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ANA SANTOS

Direito ou barreira intransponível?

O Governo anunciou mais uma medida de política de habitação, que designou de


«Direito Real de Habitação Duradoura».

Garantir habitação duradoura às famílias é certamente um objetivo louvável; até


urgente, perante a preocupante precariedade habitacional. No entanto, este objetivo
dificilmente será alcançado por via de uma engenharia financeira que assenta em mais
crédito para o «morador» e benesses fiscais e outras para o proprietário e investidor
imobiliário.

Este novo produto habitacional é apresentado como um híbrido entre a propriedade e o


arrendamento, em que o «morador», a designação atribuída a este estatuto, não chega a
adquirir o imóvel (logo, não é proprietário), tendo, no entanto, o direito de o usufruir
durante toda a sua vida e o dever de suportar encargos adicionais (logo, não é um
inquilino tradicional).

Nos termos do governo, procura-se, simultaneamente, resolver os problemas do acesso


à compra e a curta duração dos contratos de arrendamento: «Se, em muitos casos, o
regime de habitação própria se tem revelado pouco adequado pela sua rigidez, pelo peso
do investimento que representa e pelas dificuldades de acesso ao mesmo, por outro lado,
o regime de arrendamento nem sempre é conducente à estabilidade e segurança
desejáveis».

Não passa pelas cabeças governamentais corrigir a instabilidade e a insegurança do


mercado de arrendamento regulando-o de forma apropriada ou levando a cabo um
programa robusto de oferta pública de imóveis para arrendamento. Mas já passa a
criação de uma espécie de mercado de direitos à estabilidade habitacional.

Com efeito, o acesso a este «direito» adquire-se em troca do pagamento de uma


«caução», que deverá situar-se entre 10 a 20% do valor do imóvel. Se um imóvel tiver
um valor de mercado de 150 mil euros, a caução rondará entre os 15 mil e os 30 mil
euros, o que significa que boa parte de potenciais «moradores» terá de se endividar. O
«morador» continuará a pagar uma prestação mensal, uma renda, que poderá ser
atualizada anualmente. E passará a assumir as despesas com a conservação do imóvel e
os impostos de propriedade associados (ou seja, o IMI).
Sendo certo que esta «caução» poderá ser devolvida total ou parcialmente (se a
permanência na habitação for interrompida e dependendo do tempo decorrido), ela na
verdade constitui um pagamento pelo direito de morar numa mesma habitação o tempo
que se deseje.

Parece uma ideia engenhosa. Segundo o governo, garante-se acesso à habitação com
«menor necessidade de endividamento em comparação com a alternativa de compra de
habitação própria» . Também esclarece quais são as vantagens para o proprietário: «um
aumento do capital disponível sem que isso implique vender o seu património» e «uma
rentabilidade estável e uma redução dos encargos com a gestão do seu património».
Acrescenta ainda que se garante «uma redução do risco de incumprimento pelo morador
das suas obrigações, por via da caução entregue».

A medida é recebida com ceticismo pelos agentes do setor imobiliário. No entanto,


consideram que pode ser muito interessante para os fundos de investimento que
procuram um rendimento regular e sem grandes encargos com a gestão.

É muito difícil vislumbrar as vantagens para os inquilinos, pois o «Direito Real de


Habitação Duradoura» o que faz é criar mais uma barreira no acesso à habitação,
transformando um direito em mais um mercado

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