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Mosaico Smithiano: rascunho de uma releitura

Luiz Paulo Tavares Gonçalves1

Resumo: o objetivo deste trabalho é fazer a exposição dos esboços da teoria do valor
empreendidos por Adam Smith e, por outro lado, uma leitura da teoria dos preços:
delimitando a teoria dos preços de mercados e dos preços naturais. O trabalho empreendido
aqui, de certa forma, busca uma releitura da teoria dos preços, pois circunscreve, através do
respaldo bibliográfico e matemático, a teoria dos preços além da exposição de Smith.

Palavras-chave​: Teoria do valor, preços naturais, preços de mercado

I - Prolegômeno: teoria do valor

Ao reconstruir sobre nova base a formulação teórica da produtividade, Adam Smith


(1723-1790) vai além da teorização econômica da Escola Fisiocrata, não obstante, não nega
que a terra, ou seja, que a renda fundiária tenha papel importante no processo produtivo e na
determinação do valor, mas, sim, desloca o ponto axial para o trabalho, o trabalho como
produtividade originária, como fonte de riqueza; sendo assim, a atividade produtiva e o
excedente não é, como no esquema fisiocrata, monopólio dos proprietários de terra e da
agricultura, mas o efeito de todo trabalho que, com a divisão social do trabalho, ultrapassa a
manutenção e a remuneração. Há um reducionismo no arcabouço teórico dos Économistes
em não considerar a possibilidade de excedente nos seus diversos setores: ​o produto líquido
como um fenômeno geral​ (NAPOLEONI, 1978, p. 55).

É importante ressaltar, antes de dar continuidade ao mosaico Smithiano, que há


uma divisão com relação a tão famigerada teoria do valor: nas civilizações primitivas,
pré-capitalistas,​ a medida de valor deriva-se somente do trabalho, ou seja, do ​trabalho
incorporado, pois até tal época não havia apropriação da terra que gerasse renda e, muitos
menos, capital antecipado que gerasse lucro, isto é, nas sociedades primitivas, ​nas
sociedades de produtores independentes​, o valor de troca das mercadorias é proporcional à
quantidade de trabalho incorporado, ou seja, o valor do trabalho era igual ao valor do
produto do trabalho:

Nessa situação ​[da sociedade primitiva]​, todo o produto do trabalho pertence ao


trabalhador; e a quantidade de trabalho normalmente empregada em adquirir
ou produzir uma mercadoria é a única circunstância capaz de regular ou
determinar a quantidade de trabalho que ela normalmente deve comprar,
comandar ou pela qual deve ser trocada​ ​(SMITH, 1996, p. 101).

1
​Graduando em Economia pela Universidade Estadual de Goiás (Câmpus de Ciências Sócio-Econômicas e
Humanas). Gmail: luizpaulolocke@gmail
Para ilustrar a problemática da constituição do valor nas ​sociedades primitivas, ​é só
imaginar o clássico exemplo da caça: dado o valor de dois cervos, aquele que incorporou
maior tempo de caça, ou seja, maior trabalho, necessariamente terá maior valor.
Analiticamente, então, podemos expressar os preços relativos:

Pm lm
Pμ = lμ ​ ​ (1)

Onde, como bem lembra Enrico Bellino, em ​Appunti delle lezioni di Analisi
economica2, P m/P μ indicam o preço relativo da mercadoria m expresso em termos da
mercadoria μ , enquanto lm e lμ indicam as quantidades de trabalho incorporado,
respectivamente, nos bens m e μ . Lembrando que, nas ​sociedades primitivas e rudes,​ os
preços relativos são expressos sem a determinação das taxas de lucro e renda, pois são
inexistentes.

No entanto, após o advento do modo de produção capitalista e, consequentemente,


da divisão social do trabalho​, c​ ria-se um novo panorama sobre os componente do valor,
passando para ​labour commanded;​ formando a distribuição clássica da tríade escolástica3:
lucro, salário e renda:

Derivando também a distribuição de renda em: ​lucros para aplicação de capital que,
no longo prazo, é equalizado pela concorrência intra-capitalistas em lucros uniformes, a
2
​BELLINO, Enrico. Appunti delle lezioni di Analisi economica. A.A. 2006-2007, p. 21.

3
​BELLUZO, ​Luiz Gonzaga de Mello​. Valor e capitalismo um ensaio sobre economia política. São Paulo:
Brasiliense, 1980, p. 29.
renda fundiária para os proprietários de terras e o salário para os trabalhadores; sendo que,
para Smith, assim como para boa parte dos teóricos da economia política clássica, o salário
dos trabalhadores é o salário de subsistência: ​Smith saw such subsistence not as a biological
minimum but as a social one varying among nations (​ BREMS, 1991, p. 16). Isto é, dada às
variações sociais de nível de subsistência entre as nações, a poupança do trabalhador (Ws)
será sempre igual ao salário recebido (W) subtraído do consumo do trabalhador (Wc), que é
igual a zero4:

Ws = W − Wc = 0 ​(2)

É importante notar que essa divisão histórico-temporal, da passagem das


sociedades primitivas para o modo de produção capitalista, coloca uma envergadura
hercúlea no trabalho Smithiano; que, sem exagero, é um dos aportes analíticos mais
sublimes e controversos da economia política clássica. Da mesma forma, o dualismo com
relação à categoria de riqueza que, de um lado, ​ipsis litteris​, é o controle de trabalho alheio
e, por outro lado, um mero acúmulo de bens úteis (valor-de-uso) proporcionados pela
produção ​— sendo que a acumulação de capital antecede a divisão do trabalho, isto é, a
produção5.

Portanto, neste novo contexto, não há mais uma estrita correspondência entre o
valor do trabalho e o valor do produto do trabalho, aliás, a soma dos três fatores
distributivos, pagos em níveis naturais, formam os preços naturais. Trata-se, pois, como
salienta Carcanholo (CARCANHOLO, 1991, p. 197), ​de uma teoria dos preços pelos
componentes e não uma teoria do valor-trabalho como normalmente é entendida6. Sendo,
não muito raro, colocado pelos críticos como uma mera teoria dos preços contábeis através
dos custos de produção. Porém, deixando esse debate para um momento mais oportuno;
como foi mencionado até aqui, todos os preços são redutíveis ao somatório da tríade
distributiva: os três fatores ou remunerações são, portanto, componentes tanto do preço
natural quanto do preço de mercado. De forma simplificada temos, então, P os preços de
unidades m de mercadorias no qual W m, Km, Rm, respectivamente, são os níveis naturais
de Salário ( W ), Lucro ( K ) e Renda ( R) :

P m = W m + K m + Rm, m = 1, ..., M ​ ​ (3)

4
​A simplificada equação, apenas para melhor visualização, não está levando em consideração as ações do
governo (G), ou seja, é um modelo fechado sem intervenção do governo. Sendo os salário ante factum​.

5
​Há um longo debate sobre o tema entre os comentadores da obra de Smith, pelo curto espaço de tempo e para
não fugir do tema proposto como ponto axial, não abordaremos o assunto, para melhores detalhes consultar a
referência bibliográfica.

6
​ Para mais detalhes consultar a bibliografia referente ao Carcanholo.
II- Conclusão: Preço Natural e Preço de Mercado

Simplificando o mosaico de peças que foi exposto até aqui: os componentes do


triângulo distributivos são derivados e medidos pelo ​Labour commanded,​ aliás, assim
formando os preços:

Importa observar que o valor real dos diversos componentes do preço é medido
pela quantidade de trabalho que cada um deles pode comprar ou comandar. O
trabalho mede o valor não somente daquela parte do preço que se desdobra em
trabalho efetivo, mas também daquela representada pela renda da terra, e
daquela que se desdobra no lucro devido ao empresário. Em toda sociedade, o
preço de qualquer mercadoria, em última análise, se desdobra em um ou outro
desses três fatores, ou então nos três conjuntamente; e em toda sociedade mais
evoluída, os três componentes integram, em medida maior ou menor, o preço da
grande maioria das mercadorias​ ​(SMITH, 1996, p. 103)

Do triângulo7 distributivo Smithiano demonstrado na equação (3), deriva-se,


portanto, duas das peças fundamentais do mosaico Smithiano: preços naturais e os preços de
mercado. A primeira peça, os preços naturais, é determinada por uma taxa natural ou média
que circunscreve os fatores do triângulo distributivo, ou seja, nada mais são que a
determinação da remuneração dos fatores às taxas naturais; taxa comum ou média que, em
cada momento, determinam níveis naturais das três remunerações: ​nesse caso, a mercadoria
é vendida exatamente pelo que vale, ou pelo que ela custa realmente à pessoa que a coloca
no mercado (SMITH, 1996, p. 109); enquanto, a segunda peça, os preços de mercado, é o
preço pelo qual dada mercadoria ou bens e serviços, em interação com a demanda e oferta, é
efetivamente vendida; sendo que a interseção entre demanda e oferta podem formar um
preço de mercado em equilíbrio, isto é, equalizado com o preço natural ou, dependendo da
interação entre demanda e oferta, podem ficar acima ou abaixo do preço natural.
Graficamente8, então, podemos expressar a interação entre preços naturais e preços de
mercado:

7
Preferimos utilizar uma nova nomenclatura e deixar de lado o típico sentido pejorativo atribuído pela ‘’mera
soma dos três componentes do preço’’. Para mais detalhes: DOBB, Maurice. Theories of value and distribution
since Adam Smith. Cambridge, Cambridge University Press, 1973, p. 46​.

8
Fonte do gráfico I: ​http://areadocenti.eco.unicas.it/nistico/Smith2007.pdf
Portanto, dado que os preços de mercado ​gravitam em torno dos preços naturais​:
um aumento da demanda efetiva D e acima da quantidade Q 1 ofertada, em concorrência,
os preços de mercado P m seriam superiores aos preços naturais P n (como expresso no II
quadrante: Q 1 < D e ⇒ P m > P n ). E, em sentido contrário, um aumento da quantidade
Q 2 ofertada acima da demanda efetiva D e , em concorrência, os preços de mercado P m
seriam inferiores aos preços naturais P n ( como expresso no IV quadrante: Q 2 > D e ⇒
P m < P n ). E, como foi exposto anteriormente, o ponto de interseção entre preços naturais
e preços de mercado ( Q 2 = D e ⇒ P m = P n ), seria o ponto em que o preço do produto,
os ​preços naturais reais​, remunerando os componentes distributivos às taxa naturais, seriam
iguais aos custos de produção:

Quando a quantidade colocada no mercado coincide exatamente com o


suficiente e necessário para atender à demanda efetiva, muito naturalmente o
preço de mercado coincidirá com o preço natural, exatamente ou muito
aproximadamente. Poder-se-á vender toda a quantidade disponível ao preço
natural, e não se conseguirá vendê-las a preço mais alto. A concorrência entre
os diversos comerciantes os obriga todos a aceitar este preço natural, mas não
os obriga a aceitar menos ​(SMITH, p. 111).

Consequentemente:

(...) o preço natural é como que o preço central ao redor do qual continuamente
estão gravitando os preços de todas as mercadorias. Contingências diversas
podem, às vezes, mantê-los bastante acima dele, e noutras vezes, forçá-los para
baixo desse nível. Mas, quaisquer que possam ser os obstáculos que os impeçam
de fixar-se nesse centro de repouso e continuidade, constantemente tenderão
para ele​ (SMITH, p. 111-112).

Referência bibliográfica​:

BELLUZO, ​Luiz Gonzaga de Mello​. ​Valor e capitalismo um ensaio sobre economia


política​. São Paulo: Brasiliense, 1980.

BELLINO, Enrico. ​Appunti delle lezioni di Analisi economica​. A.A. 2006-2007.

BREMS, Hans. ​The microeconomics of the price mechanism​. College of commerce and
Business Administration University of Illinois: Urbana-Champaign, 1991​.

CARCANHOLO, Reinaldo. ​Marx, Ricardo e Smith: sobre a Teoria do Valor


Trabalho​.Vitória: Edufes, 2012.

CARCANHOLO, Reinaldo. ​O valor, a riqueza e a teoria de Smith​. Análise Econômica.


Ano 9, Nº 9, Março/91, p. 183-205.

DOBB, Maurice. ​Theories of value and distribution since Adam Smith​. Cambridge,
Cambridge University Press, 1973.

HURTADO, Jimena. ​La teoría del valor de Adam Smith: la cuestión de los precios
naturales y suas interpretaciones​. Cuadernos de Economía. V. XXII, Nº 38, Bogotá, 2003,
p. 15-45.

KALDOR, Nicholas. ​Piero Sraffa 1898-1983​. Análise Econômica. lEPE/UFRGS, Ano 5, N


° 8, Março/87 p. 3-23.

NAPOLEONI, Cláudio. Smith, Ricardo, Marx: considerações sobre a história do


pensamento econômico​. Rio de Janeiro: Edição Graal, 1978.

SMITH, ​Adam. An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations​. Reprint.
Originally published: Oxford: Clarendon Press, 1979.

SMITH. Adam. Investigação sobre a natureza e a causa da Riqueza das Nações​. São
Paulo: Editora Nova Cultura, 1996.

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