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Universidade Federal do Pará

Campus Universitário de Bragança


Programa de pós-graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia

EDUCAÇÃO FORMAL EM COMUNIDADES TRADICIONAIS: RESERVA


EXTRATIVISTA MARINHA CAETÉ-TAPERAÇÚ, BRAGANÇA/PA

Gamaliel Tarsos de Sousa1

1. INTRODUÇÃO

O vasto território da Amazônia, em especial a brasileira, apresenta uma


biodiversidade bastante significativa, sendo um espaço povoado por diversas
comunidades como pescadores, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, caiçaras, caboclos e
outros. Cada agrupamento humano desses estabelece formas relacionais distintas com
seu meio, resultando relações sociais diversificadas que caracterizam cada uma dessas
comunidades.
Little (2002) citando Vianna (1996) e Barretto Fº. (2001b) categorizam esses
grupamentos humanos como “populações”, “comunidades”, “povos”, “sociedades”,
“culturas” – cada uma das quais tende a ser acompanhada por um dos seguintes
adjetivos: “tradicionais”, “autóctones”, “rurais”, “locais”, “residentes”.
Aqui trataremos essas diferentes categorizações de grupamentos humanos como
“povos tradicionais”, pois acreditamos, apesar da heterogeneidade interna dessas
comunidades, que existe uma estrutura lógica que os aproxima, penso que seja os
diversos tipos de relações que estabelecem com seus territórios mediados pela floresta,
campos, manguezais, rios, etc.
Esta categorização do “tradicional” ultrapassa a expressão folclórica,
monumental e arqueológica da cultura e abrange os aspectos
relacionados aos valores, regulações e modo de viver. Desse modo, o
conceito de “comunidades tradicionais” inter-relaciona os valores
culturais, o modo de viver às ações desses povos. (SOUSA, 2017).

1Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia, Linha


de Pesquisa Educação, Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Pará (UFPA),
Campus de Bragança/PA. E-mail: gamaliel.sousa@braganca.ufpa.br.
Dessa forma, é fácil perceber que essa territorialidade exercida, pelos povos, sob
as terras na Amazônia se desdobra em mitos, lendas, tradições, cultura, arte, saberes
diversos, encantamento, formas de resistências, educação e ultimamente tem ganhado
espaço as reinvindicações pelo reconhecimento desses territórios e dos saberes
tradicionais construídos por esses povos.
Fatores exógenos, em especial o político e o econômico a nível global, vêm nas
últimas décadas exercendo pressões sob esses territórios e consequentemente sobre sua
população e seus saberes com o intuito de alinhá-los as expectativas da lógica
capitalista, pois a Amazônia é vista como a última fronteira a ser descortinada.
Nessa perspectiva, o processo histórico de ambientalização aparece como
uma nova etapa da “grande transformação”, que Karl Polanyi interpretaria
possivelmente como uma nova maneira de o capitalismo controlar seu
desenvolvimento e de se transformar. À maneira como se passou com as
etapas precedentes deste processo histórico, a ambientalização se acompanha
de mudanças tanto ao nível do Estado e da sociedade em geral, quanto ao
nível das populações, de sua vida cotidiana, de trabalho, de lazer.
(TEISSERENC, 2010, p. 156).

Dentro dessas disputas “territoriais”, por um lado às populações tradicionais


reivindicando seus direitos e por outro lado os representantes do capital transnacional
exercendo força para demarcarem ou ampliarem suas fronteiras parece ser um campo
fértil para a produção acadêmica sob diversos aspectos, mas que convergem para a
mesma problemática: estarão as populações tradicionais e o conjunto de saberes por elas
produzido fadado a sucumbirem frente aos interesses das formas hegemônicas de se
pensar a Amazônia? Qual deve ser o papel da educação formal, que considere os
saberes tradicionais locais, nesse processo de embate no universo Amazônico?
Dessa forma, esse trabalho se propõe discutir como a educação formal dentro de
territórios específicos (Reservas Extrativistas) pode e deve se articular para um
entendimento maior sobre a problemática de valorização dos saberes tradicionais
inerentes às próprias comunidades e esses olhares ampliados e fortalecidos para fazerem
frente aos interesses alheios do conhecimento científico.

2. RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA CAETÉ-TAPERAÇÚ

A ideia da criação de áreas de proteção ambiental de usos indireto, ou seja,


territórios sem habitantes humanos chegaram ao Brasil no meados do século XX sob
influência de ideais preservacionistas/conservacionistas de inspiração norte americana
sob diversos pretextos, principalmente de que a biodiversidade deve ser conservada in
natura, referendando assim a ausência e até mesmo a retirada de populações
tradicionais de áreas destinadas a esse fim.

Esse modelo de área protegida de uso indireto, que não permite haver
residentes no interior da área mesmo quando se trata de comunidades
tradicionais presentes há muitas gerações, parte do princípio de que toda
relação entre sociedade e natureza é degradadora e destruidora do mundo
natural e selvagem — a wilderness norte-americana — não havendo
distinções entre as várias formas de sociedade (a urbana industrial, a
tradicional, a indígena, etc.). Logo, todas essas formas de vida social deverão
estar fora das áreas protegidas acima descritas. (DIEGUES et all, 1999, p.
04).

No entanto, esse modelo de preservação ambiental vem caindo em desuso nas


últimas décadas no Brasil por diversos fatores entre eles políticos e econômicos, ou
mais especificamente, pela ausência do Estado na sua proteção, fiscalização e
manutenção e muitos destes se encontram invadidos e degradados.
A partir de embates envolvendo povos tradicionais, principalmente seringueiros
no estado do Acre no meado da década de 1980, que reivindicavam o reconhecimento
de seus territórios e de pressões internacionais é que são criadas as Reservas
Extrativistas de uso comum, que admitiam a presença humana em sua formatação.
Sendo estas tuteladas pelo Estado e com finalidades especificadas em estatutos,
principalmente no que tange aos objetivos de proteção de suas populações e de seus
saberes e práticas.
A concepção de reserva extrativista surgiu, no final da década de 1980, em
decorrência de violentos conflitos sobre legitimidade e regularização
fundiária na Amazônia em relação às terras historicamente habitadas por
populações tradicionais. O movimento social dos seringueiros, cuja trajetória
histórica de ocupação é distinta das populações tradicionais, denunciou
muitas práticas predadoras do ambiente natural (como o desmatamento e
especulação fundiária) e de injustiças sociais como assassinatos e expulsão de
milhares de pessoas de suas terras (CUNHA, 2001).

Ao criar uma RESEX, o Estado retira os habitantes da condição de posseiros


e dá a eles o direito ao usufruto da terra e de seus recursos, com o discurso de
proteger os meios de vida e as práticas culturais e sociais das populações
extrativistas. Seus direitos passam a ser garantidos por lei. (SILVA, 2013,
p.13).

Já a instituição das Reservas Extrativistas Marinhas (REM) pelo poder público


veio como subcategoria das reservas extrativistas e estão abrangidas pela definição do
artigo 18 do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (lei n. 9985 de
18/06/2000), que as define como:
Área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência
baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de
subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos
básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o
uso sustentável dos recursos naturais da unidade.

É nessa configuração de Reserva, definida acima, que se enquadra a Reserva


Extrativista Marinha Caeté-Taperaçú, no município de Bragança/PA, a qual
compreende diversas comunidades com ligação direta com o ecossistema marinho,
principalmente os manguezais.

2.1. SABERES TRADICIONAIS X CIÊNCIA NA AMAZÔNIA

O homem, desde os mais vastos períodos históricos de sua vivência, sempre foi
desafiado a encontrar respostas que corroborassem para sua sobrevivência, sob pena de
não o fazerem estarem fadados a serem sobrepujados pela natureza, respostas estas que
envolvem o conhecimento sobre a natureza com fins de encontrar alimentos, moradias,
vestuários, meios de locomoção, etc.

As respostas adaptativas e imediatas, porém coerentes e estruturadas,


procuravam responder aos interesses mais emergenciais desses povos e uma vez bem
sucedidos ficavam esses saberes incorporados como peças-chaves para a resolução de
futuros desafios interpostos pela a natureza, sedimentando assim práticas relacionais
pauteadas em saberes vivenciados e experiencializadas.
Para Pinheiro e Giordan (2010), embora algumas dessas práticas sejam
realizadas sem um entendimento do porquê dos procedimentos, baseando-se
em crenças e opiniões, outro grupo de saberes é constituído por explicações
mais elaboradas, apropriando-se de outros conhecimentos. Dessa forma,
consideramos os saberes populares como um conjunto de conhecimentos
elaborados por pequenos grupos (famílias, comunidades), fundamentados em
experiências ou em crenças e superstições, e transmitidos de um indivíduo
para outro, principalmente por meio da linguagem oral e dos gestos.
(XAVIER & FLÔR, 2015, p. 310).

Essa forma adaptativa utilizada pelos povos tradicionais é bastante singular nas
terras amazônicas, onde impera a necessidade diária de soluções inventivas que
sustentem a sobrevivência desses povos. Esses conhecimentos-respostas vêm sendo
acumulados e, em muitos casos sofrendo mudanças e adaptações ao longo dos tempos,
sendo transferido de forma oral, imitativa ou gestual para as gerações que se sucedem e
que quase sempre levam em consideração as relações harmônicas com a natureza.
Por muito tempo esses saberes populares adjetivados como “tradicionais” vem
sendo categorizados como de segunda ordem, principalmente, pelos que fazem Ciência
e a definem como o saber último, verdadeiro, finalista, inquestionável. Dessa forma, a
ciência subjuga todas as outras formas de conhecimentos e se apresenta como
hegemônica e acessível apenas a alguns predestinados.

Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um


modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as
formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios
epistemológicos e pelas suas regras metodológicas. É esta a sua característica
fundamental e a que melhor simboliza a ruptura do novo paradigma científico
com os que o precedem. (SANTOS, S/D, p.48)

A ciência moderna não admite outras formas de conhecimentos que não utilizem
o método e a racionalidade científica para chegar às verdades, tal empreitada em sentido
contrário é visto como irracional e, portanto, não cientifico desprovido de validade e
sem fins últimos satisfatórios.
Por essa razão as diversas formas de saberes que são se alinham aos preceitos
científicos são desprezados pela ciência, como é o caso dos saberes tradicionais de
comunidades amazônicas. Essa pretensa hegemonia científica não considerada os
fatores estruturantes lógicos intrínsecos nos fundamentos que sustentam os saberes
produzidos por essas populações, mas que tendem a um mesmo fim, enquanto sua
aplicabilidade há de reconhecermos, ambas trilham caminhos diferentes.

A ciência moderna hegemônica usa conceitos, a ciência tradicional usa


percepções. É a lógica do conceito em contraste com a lógica das qualidades
sensíveis. Enquanto a primeira levou a grandes conquistas tecnológicas e
científicas, a lógica das percepções, do sensível, também levou, afirma Lévi-
Strauss, a descobertas e invenções notáveis e a associações cujo fundamento
ainda talvez não entendamos completamente. Lévi-Strauss, portanto, sem
nunca negar o sucesso da ciência ocidental, sugere que esse outro tipo de
ciência, a tradicional, seja capaz de perceber e como que antecipar
descobertas da ciência tout court. (CUNHA, 2007, p.79).

Na Amazônia, por séculos, a supremacia da ciência vem tendo exclusividade nas


produções intelectuais que serviram e ainda servem de base para novas tecnologias e até
mesmo na composição de fármacos obtidos a partir da imersão nesse universo verde.
Tais conhecimentos científicos, quase sempre norteados por saberes de populações
tradicionais, são assumidos como produções exclusivas da comunidade científica que
em última análise repousa num perfil eurocêntrico, ou melhor, uma ciência que nega os
conhecimentos tradicionais, mas, se utiliza dos mesmos para suas produções sob
alegação de refinamento intelectual possibilitado somente pela ciência.
Essa realidade identitária cunhada sob o olhar do “outro”, do “estranho” começa
a ser colocada em xeque a partir dos estudos pós-coloniais que primam em desvelar a
realidade de forma honesta e em toda sua vitalidade, dando vozes e corpos aos
invisibilizados pelo discurso científico até então hegemônico.
Assim, discutir esta questão assim formulada – o pós-colonial como
ideologia – é desvelar, afinal, trópicos do discurso epistemológico cujos
paradigmas são marcadamente eurocêntricos, portanto, formular uma crítica
que não omite “as suas tensões e contradições” e ajuda “a esclarecer a
espacialidade das relações de poder e de dominação” (Vesentini, s. d.), ou
seja, é percorrer os trilhos que levam a uma geocrítica do eurocentrismo.
(MATA, 2014, p. 32).

Dessa forma, talvez seja a maneira mais acertada de produzir conhecimentos


sobre e na Amazônia, aquele que considere todas as variáveis possíveis de saberes, onde
essa aproximação com os conhecimentos científicos traga ganhos reais para todos e
reconheça as contribuições e validade dos conhecimentos dos povos que habitam esse
território.
Essa postura é particularmente importante: não se trata aqui, como muitos
cientistas condescendentemente pensam de simples validação de resultados
tradicionais pela ciência contemporânea, mas do reconhecimento de que os
paradigmas e práticas de ciências tradicionais são fontes potenciais de
inovação da nossa ciência. Um dos corolários dessa postura é que as ciências
tradicionais devem continuar funcionando e pesquisando. Não se encerra seu
programa científico quando a ciência triunfante – a nossa – recolhe e
eventualmente valida o que elas afirmam. Não cabe a esta última dizer:
“daqui para a frente, podem deixar conosco”. (CUNHA, 2007, p.81).

Por fim, é necessário o entendimento de que haja mais algo em comum entre a
ciência e os conhecimentos tradicionais do que se possa imaginar, continuar negando a
vitalidade de ambos é correr o risco de continuarmos creditando a apenas um desses
saberes, no caso a “ciência”, os méritos pelos avanços na sociedade, como se essa forma
de conhecimento hegemônico se fizesse no vácuo, no vazio basilar.

2.2.A ESCOLA COMO MEDIATIZADORA DE SABERES

Os conhecimentos socializados pela escola têm como base os produtos


investigativos frutos da ciência cartesiana formulada no século XVII, sob premissas de
critério de verdade irrefutável. A sistematização ordenada segue métodos que lhes
garante aceitabilidade e alcance global além de pretenso conhecimento universal. A
ciência, dessa forma, é concebida como o único critério de verdade.
Enquanto que outras formas de conhecimentos são tidas como não válidos e por
isso devem ser desconsiderados. Estes conhecimentos sem base científica, quase
sempre, são entendidos como desnecessários e sem função formativa para a sociedade,
devendo assim sofrer processo de marginalização e sanções, como o caso dos
conhecimentos tradicionais.
Os saberes populares são apontados como conhecimentos “à margem das
instituições formais” (LOPES, 1999, p. 152). Na escola, a cultura dominante
é transmitida como algo natural, sem ser questionada, e os saberes primevos
dificilmente são valorizados, já que não são validados pela Academia. Alguns
autores (CHASSOT, 2006; PINHEIRO; GIORDAN, 2010; GONDIM, 2007)
têm assinalado como função da escola a valorização desse conhecimento.
Não se trata de uma supervalorização do saber popular, mas sim reconhecer o
conhecimento existente nas práticas cotidianas de uma parcela da população
que, muitas vezes, não é vista como detentora de saber. Trata de desconstruir
o paradigma de uma única forma de educação, baseada somente no
conhecimento científico, e explorar novas possibilidades. (XAVIER &
FLÔR, 2015, p.310)

Dessa maneira, a prática pedagógica adotada pela escola, quase sempre traz em
suas concepções diretrizes que se alinham com o saber científico e de sua derivação
autoritária e fechada para outras possibilidades de conhecimentos, necessitando assim
de pedagogias desconectas das realidades do educando que em última análise
desvinculam-no de sua realidade local e o inserem em um mundo ideal e fantasioso.
A escola em todos os territórios, em especial, os habitados por grupamentos
humanos tradicionais e como agência mediadora de conhecimentos, baseado numa
perspectiva emancipadora, deverá considerar todas as outras possibilidades de
conhecimento locais, principalmente àqueles produzidos, acumulados e socializados por
diversas gerações como resposta lógica e coerente aos desafios que se apresentam.
Sobre isso Chassot (2001) postula que:

Há assim uma necessidade de se buscar uma valorização dos saberes


populares e uma conscientização do respeito que os mesmos merecem e de
como estão inseridos nos distintos contextos sociais. Esta é uma função da
escola, e é tanto uma função pedagógica como uma função política. É um
novo assumir que se propõe à escola: a defesa dos saberes da comunidade
onde ela está inserida. É evidente que isso não significa o estudo dos saberes
estranhos ao meio, mas o não-desprezo pelo que é local. É esse ato político
que se espera da escola. (2001, p. 211)

Como um caminho que contempla essa necessidade do Ensino de Ciências,


Chassot defende o resgate e a valorização de saberes populares, trazendo-os
para as salas de aula. O diálogo entre os saberes escolares e populares seria,
nesse contexto, mediado pelo conhecimento científico, compreendido como
facilitador da leitura do mundo natural (CHASSOT, 2008a).

O aluno imerso à sociedade por um alfabetizar científico, que por sua vez ganha
garrida em conhecimentos tradicionais é capaz de discernir os fenômenos naturais dos
não naturais, o mundo em que vive de um não mundo. Sobre essa visão, ele é capaz de
excluir de sua linguagem, mas não de sua realidade vivida, manifestações ditas
sobrenaturais. O cidadão que é alfabetizado com base em uma ciência que cruza com
conhecimentos tradicionais é ainda incluído na sociedade, uma vez que ele é capaz de
tomar decisões fundamentadas e interpretar a sociedade de maneira crítica; ela permite
ao homem fazer uma leitura do mundo onde ele vive.
Os currículos escolares quase sempre estão edificados sobre o solo do método
científico e na supremacia da ciência. O que interessa aqui é não estabelecer a
superioridade ou grau de relevância desses ou daqueles conhecimentos, nem mesmo
apontar seu grau de superioridade ou questionar a validade e as possibilidades ofertadas
pela ciência dentro do universo escolar, mas assinalar viabilidades de relações e pontos
de contatos entre as diversas possibilidades de interpretação do mundo, diversificando
assim o acesso de todos aos conhecimentos que devem ser construídos pela e na escola.

Lopes (1993) aponta ainda que não se busca uma igualdade epistemológica
entre os saberes populares e científicos, mas a pluralidade dos saberes,
considerando-os como possíveis e válidos dentro de seus limites de atuação.
No contexto escolar, argumenta a favor de uma inter-relação entre os saberes,
de forma a contribuir para a construção do conhecimento escolar sem,
contudo, os descaracterizar. (XAVIER & FLÔR, 2015, p.313).

Essa pedagogia centrada na terra e no modo de viver peculiares da Amazônia


começa a ganhar corpo a partir de experiências pedagógicas que questionam a forma
histórica como a ciência moderna se impôs a esse território, carregada de olhares
preconceituosos, negativos e do discurso dominador eurocêntrico.
Assim superaríamos a pedagogia convencional cientificada que nega as outras
possibilidades de saberes e teríamos pedagogias do mangue, das florestas, dos rios, dos
campos, etc. Há necessidade de rupturas constantes e a promessa de possibilidades
emergentes que considerem as diversas formas interpretativas e relacionais
estabelecidas nos mais diversos territórios amazônicos.
Esse olhar epistemológico, na pedagogia escolar, deve se promovido pelos
sujeitos/pesquisadores com o intuito de favorecer ações participativas pautadas em
modelos críticos da realidade que tire da invisibilidade os diversos grupamentos
humanos fincados nesse universo tropical e dote-os de uma visão emancipadora capaz
de questionar o modelo civilizatório imposto e sedimentado há séculos.

A relação de participação da prática científica no trabalho político das classes


populares desafia o pesquisador a ver e compreender tais classes, seus
sujeitos e seus mundos, tanto através de suas pessoas nominadas, quanto a
partir de um trabalho social e político de classe que constituindo a razão da
prática constitui igualmente a razão da pesquisa (Brandão, 1999, p. 13).

Por fim, seria importante ao se pensar a Amazônia, sob seus diferentes aspectos,
mas em especial o de ordem pedagógico, que se considere além da produção científica
pensada e produzida localmente, que esta tenha uma estreita relação com as práticas e
os saberes locais, sendo o produto final da inter-relação entre Ciência convencional e
conhecimentos tradicionais distintos de seus territórios.
Finalmente, agindo assim, o espaço escolar se torna o elemento mediador desse
processo evitando assim que suas populações tradicionais, em especial as da Reserva
Extrativista Marinha Caeté-Taperaçú no município de Bragança/PA e o arcabouço de
saberes por elas produzido encontrem subterfúgio e dessa forma, se apresentem como
armadura intelectual que faça frente aos interesses das formas científicas hegemônicas
exógenas utilizadas como pauta para se pensar a Amazônia, garantindo assim a
sobrevivência de suas populações e de seus diversos saberes locais, margeados e
misturados pelo conhecimento da ciência.

BIBLIOGRAFIA

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Paulo: Brasiliense, 1999.

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http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=374 > Acesso em: 08
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