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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA

Portal Educação

CURSO DE

QUÍMICA FARMACÊUTICA

Aluno:

EaD - Educação a Distância Portal Educação

AN02FREV001/REV 4.0

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CURSO DE

QUÍMICA FARMACÊUTICA

MÓDULO III

Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este
Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição
do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido
são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas.

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MÓDULO III

22 MODIFICAÇÃO MOLECULAR

O químico medicinal dispõe de diversas estratégias de modificação


molecular que serão discutidas neste módulo, dentre elas estão: o bioisosterismo, a
simplificação molecular, a latenciação de fármacos e a hibridação molecular. Essas
estratégias são de grande importância para a descoberta de novos fármacos.
Na descoberta de novos fármacos, o bioisosterismo ocupa lugar de
destaque por sua enorme versatilidade.
Bioisosterismo é um conceito que se refere a substâncias ou subunidades
estruturais de compostos bioativos que apresentem volumes moleculares, formas,
distribuições eletrônicas e propriedades físico-químicas semelhantes, capazes
principalmente de apresentarem propriedades biológicas similares.
O bioisosterismo é uma estratégia de modificação molecular de um protótipo
baseada na troca de fragmentos moleculares que apresentem propriedades físico-
químicas similares, como por exemplo, a acidez. A aplicação do bioisosterismo pode
estar relacionada à fase farmacocinética (modulando as propriedades de absorção,
distribuição, metabolismo e eliminação) e a fase farmacodinâmica, visando sua
otimização. Uma das motivações para o emprego desta técnica de modificação
molecular pode estar relacionada à melhoria do perfil farmacodinâmico de um
composto hit 1a partir de screening cego in vitro de uma quimioteca de milhares de
substâncias, visando transformá-lo em um candidato a fármaco mais potente e
seguro.
Outra motivação para o emprego desta técnica é a necessidade de
ultrapassar barreiras patentárias de determinada substância de interesse
terapêutico, sendo bastante utilizada por grupos de pesquisa de laboratórios

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Hit – molécula que apresenta características promissoras no aspecto de desenho de drogas e que se ligue a uma
proteína alvo.

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industriais na busca de uma nova substância análoga a um fármaco inovador de
uma empresa farmacêutica concorrente.
Para aplicação do bioisosterismo de forma segura, de maneira a não
prejudicar os efeitos farmacológicos de uma determinada substância, é necessário
um conhecimento minucioso de suas propriedades estruturais (incluindo suas
contribuições farmacofóricas). Também é necessário conhecimento das vias de
inativação metabólica e dos principais fatores estruturais determinantes das
propriedades físico-químicas que regulam sua biodisponibilidade e seus efeitos
adversos, que irão permitir uma previsão abrangente da definição da relação
bioisostérica a ser empregada na modificação molecular pretendida.
O bioisosterismo é resultado da aplicação de princípios do isosterismo
desenvolvido por Langmur em 1918, pesquisador que estudava o comportamento
químico e a reatividade de determinadas substâncias que possuíam átomos com o
mesmo número de elétrons de valência, isto é, átomos isoeletrônicos.
Friedman introduziu o termo bioisosterismo (1951) para descrever o
fenômeno observado entre substâncias estruturalmente relacionadas que
apresentavam propriedades similares no mesmo sítio receptor.
Para utilização desta estratégia de modificação molecular é necessário da
regra do hidreto, uma regra empírica formulada por Grimm em 1925, que estabelecia
que a adição de um átomo de hidrogênio com um par de elétrons (hidreto) a um
átomo fornece um pseudoátomo que apresenta as mesmas propriedades físicas
daqueles presentes na coluna posterior da tabela periódica do átomo inicial (Figura
85).

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FIGURA 85 – REGRA DO HIDRETO DE GRIMM

FONTE: (BARREIRO e FRAGA, 2008).

O bioisosterismo é subdividido em duas categorias: clássico (figura 86) e


não clássico (figura 87). Em função da valência de átomos, grupamentos ou radicais,
incluindo anéis aromáticos ou não (equivalentes), dividiu-se o bioisosterismo
clássico. Já as demais possibilidades foram classificadas como bioisosterismo não
clássico. Com o passar do tempo e a evolução desses conceitos, incorporaram-se a
esta classe de não clássicos, grupos funcionais com propriedades estruturais
equivalentes, incluindo o retroisomerismo, subunidades estruturais com sítios de
interação equivalentes a biorreceptores (Figura 88).

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FIGURA 86 – BIOISOTEROS CLÁSSICOS

FONTE: (BARREIRO e FRAGA, 2008).

FIGURA 87 – BIOISOTEROS NÃO CLÁSSICOS

FONTE: (BARREIRO e FRAGA, 2008).

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FIGURA 88 – TIPOS DE BIOISOSTERISMO

FONTE: (BARREIRO e FRAGA, 2008).

Para a realização de uma substituição bioisostérica, devem ser considerados


os seguintes fatores:
 Tamanho e volume molecular, distribuição eletrônica dos átomos ou as
considerações sobre o grau de hibridização, polarizabilidade, ângulos de ligação e
efeitos indutivos e mesoméricos;
 Coeficiente de partição dos compostos bioisostéricos em estudo, de
maneira a permitir a previsão da alteração das propriedades físico-químicas;
 Reatividade química dos grupos funcionais ou subunidades
bioisostéricas, objetivando principalmente antecipar as alterações nos processos de
metabolismo que possam alterar o perfil de toxicidade relativa dos principais
metabólitos;
 Fatores conformacionais, incluindo a capacidade de ligações inter ou
intramoleculares nos bioisósteros em estudo.

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Podemos observar na natureza vários exemplos de isosterismo (Figura 89).
Exemplos de bioisósteros clássicos: os aminoácidos essenciais serina e cisteína,
tirosina e histidina; as bases pirimidínicas citosina e uracila, adenina e guanina; as
xantinas, cafeína e teofilina; os ácidos, salicílico e antranílico. Exemplos de
bioisósteros não clássicos: GABA e muscinol; glutamato e AMPA.

FIGURA 89 – BIOISÓSTEROS ENCONTRADOS NA NATUREZA

FONTE: (BARREIRO e FRAGA, 2008).

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Outra estratégica de ligação molecular de ligantes, bastante útil na química
farmacêutica medicinal é a simplificação molecular. A simplificação molecular é a
introdução de mudanças estruturais planejadas capazes de resultar em uma nova
molécula estruturalmente simples, com redução do peso molecular do número de
grupos funcionais e dos centros estereogênicos. Diversos fármacos foram
descobertos pela aplicação dessa estratégia em substâncias de origem natural,
produzindo novas estruturas mais simples, mantendo os efeitos farmacológicos do
protótipo natural e apresentando um perfil de atividade mais adequado, com
propriedades farmacodinâmicas e farmacocinéticas melhores. Essa estratégia de
modificação molecular é bastante conhecida como “striptease” molecular muito
aplicada na domesticação terapêutica de moléculas naturais selvagens.
Podemos exemplificar a aplicação deste conceito no desenho de moléculas
bioativas a partir do protótipo forbol, isolado de Croton tiglium L. Foram identificados
três pontos farmacofóricos principais envolvidos na interação do forbol com o seu
biorreceptor: função carbonila do éster ligado ao anel ciclopropânico, hidroxila
primária da função álcool alílico e carbonila α,β-conjugada (Figura 90).
Partindo desses dados e considerando a importância do diacilglicerol (DAG),
segundo mensageiro celular envolvido na resposta biológica induzida pelo forbol,
pesquisadores identificaram o sistema simplificado tetraidrofurânico oxigenado como
padrão estrutural capaz de mimetizar a unidade glicerólica do DAG, possuindo maior
restrição conformacional e introduzindo em C-2, a exemplo do ligante natural, o
centro estereogênico dos novos compostos planejados. Esses novos análogos
foram funcionalizados para mimetizarem os pontos farmacofóricos do forbol.
Essas novas substâncias foram sintetizadas e então avaliadas
farmacologicamente, reproduzindo os efeitos terapêuticos do protótipo natural, o
ester de forbol.

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FIGURA 90 – EXEMPLO DE SIMPLIFICAÇÃO MOLECULAR

FONTE: (BARREIRO e FRAGA, 2008).

23 LATENCIAÇÃO DE FÁRMACOS

A latenciação de fármacos é um processo de modificação molecular que


vem sendo bastante utilizado nos últimos anos, tornando-se uma das principais
ferramentas no planejamento de fármacos para o tratamento da AIDS e do câncer.
Já conhecido há muito tempo, o pró-fármaco, codeína (derivado da morfina
isolado no século XIX), se converte em morfina para só então promover seus efeitos
narcóticos. Mas o termo pró-fármaco foi utilizado primeiramente por Albert, em 1958,
para descrever compostos que necessitavam passar pelo processo de
metabolização prévia para promover efeito farmacológico. O pesquisador Harper
(1959) propôs o termo latenciação de fármacos para o processo de obtenção de pró-

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fármacos. Porém, apenas na década de 70, quando pesquisadores começaram a
estudar melhor os processos farmacocinéticos, o planejamento de fármacos
utilizando o processo de latenciação tomou rumo mais promissor.
As barreiras existentes do organismo podem limitar a utilização do fármaco
na clínica. Estas limitações estão relacionadas às fases farmacocinética e
farmacêutica (Figura 91).

As principais limitações relacionadas à fase farmacocinética são:

 Absorção incompleta do fármaco pelas membranas biológicas,


 Metabolismo pré-sistêmico, reduzindo a biodisponibilidade do fármaco,
 Absorção ou excreção muito rápida do fármaco, quando são
necessários longos períodos de ação;
 Toxicidade relacionada à irritação local ou à distribuição em outros
tecidos.

As principais limitações relacionadas à fase farmacêutica são:

 Falta de solubilidade adequada, comprometendo a dissolução e


consequentemente a biodisponibilidade dos fármacos;
 Falta de estabilidade das formulações;
 Propriedades organolépticas indesejáveis.

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FIGURA 91

FONTE: (CHIN, 1998).

Os problemas expostos anteriormente podem ser sanados com o


desenvolvimento de pró-fármacos, utilizando a técnica de latenciação de fármacos.
Os seguintes critérios devem ser considerados durante o planejamento do
pró-fármaco:
 Existência de grupos funcionais na molécula matriz capazes de sofrer
derivatização;

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 Existência de mecanismos e/ou sistemas no organismo, capazes de
bioativar o pró-fármaco;
 Estabilidade química do pró-fármaco;
 Facilidade e simplicidade da síntese e purificação do pró-fármaco;
 Regeneração, in vivo, da molécula matriz, em quantidade suficiente;
 Toxicidade do transportador e do pró-fármaco.

A latenciação de fármacos permite, mediante a escolha de transportadores


ideais e desprovidos de atividade biológica, o aprimoramento das propriedades do
fármaco. O método de esterificação é o mais empregado, dentre os diversos
métodos de preparação de pró-fármacos, seguido da formação de amidas, imidas e
carbamatos. Para outras ligações temos que ter a devida atenção, na obtenção de
pró-fármacos, nos quais a biotransformação não seja enzimática (p. ex., iminas,
bases de Mannich e enaminas.
Na Figura 92 podemos observar tipos de derivados biorreversíveis,
comumente utilizados no processo de planejamento de fármacos latentes.

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FIGURA 92 – TIPOS DE PRÓ-FÁRMACOS DE ACORDO COM O GRUPO
FUNCIONAL DO FÁRMACO

FONTE: (CHIN, 1998).

Alguns fármacos, no processo de latenciação de pró-fármacos, ligados


diretamente aos transportadores não são hidrolisados por enzimas lisossômicas,
dificultando desta maneira a liberação da sua porção ativa. No caso destes

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fármacos, existe a necessidade de se introduzir um agente espaçante (grupo
químico que estabelece a ligação entre o fármaco e o transportador). Como exemplo
há a daunomicina que era liberada de copolímeros hidrossolúveis de N-(2-
hidroxipropil) metacrilamida (HPMA) quando este fármaco foi ligado ao polímero
através de diferentes oligopeptídios, observou-se que as endopeptidases
hidrolisavam primeiramente o agente espaçante para só então, por ação de
aminopeptidases, liberar a porção ativa do fármaco. O exemplo da daunomicina
demonstra que a utilização de um agente espaçante permite acesso maior e melhor
da enzima, para que só então haja ação farmacológica.
Os pró-fármacos são classificados em:
 Clássicos;
 Bioprecursores;
 Mistos e;
 Dirigidos.

23.1 CLÁSSICOS

Os pró-fármacos clássicos são capazes de promoverem a melhoria da


atividade terapêutica devido às seguintes ações: aumento da biodisponibilidade,
diminuição da toxicidade, prolongamento da ação e aumento da seletividade,
mediante a escolha de transportador adequado, geralmente de caráter lipofílico.
Esta classe é inativa ou menos, se comparadas à molécula matriz, e devem sofrer
reação hidrolítica, química ou enzimática, para liberação de sua porção ativa.

23.2 BIOPRECURSORES

Os bioprecursores não apresentam transportador, diferentemente dos


clássicos, explícitos anteriormente. Esta classe constitui-se de moléculas resultantes
de modificação molecular com a formação de um novo composto que deve ser

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metabolizado, em geral, pelo sistema redox celular para transformar-se em um
metabólito ativo, e só então apresentar sua ação terapêutica.

23.3 MISTOS

Os mistos são conhecidos assim por possuírem características de pró-


fármacos clássicos e de bioprecursores, ao mesmo tempo.
Exemplo desta classe (Figura 93) é a utilização dos ésteres da trigonelina
como transportadores (assim como os clássicos) de fármacos de ação central, que
atravessam a barreira hematoencefálica (BHE). Em seguida sofrem ação do sistema
redox celular (assim como os bioprecurssores), tornam-se então carregados, ficando
retidos no SNC, que após sofrerem hidrólise, liberam a porção farmacologicamente
ativa. Esse sistema é chamado de sistema de liberação química ou CDS (Chemical
delivery system).

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FIGURA 93 – EXEMPLO DE PRÓ-FÁRMACO MISTO

FONTE: (CHIN, 1998)

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23.4 FÁRMACOS DIRIGIDOS

Fármacos dirigidos são os fármacos em que são utilizados transportadores


capazes de transportar os fármacos do local de administração até o sítio de ação, de
forma seletiva. O objetivo desta classe é diminuir a toxicidade apresentada por
certos fármacos. Este objetivo é alcançado pela redução de reações adversas
provocadas pela ação inespecífica do fármaco em outros sítios-alvo.
Dentre os transportadores utilizados nesta forma latente, os de maior
interesse são aqueles que interagem especificamente com os sítios presentes na
superfície das células-alvo. Como podemos observar na Figura 94, os fármacos
podem ser ativados após a endocitose do conjugado fármaco-transportador pela
célula alvo mediante ação de hidrolases ácidas presentes em lisossomos.

FIGURA 94 – FÁRMACO DIRIGIDO ATIVADO APÓS ENDOCITOSE

FONTE: (CHIN, 1998).

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O processo de latenciação é de grande interesse como método de
desenvolvimento de novos fármacos, e cada vez mais utilizado na atualidade. Suas
vantagens são: economia de tempo, economia de recursos, reintrodução de
fármacos antes descartados por suas propriedades indesejáveis. Além disso, essa
técnica permite o aprimoramento de novos fármacos, antes mesmo que sejam
lançados.
Atualmente, encontram-se estímulo crescente em se obter fármacos
altamente seletivos, reduzindo assim a tão temida toxicidade, em especial de
fármacos utilizados na terapêutica do câncer.

24 HIBRIDIZAÇÃO MOLECULAR

A hibridização molecular é a reunião de características estruturais, parciais


de duas substâncias biotivas distintas em uma nova molécula. Esta reunião origina
uma nova substância que poderá apresentar a atividade de uma das substâncias
originais ou conjugar ambas as atividades em uma única molécula.
Empregando-se a hibridação molecular com o propósito de unir
propriedades biológicas em uma única molécula, obtém um novo composto,
conhecido como dual, misto ou duplo em propriedades farmacológicas, o que
representa uma alternativa terapêutica muito interessante para determinadas
fisiopatologias multifatoriais. Esta atividade dual pode ser planejada para a inibição
de duas enzimas associadas à mesma patologia, por exemplo.

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24.1 OBTENÇÃO DE COMPOSTO COM ÚNICA ATIVIDADE A PARTIR DE
HIBRIDAÇÃO MOLECULAR

Para aplicação desta técnica temos o exemplo tropisetrona planejada a partir


da hibridação molecular entre os protótipos cocaína e serotonina, desenvolvida em
1983 pelo laboratório Sandoz (Figura 95). Esta hibridação molecular incluiu a nova
substância o núcleo indólico da serotonina com o sistema bicíclico-octano do
alcaloide tropânico da cocaína, mantendo a função éster presente na cocaína.

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FIGURA 95 – HIBRIDAÇÃO MOLECULAR NA GÊNESE DA TROPISETRONA

FONTE: (BARREIRO e FARGA, 2008).

24.2 OBTENÇÃO DE COMPOSTO COM ATIVIDADE DUAL A PARTIR DE


HIBRIDAÇÃO MOLECULAR

Metabólitos do ácido araquidônico estão envolvidos na fisiopatologia da


asma, doença inflamatória com alto índice epidemiológico, deve-se aos leucotrienos
(LTs), formados pela ação da 5-lipoxigenase (5-LOX) e da tromboxana A2, formada
pela ação da tromboxana sintase (TXS) sobre este ácido essencial. Como estes

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icosanoides estão envolvidos fortemente com a fisiopatologia da asma, foi proposto
o desenho de um hibrido dual com atividade sobre a 5-LOX e a TXS.
Para o desenvolvimento do hibrido E-6700, inibidor duplo de TXS e 5-LOX
foi utilizado o derivado E-3040, da classe dos compostos 2-amino-6-
hidroxibenzotiazola com propriedades inibidoras de 5-LOX (Figura 96).
Como a inibição da enzima 5-LOX depende de propriedades redox do
inibidor e sabendo das propriedades redox dos derivados benzoquinônicos do
derivado AA-861, inibidor de 5-LOX, pesquisadores dos laboratórios Japonês Esai
planejaram a substância E-6700, derivado benzoquinônico funcionalizado,
apresentando o anel piridínico distante de um grupamento ácido carboxílico, como
requisito estrutural necessário à atividade inibidora de TXS, identificado no protótipo
ozagrel, enquanto a presença do sistema benzoquinona, originário do protótipo AA-
861, assegura propriedades redox essenciais para à atividade 5-LOX. O composto
final desta hibridação molecular apresentou alta potência frente às duas enzimas
(inibição da formação de LTB4 – IC50 = 0,82 µM e inibição da formação de TXB2 –
IC50 = 0,07 µM).

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FIGURA 96 – GÊNESE DO DERIVADO DUAL 6700, INIBIDOR DE TXS E 5-LOX

FONTE: (BARREIRO e FRAGA, 2008).

25 DESENVOLVIMENTO DE NOVOS FÁRMACOS E MODELAGEM MOLECULAR

Os estudos clássicos de relação estrutura-atividade (REA ou SAR) exigiam e


exigem a síntese de diversos análogos, estruturalmente relacionados a um
composto protótipo, e a realização de sucessivos ensaios in vitro e in vivo de
atividade biológica. Após décadas de investigações de SAR, foi possível estabelecer
algumas generalizações sobre a influência de mudanças estruturais específicas nos
efeitos biológicos (discutidas no módulo anterior), incluindo o tamanho e formato da

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cadeia carbônica, a natureza e o grau de substituição e a estereoquímica de um
composto protótipo. As técnicas tradicionais de modificação molecular e SAR são,
ainda, importantes na descoberta de novos fármacos, no entanto, são dispendiosas
e requerem extenso período de investigação, eventualmente bem-sucedido.
A disponibilidade de programas computacionais de química e os bancos de
dados em rede são fundamentais e necessários para o planejamento de novos
fármacos, atualmente, culminando no desenvolvimento de fármacos. A partir dessas
ferramentas, podem-se obter informações que permitem uma análise rápida da
atividade biológica versus propriedades físico-químicas, de uma série de novos
análogos de interesse farmacológicos, sem a necessidade de sintetizá-los.
Novos fármacos podem ser desenvolvidos pela análise de dados teóricos de
estrutura-atividade de forma tridimensional, obtidos por técnicas de modelagem
molecular, recentemente utilizada.
Para iniciar uma análise utilizando as técnicas de modelagem molecular é
necessário:
 Proporcionar a visualização tridimensional e realizar a análise
conformacional de fármacos;
 Analisar o tamanho e formato do grupo farmacofórico;
 Verificar a importância da natureza e grau de substituição de grupos
funcionais;
 Observar os aspectos estereoquímicos dos fármacos e sua relação
com a atividade biológica;
 Relacionar a estrutura e as propriedades físicas de uma mesma série
de novos fármacos;
 Predizer os mecanismos moleculares envolvidos na ação dos
fármacos.
Hoje, pode-se utilizar alguns programas de desenho de moléculas
bidimensionais disponíveis e de fácil utilização, como ChemWindow, Isis Draw e
ChemDraw. Esses programas permitem a elaboração de figuras e diagramas com
qualidade e exatidão e facilitam o trabalho de documentação e publicação científica.
Outros programas permitem o cálculo e a representação de várias
propriedades moleculares, como: fórmula e massa moleculares, massa exata e
análise teórica elementar. Programas mais complexos e completos, como

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ChemDraw Ultra8, fornecem, adicionalmente, o nome químico correto (segundo a
IUPAC) dos compostos químicos e podem predizer os deslocamentos químicos de
RMN 1H e 13C, pontos de fusão e congelamento, refratividade molar, calor de
formação e Log P.
A visualização tridimensional (3D) dos fármacos, conseguida por meio da
utilização do programa Chem3D7A, é possível pela construção das ligações, passo
a passo, observando as informações sobre comprimento e ângulo de ligação.
Moléculas mais complexas (p.ex., de alto peso molecular) são desenhadas
utilizando vários recursos, como o uso de ferramentas de desenho, subestruturas
disponíveis neste programa e uso de caixa de diálogo, cujas fórmulas representadas
linearmente são digitadas. Em paralelo, são realizadas conversões de moléculas
desenhadas em ChemDraw, para o modelo tridimensional em Chem3D, por uma
simples cópia e cola no computador, como exemplificado para sulfametoxazol
(Figura 97).

FIGURA 97 – CONVERSÃO DA ESTRUTURA DO SULFAMETOXAZOL EM 3D NA


FORMA DE LIGAÇÕES CILÍNDRICAS

FONTE: (CARVALHO, 2002).

As moléculas podem ser representadas de diversas formas, graças ao


programa em 3D: arame (3a), bastões (3b), esferas e cilindros (3c) e “space filling”
(3d), como podemos observar na Figura 98.

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FIGURA 98 – DIFERENTES REPRESENTAÇÕES DO SULFAMETOXAZOL

FONTE: (CARVALHO, 2002).

O trabalho se inicia logo após as moléculas serem desenhadas na forma


tridimensional. Durante a geração de uma determinada estrutura, podem ocorrer
distorções na molécula, com formação desfavorável de comprimentos e ângulos de
ligações e ângulos diédricos, pois não estão, necessariamente, na conformação
mais estável após serem desenhadas em 3D.
Átomos não ligados interagem em uma mesma região do espaço e
provocam repulsão estérica e eletrostática. Para corrigir essas distorções as
moléculas podem ser otimizadas por meio do processo de minimização de energia.
Esse processo se dá a partir de dois modelos matemáticos existentes:

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 Mecânica molecular;
 Mecânica quântica.
Podem ocorrer Interações que não sejam previsíveis, que estão
relacionadas à: sobreposição de orbital molecular, distribuição de densidade
eletrônica ou interferências estéricas. Estes problemas podem ser solucionados com
a utilização de métodos computacionais, e devem ser solucionados para que haja
uma seleção racional de novos fármacos. A minimização de energia e a análise
conformacional são usadas interativamente para otimizar a geometria de uma
molécula.
Fatores relacionados ao tamanho da molécula, disponibilidade de
parâmetros e dados armazenados e recurso computacional vão determinar os
métodos de escolha para a minimização de energia. Os modelos moleculares
gerados pelos programas de computador são resultantes de equações matemáticas
que estimam as posições e propriedades dos elétrons e núcleos. Os cálculos
realizados exploram as características de uma estrutura, fornecendo uma molécula
sob nova perspectiva.
Como podemos notar até o momento a utilização destas ferramentas,
expostas simplificadamente aqui neste módulo, são de grande importância e
requerem amplo treinamento do químico medicinal para domínio de todas as
ferramentas disponíveis para uma análise real da possível ação de novos análogos
candidatos a fármacos.

26 INOVAÇÃO DE FÁRMACOS NO BRASIL

Com a chegada da indústria farmacêutica no país, as dificuldades


específicas da área de Fármacos e Medicamentos têm início, por motivos históricos.
Assim que a indústria farmacêutica se instalou no Brasil, houve a substituição das
boticas, local onde se dispensavam medicamentos em sua maioria manipulados,
pelas primeiras farmácias comerciais, que não mais manipulam, vendem apenas
medicamentos industrializados.

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Com as empresas multinacionais instalando-se no Brasil, o país consolida
sua atividade industrial farmacêutica. As multinacionais instaladas passaram a
realizar apenas a quarta etapa da cadeia industrial farmacêutica, isto é,
transformação princípio ativo do medicamento ou insumo farmoquímico,
desenvolvido no exterior, em medicamento.
A partir da nova realidade houve um desenvolvimento desordenado das
ciências farmacêuticas no país, onde a inovação infelizmente não foi desenvolvida,
consolidando-se apenas os métodos analíticos aplicados ao controle de qualidade
de fármacos e medicamentos.
Já as poucas indústrias nacionais passaram a se dedicar aos medicamentos
similares ou de fórmulas licenciadas, não havendo nenhuma perspectiva de
inovação em pesquisa de novos fármacos e tecnologias farmacêuticas.
Em 1968, foi realizada a reforma universitária que provocou o
enfraquecimento das instituições de ensino farmacêutico, restritas ao sistema
público, federal e estadual, e onde se desenvolvem pesquisas ainda muito
modestas, quando comparadas ao sistema atual (que ainda deixa a desejar frente a
países de primeiro mundo, mas que vem ganhando notoriedade nos últimos anos).
Com a realização desta reforma e a criação dos institutos básicos, as Faculdades de
Farmácia se foram sendo esvaziadas de seus principais grupos de pesquisa na
área. Com a perda da maioria de seus grupos de pesquisa e da competência
científica que representavam, reduziu-se enormemente a capacidade de pesquisa
em Fármacos e Medicamentos, nas Universidades de Ensino Farmacêutico da
época.
Mediante a esta realidade perdeu-se então, as vocações específicas do
profissional farmacêutico para com a pesquisa e desenvolvimento de fármaco e
medicamento, ampliando-se o âmbito profissional para outros focos, reduzindo-se,
praticamente, sua atuação a dispensação, atenção farmacêutica, manipulação de
fórmulas magistrais e nas indústrias ficando restritas apenas as atividades de
controle de qualidade.
Mediante as circunstâncias expostas e que são um histórico pesado do país,
não se criaram as condições capazes de favorecerem as atividades de pesquisa
científica em fármacos e medicamentos nas instituições de ensino farmacêutico e
também dentro das indústrias instaladas no país.

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Essas circunstâncias, infelizmente, até o momento se fazem presentes no
contexto da pesquisa e o impulsionamento de inovação na área de fármacos e
medicamentos no país.
Porém, ao se considerar o atual nível de capacitação científica do país, nas
áreas de ponta do conhecimento científico em Ciências da Saúde, Biológicas,
Farmacêuticas e Químicas, constata-se condições extremamente propícias e
favoráveis à inovação em fármacos e medicamentos no Brasil, se houver uma
articulação entre estas ciências e os estudos relacionados ao desenvolvimento de
fármacos e medicamentos.

FIM DO MÓDULO III

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARREIRO, E.J. FRAGA, C. A. M. Química Medicinal: as bases moleculares da


ação dos fármacos. Porto Alegre: Artmed, p. 19- 47 e 178-181, 2008.

BARREIRO, E. J. FERREIRA, F. V. COSTA, P. R. R. Substâncias


enantiomericamente puras (SEP): a questão dos fármacos quirais. São Paulo:
Química Nova, 20 (6), p. 647- 656, 1997.

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ação dos fármacos. Porto Alegre: Artmed, p. 271-399, 2008.

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