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Verde Perto
Educação
Vol. I

ORGANIZADORES

Leonardo da Silveira Rodrigues


Marina Anciães

Manaus, 2015
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Copyright © 2015 - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Dilma Vana Rousseff Linhares

MINISTRO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO


José Aldo Rebelo Figueiredo

DIRETOR DO INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA


Luiz Renato de França

EDITORA INPA
Editor: Mario Cohn-Haft. Produção editorial: Rodrigo Verçosa, Shirley Ribeiro Cavalcante, Tito Fernandes.
Bolsistas: Angela Hermila Lopes, Henrique Silva, Izabele Lira, Tiago Nascimento.

PROJETO GRÁFICO
Tito Fernandes

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Izabele Lira

REVISÃO ORTOGRÁFICA
Marina Biagioni

A presente obra foi produzida com apoio do Programa de Monitoramento de Fauna (sub programa
de Avifauna) para fins da construção da UHE do rio Madeira em Santo Antonio, realizado pela Santo
Antonio Energia.

CATALOGAÇÃO NA FONTE

V483 Verde perto educação / Organizadores Leonardo da Silveira Rodrigues, Marina Anciães. -- Manaus : Editora INPA, 2015.
156 p. : il.

ISBN 978 85 211 0142 0

1. Educação. I. Rodrigues, Leonardo da Silveira. II. Anciães, Marina.


CDD 370

Editora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia


Av. André Araújo, 2936 – Caixa Postal 2223
Cep : 69067-375 Manaus – AM, Brasil
Fax : 55 (92) 3642-3438 Tel: 55 (92) 3643-3223
www.inpa.gov.br e-mail: editora@inpa.gov.br
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Verde Perto
Ver de Perto
Ver Desperto
Verdes Perto

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 6

AGRADECIMENTOS 7

AUTORES 10

CAPÍTULOS

1 VERDE PERTO EDUCAÇÃO: METODOLOGIA E ORIGEM 15


Leonardo da Silveira Rodrigues e José Odilon Rodrigues Pereira

2 VER DE PERTO O QUE É VERDE PERTO 35


Thaiane Alexsandra Silva de Rezende e Cristiano Eduardo Rodrigues
Reis

3 EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS 51


Osmir Camilo Gomes e Wagner José Vieira

4 O VERDE PERTO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL 65


Selma Lucia da Silveira Pereira
Daniel Augusto da Fonseca
Marcelo da Silveira Rodrigues

5 VERDE PERTO EDUCAÇÃO CIENTÍFICA 83


Rita C. G. Mesquita
Ana Catarina C. Jakovac
Fernanda Meirelles
Mario H. Fernandez
Leonardo S. Rodrigues
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6 CORES QUE VI DE PERTO 97
Marina Anciães

7 VER DE PERTO COM MUITAS LENTES 105


Ana Luiza Meneses de Gouvea e Roberta Paredes Valin

8 VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMEN- 119


TO SOCIAL DE BASE
Tatiana Maria Machado de Souza
Gabriella Calixto Scelza
Rachel Klaczco Acosta

9 A EDUCAÇÃO PARA JOVENS NA GESTÃO DO PATRIMÔNIO 143


SOCIOAMBIENTAL BRASILEIRO: TEORIA E PRÁTICA
Ana Luiza C. B. Figueiredo
Tatiana M. M. Souza
Fabiana Prado

CONSIDERAÇÕES FINAIS 153

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Apresentação
Leonardo Rodrigues

O presente livro trata do programa Verde Perto Educação, proposta educativa em que
crianças, jovens, curiosidade, ciência, matas e florestas, política, artes e cultura vivem
juntos. Essa metodologia de educação ambiental foi desenvolvida em 2007 na cidade minei-
ra de Conselheiro Lafaiete. No presente livro você encontrará a descrição da metodologia, o
histórico de sua construção e um conjunto de experiências em diferentes locais e contextos
do Brasil onde foi adaptada e replicada.
O livro é voltado para pessoas que tenham a intenção de trabalhar educação ambiental não
formal, seja em apoio a escolas, seja em ONGs, em Unidades de Conservação ou em demais
instituições que praticam a educação ou buscam a sustentabilidade ambiental.
Contém nove capítulos, mais as considerações finais. Cada capítulo traz uma diferente
perspectiva sobre o Verde Perto e foi redigido por pessoas diferentes. Abaixo um breve resu-
mo do que será encontrado em cada um deles.
O primeiro capítulo trata do histórico de surgimento da proposta educativa e descreve a
metodologia. O segundo foi escrito por estudantes que fizeram parte e ajudaram a elaborar a
primeira experiência do Verde Perto. O terceiro capítulo traz o relato de dois poetas que par-
ticiparam de três diferentes versões do projeto atuando como instrutores de oficinas de poe-
sia. O quarto capítulo traz a experiência do Verde Perto junto ao público especial da APAE. O
quinto capítulo é um relato do Verde Perto com aspecto mais científico, tendo sido realizado
em um Jardim Botânico na cidade de Manaus. O sexto capítulo traz a perspectiva de uma
pesquisadora que foi palestrante de uma das versões do projeto. O sétimo capítulo relata a
experiência de duas artistas plásticas que atuaram com instrutoras em algumas ações Verde
Perto. O oitavo capítulo relata a experiência de aplicação da metodologia junto a jovens resi-
dentes em Unidades de Conservação, no Amazonas. O nono capítulo aborda a metodologia
como estratégia educativa voltada para a gestão sócio ambiental.
Ao final do livro temos ainda as considerações finais, onde são brevemente expostos resul-
tados interessantes da metodologia através da história de algumas pessoas que por ela passa-
ram e hoje atuam em prol do meio ambiente de forma protagonista.
Esperamos que seja um documento útil a quem queira trabalhar a educação ambiental
promovendo a autonomia, o protagonismo e a auto gestão de cada pessoa em seu ambiente
imediato afim de termos um mundo mais equilibrado e justo. Como apregoado na Agenda 21
“pensando globalmente e agindo localmente / pensando localmente e agindo globalmente”.

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Agradecimentos
A todos os estudantes das 4 turmas de 2º ano do ensino médio de 2007 do Colégio
Potência, por construírem tantas sugestões e ideias que culminaram na Metodologia
Verde Perto Educação;
Ao José Odilon que me estimulou e me ajudou a transformar desejos e ideias em uma
proposta educativa;
Aos professores Adalberto Val e Vera Val por abrirem as portas da educação ambiental e
científica ao estudante Leonardo, o que acabou estimulando uma busca que se tornou uma
metodologia de educação não formal;
Ao Colégio Potência, por abrir espaço a experimentações na educação não formal;
A Liga Ecológica Santa Matilde, nas figuras de Osmir Camilo, Wagner Vieira, Marcio
Zaum e Leonardo Fernandes, que deram todo o suporte técnico, político e ofereceram sua
credibilidade na cidade de Conselheiro Lafaiete, permitindo e possibilitando o começo da
caminhada do Verde Perto Educação;
Ao João Paulo Leroy e Marcus Vinicius Bitencourt que contribuíram muito nos primeiros
passos do projeto em Lafaiete;
Aos então secretários municipais de Educação, Antônio Severino “Toninho”, e de Meio
Ambiente, Francis, de Conselheiro Lafaiete em 2007que permitiram a produtiva parceria en-
tre os jovens do Verde Perto Potência com as crianças das escolas rurais das comunidades de
Rancho Novo, Buarque de Macedo e Mato Dentro, enriquecendo muito o ganho educativo
que obtivemos na primeira experiência da metodologia;
Ao Hélcio Queiroz, artista plástico que mostrou um caminho de possibilidades no traba-
lho de transformar educação ambiental teórica em artes;
A Associação dos Amigos e Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Conselheiro La-
faiete nas figuras de Selma Lucia e Daniel Fonseca que ousaram e colocaram a educação
ambiental no cotidiano dos jovens especiais da APAE;
Ao Cesar Haag que apresentou o Verde Perto Educação a professora Rita Mesquita;
A professora Rita Mesquita por levar o Verde Perto para dentro do MUSA e inspirar mui-
tas melhorias na proposta metodológica por meio de suas diversas sugestões e ideias;
Ao Museu da Amazônia (MUSA) por oferecer a estrutura necessária para realização do
Verde Perto com crianças da periferia de Manaus;
A todos os profissionais do MUSA que contribuíram com a realização das diferentes ver-
sões Verde Perto no Jardim Botânico Adolpho Ducke de Manaus;
A todos os pesquisadores que em algum momento contribuíram com seus saberes e co-
nhecimentos e com sua disposição e paciência na educação ambiental e científica das crian-
ças do bairro Cidade de Deus no Verde Perto Jardim Botânico;

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Aos profissionais do Jardim Botânico Adolpho Ducke de Manaus, a Prefeitura de Manaus
e ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) que possibilitaram realizar o Ver-
de Perto no Jardim Botânico;
A todos os instrutores de oficinas de arte educação que enriqueceram enormemente o
Verde Perto no Jardim Botânico de Manaus;
Aos servidores do ICMBio, do Núcleo de Gestão Integrada de Tefé Tatiana Souza, Ra-
chel Klaczco; Gabriella Calixto, Ana Luiza Figueiredo; Isaura Bredariol, Astrogildo Moraes
e Rafael Rossato, por estarem juntos na criação do Projeto Jovens como Protagonistas do
Fortalecimento Comunitário, uma bela página na história do Verde Perto;
Ao apoio Divisão de Gestão Participativa (DGPAR) do ICMBio, especialmente a Felipe
Mendonça, pela viabilização do Projeto Jovens no médio Solimões;
Aos jovens protagonistas da Resex do Baixo Juruá, da Resex do Rio Jutaí e da Flona de
Tefé por todo comprometimento com a efetiva ação jovem na gestão de suas comunidades e
unidades de conservação;
Ao Centro de Estudos Superiores de Tefé (CEST) da Universidade do Estado do Amazo-
nas, nas figuras de Eloá Gomes e Luciana Souza que me deram condições e apoio na realiza-
ção do Projeto Jovens em parceria com o ICMBio no médio Solimões;
A Coordenação de Educação Ambiental (COEDU) e a Diretoria de Ações Socioambien-
tais e Consolidação Territorial (DISAT) do ICMBio pelo permanente incentivo e apoio em
ampliar o Verde Perto, no formato do Projeto Jovens, fazendo com que a metodologia al-
cançasse diversas UC federais do Brasil. Especialmente os servidores Fabiana Prado, Karina
Dino, Rogério Egewarth, Sergio Lelis, Iaia Floresta, Daniel Castro e João Arnaldo;
Ao Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS) especialmente a Manoel
Cunha e Dione Torquato pelo apoio a replicação do Verde Perto / Jovens Protagonistas em
outras Unidades de Conservação de Uso Sustentável;
A Rita Silvana e Neusa Barbosa que possibilitaram a realização da oficina Verde Perto Di-
versidades na IV Conferência NacionalInfantoJuvenil de Meio Ambiente em 2013;
A Marcia Lederman e Kika Gouvea por estimular e viabilizar o intercambio da metodolo-
gia Verde Perto com os trabalhos de educação ambiental voltados para jovens residentes da
região do corredor ecológico de Sierra Madre Oriental no México, o que ampliou horizontes
e possibilidades metodológicas;
A todos os financiadores de todas as diferentes experiências Verde Perto já realizadas:
Prefeitura de Conselheiro Lafaiete;APAE (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais)
de Conselheiro Lafaiete;Prêmio Germinar – Gerdau / Açominas; FAPEAM (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas);PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento); FUNBIO (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade);ARPA (Programa
Áreas Protegidas da Amazônia);Projeto Corredores Ecológicos – Corredor Central da Ama-
zônia;WWF (World WildlifeFundation); GIZ (GesellschaftfürInternationaleZusammenar-
beit –GIZ–GmbH); Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Educação;
8 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
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A todos os amigos e parceiros que escreveram e ajudaram a realizar esse livro;
A senhora Marina Biagioni por ter feito com tanta presteza e competência a revisão orto-
gráfica dos capítulos do livro;
Ao Tito Fernandes por realizar um trabalho tão bonito e eficaz na editoração do livro;
A editora do INPA pela publicação desse livro;
Ao Mario Cohn Haft por estimular a transformação das experiências Verde Perto no pre-
sente livro.
A todos os jovens envolvidos nessa proposta educativa que tem assumido de 2007 pra cá
o papel de protagonistas nas mudanças socioambientais do Brasil;
A todos os colaboradores eventuais e recorrentes dos mais variados momentos do Verde
Perto que vem acontecendo de 2007 até hoje o nosso muito obrigado!

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Autores
Leonardo da Silveira Rodrigues é um entusiasta da educação, especialmente a
educação não formal e as possibilidades criativas de se aprender e de se ensinar que
são vivenciadas fora dos muros da escola. Formado em ciências biológicas, atua como
educador ambiental desde 2006 nas mais diversas regiões e realidades culturais do
Brasil e mesmo em outros países latino americanos. Idealizador da metodologia Verde
Perto Educação, vem desenvolvendo o Verde Perto desde 2007. Email: verdepertoe-
ducacao@gmail.com

José Odilon Rodrigues Pereira - Tenho 65 anos e sou psicólogo formado pela
UFMG. Sempre me interessei pelo meio ambiente, por entender ser o espaço por
onde se dá a relação humana. Sou fundador de uma ONG ambiental - Liga Ecológica
Santa Matilde (LESMA) em Conselheiro Lafaiete/MG, fui secretário municipal
da criança e do adolescente em Três Marais/MG, atualmente atuo como psicólogo
clínico. Sou pai de Leonardo, Cecília e Marcelo e casado com Selma Lúcia. Resido em
Conselheiro Lafaiete/MG.

Thai (Thaiane Rezende) considera que o Verde Perto deixou seu horizonte mais vas-
to e colorido. Hoje jornalista e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal
de Minas Gerais, idealizou e coordenou, em 2014, um projeto de intercâmbio cultural
e aprendizagem coletiva chamado Experiências Compartilhadas, que provavelmente
não teria existido sem a inspiração do Verde Perto.

Cristiano Reis é um verdeperteano de coração e de alma, apaixonado pela mãe


natureza, ecoturismo e fotografia. O seu interesse em educação ambiental, e
assuntos relacionados a sustentabilidade e respeito ao meio ambiente, se intensificou
consideravelmente após a participação no programa Verde Perto, quando era aluno
do Ensino Médio, em 2007. Acredita que o desenvolvimento científico e social só
pode ser baseado no respeito mútuo entre natureza e ser humano, e possui uma visão
bem otimista neste ponto. Pretende cursar carreira acadêmica na área de pesquisas
ambientais, especialmente aplicando técnicas sustentáveis e de química verde em
processos de tratamento de resíduos. Atualmente cursa pós graduação em Engenharia
de Biossistemas, após ter se graduado em Engenharia Química.

Wagner Viera é escritor, poeta, roteirista e editor.Atual presidente da Liga Ecológica


Santa Matilde - LESMA. Participou como coautor e declamador dos livros-CD “Con-
selheiro” (2006) e “Árvore da Vida” (2011), do Grupo Lesma. Também trabalhou no
roteiro documentário “Patrimônio Histórico: Roteiro Sentimental” (2008), exibido
na Mostra de Cinema de Cambuquira (MOSCA). É membro-fundador do Recital
Lesma Poesia, onde é declamador e oficineiro, com atuação em diversos estados
brasileiros. Em 2013 lançou o livro “Franciscantos” (Lesma Editores).

Osmir Camilo é escritor, designer, roteirista e ator. É membro-fundador da ong


LESMA (Liga Ecológica Santa Matilde), atua como editor, declamador e oficineiro
no Recital Lesmapoesia. Seus trabalhos gráficos e oficinas poéticas paradidáticas têm
sido um elo de difusão da sua poética em todo o país – especialmente nos estados do
Amazonas, São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, além de Minas Gerais.Partici-
pou como autor e declamador dos livros-CD “Conselheiro” (2006) e “Árvore da Vida”
(2011), do Grupo Lesma. Roteirista do documentário “Patrimônio Histórico: Rotei-
ro Sentimental” (2008), exibido na Mostra de Cinema de Cambuquira (MOSCA).
É autor de vários livros entre poesia e contos. Destaque para “Flor do Mal” (1984),
“Taturana” (1986), “Melão com Lia” (1998) e “Novos Contistas Mineiros”pela
editora Mercado Aberto, de Porto Alegre (RS). Em 2014 lançou seu mais recente livro
“Cinepoesia” (Lesma Editores).

10 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


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Marcelo da Silveira Rodrigues é graduado em Ciências Sociais pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (2006) e mestre em Sociologia pela Universidade Federal
do Amazonas (2011). Autor de vários textos, dentre eles do livro “Civilização do
Automóvel: a BR-319 e a opção rodoviarista brasileira (2013)”. Trabalha como cola-
borador da metodologia Verde Perto Educação desde 2009.

Daniel Augusto Fonseca é graduado em Terapia Ocupacional pela Universidade


Presidente Antônio Carlos (2008). Especialista em Desenvolvimento Infantil pela
UFMG(2009).Trabalha na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de
Conselheiro Lafaiete atuando com pessoas com deficiência intelectual e/ou múltipla.
Coordenador do Projeto Verde Perto na APAE de Conselheiro Lafaiete. Email: daniel.
his@bol.com.br

Selma Lúcia da Silveira Pereira é formada em geografia pela Faculdade Santa


Rita – FASAR, com pós-graduação em Educação Ambiental pela Universidade
Federal de Minas Gerais. Trabalha na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
coordenando o Terceiro Setor.Coordenadora do Projeto Verde Perto na APAE. Email:
selmaapae@yahoo.com.br

Mario H. Fernandez é biólogo e mestre em Botânica. Dedica-se a compreender e a


ensinar diferentes perspectivas da floresta amazônica. Completamente avesso aos Pa-
râmetros Curriculares Nacionais de educação, acredita na liberdade do conhecimento
e no protagonismo estudantil como ferramentas principais para o desenvolvimento de
uma geração mais consciente, capacitada a lidar com os problemas da atualidade.

Ana Catarina C. Jakovac é bióloga, pesquisadora, especialista em ecologia de


florestas tropicais e recuperação de áreas degradadas. Trabalha na região Amazônica
estudando a regeneração da floresta após usos agrícolas. Tem especial interesse na
pesquisa multidisciplinar que integra ecologia e manejo dos sistemas pelos habitantes
locais. Tem contribuído para projetos de educação ambiental e extensão rural.

Fernanda A. Meirelles é formada em Ecologia pela Universidade Estadual Paulista


Júlio de Mesquita Filho (UNESP) e mestre em Ecologia pelo Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (INPA). Integra o Grupo de Pesquisas de Mamíferos
Amazônicos/INPA, o Conselho Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente
(COMDEMA/SEMMAS) e é Assessora Técnica em Fauna do Museu da Amazônia
(Musa). Atua na conservação de mamíferos de médio e grande porte, educação
ambiental e divulgação e popularização da ciência.

Rita de Cássia Guimarães Mesquita - Vivo na Amazônia desde 1985, trabalhando


como bióloga, na área da ecologia, pesquisadora do INPA, e militando em prol da
conservação da floresta. Doutora em Ecologia de Ecossistemas pelo Instituteof Ecolo-
gy da Universidade de Georgia (EUA). No Governo do Amazonas, entre 2004-2008,
contribui com a criação e implementação de unidades de conservação, com a formu-
lação de políticas voltadas a gestão ambiental, especialmente gestão de UCs, e mudan-
ças climáticas. Pesquiso a sucessão florestal e a recuperação de áreas degradadas, com
ênfase para restauração de serviços ambientais. Gosto de ensinar, do contato com as
pessoas, e sinto responsabilidade com a educação popular voltada para a ciência e o
meio ambiente. Por isso trabalhei quatro anos no Jardim Botânico de Manaus e ajudei
a criar o Museu da Amazônia. Criei e ainda coordeno o Mestrado Profissional em
Gestão de Áreas Protegidas da Amazônia. Sinto uma inquietude diante dos cenários
traçados para a Amazônia, e tento passar aos meus alunos o senso de urgência e de
compromisso profissional com a pesquisa engajada.

Marina Anciães - sou doutora em Ecologia e Biologia Evolutiva e Pesquisadora da


Coordenação de Biodiversidade do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(INPA). Estudo os tangaras desde 1996, quando iniciei o mestrado na UFMG. De lá
para cá literalmente tudo a respeito destas aves me interessa. Trabalho atualmente com
seleção sexual, ecologia do comportamento e evolução de estratégias reprodutivas
no grupo. Antes de conhecer os tangaras já tinha interesse em empregar o resultado
de pesquisa cientifica em ações de educação ambiental. Espero que o Verde Perto
continue dando frutos e que eu continue parceira do programa.
VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I 11
dbm
Roberta Paredes Valin - “há oito anos das Minas cheguei a esse vasto Verde. Nessa
viagem fantástica segui os cursos dos rios (braços por demais acolhedores!), muitas
vezes acompanhada de uma companheira de vida amiga. Vi as cores e ouvi os sons da
floresta. Conheci as pessoas e a vida a beira d’água (e que me dão de beber toda a vez
que tenho sede!). Vivenciei de perto o Verde Perto e seus sábios personagens entre
2009 e 2010 e...tudo mudou! As percepções se expandiram, as sensações afloraram
sem pudor ou medo, os paradigmas mudaram...tudo passou a fazer um sentido nessa
vida! Também me tornei artista plástica pela Universidade Federal do Amazonas em
2011 e mestre em filosofia pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de
São Paulo em 2015. Atualmente, converso muito, crio e aprendo nos dias de sol e
chuva com crianças e jovens da cidade de Manaus e das comunidades dos beiradões
do Amazonas...continuo nessa viagem sem fim vendo todos os dias o céu mais bonito,
o verde em sua riqueza em vários tons, sempre sempresempre me surpreendendo e
toda vez me encantando com o que se esconde e se revela diante dos olhos na terra
mais acima do mapa.

Ana Luiza “KIKA” Gouvea - Depois de muitos anos vivendo no mar, o giro natural
da vida me levou a Manaus onde por alguns anos vivi; sentindo e aprendendo a gran-
de floresta. Com meu trabalho de arte-educadora, cuja formação se deu na Universi-
dade Federal do Amazonas, passei a atuar em projetos socioambientais, um dos mais
inspiradores o Projeto Verde Perto. Enquanto trabalhava tentava revelar através da pin-
tura e da fotografia a Amazônia em seus variados tons, em sua imensidão monumental
ou em sua miudeza constelada; naarquitetura desuas folhas, no caminho dos igarapés,
nosom dosigapós, e no saber de sua gente...Nesse trajeto, laços afetivos se formaram
e as vivências e aprendizados nesse Brasil de tamanha riqueza foram muitos deles
resultado de trabalhos desenvolvidos em comunidades às margens dos rios. Convivi
com crianças e jovens de sorrisos largos e olhos atentos, e com pessoas da mais alta
sabedoria que me ensinaram a enxergar com outras lentes, mas, sobretudo, ensinaram-
me sobre a grandeza das relações com a natureza e da singeleza da culturatradicional.
Buscante domundo, atualmente, moro no México onde trabalho com comunidades
indígenas e com jovens moradores de Áreas Naturais Protegidas, ou seja continuo
no caminho do sigoaprendendo….Por fim não me abandona o ímpeto de conhecer
e desvelar as “gentes” todas, trabalhando emmuitas mãos por esse mundão repleto de
possibilidades e desafios tentadores.

Tatiana Maria Machado de Souza acredita que educação é a base para a transforma-
ção social em direção a um mundo mais justo e saudável. Onde haja mais consciência,
menos superficialidade e mais respeito à diversidade. Encontrou no Verde Perto uma
robustametodologia de educação transformadora e emancipatória. É socioambienta-
lista, veterinária e analista ambiental do ICMBio. Email: tatimsouza@gmail.com

Rachel Acosta Klaczco é Cientista Social e Analista Ambiental do ICMBio desde


2009. Já atuou em Unidades de Conservação no médio Solimões/AM e atualmente
atua no Baixo Rio Negro/AM. Desenvolve trabalhos na área de organização social
comunitária e monitoramento participativo da biodiversidade, visando fortalecer a
gestão participativa das UC. Email: raka.acosta@gmail.com

Gabriella Calixto Scelza se graduou em História na UFRJ. Com foco na História


Ambiental, desenvolveu pesquisas ligadas principalmente às populações tradicionais
caiçaras do litoral do RJ e ao movimento social Seringueiro no Amazonas. É Analista
Ambiental do ICMBio desde 2009, com passagem por Unidades de Conservação na
região do Médio rio Solimões – AM e atualmente atua na RESEX Marinha de Soure
– costa leste da Ilha do Marajó/PA. Seus trabalhos de gestão de Unidades de Con-
servação se focaram, sobretudo, no fortalecimento da Gestão Participativa das áreas
através da Educação Ambiental e Organização Social Comunitária. Tais vertentes en-
contraram na metodologia Verde Perto, uma grande aliada, e resultados significativos
apareceram, como a elaboração e implementação do Projeto Jovens Protagonistas em
3 UCs do Núcleo de Gestão Integrada de Tefé/AM, e atualmente na RESEX Marinha
de Soure. O referido projeto alcançou tal notoriedade que foi institucionalizado pelo
ICMBio como estratégia prioritária de educação ambiental e formação de novas
lideranças em UCs. Email: gabi.calixtos@gmail.com

12 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


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Ana Luiza Castelo Branco Figueiredo é bióloga e analista ambiental do ICMBIO.

Fabiana Prado, bióloga e mestre em ciências biológicas, trabalha há mais de 20 anos


com pesquisa e conservação da natureza, envolvendo planejamentos participativos,
educação ambiental e gestão de áreas protegida.

VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I 13


690-
hCAPÍTULO I
VERDE PERTO EDUCAÇÃO:
METODOLOGIA E ORIGEM

-=89
Leonardo da Silveira Rodrigues e José Odilon Rodrigues Pereira

“Estamos hoje em dia soterrados por uma expansão descon-


trolada da coleta de dados nas ciências, porque não há modelo
racional que nos permita compreender a criatividade científi-
ca. Estamos também soterrados atualmente por uma sofisti-
cação excessiva das artes – arte empobrecida – porque não
há bastante assimilação nem penetração na forma subjacente.
Nossos artistas não têm conhecimentos científicos, os cientistas
não têm conhecimentos artísticos, e tanto uns como os outros
nem percebem como isso é grave, o que torna a situação não
apenas ruim, mas até péssima. Há muito tempo a arte e a
tecnologia já deveriam ter se reunido.”
(Edgard Morin)

E sse capítulo tem a intenção de trazer ao leitor o que é o “Programa


Verde Perto de Educação Ambiental” descrevendo suas bases me-
todológicas, o histórico de sua construção e as motivações que existiram
em sua elaboração. Esperamos que seja um texto útil às pessoas que quei-
ram pensar, elaborar e executar ações de educação ambiental que incluam
artes, ciências, formação cidadã e exercício de protagonismo.

Histórico
Em 2006 eu, Leonardo, assumi metade das horas aula da discipli-
na “biologia” para 4 turmas do 2º ano do ensino médio em um colégio
particular (Colégio Potência) do município de Conselheiro Lafaiete, em
Minas Gerais. Desde o primeiro dia de aula por que não conversar com seu diretor e pe-
ficou claro que dificilmente se construiria dir a ele para executar uma ação educativa
uma relação mais profunda estudantes/pro- voltada para a questão ambiental em paralelo
fessor, pois as aulas ocorriam apenas uma vez a grade curricular?”.
por semana, em horários de 50 minutos, no Foi exatamente o que fiz. Conversei com
período matutino das sextas feiras. o diretor da escola, apresentei a ele o material
Na segunda semana de aula perguntei a que os alunos haviam redigido e perguntei se
todos os alunos das quatro turmas “de que não seria possível construir um projeto de
forma vocês gostariam de aprender ciências bio- educação ambiental voltado para os estu-
lógicas?”. Nas duas semanas seguintes a essa dantes do 2º ano do Colégio. Recebi carta
pergunta, cerca de 40 cartas (em um univer- branca e convidei os alunos interessados a se
so de mais de 120 estudantes) foram entre- reunirem comigo na segunda feira seguinte,
gues a mim com um conjunto bem variado no período da tarde. Cerca de 35 estudan-
de sugestões sobre como seria interessante tes compareceram a essa reunião e a partir
aprender biologia. da nossa conversa de uma hora achamos
As sugestões dos estudantes estavam prudente nos reunirmos por mais algumas
divididas em quatro grandes eixos de linhas segundas feiras a fim de construirmos nosso
de ação: projeto, de forma coletiva e participativa.
1. Utilizar saídas de campo para áreas na- Nos dois meses seguintes nos encontra-
turais, como a “Serra de Ouro Branco”, as mos mais oito vezes e ao final de todo esse
nascentes do “Rio Bananeiras” ou o “Pico do esforço surgiu uma proposta de educação
Itacolomi”; ambiental, batizada pelos estudantes de
2. Realizar ciclos de palestras sobre temá- “Ação Resgate”.
ticas ambientais e ecológicas proferidas por
profissionais, técnicos e políticos da cidade Ação Resgate
de Conselheiro Lafaiete, abordando de for-
Organizamos o projeto, os jovens
ma prática questões referentes ao meio am-
estudantes do ensino médio, José Odilon e
biente;
eu, focando a ação na questão ambiental de
3. Visitar espaços acadêmicos e científicos Conselheiro Lafaiete. Foi estruturado para
de ciências biológicas como Museus de His- ser realizado ao longo de doze semanas, com
tória Natural, Universidades e Jardins Zoo- as atividades e práticas ocorrendo sempre
botânicos; nos contra turnos das aulas formais e com
4. Trabalhar temas biológicos por meio de algunseventos sendo realizados nos fins
oficinas de arte educação, como fotografia, de semana.
música, poesia e desenho. Cada semana abordava um tema diferente
Após receber todo o conjunto de cartas, que era trabalhado por variadas linguagens.
analisar, organizar e sistematizar seus conte- Dessa forma, cada semana funcionava como
údos, apresentei o material ao psicólogo José um módulo dentro da estrutura maior do
Odilon que ao ler os conteúdos disse “você projeto. No total realizamos doze módulos
tem um projeto de educação em mãos aqui, de atividades.
16 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
Cada módulo era estruturado da seguinte florestal, biólogo, nutricionista, engenheiro
maneira: sanitarista, médico, entre outros.
1. Palestra Teórica nas tardes das segun- Cada palestra servia de tema inspirador
das feiras; para as oficinas realizadas na semana. Dessa
2. Oficina de Poesia nas tardes das terças forma, além de se trabalhar técnicas específi-
cas da oficina – técnicas de enquadramento
feiras;
de fotografias, exercícios de ritmo, métrica
3. Oficina de Música nas tardes das quar- poética ou técnicas de colagem e mosaico
tas feiras; – os participantes eram estimulados a utili-
4. Oficina de Vídeos, Fotografias e Multi- zar os temas teóricos das palestras como os
mídia nas tardes das quintas feiras; motivos inspiradores dos exercícios práticos
5. Oficina de Artes Plásticas nas tardes das realizados durante as oficinas. Logo, o tema
bacia hidrográfica gerou registros fotográfi-
sextas feiras.
cos do rio Bananeiras e tornou-se mote para
Os temas das palestras e das oficinas foram criação de poesias.
escolhidos pelos próprios jovens e cada estu-
Outra linha de ação realizada ao longo
dante tinha autonomia para decidir em quais
das doze semanas de projeto foram as
atividades do projeto gostaria de participar.
saídas a campo. Planejamos realizar 4
De uma maneira geral, as palestras eram
saídas a campo a cada um dos extremos
acompanhadas por todo o grupo, inclusive
de Conselheiro Lafaiete “os quatro cantos
pelos instrutores das oficinas. Assim, alguns
da cidade”: Rancho Novo (distrito com
alunos assistiam a palestra e participavam da
nascentes d’água tradicionalmente utilizadas
oficina de Música; outros preferiam a oficina por lavadeiras de roupas, ao leste); Buarque
de Artes Plásticas; outros ainda participavam de Macedo (distrito onde está localizada a
de todas as oficinas. As práticas não valiam nascente do rio Bananeiras, principal corpo
nota e o aluno ia se quisesse e retornava se d’água da cidade, no sul); Mato Dentro
gostasse. A medida que o projeto ia aconte- (distrito com comunidade remanescente de
cendo, começaram a aparecer jovens dos ter- quilombo, onde passa o rio Paraopeba, bacia
ceiros e primeiros anos do ensino médio, que hidrográfica em que se insere Conselheiro
inicialmente não eram o público alvo. Lafaiete, ao norte) e Água Limpa (fazenda
As palestras abordaram temas como “o importante na história de fundação da
protagonismo juvenil na questão ambiental cidade, no oeste). De todos os locais, o único
Lafaietense”; “a bacia hidrográfica do alto que não foi viabilizada a atividade de campo
Paraopeba e a sub bacia do rio Bananeiras”; foi a fazenda Água Limpa.
“os alimentos e o meio ambiente”; “a políti- Nas saídas a campo realizamos ações jun-
ca ambiental de Conselheiro Lafaiete”, entre to aos alunos das escolas municipais rurais
outros. Foram ministradas por profissionais dos respectivos distritos. Essa ação em con-
da área, desvinculados do Colégio. Entre os junto foi possível por meio da articulação
palestrantes contamos com psicólogo, se- do projeto com as secretarias municipais de
cretário municipal de meio ambiente, pre- educação e meio ambiente. As articulações
sidente de ONG ambientalista, engenheiro políticas fizeram parte do projeto como es-
CAPÍTULO 1 17
VERDE PERTO EDUCAÇÃO: METODOLOGIA E ORIGEM
tratégia de estimulo a participação política Conselheiro Lafaiete enfrenta em seu meio
por parte dos jovens. Contamos ao longo das ambiente.
ações com amplo apoio dos secretários de
educação e meio ambiente. O Surgimento do Programa
Além das saídas de campo aos “quatro Verde Perto de Educação
cantos da cidade” conseguimos articular
Ambiental
uma parceria com uma universidade da ci-
dade (UNIPAC). Por meio dessa parceria A medida que as atividades do projeto
os alunos tiveram acesso aos laboratórios “Ação Resgate” aconteciam José Odilon e
de áudio visual da faculdade de comunica- eu discutíamos os avanços percebidos no
ção social. A partir dessa experiência com grupo de jovens participantes, as atividades
instrumentos de captura e transformação de desenhadas, a repercussão das palestras e das
imagens, vídeos e sons, os jovens produzi- oficinas e os efeitos do estímulo ao protago-
ram diversos materiais frutos das atividades nismo juvenil que buscávamos gerar desde
do projeto como: CD com recital de poesia, o início da construção coletiva da proposta
documentário com entrevistas realizadas nas educacional.
saídas de campo, exposição fotográfica. A partir das nossas avaliações e do acom-
Todo esse material produzido foi transfor- panhamento do projeto compreendemos
que essa iniciativa poderia se tornar uma
mado em um grande evento de encerramen-
metodologia de educação ambiental. Para
to do projeto, ao final da última semana, onde
tanto, concebemos que ela deveria estar es-
os participantes da “Ação Resgate” convida-
truturada em três principais aspectos: o Pro-
ram seus pais, amigos e demais familiares a
tagonismo Juvenil, a Transdisciplinaridade e
participar da celebração do término de uma
a Educação Lúdica.
etapa. Nesse fechamento todos os produtos
gerados ao longo do projeto foram expostos Outro aspecto determinante foiencarar
e apresentados. De exposição fotográfica a formação em educação ambiental como um
recital de poesia, passando por exibição de treinamentopara enfrentar problemas, ques-
entrevistas e apresentação musical. tões e desafios referentes a crise ambiental vi-
venciada no planeta e verificada por estudos
Conseguimos fazer dessas doze semanas que captamperda de biodiversidade, aumen-
um momento de efervescência socioam- to das concentrações de gases de efeito estu-
biental que envolveu diretamente os jovens fa na atmosfera, erosão dos solos, poluição
do projeto, profissionais de arte educação, das águas e do ar, contaminação dos alimen-
familiares, políticos, outras escolas, universi- tos e diversos outros sintomas dos desafios
dade, jornais e TV locais. Envolvemos tam- atuais que a sociedade vem enfrentando. As-
bém inúmeros participantes eventuais e ou sim, deduzimos que o estímulo à inteligência
leitores e expectadores que tomaram conhe- seria um caminho adequado para o projeto,
cimento das atividades que esse grupo de uma vez que “inteligência” pode ser interpre-
jovens protagonizou em prol das discussões tada como a capacidade cerebral pela qual
socioambientais e na busca pela resolução conseguimos penetrar na compreensão das
de desafios e problemas que o município de coisas escolhendo o melhor caminho para
18 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
agir. Ou seja, ela é um fluxo cerebral que nos dos problemas derivados das ditas relações e
leva a buscar opções para solucionar uma suas causas profundas. Ela desenvolve, median-
dificuldade e que se completa como uma te uma prática que vincula o educando com a
faculdade para compreender, entre opções, comunidade, valores e atitudes que promovem
qual a melhor. Além de também nos ajudar a um comportamento dirigido à transformação
resolver problemas ou até mesmo criar pro- superadora dessa realidade, tanto em seus as-
dutos válidos para a cultura que nos envolve pectos naturais como sociais, desenvolvendo no
(Antunes, 2002). educando as habilidades e atitudes para a dita
A partir dessas reflexões constatamos transformação”. É “o processo em que se busca
que a teoria das Inteligências Múltiplas de despertar a preocupação individual e coletiva
Howard Gardner (1994) seria uma ferra- para a questão ambiental, garantindo o acesso
menta teórica extremamente útil para trans- à informação em linguagem adequada, contri-
formarmos o projeto em um programa de buindo para o desenvolvimento de uma cons-
educação ambiental. Esta teoria possibilita ciência crítica e estimulando o enfrentamento
usos e ações muito mais variados e plásticos das questões ambientais e sociais. Desenvolve-
para o processo didático-pedagógico, casan- se num contexto de complexidade, procurando
do melhor com a proposta não formal que trabalhar não apenas a mudança cultural, mas
estava sendo construída do que a visão tra- também a transformação social, assumindo a
dicional utilizada na educação formal onde crise ambiental como uma questão ética e políti-
a inteligência é tratada como um coeficiente ca” (Brasil, 1999).
estanque, o QI. O ambiente é o espaço onde se materiali-
A partir desse arcabouço teórico, deduzi- zam as relações que os homens mantêm entre
mos que buscar diferentes formas de estimu- si, com a natureza, com os demais seres vivos
lar o estudante e, ao mesmo tempo, provocar e com tudo que os cerca. Por isso, a caracte-
a utilização de diferentes inteligências e apti- rística fundamental da educação ambiental
dões durante o processo educativo seria uma está no objeto de estudo – o meio ambiente,
excelente maneira de incitar um conjunto de considerando-se seus aspectos físicos, quí-
pessoas a criar soluções aos desafios socio- micos e biológicos, incorporando, também,
ambientais inerentes a atual civilização do toda uma rede de relações socioeconômicas,
consumo. Constatamos que a educação não culturais, políticas, ecológicas, tecnológicas,
formal lúdica, transdisciplinar, estimulado- éticas e estéticas (Melo et al. 1997).
radas diferentes inteligências, que desperta O ambiente deve ser visto como um todo.
protagonismo e autonomia nos participantes Em outras palavras, em todos os seus aspec-
era ideal para se trabalharo viés ambiental. tos:naturais, sociais, artísticos, científicos,
De acordo com a Política Nacional de políticos, ecológicos, econômicos, culturais,
Educação Ambiental - PNEA (Brasil, 1999) técnicos, etc. Afinal, a educação ambiental é
- a educação ambiental “é a ação educativa mais do que uma atividade, ela é um projeto.
permanente pela qual as comunidades edu- E um projeto amplo que deve estimular o es-
cativas têm a tomada de consciência de sua tudante a construir uma visão do ambiente,
realidade global, do tipo de relações que os auxiliando-o a formar conhecimentos para
homens estabelecem entre si e com a natureza, compreender e interpretar o mundo e agir
CAPÍTULO 1 19
VERDE PERTO EDUCAÇÃO: METODOLOGIA E ORIGEM
sobre ele (Rodrigues et al. 1997).E a educa- experiência realizada no Ação Resgate. Sur-
ção ambiental, devido ao seu caráter holísti- gia então uma metodologia de educação não
co, deve favorecer a aptidão natural da mente formal. Logo começamosa pensar em um
para colocar e resolver os problemas e, cor- nome para a proposta educativa. Verde Perto
relativamente, estimular o pleno emprego da apareceu em uma conversa entre os instru-
inteligência geral (Morin, 2002). tores das oficinas de arte educação num mo-
Trata-se de um de um tipo de pedagogia mento de avaliação e discussão de próximos
que deve ser fonte de estímulo e de encora- passos a serem desenvolvidos com os jovens
jamento para instigar a aptidão interrogativa estudantes do Colégio Potência. Osmir Ca-
dos estudantes a fim de orientá-los a pensar milo, um dos instrutores da oficina de poe-
e buscar soluções para os problemas fun- sia, sugeriu o jogo de palavras verde perto /
damentais da condição humana em nosso ver de perto.Estava batizada nossa proposta
momento histórico atual (Morin, 2002). metodológica, a partir de uma brincadeira
Além disso, a educação ambiental pode ser com palavras, incluindo assim aspectos lú-
o paradigma educacional a ser seguido nesse dicos na essência do projeto, bem de acordo
século XXI, em que a educação formal tem com a orientação provocadora que desejá-
tido sérios revezes na realização de suas atri- vamos para a metodologia que estava sendo
buições. Revezes causados pelas profundas construída.
mudanças sociais, tecnológicas e populacio-
nais dos últimos 50 anos que ocorreram no Educação Ambiental –
planeta. Hoje, na atual sociedade da informa-
ção, a escola deveria buscar caminhos menos Abordagem conceitual
conteudistas. As informações estão em toda O foco na questão ambiental apresen-
parte, nas revistas, jornais, televisões, rádios tava-se muito afinado com as percepções e
e Internet. Mas os estudantes não têm sido- observações sobre a degradação contínua do
preparados para integrar essas informações, meio-ambiente realizada pelos participantes
que são transmitidas de forma fragmentada do projeto. Era patente em nossos estudos a
e não se transformam em melhoria de quali- compreensão de que a sociedade, a partir de
dade de vida e de bem estar (Morin, 2005). sua forma de lidar com os organismos, com
Ou seja, estamos em um momento de os recursos naturais e mesmo entre os seres
transição dos processos pedagógicos (Tiba, humanos, vem passando por um momento
2006), e a educação ambiental, exatamente delicado com grande perda de biodiversida-
por ser transdisciplinar e integradora em sua de, desafios hídricos, esgotamento de recur-
essência, pode se tornar o modelo desejável sos naturais locais, erosão de solos, vulnera-
de uma nova forma pedagógica (Leff, 2004). bilidade e injustiça ambiental, alémde tantos
Ou pelo menos pode ser uma das práticas outros limites e desafios. Isso deveria ser
inovadoras a inspirar um novo modelo peda- ponto central no Verde Perto, entendendo a
gógico, mais adequado ao complexo mundo necessidadeda sociedade buscar alternativas
atual (Soares, 2003; Leff, 2004). de uso de recursos e criar novas formas de se
Todos esses aspectos teóricos e conceitu- relacionar com a natureza e com os próprios
ais elencados acima foram sendo inseridos à seres humanos.
20 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
Apesar de haver diversas pessoas e institui- Mas para criarmos projetos ou programas
ções que encaram o desafio ambiental como de educação ambiental ou educação científi-
algo premente, essa ainda não é uma percep- ca, é desejável que pensemos e elaboremos
ção universal. Existem instituições que são propostas que sejam transdisciplinares, uma
mais propensas a criar e realizar atividades vez que meio ambiente e ciência são temas
inovadoras no sentido de buscar alternativas transversais e que afetam a todos; lúdicas,
sustentáveis para a sociedade. Além disso, a já que aprender deve ser um ato agradável;
inter-relação entre instituições de diferentes e que coloquem o jovem como protagonista
vocações produz resultados criativos, inova- de seu aprendizado e capaz de desenvolver
dores e eficientes na educação ambiental e autonomia em sua ação e em seu pensar. Ao
no uso sustentável dos recursos (Leff, 2000; reafirmarmos esses três aspectos estamos vi-
Leff, 2004). sualizando o seguinte:
Dentre as várias instituições que podem 1) Transdisciplinaridade
contribuir com novas formas de relação entre
De acordo com Morin (2005), “o co-
os seres humanos, a Escola e as instituições
nhecimento das informações ou dos dados
de ensino, sejam formais ou não formais,
isolados é insuficiente. É preciso situar as in-
tem um papel social importante e relevante
formações e os dados em seu contexto para
na construção de novos modelos de viver,
que adquiram sentido”. Porém, já há alguns
uma vez que atuam auxiliando a formação
séculos a educação tem feito exatamente o
decidadãos. Tem o potencial de facilitar a
inverso disso, estimulando a separação dos
constituição do Ser Humano participativo,
saberes, promovendo a criação de informa-
consciente, cooperativo, solidário, crítico,
ções que são passadas de forma fragmenta-
atuante e responsável. São locais adequados
da e sem contextualização. Nossa educação
para se pensar formas inovadoras de educar
tem primado pela análise em detrimento da
e, consequentemente, de trabalhar a educa-
síntese o que gera uma ciência hiperespecia-
ção ambiental e a educação científica. Mais
lizada e altamente segregada. O resultado é a
adequados ainda caso consigam promover a
complexificação cada vez mais pronunciada
associação com outras instituições tais como
dos saberes, das relações humanas e socioe-
Institutos de Pesquisa, Universidades,Insti-
conômicas, e do mundo como um todo.
tuições Estatais, ONGs e outras formas de
associações da sociedade civil (Ascelard et al. A transdisciplinaridade busca exatamen-
2006). Na situação atual, a associação da Es- te situar as informações no contexto. Busca
cola com Instituições que apresentam outras retomar a síntese, possibilitar o diálogo en-
vocações pode representar um papel capital tre os diferentes saberes. O diálogo entre os
na busca por alternativas comportamentais, diferentes saberes pode ser capaz de encon-
que permitam ao planeta continuarabrigan- trar respostas ou soluções para a problemá-
do toda a sua biodiversidade. Também criar tica ambiental que nenhum saber conseguiu
novos modelos de desenvolvimento que pensar em separado até o momento. É pre-
ofereçam as melhores condições para o bem ciso que o saber científico e filosófico a ser
estar humano, tanto do indivíduo quanto da feito no século XXI seja capaz de recompor o
sociedade, promovendo plenaevolução hu- todo, uma vez que o todo tem qualidades ou
mana (Sachs, 2004). propriedades que não são encontradas nas
CAPÍTULO 1 21
VERDE PERTO EDUCAÇÃO: METODOLOGIA E ORIGEM
partes, quando estas estão isoladas umas das nidade, na vida social mais ampla e nas dis-
outras. E certas qualidades ou propriedades cussões ambientais como um todo. Pelo fato
das partes podem ser inibidas pelas restri- dos adolescentes serem pessoas em condição
ções provenientes do todo. particular de desenvolvimento, o protagonis-
Em suma, a educação transdisciplinar visa mo, mais do que justificar, pressupõe e exige
à promoção de uma ação comunicativa entre a presença do educador como orientador da
os diferentes saberes, de tal forma que esses relação do jovem consigo mesmo e com os
saberes se reconheçam legítimos e sem hie- outros jovens e também sobre suas relações
rarquia entre si. Ou seja, que após a análise com o ambiente que o cerca, pelo menos em
dos fatores separados inerentes à estrutura um primeiro momento.
de produção de conhecimento científico
A atuação do educador na promoção
atual, sejam criados momentos de síntese
de ações de protagonismo juvenil deve ter
desses conhecimentos em diálogos diversos
como objetivo vincular à ação educativa a
entre os vários saberes e conhecimentos. E
democracia, a solidariedade, a participação e
a educação ambiental é uma das atividades
a noção de que o que provocamos ao nosso
mais propensas a cumprir esse papel, uma
vez que tudo acontece no ambiente e todos planeta necessariamente retorna a nós mes-
os saberes e atividades humanas se dão no mos (efeito bumerangue). Logo,devemos
planeta Terra e são mediados pelo ambiente. criar condições para que o educando possa
Precisamos reconhecer e promover o diálo- participar da iniciativa da ação, do planeja-
go entre os saberes e as atividades humanas mento, da execução, da avaliação e da apro-
para alcançarmos um desenvolvimento real- priação dos resultados obtidos no desenvol-
mente sustentável e includente (Chomsky, vimento do processo educativo e das formas
et al. 1999; Leff, 2000; Sachs, 2004; Veiga, de se relacionar com os mundos físico, bioló-
2005). gico e social.
Com a utilização de atividades que esti- O protagonismo juvenil é uma forma de
mulem às múltiplas inteligências, o diálo- apoiaro educando a construir sua autono-
go entre os saberes, e consequentemente a mia através da criaçãode espaços e situações
transdisciplinaridade, podem ser alcançados propiciadoras da participação criativa, cons-
de forma mais efetiva, criativa e agradável. trutiva e solidária na solução dos problemas
Isso devido ao fato de que para estimularmos ambientais reais na escola, na comunidade
as múltiplas inteligências nós deveremos ne- ou na sociedade mais ampla. Não se trata,
cessariamente criar momentos didático-pe- portanto, dos educadores se isentarem do
dagógicos diferentes dos que são costumei- seu papel e jogarem sobre o educando o peso
ramente realizados nas escolas, o que nos total da responsabilidade do que ocorreu
permite inovar. ou ocorrerá. Trata-se do estabelecimento
2) Protagonismo Juvenil de uma corresponsabilidade entre jovens e
A expressão protagonismo juvenil desig- adultos pelo curso dos acontecimentos que
na a participação de jovens e adolescentes, resultam de sua ação educativa conjunta e da
atuando como parte da solução, no enfrenta- apropriação do meio ambiente por parte do
mento de situações reais na escola, na comu- jovem.
22 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
O protagonismo deve ser vivido como sentimentos (Freire, 2000). Sabendo que os
participação do adolescente no ato criador alunos são exatamente seres constituídos de
da ação educativa, em todas as etapas da evo- almas, desejos e sentimentos, e de que um
lução de sua percepção sobre a problemática dos mais agradáveis sentimentos humanos é
ambiental contemporânea. O adolescente o bom humor, o sorriso, é notório que com
não deve ser visto pelo educador como uma a criação e utilização de atividades lúdicas
ameaça à autoridade dos adultos ou à ordem (Homo ludens), o processo cognitivo torna-
imperante no processo educativo. Isso é ain- se mais efetivo, eficiente e eficaz.
da mais necessário, pertinente e premente na Aprender deve ser um ato agradável. Não
medida em que, no conceito de sustentabili- só pelo fato de que algo agradável é bom,
dade, entra a questão de que devemos deixar como também porque aprender brincando
para as gerações futuras condições ambien- fixa mais a atenção do aluno e é mais diverti-
tais que permitam que essas gerações te- do, melhora o clima das atividades pedagógi-
nham água, ar e alimento de qualidade, aces- cas e aumenta a postura crítica e a disposição
so às benesses que o meio ambiente oferece, do aluno para apreender os conteúdos das
justiça ambiental, enfim, uma vida digna. Os disciplinas e os saberes trabalhados por meio
jovens fazem parte de gerações futuras em de criatividade lúdica.
relação aos atuais donos do poder e das deci-
A partir de todas essas reflexões decidi-
sões sobre os rumos de crescimento e desen-
mos então adotar a teoria das Inteligências
volvimento escolhidos pela sociedade.
Múltiplas de Gardner (1994), a Complexi-
Além disso, com o protagonismo juvenil, dade Ambiental de Leff (2003), a Educação
os jovens estudantes tornam-se responsáveis para o Futuro de Morin (2002, 2005) e a
pelo seu próprio aprendizado. Isso é desejá- pedagogia da autonomia de Freire (2000)
vel uma vez que aprender é um ato individu- como estruturas teóricas do Verde Perto.
al, mediado pela sociedade. É desejável que Esses conceitos acabaram por definir, de for-
os estudantes saibam integrar seus conhe- ma natural, a base do Programa Verde Perto
cimentos, saibam transformar seu conhe- Educação: estímulo às inteligências múlti-
cimento em sabedoria. É desejável que eles plas, protagonismo juvenil, educação lúdica
saibam ser autodidatas (Morin, 2005). e transdisciplinaridade. Buscamos com a for-
3) Educação Lúdica matação da metodologia trazer aos partici-
Se educar é construir, libertar o homem pantes uma reflexão sobre o meio ambiente
do determinismo, passando a reconhecer o e as relações do homem com ele, associando
papel da história e a questão da identidade saberes técnicos, científicos, artísticos, cultu-
cultural, sem respeitar a identidade, sem au- rais, históricos, geográficos e jurídicos. Nessa
tonomia, sem levar em conta as experiências construção estabelecemos que as caracterís-
vividas pelos educandos, o processo será ticas locais sempre deveriam ser básicas e
inoperante, somente meras palavras despidas fundamentais na aplicação da metodologia,
de significação real. A educação é ideológica onde quer que ela fosse realizada.
e dialógica, pois só assim pode se estabelecer Assim, a apropriação do meio ambien-
a verdadeira comunicação da aprendizagem te por parte dos educandos torna-se muito
entre seres constituídos de almas, desejos e mais passível de ser estimulada e efetivada.

CAPÍTULO 1 23
VERDE PERTO EDUCAÇÃO: METODOLOGIA E ORIGEM
Uma gama de atividades pode ser desenvol- nas ações educativas quanto sua autoestima,
vida, tanto para que os estudantes passem ao ver reconhecido na dinâmica pedagógica
a se colocar como parte do meio ambiente, seus interesses, desejos e necessidades (Frei-
quanto para que criem atividades em que eles re, 2000). Além disso, o protagonismo é im-
mesmos possam divulgar, replicar e passar portante tanto para manter a motivação du-
adiante os conhecimentos adquiridos. Com rante o processo como para possibilitar que
a utilização de atividades que estimulem as a continuidade da ação educativa, a partir de
diversas facetas das inteligências, ganhamos certo ponto, aconteça “puxada” pelo próprio
em plasticidade no momento de trabalhar público alvo inicial.
conceitos ambientais, sejam conceitos bioló- Outro ponto relevante da educação am-
gicos, políticos, econômicos, geográficos ou biental é sua vocação transformadora. De
sociais, e geramos mais possibilidades trans- acordo com Layrargues (2009) a educação
disciplinares e lúdicas no processo. ambiental visa a transformação da sociedade
A Política Nacional de Educação Ambien- por meio do oferecimento de oportunida-
tal (Brasil, 1999) coloca educação ambiental des, saberes, técnicas e ferramentas de forta-
como um conjunto de “processos por meio dos lecimento e empoderamento dos indivíduos
quais o indivíduo e a coletividade constroem va- para melhorar suas condições de vida e miti-
lores sociais, conhecimentos, habilidades, atitu- gar seus níveis de vulnerabilidade ambiental,
des e competências voltadas para a conservação enfrentando as injustiças ambientais. Edu-
do meio ambiente, bem de uso comum do povo, cação ambiental deve estar articulada com o
essencial à sadia qualidade de vida e sua susten- compromisso social.
tabilidade”. Ao ser trabalhada como processo Nossa caminhada conceitual indicou o ca-
de construção de conhecimentos, habilida- minho da metodologia com foco em incluir
des e atitudes, as competências individuais e educação e conservação ambiental, ciência e
coletivas, que englobam o ambiente natural, artes, protagonismo juvenil e empoderamen-
político, histórico, econômico, cultural e so- to das ações comunitárias na vida dos jovens
cial, a educação ambiental deve ser pensada e demais participantes do processo educati-
como ação continuada e integrada aos con- vo, incluindo aí as instituições parceiras ao
textos locais, regionais e globais resguardan- processo, os responsáveis por palestras e ofi-
do-se de ser executada como ação pontual cinas de arte educação e os responsáveis por
desconectada do todo. fazer a moderação das atividades do projeto,
Os processos de educação ambiental uma vez que “quem ensina aprende ao ensinar
continuados devem incluir a perspectiva de e quem aprende ensina ao aprender” (Freire,
que o educando é o sujeito principal de seu 2000). A construção conceitual do projeto
processo de aprendizagem. Isso implica em coloca o pressuposto de que o entendimen-
dar condições para o educando aprender a to do contexto em que estamos inseridos, o
partir de seus interesses e objetivos, sem que acesso a informações históricas e técnicas
seja alvo de um processo dogmático imposi- sobre onde vivemos e a consciência da im-
tivo de temas que não lhedizem respeito. O portância da organização social ou comuni-
protagonismo na ação pedagógica estimula tária, são base para a emancipação e inclusão
tanto a participação e interesse do educando social. Além disso, o diálogo é fundamental
24 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
para realmente conseguirmos transformar Verde Perto Considera:
nossa sociedade. • Enfoque humanista, integral, democráti-
Nas palavras de Edgard Morin (2002, pag. co e participativo;
51) “Literatura, poesia, cinema, psicologia, • Concepção do meio ambiente em sua
filosofia deveriam convergir para tornar-se es- totalidade:
colas da compreensão. A ética da compreensão
• O pluralismo de ideias e conceitos;
humana constitui, sem dúvida, uma exigência
chave de nossos tempos de incompreensão gene- • A continuidade e permanência do pro-
ralizada: vivemos em um mundo de incompre- cesso educativo;
ensão entre estranhos, mas também entre mem- • Reconhecimento e respeito a diversida-
bros de uma mesma sociedade, de uma mesma de individual e cultural;
família, entre parceiros de um casal, entre filhos • Relação entre os níveis local, regional,
e pais.” Essa incompreensão tão atual é muito nacional e global;
perceptível nos desafios ambientais, sinto-
• Avaliação crítica contínua do processo
mas de uma crise bem maior que é a crise de
educativo;
paradigma atual vivenciada por nossa civili-
zação. A separação em “caixinhas de saber” • União entre a ética, a educação e as prá-
estanques e que não se conversam apenas ticas sociais.
contribuem para a manutenção da crise sis- A primeira iniciativa para execução do
têmica. Nessa perspectiva, a abordagem edu- Verde Perto é definir o público alvo da ação
cacional que engloba diferentes saberes, que educativa. A princípio o público alvo colo-
engloba arte, cultura e ciência como neces- cado como prioritário no Verde Perto são
sários ao enfrentamento dos desafios atuais jovens com idade entre 14 e 29 anos. Essa
condiz fortemente com o momento vivido escolha faz parte inclusive da história do pro-
em nossa sociedade e com suas necessidades cesso de construção da metodologia, como
de ensino aprendizagem. foi apresentado. Entendemos porém que a
metodologia pode ser aplicada a outros pú-
A Metodologia Verde Perto blicos como crianças com menos de 14 anos
ou pessoas com deficiência cognitiva, públi-
Educação cos com os quais a metodologia já foi traba-
Na metodologia do Programa Verde Per- lhada. Concebemos inclusive que o Verde
to Educação (Rodrigues, 2008) se discutem Perto pode ser utilizado em outros públicos
aspectos teóricos utilizando diversas lingua- como grupos de mulheres ou lideranças co-
gens e diferentes formas de aproximaçãopara munitárias.
com os participantes do processo educativo, O grupo de pessoas inclinadas a participar
utilizando as artes e as brincadeiras como do projeto deve possuir elementos que faz
estratégia para aguçar a curiosidade, facilitar dele um conjunto com interesses minima-
os processos de ensino aprendizagem ecriar mente afins. No Ação Resgate, o grupo era
condiçõesde conexão emocional e racional composto por jovens alunos do segundo ano
dos participantes com as questões ambien- do ensino médio de um Colégio que gosta-
tais, além de fomentar a coesão de grupos. riam de participar de um projeto de educa-
CAPÍTULO 1 25
VERDE PERTO EDUCAÇÃO: METODOLOGIA E ORIGEM
ção ambiental. Nas unidades de conservação assunto junto aos jovens. Além disso,o mes-
(UC) o grupo é composto por jovens que mo grupo estabeleceu que esse tema seria
residem na UC. trabalhado por meio de maquetes e de tea-
De toda forma a proposta metodológica tro. Logo, após as atividades teóricas, os jo-
parte do pressuposto que os jovens devem vens participam de oficinas com o instrutor
escolher os temas de interesse que gostariam de teatro e com o construtor de maquetes.
de aprender, de maneira não formal. Todo Em cada uma dessas oficinas os temas tra-
o projeto ocorre fora do horário de aulas balhados na teoria são retrabalhados, com
da escola formal e os participantes vão as outra abordagem. Dessa forma os assuntos
atividades do projeto por interesse pessoal. teóricos são vistos em mais de um momento
É uma decisão do próprio jovem participar e com utilização de linguagens variadas, am-
do processo. Com o grupo estabelecido, pro- pliando a apropriação dos conteúdos pelos
vocamos seus integrantes a nos dizer o que participantes do projeto.
gostariam de estudar e como gostariam de Assim, o estudante pode revelar o que
aprender os temas escolhidos. Essa autono- percebeu e apreendeu na exposição do
mia de escolhas difere desde o início a pro- palestrante utilizando-se de linguagens como
posta Verde Perto da educação formal, onde a poesia, a representação cênica, desenhos,
são os Parâmetros Curriculares Nacionais músicas, colagens, pinturas, contos,
que definem o que os estudantes irão apren- esculturas e demais linguagens de interesse.
der. Costumamos iniciar essa aproximação Esse mecanismo vai de encontro à teoria
com a provocação: “vocês são os diretores de das inteligências múltiplas. Nas palavras de
sua escola, decidam o que gostariam realmente Gardner: “...quando um tópico é ensinado de
de estudar”. formas variadas, cada pessoa assimila melhor
Os temas escolhidos serão trabalhados algumas delas. Inversamente, se alguém ficar
com auxílio de profissionais especialistas restrito a uma única forma de conceito e
em cada assunto. Cada tema é discutido por apresentação, sua compreensão tenderá a ser
meio de um conjunto de estratégias, tais mais superficial.” (Gardner, 1994).
como palestras, exibição de filmes, mesas re- Essa abordagem pedagógica tende a se
dondas, debates, atividades em grupo e aulas mostrar mais cativante e sedutora, aumen-
em campo. Após o momento teórico os te- tando a eficiência do processo educativo e a
mas são retrabalhados por meio da utilização participação dos jovens em todo o projeto,
de oficinas que estimulem outras linguagens, pois torna o processo de ensino aprendiza-
diferentes das observadas nas palestras e de- gem mais diversificado e estimulante. Além
bates citados acima. Essa é a forma alternati- disso, a transformação dos temas teóricos em
va de aprendizado que o grupo também de- linguagens artísticas, por parte dos jovens,
termina, onde é escolhido além do “o que”o acontece com o auxílio e a colaboração de
“como” se quer aprender. instrutores de arte educação que apresentam
Como exemplo: um grupo define que aos estudantes diferentes técnicas artísticas
gostaria de estudar saneamento básico. As- que poderão ser apropriadas e utilizadas
sim buscaremos um engenheiro sanitarista pelos jovens dali para frente. Esta maneira
que tratará de forma prática e teórica esse de estudar aparenta estar em sintonia com o
26 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
tipo de educação que os jovens gostariam de julgarem necessários para facilitar a aproxi-
ter em seu cotidiano, uma vez que foi cons- mação do jovem com o conteúdo tratado e
truída a partir de suas demandas. que não sejam impeditivos do ponto de vis-
ta logístico. Assim, com auxílio de imagens,
Estrutura em Módulos instrumentos e equipamentos, os jovens têm
acesso a ferramentas e dispositivos muitas
Verde Perto comumente é estruturado em vezes distantes de seu cotidiano e que incre-
módulos, onde em cada módulo um tema mentam e podem facilitar tanto a explanação
específico é tratado. Com a definição dos te- do técnico responsável quanto o processo de
mas e oficinas a serem trabalhados, a equipe aprendizagem do estudante.
executora busca pessoas que possam abordar
Nas ações teóricas são incluídas também
a parte teórica e artística ou científica. Para
atividades lúdicas, tais como dinâmicas,
ministrar a parte teórica, podem ser convi-
jogos e brincadeiras, para evitar que o en-
dadas lideranças comunitárias, técnicos, pes-
contro fique maçante, além de atividades
quisadores, servidores públicos, políticos e
de grupo, que podem ser estudos dirigidos,
outros, que desenvolvem ações e ou projetos
exercícios ou quaisquer outros mecanismos
relacionados ao tema escolhido. Para minis-
didático-pedagógicos necessários ao proces-
trar as oficinas devem ser convidados artistas
so de apropriação de conteúdos.
ou cientistas (já que oficinas científicas tam-
bém podem ser realizadas) que de preferên-
cia tenham experiência em educação. As Oficinas
Dessa forma os jovens entram em contato As oficinas de arte educação acontecem
com conteúdos teóricos e práticos atuais em após as ações teóricas. Nelas, as teorias vistas
suas mais diversas vertentes e se relacionam nas palestras ou aulas expositivas são retoma-
com novos vocabulários, jargões e conheci- das com outras linguagens. Os jovens entram
mentos. Tem também a oportunidade de es- em contato com alguma técnica artística ou
tabelecer contatos com pessoas que os pode científica e são estimulados a retomar os te-
ajudar na sua atuação protagonista, seja ime- mas teóricos com a utilização da nova lin-
diatamente, seja no futuro, pois, a partir dos guagem trabalhada. Por exemplo, após uma
contatos com pessoas qualificadas nas mais palestra sobre o contexto ambiental contem-
variadas áreas do conhecimento, os jovens porâneo, pode-se realizar uma oficina de de-
recebem dicas e orientações referentes aos senho onde os jovens são estimulados repre-
seus desafios imediatos, tais como:informa- sentar pictoricamente o contexto trabalhado.
ções referentes à políticas públicas ou acesso As oficinas têm importância fundamental
a materiais de apoio. para o alcance dos resultados pretendidos.
O conteúdo teórico pode ser abordado Tem o triplo objetivo de ressignificar o con-
por meio de palestra, exposição dialogada, teúdo teórico da palestra, melhorando a efi-
mesa redonda, debate ou quaisquer outros ciência no processo de apreensão cognitiva
métodos didáticos pedagógicos adequados. do tema abordado, ao mesmo tempo em que
Podem utilizar imagens, vídeos, sons, or- traz conteúdo técnico da própria oficina e
ganismos, livros textos, e quaisquer outros propicia a integração e o interesse do grupo
objetos, ferramentas ou mecanismos que de jovens pelo projeto. Uma oficina de tea-
CAPÍTULO 1 27
VERDE PERTO EDUCAÇÃO: METODOLOGIA E ORIGEM
tro, por exemplo, além de ser utilizada como às emoções, esse repertório aumentado fica
forma de facilitar e fixar o aprendizado sobre vivamente presente na vida do jovem. Des-
determinado tema, tem a finalidade de apre- sa forma, o conhecimento adquirido pode
sentar aos jovens técnicas de teatralização e efetivamente se tornar instrumento para
representação cênica em si. esses jovens, contribuindo em seu processo
É fundamental que o instrutor da oficina de desenvolvimento de autonomia e prota-
seja assessorado pelo moderador que faz o gonismo.
papel de tradutor entre os diferentes saberes Além disso as oficinas oportunizam os jo-
e linguagens abordados durante o encontro. vens a apresentar conhecimentos que já pos-
É desejável também que o instrutor tenha suem previamente e que muitas vezes não
contato anterior com o tema a ser abordado são exaltados ou valorizados no cotidiano,
na teoria e que acompanhe toda a atividade tais como vocação para dança ou desenho,
teórica do módulo em que é colaborador. além de seus conhecimentos precedentes
Para tanto solicitamos ao palestranteque in- sobre diversos assuntos teóricos e empíricos
dique material teórico sobre os principais que surgem nos espaços da oficina. Essa pos-
conceitos e informações que serão aborda- sibilidade enriquece ainda mais o processo
dos em sua palestra. Esse material é repassa- educativo.
do aos instrutores das oficinas com antece-
dência. Atividades Auto Geradas
O contato com o material teórico facilita Além das palestras e oficinas, os jovens
aosinstrutores observar com clareza o que são estimulados a construírem seus momen-
mais aguçou a curiosidade, mais chamou tos de diversão nos intervalos das atividades.
a atenção e mais gerou dúvidas nos jovens Pode ser futebol, música, nadar em um ria-
durante as discussões teóricas. Assim, os ins- cho ou qualquer outra atividade que fortale-
trutores têm condições de preparar suas ofi- ça a coesão do grupo e seja agradável. Essa
cinas mesclando momentos de transmissão ação lúdica organizada e executada pelos
das técnicas com espaços para discussão e próprios jovens é mais uma forma de estí-
reflexão dos conteúdos teóricos, facilitando mulo direcionadoao protagonismo, que se
o processo de ensino aprendizagem. junta ao protagonismo da escolha dos temas
A pluralidade de linguagens visa adaptar e oficinas a serem trabalhados nos módulos e
vocabulários, métodos e técnicas às caracte- ao protagonismo na organização dos encon-
rísticas dos jovens participantes, tendo por tros,no monitoramento de horários, limpeza
meta facilitar a aprendizagem, potencializar das áreas de trabalho, apoio aos palestrantes
os resultados cognitivos, além de seduzir e e instrutores e toda as atividades associadas
encantar o jovem para participar ativa e efe- a organização plena dos encontros. Essa
tivamente das ações propostas. Visa ainda mescla de protagonismo na organização do
aumentar a apropriação e o empoderamento evento como um todo e na construção dos
de todo o processo educativo por parte dos momentos lúdicos auxilia na criação de um
jovens. Com a aquisição desse novo conjun- forte laço de coesão e percepção de pertenci-
to de conhecimentos os jovens aumentam mento ao grupo, uma característica marcante
seu repertório cognitivo. Com o estímulo dessa faixa etária.
28 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
O Papel do Moderador cesso educativo, e realizando as adequações
e refinamentos de curso a medida que o pro-
Cada módulo conta com um ou mais cesso educativo evolui.
responsáveis técnicos pela parte teórica e
um ou mais responsáveis técnicos pelas ati-
vidades das oficinas. Esses profissionais são
Exemplos de Estruturas
orientados pelo moderador das atividades Possíveis do Verde Perto
que é o condutor do projeto. É ideal que o O projeto é basicamente estruturado em
moderador treine, ao longo dos encontros temas teóricos apresentados em palestras,
dos projetos, jovens a exercer esse papel de debates, filmes ou outros métodos adequa-
moderação, que posteriormente poderão re-
dos, posteriormente retrabalhados e discuti-
plicar a metodologia, além de se qualificarem
dos em oficinas de arte educação, de ciência
como oradores.
ou de comunicação por meio de atividades
O moderador assume papel fundamental. práticas e lúdicas. Cada ação do projeto
Esse personagem tem a missão de facilitar acontece nos contra turnos de aulas for-
toda a ação pedagógica. Deve ser uma pes- mais e cada tema teórico é retrabalhado em
soa que inspire confiança nos jovens e que variadas oficinas. Para elucidar como seria
consiga fazer a interlocução com cada um a estrutura de um módulo, colocamos dois
dos três diferentes atores envolvidos no pro- exemplos já utilizados dentro das experiên-
cesso educacional: grupo de jovens; técnicos cias Verde Perto:
transmissores de teorias; instrutores de ofi-
cinas. 1º exemplo

O moderador deve estar atento aos jo- Projeto ocorrendo de forma contínua
vens, suas dúvidas e dificuldades, para poder com ações sendo realizadas de segunda a
clarear as informações teóricas, por um lado, sexta. Nessa estrutura o Verde Perto pode
e explicitar as dúvidas dos jovens para o téc- ser aplicado durante ano letivo após o horá-
nico que está apresentando as teorias, por rio da escola ou em cursos de férias. Pode ter
outro lado. O mesmo deve ser feito em rela- a duração de tantas semanas quanto o grupo
ção aos jovens e os instrutores das oficinas e quiser, onde cada semana funciona como
entre os conteúdos teóricos e os conteúdos um módulo que trata de um tema específico.
das oficinas. As oficinas são fixas, previamente escolhidas
pelo grupo. Os temas tratados também são
O moderador é quem tem a função de
previamente escolhidos.
manter conectado todo o processo educati-
vo, trazendo os módulos já realizados e re- Para ilustrar imaginemos um grupo que
metendo aos módulos futuros, de tal forma definiu seu projeto com atividades em um
que todo o processo se torne fluido e claro mês, realizado nas férias de julho, tendo 4
para os jovens envolvidos. Outro papel im- módulos. Os módulos escolhidos: foram
portante do moderador é poder participar Cidadania e meio ambiente; Saneamento
diretamente da avaliação dos encontros, jun- básico; Alimentação sustentável; Política
to aos demais membros da equipe, avaliando ambiental. E as oficinas escolhidas foram:
não só o módulo pontual, como todo o pro- Desenho; Teatro; Música; Artesanato.
CAPÍTULO 1 29
VERDE PERTO EDUCAÇÃO: METODOLOGIA E ORIGEM
Nesse caso um módulo seria estruturado projeto, onde tudo que foi construídoéexibi-
da seguinte forma: do. Esse festival encerra o processo por meio
de celebração, o que tende a fortalecer os la-
ços do grupo.
Tabela 1. Primeiro Módulo
Dia da semana Atividade
2º exemplo:
Teoria: Cidadania e meio Outra alternativa é mesclar atividades te-
Segunda feira (14:00 as ambiente– mesclando óricas com uma oficina específica em dois
17:30) palestras, atividades em
grupo, debates, etc.
aquatro dias completos de atividades. Essa
Oficina: desenho – técnicas
estrutura funciona bem em locais onde a
Terça feira (14:00 as logística de realização dos encontros é mais
da oficina e retomada da
17:30)
teoria. complexa, e os módulos podem ser realiza-
Quarta feira (14:00 as Oficina: teatro – técnicas da dos a cada mês ou em intervalos maiores de
17:30) oficina e retomada da teoria.
acordo com as necessidades.
Quinta feira (14:00 as Oficina: música– técnicas da
17:30) oficina e retomada da teoria. Em unidades de conservação, onde os jo-
Oficina: artesanato – vens vivem em comunidades diferentes, essa
Sexta feira (14:00 as
técnicas da oficina e estrutura funciona bem. Nela, cada módulo é
17:30)
retomada da teoria.
realizado em formato de encontro de jovens.
Nesse modelo um tema teórico determinado
Ao final de cada módulo o conjunto de
é trabalhado com auxílio de uma oficina de
discussões, informações, dúvidas e produtos
arte educação.
gerados durante as discussões teóricas, as
atividades em grupo e as oficinas, são orga- Nesse caso, os temas e oficinas de cada um
nizados pelo moderador do processo. Esse dos encontros também são definidos com
material deve sempre ser resgatado alimen- antecedência. O grupo pode decidir, por
tando as novas discussões que vão surgindo exemplo, que realizarão seis encontros em
à medida que o projeto avança. Ao final da seis meses, que seriam: Contexto ambiental
ação educativa todo esse material é retoma- contemporâneo com oficina de Artesana-
do e exposto ao grupo. Simboliza a caminha- to; Ecologia e biodiversidade com oficina
da de aprendizagem do grupo e é excelente de Artes plásticas; Saneamento básico com
material de avaliação do processo. oficina de Construção de maquetes; Asso-
ciativismo e cooperativismo com oficina de
Nessa estrutura o moderador e o grupo
Jogos e brincadeiras; Nutrição com oficina
de jovens têm um contato mais intenso, uma
de Culinária; Saúde humana e prevenção de
vez que o moderador está presente diaria-
doenças com oficina de Dança.
mente. O jovem participante, por outro lado,
define em quais oficinas quer participar. É Nesse caso o módulo sobre ecologia e
desejável e muito importante que ninguém biodiversidade poderia ser estruturado da
perca a atividade teórica. Uma possibilidade seguinte forma:
interessante nesse modelo de estrutura são Nessa estrutura é fundamental definir
as aulas de campo, que podem ser realizadas missões a serem realizadas entre um encon-
em alguns sábados. Outro momento muito tro e outro pelos jovens em suas comunida-
importante é o festival de encerramento do des. Essas missões são definidas de acordo
30 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
Tabela 1. Primeiro Módulo
1º Dia: 2º Dia:
08:00 – Abertura do Encontro com dinâmica de
apresentação, apresentação da programação do encontro,
definição dos combinados, resgate dos encontros 08:00 – Abertura das atividades com dinâmica.
anteriores. 08:20 – Teoria: Ecologia e biodiversidade – relações entre
09:00 – Teoria: Introdução a Ecologia. animais e plantas.
10:15 – Lanche. 10:15 – Lanche.
10:30 – Abertura da oficina de artes plásticas: 10:30 – Oficina de artes plásticas: Parte 3: Monotipia.
apresentação das técnicas que serão utilizadas na oficina. 12:00 – Almoço.
Parte 1: Flotagem. 14:00 – Dinâmica de retorno.
12:00 – Almoço. 14:15 – Oficina de artes plásticas: Parte 4: Monotipia parte
14:00 – Dinâmica de retorno. 2 e introdução a teoria das cores.
14:15 – Oficina de artes plásticas: Parte 2: Desenho de 15:45 – Lanche.
observação. 16:00 – Teoria: Porque monitorar a biodiversidade?
15:45 – Lanche. 17:15 – Debate sobre os temas trabalhados no dia.
16:00 – Teoria: Correlações entre ecologia e
biodiversidade.
17:00 – Debate sobre os temas trabalhados no dia.
3º Dia: 4º Dia:

08:00 – Abertura das atividades.


08:00 – Abertura das atividades com dinâmica. 08:20 – Atividade em grupo – dialogo jovens/jovens sobre
08:20 – Atividade em grupo: que organismos são utilizados os temas do encontro.
no cotidiano comunitário? 10:15 – Lanche.
10:15 – Lanche. 10:30 – Oficina de artes plásticas: Parte 7: produção de
10:30 – Oficina de artes plásticas: Parte 5: Extração de obras (coletivas) inspirados em ecologia a biodiversidade
moldes. parte II
12:00 – Almoço. 12:00 – Almoço.
14:00 – Dinâmica de retorno. 14:00 – Dinâmica de retorno.
14:15 – Oficina de artes plásticas: Parte 6: produção 14:15 – Oficina de artes plásticas: Parte 8: Exposição
de obras (coletivas) inspirados em “ecologia a – verbalizando o significado das obras produzidas e
biodiversidade”. correlacionando a produção das obras (coletivas) com a
15:45 – Lanche. ecologia e biodiversidade.
16:00 – Debate: As características ecológicas e a 16:00– Lanche.
biodiversidade da comunidade do encontro. 16:20 – Avaliação do módulo, definição dos próximos
passos do projeto e fechamento do encontro.

com os temas escolhidos pelos jovens em seu em oficinas de arte educação, mesclados com
projeto. Um exemplo é, após o encontro do dinâmicas e brincadeiras. Sempre buscando
contexto ambiental, solicitar que os jovens despertar o protagonismo dos participantes
de cada comunidade construam uma linha e utilizando linguagens variadas afim de se
do tempo sobre o surgimento da comunida- estimular as variadas inteligências durante o
de em que reside, a partir de conversas com processo.
os moradores mais antigos.
Os exemplos acima são para ilustrar pos- O Processo de Avaliação
sibilidades de construção de processos e
aplicação da metodologia Verde Perto. No- O processo de avaliação do Verde Perto se
tem que sempre temos assuntos teóricos dá de forma continuada e é realizado em três
tratados de formas variadas e retrabalhados momentos.
CAPÍTULO 1 31
VERDE PERTO EDUCAÇÃO: METODOLOGIA E ORIGEM
1) Ao final de cada módulo é feita uma liando se esse conjunto de participantes da
avaliação oral ou escrita (o que o grupo de- ação educativa efetivamente se tornou um
finir), em que todos participam, incluindo grupo de jovens protagonistas em prol do
palestrantes, instrutores, jovens e modera- meio ambiente.
dor. Cada participante relata os pontos posi- Outro ponto avaliado são as mudançasde
tivos daquele módulo, os pontos negativos, atitude dos jovens nas atividades comunitá-
e as sugestões de coisas que gostariam que rias, na escola, na participação da gestão am-
fossem inclusas no próximo módulo. Todas biental de onde vivem, etc.
essas informações são colocadas em quadro
3) Após o final do projeto, alguns meses
de avaliação. Devem ser consideradas para o
depois, deve-se verificar se a partir do proje-
desenrolar do processo.
to ocorreu continuidade de ações e desdo-
Após essa avaliação coletiva ocorre uma bramentos. Essa avaliação é realizada pelos
avaliação da equipe organizadora, incluin- próprios jovens que participaram do proje-
do os palestrantes e instrutores do módulo, to. É importante que eles relatem o que tem
onde são relatadas as percepções de cada feito, se criaram projetos novos, se aderiram
um da equipe referentes a apreensão dos as Associações ou Grupos em prol do meio
conteúdos, dificuldades de transmissão dos ambiente ou da cidadania, se passaram a fre-
assuntos e temas que foram mais facilmente quentar reuniões de conselhos de meio am-
absorvidos. biente ou conselhos gestores de unidades de
Além disso, todos os produtos gerados ao conservação, se utilizam outras ferramentas
longo dos encontros são avaliados e arquiva- de gestão ambiental, se passaram a colaborar
dos pela equipe coordenadora do projeto. Se de alguma forma profissionalmente ou vo-
transformam em informação sobre a evolu- luntariamente em prol de sua comunidade,
ção cognitiva dos participantes do projeto. se tem utilizado as técnicas e informações
Esses produtos demonstram o que foi apre- apreendidas durante o projeto em seu coti-
endido do ponto de vista de conteúdo. diano, se passaram a assumir cargos e ou pa-
2) Logo ao final do processo formativo peis de direção, ou quaisquer outros indica-
como um todo, todos os produtos gerados tivos de assunção de responsabilidades e de
durante o processo formativo são avaliados exercício de protagonismo.
em sequência, pela coordenação pedagógica,
para a realização do panorama mais amplo O Programa em Outras
de ganho cognitivo de cada um dos partici- Realidades
pantes.
Ampliar a participação social na gestão
Esse material torna-se fonte de informa- ambiental é um dos desafios para imple-
ção da evolução de aprendizagem dos jovens mentação de uma sociedade realmente sus-
e pode ser transformado em relatório final do tentável. Ampliar essa participação passa ne-
projeto. cessariamente por trazer todas as pessoas e
Além dessa avaliação de apropriação de especialmente os jovens para dentro das dis-
conteúdo, é realizado o acompanhamento cussões. Pois significa atuar no processo de
do grau de adesão e coesão do grupo, ava- formação de novas lideranças protagonistas
32 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
na gestão do meio ambiente, da sociedade e naus, foi levado a jovens moradores de uni-
na manutenção da diversidade biológica na- dades de conservação de diferentes estados
cional (Zimmermann, 2012). Passa por dar do Brasil e foi levado até mesmo a outro país,
voz e estimular o protagonismo dos jovens além de ser realizado em uma Conferência
nas questões referentes ao meio ambiente Nacional Infanto-Juvenil de Meio Ambiente.
que é bem de uso comum de todos, logo, Aquela hipótese de que o Verde Perto era
também dos jovens que devem ter voz ati- replicável se mostrou acertada e hoje chega-
va e participação estimulada e reconhecida. mos a esse primeiro volume de experiências
“O desafio é a educação ambiental voltada Verde Perto sendo apresentadas nesse livro.
para o exercício da cidadania, no sentido do
Evidentemente que esse primeiro capí-
desenvolvimento da ação coletiva para o en-
tulo incluiu em sua essência experiências
frentamento dos conflitos e questões socio- da aplicação da metodologia em cada uma
ambientais. Para isso, a educação ambiental dessas diferentes realidades. A medida que
deve ter a perspectiva crítica e libertadora trabalhamos a metodologia, temos sempre
de forma a estimular que comunitários e co- condições de incluirmos novas ideias e pers-
munitárias sejam sujeitos ativos da gestão do pectivas, adaptando- a e refinando-a.
território, atuando de forma integrada com
Outro ponto fundamental para que essa
o poder público para a conservação do meio
ação educativa venha funcionando é que sua
ambiente e valorização de seu território e
aplicação tem gerado pessoas capacitadas
cultura” (Zimmermann, 2012).
para serem replicadores e multiplicadores
Vislumbrando as inúmeras possibilidades da ideia, sejam estudantes, palestrantes, ins-
que se abriamcom o Verde Perto, ilustra- trutores ou quaisquer pessoas que viveram a
das no parágrafo anterior, os organizadores experiência do Verde Perto e quiseram rea-
da metodologia após sua criação junto aos lizar o projeto. Estávamos e estamos sempre
jovens do Colégio Potência e depois de in- dispostos a colaborar, apoiar e melhorar essa
cluir as reflexões e novas ideias teóricas, além pratica educativa. Com isso, hoje, temos va-
de realizar o processo de avaliação feito em riadas experiências do Verde Perto aconte-
2007, incluindo a grande discussão ambien- cendo. Na verdade essa replicação é viável e
tal que existiu naquele momento, chegamos desejável. Por isso esse livro.
à conclusão de que Verde Perto seria aplicá-
vel e replicável em outras realidades sociais e
culturais. Queríamos testar essa nossa hipó-
tese, e tivemos o prazer de sermos convida-
dos por diferentes instituições para executar
o Verde Perto em variados locais.
O que aconteceu desde então foi a aplica-
ção do Verde Perto nos mais variados locais
e realidades. Foi levado a público de estu-
dantes comdeficiência da APAE, foi levado a
crianças da periferia de uma grande cidade,
no Jardim Botânico Adolpho Ducke de Ma-
CAPÍTULO 1 33
VERDE PERTO EDUCAÇÃO: METODOLOGIA E ORIGEM
Referências Bibliográficas e Ambiental. Brasília: Ministério da Educação
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34 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


nisd
hCapítulo II
Ver de perto o que é Verde Perto
Uma análise em primeira pessoa do plural

aboi
Thaiane Alexsandra Silva de Rezende e Cristiano Eduardo Rodrigues Reis

A creditamos que seria necessária uma revolução sem precedentes


para retomarmos o contato e o respeito com a natureza de modo
que estivéssemos da forma mais estável, isto é, para a coexistência susten-
tável dos seres humanos, dos animais e plantas com o meio. O equilíbrio
dinâmico foi deslocado após a primeira revolução industrial. A era do pe-
tróleo, as guerras mundiais e o avanço desenfreado da mente capitalista
foram fatores cruciais para uma crise natural que levará muito tempo para
ser revertida. Isso faz com que o risco ecológico emerja dentro de uma
grande crise global do nosso tempo. Nesta crise ambiental, que passa a ser,
na verdade, uma crise civilizatória, manifesta-se o limite da racionalização
da vida humana, que tem desencadeado processos incompatíveis com a
sustentabilidade da produção e da vida própria (Leff, 2010). Em outras
palavras, a industrialização, como vista desde o século XVIII, desenca-
deou um processo de desarmonia com o meio ambiente; e o ser humano,
como ser participante do meio, perdeu dentro dele este senso de contato
e equilíbrio, o que está gerando uma crise, não muito resiliente, sem pre-
cedentes na história.
A recorrentemente falada sustentabilidade parece um valor do presen-
te que só se verifica e consolida no futuro: “É sustentável, hoje, aquele
conjunto de práticas portadoras da sustentabilidade no futuro” (Acselrad,
1999). Esse devir não seria potencialmente desmotivador na medida em
que é apropriado pelo discurso do amanhã? É como se a gestão das cida-
des, das florestas e a própria mudança de comportamento das pessoas fos-
se algo a ser agendado para um futuro, e não para o presente. Contudo a
transformação da natureza em ritmo intensivo e devastador, coloca na or-
dem do dia o desafio de propor articulações a definição deste conceito é tão importante,
científicas-sociais-políticas que sirvam como até mesmo pela dimensão normativa que
alternativas viáveis do ponto de vista econô- a noção de sustentabilidade carrega em si,
mico e social. Nesta seara, o Projeto Verde pretende-se saber quais atores sociais teriam
Perto é um exemplo de atualização no pre- a capacidade de defini-lo. Além disto, é fei-
sente daquele discurso que muitas vezes ain- to alerta aos perigos em sua definição, por
da é adiado para um amanhã. Aquela “velha” exemplo: “Se o Estado e o empresariado –
questão: “qual é o planeta que você vai deixar forças hegemônicas no projeto desenvolvi-
para seus filhos”, se transforma em “qual é o mentista – incorporam a crítica à insusten-
planeta no qual você quer viver e quais são as tabilidade do modelo de desenvolvimento,
práticas necessárias para isto, agora?!”. passam a ocupar também posição privile-
O conceito de sustentabilidade é evocado giada para dar conteúdo à própria noção de
por diversas intenções discursivas de repre- sustentabilidade” (Acselrad, 1999).
sentações em disputa pela legitimidade de A luta simbólica pelo reconhecimento de
seu uso. Exemplos disto são as representa- determinada representação como a mais ca-
ções orientadas na ecologia, na sociopolítica bível à sustentabilidade/harmonia é balizada
e na economia. Existe ainda a defesa da no- pela autoridade e legitimidade que os atores
ção de desenvolvimento harmônico (Chan- sociais conseguem mobilizar por meio de
g-ming, 2002), em substituição ao desen- sua força no campo das ideias e também por
volvimento sustentável. “Abre-se, portanto, certas condições políticas e materiais. Nesta
uma luta simbólica pelo reconhecimento disputa de sentido cabe ressaltar que viabi-
da autoridade para falar em sustentabilida- lizar (dar condições de conhecimento, refle-
de” (Acselrad, 1999). Como alerta Acselrad xão e vivência) a participação de jovens nesta
(1999), é importante que as representações “discussão/disputa” é importante e carrega
da sustentabilidade sejam encaradas como um potencial de alargamento deste debate.
alternativas possíveis, que devem correlacio- Consideramos que o Verde Perto cumpre
nar a dimensão ecológica (natural e biofísi- assim um importante papel no desenvolvi-
ca) à social de forma a questionar: mento de jovens, enquanto atores sociais ca-
a ideia de que o espaço e os recursos am- pazes de se inserirem nesta luta simbólica. O
bientais possam ter um único modo susten- Projeto do qual participamos se pauta neste
tável de uso, inscrito na própria natureza do sentido, viabilizando o empoderamento ju-
território. A perspectiva não determinística, venil, ou seja, é uma das “ações que podem
portanto, pressupõe que se diferencie social- oferecer aos jovens as ferramentas necessá-
mente a temporalidade dos elementos da rias para negociar com aqueles que tomam
base material do desenvolvimento. (Acsel- as decisões, tanto no nível macro, quanto no
rad, 1999) nível micro” (UNESCO, 2005 apud Souza,
Tal luta justifica-se pelo fato das repre- 2006).
sentações discursivas dizerem de diferentes Neste capítulo, desenvolvemos uma análi-
práticas e formas sociais que se pretendem se descritiva da experiência que vivemos de
apropriadas ao bem viver e à noção de sus- forma coletiva durante o ano de 2007, como
tentabilidade, e/ou harmonia. Uma vez que participantes do Projeto Verde Perto. Tenta-
36 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
mos articular os fragmentos da experiência logia do Projeto, principalmente, porque os
do Verde Perto, em sua primeira edição, a outros capítulos já trazem boas indicações
formulações teóricas que justificam a impor- a este respeito. Nosso intuito é apresen-
tância de projetos como este, calcados no tar como vivenciamos o Projeto, desde sua
protagonismo juvenil, na educação ambien- concepção, a partir do lugar de jovens pro-
tal e lúdica e na transdisciplinaridade. tagonistas. Por mais que a recorrência deste
termo “protagonismo juvenil” o aproxime
Um Projeto horizontal de um clichê, em nossa experiência junto
ao Verde Perto, já na primeira reunião cita-
e flexível da acima, passando pelas experiências que
As preocupações com o vestibular já co- serão apresentadas ao longo deste capítulo
meçavam a surgir. Os horários não eram (oficinas, palestras e atividades de campo),
fáceis de conciliar. Havia muitas e boas isto sempre foi uma realidade constitutiva.
ideias, alguma vontade de arregaçar as man- Faz-se importante delinearmos, como se
gas, certa intenção de colocar em prática configurou nossa atuação enquanto prota-
ideias que haviam se tornado presentes, gonistas, qual é a noção de protagonismo
tanto na sala de aula, quanto em discus- juvenil que nos orientou e como avaliamos
sões mais gerais sobre meio ambiente, seja este lugar que nos foi conferido. O ideário
nos meios de comunicação, seja em espa- que inspira a noção da importância da par-
ços extraclasse organizados por um profes- ticipação e empoderamento dos jovens é
sor. Para nós, enquanto estudantes, o Ver- observado na agenda das organizações inter-
de Perto, que à época não tinha nome, tão nacionais já nos anos 80. O ano de 1985 foi
pouco forma, começou a surgir, de maneira considerado pela Organização das Nações
mais palpável, em uma longa conversa Unidas como “Ano Internacional da Juven-
presencial extraclasse que durou uma tarde tude: Participação, Desenvolvimento e Paz”,
inteira. Na ocasião, o tom de construção o que dá a ver uma mobilização da atenção
coletiva ficou bastante perceptível, as para a juventude. Na década de 90 organiza-
várias ideias que eram apresentadas pelos ções do terceiro setor que trabalham com jo-
estudantes eram consideradas, discutidas. vens, principalmente, em uma perspectiva de
O professor Leonardo atuava costurando as educação não formal já usavam a expressão
ideias, tentando sistematizar a profusão de “protagonismo juvenil”. Esse conceito en-
sugestões tipicamente inquietas de vários trou na agenda internacional e no cotidiano
jovens de aproximadamente 16 anos. Aque- de organizações e coletivos que atuam com
le encontro foi uma oportunidade para que jovens, concebendo a participação juvenil
nós pudéssemos falar sobre o que nos inte- como central no desenvolvimento das ca-
ressava, quais eram nossas ideias sobre meio pacidades individuais e de ação coletiva dos
ambiente, o que um Projeto de educação am- mesmos. A socióloga Regina Magalhães de
biental deveria ter, como seria seu desenho e Souza, em sua tese “O discurso do protago-
sua dinâmica. nismo juvenil” (2006), faz uma abordagem
Nossa intenção neste tópico não é relatar crítica acerca de como esse discurso vem se
sistematicamente a gênese e/ou a metodo- desenvolvendo. Destacamos aqui uma rápi-
CAPÍTULO 2 37
VER DE PERTO O QUE É VERDE PERTO
da apresentação do conceito, desenvolvida transcendia a convencionalidade de alunos,
por Souza (2009): em que fazíamos mais que decorar e apren-
“Em alguns momentos parece referir- der mecanicamente. Podíamos - não éramos
se a método, princípio ou eixo pedagógico obrigados a - vivenciar poesia, música e artes
cuja ênfase na atividade do educando, ou visuais e conhecer reflexões críticas e teóri-
do jovem a quem se dirigem as medidas so- cas sobre meio ambiente e problemáticas a
cioeducativas, o deslocaria de uma posição ele relacionadas.
considerada passiva, de mero beneficiário Dentre várias características da metodo-
ou depositário de conhecimentos, para uma logia do Projeto, elegemos a flexibilidade de
posição de participação ativa. Outras vezes, vinculação às atividades e sensibilidade às
protagonismo juvenil parece designar não nossas demandas e interesses como as duas
um método ou princípio pedagógico, mas molas propulsoras do Verde Perto, no con-
certa capacidade intrínseca ao jovem, a de texto em que estávamos1. Éramos estudan-
ser protagonista – ou o ator principal – no tes de uma escola particular convencional,
desenvolvimento do país, da chamada co- estávamos em um período escolar no qual a
munidade e do seu próprio.” (Souza, 2009) necessidade de absorção do conhecimento
formal (que é cobrado no vestibular) atuava
A partir da nossa vivência no Verde Perto,
como um imperativo. Sendo assim não seria
consideramos que as noções de “participa-
razoável supor que nos sentiríamos instiga-
ção ativa” e capacidade do jovem assumir o
dos a participar de uma atividade extraclasse
papel de ator principal em seu autodesen-
que reproduzisse conhecimento formal, tal
volvimento e no desenvolvimento de sua
qual já estávamos habituados a receber. Por
comunidade são aspectos conceituais que
isso a “participação”, e não a “recepção pas-
estiveram intrinsecamente presentes no de-
siva”, ser profícua e essencial na dinâmica
senvolvimento do Projeto. Nosso desafio
das palestras e oficinas. Neste sentido, uma
sempre foi refletir e agir sobre nossa realida-
característica importante era a não obrigato-
de e sobre nós mesmos, munidos de certa au-
riedade de participação em todas as ativida-
tonomia. Se na sala de aula nos era delegado
o papel social de alunos, com regras e hierar- 1 Fazemos aqui uma importante ressalva sobre a
aplicabilidade do Projeto Verde Perto no contexto
quias predefinidas, nas atividades do Projeto específico de que estamos tratando. Por saber que
conseguíamos um deslocamento de posição, o Verde Perto se desenvolveu alcançando outros
ocupávamos um lugar a partir da horizonta- contextos: no Museu da Amazônia - Musa, no
lidade de métodos e agências. Projeto Jovens (ICMBio) e na APAE-Conselheiro
Lafaiete, gostaríamos de esclarecer que não temos
Nossa capacidade de interferir no que se- a pretensão de fazer considerações sobre o Projeto
ria feito assumia um aspecto de importância como um todo. Reservamo-nos a tarefa de contar
e analisar a experiência que conhecemos em pri-
tal, que nos sentíamos motivados a partici-
meira pessoa, ou seja, o Projeto desenvolvido em
par, discutir e aprender sem que nos fosse parceria com as ONGs LESMA e RECICLAR,
oferecida qualquer coerção ou barganha por as Secretarias de Educação e Meio Ambiente de
créditos extras ou elementos formais simila- Conselheiro Lafaiete, a UNIPAC, todos os tercei-
ros e também o Colégio Potência, escola na qual
res. Concebíamos a participação no Verde estudávamos. Como o Verde Perto é dinâmico e
Perto como uma oportunidade de apren- sensível, sabemos que ele ganha certa especificida-
dizado transversal, em que nossa posição de, de acordo com os atores que dele participarem.

38 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


des. Ao longo de cada semana a agenda do das nossas manifestações. Éramos sujeitos
Projeto previa uma palestra teórica e quatro em interação, encontrávamos espaço para
oficinas, além de atividades de campo espo- expor opiniões, para desvelar preconcep-
rádicas que ocorriam aos sábados. Se para ções, para refletir sobre nossa atuação como
participarmos do Projeto tivéssemos que componentes do meio ambiente. A dinâmica
estar presente em todas as atividades previs- horizontal (não hierárquica) do Projeto con-
tas em sua agenda, provavelmente poucos tribuía para o desenvolvimento de uma cons-
teriam condições de disponibilidade para ciência de cidadania, uma vez que a metodo-
tanto. Por isso a flexibilidade de vinculação logia do Verde Perto caminhou no sentido
às atividades foi importante no sentido de da condição apontada por Touraine (1998)
conferir ao Projeto aplicabilidade e condi- apud Souza (2006) da necessidade de que os
ções de adequação a nossa atribulada rotina jovens “sintam que influem nas decisões que
estudantil. afetam sua vida coletiva”.
Outro aspecto que destacamos é a sensi- Ainda poderíamos citar outros elemen-
bilidade com que o professor Leonardo e os tos como variedade de temas trabalhados,
demais responsáveis pelas atividades ouviam transdisciplinaridade, novidade das práticas,
nossas demandas e interesses. Tal aspecto re-
educação lúdica, mesclagem de métodos
alça a concepção de uma equipe baseada na
formais, como palestras, e informais, como
horizontalidade e troca de saberes e experi-
oficinas de percussão, entre outros. Todos
ências. Ao sentirmos que nossas ideias eram
são elementos que compuseram o escopo
consideradas e que não estávamos ali como
do Projeto Verde Perto e contribuíram para
receptáculos de informação, ou mesmo de
o êxito que a participação no mesmo agre-
uma ideologia verde2, nos dedicávamos com
gou em nossa formação, enquanto cidadãos.
mais interesse às atividades. A sensação era
de que construíamos o Verde Perto juntos Todavia tentamos demonstrar, a partir de
e que por isso o nosso engajamento contri- duas características centrais, como o Verde
buiria para o desenvolvimento de algo que Perto se pautou pelo protagonismo juvenil e
estava em processo. Encontrávamos canais porque acreditamos na aplicabilidade desta
de diálogo abertos, não havia comportas noção. Adiante apresentaremos nossas per-
controlando as poesias que elaborávamos cepções sobre as atividades desenvolvidas
em oficina, as perguntas que fazíamos duran- no Projeto: palestras, oficinas e atividades de
te as exposições teóricas, ou qualquer uma campo.

2 É interessante citar que, ao longo das atividades


do Verde Perto, desenvolvemos modos de ver e
Expansão do conhecimento:
compreender as relações com o meio ambiente as abordagens teóricas
que se diferenciavam da maneira muitas vezes
irrefletida com que encarávamos a temática, antes Estudiosos que se debruçam sobre a re-
de termos pensado sistematicamente sobre ela. lação entre educação e participação juvenil
Contudo, essa complexificação das noções se deu
processualmente, não foi forçada. Não estávamos
apontam, como problemas recorrentes no
sendo treinados para defender a natureza, estáva- sistema educacional brasileiro, a carência
mos aceitando o desafio de repensar a relação ser de espaços de construção do conhecimento
humano-meio ambiente-sistema produtivo. que transcendam a “transmissão de conte-
CAPÍTULO 2 39
VER DE PERTO O QUE É VERDE PERTO
údo formal”. No artigo “Escola e participa- abordados de forma não tão intuitiva e inte-
ção juvenil: é possível esse diálogo?” de Ju- ressante, tivemos a oportunidade de ter uma
ares Dayrell, Nilma Gomes e Geraldo Leão aula de biologia que, na verdade, foi muito
(2010), os professores, ao descreverem seus além. De forma complementar, no âmbito do
achados referentes a uma pesquisa feita na Projeto Verde Perto contávamos com pales-
Região Metropolitana de Belo Horizonte, tras, que se configuravam como momentos
nos oferecem um diagnóstico comum na re- de explanação teórica e debate. Algumas das
alidade brasileira. ideias principais do Projeto foram capazes
“A análise dos dados sugere que as esco- de mostrar como o conhecimento não pode
las se mostram pouco abertas a desenvolver ser dividido em pequenas caixinhas, deno-
atividades que vão além da transmissão dos minadas disciplinas. Também, em um cam-
conteúdos formais. A existência desses espa- po mais amplo, evidenciaram como tudo na
ços é precária, poucas escolas criam espaços natureza tende à homeostase, desde a menor
e situações que favoreçam a experiência da forma de matéria e de energia até os sistemas
solidariedade, o fortalecimento da sociabili- mais complexos, ainda misteriosos aos seres
dade, o acesso a atividades culturais e mesmo humanos, que entendemos, em parte, como
ao conhecimento de forma mais participati- o equilíbrio dinâmico dos sistemas biológi-
va, como os debates e seminários.” (Dayrell, cos, físicos e químicos.
Gomes e Leão, 2010) Participamos de palestras realizadas por
Em sua primeira edição, o Projeto Verde profissionais de áreas diversas, como psicó-
Perto esteve bastante atrelado a uma escola, logos, artistas, políticos e professores. Uma
uma vez que quem o coordenou, na ocasião, das características que fizeram distinguir
era professor dos estudantes que participa- uma palestra do Verde Perto de uma aula
ram, além do fato de as palestras e oficinas convencional de ensino médio foi o tópi-
terem sido realizadas na estrutura física da co de discussão e a forma como o mesmo
escola. Assim sendo, o Verde Perto tinha o era apresentado. Mais uma vez, o projeto
desafio de se distanciar da lógica formal de se apresentou como um painel horizontal
colégio e promover experiências de solida- de discussões, onde nós, enquanto alunos,
riedade, sociabilidade, atividades culturais e tínhamos a capacidade e a possibilidade de
construção participativa de conhecimento, conversarmos e analisarmos os temas a nós
como observado na citação acima. Tal de- apresentados. Embora os temas tenham sido
safio foi cumprido nas diversas atividades de cunho mais teórico do que prático, pude-
do Projeto, como tentaremos expor a seguir. mos utilizar o que absorvemos deles e aplicar
Começamos por abordar como as palestras nas visitas de campo. Esse conhecimento é
do Verde Perto e, de forma complementar, as refletido no que fazemos hoje.
aulas de biologia ministradas pelo professor Hoje, sete anos depois, com a mente mais
Leonardo contribuíram para a construção madura, ou pelo menos mais moldada pelo
participativa de conhecimento. mundo acadêmico, percebemos quão im-
Enquanto a maioria dos professores se li- portantes esses conceitos foram no nosso
mitava ao conteúdo de sala de aula, com fatos processo de formação crítica. Como qual-
históricos e geográficos importantes, porém quer ensinamento, se não for posto em prá-
40 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
tica, pode ser rapidamente esquecido. Dos mentar essa transformação. Esta mudança há
conceitos pertencentes à ementa do curso de ser baseada numa educação crítica, cuja
de biologia, ou de qualquer outra “discipli- aprendizagem seja resultado de uma funda-
na” do ensino médio, recordamo-nos muito mentação em conceitos de sustentabilidade,
pouco. Não nos lembramos, por exemplo, de e não em objetivos de desenvolvimento me-
tópicos da ementa do curso, como classifi- ramente econômicos.
cações taxonômicas do reino Animalia e de Um estudo interessante apontado por
patologia; no entanto, os conceitos da trans- Chang-ming (2002) sugere uma nova forma
disciplinaridade e de homeostase realmente de desenvolvimento, que vai além do que
foram incorporados a nossa forma de ver o hoje é conhecido como desenvolvimento
dia-a-dia. sustentável: o desenvolvimento harmônico.
Como disse Leff (2006), a crise ambiental Esse conceito pode ser retomado à ideia de
é um sinal de uma nova era histórica. A crise homeostase, que também vai muito além do
civilizatória, descrita pelo autor, é uma crise desenvolvimento sustentável. Das várias for-
de conhecimento. A degradação ambiental é mas de abordar a questão do equilíbrio dinâ-
resultado de um tipo de conhecimento base- mico, Lovelock & Margulis (1974) descreve-
ado na objetificação e coisificação do mun- ram a homeostase aplicada à teoria de Gaia,
do, através do qual, o homem o construiu e que trespassa a discussão deste capítulo, com
o tem destruído pela sua pretensão de uni- conceitos químicos e termodinâmicos bem
versalidade e totalidade. A economia meca- estruturados e, por consequência, provam
nicista e a razão tecnológica vêm negando que isto não só é possível, como é o cami-
a natureza; as aplicações do conhecimento nho mais favorável para seguirmos. Embora
fracionado e da tecnologia produtivista têm Lovelock (1974) e Chang-ming (2002) não
gerado a degradação entrópica do planeta, mostrem formas diretas de como se reverter
fazendo brotar a complexidade ambiental do a crise civilizatória, descrita por Leff (2006),
efeito acumulativo dessas sinergias negativas ambos nos dão bases para pensarmos em
(Leff, 2006). como argumentar alternativas harmônicas
Logo, estamos em uma crise ambiental para lidarmos com o meio ambiente.
alimentada por fatores sociais. Voltando ao Entretanto, com a forma de pensar base-
que havia sido dito, é uma crise “interdis- ada no lucro material, encoberta por indús-
ciplinar”, cuja solução não cabe apenas à trias e organizações que se disfarçam com a
biologia, à engenharia ou às ciências sociais, máscara verde do ecologicamente correto,
por exemplo. Cabe a todos nós integrarmos estamos andando a passos cada vez mais len-
os diversos conhecimentos, embora talvez tos em direção à solução da crise. As grandes
não suficientes para resolver toda essa pro- escolas do mundo estão moldadas no de-
blemática, de modo a não continuarmos se- senvolvimento científico-econômico, e com
guindo as noções de desenvolvimento, hoje isto, estamos avançando em “ciência” e, não
ensinadas nas escolas ou por nós ainda prati- necessariamente, em harmonia. Em outras
cadas. Precisa-se de novas mentes para ensi- palavras, esta crise ambiental é a primeira
nar, de novos modelos para serem aplicados crise global gerada pelo desconhecimento
e, principalmente, de novas ideias para movi- do conhecimento; e o conhecimento cien-
CAPÍTULO 2 41
VER DE PERTO O QUE É VERDE PERTO
tífico, ao ser fragmentado analiticamente, Estes conceitos não são necessariamente
separa o que está articulado organicamente, aprendidos em sala de aula, então, não de-
gerando uma sinergia negativa, um círculo vem ser restritos a uma classe específica de
vicioso de degradação ambiental que a ciên- estudantes, ou de pesquisadores. As ideias
cia, como hoje conhecida, não compreende. devem ser empreendidas na formação de
(Leff, 2006) um ser com capacidades críticas de mudan-
Acreditamos que a culpa desta crise am- ça social a fim de promover a estabilidade
biental é somente dos seres humanos, não ambiental. Retomando isto, na prática hoje,
de mais espécie alguma. É arrogância demais vemos algumas instituições promovendo
pensar também que nós e nossos amigos po- cursos e atividades relacionadas à educação
demos reverter isto tudo. Como lembrado ambiental, na grande gama que ela abrange.
por Sachs (2004), a transição para o desen-
volvimento sustentável começa com o geren- Como aprendemos de uma
ciamento de crises que requer uma mudança maneira nova sobre Educação
imediata de paradigmas. Mudança esta que
estamos vivenciando a passos lentos e que,
Ambiental?
esperançosamente, chegará a um resultado Do ponto de vista formal, há vários es-
positivo algum dia. tudiosos que definem alguns tipos da edu-
A revolução social necessária pode ter cação ambiental. De modo mais simplista,
bases em uma revolução na educação e prin- podem-se dividir em duas grandes frentes:
cipalmente no protagonismo juvenil. Uma a educação ambiental de modo tradicional
mudança harmônica na educação, que pos- e a alternativa. Mais que apresentar a discus-
sa agilizar o processo de reintegração do ser são acadêmica sobre os modos de educação
com o meio, como as atividades de pales- ambiental, interessa-nos aqui apresentar in-
tras e debates do Verde Perto e as aulas do tenções pedagógicas que vivenciamos na pri-
professor Leonardo. Embora as aulas, ainda meira edição do Verde Perto. Desde já, apon-
tenham sido no conceito físico tradicional tamos que a educação ambiental, que nos foi
de escola, a quatro paredes e com carteira, proposta e por nós apropriada, a partir de
caderno, giz e quadro negro, as ideias foram uma construção intersubjetiva, se pauta pelo
além dos tão tradicionais livros de biologia modo alternativo.
do ensino médio. Os conceitos dos livros são Vivenciamos uma conformação pedagó-
importantíssimos para a formação do senso gica caudatária da macro tendência crítica,
crítico de qualquer um no mundo acadêmi- uma vez que estava assentada em uma con-
co, como conhecido hoje em dia; sem eles, cepção político-pedagógica que considerava
por exemplo, provavelmente, não seríamos a relação ser humano natureza de forma inte-
aprovados no concurso vestibular de uma grada, com atenção à dimensão sociocultural
instituição de nível superior de boa quali- e à noção de conflito socioambiental. O Pro-
dade. No entanto, reforçamos a ideia de que grama Verde Perto está inserido na tendên-
os conceitos necessários para esta revolução cia de práticas educativas do Brasil e Améri-
sócio-ecológica vão muito além dos livros de ca Latina apontadas por Layrargues (2000),
ensino médio. nas quais “procura-se promover uma maior
42 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
integração entre os aspectos econômicos, so- de observação dos fatos e a curiosidade das
ciais e culturais com os aspectos ecológicos, crianças e jovens vão se perdendo com o pas-
configurando-se, portanto, uma abordagem sar dos anos na vida escolar, fazendo com que
integradora e socioambiental.” (p.94) elas se sintam mais confortáveis em algumas
Contudo, sabemos que no Brasil, a maio- áreas de estudo, do que em outras, e muitas
ria das escolas oferece o ensino das ciências vezes, gerando antipatia a alguma área. Um
em formas de diversas “caixinhas” de conhe- exemplo disto: quando criança, temos uma
cimento. Por exemplo, há aulas de biologia curiosidade imensa sobre o mundo ao nos-
e de geografia totalmente separadas, e não so redor e todos passamos por uma fase de
uma aula sobre um fenômeno geográfico “porquês”. Por que o vagalume pisca no es-
qualquer com uma explicação biológica, e curo? Por que a lua e as estrelas não caem?
possivelmente química e física também. E o Por que o computador funciona? Como os
resultado não deveria ser uma aula chama- homens da caverna tiveram a ideia de fazer
da biologia-geografia-química-física, pois o lanças? E muitas das vezes, crescemos, con-
resultado a ser esperado seria uma mera ex- seguimos um emprego e nunca sabemos as
plicação de fatos, utilizando-se das ciências respostas dessas perguntas, que cada um
de uma forma sinergística. Outra grande carregava, ao passo que os conteúdos que
desvantagem deste sistema é que a divisão poderiam ser resposta, provavelmente foram
hierárquica entre alunos e professores ainda apresentados em sala de aula, mas não insti-
é alta, fazendo com que o fluxo de conheci- garam a curiosidade e o engajamento para a
mento seja apenas unidirecional; do “alto pa- aprendizagem dos alunos.
tamar de conhecimento” para o aprendiz. Se Já uma educação alternativa, concebi-
a aprendizagem sobre a natureza está relacio- da dentro da macrotendência crítica, está
nada a esta grande somatória de efeitos e ex- aberta à curiosidade dos aprendizes, em um
periências que presenciamos todos os dias, ambiente qualquer de ensino, em que todos
algo a ser aprendido se perde quando estes estão presentes para aprender e ensinar. Em
efeitos são apresentados apenas pelo dito 2007, durante a realização da primeira edição
professor; visto que os alunos apresentam do Projeto Verde Perto, estávamos apren-
também um grande instinto de curiosidade dendo sobre os conceitos de Educação Am-
e criatividade, e logicamente, são seres sen- biental de uma forma alternativa. Embora
síveis aos efeitos da natureza. Então como tivéssemos o professor Leonardo Rodrigues
que um ensinamento sobre efeitos que todos em sala de aula, com a ementa programada
sentimos pode ser repassado apenas por uma de biologia, as atividades extracurriculares
pessoa para muitas outras? – oficinas, palestras e atividades de campo
Mais uma crítica ao sistema de educação – foram o grande diferencial na formação
formal é o método de avaliação. A avaliação crítica a respeito da questão ambiental. Não
meritocrática vem sendo usada há centenas foram as aulas tradicionais, de preparo para
de anos, mas uma avaliação sob a forma escri- os exames, que nos instigaram os conceitos
ta, ou oral, a respeito de um tópico limitado de sustentabilidade, mas sim, tudo aquilo
cerceia o conhecimento e, mais importante, que fizemos fora delas. Ao primeiro passo,
a criatividade dos aprendizes. A capacidade parece um pouco contraditório pensar que
oficinas de arte foram de maior valia para
CAPÍTULO 2 43
VER DE PERTO O QUE É VERDE PERTO
aprendermos mais sobre o meio ambiente por outro não tínhamos o mesmo acesso à
do que aulas de biologia. No entanto, na ministra do meio ambiente.
educação tradicional, aprendíamos sobre As práticas educativas que vivenciamos
a natureza, mas de modo tecnocrático, isto implicavam em transformações no modo de
é, o incentivo a sermos críticos sobre as observarmos as relações que estabelecíamos
relações com meio ambiente e conflitos com o meio ambiente, enquanto sujeitos
socioambientais não era tão profundo quan- políticos e sociais. Se antes pensávamos que
to nas atividades do Verde Perto. natureza e ser humano não se misturavam, se
Ao longo das atividades do Projeto nos não problematizávamos conflitos ambientais
foram nos apresentados elementos que nos à luz da dinâmica de consumo e produção ca-
inspiravam a desenvolver uma visão críti- pitalista, as atividades do Projeto instigavam
ca da realidade. Mais que perceber efeitos em nós a necessidade de pensarmos melhor
negativos no meio ambiente e achar que os sobre estas questões. Como resultado de
poderíamos solucionar de forma individual, todo este processo formativo, iniciado com o
a metodologia das atividades nos levanta- Projeto, há sete anos, hoje buscamos manter
va questões que traziam à baila a dimensão uma formação contínua, pois estamos cien-
tes da importância de nos educarmos sobre
coletiva e socioambiental daqueles efeitos.
o meio ambiente não por uma concepção
Neste sentido consideramos que a forma de
naturalista, mas sim, socioambiental.
educação ambiental que vivenciamos “em
última análise, carrega consigo um compo-
nente revelador das diferenças sociais na so- À prática: as experiências de
ciedade brasileira, promovendo, assim, uma oficinas e atividades de campo
frutífera parceria entre a demanda por um
Retomando a linha de raciocínio do
quadro de vida socialmente justo e ambien-
desafio de transcender a lógica formal de
talmente saudável” (Layrargues, 2000). colégio, neste tópico discorremos sobre as
Cabe ainda destacar que observávamos atividades do Verde Perto que se pautaram
conflitos socioambientais em suas dimen- na intenção de promover experiências de
sões macro, mas realizávamos ações dentro solidariedade, sociabilidade, cultura, além da
do que nos era tangível. Exemplo disto eram construção participativa de conhecimento -
os diálogos que travávamos com represen- como já mencionamos.
tantes do poder municipal acerca de proble- As oficinas aconteciam semanalmente
máticas que observávamos em nossa cidade e eram os espaços de interação direta mais
e nas comunidades rurais que visitamos. Sa- reservados, ou seja, com menor número de
bíamos que os problemas eram típicos da re- participantes (não ultrapassava a uma dúzia
alidade brasileira - o corte de mata ciliar, por de pessoas) dentre as demais atividades do
exemplo - mas fazíamos nossa intervenção projeto. As oficinas estavam em sintonia com
política no nível municipal, uma vez que se uma tendência da juventude contemporâ-
por um lado conseguíamos falar com o secre- nea, apresentada por Dayrell, Gomes e Leão
tário do meio ambiente do município (que (2010) que é a intenção de “produzir resulta-
nos acompanhou em uma saída de campo), dos imediatos e visíveis” além de querer con-
44 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
dições de controle direto das ações (2010). no estúdio acústico do campus da UNIPAC
Os grupos eram formados por jovens estu- (Universidade Presidente Antônio Carlos),
dantes e pelos oficineiros, que trabalhavam em Conselheiro Lafaiete. Uma conclusão a
na área afim da oficina que ministravam. Na se tirar da oficina de percussão é que, por não
primeira edição do Projeto foram realizadas nos preocuparmos muito com a forma, fazí-
oficinas em quatro áreas: Poesia, Percussão, amos nossa libertação musical da maneira
Audiovisual e Artes Plásticas. mais natural possível, e por consequência, de
A poesia fluía e floria nos encontros maneira muito agradável e divertida. O resul-
com  Osmir e Wagner, membros da Liga tado foi uma mistura harmoniosa de vários
Ecológica Santa Matilde (LESMA). Nas ofi- instrumentos, de triângulo a violão.
cinas de poesia desenvolvíamos textos, rece- Na oficina de audiovisual, realizávamos
bíamos noções de redação e enriquecíamos experimentações multimídia a partir da
nosso repertório de leitura. Além destas prá- orientação técnica de Marcos Bittencourt
ticas extremamente coerentes, contudo pou- e João Paulo Leroy, ambos publicitários.
co inovadoras, visto que qualquer boa escola Aprendemos noções básicas de fotografia,
desenvolve estas mesmas atividades em au- como composição de quadros, condições
las de português, éramos estimulados a nos de exposição à luz, entre outras. Durante
aventurar pelo mundo da performance artís- os encontros aprendíamos, praticávamos e
tica. Os artistas da palavra, Osmir e Wagner, costumávamos explorar ambientes externos,
compartilhavam a atmosfera poética per- próximos à escola, em um movimento de
formativa que já desenvolviam no recital da reconhecimento de um espaço que normal-
LESMA com os participantes da oficina, de mente não percebíamos, embora estivésse-
modo que construímos algo específico, mar- mos ali inseridos cotidianamente. No âmbito
cado tanto pela influência artística da LES- desta oficina também produzimos um vídeo,
MA, quanto pelas peculiaridades dos jovens com fotos e gravações coletadas ao longo do
participantes, tendo como eixo inspirador a Projeto, principalmente, nas atividades de
temática ambiental e os temas abordados nas campo.
palestras e saídas de campo. Nas experimentações, contávamos, ainda,
Música e ritmo animavam e harmoniza- com a oficina de artes plásticas, então minis-
vam os participantes da oficina ministrada trada pelo artista Hélcio Queiroz da ONG
pelos músicos Marcio Zaum e Leonardo RECICLAR. A oficina foi delineada na sea-
Fernandes. A oficina de percussão ofereceu ra de arte, cultura, design, arte-educação. A
uma oportunidade interessante para pessoas nossa aproximação com uma noção de arte
que não possuíam conhecimento musical al- divertida, engajada e encantadora, se confi-
gum. Como nas outras oficinas, aprendemos gurou como um novo elemento aprazível e,
conceitos básicos sobre percussão, de uma ao mesmo tempo, motivador de reflexões.
forma bem intuitiva. O grande diferencial Hélcio Queiroz nos apresentou algumas de
desta oficina foi sua flexibilidade quanto à suas obras como a “Vaca Letrada”, feita para
forma. Começamos a fazer “aulas” em um a Cow Parade BH-2006. A vaquinha cheia
espaço cedido na escola, fomos adiante para de letras coloridas ainda povoa nosso ima-
uma praça pública e acabamos por gravar, ginário. O artista também compartilhava
CAPÍTULO 2 45
VER DE PERTO O QUE É VERDE PERTO
experiências vividas no projeto “AMAR, um áreas naturalmente verdes, fauna e flora da
Ponto de Cultura” (Associação de Morado- nossa região com mistura de cerrado e mata
res AMAR), na Biblioteca Comunitária do atlântica. Conhecemos pessoas diferentes e,
seu bairro, onde também aconteciam cursos em diálogo com elas, encontramos várias si-
e oficinas, e em uma intervenção urbana cha- milaridades. Construímos em primeira pes-
mada “Projeto Gentileza”. soa do plural, ou seja, a partir de uma expe-
Com o mote, “Experimento é o invento/ riência coletiva, a noção de que atividade de
Queluz é o centro/ É de dentro pra fora/ É campo pode ser enxergar um campo poético,
de fora pra dentro/ Rancho Novo, Buarque, educativo, biológico, cultural, histórico, es-
Água Limpa, Mato Dentro (bis)”, realiza- pacial, desconhecido, transdisciplinar.
mos as atividades de campo. Aconteceram Dentre as várias saídas de campo, citamos
aos sábados, rumo a comunidades rurais de aqui algumas impressões que tivemos na ida
Conselheiro Lafaiete, cidade natal dos au- à comunidade rural chamada Rancho Novo.
tores deste capítulo e também do Projeto Poderíamos abordar experiências vividas
Verde Perto. Nos quatro “cantos” da cidade a em qualquer uma das comunidades, uma
complexidade do Projeto encontrava condi- vez que, indubitavelmente, cada ambiência
ções mais profícuas de exploração, havia mo- mereceria ser aqui relembrada. Contudo
mentos de aprendizado, debate e discussões temos uma limitação concreta: a memória;
de elementos teóricos sendo verificados na por isso optamos por apresentar lembranças
prática; intervenções poéticas; caminhadas que foram escritas. Na ocasião, participantes
ecológicas a áreas de nascentes; sociabilida- da oficina de poesia fizeram entrevistas com
de com a comunidade local permeada por estudantes, professoras e demais membros
trocas culturais, e até mesmo afetivas3.
da comunidade local, que posteriormente
Era mais que um passeio com amigos, es- foram organizadas em um texto.
tava além de uma excursão de escola. A ex-
Nossas atividades no Rancho Novo fo-
periência das atividades em campo era trans-
ram na companhia dos estudantes da Escola
disciplinar e multidimensional, a partir delas
Municipal Padre José Lobo da Silveira, uma
pudemos conhecer e vivenciar. Vivenciamos
escola de ensino fundamental. E estar na
ecologia lírica, diferenças sociais, sentimos a
companhia das meninas e meninos das séries
força de outro ambiente. Visitamos diferen-
primárias foi uma experiência encantadora.
tes comunidades, que embora estivessem no
Os próprios estudantes que nos receberam,
entorno de nosso espaço urbano, não eram
compuseram e cantaram uma música, na
conhecidas pela grande maioria dos parti-
cipantes do Projeto. Vimos fontes de água, qual o seguinte trecho chamava a atenção:
“Temos força e amizade para o mundo cons-
3 As atividades em campo se conformaram em truir...”. A partir de poucas palavras, mas de-
momentos de vivência, nos quais a dimensão masiadamente fortes, éramos chamados a
socioambiental era observada em sua potenciali-
construir um mundo, no qual nossa condi-
dade. Éramos afetados não só por matas ciliares
menores que o determinado em lei, ou outras ção de atores protagonistas estava colocada
degradações ambientais, mas também por sorrisos em uma dimensão de força e amizade, ou
e abraços compartilhados com crianças do local, e seja, com capacidade de agência e laços de
por prosas com lavadeiras à beira do rio.
solidariedade. Ainda que tentemos fazê-lo,
46 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
é difícil expressar, em palavras contidas, a resgatou sentimentos tão simples e naturais
força da experiência que vivemos ao som da- ao ver de perto. Ver de perto o que é verde
quela música. perto. O trecho abaixo tenta sintetizar estas
Nós, enquanto visitantes, consideramos experiências:
a experiência deveras positiva, mas e a po- Ao nos depararmos com a ideia de visitar
pulação local e a comunidade que nos re- outras comunidades, pensávamos encontrar
cebia? Não podemos responder por todos a natureza preservada, em um ambiente qua-
os membros daquela comunidade, pois ge- se primitivo. Nos primeiros contatos, senti-
neralizações desta ordem estão submetidas mos comunidades rurais em processo de ur-
ao risco da artificialidade, todavia podemos banização. Embora a quantidade e gravidade
apresentar, aqui, a fala de uma professora do dos problemas ambientais em centros maio-
local. Maria Terezinha Araújo Baeta, edu- res sejam mais contundentes, nas comunida-
cadora, perguntada sobre a importância da des ribeirinhas eles são de igual gravidade,
educação ambiental, respondeu: “eu acho daí por que o discurso ecológico deva ser
que sem educação ambiental não existe transversal. “É no meio ambiente que tudo
educação. Porque se a gente não preservar acontece” – (Trecho de um texto escrito co-
o nosso meio ambiente, a modificação não letivamente por participantes (estudantes e
acontece; eu acho que o meio ambiente co- colaboradores do Projeto - 2007).
meça da gente”. E de forma espontânea, sem
ter sido interrogada a este respeito, comple- Considerações finais
tou dizendo que o ambiente da escola ficou Ao longo deste capítulo contextualizamos
ainda mais agradável. Segundo a professora, uma realidade específica – a primeira edição
a visita do Programa Verde Perto estava sen- do Projeto Verde Perto, que tem como pano
do fantástica, pois os meninos não tinham de fundo a crise ambiental, civilizatória que
hábito de ir à cidade e recebendo nossa visita nos é contemporânea. A análise descritiva
eles se sentiam “importantes” (palavra usada que desenvolvemos, bem como nossa parti-
pela própria professora). Relatos como este cipação neste projeto, são pautadas pela ne-
nos permitem indicar que nossa presença era cessidade de problematização de questões
entendida como reconhecimento do valor e de cunho social e ambiental que estão co-
importância das escolas e comunidades que locadas nos ambientes urbanos e rurais, nos
visitávamos. De modo que este reconheci- quais se perpetuam situações de expropria-
mento culminava em valorização da alteri- ção e exploração que atingem os seres huma-
dade. nos e a natureza. A oportunidade de ver de
Nos encontros em campo, nós apren- perto foi de expressiva relevância para nos-
díamos e nos encantávamos. Também nos sa formação, pois esta vivência (experiência
assustávamos com alguns quadros de degra- em primeira pessoa) coletiva (do plural) nos
dação ambiental e vulnerabilidade social. As mostrou uma gama de sentidos em disputa e
comunidades socialmente diferentes se mos- realidades socioambientais diferentes.
travam ricas em detalhes que passávamos a Após o aprendizado que construímos jun-
conhecer. A descontração no ônibus, nas via- tos no Verde Perto, podemos dizer que de-
gens de retorno, dava a ver a alegria de quem senvolvemos a consciência cidadã proposta
CAPÍTULO 2 47
VER DE PERTO O QUE É VERDE PERTO
por Touraine (1998). Sete anos depois, con- plos que podem ser citados sobre a força de
tinuamos a refletir criticamente sobre a pro- vontade das crianças e jovens na mudança
blemática socioambiental e o fazemos com do mundo. Reforçando o que Suzuki disse,
interesse nas relações dos diferentes atores deveríamos agir como um mundo único em
da sociedade com seu o espaço, ou seja, no direção a um objetivo único, frisando a reto-
que diz respeito às relações socioespaciais, mada da homeostase do homem perante o
uma vez que consideramos inapropriada meio ambiente.
a separação destas dimensões. Pensamos Alguns estudos (Souza, 2011; Feixa &
o meio ambiente como sendo construído Nilan, 2006) mostram quão importante é
socialmente a partir de um complexo e di- a participação de jovens nessas revoluções
nâmico arranjo, que se encontra deslocado necessárias durante as próximas gerações.
de seu equilíbrio, perspectiva que se coloca Souza (2011) cita o exemplo do desenvol-
em contraposição à leitura meramente natu- vimento social e ecológico do projeto RON-
ral. Compartilhamos a compreensão de que DON, que tem como base motivar a partici-
meio ambiente são seres vivos em relação pação voluntária da juventude estudantil no
entre si e com o espaço. Não existe natureza processo do desenvolvimento, da integração
descolada da sociedade, modos de ocupação nacional e da valorização dos seres humanos.
e formas de relação configuram e confor-
mam o meio ambiente. Defendemos que o Projeto Verde Per-
to pode ser considerado um avanço que se
Como bem notado por Severn Suzuki, soma a outras iniciativas e projetos, no sen-
uma garota representante da ECO (Envi- tido de perseguirmos, no tempo presente,
ronmental Children Organization) durante práticas e formas socioambientais apropria-
abertura da ECO92: das ao bem viver e à noção de sustentabili-
“...sou apenas uma criança e não tenho to- dade e/ou harmonia. O Verde Perto aceitou
das as soluções necessárias, mas gostaria que na sua primeira edição, e vem aceitando nas
vocês entendessem que vocês (adultos) tam- edições posteriores, o desafio de transcender
bém não as têm. (...) Se vocês (adultos) não a transmissão de conteúdo formal e assim
sabem consertar (o meio ambiente), parem promover experiências de solidariedade, so-
de destruí-lo! (...) Sou apenas uma criança, ciabilidade, atividades culturais e construção
mas sei que todos nós pertencemos a uma participativa de conhecimento. Por termos
família (...) de 30 milhões de espécies, com- participado deste Projeto, na condição de
partilhando a mesma água, o mesmo solo e atores sociais empoderados e de coautores
o mesmo ar; e nenhum governo, nenhuma de uma construção coletiva, acreditamos na
fronteira poderá mudar isto. Sou apenas uma continuidade e expansão da experiência Ver-
criança, mas sei que este problema atinge a de Perto, visto que ela se configura como im-
todos nós e deveríamos agir como um mun- portante elemento na formação de seres com
do único em direção a um objetivo único.” capacidades críticas de mudança social.
Após seu discurso de cinco minutos, ela Agradecemos a toda a equipe de colabora-
recebeu aplausos de muitos políticos, jorna- dores, idealizadores e participantes do Proje-
listas e cientistas de grande renome interna- to por termos construído juntos e na prática,
cional. Este é apenas um dos muitos exem- a possibilidade de ver de perto o que é verde
48 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
perto. Somos gratos também pelo convite Leff, E. (2006). Complejidad, racionalidad am-
para escrever este capítulo, a partir do qual biental y diálogo de saberes. Carpeta Del Ce-
tivemos a alegria de relembrar e, assim, revi- neam .Madrid, Espanha.
ver e atualizar experiências que ajudaram a Leff, E. (2010). Imaginarios sociales y sustenta-
nos constituir como o cidadão e a cidadã que bilidad. Cultura y Representaciones Sociales,
hoje somos. 5(9)
Lovelock, J. E., & Margulis, L. (1974). Atmos-
Referências pheric homeostasis by and for the biosphere:
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CAPÍTULO 2 49
VER DE PERTO O QUE É VERDE PERTO
eF.9;
h CAPÍTULO III

Educação dos Sentidos

/ad d
Osmir Camilo Gomes e Wagner José Vieira

“O navio no porto está salvo, mas ele não foi feito pra isso.”
(Provérbio Popular)

O grão e o deserto

A parábola do contraste entre o grão de areia no deserto nos vem à


mente sempre que nos propomos a pensar em educação ambien-
tal crítica e, ao mesmo tempo, emancipatória. No movimento das ativida-
des de rearticulação das espécies frente ao gradativo do agravamento da
paisagem urbana, ora comportamos como grão: perplexos pela onda avas-
saladora de atitudes de preservação descontinuada. Em outro momento é
impossível não se comportar como todo o deserto num só movimento: a
sobrevivência digna das espécies.
A analogia entre o grão (parte) e o deserto (uno), não é fortuita. Pri-
meiro a imagem de grão também sugere minimalidade de ação e mudan-
ça. Quando iniciamos o trajeto de associar educação ambiental (EA),
ação social e políticas públicas com nosso cerne cultural, protagoni-
zados pela poesia pedagógica e com foco ambiental, sentíamos nosso
movimento como grão*.
Na medida em que fomos nos inserindo no macrossistema de ativi-
dades que procuram confrontar a educação ambiental tradicional (que
sistematicamente repete o pragmatismo, bandeiras do hiperconsumo e
consensualidade) e nos identificamos com uma prática de educação am-
biental alternativa, lúdica, humanística passamos a sentir a noção de am-
plitude, enquanto unidade.
Como nos indica Layrargues, é preciso juvenil e a eficácia didático-pedagógica).
que a educação ambiental “transcenda seu Fato que a atividade cultural abraça com na-
caráter predominantemente conservador, turalidade.
pautado numa prática conteudista, biolo- O público-alvo se escolheu num proje-
gicista e pragmática” (p.88). Ainda para o to cuja adesão era espontânea. Os horários
ambientalista, as novas práticas de educação eram alternativos aos horários curriculares,
ambiental devem ser denominadas de “edu- que era de turno duplo para alguns alunos e
cação para o desenvolvimento sustentável, de turno único para a maior parte deles. Esta
ecopedagogia, educação para a cidadania, e seleção natural onde uma juventude aparen-
finalmente, educação para gestão ambiental” temente sem ambições, esticava seus horá-
(LAYRARGUES, 2002). rios para acumular conhecimentos artísticos
e de pedagogia ambiental, mostrou de ante-
Programa Verde Perto: mão que a falta de ambição de saber e de pro-
Educação dos Sentidos tagonismo era realmente apenas aparente.

Em sua primeira edição, iniciada nas de-


pendências do Colégio Potência (Conselhei- Fonte¹
ro Lafaiete/MG – 2007) eram os próprios Fonte é vida
alunos que desejavam uma linguagem nova e
É fonte de vida.
meios de representação do universo concei-
tual sem a tradição rígida da palavra formal e Lavadeiras...
as amarras da imagem corrente. Linguagem Casadas, solteiras, viúvas, separadas.
+ Palavra = Comunicação. Eis a Modernida- Mães, trabalhadoras, guerreiras.
de! Esta é a experiência. Oriundos de uma
educação induzida, os magistrados atuais
(sem querer generalizar), intuem o caminho Na trouxa ou na bacia
das novas tendências, mas enganam-se quan- Carregam a roupa suja
to à educação formal como porto seguro e
Como se levassem tristezas, alegrias
apenas mascaram o modelo antigo da educa-
ção como banco de resultados. Mágoas, esperanças, seus pensamentos...
Quando o professor Leonardo da Silvei-
ra Rodrigues, membro da ONG LESMA, E vem o broto da vida
idealizador e aglutinador das forças e dire- Vem do solo, da consciência humana.
trizes do programa, nos convidou para inte-
grarmos o núcleo pensante deste programa
socioambiental, ele nos deixou claro seus Lava a roupa,
planos e metas. Associar a experiência do Lava a alma.
aprendizado tecnicista e burocrático com a
experiência lúdica e a ação social (e a utiliza-
ção de uma mistura de linguagens alternati- Esfrega a roupa,
vas como forma de aumentar a participação Esfrega os pecados.
52 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
dência de educação transformadora, emanci-
Enxágua a roupa, patória” (p. 125).
Enxágua a vida.
Educação Ambiental e
Experiência Poética
Seca a roupa
Para entendermos os caminhos que a poe-
No sopro da brisa.
sia, como prática pedagógica, percorreu jun-
to ao Programa Verde Perto e analisarmos
Seca a barriga molhada seus resultados, desafios e deficiências, fa-
Que também é fonte de vida. zem-se necessários dois breves históricos: o
da própria poesia e do recital LESMA Poesia,
¹ Poema construído coletivamente por crianças grupo poético que participou ativamente de
da comunidade de Rancho Novo, em Conselheiro três etapas deste programa interdisciplinar e
Lafaiete (MG). Este texto foi premiado dentro das que, além de contribuir para a mudança de
ações do Programa Verde Perto em 2007.
paradigma, foi diretamente influenciado por
esta prática de ação socioambiental transfor-
Criou-se entre instrutores e alunos uma madora e eficiente. É importante ressaltar as
cumplicidade monumental que foi a energia suas interfaces: ação crítica e reformadora,
propulsora a orientar os futuros passos do colocando a linguagem poética a serviço da
programa Verde Perto. A experiência se des- compreensão social e da reflexão.
dobrou e aqui cabe entender que a educação Sobre a poesia, como linguagem frontal,
tanto pode assumir um papel de conservação transcorrem quatro ciclos históricos an-
da ordem social, reproduzindo ideologias, tes de diluir na hiperinflação linguística da
valores e interesses dominantes socialmente, atualidade digital. Historicamente a poesia
como pode assumir um papel emancipató- tradicional se baseia em quatro pilares: Po-
rio, comprometido pela modificação cultu- esia Sentimento (baseada no instinto e na
ral, política, e ética da sociedade e com o de- tradição oral); Poesia Clássica (porta voz do
senvolvimento das potencialidades dos seres humanismo quinhentista); Poesia Moderna
humanos que a compõem. (interpretação do mundo maquinolátrico) e
Nesse sentido, Lima (2002) faz uma refle- Poesia Pós-Moderna (diluição da linguagem
xão referente às tendências emancipatórias, poética associando-a às novas mídias).
transformadoras e conservadoras da educa- O recital Lesma Poesia, no caso, é um mis-
ção ambiental, no campo pedagógico. Para to das duas variantes finais. Constituído por
o autor, há duas grandes concepções políti- poetas de formação teórica no Modernismo,
co-culturais que fundamentam o debate da também tentou criar neste trajeto de onze
educação ambiental. Essas concepções ser- anos de existência, uma associação entre a
vem de referência para identificar as diversas poesia tradicional e a poesia do corte, rela-
propostas teóricas e práticas de educação tivizando a palavra e enfatizando o concei-
ambiental. “São concepções que se afinam à to de deboche romântico, com um ludismo
tendência de educação conservadora e à ten- pretensioso. Os alunos entenderam e a as-
CAPÍTULO 3 53
EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS
sociação foi rápida. A primeira fusão grupo de Conselheiro Lafaiete. Este texto foi produzido duran-
LESMA Poesia e programa Verde Perto foi, te atividades do Programa Verde Perto APAE
em síntese, a união de pés e sapatos da mes-
ma numeração.
Novamente percebemos que o Programa
Verde Perto se incluía nas novas práticas de
Educação Ambiental e Educação Ambiental pela sua mobilidade e
Políticas de Inclusão coerência com os novos espaços e deman-
das, sempre colocando o público-alvo como
“Nem tudo que é torto é errado. Veja as per- protagonista, rompendo com formas tradi-
nas do Garrincha e as árvores do cerrado”. cionais e alcançando resultados considerá-
(Nicolas Behr)
veis, baseados na introdução da afetividade
A partir da vivência dentro do Programa social na pedagogia ambiental.
Verde Perto Educação, as três gerações de A poesia, não sendo especificamente li-
poetas do grupo descobriram que mais im- teratura, articula-se facilmente com outras
portante que o código e o emissor, está o artes sonoras e visuais, permitindo aos jo-
receptor e esta experiência vai reestruturar o vens de hoje (assessorados por múltiplos
projeto evolutivo do próprio grupo poético. estímulos visuais, sonoros e sensoriais) en-
O trabalho direto com portadores de neces- tender com mais rapidez e eficiência o teor
sidades especiais, iniciado em parceria com conteudista e metafórico de cada mensagem
a Associação dos Pais e Amigos dos Excep- poética.
cionais (APAE/Lafaiete), numa outra versão
do Verde Perto, caracterizada pela inversão A abordagem tradicional se dá de forma
de público-alvo, onde no processo anterior vertical, distanciando o educador do edu-
eram alunos de classe social elevada para alu- cando, sendo o educador gestor do saber e
nos com limitações cognitivas ou múltiplas, o educando, mero receptor. Com esta nova
foi uma experiência impressionante e dela abordagem, lúdica e multilinguística, ocorre
vieram ótimos resultados. uma horizontalização entre educador e edu-
cando por meio da participação democrática
no processo do aprendizado.
Árvore² O modelo alternativo a esta abordagem
Nós somos uma árvore. tradicional da educação apoia-se nos princí-
Uma árvore que não é árvore. pios de educação ambiental (PNEA/1999)
que valorizam a dimensão humana coopera-
Árvore dá frutos, dá sombra
tiva e distributiva, baseada na despotenciali-
E dá o ar que a folha respira. zação do antropocentrismo vigente. A crise
Meus pés são raízes. ambiental incorpora uma série de conflitos
sempre resultantes de uma estrutura econô-
2 Poema de Wesley Luciano de Oliveira, aluno da APAE mica desigual e autodestrutiva. E os alunos
especiais da APAE são típicos recebedores
de tratamentos desiguais por parte da socie-
dade.

54 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


O coração do Brasil A metodologia de criação de textos e de-
clamação que os poetas do grupo Lesma im-
Nestas interfaces da EA e os movimentos primiram encontrou eco sendo amplamente
sugeridos, a princípio regionalmente, era compreendida pelo público-alvo. O apoio
normal que o Programa Verde Perto Educa- pedagógico, logístico e pragmático, do ICM-
ção extrapolasse fronteiras e se apresentasse Bio, inserindo junto à cultura a discussão de
para discussões nacionais ampliando seu sustentabilidade, justiça ambiental e prota-
círculo de introdução definitiva aos novos gonismo juvenil, a partir de uma linguagem
caminhos da educação ambiental crítica e lírico poética, gerou ampla adesão, participa-
emancipatória. A primeira inserção nacional ção, interesse e emoção dos jovens e dos po-
do Verde Perto ocorreu no MUSA (Museu etas. Alcançamos um nível de apreensão de
da Amazônia) em Manaus a partir do ano conteúdos ambientalistas, ecológicos, políti-
de 2009, ainda coordenada pelo educador, cos e sociais, usando a poesia como lingua-
biólogo e idealizador do projeto Leonardo gem de conversação e discussão. Experiência
da Silveira Rodrigues e do qual não partici- de vida e sucesso de aprendizado e cognição
pamos diretamente. para professores/poetas e alunos/poetas.
Na situação seguinte, no mesmo Estado do
Os jovens do Norte do país, moradores de
Amazonas, aconteceu, no biênio 2011/2012
unidades de conservação, mantenedores da
na região do Médio Solimões, abrangendo
“floresta de pé” aparentemente invisíveis no
as Reservas extrativistas do Baixo Juruá e do
tecido social, criaram em sistema de coope-
Rio Jutaí, além da Floresta Nacional de Tefé,
ração intelectual, textos, canções e poemas
uma quarta edição do Programa Verde Per-
autorais em sintonia com a sua realidade, ab-
to, nacionalizando a metodologia primitiva
sorvendo a metodologia poético-linguística
com a atuação do grupo LESMA Poesia.
proposta e as discussões tão permanentes
Esta interface amadurece, nos participan- e prementes em suas vidas, sobre a questão
tes, a radicalização da discussão econômica ambiental contemporânea.
como linha central do desequilíbrio social e
“O atual contexto, em que a economia
da degradação ambiental. O cenário para o
de mercado impõe seus valores e sua lógi-
qual nos deslocamos (comunidades ribei-
ca, e em que o padrão de consumo de bens
rinhas do Médio Solimões) abre uma crise
eletrônicos desponta como um símbolo de
entre a proposta regional e sua compreensão,
bem-estar e modernidade, representa uma
em outro contexto geográfico e social.
conjuntura favorável para a ascensão da ma-
Estava, portanto, proposto o desafio: tra- crotendência pragmática, produzindo novos
balhar poesia com adolescentes e jovens de (e polêmicos) sentidos identitários para a
regiões ribeirinhas no Estado do Amazonas EA e despontando como a tendência hege-
(bacias dos rios Juruá e Jutaí). Apesar da re- mônica na atualidade”.
alidade sociocultural e ambiental bastante
discrepante podemos considerar que o resul- Essa macrotendência representa o mode-
tado foi muito positivo em termos de com- lo de EA ajustado ao contexto neoliberal de
preensão e partilha. redução do Estado e adequado aos interes-
ses do Mercado, na medida em que apela ao
bom-senso dos indivíduos para que sacrifi-
CAPÍTULO 3 55
EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS
quem um pouco do seu padrão de conforto, Batatinha, arapapá
e convoca a responsabilidade das empresas Tartaruguinha, vai quem quer
para que renunciem a uma fração de seus
benefícios, em nome da governabilidade ge-
ral”. (Curso de Formação em Educação Am- Pirapetinga, do branco
biental na Gestão Pública da Biodiversidade Sacada, do preto
- Philippe Pomier Layrargues/2012).

Purdenço e urmano
Árvores de Juruá3
Parapapá comprido
Andiroba, punam, Angelim
Gameleira, arabá, ananim
Cigano, trovão
Patauazinho, patuazão
Açacu, itaúba
Acapu, embaúba
Né não?
Vamos pescar, então!
Abacatirana, miratoá
Mogno, cedorana, jatobá
III

Viva o mamuí, viva o jutaí, viva o pixuí Nada Juruá


O que o peixe faz quando o mar acaba?

Joarizeiro, açaizeiro, sumaúma Nada, nada, nada!

Macacaúba, paxiúba O que a gente faz quando o amor acaba?


Peixe, peixe, peixe!
Cedro
Louro Traíra, jaraqui
Cedro Pacu, tambaqui
Louro
Mapará, tucunaré
Viva o mamuí, viva o jutaí, viva o pixuí Pirarara, poraqué
VIVA NÓS AQUI!
Reque-reque, cuiú cuiú
II Pirapetinha, pirarucu
Juruáguas
Juruá, andirá, socó, jacaré Matrinxã
56 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
Curimatã Novos rumos para retificar
Aruanã caminhos
“No Brasil especificamente, a ameaça à
Carauaçu, olho de peixe biodiversidade de todos os seus biomas, a
Surubim, olho de gato. degradação do solo, a poluição atmosférica,
a contaminação dos córregos e rios, aliados
a um quadro de pobreza e exclusão social,
Poeta-zé bocão indicam a necessidade de ações educacio-
Jundiá agulhão nais que possam contribuir para a reversão
desse quadro. Uma educação comprometi-
Piraíba em extinção
da com a sustentabilidade demanda a refle-
xão aprofundada acerca do papel da escola
IV enquanto instrumento de intervenção e de
transformação socioambiental.” (Educação
Voa Juruá
Ambiental Emancipatória na Escola: Partici-
Gaivota, curica, pica-pau, gavião pação e Construção Coletiva - Simone Por-
Periquito, papagaio, mergulhão tugal/2012).
Bacurau, quero-quero, corocão Enquanto linguagem que busca a essência
do Humano, a poesia tende a ser universal;
pelo menos teoricamente. Deste modo, o
Voa passarinho, voa! fazer poético do grupo estava impregnado
da vivência cultural de limitação regional,
apesar de este regionalismo não ser tão en-
Beija-flor, arara, andorinha
dógeno como a poesia de cordel nordestina,
Mutum, socó-boi, galo, galinha por exemplo. Ao evoluirmos também a me-
Jacu, pomba, rolinha todologia da prática ambiental associativa
ao ecossistema que se apresentava, inseri-
mo-nos num contexto alternativo de práticas
Voa passarinho, voa! pedagógicas construtivas, contrastantes e
surpreendentes.
3Poemas construídos com jovens da comunidade de
Este movimento das novas formas de EA
Forte das Graças, no município de Juruá (AM)
são formas radicais, contundentes e urgentes
que deverão delinear os caminhos das espé-
cies universais. Compreendemos, através de
nosso trabalho e percepção, que estes movi-
mentos têm que ter sincronicidade para en-
frentar os desafios da sociedade do descarte
em plena vulnerabilidade existencial.
Tais resultados nos levaram a acreditar
mais firmemente no conceito de universali-
CAPÍTULO 3 57
EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS
dade da linguagem poética e em nossa pró- BRASIL, 1999. Política Nacional de Educação
pria ação ambiental. É preciso ressaltar, con- Ambiental. Presidência da República.
tudo, que o público-alvo era composto de LAYRARGUES, Philippe Pomier (coord.). Iden-
pessoas com grande capacidade cognitiva, tidades da Educação Ambiental Brasileira.
intelectual e de sensibilidade, cuja cultura já Brasília, MMA Edições, 2004.
se mesclava à vivência atávica e regional. Ele- OLIVEIRA, Marinalva Luiz de. TRABALHO
mentos socioambientais ditos “ocidentais”, PEDAGÓGICO: por uma educação ambien-
como o mercado de bens de consumo, a dis- tal transformadora, crítica e emancipadora.
In: VI Colóquio Internacional Paulo Freire.
seminação da Indústria Cultural, estiveram
Autonomia: Desafios e Horizontes, 2007, Re-
sempre presentes nas edições do Programa
cife. VI Colóquio Internacional Paulo Freire.
Verde Perto Educação até o momento. Autonomia: Desafios e Horizontes. Recife,
Este trabalho nos levou a refletir sobre a 2007.
justiça ambiental em relação à poesia. Como PORTUGAL, Simone. “Educação Ambien-
notam Henri Acselard, Selene Herculano e tal Emancipatória na Escola: Participação e
José Augusto Pádua (2004) “a temática da Construção Coletiva”. Anais da 30ª Reunião
justiça ambiental vem se internacionalizan- Anual da Associação Nacional de Pós-Gra-
duação e Pesquisa em Educação – ANPED.
do rapidamente, particularmente em contex-
Brasília, 2007.
tos históricos caracterizados por extremas
desigualdades, como é o caso da sociedade
brasileira”. Neste sentido é preciso compre- ANEXOS
ender o grão. É preciso iluminar os cami- POEMAS – Oficinas de Poesia
nhos. É preciso redistribuir os bens naturais
e a fartura econômica para que os movimen-
tos tradicionais sobreponham os movimen- COMUNIDADE DE FORTE DAS
tos alternativos. Trata-se de uma luta pela GRAÇAS – Resex do Baixo Juruá
vida (constante e veloz) onde “a perspectiva
emancipatória”, centrada no engajamento in-
dividual e coletivo, no respeito à diversidade
POEMA DO PROJETO JOVENS
de saberes e práticas, no cuidado amoroso Jovens como protagonistas
cotidiano com o ambiente em todas as suas Incentivando a juventude
dimensões” (PORTUGAL/2007) é o obje-
Para formar
tivo e o foco da sociedade desejada.
Lideranças comunitárias
Referências Bibliográficas
ASCELARD, Henri. HERCULANO, Selene e Vivenciando a união
PÁDUA, José Augusto. (org.). Justiça Am- Conhecendo pessoas novas
biental e Cidadania. Rio de Janeiro. Relume
Dumará: Fundação Ford, 2004.
BEHR, Nicolas. Eu Engoli Brasília, Vol. 1 Cole-
Viva Cumaru e Antonina
ção Brasilienses, Brasília, 2004. Viva Botafogo e Forte das Graças
58 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
Francisco Mendes Filho –
Viva a Resex do Baixo Juruá! O Chico Mendes:
Autores: Frondoso jequitibá.
Jovens Protagonistas da Resex do Baixo
Juruá – Construção coletiva Brasília, ó Brasília!
Comunidade de Forte das Graças, Baixo Ó sudeste brasileiro!
Juruá, Amazonas, Brasil
Invasores vêm de longe
8 de outubro de 2011
E tiram nosso sustento,
Nosso sangue,
A HISTÓRIA DA RESEX DO BAIXO Nosso suor.
JURUÁ
Hora do adeus?
I
Você sabe o que é “empate”?
Era uma vez
Uma selva selvagem?
Vai derrubar a floresta,
Águas + águas + águas.
Destruir o alimento.
Sinto muito
Povos indígenas bem no centro
Eu vou junto... Vamos juntos!
Quase dentro da árvore,
No coração da árvore.
1910 – Amazônia Brasil
1910 – Brasil
Os quelônios, os peixes, as aves...
1920 – Menos Brasil
1930 – Invasão
Perigo, perigo, perigo!
1940 – Colonização
1950 – Exploração
Exploradores, desbravadores
1960 – Pobre índio
Pedem licença sem licença.
1970 – Nordestinos
O início do circo dos horrores.
1980 – Destruição
1988 – Mataram Chico Mendes?
No Acre dos seringais,
No Acre dos vegetais,
Ó Brasília, agora ouve?
Veio a reação.
Nova York pressiona,
Europa pressiona
Quem lidera os nativos?

CAPÍTULO 3 59
EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS
Ó Brasília, agora ouves? Tenho fé.
Ter fé? – Tefé.
Povos da Amazônia
Vamos nos organizar, Jutaí, Ipixuma, Catuá.
Mãos e braços juntar! Auati, Paraná:
Alto, médio, baixo... JURUÁ
II
Lá vem um barquinho... um barquinho. É criada da Resex. Era o ano de 2001.
Lá vem um... Regatão! Amigos vêm ajudar.
Quelônios e peixes? – Destruição. Mãos à obra! Qual é a obra?
PRESERVAR.

Todos juntos, bem juntinhos.


Eu, tu e toda a gente.
Vida em comum, em unidade
Operários voluntários
COMUNIDADE.
Juntos pelo meio ambiente.

Uma mão, outra mão


Baixo Juruá: cumpriu nosso desejo
Quantas mãos? – Integração.
Primeira Resex com plano de manejo.
Mas ainda não está completo o trabalho
Vamos conversar?
Mais ainda é preciso
Vamos preservar?
CONSERVAR, RESERVAR, PRESER-
Resex é bom? VAR

1998 Senão, irmãos meus: ADEUS!


Com apoio da Prelazia
Foi criada a Associação. Autores:
Fazia já 10 anos que Chico Mendes Poema de Osmir Camilo, Wagner Vieira e
Morava em nosso coração. Patrícia Fonseca
Comunidade de Forte das Graças, Baixo
Juruá, Amazonas, Brasil
Agora vai! Agora vai!
9 de outubro de 2011
Árvore balança
Mas não cai.
Tenha fé.
60 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
COMUNIDADE DE MARAUÁ – Para todos os animais
Resex do Rio Jutaí Incluindo a verde relva
Título: A Vida Nos Protege E os outros vegetais
Coordenação: Grupo Lesma Poesia
Oficineiros: Osmir Camilo, Patrícia Fonseca A água que vem da chuva
e Wagner Vieira
Não podemos esquecer,
Data de realização: dias 6 e 7 de novembro
Ela rega a plantação
de 2011
Para termos o que comer
Local: Comunidade de Marauá (Resex do
Rio Jutaí) – Jutaí-AM
Temos água em abundância:
Para lavar e chegar no roçado
LOUVAÇÃO À ÁGUA
Neste poema sobre a água Este recurso que temos

No universo do aprender Precisa ser bem cuidado.

Falaremos no geral
Para aumentar nosso saber. Á água é tão boa
Para sede saciar
Para início de conversa E em minha canoinha
Eu devo lhes avisar Vou com o remo a remar.
Que a água é muito mais
Do que podemos imaginar. Empunhando meu caniço
Já parto para pescar
Antes de tudo ela é estrada À tarde volto feliz
É boa de “caminhar” Com os peixes pra tratar.
Pois, não requer manutenção
Muito menos asfaltar. Mas á água também tem histórias
Que causam medo e pavor
Falando ainda em estrada E a que mais impressiona
Há um problema bem mau É a do misterioso batedor
Pois em caso de doença
Demora a chegar no hospital O batedor é um Espírito
que passa anunciando:
A água é fonte de vida subindo: está perto o inverno
CAPÍTULO 3 61
EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS
descendo, é o verão que tá chegando
No Cazuza e Pururé
Por tudo isso, peço que ame a água Celebramos São Francisco
e seja sempre consciente, Em Vila Efrain, Bacabal do Riozinho
preservando a Mãe da Vida Novo Cruzeiro, Monte Tabor e Bate Bico
preserva o Meio Ambiente. A devoção à Santa Cruz
São João do Acurau
Obrigado ao Meu Senhor Glória e viva ao senhor Jesus!
Por tudo isso que ele criou,
Sobretudo pela água, Viva! Viva!
Com a qual me batizou.
Autores: - Grupo Juventude
Autores: Grupo Fonte da Vida Rosenilde, Francenilde, Patrícia, Luana, Rai-
mundo, Elizeuda, Jarita, Reisiane, Elizandra,
Nailson, Erivan, Abraão, Telma, Valdete, Edinaldo, Jairison, Nego, Gordo e Diana
Lenny, Simon e Onivaldo.

RESEX DO RIO JUTAÍ


FÉ E DEVOÇÃO
I
Em Bordalé
Meu querido Jutaí,
Tem festejo de São Lázaro.
Como é bom morar aqui!
Em Marauá, fé e devoção:
Viva Nossa Senhora da Conceição!
Grupo de jovens unidos
Viva! Viva!
Comunitários amigos
Patrimônio e união
No Cariru, calor no coração
Riqueza e preservação.
Viva! Viva meu São João

Igarapé, lago e praia


Viva!
A mata vou preservar.
Na reserva do Jutaí
Dia e noite, noite e dia
É bom de morar e gostar.
Em Seringueiro
Viva Santa Luzia.
Meu querido Jutaí
Viva! Viva!
Como é bom morar aqui!

62 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


Matando
II Queimando...
Chico Mendes, o grande guerreiro
Homem inteligente, a floresta amou. As enchentes:
Juntava gente no empate Alagando
E a floresta preservou. Desabrigando
No estrangeiro foi falar Levando...
Onde todos aprenderam
À floresta respeitar. Animais fortes:
Onça, gavião, jacaré, cobra, homem...
Morreu pela natureza
Deixando grande tristeza. Animais fracos:
Sua mensagem está viva... Gafanhoto, aranha, mosquito, barata,
criança.
Viva Chico Mendes, viva!
Autores: Grupo dos Amigos
Viva João Batista, viva!
Conceição, Francisco, Preto, Paulo, Ma-
noel Genilson, Edinaldo, Lázaro, Maria, Os-
Autores: Grupo União mir e Jonildo.
Vadiza, Abilene, Cosme, Welleson, Damião,
Enilson e Edeni

A NATUREZA DÁ
Vida, saúde, alimento.

Quem fez a natureza: Deus

Homens, mulheres, animais...


Várias espécies

Quem destrói a natureza?


O homem:
Desmatando

CAPÍTULO 3 63
EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS
.. ..dl
h CAPÍTULO IV
O Verde Perto na Educação Especial

h da
Selma Lucia da Silveira Pereira; Daniel Augusto da Fonseca; Marcelo da Silveira
Rodrigues

Introdução

A necessidade da educação ambiental para o grupo focal deste tra-


balho, pessoas com deficiência intelectual de espectro do leve ao
moderado, alunos da escola da Associação de Pais e Amigos dos Excep-
cionais de Conselheiro Lafaiete-MG – APAE-CL –, se justifica pela re-
alidade à qual eles se inserem, dito de outra forma, por se incluírem na
vida comunitária. Isto é, são agentes sociais como quaisquer outros cida-
dãos, desta maneira é necessário que tenham consciência das suas prá-
ticas socioambientais. Neste sentido, a aplicação da metodologia Verde
Perto Educação (RODRIGUES, 2008) objetiva a inclusão de pessoas
com deficiência nas discussões sócio ambientais, além da qualificação de
sua aprendizagem e prática pessoal e social, na multiplicação e potencia-
lização da busca por soluções aos desafios ambientais enfrentados pela
sociedade contemporânea.
A partir desta compreensão, o projeto foi iniciado com o objetivo de
incentivar o desenvolvimento das potencialidades dos alunos, fortalecen-
do sua consciência em relação ao ambiente, para que possam participar
efetivamente do enfrentamento aos desafios ambientais e adquirir novos
conhecimentos para sua vivência, sobrevivência e para o fortalecimento
da sua autoestima. Uma vez que o meio ambiente é, como posto no Artigo
225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), um patrimônio de usufruto
comum a todos, tanto às gerações presentes quanto às futuras, bem como
aos cidadãos com deficiência. Durante muito tempo, acreditou-se que as
pessoas com deficiência intelectual e/ou múltipla não aprendiam e que
as limitações se apresentavam em todas as participação, criatividade, expressividade e
áreas do desenvolvimento e no decorrer de relacionalidade.
toda a sua vida. Hoje, se sabe que com uma No contexto brasileiro, de acordo com
avaliação técnica multidimensional de quali- Gilberta Januzzi, as crianças com necessi-
dade, definem-se os apoios de que a pessoa dades educacionais especiais vêm passando
necessita para desenvolver sua capacidade e por um desafio pedagógico, muitas vezes
competência para aprender (FENAPAES, tido como um problema de inclusão ao en-
2011a; 2011b). sino formal, pois em muitos estados do país
Se a aprendizagem não acontecer é por- essas crianças não constituem prioridade
dos órgãos governamentais competentes
que a forma de ensinar não está adequada e
( JANNUZZI, 1985).
não porque a pessoa com deficiência intelec-
tual não consegue aprender. O indivíduo de No âmbito da educação ambiental a si-
tal característica deve ser valorizado por suas tuação não difere muito, sendo raras as ini-
ideias e por suas potencialidades, tanto pela ciativas dessa proposta educativa voltada
família quanto pelos profissionais da institui- para as pessoas com deficiência. Por outro
ção e pela comunidade que frequenta. lado, a educação ambiental ao considerar o
ambiente de forma holística e integral, ne-
Como referendado por Bolsanello cessariamente inclui em seu bojo filosófico
(1986), o tratamento das formas de defici- e conceitual todos os indivíduos do planeta.
ência mental é uma das maiores dificuldades Consequentemente torna-se espaço poten-
encontradas nos dias atuais. A educação des- cialmente ótimo pra inclusão dos portado-
te grupo de indivíduos requer múltiplos tra- res de necessidades especiais. Essa proposta
balhos médicos, psicológicos, educacionais e educativa leva em consideração, o princípio
sociais. da inclusão, onde todos devem aprender
Portanto, este indivíduo deve ser apoiado juntos, respeitando as dificuldades e as dife-
por multiplicidade de saberes para atingir a renças de cada um, a fim de se ter uma visão
ampla da complexidade ambiental.
autogestão e autodefesa em sua vida pessoal,
política e social (FENAPAES, 2011a). O desafio pedagógico da educação es-
pecial move os pilares da educação formal,
Desta maneira, os ensinamentos de Gu-
difundindo diretamente seus efeitos para a
tierrez e Pietro (1994) são referenciais ao
sociedade, levando-a a perceber o contexto
definirem a pedagogia como a promoção da
cultural humano e possibilitando a forma-
aprendizagem através de todos os recursos ção de novos conceitos e valores sociais. Ao
colocados em jogo no ato educativo. Como deixar de incluir os jovens com deficiênci
posto no Manual de Atividades Didáticas em em iniciativas de educação ambiental, nem a
Educação Ambiental (2004). educação ambiental como proposta pedagó-
Essa promoção deve ser entendida como gica alcança sua plenitude, nem a educação
tratamento dos conteúdos e das formas de especial consegue realizar sua proposta de
expressão dos diferentes temas a fim de tor- inclusão social do seu público alvo.
nar possível o ato educativo dentro do ho- No formato tradicional de política peda-
rizonte de uma educação concebida como gógica da APAE de Conselheiro Lafaiete, os
66 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
alunos tinham contato com questões pontu- Tiblisi): “seja estimulando, na formação dos
ais referentes ao meio ambiente, atendo-se a docentes, a utilização de materiais e recur-
datas comemorativas relacionadas à questão sos didáticos, com ênfase naqueles de baixo
ambiental, como dia da água ou da árvore, e custo e com possibilidades de adaptações e
não tinham acesso às discussões mais pro- improvisações, de acordo com as circuns-
fundas e conceituais sobre a temática. Essa tâncias locais” (UNESCO BRASIL, 1998).
é uma constante na participação do públi- Isto representa um incentivo à criatividade,
co das APAE nas discussões ambientais do assim como uma atitude positiva em relação
Brasil, uma vez que este público é colocado às condições específicas de cada realidade
à margem desta problemática social tão cara (LEFF, 2006; MORIN 2001). Esse marco
à comunidade como um todo, mesmo que referencial deve servir de orientação e inspi-
faça parte do planeta, e consequentemente, ração à busca de soluções acessíveis e criati-
é também parte dos desafios e das possíveis vas para trabalhar a educação ambiental com
soluções para a atual crise socioambiental todos os públicos possíveis, inclusive os por-
tratada por autores como Layrargues (2009) tadores de necessidades especiais.
e Quintas (2009). A Educação Ambiental foi definida, nesta
A conservação da qualidade do meio am- conferência, como uma dimensão dada ao
biente e, consequentemente, da qualidade conteúdo e à prática pedagógica orientada
de vida, tem sido uma preocupação da so- para a resolução dos problemas concretos do
ciedade desde há algum tempo, tendo como meio ambiente, através de enfoques interdis-
marcos referenciais a publicação do livro ciplinares e de uma participação ativa e res-
“Silent Spring” de Rachel Carson (1962), as ponsável de cada indivíduo e da coletividade
discussões do Clube de Roma (1968) e a re- (UNESCO BRASIL, 1998). Essa definição
alização da 1ª Conferência das Nações Uni- se mostra extremamente válida nos dias atu-
das sobre Desenvolvimento em Estocolmo ais.
(1972). Intensifica-se, a partir das primeiras A necessidade de disseminar entre as
discussões ambientalistas, a demanda por crianças, os jovens e os adultos com necessi-
atividades, como a Educação Ambiental, dades especiais, intelectuais e/ou múltiplas,
que visem a estimular o desenvolvimento da uma nova consciência e novas atitudes quan-
consciência, tanto individual quanto coleti- to às condições de vida, sobrevivência e rela-
va, para a questão ambiental, não apenas eco- ção com o planeta Terra, vai de encontro às
lógica - da natureza -, mas também tendo em propostas da Educação Ambiental de linha
vista as questões social, cultural e econômica mais libertária que encaram todas as formas
relacionadas à humanidade (AMÂNCIO, de desigualdade e exclusão social como par-
2005; Portal MEC, 2014). tes dos problemas e desafios socioambien-
A conferência de Tbilisi de 1977 continua tais atuais (LAYRARGUES, 2009).
sendo o marco referencial da aplicação da Para tanto a escola torna-se um espaço
educação Ambiental. Entre as recomenda- fundamental onde é possível exercitar a par-
ções originadas nesta conferência, uma trata ticipação de todos e fomentar a inclusão dos
especificamente de Materiais de Ensino e de excluídos, além de oferecer condições de
Aprendizagem (presente na Declaração de participação equânime aos indivíduos que
CAPÍTULO 4 67
O VERDE PERTO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
historicamente são alijados das discussões responsáveis pelo meio ambiente, não é por-
mais relevantes e fundamentais da socie- que nossos alunos são especiais que eles fi-
dade, como é o caso das ambientais. Assim carão excluídos do processo de compreensão
sendo, dentro da Proposta de Educação In- do seu papel no planeta. Ao mesmo tempo,
clusiva, a APAE-CL iniciou a Educação Am- ao serem estimulados a refletir sobre suas re-
biental em sua unidade. Ao entender que o lações com o ambiente, eles podem apresen-
meio ambiente envolve todos os seres viven- tar novas alternativas para o enfrentamento
tes, implantamos esse projeto para romper dos atuais desafios socioambientais.
com a manutenção dos alunos portadores de Essa proposta metodológica visa criar a
necessidades especiais fora dessa discussão compreensão critica por parte dos alunos
premente e atual. de que as matas, as florestas, as pessoas, as
A metodologia “Verde Perto Educação” culturas, a cidadania, a ação político-social e
(RODRIGUES, 2008) foi implantada na as artes andam juntas, ou melhor, se corre-
unidade APAE-CL, para trabalhar as poten- lacionam de forma direta e intrínseca (RO-
cialidades dos educandos com deficiência in- DRIGUES, 2008). No entanto, a metodolo-
telectual, a fim de que se tornem atores atu- gia necessitou de algumas adaptações para o
antes na resolução dos desafios ambientais, público da APAE, uma vez que o Verde Perto
lembrando que fazem parte do sistema único foi pensado inicialmente junto a jovens do
planetário, consumindo e consequentemen- ensino médio que não apresentavam algum
te produzindo vida, transformações e intera- tipo de deficiência.
ções, como qualquer cidadão. O programa A adequação da metodologia exigiu, em
Verde Perto Educação se mostrou adequado um primeiro momento, o mapeamento so-
nesse caso, por fazer uso de múltiplas lingua- bre as condições cognitivas dos alunos da
gens em seu processo didático-pedagógico. instituição, a partir de conversas e indicações
Como esse público deve ser trabalhado com dos demais professores da APAE-CL. A par-
estímulos variados, a abordagem com a utili- tir daí foi possível diagnosticar quais alunos
zação de um mix de linguagens – lírica, pic- teriam condições de participar do projeto,
tórica, recursos de neurolinguística, dentre uma vez que nem todo o público atendido
tantas outras – mostra-se mais efetiva, tanto pela escola se mostra em condições de par-
no fortalecimento cognitivo, quanto no esti- ticipação, pois alguns apresentam limitações
mulo à participação e à valorização da auto- muito severas. Devido a isto, num universo
estima. de aproximadamente 120 alunos do turno
matutino, foram selecionados 39 participan-
Desenvolvimento tes com limitações cognitivas do espectro
O Programa de Educação Ambiental leve a moderado.
“Verde Perto”, que vem sendo desenvolvido A partir deste primeiro passo, os alunos
na APAE-CL desde 2011, busca estimular selecionados foram convidados a participar
a consciência ambiental e as múltiplas inte- do projeto, caso quisessem. Diferentemente
ligências de nossos alunos de forma lúdica, do método tradicional do Verde Perto, de
participativa e interativa, voltado para a te- construção coletiva e participativa do pró-
mática ambiental. É sabido que todos são prio projeto, os alunos da APAE receberam
68 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
uma estrutura já formatada. Devido à especi- pacidade de aprendizagem do aluno, devido
ficidade do grupo focal, os temas discutidos à estratégia de utilizar linguagens variadas
e as práticas compreensivas foram definidos para abordar um mesmo tema estimulando
por parte dos profissionais envolvidos no as várias inteligências e potencialidades dos
programa. Então, nesse primeiro momento, participantes. Assim, ocorre aumento da
foi feita a seleção/convite de alunos para par- apropriação conteudista e do interesse em
ticiparem da iniciativa já desenhada. fazer parte do projeto.
O objetivo do projeto foi, portanto, pro- A estrutura metodológica baseada no tri-
mover através da Educação Ambiental o de- pé: educação lúdica, transdisciplinaridade e
senvolvimento individual, por meio de ações protagonismo dos estudantes do Verde Per-
e atividades sobre as temáticas socioambien- to não foi alterada na iniciativa da APAE. Os
tais, em pessoas com deficiência intelectual participantes são estimulados a ver de perto
e ou múltipla, que participam da educação nossa casa Terra com a visão da ciência, da
inclusiva, visando torná-los críticos das di- política, da tecnologia, da natureza, da cultu-
versas questões impostas pela complexidade ra e das múltiplas faces das artes. Os alunos
ambiental, inclusive de seu papel na socie- são provocados a perceber sua casa de forma
dade, em todos os aspectos. Como também, gostosa, prazerosa, divertida e ao mesmo
reiterando Bolsanello (1986) e Gutierrez e tempo instigante e responsável; informativa
Pietro (1994), busca desenvolver as múlti- e instrutiva, com o intuito de estimulá-los a
plas potencialidades do público alvo. se assumirem como parte da solução para os
Em suma, o projeto pretende estimular no desafios ambientais atuais.
aluno sua inserção social e cognitiva na per- Essa abordagem trata o processo de cog-
cepção e atuação no meio ambiente, relacio- nição e de estímulo a uma relação mais har-
nando aspectos ecológicos e sociais, e assim moniosa, entre nossa cultura e os demais
permitir que eles adquiram novas habilida- seres vivos, baseada em dados objetivos/
des, possibilitando uma aproximação maior racionais e subjetivos/emocionais, para que
com a realidade das discussões ambientais, a visão da natureza por parte dos seres hu-
despertando sua compreensão e consciência manos seja mais ampla, integrada e holística,
ambiental, de modo a se tornarem cidadãos incluindo, nessa visão ampla, e nas discus-
ativos e responsáveis por suas atitudes peran- sões realizadas no âmbito do projeto, a per-
te nossa casa maior, a mãe Terra. cepção de que as pessoas com deficiência
A metodologia demonstra uma riqueza fazem parte desse todo. Almeja-se que todos
que vem de encontro à necessidade de esti- os participantes percebam as inúmeras inter-
mular a compreensão de todos os indivíduos, conexões existentes entre as várias faces da
independente de sua condição de saúde ou vida na terra e que se percebam como par-
déficit intelectual, para responsabilidade da te de toda essa profusão de vida, assumindo
conservação ambiental, tornando-os agentes sua responsabilidade no mundo, repensando
de transformação na comunidade onde resi- suas atitudes e comportamentos, mas de for-
dem e colocando-os como atores partícipes ma leve e amorosa.
dessas discussões e ações. Mostra-se rica, Em verdade, no caso dos alunos especiais,
participativa e provocadora, pois aguça a ca- o respeito e a valorização da diversidade in-
CAPÍTULO 4 69
O VERDE PERTO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
cidem sobre os mesmos, uma vez que eles Em cada semestre, um grande tema é
são representantes privilegiados da própria definido como objeto dos trabalhos. No se-
diversidade humana, e desta maneira, ro- mestre seguinte o mesmo tema é retrabalha-
tineiramente vítimas de preconceitos que do, adaptação necessária ao público alvo de
nada mais são do que demonstrações da di- nossa ação. Os temas são subdivididos em
ficuldade humana em lidar com o diferente e módulos, onde em cada módulo, são reali-
o diverso. Em suma, a situação de vida destes zadas quatro diferentes atividades: uma aula
indivíduos especiais é uma representação teórica, uma atividade prática, uma saída de
da crise ambiental e civilizacional na qual campo e uma intervenção lúdico-cultural
o mundo se encontra atualmente (BOFF, que retrabalha o tema teórico com a utiliza-
1999). ção de outras linguagens.
A implantação da metodologia para este Para ilustrar a estrutura podemos citar o
público especial tem, portanto, como gran- “Verde Perto do Luxo ao Lixo” que ocorreu
de vantagem trazer para o imenso desafio no 1º semestre de 2011. Nessa iniciativa as
planetário da busca pela sustentabilidade, os atividades foram divididas da seguinte ma-
alunos da APAE, que pelas condições acima neira: em abril foi realizado o módulo “A
postas têm como vantagem inicial a compre- Coisa”; em maio, o módulo “O Luxo”; em ju-
ensão vivencial e cotidiana da diversidade. nho, o módulo “O Lixo”, e por fim, em julho
Dessa forma convidamos esse público, que o módulo “A Casa”, tendo sempre repetida a
muitas vezes é posto à margem das questões estrutura, teoria, prática, campo, arte/cultu-
sociais e políticas do planeta, para o centro ra trabalhadas em cada semana.
das discussões em busca de um mundo mais Além disso, todas as atividades do projeto
equilibrado socialmente e ambientalmente. são construídas de forma a se relacionarem
entre si, tanto dentro de cada módulo, quan-
A implantação do Projeto to entre os diferentes módulos, trabalhados
Verde Perto na APAE-CL e ao longo do semestre.
Nas aulas teóricas, os alunos entram em
descrição metodológica contato com os conceitos sobre o tema do
O Projeto Verde Perto de educação am- módulo trabalhado, sendo estimulados a
biental tem sido desenvolvido na APAE de perceber sua inserção no meio ambiente, re-
Conselheiro Lafaiete que conta com 310 lacionando supracitados aspectos ecológicos
educandos no total. Os participantes do pro- e sociais, possibilitando que eles adquiram
jeto são 39 alunos do turno da manhã que novas habilidades e tenham uma aproxima-
apresentam deficiência intelectual do espec- ção maior com a ciência ambiental. A ativida-
tro do leve ao moderado. O projeto se iniciou de teórica é ministrada pelos coordenadores
no primeiro semestre do ano letivo de 2011 e do Verde Perto que, por meio de pesquisa e
foi incluído na política pedagógica da APAE levantamento bibliográfico, constroem uma
como atividade permanente. As atividades palestra. Ao invés de se trabalhar com espe-
acontecem sempre nos dois últimos horários cialistas para as exposições teóricas, como no
das manhãs de segunda-feira, compreenden- método tradicional do programa, os próprios
do duas horas/aula semanais. profissionais coordenadores do projeto fica-
70 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
ram responsáveis por esta etapa, por terem meio das artes, com abordagem lúdica e
maior tato e experiência na lida com o pú- descontraída. Dessa forma estimulam-se, de
blico em foco. Em alguns casos especiais, os maneira divertida, novas formas de pensar,
responsáveis pela parte teórica são profissio- informar, contestar e divulgar as questões so-
nais externos à APAE. Quando ocorre dessa cioambientais tratadas ao longo do projeto.
forma, os palestrantes são acompanhados e As ações lúdico-culturais sempre são condu-
orientados pela coordenação do projeto. zidas por artistas locais, em formato de ofici-
Nas aulas práticas, ministradas por técni- nas de arte.
cos ambientais (sejam da Empresa de Assis- Portanto, a utilização de profissionais di-
tência Técnica e Extensão Rural do Estado de versos se mostra não só recomendável, como
Minas Gerais – EMATER-MG –, do Depar- de extrema relevância. Por outro lado, devido
tamento de Meio Ambiente, da Companhia à especificidade do público atendido, esses
de Saneamento de Minas Gerais - COPASA, profissionais necessitam de um acompanha-
etc.), os alunos aprendem com os técnicos mento mais próximo por parte dos coorde-
como funciona o trabalho profissional sobre nadores do projeto que têm maior domínio e
a aplicação prática do tema ambiental do mó- familiaridade com as necessidades, dificulda-
dulo e todo o processo inerente a esse conhe- des e potencialidades dos educandos, além
cimento. Essas informações são transmitidas de maior experiência com o modus operandi
de forma lúdica e na linguagem de compre- da educação especial.
ensão dos alunos. Para tanto, o profissional
convidado recebe orientação e acompanha-
mento da coordenação do projeto, tanto na
Do Luxo ao Lixo - 2011
elaboração quanto no desenvolvimento das Ao longo do primeiro semestre letivo de
atividades com os educandos. atividade do Projeto Verde Perto do “Luxo
Na visita técnica, os educandos são leva- ao Lixo”, o total de horas trabalhadas foi de
dos a algum local, onde o assunto do módulo 40, sendo 8 de aulas teóricas, 8 de aulas prá-
seja percebido em campo. Com isso possibi- ticas, 8 de intervenção cultural e 16 de ativi-
lita-se o aprendizado vivenciado e contextu- dades de campo.
alizado. Com a atividade de campo leva-se As ações desenvolvidas visaram estimu-
a teoria do assunto do módulo ao cotidiano lar a compreensão de todos os indivíduos,
do educando, evitando o conhecimento dis- independente de sua condição de saúde, ou
sociado da realidade do participante e apro- déficit intelectual, para responsabilidade da
ximando a teoria à prática. conservação ambiental, tornando-se agentes
Com as atividades lúdico-culturais, a te- de transformação na comunidade onde resi-
oria e a prática abordadas nas outras ativi- dem.
dades do módulo são retrabalhadas, porém,
com a utilização de linguagem alternativa, Vivências e experimentações
muitas vezes mais acessível aos alunos, como
teatro, artes plásticas e poesia, facilitando
– 1º Semestre de 2011
e estimulando a comunicação e a compre- Na aula teórica do módulo “As coisas”,
ensão. O tema do módulo é concluído por trabalhamos os conceitos das ciências do
CAPÍTULO 4 71
O VERDE PERTO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
ambiente, abordando a origem, reutilização luxo foram trabalhados de forma a mostrar
e conservação das coisas que encontramos aos educandos que o luxo supérfluo e des-
ao nosso redor e na natureza. medido é condenável e injusto, pois resulta
Ao longo do módulo “As coisas”, desen- em desperdício, opulência e desigualdade,
volveram-se, com os educandos, trabalhos ou seja, a questão social se relaciona com a
manuais utilizando diversos tipos de mate- ambiental (ALIER, 2007).
riais, tais como cd’s que seriam descartados Para chegarmos a essas conclusões, jun-
no ambiente. O trabalho foi orientado por tamente com os alunos, a arte foi utilizada
artista plástico local que cria suas obras de como forma de disseminar o saber ecoló-
arte com material de refugo. Além das ativi- gico. O desenho, o teatro e a pintura foram
dades de artes plásticas, foram criadas poe- trabalhados tendo o contexto socioambien-
sias e teatro, com a colaboração de grupo de tal como fonte de inspiração e referência. As-
poesia, para conversar e apresentar, de forma sim as artes serviram como ferramenta para
lírica, a origem, a possibilidade de reutiliza-
conscientização e aprendizado ambiental,
ção e de conservação das coisas descartadas
associados ao ganho inerente à própria edu-
na natureza.
cação artística na formação dos educandos.
A saída a campo desse módulo foi ao Mu- Uma atividade que causou reação positiva e
seu Histórico Antônio Perdigão em Conse- chamou a atenção dos educandos foi o sarau
lheiro Lafaiete. Nessa visita mostramos aos de poesias ecológicas apresentado por grupo
educandos a possibilidade de utilização das de artistas locais.
coisas como acervo de memória da história
municipal, regional e nacional, mostrando, No módulo “O luxo”, a saída a campo foi
ainda, funções e usos que as coisas têm ou a uma grande loja de departamentos. Nessa
tiveram. visita tivemos a oportunidade de trabalhar
com os alunos a associação entre o luxo os-
No módulo sobre “O luxo”, trabalhamos
tentador, a publicidade e a propaganda, com
com os educandos, a utilização dos recursos
o consumismo.
naturais (as coisas) pelo homem, para seu
luxo e deleite. Abordamos como o consumo Após o módulo do luxo, trabalhamos o
excessivo gera o lixo que hoje é um dos gran- modulo “O lixo”. Nesse módulo tentamos es-
des desafios de nossa sociedade e o impacto timular nos educandos a percepção de que a
que esse lixo causa ao meio ambiente. Dessa população das cidades diariamente descarta
forma associamos os módulos “As coisas”, “O quantidades imensas de material orgânico e
luxo”, “O lixo” e “A casa” em uma grande teia inorgânico e a quantidade de lixo gerado nas
de relações, estimulando os alunos a refletir cidades é sem duvida, um dos grandes pro-
sobre as conexões entre consumo, lixo, luxo blemas na maioria dos municípios brasilei-
e os desafios ambientais para a melhoria da ros. Ao despertar a percepção desse proble-
saúde da nossa casa Terra. ma, os educandos são provocados a tomar
Sempre utilizando recursos audiovisu- consciência de como o desafio do lixo é um
ais, as temáticas dos módulos foram sendo sintoma da crise civilizacional e de como a
apresentadas aos educandos. Através de sociedade atual lida com a casa Terra. Além
dinâmicas, na aula prática, os conceitos de disso, esse módulo anda de mãos dadas com
72 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
os assuntos discutidos no módulo anterior vação do planeta e para a manutenção da
sobre “O Lixo”. saúde individual e coletiva.
Na aula teórica, foram utilizadas imagens A visita a campo foi ao lixão de Conselhei-
e vídeos que tratavam do processo de gera- ro Lafaiete. Os educandos ficaram surpresos
ção de lixo e os caminhos do lixo, desde a com o que viram, pois não tinham conheci-
saída de nossa residência até o descarte nos mento da realidade. Eles puderam ver, sentir,
lixões a céu aberto, que são maioria nas cida- cheirar e refletir sobre todo o processo do
des brasileiras (DIAS, 2004) e também em caminho do lixo. Mais uma vez trabalha-
Conselheiro Lafaiete. Tratamos de todos os mos com eles a necessidade de cuidarmos
tipos de lixo produzido em uma comunida- do planeta, alertamos, de forma clara, que
de. os mananciais correm riscos com lixões a
Alguns filmes foram passados com a te- céu aberto.
mática lixo. Nesses filmes os educandos pu- No módulo “A casa”, a aula teórica contou
deram conhecer um dia na vida dos lixeiros, também com a participação dos pais de nos-
com os riscos que eles correm com a falta sos educandos. Para que a consciência am-
de organização na embalagem do lixo, prin- biental que estamos trabalhando seja satisfa-
cipalmente vidro e objetos cortantes. Eles tória é importante que os familiares também
foram estimulados a cuidar melhor de suas se envolvam na temática.
casas e da própria APAE, refletindo sempre
em como podemos diminuir o consumo e a Foi usado o recurso audiovisual para a
produção de material descartável. apresentação aos pais, mostrando todos os
momentos do projeto, seus objetivos e re-
Na aula prática, levamos um profissional sultados obtidos. Tudo foi explicado, passo
da COPASA que mostrou aos educandos
a passo, oficina a oficina. Mostramos a eles
como o óleo de cozinha contamina os ma-
a importância de serem parceiros nesse mo-
nanciais de água. Os alunos aprenderam
mento para que o aprendizado se cristalize e
como a coleta do óleo pode ser útil, uma vez
dê resultados.
que ele pode ser reutilizado na produção de
sabão e pode se tornar fonte de renda, além Durante a aula prática confeccionamos,
de todo o benefício que sua coleta gera, ao monitores e educandos conjuntamente, a
evitar que ele vá para a rede de esgoto. O cartilha ambiental para uso dos alunos, sen-
técnico da COPASA mostrou todo esse con- do explicados, item a item, os temas tratados
junto de informações aos alunos e distribuiu ao longo do projeto, retomando oficinas
recipientes para coleta do material em casa, anteriores. Essa cartilha possui linguagem
indicando inclusive, onde deve ser entregue. lúdica e acessível para compreensão e enten-
Na oficina de arte convidamos um artista dimento dos alunos.
de teatro que, por meio de apresentação cê- A saída a campo desse módulo foi a um
nica, tratou de higiene e asseamento. A peça sitio onde os conceitos ambientais foram
trata da correlação entre manter nosso cor- fortalecidos, através da conservação do am-
po, nossa casa e nossa cidade limpa e como biente, cuidado com flora e fauna e descarte
essas são ações fundamentais para a preser- final de lixo produzido pelos educandos.
CAPÍTULO 4 73
O VERDE PERTO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Terminamos nosso primeiro semestre dados necessários de cada um com o nosso
com a retrospectiva de tudo que foi ensinado ambiente, bem de uso comum dos povos.
nas oficinas. O conceito de meio ambiente
foi abordado de forma muito mais abran- Do Luxo ao Lixo Reforço
gente do que dizer que ciências ambientais
referem-se a cuidados com flora e fauna. Tra-
e fortalecimento da
balhar meio ambiente é também desenvolver aprendizagem - 2º Semestre
o cuidado com o corpo que é nossa primeira de 2011
casa, passando pelo espaço em que vivemos,
nossa residência e incluindo todo o planeta. Devido ao perfil do público alvo, as ati-
Os conceitos trabalhados sobre meio am- vidades do projeto, diferentemente do seu
biente envolvem todo o relacionamento es- formato tradicional, exigem a repetição dos
tabelecido com a cidade, escola, casa, traba- módulos de forma a reforçar os conteúdos
lho, pessoas, plantas, animais, água, ar, solo e discutidos, fazendo, assim, com que os edu-
nosso corpo. candos tenham mais efetividade na com-
preensão das questões sociais e ambientais
Além da teoria tratada no projeto, fizemos propostas.
a implantação da coleta seletiva, mostrando
que o lixo é um grande problema que ameaça Dessa forma, devido à especificidade do
a saúde dos ecossistemas, pois a cada ano au- grupo trabalhado, no segundo semestre de
2011, a equipe do Verde Perto APAE de
menta a quantidade que é produzido.
Conselheiro Lafaiete priorizou a repetição
Para tanto realizamos uma gincana, onde do módulo “Luxo ao Lixo” para fortalecer
o educando se dirigia a um monte de lixo, o aprendizado, porém com outros colabora-
previamente colocado pelo educador, e o dores e com vieses complementares e diver-
direcionava ao recipiente apropriado para o sos que buscavam aprofundar as discussões
estabelecimento da coleta seletiva. O obje- realizadas no semestre anterior, de tal forma
tivo dessa atividade foi diferenciar, entre os que o conteúdo trabalhado fosse fortalecido
elementos encontrados, quais são reciclá- e ampliado.
veis, quais são material orgânico e quais são
rejeitos não reaproveitáveis.
Os Quatro Elementos e a
Terminamos essa oficina, fortalecendo
a necessidade de cuidarmos cada vez mais,
Biodiversidade – 1° Semestre
do nosso planeta para que tenhamos uma de 2012
boa qualidade de vida e possamos deixar um Iniciamos as atividades em 2012 com o
mundo melhor para as gerações futuras. tema “Os Quatro Elementos e a Biodiversi-
Concluímos o Verde Perto “Do luxo ao dade”, dentro de uma visão mais ampla no
lixo”, resgatando todos os conceitos e apren- contexto ambiental. O “Verde Perto” é um
dizados discutidos e apresentados ao longo processo formativo e, consequentemente,
do semestre. Esse resgate teve como objetivo por si só, já exige uma ligação entre suas te-
que os educandos pudessem rememorar as máticas. O público específico da APAE ne-
relações vistas ao longo do projeto e os cui- cessita deste fio condutor de forma mais cla-
74 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
ra, por isto, a opção pela discussão da relação caso, rios limpos com rios poluídos e asso-
entre os quatro elementos – água, terra, fogo reados; rios com mata ciliar e rios desprovi-
e ar – e a biodiversidade está intrinsecamen- dos da mesma; solo erodido e solo normal,
te ligada ao universo posto no ano anterior e como isto influencia o escoamento das
- “Luxo ao Lixo”. Todos estes assuntos se águas, etc. Em razão dos riscos iminentes de
relacionam com a questão das relações e op- exposição dos alunos aos problemas causa-
ções humanas de uso dos recursos naturais e dos pelas enchentes, neste primeiro módulo
da energia gasta, ambiental, social e econo- não houve visita a campo, o que acabou pro-
micamente. O público alvo foi o mesmo do duzindo apenas atividades nas dependências
ano anterior. da escola.
Devido às dificuldades naturais que este No segundo módulo a intervenção foi
tipo de atividade acarreta, no primeiro se- em relação a “Terra” e à biodiversidade. Ex-
mestre não foi possível trabalhar tudo o que cepcionalmente, devido a condições logís-
estava previsto inicialmente, ficando de fora ticas, iniciamos com uma visita a campo ao
o elemento “Fogo”. Em contrapartida, as INHOTIM – Museu de Arte Contemporâ-
discussões em relação a “Terra” foram mais nea e Jardim Botânico – na cidade de Bru-
profundas e diversificadas. De toda forma, os madinho-MG. Nessa saida a campo nossas
resultados pedagógicos foram bastante satis- atividades foram de observação da flora exu-
fatórios. berante que tem o acervo do Inhotim, a pre-
O primeiro módulo, a “Água”, em razão servação e o cuidado com as plantas, criando
das situações ocorridas em nossa cidade, as um ambiente harmônico e belo, o que con-
enchentes no início do ano de 2012, se tor- tribuiu de forma indireta para a formação
nou um assunto extremamente pertinente a cultural, artística e estética dos alunos. As
ser discutido com os alunos. A partir disso, coleções botânicas do museu estimularam
elaboramos a primeira intervenção teórica os educandos a perceberem a importância e
falando da impermeabilização do solo (cabe a relação de que plantar e cuidar de plantas
aqui ressaltar a relação entre dois elementos, são ações fundamentais para nossa vida na
a terra e a água). Nesse momento foram uti- Terra. E dentro desse espaço, ao mostrarmos
lizados recursos audiovisuais para mostrar esse cuidado, tivemos uma aula de educação
imagens das enchentes, falar dos problemas ambiental, ministrada em conjunto com os
que elas trazem para a saúde, das catástrofes monitores do próprio museu, vivenciando
ocorridas e dar dicas de como se comportar uma rica experiência de observação da bele-
numa situação de enchente. za existente na natureza.
Na sequência, convidamos um funcioná- De volta à sala de aula, a teoria foi focada
rio da Defesa Civil de Conselheiro Lafaiete em como os seres vivos se relacionam com a
que orientou e indicou aos nossos alunos Terra. Como sempre, a utilização de recursos
formas de agir em situações emergenciais, no audiovisuais muito nos ajudou para falarmos
caso de alagamentos e enxurradas. dessa relação, assim como nos valeram as
Em nossa intervenção cultural criamos lembranças da visita ao museu.
um mosaico de fotos mostrando desenhos Como já elucidado, o módulo “Terra” se
de ambientes impactados e preservados, no alongou mais do que o programado, o que,
CAPÍTULO 4 75
O VERDE PERTO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
no entanto se mostrou bastante enriquece- teóricas dadas aos outros elementos, a pri-
dor para a compreensão e a reflexão sobre meira atividade utilizou vídeos e fotografias
a importância do solo. Neste segundo ciclo, demonstrando a relação dos seres vivos com
focaram-se mais as questões de produção o ar. Em sala de aula houve o apoio de uma
alimentar. Dessa maneira, num primeiro bióloga e não se resumiu à teoria, realizando,
momento, na aula teórica foram apresenta- também, experiências práticas sobre o siste-
dos, através de diversos recursos, a agricul- ma respiratório das plantas e sobre o proces-
tura, a pecuária, o clima, o ciclo das águas e so fotossintético.
a conservação do solo, rememorando alguns A saída de campo neste módulo foi ao
pontos do primeiro módulo, demonstrando, Parque Municipal Eurico Figueiredo, em
assim, a importância destas relações para a Conselheiro Lafaiete, no qual foi possível ob-
vida. servar a interação de plantas e animais com o
Na aula subsequente, ainda no espaço meio. Mas como a temática se relacionava ao
escolar, o projeto recebeu a visita de uma “Ar”, um ambientalista guiou os alunos a ob-
produtora rural, que demonstrou aos alu- servarem os pássaros e sua forma de locomo-
nos a importância do solo e das águas (no- ção pelo do ar, assim como demonstrou aos
vamente permitindo a comunicação deste educandos a diversidade de aves da região, as
módulo com o anterior) no trabalho de uma estratégias de sobrevivência dos organismos,
fazenda e como ambos os elementos podem o que consumem, como constroem seus ni-
se esgotar para as atividades humanas, caso nhos, etc.
não sejam utilizados com consciência. Nesta
mesma aula os alunos tiveram a oportuni- Os seres vivos e os quatro
dade de degustar (uma atividade pedagó-
gica-sensorial) frutas, legumes, hortaliças e
elementos - 2º semestre de
produtos em geral da fazenda demonstrando 2012
assim a enorme importância da agricultura e, No segundo semestre de 2012, como no
portanto, da terra para a vida do ser humano. ano de 2011, o projeto foi repetido em vistas
Neste módulo, ocorreu também uma saída de consolidar o aprendizado dos educandos,
de campo, na qual os participantes do proje- novamente trabalhando de formas diversas
to visitaram uma horta comunitária, que tem as temáticas dadas. A única grande diferen-
toda a sua produção direcionada para a me- ça se deu devido à possibilidade de trabalhar
renda das escolas de seu entorno, e distribu- as questões relacionadas ao “Fogo”, uma vez
ída também às famílias mais carentes, o que que por motivos variados isso não havia sido
além de demonstrar a importância do cultivo possível no primeiro semestre.
aos alunos, os fez perceber a necessidade e a Reiterando a importância dos quatro ele-
importância da solidariedade social. Por fim, mentos e relacionando-os entre si, os edu-
na intervenção cultural, através das artes cê- candos puderam consolidar o ensinamento
nicas, foi ensinado aos alunos a importância recebido. Neste sentido, a primeira aula do
dos alimentos para a saúde humana. semestre contou com uma experiência bási-
O terceiro módulo se relacionou à te- ca, na qual os alunos, a partir do ato de cozi-
mática do “Ar”, da mesma forma das aulas nhar, foram levados a perceber como os qua-
76 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
tro elementos se relacionam. A partir deste ças entre a fauna e a flora do interior da caver-
ato cotidiano foi possível estruturar a aula na, onde vivem e se desenvolvem sem a luz di-
teórica demonstrando a importância de cada reta do sol, e os animais e as plantas que vivem
elemento e sua relação com a vida humana. sob a influência direta desse astro.
Após esse resgate das temáticas dadas, o Por fim, ao retornarmos para o ambiente
primeiro módulo do semestre focou a temá- escolar, convidamos um artista cênico para
tica do “Fogo”, já que este não havia sido dis- apresentar uma peça teatral, intitulada “O
cutido no semestre anterior. Na aula teórica Sol e a Vida”, na qual ele explorou a força do
foi demonstrado, a partir de instrumentos sol como um fator determinante para a vida
audiovisuais e palestras sobre a sua impor- na Terra.
tância para a formação e a vida no planeta Em suma, no segundo semestre do proje-
Terra. Demonstrou-se como a energia solar to com a temática dos quatro elementos, os
está diretamente relacionada ao fogo e como alunos foram expostos a uma multiplicidade
é formidável para impulsionar a vida cotidia- de formas e métodos de construção dos sa-
na, elucidando-se, também, que existe fogo beres de maneira bastante satisfatória, sendo
no interior do planeta terra, no sentido das que, como exposto, foi possível abranger de
formações geológicas e a utilidade e necessi- fato os quatro elementos.
dade do mesmo para a vida.
Posteriormente às discussões teóricas, Do Luxo ao Lixo – 2013 /
houve a aula prática, na qual foi demonstra- Os Quatro Elementos e a
do como as plantas que haviam sido coloca-
das em vasos, alguns meses antes, juntamen- Biodiversidade – 2014
te com os alunos e cuidadas pelos mesmos, Ao final de 2012 o Verde Perto Educa-
haviam se desenvolvido, ou não, devido à ção APAE-CL foi premiado pela empresa
exposição ao sol, já que alguns vasos foram Gerdau Açominas, através de seu projeto de
postos em lugares em que recebiam a luz do educação ambiental Germinar. O prêmio
sol e, outros, nos quais a luz do sol não pene- disponibilizou recursos financeiros para re-
trava. Dessa maneira foi possível discutir so- alização do projeto no biênio 2013/2014.
bre a importância da fotossíntese no proces- Como a iniciativa premiada foram os resul-
so da vida das plantas e como para tal o calor, tados apresentados no biênio 2011/2012, os
ou seja, o fogo é de fundamental importância integrantes da comissão avaliadora do proje-
para a vida. to Germinar colocaram como condição de
No terceiro momento ocorreu a saída de recebimento dos recursos a realização dos
campo quando os educandos tiveram a opor- mesmos módulos já trabalhados: “do luxo ao
tunidade de perceber e contextualizar a rele- lixo” e “os quatro elementos e a biodiversida-
vância do fogo como elemento importante de”.
na vida. O local escolhido foi uma gruta na Esta condição de repetição dos temas não
cidade histórica de Ouro Preto, quando foram tem sido problemática, como já explicado
apresentadas a eles as dificuldades da vida no ao longo deste capítulo, uma vez que nossos
escuro. Para tanto, os monitores chamaram a alunos ganham com o reforço conteudista,
atenção dos alunos para as enormes diferen- devido a suas características cognitivas. Por
CAPÍTULO 4 77
O VERDE PERTO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
outro lado a premiação tem nos permitido Veio em minha escola um rapaz que faz um
realizar ações mais elaboradas e excursões trabalho muito legal com cabaças, tijolos
mais estruturadas. e outros materiais recicláveis, eu não sabia
Desta forma, em 2013 retrabalhamos, que poderia ficar tão bonito. O que eu mais
com novos palestrantes, visitas, técnicos e gostei foi da santa no tijolo, espero que ele
abordagem dos assuntos do módulo “do luxo volte.
ao lixo” e, em 2014, faremos o mesmo com Os dois textos dos alunos demonstram
os temas do módulo “os quatro elementos e que, a partir da oficina de artes, a utilização
a biodiversidade”. do “lixo” pode ser diferente da que eles tradi-
cionalmente percebiam, transformando as-
Resultados percebidos sim as suas relações com o que é descartado.

Após a aplicação da metodologia foi pos- Outra forma de mensurar o despertar dos
sível observar melhoras no desenvolvimento alunos para a questão ambiental se deu atra-
cognitivo dos alunos de diversas maneiras, vés de entrevistas orais feitas com os mesmos
fosse através da melhoria nas respostas em sobre as temáticas dadas. Os coordenadores
aulas de outras matérias ou por novas práti- perguntaram, por exemplo, como se deve
cas cotidianas; fosse por um despertar em re- utilizar da água? E tiveram dentre as respos-
lação às artes, ou um maior prazer por parte tas, a da aluna Kelle Olinchiski, que afirmou,
dos educandos em participarem do universo “cuidando da água e não deixando desperdi-
escolar, o que, por si só, é um enorme ganho, çar”. Ou da mesma aluna, ao ser questionada
uma vez que a educação tradicional tende a sobre o que ela aprendeu com o projeto, “A
ser extremamente maçante e pouco instigan- cuidar do ambiente para que a gente tenha
te (FREIRE, 2011). saúde e vida boa”.
Para demonstrar essas novas percepções, Para além das respostas dos próprios es-
podem-se utilizar os textos produzidos pe- tudantes foram também feitas questões da
los próprios alunos nas oficinas, como por percepção dos resultados do projeto aos pais
exemplo, o do aluno Jackson Juliano de Pau- e professores. Dentre as respostas, uma das
la, que após um módulo de artes sentenciou: mães pontuou a mudança de compreensão
de sua filha para as atitudes das pessoas nas
Foi muito boa a visita. Eli (artista plástico)
ruas, afirmando que “quando vamos à rua,
teve que trabalhar muito, ele mexe com
(ela) nota que as pessoas jogam muito lixo
muitos (materiais) recicláveis... lembra
no chão”. A mesma relata, em uma carta para
muito do passado e das histórias de (Conse-
os coordenadores do projeto, o orgulho que
lheiro Lafaiete). Aproveita garrafas, tijolos
sentiu ao trabalhar, juntamente com sua
e junta cacos e a visita foi boa, deu para
filha, a incentivadora, na produção de guir-
contar as coisas que são recicláveis. Foi um
landas de natal com tubos de rolos de papel
espetáculo! Ele aproveita materiais reciclá-
higiênico, “Fiquei babando com nossa obra
veis, todo material fica muito bonito!
de arte”, que acabou como enfeites natalinos
Outro aluno, Vinícius José escreveu, de sua casa.
Por fim, em geral, os professores de outras
matérias perceberam mudanças de atitudes
78 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
dos alunos em relação ao meio ambiente. buiu também para que os participantes tives-
Exemplarmente pode-se tomar a questão sem acesso a diversos lugares aos quais difi-
sobre o interesse dos educandos para com cilmente teriam condições de visitar, como
o ambiente, no relato da professora Graziela museus e parques, o que potencializou a au-
Carolina, Regente de Turma, afirmou: “eles toestima, uma vez que, nas visitas a campo,
adoram participar do projeto e isso reflete os participantes demonstravam, com falas e
em suas ações. Observo neles uma vontade atitudes, uma extrema felicidade.
de fazer diferente para ter um planeta mais Percebemos hoje que eles conseguem
sustentável”. Reiterou, em outro momen- caminhar sabendo que o planeta é sua casa
to, que a questão ambiental se tornou uma e que suas ações são fundamentais para me-
preocupação permanente dos alunos, “essa lhoria da nossa casa maior, a Terra, pela qual
preocupação está nas atividades diárias mais todos somos responsáveis.
simples, como fechar a torneira, ou não jogar
o lixo no chão”. Considerações Finais
Outro resultado, relativo à nova percep-
Os inúmeros desafios da educação, en-
ção dos alunos sobre o meio ambiente, pode
quanto meio para transformação social e
ser visto através das mudanças de atitude em
individual, se tornam ainda maiores, quando
relação aos produtos normalmente descarta-
o público alvo tem características especiais,
dos pela sociedade. Após algumas oficinas de
como é o caso dos alunos da APAE. Desta
reciclagem e reutilização de materiais, vários
maneira, o programa Verde Perto, aplicado
alunos passaram a utilizar garrafas PET para
de forma adaptada a este público, tem gera-
a confecção de artesanato, como flores, ár-
do resultados bastante satisfatórios no intui-
vores de natal, guirlandas, entre outros, que
to da formação pedagógica, cidadã, ambien-
serviram para que presenteassem parentes e
tal, social, de mudança de comportamentos
amigos.
e percepções, além de transformações, até
Portanto, o fortalecimento social sobre mesmo psicológicas, dos educandos. Ob-
meio ambiente contribui muito para a in- viamente tais resultados são as verdadeiras
clusão de nossos alunos, porque eles estão metas e desafios de toda a equipe envolvida
participando ativamente de acontecimentos no projeto.
relativos às ações ambientais que acontecem Mas, podemos acrescentar outros resul-
em nossa comunidade. São agentes multipli- tados que foram alcançados para a surpresa
cadores no círculo familiar, onde mostram e alegria dos envolvidos, tais como o reco-
um outro olhar em relação ao meio ambien- nhecimento dado ao projeto pela Federação
te, demonstrando que através de pequenas Nacional das APAE ocorrida no XXIV Con-
atitudes nós podemos somar e ajudar nosso gresso Nacional, no ano de 2011, na cidade
planeta. de Belém do Pará, na qual foi concedida
O aumento da autoestima dos alunos a premiação máxima do evento, o prêmio
também foi notado, a partir dessas ações e do Stanislau Krynsky, ao Verde Perto da APAE-
reconhecimento por parte de alguns pais, de CL, que acabou por se tornar referencial para
professores e da comunidade onde eles estão projetos similares, voltados para educação
inseridos. Para além disso, o projeto contri- ambiental de outras APAEs do Brasil.
CAPÍTULO 4 79
O VERDE PERTO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Outro reconhecimento bastante surpre- do sua capacidade cognitiva e sociorrelacio-
endente veio da empresa Gerdau Açominas, nal.
através de seu projeto de educação ambiental A partir de todo reconhecimento obtido,
Germinar, pelo qual a APAE-CL foi contem- tanto por parte dos alunos, pais e professo-
plada com o prêmio pelo trabalho desen- res, quanto por parte de instituições, empre-
volvido através da metodologia Verde Perto sas e da sociedade Lafaietense, o Verde Perto
Educação, que gerou o financiamento para Educação foi formalmente incluído na grade
sua continuação e seu fortalecimento nos educativa da APAE-CL, deixando de ser um
anos de 2013 e 2014. Além destas, outras projeto temporário e passando a ser ação
condecorações ocorreram por órgãos públi- permanente desenvolvida pela instituição.
cos municipais e por ONG’s regionais, tais
como a láurea da Câmara de Vereadores de
Conselheiro Lafaiete e o prêmio ambienta-
lista da ONG Liga Ecológica Santa Matilde
- LESMA.
Enfim, o grande ganho advindo do pro-
jeto a partir da possibilidade de utilização e
repetição de uma metodologia educacional
ajustável ao público com necessidades es-
peciais, são os bons resultados alcançados
pelos estudantes que têm sido incluídos nas
discussões socioambientais locais e amplia-

80 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


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CAPÍTULO 4 81
O VERDE PERTO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL
W9S90
0 CAPÍTULO V
Verde Perto Educação Científica:
A Experiência Museu da Amazônia

9;;;
- MUSA / Jardim Botânico Adolpho
Ducke de Manaus - JBADM
Rita C. G. Mesquita; Ana Catarina C. Jakovac; Fernanda Meirelles;
Mario H. Fernandez; Leonardo S. Rodrigues

“I want my children to understand the world, but not just be-


cause the world is fascinating and the human mind is curious.
I want them to understand it so that they will be positioned to
make it a better place.”
(Howard Gardner)

E ste capítulo tem por objetivo descrever a adaptação da metodologia


Verde Perto para a realidade Amazônica. O conceito foi concebido
e iniciado em Minas Gerais, com foco em jovens de 15 a 17 anos, e foi
então adaptado para crianças de 10 a 12 anos, moradoras da periferia de
Manaus.

Contextualização
Em julho de 2008 nascia a ideia de criar o Museu da Amazônia-Musa,
pensado para ser instalado e experimentado dentro da floresta. O Musa
é uma instituição voltada para a divulgação científica, apostando que
por meio do conhecimento é possível aproximar as pessoas da natureza
e encurtar as distâncias culturais entre os vários mundos que coexistem
na Amazônia. Logo ficou claro que os valores trazidos pelo Verde Perto
se aproximavam muito dos ideais de concepção do Musa, o qual segue o
mote “viver juntos”buscando a coexistência Público alvo
saudável entre a cidade e a floresta.
Na vizinhança imediata da Reserva Ducke
Situado na Reserva Florestal Adolpho
existem mais de 15 escolas, com um contin-
Ducke (RFAD), uma área de floresta primá-
gente de mais de 35.000 estudantes, no en-
ria com 10.000 hectares ao norte da cidade
torno do Jardim Botânico, que estão matri-
de Manaus, o Musa compartilha essa área
culados nas escolas vizinhas e em diversas
utilizada como espaço de pesquisas pelo Ins-
tituto Nacional de Pesquisas da Amazônia outras escolas da cidade. Muitas escolas e a
– INPA.Essa área foi apontada pelo natura- grande parte deste contingente de estudan-
lista italiano Adolpho Ducke para a conser- tes são carentes, e apesar da proximidade
vação da floresta, como seu melhor exemplo com a reserva, raramente a visitam ou usu-
da hileia descrita por Humboldt durante as fruem dos programas de educação ambiental
primeiras explorações científicas na Amazô- e lazer oferecidos pelo Jardim Botânico. A vi-
nia (Projetos Ecológicos de Longa Duração, zinhança sofre com os principais problemas
Sítio 1 Amazônia - Manaus).Na parte da Re- das periferias das grandes cidades do país:
serva onde a cidade encontra a mata, sempre violência doméstica, tráfico de drogas, pros-
se deu uma luta. De um lado o avanço da ex- tituição infantil, desemprego, alcoolismo, e
pansão urbana, desordenada, sem clemência exclusão social. Estão distantes das opções
com o verde, e de outro,o dos pesquisadores de cultura, esportes, lazer, e educação. Foi
e ambientalistas querendo defender e con- para este cenário que adaptamos o programa
servar bichos e plantas. Como estratégia po- Verde Perto, no Musa. As escolas que partici-
lítica para solucionar esse conflito foi criado param do programaforam selecionadas pela
um jardim botânico para impedir o avanço proximidade do Jardim Botânico, pelo grau
das motosserras e abrir o espaço para visi- de carência, e pela receptividade de seus
tação pública. No entanto, a separação com diretores, além de já terem um histórico de
cercas e vigilantes, sempre foi tênue e frágil. interação com o Jardim. A primeira escola a
Nós do Musa, vimos essa tensa fronteira en- participar foi a Escola Raul Veiga, com um
tre floresta e cidade como uma oportunidade grupo de crianças entre 10 a 12 anos. Isso já
de aproximar as pessoas da floresta, ao invés ia servir para definir os tipos de atividade e o
de lutar para afastá-las. Assim como outros, grau de complexidade que poderíamos ofe-
nós pensamos que a educação pode mudar recer.
as coisas, pode ajudar a forjar novos valores
e pode diminuir as tensões entre diferentes O que queríamos?
agentes da sociedade. Com isto em mente o
Leonardo trouxe o conceito do Verde Perto, Ao trazer o Verde Perto para dentro do
lá de Minas, e sugeriu que ele poderia ser jardim botânico, o Musa buscava frentes de
adaptado às escolas que visitavam o jardim conexão com a população para a sua propos-
botânico, se reinventando numa proposta di- ta de “Viver Juntos”. Assim, o Verde Perto foi
recionada para a Amazônia. Nós vimos que elaborado para trazer os jovens do entorno
ele poderia estar certo. Mas primeiro deve- para dentro do Jardim. A partir dessa nova
mos olhar a realidade que cerca aquele terri- frente de contato e diálogo iniciada com os
tório no norte da cidade de Manaus. jovens, comunidade escolar e família, podí-
84 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
amos dar mais passos na intenção de fomen- mente nunca haviam recebido qualquer tipo
tar uma nova relação entre a comunidade e de iniciação ou formação científica.
a floresta. Asedições abordaram temas para os quais
Para tanto, fundamental era oferecer havia facilidade de encontrar pesquisadores
oportunidades que suprissem algumas das “especialistas” em Manaus. Os pesquisado-
carências da população local. Uma dessas res eram convidados a participar voluntaria-
carências, talvez uma das principais, é a edu- mente e deveriam estar dispostos a trabalhar
cativa. As escolas do entorno imediato do junto com arte-educadores e equipe técnica
Jardim Botânico apresentavam, em 2009, do Musa na adaptação do conteúdo cientí-
umÍndice de Desenvolvimento da Educação fico para crianças e jovens. Era necessário,
Básica (IDEB) que as colocavam entre as 5% também, que os temas fossem fáceis de se-
pior avaliadas no país (Instituto Nacional rem ilustrados em pequenas excursões de
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio campo, dentro da própria floresta da RFAD.
Teixeira – INEP, 2014). Ao levarmos arte e Nosso objetivo era estimular, nos participan-
ciência para a comunidade escolar dentro do tes, a observação da natureza com outros
Jardim, estávamos levando oportunidades olhares e a reflexão sobre a relação homem-
aos jovens por meio de formação cultural e natureza, além de aproximá-los do convívio
da divulgação científica. Além disso, estáva- com o Jardim Botânico.
mos mostrando a esses jovens de forma di- Assim, as quatro edições realizadas foca-
reta e, indiretamente para suas famílias e co- ram nos seguintes temas centrais:
munidade, que a floresta pode ser vista com 1. Comunicação entre os seres vivos (duas
outros olhares. edições)
Entre 2009 e 2012 aconteceram 4 edições 2. Interação entre animais e plantas
do programaVerde Perto tratando de diferen- 3. Arqueologia, vivendo na Amazônia de
tes temas relacionados à floresta e às relações nossos antepassados
entre seres humanos e a mata. Para tanto, a
Após definir os temas, os palestrantes e as
metodologia passou por algumas adaptações
oficinas de arte-educação, organizávamos a
e adequações necessárias aos objetivos do
programação e nos reuníamos com a direção
Musa e do jardim botânico.
da escola envolvida, para apresentar nossa
proposta. A proposta era apresentada pri-
Adaptações Metodológicas meiramente para a direção da escola e pro-
para o Verde Perto Educação fessores, e em um segundo momento para
Científica os pais e estudantes. Nessas reuniões apre-
sentávamos nossos objetivos e mostrávamos
O Verde Perto Musa foi estruturado em quais possíveis ganhos cognitivos, sociais e
edições, de forma muito semelhante ao 1º afetivos os alunos poderiam receber. O aluno
Verde Perto realizado em Minas Gerais. só participava do projeto com a anuência dos
Cada edição tinha duração de 4 a 6 semanas, pais, que assinavam um termo permitindo a
tendo sua linguagem e ritmo adaptados aos participação de seus filhos.Esse cuidado era
estudantes da Escola Raul Veiga, que basica- fundamental pois as atividades do projeto
CAPÍTULO 5 85
VERDE PERTO EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
(Figura 1), que necessariamente estava co-
sempre ocorriam após o horário da aula for-
mal e fora das dependências da escola, sem- nectado com o tema central daquela edição
pre nas dependências do Jardim Botânico. do Verde Perto. Em geral esses pesquisado-
res tinham bastante experiência de pesquisa
Ao longo de cada semana tínhamos: uma na Reserva Florestal Adolpho Ducke, e por-
palestra sobre o tema do módulo, ministrada tanto, facilidade em explorar aquela floresta,
por um pesquisador; três oficinas de arte-e- os organismos e a ecologia como uma ferra-
ducação, ministradas por monitores artistas; menta interpretativa (Figura 2). Na época
e uma oficina de iniciação científica, minis-
em que ocorreram as edições do Verde Per-
trada por monitores técnico-científicos. Sen-
to, esses pesquisadores estavam vinculados
do sempre a palestra na segunda-feira e as
a grandes institutos de pesquisa e educação
oficinas nos demais dias da semana.
locais e nacionais, como a Universidade do
Ao final do módulo, realizávamos um fes- Estado do Amazonas (UEA), o INPA, a Uni-
tival de encerramento do projeto, contando versidade Federal do Oeste do Pará (UFO-
com a participação dos jovens, pais, paren- PA) e a Universidade de São Paulo (USP).
tes, responsáveis, amigos, comunidade es-
Com o objetivo de preparar a equipe de
colar, equipe do Verde Perto, equipe Musa,
oficineiros, os pesquisadores elaboravam
palestrantes, instrutores das oficinas e quem
textos para guiar as atividades que seriam
mais quisesse participar.No festival de encer-
desenvolvidas durante a semana. Entretanto,
ramento concluíamos a programação e apre-
sentávamos para a comunidade o conteúdo ficou claro que havia necessidade de ajudar
produzido ao longo de todas as semanas de muitos dos pesquisadores a traduzir a lingua-
atividades do Verde Perto. gem técnica, preparando-os para a interação
com os estudantes. Para auxiliar esse proces-
so o coordenador, figura que centralizava o
Palestras: a apresentação do desenvolvimento das atividades, também
tema da semana passou a mediar as trocas de informações
No início de cada semana, um pesquisa- entre a equipe participante de cada módulo.
dor diferente apresentava uma palestra de
divulgação científica sobre seu trabalho Oficinas: transformação do
conhecimento científico em
outras linguagens
Nos dias seguintes à palestra, os estudan-
tes entravam em contato com oficinas de ar-
te-educação e de iniciação científica, onde os
temas teóricos vistos eram retomadosa partir
de outras linguagens, que incluíam a música,
a dança, a pintura, os trabalhos manuais e a
expressão corporal, entre outras. Por meio
Figura 1. Palestra multimídia sobre aves. dessas expressões os estudantes podiam re-
Acervo fotográfico do Museu da Amazônia presentar o que perceberam e apreenderam
86 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
tes entravam em contato com o que foi tra-
tado na palestra, de forma direta, em campo.
Nessas atividades os jovens tinham a possi-
bilidade de visualizar a polinização de flores
por abelhas, de observar jardins de formiga,
oude escutar cantos de pássaros e anfíbios.
Assim os estudantespodiam associar os co-
nhecimentos adquiridos às sensações e emo-
ções sentidas dentro da floresta.
Figura 2. Palestra sobre quelônios com cascos
As atividades de campo, assim como as
de animais. Acervo fotográfico do Museu da
Amazônia oficinas de arte-educação, foramassistidas
por monitores, que também tiveram acesso
com a exposição do pesquisador, tornando ao texto do pesquisador e acompanharam
mais efetiva sua apropriação dos conceitos a palestra e as reações dos estudantes. Os
teóricos apresentados. monitores são estudantes de graduação de
Uma estratégia essencial era relacionar o variadas áreas do conhecimento, tais como
conteúdo técnico-científico abordado na- biologia, arqueologia, ou geografia. Eles
quela semana, durante a palestra, com as orientavam os jovens e crianças, na jornada
observações feitas nas visitas à floresta, e os pela mata, chamando a atenção para situ-
produtos construídos pelos alunos, durante ações que remetiam ao tema da palestra da
as oficinas de arte. Por exemplo, se o tema da semana. Assim, na palestra sobre por que
semana foi dispersão de sementes por pás- passarinho canta?, os monitores tinham a
saros, o instrutor de poesia apresentava em oportunidade de focar a atenção dos jovens
sua oficina poesias que tratavam de relações à vocalização de pássaros e podiam também
de animais com sementes. Desta forma havia extrapolar essa percepção destacando a vo-
um direcionamento para que os alunos in- calização de outros grupos de animais, como
cluíssem, em suas estrofes, associações com os anfíbios, por exemplo.
as redes alimentares de pássaros com frutos, Essas atividades práticas de iniciação cien-
mecanismos de dispersão das sementes que tífica, além de contar com técnicos (os ins-
eles viram na palestra, além de suas próprias trutores) foram realizadas com o auxílio de
observações pessoais. Assim abordávamos instrumentos que favorecessem a percepção
temas e conceitos acadêmicos com a utiliza- de interações na mata, tais como binóculos,
ção de outras linguagens. lupas, câmeras fotográficas, gravadores de
Associadas às oficinas de arte-educação, som ou quaisquer outros que amplificavam a
eram realizadas atividades práticas comple- vivência de pesquisas na floresta. Assim, es-
mentares de campo. Essas atividades eram timulava-se a compreensão de conceitos e a
as oficinas de iniciação científica condu- integração dos jovens ao universo da floresta.
zidas dentro da floresta, ao longo das trilhas Também foram realizadas oficinas de re-
do Jardim Botânico. As oficinas aconteciam dação e de “contação” de histórias. Nas ofi-
uma vez por semana, sempre no mesmo dia. cinas de redação, os alunos expressaram seu
Na oficina de iniciação científica, os estudan- conhecimento na forma de histórias em que
CAPÍTULO 5 87
VERDE PERTO EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
apresentavam suas atividades preferidas re- desenhos (Figura 3), origamis, entre outras
alizadas ao longo do Verde Perto e as infor- (Figura 4). Nas oficinas também foram con-
mações que mais gostaram de aprender. Nas feccionados vídeos produzidos pelos pró-
oficinas de “contação” de histórias, um mem- prios alunos que criativamente registravam
bro da equipe do Musa lia para as crianças os conteúdos teóricos através de exemplos
artigos publicados na revista Ciência Hoje encontrados na floresta do Jardim Botânico.
das Crianças (CHC) e livros do acervo da »» Oficina de expressão corporal e
biblioteca do JBADM. Durante e após as lei- teatro
turas, os participantes interagiam com o lei-
As oficinas de expressão corporal con-
tor, fazendo perguntas e acrescentando o que
taram com atividades de dança (Figura 5)e
sabiam a respeito do assunto tratado.
teatro (Figura 6), exercícios de respiração e
Com a aquisição de novo conjunto de corporalidade, dinâmicas de grupos e jogos
conhecimentos, os estudantes aumentam cooperativos. Tinham o objetivo de fortale-
seu repertório cognitivo. Com o estímulo às cer e integrar os jovens e crianças, tornando
emoções, o repertório aumentado fica viva- o grupo mais coeso. Durante essas práticas,
mente presente na vida do jovem que passa- as crianças participantes socializaram seu
ráa criar ligações mais profundas entre ele e conhecimento de forma divertida e puderam
a floresta. treinar sua interação social com o trabalho
A seguir descrevemos, brevemente, as em equipe e cooperativo.
diferentes oficinas que foram realizadas nas »» Oficina de música
quatro edições do Verde Perto - Musa:
Nas oficinas de música as crianças apren-
»» Oficina de artes deram a manipular diversos instrumentos
As oficinas de artes foram comandadas (Figura 7), bem como aprender sobre sua
por artistas plásticos profissionais e tiveram origem e sobre os tipos de música em que
o objetivo de estimular a liberdade criativa. são utilizados, além de realizar jogose ativi-
As crianças eram orientadas a transformar as dades lúdicas musicadas (Figura 8). Os alu-
informações científicas recebidas nas pales- nos também criaram letras de músicas que
tras em representações artísticas, tais como abordavam o conteúdo trabalhado em cada
pinturas, colagens, esculturas com argila, semana. As músicas criadas foram apresenta-

Figura 3. Oficina de artes – desenho. Acervo Figura 4. Oficina de artes - dobraduras. Acervo
fotográfico do Museu da Amazônia fotográfico do Museu da Amazônia

88 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


Figura 5. Oficina de dança. Acervo fotográfico Figura 6. Oficina de teatro. Acervo fotográfico
do Museu da Amazônia do Museu da Amazônia

das durante as cerimônias de encerramento »» Oficina de redação


de cada edição do projeto. A oficina de redação contou com momen-
»» Oficina de iniciação científica tos de produção de textos, histórias, versos e
As atividades práticas realizadas ao longo letras de música sobre os temas do projeto-
por parte dos alunos, além de leitura de tex-
das trilhas do Jardim Botânico tiveram a fina-
tos de divulgação científica e contos sobre
lidade de observar exemplos práticos aborda-
histórias da floresta (Figura 11). Tinha por
dos semanalmente (Figura 9). Participaram meta estimular o hábito da leitura e da escrita
das atividades especialistas e pesquisadores junto aos estudantes. Foi uma atividade pen-
de cada tema (Figura 10). As crianças pude- sada, inclusive, para incrementar a visitação
ram praticar o trabalho em grupo, aprender e utilização da biblioteca do Jardim Botânico
técnicas utilizadas em pesquisas científicas, por parte das crianças do entorno. Grande
visualizar animais e plantas nativas, além de parte dos textos utilizados na “contação de
serem estimuladas e ampliar sua percepção histórias” era do acervo da biblioteca.
do ambiente.

Figura 7. Oficina de música - contato com Figura 8. Atividades lúdicas com música.
instrumento. Acervo fotográfico do Museu da Acervo fotográfico do Museu da Amazônia
Amazônia

CAPÍTULO 5 89
VERDE PERTO EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
Figura 9. Observação de organismos na trilha. Figura 10. Pesquisadora de borboletas acompa-
Acervo fotográfico do Museu da Amazônia nhando jovens. Acervo fotográfico do Museu da
Amazônia

Encerramento com ram, estávamos valorizando os alunos parti-


cipantes (Figura 13).
participação dos pais
Ao mesmo tempo as equipes do Verde
Um dos momentos fundamentais do pro- Perto e do Musa tiveram a oportunidade de
jeto foia festa de encerramento. Momento convidar a todos a se inteirarem das progra-
de celebração e comunhão entre todos os
mações permanentes no Jardim Botânico.
participantes, mas que ultrapassou a cele-
bração. Os alunos participantes convidaram Outro ponto importante no encerramen-
seus pais, amigos, professores e parentes a to foram as atividades culturais levadas pelo
irem ao Jardim Botânico para participar do Musa com apoio de artistas locais. Ao final
fechamento do projeto, onde eles receberam das quatroedições do Verde Perto tivemos
certificado de participação e apresentaram a possibilidade de levar duas peças de tea-
os produtos elaboradosnas oficinas. Esse tro (Figura 14), uma apresentação de harpa
momento foi estratégico para atingir os obje- (Figura 15) e uma de dança. Normalmente
tivos do Musa, do Jardim Botânico e do Ver- essas atividades culturais estão fora do coti-
de Perto dedespertar na população do entor- diano dos moradores daquela comunidade,
no novas relações com a floresta e promover da Cidade de Deus.
aproximação com o Jardim Botânico.
Uma grande exposição foi organizada eo
que foi construído e produzido durante o
Verde Perto como desenhos, esculturas, co-
lagens e apresentações artísticas, foi mostra-
do com muito entusiasmo pelos estudantes
(Figura 12). As apresentações de teatro, dan-
ça e música foram realizadas em um palco
onde os jovens se expressaram para o públi-
co.Ao convidarmos esse público para ver de Figura 11. Observação de organismos na trilha.
perto o que os alunos realizaram e aprende- Acervo fotográfico do Museu da Amazônia

90 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


Figura 12. Jovens visitando a exposição. Acervo Figura 13. Pais, professores e familiares na expo-
fotográfico do Museu da Amazônia sição. Acervo fotográfico do Museu da Amazônia

Temas abordados nas quatro gerou textos de divulgação científica, foto-


grafias, vídeos, além dos diversos produtos
edições realizadas pelo Verde das oficinas, e de muita interação e aprendi-
Perto Musa zado por parte dos jovens e também por par-
te de toda a equipe de palestrantes e instru-
Entre os anos de 2009 e 2012 foram re-
tores. Nesses quatro anos contamos com um
alizadas quatro edições do Verde Perto, no
público de duzentos e quatorze estudantes,
Musa. Cada uma contou com um grupo di-
envolvidos diretamente nas ações do Verde
ferente de alunos e com um tema especifico.
Perto,além de um público, indiretamente
Essa opção de renovação de público, a cada
envolvido, de aproximadamente quinhentas
ano, foi motivada pela intencionalidade de
pessoas, dentre pais, irmãos e amigos que
se trabalhar com um faixa etária específica e
participaram do evento de encerramento e
necessidade de ampliar o alcance do proces-
de algumas oficinas e palestras.
so formativo ao maior número possível de
pessoas.
No total foram trabalhados dezenove mó-
Resultados e avaliação
dulos dentro de três macro temas, apresen- Um dos resultados imediatamente perce-
tados na Tabela I. Cada um desses módulos bidos, desde o início da realização do Verde

Figura 14. Apresentação de peça de teatro. Figura 15. Apresentação de show de harpa.
Acervo fotográfico do Museu da Amazônia Acervo fotográfico do Museu da Amazônia

CAPÍTULO 5 91
VERDE PERTO EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
Tabela I: Temas das quatro edições do Verde Perto Musa e respectivas oficinas realizadas. Edições realizadas na cidade
de Manaus entre os anos 2009 e 2012.
Iª Edição IIª Edição IIIª Edição IVª Edição
Arqueologia: vivendo
Comunicação entre os seres Interação entre animais e Comunicação entre os seres
Tema

na Amazônia de nossos
vivos plantas vivos
antepassados
1) “Porque existem bichos 1) “Arqueologia: como
coloridos? As cores conhecer o passado da
comunicam?” – Marina Amazônia” – Helena Pinto 1) “A comunicação dos
Anciães (INPA – Instituto 1) “Peixe-boi, o herbívoro
Lima (UEA – Universidade do Sapos” – Pedro Ivo Simões
Nacional de Pesquisas da das águas Amazônicas” –
Estado do Amazonas) (INPA)
Amazônia) Gália Ely de Mattos (AMPA
– Associação Amigos do 2) “A comunicação das Aves”
2) “Como as aves começam Peixe Boi) 2) “História da Amazônia: os – Marina Anciães (INPA)
seres humanos interagindo
Palestras (Título/palestrante)

a cantar?” – Angela Midori


(INPA) 2) “Jardins de formiga: com o meio ambiente do 3) “A comunicação dos
interações entre plantas e passado” – Bruno Moraes Mamíferos Aquáticos” –
3) “Vocês já ouviram conversa formigas tropicais” – Ana (UEA)
de sapo?” – Pedro Ivo Simões Catarina Jakovac LouzamiraBiváqua e Isabel
(INPA) Reis (INPA)
3) “Como atrair seu 3) “A arte nas culturas antigas
4) “Porque passarinho canta?” polinizador” – Mário Henrique da Amazônia” – Anne Py- 4) “A comunicação das
– Mario Cohn-Haft (INPA) Terra Araújo (INPA) Daniel (UFOPA – Universidade Tartarugas” – Adriana Terra e
Federal do Oeste do Pará) Fernanda Rodrigues (INPA)
5) “Jabuti conversa?” – 4) “Frugivoria e dispersão
Camila Ferrara (INPA) de sementes: a relação de 5) “A comunicação dos
4) “Vivendo na Amazônia Insetos” – Gil Felipe Miranda
cooperação entre aves e
6) “Como os carapanãs hoje: o legado dos nossos (INPA)
plantas” – João Vitor Campos
interagem?” – Ricardo antepassados, mitos e lendas”
e Silva (INPA)
Augusto dos Passos (FVS – – Tereza Parente e Carlos
Fundação de Vigilância em Augusto da Silva (USP –
Saúde do Amazonas) Universidade de São Paulo)
1) “Observação de interações
1) “Artes plásticas –
entre animais e plantas nas
pigmentos naturais e
trilhas” – Karla Arakaki, 1) “Oficina de Artes Plásticas”
modelagem em argila” – Ana
1) “Oficina Coletiva de Teatro” Juscelino Marques, Vanessa – Roberto Suarez e Ana Luiza
Luiza Gouvea, Roberto Suarez
– Juliana Belota, Nonato Gama, Alice Plaskievicz e Gouvea
e Roberta Paredes
Tavares e Pedro Sampaio Leonardo Rodrigues
Oficinas (Título/Instrutores)

2) “Oficina de Observação
2) “Contos, mitos e lendas” –
2) “Observação de 2) “Oficinas de Artes de Organismos” – Marcelo
Germano Afonso
Organismos” – Mario Plásticas” – Ana Luiza Lima, Karla Arakaki, Fernanda
Fernandez e Natacha Sohn Gouvea, Roberto Suarez e 3) “Vivendo na floresta – Meirelles e Elisa Herkenhoff
Roberta Paredes obtenção de água e alimentos,
3) “Música e Dança” – 3) “Oficina de Música” –
saúde, integridade física e
Ricardo, Sarah e Sâmara 3) “Oficina de contos, causos, Arnold Lugo Carvajal e Ramon
segurança” – Karla Arakaki e
histórias e poesias” – Lívia Bastos
4) “Oficina de Artes Plásticas” Brasil Viana Matta e Valeria Alice Plaskievicz
– Herbert Guarniento e Euros Batista 4) “Oficina de Expressão
4) “Música e Hip-hop” –
Barbosa e Corporalidade” – Juliana
Arnold Lugo Carvajal, Lívia
4) “Oficina de Artes Cênicas Belota
Brasil Viana Matta e Ismael
e Corporalidade” – Juliana
“Cruel”
Belota e Nonato Ramos
de alunos Participante

Escola Municipal de Ensino E.M.E.F. Ivone Maria Barbosa E.M.E.F. Ivone Maria Barbosa
Escola

E.M.E.F. Raul de Queiroz


Fundamental - E.M.E.F. - Raul da Silva / E.M.E.F. Raul de da Silva / E.M.E.F. Raul de
Menezes da Veiga
de Queiroz Menezes da Veiga Queiroz Menezes da Veiga Queiroz Menezes da Veiga
Quantidade

69 50 34 61

92 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


Perto Musa, foi o aumento da frequência das do questionada sobre o que aprendeu durante
crianças participantes do projeto e de seus o programa respondeu sem hesitar que apren-
colegas, no cotidiano do Jardim Botânico. deu a ter respeito pelas pessoas, explicando
Após o Verde Perto, muitos jovens e crian- que quando entrou no programa, não obedecia
ças, que participaram do projeto, passaram aos professores e gostava de causar confusão,
a frequentar as atividades oferecidas pelo mas aprendeu com os professores do Verde
Musa no Jardim Botânico tais como obser- Perto a se comportar e respeitar as pessoas.”
vação de borboletas, observação de pássaros, (NUNES, 2012).
contação de histórias, cineclube e as visitas Na perspectiva dos pais, o Ver-
guiadas às trilhas e exposições. Em 2012, de Perto foi considerado positivo por
uma estudante de graduação em Ciências “ocupar tempo ocioso das crianças e ainda agre-
Biológicas,que foi monitora do Musa e inte- gar conhecimento sobre meio ambiente”. Além
grante da equipe em duas edições do Verde
disso, todos os pais que participaram das en-
Perto, fez sua monografia sobre a visitação
trevistas relataram “mudanças comportamen-
do Jardim Botânico pela comunidade do
tais, como melhora no relacionamento inter-
entorno. Com base em um levantamento en-
pessoal com colegas e familiares”, “que os filhos
globando as escolas participantes do projeto,
aprenderam nomes de plantas e animais especí-
alunos, professores e pais, foi identificado
ficos e transmitiram para família e colegas o que
que mais de 60% das crianças não frequenta-
viram e aprenderam durante o programa” e que
vam o Jardim Botânico, antes do Verde Perto,
“os filhos passaram a apresentar maior preocu-
e passaram a frequentá-lo após o projeto. De
pação com a água, desperdício e o lixo gerado,
acordo com o estudo, o Verde Perto foi per-
notaram ainda que as crianças passaram a ser
cebido como uma “experiência direta com a
mais observadoras e cuidadosas com os animais
natureza, onde o conhecimento é adquirido
e plantas domésticos” (NUNES, 2012).
pelas crianças de forma não obrigatória, flui-
da, resultando numa relação prazerosa com a No entanto, cerca de 20% dos pais entre-
aprendizagem” (NUNES, 2012). vistados se incomodaram com o fato de que
o horário de término das atividades nem
Essa avaliação também demonstrou as-
sempre era respeitado, fazendo com que
pectos sobre o grau de apropriação de conte-
as crianças voltassem para casa mais tarde.
údos e as preferências das atividades desen-
volvidas por parte dos alunos. Cerca de 50% Também ficavam preocupados com os filhos
dos estudantes entrevistados tinham muitos nas trilhas, com medo de que eles entrassem
dos conceitos trabalhados, ao longo do pro- na mata sem o acompanhamento de guias
jeto, fixados em seu arcabouço formativo. (NUNES, 2012).
Foi percebido na avaliação que os estudantes Sobre a preocupação com horário, deve-
“lembravam de conceitos biológicos e ecologia mos realmente ter essa situação observada
básica como cadeia alimentar, comportamen- com atenção, pois a região, onde essas crian-
to animal, interação entre formigas e plantas, ças residem, apresenta índices elevados de
sapos, peixe-boi e outros conteúdos relaciona- violência e possui trânsito de caminhões de
dos à biologia geral (...) além da aquisição de carga bastante intenso. Quanto às trilhas, os
outros conhecimentos que não biológicos como pais foram então esclarecidos que as crian-
interpretação de texto. Uma das crianças quan- ças estavam sempre acompanhadas por, pelo
CAPÍTULO 5 93
VERDE PERTO EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
menos, dois instrutores durante todas as ati- em cada atividade do projeto confere coesão
vidades. estrutural e pedagógica às atividades. Ao tér-
Uma característica percebida pela equipe mino de cada edição, o coordenador deve ter
foi como o modelo metodológico do Verde a capacidade de realizar a avaliação final da
Perto possui base ampla, e se adequa a mui- ação, em todos os aspectos: pedagógico, lo-
tos diferentes temas. Ao realizarmos um mó- gístico, estrutural, conceitual, de relação com
dulo sobre “arqueologia”, com abordagem e colaboradores, com pais e com escola.Assim,
linguagem bastante diferente do que foi tra- esta é uma posição chave que demanda ha-
balhado na “comunicação entre os organis- bilidades específicas e muita desenvoltura na
mos” e na “interação entre animais e plantas”, relação entre pessoas.
ficou claro que poderíamos realizar o projeto »» Sobre a equipe
basicamente com qualquer tema que se re- Junto ao coordenador é fundamental a
lacionasse com a floresta, de climatologia a presença de uma equipe de apoio. Essa equi-
botânica e de remédios naturais da floresta a pe fica responsável por questões logísticas,
etnoastronomia, desde que conseguíssemos organização de espaço, materiais, alimenta-
profissionais com excelente nível de conhe- ção das crianças, controle de presença e se-
cimento técnico. gurança, entre outros aspectos envolvidos
»» Sobre o papel do Coordenador em atividades infantis. O suporte da equipe
Mediador de apoio permite ao coordenador e aos pa-
A equipe organizadora reconheceu o lestrantes e instrutores das oficinas, concen-
papel fundamental do coordenador media- tração total em suas atribuições.
dor para o bom funcionamento das ativida- Uma equipe ideal deve conter (1) uma
des. Esse profissional tem a prerrogativa de pessoa responsável pelo controle de mate-
acompanhar todas as atividades do projeto riais: computadores, material de oficinas,
e é quem constrói sua programação, convida projetor e alimentação; (2) uma pessoa res-
pesquisadores e oficineiros, se reúne com a ponsável pela segurança e controle das crian-
escola e com os pais, e coordena toda a ini- ças no espaço, assim como pelo controle de
ciativa, de forma a dar coesão a todo o pro- presença dos participantes; (3) uma pessoa
cesso formativo. É ele que está em contato responsável pela organização e limpeza do
direto e contínuo com crianças, pais, escola, local de trabalho e pela organização e distri-
palestrantes/pesquisadores, monitores e ofi- buição da merenda; (4) diversos monitores
cineiros. de suporte que auxiliem outros membros da
O coordenador é responsável por man- equipe, incluindo o coordenador.
ter a conexão entre os diferentes momen-
tos e conteúdos do projeto, conectando os
assuntos teóricos e práticos vivenciados
ao longo das semanas. Dessa forma o coor-
denador mantém a coesão do Verde Perto
garantindo que tenha início, meio e fim cla-
ros e que funcione com fluidez. A visão ho-
lística do coordenador e sua participação

94 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


Considerações finais Portanto, para garantir uma certa continui-
dade do programa é necessária a busca por
A oportunidade de explorar uma floresta parceiros e financiadores.
Amazônica conservada foi um ponto forte
Visando à continuidade do projeto no
do Verde Perto Musa. Entender e se impor-
Jardim Botânico, pode ser mais adequado
tar com as questões ambientais exige viven-
distribuir as atividades por um período mais
ciar a floresta, a qual tem se tornado cada
longo de tempo, ao invés de concentrá-las em
vez mais distante fisicamente das pessoas da
um só período (4-6 semanas) que acontece
cidade de Manaus. Por isso a experiência de
apenas uma vez ao ano. Cada edição poderia
entrar na floresta, de sentir e ver ao vivo os
ser feita ao longo do semestre todo, em seis
organismos e as interações que estão acon-
semanas de atividades, sendo uma semana
tecendo é extremamente importante para
por mês. Assim, teríamos a mesma estrutura
estimular os estudantes a pensar na comple-
do projeto apresentada acima, com palestra
xidade dos sistemas naturais. Para o desen-
e oficinas, ocorrendo ao longo da semana,
volvimento das atividades, oJardim Botânico
mas sem a concentração em um mês seguido.
propiciou a vantagem de ter a floresta como
Esta alternativa pode permitir que os conteú-
quintal e permitir aos alunos vivenciaremne-
dos sejam absorvidos com mais calma pelos
laos exemplos passados nas palestras.
alunos, além de facilitar a organização das
Os músicos, artistas, pesquisadores e edu- atividades pela equipe e aumentar o período
cadores que realizaram o Verde Perto são de relação direta entre crianças e equipe or-
atores sociais diferentes daqueles que nor- ganizadora. Além disto, as crianças também
malmente atuam nas zonas norte e leste de poderiam participar de outras atividades ofe-
Manaus, local onde reside o público alvo do recidas pelo Jardim Botânico durante os in-
programa. Quando as crianças foram coloca- tervalos, entre um módulo e outro, e após o
das em contato com esses artistas e pesqui- término do projeto. Desta forma poderíamos
sadores, um novo universo de informações diminuir o impacto da ruptura do grupo com
lhes foi apresentado, e passou a ser redesco- o projeto,quando ele é finalizado.
berto cotidianamente.
Outra recomendação para próximas edi-
Uma das dificuldades de replicação do ções do Verde Perto, é aproximar seu conteú-
Verde Perto é a falta de recursos para sua do àquele da sala de aula. Apesar de ser uma
continuidade. Para cada módulo são neces- iniciativa de educação não-formal, o Verde
sários recursos de alimentação, transporte de Perto pode atuar de maneira mais próxima
equipe, pagamento de pessoal e compra de à escola. É desejável que a equipe do Verde
materiais. Idealmente seria interessante tam- Perto alimente as escolas envolvidas com
bém contarmos com transporte para os alu- materiais e informações utilizados durante o
nos, o que nunca tivemos. Esses recursos são projeto e que esse conjunto de conteúdos sir-
necessários por estarmos trabalhando com va de apoio aos professores. Para tanto é pre-
um público carente, que muitas vezes não ciso também melhorar a comunicação direta
tem condições de levar lanches e ou dinheiro com os professores durante o planejamento
para merenda, e muito menos para material das atividades. Ao incluirmos os professores
de casa destinado a realização das oficinas. no planejamento do projeto, podemos aju-

CAPÍTULO 5 95
VERDE PERTO EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
dar a suprir algumas necessidades das escolas INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E
e a apoiar os professores. Essa aproximação PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO
permitirá que a equipe do Verde Perto, junto TEIXEIRA. Índice de Desenvolvimento da
aos professores, acompanhe a evolução dos Educação Básica / IDEB. 2009. Link: http://
ideb.inep.gov.br/resultado/
alunos envolvidos na iniciativa. Além disto,
o acesso antecipado aos temas trabalhados, JUNQUEIRA, Viviane & NEIMAN, Zysman
(org.). Educação Ambiental e conservação da
poderá permitir que os professores conhe-
biodiversidade. Barueri/SP: Manole, 2007.
çam e incluam em sua programação os con-
teúdos do Verde Perto. Todos estes ângulos NUNES, Angélica Cristina Gouveia. Educação
não-formal e mudança de conduta ambien-
reforçam o aspecto de viver juntos do Verde
tal em crianças: avaliação do programa Verde
Perto sem retirar o seu caráter de educação Perto. Monografia. Instituto Federal de Edu-
não-formal. cação, Ciência e Tecnologia do Amazonas –
IFAM. 2012.
Referências e Sugestões para PROJETOS ECOLÓGICOS DE LONGA DU-
Leitura RAÇÃO / PELD.Sitio 1 Floresta Amazônica -
Manaus.Link:http://peld.inpa.gov.br/sitios/
ANTUNES, Celso. As Inteligências Múltiplas duckevisitado em abril de 2014.
e Seus Estímulos. Campinas: Papirus, 9ª ed.
MUSEU DA AMAZÔNIA / MUSA.Ideia Con-
2002. 141 p.
ceitual. Link:http://www.museudaamazonia.
GARDNER, H. Estruturas da Mente: a teoria org.br/?q=94-conteudo-5244-Musavisitado
das inteligências múltiplas. Rio de Janeiro: em abril de 2014.
Artmed, 1994.

96 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


9-=a
0 CAPÍTULO VI
Cores que Vi de Perto
Marina Anciães

9;;;
“O que vi de perto
Ao vir ver cores
Vivas asas leves
Levadas ao vento
Danadas pequenas
Sentadas atentas
Ao verde em volta
De volta aos tons
Conto-lhes
De suas descobertas
Encobertas asas
Vibrantes sorrisos
Memória eterna
Retornam ao canto
Retornam ao bosque
Me contam então
O que vi de perto
Em seus olhos
As asas coloridas
Dos pássaros não mais meus”
(Marina Anciães)
M inha experiência no Verde Perto
tem uma característica sobres-
salente: aprendizado. Fui apresentada ao
estereotipados, durante as quais exibem suas
cores chamativas.
Com este contexto “naturalmente lúdico”,
projeto no fim de 2008 e fiquei fascinada, trabalhei para deixar que o conteúdo de mi-
e em meados de 2009, recebi o convite dos nha pesquisa fosse contado por suas formas
organizadores do programa para abrir sua e movimentos: as cores e as danças dos tan-
primeira edição no Museu da Amazônia, rea-
garás. Elaborei uma apresentação bastante
lizada no Jardim Botânico de Manaus. Ali se
visual, com várias fotos e vídeos. Para garan-
iniciou meu aprendizado em educação am-
tir que a palestra fosse bem acessível, utilizei
biental: conversar com crianças sobre meu
linguagem bastante coloquial e próxima do
trabalho com as cores dos pássaros. A con-
cotidiano do público infantil, mencionando,
versão dos resultados de pesquisa científica
por exemplo, a cor de nossos cabelos e peles,
para uma linguagem acessível e atraente era
e a cor de alguns alimentos de nosso dia a dia
um desafio. Apesar de meu grande e antigo
como a cenoura e o tomate. Ilustrei ainda ca-
interesse em mostrar minha pesquisa para o
sos que considero fascinantes sobre os tan-
público em geral e, sobretudo, para crianças,
garás, como o Tangarazinho amarelo – um
era inexperiente nessa área. Assim, com aju-
pássaro aparentemente mutante que revelou
da do Leo Rodrigues, elaborei uma palestra
um novo carotenoide (a piprixantina) para a
para expor-lhes o “por que dos pássaros serem
coloridos”. ciência e a síntese de outro carotenoide (a ro-
doxantina) por animais; e o Cabeça de Prata
Um dos objetivos do programa era desen- – uma espécie que possui penas brilhantes
volver a educação ambiental apresentando o multicolores na cabeça, cuja cor é produzida
mundo científico às crianças. Nesta edição através de uma estrutura muito semelhante
do programa, junto ao Museu da Amazônia,
àquela da gema opala.
exploraríamos os sentidos usados na comu-
nicação entre os seres vivos. Minha partici- Uma vez que o conteúdo da palestra seria
pação traria, então, a comunicação visual en- aplicado nas oficinas dos dias subsequentes,
tre os animais, abordada através do exemplo era importante apresentar um material prá-
dos tangarás, aves da família Pipridae. Esses tico que ilustrasse as bases científicas (eco-
pequenos pássaros coloridos se alimentam lógicas, comportamentais e evolutivas) da
de frutos dos quais absorvem compostos comunicação visual utilizada entre os pás-
que também dão cores às suas penas amare- saros. Os instrutores, além de acompanhar
las, laranjas e vermelhas. Já suas penas azuis, minha palestra, tiveram acesso, ainda, a um
verdes e brilhantes são produzidas por inter- texto de apoio redigido por mim, no qual en-
ferência entre ondas da luz refletida pelo ani- contraram explicações mais detalhadas, em
mal, sendo determinadas pelo nível e padrão linguagem simples e sem jargões científicos,
de organização de moléculas de melanina, dos tópicos abordados na palestra. Este tex-
queratina e bolsas de ar presentes nas penas. to serviu de apoio aos conceitos que os ins-
Os machos adultos e as fêmeas apresentam trutores utilizariam nas oficinas, permitindo
colorações diferentes, e os machos exibem ainda a visualização de situações para serem
danças nupciais, com saltos, voos e passos trabalhadas em grupo.
98 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
A mistura de linguagem textual e visual, terística do programa Verde Perto de levar a
na minha percepção, aumenta as opções de audiência a experimentar o assunto aborda-
absorção de conteúdo, facilitando assim o do durante e, sobretudo, após cada palestra,
aprendizado. As oficinas geraram resultados provavelmente seja um diferencial para seu
que evidenciam esta observação. Os alunos sucesso em divulgar a ciência e levar a educa-
desenharam pássaros, encenaram e dança- ção ambiental a crianças.
ram interpretando assuntos ensinados nas Acredito que o foco dado aos sentidos da
palestras. Além disso, expressaram admira-
comunicação foi um grande facilitador do
ção pela palestra e atividades, e um aluno
objetivo de transmitir ciência e educação
de 10 anos afirmou: “quando crescer quero ser
ambiental a crianças, uma vez que podemos
pesquisador do INPA para poder ver de perto
transmitir informações que são visualiza-
as plantas e os animais” (B. P. S.). Aprendi que
das (como as cores e as danças), ou ouvidas
conseguíamos sim traduzir para uma lingua-
(como as vocalizações e os sons mecânicos),
gem acessível o que, em geral, explicamos
não sendo somente explicadas verbalmente,
em textos e palestras técnicas, aproximando
com desenvolvimento de raciocínios técni-
assim o público à ciência e aos seres vivos.
cos complicados e distantes da realidade do
Ainda que a técnica não deixe explícita a
público. Não afirmaria que outros assuntos
emoção que nos move e leva a descobertas
científicas, sabemos que em geral ela está lá. não possam ser explorados com esta meto-
Mas, para mim, tais emoções tomam uma dologia de ensino, mas que a mesma talvez
dimensão mais concreta quando a técnica é seja bastante facilitada quando o assunto em
compreendida pelo público em uma lingua- si apresenta um conteúdo sensorial. A expe-
gem que ensine por tocá-lo, por movê-lo. A riência e aprendizado passam a ser bastante
emoção que os alunos sentiram ao ver as co- intuitivos neste caso, permitindo uma fácil
res e os movimentos dos tangarás. A emoção transferência do conteúdo às crianças através
ao desenhá-los, encená-los, cantá-los. de pintura, danças, encenações e saraus.
Com isso, outro aprendizado que tive foi Assim, após minha palestra, iniciou-se
perceber que o fascínio que um pesquisa- meu aprendizado mais importante. Em ge-
dor, em geral, tem pelo seu estudo verifica- ral, eu costumo me perguntar sobre quantas
se também com o público em geral. Porém, sementinhas teria plantado dentre os que me
tal atração talvez não dependa tanto do que assistiram. No Verde Perto, entretanto, no
se diga, mas da forma com que se apresente momento em que a palestra termina se inicia
um assunto. Caso os ouvintes possam expe- a verdadeira descoberta. Descoberta de am-
rimentar a informação, perceberão a sedu- bas as partes, palestrante e público. Aprendi
ção cotidana mesma e, assim, assimilarão o o quanto as crianças que me assistiram ha-
conteúdo transmitido com mais facilidade. viam absorvido, ao vê-las experimentar, mais
Terão sido contagiados pelo encanto da ci- de perto, os conceitos abordados na palestra,
ência, nosso objetivo. Poderíamos parar em através das diversas atividades artístico-edu-
frente a crianças por horas defendendo os cativas desenvolvidas ao longo da semana,
pontos fortes de um estudo e ao final elas não nas oficinas. Os alunos expressaram suas
teriam tido suas próprias experiências e não experiências e aprendizado desenhando os
desenvolveriam opiniões autênticas. A carac- pássaros com cores diferentes entre os sexos,
CAPÍTULO 6 99
CORES QUE VI DE PERTO
representando assim o dimorfismo sexual; a regiões onde a mesma não chegaria, repre-
coloriram ainda pássaros de vermelho e ama- sentando possibilidades de iniciativas indi-
relo, comendo frutos com as mesmas cores; viduais e setoriais. Desta forma, o público
meninos dançaram para as meninas, batendo infantil conheceria a ciência de uma maneira
os braços como se fossem asas, e por aí afora. notoriamente facilitada e os pesquisadores
Aprendi, ao ver aquelas crianças apren- ganhariam por ampliar a divulgação científi-
dendo, e retornando em anos futuros ao ca e recrutar futuros pesquisadores.
programa, levantando as mãos no início da Abaixo repasso o texto que deu origem à
palestra para falar dos tangarás, perguntar se palestra sobre as cores dospássaros, resumin-
veriam mais vídeos, e ao saber que alguns se do a biologia dos tangarás. Este texto poderá
integraram ao grupo de guias do Jardim Bo- ser utilizado como um roteiro para aplicação
tânico. Aprendi que ver de perto a natureza da metodologia Verde Perto. Os professores
realmente será uma forma muito eficiente de e instrutores poderão utilizá-lo como apoio,
atrair a atenção dos pequenos para a ciência. para elaboração de aulas expositivas e, como
Será deixando brincarem de ciência que con- guia, para as oficinas subsequentes. Agrade-
tinuaremos brincando de descobrir. Aprendi ço à Mariana Ferraz pela ajuda com a adapta-
que ao querer ensinar, eu queria aprender. ção da linguagem do texto.
Por fim, acredito que a metodologia Verde
Perto possa ser empregada por cientistas em Dançarinos da Floresta
projetos de pesquisa que tenham vertente Tangará, uma ave colorida que se
educativa e sejam compromissados com as comunica através da dança
comunidades de seus locais de atuação. O Por Marina Anciães
programa de “PesquisaEcológica de Longa
Tangará vem do guarani “tankara”, que
Duração (PELD)”, por exemplo, tem como
significa dançar. Não foi à toa, portanto, que
um de seus objetivos a transmissão de co-
os índios brasileiros usaram este nome para
nhecimento científico às comunidades regio-
batizar um pássaro com comportamento
nais. Assim, o Verde Perto atingiria os objeti-
curioso.
vos do programa por possibilitar a execução
de aulas formais e de divulgação em núcleos Os tangarás são aves que vivem nas flores-
comunitários, atraindo crianças, bem como tas das regiões quentes da América Latina.
jovens, para o conhecimento da ciência atra- Na verdade, o nome serve para descrever não
vés da experimentação sensorial associada uma, mas cerca de 52 espécies diferentes. No
aos temas abordados. Assim, a metodologia Brasil, elas ocorrem na Mata Atlântica, no
poderia representar o caminho educativo Cerrado, no Pantanal e na Amazônia. As flo-
do PELD, do mesmo modo que vem sendo restas amazônicas abrigam o maior número
utilizada pelo ICMBIO, que atualmente a das espécies de tangarás do país – um total
adotou como política pública de Educação de 25.
Ambiental voltada para jovens de Unidades Mas, por que todas essas espécies têm
de Conservação de Uso Sustentável. A meto- um nome popular que significa dançar?
dologia é de fácil aplicação e gera oportuni- Ora, porque elas dançam! A dança é uma
dade de levar educação de base diretamente das estratégias que os tangarás usam para
100 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
atrair suas parceiras para reprodução. Esse A dança, em muitos casos, é complemen-
comportamento é um tipo de comunicação tada com sons mecânicos, que são sons não
visual. produzidos vocalmente. Essa percussão, ou
Saltos e passos estralado, pode ser resultado da batida de
uma pena contra a outra, ou ainda, da batida
Os machos adultos de tangarás capri- das asas com o corpo do indivíduo. Ou seja,
cham na dança para aumentar o número de o tangará é um verdadeiro artista da floresta!
parceiras com as quais irão ter filhotes. Eles
Dançarinos coloridos
dançam para as fêmeas, exibindo suas cores
durante saltos e passos – para o lado, para Em geral, os tangarás apresentam o que
trás, abrindo as asas, abaixando a cabeça, os cientistas chamam de dimorfismo sexual,
apontando a cabeça para cima, entre outros. isto é, os machos adultos possuem pluma-
Esse comportamento é conhecido como gem com cor e forma diferente da apresenta-
da por fêmeas e machos jovens. Enquanto os
corte nupcial.
primeiros são adornados com penas de colo-
Dependendo da espécie, a corte pode ser rido vibrante, fêmeas e jovens têm cores que
solitária ou em grupo. Quando em grupo, variam entre o verde, o cinza e o marrom.
pode ser coordenada entre os dançarinos.
A coloração dos tangarás machos é, em
Em algumas espécies, os machos se reúnem muitos casos, produzida por pigmentos pre-
para dançar, ficando lado a lado ou até um sentes na dieta. Apesar de comerem também
metro de seu vizinho mais próximo. Em ou- pequenos animais invertebrados, esses pás-
tras, os machos defendem territórios fixos e saros se alimentam principalmente de frutos
neles dançam para as fêmeas que os visitam, ricos em compostos de tons de vermelho e
estando em contato apenas auditivo com amarelo – os chamados carotenoides. É a
seus vizinhos. coloração dessas substâncias, presentes, por
Machos jovens também podem visitar os exemplo, nas frutas silvestres roxas, verme-
territórios de corte. Ali, observam e apren- lhas, laranjas e amarelas, que é usada na pig-
dem a fazer os saltos e passos que lhes serão mentação das penas.
úteis no futuro. Muitas vezes, eles até partici- Mas os tangarás também têm penas pre-
pam da dança, compartilhando o palco com tas, marrons, verdes, azuis e furta-cor. Al-
os adultos. gumas dessas cores são chamadas de cores
Com que roupa eu vou? estruturais, pois não resultam unicamente
do pigmento, sendo produzidas pelo efei-
Mas não basta ser um bom dançarino para to da luz refletida pela estrutura das penas!
atrair uma fêmea de tangará, é preciso tam- Isso acontece porque as penas das aves, e
bém “se vestir bem”. Hoje, acredita-se que as consequentemente dos tangarás, são feitas
plumagens dos machos adultos sejam resul- de dois compostos principais: a queratina e
tado da preferência de parceiras reprodutivas os grânulos de melanina. Em alguns casos
por essas características. Entre as “joias” que as penas apresentam também bolhas de ar.
eles vestem estão penas na cauda que pare- A queratina é uma substância dura, presen-
cem arames e penas nas cabeças em forma de te, por exemplo, nas unhas e no cabelo dos
chifres. humanos. A melanina também está presente
CAPÍTULO 6 101
CORES QUE VI DE PERTO
em humanos: ela é a responsável pela pig- tosas. As fêmeas, que precisam se camuflar
mentação da nossa pele. É a presença desses para evitar a predação enquanto cuidam dos
compostos e a densidade e orientação das ovos e filhotes, têm cores menos chamativas.
moléculas de melanina que fazem com as Os leques dos tangarás
que penas tenham essas cores.
Ao ler este título, você pode pensar que os
As cores e a visão tangarás, além de usarem, como acessórios,
Tanta cor e elaboração provavelmente penas coloridas e com formatos estranhos,
não seriam admiradas sem uma boa capaci- usam também leques para se abanar. Não é
dade de enxergá-las. As aves, de fato, têm o nada disso! Leque é o nome que os cientistas
sistema visual muito desenvolvido. Diferen- dão ao local aonde vários machos adultos se
temente de nós, humanos, que apenas temos reúnem para dançar para as fêmeas. São ver-
receptores para três cores de luz nos olhos, dadeiros agregados de territórios reproduti-
elas possuem receptores para quatro cores vos dos machos.
em suas retinas, cada qual especializado em Como consequência da formação dos le-
filtrar a luz em uma faixa de comprimento ques, o padrão de ocupação do habitat pelos
de onda – nos tangarás, essa faixa inclui o tangarás é, em geral, agrupado, ou seja, há
violeta, o azul, o amarelo e o vermelho. A áreas da floresta onde se encontram vários
presença desses quatro receptores confere às indivíduos, e outras onde estes não ocorrem.
aves a possibilidade de enxergar muitas cores Sabe-se que, na estação reprodutiva, os ma-
e combinações de tonalidades que nós não chos chegam a passar 80% de seu tempo nos
vemos, e faz com que percebam movimentos leques, exibindo cortes. E uma vez que a cor-
rápidos muito melhor que os humanos. te demanda muita energia, é natural que eles
Os tangarás também enxergam muito busquem alimento em locais próximos aos
bem em ambientes escuros, como a floresta seus territórios reprodutivos, senão dentro
ao amanhecer. Sua visão, assim como a de destes – embora também seja possível vê-los
pássaros florestais em geral, é especializada se alimentando em locais distantes dessas
para localizar cores entre os tons de amare- áreas.
lo, vermelho e roxo, em qualquer hora do As fêmeas de tangarás, assim como os
dia. Essas cores são fáceis de identificar no machos jovens, vagam entre os territórios
ambiente predominantemente verde onde de vários machos adultos, chegando a voar
vivem e ajudam no reconhecimento, não só distâncias de mais de um quilômetro. Cabe
dos frutos que comem, como dos parceiros a elas a construção e o cuidado do ninho, a
reprodutivos. incubação dos ovos e a alimentação dos fi-
É por isso que se considera que a pluma- lhotes. Os ninhos são construídos fora dos
gem dos tangarás é resultado da seleção de leques para reduzir o risco de predação, já
cores que se destacam, ao contrário dos casos que as atividades dos machos podem atrair a
de pássaros de coloração esverdeada, cinza atenção de outros animais além dos pássaros
e marrom, que se camuflam nas florestas. É de sua espécie. Mas, antes da nidificação, elas
interessante ressaltar que, entre os tangarás, passam boa parte do tempo em áreas de le-
apenas os machos – que precisam ser vistos ques ou, possivelmente, entre estas, a fim de
pelas fêmeas – apresentam plumagens vis- comparar e escolher seus parceiros. Isso faz
102 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
com que as fêmeas tenham uma área de vida Entretanto, uma vez que eles apresentam
bem maior que a dos machos. uma distribuição agrupada na floresta, ne-
Conservação cessitam de uma área considerável, se com-
parada com aquela necessária a espécies de
Embora os tangarás não estejam ameaça-
distribuição mais homogênea, para que suas
dos de extinção, a destruição das florestas,
populações se mantenham saudáveis do
bem como as mudanças climáticas, poderão
ponto de vista genético e demográfico, até
afetá-los irreversivelmente. Esses pássaros
porque apenas uma pequena proporção dos
são particularmente resistentes ao surgi-
machos adultos se reproduz em cada gera-
mento de áreas de contato da floresta com
ção. Apenas alguns machos conseguem con-
outros ambientes (as chamadas bordas dos
quistar as fêmeas através da corte.
fragmentos florestais) e a alterações que le-
vem à formação de clareiras, pois aí crescem
rapidamente plantas que produzem os frutos
prediletos de sua dieta.

CAPÍTULO 6 103
CORES QUE VI DE PERTO
3690
` CAPÍTULO VII
Ver de Perto com Muitas Lentes
O Diálogo Transdisciplinar entre Arte-educação

DS12
e Educação Ambiental no Programa Verde Perto
Educação

Ana Luiza Meneses de Gouvea e Roberta Paredes Valin

...o pio dos pássaros e o barulhar da chuva fundiam-se, com os


esturros das feras, e num só grito, cortavam o vasto verde, que
não se apagava da sua memória.
verde vasto verde
dia verde
noite verde
grito verde
pio verde
verdeverdeverde
...
O tartaruga – (Benjamin Sanches)1

1
Benjamin Sanches de Oliveira, poeta e contista amazonense escreveu a obra de ficção
O outro e outros contos, em 1963, cuja obra escreveu exclusivamente com minús-
culas (inclusive o título) e alinhou os parágrafos pela direita, uma transgressão na
linguagem, no qual revela um autor bebendo da fonte do Concretismo.
Introdução quão protagonistas são nas mudanças que se
fazem necessárias.

O Projeto Verde Perto carrega a valia


de ser uma proposta socioambiental
que vem colaborar para o processo, há muito
O projeto consolidou uma metodologia
fincada na multidisciplinaridade, em um di-
álogo constante entre ciência e arte, refletido
necessário, de ressignificação do mundo em
na própria estrutura dos módulos executa-
que vivemos, no que concerne a percepções dos: palestras científicas, trilhas na floresta
e ações para um planeta mais sustentável, (Reserva Adolpho Ducke em Manaus); ofi-
ambientalmente e socialmente; um mundo cinas de artes visuais, contação de histórias e
que atingiu uma situação-limite2, reflexo de teatro. No entanto, ressalta-se que o recorte
sucessivas crises ambientais, sociais, econô- feito para esse artigo contempla somente as
micas e educacionais que, por sua vez, leva- oficinas de artes visuais que aconteceram ao
ram-no a uma crise de identidade de sérias longo do Verde Perto.
proporções. Assim sendo, o escopo deste artigo con-
A problemática ambiental, no que diz siste em desvelar e descrever o itinerário
respeito às suas raízes epistemológicas e, das oficinas de artes visuais do projeto Ver-
consequentemente, à ineficácia de resolu- de Perto, colocando luz nos processos me-
ções perenes para os problemas que lhe são todológicos utilizados que possibilitaram
impostos de forma contínua e veloz e aos a apropriação e a adaptação dos conteúdos
problemas em torno dos processos socioe- científicos específicos para a linguagem ar-
ducativos obtusos e distantes de qualquer tística e, consequentemente, demonstrar os
poder de transformação, requer o repensar resultados obtidos. Oficinas estas, portanto,
e a superação de todo o modelo dicotômico executadas dentro do território de fronteira
vigente “homem/natureza”, a fim de permitir entre a Arte-educação e a Educação Am-
biental, fora dos limites da escola, mas em
a completa integração entre ambos, a socie-
contato com ela, e com o compromisso de
dade e o meio ambiente.
buscar a eficácia dos mecanismos de ensino e
Neste sentido, o Projeto Verde Perto, aprendizagem para obter o resultado espera-
como uma espécie de ato-limite3 (em respos- do: a sensibilização das crianças envolvidas
ta à situação-limite) a essa situação de crise, no projeto para as questões socioambientais,
pulsa ritmado por uma tríade, percepção sobretudo, no que concerne à preservação e
ambiental, vivências ecológicas e lúdicas e conservação do meio ambiente.
experiências teórico-práticas, responsável O trabalho foi dividido em três eixos
em dar o colorido essencial ao cumprimen- fundamentais. O primeiro, Costura teórica:
to de seu objetivo maior e principal: fazer Verde Perto e seus interlocutores, diz res-
com que as crianças e os adolescentes envol- peito à tessitura teórica, ao diálogo entre os
vidos busquem respostas aos desafios am- principais interlocutores do projeto, como
bientais, que assolam o planeta e percebam já explicitado acima, Morin, Nicolescu, Leff,
e Gardner, entre as principais referências
2
FREIRE apud LOUSADA (2006) teóricas do projeto. O segundo eixo, Arte-e-
3
Idem. ducação e Educação Ambiental para Verde
106 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
Perto, aproxima a Arte-educação e Educação “a diferença fundamental entre os orga-
ambiental, mostrando como essas duas áre- nismos vivos e as máquinas artificiais diz
as se permeiam - processo altamente eficaz, respeito à desordem, ao ruído, ao erro. Na
como será visto, em projetos socioambien- máquina artificial, tudo o que é erro, desor-
tais. Por fim, o terceiro e último eixo trata es- dem, aumenta a entropia, provocando a sua
pecificamente da metodologia aplicada nas degradação, sua desorganização enquanto
oficinas de artes visuais, retomando, nas en- que, no organismo vivo, apesar de, e com a
trelinhas, as discussões dos eixos anteriores desordem, erro, os sistemas não provocam
e apresentando os resultados obtidos. Meto- necessariamente entropia, podem até ser re-
dologia essa plasmada concomitantemente generadores. É o processo (organização do
ao desenvolvimento do projeto - fato que ser vivo) de autoprodução permanente ou
será colocado no tópico Metodologia aplica- autopoiesis ou reorganização permanente,
da às oficinas de arte visuais. proporcionando aos sistemas vivos flexibi-
lidade e liberdade em relação às máquinas.
Contudo, esse artigo apresenta uma fi- Princípios estes que são os de organização
ligrana do projeto Verde Perto - semente da vida, que são os da complexidade”
germinada pelas artes - “horinhas” longas e (1979, p. 120).
grandes que contribuíram para o êxito do
Essa complexidade que rege o funcio-
mesmo, ou melhor, para as crianças envolvi-
namento planetário, processo esse em que
das verem, de perto, o tamanho e a impor-
todos os seres vivos são agentes e, de forma
tância do verde vivo que as cerca.
mais contraditória o ser humano, é também
responsável pela explosão de respostas nas
Costura teórica: Verde Perto e mais variadas áreas, gerando uma explosão
seus interlocutores de disciplinas, uma especialização exage-
rada que, por sua vez, tornam a comuni-
O Projeto Verde Perto encontrou em cação entre as mesmas difícil e até mesmo
Edgar Morin (1921), Basarab Nicolescu impossível4. De acordo com Morin, surge
(1942), Enrique Leff (1946) e em Howard então um grande problema:
Gardner (1943) suas principais vozes teóri-
A supremacia do conhecimento fragmen-
cas para a legitimação de sua criação, alcance
tado de acordo com as disciplinas impede
de seus objetivos e para os primeiros passos
frequentemente de operar o vínculo entre as
que envolvem a transgressão e superação da
partes e a totalidade, e deve ser substituída
dicotomia vigente: homem/natureza e/ou
por um modo de conhecimento capaz de
sociedade/meio ambiente, já referida. apreender os objetos em seu contexto, sua
As Teorias da Complexidade e da Trans- complexidade, seu conjunto (MORIN,
disciplinaridade que alicerçam toda a ar- 2000)
quitetura intelectual de Morin e Nicolescu, Neste sentido, buscando um novo hori-
respectivamente, apresentam-se como o eixo zonte para as questões que envolvem a com-
articulador para a quebra desse paradigma.
Para o sociólogo francês Edgar Morin em 4
NICOLESCU, B. O Manifesto da
Enigma do Homem: Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999.

CAPÍTULO 7 107
VER DE PERTO COM MUITAS LENTES
plexidade que, por sua vez, trouxe a reboque luz pela verve inovadora das próprias pesqui-
a fragmentação do saber, Nicolescu, em seu sas transdisciplinares.
Manifesto da transdisciplinaridade5, afirma O horizonte aberto de inovação, a ampli-
que a harmonia entre as mentalidades e os tude do conhecimento proporcionada por
saberes pressupõe que estes saberes sejam inte- essa visão transdisciplinar, no que tange à
ligíveis, compreensíveis, e questiona, todavia, compreensão das ações científicas e huma-
se ainda seria possível existir uma compreensão nas e suas combinações e possibilidades
na era do bang-bang disciplinar e da especiali- – nesse caso a Arte-Educação e a Educação
zação exagerada. Ambiental – foram e ainda são enormes e
A necessidade de se criarem laços entre inimagináveis.
as diferentes disciplinas em prol de uma vi- Ambos os teóricos, Morin e Nicolescu,
são convergente entre Objetos/Processos/ nesse sentido, em uma escrita a
Realidades, Nicolescu, na metade do século quatro mãos que resultou na Carta da
XX, encontrou resposta no que define como transdisciplinaridade7, sintetizam o dito
pluridisciplinaridade e interdisciplinaridade. acima em seu artigo 5:
Entretanto, essa interação de conhecimentos A visão transdisciplinar está resolutamen-
ainda de certo modo contribui para o boom te aberta na medida em que ela ultrapassa o
disciplinar vigente, pois o olhar do pesquisa- domínio das ciências exatas por seu diálogo e
dor foi e ainda é, em muitos casos, fragmen- reconciliação não somente com as ciências hu-
tado, respeitador da segregação e autonomia manas mas também com a arte, a literatura, a
das disciplinas nos quais alimentam uma poesia e a experiência espiritual8.
estrutura institucional do saber que só existe
O paradigma da complexidade e a atitude
mediante essa compartimentação. Para além
transdisciplinar em resposta a essa mesma
dessa fragmentação de apenas um único e mes-
caudal descontínua, difusa, portanto com-
mo nível de realidade, surge a transdisciplinari-
plexa, que envolve as estruturas do Universo
dade, que se interessa pela dinâmica gerada pe- - e nele estão o meio ambiente, os seres vi-
los vários níveis de Realidade ao mesmo tempo, vos, o homem e todos os mecanismos orgâ-
níveis estes que apresentam estruturas descon- nicos e inorgânicos atuantes no planeta - são
tínuas e determinam a estrutura descontínua elementos que permeiam as proposições de
do espaço transdisciplinar6. No entanto, estão Leff.
longe de ser antagônicas. Afirmar o contrário
Sua verve teórica voltada para o socioam-
é cair no mesmo ciclo de segregação dicotô-
bientalismo apresenta como estratégia a pos-
mica que enrijece a busca de soluções para os
sibilidade de fusões entre os diversos conhe-
problemas ambientais, educacionais, sociais
cimentos científicos. O horizonte de toda a
e muitos outros. São, consequentemente,
complementares, uma vez que a transdisci-
plinaridade se alimenta da pesquisa discipli- 7 Carta da transdisciplinaridade escrita por Lima
de Freitas, Egar Morin e Basarab Nicolescu, em
nar, e esta é iluminada com outros feixes de 1994 no Congresso de Arrábida.
8 GADOTTI, M. A Carta da Terra na Educação. São
5
Idem. Paulo: Editora e Livraria do Instituto Paulo Freire,
6
Idem. 2010.

108 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


sua produção intelectual vislumbra consoli- estímulos e competências para além do que é
dar uma Teoria da Ciência que permita dis- comumente considerado.
tinguir diferenciações no diálogo nas aproxi- Nas palavras de Gardner:
mações teóricas e nas relações entre sujeitos
históricos, suas práticas sociais e suas visões (...) existem evidências persuasivas para a
de mundo. Nesse sentido, antes de serem existência de diversas competências intelectuais
meros conceitos ou objetos científicos, “na- humana relativamente autônomas abreviadas
tureza” e “sociedade” são categorias gerais, daqui em diante como ‘inteligências humanas’.
possíveis de serem assimiladas e transversais Estas são as ‘estruturas da mente’ do meu título.
aos múltiplos conceitos científicos9. A exata natureza e extensão de cada ‘estrutura’
Nessa mesma linha, a transgressão das individual não é até o momento satisfatoria-
barreiras impostas pelos domínios das áre- mente determinada, nem o número preciso de
as teóricas compartimentadas e não arti- inteligências foi estabelecido. Parece-me, porém,
culadas, promovida por essa visão trans- estar cada vez mais difícil negar a convicção de
disciplinar, reverbera também na teoria das que há pelo menos algumas inteligências, que
Múltiplas Inteligências (M.I.) do psicólogo estas são relativamente independentes umas das
americano Howard Gardner, que encontra outras e que podem ser modeladas e combina-
voz nas proposições de Morin quando este das numa multiplicidade de maneiras adapta-
discorre sobre a condição multifacetada do tivas por indivíduos e culturas10.
ser humano: Para o autor, portanto, não somos iguais,
O ser humano é a um só tempo físico, nem temos o mesmo tipo de inteligência, por
biológico, psíquico, cultural, social, histórico. isso a educação se torna mais eficaz se essas di-
Esta unidade complexa da natureza humanas é ferenças forem levadas em consideração do que
totalmente desintegrada na educação por meio ignoradas ou negadas11. A inteligência se apre-
das disciplinas, tendo-se tornado impossível senta como um potencial biopsicológico que
aprender o que significa ser humano. É preciso pode ser ativado e estimulado em um cenário
restaurá-la, de modo que cada um, onde cultural com o propósito de solucionar pro-
quer que se encontre, tome conhecimento e blemas e criar mecanismos e benefícios, em
consciência, ao mesmo tempo, de sua identidade uma gama de possibilidades, para o próprio
complexa e de sua identidade comum a todos os cenário cultural. Em um enfoque mais espe-
outros humanos (MORIN, 2000). cífico, no que diz respeito à movimentação
Em um estudo inovador no campo da acerca dos assuntos ambientais, o reconhe-
psicologia cognitiva, Gardner afirma que o cimento da pluralidade de inteligências do
pleno desenvolvimento cognitivo do ser hu- ser humano leva a uma visão deste a partir de
mano deve ser estimulado, levando em con- uma plataforma de singularidades e especifi-
sideração um conjunto muito mais amplo de cidades, oriundas de condições ambientais,
sociais e culturais que também são estimu-
9 LEFF, E. Ecologia, Capital e Cultura: A territo- ladas mediante o respeito dessa pluralidade,
rialização da racionalidade ambiental. São Paulo: que é o elo fundamental de aproximação, de
Vozes, 2009.
10 http://chasqueweb.ufrgs.br/~leticiastrehl/
HowardGardner.pdf GARDNER (2000, p. 115)
11

CAPÍTULO 7 109
VER DE PERTO COM MUITAS LENTES
comunicação entre as partes, emissores e re- ações. Carregam a transversalidade como
ceptores, monitores e público-alvo. traço mais íntimo e marcante, por isso, o
É sobre esse terreno, cuja riqueza está na contínuo estreitamento do diálogo entre es-
multiplicidade e na diversidade ao mesmo sas disciplinas em projetos socioeducativos.
tempo em que nas singularidades e espe- Logo, esta aproximação, no que diz respeito
cificidades do ser humano e do meio que o à práxis, traz resultados positivos que permi-
cerca, que o Programa Verde Perto Educação tem alcançar satisfatoriamente os objetivos
encontra seu alicerce e força estrutural. propostos.

Destarte, a partir da articulação teórica te- Em outro artigo publicado pela revista
cida até aqui, construímos um pilar sólido de ARS, intitulado Arte-educação e meio am-
sustentação para o tema central deste artigo, biente: apontamentos conceituais a partir de
a arte-educação como instrumento colabo- uma experiência de arte-educação e educação
rativo para o êxito dos projetos socioeduca- ambiental12, as autoras Rizzi e Anjos desta-
cam a necessidade do diálogo inter e multi-
tivos na área da Educação Ambiental, tendo
disciplinar:
como objeto de análise as oficinas de artes
visuais desenvolvidas nos módulos II, III O trabalho dos arte-educadores no sentido
e IV do Projeto Verde Perto realizado pelo de despertar a consciência para o meio ambien-
Museu da Amazônia – MUSA no Jardim Bo- te não é menos importante. Temos que nos aliar
tânico de Manaus. a outros especialistas – sociólogos, ecologistas,
cientistas, geógrafos, bem como arquitetos, ur-
Arte-educação e Educação banistas, comunicadores, psicólogos e antro-
pólogos – na luta em busca do equilíbrio entre
Ambiental para Verde Perto preservação e desenvolvimento, que conduz a
O Projeto Verde Perto tem em sua estru- uma melhor qualidade de vida e do meio am-
tura pedagógica oficinas de artes visuais, mú- biente natural. Os problemas do meio ambiente
sica, teatro e contação de histórias. Diante de podem ser resolvidos apenas através de análise e
tal multidisciplinaridade uma ressalva se faz decisões multidisciplinares. A educação ambien-
importante: este artigo tem como enfoque as tal somente terá sucesso se envolver um grupo
atividades desenvolvidas no campo das artes multidisciplinar em processo interdisciplinar de
visuais e dinâmicas de grupos que objetiva- ensino/aprendizagem, atingindo assim a trans-
ram incentivar nas crianças e adolescentes a disciplinaridade (ANO 7, nº15, p.29).
floração de seus potenciais lúdicos e líricos. No mesmo artigo, as referidas autoras afir-
A Arte-educação e a Educação Ambien- mam que o pensar e o agir interdisciplinar se
tal são disciplinas alinhavadas pela mesma apoiam no princípio de que nenhuma fonte de
grande área, a Educação, e por isso compar- conhecimento é, em si mesma, completa e que,
tilham muitas características e perspectivas, pelo diálogo com outras formas de conhecimen-
porém adaptadas diante da natureza de suas to, de maneira a se interpenetrarem, surgem
novos desdobramentos na compreensão da rea-
lidade e sua representação13.
12
Artigo publicado na Revista ARS, nº 15 / Ano 7,
do Departamento de Artes Plásticas da USP. A condição básica para que se consiga
13
Idem. perceber um desenho positivo no que tange
110 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
à mudança de comportamento dos envolvi- vimento de todas as oficinas, pode-se assim
dos em projetos socioeducativos, aqui enfo- dizer, fundamentais para a estruturação da
cando um projeto de Educação Ambiental, metodologia aplicada e, por conseguinte, nas
é dar voz àqueles que são e serão os agentes atividades propostas, conforme o próximo
transformadores, as crianças e adolescentes item.
moradores do entorno do Jardim Botânico
de Manaus, público-alvo do Projeto Verde Metodologia aplicada às
Perto; estas atuam como protagonistas das
ações transformadoras que visam uma re-
oficinas de arte visuais
significação dos conceitos, das ações e de No planejamento das oficinas de artes vi-
soluções acerca da problemática ambiental e suais para o Verde Perto, a certeza que guiou
social que os afetam diretamente. a escolha das atividades, bem como seus mo-
Logo, todo o aporte teórico que possibili- dos de execução e transmissão, eram de que
tou a estruturação da metodologia aplicada o lúdico, o diálogo entre arte, brincadeiras e
no referido projeto encontra-se alicerçado jogos seriam a ponte que permitiria às crian-
no tripé: Transdisciplinaridade, Protagonis- ças e adolescentes envolvidos transitar entre
mo Juvenil e Educação Lúdica e, não obstan- o mundo existente e o mundo da imagina-
te, dialogam e convergem diretamente com ção, possibilitando que os conteúdos e as in-
a estrutura metodológica, a partir da qual formações transmitidos, ao invés de regras e
as oficinas de artes visuais foram pensadas. normas a serem seguidas, fossem estágios de
Estas oficinas, consequentemente, foram ela- aprendizagem gradativos e progressivos.
boradas privilegiando três eixos centrais: o As atividades lúdicas permitem às crian-
estímulo da percepção dos educandos envol- ças e adolescentes liberdade em perceber,
vidos – ambiental, artística e de si mesmos criar, refletir, de forma espontânea, buscan-
– as vivências lúdicas e as práticas coletivas. do respostas para seus problemas e procu-
Para isso, o cenário foi de fundamental rando novas formas para os desafios da vida,
importância. O projeto desenvolvido pelo do seu entorno e do planeta; possibilitam
Museu da Amazônia / MUSA fora posto em suas idas e vindas, a troca e a transformação,
prática no Jardim Botânico de Manaus, situ- promovem a descoberta de novas formas de
ado na Reserva Adolpho Ducke, um espaço atuação. Um encontro consigo mesmos, com
privilegiado que permite, num primeiro mo- os outros e com o Universo14.
mento e como impacto inicial, a integração A imaginação é um exercício que faz parte
direta das crianças e adolescentes com a da construção da visão de mundo pela criança
natureza, facilitando os processos de trans- e é uma forma própria de aprender. No desen-
missão e assimilação dos conteúdos teóricos rolar de brincadeira, a criança mistura o tempo
abordados. todo vivências que são imaginárias com decisões
Nesse cenário, as crianças rodeadas e circunstâncias que são corretas. Essa transpo-
pela cor da floresta, verde em seu vasto es-
pectro, pelos sons das plantas e dos animais A importância da atividade lúdica na Educação
14

– são aguçadas em suas percepções e sensa- ofertada por um projeto social: experiências e
ções, elementos primordiais para o desenvol- práticas de extensionistas – PUC/MG, 2010.

CAPÍTULO 7 111
VER DE PERTO COM MUITAS LENTES
sição imaginaria de situações, pessoas, objetos estar presente nessas palestras, pois podería-
ou acontecimentos ajuda a criança a interpretar mos perceber e compreender a interação das
e conhecer o mundo, e ainda a construir pensa- crianças com o conteúdo explanado, bem
mentos concretos. Fazer de conta é também um como detectar “in loco” quais os pontos que
elemento central da capacidade de resistência despertavam nelas maior interesse - um labo-
que as crianças possuem diante das situações ratório vivo de análise para a concepção das
(Pontifícia Universidade Católica de Minas oficinas e suas atividades.
Gerais, 2010). No entanto, ao optarmos em trabalhar
O imaginário é uma função essencial da não somente com o tema do módulo e das
potência de vida individual, da vida em so- palestras, mas em diálogo presencial com a
ciedade e das sociedades15. A partir da escri- palestra dos pesquisadores, tivemos alguns
tura da Carta da Transdisciplinaridade, em desafios: como desenvolver um projeto de
1994, a possibilidade de trazer a imagina- oficina e atividades, de antemão afinado com
ção para o campo do real e costurá-la nessa o módulo e a palestra, sem ainda termos o
colcha de retalhos que envolve o complexo embasamento que somente o contato com as
diálogo entre o seres humanos e o planeta, crianças, nas próprias palestras, poderia nos
ganhou espaço e projeção. Uma relação que, dar, a partir de suas interações e interesses?
ao invés de ser compreendida de forma di- Como traduzir, em atividades artísticas, os
cotômica, necessita ser compreendida pelos pontos de maior interesse das crianças? Con-
seus muitos e variados diálogos. sequentemente, como fazer com que as ativi-
dades propostas nas oficinas despertassem o
As oficinas de artes visuais estavam inseri- mesmo interesse das crianças que fora detec-
das na estrutura do Projeto Verde Perto, este tado nas palestras? Este último o maior desa-
desenvolvido por módulos com duração de fio, pois se conseguíssemos contribuiríamos
quatro semanas. Cada semana, por sua vez, e caminharíamos para o êxito do projeto.
seguiu um itinerário de atividades fixas; cada
dia destinado a uma atividade sendo deixa- A saída encontrada para vencer esses de-
dos os dois primeiros para as palestras cien- safios foi planejar as atividades ao mesmo
tíficas e trilha na mata e, os demais, para as tempo em que o próprio módulo acontecia,
ou seja, definir as atividades após o contato
oficinas.
com as palestras, de modo que não impri-
O que de inicial nos foi colocado e visto misse problemas de logística e execução para
por nós como fundamental para a oficina es- o projeto, diante do curto tempo disponível.
tar em consonância com os objetivos do pro-
Destarte, nos três módulos em que par-
jeto era que as atividades fossem pensadas e
ticipamos das oficinas de artes visuais pelo
desenvolvidas em cima do tema tratado na
projeto – Interação animal-planta; Arqueolo-
palestra dos pesquisadores em dia anterior
gia; Comunicação entre os organismos – foram
ao da realização da oficina. A partir disso
realizadas doze oficinas de artes visuais estru-
fomos além, definimos que seria essencial
turadas, de antemão, da seguinte forma: ati-
vidades práticas individuais e/ou coletivas;
http://unesdoc.unesco.org/ima-
15
dinâmicas de grupo – brincadeiras e jogos e
ges/0012/001297/129707por.pdf
exposição do material criado, respeitando o

112 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


seguinte itinerário: o primeiro tempo, com de esta composta por todos os envolvidos no
o desenvolvimento de atividades práticas projeto, profissionais, alunos e suas famílias
artísticas, e o segundo, após o intervalo para – pois, juntamente com as exposições dos
lanche, com o desenvolvimento das dinâmi- trabalhos artísticos promovidas pelas ofici-
cas de grupo. nas de artes visuais, as outras também de-
Para o primeiro módulo, Interação senvolviam atividades finais; teatro, dança e
animal-planta, fora desenhada uma proposta música. O módulo terminava em festa, con-
metodológica cujos objetivos primeiros fo- fraternização e a sensação de que ninguém, a
ram contemplar o diálogo entre os saberes - partir dali, seria o mesmo.
entre ciência e arte – o compartilhamento de
experiências, e a autonomia, tanto reflexiva
quanto criativa, das crianças e adolescentes
do projeto; uma autonomia que, no âmbito
das práticas artísticas propostas, fora sinôni-
mo de liberdade no criar.
As quatro oficinas desenvolvidas para esse
módulo, buscando esse entrelaçamento, de-
ram espaço para as crianças praticarem co-
letivamente, dividindo o mesmo espaço de
criação, ou mesmo em grupos de trabalho
- um movimento conjunto, coletivo, de tro-
cas de experiências e informações que per-
passam os domínios da arte e das questões
socioambientais.
O desenho, a pintura, o molde vazado, a
técnica de collage e a dobradura em papel
foram as linguagens escolhidas para serem
desenvolvidas no módulo em questão, e o
resultado foram trabalhos de refinada qua-
Figura 1. Pintura. Foto: Kika Gouvea
lidade plástica e expressiva, mas, sobretu-
do, coerentes com a temática colocada em
discussão. A interação através de dinâmicas
unia o grupo e despertava o companheiris-
mo. Essa interação unia o grupo e despertava
o companheirismo.
O último dia de cada módulo, momento
do encontro festivo de encerramento das
atividades, foi também o momento definido
para as exposições dos trabalhos executados,
durante a oficina pelas crianças; momento de
grande festa para a comunidade – comunida- Figura 2. Molde Vazado. Foto: Kika Gouvea

CAPÍTULO 7 113
VER DE PERTO COM MUITAS LENTES
Figura 3. Collage.
Foto: Kika Gouvea Figura 7. Exposição dos Produtos da Oficina.
Foto: Kika Gouvea
Nesse processo de externalização de suas
criações por parte das crianças e adolescen-
tes percebeu-se que os mesmos estavam en-
voltos por um sentimento de orgulho pelo
trabalho realizado; orgulhosos por poderem
mostrar tudo que fizeram para seus pais, ir-
mãos, professores e colegas, ao passo que,
com isso, replicavam e apresentavam o que
Figura 4. Dobradura. Foto: Kika Gouvea aprenderam, ao falar e explicar suas próprias
criações - Aprendizagem, replicação de co-
nhecimentos sem pressão de avaliação for-
mal e com sorriso no rosto!
O momento guardado à exposição per-
mitiu, portanto, um duplo efeito: valorizou
a autoestima dos jovens participantes e rea-
firmou e efetivou a apropriação conteudista
de tudo que foi tratado, ao longo do processo
Figura 5. Dinâmicas. Foto: Kika Gouvea pedagógico.
A partir desse desenho metodológico,
as demais oficinas realizadas referentes
aos dois módulos restantes, Arqueologia e
Comunicação entre os organismos, diante dos
resultados positivos apresentados no módu-
lo 1, seguiram a mesma estrutura estabeleci-
da no primeiro módulo, porém, com ativi-
dades artísticas moldadas de acordo com a
Figura 6. Apresentação de Encerramento.
Foto: Kika Gouvea temática de cada módulo.

114 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


Considerações Finais ram, de modo efetivo, no ganho cognitivo
dos educandos envolvidos e na aprendiza-
Nesse mesmo caminho, as práticas coleti- gem de técnicas artísticas diversas que lhes
vas fomentadas nas oficinas, ao invés de ati- permitirão comunicar com o mundo por
vidades individualizadas, agregaram valor e meio de múltiplas linguagens; tudo isso re-
flexo de uma Educação Ambiental “in loco”,
cujo contato direto com a floresta, com as
plantas, os animais, a natureza, em sua di-
mensão monumental, aliada à liberdade
dada às crianças e adolescentes envolvidos
em imaginar, criar e recriar, através da arte,
o meio ambiente, a floresta que os cerca,
permitiu a ampliação do imaginário simbó-
lico dos envolvidos e fomentou uma relação
de proximidade e de afetividade para com a
natureza, importantes e eficazes nas ações de
Figura 8. Modelagem em Argila. Foto: Kika
Gouvea preservação e conservação.
Mediante esse processo bem sucedido
aqui descrito, com sua tintura transdiscipli-
nar, lúdica e lírica, as oficinas de artes visu-
ais contribuíram, de forma profunda, para
o êxito do próprio projeto: sensibilizar os
envolvidos para o meio ambiente que nos
envolve de forma primeira, cujos elementos
permeiam nossas percepções e sensações
desde o nascimento, e nos acompanham...
As oficinas de artes visuais, portanto,
contribuíram de modo significativo para a
eficiência, eficácia e efetividade do projeto
Verde Perto, este que, com sua metodologia
Figura 9. Modelagem no Módulo Arqueologia. transversal, a partir do diálogo entre ciência
Foto: Kika Gouvea e arte, do estímulo sensório, comprovados
pelos resultados obtidos, conseguiu fixar o
vieram ao encontro dos objetivos do projeto,
discurso de proteção e apelo sentimental
no sentido de fazer com que os envolvidos
para com a natureza, a floresta e a qualidade
percebessem juntos, pensassem juntos, divi-
de vida, permitindo a possibilidade de pensar e
dissem o mesmo espaço de criação e repre-
de se pensar tecnicamente e filosoficamente, mas
sentação, a fim de despertá-los para trazerem
também e de novo, de imaginar e de se imaginar
soluções aos problemas que são coletivos,
simbolicamente16, bem como seu espaço, seu
nossos e que estão bem próximos.
entorno, o mundo em que vivem, resignifi-
Os resultados obtidos pelas oficinas se cando-os, transformando-os.
mostraram positivos, uma vez que auxilia-
CAPÍTULO 7 115
VER DE PERTO COM MUITAS LENTES
Longe de ser uma afirmação ideológica, Projeto esse do tamanho do excerto do
mascarada e carregada de visões otimistas poeta que nos fala, ao pé do ouvido, as coisas
no que tange à comprovação de resultados, da natureza, do barro, do verde, da terra, do
o fato de afirmarmos aqui que o enlace me- rio, dos pássaros, das crianças...
todológico entre Artes Visuais e Educação O mundo não foi feito em alfabeto.
Ambiental permitiu tais resultados, deve-
Senão que, primeiro,
se também aos resultados percebidos pelo
projeto, como um todo: a ampliação da so- em água e luz.
ciabilidade ansiada pelo projeto (dilatada Depois árvore17.
para além das relações entre os profissionais
Logo, quanto ao mundo, seguindo esta
envolvidos com os educandos, a partir da
“poetagem”, antes de transformá-lo em lin-
proximidade da família dos envolvidos com
guagem, seja ela científica ou artística é pre-
o projeto e, consequentemente, para com o
ciso que o percebamos primeiramente em
Jardim Botânico); melhoria do rendimento
sua nudez mais verdadeira, através do con-
escolar das crianças e adolescentes; o retor-
tato direto com a natureza, e foi isso que o
no dos mesmos ao Jardim Botânico, em uma
Programa Verde Perto, em sua multidiscipli-
frequência constante, tanto nas atividades
naridade e transdisciplinaridade, permitiu
promovidas pelo próprio projeto, quanto
que se alcançasse.
em outras atividades, ou mesmo para visita-
ções junto com seus familiares; e o aumento
da circulação de crianças e adolescentes não
participantes do projeto no Jardim Botânico.

16
http://unesdoc.unesco.org/ima-
ges/0012/001297/129707por.pdf
17
Excerto do poeta brasileiro Manoel de Barros.

116 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


Referências LOUSADA, V.L. Das ondas que se fizeram mar
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• Livros de Educação Ambiental no entrelaçamento
GARDNER, H. Inteligência – Um conceito re- das trajetórias de vida de seus autores. Porto
formulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. Alegre: Programa de Pós Graduação em Edu-
cação, UFRGS, 2006 (Dissertação de Mestra-
LEFF, E. Ecologia, Capital e Cultura: A territo-
do).
rialização da racionalidade ambiental. São
Paulo: Vozes, 2009. • Links
MORIN, E. O enigma do homem. Rio de Janei- http://chasqueweb.ufrgs.br/~leticiastrehl/
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BRENNAND, E. G. G. Pedagogia do Diálogo em
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do Centro Paulo Freire Estudos e Pesquisas,
Recife -PE, p. 1 - 2.
• Teses e Dissertações

CAPÍTULO 7 117
VER DE PERTO COM MUITAS LENTES
3694
7 CAPÍTULO VIII
Ver de Perto: Educação Ambiental
no Movimento Social de Base

129
Projeto Jovens como Protagonistas do
Fortalecimento Comunitário na Resex de Bairro
Juruá, Resex do Rio Jutaí e Flona de Tefé, AM.

Tatiana Maria Machado de Souza; Gabriella Calixto Scelza; Rachel Klaczco


Acosta
“Deixe-me ser jovem não me impeça de lutar,
pois a vida nos convida, a uma missão realizar...
Deixe-me ser jovem, ser livre pra sonhar,
Não reprima, não reprove o meu jeito de amar...
Fazer também a história e não ser ignorado,
preservar os meus valores e não ser massificado...
Não nasci para servir como peça de engrenagem
nem ser coisa que se vende ou se compra por vantagem...”
Fonte: Vambora Cantá – Prelazia de Tefé

O Contexto Histórico Regional

A região do médio rio Solimões, no estado do Amazonas, foi pal-


co de mais uma versão do Programa Verde Perto Educação. Para
compreendermos o contexto em que se desenvolveu o projeto “Jovens
como Protagonistas do Fortalecimento Comunitário na Resex do Baixo
Juruá, Resex do Rio Jutaí e Flona Tefé” daremos um passo atrás no pro-
cesso histórico desta região.
As décadas de 70 a 90 foram marcadas por atores chave para a concretização da gestão
grande mobilização social a nível internacio- participativa desses territórios.
nal. Explodiram diversos tipos de movimen-
tos populares que reivindicavam o fim do O Diagnóstico e a Busca de
autoritarismo e lutavam pelo direito à parti-
cipação social, à igualdade, e pela implemen-
Soluções
tação da democracia participativa. Em 2007 foi criado o Instituto Chico
Entre esses movimentos surgiu, na Ama- Mendes de Conservação da Biodiversidade/
zônia, o dos Seringueiros, que começou a ICMBio (Brasil, 2007), autarquia federal li-
chamar a atenção do Brasil e do mundo para gada ao Ministério do Meio Ambiente, que
as condições em que viviam as famílias extra- tem como missão a “Proteção do Patrimônio
tivistas e as consequências do modelo de de- Natural e Desenvolvimento Socioambien-
senvolvimento adotado pelo país. Em 1985 tal”. Sua principal atribuição é fazer a gestão
nasceu o Conselho Nacional de Seringueiros das UC Federais, anteriormente realizada
(CNS) que, com seus movimentos de resis- pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
tência (empates) e articulações políticas no dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA.
Brasil e no exterior, conseguiu progressos Através das conversas e troca de experiên-
consideráveis na reflexão sobre que tipo de cias entre os analistas ambientais no Núcleo
desenvolvimento se desejava para a região. de Gestão Integrada (NGI) de Tefé / ICM-
Essa luta resultou em muitos avanços que Bio, e entre estes e os moradores das UC,
dizem respeito aos direitos das populações entre 2009 e 2010, iniciou-se a identificação
tradicionais e à participação social como de problemas e potencialidades comuns en-
base da gestão das Unidades de Conservação tre algumas UC. Um dos principais diagnós-
(Allegretti, 2002). ticos levantados pelas equipes como causa
Enquanto isto, nesse período, a Igreja Ca- de dificuldades na gestão das UC de Uso
tólica teve marcante atuação junto aos mora- Sustentável foi a pouca qualificação e a des-
dores rurais da região do Médio rio Solimões. mobilização das associações e comunidades
Através do Movimento de Educação de Base locais, que por sua vez apresentavam grande
– MEB, a Prelazia de Tefé incentivava a for- dificuldade de renovação de suas lideranças,
mação de lideranças, a organização das famí- acarretando a centralização das demandas
lias em comunidades para a união destas na em poucas pessoas que se encontravam can-
reivindicação de direitos constitucionais bá- sadas e desestimuladas no desempenho de
sicos e na conservação dos recursos naturais suas atribuições junto ao movimento social.
visando à sustentabilidade socioambiental. A dificuldade de renovação de lideranças
Os trabalhos da Prelazia de Tefé e do CNS também está relacionada com as limitações
facilitaram a organização comunitária, a for- na educação formal nas comunidades, o que
mação de associações locais e, inclusive, a contribui para a grande evasão dos jovens
luta pela criação de UC de Uso Sustentável das UC para as cidades próximas em busca
na região. Ou seja, antes mesmo da criação de estudo, sendo que alguns não retornam.
e durante toda a implementação, as “asso- Sem embargo, as lideranças relataram que
ciações mãe” das UC de uso sustentável são o trabalho continuado realizado pelo MEB
120 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
foi fundamental para a sua formação enquan- vação; das oportunidades que a Resex ou a
to lideranças para a organização das comuni- Flona poderiam, ou não, trazer; não conhe-
dades e para a própria criação das RESEX. ciam o motivo e como as UC tinham sido
Preocupam-se com o fato dos jovens não decretadas; não compreendiam o que era
estarem interessados pela vida comunitária e tratado nas reuniões, oficinas e assembleias
pelas atividades das UC, acreditando que isto realizadas nas UC e não conseguiam visua-
enfraquece o movimento social na região e a lizar a relação que aqueles espaços tinham
autonomia das comunidades tradicionais na com a sua vida. Por tudo isto, não se interes-
gestão destas áreas. O pouco envolvimento savam em participar.
dos jovens acarreta, ainda, grande desânimo Uma interessante leitura feita por Manoel
das lideranças, que temem não haver pessoas Cunha, importante liderança extrativista, é
para dar continuidade ao seu trabalho. que os jovens não passaram pelas ameaças e
Em reuniões entre equipe a gestora e a ju- dificuldades que motivaram a luta dos pais e
ventude foi se percebendo que, apesar de sa- avós. Por terem nascido já numa área prote-
berem que moravam dentro de uma UC, não gida, com mais autonomia na comercializa-
tinham consciência do que isto significava; ção dos seus produtos, menos dependência
do que era de fato uma Unidade de Conser- dos regatões e com mais segurança de seus

Tabela I. Poesia composta por jovem durante o Projeto


Mundos
Heitor Mendonça Neto – Jovem Protagonista
Um dia em minha casa resolvi Há um mundo de políticos,
parar para um pouco pensar, e outros de eleitores,
foi aí que eu descobri e por causa da corrupção
quantos mundo é que há. os pobre é que arcam com as dores.

E vi que há muitos mundo, Há um mundo de tristeza,


dentro de apenas um só. pobreza e desigualdade.
Mundo que há injustiça, E outro em que a riqueza
pobreza de fazer dó. dos rico é a felicidade,

Há mundo de luxo, porque tem casa apartamento pra morar ,


riqueza e desigualdade, no outro a casa é de palha,
enquanto há outro mundo, se chover tudo vai molhar.
que a pobreza é a realidade. Tudo que há dentro dela
e até o que nela não há.
Há um mundo que pede,
outro que não dá. O mundo é mesmo assim,
Em um mundo há grana, bem dividido demais,
no outro não há. principalmente entre os “pobre”
“ricos” e outros demais,
como riqueza e pobreza,
tristeza e felicidade,
o trabalho e o dinheiro,
corrupção e honestidade.
O mundo é mesmo dividido
pela desigualdade.

CAPÍTULO 8 121
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
territórios, não entendiam a necessidade da lideranças, que já se apresentavam sobrecar-
organização social. Assim sendo, não se inte- regadas e cansadas, percebeu-se a necessida-
ressavam pela vida comunitária e pelas pos- de de trabalhar também com a juventude,
sibilidades de melhoria oferecidas pela UC. preparando-a para participar, de forma qua-
Mais uma questão relevante que se ob- lificada, do movimento social e da gestão
servou neste processo versa sobre a pouca participativa de suas áreas protegidas.
efetividade da comunicação entre institui-
Um marco para a estruturação do “Pro-
ções e comunidades, devido às diferenças no
jeto Jovens como Protagonistas do Fortale-
tipo de linguagem, regionalismos ou jargões
cimento Comunitário” foi o I Ciclo de Ca-
empregados, que dificultam a compreensão
mútua. pacitação em Gestão Participativa - CCGP
(www.icmbio.gov.br), uma iniciativa do
O artigo 225 da Constituição Federal de
ICMBio e Programa Áreas Protegidas da
1988 (Brasil, 1988) e o Sistema Nacional de
Amazônia (ARPA), em parceria com a Co-
Unidades de Conservação, Lei 9.985/2000
(Brasil, 2000) e Decreto 4.340/2002, tra- operação Alemã - Deutsche Gesellschaft Für
zem um notável avanço jurídico no que diz Internationale Zusammenarbeit (GIZ). O
respeito à participação social na gestão am- ciclo, com uma edição a cada ano, tem como
biental. Porém, observa-se que existe uma objetivo principal contribuir para a supe-
relevante discrepância em nossa sociedade ração do desafio de ampliar a participação
no que diz respeito à capacidade e à qualifi- social no gerenciamento de áreas protegidas
cação de intervenção e interferência nas to- por meio de ciclos de capacitação na temáti-
madas de decisão. Por isso a necessidade de ca para técnicos responsáveis pelas áreas pro-
esforços em processos educativos que visem tegidas. Ao final do ciclo, os alunos escrevem
minimizar o desnível entre os atores sociais e realizam um projeto de intervenção local
nos diferentes espaços de participação social para conclusão de curso.
na gestão ambiental pública.
Uma analista do NGI Tefé participou do
A partir do diagnóstico realizado, os ana-
primeiro CCGP e teve a oportunidade de
listas ambientais das UC de Uso Sustentável
construir a presente iniciativa, junto de ou-
do NGI Tefé começaram a desenhar estraté-
tros analistas da Resex do Baixo Juruá, Resex
gias de fortalecimento comunitário e de ges-
tão participativa. Este processo inicialmente do Rio Jutaí e Flona de Tefé e do colabora-
se deu através da realização de capacitações dor Leonardo Rodrigues, na época profes-
pontuais que foram sendo articuladas, discu- sor da Universidade Estadual do Amazonas
tidas internamente na equipe do ICMBio e (UEA). A adesão imediata desta equipe foi
junto às associações e comunidades das UC. imprescindível para elaboração e implemen-
Rapidamente, viu-se a necessidade de estru- tação do projeto. Que, além disso, contou
turar ações estratégicas com objetivos claros com apoio da Divisão de Gestão Participati-
e com a possibilidade de monitoramento va (DGPAR) e Coordenação Regional (CR)
de resultados. 02 do ICMBio. O apoio institucional ao Pro-
Observando que destas capacitações par- jeto “Jovens Protagonistas” foi determinante
ticipavam, via de regra, as poucas e mesmas para sua viabilidade.
122 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
A Metodologia, a Construção tema trabalhado, por meio de oficinas de arte-
-educação, além de dinâmicas, intercâmbios,
e a Estrutura do Projeto apresentações, entre outros.
Baseado na metodologia do “Programa O Programa Verde Perto é fortemente
Verde Perto Educação”, o Projeto “Jovens inspirado na Teoria das Inteligências Múlti-
como Protagonistas do Fortalecimento Co- plas de Howard Gardner (Gardner 1994) e
munitário na Resex do Baixo Juruá, Resex na complexidade ambiental de Leff e Morin
do Rio Jutaí e Flona de Tefé, AM” objeti- (Leff 2003; Morin 2002). Segundo Gardner
vou estimular o fortalecimento comunitário (1994) “...quando um tópico é ensinado de
através da provocação de um conjunto de formas variadas, cada pessoa assimila melhor
conhecimentos e vivências aos jovens das algumas delas. Inversamente, se alguém ficar
UC envolvidas, fomentando a renovação restrito a uma única forma de conceito e apre-
de lideranças. sentação, sua compreensão tenderá a ser mais
A metodologia do Programa Verde Perto superficial”.
Educação (Rodrigues, 2008) é sustentada O “Projeto Jovens Protagonistas” foi ela-
no tripé: Protagonismo Juvenil – Os próprios borado a partir do pressuposto de que o
jovens moradores e usuários das UC devem entendimento do contexto em que os mo-
sugerir temas e propor atividades para serem radores das UC estão inseridos, o acesso a
realizadas no projeto; Transdisciplinaridade informações históricas e técnicas sobre as
– Vários temas e áreas do conhecimento são áreas protegidas, suas ferramentas de gestão,
abordados nas atividades do projeto, como a consciência da importância da organização
legislação, conservação, ferramentas de ges- comunitária e a oportunização de momen-
tão, saúde, comunicação popular, história, tos agradáveis para promover a coesão do
artes e cultura etc; e Educação Lúdica – Inter- grupo, através da troca de saberes e cons-
caladas às atividades teóricas, e às palestras, trução coletiva de conhecimentos, são base
são realizadas atividades lúdicas ligadas ao para a emancipação e inclusão social. Teve

Tabela 2. Objetivos, metas e indicadores do Projeto “Jovens como Protagonistas do


Fortalecimento Comunitário”.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS METAS INDICADOR
1) Desenvolvimento do protagonismo juvenil • Realização de 5 módulos em • Quantidade de produtos gerados
2) Diagnósticos: cada umas das 3 UC, durante nas atividades
- Diagnóstico dos principais entraves e esses módulos, identificação e • Quantidade de atividades
potencialidades à gestão participativa das construção de mais 5 módulos. acontecidas por iniciativa dos
UC por jovens comunitários, residentes e • Realizar a semana de ciência participantes
do entorno arte e cultura no encerramento
- Identificação de pessoas com perfil de • Bônus: Intercâmbio entre as UC
liderança (1 semana)
- Identificação da participação dos jovens • Bônus: Apresentação em
na gestão da UC antes e depois do projeto Brasília
3) Estimular a emergência de novas lideranças
4) Formar multiplicadores do projeto nas
comunidades
5) Aumentar a capilaridade e comunicação
entre ICMBio e moradores das UC
6) Bônus: Envolver professores

CAPÍTULO 8 123
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
por meta propiciar maior envolvimento dos possibilitando o acesso das comunidades às
moradores das Unidades, principalmente os políticas públicas de geração de renda e in-
jovens, com as questões comunitárias, forta- clusão social.
lecendo as associações que os representam Interessante ressaltar que, em abril de
por meio do sentimento de pertencimento 2011, após serem provocados pela equipe
e apropriação. gestora a proporem ações que pudessem
A facilitação do diálogo entre comunitá- interessar aos jovens da FLONA de Tefé, os
rios e analistas poderia, ainda, fornecer sub- jovens da comunidade São João do Mulato
sídios para identificação de pontos fracos e abraçaram a proposta do projeto. Responsa-
fortes na efetividade da gestão por parte do bilizaram-se por mobilizar a comunidade e
ICMBio, dos Conselhos Gestores e das As- organizar um primeiro dia de atividades, nas
sociações, buscando encontrar estratégias quais o ICMBio estaria presente para saber o
para fortalecer a gestão participativa. que interessava a eles e como pensavam que
Utilizaram-se os trabalhos de Rodrigues seria possível chamar a atenção dos jovens
(2008), Kisil (2004) e Neumann (2004) para as questões comunitárias, como mostra
como referencial teórico. a figura 1.
Os objetivos do Projeto, metas e indica- Na finalização deste 1° encontro na Flona
dores, estão apresentados na tabela 2 e serão foi definida uma pequena agenda de ativi-
discutidos durante a apresentação do desen- dades junto aos jovens da comunidade. Os
volvimento e dos resultados. mesmos se comprometeram a montar uma
apresentação com o tema “Fortalecimento
O projeto foi construído participativa-
Comunitário” para a Assembleia Extraor-
mente, consultando jovens, lideranças e
dinária das associações de moradores dos
moradores das comunidades das UC en-
volvidas, entre janeiro e maio de 2011. Em três rios que compõem a FLONA de Tefé.
cada UC este processo foi realizado de uma Estava planejada, nesta reunião, a unificação
forma diferente: na Resex do Baixo Juruá destas em uma só associação, quando reali-
foram realizadas reuniões com moradores e zariam a eleição da nova diretoria unifica-
jovens das comunidades Antonina, Botafo- da. Desde o primeiro momento ficou
go, Forte das Graças e Cumaru e com a As- nítido o potencial que tinha a proposta de
sociação dos Trabalhadores Rurais de Juruá trabalho com os jovens para envolvimen-
(ASTRUJ); na Flona de Tefé, com jovens da to comunitário, proporcionando um espa-
comunidade São João do Mulato; na Resex ço de diálogo e aproximação entre jovens,
do Rio Jutaí, com a diretoria da Associação crianças, antigas lideranças e famílias intei-
dos Produtores de Jutaí (ASPROJU) e com ras com o órgão gestor da UC e possíveis
jovens da comunidade Marauá. As reuniões instituições parceiras.
objetivaram levantar o interesse de adesão ao A primeira versão do projeto tinha o
projeto e os temas e oficinas que gostariam título “Jovens como atores no fortalecimento
de trabalhar. Foram também discutidos o comunitário”. A palavra protagonismo ficou
cenário de dificuldade de renovação de lide- tão presente e incorporada aos jovens que o
ranças e a necessidade de fortalecimento e nome do projeto mudou, desde os primeiros
qualificação das organizações sociais locais, encontros, para “Jovens como Protagonistas
124 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
no Brasil e o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação;
III) Módulo SNUC “Micro”: detalhamen-
to das especificidades da UC em questão;
IV) Módulo Ferramentas de Gestão I:
Conselhos Gestores;
V) Módulo Ferramentas de Gestão II:
Plano de Manejo e Plano de Uso.
Outros cinco módulos ficaram previstos
com temas e oficinas à escolha dos partici-
pantes do Projeto, identificados durante os
módulos básicos. Estes cinco módulos pro-
postos pelos comunitários poderiam ser di-
ferentes entre as UC.
Cada módulo do Projeto teve duração
média de dois dias (16 horas). No módulo
I, a justificativa, os objetivos e a metodologia
foram apresentados aos participantes. Nes-
se momento de introdução, foi enfatizado
que a participação de cada um dos jovens é
motivada por interesse pessoal, ou seja, “vai
Figura 1. Programação do encontro realizado quem quer”. Outra importante questão tra-
por jovens da comunidade São João do Mulato/ balhada no módulo inaugural diz respeito
FLONA Tefé. à responsabilidade. Nossa proposta é que
os jovens sejam protagonistas do fortaleci-
do Fortalecimento Comunitário”. Os parti- mento comunitário. Para tanto, eles devem
cipantes do Projeto se autodenominam “Jo- ser protagonistas da construção e condu-
vens Protagonistas”. ção do próprio Projeto. Assim, desde o co-
meço os jovens são corresponsabilizados
Considerando o diagnóstico realizado en-
para o desenvolvimento de todas as ativi-
tre 2009 e 2010, as contribuições dos jovens,
dades previstas e construídas ao longo de
associações e demais moradores de comuni- sua implantação.
dades das três UC no primeiro semestre de
Os outros quatro módulos predetermina-
2011, a equipe de coordenação se reuniu em dos foram escolhidos a partir do diagnóstico
maio de 2011 e definiu os cinco módulos bá- interno da equipe organizadora. Foram le-
sicos para o Projeto, citados abaixo. vantados quais temas favoreceriam a gestão
participativa das UC. Assim percebeu-se que
I) Módulo de apresentação do Projeto;
deveríamos familiarizar os participantes com
II) Módulo SNUC “Macro”: crise civi- a questão ambiental planetária; o surgimen-
lizatória, a questão ambiental no mundo e to das legislações ambientais, em especial o
CAPÍTULO 8 125
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
SNUC; o histórico da criação de cada uma ensinava como confeccionar os bonecos e as
das UC envolvidas e suas ferramentas de técnicas de apresentação teatral. Em segui-
gestão, em destaque, o Conselho Gestor e o da, os participantes preparavam e apresen-
Plano de Gestão. tavam seus conhecimentos teóricos através
Os temas dos outros módulos escolhidos do teatro de bonecos. As atividades de arte
pelos participantes seriam pensados, discu- educação foram fundamentais para favorecer
tidos, propostos e votados em momentos a apropriação e a apreensão dos conteúdos
específicos durantes os encontros. Quando teóricos levados e transmitidos a cada en-
diagnosticados temas e atividades lúdicas de contro, para os jovens participantes; através
interesse dos participantes, havia uma dis- das apresentações dos jovens nas diversas
cussão e eram votados. Definindo o assunto linguagens avaliamos a qualidade do proces-
so cognitivo.
teórico e a oficina lúdica que a maior parte
dos participantes queria trabalhar, a equipe Na verdade, as oficinas geram um triplo
organizadora buscava profissionais que po- ganho, pois 1) resignificam o conteúdo te-
deriam contribuir em sua realização. órico das palestras e exposições dialogadas,
potencializando o ganho cognitivo do tema
Em cada módulo era previsto apresenta-
trabalhado; 2) oportunizam o contato com a
ção teórica de um tema, através de conver-
técnica de cada oficina, desenvolvendo uma
sas e palestras seguidas de atividades lúdicas
habilidade, instrumentalizando uma forma
(oficinas de arte educação, apresentações e
de expressão e possibilitando uma alternati-
dinâmicas) e intercâmbios, que permitem a
va de lazer, ou mesmo profissional; 3) mo-
utilização de diversos tipos de linguagem. As
tivam a constante participação por ser uma
oficinas de cada módulo eram escolhidas pe-
atividade agradável e leve, aumentando o in-
los jovens independentemente, entre as UC.
teresse e assiduidade nas atividades.
Assim, todos os assuntos teóricos eram re-
trabalhados através de outra linguagem. Por Neste sentido, é muito importante o mo-
exemplo, ao falarmos do estabelecimento do derador ter habilidade de costurar diversas
SNUC como uma estratégia e ferramenta linguagens. A este moderador cabe a missão
legal voltada para a preservação e conserva- de explicar a concepção metodológica para
ção ambiental, podemos retomar o tema da os responsáveis pela parte teórica, lúdica e
palestra utilizando músicas que tratem da arte educativa e realizar a facilitação para que
necessidade de cuidados ambientais, ima- a evolução do processo de aprendizagem
gens que ilustrem situações de degradação através das diferentes linguagens trabalhadas
ou de equilíbrio ambiental, filmes sobre de seja fluida e orgânica, durante o módulo, e a
Unidades de Conservação, dentre outras lin- abordagem dos instrutores não seja desco-
guagens alternativas. nectada. Esta é uma habilidade que pode ser
treinada e exercitada, e é ponto fundamental
Além disso, propúnhamos que os partici- para a qualidade dos resultados.
pantes transformassem o que aprenderam,
ou o que já sabiam, numa linguagem artística
através do ferramental trabalhado na oficina
Desenvolvimento do projeto
de arte-educação. Ou seja, se a oficina do Partindo do pressuposto da importância
módulo era teatro de bonecos, o instrutor de uma capacitação continuada, onde os te-
126 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
mas geradores trazidos tenham correlação Ainda assim, o Projeto, de antemão, co-
e continuidade no processo de construção loca a liberdade, a não obrigatoriedade de
dos conhecimentos, habilidades e atitudes, é participação nas atividades. É o Projeto “vai
desejável que os participantes acompanhem quem quer”, não vale nota na escola nem ou-
todos os módulos propostos. Os convites tro tipo de “prêmio”, e possivelmente este é
para cada encontro eram cuidadosamente um dos diferenciais que propiciam a partici-
produzidos para chamar a atenção e mobili- pação. Os jovens são motivados pelo prazer
zar a participação. de estarem juntos construindo sua formação.

Tabela 3. Temas e oficinas realizados nas 3 UC.


FLONA TEFÉ RESEX BAIXO JURUÁ RESEX RIO JUTAÍ
TEMA OFICINA TEMA OFICINA TEMA OFICINA
Teatro, poesia, Apresentação/ Teatro de Apresentação/
“Nossa vida, Teatro de bonecos,
exposição de Construção do bonecos, Fotos, Construção do
Preservação” Fotos, Filmes, etc
desenhos Projeto Filmes, etc Projeto
Apresentação / SNUC “Macro”: SNUC “Macro”:
Teatro de bonecos,
Construção do pensando a Desenho pensando a Desenho
Fotos, Filmes, etc
Projeto questão ambiental questão ambiental
Jornal, fotografia, SNUC “Micro”: A
Comunicação SNUC “Micro”: A
rádio e Jornal Resex do Baixo Poesia Poesia
Popular Resex do Rio Jutaí
mural Juruá
Saúde Desenho Conselho Gestor Teatro Saúde Dança
SNUC “Macro”: Construção de
pensando a Boneco Fantoche Saúde Dança Conselho Gestor Teatro
questão ambiental usando lixo
SNUC “Micro”: A
Teatro de bonecos Associativismo Jornal mural Plano de Manejo³ Livre
FLONA Tefé
Dinâmicas e
Curso de Formação
Conselho Gestor Teatro Plano de Manejo³ Livre construção de
Política³
projetos
Construção de Construção
Música, Poesia,
“Caça Talentos” Projeto pelos coletiva de
Dança
jovens projetos
Avaliação de 1
ano do projeto,
comemoração Dinâmicas e
Curso de
dos 23 anos Fotos construção de
Formação Política³
FLONA Tefé, projetos
aniversário do
Dione
Plano de Manejo³ Livre
Construção de Construção
Projeto pelos coletiva de
jovens projetos
Curso de Dinâmicas e
Formação construção de
Política³ projetos

CAPÍTULO 8 127
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
O número de vagas não é limitado, para pos- dulos na Resex do Rio Jutaí, conforme a ta-
sibilitar a participação de quantos jovens se bela abaixo.
interessarem pelas atividades. Pudemos no- Em caráter ilustrativo, seguem algumas
tar que o número de presentes crescia a cada imagens de encontros em cada uma das UC
encontro, sendo que a grande maioria dos que realizaram o Projeto, mostrando a utili-
jovens retornava nos encontros posteriores. zação de diversas linguagens.
Ocorreram 12 módulos na Flona de Tefé, As Figuras 2 a 10 e a Tabela 4 são imagens
9 módulos na Resex do Baixo Juruá e 7 mó- ou produtos dos módulos I e II na Resex do
Baixo Juruá, com oficina de desenho.

Figura 4. Teatro de bonecos: questão ambiental.


Figura 2. Palestra questão ambiental no mundo. Arquivo da Resex do Baixo Juruá.
Arquivo da Resex do Baixo Juruá.

Figura 3. Palestra legislações ambientais. Figura 5. Construção de linha do tempo.


Arquivo da Resex do Baixo Juruá. Arquivo da Resex do Baixo Juruá

Figura 6. Oficina de desenho. Arquivo da Resex do Baixo Juruá

128 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


Figura 7. Teatro questão ambiental local.
Arquivo da Resex do Baixo Juruá.

Figura 9. Desenho sobre o tema. Arquivo da


Resex do Baixo Juruá.

Figura 8. Desenhando. Arquivo da Resex do


Baixo Juruá. Figura 10. Atividades de integração. Arquivo da
Resex do Baixo Juruá.

Tabela 4. Música composta durante o encontro.


NOSSA VIDA EM JOGO
Francildo Lima e Antonio Marcio Nascimento
Somos dois compositores Todo o povo está sofrendo
Decididos a escrever Com tanta desmatação
O futuro do planeta Leonardo veio de longe para chamar nossa atenção
Que a gente tem que vencer Alertando que nós cuidemos
Os animais estão morrendo Com a nossa preservação
Precisamos ajudar Comunidades estão unidas
Que o mundo não se acabe Com muita dedicação
Precisamos preservar Ajudar é boa coisa
O futuro do planeta vem em primeiro lugar E tem muita união
Olha minha gente Pois o mundo é que padece
Onde o lixo vai jogar Com tanta poluição
Pra não causar nenhum dano Terminamos nosso encontro
Que possa prejudicar Com amor no coração
É a nossa vida em jogo neste planeta
Pra manter boa saúde
Precisamos nos cuidar

CAPÍTULO 8 129
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
As figuras 11 a 17 e tabelas 5 e 6 são imagens do módulo III na Resex do Rio Jutaí, com
oficina de poesia.

Figura 11. Convite para encontro de jovens. Arquivo da Resex do Rio Jutaí.

Figura 12. Entrevista sobre a Resex. Arquivo da Figura 14. Música para animação. Arquivo da
Resex do Rio Jutaí. Resex do Rio Jutaí.

Figura 13. Trabalhos em grupo. Arquivo da Figura 15. Cantoria animada. Arquivo da Resex
Resex do Rio Jutaí. do Rio Jutaí.

130 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


Figura 16. Sarau de poesias. Arquivo da Resex Figura 17. Sarau de poesias. Arquivo da Resex
do Rio Jutaí do Rio Jutaí

Tabela 5. Poesia composta durante o encontro.


Poesia Jutaí escravizado
Autor: Francisco Nazareno Mendes da Silva
Antigamente homens e mulheres ribeirinho viviam no alto E os patrões pensavam logo esse povo todo é meu.
rios, Tinha muita coisa complicada o pior era a doença,
igarapés, alguns ainda estão lá, são ex seringueiros e os Pois só tinha um padre que dava assistência
ex madeireiros. Mandado por Deus um homem muito inteligente.
Os seus domicílio eram feitos de madeira, muito mal Vivendo na escravidão o povo pensava de ir embora,
arrumado. mas o seu transporte não era ideal.
Por gostar muito do rio achavam que estava bem Como não sabiam fazer canoa viajavam em casca de pau
guardado. Pensando na escravidão que os mesmos tinham passado.
Os homens trabalhavam dia e noite, para conseguir o Um olhou para o companheiro e disse vamos fazer um
mantimento roçado.
Quando o patrão chegava dizia que não era suficiente. Arrochar chumbo nos rendeiros para vivermos mais
As mulheres reclamavam, meu Deus que sofrimento, libertados
meu marido trabalha tanto e nós não temos nem o Mas depois do acontecido, logo veio o clamor
sustento Sete mortos foram levados no convés do motor
Saúde não existia, por isso ninguém sabia, Depois do ocorrido aí veio a recompensa
as mulheres quando saíam grávidas não faziam o pré natal, O povo ficou liberto e aí acabou a escravidão
pois mesmo tendo bebê em casa seu parto era legal. Hoje o povo vive feliz com direito de cidadão.
A educação passava longe, por isso ninguém aprendeu.

Tabela 6. Poesia composta durante o encontro.

RESEX DO RIO JUTAÍ

I II
Meu querido Jutaí, Chico Mendes, o grande guerreiro
Como é bom morar aqui! Homem inteligente, a floresta amou.
Grupo de jovens unidos Juntava gente no empate
Comunitários amigos E a floresta preservou.
Patrimônio e união No estrangeiro foi falar
Riqueza e preservação. Onde todos aprenderam
Igarapé, lago e praia À floresta respeitar.
A mata vou preservar. Morreu pela natureza
Na reserva do Jutaí Deixando grande tristeza.
É bom de morar e gostar. Sua mensagem está viva...
Meu querido Jutaí Viva Chico Mendes, viva!
Como é bom morar aqui! Viva João Batista, viva!

CAPÍTULO 8 131
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
As figuras 18 a 26 ilustram o módulo IV
na Flona Tefé, com oficina de teatro.

Figura 22. Conversa com conselheiros da Flona.


Arquivo da Flona Tefé.
Figura 18. Participantes no mesmo barco. Ar-
quivo da Flona Tefé.

Figura 23. Aquecimento ideológico. Arquivo da


Flona Tefé.
Figura 19. Apresentação sobre o conselho.
Arquivo da Flona Tefé.

Figura 24. Teatro sobre questão da educação.


Figura 20. Trabalho em grupo – dúvidas. Arquivo da Flona Tefé.
Arquivo da Flona Tefé.

Figura 21. Aquecimento ideológico. Arquivo da Figura 25. Trabalho paralelo com crianças.
Flona Tefé Arquivo da Flona Tefé.

132 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I


O quinto módulo básico do Projeto, so-
bre Plano de Manejo e Acordo de Gestão,
foi realizado na comunidade Bom Jesus, na
FLONA Tefé, num grande intercâmbio. Um
barco transportou os jovens de Jutaí, e outro
barco transportou os jovens de Juruá, que so-
mados aos jovens da FLONA compuseram
um encontro com aproximadamente 150
participantes. Além do desenvolvimento do
tema discutido, este encontro proporcionou
um importante momento de ampliação da
articulação, integração e troca de experiên-
cias, entre jovens e lideranças da região do
Figura 26. Árvore da arte educação ambiental. Médio Solimões, como mostram os produ-
Arquivo da Flona Tefé.
tos abaixo.

Tabela 7. Música composta durante o encontro.


CONHECER PARA PARTICIPAR
(trabalho em grupo)
PARA IMPLEMENTAR TODAS AS RESERVAS
O PLANO DE MANEJO TÊM QUE PLANEJAR
É PRECISO CONHECER E PARTICIPAR E O PLANO DE MANEJO, REALIZAR

TODAS AS RESERVAS PARA CONSERVAR (3X)


TÊM QUE PLANEJAR É PRECISO DE DOCUMENTAÇÃO
E O PLANO DE MANEJO, REALIZAR PRA FAZER VALER
A CONSERVAÇÃO
PARA IMPLEMENTAR
O PLANO DE MANEJO AS COMUNIDADES TÊM QUE PARTICIPAR
É PRECISO CONHECER E PARTICIPAR PARA O PLANO DE MANEJO SE REALIZAR
PARA ISSO ACONTECER, VAMOS CONSERVAR

PARA CONSERVAR (3X)

Figura 27. Foto da turma. Arquivo da Flona Figura 28. “Flor do planejamento” Plano de
Tefé. Manejo. Arquivo da Flona Tefé.

CAPÍTULO 8 133
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
Tabela 8. Poesia composta durante o encontro.
ESTE ENCONTRO
Heitor de Castro Neto
Para todos vocês E agora agradeço
Quero que preste atenção À Deus por este bonito momento
Vou falar deste encontro Pelos nossos parceiros
Que foi um verdadeiro encontrão E pelos nossos alimentos
O encontro foi animado E pelos jovens visitantes
Muito mais divertido Que tornaram lindo este evento
Conheci diversos jovens Quero falar obrigado
De alguns me tornei ate amigo Ao Astro e ao Leo
Teve troca de experiência Pra Ana e a Rachel
Com muita união E pra nosso amigo Rafael
Teve os professores que falaram sobre plano de gestão. Agradece também a nossa querida Gabi
Juruá veio em peso, jutaí mais ainda E falar à Flona, ao Juruá e Jutaí
Veio jovens bem alegres e muita menina linda Que por favor não parem por aqui
Veio até jovem Que elaborem um projeto
Que é muito experiente Para o jovem cada vez mais evoluir.
Que tem capacidade
Pra ser liderança competente

O último módulo oficial do Projeto foi locais de fortalecimento comunitário com o


realizado em decorrência da participação objetivo de exercer o papel de protagonistas
de duas analistas da equipe de coordenação e multiplicadores.
do projeto, um jovem da RESEX do Baixo
Juruá e um colaborador no I Curso de For- Os Resultados
mação em Educação Ambiental na Gestão
Sem dúvida, um dos resultados do Proje-
Pública da Biodiversidade (ICMBio), em
to Jovens nestas UC foi o aumento da capila-
2011. Este módulo não havia sido pensado
ridade na relação ICMBio-comunidade, es-
inicialmente, mas no decorrer dos trabalhos
tabelecendo elo de confiança e promovendo
começamos a visualizar a necessidade de
um canal de diálogo, antes quase inexistente
realizar uma formação política deste grupo. com o público desta faixa etária. Através do
Assim, foi desenhado um módulo-curso que jovem, os assuntos abordados passaram a en-
chamamos de “especialização” para os 10 trar na comunidade e nas casas das famílias
participantes que mais se destacaram, sendo residentes, atraindo adultos e antigas lideran-
8 a 9 vagas para jovens e 1 a 2 vagas para lide- ças a participarem dos encontros de jovens.
ranças antigas de cada UC. O curso ocorreu O Projeto propiciou, portanto, um espaço de
em março de 2013, com duração de 6 dias, diálogo, entre as diferentes gerações, muito
e teve os seguintes objetivos: Desenvolver rico e essencial para o fortalecimento dos
uma visão crítica acerca das relações de po- laços, a troca de experiência e a valorização
der e do contexto político atual; Analisar for- dos conhecimentos locais. Além disto, os en-
mas e níveis de participação social e refletir contros agregavam a participação de pessoas
sobre a inserção das comunidades locais nos de diferentes comunidades da UC, fortale-
processos participativos de tomada de deci- cendo a união entre elas. Os intercâmbios de
são na gestão da UC; Planejar intervenções jovens e lideranças entre as três UC também
134 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
foram bastante ricos para o reconhecimento atividades, participação em comitês de orga-
territorial, a identificação de que a realidade nização (limpeza, animação etc), até o inte-
e a maioria das necessidades e desafios das resse e envolvimento em reuniões comuni-
UC são bem parecidos, mostrando a conve- tárias, reuniões de conselho gestor das UC,
niência de fortalecer a articulação entre elas. assembleias da associação, fóruns e cursos
Retornando aos indicadores estabele- de educação ambiental. A cada encontro os
cidos, podemos constatar numerosos pro- jovens desenvolviam a oratória, perdiam a
dutos gerados durante os módulos, como timidez de se expressar e fortaleciam a união
desenhos, músicas, poesias, peças teatrais do grupo. As dinâmicas e oficinas que en-
e de fantoches, notícias jornalísticas, vídeo- volvem corporalidade, como teatro e dança,
-entrevistas, dentre outros. Diferente de ou- foram muito bem avaliadas para a integração
tras versões do Programa Verde Perto, onde e envolvimento de todos, fazendo com que
se soltassem, desenvolvendo a capacidade
um mesmo tema pode ser trabalhado com
de falar em público e ficando mais à vontade
várias oficinas de arte-educação, as quais
para participar.
repetem semanalmente de forma contínua,
permitindo o seu aprimoramento, aqui, de- Aos poucos, os jovens foram se organi-
vido às dificuldades logísticas características zando em reuniões próprias, independentes
da região, pudemos viabilizar somente uma dos encontros, planejando, organizando e
oficina para cada tema gerador. Apesar dis- realizando ações, tomando as rédeas do Pro-
to, percebemos a abertura e a facilidade dos jeto Jovens como Protagonistas do Fortaleci-
jovens em expressar, através de linguagens mento Comunitário. Aproveitaram o Proje-
artísticas, sua compreensão sobre um tema, to como uma oportunidade de aprendizado
ou assunto, abordado teoricamente. e desenvolvimento de habilidades que serão
úteis às suas vidas e à vida da comunidade.
Deste modo, o conhecimento é constru-
A experiência de organizar um encontro de
ído coletivamente, pois cada um expressa
jovens, por exemplo, foi muito rica para eles,
seus saberes sobre um determinado assunto
pois puderam exercitar a articulação neces-
da maneira com que mais se familiariza, nos
sária à busca de quaisquer melhorias para
diferentes espaços de discussão do Projeto.
suas comunidades. Tiveram que mobilizar
Poesias e músicas apareciam em quase todos
os participantes, parceiros, escrever docu-
os encontros independentemente da oficina mentos e ofícios, providenciar recursos para
realizada no módulo. A interpretação destes alimentação e deslocamento dos participan-
produtos expressa a compreensão dos jovens tes, organizar o espaço, planejar o evento,
quanto aos assuntos trabalhados. Apresentar moderar o encontro. Um grupo de jovens
todos estes resultados daria um livro a parte, fez apresentação de poesias e músicas ela-
mas podemos ver alguns exemplos na figura boradas durante os encontros de jovens, na
9 e nas tabelas 1 e 4 a 8. feira agroextrativista realizada pela Prefeitu-
Um resultado crucial do Projeto foi o de- ra Municipal, na sede da cidade; outro grupo
senvolvimento pessoal dos jovens. A cada deu palestras em escolas municipais e esta-
encontro, pudemos notar o desenvolvi- duais. Este tipo de iniciativa contribuiu para
mento do protagonismo, desde pequenas a divulgação e sensibilização do público dos
atitudes, como auxílio na organização das municípios acerca das UC, sua importância
CAPÍTULO 8 135
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
e contribuição social e ambiental. Estas ati- resse dos jovens. Nós queremos seguir neste
vidades, o “poder fazer”, realimentam a auto- desempenho com os colegas no Conselho”;
estima e o sentimento de confiança de que “A gente quer participar porque os assuntos
“são capazes”, de que são atores importantes discutidos aqui são de muita importância
na sociedade, cidadãos que podem fazer a di- pra gente”. E, com apoio das lideranças, as
ferença na qualidade de vida de suas próprias cadeiras foram aprovadas: “Nosso futuro é
comunidades. o jovem; tive a oportunidade de participar
Esta afirmação se concretiza em fatos. de um encontro e vi que a gente tem que dar
Jovens que, ainda no início do Projeto, se oportunidade para eles, pois eles têm com-
candidataram e foram eleitos como diretores petência e compromisso para ajudar nossa
de associação de moradores de UC. Ou co- caminhada”; “acompanhei a caminhada do
meçaram a participar do dia-a-dia das asso- grupo, os trabalhos que eles estão concluin-
ciações mãe das UC, auxiliando em diversas do e avalio que uma cadeira para os jovens no
atividades, desde secretariado, até apoio à Conselho vai fortalecer o próprio Conselho,
comercialização de produtos. Posteriormen- pois eles são uma oportunidade de ajuda em
te começaram a representar os moradores da relação a muitas coisas que o Conselho dei-
UC em eventos como congressos e confe- xa de realizar por falta de pernas, além disto,
rências. vai estimular que tragam outros jovens, aju-
dando a renovação de lideranças”. A vontade
No módulo sobre conselhos gestores, e compromisso dos jovens em assumir uma
os jovens foram provocados a teatralizar cadeira no Conselho Gestor e o apoio e re-
uma reunião de Conselho, desde a escolha conhecimento da legitimidade desta solici-
das pautas e dos representantes de cada co- tação por parte dos demais comunitários e
munidade e instituição, até a simulação da lideranças da RESEX são um dos principais
reunião. Muito interessante que os assuntos resultados que o projeto colhe, pois mostra
escolhidos para suas peças, nas três UC, fo- que os jovens internalizaram os objetivos das
ram assuntos recorrentemente levantados UC, entenderam suas ferramentas de gestão
pelas comunidades nas reuniões reais. Por e estão motivados a dar continuidade à luta
isso, após suas discussões durante o exer- socioambiental.
cício, os jovens de uma das UC resolveram
elaborar uma carta que foi encaminhada ao Outro destaque, promovido pelos jovens
Conselho Deliberativo da UC em questão, de uma das UC, foi a elaboração do diagnós-
com sugestões de ação. Posteriormente, os tico acerca do cenário da educação nos mu-
jovens solicitaram oficialmente uma cadeira nicípios e entrada com Ação Civil Pública no
para o grupo no Conselho Gestor de duas Ministério Público Federal e Estadual sobre
UC. Numa das UC, quando indagados so- a questão da educação nas comunidades.
bre o interesse, a disponibilidade e porquê Atualmente estão planejando a realização de
uma cadeira específica para os jovens, ao um seminário regional de educação, articu-
invés de serem conselheiros de suas comu- lando para que os diagnósticos sejam realiza-
nidades, eles disseram: “hoje estamos aqui dos em UC de outros municípios da região
na reunião com este objetivo de conseguir a do médio rio Solimões e calhas. O objetivo é
cadeira no Conselho para representar o inte- fazer uma mesa de debate com comunidades
organizadas e os poderes públicos munici-
136 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
pais, estaduais e federais em busca de melho- como responsáveis pela construção da sua
rias para educação rural. história, propondo ações que se articulam
Percebemos que, à medida que o Projeto com a associação e outros atores sociais, na
avança, os jovens se empoderam cada vez busca por melhoria da qualidade de vida das
mais. Assim, eles vão se tornando protago- comunidades da UC. Na oportunidade do
nistas de forma mais clara e explícita e come- “curso de EA na Gestão Pública da Biodiver-
çam a perceber e assumir seu protagonismo, sidade”, eles avaliaram e reescreveram seus
também no movimento social e na gestão projetos, dando continuidade e aprimoran-
participativa das UC em que residem. do a maioria das atividades e acrescentando
outras.
Em 2012, um “jovem protagonista”, foi in-
dicado e eleito para a Secretaria da Juventude Na RESEX do Baixo Juruá, o projeto “Jo-
da Diretoria Nacional do Conselho Nacional vens Protagonistas pela Educação Ambiental
das Populações Extrativistas (CNS). A dire- e Desenvolvimento da Reserva Extrativista
toria do CNS tem 27 cargos e, atualmente, do Baixo Juruá” tem 5 linhas de ação, a sa-
representa nove estados da Amazônia. Fo- ber: 1) Secretariado da ASTRUJ e estágio
ram unânimes as colocações entusiasmadas com os diretores, para aprenderem na prá-
de pessoas de diferentes partes do Amazonas tica a administrar uma associação, 2) Apoio
que reiteraram a dificuldade de renovação de à ASTRUJ na comercialização de pescado e
lideranças como um grave risco à continui- outros produtos da agricultura familiar, para
dade da luta extrativista. E defenderam que melhorar o arranjo da comercialização das
a experiência e o trabalho continuado que o principais fontes de renda, 3) Encontro nas
Médio Solimões tem realizado para a forma- comunidades com temas escolhidos por elas,
ção de lideranças devem ser aproveitados e para aumentar e fortalecer o grupo de jovens
expandidos para outras regiões. Este foi um e levar às comunidades assuntos que sejam
fato marcante, pois mostra a apropriação do relevantes para elas, 4) Ações de educação
Projeto pelo movimento social organizado, ambiental nas escolas municipais e estadu-
resultado muito desejável. ais da sede de Juruá, com ciclo de palestras
anual, programas de rádio e saídas de campo,
Para organizar as ações de continuidade divulgando o trabalho de conservação reali-
que estavam sendo realizadas, os jovens es- zado na Resex e estreitando relações com o
creveram projetos, com apoio do ICMBio município, 5) Diagnóstico da educação na
e associações de moradores citados abaixo. Resex e participação no Seminário de Edu-
Estes projetos são independentes entre as cação organizado pelos jovens da Flona Tefé.
UC, atendendo o momento do grupo e as
demandas elencadas como prioritárias em Na FLONA Tefé, a segunda fase do Pro-
cada uma delas. Assim, as atividades aconte- jeto “Jovens Como Protagonistas do For-
cem hoje por iniciativa dos próprios jovens, talecimento Comunitário” tem os seguin-
demonstrando que o Projeto alcançou seu tes subprojetos: 1) Campanha “Amigos da
principal objetivo: Fortalecer a organização FLONA” para divulgar e valorizar a FLONA
comunitária através do seu envolvimento nas Tefé nos municípios de Tefé e Alvarães, atra-
atividades da UC. As atividades empreendi- vés de divulgação da UC e do ICMBio na
das por eles mostram que se reconhecem rádio, confecção de materiais de divulgação,

CAPÍTULO 8 137
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
eventos nas escolas, exposições fotográficas fora do estado. Além disto, em parceria com
e páginas na internet; 2) Fortalecimento dos Instituto de Desenvolvimento Sustentável
grupos de jovens, através da realização dos Mamirauá (IDSM) e Universidade Estadual
encontros, cursos e intercâmbios; 3) Forma- do Amazonas (UEA) os jovens estão sen-
ção técnica e profissionalizante, buscando do capacitados para participar de pesquisas
apoio para a capacitação da população da científicas. Todas estas ações, têm o duplo
FLONA de Tefé e 4) Busca por educação de ganho de ampliar as experiências profissio-
qualidade, baseada no estudo das legislações nais dos jovens e contribuir para implemen-
e políticas públicas específicas e realização tar os objetivos das UC.
do I Seminário de Educação das Comunida- O Projeto teve outro benefício interessan-
des das UC do Médio Solimões e Entorno. te: trouxe estímulo e ânimo ao dia-a-dia de
Na RESEX do Rio Jutaí, o Projeto “Forta- trabalho dos servidores que o coordenaram.
lecimento da Educação por meio da Valori- Contando com uma equipe insuficiente, a
zação Cultural Local incluindo a Religião e possibilidade de trabalhar de forma integra-
Proteção Ambiental” tem como objetivos: da entre três UC é instigante e potencializa a
1) Mobilizar e divulgar o Projeto Jovens, qualidade das atividades. Os resultados apre-
mostrando aos pais e professores a impor- sentados acima fizeram com que este fosse
tância do Projeto e dos jovens participarem o “projeto-motivação” da equipe organiza-
das atividades da RESEX, 2) Realizar encon- dora, que recebeu muitos retornos dos seus
tros periodicamente, para fortalecer a união esforços neste terreno fértil da juventude.
do grupo, 3) Sensibilizar e envolver a Secre- Para a consolidação dos resultados, o
taria de Educação nas atividades do projeto. Projeto Jovens como Protagonistas do For-
As ações efetuadas mostram que os jovens talecimento Comunitário da Resex do Baixo
têm discernimento e capacidade de atuação Juruá, Resex do Rio Jutaí e Flona Tefé deve
na gestão da UC. Hoje, o ICMBio atua so- continuar nas três UC, já que a formação de
mente como orientador e apoiador das ativi- lideranças é um processo contínuo. Porém os
dades que são executadas pelo grupo. jovens já experimentaram que podem buscar
sua própria qualificação para o aperfeiçoa-
Além destes resultados, podemos citar:
mento de suas ações, seja para gerir uma as-
maior participação da juventude em cursos
sociação, seja para conduzir processos edu-
de manejo de recursos naturais e no moni-
cativos, seja para acessar políticas públicas
toramento da pesca de pirarucu manejado;
etc.
organização dos eventos de soltura de que-
lônios; participação em reuniões de planeja- Elementos que podem influenciar
mento pedagógico de escolas para inserir o os resultados:
tema das UC nas aulas e em reuniões da Câ- 1) Número de encontros: O número de
mara dos Vereadores levando as demandas encontros influencia positivamente no ga-
das comunidades; grupos de jovens de algu- nho cognitivo, pela maior quantidade de
mas comunidades foram formados e outros momentos de troca e aprendizagem. Além
que já existiam só em teoria, começaram a disto, quanto mais encontros, mais os jovens
existir efetivamente; participação em cursos, fortalecem seus laços de amizade, fazendo
eventos, intercâmbios e seminários dentro e com que o grupo fique mais coeso. Mais en-
138 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
contros significam mais momentos para dis- próprios jovens, eles o reaplicassem nas ou-
cutir suas necessidades, refletir, amadurecer tras regiões das UC.
as ideias e planejar ações que transformem 4) Instrutores e moderador: Para o de-
suas realidades. Pudemos perceber mais re- senvolvimento das atividades, precisa-se de
sultados nas Unidades com maior quantida- pessoas qualificadas, que dominem os conte-
de de encontros. Porém, resultados puderam údos teóricos e de arte-educação escolhidos.
ser notados mesmo na UC que teve menor Assim, muitas vezes precisamos convidar
número de módulos, havendo a avaliação de colaboradores externos qualificados para
que com este Projeto os jovens começaram tratar de algum tema ou ministrar alguma
a se interessar na prática pela Reserva e vida oficina. O papel do moderador que faça a
comunitária, começando, aos poucos, a exer- ligação entre linguagens teóricas e lúdicas,
cerem protagonismo nas atividades da UC. dentro de um módulo e de diferentes temas
2) Recursos financeiros, humanos e estru- entre módulos, de forma didática, é impres-
cindível para dar fluidez ao processo de en-
turais disponíveis e a logística: Quanto mais
sino-aprendizagem dos jovens. O papel de
complicada a logística, como é o caso desta
um educador com este perfil, na equipe de
região da Amazônia, mais recursos humanos
coordenação, é essencial e auxiliará o acom-
e financeiros são necessários para imple-
panhamento pedagógico dos jovens durante
mentar a proposta. Infraestrutura adequada
todo o projeto.
também influencia nos resultados. Quando a
UC não tem locais adequados, restando lo- 5) Característica do grupo de participan-
cais pequenos, pouco ventilados e ilumina- tes: os resultados do projeto estão relacio-
dos para as ações pedagógicas, a cognição é nados também à pró-atividade, capacidade
de organização e mobilização dos próprios
comprometida.
jovens. Grupos de jovens com uma caracte-
3) Oportunizar a participação x flutuação rística prévia de protagonismo apresentam
de público: As dimensões amazônicas difi- resultados desde o início do projeto, organi-
cultam o deslocamento. Por isso, a escolha zando sozinhos, ou auxiliando, a organização
do local dos encontros pode ser determinan- de encontros, ou outras atividades. Percebe-
te para a presença de certos grupos. A equipe se ainda que o acompanhamento e apoio das
organizadora e os próprios jovens se preocu- lideranças mais antigas também estimulam o
param em oportunizar o comparecimento protagonismo juvenil. Os momentos em que
da maioria das comunidades. Porém, a pre- houve a participação das atuais lideranças
ocupação desde a concepção do Projeto era foram avaliados muito positivamente pelos
que os participantes acompanhassem todos jovens, que não tinham tido este tipo de es-
os módulos, percorrendo o fio lógico que os paço que oportuniza escutar as experiências
liga, evitando que o grupo fosse formado por e histórias. Esta troca de experiência, onde
um público flutuante, o que atrapalharia a os mais velhos podem assumir a formação
sua coesão e o processo de ensino-aprendi- dos jovens na própria comunidade, é funda-
zagem. Assim, a equipe priorizou a qualida- mental para as UC.
de do processo educativo em alguns setores, 6) Faixa etária: Ficou nítido em todas as
para que, com a apropriação do Projeto pelos UC que existe uma grande demanda por se
CAPÍTULO 8 139
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
realizar trabalho também com as crianças. O início da internalização da proposta
Porém, é importante a divisão por faixa etá- como diretriz de Educação Ambiental para o
ria para um maior aproveitamento dos mó- público jovem de Unidades de Conservação
dulos pelos jovens. Por isso, a equipe técnica e entorno, a nível nacional, concretiza-se no
considera importante a realização de ativi- “Programa de capacitação de jovens lideran-
dades paralelas com as crianças, sempre que ças multiplicadoras, em Unidades de Con-
possível. A participação dos professores tam- servação federais, com três Projetos pilotos
bém é altamente estimulada, pois são poten- de construção participativa - uma UC de
ciais parceiros e multiplicadores dos temas proteção integral e duas UC de uso sustentá-
abordados. vel” do ICMBio. Este produto foi inspirado
7) Continuidade do projeto: como já foi no Projeto Jovens Protagonistas / Verde Per-
dito, a proposta educativa para formação de to e traz o passo-a-passo para a construção
lideranças e para o fortalecimento comuni- e execução desta metodologia de educação,
tário deve ser pensada como um processo oportunizando sua ampliação para diferen-
contínuo. Qualificar a atuação desses jovens tes realidades. O programa balizará as ações
e demais moradores de UC que participaram educativas com o público jovem, no âmbito
da primeira fase, através da instrumentaliza- de ação do ICMBio, mas sua aplicabilidade
ção de suas ações planejadas (capacitação transcende as Unidades de Conservação.
em contabilidade, organização de documen- Também importante para este processo é
tos, trabalho em grupo e divisão de tarefas, a apropriação do “Projeto Jovens como Pro-
planejamento, construção e submissão de tagonistas do Fortalecimento Comunitário”
projetos etc) e envolver outros jovens e mo- pelo movimento social, como o caso do CNS
radores que não participaram da primeira que tem a ampliação do Projeto para outras
versão do Projeto é muito importante para UC como objetivo da sua diretoria nacional
ampliar e consolidar os resultados. de juventude.
Desejamos que este capítulo contribua
A Continuidade e Conclusões para o desenvolvimento de iniciativas de
Quando conheceu o Projeto em 2012, o ações educativas que acontecem no Brasil e
então presidente do CNS, Manoel Cunha, no mundo. E gostaríamos de receber retor-
disse que esta iniciativa “deveria virar Políti- nos com críticas, perguntas e sugestões para
ca Pública”, por notar o grande envolvimen- o aprimoramento de nossas atividades.
to dos jovens que participam do projeto com
suas UC e com a questão socioambiental de Agradecimentos
forma geral. Paralelamente, através dos rela- Dos ótimos resultados alcançados damos
tórios divulgados, o ICMBio-sede fortalecia os créditos e agradecemos à equipe do NGI
cada vez mais seu apoio ao Projeto pela veri- Tefé pela integração; aos jovens destas UC e
ficação dos resultados, enquanto colegas de ao ICMBio que abraçaram a proposta desde
outras Unidades, ou Centros de Pesquisa, o seu início; aos pais, lideranças, associações
começaram a demandar a construção de um (ASTRUJ, APAFE e ASPROJU) e secreta-
processo semelhante em diferentes regiões rias municipais de educação e saúde de Juruá
do país. e Jutaí pelo apoio; ao PNUD, WWF, ARPA
140 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
e Projeto Corredores Ecológicos pelo apoio KISIL, R. 2004. Elaboração de projetos e propos-
financeiro; a todos os colaboradores, pales- tas para organizações da sociedade civil. São
trantes e oficineiros do Projeto Jovens, em Paulo: Global.
especial ao professor Leonardo Rodrigues, LEFF, Enrique (org). et al. A complexidade am-
pelas orientações na idealização e auxílio biental. São Paulo: Cortez, 2003.
para a implementação do projeto. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. Rio de Ja-
neiro: Bertrand Brasil, 2002.
Referências NEUMANN, L. T. V. 2004. Desenvolvimento
comunitário baseado em talentos e recursos
ALLEGRETTI, M. H. 2002. A construção social locais – ABCD. São Paulo: Global; IDIS.
de políticas ambientais – Chico Mendes e o
movimento dos seringueiros. Tese de douto- RODRIGUES, L. S. 2008. Promovendo Edu-
rado, Brasília, CDS, UnB. 881p. cação Ambiental por Meio das Inteligências
Múltiplas: O Programa Verde Perto. Brasília.
BRASIL, 1988. Constituição Federal, Artigo 225. Anais IV Encontro Nacional da Anppas.
Brasília.
www.icmbio.gov.br
BRASIL, 2000. Lei no 9.985 de criação do Siste-
ma Nacional de Unidades de Conservação - http://jovemcomoprotagonista.blogspot.com.
SNUC. Presidência da República, Casa Civil. br/
BRASIL, 2007. Lei no 11.516 de criação do Ins- https://www.facebook.com/jovens.comoprota-
tituto Chico Mendes de Conservação da Bio- gonistas
diversidade – ICMBio. Presidência da Repú- https://www.youtube.com/watch?v=ezjGFLx-
blica, Casa Civil. g-aQ
GARDNER, H. Estruturas da Mente: a teoria
das inteligências múltiplas. Rio de Janeiro:
Artmed, 1994.

CAPÍTULO 8 141
VER DE PERTO: EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MOVIMENTO SOCIAL DE BASE
54 33
3 CAPÍTULO IX
A Educação para Jovens na Gestão
do Patrimônio Socioambiental

DS12
Brasileiro: Teoria e Prática
Ana Luiza C. B. Figueiredo; Tatiana M. M. Souza; Fabiana Prado;

“Uma árvore cai com um grande estrondo.


Mas ninguém escuta a floresta crescer.”
Provérbio senegalês

1. Educação Ambiental no Âmbito do Sistema


Nacional de Unidades de Conservação

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) – Lei


9985/2000 – aponta, entre seus objetivos, o de “favorecer condi-
ções para promover a educação e interpretação ambiental”, e ainda, como
uma de suas diretrizes, “assegurar a participação efetiva das populações lo-
cais na criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação”.
Atualmente, o órgão executivo responsável pela gestão das Unidades
de Conservação é o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiver-
sidade (ICMBio). Criado pela Lei 11516/2007, o ICMBio tem a atribui-
ção de executar as ações da Política Nacional de Unidades de Conserva-
ção da Natureza, e, entre seus objetivos, “fomentar e executar programas de
pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação
ambiental”.
Na atual estrutura organizacional do ICMBIO (www.icmbio.gov.br)
existe uma Coordenação de Educação Ambiental (COEDU), espaço
da institucionalidade da Educação Ambiental (EA) que vem sendo, aos
poucos, reconquistado desde a fragmentação do Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IBA- A prática da educação no processo de
MA) e extinção da antiga Coordenação gestão ambiental, formulada no âmbito do
Geral de Educação Ambiental (CGEAM) e IBAMA, é fundamentada no pressuposto de
dos Núcleos de Educação Ambiental (NEA) que a gestão ambiental é um processo de me-
(LOUREIRO et al., 2013). diação de interesses e conflitos entre atores
No ICMBio, a COEDU orienta suas sociais que agem sobre os meios físico-natu-
ações sob as bases filosóficas e conceituais ral e construído. Segundo Quintas (IBAMA,
da educação, que toma o espaço da gestão 2000), para pôr em prática uma proposta pe-
ambiental pública como locus privilegiado dagógica emancipatória, no espaço de gestão
de construção de conhecimentos, habilida- do meio ambiente, o educador tem que ser
des, atitudes, valores, ações e práticas, objeti-
comprometido com a causa ambiental e com
vando o controle social do ordenamento do
a educação transformadora e dialógica.
uso dos recursos ambientais. Constitui sua
identidade político-pedagógica com base na Outro documento referência para a prá-
Educação Ambiental Crítica e Emancipató- tica de ações de EA em Unidades de Con-
ria (LAYRARGUES, 2012; LOUREIRO, servação é a Estratégia Nacional de Comu-
2004) e sua identidade operacional na práti- nicação e Educação Ambiental em Unidades
ca da gestão ambiental pública. de Conservação (ENCEA). Essa estratégia,
A tomada de consciência, o desenvolvi- elaborada pelo MMA como desdobramento
mento de habilidades e atitudes envolvem do Plano Nacional de Áreas Protegidas (De-
um processo crítico em que o educando é o creto 5758 de 2006), aponta caminhos para
sujeito de sua aprendizagem, a partir de uma consolidar a participação social nos proces-
ação educativa libertadora que desafia o ser sos de criação, gestão e implementação das
humano à transformação. Numa perspectiva Unidades de Conservação a partir dos se-
paulofreireana, isso significa dizer que, o ser guintes princípios: o pensamento crítico, a
humano reconhecendo-se como sujeito de
emancipação, o pertencimento, a justiça am-
sua própria educação, terá autonomia para
biental e a ética.
construir o saber a partir de suas experiên-
cias, somando-as ao que lhe é transmitido A concepção pedagógica adotada pela
e procurando sempre a sua superação. Na COEDU é uma orientação aos trabalhos nas
temática meio ambiente, a educação apare- Unidades de Conservação (UC) federais,
ce não somente como elemento estruturan- porém, há distintas linhas de EA adotadas
te de uma concepção, mas também, como que são respeitadas pela Coordenação, haja
instrumento de transformação das ações no vista a diversidade de locais e contextos em
cotidiano da população. A educação popu- que trabalham os gestores do ICMBio.
lar aglutina suas práticas voltadas para o sen-
tir/pensar/agir dos homens, mergulhando A COEDU implementa sua base concei-
em sua subjetividade para a construção de tual através de um curso de formação para
cidadania numa sociedade fundada na so- servidores, moradores e parceiros das UC
lidariedade, justiça e participação de todos com a temática de Educação Ambiental na
(VASCONCELOS, 1997). Gestão Pública da Biodiversidade.
144 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
2. A Educação Ambiental perspectivas de assumir posições estratégicas
e de liderança na sociedade, boa capacidade
voltada ao público jovem em cognitiva e visão de mundo em formação,
Unidades de Conservação além de possuir muitos sonhos e aspirações.
Contudo, no cenário atual das Unidades
A Educação Ambiental, como um de Conservação, o que geralmente se perce-
tema transversal, tem um amplo be é uma juventude desmobilizada e pouco
papel na formação cidadã e é base envolvida na gestão das UC. Empiricamente
para a construção de uma sociedade é possível afirmar que isto se dá em virtude:
sustentável. Porém, observa-se uma certa de erros históricos no processo de criação
dificuldade em colocar em prática as das UC; da falta de interesse ou mesmo de
teorias educacionais, de materializar os compreensão por parte dos jovens da impor-
conceitos e intencionalidades da educação. tância dessas áreas nas quais estão inseridos;
Planejando, executando, analisando, da falta de oportunidades, espaços e projetos
avaliando as diferentes experiências de para despertar neles o interesse e o sentido
educação ambiental será possível aprimorá- de pertencimento, para que se instrumenta-
las, articulá-las, desenhando propostas lizem e atuem na gestão das UC.
mais robustas, continuadas, fortalecidas e
Somam-se a este cenário órgãos gestores
estruturadas.
de UC das distintas esferas governamentais
No Brasil, as demandas dos jovens entra- fragilizados em recursos financeiros e hu-
ram recentemente na agenda das políticas manos; lideranças comunitárias antigas des-
públicas. Esse público tem demonstrado a gastadas ou sobrecarregadas e o desconheci-
determinação necessária para ocupar lugar mento de grande parte da população sobre
de destaque no processo de desenvolvimen- a importância desse patrimônio público, de
to do país (Secretaria Nacional de Juventu- valor imensurável, que são as Unidades de
de, 2014). Conservação.
No que diz respeito à inserção desse pú- Nas palavras de Manoel Cunha, do Con-
blico no debate sobre a sustentabilidade al- selho Nacional das Populações Extrativistas
mejada para este desenvolvimento, cumpre (CNS) e uma das mais importantes lideran-
destacar que ele se constituiu em uma das ças dos povos extrativistas da Amazônia, as
explicações da força da Educação Ambiental lideranças comunitárias, além de produzir,
brasileira no início do século XXI, quando precisam saber gerenciar (As citações de
houve um alto índice de renovação e de reco- Manoel Cunha são transcrições de conversas
nhecimento da relevância do papel da juven- gravadas em 2012).
tude, sobretudo através dos Coletivos Jovens “Esse gerenciamento algumas vezes é po-
pelo Meio Ambiente e da Rede Juventude e lítico, algumas vezes é produtivo, algumas
Meio Ambiente - REJUMA (MMA – texto vezes de conflito, outras vezes é para a cria-
base Educomunicação, 2008). ção de Unidades de Conservação, ou para o
A juventude se destaca, pois se encon- fortalecimento da organização social... a lide-
tra em uma fase da vida com maior tempo rança está sempre gerenciando alguma coisa.
disponível, iniciando a independência, com A grande pressão do uso de recursos, na déca-
CAPÍTULO 9 145
A EDUCAÇÃO PARA JOVENS NA GESTÃO DO PATRIMÔNIO
SOCIOAMBIENTAL BRASILEIRO: TEORIA E PRÁTICA
da de 70-80, na Amazônia, gerou uma gama 3. A proposta educativa
de instituições e lideranças fortes. Porém,
sem preparação. A gente sofreu muito, por-
Verde Perto
que saímos do toco das árvores, onde se fazia A proposta educativa Verde Perto está
o extrativismo, para gerenciar. Eu saí da noite calcada na promoção de espaços de diálogo
para o dia, dessa água pro vinho, ou do vinho intra e intergeracionais e na formação de cír-
pra água, e foi um choque muito grande por- culos de aprendizagem. Para tanto, são pre-
que, por falta da escolaridade, a gente não vistos encontros sequenciais complementa-
tinha conhecimento para gerenciar. Mas nós res que despertam a curiosidade, promovem
não nos tornemos liderança por achar boni- o diálogo, a integração, o aumento da autoes-
to, foi por necessidade. O surgimento dessas tima e a consciência do significado e da im-
lideranças foi de 30 anos pra cá. Quem está portância de sua participação e conduta na
há 12 anos, 20 anos (nessa luta), se cansa. busca por melhoria da qualidade de vida em
Diz um dizer que ‘o que os olhos não veem suas comunidades e/ou territórios.
o coração não sente’. Os jovens, muitos deles, O diálogo entre jovens e a aproximação
já nasceram meio nesse ‘mar de rosas’, onde entre eles e o universo das UC, por meio de
não havia mais o conflito, a ameaça de morte, linguagem e métodos adequados, incenti-
essa coisa toda, e parece que essa luta, essa va-os a tomarem para si responsabilidades e
necessidade de ser liderança, não despertou a protagonizarem atividades que antes atri-
tão rápido no meio da juventude, porque ‘pa- buíam aos seus pais ou às antigas lideranças.
rece que essa é uma coisa do meu pai. Eu já me Esses jovens não necessariamente estiveram
criei com meu pai fazendo isso. Ele está dando envolvidos nos processos de criação da UC,
conta, isso é com meu pai. Eu tenho que estu- de seu Plano de Manejo ou Conselho ges-
tor, ou seja, nos espaços institucionalizados
dar eu tenho que ir pra outros lugares’. E isso
para o desenvolvimento da gestão partici-
foi uma perda muito grande, mas as grandes
pativa. Empoderar esses jovens é o objetivo
perdas servem pra gente refletir, avaliar e pla-
final do projeto. Criar um espaço educador
nejar. Eu acho que esse enfraquecimento da
não formal, legítimo, para promover a qua-
organização em muitos lugares fez a gente
lificação, a integração e a reflexão de modo a
avaliar a importância de envolver o jovem prepará-los para participar da gestão da UC e
nesse processo. Às vezes a gente imagina de seu território.
que os jovens não querem, mas na verdade a
Neste Projeto e, conforme descrito em
gente dá muito pouca oportunidade para os
outros capítulos, a aprendizagem se dá por
jovens e quando a gente dá a oportunidade,
meio da educação lúdica, o que permite a
elas são naquela visão de que eles são jovens
apropriação e interpretação facilitada dos
e não vão dar conta”.
conteúdos abordados. Em cada UC, ou em
É neste contexto que se insere a concep- cada território, no momento de construção
ção Verde Perto, como proposta de sensibi- do projeto local, a definição dos conteúdos
lização, formação de novas lideranças e de considera: as demandas e interesses dos jo-
estímulo à continuidade da luta pela conser- vens; do órgão gestor da UC; as provenien-
vação da sociobiodiversidade. tes do contexto socioambiental em que se
146 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
insere esta área protegida e as possibilidades decisão, e encontrarem caminhos para a luta
de conteúdos oferecidas por parceiros e co- por seus direitos.
laboradores que dialoguem com o objetivo Além disto, o Verde Perto tem potencial
do Projeto. para transcender os territórios da UC: pode
Desta forma é que questões relacionadas ser desenhado para o trabalho com jovens
ao SNUC, ecologia de espécies e educação que vivem no meio urbano, ou no meio rural,
sexual, apenas para citar como exemplos, se e para distintas classes sociais, inclusive para
mesclam na formatação final do conteúdo outras faixas etárias. O Verde Perto pode,
do projeto. Estes temas, ao serem trabalha- ainda, ser idealizado a partir de outros temas
dos em módulos sequenciais, asseguram o geradores e não apenas partindo da temática
propósito da continuidade: não se resumem de Unidades de Conservação.
a uma intervenção isolada e descontextua- A proposta educativa busca transcender
lizada, e, quando cumprem seus objetivos, o “conteudismo”, com saberes desconecta-
não se encerram ao final dos módulos previs- dos; gerar contrapontos ao senso comum,
tos. Prosseguem na atuação e inserção desses estimulando e exercitando leituras críticas a
jovens nos espaços comunitários e fóruns de respeito de todo tipo de informação recebi-
decisão. da. Uma concepção que conecta diferentes
saberes, levando em consideração saberes
É nesta perspectiva que, para conclusão
locais e científicos, cidadania, justiça am-
da parte do projeto que cabe às instituições
biental, política e artes, visando a formação
proponentes, recomenda-se que o último
de cidadãos atuantes, críticos, fortalecidos
encontro seja organizado e coordenado pe-
para serem protagonistas na sociedade. Pro-
los próprios jovens e que, nesse momento
voca o olhar por diferentes lentes de saber,
final, eles elaborem projetos de intervenção
refletindo a complexidade socioambiental,
local de atuação na gestão da UC, incluindo
ampliando a visão de mundo e da realidade,
o planejamento de captação de recursos. contribuindo para que cada cidadão possa
Deve-se destacar que o Verde Perto pode tomar decisões e rumos, na sua vida e na
ser trabalhado, tanto em Unidades de Uso vida de sua comunidade, conscientemente.
Sustentável, quanto de Proteção Integral. Trazendo o mundo das ideias, a base concei-
Durante os últimos 30 anos, o debate sobre tual, para a prática, o Verde Perto oferece um
pessoas e parques evoluiu da necessidade ferramental metodológico que possibilita a
de expulsão e reassentamento das popula- construção de um projeto de educação que
ções locais, dentro do modelo original de é construído coletivamente com o público
preservação estrita, para uma visão mais in- alvo – a juventude – levando em conside-
tegrada entre pessoas e conservação (CAL- ração também sugestões dos outros impor-
DENHOF, 2013). Assim, mesmo em UCs tantes atores sociais envolvidos no processo
de Proteção Integral onde existem comuni- (pais, associações, instituições...) e sempre
dades residentes e no entorno, vivendo em traz a clara intencionalidade de debater a
situação de insegurança e incertezas, o Ver- questão socioambiental.
de Perto trabalha preparando-as para inter- “Creio que se quisermos reformar o mundo
virem de forma qualificada em espaços de e transformá-lo num lugar melhor para
CAPÍTULO 9 147
A EDUCAÇÃO PARA JOVENS NA GESTÃO DO PATRIMÔNIO
SOCIOAMBIENTAL BRASILEIRO: TEORIA E PRÁTICA
viver, não podemos só ficar falando sobre citação de Jovens Lideranças Multiplicado-
relações de natureza política, que serão ras das Unidades de Conservação Federais
inevitavelmente dualistas, cheias de sujeitos (RODRIGUES, 2013), documento inspira-
e objetos, e de relações entre ambos; e nem do no Verde Perto / Jovens Protagonistas.
podemos falar dos programas repletos de O objetivo proposto para este Programa
coisas a serem cumpridas por terceiros. Na é orientar a “Elaboração do projeto de ca-
minha opinião, essa abordagem começa pacitação de jovens, com o intuito de diag-
pelo fim, e confunde o fim com o início. nosticar e fomentar o surgimento de novas
Os programas políticos são importantes lideranças, em áreas protegidas e entorno,
produtos finais da qualidade social, que só bem como promover o fortalecimento co-
poderão funcionar se a estrutura subjacente munitário, intentando multiplicar conheci-
dos valores sociais estiverem corretos. Para mentos de biodiversidade, monitoramento e
melhorar o mundo, devemos começar pelo educação ambiental, para fortalecer a gestão
nosso coração, nossas cabeças e nossas participativa”.
mãos, e depois partir para o exterior (...) Nesta perspectiva é que vem acontecendo
Acho que o que tenho a dizer tem um valor em outras UC, em distintos biomas e catego-
mais duradouro” (PIRSIG, 1984). rias de UC, e por meio de diferentes arranjos
Neste sentido, o Verde Perto Educação institucionais. Na Amazônia o Programa está
se propõe a provocar profundas reflexões sendo implementado:
socioambientais que alcancem a estrutura >> Na RESEX do Rio Unini: Proposto pelo
subjacente dos valores humanos, conforme a ICMBio, conta com a parceria da Fun-
filosofia paulofreireana de que a “Educação dação Vitória Amazônica (FVA), tanto
não transforma o mundo. Educação muda no apoio logístico, quanto na coordena-
pessoas. Pessoas transformam o mundo”. ção pedagógica. Conta também com a
parceria das organizações de base locais
para sensibilização e mobilização dos
4. Construindo novos jovens: a Associação de Moradores do
caminhos Rio Unini (AMORU) e a Cooperativa
A aplicabilidade do Verde Perto para Mista Agroextrativista de Moradores
do Rio Unini (COOMARU). Para a
educação de jovens na gestão do patrimô-
realização dos módulos vem contando
nio socioambiental das Unidades de Con-
também com voluntários da Universida-
servação foi experimentada na região do
de Estadual do Amazonas (UEA) e com
médio Solimões, através do projeto “Jovens
a Secretaria de Saúde do Município de
como Protagonistas do Fortalecimento Co-
Novo Airão.
munitário na Resex do Baixo Juruá, Resex
>> Na RESEX do Médio Juruá: Proposto
do Rio Jutaí e Flona Tefé, AM” obtendo
pelo ICMBio e realizada em conjunto
resultados surpreendentes, como mostra o com a Reserva de Desenvolvimento
capítulo anterior. Sustentável (RDS) Uacari, UC gerida
Como consequência, o projeto está sen- pelo Centro Estadual de Unidades de
do demandado, aperfeiçoado e replicado em Conservação do Amazonas (CEUC).
outras UC sob a luz do Programa de Capa- Conta com apoio do CNS, Associação
148 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
dos Produtores Rurais de Carauari plicitada, logo, o propósito de emancipação
(ASPROC), Câmara dos Vereadores dos jovens.
de Carauari, Secretaria de Educação
de Carauari, Secretaria de Juventude, 5. Consolidando Caminhos
Desporto, Cultura e Lazer de Carauari e
Secretaria de Saúde de Carauari. A gestão participativa é o caminho neces-
>> Na RESEX Marinha de Soure: Proposto sário na busca da legitimidade social das UC.
pelo ICMBio e realizada em conjunto A legislação brasileira preconiza a participa-
com a Associação de Caranguejeiros ção social e, no SNUC, podemos verificar a
de Soure, Associação de Camaroeiros constante reiteração deste princípio. Aproxi-
de Soure, Associação dos Moradores mar as pessoas residentes, dentro e no entor-
do Bairro do Pacoval, Associação dos no da gestão destas áreas, significa construir
Moradores da Comunidade do Pesquei- alianças pela conservação e, por consequên-
ro. Para realização dos módulos vem cia, torná-la factível.
contando também com voluntários da Porém, nem sempre a existência de espa-
Universidade Federal do Pará (UFPA) e ços formais garante a efetividade da partici-
com a parceria da Secretaria Municipal pação social. A desigualdade nas condições
de Educação de Soure. de participação de cada ator (informação,
Outro exemplo é do Parque Nacional posição social, grau de escolaridade etc. de
(PARNA) Chapada Diamantina, iniciati- cada ator social) interfere na condução de
va proposta pelo ICMBio sendo realizada discussões e tomadas de decisão. A educa-
em duas comunidades rurais do entorno ção é, mais uma vez, base para qualificação
do PARNA, a comunidade do Guiné, mu- das intervenções dos diferentes atores nestes
nicípio de Mucugê e a comunidade do Pau espaços.
Ferrado, município de Ibicoara. Conta com Oportuno é o fortalecimento do espírito
o apoio das prefeituras municipais de Mu- comunitário, dos laços de afetividade, com-
cugê e Ibicoara, do Instituto Bicho do Mato, panheirismo, do fazer e construir juntos, es-
ONG local, e da comunidade de artistas de timulando assim o cuidado com o comuni-
Caeté Açu (Vale do Capão), município de tário, com o bem público. E é urgente que os
Palmeiras. cidadãos conheçam como podem participar
Ainda que todos os projetos pilotos aqui efetivamente das discussões e tomadas de
apresentados tenham sido propostos pelo decisão em seu meio social.
ICMBio, é possível perceber, ao longo de Para isso é preciso capacitação, ou melhor,
toda esta publicação, a importância das par- um processo educativo que atraia e envolva
cerias locais e a viabilidade de replicação a população, misturando adultos, jovens e
desta metodologia por parte de qualquer or- idosos. São necessários mecanismos para
ganização de base, do terceiro setor, órgãos estimular o envolvimento, dar espaço para a
governamentais ou mesmo empresas priva- diversidade de vozes que buscam caminhos
das. Proponentes e parceiros devem condu- diferenciados de organização, demostrar
zir a proposta pautada no cerne do projeto: como os espaços reais de participação são
a concepção de Educação Ambiental já ex- importantes e interferem na vida de cada in-
CAPÍTULO 9 149
A EDUCAÇÃO PARA JOVENS NA GESTÃO DO PATRIMÔNIO
SOCIOAMBIENTAL BRASILEIRO: TEORIA E PRÁTICA
divíduo. A possibilidade de participação de projeto, da existência de uma adequada co-
diferentes faixas etárias, nas trocas interge- ordenação pedagógica e da consolidação de
racionais, torna este processo mais robusto, parcerias locais. O contexto não se restringe
pois além de envolver e valorizar as atuais a um cenário social com conflitos instau-
lideranças, forma um grupo de retaguarda rados; estende-se a qualquer outro onde se
para a continuidade de seus trabalhos. almeja maior atuação cidadã. A coordenação
Segundo Manoel Cunha, “a dinâmica que pedagógica assegura a intencionalidade do
esse projeto trabalha, que inclusive é um pouco projeto. As parcerias locais o viabilizam, na
do que a gente propunha para os conselhos ges- medida em que garantem os recursos neces-
tores. O que eu vi na reunião dos jovens é um sários para sua implementação, posta a situa-
processo dinâmico muito legal e essa dinâmica ção precária já explicitada dos órgãos gesto-
pode ser levada pra dentro do meu processo de res do SNUC.
gestão como liderança da minha comunidade. A fortaleza desta proposta reside, portan-
Então é bem interessante isso e, pra mim, o que é to, nas inúmeras possibilidades e nos distin-
mais importante de tudo é o empolgamento dos tos motivos para sua replicabilidade.
jovens por este projeto. Às vezes a gente pensa
Finalizando, mais uma vez com palavras
um projeto maravilhoso na cabeça da gente, que
de Manoel Cunha: “Eu acho que hoje a gente
deixa a gente super empolgado, mas o público
está no início de uma política (pública) que a
alvo não se empolga. Quando o projeto acerta
gente vê que tem as condições de ter transversa-
na essência da coisa e empolga, o resultado a
lidade, e a necessidade de ter transversalidade,
gente já sabe, é o mais maravilhoso possível. O
nas unidades de conservação como um todo.
resultado, não tenho dúvida, são lideranças ca-
Queira ou não, a nossa vida está na mão dos
pacitadas, se empoderando do processo, sendo
jovens, nós vamos depender deles amanhã, e eu
protagonistas da sua história, e o melhoramen-
fico muito contente de saber que a juventude
to no processo de fortalecimento da organização
não virou as costas para esta oportunidade, isso
comunitária e a parte de gestão que é feita nas
nos alegra muito. A juventude, pelo contrário,
associações”.
está de frente e quer se empoderar nesse proces-
A proposta Verde Perto, enquanto cami- so. Nesse projeto do empoderamento da juven-
nho possível para favorecer a gestão partici- tude para assumir essa caminhada da lideran-
pativa, intenciona alcançar resultados práti- ça, talvez, até com mais garra. Eu vejo ele como
cos, tais como: o despontamento de novas uma coisa muito agradável no sentido de que a
lideranças que assumam as organizações de juventude vai assumir isso que hoje está na mão
base; jovens que se proponham a coordenar das lideranças antigas que já estão no cansaço.
projetos de manejo dos recursos e de moni- Então isso já vai dar um gás novo, vai ter um
toramento da biodiversidade; jovens que se crescimento, eu não tenho dúvida disso. Esse é
posicionem tanto nos espaços instituídos o primeiro ponto. Segundo ponto que se torna
para gestão de UC, como é o caso dos con- importante: as lideranças jovens vão ver dentro
selhos gestores, quanto em demais fóruns de delas a importância que ela tem, além de ir pra
decisão existentes. cidade fazer uma faculdade e conseguir um em-
Tais resultados dependerão essencial- prego e ficar por lá. Eles podem serem isso. Mas
mente do contexto de desenvolvimento do eles podem e eles tem uma importância muito
150 VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I
grande na sua comunidade. Eu preciso estudar Educação Ambiental brasileira e os desafios
para desenvolver, e estão todos muito mais es- de uma agenda política crítica contra-hege-
mônica. Revista Contemporânea de Educa-
colarizados do que nós, e eu não tenho dúvida
ção, v. 7, p. 398-421, 2012.
que essa escolaridade formal, mais aguçada do
LOUREIRO, C. F. B. Educar, Participar e Trans-
que tiveram as lideranças do passado, vai fazer formar em Educação Ambiental. Revista Bra-
uma grande diferença no processo de liderança, sileira de Educação Ambiental, Brasília, v. 01,
no processo de gerenciamento. Eu disse que nós n.00, p. 13-20, 2004.
saímos do toco da seringueira para gerenciar. LOUREIRO, C.F.B. Trajetória e Fundamentos
Esses caboclos vão sair também do toco das se- da Educação Ambiental. São Paulo: Cortez,
ringueiras, do toco das roças pra gerenciar tam- 2004.
bém, mas com um conhecimento muito mais LOUREIRO, C.F.B.; SAISSE, M.V.;
aprofundado sobre isso. Então isso é um grande CUNHA.C.C. Histórico da Educação Am-
biental no âmbito federal da gestão ambiental
ganho, muito grande, que nós vamos ter nesse pública: um panorama da divisão do IBA-
processo. E o terceiro ganho que eu consigo ver MA à sua reconstrução no ICMBio. Editora
é a continuidade. Nós temos algumas UC que UFPR, 2013.
a gente está próximo a cair no abismo. A lide- MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. 2008.
rança velha deixando seus cargos, não tem mais Texto Base de Educomunicação. Link:
força pra lutar e não tem ninguém novo pra pe- http://www.mma.gov.br/estruturas/edu-
camb/_arquivos/txbase_educom_20.pdf
gar a cruz e continuar carregando. Esse projeto Acessado em fevereiro de 2014.
tem a brilhante ideia de chamar os jovens. Os
PIRSIG, R. M. O. Zen e a arte da manutenção de
jovens tiveram a brilhante recepção de não virar motocicletas: uma investigação sobre valores.
a costa”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
RODRIGUES, L.S. Projeto Capacitação de Jo-
Referências Bibliográficas e vens: Orientações - projeto piloto / 2013.
Link: http://www.icmbio.gov.br/educacao-
Sugestões de Leitura ambiental/images/stories/oportunidades/
CALDENHOF, S. B. L. Mudanças sociais, con- Projeto_capacita%C3%A7%C3%A3o_de_
flitos e instituições na Amazônia: Os casos do jovens.pdf Acessado em fevereiro de 2014.
Parque Nacional do Jaú e Reserva Estrativista SECRETARIA NACIONAL DE JUVENTUDE.
do Rio Unini. Tese de Doutorado. Unicamp, Guia de Políticas Públicas para Juventude.
2013. Link: http://www.juventude.gov.br/guia
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http://www.icmbio.gov.br/acessoainforma- VASCONCELOS, H.S.R. A pesquisa-ação em
cao/institucional/estrutura-organizacional. projetos de educação ambiental. In: PEDRI-
html NI, S.G. (org) Educação ambiental: reflexões
IBAMA. Pensando e Praticando a Educação Am- e práticas contemporâneas. 3 ed, Petrópolis:
biental na Gestão do Meio Ambiente. 2000. Vozes, 1997.
INSTITUTO CHICO MENDES DE CON- Vídeo do Projeto: Jovens como Protagonistas do
SERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Ins- Fortalecimento Comunitário. 2013. Link: ht-
titucional. Link: http://www.icmbio.gov.br/ tps://www.youtube.com/watch?v=ezjGFLx-
portal/quem-somos/nossa-estrutura.html g-aQ Acessado em fevereiro de 2014.
Acessado em fevereiro de 2014.
LAYRARGUES, P. P. Para onde vai a Educação
Ambiental? O cenário político-ideológico da

CAPÍTULO 9 151
A EDUCAÇÃO PARA JOVENS NA GESTÃO DO PATRIMÔNIO
SOCIOAMBIENTAL BRASILEIRO: TEORIA E PRÁTICA
m fgd
Consideração Finais
Leonardo Rodrigues

Existem dois grandes indicadores de sucesso na aplicação do Verde Perto. O primeiro


é percebido durante a execução da metodologia. Como os jovens participam por interesse
próprio, seu retorno as atividades do projeto indicam que o estão avaliando positivamente.
Quando ocorre aumento do público à medida que o projeto acontece, temos um ótimo indi-
cador. Por outro lado, diminuição de público é mal sinal.
O segundo indicador é ainda mais importante. Quantos jovens, ao longo e ao final do
Verde Perto, passaram a atuar efetivamente de forma protagonista? Essa informação é im-
portante.
Desde a criação do Verde Perto até hoje já trabalhamos com muitos jovens dos mais va-
riados locais e realidades. Gostaria, nesse espaço, de citar alguns resultados e a atuação de
alguns jovens que nos estimula a continuar realizando o Verde Perto.
Dentre resultados que consideramos expressivos podemos citar a quantidade Unidades de
Conservação que passaram a ter uma cadeira de jovens representada em conselhos gestores.
As unidades de uso sustentável Reserva Extrativista (Resex) do Baixo Juruá, Resex do Médio
Juruá, Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uacari, Floresta Nacional (Flona de
Tefé) têm cadeiras de jovens em seus conselhos gestores. Todas essas unidades criaram suas
cadeiras de jovens após demandas dos próprios jovens durante a realização do Verde Perto.
Ainda nas Unidades de Conservação, outro resultado expressivo foi a quantidade de gru-
pos de jovens que surgiram à medida que as ações do Verde Perto / Jovens Protagonistas
ocorreram. Esse conjunto de grupos organizados tem criado uma grande rede de jovens ex-
trativistas que já se integra por meio de ferramentas como o facebook e o whatsapp, incluindo
participação efetiva de lideranças do movimento social organizado, como o CNS (Conselho
Nacional de Populações Extrativistas) nesses grupos. Toda essa articulação culminou com a
primeira “Oficina Nacional da Juventude Extrativista” realizada em Brasília em dezembro de
2014 com apoio do Ministério do Meio Ambiente e do próprio CNS.
Resultados expressivos foram percebidos com os jovens que ajudaram a construir a Meto-
dologia Verde Perto Educação em 2007. Dessa turma, vários se formaram em cursos superio-
res, alguns até já fizeram a pós graduação, e têm atuado de forma sistemática em projetos so-
cioambientais, seja como bolsistas ou pesquisadores em temas do socioambientalismo, seja
atuando como voluntários em projetos socioambientais. Certamente esse público seguiria o
caminho da educação superior, mas a atuação nas ciências do ambiente e a ação voluntária
em prol de uma sociedade mais justa, equilibrada e sustentável é atribuída, pelos próprios
jovens, como contribuição do Verde Perto.

VERDE PERTO EDUCAÇÃO VOL. I 153


dbm
Com o pessoal da APAE, o grande ganho se deu no aumento da autoestima dos partici-
pantes do Verde Perto. Após quatro anos de atividades com um grupo de cerca de 30 pesso-
as percebemos mais iniciativa em discutir questões de limpeza, economia e organização do
espaço da APAE de Conselheiro Lafaiete, além de maior participação em casa em questões
referentes a separação de lixo, diminuição de consumo de água e conversas com os pais e
irmãos sobre meio ambiente. Essa ação ativa, em um público especial, é motivo de comemo-
ração.
As crianças do entorno do Jardim Botânico Adolpho Ducke de Manaus ( JB) passaram a
frequentar de forma mais constante o espaço do Jardim. Como esse é um espaço que oferece
diversas atividades científicas e mesmo culturais, a presença dessas crianças é muito positiva,
pois são residentes de uma região carente com pouca oferta em formação científica ou em
apresentações artístico culturais. Acreditamos que a presença dessas crianças no cotidiano
do JB possa fazer diferença em seu processo educativo mais amplo.
Esses são exemplos mais exuberantes, porém percebemos que há uma mudança qualitati-
va na participação dos jovens em casa, na vizinhança, nas comunidades. Quando alguns pais
e professores vem conversar conosco dizendo como seus filhos e alunos estão mais educados
e participativos em casa, ou melhoraram o interesse e o aprendizado em sala de aula,consi-
deramos como resultados expressivos no aumento do protagonismo e na mudança de com-
portamento individual.
Mesmo os jovens que durante as ações do Verde Perto se mostraram discretos e tímidos,
quando passam a ter uma visão mais crítica e interligada dos saberes e maior consciência
nas suas tomadas de decisão, em qualquer esfera e em qualquer nível, seja familiar, local ou
nacional, para nós é indicativo de que a proposta educativa causou efeitos.
Cada uma das situaçõesacima citadas representa grupos inteiros. Esses grupos possuem
diversos jovens atuando de forma protagonista. Pessoas que assumiram o cargo na direto-
ria de Associações de moradores, que formaram e conduzem redes de jovens, que escrevem
artigos, dissertações ou capítulos de livro voltados para o meio ambiente e a cidadania, que
atuam profissionalmente na área ambiental, que fazem questão de exercer seu papel cidadão
em busca de uma sociedade melhor.
Esses jovens nos motivam e estimulam a continuar trabalhando o Verde Perto. E é o que
temos feito. Os capítulos contidos no presente livro contam parte dessa história. Mas existem
outras. Hoje temos o Verde Perto ocorrendo ou inspirando ações de educação em diferentes
outros locais:
Conferência Infanto-Juvenil de Meio Ambiente, Proyecto Eco Chavos Del CESMO (Mé-
xico), Projeto Jovens Cientistas das Águas, Programa de Capacitação de Jovens Lideranças
em UC de uso sustentável federais, Jovens Protagonistas da RDS Uacari e da RDS Rio Negro,
Jovens Protagonistas daResex do Médio Juruá, no Amazonas, Jovens Protagonistas daResex
do rio Unini, no Amazonas, Grupo de Jovens Protagonistas da Comunidade Quilombola de
Cachoeira Porteira no Rio Trombetas, Pará, Jovens Protagonistas das Unidades de Conser-
vação do Salgado Paraense, Grupo de Jovens Protagonistas da Costa dos Corais, no Alagoas,
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Jovens moradores das comunidades do Guiné e de Pau Ferrado na Chapada Diamantina, na
Bahia.
Enfim, o que realmente esperamos e desejamos com essa proposta pedagógica é contribuir
com ações e ideias paraque a educação seja repensada e trabalhada de forma mais estimulan-
te e agradável. Podemos sim fazer do Brasil um lugar onde os modelos de desenvolvimento,
de ensino aprendizagem e de interação entre as pessoas seja plural, eficiente e transformador.
Queremos um mundo melhor e a educação é um dos caminhos e uma das ferramentas que
podem colaborar com nossa evolução enquanto civilização.

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