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Vice-Reitor
João Ricardo Fiigueiras Tognini
CONSELHO EDITORIAL
Dercir Pedro de Oliveira (Presidente)
Antônio Lino Rodrigues de Sá
Cícero Antonio de Oliveira Tredezini
Élcia Esnarriaga de Arruda
Giancarlo Lastoria
Jackeiine Maria Zani Pinto da Silva Oliveira
Jéferson Meneguin Ortega
Jorge Eremites de Oliveira
José Francisco Ferrari
José Luiz Fornasieri
Jussara Peixoto Ennes
Lúcia Regina Vianna Oliveira
Maria Adélia Menegazzo
Marize Terezinha L. P. Peres
Mônica Carvalho Magalhães Kassar
Silvana de Abreu
Tito Carlos Machado de Oliveira
ISBN 978-85-7613-254-7
A PESQUISA
NA VIDA
E NA
UNIVERSIDADE
3 a Edição Revisada
Campo Grande - MS
2009
é EDITORA
j[nÉMs
Copyright ® 1992 - Vicente Fideles de Ávila
Projeto Gráfico e
Editoração Eletrônica
Editora UFMS
Revisão
A revisão lingüística e ortográfica
é de responsabilidade do autor
Ilustrações
Marlei Sigrist
Publicação da
/(editora
J\\\IBS
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MATO GROSSO DO SUL
Portão 14 - Estádio Morenão - Campus da UFMS
Fone: (67) 3345-7200 - Campo Grande - MS
e-mail: conselho@editora.ufms.br
ISBN: 978-85-7613-254-7
Depósito Legal na Biblioteca Nacional
Impresso no Brasil
AGRADECIMENTOS
Vicente Fideles
de Ávila
SUMÁRIO
9
4.2.1 - Primeira Tentativa de Reconstituição 62
10
7.1.4 Principais Fatores Operacionais do
DE PROFESSORES 144
7.3 - CABERIA UMA CIÊNCIA PARAA FORMAÇÃO? 147
BIBLIOGRAFIA 205
11
SIGLAS
12
PRESSUPOSTOS
GERAIS
A lida com a literatura e o magistério da Metodologia Científica,
bem assim com os problemas gerais da vida e da administração uni-
versitária, vem me mostrando e demonstrando diariamente, há vários
anos, que a área da pesquisa e da ciência está eivada de preconceitos
e tabus que dificultam ou impedem o acesso de professores, técnicos,
estudantes e demais profissionais e potenciais latentes à sua iniciação
e prática progressiva.
Vem demonstrando inclusive que a universidade brasileira, so-
bretudo a sua parcela representada por instituições mais recentes e
interioranas, não acordou para o dimensionamento do que é e de como
se faz pesquisa em consonância com as peculiaridades específicas
da própria realidade
universitária. Não
se despertou para
definir e assumir o
seu papel como vi-
veiro onde se pre-
param e cultivam
não só a pesquisa
e a ciência como
produtos mas tam-
bém, e principal-
mente, os seus
agentes e promoto-
res em processo
contínuo.
15
Nessa perspectiva, e absolutamente convicto de que quem tudo
reivindica nada quer ou pode oferecer, é que resolvi documentar as
análises, as opiniões e, de modo especial, as sugestões da seqüência
deste estudo, intentando incluí-las em pauta de amplo, profundo e pro-
dutivo debate.
Na verdade, tudo o que se registrou em termos de análises e
opiniões pertence ainda ao âmbito das chamadas hipóteses fundamen-
tadas, visto o respectivo processo de demonstração sistemática de-
pender inclusive da aplicação factual das propostas operacionais por
elas abrangidas. São, ou pelo menos pretendem ser, portanto, hipóte-
ses ou respostas, passíveis de demonstração operacional, que emer-
gem de pressupostos sobre pesquisa em si mesma e na própria vida,
bem como se referem a questionamentos concernentes à pesquisa
típica do meio universitário.
PRESSUPOSTOS DE PESQUISA
1.1 EM SI E NA VIDA
16
soas que por ela se interessam e a ela poderiam se dedicar), mas
como processo que permite, inclusive, redescobrir o já descoberto,
redimensionar o já dimensionado e reaproveitar o já aproveitado. As
grandes descobertas podem surgir tanto de um sofisticado e
dispendioso trabalho de pesquisa (e todo país ou entidade que se pre-
tende desenvolver investe maciçamente nesse sentido) como de um
simples "ovo de Colombo". Essas duas dimensões não se excluem,
ao contrário, complementam-se.
QUESTIONAMENTOS SOBRE
PESQUISA NA UNIVERSIDADE
17
só em programar e
desenvolver pes-
quisa técnico-cien-
tífica, como a EM-
BRAPA (Empresa
Brasileira de Pes-
quisas Agropecuá-
rias), o INPE (Ins-
tituto Nacional de
Pesquisas Espa-
ciais), o CNRS
(Centre Nacional de Recherche Scientifique - da França) e congêneres?
18
conceituai do próprio fenômeno. Esses casos são concernentes à re-
lação da pesquisa com o processo natural de formulação do conheci-
mento humano (Tópico 4), com a concepção básica de formação (Tó-
pico 7) e com a razão de ser da universidade (Tópico 8). Isso, porque a
relação desses fenômenos com a pesquisa se passa ao nível e no
âmbito da própria essência dos mesmos: por um lado, pesquisa é tam-
bém processo de formulação de conhecimento e, por outro, sem pes-
quisa inexistiriam tanto a verdadeira formação quanto a autêntica uni-
versidade. Esta é a razão pela qual se entendeu, por exemplo, que a
correta maneira de estudar a pesquisa no processo formativo ou na
universidade tem início pelo marcado esforço de se buscar compreen-
der o em quê consiste a verdadeira formação e o em quê consiste a
autêntica universidade, visto que sem a pesquisa, mais ou menos for-
malizada e tecnificada, ambos os fenômenos se assemelhariam a cor-
pos inanimados, relegados à condição de "cadáveres" estáticos, frios,
informes ou no máximo robotizados pela mecânica da repetição impro-
dutiva de conhecimentos, hábitos e costumes. No que respeita a pes-
quisa versus universidade, Demo (1990a, p. 36) é absolutamente con-
tundente:
Pesquisa deve ser vista como processo social que perpassa toda a vida
acadêmica e penetra na medula do professor e do aluno. Sem ela, não há
como falar de universidade, se a compreendermos como descoberta e cria-
ção. Somente para ensinar, não se faz necessária essa instituição e jamais
se deveria atribuir esse nome a entidades que apenas oferecem aulas.
19
mais complexas e precisas em matéria do vigor metodológico adotado
e do aparato tecnológico utilizado. Daí ser possível e necessário des-
cobrir e desenvolver o espaço da pesquisa em fenômenos vitais, mas
normalmente alijados dos campos específicos das especializações
cientificas, como a própria vida, a formação, a realização coletiva, a
realização tanto pessoal como profissional e tantos outros referidos ou
não na seqüência deste trabalho. Diante do mito criado em torno de
pesquisa e ciência, somos levados a nos esquecermos, ainda, de que
o cientista consagrado de hoje foi o principiante desajeitado (por vezes
até rejeitado) e temeroso de ontem, que se dispôs a aprender pesquisar
pesquisando a partir de realidades simples, próximas e vivenciais em
termos de cotidianidade.
20
PESQUISA CIENTÍFICA
NÃO SÓ PARA CIÊNCIA
A unilateral valorização da ciência no contexto da vida hodierna
tem motivado a formação da cultura de que só se faz pesquisa científi-
ca para se produzir ciência e tecnologia. Os próprios manuais de
metodologia científica (CERVO/BERVIAN, 1982; GALLIANO, 1979;
GRESSLER, 1983; LAKATOS/MARCONI; 1983; PIERSON, 1968; RUIZ,
1982; SALVADOR, 1970; SEVERINO, 1982; e outros), embora extre-
mamente úteis, enquanto instrumentos subsidiários à formação e ao
disciplinamento nos campos da produção científica e da elaboração de
trabalhos técnicos da cotidianidade universitária, acabam por reforçar
a sedimentação desse tipo de unilateralidade em relação à pesquisa.
Pelo menos dois fatores básicos contribuem para isso: a ênfase
à parte formal do método científico, no que concerne aos manuais, e a
quase absoluta ignorância da juventude brasileira em matéria de ciên-
cia e tecnologia (falta de noções básicas, teorias globais, finalidades e
limites existenciais, etc.) até seu ingresso na universidade. Enfatize-
se, até, que os re-
feridos manuais
contribuiriam ape-
nas positivamente
para a formação
equilibrada de nos-
sos futuros cientis-
tas se não houves-
se a mencionada
ignorância básica
por parte da cliente-
23
Ia usuária, reforçada inclusive pelos "cursinhos" e até pelo próprio pro-
cesso mecanicista do vestibular (ora felizmente objeto de reavaliação).
Essa ignorância é tão arraigada que grande parte da clientela incipiente
em metodologia científica por vezes até docentes, chegam a confundi-
la com "macetodologia ou receitoiogia científica".
No que se refere aos manuais, nova perspectiva começa a des-
pontar: a dos autores que contextualízam ciência, tecnologia e pesqui-
sa no espectro da própria vida, sem se descuidarem do vigor próprio
do método científico. Apenas a título de exemplo (vez que qualquer ge-
neralização poderia acarretar exclusões indevidas), iniciativas desse
tipo já estão sendo constatadas em trabalhos como os de Lukesi et al.
(1986), Demo (1985) e Barbieri (1990), em termos de Brasil. Aliás, da
década de 1990 para cá, muito se fez nessa área.
Quanto à questão da ignorância infantil e juvenil sobre ciência e
tecnologia, em si mesmas e em dimensões mais abrangentes, o pro-
blema não se resolve na esfera dos manuais, por melhores que se
apresentem. É questão que envolve a educação como um todo: na
família, na educação infantil, na educação básica e, sobretudo, no am-
biente de toda a educação superior.
A universidade tem enorme responsabilidade e espaço nessa ma-
téria. Já se foi o tempo em que, com certa legitimidade, a "culpa" pelo
despreparo básico da clientela era transferida em cadeia decrescente:
a universidade a repassava ao ensino médio e este ao fundamental. A
"certa legitimidade" se explica em função de que o acesso aos patama-
res da administração educacional e da própria função magisterial, até
pelo menos o final dos anos 1950, se dava, no Brasil, quase que exclu-
sivamente pelos méritos da "vinculação" às oligarquias que detinham o
poder político-administrativo, sem qualquer ênfase aos graus ou tipos
de escolarização formal. A partir dos anos 1960, principalmente no pri-
meiro decênio da ditadura militar, iniciou-se a instalação sistemática da
tecnicoburocracia universitária em todos os níveis de organização e
funcionamento da vida pública (principalmente nas esferas federal e
estadual), criando exacerbada perspectiva de valorização hierárquica
dos diplomas escolares (Decreto n.° 200/67, Lei n.° 5.692/71, etc.).
24
nais formais como nos da própria administração pública como um todo.
Em vista disso, pode-se afirmar sem medo de erro: genericamente
falando, a melhoria da educação básica brasileira depende da melhoria
do próprio "sistema" universitário, inclusive no que se refere à aludida
ignorância técnico-científica básica da clientela que ingressa na univer-
sidade.
Na acepção adotada há anos pelo autor deste trabalho (debatida,
fundamentada e aplicada no transcorrer da disciplina Introdução à
Metodologia Científica e no decurso de assessoramentos ou orienta-
ções ao planejamento e execução de pesquisas e monografias), a pes-
quisa científica não se restringe e se aplica apenas à produção de ciên-
cia em sentido estrito. É empregada também para: geração, aplicação
e transferência de tecnologia (BARBIERI, 1990); desencadeamento do
processo educacional emancipatório (DEMO, 1990a); conquista da li-
berdade a partir da permanente decifração de sentido existencial de
tudo o que se relaciona com o ser humano em condições normais de
intelecção e volição (ÁVILA, 1971); a própria dinâmica da permanente
edificação da vida (MARÍAS, 1966), em seus múltiplos dimensionamentos
e correlações; bem como para a conquista da autonomia e outras con-
dições indispensáveis à autenticidade da vida universitária nas institui-
ções de ensino superior, como se verá na seqüência de Tópicos deste
mesmo trabalho.
25
PESQUISA E LIMITAÇÃO
CONCEITUAL
UNIVERSITÁRIA
Tem sido bombardeado, nas discussões universitárias, que a in-
significância da pesquisa na universidade pública se deve basicamen-
te ao desinteresse dos governos, expresso peia sonegação dos recur-
sos financeiros compatíveis.
Há parcela de verdade nisso, mas não é tudo. O problema da
pesquisa, na mentalidade brasileira em geral e universitária em particu-
lar, parece situar-se em dimensão bem mais básica e elementar: não
se faz mais e melhor pesquisa, porque não se soube, não se procurou
saber ou não se metabolizou, ainda, o que se sabe sobre o que é real-
mente pesquisa tanto para a ciência como para as demais dimensões
da vida.
No fundo, a própria noção de pesquisa paira como tabu ritual, de
domínio parasitário da elite intelectual científica (DEMO, 1990 e 1991a)
do país, carente de desmistificação para que realmente se efetive como
mecanismo estratégico do processo emancipatório da formação uni-
versitária (DEMO, 1990a) e da educação libertadora no Brasil, na Amé-
rica Latina e no terceiro mundo (GADOTTI, 1991).*
Não se pode acreditar que só a força da compreensão conceituai
de uma determinada palavra seja o bastante para que o fenômeno por
ela significado se concretize na prática. Mas seria igualmente ingênuo
Conferências proferidas pelo Prof. Dr. Moacir Gadotti (USP/SP) sobre Educação
Libertadora na América Latina, em Campo Grande - MS, como parte da Semana
Cultural Editora Vozes 90 anos - América Latina: Liberdade - Dependência - Liber-
tação, nos dias 12 e 13 e jun/91.
29
desconsiderar que
é pela correta - ou
a mais correta pos-
sível - compreen-
são conceituai de
um dado fenômeno
que se inicia o pro-
cesso de dinamiza-
ção ou concretiza-
ção do mesmo. É
pela planta, conce-
bida como dimensão teórico-conceitual que se torna possível, e até se
começa, a construção racional (programada, segura e funcional) do
prédio: quanto melhor for a planta, e o entendimento que dela se tiver,
tanto maiores serão as probabilidades de perfeição do edifício. Ocorre,
ainda, que a própria elaboração da planta parte da compreensão inicial
do que é (ou será, em termos operacionais) o edifício, respaldada nos
previsíveis porquê, para quê e com quê de sua construção. Isto já é,
de certa maneira, iniciação antecipada da ação ou parte operacional.
Retornando à questão concernente à importância da compreen-
são conceituai, observa-se: dependendo do que se entende por pes-
quisa, portas se abrirão ou fecharão no sentido de sua democratização
e produção em escala maior, mais qualitativa e menos elitista.
Exemplificando, se se acha que pesquisa se destina exclusivamente à
produção de ciência e que ciência só é atributo ou privilégio de cientis-
tas consagrados pelo batismo do reconhecimento por parte da cúpula
detentora das chaves do saber dito científico, então só esse tipo de
cientista estaria "habilitado" a pesquisar.
É essa, aliás, a concepção que predomina na mentalidade da
juventude ingressa na maioria dos Campi universitários, quando não
também na cultura
de significativo con- jjip^fc-
tingente de profes- Jwraj®
sores. Estes se en-
carregam de .--"'feaf? \ J^
mitificar ainda mais ( 1 \ W N^^SP
f/
o "misterioso altar" i | jf 1 Ã ^-hS/Ê
da ciência, cujo > \ f K./ è^
"culto" é exercido \ \ \ m.
pelos "ungidos ci- V/* 2 * j \ (jç&ty-^-jfr
30
nas admirado e respeitado à distância pelos mortais comuns, sobretu-
do o estudante recém-ingressado na universidade.
Embora de há pelo menos trinta anos empiricamente sabedor
desse tipo de limitação (quiçá bitolamento) conceituai universitário so-
bre ciência, pesquisa, cientista e pesquisador, este ensaísta (que tem
sido também professor de Introdução à Metodologia Científica) vem pro-
curando identificar, ao longo dos últimos anos (a cada início de período
letivo), as percepções ou imagens que os acadêmicos têm ou fazem
dos termos e figuras supracitados.
De fato, a ciência sempre se afigura a uma espécie de divindade
misteriosa, inacessível à esmagadora maioria dos mortais. O cientista
é representado ora como maluco (lunático, alienado, anti-social, ócu-
los garrafais, cabelos esvoaçados, jaleco branco, etc.) e ora como sa-
cerdote que, sub-
missamente, in-
censa e cultua a
deusa ciência, bem
como obedece ao
rigor que ela lhe im-
põe e ornamenta os
seus altares, no
mundo todo, com
inventos científicos
de toda ordem.
Também o pesqui-
sador é representa-
do de duas manei-
ras: oscila entre o cientista maluco e/ou sacerdote e o noviço enviado
pela "deusa" ciência, com a missão de contatar o mundo real (natural)
para dele subtrair o alimento (múltiplas informações) de que necessi-
tam tanto a deusa ciência quanto os seus "ungidos", os cientistas.
31
iadas pelo professor, sem nenhuma organização, interpretação e di-
gestão (DEMO, 1990a) pessoal. É ainda a situação em que o aluno é
estimulado a buscar nos pais, irmãos, amigos e colegas soluções
substitutivas do esforço próprio de tentar. Esforço de começar e reco-
meçar até achar o ponto estratégico através do qual se inicia o proces-
so de desembaraçar as meadas dos problemas, sempre no sentido do
simples para o complexo, do fácil para o difícil e do sensível para o
abstrato.
Além de leviano, improdutivo e irresponsável, esse tipo de postu-
ra degrada a pesquisa e sufoca as potencialidades, às vezes até aspi-
rações, do pesquisador latente. Respalda a crença, na criança e no
jovem, de que pesquisa verdadeira só é possível a poucos, aos cientis-
tas já credenciados para presidirem e administrarem o ritual da ciência
(como se referiu atrás). Arrebata da criança e do jovem a chance tanto
de saberem como de experimentarem os fatos de que a pesquisa é
processo, de que pesquisar se aprende e exercita progressiva e conti-
nuamente (ninguém nasceu sabendo ou aprendeu num estalo), de que
a pesquisa não só gera como recria, reordena e redimensiona conhe-
cimento de toda a ordem, de que o conhecimento produzido pela pes-
quisa pode ter destinação inclusive mais abrangente que a do mero
enriquecimento do acervo estritamente científico, de que a pesquisa
pode ser encarada e utilizada como excelente mecanismo de perse-
guição e conquista da realização pessoal, profissional e societária.
I I teórico =
L I prático =
I I concreto =
r_J abstrato =
V y
32
Só depois de distribuídas cópias das fichas (uma para cada aca-
dêmico) é que se orienta sobre o que se fazer com elas. São, em ver-
dade, duas instruções, de forma que a segunda só deve ser anunciada
depois que todos tiverem concluído o procedimento relativo à primeira:
1a - "Cada um deve assinalar com "X" a quadrícula (só uma) do
termo (ou teórico, ou prático, ou concreto, ou abstrato) que mais
corresponda ao tipo de atividade ou trabalho de seu maior gosto ou
preferência".
2a - "Sem consultar a colegas ou dicionários, escreva (dirigindo-
se a cada um) á frente de cada termo (teórico = ..., prático = ..., concre-
to = ..., e abstrato = ...) uma palavra (de preferência sinônimo) indicativa
do que você pensa que esse termo efetivamente significa" (quase sem-
pre escrevem mais de uma).
Resultados do teste aplicado em 27 alunos do segundo período
do curso de Ciências da Computação, em 22 de setembro de 1987 (a
título de exemplo):
1) Declaração de gosto ou preferência de trabalho: prático = 16
(59,25%), concreto = 2 (7,41%), abstrato = 2(7,41%), teórico =
0(0,00%), não sabiam (abstiveram-se) = 7(25,93%).
2) Conceitos indicados:
a) de "prático": "concreto; real (manuseado); executado; ágil; mais
ação decorrente do teórico; manuseio; objetivo; ativo (manual); exercitado
= 2; de fácil desenvolvimento = 2; desenvolve fisicamente; usual; visual;
útil; fácil (em geral); "exercível"; contestado; desenvolvido = 2; abrangente;
embasado em resultados; por em ação o que aprende; não sei = 3".
Resultados agrupados:
- variações de indicativos conceituais: 21 = 77,78%;
- desconhecimentos de indicativos conceituais: 3 = 11,11%;
-total de indicativos conceituais repetidos: 3 = 11,11%;
- total de acadêmicos testados: 27 = 100,00%.
b) De "teórico": "escrito = 9; abstrato; idéias imagináveis; basea-
do em tese; básico; essencial para a prática; pesquisa escrita; arquiva-
do; conclusão; conceituai; hipótese; provável; aceitável; didático;
embasado em teoria; não sei = 4".
Resultados agrupados:
- variações de indicativos conceituais: 15 = 55,56%;
- desconhecimentos de indicativos conceituais: 4 = 14,81%;
- total de indicativos conceituais repetidos: 8 = 29,63%;
- total de acadêmicos testados: 27 = 100,00%.
33
c) De "concreto": "real = 7; exato = 4; fixo = 3; baseado ou com-
provado = 2; palpável = 2; objetivo; básico; traz resultados aplicáveis e
cientificamente testados; não sei = 6".
Resultados agrupados:
- variações de indicativos conceituais: 8 = 29,63%;
- desconhecimentos de indicativos conceituais: 6 = 22,22%;
-total de indicativos conceituais repetidos: 13 = 48,15%;
- total de acadêmicos testados: 27 = 100,00%.
d) De "abstrato": "imaginário = 5; subjetivo = 3; vago = 3; não
desenvolvido; sonhador; sem base concreta; elementar; idéias; indife-
rente; maciço (profundo); inatingível; restrito; sem embasamento teóri-
co (filosofia); hipótese (sentimento); não sei = 5".
Resultados agrupados:
- variações de indicativos conceituais: 14 = 51,85%;
- desconhecimentos de indicativos conceituais: 5 = 18,52%;
- total de indicativos conceituais repetidos: 8 = 29,63%;
- total de acadêmicos testados: 27 = 100,00%.
3) Hipóteses inferidas
De tudo o que se registrou dos resultados reais desse teste/sur-
presa podem ser inferidas algumas hipóteses de interpretação:
1 a -Ademan-
da de atividades ou
trabalhos "práticos"
representa basica-
mente um pleito
(por vezes reivindi-
cação) por situação
de comodidade
(trabalho fácil, agra-
dável e dinâmico) e
não uma escolha consciente, a partir dos diferentes sentidos que o
termo "prático" comporta, seja na linguagem corrente (conferir o "Minidi-
cionário Aurélio", de uso mais comum atualmente nas escolas de edu-
cação básica) seja na linguagem técnico-científica (abordada no Tópi-
co 4).
2 a -Ademanda ou reivindicação de atividades ou trabalhos "prá-
ticos" se faz, ainda, sem o mínimo critério de seletividade ou esco-
lha em relação aos demais tipos ("teórico", "concreto" e "abstrato"),
pois a esmagadora maioria dos 27 alunos demonstra (pelo teste)
também desconhecer os usuais sentidos desses termos tanto na
34
linguagem corren-
te quanto na técni-
co-científica.
3 a - Se, ante-
riormente ao tes-
te (e sem os res-
pectivos esclare-
cimentos con-
ceituais), o profes-
sor tivesse dito aos
alunos que, no se-
mestre, deveriam
fazer quatro traba-
lhos (um teórico,
um prático, um
concreto e um abs-
trato), o efeito de
compreensão da
natureza desses trabalhos teria sido o da "Torre de Babel": 15 percep-
ções (não importando se corretas ou não e, ainda, sem contar os
"não sei") de "trabalho teórico"; 21 de "trabalho prático"; 8 de "trabalho
concreto" (apesar de elevado contingente dos "não sei"); e 14 de "tra-
balho abstrato".
35
catarinenses e nordestinos. Exemplo típico dessa multi-repre-
sentatividade é o próprio corpo docente da UFMS.
b) Até a administração universitária federal demonstra extrema-
da limitação conceituai inclusive sobre pesquisa na universidade, quan-
do tem acenado, ao longo da curta história universitária brasileira, à
política fisiológica da repartição do dito (impróprio) "sistema universi-
tário" em "categorias" como no caso dos grupos das "universidades
de ensino", das "universidades emergentes" (em matéria de pesqui-
sa) e das universidades consideradas "centros de excelência" (tam-
bém em matéria de pesquisa). O próprio Grupo Executivo para a
Reformulação da Educação Superior - GERES, criado pela portaria
Ministerial n.° 100/86 e implantado pela de n.° 170, de 03/03/86, ape-
sar de haver efetuado bom estudo e fornecido contribuições relevan-
tes quanto a aspectos legais e funcionais concernentes às institui-
ções universitárias brasileiras, tornou-se partidário, tanto na teoria
comentada quanto na prática sugerida (como consta da proposta de
anteprojeto de lei), de equivocados e contraditórios conceitos de uni-
versidade: adotou, de um lado, a "universidade ensino" (restrita à pre-
paração de recursos humanos, mas com status universitário em ma-
téria de autonomia) e, de outro, a "[...] universidade do conhecimento,
baseada em paradigmas de desempenho acadêmico e científico, pro-
tegida das flutuações de interesses imediatistas [...]", conforme rela-
tório publicado em Estudos e Debates - Revista do Conselho de Rei-
tores das Universidades Brasileiras, n.° 13, jan/87. Isso é, no mínimo,
desconsideração quanto ao fato de que a pesquisa não é mera fun-
ção universitária: faz parte da própria essência conceituai e operacional
da universidade (esta questão é praticamente o objeto central dos
Tópicos n.° 8 e 9 deste trabalho).
36
PROCURAR SABER O QUE DE FATO É (em termos de processo, de
contextualização e de finalidades múltiplas), NA VERDADE ENSEJANDO
QUE SE ARREFEÇAA CHAMA DAS POTENCIALIDADES.
Saber o que de fato é pesquisa (como se disse: enquanto pro-
cesso, de acordo com diferentes contextos e para variadas finalida-
des) é preocupação real e constante que permeia todos os demais
Tópicos que se seguem.
37
A PESQUISA E O
TÓPICO 4
PROCESSO NATURAL DE
FORMULAÇÃO
EXSPANSIVO-EVOLUTIVA
DO CONHECIMENTO
Este Tópico é ao mesmo tempo longo e denso, porque se desti-
na à tentativa de SABER COMO SE SABE ou de CONHECER COMO
SE CONHECE. Trata-se, pois, de matéria densa, porém acessível e
absolutamente importante para tudo na vida, vez que o conhecimento
não só é vida como também o é bússola da vida, em suas multivariadas
formas e dimensões.
Por outro lado, sabe-se até empiricamente que pesquisar é pro-
duzir (no sentido de criar, recriar, redimensionar, digerir, metabolizar,
etc.) conhecimento. Como, então, entender profundamente o que é
pesquisa (pesquisar), sem antes, ou simultaneamente, se buscar sa-
ber como o fenômeno do conhecimento se produz (processa) na dinâ-
mica evolutiva da espécie humana e de cada um de nós em particular?
E mais: entendendo como se processa a formulação e a
dinamização do conhecimento humano, obter-se-ão (nesse próprio
entendimento) res-
postas às duas cu-
riosidades, pen-
dentes do Tópico
anterior, concer-
nentes ao porquê
foram escolhidos
os termos concre-
to, abstrato, teóri-
co e prático para o
teste de sondagem
de limitação con-
41
ceitual e, ainda, o quê os mesmos significam no processo de geração
e dinamização do conhecimento humano.
A facilitação do supra-referido entendimento deste Tópico pres-
supõe, do leitor dos textos que se seguem, duas condições mínimas:
a) Supressão radical do pedagogismo ou psicologismo da educa-
ção sem esforço, como se aprendizagem se processasse e conheci-
mentos se adquirissem, criassem ou redimensionassem mecanicamen-
te a partir apenas da veiculação estimulada, sem um mínimo de disponibi-
lidade maiêutica por parte do educando. Bem ao contrário, a disponibilida-
de maiêutica para partos induzidos de aprendizagem (não importa de
que) e diminização enriquecedora de qualquer tipo de conhecimento deve
constituir objeto educacional desde o Jardim de Infância (LIMA, 1971 e
DEMO, 1990a). Se o que efetivamente vale no processo da aprendiza-
gem não é o ensinar mas o "aprender a aprender", como enfatiza Demo
(1990a); ou o destaque conferido pela OCDE (1974, p. 15) quanto à certe-
za de que"[...] haverá sem dúvida o deslocamento da tônica de um ensino
concebido como organização de saber para a de um ensino concebido
como organização do ato de aprender"; ou ainda, conforme Georges (1974,
p. 25),"[...] a tarefa do professor [...] é a de proporcionar o obstáculo [...]"
deve-se, então, investir sem trégua no sentido do desabrochamento e
desenvolvimento da vontade, da disponibilidade e do efetivo esforço de
aprender do educando e do educador: aprende quem quer e se esforça
ativamente para aprender. Vale registrar, nesse sentido, que a doutrina
piagetiana foi inovadora em matéria sobretudo da aprendizagem mas o
próprio Piaget era extremamente disciplinado e rigoroso consigo mesmo
e com seus discípulos, conforme testemunhou um de seus ex-alunos,
Prof. Moacir Gadotti, durante a palestra referida no Tópico anterior.
42
(4.1); o segundo reconstituindo o processo (4.2) e o terceiro (4.3) infe-
rindo lições resultantes.
PRIMEIRO PASSO:
4
'1'1 A SIMPLES APREENSÃO
43
é, faça a percepção das imagens, figuras ou espectros de "grande",
"pequeno", "duro", "mole", "vermelho", "preto", "áspero", "liso", etc.) no
limite, evidentemente, das propriedades sacadas e processadas.
Esse fenômeno tem sido chamado SIMPLES APREENSÃO, desde
Aristóteles (no século IV a.O). Isto, porque as propriedades do objeto são
agarradas (apreendidas) pelos sentidos, imediatamente processadas pelo
cérebro e primeiramente só ESTAMPADAS ou EXPOSTAS na mente.
E daí, que
isso tem a ver com
os termos: concre-
to, abstrato, teó-
rico e prático?
- Tem tudo a ver
com concreto e
abstrato. Por quê?
- Porque concreto,
neste contexto, sig-
nifica todo e qual-
quer objeto material Mm>
(sentido estrito) ou -W
todo fenômeno pas-
sível de ser captado ou percebido pelos sentidos (significado abrangente).
Então, o concreto (com um e/ou outro significado) é sempre o ponto de
partida ou elo inicial tanto na situação em que o processo do conheci-
mento é começado da estaca-zero (questão do primeiro elo de conheci-
mento da espécie humana e de cada criança) quanto na que concerne
ao reinicio de cada ciclo desse processo (aperfeiçoamento, ampliação,
aprofundamento, etc., do conhecimento), orientando-se necessária e
permanentemente pelas dinâmicas evolutivas do geral para o particular
e do simples para o complexo. Já é de Aristóteles a máxima, ainda não
refutada ou modificada, de que "Nada existe na inteligência sem que an-
tes tenha passado pelos sentidos" ("Nihi est in intellectu quod prius non
fuerit in sensibus"). E o que passou-passa-passará pelos sentidos, em
termos de primeiros elos introdutores da cadeia do conhecimento (no
que respeita tanto à espécie humana quanto a cada criança individual-
mente) foi-é-será o concreto entendido como objeto material. Por quê?
- Porque na hierarquia dos objetos do conhecimento humano, o objeto-
matéria é o mais simples (menos complexo) e mais atraente, em rela-
ção aos demais fenômenos (idéias, conceitos, proposições, equações,
etc.), para a captação (apreensão) dos sentidos: para serem captados
pelos sentidos, idéias e conceitos precisam ser materializados através
de símbolos/convenções/vibrações que os tornem sensoriáveis.
44
Na realidade, os sentidos humanos (bem como os de todos os
animais e, quiçá, dos vegetais) se chocam direta, contínua e acidental-
mente (ou não) com um sem número de materialidades: tropeço na
pedra, chute na bola, cisco no olho, espinho no dedo, onda sonora,
bicho-de-pé, choque elétrico, água fria, ar quente, cheiro de suor, den-
tada do cão e incontáveis outras. É importante frisar que o choque dos
sentidos com o objeto-matéria (como mostram os exemplos) pode ser
até acidental (não previsto, casual), mas uma vez acontecendo, funci-
ona como o gesto de engatar a marcha do carro com o motor ligado
(com o sistema nervoso/neuronal pronto para agir): dá início à cami-
nhada do conhecimento. Nessa ótica, é lógico e legítimo pensar que o
ser humano primitivo se defendesse dos animais mais perigosos (e
mais poderosos) em grupo. Num determinado momento, pode ter acon-
tecido de um feroz animal haver enfrentado, amedrontado e persegui-
do o grupo todo. É possível, ainda, que, na fuga, um retardatário (sem-
pre o mais fraco) tenha corrido pouco ou escorregado, ficando ao al-
cance do bote do animal. Caído ao lado de um grande osso quebrado
(pontiagudo) ou de
uma vara de madei-
ra lascada, funcio-
nou o instinto de
defesa (da auto-
conservação):
agarrou o osso ou
a vara e vazou aci-
dentalmente o cora-
ção do animal que
se atirou sobre ele.
45
a) Sentidos etimoiógicos de abstrato e abstração. Originam-se
do verbo latino abstrahere (abstrair) tanto na forma de particípio pas-
sado (abstractum) como na de adjetivo (abstractus, a, um) e na de
substantivo (o abstrato = abstractum). O próprio termo abstração tam-
bém se origina de abstractio (latim), que toma o radical (abstract) do
particípio passado (abstractum) do verbo abstrahere, cujos significa-
dos próprios (inclusive empregados por Cícero), segundo Faria (1956),
são: "levar puxando, arrancar, retirar". Isso, porque o verbo é formado
de duas outras palavras latinas: a preposição a, ab ou abs significa, no
caso, de (ponto de partida, de procedência, de origem ou separação) e
trahere que é (em
sentido próprio) "ar-
rastar, puxar, carre-
gar", conforme o di-
c i o n á r i o já cita-
do. Em assim sen-
do, pode-se con-
cluir que abstrair
(abstrahere) signi-
fica t a m b é m , e
com absoluta pro-
priedade, arrastar
de ... (de alguma
coisa ou lugar), pu-
xar de ..., carregar de ..., arrancar de... e retirar de... . Portanto, o
termo abstrato (não importa se particípio passado, adjetivo ou na for-
ma substantivada) que dizer, etimologicamente, arrastado de ..., puxa-
do de ..., carregado de ..., arrancado de ... e retirado de ... . E, da mes-
ma forma, abstração expressa o processo ou a dinâmica pelo(a) qual
e no(a) qual se produz o fenômeno de arrastamento de ... arrancamento
de, etc. Pode representar, ainda, só o resultado ou o produto já arrasta-
do de ..., arrancado de ..., retirado de ... . Daí a estreita relação
etimológica entre abstração e extrato, ou seja, ora expressa o pro-
cesso de extração e ora só o produto extraído. Isto, porque também
extrato vem de extractum (seja como particípio passado ou adjetivo)
do verbo extrahere formado de ex + trahere e em que ex ou e tam-
bém é preposição de ... (indicativa de ponto de partida, origem ou pro-
cedência como a, ab, ou abs). Assim é que abstração pode ser enten-
dida ora como extrato (que consiste no produto tirado, arrancado, agar-
rado, puxado, carregado ou retirado de alguma coisa) e ora como o
próprio processo de extrair (tirar, arrancar, agarrar...) algo de alguma
coisa.
46
b) Sentidos de abstração no processo de elaboração (formulação)
do conhecimento humano. São exatamente os dois sentidos acima:
b.1 - Abstração é o processo pelo qual e no qual a mente
(inteligência) apreende do (arrasta de ..., arrebata de ..., puxa de ...,
retira de ..., arranca de ...) objeto em posição de ser conhecido (ob-
jeto-matéria ou qualquer outro fenômeno), cujas propriedades se-
jam materializadas através de símbolos, convenções ou expressões
para efeito de captação dos sentidos abedecendo-se a dinâmica:
das propriedades gerais para as particulares e das simples para as
complexas.
SEGUNDO PASSO:
4.1.2 O JUÍZO
47
individual) pela fase mais simplificada do processo de abstração: a men-
te (inteligência) arrebatando, apreendendo ou retirando do objeto (em
posição de conhecimento) as suas propriedades (na dinâmica do mais
geral para o mais específico, do mais sensível para o mais especulativo
e/ou do mais simples para o mais complexo), sempre pela mediação
dos sentidos (inclusive o chamado "sexto sentido"). É o que se denomi-
na SIMPLES APREENSÃO: as percepções ou imagens das proprieda-
des sacadas do objeto, pelos sentidos, são apenas ESTAMPADAS OU
EXPOSTAS À MENTE, AINDASEM QUEAMENTE DELAS AFIRME OU
NEGUE ALGUMA COISA. O EXTRATO (ou abstração entendida como
resultado) dessa fase da abstração tratada como processo são somen-
te os aspectos resultantes da estampação ou exposição das imagens
ou percepções das propriedades apreendidas na mente. Feito isso, vem
a segunda fase (sempre do processo de abstração ou formulação do
conhecimento na mente humana), a seguir, a do JUÍZO.
48
vai identificando pouco a pouco. Assim, no começo, só há silêncio
intelectivo absoluto a respeito dos vultos e imagens que estão sendo
permanentemente apreendidos pelos sentidos e processados pelo cé-
rebro (só há manifestações sensitivo-instintivas de autodefesa: choro,
arrepio, encolhimento, etc., que confirmam exatamente que os sentidos
estão em contato com determinados objetos de apreensão, como ar,
água, espinho na fralda, etc.); depois de alguns meses, os vultos ou ima-
gens vão sendo progressivamente identificados ou revelados: primeiro
em forma de esboço primitivo ("bá... bá... bá..."), evoluindo-se em segui-
da para "mama, cao, miao", etc.
49
Restam, ainda, duas questões a serem esclarecidas: uma com
relação aos leques de juízos e outra sobre os tipos de memória, onde
as percepções ou imagens e os juízos (isolados ou em leque) são ar-
mazenados para as associações requeridas à formulação do RACIO-
CÍNIO.
Sobre os leques de juízos para a formação do juízo global
de um objeto como um todo.
A normalidade é a de que ninguém, mesmo a criança, apreenda só
uma propriedade do objeto em situação de conhecimento (exemplo: só o
formato geral). Apreende, sempre ou quase sempre, um conjunto ou le-
que de propriedades de um mesmo objeto (formato, cor, espessura, quen-
te, frio, etc.). A formação desse leque pode ser de duas maneiras:
- sucessivamente (uma propriedade é apreendida depois da
outra, ao longo do tempo);
- simultaneamente (num mesmo ato de apreensão são capta-
dos o formato, a cor, a espessura, a temperatura, etc., desse objeto).
Como já foi dito, a cada propriedade apreendida corresponde uma
percepção (imagem ou vulto que é identificada na operação juízo (isto
é algo ou isto não é algo). E, então, como é que se formam tanto a
percepção (imagem ou vulto) quanto o juízo do objeto como um todo
(mesmo que de modo extremamente genérico)? - Essa percepção
(imagem ou vulto) se forma pela junção das percepções das proprie-
dades apreendidas e o respectivo juízo também é obtido pela junção,
em leque, dos juízos positivos ou negativos correspondentes à totalida-
de (ou pelo menos parte significativa) das percepções (imagens ou
vultos) existentes na mente.
Exemplo ilustrativo: experimente pegar uma caixinha que conte-
nha peças de um quebra-cabeça sobre determinada figura que lhe é
desconhecida. Como você identificará a figura? - Pegando peça por
peça (apreenden-
do-a), procurando
descobrir o que
cada peça repre-
senta (em termos
de imagem e
juízo: se isto ou
aquilo) e juntando
uma à outra até se
esboçar a figura
em questão. Pode
50
ser até que você não precise juntar todas as peças para descobrir a
figura, mas é certo que não conseguirá apenas com a imagem apreen-
dida e o juízo formulado a respeito da primeira (peça). Aqui está, por-
tanto, também a base de toda a chamada metodologia indutiva. Esta e
outras questões (como a da própria metodologia dedutiva) serão me-
lhor explicitadas no terceiro passo ( o do RACIOCÍNIO).
51
- O nível subconsciente, de média disponibilidade de operacio-
nalização, para onde vão as informações semiprocessadas e/ou aque-
las para as quais o cérebro não confere tanta importância e/ou ainda,
aquelas que dão espaço às mais importantes que chegam permanen-
temente à central de processamento.
- O nível inconsciente: de eventual e escassa disponibilidade
de operacionalização, é uma espécie de "arquivo morto" (mas,
enfatize-se, com certa e remota disponibilidade de operacionalização
pelo cérebro). Para lá, vão inclusive dados brutos apreendidos pelos
sentidos (até pelo "sexto") e sequer processados pelo cérebro. Por
isso, se compara sempre a um vulcão latente: pode ficar adormecido
(esse nível) a vida
toda, pode entrar
em erupções leves
(benéficas ou ma-
léficas, na depen-
dência dos tipos e
natureza das infor-
mações arquiva-
das), como pode
explodir até sem o
controle da mente.
A psicanálise freu-
diana nasceu em função dos sistemas de erupções desse vulcão.
Talvez até não constituísse exagero considerar a memória indivi-
dual como uma grande área mnemônica integrada por este três princi-
pais espaços de memória: consciente, subconsciente e inconsciente. E
isso, sem falar no circuito pré-impresso, em DNA, de memória sensitivo-
instintiva, a respeito do que não se propôs discorrer neste trabalho.
b) A memó- m mmm
n
ria coletiva é a K ^f """"' "-«w
que preserva a his- ^ fl v / / w t n w Pa*.
tória humana ( ^ j í / H t f M J
como um todo e - < V^OVTRA*,*
de cada coletivida- ( \
de em particular, \
no que se refere \ \\
tanto ao aspecto
evolutivo das cole-
tividades quanto à
sua criatividade e
produção intelec-
52
: vo-material ao
longo de suas
r= stências. Tam-
cém essa memó-
- a tem três di-
mensões:
- a da tradi-
ção: transmissão
oral ou por proxi-
midade de fatos e
feitos de geração
para geração e de povos para povos no decurso de séculos, predomi-
nante onde e para quem a leitura e/ou a escrita foram ou são, ainda,
inacessíveis;
- a docu-
mental, em que fei-
tos e fatos são es-
critos ou codifica-
dos em documen-
tos (considerados
em sentido tanto
estrito como am-
plo), multiplicados
(em termos de
policopiamento ou
impressão) e colo-
cados à disposição das gerações presentes e futuras em bibliotecas e
multiformes centros de documentação;
53
expostas ou es-
tampadas na men-
te e juízos positi-
vos ou negativos
feitos a respeito
das percepções
estampadas), im-
porta observar que
a memória natu-
ralmente arma-
zenadora das in-
formações delas
decorrentes é a in-
dividual. Isto, porque é essa a memória direta e imediatamente integra-
da à central de processamento da mente, o cérebro. Mesmo assim,
entendeu-se oportuno apresentar uma visão geral também das memó-
rias coletiva e eletrônica, visto que elas influem de maneira decisiva
tanto no processo de formulação e aperfeiçoamento do raciocínio (ter-
ceiro passo, a seguir), como na própria dinâmica evolutiva do conheci-
mento humano em geral (item 4.2).
TERCEIRO PASSO:
4.1.3 O RACIOCÍNIO
54
oropriedade, a mente chega a identificações também a respeito do
objeto (que está sendo conhecido) como uma totalidade ("esta ima-
gem, formada da junção das imagens de forma, cabelos, busto, etc.,
é a imagem de mulher grande; mulher bonita; mulher magra; etc.").
Este é o segundo grande passo, o do JUÍZO.
3o - (Antecipando) - Combinando, associando e cruzando os
uszos positivos e negativos, bem como buscando ampliar o leque de
J Í Z O S a respeito de propriedades apreendidas e armazenadas na me-
mória, mas ainda não ajuizadas, a inteligência dá o passo estratégico
do RACIOCÍNIO: passa da junção de propriedades sobre imagem(ns),
na área do juízo para a argumentação sobre essa(s) mesma(s)
imagem(ns), que já é operação tipicamente de razão, por isso chama-
da raciocínio. Exemplo: passa-se de juízos como "esta é a imagem de
mulher", "esta é a imagem de mulher bonita", "esta é a imagem de
mulher de cabelos longos", etc. (resultantes já da junção de imagens
mais simples e particulares), para raciocínio ou argumentação deste
tipo: "esta é a imagem de mulher bonita, porque tem cabelos longos,
etc.". O RACIOCÍNIO-ARGUMENTO é, portanto, o terceiro e decisivo
passo para a formulação do conhecimento humano.
55
conhecendo, enquanto os outros animais, também com infra-estrutu-
ra compatível à sua potencialidade, só pensam reconhecendo. Par-
tindo da referência básica de que pensar é exercitar a inteligência, es-
sas expressões significam:
- pensar reconhecendo é o exercício da inteligência limitado à
identificação (reconhecimento) da imagem do objeto, em condições de
ser conhecido, pela junção dos juízos a respeito das imagens de suas
propriedades apreendidas;
- pensar reconhecendo e conhecendo quer dizer que a in-
teligência se exercita de modo geométrica ou exponencialmente mais
amplo e profundo: além da junção de imagens para a identificação
ou reconhecimento do objeto (como se registrou acima), a inteligên-
cia é capaz de relacionar, combinar, associar e cruzar essas ima-
gens para saber (conhecer) não só o que elas são como também
porquê são o que são ou o que representam e porquê representam
o que representam.
Essa opinião parece estar bastante relacionada com a de Lewis
(1968, p. 37):
O intelecto não é uma capacidade dada que existia previamente num estado
latente; consiste em pensamentos que se formam e se modificam de acordo
com os estímulos e necessidades da vida. As reações do animal são ditadas
por seus instintos e hábitos, que, por sua vez, são funções de sua anatomia
altamente modificada e especializada. As reações do homem são inteira-
mente diferentes; ele toma de uma ferramenta apropriada e usa-a. Utilizan-
do-se como se fora um novo ser, equipado com um novo órgão, ele manipula
o mundo externo.
56
pertença efetiva- jjSJlWM^^^m^^
mente ao todo
(conjunto) em
enfoque. Exem-
plos:
a) De racio-
cínio indutivo: as
amostras, cole-
tadas em quinze
sacos de soja es-
trategicamente
posicionados na
carreta com quatrocentos sacos, são boas. Daí se infere, portanto, que
toda a soja dos quatrocentos sacos da carreta é igualmente boa.
b) De raciocínio dedutivo: o agrônomo assegurou que todos os
sacos de soja da carreta "A" contêm soja boa. Ora este saco de soja é
da carreta "A". Logo, este saco de soja contém soja boa, de acordo
com o agrônomo.
Parece importante observar que o raciocínio dedutivo foi o mais
evidenciado na área científica desde a época grega antiga (princi-
palmente a partir da lógica aristotélica) até o advento da chamada
ciência positiva, após Galileu-Galilei, Francis Bacon, Kepler,
Giordano Bruno e outros cientistas (ou teóricos da ciência) entre os
séculos XVI e VXII d.C. Isso, por duas razões: de um lado, o ser
humano se valia praticamente só de seus sentidos naturais para
realizar as suas induções (observações, experimentos provocados
e controlados, etc.) e, de outro, a ciência e a tecnologia pouquíssimo
influenciavam pragmaticamente na vida individual e coletiva das pes-
soas (ao contrário, eram rechaçadas). Embora essa situação de
ênfase à dedução tenha ocorrido de fato, a história da ciência não
indica (de maneira alguma) que a dedução tenha sido anterior à
indução no processo de formulação e dinamização do conhecimen-
to humano. Ao inverso, a indução (como já se viu anteriormente pe-
los 1 o e 2° passos) foi e é sempre o ponto de partida: por ela se
chega a generalizações que (se consideradas seguras) são aplica-
das, a seguir, por dedução.
57
da ética natural, da física especulativa, da psicologia racional e da
própria matemática. Utilizando-se das matemáticas já existentes, e
por sinal bem desenvolvidas até o séc. IV a.C., conseguiram elaborar
estratégias metodológicas rígidas de ampliação e checagem do tê-
nue processo indutivo-sensorial, graças ao que se pôde produzir gran-
des generalizações científicas: algumas efetivamente sólidas (princi-
palmente na área da metafísica) e outras só equivocadamente res-
paldadas, como o geocentrismo no campo da astronomia. Mas o que
se ressalta é que a lógica racional exerceu o papel de complementação
dos sentidos humanos na fase da ciência grega de forma análoga à
função que os potentes aparatos eletrônicos o exercem na atualidade
científica.
Hoje em dia,
quando ainda rei-
na certa mentali-
dade de culto ao
experimentalismo,
já se recomeça a
YCM observar o empre-
go sem pudor da
"indução racional",
.*MMMfl mmM' como os estu-
ô mima;
dos do astrofísico
a 5umm mam
inglês Stephen
Hawcking, sobre a teoria dos buracos negros. Diz-se que através de
fórmulas matemático-físicas ele deduziu.... Na realidade, não deduziu,
mas inferiu que... (induziu, portanto).
58
ANÁLISE-SÍNTESE: MECANISMO
4.1.4 MOTOR-REATOR DO RACIOCÍNIO
59
nhecidos, a inteligência se lança para o desvendamento de elementos
desconhecidos, por inferência indutiva ou por aplicação de generaliza-
ções inferidas às partes do conjunto ou universo a que se referem.
Nessa tarefa, a inteligência recorre, quando necessário ou oportuno, a
informações armazenadas na memória coletiva, também se valendo
muito, recentemente, da memória eletrônica.
É preciso ter em conta, ainda, que o percurso do processo analí-
tico não é apenas
divergente: só se
caracterizando
como permanente
dinamismo de
dissociação, de-
composição e dis-
tinção. Em reali-
dade, é um per-
curso divergente/
convergente, aná-
logo ao caso de
alguém que garimpa não só pelo prazer da garimpagem, mas, tam-
bém, pelo interesse tanto de uma determinada produção como da pos-
se do que produz.
60
- os engenheiros que projetam uma estrada que jamais tinham visto;
- os arquitetos que confeccionam artisticamente a planta de uma
casa exatamente para que seja diferente das já construídas;
- os químicos, físicos, especialistas em informática, etc., bem
como centenas de milhares de pessoas comuns que descobrem, a
cada minuto ou segundo, novidades na área da ciência, da tecnologia e
da própria cotidianidade da vida: descobrem fenômenos acontecidos,
acontecendo e por acontecer, como podem provocar o acontecimento
de outros novos e variados.
Disso decorrem três hipóteses progressivamente intercomple-
mentares:
a) os lastros e disponibilidades de informações nas memórias
individual, coletiva e eletrônica configuram o potencial de desenvolvi-
mento integral que uma pessoa, um grupo ou uma sociedade teve, tem
ou pretende ter;
b) a capacidade e a habilidade de dinamização analítico-sintéti-
ca, bem como a ampliação dos mencionados lastros, possibilitam que
se projetem a dimensão e o grau de desenvolvimento que uma pessoa,
um grupo ou uma sociedade teve, tem ou pretende ter;
c) os investimentos planejados na ampliação de lastros de me-
mórias e na educação para a formação analítico-sintética constituem
os pontos estratégicos de partida para a endogeneização e dinamização
do desenvolvimento, em todas as dimensões e níveis, assim como no
âmbito de pessoas individualizadas, de grupos constituídos e de socie-
dades organizadas.
TENTATIVAS DE RECONSTITUIIÇÃO DA
SEQÜÊNCIA CÍCLICA DO PROCESSO
4.2 EXPANSIVO-EVOLUTIVO DO
CONHECIMENTO
itfliii
Esta matéria não apenas continua tudo o que foi tratado no item
anterior (em todo o 4.1) como praticamente se limita ao dimen-
sionamento funcional de conceitos/fenômenos aí abordados, para efei-
to precípuo de entendimento conceituai, na linha do dinamismo expan-
sivo e, simultaneamente, evolutivo do conhecimento.
O termo expansivo assume, aqui, o sentido mais amplo possível,
ou seja, abrange também dimensões consideradas qualitativas como
aperfeiçoamento, enriquecimento, aprofundamento, especialização e
61
congêneres. Já evolutivo pode ser entendido como progressão ao lon-
go do tempo, mas também com as características do seu emprego na
área de matemática (progressão aritmética, progressão geométrica, pro-
gressão exponencial e assim por diante). Com esta conotação matemá-
tica, o termo evolução já abrange, de certa maneira, bastante espaço
do próprio significado de expansão. Mesmo assim, preferiu-se acoplá-
los para efeito de reforço e ênfase em relação ao que vem tratado a
seguir.
Fala-se muito em: teórico, prático, abstrato, concreto, aplica-
do, básico, funcional, etc., quando se refere principalmente ao co-
nhecimento científico e à sua dimensão tecnológica. Nada haveria de
especial nisso, não fossem a ênfase e a preferência principalmente
w pelo "prático" (ou
até "funcional"),
justamente porque
não se sabe, com
lógica e clareza, o
que representam os
outros no contexto
| do processo de for-
f\ mulação e dinami-
I zação do conheci-
_ mento e até no que
— — ^ r r — — ss e | e s {êm a ver com
"" o próprio "prático"
ou "funcional". Ilustram bem essa situação a celeuma que se tem es-
tabelecido em termos da relação entre teoria e prática, sobretudo nos
meios educacionais, bem como a limitação conceituai abordada no Tó-
pico 3.
A elucidação dessa questão supõe as tentativas de reconstituição,
tanto quanto possível sistemática, da seqüência cíclica de formulação
e dinamização expansivo-evolutiva do conhecimento. No parecer des-
te ensaísta, pode-se pelo menos tentar a reconstituição da referida se-
qüência de duas maneiras:
PRIMEIRA TENTATIVA DE
RECONSTITUIÇÃO
62
a) 1o ciclo: das primeiras e simples apreensões (obtidas atra-
vés dos sentidos) passa-se ao ajuizamento (afirmações ou nega-
ções a respeito das propriedades apreendidas) e (em seguida) se de-
cola para o raciocícino argumentativo (sobre cada propriedade, bem
como sobre os produtos delas resultantes, pelo processo análise-
síntese).
b) 2o e demais ciclos (cujas sistemáticas se aplicam dinamica-
mente, sempre no sentido do menos para o mais complexo ou significa-
tivo, a todos os ciclos que se sucederem na seqüência): os resultados
ou produtos do raciocínio argumentativo do 1o ciclo detonam a geração
de novas apreensões (através dos sentidos ou pelo processo lógico de
análise-síntese ou pela interação de ambos), que passam por
ajuizamentos (mais complexos que os anteriores), que decolam para
raciocínios argumentativos (mais amplos, profundos e sofisticados); e
assim por diante.
SEGUNDA TENTATIVA DE
42 2 RECONSTITUIÇÃO
63
materializado e, portanto, passível de ser captado ou percebido pelos
sentidos, inclusive o "sexto" (significado amplo).
Nesta reconstituição, concretude deve ser entendida como qual-
quer realidade possível de ser conhecida (pressupondo-se sempre que
nada entra na mente sem que antes se passe direta ou indiretamente,
total ou parcialmente pelos sentidos).
b) ABSTRAÇÃO, também já analisada sob os dois ângulos (cfr.
4.1.1 b): processo pelo qual e no qual a mente (inteligência) apreende
do objeto em posição de ser conhecido, via mediação dos sentidos, as
suas propriedades; ou extrato mental das propriedades do objeto co-
nhecido, apreendidas pela inteligência através dos sentidos.
Na reconstituição, abstração significará, simultaneamente, pro-
cesso e extrato, ou seja, os dois sentidos devem ser levados em con-
ta. E mais, observando atentamente o conceito de síntese, formulado
por Jolivet (1967, p. 427), verificar-se-á: primeiro, que a síntese é o
extrato ou produto do processo de abstração no nível do raciocínio;
segundo, que a síntese, embora se constitua um extrato ou produto, é
dinamicamente projetiva (e não estaticamente conclusiva), pois "[...]
consiste em reconstruir os todos a partir dos elementos, não somente
em vista de apreender os objetos da experiência, previamente analisa-
dos [...], MAS TAMBÉM PARA CRIAR OBJETOS NOVOS" (o destaque
em maiúsculas é nosso). Isso quer dizer, em outras palavras, que o ato
de conhecer não é despretensioso a ponto de se contentar com o co-
nhecimento das propriedades que se encontram na mira direta da inte-
ligência. Ao contrário, é vitalmente pretensioso: no próprio processo de
entendimento de uma determinada dimensão, a mente já começa a
projetar o seu retorno interventivo ao objeto, para extrair (arrancar) dele
o conhecimento de outras de suas propriedades. A mente, como a bom-
ba d'água, "suga e projeta" o conhecimento. Ou, ainda, a conseqüência
natural do ato de conhecer é a de programar, explícita ou implicitamen-
te, nova intervenção
na realidade para:
conhecê-la mais e
melhor, modificá-la,
solucioná-la, etc.
Exemplo disso, um
engenheiro civil não
estuda anos a fio só
para o gozo da abs-
tração sobre o que
é o objeto ponte ou
qualquer ponte em
64
particular. Estuda (abstrai) para, conhecendo o que é esse objeto ponte
ou esta ponte em particular, tornar-se capaz de conceber e comandar
a construção de outras pontes de alguma forma diferentes do objeto
ponte ou daquela ponte que estudou (sob algum aspecto, nunca uma
ponte será igual a outras).
Isso posto,
convém retornar ao
termo abstração,
acrescentando-lhe
mais uma 3a dimen-
são: 1 a , a de pro-
cesso de puxar as
propriedades do
objeto; 2a, a de ex-
trato ou síntese do
conhecimento con-
seguido pelo racio-
cínio; e 3a, a de pro-
jetar novas interven-
ções no objeto.
65
quê, quando, onde, etc.) agir na proporção da intensidade do interesse
ou conveniência, e assim por diante.
Tudo isso é feito de duas maneiras:
- naturalmente, em que pelos recursos lógicos da análise-sínte-
se espontâneas a mente resolve os problemas;
- apoiadamente: a mente busca auxílios logísticos e instru-
mentais externos ou até se ocupa da concepção e projeção de ins-
trumentais subsidiários externos próprios, quando se depara com
um certo grau de complexidade para a solução de seus problemas
(daí porque a mente cria não só em relação ao que ela pretende
alcançar, mas também no que respeita aos meios para conseguir o
que intenciona).
66
to, de uma idéia; aplicação [...]", além de outros sentidos corriqueiros
como "experiência", "habilidade", etc.
Prático, na condição de adjetivo e no contexto aqui enfocado, é,
segundo o citado Petit Larousse,"[...] o que não fica só na teoria; o que
é relativo à ação, à aplicação [...]".
No que se refere à segunda reconstituição dos ciclos de formula-
ção e dinamização do conhecimento, um pouco à frente, a PRÁTICA
decorre da TEORIA e significa: ato de aplicação ou execução de uma
idéia de intervenção na concretude, projetada ou mapeada no âmbito
da teoria.
Recapitulando, os sentidos dos termos estratégicos desta se-
gunda reconstituição são:
a) CONCRE-
TUDE: qualquer
realidade possível
de ser conhecida
pela via direta ou in-
direta, próxima ou
remota dos sentidos
ou, simplesmente,
qualquer objeto ou
fenômeno na forma
que se permita ser
conhecido pela inte-
ligência humana.
2 o CICLO:
(cuja sistemática também se aplica dinamicamente, sempre
no sentido do menos para o mais complexo ou significativo, a todos
os ciclos que se sucederem na seqüência): os resultados da inter-
venção do ciclo anterior ampliam as possibilidades de a CONCRE-
TUDE fornecer mais elementos a ABSTRAÇÕES mais complexas,
que geram TEORIAS ou projetos mais elaborados de reintervenções
na concretude, que são executados ou levados à PRÁTICA (sempre
com os recursos lógicos próprios da mente e/ou com apoio logístico
e instrumental externo) na di-
nâmica realidade da CON-
CRETUDE; e assim por dian-
te, formando a espiral do co-
nhecimento que evolui de um
ponto C1 da r e a l i d a d e ou
concretude e se dinamiza ace-
lerando: da somatória para a
progressão aritmética, para a
progressão geométrica, para a
progressão exponencial, em
termos de volume, qualidade e
diversificação (formando no-
vos ciclos).
68
LIÇÕES PRAGMÁTICAS DO PROCESSO
EXPANSIVO-EVOLUTIVO DE
FORMULAÇÃO DO CONHECIMENTO
Dentre to-
das as concre-
69
tudes ou realidades
possíveis de serem
conhecidas pela
mente, só o ser hu-
mano é capaz de co-
nhecer as demais no
nível da complexida-
de abordada nas
duas reconstitui-
ções. Dentre todas essas realidades, no entanto, aquelas que mais têm
condições de serem conhecidas por vezes são exatamente as que po-
dem se deixar conhecer menos. Nos reinos mineral e vegetal, todos os
seres estão simplesmente aí, de certa maneira até desafiando no sentido
de que sejam conhecidos e apreciados. Só no reino animal, guardião da
capacidade de conhecer, é que as coisas mudam: esconde-esconde para
os animais em geral e camuflagem para o ser humano inteligente. Daí
porque promover justiça e reparar injustiça não é simples problema de
inteligência, mas de inteligência não camuflada, que busca não apenas o
conhecimento das realidades cognoscíveis, como também o
desvendamento das verdades que elas são e indicam.
70
Pode ocorrer até teoria que projete a prática sem que esta se
efetive. Mas jamais haverá verdadeira prática sem ser projetada ria te-
oria. Teoria sem prática se limita a atividade meramente mental, por
vezes constitui até excesso de compreensão e visão de determinadas
coisas em relação às reais condições de efetivamente realizar tudo
que se projeta fazer. Prática sem teoria é simplesmente praticismo,
ativismo ou "jeitinho" infundado, imprevisto e inconseqüente. Só funcio-
na por casualidade.
Teoria não é imaginação e nem masturbação mental. É con-
seqüência do processo "bumerangue" da mente humana, o do sem-
pre pretensioso e dinâmico ato da compreensão-intervenção (ou sim-
plesmente trabalho de ABSTRAÇÃO) da mente, que tem levado o
ser humano não só
a conhecer e apro-
veitar mais e melhor
a realidade do mun-
do e da vida, como
t a m b é m à doentia
ambição de possuí-
la, dominá-la e ma-
nipulá-la a seu bel-
prazer.
RELATIVAS À REALIDADE E
IMPORTÂNCIA DA ABSTRAÇÃO
A abstração é
preconceituosamente
entendida e tida por
muita gente (cfr. Tó-
pico 3, que trata da
limitação conceituai)
como algo imaginá-
rio, irreal, alienado,
sonhador, sem base
concreta, subjetivo,
vago e assim por di-
ante. Se assim fos-
se, imaginário, ir-
71
real, etc., seria quem pensa dessa forma e nisso ignorantemente acredi-
ta. Por quê? - Porque é pela abstração que a mente é capaz de saber o
quê é um machado, uma faca, uma montanha, um átomo e tudo o mais,
sem ter que enfiá-los fisicamente nos seus sentidos, no seu cérebro, na
sua memória e nas suas operações de ajuizamento e análise-sínteses
dos raciocínios quantitativa e qualitativamente complexos. Ou, ainda, é
pela abstração que a inteligência capta-imaterializando, analisa e conhe-
ce toda a realidade (inclusive a física), independentemente de suas di-
mensões, seus tipos e suas naturezas.
72
rico da teoria que a
fundamenta, con-
textua e projeta: que
será, por exemplo,
do pedreiro encar-
regado da constru-
ção de uma casa se
não souber decifrar
a sua planta?
RELATIVAS AO PROCESSO
4 3 4
ANÁLISE-SÍNTESE
Não há aná-
lise sem síntese:
se houvesse, se-
ria a dispersão to-
73
tal, a ida sem retor-
no, como no caso
do "mecânico pi-
careta" que des-
monta o carro,
embaralha as pe-
ças e as abandona
à ferrugem. Isso
não significa, por C-* — — -=-*= 1 —
outro lado, que
toda síntese precisa ser perfeita. Não existe, aliás, síntese perfeita. A
síntese perfeita contrariaria a própria dinâmica do conhecimento. Exis-
tem, portanto, sínteses: mais ou menos lógicas, mais ou menos su-
perficiais, mais ou menos profundas, mais ou menos convincentes e
assim por diante.
RELATIVAS À CIÊNCIA E AO
4.3.5 AVANÇO CIENTÍFICO
74
de ouvir uma palestra da Profa. Dra. Ariadne M. B. Rizzoni Carvalho, da
UNICAMP, sobre inteligência artificial na área computacional. Embora
leigo na referida área, pôde captar o esboço geral de que a inteligência
artificial só se efetivará quando se equipar algum computador, em ter-
mos de hardwares e softwares, para desenvolver as operações de apre-
ensão, juízo e raciocínio praticamente idênticas às da mente humana.
Pelo entendido, parece que já se conseguiu significativo progresso em
relação às duas primeiras operações, restando ainda o grande desafio
no sentido de efetivamente levar o computador à realização de raciocí-
nios analíticos complexos e inovadores.
RELATIVAS À C O M P R E E N S Ã O BÁSICA
4 3 6
' ' DO Q U E É PESQUISA
HBMI
Logo no segundo parágrafo introdutório deste longo e denso Tó-
pico se fez a seguinte indagação:
[...] sabe-se até empiricamente que pesquisar é produzir no sentido de criar,
recriar, redimensionar, digerir, metabolizar, etc.) conhecimento. Como, então,
entender profundamente o que é pesquisa (pesquisar), sem antes, ou simul-
taneamente, se buscar saber como o fenômeno do conhecimento se produz
(processa) na dinâmica evolutiva da espécie humana e de cada um de nós
em particular?
75
que a dinâmica metodológica da pesquisa, genericamente considera-
da, envolve encadeamento de passos sucessivos análogos aos do pro-
cesso natural de conhecer: 1o - coleta e processamento de informa-
ções sobre as propriedades do objeto de pesquisa = "simples apreen-
são"; 2° - configuração de performance dos resultados processados =
"juízo"; 3o - análise interpretativa e argumentativa de compreensão das
propriedades apreendidas através dos dados coletados, processados
e configurados = "raciocínio".
Esses passos formam ciclos que se sucedem da mesma ma-
neira que os da seqüência reconstituída no item 4.2.1. Sem demasiado
esforço, cada leitor interessado poderá fazer a reconstituição da se-
qüência de ciclos da pesquisa em torno, também, dos outros fenôme-
nos-chaves (concretude, abstração, teoria, prática), utilizados para a
segunda tentativa de reconstituição no item 4.2.2.
Cabe frisar, ainda, que a relação direta da pesquisa com o pro-
cesso natural de conhecer se dá sempre, ou seja, ocorre mesmo nos
casos em que a pesquisa não se destine à produção de conhecimento
estritamente científico, como se iterou no Tópico 2 deste trabalho. Isto,
porque a relação que se estabelece entre ambos se configura pela se-
melhança, analogia ou até quase identidade de suas propriedades bá-
sicas e não pela natureza de seus resultados, ou seja, embora de modo
artificial ou provocado, a pesquisa reproduz o processo natural de pro-
dução do conhecimento, não importando se categorizado como cientí-
fico ou atinente a qualquer outra dimensão da vida.
76
A PESQUISA
NA CONCEPÇÃO
CLÁSSICA USUAL
Na concepção clássica, pesquisa sempre se relacionou com
ciência, inclusive filosofia e, portanto, com o método científico. Daí a
razão por que se estigmatizou a generalizada crença de que só se faz
pesquisa científica para se produzir ciência e tecnologia em sentido
estrito ou formal, como se acentuou no segundo Tópico atrás.
Em verdade, a pesquisa não só se relacionou com o método
científico, mas sempre foi, e continua sendo, a própria alma ativa ou
fator dinamizador tanto do método científico quanto da ciência que dele
resulta. Por isso é que se inicia esta abordagem da pesquisa, na con-
cepção clássica, exatamente pela decifração de seu espectro na
conceituação do próprio método científico.
Segundo So- m^ÊÊÊBR
lages (1964, p. 20-
22), o encaminha-
mento do método
científico se desen-
volve em torno de
três eixos pilares: o
do rigor, o da or-
dem e o da pro-
gressão. Alterando
um pouco a se-
qüência acima, a
ordem se estabele-
ce, nos passos do
método científico, t y
79
"[...] em oposição à fantasia que reinava outrora em muitos campos do
pensamento. Tal ordem não exclui o tateio, de que as descobertas não
prescindem, ao contrário do que dão a entender as exposições escola-
res [...]". A progressão (o caráter progressivo do método científico ou,
ainda, a lógica das crescentes aproximações sucessivas) acontece
"[...] em contraste com a primeira ambição do pensamento, que é ir
logo ao definitivo". Por último, embora se tratando do fator mais enfáti-
co - o rigor -, que consiste no:
[...] encaminhamento do pensamento metodológico [...] sempre aproximativo
[...] é uma disciplina que o pensamento, pouco a pouco, se impõe a si próprio,
sob o influxo das matemáticas, cuja aplicação ao real introduziu a noção de
medida num crescente número de domínios.
80
e aprofundamento
de contatos da
mente inclusive
com os objetos ma-
teriais do conheci-
mento. Daí a esma-
gadora predomi-
nância da dinâmica
especulativa sobre
os aspectos indu-
tivo-experimentais,
em todos os tipos
de demonstração
científica, até o sur-
gimento da mentalidade e dos instrumentos que permitiram a concep-
ção e o ensaio dos primeiros passos da ciência positiva, por volta dos
sécs. XVIA/XII, com os citados Galileu-Galilei e Pascal, Copérnico (1473-
1543), Kepler (1571-1630), Francis Bacon (1561-1626), Giordano Bru-
no (1548-1600), Descartes (1596-1650) e outros.
81
gação e da as-
tronomia tiveram
avanços tão signifi-
cativos que o res-
pectivo legado his-
tórico se constituiu
do próprio desve-
lamento do conti-
nente americano,
no apagar das lu-
zes do séc. XV.
82
ciência e de seus
efeitos tecnológicos
não apenas nas
condições da so-
brevivência huma-
na, como, inclusive,
nas da permanên-
cia de qualquer tipo
de vida sobre a
terra.
Esse apanha-
do histórico permite
entrever que toda a
evolução científica e
tecnológica da humanidade vem se orientando pelos três eixos pilares
do método científico apontados por Soiages: o rigor, a ordem e a pro-
gressão. Mas há duas questões que merecem discussão mais
aprofundada. A primeira se refere ao rigor, à ordem e à progressão
concernentes à produção mas não ao emprego adequado de ciência e
tecnologia (o que gerou a ECO-RIO-92, como se viu acima). Asegunda
diz respeito ao rigor, à ordem e à progressão utilizados para caracte-
rizações genéricas de ciência, método científico e, lógico, pesquisa ci-
entífica, sem se dar conta ou se demonstrar que a própria pesquisa se
desenvolve de maneira processual, de sorte que o rigor e ordem da
fase inicial não têm a mesma configuração que os das demais e su-
cessivas fases do processo (essa questão é retomada no item 5.3).
No que concerne especificamente ao método científico, abran-
gendo evidentemente a pesquisa, destaca-se a questão, já abordada
no Tópico 2, de que não se utiliza método científico (ou pesquisa cien-
tífica) só para se produzir ciência e tecnologia "stricto sensu" (também
isso será lembrado ou enfatizado praticamente em todo o curso deste
ensaio).
ALGUMAS CONCEITUAÇÕES
5.2 USUAIS DE PESQUISA
c) A de Pier-
son (1968, p. 329 e
60):
Investigação sistemática levada a efeito no mundo real (e não apenas no de
idéias); na significação científica do conceito, sempre se orienta pelas teori-
as anteriores e se esforça para relacionar com elas, logicamente, todas as
novas descobertas, verificando assim a teoria anterior, modificando-a ou
mostrando a necessidade de abandoná-la.
84
d) Ade Barbieri (1990, p. 56):
Por pesquisa se entende aqui o conjunto de atividades realizadas de forma
intencional e sistemática para produzir novos conhecimentos.
g) A d e Seiitiz
et ai. (1965, p. 5):
O objetivo da pesquisa
é descobrir respostas
para perguntas, através
do emprego de proces-
sos científicos.
85
recapitulativo de revisão da literatura existente em biblioteca [...]. Os passos
formais que sugerimos são uma sistematização do que, em essência, vem
sendo praticado por pesquisadores experimentados. É que tais passos são
indicados pela própria teoria da aprendizagem com base nos procedimentos
espontaneamente adotados na resolução de problemas.
Em tese,
nada há de mais em
se falar de rigor e
ordem para o méto-
do científico, para a
pesquisa e para a
própria ciência. Já
se referiu ao fato de
que ciência e tec-
nologia são fenô-
menos que impli-
cam riscos e com-
promissos: a par de suas metodologias (metá = além + odós = cami-
nho + logía = estudo, pesquisa) se projetarem sempre para o desco-
nhecido (o que está cada vez mais além..., do lado de lá..., depois...),
seus resultados podem beneficiar, prejudicar ou até inviabilizara causa
da vida e do equilíbrio natural do planeta que é nosso berço, nossa
casa.
86
Há, por outro
lado, uma questão _ « p mmmm®m —/
j y ^ A f f C t i 3 VUL.l u»j*,í;S
extremamente gra-
ve em relação à ên-
: . f.
fase no rigor e na
ordem em matéria
mm&mS " " S a E
de pesquisa, méto-
do científico e ciên-
cia: a generalização
indiscriminada des-
ses fatores confere
"status" ao pesqui-
sador-cientista talvez até maior que o justo devido, mas amedronta os
candidatos potenciais e mitifica os fenômenos tanto da pesquisa quan-
to da ciência, como se comentou no Tópico 2 deste trabalho.
87
(Aí está a razão da ressalva, na definição à letra c do item 5.2:
"[...] na significação científica do conceito [...], ou seja, o conceito lá
transcrito se refere à "pesquisa formal" e não a "experimentações es-
pontâneas").
Em termos mais explícitos, o que se quer dizer em relação a
rigor e ordem em pesquisa é que:
a) a dinâmica da pesquisa é processual, ou seja, se desenvolve
sempre por progressão ou aproximações sucessivas: do mais sensí-
vel para o mais especulativo, do mais simples para o mais complexo e
do mais geral para o mais particular (de acordo com a própria lógica
natural do conhecimento humano, rememorando o Tópico 4);
b) em razão dis-
so, a intensificação do
rigor e da ordem é
também progressiva:
acontece na medida
em que a evolução do
próprio processo da
pesquisa se dá nas di-
reções supramencio-
nadas, inclusive na do
óbvio ou quase óbvio
para o inédito;
c) assim, o grau de exigência em matéria de rigor e ordem pode
começar relativamente brando, no início, para se tornar progressiva-
mente cada vez mais vigoroso à medida que avança o processo da
pesquisa;
d) assim, ainda, qualquer candidato pode começar do começo
a se ingressar no mundo da pesquisa, com a calma e a certeza de
que as exercitações, mesmo os ensaios-e-erros analisados, lhe pre-
pararão teórica e
operacionalmente
para a produção
da pesquisa, ao
longo de alguns
anos, com a pro-
gressão de rigor
e ordem proporci-
onal aos seus inte-
resses e dedica-
ção.
88
Ao invés de se instalar uma espécie de terrorismo psicológico
em relação à pesquisa e à ciência, de um lado, ou de banalizá-las com
caricaturas de compilações frustrantes, dever-se-ia estimular as crian-
ças, os adolescentes, os jovens e os adultos a tentarem pesquisar, a
partir de problemáticas simples ou até da busca de esclarecimentos
científicos (relação causa e efeito e vice-versa) para a própria sabedo-
ria popular, vivenciada diuturnamente e por vezes consolidada em pro-
vérbios, pensamentos, hábitos e costumes típicos.
Não é só andar que se aprende andando. Pesquisar também se
aprende pesquisando, desde que, ao contrário de se amedrontar, se
motive para tal.
No contexto universitário, esse ponto de vista é ampliado no Tópi-
co 9, que trata da universidade como viveiro de pesquisa.
89
formulará, amanhã, propostas mais apropriadas que a de Isaac/Michael
(1987), a de Demo (1985) e a da OCDE/Manual Frascati (apud
BARBIERI, 1990). As duas primeiras se referem à pesquisa em geral e
a última concerne especificamente a P&D ou "Pesquisa e Desenvolvi-
mento Experimental".
Como o objetivo fundamental deste item é o de informar so-
bre classificações de tipos e não o de exaurir o debate a respeito
de sua configuração e legitimação teórico-operacional, estudos
mais aprofundados poderão ser desenvolvidos pelos interessados
a partir, quem sabe, das próprias fontes supracitadas. Em assim
sendo, e limitando-se à transcrição ou tradução (no caso de Isaac/
Michael) do estritamente essencial, as classificações são as que
se seguem:
90
Exemplos:
Um estudo das origens
das práticas de agrupa-
mento nas escolas pri-
m á r i a s nos Estados
Unidos para compreen-
der suas bases no pas-
sado e relevância para
o presente; testar a hi-
pótese de que Francis
Bacon foi o verdadeiro
autor das "obras de
William Shakespeare.
Exemplos:
1. Estudos de cresci-
mento longitudinal me-
dindo d i r e t a m e n t e a
natureza e o índice de
m u d a n ç a s em uma
SJÇÍO ttESO».
amostra das mesmas
-*»••»:. tr, t
crianças em diferentes
estágios de desenvol-
vimento.
2. Estudos de cresci-
mento de grupos re-
presentativos medindo
indiretamente a nature-
za e proporção destas
91
mesmas mudanças e desenhando amostras de diferentes crianças repre-
sentativas de níveis de idade.
Exemplos:
1. Os e s t u d o s de
Piaget do desenvolvi-
mento cognitivo das crianças.
2. Estudo em profundidade de um aluno com dificuldade de aprendizagem
por um psicólogo ou de um estudante, em período probatório, por um assis-
tente social.
Exemplos:
92
Exemplos:
1. Identificar fatores
que caracterizam pes-
soas com altos e bai-
xos índices de aciden-
tes, utilizando dados
dos registros das com-
panhias de seguro.
2.Determinar os atribu-
tos de professores efe-
tivos como definidos,
por exemplo, pela ava-
liação de seu desem-
penho e outros dados
dos arquivos pesso-
ais. D o c u m e n t o s de
professores durante os dez últimos anos são então examinados, comparan-
do-se estes dados à quantidade de freqüência escolar ou a cada um dos
diversos outros fatores.
Exemplos:
1. Investigar os efeitos de dois métodos de ensino de um programa de histó-
ria do 12° grau como função de tamanho de classe (grande e pequena) e de
níveis de inteligência do estudante (alto, médio, baixo), usando a determina-
ção, ao acaso, de professores e alunos por nível de inteligência do método e
tamanho da classe.
2. Investigar os efeitos
de um novo programa
de prevenção ao abu-
so de drogas nas atitu-
des de aluno de 3 o ano
ginasial, usando gru-
pos experimentais e de
controle que estejam
ou não expostos ao
programa, respectiva-
mente, e usando um
plano de pré-teste/pós-
teste no qual apenas a
metade dos estudan-
93
tes receba ao acaso o
pré-teste para determi-
nar o quanto uma mu-
dança de atitude pode
ser atribuída ao pré-
teste ou ao programa
educacional.
3. Investigar os efeitos
dos dois métodos de
avaliação do aluno no
desempenho de crian-
ças em 23 escolas ele-
mentares de um dado
distrito de subúrbio. Neste estudo N seria o número de salas de aula, em vez
de crianças, e o método seria determinado por técnicas estratíficadas ao
acaso de forma que houvesse uma distribuição equilibrada dos dois méto-
dos às salas de aula em diferentes níveis escolares e diferentes localiza-
ções sócio-econômicas de escolas.
Exemplos:
1. Investigar os efeitos da prática espaçada versus prática concentrada em
memorizar listas de vocabulário em quatro cursos de língua estrangeira, em
cursos ginasiais, sem ser capaz de determinar que os estudantes recebam
tratamento ao acaso ou de supervisionar bem de perto seus períodos de
prática.
2. Avaliar a eficácia de três métodos para ensinar princípios e conceitos bási-
cos de economia a cri-
anças de um curso pri-
mário, quando alguns
dos professores inad-
vertidamente tiveram
p e r m i s s ã o de optar
por um dos métodos
devido à i m p r e s s ã o
causada pela aparên-
cia dos materiais.
3. Pesquisa educacio-
nal envolvendo plano
de pré-teste e pós-tes-
te em que variáveis tais
como maturidade, efei-
tos do testar, regres-
94
são estatística, desgaste seletivo e estímulo da novidade ou adaptação são
inevitáveis ou desconsideradas.
a.9 - Pesquisa-Ação
Finalidade:
Características:
1. Prática e diretamente relevante a uma situação real no mundo do trabalho.
O objeto desta pesquisa são estudantes, funcionários da escola e outros
com os quais você esteja primordialmente envolvido.
95
b) Propos- ta
de Demo (1985, p.
23-28), em termos
gerais de pesquisa:
b.1 - Pesquisa teóri-
c a : aquela que monta e
t J B í ' desvenda quadros teóri-
cos de referência. Não
f l existe p e s q u i s a pura-
mente teórica, porque já
seria mera especulação.
Mera especulação é a re-
flexão aérea subjetiva, à
revelia da realidade, algo que um colega cientista não poderia refazer ou
controlar.
96
Seja qual for a dimensão visualizada, a prática também é uma forma de desco-
brir a realidade. Aparece muitas vezes em pessoas que somente sabem pela
prática, já que nunca pararam para teorizar, ou sequer saberiam fazer isto de
forma explícita. No cientista social é a ocasião de descortinar horizontes que
não tinham sido percebidos na teoria ou mesmo surpresas à revelia da teoria.
97
"revisão" (e isso sem falar no indispensável subsídio que a área docu-
mental-bibliográfica presta ao desenvolvimento de análises-sínteses no
decorrer de qualquer pesquisa).
No que respeita à pesquisa participante, muitíssimo citada no
âmbito das ciências sociais, é melhor que a palavra seja dada a Le
Boterf (apud BRANDÃO, 1985, p. 51-52):
Em uma pesquisa tradicional a população pesquisada é considerada passi-
va, enquanto simples reservatório de informações, incapaz de analisar a sua
própria situação e de procurar soluções para seus problemas. Nesse caso,
a pesquisa fica exclusivamente a cargo de "especialistas" (sociólogos, eco-
nomistas, etc.), pois somente estes possuiriam a capacidade de formular os
problemas e de encontrar formas de resolver. Desse modo, os resultados da
pesquisa ficam reservados aos pesquisadores, e a população não é levada
a conhecer tais resultados e menos ainda a discuti-los.
98
chega a ser admitido que uma hipótese pode ou não ser comprova-
da, Mas em circunstâncias em que os riscos, os custos e os com-
promissos são elevados, por vezes vitais, não se elabora hipótese
com apenas 50% de chance de demonstração confirmativa; requer-
se, em condições normais, mais do que isso: pelo menos forte pro-
babilidade de demonstração confirmativa. Isso é observado inclusi-
ve nos contratos de risco; imaginem só se uma empresa se dispõe
a investir milhões de dólares na prospecção de petróleo, numa área,
não se respaldar na forte probabilidade de que o mesmo exista ou,
ainda, de que seja possível a sua exploração (seria burrice total ou
"roleta russa" irresponsável). Imaginem, também, se alguém se pro-
põe a arcar com todos os ônus da prospecção mineral de uma área,
sem, antes, ter buscado, de alguma maneira informações sobre a
sua configuração geológica que sinalizem no sentido da forte proba-
bilidade do minério desejado ou de outra forma de resultados com-
pensatórios.
Por aí se enten-
de bem tanto a fun-
ção quanto a impor-
tância da "pesquisa
exploratória" num de-
terminado processo
de pesquisa ou até de
compra e venda de
qualquer coisa de
certo valor.
Para encerrar
este item sobre tipos
de pesquisa, regis-
tra-se a posição ge-
ral que este ensaísta
m UtioviTs»»
tem assumido junto Oft, ^ms** r,
aos principiantes em
matéria conceituai de ÉSJfeta
ciência e tecnologia.
Trata-se apenas de
uma tentativa de
esquematização di-
dática da variada e
quase interminável
lista de denomina-
ções de pesquisa
99
("básica", "aplicada", "teórica", formal", "abstrata", "experimental",
"factual", "empírica", "pura", "fenomenológica", etc., etc.).
Do ponto de vista geral e didático, parece que as coisas podem
começar, de maneira bem mais simplificada, pela identificação, em todo
o universo da pesquisa, de apenas duas grandes categorias: a das
pesquisas abstratas e a das pesquisas experimentais.
Essas duas categorias se configuram peia natureza das pesqui-
sas:
- abstratas (especulativas, teóricas e/ou formais) são aquelas
pesquisas cuja natureza não permite a manipulação ou o contato sen-
sorial, direto ou indireto, do pesquisador com o objeto pesquisado;
- experimentais são aquelas cuja natureza permite a manipula-
ção ou o contato sensorial supramencionado.
Mas ambas
f básicas as categorias se
abstratas desdobram em
apieadas
aplicadas (utilitári-
PesquisaS as, funcionais, etc.)
e básicas (por ve-
básicas
©ípôfimanteía zes ditas puras)
apficâãas em razão da previ-
são de emprego ou
não emprego de suas metodologias e/ou resultados, quando da pro-
gramação e realização das mesmas.
100
Ademais, esse tipo de esquematização didática não contrariaria
as classificações já referidas e outras existentes, bem como as que
ainda vierem a ser propostas. Apenas as agrupa, resgatando o real
sentido de abstrato, para efeito de mais rápida e melhor visão geral do
conjunto.
101
resolver, o apoio de
alguém com quem frjj HfiLL&l
você convive, a po-
bre biblioteca mas à
sua disposição, a
sua própria existên-
cia dependente de
outras que também
dela dependem.
Essa cami-
nhada tem ou terá
um começo, mas
os seus meios e
fim só dependerão de você. Tire da cabeça essa estória de que você
não faz porque os outros não deixam. Se o problema é o da falta de
tempo e recursos, "pesquise" para conquistá-los com criatividade, dig-
nidade e contribuindo para sua realização, para o bem de todos e de-
senvolvimento da nação.
Não pense que você deve partir de onde estão as celebridades
científicas. Elas estão aqui, hoje, porque partiram anteontem do ponto
em que você se encontra agora.
É, foi e será sempre assim que se chegará lá. Não há exceções
e muito menos você será uma delas. Até o superdotado passa por isso.
Só que nem sempre o superdotado é aquele que tem mais dotes. Pode
ser também aquele que exercita e aproveita mais e melhor os dotes
que tem. Se todos nós utilizássemos mais de 4% de nossa capacida-
de intelectivo-neuronal, além de superdotados seríamos super-
desenvolvidos, pois "[...] o ser humano não utiliza mais de 2 ou 3% de
sua capacidade ce-
rebral" (LIMA, 1971,
p. 47).
Perca o me-
do de fundamentar
e documentar suas
idéias. É claro que
você ficará exposto
a críticas. Mas é
claro também que
suas idéias e seus
achados documen-
tados servirão de
102
"lance mínimo" à
"indução de partos"
de novas idéias e
novos achados por
outros, não importa
se com a finalidade
de lhe aplaudir ou
contrariar.
Respeite a
tudo e a todos, mas
não cultive a depen-
dência como ca-
muflagem à
autocobrança contra a mediocridade. Se você não se dispuser a cres-
cer, ninguém terá como lhe ajudar. Se você se dispuser a crescer, não
crescerá só, outros lhe acompanharão.
EXERCITE-SE
O segundo passo rumo à pesquisa é o da disponibilidade para
exercitação. E o terceiro são as próprias exercitações. De quê? - De
duas coisas: análise interpretativa e habilidade de comunicação es-
crita.
Essas duas coisas são fundamentais. Mas se você é fraco em
ambas, não se desanime. É só começar a exercitá-las, e já. Se for
capaz de redigir a análise de um fato qualquer a cada quatro dias, che-
gará ao fim do primeiro ano com 91 exercícios, ao fim do segundo com
182 e ao fim do terceiro com 273. Se você começar já, os três anos
passarão sem você sentir. Se você não começar, os anos passarão
mas você sentirá a
falta dos exercícios.
E mais, ao final de
alguns meses de
exercícios sistemá-
ticos, você será ca-
paz de produzir em
poucas horas o
equivalente ao con-
seguido com muito
esforço nos quatro
dias da fase inicial.
Em conseqüência,
103
você poderá multiplicar, ao invés de somar, os resultados dos exercíci-
os em termos tanto de quantidade como de qualidade. Tudo depende
de você iniciar e perseverar.
PROGRAME-SE
Há subsídios metodológicos que ajudam muito nos exercícios ana-
líticos. Nunca comece um trabalho de análise mental ou escrita sem,
antes, programar as trilhas ou os caminhos que pretende seguir. Suge-
re-se, para tanto, que ramifique as trilhas ou caminhos em três dire-
ções: a) para o entendimento por dentro do próprio fato; b) para a am-
pliação desse entendimento pela comparação do que se pretende ana-
lisar desse fato com o que já foi ou está sendo analisado de outros
idênticos, semelhantes ou contrários; c) para a formulação de sínteses
indicativas do que efetivamente se entendeu pelas análises e de como
proceder com relação ao que foi entendido.
104
recompondo-a
prognosticamente. U mm% 7
m. m
m m m 5>&-wib! N»<
Logo que vo-
mm m*mml m-
cê achar conveni-
ente, poderá dar
' f i i i w A m mtm §
um passo mais ar- wm0 m:imm m %m
rojado e formai, ode E*M*xt»*» m
começar a desen- r
volver o que cos-
tumo denominar
PROGRAMAÇÃO
RESTRITA AO Dl-
MENSIONAMENTO
ESSENCIAL DA PESQUISA, que implica:
Não se pode
investir (tempo, cré-
dito, dinheiro, etc.)
na busca de solu-
ção ou r e s p o s t a
105
que poderá ou não
ser confirmada.
Deve-se investir,
sim, em hipóte-
s e ^ ) com forte pro-
babilidade de confir-
mação (já vimos
isso antes).
c) Indicação de variáveis
Deixando de lado detalhes técnicos (variável dependente, inde-
pendente, interveniente, etc.), variáveis são os caminhos estratégicos
em torno dos quais se concentrarão, dinamizarão e organizarão da-
dos, informações, análises e provas necessárias à demonstração ci-
entífica de qualquer hipótese formulada. Exemplos:
- na área demográfica: sexo, idade, distribuição, concentração,
migração, etc.;
- na área econômica: salário, renda, vencimento, poder aquisiti-
vo, PIB, PNB, renda per capita, etc.;
- na área educacional: aprovação, reprovação, evasão, repetência,
nível de escolaridade, etc.;
- na área da saúde: nutrição, incidência de determinada moléstia,
leitos hospitalares, atendimento médico, exames laboratoriais, etc.;
- e assim por diante.
d) Previsão de procedimentos
A organização e o processamento de dados, informações, análi-
ses e provas referentes a cada hipótese exigem também prévia e deta-
lhada programação de todas as ações ou operações que garantirão a
efetiva concretização da demonstração científica da(s) hipótese(s), atra-
vés dos "caminhos estratégicos" (variáveis) adotados.
Nota: Por vezes, o projeto de pesquisa se limita à citada Progra-
mação Restrita ao Dimensionamento Essencial da Pesquisa, sobretu-
do na área acadêmica ou quando a sua realização não depende subs-
tancialmente da decisão de terceiros, isto é, não está sujeita a rigoroso
controle externo. Mas há também muitos casos em que a pesquisa
tem de ser programada no âmbito de um projeto completo. Vamos dei-
xar essa coisa do projeto completo para uma outra ocasião, senão a
conversa ficará muito comprida e você começará a se desanimar.
106
NAO PARE DE PRODUZIR
Se você achou os
subsídios metodoló-
gicos complicados de-
mais e conhece ou tem
orientações melhores,
não pare de querer pro-
duzir. Aliás, não pare de
produzir inclusive por
nenhuma outra razão:
nem por preguiça, nem
por falta de tempo, nem
por falta de dinheiro,
nem porque ficou sen-
sibilizado com a comis-
são que podou a sua ' -
proposta... nem por nada.
Atrás de um bom produto se encontra algum esforço, algum tra-
balho de pesquisa, não importa se mais ou menos formal, mais ou
menos técnico. E isto é mii vezes melhor que a frustração, a incompe-
tência e a mediocridade.
Além do mais, e ao contrário do que muitos pensam, o trabalho
científico é extremamente criativo. Se o pesquisador/cientista cria, des-
cobre, reformula, etc., por que justo você deveria copiar tudo? - Pois
crie, invente e recrie também, inclusive ou sobretudo na área
metodológica. Etimoiogicamente, já vimos, metodologia significa estu-
dar e/ou pesquisar caminhos para se conhecer o que não foi conheci-
do, o que se situa além do já conhecido (metá = além + odós = cami-
nho + logía = estudo, pesquisa).
107
A PESQUISA NA
DINAMIZAÇÃO
DA VIDA
Não é sem discussão que se aceita a essencialidade da vinculação
da pesquisa à vida humana e, por extensão, a todo o universo da vida
no planeta. Já de início emerge fundamental questionamento: como
relacionar necessariamente pesquisa e vida humana, se esta surgiu e
se desenvolveu ao longo de milhares de anos sem sequer a existência
daquela?
Do prisma histórico, a pesquisa tem sido considerada um fenô-
meno inseparável da ciência, caracterizando-se, em conseqüência,
como produto e recurso bastante recente da vida humana. Nessa linha
de raciocínio, parece ter sentido a segunda parte da questão: a vida
humana se desenvolveu ao longo de milhares de anos sem sequer a
existência da pesquisa.
Ocorre, porém, que essa discussão toma outro rumo se orienta-
da para a retros-
pecção no sentido
de que a própria
pesquisa (entendida
como amplo e con-
tínuo processo de
busca e produção
de conhecimentos)
tenha sido exata-
mente o r e c u r s o
que a mente huma-
na criou e desenvol-
veu ou desenvolveu &
111
criando para subsistir-evoluindo ao longo de milhares de anos, sendo a
pesquisa científica apenas a forma mais elaborada dentre as
diversificadas maneiras de dinamização desse permanente processo
de busca, adaptação e produção de conhecimentos no decurso da his-
tória coletiva e pessoal.
A PESQUISA NA
6.1 CONQUISTA DA VIDA
112
lógicos, históricos,
f S P W
tom m ft*» » físicos, químicos,
«•
etc., vêm mostran-
do, pouco a pouco,
que tanto a vida
quanto este ser
humano que co-
n h e c e m o s são,
agora, apenas es-
tágios-produtos de
lenta, paciente e
contínua evolução.
. . , c AFMSJífiíe 4WSK& Sal DM.a?» 6 *''"
Mesmo a ex-
traordinária capacidade de multiplicação de conhecimentos e tecnolo-
gias dos dias atuais é resultado dessa paciente evolução. Basta ob-
servar, por exemplo, que a velocidade quase instantânea da comu-
nicação hoje, e envolvendo grande parte da população da terra, não
ultrapassou os 17 km/h até o início da segunda metade do século
XIX.
Durante milênios, a comunicação iimitou-se à velocidade e ao
alcance dos mensageiros a cavalo (inclusive diligências), dos bar-
cos a vela e dos primeiros trens (primeira linha, Liverpool-
Manchester, inaugurada em 1830). Progrediu, logo após, em duas
direções: a do transporte de passageiros, cargas e notícias (expan-
são e melhoria das linha férreas e das outras embarcações a vapor
em toda a segunda metade do século XIX, bem como aproveita-
mento em escala do automóvel e do avião já nos primeiros anos do
século XX); e, simultaneamente, a das telecomunicações (embora
limitada, em ter-
mos de abran- . f~\ J
gência, mas já [ |
quase instantâ- \ \ ]
nea) de mensa-
gens e notícias
com o uso do telé- tf/'jAXX \ A \
grafo, por Morse, -- \
em 1844, do tele- j ^ ^ ^ S f ^ * j
fone, por Graham f *
Bell, em 1876 e da V-- -
radiotelegrafia ^^^
sem fio (rádio), por / /
Marconi, em 1897. f
113
Com o aperfeiçoamento das fontes geradoras de energia elé-
trica, a partir das duas últimas décadas do séc. XIX até hoje, a
comunicação se sofisticou e diversificou tanto (circuitos, por saté-
lites, de TVs, computadores, FAX, telefonia, Internet, etc.) que, além
de quase instantânea, tornou possível realizar a integração tam-
bém quase simultânea de praticamente todas as populações dos
cinco continentes terrestres.
114
A PESQUISA COMO FATOR DE
6.2 REALIZAÇÃO COLETIVA
Ocorre, no
entanto, que nin-
guém está sozinho
nessa busca ou
pesquisa de solu-
ções e viabilidade.
Todos nós temos a
mesma "tarefa" que
é a de encontrar-
mos os caminhos e
meios para cons-
truirmos a vida que
nos é dada apenas
como algo "que-
fazer". Todos podemos nos ajudar, mas não sem esforço simultanea-
mente pessoal e coletivo. Por isso é que existem família, educação,
escola, universidade, bem como vasta e variada gama de outros meios
auxiliares ao desenvolvimento da vida coletiva e individual. Mas são
apenas meios auxiliares, ou seja, jamais substituem a pesquisa pró-
pria: de cada pessoa, de cada família, de cada grupo ou de cada na-
ção. O esforço pessoal e coletivo é necessário, tendo em vista que o
ser humano é essencialmente gregário mas apenas perifericamente
solidário. Aessencialidade gregária lhe é conferida pelo instinto de pre-
servação, e autoconservação da espécie, ao passo que a solidarieda-
de se lhe afigura como fenômeno residual, resultante da intuição (em
estado mais primitivo) e do raciocínio analítico (em estágios mais avan-
çados), sobre a necessidade e/ou conveniência de se estender aos
"outros" aquilo que extrapola pelo menos os limites mínimos da
autopreservação individual. Se a solidariedade estivesse gravada ins-
tintivamente em cada um de nós, inexistiriam religiões, entidades filan-
trópicas, instituições judiciárias e as próprias ideologias que a pregam
e promovem, sob as denominações amor e justiça. Inexistiriam a insti-
tuição política e tantas outras, dentre as quais inclusive aquelas que se
aproveitam da carência de solidariedade (ou falta de amor e justiça)
para sua ilegítima e, por vezes, injusta autopromoção.
115
voluntária ou instin-
tiva, mas cada um
com o objetivo ou
impulso de se pre-
servar. Exemplo
bem típico de um
fenômeno de
gregariedade vo-
luntária sem solida-
riedade foi dado por uma brasileira, residente no Kwait, quando entre-
vistada sobre as razões da Guerra do Golfo Pérsico. Reproduzindo, o
que ela disse foi mais ou menos isto: "eu sou contra o meu irmão; mas
eu e meu irmão somos contra o nosso vizinho; mas eu, meu irmão e
nosso vizinho somos contra o estranho do bairro; e assim por diante;
eles pensam dessa forma".
116
que se passa. Os pulgões são, na verdade, um campo de cultivo de
formigas doceiras grandes e miúdas. Elas os "cultivam" para sugarem
as suas secreções adocicadas. Portanto, as formigas jamais "quere-
riam" que os pulgões se acabassem, como também jamais "permitiri-
am" que deixassem de ser pulgões. O que fazem é alimentá-los sem-
pre para que excretem também cada vez mais. O que "interessa" às
formigas, em última análise, é a autopreservação e o bem-estar delas
mesmas e não a vida e a comodidade dos pulgões.
Pois é, se quisermos, como nação, fugir da condição de "roça de
pulgões", temos que buscar e encontrar as saídas e isso se faz com
pesquisa que gere conhecimentos; que avolume e diversifique ciência,
tecnologia e bem-estar; que nos torne sujeitos de nosso desenvolvi-
mento, o qual também está aí como algo "quefazer".
No que respeita especificamente ao caso do desenvolvimento
brasileiro, Kujawski (1991, p. 203-4) ressalta com absoluta proprie-
dade que:
O princípio responsável pela crise não está na economia, mas na vida e na
História do h o m e m brasileiro c o n t e m p o r â n e o ; está na p e r p l e x i d a d e
hamletiana de não saber o que fazer. A desordem política e a subversão
moral não passam de desdobramento dessa mesma perplexidade vital: não
saber o que fazer. Eis aí por que vamos tão mal. Não por culpa da economia,
da política ou da moralidade, e sim porque estamos em crise, perplexos e
faltos de rumos em nossa vida mesma, em nossa capacidade de projeção
na História. Tão faltos de rumos, que alguns já não querem andar, desconhe-
cendo a sábia lição do poeta espanhol Antonio Machado: "Caminhante, não
há caminho. O caminho se faz ao caminhar".
117
Se até as for-
miguinhas "pesqui-
sam" e encontram
os meios instintivos
para imobilizarem
o grande besouro,
por que é que não
seríamos capazes
de buscar e en-
contrar os meios
para, como nação,
dominarmos o
"monstro" do sub-
desenvolvimento? - E uma das "pernas estratégicas" do "monstro" do
subdesenvolvimento, que devemos "agarrar" de imediato, é a da pes-
quisa. Isso, porque o desenvolvimento é gerado e operacionalizado
pela ativação, articulada e intercomplementar, de três mecanismos
fundamentalmente estratégicos da atualidade: a pesquisa, a ciência
e a tecnologia. Através da pesquisa se chega à ciência, pela
metabolização do conhecimento alienígena e produção do próprio (por
criação e adequação), e a tecnologia tanto decorre como alimenta a
pesquisa e a ciência.
118
A PESQUISA COMO FATOR DE
6.3 REALIZAÇÃO PROFISSIONAL E
PESSOAL
119
d) - Ao chegar à segunda metade do curso, a sonhada universi-
dade se torna insuportável. A ansiedade pelo diploma (para muitos a
única razão de continuarem até o fim) transforma a vida universitária
numa chatice. E o que passa a importar freneticamente é a expectativa
do consultório, da
clínica, do escritó-
rio, do exercício téc-
nico, da profissão
rendosa, da ascen-
são econômica, do
lazer sofisticado, da
"posse do mundo".
e) - Findo o
curso universitário,
inicia-se o embate
no mercado de tra-
balho (exceção feita aos privilegiados que recebem escritório, clínica,
direção de empresas e outros, com respectivas clientelas, de herança
familiar ou por apadrinhamento). No jogo da pechincha de mercado,
baixam-se os níveis de pretensão até se chegar ao possível, mesmo
que não "ideal".
120
gura com mais ni-
tidez. Mais um pou-
co, e a idéia da
aposentadoria vira
obsessão. Agora é
o trabalho, a profis-
são que ficam in-
suportáveis.
h) - Vem a
aposentadoria. No
começo, tudo
6 6: UfmtÊÊÊm » ^Pêsmtvfmwma* bem (como sem-
pre). Passado al-
gum tempo, a
aposentadoria
não pode ser go-
zada, porque os
proventos são in-
s u f i c i e n t e s para
as despesas, e a
solução é o
reingresso no mercado de trabalho, que faz restrição ao aposenta-
do (a menos que seja bom profissional de verdade e a empresa
precise dele). Mesmo assim, resta frustração de não poder usufruir
da aposentadoria.
122
hoje, podem ter a obsessão do trabalho pela subsistência, vez que
o trabalho escravagista e proletário se fazia apenas sob o jugo da
subserviência e opressão.
O fato é que o mundo do trabalho a todos mais sufoca que
dignifica, porque leva o ser humano a olhar só o que faz, no deses-
pero de fazer mais para subsistir melhor ou para simplesmente ter
mais. E isto não ocorre por "culpa" do trabalho, é conseqüência da
própria visão e postura do ser humano em relação ao trabalho, uma
de suas criações ao longo da história de sua evolução. Na condição
de autor e ator do trabalho, compete ao ser humano redimensioná-
lo sem extingui-lo.
Teorias e tentativas nessa área vêm sendo formuladas e en-
saiadas, dentre as quais se destaca a doutrina marxista, formulada
por Marx e Engels no curso do séc. XIX (sobretudo a partir do Mani-
festo do Partido Comunista em 1848 e da publicação de O Capital
de Marx, por Engels, em 1867). A Organização Internacional do Tra-
balho - OIT foi criada em 1919 pelo Tratado de Versailles, depois
anexada (em 1946) à Organização das Nações Unidas - ONU. É
uma entidade especializada que reúne representações de gover-
nos, empregadores e empregados dos países associados. A par da
OIT, existem em quase todos os países do mundo complexas estru-
turas administrativas e volumosos corpos de leis concernentes a
questões do trabalho.
Mesmo assim, o trabalho, enquanto instituição humana, conti-
nua a desafiar propostas e posturas no sentido de que deixe de ser
instrumento de opressão para se tornar meio de libertação e realiza-
ção.
Segundo Pieper (1968:5-18), há na própria rotina da vida alguns
"abalos" que per-
mitem ao ser hu-
mano transcender
o mundo do traba-
lho. São esses
"abalos" que levam
o homem a filoso-
far, a rezar, a amar,
a temer a morte, e
a se elevar pela
contemplação da
arte, ou seja, por
esses "abalos"
123
"[...] o homem experimenta a limitação deste mundo das ocupações
diárias; ele as transcende e ultrapassa".
A posição de Pieper faz sentido, em termos gerais e para a fina-
lidade a que se propôs (a de analisar as questões "que é filosofar, que
é acadêmico?"), mas deixa a impressão de que filosofar, amar, rezar,
etc., representam a transcendência do homem em relação ao mundo
do trabalho e não a transcendência do próprio mundo do trabalho. Nes-
se caso, filosofar, rezar, amar, etc., significariam apenas fenômenos
de sublimação do homem em relação ao mundo do trabalho, ou seja,
permitiriam ao homem fugir do afogamento das "ocupações diárias", a
ele retornando quando não estivesse filosofando, amando, rezando, con-
templando ou temendo.
124
rária ou definitiva-
mente como con-
dicionamento. Daí
porque, também,
a p r o m o ç ã o do
trabalho que liber-
ta, que leva à re-
alização profissi-
onal e p e s s o a l ,
diz respeito ape-
nas aos seus au-
tores e atores, e
não ao fenômeno do trabalho em si mesmo. Tanto é que um mes-
mo tipo de trabalho pode ser gratificante para uns e penalizante
para outros.
125
f) competência de geração de resultados ou produtos que
compensem os esforços e recursos despendidos para se fazer o
que se deve ou quer fazer;
g) efetiva capacidade de transformação de esforços, recur-
sos, ações, iniciativas, criatividade, relacionamento e produtos
em realização profissional e pessoal.
Observando com atenção, verificar-se-á que apenas dois pontos
diferenciam, entre si, todos os tipos de trabalho: os propósitos ou ob-
jetivos e a metodologia de cada um. Dependendo do que se quer como
resultado ou produto, na linha dos objetivos e das maneiras
metodológicas de agir para se conseguirem os resultados aspirados, é
que se configuram e diferenciam os tipos de trabalho, permanecendo
as sete características, anteriormente relacionadas, comuns a todos
eles.
No caso da pesquisa, já se referiu várias vezes aos seus propó-
sitos e metodologia, mas vale relembrar:
a) propósitos: descobrir, criar, aprofundar, ampliar e/ou
redimensionar conhecimentos em suas dimensões teórica e aplicada;
b) metodologia: é típico da pesquisa o seu prévio planejamento
(mais ou menos formal, mais ou menos perfeito, mas sempre intenci-
onal), porque pesquisar é exatamente buscar, perquirir o conhecimen-
to de algo de acordo com alguma programação; do contrário, não se
faria pesquisa, mas improvisação, "jeitinho", ou até casualidade (coi-
sas descobertas por casualidade são válidas, evidentemente, mas não
resultam de pesquisa, o que é igualmente evidente).
O fato de a pesquisa ser um tipo de trabalho, diferenciando-se
dos demais pelos mesmos elementos que diferenciam a todos entre
si, significa que pesquisar não é privilégio exclusivo de ninguém. É um
tipo de trabalho aberto a todos que por ele se interessam, seja como
ocupação principal (pesquisador profissional) seja como atividade sub-
sidiária ao exercício da profissão ou até como lazer-mania.
126
criatividade e aperfeiçoamentos que podem ser exigidos pela própria
natureza do trabalho ou desenvolvidos como iniciativa do trabalhador,
inclusive em proveito próprio.
É muito comum, no Brasil, verificar que profissionais inteligentes
e de nível superior são capazes de exercer uma profissão convivendo
com os mais variados problemas, pessoas, documentos, situações,
dados e informações sem deles tirar contribuições úteis tanto à melhoria
do trabalho em si como ao enriquecimento pessoal.
Dois casos, vivenciados por este ensaísta, ilustram essa situa-
ção:
1o - Em 1977, um professor orientador de estágio em zona rural
para alunos do curso de Farmácia e Bioquímica, da Universidade Esta-
dual de Ponta Grossa - PR, me convidou para passar um dia com a
equipe no campo. Verifiquei (o que na verdade já sabia) que o professor
há quase dois anos dedicava oito horas de trabalho por dia útil, com
diferentes equipes de estagiários, a levantamentos, análises e caracte-
rizações de situações rurais típicas das áreas de estágio em Farmácia
e Bioquímica, tais como incidência e tipos de verminose, virose, usos e
fontes medicamentais próprias (farmacopéia popular), hábitos e teores
energéticos alimentares, e assim por diante.
De volta ao Campus, e percebendo o meu entusiasmo pelo tra-
balho que estava sendo realizado, o professor me abordou: - "Pretendo
fazer mestrado, mas não tenho idéia de que pesquisa desenvolver para
o trabalho de dissertação". Sem pestanejar, disse-lhe: "mas você tem
uma vasta pesquisa entabulada e em andamento, por que não a siste-
matiza e escreve?" - Na hora, a resposta foi: "a gente não foi preparado
para a pesquisa, por isso não sei como sistematizá-la". Respondi-lhe:
"peça a ajuda de alguém, leia alguma coisa sobre pesquisa, mas não
deixe de documentar todo esse trabalho, indo ou não fazer o mestrado".
Alguns anos de-
pois, o professor
começou a escre-
ver sobre o assun-
to, tomando a inici-
ativa de começara
dimensionar o pró-
prio trabalho como
pesquisa e, simul-
taneamente, meio
de auto-realiza-
ção. Trata-se do
127
professor Antonio Carlos Schafranski, que (em co-autoria) teve seu pri-
meiro ensaio A Verminose na Área de Atuação do Programa CRUTAC-
PG publicado pela UEPG em 1984.
2 o - Em 1986, conversava com um magistrado, muito preparado
e que, segundo informações, escrevia muito bem. O assunto eram os
problemas típicos da área da magistratura e do sistema judiciário bra-
sileiro. Dizia ele que esses problemas poderiam ser resolvidos, mas
não havia pré-disposição administrativo-política para isso. Por essa
razão, queria aposentar-se o mais breve possível, visto que a rotina
burocrático-processualística de audiências, sentenças, administração
judiciária, etc., já se tornava enfadonhamente cansativa e desgastante.
128
a administração se pauta mais por critérios "políticos" que técnicos.
Acontece, porém, que essa questão de valorização envolve dois as-
pectos: o da valorização que é conferida ao trabalhador e o da que o
próprio trabalhador procura promover e conquistar. Os dois aspectos
são importantes, mas, na maioria das vezes, a valorização só é
"conferida" como resultado de um longo processo de conquista.
Por outro lado, o processo de conquista não se faz só com rei-
vindicações repetitivas e lamuriantes. Faz-se sobretudo com produ-
ção fundamentada, documentada e publicada, que acaba por contri-
buir e angariar a atenção, o reconhecimento e a valorização. Essa
conquista se faz freqüentemente ao inverso do que se aspira, ou seja,
na linha do reconhecimento público à chefia imediata e não ao contrá-
rio, como sempre tem sido o desejo de nossa imediatista mentalida-
de brasileira.
Seriam incalculáveis a quantidade e a variedade das produções
científicas, técnicas e culturais se os advogados, médicos, dentistas,
economistas, administradores, professores, engenheiros, analistas de
sistemas, matemáticos, geógrafos, veterinários, enfermeiros, empre-
sários (da agricultura, do comércio, da indústria e da prestação de ser-
viços), bem como todos os profissionais pelo menos de nível superior,
organizassem e manipulassem seus fichários, arquivos, acervos e ex-
periências tanto para o exercício técnico da profissão como para a pro-
dução de estudos, ensaios, artigos, livros e tudo o mais que um pouco
de visão e exercitação na área da pesquisa lhes proporcionasse.
Mais que montanhas de livros, ensaios e artigos, teríamos um
Brasil dinâmico e com perspectivas, ao contrário da situação a que
assistimos: a de "esperarmos" (talvez até acreditarmos) que nossos
credores internacionais nos farão um ato de caridade, "perdoando" a
dívida externa que já pagamos múltiplas vezes (mas não conseguimos
fazer valerem as provas) e nos desenvolvendo por puro sentimento de
solidariedade.
Só sairemos bem dessa situação quando (sem mito, sem eco-
nomia de energias e jogando nossa produção por portas, janelas e fres-
tas) efetivamente levarmos a pesquisa às fábricas, aos campos agrí-
colas, aos escritórios, às escolas, às universidades e instituições iso-
ladas de ensino superior, à administração pública, aos consultórios, às
clínicas, aos hospitais, ao comércio, às entidades de classe, às famíli-
as, aos fóruns e tribunais, às casas legislativas, ao exercício profissio-
nal e até aos entretenimentos, individuais e coletivos, pelo menos da
população brasileira que teve, tem e terá o privilégio do acesso ao nível
universitário de educação e instrução.
129
A PESQUISA NO
EPICENTRO DO
FENÔMENO FORMAÇÃO
Todo este tópico resultou de uma preocupação pessoal de longa
data, que pode interessar também a todos os educadores e educandos.
Desde 1968, quando me alistei para a batalha do magistério
universitário, comecei a tomar consciência de que se falava e es-
crevia sobre formação de professores, formação de mão-de-obra,
formação de engenheiros, advogados, médicos, administradores,
etc., mas não se discutia exatamente o que é formação, simples-
mente formação. Constatei que a questão embutida no objetivo
geral dos então 1 o e 2° graus "[...] proporcionar ao educando a for-
mação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades
[...]", transcrita do art. 1 o da Lei n.° 5.692/71, não mereceu maiores
considerações além daquelas genéricas já conhecidas até pela
etimologia do termo FORMAR (que em latim significa dar, conferir
ou fazer forma).
133
mo, e mais precisamente, como complementação do processo educativo
em todas as dimensões a que este se estende. Assim como da educação,
fala-se também da formação física, moral, intelectual, sexual, cívica, etc. Em
sentido mais restrito, quando nos referimos a uma pessoa de formação,
queremos dizer que é uma pessoa de altos princípios morais e de comporta-
mento coerente com esses princípios.
134
O que me chamou à atenção, genericamente faiando, foi o fato
de que a pesquisa (sempre intencional, mas não importando as
especificações que a caracterizem: formal, informal, sistemática, cien-
tífica, espontânea, etc.) constitui a fonte de geração e dinamização de
grande parte da energia que o fenômeno formação envolve e requer.
Gostaria que o leitor se preocupasse não só com a observação
da essencialidade da pesquisa em todo o processo básico da forma-
ção (até mesmo antes de se perguntar para quê...), mas inclusive com
a ampliação e o aprofundamento das análises no âmbito desse pro-
cesso. O que se propõe sinteticamente nos dois estudos/consultas, a
seguir (7.1 e 7.2), é apenas uma espécie de roteiro de provocação aos
referidos aprofundamento/ampliação.
135
A FORMAÇÃO COMO
7.1.1 PESQUISA DE FORMAS
136
capacidade de
transformação po-
de ou deve ser con-
quistada pelo ser
humano.
O aspecto
processo, supra-
referido, será obje-
to da próxima (ter-
ceira) característi-
ca. Com isso, pare-
ce-me oportuno
analisar um pouco
mais a dimensão objetivo ou finalidade da formação.
A capacidade de transformar, de fato, acontecimentos ordinários
e extraordinários em experiências significantes para a existência (con-
cebida simultaneamente em sua totalidade pessoal e coletiva) evoca e
implica duas outras dimensões relativas à maneira concreta de o ho-
mem se situar face e na própria existência, busca (pesquisa) perma-
nente da verdade e exercício da liberdade:
137
homem como sen-
do de todo homem,
isto é, de cada ho-
mem como uma to-
talidade. Em conse-
qüência, tem-se
que levar em conta
que a formação que
vise o desenvolvi-
mento da capacida-
de do conhecimen-
to intelectual, sem
(ao mesmo tempo e
no mesmo processo) desenvolver a capacidade de decifração de sig-
nificações situacionais e relacionais do que é conhecido, leva o ser
humano ao suicídio existencial.
b) Exercício da liberdade.
Observação preliminar: esta dimensão retoma as abordagens
sobre liberdade, constantes do item 6.3, e constitui praticamente uma
extensão da primeira, a da busca (pesquisa) da verdade.
Deixando de lado abstrações muito metafísicas sobre liberdade,
indaga-se simplesmente: que é o exercício da liberdade, pelo homem,
senão a aptidão adquirida de decifrar novas significações e de as incor-
porar à existência pessoal, em harmonia com os critérios próprios da
natureza e segundo a hierarquia dos valores? - Ser livre, na minha opi-
nião, consiste em se tornar efetivamente capaz de ampliar e aprofundar,
progressivamente (ou seja, sem descontinuidade), o horizonte de sen-
tidos da existência pessoal no contexto de toda a existência, como uma
totalidade dinâmica. Qualquer estreitamento ou descontinuidade des-
138
se horizonte, que
também pode ser
progressivo, ocasi-
ona a diminuição do
ser livre de fato.
A ampliação
do horizonte de
sentidos (ou signi-
ficações) pode
acontecer com ou
apesar dos condici-
onamentos. Há con-
dicionamentos que
fazem parte inte-
grante da própria vida dos seres humanos. Nesse caso, só permane-
cem restritivos ao exercício da liberdade até que se descubram suas
significações e as incorporem conscientemente na vida. Mas há, tam-
bém, condicionamentos que impedem realmente o exercício da liber-
dade. São aqueles que negam parcial ou totalmente a existência. Ainda
em relação a estes, é necessário saber descobrir o que são e o que
efetivamente restringem ou impedem para que se possa encontrar os
meios de como os superar, evitar ou afastar, objetivando a que se abra
caminho de constante ampliação do horizonte da conquista de senti-
dos para a vida.
Observa-se que esta maneira de conceber o exercício da li-
berdade não conduz a um personalismo extremado. Ao contrário, o
ato de decifrar as significações de minha existência e para a minha
existência é uma operação de reconhecimento, efetivo e afetivo,
apenas daqueles valores que me concernem como sujeito da ação.
E mais: o ato de incorporar ou assumir tais significações não se faz
em detrimento de outras existências personificadas ou não, porque
não são objetos de posse individual (a menos que sejam represen-
tadas por símbolos materiais como, por exemplo, dinheiro). E, ainda
assim, a posse (quando passível de existir) deve ser também cons-
tantemente sujeita à decifração de sentidos, pelo menos no que
concerne à sua validade, à sua legitimidade, à sua oportunidade e
assim por diante.
139
O alvo da formação nos parece que deva ser a descoberta ou o reconheci-
mento de um horizonte pessoal e de um horizonte social, formados por
todas as atividades criativas, significantes, realizadas individual e coleti-
vamente.
140
serção de nossas valorizações: criatividade, responsabilidade, autenticida-
de em nossas situações [...]. É a inserção num esforço coletivo e não o
exercício de uma liberdade solitária [...]. A formação não é, de maneira algu-
ma, [...] separada das realidades.
PRINCIPAIS FATORES
OPERACIONAIS DO PROCESSO
7.1.4 DE FORMAÇÃO: EXPERIÊNCIA,
EXERCITAÇÃO E PRÁXIS
Atendo-se ao estritamente essencial sobre cada um desses fa-
tores:
a) A experiência "[...] é o reencontro com o desconhecido, o tra-
balho metódico do sentido (LOTHELLIER, p. 71), compreendendo três
tipos (a experiência comum, a questionada e a científica):"[...] Entre a
experiência comum (não refletida) e a experiência científica (controla-
da) se desenvolve a experiência questionada, refletida. É a pesquisa de
possíveis significados, sem a imposição de um significado único"
(LOTHELLIER, p. 75).
b) A exercitação:"[...] consiste em afirmar experiências, em for-
mular novas hipóteses, em definir um controle". Consiste, portanto,"[...]
em organizar um saber, em refletir um processo histórico que ajusta
141
teoria e prática [...] é o momento em que se esforça para conferir sen-
tido ao conjunto das experiências" (LOTHELLiER, p. 79).
c) A práxis "[...] é a unidade ativa da experiência e da experimen-
tação, como elaboração da realidade social [...] é a prática socializada
que se torna consciente dela mesma. Ou ainda, é a experiência organi-
zada, controlada, que se tornou consciente dela mesma pela sua ma-
neira de se situar na totalidade social. O comportamento é função da
experiência, lembra Laing, e a práxis é comum à experiência comparti-
lhada" (LOTHELLIER, p. 82).
TRES DESTAQUES
7.1.5 PARA CONCLUIR
142
somente da precisão dos objetivos considerados "desejáveis" ou justos;
trata-se também da questão de precisar critérios.
O texto acima
enseja duas inferências
inteiramente opostas:
de um lado, todos os
que se ocupam com a
formação, intentando
dinamizar seriamente o
seu processo operacio-
nal (através do qual ela
se torna realmente efi-
caz), têm vastíssimo
campo metodológico a
pesquisar; de outro, to-
dos os que se contentam em se posicionar na defensiva, praticando ape-
nas os métodos estabelecidos, sem a pesquisa das inovações reque-
ridas, estão condenados à contradição, ocasionada pela fixidez ou estag-
nação do que já foi estabelecido, visto se chocarem contra a própria dinâ-
mica, que é uma constante essencial do processo de formação.
143
a capacidade de o ser humano transformar os acontecimentos or-
dinários e extraordinários de sua existência, espontânea ou sis-
tematicamente vivenciados, em experiências significativas para
os projetos de realização pessoal e coletiva.
EXTENSÃO DA ABORDAGEM
7.2 À FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Preferi, em 1978,
e continuo preferindo
agora, interpretar esse
movimento como um
grito de alerta contra o
144
mecanicismo efetivamente subserviente e confinante das teorias e prá-
ticas educacionais à mitológica eficacidade dos métodos sublimados
pelo g a r g a l o da " s i s t e m a t i z a ç ã o c i e n t í f i c a " ( m e t o d o l o g i s m o ,
pedagogismo, psicologismo, sociologismo educacional, etc.), cuja
credibilidade ficou na dependência de uma minoria, cada vez menor,
de "experts consagrados" internacionalmente.
Os q u e s t i o n a -
mentos e posturas na
linha da e d u c a ç ã o
libertadora começa-
ram a conquistar espa-
ço também na esfera
de organismos inter-
nacionais, sobretudo a
UNESCO, observando
que Paulo Freire mui-
to contribuiu para isso
durante seu exílio em
Paris (o que pude
145
constatar até pessoalmente). Em conseqüência, também se ampliou o
debate sobre o perfil e o papel do professor. Pouco a pouco, a tônica
predominante na prática da escola tradicional, a do professor como
pontificador e instrutor ou transmissor de conhecimentos teóricos e
aplicados, foi dando lugar à teoria do professor formador, ou seja, da-
quele que ajuda os educandos a desenvolverem as suas capacidades
de transformação dos acontecimentos da existência (inclusive os co-
nhecimentos, não importando de que tipo, forma ou natureza) em ex-
periências significantes para a integralidade de suas vidas e das coleti-
vidades em que elas se desabrocham e desenvolvem.
146
Quanto à solução supra, apenas enfatizaria um pouco mais a
"orientação do futuro", substituindo o talvez por e: "A solução para este
difícil problema parece-nos residir no nível de uma efetiva previsão e
orientação do futuro social pelos próprios homens..." (sem nenhuma
outra alteração).
Numa tentativa de síntese, a formação de professores parece
consistir, por fim, em dinâmico processo que visa, simultaneamente,
duas dimensões de apoio ao formando de hoje, já na condição poten-
cial de formador de amanhã: a) ajuda no sentido de que o mesmo se
fundamente, exercite e desenvolva a sua capacidade de transforma-
ção de todos os acontecimentos da existência, inclusive o aspecto
instrucíonal, em experiências significantes no âmbito dos projetos de
vida individual e coletiva; e b) oportunidade, também de fundamenta-
ção, exercitação e maturação, para que o formador de amanhã conti-
nue a dinamizar permanentemente a sua capacidade de transforma-
ção, através da ajuda que vier a prestar ao desenvolvimento das mes-
mas qualidades no futuro educando, visto que "[...] ajudando a dar à
luz o universo de cada um, o formador descobre (e desenvolve) o seu
próprio [...]" ou, ainda, segundo a "verdade fundamental" de Piletti (1989,
P-18):
[...] é educando que se aprende a educar. O que exige a capacidade de modi-
ficar a rota sempre que não chegamos ao objetivo. É a maneira como se faz
a formação do educador [...] E, apesar da tentativas, parece que empacamos
nas velhas fórmulas, fugimos da inovação como o diabo foge da cruz, teme-
mos perder espaços conquistados, colocamos o interesse corporativista aci-
ma do interesse educacional. Precisamos avançar.
147
Em termos gerais, não me preocupo muito com a questão se a
formação deve ou não abranger uma ciência só para ela. Julgo extre-
mamente importante e urgente, no entanto, que esse fenômeno seja,
em si mesmo, foco de maior interesse e estudo sobretudo por quem
deixa transparecer alguma sensibilidade mais substantiva em relação
à formação do homem e da nação brasileira.
Do contrário, ficaremos repetindo "velhas fórmulas", como afirmou
Piletti, pretendendo "formar" professores, economistas, médicos,
odontólogos, especialistas, etc., sem sequer sabermos ou questionarmos
sobre o que é efetivamente formar. É por aí que começaremos a distinguir,
em teoria e prática, o formar do domesticar, do plasmar, do condicionar, do
"especializar" (na realidade bitolando) professores, economistas, médicos,
engenheiros, etc.; e até dos ensinar e "educar" das maneiras como têm
sido concebidos e concretizados nos cursos de educação básica e de
nível superior, inclusive nos das áreas da pós-graduação.
Sou de opinião, por outro lado, que sem pesquisa jamais se en-
tenderá e implementará a autêntica formação, visto tratar-se de fenô-
meno extremamente dinâmico, que se organiza e operacionaiiza de
forma processual, através da soma contínua de conquistas significan-
tes. Vale, nesse sentido, relembrar três frases de Lothellier, citadas no
item 7.1.1: "A formação é pesquisa de forma e não análise de elemen-
tos [...]"; "A formação é o debate sobre as formas, sobre os modos de
expressão [...]"; e "A formação é o trabalho sobre as formas que reali-
zam uma existência [...]".
Talvez seja ainda por aí que tenhamos a oportunidade de rever-
ter o espantoso estigma de nosso vasto currículo histórico de "refor-
mas" que nada formam de novo ou pretendem "reformar" o que
nunca ainda se-
quer se "formou":
por e x e m p l o , o
mote do momento,
na área educacio-
nal, é a "reforma
u n i v e r s i t á r i a de
cima para baixo (a
partir de esquemas
propostos pelo
MEC) e não de con-
solidação formati-
va da própria uni-
v e r s i d a d e brasi-
leira.
148
Como podemos reformar aspectos educacionais, culturais, polí-
ticos, etc., de nossa sociedade sem sequer nos preocuparmos em
saber, na teoria e prática, o que é formar?; sem nos formarmos?; sem
incorporarmos a idéia e o fato de que a reforma nada mais é do que
expressão de dinamicidade do próprio processo de formação, quando
entendido e praticado com autenticidade? - Relembrando Lothellier (já
citado no item 7.1.1 e continuando a última frase acima):
A formação é o trabalho sobre as formas que realizam uma existência e estas
formas de existência, condicionadas historicamente, estão em reforma per-
manente, sob pena de não sobreviverem senão deformadas, escierosadas,
mortas, ultrapassadas.
149
A PESQUISA NA
TOPICO S RAZÃO DE SER DA
UNIVERSIDADE
Depois de abordagens sobre diferentes enfoques metodológico-
conceituais de pesquisa e de sua relação tanto com o desenvolvimento
e formulação do conhecimento científico como com a própria evolução
da vida humana, individual e gregariamente dimensionada, chegou a
vez do trato da pesquisa no prisma especificamente universitário, o
que se iniciará neste Tópico e terá continuidade no próximo.
Ao projetar as idéias fundamentais desta última parte do tra-
balho, julguei oportuno, necessário mesmo, buscar o entendimento
não apenas da pesquisa na universidade mas da própria configura-
ção básica do que é ou venha a ser a autêntica universidade en-
quanto instituição societária universal. Isto porque, na minha con-
cepção, a autêntica universidade foi, é e continuará sendo uma en-
tidade laboratorial da sociedade (seja da sociedade como categoria
geral seja daquela unidade social organizada em que se situa cada
célula universitária), constituindo o clima de pesquisa e a compe-
tência produtiva, que envolve explícita ou implicitamente eficiência
inquiridora, o divisor de águas entre a universidade autêntica e a
meramente rotulada como tal.
Neste Tópico, preocupei-me em saber se nossa instituição uni-
versitária nacional tem reflexo na sociedade brasileira (8.1), se nos-
sas universidades já se consolidaram como tal ou se encontram ain-
da em processo de "gestação" (8.2) e se havia um meio analógico
que facilitasse visão clara das propriedades configurativo-dinâmicas
da autêntica universidade (8.3). Como divisor de águas entre a uni-
versidade autêntica e a não autêntica, a pesquisa permeia todos es-
ses enfoques.
153
Só no próximo Tópico, o nono, serão reveladas dimensões teóri-
co-operacionais específicas da pesquisa na universidade.
Felizmente,
está se propagando
o debate sobre a
universidade brasi-
leira em escala po-
pular e nacional.
Os meios de comu-
nicação de massa
vêm aumentando
significativamente
espaços à compe-
tência e à incompe-
tência da universi-
dade brasileira, dentre eles se destacando jornais de grande circula-
ção, revistas de relevância nacional, bem como noticiários televisados
e radiofônicos.
154
imprensa se preocupar com a matéria já é de extrema relevância. A
sociedade sempre investiu tanto em impostos quanto em crédito de
futuro na instituição universitária. E o mais significativo, e grave, nisso é
que o maior investidor tem sido exatamente aquela camada da popula-
ção com menos chance de acesso sobretudo às universidades públi-
cas e gratuitas, federais e estaduais. Mas continua investindo, seja pela
compulsoriedade tributária seja pela esperança de que alguém da fa-
mília tenha um diploma de "doutor".
Essa é uma expectativa que permeia todas as classes sociais,
principalmente as mais pobres, talvez até como mecanismo de fuga
(sublimação) da pobreza e miséria de um presente sem perspectiva.
Daí o sucesso da tese "o pobre gosta de luxo" do carnavalesco Joãozinho
Trinta, então da Es-
cola de Samba Bei-
ja-Flor de Nilópolis,
que efetivamente
tomou iniciativas de
aproveitar a utopia
do "luxo" para a luta
real contra a misé-
ria humana e soci-
al. Daí, ainda, o su-
cesso das telenove-
las que "transpor-
tam" os confinados
dos barracos e da falta do que comer e vestir para os suntuosos palá-
cios e hotéis de Paris, Londres e Nova Iorque.
Acredito, no entanto, que por trás da utopia universitária coletiva
(a do sonho de se ter um médico, engenheiro ou advogado na família)
se situe uma aspiração (quiçá objetiva) implícita (portanto ainda não
questionada e racionalizada) de que a universidade venha a ser, algum
dia, uma espécie de maternidade de renascimento contínuo da nação
brasileira, onde não só se faça o "dar à luz" à produção e reprodução
do conhecimento, em todas as suas dimensões, como também se
concretize o surgimento das lideranças-agentes que pesquisem, tes-
tem, disseminem e administrem soluções alternativas para a pobreza
sócio-econômica e para as expectativas de equilíbrio e realização de
ordem pessoal e societária.
O fato de a grande imprensa se preocupar com a matéria é
revelador, primeiro, de que o assunto universidade começa a ser incor-
porado no processo de seletividade do "marketing" empresarial (já dá
"ibope") e, segundo, porque amplia e diversifica incomensuravelmente
155
a participação popular, direta ou indiretamente, no debate universitário,
restrito até bem pouco ao âmbito elitizado e ocasional de assembléias
legislativas, conselhos educacionais, órgãos governamentais
especializados e de diminutos grupos ideológica e/ou profissionalmen-
te interessados pelo assunto.
A UNIVERSIDADE BRASILEIRA EM
8.2
FASE DE "GESTAÇÃO"
156
o lugar em que menos
\ se muda. O conheci-
I mento, quando existe,
volta-se muito mais a
coibir mudanças estru-
•*; turais, do que a
f o m e n t á - l a s . Nossas
instituições de educa-
ção superior são ca-
racteristicamente "ins-
tituições de ensino", ou
seja, de conhecimento
repetido e imitado. [...]
| Quem pesquisa deve
ensinar, mas só ensi-
na quem pesquisa [...]"
157
No fundo, a
impressão que fica
é a de que temos
a síndrome do pa-
vor pelo risco das
experiências não
previamente regu-
lamentadas ou, de
preferência apro-
vadas. Nossa aversão por propostas arrojadas, porém criteriosas,
talvez se explique pela neurose autoritária, decorrente do verdadeiro
autoritarismo vigente em toda a história brasileira (evidenciado na
recente ditadura militar) ou exercitada pelo hábito inveterado de se
criar ambiente autoritário a cada momento de debate sobre proble-
mas institucionais: consomem-se muito mais tempo, energias e re-
cursos para a detecção e presunção de impedimentos e dificulda-
des do que para a pesquisa e o aviamento de soluções criativas. Ao
invés da persistente busca de saídas, nós nos aplicamos à cata de
fechaduras.
158
dade e mecanis-
mos gerenciais de
efetivo acompa-
nhamento, contro-
le e avaliação de
desempenho fun-
cional.
Compartilho
a opinião (DEMO
t 1990ae 1991 a) de
—* «f ci116 0 q 116 importa
•*- v — ——• de fato é a produ-
ção com um certo
nível de qualidade, "[...] por mais modesta que seja". Entendo que
por trás, na frente, no fundo, em cima ou do lado de uma produção
já se situaram, se situam ou se situarão (em termos de curto, médio
e longo prazos) as dimensões pesquisa-ensino-extensão. E isso com
ou sem projeto específico (o projeto é sempre um instrumento, mas
o que vale são os processos e resultados), em se tratando de traba-
lhos técnico-científicos formais (escritos) ou de competente esfor-
ço de orientação, assistência e estímulo a que outros se despertem
e multipliquem, agora ou depois, suas efetivas capacidades e habi-
lidades produtivas. Isto porque, no contexto universitário, quem pro-
duz é aquele que veste a camisa de formador e/ou formando e não
apenas aquele que escreve, embora o processo de formação impli-
que também o exercício da habilidade da comunicação escrita de
conhecimentos criados, redimensionados ou simplesmente meta-
bolizados.
A discussão sobre a indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão é, de per si e em última instância, um trabalho que des-
gasta mas nunca levou ou levará a lugar nenhum, por reduzir-se a
artifício acadêmico de se pressuporem indissociáveis coisas (con-
ceitos e fatos) que jamais foram dissociados entre si. Exemplos: a)
se faço um bom trabalho de ensino, a pesquisa está presente no
embasamento e a extensão na extrapolação de seus efeitos para os
meios da convivência familiar, profissional e social do meu aluno,
independentemente se hoje, amanhã ou depois; b) se faço um bom
trabalho de pesquisa, o mesmo influirá no meu afazer de ensino (se
sou professor) ou no magistério de outros professores, como incidirá
direta ou indiretamente em meus intercâmbios com a comunidade
extra-universitária. Então, o que importa é trabalhar bem (fundamen-
tando-se e impregnando-se do que se faz) e não o cultivo da obses-
159
são pelo rótulo: ensino, pesquisa ou extensão (essa questão será
retomada no item 8.3).
A UNIVERSIDADE AINDA
8.2.3 NÃO SE ASSUMIU
••.••: S, ^ ^ De fato, os
^ifgfé^tíà movimentos uni-
* kfSií^. versitários se ca-
racter zam
gr^ ' P o r rei-
160
tias e muito menos dos objetivos dirigentes, docentes, técnico-admi-
nistrativos e até discentes da esmagadora maioria das IES brasileiras.
Nas áreas dirigente, docente, técnico-administrativa e discente, fala-
se, como nunca, sobre diálogo democrático, idéias pluralistas, gestão
participativa, processos dialéticos e similares. Mas o que se tem verifi-
cado na práxis é a ênfase no dirigismo ideológico, em que o "diálogo",
"o pluralismo de idéias", "os critérios de gestão" e as "premissas
dialéticas" aceitas e praticadas são aquelas decorrentes da equivoca-
da aplicação de convicções metodológico-ideológicas da política parti-
dária.
161
tenção de resultados acabados seja pela geração de iniciativas e
engajamento em processos que objetivem a multiplicação de produtos
de sadia evolução a médio e longo prazos.
MIOPIA GOVERNAMENTAL EM
8.2.4
RELAÇÃO À UNIVERSIDADE
Na verdade,
as questões ana-
lisadas nos itens
anteriores (8.2.1 a
8.2.3) represen-
tam aquilo que se
poderia chamar
amplos aspectos
de miopia ins-
titucional.
Enfocarei,
agora, a miopia de um outro prisma (ou seja, no das áreas governa-
mentais federai, estadual e municipal em relação à universidade), mas
entendendo que também esse prisma tem muito a ver com a miopia
institucional. Por quê? - Porque míope é a visão de quem são enxerga
o notório fato de que os políticos e governantes de hoje foram, em mai-
oria absoluta (pelo menos nos âmbitos federal e estaduais) os universi-
tários de algum destaque anteontem; de quem não vê que concebem e
tratam agora o
chamado "siste-
ma universitário" / /'/iSI7 x
brasileiro da ma-
neiracomoapren- f J W-.
deram a concebê- _ > i > j / /*** V
Io e a tratá-lo en- y " A-^Xtf^ f rr '^. • ' ""•• \
quanto universitá- / / g ^^^^t^ff/"^ \
rios no passado, .// • . \
ou seja. como um I j ^ ^ f j / . '
mal necessário •* M S ^ ^ P 1 ^ v %*
ou fábrica de diplo- V ^ 'r
mas (quiçá até la- \
boratório de cor-
162
rupção: "colas", "pesquisas" copiadas, "co-autorias" falsas em traba-
lhos acadêmicos, "espertezas" em embrulhar professores e alunos,
etc.) para ascensão social e profissional, ressalvadas honrosas exce-
ções, evidentemente.
Em decorrência, o resgate da credibilidade depende também, e
fundamentalmente, de cada instituição universitária. A universidade que
se valorizar agora, através de toda a sua comunidade universitária,
estará investindo no seu próprio futuro, pelo reconhecimento de seus
egressos que ocuparem posições de definição e mando no diferentes
níveis e âmbitos da textura polítíco-administrativa.
Mesmo assim, a área executivo-governamental vem mostrando
miopia cabal em relação ao potencial que são sobretudo as universida-
des, a começar pelas mantidas pela União e pelos Estados. São mons-
tros cultivados nos
quintais dos gover-
nos, que sequer
procuram aprovei-
tara força que têm
para a atuação per-
manente na base
de todo o processo
de desenvolvimen-
to material e social
tanto do país como
de cada cidadão,
sem se desvirtua-
rem de seus obje-
tivos e funções específicas (ao contrário, cumprindo-os melhor em ter-
mos de qualidade e quantidade).
163
Estado não investe, com exigência de retorno, no sentido de que a ins-
tituição universitária estadual rompa os grilhões do academicismo for-
mal e comece a trabalhar com metas arrojadas de mentalização, de
realização de pesquisas, e experimentos, e de prestação de serviços
outros que tornem as comunidades universitárias autênticos agentes
multiplicadores de capacidade e competência no desencadeamento
de processos com opções alternativas de desenvolvimento?
A impressão que se tem hoje (1992), em relação a esse questio-
namento, é a de que as coisas não mudaram significativamente nos
anos que se passaram em termos tanto de Paraná quanto de Brasil.
As IES federais e estaduais são tidas muito mais como peso orça-
mentário que mananciais passíveis de serem aproveitados em prol
do desenvolvimento do país e da consolidação formativa da nação. E
o mais curioso, para não dizer lamentável, é que as entidades gover-
namentais são ca-
pazes de investir
ou até simples-
mente gastar so-
mas exorbitantes
na m o n t a g e m e
m a n u t e n ç ã o de
outros monstros
(centros de aper-
feiçoamento de re-
cursos humanos,
grandes laboratóri-
os de produção e
testes nas áreas
agrícolas, farmacêuticas, etc.), cujas funções poderiam, se planeja-
das com eficiência, ser absorvidas com menos ônus financeiro pelas
IES e sistematicamente cobradas pelas agências de desenvolvimen-
to da respectiva esfera administrativa.
164
incorporaria natural e essencialmente à pesquisa e ao ensino ou de-
correria diretamente da produção universitária.
Quanto ao receio de a universidade se tornar agência manipulável
de administração do desenvolvimento, de perder as suas característi-
cas de instituição de formação educacional autônoma, até um simples
raciocínio lógico permite entrever que esse é o tipo de problema que só
se concretiza quando as pessoas nele envolvidas são incompetentes,
o que não se pode pressupor aprioristicamente.
O que efetivamente não deveria ocorrer é a universidade ficar
mendigando, de "pires na mão", quando poderia receber reforços,
em matéria de recursos de toda ordem (inclusive para a melhoria de
salários), mediante compromissos de retornos previamente acor-
dados. O que não poderia acontecer são os governos e as entida-
des universitárias, por eles mantidas, ficarem em permanente clima
de rixa, de discór- ;
dia, de caprichos,
de oposição e de
mútuo descrédito.
Sob esse as-
pecto, as entidades
governamentais têm
sido mais míopes
que as próprias ins-
tituições universitári-
as. O não enga-
jamento dessas ins-
tituições em planos
e programas de de-
senvolvimento refle-
te exatamente a vi-
são imediatísta que
vem caracterizando
os constantemente
frustrados progra-
mas governamen-
tais nacionais e es-
taduais, Isso, por-
que o desenvolvi-
mento não é só
questão objetiva de
ciência, tecnologia e
recursos financei-
165
ros. Inicia-se pelo processo de formação da cabeça, da mentalidade,
da cultura e das perspectivas sócio-pessoais de cada indivíduo, de cada
cidadão. E é exatamente aí que as instituições universitárias poderiam
tornar-se fortes, úteis, atraentes e produtivas, sem se desviarem um
milímetro sequer de sua trajetória formativa.
Não se pode dizer, em princípio, que as IES públicas são arredias
a esse tipo de engajamento e compromisso, visto que nunca foram ou
são instadas para tal, em clima de diálogo objetivo, de co-responsabili-
dades gerenciais e de mútuo respeito institucional. Estudos com esse
propósito, como o de Sobral (1989), mostram que é necessário muito
esforço para detectar as ligeiras alusões às universidades, sem efetivo
comprometimento das mesmas, nos planos nacionais e setoriais de
desenvolvimento.
A questão de as IES restarem na condição de pesos orçamentá-
rios, sob a ótica das cúpulas administrativas governamentais, sempre
se me afigurou como algo extremamente contraditório e absurdo, ex-
pressão permanente da incompetência do gerenciamento público no
Brasil. São numerosas, enormes e estrategicamente bem situadas or-
ganizações que poderiam ser aproveitadas como verdadeiras estações
permanentes de geração, irradiação e aperfeiçoamento de contínuos,
alternativos, dinâmicos e compatíveis iniciativas e processos de de-
senvolvimento local, regional e nacional.
Para se ter uma idéia do potencial universitário, em matéria de
desenvolvimento, não são necessárias grandes elocubrações. Basta
um pequeno exercício de raciocínio: mesmo que cada IES pública se
limitasse a trabalhar bem (em termos de mentalização, teorização e
iniciação operacional) só a clientela que nela se ingressa a cada ano
ou semestre, ao final de cada qüinqüênio o país contaria com a entra-
da em ação de milhares de agentes multiplicadores de iniciativas e
progresso, se inclu-
ídos na categoria
de agentes, pelo
menos mentali-
zados, aqueles que
deixam as institui-
ções antes da con-
clusão dos respec-
tivos cursos. E a
questão da forma-
ção dos agentes de
multiplicação é de
estratégica e extre-
166
mada importância, pois serão eles que influenciarão tanto os seus
meios de vida e trabalho como também subsidiarão os primeiros pas-
sos das gerações que nascem e crescem ao longo do processo. Só
a título de exemplo: se houvesse um bom trabalho desenvolvimentista
junto aos professores que saem licenciados dos cursos superiores,
dentro em breve boa parte dos alunos da educação infantil e da edu-
cação básica passaria a receber as influências benéficas e regulares
sobre essa questão no decorrer de todos os seus processos de edu-
cação. E isso sem falar no efeito multiplicador espontâneo que todos
fariam na futura condição de pais, colegas, políticos, gestores empre-
sariais e governamentais.
A PESQUISA NA CARACTERIZAÇÃO
ESSENCIAL DA UNIVERSIDADE
167
ainda não se preocuparam em conhecer a si mesmos para gerarem
autopropostas de compromisso evolutivo.
Em virtude disso e no intuito de subsidiar análises e posturas
mais aprofundadas, tentarei caracterizar pelo menos aquilo que enten-
do como essência do esboço estrutural-funcional da instituição ou en-
tidade universitária propriamente dita. Para tanto, associarei a universi-
dade, como instituição laboratorial da sociedade, à figura da lente (aquela
plaqueta arredondada e côncava de vidro que aglutina e condensa os
raios da luz).
Logo que comecei a me relacionar diretamente com a idéia e o
fato da universidade, no começo da década de 60, entrou em acirrada
discussão a extinção do regime da cátedra e dos respectivos lentes
catedráticos, em preparação ao advento da chamada Lei de Reforma
do Ensino Superior no Brasil, a de n.° 5.540/68. Embora tivesse estu-
dado um pouco de latim, a expressão lente catedrático me represen-
tava a idéia de um fenômeno relacionado com noções de Óptica da
Física: o lente catedrático seria aquele professor cujo lastro de for-
mação e erudição lhe permitia captar os raios do saber, compreendê-
los para si mesmo e repassá-los aos alunos universitários, à seme-
lhança do que ocorre com a lente óptica que recebe os raios solares,
os condensa e os projeta concentrados e incandescentes, com pos-
sibilidade até de in-
flamar o material
c o m b u s t í v e l por
eles atingidos (fiz
muitas experiênci-
as nesse sentido,
com lentes de ócu-
los de grau ou com
lupas, bastante
usadas há alguns
anos).
O interessan-
te é que essa ima-
gem, que fiz do len-
te catedrático e, por aproximação, de todos os professores de universi-
dade, despertou em mim enorme admiração e respeito pelo professor
universitário de modo geral, tanto é que batalhei para me tornar um
deles. Essa imagem foi consolidada, na prática, pelo fato de ter tido a
honrosa oportunidade de fazer minha primeira licenciatura-mestrado
na Pontifícia Universidade Gregoriana - P U G (1961 -65) de Roma-ltália,
cuja direção, da Ordem Jesuíta, tinha o privilégio de convocar os me-
168
Ihores professores (jesuítas) do mundo para lá lecionarem. Os proble-
mas metodológicos de uma didática secularmente tradicional se me
afiguravam como secundários, tendo em vista que cada professor, além
de elevadíssima titulação, produzia os textos de apoio (verdadeiros li-
vros para uso dos estudantes), sempre com posicionamentos doutri-
nários próprios.
Essa imagem perdurou em mim até 1968, exatamente o ano
de promulgação da Lei n.° 5.540, quando me iniciei na carreira do
magistério superior e me propus a completar duas outras licencia-
turas. Nessa época, realizei também duas descobertas frustran-
tes: a) o termo lente, aplicado para professor, não procedia (como
eu imaginava) da palavra latina lens-tis (lens = nominativo e lentis
= genitivo) que significa originalmente lentilha, cujo formato
arrendodado-achatado-abaulado inspirou a denominação da lente
óptica, mas resultou de elisões ocorridas no termo legentem, que é
a forma acusativa do gerúndio substantivado legens do verbo legere
(ler) e significa, portanto aquele que lê (está lendo) ou leitor; b) a
segunda descoberta consistiu em vir a saber e comprovar que o
professorado uni-
versitário brasileiro
havia efetivamente
encarnado a fun-
ção de lentes (en-
quanto leitores re-
petidores e repro-
dutores acríticos
de conhecimentos)
muito mais a sério
do que o ensejado
pela origem etimo-
lógica do t e r m o :
oxalá tivessem entendido, de fato e ignorantemente como eu, que
lente universitário seria aquele professor dotado de infra-estrutura
formativa para captar os raios do saber universal da respectiva área
de atuação, com a competência mínima no sentido de digeri-lo, con-
forme Demo (1990a, p. 17) quando se refere ao essencial em ter-
mos da criatividade requerida do professor, e de disseminá-lo de
maneira interventiva (ou seja, tocando, desafiando ou "inflamando")
para a co-digestão dos estudantes universitários.
169
da. Só que vim a constatar também, através da convivência universitá-
ria e de alguns estudos históricos na área, que o problema do profes-
sor leitor, ensinadore mero reprodutor não representa uma deficiência
de responsabilidade exclusiva do corpo professoral universitário. O Es-
tado autoritário brasileiro tem enorme parcela de culpabilidade histórica
nisso, desde os primórdios do ensino superior no país, pela Lei de 11
de agosto de 1827, que implantou simultaneamente os dois primeiros
cursos jurídicos, os de São Paulo e Olinda.
Só a análise do art. 7 o já seria suficiente para se ter uma idéia do
dirigismo estatal na área magisterial dos lentes. Mas, considerando
outras curiosidades históricas (sobretudo as referentes às cadeiras
curriculares, aos proventos estabelecidos, ao funcionamento simultâ-
neo dos cursos de doutorado, para a formação de lentes, e de prepa-
ração dos candidatos ao ingresso no bacharelado, etc.), resolvi trans-
crever a íntegra da citada Lei (Gazeta Mercantil, São Paulo, 11/08/88):
Lei de 11 de Agosto de 1827. Cria dous Cursos de Ciências Jurídicas e
Sociais, um na Cidade de S. Pauio e outro na de Olinda.
Dom Pedro Primeiro, por graça de Deus e unânime aclamação dos povos,
Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a
todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou e nós queremos
a Lei seguinte:
170
Art,6 o Haverá um Porteiro com o ordenado de 400$000 anuais, e para o ser-
viço haverão os mais empregados que se julgarem necessários.
171
O que mais diretamente se relaciona com a questão do profes-
sor "leitor" (portanto não criativo) é o fato de o lente jamais ter tido auto-
nomia doutrinária. A sua criatividade foi, desde o início, castrada pelo
Estado que lhe impôs o sistema doutrinário "[...] jurado pela Nação", a
censura (aprovação) da Congregação, da Assembléia Geral e, lógico,
do próprio governo imperial, com a contrapartida de bons salários e
honrarias de Estado.
É fácil perceber que essa castração doutrinária teve longa dura-
ção inclusive em termos legais, pois só em 1945, pelo Decreto n.° 8.393
(17/12/45),
[...] foi concedida à universidade do Brasil (Rio de Janeiro) uma autonomia
administrativa, didática e financeira, prevendo a participação da comunidade
universitária na gestão da universidade, através de uma Assembléia Univer-
sitária, composta por professores, funcionários e alunos.
Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n.°
4.024, de 20.12.61 - foram ratificados os princípios da autonomia contidos
na legislação de 1945, através do art. 80 [...], (VAHL, in: Educação Brasileira,
1990).
172
didático-científica, em todo o período da história universitária brasilei-
ra, faço questão de reiterar que a intervenção do estado, embora opres-
sivamente nociva, não justifica toda a ineficiência produtiva tanto da
área docente quanto da instituição universitária como um todo. E as-
sim penso por três motivos: a) quando subsiste um potencial real de
eficiência, a opressão ao invés de o anular o incita à geração de laten-
tes porém criadoras iniciativas, que passam a tomar corpo logo em
seguida aos primeiros momentos de distensão ou até na própria pro-
vocação do processo distensivo: isso era esperado da universidade
brasileira no apagar das luzes da ditadura militar, mas até o presente
não se têm indícios de que esteja de fato ocorrendo em escala; b) a
universidade começa a sentir os reflexos das cobranças de eficiência
e produtividade, como se registrou no subtópico 8.1, mas parece aco-
modar-se ao estigma da ineficiência, transferindo o problema para a
crise com suas nefastas conseqüências (salários baixos e falta de
verbas para custeio e investimento); todavia, se houvesse verdadeiro
lastro de autoconsciência crítica e de potencial produtivo, a situação
de crise se reverteria em desafio à eficiência, vez que de crise só se
sai com competência produtiva (não há outro caminho e muito me-
nos atalho); c) a instituição universitária pública brasileira nutre o in-
gênuo equívoco de esperar que os governos a tornem competente
(concedendo-lhe verbas a mancheias), contrariamente à lógica que
recomenda o oposto: em condições normais e a médio ou longo pra-
zo, é a instituição universitária que tem mais chances de influir positi-
va ou n e g a t i v a m e n t e nas c a p a c i d a d e s e c o m p e t ê n c i a dos
governantes, como se frisou na introdução do item 8.2.4, vez que tais
influências têm ocorrido sempre (até algumas conquistas, como a
das autonomias legais, delas decorrem) e que se desconhecem pro-
vas da situação oposta em todos os anos da história universitária
brasileira, ou seja, desde 11 de agosto de 1827.
173
c) disseminá-los in-
tensivo-difusiva- Kit'
mente, de forma v I *» ?"•** "tf
que cada atividade • •-. V f
/ - '^ife* ,
desenvolvida no ---
»s*- *
\ • u ' * x ' j. * "'•#*'
^í~íííi5ir!f
:
âmbito da universi-
dade irradie diver-
gentemente as suas
influências benéfi-
cas à totalidade da
realidade societária,
através da dinâmica
dos processos de J if " i - ^
efeitos multiplica-
dores que se desencadeiam a partir de fenômenos e pessoas mais
próxima e diretamente atingidos (no caso da lupa, um foguinho conse-
guido com a condensação de raios solares numa moita de sapé pode
incendiar um campo inteiro); d) realizar, simultaneamente aos procedi-
mentos acima mencionados, o caminho inverso: captar da sua própria
realidade (a de cada universidade) e da realidade societária, em que se
situa, tudo o que pode e/ou deve ser conhecido, criado ou inventado;
sistematizá-lo em termos de conhecimentos técnico-científicos
confiáveis; e disseminá-los no universo do saber universal.
174
de conhecimento para e na sociedade. É em razão disso que assimilo,
com concordância absoluta, o perfil geral do professor, principalmente
universitário caracterizado por Demo (1990a, p. 48-49):
[...] vale perguntar: o que é o professor?
a) em primeiro lugar, é pesquisador, nos sentidos relevados: capacidade de
diálogo com a realidade, orientado a descobrir e a criar, elaborador da ciên-
cia, firme em teoria, método, empiria e prática;
175
universidade deve
tornar-se exemplo
dinâmico de como
o r g a n i z a r outras
instituições de su-
porte logístico da
sociedade. Por
isso, sequer a ad-
ministração univer-
sitária escapa ao
pesquisar dissemi-
nando e ao disse-
minar pesquisando.
176
configuração própria como as atividades de ensino e as atividades de pes-
quisa. Extensão é o "caráter" que o ensino e a pesquisa verdadeiramente
universitários devem ter.
[...] é possível inclusive dizer que a extensão tradicional não faria falta, se a
prática fosse curricular, desde os semestres iniciais, na condição de uma
disciplina qualquer, e retornasse sempre à teoria.
177
DIMENSÃO TEÓRICO-
OPERÂCIONAL DA
PESQUISA UNIVERSITÁRIA
Enquanto no Tópico anterior se buscou a configuração essencial
da universidade a partir do pesquisar disseminando e do disseminar
pesquisando, dá-se ênfase, neste, a aspectos diretamente relaciona-
dos à teoria funcional da pesquisa no âmbito da instituição universitária
sobretudo brasileira.
Nesse intuito, quatro abordagens ou pontos de vista são
enfocados: a pesquisa na conquista da autonomia universitária (9.1); a
universidade entendida como amplo viveiro de pesquisa (9.2); a pes-
quisa imanente à docência (9.3); e a pesquisa não imanente (embora
subsidiária e complementar) à docência em sentido estrito (9.4).
Na verdade, o que ora se pretende é o encaminhamento de aná-
lises, discussões e perspectivas para o campo da práxis da pesquisa
na configuração essencial e no contexto específico da instituição uni-
versitária e, por extensão, de outras entidades de natureza tipicamente
formativo-educacional.
A PESQUISA NA CONQUISTA DA
9,1
AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA
181
Esse tipo de
dilema só se torna-
ria real se autono-
mia fosse algo que
se ganhasse, com-
prasse ou herdas-
se por inteiro, ou
seja, se constituís-
se um fator com-
pletamente exóge-
no à organização e
ao funcionamento
de cada instituição,
não implicando pro-
cesso algum de conquista da parte de quantos (pessoas e entidades)
a aspiram. Ocorre que as coisas não são bem assim, como lucida-
mente mostra Schuch Jr. (in: Educação Brasileira, 1990, p. 144):
A autonomia não pode ser concebida como uma concessão que a lei consa-
gra. É uma conquista que o ser maduro e responsável atinge. Na medida em
que as pessoas e grupos amadurecem, tendem a repelir uma relação de
mando-obediência, inerente a uma relação de dominação a exigir reciproci-
dade de tratamento. Isto é autonomia. Não serão as leis que a efetivarão.
Será, sim, a ação competente e responsável da instituição, orientada por
uma atividade de insubordinação às normas burocráticas que cerceiam a
ação da universidade.
182
do motor passa a ser automaticamente carregada da energia resul-
tante de seu funcionamento. Em outras palavras, o problema pesqui-
sa na universidade brasileira se situa quase que exclusivamente no
campo da mentalidade e do amadurecimento, referido por Schuch
Jr., que leve à autodeterminação pela postura de emancipação atra-
vés do diálogo inteligente com a realidade, do conhecimento em suas
multivariadas formas e da vida como um todo. Na opinião de Demo
(1990), esse diálogo é a própria pesquisa desmistificada da sofistica-
ção de protótipos paramétricos alienados. Assim, a autodetermina-
ção (ou autonomia exercida de fato, no sentido de evoluir-se para au-
têntica universidade), tanto se desemboca necessariamente na pes-
quisa como dela se alimenta para a conquista progressiva de novas
dimensões:
Não é possível discutir "autonomia da universidade" sem produção própria, a
começar pelo fato de que gastos com mero ensino já não são justificáveis.
Por outro lado, uma universidade dotada de convincente produção própria
cria naturalmente sua autonomia, seja pela necessidade de liberdade de
pesquisa, expressão e criação, seja pela importância do que gera em termos
de ciência e tecnologia, bem como arte e cultura, seja pela conquista de
possíveis mercados (DEMO, 1991a, p. 5).
Pelo que se tratou até aqui, parece óbvio e fácil, em tese, a uni-
versidade brasileira autodeterminar-se, pela pesquisa, à evolução para
autêntica universidade. Na realidade, porém, essa questão (até de so-
brevivência para a esmagadora maioria das instituições universitárias
nacionais) não só ainda não se resolveu como também já se involuiu
da situação de mero desafio para a de verdadeiro impasse. E as princi-
pais explicações históricas para esse atípico fenômeno de involução
são, a meu ver, duas: uma relacionada com a própria origem das uni-
versidades brasileiras e outra com o desuso da autonomia por parte de
cada instituição universitária.
No que respeita especificamente à origem de nossas instituições
universitárias, é público e notório que surgiram ou surgem em decor-
rência muito mais de interesses eleitorais, confessionais e empresari-
ais do que de política social. Existe até uma espécie de "jurisprudência"
no sentido de que pelo menos uma universidade federal seja compo-
nente necessário do enxoval de qualquer Unidade da Federação (Esta-
do) que se emancipe. Isso significa que o mais importante tem sido a
iniciativa da criação e instalação formal da universidade, deixando para
o depois (isto é, à consagrada capacidade do "jeito" brasileiro) tanto a
programação do provimento de recursos humanos, científicos e
tecnológicos quanto a previsão dos suportes financeiros para a sua
efetiva manutenção.
183
Esse estigma de origem poderia, como de fato pode, ser corrigi-
do ou pelo menos amenizado, ao longo do processo de funcionamento
de cada instituição, não fosse um outro fator histórico: obstinado desu-
so, ao invés de cultivo, da autonomia universitária. Vigente como dispo-
sitivo legal desde 28 de novembro de 1968 (art. 3o da Lei n.° 5540/68) e
matéria constitucional a partir de 5 de outubro de 1988 (art. 207 da
Constituição da República Federativa do Brasil), a autonomia, sobretu-
do didático-científica e administrativa, vem constando de estatutos mais
como figura de retórica normativa do que como respaldo jurídico à efe-
tiva conquista da maturidade universitária.
É evidente
que houve e há mo-
tivos externos que
têm influído profun-
damente para que a
autonomia supraci-
tada permaneça na
situação de letra
morta, usada ape-
nas como ornamen-
to de oratória e pro-
gramação de inten-
ções sem objetivos
reais. Os mais co-
nhecidos e nomeados são:
a) Cerceamento político-ideológico imposto inclusive à instituição
universitária pelo autoritarismo, em cujo contexto aflorou a própria Lei n.°
5.540/68. No que respeita especificamente à intromissão do Estado na
liberdade didático-científica de cátedra, desde a lei imperial de 11 de agosto
de 1827 até 1988 (com a eliminação dos chamados "entulhos autoritári-
os" da Constituição), resumo histórico pode ser relido no subtópico 8.3.
Mas será que essa situação melhorou com a promulgação da Lei n°
9394/96 (LDBEN)? - Pela Maneira como o MEC vem conduzindo a ava-
liação das IES, de seus cursos de graduação e de seus programas de
pós-graduação, parece que piorou ao invés de melhorar.
b) Direcionismo administrativo-financeiro determinado e exercido
pelas principais instituições mantenedoras, sobretudo ao nível de União
e de Unidades da Federação, no que se refere a pessoal, fomento e
outros custeios. O principal efeito desse direcionismo vem sendo o da
atrofia da capacidade institucional de decisão e produção, a partir das
potencialidades e peculiaridades locais, induzindo (em conseqüência) a
que se confira maior importância à obediência a parâmetros e rubricas
184
pré-determinados do que a iniciativas e produção'de-cunho finaiístico.
Desde 1984 (cfr. ÁVILA, 1999), venho estudando sistematicamente as
questões do direcionismo e do centralismo relacionados com a autogestão
municipal dos serviços sociais básicos, principalmente os concernentes
à organização e ao funcionamento da educação formal do país.
c) Teimosia do centralismo brasileiro, por razões meramente admi-
nistrativas (como se mencionou atrás), de tentar encurralar todas as IES
brasileiras num grande "sistema universitário", desdobrado praticamente
em "subsistemas" federal, (aí incluindo-se todas as IES particulares, de
acordo com o LDBE n° 9394/96), estadual, municipal tentando isonomizar
até o isonomizável ao longo de uma história cujo recente capítulo se es-
creveu com a "isonomia de vencimentos" dos servidores das universida-
des federais autárquicas e fundacionais pelo "Plano Único de Classifica-
ção e Retribuição de Cargos e Empregos", anexo ao Decreto n.° 94.664/
87. Este é o tipo de isonomia, dentre as "isonomias universitárias", que
embora tendo razão de ser, prende a capacidade produtiva da universida-
de na camisa de força dos seus próprios parâmetros. Por quê? - Porque
não se fez isonomia de piso (de mínimo), mas de tudo em matéria de
regime de trabalho, das classes e cargos próprios das carreiras docente e
técnico-administrativa dos servidores universitários.
185
te rumo a um futuro
que se deve definir
mediante funda-
mentadas e sábias
alternativas.
E o ingredien-
te básico para se
obter o desuso da
autonomia com "su-
cesso" tem sido,
como não poderia
deixar de ser, o ar-
raigado parasitismo
que se instalou no
campo decisório-
programático das instituições, de forma que não se tomam iniciativas
sem que as mesmas estejam sempre e "previamente regulamentadas"
ou determinadas, em detalhe, pelo dirigente (autoridade administrativa
ou colegiada) "maior", ou seja, não se realiza a "[...] ação competente e
responsável [...] de insubordinação às normas burocráticas que cercei-
am a ação da universidade", referida no texto de Schuch Jr., citado no
início deste subitem. E quando a premência da realidade institucional
exige um posicionamento ativo e operacionalmente agressivo, a estraté-
gia mais eficiente, para despistar ou driblar as conseqüentes responsa-
bilidades gerenciais, tem sido a de submeter a matéria a uma extensa
cadeia de conse-
lhos, comissões,
assessorias, grupos
de trabalho e outros,
que se encarregam
de amenizá-las, ou
até de esvaziá-las,
sem, na verdade,
promover e praticar
a autêntica gestão
democrática.
Essa ques-
tão, caracterizada como verdadeira fuga histórica à conquista da real
autonomia (pelo pesquisar disseminado ou disseminar pesquisando)
permeia praticamente todo o Tópico anterior, podendo ou devendo ser
relido para efeito de complementação e diversificação de arrazoados,
argumentos e conclusões também nesta ótica.
186
A UNIVERSIDADE COMO AMPLO
9.2 VIVEIRO DE PESQUISA
187
que objetive ou realize apenas o trabalho de reprodução institucional e
habilitação profissional de seus alunos.
Em decorrência, a universidade é ou deverá tornar-se viveiro
institucional de pesquisa formativa em que se cultivem as sementes das
potencialidades dos seres humanos por ela direta e indiretamente atingi-
dos, de forma que: a) todos se embasem e exercitem para o desenvolvi-
mento da cidadania até os limites de sua plenitude; b) a maioria conquis-
te uma base técnico-profissionalizante com competência produtivo-cria-
tiva; e c) uma minoria dinâmica descubra e desabroche, pelo menos ao
nível de eficiente iniciação, a vocação de cidadãos-cientistas. Daí as se-
guintes peculiaridades da pesquisa tipicamente universitária:
A universida-
de é, portanto, o
viveiro onde se
plantam e cultivam
as s e m e n t e s da
pesquisa, da ciên-
cia e da tecnologia
para a sociedade
as c o l h e r como
fruto e patrimônio.
O m e s m o não
188
acontece com as entidades, não importa se públicas ou não, desti-
nadas unicamente ao desenvolvimento da pesquisa e, logicamente,
de ciência e tecnologia. Também elas estão na sociedade, só que
estão mais para celeiro do que para viveiro, visto que lhes compe-
te mais produzir e estocar pesquisa, ciência e tecnologia do que
executar a tarefa da respectiva iniciação, afeta prioritariamente à
universidade. Isto não quer dizer que a universidade não possa ou
não deva também produzir e estocar. Quer dizer que, numa linha de
prioridades, lhe cabe essencialmente formar e qualificar (ou prepa-
rar) para produzir pesquisa, ciência e tecnologia, conferindo a toda
produção e estoque, que nesse sentido puder viabilizar, funções sub-
sidiárias (em termos de apoio, fundamentação, exercitação,
complementação, etc.) às supracitadas formação e qualificação. Em
síntese, a) a universidade tem de despertar e desenvolver, a partir
do ponto zero, se necessário, as potencialidades pessoais e soci-
ais de sua clientela; b) a universidade pode e deve produzir e esto-
car pesquisa, ciência e tecnologia, mas sempre e simultaneamente
formando recursos humanos para outras entidades especializadas
nesse tipo de produção e estoque, bem como para a própria socie-
dade como um todo, ou seja: a universidade não pode se interessar
só pelos produtos da pesquisa; nessa área, o processo é tão ou
até mais importante que os próprios produtos, devendo-se incluir na
compreensão de processo também a face da moeda representada
pela formação qualitativa de recursos humanos, sem restringi-la
apenas à processualística da programação e execução de uma pes-
quisa técnico-científica, por mais significativa que venha a ser.
189
cionalizados e não na natureza de sua destinação. A título de exemplo,
pode-se e deve-se fazer pesquisa científica (isto é, com procedimen-
tos cientificamente sistematizados) para se caracterizar a frota de ve-
ículos que melhor atenda às finalidades e condições de uma determi-
nada empresa de grande porte. Essa constituiria uma pesquisa cientí-
fica não destinada, a rigor, à produção de ciência ou tecnologia propria-
mente dita ou "stricto sensu."
Todas as considerações apresentadas neste subitem, no senti-
do de que a maneira de encarar e desenvolver pesquisa na universida-
de é diversa da forma como outras entidades especializadas a enten-
dem e desenvolvem, parecem óbvias. Mas apenas "parecem", porque
essa não tem sido nem a teoria e nem a prática pelo menos da maioria
(se não de todas) as instituições universitárias brasileiras. Para a mai-
or parte, a pesquisa se apresenta como necessidade em termos de
aspiração, porém utópica quanto à sua concretização, porque normal-
mente vem sendo tratada ora como mito e ora como matéria de ficção
científica. Para uma minoria dentre as instituições universitárias brasi-
leiras, a pesquisa já é um fato apenas parcial, visto estar na dependên-
cia mais de professores, isolados ou em equipes, do que de uma glo-
bal e permanente
postura político-
operacional da pró-
pria instituição co-
mo um todo.
Assim, uns
fazem pesquisa
real, para produzir
conhecimento ci-
entífico e/ou tec-
nológico, mas a
maioria da comuni-
dade universitária
nada faz(por vezes
até desestimula os que a fazem) quase sempre com base na capciosa
alegação de que não há recursos, sobretudo financeiros, para a pes-
quisa. Isto se deve justamente ao mito de que pesquisa científica só se
caracteriza como tal se se constitui, metologicamente, de alta comple-
xidade técnico-científica e se se destina, finalisticamente, apenas à pro-
dução de conhecimento científico e/ou tecnológico com muita ou ao
menos certa dose de sofisticação e "ineditismo".
190
âmbito do gerenciamento de cada instituição universitária. A universi-
dade se encara e se contenta, na prática histórica, como escola
marcada pelo determinismo de sua gênese: formalização, ao nível de
"3o grau", do repasse de instruções e da iniciação meramente profis-
sional da juventude, visando à perseguição de objetivos ditados por
circunstancialidades imediatas, impostas pelo estilo político, adminis-
trativo e normativo de cada facção ideológica que assume o poder,
quer dentro quer fora da instituição, exercendo-o como se no perfil de
uma gestão se encerrasse a infinitude de diversificações da dinâmica
social. Esse totalitarismo "administrativo-estilístico" impede que a uni-
versidade construa a sua própria identidade institucional, ensejando-
Ihe uma truncada história, estigmatizada por permanente: a) solução
de continuidade de propósitos, iniciativas, definições e programação;
b) dependência conceituai, decisória e operacional de idéias e mode-
los exógenos.
191
A PESQUISA IMANENTE
9.3 À AÇÃO DOCENTE
192
cobrar, sem sucesso, produção científica dos docentes nesse regi-
me de trabalho. Por quê sem sucesso? - Porque não se pode cobrar,
em âmbito institucional, aquilo que a instituição não procura definir
para si mesma em termos do quê é e de como programar, executar e
avaliar, em consonância com as condições de sua própria realidade.
Instituição alguma pode se sentir moral ou eticamente apta a exigir de
alguém algo que ela mesma não saiba o que é política e programatica-
mente.
Enquanto perdurar essa indefinição, o efeito continuará sendo o
mesmo de sempre: "intenciona-se" cobrar produção de pesquisa de
todos (ou pelo menos dos que detêm regime de dedicação exclusiva
nas IES públicas), mas, na prática, só produzem aqueles docentes
que, por iniciativa e esforço pessoal (às vezes até desestimulados pela
burocracia institucional), conseguem fazer valer a vontade e persistên-
cia pessoais sobre a falta de visão, definição e programação de curto,
médio e longo prazos da própria universidade; esforço e iniciativa de
produção que realizam apesar do acúmulo de outros serviços que lhes
são intempestivamente solicitados (participação em comissões,
colegiados, vistorias, grupos de trabalho e outros), justamente porque
são os que demonstram capacidade e interesse em produzir.
Trata-se de um fenômeno que afeta inclusive os docentes nos quais
as instituições investem em termos de pós-graduação, visto que saem
para se capacitar sem perspectivas institucionais de aproveitamento pro-
dutivo em seu retor-
no; uns se sobres-
saem, como se dis-
se por esforço e ini-
ciativa pessoais,
mas a maioria se
acomoda à rotina do
"ensino", à espera
de uma "aposenta-
doria" que ponha fim
a essa angustiante
situação em que to-
dos perdem: profes-
sores, universidade
e, sobretudo, socie-
dade.
193
a) Envolvimento do trabalho com as disciplinas (sua organiza-
ção, seu desenvolvimento e sua avaliação) em processo permanente
de pesquisa, posicionando-a e reposicionando-a em seu contexto
organizacional-curricular, sócio-cultural, técnico-científico, mercadológi-
co, metodológico e outros. Trata-se de pesquisa que abranja da "pre-
paração de aula" (ou digestão e metabolização do conhecimento a ser
tratado) à possível e desejável produção científica e artístico-cultural
propriamente dita, sempre compatível com os compromissos e as con-
dições específicas do docente enquanto docente.
194
Iho otimizado e não
de controle dirigido.
Em termos concre-
tos, trata-se de re-
posicionamento
que só acontecerá
quando a política
institucional de es-
tímulo, apoio e com-
pensação conferir
mais ênfase à pro-
dutividade/produ-
ção do que ao projeto ou outro instrumento que lhe sirva de suporte
programático. Esse reposicionamento gerará pelo menos dois efeitos
extremamente significativos para todas as áreas de atuação da univer-
sidade: o da extinção do nefasto costume de se medir "produção" pelo
número de "projetos" formalmente aprovados e o de estimular que o
processo produtivo da instituição incorpore tudo o que cada compo-
nente seu for capaz e tiver condições de efetivamente criar ou fazer.
B0P83
A PESQUISA NÃO IMANENTE
À DOCÊNCIA
195
postos de chefia. Suas
capacidade e condi-
ções de iniciativas,
dinamizadoras da insti-
tuição, foram mutiladas
em alguns e totalmente
a n u l a d a s em outros
pela d e p e n d ê n c i a e
disponibilidade que se
devem aos estilos, in-
teresses e vontades da
hierarquia. O "bom téc-
nico" é aquele que não
prende documentos em
sua mesa e que aten-
de ao chefe na hora e à
altura de sua chamada.
Infelizmente não tem sido aquele que pesquisa, cria e propõe situações e
condições no sentido de a instituição melhor conquistar os seus objetivos e
cumprir a sua finalidade (ÁVILA, 1986, p. 28-29).
196
DESTAQUES
TOPICO 10
IICAPITULATIVOS
O intuito iniciai deste trabalho foi o de explicitar posicionamentos,
com razoáveis suportes de embasamento lógico e teórico sobre pes-
quisa, na vida e na universidade, a título de subsídio a professores,
técnicos, estudantes e a quantos mais possa interessar (profissionais
liberais, pais, lideranças de movimentos classistas, diretores e execu-
tivos empresariais, políticos, serventuários públicos, e outros),
objetivando a que o processo de desenvolvimento brasileiro se dinami-
ze pela desmistificação da pesquisa e pela sua inserção na cultura
nacional e na cotidianidade da vida moderna a exigir cada vez mais
disposição e competência para a criatividade individual e coletiva.
Nessa perspectiva, foram abordados oito grandes enfoques, cujos
teores gerais assim se condensam:
1o Ao contrário do que generalizadamente se pensa, pesquisa
científica não se aplica só à produção de conhecimentos científicos e
tecnológicos propriamente ditos. Isto, porque o que determina o caráter
científico da pesquisa é a sistematicidade de sua metodologia e não a
natureza ou a tipologia de seus resultados (Tópico n.° 2).
2° Fala-se e se reivindica sobre pesquisa, ciência e tecnologia no
ambiente universitário, mas o que se verifica de fato é enorme distorção
conceituai sobretudo no que concerne à compreensão de ciência, ci-
entista e pesquisador e de outros fenômenos chaves para o entendi-
mento básico de como se processa e aplica o conhecimento, principal-
mente no que se refere a prático, teórico, abstrato e concreto (Tópi-
co n.° 3). Quanto às imagens reinantes sobre ciência, cientista e pes-
quisadores, o que se detecta é a generalizada mistificação dessas fi-
guras, cujos efeitos psicológicos nas pessoas "não iniciadas", sobretu-
199
do jovens e adolescentes, são o da admiração sacralizada (ou de res-
peito temeroso) e o da sensação de impotência e inatingibilidade quan-
to às condições de acesso a mundos tão rituaiizados e misteriosos
como os por elas representados.
3o A tentativa de desvendamento de como se caracteriza e de-
senvolve o processo evolutivo-expansivo natural do conhecimento hu-
mano, nas dimensões tanto individual (ou de cada pessoa considerada
intelectivamente normal) como histórica (ou do prisma evolutivo da pró-
pria espécie), leva necessariamente à compreensão conceituai, ao ní-
vel de essência, do que efetivamente é pesquisa (Tópico n°4). Isto, por-
que: a) a pesquisa é a maneira pela qual o ser humano amplia, aprofunda
e complementa a sua faculdade natural de conhecer, estendendo seus
sentidos e propriedades intelectivas, de forma artificialmente provocada,
à apreensão e compreensão de realidades inacessíveis às suas limita-
das condições inatas de travar contato sensitivo-inteligente com fenô-
menos complexos ou fora de sua área de captação espontânea; b) a
metodologia da pesquisa (da mais simples à mais tecnicamente sofis-
ticada) praticamente reproduz, de forma artificial, os passos e procedi-
mentos característicos do processo natural de conhecer.
200
sem pesquisa-ciência-tecnologia não se promove o desenvolvimento
nem de país e nem de nação, seja pelo fato de que a realização coleti-
va, no caso a brasileira, depende substancialmente do desenvolvimen-
to de nosso potencial humano, objetivando criatividade que leve à des-
coberta de saídas e soluções para vários e graves problemas que afe-
tam a vida nacional, tais como dívidas externa e interna, educação,
saúde, habitação, meio-ambiente, e outros; c) a pesquisa é ou pode vir
a ser mecanismo estratégico tanto de realização pessoal como profis-
sional, encarada ora já como trabalho significante e ora como meio
para se decifrar o sentido do trabalho, permitindo evoluir-se para o tão
aspirado tipo de trabalho que dignifica e liberta o trabalhador.
201
sua marcha evolutiva rumo a futuro cada vez mais complexo e exi-
gente em matéria de capacidade, competência, iniciativa e habilida-
de. Nesse contexto, perde sentido a histórica mas estéril discussão
da "indissociabilidade" entre ensino, pesquisa e extensão, vez que o
pesquisar disseminando (ou vice-versa) engloba em um só processo
essas três "funções", categorizadas como dissociáveis apenas em
tese, ou para efeito de razão, deixando amplo e legítimo espaço à
implementação de corajosa política de produção. Isto, porque a pro-
dução com um mínimo de qualidade, decorre da pesquisa e leva
inexoravelmente à disseminação interventivo-difusiva em todo o raio
de abrangência de cada instituição universitária. Dispensa, inclusive,
a vigente artificialidade da "fabricação" de atividades extensionistas
para, na prática, eximirem a própria instituição universitária de se
engajar por inteiro no processo do pesquisar disseminando e do dis-
seminar pesquisando.
202
ENFIM
Fala-se
muito em moder-
nidade para o de-
senvolvimento
brasileiro. No meu
entender, a mo-
dernidade que
alavancará o país
da crise atual (de-
corrente de sua
própria situação
de subdesenvolvi-
mento histórico) é
a da formação,
em cada mente,
da cultura da
pesquisa/produção como ingrediente básico de realização pessoal,
profissional e nacional, objetivando a que cada brasileiro cultive efetiva-
mente a sua cidadania pela dinâmica do progressivo tornar-se sujeito de
sua história individual e da história da sociedade que integra e tem o
compromisso de ajudar a organizar e desenvolver. E a universidade, con-
figurada como maternidade de conhecimento e entidade laboratorial de
formação da sociedade, é o ambiente-viveiro próprio para o desabro-
char e irradiar, de maneira difusivo-multiplicativa, desse tipo de cultura.
203
Cabe, por último, enfatizar que este trabalho não encerra e nem
fecha qualquer dos temas e subtemas nele estudados. Bem ao contrá-
rio, o que intencionalmente se pretendeu, e continua sendo desejado
agora, é que as abordagens aqui enfocadas sirvam de subsídio e com-
bustível para o esquentamento do debate permanentemente produtivo
sobre a extensa temática do espaço essencial (e não meramente aci-
dental, como tem sido tratado) da pesquisa/produção desmistificada e
desritualizada tanto na totalidade da vida atual quanto na dinâmica
formativa do âmbito universitário.
204
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