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multiplicando-se seu curso por 2, então pela rotação em questão e dividindo-se o resultado por 60
(60 segundos em um minuto).
O que deve ser considerado são os objetivos de uso e, a partir daí, projetar o motor de acordo. É
claro que se o intuito é obter a maior potência possível em relação à cilindrada, o motor terá de ser
de alta rotação. Para ser de alta rotação a velocidade média dos pistões terá de ser mantida no
limite que a tecnologia atual permite (a custos razoáveis), 20 metros por segundo. Define-se aí o
curso dos pistões.
Para calcular o curso máximo que resulte em 20 m/s, em um motor 2,0-litros de quatro
cilindros que vá girar a 6.000 rpm, multiplica-se 20 por 30 e divide-se por 6.000, obtendo-se 0,1
metro ou 100 mm. O diâmetro dos cilindros, calculado, será de 79,8 mm. O engenheiro, então, joga
com esses dados para definir o motor final. Há vários outros aspectos, como a altura do motor ficar
grande demais para caber em seu compartimento, o curso muito longo exigir bielas de
comprimento adequado para se conseguir relação r/l favorável, e por aí vai.
Pode-se dizer que curso curto é um mal necessário quando se objetiva motor de alta rotação (e
alta potência). Diâmetro de cilindros muito grande representa dificuldade de queima da mistura ar-
combustível, pela distância entre a vela e os pontos mais distantes na câmara de combustão. É por
isso que se recorre à dupla ignição hoje em dia, como no Honda Fit, Porsche 911 (nos tempos do
arrefecimento a ar) e alguns Alfa Romeos -- no passado era para evitar enguiços, e nos motores de
avião é por segurança.
Esses efeitos podem ser evidenciados na comparação entre motores de mesma cilindrada (1.796
cm3) e nível tecnológico, como os 1,8-litro da General Motors -- o de curso longo do Corsa e
Meriva, com diâmetro de 80,5 mm e curso de 88,2 mm, e o de curso curto do Astra, com 84,8 x
79,5 mm.
Com o curso do Astra as bielas podem ser mais curtas e leves sem prejuízo da relação r/l. Mesmo
que o Corsa usasse bielas tão longas quanto as do Astra (não usa por questão de aproveitamento
de componentes dos demais motores da família, de 1,0 a 1,6 litro), teria r/l acima do limite
convencionado de 0,3: exato 0,308, contra 0,277 do Astra.
E quanto à velocidade média dos pistões? Às mesmas 6.000 rpm, os pistões do Astra percorrem
15,9 metros por segundo, e os do Corsa, 17,6 m/s. Disso resulta a tendência a maior durabilidade,
nessas condições de uso, para o motor de curso curto.
Compromisso intermediário pode ser obtido com diâmetro e curso iguais ou equivalentes, no que
se costumava chamar motor quadrado: é o caso do 2,0-litros da GM (Astra), com 86 mm em
ambas as medidas. Comparado ao motor Volkswagen de cilindrada equivalente (82,5 x 92,8 mm),
por exemplo, o da GM possui melhor relação r/l (0,300 com bielas de 143 mm, contra 0,322 do VW,
apesar das bielas pouco maiores, 144 mm) e menor velocidade média dos pistões (17,2 m/s a
6.000 rpm, ante 18,5 m/s do VW).
Quando o leitor dirige automóveis de modelos e cilindradas variadas, talvez perceba uma
diferença no comportamento de alguns motores. Há veículos em que o propulsor é "liso", sobe de
giros com suavidade, sem vibrações excessivas, e chega ao limite de rotações quase sem se
notar. E há os carros que "arranham", reclamam à medida em que o ponteiro do conta-giros se
move, transmitindo vibrações e aspereza que tiram muito do prazer de dirigir.
A explicação para isso pode estar numa questão simples, mas importante: a relação r/l. As letras
vêm de radius (raio em inglês), o raio da manivela do virabrequim (que corresponde à metade do
curso dos pistões), e length (comprimento), alusivo às bielas, de centro a centro dos furos da
cabeça e do pé. Mas o que isso significa?
Como se sabe, durante o funcionamento do motor os pistões sobem e descem no seu trabalho
de movimentar o virabrequim. Unindo pistões e virabrequim estão as bielas, que oscilam para um
lado e para o outro à medida em que este último gira, formando um ângulo com o plano do
cilindro. É fácil entender que, quanto maior (mais longo) for o curso do virabrequim (manivela
portanto maior) e mais curtas forem as bielas, mais acentuado será esse ângulo, tornando mais
intensas as forças laterais dos pistões sobre os cilindros.
Quanto maior a força lateral, menor o aproveitamento da força de expansão dos gases
queimados, o que resulta em torque e potência abaixo do que seria teoricamente possível. As
vibrações originadas de maiores forças de inércia respondem pela aspereza de funcionamento. É
aí que entra a relação r/l: uma fórmula simples para saber se o comprimento das bielas é
adequado ao curso dos pistões, um modo de saber até onde foi o cuidado dos engenheiros com
esse aspecto de influência direta sobre o rendimento e o prazer de dirigir.
Poucos informam, mas todos os
fabricantes conhecem a relação r/l e
como ela afeta o prazer em dirigir. O
motor 2,0 do Astra fica no limite
correto de 0,3
O limite para uma relação r/l correta é 0,3. Todo engenheiro sabe que quanto maior for a biela,
melhor para o motor. Uma biela infinitamente longa seria o ideal, mas é preciso considerar que há
limites de altura do motor, impostos pelo estilo, e que quanto mais longa a biela, maior terá de ser
sua resistência para que não venha a fletir. É válida uma comparação: fazendo força vertical
sobre uma régua apoiada numa mesa, quando mais comprida a régua, mais ela entorta, mais ela
flete -- e, como a biela, depois de fletir repetidas vezes a régua quebra.
Exemplo de motor que atende ao limite "raspando" é o 2,0-litros da General Motors, com curso de
86 mm e bielas de 143 mm de comprimento. Ao se dividir o meio-curso, 43 mm, pelo
comprimento das bielas, chega-se a exato 0,3 (considerando até milésimos). E o que acontece
com esse fator se aumentarmos o curso dos pistões, mantendo as bielas ou ampliando-as em
pequeno grau?
A resposta está em outros motores GM da chamada Família II. No 2,2-litros o curso passa a 94,6
mm e as bielas crescem para 148 mm, o que resulta em 0,319: já se tem um motor de
funcionamento mais áspero, como se percebe ao dirigir um Omega ou Vectra de oito válvulas. Na
versão 16V do mesmo motor no Vectra, contudo, a GM adotou duas árvores de balanceamento,
que anulam vibrações: o rendimento não melhora, mas a aspereza diminui bastante.
No outro extremo está o motor 1,8 da mesma linha, agora utilizado só no Astra a álcool: são
apenas 79,5 mm de curso com as mesmas bielas de 143 mm do motor 2,0. Feita a conta, a r/l é
de 0,277, bem abaixo do valor máximo correto. Trata-se de motor suave e eficiente em alta
rotação, mas que a GM -- infelizmente -- abandonou, preferindo uma versão 1,8 da Família I para
o novo Corsa.
Esse motor pertence à mesma linha que já teve cilindradas de 1,0, 1,4 e 1,6 litro no Corsa antigo,
todas com bielas de 129,75 mm. Ao passar o curso dos pistões para 88,2 mm, o fabricante
elevou a relação r/l para 0,339, a pior entre os automóveis nacionais e importados relacionados
neste artigo (veja tabela). O resultado foi uma aspereza de funcionamento em média e alta
rotação que até o motorista menos experimentado percebe -- mesmo que não conheça sua
origem.
Outras marcas também incorrem nesse erro, mas em menor grau. O antigo motor Fiasa da Fiat
teve versões de 994, 1.048, 1.297 e 1.497 cm3 (esta ainda usada no Fiorino e Strada Working --
não confundir com o 1,5 da linha Sevel, extinto desde 1990), diferenciadas apenas no curso dos
pistões, entre 54,8 e 82,5 mm. As bielas de 130 mm eram as mesmas em toda a linha. Com isso,
a versão 1,0 apresentava funcionamento dos mais suaves (r/l de 0,21, a melhor já vista pelo
BCWS), enquanto no 1,5-litro o fator sobe para elevado 0,317. Continua
O VW AP-1600 do Gol marcou
época pelo excelente rendimento
e funcionamento sem vibrações,
graças à r/l de 0,268. Mas o 1,6 de
alumínio do Golf (ao lado), ainda
usado no Audi A3, surpreende
com 0,259
Antes do 2,0 houve a questão do motor 1,8. Lançado com bielas de 136 mm para o curso de 86,4
mm, a r/l era 0,317. Combinado à transmissão longa (4+E), o Santana de 85 cv decepcionou em
desempenho. Em pouco tempo saía nova versão de motor, 90 cv, com bielas de 144 mm (r/l de
0,3), e a transmissão era encurtada -- e a VW convenceu a todos de que o erro estava no
câmbio...
A BMW não brinca em serviço: o seis-
cilindros em linha de 2,5 litros tem
ótima relação r/l de 0,258, para
insensibilidade às velocidades comuns
nas auto-estradas alemãs
Fabricantes de prestígio como Mercedes-Benz, BMW e Porsche, que projetam carros para
percorrer as autobahnen, as auto-estradas alemãs de velocidade ilimitada, a mais de 200 km/h
por centenas de quilômetros, cuidam deste fator como poucos.
O 2,5-litros da marca bávara, por exemplo, recorre a um curso reduzido de 75 mm e utiliza bielas
de 145 mm, para uma ótima relação de 0,258. Ao lado da configuração de seis cilindros em linha,
que a empresa reluta em abandonar, a excelente relação r/l expressa em números o prazer de
acelerar um motor suave e isento de vibrações.
A hora da verdade
A tabela abaixo traz a relação r/l e os dados necessários para sua obtenção (curso dos pistões e comprimento
das bielas entre os centros dos furos) da maioria dos automóveis e utilitários vendidos no Brasil. Alguns
fabricantes omitiram-se a nossas insistentes solicitações e não divulgaram esta informação, casos em que
aparece a sigla ND (não-disponível). Caso venham a rever esta posição mais tarde, a tabela será atualizada. Na
coluna à extrema direita aparece nosso julgamento da relação r/l obtida: até 0,300, correto (em verde); acima,
incorreto (em vermelho).