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OEI - Programación - CTS+I - Sala de lectura -
CAPÍTULO 3
A sociedade vive, mais do que nunca, sob os auspícios e domínios da ciência e da tecnologia, e
isso ocorre de modo tão intenso e marcante que é comum muitos confiarem nelas como se confia
numa divindade. Este comportamento ficou de tal forma arraigado na vida contemporânea que
fomos levados a pensar desta maneira durante toda nossa permanência nos bancos escolares. A
lógica primordial do comportamento humano é a lógica da eficácia tecnológica; suas razões são
as razões da ciência. As notícias do dia-a-dia exacerbam as virtudes da ciência e da tecnologia;
os produtos são vendidos calcados nas suas qualidades embasadas em depoimentos 'científicos'.
É uma relação tão profunda a que se estabelece entre a sociedade e as máquinas que se traduz
em incoerência e grave omissão as escolas de engenharia não procurarem ter uma atuação mais
presente nas análises de seus resultados.
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Na continuidade destas constatações, uma citação de Moles é importante porque procura mostrar
que, independente do conhecimento das implicações da ciência e da tecnologia na sua vida
cotidiana, o homem cultiva uma relação de dependência na tentativa de se ‘manter’ atualizado
com os problemas contemporâneos:
“Quer ele penetre ou não dentro dos segredos do pensamento científico, este ‘pequeno homem’
prefere para o seu conforto intelectual adorar as vacas sagradas da nova religião contemporânea.
Há muitas delas, há uma mistura da ‘relatividade’, Einstein, Oppenheimer, com Monod e o
inventor do náilon, os ‘laboratórios’ longínquos onde se destila a magia etc., em torno de seres,
de lugares e de coisas incompreensíveis. Ele coloca a seu alcance ao mesmo tempo respeito e
hostilidade. Certamente, ele tem maior respeito pela lista vertiginosa dos miligramas de cátion
com nome grego sobre a etiqueta de água mineral que ele consome em sua mesa como
indicações do doutor — em medicina: ele confunde alegremente a ciência do professor que
assinou a etiqueta com a saúde física que ele retirará de seu consumo — técnica biológica. É, de
maneira muito exata, o que se pode chamar de kitsch: os aspectos decorativos do vocabulário
químico-latino tomando o lugar de funções que ele não compreende e não se espera mesmo que
compreenda esse kitsch que se manifesta no jaleco branco ou no diploma de doutor, que às
vezes pode até ser perigoso. Não é necessário insistir aqui sobre o potencial fenomenal da caixa
de ressonância televisiva e de todas as mídias conjugadas para sustentar uma visão científico-
prática da virtude cívica — ‘façam tal coisa...’ — que se reduz dentro da vida cotidiana a uma
coleção de respeitos a proibições — ‘a carne grelhada dá câncer...’ —, de imposições —
‘coloquem os cintos de segurança’ —, de admirações beatas — ‘Freud, Einstein, Marx’ — em
todos os pontos comparáveis às religiões das quais o homem tinha acreditado libertar-se
substituindo-as pela — deusa — Razão” (Moles, 1995, p. 358).
“Primeiro, a tecnologia é uma amiga. Torna a vida mais fácil, mais limpa e mais longa. Pode
alguém pedir mais de um amigo? Segundo, por causa de seu relacionamento longo, íntimo e
inevitável com a cultura, a tecnologia não convida a um exame rigoroso de suas próprias
conseqüências. É o tipo de amigo que pede confiança e obediência, que a maioria das pessoas
está inclinada a dar porque suas dádivas são verdadeiramente generosas. Mas é claro, há o lado
nebuloso desse amigo. Suas dádivas têm um pesado custo. Exposto nos termos mais
dramáticos, pode-se fazer a acusação de que o crescimento descontrolado da tecnologia destrói
as fontes vitais de nossa humanidade. Cria uma cultura sem uma base moral. Mina certos
processos mentais e relações sociais que tornam a vida humana digna de ser vivida. Em suma, a
tecnologia tanto é amiga como inimiga [...]” (Postman, 1994, p. 12) .
Essas colocações, aliadas a muitas outras que por questões óbvias não podem ser todas
expressas aqui, já são motivo suficiente para pensarmos estas implicações sob outros ângulos
nas questões educacionais. Sem nos deixarmos levar pelo passionalismo das análises
direcionadas por interesses individuais, sen-timos como inadiável semelhante tarefa, sempre
procurando deixar claro que não se pode, contudo, colocar a tecnologia como uma arma
perigosa, quem sabe como um míssil, apontada para a cultura ou para a sociedade como se elas
fossem um alvo ambulante frágil e desamparado. Estas ponderações precisam ser
constantemente trazidas à baila para não se cair na ingenuidade de achar que as técnicas vêm
de outro mundo, do mundo das máquinas, frio, sem emoção, estranho a todo significado e valor
humanos, como tende a pregar, em determinadas situações, uma certa tradição intelectual. Se
este questionamento ativo acontecer estaremos objetivando um estudo maduro nesta direção,
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afirmando que não só as técnicas são imaginadas, fabricadas e reinterpretadas para uso dos
homens, mas que é a própria utilização intensiva das ferramentas que constitui a humanidade.
Esta visão, que é notória no entendimento do senso comum, felizmente tem-se alterado para um
número cada vez mais expressivo de pessoas que vêem nela um mito que precisa ser trabalhado
para a sua erradicação. Essas pessoas começam a ter clara a consciência de que a ciência e a
tecnologia têm feito o homem mais feliz, mas que, junto com isto, possuem a capacidade de
também destruí-lo. Inúmeras obras escritas com tais abordagens nas últimas quatro décadas,
entre as quais pode-se citar Um mundo feliz, de Aldous Huxley, são testemunhas desta posição
mais reflexiva de 'progresso' que se concede à ciência, não somente como libertadora, mas sim,
em determinadas situações, como desumanizadora e escravizadora da vida humana.
Mesmo assumindo que no início, quando semelhantes discussões surgiram, tenha-se dado lugar,
na maioria das vezes, a severas críticas, inclusive muitas vezes infundadas, em relação à ciência
e à tecnologia, hoje tem-se a possibilidade e a razão suficiente para compreender as suas
riquezas e complexidades, as oportunidades que oferecem e, sem dúvida, também os perigos
que possuem. No entanto, apesar desta razão que surge, ainda existe uma certa letargia por
parcela dos seus usuários que pensam que elas só têm dados positivos a oferecer e que as suas
conseqüências são fatos cujo uso deve ser aceito como inevitável. Isto tem contribuído para que
se perca uma rica oportunidade para melhorar a sua compreensão.
Não se pode crer, no entanto, que apenas uma maior vontade de educar em ciência e tecnologia
seja suficiente para resolver os inúmeros problemas que estas questões arrastam consigo.
Principalmente quando, se é que isto efetivamente ocorre, esta vontade se apresenta da forma
como tem-se configurado nos currículos dos cursos de engenharia, perpetuando-se o
internalismo tecnicista2. Igualmente se estaria dando uma resposta vazia; fracassaria por não
levar em conta a estrutura inerente de valores ideológicos que a ciência e a tecnologia carregam
do contexto social.
O que se pretende, na realidade, é alcançar uma compreensão cada vez mais sofisticada dos
mecanismos internos e externos da ciência e da tecnologia e, por extensão, da engenharia,
situando tal compreensão no contexto de uma interpretação de ambas, ciência e tecnologia,
como processos sociais. Isto precisa ser feito verificando-se, em algumas situações, o caráter
ambiental3 e socialmente destrutivo de muitas das atividades inerentes a estes processos. Neste
objetivo é preciso reconhecer, como essencial para a própria sobrevivência da ciência e da
tecnologia, os danos4causados pela sua utilização, e não apenas minivalorizá-los como efeitos
secundários ou conseqüências não previstas.
Somente quando a 'alfabetização em ciência e tecnologia' for entendida neste contexto mais
amplo poderá haver uma esperança real de que a configuração do nosso mundo futuro será
traçada por um eficiente controle público, de modo que os processos científicos e tecnológicos
beneficiem verdadeiramente a humanidade. Porém, dentro desta tentativa de se proporcionar
uma alfabetização em ciência e tecnologia, é necessário antes procurar decifrar o que se entende
por analfabetismo científico-tecnológico. É a esta pergunta que Javier Gómez Ferri e Juan F.
Ilerbaig Adell procuram responder através do artigo ‘Ciencia, tecnología y sociedad. Alternativas
educativas para un mundo en crisis’. Eles dizem que:
“A tentativa para eliminá-lo passa, em primeiro lugar, por uma proposta que tem a finalidade de
fazer frente às necessidades e carências com que se encontra a sociedade devido ao rápido
avanço científico-tecnológico. A onipresença da tecnologia no mundo atual, aliada à sua maior
complexidade, dá lugar a uma situação bastante problemática [...]. Distintas propostas — mais ou
menos elaboradas — de alfabetização científico-tecnológica têm pretendido materializar a crença
amplamente estendida de que é através do âmbito educativo que se pode enfrentar esta situação
problemática” (Ferri & Adell apud Medina & Sanmartín, 1990, p. 135).
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Cada uma destas propostas responde, em grande parte, a uma análise distinta onde pode ser
encontrada a chave do problema. Conforme menos simplistas sejam estas considerações, menos
ingênuos serão os tipos de alfabetização defendidos. Leonard Waks, em ‘Educación en ciencia,
tecnología y sociedad: orígenes, desarrollos internacionales y desafíos actuales’ (Medina & San-
martín, 1990), defende a alfabetização tecnológica para a participação efetiva dos cidadãos nas
decisões de caráter político.
A expressão 'alfabetização científica e tecnológica' está sendo usada para denominar um objetivo
educativo fundamental em diversas análises e informes políticos. Quase todos os autores que
trabalham estes assuntos estão de acordo em que deveriam existir níveis mínimos de
aprendizagem sobre ciência e tecnologia para todos os estudantes, em que o estudo da ciência
deveria estar conectado ao de tecnologia e suas conseqüências sociais.
Não é mais possível, e muito menos indicado, que se fique, como alguns opinam, num estado
permanente de contemplação à espera do inexorável desenvolvimento científico-tecnológico. Este
comportamento apassivado leva ao pensamento de que a questão científico-tecnológica,
independentemente de suas repercussões, é inerente a esta fase de desenvolvimento humano, e
que, à medida que a própria ciência e a tecnologia se desenvolvam, os problemas por elas
causados serão automaticamente superados. É bastante claro que, potencializando os conteúdos
dentro desta área, nos mais distintos níveis educativos, conseguir-se-á incrementar o grau de
'cultura científico-tecnológica'. Deste modo, será crescente o número de cidadãos que se sentirão
atraídos pela sua produção e, o que é mais importante, pela reflexão permanente de seus
resultados. Talvez desta forma, com análises bem fundamentadas, a atração pelos campos da
pesquisa em ciência e tecnologia será mais substancial, inclusive como atividade profissional, e
então sim os problemas causados por elas serão corrigidos por uma ‘tecnologia melhor’.
Apesar de todas as boas intenções é necessário reconhecer as limitações que esta tarefa impõe.
Uma destas limitações vem da inexorabilidade da utilização de certos artefatos que parece
escapar da nossa escolha, ou do nosso controle, por estar sujeita a um 'entrincheiramento
tecnológico'. Este termo, muito procedente para analisar este aspecto, realça que as tecnologias
entrincheiradas são aquelas profundamente arraigadas em nosso tecido sócio-econômico e em
nossas formas de vida.
O melhor argumento5, mesmo que anacrônico e defeituoso, com que parecem contar certas
tecnologias para seguir entre nós é que elas já se encontram no nosso meio e, ademais, seria
extremamente difícil sua erradicação. Nesta situação são incluídas algumas conquistas sociais
bem conhecidas, como a televisão, a energia elétrica, o rádio ou um sistema de transporte, já
inerentes à vida social. São tecnologias fortemente solidificadas em nossos contextos, no sistema
sócio-econômico e na organização social. Deste modo, parecem escapar à nossa capacidade de
escolha e controle. No entanto, uma avaliação com antecedência e a monitorização do
desenvolvimento de novas tecnologias6, assim como a promoção da participação pública em tal
controle, podem contribuir para a prevenção de novos entrincheiramentos e seus conseqüentes
efeitos negativos (González, López e Luján, 1996).
Quando realço este fato, que me parece inexorável, não pretendo colocá-lo como algo nocivo,
mas sim como algo posto ao comportamento humano e que carece apenas de algum controle e,
em certas situações, de adaptações para que continue socialmente aceitável.
Continuando neste raciocínio surge como surpreendente o fato de que quando se trata de uma
avaliação crítica literária ou teatral ou, mais ainda, quando se faz referência a qualquer obra de
arte, todas as pessoas envolvidas no processo entendem tal atitude como positiva. Um crítico
literário examina uma obra analisando sua abrangência, avaliando sua qualidade, buscando uma
apreciação mais profunda que possa ser útil para outros leitores do mesmo texto. Algo similar
acontece com os críticos musicais, teatrais, artísticos. Em geral eles desempenham um papel
valioso e claro, apontando situações importantes entre os produtores e seus consumidores. No
entanto, todos os que, de maneira semelhante, pensam em tecer comentários acerca das
questões científico-tecnológicas, que poderíamos chamar como uma espécie de críticos de suas
ações e repercussões, envolvendo-se nos modelos e problemas básicos de nossa cultura, são
tachados rapidamente de antitecnologistas, arautos do atraso da evolução humana ou outros
impropérios que os intimidam em suas ações, provocando, com isso, a retirada imediata de
semelhantes discussões da pauta das responsabilidades sociais (Winner, 1987).
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Este tipo de comportamento, que conduz a um conformismo e a uma falta de avaliação crítica
indispensáveis, torna-se mais agudo para nós brasileiros, como também para todos os outros
habitantes de países em desenvolvimento7, que vivemos em constantes dúvidas,
questionamentos e assombros quanto à utilização e ao desenvolvimento da ciência e da
tecnologia. Os problemas aqui são mais prementes. Uma pergunta, entre muitas outras, por sua
pertinência, se faz presente: é mais importante estar de acordo com os parâmetros internacionais
em termos de pesquisa de ponta, ou é mais importante nos recolhermos a um contexto que ainda
clama por soluções, muitas vezes rudimentares, de simples aplicações de técnicas já prontas?
O Brasil é rico em exemplos de projetos científico-tecnológi-cos8 que 'fizeram água' por terem
sido 'analisados' somente por burocratas fechados em seus gabinetes, destituídos portanto de
embasamentos realísticos que pudessem levá-los a uma decisão de caráter menos 'tecnicista'. E
o pior é que a engenharia nacional nem pode se queixar muito de semelhante situação, pois as
escolas não formavam, e ainda não formam, cidadãos críticos com trânsito suficiente nas
questões políticas e sociais para travarem semelhantes debates com a comunidade de dirigentes
da nação.
Sejam quais forem as justificativas, os poucos estudos realizados até hoje tendem a mostrar que
não existem autênticas comunidades científico-tecnológicas nos países em desenvolvimento. O
estímulo e a inspiração, quase sempre afastados das necessidades mais prementes da
população, na grande maioria das vezes são importados de países com outras realidades.
Jacques Gaillard faz interessante análise em seu artigo 'A ciência do terceiro mundo entre dois
mundos' (Witkowsky, 1995), quando defende o surgimento de comunidades científico-tecnoló-
gicas contextualizadas às necessidades primeiras de sua população. Não defende no entanto que
estas comunidades fiquem alheias às mais recentes conquistas do mundo atual. Nesta mesma
referência, Xavier Richet com 'As políticas científicas nos regimes socialistas', Évelyne Dourille,
com 'A política japonesa de pesquisa-desenvolvimento', e Jacques Varet, com 'China, uma
pesquisa incerta', produzem semelhantes reflexões.
A tecnologia, com maiores ou menores impactos, tem conformado nossa vida. Estamos à mercê
de sistemas interconectados, transistores, bytes, hardware, software e, o que é grave, estamos
nos sentindo subservientes à sua autoridade, moldando-nos ao seu funcionamento. Isto nos
converte, gostemos ou não, em participantes de uma nova ordem na história, acantonando-nos
num sistema tal que nos coloca face a face com uma cultura que podemos chamar de
'tecnopolista'9, sujeitando-nos ao que Winner, pertinentemente, chamou de ‘sonambulismo
tecnológico’.
Este sonambulismo vem ao encontro de tudo que exaustivamente é repetido ao longo destas
argumentações e tem estreita ligação com a forma como a sociedade se relaciona e se comporta
frente à tecnologia. Em corroboração a estes aspectos não é incomum que ainda não se
encontrem respostas para certas perguntas que constantemente estão postas à nossa avaliação.
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Por que é tão difícil a elaboração de uma filosofia da tecnologia? Por que uma cultura tão
firmemente embasada em incontáveis instrumentos, técnicas e sistemas sofisticados permanece
imutável no que se refere à resistência em examinar os próprios fundamentos de todos estes
aparatos criados pela tecnologia? Winner parece colocar algumas questões que podem começar
a dar uma resposta a este sonambulismo tecnológico. Diz ele:
Para contra-argumentar este sonambulismo ameaçador apontado por Winner, uma citação de
Munford, em Qué es la filosofía de la tecnología, de Carl Mitcham, ajuda a desmistificar a
supervalorização das potencialidades da tecnologia em detrimento dos valores humanos:
“Se todos os inventos mecânicos dos últimos cinco mil anos fossem apagados de repente,
haveria uma catastrófica perda de vida; mas o homem continuaria sendo humano. Por sua vez,
se se eliminasse a faculdade de interpretar [...] a terra inteira desapareceria mais depressa que a
visão de Próspero e o homem sumiria num estado mais desamparado e brutal que o de qualquer
animal: próximo à paralisia” (Munford apud Mitcham, 1989, p. 55).
Outros argumentos que Winner sustenta para justificar esta dificuldade em se avaliar com mais
crítica conseqüências da tecnologia têm estreita ligação com o comportamento do ensino
tecnológico:
“Existem outras razões para que a filosofia da tecnologia nunca tenha tido muita aceitação.
Segundo o ponto de vista convencional, a relação humana com os objetos técnicos é
demasiadamente óbvia para merecer uma reflexão séria. Causa decepção a noção razoável que
herdamos de tempos distantes e menos complicados: a que divide a gama de possíveis
interesses acerca da tecnologia em duas categorias básicas: fazer e utilizar. Na primeira a
atenção se centra em ‘como funcionam as coisas’ e em ‘fazer com que as coisas funcionem’.
Temos a tendência de pensar que esta é uma atração para certas pessoas em determinadas
ocupações, porém para ninguém mais. ‘Como funcionam as coisas’ é o terreno dos inventores,
dos técnicos, dos engenheiros, dos mecânicos de manutenção, etc., que preparam instrumentos
artificiais para a atividade humana e os mantêm sempre em bom funcionamento. Se pensa que
aqueles que não estão diretamente envolvidos com nenhuma das diversas esferas do ‘fazer’ têm
pouco interesse ou necessidade de conhecer os materiais, os princípios ou os procedimentos que
incluem estas esferas” (Winner, 1987, p. 21).
Uma razão forte e irrefutável que pode nos levar a tentar ‘acor-dar’ deste ‘sonambulismo
tecnológico’ vem novamente de Winner:
“[...] a experiência da sociedade moderna nos mostra algo, que as tecnologias não são simples
meios para as atividades humanas, e sim também poderosas forças que atuam para dar nova
forma à dita atividade e ao seu significado. [...] As alterações difundidas através das técnicas de
comunicação, transporte, fabricação, agricultura, etc., são em grande parte o que distingue nossa
época dos períodos anteriores da história humana. A classe de coisas que tendemos a considerar
‘meras’ entidades tecnológicas se fazem muito mais interessantes e problemáticas se
começamos a observar que grande influência têm nas condições de vida social e moral” (Winner,
1987, p. 22).
Na realidade, a ciência e a tecnologia não estão apenas conformando as nossas vidas para
melhor mas também, em muitas situações, fazendo-as mais perigosas. Percebemos a própria
realidade através de máquinas e artefatos, e também tanto o mundo externo como o que termina
dentro de nossos corpos e mentes. Concebemo-nos a nós mesmos da forma como em grande
parte de nossa existência nos foi posto e ensinado: como complexas máquinas físico-químicas
com um cérebro que, segundo investigações realizadas nas últimas décadas, tem resultado
análogo a um potente e complicado computador. Parece que a partir da Revolução Industrial a
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própria construção coletiva da vida social está sendo conformada como se conformaram as
máquinas, seguindo um modelo instituído por Adam Smith e consubstanciado na sociedade
contemporânea (González, López e Luján, 1996).
Uma experiência da sociedade moderna ressalta esta moldagem a que estamos nos submetendo
quando mostra que estas tecnologias não são simples meios para as atividades humanas, mas
sim poderosas forças que atuam para dar uma nova forma a estas atividades e ao seu
significado. A introdução de um robô numa linha industrial não só aumenta a produtividade mas,
em grande parte, modifica radicalmente o processo de produção e, muitas vezes, redefine o
significado de trabalho neste lugar.
Quando se adota uma nova técnica ou instrumento sofisticado na medicina, transforma-se não
somente o que os médicos fazem mas também a forma de pensar das pessoas acerca da saúde,
da doença e da atenção médica. Todas estas alterações ajudam e nos empurram a modelar
nossa vida de acordo com o desenvolvimento científico-tecnológico.
Não é incomum, fundamentados nestas determinações, que muitas vezes nos comportemos
como as máquinas ou, ao menos, nos utilizemos de suas limitações para justificar nossas falhas
humanas. Algumas expressões10— e nas escolas que trabalham com tecnologia este
comportamento é muito mais presente — que usamos automaticamente relatam a nossa visão de
mundo, a auto-imagem como pessoas e outras razões importantes de nossas vidas, que são
traçadas, determinadas e, em certas ocasiões, até definidas pela valorização extremada que se
imputa às questões científico-tecnológicas.
Na relação entre capital e trabalho o trabalhador ou operador individual é analisado quase como
uma peça componente de um equipamento industrial; é visto como um 'artefato sensor', ligado a
um 'mecanismo computacional' e a 'conexões mecânicas'. Isto é o que a indústria moderna faz na
sua parte de moldar a sociedade atual; o trabalho é usado como algo intercambiável e o
progresso é concebido para aumentar indefinidamente o número de tarefas que podem ser
efetuadas pela máquina. Neste embate constante o triunfo final é obtido quando todos os
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componentes humanos tenham sido substituídos por seus similares mecânicos e eletrônicos
(Pacey, 1990).
Estas novas concepções levam-nos a indagar em que condições econômicas, políticas e culturais
estão sendo produzidas, mostrando que é preciso tornar possível o exame das relações entre os
saberes e as aplicações técnicas, entre as práticas tecnológicas e suas repercussões, entre as
políticas e as ideologias; que é preciso observar, para poder então interferir, como esses saberes
contribuem para a solução das questões éticas e humanas e, ainda, de que forma a ciência e a
tecnologia fazem parte do mundo contemporâneo.
O engenheiro, o advogado, o médico, enfim, o cidadão comum precisa saber das implicações que
tem o desenvolvimento tecnológico nas mudanças geradas na nossa forma de vida. Precisam
desmistificar, no seu cotidiano, a ‘pseudo-autoridade’ científico-tecnológica de alguns iluminados
que por terem tido acesso a uma educação mais apurada, por questão também de oportunidade
e não apenas de competência, decidem os destinos de todos os que, como eles, fazem parte de
uma sociedade. O homem comum, o usuário, deve também saber se é preciso desenvolver ou
adotar todas as tecnologias modernas — antes de apenas moldar-se a elas — dominadas por
outros países mais avançados, dentro de um contexto tão diferenciado. Ele precisa inferir se as
necessidades de um povo só serão alcançadas com tecnologias de ponta ou, ainda, se o
desenvolvimento tecnológico implica, necessariamente, desenvolvimento humano.
Toda vez que a evolução da espécie humana é trazida a discussão, os marcos utilizados para sua
definição são evocados prioritariamente por questões técnicas — pelos artefatos —, que parecem
distantes das humanas. Recorre-se sempre a expressões como a 'era da pedra', a 'era do
bronze', a 'era do ferro', a 'revolução industrial', a 'era do computador'. A existência deste
paradigma se apresenta clara. Ele não nasceu por uma questão de modismo temporário e sim
por uma questão inerente ao desenvolvimento cultural do ser humano. Esta interpretação, de
associar progresso humano linearmente ao desenvolvimento técnico, configura-se em algo
bastante complexo porque direciona a forma como a evolução da civilização é abordada na
sociedade e na escola. Por este motivo, a sua remoção pura e simples de nossos métodos
educacionais se reveste de extrema dificuldade. Querer incutir de pronto que desenvolvimento
técnico não significa necessariamente desenvolvimento humano, entre os cidadãos,
principalmente dentro de uma escola de engenharia, que foi criada sob esta lógica, não parece
ser a tática mais indicada. É necessário que se procure avaliar, em tais escolas e na sociedade, o
que realmente significa avanço e evolução humana.
Foi com muita tenacidade que grupos dominantes, sempre apoiados em uma ideologia
tecnocrática12, sentiram a necessidade de impregnar na sociedade contemporânea tal
comportamento. Mesmo com evidências contrárias do desenvolvimento humano e social ao longo
da história, a cultura que domina a sociedade continua atribuindo às questões científicas e
tecnológicas a razão maior da felicidade humana.
No Ocidente, o afã do homem moderno por construir máquinas e todo e qualquer artefato na
busca de conquistar a natureza lhe facultou a possibilidade de elaborar uma tese discutível hoje,
mas que sempre pareceu absolutamente incontestável desde a revolução científica. Ela procura
evidenciar que a construção e a utilização de ferramentas têm sido fatores imprescindíveis e
essenciais na evolução do homem. Esta tese, no entanto, parece contraditória e não se baseia
em aspectos empíricos, que são fundamentos determinantes do cientificismo13. Estes aspectos
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refletem o fato de que os artefatos e ferramentas não são algo perene e sempre se mostraram
frágeis ao longo do tempo.
É motivo preocupante e de análise, a par do que foi exposto, o objetivo desta tentativa de sempre
valorizar mais o aspecto técnico — ou ferramental — do que os aspectos humanos no desenrolar
da história. Afinal de contas, neste desenvolvimento contínuo, a maior razão do sobreviver do
homem foi ele mesmo. Utilizando seus membros e órgãos corporais, combinados com as mais
diversas formas de cooperação, ele realizou um grande número de atividades tecnológicas —
atividade tecnológica assumida aqui como um comprometimento com outras atividades humanas
e não puramente como desenvolvimento de artefatos ferramentais — que lhe permitiram
possibilidades de ações diferentes no ambiente em que vem vivendo.
Esta visão — hoje felizmente não mais hegemônica — de considerar a criação de artefatos como
a principal causa do desenvolvimento humano tem algumas conseqüências graves. Dentre elas,
uma subestima as culturas arcaicas mas ainda contemporâneas — leia-se Terceiro Mundo — em
virtude do desenvolvimento mais frágil de suas técnicas de elaboração de ferramentas e
processos, mesmo que tenham isoladamente construído sofisticados sistemas científicos, muitos
dos quais intangíveis na prática.
Outra destas conseqüências é a constituição do que, como já foi comentado, Winner denominou
'sonambulismo tecnológico', quando a sociedade se submete humildemente a cada nova
exigência da tecnologia14 e utiliza sem questionar todo novo produto, seja ele positivo ou
negativo para uma melhora real. Neste clima a tecnologia sempre é uma resposta, mesmo que a
sociedade não tenha feito nenhuma pergunta. Não importa que uma resposta tecnológica —
mesmo sem perguntas — possa criar problemas porque se confia que outra inovação lhe
prescreverá remédio. Para reforçar a afirmativa, pode-se dizer que, pelo menos na última
situação, gerou-se uma resposta a um problema existente, mesmo que ele seja decorrente de
uma resposta onde não havia pergunta (Revilla, Márquez e Stingl, 1993).
Alguns autores, talvez procurando ser mais enfáticos, utilizam o termo ‘determinismo tecnológico’
e ainda ‘imperativo tecnológico’. Parece, no entanto, que o termo utilizado por Winner reflete
melhor esta ‘alienação’ em relação aos superpoderes que a ciência e a tecnologia assumem em
nossa vida. Por supor que Winner utiliza este termo na tentativa de salientar com ênfase que a
inovação tecnológica realmente não é a causa fundamental das mudanças sociais e muito menos
a razão única do desenvolvimento humano, e que por isso não devemos sentar-nos e observar o
desenrolar deste processo inevitável, posicionamento com o qual concordo, prefiro usar uma
noção mais reveladora, salientando que mesmo conscientes — ao menos alguns de nós — de
que a tecnologia não tem tal poder, continuamos caminhando, ‘dormin-do’ voluntariamente, sem
notar o processo de reconstrução das condições da existência humana que ela vem produzindo.
Este enfoque permite um maior alento e reforça as convicções que assume-se com este trabalho:
Por que não acordar?
O complexo conjunto de relações e interações que um ensino nesta direção requer conduz a um
problema que só parece ter uma solução através da interdisciplinaridade15 efetiva entre vários
campos de saber. Isto se configura numa aposta importante para quebrar a excessiva rigidez
existente entre as diversas comunidades profissionais que se agarram aos seus ditames culturais,
não dando guarida a uma provável renovação, consubstanciada no entrelaçamento dos mais
diferentes matizes do conhecimento. Fazer isto com êxito significa desenvolver uma
compreensão tanto de caráter geral — interdisciplinar — quanto com exemplos específicos —
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Levando a argumentação para outro lado, não é necessário converter os estudantes de outras
áreas em tecnólogos ou engenheiros. Só é necessário, em ambos os casos, fazê-los entender a
necessidade de se ter consciência das relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Esta é uma
compreensão que se pode conseguir de maneira geral em nível teórico e que pode ser apoiada,
na prática, com exemplos específicos e apropriados na área de engenharia, com critério, para
que possa refletir os problemas e questões que estão sendo considerados no contexto (Cutcliffe
apud Medina & Sanmartín, 1990).
Para isso é preciso acabar com o hiato existente principalmente entre o campo do conhecimento
tecnológico e o campo de conhecimento das ciências sociais. Nossa sociedade sempre deixou
transparecer a existência de uma crescente separação entre duas culturas16 que constantemente
resultou num entrave para a aproximação indispensável entre os mais diversos campos de saber.
A idéia de que o desenvolvimento humano é função linear do progresso técnico vem sendo
sustentada há muito tempo, querendo estabelecer que este progresso arrasta inexoravelmente
consigo a sociedade humana. E isto estabeleceu culturalmente o que se pode chamar de
'misticismo pela máquina'17, que influenciou sobremaneira o ensino de engenharia quanto aos
seus propósitos. Um destes propósitos tomou a direção de optar por especialistas em
determinados assuntos estanques da tecnologia. Isto se refletiu na formação de um profissional
que resolve os problemas com as mais complexas variáveis, também de ordem social, somente
na direção da eficiência da máquina. Foi esta concepção que gerou com graves repercussões
nas escolas de engenharia a cultura oculta que, como bem retratou Lewis Thomas, podemos
chamar de 'tecnologia insuficiente'18.
Toda esta mistificação da máquina e da tecnologia que parecia realmente ser os fatores
primordiais que definiam o progresso humano foi rompida pelas explosões das bombas atômicas
na Segunda Guerra Mundial, em Nagasáqui e Hiroshima. Estavam acesos os estopins da
inversão da discussão do lado apenas positivo e idealizado para a questão realista da tecnologia.
Um clima de crise e dúvida em relação a ela veio à tona19. Os grupos periféricos ganharam
espaço pregando que, junto com as benesses da tecnologia, vinham o napalm, os desfolhantes, a
radioatividade, a bomba atômica. A tecnologia passou a ser encarada também como antivida e,
em determinadas situações, como fora de controle. Nascia então a necessidade do surgimento de
uma nova área no campo de conhecimento que pudesse interpretar e conhecer estas relações
que começavam a definir novos rumos para a civilização.
Na ânsia de superar este aspecto cultural evidente, foi-se ao outro extremo do problema,
marcando presença forte o fato de que a maior parte da literatura nas décadas de 50 e 60 — e
assim permaneceu até meados dos anos 70 — era antitecnológica. Isso se refletiu em grande
parte nas propostas da primeira geração das conhecidas disciplinas CTS, que se preocupavam
com a ciência e com a tecnologia. Elas tentavam instruir os estudantes de ciências e engenharia
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sobre o verdadeiro impacto social de seu trabalho, mas o faziam de forma um tanto parcial,
prejudicando as finalidades de tais projetos.
Muitos dos primeiros cursos e programas planejados para os estudos de CTS, apesar das suas
limitações e, em certas vezes, com abordagens equivocadas, começaram a despertar o interesse
em todas as áreas de conhecimento. Eram, a essa altura, dirigidos a todos os estudantes,
inclusive os da área de engenharia. Dada a diversidade de interesse, e a partir de seus
aprofundamentos, estes estudos partiam de uma interpretação que definia a ciência e a
tecnologia como processos humanos, sendo ambas fortemente influenciadas, conformadas e
desenvolvidas por valores sociais que, por sua vez, eram afetados pelos impactos derivados do
conhecimento científico e das inovações tecnológicas (Cutcliffe apud Medina & Sanmartín, 1990).
A impressão que se pode tirar do fato de outros campos de conhecimento terem tido a
preocupação na análise sociológica da tecnologia, e até certo ponto terem tomado a iniciativa de
tal ação, provocou algum espanto em parte dos tecnólogos, que se sentiram acuados em seus
conhecimentos tecnicistas e pro-curaram irrelevar a forte tendência da análise dos impactos
sociais da ciência e da tecnologia no início dos anos 70.
Faça-se um pouco de justiça: este acuamento não foi sem uma ponta de razão. A literatura indica
isso em vários trabalhos publicados na época, em que as análises dos sociólogos da ciência
eram, em muitas situações, feitas com uma dose de passionalismo, colocando sempre a
tecnologia no banco dos réus. É natural que um certo grau de 'defesa' surgisse entre aqueles que
trabalhavam no desenvolvimento de artefatos tecnológicos. Este comportamento foi o que gerou
a rivalidade classificada por Snow como as duas culturas e que, indubitavelmente, proporcionou
um atraso considerável nas análises necessárias dos impactos da ciência e da tecnologia.
Dessa forma, na década de 90, ainda com a preocupação centrada nestes aspectos, porém com
as análises e reflexões bem melhor sedimentadas, alguns autores tentam fazer avaliações sobre
a tecnologia de uma forma diferenciada das comumente realizadas até então20, propondo uma
participação ativa e uma apropriação das tendências culturais das múltiplas comunidades para
fazer frente ao quadro social atual e futuro. Nesta realidade da situação, Waks argumenta que os
educadores deverão agora alocar menos tempo e atenção à educação geral e mais a projetos
para situações de aprendizagem especificamente direcionadas, tais como programas de meio
ambiente e serviço comunitário. Em suma, ele 'esquece' a responsabilidade jogada somente para
a escola tradicional, pregando que a solução para que enfrentemos as questões da tecnologia
estaria nas organizações populares.
Talvez esta análise de Waks possa ser reforçada pelas afirmações de Gérard Valeduc21, ao
analisar as respostas concedidas pelo grande público ao ser inquirido sobre questões relativas a
tecnologia e sociedade. A resposta mais veemente dada por este público — escolhido ao acaso
dentro de todas as camadas da população — se relaciona com a importância do ensino formal
neste processo todo, colocado em último lugar frente a outros como jornais, revistas, televisões,
na ajuda dispensada para poder influenciar nos rumos da ciência e da tecnologia.
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É inegável a contribuição que a ciência e a tecnologia trouxeram nos últimos anos. Porém, apesar
desta constatação, não podemos confiar excessivamente nelas, tornando-nos cegos pelos
confortos que nos proporcionam cotidianamente seus aparatos e dispositivos técnicos. Isso pode
resultar perigoso porque, nesta anestesia que o deslumbramento da modernidade tecnológica
nos oferece, podemos nos esquecer que a ciência e a tecnologia incorporam questões sociais,
éticas e políticas.
É importante ter sempre presente que nem tudo que se pode fazer tecnicamente, deve-se fazer
moralmente. Estas preocupações, estas relações e as diferentes interpretações que criamos no
tocante aos verdadeiros fins da tecnologia e o seu caráter neutro, que muitos lhes querem atribuir
no sentido de afastá-las das questões de ordem social e política, têm sérias repercussões na
forma como os conhecimentos são construídos nas escolas. Constituem, por isso, a abordagem
buscada neste item.
Os choques provocados por essas e por muitas outras novidades e acontecimentos relacionados
à tecnologia23 podem ajudar a compreender o que se passa na sociedade atual.
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Sugestão para encarar as novas tecnologias e trabalhar os seus impactos sem medos e sem
ufanismos: cautela, uma boa dose de reflexão de suas vantagens e limitações, e acima de tudo
uma contextualização das suas implicações. Se a revolução industrial causa problemas até hoje
sentidos — poluição, degra-dação ambiental, acumulação de capital, exploração de trabalho
humano — ela também permite confortos de que ninguém quer abdicar — medicamento,
televisão, carro, telefone, geladeira. Se a imprensa desempregou os monges copistas, ela
também permite hoje que cada aluno tenha o seu livro, que todos possam ler jornais diariamente
e que se montem bibliotecas em cada cidade ou em cada escola.
Em decorrência das interpretações dúbias que praticamente sempre estiveram presentes nestas
questões desde a revolução científica, um novo episódio importante vem estampado no conceito
de progresso ligado umbilicalmente ao desenvolvimento científico, que surge no projeto da
'Enciclopédia' de Diderot, por volta do século XVII. Nela se buscava recompilar todo o
conhecimento que existia disperso sobre a face da terra, dar a conhecer a sua estrutura geral aos
homens e, além disso, transmiti-lo àqueles que viriam depois. Continuava vivo na cultura humana
que o progresso era irreversível e que a ciência só poderia ser benéfica. No século XIX surge
novo reforço a esta afirmativa, agora através de Marx e outros pensadores que tiveram relevância
no desenvolvimento econômico e social (Revilla, Márquez e Stingl, 1993).
A revolução industrial, entre os anos 1750 e 1830, significou a grande expansão da tecnologia e
deu motivos para um conjunto de suposições em torno dela, fundamentalmente a crença de que a
ciência se traduz em tecnologia, a tecnologia modifica a indústria e a indústria regula o mercado
para produzir o benefício social. Esta concepção simplista, que poderíamos chamar de
concepção positivista da evolução humana, parece ter contribuído para que a análise da
neutralidade passasse com mais vigor da ciência para a tecnologia, por dois motivos: primeiro
porque sendo a tecnologia uma aplicação da ciência, esta análise abarcaria também as questões
científicas; a outra porque, em função de suas a-plicações diretas, a tecnologia estava muito mais
próxima dos resultados sociais.
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Depois desta suposta transferência de análise sobre a neutralidade, num período compreendido
entre os anos 1830 e 1890 — conhecido como a etapa da prosperidade — consolida-se de fato a
vinculação do progresso com a tecnologia, principalmente ostentada num fato de repercussão
universal na época: a primeira Exposição Mundial Industrial24, realizada na Inglaterra. A idéia de
progresso tecnológico associado ao desenvolvimento humano, a partir deste evento, tornou-se
definitivamente um artigo de fé para a humanidade.
É uma afirmação que reforça o discurso contemporâneo acerca da tecnologia como uma
ferramenta neutra facilmente manipulável para o uso humano (Gana, 1995).
A civilização ocidental continuava embalada por este 'canto da sereia', acreditando em tempos de
progresso desenfreado abarrotado de saldos positivos. Todas as eventuais conseqüências
negativas seriam corrigidas pela própria tecnologia. Afinal, como sua repercussão dependia
apenas da forma de utilização, parecia inconcebível que qualquer resultado não-positivo pudesse
decorrer dela.
O grande impacto, já realçado anteriormente, surgiria com uma atitude política que viria a abalar o
mundo. O homem usava um artefato tecnológico para produzir uma das maiores catástrofes da
história contemporânea. O domínio da natureza serviria para, através de uma forma de energia
acumulada, ceifar milhares de vidas com uma arma idealizada e construída pelo próprio homem.
Por mais hedionda que a explosão atômica tenha sido, ela ficou longe da análise crítica do
cidadão, porque também foi defendida, e sempre com a maestria peculiar daqueles interessados
em assim fazê-lo, como importante e boa por ter contribuído para estancar um dos maiores
conflitos humanos, a Segunda Guerra Mundial. Além disso, justificava-se a expansão do
desenvolvimento atômico como fundamental para a geração de energia limpa e não-poluente.
Continuava quase inabalável a crença na tecnologia como instrumento imprescindível de
desenvolvimento humano.
No século XIX, quando a civilização estava embevecida com o advento das novidades
tecnológicas, julgava-se ser a ciência uma grande aventura para o espírito humano e, mais do
que isso, um meio para libertar o homem da escravidão. Certamente precisávamos dela da forma
como nos era posta. Hoje, porém, e com as incertezas e suspeitas quanto aos efeitos da ciência
e da tecnologia, a crise de confiança e identidade sentida dentro dos próprios círculos científicos
é notável. Talvez — e é importante pensar assim — este aspecto seja devido à maior
preocupação dos próprios cientistas em escrever sobre a ciência e suas aplicações. Seus
resultados começam a não mais ficar circunscritos a poucos entendidos que decidem seus
destinos. Estas novas percepções estampadas dentro dos grupos que trabalhavam a ciência e a
tecnologia faziam nascer diferentes colocações sobre a representatividade destas atividades na
vida humana.
Como decorrência destes aspectos, nos anos 60 se registravam frases de ufanismos em relação
à ciência e à tecnologia, como esta, devida a Alvin Weinberg — diretor do Oak Ridge National
Laboratory, Tennessee —, reproduzida no livro Para que serve a ciência:
“Quando a história olhar para o século XX, verá a ciência e a tecnologia como seu tema [...] Verá
nos monumentos da Big Science — os enormes foguetes, os aceleradores de alta energia, os
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08/02/2019 Ciência, Tecnologia e Sociedade. E o contexto da educação tecnológica. Sala de lectura CTS+I
reatores de pesquisa de alto fluxo — símbolos da era, tão certamente quanto Notre Dame o é da
idade média” (Weinberg apud Dixon, 1973, p. 2).
Porém, nos anos 70 esta unanimidade já começava a fazer água, quando outros cientistas
vislumbravam algumas possibilidades emergentes de destruição ocasionadas pela utilização
indiscriminada da ciência e da tecnologia. Alguns livros e ensaios, publicados em revistas
especializadas, começavam a ser editados na ânsia de segurar um pouco este ufanismo
desenfreado que, inconscientemente, procurava fazer ver a todos uma ciência e uma tecnologia
dissociadas dos problemas sociais que poderiam causar. Frases bombásticas — talvez de cunho
muito alarmante, também — surgiam na outra ponta do debate estabelecido e que Dixon fazia
questão de citar para reforçar seus argumentos de discutir com mais profundidade semelhantes
assuntos, constantes do seu ensaio. Uma delas era atribuída ao Dr. Desmond King-Hele, em sua
publicação The end of the twentieth century, quando se perguntava: “Será que a nossa civilização
não se destruirá antes do ano 2000?” (King-Hele apud Dixon, 1973).
Essa modificação veio ocorrendo com o cidadão comum desde aquela época, provocando uma
primeira mas ainda, no entanto, pequena alteração cultural, transformando os medos, os
desconhecimentos e as dúvidas em constante busca de esclarecimentos sobre o que a relação
entre a ciência, a tecnologia e a sociedade poderia significar em sua vida. Apesar da admiração
pelos efeitos da ciência e da tecnologia, a preocupação é agora muito mais aguçada com as
conseqüências negativas dos seus usos, tanto nas questões do meio ambiente, do domínio de
armas poderosíssimas, quanto em relação às questões sociais decorrentes da minoria dominante
de todos estes conhecimentos.
Existem diferenças entre ciência, técnica e tecnologia? Parece que responder diretamente a esta
pergunta é cair no reducionismo e não acrescenta muito em termos de interpretação de sua
evolução ao longo do desenvolvimento social. Mas, ao contrário, discutir diferenças e separações
se revestem de uma importância conceitual para além da semântica e que pode mudar alguns
posicionamentos em relação às suas abordagens no ensino tecnológico, tanto de ordem
sociológica quanto de ordem epistemológica. Uma reflexão é buscada neste item, com o intuito
de tentar mapear as repercussões sociológicas que tais posicionamentos ocasionam, deixando a
questão epistemológica para uma análise conjunta com os aspectos didáticos contemplados no
capítulo 6.
Pode-se dizer que nestas diferenças vem embutida a questão da neutralidade que elas arrastam,
quanto aos seus usos e aplicações, e que tanto confunde o posicionamento das pessoas em
relação a este aspecto. Essa confusão sobre a neutralidade é tão evidente que, em diversas
situações, cria nas pessoas um padrão equivocado de comportamento para aqueles que
trabalham, ou pretendem trabalhar, com a ciência e a tecnologia. O estereótipo construído nesta
perspectiva aponta que, para trabalhá-las com maior sucesso, o cientista ou tecnólogo deve estar
afastado das questões do comportamento humano.
Na procura de alguma informação para esta intrincada questão, se partirmos para uma revisão
nas definições clássicas acerca da técnica, parece que não existe diferença alguma entre ela e a
tecnologia. Elas sempre foram identificadas com utensílios, ferramentas, instrumentos e
máquinas. Mas, numa visão mais aprofundada, a técnica sempre é trazida para análise através
das transformações consecutivas dos diferentes artefatos utilizados pelo homem com o sentido
estrito de ferramenta. Sempre se refletiu uma explicação de técnica na história do homem através
de sua aplicação eminentemente instrumental. Ela vem sendo entendida como a arte, produção e
manutenção de instrumentos e, na maioria das vezes, para não dizer na sua totalidade, nesse
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É importante notar que, apesar das mudanças sociais, os registros históricos procuram ser
enfáticos em querer mostrar que estas revoluções aconteceram independentemente das
repercussões e conseqüências sociais advindas da adoção das técnicas. Grande parte destes
registros enfatizam que as revoluções aconteceram estritamente em decorrência de um
movimento puramente material. Até por isso as dificuldades de interpretação surgem. E quando,
na busca de uma saída para este tipo de análise, os fundamentos se prendem a uma separação
que se supõe existir entre técnica e tecnologia, algumas afirmações26 de filósofos da ciência
fazem reacender a discussão da autonomia e neutralidade da técnica que é tida como uma
entidade sujeita à sua própria dinâmica interna de desenvolvimento alheia a qualquer tipo de
intervenção social. Estas independências de desenvolvimentos, baseadas nestas declarações,
então voltam a se comprometer.
Diante desse impasse pode-se tomar dois posicionamentos: revisar a noção tradicional da
técnica, reformular as perguntas fundamentais em matéria de seu desenvolvimento e, por
conseguinte, examinar o conjunto mais amplo que a técnica poderia fazer em termos de contexto,
seu entorno, seus riscos, impactos, vantagens, desvantagens e as modificações na organização e
no meio ambiente do homem; ou então estabelecer de pronto diferenças marcantes entre técnica
e tecnologia para fazer frente à atual diversidade do fenômeno tecnológico, posicionando o
domínio da técnica realmente em um nível de menor relevância27.
Em outras palavras, e até com a finalidade de uma separação de ordem metodológica, pode-se
dizer que a esfera de ação da técnica é mais reduzida e se posiciona em um nível de menor
complexidade em relação à tecnologia. Mas, apesar desta limitação, continua difícil uma definição
precisa, agora para o termo tecnologia28. No entanto, dentro da coerência que procura este
trabalho e assumindo como fundamental este posicionamento para a linha de atuação adotada
nesta tese, quando o termo tecnologia for utilizado ele o estará sendo no seguinte sentido: “É
uma parte do conhecimento humano que trata da criação e uso de meios técnicos e suas inter-
relações com a vida, sociedade e seu entorno, recorrendo a recursos tais como as artes
industriais, engenharia, ciência aplicada e ciência pura”. 29
Para ampliar o escopo deste entendimento do que tecnologia representa nesta abordagem,
novamente alguns tópicos do resumo que Gana realiza podem ser utilizados.
A tecnologia simboliza uma grande complexidade e qualquer intento por defini-la deveria
considerar que:
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Posto isso, o objetivo que se persegue neste tratamento da tecnologia é a evolução: a evolução
do ser humano. Fica claro que neste intento não se pode assumir a imagem de uma tecnologia
neutra e objetiva como fundamento e legitimação do desenvolvimento tecnológico. Pode-se até
admitir a existência e assunção, por parte de muitas pessoas, do ‘sonambulismo tecnológico’,
mas o mais importante é, paralelo a isto, e principalmente, também admitir que é possível assumir
um posicionamento crítico e reflexivo e passar a viver, dentro destes novos parâmetros, com as
mais diferentes alternativas sócio-técnicas.
Winner nos adverte sobre este ponto de vista, em certas situações definidor de um novo
comportamento social, quando novas e surpreendentes tecnologias são postas em uso:
“ [...] já temos começado a advertir sobre outro ponto de vista do desenvolvimento tecnológico,
que transcende os defeitos empíricos e morais dos modelos de causa e efeito. Inicia-se com o
reconhecimento de que, à medida que as tecnologias são construídas e postas em uso, já se está
produzindo alterações significativas nos padrões da atividade humana e das instituições
humanas. Estão sendo criados novos mundos. Não há nada de ‘secundário’ neste fenômeno. De
fato, é a conquista mais importante de qualquer nova tecnologia. A construção de um sistema
tecnológico que envolve seres humanos como parte de seu funcionamento requer uma
reconstrução dos papéis e das relações sociais. Muitas vezes isto é resultado das exigências
operativas próprias de um novo sistema: simplesmente não funcionam a menos que se modifique
a conduta para adaptar-se à sua forma e processo. Daí que somente o ato de utilizar as classes
de máquinas, técnicas e sistemas disponíveis gera modelos de atividades e expectativas que logo
se convertem em ‘instintivos’. É certo que ‘usamos’ os telefones, os automóveis, a luz elétrica e
os computadores no sentido convencional de tomá-los e logo deixá-los. Mas nosso mundo logo
se converte em um sistema no qual a telefonia, os automóveis, a luz elétrica e os computadores
são formas de vida no sentido mais poderoso: a vida seria quase impensável sem eles” (Winner,
1987, p. 27).
E esta análise sociológica reveste-se de fundamental importância porque ela pode deixar clara
uma diferenciação importante na geração das novas tecnologias. Não se pretende, de forma
acrítica, limitar sua criação e sim, através destas reflexões, poder interferir na pertinência e
necessidades desta criação. Elas constituem duas coisas bem diferentes e por isso devem ser
tratadas de forma diversa. Quando se advoga o fato de dar-se oportunidade ao cidadão comum
para que ele entenda o discurso científico, defende-se enfaticamente a disponibilização de
condições para que ele possa discutir os rumos da ciência e da tecnologia como fator importante
na sua própria forma de vida. Este tipo de posicionamento promove a quebra de um pensamento
equivocado de que o fazer e entender estes ‘intrincados’ caminhos da ciência e da tecnologia são
de interesse apenas dos profissionais, parecendo ser deles também a definição dos tipos de uso
que poderão ser observados pela sociedade.
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Ao longo de toda a história existiram pessoas, além dos gregos, que assumiram conjuntamente
entre as suas prioridades de estudos tanto a filosofia quanto a ciência, desenvolvendo, com isso,
capacidades de análise e reflexão extremamente acuradas. Entre eles poderíamos citar os mais
famosos da antigüidade representados nos nomes de Tales, Pitágoras, Platão, Epicuro, entre
outros.
Nesta evolução é necessário fazer referência aos séculos XVI e XVII com a chamada 'Revolução
Científica', em que aparece a ciência moderna proporcionando uma mudança radical na forma de
conceber seu comportamento e estrutura. Produz-se, então, talvez a maior revolução num
conceito já estabelecido pelo ser humano. A física se opõe à ciência grega que dizia ser a Terra o
centro do Universo. O modelo geocêntrico dá lugar ao modelo heliocêntrico, abalando estruturas,
costumes e convicções. Começa a se estabelecer, mesmo que não admitida explicitamente, a
dependência do comportamento humano aos desenvolvimentos científicos e às suas
interpretações.
De uma rápida descrição das origens da ciência e da tecnologia, dentro de diferentes contextos, é
essencial, para justificativa desta análise reflexiva, que se faça claramente uma diferenciação dos
procedimentos, digamos, desde a época medieval até a atual, para que se possa defender
enfaticamente as diferentes formas de abordagens que se deve assumir para processar as
reflexões sobre a sua influência nos homens e nas relações sociais.
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Para justificar uma alteração que deva acontecer na forma de trabalhar a ciência e a tecnologia, é
fundamental saber como elas se comportaram e se comportam através de suas diferentes
abordagens e interpretações.
A atitude científica não é uma atitude espontânea. O modo de ver, a maneira de olhar e o cuidado
em vigilar o que acontece em seu entorno, por parte do cientista, se processa de forma diversa da
do homem do cotidiano que, por força de expressão, podemos chamar aqui de 'homem normal'. E
mais ainda. A maneira de olhar do cientista, quando ele está imbuído desta atividade, é até
mesmo diferente daquela que ele possui no seu viver habitual. Pode-se descrever um mesmo
objeto com diferentes atitudes a partir de diferentes perspectivas. A maneira 'científica' de ver o
mundo supõe um esforço mental que se conhece por racional, e atribui-se esta atitude científica
como fruto de uma conquista histórica do homem ao longo dos tempos.
A necessidade que se estabeleceu no homem para que ele conhecesse o mundo para nele
orientar-se, para nele viver, para tentar dominá-lo ou simplesmente para saber acerca dele, fez
com que as perguntas, os problemas, os fenômenos ganhassem relevância ímpar e, acima de
tudo, um estudo metódico de modo que sobre eles não pairassem dúvidas e merecessem
crenças seguras. Nasce o método científico como a chave para desvendar os segredos e
proporcionar a crença inabalável na ciência. Com ele se determina o que são verdadeiramente as
coisas e se procura a liberdade do homem através do conhecimento da realidade tal como se
apresenta. Esta foi sempre a aspiração do método científico. Ele sempre se destacou do senso
comum que procedia de uma atitude natural para se impor com sua racionalidade através da
'infalível' atitude científica. A grande diferença, em tese, que se estabelece entre o saber comum
e o científico não está no conteúdo, na matéria ou na natureza, e sim na organização, na
sistematicidade; em suma, no método. Dentro desta ótica, o saber comum é a acumulação
imperfeita e incompleta de conhecimentos, enquanto a ciência se reconhece pela contundência
em tornar a natureza explícita por meio da elaboração de um sistema completo e coerente de
enunciados com suas explicações perfeitamente construídas e repletas de 'verdades'.
Ao longo de todo este processo de afirmação como conhecimento e, em certas ocasiões, pela
postura inflexível das pessoas que com ela trabalhavam como doutrina, a ciência recebeu
inúmeras classificações de acordo com sua utilização e pertinência. Uma delas é a distinção entre
ciências empíricas e formais. As empíricas são aquelas cujos enunciados se referem a fatos,
afirmando ou negando algo que acontece no mundo. As formais32 são aquelas cujos enunciados
não se referem a fatos, não afirmam e nem negam o que sucede no mundo e portanto carecem
de conteúdo factual. Elas se ocupam das relações entre elementos, sejam estes o que sejam,
existam ou não existam. No seu desenvolvimento e aplicação são utilizados símbolos vazios de
conteúdo, com os quais se realizam inúmeras operações de regras rígidas; suas linguagens são
próprias e servem de ferramentas imprescindíveis para o saber científico.
Desta forma a ciência, com suas análises internalistas, foi se impondo, e poucas vezes, apesar
de suas contradições históricas, foi analisada de outra forma que não para supervalorizar seus
feitos e repercussões.
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Em paralelo às ciências naturais surgem as ciências humanas, que procuram seguir o mesmo
modelo na psicologia, na sociologia, na economia e outras. São os dois tipos de ciência que se
unificam pelo método que utilizam. No decorrer do tempo se cria uma aproximação entre ambas,
e as dificuldades impostas às ciências humanas, por parte de um método linear e inflexível, tende
a estabelecer perguntas que, inapelavelmente, começam a atingir também as ciências naturais.
Os fatos humanos se mostravam não tão fáceis de serem explicados como o podiam ser os
fenômenos da natureza. Não é a mesma coisa um fenômeno natural e um fato humano. É
necessário distinguir nestas diferenciações o 'explicar' e o 'compreender'. Parece que começam a
surgir aqui os primeiros respingos que poderão alterar a forma direcionada e não-reflexiva de ver
um método como absoluto na sua aplicação.
Estas importantes mudanças que começam a se processar no comportamento das ciências têm
repercussões diretas também nos processos de aprendizagem.
O fato de que as ciências, tanto as naturais quanto as humanas, precisavam mais do que
métodos internalistas, que pareciam alheios a outros acontecimentos que poderiam influenciar
seus resultados para análises mais completas de seus funcionamentos, começava a ganhar
contornos bem definidos. A partir destas evidências tende-se a dar destaque aos elementos
contextuais, à história — principalmente a externa à ciência. Isto acontece com maior ênfase em
tempos mais recentes, a partir dos anos 60, com a presença constante dos elementos históricos,
contextuais ou compreensivos dentro da atividade científica.
Esta revolução e borbulhamento na ciência fez surgir novas propostas teóricas que vieram à luz
nos anos 70, sob a influência incontestável do modelo kuhniano, mas também, e com importantes
contribuições, sob as mais diferentes abordagens de diversos outros autores36.
Segundo Agazzi (1996), o momento de nascimento desta concepção — sociológica — pode ser
situado com a publicação, em 1962, da obra de Thomas Kuhn37 A estrutura das revoluções
científicas, que rapidamente suscitou amplos debates ao contrastar categoricamente a
epistemologia do empirismo lógico e os pensamentos popperianos. Após a publicação desta obra,
tiveram início os debates entre kuhnianos e popperianos durante quase toda a extensão dos anos
70 que vieram, mais tarde, a gerar o desenvolvimento das epistemologias de Lakatos e
Feyerabend.
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Além disso se torna evidente a dissolução dos critérios rígidos para estabelecer uma preferência
somente de uma teoria em relação a outra, incluindo neste terreno a forma de conhecimento
referente às pseudociências38.
Destas propostas mescladas pode ser enumerada uma série de teses que estes autores mais ou
menos compartem e que nos oferecem uma visão da ciência — talvez aqui já se possa também
incluir a tecnologia — que pode ser chamada de 'pós-empírica' (Ayarzagüena et al., 1996):
Para a continuidade desta análise, de trocas na abordagem da ciência a partir destes fatos, é
necessário que estabeleçamos mais algumas referências em relação aos modelos desenvolvidos
por Kuhn. No seu livro A estrutura das revoluções científicas39, ele marca um ponto de partida
tanto de uma nova imagem da ciência como de uma nova maneira de fazer filosofia da ciência.
Expõe, a partir de agora, uma concepção global alternativa à forma tradicional de trabalhar a
ciência. O modelo kuhniano estabelece uma série de etapas no desenvolvimento de uma
disciplina científica. Começa com uma etapa pré-paradigmática criando corpo e consistência para
depois, quando o campo de investigação se agrupa sob um conjunto de conceitos básicos
estabelecidos, nos colocar frente a um paradigma, o qual se converte na base de toda a
investigação que se processará neste campo de conhecimento.
O consenso acerca de um paradigma marca o início do que se conhece, na teoria de Kuhn, como
ciência normal. O paradigma vai então se articulando e se aperfeiçoando através do trabalho
rotineiro dos cientistas. O desenvolvimento da investigação na etapa da ciência normal, por mais
padronizada que possa ser, leva ao descobrimento de certas anomalias que resistem a ser
resolvidas mediante o uso do paradigma. Este fato leva a pensar que alguma coisa está
precisando ser alterada no paradigma porque ele não oferece mais capacidade de solução
através da aplicação simples da ciência dita normal. Ele passa então a entrar no campo chamado
de crise do paradigma, começando pelo que conhecemos por 'ciência extraordinária', e passa a
provocar a possibilidade de uma revolução científica. Esta ciência extraordinária estará em ação
enquanto algumas atividades se desenvolvem na busca de caminhos alternativos, buscando
resolver esta crise que surgiu dentro do paradigma. Esta crise cessará se:
O fato marcante da teoria de Kuhn que ajuda significativamente nesta análise e na defesa das
minhas posições é que ela permite abordar a ciência e a tecnologia de forma alternativa à
clássica estabelecida durante séculos, pois ela ataca os modelos confirmacionistas e a noção de
racionalidade que pressupõe.
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08/02/2019 Ciência, Tecnologia e Sociedade. E o contexto da educação tecnológica. Sala de lectura CTS+I
A troca de paradigma é de fato uma revolução. Não uma revolução que possa ser resolvida pela
aplicação simples de um algoritmo neutro. Ele é enfático em afirmar que as anomalias não se
resolvem mediante a lógica ou a experiência isenta de todos os outros fatores 'externos' de seu
funcionamento. Ele rompe com a lógica dos empiricistas puros. Seu enfoque promove uma
mudança radical na noção de racionalidade científica. Sua teoria importa em certo relativismo. As
normas não são mais tão rígidas no tratamento da ciência. As mudanças científicas, ainda que
permaneçam racionais, não arrastam consigo princípios absolutos de racionalidade nos marcos
conceituais. Nenhum componente do empreendimento científico é imutável ou absoluto. Em
resumo, tudo na ciência está sujeito a alterações.
A compreensão de ciência que nos foi legada após as análises de Kuhn se apresenta bastante
diversa daquela dos princípios do século, que ainda, por incrível que pareça, é abordada nas
escolas de engenharia, relevando a importância ímpar do método hipotético-dedutivo. Segundo
estas análises, a compreensão da mudança científica tem de se realizar, inexoravelmente, tendo-
se em conta os pressupostos básicos dentro dos quais se desenvolvem as atividades científicas.
Porém, a partir de agora tende-se a pensar no caráter não-monolítico dos marcos conceituais. Na
avaliação de qualquer teoria científica tem-se de levar conta mais fatores do que somente a
evidência empírica. A partir deste marco, a avaliação e a construção da ciência e da tecnologia
passam a ser questões basicamente comparativas.
b) 'Legitimação' — neste mundo contemporâneo só se legitima o que passa pelo crivo 'científico'
—; a ciência avaliza e se converte na única forma de 'dar razão' às coisas. Nos dias atuais se
confunde racionalidade científica com racionalidade e, acima de tudo, conhecimento com
conhecimento científico.
Este tripé, presente no jogo de interesses nos currículos, das escolas, das instituições, em suma
dentro da sociedade, possui conteúdo ideológico suficiente para justificar o desenvolvimento de
estudos em ciência, tecnologia e sociedade e, acima de tudo, a busca da implantação de uma
filosofia que nos permita tratar das questões da sociedade sem a idealização de uma ferramenta
mágica para pronta solução de todos os nossos problemas.
É mais do que razoável supor que uma sociedade plenamente comprometida com a fabricação
de realidades artificiais que impõem dúvidas, medos e ufanismos pense com bastante intensidade
na natureza de tal compromisso. Seria mais do que lógico e natural pensar, por exemplo, que
uma filosofia da tecnologia pudesse aflorar exuberante dentro de uma escola de engenharia, ge-
rando discussões e debates entre professores, estudantes e todas as outras pessoas que formam
a comunidade acadêmica. A tese da dependência social da ciência e da tecnologia vem
ganhando adeptos e adquirindo uma presença cada vez mais forte, empurrando as instituições
que trabalham com estas áreas a buscar subsídios nos campos sociológicos e epistemológicos
que possam ajudar a desvendar e a resolver algumas pendências que influenciam sobremaneira
o aprendizado nas escolas de engenharia.
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A filosofia da tecnologia, como a devemos entender, deve surgir como uma tentativa de procurar
respostas a alguns dos principais problemas de nossa época. Estes problemas têm a sua origem
nos impactos do fazer científico-tecnológico no âmbito da questão ecológica e da questão social e
cultural, pois a racionalidade científico-tecnológica nos conduz a mudanças e crises, inclusive na
forma de compreendermos a nós mesmos.
Esta filosofia, como todas as demais, vive e necessita de uma ampla interdisciplinaridade. Deve
elaborar suas reflexões a partir das experiências tecnológicas que constantemente vêm alterando
nossa visão de mundo. Este é um predicado importante, mas não o único. Ela deve tratar, na
realidade, de muitos outros temas, entre os quais pode-se enumerar: a busca de uma definição
clara do que seja tecnologia e o que realmente representa para o bem-estar do ser humano; o
estudo da vinculação entre progresso social e progresso tecnológico, envolvendo todos os seus
questionamentos e dúvidas; análises sobre as complexas relações entre a ciência e a tecnologia;
o questionamento e a elaboração de critérios de comportamento sobre a problemática ética que
comportam a ciência e a tecnologia dentro do seu entorno sócio-cultural. A filosofia da tecnologia
deve carregar consigo uma função crítica permanente, para estar constantemente em sintonia
com as novas imagens do homem que a ciência e a tecnologia promovem dentro das estruturas
sociais.
Com toda esta evidência, aqui restrita às escolas de engenharia mas certamente válida para toda
a sociedade, os problemas deveriam estar bem definidos, merecedores de profundos estudos e
alvo de investigações. Mas não é isso que acontece. Winner é taxativo ao afirmar que, nesta
época avançada no desenvolvimento de nossa civilização industrial-tecnológica, a observação
mais exata que se poderia fazer com respeito à filosofia da tecnologia é que na realidade ela não
existe40.
Para ele, a tarefa fundamental da filosofia tecnológica consiste em examinar, de forma crítica, a
natureza e o significado das ajudas artificiais para a atividade humana. Este é o terreno adequado
de investigação que deveria advir da filosofia da ciência. No entanto, continua ele, se recorrermos
aos escritos dos filósofos do século XX, nos surpreenderemos ao descobrir a pouca atenção que
se tem dado a perguntas desta natureza.
Na verdade, parece ser um pouco extremada a posição de Winner ao afirmar que não existe
nenhuma bibliografia ou escritos que comecem a tratar com rigor deste tema. Muitos
autores41vêm abordando com profundidade tal assunto, juntando para estes estudos as questões
da condição humana, através dos enfoques da epistemologia, da metafísica, da estética, da ética,
das leis. A ciência, a tecnologia e a sociedade tornam-se cada vez mais importantes como tópicos
dignos de investigação na busca de uma filosofia tecnológica.
Tradicionalmente, a relação entre ciência e a tecnologia tem sido: a ciência faz as descobertas e
a tecnologia as aplica. Então, dizem alguns, é como se a ciência fosse a teoria e a tecnologia a
sua aplicação. Muitos afirmam que seria importante que houvesse uma relação contínua entre a
ciência e a tecnologia. Seria perfeito, na visão destes defensores, se a ciência criasse as teorias,
as testasse com experiências simples, produzisse conjuntos de fatos, e os tecnólogos os
usassem para nos tornar mais ricos e confortáveis. Esta seria a visão dos idealistas que veriam
esta relação linear como o desejo do homem de ter sempre a natureza, independente de sua
utilização, a serviço de seus anseios. Infelizmente não é tão simples assim. Este conjunto de
questionamentos, e muitos outros, tornam cada vez mais evidente a necessidade do
aparecimento de uma 'filosofia' que se ocupe destes problemas.
Este tipo de preocupação começou a ganhar contornos bem definidos através do pensamento
marxista 'não-ortodoxo' que trazia à tona a importância de um enfoque sociológico bem definido
para a utilização e também para a interpretação dos valores da ciência no desenvolvimento da
sociedade contemporânea. Esta linha marxista advogava a defesa intransigente da dependência
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Esta característica evidente esteve também bastante presente no debate acerca da neutralidade
— a ciência dependia dos aspectos sociais, econômicos e políticos envolvidos no seu
desenvolvimento —, fazendo com que esta linha de pensamento tomasse, obviamente, posição
fechada contra este posicionamento. Ainda nos anos 60 os neomarxistas europeus desenvolviam
estas teses, através de alguns escritos da teoria crítica da Escola de Frankfurt. Nos anos 70, no
entanto, sempre em busca de respostas a esta intrincada problemática, começava-se a
desenvolver uma nova concepção sociológica da ciência, principalmente no mundo anglo-
americano, que desde então não tem cessado suas análises. Todas estas evidências tornavam
cada vez mais acesa a necessidade de uma filosofia que se ocupasse da ciência e, por
decorrência, da própria tecnologia.
Dentro deste mundo em constante mutação deve-se, apesar de seu arrefecimento dentro das
discussões acadêmicas, salientar a forte contribuição que teve a cultura do marxismo na Europa,
e também da cultura sociológica dentro dos países anglo-americanos durante os últimos trinta
anos na procura de decifrar os inúmeros enigmas da relação complexa entre ciência, tecnologia e
sociedade. Estas influências ainda continuam vivas nos estudos desta área de conhecimento,
permitindo novas investidas e novos importantes conceitos para a criação desta nova filosofia.
A filosofia da tecnologia surge em função de uma nova dinâmica que move o ser humano, em que
os problemas filosóficos estão mesclados com as técnicas industriais de base científica e com as
suas repercussões sobre o meio ambiente e o meio social que delas farão uso. Apesar das
colocações de Winner, os compêndios da história destacam que a técnica sempre mereceu sim a
atenção dos filósofos em suas reflexões sobre a ação humana. O que se pode dizer, no entanto,
é que somente nas últimas décadas vem se configurando como uma área especializada da
filosofia, apesar de muitos engenheiros, tecnólogos e cientistas insistirem que ela é dispensável
para seus propósitos. No entanto, esta mudança é incontestável e deve-se, sem dúvida, à própria
transformação experimentada pela ciência e pela tecnologia — aliás, transformação devida
àqueles mesmos que negam a importância de uma análise não tão mecanicista sobre suas
criações — e ao destaque que adquiriram no mundo atual.
A transformação retumbante iniciou-se com a Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX. A
partir daí, graças principalmente ao modelo capitalista e à alta dependência da produtividade
industrial, a influência da técnica foi decisiva no comportamento social. Hoje em dia este aspecto,
guardada a devida proporção, é talvez mais exacerbado em função da velocidade com que a
tecnologia toma conta de nossas vidas. É a eletrônica, a informática, os projetos genéticos que
podem mudar completamente a civilização humana, os novos materiais, a tecnologia nuclear,
enfim toda sorte de artefatos que nos fazem dependentes e usuários de maravilhas que muitas
vezes nos tiram a racionalidade da análise de seus resultados. Dentre estas preocupações, os
traços que mais influenciam no aparecimento de uma 'filosofia tecnológica' sem dúvida são os
relacionados com o sistema cultural de nossos tempos, sua indiscutível vinculação ao
conhecimento científico, sua forte potência de transformação da realidade, e a forma
aparentemente autônoma e imperativa de seu acelerado ritmo de desenvolvimento.
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O cientista e o usuário desta ciência que a transforma em tecnologia — podemos incluir aqui o
professor de engenharia ou o pesquisador engenheiro — começam a sofrer rechaços da opinião
pública dado o seu posicionamento equivocado em fingir que seus trabalhos, de alguma forma,
são independentes do resto de suas vidas. Este posicionamento tem lhes trazido uma espécie de
hostilidade do público geral, em decorrência de suas próprias faltas. Nós, professores,
engenheiros, tecnólogos e cientistas, deixamos a cargo de uma imprensa não especializada a
conscientização dos resultados positivos e negativos desta ciência que não raro, através de
sensacionalismo, trata a questão de forma equivocada.
Esta interferência indubitável começa a atingir a nossa vida familiar e os processos educacionais
com uma intensidade nunca antes vista. Nossos filhos, animados pelo uso de todas as grandes
realizações e confortos, dos quais nós pais e avós somos os mentores, tornam-se indefesos
quais crianças que se vissem de um momento para outro enfrentando a dura realidade de um
mundo cada vez mais agressivo em constante mutação para o desconhecido. Sentimos a
necessidade inadiável de criar ambiente para que os problemas com os quais eles se defrontarão
sejam estudados, refletidos e, quem sabe, resolvidos. Apresenta-se-nos cada vez mais claro que
as questões educacionais devem procurar perder o excesso de paternalismo com que 'cuidam'
desta juventude. Passa despercebido, em função das inúmeras atribuições que a vida moderna
nos incute, que a escola, para cumprir seus ditames formais, força os alunos a exercerem
atividades bastantes para ocupar-lhes toda a semana de trabalhos rotineiros, castrando sua
capacidade de criar e refletir.
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São estas preocupações que têm levado alguns cientistas e profissionais ligados ao ensino de
ciência e tecnologia — eu aqui me incluo com este trabalho — a desempenhar um papel ativo na
busca de tornar públicas estas questões que influenciam nossa vida. Porém, muitos continuam
com suas posições imutáveis, pensando e falando como antes, incapazes de compreender as
circunstâncias — na grande maioria não por desconhecimento, mas sim por vontade própria, para
poder usufruir de certos privilégios que esta postura proporciona — radicalmente mudadas, nas
quais prosseguem com sua profissão. Por que será que alguns professores e cientistas não se
conformam com estas mudanças e não acrescentam a esta realidade outras ferramentas que
tanto contribuiriam na sua própria atuação junto aos seus alunos e à sociedade? Será que é a
sua posição dogmática do infalível que estará caindo por terra? Querem continuar como 'mágicos'
na busca de 'repassar' conhecimentos que fatalmente levarão ao maior conforto humano
independentemente de a quem estão servindo?
Bernard Dixon já detectava há vinte anos, com muita propriedade, este problema de
intocabilidade de certos profissionais nas suas atuações e que se mantém, em muitos casos, até
hoje:
“De repente os cientistas estão sendo analisados. Enquanto os artistas profissionais — poetas,
pintores e compositores — prosseguem seu trabalho numa posição social segura — se bem que
mal paga; enquanto encanadores continuam a consertar encanamentos; enquanto médicos
continuam a curar doenças, os cientistas enfrentam dúvidas crescentes quanto a seu papel na
sociedade. Não sabemos ao certo se gostamos da nossa civilização tecnocrata, e duvidamos se
queremos mais e melhores engenhocas e teorias mais brilhantes que nos levem adiante na
mesma estrada. O que quer que possa acontecer no futuro, continuaremos a precisar da ciência
e dos cientistas, nem que seja só para resolvermos os problemas que eles criaram. Mas, no
momento, os cientistas passam por uma menopausa coletiva, acometidos de ansiedade sobre
como sair dela. Alguns sairão ilesos, e até rejuvenescidos do processo. Outros não” (Dixon, 1976,
p. 8).
Esta citação mostra que o problema não é novo. Para nós talvez seja, pois nossas escolas que
trabalham na formação dos futuros profissionais que atuarão neste campo nem sequer produzem
discussões que possam trazer à tona semelhantes preocupações. Estamos no final dos anos 90.
E este problema não está só ligado a nós professores que lidamos com tecnologia. O 'outro lado'
— os humanistas, os filósofos da ciência, os sociólogos... —, que nas críticas dos tecnologistas
só fica a procurar as mazelas da ciência e da tecnologia, também não atacou a fundo
semelhantes questões. Enquanto bisbilhotavam alegremente os outros aspectos da sociedade —
ainda que importantes — relutavam em examinar os efeitos e as conseqüências da ciência e da
tecnologia na mutação social do ser humano. Dixon volta à carga quando comenta este aspecto,
agora ligado aos sociólogos e quem sabe aos filósofos e historiadores:
“Algumas das razões — para não se preocuparem com a ciência — são muito claras — sua
complexidade intimidadora e seu jargão, o sabor irreal e sufocadamente intelectual da disciplina
acadêmica conhecida como ‘filosofia da ciência’, e a exclusão patológica do conteúdo real dos
assuntos científicos de publicações e periódicos especializados. Mas, a negligência dos
sociólogos a esse respeito continua sendo uma omissão surpreendente e lastimável” (Dixon,
1976, p. 8).
Parece ser, agora, uma preocupação mais sólida a discussão sobre estes aspectos. Aqui
encontramos vários autores — que estarão seguidamente citados ao longo deste ensaio — que
nos dão subsídios para análises bem sedimentadas sobre a inclusão destes assuntos dentro das
academias que lidam com o ensino tecnológico. Morin, Sanmartín, Schatzman, Postman, Holton,
Fourez, Prigogine, Pacey, Winner, Luján e outros possibilitam este tipo de estudo. O tempo em
que vivemos aparentemente nos propicia um ambiente favorável para atacarmos estes problemas
e preocupações. Precisamos aproveitar esta possibilidade, agora que a unanimidade sobre os
resultados da ciência e da tecnologia como apenas bons resultados para os seres humanos
findou.
A existência desta nova concepção e desta atuação crescente em direção aos problemas
gerados pelo ressentimento compreensível de que foi permitida à comunidade científica uma
autonomia de vôo exacerbada, em que os cidadãos tiveram pouca ou nenhuma influência, está
proporcionando discussões mais abertas, mais críticas e mais conscientes. Elas devem frear esta
conduta internalista e, por outro lado, analisar com mais propriedade as suas conseqüências
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Notas
(1) Distintos argumentos têm sustentado a idéia de que a ciência e, em maior parte, a tecnologia conduziram o
homem unilateralmente a um engrandecimento devido ao seu poder libertador. Ayarzagüena et al. (1996), lista alguns
deles que procuram, quando analisados de forma linear e acrítica, colocar este caráter libertador da ciência e da
tecnologia. São eles: a) a atividade técnica é o que diferencia o homem dos animais, de tal forma que sem a técnica
não haveria ser humano; enquanto o animal tem que se adaptar ao meio por suas necessidades naturais, o homem,
graças a esta prerrogativa, pode adaptar o meio a ele; a técnica é assim libertadora; b) a ciência e a tecnologia nos
liberam de incômodos; os benefícios materiais que proporciona o progresso tecnológico nos permitem 'viver melhor';
o progresso científico-tecnológico tem proporcionado assim bem-estar e tempo livre, ambos necessários para a
felicidade humana; c) os avanços científico-tecnológi-cos em relação aos transportes e à comunicação têm permitido
ao homem um mais amplo conhecimento do mundo; estes aspectos, junto com a informática, proporcionam uma
maior liberdade política.
(2) Agazzi (1996) comenta que, em particular, é muito forte esta tendência sociológica que tem alimentado uma
extenuante polêmica entre aqueles que propugnam uma abordagem 'interna' e os que defendem uma abordagem
'externa' da ciência. Hoje em dia isto parece estar esgotado pela inércia, mas também porque, em substância, uma
abordagem da ciência não pode ignorar nem os aspectos externos — pela sua alta dependência dos valores sociais
— e nem os aspectos internos — por causa de sua própria metodologia de abordagem. Nesta análise, realizada no
capítulo 2 desta referência, o autor, além de suas procedentes avaliações, traz um grande número de indicações
bibliográficas sobre o assunto.
(3) David Elliot em Energy, society and environment traz um estudo bem atual — ano de 1997 — sobre as
implicações do uso de energias decorrentes do desenvolvimento científico-tecnológico, no comportamento do meio
ambiente na sociedade contemporânea. Entre os inúmeros assuntos abordados nessa obra, pode-se destacar as
questões da alternativa nuclear, a tecnologia sustentável, o desenvolvimento sustentável e uma perspectiva global
sobre um futuro também sustentável.
(4) Isso é particularmente evidente no fenômeno da contaminação industrial. Na maior parte dos casos, os produtos e
os dejetos industriais nocivos poderiam ser neutralizados perfeitamente por meio de dispositivos técnicos
apropriados. Mas tais meios não são aplicados por parte dos que produzem a contaminação, sobretudo com o
objetivo de economizar dinheiro, deixando por conta da 'natureza' semelhante responsabilidade. Em outros termos, o
controle da ciência e da tecnologia pela própria ciência e tecnologia tem necessidade de uma decisão explícita e de
um compromisso que não vêm impostos por elas mesmas, mas que implicam uma responsabilidade moral e social
localizadas em outro âmbito, ou melhor dizendo, uma vontade pública ou privada. Continuando na análise podemos
falar dos efeitos de uma inovação tecnológica que podem permanecer desconhecidos durante grande tempo e
escapar assim da possibilidade de serem submetidos a um rigoroso controle. Pode-se lembrar, por exemplo, a
quantidade de casos em que o câncer tem-se revelado como uma possível conseqüência de alguns produtos
químicos ou de alimentação (Agazzi, 1996).
(5) Semelhante argumento o filósofo escocês David Hume realizava com um fino e irônico comentário sobre Henrique
VII, que na tentativa de justificar a sua continuidade como rei usava a estapafúrdia justificativa: a melhor razão para
conservar a coroa, e continuar sendo rei da Inglaterra, era que já a possuía. Ser rei, assim, implica seguir sendo. Este
comentário e comparação com a justificativa da tecnologia está em González, López e Luján (1996), à página 23.
(6) Em ‘The role of controversy in engineering design’, Oliver Todt (1997) incursiona na área de avaliação da
tecnologia analisando as necessidades atuais da participação pública na produção de novas tecnologias. Outra
importante contribuição pode ser encontrada no artigo ‘ Evaluación de tecnologías’, (Sanmartín et al, 1992). Nele,
José Sanmartín e Ángel Orti fazem algumas perguntas sobre o tema: O que é? Em que contribui para clarear as
relações entre tecnologia e sociedade? Quais são suas limitações? Quais alternativas? ‘Nuevas tecnologías,
evaluación de la innovación tecnológica y gestión de riesgos’, também em Sanmartín et al (1992), é uma análise bem
sedimentada sobre o assunto, realizada por Manuel Medina. A segunda parte de Superando fronteras — estudios
europeos de Ciencia-Tecnología-Sociedad y evaluación de tecnologías (Sanmartín & Hronzsky, 1994) busca
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responder o que é avaliação de tecnologias através de alguns estudos de casos. Dentre eles pode-se citar ‘Hacia una
reapertura? La maldita presa del Danubio desde la perspectiva CTS’, de Imre Hronszky. Manuel Medina faz também
um estudo de caso em ‘Estudios de ciencia y tecnología para la evaluación de tecnologías y política científica. Ainda,
‘Enseñando evaluación social de tecnologías. Una guía de los estudios de evaluación de la ingeniería genética
humana (GenÉtica)’, de José Sanmartín, contribui bastante nesta análise.
(7) Maria Teresa Santander Gana (1995) identifica este aspecto quando faz uma série de reflexões em torno do uso
da tecnologia e suas repercussões nas periferias de cidades do Chile. Este trabalho se configura num estudo de
caráter inovador na América do Sul. Sobre esta questão Margarita Peña Borrero em 'Los estudios de ciencia,
tecnologia y sociedad en el contexto latino-americano', dentro do livro Ciencia, tecnología y sociedad (Medina &
Sanmartín, 1990), também traz excelentes contribuições.
(8) Alguns exemplos de projetos faraônicos desenvolvidos no Brasil a partir da década de 60 que até hoje consomem
parte da riqueza nacional, sem trazerem os resultados esperados. Entre eles, a Transamazônica, a Ferrovia do Aço,
as usinas nucleares. O modelo tecnocrático só se preocupou em consultar o público na hora de pagar a conta. Por
outro lado, projetos que deveriam fazer parte de um processo de desenvolvimento urgente à época — e ainda hoje
—, pelo mesmo motivo da falta do debate público, nunca aconteceram. Cabe aqui citar os indispensáveis projetos de
irrigação para produção de alimentos, os sistemas de processamento de lixo, os sistemas de água e esgoto que
permitiriam um mínimo saneamento básico, e os sistemas de transporte de massa, que até hoje penalizam seus
usuários, e que, talvez por falta de um assessoramento de pessoas que analisem seus efeitos e repercussões, nunca
foram colocados como prioridade até os dias atuais.
(9) Em Tecnopólio, a rendição da cultura à tecnologia (Postman, 1994), o autor traz um interessante ensaio sobre os
comportamentos humanos atuais. Apesar da obra ser fundamentada para a sociedade americana, por sua atualidade
e pertinência pode ser estendida a todos os países do mundo. É um texto incisivo e, algumas vezes, sarcástico.
Postman, porém, sempre se mostra otimista em relação à reversão deste tecnopólio, desde que algo seja feito nos
campos político e educacional.
(10)Wittgenstein diz que a linguagem atual reflete o conteúdo da prática tecnológica. No que Winner (1987) confirma
que, se ele está correto, não é de estranhar que se usem expressões como estas, relacionando-nos aos
computadores: 'necessito ter acesso a seus dados; não estou programado para isso; devemos melhorar nossa
interface; a mente é o melhor computador que temos'. Se quisermos estender esta constatação para outro tipo de
aparato tecnológico, muito presente no cotidiano das pessoas, basta trazer o exemplo para o campo da nossa
relação com os automóveis, onde é comum ouvir frases desta natureza: 'eu iria com você, mas estou com um pneu
furado; é uma pena, mas estou sem gasolina'.
(11) John Durant, no artigo 'Acabar com o analfabetismo científico?’ (Witkowski, 1995), questiona que tipos de
conhecimentos deveriam ser pensados e discutidos com o público geral para que ele saiba das conseqüências que
isto acarreta em sua vida. O que deve aprender o cidadão médio para não viver como um cego numa sociedade cada
vez mais complexa? Em que a ciência e a técnica são predominantes? Estas são perguntas que ele procura
responder através da análise que ele denomina 'cultura científica'.
(12) Com a nova concepção da ciência que se impõe a partir do século XVII, surge a versão moderna das antigas
concepções filosóficas: a tecnocracia. Em Nova Atlantis de Bacon encontramos a primeira visão de uma sociedade
tecnocrática. O governo de um país está, na realidade, nas mãos de sábios, agrupados na 'casa de Salomão'. No
modelo baconiano, como no platônico, consigna-se o poder político à minoria que possui a sabedoria. No entanto, o
conhecimento científico já não procede da contemplação teórica da justiça nem do bem, e sim da operação da
investigação operativa. Este trecho foi extraído de ‘La filosofía de la tecnocracia’ (Mitcham, 1989), onde Manuel
Medina faz uma ampla análise da tecnocracia dentro da ciência moderna.
(13) Em La cultura científica, mito y realidad (Sorell, 1993), o autor diz que o cientificismo consiste em atribuir
demasiado valor à ciência em comparação aos outros ramos do saber ou da cultura. Diz ele que na filosofia isto tem
se constituído numa tentação persistente desde a época de Descartes, proporcionando sérios enfrentamentos com a
religião e também com outras linhas da própria filosofia.
(14) Sobre este tema, que leva em consideração a falta de análises reflexivas sobre a ciência e a tecnologia, dois
artigos bastante inquietadores são publicados em Witkowski (1995): no primeiro, 'The technological order', Jacques
Ellul toma o lugar de um antitecnologista para ultimar suas conclusões. Considera a tecnologia completamente
autônoma e autodeterminada, portanto fora do controle humano. Diz ainda que a tecnologia destrói a liberdade e
torna a busca dos valores éticos e espirituais completamente dispensáveis. Em 'In praise of technolgy', o segundo,
Samuel Floman argumenta que o problema central não é o crescimento da tecnologia, mas a acelerada demanda de
seus benefícios e da nossa inabilidade para satisfazer esta demanda. Para ele a solução deste problema não é
restringir a tecnologia, mas tornar seus benefícios mais amplamente avaliados.
(15) Segundo Stephen H. Cutcliffe em ‘Ciencia, tecnología y sociedad: un campo interdisciplinar’ (Medina &
Sanmartín, 1990), fazer estudos nesta direção requer interdisciplinaridade, que se pode conseguir através da soma
de perspectivas, de grupos de professores ou da adoção de outras técnicas que não as triviais, mas sempre
mantendo a visão no complexo holista das inter-relações. É preciso fazer os estudantes, e mais ainda os professores,
conscientes e conhecedores das relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Que eles tenham uma compreensão
buscada de maneira geral em nível teórico, e que possa ser apoiada com exemplos específicos e apropriados, muito
bem escolhidos de modo que reflitam os problemas ou as questões que se estão considerando.
(16) C.P. Snow, em conferência proferida em Notre Dame, no ano de 1959, detonou esta polêmica quando dividia a
sociedade em duas culturas: a dos cientistas — a qual hoje pode ser adicionada à dos tecnólogos — e a dos
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humanistas. Ainda no estudo deste assunto, Snow escreveu um ensaio constante no livro As duas culturas e uma
segunda leitura (Snow, 1995).
(17) Em El mito de la máquina (Munford, 1969), o autor já tentava extrair da concepção do senso comum, e também
do ambiente acadêmico, o exacerbado valor que se dava à contribuição da máquina no desenvolvimento social e
humano.
(18) Em La cultura de la tecnología (Pacey, 1990), o autor atribui a Lewis Thomas a criação da seguinte definição
sobre o que seja 'tecnologia insuficiente': é o resultado de problemas compreendidos insuficientemente, abordados
na sua superficialidade por terem sido mal compreendidos. Isto leva ao descobrimento rápido de formas 'precisas' e
de 'custo factível' para abordá-los. Mas, ao contrário do que possa parecer, estas formas precisas e de custo factível
são a indicação de que a busca de melhores soluções requer intensificação das investigações. Outros campos de
conhecimento, portanto, devem ser explorados.
(19) Como conseqüência, e até para dar uma satisfação política para os cidadãos, os governos, através de suas
assessorias em educação, começavam a investir nas chamadas disciplinas CTS — ciência, tecnologia e sociedade
— para discutir e entender suas repercussões junto à sociedade. Foi nesta fase que elas ganharam certa ênfase nos
currículos.
(20) Leonard J. Waks (1994) é um deles. Ele divide a história da tecnologia, ou do estudo de suas repercussões, em
três 'eras'. Na primeira, afirma, tivemos a tecnologia com um valor implícito e acrítico. As questões de tecnologia
estavam ausentes nos currículos, por serem invisíveis. Nessa época, a economia industrial funcionou como uma
matriz para a sociedade, sendo a base para as questões de valores sociais. Depois, estas questões, pelo imenso
apelo dos grupos que se formavam em defesa do meio ambiente e outros assuntos relacionados com os efeitos da
tecnologia, vieram a ter uma atenção enorme dentro dos currículos escolares. Finalmente, na terceira 'era', pelo
absoluto descontrole e quantidade excessiva de assuntos correlatos, as discussões começaram a fugir dos
esquemas escolares.
(21) Em palestra proferida em Valência, Espanha, no dia 19 de fevereiro de 1997, com o tema versando sobre ampla
pesquisa de opinião realizada na Bélgica durante a realização de seus estudos e que levava como título: Ciencia,
tecnología y gran público: desde la comunicación hacia el debate.
(22) Foi também com esta preocupação que Bruno Latour (1992), em Ciencia en acción, tentou minimizar o impacto
que sofrem os engenheiros quando passam diretamente da Universidade ao duro mundo da ciência e da tecnologia
como realmente é, o que às vezes, em suas palavras, transforma estes profissionais em cínicos, devido ao grande
contraste que encontram entre as imagens da ciência e da tecnologia que recebem na escola e a dura realidade
política da ciência e da tecnologia em ação. Esta obra, por outro lado, procura também oferecer uma sensível
introdução para os estudiosos sociais sobre os aspectos interessantes da ciência e da tecnologia. De acordo com a
interdisciplinaridade, ele afirma que a sociedade está composta em grande medida por fatos e máquinas; quem
quiser estudá-la, portanto, não pode ignorá-los, porque eles redefinem os laços sociais.
(23) Uma relação extensa destes acontecimentos pode ser encontrada em Gonzáles et al. (1996), onde se descreve
seu aparecimento a partir de 1945, com a explosão da primeira bomba atômica, em teste realizado no Novo México
(EUA). Toda essa seqüência de eventos importantes ocorridos no desenvolvimento científico-tecnológico, relatados
no mencionado trabalho no item ‘Activismo social y consolidación institucional del movimiento CTS: 1945-1995’,
encerra-se em 1995 quando, após o término da Guerra Fria, produz-se o primeiro encontro no espaço entre a
estação russa MIR e o transportador norte-americano Discovery.
(24) Nesse acontecimento marcante dizia-se que a partir daquele instante a ciência descobre, a indústria aplica e o
homem se conforma. E nesta conformação vinha embutida a sua possibilidade evidente de melhora de vida. Em
função desta imposição tecnológica, José Sanmartín faz muitas restrições a esta máxima no artigo ‘La ciencia
descubre. La industria aplica. El hombre se conforma. Imperativo tecnológico y diseño social’ (Medina & Sanmartín,
1990). Dentre as suas principais análises, diz: as inovações técnicas parecem ser a causa principal das melhoras das
ordens sociais e, em último extremo, da própria democracia. Determinam — independentemente das teorias ou
ideologias — uma sociedade cada vez mais rica, mais livre e mais participativa. A questão é, então: como pode esta
afirmação casar com os evidentes descumprimentos que ao longo da história têm tido as promessas técnicas?
(25) Gana (1995) lista algumas destas inovações: a pólvora, a bússola, o arado, a imprensa, a máquina a vapor; e
algumas revoluções: a revolução neolítica, a revolução paleolítica, a revolução industrial. Todas mudanças
revolucionárias que provocaram significativas variações na sociedade.
(26) Gana (1995) traz algumas delas. Munford: A técnica deriva do homem inteiro em seus intercâmbios com cada
parte do meio ambiente, utilizando todas as atitudes que existem nele para tirar o máximo proveito de seus potenciais
biológicos e ecológicos. Ortega y Gasset: A técnica é a reforma da natureza; A técnica é o contrário da adaptação do
sujeito ao meio, posto que é a adaptação do meio ao sujeito; Um homem sem técnica, assim por se dizer, sem
reação contra o meio, não é um homem.
(27) A tecnologia encerra a técnica e que ambas progridem, formando dois mundos separados mas relacionados, às
vezes convergentes, outras divergentes; sem excluir a prática da tecnologia utilizando a técnica, ambas
complementadas em retroalimentação (Gana, 1995).
(28) É um conjunto de instrumentos, procedimentos e métodos empregados nos distintos ramos industriais (Garcia-
Pelayo). Um método, um processo, etc. para manejar um problema técnico específico (Webster New World
Dictionary). A soma dos meios com os quais os grupos sociais se auto-abastecem dos objetos materiais de sua
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08/02/2019 Ciência, Tecnologia e Sociedade. E o contexto da educação tecnológica. Sala de lectura CTS+I
civilização (Random House Dictionary de la Lengua Inglesa). Estas são algumas outras definições constantes em
Gana (1995) e que parecem não atender o propósito dos nossos objetivos. Em Ensino de Engenharia, na busca de
seu aprimoramento (Pereira & Bazzo, 1997), no capítulo 2, quando discutem a questão tecnológica, os autores
trazem outros conceitos de ciência e de tecnologia, extraídos de diversas fontes de referência.
(29) Esta definição praticamente coincide com a definição de tecnologia constante no Webster New Collegiate
Dictionary, Merrian Company Springfield [NY], 1987, p.1217.
(30) Um livro de leitura obrigatória para quem pretende discutir os aspectos da relação entre ciência, tecnologia e
sociedade foi organizado por Alonso, Ayestarán e Ursúa (1996), e tem como título Para compreender ciencia,
tecnología y sociedad. Nele Leonard J. Waks, no artigo ‘Las relaciones escuela-comunidad y su influencia en la
educación en valores en CTS’, faz uma extensa explanação sobre a relação dos valores com a responsabilidade de
cada cidadão. Neste estudo ele aponta pelo menos dez pautas relacionadas a valores que devem ficar identificadas
para o êxito de uma disciplina em CTS.
(31) Por esta razão, até há pouco tempo a opinião geral era de que as civilizações clássicas — incluídas aqui a
helênica e a romana — não tiveram êxito do ponto de vista tecnológico. Porém, como têm colocado alguns críticos,
esta opinião é exagerada. Em primeiro lugar houve alguns avanços tecnológicos importantes na época clássica e é
possível que a sua importância tenha sido subvalorizada pelos poucos testemunhos literários e arqueológicos que
ficaram. Em segundo lugar, tinha-se a noção de que a ciência, mais que ser simplesmente admirada, deveria também
ser aplicada a objetivos concretos. Parecia, entretanto, e aqui pode residir o aspecto mais forte desta afirmação, que
outros valores eram mais considerados pelos gregos e romanos. Mas é certo que as áreas da ciência que mais lhes
interessavam lograram grandes e profícuos êxitos (Mokyr, 1993).
(32) De muita importância para o processo de construção de conhecimento na profissão da engenharia pode-se citar
a matemática e, com muito menos freqüência, em currículos de algumas escolas, a lógica.
(33) Estes assuntos estão discutidos e analisados com bastante profundidade em A ciência como atividade humana
(Kneller, 1980). Outra abordagem que pode ser interessante para melhor conhecimento do assunto pode ser
encontrada nestas duas obras: O que é ciência afinal? (Chalmers, 1993) e A fabricação da ciência (Chalmers, 1994).
É claro que outros autores, pela pertinência do tema e pela sua importância no desenvolvimento da ciência ao longo
dos tempos, fazem estudos sobre este assunto, inclusive alguns constantes da bibliografia desta tese. No entanto,
pela extensão do seu conteúdo, julgo que a leitura destes dois autores esclarece satisfatoriamente a evolução e o
comportamento destes métodos dentro da história da ciência.
(34) São eles: a) observação, onde se descreve uma variedade de fenômenos; b) a formulação de uma hipótese,
onde começam realmente as explicações científicas através de uma solução provisória; c) dedução das
conseqüências a partir da hipótese e, finalmente, d) a comprovação, onde se comprova e, na eventualidade do êxito,
se formula a lei.
(35) Quase a unanimidade dos epistemólogos contemporâneos começam a desenvolver suas teorias com uma certa
concordância sobre a necessidade de análises que sempre levem em consideração os aspectos históricos, sociais e
políticos na fabricação da ciência. Entre eles Kuhn, Feyerabend, Hanson, Toulmim. Mais recentemente pode-se
colocar nesta relação, dentre outros: Kneller, Chalmers, Fourer, Morin.
(36) Os mais notáveis, quando se fala em novos conceitos epistemológicos dos anos recentes, realmente parecem
ser Kuhn, Feyerabend, Bachelard — apesar de sua maior antigüidade, suas idéias vieram à tona apenas nessa
época —, Lakatos e o próprio Popper.
(37) Apesar do incontestável valor da obra de Kuhn é necessário que se faça justiça a um epistemólogo que
praticamente deu início às idéias abraçadas por Thomas Kuhn. Este epistemólogo, chamado Ludwick Fleck, um
médico de origem polonesa, já antes da Segunda Guerra Mundial discutia estas questões relacionadas à ciência.
Talvez a partir de suas proto-idéias é que surgiram os paradigmas de Kuhn, que revolucionaram a epistemologia
contemporânea. As idéias de Fleck talvez não tiveram a mesma repercussão, por se tratar de um autor que não
pertencia ao mundo ocidental e, adicionado a isso, quando do surgimento de seus estudos, a ciência ainda gozava
de seu prestígio de infalível e geradora incontestável das criações que beneficiavam a humanidade. O livro La
génesis y el desarrollo de un hecho científico (Fleck, 1986) é de leitura obrigatória para quem pretende compreender
a revolução científica processada a partir dos escritos de Kuhn.
(38) Neste aspecto tiveram fundamental importância os escritos de Feyerabend, que através de seu posicionamento
intencionalmente provocador — na sua obra de maior relevância, Contra o método (Feyerabend, 1989) — gerou as
mais diferentes reações, colocando o imutável método científico desnudo frente às mais variadas interpretações. Em
diversas situações, muitos estudiosos permaneceram divididos em relação ao próprio posicionamento de
Feyerabend. Alguns diziam que ele assumia todos estes posicionamentos epistemológicos e outros que ele os levava
apenas como provocações para suscitar discussões mais abertas sobre a ciência. Este fato ficou desvendado
quando o autor, um pouco antes de sua morte, escreveu a sua autobiografia, Matando o tempo (Feyerabend, 1996),
onde revelou que mesmo ele era contra muitos dos posicionamentos epistemológicos defendidos em seus estudos.
Sempre teve como objetivo provocar polêmicas. Indubitavelmente conseguiu com maestria alcançar seu intento.
(39) É indispensável a leitura de tal obra para conhecer os pensamentos de Kuhn em relação ao novo tratamento que
se deve dispensar à ciência a partir destes novos pressupostos. Além disso, inúmeros trabalhos foram desenvolvidos
analisando as conseqüências destas novas abordagens nos estudos de ciência, tecnologia e sociedade, dentre os
quais vale a pena ler ‘Una revolución en las estructuras conceptuales de la ciencia: la obra de Thomas S. Kuhn’, de
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08/02/2019 Ciência, Tecnologia e Sociedade. E o contexto da educação tecnológica. Sala de lectura CTS+I
Cristóbal Torres (Alonso et al., 1996). Neste trabalho ele mostra as principais teses e argumentos deste
epistemólogo, apontando os seus acertos e desacertos. Comenta a reviravolta sócio-histórica nos estudos da ciência.
(40) A Enciclopédia de Filosofia, que consta de seis volumes, um compêndio de temas importantes em diversas
tradições do discurso filosófico, não contém nenhum vocábulo na categoria tecnologia (Winner, 1987).
(41) Além de toda a bibliografia reunida neste trabalho, destaca-se especificamente com este conteúdo e com uma
análise muito bem fundamentada o livro ¿Qué es la filosofia de la tecnología? (Mitcham, 1989).
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