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SOCIOLOGIA JURÍDICA
Ijuí
2012
2012, Editora Unijuí
Rua do Comércio, 1364
98700-000 – Ijuí – RS – Brasil –
Fone: (0__55) 3332-0217
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Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-Adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
Associação Brasileira
das Editoras Universitárias
A Coleção Direito, Política e Cidadania é uma iniciativa editorial do De-
partamento de Estudos Jurídicos da Unijuí e da Editora Unijuí, voltada
à publicação de textos que privilegiam a pesquisa jurídica interdiscipli-
nar e a reflexão crítica sobre o direito e suas relações com as diversas
ciências humanas e sociais. O objetivo da Coleção é disponibilizar, aos
leitores interessados, um conjunto de publicações que contribuam para
qualificar o debate sobre os principais temas da área e que auxiliem no
desenvolvimento da cidadania.
Conselho Editorial
Dr. José Eduardo Faria (USP – SP)
Dr. Darcísio Corrêa (Unijuí – RS)
Dr. Gilmar A. Bedin (Unijuí – RS)
Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo (UFSM – RS)
Dra. Odete Maria de Oliveira (UFSC – SC)
Dr. Sergio Augustin (UCS – RS)
Dra. Claudia Rosane Roesler (Univali e Cesusc – SC)
Dr. Leonel Severo Rocha (Unisinos – RS)
Dr. Arno Dal Ri Júnior (Fondazione Cassamarca de Treviso – Itália)
Dr. José L. Bolzan de Morais (Unisinos – RS)
Dra. Silvana Winckler (Unochapecó – SC)
Dr. Otávio C. Fischer (Universidade Tuiti do Paraná e Unicemp – PR)
Dr. Celso L. Ludwig (UFPR-PR)
Dra. Maria Claudia Crespo Brauner (UCS – RS)
Dra. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (UCS-RS)
Dra. Sandra Regina Leal (Faplan – RS)
Dra. Sandra Regina Martini Vial (Unisc – Unisinos)
Comitê Editorial
Dr. Doglas Cesar Lucas
Msc. Fabiana Padoin
Msc. Patricia Borges Moura
Msc. Sérgio Luiz Leal Rodrigues
Sumário
APRESENTAÇÃO...................................................................................9
CAPÍTULO 1
AFIRMAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DA CULTURA JURÍDICA...29
Trabalho e Sociedade........................................................................31
Pensamento Social............................................................................39
CAPÍTULO 2
A MODERNIDADE – A JUDICIALIZAÇÃO
DAS RELAÇÕES SOCIAIS..................................................................51
Razão Positivista e Sistema Social...................................................65
A Direito Funcionalista e Moral Social ..........................................72
Direito, Racionalidade e Legitimidade . ........................................89
CAPÍTULO 3
RAZÃO CRÍTICA, DIREITO E LIBERDADE ............................101
A Revolução Social e a Ordem Justa.............................................103
Direito como Concretização dos Entendimentos Coletivos........115
Direito e o Pensamento Alternativo..............................................132
CAPÍTULO 4 . .....................................................................................155
TEMAS DE SOCIOLOGIA JURÍDICA ATUAL............................155
O Direito como Sistema Autopoiético...........................................160
Direitos Culturais............................................................................194
Direito e Movimentos Sociais........................................................216
Direito, Conflitualidade e Violência..............................................237
Direito, Mídia e Tecnologia na Sociedade Global........................271
REFERÊNCIAS...................................................................................281
Saiba Mais........................................................................................294
Textos de Boaventura de Sousa Santos:........................................302
Títulos das Obras no Google. <www.google.br>..........................303
APRESENTAÇÃO
SAPIENS
DEMENS CULTURA
ETHOS
Trabalho
Religião HUMANIDADE DA
VIDA
Escola
Mídias
Família
Os Outros
Natureza
©Anthropos Consulting 9
1
Conforme Souto (1981), ao lado dos elementos considerados externos ao comportamen-
to temos os outros, objetos, conhecimentos e do mundo interno como as substâncias
químicas, as pressões e distensões mecânicas de nosso organismo.... a fome, a sede, o
sono, por exemplo, são expressões dos estímulos provocados pelo meio interno. E isso
não é objeto necessariamente da Psicologia, mas a Sociologia pode se valer de saberes
de outras ciências (Souto; Souto, 1981).
Introdução
27
AFIRMAÇÃO E
ESTRUTURAÇÃO DA
CULTURA JURÍDICA
A sociedade iniciou quando os homens, permeados pelas neces-
sidades humanas, tiveram de assentar-se sobre um território, produzir
alimentos, construir seu hábitat e assegurar suas vidas. Esses diferentes
processos foram chamados de formalização da natureza, ou humanização
da natureza. Como não podia fazer isso de modo individual, o homem
uniu-se a outros que tinham os mesmos interesses, formou famílias e
iniciou atividades coordenadas para transformar a natureza. Essas ações
coordenadas foram chamadas de trabalho e os pactos formados para
viverem juntos foram denominados de normatização do coletivo (leis). A
primeira forma organizativa e normatizada foi a família, que além de ser
fruto da organização bio-lógica, tornou-se a forma elementar, básica e
inicial da vida em sociedade. Em torno dela e para sua defesa criaram-se
muitas disposições culturais e se aumentou a capacidade de trabalho.
Veremos primeiramente a evolução do trabalho do homem e em seguida
a institucionalização dos entendimentos sobre a ordem social.1
Trabalho e Sociedade
1
Este texto foi adaptado de Silva, Enio Waldir. Sociedade, política e cultura. Ijuí, RS: Ed.
Unijuí, 2008.
32 Enio Waldir da Silva
2
Engels, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 3. ed. São
Paulo: Global, 1986.
3
O Direito nas Sociedades Primitivas: Algumas Considerações. Disponível em: <www.
fmd.pucminas.br/virtuajus/ano1_08_2003>.
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
33
REUNIÃO DEDE
REUNIÃO FAMILIAS - FPM
FAMILIAS - FPM
REUNIÃO DEDE
REUNIÃO GENS - CLÃS
GENS - CLÃS
G G
G G
G G
CLÃS
CLÃS CLÃS
CLÃS G G
G G G G
1 1
4
Rotta, Edemar, citado por Silva, 2008a.
34 Enio Waldir da Silva
T T
T T T
T
FEUDALISMO
CONTRATOS
• -SENHORES SERVIÇOS
• -VASSALOS/CLERO PRODUTOS
• -SERVOS TRIBUTOS
SEDE/CIDADE
CLASSES FUNDAMENTAIS
• PROPRIETÁRIOS X NÃO-PROPRIETÁRIOS
BURGUESIA PROLETARIAO
Pensamento Social
5
O direito nas sociedades primitivas. In: Fundamentos de história do direito. Belo Horizonte:
Del Rey, 2001. p. 20.
40 Enio Waldir da Silva
dos antigos. Foi dela que a cidade extraiu seus princípios, suas regras, seus
usos e sua magistratura [...] É mister, pois, estudar antes de tudo, as crenças
destes povos (Coulanges).6
6
Refere-se a Coulanges, Fustel. A cidade antiga. 2. ed. São Paulo: Edipro, 1999. p. 13-14.
Citado por Fernando Horta Tavares. Disponível em: <www.fmd.pucminas.br/virtuajus/
ano1_08_2003>.
7
Silva, Enio Waldir. Sociedade, Política e Cultura. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2008a.
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
41
JUSTIÇA SOCIAL
NECESSIDADES PRIMORDIAIS:
NATURAIS: ALIMENTO –AFETO
SOCIAIS: MEDOS (MORTE) E
DESEJOS (SER FELIZ)
AÇÃO FUNDAMENTAL:
O TRABALHO E A EDUCAÇÃO
ESTADO
EXPRESSÃO ESTRUTURADA DO PODER COLETIVO
COERÇÃO
COAÇÃO
2
1
1 3
3
2
4
5 5
5
5
ROMANOS
MODERNIDADE
GREGOS
CULTURA JURÍDICA
ATUAL
CRISTÃOS
PÓS-MODERNIDADE
8
Silva, Enio Waldir. Sociedade, política e cultura. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2008a.
44 Enio Waldir da Silva
FIM: RESSURREIÇÃO
CÉU - DEUS
PROVAÇÃO
INÍCIO -
A CRIAÇÃO
TRABALHAR
ORAR NA IGREJA
INFERNO - DIABO
PAGAR O DÍZIMO
Fé
Fé e
e Ordem
Ordem Social
Social Teocrática
Teocrática
•• ESTRUTURA/BASE
ESTRUTURA/BASE •• SUPERESTRUTURA
SUPERESTRUTURA
•• A
APalavra
PalavraSagrada
Sagrada
Deus/Papa
Deus/Papa •• A
AFéFé
•• O
ODireito
DireitoCanônico
Canônico
•• A
AEvangelização
Evangelização
Padres
Padres/ /Igreja
Igreja
•• As
AsOrdens
OrdensReligiosas
Religiosas
•• As
AsCerimônias
Cerimônias
•• A
APreparação
Preparaçãop/p/Céu
Céu
Comunidade
Comunidadede
deFiéis
Fiéis
9
Interpretação possível do texto de Fernando Horta Tavares: O Direito nas sociedades
primitivas: algumas considerações, 2003.
CAPÍTULO 2
A MODERNIDADE
– A JUDICIALIZAÇÃO
DAS RELAÇÕES SOCIAIS
Nesta parte propomos a estudar as dimensões científicas das
abordagens da ordem social, a necessidade destas e as constelações
compreensivas que influenciaram na formatação da cultura jurídica que
marcam a historicidade atual.
1
Ver artigo de Wolkmer na Revista Seqüência, n. 50, p. 9-27, jul. 2005 e em sua obra:
Cultura Jurídica Moderna, Humanismo Renascentista e Reforma Protestante. In: Revista
Sequëncia, n. 50, p. 9-27, jul. 2005.
56 Enio Waldir da Silva
2
Idem Wolkmer, 2005.
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
57
RAZÃO/CIENCIA
EDUCAÇÃO
DIREITO/ESTADO
AÇÃO
H
3
Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de; Rojo, Raúl Enrique. Sociedade, direito, justiça.
Relações conflituosas, relações harmoniosas? Revista Sociologias, Porto Alegre: UFRGS,
ano 7, n. 13, p. 16-34, jan./jun. 2005.
62 Enio Waldir da Silva
4
Cella, José Renato Gaziero. Positivismo jurídico no século XIX: relações entre direito
e moral do ancien régime à modernidade. Texto direto do autor disponível em seu site:
<www.cella.com.br>. O autor adverte que não se pode fazer nenhuma analogia entre o
chamado positivismo jurídico e o positivismo filosófico, sob pena de se cair em erros grosseiros.
Com efeito, segundo os ensinamentos de Norberto Bobbio, a “expressão ‘positivismo jurídico’
não deriva daquela de ‘positivismo’ em sentido filosófico, embora no século passado [século
XIX] tenha havido uma certa ligação entre os dois termos, posto que alguns positivistas jurídicos
eram também positivistas em sentido filosófico: mas em suas origens (que se encontram no início
do século XIX) nada têm a ver com o positivismo filosófico — tanto é verdade que, enquanto
o primeiro surge na Alemanha, o segundo surge na França. A expressão ‘positivismo jurídico’
deriva da locução direito positivo contraposta àquela de direito natural. Para compreender
o significado do positivismo jurídico, portanto, é necessário esclarecer o sentido da expressão
direito positivo” (Bobbio, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito.
São Paulo: Ícone, 1995. p. 15).
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
63
Vamos nos dedicar agora a este esforço para criar uma positividade
do mundo, justa e ordenada a ponto de ser obedecida por ser racional e,
portanto, incontestável.
a ele designadas. Por isso, todos deveriam ser preparados para ser um
elemento do conjunto, uma célula do corpo social, uma parte do todo.
Conforme as funções que desempenhavam, exerciam sua moral e sua
autoridade sobre os demais.
é guiada – diz Comte – por uma só lei, “viver para os outros,” e por essa
razão não haveria nada mais santificado do que aqueles que viveram para
os outros (Silva, 2008a).
5
Neste sentido, ler Petit, Anne. História de um sistema: o positivismo comtiano. In:
Trindade, Helgio (Org.). O positivismo: teoria e prática. Porto Alegre: Ed. Universidade;
UFRGS, 1999.
70 Enio Waldir da Silva
... É preciso fazer com que ele acredite na reorganização de sua vida
prática. Logo, o erro do povo se traduz a partir desta grande “desvia-
ção” primitiva, dado sua filiação às antigas orientações.
O fim da sociedade para o autor é definido através de dois objetivos.
O primeiro se refere à ação violenta sobre o resto da espécie humana
ou à conquista; e o segundo é a ação sobre a natureza para modifi-
car e para assim dela tirar proveito e produção. Deste modo, toda
a sociedade que não estiver organizada para um ou para outro não
passa de uma associação bastarda ou sem caráter. No antigo sistema
a finalidade era a militar, na nova sociedade que passa a se constituir
é a industrial. O primeiro passo para a nova sociedade é a afirmação
da sua proposição (industrial). Como isso não foi feito, a mesma
continua a viver no antigo sistema, apesar de acreditar no progresso.
E assim o erro da sociedade está na atenção dispensada tão somente
para a parte prática desta, deixando de lado o modo de conceber
e repensar a sociedade. A tentativa de reorganizar a sociedade em
vista da lacuna existente se deu através de uma série de leis e artigos
configurados como pertencentes ao sistema, logo, o resultado disso
tudo foi uma tentativa de regulamentação da sociedade. Em vista
disso se acreditava que as mudanças estavam ocorrendo, mudanças
essas que não passavam de pequenas alterações, ou seja, no fundo
tudo continuou tal qual, apenas fracionando os antigos poderes do
Estado. No intuito de instaurar as modificações e caracterizar as mes-
mas enquanto modificações para a sociedade como um todo frente
aos sistemas feudal e teológico e estes constituídos como orgânicos,
institui-se os poderes (legislativo e executivo) como subdivisão dos
poderes. Na verdade, segundo Comte, a institucionalização destas
leis foram propagadas como importantes para a efetivação do processo
de reorganização da sociedade, a ponto delas serem naturalmente
incorporadas e percebidas como necessárias. Diante da iminência da
crise em que a sociedade vivia, se fez necessário repensar o antigo
sistema e propor algo que realmente acompanhasse o progresso do
espírito humano, não permitindo que a sociedade chegasse ao abismo.
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
71
O SISTEMA SOCIAL
FAMÍLIA
ESCOLA
MAIORIDADE
TRABALHO ESTADO
POBREZA PRISÃO
6
Embora possa se ter títulos diferentes nas diversas publicações existentes, nossas
referência aqui usadas estão em Durkheim, Émile. O suicídio – estudos sociológicos.
Lisboa. Editora Presença, 1996.
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
75
As causas reais dos suicídios são, em suma, forças sociais que va-
riam de sociedade para sociedade, de grupo para grupo e de religião
para religião. Emanam do grupo e não dos indivíduos isoladamente.
Uma vez mais, encontra-se aqui o tema fundamental da Sociologia de
Durkheim, a saber, o fato de que em si as sociedades são de natureza
diferente dos indivíduos. Existem fenômenos e forças cujo suporte é
a coletividade e não a soma dos indivíduos. Estes, em conjunto, fazem
surgir fenômenos ou forças que só podem ser explicadas pela sua con-
junção. Há fenômenos sociais específicos que comandam os fenômenos
individuais; um exemplo mais notável e mais eloquente é justamente
82 Enio Waldir da Silva
7
Texto já publicado em Silva, Enio Waldir da; Bressan. Suimar; Correa, Ricardo. Teoria
sociológica II. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2009.
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
83
8
Coerção: uma força contida em um comportamento que é capaz de influenciar ou de-
terminar outro comportamento. É o mecanismo da efetivação das sanções. Em uma
sociedade repressiva a coerção expressa-se pela intimidação e pela violência usando
abertamente a força contra grupos e pessoas. Significa também os elementos das san-
ções sociais, o controle ou a disciplina social própria da organização social em que se
força ou induz-se os comportamentos coletivos a uma conformidade, a uma integração.
Os fins das sociedades, muitas vezes, contrariam os interesses individuais e somente
pela instituição e organização da coação pode ser mantido o conjunto social que se
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
85
acredita ser fruto da razão histórica. Durkheim usa o conceito para definir o fato social,
pois este só reconhecido pelo poder de coerção externa que exerce ou é suscetível de
exercer sobre os indivíduos. A presença desse poder se identifica por meio de sanções
determinadas. O fato só é social porque é obrigatório, mas não é somente os artifícios
criados pelos homens, mas sim todas as forças naturais em que os indivíduos se inclinam
convencidos ou não. Quando a coerção é expressa em leis ela vira coação, convencer pela
compreensão ou pela força institucionalizada. Coação seria constrangimento eficiente
exercido sobre uma pessoa de maneira direta ou indireta, com o escopo de lhe impedir
a livre manifestação da vontade. A coação pode ser física ou moral.
86 Enio Waldir da Silva
fações cada vez mais completas, e nem por isso a saúde média foi
se enfraquecendo. Não há uma sociedade na qual os homens estejam
igualmente satisfeitos nos diferentes graus da hierarquia social, contudo
em seus traços essenciais a natureza humana é basicamente a mesma.
Assim, não é ela que poderá conferir às necessidades esse limite variá-
vel que lhes seria necessário. Em consequência, na medida em que
dependem só do indivíduo, elas são ilimitadas.
9
In Silva, 2008a.
88 Enio Waldir da Silva
Todas estas funções são vistas pelo autor como uma necessidade de
repostas às consequências danosas produzidas pela sociedade industrial
sobre os indivíduos e não podem ser explicadas pela divisão do trabalho.
As críticas que a acusam de reduzir o indivíduo à condição de máquina
são equivocadas porque seus autores não percebem que essa divisão
poderia ser fonte de sociabilidade e não o contrário. Nesse sentido, de
nada adiantaria dar aos trabalhadores, além de conhecimento técnico,
uma cultura geral (Silva, 2008a).
Max Weber nasceu em 21 de abril de 1864. Foi o primogênito de oito filhos. Morreu
10
que lhe deu fama foi realizada em três períodos de quatro anos cada – de 1903 a 1906,
de 1911 a 1913 e de 1916 a 1919. No primeiro período publicou sua pesquisa mais
conhecida, A ética protestante e o espírito do capitalismo. No segundo período redigiu o
essencial de sua obra maior, Economia e Sociedade. No último período redigiu três dos
seus quatro estudos previstos sobre a ética econômica das religiões mundiais. Ver Correa,
Ricardo; Bressan, Suimar; Max Weber: a racionalização da vida social. In: Silva, Enio
Waldir da; Bressan. Suimar; Correa, Ricardo. Teoria sociológica II. Ijuí, RS: Ed. Unijuí,
2009.
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
91
11
Quando Weber afirma que o protestantismo desenvolveu um ascetismo racional, que
o protestante que quisesse se salvar deveria trabalhar, ele está apenas usando uma
tipologia: não é possível saber se todos os protestantes agiam assim ou se o protestante
era impelido “sempre” por esse motivo.
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
93
Ver texto de Bezerra, André Augusto Salvador. Da dominação legal weberiana à inflação
12
Desencantamento significa: “mágicas” para os fenômenos que eles não entendiam. Ex.:
13
O trovão ocorria porque o deus do trovão estava zangado. Os raios eram atirados pelo
deus Zeus. A chuva é enviada por São Pedro. A partir da Modernidade, porém, com a
racionalização, a evolução da ciência e as tecnologias de comunicação, as pessoas não
utilizaram mais essas explicações “fantasiosas” para essas coisas. Hoje se acontece um
terremoto, a gente sabe que não é um fenômeno sobrenatural e sim que pode ser por
causa da movimentação das placas tectônicas, etc. Por isso Weber disse que houve um
“desencantamento”, as pessoas não se apoiam mais em coisas “mágicas” para explicar
96 Enio Waldir da Silva
Passados quase cem anos do contexto estudado por Max Weber, im-
pende saber se as normas ainda possuem essa mesma simbologia no
meio social contemporâneo – globalizado, caracterizado por uma série
de limitações aos particulares e de imposição de tarefas ao Estado,
visando à efetivação de direitos sociais. Impende saber, em outros
termos, se ainda representam a racionalidade da realidade estatal
hodierna... Na verdade, tamanha a atividade normativa do Estado
15
Weber, Max. História geral da economia – Coleção Os Pensadores, vol. XXVII. Trad.
Maurício Tragtenberg. São Paulo: Abril Cultural, 1974a.
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
99
atos privados dos cidadãos, deve agora, pois, estar guiada não mais
apenas para o cumprimento das normas jurídicas, mas para a efeti-
vação dos valores levados à qualidade de direitos fundamentais. O
Estado racional, portanto, perdura no tempo, assim como o sistema
capitalista, mas sob a roupagem, não mais da legalidade estrita, mas
de proteção a toda uma gama de direitos fundamentais, que refletem
o caráter plural da sociedade (2010).
CAPÍTULO 3
RAZÃO CRÍTICA,
DIREITO E
LIBERDADE
A Revolução Social e a Ordem Justa
A problemática da ordem social, do controle da sociedade e da
justiça igualitária sempre foi a principal razão das pesquisas em Ciências
Sociais. Abordaremos agora a contribuição da teoria de Karl H. Marx
(1818-1883), chamada também de Materialismo Histórico e Dialético
ou Marxismo.
1
Texto já publicado em Silva, Enio Waldir. Teoria Sociológica I. Ijuí, RS: Ed. Unijuí,
2008b.
104 Enio Waldir da Silva
c) Tudo tem o seu Contrário (há sempre no mínimo dois lados das coisas
– Contradição).
2
Assis, Marselha Silvério de. Direito e Estado sob A óptica de Karl Marx. In: Revista
Sociologia Jurídica. Disponível em: <www.sociologiajuridica.net.br-10>. Acesso em: 15
set. 2011.
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
107
3
Idem.
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
109
Então, a assertiva que parece ser a mais central nesta teoria da li-
berdade é esta: o homem só será livre quando o trabalho for livre. Para chegar
a esta liberdade, no entanto, é preciso se libertar da ideologia burguesa
(uma outra lógica para pensar o mundo que a dialética proporciona –
revolução no pensamento, como diria hoje Edgar Morin – como queres
liberdade se não sabes o que te prende? Se souber o que te prende é
preciso saber como se libertar e depois de liberto deves saber o que fazer
com tua liberdade); para fazer isso é preciso se organizar (organizar quer
dizer planejar, decidir e agir e isso é política – por isso, no tempo de Marx,
o canal concreto é o partido político); no entanto, de fato, a liberdade
só é conseguida quando o mundo da necessidade não reinar mais entre os
homens (por isso mudar o modo de produzir, distribuir e consumir – e
isso é economia de fato).
– uma cultura com estímulos para que não seja absorvida por meras ne-
cessidades de compensação (Habermas, 1990ª, p. 105-113 et seq.).
O
EMANCIPAÇÃO DEMOCRÁTICA
4
Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de. Informalidade da Justiça e controle social – estu-
do sociológico da implantação dos juizados especiais criminais em Porto Alegre. São
Paulo: IBCCCRIM, 2000. Na parte inicial deste livro o autor constrói um referencial
teórico importantíssimo para a Sociologia Jurídica. O fio condutor do texto de Rodrigo
Ghiringhelli de Azevedo é o pluralismo jurídico, faz uma análise de diversos teóricos
que abordaram o tema. Começa com a obra clássica de Eugen Ehrlich, passa pela
Sociologia francesa, na qual se destaca a obra de Gurvitch, e termina no pensamento
contemporâneo de Boaventura de Sousa Santos.
134 Enio Waldir da Silva
5
Para saber mais sobre o autor acesse este site especial: <www.boaventuradesousasantos.
pt/media/pdf>.
138 Enio Waldir da Silva
6
Esta compreensão de Boaventura de Sousa Santos já foi interpretada em Silva, Enio
Waldir da. Teoria Sociológica III. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2009b.
144 Enio Waldir da Silva
Ele não despreza, porém, os três outros sentidos, quer seja: como
estilo artístico, como época histórica e como ethos cultural, por ser con-
siderado um fenômeno latino e mediterrâneo, uma forma excêntrica de
modernidade, o Sul do Norte: a sua excentricidade decorre, em grande parte,
do fato de ter ocorrido em países e em momentos históricos em que o centro do
poder estava enfraquecido e tentava esconder a sua fraqueza dramatizando a
sociabilidade conformista (p. 357).
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
151
O Sul sob esta ótica está espalhado pelo mundo inteiro, inclusive
dentro do Norte e do Ocidente: o conceito de terceiro mundo interior, que
designa as formas extremas de desigualdades existentes nos países capitalistas
do centro, designa também o Sul dentro do Norte. O Sul significa a forma de
sofrimento humano causado pela modernidade capitalista (p. 368).
152 Enio Waldir da Silva
TEMAS DE
SOCIOLOGIA
JURÍDICA ATUAL1
1
Para acompanhar as discussões práticas das pesquisas sociológicas acesse: <www.
sociologiajuridica.net.br>.
Os clássicos da Sociologia construíram um arsenal conceitual que
se tornaram fontes estruturais e culturais das Ciências Sociais contem-
porâneas. Estas teorias aplicadas sobre diferentes realidades marcaram
o contornos das diferentes pesquisas da Sociologia Jurídica e dos refe-
renciais das Ciências Jurídicas. É o historiador inglês do Direito, Henry
Sumner Maine, cuja obra principal, que data de 1861, dá início à história
sociológica do Direito dos países ocidentais. Sua teoria evolucionista da
passagem da sociedade do estatuto à sociedade do contrato teria inspirado
a Durkheim sua teoria da transformação das sociedades da solidarieda-
de mecânica e do Direito repressivo em sociedades caracterizadas pela
solidariedade orgânica e pelo Direito restitutivo.
Eugen Ehrlich nasceu em 1862 na cidade de Czernowitz (Buco-
vina do Norte), que formava parte então do Império Austro-Húngaro e
hoje, com o nome de Chernovtsy, integra a Ucrânia. Foi professor de
Direito Romano e reitor da Universidade de sua cidade natal, cassado
pelo antissemitismo ali prevalecente depois que, em 1919, a província
passou ao controle da Romênia. De nada valeu seu brilhantismo nem
sua conversão, ainda moço, ao catolicismo. Ehrlich morreu em Viena,
amargurado e tuberculoso, em 1922, alguns meses antes de cumprir os
60 anos (Azevedo; Rojo, 2005).
O segundo dos “iniciadores” que gostaríamos de evocar aqui é o
austríaco Eugen Ehrlich, que, em 1913, publicou o primeiro tratado de
“Sociologia do Direito” e que por isto é reconhecido por alguns como
o “pai” da disciplina. Quando menos, foi o primeiro a empregar esta
denominação para designar a análise do “direito vivente”, quer dizer,
do Direito tal como ele é aplicado e utilizado, em oposição ao Direito
escrito ou teórico.
A posição quase hegemônica que a Sociologia Jurídica gozou na
academia, a partir dos anos 60, foi a que Touraine (1987, p. 26) definiu
como a “sociologia da suspeita e da caça ao ator”. Esta, traduzindo em
termos sociológicos a versão que Louis Althusser dava à obra de Karl
Marx, desdenhou o estudo do Direito, considerado mero produto su-
158 Enio Waldir da Silva
2
Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de; Rojo, Raúl Enrique. Sociedade, direito, justiça.
Relações conflituosas, relações harmoniosas? Revista Sociologias, Porto Alegre: UFRGS,
ano 7, n. 13, p. 16-34. jan./jun. 2005.
160 Enio Waldir da Silva
3
Grande parte deste texto já foi publicado em Silva, Enio Waldir da. Teoria Sociológica
III. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2009b. p. 27-43.
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
161
4
Bechmann, Gotthard; Stehr, Nico. Niklas Luhmann. Tempo Social, Rev. Sociol., São
Paulo: USP, 13(2): 185-200, nov. 2001.
162 Enio Waldir da Silva
5
Stockinger, Gottfried. Sistemas sociais – a teoria sociológica de Niklas Luhmann. 2007.
Disponível em: <Robertext.com/archiv06/sist_sociais.htm>. Acesso em: 30 nov. 2011.
164 Enio Waldir da Silva
Apenas quando tal sugestão for aceita, quando ela produzir uma
excitação, a comunicação se torna existente. O ato de comunicar torna-se
um ato seletivo. Trata-se de um processo triplo e não apenas duplo. Não
bastam um “transmissor” e um “receptor”. A seletividade da informação
– como interveniente genuíno – é ela própria um momento importante
do processo comunicativo. Comunicação, para Luhmann, portanto, é um
processo de construção de significados; ela é conhecimento.
6
A não regulamentação constitucional é outro aspecto importante. A Constituição de 1988
já completa 12 anos, e muitos de seus dispositivos ainda não foram regulamentados, além
de o texto constitucional sofrer constantes emendas e revisões. O texto foi escrito no
primeiro triênio da década de 90, quando esta realidade era bem visível. Campilongo,
Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000.
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
191
Direitos Culturais
Alain Touraine é um sociólogo francês que propõe um tempo
pós-social para interpretar o que ele chama de novas ações coletivas e
de relações sociais, relações de classe, conflitos e situações vivenciais do
indivíduo no contexto das complexidades culturais.
7
Touraine, Alain. O sujeito. In: Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Petrópolis:
Vozes, 1998a. p. 69-111.
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
195
8
Silva, Enio Waldir da. Teoria Sociológica III, Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2009b. p. 69-80.
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
197
EU E OS OUTROS
• INDIVIDUAÇÃO: • SUBJETIVAÇÃO:
MEDOS MINHA IMAGEM
ESPERANÇAS MINHA AÇÃO
EU OUTROS
O
U
T
R EU
O
S ©Anthropos Consulting 14
meio ambiente que nos obriga a voltar nosso olhar, fixado por tanto
tempo na natureza e nos instrumentos que nos permitiram conquistá-la,
para nós mesmos. Esta consciência de nos mesmos só pode ser a
consciência de nossa existência comum, de nossa interdependência
e, portanto, da necessidade de reconhecer no outro não apenas aquele
que está em relação com a mesma modernidade com que eu estou
relacionado, mas aquele cuja história não está totalmente separada
de minha própria história.
Não somos todos cidadãos do mesmo mundo, pois este não é uma
unidade institucional e política que define os direitos e deveres de
cada um. Em compensação, todos temos direitos culturais, que pro-
vêm fundamentalmente de nossa relação conosco mesmos e com os
outros. Vivemos uma situação histórica em que era a sociedade, com
suas instituições, suas normas, seus modos de dominação e de vigilân-
cia, que produzia os atores – os quais se definiam então como sociais.
No decurso das últimas décadas sentimos com intensidade cada vez
maior que estamos pendendo para a situação inversa, onde é a criação
de nós mesmos que determina nossa capacidade de resistir às forças
de morte e de vencê-las, ao passo que o espaço social se reduz a um
lugar de encontros, de conflitos ou de tréguas entre forças opostas,
mas igualmente estranhas à vida social: de um lado, as que provêm do
mercado, da guerra e da destruição de todos os elementos da vida e,
do outro, as que apelam não à ordem social ou ao impulso do desejo
mas à afirmação de si e de nós como sujeitos de nossa existência e
como autores de nossa liberdade (Touraine, 2006).
É por esta razão que, para evitar tais mal-entendidos, creio mais
correto falar, a propósito das minorias, de “direitos culturais”, o que obriga
as democracias a refletirem sobre si próprias e a se transformarem para
reconhecer estes direitos, da mesma forma que elas se transformam, não
208 Enio Waldir da Silva
9
Leitura obrigatória pela polêmica das teses é Touraine, Alain. O mundo das mulheres.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
213
neles se encontra a ressonância maior das falas que clamam por vidas
emancipadas, solidárias e cooperadas. Ali se vê a possibilidade objetiva
de ir experienciando modos novos de sociabilidades e os indivíduos
elevam-se até o ponto de suas vozes se tornarem uma gramática social
bem articulada, que refletem a consciência de si plena de sentido, para
além da cotidianidade e conectada com outras lutas coletivas por socie-
dade alternativa.
Ver Kauchakje e Ultramari, 2007. Para estes autores, são exemplos de tal perspectiva os
10
2005, p. 107); b) rede ambientalista, que articula, por meio da Internet, tal como a “co-
alizão dos grupos ambientais nos Estados Unidos, Canadá e Chile, formada a partir dos
Friends of the Earth, Sierra Club, Greenpeace, Defender of Wildlife, The Canadian
Environment Law Association e muitos outros...” (Castells, 1999b, p. 162); c) redes de
identidade “articuladas em larga medida por ONGs feministas – ligando organizações
de mulheres negras, mulheres indígenas, defensoras de direitos das lésbicas, feministas
socialistas...” (Alvarez, 2000, p. 406); d) Fórum Social Mundial, que articula grupos
de ONGs, movimentos e sindicatos para resistir e “propor alternativa à primazia do
mercado e do capital internacional” (Gohn, 2003, p. 57); e) rede identificada em sítios
da Internet conectados em torno do tema do direito à habitação em Curitiba-PR e que
expressa uma forte interação entre organizações não-governamentais, fóruns e movi-
mentos sociais (Kauchakje; Ultramari, 2007).
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
225
Neste sentido, para uma história da origem da Economia Solidária, é preciso ler Singer,
11
12
As incubadoras de economia solidária se tornaram essenciais na fundamentação da
economia solidária e na assessoria à organização, formação técnica a associação e em-
preendimento solidário. Em 1998 teve início a Rede de Incubadoras Tecnológicas de
Cooperativas Populares (ITCPs), hoje formada por 45 incubadoras. A maioria delas é
organizada por universidades. A Unijuí tem experiências de dez anos no projeto de ex-
tensão chamado de Incubadora de Economia Solidária, Desenvolvimento e Tecnologia
Social (Itecsol) – filiada à rede de ITCPs.
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
229
13
O trabalho com materiais recicláveis vem adquirindo uma complexidade e uma im-
portância social cada vez maior, não somente diante das novas estratégias de políticas
públicas para o lixo, nas pesquisas sobre o equilíbrio ambiental, como também nos
debates das novas esferas públicas sobre a configuração de novos direitos: direitos
culturais, direito à cidade, direitos ambientais e a ampliação da cidadania e da respon-
sabilidade civil. A questão do lixo é indissociável das atividades desenvolvidas pelo
homem no seu processo de transformação da natureza em produtos para satisfazer suas
necessidades. Essa questão do lixo perpassa a história da civilização e hoje é agente
de primeira linha na territorialidade urbana onde figuram obras de Engenharia, aterros
sanitários esculturas de incineração, depósitos de sucata, lixões e áreas de descartes
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
235
Trata-se do texto introdutório ao livro. Ver Tavares dos Santos, José Vicente; Teixeira,
15
Alex Niche; Russo, Maurício (Org.). Violência e cidadania – práticas sociológicas e com-
promissos sociais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, Sulina , 2011. 553p.
238 Enio Waldir da Silva
16
Texto Publicado em Silva, Enio Waldir da. Sociologia da violência. Ijuí, RS: Ed. Unijuí,
2010.
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
239
Porto (2006, p. 266) argumenta que toda vez que a integridade física
fosse atingida poder-se-ia assumir que se está em presença de um ato violento”.
A autora busca definir um caminho teórico para os estudos sociológicos
sobre a violência por intermédio da utilização da Sociologia compreensiva
de Weber e das representações sociais como forma de conhecer as crenças
e valores envolvidos nos fatos violentos, considerando assim também a
subjetividade dos atores e a compreensão que estes têm destes fatos.
Além disso, a técnica buscada por Maria Porto é capaz de mapear também
manifestações implícitas da violência que poderiam passar despercebidas
caso o sociólogo se propusesse a mapear somente determinados tipos
de violência de forma objetiva, o que poderia mascarar a realidade, pois
de acordo com Wieviorka,
Os conflitos são vistos como conflitos entre indivíduos entre si, entre
indivíduos e sociedade, entre indivíduos e Estado. Não é sem moti-
vos que a problemática do crime e da punição tenha ocupado tanta
atenção dos sociólogos liberais. No registro liberal, essa problemática
diz respeito ao confronto entre a consciência coletiva (consciência
de um imperativo categórico, a sanção) e a consciência individual,
materializada em torno da responsabilidade penal do criminoso.
Dificilmente fatos contemporâneos como racismo, genocídio, exclu-
são, narcotráfico configuram modalidades de conflito e litigiosidade
enquadráveis nos estreitos limites ditados pela visão liberal. Portanto,
é preciso pensar esses fatos tendo por eixo não o indivíduo, porém
coletivos (Idem, p. 34).
Waquant destaca o avanço da cultura de punição para diversos países nos últimos tem-
17
pos: “um conjunto de razões ligadas à sua história e sua posição subordinada na estrutura das
relações econômicas internacionais (estrutura de dominação que mascara a categoria falsamente
ecumênica de “globalização”), e a despeito do enriquecimento coletivo das décadas de industria-
lização, a sociedade brasileira continua caracterizada pelas disparidades sociais vertiginosas e
pela pobreza de massa que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da violência
criminal, transformada em principal flagelo das grandes cidades. Assim, a partir de 1989, a
morte violenta é a principal causa de mortalidade no país, com o índice de homicídios no Rio
de Janeiro, em São Paulo e Recife atingindo 40 para cada 100.000 habitantes, ao passo que o
índice nacional supera 20 para cada 100.000 (ou seja, duas vezes o índice norte-americano do
início dos anos 90 e 20 vezes o nível dos países da Europa ocidental). A difusão das armas de
fogo e o desenvolvimento fulminante de uma economia estruturada da droga ligada ao tráfico
internacional, que mistura o crime organizado e a polícia, acabaram por propagar o crime e
o medo do crime por toda a parte no espaço público. Na ausência de qualquer rede de proteção
social, é certo que a juventude dos bairros populares esmagados pelo peso do desemprego e do
subemprego crônicos continuará a buscar no “capitalismo de pilhagem” da rua (como diria
Max Weber) os meios de sobreviver e realizar os valores do código de honra masculino, já que
não consegue escapar da miséria no cotidiano. O crescimento espetacular da repressão policial
nesses últimos anos permaneceu sem efeito, pois a repressão não tem influência alguma sobre os
motores dessa criminalidade que visa criar uma economia pela predação ali onde a economia
oficial não existe ou não existe mais” (Waquant, Löic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2001).
252 Enio Waldir da Silva
O autor revela que nos EUA as técnicas para reduzir o custo prisional
incide sobre repartir com o setor privado: mercado da carceragem. Teriam
quatro técnicas: diminuir o nível de vida nas prisões; inovação tecnológi-
ca; transferir os custos para os familiares dos presos e introduzir trabalho
desqualificado dentro das prisões (Waquant, 2001).
Para Tavares dos Santos o aumento dos processos estruturais de
exclusão social pode vir a gerar a expansão das práticas de violência como
norma social particular, vigente em vários grupos sociais enquanto estra-
tégia de resolução de conflitos, ou meio de aquisição de bens materiais e
de obtenção de prestígio social, significados esses presentes em múltiplas
dimensões da violência social e política contemporânea. Aumentou a
violência criminal urbana, seja pelas ações do crime organizado, em es-
pecial o tráfico de drogas e o comércio ilegal de armas, seja pela difusão
do uso de armas de fogo, ambos provocando uma maior letalidade nos
atos delitivos. O autor interpreta como uma violência de pobres contra
pobres., pela qual se identifica uma vitimização dos pobres. Ao mesmo
tempo vem ocorrendo uma alteração nos autores de delitos, ou seja, nos
grupos ligados a práticas ilegais, em especial o roubo, que apresentam
como aspecto notório a contingência e a espontaneidade, em suma, a
desprofissionalização das práticas delitivas (Tavares dos Santos, 1999).
Na sociedade brasileira houve a disseminação da violência cri-
minal, com uma mudança das formas de delitos e de violência: a) o
crescimento da delinquência urbana, em especial dos crimes contra o
patrimônio (roubo, extorsão mediante sequestro) e de homicídios dolosos
(voluntários); b) a emergência da criminalidade organizada, em particular
em torno do tráfico internacional de drogas que modifica os modelos e
perfis convencionais da delinquência urbana e propõe problemas novos
para o Direito Penal e para o funcionamento da Justiça Criminal; c)
graves violações de direitos humanos que comprometem a consolidação
da ordem política e democrática; d) a explosão de conflitos nas relações
intersubjetivas, mais propriamente conflitos de vizinhança que tendem
a convergir para desfechos fatais (Adorno, 1998).
254 Enio Waldir da Silva
18
Sousa, Rodrigo Miguel. Expressões usadas pelo trabalho escolar apresentado em sala
de aula no Componente Curricular Sociologia da Violência – Curso de Sociologia.
2009/1.
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
257
a violência é a ação que trata o ser humano não como sujeito, mas
como objeto, culminando com a violência perfeita, isto é, a interiorização
da vontade e da ação alheia. Com isso, substitui-se a própria vontade
pela vontade do outro através de uma ação coercitiva proveniente da
parte dominante.
Indignação, como? Para onde pode levar essa inquietude que começa
a vibrar dentro dele? Mas ele está só e todos ao seu redor estão apá-
ticos, ignoram o que ocorre com eles mesmos. Não encontra quem
mostre qualquer inquietude; ele chega a se achar anormal. Ninguém
sinaliza sentir sequer a estranheza de uma “vida desperdiçada”,
mergulhada na hostilidade e na amargura, e que queira fazer alguma
coisa para mudar em nome de um apelo de vida. Talvez os outros
nem saibam que isso existe; tão habituados estão à infidelidade e à
traição. Mas ele continua inquieto!... E impotente! Se se revoltar,
não encontrará quem lhe seja solidário e corre o risco de ser preso.
O medo de ser punido se intensifica, pois certamente a polícia virá
pegá-lo; os outros apáticos irão para a cadeia sem saber por que, pois
estavam silenciosos e não estavam fazendo baderna alguma. Ninguém
se mexe, todos estão acuados, assustados, até, e se afastam correndo
daquele “maluco” que pensa. Ele sozinho nada conseguirá fazer,
pois o grande aparato de violência e repressão já desconfiou de sua
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
271
Mas algo dentro dele já não está mais do mesmo jeito: ele começou
a pensar e a sentir-se com direitos?!!... Dentro dele floresce a vida que
não é entendida por quem o cerca; mas ele não se deixa enganar pela
mensagem do amor que começa a nutrir toda a sua vida... Mas ele é só
um... Se não quer ter a rejeição de todos ou ser punido terá de adiar o
imperativo de viver o “mundo da vida” e, afinal, o seu sonho fala disso.
Agora terá que desistir ou adiar porque está só... Milhares de milhões de
seres humanos vivem com fome, sem alimentos suficientes, medicinas,
roupas, sapatos, casas, em condições sub-humanas, sem os mínimos
conhecimentos e suficiente informação para compreender sua tragédia
e do mundo que vivem (Caniato, 2008).
Ver Silva, Enio Waldir. Esfera pública, cidadania e gestão social. Ijuí, RS: Ed. Unijuí,
19
2010.
272 Enio Waldir da Silva
Não se diga que esse traço não cai como uma luva na vaidade pato-
lógica dos intelectuais; alguns se deixaram corromper pelo convite
do meio à auto-representação, prejudicando assim a sua fama, pois o
bom nome de um intelectual, se é que ele existe, não se baseia em
primeiro lugar na celebridade ou notoriedade, mas em uma reputação,
que o intelectual deve ter adquirido entre seus pares de profissão,
seja como escritor ou como físico (de qualquer modo, em alguma
especialidade), antes de poder fazer um uso público desse saber ou
dessa reputação. Ao intervir num debate com argumentos, ele precisa
se dirigir a um público não de assistentes ou espectadores, mas de
oradores e destinatários potenciais, capazes de discutir uns com os
outros. Para expressar isso à maneira de um “idealtipo” – segundo
o sentido de Max Weber –, importa aqui a troca de razões, e não o
enfeixamento encenado de olhares. Talvez isso explique porque
as rodas de políticos, especialistas e jornalistas, que se formam em
torno dessas moderadoras feéricas, não deixam nenhuma lacuna que
deveria ser preenchida por um intelectual. Não sentimos sua falta,
pois todos os outros já há muito tempo cumprem melhor o seu papel.
A mistura de discurso e auto-representação conduz à indiferenciação
e assimilação de papéis, que o intelectual, hoje démodé, outrora se
via obrigado a manter separados. O intelectual não deveria usar a
influência ganha com palavras como meio de conquista de poder. Não
deveria, portanto, confundir “influência” com “poder”. Mas ainda
hoje, nos talk shows, o que poderia distingui-lo dos políticos, que há
muito tempo se servem do palco da televisão para uma concorrência
intelectual em busca da ocupação de temas e conceitos influentes?
(Habermas, 1995, p. 8).
ARATO, A.; COHEN, J. Sociedade civil e teoria social. In: Sociedade civil
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ASSIS, Marselha Silvério de. Direito e Estado sob a Óptica de Karl Marx
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net.br-10>. Acesso em: 15 set. 2011.
282 Enio Waldir da Silva
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WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1974b.
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Saiba Mais
ABROMOVAY, Carla e outros. Gangues, galeras, chegados e rappes – juven-
tude, violência e cidadania nas cidades da periferia de Brasília. Rio de
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ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Coleção
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SILVA, Enio Waldir Teoria sociológica II. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2009a.
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