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Ana Carolina Tavares (1); Lícia Santiago (1); Nickolas Pinheiro (1); Rebeca Dias (1); Luiz Silva (2)
(1) Discente de Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, anacmiranda2@gmail.com
(1) Discente de Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, liciamns@gmail.com
(1) Discente de Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, pinheironickolas@gmail.com
(1) Discente de Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, rebecabdias@gmail.com
(2) Dr., Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, ljds@ufpa.br
Universidade Federal do Pará. Caixa postal 479. Belém-PA, 66075-110, Tel.: (91) 3201 7301
Belém
Jan/2017
I. Introdução
O consumo da cultura na cidade de Belém sempre teve suas lacunas expostas.
Seja por falta de incentivo do governo, municipalidade ou federação aos artistas e às
iniciativas culturais, seja pela absorção de um comportamento produtivista que aparta
os indivíduos das atividades de fruição. Deste modo, percebeu-se a necessidade do
estabelecimento mais amplo do contato da população com a cultura e arte (SILVA,
2015). Neste sentido, o circuito cultural e de lazer de Belém se renova para atender
essa demanda, quase sempre de iniciativa privada, elitizada.
Historicamente, coube a esses grupos a definição de tendências. Em tempos de
Belém ser tida como grande metrópole, especialmente no período da Bélle Époque,
observou-se que os empreendimentos do poder público em relação à cultura de Belém,
eram no sentido de europeizar a estética das produções culturais. Houve, ali, uma
participação e interesse direto do poder público (em conjunto com a elite) no circuito
cultural da cidade, pois era notório que a modernização pretendida não poderia ser
consolidada apenas a partir de mudanças na infraestrutura urbana, mas também no
campo simbólico. Após a derrocada da economia gomífera, as iniciativas públicas
estavam esfaceladas, as prioridades e orçamento público mudaram, e então, a elite
assumiu o timoneiro da arte, cultura e lazer na cidade. A partir da década de 20, uma
tentativa de des-europeização da cultura local (CORRÊA, 2010), acompanhando a
reverberação dos ideais da Semana de Arte Moderna, de 1922. A partir disso, novos
espaços e atividades de cunho cultural e de lazer passaram a ser consolidadas e
consumidas pelos intelectuais paraenses. Desde então, iniciativas de cultura e lazer
tem endereço e destinatários específicos, além de ser uma atividade não prioritária do
poder público
O circuito cultural e de lazer em Belém revela uma tendência a tornar-se cada
vez mais consistente. Faz-se notável a variedade e a qualidade dos eventos e
iniciativas idealizadas por coletivos, associações, produtoras de renome, ou mesmo,
grupos independentes. O interesse pela produção cultural local cresce
consideravelmente, como pode ser observado nos meios de comunicação. A cultura
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local está novamente sendo exportada, nitidamente observável na mídia (novelas,
programas de TV, indústria fonográfica etc). Acompanhando tal demanda, os espaços
culturais lançam mão de programações cada vez mais frequentes, que tem atraído um
público crescente. Ou seja, há uma relação de retroalimentação quanto da valorização
do potencial artístico, cultural e de lazer da cidade - o engajamento maior do belenense
com as atividades.
No entanto, trata-se de uma resultante da interação entre espaço e atores
sociais específicos, a qual revela, de maneira mais ou menos tênue, formas de poder
(econômico, ideológico ou cultural) e novas tendências. Nesse sentido, as atividades
apresentadas ao longo do trabalho, contribuem sobremaneira para modificação da
paisagem urbana local (FRANÇA, 2005), ainda que em períodos específicos.
Por conta dessa especificidade, observa-se a importância de diferenciar a
cidade que “é” da cidade que “está” . Ou seja, a cidade do cotidiano não é a mesma
cidade vivida pelos participantes destes eventos e frequentadores desses espaços de
lazer. Trata-se de um fluxo transitório, vivido mensalmente, ou em turnos específicos;
uma vivência de espaço que prescinde as atividades e atores do dia-a-dia. Disto se
ocupa o trabalho desenvolvido, compreender a complexidade das experiências parciais
de determinados grupos em relação ao usufruto dos centros históricos. Em linhas
gerais, a Belém boêmia, foliã e erudita é apenas uma pequena parte da realidade da
cidade. Todavia, uma parte diminuta de impactos macroscópicos, ao passo que altera
dinâmicas espaciais e a paisagem urbana, como um todo.
Além disso, é importante considerar a cartografia dessas atividades, a partir de
questionamentos que elucidem a escolha, proposital ou não, dos bairros históricos
como palco desses novos fluxos.
A escolha dos objetos de estudo, e da tessitura do ensaio em si, advém de um
debate cada vez mais recorrente sobre as tendências culturais e de lazer que estão em
voga na cidade. Seriam esses processos naturais ou forçados? Os atores envolvidos
nesses fluxos espasmódicos, concebem a ideia de que fazem parte de um processo
que tem reais impactos sobre a cidade? A partir destes questionamentos, pondera-se a
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viabilidade de manutenção dessas atividades, a importância destas para o contexto
local, e, sobretudo, reflete-se sobre o caráter democrático desses fluxos. Dentro desses
eventos, a cidade é permeável à todos?
Para esta análise, foram realizadas visitas de campo em períodos distintos. A
equipe acompanhou um dos blocos do tradicional pré-carnaval da Cidade Velha, o “I
Love Pagode”. Coletou-se experiências do último “Projeto Circular”, realizado em
dezembro de 2017. A equipe também compilou impressões sobre a visita em um dos
bares mais frequentados da Campina, o “Ouriço”. A partir das considerações sobre
essas visitas, o trabalho se delineia objetivando apresentar os impactos, sem, no
entanto, desconsiderar a importância desses espaços e eventos dentro do circuito
cultural, como estandartes de atividades de fruição, lazer e conhecimento.
Como se tratam de iniciativas privadas e/ou da sociedade civil, essas atividades
assumem um papel especialmente necessário, convocando o omisso poder público
para operações referentes à manutenção e melhoria da infraestrutura destes bairros,
bem como a preservação de seu patrimônio. Política, cultura, cidade e sociedade se
fundem nos fluxos episódicos do Centro Histórico de Belém.
“[...] Belém tentou copiar essas estratégias dos grandes centros europeus que
consistiam em irradiar a cidade no sentido centro-periferia, assim o centro se
tornou primariamente comercial e a urbanização residencial foi se expandindo
de forma difusa e modificando fluxos de sujeitos, que passaram a entender que
o espaço central era um espaço de mercado.” (SILVA, 2015)
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No final da década de 60 foi possível observar uma redução do uso habitacional
no bairro da Campina e uma defasagem das condições físicas no bairro da Cidade
Velha adjacente de um crescente aumento da atividade comercial que contribuiu para a
expansão da malha urbana resultando em um processo de deslocamento dos
moradores desses bairros. Segundo (CASTRO, 2012) o processo de descentralização
está relacionado ao crescimento demográfico e espacial da cidade, além da ampliação
das distâncias entre área central e as novas áreas residenciais.
Em vista disso, as mudanças no padrão econômico das atividades ali vigentes
resultaram no abandono e na descaracterização de inúmeras edificações promovendo
uma maior ociosidade imobiliária devido o processo de esvaziamento do uso
habitacional.
O bairro do Reduto fica localizado na região central de Belém, ele também faz
parte dos bairros que integram o centro histórico da cidade e é conhecido por ter sido
um bairro operário outrora muito atuante na capital, no qual contribuiu fortemente para
o avanço comercial, deixando fortes elementos característicos de uma paisagem
industrial que remete a uma significativa parte da história da área central da cidade de
Belém, como aponta (DEUS, 2016) nele, encontramos uma arquitetura que resguarda
alguns casarões antigos de séculos passados, prédios comerciais, casas de moradia e
uma zona portuária que foi muito utilizada, principalmente na chamada Belle Époque.
Os bairros da Campina, da Cidade Velha e do Reduto possuem parte do seu uso
destinado para o comércio e serviço contribuindo para que nesse território haja uma
elevada circulação de pessoas e mercadorias durante o dia. No entanto, durante a
noite, esses bairros assumem outra dinâmica e o fluxo de pessoas diminui
significativamente deixando as ruas desertas e soturnas, fazendo com que aumente a
criminalidade e seja possível desenvolver atividades ilícitas, tais como, a prostituição
muito presente nas ruas lúgubres do Reduto e da Campina.
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Diante disso, é possível compreender que os atores sociais inseridos no
cotidiano desses bairros estão diretamente relacionados com as atividades ali
desenvolvidas, divergindo dos participantes desses eventos episódicos, tais como o
projeto circular, os bares ali inseridos e o carnaval, por tratarem-se de um público de
classe média e alta, no qual não possuem o hábito de frequentar esses espaços em
seu âmbito natural.
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funcionarem como marcos (LYNCH, 1960) como a própria Igreja da Sé na Cidade
Velha, cuja as torres podem ser vistas de vários pontos da região e até mesmo da
cidade, também são responsáveis por trazer um caráter exótico ao bairro.
Outro aspecto importante de ser analisado é como a morfologia do bairro
funciona como um fator de atratividade e acaba por influenciar a maneira que as
pessoas utilizam e se apropriam do lugar. Esses bairros históricos geralmente
incentivam o ato de caminhar, pelo fato das ruas serem estreitas e as edificações não
possuírem afastamento o que faz com que a escala seja mais próxima do pedestre, e
não adequada para o veículo.
O fato das pessoas poderem se locomover entre vários lugares sem precisar
percorrer grandes distâncias possibilita que atividades como o próprio Circular e o
carnaval sejam mais viáveis. Além de propiciar o cotidiano e a vivência nesses lugares,
como é o caso do intenso comércio no bairro da campina.
Assim, por representarem com clareza esse aspecto simbólico e até mesmo
sentimental em um núcleo urbano, os centros históricos voltam a ser lugares de
atração das mais diversas atividades culturais.
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encontravam sem uso. Alguns desses locais são os bares De Bubuia (localizado na
Travessa Gurupá), Ouriço Arte e Bar (localizado no Largo das Mercês), Nosso Recanto
e Boteco do Carmo (localizados no Largo do Carmo), além do tradicional bar e
restaurante Rubão (localizado na Travessa Gurupá). Esses estabelecimentos são
redutos da boemia dentro do centro histórico e atraem, em grande parte, jovens e
adultos de classe média e alta, induzindo a uma nova forma de ocupação (ainda que
eventual) do centro histórico de Belém. Esse maior fluxo de pessoas possibilita com
que a as ruas da região se tornem mais movimentadas e, consequentemente, menos
propícias a assaltos e outras atividades ilícitas. Como na maior parte dos casos o
entorno desses estabelecimentos é residencial, é importante, também, que se
mantenham regras quanto aos ruídos sonoros.
Outra iniciativa que toma lugar no Centro Histórico de Belém é o Projeto
Circular, iniciado em 2013 a partir da iniciativa da sociedade organizada. O Projeto tem
como objetivo desenvolver atividades culturais nos bairros históricos de Belém, criando
uma rede de locais públicos e privados que, durante todo o domingo, ficam de portas
abertas para a comunidade. Busca-se, assim, dinamizar o centro histórico e
conscientizar a comunidade geral a respeito da importância do nosso patrimônio
material e imaterial. Como as atividades desenvolvidas são gratuitas, o evento torna-se
acessível a diversas classes sociais.
Apesar disso, Godinho (2017) destaca que os agentes que promovem e
participam do Projeto Circular “constroem uma narrativa de passadismo que, por vezes,
não correspondem ao uso e identidade popular”. Ou seja, assim como no caso dos
bares e restaurante, os grupos sociais que participam do Projeto não estão inseridos na
dinâmica diária do Centro Histórico de Belém, sendo, portanto, atraídos pelas
atividades de lazer e cultura em situações eventuais, mas sem resultar em uma real
ocupação e reabilitação dos bairros.
O mesmo pode ser dito a respeito dos blocos de carnaval no bairro da Cidade
Velha, os quais ocorrem nos meses de janeiro e fevereiro. Tais blocos são de iniciativa
privada e movimentam um grande número de pessoas para o bairro (especialmente
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para a Rua Dr. Assis), o que exige com que a prefeitura interrompa o movimento de
veículos na região e disponibilize agentes para a segurança dos foliões.
Apesar de movimentar a economia e ser uma opção de lazer para a população,
são conhecidos os malefícios causados por tais eventos, incluindo o grande volume de
resíduos sólidos que ficam dispostos na rua após a passagem dos blocos, os danos às
propriedades particulares (principalmente por parte dos foliões que urinam na rua), a
poluição e dificuldade dos moradores do bairro se locomoverem pelas vias em dias
bloco. Quanto a esses problemas, a Liga dos Blocos da Cidade Velha se
comprometeu, em janeiro de 2018, a fornecer banheiros químicos, estacionamento
privativo para os moradores do bairro, catadores para recolher o lixo, socorristas e UTI
móvel para casos de emergência, barreiras de contenção para a revista, torres de
monitoramento, além de minitrios projetados de acordo com as recomendações do
IPHAN - com sonorização frontal e traseira - (BLOG NOSSA BELÉM, 2018). Dessa
forma, espera-se os impactos dos carnaval sejam reduzidos, apesar de sabermos que
nem todos os moradores do bairro ficaram satisfeitos.
A partir da análise de tais estudos de caso, podemos observar que há grande
interesse por parte da sociedade em desenvolver atividades no centro histórico, o que
se deve, em parte, ao caráter simbólico e patrimonial de tais bairros, que apresentam
características distintas do restante da cidade. Apesar disso, há pouco incentivo por
parte do poder público no sentido de reabilitar as edificações históricas e promover
usos culturais e artísticos abertos ao público, atividades que acabam ficando a cargo
de iniciativas privadas e da sociedade organizada. Logo, percebe-se que esses usos
não são capazes de levar ao centro histórico a reabilitação necessária.
Por outro lado, é importante ter em vista que as atividades boêmias
desenvolvidas no centro histórico nem sempre conversam com aquelas desenvolvidas
no dia-a-dia dos bairros. Os bares, restaurantes, galerias e centros culturais
normalmente são frequentados por grupos de classe média e alta, um extrato social
distinto daquele que trabalha nas atividades de comércio na Cidade Velha e Campina e
que e não “vive” esta outra realidade.
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O número de estabelecimentos voltados para a boemia e para atividades
artísticas tem aumento bastante no Centro Histórico de Belém, o que representa uma
nova configuração no uso do solo nessa área. Porém, deve-se ter em vista que na
Cidade Velha o uso residencial ainda é predominante e não é desejável que a
população residente venha a ser expulsa desse núcleo devido aos interesses de
agentes privados em promover atividades rentáveis no bairro. Um possível processo de
gentrificação ainda é uma realidade distante do centro histórico de Belém, mas não
podemos perder de vista o exemplo de cidades como Salvador, onde a população mais
pobre residente no Pelourinho foi substituída em massa após a renovação urbana
promovida pelo poder público nesses locais, de forma que apenas 16% dos imóveis
permaneceram com uso residencial (NOBRE, 2003). Tal resultado deve ser evitado em
Belém, uma vez que a revitalização do centro histórico de Belém é desejável, mas sem
deixar de lado os interesses da população residente e dos trabalhadores diários deste
local.
Localizado na Rua Gaspar Viana, dentro do Largo das Mercês, o Espaço cultural
tem suas instalações em um dos principais casarões da área. O espaço reúne diversas
obras de artistas locais e conta com atrações da música popular brasileira e paraense.
O espaço iniciou suas atividades em novembro de 2017, e em um curto espaço de
tempo, passou a receber um grande número de frequentadores, de modo a ser difícil
encontrar mesas disponíveis no local. O espaço conta com mesas na área interna e na
área externa, ocupando a Praça das Mercês. A área externa, sem dúvida, concentra o
maior contingente de pessoas, por conta da temperatura mais amena e o espaço para
fumantes. Deste modo, o fator quantitativo dessa ocupação fornece, de pronto, o
primeiro indício da mudança de fluxos na área em questão.
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Imagem 1. Fachada do Espaço Cultural Ouriço
Fonte: Divulgação
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O perfil dos frequentadores e funcionários varia pouco, guardando uma
estatística visível: a maioria são jovens brancos de classe média. O apelo cultural é o
mote do espaço, logo, é possível encontrar muitos artistas da cena local. Essa análise
nos permite estabelecer um contraste entre os transeuntes comuns do dia-a-dia e os
transeuntes esporádicos, frequentadores do Ouriço. Trata-se de duas dinâmicas e
realidades completamente distintas, o que equivale dizer que grande parte dos
frequentadores do Ouriço não compartilha da mesma realidade que o público geral do
bairro da Campina.
Isso pode ser visível até mesmo pelo indicador financeiro: os preços cobrados
no cardápio não correspondem ao poder aquisitivo de classes menos abastadas. No
início das atividades, o Ouriço cobrava R$ 7 pela cerveja de 600ml, carro-chefe dos
bares. Em 2 meses, o preço subiu para R$ 9, o que equivale a um aumento de quase
30%. As interpretações para tal preço incompatível com o orçamento do trabalhador
médio brasileiro, variam desde uma possível necessidade de maior arrecadação (pois o
Espaço é localizado em um casarão histórico, cujo aluguel costuma ser oneroso); ou,
muito provavelmente, por conta da popularização do local. Em todo caso, cobrasse um
preço que está dentro do orçamento do público frequentador. Ou seja, os donos tem
conhecimento que seu público, não só pode, como arca com os preços cobrados, de
modo que antes das 2h da manhã, as variedades de bebida diminuem, pois quase tudo
já foi consumido.
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Noite adentro, o público se aglomera cada vez mais na praça. Grande parte fica
em pé pois não restam mais mesas. No centro da praça, os grupos marginalizados
resistem em seu espaço de origem, e não raro, é possível ver um contraste curioso:
ébrios pagantes do bar dividem espaço com ébrios à margem, em um quadro onde os
privilégios de classe e cor são explicitados de maneira dramática, pois é de
conhecimento (ignorado, por vezes) que a abordagem policial, o discurso
criminalizante, higienizante e segregador, pouco atinge os frequentadores do bar, e tem
como alvo direto os desviantes que tem o Largo como espaço de sociabilidade, muito
antes da fixação de estabelecimentos como o Ouriço.
O artigo, todavia, não busca invalidar a existência e a importância deste espaço
cultural, pelo contrário, celebra iniciativas similares de abrigar e divulgar a cultura local.
Objetiva-se revelar, no entanto as contradições existentes nesses espaços,
explicitando a atuação de determinados grupos sociais como indivíduos que
contribuem ativamente nas novas conformações de fluxos e espaços na cidade, de
maneira nociva ou não.
B. Projeto Circular
O Projeto Circular Campina-Cidade Velha foi idealizado pela produtora cultural
Makiko Ako e teve sua primeira edição em 2013 a partir da percepção de seus
organizadores sobre a necessidade de revalorizar e ocupar os bairros do Centro
Histórico de Belém, além de fomentar a economia criativa. Para tanto, a estratégia
utilizada foi de articular uma série de atividades culturais e artísticas em diversos
estabelecimento e espaços públicos nos bairros da Campina, Cidade Velha, Reduto e
Nazaré (ainda que haja uma maior concentração de atividades nos dois primeiros). O
evento acontece em um domingo a cada dois meses e não conta com investimentos
políticos ou de órgãos públicos, mas apresenta parceria com a Polícia Militar do Estado
do Pará e com o Sistema Integrado de Museus (SILVA, 2015).
No início, o Projeto Circular contava com apenas seis espaços (Kamara Kó
Galeria, Atelier do Porto, Galeria Gotazkaen, Elf Galeria, Espaço Oficina “Assim” e a
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Associação Fotoativa), porém, com o passar dos anos, novos locais foram sendo
adicionados ao mapa do evento e, atualmente, ele conta com a participação de 29
estabelecimentos, sendo a grande maioria de iniciativa privada. A programação e o
o Projeto
mapa do evento são divulgados em meio digital (no Facebook e no site d
Circular), o que colabora para que haja um alcance maior na sua divulgação e no
número de pessoas participando do evento.
Apesar de a maior parte dos estabelecimentos participantes do Projeto Circular
serem privados, há uma predominância de atividades gratuitas e abertas ao público
geral, o que contribui para que o projeto abarque diferentes extratos sociais. Além das
atividades em locais fechados, também ocorrem eventos ao ar livre, em especial
roteiros guiados que buscam passar por locais de importância patrimonial em Belém e
adentrar na história e memória desses lugares. Dessa forma, o Projeto Circular acaba
exercendo uma educação patrimonial ao contar e valorizar a história de Belém.
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O Projeto Circular vem buscando causar uma alteração nos fluxos nos bairros do
centro histórico e, dessa forma, mudar a maneira como as pessoas percebem esses
espaços, criando um sentimento de pertencimento e de responsabilidade com o
patrimônio material e imaterial de Belém, além de fomentar a produção artística e
cultural local. O fato de o evento ocorrer no domingo também busca demonstrar como o
centro histórico de Belém não é apenas um local voltado para comércio e serviços nos
dias úteis, mas também podem desempenhar uma função cultural ao abrir suas portas
no final de semana para que os habitantes da cidade possam “usufruir e se integrar
nesse contexto cultural” (SILVA, 2015).
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Nas ruas estreitas do bairro milhares de foliões se deslocam seguindo o
percurso dos blocos que parte da Praça Frei Brandão, seguindo pela rua Dr. de Assis e
se dispersando na Praça do Arsenal. Além do percurso oficial, também observa-se
intenso movimento nas ruas adjacentes ao trajeto. Como é o caso da rua paralela Dr.
Malcher e de todas as transversais. Nestas ruas o fluxo de veículos também é
interrompido durante as horas em que os blocos passam, um total de 13 ruas são
fechadas. Sendo está uma das fortes reclamações dos moradores do bairro, a privação
do direito de ir e vir.
Visando diminuir esses efeitos negativos algumas medidas foram tomadas pela
Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (SEGUP), em conjunto
com moradores do bairro e Liga de Blocos da Cidade Velha. Para a questão do
fechamento das ruas foi proposto um estacionamento privado para os moradores onde
vão passar os blocos. Outra reclamação comum, não só de moradores como também
de foliões e visitantes, é a falta de segurança na área. São comuns os relatos de furto
ou até mesmo roubo durante o percurso.
Os danos ao patrimônio histórico também são incontestáveis. As medidas
adotadas para minimizar os efeitos foram o estabelecimento de que os carros de som
deverão ter sonorização apenas na parte frontal e traseira, para não prejudicar a
estrutura dos prédios com a pressão sonora lateral, além da passagem de som ser
realizada na Praça do Relógio e não mais em frente a Igreja da Sé.
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A instalação de guarda-corpos no trajeto percorrido pelos blocos foi outra
medida. Porém observou-se que a presença destes últimos restringiu-se aos arredores
da Igreja da Sé e da Igreja do Carmo. Enquanto que no restante do trajeto não existia
nenhuma barreira entre o público e as edificações, até mesmo pela configuração
estreita da via. Logo, não foi difícil observar cenas de depredação do patrimônio, como
a de pessoas urinando em frente as casas, mesmo com a existência de 80 banheiros
químicos durante o trajeto.
Por se configurar como um bairro residencial e cuja população se enquadra
dentro de uma faixa etária mais elevada, a questão da poluição sonora também é
levantada pelos moradores. Para evitar maiores transtornos foi estabelecido que todas
as atividades relacionadas ao pré-carnaval devem ser encerradas às dezoito horas,
incluindo atividades com caixas de som nos veículos e bares das redondezas.
Observou-se que esta determinação foi cumprida, de forma que a polícia conseguiu
encerrar todas as atividades no bairro por volta das dezenove horas.
VII. Conclusão
A partir das análises traçadas acerca dos fluxos episódicos que vem ocorrendo
no nos bairros da Campina, da Cidade Velha e do Reduto, no qual integram o Centro
Histórico da cidade de Belém torna-se possível compreender que os movimentos ali
desenvolvidos, tais como: o projeto circular, a inserção de bares e o carnaval, abrange
majoritariamente pessoas de classe média e alta, divergindo das atividades e dos
atores que realmente utilizam dos serviços ali prestados, seja por meio do comércio ou
do fluxo transeunte de moradores.
As três frentes abordadas no estudo de caso mostram distintas peculiaridades
em razão dos fluxos transitórios desenvolvidos, o projeto circular contribui diretamente
para a valorização do centro histórico ao exercer uma educação patrimonial,
adentrando na história e na memória dos lugares presentes no seu percurso; a
inserção do Espaço Cultural Ouriço Arte Bar no Largo das Mercês proporciona a
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movimentação de um espaço público ao intensificar a circulação de pessoas na praça
dando um uso para este lugar, no entanto, esse uso condiciona grupos sociais
marginalizados que usufruem do espaço da praça como um ambiente de sociabilidade;
o pré-carnaval na Cidade Velha modifica a vida dos moradores desse bairro ao
interromper o fluxo de veículos, aumentar a poluição sonora e causar danos no
patrimônio histórico ali presente, porém algumas medidas são pré-estabelecidas
visando diminuir os impactos causados por este evento episódico.
De um modo geral, os eventos analisados ainda não contribuem para um
processo de gentrificação no Centro Histórico de Belém por tratarem-se de fluxos
transeuntes ou episódicos, no qual não trazem melhorias de caráter estrutural e nem
investimentos do poder público para os bairros em questão. No entanto, não podemos
deixar de nos preocupar com os interesses dos moradores que ali residem e dos
trabalhadores que frequentam diariamente esse espaço.
Referências Bibliográficas
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de Recursos Humanos. UFBA, jan/jun 2003, p. 153-154.
DEUS, Amadeu Lima de. “Pode sentar, esse é o sofá da Hebe”: Um breve relato de
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LYNCH, Kevin. The image of the city. Cambridge: The M.I.T. Press, 1960.
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TOURINHO, Helena Lúcia Zagury; LIMA, Davina Bernadete Oliveira. Planos Urbanos e
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