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Revista Língua & Literatura 11

Da teoria prototípica da categorização de Rosch à


teoria de protótipos de Kleiber
Cleonice Lucia Rizzatti1

Resumo: Este artigo reúne algumas visões práticas sociais, enquanto que com Kleiber o
sobre o processo de categorização. As mais sentido de um item lexical forma uma categoria,
importantes entre elas são a da Teoria Prototípica cuja estrutura provoca determinados efeitos
de Categorização de Eleanor Rosch, a Teoria dos prototípicos. Entender o processo de
protótipos de George Lakoff e a Versão Estendida categorização auxilia a explicitar as opções
de Georges Kleiber. A teoria clássica interpretava lingüísticas realizadas e, por conseguinte, os efeitos
a categorização como um conjunto de condições semânticos que produzem.
necessárias e suficientes, porém o processo de
Palavras-chave: Sentido, protótipo,
categorização não pode ser interpretado somente
categoria.
segundo os postulados desta teoria. Depois deste
enfoque, o sentido passou a ser visto como não Abstract: This paper collects some
referencial, isto é, podendo ser independente da approaches about the process of categorization.
determinação de sua referência. Já com Lakoff, The most important of them are the Prototypical
o sentido passa a ser visto não como um “doador” Theory of Categorization, by Eleanor Rosch, the
da referência, passando pela intermediação de Theory of Prototypes, by George Lakoff, and the

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Professora de Língua Portuguesa da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI,
Campus de Frederico Westphalen, mestre em Lingüística Aplicada pela UFSC.
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Extended Version of such theory, by Georges outros. Por isso, algumas vezes temos dificuldade
Kleiber. Classic theory had interpreted em fazer a escolha lingüística adequada na
categorization as a set of necessary and sufficient construção do discurso. Para entender melhor a
conditions, however, the process of categorization abordagem da categorização, é imprescindível
cannot be interpreted only according to the repassar as teorias de Rosch no âmbito da
postulates of this theory. After this focus, meaning Psicologia Cognitiva Experimental e chegar até a
came to be seen as non referential, that is, it could Teoria de Protótipos de Kleiber.
be independent from the determination of its
A teoria prototípica originou-se nos
reference. With Lakoff, meaning comes to be seen
meados de 1970, com a pesquisa psicolingüística
not as a “donator” of the reference, going through
de Eleanor Rosch, dentro da estrutura interna de
intermediation of social practices, while with
categorias. Essa autora foi a primeira a fornecer
Kleiber the meaning of a lexical item forms a
uma perspectiva geral para os problemas das
category whose structure provokes certain
pesquisas desde a abordagem clássica, remetida
prototype effects. To understand the process of
geralmente a Aristóteles. Foi esse pensador quem
categorization helps to explain the chosen linguistic
distinguiu entre a essência de uma coisa e seus
options and, therefore, the semantic effects they
acidentes:
produce.
a - a essência é o que faz de uma coisa o
Key-words: Meaning, category, prototype.
que ela é; são todas as partes imanentes que
indicam a individualidade;
O uso de palavras e o uso da linguagem, b - o acidente é o que não desempenha
desde sua produção e entendimento, envolvem papel na determinação do sentido.
indubitavelmente processos cognitivos. O
processo mental de classificação é chamado de O exemplo dado por Aristóteles, segundo
categorização e seu produto são as categorias, Surdi (1998:29-30), foi: “a essência de ‘homem’
que podem ser entendidas como conceitos é ser animal bípede; é acidental ser branco e culto.
mentais armazenados em nossa memória. Juntos, Os atributos acidentais podem ser verdadeiros
eles constituem o que tem sido chamado de léxico para um indivíduo, mas são irrelevantes para
mental. Ao observarmos a língua em seu uso, nos determinar se uma entidade é de fato um homem.
questionamos como os objetos podem ser Para identificar se dada entidade é um homem, é
agrupados em determinados conjuntos e não em necessário saber o sentido da palavra homem, o
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que implica conhecer sua essência”. A noção de clara entre xícara e tigela, visto que uma categoria
essência deu ênfase à chamada visão lógica. De pode emergir gradualmente da outra.
acordo com essa visão, a categoria é definida
As descobertas de Labov (apud Ungerer
por um conjunto limitado de condições suficientes
e Schmid, 1996) sobre a natureza das categorias
e necessárias. Tais condições são conceituadas
cognitivas foram utilizadas em outros estudos que
como claras, discretas ou essenciais; podem ser
se seguiram. São elas:
presentes ou ausentes. Uma criatura é um pássaro
se e somente se tiver duas asas, duas pernas, um 1 - categorias não representam divisões
bico e puser ovos, que são condições necessárias. arbitrárias dos fenômenos do mundo, mas devem
Essa abordagem clássica não é resultado de ser vistas com base nas capacidades cognitivas
estudo empírico, mas de reflexão filosófica. da mente ou memória humana;
Numa outra perspectiva, Labov (1973 2 - categorias cognitivas de cores, formas,
apud Taylor 1991) pesquisou a categorização assim como de organismos e objetos concretos,
lingüística de recipientes de uso doméstico, como estão ancoradas em protótipos conceitualmente
copos, canecas, tigelas e vasos. Para realizar sua salientes que têm papel importante na definição
pesquisa apresentou, a algumas pessoas, de categorias;
desenhos de recipientes de diferentes tamanhos
3 - os limites ou fronteiras das categorias
e lhes perguntou o nome do que estava sendo
cognitivas são fuzzy – difusas, mal delimitadas;
representado. O desenho que apresentasse uma
por exemplo, categorias vizinhas não estão
área circular, afinando-se em direção ao fundo,
separadas por limites ou fronteiras rígidas, mas
foi reconhecido como xícara, e desenho similar,
surgem paulatinamente umas das outras;
com a largura e a profundidade aumentadas, era
identificado como tigela. Por outro lado, quando 4 - entre protótipos e limites, as categorias
se pedia que uma pessoa imaginasse os recipientes cognitivas contêm membros que podem ser
abastecidos com algum produto, a categorização avaliados numa escala de tipicalidade que se
também variava – com café quente, lembrava estende desde bons a maus exemplos.
xícaras; com batatas, lembrava bacia. Quando
aumentada a profundidade, uma xícara passava Rosch, por sua vez, partiu dos achados de
à categoria de vaso, sem saber a partir de que Brent Berlin e Paul Kay (1969 apud Lakoff,
ponto deixou de ser xícara para se tornar vaso. 1987), que estudaram a categorização das cores
Logo, constatou-se que não há linha divisória em diferentes línguas (investigaram 98 línguas, 20
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com testes orais e consultas a gramáticas e três anos têm maior atração pelas cores focais
outros materiais escritos) e observaram que os do que pelas não focais; as crianças de quatro
termos básicos apresentavam algumas anos combinam as cores focais com mais precisão
regularidades: eram designados por um só para a amostra dada de outras cores, do que as
morfema, não se restringiam a um pequeno cores não focais;
número de objetos e eram de uso comum e
2 - as cores focais são mais precisamente
geral. Observaram, também, que os limites entre
lembradas pela memória de curto prazo e mais
as cores variam de língua para língua e que
facilmente retidas na memória de longo prazo;
podem ser percebidas pequenas regularidades
quando se trata de identificar o foco mais 3 - os nomes das cores focais são mais
representativo ou cor focal, que Rosch chamou rapidamente produzidos nos exercícios de
de protótipo. O sistema de cores foi chamado nomeação de cores e são adquiridos mais cedo
por ela de protótipo natural. pelas crianças.

O objetivo principal de Rosch foi descobrir A idéia de Rosch era que o status cognitivo
se as cores focais estavam enraizadas na poderia ser afirmado para cores focais se ele
linguagem ou na cognição lingüística. Para pudesse ser provado importante nos processos
eliminar a influência da categorização baseada na cognitivos envolvidos na categorização. Ao todo,
linguagem, essa psicóloga passou a examinar as cores focais parecem possuir uma saliência
informantes com pouco conhecimento de nomes cognitiva perceptual particular que é,
de cores: crianças da pré-escola de Nova Guiné, provavelmente, independente da linguagem.
detentoras de uma cultura não ocidental, a cultura Rosch, avançando um pouco mais seus
Dani. O resultado da pesquisa foi a seguinte: experimentos, pediu que as pessoas
1- cores focais são perceptualmente mais descrevessem as figuras abaixo para alguém que
salientes do que cores não focais; as crianças de não podia vê-las:
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Os informantes descreveram o primeiro pouco claras, como a diferença entre as cores


como um quadrado; o segundo, um quadrado vermelho e laranja. Rosch constatou que existe
com uma falha no lado direito; o terceiro, com um conjunto de características semânticas
uma brecha, etc. Quadrados e outras formas são objetivas para palavras individuais, partindo da
candidatos primordiais a protótipos naturais no consideração de atributos, semelhanças familiares
domínio das formas geométricas, tanto quanto as e formas. A Psicologia Cognitiva Experimental
cores focais no âmbito das cores. Ao usar o tipo veio em apoio a essas observações.
de teste como o das linhas, mostrado na figura
Na seqüência dos estudos de Rosch, surge
acima, Rosch tentou confirmar a noção de
uma dúvida sobre se a noção de protótipo pode
protótipo natural no domínio das formas.
ser estendida a entidades menos obviamente
Associados com as descobertas das primeiras
perceptuais do que as cores e as formas. Existem,
experiências em cor, estes resultados sugerem
assim, bons e maus exemplos de carros, cachorros
que os protótipos naturais têm função crucial nos
e casas? Para Rosch e seus informantes, existem.
vários estágios envolvidos na formação e
Aplicando o teste, desta vez a estudantes
aprendizagem de categorias.
universitários americanos, com uma escala de zero
Sabe-se que há no mundo uma variedade a sete pontos de excelência (um ponto para os
infinita de objetos com substâncias, formas e cores melhores e sete pontos para os exemplos mais
diferentes. Ainda assim, as pessoas conseguem pobres), foram testadas dez categorias: aves,
traduzir esta variedade com palavras de frutas, veículos, vegetais, esportes, ferramentas,
significado simples – mesmo no caso de distinções brinquedos, mobília, armas e vestimenta. A partir
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dessa série de experimentos, a autora chega à Assim, comparando os atributos


conclusão de que a maioria das categorias prototípicos de um pássaro representativo da
perceptuais (cores, formas e linhas) e não categoria, como o pintarroxo, temos: (1) põe
perceptuais (ave, fruta, veículo, mobília) não têm ovos; (2) tem bico; (3) tem duas asas e duas
fronteiras claramente definidas e são internamente pernas; (4) tem penas; (5) pode voar; (6)
altamente estruturadas. Para Rosch: pequeno e leve; (7) gorjeia e canta; (8) tem
“as categorias são compostas de um
pernas finas e curtas; (9) tem rabo curto; (10)
‘significado nuclear’ que consiste dos tem peito vermelho. Aplicadas essas categorias
‘casos mais claros’(melhores exemplos) a outros tipos de pássaro como pardal, canário
da categoria, ‘circundados’ por outros
membros de similaridade decrescente em
ou pombo, veremos que o último ultrapassa peso
relação ao significado nuclear” e tamanho, não canta nem gorjeia. O papagaio é
(1973:112). outro exemplo menos apropriado de pássaro: tem
Uma preocupação de Rosch foi provar que pernas mais fortes, é maior, tem rabo mais longo
as categorias são formadas em torno de do que o pintarroxo e não canta. E, se
protótipos, que funcionam como ponto de considerarmos o avestruz, este só compartilha de
referência. Através das pesquisas, essa autora e alguns dos atributos da categoria: põe ovos, tem
seus colaboradores objetivam empiricamente duas pernas e um tipo de bico. Então, pássaro é
demonstrar que existem membros ou instâncias uma categoria estruturada de tal maneira que
com ‘características’ especiais dentro da pintarroxo seria um dos membros mais centrais e
categoria. Em outras palavras, os membros da avestruz, um dos mais periféricos.
categoria não seriam igualmente representativos Rosch & Mervis (1975) também
da mesma; haveria assimetrias – ou efeitos investigaram as semelhanças de família no interior
prototípicos – entre eles. Desta maneira, uma de uma categoria ou entre categorias e a
certa instância seria tomada como o caso mais prototipicalidade de determinados membros.
central, o exemplo mais representativo da Essas experiências tinham dois objetivos:
categoria – o seu protótipo. O protótipo seria o demonstrar a posição de semelhança familiar e
melhor exemplar, assim julgado se possuísse as fornecer avaliação de tipicalidade baseada no
propriedades consideradas típicas da categoria. atributo. Atributos são afirmações que provêm
Em outras palavras, o protótipo seria o melhor informações sobre os membros de uma categoria.
exemplo típico. Assim, na categoria pássaro, são atributos amplos,
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aplicados a toda categoria:(1) põe ovos, (2) tem b - maus exemplos, ou seja, membros de
um bico, (3) tem duas asas e duas pernas, (4) categorias marginais compartilham somente um
tem penas. Já os atributos selecionados de pequeno número de atributos com outros
semelhança familiar são (5) pode voar, (6) é membros de suas categorias, e têm atributos que
pequeno e leve, (7) gorjeia, canta, (8) tem pernas pertencem a outras categorias; porém, se o
finas e curtas, (9) é mantido em gaiolas, (10) é usuário da língua tiver pouco conhecimento
criado para o uso de sua carne, ovos e penas, enciclopédico para decidir, por exemplo, se
(11) tem pescoço longo, (12) tem penas pingüim põe ou não ovos, ou se ele é ou não um
decorativas, (13) tem cores exóticas. Desta pássaro, este será, para o usuário, um membro
forma, o avestruz é um pássaro não somente duvidoso da categoria de pássaro.
porque tem penas e põe ovos como um pintarroxo,
Rosch e Mervis (1975) também fizeram
mas porque tem o pescoço longo como um
importantes investigações sobre as categorias de
flamingo e penas decorativas como um pavão.
nível básico. Para elas este é “um nível de
Pode-se resumir a estrutura de atributos abstração em que objetos concretos do mundo
de categorias prototípicas da seguinte forma: se dividem mais naturalmente em categorias”
(ibid:586). É no nível básico de categorização que
a - membros prototípicos de categorias
as pessoas conceptualizam coisas como
cognitivas têm o maior número de atributos em
gelstalten perceptuais e funcionais. Rosch
comum com outros membros da categoria;
observou que o nível psicologicamente mais
número menor de atributos também ocorre com
básico está no meio da taxinomia hierárquica:
membros de categorias vizinhas;

SOBREORDENADO ANIMAL MOBÍLIA

NÍVEL BÁSICO CACHORRO CADEIRA

SUBORDINADO CÃO DE CAÇA CADERIA DE BALANÇO


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É neste nível que as categorias apresentam diferenciariam as laranjas natal de outras


características marcantes. Este é o nível mais laranjas.
inclusivo de categoria em que as formas dos
No entanto, Murphy (1982 apud Lakoff,
objetos são parecidas e, conseqüentemente, mais
facilmente reconhecidas; é também o nível 1987) observou que o indício de validade para
privilegiado no desenvolvimento lingüístico: o uma categoria sobreordenada é sempre maior ou
primeiro a ser nomeado, aprendido e a entrar no igual àquele do nível básico e que a maioria dos
léxico da língua. Neste nível uma única imagem atributos não estão diretamente ligados às
mental pode refletir a categoria inteira. Seu caráter categorias sobreordenadas na memória. Isto seria
gestáltico garante o status de estrutura verdadeiro, para Lakoff, ao considerar que é no
diretamente significativa, na visão semântica nível básico que grande parte do conhecimento é
experiencialista. organizado. Entretanto, seria necessária uma
definição psicológica de atributo, não uma noção
Rosch fez uso de categorias contrastantes de atributos como algo existente objetivamente
para produzir o que foi chamado de Teoria dos no mundo. Indícios de validade de categorias
Protótipos e Categorias do Nível Básico. No nível definidos por atributos psicológicos podem se
básico, as categorias são maximamente distintas,
correlacionar com a categorização de nível
isto é, maximizam as similaridades percebidas
básico. Logo, conclui-se que categorias de nível
entre os membros das categorias e minimizam as
básico são bastante diferenciadas para as pessoas,
percebidas entre categorias contrastantes. Uma
principalmente porque o conhecimento é
tentativa de capturar esta intuição foi realizada
organizado neste nível.
através de uma medida quantitativa, denominada
de indício de validade de categorias. O indício O trabalho de Rosch sobre a categorização
de validade é a probabilidade condicional de um pode ser divido em três fases:
objeto estar em determinada categoria, se
possuir certas características. Assim, os mais altos 1ª Fase (final da década de 60 ao início
indícios de validade de uma taxinomia hierárquica da década de 70): definiam-se os protótipos em
devem ocorrer no nível básico. Uma categoria termos de (a) saliência perceptual; (b)
como laranja natal deve ter baixo indício de memorização: quais as coisas que são mais
validade, porque a maioria dos atributos de facilmente lembradas; (c) estímulo de
laranja natal seria compartilhado com outros generalização: habilidade para relacionar alguma
tipos de laranjas e somente poucos atributos coisa a outra que lhe é fisicamente similar.
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2ª Fase (início à metade da década de 70): verdade, mostraram que a categoria pássaro tem
consideração da possibilidade de os efeitos fronteiras nítidas e que todos os membros a
prototípicos poderem fornecer uma integram cem por cento. A categoria precisaria
caracterização da estrutura interna da categoria. ter uma estrutura interna que produzisse a
A classificação como melhor exemplo pode avaliação de qualidade; além disso, estrutura
refletir a estrutura interna da categoria na interna deveria ser parte do nosso conceito do
representação mental, diretamente. Em outras que um pássaro é.
palavras, os efeitos prototípicos, nesta fase,
Assumindo também a conclusão de Rosch,
estariam sendo interpretados como revelando,
na terceira fase, de que a prototipicalidade teria
diretamente, algo sobre a natureza da
fontes que não poderiam ser determinadas a partir
categorização humana.
dos fatos observados, Lakoff atenta para o fato
3ª Fase (final da década de 70): os efeitos de que os efeitos prototípicos são superficiais.
prototípicos teriam fontes não determinadas. Os Podem ser o resultado de muitos fatores. Numa
efeitos limitariam as possibilidades do que uma categoria como pássaro, que tem fronteiras
representação poderia ser, mas não haveria rígidas, podem resultar de algum aspecto da
correspondência um-a-um entre os efeitos e as estrutura interna da categoria; desta forma,
representações mentais. resultariam da natureza dos modelos cognitivos.
Porém, uma categoria gradual, como homem
Hoje, as etapas consecutivas das
alto, é vaga e não tem fronteiras rígidas; aí, os
experiências sobre a noção de cores focais
efeitos prototípicos podem resultar da gradação
aparecem como o modelo de protótipo de
existente entre os membros da categoria.
categorização mais importante. Muitos resultados
das pesquisas de Lakoff (1987) ainda são Explicando de outra forma, objetos
interpretados de acordo com a segunda fase dos concretos como livros, cadernos, carros e casas
estudos de Rosch. O exemplo dado por Lakoff, são claramente delimitados e parece não existir
envolvendo as pesquisas sobre os efeitos dificuldade em identificá-los e classificá-los. Mas
prototípicos, também foi na categoria pássaro. não é fácil nomear, classificar e identificar outros
Durante a segunda fase, as pesquisas foram tipos de entidades como, por exemplo, partes
interpretadas como se os membros menos do organismo como o joelho, tornozelos e pés
representativos fossem menos pássaro que os dos seres humanos e animais, ou tronco de
outros. Porém, as avaliações de Rosch, na árvores. A dúvida aparece quando se afirma que
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a rótula pertence ao joelho e o tronco da árvore questões semânticas tendo como ponto de partida
é a parte que cresce para fora do chão. Então, o processo da categorização. Assim, a questão
onde termina o joelho e onde começa a coxa e do significado das expressões lingüísticas vincula-
onde termina o tronco e começa o galho? A neve, se à natureza da categorização humana, é
a chuva e a garoa, parecem também não ter limite entendida, empiricamente, a partir da ótica da
definido entre elas. Quando a garoa deixa de ser prototipicalidade. E mais: passa a depender de
garoa e passa a ser chuva, a chuva névoa e a uma teoria dos modelos cognitivos.
névoa neblina? Onde começa e onde termina cada
Partindo desse enfoque, o autor constrói a
um desses fenômenos tem sido tema de constante teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados
discussão que fez surgir várias teorias entre (MCIs). Afirma (1987) que são quatro as fontes
lingüistas e filósofos interessados no de sua teoria dos Modelos Cognitivos: a) a
relacionamento entre o significado das palavras Semântica de Frame de Fillmore; b) a Teoria da
e a realidade extra-lingüística. Porém, deve-se Metáfora e Metonímia, de Lakoff & Johnson; c)
ter cuidado para não confundir os tipos diferentes a Gramática, de Langacker e d) a Teoria dos
de limites ou fronteiras. O tipo de incerteza que Espaços Mentais, de Fauconnier.
ocorre com os termos joelho, névoa, bem como
com a categoria gradual homem alto é de A Teoria dos MCIs congrega basicamente
vagueza. Mas o tipo de incerteza proposta pelo idéias dessas quatro fontes, todas elas situadas
filósofo Max Black em seu imaginário museu de no domínio da lingüística cognitiva. Esta teoria é
cadeiras, em que cada espécie apresentava o cerne da Semântica Cognitiva Prototípica de
diferença mínima notável em comparação com Lakoff, que destaca quatro tipos de modelos: os
as outras é a transição difusa, ou fuzzy. No museu de esquemas de imagens que atuam nos
as cadeiras não são as entidades que se unem domínios físicos e não físicos ou abstratos mais
umas com as outras, mas sim as categorias das objetivamente estruturados pela percepção; os
proposicionais; os metonímicos e, finalmente,
entidades é que são produtos da classificação
os metafóricos, que precisam fazer intervir os
cognitiva, da mesma forma que os efeitos
mecanismos imaginativos da razão. O problema
prototípicos da categoria pássaro, citada
da estruturação das categorias é resolvido, então,
anteriormente.
mediante a postulação da existência destes
Lakoff (1987), por sua vez, cria a Teoria modelos cognitivos idealizados (ICMs), que são
Prototípica, que é o ponto modal de ligação entre a fonte da constituição das categorias e dos efeitos
a Psicologia Cognitiva e a Lingüística: trata das prototípicos.
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Os ICMs são estruturas conceituais cognitivo que determinará se Maria pertence ou


complexas que organizam o nosso conhecimento não à categoria solteiro. Da mesma forma,
geral sobre o mundo. Não são, entretanto, excluirá o Papa, os padres católicos, os
representação interna da realidade exterior, pois homossexuais e as pessoas que vivem juntas há
são construtos oriundos da interação do indivíduo anos, sem estarem casadas, de exemplos típicos
com seu meio ambiente, muitas vezes construídos da categoria solteiro, pois o sentido da palavra
com o auxílio de mecanismos imaginativos, via solteiro é uma esquematização (categoria válida)
corporalidade, como a metáfora e a metonímia. do que se passa no mundo e, portanto, é
São modelos idealizados porque são estruturados determinada por uma categoria de homens e
a partir de uma seleção de estímulos (crenças, mulheres adultos não-casados.
valores, objetivo, bio-sócio-culturais que orientam
A teoria dos Protótipos continua sendo
o raciocínio do indivíduo e o seu agir social),
desenvolvida por Kleiber (1990). Sua versão
origem da simplificação da estruturação
mais recente se denomina Versão Estendida. Nela
conceptual que está sendo categorizada. O
o protótipo organiza-se a partir de um centro e
caráter idealizado dos MCIs tem duas
de uma periferia. A categoria é constituída por
conseqüências: (a) permite que nem sempre os
uma série de traços (não necessários nem
modelos se ajustem ao mundo com perfeição e
suficientes) dispersos na forma de semelhança de
(b) permite que os modelos forneçam maneiras
família, entre os diferentes membros de uma
contraditórias de entender um mesmo domínio
categoria. Para Kleiber, não é bom explicar a
da experiência.
origem do protótipo em termos de familiaridade,
Segundo esta teoria de Lakoff, se um ainda que o protótipo seja considerado o
indivíduo tiver que decidir se Maria é ou não exemplar mais familiar. Assim, se a familiaridade
solteira, deve realizar uma combinação da estivesse diretamente relacionada à origem da
estrutura determinada pelo Modelo Cognitivo noção de melhor exemplar, pintinho seria um
Idealizado e o conhecimento específico que tiver exemplar de pássaro, melhor do que águia. No
de Maria. A categoria solteiro é definida entanto, o inverso é que é verdadeiro na escala
tomando-se como condições de referência uma de prototipicalidade, pois a hipótese de
sociedade humana em que há expectativas, ou familiariadade contradiz a idéia de semelhança de
seja, um conjunto de valores sociais, sobre o família. Desta forma, Kleiber adota a noção de
casamento e a idade considerada adequada para ‘tipicidade’. Por essa hipótese, o protótipo se
casar. Portanto, o falante usará um processo redefine como o exemplar que resume as
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propriedades salientes da categoria, passando a a - o protótipo é reduzido a um fenômeno


ser um exemplo desta e uma construção abstrata superficial;
resultante de operações cognitivas. O caso do
b - existem diferentes efeitos prototípicos
termo pintinho se resolve, pois, embora seja mais
segundo o modelo de categoria que lhes dá origem;
familiar do que o nome águia, é um exemplar
menos adequado; a águia tem melhores c - mesmo sendo concebido como efeito,
características típicas da categoria pássaro. o protótipo deixa de ser o exemplar reconhecido
pelos sujeitos como o mais representativo.
A Versão Estendida é uma ruptura da
Versão Padrão. Entretanto, a idéia de protótipo Kleiber adota a concepção abstrata de
não é abandonada; se fosse, toda a semântica protótipo, entendendo-a como uma combinação
do protótipo estaria comprometida. O protótipo de atributos ou propriedades típicas de uma
continua sendo o melhor exemplar de uma categoria, sem necessidade de ser comparada a
categoria, sem uma origem única e sem o estatuto um exemplar para ser pertinente, ou seja, o
de entidade fundadora da estrutura categorial. protótipo é como um objeto mental, esquema ou
A idéia de que seria representação de um imagem cognitiva associado à palavra que se
conceito e que serviria para representar uma caracteriza e passa a ser visto como efeito da
categoria é abandonada. Ao refutar a idéia do estrutura da categoria, podendo variar de acordo
protótipo como entidade organizadora da com o tipo de estrutura.
categoria, afasta-se, também, o poder de
explicar a vinculação de entidades a uma Dois fatos dão base a este posicionamento.
categoria. Não se pode explicar a categorização O primeiro é a existência de mais de um protótipo-
de um X a partir da comparação com o exemplo (exemplo real) possível para a mesma
protótipo de X; logo, a tese de que a vinculação categoria. Por exemplo, maçã, banana e laranja
se realiza com base no grau de similaridade com podem ser consideradas exemplos prototípicos
o protótipo, é abandonada. A semelhança de de fruta e sabiá, pardal e andorinha como
família é conservada, ou seja, os membros de protótipos de pássaro. O segundo é que, se sabiá
uma categoria podem se relacionar uns com os fosse considerado como protótipo da categoria
outros sem que tenham propriedades comuns. pássaro, seu conceito atinge, entre outros, traços
A nova situação dos protótipos pode ser como [cantar] e [marrom escuro] que são
resumida em itens: pertinentes a este pássaro, mas não para a
categoria pássaro.
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O protótipo como representante dos mantêm diferentes relações de sentido entre si.
conceitos das categorias e como estruturador Esta versão se assenta na hipótese de que o
da categoria desaparece. A relação que une os sentido ou sentidos de um item lexical se
diferentes membros de uma mesma categoria é organiza em termos de semelhanças de família
o de semelhança de família. O processo de entre os referentes, agrupados em sub-categorias
categorização se faz pelos elos de associação semânticas.
entre as diferentes instâncias. Na Versão
Para Kleiber, os diferentes sentidos de um
Estendida essas mudanças acarretam a
mesmo item lexical não são classificados sob a
passagem de uma concepção monorreferencial
mesma etiqueta denominativa ao acaso. Há elos
para uma concepção multirreferencial. Ao fixar
entre os diferentes sentidos. Este modelo,
o protótipo como a base do emparelhamento
porém, possui um fraco poder explicativo
referencial, a versão padrão faz com que todos
porque o único argumento usado é que os
os membros da categoria devam ter um traço
sentidos lexicais não podem ter uma distribuição
em comum. Porém, na Versão Estendida, a
arbitrária entre os sentidos não relacionados;
semelhança de família permite que uma categoria
seja formada por tipos de referentes ou falta-lhe produzir um controle sobre a maneira
subcategorias distintas, relacionadas de tal forma como as cadeias de sentido se combinam e em
que um deles pode não ter nada em comum com que direção o fazem.
o outro, como na organização AB, BC, CD, Todas as teorias de categorização têm
DE, em que o último nada tem em comum com relação com diferentes domínios, como a
o primeiro. filosofia da mente, a antropologia cognitiva, a
Dessa forma, ao ser reforçada pela teoria psicologia, a sociologia, a biologia, a lógica,
de semelhança de família, a Versão Estendida entre outros. Podem, por isso, apresentar
pode ser aplicada às categorias não- algumas características problemáticas.
homogêneas, referencialmente, que agrupam Entretanto, entender como acontece o processo
diferentes subcategorias que não têm nada em de categorização é, de certa forma, essencial
comum a não ser as relações de semelhança. para se elucidar a questão das escolhas
Segundo Moura (1999), na Versão Estendida, lingüísticas que os indivíduos fazem na
o significado de um item lexical se organiza construção do discurso.
polissemicamente entre vários significados que
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