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escola, para dar tempo completo ao trabalho; e só muito mais tarde, com mais de
17 anos, quando podia tomar a decisão por mim mesmo, voltaria aos bancos
escolares. (…) Porém, o submundo dentro do qual circulava, engraxates,
entregadores de carne, aprendizes de barbeiro ou de alfaiate, balconistas de
padaria, copeiros, garçons, ajudantes de cozinheiro, etc., fechava-se dentro de um
círculo pobre. Os seus componentes não acompanhavam com ardor os conflitos
operários e com frequência formavam a própria opinião através das pessoas a
quem serviam ou de jornais sensacionalistas. Uma criança ou um adolescente,
dentro deste submundo, já faz muito quando enfrenta a pressão negativa contra a
curiosidade intelectual. Quando decidi fazer o curso de madureza, por exemplo,
enfrentei a resistência rústica de minha mãe, que achava que eu iria ‘ficar com
vergonha dela’ se estudasse; muito pior era a incompreensão e chacota dos
colegas, que ridicularizavam minha propensão pelas leituras e meu apego aos
livros, dizendo que ia acabar ‘com o miolo mole’ de tanto ler; praticamente
incitavam a não deixar de ser como eles e a cultivar a ignorância como uma virtude
ou a servidão como um estado natural do homem.”
[Florestan Fernandes. A Sociologia no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1976, pp. 146-
147.]