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1. INTRODUÇÃO
Esse modelo de área protegida de uso indireto, que não permite haver
residentes no interior da área mesmo quando se trata de comunidades
tradicionais presentes há muitas gerações, parte do princípio de que toda
relação entre sociedade e natureza é degradadora e destruidora do mundo
natural e selvagem — a wilderness norte-americana — não havendo
distinções entre as várias formas de sociedade (a urbana industrial, a
tradicional, a indígena, etc.). Logo, todas essas formas de vida social deverão
estar fora das áreas protegidas acima descritas. (DIEGUES et all, 1999, p.
04).
O homem, desde os mais vastos períodos históricos de sua vivência, sempre foi
desafiado a encontrar respostas que corroborassem para sua sobrevivência, sob pena de
não o fazerem estarem fadados a serem sobrepujados pela natureza, respostas estas que
envolvem o conhecimento sobre a natureza com fins de encontrar alimentos, moradias,
vestuários, meios de locomoção, etc.
Essa forma adaptativa utilizada pelos povos tradicionais é bastante singular nas
terras amazônicas, onde impera a necessidade diária de soluções inventivas que
sustentem a sobrevivência desses povos. Esses conhecimentos-respostas vêm sendo
acumulados e, em muitos casos sofrendo mudanças e adaptações ao longo dos tempos,
sendo transferido de forma oral, imitativa ou gestual para as gerações que se sucedem e
que quase sempre levam em consideração as relações harmônicas com a natureza.
Por muito tempo esses saberes populares adjetivados como “tradicionais” vem
sendo categorizados como de segunda ordem, principalmente, pelos que fazem Ciência
e a definem como o saber último, verdadeiro, finalista, inquestionável. Dessa forma, a
ciência subjuga todas as outras formas de conhecimentos e se apresenta como
hegemônica e acessível apenas a alguns predestinados.
A ciência moderna não admite outras formas de conhecimentos que não utilizem
o método e a racionalidade científica para chegar às verdades, tal empreitada em sentido
contrário é visto como irracional e, portanto, não cientifico desprovido de validade e
sem fins últimos satisfatórios.
Por essa razão as diversas formas de saberes que são se alinham aos preceitos
científicos são desprezados pela ciência, como é o caso dos saberes tradicionais de
comunidades amazônicas. Essa pretensa hegemonia científica não considerada os
fatores estruturantes lógicos intrínsecos nos fundamentos que sustentam os saberes
produzidos por essas populações, mas que tendem a um mesmo fim, enquanto sua
aplicabilidade há de reconhecermos, ambas trilham caminhos diferentes.
Por fim, é necessário o entendimento de que haja mais algo em comum entre a
ciência e os conhecimentos tradicionais do que se possa imaginar, continuar negando a
vitalidade de ambos é correr o risco de continuarmos creditando a apenas um desses
saberes, no caso a “ciência”, os méritos pelos avanços na sociedade, como se essa forma
de conhecimento hegemônico se fizesse no vácuo, no vazio basilar.
Dessa maneira, a prática pedagógica adotada pela escola, quase sempre traz em
suas concepções diretrizes que se alinham com o saber científico e de sua derivação
autoritária e fechada para outras possibilidades de conhecimentos, necessitando assim
de pedagogias desconectas das realidades do educando que em última análise
desvinculam-no de sua realidade local e o inserem em um mundo ideal e fantasioso.
A escola em todos os territórios, em especial, os habitados por grupamentos
humanos tradicionais e como agência mediadora de conhecimentos, baseado numa
perspectiva emancipadora, deverá considerar todas as outras possibilidades de
conhecimento locais, principalmente àqueles produzidos, acumulados e socializados por
diversas gerações como resposta lógica e coerente aos desafios que se apresentam.
Sobre isso Chassot (2001) postula que:
O aluno imerso à sociedade por um alfabetizar científico, que por sua vez ganha
garrida em conhecimentos tradicionais é capaz de discernir os fenômenos naturais dos
não naturais, o mundo em que vive de um não mundo. Sobre essa visão, ele é capaz de
excluir de sua linguagem, mas não de sua realidade vivida, manifestações ditas
sobrenaturais. O cidadão que é alfabetizado com base em uma ciência que cruza com
conhecimentos tradicionais é ainda incluído na sociedade, uma vez que ele é capaz de
tomar decisões fundamentadas e interpretar a sociedade de maneira crítica; ela permite
ao homem fazer uma leitura do mundo onde ele vive.
Os currículos escolares quase sempre estão edificados sobre o solo do método
científico e na supremacia da ciência. O que interessa aqui é não estabelecer a
superioridade ou grau de relevância desses ou daqueles conhecimentos, nem mesmo
apontar seu grau de superioridade ou questionar a validade e as possibilidades ofertadas
pela ciência dentro do universo escolar, mas assinalar viabilidades de relações e pontos
de contatos entre as diversas possibilidades de interpretação do mundo, diversificando
assim o acesso de todos aos conhecimentos que devem ser construídos pela e na escola.
Lopes (1993) aponta ainda que não se busca uma igualdade epistemológica
entre os saberes populares e científicos, mas a pluralidade dos saberes,
considerando-os como possíveis e válidos dentro de seus limites de atuação.
No contexto escolar, argumenta a favor de uma inter-relação entre os saberes,
de forma a contribuir para a construção do conhecimento escolar sem,
contudo, os descaracterizar. (XAVIER & FLÔR, 2015, p.313).
Por fim, seria importante ao se pensar a Amazônia, sob seus diferentes aspectos,
mas em especial o de ordem pedagógico, que se considere além da produção científica
pensada e produzida localmente, que esta tenha uma estreita relação com as práticas e
os saberes locais, sendo o produto final da inter-relação entre Ciência convencional e
conhecimentos tradicionais distintos de seus territórios.
Finalmente, agindo assim, o espaço escolar se torna o elemento mediador desse
processo evitando assim que suas populações tradicionais, em especial as da Reserva
Extrativista Marinha Caeté-Taperaçú no município de Bragança/PA e o arcabouço de
saberes por elas produzido encontrem subterfúgio e dessa forma, se apresentem como
armadura intelectual que faça frente aos interesses das formas científicas hegemônicas
exógenas utilizadas como pauta para se pensar a Amazônia, garantindo assim a
sobrevivência de suas populações e de seus diversos saberes locais, margeados e
misturados pelo conhecimento da ciência.
BIBLIOGRAFIA
9. SILVA, Ana Patrícia Reis da. Saber fazer e poder fazer. A construção social e
política da RESEX Caeté- Taperaçú. (Dissertação) Programa de Pós-Graduação
em Linguagens e Saberes na Amazônia. UFPA/PPLSA. Bragança, 2013.
10. SOUSA, Girlian Silva de; Pezzuti, Juarez Carlos Brito. Breve ensaio sobre a
lógica subjetiva dos povos e comunidades tradicionais amazônidas. Revista
Novos Cadernos NAEA. v. 20 n. 2. p. 111-126. Maio-ago. 2017.
12. XAVIER, Patrícia Maria Azevedo. FLÔR, Cristhiane Carneiro Cunha. Saberes
Populares e Educação Científica: Um olhar a partir da literatura na área de
ensino de ciências. Revista Ensaio. Belo Horizonte, v.17, n. 2, p. 308-328,
maio-ago, 2015.