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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ARTES CÊNICAS

Salvador
2018
Fernanda Veiga Motta

SEMINÁRIOS AVANÇADOS II

Este trabalho é parte integrante dos requisitos para a


obtenção de nota na disciplina Seminários Avançados
II, do Programa de Pós-Graduação Artes Cênicas da
Universidade Federal da Bahia, lecionada pela Prof.
Dr. Maria Albertina Grebler

Salvador
2018
Universidade Federal da Bahia
Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas (PPGAC)
Disciplina: Seminários Avançados II
Docente: Maria Albertina Grebler
Discente: Fernanda Veiga Motta

Fichamento do capítulo 3 do livro “A Dramaturgia da Memória no Teatro-Dança”, de Licia


Maria Moraes Sanchez.

Referência bibliográfica:

SANCHEZ, Licia Maria Moraes. A Dramaturgia da Memória no Teatro-Dança. São Paulo:


Perspectiva, 2010.

O fichamento a seguir aborda o capítulo 3 do livro A dramaturgia da memória no


Teatro-Dança, da autora Licia Maria Moraes Sanchez. A autora é bailarina, professora e
pesquisadora, tem formação em dança pela Universidade Federal da Bahia, especialização em
dança-teatro no Wuppertal Tanztheater e pesquisa sobre a dança teatro desde 2001. A obra
percorre o nascimento do conceito de Teatro-Dança, desde os estudos de Rudolph Laban e do
movimento expressionista na Europa, passando pelos herdeiros da corrente expressionista, Kurt
Jooss, Mary Wigman, pelas influências dos criadores nesta época, até a retomada do Teatro-
Dança em 1970. Em Seguida, a autora apresenta um capitulo em que traça uma síntese histórica
da relação entre o teatro e a dança, buscando aproximações, apresentando associações e
incitando provocações na relação entre os dois formatos, neste capitulo ainda, Sanchez narra a
história da dança desde a dança de corte, o ballet clássico, a dança moderna até a “fusão atual”,
quando se refere à junção dos termos teatro e dança, no que denomina “teatro-dança”. A partir
destes dois capítulos iniciais, alcançamos o capítulo de que trata este fichamento, entitulado “O
Teatro-Dança de Pina Bausch”.
Neste capitulo, a autora inicia destacando a dança-teatro de Pina Bausch como a mais
autêntica representante desta corrente alemã vinda de Laban e Jooss. A encenação do espetáculo
Fragmente, em 1967, é citada como marco da nova era do teatro-dança. A partir de então
Bausch, segue revolucionando a cena da dança, com seus espetáculos repletos de dimensões
teatrais. A autora afirma que as rupturas trazidas pela obra de Bausch surpreendem os
espectadores, na medida em que fogem da constante linearidade prevista na cena ocidental.
Ruptura esta que distancia Pina Bausch da dança “pura”, interessando-se não em como as
pessoas se movem, mas no que as move, considerando o plano das emoções, em detrimento
daquele das formas.
Bausch cria, segundo Sanchez, uma terceira dimensão que não se trata apenas da soma
do teatro e da dança. Sua dança-teatro prioriza a totalidade expressiva dos intérprete-criadores
e toma por base a sensitividade da coreógrafa e dos bailarinos. Bausch se aproxima do teatro
sonhado por Jooss, mas subverte com a criação de novos formatos, cuja abordagem é tema de
vasta bibliografia, porém na obra aqui referida, o interesse resta sobre uma compreensão
vivencial do teatro-dança de Pina Bausch.
A compreensão pelos sentidos é defendida pela autora, que nos apresenta o desafio de
compreender por via da convivência prática com Pina Bausch e seu grupo; considerando aí a
dicotomia entre teoria e prática e a ideia de que a vivência e a convivência excluem a
compreensão teórica. Sanchez recorre à fenomenologia de Merleau Ponty, para assinalar a ideia
de que sua compreensão necessariamente passa por sua experiência no mundo. Segundo Ponty
(1945, apud Sanchez, 2010): “ eu não poderia apreender nenhuma coisa como existente se
primeiramente eu não me experimentasse existente no ato de apreendê-la” .
Ela descreve a experiência bauschiana como uma experiência sensível que faz parte de
um processo vital, na busca de sair do usual das técnicas de dança como expressão de
sentimentos. Do que insurge um processo criativo em que se pode deduzir uma dramaturgia na
memória e da memória. Onde é possível encontrar algo que não pode ser compreendido como
um conhecimento, mas como um “nó” inscrito em uma conduta a ser expressa por meio da
peculiaridade construída no silêncio, silêncio atravessado pelo indeterminado.
Sanchez prossegue descrevendo o processo criativo de Pina Bausch como algo do nível
do saber subjetivo, marcado por uma falta constituinte. Diante das perguntas-estímulos os
intérpretes passam por uma explosão de associações entre o eu e o que o tema desperta neste
“eu” e que atravessa as histórias vividas, imaginadas e sonhadas. No entanto, não é fácil para o
sujeito da sensação descrever o que sente.
É preciso tempo para entender o processo e materializa-lo com justeza, afirma a autora,
equilibrando o olhar da pesquisadora e a experiência vivida na pele pela intérprete, o
aprendizado se torna mais claro, como uma tomada de consciência que permite entender como
processar as respostas e se despojar de modelos. Nas palavras de Sanchez:
“Essa percepção passa pelo registro do que não é dito, mas pode ser sentido pelos canais da
sensibilidade; sao registros que significam o percurso imaterial que se deve percorrer no
momento em que se toma conhecimento da pergunta-estímulo. Esses caminhos são
fundamentais para que as respostas sejam descobertas e haja encontros inusitados.” (P.50)

Muitos escrevem sobre a criação bauschiana e seu universo artístico, alguns tentam
reproduzir sua viagem criativa e ficam caricaturais. Sanchez defende que um meio simples de
delimitar a percepção do trabalho de Bausch é ir além de ver e ouvir para sentir, o que
transcende as formas, cores e sons, é preciso “olhar atrás das aparências”. Buscando vivenciar
a realidade bauschiana de dentro para fora, o que seria mais proveitoso para o artista e o
pesquisador, a partir de uma visão interna dos acontecimentos na tentativa de revelar o produto-
sujeito, “numa busca por identidades, fundada em valores memoriais pessoais, revelada na
própria experiência, rica e obscura como o objeto ou o espetáculo perceptivo inteiro”. (P.52)

A pesquisadora descreve sua passagem pela companhia Wuppertal, ela chega à


companhia logo antes do processo de criação da peça Palermo, Palermo realizada na cidade de
Palermo, na Itália, para onde os intérpretes viajaram e realizaram pesquisa de campo de como
as pessoas vivem, seus costumes e crenças na, sendo esta experiência associada ao ser pessoal
dos intérpretes e sua relação com o mundo.
As perguntas da coreógrafa normalmente giram em torno de uma coisa determinada,
que não é revelada a priori aos intérpretes, neste caso: a Itália. Após a pergunta-estímulo, o
intérprete deve mostrar uma linha de movimento com inicio, meio e fim, passível de ser
repetida, caso a diretora o peça, diferenciando-se deste modo de uma livre improvisação,
(experienciado pela autora na graduação em dança na UFBA, como cita) em que não há
preocupação em rememorar exatamente o que foi encenado. Nas associações feitas pelos
intérpretes, Sanchez afirma que Bausch pretende que estes se desnudem, mas, ao mesmo tempo,
que não ponham em jogo seus problemas psicológicos, “o importante não é que as pessoas
vomitem seus sentimentos”, segundo a coreógrafa afirmava. Além disso, ela priorizava o fato
de não se interpretar demais, pois isto poderia distanciar a cena da realidade, tornando-se uma
caricatura.
Neste capitulo a autora descreven o método de trabalho de Pina Bausch, com suas
perguntas-estímulo, descrevendo princípios que ela identificou no processo, através de sua
vivência com a coreógrafa.
Sanchez identifica nove princípios básicos no processo bauschiano, segundo sua
experiência. Estes princípios são: a. Seja você mesmo, b. Não atue, c. Ser justo ao tema, mas
não ser óbvio, d. Não intelectualizar, e. Ser simples, f. Não banalizar, g. Não querer mostrar o
que se quer dizer, h. Não ser abstrato, i. Não caricaturar.
Além de identificar estes princípios, o capítulo oferece também uma tentativa de
compreensão do processo vivido com Pina Bausch, através de exemplos de passagens vividas
no Wuppertal pela autora, na criação de alguns espetáculos, em que sao exemplificadas falas,
conduções e colocações de Pina Bausch durante a experiência. A autora evidencia que todo o
processo é conduzido de forma a extrair o que há de autêntico e singular nas respostas dos
intérpretes, enfatizando sempre suas experiências de vida e sua relação com a pergunta-
estímulo, experimentando possibilidades, trazendo associações complexas entre a ação e o
estímulo e seguindo uma lógica de criação que, apesar de conter a movimentação criada por
cada intérprete, corresponde a uma condução “sútil e afetiva” de Pina Bausch, que resulta numa
peça final composta não como uma colagem ou uma soma de partes, mas como algo único e
escolhido pela coreógrafa, a partir do que foi apresentado pelo grupo:
“No caso do Wuppertal Tanztheater, as pessoas que trabalham no grupo sao peças
importantes nas criações, todavia e Bausch quem determina toda concepção das peças
com sensibilidade; seleciona e recorta as ações, costurando-as da forma que quer”
(p.66)

Durante a descrição do processo, Sanchez relata também a importância de dar vazão à


intuição, porém sem perder a lucidez, o que diz respeito a utilizar os princípios citados para
favorecer a criatividade, mas desenvolvendo o senso crítico nas criações. Assim, defende que
não basta ter ideias, mas saber organizá-las e materializá-las, com simplicidade e sem exageros.
O capítulo aborda também a ideia de que o processo não traz um aprendizado linear e a
própria Bausch fala pouco sobre como trabalha, assim, “o processo deve ser vivenciado para
ser compreendido” (p.65) e complementa, “(...) vemos como no zen, e como na própria arte: é
necessária uma iniciação à experiência prática para um melhor entendimento. (P.65).”
Na volta do período vivido no Wuppertal, a autora relata a experiência como coreógrafa
e professora numa escola de 1ø grau, em que utilizou os princípios do processo criativo de
Bausch para desenvolver seu trabalho, com isso, afirma que a tentativa de compreender o
processo não está relacionado a aprisiona-lo a uma metodologia ou a uma forma, mas desnuda-
lo num conteúdo que motive a reflexão e traga um aprendizado sensível por trás das aparências
de uma realidade a ser buscada internamente; seu trabalho merece ser sentido e não visto com
o intuito de comprovar teorias. Uma contribuição que pode ser trazida para além do seu
espetáculo, para um processo de educativo pela sensibilidade.
Uma solução para isto, argumenta, seria perceber de maneira sensível os princípios, na
perspectiva de algo como “existo, sinto, logo penso”, que a autora toma emprestado de Damásio
(2004). Trabalhar numa perspectiva bauschiana, segundo a autora, implica expressar o seu
ponto de vista pela via sensível:
“ Vivenciar intensamente os princípios bauschianos, pela via sensível, possibilita
a observação da própria conduta no próprio processo criativo; in progress, como
propõe Bausch, revelando-se a cada dia. Não são exatamente os achados geniais
das peças dessa coreógrafa - que são sua marca, sua forma, sua assinatura - que
pedem atenção, mas os princípios filosóficos que, uma vez percebidos e acionados,
podem levar a um ponto de vista peculiar que nao sera mais o dela, mas o da
própria pesquisadora-interprete: um ponto de vista inesperado. Esse modo de
entender o processo bauschiano pode se conectar à educação do sensível.” (P. 69)
A autora fala de entregar-se sem reservas às emoções das experiências vividas, mas
conduzidas por uma linha mestra, aparentemente vaga, trazida por Bausch. [ Neste ponto, me
vem a importância deste olhar sobre a criação e o recorte proporcionado por ele na “experiência
sensível” dos intérprete-criadores”. Será que está apenas no campo das recomendações sutis?
Sanchez diz que Bausch envolve os intérpretes numa experiência sensível em cada olhar, gesto,
respiração por trás das recomendações.]
A autora segue em defesa de uma Educação do Sensível, promovendo uma reflexão, a partir da
vivência do processo criativo de Pina Bausch e aproximando-o de uma construção em que a
prioridade não está nas fórmulas ou na técnica, mas no exercício de valorizar a experiência
vivida e voltar a atenção à esta experiência, fazendo emergir o sujeito que pensa e sente,
considerado integralmente no processo. A contribuição do processo criativo de Pina Bausch é
defendido então como relevante não por seus espetáculos, mas por sua contribuição em outros
campos, como o educacional, apontando para uma educação dos sentidos, já que possibilita a
existência de “mais criadores e menos repetidores de técnicas”, reconhece e valoriza o
fundamento sensível da nossa existência.” (p.76).
Por fim, chegamos ao último tópico abordado pela autora no capítulo , a saber, a teatralidade
em Pina Bausch. A definição de teatralidade encontra percalços, visto que não se define como
uma instância própria ao espaço cênicoe de fácil definição, que pode ser encontrada em
situações do cotidiano e em espaços públicos, assim, “a teatralidade está onde quer que a
imaginação detecte esta qualidade” (p.78).
A autora nos conduz a identificar, portanto que a teatralidade na atualidade se encontra
na recepção ativa da cena, em que o espectador confere teatralidade, fazendo ressonância ao
que é apresentado pelo intérprete. Trazendo isto para a teatralidade bauschiana, temos a ideia
de que esta “é construída pela sensibilidade de todos os envolvidos, para uma emissão e
recepção sensíveis, sem intenções medidas.” (P.80).
Nesta linha, Licia Maria Sanchez conclui:
“ Falar do teatro-dança de Pina Bausch, mais do que cataloga-lo é reconhecer a
abertura de sentido no próprio vazio que permite enxergar o caminho que leva à
quebra de códigos. Uma ruptura. és o ponto que convoca a instauração de uma
discursividade própria neste retorno ao trabalho da artista. (...) que se lança em um
movimento de captura desse espaço-tempo não dito. A percepção desse
movimento abre espaço para um sentido próprio, mobiliza o saber inconsciente e
permite o ensaio aberto de uma construção reflexiva pessoal nomeada
“Dramaturgia da Memória” (p.80)
O capitulo é assim finalizando, abrindo margem ao quês era abordado em seguida no livro,
o que a autora denomina “ Dramaturgia da Memória”.

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