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Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará – AESP|CE

Curso de Formação Profissional Para Ingresso nos Cargos de Médico Perito Legista 1ª Classe, Perito Legista 1ª Classe,
Perito Criminal 1ª Classe e Auxiliar de Perícia 1ª Classe da Perícia Forense do Estado do Ceará - PEFOCE
DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

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Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará – AESP|CE
Curso de Formação Profissional Para Ingresso nos Cargos de Médico Perito Legista 1ª Classe, Perito Legista 1ª Classe,
Perito Criminal 1ª Classe e Auxiliar de Perícia 1ª Classe da Perícia Forense do Estado do Ceará - PEFOCE
DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL - SSPDS

DELCI Carlos TEIXEIRA


SECRETÁRIO DA SSPDS

PERÍCIA FORENSE DO CEARÁ

MAXIMIANO Leite Barbosa Chaves


PERITO GERAL DA PERÍCIA FORENSE DO ESTADO DO CEARÁ

ACADEMIA ESTADUAL DE SEGURANÇA PÚBLICA DO CEARÁ – AESP|CE

José Herlínio DUTRA – Cel PM


DIRETOR-GERAL DA AESP|CE

ELIANA Maria Torres Gondim - DPC


SECRETÁRIA EXECUTIVA DA AESP|CE

DOUGLAS Afonso Rodrigues da Silva – Ten Cel PM


COORDENADOR GERAL DE ENSINO DA AESP|CE

NEYLA Adriano de Santana


ORIENTADORA DA CÉLULA DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA DA AESP|CE

CURSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA INGRESSO NOS CARGOS DE MÉDICO PERITO LEGISTA 1ª CLASSE,
PERITO LEGISTA 1ª CLASSE, PERITO CRIMINAL 1ª CLASSE E AUXILIAR DE PERÍCIA 1ª CLASSE DA PERÍCIA FORENSE
DO ESTADO DO CEARÁ - PEFOCE

DISCIPLINA
DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

CONTEUDISTA
Ricardo Romagnoli Do Vale

FORMATAÇÃO
JOELSON Pimentel da Silva – Sd PM

• 2015 •

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Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará – AESP|CE
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DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

SUMÁRIO

1. TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS .....................................................................................4


1.1 Características dos Direitos Humanos ................................................................................................................4
1.1.1 Historicidade ...............................................................................................................................................4
1.1.2 Universalidade.............................................................................................................................................4
1.1.3 Ineuxaribilidade ..........................................................................................................................................4
1.1.4 Essencialidade .............................................................................................................................................5
1.1.5 Imprescritibilidade ......................................................................................................................................5
1.1.6 Inalienabilidade ...........................................................................................................................................5
1.1.7 Irrenunciabilidade .......................................................................................................................................5
1.1.8 Inviolabilidade .............................................................................................................................................5
1.1.9 Efetividade...................................................................................................................................................5
1.1.10 Limitabilidade............................................................................................................................................5
1.1.11 Complementaridade .................................................................................................................................5
1.1.12 Concorrência .............................................................................................................................................5
1.1.13 Vedação do Retrocesso .............................................................................................................................5
2. SENTIDO E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ....................................................................................................5
2.1 A Pessoa Humana e Seus Direitos ......................................................................................................................6
2.2 As Grandes Etapas Históricas na Afirmação dos Direitos Humanos ...................................................................6
2.3 A Independência Americana e a Revolução Francesa ........................................................................................7
2.4 O Reconhecimento dos Direitos Humanos de Caráter Econômico e Social .......................................................7
2.6 Posição dos Direitos Humanos no Sistema Normativo ......................................................................................8
3. DOCUMENTOS NORMATIVOS SOBRE DIREITOS HUMANOS .....................................................................................9
3.1 Magna Carta – 1215 ...........................................................................................................................................9
3.2 Lei de Habeas Corpus - Inglaterra 1679............................................................................................................10
3.3 Declaração de Direitos (Bill Off Rights) - Inglaterra, 1689 ................................................................................11
3.4 A Declaração de Independência e a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte..........................11
3.4.1 A Declaração de Independência dos Estados Unidos................................................................................11
3.4.2 As Declarações de Direitos Norte-Americanas .........................................................................................11
3.5 As Declarações de Direitos da Revolução Francesa ..........................................................................................12
4. OUTROS DOCUMENTOS HISTÓRICOS DE GRANDE RELEVÂNCIA ............................................................................13
4.1 A Constituição Mexicana de 1917 ....................................................................................................................13
4.2 A Carta das Nações Unidas ...............................................................................................................................13
4.3 A Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948 .....................................................................................13
4.4 Os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966 ..................................................................................14
4.5 A Convenção Americana de Direitos Humanos – 1969 ....................................................................................14
4.6 O Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998 ........................................................................................14
5. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS..................................................................................15
5.1 Direitos Fundamentais de Primeira Geração/Dimensão ..................................................................................15
5.2 Direitos Fundamentais de Segunda Geração/Dimensão ..................................................................................15
5.3 Direitos Fundamentais de Terceira Geração/Dimensão: ..................................................................................15
5.4 Direitos Fundamentais de Quarta Geração/Dimensão ....................................................................................15
5.5 Direitos Fundamentais de Quinta Geração/Dimensão.....................................................................................16
6. DIREITOS HUMANOS APLICADOS À ATUAÇÃO POLICIAL ........................................................................................16
7. CIDADANIA ..............................................................................................................................................................18
8. DIREITOS HUMANOS E A PERÍCIA FORENSE ..........................................................................................................19
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................................................................22

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DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

1. TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

O que são direitos humanos? Como os direitos humanos podem influir positivamente na vida das
pessoas?
Indagações dessa natureza permeiam os pensamentos daqueles que trabalham diretamente com esse
tema, sejam policiais, sejam integrantes da Perícia Forense, ou demais profissionais de segurança pública.
Essencialmente, direitos humanos são as garantias necessárias à manutenção da vida digna, são os
direitos do homem, aqueles que visam resguardar os valores mais preciosos da pessoa humana. Esse simples
conceito, por si só, é capaz de direcionar ao entendimento da imensurável relevância do tema.
Sabe-se que a origem dos direitos humanos remonta ao cristianismo, e a alguns de seus ensinamentos1.
“O cristianismo retoma e aprofunda o ensinamento judaico e grego, procurando aclimatar no mundo, através da
evangelização, a ideia de que cada pessoa humana tem um valor absoluto no plano espiritual, pois Jesus chamou a
todos para salvação”.
Com isso, estariam identificados os primeiros passos para a formação do pensamento do que seria a
igualdade, pois, nesse chamamento, Jesus Cristo não faz qualquer distinção entre povos, origens e etnias.
Após, começam a surgir as peculiaridades de cada época, que influíram ativamente na determinação
desses direitos que, a cada dia, ganham força e espaço no ordenamento jurídico mundial. Abaixo, estudaremos, de
forma sintética, alguns pontos da evolução histórica desses direitos.
Todavia, não é prematura a assertiva de que as várias fontes de produção e criação dos direitos humanos
se apresentam e têm um traço em comum: a imperiosa necessidade de limitação e controle do Estado e a
consequente consagração do primado da legalidade e da igualdade.
Dessa ideia, surge a noção de DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, que é um valor espiritual inerente ao
próprio homem, e que tem como ponto fulcral a liberdade de decisão.
Assim, inclusive, já decidiu o Supremo Tribunal Federal2 que “ a dignidade da pessoa humana é princípio
central do sistema jurídico, sendo significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira
todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos
em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito
constitucional positivo”.
Neste diapasão, asseveramos que a dignidade da pessoa humana é o fundamento, o grande alicerce dos
direitos humanos. Ademais, cumpre mencionar que , segundo a Declaração Universal, os direitos humanos
derivam de três princípios fundamentais, quais sejam, o da inviolabilidade da pessoa humana, no sentido de que o
ser humano não é descartável, o da autonomia da pessoa, que reflete seu livre-arbítrio, e o da própria dignidade
da pessoa humana.

1.1 Características dos Direitos Humanos

São inúmeras as características dos direitos humanos, variando em número e gênero de autor para
autor. Contudo, para fins meramente didáticos, foi selecionado um rol, exemplificativo, de características que
gozam de alto grau de aceitação entre a maioria da doutrina. São elas:

1.1.1 Historicidade: os direitos fundamentais apresentam natureza histórica, advindo do Cristianismo,


superando diversas revoluções;

1.1.2 Universalidade: alcançam a todos os seres humanos indistintamente (Sistema Global de Direitos
Humanos);

1.1.3 Ineuxaribilidade: são inesgotáveis no sentido de que podem sempre,e a qualquer tempo, ser
expandidos e ampliados; (v. art. 5º, §2º, CF/88);

1
Epístola aos Romanos, 10,12- Lafer, 1991:119)
2
HC 85.988/PA(MC), rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j.7-6-2005. DJU, 10-6-2005

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FUNDAMENTOS DE SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA

1.1.4 Essencialidade: são inerentes ao ser humano, tendo por base os valores supremos do homem e
sua dignidade, assumindo posição normativa de destaque, tanto no ordenamento global, quando no interno;

1.1.5 Imprescritibilidade: não se perdem com o passar do tempo;

1.1.6 Inalienabilidade: não há possibilidade de serem transferidos a outrem, sob qualquer título;

1.1.7 Irrenunciabilidade: não se pode abrir mão da própria natureza de ser humano, por isso são
irrenunciáveis;

1.1.8 Inviolabilidade: não podem ser violados por leis infraconstitucionais nem por atos administrativos
de agentes do Poder Público, sob pena de responsabilidade civil, penal e administrativa;

1.1.9 Efetividade: o Estado deve criar mecanismos coercitivos para a completa efetivação dos direitos
humanos;

1.1.10 Limitabilidade: não são absolutos, pois sofrem restrições, a exemplos dos casos de momentos de
crise constitucional (estado de sítio) e em face de interesses ou direitos que, confrontados, sejam, sob a ótica da
aplicação do princípio da ponderação de interesses, mais importantes naquele momento e para aquele caso;

1.1.11 Complementaridade: devem ser observados de forma conjunta e interativa com as demais
normas, princípios e objetivos estatuídos pelo constituinte;

1.1.12 Concorrência: podem ser exercidos de forma acumulada, quando, por exemplo, um jornalista
emite uma opinião ao transmitir uma notícia (liberdade de informação, comunicação e opinião);

1.1.13 Vedação do Retrocesso: jamais podem ser diminuídos ou reduzidos no seu aspecto de proteção
(o Estado não pode proteger menos do que já vem protegendo).

Dentre as teorias que justificam o fundamento dos direitos humanos, as que mais se destacam são a
jusnaturalista, segundo a qual se inscreve os direitos humanos em uma ordem suprema, imutável, não se tratando
de obra humana; a positivista, que diz que os direitos humanos são criação normativa, na medida em que é
legítima manifestação da soberania do povo e, enfim, a moralista, que acredita que o fundamento dos direitos
humanos se encontra na consciência moral do povo.
Sobre este assunto, anota Alexandre de Morais3: “:...as teorias se completam, devendo coexistir, pois
somente a partir da formação de uma consciência social (teoria de Perelman), baseada principalmente em valores
fixados na crença de uma ordem superior, universal e imutável (teoria jusnaturalista), é que o legislador ou os
tribunais encontram substrato político e social para reconhecerem a existência de determinados direitos
humanos fundamentais como integrantes do ordenamento jurídico (teoria positivista)”.
Diante do exposto, percebe-se que há inúmeras formas de se conceituar Direitos Humanos. Uma delas, é
o de que são um conjunto de prerrogativas e garantias inerentes ao homem, cuja finalidade básica é o respeito à
sua dignidade, tutelando-o contra excessos do Estado, estabelecendo, assim, um mínimo de condições dignas de
vida.

2. SENTIDO E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

É necessário observar a revelação que nos traz este estudo no sentido de que todos os seres humanos,
apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como
únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de
que nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação pode afirmar-se superior aos demais.
Trata-se, assim, de uma radical igualdade.

3
MORAIS, Alexandre de;Direitos humanos fundamentais, São Paulo:Atlas, 1997,p.35

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FUNDAMENTOS DE SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA

Para se adentrar no tema de forma mais perfunctória, mister analisar as respostas oferecidas pelos
campos da religião, da filosofia e da ciência acerca de quê consiste a dignidade da pessoa humana.
A justificativa religiosa surgiu com a afirmação da fé monoteísta, consistente na ideia da criação do
mundo por um Deus único e transcendente. Os Deuses antigos seriam como super-homens, e eram passíveis das
mesmas paixões e defeitos do ser humano. Já Iahweh é o criador de tudo o que existe, anterior e superior ao
mundo.
Diante dessa transcendência divina, os dias do homem “são como a relva; ele floresce como a flor do
campo, roça-lhe um vento e já desaparece, e ninguém mais reconhece seu lugar” (Salmo 103). No entanto, o
homem ocupa uma posição de proeminência na ordem da criação, uma vez que Deus lhe deu poder sobre “os
peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra”
(Gênesis 1, 26).
Após, coloca-se nova justificativa para a eminente posição do homem no mundo, desta feita levando-se
em consideração a afirmação da natureza essencialmente racional do ser humano, expressada pela voz de poetas
e filósofos, notadamente, filhos da sabedoria grega.
Na verdade, a indagação central de toda a filosofia é “Que é o homem”?
A justificativa científica da dignidade humana sobreveio com a descoberta do processo de evolução dos
seres vivos.
Para a sabedoria antiga, a geração do mundo não tem apenas um sentido ontológico, com o nascimento
dos diversos entes que o povoam. Ela exprime, antes, um sentido axiológico, com a organização de uma escala
universal de valores, que vai, aos poucos, se explicitando.

2.1 A Pessoa Humana e Seus Direitos

Foi durante o período axial da História que despontou a ideia de uma igualdade essencial entre todos os
homens. Mas foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional, a englobar a
quase totalidade dos povos da Terra, proclamasse, na abertura de uma Declaração Universal de Direitos Humanos,
que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
É de observar-se que é a igualdade de essência da pessoa que forma o núcleo do conceito universal de
direitos humanos.
Assim como bem explicado por Kant, o ser humano existe como um fim em si mesmo, e não com um
meio do qual esta ou aquela vontade possa se servir a seu talante.
Ora, a dignidade da pessoa resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só ela vive em
condições de autonomia, isto é, em condições de ser capaz de se guiar pelas leis por ela própria editas.
Daí decorre que todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas têm.
Isso implica, sob uma ótica mais moderna, não só o dever negativo de não prejudicar ninguém, mas
também aquele positivo de obrar no sentido de favorecer a felicidade alheia .
Ademais, o homem é o único ser, no mundo, dotado de vontade, isto é, da capacidade de agir
livremente, sem ser conduzido pela inelutabilidade do instinto.

“Conheço bem o homem, diz Deus,


Fui eu que o fiz. É um ser curioso,
Porque nele atua a liberdade, que é o mistério dos mistérios”...

2.2 As Grandes Etapas Históricas na Afirmação dos Direitos Humanos

Na história moderna, o movimento de unificação da humanidade tem sido impulsionado, de um lado,


pelas invenções técnico-científicas e, de outro lado, pela afirmação dos direitos humanos. São os dois grandes
fatores de solidariedade humana, um de ordem técnica, transformador dos meios ou instrumentos de
convivência, mas indiferente aos fins, traduzido pelos efeitos da globalização; o outro de natureza ética,
procurando submeter a vida social ao valor supremo da justiça, na tentativa de estabelecer bases para a
construção de uma cidadania mundial.

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FUNDAMENTOS DE SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA

Ambas são complementares e indispensáveis para que o movimento de unificação da humanidade não
sofra interrupção ou desvio. A concentração do gênero humano sobre si mesmo, como resultado da evolução
tecnológica no limitado espaço terrestre, se não for completada pela harmonização ética, fundada nos direitos
humanos, tende à desagregação social, em razão da fatal prevalência dos mais fortes sobre os mais fracos.
Por sua vez, sem a contribuição constante do progresso técnico, não se criam as condições materiais
indispensáveis ao fortalecimento universal da comunhão humana: os diferentes grupos sociais permanecem
distantes uns dos outros, desenvolvendo mais os fermentos da divisão do que os laços de colaboração mútua.
É de verificar-se, ainda, que a solidariedade humana atua em três dimensões: dentro de cada grupo
social, no relacionamento externo entre grupos, povos e nações, bem como entre as sucessivas gerações na
História. Montesquieu, já na primeira metade do século XVIII, bem marcou seu sentido ético, ao dizer:

“Se eu soubesse de algo que fosse útil a mim, mas prejudicial à minha família, eu o rejeitaria de meu espírito.
Se soubesse de algo útil à minha família, mas não à minha pátria, procuraria esquecê-lo. Se soubesse de algo
útil à minha pátria, mas prejudicial à Europa, ou então útil à Europa, mas prejudicial ao Gênero Humano,
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consideraria isto como um crime.”

A eclosão da consciência histórica dos direitos humanos só se deu após um longo trabalho preparatório,
centrado em torno da limitação do poder político. O reconhecimento de que as instituições de governos devem
ser utilizadas para o serviço dos governados e não para o benefício pessoal dos governantes foi um primeiro passo
decisivo na admissão da existência de direitos que, inerentes à própria condição humana, devem ser reconhecidos
a todos e não podem ser havidos como mera concessão dos que exercem o poder.
Cumpre ressaltar que no embrião dos direitos humanos, na Baixa Idade Média, despontou, antes de
tudo, o valor da liberdade. Não, contudo, a liberdade geral em benefício de todos, sem distinções de condição
social, o que viria posteriormente, mas sim liberdades específicas em favor, notadamente, dos estamentos
superiores da sociedade – o clero e a nobreza-, com algumas concessões em benefício do “Terceiro Estado”, o
povo.

2.3 A Independência Americana e a Revolução Francesa

O artigo I da Declaração do povo de Virgínia, em 16 de junho de 1776, constitui o registro de nascimento


dos direitos humanos na História.
É o reconhecimento solene de que todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria
natureza, ao aperfeiçoamento constante de si mesmos.
Treze anos mais tarde, surge a mesma ideia de liberdade e igualdade no ato de abertura da Revolução
Francesa “...os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos...”.

“... todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos
direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, privar
ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e
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possuir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a felicidade e a segurança”.

2.4 O Reconhecimento dos Direitos Humanos de Caráter Econômico e Social6

As declarações de direitos norte-americanos, juntamente com a Declaração francesa de 1789,


representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu:
a família, o clã, o estamento, as organizações religiosas.
É preciso reconhecer que o terreno, nesse campo, fora preparado mais de dois séculos antes, de um lado
pela reforma protestante, que enfatizou a importância decisiva da consciência individual em matéria de moral e
religião; de outro lado, pela cultura da personalidade de exceção, do herói que forja sozinho o seu próprio destino
e os destinos de seu povo, como se viu, sobretudo, na Itália renascentista.

4
MesPensées, em OeuvresCompètes, Paris,Gallimard, v. 1, p.981
5
Artigo I da Declaração de 16 de junho de 1776
6
Komparato, Fábio Conder,, A afirmação histórica dos direitos humanos, 7ª Ed, 2010 , p. 65

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Mas, em contrapartida a essa ascensão do indivíduo na História, a perda da proteção familiar,


estamental ou religiosa, tornou-o muito mais vulnerável às vicissitudes da vida. A sociedade liberal ofereceu-lhe,
em troca, a segurança da legalidade, como a garantia da igualdade de todos perante a lei. Mas essa isonomia cedo
revelou-se uma pomposa inutilidade para a legião crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem nas
empresas capitalistas.
Patrões e operários eram considerados, pela majestade da lei, como contratantes perfeitamente iguais
em direitos, com inteira liberdade para estipular os salários e as demais condições de trabalho. Fora da relação de
emprego assalariado, a lei assegurava imparcialmente a todos, ricos e pobres, jovens e anciãos, homens e
mulheres, a possibilidade jurídica de prover livremente a sua subsistência e enfrentar as adversidades da vida,
mediante um comportamento disciplinado e o hábito da poupança.
O resultado dessa atomização social, como não poderia deixar de ser, foi a brutal pauperização das
massas proletárias, já na primeira metade do século XIX. Ela acabou, afinal, por suscitar a indignação dos espíritos
bem formados e a provocar a indispensável organização da classe trabalhadora.
A Constituição Francesa de 1848, retomando o espírito de certas normas das Constituições de 1791 e
1793, reconheceu algumas exigências econômicas e sociais. Mas a plena afirmação desses novos direitos humanos
só veio a ocorrer no século XX,com a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919.
O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a
humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses
direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É
o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização.
Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem
efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim verdadeiros dejetos do sistema
capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das
pessoas.
Os direitos humanos de proteção do trabalhador são, portanto, fundamentalmente anticapitalistas, e,
por isso mesmo, só puderam prosperar a partir do momento histórico em que os donos do capital foram
obrigados a se compor com os trabalhadores.
Não é de admirar, assim, que a transformação radical das condições de produção no final do século XX,
tornando cada vez mais dispensável a contribuição da força de trabalho e privilegiando o lucro especulativo, tem
já enfraquecido gravemente o respeito a esses direitos em quase todo o mundo.

2.6 Posição dos Direitos Humanos no Sistema Normativo

Cumpre observar, por uma questão de semântica, que a doutrina alemã faz distinção entre as expressões
“direitos humanos” e “direitos fundamentais”. A princípio, “direitos humanos” seria uma grande redundância,
posto que se trata de algo inerente à própria condição humana. Todavia, para tentar explicar a vigência efetiva
desses direitos, isto é, o seu caráter de obrigatoriedade, existe a distinção supracitada.
Direitos fundamentais seriam os direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais se
atribui o poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional: são os
direitos humanos positivados nas Constituições, nas leis, nos tratados internacionais. Neste diapasão, seriam
“direitos fundamentais atípicos” os direitos humanos ainda não declarados em textos normativos.
Ademais, o reconhecimento oficial por parte das autoridades políticas, dos direitos humanos, oferece
maior segurança às relações sociais, além da função pedagógica no sentido de fazer prevalecer os grandes valores
éticos.
Cumpre observar que dentre os diversos temas polêmicos atinentes à matéria em comento, indaga-se se
no terreno do chamado direitos fundamentais se existe uma hierarquia normativa, ou seja, o direito internacional
prevalece sobre o direito interno? Ou trata-se de duas ordens jurídicas paralelas?
Sem adentrar na questão de distinguir teorias doutrinárias sobre a matéria (monista e dualista), registra-
se que a tendência predominante é a de se considerar que as normas internacionais de direitos humanos, por
exprimirem, de certa forma, a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado.
É de verificar-se, também, que normas declaratórias dos direitos humanos reconhecidos na esfera
internacional já foram asseguradas em diversas constituições após a Segunda Guerra Mundial.

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FUNDAMENTOS DE SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA

Assim, vem se firmando na doutrina a posição de que em conflito entre normas internacionais e
internas, em se tratando de direitos humanos, prevalecerá, sempre, a mais favorável ao sujeito de direito, pois a
proteção da dignidade da pessoa humana é finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico.
Os princípios axiológicos supremos do sistema dos direitos humanos correspondem à famosa tríade da
tradição republicana francesa: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade (ou Solidariedade)”. São princípios de caráter
éticos supremos.
O núcleo do princípio axiológico da liberdade reside na autonomia, isto é, da submissão de cada qual às
normas por ele mesmo editadas. Uma sociedade livre é aquela que obedece às leis que ela própria estabelece e
aos governantes por ela escolhidos.
Existem duas espécies de princípios estruturais dos direitos humanos: a irrevocabilidade e a
complementariedade solidária.
Alcançamos um momento histórico de ampliação e aprofundamento das condições sociais aptas a
ensejar novos direitos humanos que justificam o princípio da irreversibilidade dos direitos já declarados
oficialmente, em vigor. Assim é juridicamente inválido suprimir direitos fundamentais, por via de novas regras
constitucionais ou convenções internacionais, sendo proibido ainda, pôr fim voluntariamente à vigência de
tratados internacionais de direitos humanos.
O princípio da complementariedade solidária enaltece que todos os direitos humanos são universais,
indivisíveis, interdependentes e interrelacionados, e devem ser tratados pela comunidade internacional de
maneira global.
A justificativa desse princípio encontra-se no postulado ontológico de que a essência do ser humano é
uma só, não obstante à multiplicidade de diferenças que existem na humanidade. É exatamente por isto que
todos os seres humanos merecem igual respeito e proteção, a todo tempo e em todas as partes do mundo em que
se encontram.

3. DOCUMENTOS NORMATIVOS SOBRE DIREITOS HUMANOS

3.1 Magna Carta – 1215

Foi declaração solene que o rei João da Inglaterra, conhecido como João Sem-Terra, assinou em 15 de
junho de 1215 e que foi confirmada por 7 de seus sucessores.
Na Inglaterra a supremacia do rei sobre os barões feudais enfraqueceu-se no início do reinado de João
Sem-Terra, posto que este travou disputa com um rival pelo trono e acabou perdendo um ducado para o rei
francês, Filipe Augusto. Para custear suas campanhas bélicas, João sem-terra aumentou as exações fiscais contra
os barões.
Simultaneamente o sobredito monarca entrou em colisão com o papado, por conta de pretensões
territoriais e acabou sendo excomungado pelo Papa Inocêncio III. Contudo diante da pressão da igreja e à míngua
de recursos financeiros, decidiu submeter-se ao papa, declarou a Inglaterra feudo de Roma e obteve o
levantamento de sua excomunhão.
Dois anos depois os barões, revoltados, ocuparam Londres, e o Rei foi obrigado a assinar a Magna Carta
que apesar de ter sido declarada nula por Inocêncio III, sob o argumento de que fora obtida mediante coação e
sem devido consentimento pontifício, foi reafirmada diversas vezes pelos monarcas subsequentes, como dito
acima.
A sociedade medieval europeia era composta, basicamente, de três estamentos: a nobreza, o clero e o
povo. Os dois primeiros possuíam privilégios hereditários e no terceiro tinha como única vantagem o status
libertatis, ou seja, o fato de não se confundirem com a multidão dos servos.
Essa tripartição de funções na estrutura da sociedade medieval pode ser explicada, segundo trecho de
documento do início do século XI, Carmen Ad RodbertumRegen7 da seguinte forma:

7
Trata-se de um manuscrito não autógrafo que se encontra registrado sob nº 14192 na biblioteca nacional da França.

9
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“ A ordem eclesiástica compõe apenas não um só corpo, mas a sociedade inteira esta dividida em três
ordens. A par do já citado corpo a lei reconhece outras duas condições “sociais”: o nobre e o servo não se
regem pela mesma lei. Os nobres são os guerreiros, os protetores das igrejas. Defendem todo o povo assim
os grandes como os pequenos alem de se protegerem a si próprio. A outra classe é a dos servos. Esta raça de
desgraçados nada possui sem sofrimento. A todos fornecem eles provisões e vestuário sem os quais, os
homens livres pouco valem. Assim pois a cidade de Deus tida como uma é na verdade tríplice. Uns rezam,
outros lutam e outros trabalham. As três ordens vivem juntas e não sofreriam uma separação. Os serviços de
cada uma dessas ordens, tornam possíveis as atividades das duas outras. E cada qual por sua vez presta
apoio às demais. Enquanto esta lei esteve em vigor o mundo teve paz, mas agora as leis se debilitam e toda a
paz desaparece. Mudam os costumes dos homens e muda também a divisão das sociedade.”

Na verdade, na base das mudanças institucionais ocorridas no final da idade média, estavam dois amplos
movimentos de transformação social: o monarquismo e a revitalização urbana.
Assim começa a surgir um novo grupo social, não compreendido nem entre os nobres, nem entre os
servos: a burguesia, que se organiza segundo um direito oposto ao feudal, posto que o poder político deriva da
riqueza mercantil. Cumpre observar que a sociedade burguesa não se divide em estamentos, mas é formada por
famílias formalmente livres, havendo divisão, contudo, entre os ricos comerciantes e os pobres empregados,
nascedouro das modernas classes sociais.
É nesse contexto que deve ser apreciada a importância da magna carta. Constitui, referido documento,
um verdadeiro foral (reconhecimento de foros, privilégios especiais), ou um contrato de senhoria.
Os contratos de senhoria eram convenções pelas quais se atribuíam poderes regalianos, individualmente
a certos vassalos. No caso não se tratou de delegação de poderes reais. Mas sim do reconhecimento de que a
soberania do monarca passava a ser beneficiada, portanto, de modo coletivo, por todos os integrantes das ordens
privilegiadas.
Além disso, deixa implícito, pela primeira vez na história da política medieval, que o rei acha-se
naturalmente vinculado às próprias leis que edita. Seu sentido inovador consistiu no reconhecimento de que os
direitos próprios da nobreza e do clero existiam independentemente do conceito e do monarca e não podiam, por
conseguinte, ser modificados por ele.
Graças a essa primeira limitação institucional dos poderes do rei pode-se dizer que a democracia
moderna desponta embrionariamente nesse documento do século XIII.

3.2 Lei de Habeas Corpus - Inglaterra 1679

Durante os agitados anos em que reinaram os Stuart, últimos soberanos católicos da Inglaterra, o
parlamento maciçamente protestante procurou por todos os meios limitar o poder real, notadamente o poder de
prender os opositores políticos sem submetê-los a processo criminal regular.
A despeito da existência do Habeas Corpus na Inglaterra já há vários séculos, em casos de prisão
arbitrária, a sua eficácia era reduzida, uma vez que lhe faltavam normas processuais garantidoras de sua
efetividade.
Para os ingleses, pragmáticos, assim como no direito romano clássico, não se concebe a existência de
direitos sem uma ação judicial própria para sua defesa, pois é a partir da criação dessa ação em juízo que nascem
os direitos subjetivos.
Na Europa continental e na França, ao contrário, o direito foi criado por jurisconsultos e professores,
donde se extrai seu caráter sistemático e abstrato, onde os direitos subjetivos são “o principal” e as ações judiciais
“o acessório”.
Nesse sentido, para a tradição francesa, uma declaração de direitos tem sempre grande força político-
pedagógica como forma de mudança de mentalidade.
A importância histórica do habeas corpus constituiu no fato de que essa garantia judicial criada para
proteger a liberdade de locomoção tornou-se a matriz de todas as que vieram a ser criadas posteriormente para a
proteção de outras liberdades fundamentais.

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3.3 Declaração de Direitos (Bill Off Rights) - Inglaterra, 1689

Este documento foi promulgado um século antes da Revolução Francesa, e deu fim ao regime da
monarquia absoluta, na qual todo o poder emana do rei e em seu nome é exercido. Assim, os poderes de legislar
e tributar passaram a ser exercidos por órgão distinto, do Parlamento, e, por isso, as eleições e o exercício das
funções parlamentares foram cercados de garantias especiais, de modo a preservar a liberdade desse órgão frente
ao chefe do Estado.
O núcleo de seu conteúdo repousa na instituição da separação dos poderes, com a declaração de que o
Parlamento é um órgão precipuamente encarregado de defender os súditos perante o Rei e, por isso, não pode
ficar sujeito ao arbítrio deste. Ademais, veio a fortalecer alguns direitos fundamentais, como o direito de petição e
a proibição de penas inusitadas ou cruéis.

3.4 A Declaração de Independência e a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte

3.4.1 A Declaração de Independência dos Estados Unidos

A independência das treze colônias britânicas, em 1776, representou o ato inaugural da democracia
moderna, e combinou a representação popular com a limitação de poderes governamentais e o respeito aos
direitos humanos.
Três grandes características socioculturais atuaram como fatores predominantes para a criação do Estado
novo. São elas: a não reprodução, em território americano, da sociedade estamental européia; a defesa das
liberdades individuais e a submissão dos poderes governamentais ao consentimento popular.
Na época, havia a cobrança de diversos tributos, o que ocasionou revoltas em várias cidades que
acabaram por provocar a reunião das colônias em Congressos Continentais, o primeiro deles realizado em 1774.
Ademais, foi o primeiro documento a afirmar os princípios democráticos, na história da política moderna.
A ideia de uma declaração à humanidade estava intimamente ligada ao princípio da nova legitimidade
política: a soberania popular. Uma nação só está legitimada a auto-afirmar sua independência, porque o povo que
a constitui detém o poder político supremo.
Assim, é de verificar-se que a importância histórica dessa declaração reside no fato de ter sido ela o
primeiro documento político que reconhece, a par da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos
inerentes a todo ser humano, independentemente de sexo, raça, religião, posição social ou cultura.

3.4.2 As Declarações de Direitos Norte-Americanas

Juntamente com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, as declarações de direitos
norte-americanas constituem as cartas fundamentais de emancipação do indivíduo perante os grupos sociais aos
quais ele sempre se submeteu: a família, o estamento e as organizações religiosas. A afirmação da autonomia
individual assume, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, no último quartel no século XVIII, contornos
jurídicos definitivos.
Porém, o homem tornou-se mais vulnerável às vicissitudes da vida por conta da perda dessa proteção
(familiar, estamental e religiosa). Assim, foi preciso o advento do Estado Social, no século XX, para que o Estado
assumisse os grandes riscos da existência humana.
Cumpre observar, ainda, que no campo dos direitos individuais, os norte-americanos foram pioneiros.
Se, juridicamente, o precedente principal das declarações dessas declarações de direitos é o Bill ofRights inglês de
1689, o seu fundamento filosófico vem não só de Locke,mas também dos escritos de Montesquieu e Rosseau.
Contudo, os americanos, além de terem recebido esse patrimônio cultural, o transformaram em direito
positivo, reconhecendo-os como de nível superior em relação aos outros direitos positivados. Em outras palavras,
os Estados Unidos deram aos direitos humanos a qualidade de direitos fundamentais, reconhecido expressamente
pelo Estado, elevando-os ao nível constitucional.

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3.5 As Declarações de Direitos da Revolução Francesa

A Revolução Francesa se apresentou não como a sucessora de um regime que desaparecia por morte
natural, mas como a destruidora voluntária do regime antigo por morte violenta.
Em relação à Declaração de 1789, seu estilo abstrato e generalizante a distingue, nitidamente, dos Bill
ofrights dos Estados Unidos. Os americanos estavam mais preocupados em firmar a sua independência e
estabelecer seu próprio regime político do que em levar a ideia de liberdade a outros povos.
Já os revolucionários de 1789 se julgavam apóstolos de um mundo novo, a ser anunciado a todos os
povos e em todos os tempos vindouros.
A exemplo disso, Duquesnoy8 explicou a razão do caráter universal da declaração que ia ser votada:

“Uma declaração deve ser de todos os tempos e de todos os povos; as circunstâncias mudam, mas ela deve
ser invariável em meio às revoluções. É preciso distinguir as leis dos direitos: as leis são análogas aos
costumes, sofrem o influxo do caráter nacional; os direitos são sempre os mesmos”.

Efetivamente, o espírito da Revolução Francesa foi difundido, em pouco tempo, não só na Europa, como
também em longínquas regiões da índia, Ásia Menor e América Latina.
Na conspiração baiana de 1798, verificou-se que as ideias revolucionárias francesas já haviam
conquistado os oficiais e artesãos mais humildes9.O alfaiate pardo João de Deus, um dos insurgentes executados, e
que no momento de sua prisão possuía em tudo e por tudo 802 réis de patrimônio, pretendia que

“todos (os brasileiros) se fizessem Francezes, para viveram em igualdade e abundância”[...]. Propunha
“destruir ao mesmo tempo todas as pessoas publicas, atacar os Mosteiros, franquear as portas aos que
quisessem sahir [...] redusidotudo a huma inteira revolução, que todos ficarão ricos [...] tirados da miséria em
que se achavão, extincta a differença de cor branca, preta e parda, porque uns e outros serião sem diferença
chamados e admitidos a todos os ministérios e cargos”. Nos manifestos afixados nas igrejas e praças públicas
de Salvador, em 12 de agosto de 1798, lia-se: “cada hum soldado hecidadão, mormente os homens pardos e
pretos que vivem escornados e abandonados, todos serão iguaes, não haverá diferença, só haverá liberdade,
igualdade e fraternidade”.

Os mesmos manifestos prometiam aos soldados 200 réis por dia e propunham a abertura do porto ao
comércio com todas as nações, sobretudo com a França.
Na famosa tríade, liberdade, igualdade e fraternidade, foi sem dúvida a igualdade que representou o
ponto central do movimento revolucionário que, para os homens de 1789, limitava-se praticamente à supressão
de todas as peias sociais ligadas à estamentos ou corporações de ofícios.
Em pouco tempo, percebeu-se que o espírito dessa revolução era muito mais a supressão das
desigualdades estamentais do que a consagração das liberdades individuais para todos.
No discurso pronunciado na Convenção em 24 de abril de 1793, Robespierre propôs que a nova
declaração de direitos a ser votada contivesse as seguintes disposições grandiloquentes:

“Art. I. os homens de todos os países são irmãos, e os diferentes povos devem se ajudar mutuamente de
acordo com seu poder, como cidadãos do mesmo Estado.
II.Aquele que oprime uma nação declara-se inimigo de todas as outras;
III.os que guerreiam um povo para travar os progressos da liberdade e aniquilar os direitos humanos devem
ser perseguidos por todos,não como inimigos ordinários, ,mas como assassinos e bandidos rebeldes.
IV.Os reis, os aristocratas, os tiranos, quaisquer que sejam, são escravos revoltados contra o soberano da
10
terra, que é o gênero humano, e contra o legislador do universo, que é a natureza” .

Assim, percebe-se que a Revolução Francesa distingue-se nitidamente do movimento de independência


dos Estados Unidos. Neste, a sociedade jamais conheceu as divisões estamentais, ou as guerras de religião. Afora a
escravidão negra, havia igualdade entre as pessoas. Já na França, ao contrário, o movimento eclodiu como uma
desforra, longamente reprimida, contra a humilhação das desigualdades. Por conta disso, não procede a tese
segundo a qual as declarações francesas seriam meras exortações, de menor importância se comparadas aos Bill

8
A citação foi extraída do livro de StéphaneRials, cit. P. 350-1
9
As citações que se seguem foram extraídas do artigo do historiador inglês Kenneth Maxwell. A Conspiração Baiana de 1798, publicado no jornal Folha de S.
Paulo em 26 de julho de 1998, caderno 6, p. 5 e SS.
10
Cf. Robespierre, Discourset Rapports à la Convention, Paris, Union Généraled´Editions, 1965, p.121.

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ofrights norte-americanos.
Dentre as obras de todos os filósofos do século, as de Montesquieu e Rousseau foram as que mais
influíram sobre o espírito dos revolucionários de 1789: aquele , pela ideia da necessidade de uma limitação
institucional de poderes dos governantes; e este, pelo princípio de que a vontade geral do povo é a única fonte de
legitimidade dos governos.

4. OUTROS DOCUMENTOS HISTÓRICOS DE GRANDE RELEVÂNCIA

4.1 A Constituição Mexicana de 1917

Consoante ensina o mestre COMPARATO11, “a Carta Política Mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir
aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades individuais e os
direitos políticos.
Da mesma forma, a Constituição de Weimar, em 1919, trilhou via idêntica à da Carta Mexicana.
Ademais, a Constituição Mexicana, em relação ao sistema capitalista, foi a primeira a estabelecer a
desmercantilização do trabalho, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita à lei da
oferta e da procura.
Ela firmou o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre trabalhadores e empresários na
relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidente do trabalho e lançou, de
modo geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito.
Deslegitimou, com isso, as práticas de exploração mercantil do trabalho,e, portanto, da pessoa humana,
cuja justificativa se procurava fazer, abusivamente, sob a invocação da liberdade de contratar.

4.2 A Carta das Nações Unidas

Surgiu como uma necessária resposta às atrocidades praticadas, principalmente, durante a 2ª Guerra
Mundial, onde calcula-se que foram exterminadas cerca de 60 milhões de pessoas, a maior parte constituída por
civis, e tiveram ideias germinais em 1941, através do então Presidente dos Estados Unidos Franklin D. Roosevelt.
Ao lado das Sociedades das Nações, que já existiam, e não passava de um clube de Estados, com
liberdade de ingresso e retirada conforme suas conveniências próprias, as Nações Unidas nasceram com a vocação
de se tornarem a organização da sociedade política mundial, à qual deveriam pertencer portanto,
necessariamente, todas as nações do globo empenhadas na defesa da dignidade humana.
Obedecendo-se um dos propósitos da Organização, que seria o de empregar um mecanismo
internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos, foi criado o Conselho Econômico
e Social, que tinha a incumbência de favorecer níveis mais altos de vida entre os povos, além de trabalho efetivo e
condições de progresso e desenvolvimento econômico e social.
Esse Conselho aprovou o Estatuto da Comissão de Direitos Humanos, que exerceu suas funções até 15
de março de 2006, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas criou, para substituí-lo, o Conselho de Direitos
Humanos, que é composto por 47 Estados, eleitos por 3 anos, de modo direto e individual e em escrutínio secreto,
por maioria simples de membros da Assembleia Geral.
O Conselho é órgão com competência meramente consultiva incumbido de elaborar recomendações. Em
20 de dezembro de 1993, foi criado, pela Resolução 48/181, o posto de Alto Comissário das Nações Unidas para os
Direitos Humanos, cuja missão é promover o respeito universal de todos os direitos humanos, traduzindo em atos
concretos a vontade e a determinação da comunidade internacional.

4.3 A Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948

Em 16 de fevereiro de 1946, em sessão do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, ficou
assentado que a Comissão de Direitos Humanos deveria desenvolver seus trabalhos em três etapas distintas: a
primeira consistiria na elaboração de uma declaração de direitos humanos; a segunda, seria a elaboração de um
documento juridicamente mais vinculante do que uma mera declaração, que deveria ser ou um tratado ou uma
convenção internacional; e a terceira, que seria criar mecanismos para assegurar o respeito aos direitos humanos.

11
Comparato, Fábio Konder, A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, Saraiva, 7ª Ed., 2010 – p. 191/192

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A primeira foi cumprida com o projeto de Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovado em 10 de
dezembro de 1948. A segunda se completou em 1966, com a aprovação de dois Pactos, um sobre direitos civis e
políticos e outro sobre direitos econômicos, sociais e culturais. A terceira ainda não foi completada, existindo
apenas um processo de reclamações junto à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.
A Declaração, redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial,
retomou os ideais da Revolução Francesa, e representou a manifestação histórica de que se formara, enfim, em
âmbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os
homens.
Sem adentrar no mérito acerca da força vinculante deste documento, é forçoso reconhecer que a
vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais,
exatamente porque se está adiante de exigências de respeito à dignidade humana. Ademais, tais direitos
correspondem, integralmente, ao que o costume e os princípios jurídicos internacionais reconhecem como
normas imperativas de direito internacional (jus cogens)12.

4.4 Os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966

Foram eles: Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.

4.5 A Convenção Americana de Direitos Humanos – 1969

Foi aprovada na Conferência de São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, e reproduz a maior
parte das declarações de direitos constantes do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966.
Por fim, existem diversos documentos relativos ao tema, como “A carta Africana dos Direitos Humanos e
dos Direitos dos Povos, de 1981”; “A Convenção sobre o Direito do Mar, de 1982”; “A Convenção sobre a
Diversidade Biológica, de 1992” e o “Estatuto do Tribunal Penal Internacional, de 1998”, dentre outros. Sobre este
último, algumas considerações se fazem necessárias.

4.6 O Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998

Na esteira dos ensinamentos de Fábio Comparato, a instituição de um regime de autêntica cidadania


mundial, em que todas as pessoas, naturais ou jurídicas, de qualquer nacionalidade, tenham direitos e deveres em
relação à humanidade como um todo, e não apenas em relação às outras pela intermediação dos respectivos
Estados, supõe, entre outras providências, a fixação de regras de responsabilidade penal em escala planetária,
para sancionar a prática de atos que lesam a dignidade humana.
Nestes casos, a definição do ato como criminoso, bem como o julgamento e a punição do agente
responsável, não constituem matéria adstrita à soberania nacional de cada Estado; tanto mais que, na quase
totalidade dos casos, os agentes criminosos são autoridades estatais, ou pessoas que gozaram da proteção destas
para a prática dos atos criminosos.
Em 17 de julho de 1988, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional foi aprovado, por cento e vinte
Estados, contra apenas sete votos (China, Estados Unidos,Iêmen, Iraque, Israel, Líbia e Quatar), e vinte e uma
abstenções, notadamente, a da Índia.
Os Estados Unidos até iniciaram conversações no sentido de aderirem ao tratado mas, após o atentado
de 11 de setembro, às “Torres Gêmeas”, manifestaram o desejo de não aderirem, ao tempo em que não se
consideraram obrigados ás normas impostas pelo tratado. Assim, considerando-se que os Estados Unidos, a China
e a Índia não se acham vinculados pela Convenção de Roma, temos que mais da metade da humanidade está fora
da jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
São crimes de competência do referido tribunal apenas quatro, considerados uma ameaça à paz, á
segurança e ao bem-estar da humanidade, quais sejam: o crime de genocídio, os crimes contra a humanidade, os
crimes de guerra e os crimes de agressão (arts. 6º e ss. do Estatuto).

12
Convenção de Viena sobre direito dos tratados, art. 53

14
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Concluindo, e na esteira dos ensinamentos de Flávia Piovesan13, O Tribunal Penal Internacional simboliza
um grande avanço em relação aos Tribunais de Nuremberg e Tóquio e aos Tribunais ad hoccriados pelo Conselho
de Segurança, especialmente no que diz respeito à imparcialidade.
E continua, dizendo que esse tribunal representa ainda avanços no que toca à cessação da impunidade e
à manutenção da paz. Ao estabelecer claramente a responsabilidade de agentes públicos, inclusive de Chefes de
Estado, por graves violações a direitos humanos, consolidou a existência de novos valores na arena internacional.
Ao lado dos valores estatais, configuraram-se com maior veemência os valores humanos. Ademais, contribui para
a manutenção ou para a restauração da paz, ao apresentar uma via permanente de resolução de conflitos,
baseada em regras objetivas de justiça, concernentes à individualização da culpa...”.
Atenção: os textos normativos supracitados podem ser encontrados no seguinte endereço:
“http://www.sedh.gov.br”

5. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Assim, diante de toda essa necessária contextualização histórica, subsiste substrato para, em breves
palavras, citarmos a clássica evolução histórica dos direitos humanos em gerações ou dimensões.
Antes, contudo, mister se faz observar que a expressão “geração de direitos” pode trazer a falsa noção
de que o surgimento de uma nova encerra ou finaliza a anterior, induzindo-nos ao erro de que houve limitação
temporal.
Já “dimensões de direitos”, expressão mais moderna e atual, traduz-se na ideia de interatividade (uma
das características vistas anteriormente) entre os direitos. Assim, classificam-se em:

5.1 Direitos Fundamentais de Primeira Geração/Dimensão

São as liberdades públicas, os direitos políticos básicos. Sistematicamente, surgem a partir da


constitucionalização ocidental (séculos XVIII e XIX) e têm como titular o indivíduo, sendo oponíveis ao próprio
Estado. Por isso, são conhecidos como direitos de resistência. Traduzem-se no valor liberdade.
Importante mencionar as observações da doutrinadora Cármen Lúcia Antunes Rocha14, segundo a qual a
ideia de dignidade da pessoa humana está intimamente ligada á de liberdade. Neste sentido, deverá o Estado
permitir o livre desenvolvimento do homem.

5.2 Direitos Fundamentais de Segunda Geração/Dimensão

Decorrem da Revolução Industrial (fim do Século XIX e início do XX), quando da eclosão de movimentos
sociais que marcaram a época, como a Comuna de Paris.
Surgiram em decorrência das péssimas condições de trabalho oferecidas aos trabalhadores, e ganham
relevo a partir da 1ª Grande Guerra, com a Constituição de Weimar (1919). Representam os direitos sociais,
culturais e econômicos do povo, e traduzem-se no valor igualdade.

5.3 Direitos Fundamentais de Terceira Geração/Dimensão:

Derivados de grandes alterações sociais na comunidade internacional, causadas, notadamente, pela


globalização da economia, avanços tecnológicos e científicos, pela robótica, internet etc.
Esses direitos são direcionados para a preservação da qualidade de vida, tutelando o meio ambiente, e
possibilitando o progresso sem detrimento da paz mundial, e da autodeterminação dos povos. Constituem-se em
direitos difusos e coletivos, e representam os valores da fraternidade (ou solidariedade)

5.4 Direitos Fundamentais de Quarta Geração/Dimensão

São conhecidos como “direitos dos povos” e decorreria dos avanços no campo da engenharia genética,
ao se colocar em risco a própria existência humana, através da manipulação do patrimônio-genético.

13
Piovesan, Flávia, Temas de Direitos Humanos, Ed. Saraiva, 10ª Ed.
14
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes; O Direito à Vida Digna, Ed. Forense, Belo Horizonte, 2004, p. 239

15
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Seriam direitos de preservação do ser humano, bem como direitos e garantias de proteção contra a
globalização desenfreada, direito à democracia, ás biociências e à informática. Luis Roberto Barroso sustenta
serem direitos da minoria. Enfim, são “direitos da humanidade”.
Ainda quando à globalização, ensina Boaventura de Souza Santos15 “aquilo que habitualmente
designamos por globalização são, de facto, conjuntos diferenciados de relações sociais; diferentes conjuntos de
relações sociais dão origens a diferentes fenômenos de globalização. Nestes termos, não existe estritamente uma
entidade única chamada globalização; existem, em vez disso, globalizações...”.

5.5 Direitos Fundamentais de Quinta Geração/Dimensão

Segundo Paulo Bonavides, são direitos transportados diretamente da terceira geração para os dias
atuais, significando o direito à paz permanente entre os povos (direito à pacificação permanente).
É de verificar-se, assim, que, depois de todo o avanço tecnológico e econômico, fica a advertência de
que o homem se tornou, definitivamente, o senhor e o possuidor da natureza, inclusive de sua própria, ao adquirir
o poder de manipular o patrimônio genético.
Mas, concomitantemente, pela espantosa acumulação de poder tecnológico, jamais como nessa
centúria o engenho humano foi capaz de provocar uma tal concentração de hecatombes e aviltamentos. Nunca,
como hoje, a humanidade dividiu-se entre a minoria opulenta e a maioria indigente. O rumo do curso histórico
parece apontar para a ruína e a desolação.

Mas, ainda é tempo de mudar de rota e navegar rumo á salvação. Que a chama da liberdade, da
igualdade e da solidariedade iluminem e inflamem a Terra inteira.

6. DIREITOS HUMANOS APLICADOS À ATUAÇÃO POLICIAL

Dentre os tópicos que serão abordados neste tema, imprescindível se faz repisar sobre alguns pontos
acerca do importante ramo de estudo denominado DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO.
Conhecido também como “Direito de Guerra”, pode ser conceituado como sendo o conjunto de regras
jurídicas que tem por finalidade proteger as pessoas que não participaram ou aquelas que abandonaram o conflito
armado, bem como limitar os meios e métodos de se “fazer a guerra”.
Após isso, discorramos, brevemente, acerca da prevenção e investigação (ou detecção) do crime.
Infelizmente, verdade seja dita: “o crime é inerente à vida em sociedade”, e é cediço que o número de
crimes solucionados pela polícia é menor que o número de crimes praticado por infratores.
E, nessa árdua e espinhosa, mas glorificante tarefa de detectar os delitos, a polícia deve agir em
consonância com a Constituição e as demais leis extravagantes, respeitando os direitos humanos, em todas as
circunstâncias.
Para tanto, deve se utilizar de alguns princípios, dentre elas, o da presunção de inocência, o do direito a
um julgamento justo e o do respeito à honra, privacidade e dignidade das pessoas.
Neste sentido, dispõe o artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, senão vejamos:

“Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua
correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei
contra tais interferências ou ataques”.

É preciso perceber que todos estes direitos enumerados são expressamente consagrados no catálogo de
direitos previsto no artigo 5º de nossa Carta Republicada da 1988.
Ainda em sua atuação profissional, o policial, não raras vezes, obtém informações de cunho confidencial,
sigilosas, ou que se relacionem com a vida privada e particular das pessoas. Quanto a isso, deve se manter
máximo cuidado e extrema cautela no tocante a resguardar o seu sigilo. Para tanto, faz-se necessária intensa e
constante supervisão, não só interna ( superiores hierárquicos, controladoria) e externa (ouvidorias de polícia e
ministério público).

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SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela e Piovesan, Flávia. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos, Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2010

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Curso de Formação Profissional Para Ingresso nos Cargos de Médico Perito Legista 1ª Classe, Perito Legista 1ª Classe,
Perito Criminal 1ª Classe e Auxiliar de Perícia 1ª Classe da Perícia Forense do Estado do Ceará - PEFOCE
FUNDAMENTOS DE SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA

Assim, deve o policial garantir a preservação da ordem pública, entendida como o conjunto de normas
formais emanadas do ordenamento jurídico do país que tem como escopo a regulação das relações sociais e do
interesse público, estabelecendo um clima de convivência pacífica e harmônica entre as pessoas.
Utilizam, para garantir a efetividade dessa função, de poderes-deveres insculpidos na legislação, dentre
eles, o chamado poder de polícia, que será abordado detalhadamente na matéria de Direito Administrativo.
São inúmeros os dispositivos constitucionais a serem observados durante a atuação policial. Apesar de
ser matéria reservada ao Direito Constitucional, pela sua relevância e pertinência, citemos alguns deles, previstos
no artigo 5º da Carta Magna:

Art. 5º
“..-II – ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
-III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
Sobre esse tema, há inúmeros dispositivos legais proibindo a prática deste nefasto ato e regulamentando a
punição dos autores. Em nosso ordenamento, a Lei 9455/97 regula a matéria. Existem algumas
recomendações sobre os exames periciais em situações de indivíduos supostamente submetidos à tortura,
dentre eles:
1 – valorizar o exame esquelético-tegumentar.
2 – descrever detalhadamente a sede e as características dos ferimentos.
3 – registrar em esquemas corporais todas as lesões encontradas.
4 – fotografar as lesões e alterações existentes nos exames interno e externo.
5 – detalhar em todas as lesões, independente do seu vulto, a forma, idade, dimensões, localização e
particularidades.
6 – radiografar, quando possível, todos os segmentos e regiões agredidos ou suspeitos de violência.
7 – examinar a vítima de tortura sem a presença dos agentes do poder.
8 – trabalhar sempre em equipe.
9 – examinar à luz do dia.
10 – usar os meios subsidiários disponíveis.
-VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias;
-X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador,
salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou, para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial;
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins
de investigação criminal ou instrução processual penal;
XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de
autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo
apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em
lei;
LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz
competente e á família do preso ou à pessoa por ele indicada;
LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada
a assistência da família e de advogado;
LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial”;

Observando-se os sobreditos dispositivos, o policial deverá atuar de forma rígida e transparente, para a
efetivação da consecução da sua missão final, que é a da promoção do bem estar e da paz social. Assim agindo,
deverá, também, seguir alguns princípios éticos, técnicos e legais. Nesse sentido, a ONU, no Código de Conduta
para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, prevê alguns pontos importantes a serem seguidos, que
são:
1-cumprir sempre o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas
contra atos ilegais;

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2 – respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos fundamentais de todas as


pessoas;
3 – somente empregar a força nos casos e que seja estritamente necessário e na medida exigida para o
cumprimento de seu dever;
4 – manter em segredo as informações de natureza confidencial, a não ser que o cumprimento do dever
ou as necessidades da justiça exijam outro comportamento;
5-não infligir, instigar ou tolerar qualquer ato de tortura ou qualquer outra pena ou tratamento cruel,
desumano ou degradante;
6 – assegurar a proteção da saúde das pessoas sob a sua guarda;
7 – não cometer qualquer ato de corrupção e opor-se vigorosamente e combater todos estes atos.

Não se pode olvidar que o policial é a primeira linha de defesa dos direitos humanos e da segurança da
comunidade na qual trabalha.
Quando for indispensável o uso de arma de fogo, alguns princípios devem ser observados16:

1-use meios não violentos, na medida do possível, antes de recorrer ao uso da força e armas de gogo;
2 – só é aceitável o uso da força e armas de fogo quando os outros meios se revelarem ineficazes ou
incapazes de produzirem o resultado legal pretendido;
3 – caso o uso legítimo da força e de armas de fogo seja inevitável, o policial deve:

a)exercê-las com moderação e agir na proporção da gravidade da infração e do objetivo legítimo a ser
alcançado;
b)minimizar danos e ferimentos, respeitar e preservar a vida humana;
c)assegurar que qualquer indivíduo ferido ou afetado receba assistência e cuidados médicos o mais
rápido possível;
d)garantir que os familiares ou amigos íntimos da pessoa ferida ou afetada sejam notificados o mais
depressa possível.

Mas, não só deveres têm os policiais. São eles, também, detentores de direitos, de direitos humanos.
Nesse sentido, é responsabilidade dos governos e das corporações policiais fornecer aos profissionais
equipamentos de proteção individual, como escudos, capacetes, veículos e coletes à prova de bala, a fim de
protegê-los. A ONU considera de alta relevância o trabalho policial e, dessa forma, incentiva os governos a manter
e melhorar suas condições de trabalho.

7. CIDADANIA

Existem diversos conceitos de CIDADANIA. Mencionaremos aquele ligado diretamente ao tema em


estudo.

Cidadania é o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais estabelecidos na nossa
Constituição Federal de 1988. Como verificado, os direitos e deveres nela previstos estão interligados, e o respeito
e cumprimento de ambos contribuem para uma sociedade mais justa, harmoniosa e equilibrada. A cidadania,
assim, expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do
governo de seu povo.
Assim, o exercício da cidadania implica em ter consciência de seus direitos e obrigações e lutar para que
sejam respeitados e usufruídos, e preparar o cidadão para esse exercício é um dos maiores desafios de uma nação
que almeja alcançar e disponibilizar a todos uma educação de qualidade.
É cediço que a nacionalidade é pressuposto da cidadania, insto é, ser nacional de um Estado é condição
primordial para o exercício dos direitos políticos.
A Carta Magna, por seu turno, prevê como princípio da participação na vida política nacional o sufrágio
universal. Nos termos da norma constitucional, o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores
de dezoito anos, e facultativos para os analfabetos, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos e os

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maiores de setenta anos.


Assim, entendemos cidadania como o exercício pleno dos direitos políticos, civis e sociais, sendo uma
liberdade completa que combina igualdade e participação social.
A etimologia da palavra cidadania vem do latim civitas, cidade, tal como cidadão (ciudadano ou vecino
no espanhol, ciutadan em provençal, citoyen em francês). Neste sentido, a palavra-raiz, cidade, diz muito sobre o
verbete. O habitante da cidade no cumprimento dos seus deveres é um sujeito da ação, em contraposição ao
sujeito de contemplação, omisso e absorvido por si e para si mesmo, ou seja, não basta estar na cidade, mas agir
na cidade. A cidadania, neste contexto, refere-se à qualidade de cidadão, indivíduo de ação estabelecido na cidade
moderna. A rigor, cidadania não combina com individualismo e com omissões individuais frente aos problemas da
cidade; a cidade e os problemas da cidade dizem respeito a todos os cidadãos.
Contudo, devemos continuar a luta para a efetivação completa do exercício pleno da cidadania, para que
não subsista mais a odiosa distinção entre “cidadania no papel e cidadania cotidiana”. Exemplo disso é o caso da
cidadania dos brasileiros negros: a recente Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 198913 é um prolongamento da luta
pela cidadania dos "homens de cor", cujo marco histórico formal é a Lei Áurea de 1888; ou seja, um século para
garantir, através de uma lei, a cidadania civil de cerca de metade da população brasileira. O mesmo se pode dizer
da cidadania da mulher brasileira, com o advento da Lei 11.340/ 2006 a chamada "Lei Maria da Penha", que criou
mecanismos "para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher". Ou seja, garantir sua
liberdade civil, seu direito de ir e vir sem ser agredida ou maltratada.
Diante disso conclui-se que a cidadania brasileira é a soma de conquistas cotidianas no percurso de sua
história e, para exercer a cidadania em sua plenitude torna-se imprescindível o conhecimento da dimensão
histórica destas conquistas no percurso entre passado, presente e futuro da nação.

8. DIREITOS HUMANOS E A PERÍCIA FORENSE

Abaixo serão apresentados trechos da palestra do renomado médico legista, Genival Veloso de França,
proferida em 28 de novembro de 2012 aos alunos de graduação do curso de Direito da UFPB., intitulada A
MEDICINA LEGAL COMO NORTEADORA NA BUSCA DA VERDADE REAL
O perito médico-legal, algumas vezes, é transformado em verdadeiro juiz de fato, cuja palavra é decisiva
ou ponderável em decisões judiciais. Uma criança trocada numa maternidade, um pai que nega a paternidade, um
casamento malsucedido por doença grave e incurável, um acidente de trabalho ou uma doença profissional têm
nesta ciência uma ajuda indispensável. Do mesmo modo, uma marca de dentada, um fio de cabelo, um dente
cariado ou restaurado, uma impressão digital, uma mancha de sangue ou pequenos fragmentos de pele sob as
unhas de um suspeito, que à primeira vista não mostram nenhuma importância, são subsídios por si sós capazes
de ajudar a desvendar o mais misterioso e indecifrável crime.
A prática da medicina legal constitui-se num instrumento de grande valia em favor dos direitos humanos.
Assumir, o perito a profissão como um ato político e uma forma de compromisso social, fazendo com que a
atividade pericial não seja apenas um amontoado de regras técnicas mas um ato político da maior significação na
permanente busca da cidadania.
Vivemos sob a égide de uma Constituição que orienta o Estado no sentido da “dignidade da pessoa
humana”, tendo como normas a promoção do bem comum, a garantia da integridade física e moral do cidadão e a
proteção incondicional da vida e da liberdade. Tal proteção é de tal forma solene que o atentado a essa
integridade eleva-se à condição de ato de lesa-humanidade: um atentado contra todos os homens.

Sobre os direitos do periciando, disse o professor:

“Aquele que se apresenta a pericia ou está sendo examinado tem, como todo cidadão, assegurados pela
Constituição Federal, seus direitos individuais e coletivos, sem distinção de qualquer natureza. Entre tantos, o que
está expresso em seu artigo 5º, item II: “ninguém está obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Isto
também se aplica a quem está sendo submetido a pericia quando envolve a sua própria pessoa na dimensão física
ou moral que merece. Portanto, cabe ao investigando decidir sobre certas circunstâncias quando submetido a
determinados testes ou exames, certo também que arcará com o ônus decorrente da sua negativa.

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Mesmo se cuidando de matéria de ordem criminal, onde sempre se assinala o interesse publico
preponderando em detrimento do particular, ainda assim mantêm-se o direito individual, porque todo interesse
coletivo começa do respeito a um indivíduo.
Assim, por exemplo, no processo penal (matéria de direito público), está pontificado que a descoberta
da verdade jamais ultrapassará limites da decência do réu, que tem o direito de ficar calado, se omitir à verdade e
até se recusar na participação da prova, sem que isso seja interpretado como prejuízo a sua defesa ou como
confissão de culpa.
Se fosse diferente, ou seja, se a busca da verdade fosse irrestrita, sem barreiras, submetendo-se os
examinandos a todas as formas de coações e violações quando submetidos às pericias, certamente voltaríamos à
época da Inquisição. Aqui não cabe o jargão de que “os fins justificam os meios”, princípio despótico baseado nos
modelos fascistas, que não encontram mais guarida em solo democrático.

Eis alguns dos seus direitos:

1. Recusar o exame no todo ou em parte. O periciando manifestando a recusa de submeter ao exame ou


parte dele não estaria cometendo o crime de desobediência, nem tampouco arcando com as duras consequências
da confissão ficta; a uma, pela total falta de amparo legal que possa tipificá-lo no delito mencionado; a duas,
porque ninguém, por autoridade que seja, poderia obrigar a alguém a submeter-se a um exame.

2. Ter conhecimento dos objetivos das pericias e dos exames. A informação é um pressuposto ou
requisito prévio do “consentimento libre e esclarecido”. É necessário que o examinando dê seu consentimento
sempre de forma livre e consciente e as informações sejam acessíveis aos seus conhecimentos para evitar a
compreensão defeituosa, principalmente quando a situação é complexa e difícil de avaliar (princípio da
informação adequada).

3, Ser submetido a exame em condições higiênicas e por meios adequado, Nada mais justo do que ser
examinado, qualquer que se seja sua condição de periciando, dentro de um ambiente recatado, higiênico e dotado
das condições mínimos do exercício o ato pericial. Fora destas condições, além do comprometimento da qualidade
do atendimento prestado, há um evidente desrespeito à dignidade humana. Não é de hoje que se pede à
administração pública pertinente a melhoria dos equipamentos, insumos básicos e recursos humanos para a
efetiva prática da pericia nas instituições médico-periciais. Esta realidade vem contribuindo para justificar a má
prática pericial médica e o descaso que se tem com a pessoa do examinando.

4. Ser examinado em clima de respeito e confiança. Mesmo para aqueles que cometerem ou são
suspeitos de práticas de delitos, qualquer que seja sua gravidade ou intensidade, o exame legisperial deve ser
procedido em um ambiente de respeito e sem a censura que possa causar a quem os examina. Se o periciando é a
vítima, com muito mais razão.

5. Rejeitar determinado examinador. O examinando não tem o direito de escolher determinado


examinador, mas pode, por qualquer razão apontada ou mesmo sem explicar os motivos, rejeitar determinado
examinador, por suspeição ou impedimento, ou mesmo por questões de ordem pessoal que podem ir desde a da
inimizade até mesmo da amizade próxima.

6. Ter suas confidências respeitadas. Certas confidências contadas pelo periciando, cujas confirmações
ele não queiram ver registradas, podem ser omitidas, desde que isto não venha comprometer o exame cuja
verdade que ser apurar, algumas delas até em seu próprio favor.

7. Exigir privacidade no exame. O exame do periciando deve ser sempre realizado respeitando sua
privacidade, evitando-se a presença de pessoas estranhas ao feito. Quando se tratar de estagiários, residentes ou
estudantes, deve-se pedir a autorização do examinando e sempre respeitando seu pudor e permitindo a presença
de pequenos grupos. Caso queira o examinando a presença de alguma parente ou pessoa de sua intimidade e
confiança, isto não compromete a privacidade exigida.

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8. Rejeitar a presença de peritos do mesmo gênero. Esta é outra questão que se apresenta como justa e
razoável. É o respeito ao pudor do examinando, seja ele homem ou mulher, atender ao pedido na escolha de um
perito do seu gênero.

9. Ter um médico de sua confiança como observador durante o exame pericial. Mesmo que na fase da
produção da prova ainda não seja a oportunidade de indicação do assistente técnico, não vemos nenhum óbice
justificável para se impedir a presença de um médico da confiança do examinando durante a perícia, seja num
exame de lesão corporal, necropsia ou exumação.
Como se sabe, agora são facultados ao Ministério Público e às partes a indicação de assistentes técnicos
durante o curso do processo judicial que poderão apresentar seus pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser
inquiridos em audiência. Quando ainda no Inquérito Policial, na produção de provas, este médico não teria as
prerrogativas elencadas na Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, que altera o artigo 159 do Código de Processo
Penal. Trata-se apenas de uma forma de segurança que tranquiliza o periciando ao ser examinado pela pericia
oficial. Isto não é desdouro ou ofensa à credibilidade do órgão periciador, nem muito menos a quem o examina.

10. Exigir a presença ou a ausência de familiares e advogados durante os exames. Quanto à presença de
um familiar durante o exame pericial tudo faz crer não existir qualquer rejeição, principalmente quando isto se
verifica a pedido do examinando. Todavia, quanto à presença de um advogado a questão é muito controvertida.

Mesmo assim, entendemos que a Lei n.º 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da
Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil — OAB, em seu Capítulo II — Dos Direitos do Advogado, artigo 7.º,
diz em seu item VI, letra c, que são direitos do advogado “ingressar livremente em qualquer edifício ou recinto em
que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou
informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde
que se ache presente qualquer servidor ou empregado”.
Para tanto seria necessário que o advogado devidamente habilitado naquela ação, se esta é a vontade do
seu assistido, não lhe cause constrangimento, desde que o advogado entenda que o perito necessita exercer suas
atividades com total liberdade e independência, que não pode ter participação ativa, e sim discreta e sem causar
confrontos. Isto amplia a lisura e a transparência dos atos do inquérito ou do processo.”

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DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRANÇA, Genival Veloso, Trechos da Palestra na abertura aos alunos de graduação do curso de Direito da UFPB,
João Pessoa, 28 de novembro de 2012, A MEDICINA LEGAL COMO NORTEADORA NA BUSCA DA VERDADE REAL;
KOMPARATO, Fábio Conder,, A afirmação histórica dos direitos humanos, 7ª Ed, 2010.
LAFER, C. A Reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo. Companhia das Letras, 1991.
MAXWELL, Kenneth. A Conspiração Baiana de 1798, publicado no jornal Folha de S. Paulo em 26 de julho de 1998,
caderno 6, p. 5 e SS.
MES Pensées, em OeuvresCompètes, Paris,Gallimard, v. 1, p.981
MORAIS, Alexandre de; Direitos humanos fundamentais, São Paulo:Atlas, 1997.
PIOVESAN, Flávia, Temas de Direitos Humanos, Ed. Saraiva, 10ª Ed.
RIALS, Stéphane, cit. P. 350-1
ROBESPIERRE, Discourset Rapports à la Convention, Paris, Union Généraled´Editions, 1965.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes; O Direito à Vida Digna, Ed. Forense, Belo Horizonte, 2004.
SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela e Piovesan, Flávia. Igualdade, Diferença e Direitos Humanos, Ed. Lumen Juris,
Rio de Janeiro, 2010
Guia de Direitos Humanos – Conduta Ética, Técnica e Legal para instituições policiais militares – Secretaria de
Direitos Humanos SEDH
Trata-se de um manuscrito não autógrafo que se encontra registrado sob nº 14192 na biblioteca nacional da
França
Convenção de Viena sobre direito dos tratados, art. 53
Guia de Direitos Humanos – Conduta Ética, Técnica e Legal para instituições policiais militares – Secretaria de
Direitos Humanos SEDH
Documentos históricos: http://www.sedh.gov.br

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