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Doc I - Resumo do texto “Sob o risco do real” de Jean Louis Comolli

Hanna Vasconcelos de Barros

O documentário tem a possibilidade, segundo Comolli, de restabelecer o diálogo


com o real que a televisão e suas telenovelas (penso que isso se reflete em todas as mídias
audiovisuais hegemônicas) se afastaram, ao adotarem uma estética de falso realismo,
como exemplo o “cotidiano” ultra-normativo e classista das novelas de Manoel Carlos. Para
o autor, o trabalho do cineasta não se trata de se debruçar sobre a questão de como fazer o
filme, mas de como fazer com que haja filme. O fazer fílmico estaria, portanto, ligado a um
gesto, uma intenção de revelar um acontecimento, de promover um encontro e como
engloba-lo em narrativas cinematográficas.
Antes de muitos fatores, no cinema documental, o filme só é possível a partir de uma
colaboração, um encontro que se estabelece a partir da boa vontade do outro em se deixar
filmar - pessoas, grupos, instituições. Isso já estabelece um risco inicial. O que o autor
defende, entretanto, é que o cineasta deve deixar esse risco e toda a tensão que ele
instaura permear o filme de dúvida e descoberta.
Em ficção, o cinema contemporâneo se define a partir do seu encontro com a
realidade, tendo muita influência do cinema documental. Trata-se de buscar na narrativa
cinematográfica complexidade e potência da experiência do real. O desafio do cinema
documental é buscar no registro de um gesto sua referência ao real sua ponte com o
contexto extra campo, assumindo também que o ato de fazer cinematográfico coloca a
realidade dentro de um filtro que modifica sua forma.
O espectador diante de uma obra audiovisual se vê numa encruzilhada entre
acreditar e duvidar. A fruição do filme sempre coloca a realidade da representação e a
realidade representada dentro de um espaço incerto, onde o espectador é convidado a se
entregar e ao mesmo tempo, analisar, dissecar. A realidade cinematográfica construída pela
encenação se vê tensionada pela experiência e referência que o espectador tem no real.
Para o autor, o cinema que perde a referência no real coloca a cena num espaço flutuante,
vazio.
O roteiro cinematográfico, a medida que tenta a todo custo manter uma
hermeticidade à uma ideia do que seria a obra cinematográfica antes que, a partir da visão
do autor, “haja filme”, distancia o fazer fílmico das rasuras, do imprevisível, do real. É a
partir do abandono das letras e a partir da concepção e materialização de imagem e som
que se escreve a narrativa do filme. O documentário tem assim, a possibilidade de se
afastar tanto do roteiro hermético quanto da narrativa clássica e hegemônica, do herói
colonial para esse outro lugar, o lugar sobre o qual o olhar que busca as fraturas do real
atinge, das minorias sociais, de retomada de memórias étnicas, de descobertas de si e do
outro. Minorias estas que, como apontado pelo autor, apesar de já terem alcançado algum
lugar de representação em narrativas hegemônicas, são por estas simplificadas e ainda que
sutilmente estereotipadas, colocadas num lugar que mantém um ​status quo​ de dominação.
A medida que o cinema documental é constituído do real e dele se alimenta, ele
precisa conhecê-lo, desvendá-lo. Entender e dialogar com o “jogo social”, como diz o autor,
a fim de se engajar no mundo. Assim como o jornalismo, o documentário se debruça sobre
fatos sociais, mas ao contrário deste primeiro, se estabelece dentro da lógica do cinema o
gesto do olhar sobre o fato de maneira que sua investigação revele e instaure uma
realidade, e é nesse terreno que nasce o filme. O jornalismo, por sua vez, traduz o ato
social através de sua técnica e o transforma em notícia, assim como o roteiro
cinematográfico da indústria do cinema traduz uma intenção e possibilidade fílmica em um
código metódico e rentável.O cinema industrial portanto, acaba buscando ajustar-se a uma
projeção previsível de mundo.
O cinema documentário uma vez que se relaciona com o real em sua totalidade, e
não apenas com a realidade fílmica, estabelece relações tensionadas pelos limites e
possibilidades que a situação apresenta. Isto é, um documentário que se estabelece em um
ambiente está em relação, diálogo e busca um acordo com todos os âmbitos que ali estão:
pessoas, famílias, relações, horários, tráfego, sons, fluxos de pessoas e acontecimentos, e
mais todas as regras pertencentes à dinâmica local.
Outras regras que se colocam a partir do momento em que o filme se coloca sob o
risco do real, são as regras dos corpos em cena. As pessoas que aceitam ser filmadas
firmam pactos com a equipe do filme, com os cineastas, com o filme, e dessa maneira não
se trata de uma existência ficcional que ali no filme se encerra, mas continuam a existir e
por todos os lados do enquadramento, vazam. Através do olhar e gesto furtivo, vazam. A
partir do que escondem e o que expõem, vazam. Estão para além do filme e sua expressão
corporal principalmente. Para o autor, o documentário talvez seja a única janela para uma
representação possível do corpo.
O autor conclui o texto apontando que o cinema documental ao se posicionar em
diálogo com o real e assumindo todos os riscos de seu ritmo ​e condições possíveis​, tem a
obrigação de ser criativo, inv​entivo, ​experim​ental e nesse território, político.

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