividade de aprendizagem” (p.95). Assim, quando o professor
desenvolve uma aula tem consciência de que sua responsabilidade é proporcionar ao educando uma forma
de aprender. Essa relação se dá desde quando se formalizou a educação por meio da escola. No entanto,
com as mudanças que ocorrem nas diversas formas de aprender e ensinar no século XXI, bem como as
informações às quais o professor e o educando estão expostos a todo o momento, é de se indagar: o que
acrescentar a essa discussão? As elaborações teóricas e discussões produzidas nos grupos de pesquisa
oportunizaram reflexões a respeito de currículo, educação emancipatória, tempo, espaço, como também as
condições materiais concretas para a formação onmilateral na e para a escola pública.
Como não é possível tratar das questões educacionais de forma isolada, descontextualizada, há que
se analisar também a relação educação, economia e política e o que a reforma educacional tem de articulação
com os interesses norte-americanos a partir da década de 1980. Dessa forma, enfrentar os desafios da escola
pública e do trabalho docente que mantém o mesmo formato do século XVII, num contexto de mudanças é
lidar com a contradição. Em paralelo à contradição social, desenvolve-se uma contradição histórica. É fato
que, com a internacionalização das políticas educacionais, o saber é visto como recurso econômico, utilizado
para manter o status quo, mas também é o motor da história do século XXI. Diz-se que é preciso formar um
homem instruído, responsável, criativo e autônomo. Assim, o papel do professor não é somente ensinar, nem
resolver as contradições, mas esclarecê-las. Nesta perspectiva, a discussão da educação brasileira é difícil
de ser estudada, mas possível de ser compreendida. Não há como falar dos efeitos da globalização sobre a
educação, sem discutir a redefinição de escola, de educação e os problemas da democratização escolar,
considerando também todo o processo histórico educacional desde a colonização do Brasil.

ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA


O presente texto não fará um tratado histórico da História da Educação, este não é o seu objetivo. No
entanto, um breve recorte para a compreensão da história da educação brasileira que é marcada por evolução
e rupturas. A primeira ruptura acontece com a chegada dos portugueses, estes importaram um padrão

1250
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

europeu de educação, e por meio desse padrão confrontaram e interditaram os processos educativos
constituídos na sociabilidade indígena. Os portugueses trouxeram ainda a moral, os costumes e a
religiosidade europeia. A escolarização foi inaugurada no Brasil através do Ratio studiorum, método que
organizou a educação por mais de 200 anos. Mais tarde foram responsáveis por instituir a nova sociabilidade
necessária para conformar o modelo privatista e consolidar as relações mercantilistas (CASIMIRO, 2015). A
expulsão dos jesuítas marcou outra ruptura. As Reformas Pombalinas que foram lideradas pelo Marquês de
Pombal, teve origens políticas e econômicas. Com essa reforma, criou-se o ensino laico, controlado pelo
Estado com currículo unificado. Com a chegada da Família Real, na transferência da Corte portuguesa para
o Rio de Janeiro (1807-1808), novas orientações educacionais foram feitas e ampliou-se o processo de
secularização do ensino iniciado com Pombal. A independência do Brasil, proclamada em 1822, trouxe a
promessa de uma nova orientação político-educacional e de estruturar administrativamente o novo país
(Saviani, 2008). O projeto de reforma educacional não pretendia, porém, uma educação para todos: mas uma
lógica de constituição de um país/nação fundamentado no “bem comum” dos privilegiados e no privatismo em
favor destes (Coutinho, 2006). O Decreto n. 7.247, de 19 de abril de 1879, que reformou o ensino primário,
secundário e superior e ainda previu a criação de jardins de infância para as crianças de 3 a 7 anos (artigo
5º), seguiu no mesmo diapasão, o artigo 8º que contempla a contratação de professores para o ensino
primário, a criação de cursos de alfabetização para adultos e de escolas normais, além de fundação de
bibliotecas e museus pedagógicos e bibliotecas populares.
As décadas seguintes, conhecidas como o Período da Primeira República (1889 – 1929), são
marcadas por várias inovações e diversas rupturas. Uma delas diz respeito ao modelo de República em que
é adotado o modelo americano, o sistema presidencialista e, na organização escolar, a influência é da filosofia
positivista. Saviani (2008) diz que “com a criação do grupo escolar, cada grupo tinha um diretor e tantos
professores quantas classes tivessem e assim os grupos escolares eram seriados ou também chamados de
escolas graduadas” (p.172). Com o quarto ano da instrução pública concluía-se o ensino primário. Este
modelo foi sendo disseminado por todo o país, e com essa organização pedagógica da escola elementar deu-
se origem o que hoje se denomina ensino fundamental. Posteriormente, a década de 1920 foi marcada por
diversos fatos relevantes no processo de mudança das políticas brasileiras, tais como a Semana de Arte
Moderna (1922), fundação do Partido Comunista (1922) e Coluna Prestes (1924-1927). Em 1924 é criada a
Associação Brasileira de Educação (ABE), através da Lei 1.846. Quanto ao aspecto político, pelo Decreto
19.402, em 1930 é criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. Naquele período os alunos matriculados
nas escolas correspondiam a 30% da população em idade escolar e esse processo alterou a instrução pública
em vários aspectos. Ainda em 1929, a crise mundial afetou o Brasil de forma marcante. Com a Revolução de
1930 o Brasil entra no mundo capitalista de produção e essa realidade passou a exigir mão de obra
especializada, sendo assim era preciso investir na educação. Um grupo de educadores lança um documento
que ficou marcado na história da educação, conhecido como o Manifesto dos Pioneiros de (1932) da
Educação Nova. Em 1934 a nova Constituição (Segunda República de 1930-1936), pela primeira vez declara
que a educação é direito de todos. No mês de novembro de 1937 o Brasil recebe a nova Constituição, sendo
este período da História marcado pela crise europeia que culminou na 2ª guerra mundial e neste contexto a
educação no Brasil passou por inúmeras rupturas. Com o objetivo de formar mão de obra para as novas
atividades do mercado de trabalho o ensino profissional e técnico estava direcionado para as classes menos
favorecidas e o trabalho intelectual era direcionado para as classes mais favorecidas economicamente. A

1251
A Escola: Dinâmicas e Atores

educação era direito de todos, porém o modelo educacional da nova sociabilidade já estava desenhado. Outro
evento marcante do ponto de vista histórico foi a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1937,
como também o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Com a consolidação das Leis do Trabalho
são implantadas creches nas empresas para os filhos de funcionários e no ano de 1944 começa a ser
publicada a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, divulgada pelo INEP. Em 1953 a educação passa a
ser administrada por Ministério próprio, ou seja, o Ministério da Educação e Cultura. No dia 20 de dezembro
de 1961 foi promulgada a Lei n 4.024. Nesse período enquanto os estudantes e os movimentos populares se
organizavam, os empresários também se mobilizavam com financiamento de empresas nacionais e
multinacionais. Foi criado o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). Esses empresários contavam
com a colaboração de colegas americanos, e com isso estreitou-se a relação com os Estados Unidos,
celebrando-se acordos de financiamento para a educação brasileira. Em 1962 é criado o Conselho Federal
de Educação, como também os Conselhos Estaduais de Educação.
Em 1964 todas as iniciativas de se revolucionar a educação brasileira e erradicar definitivamente o
analfabetismo no Brasil através de um programa nacional, considerando as diferenças sociais, econômicas e
culturais de cada região, foram interrompidas sob o pretexto de que as propostas eram subversivas.
Aconteceu o golpe militar. Depois do golpe militar de 1964 muitos educadores foram perseguidos, presos,
torturados, exilados, mortos, alguns demitidos, outros ainda trocaram de profissão. A UNE foi proibida de
funcionar por meio do Decreto Lei n 477, estudantes foram silenciados, presos, feridos em confronto com a
polícia e alguns foram mortos. Nesse contexto de ditadura militar, a educação sofreu muitas rupturas e
inovações. Por exemplo, a Lei 5.540/1968 criou a matrícula por disciplina, adotou o vestibular classificatório
e unificado. Num período de muita violência física quando a expressão popular era contrária aos interesses
do governo, foi instituída a Lei n 5.692, Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional em 1971. Com
a Lei 5.692/1971 a Escola Normal passou a ser curso de formação de professor do ensino básico com
habilitação de magistério.

A CONTINUIDADE... POSSIBILIDADES PARA FORMAÇÃO OMNILATERAL


Após alguns anos, na década de 1980, por meio de várias discussões, o diálogo crítico ressurge em
livros, teses e dá início a outra proposta de ensino. Quanto ao aspecto histórico, a partir da década de 1980
novas lógicas econômicas, sociais e educacionais aparecem nominadas de lógicas de qualidade, eficácia e
diversificação. Charlot (2013) diz que essas novas lógicas requerem trabalhadores e consumidores mais
formados e qualificados, quer para produzirem mercadorias e serviços, quer para utilizá-los. A globalização,
marcada pela abertura de fronteiras, traz seus efeitos na área da educação, na formação de professores e,
mais específicos, na escola. O que no início foi um fenômeno econômico tornou-se um fenômeno político. A
visão produtivista da educação que marcou os projetos de LDB da Educação Nacional, patrocinado pelo
Ministério da Educação (MEC), transformou-se na nova LDB 9.394/1996. Assim, nota-se que a mesma visão
que orientou A LDB/96, encaminhou o que culminou na aprovação do novo Plano Nacional de Educação
(PNE) em janeiro de 2001. A história da educação brasileira serviu à disseminação e à inculcação da cultura
hegemônica, produzindo uma educação interessada em reproduzir a divisão da sociedade em classes
antagônicas e as formas de perpetuação da exploração e da alienação do homem, atendendo à demanda de
consolidação de um projeto de sociedade, servindo como instrumento para atender as necessidades da
economia política (Martins, 2000). Diante desse quadro, o trabalho docente tem um desafio para o século

1252
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

XXI, o de garantir a ligação dos conhecimentos universais, sistematizados com a experiência cotidiana,
concreta dos alunos, permitindo estabelecer a relação conteúdos-realidades social, como forma de colocar a
educação a serviço da transformação social. Segundo (GRAMSCI, 2010) o professor é figura fundamental
para que esse projeto seja viável. Não se trata somente de compreender a articulação dessa lógica, mas ser
consciente das contradições sócio-históricas e ser capaz de não ficar somente na retórica, mas fazer um
trabalho vivo entre educação-instrução. Como segue o autor:
Daí porque é possível dizer que na escola, o nexo instrução-educação somente pode ser
representado pelo trabalho vivo do professor, na medida em que o mestre é consciente dos
contrastes entre o tipo de sociedade e de cultura que ele representa e o tipo de sociedade e
de cultura representado pelos alunos; [...] Se o corpo docente é deficiente e o nexo instrução-
educação vem dissolvido, [...] a obra do professor se tornará ainda mais deficiente: ter-se-á
uma escola retórica, sem seriedade, pois faltará a corporeidade material do certo, e o
verdadeiro será verdadeiro de palavra, ou seja, retórico (GRAMSCI, 2010, p.117).
Sempre há a possibilidade de se constituírem novas realidades. Apesar das políticas públicas que
orientam e estruturam os sistemas escolares, mundiais, nacionais ou locais, há no movimento dinâmico e
contraditório humano o potencial de mudança que pode ser reconhecido como germe para a efetivação da
atividade humana para emancipação, para a construção de uma nova sociabilidade. Ao pensar educação é
possível pensar uma formação que se oriente por uma perspectiva omnilateral. No percurso dos estudos dos
grupos de pesquisa citados anteriormente, encontram-se alguns princípios para a discussão da educação
emancipatória: nesse sentido a educação escolar deve vislumbrar o estudo enquanto trabalho que levará a
compreensão da realidade, da apreensão histórica das diferentes sociabilidades, permitindo uma imersão na
cultura produzida pela humanidade. O estudo como trabalho precisa estabelecer uma lógica contrária ao
trabalho alienado/estranhado. Para que estabeleça significado e constitua sentidos emancipatórios. O objetivo
que leva o professor a ação deve ser aquele que o permita compreender o processo material e histórico no
qual o gênero humano constituiu sua existência, e as relações que se estabelecem na socialidade humana
no decorrer dos tempos. No período atual, a educação contemporânea se estrutura em torno a três grandes
categorias: responsabilização, meritocracia e privatização. Segundo Freitas (2012):
As recompensas e sanções compõem o caráter meritocrático do sistema, mas não só, já que
a própria divulgação pública dos resultados da escola constitui em si mesma uma exposição
pública que envolve alguma recompensa ou sanção pública. A meritocracia é uma categoria,
portanto, que perpassa a responsabilização. Ela esta na base da proposta política liberal:
igualdade de oportunidades e não de resultados. Para ela, dadas às oportunidades, o que
faz a diferença entre as pessoas é o esforço pessoal, o mérito de cada um. Nada é dito sobre
a igualdade de condições no ponto de partida (p.383).
Uma das formas da privatização na educação é a privatização da gestão pública, é instituída uma
nova forma de se entender a gestão, portanto, agora temos gestão privada na educação pública. Freitas
(2012) conclui que agora a luta não é somente pela educação pública, mas sim educação pública com gestão
também pública.

CONCLUSÃO
No Brasil é possível perceber períodos que marcaram e ainda marcam a história da educação pública.
Na década de 1960 a 1970 tínhamos um Estado Desenvolvimentista, antes da globalização uma lógica
econômica. Já, na década de 80, nova lógica socioeconômica lógica da qualidade, da eficácia, substituição
do Estado desenvolvimentista por Estado Regulador, onde o currículo escolar aparece de forma instrumental,
baseada na pedagogia de resultados imediatistas, pragmático, que a partir de competências mensuráveis,
avaliados por testes que servirão para premiações, determinando, portanto, metas quantitativas. No século

1253
A Escola: Dinâmicas e Atores

XXI o desafio das relações sociais não é subjugado como no modelo da escola jesuíta, a imposição de uma
cultura sobre a outra, porém a imposição no momento é de um capital estrangeiro que define e controla todos
os movimentos da educação pública no Brasil. O princípio educativo trabalho-ensino-instrução modifica a
lógica desse processo e leva à compreensão do caminho do princípio pedagógico da práxis, que é o possível
para a transformação da sociedade. O processo histórico da sociedade realiza-se por meio da educação com
todas as contradições, por ela também esse processo se modifica. Uma educação para a emancipação
necessita do trabalho manual e do trabalho intelectual numa práxis, ou seja, eles não podem ser divididos:
deve haver unidade nessa compreensão para reorganizar as demandas da sociedade capitalista. O trabalho
produtivo combinado com educação intelectual na filosofia, nas artes, em uma perspectiva de escola crítica,
não desvincula educação da realidade, mas a associa com a formação do sujeito de forma integral para a
transformação do modelo de sociedade capitalista. A reflexão é a partir da dialética que assume o pensamento
da práxis e tem o propósito de modificar a organização da sociedade, acabando com as relações de
exploração do homem pelo homem, por compreender que a educação é um ato político que deve conduzir à
reflexão crítica da sociedade. Esse sujeito omnilateral com formação que une o intelectual com o manual
talvez encontre a possibilidade de se tornar realidade, se a preocupação e o principio educativo forem
pautados na transformação social, em uma educação para emancipação e uma práxis revolucionária. Enfim,
a reflexão que (LIBÂNEO, 2009) induz a fazer sobre a questão central da educação está posta: O saber dá
poder, ele desvela o que está por trás das intencionalidades político-econômico-sociais e instrumentaliza o
sujeito para a formação humana, dando condições intelectuais e políticas para a compreensão das relações
sociais de produção, relações culturais, experiências social concreta. É por meio do desenvolvimento
cognitivo, da internalização de conceitos, teorias e valores que se encontra o poder que o saber proporciona.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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1255
A Escola: Dinâmicas e Atores

O PROFESSOR FORMADOR DOS CURSOS DE LICENCIATURA: AS


APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA EM CONTEXTOS DIVERSIFICADOS
[ID 177]

Laurizete Ferragut Passos


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP
laurizetefer@gmail.com

Resumo
A investigação aqui relatada está centrada na perspectiva de que a presença de um corpo docente renovado
vem atuando nos cursos de formação de professores no Brasil e exigido um olhar mais apurado para os
aspectos dificultadores e facilitadores de aprendizagens da docência de formadores de professores da escola
básica nesse período de iniciação. O estudo justifica-se pela nova configuração do Ensino Superior que vem
demarcada pelo processo de expansão ocorrido a partir dos anos de 1990 e pelo reduzido número de
pesquisas no país que se voltam para o iniciante desse segmento. O presente texto é resultado de pesquisa
desenvolvida na disciplina-projeto Profissionalidade Docente de Professores Formadores dos Cursos de
Licenciatura em Início de Carreira desenvolvida junto ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação:
Psicologia da Educação, da PUC-SP nos anos de 2013 a 2015. O objetivo é identificar e analisar como as
práticas e aprendizagens do professor são afetadas pelas condições externas como a forma de ingresso, o
tipo e dinâmica da instituição, o processo de socialização profissional e a formação e a experiência docente.
O estudo foi realizado atendendo à abordagem qualitativa de pesquisa que, segundo André (2005), tem como
foco de atenção “[...] o mundo dos sujeitos, o significados que atribuem às suas experiências cotidianas, sua
linguagem, suas produções culturais e suas formas de interações sociais” (p.47). Foram realizadas entrevistas
semiestruturadas junto a seis docentes do ensino superior com até três anos de experiência e considerados
iniciantes na conceituação de Feixas (2002). Os resultados mostraram que aspectos como contextos e
condições de trabalho e de formação afetam as aprendizagens e as práticas dos professores iniciantes
indicando que dificuldades são superadas de formas diferentes, de acordo com as possibilidades concretas
oferecidas pelas instituições nas quais atuam.

Palavras-chave: Professor iniciante, Aprendizagem da docência, Contextos de trabalho.

Résumè
La recherche présentée ici se concentre sur la perspective que la présence d'une nouvelle faculté a travaillé
dans les Brésil cours de formation des enseignants et a exigé un examen plus approfondi des aspects qui
entravent et les animateurs de l'enseignement des formateurs d'enseignants de l'école primaire
d'apprentissage cette période d'initiation. L'étude se justifie par la nouvelle configuration de l'enseignement
supérieur qui est marquée par le processus d'expansion a eu lieu à partir des années 1990 et le petit nombre
d'études dans le pays à se tourner vers le débutant dans ce segment. Ce texte est le résultat de recherches
menées dans le professionnalisme cours-design enseignants formateurs d'enseignants de cours de Master
en carrière Accueil développés par le Programme d'études supérieures en éducation: Educational Psychology,
PUC-SP dans les années 2013 à 2015. l'objectif est d'identifier et d'analyser comment les pratiques et
l'apprentissage des enseignants sont affectés par les conditions extérieures telles que la forme d'entrée, le
type et la dynamique de l'institution, le processus de socialisation professionnelle et de la formation et de
l'expérience de l'enseignement. L'étude a été menée en vue de la recherche qualitative qui, selon Andrew
(2005), met l'accent «[...] le monde du sujet, les significations qu'ils attachent à leurs expériences quotidiennes,
leur langue, leurs productions culturelles et formes d'interactions sociales» (p.47). Des entrevues semi-
structurées ont été menées avec six enseignants de l'enseignement supérieur avec un maximum de trois ans
d'expérience et considérés comme les débutants à conceptualiser Feixas (2002). Les résultats ont montré que
les aspects tels contextes et les conditions de travail et la formation affectent l'apprentissage et la pratique des
enseignants débutants indiquant que les difficultés sont surmontées de différentes manières, selon les
possibilités concrètes offertes par les institutions dans lesquelles ils travaillent.

Mots-clés: Enseignant débutant, De l'enseignement apprentissage, Contextes de travail.

1256
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

INTRODUÇÃO
Partindo da ideia de que o campo de trabalho e de pesquisa sobre a temática dos formadores de
professores da Educação Básica ainda é pouco estudado no Brasil, o texto se propõe a analisar os resultados
parciais de uma pesquisa desenvolvida no âmbito da disciplina Profissionalidade Docente de Professores
Formadores dos Cursos de Licenciatura em Início de Carreira do Programa de Estudos Pós Graduados em
Psicologia da Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
A revisão das pesquisas sobre o professor formador do ensino superior realizada no início da
investigação revelou um dado preocupante em relação aos formadores dos cursos de Licenciatura que estão
iniciando nesse segmento do ensino com a responsabilidade de formar outros professores. Diferentemente
de outros países, principalmente a Espanha, constatou-se a escassez de estudos em relação a esses
profissionais, confirmando, assim, que a temática ainda é silenciada no Brasil e, em cujo contexto, há
mudanças substanciais.
Uma delas se refere ao fenômeno da expansão crescente da universidade privada e, na atual
conjuntura, também o crescimento da pública na esfera federal que, com o Reuni - Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais do Ministério da Educação do Brasil -
acompanhou a política de expansão e/ou atendimento a um segmento da população que não tinha acesso ao
ensino superior. Com isso, a renovação de quadros tem sido significativa e, segundo Cunha (2012), as
condições que se apresentam nesse processo tem requerido a mobilização de saberes docentes muito
especializados para favorecer o sucesso da aprendizagem dos estudantes.
A presença de um corpo docente renovado que vem atuando nos cursos de formação de professores
redirecionou a pesquisa para a análise da realidade vivida também pelos iniciantes e que serão aqui
priorizadas, a saber: condições de trabalho e de ingresso, de socialização e desenvolvimento profissional
merecem ser investigadas e analisadas em conjunto com as políticas de formação docente e seus impactos
na efetivação dos cursos de licenciatura.
Desse modo, o objetivo é identificar e analisar como as práticas e aprendizagens do professor são
afetadas pelas condições externas como a infraestrutura, o tipo e dinâmica da instituição, o processo de
socialização profissional e a formação e a experiência docente. Foram entrevistados 14 professores iniciantes
no ensino superior que atuam em cursos de Licenciatura de diferentes regiões brasileiras e de diferentes tipos
de instituições, a saber, instituições públicas federais e estaduais e instituições privadas. o que foi possível
pela multiplicidade e diversidade de instituições que trabalham com a formação de professores para a
Educação Básica no país.
Algumas questões emergiram e nortearam a análise: Como o formador vem desenvolvendo sua
profissionalidade nesse início de carreira no ensino superior? Como o professor iniciante nesse segmento e
experiente como professor da escola básica percebe este processo? Essas condições permitem ao professor
ressignificar sua atuação e fortalecer seu papel de formador de futuros professores nos cursos de licenciatura?
Como as condições de trabalho nas diferentes instituições afetam a constituição da Profissionalidade?
O texto inicia tecendo considerações sobre o contexto do Ensino Superior e dos cursos de
Licenciatura. Em seguida, pontuam-se alguns achados sobre o professor iniciante, condições de trabalho e
suas relações com a constituição da Profissionalidade docente dos iniciantes pesquisados.

1257
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONTEXTO ATUAL DO ENSINO SUPERIOR


O processo de expansão do ensino superior no Brasil ocorrido a partir dos anos de 1990. O estudo
diagnóstico realizado por Sguissardi (2015) aponta que o processo de expansão que está em curso no país
não se explica por si mesmo, mas no contexto do ajuste neoliberal e da mundialização do capital, já que tal
expansão é reveladora de um movimento de democratização e/ou de massificação mercantil.
O pesquisador apresenta dados que mostram o fortalecimento do polo privado-mercantil iniciado em
1997 é fortalecido em 2007 com a abertura de capital de empresas educacionais ao mercado de ações que,
com o aumento de capital, adquirem outras instituições menores e vão formando grandes grupos empresariais
no país.
Os dados trazidos por Sguissardi (2015, p.882) são reveladores da expansão, embora o autor
questione a questão da igualdade de condições quando se trata de pensar esse processo do ponto de vista
da democratização. O número de instituições de ensino superior cresceu 116% de 1999 a 2010. As públicas
tiveram um crescimento de 44,8% e as privadas, um aumento de 132%. Já o total de matrículas no mesmo
período teve um aumento de 130%, sendo que nas instituições públicas o aumento foi de 75,7% e nas
instituições privadas o crescimento foi de 159%.
Para fins desse texto, os dados sobre a distribuição dos docentes em exercício por grau de formação;
distribuição por regime de trabalho e a relação professor-aluno nas instituições públicas e privadas revelam
as diferenças entre elas. Em 2003, os docentes com mestrado eram 39% nas instituições privadas e 27% nas
públicas; em 2012 eram 45,7 % nas privadas e 29% nas públicas. Já os docentes com doutorado nas privadas
em 2003 eram 11,5% e nas públicas 39,7%; em 2012 eram 17,9% nas privadas e 51% nas públicas.
O regime de trabalho demarca a distância entre as instituições. Enquanto 1% dos professores das
universidades federais no ano de 2012 é horista, 8% tempo parcial e 91% tempo integral; nas instituições
privadas o regime de trabalho dos docentes está assim distribuído: 41% horista, 34% tempo parcial e 24%
tempo integral. Já a relação professor-aluno no mesmo período é de 13 alunos por professor na pública e de
33 nas privadas.
Dados relativos aos cursos de Licenciatura que formam os professores para a escola básica também
indicam crescimento, conforme aponta Gatti:
Observando o crescimento relativo dos cursos de formação de professores, entre 2001 e
2006, verifica-se que a oferta de cursos de Pedagogia, destinados à formação de professores
polivalentes, praticamente dobrou (94%). As demais licenciaturas tiveram um aumento menor
nessa oferta, cerca de 52%. Porém, o crescimento proporcional de matrículas ficou bem
aquém: aumento de 37% nos cursos de Pedagogia e 40% nas demais licenciaturas. As
universidades respondem por 63% desses cursos e, quanto ao número de matriculados, a
maior parte está nas instituições privadas: 64% das matrículas em Pedagogia e 54% das
matrículas nas demais licenciaturas (Gatti & Barreto, 2009 apud Gatti, 2010, pp.1360-1361).
O processo de expansão em suas diferentes conjunturas remete a uma preocupação com um ponto
nevrálgico do processo de profissionalização dos professores formadores que iniciam na carreira – as
condições de trabalho. Essas condições se referem “ [...] a um conjunto que inclui relações, as quais dizem
respeito ao processo de trabalho e às condições de emprego (formas de contratação, remuneração, carreira
e estabilidade)” (Oliveira & Assunção, 2010, p.25).
Nesse sentido, um olhar também se impõe para as relações com os aspectos internos do trabalho
desses formadores, já que sua profissionalidade é expressa a partir desses aspectos. Assim, esse conceito
será problematizado e, a partir dele, uma síntese do conceito será apresentada em sua relação com as
condições de trabalho e a entrada dos docentes universitários na carreira.

1258
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

DA PROFISSIONALIDADE DOCENTE E DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO


Há diversos fatores que envolvem a profissão docente e que podem permitir ou impedir que o
professor avance em sua vida profissional, conforme destaca Imbernon (2009). Dentre os fatores por ele
indicados estão o salário, o local e o clima de trabalho, o plano de carreira, as estruturas hierárquicas e a
formação permanente realizada ao longo da vida profissional. Tais fatores podem permitir ou impedir que o
professor avance em sua vida profissional (Imbernón, 2009, p.32).
Logo, a constituição da profissionalidade docente não pode ser concebido de forma alheia ao contexto
de trabalho no qual atuam os professores, já que o objetivo da formação profissional é refletir, problematizar
e buscar soluções para as situações de trabalho, ampliando e desenvolvendo as possibilidades de atuação
dos professores. Desse modo, o conceito de profissionalidade deve ser entendido como um processo
dinâmico e contínuo que envolve as dimensões afetivas, sociais e cognitiva do professor e é desenvolvida ao
longo da vida, da formação e do exercício profissional e isso supõe considerar um olhar cuidadoso da
atividade concreta dos professores em seus contextos de trabalho
Essa atividade concreta diz respeito àquilo que é específico na ação docente e que deve ser
contextualizada, como afirma Sacristán (1995), de acordo com o momento histórico, concreto e a realidade
social que o conhecimento escolar pretende legitimar. Assim, para o autor, a constituição da profissionalidade
docente é entendida como:
[...] a afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos,
conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser
professor. A discussão sobre a profissionalidade do professor é parte integrante do debate
sobre os fins e as práticas do sistema escolar, remetendo para o tipo de desempenho e de
conhecimentos específicos da profissão professor. (Sacristán, 1995, p.65)
Popkewitz (1986 apud Sacristán, 1995) declara existirem três fatores que contribuem para a prática
pedagógica do professor, isto é, fatores que constituem o fazer docente. O autor considera o contexto
propriamente pedagógico, o contexto profissional dos professores e o contexto sociocultural. O primeiro está
representado pela efetiva prática da docência, são as experiências adquiridas no fazer pedagógico, diário ou
de rotina. O segundo refere-se ao contexto da classe docente, ou seja, o fazer individual que se torna coletivo
e é pinçado para o campo individual. Em outras palavras, a classe de professores legitima determinadas
ações que constituem o específico de ser professor. O terceiro aspecto é representado pelo contexto
sociocultural, ou seja, os conteúdos e os valores eleitos pela própria cultura e legitimados pela sociedade
como o acervo fundamental para a formação dos estudantes. Estes conteúdos e valores referenciam a prática
docente e são validados pelos professores. Certamente que o professor interage e ressignifica estes
aspectos, já que se constituem em situações que alicerçam a prática pedagógica.
E o que isso tem a ver com esse estudo que privilegia o professor formador iniciante que atua nos
cursos de Licenciatura? As situações profissionais complexas e parcialmente indeterminadas, como aponta
Lessard, (2006) afeta a todos os professores, mas não nos permite fechar a visão para aquele que forma os
professores da Educação Básica nesse período de iniciação profissional. É a partir dessas situações
complexas da profissão que os professores ampliam seu conhecimento profissional e suas aprendizagens.
Os problemas enfrentados por aqueles que estão no início da carreira no ensino superior tem sido
objeto de preocupação de vários pesquisadores (Ruiz, 2009; Bozu, 2010; Cunha, 2012; Isaia, Bolzan &
Maciel, 2011; Lima, 2013). Ruiz (2009) argumenta de que no processo de inserção profissional, o professor
iniciante se encontra em um período repleto de dúvidas, incertezas e inseguranças. Esse docente passa por
choque de realidade diante da dicotomia entre o pensado e o vivido por eles, no que se refere ao perfil dos

1259
A Escola: Dinâmicas e Atores

alunos que encontrará, à complexidade da prática pedagógica e, especialmente, à cultura institucional


instalada. Esses aspectos foram analisados a partir do instrumento metodológico de coleta de dados nessa
pesquisa

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O estudo foi realizado atendendo à abordagem qualitativa de pesquisa que, segundo André (2005),
tem como foco de atenção “[...] o mundo dos sujeitos, o significados que atribuem às suas experiências
cotidianas, sua linguagem, suas produções culturais e suas formas de interações sociais” (André, 2005, p.47).
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas para a coleta de dados junto a seis docentes do ensino
superior com até três anos de experiência e considerados iniciantes na conceituação de Feixas (2002). Os
sujeitos foram selecionados independentemente de possuírem ou não experiência anterior em outro
segmento de ensino. Desses seis iniciantes, dois atuam em universidades públicas federais; dois em
universidades públicas estaduais e dois em faculdades privadas.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS


Uma vez que o objetivo era identificar e analisar como as práticas e aprendizagens do professor são
afetadas pelas condições externas como a infraestrutura, o tipo e dinâmica da instituição, o processo de
socialização profissional e a formação e a experiência docente e como elas incidem sobre a constituição da
profissionalidade dos professores de cursos de licenciatura, os depoimentos extraídos decorreram de muitas
leituras das entrevistas e da seleção de temas e aspectos voltados para o objetivo da investigação.

A infraestrutura como condição para a prática qualificada


Um dos aspectos destacados com força pelos iniciantes se refere às condições de infraestrutura das
instituições. Importante acrescentar que independentemente das diferentes formas e justificativas em relação
à expansão do setor público e do privado, a questão da infraestrutura foi abordada pelos docentes da
universidade pública federal e da universidade privada. João, docente da universidade federal, reconhece que
o campus é novo, mas, tais condições, segundo ele, têm impacto na aprendizagem dos alunos. Ele necessita
do laboratório para trabalhar e isso o tem levado a comprar materiais com recursos próprios, no intuito de
proporcionar melhor compreensão dos alunos sobre a matéria. Assim, ele relata:
É ruim, é ruim. Até pela estrutura do Instituto. Não tem laboratório, eles (os alunos) não têm
aula nenhuma de laboratório [...] o legal é uma ciência experimental, você tem que ver a
experiência, para depois matematizar o problema. Nas universidades lá fora é isso que
acontece. (Professor João, Universidade federal)
Os relatos dos professores da rede privada em relação à infraestrutura foram mais contundentes.
Evidenciam que os espaços da instituição são inadequados, que não favorecem a interação com outros
colegas, assim como não favorecem um trabalho pedagógico diferenciado. Nesse sentido, referem-se,
especialmente, aos espaços das salas de aula, considerados pequenos para o número de pessoas que os
utiliza:
A estrutura física é outro problema. Hoje a gente trabalha com a escola de 200 anos atrás.
Nós temos cadeiras enfileiradinhas, um na nuca do outro e para minha ideia de trabalho na
faculdade, é impossível realizar dessa maneira. Então, vira uma educação massificada
mesmo, a gente acaba dando palestra mesmo pela quantidade de pessoas e pela disposição
da sala. Muitas vezes eu não consigo circular no meio das carteiras para fazer as
provocações comunicativas que eu gosto. (Professor Mauro, faculdade privada)

1260
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Percebe-se no depoimento do professor Mauro uma tensão provocada pela realidade que enfrenta
em termos da infraestrutura mínima para um trabalho que se volta para o didático na sala de aula. Hypólito
(2015) ao discutir a questão do trabalho docente e da valorização profissional como meta do Plano Nacional
de Educação (2014-2024), instiga que se enfrente a questão dos investimentos em educação para melhorar
a infraestrutura e as condições de trabalho dos docentes. Indica que as políticas públicas mais conservadoras
têm sido míopes ao diagnosticar que os problemas na educação estão na docência e na má formação dos
professores e não querem enxergar que é preciso intenso investimento para melhorar a infraestrutura das
escolas garantindo um padrão mínimo de qualidade para prédios, bibliotecas, laboratórios e material
pedagógico.
Os depoimentos mostraram que as condições de trabalho não apenas incidem como interferem na
maneira como os professores iniciantes dos cursos de licenciatura constituem sua profissionalidade. Essa
interferência é mais sentida pelos docentes das instituições privadas quando se queixam do número de alunos
por turma. Fica evidente no depoimento da professora Iara, que a organização do trabalho pedagógico ficou
subjugado à precarização das condições que tem. A dimensão subjetiva do seu trabalho, apontado pela
intenção de um processo de identificação com o grupo de alunos, vai ficando fragilizada ou como ela mesmo
afirmou, vai ficando “anestesiada”:
Você entra com uma coisa seletiva, de trabalhar com aquele grupo, de trabalhar com a
identidade, um trabalho identitário no sentido de você ter identidade com o grupo e o grupo
com você, mas aí você começa a se deparar com salas muito numerosas, são salas com
muita gente. Então, nos primeiros seis meses que você põe o pé na sala de aula você fala:
que bacana, né? A gente vai fazer um trabalho rico, um trabalho que os alunos sintam, que
aprendam, mas é uma coisa mecânica e em virtude da própria condição docente, a ausência
de recursos didáticos, de instrumentos de trabalho, o próprio número de alunos em sala de
aula e acaba que você entra nessa atividade mecânica, ela acaba sendo mecânica. É uma
roda que você gira e fica meio anestesiado. Aqueles alunos acabam sendo aqueles alunos,
são alunos, são números. É um sentimento de linha de produção. (Professora Iara, faculdade
privada)
Embora o número elevado de alunos não seja o único fator que conduz à sensação de que se está
em uma “linha de produção”, outros fatores como a ausência de recursos didáticos e de instrumentos de
trabalho são acrescidos e expressam a precarização e a intensificação do trabalho dos professores que atuam
na rede privada:
O número de alunos por turma no primeiro semestre é assustador, né? Nós chegamos a lidar
com 70 numa sala. E 70 criam vários problemas, o primeiro é de comunicação, de
aproximação com o aluno, porque se aproximar de 70 é complicado e até a questão do
espaço físico, porque quando eu quero dar uma prova, eu não consigo impedir que dois
alunos façam a prova ombro a ombro, porque o espaço físico é escasso. Então, tem todos
esses problemas da superlotação. Aí vem uma questão de que a faculdade se propõe a
atender com um preço baixíssimo e aí para resolver a questão econômica, trabalha em larga
escala dentro de uma sala. Primeiro semestre é assustador nesse aspecto. E isso intensifica
o meu trabalho, um montante de trabalho fora de sala, correções de provas em volume
grande, atendimento ao aluno (...). (Professor Mauro, faculdade privada)
A questão da superlotação apontada pelo professor Mauro como justificativa da questão econômica
revela a forma mais visível de entender a questão da mercantilização da educação superior no Brasil.
(SGUISSARDI, 2015). Embora o número de alunos por sala seja uma realidade para os dois entrevistados
que atuam no ensino superior privado, observa-se uma situação diferente daquela vivida pelos professores
da instituição pública, visto que ambas as docentes, Sofia e Fátima, ministram apenas uma disciplina,
lecionando para uma ou duas turmas, e conjugando suas atividades de ensino com pesquisa e extensão.
João e Sérgio trabalham com duas disciplinas de conteúdo específico de suas áreas.

1261
A Escola: Dinâmicas e Atores

Regime de trabalho e remuneração


Outro fator de distinção entre a docência na universidade pública e na universidade privada pode ser
observada em relação ao contrato de trabalho. O contrato de dedicação exclusiva na universidade pública
evidencia condições de trabalho diferentes das dos professore da rede privada. O estudo de Sguissardi (2015)
mostrou que em 2012, 91% dos professores das universidades federais possuíam regime integral de trabalho,
enquanto nas privadas 24% eram contratados no mesmo regime integral. Ainda que haja problemas na
infraestrutura da universidade, como se destaca no relato da entrevistada Sofia, o contrato de dedicação
exclusiva é um fator importante para ela:
Uma coisa que é interessante, no caso do trabalho do professor da Universidade pública, é
ganhar pela dedicação exclusiva, isso eu acho um ganho. Porque a maioria dos professores
que dão aula no Estado e no Município, acabam tendo que dobrar em muitos períodos e isso
é uma coisa que prejudica, por mais que você seja um profissional brilhante, você precisa ter
tempo de preparar a aula, de pensar sobre isso, de pesquisar. Então ser remunerado para
ter uma dedicação exclusiva é algo que vem para contribuir. (...) muitas coisas acabam sendo
feitas em casa, porque não tem uma sala de trabalho, os prédios são um pouco precários,
têm problemas de segurança em relação a incêndios. Essa própria estrutura ainda prejudica
a permanência dos professores lá. Os professores fazem reuniões na Universidade e os
trabalhos em casa. (Professora Sofia, Universidade Federal)
Já na rede privada, as relações de trabalho terminam por provocar instabilidade e insegurança, além
do sentimento de ameaça de não ter disciplinas para ministrar, como se pode constatar no depoimento a
seguir:
E outra coisa que eu acho muito terrível também na profissão é o contrato parcial, você tem
uma mudança a cada semestre, você não tem uma condição de atribuição de aulas de 20
horas e o restante de pesquisa e outras atividades, você não tem isso. Cada semestre é uma
coisa, cada semestre é uma expectativa para o docente se vai ter disciplina, se não vai. [...]
Acho que a sensação é essa: de ameaça e inconstância o tempo todo. (Professora Iara,
faculdade privada).
Também a questão da baixa remuneração, além de fazer com que a carreira docente seja pouco
atrativa, deteriora as relações de trabalho, não permitindo que os professores se constituam como um coletivo:
[...] Agora, a remuneração em si não é um atrativo mesmo! As condições são ruins, é um
regime tarefeiro, nós ficamos com aulas pulverizadas, e não dá tempo nem da gente criar
relações no ambiente de trabalho é um negócio varejista, um supermercado. (Professor
Mauro, faculdade privada)

Trabalho coletivo e apoio pedagógico


Outros aspectos podem ser observados em ambas as redes, no que diz respeito à constituição da
profissionalidade do professor iniciante dizem respeito à inexistência de trabalho pedagógico coletivo e à falta
de apoio ao processo da aprendizagem da docência vivido pelos iniciantes nesse momento. Com a ausência
de programas de iniciação à docência ou de formação continuada, o apoio didático é buscado junto a colegas
ou ainda junto ao orientador de Doutorado, como declarou o professor de Física da universidade federal. O
professor de Química, da mesma universidade, conta que seu início na docência foi “horrível”. Sem
experiência anterior na docência: ficava “[...] muito nervoso e sentia minha voz trêmula, tinha que segurar
minha mão senão ela acabava tremendo”. A superação desse desafio aconteceu de forma solitária e
aprendeu “na marra” e por “ensaio e erro”. A imitação dos professores que marcaram positivamente sua
trajetória acadêmica foi sua referência nesse início de atuação docente. Percebe-se, assim, que a falta de
formação e de experiência como professor dificultam o atendimento às exigências da docência. A ausência
de espaço e troca sistemáticos com um professor ou tutor mais experiente fazem com que as inseguranças

1262
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

do professor iniciante não sejam tratadas com o devido cuidado, ficando a cargo do próprio professor procurar
a resolução dos problemas, assim como de elaborá-los internamente.
A professora Sofia, também da universidade federal, declara que teve acolhimento mas sentiu falta
de compartilhar o que fazia em sala de aula, nos moldes das reuniões de trabalho coletivo existentes na
escola básica:
Eu tive acolhimento, mas por exemplo: quando você sai da sala depois de ter dado uma aula,
você não tem com quem discutir, o que deu errado, o porque deu errado, só são conversas
de corredor que acabam acontecendo. Cada professor tem a sua sala, não existe um “Horário
de Trabalho Coletivo” onde todos os professores se reúnem, discutem sobre um determinado
assunto. (Professora Sofia, Universidade Federal)
Há um desejo de compartilhar as práticas e aquilo que deu certo, as dificuldades e sucessos. Cunha
& Zanchet (2010) também constataram o interesse do professor iniciante em discutir suas práticas e analisam
que a falta de teorização sobre a dimensão pedagógica ou a ausência de saberes docentes fragiliza
profissionalmente esses professores. Nóvoa (2009) argumenta que complexidade do trabalho educativo
reclama o aprofundamento das equipes pedagógicas e que os saberes construídos de forma coletiva é mais
do que a soma daquilo que se sabe fazer individualmente. A falta de apoio pedagógico nesse início também
é sentida pelo professor da universidade privada:
Existem as reuniões semestrais, mas são reuniões pontuais, são mais de caráter
administrativo do que propriamente pedagógico, né? Tem uma questão do “como” na
operação, mas não o trabalho mesmo em si, o trabalho educacional, uma reunião que vá
discutir os problemas da educação, as tendências da educação, as oportunidades da
educação, as situações de sala de aula, enfim não existe, esse trabalho inexiste! (Professora
Iara, faculdade privada)
No entanto, os professores da universidade privada, que parecem sentir de forma mais evidente a
falta de apoio, se valem de estratégias que confirmam seu compromisso com a docência e com o processo
de aprender a ser professor. A ausência de projetos institucionais não minimiza esse compromisso, embora
as iniciativas de buscar ajuda sejam individuais. Mauro declara que reuniu-se várias vezes com uma colega
de curso em sua própria residência. Ele demonstra ter consciência da situação, ao mesmo tempo em que faz
leitura positiva a respeito do trabalho docente e do exercício da própria profissionalidade:
Eu sou freireano até a medula, então esse fazer refletir não é um fazer refletir. É um fazer-
refletir numa dialética, num ciclo, ele pra mim é um fator de formação. Ele é um fator que faz
com que a gente possa realizar duas vezes a mesma coisa, jamais da mesma maneira,
porque na segunda já existe a reflexão da primeira. (Mauro, faculdade privada)
As condições relatadas pelos professores impõem uma reflexão: até quando se sentirão motivados o
suficiente para buscar novas formas de conduzir suas aulas, suas escolhas e estratégias didáticas que
qualifiquem seu ensino? seria esse movimento de ensinar e conduzir o outro a aprender, ou seja, a
consciência de que são condutores de um processo educativo que os faz permanecer na carreira apesar das
condições?
A ausência de espaços de formação coletiva e sistemática em um curso de licenciatura que forma
professores para a educação básica, bem como a ausência de espaço para a reflexão sobre a prática docente,
no ingresso na carreira, parecem ainda mais nocivas ao desenvolvimento de um professor que está
aprendendo a formar novos professores.

ALGUMAS CONCLUSÕES
Constatou-se que há distinções que fazem com que os professores elaborem significados diferentes
sobre o trabalho docente, bem como passem a exercê-lo de maneiras diferentes, de acordo com as

1263
A Escola: Dinâmicas e Atores

possibilidades concretas oferecidas pelas instituições nas quais os docentes entrevistados atuam. No caso
dos professores da rede privada, as condições a que estão submetidos são piores que as da pública, embora
a precarização também tenha afetado o trabalho dos professores destas últimas, conforme estudo de
Sguissardi & Silva Júnior (2009).
Tornar visíveis as condições de trabalho dos iniciantes de universidades públicas e privadas e,
especialmente, como as percebem, põe em discussão a necessidade de programas de inserção dos novos
docentes nas instituições de ensino superior e de sua continuidade em programas de formação continuada.
Para finalizar, importa indicar que os fatores constitutivos da profissionalidade docente dos
formadores iniciantes, tanto das instituições públicas como das instituições privadas, indicaram compromissos
ético, social e cultural com a profissãoe, especificamente, a busca pela aprendizagem da docência a partir
dos conflitos e contradições vividos em sua prática na sala de aula.

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1264
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

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1265
A Escola: Dinâmicas e Atores

A REDE SOLIDÁRIA EDUCATIVA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE ENSINO MÉDIO


[ID 171]

João Vitor Lima Patriota


Bruno Souza Lima
Edgar Sampaio de Barros
Anny Cristinne Silva Rodrigues
Alessandra Lisboa da Silva
Instituto Federal de Brasília; Universidade de Brasília
vitorpatriota97@gmail.com ; bruno.sl2025@gmail.com ; edgarsam220@gmail.com ;
annycristinnebio@gmail.com ; lisboa.ale@gmail.com

Resumo
Na atualidade espera-se que a escola gere projetos que atendam à diversidade de seus sujeitos e dos
contextos da contemporaneidade. A presente investigação analisa o projeto educativo “rede solidária
educativa”, que traz uma estratégia pedagógica colaborativa, que engloba diversas áreas do conhecimento,
tendo por objetivos o preparo dos seus alunos para as olimpíadas científicas e exames para ingresso no
ensino superior. Tem como lócus uma escola de ensino médio localizada em Brasília, capital do Brasil, a
rede solidária educativa é um projeto colaborativo, onde participam sujeitos com diferenças individuais,
sempre dispostos a fazer observação crítica, colaborativa e reflexiva de suas ações educativas. Oficinas
preparatórias são ministradas voluntariamente por alunos que participaram de edições anteriores do projeto
educativo, e que hoje são estudantes de universidades públicas, compartilhando seus conhecimentos e
experiências adquiridas. Nota-se no projeto o incentivo para a docência, é despertado entre os alunos o
interesse pelos cursos de licenciatura. Com base nas percepções dos sujeitos participantes da rede,
verificamos que a participação dos alunos no projeto influencia bastante no desenvolvimento intelectual, na
autonomia e na maturidade, levando à universidade alunos mais preparados para lidar com situações do
cotidiano, sendo mais produtivos e criativos em atividades acadêmicas. Os sujeitos ressaltam também que a
participação dos familiares e da comunidade, é um dos pontos mais positivos do projeto. É neste âmbito que
implica o nosso trabalho, investigar a participação de alunos no projeto educativo, mostrar seu caráter
motivador, colaborativo e desenvolvedor da autonomia dos alunos.

Palavras-chave: Colaboração, Ensino Médio, Autonomia, Projeto Educativo.

Résumé
À l'heure actuelle, il est prévu que l'école gère des projets qui répondent à la diversité de son sujet et les
contextes contemporains. Cette recherche analyse le projet éducatif «réseau de solidarité éducative" qui
apporte une stratégie éducative concertée, englobant divers domaines de la connaissance, avec l'objectif de
préparer les étudiants pour les olympiades scientifiques et les examens pour entrer dans l'enseignement
supérieur. Son lieu d'une école moyenne situé à Brasilia, capitale du Brésil, réseau de solidarité éducative est
un projet de collaboration, qui a impliqué des sujets avec des différences individuelles, toujours prêts à faire
une observation critique, de collaboration et de réflexion de leurs activités éducatives. ateliers préparatoires
sont organisées volontairement par les étudiants qui ont participé aux éditions précédentes du projet éducatif,
et aujourd'hui sont les étudiants des universités publiques, de partager leurs connaissances et de l'expérience
acquise. Il est noté dans le projet d'incitation pour l'enseignement, il est éveillé chez l'intérêt des élèves dans
les cours de premier cycle. Sur la base des perceptions des sujets participant au réseau, nous avons constaté
que la participation des étudiants dans le projet influe grandement sur le développement intellectuel,
l'autonomie et la maturité, menant à l'université des étudiants mieux préparés à gérer des situations de tous
les jours, étant des activités plus productives et créatives académique. Les sujets soulignent également que
la participation de la famille et la communauté, est l'un des aspects les plus positifs du projet. Il est dans ce
contexte que signifie notre travail, pour enquêter sur la participation des étudiants dans le projet éducatif,
montrer votre personnage motivant, collaboratif et développeur de l'autonomie des élèves.

Mots-clés: Collaboration, Lycée, Autonomie, Projet éducatif.

1266
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

INTRODUÇÃO
Em uma escola pública de ensino médio localizada na periferia de Brasília, capital do Brasil, há um
projeto educativo caracterizado por sua rede solidária. Os objetivos do projeto envolvem a preparação de
estudantes em olimpíadas científicas e em exames de admissão em universidade públicas.
O preparatório consiste em aulas baseadas em conteúdos programáticos das olimpíadas científicas
de diversas áreas do conhecimento e dos vestibulares. A forma como o Projeto se estrutura não prioriza a
transmissão direta dos conteúdos aos alunos, mas sim orientá-los de maneira que eles construam seus
próprios conhecimentos em colaboração.
As olimpíadas científicas contribuem para a popularização da ciência, motivam o estudo de diversas
áreas do conhecimento, dão incentivo a pesquisa, expõe os alunos a conceitos que vão além dos
apresentados no ensino regular e que contribuem na compreensão de assuntos abordados no ensino superior
e podem oferecer inúmeras oportunidades aos alunos como a de participar de projetos de iniciação científica.
Os pressupostos das olimpíadas convergem com a metodologia usada no projeto o que vem demonstrado
no aumento do números de alunos aprovados em universidades públicas, bem como orientar os alunos na
escolha profissional, a formação de cidadãos autônomos, maturos, críticos e reflexivos e a valorização da
profissão docente.
As aulas do projeto são ministradas voluntariamente por alunos e ex-alunos da escola onde acontece
o projeto, jovens professores olímpicos que estão cursando o ensino superior, motivados pela vontade de
compartilhar seus conhecimentos e experiências aos seus colegas. As aulas acontecem majoritariamente no
período contrário ao das aulas regulares dos alunos, podendo ocorrer em feriados, finais de semana e até
mesmo nas férias, desse modo é possível atender estudantes de todas as séries do ensino médio e alguns
do ensino fundamental, incentivados a participar pelos seus familiares e colegas que participam ou já
participaram do projeto.
Os alunos não são divididos em turmas pela etapa de ensino que estão cursando, independente da
idade e ano que estão cursando, os estudantes assistem às aulas juntos, exigindo uma dinâmica e
metodologia diferenciada para que todos possam acompanhar as atividades propostas. Os professores
olímpicos recorrem a ludicidade, criatividade, a atividades práticas e em grupos que exigem a colaboração de
todos para que sejam efetivadas.
O projeto precisa muito mais que apenas aulas para o seu pleno funcionamento, por exemplo, todo
início de ano é preciso divulgá-lo aos novos alunos da escola, semanalmente é preciso comunicar aos alunos
o cronograma de aulas e eventualmente as datas das provas, frequentemente é necessário imprimir materiais
didáticos e provas das olimpíadas, a coordenação do projeto certifica os professores voluntários anualmente
exigindo a necessidade da contratação de uma gráfica para a impressão destes, quando os estudantes são
selecionados para alguma fase das olimpíadas em outro lugar do país ou no exterior é preciso arrecadar
dinheiro, pois o projeto não recebe nenhum tipo de apoio do estado e a maioria dos alunos não têm condições
de custear os gastos para participação nestes eventos e entre outras necessidades.
É neste contexto que a rede solidária atua, todo trabalho e serviços necessário para o perfeito
funcionamento do Projeto Olimpíadas é realizado por alunos, ex alunos, professores, servidores da escola,
pelos pais e pela comunidade local. Como exemplo citamos as divulgações do projeto, que são feitas pelos
alunos e ex alunos, esses também confeccionam, todo semestre, um mural no colégio para que possam ser
divulgadas as olimpíadas e os cronogramas das aulas, como o da Figura 1, a coordenadora do projeto

1267
A Escola: Dinâmicas e Atores

também faz essa divulgação por meio de um grupo fechado no Facebook, e disponibiliza materiais didáticos,
assim como os estudantes e professores do projeto que também utiliza esse espaço para criar mais um
ambiente de aprendizado, como menciona Barbosa & Silva (2013), é criado um espaço de diálogos educativos
na rede social. A escola além de fornecer o espaço para as aulas também contribui com a impressão das
provas e de materiais didáticos para as aulas. Os familiares dos estudantes ajudam como podem, como por
exemplo fornecem a impressão do certificado de algumas olimpíadas e o certificado dos professores olímpicos
e junto com a comunidade local ajuda os alunos na arrecadação de verba para a participação em olimpíadas
sediadas em outros estados ou país entre diversas outra contribuições. Todo esse empenho é feito de forma
voluntária.
Objetivamos nesta pesquisa verificar quais as contribuições da rede solidária na formação estudantil,
profissional e social de seus integrantes, identificar quais as características que a rede solidária proporciona
na formação estudantil, profissional e social de seus participantes e desvelar as motivações para integrar a
rede solidária como alunos e/ou professor.

Figura 1 - Cronogramas das aulas olímpicas

METODOLOGIA
O presente trabalho trata-se de um estudo de caso, de natureza qualitativa, que objetiva
compreender as influências que a rede solidária teve e têm sobre os alunos. Para a coleta de dados,
elaboramos e aplicamos o instrumento questionário online, enviado via chat da rede social Facebook.
O questionário online composto por 4 (quatro) perguntas abertas e algumas perguntas para traçar
o perfil dos sujeitos pesquisados, ficou disponível para respostas durante 1 (uma) semana. Foram enviados
25 questionários e 20 alunos responderam. Quanto ao perfil dos estudantes, há diversidade no nível de
formação e idade dos pesquisados.

1268
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Após receber o retorno dos alunos, seguindo os preceitos de Bardin (2009), analisamos os dados e
categorizamos as respostas das questões 1,3 e 4 em quatro dimensões, inspirados em Queiroz; Silva e
Barros (2016): Cognitiva, Colaborativa, Motivacional e Social:
§ Cognitiva: que relatam a otimização da aprendizagem.
§ Colaborativa: que destacam os trabalhos em grupo e interações sociais que colaboraram com a
aprendizagem dos indivíduos.
§ Motivacional: que relataram motivações de cunho educacional e/ou profissional.
§ Social: que relatam mudanças sociais e pessoais que “preparam para exercício da cidadania”
Para auxiliar na definição de cada categoria, levamos em consideração a influência do ambiente no
qual os estudantes estão inseridos, pois como colocado por Triviños (1987):
Se estes são retirados de seu meio habitual é muito difícil chegar a conclusões verdadeiras
sobre seus comportamentos. O ambiente, o contexto no qual os indivíduos realizam suas
ações e desenvolvem seus modos de vida fundamentais, tem um valor essencial para
alcançar das pessoas uma compreensão clara de suas atividades (p.122).

RESULTADO E RELEVÂNCIA DA PESQUISA


Perfil dos sujeitos pesquisados
Como mostra o gráfico 1, a etapa de formação dos indivíduos pesquisados estão entre o 1º ano do
Ensino Médio e sujeitos a cursar o Ensino Superior.

5
nº de Individuos

0
Ensino Superior Ensino Médio 1º do Ensino 2º do Ensino 3º do Ensino
Completo Médio Médio Médio
Etapa de Formação
Gráfico 1 - Etapa de formação dos pesquisados
O Gráfico 2 apresenta a diversidade de idades dos participantes da pesquisa que varia entre 15 e 20
anos.

1269
A Escola: Dinâmicas e Atores

nº de individuos 5

0
15 16 17 18 19 20
Idade

Gráfico 2 - Perfil dos indivíduos


Dos 20 sujeitos pesquisados, 16 já haviam ministrado aulas no projeto, como mostra o Gráfico 3.

20%

80%

Não ministraram aulas Já ministraram aulas

Gráfico 3 - Participação na Rede


Caracterização da rede solidária
Ao serem questionados sobre quais palavras melhor representavam a rede solidária, os alunos
atribuíram de 3 a 5 palavras ao projeto, que foram usadas para a construir a nuvem da Figura 2.

Figura 2 - Nuvem de Palavras: A Rede Solidária Para os Estudante e Voluntários

1270
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

As palavras "colaborativo, solidariedade, oportunidade e conquista", por aparecem com maior


recorrência nas respostas e estarem maiores na nuvem, foram as mais citadas e demonstram o significado
da rede solidária, que é compartilhado por grande parte dos sujeitos pesquisados. As palavras "conhecimento,
amizade, união, motivação, amor, aprendizado, inovador, sonhos e família", representam o significado do
projeto para grupos menores de integrantes e por terem sido menos citadas aparecem menores na nuvem.
Já as palavras "acolhedor, criativo, educação, gratidão, interativo, interessante, perseverança, transformador"
dentre outras palavras, aparecem menores ainda pois foram citadas de uma a duas vezes e representam
significados mais individuais aos participantes.

Classificação das respostas do questionário


Construímos as tabelas 1, 2, 3 e 4 que constam as respostas dos alunos, classificados nas dimensões
educacionais definidas anteriormente. Na tabela os relatos estão nomeados com uma letra maiúsculas
seguidos de dois números separados por um ponto. As letras se referem ao autor do relato, o primeiro e
segundo número indica a questão referente a resposta e a tabela em que o relato está classificado,
respectivamente.

DIMENSÃO COGNITIVA

A4.1: Tem me auxiliado por que muito do que eu aprendi nas aulas, eu tenho levado comigo para minhas aulas na
faculdade, e assim facilitado o processo de aprendizagem.
E3.1: Não tem somente um, são várias as aulas em que me senti bem por conseguir entender um conteúdo e até me
identificar. Não posso deixar de citar os diversos momentos lúdicos que me ensinaram matérias, que muitas vezes,
não são tão interessantes do meu ponto de vista.
G4.1: As aulas a noite auxiliam bastante e nos trazem informações "complementares" e mais aprofundadas sobre os
assuntos abordados no ensino regular, além de que certa forma nos ensina a estudar pois no Projeto aprendemos a
ser mais organizados e nos acostumar com a rotina de estudos.
J4.1: Sim, o projeto me ajudou muito, de modo que adquiri um considerável ritmo de provas e pude ingressar na
universidade com mais tranquilidade do que se tivesse que ter estudado por conta própria.
Tabela 1 - Dimensão Cognitiva

DIMENSÃO MOTIVACIONAL

C3.2: Uma aula de biologia no meu primeiro ano, era sobre o coração e foi dada pela AG, foi um momento que me
encantou, eu nunca havia pensado daquela forma, tinha a noção do conhecimento daquela maneira, e daí então eu
tinha certeza do que eu queria para o meu futuro.
D4.2: Sim, sem ele nem cogitaria pensar nos cursos superiores que hoje amo, [...] partir do projeto ao ver pessoas que
amam oque fazem e que dedicam sua vida acadêmica a tal assunto você acaba se motivando a lutar por seus sonhos
e sempre se manter aberto a novas informações e aprendizados sem preconceitos como "mas essa matéria é chata
ou muito difícil..." pois sabemos que tudo pode ser aprendido, só é necessário esforço.
I1.2: Ao conhecer o projeto, tive um momento de curiosidade. Essa curiosidade me levou a participar de todas as
olimpíadas que me chamassem atenção. O que me ajudou muito, pois abriu várias portas para mim, ainda no ensino
fundamental. Com o tempo veio uma vontade de ministrar aulas, quando eu vi já estava na sala ensinando meus
amigos.
N3.2: Não teve um único momento marcante, mas a junção de todas as palavras motivacionais que ouvimos dos
professores voluntários e da coordenadora, é o que mais me marcou nesse projeto, que me dá forças e coragem para
persistir nos meus sonhos.
O3.2: A primeira aula que ministrei. Foi uma sensação de satisfação incrível. É um momento que nos sentimos capazes
de mudar o mundo.
I3.2: No ano passado teve uma aula para a OBA. Ministrada pelo Ad. e pela Ay. Aquela aula foi perfeita. O Ad. levou o
telescópio e eles nos mostraram coisas que eu nunca tinha visto. Minha curiosidade disparou para muitas coisas [...]
Tabela 2 - Dimensão Motivacional

1271
A Escola: Dinâmicas e Atores

DIMENSÃO COLABORATIVA

L3.3: Sim, nas aulas de biologia, quando eu comecei a participar do projeto, que envolviam dinâmicas em grupo.
M1.3: Foi um projeto que me encantou desde que conheci. A colaboração que um tem com o outro, a amizade que todos
têm pelo o outro e a aprendizagem coletiva são os principais motivos que tornam o Projeto Olimpíadas bastante atrativo.
N1.3: [...] como professora eu participo para passar o conhecimento que recebi adiante, para retribuir ao projeto tudo
que passaram para mim.
R4.3: Sim, constantemente vejo os conteúdos abordados nas olímpiadas sendo explorados na Universidade. E o
trabalho em equipe, os projetos me ensinou a trabalhar em equipe e isso é de suma importância no ambiente acadêmico.
Tabela 3 - Dimensão Colaborativa

DIMENSÃO SOCIAL

B1.4: O projeto me ajudou com o engajamento em grupos de estudos [...] Sempre que tenho a oportunidade, eu ajudo
o projeto dando aulas, por vontade de retribuir à sociedade toda ajuda que um dia me foi dada.
E1.4: Bastante, através desse projeto considero ter ganho mais maturidade e senso de responsabilidade. Hoje vejo por
outros ângulos e conheço melhor o que é de fato uma boa educação e sucesso de vida. O projeto me ensinou a ser
esforçada, não desistir dos meus sonhos e que não será fácil, mas a graça está em tentar e aprender. E tem algo que
certamente vou levar para o resto da minha vida, é que a educação pode mudar tudo e junto com a solidariedade traz
muitas coisas boas.
H4.4: Sim, me ajudou a conquistar um vaga em uma universidade federal e ainda ajuda como base das disciplinas de
nível superior após essa conquista.
P4.4: Muitas coisas que no ensino regular não deu tempo de ver, eu vi no Projeto e tive uma noção do que se tratava
quando abordado na universidade. Além do crescimento pessoal. Essa coisa de estudar em grupo, de se esforçar para
passar nas matérias, de pedir ajuda na hora das dúvidas, de ajudar quem precisa[...]
R3.4: A grande mobilização da comunidade para ajudar o grupo que iria participar da Olimpíada de Filosofia no Uruguai
a custear as passagens e hospedagem.
Tabela 4 - Dimensão Social

Análise das respostas do questionário


A seguir, na tabela 5, apresentamos uma análise com base nas respostas do questionário,
detalhando as atribuições educacionais e/ou profissional dos mesmos. Esta se mostrou necessária pelo fato
de que determinadas contribuições à formação dos estudantes, devem-se a mais de um aspecto da rede
solidária, isto fica claro observando os índices das respostas que indicam em que dimensão estes estão
classificados.

1272
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Relatos Exemplos

Acusam o auxílio aos “Muitas coisas que no ensino regular não deu tempo de ver, eu
A4.1, R4.3, H4.4
estudantes de ensino vi no Projeto e tive uma noção do que se tratava quando
e P4.4.
superior. abordado na universidade…” (P4.4).

“...Não posso deixar de citar os diversos momentos lúdicos que


Demonstram as
me ensinaram matérias, que muitas vezes, não são tão
contribuições referentes E3.1, C3.2, I3.2,
interessantes do meu ponto de vista.” (E3.1).
ao caráter metodológico M1.3, R4.3 e
“...A colaboração que um tem com o outro, a amizade que
das aulas para a B1.4.
todos têm um pelo o outro e a aprendizagem coletiva são os
formação dos
principais motivos que tornam o Projeto Olimpíadas bastante
estudantes.
atrativo.” (M1.3).

O projeto oferece “As aulas a noite auxiliam bastante e nos trazem informações
complemento ao ensino G4.1 e P4.4. "complementares" e mais aprofundadas sobre os assuntos
regular abordados no ensino regular…” (G4.1).

“...através desse projeto considero ter ganho mais maturidade


e senso de responsabilidade...!” (E1.4).
“...de certa forma nos ensina a estudar pois no Projeto
Contribui para a G4.1, A4.1, J4.1,
aprendemos a ser mais organizados e nos acostumar com a
formação da autonomia, D4.2, R4.3,
rotina de estudos.” (G4.1).
maturidade e E1.4, M1.3,
“...você acaba se motivando a lutar por seus sonhos e sempre
solidariedade dos N1.3, B1.4, H4.4
se manter aberto a novas informações e aprendizados sem
alunos e P4.4.
preconceitos como "mas essa matéria é chata ou muito
difícil..." pois sabemos que tudo pode ser aprendido, só é
necessário esforço.” (D4.2).

Comprovam o caráter de C3.2, D4.2 e “Uma aula de biologia no meu primeiro ano [...] foi um
orientação profissional I1.2. momento que me encantou, eu nunca havia pensado
da rede solidária daquela forma, tinha a noção do conhecimento daquela
maneira, e daí então eu tinha certeza do que eu queria
para o meu futuro.” (C3.2).
Tabela 5 - Análise de questionário
O caráter colaborativo do projeto, muito presente na metodologia das aulas, contribui diretamente
para formação que foi relatada pelos alunos. Como encontramos na teoria sociocultural de Vigotski, a
interação do aluno, como indivíduo, em grupos sociais é fundamental para a aprendizagem. Portanto, com o
uso de atividades em grupos pode-se proporcionar uma aprendizagem colaborativa, nos referimos a essa
como colocada por Da Silva (2013) ao recorrer a Torres (2012), sendo: "um modelo de aprendizagem
interativo que convidam os alunos a compartilharem esforços, talentos e/ou competências através de uma
série de transações que permitem os participantes atingirem juntos o mesmo objetivo"
A diversidade de alunos, quanto a etapa da educação em que este se encontra, presentes nos grupos
formados para a realização das atividades proposta no projeto, proporciona a interação dos estudantes para
o desenvolvimento cognitivo, como teorizado por Vigotski, no qual os integrantes do grupo revezam o papel
de mediador de acordo com o desenvolvimento atual e/ou potencial de cada um.
Os resultados educacionais da Rede Solidária, expressos nos relatos dos alunos, condizem com os
preceitos da educação brasileira, descritos no Artigo 205 da Constituição Federal de 1988: “A educação[...]
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Inegavelmente educar para o
exercício da cidadania como colocado pela Direção-Geral da Educação (DGE) da República Portuguesa:
“[...]visa contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e
exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista,

1273
A Escola: Dinâmicas e Atores

crítico e criativo, tendo como referência os valores dos direitos humanos”. Podendo assim concluir que o
projeto Rede Solidária auxilia diretamente para o cumprimento da função social da escola brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Notamos que a participação na rede solidária representa relevância positiva na formação estudantil,
pessoal, social e profissional dos sujeitos investigados. Verificamos que a participação dos alunos no projeto
influencia bastante no desenvolvimento intelectual, na autonomia e na maturidade, levando à universidade
alunos mais preparados para lidar com situações do cotidiano, sendo mais produtivos e criativos em
atividades acadêmicas. Ressaltamos também que a participação dos familiares e da comunidade é um dos
pontos mais positivos do projeto. É neste âmbito que implica a rede solidária, mostrar seu caráter motivador,
colaborativo e desenvolvedor da autonomia dos alunos.

REFERÊNCIAS
Barbosa M. & Silva A. (2013). Facebook: Diálogos na rede social estimulando a participação de alunos nas
olimpíadas científicas. Retirado de: http://lead.uab.pt/OCS/index.php/CLB/club/paper/viewFile/
330/74.
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http://www.jusbrasil.com.br/.
Da Silva, A. (2013). Análise da estratégia pedagógica de pequenos grupos colaborativos online de uma
disciplina do curso de pedagogia a distância da Universidade de Brasília. Dissertação (Mestrado) –
Universidade de Brasília, UnB, Brasília-DF.
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escola de ensino médio. VII congresso mundial de estilos de aprendizagem. VII CMEA. 4-6 de julho
de 2016.
Torres, P., Hilú, L., Behrens, M., Matos, E., Marriot, R., Siqueira, L. & Tarrit, C. (2012). Construção coletiva do
conhecimento: desafios da cocriação no paradigma da complexidade. In Okada, A. (Ed.) (2012).
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London: Scholio Educational Research & Publishing.
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Vigotski, L. (1998). A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes.

1274
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO DE ADULTOS PROMOTORAS DE NOVAS RELAÇÕES DE


TRABALHO ENTRE PROFESSORES
[ID 173]

Maria Manuela Simões Paulo


Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
mariamanuelasimoespaulo@gmail.com

Resumo
O estudo que se apresenta versa práticas de colaboração entre professores perante duas situações distintas:
no ensino de jovens, na Escola, e na formação de adultos nos Centros Novas Oportunidades ou nos Centros
para a Qualificação e o Ensino Profissional. Tem como objetivo perceber a relação/interação de professores
no decorrer de práticas educativas distintas, em termos organizacionais e pedagógicos.
Este trabalho de investigação enquadra-se no âmbito do estágio académico do Mestrado em Ciências da
Educação, no ramo de Formação de adultos. Metodologicamente, utilizou-se uma abordagem qualitativa que
incluiu registos de observação participante das equipas pedagógicas a operar em processo de
Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências e entrevistas semiestruturadas a professores
envolvidos simultaneamente na educação de jovens e na educação de adultos.
As vivências dos professores na situação de formadores de adultos traduziram realidades muito diferentes da
forma escolar, sendo que o exercício das duas valências distintas no interior do mesmo estabelecimento
escolar favoreceu o questionamento das mesmas. Os professores revelaram ser capazes de desenvolver
práticas educativas distintas que se podem enquadrar ora num trabalho cooperativo, em que repartiam o
trabalho, resolviam tarefas parcial e individualmente e posteriormente juntavam as partes num resultado final,
ora num trabalho colaborativo, em que se associavam para realizar um trabalho baseado em negociação
colaborativa e partilha daquilo que era entendido pelo grupo.
Ressalta que os professores consideraram desenvolver, na forma escolar, um trabalho cooperativo,
essencialmente burocrático e fragmentado, todavia enquanto formadores de adultos envolveram-se num
trabalho colaborativo, que possibilitou maior satisfação, inovação, reflexão, troca de experiências e
aprendizagem conjunta. Nos Centros Novas Oportunidades ou nos Centros para a Qualificação e o Ensino
Profissional, os professores sentiram maior liberdade de ação e consequentemente maior responsabilização
coletiva na sua atividade profissional. Mais autónomos, menos estranhos ao seu próprio trabalho, afirmaram
poder intervir nele e transformá-lo, pois, foi-lhes reconhecida capacidade de decisão.

Palavras-chave: Professores, Educação, Trabalho cooperativo, Trabalho colaborativo.

Résumé
Cette étude présente les pratiques de collaboration entre les enseignants dans deux situations différentes :
dans l'enseignement des jeunes à l'école et dans la formation des adultes dans les Centres de Nouvelles
Opportunités ou des Centres pour la Qualification et la Formation Professionnel. Son objectif est de
comprendre la relation / interaction des enseignants dans le cadre de différentes pratiques éducatives en
termes organisationnels et pédagogiques.
Cette recherche fait partie de l'étape du Master Universitaire en sciences de l'éducation, dans le domaine de
l'éducation des adultes. Sur le plan méthodologique, nous avons utilisé une approche qualitative qui inclus
des registres de l'observation participante des équipes pédagogiques opérant dans le processus de
Reconnaissance, Validation et Certification des Compétences et d'entretiens semi-structurés les enseignants
concernés simultanément dans l'éducation des jeunes et à l'éducation des adultes.
Les expériences des enseignants dans la position des éducateurs d'adultes traduits des réalités très
différentes de la forme scolaire, et la performance de deux valences différentes au sein de la même école et
ont favorisé la remettre en question. Les enseignants se sont révélés être en mesure de développer différentes
pratiques éducatives qui peuvent tenir soit un travail coopératif, qui se sépara travail, résolu les tâches
partielles et individuelles, et plus tard rejoint les parties à un résultat final, parfois dans un travail collaboratif,
qui est associé à effectuer un travail basé sur la négociation collaborative et le partage de ce qui a été compris
par le groupe.
Souligne que les enseignants ont mis au point, dans l'enseignement traditionnel, un travail de coopération,
essentiellement bureaucratique et fragmentée. Cependant, bien que les formateurs d'adultes ont développé
un travail de collaboration, ce qui a permis une plus grande satisfaction, l'innovation, de réflexion, l'échange

1275
A Escola: Dinâmicas e Atores

d'expériences et d'apprendre ensemble. Dans les Centres de Nouvelles Opportunités ou dans les Centres
pour la Qualification et la Formation Professionnel, les enseignants avaient une plus grande liberté d'action et
par conséquent une plus grande responsabilité collective dans leur activité professionnelle. Plus autonomes,
moins étranger à son propre travail, Ils affirmaient être impliqués dans leur travail et de le transformer, parce
que maintenant ils avaient la capacité de décider.

Mots-clés: Enseignants, Éducation, Travail coopératif, Travail collaboratif.

METODOLOGIAS INOVADORAS NO CAMPO DA EDUCAÇÂO DE ADULTOS: NOVAS


RELAÇÔES DE TRABALHO ENTRE PROFESSORES
O Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento da Educação de Adultos, constituído em 1997,
concebeu uma estratégia na área da educação e formação de adultos absolutamente inovadora, a qual incluíu
um processo de validação formal das competências adquiridas em contexto informal (Melo, 2012, p.442). As
políticas e práticas de reconhecimento de competências desenvolveram-se na consolidação e
complementaridade de três movimentos ou tendências relevantes no último quartel do século XX. São estes,
o movimento de educação permanente, centrado no indivíduo e no aprender a ser, observando uma
aprendizagem universal e contínua que ocorre em todos os tempos e contextos, o movimento das histórias
de vida, gerador de uma revolução no entendimento dos problemas da educação e, não menos importante, o
movimento de valorização da educação não formal (Canário, 2006, p.39).
O processo de RVCC (reconhecimento, validação e certificação de competências) atribuía a
centralidade aos adultos, valorizando a motivação individual, o respeito pela autonomia, a oferta formativa
adequada e a formação de profissionais que pudessem executar tais práticas. A oferta rompeu com a lógica
dos programas escolares, baseados na desmultiplicação de disciplinas pois, ainda que adaptados a publicos
adultos, eram, na generalidade, motivo de insucesso, desmotivação, desperdício de tempo e de recursos.
Em 2005 foi apresentada a Iniciativa Novas Oportunidades (INO), programa de intervenção destinado
a combater o défice de qualificações da população portuguesa, em larga escala e com metas ambiciosas,
suportado por substânciais fundos da UE (Gomes, 2012, p.80). Consagrou-se aqui o sucesso das inovações
desenvolvidas desde 2000, numa base experimental, introduzidas agora no cerne das políticas públicas
(Melo, 2012, p.447). Deu-se o aumento do número de centros operacionais, de 98 (em 2005) para 459 (em
2011) (in CNE,2013), a diversificação de instituições promotoras da rede operacional, com a inclusão dos
estabelecimentos escolares, a expansão dos níveis de certificação ao ensino secundário e,
concomitantemente, dos públicos a abranger. Melo salientou a existência de uma contradição essencial na
estratégia governamental da época, revelando que o sucesso das inovações introduzidas no campo da
educação de adultos pela ANEFA “(…) deveu-se , sobretudo, ao facto de a sua aplicação estar a cargo de
organizações , predominantemente de natureza cívica e solidária, com grande experiência no trabalho de
base comunitária” (Melo, 2012, p.447). O alargamento, então previsto, e a extenção ao 12º ano de
escolaridade, passou pela criação de CNO (Centros Novas Oportunidades) em instituições mais
vocacionadas para uma educação escolarizada e/ou uma formação profissional, particularmente nas escolas
públicas de nível secundário e nos centros de formação do IEFP (Instituto de Emprego e Formação
Profissional) . Melo questionou, com cepticismo, a aplicação destas novas metodologias, em locais e por
profissionais tradicionalmente associados a práticas conservadoras de educação de adultos, formulando a
pergunta : “Qual será o resultado final, quando inovações como estas são introduzidas, de forma algo forçada,
em instituições em geral nada inovadoras, e elas próprias ainda por inovar?”(ibidem). O desenvolvimento de

1276
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

metodologias inovadoras inerentes ao processo de RVCC, foi desvalorizada por muitos professores, que
continuaram a utilizar as práticas do seu conhecimento envolvidas na educação de jovens, infletindo-o no
sentido da forma escolar. No entanto e surpreendentemente, para outros professores, verificou-se que estas
práticas vieram como que abrir uma brecha no “muro” da escola possibilitando-lhes uma crítica mais
contundente à forma escolar. Como disse Canário (2013a), “Uma nova reflexão sobre a forma escolar seria
induzida pela contribuição do património científico, reflexivo e praxeológico que a educação de adultos pôde
construir durante as últimas décadas” (p.131).

PROFESSORES NO PERÍODO DIURNO, FORMADORES NO PERÍODO NOTURNO


A problemática em estudo prende-se com uma busca de sentido para as mudanças verificadas nas
relações de trabalho entre professores, agora formadores, envolvidos na formação de adultos em processo
de RVCC. Este estudo ganha consistência na reflexão sobre as experiências significativas da minha própria
história de vida, como professora, desenvolvidas ao longo de 30 anos de carreira. É, assim, com naturalidade,
que a investigação se situa na interface entre a forma escolar, o processo de reconhecimento, validação e
certificação de competências e a educação, no seu sentido mais abrangente.
As relações de trabalho entre os professores na situação de formadores no processo de RVCC
traduziram uma realidade diferente daquela onde se vinculavam à forma escolar, sendo que o exercício das
duas valências distintas no interior do mesmo estabelecimento escolar favoreceu o questionamento das
mesmas.
O estudo enquadra-se no estágio realizado no Centro para a Qualificação e o Ensino Profissional
(CQEP) do Agrupamento de Escolas Dr. Azevedo Neves para a conclusão do Mestrado em Ciências da
Educação, no ramo de Formação de Adultos. No decorrer do trabalho de investigação analisaram-se práticas
de colaboração entre professores perante duas situações distintas: no ensino de jovens, na Escola, e na
formação de adultos nos Centros Novas Oportunidades (CNO) ou nos Centros para a Qualificação e o Ensino
Profissional (CQEP).

METODOLOGIA E TÉCNICAS DE TRATAMENTO E RECOLHA DE DADOS


A metodologia a adotar neste projeto baseou-se numa abordagem qualitativa, uma vez que integrou
estratégias como a análise de documentos, registos de observação participante e a realização de entrevistas
semiestruturadas.
Como técnicas de recolha e tratamento de dados optou-se pela seleção e análise de documentos
legais, de relatórios, estudos, portefólios e outros pertinentes, relacionados com o Agrupamento de Escolas
Dr. Azevedo Neves e com o CQEP-Amadora. A documentação escrita interligou-se à inscrição e análise dos
registos de observação participada e à realização, apresentação e análise de conteúdo de cinco entrevistas
semiestruturadas. As variadas opções metodológicas tiveram como objetivo triangular dados, de modo a que
a sua interpretação se sustentasse na interligação das representações dos atores, mas também das suas
práticas, incluindo os instrumentos que produziam, ou seja, noutras relações sociais independentes dos
entendimentos pessoais dos respetivos atores.
A observação participada foi uma das técnicas de recolha de materiais empíricos. Tratou-se de uma
observação qualitativa, de carácter flexível e aberto. Focou-se, mais especificamente, nas etapas de

1277
A Escola: Dinâmicas e Atores

reconhecimento e validação de competências verificadas no processo de RVCC, no que respeita às relações


pedagógicas e interpessoais entre os vários atores envolvidos.
Em relação às entrevistas realizadas, foram convidados professores/formadores, que exerceram ou
ainda exercem a sua profissão na área de educação de jovens e simultaneamente, no acompanhamento de
adultos em processo de RVCC, no Agrupamento de Escolas Dr. Azevedo Neves.
O facto de as entrevistas se basearem na utilização de Guiões, permitiu, de modo organizado,
delimitar as informações que se pretenderam recolher e, com mais propriedade, comparar os dados obtidos.
Os Guiões foram concebidos “(…) numa perspetiva intensiva, em que se tratou sobretudo de conhecer em
profundidade as reações da pessoa e detetar processos” (Ruquoy, 1997, p.87). Estas foram entrevistas semi
diretivas de modo a permitir que os entrevistados organizassem o seu pensamento e, ao mesmo tempo, que
o entrevistador guiasse o sentido da conversa.
Após a transcrição das entrevistas optou-se por uma análise de conteúdo de natureza temática
(Bardin, 2008, p.37), isto é, foram identificadas categorias e subcategorias na totalidade do corpus,
facilitadoras da análise pretendida. As categorias e subcategorias consideradas apresentam-se na tabela I .
Temas Categorias Subcategorias
Formação inicial
Formação contínua
Desenvolvimento profissional
Experiência profissional em educação de Cargos ocupados nas instituições
Percurso formativo e profissional
jovens escolares
dos entrevistados
Circunstâncias que levaram à
Experiência profissional em educação de
função de formador de adultos
adultos
Formação em educação de
adultos/RVCC
Relação/Interação com os Trabalho desenvolvido com os
Relação com os colegas
colegas e com as chefias na colegas
forma escolar Relação com as chefias
Trabalho desenvolvido com os
Relação/Interação com a equipa Relação com os colegas colegas
pedagógica e com as chefias em O trabalho em equipa
processo de RVCC Orientações, metodológicas,
pedagógicas e interação com as chefias
Reflexões sobre a implementação do
processo de RVCC numa escola do
ensino regular
Questionamento de práticas
Práticas educativas inerentes ao Influência da experiência em RVCC na
inerentes à forma escolar
processo de RVCC que crítica à forma escolar
Reflexões sobre a forma escolar
questionam a forma escolar
Mudanças nas práticas educativas com
os alunos jovens, após a experiência em
RVCC
Escolarização do processo de RVCC
Representações anteriores sobre
o processo de RVCC./
Considerações finais
Tabela I - Temas, categorias e subcategorias componentes da análise de conteúdo efetuada às entrevistas
No caso específico das entrevistas, os dados empíricos, organizados na forma de análise de conteúdo
foram objeto de análise comparativa. Ambos, quer os juízos privados, quer os entendimentos partilhados,
foram tomados em consideração.

1278
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Perfil dos profissionais entrevistados


Para melhor conhecimento dos entrevistados deve-se dizer que os mesmos são mulheres (3) e um
homem (o facto do número de entrevistados não coincidir com o número de entrevistas deveu-se à situação
de um deles só ter iniciado o trabalho de acompanhamento de adultos em RVCC no decorrer do trabalho de
investigação, sendo que solicitaram-se-lhe duas entrevistas, a primeira anterior ao início da atividade em
RVCC e a segunda posterior). Protegeu-se sempre o anonimato dos entrevistados com a utilização da sigla
E. Todos são professores, com idades compreendidas entre os 35 anos e os 57 anos e grande amplitude em
termos do número de anos de experiência profissional em ensino, desde 8 anos a mais de 30 anos.
Os professores são detentores de formação inicial diferenciada e obtida em diferentes instituições do
ensino superior português. Apenas um realizou a licenciatura no ramo educacional, pois os restantes
concretizaram a profissionalização em serviço, posteriormente.
Em termos de percurso profissional, no conjunto dos professores, salientam-se as funções de
professor no ensino regular, em todos os graus de ensino, ou seja desde o primeiro ciclo ao ensino secundário,
e nas funções de professor do ensino profissional, no ensino público e no IEFP. Ao nível de cargos ocupados,
nas diversas instituições escolares onde trabalharam, destaca-se a grande diversidade, desde o de Diretor
de Turma ao Presidente da Assembleia de Escola.
Estávamos perante um conjunto de profissionais que demonstraram interesse em permanente
atualização profissional, que realizaram formação contínua, sobretudo, em áreas relacionadas com a
pedagogia e com a didática e ainda na área da informática.
O percurso profissional no âmbito do processo de RVCC evidencia que todos foram
professores/formadores em diversas áreas de competências-chave de nível básico e secundário, abrangendo
no conjunto, a totalidade das áreas dos referenciais de competências-chave. Acresce, ainda, ao nível da
educação de adultos, a lecionação em cursos do ensino recorrente e Cursos de Educação e Formação de
Adultos (EFA), de certificação escolar e de dupla certificação.
As circunstâncias que conduziram os professores à função de formadores de adultos revelaram-se-
lhes, sobretudo, imprevistas, declarando que foram surpreendidos pelo convite/atribuição de tal função e que
se sentiram, de algum modo, impreparados no início das respetivas práticas educativas. Das suas narrativas
depreende-se, por um lado, a insuficiente formação inicial neste sector, e, por outro, o intenso trabalho
colaborativo, desenvolvido em contexto de trabalho, com os seus pares, a par da autoformação. O facto de
trabalharem num projeto novo, para o qual havia mais perguntas que respostas, obrigou a uma intensa partilha
e à procura ativa de formação, mesmo fora do país.

Relações de trabalho nas equipas pedagógicas RVCC


As equipas técnico-pedagógicas organizadas para o desenvolvimento de processos de RVCC,
definiam os percursos a desenvolver, contrariamente ao preconizado na forma escolar. Os professores na
educação dos jovens desenvolveram um trabalho meramente cooperativo, sobretudo burocrático e
fragmentado, porém enquanto formadores em RVCC despertaram para um trabalho colaborativo. Refira-se
que a diferença fundamental entre trabalho cooperativo e trabalho colaborativo “foi generalizada por
Dillenbourg (1999a) da seguinte forma: na cooperação, os parceiros repartem o trabalho, resolvem as sub-
tarefas individualmente e então juntam os resultados parciais em um resultado final. Na colaboração, os
parceiros associam-se para realizar o trabalho” (Stahl, Koschmann & Suthers, 2006, p.8).

1279
A Escola: Dinâmicas e Atores

Das narrativas, sobre o trabalho desenvolvido com os pares, apercebemo-nos da sua satisfação em
inovar, trocar experiências e aprender em conjunto. Portadores de maior autonomia, detinham poder de
decisão que os tornava responsáveis coletivamente. As metodologias requeridas para o desenvolvimento do
processo de RVCC e os contextos em que as desenvolveram, foram as causas referidas mais frequentemente
e que os obrigaram a um trabalho interdependente, constante. A negociação democrática, feita de conflitos e
consensos e as tarefas compartilhadas, evidenciaram um trabalho colaborativo, “(…) onde se desconhece o
autor individual porque a assinatura foi uma só, resultante da negociação colaborativa e o do
compartilhamento social daquilo que é entendido pelo grupo – fenômeno central da colaboração”, como
afirmam Stahl, Koschmann & Suthers (2006, p.3). A análise e reflexão posterior, sobre o trabalho realizado,
ou seja, a frequente autoavaliação e subsequente implantação de ações de melhoria, contribuíram igualmente
para fortalecer o espírito de equipa e aumentar a sua responsabilização e poder de decisão.
A propósito da relação entre os colegas da equipa pedagógica RVCC, os professores apontaram
como principais motivos de satisfação, o trabalho em equipa e o grande envolvimento e comprometimento
dos intervenientes. Alguns entrevistados valorizaram, ainda, a heterogeneidade da equipa e os laços de
amizade que uniam os seus membros. A este propósito salientou-se a opinião do professor E1: “Um grande
trabalho em conjunto, muitas reuniões, (…) neste processo há muito mais trabalho em equipa, não tenho
qualquer dúvida disso, eu nunca trabalhei tanto em equipa como quando estive em CNO”. O professor E3
relembrou, com alguma nostalgia, as relações entre os colegas da equipa que se mantiveram mesmo após a
extinção do Centro e exprimiu a interação entre eles como se de uma família se tratasse, comentando: “Como
já referi era boa, ainda é! Nós no CNO éramos uma família, eramos um grupo pequeno e focado no
desenvolvimento dos adultos. Tivemos quezílias, mas todos tínhamos o mesmo objetivo, trabalhávamos bem
em equipa e apesar de termos ideias bem diferentes sempre conseguimos reunir essas características para
sermos mais completos como equipa e ajudar os adultos aos mais diversos níveis”. O referido professor
acrescentou ainda, com viva emoção, uma situação elucidativa do espírito do grupo de trabalho: “O CNO teve
direito a instalações novas, aquando da restruturação do parque escolar, e perguntaram-nos como queríamos
as mesas e nós fomos unânimes, pedimos mesas redondas para estarmos voltados uns para os outros.”
Durante a análise ao trabalho de equipa dos formadores, o professor E1 explicou que o mesmo era
necessário: “É impossível fazer o processo como nós fazemos as aulas, as aulas completamente individuais,
preparar as aulas em casa, (dar) as aulas, corrigir os testes, não tem nada a ver com isto, não tem nada a ver
(com) o ensino tradicional, é um processo que nos obriga, mesmo, mesmo, a trabalhar em equipa”. Sentia a
necessidade de o revelar vincadamente e de o afirmar muito diferente do trabalho solitário que efetuou no
ensino tradicional. O mesmo professor revelou um trabalho colaborativo com os demais colegas,
subentendendo interação, negociação colaborativa e tarefas compartilhadas ao referir: “nunca como neste
processo tive tantas reuniões, tantas conversas, tanta troca de emails, preparar documentos em conjunto, até
a descodificação (…); portanto os formadores têm que se acertar entre si“ .
Referiram-se novas e variadas interações desenvolvidas num espaço educativo comum, a sala de
trabalho de formadores. Disse, a esse respeito, o professor E1: “Um formador que tinha dúvidas consultava
um outro, olha vê lá se vês aqui mais qualquer coisa que eu não esteja a ver, e essas trocas, como estamos
todos no mesmo espaço físico a ver portefólios, dá para ir falando uns com os outros e pedindo opinião, isso
é muito saudável.” Acrescentou, ainda, aspetos de tomada de decisão conjunta: “Nós tínhamos reuniões até
para decidir aquela questão dos certificados (…) havia muita partilha de opiniões sobre isso (…), este

1280
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

certificado de segurança no trabalho, atribuías o DR (domínio de referência) 2 de saúde?”. Comentou também


o trabalho da equipa para a preparação das sessões de júri: “Fazíamos a preparação com o profissional de
RVC e com os formadores, nem todos às vezes, iam dando sugestões que o adulto podia utilizar na sua
apresentação”.
Outros entrevistados, assumiam o trabalho em conjunto como efetivamente inerente ao processo de
RVCC, admitindo que não o poderiam desenvolver como é habitual na forma escolar. Os professores sentiam-
se, na forma escolar, prisioneiros de um sistema “que dificulta uma construção de sentido e favorece uma
dissociação entre o sujeito e o seu trabalho (escolar), conferindo-lhe características de alienação” (Canário,
2005, p.71). Assim, evidenciaram dificuldades iniciais quando verificaram que não poderiam preparar aulas
uniformes. Não podiam repetir o mesmo para todos, porque cada adulto tem a sua história de vida, cada um
tem respostas diferentes. Foi forçoso aceitar que cada um é diferente do outro, nunca se sabendo, à partida,
quais os conhecimentos a mobilizar para dar orientações e sugestões aos adultos. O grau de imprevisibilidade
era grande, mas não causou constrangimentos, nem sensação de perda de poder e de autoridade nos
professores. Se não houvesse uma resposta pronta, ela era conseguida, porque se ia procurá-la em conjunto
com o adulto ou até com outros adultos e técnicos presentes na sala, num clima de confiança mútua. A este
respeito o professor E2 afirmou:
As sessões de RVCC eram experiências completamente diferentes, começamos inicialmente
por fazer daquilo uma aula (mas) percebemos que não poderia ser assim, teria de ser uma
experiência completamente diferente de uma aula, até porque as dúvidas eram tantas,
constantemente, que nós (equipa) de sessão para sessão (não lhe chamávamos aulas!)
tínhamos de alterar o modelo, fazíamos novos gráficos, novos slides, para aquele grupo,
experiências muito positivas, fazíamos um trabalho sempre constante (…) cada sessão era
uma novidade, uma nova experiência, tentámos sempre melhorar e foi o que fizemos.
Quando se tornou obrigatório cumprir metas de certificação, entretanto impostas pela tutela, foram
utilizadas estratégias de cooperação para tornar os processos menos individualizados. A maioria dos
entrevistados não concordou com a formatação do processo e foi dentro da equipa que procuraram minimizar
os efeitos de tais políticas. Esta situação foi descrita pelo professor E1 do seguinte modo: “Eu não sou muito
apologista da formatação, pronto, mas as estratégias eram essas, era em conjunto ver que sugestões vamos
dar ao adulto ou que propostas é que vamos fazer um pouco mais formatadas para todos” fornecendo alguns
exemplos desse tipo de estratégias, “vamos todos escrever sobre o livro da vida (…) o filme da vida (…) fazer
exercícios de Soduku”.
O trabalho em equipa evidenciou-se, também, nos aspetos de autoavaliação e na implementação de
ações de melhoria, após análise e reflexão sobre o trabalho realizado. Este processo foi induzido, sobretudo,
após a promoção da avaliação nos CNO, através da adaptação do modelo CAF (Common Assessment
Framework), pela Universidade Católica Portuguesa. O professor E2 contou como esse processo foi
importante: “O trabalho da equipa foi, como tudo na vida que é criado, o que acontece em tudo é verificar
aspetos que possam ser corrigidos, que possam ser melhorados, as equipas fizeram isso (…), apareceram
sempre com melhorias, apareceram sempre com sugestões”. O mesmo professor referiu, igualmente,
algumas ações de melhoria implementadas:
Um dos aspetos positivos e que nós ainda fizemos no nosso centro, muitas das vezes, era o
apoio que começamos a dar e a formação que começamos a dar de inglês, por exemplo, em
que começamos a perceber que os formandos tinham dificuldades, (…) e quem diz o inglês
diz a nível da escrita, diz a nível da matemática, portanto, o processo, neste momento, se
estivesse ainda em funcionamento de certeza que tinha equipas de professores a apoiar os
formandos nas áreas em que eles surgiram com mais dificuldades e que eram fáceis de
colmatar.

1281
A Escola: Dinâmicas e Atores

A contribuição do trabalho autónomo e responsável das equipas pedagógicas revelou-se essencial


para a consolidação dos Centros. O seu desenvolvimento pôde envolver outras valências, concretizadas à
medida que foram diagnosticadas novas necessidades
Relativamente ao questionamento sobre as orientações metodológicas, pedagógicas e interação com
as chefias, os professores consideraram que havia grande independência das equipas pedagógicas
relativamente às chefias. Tal facto proporcionava-lhes mais liberdade de ação e decisão, mas também mais
responsabilização e mais trabalho. No centro, a maioria das decisões era tomada por toda a equipa, embora
houvesse a figura de coordenador. Para o entrevistado E3, a chefia materializava-se na pessoa da
coordenadora, mas, na sua opinião, esta era vista “como mais um membro da equipa e não havia uma
hierarquização muito marcada”.
Nas palavras do referido professor, a forma de trabalho referida foi, assim, descrita
pormenorizadamente:
A equipa com que trabalhei tinha uma coordenadora, mas as práticas, orientações
metodológicas e pedagógicas nunca vieram propriamente da chefia (…). Nós tínhamos o
referencial e o guia, tínhamos tido formação, e basicamente tudo era decidido, planificado e
alinhado em grupo. A coordenadora coordenava, orientava, organizava-nos e procurava o
entendimento e trabalho conjunto. Claro que havia as metas e a documentação e as
marcações de sessões de júri, criação de grupos e os cronogramas de sessões (datas, horas
e salas), mas estes pontos, como já disse, eram geralmente tratados em equipa e decididos
em equipa.
As orientações pedagógicas e metodológicas que provinham da tutela eram analisadas em grupo de
modo a alcançar um entendimento conjunto. A planificação da ação decorria do parecer coletivo, onde todos
detinham igual responsabilidade, e que proporcionava um trabalho apoiado e determinado.

REFLEXÕES FINAIS
A vivência dos professores na situação de formadores no processo de RVCC foi propícia à instalação
da dúvida, suscitando uma atitude crítica e autocrítica face ao desenvolvimento do seu trabalho na forma
escolar. Acentuaram-se as divergências da forma escolar e o progressivo acreditar noutras formas de se
relacionar com os seus pares.
Os professores consideraram desenvolver, na forma escolar, um trabalho cooperativo, em tarefas
individuais ou parciais. Tratou-se de um trabalho alienado, essencialmente burocrático e justificativo,
provocando o isolamento dos professores e mesmo um sofrimento silencioso.
Enquanto formadores no processo de RVCC envolveram-se num trabalho colaborativo, de grande
envolvimento e comprometimento. O trabalho colaborativo proporcionou maior satisfação, reflexão, troca de
experiências, aprendizagem conjunta e inovação. No CNO ou no CQEP, os professores sentiram maior
liberdade de ação e consequentemente maior responsabilização individual e coletiva na progressão da sua
atividade profissional. Mais autónomos, mas conscientes e, por isso, menos alienados, afirmaram poder
intervir nele e transformá-lo, pois foi-lhes reconhecida capacidade de decisão.
Os professores revelaram ser capazes de desenvolver práticas educativas distintas da forma escolar
evidenciando um trabalho colaborativo.

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1283
A Escola: Dinâmicas e Atores

POBREZA, DESIGUALDADE E EXCLUSÃO SOCIAL: OS DESAFIOS DO INSTITUTO


FEDERAL DO PARANÁ PARA INCLUIR E GARANTIR A PARTICIPAÇÃO DOS
ALUNOS NA ESCOLA
[ID 101]

Diana Gurgel Pegorini


Angela Mara Sugamosto Westphal
Instituto Federal do Paraná; Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior
diana.pegorini@ifpr.edu.br ; angelasugamosto@gmail.com

Resumo
O objetivo deste artigo é identificar e apresentar os desafios do Instituto Federal do Paraná, do Brasil, para
incluir e garantir a participação dos alunos na escola. Para tanto apresentará os conceitos, as dimensões da
pobreza e da exclusão social na América Latina, especificamente no Brasil, as políticas educativas
governamentais para o seu combate e minimizar os seus efeitos perversos no ambiente escolar e como elas
são implementadas dentro do contexto escolar do Instituto Federal do Paraná por meio dos programas de
assistência ao estudante. Assim, espera-se avaliar a eficácia dos programas desenvolvidos no Instituto
Federal do Paraná no período de 2014 a 2016, buscando analisar a relação entre os objetivos e os
instrumentos explícitos dos programas com os seus resultados efetivos e a partir disso avaliar se as metas
propostas nos programas foram alcançadas. Os beneficiários dos programas de assistência ao estudante são
alunos regularmente matriculados nos cursos técnicos da instituição, na modalidade integrada ou
subsequente. Os cursos técnicos integrados são ofertados no período diurno para jovens na faixa de 15 a 17
anos e os cursos técnicos subsequentes são ofertados preferencialmente no período noturno, pois são
destinados para os adultos, a partir dos 18 anos. O enfoque utilizado será o materialismo histórico. A
metodologia será a bibliográfica, utilizando a técnica da análise documental, dos relatórios e documentos
gerados dos programas de assistência ao estudante, no período já mencionado. O referencial teórico utilizado
contribuiu para a reflexão sobre a chegada dos coletivos populares organizados às escolas; classes sociais,
desigualdades sociais e exclusão social; o paradoxo da igualdade na escola, a Teoria da equidade, com a
apresentação do ideário da escola justa e a escola das oportunidades e a Teoria da Globalização. As
principais conclusões do estudo realizado são que os programas de assistência ao estudante são eficazes na
medida em que cumprem as metas propostas de distribuições de bolsas-auxílios aos alunos em número
determinado previamente. Não foi possível avaliar se os programas foram efetivos, ou seja, se eles tiveram
sucesso em propiciar mudança significativa nas condições econômicas e sociais dos estudantes beneficiários
dos programas avaliados.

Palavras-chave: Inclusão social, Desigualdade social, Políticas Públicas.

Résumé
L’objectif de cet article c’est d’identifier et présenter les défis de l’Institut Fédéral du Paraná, du Brésil, afin
d’inclure et d’assurer la participation des élèves à l’école. Pour ce faire il presenterá les concepts, les
dimensions de la pauvreté et de l’exclusion sociale en Amérique latine, spécifiquement au Brésil, les politiques
d’éducation gouvernementales pour les combattre et réduire leurs effets pervers dans le milieu scolaire et
comment elles sont mises en oeuvre dans le contexte scolaire de l’Institut Fédéral du Paraná grâce aux
programmes d’assistance aux étudiants. Ainsi, c’est espéré l’évaluation de l’éficacité des programmes
développés sur l’Institut Fédéral du Paraná dans la période de 2014 à 2016 en cherchant l’analyse de la
relation entre les buts et les instruments explicites des programmes avec leurs résultats effectifs et donc
évaluer si les objectifs proposés dans les programmes ont été aboutis. Les bénéficiaires des programmes
d’assistance aux étudiants sont des élèves correctement inscrits aux cours techniques de l’Institut, dans la
modalité intégré ou ultérieur. Les cours techniques intégrés sont offerts le matin pour les jeunes entre 15 et
17 ans et les cours techniques ultérieurs sont offerts plutôt le soir, une fois qu’ils sont conçus pour les adultes,
dès l’âge de 18 ans. L’approche utilisée sera le matérialisme historique. La méthodologie sera la documentaire,
à l’aide la technique de l’analyse des rapports et des documents fournis par les programmes d’assistance aux
élèves, dans la période déjà mentionnée. La référence théorique employée a contribué à la réflexion l’arrivée
des collectifs populaires organisés à l’école; examine les catégories sociales, l’inégalité sociale et l’exclusion

1284
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

sociale; le paradoxe de l’égalité à l’école, la Théorie de l’Équité, avec la présentation de l’ambition d’une école
juste et l’école des opportunités et la Théorie de la Mondialisation et la présentation de la Société Globale. Les
principales conclusions de l’étude développée sont que les programmes d’assitance aux étudiants sont
efficaces pourvu qu’ils accomplissent les buts proposés de distribution de bourses-assistance aux élèves dans
un nombre précédemment indiqué. L’évaluation de l’efficacité des programmes n’a pas été possible, c’est-à-
dire, si ils ont obtenu du succès dans le changement significatif dans les conditions économiques et sociales
des étudiants bénéficiaires des programmes évalués.

Mots-clés: Inclusion sociale, Inégalité sociale, Politiques publiques.

INTRODUÇÃO
O tema deste trabalho “pobreza, desigualdade e exclusão social: os desafios do IFPR para incluir e
garantir a participação dos alunos na escola” deseja direcionar a pesquisa para apontar os desafios de incluir,
no ambiente escolar, todo o cidadão que por motivos diversos não tem acesso à educação, mesmo isso se
constituindo um direito de todos. É buscar tornar a escola um espaço privilegiado de inclusão e de justiça
social.
O objetivo geral deste artigo é identificar e apresentar os desafios do Instituto Federal do Paraná
(IFPR), instituição de ensino pública federal do Brasil, para incluir e garantir a participação dos alunos na
escola. Escola essa que atende prioritariamente os alunos oriundos das classes sociais mais desfavorecidas.
Os objetivos específicos são apresentar os conceitos, as dimensões da pobreza e da exclusão social
na América Latina, especificamente no Brasil; apontar as políticas educativas governamentais para o seu
combate e minimizar os seus efeitos perversos no ambiente escolar e como elas são implementadas dentro
do contexto escolar do IFPR por meio dos programas de assistência ao estudante.
Para tanto, será avaliada a eficácia dos programas desenvolvidos no IFPR, e por extensão em todos
os seus campi que o compõe, no período de 2014 a 2016, buscando analisar a relação entre os objetivos e
os instrumentos explícitos dos programas com os seus resultados efetivos e a partir disso avaliar se as metas
propostas nos programas foram alcançadas.
O referencial teórico utilizado foi Arroyo (2012), que aponta a chegada dos coletivos populares
organizados às escolas; Castel (2013), abordando classes sociais, desigualdades sociais e exclusão social;
Dubet (2008), apresentando o paradoxo da igualdade na escola, a Teoria da equidade, com a apresentação
do ideário da escola justa e a escola das oportunidades; Ianni (1999, 2004), com a Teoria da Globalização e
a apresentação da Sociedade Global; e demais pesquisadores da área.

CONCEITOS E AS DIMENSÕES DA POBREZA E DA EXCLUSÃO SOCIAL NA AMÉRICA


LATINA
A forma mais simples e tradicional de se conceituar pobreza é defini-la como “insuficiência de renda”
ou ainda “falta de renda”. Apesar de simples não é a forma mais adequada, uma vez que ao conceituar
pobreza Crespo & Gurovitz (2002) afirmam que:
pode ser feita levando em conta algum ‘juízo de valor’, em termos relativos ou absolutos.
Pode ser estudada apenas do ponto de vista econômico ou incorporando aspectos não-
econômicos à análise, sendo contextualizada de forma dependente ou não da estrutura
sócio-política da sociedade [...]. (p.3)
Ainda segundo Crespo & Gurovitz (2002), trata-se de juízo de valor quando expressar uma opinião
subjetiva, abstrata e/ou do indivíduo acerca do que poderia ser um grau adequado de atendimento às

1285
A Escola: Dinâmicas e Atores

necessidades ou do nível de privação suportável. Esse indicador, ancorado no juízo de valor, “é ainda muito
utilizado em diversos programas de combate à fome e à miséria, inclusive no Brasil” (Santos, 2012, p.16).
É diferente, portanto, do conceito de pobreza absoluta ou relativa. Nestes casos faz-se uso de uma
abordagem de cunho macroeconômico. Santos (2012) afirma que o critério de pobreza absoluta demarca
quem são os pobres e os indigentes em uma dada população. Isso é possível por meio da definição de uma
linha de pobreza que nada mais é do que a representação de um valor de renda, seja individual ou familiar,
capaz de suprir as necessidades básicas e elementares do ser humano como, por exemplo, alimentação,
moradia, vestuário, educação etc.
As pessoas e/ou população que se situarem abaixo do valor de renda estabelecido, estando, portanto,
abaixo da linha de pobreza, serão considerados pobres. Dentre os pobres há ainda os indigentes. Os
indigentes são aqueles que têm renda ainda menor, ficando impossibilitados, inclusive, de adquirirem
alimentos essenciais para o atendimento das necessidades nutricionais mínimas do ser humano.
Pode-se imaginar a dificuldade em definir o custo capaz de suprir as necessidades básicas e
elementares para uma pessoa e/ou população. Como chegar à definição de tal valor, levando-se em conta as
inúmeras variáveis que lhe permeiam como, por exemplo, custo monetário etc.?
Em função dessas dificuldades criou-se outro critério para definir pobreza: a pobreza relativa. Ela
refere-se à situação “[...] em que o indivíduo, quando comparado a outros, tem menos de algum atributo
desejado, seja renda, sejam condições favoráveis de emprego ou poder” (Crespo & Gurovitz, 2002, p.4). Em
seu cálculo leva-se em conta a renda média de toda uma população.
Neste caso a linha de pobreza relativa será definida calculando a renda per capita de parte da
população, que nada mais é do que a soma da renda da população dividida pelo número de habitantes.
Consequentemente, a renda per capita de uma família se constituirá na soma da renda de todos os seus
membros economicamente ativos divididos pelo número de integrantes que compõem a família.
Rocha (2008) considera a abordagem da pobreza relativa mais adequada para identificar bolsões de
pobreza em países mais desenvolvidos, mas também considera apropriado usá-lo no Brasil por uma série de
fatores: o primeiro é que a economia brasileira é fortemente monetizada; segundo porque o país dispõe de
dados estatísticos suficientes e confiáveis para se obter a renda mínima necessária ao atendimento das
necessidades do indivíduo e das famílias; e terceiro identificando-se a renda mínima é possível também
identificar indivíduo, família e/ou população que não consegue alcançá-la.
Analisando o rendimento nominal mensal domiciliar per capita da população residente, de três
Unidades da Federação nos anos de 2014 e 2015, conforme Tabela 1, conclui-se que o Brasil, assim como
outros países da América Latina, não é um país pobre e sim desigual.
Unidades da Federação Rendimento nominal mensal Rendimento nominal mensal
domiciliar per capita da população domiciliar per capita da população
residente (R$) residente (R$)
2014 2015
Brasil 1.052 1.113
Maranhão 461 509
Paraná 1.210 1.241
Distrito Federal 2.055 2.254
Tabela 1 - Rendimento nominal mensal domiciliar per capita da população residente – Brasil - 2014 e 2015
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2015) e
IBGE (2016)
*Aqui foi apresentado apenas o rendimento nominal mensal de apenas três unidades da federação além da
renda média da população Brasileira

1286
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A Desigualdade Social seria aceitável por grande parte da população, especialmente pelos mais
pobres, se houvesse possibilidade real de mobilidade social. Infelizmente isso não acontece no Brasil e em
grande parte dos países latino-americanos. Os pobres e indigentes, sem renda ou com renda cada vez menor,
sentem-se à margem1 da sociedade.
Para Castel (2013) a exclusão “nomeia, atualmente, situações que traduzem uma degradação [grifo
do autor] relacionada a um posicionamento anterior. Assim é a situação vulnerável de quem vive de um
trabalho precário ou que ocupa uma moradia de onde pode ser expulso se não cumprir com seus
compromissos” (p.33). E ainda que “sujeitos integrados tornam-se vulneráveis, particularmente em razão da
precarização das relações de trabalho, e as vulnerabilidades oscilam cotidianamente para aquilo que
chamamos de ‘exclusão’” (ibidem, p.33).
O trabalho precário é apontado como característica da era do globalismo, ideia defendida por Ianni
(1999), que tem como dinâmica:
[...] a crescente polarização das linhas de classe, gênero e raça nos mercados urbanos de
trabalho, assim como a divisão do trabalho entre os profissionais bem pagos e treinados do
sexo masculino e os baixos salários pagos às mulheres e aos empregados não qualificados
dos serviços das corporações. Muitos têm inclusive se referido à crescente visibilidade do
'terceiro-mundismo' em centros urbanos, envolvendo um crescente número de pessoas sem
habilitação (p.56).
São as pessoas pertencentes à subclasse, que segundo Ianni (1999), trata-se de “uma categoria de
indivíduos, famílias, membros das mais diversas etnias e migrantes, que se encontram na condição de
desempregados mais ou menos permanentes” (p.59). E sofrem com a carência de habitação, saúde,
educação e a ausência ou precariedade de recursos sociais, econômicos e culturais. O desemprego
permanente combinado com qualificações profissionais mínimas e/ou inadequadas às novas formas de
organização técnica do processo de trabalho e produção. Aliado a isso há a crise das estruturas familiares e
as tensões sociais permanentes sujeitas a explodirem em crises domésticas e conflitos de vizinhança (Ianni,
1999).
Essa população menos favorecida, a partir do século XX, toma consciência política a ponto de tornar
o século o mais revolucionário da história (Arroyo, 2012). Ianni (2004) corrobora com essa proposição
afirmando que:
esses tempos são de luta de classes, em escala nacional e mundial. São tempos de uma
guerra civil mundial permanente, endêmica e aberta, moderada e violenta, por dentro e por
fora das guerras localizadas e mundiais. Sim, por todo o século XX, e entrando pelo século
XXI, o que se verifica é uma revolução social permanente, subjacente às mais diversas
formas de integração e fragmentação, acomodação e contradição, sempre envolvendo
classes e facções de classes, grupos étnicos, de gênero, religiosos e outros; na maioria dos
casos, transbordando das fronteiras nacionais, avançando além de fronteiras continentais
(pp.16-17)
É a população latino-americana, de migrantes, refugiados de guerra, “são os grupos sociais que se
fazem presentes em ações afirmativas nos campos, nas florestas, nas cidades, questionando as políticas
públicas, resistindo à segregação, exigindo direitos. Inclusive o direito à escola, à universidade [...]” (Arroyo,
2012, p.9). E eles são “os coletivos sociais, de gênero, etnia, raça, camponeses, quilombolas, trabalhadores
empobrecidos que se afirmam sujeitos de direitos. Outros sujeitos. São seus filhos e suas filhas que se fazem

1
Castel (2013) afirma que a exclusão procede por discriminações oficiais e a marginalização consiste em processos de
desestabilização, como a precarização das condições de trabalho ou ainda a fragilidade dos mecanismos de suportes de
sociabilização.

1287
A Escola: Dinâmicas e Atores

presentes nas escolas públicas e que exigem o acesso às universidades. São os outros educandos” (Arroyo,
2012, p.9).

AS POLÍTICAS EDUCATIVAS GOVERNAMENTAIS


São os outros educandos para Arroyo (2012), a subclasse para Ianni (1999), os sobrantes para
Castel2 (2013) e os desfavorecidos de capital cultural para Bourdieu3 (2011), que chegam ao IFPR desafiando
a instituição diariamente a incluí-los, garantindo a participação de todos os alunos, em especial dos alunos
menos favorecidos, na escola.
São eles que impulsionam o IFPR a se tornar uma escola justa. “Uma escola tão justa quanto possível
ou, melhor ainda, uma escola o menos injusta possível” (Dubet, 2008, p.9). Esse esforço é necessário uma
vez que “[...] nenhum sistema escolar conseguiu se proteger completamente das desigualdades sociais”
(Dubet, 2008, p.11).
E isso concretamente significa dar oportunidades a quem não tem oportunidades. Uma vez que a
igualdade de oportunidades:
pode ser uma grande crueldade para os perdedores de uma competição escolar encarregada
de distinguir os indivíduos segundo seu mérito. Uma escola justa não pode se limitar a
selecionar os que têm mais mérito, ela deve também se preocupar com a sorte dos vencidos.
Ora, a igualdade das oportunidades no estado quimicamente puro não preserva
necessariamente os vencidos da humilhação do fracasso e do sentimento de mediocridade.
A meritocracia pode se tornar totalmente intolerável quando associa o orgulho dos
ganhadores ao desprezo pelos perdedores (Dubet, 2008, p.10).
O acesso a oportunidades é garantido pela legislação brasileira que aqui serão apresentas apenas
as que estão relacionadas com o objeto de estudo. Dentre elas há a criação dos Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia (Lei Nº 11.892, 2008), vinculada ao Ministério da Educação, quer garantir
oportunidade e acesso à educação gratuita e de qualidade a todos. E para isso destina nas universidades
federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio 50% (cinquenta por cento) das suas
vagas aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo
e meio) per capita (Decreto Nº 7.824, 2012).
Para garantir a permanência dos alunos e assegurar a conclusão do curso, reduzindo a evasão e a
retenção escolar, foi criado o PNAES (Decreto Nº 7.234, 2010), cujos objetivos são:
I – democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública
federal; II - minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e
conclusão da educação superior; III - reduzir as taxas de retenção e evasão; e IV - contribuir
para a promoção da inclusão social pela educação (p.1).
As ações do PNAES (Decreto N° 7.234, 2010) serão desenvolvidas nas seguintes áreas: moradia
estudantil, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio
pedagógico e acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades e superdotação.
No IFPR, nos cursos técnicos de nível médio, o PNAES efetiva-se por meio do Programa de
Assistência Complementar ao Estudante (PACE) com a “[...] concessão de recursos financeiros para o auxílio

2
Para aprofundamento ver Castel, R. (1995). Les Métamorphoses de la question sociale. Une chronique du salariat. Paris,
Fayard.
3
Segundo Bourdieu (2011, pp.41-42, grifos do autor) “cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que
diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que
contribui para definir, entre coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A herança cultural, que difere,
sob os dois aspectos, segundo as classes sociais, é a responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência
escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito.

1288
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

ao custeio de despesas relativas à alimentação, transporte e moradia do estudante devidamente matriculado


nos cursos regulares dos Campi do Instituto Federal do Paraná, em situação de vulnerabilidade
socioeconômica [...]” (Instituto Federal do Paraná [IFPR], 2017, p.1).
É importante destacar que o PNAES e os demais programas apresentados vigentes atualmente no
IFPR estão inseridos nas políticas sociais de cunho compensatório para um público bastante focalizado. Para
Cury (2005) “focalizar grupos específicos permitiria, então, dar mais a quem mais precisa, compensando ou
reparando perversas sequelas do passado” (p.3).

METODOLOGIA E RESULTADO DA PESQUISA


O método utilizado foi o materialismo histórico. A metodologia escolhida foi a bibliográfica, utilizando
a técnica da análise documental. A fonte de coletas de dados foram os relatórios gerados dos programas de
assistência ao estudante e os editais dos processos seletivos realizados para selecionar os beneficiários do
programa. Os documentos, tanto os relatórios como os editais, foram disponibilizados de forma digital para
as pesquisadoras.
Foi realizado também um estudo de caso qualitativo descritivo para apresentar as políticas educativas
governamentais visando o combate à pobreza, à desigualdade e à exclusão social e seus efeitos perversos
no ambiente escolar implantadas em uma única unidade dos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia. Como o PNES também é oferecido em todas as universidades e institutos federais do país, o
estudo de caso do IFPR possibilita conhecer, por extensão, a realidade da efetivação desse programa em
toda rede federal brasileira de ensino. Daí a relevância desta pesquisa.
A abordagem da pobreza relativa é a utilizada para a concessão dos auxílios aos estudantes.
Seguindo esse enfoque é a renda per capita da família o principal critério a ser observado. A renda da família
precisará ser igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita para que o aluno
tenha direito a se inscrever no PACE.
O universo pesquisado foi constituído dos alunos beneficiários do PNAES regularmente matriculados
nos cursos técnicos de formação em nível médio regulares do IFPR que é constituído de 19 (dezenove) Campi
e 5 (cinco) Campi Avançados, espalhados pelo Estado do Paraná, na modalidade integrada ou subsequente.
Os alunos dos cursos integrados estudam no período diurno e estão na faixa dos 15 (quinze) aos 17
(dezessete) anos. Moram com as suas famílias, em função da idade4 e das aulas no contraturno, ainda não
conseguem trabalhar. Já os alunos dos cursos técnicos subsequentes frequentam a escola no período da
noite. Esse grupo é constituído exclusivamente de adultos, a partir de 18 (dezoito) anos, solteiros ou com
famílias já constituídas. Trabalham durante o dia e encontram grande dificuldade em chegar à escola no início
das aulas em função da distância que precisam percorrer do trabalho a escola. Há os desempregados
persistentes que por serem alunos regulares conseguem fazer estágio remunerado, garantindo uma pequena
renda para a família.
Analisando a Tabela 2 conclui-se que os programas de assistência ao estudante são eficazes na
medida em que cumprem as metas propostas de distribuições de bolsas-auxílios aos alunos em número
previamente estabelecido nos editais. Os editais têm ampla divulgação e o processo seletivo é transparente.

4
A legislação brasileira não permite que menores de 16 anos trabalhem. A partir de 16 anos apenas em regime especial,
como jovem aprendiz.

1289
A Escola: Dinâmicas e Atores

Há ainda um controle e acompanhamento dos alunos beneficiários para verificar a frequência dos mesmos,
que não deve ser inferior a 75% (setenta e cinco por cento).
Auxílios Valores dos auxílios N° de auxílios N° de auxílios N° de auxílios
2014 a 2016* concedidos concedidos concedidos
2014 2015 2016
Alimentação R$ 125,00 1.600 1.600 2.700
Transporte R$ 100,00 800 800 1.350
Municipal
Transporte R$ 150,00 700 700 750
Intermunicipal
Moradia R$ 220,00** 110 110 90
Tabela 2 - Auxílios concedidos pelo IFPR – Brasil - 2014 a 2016
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de IFPR (2014), IFPR (2015) e IFPR (2016).
* Pagos em 10 parcelas ao longo do ano, de fevereiro a novembro.
** Exceto se o valor do aluguel fosse menor. Para esses casos o auxílio seria igual ao valor do aluguel.
Apenas no Campus Curitiba, no ano de 2016, foi atendidos pelo PACE 350 (trezentos e cinquenta)
alunos. No universo de 350 (trezentos e cinquenta) 323 (trezentos e vinte e três) foram destinados aos alunos
dos cursos técnicos de formação média. Desse número, 197 (cento e noventa e sete) alunos foram aprovados,
podendo avançar no curso; 68 (sessenta e oito) foram retidos na série, uma vez que não tiveram bom
desempenho em mais de três componentes curriculares; 84 (oitenta e quatro) foram aprovados, ainda que o
desempenho acadêmico não tenha sido bom em até três componentes curriculares; e apenas 1 (um) aluno
evadiu, desistindo do curso.
Com os dados obtidos, os resultados da pesquisa foram: os programas de assistência ao estudante
são eficazes na medida em que cumprem as metas propostas de distribuições de bolsas-auxílios aos alunos
em número previamente determinado. Pode-se afirmar, inclusive, que os programas são exitosos.
Infelizmente eles não atendem a todos os alunos que necessitariam de auxílio para complementar a sua renda
familiar. Os alunos selecionados constituem, portanto, os mais pobres dentre os pobres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a identificação e apresentação dos desafios do IFPR para incluir e garantir a participação dos
alunos conclui-se que a tarefa é hercúlea. Em função do reduzido número de auxílios, que devem ser divididos
entre todos os campi, fazer a seleção dos alunos que participarão dos programas se constituir em tarefa das
mais árduas, uma vez que é necessário decidir quem dentre os pobres é ainda mais pobre. Uma seleção que
definirá quem conseguirá permanecer na escola, concluir o curso e poder almejar com um emprego com
renda melhor.
Os critérios para tal escolha estão ancorados na abordagem de pobreza relativa deliberada nas
políticas educativas governamentais em que se definiu o valor mínimo da renda per capita por família. O
Governo Federal é quem administra, mas os programas são mantidos com os recursos captados pelo
pagamento de imposto da população.
Em função disso é necessário responder à sociedade as seguintes perguntas em relação ao PNAES:
o programa contribui para a permanência, melhoria do desempenho acadêmico e conclusão de curso dos
alunos assistidos? O programa reduz a retenção escolar e previne a evasão e a desistência? O programa
possibilita ao aluno assistido, após a conclusão do curso, conseguir emprego em caso de desemprego ou
melhorar a renda com emprego conseguido a partir de melhor qualificação profissional?

1290
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A partir disso sugere-se o acompanhamento mais sistemático dos alunos beneficiários com relação
ao seu desempenho escolar produzindo inclusive relatórios para verificar a evolução desse item. Assim obter-
se-ia dados para serem confrontados com os objetivos do PNAES.
Também seria recomendado que os alunos egressos fossem acompanhados, especialmente os
alunos que durante o curso não tinham outra renda, em função de desemprego, para verificar se os programas
de assistência estudantil contribuíram para a promoção da inclusão social deles pela educação.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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1292
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

IMPACTO PRIMER DE PROFESORES DE MATEMÁTICA EN EL PROYECTO DE


INVESTIGACIÓN EN RED OBSERVATORIO DE LA EDUCACIÓN
[ID 191]

Patricia Sandalo Pereira


Mercedes Carvalho
Abigail Fregni Lins
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul; Universidade Federal de Alagoas; Universidade Estadual da
Paraíba
patriciasandalop@uol.com.br; mbettacs@uol.com.br; bibilins@gmail.com

Resumo
Neste artigo discutimos o impacto primeiro de vinte e três professores de Matemática, integrantes em nosso
Projeto Observatório da Educação, a partir do trabalho colaborativo adotado. Nosso Projeto de Pesquisa faz
parte do Programa Observatório da Educação - OBEDUC, financiado pela agência de fomento brasileira
CAPES, com objetivo de propiciar, por meio de práticas colaborativas, reflexão dos professores sobre o
trabalho didático-pedagógico e desencadear ações educativas voltadas para a sala de aula. O Projeto de
Pesquisa em rede envolve três Instituições Públicas brasileiras, Universidade do Mato Grosso do Sul (UFMS),
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Universidade Federal de Alagoas (UFAL), totalizando 46
integrantes, com o olhar no desenvolvimento profissional do professor em formação e em exercíco, além de
mestres e doutores educadores matemáticos em formação. Seguindo a linha de pensamento de Jaworski,
Fullan e Hargreaves e Ibiapina com relação ao trabalho colaborativo, em especial sobre a questão do
isolamento profissional, ao final do primeiro ano de nosso Projeto, organizamos o I Seminário Anual OBEDUC,
no qual questionamos cada um dos vinte e três professores se já havia se sentido só na escola que atua e o
que mais o havia motivado durante o I Seminário. Entre os 23 professores, 11 responderam que não se
sentem sós nas escolas, pois são professores que trabalham em conjunto, de forma colaborativa com os
colegas. Já 12 dos 23 professores responderam que já havia sentido solidão em suas escolas. Dentre os 12
professores, 4 deles disseram que o que mais os motivaram durante o I Seminário foi o buscar mais
referências a ajudá-los a compreender o que vem a ser grupo, trabalho e pesquisa colaborativa; elaborar um
projeto de pesquisa para ingresso em Programa de Mestrado em Educação Matemática; e ler mais sobre
investigação. Foi de grande prazer profissional a nós três, pesquisadoras educadoras matemáticas
coordenadoras do Projeto, tomarmos ciência que 4 dos 11 professores, tão isolados em seus ambientes
escolares, sentiram bem estar profissional durante nosso I Seminário. De o I Seminário ter despertado vigor
profissional nesses professores. Entendemos que houve um salto qualitativo desses professores entre o se
sentir na escola e o se sentir no Projeto. O que nos leva a concluir que houve os primeiros sinais de superação
do isolamento profissional desses professores, além de seus desenvolvimentos profissionais.

Palavras-chave: Educação Matemática, Observatório da Educação, Trabalho Colaborativo, Isolamento


Profisssional, Desenvolvimento Profissional.

Résumé
Dans cet article nous avons discuté les vingt-trois professeurs de Mathématiques ont d'abord un impact,
intégral dans notre Projeto Observat ó Le Rio de l'Enseignement(Éducation), commençant du travail a adopté
colaborativo. Notre Projet de Recherche fait partie du Programa Observat ó Le Rio de
l'Enseignement(Éducation) - OBEDUC, financé par l'agence de fomentation brésilienne CAPES, avec l'objectif
de pacifiant, par des pratiques colaborativas, la réflexion(le reflet) des professeurs sur le travail didactique-
pédagogique et déchaîner des actions éducatives retournées à la salle de classe. Le Projet de Recherche
dans le réseau(filet) implique trois Institutions Publiques brésiliennes, l'Université de Mato Grosso fait Sul
(UFMS), l'Université d'État de Paraíba (UEPB) et l'Université Fédérale d'Alagoas (UFAL), totalisant 46 intégral,
avec le coup d'oeil dans le développement professionnel du professeur dans la formation. Des 46 totalisants
intégraux, avec le coup d'oeil dans le développement professionnel du professeur dans la formation et dans
exerc í Co, en plus des maîtres et l'instruction mathématique soignent(trafiquent) dans la formation. Après la
ligne de pensée de Jaworski, Fullan et Hargreaves et Ibiapina quant au travail colaborativo, particulièrement
sur le sujet de l'isolement professionnel, à la fin de la première année de notre Projet, nous avons organisé le

1293
A Escola: Dinâmicas e Atores

je le Séminaire Annuel OBEDUC, dans lequel nous avons interrogé chacun des vingt-trois professeurs s'il y
avait déjà si le sens seul à l'école qui agit et celui que plus il était motivé lui/cela pendant le je Seminário.
Parmi les 23 professeurs, 11 a répondu que s'ils ne s'asseyent pas seuls aux écoles, parce qu'ils sont des
professeurs qui marchent ensemble, de forme(formulaire) colaborativa avec les amis. Déjà 12 des 23
professeurs ont répondu qu'avait déjà senti la solitude à leurs écoles. Parmi les 12 professeurs, 4 d'entre eux
ont dit que celui que plus ils les ont motivés pendant le je Seminário cherchait plus de références pour les
aider à comprendre ce qui vient pour être le groupe, le travail et il/elle fait des recherches sur colaborativa;
élaborer un projet de recherche pour l'entrée dans le Programme de Master dans l'Enseignement(Éducation)
Mathématique; et lire plus de l'enquête. Il était du grand(super) plaisir professionnel à nous trois, la
coordination de chercheurs d'instruction mathématique du Projet, nous prenons la science que 4 des 11
professeurs, si isolés dans leurs atmosphères scolaires, ils ont estimé bien être professionnels pendant notre
je Seminário. Du je Seminário pour s'être réveillé l'énergie en haut professionnelle dans ces professeurs. Nous
avons compris qu'il y avait un saut qualitatif de ces professeurs parmi le pour se sentir à l'école et au sentiment
dans le Projet. Celui que dans le groupe pour le finir il y avait les premiers signes(panneaux) de superaç ã o
de l'isolement professionnel de ces professeurs, en plus de leurs développements professionnels.

Mots-clés: L'enseignement (éducation) Mathématique, Observatoire de l'Enseignement (Éducation), Travaille


Colaborativo, Isolamento Profisssional, Développement Professionnel.

PROGRAMA OBSERVATORIO DE LA EDUCACIÓN – OBEDUC/CAPES


Dada la importancia de la formación del profesor en la formación inicial y el desarrollo profesional para
las escuelas públicas en términos de la política del gobierno, que comenzó el Programa Observatorio de la
Educación - OBEDUC. Este programa fue establecido por el Decreto Presidencial N ° 5.803, el 8 de junio de
2006, como resultado de la asociación entre la Coordinación/CAPES de mejora de los recursos humanos a
Nivel Universitario e INEP el Instituto Nacional de Estudios Investigación Educacional Anísio Teixeira. El
programa OBEDUC objetiva dar apoyo al trabajo académico y proveer recursos para estudiantes de máster
y doctorado con la ayuda financiera específica, una beca de estudio. Otro aspecto, extremadamente relevante
e innovador, del Programa OBEDUC/CAPES es unir a los estudiantes graduados y posgrados con los
profesores de educación básica en el ejercicio, para llevar a cabo de forma conjunta la investigación en el
campo de la educación.
Durante el programa IV Seminario OBEDUC en 2013, Carmen Moreira de Castro Neves, Directora de
la CAPES en la formación docente, afirmó:
Nuestro objetivo es tener en la CAPES una sólida política gubernamental en la formación de
los profesores, que involucra la formación de los profesores y profesores en ejercicio, con la
investigación educacional y la comunicación científica.
La meta del programa OBEDUC/CAPES es fomentar estudios e investigaciones en la educación que
utilicen la infraestructura disponible de las Instituciones de Educación Superior - IES - y bases de datos
existentes en el INEP.
Su objetivo es proporcionar el enlace entre el posgrado, grado y escuelas de educación básica,
estimular la producción académica y la formación de los recursos posgrado, en nivel de máster y doctorado.
Las modalidades del Programa OBEDUC/CAPES son de núcleos locales compuesto al menos de un
PPG stricto sensu de una IES y núcleos en rede compuesto al menos de tres PPGs stricto sensu de IES
distintas, que es el caso de nuestro proyecto OBEDUC.
Las modalidades de becas del Programa OBEDUC / CAPES son:
§ Categoría graduando - para estudiantes universitarios: R$ 400,00 (cuatrocientos reales); Categoría
profesor de la educación básica - para profesores de las escuelas públicas y privadas de educación
básica: R$ 765,00 (setecientos sesenta y cinco reales);
§ Categoría máster - para estudiantes de maestría de las IES: R$ 1.500,00 (mil quinientos reales);

1294
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

§ Categoría doctorado - para estudiantes de doctorado de las IES: R$ 2.100,00 (dos mil y cien reales);
§ Categoría coordinador central y general - para docente doctor de las IES: R$ 1,500.00 (un mil
quinientos reales).
Las becas de estudio son financiadas por la CAPES directamente a los beneficiarios a través de
crédito bancario.

UN PROYECTO OBSERVATORIO DE LA EDUCACIÓN - OBEDUC


Nuestro proyecto de investigación en rede, Trabajo Colaborativo con los profesores que enseñan las
Matemática en la Educación Básica en las escuelas públicas en el Nordeste y Centro-Oeste, fue aprobado
por el Programa Observatorio de la Educación OBEDUC/CAPES Aviso de 2012, periodo de tres años, entre
marzo de 2013 y en marzo de 2016, con un valor de R$ 1.600.000,00 (un millón seiscientos mil reales) entre
becas de estudio, material de costo y capital, tiene como universidades asociadas la Universidad Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS) núcleo general y local, tiendo la Profesora Dra. Patricia Pereira Sandalo como
coordinadora general y del núcleo; la Universidad del Estado de Paraíba (UEPB) núcleo local, tiendo la
Profesora Dra. Abigail Fregni Lins como coordinadora del núcleo; y la Universidad Federal de Alagoas (UFAL)
núcleo local, tiendo como Profesora Dra. Mercedes Carvalho como coordinadora de núcleo.
El objetivo de nuestro proyecto es estudiar, investigar y desenvolver, de forma colaborativa,
alternativas didácticas y metodológicas para ser trabajadas en clases de Matemática de la escuela primaria a
secundaria en las escuelas públicas en el Nordeste y Centro-Oeste. Las alternativas didácticas y
metodológicas envuelven el uso de dispositivos como tablets (Primaria), materiales manipulativos,
calculadoras, robótica (Secundaria) y de GeoGebra (Secundaria). El trabajo visa la colaboración entre las tres
investigadoras educadoras matemáticas, los estudiantes de doctorado y maestría en Educación Matemática,
profesores polivalentes y de Matemática de la educación básica (Primaria y Secundaria) y graduandos de los
Cursos de Pedagogía y Licenciatura Plena en Matemática (Formación del Profesorado) de los estados de
MS, PB y AL.
Las tres investigadoras educadoras matemáticas, estudiantes de doctorado y máster en Educación
Matemática, los profesores de Matemática y Pedagogía en el ejercicio y en formación forman los 46 miembros
de nuestro proyecto de investigación colaborativa en la red:
Universidades UFMS UEPB UFAL TOTAL
Coordinadores 01 01 01 03
Estudiantes de Máster 04 04 01 09
Estudiantes de Doctorado ---- ---- 01 01
Profesores en ejercicio 07 08 03 18
Profesores en formacíon 04 08 03 15
TOTAL 16 21 09 46

Tabela 1 – Distribuicion de los Miembros del Proyecto OBEDUC en rede UFMS/UEPB/UFAL


En la Universidad Federal UFMS, coordinación general y de núcleo, el grupo está formado por
estudiantes de maestría y doctorado en Educación Matemática, los profesores de Matemática en la formación
y en el ejercicio, que pesquisan/trabajan en la formación inicial del profesorado (rueda de conversación) y la
formación continuada de profesores (rueda de conversación).
En la Universidad Estadual UEPB, la coordinación de núcleo, el grupo está formado por 20 miembros,
divididos en cuatro equipos, cada uno de ellos compuesto por un estudiante de maestría en Educación
Matemática, dos profesores de Matemática en formación y dos profesores de Matemática en ejercicio. Cada

1295
A Escola: Dinâmicas e Atores

equipo con sus propias investigaciones/trabajo: Calculadoras y Argumentación Matemática; Robótica y


Educación Matemática; Prueba y Demonstración Matemática y GeoGebra; y la Deficiencia Visual y Materiales
Manipulativos en la Educación Matemática.
En la Universidad Federal UFAL, coordinación de núcleo, el grupo está formado por estudiantes de
maestría y doctorado en Educación Matemática, profesores de Pedagogía y Matemática en formación y en
ejercicio, directora y coordinadora pedagógica, con la investigación/trabajo sobre el uso de tablets para la
Matemática en los primeros años de ciclo y gestión escolar – Escuela Primaria y Secundaria (interacción entre
Pedagogos y profesores de Matemática).

LA METODOLOGÍA DE NUESTRO PROYECTO


Organizamos los tres años de nuestro proyecto de investigación colaborativa en tres fases:
§ Primer año / 2013 - estudios, lecturas, debates sobre trabajos científicos (tesis y disertaciones), teorías
y autores;
§ Segundo año / 2014 - creación y desarrollo de propuestas didácticas;
§ Tercer año / 2015 - aplicación de las propuestas didácticas y análisis.
Reuniones generales y del equipo semanales (2-4 horas) durante los años 2013, 2014 y 2015. Siendo
el año 2016 dedicado a las defensas y publicaciones.
Para Fiorentini (2004) hay diferencia entre la cooperación y la colaboración. Un grupo colaborativo se
compone de voluntarios que participan en forma libre. Además, la relación en el grupo también es libre, pues
se inicia de los propios profesores y desarrolla a partir de la comunidad por no estar regulada externamente,
aunque mismo auxiliado económicamente y administrativamente por las agencias externas.
Por otro lado, Peixoto & Carvalho (2007) afirman que la principal diferencia entre el trabajo cooperativo
y colaborativo está en el nivel de autonomía de cada participante y el control sobre sus acciones en el grupo.
Es decir, elegir la cooperación o colaboración dependerá de la madurez de los participantes, su autonomía y
su experiencia sobre el tema a ser trabajado o propuesto. De acuerdo con Carvalho y Peixoto, si optamos por
un trabajo de colaboración e iniciar una tarea específica, el desarrollo de la autonomía y la capacidad de
trabajar en grupo, será la misma meta que en un enfoque cooperativo. Pero la diferencia es que la
colaboración da más libertad a los participantes. Para los autores, la colaboración es más apropiada para las
relaciones más desarrolladas.
De acuerdo con Ibiapina (2008), en un trabajo de investigación colaborativa los profesores trabajan
interactuando con los investigadores, el desarrollo de teorías acerca de sus prácticas. Es decir, un trabajo de
investigación colaborativa en que los participantes son considerados copesquisadores y, en este proceso, la
colaboración ocurre en el establecimiento de interacciones entre múltiples habilidades de cada participante:
profesores con su potencial análisis de las prácticas pedagógicas e investigadores con el potencial de
organización de los pasos de pesquisa. La interacción entre estos potenciales representa la calidad de la
colaboración, con poca opresión y la fuerte relación aumenta las posibilidades de colaboración.
En este sentido, el trabajo de investigación colaborativa, según Ibiapina, proporciona las condiciones
para que los profesores reflejen sobre sus prácticas y sus valores y creencias, haciendo a cuestionar aspectos
de su trabajo profesional. Para la atora, la investigación significa envolver investigadores y profesores en los
mismos proyectos, que buscan beneficios para la escuela y para el desarrollo profesional de los profesores:
el trabajo de investigación colaborativa es una práctica para los problemas sociales, especialmente para

1296
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

aquellos que viven en las escuelas, contribuyendo con la difusión de actitudes que se mueven a la
coproducción de conocimiento en la dirección de un cambio en la cultura escolar y desarrollo profesional
docente. En resumen, esta es una alternativa práctica para cuestionar la realidad educativa en la que los
investigadores y los profesores trabajan juntos en la implementación de cambios y las responsabilidades en
la toma de decisiones y en hacer la investigación.
Aun así, de acuerdo con Ibiapina, la idea de la colaboración entre los investigadores y los profesores
para desarrollar el conocimiento de la práctica de la enseñanza viene de la conocida distancia entre el mundo
de la investigación y la práctica profesional. Por lo tanto, para pesquisar de modo colaborativo es investigar
un tema propuesto por el investigador, pero lo que motiva a los profesores a reconsiderar su práctica, si es
necesario, cambiarlo.
Seguimos el pensamiento de Ibiapina en nuestro proyecto de investigación colaborativa en red
OBEDUC UFMS/UEPB/UFAL porque nuestra idea principal es lograr, a partir de un enfoque de colaboración,
co-producción del conocimiento, la investigación interactiva, la formación del profesorado, la reflexión y el
desarrollo profesional de los 46 miembros del proyecto. Entendemos que el trabajo de investigación en
colaboración consiste en movimientos complejos; se necesita tiempo para ser entendido por sus realizaciones
involucrar opciones de acciones formativas para ayudar a los miembros del proyecto valorizar el pensamiento
y la construcción de un entorno discursivo, la autonomía y el respeto mutuo. Por lo tanto, “el proceso de
aprendizaje construido de manera colaborativa ofrece potencial para el pensamiento teórico y práctico, así
como fortalece la enseñanza, abre caminos para el desarrollo profesional y personal de los investigadores y
profesores” (Ibiapina, 2008, p.31).
Además de la investigadora brasileña, seguimos las líneas de pensamiento de los investigadores
Jaworski (2008) y Fullan & Hargreaves (2000). Jaworski, investigadora Inglesa, lleva a cabo investigaciones
de más de veinte años en la dirección de trabajo colaborativo entre estudiantes y profesores, como también
desarrolló trabajos, por un largo período en Noruega. Jaworski enfatiza el desgarro que necesitamos enfrentar
con relación el aspecto jerárquico cuando se desarrolla investigación o trabajo de investigación con profesores
de Matemática. Enfatiza que para podremos establecer un diálogo fructífero y constructivo entre académicos
educadores matemáticos, formadores de profesores de Matemática y los profesores de Matemática en
ejercicio, es necesario darse voz a todos, por igual, y que a todos sea próvida la noción de igualdad
pertenencia en el proceso.
Los investigadores canadienses, Fullan y Hargreaves también enfatizan en estos aspectos, en
general, todos los profesionales de la educación, en especial, la posibilidad y la necesidad de establecer
entornos colaborativos en las escuelas. Un ejemplo del trabajo de investigación, basada en Fullan y
Hargreaves, es el de Costa & Lins (2010) que en la investigación de maestría estableció la escuela pública
que operaba junto con sus compañeros de trabajo, profesores de Matemática, un grupo de estudios de
colaboración, en el que, más de un año, determinaron lecturas y estudios, exploraciones de algunas
aplicaciones y actividades que se han trabajado en el laboratorio de Informática, con algunos trabajaban en
parejas en el laboratorio. Fue un grupo en el que cada miembro sintió el sentido de pertenencia, sin que
tuviera líder, siendo la responsabilidad de todos y cada uno de los grupos de estudio de profesores todas las
tomadas decisiones, respetando la individualidad y la voz de cada uno de sus colegas. Para más detalles
sobre Costa (2011).

1297
A Escola: Dinâmicas e Atores

ALGUNOS RESULTADOS PRIMEIR DE NUESTRO PROYECTO


En este artículo nos centramos en discutir la sensación primera de los profesores en ejercicio, los
miembros de nuestro proyecto, con relación de la metodología propuesta en el desarrollo de la
investigación/trabajo del proyecto de manera colaborativa.
La autonomía del profesor ha sido históricamente debatida y está concebida como el componente de
profesionalidad. Datos contribuyeron para que tal autonomía fuese perdida. Nóvoa señala que:
está claro que la expansión de las escuelas y el aumento de personal docente, así como la
incertidumbre en la cara de los propósitos de la escuela y la misión de la escuela y su función
en la reproducción cultural y la formación de las élites, también han contribuido a los
movimientos desprofesionalización del profesorado (Nóvoa, 1997, p.17).
El sistema escolar se centra en el profesor. Sacristán (1992) sugiere una hiper-responsabilidad de los
profesores sobre los resultados de su práctica pedagógica y la calidad de la enseñanza. Al mismo tiempo en
que hay cargos, estatus y reconocimiento profesionales están cayendo. Los profesores se quejan de las
condiciones de trabajo y salarios bajos, provocando estrés y agotamiento físico. Este cuadro genera
desmotivación para enfrentar la realidad y, en particular, a promover el cambio. El absentismo y el abandono
también se han incrementado, lo que impide una posible sociabilidad entre los profesores, lo que lleva al
aislamiento profesional.
Fullan & Hargreaves (2000) investigaron lo que pensaban los profesores acerca de sus profesiones y
los problemas identificados que pueden diagnosticar una crisis de identidad profesional. Entre ellos, la
sobrecarga, el aislamiento y el pensamiento de grupo. Acerca de aislamiento, Fullan y Hargreaves señalan
que la enseñanza es mucho tiempo, entendida como una profesión solitaria. Tenga en cuenta que el
individualismo es más bien una cuestión cultural y menos una peculiaridad de la profesión. Por otro lado,
parece más fácil y más rápido para preparar las clases solo. En este sentido, muchos de los profesores ni
siquiera imaginar la organización de sus trabajos con la participación de los demás. Según Fullan &
Hargreaves (2000), el problema del aislamiento tiene sus raíces, siendo ellas, la arquitectura escolar que aísla
los espacios; tiempos difíciles; organización inflexible de la rutina escolar, impidiendo las interacciones
sociales; y, la sobrecarga de trabajo, sustentando el aislamiento.
Como primer paso en nuestro proyecto de investigación colaborativo con respecto a la participación
y el desarrollo de 46 miembros, preparamos cuatro cuestionarios, que se aplicaron en nuestros I Seminario
Anual OBEDUC (detalles abajo), en la que los 46 miembros estaban presentes. En este Seminario dialogamos
sobre toda la investigación iniciada en los tres núcleos y como estábamos organizando en cada uno de ellos.
Los cuestionarios fueron aplicados a categorías de estudiantes de grado, profesor de educación
básica y estudiante de maestría/estudiante de doctorado. El cuarto cuestionario fue para todos, acerca de sus
impresiones del I Seminario. Entre otras cuestiones en los cuestionarios, en este artículo nos centramos en
la pregunta 5 del cuestionario de la categoría profesores de la educación básica, aplicada a 23 profesores,
siendo ella: ¿Alguna vez has sentido solo en la escuela? Si no, explique. Caso sí, describa. De los 23
profesores miembros del proyecto, 12 dijeron que ya se sintieron solo en sus escuelas, siendo 4 de ellos:

1298
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Me he sentido solo en la escuela, es importante contar con un colega profesional para discutir
la angustia que sentimos en la escuela y el día a día del aula (Profesor A, pregunta 5).
Sí. Siento la falta de compromiso de algunos profesionales en mi campo, yo no recibo ningún
apoyo para desarrollar algunas actividades diferentes y compartir experiencias (Profesor B,
pregunta 5).
A menudo me sentía sólo por la necesidad de tener que discutir las cuestiones pedagógicas
en la escuela y que, en ocasiones, otros profesores escuchan, pero... (Profesor C, pregunta
5).
Sí. La mayoría de las veces que me sentí sólo fue cuando había algún contenido que debería
comenzar/introducir a los estudiantes y no sabía cómo, o lo que es la mejor manera de
empezar (Profesor D, pregunta 5).
Las declaraciones de los profesores A, B, C y D vienen al encuentro de Sacristan, Fullan y
Hargreaves, especialmente en temas de arquitectura y entorno escolar, lo que conduce aislamiento
profesional.
Entre los 23 profesores, 11 respondieron que no se sientan solos en la escuela, pues son profesores
que trabajan juntos, de manera colaborativa, en sus escuelas, especialmente una de ellas, en el que el
coordinador de área de Matemática trabaja muy de cerca de sus compañeros profesores.
En un cuestionario único a todos, los profesores A, B, C y D con respecto a la pregunta 1: ¿Qué más
le motivó durante el I Seminario Anual OBEDUC? Explique, respondieron:
Las discusiones del trabajo de cada grupo nos ha motivado a buscar más referencias para
ayudar a entender lo que viene a ser el trabajo en grupo, la investigación colaborativa
(Profesor A, pregunta 1).

Las discusiones fueron muy ricas en el sentido de aclarar las ideas de investigación
colaborativa. Las presentaciones de los grupos también fueron muy importante, porque era
posible compartir experiencias profesionales y académicas y entender el enfoque de la
investigación del proyecto OBEDUC. Me sentí muy motivado para escribir un proyecto para
presentar a la selección de Maestría Profesional en Ciencia y Enseñanza de la Matemática
en 2014, para continuar la investigación que se está iniciando con el proyecto OBEDUC
(Profesor B, pregunta 1).

Leer más y dentro de estas lecturas conseguir asociarlos con la investigación (Profesor C,
pregunta 1).

La participación de todos en el proyecto. Diferentes ideas y debates (Profesor D, pregunta 1).

Fue un placer profesional muy grande para nosotras tres investigadores educadoras matemáticas
coordinadoras del proyecto ternos dado cuenta que los profesores A, B, C y D, profesionales, de manera
aislada en sus entornos escolares, sintieron el bienestar profesional luego en el I Seminario Anual OBEDUC
de nuestro proyecto . En el I Seminario Anual OBEDUC han despertado en ellos, y entre ellos, el vigor
profesional. Un salto muy largo entre el sentir en la escuela y sentir en el proyecto Diríamos que han sido un
frescor de superación del aislamiento profesional. Como se ha indicado Imbernón (2006), "una forma de
revitalizar profesionalmente el profesor es la generación de procesos de mejoramiento profesional colectivo,
adoptando de innovaciones y la dinámica de cambio en las instituciones educativas." (p.20). Afirma Imbernón
ser el profesor un:
agente dinámico cultural, social y curricular, capaz de tomar decisiones educativas, éticas y
morales, para desarrollar el currículo en un contexto determinado y de elaborar proyectos y
materiales curriculares con la ayuda de colegas, poniendo el proceso en un contexto
específico controlado por el propio grupo colectivo (ibidem, p.21).

COMENTARIOS FINALES
Los tres estados, Mato Grosso do Sul, Paraíba y Alagoas tienen de tres a cuatro horas de tiempo de
vuelo entre ellos.

1299
A Escola: Dinâmicas e Atores

La agenda de nuestro proyecto de investigación en rede, entre otros, planeamos tres Seminarios
Anuales para unir los 46 miembros del proyecto a fin de discutir conjuntamente el desarrollo y la fase de cada
proyecto de investigación, el intercambio de ideas, teorías, metodologías de investigación y la educación,
entre otras cuestiones. Nuestro primer seminario, I Seminario Anual OBEDUC, mencionado anteriormente,
ocurrió entre el 22 y 23 de noviembre de 2013 en la ciudad de Maceió, UFAL, Estado de Alagoas. A pesar de
que era nuestro primer año de desarrollo de nuestro proyecto de investigación, el I Seminario Anual OBEDUC
tuvo como objetivo discutir entre todos los miembros del proyecto los conceptos relevantes para el trabajo
colaborativo, la investigación colaborativa y las prácticas de colaboración. Además, proporcionar a los
miembros del proyecto conocer a todos e intercambiar experiencias.
En 2014, el II Seminario Anual OBEDUC ocurrió en la ciudad de Campina Grande, UEPB, Estado de
Paraiba, entre el 24 y el 26 de noviembre. El objetivo del II Seminario Anual OBEDUC fue que todos los
miembros del proyecto presentarse, en forma de cartel, el desarrollo de sus trabajos de investigación de las
universidades, UFMS UEPB y UFAL, así como un artículo de cuatro páginas, que fueron publicados en las
Actas de lo II Seminario Anual OBEDUC (2015). Dra. Ivana Ibiapina fue invitada a dar una conferencia sobre
investigación y el trabajo colaborativo, en lo cual esclareció nuestros pensamientos sobre esta metodología.
Ibiapina siguió y participó en las presentaciones orales de los miembros del proyecto.
El III Seminario Anal OBEDUC ocurrió en la ciudad de Campo Grande, UFMS, Estado de Mato Grosso
do Sul, entre el 28 y el 31 de noviembre de 2015, con el objetivo de discutir los resultados finales de los
proyectos de investigación de los miembros, los cuales serán publicados en las Actas de lo III Seminario
OBEDUC seminario. Ibiapina participó de nuevo en esta ocasión III Seminario.
Entre el II y III Seminario OBEDUC disertaciones de maestría fueron finalizadas y defendidas, así
como Trabajo Fin de Grado, TFG. Por el momento estamos a iniciar juntos, escritas para publicaciones de
artículos en revistas y la producción de libros, con el fin de compartir nuestros conocimientos sobre el proceso
de trabajo y de hacer la investigación colaborativa hasta los tres años entre las investigadoras educadoras
matemáticas, estudiantes de maestría y doctorado y profesores en formación y en el ejercicio, además los
resultados de las investigaciones realizadas con respecto a las propuestas didácticas.
Nosotras, investigadoras educadoras matemáticas coordinadoras de este proyecto de investigación
colaborativa en red, podemos afirmar que fue, y está siendo, el proceso de hacer investigación más
interesante, motivador y significativo que nunca estivemos involucradas. Hemos aprendido mucho con todos
los miembros del proyecto, y podemos lograr, durante los tres años, un verdadero proceso de copesquisa y
cotrabajo por establecernos interacciones entre las múltiples habilidades de todos los miembros del proyecto,
en el que cada uno de nosotros tuve el mismo tiempo y la oportunidad de hablar. Observamos también, a
simple vista, los beneficios para las escuelas involucradas, así como el desarrollo profesional y personal de
los profesores de Matemática y Pedagogía en el ejercicio y en formación, y los investigadores en formación,
involucrados como miembros del proyecto. Cambiado, por supuesto, para todos y para cada uno de los 46
miembros, la concepción de la investigación, la enseñanza y aprendizaje de Matemática, las cuales
discutiremos en otras oportunidades, centrándose exclusivamente en este artículo, el primero de los
profesores en ejercicio miembros del proyecto cuanto a la metodología propuesta y aplicada en nuestro
proyecto de investigación colaborativa.

1300
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

AGRADECIMENTOS
Agradecemos a CAPES el financiamiento pleno de nuestro Proyecto OBEDUC en red
UFMS/UEPB/UFAL Aviso 2012 con respecto a becas de los 46 miembros, el apoyo financiero en relación con
la divulgación científica de este proyecto en conferencias y publicaciones nacionales e internacionales, así
como el apoyo financiero para los materiales permanentes y cálculo de costes.

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1301
A Escola: Dinâmicas e Atores

INCLUSÃO E PARTICIPAÇÃO: PRÁTICAS EDUCATIVAS DOS EDUCADORES DE


INFÂNCIA QUE IMPLEMENTAM O MODELO PEDAGÓGICO DO MOVIMENTO DA
ESCOLA MODERNA
[ID 417]

Rita Balsa Pinho


Instituto de Educação da Universidade de Lisboa; CIDH (Universidade Aberta)
pinho.balsa.rita@gmail.com

Resumo
A inclusão é um tema central no âmbito dos discursos sociopolíticos e científicos atuais, tanto nacional como
internacionalmente. Sendo consensual que a educação inclusiva é uma questão de equidade e,
consequentemente, uma questão de qualidade com impacto em todos os alunos. Assim, uma escola inclusiva
é aquela que consegue identificar e remover, com sucesso, as barreiras que se colocam à aprendizagem, ao
desenvolvimento e à participação dos seus alunos. O ator principal responsável por esta dinâmica própria é
o professor, que mediante práticas educativas de qualidade constrói ambientes educativos inclusivos e
participativos. Todavia, isto acarreta dificuldades, pois a escola inclusiva vista segundo esta perspetiva sugere
mudanças nos métodos e nas técnicas do ensino tradicional.
Nesta comunicação pretendemos refletir sobre a escola, nomeadamente ao nível da participação e inclusão,
seus atores e dinâmicas, apresentando os resultados de uma investigação realizada no âmbito de um curso
de mestrado, onde se analisou as práticas educativas inclusivas dos educadores de infância que adotavam o
modelo pedagógico do Movimento da Escola Moderna (MEM).
Metodologicamente, este estudo tem uma natureza qualitativa e um cariz comparativo, descritivo e
exploratório. Para a recolha dos dados recorreu-se à técnica de inquérito e como instrumento utilizou-se um
questionário, cuja elaboração teve por base a obra de Booth & Ainscow (2002) intitulada Index para a Inclusão.
Os dados recolhidos foram alvo de tratamento estatístico, recorrendo ao teste não paramétrico Qui-quadrado.
Através deste estudo concluímos que as práticas educativas inclusivas dos educadores de infância que
aplicam o MEM diferem significativamente das práticas educativas inclusivas dos educadores de infância que
não aplicam o MEM. Nomeadamente ao nível da planificação conjunta com os alunos; da participação e
envolvimento dos alunos na dinâmica do ensino-aprendizagem; da cooperação entre pares; da auto e
heteroavaliação entre os elementos da turma; da partilha do poder entre professores e alunos; da gestão das
diferenças interindividuais da turma; e do trabalho colaborativo entre professores.

Palavras-chave: Escola inclusiva, Participação, Práticas educativas, Movimento da Escola Moderna.

Résumé
L'inclusion est un thème central dans le contexte du discours socio-politique et scientifique aujourd'hui, tant
au niveau national et international. Il est convenu que l'éducation inclusive est une question d'équité et par
conséquent un problème de qualité ayant un impact sur l'ensemble des élèves. Ainsi, une école inclusive est
celle qui permet d'identifier et de supprimer avec succès les obstacles auxquels font face l'apprentissage, le
développement et la participation de leurs élèves. L'acteur principal responsable de cette dynamique est
l'enseignant qui, par la qualité des pratiques éducatives construire des environnements d'apprentissage
inclusifs et participatifs. Toutefois, cela est souvent difficile parce que l'école inclusive voir que cette
perspective suggère des changements dans les méthodes et techniques de l'éducation traditionnelle.
Dans cet article, nous avons l'intention de réfléchir à l'école, en particulier en termes de participation et de
l'inclusion, de ses acteurs et dynamique, présentant les résultats d'une enquête menée dans le cadre du
diplôme de maîtrise, qui a analysé les pratiques d'éducation inclusive des enseignants de la maternelle qui
ont adopté le modèle pédagogique du le Mouvement de l'école Moderne (MEM).
Méthodologiquement, cette étude a une nature qualitative et comparative, descriptive et exploratoire. Pour la
collecte des données a fait appel à la technique de l'enquête et un instrument utilisé un questionnaire, dont la
préparation a été basée sur les travaux de Booth & Ainscow (2002) intitulé Index pour l'inclusion. Les données
recueillies ont été soumises à une analyse statistique, en utilisant le test non-paramétrique Chi-carré.
Grâce à cette étude, nous concluons que les pratiques d'éducation inclusive des enseignants de la maternelle
appliquant MEM diffèrent sensiblement des pratiques d'éducation inclusive des enseignants de la maternelle
qui ne demandent pas le MEM. En particulier, en termes de planification conjointe avec les étudiants; la

1302
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

participation et l'implication des étudiants dans la dynamique de l'enseignement et de l'apprentissage; la


coopération entre pairs; auto et observateur des membres de la classe; le partage du pouvoir entre les
enseignants et les étudiants; gestion des différences interindividuelles dans la classe; et le travail collaboratif
entre enseignants.

Mots-clés: École inclusive, Participation, Les pratiques éducatives, Mouvement de l'école Moderne.

ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Inclusão e participação
O conceito de inclusão apresentado por Booth & Ainscow (2002) remete para capacidade da escola
identificar e remover, com sucesso, as barreiras que se colocam à aprendizagem, ao desenvolvimento e à
participação dos alunos com incapacidades (UNESCO, 2009). Assim, Bailey & Wolery (1992, cit. por
Gamelas, 2003) reforçam que a inclusão representa uma filosofia educativa cujo objetivo é o de proporcionar
e preparar a criança com Necessidades Educativas Especiais (NEE) para experiências de vida normalizantes
- e não normalizadoras - e promover a sua participação em todos os aspetos da vida da escola e da vida
comunitária.
Voltando ao ideário de Booth & Ainscow (2002) os autores referem que se trata de um processo
constante de evolução da aprendizagem e da participação de todos os alunos. “A participação significa a
aprendizagem em conjunto com os outros e a colaboração com eles em experiências educativas partilhadas.
Isto requer um envolvimento ativo na aprendizagem, e tem implicações na forma como é vivido o processo
educativo. Mais ainda, implica o reconhecimento, a aceitação e a valorização de si próprio” (p.7).
À medida que cada vez mais países abraçam uma definição mais ampla de inclusão e que a
diversidade é valorizada em qualquer grupo de alunos, o conceito de educação inclusiva pode ser encarado
como uma forma de elevar o sucesso através da presença (“acesso à educação”), da participação (“qualidade
da experiência de aprendizagem”) e do sucesso (“processos e resultados da aprendizagem”) de todos os
alunos (Agência Europeia para as Necessidades Especiais e a Educação Inclusiva, AENEEI, 2014, pp.10-
11).

Práticas educativas inclusivas


Em diferentes obras publicadas pela Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação
Especial (AEDEE), nomeadamente na intitulada Processo de avaliação em contextos inclusivos: Questões-
chave para políticas e práticas (2007) é claramente referido que “as concepções sobre as (…) práticas em
educação inclusiva estão em constante mudança em todos os países” (p.20).
Reynolds (2009, cit. por AEDEE, 2010) defende que os conhecimentos, crenças e valores dos
professores são cruciais para a criação de um ambiente efetivo de aprendizagem para as crianças.
Desempenhando o professor um papel central nas práticas de inclusão. Então, importa explicitar que os
paradigmas da educação inclusiva, e consequentemente da escola inclusiva, preconizam “práticas educativas
inclusivas que partindo da diversidade humana como uma mais-valia e usando metodologias de diferenciação
inclusiva e aprendizagem cooperativa, possam gerar o sucesso de todos através do sucesso de cada um,
caminhando, assim, para o despontar de um novo paradigma de escola” (Sanches & Teodoro, 2007, p.105).
A forma como os professores praticam a inclusão dentro da sala de aula pode assumir diferentes
formas, contudo há poucas investigações sobre as práticas educativas escolares (Leão, Garcia, Yoshiura &
Ribeiro, 2006). De seguida passaremos a apresentar alguns estudos sobre práticas educativas inclusivas.

1303
A Escola: Dinâmicas e Atores

“O que é bom para os alunos com NEE é igualmente bom para todos os alunos”, esta declaração, foi
feita na publicação da AEDEE denominada Educação Inclusiva e Práticas de Sala de Aula (2003, p.33) e tem
sido, desde essa altura, repetida com frequência em vários trabalhos da Agência. Esta obra relata um estudo
cujo enfoque era a identificação, análise, descrição e disseminação de práticas educativas inclusivas. A
investigação analisou as práticas de sala de aula consideradas eficazes, no contexto da educação inclusiva,
e revelou cinco grupos de fatores: o ensino cooperativo, a aprendizagem cooperativa entre pares, a resolução
cooperativa de problemas ou conflitos, a organização das turmas em grupos heterogéneos e o ensino efetivo.
Sanches & Teodoro (2007) realizaram entre 2003/2004 um estudo na região educativa de Lisboa, ao
nível do 1.º ciclo do ensino básico, com o intuito de investigar as práticas educativas dos docentes de apoio
educativo e nelas encontrar indicadores de uma educação inclusiva. Concluíram que estes professores
apresentavam indicadores pontuais de educação inclusiva, sendo que “a ação pedagógico-educativa
aparenta estar mais próxima da modalidade Educação Especial”, nomeadamente no apoio direto ao aluno e
na intervenção isolada na sala de apoio.
Guasselli (2005), em 2004, observou o trabalho de 4 professoras do ensino básico de escolas do
Brasil, cujas turmas incluíam crianças com NEE. E analisou os “dizeres da prática” (p.90) em torno da
educação inclusiva. A investigadora concluiu que os discursos privilegiavam um ideal “politicamente correto”
de escola, de aluno, de família e de professor, deixando transparecer algumas contradições, que se resumem
na ideia de que “o aluno está incluído, mas dentro do espaço de inclusão, de certa forma, também está
excluído” (p.100).
Granemann (2005) analisou depoimentos de 40 profissionais de 5 escolas da rede pública do estado
de Mato Grosso do Sul no Brasil, referenciadas pela Coordenação da Unidade de Inclusão como bem-
sucedidas no processo de inclusão de alunos no ensino regular. A grande maioria dos entrevistados refere
como fatores que favorecem a inclusão as mudanças estruturais das escolas, a formação dos professores e
a mudança de práticas. A este nível, destacam a planificação cooperada entre docentes e formas de avaliação
diferenciadas.
Leão, Garcia, Yoshiura & Ribeiro (2006) levaram a cabo um estudo de caso sobre as práticas
escolares, de modo a verificar em que medida essas práticas contribuíam para a inclusão de um aluno com
NEE. Nas conclusões, referiram que o processo de inclusão do aluno, no que concerne à inclusão física
(inexistência de barreiras) e social (boa socialização com os pares), respondia às necessidades da criança.
No entanto, do ponto de vista da aprendizagem, relatam que não se verifica inclusão educacional; ou seja, as
práticas educativas observadas não contemplam as especificidades, curriculares e de aprendizagem, a fim
de atender às necessidades do aluno.
Malheiro (2010) observou a inclusão de uma criança com atraso global do desenvolvimento que
frequentava um jardim-de-infância, que preconizava o modelo pedagógico do MEM. Conclui que o aluno
participou ativamente no trabalho desenvolvido na sala, desde o processo de planificação aos de realização,
avaliação e regulação. Destaca também como fator promotor da inclusão o recurso,a diferentes modos de
organização do trabalho, alternando momentos coletivos com trabalho autónomo, individual ou em pequenos
grupos, o que possibilitou um apoio direto e individualizado da educadora aos alunos que necessitavam de
apoio, nomeadamente à criança com NEE.
O relatório Raising Achievement for All Learners – Quality in Inclusive Education (RA4AL) sintetiza os
resultados de um projeto, realizado entre dezembro de 2011 e novembro de 2012, que visava identificar as

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

estratégias de sucesso para a aprendizagem de todos os alunos em ambientes inclusivos. As suas conclusões
apontam que as práticas educativas que permitem que os alunos progridam rumo a objetivos comuns, mas
recorrendo a vias diferentes e utilizando diferentes estilos de aprendizagem e avaliação, são mais inclusivas
e melhoram o sucesso de todos os alunos (AEDEE, 2012).
Gomes (2013) no seu estudo debruçou-se sobre as práticas de cooperação enquanto promotoras da
inclusão utilizadas numa escola de 1.º Ciclo do Ensino Básico, que implementava o MEM, e concluiu que a
prática do trabalho cooperativo se constitui como um dos aspetos centrais para a inclusão do aluno com NEE.
Na análise dos seus resultados salienta, também, que o modelo pedagógico adotado pela escola revelou-se
um elemento fundamental, pois enfatizava a vivência democrática de respeito pelas características de cada
um dos alunos e a promoção da inclusão, ao organizar e gerir um ambiente de aprendizagem baseado na
cooperação.

ESTUDO EMPÍRICO
Fundamentos teóricos
A UNESCO (2009) preconiza o direito à educação como universal e que implica, todas as crianças,
jovens e adultos com incapacidades. Este direito está consagrado na Convenção dos Direitos da Criança
(1989) e na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência – 2008. E é, ainda, corroborado por várias
declarações internacionais, designadamente: a Declaração Mundial da Educação para Todos – 1990; a
Declaração e Orientações para a Ação de Salamanca – 1994; e as Orientações para a Ação de Dakar – 2000.
Todavia, não se deve resumir apenas a um direito, mas sim a um direito à qualidade da educação
para todos. A UNESCO refere claramente que a educação inclusiva é uma questão de equidade e, por
conseguinte, uma questão de qualidade com impacto em todos os alunos. Assim, a qualidade e a equidade
são essenciais para garantir a educação inclusiva (AENEEI, 2014).
Partindo da reflexão sobre estas considerações, que envolviam educação inclusiva e qualidade,
começámos a amadurecer as nossas ideias no sentido de tentar perceber como isto se poderia articular e
concretizar, e a assim surgiu um terceiro elemento: as práticas dos professores. Sendo central a afirmação
de Reynolds (2009, cit. por AEDEE, 2010) “os conhecimentos, crenças e valores dos professores são cruciais
para a criação de um ambiente inclusivo que promova a aprendizagem de todas as crianças, desempenhando
o professor um papel central nas práticas educativas de qualidade” (p.8).
Na tentativa de encontrar um elo de ligação que fizesse sentido entre estas ideias – educação
inclusiva de qualidade e práticas educativas de qualidade – encontrámos nas ideias de João Formosinho,
grande teórico e conhecedor da infância, uma nova especificidade para esta investigação: “mais do que as
orientações curriculares, será o desenvolvimento de modelos curriculares concretos que se poderá constituir
num referente de qualidade na educação de infância” (Formosinho, 2013, p.10). Os modelos pedagógicos ou
curriculares constituem-se como um importante suporte para o educador intencionalizar a sua prática,
contextualizar a sua ação e, ainda, refletir sobre ela e nela (Varela, 2010). Assim, sintetizámos as ideias
chaves para este trabalho como: práticas educativas inclusivas e modelos curriculares, sempre na ótica de
uma educação de qualidade.
Ao escolhermos o Movimento da Escola Moderna (MEM), como modelo pedagógico a estudar
tivemos em conta os seguintes aspetos: o MEM conta com uma história e cultura publicamente reconhecida,

1305
A Escola: Dinâmicas e Atores

que lhe deferem a necessária credibilidade; e o MEM possui um património vasto e pertinente a nível
pedagógico, resultante de um discurso profuso e prexeologicamente sustentado.
A situação – problema inerente a esta investigação prendeu-se com a necessidade de perceber se
os educadores de infância que adotam um modelo pedagógico específico – MEM – têm práticas educativas
mais inclusivas do que os educadores que não aplicam este modelo pedagógico.

METODOLOGIA
Modalidade investigativa
O presente estudo adotou um cariz teórico-empírico, pois pretendeu-se fazer uma recolha de dados
através da análise documental e uma recolha de dados com recurso a técnicas e instrumentos a aplicar a
uma amostra.
Quanto ao delineamento ou desenho de investigação podem-se salientar as seguintes características:
descritiva (foi nossa intenção descrever as práticas educativas inclusivas dos educadores de infância);
comparativa (foi nosso propósito comparar as práticas educativas inclusivas de um grupo de educadores de
infância que aplicava o MEM e outro grupo de educadores de infância que não aplicava o MEM); e exploratória
(ambicionava-se explorar de forma empírica as relações entre as práticas educativas inclusivas e o modelo
pedagógico adotado pelos educadores de infância).

Amostra
A amostra deste trabalho é composta por 60 educadores de infância, subdividido em dois grupos, 30
que aplicam o MEM e 30 que não aplicam o MEM. A técnica de amostragem utilizada foi por conveniência,
pois era necessário escolher educadores que aplicassem o MEM e, como tal, recorreu-se a contactos
pessoais do investigador no núcleo de Lisboa do MEM.

Técnicas e instrumentos de recolha de dados


Para a recolha dos dados recorreu-se à técnica de inquérito e como instrumento utilizou-se um
questionário. Este foi elaborado tendo como base a obra de Booth & Ainscow (2002) Index para a Inclusão.
Na construção do questionário detivemo-nos apenas na dimensão C.1. – organizar a aprendizagem. O
questionário incluía 40 questões fechadas, de resposta dicotómica ou categorial: sim ou não. Estava prevista
uma parte destinada à caracterização da amostra, que incluía perguntas que se referiam aos critérios de
inclusão nos dois grupos em estudo.

Procedimentos
Após a redação da primeira versão do questionário procedeu-se ao seu pré-teste ou “aplicação-piloto”
(Sousa, 2005, p.237; cf. Carmo & Ferreira, 1998). Posteriormente, seguiu-se a construção do mesmo com a
ferramenta para a criação de formulários do Google para facilitar a sua divulgação e resposta, e a sua difusão
por meio de correio eletrónico para várias instituições de ensino e para o núcleo regional de Lisboa do MEM,
solicitando a divulgação junto dos sócios.
Este estudo caracterizou-se por apenas um momento de avaliação, pelo que após o preenchimento
do inquérito ficou finalizada a recolha de dados.

1306
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


Os educadores de infância que adotam o MEM planeiam o ensino atendendo à
aprendizagem de todos os alunos?
Os resultados sobre a temática do planeamento, patentes do gráfico 1, evidenciam que as respostas
dos dois grupos foi maioritariamente positiva; contudo, apresentam alguma discrepância entre os dois grupos:
30 docentes do grupo MEM relativamente a 17 docentes do grupo não MEM. Por conseguinte, pode-se
concluir que os educadores de ambos os grupos planeiam o ensino tendo em conta a aprendizagem de todos
os alunos.
Sendo notório que os educadores que implementam o MEM planeiam o ensino considerando a
aprendizagem de todos os alunos, pensamos que isto pode ser justificado pelo facto de a pedagogia do MEM
se basear numa gestão e organização cooperada e participada, por alunos e professores, do quotidiano da
sala, incluindo os momentos de planificação. A pedagogia do MEM faz uso diário de instrumentos de
planificação que permitem diferenciar o trabalho, o tempo, as atividades e os conteúdos programáticos,
designadamente: o Mapa de Atividades, o Plano do Dia, o Diário (coluna «queremos fazer») e a Lista de
Projetos. A funcionalidade destes instrumentos reside no facto de se constituírem como contratos explícitos
que comprometem e responsabilizam tanto os alunos como o educador. O objetivo é promover uma
autonomia no planeamento que é negociada com o docente.

Gráfico 1 – Respostas dos docentes à temática do planeamento

Os educadores de infância que adotam o MEM encorajam a participação de todos os


alunos?
Perante os resultados sobre a temática da participação dos alunos (gráfico 2) é notória uma diferença
a nível das respostas dos dois grupos; 28 docentes do grupo MEM respondem afirmativamente e 20 docentes
do grupo não MEM, responderam negativamente.
Perante a evidência de que os educadores que adotam o MEM incentivam a participação de todos os
alunos consideramos que o fundamento onde reside essa explicação se prende com o facto de no MEM o
processo de ensino-aprendizagem se firmar numa organização participada da atividade pedagógica. Ou seja,
a aprendizagem toma a forma de um processo interativo e colaborativo, em atividades conjuntas, em que
existe uma coresponsabilização de todos os que nele participam (exemplo: Conselho de Cooperação
Educativa).

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Uma ideia importante a reter é a defendida por Granemann (2005) que defende que a educação
inclusiva se baseia no pressuposto de que a concretização e a implementação do currículo devem ser co-
partilhadas por alunos e professores. Para Niza (1992b) a atividade escolar do MEM constitui-se como um
contrato social e educativo e nunca como um “ato de vontade unilateral” (p.42).

Gráfico 2 – Respostas dos docentes à temática da participação

Os educadores de infância que adotam o MEM implicam ativamente os próprios alunos na


sua aprendizagem?
Relativamente aos resultados sobre a temática da promoção da aprendizagem cooperativa entre
alunos (gráfico 3), é visível uma diferença ao nível das respostas dos dois grupos; 30 docentes do grupo MEM
respondem afirmativamente e 20 docentes do grupo não MEM, responderam negativamente. Assim, os
educadores que implementam o MEM envolvem ativamente os seus alunos nos próprios processos de
aprendizagem.
Como justificação plausível para diferença expressiva dos resultados consideramos que isto se pode
ficar a dever ao facto de o quotidiano do MEM se pautar por os alunos terem uma participação ativa na
construção das suas aprendizagens, mediante uma responsabilidade que lhes é incutida, desde muito cedo;
traduzindo-se isto, na prática, pelos contratos instituídos entre professores e alunos para a apropriação do
currículo. Igualmente, aquando da realização de um projeto, em que as crianças livremente o concebem e
põem em prática, com iniciativa e liberdade responsável do coletivo, e em que todos os elementos do grupo
se co responsabilizam por concretizar um trabalho que escolheram fazer.
Fiquemos com esta nota para refletir: para Niza (1992b) uma escola inclusiva é aquela que constrói
o “viver democrático” mediante o treino sistemático dos instrumentos e das estratégias da democracia em
exercício direto; ou seja, através do diálogo persistente, da participação no planeamento e na avaliação, da
negociação perseverante das decisões até à formação de consensos.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Gráfico 3 - Respostas dos docentes à temática da aprendizagem ativa

Os educadores de infância que adotam o MEM promovem a aprendizagem cooperativa


entre os alunos?
Relativamente aos resultados sobre a temática da promoção da aprendizagem cooperativa entre
alunos (gráfico 4), é visível uma diferença ao nível das respostas dos dois grupos; 28 docentes do grupo MEM
respondem afirmativamente e 20 docentes do grupo não MEM, responderam negativamente. Assim, os
educadores que implementam o MEM favorecem a aprendizagem colaborativa entre os seus alunos.
Propomos avançar como argumentação para estes resultados um dos aspetos distintivos da
pedagogia do MEM que é a abordagem sociocêntrica da aprendizagem, que se traduz no facto de os alunos
atuarem como parceiros entre si e com o professor. Ou seja, o ato educativo tem como base a cooperação,
entre pares e entre educador e alunos, que partindo de objetivos distintos trabalham no sentido da consecução
de uma aprendizagem de sucesso para todos. Os momentos de comunicação podem considerar-se como um
dos expoentes máximos da aprendizagem colaborativa na comunidade de aprendizagens que é sala. Um
outro paradigma clarificador da aprendizagem cooperativa é o trabalho de projeto.
Em guisa de reflexão deixamos a opinião de Niza (2007b) “as nossas turmas constituem, com os
professores, comunidades de aprendizagem, que seguem de forma intencional e consciencializada a regra
do jogo social estabelecida por Kurt Lewin para a cooperação, que cada um só pode alcançar os seus
objetivos se, e só se, os demais conseguirem alcançar os seus” (p.43). Não será este o objetivo da escola
inclusiva?

Gráfico 4 – Respostas dos docentes à temática da aprendizagem cooperativa

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Os educadores de infância que adotam o MEM avaliam os seus alunos tendo em conta a
aprendizagem com sucesso de todos?
O gráfico 5 ilustra às práticas dos educadores relativamente à avaliação dos seus alunos, é
observável uma diferença quanto às respostas dos dois grupos: os docentes MEM na sua totalidade
demonstram implementar esta prática, contrariamente a 23 docentes do grupo não MEM. Logo, a prática
inclusiva que diz respeito à avaliação dos alunos tendo em conta as suas aprendizagens com sucesso é
realizada pelos educadores que implementam o MEM.
Sendo esta diferença de resultados entre os dois grupos manifestamente óbvia, salientamos como
justificativa o facto de a avaliação no quotidiano das salas do MEM ser uma prática bastante enraizada. No
MEM, as produções, os saberes, os conhecimentos, em suma as aprendizagens são sujeitas a duas
modalidades de avaliação: autoavaliação, produzida pelos próprios autores, e uma avaliação coletiva dos
pares (heteroavaliação); e cumprem dois objetivos, por um lado ajudar o aluno a aprender e, por outro, nortear
o professor no planeamento das suas intervenções educativas. Os momentos de avaliação nas salas que
implementam o MEM têm uma regularidade diária, semanal e mensal. Um outro momento determinante na
Pedagogia do MEM, em que também está implícita a avaliação, é o momento das comunicações, quer
relativas às atividades desenvolvidas no tempo de trabalho autónomo quer dos projetos.
Zeraik (2006) alerta para o facto de uma escola inclusiva ter como objetivo “avaliar o que o educando
é capaz de fazer, de criar, de resolver, de descobrir, sem reduzi-lo a um número, uma nota ou um conceito”
(p.90).

Gráfico 5 – Respostas dos docentes à temática da avaliação

Os educadores de infância que adotam o MEM implementam a disciplina tendo por base o
respeito mútuo?
Quanto ao pressuposto de que a disciplina se baseia no respeito mútuo (gráfico 7), é visível que a
média das respostas dos dois grupos tende maioritariamente para o «sim»; no entanto, é percetível um
distanciamento nos resultados: 30 docentes MEM face a 16 docentes não MEM. Considerando que as
questões relacionadas com a disciplina são relativamente caras aos profissionais de educação, talvez por
isso os docentes no geral invistam mais nelas, nomeadamente na reflexão sobre novas estratégias a
implementar para contornar as problemáticas cada vez mais frequentes.
Contudo, o aspeto distintivo relativamente ao MEM, e que produz efeitos ao nível da disciplina, é o
Conselho de Cooperação Educativa que desempenha um papel de socialização democrática dos seus

1310
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

intervenientes, preconizando valores como o respeito, a livre expressão, a justiça, a solidariedade e a


reciprocidade. E é através das reuniões de conselho que se vai operando a regulação sociomoral da vida
daquela comunidade específica. Mas este órgão instituinte da vida do grupo, apoia-se num instrumento
fundamental, o Diário que tem por base o pressuposto de uma cidadania democrática ativamente participada,
isto porque as crianças são livres de registarem as ocorrências que consideram negativas e as que
consideram positivas.

Gráfico 6 – Respostas dos docentes à temática da gestão da disciplina

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mediante a análise estatística dos resultados obtidos, a nossa hipótese de investigação foi
confirmada: as práticas educativas inclusivas dos educadores de infância que aplicam o MEM diferem
significativamente das práticas educativas inclusivas dos educadores de infância que não aplicam o MEM.
Consideramos que essa diferença, ao nível das práticas, reside no modo como os docentes do MEM
concebem a escola e o processo de ensino-aprendizagem. Na ótica deste modelo pedagógico, Pessoa (1996)
refere que “a escola é um espaço de iniciação às práticas de cooperação e de solidariedade de uma vida
democrática, que permite criar condições (materiais, afetivas e sociais) para que todos tenham acesso aos
conhecimentos (…) através de processos de cooperação e de interajuda, que valorize socialmente os saberes
e produtos reconstruídos pelos alunos, que dê sentido imediato à partilha de saberes e produções, através
da difusão e mostra da sua aplicabilidade funcional na comunidade educativa” (cit. por Pessoa, 2010, p.51).
Os resultados a que chegámos no nosso estudo podem ser corroborados por outras investigações já
realizadas. Um estudo realizado pela AEDEE (2003) concluiu que uma das práticas mais eficazes no contexto
da educação inclusiva era o ensino cooperativo, a aprendizagem cooperativa, a resolução cooperativa de
problemas ou conflitos e os grupos organizados de forma heterogénea. Na investigação levada a cabo por
Granemann (2005) o aspeto considerado mais inclusivo foi a avaliação diferenciada para cada aluno. Malheiro
(2010) identificou como práticas promotoras da inclusão: a possibilidade de os alunos participarem ativamente
no trabalho desenvolvido na sala (planificação, execução, avaliação e regulação) e a organização do grupo
de diferentes formas (individual, pequenos grupos, grande grupo). Um estudo mais recente de Gomes (2013)
concluiu que a prática do trabalho cooperativo, a vivência democrática de respeito pelas características de
cada um dos alunos e a organização e gestão de um ambiente de aprendizagem baseado na cooperação são
os fatores mais decisivos na criação de um ambiente educativo inclusivo.

1311
A Escola: Dinâmicas e Atores

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1313
A Escola: Dinâmicas e Atores

A PLURIDOCÊNCIA NO 1.º CEB: MODELO INOVADOR DE GERAÇÃO DE EQUIPAS


EDUCATIVAS SINÉRGICAS E DE PROMOÇÃO DO SUCESSO EDUCATIVO DE TODOS OS
ALUNOS?
[ID 410]

Soraia Alexandra Caracol de Pinho


Agrupamento de Escolas Manuel Teixeira Gomes
soraiaapinho@hotmail.com

Resumo
A presente investigação explora novas dinâmicas colaborativas entre os atores educativos, propõe um modelo
inovador na organização do 1.º Ciclo do Ensino Básico e desoculta formas alternativas dos intervenientes
assumirem os seus papéis no espaço educativo. Pretende abrir portas a uma transição possível entre o que
é e o que pode ser na esfera da gramática escolar, baseando-se na implementação do regime de
pluridocência neste nível de ensino.
Pretende-se aferir os efeitos desta (re)organização do processo de ensino no sucesso educativo dos alunos,
na consolidação de práticas colaborativas docentes, no acréscimo da participação dos encarregados de
educação na vida escolar e na suavização da transição dos alunos entre ciclos de ensino. Não obstante, o
presente artigo analisa, com maior enfoque, aspetos relacionados com as dinâmicas dos atores educativos
pertencentes à equipa educativa.
Os pressupostos teóricos aprofundam questões relacionadas com as culturas de colaboração, destacando as
suas potencialidades para o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes, bem como para a melhoria
da qualidade do ensino e das aprendizagens dos alunos. Analisam-se aspetos concetuais relacionados com
diferentes modelos de organização do processo de ensino, interligando-os à evolução das políticas educativas
no nosso país.
A investigação reveste-se de natureza qualitativa, numa metodologia de investigação-ação participativa,
balizada por momentos cíclicos de planificação, ação e reflexão. Os instrumentos de recolha de dados são o
questionário, a entrevista semiestruturada, a observação e a análise documental, sendo o seu tratamento
efetuado através da análise estatística e de conteúdo.
Na investigação participam 68 alunos de 3 turmas, 7 docentes (de diferentes níveis de ensino) e 2 docentes
da Educação Especial, que acompanham os alunos com necessidades educativas especiais. Os 68
encarregados de educação dos alunos também participam no estudo e as suas sugestões são ponderadas
no decurso do plano, tal como as dos restantes participantes.
Não existem conclusões finais em virtude da investigação ainda se encontrar em desenvolvimento. Contudo,
vislumbram-se resultados intermédios que merecem destaque: a evolução favorável dos resultados
académicos e do desenvolvimento integral dos alunos, o elevado nível de coesão, colaboração e liderança
partilhada na equipa educativa e o aumento considerável na participação dos encarregados de educação na
vida escolar dos seus educandos.

Palavras-chave: Inovação, Equipas Educativas, Colaboração, Sucesso Educativo.

Résumé
Cette étude explore de nouvelles dynamiques de collaboration entre les éléments éducatifs, propose un
modèle innovateur dans l’organisation de l’enseignement élémentaire et révèle des formes alternatives aux
intervenants pour assumer leurs rôles dans l’espace éducatif. Elle prétend aider à une possible transition entre
ce qui est et ce qui peut être dans la sphère scolaire, ayant pour base la mise en place du régime
multidisciplinaire à ce niveau d’enseignement.
Elle vise à comprendre les effets de cette (re)organisation du mode d’enseignement dans la réussite éducative
des élèves, la consolidation de la collaboration entre les enseignants, l’augmentation de la participation des
tuteurs dans la vie scolaire et l’adoucissement de la transition entre les cycles d’enseignement. Pourtant, cet
article analyse surtout les aspects rapportés aux dynamiques de l´equipe éducative participant à l’étude.
Le schéma théorique approfondit les questions sur les collaborations, mettant en évidence leur potentiel pour
le développement personnel et professionnel des enseignants, ainsi que pour l’amélioration de la qualité
d’enseignement et des apprentissages des élèves. Il analyse des aspects conceptuels liés aux différents

1314
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

modèles d’organisation du processus d’apprentissage, les liant à l’évolution des politiques éducatives de notre
pays.
Cette étude est de nature qualitative, avec une méthodologie d’investigation-action participative, encadrée par
des cycles de planification, action et réflexion. Les instruments pour la collecte de données sont le
questionnaire, l’entrevue semi-structurée, l’observation et l’analyse documentaire. Ces données sont traitées
à travers des analyses statistique et de contenu.
À cette étude participent 68 élèves de 3 classes, 7 enseignants (de différents niveaux d’enseignement) et 2
enseignants de l’Enseignement Spécial, qui accompagnent des élèves à besoins spécifiques. Les 68 tuteurs
des élèves participent également dans l’étude et leurs suggestions sont pondérées tout au long du parcours,
de même que celles des autres participants.
Il n’y a pas de conclusions finales, l’étude étant encore en cours. Cependant, on remarque des résultats
intermédiaires appréciables: l’évolution favorable des résultats scolaires et du développement intégral des
élèves, le haut niveau de cohésion, collaboration et leadership dans l’équipe éducative et l’augmentation
considérable de la participation des tuteurs dans la vie scolaire de leurs élèves.

Mots-clés: Innovation, Equipes éducatives, Collaboration, Réussite éducative.

INTRODUÇÃO
O presente artigo serve o propósito de apresentar o projeto investigativo que se encontra em
desenvolvimento num contexto educativo de 1.º Ciclo do Ensino Básico e que operacionaliza a organização
do processo de ensino em regime de pluridocência. Esta mudança organizativa consistiu na constituição de
uma Equipa Educativa, composta por várias professoras, à qual foi alocado um grupo mais alargado de
alunos, equivalente a três turmas.
A proposta em desenvolvimento rompe com a estrutura organizativa preconizada no 1.º ciclo, que
concebe a existência de apenas um docente responsável pela totalidade da ação educativa dirigida aos
alunos de uma só turma, e sustenta-se na corresponsabilização das docentes que constituem a Equipa
Educativa pelo desenvolvimento integrado do currículo, pelo estabelecimento de uma liderança pedagógica
distribuída, pela tomada de decisões partilhada, pela instituição de práticas colaborativas e pela construção
de uma visão partilhada da missão da escola e do ensino.
Conscientes de que “falta percorrer algum caminho para que as experiências de trabalho pedagógico
colaborativo se efetivem de forma a potenciar aprendizagens entre os/as alunos/as mais enriquecedoras e
significativas” (Vale & Mouraz, 2014, p.102), desenvolvemos o projeto de investigação que se resume, com o
intuito de dar resposta às seguintes questões de partida: i) Poderá a (re)organização do trabalho escolar no
1.º CEB, em regime de pluridocência, contribuir para o desenvolvimento profissional e pessoal dos docentes
envolvidos, para a promoção de culturas profissionais reflexivas e colaborantes e para a melhoria da qualidade
do ensino?; ii) Será que a (re)organização do trabalho escolar em pluridocência contribui significativamente
para a promoção da melhoria dos resultados escolares dos alunos participantes e para a facilitação da sua
transição entre ciclos de ensino?; iii) Qual o contributo da metodologia de investigação-ação participativa,
concebida como estratégia de construção colaborativa de conhecimentos teórico-práticos, na promoção de
uma educação para todos os alunos?
Na primeira parte da presente comunicação efetua-se uma breve revisão da literatura, na qual se
apresentam os paradigmas concetuais e linhas de pensamento que servem de suporte às opções teóricas e
metodológicas tomadas e de enquadramento aos resultados obtidos.
Segue-se a descrição da metodologia de investigação desenvolvida, com a apresentação dos
fundamentos metodológicos de suporte à investigação, dos participantes no estudo e dos instrumentos de
recolha e das técnicas de tratamento de dados utilizados.

1315
A Escola: Dinâmicas e Atores

A apresentação de alguns resultados provisórios desenvolve-se na terceira parte, através da


enunciação de alguns efeitos sentidos pelos participantes no estudo, decorrentes da mudança da organização
do processo de ensino.
Por último, apresentam-se algumas considerações finais, de caráter geral, que pretendem captar o
essencial de todo o “caminho percorrido” e vislumbrar algum caminho que falta percorrer no sentido da
consolidação das práticas colaborativas docentes.

REVISÃO DA LITERATURA
A melhoria da qualidade em Educação constitui uma das temáticas mais analisadas, discutidas e
estudadas por todos os quadrantes e níveis de intervenção educativa, desde os decisores políticos e
professores, até aos investigadores e aos interessados por estas questões, especialmente a partir do
processo de escolarização das massas, da publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 48/86,
de 14 de outubro), da Reorganização do Curricular do Ensino Básico (Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de maio)
e da operacionalização da política da “Escola a Tempo Inteiro” (Despacho n.º 16 795/2005, de 3 de agosto).
A preocupação com as problemáticas educacionais encontra-se na ordem do dia, em parte como
(con)sequência das sucessivas exigências e pressões que a mutabilidade constante da sociedade
contemporânea de globalização canaliza para as organizações escolares (Bolívar, 2012; Fernandes, 2000;
Venâncio & Otero, 2002), mas também devido à incessante busca pela melhoria da qualidade e eficácia dos
serviços prestados pelas instituições educativas (Alaíz, Góis & Gonçalves, 2003) e, principalmente, pela
preocupação generalizada com as causas das taxas de insucesso académico e abandono escolar que
subsistem, nomeadamente nos anos subsequentes à transição de ciclo de ensino (Abrantes, 2005; CNE,
2009).
Desde os debates promovidos pela Comissão da Reforma do Sistema Educativo, no final dos anos
80 do século XX, que se difundem as potencialidades do trabalho colaborativo docente para o seu
desenvolvimento profissional e para o desenvolvimento organizacional e que se procura “encontrar formas de
organização e de execução do trabalho na escola que quebrem o isolamento das pessoas, dos espaços e
das práticas, induzam a constituição de equipas, estabeleçam a circulação da informação, democratizem as
relações, responsabilizem os actores e permitam elaborar e executar projectos em conjunto” (Barroso, 1995,
p.34).
Não obstante, nas nossas escolas ainda se “perpetua o mito da imutabilidade [da escola] entre os
professores” (Hargreaves, 2001, p.251), mantendo a docência como uma profissão que se exerce segundo
um “padrão de trabalho baseado numa cultura profissional individualista, isolada e privatista” e ajudando a
manter “intacto o património da pedagogia transmissiva, porquanto, vivendo o professor fechado na sala de
aula, sem partilha ou diálogo com os pares, sem apoio sustentado a um trabalho cooperativo e sem abertura
a apoio externo” (Formosinho & Machado, 2009, pp.26-27), não consegue ponderar modos diferentes de
desenvolver a atividade docente.
Esta “cultura do individualismo” ainda se torna mais evidente ao nível do 1.º Ciclo do Ensino Básico,
cuja tradição histórica assenta no regime de monodocência, que atribui o desenvolvimento da totalidade do
currículo de um grupo de alunos a cargo exclusivo de um único professor, que prepara o seu trabalho sozinho
em casa, que o desenvolve sozinho com os seus alunos, na sua sala de aula, sem interação, intervenção ou
colaboração de outros professores (Formosinho & Machado, 2009).

1316
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Recentemente, com a criação do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (Resolução


do Conselho de Ministros n.º 23/2016, de 11 de abril), reacendeu-se a discussão com o reforço da orientação
da política educativa no sentido da promoção de uma Escola Pública de qualidade, capaz de dar resposta à
heterogeneidade social, económica, cultural e académica da população discente da atualidade (Alves,
Formosinho & Verdasca, 2016), de forma contextualizada.
É, assim, revisitado o conceito de escola democrática enquanto garantia de “igualdade de acesso e
de sucesso de todas as crianças e jovens”, reforçando a responsabilidade inerente a esta organização de “dar
a cada um segundo as suas necessidades e exigir de cada um segundo as suas possibilidades” (Formosinho
& Machado, 2016:19) e realçando a “urgência de um compromisso nacional” na preparação dos discentes
para as “novas exigências de uma sociedade do conhecimento e da competitividade” (Resolução do Conselho
de Ministros n.º 23/2016, de 11 de abril, Preâmbulo).
Agudiza-se, então, a responsabilidade das escolas, no âmbito do reforço da sua autonomia,
encontrarem soluções inovadoras para os impasses com que se deparam, enquanto organismos aprendentes
e em adaptação constante ao contexto que determina o objetivo da sua existência (Bolívar, 2012; Fullan,
2007), cumprindo a sua missão de contribuir, como coconstrutoras, para o desenvolvimento integral dos
cidadãos do futuro (CNE, 2009; Roldão, 1999).
A postura transformadora a que aludimos consubstancia-se numa perspetiva de desenvolvimento do
Sistema Educativo numa lógica de bottom-up, ou seja, partindo do centro nevrálgico de toda a atividade
educativa, a sala de aula e a escola, e concretizado através do empenho, motivação e colaboração entre os
docentes da organização escolar, com propósito e intencionalidade, atendendo às especificidades do contexto
em que se inserem e da individualidade dos seus alunos, para que nenhum aluno seja deixado para trás
(Fullan, 2007; Leithwood, n.d).
É necessário, pois, “explorar los márgenes del modelo organizacional establecido, donde otros
espácios y tempos son necessários tanto para incrementar el éxito educativo como para el aprendizaje
docente” (Bolívar, 2016, p.11). Impõe-se uma mudança na “gramática secular da escola” (Alves, Formosinho
& Verdasca, 2016, p.13) que se caracterize pela diversificação e flexibilização curricular, organizacional e
pedagógica, sob a égide de uma liderança transformadora capaz de mobilizar os atores educativos na
construção de uma cultura escolar aprendente, que evolui e melhora através do esforço concertado e da
responsabilidade partilhada entre todos os intervenientes (Formosinho & Machado, 2009; 2016).
Evidencia-se a necessidade de implementação de metodologias e estratégias educativas alternativas
e criativas de promoção do sucesso educativo para todos os alunos, planeadas e desenvolvidas por equipas
educativas coesas e ambivalentes, articulando harmoniosamente as diferenças existentes no seio das turmas,
de forma a atenuá-las. Neste âmbito, surgem propostas inovadoras de organização pedagógica dos tempos
e dos espaços de ensino, que pretendem romper os limites que fixam a turma “como célula básica de
organização pedagógica e curricular da escola” (Formosinho & Machado, 2016, p.20).
Um dos modelos de organização do processo de ensino propõe a constituição de Equipas Educativas,
a cargo das quais fica um conjunto de alunos bastante mais alargado (equivalente a 4 a 7 turmas), que podem
englobar todos os alunos do mesmo ano de escolaridade. Na organização por Equipas Educativas “é a equipa
docente a célula base de organização da escola e nela se baseia a distribuição dos alunos por grupos
educativos, a distribuição do serviço docente e a organização dos horários escolares” (Formosinho &
Machado, 2016, p.30). Esta equipa docente “trabalha de modo colaborativo, assegura conjuntamente a

1317
A Escola: Dinâmicas e Atores

planificação e desenvolvimento curricular e o acompanhamento educativo regular das atividades dos alunos
e monitoriza sistematicamente as aprendizagens” (p.31).
A gestão do currículo, do tempo e do espaço de ensino, bem como a organização temporária dos
subgrupos flexíveis de alunos por níveis de aprendizagem e sua avaliação são da responsabilidade da Equipa
Educativa, que é coordenada por um dos docentes que a compõe, deslocando “o campo de discussão sobre
a gestão pedagógica e curricular para o território onde ela se desenvolve” (Formosinho & Machado, 2009,
p.56). Deste modo, a criação de Equipas Educativas determina uma reestruturação das lideranças
intermédias da escola, porquanto a sua importância é vital para a gestão integrada do currículo e a
reorganização dos conteúdos das diferentes disciplinas, de forma articulada (Formosinho & Machado, 2009;
2016).
Esta proposta facilita a racionalização dos recursos humanos e equipamentos educativos, permite a
diminuição dos inconvenientes da compartimentação do saber e da segmentação do currículo, possibilita o
combate ao individualismo docente e permite “uma gestão integrada e integradora do saber” (Formosinho &
Machado, 2009, p.62).
Nesta inovação, o ensino é concebido “como uma tarefa colectiva, em cooperação e interdependência
mútuas, e visa a construção de espaços comuns para compartilhar experiências dos professores, concebidos
como agentes de desenvolvimento e mudança curricular” (Formosinho & Machado, 2009, p.64), depositando
nestes agentes educativos o ónus de “Em virtude da sua presença na sala de aula e em virtude do seu
número, os professores são, de facto, a chave da mudança. Sem eles não haverá qualquer progresso” (Fullan
& Hargreaves, 2001, p.143).

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
Fundamentos metodológicos
A complexidade que envolve o estudo dos processos de inovação educativa, numa dinâmica de
melhoria da qualidade do ensino, do desenvolvimento profissional dos docentes e dos resultados académicos
dos alunos, aponta para questões epistemológicas e metodológicas específicas do paradigma qualitativo, no
qual se compagina a investigação em curso.
Atendendo a que o nosso estudo se caracteriza pela intervenção direta, sistemática e refletida numa
realidade educativa, através de procedimentos investigativos, provocando alterações significativas na
organização do contexto real, com o propósito de compreender os efeitos dessa transformação na melhoria
das condições de aprendizagem dos alunos, optámos pela implementação de uma metodologia de
Investigação-ação/Investigação praxeológica (Máximo-Esteves, 2008).
O recurso a esta metodologia de investigação, no nosso caso concreto, prende-se com o caráter
eminentemente participativo, interativo e cooperativo da Investigação-ação, uma vez que propicia o
desenvolvimento de relações de colaboração sólidas entre todos os participantes no estudo, que assumem
responsabilidades idênticas no plano de intervenção, na tomada de decisões acerca da investigação, na ação
e na reflexão, cultivando o empenho e compromisso de todos na condução do estudo, na mudança e melhoria
das práticas e na construção de significados coletivos acerca da Educação (Máximo-Esteves, 2008).
Outro aspeto que fundamenta a utilização da metodologia da Investigação-ação participativa neste
estudo, consubstancia-se no facto de o conhecimento construído e/ou adquirido poder ser imediatamente
aplicado, proporcionando o início imediato de ciclos sucessivos de melhoria das estratégias metodológicas e

1318
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

organizacionais utilizadas e das opções pedagógicas tomadas, permitindo a sustentabilidade da sua eficácia
(Máximo-Esteves, 2008).

Participantes no estudo
A investigação teve início no ano letivo de 2015/2016 e ainda se encontra em desenvolvimento, até
ao final do presente ano letivo, numa Escola Básica de 1.º Ciclo, em Portimão, e envolve 68 alunos de três
turmas, que se encontram presentemente no 4.º ano de escolaridade. Estes alunos evidenciavam inicialmente
um nível de sucesso académico suficiente e apresentam uma elevada heterogeneidade a nível académico,
cultural, social, económico e linguístico. Estas turmas integram nove alunos com Necessidades Educativas
Especiais de caráter permanente, 5 dos quais usufruem de Currículo Específico Individual (art.º 21.º do
Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro), 3 deles beneficiam de Programas Educativos Individuais (art.º 8.º do
Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro) e 1 aluno encontra-se abrangido pela Lei n.º 71/2009, de 6 de agosto
(Regime Especial de Proteção de Crianças e Jovens com Doença Oncológica).
A Equipa Educativa alocada a estes alunos, em 2015/2016, era constituída por 9 docentes, sendo
que, em 2016/2017, apenas integra 8 docentes, por constrangimentos decorrentes da mobilidade do corpo
docente. Esta equipa agrega docentes dos diferentes níveis e ciclos de ensino, assim como docentes
especializadas, a saber: as 3 Docentes Titulares das turmas envolvidas (1.º ciclo), a docente de música (2.º
ciclo), a docente da Oferta Complementar-TIC (3.º ciclo e secundário), a docente da Expressão Plástica e
Físico-Motora (1.º Ciclo/apenas em 2015/2016), a docente de Inglês (1.º ciclo) e 2 docentes da Educação
Especial (Educação Pré-Escolar/1.º ciclo e secundário). Convém destacar que as docentes envolvidas,
principalmente as titulares de turma, manifestaram elevado interesse e motivação em participar na
implementação desta mudança na organização do processo de ensino, condições que se constituem
determinantes na melhoria da eficácia do ensino (Darling-Hammond, 2000; Seidl & Shavelson, 2007).
A organização do projeto investigativo obedeceu a uma lógica de interligação contínua e continuada
dos saberes das diferentes disciplinas do Currículo, bem como à manutenção da ligação afetivo-emocional
dos alunos à Docente Titular de Turma, aspetos que determinam a especificidade atribuída a este ciclo de
ensino (Roldão, 2000; Roldão, 2009).
A Equipa Educativa reúne, semanalmente, para planificar a ação educativa, integrada e
transversalmente, para analisar e refletir sobre os efeitos da mesma nos alunos, para planear
colaborativamente estratégias de melhoria da prática letiva e dos resultados escolares e para reestruturar a
linha de ação pedagógica.
Por último, também participam neste estudo os 68 pais e encarregados de educação dos alunos
envolvidos. Estes, para além de contribuírem com as suas opiniões e sugestões recolhidas através de
inquérito por questionário, participaram com bastante empenho e motivação nas duas sessões de análise e
reflexão acerca do projeto investigativo, das quais surgiram algumas sugestões relevantes que foram
ponderadas no desenrolar do plano de ação.

Instrumentos de recolha de dados


No que respeita à recolha dos dados, procurou-se aceder a um leque abrangente de informações,
que possibilitem abarcar a complexidade e multidimensionalidade dos processos e ações em estudo,
diversificando e flexibilizando a sua utilização (Herr & Anderson, 2015). Assim, optou-se pelo aplicação do

1319
A Escola: Dinâmicas e Atores

inquérito por questionário, da entrevista semiestruturada (individual e focalizada em grupo), da observação


(participante) e da análise documental, uma vez que se revelam as mais adequadas ao tipo de investigação
em curso, ao número de protagonistas do estudo e à especificidade da sua intervenção, e as mais apropriadas
para a recolha da informação que se pretende analisar.
Foi aplicado um questionário à totalidade dos Pais e Encarregados de Educação participantes, no
final do primeiro ano de desenvolvimento do projeto (maio/2016), com o objectivo de recolher informação útil,
objetiva e detalhada acerca das suas perceções acerca da mudança na organização do processo de ensino
e suas repercussões no sucesso educativo dos alunos, na qualidade do ensino e no seu envolvimento na vida
escolar dos seus educandos. De destacar que 80% dos pais e encarregados de educação colaboraram com
bastante interesse nesta recolha de dados, fornecendo opiniões pertinentes, sendo que apenas 9 dos
inquiridos não retornou os questionários e um entregou em branco.
Com o intuito de conhecer as motivações conducentes à participação no projeto investigativo e
analisar/refletir acerca do seu desenvolvimento, ao longo do 1.º período letivo, em termos de dificuldades
sentidas, mudanças efetuadas e seus efeitos para os participantes (docentes e alunos), bem como dos pontos
fortes e dos aspetos a melhorar na investigação, foram realizadas entrevistas semiestruturadas individuais às
Docentes Titulares das turmas, no início do 2.º período letivo (fevereiro/2016).
No final do ano letivo de 2015/2016 (julho) realizou-se uma entrevista focus group com a Equipa
Educativa, no sentido de permitir que as participantes pudessem partilhar as suas experiências e pontos de
vista acerca do trabalho desenvolvido e dos resultados obtidos. Procurou-se descortinar a natureza do
trabalho colaborativo desenvolvido e do ambiente socio-afetivo-emocional vivido pela equipa e refletir acerca
das suas repercussões na prática letiva individual, assim como conhecer as representações das docentes
acerca do desenvolvimento do projeto investigativo, ao longo do ano letivo, analisando e refletindo sobre
pontos fortes e aspetos a melhorar no ano seguinte.
Este momento de partilha e reflexão conjunta possibilitou a confirmação de conjeturas, perceções e
informações recolhidas ao longo da investigação, numa perspetiva de triangulação, a partir da análise
conjunta das questões mais significantes para a prossecução dos objetivos traçados na investigação.
O estudo integrou, ainda, a realização de uma entrevista semiestruturada aos alunos (junho/2016),
em focus group, assumindo-os como sujeitos ativos na construção do conhecimento científico sobre a infância
(Almeida, 2009; Oliveira-Formosinho, 2007), valorizando a “voz” das crianças e consolidando a sua
participação ativa nos processos que vivenciam. Procurou-se desocultar as representações dos alunos acerca
do projeto investigativo e a natureza do ambiente socio-afetivo-emocional vivido por eles ao longo do ano
letivo, para além de analisar o desenvolvimento integrado do currículo, do ponto de vista das crianças, e dar-
lhes oportunidade para apresentarem sugestões de melhoria na organização do projeto investigativo.
Nas duas sessões de análise e reflexão acerca do decurso do projeto investigativo, dinamizadas pela
investigadora com os pais e encarregados de educação (novembro/2015 e junho/2016), foi realizada uma
observação participante, de cariz naturalista. Nestas sessões, todos foram convidados a participar, analisar e
refletir acerca dos aspetos relacionados com a investigação e com o acompanhamento parental do processo
de aprendizagem e maturação dos seus educandos, possibilitando a apresentação de propostas de melhoria
e reformulação do plano de ação. De relevar que participaram nestas sessões cerca de metade dos pais
participantes.

1320
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

A análise documental conduzida respondeu à necessidade de analisar uma multiplicidade de fontes


documentais, produzidas pela escola e pela Equipa Educativa, de características e formatos distintos, de
forma cruzada e interligada, no sentido de triangular os dados recolhidos e prevenir o enviesamento das
informações obtidas através das restantes técnicas. Foram analisadas as pautas de avaliação final de período
dos alunos participantes, as grelhas de registo dos seus resultados na Avaliação Formativa, os diários de
bordo das reuniões semanais da Equipa Educativa e as sínteses avaliativas finais de período dos restantes
alunos de 3.º/4.º ano de escolaridade da escola.

Tratamento dos dados


Atendendo à natureza dos dados recolhidos, o seu tratamento foi efetuado através da análise de
conteúdo das informações obtidas nas entrevistas e na análise documental, pelo tratamento estatístico dos
dados recolhidos nos inquéritos por questionário e pela análise descritiva dos dados resultantes da
observação participante. Na maioria dos casos, verificou-se a necessidade da utilização combinada das
metodologias de tratamento de dados para triangulação, validação e fiabilidade dos resultados obtidos.

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS PROVISÓRIOS


No que concerne aos efeitos produzidos nos alunos, pela mudança da organização do processo de
ensino, os dados analisados confirmam, por um lado, uma melhoria significativa dos resultados académicos
obtidos, em todas as disciplinas da Matriz Curricular. Possibilitam-nos, também, verificar que se acentuou a
qualidade do sucesso académico, com a obtenção cada vez mais ampla de níveis de classificação mais
elevados, à medida que a investigação foi avançando.
Por outro lado, pode-se constatar um desenvolvimento significativo na autonomia, auto-estima e
responsabilidade dos alunos, decorrente desta nova dinâmica escolar, realçado por todos os participantes,
incluindo os alunos. Estes participantes, fazendo uso da sua “voz”, destacam que a presente dinâmica escolar
é bastante mais aliciante, motivadora e interessante, traduzindo-se num sentimento de maior maturidade e
melhor preparação para o futuro. Afirmam preferir a organização em equipa educativa em relação à
monodocência, gostar imenso de todas as docentes que com eles interagem e sentir um clima afetivo-
emocional muito positivo entre todos os intervenientes (alunos, professoras e pais). Declaram que as
atividades desenvolvidas nas diferentes disciplinas foram mais desafiantes, mais diferenciadas e mais
adequadas às suas capacidades, possibilitando que todos os alunos se empenhassem na construção do seu
conhecimento e melhorassem os seus desempenhos, com especial relevo para os alunos com necessidades
educativas especiais, que desenvolveram bastante as suas competências comunicativas e relacionais.
Os alunos referem, igualmente, que a gestão do currículo se desenvolveu de forma integrada e
globalizante, através da exploração interdisciplinar das temáticas, num clima de aprendizagem bastante
favorável.
Todos os participantes na investigação concordam que a metodologia de organização do processo
de ensino implementada contribui decisivamente para uma melhor preparação das crianças para a transição
de ciclo de ensino, uma vez que se habituam, progressivamente, a metodologias de ensino diversificadas e
alargam o seu leque de relações interpessoais, sem contudo perder a estabilidade emocional e a ligação
afetiva a figuras de referência.

1321
A Escola: Dinâmicas e Atores

Os pais e encarregados de educação reforçam as opiniões defendidas pelos alunos, apontando e


defendendo que a mudança da organização do processo de ensino implementada trouxe benefícios
consideráveis ao nível do empenho e motivação dos alunos pela aprendizagem, da melhoria dos seus
resultados académicos e do seu comportamento, da eficácia do ensino ministrado, do aumento da motivação
das docentes da Equipa Educativa e da melhoria do clima de aprendizagem. Estes participantes revelaram
que se sentiram mais aliciados e motivados a participar na vida escolar dos seus educandos, nas atividades
de integração propostas pelas docentes da equipa educativa e a acompanhar de perto o projeto investigativo.
De facto, os pais e encarregados de educação constituíram “peça” fundamental na engrenagem do estudo,
manifestando uma atitude bastante positiva perante a mudança e uma participação bastante ativa, assertiva
e motivada a todos os níveis.
No que respeita aos efeitos da mudança na Equipa Educativa, através dos dados recolhidos,
podemos evidenciar uma alteração notória nas conceções e práticas das docentes face à docência,
preconizada individualmente até ao momento, emergindo uma atenção redobrada, por parte de todas, para o
desenvolvimento da prática letiva e do currículo de forma integrada, partilhada, intencional e direcionada para
o sucesso educativo de todos os alunos e de cada um deles em particular.
A Equipa focou-se na análise e reflexão conjunta e contínua sobre o desenvolvimento académico e
integral dos alunos, empenhando-se no planeamento partilhado de estratégias de melhoria dos resultados
dos alunos, possibilitando que pudessem ultrapassar as dificuldades de aprendizagem detetadas
precocemente com maior eficácia.
As docentes desenvolveram hábitos de trabalho colaborativo, consistentes com a conceção de
profissionalismo interativo, que abarcaram as dimensões mais diversas da docência, designadamente, a
planificação conjunta das atividades letivas, a organização concertada dos momentos avaliativos formais dos
alunos, a (re)organização de estratégias específicas para os alunos com necessidades educativas especiais,
a análise e reflexão acerca das atitudes dos alunos e o delineamento partilhado de estratégias de melhoria
dos seus comportamentos, fortalecendo a ideia de que a Equipa Educativa trabalhou para a obtenção de
sucesso educativo para todos os alunos, respeitando a sua individualidade e pessoalidade.
O destaque atribuído pela equipa docente a estas dimensões, nas reuniões semanais, permite-nos
verificar que nos encontramos perante uma Equipa Educativa focada na monitorização contínua e partilhada
da evolução das aprendizagens e do desenvolvimento integral de todos os alunos participantes na
investigação, preocupando-se atempadamente em delinear e estabelecer medidas de superação das
dificuldades e de melhoria dos desempenhos, a todos os níveis.
As docentes participantes relevam os elevados níveis de partilha, colaboração e coesão entre a
Equipa Educativa, considerando que resultaram num aumento significativo da sua auto-estima e motivação
pela docência, repercutindo-se numa melhoria acentuada no clima e na qualidade do ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De uma forma holística, os dados recolhidos, analisados e tratados ao longo do primeiro ano e meio
de desenvolvimento da nossa investigação permitem-nos verificar que a implementação desta mudança na
organização do processo de ensino, neste contexto específico, potenciou o surgimento de alterações
significativas nos protagonistas do estudo, conduzindo ao surgimento de sinergias favoráveis à melhoria dos
processos de ensino e de aprendizagem.

1322
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Podemos considerar que o modelo de organização do processo de ensino e de aprendizagem


operacionalizado na investigação em curso, ainda que passível de (re)ajustes e melhoramentos, permitiu que
o contexto em intervenção percebesse que “uma outra escola é possível e está ao alcance dos educadores
e dos professores que estão disponíveis para ler, refletir, interagir, trabalhar de outro modo” (Alves,
Formosinho & Verdasca, 2016, p.18). Por outro lado, constituiu uma estratégia privilegiada através da qual a
Equipa Educativa pode criar “novas formas de promover o sucesso” (ibidem), possibilitando que este
estivesse ao alcance de todos os alunos participantes e de cada um deles em particular.
O facto de se terem firmado práticas de análise e reflexão conjunta de todos os aspetos basilares da
ação educativa, de partilharam experiências e saberes e de tomada de decisões e medidas a implementar
coletiva e cooperativamente indicia que se construiu uma liderança pedagógica partilhada nesta Equipa
Educativa e que se desenvolveram sinergias favoráveis a uma mudança na cultura de escola, potenciando o
surgimento de uma Comunidade de Aprendizagem Profissional no seu seio. Resta-nos esperar que se
perpetuem e difundam além do âmbito da investigação.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

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Resolução do Conselho de Ministros n.º 23/2016, de 11 de abril.

1324
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

O PROJETO EDUCATIVO DA COOPERATIVA A TORRE: UM OLHAR HISTÓRICO


SOBRE UMA ESCOLA ALTERNATIVA
[ID 66]

Joaquim Pintassilgo
Alda Namora de Andrade
Instituto de Educação; Universidade de Lisboa
japintassilgo@ie.ulisboa.pt; aldanamora_81@hotmail.com

Resumo
O presente texto tem em vista a apresentação de alguns dos resultados preliminares duma linha de
investigação integrada num projeto de investigação - projeto INOVAR - que tem por finalidade mapear e
caracterizar um conjunto amplo de escolas inovadoras, diferentes ou alternativas que se desenvolveram em
Portugal na segunda metade do século XX. Embora diferenciadas, nos seus fundamentos e no seu percurso,
essas experiências têm em comum o facto de procurarem pôr em causa, parcial ou globalmente, a chamada
forma escolar de educação. Do ponto de vista pedagógico, o que predomina, na maioria dos casos, é um
certo hibridismo resultante de uma apropriação local dos pressupostos e das propostas educativas de um
conjunto de correntes que circularam internacionalmente ao longo do século XX tendo como referência inicial
o movimento da Educação Nova e como grande referência atual o Movimento da Escola Moderna.
Genericamente, podemos considerar que essas propostas delimitam uma tradição pedagógica progressista.
De entre as instituições alvo de estudo, tomamos como exemplo, no que se refere a este texto, o caso da
Cooperativa A Torre, uma escola fundada em 1970, no final do Estado Novo, por Ana Maria Vieira de Almeida
e que se mantém em atividade. O seu projeto educativo elege como eixos centrais, entre outros, uma
organização cooperativa das salas de aula e da própria escola assente em mapas de tarefas, no jornal de
parede e em reuniões gerais, o desenvolvimento de um currículo integrado em que a pedagogia da pergunta
e as chamadas metodologias socráticas são elementos centrais, uma oferta curricular e extracurricular rica e
diversificada e uma avaliação essencialmente formativa. A forma peculiar e criativa como a fundadora e os
educadores de A Torre se apropriaram de elementos diversos da tradição pedagógica progressista dá a esta
escola, como a outras com um perfil idêntico, uma cultura e uma identidade muito próprias.
Procuraremos, nesta comunicação, refletir, numa perspetiva histórica, sobre o caráter inovador do projeto
educativo da Cooperativa A Torre e sua filiação na tradição pedagógica progressista, tendo como referência
algumas das expressões curriculares desse mesmo projeto. Usaremos como fontes principais os textos
resultantes de entrevistas à fundadora e ao atual diretor cujo conteúdo analisaremos.

Palavras-chave: Escola alternativa, Inovação, Tradição pedagógica progressista, Projeto educativo, Forma
escolar de educação.

Résumé
Ce texte prétend présenter certains des résultats préliminaires d’une ligne de recherche intégrée dans le projet
de recherche – projet INOVAR – qui a pour but cartographier et caractériser un vaste ensemble d’écoles
innovatrices, différentes ou alternatives qui se sont développées au Portugal dans la deuxième moitié du XXe
siècle. Quoique différenciées, dans leurs principes fondamentaux et dans leurs trajets, ces expériences ont
en commun le fait qu’elles cherchent à mettre en cause, partiellement ou globalement, ce que l’on appelle la
forme scolaire d’éducation. Du point de vue pédagogique, ce qui prédomine, dans la plupart des cas, c’est un
certain hybridisme conséquence d’une appropriation locale des présuppositions et des propositions
éducatives d’un ensemble de courants qui circulaient dans la scène internationale au milieu du XXe siècle,
ayant comme principale référence l’actuel Mouvement de l’École Moderne. De manière générale, on peut
considérer que ces propositions délimitent une tradition pédagogique progressiste.
Parmi les institutions qui sont sujet de cette étude, on prend comme exemple, dans ce texte, le cas de la
Cooperativa A Torre, une école fondée en 1970, dans la période finale de l’État Nouveau, par Ana Vieira de
Almeida et qui maintient son activité jusqu’à aujourd’hui. Son projet éducatif choisit comme principaux piliers,
entre autres, une structure coopérative dans les salles de classe et de l’école elle-même basée dans des plans
de travail, dans le journal du mur et dans les réunions générales, le développement d’un curriculum intégré où
la pédagogie de la question et les méthodologies socratiques sont les éléments centraux, une offre curriculaire
et extra-curriculaire riche et diversifiée et une évaluation formative. La forme particulière et créative comme la

1325
A Escola: Dinâmicas e Atores

fondatrice et les éducateurs de A Torre se sont approprié des différents éléments de la tradition pédagogique
progressiste donne à cette école, comme à d’autres avec un profil identique, une culture et une identité
uniques.
Dans cette communication nous cherchons à réfléchir, dans une perspective historique, sur le caractère
novateur du projet éducatif de la Cooperativa A Torre et sa filiation dans la tradition pédagogique progressiste,
ayant comme référence certaines expressions curriculaires de ce même projet. Nous utiliserons comme
principales sources les textes issus des entretiens avec la fondatrice et l’actuel directeur dont on analysera le
contenu.

Mots-clés: École alternative, Innovation, Tradition Pédagogique Progressiste, Projet éducatif, Forme scolaire
d’éducation.

O PROJETO INOVAR: BREVE CARACTERIZAÇÃO


Este trabalho insere-se numa das linhas de pesquisa do projeto INOVAR – Roteiros da inovação
pedagógica: escolas e experiências de referência em Portugal no século XX – financiado pela Fundação para
a Ciência e a Tecnologia (PTDC/MHC-CED/0893/2014). O projeto iniciou o seu desenvolvimento em maio de
2016 e tem a duração de 3 anos. O Investigador responsável é um dos subscritores deste artigo (Joaquim
Pintassilgo) e da equipa fazem parte cerca de duas dezenas e meia de investigadores. Além do Instituto de
Educação da Universidade de Lisboa, entidade que serve de sede ao projeto, participam mais três instituições:
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Universidade de Coimbra e Universidade do Minho.
O projeto INOVAR tem como finalidade inventariar e caracterizar um conjunto de escolas ou de
experiências diferentes ou alternativas (em termos parciais ou globais) em relação à forma ou modelo escolar.
Trata-se de um olhar que se pretende histórico, mas que procura pôr em diálogo o passado e o presente
recorrendo a opções metodológicas diversificadas. Pretendemos articular a história dessas escolas ou
experiências, cuja narrativa procuraremos construir, com uma caracterização aprofundada dos projetos
educativos que lhe estão subjacentes, assumindo aqui a centralidade da ideia de projeto em correspondência
com a indicação de João Barroso (2001): “É o ‘projeto’, como espaço formal e estruturado de tradução,
composição e recomposição de regras, que pode constituir o ponto de partida para a alteração da ‘ordem
escolar’” (pp.89-90). Pretendemos, por fim, promover a identificação de um conjunto de práticas educativas
potencialmente inovadoras.
Faz parte do nosso estudo um universo muito diversificado de instituições e experiências educativas,
mais de duas dezenas, onde estão incluídas tanto escolas públicas como privadas, escolas de “elite” e escolas
populares, escolas laicas e escolas confessionais e, ainda, escolas técnicas, artísticas e militares ou
experiências, mais ou menos formais, das áreas da “educação especial” ou do “ensino doméstico”, para dar
alguns dos principais exemplos.
São igualmente diversos os conceitos que têm sido utilizados para descrever esse tipo de
experiências como, por exemplo, os seguintes: “Inovação”, “Escolas de referência”, “Escolas diferentes”,
“Escolas alternativas”, “Escolas experimentais”, Escolas laboratoriais”, “Escolas pioneiras”, “Escolas
paralelas”, “escolas novas”, “escolas ativas”, “outras escolas”, etc. (Viaud, 2005). Não entraremos, aqui, no
debate sobre qual a terminologia mais adequada para descrever essas experiências, o que estará
dependente, de resto, do seu caráter eventualmente alternativo (ou não), do radicalismo das suas opções, do
experimentalismo que arriscam, do vanguardismo que procuram assumir, da exemplaridade a que
ambicionam, entre outras circunstâncias.
Tomando como ponto de partida o conceito de forma escolar, desenvolvido por Guy Vincent e
colaboradores (1994), um conceito paralelo aos de modelo escolar ou de gramática da escola (ou da

1326
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

escolarização), entendemos neste contexto inovação como todo o tipo de práticas que procuram pôr em
causa, total ou parcialmente, as dimensões subjacentes à referida forma escolar. Além disso, e na linha do
que fez Pascal Paulus (2013) no seu estudo sobre A Voz do Operário da Ajuda, torna-se pertinente a
consideração da tese de que a forma escolar não é única, sendo admissível a coexistência de uma pluralidade
de formas escolares.
O caráter diferenciado e o maior ou menor radicalismo de que estão imbuídas as práticas educativas
desenvolvidas no interior dessas escolas ou experiências, conduzem-nos, assim, ao reconhecimento de
maneiras muito diversas de se ser “diferente”. Esse é um pressuposto muito importante que inspira a nossa
investigação. Como nota Rui Canário (2004), reportando-se à Escola da Ponte, esta representa uma
“experiência ímpar” (p.33), tratando-se de um caso que “não pode ser copiado e muito menos exportado”
(p.39). Idêntico é o propósito de Larry Cuban (2003) quando se refere às múltiplas versões, passadas e
presentes, “of ‘good’ schools” (pp.24-25). Da mesma forma, Antoine Prost, no prefácio a uma obra de Marie-
Laure Viaud (2005) dedicada a escolas secundárias francesas “diferentes”, considera como um dos principais
resultados decorrentes desse estudo o facto de terem ficado evidentes “des différences entre établissements
‘différents’” (p.VII). Além disso, como nota Philippe Perrenoud (2002), “as práticas inovadoras não são
dissociáveis do seu contexto” (p.90), ou seja, nenhuma inovação o é fora de um contexto ou de uma dada
temporalidade. Dessa forma, procuramos distanciar-nos de quaisquer olhares descontextualizados ou a-
históricos como, por exemplo, o presente em discursos atuais, representando uma espécie de “moda”, sobre
as proclamadas “boas práticas”. Subscrevemos plenamente a ideia defendida, a este propósito, por Canário
e Santos (2002) quando afirmam: “Esse processo [de produção de “boas práticas”] é um processo incessante,
uma vez que não há nenhuma garantia à partida de que uma experiência seja uma «boa prática» e, muito
menos, que o será para todo o sempre” (p.22). Torna-se aqui necessária a adoção de um olhar crítico sobre
este tipo de noções, sendo, a esse propósito, de total pertinência conceitos como “apropriação”,
“interpretação”, tradução”, etc. inspirados, entre outras correntes, pela História Cultural. Importa, igualmente,
estar atento à complexidade que caracteriza todos os fenómenos educativos, recusando olhares dicotómicos
ou redutores, desconfiando dos “slogans” e dos “lugares-comuns” e evitando a sacralização ou a mitificação
das experiências analisadas.
O projeto tem como delimitação temporal um período circunscrito, no essencial, pelo século XX e
procura captar, ao longo desse período e para o caso português, os principais momentos em que se
desenvolveram experiências de inovação pedagógica, começando pelas Escolas Novas das primeiras
décadas do século XX e terminando com projetos implementados na transição do século XX para o século
XXI e ainda hoje vigentes de que são exemplo as inspiradas por correntes como as pedagogias Waldorf ou
High Scope. Na verdade, as críticas à forma escolar e à escola moderna têm acompanhado, desde o início,
o desenvolvimento deste paradigma, como nota João Barroso (2001), referindo-se a uma das suas principais
dimensões, a graduação escolar:
Pode-se dizer que, desde o início, a organização da escola em classes teve os seus críticos.
Muitos deles, eram pedagogos que estiveram na origem de «planos» curriculares e métodos
de ensino diferentes e geraram movimentos pedagógicos alternativos. Estes movimentos
sobreviveram em escolas privadas ou nas práticas educativas de alguns professores, mas
sempre tiveram um estatuto marginal e foram incapazes de alterar o sistema no seu conjunto.
(p.76)

1327
A Escola: Dinâmicas e Atores

O PROJETO EDUCATIVO DA COOPERATIVA A TORRE


A Cooperativa A Torre foi fundada em 1970 por Ana Vieira de Almeida (mais conhecida por Tana) e
permanece em funcionamento nos dias de hoje. Está localizada no bairro do Restelo em Lisboa. O atual
diretor é Nuno Leitão. Inclui alunos e alunas de três níveis de ensino: educação de infância e 1º e 2º Ciclos
do Ensino Básico.
No que diz respeito às raízes doutrinárias do seu projeto educativo, A Torre é um bom exemplo de
como elas podem ser múltiplas e (mais ou menos) temporalmente distantes simbolizando, de alguma maneira,
a construção (plural) duma tradição pedagógica progressista. Esse percurso está bem definido no excerto
que a seguir se apresenta da entrevista ao atual diretor de A Torre, Nuno Leitão:
Eu sei que é muito caro à Tana o pensamento de António Sérgio e as suas noções de
cooperativismo, de escola cooperativa. Sei, também, que há uma matriz, obviamente, de
inspiração Freinet. Há uma série de referências dessa época. O próprio Dewey é um autor
muito querido da Tana, que marcou de forma indelével algumas das suas conceções do que
é educar. E depois, chegam-nos uma série de outras referências teóricas por via dos
programas que a Tana adotou […], como sejam os programas de matemática, de Georges
Papy e Frédérique, ou o próprio programa de filosofia, de Matthew Lipman, que tem relação
direta com uma série de autores, como Vygotsky que a Tana conhece bem, mas também
com Bruner, por exemplo, que já não é um autor de referência para a Tana. (Entrevista NL,
2016, pp.10-11)
Ao listar, em texto complementar à entrevista, o conjunto de influências de que se achava devedora,
Ana Vieira de Almeida destaca os seguintes educadores: António Sérgio, John Dewey, Cèlestin Freinet, João
dos Santos, Henri Wallon e Matthew Lipman. A influência de António Sérgio surge, aqui, como muito
significativa, e tem, certamente, que ver com o seu projeto de educação cívica através do self-government e
com a sua conceção de cooperativismo, em que A Torre visivelmente se inspira. Em geral, dá conta,
juntamente com Dewey, da influência que o momento Educação Nova teve na construção desse projeto. A
presença de Freinet é, igualmente, marcante remetendo-nos para a importância decisiva que as propostas
do mestre francês, designadamente as suas “técnicas”, tiveram no ressurgimento operado no movimento
pedagógico renovador, em Portugal, a partir de meados do século XX. João dos Santos foi, porventura, a
figura mais marcante, e verdadeiro pivot, desse movimento, tendo estado ligado ao desenvolvimento de um
conjunto amplo de iniciativas. Vygotsky surge, em particular, como expressão da preocupação com a
necessidade de uma constante renovação da inspiração teórica destas experiências relativamente aos
paradigmas iniciais, representados pela Educação Nova e pela pedagogia Freinet. O enraizamento da Torre
na tradição construtivista, designadamente na sua vertente social e cultural, manifesta esse esforço de
reinterpretação permanente dos seus fundamentos. É esse também o sentido da referência a Bruner. Wallon
surge como um dos inspiradores do ideal de educação integral que A Torre procura corporizar na sua vontade
de integrar harmoniosamente as dimensões cognitiva, afetiva e motora. As referências ao trabalho do casal
Papy e a Lipman dão conta de como, para além de contributos teóricos mais gerais, na resposta a situações
e preocupações concretas, as educadoras e educadores de A Torre se apropriam de um conjunto de
propostas ligadas a áreas específicas, seja a Matemática Moderna seja a Filosofia para Crianças (ou, mais
propriamente, Filosofia com Crianças), que circulam no mundo pedagógico. Essa é, seguramente, uma das
originalidades do projeto educativo de A Torre.
Em todo o caso, a filiação nesta tradição complexa e plural acaba por ser uma característica que une
todo um vasto conjunto de experiências alternativas. Tendo como referência a Escola da Ponte, Rui Canário
(2004) afirma que esta não é, nem poderia ter sido, “inteiramente original”, já que estava subjacente “um elo
de continuidade com um património de profissionalismo autónomo” consubstanciado, em particular, nos

1328
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

movimentos da Educação Nova e da Escola Moderna. Concluindo a sua ideia o autor afirma o seguinte: “A
experiência da Escola da Ponte situa-se numa linha de continuidade relativamente a este património comum,
mas vai mais além” (p.38). Poderíamos dizer algo semelhante em relação a outros casos, como o da Torre o
que nos conduz à possibilidade de considerar a existência de uma “tradição de inovação”, para utilizar uma
noção cunhada por Peter Burke (2007), ou de uma “tradição progressista” (Jackson, 1986), em todo o caso
plural e em diálogo com outras “tradições”. Esta é uma realidade que deve ser olhada de forma complexa e
dialética.
Como expressão desse enraizamento múltiplo e temporalmente descontínuo, a pedagogia adotada e
praticada na Torre tem o hibridismo como uma das suas imagens de marca. Isso é assumido, de forma clara,
pelo seu atual diretor ao fazer o balanço do legado da fundadora da escola.
Diria que aquilo que eu acho que poderia verdadeiramente distinguir a Torre […] não é
propriamente um rasgo, ou uma visão particularmente mais avançada do que outras escolas,
aí estamos nivelados com uma série de outros projetos igualmente interessantes, mas
sobretudo uma coisa que é uma particularidade da Torre e que se deve muito ao espírito
eclético da Tana, a nossa fundadora, e que ficou como cultura da casa, que é a capacidade
que nós temos de ir fazendo coisas, sem nos fixarmos em nenhum modelo rígido, em
nenhuma fórmula acabada de as fazer. E isso, de facto, eu acho que há poucas das escolas
que conheço, mesmo as mais inovadoras, que tenham sido capazes de o fazer. (Entrevista
NL, 2016, p.29)
É a própria Ana Vieira de Almeida que, na respetiva entrevista, reafirma essa opção por um certo
ecletismo ao relatar o afastamento que se verificara, a certa altura, entre o projeto da escola e o do Movimento
da Escola Moderna: “Nunca fui purista e muito menos dogmática” (Entrevista AVA, 2016, p.8). De resto, a
fundadora reconhece de forma aberta a importância que teve a inspiração inicial constituída pela pedagogia
Freinet e pelo Movimento da Escola Moderna:
Sim, [a influência do MEM foi] a que deu melhor resposta aos meus anseios e necessidades.
A pedagogia Freinet encerra os mais sólidos ensinamentos para que a escola seja um local
de vida, liberdade e bem-estar; onde as crianças e professores possam gostar de ensinar e
aprender, porque todos são convidados a tornarem-se responsáveis pelas suas escolhas e
atos, onde todos são respeitados e valorizados. O segredo é a proposta de organização
cooperativa da classe – que pode e deve ser alargada a toda a escola – e o direito à livre
expressão. (ibidem, p.6)
Uma conceção cooperativa da organização e do trabalho na escola surge, como vemos, como um
elemento central do projeto pedagógico que A Torre procura concretizar. É também um ponto de união e de
diálogo entre os momentos Educação Nova e pedagogia Freinet da tradição progressista em que A Torre se
procura inserir e que tem como ponto de partida a ideia, bem presente no excerto que se segue retirado da
entrevista do atual diretor, de que a criança está no centro do processo de formação integral desenvolvido
num contexto educativo como este.
Uma escola que organiza, por exemplo, os tempos de trabalho dos miúdos em função do seu
biorritmo […] é uma escola que se organiza em função daquilo que é significativo e importante
para os miúdos […]. Tudo aqui começou com um propósito que era os miúdos nas salas
poderem organizar-se de modo cooperativo, desenvolverem um trabalho cooperativo na sua
sala de aula. E toda a escola se converte ela própria numa cooperativa. (Entrevista NL, 2016,
p.7)
A postura aberta da Torre, a que já nos referimos, torna-a um bom exemplo de como uma comunidade
educativa, na prossecução do seu próprio projeto, se apropria, de forma criativa e única, do conjunto de ideias
que integram, à partida, o património pedagógico progressista a que já aludimos e que lhe serve de referência.
Desafiado a identificar o que, na sua perspetiva, de mais inovador podemos encontrar em A Torre, o mesmo
Nuno Leitão adianta o seguinte:
[As experiências de inovação] são uma constante. A filosofia com crianças, sem dúvida, e
todos os projetos que, a partir dela se desenvolveram, nomeadamente, um jornal europeu –

1329
A Escola: Dinâmicas e Atores

o 100 – de filosofia com crianças; o programa de matemática, assumindo-a como uma


linguagem eminentemente relacional; a introdução dos computadores nas salas de aula […].
Mas depois há outras inovações que eu acho interessantes e que passam mais
despercebidas, são menos evidentes. Por exemplo, a forma como a nossa colega Anita se
apropriou do método das 28 palavras e recriou-o a partir de uma base narrativa, que é
absolutamente fantástica, e que cria para os miúdos um contexto, ao longo do ano,
absolutamente pródigo de significado, onde eles conseguem inscrever a sua própria
experiência no processo de aquisição da leitura e da escrita […]. Este é, do meu ponto de
vista, um processo superinovador, introduzido por uma colega e depois partilhado com toda
a equipa. (Entrevista NL, 2016, pp.22-23)
A ideia de apropriação criativa está muito presente nesta apresentação do método de aprendizagem
da leitura e da escrita desenvolvido na escola tendo como ponto de partida o chamado método das 28
palavras. Esta citação remete-nos para uma outra questão que é certamente transversal a algumas destas
experiências, o papel decisivo que os atores (em particular, diretores ou diretoras, educadores ou educadoras)
foram tendo na recontextualização local das inovações. Conduz-nos, ainda, à ideia de comunidade educativa
e à partilha das inovações no interior dessa mesma comunidade.
Igualmente importante, para compreender a trajetória duma escola como A Torre é a consideração
de que ela se foi inserindo num conjunto mais vasto de redes que se foram estabelecendo no campo
educativo, nacional e internacional, e que foram ligando atores e instituições unidas pela vontade de inovar e
de educar de forma diferente. Isso está bem presente na entrevista de Ana Vieira de Almeida, em particular
na referência que ela vai fazendo a um conjunto de pessoas que foram, em diferentes momentos, muito
importantes para o percurso da escola com destaque para as fundadoras Lígia Monteiro e Ana Sofia
Monjardino; as sócias Leonor Alvim e Teresa Levy; Maria Amália Borges, outra das figuras de referência, com
João dos Santos, do movimento de renovação pedagógica desencadeado a partir de meados dos anos 50;
Rosalina Gomes de Almeida, ligada ao Ellen Keller, outra das experiências inovadoras nascidas nesse
período, e também à fundação, com Sérgio Niza, do Movimento da Escola Moderna na segunda metade dos
anos 60; Manuela Cruz, educadora muito ligada a João dos Santos e, ainda hoje, a outra dessas experiências,
o Pestalozzi, igualmente dos anos 50; Maria José Rau, uma das fundadoras do Externato Fernão Mendes
Pinto, mais uma das referidas experiências, fundado já no final dos anos 60; Roger Ueberschalag, do
Movimento da Escola Moderna de França; Zoé Barbeitos, esposa de João dos Santos e educadora na
instituição; Vítor Pereira, ligado à experiência da Matemática Moderna; Ann Margaret Sharp e Catherine
Young Silva, formadoras no âmbito da Filosofia com crianças, e, ainda, Glória Marreiros, José Francisco
Neréu, Teresa Dutra e Maria José de Figueiroa-Rego. A importância que a inserção em redes teve para este
tipo de experiências é igualmente sublinhada, tendo como referência o caso francês, por Marie-Laure Viaud
(2005):
La très grande majorité des écoles différentes forment ce que les ethnologues appellent un
‘monde d’interconnaissance’ ou ‘d’interrelations’ constitué d’un ensemble de réseaux, de
personnes qui se connaissent et luttent depuis longtemps ensemble pour l’existence
d’établissements différents. Ils ont des objectifs, des moyens d’y parvenir et des démarches
similaires, partagent la même histoire et se reconnaissent une même filiation avec les
pionniers des pédagogies différents. (p.6)
Um estudo como o aqui apresentado implica que estejamos conscientes da necessidade de conjugar
a paixão, que inevitavelmente desperta em nós, por projetos educativos fascinantes como o da Torre e a
conveniência de conseguir preservar um desejável distanciamento crítico, apanágio da investigação histórica
e social. Esse olhar crítico e distanciado pode conviver com a manutenção da crença de raiz iluminista na
possibilidade de “reinventar a escola” ou de atribuir “um outro sentido à escola”, e de através dela transformar
a sociedade, que está muito presente nos discursos renovadores e que ainda hoje nos motiva, mesmo que

1330
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

subscrevamos a chamada de atenção de Antoine Prost no já referido prefácio à obra de Marie-Laure Viaud
(2005): “L’idée même de créer, par une école entièrement libre de son projet, une société nouvelle,
radicalement différente, est profondément utopique” (p. X).

REFERÊNCIAS
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a utopia e a burocracia (pp.63-94). Porto: Edições ASA.
Burke, P. (2007). Cultura, tradição, educação. In D. Gatti Júnior & J. Pintassilgo (Org.). Percursos e desafios
da pesquisa e do ensino de História da Educação (pp.13-22). Uberlândia: Edufu.
Canário, R., Matos, F. & Trindade, R. (Org.) (2004). Escola da Ponte: defender a escola pública. Porto:
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Canário, R. & Santos, I. (Org.) (2002). Educação, inovação e local. Setúbal: Instituto das Comunidades
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Cuban, L. (2003). Why is it so hard to get good schools? New York: Teachers College Press.
Jackson, P. W. (1986). The practice of teaching. New York and London: Teachers College Press.
Paulus, P. (2013). Uma outra forma de fazer escola: a Voz do Operário da Ajuda (Tese de Doutoramento).
Lisboa: Instituto de Educação, Universidade de Lisboa.
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Edições ASA.
Viaud, M.-L. (2005). Des collèges et des lycées ‘différents’. Paris : Presses Universitaires de France.
Vincent, G. (1994) (Dir.). L’éducation prisonnière de la forme scolaire? Scolarisation et socialisation dans les
sociétés industrielles. Lyon: Presses Universitaires de Lyon.

1331
A Escola: Dinâmicas e Atores

INCLUSÃO EDUCACIONAL - COREOGRAFIAS PEDAGÓGICAS


NA SALA DE AULA
[ID 310]

Giovana Rodrigues Oliveira Pires


Adelaide Paredes da Silva
Almadaforma/CFAEC
giovana.o.pires@gmail.com; adelaideparedessilva@gmail.com

Resumo
A presente comunicação tem como principal objetivo discutir os princípios da inclusão educacional,
relacionando-os com os conceitos inerentes ao tema das coreografias pedagógicas, no contexto da sala de
aula. Implica perceber a dimensão da educação inclusiva tendo em conta aspetos objetivos, subjetivos e a
dimensão quotidiana da aula. Os aspetos objetivos consistem no planeamento e nas atividades pedagógicas.
Os aspetos subjetivos visam identificar os significados, os sentimentos, as conceções e as interpretações dos
professores sobre as suas práticas letivas. E a dimensão quotidiana aborda a rotina da sala de aula referida
nas coreografias de ensino. Nesse contexto Zabalza (2004 e 2006) apreciou as diversas dimensões que
enriquecem as boas práticas docentes através da conexão entre o ensino e os passos de aprendizagem.
Enquanto Oser & Baeriswyl (2001) nos incita a refletir sobre o estilo de ensino do professor, como uma
construção que congrega as estruturas visíveis (percetíveis pelo grupo), mas, também, a dimensão não visível
(linguagem não verbal dos professores) na aula em que colabora para aperfeiçoar e redimensionar a sua
ação pedagógica. As componentes enunciadas traduzem uma analogia entre as coreografias (palco,
coreografo, performance, ritmo, movimento e gestos etc.) e podem ser identificadas como mobilizadoras da
qualidade da intervenção educativa. A metodologia utilizada para o referido estudo é de natureza qualitativa.
Discute o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (Minayo, 2001), o que
corresponde a uma espaço mais profundo para apreender a totalidade dos aspetos conceituais envolvidos.
Este estudo possibilita a reflexão crítica sobre o sentido plural da aula e, como tal, não pode ser pensada num
enquadramento previsível e padronizado (Barboza, 2012) mas com o interesse de desenvolver a formação
contínua, de modo a melhorar a prática docente, em contextos de diversidade e da escola inclusiva.

Palavras-chave: Inclusão, Coreografia Pedagógicas, Práticas Educativas.

Résumé
Cette communication vise à discuter les principes de l'inclusion de l'éducation, les rapportant aux concepts
inhérents au thème de l'enseignement des chorégraphies pédagogiques dans le contexte de la salle de classe.
Implique comprendre la dimension de l'éducation inclusive, en tenant compte des aspects objectifs,
subjectives et la dimension quotidienne de la salle de classe. Les aspects objectifs s’occupent de la
planification et des activités pédagogiques.Les aspects subjectifs sont destinés à identifier les significations,
les sentiments, les conceptions et les interprétations des enseignants sur leurs pratiques d'enseignement. La
dimension quotidienne aborde la routine de cette classe par rapport aux chorégraphies de l’enseignement.
Dans ce contexte Zabalza (2004 et 2006) analyse les différentes dimensions qui enrichissent les bonnes
pratiques d'enseignement à travers le lien entre l’enseignement et les étapes d'apprentissage. Tandis que
Oser & Baeriswyl (2001) nous invite à réfléchir sur le style d'enseignement de l'enseignant, comme un bâtiment
qui rassemble les structures visibles (perceptibles par le groupe), mais aussi la dimension non visible (langage
non-verbale des enseignants) dans la classe qui collabore pour optimiser et redimensionner son action
pédagogique. Les composants répertoriés traduisent une analogie entre les chorégraphies (scène,
chorégraphe, performance, rythme, mouvement et gestes, etc.) et peuvent être identifiés comme les moteurs
de la qualité de l’ intervention éducative. Cette étude c’est un moyen pour faire une réflexion critique sur le
sens pluriel de classe et, en tant que telle, ne peut pas être considéré comme un cadre prévisible et standardisé
(Barboza, 2012), mais concernant l'intérêt de développer la formation continue dans ce domaine, afin
d'améliorer la pratique de l'enseignement dans des contextes de diversité et de l’école inclusive.

Mots-clés: Inclusion, Chorégraphies Pédagogiques, Pratiques Éducatives.

1332
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

COREOGRAFIAS PEDAGOGICAS EM CONTEXTOS INCLUSIVO


“Ensinar exige ARTE, uma boa dose de intuição, uma grande dose de
conhecimento,observação, dedicação, imaginação, técnica e objetividade.”
O objetivo deste artigo é apresentar uma discussão conceitual sobre o tema Coreografias
Pedagógicas enfatizando suas contribuições para a escola inclusiva. Este termo, inicialmente, foi utilizado por
Oser & Baeriswyl (2001) que o denominou de Coreografias de Ensino ao configurar a dança didática na
relação entre o ensinar e o aprender através da lente metafórica das coreografias.
Zabalza (2004), neste interim, abordou o tema Coreografias Didáticas como uma proposta para refletir
o planeamento de ensino a partir das possibilidades de aprendizagem dos professores e alunos, auferindo-
se de estratégias didáticas infinitas e previsíveis para organização da aula universitário.
Na compreensão das Coreografias Pedagógicas, os professores são os coreógrafos dos contextos
de aprendizagem dos bailarinos, seus alunos. Os professores organizam coreografias (estratégias de
aprendizagem) que 'postas em cena' orientam o processo de aprendizagem dos estudantes (Zabalza, 2006).
Essas situações ocorrem no palco que é compreendido como a sala de aula junto da plateia que retrata o
grupo na construção de sua aprendizagem.
Neste contexto, faz-se referência ao uso da metáfora através das coreografias para o espaço de
ensino e aprendizagem sensibilizando a escola em pensar sobre o significado da encenação e dos adereços
utilizados pelo coreógrafo/professor para enriquecer sua dança didática construída a partir do enredo e dos
movimentos (passos) dos bailarinos/alunos (Pires, 2015).
Para Oser & Baeriswy (2001), as coreografias de ensino estão estruturadas em quatro (04) níveis.
O primeiro nível faz alusão a antecipação em que os professores fazem o diagnóstico das
aprendizagens para conhecer os seus alunos com o objetivo de iniciar a planificação das atividades
pedagógicas pertinentes as necessidades e interesses do grupo.
No segundo nível temos a colocação em cena do professor e dos recursos utilizados bem como as
condições para o processo de ensino e aprendizagem, composta pelas intervenções e dinâmicas na prática.
O terceiro nível, é denominado modelo base da aprendizagem pois considera a sequência de
operações mentais ou atuações práticas que o aluno executa para alcançar a aprendizagem que serão
facilitadas e enriquecidas pela mediação pedagógica do professor em cena através das coreografias
planeadas.
E, o quarto nível, retrata o produto da aprendizagem do aluno que será resultante da orquestração
para estimular a sequência de operações (mentais e/ou práticas) desenvolvidas pelo mesmo. O critério para
sua realização é a presença das condições favoráveis para a construção de conceitos e práticas que
impliquem em tornar os alunos protagonistas e autónomos do seu aprendizado.
Estes níveis nos permitem apreender a aula pela vertente da metáfora das coreografias pedagógicas,
ao procurar discutir o script da sala de aula que serve de orientação para os professores como uma cadeia
de ações afins, composta por elementos necessários à sua encenação e, posteriormente, a uma avaliação
da performance do processo de ensino e aprendizagem.
Oser & Baeriswyl (2001 citado por Barboza 2012, p.84) utilizam a metáfora das coreografias
procurando anunciar o rompimento com o paradigma em que os estudantes/bailarinos são submetidos a
dançar conforme a música, “o que se observa ainda na sua forma de pensar a metaforização da coreografia
de ensino à uma racionalidade técnica que reduz a atividade prática aos meios para atingir os fins, nesse
caso a performance da aprendizagem”.

1333
A Escola: Dinâmicas e Atores

Neste sentido, a estética pedagógica é um fator que sensibiliza a prática do professor pois fomenta a
perceção e a sensibilidade, por meio da criatividade, da autonomia na produção e fruição do conhecimento.
Amplia possibilidades cognitivas, e também afetivas e expressivas na prática por meio de uma série de
elementos como as sequências didáticas, relações interativas, comunicação verbal e não verbal, texto e
contexto que configuram um modo de tecer as aulas.
De modo análogo, outros aspetos que são considerados na arte como relevantes para a apreciação
do espetáculo são referenciados por Oser & Baeriswyl (2001) ao denominar as estruturas visíveis e não
visíveis na prática pedagógica do professor que colaboram para vivenciar as aulas de maneira reflexiva,
reconstruída e reelaborada.
De um lado, os elementos visíveis compreendem o planeamento, os recursos materiais, os elementos
organizativos da aula e as atividades didáticas que evidenciam objetivamente as formas de responder as
necessidades individuais e do grupo na intervenção realizada pelo professor. Por outro lado, os elementos
não visíveis tratam das conceções e práticas dos professores, dinâmica da aula, interpretações e os
sentimentos que são suscitados diante as diferentes performances que resultam na construção do
conhecimento e aprendizagem do grupo.
Objetivamente estes autores referem-se a “um nível externo e visível, composto por elementos
materiais, organizativos, operativos e dinâmicos que configuram um espaço de ação e pensamento; e um não
visível que consiste nas operações mentais e dinâmicas afetivas que sucedem dentro dos sujeitos” Oser &
Baeriswyl, (2001 citado por Barboza 2012, p.80).
Neste sentido, as coreografias pedagógicas efetivam o encontro da encenação através da linguagem
verbal e não-verbal no palco/sala de aula pelo coreógrafo/professor que não só ensina, mas constrói um
trabalho vinculado ao tipo, estilo e forma como os bailarinos/alunos constroem o conhecimento.
As coreografias pedagógicas consideram a performance através das estratégias didáticas que
desvelam o novo, o imprevisto e que são essenciais no contexto das aulas. Suscita-se, desta forma, o
conhecimento do script, do contexto de trabalho e das práticas desenvolvidas em sala.
Esta postura enriquece o trabalho pedagógico do professor no que concerne a parte livre da
coreografia, a parte que está continuamente sendo readaptada pelos e para os alunos. Nesta performance
coletiva desenvolve-se a ação do professor, ao criar e recriar sua ação didática para diferentes alunos,
principalmente, para aqueles que apresentam Necessidades Educativas Especiais (NEE).

Interface entre Coreografias Pedagógicas e Inclusão


Neste cenário podemos considerar as coreografias pedagógicas como todo o movimento que
professor e alunos fazem no sentido de ensinar e aprender. Essa compreensão ressalta algumas imagens
sinuosas, a exemplo de sequência de passos, movimentos, ritmos, temporalidade, expressividade,
performance, dentre outras, Barboza (2012) que nos remetem à dança, ao teatro, ou à música ao simbolizar
à dinâmica da sala de aula.
Nossa intenção é fazer a interface entre as coreografias pedagógicas e à inclusão no que se refere
ao enriquecimento das estratégias pedagógicas para todos os alunos, notadamente, para àqueles que
apresentam NEE.
Acreditamos, que coreografar nossas aulas diante a diferença corrobora para que possamos a partir
das intervenções pedagógicas suscitadas estimular as potencialidades dos alunos.

1334
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

É na encenação da aula que a gestualidade corporal do professor permite criar um espaço de


comunicação a partir da sensibilidade e criatividade pedagógica em sala de aula. Ultrapassa-se, desta forma,
ao mero gesto mecânico, mas se constrói um gesto expressivo por meio de um diálogo recetivo e interativo.
É sabido que no contexto escolar os professores têm suas próprias hipóteses e teorias sobre o modo
como os alunos aprendem, e que são fruto das crenças e conceções que, às vezes, são muito próximas ao
próprio conceito de aprender do professor (Zabalza, 2004). Nesse caso, constrói-se equívocos conceituais
que acabam por selar situações de rejeição que podem ser visíveis ou não visíveis no contexto da sala de
aula e que estigmatizam os alunos mais ´vulneráveis` que apresentam dificuldades em responder aos
objetivos propostos.
Desta forma, descortinar estes roteiros previamente constituídos é sine qua non para que possamos
criar um novo script em que a docência não deve se configurar como uma prática sem fundamentos e sem
reflexões. Mas desenhar e mapear o espaço da sala de aula com os movimentos, linguagem corporal e o
feedback proposto com o ritmo de cada aluno e do grupo.
Esta configuração enriquecida para olhar além, colabora para a interlocução entre temporalidade,
escuta ativa, gestos, ritmos diferenciados, ou seja, o processo de ensinar a partir das coreografias
pedagógicas “os alunos” independente de suas condições cognitivas, emocionais e/ou socioculturais.
Entra-se em contato com o mundo sensível, agindo sobre ele com afeto, cognição, ação; e constroem
para si um repertório percetivo de cores, texturas, sabores, gestos e sons, atribuindo a cada coreografia
executada, sentidos e organizações diferentes sem “pré-conceitos”. Professor e alunos rompem com
significações já construídas e colocam o desafio de desconstruir e reconstruir outros significados.
O enriquecimento da performance dos professores será regido pela coreografia mútua na sala de aula
através dos movimentos individuais, da alternância do discurso e da coordenação de olhares entre professor
e alunos que autoriza o erro, o imprevisto, o novo nesta dança silenciosa que constitui as aulas na sua mais
profunda singularidade.
No contexto das coreografias pedagógicas pensar, hipotetizar e discutir coletivamente, maior será a
possibilidade de se produzirem condições favoráveis para a construção do processo de aprendizagem. Tal
condição pode incitar a apreciação de coreografias mais elaboradas que são definidas pelas condições do
cenário (o espaço e a sua exploração).
É nessa relação de ensino-aprendizagem que desvelamos as práticas encenadas configurando a
valorização da produção criadora e espontânea que influencia face a face os coreógrafos e bailarinos. Sugere-
se estratégias que auxiliem o aluno a superar as suas dificuldades, ultrapassar a rigidez dos passos
oferecendo reflexão para o tempo de construção.
A coreografia pedagógica é uma proposta que abre um campo fértil para entender a dança didática
que será executada na aula, ou melhor, o conjunto de movimentos e a sequência deles que compõe a
identidade do grupo.
Neste sentido as variações de uma coreografia seriam para o contexto inclusivo as diferentes formas
de intervenção do professor para o aluno ou para o grupo através dos objetivos pretendidos e práticas
diferenciadas. Ressalta-se a valorização do aluno a partir da sua iniciativa e dos seus interesses, da
identificação das suas potencialidades, da forma como o aluno realiza a sua tarefa, a tutoria estabelecida no
grupo com o envolvimento da turma a partir das estratégias propostas.

1335
A Escola: Dinâmicas e Atores

Significa que as atividades criativas dos bailarinos/alunos durante a execução da tarefa seriam
mediadas pelo coreógrafo/professor e pela observação dos procedimentos didáticos que, inicialmente, dizem
respeito à comunicação, a sincronia e a sintonia da coreografia baseada na interatividade na aula.
Neste caso, a dimensão performativa dos gestos, dos olhares, das intenções, das emoções etc. que
se configuram na espacialidade da sala de aula constituiria a riqueza da própria encenação (prática
pedagógica) colaborando para a qualidade pedagógica e pela resposta a interesses e necessidades dos
bailarinos/alunos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Diante os desafios que são postos a educação inclusiva propomos neste artigo trazer a contribuição
das coreografias pedagógicas para a prática do professor. A discussão sobre conceções e práticas encenadas
na sala de aula visam colaborar para a construção de novos saberes num intenso e dinâmico dialogo com a
ser proposto entre as coreografias pedagógicas e o contexto inclusivo.
Referenciamos processos criativos baseados na metáfora das coreografias que suscitam no cenário
da sala de aula, a sensibilidade e a criatividade do professor através de sua autorreflexão sobre aspetos que
compreendem desde sua atenção ao posicionamento do corpo à expressividade gestual que circunscrevem
as interações comunicativas na sala de aula. Nessa coreografia, cabe tanto ao professor quanto ao aluno
envolver-se em função de um dado planeamento que seja flexível e dinâmico.
Por isto, somos assertivos, que o uso de estratégias mais elaboradas através da analogia com as
coreografias pedagógicas possibilita ao professor caminhar em busca da articulação de cada passo
planificado, cada atividade proposta, cada movimento estabelecido, cada feedback necessário, cada ação do
aluno em busca da construção do seu conhecimento e autonomia.
Consideramos que o professor em sala de aula deve estar atento as diferentes formas de intervir nas
aulas, na execução e modificação das tarefas e, ao mesmo tempo, na reestruturação de outro roteiro, junto
com seus alunos. Assim, passaria a refletir sobre as diferentes estratégias, planificadas ou improvisadas, a
partir da perspetiva pretendida ou das pistas percebidas, que dinamizam, dessa forma, as suas intervenções
pedagógicas.
Mas a maior virtude da compreensão da aula a partir da noção de coreografia pedagógica é poder
respeitar os ritmos diferenciados dos alunos acompanhando sua performance sem descurar do uso da
linguagem artística que é inerente ao trabalho do professor. Acreditamos que esta sintonia revelaria a alegria,
a surpresa, a descoberta, o espanto, o envolvimento, enfim, diferentes emoções que subsidiaria positivamente
“os alunos” independente de sua forma de aprender e construir o seu conhecimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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doutoramento em Ciências da Educação. Especialidade em Formação de Professores apresentado
à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.
Pires, G. (2015). Inclusão - Coreografias Pedagógicas. In Seminário de Vida Inclusivos – Parcerias e
Respostas. Almada. Portugal. 10 e 17 de Jan. 2015. Auditório Garcia de Orta.

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Oser, F. K & Baeriswyl, F. J. (2001). Choreografiaes of teaching: bridging instruction to teaching. In


Richardson, V. (Edit). Handbook of research on teaching (4ªEd.) (pp.1031-1035). Washington:
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Zabalza, M. A. (2006). Innovación en la Enseñanza Universitaria: el proceso de convergencia hacia un Espacio
Europeo de Educación Superior. Educação. Porto Alegre, 31 (3). Set./Dez.
Zabalza, M. (2004). A didática universitária: un espazo disciplinar para o estudo e melhora da nossa docência.
Discurso inaugural lido na solenidade de abertura do curso académico. Universidade de Santiago de
Compostela.

1337
A Escola: Dinâmicas e Atores

A FAMÍLIA COMO PROMOTORA DE INOVAÇÃO EDUCATIVA NO CONTEXTO DA


INICIAÇÃO MUSICAL
[ID 43]

Adalgisa Pontes
Luísa Orvalho
Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Conservatório de Música de Barcelos; Universidade Católica
Portuguesa
adalgisapontes@ese.ipvc.pt; luisa.orvalho@gmail.com; lorvalho@porto.ucp.pt

Resumo
O presente artigo apresenta os resultados de uma investigação empírica realizada no âmbito da Unidade
Curricular de Prática Profissional, do Mestrado de Ensino de Música, da Escola das Artes, da Universidade
Católica Portuguesa, Católica Porto, no ano letivo 2015/2016, sob o título “A família como promotora de
inovação educativa no contexto da Iniciação Musical”. O estudo inscreve-se na problemática de melhoria da
prática pedagógica no que ao relacionamento entre a família e a escola do ensino especializado da música
diz respeito. Neste contexto de prática pedagógica supervisionada foram ensaiadas diversas ações
inovadoras para promover o reforço das dinâmicas de participação em ação dos encarregados de educação
e outros familiares dos alunos, nas aulas de Iniciação Musical, das quais será aqui destacada uma aula aberta
denominada “Música em família”, realizada no Conservatório de Música de Barcelos, com os alunos do Curso
de Iniciação Musical (1º Ciclo do Ensino Básico) e os seus familiares.
O estudo que decorreu entre janeiro e maio de 2015, seguiu uma abordagem metodológica de aproximação
à investigação-ação, e as técnicas de recolha de dados foram a observação direta informal e participante, a
análise documental e o inquérito por questionário.
Foi possível identificar repercussões muito positivas não só na prática pedagógica e nas aprendizagens dos
alunos, mas também, na satisfação dos familiares dos alunos e na dinâmica da própria escola e na
organização do trabalho escolar. O trabalho colaborativo com a família dos alunos do ensino artístico constitui
uma aliança fundamental e uma prática inovadora de ação educativa neste contexto.

Palavras-chave: Práticas inovadoras de colaboração, Ensino Especializado da Música, Relação Escola-


Família, Iniciação Musical.

Résumé
Le présent article présent les résultats d'une investigation empirique realisée au champ d'action de l'Unité
Curriculaire de Pratique Professionnelle, du Maîtrise de l'Enseignement de Musique, de l'École des Arts,de
l'Université Catholique Portugaise, Catholique Porto, pendant l'année lective 2015-2016, sous le titre" La
famille comme promotrice d'innovation éducative au contexte de l'Initiation Musicale". L'étude š'inscrit dans la
problématique d'amélioration dans la pratique pédagogique concernant la relation entre la famille et l'école
d'enseignement spécialisé de Musique.
À ce contexte de pratique pédagogique supervisionnée plusieures actions innovatrices ont été essayées pour
encourager le renfort des dynamiques de participation en action des chargés d'éducation et d'autres membres
de la famille des élèves, dans les classes d'Initiation Musicale.
On donnera du relief à une classe ouverte denommée" Musique en famille",realisée au Conservatoire de
Musique de Barcelos, avec les élèves du Cours d'Initiation Musicale 1ér Cicle de l'Enseignement Basique et
leurs familiers.
L'étude, qui š'est realisé entre Janvier et Mai de 2015, a utilisé une abordage méthodologique de
rapprochement à l'investigation-action et les techniques de recueillement de dés ont été l'observation directe
informal et participative, l'analyse documentaliste et l'enquête à travers de questionnaires.
Il est été possible d'identifier des répercussions très positives, non seulement dans la pratique pédagogique
et dans les apprentissages des élèves, mais aussi dans la satisfaction des familiers des élèves et dans la
dynamique de la propre école et dans l'organization du travail á l'école.
La collaboration avec la famille des élèves de l'enseignement artistique constitue une alliance fondamentale
et une pratique innovatrice de l'action éducative à ce contexte

1338
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Mots-clés: Pratiques Innovatrices de Collaboration, Enseignement Specialisé de la Musique,


Rapprochement, École-Famille, Initiation Musicale.

INTRODUÇÃO
Breve enquadramento
A legislação atualmente em vigor reconhece que a Iniciação Musical destina-se a alunos que
frequentam o 1.º ciclo do Ensino Básico, no ensino especializado da música e, em 2008 tinha um volume
mínimo de cento e oitenta minutos semanais, repartido pelas disciplinas de Classe de Conjunto, Formação
Musical e Instrumento (Despacho n.º 17932/2008, de 3 de julho). Quatro anos mais tarde, e através da
publicação da Portaria n.º 225/2012, de 30 de julho e da Declaração de Retificação 55/2012, de 28 de
setembro (estabelece o regime de organização das iniciações em Música no 1.º Ciclo do Ensino Básico), a
duração global mínima passou para cento e trinta e cinco minutos semanais. Esta organização das iniciações
apenas se refletiu na flexibilização e duração das aulas já que as disciplinas mantiveram-se as mesmas, de
acordo com o artigo 3º da referida Portaria
As iniciações em Música integram disciplinas de conjunto como Classes de Conjunto e
Formação Musical e a disciplina de Instrumento, esta última com a duração mínima de 45
minutos, lecionada individualmente ou em grupos que não excedam os quatro alunos.
Foi neste contexto, e na disciplina de Formação Musical, que se trabalhou no sentido da família
desempenhar, juntamente com a escola, um papel central na estimulação de vivências artísticas e culturais
significativas nos alunos, considerando que a escola sem os encarregados de educação:
no puede cumplir cabalmente su labor de entregar aprendizajes de calidad a los alumnos, no
puede fomentar el compromiso de los estudiantes con sus estudios, complementar las
enseñanzas en cuanto a hábitos y disciplina ni conocer la realidad de vida ni las
características particulares de cada niño (Pérez, Cortese & Gallardo, 2007, p.17).
Consideramos que a “colaboración recíproca de padres, madres, maestros y maestras provoca una
vinculación afectiva muy positiva en la tarea educativa” (Laguía & Vidal, 2013, p.25). Assim evocamos o
pensamento de Alsina (2008), quando considera que:
innovación educativa equivale al ensayo de una orquestra que tiene como objetivo analizar
los requerimientos que una obra refleja en la partitura musical (la sociedad, la realidad),
unificar criterios y compenetrar al grupo de intérpretes (el colectivo educativo) de forma que
se escuchen y «hablen» un mismo linguaje (p.45).
Este analisar é espelhado neste artigo na reflexão sobre o estudo que se inscreve na problemática
de melhoria da prática pedagógica no que ao relacionamento entre a família e a escola do ensino
especializado da música diz respeito. Foram ensaiadas diversas ações inovadoras para promover o reforço
das dinâmicas de participação dos encarregados de educação e outros familiares dos alunos do
Conservatório de Música de Barcelos do primeiro ciclo do ensino básico com o objetivo de unificar critérios
para que o colectivo educativo escute e fale a mesma linguagem.
A cultura profissional docente no ensino especializado da música é ainda muito individualista e o
reconhecimento da importância do trabalho colaborativo, não só dentro da instituição, mas também fora da
mesma está a dar os primeiros passos.

Do plano para ação


O estudo, seguiu uma abordagem metodológica de aproximação à investigação-ação, decorreu entre
janeiro e maio de 2015 e as técnicas de recolha de dados foram a observação direta informal e participante,
a análise documental e o inquérito (por questionários aos alunos de iniciação musical).

1339
A Escola: Dinâmicas e Atores

Ao nível da relação com dos encarregados de educação estes assumem um papel fundamental no
fazer aprender do seu educando, por isso julgamos crucial que haja um contacto permanente, seja de forma
formal ou informal. Assim, e para reforçar esse contacto foi implementada uma aula aberta intitulada “Música
em Família”. Nesta aula cada aluno teve a oportunidade de convidar um familiar/amigo para participar sendo
que as atividades foram selecionadas previamente pelos próprios alunos. A aula constituiu um grande desafio
por duas razões, uma por se realizar no final de uma audição na qual alguns alunos participaram e a outra
porque os alunos que participaram na audição convidaram todos os familiares que assistiram à mesma para
realizar a aula aberta. Desta forma os alunos poderiam estar cansados no final da audição e também poderiam
trazer demasiados convidados e colocar em risco a atividade prevista.
Esta atividade revelou-se bastante estimulante para os alunos e seus convidados, a julgar pelas suas
reações no decorrer da mesma, tendo-se demonstrado muito empenhados, ativos e muito participativos. A
boa comunicação e o bom ambiente criado na sala contribuiu para o sucesso desta iniciativa.

ALGUMAS CONCLUSÕES
As dinâmicas observadas permitiram identificar repercussões muito positivas não só na prática
pedagógica e nas aprendizagens dos alunos, mas também, na satisfação dos familiares dos alunos e na
dinâmica da própria escola e na organização do trabalho escolar. O trabalho colaborativo com a família dos
alunos do ensino artístico constitui uma aliança fundamental e uma prática inovadora de ação educativa neste
contexto. O efeito transformativo desta experiência na pratica profissional potenciou uma simbiose entre a
escola e a família permitindo promover a Iniciação Musical junto da comunidade, e contribui para que a
Formação Musical seja assumida como uma disciplina transversal, onde as áreas artísticas e os sujeitos se
cruzam e possibilitem aos alunos uma vivência mais rica da música.
O professor de hoje no ensino especializado da música deve ser um profundo conhecedor do conceito
de Educação Artística neste contexto, estar informado sobre as novas tecnologias e delas tirar o máximo
proveito; saber trabalhar de forma colaborativa dentro e fora da sua instituição; ser investigador para
rentabilizar as sinergias de projetos e entidades culturais, municípios; ser reflexivo sobre conceitos chaves
como é o ensinar, aprender e avaliar e deve estar em constante procura.
Terminamos com o a ideia do início, prática profissional no ensino artístico especializado deve ir ao
encontro do conceito da inovação educativa, da importância de refletir sobre a sociedade e sua realidade
tendo, sempre presente o coletivo educativo para que todos toquem a mesma música.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Laguía, M. & Vidal, C. (2013). Rincones de actividad en la escuela infantil. Barcelona: Graó.
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Recuperado de http://www.unicef.cl/archivos_documento/199/ Manual%20profesores%20jefe%20
conchali%20.pdf

Legislação
Despacho n.º 17932/2008, de 3 de julho. Define o regime de acesso ao apoio financeiro a conceder pelo
Ministério da Educação à frequência dos cursos de iniciação, dos cursos básico e secundário em

1340
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

regime articulado e dos cursos básico e secundário em regime supletivo do ensino especializado da
Música
Portaria n.º 225/2012, de 30 de julho, cria os Cursos Básicos de Dança, de Música e de Canto Gregoriano
dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e estabelece o regime relativo à organização, funcionamento,
avaliação e certificação dos cursos, bem como o regime de organização das iniciações em Dança e
em Música no 1.º Ciclo do Ensino Básico.
Declaração de Retificação 55/2012, de 28 de setembro. Retifica a Portaria 225/2012, de 30 de julho, que cria
os Cursos Básicos de Dança, de Música e de Canto Gregoriano dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico
e estabelece o regime relativo à organização, funcionamento, avaliação e certificação dos cursos,
bem como o regime de organização das iniciações em Dança e em Música no 1.º Ciclo do Ensino
Básico.

1341
A Escola: Dinâmicas e Atores

CONVERGÊNCIAS E DIVERGENCIAS ENTRE A FORMAÇÃO CONTINUADA DO


DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR E A LDB
[ID 405]

Edna Liz Prigol


PUCPR
ednaprigol@ig.com.br

Resumo
Este trabalho apresenta parte do resultado discutido na minha dissertação de mestrado em educação. O
recorte feito da pesquisa para esta socialização, foi com relação à formação do professor para atuar na
educação superior e a interpretação da Lei de Diretrizes e Base da Educação Brasileira, n° 9394/96.
Especificamente objetivou para este trabalho apresentar uma comparação entre o texto da LDB e a formação
continuada dos docentes analisando convergências e divergências. Sustentado numa abordagem qualitativa,
com opção metodológica, o estudo de caso de um centro universitário da rede privada de Curitiba. Para a
coleta dos dados especificamente sobre este recorte, utilizou-se a aplicação de questionário com perguntas
abertas e fechadas para 77 professores. Os estudos, neste item especifico da pesquisa, revelaram que a
formação continuada dos professores do ensino superior se faz em programas de stricto sensu, mestrados e
doutorados como indica o art. 66 da lei e que a preparação didática pedagógica para o exercício da docência
não faz parte do currículo deste nível de ensino.

Palavras-chave: Formação continuada, docente da educação superior, LDB.

Résumé
Cet article présente une partie des résultats discutés dans ma thèse de maîtrise en éducation. L'écrêtage fait
la recherche de cette socialisation a été liée à la formation des enseignants à travailler dans l'enseignement
supérieur et de l'interprétation de la loi des directives et fondement de l'éducation brésilienne, n ° 9394/96.
Plus précisément le but de ce travail présente une comparaison entre le texte de la LDB et la formation
continue des enseignants analysant convergences et divergences. Soutenue une approche qualitative, option
méthodologique, l'étude d'un réseau privé Curitiba universitaire de cas. Pour collecter des données
spécifiquement sur cette culture, nous avons utilisé le questionnaire avec des questions ouvertes et fermées
à 77 enseignants. Les études dans ce point spécifique de recherche a révélé que la formation continue des
enseignants dans l'enseignement supérieur se fait dans le programme d'études supérieures, de maîtrise et de
doctorat, comme indiqué par l'art. 66 de la loi et la préparation didactique pédagogique pour la profession
enseignante ne fait pas partie du programme d'études de ce niveau d'éducation.

Mots-clés: Formation continue, L'enseignant de l'enseignement supérieur, LDB.

INTRODUÇÃO
Atualmente a sociedade exige que os profissionais -inclusive os docentes, sejam autônomos, para
que possam ter capacidade de resolver os problemas com competência, que consigam trabalhar em grupo
respeitando a individualidade, que tenham a capacidade de ver o todo se religando a ele, desenvolvendo a
responsabilidade e a solidariedade e ainda que estejam se aperfeiçoando constantemente pois, o
conhecimento é provisório não está pronto e acabado, mais sim em constante transformação, para isso é
necessário superar pensamentos e ações conservadores, lineares, fragmentados, absolutos, autoritários que
impossibilitam segundo Morin (1999), a compreensão da complexidade da realidade e de suas relações e
inter-relações com o todo.

1342
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Uma revisão histórica permite identificar que a formação do docente do nível superior alicerçar-se em
uma concepção newtoniano-cartesiano (Behrens, 2005) que permitiu formar docentes transmissores de
conhecimento, que enaltecem a teoria, a repetição e a cópia dos conteúdos pelos acadêmicos.
O entendimento deste posicionamento conduz para a compreensão de que o professor deste século
necessita entender que existem novos desafios a serem alcançados entre eles: identificar o colapso das
velhas certezas, da docência obsoleta orientadas por paradigmas individualistas, centralistas e transmissores
de verdades absolutas.
O professor da educação superior necessita ser um profissional com competências científica,
pedagógica e didática, para que possa adaptar-se aos desafios, conviver com as incertezas, com a
transitoriedade dos conhecimentos e com as situações ambíguas e conflituosas (Imbernón, 2010), para isso
se faz importante ir além do domínio de conhecimentos específicos de sua área e saber ensiná-los, mas
compreender o significado e a possibilidade de fazer com que os acadêmicos se apropriem destes conteúdos
e possam utilizá-los para se transformarem em cidadão do mundo aptos a enfrentar os desafios impostos
pela sociedade e por que não ampliar isto para os desafios do mundo e do universo.
Mas aqui fica o questionamento: a legislação brasileira, as diretrizes educacionais e a formação do
professor conduzem para este profissional exigido, necessário para este mundo contemporâneo?

METODOLOGIA
O recorte feito da pesquisa para esta socialização especificamente objetivou apresentar uma
comparação entre o texto da LDB e a formação continuada dos docentes analisando convergências e
divergências. Para isso utilizou-se da pesquisa qualitativa, por possibilitar uma visão mais ampliada do objeto
de estudo, segundo Triviños (2011) esta modalidade de pesquisa não permite visões fechadas, fragmentada
em si mesma e estática, mas a reestruturação constante, uma vez que é realizada em um ambiente natural
como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento-chave mostra-se preocupado com o processo
e não simplesmente com os resultados e o produto (Moreira, 2002, pp.128-30). O estudo de natureza
descritiva, teve a finalidade de conhecer e descrever os fatos, os fenômenos e o contexto da investigação.
Foi utilizado como estratégia de pesquisa à modalidade do estudo de caso que segundo Yin & Grassi (2001)
“[...] é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida
real” (p.32).
O estudo de caso foi realizado em um Centro Universitário, situado na cidade de Curitiba do Estado
do Paraná, sendo uma instituição educacional de caráter privado com fins lucrativos que oferece cursos
superiores de graduação em bacharelado, licenciaturas e tecnólogos, na modalidade presencial,
semipresencial e EAD, pós-graduação presencial e EAD. O universo da pesquisa inicialmente foi composto
por professores efetivos desta instituição totalizando 250 docentes dos cursos de graduação presencial.
Para a coleta dos dados foi aplicado um questionário com perguntas abertas e fechadas para 77
professores. O questionário foi utilizado por ser um instrumento que permite reunir um conjunto de perguntas
pré-elaboradas, de forma ordenada, dispostas em itens sequencialmente organizados e que tem como
objetivo captar respostas dos informantes (Chizzotti, 2003) e também é caracterizado como instrumento de
produção de dados que tem como prerrogativa obter respostas às questões da investigação de muitas
pessoas simultaneamente em tempo relativamente curto (Richardson, 2008).

1343
A Escola: Dinâmicas e Atores

Para a interpretação dos dados utilizou-se a leitura e análise dos dados, empregando a técnica
referenciada na análise de conteúdo, conforme Bardin citado por Triviños (2011, p.160). Este autor aponta
três etapas básicas para o uso da análise de conteúdo, a pré-análise que corresponde à organização do
material, a segunda fase com a descrição analítica quando o material de documentos que compõe o corpus
é submetido a uma análise aprofundada e a última fase denomina-se de interpretação referencial.

SOBRE A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO – LDB N° 9.394/96


Analisando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB n° 9.394/96, identifica-se que para
ministrar aulas na educação superior no Brasil, o professor deve ter cursos de pós-graduação stricto sensu,
conforme o art. 66: “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação,
prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (Brasil, 1996).
Percebe-se no artigo da LDB que para atuar como docente no nível superior é necessária preparação
em nível de pós-graduação e esta não faz “[...] nenhuma alusão à formação didático-pedagógica como pré-
requisito para o ingresso e promoção na carreira docente do magistério superior” (Vasconcelos, 2009, p.27).
No texto da lei percebe-se a referência quanto à formação continuada, porém ela não é especifica
para o docente da educação superior, a lei afirma sobre a relação entre o instituto superior de educação e a
manutenção de “programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis”
(Brasil, 1996, art. 63, inciso III).
Para responder ao objetivo deste texto: comparação entre o texto da LDB e a formação continuada
dos docentes analisando convergências e divergências, iniciamos apresentando dados sobre a formação
inicial dos docentes do ensino superior da instituição pesquisada, que pode ser observada na

Figura 9.

1344
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

5 professores è
Bacharelado

Formação inicial
10 professores em 2 cursos de 3 professores è
graduação Licenciatura

2 professores è
77 professores Licenciatura e
Bacharelado

55 professores è
Bacharelado
Formação inicial
67 professores em 1 curso de
graduação 12 professores è
Licenciatura

Figura 9 - Formação Inicial


Importante apresentar que uma das características da licenciatura é formar professores para lecionar
na educação básica, com formação didática, “[...] voltado para o processo de ensino-aprendizagem da criança
e do adolescente, deixando, portanto, de lado o adulto a quem o professor deverá ensinar nos cursos de
graduação e pós-graduação” (Vasconcelos, 2009, p.33). No bacharelado, a formação é voltada para a
pesquisa e para o mercado de trabalho, tornando o aluno apto para desenvolver a atividade da área de
atuação. Identifica-se que na graduação não temos formação especifica para o docente que pretende atuar
na educação superior.
A LDB, conforme apontado acima, exige que o professor seja preparado para atuar neste nível,
formando-se em cursos de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.
Seguindo a pesquisa investigou com os professores sobre a formação continuada a nível de especialização
e se tiveram alguma disciplina relacionada as questões didático-pedagógicas. Esta busca justifica-se pelo fato
de que o profissional para atuar hoje necessita ser crítico, criativo, autônomo, competente, apto para enfrentar
os desafios postos na contemporaneidade, desenvolver habilidades e capacidades de raciocinar e gestar
soluções oferecendo respostas aos diversos problemas a serem enfrentados. Para acompanhar estas
exigências o professor da educação superior precisa superar a postura de transmissor, mas assumir o papel
de docente facilitador, mediador, provocador da aprendizagem de seus alunos, ter domínio dos conteúdos,
métodos e estratégias, segundo Brown & Atkins (1994, apud Zabalza, 2004, p.111) este profissional pode ir
além, isto é, ser capaz de:
§ Analisar e resolver problemas;
§ Analisar um tópico até detalhá-lo e torná-lo compreensível;
§ Observar qual é a melhor maneira de se aproximar dos conteúdos e de abordá-los nas
circunstâncias atuais;
§ Selecionar as estratégias metodológicas adequadas e os recursos que maior impacto possa
ter como facilitadores da aprendizagem;
§ Organizar as ideias, a informação e as tarefas para os estudantes.
A Tabela 9, mostra que mais de 50% dos professores fizeram um curso de especialização e que o
mesmo tinha alguma disciplina de cunho didático-pedagógico. Um olhar para a legislação identificamos que

1345
A Escola: Dinâmicas e Atores

a Resolução 3/99 do CNE exige a oferta de uma disciplina sobre metodologia de ensino nos cursos de pós-
graduação lato sensu. A legislação que envolve a Educação Superior no Brasil passou por diversas mudanças
nos últimos 20 anos. Não foi investigado o teor epistemológico e curricular destas disciplinas, pois o objetivo
era somente identificar se o professor na sua formação continuada teve algum contato com as questões
relacionadas a pratica pedagógica.
Sim, tive disciplina de formação didático pedagógica. 40
Especialização Não, tive disciplina de formação didático pedagógica 31
Não respondeu 6
Tabela 9 - Formação Continuada Latu Sensu
De acordo com a LDB, artigo 66 o docente para atuar na educação superior deve ser preparado
preferencialmente em curso stricto sensu, mas não faz menção as questões didáticas pedagógicas e na
Resolução nº 1 de 03 de abril de 2001, fala especificamente sobre os processos de autorização,
reconhecimento e renovação do reconhecimento. Observando a Tabela 10Erro! A origem da referência não
foi encontrada. percebemos:
Sim, tive disciplina de formação didático pedagógica 29
Mestrado Não, tive disciplina de formação didático pedagógica 28
Não fez o mestrado 20
Sim, tive disciplina de formação didático pedagógica 2
Doutorado Não, tive disciplina de formação didático pedagógica 12
Não fez o doutorado 63
Tabela 10 - Formação Continuada - Stricto Sensu
No mestrado 51% dos professores fizeram alguma disciplina de cunho didático pedagógico e no
doutorado apenas 14% “[...] vale salientar que os Programas de Pós-graduação se voltam para a formação
de pesquisadores em seus campos específicos e sem exigência quanto à formação pedagógica de
professores” (Veiga, 2004, p.5).
FORMAÇÃO DOCENTE
A literatura nos mostra que o professor constrói sua docência influenciada pelas suas características
pessoais, pelo conhecimento teórico, pela sua referência epistemológica de educação que acredita, pelo
percurso de vida profissional, pela sua história de vida, com base nos valores, crenças e atitudes, pelas suas
ideologias, condições de trabalho que a instituição de ensino lhe oferece, entre outros aspectos. Ao se
tornarem docentes estes professores muitas vezes atuam de forma intuitiva, levando em consideração suas
experiências e aprendizagens “trazem embutida uma bagagem didático-pedagógica adquirida ao longo de
sua vida pessoal, acadêmica e profissional pelas inúmeras e diferenciadas experiências vividas” (Prigol,
2013).
A docência edifica-se por meio das concepções educacionais que fundamentaram a formação do
professor e a sua maneira de atuar são reflexos de suas crenças, que atuam como filtro ou como barreiras
“[...] quanto mais antiga seja uma crença, mais difícil é mudá-la. As novas crenças são mais vulneráveis à
mudança” (Vaillant & Marcelo Garcia, p.55).
Estas crenças são adquiridas ao longo de sua vida pessoal, acadêmica e profissional pelas inúmeras
e diferenciadas experiências vividas, que podem ser entendidas por meio dos estudos de Huberman (1989,
apud Marcelo Garcia, 1999, pp.39- 46) quando pesquisou sobre o ciclo de vida dos professores (ver na

1346
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Figura 10), que ocorre durante a carreira docente, identificando tendências com características gerais
e comuns que ocorrem em momentos diferentes durante o percurso profissional.

entrada na
carreira,
fase do fase de
desinvestimento estabilização
. ,

distanciamento
afetivo, fase da
conservadorismo diversificação,
e lamentações

serenidade fase pôr-se


em questão,

Figura 10 - Ciclo de vida dos professores


Dos dados coletados, observamos na Tabela 11, o tempo que os professores pesquisados lecionam
na educação superior. Dos 77 docentes, 30 lecionam entre 6 a 10 anos, e 21 professores entre 11 e 20 anos,
de acordo com Huberman (apud Carlos Marcelo, 1999, p.42) este tempo de docência é por ele denominado
de fase de diversificação que ocorre entre o 7º e o 25º ano de carreira, nesta etapa os professores “seriam,
assim, os mais motivados, os mais dinâmicos, os mais empenhados nas equipes pedagógicas”, buscando
novos desafios, experimentando e diversificando estratégias, recursos, métodos tanto para o conteúdo como
para a avaliação.
Menos de 1 ano Entre 1 e 5 anos Entre 6 e 10 anos Entre 11 e 20 anos Acima de 21 anos
2 18 30 21 6
Tabela 11 - Tempo que leciona da educação superior
Outra pesquisa que busca trazer informação sobre como ocorre a formação docente (ver na

Figura 11) é realizada por Sikes (1985, apud Carlos Marcelo, 1999, pp.63-65) que faz uma relação
entre as idades, características pessoais e profissionais.

1347
A Escola: Dinâmicas e Atores

Dos 21 e os 28 anos:
• indisciplina, ausência de autoridade em sala de aula e o domínio dos conteúdos.
Dos 28 e os 33 anos:
• estabilização/novo local de trabalho. Interesse maior para a competência da ação
didática relacionada ao ensino e na propriedade dos conteúdos de sua disciplina.
Entre 30 a 40 anos:
• mais confiantes, ambiciosos, interessados na competência profissional para a
estabilização ou promoção na carreira.
Aos 40 e os 50/55 anos:
• fase de maturidade profissional com possibilidade de atuação em cargos
administrativos dentro da escola ou fora dela.
Dos 50/55 anos até à jubilação:
• marcada pelo afrouxamento disciplinar e cobranças aos alunos.

Figura 11 - Evolução da carreira docente e a relação entre as idades, características pessoais e


profissionais
Dos dados levantados sobre a idade dos professores pesquisados conforme a Tabela 12, do total de
77 professores investigados 26 professores estão entre a faixa etária de 30 e 39 anos e 24 docentes na faixa
etária dos 40 a 49 anos.

Entre 20 e 29 anos Entre 30 e 39 anos Entre 40 e 49 anos Entre 50 e 59 anos Acima de 60 anos
4 26 24 18 5
Tabela 12 - idade dos docentes da educação superior
As pesquisas de Hubermam (1989) e Sikes (1985) sobre o ciclo de vida dos professores foram
apontadas neste estudo por revelarem alguns pontos sobre as tendências gerais que influenciam na formação
docente e que ocorre ao longo da carreira, possibilitando identificar tendências com características gerais e
comuns que ocorrem em momentos diferentes durante o percurso profissional. Deve ser vista não com
concepção linear entre as fases, mas pelos seus movimentos e descontinuidades, já que a carreira é um
processo e não uma série de atividades.
Além das fases da carreira, este ser professor passa por etapas distinguida por Feiman (1983, apud
Carlos Marcelo, 1999, pp.25-26), como fases que ocorrem no processo em que o professor aprende a ensinar.
A primeira fase denominada de pré-treino, na qual o professor aprende pelas suas vivencias durante a
escolaridade, a segunda a fase de formação inicial na qual conhece e aprende sobre conhecimentos didáticos
pedagógicos, a terceira a fase de iniciação que corresponde aos primeiros anos de docência e a última fase
que se refere à formação permanente.
Perguntamos aos docentes quais seriam os temas/assuntos de interesse dos professores em cursos
de formação continuada de forma que os estes possam reconstruir, suas práticas pedagógicas. Ao analisar
as respostas identificamos temas ou assuntos relacionados com a formação pedagógica no aspecto que se
refere ao processo ensino-aprendizagem, orientações que norteiam as ações em sala de aula, como as novas
metodologias, estratégias e técnicas de ensino, de forma que a formação possibilite ao docente uma prática
pedagógica de compromisso com os alunos posicionando “[...] como facilitador, fazendo o que estiver ao seu
alcance para que os alunos tenham acesso intelectual aos conteúdos e as práticas da disciplina” (Zabalza,
2004, p.169). Assim, destacamos:

Metodologia para as aulas expositivas, técnicas de oratória (P18).


O grande problema não é saber quais as práticas inovadoras, mas como instrumentalizá-los.
Seria interessante ter oficinas "práticas" em que se faz acontecer uma prática (na prática),
indo além da teoria pedagógica (P25).

1348
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

Utilização de métodos mais inovadores, deixando um pouco o tradicionalismo (P29).


Maneiras /modos mais interessantes de ministrar conteúdos inovação e criatividade (P36).
Metodologias de ensino que não se resumam às aulas expositivas (P56).
Formas inovadoras de construção de conhecimento. Processo de debates direcionados em
sala de aula. Aproveitamento de estudos de caso (P58).
Outros professores direcionaram os temas para o uso das tecnologias, pois o novo cenário
educacional necessita que os docentes se apropriem da utilização das TICs em sua prática pedagógica, “[...]
os novos modelos didáticos geram enfoques diferentes em relação ao modo como organizar a informação,
como divulgá-la, como facilitar a aprendizagem, como potencializar experiências formativas enriquecedoras,
como avaliar as aprendizagens” (Zabalza, 2004, p.169). Dentre as contribuições apontamos:
Novas tecnologias aplicadas a educação(P43).
Utilização de ferramentas tecnológicas para a contextualização dos conhecimentos
transmitidos (P59).
As novas tecnologias em sala de aulas (P62).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Face ao exposto, podemos pontuar que existe uma distância entre o texto da LDB com relação as
teorias de formação e necessidades dos docentes para atuar na educação superior.
A convergência entre a lei e a formação continuada, é que aquela prescreve a necessidade de
preparação em nível latu sensu e preferivelmente no stricto sensu, estes dois níveis possibilitam ao professor
fazer interlocuções com novas teorias, romper paradigmas reformando seu pensamento, possibilitando novas
maneiras de pensar, ver, sentir e agir (Morin, 2008).
A divergência é que a formação do docente não ocorre apenas em cursos de formação – latu sensu
e stricto sensu, e estes como mostrou a pesquisa podem ou não ofertar disciplinas que instrumentalizem o
professor nas questões didático pedagógicas.
Diante dos novos desafios o docente para atuar no ensino superior hoje, necessita de uma prática
pedagógica que supere a concepção tradicional da educação e de uma política institucional que possibilite a
este professor buscar competência teórica, clareza epistemológica e metodológica que venha responder as
necessidades contemporâneas.
A pesquisa mostrou que os professores possuem uma ausência de formação específica nas questões
didático-pedagógicas e sentem necessidade de formação continuada no que se refere ao processo ensino-
aprendizagem, orientações que norteiam as ações em sala de aula, como as novas metodologias, estratégias
e técnicas de ensino, de forma que a formação possibilite-o atuar com competência.

REFERÊNCIAS
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm
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Imbernón, F. (2010). Formação docente e profissional. Formar-se para a mudança e a incerteza (8ªEd.). São
Paulo Cortez.
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A Escola: Dinâmicas e Atores

Moreira, D. A. (2002). O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson.


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Zabalza, M. (2004). O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed.

1350
XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

RECURSIVIDADE E INTERCONEXÃO ENTRE O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE E


A TRANSDISCIPLINARIDADE VISUALIZADOS POR MEIO DE MAPAS CONCEITUAIS
[ID 406]

Edna Liz Prigol


Marilda Aparecida Behrens
PUCPR
ednaprigol@ig.com.br; marildaab@gmail.com

Resumo
A investigação realizou-se durante o Seminário de Aprofundamento do Programa de Pós-graduação em
Educação - PUCPR. Definiu-se como problema: A formação docente nutrida pela epistemologia da
complexidade e da metodologia transdisciplinar auxiliam na reforma do pensamento do professor da
educação superior na busca da inovação na docência? Objetivo geral: Estudar o pensamento complexo e a
transdisciplinaridade como fundamentos para a reforma do pensamento de forma a instrumentalizar o
professor doutorando a inovar sua docência utilizando os mapas conceituais como um recurso inovador.
Numa abordagem qualitativa, por meio da pesquisa-ação, os dados foram coletados para a pesquisa durante
os quatorze encontros, com a aplicação de questionário e análise de mapas conceituais. Na pesquisa o uso
dos mapas conceituais auxiliou nas discussões e revelou que a construção de uma docência inovadora
fundamentada nos construtos da complexidade e da transdisciplinaridade permite criar ambientes educativos
estimulantes, que geram questionamentos, dúvidas, incertezas, diálogo e colaboração.

Palavras-chave: Complexidade, Transdisciplinaridade, Mapas conceituais.

Résumé
La recherche a eu lieu au cours dans Approfondir enquête Séminaire Programme de formation de troisième
cycle - PUCPR. Il a été défini comme un problème: la formation des enseignants nourrie par l'épistémologie
de la complexité et transdisciplinaire aide de la méthodologie dans la réforme de l'enseignant de
l'enseignement supérieur pensée dans la poursuite de l'innovation dans l'enseignement? L'enquête visait à:
Pour étudier la pensée complexe et transdisciplinarité comme fondements de la réforme de la pensée dans le
but de doter le doctorant des enseignants à innover leur enseignement à l'aide des cartes conceptuelles
comme une caractéristique innovante. Une approche qualitative, par le biais de la recherche-action, les
données ont été recueillies pour la recherche au cours des quatorze réunions, avec l'application du
questionnaire et l'analyse des cartes conceptuelles. Dans la recherche de l'utilisation des cartes conceptuelles
a contribué aux discussions et a révélé que la construction d'un enseignement innovant basé sur les
constructions de la complexité et de la transdisciplinarité vous permet de créer des environnements
d'apprentissage stimulants qui génèrent des questions, des doutes, des incertitudes, le dialogue et la
collaboration.

Mots-clés: Complexité, Transdisciplinarité, Cartes conceptuelles.

O aprofundamento das concepções e dos paradigmas da educação, bem como, a reflexão, análise e
discussão crítica sobre a construção de uma prática pedagógica inovadora fundamentada nos construtos do
paradigma da complexidade foi o objeto de estudo no Seminário de Aprofundamento de Teoria e Prática
Pedagógica na Formação de Professores, ofertada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, no
Programa de Pós-Graduação em Educação – Doutorado, conduzido pelas professoras Dra. Marilda Aparecida
Behrens e pela Dra. Patrícia Lupion Torres.
Acredita-se que hoje, o professor deve superar aquela prática pedagógica cujo objetivo é meramente
instrucionista, fortemente apoiada na utilização da “aula magistral” e na visão tradicional do professor como
reprodutor dos conteúdos que leva o aluno a escutar, decorar e repetir informações, pois “[...] ensinar é um

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A Escola: Dinâmicas e Atores

ato criador, um ato crítico e não mecânico” (Freire, 1992, p.81). A superação desse modelo se dá por meio
de uma docência que privilegie aulas em que o aluno possa transformar as informações em conhecimento e,
fundamentalmente, aprender a aprender.
A partir dos estudos do grupo PEFOP-Paradigmas Educacionais e formação de professores, realizou-
se um seminário que buscou responder ao seguinte questionamento: o conhecimento do paradigma da
complexidade auxilia o professor do ensino superior a inovar sua prática pedagógica?
Para responder a este questionamento foi realizada uma pesquisa predominantemente qualitativa,
com participação de oito doutorandas envolvidas no seminário. A partir da experiência individual e do grupo,
durante os quinze encontros foram realizados estudos e atividades práticas que permitiram as participantes
refletir e discutir sobre os construtos da complexidade e sobre a probabilidade de trilhar caminhos para buscar
uma prática pedagógica crítica, reflexiva e transformadora, possibilitando a construção de conhecimentos
significativos pelo aluno.
No contrato pedagógico firmado com as doutorandas no início do Seminário de Aprofundamento,
foram propostas algumas inovações, dentre elas, destaca-se a construção de mapas conceituais por tema,
trabalhado como instrumento e metodologia para auxiliar na apropriação dos conteúdos trabalhados. Este foi
um grande desafio para algumas doutorandas que nunca tinham trabalhado com esta estratégia que permite
tanto o ensinar como o aprender um conteúdo com mais autonomia. A partir destas vivências surgiu o objetivo
desta pesquisa, que foi de identificar se o uso de mapas conceituais a partir do conhecimento do paradigma
da complexidade poderia ser um preludio para a inovação na prática pedagógica.
Sabemos que o modelo de prática pedagógica que temos utilizado na universidade neste século ainda
tem seu embasamento fundamentado na razão instituída no período da Modernidade com a Revolução
Científica do século XVI. Esta base da racionalidade influenciou a educação e, consequentemente, a maneira
do professor ensinar e do aluno aprender. Possibilitou uma nova estrutura na prática pedagógica do docente,
voltada principalmente para o viés da fragmentação do conhecimento, da linearidade, da transmissão, da
reprodução consequentemente levando a perda da visão de totalidade e das inter-relações entre os
conhecimentos.
O professor da contemporaneidade necessita ampliar sua visão para que possa compreender os
novos desafios que lhes são impostos, dentre eles, perceber o colapso das velhas certezas, da docência
obsoleta orientadas pela visão cartesiana, pois “[...] a nova era requer um profissional da educação diferente”
(Imbernón, 2010, p.12) com competências além da científica, pedagógica e didática, mas um professor que
tenha uma prática pedagógica que possa enfrentar e se adaptar aos novos problemas, conviver com as
incertezas, transitoriedade dos conhecimentos e com as situações ambíguas e conflituosas, superando as
velhas certezas e à docência obsoleta.
A complexidade é conceituada por Morin como “[...] o pensamento capaz de reunir complexus: aquilo
que é tecido conjuntamente, de contextualizar, de globalizar e também capaz de reconhecer o singular, o
individual, o concreto” (Morin & Le Mogné, 2000, p.207), um olhar para esse pensamento permite identificar
a necessidade de romper com a visão cartesiana que conduz para uma ação pedagógica de transmissão do
conhecimento fragmentado, linear e desvinculado do contexto no qual o aluno está inserido.
Este descontinuar leva a pensar em uma prática pedagógica com ações que provoquem os alunos a
saber pensar, produzir conhecimentos, por meio de aulas ressignificadas com o desafio de resolver
problematizações, instigar investigações e consequentemente fazer o aluno se posicionar, tomar decisões,

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

refletir, aprender a argumentar com fundamentação e principalmente se apropriar do conhecimento de forma


crítica, autônoma e reflexiva, construindo o seu próprio conhecimento.
A prática pedagógica não deve ter caráter de transmissão, de repasse de conteúdos
descontextualizados, enfatizando uma educação bancária (Freire, 1970), pois “[...] conhecimento reproduzido
é apenas informação, por mais importante que seja a informação. Aí pode ser armazenado, transportado,
enviado, reproduzido” (Demo, 2004, p.16), o aluno necessita reconstruir a informação para que ela se
transforme em conhecimento, é necessário que o professor compreenda que a aprendizagem implica uma
relação dialética e de autonomia por parte do aluno, para tanto, buscar novos referenciais que possam apontar
caminhos capazes de ajudar na superação de um ensino ultrapassado assentado em bases cartesianas,
limitativas, reducionistas, compartimentadas
Os princípios do pensamento complexo segundo Morin (2000) constituem uma nova maneira de
pensar, que em resumo tem como foco o construto sistêmico ou organizacional que une o conhecimento das
partes ao todo e vice e versa; que acolha o circuito retroativo que rompe com a linearidade, pois a causa age
sobre o efeito e este sobre a causa; o circuito recursivo segundo o qual os produtos e os efeitos são eles
mesmos, produtores e causadores daquilo que os produz; o dialógico, que permite racionalmente a
inseparabilidade dos contrários no entendimento da realidade concebendo um mesmo fenômeno complexo e
por fim a reintrodução do conhecimento em todo conhecimento, pois ele é sempre uma reconstrução/tradução
feita por uma mente, em uma cultura e época determinada.
O pensamento complexo de Morin (2002) apresentado no livro A cabeça bem feita: repensar a reforma
e reformar o pensamento, aponta para uma nova possibilidade de raciocinar opondo-se a ideia do
reducionismo, segundo este autor, a reforma do pensamento se faz necessária para que o professor possa
sair de uma prática pedagógica simplificadora, que incita pensamentos e ações que separa, necessitamos
produzir conhecimento, percebendo a complexidade das relações existentes entre as partes e o todo, focalizar
as inter-relações sujeito/objeto, pensar o objeto e suas relações, compreender a dinâmica não-linear presente
no conhecimento e na aprendizagem, religar, contextualizar, problematizar, segundo Morin (2000), “faz-se
necessário substituir um pensamento que está separado por outro que esteja ligado” (p.13).
A prática pedagógica instrumentalizada pelos construtos do paradigma da complexidade instiga o
professor refletir sobre a importância de estimular o pensamento capaz de respeitar as diferenças
reconhecendo à unidade, a diversidade, a sensibilidade, incitando-o a promover o pensamento articulado,
criativo, reflexivo, autorregulador e emergente, estimulando assim a buscar diferentes formas para ler e
interpretar o mundo e a realidade em que vive.
Por esse viés, a prática pedagógica no ensino superior deve ultrapassar as ações didáticas em que
os acadêmicos apenas assistam aulas, ouçam explicações do professor e copiem conteúdos. Devem-se
propor momentos que privilegiem o questionamento, a dúvida, a participação, o debate, a resolução de
problemas, a comparação de teorias, autores e princípios, a construção de sínteses, fazer o aluno pensar,
refletir, criar e desenvolver sua criatividade e autonomia. As atividades planejadas pelo professor devem
oportunizar a relação entre o conhecimento existente com o novo, permitindo ao aluno construir seu próprio
conhecimento com significado, fazer inferências, generalizações, identificar diferentes pontos de vista sobre
o conteúdo aprendido.
Cada aluno tem seu estilo, ritmo e preferência de aprendizagem, assim como facilidade ou dificuldade
para aprender determinado conteúdo, sendo assim a pratica pedagógica do professor requer atenção, pois

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se ela é permeada apenas por ações de memorização e de reprodução dos conhecimentos, podem levar
alguns alunos a demostrar bloqueios para aprender, pois estes necessitam de uma aprendizagem mais
significativa. Para ir ao encontro das necessidades de cada aluno, devemos planejar sequências didáticas
diferentes, tanto nas atividades individuais quanto nas coletivas, Marriott & Torres (2014) afirmam que “os
mapas conceituais podem auxiliar nesse processo de aprendizagem, contribuindo com a migração de um
ensino memorístico para um ensino significativo” (p.173).
Os mapas conceituais são ferramentas que ajudam a representar visualmente uma ideia, uma
informação, como é o caso dos fluxogramas, cronogramas e infográficos. Uma das vantagens dos mapas
conceituais é poder articular conhecimentos em rede, aproximando conceitos que, em um texto corrido, por
exemplo, ficariam distantes. Segundo Novak & Cañas (2008), mapa conceitual é uma maneira gráfica de
representar um determinado assunto ou conteúdo, apresentados por blocos constituídos de conceito, frases
de ligação e conceito.
Essa técnica permite que o professor estimule o aluno a pensar, a pesquisar, a escolher, a avaliar e
a construir seu conhecimento, fatores que proporcionam uma aprendizagem mais significativa. Um dos
objetivos mais importantes dessa técnica é fazer com que o aluno utilize seus conhecimentos para se
apropriar de novos conteúdos, pois é o próprio aluno que elabora o mapa conceitual conforme sua
compreensão.
A atividade com os mapas conceituais incentiva o pensamento crítico, criativo e reflexivo, reforça a
compreensão, desenvolve a análise e a síntese, permite identificar conceitos mal compreendidos e estimula
a memória de longo prazo. Com a utilização dos mapas conceituais, o professor consegue visualizar de que
forma o aluno organiza seu pensamento, o que possibilita o acompanhamento do desenvolvimento da
estrutura cognitiva do aluno, sendo essa a base para o pensamento criativo e para a construção de um
conhecimento novo, pois o aluno aprende melhor fazendo.
Os mapas conceituais podem ser usados pelo professor para explicação, apresentação, análise e
síntese do conteúdo, fugindo da prática convencional e motivando, principalmente, aqueles alunos com estilo
e preferência de aprendizagem mais visual, bem como aqueles dotados de inteligência espacial, que
acabarão compreendendo melhor o conteúdo ministrado.
O aluno pode utilizá-los para estudar e compreender de maneira mais clara e objetiva o conteúdo.
Esse método o auxilia na apropriação do conhecimento, leva-o a refletir criticamente, contínua e
progressivamente sobre sua maneira de aprender, permite que ele reflita sobre seu pensamento e desenvolva
habilidades cognitivas, procedimentais e atitudinais. A utilização de mapas pode transformar-se em um
trabalho colaborativo entre os alunos e auxiliá-los a compreender e visualizar o conteúdo sob novas
perspectivas.
Os mapas conceituais podem, ainda, demonstrar o nível de aprofundamento e compreensão do
conteúdo pelo aluno, como ele edifica, estabelece relações, diferencia e integra um conjunto de conceitos.
Elaborados pelos alunos, individualmente ou em grupos, mostram como eles compreendem o conteúdo e a
forma como a aprendizagem é processada, sendo assim, dificilmente teremos mapas iguais.
Os mapas conceituais são ferramentas gráficas utilizadas para organizar e representar o
conhecimento (Novak, 1998), por ser uma ferramenta que trabalha com conceitos sua construção necessita
que estes sejam colocados em círculos ou retângulos, vinculados por uma linha de conexão que interliga os
conceitos. As frases colocadas ao lado das linhas de conexão especificam o tipo de relação entre os

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XXIV Colóquio da AFIRSE Portugal

conceitos. Eles são desenhados como uma hierarquia, com os conceitos mais gerais no topo do mapa e os
específicos hierarquicamente abaixo. Fundamental neste processo de construção do mapa conceitual é que
“eles levam o aluno a pensar sobre o conteúdo na sua macro e microestruturas” (Marriott & Torres, 2014,
p.184), permitindo uma visão de totalidade sobre o objeto estudado de maneira “que compreenda que o
conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento do todo depende do
conhecimento das partes” (Morin, 2008, p.88).

O CAMINHO METODOLÓGICO
O caminho metodológico consiste na maneira como o pesquisador buscou responder seus
questionamentos, dispondo de procedimentos claros, coerentes e bem elaborados que lhe permitam atingir
os objetivos propostos na pesquisa (Minayo, 1998).
Para realizar esta pesquisa optou-se por um processo qualitativo, por possibilitar uma visão mais
ampliada do objeto de estudo, segundo Triviños (2011) esta modalidade de pesquisa não permite visões
fechadas, fragmentada em si mesma e estática, mas a reestruturação constante.
A pesquisa foi realizada dentro do Seminário de Aprofundamento de Teoria e Prática Pedagógica na
Formação de Professores ofertada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, no Programa de Pós-
Graduação em Educação – Doutorado.
A pesquisa qualitativa permite a escolha dos instrumentos, desta forma para a coleta dos dados foi
aplicado um questionário com perguntas abertas e fechadas junto às oito participantes da pesquisa. O
questionário foi utilizado por ser um instrumento que permite reunir um conjunto de perguntas pré-elaboradas,
de forma ordenada, dispostas em itens sequencialmente organizados e que tem como objetivo captar
respostas dos informantes (Chizzotti, 2003) e também é caracterizado como instrumento de produção de
dados que tem como prerrogativa obter respostas às questões da investigação de muitas pessoas
simultaneamente em tempo relativamente curto (Richardson, 2008).
O contrato didático firmado entre as professoras e as doutorandas, definia entre outras atividades, a
construção de sete mapas conceituais. Para esta elaboração foram disponibilizados vários textos para cada
um dos temas. As alunas que nunca tinham trabalhado com esta ferramenta, tiveram um encontro a mais no
início do seminário para entender como construir mapas conceituais e utilizar o programa CmapTools,
desenvolvido pelo Institute for Human and Machine Cognition (IHCM), sendo uma interface muito simples,
fácil de usar, gratuita e que permite também um trabalho colaborativo.

ANÁLISE DOS RESULTADOS


Visando buscar resposta ao objetivo desta pesquisa que era de identificar se o uso de mapas
conceituais a partir do conhecimento do paradigma da complexidade poderia ser um preludio para a inovação
na prática pedagógica, foi aplicado um questionário estruturado com perguntas abertas e fechadas para as
participantes.
O questionário foi estruturado em dois blocos de questões: um voltado para o paradigma da
complexidade e o outro para mapas conceituais. Após esta etapa foi realizada à interpretação dos dados a
luz dos marcos teóricos aqui apresentados os quais forneceram fundamentação e consistência quanto à
análise dos dados coletados.

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A Escola: Dinâmicas e Atores

Dedicamos duas perguntas do questionário para identificar o conhecimento e a aplicação na prática


pedagógica da complexidade, com a finalidade de perceber os desafios elencados pelos professores com
relação à materialização desta teoria.
Durante o processo investigativo foi estudado que o Pensamento Complexo ou o Paradigma da
Complexidade possibilita compreender o conhecimento em sua totalidade de maneira a ultrapassar as
barreiras que determinam práticas reducionistas, fragmentadoras e lineares. Este pensamento possibilita
religar diversos saberes em diferentes dimensões da vida, percebendo a complexidade das relações
existentes entre as partes e o todo, focalizando as inter-relações sujeito/objeto, pensando o objeto e suas
relações, compreendendo a dinâmica não linear presente no conhecimento e na aprendizagem, religar,
contextualizar, problematizar em oposição ao pensamento que separa, fragmenta, simplifica e reduz a
realidade e o conhecimento.
O primeiro bloco de perguntas mostrou que todas as doutorandas já conheciam o paradigma da
complexidade de Edgar Morin e que este estudo pode contribuir para que o professor repense sua prática
pedagógica. Em suas justificativas abaixo citadas, permite identificar em algumas respostas a possibilidade
de alterar a prática pedagógica para além do paradigma tradicional, fazendo uma reforma do pensamento
(Morin, 2002):
P1- Auxilia a prática docente, na medida em que permite a ampliação da compreensão da
realidade em que está inserido, fornecendo elementos para uma prática pedagógica mais
efetiva;
P2- o estudo do paradigma da complexidade faz com que conseguimos perceber e viver o
processo de ensino aprendizagem;
P5- O estudo do paradigma da complexidade auxilia o professor, pois além de subsidiar o
trabalho, amplia as ações pedagógicas, bem como a percepção de sua prática pedagógica
para um ensino aprendizagem mais efetivo;
P7- Ele instiga o professor a refletir sobre seu relacionamento com os estudantes, seu
processo de trabalho e sua formação, realizando um encontro com suas convicções e sua
prática;
O segundo bloco de perguntas foi referente ao mapa conceitual, perguntando se as doutorandas já
utilizavam esta ferramenta como instrumento para facilitar o processo de aprendizagem de um conteúdo.
Tabulando as respostas, identificamos que a metade usava e a outra nunca tinha usado. Na sequência foi
indagado se o uso do mapa conceitual auxilia no processo de aprendizagem do conteúdo. Obtivemos todas
as respostas positivas com as seguintes justificativas:
P1- Contribui com a sistematização e evidencia questões relevantes da temática em questão;
P3- Acredito que nos ajuda a sistematizar o conhecimento e relaciona-lo com a bagagem de
informações que já trazemos, potencializando o diálogo com os autores;
P4- Os mapas conceituais possibilitam uma visão de totalidade do tema estudado, bem como
a possibilidade de fazer conexões entre os conceitos;
P6- Uma maneira de estudar um tema sem ser linear e fragmentado, possibilitando em um
mapa a visão do todo.
As respostas contém o que foi proposto pelo pesquisador norte-americano Joseph Novak, na década
de 1970, no qual afirma que os mapas conceituais se sustentam na teoria da aprendizagem significativa de
Ausubel, que a fixação de novos conteúdos ocorre quando eles são relacionados com aquilo que já se
conhece, ou seja, quando modifica-se ideias já existentes a partir de novas ideias, fazendo conexões.
Identificou-se também nas respostas do P4 e P

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