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Conduza Corretamente o Estado de Mal Convulsivo

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O Estado de Mal Convulsivo é uma situação frequente nos pronto-socorros, gerando grande preocupação.
Saiba como realizar a avaliação, o diagnóstico e como iniciar os tratamentos medicamentosos.

A criança chega ao Pronto Socorro convulsionando. A família diz que a convulsão começou há mais de
15 minutos. A situação é muito frequente e, mesmo assim, além de gerar ansiedade nos cuidadores,
também gera ansiedade na equipe de saúde. Vamos relembrar aqui os principais pontos do manejo da
criança em Estado de Mal Epiléptico (EME) para que consigamos, através de Medicina Baseada em
Evidências, cuidar melhor do grupo de crianças que sofre desse mal.

DEFINIÇÃO DO ESTADO DE MAL EPILÉPTICO


EME é classicamente definido como uma crise convulsiva com duração superior a 30 minutos, ou então como
crises recorrentes, de duração maior que 30 minutos, e sem a recuperação completa da consciência entre cada
uma delas.

Alguns autores, entretanto, sugerem a classificação de


EME incipiente, com a redução desse tempo da definição para intervalos variando entre 5 a 20 minutos. Essa

Artigo originalmente publicado em www.PORTALPED.com.br


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escolha é feita pois a resposta à terapia medicamentosa tende a ser melhor quanto mais precocemente ela for
instituída. A International League Against Epilepsy (ILAE) sugere que após 5 minutos de crise generalizada já
houve falha dos mecanismos responsáveis por cessar a crise, o que provavelmente configurará EME. Sugere,
portanto, que o tratamento seja instituído para que se previna a lesão neuronal [1]. Para fins práticos,
portanto, a literatura tende a indicar início do tratamento após 5 minutos de crise.

Para fins práticos, a literatura tende a indicar início do tratamento após 5 minutos de crise.

O EME é definido por alteração do funcionamento cerebral, com descarga elétrica excessiva de um grupo de
neurônios, gerando impulsos de maneira anormalmente elevada, recrutando neurônios vizinhos e provocando
uma reação em cadeia. Tal fenômeno pode ser desencadeado por desequilíbrios estruturais do cérebro,
desequilíbrio entre impulsos excitatórios e inibitórios ou diminuição da capacidade de regulação do fluxo
iônico pelos neurônios.

O glutamato é o principal aminoácido excitatório cerebral e o ácido gama-aminobutírico (GABA) é o


principal neurotransmissor inibitório. Desequilíbrios envolvendo essas substâncias estão diretamente
envolvidos no aparecimento do EME [1].

ETIOLOGIA DO EME
São inúmeras as possíveis etiologias e a definição diagnóstica é essencial para que seja instituído o tratamento
definitivo. Entretanto, lembramos que essa definição não é necessária para que as medidas de controle das
crises sejam realizadas.

As principais etiologias são:

convulsões febris (etiologia mais comum)


processos infecciosos (meningites, encefalites)
trauma cranioencefálico (TCE)
eventos isquêmicos
distúrbios metabólicos (hiponatremia, hipoglicemia, entre outros)
crise hipertensiva
crise tireotóxica
erros inatos do metabolismo
encefalopatia hipóxico-isquêmica
mal uso de medicações anticonvulsivantes (intoxicação ou não aderência)
intoxicações exógenas e
malformações do sistema nervoso central (erros de migração neuronal, disgenesias) [1].

Entre 10–20% das crianças portadoras de epilepsia apresentarão ao menos 1 episódio de EME
[1].

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CLASSIFICAÇÃO
Podemos classificar o EME como parcial simples ou complexo e generalizado convulsivo ou não convulsivo.

EME parcial simples: crises focais sem comprometimento da consciência


EME parcial complexo: crises focais com comprometimento da consciência
EME generalizado convulsivo
EME generalizado não convulsivo

AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO
A anamnese dirigida e as medidas de suporte básico de vida são essenciais para uma condução adequada do
EME, mas não devem atrasar o início do tratamento farmacológico. É essencial obter do
cuidador/acompanhante dados como: descrição do quadro atual e tempo de evolução, história de febre,
alterações de comportamento, sinais de sepse, história de trauma, sintomas indicadores de aumento de
pressão intracraniana (cefaleia persistente/progressiva, por exemplo), uso de medicações anticonvulsivantes
ou não, resposta a tratamentos anteriores de EME (qual droga foi mais efetiva) e possibilidade de intoxicações
exógenas [2].

A investigação etiológica é fundamental, mas não deve atrasar a instituição do tratamento para
controle das crises.

A investigação complementar deve ser iniciada tão logo seja possível, mas não deve atrasar o tratamento
farmacológico do EME. A glicemia capilar deve ser determinada no início da condução do caso, com correção
da hipoglicemia, caso presente. Sugerimos também que sejam obtidos: eletrólitos (sódio, potássio, cálcio total
e iônico, magnésio) e gasometria, obrigatoriamente e na primeira oportunidade possível [2].

⇒ Caso haja suspeita de etiologia infecciosa, é importante a obtenção de hemograma, hemoculturas e punção
liquórica (que deve ser realizada somente após controle do EME). Caso haja suspeita de hipertensão
intracraniana (HIC), deve-se realizar tomografia de crânio previamente. No caso de se suspeitar de meningite,
deve-se iniciar antibioticoterapia dentro da primeira hora do atendimento, mesmo que a punção liquórica não
tenha sido realizada.

⇒ A tomografia de crânio deve ser realizada em todo paciente com suspeita de HIC; nos casos de EME
parcial ou com sinais localizatórios; e em todos os paciente que nunca haviam apresentado quadro convulsivo
previamente ao EME atual. Deve ser realizada oportunamente, após controle do EME.

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⇒ Deve-se considerar triagem toxicológica caso haja suspeita clínica ou na anamnese de uso/abuso de
substâncias psicoativas ou desencadeantes de EME (anfetaminas, cocaína, teofilina, antidepressivos tricíclicos,
etc). Obtenha nível sérico de medicações anticonvulsivantes. Lembramos que a principal causa de EME em
pacientes portadores de epilepsia é o mau uso das medicações, ou mesmo o uso correto, mas em doses
inadequadas, acarretando baixo nível sérico. Vale lembrar que a intoxicação por algumas drogas
anticonvulsivantes também pode desencadear o EME.

⇒ A ressonância magnética de crânio é mais sensível que a tomografia e deve ser realizada para investigação
etiológica, conforme discussão com a equipe de neurologia.

⇒ A pesquisa de erros inatos do metabolismo deve ser discutida com a equipe de neurologia, e deve ser feita
oportunamente, especialmente em neonatos e lactentes.

⇒ O eletroencefalograma (EEG) deve ser realizado precocemente, se possível nas primeiras horas de evolução
do EME. Caso o EME se torne refratário, a monitorização contínua do traçado de EEG também é sugerida. Nos
casos de não recuperação do nível de consciência, a realização do EEG é essencial, visto que pode estar
ocorrendo atividade epileptiforme sem manifestação motora (EME não epiléptico/não motor – crises
subclínicas) [2].

TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
Não existe consenso na literatura sobre uma sequência de drogas a ser utilizada em EME em pediatria. Deve-

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se considerar a disponibilidade da medicação no serviço em questão, as particularidades do caso em questão,


a faixa etária e a resposta prévia a tratamentos de EME.

A hipoglicemia deve ser tratada prontamente, visto que é causa isolada e epidemiologicamente importante de
EME. Deve-se realizar bôlus endovenoso (EV) de 2 ml/kg de glicose a 25% ou 5 ml/kg de glicose a 10%, com
controle subsequente de glicemia capilar (dextro) e nova correção se necessário. Deve-se administrar
medicação antipirética nos casos de hipertermia, pois pode ser fator desencadeante ou mantenedor do EME.

A hipoglicemia é causa frequente de mal epiléptico em pediatria. Por isso deve ser prontamente
identificada e tratada

BENZODIAZEPÍNICOS

Os benzodiazepínicos são os medicamentos de primeira linha no tratamento do EME na faixa etária pediátrica
não neonatal (>28 dias). A via endovenosa é a preferencial, porém a não obtenção de acesso vascular não deve
atrasar a administração da primeira dose. A droga de escolha é o lorazepam. Infelizmente, a sua
apresentação endovenosa ainda não é disponível rotineiramente no Brasil. A dose preconizada é de 0,1 mg/kg,
máximo de 4 mg, numa infusão máxima de 2 mg/min. A primeira dose pode ser administrada por via oral ou
retal. A dose pode ser repetida após um intervalo de 5 a 10 minutos. O risco de depressão respiratória
aumenta se forem necessárias mais de 2 doses. Por tal motivo, não devemos ultrapassar 10 mg em 20 minutos.
A recomendação é que, se não houver resposta após 2 doses endovenosas, deve-se passar para o tratamento
de segunda linha. [2]

São alternativas:

Midazolam: dose oral (0,5 mg/kg, máximo de 10 mg), intranasal (0,2 mg/kg, máximo de 5 mg em cada
narina), intramuscular (0,2 mg/kg) ou endovenoso (0,2 mg/kg).
Diazepam: dose retal (0,5 mg/kg, máximo de 20 mg) ou endovenoso (0,3 mg/kg, máximo de 5 mg em
menores de 5 anos e 10 mg em maiores de 5 anos). O diazepam é menos eficaz e resulta em mais
depressão respiratória se comparado ao Lorazepam. Não há evidência para uso do diazepam ampola por
via nasal.

A forma mais otimizada de administrar medicações pela via intranasal é através da utilização de atomizadores.

Seringa com Atomizador

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FENITOÍNA

Deve ser a segunda linha do tratamento, exceto na faixa neonatal (3ª linha), nos casos de intoxicação exógena
e nos casos de boa resposta a outra droga em EME anterior [3].

A dose preconizada é de 20 mg/kg e deve ser diluída em solução fisiológica; se diluída em solução glicosada,
ocorrerá precipitação. A infusão deve ser no máximo 1 mg/kg/min ou 50 mg/min. A dose máxima recomendada
é de 1.000 mg [4]. O paciente deve estar monitorizado, pois pode apresentar arritmias e hipotensão. Deve-se
garantir que o acesso esteja adequado, pois o extravasamento da solução pode levar a necrose tecidual (purple
glove syndrome).

FENOBARBITAL

É a primeira escolha no EME no período neonatal.

A dose inicial é de 20 mg/kg, até o máximo de 1.000 mg,


podendo ser diluído em SF ou SG 5% [5]. Deve ser infundido no máximo a 2 mg/kg/min ou 50 mg/min. Os
principais efeitos colaterais são: sedação, depressão respiratória e hipotensão. Sendo assim, ao iniciar a
infusão, certifique-se de que há material para suporte ventilatório disponível ao lado do leito. Há a
possibilidade de se realizar doses suplementares de 10 mg/kg (até totalizar 40 mg/kg) após intervalos de 30
minutos, porém aumentando o risco de efeitos colaterais. Há descrição na literatura de utilização de até 80
mg/kg de fenobarbital para controle do EME, com sucesso. Após a dose de 20 mg/kg, caso não haja controle da
crise, sugere-se instituir o próximo passo.

Caso o paciente já tenha recebido o benzodiazepínico, a fenitoína e o fenobarbital sem o controle adequado do
quadro, ele deverá ser classificado como EME refratário. Nesse ponto da evolução, é fortemente recomendado
que se estabeleça uma via aérea artificial (intubação orotraqueal) para a segurança do paciente. É essencial
também que a equipe de neurologia seja acionada nesse momento da evolução.

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No Brasil, existem disponíveis formulações de fenobarbital para uso endovenoso na apresentação de 100
mg/ml e para uso EXCLUSIVO intramuscular na apresentação de 200 mg/ml.

Vale lembrar que continuamente deve-se estar atento para correção de possíveis causas do EME, como
hipertermia, distúrbios do sódio ou tratamento da sepse.

MIDAZOLAM CONTÍNUO

Deve-se realizar uma dose em bolus de 0,1–0,2 mg/kg e iniciar infusão contínua de 0,1 mg/kg/h. Sugerimos
utilizar inicialmente uma solução pouco concentrada, para ajuste rápido da dose. Caso não haja controle das
crises – e como a lesão cerebral decorrente do EME é diretamente proporcional ao tempo necessário para o
seu controle – , aumentar a taxa de infusão de 0,15 mg/kg/h a cada 5–10 minutos, com bôlus adicionais de 0,1
mg/kg a cada aumento. A dose máxima é de 1,5 mg/kg/h. Se após 1 hora de infusão do midazolam contínuo
persistirem as convulsões, o próximo passo deve ser iniciado.

TIOPENTAL

Dose inicial de 2–4 mg/kg, em bôlus, e iniciar infusão contínua de 2 mg/kg/h. O risco de hipotensão é alto,
sendo fortemente recomendado que, já nesse momento, o paciente disponha de acesso periférico calibroso e
de acesso venoso central para possível infusão de amina vasoativa. O aumento da dose deve ocorrer a cada 30
minutos, em 1 mg/kg/h, juntamente com um novo bôlus de 2 mg/kg. A dose máxima é de 5 mg/kg/h. Em 1,5
hora, caso não haja controle do EME refratário, instituir o próximo passo. Devemos lembrar que, caso a
infusão do tiopental seja mantida, não será necessária a dose de manutenção do fenobarbital, que deverá ser
instituída somente após o início do desmame do tiopental.

Outras opções para o tratamento do EME refratário são: propofol, cetamina, topiramato, ácido valproico,
levetiracetam, anestesia inalatória, hipotermia, eletroconvulsoterapia, plasmaférese, ACTH e corticoterapia.
Tais terapias não serão abordadas nesse post, pois não são o objeto de trabalho do pediatra geral e sim do
especialista, com o paciente já dentro da unidade de terapia intensiva.

⇒ O ácido valproico intravenoso parece ser a medicação mais promissora na condução do EME em pediatria.
Há trabalhos que mostram controle das crises na grande maioria dos casos, classificando-o até como droga de
tratamento inicial, antes mesmo de ficar definida a refratariedade [3]. A dose inicial varia de 20 a 40 mg/kg,
diluída 1:1 com soro fisiológico ou soro glicosado 5%. Caso a apresentação EV não esteja disponível, pode-se
utilizar, então, o xarope por via retal na dose de 10–15 mg/kg, diluído em água (1:1) [2].

⇒ Em lactentes abaixo de 18 meses, incluindo o período neonatal, que apresentam EME, deve-se testar a
resposta à piridoxina (vitamina B6) na dose de 100 mg EV no primeiro dia e de 50 mg nos dias posteriores.

CONCLUSÃO

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Conduza Corretamente o Estado de Mal Convulsivo

Defina, em primeiro lugar, se o paciente que você está atendendo se encaixa na definição de EME. Se
tratarmos um escape convulsivo como um EME estaremos, provavelmente, correndo riscos desnecessários [2].

Busque identificar na história e exame físico as possíveis causas do EME. Faça uma investigação dirigida para
determinar a etiologia, porém não atrase o tratamento para controle das crises para realizar essa investigação.

Descarte ou trate a hipoglicemia em primeiro lugar.

Comece a sequência terapêutica com o benzodiazepínico. Caso não disponha de acesso venoso, faça a primeira
dose de midazolam intranasal ou intramuscular. Caso não haja resposta a 2 doses endovenosas adequadas de
benzodiazepínicos, institua a terapêutica de segunda linha (fenitoína ou fenobarbital). Solicite um leito de
terapia intensiva e esteja preparado para estabelecer uma via aérea definitiva.

Você já atendeu algum EME em crianças? Viu algo diferente? Tem alguma experiência a nos contar?
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Conduza Corretamente o Estado de Mal Convulsivo

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