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29-Set-2010
Para o pensador István Mészáros (1), "no momento em que o capital, com seu dinamismo
irrepreensível e não problemático que tudo invade, apareceu no palco histórico, a margem de
segurança de seu impacto objetivo sobre a natureza era tão imensa que as implicações
negativas não faziam diferença". Contudo, Mészarós destaca que "as circunstâncias de nosso
tempo carregam a certeza absoluta da autodestruição humana no caso de o corrente processo
de reprodução sócio-metabólica do capital não for levado ao seu fim definitivo no futuro
próximo". Para o pensador "não há nada em princípio integralmente repreensível na
destruição de determinadas partes ou formas da natureza para sua transformação em alguma
outra coisa", mas "a ampla margem de segurança desapareceu para sempre". A capacidade
destrutiva do capital encontrou limites estruturais absolutos no próprio sistema, a ponto de
obstruir o futuro da humanidade.
A agricultura sempre foi uma das atividades humanas de maior interferência na natureza.
Contudo, é a partir da avassaladora transformação decorrente da implantação do pacote
tecnológico calcado na "Revolução Verde", em meados do século 20, que se aprofundam as
alterações no ambiente rural e na organização econômica e social do campo. No Brasil, de tal
transformação resultou o atual modelo predominante de agricultura identificado no
agronegócio.
O agronegócio brasileiro caracteriza-se por uma dinâmica produtiva que afronta qualquer
anseio de justiça social, econômica e ambiental. Consolida-se como um modelo produtivo
devastador, seja no aspecto social, pelo seu perfil excludente e concentrador, seja no aspecto
ecológico, pela sua negligência para com os impactos ambientais que provoca.
Sob a égide do sistema capitalista, as atividades agrícolas deixaram de ter sua finalidade
voltada às necessidades humanas prementes, como por exemplo, fonte de alimentos, energia
e outras utilidades. As transformações da natureza permitidas pela agricultura foram
incorporadas pelo metabolismo capitalista como uma de suas formas de apropriação do fruto
do trabalho alheio. Qualquer finalidade "humanista" ditada pelos interesses econômicos que
dominam as atividades agropecuárias passou a ser mero pretexto, não mais importando a
produção para suprir exclusivamente as necessidades humanas alimentares, energéticas ou
para qualquer outro fim. O capital define relevância para a atividade agropecuária como
produtora e consumidora de mercadorias, permitindo o fechamento de um ciclo para o
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aperfeiçoamento da mais valia. Não ao acaso, é cada vez mais comum empresas fornecedoras
dos insumos agrícolas e empresas compradoras da produção agropecuária comporem a
mesma corporação monopolista em aprofundamento de poder sobre importante atividade
produtiva. Trata-se de situação de alto risco à soberania alimentar do povo brasileiro.
O agronegócio, por meio de sua base tecnológica e dinâmica brutal, traz sérias conseqüências:
devastação de ambientes naturais e de tradições culturais locais pela expansão de fronteiras
agrícolas sem a devida preocupação com os seus impactos; atropelo das obrigações legais
ambientais, destacadamente das previstas no Código Florestal; transformações genéticas nas
sementes, valorizando a produtividade dependente de insumos industriais em detrimento da
diversidade, da adaptabilidade e da variabilidade genética das espécies; criação de animais
com métodos de confinamento geradores de resíduos poluentes (hormônios, antibióticos,
gases etc.), além de carregados de crueldade; incorporação maciça de agrotóxicos, de
fertilizantes químicos industriais e de pesadas máquinas ao modo de produção, trazendo
erosões, contaminações ao ambiente e riscos à saúde humana, sobretudo ao trabalhador
rural.
Essa panacéia tecnológica altamente excludente criou para a produção agropecuária uma forte
relação de dependência de produtos industriais sob domínio de transnacionais e empobreceu
o agricultor por meio do amplo fluxo de renda do campo para a geração de lucros ao setor
industrial. Suas implicações sociais e econômicas são nefastas: queda de qualidade no modo
de vida camponês, precário assalariamento do homem do campo, êxodo rural e urbanização
desenfreada e desorganizada. A análise compilada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (IPEA) com base no Plano Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008,
retrata a situação: das 8 milhões de famílias que vivem no campo, 2 milhões de famílias
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No Brasil, a implantação das técnicas da "Revolução Verde" ocorreu sob o beneplácito estatal,
por meio de subsídios à aquisição de pesadas máquinas agrícolas; de privilégios fiscais às
indústrias de insumos; pesquisa, assistência técnica e extensão rural públicas subservientes
aos interesses das transnacionais; e no financiamento e crédito rural atrelados à
obrigatoriedade de aquisição e uso de fertilizantes industriais e de agrotóxicos.
Pelas suas características próprias e pelo seu propósito de uso, os agrotóxicos distinguem-se de
outras substâncias perigosas utilizadas ou derivadas de outros processos produtivos. Enquanto
nas últimas, a ação humana busca tirá-la do ambiente, expurgando qualquer possibilidade de
exposição direta e afastando risco ambiental ou à saúde, os agrotóxicos têm sua disseminação
intencional no ambiente, inexistindo técnicas de aplicação que permitam seu uso sem
qualquer risco de exposição às pessoas ou ao meio ambiente. Considere-se o agravante de que
seu uso mais comum ocorre sobre produtos que a população irá consumir na sua alimentação.
Seguindo a lógica de subordinação aos interesses maiores do capital, a partir de 2008, o Brasil
se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e, nos últimos anos, o grande
importador dessas substâncias letais, muitas com uso vetado no próprio país de origem. O
opulento agronegócio brasileiro passa a dar sobrevida às estruturas industriais em
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São Paulo é o estado que mais consome agrotóxicos, representando cerca 20% do mercado
nacional. Também é o campeão dos casos notificados de intoxicações por agrotóxicos,
correspondendo a 26,71% do total das notificações registradas em 2007.
Num período em que as estruturas de Estado são colocadas em xeque pelas forças políticas
neoliberais que hegemonizam os aparatos governamentais, o tema dos agrotóxicos deve ser
trazido à baila, não só pelos seus efeitos danosos no âmbito sanitário e ambiental, mas pela
sua profunda relação com um sistema econômico injusto, de amplo e unilateral benefício aos
interesses do capital.
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Notas:
(1) ISTVÁN MÉSZÁROS, "O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico", Boitempo Editorial, 2007,
p.27/28.
(2) FREDERICO PERES e OUTROS, "Os Impactos dos Agrotóxicos sobre a Saúde e o Meio
Ambiente", Revista de Ciência & Saúde Coletiva, Vol. 12, nº 1, jan/mar, 2007, p.4 (editorial).