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Sedação e Anestesia em
Endoscopia Digestiva
Mauro Pereira de Azevedo, TSA/SBA*
Introdução
Preparo do paciente
Jejum pré-procedimento
O jejum é necessário para todos os pacientes que irão fazer procedimentos com qualquer
tipo de anestesia ou sedação. Em geral utilizam-se os critérios adotados estabelecidos pela American
Society of Anesthesiology.
Quadro III - Resumo das recomendações de jejum para redução do risco de aspiração pulmonar
Preparo do cólon
Medicina Perioperatória
O primeiro e mais utilizado agente (no Brasil) é o manitol, que é um oligossacarídeo não
absorvido com eficiência de 75 – 80%. Este agente causa uma diarréia catártica, que termina por
promover a limpeza do cólon, facilitando sua visualização durante a colonoscopia. Tem como pro-
blemas: (1) causa maior desidratação, o que é um problema principalmente nos pacientes mais
idosos e naqueles com história de sangramentos; (2) maior incidência de náuseas e distensão du-
rante o preparo; (3) risco de explosão do cólon devido à produção de hidrogênio livre como
resultado da digestão bacteriana; (4) maior volume de solução ingerido – 750 a 1000 mL.
Alguns endoscopistas utilizam solução de polietilenoglicol, que causa menos alterações
eletrolíticas que o manitol. Mais recentemente foi introduzido o preparo com solução de fosfato
sódico (Fleet Enema®). Este tem a vantagem de ser ingerido em menor volume – 90 mL), tornan-
do-o mais barato e de melhor aceitação. Esta solução tem como riscos a produção de hiperfosfatemia
acentuada e hipocalcemia em pacientes renais e cardiopatas.
Em termos de volume de solução ingerida, o preparo de cólon com fosfato sódico é melhor,
por minimizar o risco de aspiração pulmonar. Porém, a maioria dos pacientes em nosso meio faz o
preparo com Manitol oral, o que gera a dúvida de quanto tempo devemos deixar o paciente em
jejum antes do procedimento. O manitol é um líquido claro e assim tolera-se um jejum de pelo
menos 2 horas? Ou o fato de ser altamente osmótico e absorver muito líquido da parede intestinal
determina que o jejum seja maior? Existe ainda o risco de o volume ingerido ser alto. Na realidade
existe uma carência de estudos específicos sobre o tempo de esvaziamento gástrico após a ingestão
do manitol.
O paciente eletivo já estará fazendo uma dieta dias antes do exame e a possibilidade de
712 presença de resíduos sólidos ou mais consistentes no estômago é mínima. O maior problema ocor-
re nos pacientes de urgência, muitas vezes com quadros obstrutivos intestinais, e naqueles com
fatores de risco para aspiração pulmonar. Nestes, a tolerância dever ser menor, e devem ser utiliza-
das todas as medidas possíveis para redução do volume e do pH da secreção gástrica.
Avaliação pré-operatória
A avaliação pré-operatória do paciente se inicia com uma entrevista e exame clínico, que
serão determinantes da conduta a ser seguida. A entrevista pode ser feita no dia do procedimento
(preferencialmente deve ser feita antes). Utilizamos em nosso grupo um formulário previamente
fornecido aos pacientes quando da marcação do procedimento, o qual será entregue e completado
pelo médico no dia do procedimento. Este questionário serve como guia para a avaliação pré-
operatória do paciente. Dependendo do tipo de procedimento ao qual o paciente vai se submetido,
pode ser necessário fazer uma completa avaliação pré-operatória. Esta avaliação será determinada
de acordo com o quadro clínico apresentado pelo paciente.
A história do paciente deve incluir:
O exame físico deve incluir, no mínimo: (1) exame das vias aéreas; (2) exame pulmonar
incluindo auscultação dos pulmões e (3) exame cardiovascular.
Quadro IV - Preditores de Via Aérea de Difícil Manuseio - Karam & Bailey, 2004
HISTÓRIA
. Problemas prévios com anestesia/sedação
. Ronco, estridor ou apnéia do sono.
. Artrite reumatóide avançada
. Anormalidades cromossômicas (ex. trissomia do 21)
EXAME FÍSICO
. Hábitos
- Obesidade (especialmente envolvendo pescoço e face)
. Pescoço e Face
- Pescoço curto, extensão limitada do pescoço, distância hióide-mento diminuída (<3
cm) em Adultos, massa de pescoço, doença ou trauma da coluna cervical, desvio de
traquéia, dismorfismo facial (ex. Sínd. Pierre-Robin)
. Boca – classificação de Mallampati
- Abertura reduzida (<3 cm em adultos); adontia. Incisivos protusos, falhas dentárias ou dentes
encapados, palato alto ou arqueado, macroglossia, hipertrofia de amígdalas, úvula não visível
. Mandíbula
- Micrognatia, retrognatia, trismo, má-oclusão significativa.
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Em geral pacientes hígidos que vão se submeter a exames diagnósticos como a endoscopia
digestiva alta não necessitam de nenhum exame complementar. No caso da realização de
colonoscopia, por ser um exame que é feito com sedação profunda, muitos médicos solicitam a
realização de risco cirúrgico de rotina, com E.C.G. prévio, hemograma e coagulograma, no mínimo.
Este último deve ser solicitado especialmente naqueles pacientes com história de uso de anti-
agregantes plaquetários, após o período ótimo de suspensão do medicamento, e nos pacientes com
história de pólipos intestinais ou probabilidade elevada de necessidade de instrumentação cirúrgica
endoscópica. Nenhum exame deve ser solicitado por rotina em todos os pacientes, mas sim guia-
dos pela avaliação pré-operatória e exame físico e de acordo com o tipo e grau de invasividade do
procedimento proposto.
A avaliação do risco cirúrgico deve ser reservada aqueles pacientes com mais de 40 anos de
idade e história prévia de doença cardiovascular ou respiratória. Não devemos nos esquecer que
muitos pacientes não estão em condições ótimas, pois apresentam problemas que dependem do
exame ao qual serão submetidos para a realização do diagnóstico, logo, não podemos exigir que o
paciente esteja no seu melhor desempenho físico.
Sedação e Endoscopia
Monitorização da Sedação/Analgesia
Nível de Sedação
Observação clínica
BIS
O nível de resposta dos pacientes aos comandos serve de guia para identificação dos níveis
de sedação. Devemos observar a possibilidade de vocalização, que indica que os pacientes estão
respirando. Pacientes cuja única resposta é o reflexo de retirada ao estímulo doloroso es-
tão profundamente sedados.
A monitorização pelo Índice Bi-espectral pode servir de guia para o nível de sedação. Bower
et al. em estudo sobre sedação em procedimentos endoscópicos utilizando-se associação de
diazepam e meperidina (que ainda é um padrão de sedação em muitos centros, principalmente
quando feito pelo endoscopista), concluíram que o BIS entre 75 e 85 tem uma probabilidade maior
ou igual a 0,96 de termos um paciente com sedação adequada para endoscopia. A sedação com
cetamina não se correlaciona bem com os valores de BIS10.
Ventilação Pulmonar
Capnografia
Como o risco de depressão respiratória e obstrução das vias aéreas aumentam com o
aprofundamento dos níveis de sedação, a ventilação deve ser monitorada pela observação e aus-
cultação. Nos casos de sedação profunda, principalmente, a capnografia é fundamental para au-
mento da segurança do ato. A apnéia, detectada pela capnografia, pode preceder o desenvolvi- 715
mento de hipoxemia e servir de “alarme precoce” de problemas respiratórios. Esta monitorização
pode ser feita com a colocação de um cateter (tipo de aspiração) de tamanho 6 ou 8 na narina ou
nasofaringe do paciente. A capnografia permite a monitorização em tempo real da ventilação
e reduz a incidência de sedação excessiva. O padrão respiratório e não o valor absoluto é que
deve ser a base da interpretação.
Deve-se ter em mente que a ventilação e a oxigenação são processos fisiológicos diferentes.
Pode-se manter uma oxigenação satisfatória por algum tempo sem que a ventilação esteja eficiente.
Oxigenação
Oximetria de pulso
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Hemodinâmica
Pressão arterial, freqüência cardíaca e ritmo cardíaco.
Deve-se monitorar de modo contínuo a pressão arterial e a eletrocardiografia, principalmente nos
níveis mais profundos de sedação, com o objetivo de identificação precoce de possíveis complicações.
A sedação/analgesia pode bloquear a resposta compensatória à hipovolemia, e, por outro
lado, uma sedação/analgesia ineficiente pode potencializar respostas deletérias autonômicas.
Xilocaína spray
Utilizada como rotina pelos endoscopistas para anestesia tópica da boca, orofaringe e
hipofaringe, com o objetivo de facilitar a introdução do aparelho de endoscopia, aumentar a 717
tolerância do paciente e diminuir o reflexo faríngeo de expulsão e vômito. Os dados sobre seu
beneficio são conflitantes em face das doses de sedativos normalmente utilizadas. Seu maior
benefício talvez seja para os pacientes que não serão sedados ou naqueles que serão minima-
mente sedados.
Utiliza-se o spray a 10%, sabendo que cada borrifada libera cerca de 10 mg de solução
anestésica e a dose máxima é de 4 mg.kg-1. Essa forma de uso associa-se com uma absorção
significativa do medicamento pela mucosa, podendo ocorrer intoxicação se não observarmos as
doses recomendadas.
Benzodiazepínicos
(a injeção rápida pode causar soluços); as doses podem ser repetidas a cada 2 a 3 minu-
tos até atingir o efeito desejado. Em associação com opióides deve-se reduzir a dose de
em 30%.
O diazepam tem propriedades semelhantes ao midazolam, porém tem maior meia-vida, pro-
duz menos amnésia e maior risco de causar flebite. Utilizam-se doses iniciais de 2,5 a 5,0 mg, com
incrementos de 2,5 mg a cada 3 a 4 minutos.
Em caso de superdosagem deve-se usar o antagonista específico – flumazenil – o qual impe-
de a ligação do agonista ao receptor específico (o receptor GABA). Utilizam-se doses de 0,2 mg
até um máximo de 3 mg, com cuidado para não haver síndrome de retirada.
Opióides
Propofol
Antagonistas
Não devem ser utilizados de rotina para reverter a sedação. O risco de re-sedação com o
flumazenil e a naloxona é grande porque a duração de ação destas drogas (30 a 60 min) é menor
que a dos sedativos e opióides.
O flumazenil é uma droga muitas vezes utilizada sem critérios corretos; além do seu alto custo
e da meia-vida menor que a do agonista, ela pode causar cefaléia, náuseas e vômitos, o que pode
comprometer a recuperação e a alta do paciente ambulatorial.
Via baixa
Colonoscopia
Procedimento feito normalmente sob sedação profunda, pois envolve desconforto na mani-
pulação das alças intestinais. Esta manipulação também pode acarretar arritmias, especialmente
bradicardia sinusal, por tração ou distensão das alças abdominais. A vigilância deve ser intensa.
Não está indicado o uso preventivo de anti-colinérgico, exceto naqueles pacientes nos quais a
menor manipulação de alças acarreta bradicardia. Também pode ser feita com anestesia geral,
normalmente com oxigênio e sevoflurano sob máscara laríngea. Um fator muito importante na deci-
são da técnica anestésica é o tempo do endoscopista e a quantidade de manipulações que ele faz
para atingir o objetivo (alcançar o íleo ou o ceco); para isso o relacionamento anestesista/endoscopista
é fundamental.
O preparo de cólon e a diarréia conseqüente causam desidratação, muitas vezes severa,
acarretando alterações eletrolíticas que podem causar até arritmias. Esta perda de líquido pode
levar também a hipotensão severa durante a sedação, especialmente com propofol, que, eventual-
mente é corrigida com uso de vasopressores, especialmente a efedrina.
Medicina Perioperatória
O procedimento é feito normalmente em decúbito lateral esquerdo, com eventual mudança para
decúbito dorsal. Com o uso dos sedativos ocorre diminuição do tônus das vias aéreas, com risco de
obstrução, especialmente quando o procedimento é feito em decúbito dorsal. Neste caso a instrumentação
das vias aéreas para permeabilizá-las é mais comum (uso de cânulas oro ou naso-faríngeas).
Neste procedimento há um momento de grande estímulo, que ocorre durante a entrada do
aparelho, quando o endoscopista traciona as alças intestinais e as dilata com ar, causando dor e
respostas cardiovasculares; neste momento a necessidade de sedação é maior que durante a saída
do aparelho, quando já ocorreu estabilização do mesmo; neste momento a necessidade de sedação
diminui muito.
Muitos pacientes submetem-se à colonoscopia em decorrência de sangramentos crônicos,
cursando com anemia às vezes intensa. Como o procedimento é, eventualmente, fundamental para
a elucidação diagnóstica, fazemos a sedação com cuidado; a transfusão prévia deve ter indicação
precisa. Nos casos de hemorragias agudas (ex. sangramento diverticular), seguimos o protocolo de
tratamento da hemorragia aguda.
Frequentemente o auxiliar da colonoscopia necessita fazer manobras de compressão abdo-
minal para auxiliar na progressão do aparelho. Manobras muito intensas, especialmente no andar
superior do abdome, podem causar restrição respiratória e até regurgitação gástrica.
Finalizando, devemos ter atenção para os pacientes que fizeram preparo com manitol e o uso
de corrente elétrica, pelo risco de explosão do cólon determinado pelo acúmulo de íons H+.
Via alta
Nos procedimentos feitos com a introdução do aparelho pela cavidade oral devemos obser-
var algumas particularidades:
1. Competição com a via aérea – caso ocorra dificuldade respiratória do paciente (estridor,
720 ronco, hipoxemia, má-ventilação), devemos interromper o procedimento e tentar melho-
rar a ventilação; se não conseguirmos, devemos intubar o paciente;
2. Risco de regurgitação e broncoaspiração – observar o jejum prévio e a prevenção
farmacológica, se indicada. Preferir o decúbito lateral, que diminui o risco de
broncoaspiração. Ter sempre à disposição um bom aspirador, independente daquele utili-
zado pelo endoscopista.
3. Cuidado com partes dentárias móveis ou em mau estado de conservação, pois pode haver
quebra das mesmas e eventuais aspirações e obstrução respiratória.
Figura III - Posição lateral extrema, quase prona, para realização de CPRE.
1. Contraste radiológico – para melhorar a visualização das vias biliar e pancreática. Há que
se ter cuidado nos pacientes alérgicos e evitar ao máximo o risco de bronco-aspiração, já
que causam pneumonite aspirativa grave.
2. Anti-colinérgico (escopolamina) – para causar diminuição da motilidade duodenal, já que
a peristalse pode atrapalhar a manipulação da papila de Vater. Pode causar taquicardia
severa (doses altas e injeção rápida, principalmente), o que pode aumentar o risco em
pacientes cardiopatas).
3. Glucagon – era (retirado do mercado) utilizado no lugar do anti-colinérgico pois é despro-
vido de efeito cardiovascular; causa porém hiperglicemia significativa (não utilizar em dia-
béticos) Determina potente paralisia da musculatura lisa intestinal, porém por pouco tem-
po (cerca de 15 min.), o que exige repetições freqüentes.
Medicina Perioperatória
Procedimento que envolve uma etapa endoscópica (para visualização do melhor ponto de
punção gástrica) e outra etapa abdominal (para realização da punção gástrica percutânea).
Feita normalmente em pacientes com distúrbios de deglutição, muitas vezes pacientes com
neuropatias diversas, que cursam com episódios de broncoaspiração, ou pacientes com patologias di-
versas, impedidos de alimentar-se por via oral e que necessitam de outra via para o aporte de alimentos.
Normalmente este procedimento pode ser tratado como a endoscopia digestiva alta, ou seja,
com sedação moderada. Na parte dolorosa do procedimento, a punção abdominal, deve ser feita
infiltração local com xilocaína.
Cuidado especial deve-se ter com a permeabilidade das vias aéreas e com o excesso de
secreções na cavidade oral e faríngea.
Eco-endoscopia
Critérios de alta
Referências Bibliográficas
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