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Townsville Company Cirurgia geral, 12/04/2017

AULA 08 PERITONITE
Professora Maria Cristina Sartor

INTRODUÇÃO

O peritônio é o chamado “novo órgão” e nós não aprendemos nada na anatomia sobre esse tal novo
órgão... Mas, enfim, ele pode ser chamado de mesentério, também. Ele é uma membrana que pode
sofrer uma inflamação ou uma supuração, afetando toda a superfície da nossa cavidade abdominal.
Imaginem, cada voltinha, cada alça intestinal, toda a superfície visceral e toda a superfície parietal,
tanto anterior quanto posterior, são recobertas por essa membrana, que promove trocas. Então, na
verdade, ela é o nosso grande dialisador.

A INFLAMAÇÃO

Toda vez que essa membrana sofre uma agressão, seja por bactéria, corpo estranho, endotoxinas ou
perfuração de alguma víscera oca, esse material estranho vai entrar em contato com o peritônio e vai
causar inflamação. Toda vez que nós temos uma superfície inflamada, ela fica mais espessada e altera
a capacidade de troca. Isso ocorre até mesmo com a nossa pele, por exemplo, hoje mesmo, de manhã,
eu ouvi a história de uma estudante de medicina que teve 80% do corpo queimado por causa de uma
explosão no prédio. Do ponto de vista técnico, espero estar errada, ela está morta. Com 80% do corpo
queimado, ela perdeu 80% da superfície de proteção, de perdas hídricas, eletrolíticas e proteicas do
organismo; ela tem 80% dessa área exposta para perder tudo que pode. O que mata o doente
queimado é a espoliação e o peritônio espolia de uma forma muito semelhante também. Só que vai
tudo para dentro da cavidade peritoneal. Então, qualquer inflamação acaba aumentando a espessura do
peritônio, alterando todas as suas respostas imunológicas e metabólicas e, por essa enorme superfície,
a gente acaba perdendo a nossa capacidade de equilíbrio de absorção e de troca de eletrólitos por essa
membrana. O peritônio funciona como se fosse uma grande veia aberta e, por essa grande veia aberta,
é que nós fazemos todas as nossas trocas hidroeletrolíticas importantes. Quando essa membrana
inflama, nós chamamos de peritonite.

Nós podemos ter só uma porção do peritônio inflamada. Na idade de vocês, um grande exemplo é a
apendicite aguda. É só na novela que um cara com apendicite aguda chega mancando (quando a
apendicite aguda faz com que a pessoa manque, normalmente, é psoíte, ou seja, afetou o músculo, ou
o apêndice está em lugar que não deveria estar). Nós temos todo um processo abdominal para proteger
essa região que está inflamada. A primeira coisa é distensão do abdome, porque o organismo todo
para. Isso acontece porque, dentro do peritônio, nós temos movimentação constante das alças
intestinais, que faz com que o líquido que envolve o peritônio, que é de aproximadamente 100 ml e
impede que haja atrito entre as alças, leve a inflamação de algum lugar para toda a nossa parede
abdominal. Quando nós respiramos, nosso peritônio funciona como um fole, ou seja, ele empurra,
fazendo pressão positiva e, na inspiração, faz pressão negativa. Esse movimento feito na respiração e
o movimento do peristaltismo facilitam mais ainda a movimentação do líquido e a inflamação acaba
se espalhando por toda a cavidade abdominal.

Portanto, quando há qualquer inflamação, para tudo, diminui peristaltismo, a barriga estufa, o trânsito

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intestinal diminui e, então, para a eliminação de flatos à medida que a inflamação vai progredindo,
diminui a frequência de evacuações, até que essa para e, por esses motivos, o abdome distende cada
vez mais. Se essa situação não melhorar, se o intestino continuar com a atividade motora diminuída,
ele vai enchendo e o paciente começa a vomitar. Então, em qualquer inflamação abdominal, a não ser
que sejam aquelas grandes catástrofes, o vômito é mais tardio, porque primeiro a gente estufa. É
importante vocês saberem isso para que vocês entendam e raciocinem de forma coerente sobre tudo
que inflama dentro do abdome, seja um cisto de ovário que rompeu ou uma apendicite, porque essas
características acontecem sempre.

CLASSIFICAÇÃO

A peritonite pode ser classificada, quanto a sua evolução, em aguda e crônica. A aguda é porque
começou há pouco tempo e a crônica é aquela que não se sabe se vai embora ou se fica e fica
incomodando a gente por um tempão.

Ela também pode ser localizada, quando os mecanismos de defesa do nosso organismo, que eu falei
para vocês agora, conseguiram manter a inflamação localizada, por exemplo, na fossa ilíaca direita,
envolta da trompa, alguma inflamação específica de alguma área do intestino ou um abscesso na
superfície hepática. Mas nós podemos, também, não ter essa capacidade de mantê-la localizada e ela
se torna difusa. Ela pode se tornar difusa quando nós não somos imunocompetentes, como, por
exemplo, os extremos de idade, que são os exemplos mais comuns de não imunocompetentes,
portanto, crianças muito pequenas e idosos fazem peritonite difusa com mais facilidade, assim como
imunossuprimidos.

A peritonite, quanto ao envolvimento de microrganismos, pode ser química (também chamada de


asséptica) ou séptica. A séptica é quando é causada por qualquer bicho e a química é quando não é
causada por bactéria. A química é o principal tipo de peritonite e, claro, que, se nós não tratarmos, vai
haver translocação bacteriana e acaba tendo bactérias nessa história. Mas, por exemplo, uma rotura de
um cisto pancreático pode ter bactéria? Pode, porém o principal causador é a reação química que o
suco pancreático faz no peritônio; faz como se fosse uma grande queimadura. Outro exemplo, uma
úlcera perfurada. Classicamente, nós temos muito pouca bactéria no estômago, porque é difícil
sobreviver naquele meio ácido, cheio das porcarias que nós comemos o dia inteiro. Quanto mais baixo
no trato gastrointestinal, mais bactérias nós temos e com virulências diferentes. Então, uma úlcera
duodenal perfurada, no inicio do seu quadro, vai dar dor, distensão, diminuir peristaltismo, mas vai ter
pouquíssimas bactérias. É importante saber isso, porque vai mudar a maneira como nós vamos tratar o
paciente, principalmente com relação à antibioticoterapia. Quando nós temos bactérias, se a origem da
peritonite for de doença do trato gastrointestinal, quanto mais alta a origem dessa doença (por
exemplo, uma úlcera duodenal perfurada, perfuração por doença de Crohn em jejuno proximal), as
bactérias serão, principalmente gram positivas. E, ao tratar esse indivíduo, nós vamos fazer
antibioticoterapia própria para esse tipo de bactéria. Quanto mais baixo no TGI, a predominância se
torna de gram negativas e anaeróbias. E, nesse caso, não adianta dar cefalosporina de primeira
geração; eu tenho que dar um antibiótico que seja eficaz contra gram negativos e anaeróbios. Por isso
que é importante saber essas besteirinhas de classificação.

A peritonite também pode ser classificada quanto a sua origem: ela pode ser primária ou secundária.
Hoje, nós já temos uma nova classificação, que é a peritonite terciária. Quando ela é primária, ela
começa no peritônio, por exemplo, tem algumas doenças, principalmente de imunossuprimidos, que,

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por translocação bacteriana, acaba a bactéria se instalando no peritônio, ou seja, começa do próprio
peritônio, fazendo uma peritonite primária.

Secundária é quando tem qualquer outra causa, pode ser perfuração de víscera oca, uma diálise
peritoneal que contaminou cateter. A peritonite secundária é quando nós temos uma causa externa
disso, fora do peritônio. Isso vale para todas as doenças que a gente tem a definição de primária e
secundária. O que seria a peritonite terciária? É uma peritonite que não foi curada completamente,
voltou, piorou e eu tenho que refazer o tratamento. Um exemplo disso são as complicações cirúrgicas.

Vocês lembram lá da histologia, o peritônio é


uma membrana fina, escamosa, com duas
túnicas: a parietal e visceral. Apesar de ser uma
membrana fina, passam vasos e nervos por ela,
ele tem uma área grande de quase 2m². Há um
líquido também que faz lubrificação e diminui o
atrito entre as alças e ele é composto não só por
água, mas também por linfócitos e macrófagos
para fazer atividade imunológica. Como eu falei,
essa membrana é biologicamente ativa que
defende a integridade dos órgãos e, tirando a
parte diafragmática, troca de água e eletrólitos
com o EEC (500 ml ou mais a cada hora), por
isso é fácil fazer a diálise peritoneal. Paciente que tem insuficiência renal e que tem dificuldade de
acesso venoso, que não tem acesso para fazer essa troca ainda, não tem a fístula para fazer a diálise, a
gente faz uma punção no abdômen, joga o líquido de diálise dentro que é composto de vários
eletrólitos, esses eletrólitos são filtrados através do peritônio e faz o equilíbrio de tão fácil que é essa
troca.

Na porção diafragmática, nós temos vários poros intercelulares que acabam comunicando todo esse
líquido do ducto torácico, então ele se encontra com toda a linfa que nós temos, então imaginem o
estrago que ele faz com toda a inflamação numa situação dessa.

Bom, nós temos o grande omento, conhecido como o grande delegado do abdômen, ele também é
recoberto todo por peritônio e ele também tem uma série de funções – trocas hidroeletrolíticas,
promove o bloqueio mecânico dos processos agudos, absorve partículas, libera células do mecanismo
de defesa (fagócitos) para a destruição de bactérias não opsonizadas – de defesa pela sua mobilidade.
Por isso que, quando formos palpar uma apendicite de já alguns dias, temos uma massa que é formada
pelas alças intestinais – que ficam lá bloqueando a inflamação e, associado ao edema, nós
conseguimos palpar o tão conhecido “plastrão abdominal”.

ETIOLOGIA

Peritonite Primária

Bom, peritonite primária é uma infecção bacteriana difusa sem fonte aparente de origem intra-
abdominal. É característica de imunossuprimidos (cirróticos, nefropatas, crianças e portadores de
colagenoses – mais do que a colagenose em sim, mas principalmente pelo tratamento que a gente usa
na colagenose. O corticoide, nessa hora, apesar de ter muitos malefícios, é o que mantém o indivíduo

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vivo até conseguirmos tratar ele adequadamente).

As bactérias invadem a cavidade abdominal via hematogênica. Então, um exemplo é a peritonite


primária em imunossuprimido: ele pega uma gripe bem forte, faz uma pneumonia lobar e, de repente,
está com peritonite. Então, provavelmente, ele teve essa peritonite causada por um pneumoco, um
estreptococo que entrou na corrente sanguínea e foi se instalar lá no peritônio e não teve como mudar
isso. Então, o mais frequente e é sempre um microrganismo único, isso é definição de peritonite
primária. Definição de peritonite primária é: sempre microrganismo único. Onde eu tenho flora
multimicrobiana, desconfia-se que não é ou já teve contaminação de alguma outra fonte externa.

Por isso que um nefropata dialítico (que faz diálise por via hematogênica, via fístula ou via cateter
venoso central) que aparece com uma peritonite, provavelmente é uma peritonite primária. Um
dialítico que faz diálise peritoneal, eu tenho que excluir que não tem uma fonte de infecção no cateter
da diálise peritoneal que provavelmente vai ser outro bicho, ou vai ser um bicho próprio da pele ou
vai ser outro bicho (por exemplo, furaram o intestino do indivíduo na hora de colocar o cateter).

Entre os mais comuns: pneumococos, estrepto B-hemolítico. Lembrar que eu posso ter Escherichia
coli, apesar de ser um germe tipicamente intestinal e tipicamente do cólon, ela pode chegar também
via hematogênica. Tuberculose, quando a gente faz a peritonite granulomatosa.

Peritonite Secundária

É a forma mais comum. A principal causa é complicação pós-operatória, intra-abdominal, seja porque
eu deixei uma víscera lesada, seja porque nós abrimos uma porta de entrada ao fazer um acesso
abdominal, um tipo de acesso. Eu posso ter complicações pós-operatórias, por exemplo, a fístula. Em
uma anastomose visceral, abriu-se o ponto por algum motivo, geralmente uma isquemia, e faz uma
fístula. Pode-se falar em ponto malfeito porque vocês têm direito de fazer ponto malfeito. Depois que
aprende, é proibido.

Eu posso ter perfuração visceral ou trauma abdominal penetrante, posso ter uma diverticulite aguda
que faz um abcesso que não consegue ser bloqueado e faz uma peritonite [fecal?] muito grave. O
próprio imunossuprimido que tem colagenose faz muita vasculite [começaram a tossir nessa hora e
perdi o que ela disse], e essa vasculite leva a necrose da parede e perfuração. Então, antes ele poderia
ter uma peritonite primária e [alguma coisa com corticoide] agora ele pode ter uma peritonite
secundária, que tem uma causa própria, no caso uma vasculite que perfura e faz uma peritonite
secundária. Aí a gente opera, costura mal e temos a peritonite terciária.

Então, quando não temos cirurgias prévias, o mais comum é apendicite, úlcera perfurada e doença
ginecológica. A úlcera perfurada hoje, talvez, seja a menos comum.

Peritonite Terciária

Então, nós podemos ter uma peritonite secundária de forma asséptica ou química, como eu já falei.
Podemos ter ela infecciosa ou supurativa. E a peritonite mais nova é a peritonite terciária. Nos livros
mais antigos, isso não está escrito. Então, ela é uma peritonite que surge depois de tratarmos uma
peritonite primária ou secundária, seja drenando, retirando tecido desvitalizado, fazendo
antibioticoterapia adequada. Aí você fez tudo que tinha que fazer e ela, a peritonite primária ou
secundária, ou não melhora ou recrudesce, piora. Então, depois do tratamento cirúrgico, terapia
adequada, infecção que persiste ou retorno após 48h do início é caracterizado com peritonite
terciária.

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Professora reclama que uma prática comum em volta de Curitiba é tratar câncer e liberar
rapidamente o paciente, que vai ter uma fístula 4 dias depois, vai desenvolver peritonite e vai
precisar ficar internado no HC(o que é muito mais custoso pro hospital).

Peritonite Asséptica

A peritonite asséptica é formada principalmente por HCl, bile, suco pancreático, sangue (que é
extremamente irritante, mesmo em quantidades pequenas de um rompimento de ovário), urina
(sempre drenar quando tiver que abrir a bexiga e tiver que dar uns pontinhos, porque vai vazar pra
cavidade). A peritonite urinosa é especialmente importante se for duradoura, pois causa um tipo de
“diálise peritoneal invertida”, em que toda a excreta da urina acaba passando pelo peritônio de volta
para o organismo. Por isso, mamãe tem razão: antes de sair de casa para uma viagem, vai fazer xixi,
porque se bater o carro e explodir a bexiga no lugar errado (no trígono vesical) pode esperar muitas
cirurgias aqui no ambulatório da Uro e da Nefro.

Peritonite Séptica

Aqui, nós temos uma figurinha de uma apendicite aguda em


videolaparoscopia – um apêndice inflamado, que ainda não tem pus,
que pode perfurar se eu não fizer nada agora.

Normalmente na peritonite séptica, a flora bacteriana é mista,


dependendo de ser trato digestivo alto, baixo, ou uma causa específica
(apesar do projétil de uma arma ser estéril, ela rompe as alças intestinais em várias alturas e traz
consigo corpos estranhos, como pedaços da nossa roupa). Nesses casos, pode formar um abcesso se
houver um bloqueio em volta, mas também pode ser uma peritonite difusa.

Aqui, o que acontece no intestino grosso no caso de uma diverticulite [os


“círculos” na imagem são os divertículos]. Está fazendo uma
colonoscopia que não deveria ter ocorrido, já que não se indica
colonoscopia para diverticulite aguda, porque eu posso lesar um
bloqueio inflamatório na hora em que eu for encher de ar o cólon. Nesses
casos, você chega aqui, vê a diverticulite e não progride o exame.

Pergunta: Mas no caso de uma diverticulite aguda, então qual exame pode ser feito?

Resposta: O diagnóstico de diverticulite aguda é clínico e o exame que vai nos dar o tamanho do
estrago é a tomografia computadorizada. Se tiver que fazer a colonoscopia em alguém com
diverticulite por outro motivo (um sangramento inexplicável, por exemplo) tem toda uma técnica
especial.

Nós já comentamos sobre porção alta e porção baixa, mas o que nós temos no final do intestino
delgado? Gram negativos e anaeróbios, sendo que a Escherichia coli e a Pseudomonas são as
principais, mas vale destacar que Clostridium tem aumentado em pacientes institucionalizados.

O que nós temos que saber primeiro? O que causou a nossa peritonite séptica, qual é a fonte dela para
podermos saber que tipo de bicho temos lá dentro. Geralmente, séptica acaba indo para tratamento
cirúrgico, a não ser alguns casos de peritonite primária. Então, temos que saber qual é o tipo de
bactéria infectante, qual é a lesão inicial, qual a idade e as condições gerais do paciente (um
paciente cirrótico com hipoalbuminemia não vai conseguir carregar os remédios para área de lesão tão
bem como nós).

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FISIOPATOLOGIA

O peritônio também consegue se cicatrizar, então frente a essa agressão vai ocorrer uma grande
produção de fibrina, além da migração de polimorfonucleares, e, quando você abrir o paciente, vai
enxergar as alças intestinais cobertas por uma camada amarelada que é justamente essa fibrina - sem
vascularização, portanto um ótimo meio de cultura, responsável pela reincidência de muitas
peritonites sépticas tratadas clinicamente. Também vamos ter hipodinâmica, com diminuição do
peristaltismo [íleo adinâmico].

Como perdemos muito líquido, a gente começa a ter hipovolemia. A gente não perde só líquido para
dentro da cavidade abdominal, a gente acumula líquido dentro do intestino também. E se fica tudo
edemaciado, a parede intestinal também fica edemaciada. Com a diminuição do peristaltismo, tudo o
que tem de troca do líquido intraluminal para o nosso sistema vascular diminui. Então, por mais que
eu tenha líquido dentro da alça, não consigo jogar esse líquido para dentro da circulação e aí desidrato
também. A mucosa do intestino fica mais edemaciada e começa a perder líquido para dentro da luz.
Uma coisa piora a outra e vira uma bola de neve. Aí começa a ter translocação bacteriana, toxemia,
bacteremia e sepse se eu não fizer nada. E, se continuar olhando, vou ter disfunção de múltiplos
órgãos e morte. Essa é a história natural quando não fazemos nada.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é definido com a história e o exame físico em cerca de 2/3 dos casos.

Diagnóstico Clínico

Então, lembrar: é importante essa discussão do porquê acontece, do porquê não acontece porque o
principal diagnóstico é clínico. Não importa o que deu início à peritonite, temos que reconhecer
sinais que estão nos dizendo que alguma coisa está acontecendo, vamos entender o que está
acontecendo. A principal função nossa, num primeiro atendimento, não é fazer um diagnóstico
brilhante – é dar suporte. Quando entendemos o que acontece, não importando como começou,
conseguimos dar suporte ao paciente, tratá-lo e, se tivermos uma boa previsão da causa, vamos dar
antibiótico, saber quais exames pedir. O exame é uma pergunta e se nós não sabemos como fazer essa
pergunta, não sabemos o que fazer com a resposta do resultado do exame.

Quando começamos a prestar atenção nos sinais e sintomas, vemos que todos eles se devem às
manifestações reflexas. A dor vai ser localizada quando o peritônio parietal estiver inflamado.
Quando tiver começando a fazer inflamação da apendicite, mas ainda não deu tempo de inflamar o
peritônio parietal, é aquela história: “acho que foi a azeitona da empada de ontem!”. Tudo o que dá na
barriga, desde uma apendicite, uma úlcera perfurada, uma pancreatite começa com dor no epigástrio.
E que nervo temos aqui? Lembram da embriologia onde começa o intestino primitivo? Plexo celíaco!
Tudo o que é visceral, a dor é referida. Vocês só vão ter dor localizada – por isso chamo de confusão
de apendicite com AVC – quando a apendicite já tiver evoluído e, além de inflamar o apêndice, já há
inflamação do peritônio parietal. E isso vale para outras inflamações. Vamos ter vômito, inicialmente
reflexo, e mais tardiamente por toxemia e pelo íleo adinâmico. Há diminuição da amplitude dos
movimentos respiratórios abdominais – só que quando diminui demais, piora a troca gasosa.
Quando fazemos a descompressão abdominal brusca, dói muito. E quando você solta a mão o
movimento do peritônio é mais brusco ainda do que quando a gente aperta. E se o peritônio está
inflamado, vai doer para caramba – o indivíduo quer subir no lustre e te bater. Isso se chama sinal de

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Blumberg ou descompressão brusca. Há ruídos hidroaéros diminuídos ou ausentes. Quantas vezes


a gente faz aquele “bululum” [tentativa de imitar som de ruído hidroaéreo] na barriga? Vocês têm
noção? 60 vezes por minuto? Uns três por minuto está louco de bom. Vocês acham que quanto tempo
temos que ficar auscultando para fazer o diagnóstico de ruído hidroaéreo diminuído? Alguns minutos.
Então, não é um parâmetro muito bacana. Quando ele está aumentado, com som metálico, ele é mais
fidedigno para alguma oclusão. E rigidez abdominal difusa é quando “a vaca já foi para o brejo”.

Então, lembrar que há distensão abdominal, manifestações sistêmicas da toxemia, como


taquicardia, sudorese, hipotensão. Taquicardia e hipotensão podem ser os únicos sinais em
imunossuprimidos. E lembrar que toque retal e toque vaginal não é judiar de paciente: é o nosso
contato direto com o peritônio intra-abdominal. Nós temos ali uns 4mm da parede do reto separando o
peritônio do fundo de saco ou da parede da vagina; então, se estiver inflamado, temos acesso direto.
Faz parte do exame físico.

Diagnóstico Laboratorial

O diagnóstico laboratorial é a nossa pergunta. Queremos saber qual a gravidade do processo


infeccioso. Então, se tenho uma baita de uma leucocitose, provavelmente tenho uma infecção. E se
tiver uma leucopenia e o indivíduo estiver com um quadro clínico de infecção grave de origem
abdominal, o que devo pensar? Que tipo de bicho que é? Gram negativo. Cuidado com leucopenia e
suspeita de gram negativo – normalmente é sinal de que “está indo para o brejo” mesmo. Plaquetas
muito aumentadas indicam que essa inflamação está (?). Vamos ver os eletrólitos e coagulograma
(principalmente em imunossuprimidos e hepatopatas), gasometria arterial (porque começa a haver
alteração na nossa troca gasosa, além da troca eletrolítica), provas de função hepática e renal – tudo o
que tivermos condições de retirar de líquido relacionado à parte infecciosa. Vou fazer cultura,
antibiograma, colher líquido da cavidade abdominal...

Diagnóstico por Imagem

· Radiografia Simples

Nos dá uma boa ideia da distribuição dos gases abdominais, se estão confinados a algum quadrante do
abdômen, se tenho perfuração de víscera oca. Grandes pneumoperitônios normalmente são por
perfuração do cólon. Pequenos pneumoperitônios normalmente são por perfurações mais altas, em
geral de estômago, duodeno e trato gastrointestinal mais alto. No diagnóstico por imagem, a gente
pode ver ar dentro da via biliar. Então, prestem atenção quando vocês tiverem a aula de radiologia,
porque de madrugada nenhum hospital vai nos pagar honorários quando estiver de sobreaviso num
plantão. Dificilmente um hospital tem radiologista médico o dia inteiro de plantão. Nem aqui no HC
nós temos. Vamos ter um técnico. Então, temos que ter noção de radiologia, sim.

· Ultrassonografia do Abdome

A ultrassonografia nos ajuda, posso ver abscessos, posso ver o apêndice inflamado, líquido dentro da
cavidade abdominal.

· Tomografia

Hoje nos ajuda muito porque ultrassonografia é atrapalhada pelo ar. Entre o transdutor e o que quero
visualizar, se houver muita distensão abdominal, não enxergo porque o ar não deixa o ultrassom
passar. Então, a tomografia tira esse viés e por isso hoje a tomografia no abdome agudo é o exame de
imagem mais solicitado, dando um panorama de todo o abdome, consegue ver aquele peritônio bem

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pequeno, abscessos e não é atrapalhada pelo ar.

· Ressonância Magnética

· Vídeo Laparoscopia

Se não encontramos nada e não dá para ficar desse jeito, a vídeo laparoscopia faz diagnóstico e já
pode ser terapêutico. Chega um paciente e não temos vídeo laparoscopia de madrugada, numa
situação em que o paciente esteja muito mal e que haja demora no acesso à vídeo laparoscopia, vai
laparotomia mesmo. Hoje é difícil encontrar entre os médicos mais jovens quem saiba fazer
colecistectomia aberta – e, às vezes, é preciso fazer.

TRATAMENTO

Na peritonite primária, o tratamento é clínico, geralmente só com antibioticoterapia e cuidados de


rotina.

Na peritonite secundária, [o tratamento é cirúrgico e] preciso remover o foco inicial da infecção,


ou aspirar o líquido peritoneal infectado, prevenir a formação de coleções ou sepse. Cuidar com a
anestesia, já falamos sobre tudo o que acontece com a circulação – todos os anestésicos são
vasodilatadores. Então, já tenho vasodilatação pela infecção em si, já tenho muitas vezes o bloqueio
linfático pela própria causa da peritonite e eu vou dar um monte de gases anestésicos e outras
medicações anestésicas que vão fazer mais vasodilatação ainda, diminuindo a pré-carga. Tenho que
cuidar muito com a função cardíaca desse paciente. Além disso, na parte respiratória da anestesia, já
tenho um desvio da curva de troca de oxigênio por conta de toda a parte tóxica e vou ter uma piora
nessa curva por conta dos gases anestésicos e do respirador. Por isso tem que ser o mais rápido
possível. Quanto menos tempo o indivíduo ficar na máquina [respirador], melhor.

Lavar bem a cavidade. Usar drenos apenas se existir algum abscesso localizado, não adianta drenar
toda a cavidade. E nos casos muito graves até deixar essa barriga aberta.

Lembrar então da redução do consumo de O 2, de todo o edema intersticial que atrapalha a troca
hidroeletrolítica e do aumento da afinidade da hemoglobina pelo O 2, que vai fazer com piore as trocas
gasosas.

Os objetivos do tratamento clínico no pós-operatório são: conseguir restaurar a volemia; otimizar o


transporte e o consumo de oxigênio; temos que melhorar todos os indicadores de inflamação e de má
troca gasosa [normalização dos níveis séricos de lactato]; administrar adequadamente antibióticos; e
dar suporte nutricional.

Vocês têm que sair daqui com uma boa ideia de como diagnosticar. Para começar a ser um bom
cirurgião, temos que saber caracterizar cada doença, saber como abordá-la, saber a abordagem inicial,
saber fazer o diagnóstico, para sabermos fazer a escolha da melhor técnica para esse paciente, que vai
trazer o maior benefício para ele. Depois disso, você vai operar – dá dor nas costas, às vezes não tem
o material necessário, mas dá tudo certo no final.

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