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Artigo original

Análise dos movimentos retóricos no gênero tira: contribuições


para o ensino de língua materna/portuguesa

Letícia Picanço Carneiro1 e Rosivaldo Gomes2


1 Acadêmica do Curso de Licenciatura Plena em Letras, habilitação em Francês, da Universidade Federal do Amapá. Bolsista Voluntá-
ria de Iniciação Científica pelo Departamento de Pesquisa da UNIFAP, Brasil. E-mail: leticia.picanco@hotmail.com
2 Doutorando em Linguística Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas/IEL-UNICAMP,
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental e Políticas Públicas e Graduado em Letras Português e Literatura
pela Universidade Federal do Amapá. Professor do Departamento de Letras, Artes e Comunicação da Universidade Federal do A-
mapá, Brasil. E-mail: rosivaldo@unifap.br

RESUMO: Neste artigo, propomo-nos apresentar, com base em dados cole-


tado de um projeto de pesquisa de iniciação científica, uma discussão so-
bre a organização retórica do gênero tira. Para isso, selecionamos, a partir
de uma abordagem quantitativa e qualitativa, um corpus composto por 17
análises feitas por alunos do 9º ano do Ensino fundamental participantes
do projeto. Como referencial teórico e metodológico, utilizamos autores
que embasam suas análises na abordagem sociorretórica de gêneros e na
concepção de gênero com ação social ou fatos sociais e na teoria de Análi-
se de Gêneros e movimentos retóricos (SWALES, 1990) e também as dis-
cussões de Catto e Hendges (2010) sobre a organização retórica do gênero
tira e os trabalhos de Ramos (2009) e Mendonça (2010) sobre o gênero ti-
ra. As análises evidenciam que os alunos reconhecem a identificação dos
sistemas semióticos que exercem função retórica na construção de senti-
dos do texto em relação às realidades sociais presentes nos mesmos. Os
resultados obtidos apontam ainda para o desenvolvimento de capacidades
de leitura, análise e crítica aos aspectos visuais e linguísticos que se rela-
cionam aos sentidos subjacentes aos textos desse gênero, demonstrando a
compreensão dos alunos sobre o princípio da relação entre formas e con-
textos, de modo que se evidenciem os efeitos ideológicos presentes no gê-
nero.
Palavras-chave: Gênero. Tira. Organização retórica.
Analysis of movements in cartoon rhetorical genre: contributions to the
language teaching mother / Portuguese
ABSTRACT: In this article, we propose to present, based on data collected
from a scientific initiation research project, a discussion of the rhetorical
organization of gender cartoon. To do this, we select, from a quantitative
and qualitative approach, a body composed of 17 analyzes made by stu-
dents of the 9th grade of elementary school project participants. The theo-
retical and methodological framework, we use authors that support their
analysis in sociorretórica approach of genres and gender design with social
action or social facts and Gender Analysis theory and rhetorical movements
(Swales, 1990) and also the discussions and Catto & Hendges (2010) on the

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rhetorical organization of gender strip and Ramos (2009) and Mendonça


(2010) on gender cartoon. The analyzes show that students recognize the
identification of semiotic systems performing rhetorical function in the
construction of the text directions in relation to social realities present in
them. The results also point to the development of reading skills, analysis
and criticism of visual and linguistic aspects that relate to the senses under-
lying the texts of this kind, demonstrating the students' understanding of
the principle of the relationship between forms and contexts, so that are
apparent ideological effects present in the genre.
Keywords: Genre. Cartoon. Rhetoric organization.

1 INTRODUÇÃO Assim, o objetivo deste artigo é apresen-


tar, a partir da abordagem sociorretórica,
Este artigo é fruto de alguns resultados uma discussão sobre a organização retórica
iniciais do Projeto de Pesquisa e de Inicia- do gênero tira (CATTO; HENDGES, 2010).
ção Científica (IC): Produção textual de gê- Como pressupostos metodológicos, utiliza-
neros discursivos no ensino fundamental mos as abordagens qualitativa e quantitati-
por meio do modelo didático de consciência va na análise do corpus composto por 17
crítica de gêneros 1, com o qual desenvol- análises feitas por alunos do 9º ano do En-
vemos um estudo acerca do ensino de gê- sino fundamental participantes do projeto.
neros em uma turma de 9º ano de uma es- Os dados foram coletados por meio do Mo-
cola pública da rede estadual da cidade de delo Didático de Consciência Crítica de Gê-
Macapá-AP. Embasando-nos em pressupos- nero 2, o qual prever a análise retórica e
tos teóricos e metodológicos do trabalho escrita de um gênero familiar dos alunos,
com ensino de gêneros na abordagem so- sendo o gênero escolhido a tira.
ciorretórica e na concepção de gênero com Como referencial teórico e metodológi-
ação social ou fatos sociais (MILLER, 1984; co, utilizamos autores que embasam suas
BAZERMAN, 1994, 2005; SWALES, 1990), análises na abordagem sociorretórica de
buscamos discutir de que modo essas con- gêneros e na concepção de gênero com a-
cepções podem contribuir no trabalho com ção social ou fatos sociais (MILLER, 1984;
ensino de língua portuguesa que considere BAZERMAN, 1994, 2005; SWALES, 1990); na
não apenas aspectos linguístico-textuais teoria de Análise de Gêneros (SWALES,
dos gêneros, mas que também permita ao 1990), as discussões de Catto e Hendges
aluno o reconhecimento de que os gêneros (2010) sobre a organização retórica do gê-
são eventos comunicativos em que ocorre a nero tira e os trabalhos de Ramos (2009),
utilização da língua, numa determinada si- Mendonça (2010) e Vergueiro (2007) sobre
tuação de discurso, envolvendo uma série o gênero tira.
de fatores sociais (BAZERMAN, 2005).
1 2
Subprojeto de IC vinculado ao projeto de pesquisa Re- Material Didático de autoria de Letícia Picanço Carneiro
textualização e Movimentos Retóricos na Construção de e Rosivaldo Gomes, produzido durante o desenvolvimen-
Gêneros discursivos, DPQ-UNIFAP-23125.002281/ 2013- to da pesquisa Retextualização e Movimentos Retóricos
57. na Construção de Gêneros Discursivos, DPQ-UNIFAP-
23125.002281/2013-57

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As análises evidenciam que os alunos re- linguagem e do discurso se convergem, de-
conhecem a identificação dos sistemas se- sencadeia-se a consolidação da concepção
mióticos que exercem função retórica na sociorretórica de gênero que amplia esse
construção de sentidos do texto em relação primeiro modo de produzir textos a partir
às realidades sociais presentes nos mesmos. de uma visão retórica muito estanque, pas-
Os resultados obtidos apontam ainda para o sando a ocorrer o que ficou conhecido co-
desenvolvimento de capacidades de leitura, mo a chamada virada retórica nos estudos
análise e crítica aos aspectos visuais e lin- disciplinares do discurso e do comporta-
guísticos que se relacionam aos sentidos mento humano (MAZZOTTI, 2007).
subjacentes aos textos desse gênero, de- De acordo com Silva (2008), o filósofo e
monstrando a compreensão dos alunos so- crítico literário norte-americano Kenneth
bre o princípio da relação entre formas e Burke contribuiu significativamente para o
contextos, de modo que se evidenciem os reaparecimento dessa disciplina nos estu-
efeitos ideológicos presentes no gênero. dos pós-estruturais da linguagem e do dis-
curso e, consequentemente, para as recon-
2 OS GÊNEROS TEXTUAIS E A ABORDAGEM ceituações de gênero na perspectiva socior-
SOCIORRETÓRICA retórica. No tocante ao trabalho com os
gêneros textuais na abordagem sociorretó-
Inicialmente, antes de fazemos a apre- rica, Carolyn Miller (1984) é uma das prin-
sentação da abordagem sociorretórica de cipais representantes dessa vertente. Miller
gêneros, cabe destacar que a concepção de (1984) propõe que a noção de gênero como
gênero assumida, neste trabalho, não nega ação social deve ser vista como uma recon-
a visão dialógica de linguagem apresentada ceituação da concepção de gênero textual,
por Bakhtin (1997). Todavia, como nosso pois os estudos anteriores aos trabalhos
foco recai sobre o ensino, optamos por uti- dessa autora consideravam principalmente
lizar autores que focam suas discussões a análise textual no que diz respeito às re-
sobre gêneros para esse fim específico, mas gularidades das formas de realização do
que consideram que, na constituição e no gênero, isto é, quando tomado como obje-
uso dos gêneros, estão envolvidos também to de estudo para análise, o gênero era dis-
aspectos enunciativos e socio-históricos. cutido muito mais em seus aspectos linguís-
Quando o assunto é produção e análise ticos e estruturais do que em seus aspectos
de textos não podemos negar que o ensino socioculturais. Nesse sentido, a autora ar-
formal e sistemático da produção escrita ou gumenta que uma definição retórica de
composição de textos, como era denomi- gênero não deve ser centrada na substân-
nado até o início do século XIX, em muito cia (conteúdo) ou na forma (estrutura), mas
foi influenciado pelos princípios da retórica sim na ação que o gênero realiza social-
clássica que, tradicionalmente, eram tidos mente.
como formais e que melhor sistematiza- Miller (1984) em seu artigo Genre as So-
vam, pedagogicamente, a prática escolar. cial Action, rejeita os estudos que prioriza-
Entretanto, na segunda metade do século vam as atividades classificatórias ou taxio-
XX, quando importantes investigações e nômicas dos gêneros por serem estanques,
perspectivas que marcaram os estudos da estéticas e reducionistas e que atentavam
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apenas para aspectos formais dos gêneros. discursos socialmente adequados aos vá-
Já na abordagem sociorretórica, a autora rios contextos e circunstância da vida. Ba-
defende que o estudo dos gêneros deve ser zerman (1994) compartilhando com Miller
baseado no estudo das convenções da prá- (1984) da concepção de gênero como ação
tica retórica, isto é, nas ações que envol- social, reconhece que,
vem situação e motivo, já que “a ação hu-
mana, seja ela simbólica ou de outra forma Podemos chegar a uma compressão mais
só pode ser interpretável apenas contra um profunda de gêneros se os compreen-
contexto de situação e através de atribui- dermos como fenômenos de reconheci-
ções de motivos” (MILLER, 1984, p. 23). mento psicossocial que são parte de pro-
Carvalho (2005) discute que importante cessos de atividades socialmente organi-
zadas. Gêneros são tão-somente os tipos
nessa visão de gênero como ação social na
que as pessoas reconhecem como sendo
obra de Miller, são os conceitos de recor-
usados por elas próprias e pelos outros.
rência e ação retórica. Devitt (2004) to- Gêneros são o que nós acreditamos que
mando também por base o trabalho semi- eles sejam. Isto é, são fatos sociais sobre
nal de Miller (1984) concebe o gênero co- tipos de atos de fala que as pessoas po-
mo artefato sociocultural, caracterizando-o dem realizar e sobre os modos como elas
como uma ação social tipificada, ou seja, os realizam (BAZERMAN, 2005, p. 31).
para essa autora, na abordagem sociorretó-
rica o gênero é reconhecido a partir do Bazerman (2005) defende ainda que os
momento em que há uma recorrência de gêneros emergem nos processos sociais em
situações nas quais ele ocorre e para os fins que as pessoas tentam compreender umas
que serve. às outras suficientemente bem para coor-
No que diz respeito às implicações para denar atividades e compartilhar significa-
o ensino, Miller (2009) defende que apren- dos com vista a seus propositivos práticos e
der gêneros não significa aprender um con- sociais. Além de Bazerman (1994; 2005) e
junto de formas ou simplesmente um mo- Miller (1984; 2009), a abordagem sociorre-
do de realizar nossos propósitos. Para ela, tórica conta ainda com as contribuições de
o que se aprende são os fins que podemos Swales e Najjar (1987) que propõem uma
alcançar com essas formas e métodos, tais análise de gêneros – principalmente aca-
como elogiar, pedir desculpas, recomendar dêmicos, mas que atualmente tem sido
alguém ou alguma coisa, assumir um papel, adaptada para outros campos discursivos -
explicar algo, etc. Ademais, aprender gêne- a partir de uma etnografia da escrita, isto é,
ros, segundo a autora, é útil para o aluno busca evidenciar uma análise formal e dis-
compreender como participar nas ações de cursiva de gêneros variados. Swales (1990),
uma comunidade. não muito diferente dos autores já citados
Concebendo, portanto, os gêneros como anteriormente, defende que o gênero deve
ações retóricas tipificadas, baseadas em ser visto em seu contexto e não pode ser
situações recorrentes em determinadas completamente entendido e interpretado
culturas, Miller (1984) considera que na apenas por meio de uma análise de seus
prática discursiva nós aprendemos a agir elementos linguístico-gramaticais ou for-
retoricamente por meio do uso de tipos de mais. Para esse autor,
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Um gênero compreende uma classe de 3 O MODELO CARS E A ANÁLISE DE GÊNE-
eventos comunicativos, cujos membros ROS
compartilham os mesmos propósitos co-
municativos. Tais propósitos são reco- Em sua obra seminal, Aspects of article
nhecidos pelos membros especialistas da introductions, Swales (1981) realiza a análi-
comunidade discursiva de origem e, por-
se de 48 introduções de artigos científicos
tanto, constituem o conjunto de razões
para o gênero. Essas razões moldam a es-
e, a partir disso, o autor desenvolveu uma
trutura esquemática do discurso e influ- descrição esquemática que encapsulava tais
enciam e impõem limites à escolha de regularidades. Esse modelo, baseado em
conteúdo e de estilo. (SWALES, 1990, p. moves (em português, “movimentos retóri-
58). cos”) foi denominado pelo autor de modelo
CARS (Create a Research Space) e represen-
O autor argumenta ainda que a concep- ta uma estrutura esquemática típica da in-
ção de gênero adotada por ele origina-se trodução de artigos acadêmicos. O modelo
do entrelaçamento de tradições de vários CARS produzido por Swales (1981) aponta
campos de estudo, mas que sofreu grande para uma regularidade de quatro movimen-
influência da linguística aplicada. Hemais e tos (moves), sendo eles: movimento 1 - es-
Biasi-Rodrigues (2005) destacam que a ori- tabelecer o campo de pesquisa; movimento
ginalidade do trabalho de Swales está na 2 - sumarizar pesquisas prévias; movimento
integração proveitosa que o autor faz de 3 - preparar a presente pesquisa; movimen-
diversas ideias emprestadas de tradições to 4 - introduzir a presente pesquisa
também diversas. Swales (1990) defende (SWALES, 1981).
os gêneros teriam valor sociocultural na Apresentando algumas dificuldades para
medida em que atendem às necessidades a aplicação a representação esquemática de
sociais e espirituais de diversos grupos so- Swales, o modelo CARS passa a ser criticado
ciais situados. e o autor reformula-o em 1990, reduzindo
Assim, para Swales (1990) os gêneros os quatro movimentos a três, porém acres-
podem ser entendidos como eventos co- centando vários passos (steps) em cada um
municativos que se moldam a partir do dos movimentos, como se pode observar
propósito comunicativo dos sujeitos e dos no Quadro 1 abaixo:
contextos sociais. Nesse sentido, o objetivo
Quadro 1: Modelo CARS SWALES - Descrição da
da ação discursiva influi no modo como as
organização retórica da seção introdutória de arti-
pessoas vão construir e organizar seu dis- gos acadêmicos
curso. Segundo Hemais e Biasi-Rodrigues Movimentos Passos
(2005, p.118), Swales propõe abandonar a Passo 1 – Alegando centralidade
noção de propósito comunicativo como Movimento 1 e/ou Passo 2 – Fazendo genera-
meio imediato “para a classificação dos gê- Estabelecendo lizações sobre o tópico e/ou
um território Passo 3 – Revisando itens de pes-
neros, sugerindo que o analista deveria
quisas anteriores
manter em mente que o a identificação do Movimento 2 Passo 1A – Contra-
objetivo comunicativo do gênero está em Estabelecendo argumentando ou Passo 1B –
função do resultado da análise textual e um nicho Indicando uma lacuna ou
contextual”. Passo 1C – Levantando questio-

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namentos ou Para a realização de cada movimento há


Passo 1D – Continuando uma estratégias retóricas diversas, mecanismos
tradição
linguísticos que o escritor pode escolher
Passo 1A – Delineando os objeti- para realizar o propósito comunicativo do
vos ou movimento dentro do texto como um todo.
Movimento 3
Passo 1B – Anunciando a pesquisa
Ocupando o Esses mecanismos de realização do movi-
Passo 2 – Anunciando os princi-
nicho mento foram nomeados por Swales (1990,
pais achados
Passo 3 – Indicando a estrutura 2004) de steps. Alguns pesquisadores atuais
do artigo têm ampliando a aplicação desse modelo
Fonte: Swales (1990, p. 141). para análise de gêneros não acadêmicos,
como por exemplo, Catto e Hendges (2010)
Esse novo modelo de Swales (1990) pro- que fazem a análise dos movimentos retóri-
põe uma organização em dois níveis hierár- cos existente na organização de exemplares
quicos de informação: os movimentos (mo- do gênero tira; o trabalho de Lovato (2009)
ves) e os passos (steps). Segundo Motta- que fez um estudo de Movimentos e passos
Roth (1995), um movimento pode ser defi- retóricos canônicos em notícias de popula-
nido como um bloco de texto que pode se rização da ciência da revista Ciência Hoje
estender por mais de uma sentença, reali- online. Mesmo ainda limitados somente a
zando uma função comunicativa específica. análise da estrutura e não para o ensino,
Conforme Swales (2004, p. 228), os movi- esses trabalhos mostram a potencialidade
mentos retóricos são “unidades retóricas de trabalhar com a abordagem sociorretóri-
que executam funções comunicativas coe- ca e com movimentos retóricos para análise
rentes em discursos escritos ou orais”. e para a produção de gêneros diversos.
Com base em Swales (1990), Motta-Roth
(1995) clarifica a noção de movimento retó- 4 GÊNERO TIRA
rico, quando aponta que,
As práticas de leitura e escrita são, hoje,
um movimento consiste em uma estraté-
pautadas nos usos reais da linguagem, o
gia usada pelo autor para atingir um dado
que demonstra a inserção de contextos so-
objetivo em uma passagem do texto, um
bloco de texto que pode se estender por ciais ao ensino de língua materna, de modo
mais de uma sentença, que realiza uma que as ações exercidas em sociedade sejam
função comunicativa específica claramen- abordadas em sala de aula. Esse caráter
te definida e que, juntamente com outros sociocultural da linguagem adotado concre-
movimentos, constitui a totalidade da es- tiza-se por meio de gêneros discursivos di-
trutura informacional que deve estar pre- versos, sendo que esses cultivam os moti-
sente no texto para que esse possa ser vos sociais para agir e nos informam sobre
reconhecido como um exemplar de um as situações de comunicação e modos de
dado gênero textual. Cada movimento agir em determinada cultura. Acerca disso,
representa um estágio no desenvolvi- Bazerman (2006, p. 23) comenta que os
mento da estrutura total da informação.
gêneros “são molduras para a ação social.
(MOTTA-ROTH, 1995, p. 47)
São ambientes para a aprendizagem. São os
lugares onde o sentido é construído. Os gê-
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Análise dos movimentos retóricos no gênero tira: contribuições para o ensino de língua portuguesa 91
neros moldam os pensamentos que for- também tiras que abordam situações coti-
mamos e as comunicações através das dianas ou próprias dos leitores em potenci-
quais interagimos”. al.
Como resultados de ações sociais de lin- A tipologia predominante, como aponta
guagem, os gêneros discursivos permitem a Mendonça (2010), é a narrativa, visto que
organização, construção e compreensão há a predominância dessa sequência por
dos enunciados, que por sua vez, materiali- conta da progressão temporal organizada
zam nos usos da língua, sendo compreendi- quadro a quadro, contudo, podemos encon-
dos como unidades concretas e reais da trar também características de outras tipo-
comunicação discursiva. Como objeto de logias como a dialogal, argumentativa e in-
ensino, os gêneros refletem as práticas so- juntiva. O público alvo a quem são destina-
ciais em função do domínio dos mais varia- das as tiras também é bastante diversifica-
dos padrões da língua, sendo ela oral ou do, com temáticas e personagens relacio-
escrita, como também a análise e a avalia- nadas aos interesses de cada público leitor.
ção crítica de diversos discursos e o reco- Quanto à estrutura composicional do gê-
nhecimento e valorização das variedades nero, Ramos (2009) aponta que a sequência
linguísticas da língua, além de conceber a narrativa está organizada em quadros dis-
linguagem como um instrumento de intera- postos horizontalmente em que cada qua-
ção social. dro contém uma parte da ação. A lingua-
Nesse sentido, o gênero tira ou Tirinha, gem inclui além do texto verbal, elementos
como é mais conhecido, se insere no hiper- não verbais, tais como: a imagem dos per-
gênero Quadrinhos (RAMOS, 2009), o qual sonagens e cenário, balões variados que
agrupa outros gêneros por suas similarida- expressam os pessamentos, sentimentos e
des estruturais e discursivas, dentre eles o falas das personagens, as fontes e tama-
Cartum, a Charge e a HQ. A tira, segundo nhos das letras, expressoões faciais das per-
Mendonça (2010) é um tipo de HQ, porém, sonagens e expressões de movimento. As
sintética em que a narrativa se desenvolve duas linguagens que compõem o gênero
em um número reduzido de quadros, po- tira, a não verbal (imagens) e a verbal (as
dendo essa ser sequencial (sequências de palavras), se combinam para dar sentido ao
capítulos de uma narrativa maior) ou fe- texto. Nesse gênero é indispensável os ele-
chada (um episódio específico por edição). mentos não verbais, já que as tiras podem
O domínio discursivo ao qual o gênero ti- existir sem o texto verbal, mas nunca sem
ra se enquadra é o jornalístico, pois encon- imagens, o que o caracteriza também um
tra-se principalmente em jornais, revistas e gênero multimodal.
gibis, mas atualmente pode ser visualizado Dentre os recursos não verbais, podemos
também em outros espaços midiáticos, co- evidenciar os requadros ou vinhetas que
mo na internet. A temática desse gênero é são os quadros que delimitam cada ação da
bem diversificada, sendo determinada pelo história, de forma que tornam-se uma es-
público alvo e pelo veículo de difusão em pécie de “moldura” para cada cena. Sua
que se encontra. Dentre as temáticas, po- forma ou ausência pode ser proposital, e
demos destacar as de cunho político e soci- pode influenciar ou não na leitura da tira,
al, há ainda as de caráter humorístico, como dependendo das intenções do autor. A or-
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dem e disposição de cada requadro deter- formas, conforme aponta Ramos (2009):
mina o sentido da leitura, no qual o conjun- por convenções gráficas, denominados li-
to deles, denominado sequência ou monta- nhas cinéticas e pelo próprio corpo da per-
gem, é o que compõem a narrativa. sonagem que pode ser desenhado várias
Segundo Ramos (2009) os balões são os vezes apresentando diferentes etapas da
principais recursos presentes nas tiras, o ação.
que os tornou uma das marcas característi- No que concerne à linguagem verbal,
cas desse gênero. Eles demonstram não só percebemos aspectos da oralidade que si-
as falas das personagens, mas também seus mulam uma conversação, na qual os balões
pensamentos e sentimentos, e ainda con- representam os turnos da fala que de acor-
tribuem para enfatizar as ações das perso- do com Koch e Elias (2011) são as contribui-
nagens. A diversidade de funções dos ba- ções dadas por cada participante no mo-
lões é compreendida por meio de efeitos mento de conversação. O letreiamento re-
variados em seus contornos ou pela ausên- presenta os diferentes tipos de letras, ta-
cia deles. Nesse sentido, os balões assu- manhos e estilos, e refletem a natureza e a
mem a forma e teor do que expressam, emoção das falas dos personagens.
mudando seu formato para incorporar o Os sons nas tiras – elementos importan-
nível, o tom e o conteúdo do texto ou ima- tes também na construção de sentidos para
gem do personagem que fala, como no e- esse gênero - são representados de duas
xemplo da Figura 1 abaixo. formas pelos elementos paralinguísticos
que indicam sons que acompanham a fala e
Figura 01 - Balões diversos
são produzidos pelas personagens como o
choro, suspiros, risos etc, como também
pelas onomatopeias, isto é, palavras que
representam os sons e ruídos nas tiras,
sendo que com o uso dessas palavras são
exploradas cores, formas e espessuras a fim
de que se obtenha um efeito expressivo
maior como evidencia Akahoshi (2012).
Fonte: <www.cantinhodocalvin.blogspost.com>
O ruído nos quadrinhos, muitas vezes, é
Outro recurso visual também explorado mais visual do que sonoro, pois os dese-
nas tiras são as metáforas visuais, as quais nhistas exploram a espessura, a forma, a
são representadas por imagens que substi- cor dos fonemas que o constituem a fim
de conseguirem um efeito expressivo
tuem certas palavras e indicam um senti-
maior. Uma boa onomatopeia é de vital
mento ou acontecimento. As expressões importância nas histórias em quadrinhos,
faciais dos personagens são uma referência pois atinge juntamente com a imagem
nos textos e orientam o rumo da narrativa, uma grande área de significação, criando
sendo que parte dos elementos de ação é efeitos expressivos de consumo rápido e
transmitida pelos rostos e movimento das intensa comunicação. (AKAHOSHI 2012,
personagens. Vale ressaltar que a noção de p. 7)
movimentos pode ser percebida de duas
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Análise dos movimentos retóricos no gênero tira: contribuições para o ensino de língua portuguesa 93
Dentre os recursos linguísticos possíveis Cada análise apresenta um exemplar dife-
de serem explorados nas tiras, as figuras de rente do gênero de diversos quadrinistas,
linguagem são destaque, principalmente, com fontes da internet, com o objetivo de
no trabalho em sala de aula, pois essas têm proporcionar o acesso a um número maior
o objetivo de ampliar o sentido do texto, de textos do gênero e consequentemente,
tornando-o assim mais expressivo. São em- uma discussão mais ampla acerca da sua
pregadas para expressar situações, fatos e variedade discursiva por parte dos alunos.
pensamentos envolvidos no texto de uma Nesse sentido, o Quadro 02 apresenta as
forma diferente e original, o que permite o categorias de análises adotadas nesta pes-
leitor observar o texto sob uma visão mais quisa, cuja descrição e discussão baseiam-
crítica, valorizando assim o texto e as inten- se na adaptação da organização retórica do
ções do autor. gênero tira proposta por Catto e Hendges
A organização retórica do gênero tira es- (2010).
tá associada à observação da linguagem
Quadro 02 - Organização retórica do gênero tira
verbal e não verbal presentes no mesmo,
Apresentar os
sendo assim, possível a partir dessas, definir Função 1
personagens
as ações e os elementos discursivos, em Apresentar o ce-
função de cada movimento retórico dispos- Movimento 1: Situação Função 2
nário
tos nas vinhetas. De acordo com Catto e Função 3
Apresentar o
Hendges (2010) o gênero tira está organi- evento
zado em três movimentos retóricos básicos: Provocar expecta-
Movimento 2: Conflito Função 4
tiva
situação, conflito e resposta inesperada; e Movimento 3: Respos- Produzir o humor
dois movimentos opcionais: autoria e locali- Função 5
ta inesperada ou reflexão
zação temporal. A organização retórica do Assinatura do
Movimento 4: Autoria Função 6
gênero, proposta pelos autores Catto e quadrinista
Hendges (2010), é a base de discussão e Movimento 5: Locali- Data de publica-
Função 7
crítica aos movimentos retóricos dos exem- zação temporal ção
Fonte: Adaptada de Catto e Hendges (2010).
plares analisados pelos alunos, como será
apresentado na seção seguinte. Sobre o primeiro movimento retórico (a-
presentação da Situação) considera-se a
5 ANÁLISE CRÍTICA DO GÊNERO TIRA apresentação dos participantes da ação
(personagens) e sobre o que está aconte-
A discussão dos dados embasa-se em um cendo (evento), situando ainda o leitor so-
corpus composto por 17 análises feitas por bre onde e quando ocorre (cenário) a ação.
alunos do 9º ano do Ensino fundamental de Para esse movimento, tem-se como princi-
uma escola pública da cidade de Macapá, pal referência os elementos não verbais,
capital do Estado do Amapá, de exemplares porém como explicam Catto e Hendges
do gênero tira. Este estudo desenvolveu-se (2010, p. 11) “as marcas linguísticas explíci-
por meio do Modelo Didático de Consciên- tas da linguagem verbal identificam mais
cia Crítica de Gênero que prevê a análise diretamente o quem e o o quê da situação,
retórica e escrita de um gênero familiar dos com referência a nomes de personagens
alunos, sendo o gênero escolhido a tira.
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(quem)”, dessa forma os recursos verbais Os dados demonstram que o primeiro


também podem auxiliar na identificação movimento é o mais reconhecido pelos alu-
dessas informações. nos, uma vez que as informações dispostas
O movimento dois concerne ao Conflito na apresentação da situação são de fácil
do gênero que se caracteriza como uma identificação, pois são apresentadas, princi-
situação curiosa que cria uma expectativa palmente pelas imagens. Contudo, a função
endereçada ao leitor por meio de um ques- 2 (dois) que diz respeito a apresentação do
tionamento, uma ação, reclamação ou re- cenário, não foi identificada em todos os
flexão das personagens, podendo ainda ser exemplares, o que corresponde a 82% das
expressa por expressões faciais e onomato- análises.
peias. Podemos, portanto, dizer que esse O Conflito, dentre os movimentos con-
movimento consiste no clímax da narrativa. vencionais da tira, é o que apresenta menor
A Resposta inesperada consiste no ter- recorrência nas análises, podendo ser expli-
ceiro movimento convencional da tira, sen- cado pelo fato de o movimento ser iniciado,
do responsável por produzir o humor ou simultaneamente, com outros movimentos
reflexão por meio de um encerramento di- ou de se apresentar de forma ambígua no
ferente ou inusitado em relação à sequên- texto, dificultando assim, sua identificação
cia de eventos apresentados no decorrer da precisa, como exemplifica a Figura 02 de
tira. É um argumento, resposta ou ação da uma tira do quadrinista Maurício de Souza.
personagem que não está de acordo com
Figura 02 - Movimento 02- Conflito
aquela esperada pelo leitor diante da ex-
pectativa criada. Os dois últimos movimen-
tos a Autoria e Localização Temporal são
movimentos opcionais e se referem, res-
pectivamente, à assinatura do quadrinista e
a data quando a tira foi publicada.
Para análise inicial, a Tabela 1 abaixo,
constitui-se na quantificação da recorrência
da identificação dos movimentos retóricos Fonte: <espacoeducar-liza.blogspot.com>
observados nas 17 análises produzidas pe-
los alunos do gênero. No exemplar acima, também analisado
pelos alunos, podemos perceber as situa-
Tabela 01 - Recorrência dos movimentos retóricos
ções apontadas anteriormente, em que o
Função 1 17 100%
Movimento 1: Situação Função 2 14 82%
conflito pode ser entendido como: o ques-
Função 3 17 100% tionamento da personagem Mônica, sendo
Movimento 2: Conflito Função 4 10 58% que esse movimento ocorreria juntamente
Movimento 3: Resposta com o movimento de apresentação da situ-
Função 5 13 76%
inesperada ação; ou a partir da fala do personagem
Movimento 4: Autoria Função 6 15 88% Cebolinha. Com base nas formulações de
Movimento 5: Localiza- Catto e Hendges (2010) em que no movi-
Função 7 7 41%
ção temporal
mento de conflito, os elementos verbais
Fonte: Autoria própria.
estão relacionados com conotações negati-
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vas, como também com elementos não movimentos retóricos, mas também obser-
verbais que indicam um evento indesejado var a capacidade de avaliação crítica a res-
ou situação problemática entre as persona- peito dos textos por parte dos alunos, cuja
gens, sendo esses fatos mais perceptíveis discussão perpassou pelas relações socio-
na fala do Cebolinha no segundo quadro, culturais intrínsecas ao gênero, de forma
apresentada em um balão sinuoso e com que os discentes constroem a consciência
letreiamento em itálico, o que indica tom crítica sobre as ideologias subjacentes aos
elevado da fala, bem como a expressão fa- textos. Para isso, foram selecionadas duas
cial de raiva do personagem. Esse exemplo análises (Fig. 4 e Fig. 5) a fim de demonstrar
aponta ainda a possibilidade de ocorrência essa reflexão sobre alguns outros aspectos
do movimento de conflito juntamente com também abordados pelos discentes, sendo
o movimento da resposta inesperada, agre- que os exemplares evidenciados possuem
gando assim as discussões de Catto e Hend- similaridades de tema, quadrinista e perso-
ges (2010) que previam a ocorrência simul- nagem.
tânea somente com o movimento de Situa-
Figura 04 - Análise Retórica Tira A
ção.
O movimento de resposta inesperada a-
presenta o percentual de 76%, uma vez que
alguns alunos interpretam que essa reposta
corresponde, exclusivamente, a última fala
do personagem, porém, essa depende prin-
cipalmente do contexto em que se insere
como no exemplo seguinte do quadrinista
Quino (Figura 3) em que esse movimento se
dá na terceira vinheta.
Figura 03 - Movimento 03- Resposta Inesperada

Fonte: <cmeitortato.blogspot.com>

Os movimentos opcionais de autoria e Fonte: Atividade Dos Alunos


localização temporal correspondem respec-
tivamente, a 88% e 41%, sendo que o últi-
mo não pôde ser identificado na maioria
dos exemplares do gênero tira. As análises
possibilitaram não só a quantificação dos
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Figura 05. Análise Retórica Tira B ção de uma placa a fim de protegê-las e
observa o lenhador com expressão de raiva.
No texto B a discussão se dá em função das
intenções do quadrinista em conscientiza-
ção sobre os problemas ambientas, caracte-
rizados pelo cenário de floresta desmatada
e pela tentativa da personagem em resgatá-
la ao plantar uma planta “di esperança”.
Em suma, as análises evidenciam a iden-
tificação dos sistemas semióticos que exer-
cem função retórica na construção de sen-
tidos do texto em relação às realidades so-
ciais presentes nos mesmos. Os resultados
obtidos apontam ainda para o desenvolvi-
mento de capacidades de leitura, análise e
crítica aos aspectos visuais e linguísticos
que se relacionam aos sentidos subjacentes
aos textos desse gênero, demonstrando a
compreensão dos alunos sobre o princípio
da relação entre formas e contextos, de
modo que se evidenciem os efeitos ideoló-
gicos presentes no gênero.
Fonte: Atividade dos Alunos

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quanto ao primeiro movimento, perce-
bemos, na identificação dos participantes
O presente estudo contribui, conforme
do evento, o conhecimento prévio dos per-
Bazerman (2005), para compreensão de
sonagens, Chico Bento na tira A e Chico
práticas de linguagem e também conheci-
Bento e Zé Lelé na tira B, como protetores
mento das pessoas e situações, ao mesmo
da natureza, sendo ainda reconhecida a
modo que essas práticas emergem e são
função social dos mesmos na tira B como
aprendidas. O ensino da consciência crítica
agricultores, tal fato demonstra que os alu-
apresenta aos escritores novas formas de
nos estabelecem relações entre os conhe-
considerar os gêneros, apontando-lhes es-
cimentos de mundo e os saberes linguístico-
tratégias e conhecimentos sobre os meios
discursivos apreendidos por meio do estudo
“de como interpretar o que encontram, dis-
de gêneros.
cernindo especialmente os elementos re-
A temática sobre o desmatamento é en-
queridos dos opcionais e a natureza retórica
focada no texto A pela atitude da persona-
do gênero para compreender seu contexto
gem em salvar a floresta, representada pela
e funções para seus usuários, a fim de evitar
imagem das árvores amedrontadas e reuni-
cópia formulaica de um modelo” (DEVITT,
das no canto direito, para isso, a persona-
2009, p. 201).
gem proíbe a “caça” das árvores com a fixa-

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Análise dos movimentos retóricos no gênero tira: contribuições para o ensino de língua portuguesa 97
O processo de leitura e análise de textos REFERÊNCIAS
pressupõe práticas de ensino contextuali-
zadas, que situem o aluno quanto às ativi- AKAHOSHI, M. P. S. Gênero textual tira em
dades sociais que favorecem a compreen- sala de aula. Diálogo das Letras, Pau dos
são e realização de ações produtivas de lin- Ferros, v. 01, n. 02, p. 254-271, jul./dez.
guagem enquanto ação social, pois é por 2012.
meio desse ensino que os discentes terão BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In:
condições de reflexão sobre os modos de Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo:
agir dentro da sociedade. É necessário ain- Martins Fontes, [1953] 1997. p. 279-326.
da dar atenção à prática de leitura enquan- BAZERMAN, C. Systems of Genres and the
to processo de interação entre indivíduos Enactement of social Intentions. In: REED-
diante de diferentes contextos que se tipifi- MAN, A; MEDWAY, P. Genre and the new
cam de acordo com a situação em que se rhetoric. London: Taylor & Francis, 1994. p.
inserem, considerando também a esfera 79-101.
social e propósitos dos indivíduos envolvi-
______. Gêneros Textuais, Tipificação e
dos.
Interação. Org.s, Trad. HOFFNAGEL, Judith
Dessa maneira, o trabalho com o gênero
Chambliss. São Paulo: Cortez, 2005.
tira na abordagem da sociorretórica e com
os movimentos retóricos pode ser proveito ______. Gêneros, Agência e Escrita. Orgs.
para o ensino de língua portuguesa, pois DIONÍZIO, A. P.; Trad. HOFFNAGEL, Judith
possibilita um trabalho sistemático que Chambliss.2 ed. São Paulo: Cortez, 2006.
contribui para a aprendizagem de leitura, CARVALHO, G. de. Gênero como ação social
análise e escritas de gêneros de forma mais em Miller e Bazerman: conceito, uma su-
profícua. gestão metodológica e um exemplo de apli-
O uso do gênero tira se fortalece em sala cação. In: MEURER, J.L.; BONINI, A.; MOT-
de aula, à medida que os estudantes de- TA-ROTH (Orgs.). Gêneros, teorias, méto-
monstram grande interesse pela leitura dos, debates. São Paulo: Parábola, 2005. p.
desses, principalmente pela proximidade 130-149.
dos personagens e temas com a realidade CATTO, N. R; HENDGES, G. R. Análise de
dos alunos. Gêneros Multimodais com Foco em Tiras
As diversas possibilidades de comunica- em Quadrinho. SIGNUM: Estud. Ling., Lon-
ção, objetivos e temáticas presentes no gê- drina, n. 13/2, p. 193-217, dez. 2010.
nero, demonstram o enriquecimento dos DEVITT, A. J. Writing Genres. Carbondale:
variados recursos de linguagem e no voca- Southern Illinois UP, 2004.
bulário dos alunos, além de auxiliarem o
______. Teaching Critical Genre Aware-
despertar pelo gosto da leitura. A tira, nesse
ness. In: BAZERMAN, C; BONINI, A; FIGUEI-
sentido, promove ao leitor capacidades de
REDO, D. (Orgs.). Genre in a Changing
pensar, imaginar e relacionar situações vi-
World. The WAC Clearinghouse. Fort Col-
venciadas pelos personagens à sua própria
lins, <www.colostate.e-du>, Collins, 2009.
realidade.
DIONÍZIO, A. P; BAZERMAN, C. (Orgs.). Gê-

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MLLLER, C. R. Genre as social action. Quar- nal work is properly cited.

terly Journal of Speech. Raleigh: NCSU, v


Artigo recebido em 10 de janeiro de 2015.
70, 1984. p. 151- 167. Avaliado em 11 de agosto de 2015.
______. Comunidade retórica: a base cultu- Aceito em 07 de outubro de 2015.
ral dos gêneros. In: MILLER, C. R. Estudos Publicado em 16 de novembro de 2015.
sobre gênero textual, agência e tecnologia.
Recife: PPGL-UFPE, 2009. p. 45-58. Como citar este artigo (ABNT):
MOTTA-ROTH, D. Book reviews and discipli- CARNEIRO, Letícia Picanço; GOMES, Rosi-
nary discourses: Defining a genre. Proceed- valdo. Análise dos movimentos retóricos no
ings of the TESOL 29th Annual Convention gênero tira: contribuições para o ensino de
& Exposition. Long Beach, CA, USA, 1995. p. língua materna/portuguesa. Estação Cientí-
383-398. fica (UNIFAP), Macapá, v. 5, n. 1, p. 85-98,
jan./jun. 2015.
RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos.

Estação Científica (UNIFAP) http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao


ISSN 2179-1902 Macapá, v. 5, n. 1, p. 85-98, jan./jun. 2015

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