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PREFÁCIO

I Que é o Mabinogion?

O título O Mabinogion foi usado pela primeira vez por Lady Charlotte 
Guest em sua tradução de doze contos medievais galeses publicada entre 1838 
e 1849.

A forma  Mabinogion  surge no fim do conto  Pwyll, Príncipe de Dyfed 


(Ac yuelly y teruyna y geing hon yma o'r Mabynnogyon, “Aqui termina este 
ramo   do  Mabinogion”,   frase   que   também   encerra   os   demais   Ramos),   mas, 
comumente,   admite­se   que   o   sentido   do   termo  mabinogi,   na   origem 
significando apenas "infância", tenha depois sido ampliado para abranger um 
conto sobre a infância de um herói em geral.  Mabinogion  seria o plural de 
mabinogi.    

Antes das traduções de Lady Guest, somente os quatro primeiros dentre 
os doze contos eram conhecidos como  Pedeir Ceinc y Mabinogi, "Os Quatro 
Ramos do Mabinogi". Desde então, a palavra Mabinogion tem sido usada como 
um termo conveniente para designar todos os contos, com exceção de  Hanes  
Taliesin, "A História de Taliesin". 

Os textos anônimos foram preservados no  Livro Branco de Rhyderch 
(Llyfr Gwyn Rhydderch), escrito entre 1300 e 1325, e no  Livro Vermelho de 
Hergest  (Llyfr Coch Hergest), escrito entre 1375 e 1425, embora fragmentos 
desses   contos   já   tenham   sido   encontrados   em   manuscritos   do   séc.   XIII   e 
acredite­se que tenham existido muito antes sob a forma   oral. A questão da 
data de composição do Mabinogion é importante, pois pode demonstrar que é 
anterior à História dos Reis da Grã­Bretanha (Historia Regum Britanniae) de 
Geoffrey de Monmouth, sendo a evidência de que o folclore e a cultura galeses 
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seriam muito mais antigos e resistentes. 

O  Mabinogion,   desconhecido   fora   de   Gales   até   a   época   de   Lady 


Charlotte Guest, é uma parte da longa, consistente e gloriosa tradição da poesia 
galesa   que merece  ser  melhor  conhecida.   Mesclada   em  seu contexto  está  a 
magia dos druidas, esses misteriosos "sacerdotes" célticos que mantinham as 
antigas tradições e fizeram com que o  Mabinogion  sobrevivesse à conquista 
saxônica e ao triunfo do cristianismo alcançado pela igreja romana e, depois, 
pela anglicana. 

II As lendas do Mabinogion

O  Mabinogion  propriamente   dito   consiste   de   quatro   lendas,   também 


chamadas Os Quatro Ramos do Mabinogion. Essas lendas são:

• Pwyll, Príncipe de Dyfed (Pwyll, Pendeuic Dyuet,  Primeiro Ramo): 
durante   uma   caçada,   Pwyll   encontra  Arawn  (“Língua   Prateada”), 
Senhor   de  Annwn  (o   Outro   Mundo   da   tradição   céltica)   e,   como 
compensação por um insulto não intencional, oferece­se para trocar de 
lugar com Arawn e lutar contra seu inimigo Hafgan (“Verão Branco”). 
Pwyll passa um ano sob a forma de Arawn e ganha sua amizade graças 
a   suas   boas   maneiras   e   pelo   sucesso   em   sobrepujar   Hafgan,   assim 
obtendo o título de Penannwn  ("Senhor de Annwn"). Ele se casa com 
Rhiannon,   mas   somente   depois   de   derrotar   Gwawl,   o   antigo 
pretendente. O casal vive feliz até o nascimento de Pryderi.
• Branwen,   Filha   de   Llyr   (Branwen   uerch   Lyr,  Segundo   Ramo): 
Branwen casou­se com Matholwch, rei da Irlanda, e deu à luz Gwern, 
mas   os   irlandeses,   que   tinham   sofrido   um   grave   insulto   feito   por 
Efnyssien, meio­irmão de Branwen, quando a comitiva de Matholwch 
estava  na Grã­Bretanha,  vingaram­se obrigando Branwen a servir na 
cozinha do castelo, onde era agredida pelo cozinheiro.  Ela criou um 
pássaro   e   enviou   uma   mensagem   a   Bran,   seu   irmão,   rei   da   Grã­
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Bretanha,   que   veio   com   um   frota   para   resgatá­la.   Efnyssien   lançou 


Gwern   numa   fogueira   e   seguiu­se   uma   batalha   entre   britanos   e 
irlandeses; ela morreu de tristeza e foi supultada num "túmulo de quatro 
lados" nas margens do rio Alaw, em Anglesey. Seu mito, que tem uma 
forte   semelhança   com   o   de   Cordélia,   filha   de   Lear,   é   um   tipo   de 
Soberania,   como   fica   óbvio   quando   sua   história   é   investigada   com 
profundidade. Quanto à Irlanda, ficaram vivas na ilha somente cinco 
mulheres grávidas, cujos filhos foram os fundadores dos Cinco Reinos.

• Manawyddan, Filho de Llyr (Manawydan uab Llyr, Terceiro Ramo): 
Manawyddan ap Llyr é mencionado no conto  Culhwch e Olwen como 
um seguidor de Arthur, mas, originalmente,  é um deus  marinho  que 
corresponde ao irlandês Mánannan mac Lir. No Mabinogion, é irmão de 
Bendigeid Fran  ("Bran, o Abençoado"), ficando sem terras depois da 
morte deste e tornando­se marido de Rhiannon. Ajudou a quebrar os 
encantamentos lançados por Llwyd sobre Dyfed como vingança pelo 
tratamento   violento   dado   a   Gwawl   por   Pwyll,   primeiro   marido   de 
Rhiannon. Manawyddan é um homem engenhoso e um mestre artesão, 
capaz de ganhar seu sustento enquanto a terra está enfeitiçada. Como 
instrutor e homem de poder, ele fica no lugar do pai de Pryderi e herda 
as qualidades de Pwyll.

• Math, Filho de Mathonwy (Math uab Mathonwy,  Quarto Ramo): o 
filho de Mathonwy é tio de Gwydion, Gilfaethwy e Arianrhod e irmão 
de Penardun. Ele era onisciente, possuindo, entre outras habilidades, o 
estranho dom de ouvir tudo que era dito em seus domínios tão logo as 
palavras fossem transportadas pelos ventos. Era muito sábio, um grande 
rei. Neste conto, ele somente pode viver enquanto seus pés estiverem no 
colo de uma virgem, Goewin, a não ser em tempo de guerra. Como 
Gwydion   provoca   uma   guerra   entre   Math   e   Pryderi,   Math   deixa­a 
temporariamente, sendo Goewin violada por Gilfaethwy, que nutria por 
ela uma paixão secreta. Para aliviar a vergonha da jovem, Math casa­se 
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com ela e pune seus sobrinhos, Gilfaethwy e Gwydion, transformando­
os   em   vários   animais.   É   com   a   ajuda   de   Gwydion   que   Math   cria 
Blodeuwedd   com   flores   como   noiva   para   Llew   Llaw   Gyffes,   seu 
sobrinho­neto.
 
Sete outros contos foram associados aos Quatro Ramos:

• O   Sonho   de   Macsen   Wledig:   um   imperador   romano,   Magnus 


Maximus (383­388 d. C.), conhecido na tradição galesa como Macsen 
Wledig. Geoffrey de Monmouth, que o chama Maximianus, diz que ele 
fez   de   Conan   Meriadoc   o   governante   da   Bretanha   Menor,   na   atual 
França. Neste conto,  o imperador sonha com uma mulher desconhecida 
por quem fica apaixonado. Por fim, mensageiros finalmente informam 
que   esta   realmente   existe   em  Cymru  (Gales),   de   forma   que   Macsen 
deixa   Roma   para   casar­se   com   ela.   Seu   nome   é   Elen.   O   Maximus 
histórico,  subjacente  à lenda, realmente  serviu na Grã­Bretanha,  mas 
levou muitas tropas da ilha em sua luta contra Gratianus, imperador do 
Ocidente,   assim   deixando   a   Grã­Bretanha   sem   proteção.   Traços   dos 
fatos   permanecem   nas   lendas:   os   galeses   retiveram   seu   nome,   que 
aparece em várias genealogias de famílias nobres como uma conexão 
imperial.   Os   soldados   romanos   que   partiam   tomaram   esposas 
estrangeiras, mas, conta a lenda, cortaram suas línguas para que não 
pudessem corromper o idioma britânico de seus filhos. Vemos assim 
como   é   antiga   e   poderosa   a   devoção   dos   Cymry  (galeses)   a   sua 
linguagem.    

• Lludd e Llefelys: Lludd é filho de Beli e irmão de Llefelys. Foi o rei da 
Grã­Bretanha que reconstruiu a cidade de Londres, cujo nome vem do 
rei:  Caer Lludd,  Caer London. Três pragas caíram sobre a ilha: uma 
raça   chamada  Coranianos  (genedyl   y   Coraneit,   “a   raça   dos 
Coranianos”),   que   podia   saber   tudo   que   era   dito;   um   grito   que   era 
ouvido a cada Véspera de Maio e que fazia murcharem as lavouras, 
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matava   os   animais   e   crianças   e   deixava   as   mulheres   estéreis   e   o 


desaparecimento   dos   mantimentos   do   rei.   Lludd   procurou   conselhos 
junto a seu irmão, Llefelys, que lhe disse que os Coranianos seriam 
vencidos   depois   de   beberem   uma   infusão   de   insetos   esmagados   em 
água; que o grito era provocado por dragões que seriam vencidos depois 
de se embebedarem com hidromel forte, sendo necessário enterrá­los 
exatamente no centro da Grã­Bretanha, e que o ladrão das provisões era 
um homem de poder capaz de lançar um feitiço de sono sobre a corte e, 
então, roubar toda a comida. Lludd venceu as três pragas e a paz da ilha 
foi restabelecida.    

• Culhwch e Olwen: Culhwch é o filho de Celyddon Wledig e sobrinho 
de Arthur. Sua mãe, Goleuddydd (“Dia Brilhante”), deu­o à luz depois 
de ficar apavorada com a visão de uma vara de porcos, de modo que ele 
foi   chamado  Culhwch,   ou   "Chiqueiro".   Seu   pai   casou­se   outra   vez 
depois da morte de Goleuddydd. A madrasta de Culhwch lançou um 
feitiço sobre ele para que não pudesse casar­se senão com  Olwen  (“a 
dos rastros brancos”), filha de Yspaddaden Pencawr (“espinheiro, chefe 
dos gigantes”), o gigante. Na corte de Yspaddaden, Culhwch recebeu 
trinta   e   nove  anoethu  ou   tarefas   impossíveis,   que   deveriam   ser 
cumpridas   antes   de   casar­se   com   Olwen,   todas   as   quais   foram 
cumpridas com a ajuda dos cavaleiros de Arthur. A principal tarefa era 
caçar o Twrch Trwyth, um javali gigante, para o que seria necessário o 
auxílio de vários cavalos específicos, cães de caça e homens, incluindo 
Mabon,   o   jovem   miraculoso,   cujo   encontro   é   narrado   nesse   conto. 
Outras missões incluem a viagem de Arthur ao Outro Mundo para obter 
alguns dos Objetos Sagrados, ou Treze Tesouros da Grã­Bretanha ­ um 
feito que é também relatado num poema galês do séc. IX, o Preiddeu 
Annwn, "Os Espólios de Annwn", atribuído ao bardo Taliesin. O poder 
de Yspaddaden é vencido e Culhwch casa­se com Olwen.

• O Sonho de Rhonabwy: Rhonabwy adormece a sonha que Arthur e 
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Owain estão jogando  gwyddbwyll  (um jogo de tabuleiro céltico) ante 


um campo de batalha. Durante o jogo, os cavaleiros de Arthur lutam 
com os corvos de Owain, mas os jogadores apenas continuam com seu 
passatempo, até que Arthur, impaciente por começar a perder, esmaga 
as peças. O jogo talvez simbolizasse uma batalha pela soberania.  

Os contos  Culhwch e Olwen  e  O Sonho de Rhonabwy  despertaram o 


interesse   dos   estudiosos   por   preservarem   tradições   mais   antigas   do   que   o 
material arturiano. A narração de  O Sonho de Macsen Wledig  é uma história 
romântica sobre o imperador romano Magnus Maximus.

Três dos contos são versões galesas de romances arturianos que também 
aparecem no trabalho de Chrétien (ou Chréstien) de Troyes. Os críticos do séc. 
XIX acreditavam que os contos baseavam­se nos próprios poemas de Chrétien, 
mas as opiniões mais recentes inclinam­se a afirmar que as duas coleções são 
independentes, mas têm um ancestral comum: 

• A Dama da Fonte: Owain, inspirado pelo conto de Cynon (na tradição 
galesa, o filho de Clydno ­ um dos guerreiros de Arthur ­ e  amante de 
Morfudd, irmã gêmea de Owain), sai em busca do  Castelo da Fonte, 
que era guardado pelo Cavaleiro Negro. Ele atravessou o mais belo vale 
e viu um brilhante castelo numa colina. Depois de entrar nesse lugar 
sobrenatural, Owain derrota o Cavaleiro Negro e casa com sua viúva. 
Após um começo difícil, ele vence seu ressentimento e guarda o reino 
até que sua sede por aventuras o faz partir, deixando para trás a esposa. 
Dama da Fonte é também o título da condessa misteriosa no Yvain, de 
Chrétien de Troyes.  

• Peredur, Filho de Efrawg: na mitologia galesa, Peredur era o sétimo 
filho de Efrawg e o único do sexo masculino a sobreviver. Seu pai e 
irmãos morreram antes que ele atingisse a maioridade. Isso não impediu 
Peredur   de   tornar­se   um   dos   cavaleiros   de   Arthur   e   suas   muitas 
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aventuras  formaram a base para o  Sir Percival  posterior. Talvez  por 


causa de sua posição como sétimo filho, Peredur era particularmente 
adepto   de   matar   bruxas,   que,   em   Gales,   compareciam   ao   campo   de 
batalha   trajando   armaduras   completas.   No   fim   de   seu   conto   no 
Mabinogion, Peredur enfrenta a “líder das bruxas” e, com sua espada, 
rompe elmo e armadura em duas partes, enquanto as demais feiticeiras 
fogem.  

• Gereint, Filho de Erbin: Gereint é o rei de Dumnonia (reino que, no, 
período pós­romano, abrangia  Devon, a Cornualha  e outras  áreas  do 
sudoeste da Inglaterra) cujas aventuras são contadas nesta narrativa. No 
romance  francês,   o  herói  deste   conto   é   Erec,   mas,  como  este   não   é 
comumente   conhecido   em   Gales,   substituíram­no   por   Gereint.   Este 
pode ser uma figura histórica, um primo de Arthur. Embora seja listado 
como   contemporâneo   desse   rei,   pode   ter   pertencido   a   uma   geração 
anterior, pois o conto O Sonho de Rhonabwy diz que Cadwy, seu filho, 
era um contemporâneo de Arthur. O nome do pai de Gereint é citado 
como Erbin, mas, na Vida de São Cyby, Erbin é chamado seu filho. Em 
Culhwch e Olwen, encontramos os nomes de dois de seus irmãos, Ermid 
e   Dywel.     Gereint,   suspeitando   que   sua   esposa   é   infiel,   força­a   a 
acompanhá­lo numa exaustiva jornada de aventuras para testar seu amor 
e obediência  a cada passo do caminho. Como outras  fortes  heroínas 
célticas,   ela   suporta   calmamente   sua   provação,   permanecendo   leal   e 
amorosa   durante   todo   o   tempo.   Gereint   finalmente   sentiu   “duas 
tristezas”, do remorso por ter desconfiado de sua esposa  e por tratá­la 
tão mal.       

Lady   Guest   também   incluiu   em   sua   tradução   um   oitavo   conto 


(removido das traduções inglesas posteriores, que, no entanto, continuam a usar 
o termo Mabinogion), não encontrado nem no Livro Branco de Rhyderch, nem 
no Livro Vermelho de Hergest, mas em um manuscrito do séc. XVII:  
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• Taliesin – seu nome significa “Testa Brilhante”. Foi um bardo galês  e, 
de acordo com o mito, a primeira  pessoa a adquirir a habilidade  da 
profecia.   Em   uma   versão   da   história,   ele   é   o   servo   da   feiticeira 
Cerridwen, uma deusa da fertilidade, mãe de Afagddu, o homem mais 
feio do mundo, e chamava­se  Gwion Bach. Cerridwen preparava uma 
beberagem   mágica   que,   depois   de   um   ano   fervendo,   produziria   três 
gotas que dariam a quem as bebesse toda a sabedoria do mundo. Essa 
pessoa   conheceria   todos   os   segredos   do   passado,   do   presente   e   do 
futuro. Ela queria dá­las a Afagddu como compensação por sua feiúra. 
Enquanto Gwion Bach cuidava do fogo sob o caldeirão, uma parte do 
líquido quente caiu em seu dedo e ele a sorveu ao sentir a dor. Eram as 
três gotas da sabedoria.  Todo o líquido restante era veneno. A furiosa 
Cerridwen empregou todos os seus poderes mágicos para perseguir o 
menino. Durante a caçada, ele se transformou numa lebre, num peixe e 
num   grão   de   trigo,   que   Cerridwen,   metamorfoseada   em   galinha, 
engoliu, descobrindo­se então grávida. Mais tarde, Gwion, renascido de 
Cerridwen, foi jogado ao mar e apanhado numa armadilha para peixes, 
quando passou a chamar­se Taliesin por causa de sua testa brilhante.     

Os  Quatro   Ramos  são,   essencialmente,   histórias   medievais   e   seus 


personagens comportam­se, falam e vivem de modo muito semelhante a sua 
audiência   do   séc.   XIV.   Suas   maneiras   são   (em   geral)   corteses   e   refinadas, 
invocam freqüentemente o deus cristão e suas roupas incluem brocados, sedas, 
toucados e outros itens medievais. Contudo, ainda que sejam produto de uma 
sociedade cristã da Idade Média, os  Quatro Ramos baseiam­se também numa 
visão de mundo profundamente pagã, proveniente de tradições e crenças das 
culturas neolíticas e da Idade do Bronze, bem como da Idade do Ferro céltica e 
da era romano­britânica.

O  Mabinogion  é verdadeiramente uma peça encantadora da literatura 
galesa, que abre caminho a fantásticas narrativas dramáticas  capazes de encher 
a mente do leitor com a vibrante e imaginativa natureza do povo céltico. As 
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duras realidades históricas são transformadas por uma sensibilidade sonhadora, 
que submete a mente com um imaginário antigo e primitivo, verdadeiro para a 
percepção mítica dos celtas.  

III Sobre esta tradução

Os celtas são uma paixão antiga, que vem da infância, quando, aos sete 
ou oito anos, vi, pela primeira vez, em um livro de história, uma reprodução de 
uma página do famoso  Livro de Kells. O fascínio por aquelas cores, curvas e 
espirais capazes de confundir os olhos foi imediato. Passei, desastradamente no 
começo,   a   copiá­las   e   criar   outros   padrões   de   inspiração   céltica   em   meus 
cadernos escolares no meio de aulas que me davam sono.

Embora desde pequeno fosse acostumado aos contos sobre os cavaleiros 
da Távola Redonda (que conheci de forma resumida numa edição do Tesouro 
da   Juventude  da   década   de   1920,   pertencente   a   uma   irmã   da   minha   avó 
materna), não podia de forma alguma imaginar que a imensa riqueza dos mitos 
célticos fosse tão estonteante quanto suas artes visuais. 

Derrotados em suas batalhas contra romanos e saxões, os celtas acharam 
nos mitos um local de refúgio onde seus velhos deuses, disfarçados de reis, 
cavaleiros e magos, encontraram abrigo seguro contra a passagem do tempo, 
atravessando   a   Idade   Média   e   chegando   à   era   dos   computadores   sem   nada 
perderem de seu brilho e grandeza épica. 

Podemos   considerar  Os   Quatro   Ramos   do   Mabinogion  como   uma 


introdução ao imaginário  onírico dos celtas, com suas muitas  referências  às 
crenças pré­cristãs: viagens ao Outro Mundo, contatos com seres sobrenaturais, 
montes e castelos encantados, caldeirões miraculosos, gigantes, metamorfoses 
mágicas   e   muitos   outros   elementos   ancestrais   que   permeiam   a   mente   mais 
recôndita do homem ocidental.
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Para   esta   tradução,   foram   utilizados   os   textos   originais   em   galês 


medieval   e   versões   para   a   língua   inglesa,   sobretudo   a   de   Lady   Guest   que, 
apesar de às vezes sofrer determinadas críticas, continua a ser considerada uma 
tradução clássica em língua inglesa e é sumamente esclarecedora pelo conteúdo 
de suas Notas aos Quatro Ramos. Resisti, tanto quanto possível, a transformar 
esta  obra  numa  espécie   de “enciclopédia”   resumida  sobre os   celtas.  Assim, 
observações   sobre   organização   social,   religião,   moradia   vestuário   e 
alimentação,   por   exemplo,   foram   grandemente   reduzidas   ou   mesmo 
suprimidas,  confiando­se que  o Leitor  interessado  saberá informar­se por si 
mesmo e garantindo seu prazer na descoberta de novos dados que irão agregar­
se e completar as variadas informações já contidas neste livro. 

Bellovesos Isarnos

O PRIMEIRO RAMO DO MABINOGION

PWYLL, PRÍNCIPE DE DYFED

Introdução

No Primeiro Ramo, Pwyll, governante do reino de Dyfed, no sul de Gales, troca de lugar com 
Arawn, Senhor de Annwn, literalmente, o Não­Lugar, o Mundo Inferior dos Mortos e do Povo 
das Fadas na tradição britânica. Pwyll trava uma batalha no lugar de Arawn, selando assim uma 
duradoura amizade entre sua terra e o Outro Mundo. Voltando ao mundo dos homens, Pwyll se 
casa   com   uma   mulher   chamada   Rhiannon,   que   ele   encontrou   inicialmente   num   montículo 
gorsedd. Tais montes são antigos lugares tribais de reunião, freqüentemente montes artificiais 
de sepultamentos pré­históricos. Rhiannon é a evemerização de uma deusa eqüina   pré­cristã 
que encarna a soberania da terra. Eles têm um filho, Pryderi, nascido na Véspera de Maio, que 
continuará a aparecer em cada conto restante dos Quatro Ramos.
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I Pwyll encontra Arawn.

wyll1, príncipe de Dyfed2, era o senhor das Sete 
Províncias   de   Dyfed.   Certa   vez,   ele   estava   em 
Narberth, seu palácio principal, e teve desejo de 
sair   e  caçar,   sendo  Glyn   Cuch3  a   parte   de   seus 
domínios em que lhe agradava caçar. Assim, ele 
partiu   de   Narberth   à   noite   e   foi   até   Llwyn 
Diarwyd, onde pernoitou. Levantou­se bem cedo 
pela   manhã   e   foi   a   Glyn   Cuch,   começando   a 
caçada tão logo soltou os cachorros no bosque e soou o chifre. Pwyll seguiu os 
galgos   e   acabou   perdendo­se   de   seus   companheiros.   Ele   escutava   ainda   o 
ladrido de seus cães de caça, mas ouviu outros cães latindo, diferentes dos seus, 
aproximando­se dele na direção oposta.    

Viu então uma clareira no mato formando uma área limpa. Quando seus cães 
chegaram à extremidade da clareira, Pwyll avistou um veado perseguido pelos 
outros cachorros. Assim que o veado chegou ao meio da clareira, esses cães 
alcançaram­no   e   o   derrubaram.   Olhando   a   cor   dos   cachorros,   Pwyll   nem 
prestou   atenção   ao   veado,   pois,   de   todos   os   mastins   que   já   tinha   visto   no 
mundo, nenhum era como estes. Seu pelo era de um branco lustroso, brilhante, 
e suas orelhas eram vermelhas, tão lustrosas quanto a brancura de seus corpos. 
Ele veio na direção dos cachorros que tinham derrubado o veado e afugentou­
os, açulando seus próprios cães contra a presa.

Enquanto   Pwyll   atiçava­os,   percebeu   vindo   em   sua   direção   um   cavaleiro 


montado num grande corcel cinza­claro, trazendo um chifre de caça ao redor do 
pescoço e trajando vestes de lã cinzenta próprias para caçar. O cavaleiro parou 
perto dele e falou­lhe então:
­ Príncipe – disse ele ­, sei quem sois e não vos saúdo.
­ Porventura – respondeu Pwyll – possuís dignidade tal que poderíeis não o 
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fazer.
­ Verdadeiramente, não é minha dignidade que me impede.
­ Que é então, ó príncipe? – perguntou Pwyll.
­ Pelos Céus, a razão é vossa própria ignorância e falta de cortesia!
­ Qual descortesia, príncipe, vistes em mim?
­   Jamais   vi  descortesia  maior   do que  espantar  os  cães  alheios  que  estavam 
matando o veado e jogar sobre a presa os seus próprios. Isso foi descortês e, no 
entanto, posso não me vingar de vós pessoalmente, mas declaro ao Céu que hei 
de trazer­vos mais desonra que o valor de cem veados!
­ Príncipe, se procedi mal saberei recuperar vossa amizade.
­ Como a recuperareis?
­ De acordo com qual possa ser vossa dignidade, mas não sei quem sois.
­ Sou um rei coroado na terra de onde venho.
­ Senhor, possa o dia fazer­vos prosperar. E de qual terra vindes?
­ De Annwfyn – respondeu ele. – Arawn4, um rei de Annwfyn5, eu sou.
­ Senhor, como posso ganhar vossa amizade?
­ Depois de agir desse modo, vós ainda o podeis – disse. – Há um homem cujos 
domínios são opostos aos meus e que está sempre guerreando contra mim. É 
Hafgan,   um   rei   de   Annwfyn,   e,   por   libertar­me   de   tal   opressão,   o   que 
facilmente podeis fazer, ganhareis minha amizade.
­ Com prazer o farei. Mostrai­me como é possível.
­ Mostrar­vos­ei. Vede, então, como podeis fazer. Farei uma firme amizade 
convosco. Enviar­vos­ei a Annwfyn em meu lugar, dar­vos­ei a mais adorável 
mulher   que   jamais   vistes   para   dormir   convosco   toda   noite   e,   ainda   mais, 
colocarei sobre vós minha forma e minha semelhança, de modo que nenhum 
pajem da câmara real, nenhum oficial, nem qualquer outro homem que algum 
dia me seguiu saberá que não sou eu. Isso será pelo espaço de um ano a partir 
de amanhã e então nos encontraremos neste lugar.
­ Sim – disse Pwyll ­, mas, quando um ano se passar, como descobrirei esse de 
quem falais?
­ Em um ano a contar desta noite – respondeu Arawn – é o tempo marcado para 
que nos encontremos em campo; comparecei lá sob a minha aparência e, com 
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um só golpe que lhe deis, ele já não viverá. E, se ele pedir que lhe deis outro, 
não o façais, não importa o quanto insista convosco, pois, quando eu o atendi, 
ele lutou comigo no dia seguinte tão bem como antes.
­ Na verdade, que farei em relação ao meu reino? – perguntou Pwyll.
­  Farei com que ninguém em todos  os vossos domínios, nem homem,  nem 
mulher,   saiba   que   eu   não   sou   vós   e   lá   estarei   em   vosso   lugar   –   prometeu 
Arawn.
­ Então prazerosamente seguirei adiante.
­ Claro será vosso caminho, nada vos deterá até que entreis em meus domínios 
e eu próprio serei vosso guia.

II Na Corte de Annwfyn.

Assim, Arawn conduziu­o até avistarem o palácio e suas habitações.
­ Vede – disse Arawn – a corte e o reino em vosso poder. Entrai na corte, 
ninguém  lá vos  reconhecerá  e, quando virdes  os  serviços  lá feitos, sabereis 
quais são seus costumes.

Pwyll então se adiantou para a corte e, quando entrou, contemplou dormitórios 
e salões e câmaras e os mais belos edifícios jamais vistos. Ele entrou no salão 
para   desmontar,   vindo   jovens   e   pajens   auxiliá­lo,   os   quais   os   saudaram   ao 
adentrarem as dependências do palácio. Vieram dois cavaleiros e tiraram­lhes 
as roupas de caça, vestindo­o com uma túnica de seda e ouro. O salão estava 
preparado e Pwyll viu a mansão e o anfitrião que nela entrava. Este era o mais 
gracioso dos anfitriões  e o mais  bem  equipado que Pwyll havia  conhecido. 
Com eles entrou igualmente a rainha e ele nunca vira mulher tão formosa. Ela 
trajava uma túnica de brilhante cetim amarelo. Eles se lavaram, foram para a 
mesa e sentaram­se, a rainha a um lado de Pwyll e do outro um que parecia ser 
um conde.

Ele começou a conversar com a rainha e pensou, em razão de suas palavras, 
que ela era a senhora mais decente e de mais nobre conversação, bem como a 
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mais   alegre   que   já   houvera.   Partilharam   a   carne   e   a   bebida,   cantando   e 


festejando. De todas as cortes na terra, era esta a melhor provida de comida e 
bebida e recipientes de ouro e jóias reais.

Quando chegou a hora de dormir, Pwyll e sua rainha foram para o leito. Ele 
virou   seu   rosto   para   a   beira   da   cama   e   deu­lhe   as   costas,   não   lhe   dizendo 
palavra alguma antes que amanhecesse. No dia seguinte, o carinho e a afeição 
voltavam   à   conversação   deles,   embora   durante   o   ano   que   se   seguiu   noite 
alguma fosse diferente da primeira.

III Pwyll mata Hafgan.

Pwyll levou o ano a caçar e ouvir os menestréis, festejando, divertindo­se e 
tagarelando com seus companheiros até chegar a noite fixada para a luta. E, 
quando essa noite chegou, lembraram­se dela até mesmo aqueles que viviam 
nas regiões mais distantes de seus domínios. Pwyll foi ao encontro e os nobres 
do reino com ele. Chegando todos ao campo, um cavaleiro ergueu­se e falou:
­ Senhores – disse ­, escutai bem. Este encontro é entre estes dois homens e 
entre eles apenas. Cada um reclama do outro sua terra e território, assim cada 
um de vós fique apartado e deixe que a luta se dê entre eles somente.
Logo após, os reis encontraram­se no meio do campo e, ao primeiro empurrão, 
o homem que estava no lugar de Arawn golpeou Hafgan bem no centro de seu 
escudo e este se partiu em dois, sua armadura quebrou­se e o próprio Hafgan 
foi lançado ao solo pela distância de um braço e uma lança por cima de seu 
cavalo, recebendo um ferimento mortal. 
­ Ó chefe – falou Hafgan ­, que direito tendes de provocar minha morte? Eu 
não vos estava prejudicando em nada e não sei, assim, porque me mataríeis. 
Mas, pelo amor do Céu, uma vez que começastes a matar­me, completai vosso 
trabalho.
­ Príncipe – replicou Pwyll ­, posso ainda arrepender­me por matar­vos. Faça­o 
quem o possa, pois eu não o farei.
­ Meus fiéis senhores – gemeu Hafgan ­, socorrei­me desde agora. Minha morte 
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chegou. Não mais serei capaz de apoiar­vos.
­ Meus nobres – também falou aquele que estava sob a semelhança de Arawn ­, 
deliberai e dizei quem deveriam ser os meus homens.
­ Senhor – disseram os nobres ­, todos poderiam ser vossos homens, pois já não 
há rei algum sobre Annwfyn além de vós.
­   Sim  – disse  Pwyll  ­,  está  certo  que  aquele  que  vem  com  humildade  seja 
recebido   graciosamente,   mas   aquele   que   não   vem   com   obediência   seja 
compelido pela força das espadas.
Ele recebeu depois as homenagens dos homens e começou a conquista do país. 
No dia seguinte, por volta do meio­dia, os dois reinos estavam em seu poder. 
Logo depois, ele foi manter seu compromisso e chegou a Glyn Cuch.

Quando chegou lá, o rei de Annwfyn esperava para encontrá­lo e cada um 
regozijou­se ao ver o outro. 
­ Verdadeiramente – disse Arawn  ­, possa o Céu recompensar­vos pela vossa 
amizade por mim, eu ouvi falar disso! Quando vós mesmo chegardes a vossos 
domínios, vereis o que fiz por vós. 
­ O Céu possa premiar­vos por qualquer coisa que tenhais feito por mim – 
respondeu­lhe Pwyll.

Então,   Arawn   restituiu   a   Pwyll,   príncipe   de   Dyfed,   sua   própria   forma   e 


semelhança   e   ele   próprio   retomou   as   suas.   Arawn   partiu   para   a   Corte   de 
Annwfyn e alegrou­se ao contemplar os habitantes e o palácio que não vira por 
um tão longo tempo. Porém, como não chegaram a perceber sua ausência, não 
se espantaram de sua vinda mais do que o habitual. O dia da chegada foi gasto 
com alegria e divertimentos e Arawn sentou­se com sua esposa e seus nobres. 
Quando   já   era   mais   hora   de   dormir   que   de   divertirem­se,   foram   todos 
descansar. 

Pwyll, príncipe de Dyfed, veio igualmente ao seu país e domínios, começando 
a   indagar   dos   nobres   da   terra   como   fora   seu   governo   no   último   ano   em 
comparação com o que antes tinha sido.
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­ Senhor – disseram eles ­, jamais foi tão grande vossa sabedoria, nunca fostes 
tão gentil ou tão liberal ao distribuirdes vossos dons e em época alguma vossa 
justiça foi vista assim tão meritória quanto no último ano.
­ Pelo Céu! – exclamou Pwyll. – Por todo o bem de que desfrutastes deveríeis 
agradecer­lhe pelo que vos fez, pelo modo como se resolveu esse assunto.
E depois Pwyll relatou­lhes toda a aventura.
­ Em verdade, senhor – disseram eles ­, rendei graças ao Céu por haverdes 
alcançado tal amizade e não nos negueis o governo de que desfrutamos neste 
ano que passou.
­ Tomo o Céu como testemunha de que não vô­lo negarei – respondeu Pwyll.

E desde então fortaleceram a amizade que havia entre eles e cada um enviou ao 
outro cavalos, galgos, falcões e todas as jóias que pensaram poderiam agradar 
ao outro. Por motivo da sua permanência daquele ano em Annwfyn, por havê­
lo governado tão prosperamente, em um só dia unindo os dois reinos através de 
seu valor e coragem, desde aquela época em diante Pwyll perdeu seu título de 
príncipe de Dyfed e foi chamado de “Senhor de Annwfyn”.

IV Rhiannon.

Certa vez, Pwyll estava em Narberth, seu palácio principal onde uma festa fora 
preparada para ele, e com ele havia uma grande multidão de homens. Após a 
primeira refeição, Pwyll levantou­se e subiu ao topo de um monte6 que estava 
além do palácio, chamado Gorsedd Arberth. Disse­lhe um da corte:
­ Senhor, é próprio deste monte que qualquer um a sentar­se sobre ele não 
possa   partir   sem   antes   receber   ferimentos   ou   golpes   ou   ainda   ver   alguma 
maravilha.
­ Eu – respondeu Pwyll – não temo receber ferimentos ou golpes no meio de 
uma multidão como esta. Agradar­me­ia muito, porém, ver essa maravilha de 
que falais. Lá irei então me sentar no monte. 

E   no   alto   do   monte   sentou­se.   Enquanto   lá   estava   sentado,   viu   uma   dama 


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montada   num   grande   cavalo   puramente   branco,   envolvida   numa   veste   de 
dourado brilhante, vindo pela estrada que partia do monte.
­ Homens – disse Pwyll ­, há algum dentre vós que conheça aquela dama?
­ Não há, senhor – tornaram eles.
­ Vá um de vós e conheça­a para que possamos saber quem é.
Um deles  ergueu­se e foi até a estrada para conhecê­la, mas ela passou. O 
homem seguiu­a tão depressa quanto pôde estando a pé, e, quanto maior era sua 
velocidade, mais ela se distanciava dele. Ao perceber que de nada lhe adiantaria 
seguí­la, retornou a Pwyll e disse­lhe:
­ Senhor, é impossível a qualquer um no mundo seguí­la a pé.
­ Realmente, vai ao palácio, toma o cavalo mais rápido que vires e persegue­a – 
ordenou o príncipe.

Ele   tomou   então   um   cavalo   e   seguiu   adiante.   Chegou   a   um   descampado   e 


esporeou seu cavalo. Contudo, quanto mais o apressava, mais ela se afastava 
dele, mantendo ainda o mesmo passo de antes. O cavalo dele começou a falhar 
e, quando as patas do animal deram sinal de que não prosseguiriam, o cavaleiro 
retornou ao lugar em que Pwyll estava. 
­   Senhor – disse ele  ­, ninguém  terá  proveito  em seguir  aquela  dama. Não 
conheço nestes reinos qualquer cavalo mais  rápido que este, o qual não foi 
capaz de ajudar­me a perseguí­la.
­ Na verdade – respondeu Pwyll ­, deve haver alguma ilusão aqui. Partamos 
para o palácio.
Partiram assim para o palácio e lá passaram aquele dia. Levantaram­se no dia 
seguinte e estiveram no palácio até a hora de comer. Depois da refeição, Pwyll 
determinou:
­ O mesmo grupo de ontem, nós iremos para o topo do monte. E tu – disse ele 
para um dos rapazes que o acompanhavam ­, leva ao campo o mais rápido 
cavalo que conheceres.
Assim fez o jovem e foram todos para o monte, levando o cavalo consigo. 
Estando já sentados, viram a dama no mesmo cavalo, com as mesmas vestes e 
vindo pela mesma estrada.
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­ Vede – exclamou Pwyll ­, eis ali a mesma dama de ontem! Fica pronto jovem, 
para saber quem ela é.
­ Fá­lo­ei alegremente, meu senhor.
Logo depois, veio a dama na direção oposta à deles. E o rapaz montou no 
cavalo, mas ela passou antes mesmo que ele se houvesse acomodado na sela e 
havia um claro espaço entre eles, embora a velocidade dela não fosse maior que 
a do dia anterior. O jovem, pois, colocou­se a caminho e pensou que, apesar do 
passo suave de sua montaria, haveria de alcançá­la rapidamente. Entretanto, 
isso não o serviu e ele deu de rédeas no cavalo. Ainda assim, não chegou mais 
perto dela do que se estivesse a pé e, quanto mais apressava seu cavalo, mais 
ela se distanciava dele. A dama, contudo, não cavalgava mais rápido do que 
antes. Ao ver que de nada lhe adiantaria seguí­la, retornou ao lugar onde Pwyll 
estava.
­ Senhor – disse ele ­, o cavalo não pode mais nada além do que já vistes.
­   Percebo sem dúvida que não seria de auxílio  a qualquer  um que devesse 
seguí­la. E, pelo Céu, ela deve ter alguma tarefa a cumprir para alguém nesta 
planície, se sua pressa nos permite afirmá­lo. Mas voltemos ao palácio.
E para o palácio eles foram, passando aquela noite com canções e celebração, 
como lhes agradou.

No dia seguinte, eles se divertiram até chegar a hora de comer e, quando a 
refeição terminou, Pwyll disse:
­  Onde estão todos aqueles  que ontem e no dia anterior  foram ao cimo  do 
monte?
­ Vede, senhor – responderam eles ­, aqui estamos.
­  Vamos  ao monte  e sentemo­nos  lá. E tu – ordenava  Pwyll ao pajem  que 
conduzia seu cavalo ­, sela bem meu cavalo, apressa­te com ele para a estrada e 
traze também minhas esporas contigo.
Assim fez o jovem. E eles foram e sentaram­se no monte. Antes que estivessem 
lá por mais que um curto tempo, perceberam a dama vindo pela mesma estrada, 
da mesma maneira e com o mesmo passo.
­ Rapaz – disse Pwyll ­, eu vejo a dama chegando. Dá­me meu cavalo.
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Mas   ela   passou   por   ele   antes   mesmo   que   houvesse   acabado   de   montar   no 
cavalo. Pwyll virou depois dela e seguiu­a. Ele deixou que seu cavalo saltasse 
alegremente e pensou que se aproximaria dela no segundo ou terceiro salto, 
mas não conseguiu chegar mais perto do que estava no princípio. Fez então o 
cavalo acelerar­se à velocidade máxima, porém percebeu que seria inútil para 
seguí­la.
­ Ó donzela – gritou­lhe Pwyll ­, pelo amor de quem mais amais, esperai­me.
­ Com prazer vos esperarei – disse ela – e seria melhor para o vosso cavalo que 
o tivésseis pedido desde logo.
Ela então deixou cair de sua cabeça a parte da veste que lhe cobria o rosto. 
Fixou seus olhos em Pwyll e começou a falar­lhe.
­ Senhora – perguntou ele ­, de onde vindes e para onde vos dirigis em vossa 
jornada?
­ Viajo a meu próprio serviço e estou certamente contente em vos ver.
­ Sejam para vós minhas saudações.
Pwyll então pensou que a beleza de todas as donzelas e de todas as damas que 
jamais vira não era nada em comparação com a dessa jovem.
­ Senhora, não quereis dizer­me algo acerca do vosso propósito?
­ Contar­vos­ei – disse ela. – minha principal busca era para encontrar­vos.
­ Ora, essa é para mim a mais agradável procura que vos poderia ter trazido. E 
não quereríeis dizer­me quem sois?
­ Eu sou Rhiannon7, filha de Hefeyd Hen8 e procuram dar­me um marido contra 
minha vontade. Mas eu não teria um marido em razão do meu amor por vós e 
nem terei um, a menos que me rejeiteis. E aqui eu vim ouvir vossa resposta.
­ Pelo Céu, esta é a minha resposta: pudesse eu escolher entre todas as damas e 
donzelas do mundo, a vós eu escolheria.
­ Verdadeiramente, se assim pensais, fazei a promessa de irdes conhecer­me 
antes que eu seja dada a outro.
­ Maior será meu prazer quanto mais cedo puder fazê­lo e irei encontrar­me 
convosco em qualquer lugar onde o desejeis.
­ Desejo que me encontreis em um ano a contar deste dia no palácio de Hefeyd. 
E   farei   com   que   seja   preparado   um   banquete,   de   modo   que   esteja   pronto 
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quando vierdes.
­ Com satisfação manterei meu compromisso.
­   Senhor,   permanecei   com   saúde   e   sede   cuidadoso   para   manterdes   vossa 
promessa. E agora eu me vou.
Assim   eles   se   separaram.   Pwyll   voltou   para   onde   estavam   seus   homens   e 
seguiu com eles para casa. E, ao ouvir quaisquer perguntas que lhe fizessem 
sobre a donzela, desviava a conversa para outros assuntos.

V No palácio de Hefeyd Hen.

E,   quando   se   passou   um   ano   desde   aquele   dia,   Pwyll   fez   cem   cavaleiros 
equiparem­se e acompanharem­no ao palácio de Hefeyd Hen. Ele chegou ao 
palácio e havia grande alegria por sua causa, multidões de pessoas regozijando­
se e vastos preparativos para sua vinda. Toda a corte foi colocada sob suas 
ordens.

O salão estava guarnecido, todos foram para a refeição e sentaram­se. Hefeyd 
Hen   estava   a   um   lado   de   Pwyll   e   Rhiannon   do   outro.   Eles   comeram   e 
festejaram e conversaram um com o outro e, ao começar o divertimento depois 
da comida, adentrou o salão um alto jovem ruivo, de aparência real, vestido 
com   um   traje   de   cetim.   Quando   entrou   no   salão,   saudou   Pwyll   e   seus 
companheiros.
­ A saudação do Céu esteja convosco, minha alma – disse Pwyll. – Vinde e 
sentai­vos.
­   Não  –   o  recém­chegado   respondeu   ­,   eu  sou   um  pretendente   e  cumprirei 
minha incumbência.
­ Fazei­o de boa­vontade.
­ Senhor, minha incumbência é para convosco, é pretendendo um dom vosso 
que venho.
­ Qualquer benefício que possais pedir­me, desde que esteja ao meu alcance, 
vós o obtereis.
­ Ah! – Rhiannon exclamou. – Portanto vós lhe destes essa resposta?
23

­ Porventura ele não a deu na presença de todos estes nobres? – perguntou o 
rapaz.  
­ Minha alma, qual é o dom que pedis?
­ A dama que mais amo está para tornar­se vossa noiva nesta noite. Vim para 
vô­la pedir, com a festa e o banquete neste lugar.
A resposta que lhe fora dada deixou Pwyll silencioso. Rhiannon lhe falou:
­ Ficai silencioso tanto quanto quiserdes. Nunca homem algum fez pior uso de 
sua inteligência do que vós.
­ Senhora, eu não sabia quem ele era.
­ Ora, esse é o homem a quem desejavam dar­me contra minha vontade. Ele é 
Gwawl, o filho de Clud, um homem de grande poder e riqueza e, em razão da 
palavra que dissestes, entregai­me a ele para que a vergonha não caia sobre vós.
­ Não compreendo vossa palavra, senhora. Nunca poderei fazer como dizeis!
­ Entregai­me a ele e eu farei com que eu jamais seja dele.
­ Através de quais meios o fareis?
­ Darei em vossas mãos um saquinho, cuidai de guardá­lo bem. Gwawl vos 
pedirá o banquete, a festa e os preparativos, que não estão em vosso poder. Em 
relação aos convidados e à casa, eu lhe darei isso. No que concerne a mim 
mesma,  concordarei em  tornar­me sua noiva em doze meses a contar  desta 
noite. Que estejais aqui ao fim desse ano e trazei este saco convosco, deixando 
também   que   vossos   cem   cavaleiros   fiquem   escondidos   no   pomar   além   do 
palácio. E, quando ele estiver no meio da alegria e festejando, entrai no salão 
vestido em trajes rotos, segurando esse saco em vossas mãos. Não lhe pedireis 
nada além de um saco cheio de comida. E eu farei com que, se toda carne e 
toda bebida existentes nestas sete províncias forem colocadas dentro dele, ainda 
assim   o   saco   não   fique   mais   cheio   do   que   antes.   Depois   que   uma   grande 
quantia tenha sido posta ali dentro, ele vos perguntará se vossa bolsa já está 
cheia. Direis então que ela nunca se encherá, a menos que surja um homem de 
nobre nascimento e grande riqueza e pressione a comida no saco com ambos os 
pés, dizendo: “Bastante  foi colocado aí dentro”. Eu farei com que ele vá e 
empurre a comida  para baixo dentro da bolsa e, enquanto ele estiver assim 
ocupado, virai o saco de maneira que Gwawl fique de cabeça para baixo dentro 
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dele. Trazei também ao redor do vosso pescoço uma corneta de chifre e, tão 
logo o tenhais jogado no saco, soprai o chifre e seja esse o sinal entre vós e 
vossos   cavaleiros.   Quando   eles   ouvirem   o   som   do   chifre,   que   desçam   ao 
palácio.
­ Senhor – disse Gwawl, impaciente ­, espera­se que eu tenha uma resposta ao 
meu pedido.
­   Como   está   em   meu   poder   dar­vos   muito   do   que   pedistes,   vós   o   tereis   – 
replicou Pwyll.
­ Minha alma – Rhiannon falou a Gwawl ­, sobre a festa e o banquete que aqui 
estão, eu os ofereci aos homens de Dyfed e a casa e os guerreiros que estão 
conosco. Estes eu não posso suportar que sejam dados a qualquer um. Em um 
ano a contar desta noite, um banquete será preparado para vós neste palácio a 
fim de que eu possa tornar­me vossa noiva.
 
VI O jogo do Texugo na Bolsa. O casamento de Rhiannon e Pwyll.

Assim, Gwawl partiu para seus domínios e Pwyll também voltou para Dyfed. E 
todo   aquele   ano   se   passou,   até   chegar   o   tempo   do   banquete   no   palácio   de 
Hefeyd Hen. Então Gwawl, o filho de Clud, foi à festa que lhe fora preparada 
no palácio, onde houve grande alegria no momento de sua chegada. E Pwyll 
também, o rei de Annwfyn, veio ao pomar com seus cem cavaleiros, consoante 
Rhiannon   lhe   ordenara,   trazendo   o   saco   consigo.   Pwyll   usava   vestimentas 
grosseiras e rasgadas e calçava sapatos desajeitados, grandes demais para seus 
pés. Quando ele soube que haviam começado as diversões após a refeição, ele 
foi em direção ao salão e, ao adentrá­lo, saudou Gwawl, filho de Clud, e seus 
companheiros, tanto homens quanto mulheres. Gwawl respondeu­lhe:
­ O Céu vos faça prosperar e a saudação do Céu esteja convosco.
­ Senhor – disse Pwyll ­, possa o Céu recompensar­vos, tenho um dom para vos 
pedir.
­ Bem­vindo seja vosso rogo e, se me pedirdes o que é justo, com satisfação o 
alcançareis.
­ Está certo. O benefício que peço e além do qual nada desejo é que se encha 
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com carne este saquinho que vedes.
­ Um pedido razoável é esse e prazerosamente o tereis. Trazei­lhe comida – 
Gwawl ordenou.
Surgiu um grande número de criados que começaram a encher a bolsa, mas, 
apesar   de   tudo   que   lhe   punham   dentro,   não   estava   mais   cheia   do   que   ao 
começarem. E Gwawl perguntou:
­ Minha alma, não se encheu ainda esse vosso saco?
­ Não se encherá, juro pelo Céu, a não ser que apareça um possuidor de terras e 
domínios   e   tesouros   e  empurre   com   ambos   os   seus   pés   a   comida   que  está 
dentro do saco, enquanto diz: “Bastante foi colocado aí dentro”.
Rhiannon então disse a Gwawl, o filho de Clud:
­ Erguei­vos rapidamente.
­ Com boa­vontade me erguerei. – Gwawl replicou.
Ele se levantou e pôs os dois pés dentro do saco. Imediatamente Pwyll virou a 
bolsa, ficando Gwawl de cabeça para baixo lá dentro. Fechou­a depressa e fez 
um forte nó com os cordões. Soou o chifre e logo os de sua casa que estavam 
escondidos   desceram   sobre   o   palácio.   Eles   prenderam   todos   os   que   tinham 
vindo com Gwawl e jogaram­nos em sua própria prisão. Pwyll livrou­se dos 
trapos, dos sapatos velhos e de todos os andrajos. Cada um dos seus cavaleiros 
que entravam dava um golpe no saco, perguntando:
­ O que tem aí?
­ Um texugo – respondiam os outros.
Cada um que entrava perguntava:
­ Que jogo estais jogando assim?
­ O jogo do texugo na bolsa.
E foi então jogado pela primeira vez o jogo do “Texugo na Bolsa”.

­ Senhor – disse o homem dentro do saco ­, se apenas quiserdes ouvir­me, não 
mereço ser morto em um saco.
­  Senhor – Hefeydd Hen interveio ­, ele fala a verdade. É adequado que o 
escuteis, pois ele não merece tal destino.
­ Realmente, seguirei vossa orientação quanto a ele – disse Pwyll.
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­ Vede – Rhiannon falou ­, este é então o meu conselho. Estais agora numa 
posição em que vos compete satisfazer pretendentes e trovadores. Deixai que 
ele o faça em vosso lugar e tomai dele a promessa de que não buscará vingança 
por tudo que lhe foi feito. E isso será punição suficiente.
­ Com prazer farei o que dissestes – gemeu o homem dentro do saco.
­ Com prazer eu o aceitarei – tornou Pwyll ­, uma vez que é a deliberação de 
Hefeydd e Rhiannon.
­ Tal é então nosso conselho – responderam eles.
­ Fazei que vos dê as garantias.
­ Nós responderemos por ele até que seus homens estejam livres para fazê­lo – 
disse Hefeydd.
Deixaram­no então sair da bolsa e seus vassalos foram libertados. 
­   Exigi   agora   de   Gwawl   as   garantias   –   Hefeydd   dizia.   –   Sabemos   quais 
deveriam ser­lhe tomadas.
E Hefeydd enumerou as garantias. Disse Gwawl:
­ Preparai vós mesmo o acordo.
­ Bastar­me­á que seja feito como Rhiannon disse – respondeu Pwyll.
Estavam assim empenhadas as garantias para aquele acordo.
­   Na   verdade,   senhor   –   falava   Gwawl   ­,   estou   grandemente   ferido   e   tenho 
muitas contusões. Tenho necessidade de ser medicado e com vossa permissão 
eu partirei.
­ Com toda a minha boa­vontade podeis fazê­lo.
Assim, Gwawl partiu para seus próprios domínios.

E  o  salão foi preparado  para Pwyll e os homens  de sua companhia.  Todos 


foram para as mesas e sentaram­se naquela noite como se haviam sentado um 
ano   antes.   Eles   comeram   e   festejaram   e   passaram   a   noite   em   alegria   e 
tranqüilidade, até chegar o momento em que todos deveriam dormir, quando 
Pwyll e Rhiannon foram para seus aposentos.

Na manhã seguinte, ao raiar do dia, Rhiannon disse:
­ Meu senhor, levantai­vos e começai a dar vossos presentes aos menestréis. 
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Hoje a ninguém recuseis que vos possa reclamar a generosidade.
­ Assim seja alegremente – Pwyll respondeu ­, tanto hoje quanto em todos os 
dias em que deva durar a comemoração.
E assim Pwyll surgiu e fez que se proclamasse o silêncio, a fim de que todos os 
pretendentes   e   menestréis   expusessem   e   mostrassem   que   dons   eram   de   sua 
vontade e desejo. Tendo isso sido feito, a festa continuou e Pwyll nada recusou 
a quem quer que fosse enquanto ela durou. Quando o banquete enfim terminou, 
Pwyll dirigiu­se a Hefeydd:
­ Meu senhor, com vossa permissão partirei amanhã para Dyfed. 
­ Certamente – respondeu o sogro ­, possa o Céu prosperar convosco. Fixai 
também um tempo quando Rhiannon possa seguir­vos.
­Sem dúvida iremos juntos.
­ Isso desejais, senhor?
­ Sim, pelo Céu – Pwyll afirmou.

No   dia   seguinte,   eles   partiram   para   Dyfed   e   viajaram   para   o   palácio   de 
Narberth, onde um banquete estava sendo preparado para recebê­los. Lá, veio 
até eles um grande número de homens importantes e as mais nobres damas da 
terra e, de todos esses, não houve um só a quem Rhiannon não desse um rico 
presente,   fosse   uma   pulseira,   um   anel   ou   alguma   pedra   preciosa.   E   eles 
governaram o país prosperamente naquele ano e no seguinte. 

VII Nascimento e rapto de Pryderi.

E, no ano seguinte, os nobres do país começaram a entristecer­se, vendo que 
um homem a quem tanto amavam e que, além disso, era seu senhor e irmão de 
criação, sem um herdeiro. Vieram até ele e o lugar onde se encontraram foi 
Preseleu, em Dyfed. Disseram os nobres:
­ Senhor, sabemos que não sois tão jovem quanto alguns homens deste país e 
tememos  não possais ter um herdeiro da esposa que tomastes. Tomai, pois, 
outra   esposa   de   que   possais   ter   herdeiros.   Não   podeis   continuar   sempre 
conosco e, embora desejeis permanecer como estais, não vô­lo permitiremos.
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­ Verdadeiramente – tornou Pwyll ­, não faz muito tempo que nos unimos e 
muitas coisas podem ainda acontecer. Concedei­me um ano a partir de agora e 
pelo espaço de um ano nós ficaremos juntos. Depois disso, farei de acordo com 
vossos desejos.
Os nobres assim lhe permitiram fazer. E, antes do fim do ano, nasceu­lhes um 
filho.   Ele   nasceu   em   Narberth   e,   na   noite   em   que   nasceu,   foram   trazidas 
mulheres para assistir a mãe e o menino. As mulheres dormiram, bem como 
Rhiannon, a mãe do menino. O número de mulheres trazidas ao quarto era seis. 
Elas vigiaram por uma boa parte da noite, mas, antes da meia­noite, cada uma 
delas   caiu   adormecida  e   somente  despertaram   perto  do  amanhecer.   Quando 
acordaram, olharam para onde tinham colocado o menino e perceberam que ele 
não estava lá.
­ Oh – disse uma das mulheres ­, o menino desapareceu!
­ Sim – disse outra – e será uma vingança pequena se formos queimadas ou 
levadas de outra forma à morte por causa da criança.
­ Há no mundo – perguntava uma terceira – algum conselho que nos possa ser 
útil em relação a isso?
­ Há sim – respondeu uma outra. – Eu vos ofereço um bom conselho.
­ Qual é?
­ Há uma cadela de caça aqui e ela tem uma ninhada de filhotes. Matemos 
alguns dos cãezinhos e esfreguemos o sangue na face e mãos de Rhiannon e 
depositemos os ossos diante dela. Afirmemos que ela própria devorou seu filho. 
Sozinha, não será capaz de contradizer­nos.
Tudo foi feito de acordo com essa deliberação. Ao acordar de manhã, Rhiannon 
disse:
­ Mulheres, onde está meu filho?
­ Senhora, nada queirais perguntar­nos em relação a vosso filho, nada temos 
além das feridas e contusões que recebemos lutando convosco. Na verdade, 
jamais vimos mulher tão violenta quanto vós, por isso de nada nos adiantou 
contender convosco. Não devorastes vós mesma o vosso filho? Assim, não o 
reclameis de nós.
­ Tende piedade – disse a mãe ­, o Senhor Deus sabe todas as coisas! Não me 
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acuseis falsamente. Se é por medo que me falais essas coisas, juro pelo Céu que 
vos hei de defender!
­ Em verdade – retrucaram as mulheres ­, nós mesmas não desejamos provocar 
o mal a ninguém no mundo.
­ Por misericórdia, não recebereis qualquer mal dizendo a verdade – implorava 
Rhiannon.
Mas, a todas as suas palavras, fossem suaves ou severas, ela recebia a mesma 
resposta das mulheres.

E Pwyll, o Senhor de Annwfyn, surgiu e com ele toda a sua casa e as multidões 
que o acompanhavam. O fato não pôde ser escondido, mas sua história passou 
adiante,  atravessou o país e os nobres ouviram­na. Eles  vieram até Pwyll e 
pediram­lhe   que   aprisionasse   sua   esposa,   em   razão   do   grande   crime   que 
cometera. Mas Pwyll respondeu­lhes que não possuíam um motivo para pedir­
lhe que prendesse sua esposa, exceto por ela não ter filhos.
­ Mas filhos ela agora mostrou que pode te­los, então não a prenderei. Se ela 
fez mal, deixai­a penitenciar­se por isso – disse o príncipe.

Assim, Rhiannon chamou os mestres e os homens sábios e, como preferiu o 
castigo a enfrentar as mulheres, tomou sobre si uma penitência. E, pela pena 
que lhe foi imposta, ela deveria permanecer naquele palácio de Narberth até 
que se passassem sete anos, sentando­se diariamente em um montadouro que 
estava   sem   o   portão.   Ela   deveria   contar   sua   história   a   todos   os   que   lá 
chegassem os  quais pudesse supor que ainda não a soubessem. Ela deveria 
oferecer­se aos convidados e estranhos, pedindo a estes que lhe permitissem 
carregá­los em suas costas ao interior do palácio. Mas raramente ocorreu que 
qualquer um o aceitasse. Desse modo ela passou parte do ano.

VIII A égua de Teirnyon.

Naqueles dias, Teirnyon Twryf Fliant era o senhor de Gwent Is Coed9 e era o 
melhor  homem  do  mundo.  Em  sua  casa  havia  uma   égua  que   não  se  podia 
30

encontrar   no   reino   outra   égua   ou   cavalo   mais   bonitos.   Na   noite   de   cada 


primeiro de maio, ela paria e ninguém sabia o que acontecia ao potro. Certa 
noite, Teirnyon disse a sua esposa:
­ Mulher, é muito fácil para nós que nossa égua deva parir todos os anos e não 
tenhamos nenhum dos seus potros.
­ E o que podemos fazer a esse respeito?
­ Esta é a noite do primeiro de maio. A vingança do Céu caia sobre mim se eu 
não descobrir quem é que leva os potros!
Assim, ele ordenou que a égua fosse trazida para dentro de uma casa e armou­
se. Teirnyon começou a vigiar naquela noite. Logo no começo da noite, a égua 
pariu   um   grande   e   belo   potro.   O   animalzinho   já   se   estava   pondo   em   pé. 
Teirnyon ergueu­se, olhou o tamanho do potro e, enquanto o fazia, ouviu um 
grande tumulto. Logo depois, viu uma enorme garra entrar pela janela da casa e 
agarrar o potro pela crina. Teirnyon puxou sua espada e golpeou o braço no 
cotovelo, de forma que a porção do braço que agarrava o potro ficou na casa 
com ele. Imediatamente, Teirnyon escutou outro rebuliço e um alto lamento. 
Abriu a porta e correu para fora na direção do barulho, no entanto a escuridão 
da noite impediu­o de ver a causa de toda a agitação. Ele correu atrás da coisa e 
seguiu­a. Lembrou­se então de ter deixado a porta aberta e retornou. Viu que 
havia à porta uma criancinha usando fraldas, enrolada numa manta de seda. Ele 
tomou­a, vendo que era um menino muito forte para a pouca idade que tinha.

Teirnyon então fechou a porta, indo para o quarto onde sua esposa estava.
­ Senhora – disse ele ­, estais dormindo?
­ Não, senhor. Eu estava adormecida, mas despertei quando entrastes.
­   Vede,  eis   aqui   para   vós   um   menino,   se  o   quiserdes,  uma   vez   que   nunca 
tivestes um. 
­ Que aventura foi essa, meu senhor?
­ Foi assim... – respondeu Teirnyon e contou­lhe como tudo havia acontecido.
­ Na verdade, senhor, como estava ele vestido?
­ Usava uma manta de seda.
­ É então de nobre linhagem – replicou a esposa. – Meu senhor, se o quiserdes 
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eu terei grande alegria e satisfação. Chamarei a mim minhas mulheres e lhes 
direi que estive grávida.
­ Prontamente permito que o façais.
E   assim   agiram   eles.   Determinaram   que   o   menino   fosse   batizado   e   lá   foi 
realizada a cerimônia. O nome que lhe deram foi Gwri Wallt Euryn10, porque o 
cabelo em sua cabeça era tão amarelo quanto o ouro. O menino foi criado na 
corte até um ano de idade. Antes que o ano houvesse acabado, ele já podia 
caminhar   com   segurança   e   era   maior   do   que   um   menino   de   três   anos,   até 
mesmo do que um de grande tamanho. E o menino foi cuidado no segundo ano, 
sendo então maior do que uma criança de seis anos. Antes do final do quarto 
ano, ele subornaria os cavalariços para que lhe permitissem levar os cavalos à 
água.
­ Meu senhor – disse a Teirnyon sua esposa ­, onde está o potro que salvastes 
na noite em que encontrastes o menino?
­ Ordenei aos cavalariços que cuidassem dele.
­ Não seria bom, senhor, determinardes que ele fosse trazido e dado ao menino, 
vendo que, na mesma noite em que encontrastes o menino, o potro nasceu e vós 
o salvastes?
­ Não me oporei a vós nessa questão. Permitir­vos­ei dar­lhe o potro.
­ Senhor, possa o Céu recompensar­vos. Dá­lo­ei ao menino.
Assim, o cavalo foi dado ao menino. Ela foi então aos cavalariços  e àqueles 
que cuidam dos cavalos e ordenou­lhes tomarem conta do animal, de forma que 
pudesse ser trazido tão logo o menino estivesse apto a montá­lo.

IX O retorno de Pryderi.

Enquanto essas coisas se passavam, eles ouviram novidades sobre Rhiannon e 
o seu castigo. E Teirnyon Twrif Fliant, por causa da piedade que sentia ao 
ouvir tal história sobre Rhiannon e seu castigo, fez indagações minuciosas a 
esse   respeito,   até   já   ter   ouvido   muitos   dos   que   vinham   a   sua   corte.   Então 
Teirnyon,   repetidas   vezes   lamentando   a   triste   história,   ponderou   consigo 
mesmo e olhou com grande atenção o menino. Enquanto o observava, pareceu­
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lhe  que jamais  vira tão grande semelhança  entre pai e filho quanto entre  o 


menino   e   Pwyll,   o   Senhor   de   Annwfyn.   O   rosto   de   Pwyll   era­lhe   bem 
conhecido, pois fora outrora um de seus seguidores. Ele foi logo depois afligido 
pelo erro que cometera, mantendo junto a si um menino que sabia ser o filho de 
outro homem. E, na primeira vez que ficou a sós com sua esposa, Teirnyon lhe 
disse que não era correto manterem o menino consigo, permitindo que uma 
senhora tão excelente quanto Rhiannon fosse tão duramente castigada por causa 
dele,   uma  vez  que o  menino  era  o  filho  de  Pwyll,  Senhor  de  Annwfyn. A 
esposa concordou com ele que deveriam mandar o menino para Pwyll.
­   E   três   coisas,   senhor   –   disse   ela   ­,   assim   ganharemos.   Agradecimentos   e 
presentes por libertar Rhiannon de sua punição, agradecimentos de Pwyll por 
alimentar e restituir­lhe seu filho e, se o menino for de natureza gentil, será 
nosso filho adotivo e fará por nós todo o bem que estiver em seu poder.
Assim foi resolvido de acordo com essa deliberação.

Não   depois   do   dia   seguinte,   Teirnyon   equipou­se   e   com   ele   dois   outros 
cavaleiros. O menino, como um quarto em sua companhia, foi com eles no 
cavalo que Teirnyon lhe dera. Eles viajaram para Narberth e não levaram muito 
tempo   para   chegar   ao   lugar.   Quando   se   aproximaram   do   palácio,   viram 
Rhiannon sentada junto ao montadouro. Eles vinham em sua direção e ela lhes 
falou.
­ Chefe, não vos aproximeis mais, eu carregarei cada um de vós para dentro do 
palácio. Esse é meu castigo por matar meu próprio filho e devorá­lo.
­ Boa dama – disse Teirnyon ­, não penseis levar­me em vossas costas.
­ Tampouco a mim – acrescentou o menino.
­ Realmente, minha alma – Teirnyon falou à criança ­, nós não iremos desse 
modo.
Eles entraram assim no palácio e houve grande alegria pela sua chegada. No 
palácio,   uma   grande   festa   havia   sido   preparada,   pois   Pwyll   retornara   dos 
confins de Dyfed. Eles entraram no salão e lavaram­se e Pwyll alegrou­se por 
ver Teirnyon. Sentaram­se nesta ordem: Teirnyon entre Pwyll e Rhiannon e os 
dois companheiros de Teirnyon do outro lado de Pwyll, com o menino entre 
33

eles. Depois da refeição, eles começaram a divertir­se e discursar. O discurso 
de Teirnyon era concernente à aventura da égua e do menino e de como ele e 
sua esposa tinham alimentado e cuidado da criança como se fosse sua.
­ E vede, aqui está o menino, senhora – disse Teirnyon. – Agiu mal quem quer 
que   tenha   dito   aquela   mentira   a   vosso   respeito.   Quando   ouvi   sobre   vossa 
tristeza, fiquei preocupado e aflito. Acredito não haver ninguém nesta multidão 
que não perceberá ser este menino o filho de Pwyll.
­ Não há um só – responderam todos – que não esteja certo disso.
­ Juro pelo Céu – Rhiannon exclamou ­ que, se isso for verdade, sem dúvida 
minhas dificuldades chegaram ao fim. 
­ Senhora – falou Pendaran Dyfed11 ­, bem chamastes Pryderi vosso filho e bom 
tornou­se para ele o nome de Pryderi, filho de Pwyll, Senhor de Annwfyn.
­ Senhor – disse Rhiannon ­, o seu próprio nome não seria melhor para ele?
­ Que nome ele tem? – perguntou Pendaran Dyfed.
­ Gwri Gwallt Euryn – respondeu Teirnyon – é o nome que lhe demos.
­ Pryderi – Pendaran disse – será o seu nome.
­ Seria mais apropriado – interveio Pwyll – que o menino tomasse o nome da 
palavra que sua mãe falou ao receber as felizes novidades a seu respeito.
Assim foi resolvido de acordo com essa deliberação.

­ Teirnyon – disse Pwyll ­, o céu vos recompense por haverdes cuidado do 
menino até este momento e, sendo de linhagem nobre, seria apropriado que ele 
vos retribuísse por isso.
­ Meu senhor – respondeu Teirnyon ­, foi minha esposa quem o alimentou e 
não houve ninguém no mundo tão aflito por vê­lo partir quanto ela. Seria bom 
que ele pudesse lembrar­se do quanto eu e minha esposa fizemos por ele.
­ Chamo o Céu como testemunha de que, enquanto eu viver, hei de apoiar­vos 
e   a  vossos  domínios, tanto  quanto  eu possa preservar os  meus  próprios. E, 
quando ele subir ao poder, irá sustentá­los mais adequadamente do que eu. E, 
se esta deliberação for agradável a vós e aos meus nobres, ocorrerá que, como 
cuidastes dele até esta data, eu o entregarei para ser conduzido por Pendaran 
Dyfed de agora em diante. E vós sereis companheiros e ambos pais adotivos do 
34

menino.
­ Essa é uma boa deliberação – disseram todos.
Assim,   o   menino   foi   dado   a   Pendaran   Dyfed   e   os   nobres   do   país   foram 
enviados com ele. Teirnyon Twrif Fliant e seus companheiros partiram para seu 
país   e   suas   posses,   com   carinho   e   alegria,   não   sem   que   antes   lhe   fossem 
oferecidos os melhores cavalos, os cães mais escolhidos e as mais belas jóias. 
Mas nada quis levar para si.

Todos depois permaneceram em seus próprios domínios. E Pryderi, o filho de 
Pwyll, o Senhor de Annwfyn, foi cuidadosamente educado, como era mister, de 
modo que se tornou o mais decente rapaz e o mais gracioso e mais habilidoso 
em todos os bons jogos do que qualquer outro no reino. Passaram­se anos e 
anos, até que o fim da vida de Pwyll, o Senhor de Annwfyn, chegou e ele 
morreu.

E Pryderi governou prosperamente as Sete Províncias de Dyfed. Era amado por 
seu povo e por todos ao seu redor. À extensão de seu reino, ele acrescentou as 
três províncias de Ystrad Tywi e as quatro províncias de Cardigan. Estas foram 
chamadas as Sete Províncias de Seissyllwch. Quando fez esta adição, Pryderi, o 
filho de Pwyll, o Senhor de Annwfyn, quis tomar uma esposa. A escolhida foi 
Cicfa, a filha de Gwynn Gohoyw, o filho de Gloyw Wlallt Lydan, filho do 
Príncipe Casnar, um dos nobres da ilha.

E assim termina esta parte do Mabinogion.

NOTAS AO PRIMEIRO RAMO

1 Pwyll, príncipe de Dyfed
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Não há certeza sobre quem teria sido Pwyll, mas, em algumas das linhagens de 
Gwynfardd, Príncipe de Dyfed  (outro nome de Pryderi), diz­se que este é o 
filho de Pwyll, filho de Meirig, filho de Aircol, filho de Pyr, filho de Llion, o 
Antigo,   o   que   é   confirmado   por   linhagens   contidas   em   outros   manuscritos. 
Aircol Law Hir  (“Aircol Mão Grande”) é mencionado no  Liber Landauensis 
como o filho de Tryfun e contemporâneo de São Teiliaw, que viveu no séc. VI. 
No entanto, essas linhagens são puramente mitológicas, como se depreende do 
título de Pryderi, Gwynfardd Dyfed, “Sábio de Dyfed”. Não devemos esquecer 
que os nomes de Pwyll e de Pryderi significam, respectivamente, “Razão” e 
“Pensamento Profundo”, o que indicaria tratar­se de personagens alegóricos. 
Mas   o   túmulo   de   Pwyll,   de   acordo   com   fontes   galesas,   estaria   em   Dyfed 
(Myvyriam Archaiology, I, p. 82).

No poema  Preiddeu Annwn  (“Os Espólios de Annwn”), de Taliesin, Pwyll é 


mencionado juntamente com seu filho, dando a entender que teria vivido na 
época de Arthur. As linhas de abertura dessa composição trazem alusões muito 
antigas e obscuras: 
      
Os Espólios de Annwn (Livro de Taliesin, 30)

Louvarei o soberano, supremo rei do país,
Que ampliou seus domínios até os confins do mundo.
Completo estava o cativeiro de Gweir em Caer Sidi
Graças à malícia de Pwyll e Pryderi.
Ninguém antes dele chegara até lá.
A pesada corrente azul prendia o jovem fiel
E ante os espólios de Annwn dolorosamente ele canta
E até o julgamento continuará um bardo de intercessão. 
Três vezes o bastante para encher Prydwen, até lá fomos.
Exceto sete, ninguém voltou de Caer Sidi.

Não sou eu um candidato à fama se uma canção for ouvida? 
Em Caer Pedryvan, quatro os seus giros.
Na primeira palavra do caldeirão, quando pronunciada,
Pelo alento de nove donzelas foi ele gentilmente aquecido.
Não é o caldeirão do senhor de Annwn? Qual sua intenção? 
Uma saliência sobre sua borda de pérolas.
Não cozinhará a comida de um covarde que não tenha sido jurado,
Cintilando, uma espada brilhante para ele foi erguida
E na mão de Lleminawg foi ela deixada.
E diante da entrada do portal de Uffern a lâmpada queimava.
E quando chegamos com Arthur, um trabalho esplêndido,
36

Exceto sete, ninguém retornou de Caer Fedwyd. 

Não sou um candidato à fama com a canção ouvida
Em Caer Pedryvan, na ilha da forte porta?
O crepúsculo e a escuridão de breu foram misturados juntos.
Brilhante vinho sua bebida ante o seu séquito.
Três vezes o bastante para encher Prydwen viemos pelo mar.
Exceto sete, ninguém voltou de Caer Rigor.

Não merecerei muito do soberano da literatura.
Além de Caer Wydyr não viram a bravura de Arthur.
Três vintenas de centúrias pararam no muralha,
Difícil era a conversa com seu sentinela.
Três vezes o bastante para encher Prydwen lá fomos com Arthur.
Exceto sete, ninguém voltou de Caer Golud. 

Não merecerei muito daqueles com longos escudos.
Eles não sabem qual o dia, qual o causador,
Em que hora no dia sereno Cwy nasceu.
Quem fez com que ele não fosse aos vales de Defwy.
Não conhecem o boi malhado, larga a faixa de sua cabeça.
Sete vintenas de saliências em sua coleira.
E, quando viemos com Arthur de aflita memória.
Exceto sete, ninguém retornou de Caer Fandwy.

Não merecerei muito daqueles com propensões relaxadas.
Eles não sabem em que dia o chefe foi originado,
Em que hora no dia sereno o proprietário nasceu,
Qual animal eles mantêm, prateada sua cabeça.
Quando fomos com Arthur do aflito combate,
Exceto sete, ninguém voltou de Caer Ochren.

Monges congregam­se como cães num canil,
Pelo contato com seus superiores adquirem conhecimento.
É um o curso do vento, é uma a água do mar?
É uma a centelha do fogo, do tumulto irrestringível?
Monges congregam­se como lobos,
Pelo contato com seus superiores adquirem conhecimento.
Eles não sabem quando a noite profunda e a aurora se dividem,
Nem qual é o curso do vento, ou quem o agita,
Em que lugar ele morre, sobre qual terra ruge.
A tumba do santo está sumindo do túmulo­altar.
Orarei ao Senhor, o grande supremo,
Que eu não seja desventurado. Cristo seja minha parte.

Em   certas   partes   do   poema,   fala­se   de   Arthur   como   se   ele   próprio   tivesse 


participado das expedições ali registradas. O navio Prydwen é bem conhecido 
como um de seus tesouros. Uma das tríades localiza o cativeiro de  Gweir no 
Castelo de Oeth e Anoeth. Gweir parece não ter sido um personagem real, mas 
um   título   aplicado   às   experiências   de   muitos   personagens   do  Mabinogion, 
especialmente Mabon. O nome Gweir mab Gwystyl  significa “O Cativo, filho 
do Refém”. Diz­se que Gweir foi libertado por  Goreu, um primo de Arthur, 
37

cujo nome significa “o melhor”.  

Nos   mais   antigos   contos   arturianos   de   Gales,   Arthur   é  amherawdr 


("imperador", do latim  imperator), não "rei". O Arthur da  Historia Brittonum 
(o primeiro texto "histórico" sobrevivente a mencionar Arthur), do monge galês 
Nennius, no começo  do séc. IX,  é descrito  como  miles  (“guerreiro”)  e  dux 
(“líder”), nunca como rex (“rei”).  

Caer Sidi, “Castelo Giratório”. “O paraíso de quatro cantos além do mar”, uma 
ilha­torre   de   quatro   cantos   nas   águas   de  Annwn  (forma   mais   recente   de 
Annwfyn, o Outro Mundo onde habitam os deuses do paganismo céltico), um 
local misterioso muitas vezes mencionado na mitologia galesa. Caer Fandwy, 
"Castelo da Luz", Caer Fedwid, "Castelo da Folia" são outros lugares do Outro 
Mundo ou outros nomes do Outro Mundo, também chamado, algumas vezes, 
Yr Echwydd, "o por­do­sol" ou "o ocaso".

2 Dyfed

Também conhecido como  Demetia, uma designação latina. Considera­se que 
corresponda ao atual  condado de Pembroke. Chegou a abranger também  os 
condados de Carmathen e Cardigan, formando a divisão ocidental do sul de 
Gales, enquanto Gwent (ou Vendetia) formaria a oriental.

Na  Visitação Heráldica de Gales, de Lewis Dwnn (reinado de Elizabeth I), 
publicada pela Sociedade Galesa de Manuscritos no sé. XIX, lê­se: 

O reino de Dyfed estendeu­se antigamente entre os rios Teify e Towy, desde 
Llyn Teify e da fonte do Towy até St. David e o centro desse reino era o 
Portal   negro,   em   Carmarthen,   e   há   atualmente   uma   lembrança   dessas 
fronteiras num velho livro de pergaminho do bispo de St. David.

De acordo com esse texto,  Dyfed ocuparia a sexta parte de Cardiganshire, dois 
terços do condado de Carmarthen e o condado de Pembroke inteiro.
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É evidente, contudo, que, na época em que o  mabinogi  de Pwyll foi escrito, 


restringia­se aos Cantrefi (Hundreds, Províncias) de Arberth ou Narberth, Dau 
Gleddyf, y Coed, Penfro, Rhos, Pebidiog e Cenmaes. O texto conta­nos que 
Pryderi   acrescentou   as   três   províncias   de   Ystrad   Tywi   (Carmarthenshire), 
Cantref  Mawr e Cantref  Eginawg, juntamente  com  as  quatro províncias  de 
Ceredigiawn, Cantref Emlyn, Cantref Wedws, Cantref Mabwyniawn e Cantref 
Gwarthaf. As sete províncias foram reunidas sob o nome de Seissyllwch.

Em Gales, na Idade Média, a unidade básica de terra era o tref – uma pequena 
vila ou povoado. Em teoria, 100 trefi formavam um cantref (literalmente, “cem 
povoados”) e meio cantref, ou um terço de cantref, era um cwmwd, embora, na 
prática, o número real variasse muito. Junto com os cantrefi, os cwmwdau eram 
as divisões geográficas em que se organizavam a justiça e a defesa. Haveria um 
chefe   encarregado   do  cwmwd,   provavelmente   relacionado   ao   príncipe   que 
governasse   o   reino.   Sua   corte   se   localizaria   num  tref  especial,   chamado 
maerdref. Ali viveriam os camponeses que cultivavam a terra do chefe, junto 
com os oficiais da corte e os servos. Os cwmwdau eram também divididos em 
maenorau ou maenolydd.  De acordo com o Livro Vermelho de Hergest, havia 
dezesseis cantrefi em Gales no séc. XIV.  

Os cantrefi eram muito importantes para a administração da lei em Gales. Cada 
cantref  tinha seu próprio tribunal, que era uma assembléia dos  uchelwyr, os 
principais proprietários de terras do cantref. Esse tribunal seria presidido pelo 
rei, se ele estivesse presente no  cantref, ou por um representante. Além dos 
juízes, haveria um escrivão, um oficial de justiça e, às vezes, dois defensores 
profissionais. O  cantref  podia apreciar crimes, determinar limites e questões 
relativas  às heranças. O tribunal  do  commote  (cwmwd) mais  tarde absorveu 
muitas das funções do tribunal do cantref e, em algumas áreas, os nomes dos 
commotes  são mais  bem conhecidos  do que os nomes  dos  cantrefi  do qual 
faziam   parte.   A   palavra  cwmwd,   às   vezes   escrita  cymwd  em   documentos 
antigos, em inglês commote, era uma divisão de terras secular (não eclesiástica) 
em Gales medieval. A palavra deriva do prefixo  cym­  (“junto”, “com”) e do 
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substantivo  bod  (“casa”,   “residência”).   A   palavra   inglesa   deriva   do   bretão 


antigo compot, que significa “parcela de terra”.

A   adição   feita   por   Pryderi   provavelmente   restaurou   o   tamanho   que   Dyfed 


possuía na época dos romanos.

Geoffrey de Monmouth afirma que, na época de Arthur, Dyfed era governado 
por  Stater, mas a história nada sabe desse governante e conta sobre um rei 
chamado Agricola, que ocupou o trono por volta do ano 500, e sobre um outro 
rei, Vortipor, que era um homem idoso em 540. Antes do tempo de Agricola, 
uma dinastia irlandesa, os Ui Liatháin, dominava ali. 

3 Glyn Cuch

Cuch,   ou,   como   geralmente   se   escreve,  Cych,   é   a   torrente   que   divide   os 
condados de Pembroke e Carmarthen e cai no Teify entre Cenarth e Llechryd. 
Na   parte   superior   do  Glyn   Cuch  (“vale   do   Cuch”),   ficava   a   residência   de 
Cadifor   Fawr,   um   régulo   de   Dyfed   que   morreu   em   1088   e   foi   chamado 
“Senhor de Blaen Cuch e Cilsant”. A partir dele, muitas das principais famílias 
de Pembrokeshire traçam sua ascendência.  

4 Arawn, Senhor de Annwfyn

Conta­se deste personagem que lutou contra Amaethon mab Dôn na “Batalha 
das Árvores” ou Kadd Goddeu. Há dúvidas quanto a identificá­lo com Arawn 
ab Cynfarch, a quem as Tríades celebram como um dos três Cavaleiros do 
Conselho (tríade 86) ou com Aron mab Dewinfin, cujo túmulo é mencionado 
nas Englynion y Beddau (Myv. Arch., I, p. 82).  

5 Annwfyn

Annwfyn ou Annwn é geralmente traduzido como “Inferno”, embora, “Regiões 
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Inferiores” fosse mais adequado para expressar seu significado.

O “Outro Mundo” da tradição britânica, ao contrário do Hades clássico ou do 
Inferno dos cristãos, não é um local de punição ou lamentação eterna, porém 
uma fonte de poder ancestral que pode ser visitada e de onde parte a “Caçada 
Selvagem”.

Os “Cães de Annwn” são objeto de uma antiga crença galesa que ainda não se 
extinguiu.   Diz­se   que   são,   às   vezes,   ouvidos   voando   pelos   ares   à   noite, 
perseguindo uma presa desconhecida.  Acredita­se que o seu comandante seja 
Gwyn ap Nudd, de quem se conta o seguinte em Culhwch e Olwen:

Vieram ambos de lá para Gelli Wic, na Cornualha, e trouxeram consigo a 
correia feita com a barba de Dillus Farfawc e entregaram­na nas mãos de 
Arthur. Então Arthur compôs esta estrofe:

Kai fez uma correia
da barba de Dillus, filho de Euri.
Estivesse ele vivo, morto estarias.

E, desde então, Kai ficou furioso, de modo que os guerreiros  da Ilha não 
puderam fazer a paz entre ele e Arthur. A partir daí, fosse nos problemas de 
Arthur, fosse pela matança de seus homens, jamais Kai viria novamente em 
seu auxílio.

Disse Arthur:
­ Qual das maravilhas é melhor para nós procurarmos?
­ É melhor para nós procurarmos Drudwyn, o filhote de Greid, o filho
de Eri.

Um pouco antes disso, Creiddylad, a filha de Llud Llaw Ereint, e Gwythyr, o 
filho de Greidawl, estavam prometidos. Antes que ela se tornasse sua noiva, 
Gwyn ap Nudd veio e raptou­a pela força; e Gwythyr, o filho de Greidawl, 
reuniu seus homens e foi lutar com Gwyn ap Nudd. Mas Gwyn superou­o e 
capturou   Greid,   o   filho   de   Eri,   e   Glinneu,   o   filho   de   Taran,   e   Gwrgwst 
Ledlwn e Dynarth, seu filho. E ele capturou Penn, o filho de Nethawg, e 
Nwython e Kyledyr Wyllt, seu filho. E ele matou Nwython e arrancou seu 
coração e obrigou Kyledyr a comer o coração  de seu pai. E, a partir daí, 
Kyledyr tornou­se louco. Quando Arthur ouviu falar a esse respeito, ele foi 
para o norte e convocou Gwyn ap Nudd a comparecer ante ele e libertar os 
nobres que havia aprisionado e a fazer a paz entre Gwyn ap Nudd e Gwythyr, 
o filho de Greidawl. E esta foi a paz feita: a donzela permaneceria na casa de 
seu pai sem vantagem para qualquer deles e Gwyn ap Nudd e Gwythyr, filho 
de Greidawl, lutariam a cada primeiro de maio daquela data até o Dia do 
Julgamento, e qualquer deles que fosse então o vencedor obteria a donzela.

A “Família de Annwn” (Plant Annwn) são as fadas galesas que habitam em 
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Annwn, cuja entrada para o mundo dos homens é através dos lagos. Seu rei é 
Gwyn   ap   Nudd   e   a   Família   de   Annwn   é   conhecida,   sobretudo,   por   suas 
donzelas  (Gwragen Annwn), por seu gado branco ou malhado  (Gwartheg y 
Llyn) e por seus ligeiros cães brancos (Cwn Annwn), que às, vezes, aparecem 
com a amante encantada de Gwyn, mas são, com freqüência, ouvidos latindo 
nas   noites   de   verão   em   busca   das   almas   de   homens   que   morreram   sem 
absolvição e sem penitência.  As Donzelas  do Lago são esposas amorosas e 
dóceis até a violação de algum tabu que esteja ligado a elas; o Gado do Lago 
traz riqueza e prosperidade a qualquer fazendeiro que o possuir e tiver sorte 
bastante para retê­lo, mas os Cães de Annwn demonstram bem a natureza desse 
povo subaquático: são os companheiros dos mortos, como os súditos de  Fin  
Bheara na Irlanda. Gwyn ap Nudd é chamado Rei de Annwn em alguns relatos, 
mas é mais comum que Arawn, o amigo de Pwyll de Dyfed, receba esse título.

6 Um monte

A   palavra   original   é  gorsedd,   que   significa   “trono”   (plural  gorseddau)   ou 


monte usado como lugar de julgamentos e, nesse sentido derivado, aplica­se 
muitas vezes.

O monte chamado Tynwald, na ilha de Man, foi o local onde se realizavam as 
assembléias judiciais daquela ilha.

A   palavra  gorsedd,   usada   sem   qualificação,   designa   a  gorsedd  nacional   de 


Gales, chamada Gorsedd Beirdd Ynys Prydain (“Gorsedd dos Bardos da Ilha da 
Grã­Bretanha”).   Existem   outras,   como   a  Gorseth   Kernow  (“Gorsedd   da 
Cornualha”)   e   a  Goursez   Vreizh  (“Gorsedd   da   Bretanha”).   As  gorseddau 
existem para promover a criação da literatura, a poesia e a música tradicionais. 
O símbolo comumente usado para representar a  gorsedd  é uma linha tripla, 
estando a central em pé e as laterais inclinadas em direção à central:  /|\. Esse 
símbolo é chamado awen (“inspiração”) e diz­se que representa os raios do sol 
nascente. É também conhecido como Y Nod Cyfrin (“O Sinal Místico”), ou Y 
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Nod   Pelydr   Goleuni  (“O   Sinal   do   Raio   de   Luz”).   Entretanto,   na  gorsedd 


bárdica, representa os atributos de Amor, Justiça e Verdade. Também é um 
persistente símbolo da imaginação céltica, que tende a expressar conceitos em 
forma tríplice.    

7 Rhiannon. Uma (pequena) lenda sobre Modron.

Depois da morte de Pwyll, Pridery deu a mão de Rhiannon em casamento a 
Manawyddan, o filho de Llyr, e a história subseqüente é relatada no mabinogi 
(o Terceiro Ramo) que leva seu nome. Seus pássaros maravilhosos, cuja canção 
era tão doce que guerreiros poderiam ficar extáticos durante anos escutando­a, 
são um tema freqüente entre os poetas.

Três   coisas   que   não   se   ouvem   comumente:   a   canção   dos   pássaros   de 
Rhiannon; uma canção de sabedoria da boca de um saxão e um convite para 
uma festa vindo de um avarento (Trioed y Cybyd, “As Tríades do Avarento”, 
Myv. Arch., III, p. 245).

Na tradição britânica, os pássaros de Rhiannon são três melros que cantam num 
ramo da árvore imortal que cresce no centro do paraíso terrestre. Sua canção 
pode levar o ouvinte a um transe que o transporta ao Outro Mundo.  

Rhiannon   é   uma   forma   tardia   do   céltico   antigo  Rigantona,   significando 


“Grande (ou Divina) Rainha”. Os atributos de Rhiannon podem ser traçados a 
partir  da deusa  céltica  Epona e da  grega  Despoina  (“A  Senhora”), filha  de 
Deméter,  porém   se  aproximam  mais   de  Modron,  deusa­mãe   de  Gales,  cujo 
mito ela incorpora.

Uma (pequena) lenda sobre Modron (Trioedd Ynis Prydein)

Em  Denbigshire há uma paróquia que  é chamada  Llanferes  e ali  existe o 


Rhyd y Gyfarthfa  ("Vau dos Latidos"). Antigamente, os cães da zona rural 
costumavam   reunir­se   ao   lado   desse   vau   para   latir   e   ninguém   ousava 
descobrir o que havia ali, até que Urien Rheged chegou. E, quando ele chegou 
ao lado do vau, nada viu além  de uma mulher lavando. E, então, os cães 
pararam de latir e Urien pegou a mulher e a possuiu; e então ela disse: "A 
benção de Deus nos pés que te trouxeram aqui." "Porque?" disse ele. "Porque 
fui destinada a lavar aqui até que eu concebesse um filho de um cristão. E eu 
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sou a filha do Rei de Annwfyn e volta aqui ao fim de um ano e receberás esse 
menino." E, assim, ele veio e recebeu um menino e uma menina, ou seja, 
Owein, filho de Urien e Morfudd, filha de Urien.

Teyrnion Twrif Wliant, que dentro em pouco vai aparecer neste conto, talvez 
fosse,   no   passado,   o   consorte   original   de   Rhiannon.   Seu   nome   significa 
“Grande Rei (Tigernonos), Rugido do Mar” (rugido do mar, twrf lliant). 

Uma possível tradução para o nome de  Gwawl mab Clud, o pretendente que 
Rhiannon desprezará em favor de Pwyll, é “Luz”. Clud talvez signifique “fama, 
renome”, do proto­céltico *kluto­. É a deusa padroeira do rio Clyde (Clôta).   

8 Hefeyd Hen

De   acordo   com   as   lendas,   Hefeyd   Hen   (efydd,   “bronze”,  hen,”antigo”; 


provavelmente   o   mesmo  Hefeyd   Hir)   era   o   filho   de   São   Bleiddan   de 
Glamorgan. Ele foi um dos três forasteiros a que se entregou o poder, graças a 
seus poderosos feitos e qualidades louváveis. Em algumas linhagens, diz­se que 
ele   é   filho   de  Caradawc   Freichfras  (“Caradawc   Braço   Forte”),   ancestral 
lendário da casa reinante em Morgannwg (Glamorgan) e possível fundador do 
reino de Gwent, no séc. V. d. C.   

9 Gwent Is Coed

Uma das divisões de Gwent; as outras duas são  Gwent Uch Coed  e  Coch y 


Dena, ou “A Floresta de Dean”. Gwent era o nome antigamente atribuído à 
divisão oriental do sul de Gales. No presente, aplica­se apenas ao condado de 
Monmouth. 

10 Gwri Gwallt Euryn

Gwri Gwallt Euryn  (“o Bravo do Cabelo Dourado”), chamado  Pridery  neste 


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conto, recebe freqüentes alusões dos poetas, que se referem a ele utilizando 
qualquer dos nomes.

No conto  Culhwch e Olwen, ele aparece sob seu nome primitivo, mas é mais 
conhecido como Pryderi. Era um dos três principais guardadores de porcos da 
ilha e era assim chamado porque cuidava dos animais de  Pendaran Dyfed, no 
vale do Cuch, em Emlyn. Uma das tríades diz que os suínos eram do próprio 
Pwyll e que Pryderi pastoreava­os durante a ausência de seu pai em Annwfyn. 
Essa versão, contudo, não corresponde às circunstância  dadas  no texto, que 
contam o nascimento de Pryderi depois da misteriosa expedição de Pwyll.   

Encontramos as aventuras da maturidade de Pryderi detalhadas no mabinogi de 
Manawyddan, com o qual seu nome é mencionado numa passagem do Kerd am  
Feib Llyr  (“Canto ante os Filhos de Llyr”), atribuído a Taliesin. O nome da 
esposa de Pryderi, Cigfa, significa “a da festa”.  

No mabinogi de Math ab Mathonwy, relata­se que Pryderi foi privado da vida 
por Gwydion ab Dôn, graças às artes mágicas empregadas para vencê­lo em 
combate singular, depois de tê­lo enganado por meios similares ao levar alguns 
suínos que Pwyll recebera de Annwfyn e que ele e seu povo apreciavam muito.

O   encontro   aconteceu   em   Melenryd,   um   vau   do   rio   Cynfael,   em 


Merionethshire. O mesmo conto situa sua tumba em Maen Tyriawg, mas uma 
localidade diversa é assinalada pelos Englynion y Beddau:

Em Abergenoli está o túmulo de Pryderi,
Onde as ondas quebram contra a costa.

11 Pendaran Dyfed 

Aprendemos das tríades que o pai adotivo de Pryderi era o chefe de uma das 
principais   tribos   galesas,   aquela   que   se   espraiava   por   Dyfed,   Gower 
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(Glamorgan) e Cardigan (tríade 16).

Além disso e do fato de que possuía uma imensa vara de porcos que Pryderi 
guardava para ele no vale do Cuch e da menção feita a ele como um “jovem 
pajem” no mabinogi de Branwen, não restam dados sobre Pendaran Dyfed.

O SEGUNDO RAMO DO MABINOGION 

BRANWEN, FILHA DE LLYR

Introdução

O Segundo Ramo conta como Branwen ("Corvo Branco"), filha do deus Llyr ("Mar"), casa­se 
com Matholwch, rei da Irlanda. Seu irmão, o gigante Bran, o Abençoado, dá a Matholwch um 
caldeirão   mágico   que   pode   devolver   a   vida   aos   mortos.   Matholwch   leva   Branwen   para   a 
Irlanda, mas a maltrata. Bran vadeia o Mar da Irlanda, rebocando atrás de si uma frota de 
navios  de guerra.  Branwen  é resgatada,  mas todos  os  galeses  são mortos, exceto sete, e o 
próprio   Bran   é   mortalmente   ferido.   Entre   os   sete   que   escapam   incluem­se   Pryderi, 
Manawyddan (um deus marinho associado à Ilha de Man) e o bardo Taliesin. Eles retornam a 
Gales e Bran pede que sua cabeça seja cortada e enterrada no Monte Branco, onde hoje está a 
Torre de Londres, para proteger a Grã­Bretanha de invasões.  Bran  significa "Corvo"  e um 
bando de corvos é ainda hoje mantido na Torre de Londres. A tradição diz que, se os corvos 
deixarem a Torre, o país cairá sob a invasão estrangeira.

I A chegada de Matholwch.
46

endigeid Fran12, o filho de Llyr, era o rei coroado desta 
ilha e era honrado com a coroa de Londres. Certa tarde, 
ele estava em Harlech13, em Ardudwy, na sua corte, e 
sentou­se   no   rochedo   de   Harlech,   examinando   o   mar. 
Com   ele   estavam   seu   irmão   Manawyddan,   o   filho   de 
Llyr,   e   seus   irmãos   por   parte   de   mãe,   Nissyen   e 
Efnissyen, e igualmente muitos outros nobres, como era adequado ver­se em 
torno   de   um   rei.   Seus   dois   irmãos   pelo   lado   materno   eram   os   filhos   de 
Eurosswydd14  com sua mãe, Penardun, a filha de Beli 15, filho de Manogan. E 
um desses rapazes era um bom jovem, de gentil natureza e faria a paz entre 
seus parentes, levando seus familiares a ser amigos quando sua ira estivesse no 
mais alto ponto; e esse era Nissyen. Mas o outro levaria seus irmãos à contenda 
quando estivessem em perfeita paz. Ao se sentarem, viram treze navios vindo 
rapidamente do sul da Irlanda em sua direção. O vento soprava atrás deles e 
aproximavam­se rapidamente.
­ Vejo navios ao longe ­ disse o rei ­, vindo velozmente em direção a terra. 
Ordenai aos homens da corte que se armem e vão até lá para descobrir suas 
intenções.
Assim, os homens armaram­se e foram rumo aos navios. Ao verem os navios 
próximos, ficaram certos de jamais ter visto embarcações melhor equipadas. 
Belas bandeiras de cetim estavam nelas. Viram que um dos navios sobrepujava 
os demais e enxergaram um escudo erguido no lado do navio e a ponta do 
escudo voltada para cima em sinal de paz. Os homens acercaram­se o suficiente 
para poder conversar. Lançaram então os botes e vieram para terra, saudando o 
rei, que já podia ouví­los do lugar onde estava, no rochedo sobre suas cabeças.
­ O Céu vos faça prosperar ­ disse ele ­ e sede bem vindos. A quem pertencem 
estes navios e quem é o chefe entre vós?
­ Senhor ­ eles disseram ­, Matholwch, rei da Irlanda, está aqui e estes navios 
lhe pertencem. ­ Para que ele vem? ­ perguntou o rei. ­ E ele virá a terra?
­ Ele veio até vós como pretendente, senhor ­ disseram eles ­, e não virá a terra 
a menos que obtenha de vós o seu dom.
­ E o que seria isso? ­ inquiriu o rei.
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­   Ele   deseja   aliar­se   convosco,   senhor   ­   disseram   eles   ­,   e   vem   para   pedir 
Branwen16,   a   filha   de   Llyr,   a   fim   de   que,   se   bem   vos   parecer,   a   Ilha   do 
Poderoso17 possa unir­se à Irlanda, tornando­se ambas mais fortes.
­ Realmente ­ disse ele ­, deixai­os vir a terra e vamos então conversar.
E essa resposta foi levada a Matholwch.
­ De boa vontade irei ­ disse ele.
Então   desembarcou   e   receberam­no   alegremente.   Grande   foi   a   multidão   no 
palácio naquela noite, reunindo a comitiva do visitante e os da corte. No dia 
seguinte,   reuniram­se   em   conselho   e   resolveram   dar   a   mão   de   Branwen   a 
Matholwch. Ela era uma das três principais damas desta Ilha e a mais linda 
donzela do mundo.
E escolheram Aberffraw como o lugar onde se tornaria sua noiva. Com essa 
finalidade partiram e rumo a Aberffraw dirigiram­se as multidões. Matholwch e 
sua   comitiva   em   seus   navios,   Bendigeid   Fran   e   seu   séquito   por   terra,   até 
chegarem   a  Aberffraw.  Em  Aberffraw  começaram  a  festa   e  sentaram­se  da 
seguinte maneira: o rei da Ilha do Poderoso e Manawyddan, o filho de Llyr, a 
um lado e Matholwch do outro lado e Branwen, a filha de Llyr, ao lado dele. E 
não estavam dentro de uma casa, mas sob tendas. Casa alguma jamais pôde 
conter   Bendigeid   Fran.   Começaram   o   banquete,   divertiram­se   e   fizeram 
discursos. E quando lhes era mais agradável dormir do que se divertirem, foram 
descansar.

II A ira de Efnissyen.

No dia seguinte, eles se levantaram e todos os da corte e os oficiais começaram 
a equipar e ordenar os cavalos  e os criados, dispondo­os ordenadamente ao 
longo do mar.

Nesse dia, Efnissyen, o homem briguento de quem falamos acima, chegou por 
acaso ao local onde estavam os cavalos de Matholwch e perguntou de quem os 
cavalos poderiam ser:
­ São os cavalos de Matholwch, rei da Irlanda, que se casou com Branwen, 
48

vossa irmã; dele são os cavalos.
­ E é então o que fizeram com uma moça como ela, além de tudo minha irmã, 
entregaram­na sem meu consentimento? Não me poderiam ter oferecido insulto 
algum maior do que esse! ­ exclamou ele. Lançou­se sobre os cavalos e cortou­
lhes os lábios até os dentes, as orelhas até perto de suas cabeças, os rabos quase 
na raiz e, onde quer que pudesse agarrar suas pálpebras, cortou­as até o osso, 
desfigurando os cavalos e tornando­os inúteis.

Chegaram com essas novas a Matholwch, dizendo que os cavalos haviam sido 
desfigurados   e   machucados,   de   forma   a   nenhum   deles   jamais   poder   ser 
utilizado outra vez.
­ De fato, senhor ­ disse um da comitiva ­, foi um insulto contra vós e como tal 
deve ser entendido.
­   Na  verdade,   é  uma   espanto  para   mim   que,  se  desejavam  insultar­me,   me 
houvessem dado uma donzela de tão alta estirpe e tão amada por sua família 
como fizeram.
­ Senhor ­ disse um outro ­, vós vedes que assim é e nada tendes a fazer além 
de irdes para vossos navios.
E logo ele partiu para seus navios.

Notícias chegaram a Bendigeid Fran de que Matholwch estava deixando a corte 
sem   pedir   permissão   e   mensageiros   foram   enviados   para   perguntar­lhe   o 
porquê   de   agir   assim.   E   os   mensageiros   enviados   foram   Iddic,   o   filho   de 
Anarawd,   e   Hefeydd   Hir.   Estes   o   alcançaram   e   perguntaram­lhe   o   que 
pretendia fazer e por que partia. 
­ Na verdade ­ disse ele ­, se eu soubesse, não teria chegado perto daqui. Fui 
completamente insultado, ninguém jamais teve tratamento pior do que eu tive 
neste lugar. Mas uma coisa acima de todas me surpreende.
­ O que é? ­ perguntaram eles. ­ Que Branwen, a filha de Llyr, uma das três 
principais damas desta ilha e filha do rei da Ilha do Poderoso, me fosse dada 
como minha noiva e depois disso eu fosse insultado. E fico maravilhado de que 
o insulto não me fosse feito antes de me concederem uma donzela tão excelente 
49

quanto ela.
­ Verdadeiramente, senhor, não era o desejo de qualquer um dos que estão na 
corte ­ disseram eles ­, nem de qualquer um dos que estão no Conselho que 
recebêsseis   tal   insulto.   Como   fostes   insultado,   a   desonra   é   maior   para 
Bendigeid Fran do que para vós.
­ Exatamente ­ disse ele ­, assim penso. Não obstante, ele não pode desfazer o 
insulto.
Os homens retornaram com essa resposta ao lugar onde Bendigeid Fran estava 
e contaram­lhe qual resposta Matholwch lhes dera.
­ Na verdade ­ disse ele ­, não há meios pelos quais o impedir de partir em 
inimizade conosco que não iremos tomar.
­ Bem, senhor ­ disseram eles ­, enviai­lhe uma outra embaixada. 
­ Assim farei ­ disse ele. ­ Erguei­vos, Manawyddan, filho de Llyr, e Hefeydd 
Hir e Unic Glew Ysgwyd e ide atrás dele para dizer­lhe que terá um cavalo 
bom   para   cada   um   dos   que   foram   machucados.   E,   além   disso,   como 
compensação pelo insulto18, ele terá um bastão de prata, tão grande e alto como 
ele mesmo e um prato de ouro do tamanho do seu rosto. E contai­lhe quem fez 
isso tudo e que foi feito contra minha vontade, mas quem o fez é meu irmão por 
parte de mãe e seria então duro para mim condená­lo à morte. Deixai­o vir e 
encontrar­se comigo ­ disse ele ­ e faremos a paz em quaisquer termos que ele 
possa desejar.

A   embaixada   foi   até   Matholwch   e   disse­lhe   todas   essas   palavras   de   modo 


simpático e ele as escutou.
­ Homens ­ disse ele ­, vou buscar conselho.
Assim, ele reuniu seu Conselho, onde consideraram  que, se ele  recusasse a 
proposta, o mais provável seria sofrerem mais vergonha em lugar de obter uma 
tão grande compensação. Resolveram então aceitá­la e retornaram em paz à 
corte.

III O casamento de Branwen e Matholwch. O Caldeirão da Renovação.
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Então os pavilhões e as tendas foram dispostos à maneira de um salão. E eles 
vieram comer e, como se haviam sentado no início da festa, sentaram­se agora. 
Matholwch   e   Bendigeid   Fran   começaram   a   discursar.   Pareceu   a   Bendigeid 
Fran, enquanto falavam, que Matholwch não estava tão alegre quanto estivera 
antes. E pensou que o soberano poderia estar triste em razão da pequenez da 
compensação que obtivera pelo erro que fora cometido contra ele. 
­   Ó   homem   ­   disse   Bendigeid   Fran   ­,   não   estais   falando   nesta   noite   tão 
animadamente quanto antes. E, se é por causa da pequenez da compensação, 
vós lhe acrescentareis qualquer coisa que possais escolher e amanhã mesmo 
vos entregarei os cavalos.
­ Senhor ­ disse ele ­, o Céu vos recompense!
­ E eu vos aumentarei a compensação ­ disse Bendigeid Fran ­, pois vos darei 
um caldeirão19 cuja propriedade é que, se um dos vossos homens for morto hoje 
e jogado lá dentro, amanhã ele estará tão bem como jamais esteve nos melhores 
dias, exceto que não recuperará sua fala.
Matholwch   deu­lhe   grandes   agradecimentos   e   ficou   muito   alegre   por   esse 
motivo.

Na manhã seguinte entregaram a Matholwch tantos cavalos treinados quantos 
havia. E então viajaram para outro distrito, onde o pagaram com potros até 
completar o número total. Desde então, esse distrito foi chamado Talebolyon.

Uma segunda noite sentaram­se juntos.
­   Meu  senhor  ­  disse  Matholwch   ­,  de  onde  obtivestes   o  caldeirão   que  me 
destes?
­ Ganhei­o de um homem que esteve em vosso país ­ disse Bendigeid Fran ­, e 
não o daria a não ser a alguém que viesse de lá.
­ Quem era? ­ perguntou ele.
­   Llassar   Llaesgyfnewid.   Ele   chegou   aqui   vindo   da   Irlanda   com   Cymideu 
Cymeinfoll, sua esposa, que escapou da Casa de Ferro na Irlanda, quando a 
aqueceram  até  que ficasse rubra  ao redor deles  e fugiram  para cá.  E  é um 
assombro para mim nada saberdes em relação a esses fatos.
51

­ Na verdade, sei alguma coisa e tudo quanto souber vô­lo contarei. Certo dia, 
eu estava caçando na Irlanda e cheguei a um monte junto a um lago, que é 
chamado Lago do Caldeirão. Vi um enorme homem de cabelos amarelos vindo 
do lago com um caldeirão em suas costas. Era um homem de grande tamanho e 
de horrível aspecto e uma mulher o seguia. E, se o homem era alto, duas vezes 
maior   era   a   mulher.   Eles   vinham   em   minha   direção   e   saudaram­me.   'Na 
verdade', eu perguntei, 'para onde estais viajando?' 'Vede', disse­me, 'este é o 
motivo pelo qual viajamos. Ao fim de um mês e uma quinzena esta mulher terá 
um filho. E a criança que nascerá ao fim de um mês e uma quinzena será um 
guerreiro totalmente armado'. Assim, levei­os comigo e sustentei­os. Estiveram 
comigo por um ano. E esse ano eu os tive comigo não de má vontade. Mas 
então houve murmúrios porque eles estavam comigo. Pois, desde o começo do 
quarto mês, eles começaram a fazer­se odiados e a fazer desordens na terra, 
cometendo afrontas e molestando e estorvando os nobres e as damas. Então 
meu   povo   se   ergueu   e   pediu­me   que   me   separasse   deles.   Obrigaram­me   a 
escolher entre eles e meus domínios. E eu utilizei o conselho do meu país para 
saber o que seria feito em relação a eles, pois não partiriam por sua própria 
vontade, nem contra sua vontade poderiam ser compelidos a fazê­lo, através de 
luta. E, estando o povo do país nesse dilema, ordenaram que fosse feita uma 
câmara toda de ferro. Quando o quarto já estava pronto, lá veio cada ferreiro 
que havia na Irlanda e cada um que possuía tenazes e martelo. Empilharam 
carvões   tão   alto   que   chegaram   ao   topo   da   câmara.   Serviram   ao   homem,   à 
mulher e à criança uma abundância de comida e bebida. Quando perceberam 
que  eles  estavam   bêbados, começaram   a por  fogo nos   carvões   ao redor  do 
quarto e a soprá­los com foles até que a casa ficasse incandescente em volta 
deles. E houve uma reunião no meio do chão do quarto. O homem permaneceu 
até que as placas de ferro estivessem todas brancas de calor. E então, em razão 
do   grande   calor,   o   homem   chocou­se   contra   as   placas   com   seu   ombro   e 
rebentou­as   e   sua   esposa   o   seguiu;   mas,   exceto   ele   e   sua   esposa,   ninguém 
escapou na ocasião. Assim, eu suponho, senhor ­ disse Matholwch a Bendigeid 
Fran ­, que eles vieram até vós.
­ Sem dúvida, eles vieram para cá ­ disse ele ­ e deram­me o caldeirão.
52

­ De que maneira vós os recebestes?
­ Espalhei­os em cada parte dos meus domínios e eles se tornaram numerosos e 
estão   prosperando   por   toda   parte   e   fortalecem   os   lugares   onde   estão   com 
homens e armas dos melhores jamais vistos.

Naquela   noite,   continuaram   a   conversar   tanto   quanto   quiseram   e   tiveram 


menestréis   e   diversão   e,   quando   lhes   era   mais   agradável   dormir   do   que 
permanecer   mais   tempo   sentados,   foram   descansar.   E   assim   o   banquete 
continuou com alegria. Quando terminou, Matholwch viajou para a Irlanda e 
Branwen com ele. Partiram  de Aber Menei com treze navios e chegaram  à 
Irlanda, onde houve grande alegria em razão da sua chegada. Nenhum grande 
homem ou nobre dama visitou Branwen a quem ela não desse um broche, um 
anel ou uma jóia real como presente com o qual era honroso ser visto ao partir. 
Nessas   atividades,   ela   gastou   o   ano   com   muito   renome   e   passou 
agradavelmente   seu   tempo,   desfrutando   de   honra   e   amizade.   E,   entretanto, 
ocorreu que ela ficou grávida. No devido tempo, nasceu­lhe um filho e o nome 
que lhe deram foi Gwern,  filho de Matholwch. Mandaram o menino para ser 
criado num lugar onde estavam os melhores homens da Irlanda.

IV O desprezo a Branwen.

E no segundo ano ergueu­se um tumulto na Irlanda em razão do insulto que 
Matholwch recebera em Câmbria e do pagamento que lhe fora feito por seus 
cavalos. Seus irmãos de criação que, como tais, estavam mais próximos dele, 
culpavam­no abertamente por esse motivo. E ele não pôde ter paz em razão do 
tumulto até o vingarem dessa desgraça. A vingança que tomaram foi afastar 
Branwen do quarto dele e fazê­la cozinhar para a Corte. E ordenaram que o 
açougueiro, depois de picar a carne, fosse até ela e lhe desse a cada dia um 
golpe na orelha. Tal foi a punição que lhe deram.

­ Realmente, senhor ­ disseram a Matholwch seus homens ­, proibí já os navios, 
as balsas de transporte e os botes de irem a Câmbria e todos os que vierem de 
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Câmbria até aqui, prendei­os para que não possam voltar e fazer com que estas 
coisas sejam conhecidas lá.
Assim ele fez e assim foi por não menos do que três anos.

Branwen criou um estorninho na cobertura da padaria do palácio, ensinou­o a 
falar e ensinou ao pássaro qual era a aparência de seu irmão. Escreveu uma 
carta sobre suas aflições e sobre o desprezo com que era tratada, amarrando­a 
na raiz da asa do pássaro, que enviou em direção à Grã­Bretanha. O pássaro 
chegou   à   Ilha   e,   certo   dia,   encontrou   Bendigeid   Fran   em   Caer   Seiont,   em 
Arfon, onde estava reunido com seus nobres. A ave pousou em seu ombro e 
arrepiou suas penas, de modo que a carta fosse vista. Souberam então que o 
pássaro fora criado em casa.

V Bran parte para a Irlanda.

Bendigeid   Fran   tomou   a   carta   e   olhou­a.   Depois   de   a   ler,   entristeceu­se 


excessivamente   pelas   notícias   das   aflições   de   Branwen.   E   imediatamente 
começou a enviar mensageiros que reunissem toda a Ilha. Fez com que sete 
vintenas e quatro países viessem a ele e queixou­se ele mesmo diante de todos 
pela   aflição   que   sua   irmã   suportava.   Então   deliberaram   e   no   Conselho 
resolveram   ir   para   a   Irlanda   e   deixar   sete   homens   como   príncipes   aqui   e 
Caradawc20, o filho de Bran, como o chefe deles e dos seus sete cavaleiros. Em 
Edeyrnion esses homens foram deixados. Por essa razão foram os cavaleiros 
deixados na cidade. Os nomes desses sete homens eram Caradawc, filho de 
Bran,   e   Hefeydd   Hir   e   Unic   Glew   Ysgwyd   e   Iddic,   o   filho   de   Anarawc 
Gwalltgrwm e Fodor, filho de Erfyll, e Gwlch Minascwrn e Llassar, filho de 
Llaesar   Llaesgygwyd   e   Pendaran   Dyfed,   como   um   jovem   pajem   com   eles. 
Esses foram estabelecidos como sete ministros para encarregarem­se desta ilha. 
E Caradawc, o filho de Bran, era o chefe entre eles.

Bendigeid Fran, com a multidão de que falamos, velejou para a Irlanda e não 
estava ainda longe no mar quando chegou à água rasa. Não eram senão dois 
54

rios: o Lli e o Archan foram chamados e as nações cobriram o mar. Ele então 
prosseguiu com todas as provisões que tinha em suas costas e aproximou­se das 
praias da Irlanda.

Os porqueiros de Matholwch estavam próximos da costa e foram a Matholwch.
­ Senhor ­ disseram eles ­, saudação a vós.
­ O Céu vos proteja ­ ele respondeu ­, tendes quaisquer novidades?
­ Senhor, vimos coisas maravilhosas, vimos uma floresta no mar, num lugar 
onde jamais vimos uma só árvore.
­ Isso sem dúvida é uma maravilha. Vistes qualquer outra coisa?
­ Vimos, senhor ­ disseram eles ­, uma vasta montanha ao lado da floresta que 
se movia e havia um alto cume no topo da montanha e um lago em cada lado 
do cume. E a floresta e a montanha e todas essas coisas se moviam.
­ Na verdade ­ disse ele ­, não há ninguém que possa saber qualquer coisa em 
relação a isso, exceto Branwen.

Mensageiros foram mandados a Branwen.
­ Senhora ­ disseram eles ­, que pensais seja isso?
­ Os homens da Ilha do Poderoso, que vieram aqui por ouvirem sobre meus 
maus­tratos e minhas aflições.
­ Que é a floresta vista sobre o mar? ­ perguntaram eles.
­ As velas e os mastros dos navios ­ ela respondeu.
­ Ai! Que é a montanha que se vê ao lado dos navios?
­ Bendigeid Fran, meu irmão, chegando à água rasa; não há navio que possa 
contê­lo.
­ Que é o alto cume com um lago em cada um dos seus lados?
­ Ao olhar na direção desta ilha ele está irado e seus dois olhos, um em cada 
lado de seu nariz, são os dois lagos que ladeiam o cume.

Os   guerreiros   e   os   principais   homens   da   Irlanda   foram   reunidos 


apressadamente e fizeram um conselho.
­ Senhor ­ disseram os nobres a Matholwch ­, não há outro conselho além de 
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retirar­vos para além do Linon (um rio que há na Irlanda) e manter o rio entre 
vós e ele, destruindo a ponte que atravessa o rio, pois há no seu fundo uma 
magnetita sobre a qual nenhum barco ou navio poderá passar.
Assim, eles se retiraram pelo rio e quebraram a ponte.

Bendigeid Fran chegou a terra e a frota com ele pela margem do rio.
­ Senhor ­ disseram os capitães ­, conheceis a natureza deste rio, que nada pode 
atravessá­lo e que não há ponte sobre ele?
­ Não há nenhuma ­ replicou o rei ­, exceto que aquele que será o chefe, deixai­
o ser uma ponte. Eu o serei.
Foi então essa declaração proferida pela primeira vez e é ainda usada como 
provérbio. Quando ele se deitou atravessando o rio, tábuas foram colocadas 
sobre ele e o exército passou por cima.

Quando o gigante levantou­se, os mensageiros de Matholwch chegaram até ele, 
saudaram­no e deram­lhe cumprimentos em nome de Matholwch, seu parente, 
e mostraram como, pela sua benevolência, ele não tinha merecido de Bendigeid 
Fran senão o bem.
­ Pois Matholwch deu o reino da Irlanda a Gwern, vosso sobrinho e filho de 
vossa irmã. E isso ele coloca diante de vós como uma compensação pelo erro e 
desprezo feitos a Branwen. E Matholwch será mantido onde quiserdes, seja 
aqui ou na Ilha do Poderoso.
Disse Bendigeid Fran:
­ Não terei eu mesmo o reino? Então porventura eu possa aconselhar­me em 
relação   a   vossa   mensagem.   Deste   momento   até   lá,   nenhuma   outra   resposta 
obtereis de mim.
­ Em verdade ­ disseram eles ­, a melhor mensagem que recebermos para vós, 
nós vô­la traremos e esperai que falaremos ao nosso rei.
­ Esperarei ­ respondeu Bendigeid Fran ­ e retornai rapidamente.

VI Uma casa para Bran.
56

Os mensageiros partiram e chegaram a Matholwch.
­  Senhor ­ disseram eles  ­, preparai  uma mensagem  melhor para Bendigeid 
Fran. Ele absolutamente não escutaria aquela que lhe transmitimos.

­ Meus amigos ­ disse Matholwch ­, qual poderia ser vosso conselho?
­ Senhor, não há outro conselho exceto este apenas. Ele nunca soube o que é 
estar dentro de uma casa, fazei então uma casa que possa contê­lo e aos homens 
da Ilha do Poderoso de um lado e a vós e ao vosso exército do outro. Entregai 
vosso reino à vontade dele e prestai­lhe homenagem. Assim, em razão da honra 
que lhe fizestes  construindo­lhe uma casa, considerando que ele nunca teve 
uma casa que o pudesse conter, ele fará a paz convosco.
Os mensageiros então voltaram a Bendigeid Fran levando­lhe essa mensagem.

E   ele   buscou   o  conselho   e   no   Conselho   resolveu­se  que   essa  decisão   seria 


aceita. Tudo foi feito de acordo com o aviso de Branwen e a fim de que o país 
não   fosse   destruído.   A   paz   foi   feita   e   tão   vasta   quanto   forte   a   casa   foi 
construída. Mas os irlandeses planejaram uma maquinação astuta. E a astúcia 
foi que pusessem suportes em cada lado dos cem pilares que estavam na casa. 
Colocaram um saco de couro em cada suporte e um homem armado dentro de 
cada um deles. Então Efnissyen entrou antes do exército da Ilha do Poderoso, 
esquadrinhando a casa com olhares ferozes e selvagens e observou os sacos de 
couro que estavam pendurados nos pilares.
­ Que há nesse saco ? ­ perguntou ele a um dos irlandeses.
­ Comida, boa alma ­ disse este.
Efnissyen apalpou­o até chegar à cabeça do homem e apertou a cabeça até 
sentir seus dedos se encontrarem no cérebro através do osso. Ele deixou aquele 
saco e pôs sua mão sobre outro, perguntando o que havia lá dentro.
­ Comida ­ disse o irlandês.
E daquele modo ele fez a cada um deles até que, de todos os duzentos homens, 
não deixara nenhum vivo senão um. Ele perguntou o que estava ali.
­ Comida, boa alma ­ disse o irlandês.
Efnissyen apalpou­o até sentir a cabeça e apertou­a como fizera aos outros. 
57

Embora achasse que a cabeça deste estava protegida, não o deixou até matá­lo. 
E então cantou uma estrofe.

"Há neste saco um diferente tipo de comida:
O combatente pronto para quando o ataque é feito
Por seus companheiros, preparado para a batalha."

Logo após vieram os guerreiros  para a casa. Os homens da Ilha da Irlanda 
entraram na casa por um lado e os homens da Ilha do Poderoso pelo outro. Tão 
logo se sentaram,  houve harmonia entre eles e a soberania foi conferida ao 
menino. Quando se concluiu a paz, Bendigeid Fran chamou o menino a si e de 
Bendigeid Fran o menino foi para Manawyddan e foi amado por todos os que o 
viram.   De   Manawyddan   o   menino   foi   chamado   por   Nissyen,   o   filho   de 
Eurosswydd, indo amorosamente até ele.
­ Por quê ­ disse Efnissyen ­ não vem meu sobrinho, o filho de minha irmã, até 
mim?
­ Alegremente o deixo ir a vós ­ disse Bendigeid Fran.
E o menino alegremente foi até ele.
­   Pela   minha   crença   no   Céu   ­   disse   Efnissyen   em   seu   coração   ­,   jamais 
imaginado   por   alguém   desta   casa   foi   o   massacre   que   vou   cometer   neste 
momento.

VII Efnissyen mata Gwern. A luta entre britanos e irlandeses.
Efnissyen se ergueu, pegou o menino pelos pés e, antes que qualquer um na 
casa pudesse agarrá­lo, ele depressa o empurrou no fogo ardente. E quando 
Branwen viu seu filho queimando no fogo, ela, do lugar onde estava sentada 
entre seus dois irmãos, esforçou­se para também saltar no fogo. Mas Bendigeid 
Fran   agarrou­a   com   uma   mão   e   seu   escudo   com   a   outra.   Então   todos   eles 
correram pela casa e nunca um tão grande tumulto foi feito por uma multidão 
dentro de uma casa quanto o que foi feito por eles enquanto cada homem se 
armava. Então disse Morddwyd Tyllyon:
­ Os moscardos da Vaca de Morddwydd Tyllyon!
Enquanto todos buscavam suas armas, Bendigeid Fran mantinha Branwen entre 
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seu escudo e seu ombro. 

Os irlandeses acenderam um fogo sob o Caldeirão da Renovação. Lançaram ali 
os cadáveres até que estivesse cheio. No dia seguinte, eles voltavam tão bons 
lutadores   quanto   antes,   exceto   que   não   eram   capazes   de   falar.   E   quando 
Efnyssien   não   viu   os   corpos   mortos   dos   homens   da   Ilha   do   Poderoso 
ressuscitados em parte alguma, pensou em seu coração:
­ Ai! Desgraçado sou eu, que devo ter sido a causa de chegarem os homens da 
Ilha do Poderoso a um tão grande dilema. Que o mal me castigue se eu não 
encontrar uma libertação para eles.
Ele   se   lançou   sobre   os   cadáveres   dos   inimigos.   Dois   irlandeses   descalços 
vieram   até   ele   e,   pensando   que   fosse   um   dos   seus,   arremessaram­no   no 
caldeirão.   Efnyssien   esticou­se   dentro   do   caldeirão,   quebrando­o   em   quatro 
partes. Mas o esforço estourou também seu coração.

Em   conseqüência   disso,   os   homens   da   Ilha   do   Poderoso   obtiveram   tanto 


sucesso quanto os irlandeses. Contudo, não foram vitoriosos, pois, dentre todos 
eles, apenas sete homens escaparam e ao próprio Bendigeid Fran um dardo 
envenenado ferira no pé.

Eis que os sete homens que escaparam foram Pryderi, Manawyddan, Gluneu 
Eil Taran, Taliesin, Ynawc, Grudyen, o filho de Muryel, e Heylin, o filho de 
Gwynn Hen.

Bendigeid Fran ordenou­lhes que cortassem sua cabeça:
­ Tomai minha cabeça e levai­a ao Monte Branco21, em Londres, para sepultá­la 
com o rosto em direção à França. Por um longo tempo estareis na estrada. Em 
Harlech estareis festejando por sete anos, os pássaros de Rhiannon cantando 
para vós durante esse tempo. Durante todos esses dias, a cabeça será para vós 
uma   companhia   tão   agradável   como   já   era   quando   em   meu   corpo.   E   em 
Gwales,   em   Penfro,   estareis   por   quatro   vintenas   de   anos.   Lá   podereis 
permanecer e a cabeça intacta convosco até que abrais a porta que dá para Aber 
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Henfelen e para a Cornualha. Depois de haverdes aberto a porta não podereis 
mais permanecer lá. Parti então para Londres para enterrar a cabeça e segui 
adiante.

VIII A morte de Branwen.

Cortaram­lhe a cabeça e esses sete prosseguiram com ela. Branwen era a oitava 
com eles. O grupo chegou a terra em Aber Alaw, em Talebolyon, e sentaram­se 
para descansar. Branwen olhou em direção à Irlanda e em direção à Ilha do 
Poderoso, para ver se as podia enxergar.
­ Ai ­ disse ela ­, a aflição esteve comigo desde que nasci; por minha causa 
foram duas ilhas destruídas!
Ela então proferiu um alto gemido e assim se partiu o seu coração. Fizeram­lhe 
um sepulcro de quatro lados e enterraram­na nas margens do rio Alaw.

Os sete homens viajaram para Harlech levando a cabeça consigo; ao chegarem 
lá encontraram uma multidão de homens e mulheres.
­ Tendes alguma novidade? ­ perguntou Manawyddan.
­ Não temos nenhuma ­ disseram eles ­, salvo que Caswallawn22, o filho de 
Beli, conquistou a Ilha do Poderoso e foi coroado rei em Londres.
­ Que aconteceu a Caradawc, o filho de Bran, e aos sete homens que foram 
deixados com ele nesta ilha?
­ Caswallawn veio sobre eles e matou seis dos homens. O coração de Caradawc 
partiu­se   de   tristeza   por   isso,   pois   ele   podia   ver   a   espada   que   matava   os 
homens,  mas   não  sabia   quem  a empunhava.   Caswallawn  tinha  arremessado 
sobre ele o Véu da Ilusão, de modo que ninguém podia vê­lo matar os homens, 
mas apenas a espada podia ser vista. E não lhe agradou matar Caradawc porque 
ele era seu sobrinho, o filho de seu primo. E agora ele é o terceiro cujo coração 
se quebrou pela aflição. Pendaran Dyfed, que permanecera como um jovem 
pajem com esses homens, escapou para a floresta ­ disseram eles.

IX Os pássaros de Rhiannon.
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Então   foram   para   Harlech,   onde   pararam   para   descansar   e   providenciaram 


comida   e   bebida.   Estavam   sentados   fazendo   a   refeição   quando   vieram   três 
pássaros e começaram a cantar­lhes uma certa canção. Todas as canções que 
eles   jamais   tinham   ouvido   eram   desagradáveis   em   comparação   a   essa   e   os 
pássaros pareciam­lhes estar a uma enorme distância, embora aparecessem tão 
distintamente como se estivessem perto. Nesse repasto continuaram por sete 
anos.

X A Diversão da Nobre Cabeça.

Ao fim do sétimo ano eles foram para Gwales, em Penfro. Lá encontraram um 
lugar bom e digno de um rei, dando para o oceano, onde havia um espaçoso 
salão. Eles entraram no salão e duas das suas portas estavam abertas, mas a 
terceira porta estava fechada, aquela que olhava em direção à Cornualha.

­ Vede lá ­ disse Manawyddan ­, é a porta que não podemos abrir.
E naquela noite eles se regalaram e ficaram alegres. De todas as comidas que 
tiveram diante de si e de tudo que ouviram, nada lembraram; nem disso, nem 
de   qualquer  tristeza,  fosse qual  fosse.  Lá  permaneceram  quatro  vintenas   de 
anos,   inconscientes   de   jamais   terem   passado   um   tempo   mais   alegre   ou 
tranqüilo. E não ficaram mais cansados do que no primeiro instante em que 
chegaram,   nem   qualquer   um   deles   sabia   o   tempo   que   haviam   estado   lá.   A 
conversação  da cabeça  era­lhes  tão  agradável  como  se o próprio Bendigeid 
Fran estivesse com eles. Em razão dessas quatro vintenas de anos, o período foi 
chamado "a diversão da nobre cabeça". E a diversão de Branwen e Matholwch 
foi no tempo em que foram para a Irlanda.

XI A Terceira Ocultação Agradável.

Certo dia, disse Heilyn, o filho de Gwynn:
­ O mal me castigue se eu não abrir essa porta para saber se é verdade o que 
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dizem a esse respeito.
Ele assim abriu a porta e olhou em direção à Cornualha e Aber Henfelen. E, 
quando   eles   olharam,   ficaram   conscientes   de   todos   os   males   que   tinham 
suportado, de todos os amigos e companheiros que tinham perdido e de toda a 
miséria   que   lhes   ocorrera   como   se   tudo   tivesse   acontecido   naquele   mesmo 
momento  e, especialmente,  do terrível  destino de seu senhor. Não puderam 
descansar por causa de sua perturbação, mas viajaram com a cabeça rumo a 
Londres. Sepultaram a cabeça no Monte Branco e, quando estava enterrada, 
essa foi a terceira ocultação agradável; e o terceiro descobrimento infortunado 
se deu quando ela foi desenterrada, já que nenhuma invasão pelo mar viria a 
esta ilha enquanto a cabeça estivesse oculta.

E esta é então a história contada por aqueles que viajaram pela Irlanda.

Na Irlanda ninguém ficou com vida, exceto cinco mulheres grávidas em uma 
caverna na floresta irlandesa. Essas cinco mulheres na mesma noite deram à luz 
cinco filhos a que alimentaram até se tornarem jovens adultos. Eles pensaram 
em esposas e ao mesmo tempo desejaram possuí­las. Cada um tomou como 
esposa   a   mãe   de   um   dos   seus   companheiros   e   eles   governaram   o   país23  e 
povoaram­no.

E estes cinco dividiram­no entre si. Por causa dessa partilha estão ainda assim 
arranjadas   as   cinco   províncias   da   Irlanda.   Eles   examinaram   a   terra   onde   a 
batalha teve lugar e encontraram ouro e prata suficientes para se tornarem ricos.

E assim termina esta parte do Mabinogion relativa ao golpe dado a Branwen, 
que foi o terceiro infeliz golpe desta ilha; e relativa ao entretenimento de Bran 
quando as hostes de sete vintenas e quatro países foram à Irlanda para vingar o 
golpe dado a Branwen; e relativa ao banquete de sete anos em Harlech e à 
canção dos pássaros de Rhiannon e à permanência da cabeça pelo espaço de 
quatro vintenas de anos.
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NOTAS AO SEGUNDO RAMO

12 Bendigeid Fran 

Bran, o filho de Llyr Llediaith e soberano da Grã­Bretanha, de acordo com as 
autoridades   galesas,   obteve   seu   título   de  bendigeid  ou   “abençoado”   da 
circunstância de haver introduzido o cristianismo na ilha. A tradição nos conta 
que ele era o pai de Caradawc (Caratacus), cujo cativeiro asseguram­nos que 
compartilhou; e prossegue afirmando que, tendo abraçado a fé cristã durante os 
sete anos que ficou detido em Roma, voltou a seu país nativo e fez com que o 
Evangelho fosse ali pregado . A tríade 35 recita esses eventos:

Os Três Abençoados Soberanos da Ilha da Grã­Bretanha, Bran, o Abençoado, 
filho de Llyr Llediaith, que primeiro trouxe a fé de Cristo para   nação dos 
Cimbri [os galeses], ao vir de Roma, onde esteve por sete anos como refém 
por seu filho Caradawc, a quem os romanos fizeram prisioneiros através das 
artes e engano e traição de Aergwedd ab Coel ab Cyllyn Sant (usualmente se 
pensa que seja Cartimandua). O segundo foi Lleurig ab Coel ab Cyllyn Sant, 
que foi chamado Lleufer Mawr (“Luz Verde”) e construiu a igreja de Llandaf, 
que foi a primeira na Grã­Bretanha e que deu os privilégios de terra e de 
parentesco e de direitos sociais e de sociedade aos que eram da fé de Cristo. 
O terceiro foi Cadwaladyr, o Abençoado, que deu guarida em suas terras e 
com todos os seus bens aos crentes  que fugiram dos saxões sem fé e dos 
estrangeiros que poderiam tê­los matado.

O benefício que Bran assim conferiu a seu país trouxe a sua família a distinção 
de ser contada como uma das Três Tribos Sagradas. As famílias de Cunedda 
Wledig e de Brychan Brycheiniog seriam as outras duas.  

Bran é comparado a Prydain ab Aedd Mawr e Dyfnwal Moelmud como um dos 
três reis que   deram      estabilidade à realeza pela
excelência de seu governo (tríade 36).
63

Vários antigos documentos galeses aludem aos incidentes ligados a Bran no 
mabinogi  de Branwen. Assim,  no curioso poema  intitulado  Kerdd am  Feib  
Llyr, atribuído a Taliesin, estão as seguintes linhas (Myv. Arch., I, p. 86):

Eu estava com Bran na Irlanda,
Eu vi quando Morddwyd Tyllion foi morto.

E   há   uma   tríade   sobre   a   história   de   sua   cabeça   sendo   enterrada   no   Monte 


Branco, com a face voltada para a França, considerada um encantamento contra 
a invasão estrangeira.   Arthur, ao que parece, orgulhosamente desenterrou a 
cabeça.  

As Três Ocultações Fatais da Ilha: primeira, a cabeça de Bendigeid Fran ab 
Llyr, que Owain, filho de Macsen Wledig, enterrara sob o Monte Branco, em 
Londres, e, enquanto estivesse ali colocada, invasão alguma poderia ser feita 
na Ilha; a segunda foram  os ossos de Gwrthefyr, o Abençoado (Vortimer, 
Vortemir),   que   foi   sepultado   no   principal   porto   da   Ilha   e,   enquanto   lá 
permanecessem ocultos, todas as invasões seriam ineficazes. A terceira foram 
os dragões enterrados por Llud ab Beli na cidade de Pharon, nos rochedos de 
Snowdon. E as três ocultações foram feitas sob a benção de Deus e o mal 
sobreveio desde o tempo de sua revelação. Gwrtheyrn Gwrtheneu (Vortigern) 
descobriu os dragões para vingar­se da ofensa dos galeses, ele convidou os 
saxões  sob   aparência de homens  de defesa  para lutar contra os Gwyddyl 
Ffychti; e, depois disso, ele descobriu os ossos de Gwrthefyr, o Abençoado, 
pelo amor de Ronwen (Rowena), a filha do saxão Hengist. Arthur descobriu a 
cabeça de Bendigeid Fran porque escolheu não manter a Ilha senão por sua 
própria força. E, depois das Três Revelações, vieram grandes invasões sobre a 
raça dos galeses.

O nome de Bran ocorre freqüentemente nos poemas de Cynddelw e de outros 
bardos da Idade Média. 

As lendas mais antigas contam que Brennius, irmão de Belinus (Beli), brigou e 
lutou contra este, mas foram reconciliados por sua mãe, Tonuuena, e juntos 
marcharam sobre a Gália e conquistaram­na. Depois, submeteram Roma, que 
Brennius saqueou (390 a. C.). Brenus ou Brian foi o nome do condutor dos 
celtas em suas vitórias em Alia e Delfos.

Brennius, Brenus, Brian ou Bran deveria ser, na origem, uma divindade que 
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terminou sendo diminuída com o advento do cristianismo. Todavia, estava tão 
firmemente enraizada na devoção dos britânicos que não foi possível erradicá­
la.   Fizeram   dela,   então,   o   introdutor   da   nova   fé   na   ilha.   Esse   processo   de 
cristianização foi muito comum e não só no mundo celta.

Há três Brans na mitologia céltica e no ciclo lendário: Bran, o galgo de Fin; 
Bran, filho de Febal, o herói irlandês que atingiu a Ilha das Mulheres, o Paraíso 
Ocidental de Manannan mac Lir, e Bran, o Abençoado, cuja história é aqui 
contada.   É   claro   que   os   mitos   irlandeses   e   galeses   estão   intimamente 
conectados,   mas   Bran,   o   Abençoado,   parece   representar   um   deus   ancestral. 
Alguns   estudiosos   sugerem   que   Bran   seria   uma   divindade   até   mesmo   pré­
céltica, incorporada à tradição céltica posterior. Deve­se lembrar que Bran era 
de um tamanho monstruoso, tão grande que casa alguma podia contê­lo, mas 
era um dos gigantes benevolentes e possuía tesouros mágicos que enriqueceram 
a ilha, dos quais o principal era o Caldeirão da Renovação, que veio da Irlanda 
e estava destinado a retornar par lá.  

13 Harlech

Muitas   das   localidades   que   surgem   no   conto   de   Branwen   podem   ser 


identificadas   apenas   com   o  auxílio   de   um   bom  mapa,   dispensando  maiores 
explicações.   Uma   ou   duas,   porém,   exigem   uma   pequena   explanação.   De 
Harlech,   pode­se   dizer   que   se   chama   também  Twr   Bronwen,   ou   “Torre   de 
Branwen”. Recebeu também o nome de Caer Collwyn, lembrando Collwyn ab 
Tangno, chefe de uma das quinze Tribos Nobres do norte de Gales. Harlech 
fica próximo da costa do mar, nos confins de Ardudwy, um dos seis distritos de 
Merionethshire, de que a porção chamada  Dyirfryn Ardudwy  é o que resta do 
Cantref y Gwaelod, inundado no tempo de Gwyddno Garanhir. 

Edeyrnion,   que   o   texto   menciona   pouco   depois,   situa­se   também   em 


Merionethshire.
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Talebolyon é uma localidade em Anglesey.

Abberffraw, também em Anglesey, foi a residência dos príncipes de Gwynedd 
desde o tempo de Roderick, o Grande, em 843, até 1282, ano em que morreu 
Llewelyn,   último   príncipe   nativo   reinante   em   Gales.   Esse   soberano   lutava 
defendendo a independência de seu país frente aos ingleses e caiu vítima de 
uma armadilha. 

14 Eurosswydd

Eurosswydd   é,   sem   dúvida,   o   general   romano  Ostorius,   que   capturou   Llyr 


Llediaith e toda sua família, incluindo Bran e Caradawc. É mencionado como 
tal na tríade 50.   

15 Beli, filho de Manogan

Beli teve como filha ou irmã a Penardun, que, com Llyr, foi a mãe de Bran, o 
qual dizem ter sido ancestral de Arthur tanto pelo lado paterno, quanto pelo 
paterno. Seria irmão do rei britano histórico Cunobelinos (“Cão de Belenos”), 
do éc. I d. C., governante da tribo dos Catuuellauni e senhor de uma grande 
região do sul da Grã­Bretanha. É o rei chamado  Cymbeline  por Shakespeare. 
Beli, também chamado Belinus, fez muitas estradas e estabeleceu sua capital 
em  Caer Husk. Construiu  Billingsgate  em  Trinouantum  (Londres). Conta­se 
que foi enterrado numa urna de ouro.

Na   verdade,   Beli   era   o   deus   galês   da   morte,   esposo   da   deusa­mãe   Dôn   e 


correspondia ao irlandês Bile, consorte de Danu, considerada progenitora das 
divindades da Irlanda (Tuatha Dé Dánann, “povo, filhos ou tribo de Danu”). 
Em sua honra era celebrada a festa de Beltaine (“fogos de Belenos”) na véspera 
de maio, a noite entre 30 de abril e 1º. de maio, quando os fogos de todas as 
casas deveriam ser apagados e novamente acesos com uma chama proveniente 
da fogueira sagrada feita pelos Druidas.
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16 Branwen

A bela Branwen (ou  Bronwen, “a do alvo colo”, como é mais conhecida), é 
uma das mais populares heroínas do romance galês. Não menos celebrada por 
seus   sofrimentos   que   por   seus   encantos,   percebemos   que   sua   tumultuosa 
história foi um tema favorito para os poetas de sua nação. As indignidades que 
teve de suportar na Irlanda são referidas na tríade 49.

Em   1813,   uma   sepultura   contendo   uma   urna   funerária   foi   descoberta   nas 
margens   do   rio   Anglesey,   num   local   chamado  Ynis   Bronwen  (“Ilha   de 
Branwen”) e atribuída à filha de Llyr, pois concordava com a descrição do 
Mabinogion:

Bedd petrual a waned i Fronwen ferch Lyr ar lan Alawc ac yno y claddwyd  
hi.

Fizeram­lhe um sepulcro de quatro lados e enterraram­na nos bancos do rio 
Alaw (Branwen, VIII).

A   urna,   muito   simples   e   de   tosca   feitura,   continha   ainda   cinzas   e   ossos 


calcinados. 
Branwen   parece   ser   a  Brangwaine  ou  Brangwain  do   romance,   embora   o 
personagem da heroína galesa e o papel que desempenha difiram grandemente 
daqueles assinalados à confidente de Tristan e Yseult, a bela. Da mesma forma, 
também  Matholwch  parece   idêntico   a  Morholt, o  severo rei   da Irlanda   que 
surge na história de Tristan e Yseult.

17 A Ilha do Poderoso

Ynis y Kedyrn, a “Ilha do Poderoso”, é um dos muitos nomes dados à Grã­
Bretanha pelos galeses. Uma tríade em que muitas outras dessas denominações 
estão preservadas, assevera que, enquanto esteve desabitada, a ilha chamava­se 
Clas Myrddin (“Recinto de Myrddin”), mas após sua colonização, passou a ser 
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Fel   Ynis,   que   foi     novamente   mudado   para  Ynis   Prydain,   “Ilha   da   Grã­
Bretanha” ou “Ilha de Brutus”, depois que Brutus a conquistou. Esse Brutus 
seria   filho   do   príncipe   troiano   Enéias,   que   arrebatou   a   ilha   a   uma   raça   de 
gigantes   que   a   aterrorizavam   e   dividiu­a   entre   seus   filhos   como   nos   conta 
Geoffrey   de   Monmouth.   A   mesma   tríade   afirma   que   algumas   autoridades 
atribuem a designação mais moderna a Aed, o Grande (Myv. Arch., II, p. i).

Os Nomes da Grã­Bretanha

Estes são os nomes da Ilha da Grã­Bretanha.

O primeiro nome que esta ilha ostentou, antes que fosse tomada ou habitada: 
Cercado de Myrddin. E depois que foi tomada e habitada, a Ilha do Mel. E 
depois que foi conquistada por Prydein, filho de Aedd Mawr, foi ela chamada 
Ynis Prydein, a Ilha de Prydein [Pretânia, Pritânia, Britânia].

A Grã­Bretanha tem três principais ilhas afastadas: Anglesey, Man e Lundy. 
Possui três deltas principais e sete vintenas de subordinados. Tem trinta e 
quatro portos pincipais e trinta e três cidades importantes. São estes os seus 
nomes:

Caer Alclut (Dumbarton)
Caer Llyr (Leicester)
Caer Hawyd
Caer Efrawc (York)
Caer Gent (Canterbury?)
Caer Wyranghon (Worcester)
Caer Llundein (London)
Caer Lirion
Caer Golin (Colchester)
Caer Lloyw (Gloucester)
Caer Gei
Caer Siri
Caer Wynt
Caer Went (Gwent)
Caer Grant (Cambridge)
Caer Dawri (Dorchester)
Caer Llwyd Coet (Lincoln)
Caer Myrdin (Carmarthen)
Caer yn Aruon (Carnarvon)
Caer Gorgyrn
Caer Lleon (Caerleon­on­Usk or Chester)
Caer Gorcon (Worren?)
Caer Cusrad
Caer Urnas (Wroxeter)
Caer Selemion
Caer Mygeid (Meivod)
Caer Lyssydit
Caer Beris (Portchester)
Caer Llion (Chester or Caerleon­on­Usk)
Caer Weir (Warwick)
Caer Gradawc
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Caer Widawl Wir (St. Albans) 

Geoffrey   de Monmouth (1100? – 1154) foi bispo de St. Asaph. Escreveu a 
Historia Regum Britanniae (“História dos Reis da Grã­Bretanha”) para celebrar 
oss feitos de Arthur e sua obra Vita Merlini (“A Vida de Merlin”) foi a primeira 
fonte de inspiração para os romances arturianos). 

A denominação  Clas Myrddin  (Myrddin  vem de  Mori­dunum, “Fortaleza do 


Mar”)   acima   mencionada   é   um   reflexo   da   tradição   de   que   a   própria   Grã­
Bretanha seria vigiada por Merlin como seu espírito guardião. Esotericamente, 
o   aprisionamento   de   Merlin   por   Nimue,   como   narrado   nas   lendas   do   ciclo 
arturiano,   tem   sua   base   no  Clas   Myrddin  –   o   lugar   onde   Merlin   está 
voluntariamente confinado para velar pela sorte da ilha. O personagem tem um 
caráter primordial: antes mesmo de ser habitada, a ilha já levava o nome de 
Merlin. 
18 Uma compensação pelo insulto

Exceto no que diz respeito ao tamanho da vara de prata, a compensação aqui 
oferecida a Matholwch está em perfeita concordância com o que exigem as leis 
do rei galês do séc. X, Hywel Dda, onde a multa por insultar um rei estava 
fixada em “cem vacas para cada cantref e um bastão de prata com três nós no 
alto, que vá do chão até o rosto do rei quando sentado em sua cadeira e tão  
grosso quanto seu anular”, entre outras coisas. 

19 Um caldeirão

Os   poderes   exercidos   pela   família   de  Llyr   graças   à  influência   do  caldeirão 
possuem uma forte semelhança com aqueles dos Tuatha Dé Dánann, a raça de 
magos que outrora invadira a Irlanda, de acordo com o relato do “Livro das 
Conquistas da Irlanda”. Essa tribo, durante sua permanência na Ásia, esteve em 
guerra com os sírios e obteve o triunfo com a ajuda da magia, pois conheciam a 
arte   de   ressuscitar   aqueles   dos   seus   que   caíssem   em   batalha,   enviando 
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demônios para animar seus cadáveres, de modo que os sírios, para seu horror, 
viam os inimigos que haviam matado tão vigorosos como antes, vindo para a 
luta.   Para   enfrentar   essa   dificuldade,   recorreram   ao   conselho   de   seus 
sacerdotes,   que   lhes   disseram   para   atravessar   os   corpos   dos   guerreiros   que 
matassem com uma estaca de sorveira, pois, se tivessem sido animados por 
demônios,   instantaneamente   se   transformariam   em   vermes.   O   conselho   foi 
seguido e os Tuatha Dé Dánann viram­se obrigados a deixar o país.   

Nos antigos mitos célticos, havia muitos caldeirões, dispensando variadamente 
dons de vida, saúde, inspiração e sabedoria. Em geral, acredita­se que, com o 
tempo, esses caldeirões  cederam lugar ao  Santo Graal  e incorporaram­se às 
comemorações da Grã­Bretanha medieval. De acordo com Taliesin (Preiddeu  
Annwn, “Os Espólios de Annwn”, veja nota n°. 1), Arthur foi até os portais do 
Outro Mundo em busca de um desses caldeirões.

20 Caradawc, filho de Bran

Esse príncipe, conhecido sob seu nome latinizado de  Caratacus, rei da tribo 
dos Catuuellauni, é lembrado principalmente por seu cativeiro em Roma que, 
de acordo com as autoridades galesas, foi compartilhado por Bran, seu pai, Llyr 
Llediaith,   seu   avô,   e   todos   os   seus   parentes   próximos.   Há   muitas   tríades 
relativas e essa importante ocorrência em sua vida (tríades 17, 23, 24, 34, 41, 
55).   Uma   delas   parece   afirmar   que  ele   foi   escolhido   por  seus   compatriotas 
como general ou “rei de guerra” (o que corresponderia ao título romano  dux 
bellorum) para repelir as incursões dos romanos; há outra tríade que corrobora 
essa asserção, apresentando­o como um dos “Três Governantes de Eleição”, 
tendo sido aclamado pela voz do país e do povo, embora não fosse um chefe 
tribal. Não á dúvida de que gozava de um alto grau de estima em sua nação. 
Dizem­no   que  “os   homens   da   Grã­Bretanha,   do   príncipe   ao   escravo,  
tornaram­se seus seguidores na necessidade do país contra o progresso do 
inimigo e da destruição. E, aonde quer que ele fosse em guerra, os homens da  
Ilha seguiam­no e ninguém desejava permanecer em casa.” Nessa tríade (a de 
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n°. 12), ele é chamado um dos “Três Servidores Supremos” (“Tríades Galesas”, 
12, Peniarth MS 54):

Três Servidores Supremos da Ilha da Grã­Bretanha: Caradawc, filho de Bran 
e Caurdaf, filho de Caradawc, e Owen, filho de Maxen Guledic.       

Caradawc   é   também   louvado   como   um   daqueles   bravos   príncipes   que,   em 


razão de seu valor, jamais puderam ser vencidos senão pela traição. O que o 
entregou   nas   mãos   de   seus   inimigos   é   algo   que   se   lembra   com   muita 
freqüência. Afairwy ab Llud ab Bel (Androgenus, o Mandubracius de Geoffrey 
de   Monmouth)   e   sua   filha,   Aregwedd   Foeddawg,   foram   os   traidores   e   são 
sempre   mencionados   com   palavras   de   desprezo   e   execração.   “Um   dos 
oponentes dignos de Louvor” é outro dos títulos atribuídos a Caradawc, porque 
ele resistiu à invasão dos exércitos de Claudius Caesar.

Alguns   pesquisadores   pensam   que,   com   o   tempo,   a   história   de   Caratacus 


tornou­se confusa na lembrança  popular e que ele foi o original  de Arthur. 
Outro   rei   identificado   com   Caratacus   chamava­se  Aruiragus  e   é   um 
personagem bastante controverso.

Aruiragus   tornou­se   conhecido   na   história   romana   graças   a   uma   obscura 


referência em Juvenal, poeta romano, feita entre os anos 80 e 90 d. C., onde ele 
surge como oponente britano aos romanos. Geoffrey de Monmouth faz dele um 
rei da Grã­Bretanha (que sucedeu a seu pai, Cunobelinos), morto na invasão de 
Cláudio à ilha, em 43 d. C. A paz foi restabelecida entre Cáudio e Aruiragus, 
casando­se   este   com   a   filha   do   imperador   romano,   Genuissa.   Mais   tarde, 
Aruiragus   revoltou­se,   mas   a   paz   foi   restabelecida   pelos   bons   serviços   de 
Genuissa. Em outro lugar, diz­se que Aruiragus deu a José de Arimatéia os 
famosos doze campos na localidade de Glastonbury.

21 O Monte Branco

Sob   o   nome   de  Gwinfrin,   “Monte   Branco”,   o   texto   refere­se   mais 


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provavelmente à Torre de Londres, em que os galeses, que sempre viram a 
cidade como de sua própria fundação, parecem ter um interesse peculiar. De 
acordo com o conto “Lludd e Llefelys”, Londres teria sido fundada por Lludd 
ap Beli: 
Beli, o Grande, o filho de Manogan, tinha três filhos, Lludd e Caswallawn e 
Nynyaw;  e, de acordo  com  a história, ele tinha um quarto filho chamado 
Llefelys. E, depois da morte de Beli, o reino da Ilha da Grã­Bretanha veio às 
mãos   de  Lludd, seu  filho  mais  velho;   e  Lludd governou  prosperamente   e 
reconstruiu as muralhas de Londres e cercou­a com inumeráveis  torres. E, 
depois disso, ele convidou os cidadãos a construírem casas ali dentro, tais que 
quaisquer outras casas no reino não pudessem igualar. E, além disso, ele era 
um poderoso guerreiro e generoso e liberal em dar carne e bebida a todos que 
os solicitassem. E, embora ele possuísse muitos castelos e cidades, amava a 
esta mais do que a qualquer outra. E ele morava lá durante a maior parte do 
ano e assim foi ela chamada Caer Lludd e, por fim, Caer London. E depois 
que a raça dos estrangeiros lá chegou, ela foi chamada London ou Lwndrys.

Llywarch ab Llywelyn (Pryddid y Moch), um poeta do séc. XII e parte inicial 
do XIII, fala dela como “a branca eminência de Londres, um local de fama 
espêndida” (Myv. Arch., I, p.28).  

O estabelecimento da fortaleza da Inglaterra, por sua vez, em sido atribuído a 
celtas, romanos, saxões e normandos; agora, contudo as “Torres de Iulius” são 
consideradas como pertencentes ao período normando primitivo.

22 Caswallawn

Caswallawn,   o   filho   de   Beli,   geralmente   conhecido   pelo   nome   de 


Cassiuelaunus,   que   lhe   foi   dado   pelos   romanos,   é   um   personagem   muito 
celebrado na história galesa. É lembrado como um dos chefes escolhidos para 
opor­se à invasão de Caesar (em 54 a. C.) e instituído, assim como Caradawc, 
um dos “reis de guerra” da Grã­Bretanha (tríade 24).

Relata­se que Caswallawn liderou um exército de 61.000 homens contra Iulius 
Caesar. Os encantos de Fflur, a filha de Mygnach Gorr, são apontados como a 
causa de sua incursão.
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Ela fora capturada por Mwrchan, um príncipe gaulês aliado de Caesar, a quem 
ele  pretendia  dar seu prêmio. A expedição  que Caswallawn  encabeçou  teve 
sucesso: 6.000 dos partidários de Caesar foram mortos e Fflur foi resgatada. 
Algumas das circunstâncias dessa realização deram a Caswallawn a designação 
de   um   dos   “Três   Fabricantes   de   Sapatos   Dourados”,   sendo   os   outros   dois 
Manawyddan e Llew Llaw Gyffes. O feito inteiro colocou­o entre os “Três 
Amantes Fiéis da Grã­Bretanha”.

O exército de Caswallawn não retornou com seu líder, pelo que é chamado um 
dos “Três Exércitos Migrantes da Grã­Bretanha”.

Meinlas era o nome do cavalo de Caswallawn (Trioedd y Meirchion, “Tríades 
dos Cavalos”):

As Tríades dos Cavalos (do Livro Negro de Carmarthen, 8)

Os três cavalos saqueadores da Ilha da Grã­Bretanha:
Carnalawg, o cavalo de Owain, filho de Urien,
Bucheslwm Seri, o cavalo de Gwgawn Gleddyvrudd,
E Tafawd Mr Breich­hir, o cavalo de Rhydderch Hael.

Os três cavalos vivazes da Ilha da Grã­Bretanha: 
Gwineu Goddwf Hir, o cavalo de  of Cai,
Rhuthr Eon Tuth Blaidd, o cavalo de Gilbert, filho de Cadgyffro 
E Ceincaled, cavalo de Gwalchmai.

Os três cavalos vigorosos da Ilha da Grã­Bretanha:
Lluagor, o cavalo de Carndawg;
E Meinlas, o cavalo de Caswallawn, filho de Beli.
(Provavelmente   foi   esquecido   Melyngar   Mangre,   o   cavalo   de   Lleu   Llaw 
Gyffes). 

23 As cinco divisões da Irlanda. Trefuilngid Tre­eochair.

Antes  da invasão dos anglo­normandos, na época de Henrique II, a Irlanda 
estava dividida numa pentarquia composta pelos reinos de Munster, Leinster, 
Connaught, Ulster e Meath. No relato irlandês “A Fundação do Solar de Tara”, 
há detalhes interessantes sobre os cinco reinos da ilha:

Trefuilngid Tre­eochair
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Em  "A Fundação  da Mansão  de Tara", o ancião Fintan (Irlanda,  ciclo de 


Ulster;   homem­druida   primordial.   O   único   que   escapou   do   dilúvio.   Ele 
atravessa o tempo transformando­se em diversos animais para transmitir o 
conhecimento, a história do mundo e das coisas. Seu nome significa "branco 
antigo" e sua genealogia é sempre indicada em filiação matrilinear) tem como 
missão   mostrar   que   Tara   foi   e   deverá   continuar   a   ser   a   sede   da   Realeza 
Suprema da Irlanda. Ele conta o seguinte:

"Uma vez estávamos fazendo uma grande assembléia dos homens da Irlanda 
ao redor de Conaing Bec­eclach, Rei da Irlanda. Certo dia, então, vimos nessa 
assembléia um grande herói, belo e poderoso, aproximando­se de nós e vindo 
do   oeste,   da   direção   do   pôr­do­sol.   Maravilhamo­nos   grandemente   com   a 
magnitude  de  sua  forma.  Tão  alto  quanto  uma   árvore  era  o  topo  de  seus 
ombros, o céu e o sol visíveis entre suas pernas em razão do seu tamanho e 
beleza.   Um   véu   de   brilhante   cristal   sobre   ele,   como   uma   veste   de   linho 
precioso. Sandálias em seus pés e não se sabe de que material eram. Cabelo 
amarelo­dourado caindo em  cachos  até a altura de suas  coxas. Tábuas  de 
pedra na sua mão esquerda, um ramo com três frutos em sua mão direita e 
eram estes os frutos que nele estavam, nozes e maçãs e bolotas do mês de 
maio: e não maduro estava cada fruto. Com passos largos ele caminhou para 
trás de nós, ao redor da assembléia, com seu ramo dourado de muitas cores de 
madeira do Líbano atrás dele e um de nós lhe disse "Vem aqui e conversa 
com   o   rei,   Conaing   Bec­eclach."   Ele   respondeu   e   disse   "Que   desejais   de 
mim?" "Saber de onde vieste", disseram eles, "e para onde vais e quais são 
teu nome e sobrenome." "Sem dúvida eu vim", disse ele, "do pôr­do­sol e 
estou   indo   para   o   nascer­do­sol   e   meu   nome   é   Trefuilngid   Tre­eochair" 
(tríplice portador da chave tripla). "Porque te foi dado esse nome?", disseram 
eles. "Fácil dizer", disse ele. "Porque sou eu quem provoca o nascer­do­sol e 
o seu poente."

[Trefuilngid Tre­eochair, então, é quem provoca a aurora e o ocaso. Ele fez 
um pedido: que todos os irlandeses fossem reunidos naquele lugar. Depois 
que todos estavam presentes, ele perguntou se havia alguém que conhecesse 
toda a história da ilha. Quando se descobriu que não, ele escolheu um dos 
presentes para se tornar o depositário desse conhecimento. O escolhido foi 
Fintan. Fintan depois declarou que Trefuilngid Tre­eochair era "um anjo ou o 
próprio Deus."

[Um detalhe interessante é que, quando Trefuilngid Tre­eochair pediu que o 
povo fosse reunido, o rei Conaing Bec­eclach disse que isso poderia ser feito, 
embora eles não fossem poucos, mas seria difícil para os irlandeses sustentá­
lo durante o tempo em que permanecesse com eles. O gigante então declarou 
que podia se sustentar somente com o aroma do ramo que ele trazia. Esse 
ramo merece atenção.

[É   um   ramo   dourado,   de   muitas   cores,   de   madeira   do   Líbano,   com   três 


"frutos"   diferentes:   nozes,   maçãs   e   bolotas   (de   carvalho).   Na   tradição 
irlandesa, o ouro não é particularmente significativo, ao contrário da prata, 
que   representa   autoridade.   A   cor   dourada   indica   apenas   que   o   ramo   é 
brilhante e precioso. Já "muitas cores" tem um significado importante: um 
manto   de   [várias   cores   representa   o   druidismo,   objetos   ou   criaturas 
multicoloridos   possuem   origem   sobrenatural.   O   ramo   é   de   madeira   do 
Líbano,   isto   é,   cedro.   É   uma   árvore   muitas   vezes   mencionada   no   Antigo 
Testamento. O cedro não é nativo da Irlanda, de modo que a referência a essa 
árvore indica genericamente uma madeira rara e valiosa.
74

[A árvore de que foi retirado esse ramo combina as qualidades de seus frutos. 
A noz não é necessariamente a proveniente da nogueira, pois, em gaélico 
medieval, a palavra cno indica ao mesmo tempo a noz e a avelã. Seja como 
for, essa noz representa sabedoria, poesia, magia, florestas. A maçã é o amor 
e   a   felicidade.   A   bolota   é   a   abundância,   enquanto   o   carvalho   indica 
hospitalidade, tradição e lei. É com o aroma desse ramo que o gigante se 
alimenta.

[A roupa que ele usa é um véu de cristal. Encontramos na lenda céltica barcos 
de   cristal   e   edifícios   de   cristal   (casas,   fortalezas,   castelos).   Nesse   caso,   o 
cristal  representa   uma  técnica   e uma  perfeição   inacessíveis   às  habilidades 
humanas, bens que não podem ser comprados por nenhum soberano deste 
mundo.

[Talvez Trefuilngid Tre­eochair seja o deus do tempo gaélico. Além de ser o 
conhecedor de toda a história, é ele quem regula o curso do sol (aurora e 
poente).

[É ele próprio quem faz, nesse mesmo conto, as únicas atribuições direcionais 
seguras existentes na tradição irlandesa (mas as fortalezas e celebrações vêm 
da "História da Irlanda", de Keating):]

Sabedoria ­ oeste (província: Connacht; fortaleza real: Uisnech; Beltaine)

Sabedoria,   alicerce,   ensinamento,   pacto,   julgamento,   crônicas,   conselhos, 


relatos, histórias, ciência, decoro, eloqüência, beleza, modéstia, generosidade, 
abundância, riqueza.

Batalha ­ norte (província: Ulaid, Ulster; fortaleza real: Tailtiu; Lughnasadh)

Batalhas,   disputas,   audácia,   locais   incultos,   lutas,   arrogância,   inutilidade, 


orgulho, capturas, ataques, severidade, guerras, conflitos.

Prosperidade  ­  leste  (província:   Laighin,   Leinster;   fortaleza   real:   Tara; 


festim de Tara a cada três anos)

Prosperidade,   suprimentos,   colméias,   torneios,   feitos   de   armas,   chefes   de 


família,   nobres,   prodígios,   bom   costume,   boas   maneiras,   esplendor, 
abundância,  dignidade, força,  riqueza, administração da casa, muitas artes, 
muitos tesouros, cetim, sarja, seda, trajes, hospitalidade.

Música  ­  sul  (província:   Mumhan,   Munster;   fortaleza   real:   Tlachtgha; 


Samhain)

Cachoeiras,  feiras,   nobres,  saqueadores,  conhecimento,  sutileza,  ofício  dos 


músicos,   melodia,   ofício   dos   menestréis,   sabedoria,   honra,   música, 
aprendizagem,   ensino,   ofício   dos   guerreiros,   jogo   de  fidchell,   veemência, 
ferocidade, arte poética, advocacia, modéstia, código, séquito, fertilidade.

[Realeza ­ centro (província: Mide, Meath) 

Reis,   mordomos,   dignidade,   primazia,   estabilidade,   instituições,   esteios, 


destruições,   ofício   de   guerreiros,   ofício   de   condutores   de   carruagens, 
soldadesca,  principados,  grandes   reis,  ofício  dos  mestres­poetas,  hidromel, 
generosidade, cerveja, renome, grande fama, prosperidade. 
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O TERCEIRO RAMO DO MABINOGION

MANAWYDDAN, FILHO DE LLYR
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Introdução

No Terceiro Ramo, Manawyddan casa­se com Rhiannon, ganhando assim a soberania sobre 
Dyfed. O país cai então sob um feitiço que faz todos os habitantes e suas casas desaparecerem, 
exceto os principais personagens do conto. Rhiannon e seu filho, Pryderi, entram em um caer 
(castelo), talvez uma antiga fortificação de terra, onde encontram uma tigela de ouro ao lado de 
uma   fonte.   Quando   tocam   a   tigela,   ambos   desaparecem,   bem   como   o  caer.   Manawyddan 
recupera Rhiannon, Pryderi e a terra de Dyfed, capturando a esposa do mágico que causara seu 
desaparecimento e ameaçando enforcá­la caso ele não retirasse seu feitiço.

I O Terceiro Príncipe Humilde. Manawyddan casa­se com Rhiannon.

uando os sete homens de que falamos acima já 
haviam  enterrado  a  cabeça   de Bendigeid   Fran 
no   Monte   Branco,   em   Londres,   com   sua   face 
voltada   para   a   França,   Manawyddan24 
contemplou   a   cidade   de   Londres   e   seus 
companheiros,   soltando   um   grande   suspiro. 
Muita tristeza e peso caíram sobre ele.
­   Ai,   Céu   Todo­Poderoso,   ai   de   mim!   ­   ele 
exclamou. ­ Não há ninguém, exceto eu mesmo, sem um lugar para descansar 
nesta noite.
­  Senhor ­ disse Pryderi ­, não fiqueis  triste.  Vosso primo é rei da Ilha do 
Poderoso e, embora  possa ter agido mal para convosco, jamais  estivestes  a 
reclamar terras ou posses. Sois o terceiro príncipe humilde desta ilha.
­ Sim ­ respondeu ele ­, mas embora esse homem seja meu primo, entristece­me 
não ver ninguém no lugar de Bendigeid Fran, meu irmão, nem posso eu estar 
feliz na mesma habitação que ele.
­ Seguireis o conselho de outro homem?
­ Permaneço necessitando de um conselho ­ respondeu Manawyddan. ­ Qual 
seria ele?
­   Sete   províncias   continuam   sendo   minhas   ­   disse   Pryderi   ­,   onde   mora 
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Rhiannon, minha mãe. Eu a darei a vós e com ela as sete províncias e, embora 
não tenhais posses além dessas províncias somente, jamais poderíeis ter visto 
províncias tão belas quanto essas. Cicfa, a filha de Gwynn Gloyw, é minha 
esposa e, uma vez que a herança das províncias pertence a mim, que vós e 
Rhiannon desfruteis dela e, se jamais desejardes quaisquer domínios, tomareis 
esses.
­   Não   desejarei,   Príncipe   ­   ele   disse   ­,   o   Céu   vos   recompense   por   vossa 
amizade.
­ Eu vos demonstraria a melhor amizade do mundo se o permitísseis.
­   Eu   o  farei,  meu  amigo,   e  o  Céu  vos  recompense.  Irei   convosco  procurar 
Rhiannon e ver vossos domínios.
­ Fareis bem ­ respondeu Pryderi ­ e acredito que jamais escutastes uma dama 
falando melhor do que ela. Quando estava no seu auge, ninguém era mais bela. 
Ainda agora seu aspecto não é desagradável.

Eles partiram e, conquanto a jornada fosse longa, chegaram por fim a Dyfed. 
Uma festa fora preparada por Rhiannon e Cicfa para recebê­los em sua chegada 
a Narberth. Manawyddan e Rhiannon então se sentaram juntos e começaram a 
conversar e as palavras de Rhiannon inflamaram a mente e os pensamentos 
dele. Manawyddan pensou em seu coração que jamais contemplara uma dama 
mais cheia de graça e beleza do que ela.
­ Pryderi ­ ele falou ­, quero que seja como dissestes.
­ Que cochicho foi esse? ­ perguntou Rhiannon.
­ Senhora ­ disse Pryderi ­, eu vos ofereci como esposa a Manawyddan, filho de 
Llyr.
­ Com esse desejo eu de boa vontade concordo ­ disse Rhiannon.
­ Muito feliz também estou eu ­ disse Manawyddan. ­ Possa o Céu recompensar 
aquele que me mostrou uma amizade tão perfeita quanto essa.

Antes que a festa terminasse, ela se tornou sua noiva. Disse Pryderi:
­   Permanecei   aqui   pelo   resto   da   festa.   Eu   irei   a   Lloegyr25  prestar   minha 
homenagem a Caswallawn, o filho de Beli.
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­   Senhor   ­   falou   Rhiannon   ­,   Caswallawn   está   em   Kent,   podeis   assim 


permanecer na festa e aguardar até que ele esteja mais próximo.
­ Esperaremos ­ ele respondeu.
Terminaram então a festa. E começaram a percorrer Dyfed, a caçar e a dedicar­
se aos prazeres. Enquanto atravessavam o país, descobriram que nunca tinham 
visto terras mais agradáveis nas quais viver, nem melhores campos de caça e 
tampouco maior abundãncia de mel e peixes. Era tal a amizade entre aqueles 
quatro que não podiam separar­se nem à noite, nem durante o dia.

No meio de tudo isso, Pryderi foi encontrar Caswallawn em Oxford e prestar­
lhe homenagem. Teve lá uma honrosa recepção e foi altamente louvado por 
oferecer sua homenagem.

II O encantamento sobre Dyfed.

Depois   de   retornar,   Pryderi   e   Manawyddan   festejaram,   viveram 


confortavelmente   e   dedicaram­se   aos   prazeres.   Começaram   uma   festa   em 
Narberth,   pois   era   o   palácio   principal,   onde   se   originava   toda   honra.   Ao 
terminarem   a   primeira   refeição   daquela   noite,   enquanto   aqueles   que   os 
serviram comiam, eles se ergueram e saíram, dirigindo­se todos os quatro ao 
gorsedd, isto é, o monte de Narberth e seu séquito com eles. Ao sentarem­se, 
sobreveio um estrondo de trovão com a violência de uma tempestade e caiu 
sobre eles uma névoa tão espessa que nenhum deles podia ver o outro. Depois 
da névoa, tudo em volta ficou claro outra vez. Quando olharam na direção do 
lugar onde antes estavam, não viram gado, rebanhos, moradias, não enxergaram 
nada,   nem   casa,   nem   animal,   nem   fumaça,   nem   fogo,   nem   homem,   nem 
habitação,  nada além  das casas vazias  da corte, desertas  e desabitadas, sem 
qualquer   homem   ou   animal   dentro   delas.   Seus   companheiros   estavam 
verdadeiramente perdidos para eles, sem que estes quatro soubessem qualquer 
coisa do que lhes acontecera.

­ Em nome do Céu ­ gritou Manawyddan ­, onde estão todos os da corte e todos 
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os   meus   acompanhantes   que   estavam   ao   seu   lado?   Vamos   ir   e   ver   o   que 


aconteceu.
Assim, eles chegaram ao salão e lá não havia homem algum. Foram ao castelo, 
entraram  no dormitório  e não  viram ninguém.  Na adega  e na cozinha nada 
havia além de desolação. Eles quatro então festejaram, caçaram e dedicaram­se 
aos   prazeres.   Começaram   a   viajar   pelo   país   e   por   todos   os   domínios   que 
tinham,   visitaram   as   casas   e   as   habitações   e   nada   acharam   além   de   bestas 
selvagens.   Como   já   haviam   terminado   a   festa   e   consumido   todas   as   suas 
provisões, começaram a alimentar­se das presas que mataram na caça e do mel 
de   enxames   silvestres.   Assim   passaram   agradavelmente   o   primeiro   ano  e   o 
segundo, mas no último ano começaram a sentir­se exaustos.
III A peregrinação dos muitos trabalhos.

­ Realmente ­ disse Manawyddan ­, não devemos esperar assim. Vamos para 
Lloegyr e procuremos algum ofício pelo qual possamos ganhar nosso sustento.
Foram então para Lloegyr e chegaram até Hereford, onde dedicaram­se a fazer 
selas. Manawyddan começou também a fazer capas para cavalos. Ele dourou­as 
e coloriu­as com esmalte azul, do mesmo modo que vira ser feito por Llasar 
Llaesgywydd. Ele fez o esmalte azul como fora feito por outro homem. Desde 
então   é   ainda   chamado  Calch   Lasar  (“esmalte   azul”),   porque   Llasar 
Laesgywydd o forjara.

Durante todo o tempo em que esse trabalho pôde ser feito por Manawyddan, 
nenhuma   sela   ou   capa   foi   comprada   de   qualquer   outro   seleiro   em   toda   a 
Hereford.   Até   que,   por   fim,   cada   um   dos   seleiros   percebeu   que   estavam 
perdendo   muito   do   seu   ganho   e   que   homem   algum   comprava   deles   além 
daquele que não podia obter de Manawyddan o que procurava. Reuniram­se 
então e concordaram em matá­lo e a seus companheiros.

Eles, no entanto, foram avisados a esse respeito e deliberaram para decidir se 
deixariam a cidade.
­ Pelo Céu ­ disse Pryderi ­, não sou da opinião de que abandonemos a cidade, 
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mas sim de que matemos esses campônios.
­ Discordo ­ disse Manawyddan ­, pois, se lutarmos com eles, adquiriremos má 
fama e seremos jogados à prisão. Seria melhor para nós irmos buscar o sustento 
em outra cidade.

­ Que ofício exerceremos? ­ disse Pryderi.
­ Fabricaremos escudos ­ respondeu Manawyddan.
­ Sabemos algo sobre esse trabalho?
­ Tentaremos.
Começaram então a fazer escudos, moldando­os de acordo com os melhores 
que já tinham  visto. Esmaltaram­nos  como  haviam  feito  com as selas. Eles 
prosperaram   naquele   lugar,   a   ponto   de   escudo   algum   ser   encomendado   na 
cidade   além   daqueles   que   eles   mesmos   fabricavam.   Porém,   terminaram 
marcados   pelos   artesãos,   que   se   reuniram   apressadamente   trazendo   consigo 
seus concidadãos e todos concordaram em que deveriam procurar um meio de 
matá­los.   Mas   eles   foram   avisados   e   souberam   como   os   homens   haviam 
decidido destruí­los.
­ Pryderi ­ disse Manawyddan ­, esses homens querem nos matar.
­ Não suportemos tal ameaça da parte desses campônios. Caiamos sobre eles e 
matêmo­los!
­ Discordo. ­ respondeu Manawyddan. ­ Caswallawn e seus homens poderiam 
ouvir falar sobre isso e nós seríamos arrasados. Partamos para outra cidade.
Assim, para outra cidade eles foram.

­ Que ofício exerceremos? ­ disse Manawyddan.
­ Qualquer um que desejeis e nós conheçamos ­ respondeu Pryderi.
­   Discordo   ­   ele   replicou.   ­   Vamos   fazer   sapatos,   pois   não   há   coragem 
suficiente entre os sapateiros nem para lutar conosco, nem para molestar­nos.
­ Nada sei sobre esse ofício ­ Pryderi comentou.
­ Mas eu sei e irei ensinar­te a costurar. Não tentaremos preparar o couro, mas 
o compraremos pronto e com ele faremos os sapatos.
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Assim, eles começaram comprando o melhor couro que havia na cidade e ele 
não comprou senão o couro para as solas. Associou­se ao melhor ourives da 
cidade,   ordenou­lhe   que   fizesse   fechos   para   os   sapatos   e   os   dourasse.   Ele 
observou como era feito até aprender o processo e, desde então, foi chamado de 
um dos "três sapateiros de ouro". E, à medida em que podiam ser obtidos dele, 
nenhum sapato ou meia era comprado dos sapateiros da cidade. Porém, quando 
os   sapateiros   perceberam   que   seus   ganhos   estavam   caindo   (pois   enquanto 
Manawyddan dava forma ao trabalho, Pryderi o costurava), eles reuniram­se e 
deliberaram e concordaram que haveriam de matá­los.

­ Pryderi ­ disse Manawyddan ­, esses homens tencionam matar­nos.
­   De   modo   que   devemos   então   suportar   isso   desses   ladrões   grosseiros?   ­ 
Pryderi exclamou. ­ É preferível matá­los a todos!
­ Discordo. Não os mataremos, nem tampouco permaneceremos mais tempo 
em Lloegyr. Partamos para Dyfed e vejamos como se encontra.
Eles então viajaram até chegar a Dyfed e foram em direção a Narberth. Lá 
acenderam   o   fogo   e   sustentaram­se   caçando.   Assim   passaram   um   mês. 
Reuniram seus cachorros ao seu redor e lá permaneceram por um ano.

IV O castelo encantado. Pryderi e Rhiannon desaparecem.

Certa manhã, Pryderi e Manawyddan levantaram­se para caçar. Eles juntaram 
os   cães  e  saíram  do  palácio.   Alguns  dos  mastins  correram   à  frente  deles   e 
chegaram a um pequeno arbusto que estava bem próximo. Entretanto, tão logo 
haviam   chegado   ao   arbusto,   retrocederam   depressa,   seu   pelo   fortemente 
eriçado.
­ Aproximemo­nos do arbusto ­ disse Pryderi ­ e vejamos o que está lá.
Assim que chegaram perto, um javali selvagem puramente branco surgiu de 
dentro do arbusto. Os homens então açularam os mastins, que investiram contra 
o javali. Este, porém, deixou o arbusto e recuou, ficando um pouco mais longe 
dos caçadores. Ele resistiu aos cachorros sem fugir deles até que os homens se 
acercassem. Quando Pryderi e Manawyddan chegaram, o javali retrocedeu uma 
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segunda  vez  e  preferiu  fugir.  Eles   então  o  perseguiram  até   enxergarem   um 
vasto   e   imponente   castelo,   todo   recentemente   construído,   num   lugar   onde 
nunca antes tinham visto uma pedra ou construção. O javali correu rapidamente 
para dentro do castelo e os cães foram atrás dele. Quando o javali e os cães já 
haviam desaparecido dentro do castelo, Pryderi e Manawyddan começaram a 
maravilhar­se por encontrarem um castelo num local onde jamais tinham visto 
qualquer espécie de edificação. Do alto da  gorsedd  eles olharam e tentaram 
escutar os cachorros, mas durante todo o tempo que lá estiveram, nada ouviram 
dos cães, nem puderam saber coisa alguma a seu respeito.

­   Senhor   ­   disse   Pryderi   ­,   eu   vou   entra   no   castelo   para   ter   notícias   dos 
cachorros.
­ Na verdade ­ replicou Manawyddan ­, seríeis tolo em entrar nesse castelo que 
nunca antes vistes. Se seguirdes meu conselho, não entrareis lá. Quem quer que 
tenha sido o responsável pelo feitiço que caiu sobre esta terra também fez com 
que esse castelo aparecesse aqui.
­ Realmente, mas ainda assim não posso abandonar meus cães.

Quando entrou no castelo, não viu lá nem homem, nem besta, nem javali, nem 
cães, nem casa, nem habitação. Mas no centro do pavimento do castelo ele 
contemplou uma fonte com mármore trabalhado ao seu redor. Havia na borda 
da   fonte   uma   tigela   de   ouro   sobre   uma   placa   de   mármore   e   correntes   que 
pendiam do ar, das quais ele não conseguia discernir o fim.

Agradaram­no grandemente a beleza do ouro e o rico artesanato da tigela. Ele 
avançou para o precioso objeto e segurou­o. Ao agarrar a tigela, suas mãos 
ficaram presas, bem como seus pés prenderam­se à placa acima da qual estava 
colocada a tigela. Toda a sua alegria o abandonou para que ele não pudesse 
proferir sequer uma palavra. E Pryderi ficou ali, imóvel.

Manawyddan esperou por ele até perto do fim do dia. Já era bem tarde quando, 
estando certo de que não teria  novas  de Pryderi  ou dos cães, Manawyddan 
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retornou ao palácio. Assim que entrou, Rhiannon olhou para ele.
­ Onde ­ disse ela ­ estão vosso companheiro e vossos cães?
­ Vede que aventura ­ respondeu Manawyddan ­ ocorreu comigo.
E contou­lhe tudo.
­ Fostes um mau companheiro ­ Rhiannon acusou­o ­ e um companheiro bom 
haveis perdido.
Com essas palavras, ela saiu e seguiu rumo ao castelo, de acordo com a direção 
que ele lhe indicara. O portão do castelo, encontrou­o aberto. Ela não estava 
nada   assustada   e   entrou.   Tão   logo   pôs   os   pés   dentro   do   castelo,   percebeu 
Pryderi segurando a tigela e dirigiu­se até ele.
­ Ó meu senhor ­ ela disse ­, que estais fazendo aqui?
Ela agarrou a tigela com ele e, assim que o fez, suas mãos prenderam­se à 
tigela  e  seus  pés,  à placa.   Ficou  também   incapaz   de dizer   uma  só  palavra. 
Anoiteceu   então  e  um  trovão  se fez  ouvir.  Uma  névoa  caiu  sobre  eles   e o 
castelo desapareceu, levando Rhiannon e Pryderi.

V A segunda viagem para Lloegyr.

Quando Cicfa, a filha de Gwynn Gloyw, viu que no palácio não havia ninguém 
além   dela   mesma   e   de   Manawyddan,   entristeceu­se   tanto   que   não   lhe 
interessava mais se iria viver ou morrer. Percebeu­o Manawyddan:
­ Estais enganada ­ disse ele ­ se é por medo de mim que vos entristeceis. 
Chamo o Céu como testemunha de que jamais vistes amizade mais pura do que 
esta   que   terei   para   convosco   enquanto   o   Céu   desejar   que   estejais   assim. 
Declaro­vos   que,   estivesse   eu   na   aurora   da   minha   juventude,   ainda   assim 
manteria   minha   lealdade   para   com   Pryderi   e   hei   de   mantê­la   também   para 
convosco. Portanto, não tenhais medo de mim. Tomo o Céu como testemunha 
de que encontrareis em mim toda a amizade que puderdes desejar e que estiver 
em   meu   poder   mostrar­vos,   durante   todo   o   tempo   em   que   agradar   ao   Céu 
prolongar nossa tristeza e aflição.
­ O Céu vos recompense ­ ela disse ­, era esse o julgamento que eu fazia de vós.
A jovem dama tomou então coragem e ficou mais alegre.
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­   Na   verdade,   senhora   ­   falou   Manawyddan   ­,   não   é   adequado   para   nós 


ficarmos aqui, pois perdemos nossos cães e não podemos conseguir comida. 
Partamos para Lloegyr, será mais fácil encontrarmos sustento lá.
­ Com satisfação, senhor ­ Cicfa respondeu ­, é assim que faremos.

­   Senhor   ­   ela   perguntou   ­,   qual   carreira   seguireis?   Escolhei   uma   que   seja 
decente.
­ Nenhuma outra escolherei ­ ele respondeu ­ senão a de fabricar sapatos, como 
fiz   anteriormente.   ­   Senhor,   tal   ofício   não   é   adequado   para   um   homem   de 
nascimento tão nobre quanto vós.
­ Entretanto, irei conformar­me com isso.

Ele começou então a exercer seu ofício e fez todo seu trabalho com o melhor 
couro que pôde obter na cidade. Como havia feito no outro lugar, mandou que 
fechos de ouro fossem fabricados para os sapatos. Exceto ele mesmo, todos os 
sapateiros   da   cidade   ficaram   desocupados,   sem   trabalho.   Pois,   enquanto 
podiam obtê­los de Manawyddan, nenhum sapato ou meia eram comprados de 
qualquer   outro.   Assim   permaneceram   por   um   ano,   até   que   os   sapateiros 
tornaram­se invejosos e reuniram­se para decidir o que fazer em relação a ele. 
Mas Manawyddan foi avisado disso e contaram­lhe que os sapateiros haviam 
concordado em juntar­se para matá­lo.

­   Portanto,   senhor   ­   exclamou   Cicfa   ­,   devemos   suportar   isso   desses 


campônios?
­ Não,voltaremos para Dyfed.
Assim, rumo a Dyfed eles partiram.

VI Retorno a Dyfed. As três plantações e o assalto dos ratos.

Manawyddan, ao iniciar a viagem de retorno a Dyfed, levou consigo um fardo 
de trigo. Ele prosseguiu em direção a Narberth e lá habitou. Nunca esteve ele 
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mais feliz do que ao ver Narberth outra vez e as terras onde se acostumara a 
caçar com Pryderi e Rhiannon. Ele habituou­se a pescar e caçar em suas terras. 
Manawyddan começou a preparar um terreno e semeou uma plantação e uma 
segunda e uma terceira. Trigo algum no mundo jamais brotou melhor. E as três 
plantações prosperaram com perfeito crescimento e nunca homem algum viu 
um trigal tão belo quanto esse.

Passaram­se as estações do ano até que a colheita chegou. Ele foi olhar uma de 
suas lavouras e viu que estava madura.
­ Vou ceifar isto amanhã ­ ele disse.
Naquela noite ele voltou a Narberth e pela manhã bem cedo, com a chegada da 
aurora, ele foi ceifar a plantação. Ao chegar lá, nada encontrou além da palha 
nua. Cada uma das espigas de trigo fora cortada da haste. Todas as espigas 
haviam sido levadas embora, não restando nada além da palha. E com isso ele 
ficou grandemente espantado.

Ele foi então examinar outro trigal e viu que também estava maduro.
­ Certamente ­ disse ele ­, este eu virei ceifar amanhã.
E pela manhã ele veio com a intenção de ceifá­lo. Ao chegar lá, nada encontrou 
além da palha nua.
­ Ó Céu cheio de graças ­ ele exclamou ­, eu sei que aquele que começou minha 
ruína está completando­a e também destruiu o país comigo.

Ele foi então examinar a terceira plantação e, quando chegou lá, encontrou um 
trigo melhor do que jamais fora visto e também este estava maduro.
­ Que o mal me castigue ­ disse ele ­ se eu não vigiar aqui esta noite. Quem 
quer que tenha levado os outros grãos virá da mesma maneira para carregar 
estes. E eu descobrirei quem é. Assim, ele apanhou suas armas e começou a 
vigiar a lavoura. Ele contara a Cicfa tudo que havia acontecido.
­ Na verdade ­ ela perguntou ­, que pensais fazer?
­ Vigiarei a plantação esta noite.
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Ele foi vigiar o trigal. À meia­noite, então, surgiu o maior tumulto do mundo. 
Ele   olhou   e   viu   a   maior   multidão   de   ratos   do   mundo,   tão   grande   que   não 
poderia ser contada nem medida. Ele não soube o que era até que os ratos 
abriram caminho pela plantação; cada um deles subia pela haste e dobrava­a 
com seu peso, cortava as espigas de trigo e levava­as embora, deixando apenas 
a palha. Manawyddan viu que não havia uma só haste sem um rato pendurado 
nela. Todos eles seguiam seu caminho, carregando as espigas consigo.

Com ira e fúria ele correu para os ratos, mas não pôde aproximar­se deles mais 
do que se fossem mosquitos ou pássaros no ar, exceto por um só que, embora 
lento, ia tão depressa que um homem a pé dificilmente poderia alcançá­lo. Ele 
correu atrás desse, apanhou­o e colocou­o em sua luva, amarrando a abertura 
com uma corda e levando­o consigo ao retornar ao palácio. Ele então chegou ao 
salão onde Cicfa estava e acendeu um fogo. Ele pendurou a luva pela corda em 
um gancho na parede.
­ Que tendes aí, senhor? ­ Cicfa quis saber.
­ Um ladrão ­ respondeu Manawyddan ­ que encontrei roubando­me.
­ Que tipo de ladrão poderia ser, meu senhor, que podeis colocá­lo dentro de 
vossa luva?
­ Já vos direi.
Manawyddan mostrou­lhe então como seus campos tinham sido devastados e 
destruídos e como os ratos tinham vindo ao último dos campos bem sob seus 
olhos.
­   E   um   deles   era   menos   ágil   que   os   demais   e   está   agora   em   minha   luva. 
Enforcá­lo­ei amanhã e, pelo Céu, se a todos eu tivesse, a todos eu enforcaria.
­ Meu senhor ­ ela disse ­, isso é espantoso, mas ainda assim seria impróprio 
para um homem da vossa dignidade ser visto a enforcar um ser repugnante 
como esse. E, se agirdes bem, não vos ocupareis dessa criatura, mas deixareis 
que se vá.
­  A aflição recaia sobre mim se, podendo pegá­los, eu não os enforcasse a 
todos. Mas este único que tenho, irei enforcá­lo. 
­ Na verdade, senhor, não há razão pela qual eu socorreria esse verme, além de 
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impedir   que   o   descrédito   recaia   sobre   vós.   Fazei   portanto,   senhor,   como 
quiserdes.
­ Soubesse eu de qualquer razão no mundo por que o devêsseis socorrer, eu 
aceitaria vosso conselho em relação a esse assunto. Mas como não conheço 
nenhuma, senhora, estou decidido a destruí­lo.
­ Fazei­o então de boamente ­ disse ela.

VII Libertai o rato!

Então ele foi para o gorsedd de Narberth levando o rato consigo. Ele montou 
duas forquilhas  na parte mais alta  do  gorsedd. Enquanto fazia isso, viu um 
sábio vindo em sua direção, em velhas, pobres e esfarrapadas vestimentas. Há 
sete   anos   Manawyddan   não   via   naquele   lugar   nem   homem,   nem   animal, 
ninguém além daquelas quatro pessoas que haviam permanecido juntas até se 
perderem duas delas.

­ Meu senhor ­ disse o sábio ­, um bom dia para vós.
­ O Céu vos faça prosperar e minha saudação para vós. De onde vindes, ó 
sábio? ­ perguntou Manawyddan.
­ Eu venho de Lloegyr, onde estive cantando. Por quê o perguntais?
­ Porque nos últimos sete anos não vi homem algum por aqui, exceto quatro 
segregados e vós mesmo, neste momento.
­ Na verdade, senhor, atravesso esta terra para chegar à minha própria. E que 
trabalho estais fazendo, senhor?
­ Estou enforcando um ladrão que apanhei a roubar­me.
­ Que tipo de ladrão é esse? ­ perguntou o sábio. ­ Vejo em vossa mão uma 
criatura semelhante a um rato e parece muito impróprio para um homem da 
vossa posição tocar um ser assim tão asqueroso como esse. Deixai que se vá em 
liberdade.
­ Não o deixarei  partir, pelo Céu! ­ exclamou  Manawyddan. ­ Eu o peguei 
roubando­me e o destino de um ladrão eu hei de infligir­lhe. Irei enforcá­lo.
­ Senhor ­ disse ele ­, antes de ver um homem da vossa posição fazendo um 
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trabalho como esse, prefiro dar­vos uma libra que recebi como gratificação para 
que deixeis o animal partir livre.
­ Eu não o deixarei partir, pelo Céu, e tampouco o venderei!
­ Como o quiserdes, senhor. Exceto pelo fato de que eu não desejaria ver um 
homem de posição igual à vossa tocando um animal como esse, eu não me 
importo absolutamente.
E o sábio seguiu seu caminho.

Enquanto ele estava colocando a trave sobre as duas forquilhas, um sacerdote 
veio em sua direção montado num cavalo coberto com arreios.
­ Um bom dia para vós, senhor ­ disse ele.
­ O Céu vos faça prosperar ­ Manawyddan respondeu ­; vossa benção.
­ A benção do Céu esteja convosco. E o que, senhor, estais fazendo?
­ Estou enforcando um ladrão que apanhei a roubar­me.
­ Que tipo de ladrão, senhor?
­   Uma  criatura  em  forma de rato.  Esteve  me roubando  e vou infligir­lhe  o 
destino de um ladrão.
­ Senhor, antes de ver­vos tocando esse asqueroso, eu preferiria comprar­lhe a 
liberdade.
­ Pela minha confissão do Céu, não irei vendê­lo nem tampouco libertá­lo.
­ É verdade, senhor, que não é nada digno de se comprar, mas, a ver que vos 
estais sujando por tocardes nessa criatura repulsiva, prefiro dar­vos três libras 
para que o deixeis ir.
­ Pelo Céu, eu não aceitarei qualquer valor por ele. Será enforcado como deve 
ser.
­ De boa vontade, senhor, fazei o que vos der satisfação.
E o sacerdote seguiu seu caminho.

Manawyddan então  passou o laço  pelo pescoço  do rato e, quando  estava a 


ponto de enforcá­lo, viu a comitiva de um bispo, com seus cavalos de aparato e 
servidores. E o próprio bispo foi em sua direção. Manawyddan parou o que 
estava fazendo.
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­ Senhor Bispo, vossa benção.
­ A benção do Céu esteja convosco. Que trabalho estais fazendo?
­ Enforcando um ladrão que apanhei a roubar­me.
­ Isso que vejo em vossa mão não é um rato?
­ Sim. E me roubou.
­ Uma vez que cheguei na hora de sua condenação, vou resgatá­lo de vós. Dar­
vos­ei sete libras por ele, o que é preferível a ver um homem de posição igual à 
vossa destruindo uma criatura repugnante tão vil quanto essa. Deixai­o partir e 
tereis o dinheiro.
­ Ao Céu declaro que não o deixarei partir!
­ Se não o quereis libertar por essa quantia, dar­vos­ei vinte e quatro libras em 
dinheiro vivo para que o solteis.
­ Não o libertarei por quantia alguma, pelo Céu!
­ Se não o quereis libertar pelo que já vos ofereci, dar­vos­ei todos os cavalos 
que vedes nesta planície e as sete cargas da minha bagagem e os sete cavalos 
sobre os quais estão.
­ Pelo Céu, não o aceitarei ­ Manawyddan replicou.
­ Uma vez que não o quereis libertar por tudo que já vos ofereci, dizei qual é 
vosso preço.
­ É o que farei. Quero que Rhiannon e Pryderi sejam libertados.
­ Isso obtereis.
­ Ainda assim, pelo Céu, não libertarei esse rato.
­ Então que mais quereis?
­ Que o feitiço e a ilusão sejam removidos das Sete Províncias de Dyfed.
­ Isso também obtereis. Deixai, portanto, que o rato parta livre.

VIII Llwyd. Pryderi e Rhiannon são libertados.

­ Pelo Céu que não o libertarei. Devo saber quem é esse rato.
­ É minha esposa.
­ Ainda mesmo que o seja, não a libertarei. Por que ela veio até mim?
­ Para despojar­vos. Eu sou Llwyd, filho de Cilcoed, e lancei o encantamento 
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sobre as Sete Províncias de Dyfed. E foi para vingar Gwawl, filho de Clud, pela 
amizade que lhe dedicava, que lancei o encantamento. Em Pryderi eu vinguei 
Gwawl, filho de Clud, pelo jogo do "Texugo na Bolsa", que Pwyll Pen Annwn 
precipitadamente jogou com ele na corte de Hefeydd Hen. E, quando se soube 
que havíeis chegado para viver nesta terra, todos os de minha casa vieram e 
imploraram­me   que   os   transformasse   em   ratos   para   que   pudessem   destruir 
vossos grãos. Foram esses mesmos que vieram na primeira noite, bem como na 
segunda, e destruíram vossas duas plantações. Na terceira noite, vieram a mim 
minha esposa e as damas da Corte, suplicaram­me que as transformasse e assim 
eu   fiz.   Porém,   ela   está   grávida.   Não   fosse   isso   e   vós   não   poderíeis   tê­la 
apanhado. No entanto, uma vez que aconteceu e ela foi presa, irei devolver­vos 
Pryderi e Rhiannon. Retirarei também o feitiço e a ilusão de Dyfed. Agora já 
vos contei quem ela é. Deixai, pois, que se vá.
­ Não a libertarei, pelo Céu.
­ O que mais quereis?
­ Vede o que devo ter: a promessa de que nunca vos vingareis por isto, seja 
sobre Pryderi, Rhiannon ou sobre mim mesmo.
­ Tudo obtereis. Na verdade, agistes com sabedoria ao pedí­lo, pois sobre vossa 
cabeça poderia ter recaído todo esse problema.
­ Sim, foi por receio de que assim ocorresse que fiz tal pedido.
­ Dai agora a liberdade a minha esposa.
­ Não o farei, pelo Céu, até que veja Pryderi e Rhiannon livres comigo.
­ Vede, ali vêm eles ­ respondeu Llwyd.

Imediatamente   surgiram   Pryderi   e   Rhiannon.   Manawyddan   ergueu­se   para 


encontrá­los, saudou­os e sentou­se a seu lado.
­ Ah, príncipe, deixai agora que parta minha esposa ­ disse o bispo. ­ Já não 
recebestes tudo quanto pedistes?
­ Alegremente a libertarei. 
E no mesmo instante soltou­a.

Llwyd então a tocou com uma vara mágica e ela transformou­se numa jovem, a 
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mais bela jamais vista.

­ Olhai ao vosso redor e vereis vossa terra toda cultivada e povoada, como 
esteve em seus melhores dias.
Manawyddan   ergueu­se   e   olhou   em   volta.   Viu   todas   as   terras   cultivadas   e 
cheias de rebanhos e habitações.

­ Qual servidão ­ ele perguntou ­ foi imposta a Pryderi e Rhiannon?
­   Pryderi   teve   as   aldravas   do   portão   do   meu   palácio   sobre   seu   pescoço   e 
Rhiannon usou a coleira dos burros depois que passaram a carregar feno em 
seus pescoços. Essa a servidão que lhes foi imposta.

Em vista de tal servidão, esta história é chamada  O Mabinogi  de Mynnweir 


(“Coleira”) e Mynord (“Martelo”).

E assim termina esta parte do Mabinogion.

NOTAS AO TERCEIRO RAMO

24 Manawyddan, filho de Llyr

Na origem,um deus do mar que corresponde ao irlandês Mánannan mac Lir, o 
príncipe que figura como herói do presente mabinogi é objeto de duas tríades, 
numa das quais se faz alusão a suas singulares aventuras:

Três Fabricantes de Sapatos de Ouro da Ilha da Grã­Bretanha: Caswallawn, 
filho de Beli, quando ele foi à Gasconha para obter Fflur, filha de Mygnach 
Gorr,   que   para   lá   fora   levada   para   Caesar,   o   Imperador,   por   um   homem 
chamado Mwrchan, o Ladrão, rei daquele país e amigo de Iulius Caesar, e 
Caswallawn trouxe­a de volta à Ilha da Grã­Bretanha; Manawyddan, filho de 
Llyr   Llediaith,   quando   estava   em   Dyfed   impondo   restrições;   Llew   Llaw 
Gyffes, filho de Dôn, procurando obter um nome e armas de Arianrhod, sua 
mãe.
92

Na outra, ele é apresentado como um dos  príncipes  humildes  da ilha,  pois, 


tendo cultivado a arte dos menestréis após o cativeiro com seu irmão Bran em 
Roma,   ele   não   retomaria   sua   posição   mais   tarde,   embora   pudesse   fazê­lo 
(“Tríades Galesas”, tríade 8, Peniarth MS 54):

Três Príncipes Humildes da Ilha da Grã­Bretanha: Llywarch Hen, filho de 
Elidyr Lydanwyn e Manawydan filho de Llyr Lledyeith e Gwgawn Gwrawn, 
filho de Peredur, filho de Eliffer Gosgordfaur. 

Os outros principais personagens cujos nomes surgem neste mabinogi são aqui 
passados em silêncio, pois já foram objeto de notas precedentes. 
  
25 Lloegyr

É   o   nome  galês   para  a parte   oriental   e  maior  da  ilha;  corresponde,  no  uso 
moderno,   à palavra  Inglaterra.  Na lenda arturiana,  o nome também  aparece 
como Loegres ou Logres, de Locrinus, filho mais velho do príncipe Brutus, o 
bisneto do troiano Enéias. Brutus acidentalmente matou seu pai e fugiu da Iália 
para a Grécia, sendo ali reconhecido como líder dos troianos escravizados. Ele 
então os conduziu para fora da Grécia, e, tendo sido instruído pela deusa Diana 
enquanto dormia em seu templo, navegou para a Grã­Bretanha e fundou uma 
segunda   Tróia,   Tróia   Nova   (Trinouantum),   nas   margens   do   Tâmisa.   Ele 
derrotou um exército de gigantes e acorrentou seus líderes, Gog e Magog, para 
que fossem seus  porteiros. O mítico  Brutus  é lembrado  como ancestral  dos 
britanos. Locrinus governou a região que, mais tarde, levou seu nome. 
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O QUARTO RAMO DO MABINOGION 

MATH, FILHO DE MATHONWY

Introdução

O Quarto Ramo conta como o mago Gwydion ("Selvagem?") e seu irmão, Gilfaethwy, usam as 
artes mágicas para obter de Pryderi os porcos do Outro Mundo que o Senhor de Annwn lhe 
enviara. Pryderi persegue­os através de Gales até ser morto por Gwydion. Gilfaethwy viola 
Goewin, donzela que serve de escabelo a Math ("Riqueza" ou "Tesouro"), senhor de Gwynedd, 
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no norte de Gales. O escabelo de Math deve ser uma virgem. Goewin conta a Math o que 
aconteceu e diz que ele deve procurar outra para ocupar seu lugar. Mah escolhe Arianrhod 
("Roda de Prata"), que demonstra não ser mais virgem dando à luz filhos gêmeos, Llew Llaw 
Gyffes ("Leão da Mão Firme") e Dylan ap Ton ("Oceano, Filho da Onda). O ciclo de histórias 
ligado a Llew inclui seu casamento com uma noiva magicamente criada, Blodeuwedd ("Rosto 
de Flor"), sua morte e renascimento, terminando com sua chegada ao trono de Gwynedd. Tais 
eventos são dirigidos ou criados por Gwydion, quase do mesmo modo que Merlin guiará a vida 
do jovem Arthur nos romances posteriores.

I A paixão de Gilfaethwy.

ath26,   filho   de   Mathonwy,   era   o 


senhor de Gwynedd e Pryderi, o 
filho de Pwyll, era o senhor das 
vinte   e   uma   Províncias   do   Sul. 
Estas eram as sete províncias  de 
Dyfed,   as   sete   províncias   de 
Morganwc, as quatro províncias de Ceredigiawn e as três de Ystrad Tywi.

Naquele tempo, Math, o filho de Mathonwy, não podia existir a não ser que 
seus   pés   estivessem   no   colo   de   uma   donzela,   exceto   quando   se   estivesse 
preparando   para   o   tumulto   da   guerra.   A   donzela   que   estava   com   ele   era 
Goewin27, filha de Pebin de Dol Pebin, em Arfon, e ela era, entre as donzelas 
conhecidas por lá, a mais bela de sua época.

Math   sempre   habitou   em   Caer   Dathyl28,   em   Arfon.   Ele   não   era   capaz   de 
percorrer o país, mas Gilfaethwy, o filho de Don, e Eneyd, o filho de Don, seus 
sobrinhos, os filhos de sua irmã, juntamente com seus domésticos, percorriam o 
país em seu lugar.

A donzela estava continuamente com Math e a afeição de Gilfaethwy, o filho 
de Don, recaiu sobre ela. Ele amou­a tanto que não sabia mais o que fazer por 
causa dela e logo sua cor, seu aspecto e seu ânimo mudaram por amor a ela, de 
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sorte que não era fácil reconhecê­lo.

Um dia, seu irmão Gwydion olhou­o firmemente.
­ Jovem ­ ele disse ­, o que te incomoda?
­ Por quê? ­ replicou o outro. ­ Que vês em mim?
­ Vejo que perdeste teu aspecto e tua cor. Portanto, o que te incomoda?
­ Meu senhor irmão, o que me incomoda, não me serviria confessá­lo a quem 
quer que fosse.
­ Mas que poderia ser, minha alma?
­ Tu sabes que Math, o filho de Mathonwy, é dono desta propriedade; que, se 
homens   sussurrarem   juntos,   ainda   que   em   tom   muito   baixo,   se   o   vento   os 
encontrar, ele ficará sabendo.
­ Sim, mantém tua paz, conheço teu intento. Tu amas Goewin.

Quando   viu   que   seu   irmão   conhecia   seu   desejo,   Gilfaethwy   soltou   o   mais 
profundo suspiro do mundo.
­ Fica em silêncio, minha alma, e não suspires ­ falou Gwydion. ­ Não é assim 
que terás sucesso. Provocarei, se não puder ser de outro modo, um levante de 
Gwynedd, Powys e Deheubarth para conseguir a donzela. Que a partir de agora 
fique melhor o teu ânimo e eu farei os planos.

Assim, eles foram até Math, o filho de Mathonwy.
­ Senhor ­ Gwydion disse ­, ouvi dizer que chegaram ao sul certos animais 
como nunca antes foram conhecidos nesta ilha.
­ Como se chamam? ­ o rei perguntou.
­ Porcos, senhor.
­ E que tipo de animais são?
­ São animais pequenos e sua carne é melhor que a dos bois.
­ Então eles são pequenos?
­ E mudam seus nomes. Agora são chamados suínos.
­ Quem é o dono deles?
­   Pryderi,   o   filho   de   Pwyll.   Os   animais   foram­lhe   enviados   de   Annwn   por 
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Arawn, o rei de Annwn, e ainda mantêm aquele nome, meio pântano, meio 
porco.
­ Realmente, de que modo podemos obtê­los de Pryderi?
­ Eu irei, senhor, como um dentre doze sob o disfarce de bardos, procurar os 
porcos.
­ Mas pode ser que ele os recuse a ti.
­ Minha viagem não será infrutífera, senhor. Não voltarei sem os suínos.

II Na corte de Pryderi. A magia de Gwydion.

Ele  e Gilfaethwy  partiram  e com eles  outros  dez homens. Eles  chegaram  a 


Ceredigiawn, ao lugar agora chamado Rhuaddlan Teifi, onde ficava o palácio 
de   Pryderi.   Sob   o   disfarce   de   bardos   eles   chegaram.   Foram   alegremente 
recebidos e Gwydion foi acomodado ao lado de Pryderi naquela noite.

­ De verdade ­ disse Pryderi ­, eu ficaria muito feliz em ouvir uma história de 
algum dos vossos homens.
­ Senhor ­ falou Gwydion ­, temos um costume pelo qual, na primeira noite em 
que chegamos à corte de um grande homem, quem recita é o chefe da canção. 
Assim, com toda a boa vontade, eu contarei uma história.
Gwydion  era   o   melhor   contador   de  histórias   do  mundo.   Naquela   noite,   ele 
divertiu   a   corte   com   um   discurso   agradável   e   contos,   de   tal   maneira   que 
encantou a cada um na corte e conversar com ele deu grande prazer a Pryderi.

Depois disso:
­ Senhor ­ ele disse a Pryderi ­, seria mais agradável para vós que um outro 
cumprisse minha missão em relação a vós do que se eu mesmo vos dissesse o 
que é?
­ Não ­ respondeu Pryderi ­, podeis falar livremente.
­ Vede então, senhor, esta é a minha missão: obter de vós os animais que vos 
foram enviados de Annwn.
­ Realmente, seria a coisa mais fácil de conceder, não houvesse um acordo 
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entre mim e minha terra a respeito deles. O acordo é que não posso desfazer­me 
deles até que tenham produzido o dobro do seu número.
­ Senhor, eu posso liberar­vos de vossas palavras e este é o meio pelo qual eu o 
farei: não me deis os suínos nesta noite, nem os recuseis a mim e amanhã de 
manhã vos mostrarei uma troca por eles.

Gwydion e seus companheiros foram para o alojamento e deliberaram:
­ Ah, meus homens, com o pedido que fiz não obteremos os suínos.
­ Bem, como podem os animais ser conseguidos?
­ Eu farei com que os obtenhamos ­ disse Gwydion.

Ele recorreu a suas artes e começou a trabalhar um encantamento. Fez com que 
doze cavalos aparecessem e doze galgos, cada um deles com o peito branco e 
tendo doze coleiras  e doze correias que ninguém diria que fossem feitas  de 
outra coisa que não ouro. Sobre os cavalos havia doze selas e cada uma das 
partes que deveria ser de ferro era inteiramente de ouro. As rédeas eram feitas 
do mesmo artesanato. Com os cavalos e os cães ele foi até Pryderi.

­ Bom dia para vós, senhor ­ ele disse.
­ O Céu vos faça prosperar e saudações para vós.
­ Senhor, eis para vós a libertação da palavra que dissestes na noite de ontem 
sobre os suínos: que não os poderíeis dar, nem vender. Podeis trocá­los pelo 
que é melhor. Eu darei estes doze cavalos, todos ajaezados como estão, com 
suas selas  e suas rédeas e os doze galgos, com suas coleiras e correias e ainda 
os doze escudos dourados que ali vedes.
Esses escudos ele formara com um fungo.
­ Bem ­ disse Pryderi ­, vou aconselhar­me a esse respeito.
Eles   deliberaram   e   decidiram   dar   os   suínos   a   Gwydion,   ficando   com   seus 
cavalos, cães e escudos.

III A fuga de Gwydion. Prepara­se a batalha entre Gwynedd e Dyfed.
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Então Gwydion e seus homens pediram­lhes licença e partiram com os porcos.
­Ah,   meus   companheiros   ­   disse   Gwydion   ­,   é   necessário   viajarmos   com 
rapidez. A ilusão não vai durar uma hora além deste mesmo horário amanhã.
Naquela noite, eles viajaram até a parte superior de Ceredigiawn, até o lugar 
que, por essa razão, é ainda chamado Mochdref29. No dia seguinte, coninuaram 
seu caminho através de Elenydd e, quando anoiteceu, chegaram à cidade que, 
por esse motivo, também  se chama Mochdref, entre Ceri e Arwystli. Então 
foram adiante e, à noite, alcançaram aquele distrito em Powys que passou assim 
a ser chamado Mochnant, onde pernoitaram. Eles viajaram para a província de 
Rhos e o lugar onde permaneceram à noite é ainda chamado Mochdref.

­ Meus homens ­ disse Gwydion ­, devemos prosseguir para a segurança de 
Gwynedd com estes animais, pois há uma reunião de exércitos perseguindo­
nos.
Eles viajaram para a maior cidade de Arllechwedd. Lá fizeram um chiqueiro 
para os suínos  e, por isso, o nome de Creuwyryon foi dado àquela  cidade. 
Depois de fazer o chiqueiro para os suínos, eles foram até Math, o filho de 
Mathonwy,   em   Caer   Dathyl.   Quando   chegaram   lá,   estava   havendo   uma 
mobilização no país.
­ Que novas há por aqui? ­ perguntaram eles.
­   Pryderi   está   reunindo   vinte   e   uma   províncias   para   perseguir­vos   ­ 
responderam­lhes. ­ É surpreendente que tenhais viajado tão lentamente.
­ Onde estão os animais em busca dos quais fostes? ­ quis saber Math.
­ Construiu­se um chiqueiro para eles numa outra província.

Logo depois, eles ouviram as trombetas e o exército no país. Colocaram­se em 
ordem, partiram e chegaram a Penardd, em Arfon.

IV Gilfaethwy viola Goewin.

À noite, o filho de Don e Gilfaethwy, seu irmão, retornaram a Caer Dathyl. 
Gilfaethwy tomou o divã de Math, filho de Mathonwy. Enquanto ele, sem a 
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menor cortesia, botava para fora da sala as outras donzelas, obrigava Goewin a 
permanecer contra sua vontade.

Pela manhã, assim que viram o dia, eles voltaram ao lugar onde estava Math, o 
filho   de   Mathonwy,   com   seu   exército.   Quando   chegaram   lá,   os   guerreiros 
estavam deliberando sobre a localidade em que deveriam esperar a chegada de 
Pryderi e dos homens do sul. Eles foram para o conselho e resolveu­se aguardá­
los   nas   fortalezas   de   Gwynedd,   em   Arfon.   Dentro   de   dois   fortes   eles   se 
posicionaram, Maenor Penardd e Maenor Coed Alun30. Lá Pryderi atacou­os e 
teve lugar o combate. Grande foi a matança em ambos os lados, mas os homens 
do sul foram forçados a fugir. Eles fugiram para o local que é agora chamado 
Nant Call. Até lá os homens de Gwynedd os seguiram e fizeram uma vasta 
matança entre os do sul, que novamente fugiram, indo para o lugar chamado 
Dol Pen Maen. Ali os homens de Dyfed se detiveram e pediram para fazer a 
paz.

V A paz entre Gwynedd e Dyfed. A morte de Pryderi.

Para que pudesse ter paz, Pryderi deu como reféns a Gwrgi Gwastra e a vinte e 
três outros, filhos de nobres. Depois disso, eles viajaram em paz até Traeth 
Mawr. Contudo, enquanto seguiam juntos para Melenryd, os homens que iam a 
pé   não   podiam   ser   impedidos   de   disparar   flechas.   Pryderi   despachou   uma 
embaixada para Math, a fim de pedir­lhe que proibisse seu povo de lutar e 
deixasse a questão ser resolvida entre ele e Gwydion, filho de Don31, pois fora 
este o provocador da contenda. E os mensageiros chegaram a Math.
­ Chamo o Céu como testemunha de que, se isso for agradável a Gwydion, 
filho de Don, eu de boa vontade permitirei que assim seja. Jamais compelirei 
quem quer que seja a lutar, a não ser que nós mesmos estejamos dispostos a dar 
o melhor de nós.

­ Realmente ­ disseram os mensageiros a Gwydion ­, Pryderi disse que seria 
mais justo que o homem que lhe causou esse dano opusesse seu próprio corpo 
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ao dele, deixando que o povo de Dyfed ficasse incólume.
­ Declaro ao Céu que não pedirei ao povo de Gwynedd para lutar por minha 
causa. Se for posível que eu mesmo lute com Pryderi, prazerosamente oporei 
meu corpo ao dele.
Essa resposta levaram de volta a Pryderi, que disse:
­ A ninguém mais, senão a mim mesmo, pedirei que lute por meus direitos.

Esses  dois   então  chegaram  ao  local  combinado,  armaram­se  e  combateram. 


Graças à força, à ferocidade e pela magia e encantamentos de Gwydion, Pryderi 
foi morto. Enterraram­no em Maen Tyriawc, acima de Melenryd, e lá está sua 
sepultura. 

Tristes, os homens do sul voltaram para sua própria terra. Não era de causar 
espanto   que   estivessem   pesarosos,   vendo   que   haviam   perdido   seu   senhor, 
muitos de seus melhores guerreiros e a maior parte de seus cavalos e armas.

Cheios de alegria e triunfantes voltaram os homens de Gwynedd.
­   Senhor   ­   disse   Gwydion   a   Math   ­,   não   seria   adequado   para   nós   que 
soltássemos os reféns que nos foram dados pelos homens do sul como garantia 
de paz? Pois não devemos jogá­los na prisão. 
­ Deixa então que sejam libertados ­ concordou o rei. 
Assim, aquele jovem e os outros reféns que estavam com ele foram libertados 
para seguir os homens do sul.

VI Math toma Goewin como esposa. A punição de Gwydion e Gilfaethwy.

O próprio Math foi adiante para Caer Dathyl. Gilfaethwy, filho de Don, e todo 
o pessoal da casa que estava com ele foram percorrer Gwynedd, como estavam 
habituados, sem retornarem à corte. Math foi diretamente para sua câmara e 
ordenou   que   um   lugar   lhe   fosse   preparado   para   reclinar­se,   de   modo   que 
pudesse colocar seus pés no colo da donzela.
­ Senhor ­ disse Goewin ­, buscai outra donzela para acomodar vossos pés, pois 
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sou agora uma esposa.
­ Que significa isso? ­ o rei perguntou.
­ Uma ataque, senhor, inesperadamente  foi feito contra mim. Eu não fiquei 
quieta, mas não havia ninguém na corte que o pudesse saber. Esse ataque foi 
feito por vossos sobrinhos, os filhos de vossa irmã. Gwydion, filho de Don, e 
Gilfaethwy, filho de Don. Fizeram o mal contra mim e vos trouxeram desonra.
­ Na verdade ­ ele exclamou ­, irei fazer tudo que estiver em meu poder quanto 
a esse assunto! Contudo, primeiro farei com que sejas recompensada e depois 
procurarei uma indenização para mim mesmo. Quanto a ti, serás minha esposa 
e a posse de meus domínios darei em tuas mãos.

Gwydion e Gilfaethwy não se aproximaram da Corte, mas permaneceram nos 
confins   do   país   até   que   se   tornou   proibido   dar­lhes   comida   e   bebida. 
Primeiramente, não chegaram perto de Math, mas, por fim, tiveram de fazê­lo.
­ Senhor ­ disseram eles ­, bom dia para vós.
­ Bem, é para compensar­me que viestes?
­ Senhor, obedeceremos vosso desejo.
­  Pelo meu desejo, eu não teria perdido meus guerreiros, nem tantas  armas 
quantas perdi! Não podeis compensar­me pela minha vergonha, isso sem falar 
na morte de Pryderi. Porém, como viestes aqui vos colocar à minha disposição, 
agora mesmo começarei a punir­vos!

Ele   pegou   seu   bastão   mágico   e   golpeou   Gilfaethwy,   mudando­o   em   cervo. 


Rapidamente   agarrou   Gwydion   para   que   não   escapasse   e   golpeou­o   com   o 
mesmo bastão, transformando­o em outro cervo.
­   Uma   vez   que   agora   estais   presos,   desejo   que   partais   juntos   e   sejais 
companheiros e possuais a mesma natureza das criaturas cuja forma ostentais. 
Vinde a mim dentro de doze meses a partir de hoje.

Ao término de um ano a partir daquele dia, houve um alto barulho sob o muro 
da câmara e o latido dos cães do palácio junto com o barulho.
­ Olhai ­ disse Math ­ o que está lá fora.
102

­ Eu olhei, senhor ­ disse alguém ­, há dois cervos e um filhote com eles.
O rei ergueu­se, foi para fora e, ao sair do palácio, viu os três animais. Ele 
ergueu seu bastão e falou:
­   Como   cervos   fostes   no   ano   passado,   no   ano   que   há   de   vir   sereis   porcos 
selvagens.
Golpeou­os imediatamente com o bastão mágico.
­ Este jovem eu pegarei e ordenarei que seja batizado.
E o nome que lhe deu foi Hydwn.
­ Ide e sede suínos selvagens e que tenhais a natureza de suínos selvagens. Que 
estejais sob este muro dentro de doze meses a partir de hoje.

No fim do ano, o latido dos cães foi escutado sob o muro da câmara real. A 
Corte   reuniu­se   e   logo   o   rei   se   ergueu   e   saiu.   Ao   chegar   lá   fora,   viu   três 
animais.   Foram   estes   os   animais   que   ele   viu:   dois   porcos   selvagens   das 
florestas e um filhote bem crescido com eles, que era muito grande para sua 
idade.
­ Na verdade ­ disse Math ­, este eu vou pegar e fazer com que seja batizado.
Ele golpeou­o com seu bastão mágico e o filhote tornou­se um lindo jovem de 
cabelos ruivos e o nome que o rei lhe deu foi Hychdwn.
­ Agora, quanto a vós, como fostes porcos selvagens no ano passado, sereis um 
casal de lobos pelo ano que está por vir.
Tocou­os imediatamente com seu bastão mágico e eles se tornaram lobos.
­ Que sejais da natureza dos animais cuja semelhança está sobre vós e retornai 
aqui sob este muro no prazo de doze meses a contar deste dia!

No mesmo dia ao fim do ano, ele escutou um clamor e um ladrido de cães sob 
o muro da câmara real. O rei se levantou e saiu. Ao chegar, viu dois lobos e um 
forte filhote com eles.
­ Este eu vou pegar ­ disse Math ­ e fazer com que seja batizado. Há um nome 
pronto para ele e é Bleiddwn. Eis que esses três, tais são eles:

Os três filhos de Gilfaethwy, o Falso,
os três fiéis combatentes,
103

Bleiddwn, Hydwn e Hychdwn, o Alto.

Então,   ele  golpeou  os  dois   com  seu bastão  mágico   e  eles   reassumiram  sua 
própria natureza.
­ Ó homens, pelo erro que contra mim cometestes suficientes já foram vossa 
punição e vossa desonra. Fazei agora um bálsamo precioso para estes homens, 
lavai suas cabeças e aprontai­os.

Depois de preparados, eles foram até Math.
­ Ó homens ­ disse o rei ­, vós obtivestes paz e tereis igualmente amizade. Dai­
me vosso conselho, qual donzela devo buscar?
­ Senhor ­ disse Gwydion, o filho de Don ­, fácil é dar­vos conselho. Buscai 
Arianrhod32, filha de Don, vossa sobrinha, filha de vossa irmã.

VII Arianrhod. O nascimento de Dylan e Llew.

Trouxeram a donzela até Math e ela entrou.
­ Ah, jovem dama, és tu a donzela?
­ Desconheço, senhor, outra que o seja mais do que eu.
Então Math pegou seu bastão mágico e depositou­o no chão.
­ Passai por cima disto ­ ele disse ­ e saberei se és a donzela.
Ela passou sobre o bastão mágico e surgiu em seguida um belo e roliço menino 
de cabelos loiros. Enquanto o menino gritava, ela se dirigia para a porta. Logo 
uma pequena forma foi vista mas, antes  que qualquer um pudesse dar uma 
segunda olhada, Gwydion pegou­a, envolveu­a numa echarpe de veludo e a 
escondeu. O lugar onde a ocultou foi o fundo de uma arca nos pés de sua cama.

­   Realmente   ­   disse   Math   em   relação   ao   belo   menino   de   cabelos   loiros   ­, 


ordenarei que seja batizado e Dylan será o nome que lhe darei.

Eles   assim   batizaram   o   menino   e,   tão   logo   acabaram   a   cerimônia,   ele 


mergulhou no mar. Imediatamente, quando já estava no mar, ele mostrou sua 
104

natureza e nadou tão bem quanto o melhor peixe que estivesse nas águas. Por 
essa   razão,   foi   chamado   Dylan,   o   Filho   da   Onda.   Debaixo   dele   jamais   se 
quebrou uma onda. E o golpe pelo qual encontrou a morte foi desferido por seu 
tio Gofannon. Foi chamado "o terceiro golpe fatal".  

Uma   manhã,   quando   Gwydion   estava   deitado   em   sua   cama,   acordado,   ele 
escutou um choro dentro da arca que ficava nos pés. Embora não fosse alto, era 
o bastante para que pudesse ouví­lo. Então ele se levantou depressa e abriu a 
arca. Ao abrí­la, viu uma criança de colo estendendo os bracinhos das dobras 
da echarpe e tirou­a dali de dentro. Ele pegou o menino em seus braços e levou­
o   a   um   lugar   onde   sabia   haver   uma   mulher   que   poderia   amamentá­lo.   Ele 
combinou   com   a   mulher   que   ela   cuidaria   do   menino.   E   este   foi   assim 
alimentado naquele ano.

No fim do ano, ele parecia, por seu tamanho, uma criança de dois anos. No 
segundo   ano,   era   um   menino   grande,   capaz   de   ir   sozinho   à   corte.   Quando 
chegou à corte, Gwydion notou­o e o menino tornou­se­lhe familiar, amando­o 
mais do que a qualquer outra pessoa. O menino foi então educado na corte até 
os quatro anos de idade, quando então estava grande como se tivesse oito.

VIII Arianrhod amaldiçoa Llew.

Gwydion   certo   dia   saiu   caminhando   e   o   menino   seguiu­o.   Ele   foi   para   o 
Castelo   de   Arianrhod33,   tendo   o   menino   consigo.   Quando   entrou   na   corte, 
Arianrhod ergueu­se para encontrá­lo e deu­lhe as boas­vindas.
­ O Céu te faça prosperar. Quem é o menino que te segue? ­ ela perguntou.
­ Este jovem é teu filho.
­ Ai! Que te aconteceu para me envergonhares assim? Por quê buscas minha 
desonra e a guardas por tanto tempo? 
­ A menos que suportes desonra maior do que eu estar criando um menino 
como este, pequena será tua desgraça.
­ Qual o nome do menino?
105

­ Na verdade, ele ainda não tem nome.
­ Bem, eu vou lançar este destino sobre ele: jamais terá um nome até que de 
mim o receba.
­ Ante o Céu eu seja testemunha de que és uma mulher malvada! Contudo, o 
menino terá um nome, por mais desagradável que isso possa ser para ti. E, 
quanto a ti, o que te aflige é que já não és chamada uma donzela!
Furioso, ele partiu imediatamente e voltou a Caer Dathyl, onde passou aquela 
noite.

No   dia  seguinte,  ele  se levantou  e  tomou o menino  consigo. Foram  ambos 


caminhar  pela   orla  do mar,  entre   o lugar  onde  estavam  e  Aber  Menei.  Lá, 
Gwydion viu alguns juncos e algas marinhas e transformou­os em um barco. E 
de madeira seca e juncos fez couro de cordovão em grande quantidade. Deu­lhe 
cor de tal maneira que jamais alguém viu couro mais belo do que esse. Fez 
então uma vela para o barco. Ele e o menino entraram no porto do Castelo de 
Arianrhod. Gwydion começou a dar forma aos sapatos e a costurá­los até ser 
observado   pelos   habitantes   do   castelo.   Quando   soube   que   já   o   estavam 
observando, disfarçou seu aspecto, colocando outra aparência sobre si mesmo e 
sobre o menino, a fim de que não os reconhecessem.
­ Que homens são aqueles naquele barco? ­ perguntou Arianrhod.
­ São sapateiros ­ responderam­lhe.
­ Ide e vede que tipo de couro possuem e que espécie de trabalho fazem.

Foram, portanto, ao encontro deles. Ao chegarem, Gwydion estava dando a cor 
a um couro de cordovão e dourando­o. Os mensageiros retornaram e contaram­
no a Arianrhod.
­ Bem, tomai a medida do meu pé e dizei ao sapateiro que faça sapatos para 
mim.
Assim,   ele   fez   sapatos   para   ela,   mas   não   de   acordo   com   a   medida,   porém 
maiores. Os sapatos foram levados a Arianrhod e ela viu que estavam muito 
grandes.
­ Estes ficaram muito grandes, mas ele receberá seu pagamento ­ ela disse. ­ 
106

Deixai­o fazer também outros que sejam menores do que estes.
Gwydion   fez   outros   sapatos   que   eram   muito   menores   do   que   o   pé   dela   e 
enviou­os ao castelo.
­ Dizei­lhe que nestes meus pés não cabem.
­ Na verdade ­ falou Gwydion ­, eu não lhe farei mais sapatos, a não ser que 
veja seu pé.

IX Como Llew obteve seu nome.

Assim, ela desceu ao barco e quando chegou lá Gwydion estava dando forma 
aos sapatos e o menino os estava costurando.
­ Ah, senhora ­ disse ele ­, bom dia para vós.
­ O Céu vos faça prosperar. Fico surpresa de que não consigais fazer sapatos de 
acordo com uma medida.
­ Eu não podia, mas agora serei capaz.

Logo   uma   enorme   carriça   pousou   no   assoalho   do   barco   e   o   menino   atirou 


contra ela, acertando­a na pata, entre o tendão e o osso. Arianrhod sorriu.
­ Realmente ­ ela disse ­, foi com mão firme que o leão mirou.
­ Que o Céu não te recompense, mas ele já ganhou um nome. E é um nome 
bom o bastante. Llew Llaw Gyffes34 será chamado a partir de agora.

O trabalho então desapareceu em algas e juncos. Ele não mais continuou a fazê­
lo. Por essa razão, foi chamado "o terceiro sapateiro de ouro".
­ Na verdade ­ disse ela ­, não prosperareis da melhor forma fazendo­me o mal.
­ Não te fiz mal algum ainda ­ respondeu Gwydion.
Nesse momento, ele devolveu ao menino e a si mesmo suas próprias formas.
­ Bem ­ disse Arianrhod ­, vou lançar um destino sobre essa criança: ele nunca 
terá armas e armadura até que eu mesma o invista com elas.
­ Pelo Céu, seja tua malícia qual for, ele terá armas.

Eles então foram para Dinas Dinllef35. Lá, Gwydion criou Llew Llaw Gyffes 
107

até que este pudesse controlar qualquer cavalo e fosse perfeito em todas as 
qualidades, em força e altura. Gwydion, porém, viu que Llew estava abatido 
pela falta de cavalos e armas. Chamou­o e disse:
­ Ah, jovem, amanhã partiremos juntos numa missão. Por isso, fica mais alegre 
do que estás agora.
­ É o que quero ­ Llew respondeu.

X Gwydion engana Arianrhod novamente.

Na manhã seguinte, quando o dia raiava, eles se levantaram. Foram ao longo da 
costa do mar, rumando para Bryn Aryen. No alto de Cefn Clydno equiparam­se 
com cavalos e seguiram em direção ao Castelo de Arianrhod. Eles mudaram 
suas formas e foi sob a semelhança de dois rapazes que se apresentaram ante o 
portão, mas o aspecto de Gwydion era mais calmo que o do outro.
­   Porteiro  ­ disse ele  ­, entra  e dize  que aqui estão  bardos  provenientes  de 
Glamorgan.
E o porteiro entrou.
­ As boas­vindas do Céu estejam com eles, deixa­os entrar ­ disse Arianrhod.

Com grande alegria foram saudados. O salão estava preparado e eles foram 
comer.   Quando   a   refeição   estava   terminada,   Arianrhod   conversou   com 
Gwydion   sobre   contos   e   histórias.   Gwydion   era   um   excelente   narrador   de 
contos. Quando chegou o momento de deixarem os festejos, um quarto estava 
pronto para eles, que foram descansar.

Gwydion levantou­se logo que o sol começou a se por e chamou a si sua magia 
e seu poder. No momento em que o dia raiou, ressoou pela terra um grande 
alvoroço, com trombetas e gritos. Quando já era dia, eles ouviram uma batida 
na porta do quarto e escutaram Arianrhod perguntando se poderia abrí­la. O 
rapaz ergueu­se e abriu­lhe a porta. Arianrhod entrou acompanhada de uma 
donzela.
108

­ Ah, bons homens ­ disse ela ­, estamos em grandes apuros.
­ Sim, é verdade ­ concordou Gwydion. ­ Escutamos trombetas e gritos. Que 
pensais possam ser?
­ Na verdade, sequer podemos ver a cor do oceano por causa dos navios, lado a 
lado. Os guerreiros  estão vindo  à terra com toda a rapidez  possível. E que 
podemos fazer?
­ Senhora, nada podemos fazer além de fechar o castelo e defendê­lo da melhor 
maneira que conseguirmos.
­   É   verdade,   que   o   Céu   vos   recompense.   Vós   dois   o   defendereis.   E   aqui 
encontrareis abundância de armas.
Imediatamente, ela foi buscar armas e retornou com duas donzelas, trazendo 
consigo couraças para dois homens.
­ Senhora ­ disse ele ­, armai este moço e eu me aprontarei com a ajuda de 
vossas donzelas. Depressa, eu ouço o barulho dos homens aproximando­se.
­ Assim farei de boa vontade.
Ela armou­o completamente e com grande satisfação.
­ Já terminastes de armar o jovem? ­ perguntou Gwydion.
­ Sim, terminei ­ Arianrhod respondeu.
­ Da mesma forma terminei eu. Vamos agora tirar nossas armas, não temos 
necessidade delas.
­ Porque? Há um exército em volta da casa!
­ Cara senhora, não há exército algum aqui.
­ Oh! ­ ela gritou. ­ De onde vem então todo esse tumulto?
­ Esse tumulto foi apenas para quebrar tua profecia e conseguir armas para teu 
filho. E agora ele tem armas sem que deva qualquer agradecimento a ti.
­ Pelos Céus, és um homem perverso! Muitos jovens podem ter perdido suas 
vidas pelo tumulto que provocaste hoje nesta província. Vou agora lançar um 
destino sobre este jovem ­ ela disse. ­ Ele jamais terá uma esposa da raça que 
agora habita esta terra.
­   Em   verdade   ­   falou   Gwydion   ­,   sempre   foste   uma   mulher   maliciosa   e 
ninguém nunca te pôde suportar. Todavia, uma esposa ele terá.
109

XI A criação de Blodeuwedd.

Logo depois, eles foram a Math, o filho de Mathonwy, e queixaram­se muito 
amargamente   de   Arianrhod.   Gwydion   também   lhe   mostrou   como   havia   se 
esforçado para conseguir armas para o rapaz.
­ Bem ­ disse Math ­, procuraremos, eu e tu, por meio de encantamentos e 
ilusão, formar com flores uma esposa para ele. Llew chegou agora à altura de 
um homem e é o mais agradável jovem jamais visto.
Eles apanharam então as flores do carvalho, as flores da giesta e as flores da 
ulmária. Com elas criaram uma donzela, a mais bela e graciosa que um homem 
jamais viu. Eles a batizaram e deram­lhe o nome de Blodeuwedd36.

Depois que ela se tornou sua noiva e todos festejaram, Gwydion disse:
­ Não é fácil para um homem manter­se sem posses.
­ É verdade ­ disse Math. ­ Eu darei ao rapaz a melhor província para governar.
­ Senhor ­ disse ele ­, que província é essa?
­ A província de Dinodig ­ ele respondeu.
Tal lugar chama­se nestes dias Eifionydd e Ardudwy. O lugar na província 
onde ele morou era um ponto chamado Mur y Castell, nos confins de Ardudwy. 
Lá ele habitou e reinou e tanto ele quanto seu governo eram amados por todos.

Certo dia, ele seguiu para Caer Dathyl para visitar Math, filho de Mathonwy. 
No dia em que ele iniciou a viagem para Caer Dathyl, Blodeuwedd chegou à 
sua corte. Ela escutou o som de um chifre de caça sendo soprado e   viu um 
cervo cansado passar, perseguido por cães e caçadores. Depois dos cachorros e 
dos caçadores vinha uma multidão de homens a pé.
­ Mandai um jovem ­ disse ela ­ para perguntar que turba possa ser aquela.
Assim, o jovem foi e inquiriu quem seriam eles.
­ Aquele ­ disseram eles ­ é Gronw Pebyr, o senhor de Penllyn.
E assim o jovem lhe falou.

Gronw Pebyr perseguiu o cervo, vindo a apanhá­lo perto do rio Cynfael, onde o 
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matou. Esfolando o cervo e dando pedaços aos seus cães, ele ficou lá até que a 
noite   começou   a   fechar­se.   Como   o   dia   estava   desaparecendo   e   a   noite   se 
aproximava, ele chegou ao portão da Corte.
­ Na verdade ­ disse Blodeuwedd ­, o príncipe vai falar mal de nós se, a esta 
hora, deixarmos que parta para outra terra sem convidá­lo a entrar.
­ Sim, senhora ­ concordaram eles ­, será mais apropriado convidá­lo a entrar.

Mensageiros foram então mandados ao seu encontro e convidaram­no a entrar. 
Ele aceitou contente a oferta e foi para a corte. Blodeuwedd veio recebê­lo e 
saudá­lo, dando­lhe as boas­vindas.
­ Senhora ­ disse ele ­, que o Céu vos pague por vossa gentileza.

XII Blodeuwedd apaixona­se por Gronw Pebyr. A conspiração contra 
Llew.

Quando   já   haviam   desmontado,   foram   sentar­se.   Blodeuwedd   olhou   para   o 


hóspede e, desde esse momento, encheu­se de amor por ele. Ele a contemplou e 
o mesmo pensamento que a invadira preencheu­o também, de forma que ele 
não pôde esconder­lhe que a amava , mas declarou­se a Blodeuwedd, que ficou 
por isso tomada de felicidade. Toda a conversa deles foi sobre a afeição e o 
amor que sentiam um pelo outro e que havia surgido em espaço não maior do 
que uma noite. E essa noite passaram um na companhia do outro.

No dia seguinte, ele quis partir. Mas ela disse:
­ Suplico­te que não me deixes hoje.
E naquela noite ele permaneceu. Tentavam descobrir um meio de ficar sempre 
juntos.
­ Não há outra possibilidade ­ falou Gronw ­ além de te esforçares para saber de 
Llew Llaw Gyffes como ele pode ser levado à morte. E isso deve ser feito sob a 
aparência de solicitude para com ele.

No dia seguinte, Gronw quis partir.
111

­ Aconselho­te a não me deixares hoje ­ ela disse.
­   Porque me  pedes, não partirei.  Contudo, há o perigo  de que o chefe  que 
possui este castelo possa retornar à casa.
­ Amanhã ­ ela respondeu ­ sem dúvida permitirei que sigas teu caminho.
  
No dia seguinte, ele quis partir e ela não o impediu.
­ Sê cuidadosa ­ disse Gronw ­ com o que te disse. Conversa muito com ele e, 
sob o disfarce das brincadeiras do amor, procura descobrir como é possível dar­
lhe a morte.

Llew   Llaw   Gyffes   voltou   para   casa   naquela   noite.   Eles   passaram   o   dia 
conversando, ouvindo os menestréis e festejando. À noite, foram descansar e 
ele falou com Blodeuwedd uma vez e falou­lhe ainda uma segunda vez, mas, 
por mais que fizesse, não obteve dela palavra alguma.
­ Que te incomoda? Estás bem?
­ Eu estava pensando ­ ela disse ­ sobre aquilo que jamais pensaste em relação a 
mim. Eu ficaria cheia de tristeza por tua morte, caso partisses mais cedo do que 
eu.
­ O Céu te recompense por tua preocupação por mim, mas, até que o próprio 
Céu determine, eu não serei morto com facilidade.
­ Pelo amor do Céu e pelo meu próprio, mostra­me como podes ser morto. 
Minha memória é melhor do que a tua para recordá­lo.
­   Digo­te   com   prazer.   Não   posso   ser   morto   facilmente,   a   não   ser   por   um 
ferimento. A lança pela qual eu for atingido deve ser preparada no decorrer de 
um ano. Nada deve ser feito em relação a isso exceto durante o sacrifício dos 
domingos.
­ Isso é verdadeiro?
­ Está conforme a verdade. E eu não posso ser morto dentro de uma casa, nem 
fora dela. Não posso ser morto estando a cavalo, nem a pé.
­ Realmente, de que maneira podes ser morto?
­ Já te digo. Preparando­se um banho para mim ao lado de um rio, colocando­se 
um teto sobre o caldeirão, cobrindo­o bem e firmemente. Deve­se trazer um 
112

bode e deixá­lo ao lado do caldeirão. Então, se eu puser um pé no dorso do 
bode   e   o   outro   na   borda   do   caldeirão,   qualquer   um   que   me   atingir   poderá 
provocar minha morte.
­ Bem ­ disse ela ­, agradeço ao Céu que seja fácil evitar tudo isso.

Depois   de   ouvir   essas   palavras,   ela   não   esperou   um   momento   sequer   para 
mandar uma mensagem a Gronw. Este trabalhou para fazer a lança e, em doze 
meses   a   contar   daquele   dia,   ela   estava   pronta.   E,   no   mesmo   dia   em   que   a 
terminou, Gronw ordenou que Blodeuwedd fosse informada.

­ Senhor ­ ela disse ­, estive pensando sobre como é possível ser verdade o que 
anteriormente  me disseste. Poderias  mostrar­me de que modo seria possível 
ficares ao mesmo tempo sobre a borda do caldeirão e sobre um bode, se eu 
preparar o banho para ti?
­ Eu te mostrarei ­ disse ele.

Ela então mandou mensagem a Gronw e sugeriu que ele ficasse emboscado na 
colina agora conhecida como Bryn Cyfergir, na margem do rio Cynfael. Ela 
também ordenou que fossem reunidas todas as cabras da província e levadas ao 
outro lado do rio, em direção oposta a Bryn Cyfergir.

No dia seguinte, ela falou assim:
­ Senhor, eu ordenei que o telhado e o banho fossem preparados e eis que estão 
prontos.
­ Bem, eu irei com prazer examiná­los.
Um dia depois, Llew veio e examinou o banho.
­ Entrarás no banho, senhor? ­ ela perguntou.
­ É com prazer que o farei ­ ele disse.
Ele foi para o banho e começou a lavar­se.
­ Senhor, vê os animais de que falaste como sendo chamados bodes.
­ Bem, faze com que um deles seja trazido e colocado aqui.
O bode foi trazido. Llew ergueu­se do banho, pôs suas calças e colocou um pé 
113

na borda do banho e o outro no dorso do bode.

XIII Llew desaparece.

Gronw imediatamente surgiu da colina que é agora chamada Bryn Cyfergir. Ele 
ficou sobre um pé só, arremessou o dardo envenenado e atingiu­o no lado. A 
haste ficou para fora, mas a ponta do dardo permaneceu dentro do corpo de 
Llew. Este voou sob a forma de uma águia, dando um grito terrível. Não foi 
mais visto deste então.

Assim que ele partiu, Gronw e Blodeuwedd foram juntos ao palácio, naquela 
noite. No dia seguinte, Gronw levantou­se e apoderou­se de Ardudwy. Depois 
de tomar a terra, ela a governou, de forma que Ardudwy e Penllyn estavam 
ambas sob seu domínio.

Essas   notícias   alcançaram   Math,   filho   de   Mathonwy.   Um   grande   peso   e   a 


tristeza caíram sobre Math e muito mais sobre Gwydion do que sobre ele.
­   Senhor   ­   disse   Gwydion   ­,   não   terei   descanso   até   obter   notícias   de   meu 
sobrinho.
­ Realmente ­ Math respondeu ­, que o Céu seja tua força.
Gwydion partiu e começou a andar pelo país. Ele atravessou Gwynedd e Powys 
até os confins. Quando já o havia feito, foi ao Arfon e avizinhou­se da casa de 
um vassalo, em Maenawr Penardd. Ele chegou à casa e ficou lá naquela noite. 
O dono da casa e seus domésticos voltaram e o último a vir foi o porqueiro, a 
quem o dono da casa disse:
­ Bem, jovem, tua porca veio esta noite?
­ Veio ­ respondeu o rapaz ­ e neste momento já está com os porcos.
­ Aonde vai essa porca? ­ quis saber Gwydion.
­ Todos os dias, quando o chiqueiro é aberto, ninguém consegue ficar de olho 
nela, nem sabe se ela corre por aí ou afunda terra adentro.
­ Peço­te que me concedas não abrires o chiqueiro até que eu esteja lá contigo.
­ Com toda boa vontade eu o farei.
114

XIV A águia no carvalho.

Eles foram descansar naquela noite. Tão logo o guardador de porcos viu a luz 
do   dia,   foi   despertar   Gwydion.   Este   se   levantou   e   vestiu­se,   indo   com   o 
guardador   até   o   chiqueiro,   onde   permaneceu.   O   porqueiro   então   abriu   o 
chiqueiro. No mesmo momento, a porca saltou para fora e partiu com grande 
velocidade. Gwydion seguiu­a e ela foi em direção contrária ao curso do rio, 
dirigindo­se para um riacho que é agora chamado Nant y Llew. Ali ela parou e 
começou   a   alimentar­se.   Gwydion   chegou   embaixo   da   árvore   e   olhou   para 
descobrir o que a porca poderia estar comendo. Ele viu que ela estava comendo 
carne podre e vermes. Olhando então para o topo da árvore, ele viu uma águia 
e, quando a águia se balançava, a carne estragada e os vermes caíam dela e a 
porca   devorava­os.   Pareceu   a   Gwydion   que   a   águia   poderia   ser   Llew.   Ele 
cantou uma estrofe:

Carvalho que cresces entre duas margens do rio:
escurecidos estão o céu e a colina!
Não direi por sua feridas
que este é Llew?

Depois disso, a águia desceu até alcançar o centro da árvore. E Gwydion cantou 
outra estrofe:

Carvalho que cresces no chão do planalto,
não estás ainda molhado? Não ficaste encharcado
por nove vintenas de tempestades?
Não acolhes em teus ramos Llew Llaw Gyffes?

A águia desceu então ao mais baixo ramo da árvore. Gwydion cantou logo esta 
estrofe:

Carvalho que cresces abaixo da colina íngreme:
imponente e majestoso é teu aspecto!
Não o direi eu?
Que Llew virá para meu colo?
115

A   águia   desceu   para   os   joelhos   de   Gwydion   e   este   a   tocou   com   sua   vara 
mágica. Ele assim retornou à sua própria forma. Jamais viu alguém uma visão 
tão digna de pena, pois Llew era apenas pele e ossos.

XV Cura e vingança de Llew Llaw Gyffes.

Ele foi então para Caer Dathyl e foram­lhe trazidos os bons médicos que havia 
em Gwynedd. Antes do fim do ano ele já estava quase curado.

­ Senhor ­ disse ele a Math, o filho de Mathonwy ­, já é chegado o tempo de 
que eu receba uma compensação daquele que me fez passar por todas essas 
aflições.
­ É verdade ­ respondeu o rei. ­ Ele jamais será capaz de manter­se na posse do 
que é teu por direito.
­ Bem, quanto antes eu recobrar meus direitos, mais satisfeito ficarei.

Eles então convocaram e reuniram todo o Gwynedd e partiram para Ardudwy. 
Gwydion foi à frente e seguiu para Mur y Castell 37. Quando Blodeuwedd ouviu 
que ele estava chegando, tomou suas donzelas e fugiu para a montanha. Elas 
passaram   pelo   rio   Cynfael   e   foram   em   direção   a   um   abrigo   que   havia   na 
montanha. Seu medo era tanto que corriam sempre com os rostos voltados para 
trás. Desavisadas, não viram o lago e caíram dentro dele. 

Todas  elas se afogaram, exceto a própria Blodeuwedd. Gwydion prendeu­a. 
Disse­lhe então:
­ Não te matarei. O que farei contigo é pior do que isso. Pois irei transformar­te 
em um pássaro e, pela vergonha que lançaste sobre Llew Llaw Gyffes, de agora 
em diante jamais tornarás a mostrar tua face à luz do sol e isso por medo dos 
outros pássaros. Será da natureza deles atacar­te e perseguir­te onde quer que te 
encontrem. Não perderás teu nome, mas serás sempre chamada Blodeuwedd.
Eis   que   Blodeuwedd,   na   linguagem   desta   época,   é   uma   coruja   e   por   esse 
motivo a coruja é odiosa a todos os pássaros. E ainda agora a coruja é chamada 
116

Blodeuwedd.

Gronw Pebyr retirou­se então para Penllyn, de onde enviou uma embaixada. Os 
mensageiros que ele mandou perguntaram a Llew Llaw Gyffes se este aceitaria 
terras, um domínio, ouro ou prata pelo dano que havia recebido.
­ Não aceitarei coisa alguma, pela minha fé no Céu! ­ ele exclamou. ­ Vede que 
isto é a única coisa que aceitarei dele: que ele vá ao ponto em que eu estava 
quando ele me feriu com o dardo e eu ficarei no lugar onde ele estava e com 
um dardo irei mirar nele. E isso é o mínimo que aceitarei.

E essas palavras foram ditas a Gronw Pebyr.
­ Realmente ­ ele disse ­, isso é necessário para mim? Meus fiéis guerreiros, 
todos os de minha casa e meus irmãos adotivos, não há nenhum dentre vós que 
suporte o golpe em meu lugar?
­ Verdadeiramente, não há ­ responderam eles.
Em razão da recusa de sofrerem um golpe por seu senhor, eles são chamados 
até este dia "a terceira tribo desleal"38.
­ Bem ­ falou Gronw ­, irei ao seu encontro.

Os dois foram então para as margens do rio Cynfael. Gronw parou no lugar em 
que Llew Llaw Gyffes estava quando ele o golpeou, enquanto Llew ficou no 
lugar onde Gronw estava. E Gronw Pebyr disse­lhe:
­ Uma vez que foi pelos ardis de uma mulher que vos fiz o que fiz, conjuro­vos 
em nome do Céu a deixar­me colocar entre mim e o golpe a pedra que vedes lá 
adiante, no banco do rio.
­ Na verdade ­ disse Llew ­, não o recusarei a vós.
­ Possa o Céu recompensar­vos.

Llew   então   arremessou   o   dardo   contra   ele.   O   dardo   perfurou   a   pedra   e 


atravessou Gronw igualmente, indo sair em suas costas. Assim Gronw Pebyr 
foi morto. A pedra existe ainda na margem do rio Cynfael, em Ardudwy, tendo 
em si o buraco. Portanto, é ainda hoje chamada Llech Gronw.
117

Uma   segunda   vez   Llew   Llaw   Gyffes   tomou   posse   da   terra   e   governou­a 
prosperamente.   E,   como   a   história   conta,   ele   foi   depois   disso   o   senhor   de 
Gwynedd.

E assim termina esta parte do Mabinogion.

 NOTAS AO QUARTO RAMO 

26 Math, filho de Mathonwy

A fama da magia de Math ab Mathonwy, em que ele parece ter sobrepujado 
todos os demais encantadores da ficção galesa, (exceto, talvez, Merlin e seu 
próprio aluno, Gwydion, filho de Dôn), está preservada em duas tríades (31 e 
32), onde é reputado um homem de ilusão e fantasia e onde um dos principais 
encantamentos da ilha é mostrado como obra sua.

As artes místicas de Math parecem herdadas de seu pai (ou mãe, uma vez que 
Mathonwy   é   um   personagem   indistinto),   cuja   vara   mágica   é   celebrada   por 
Taliesin no  Kerdd Doronwy. Ali se afirma que, quando essa vara crescer na 
floresta, frutos mais luxuriantes serão vistos nas águas espectrais (Myv. Arch., 
I, p. 63).

Taliesin   fala   freqüentemente   dos   poderes   do   próprio   Math   –   veja   o  Kadd 


Goddeu (nota nº. 31), Marwnad Aeddon o Fôn, etc. (Myv. Arch., I, pp. 30,70). 

27 Goewin, filha de Pebin

A   singular   ocupação   atribuída   a   essa   donzela   não   é   de   forma   alguma 


118

inconsistente com os costumes galeses. Pelas leis de Hywel Dda, sabemos que 
havia  um oficial  na corte  do rei com o título  “Segurador dos  Pés” (prefiro 
traduzir  como  “Escabelo”),   cujo  dever   era  justamente   aquele  que  seu  título 
sugere. São dadas as seguintes especificações em relação a ele:

O Escabelo senta­se sob os pés do Rei:
Ele come do mesmo prato que o Rei.
Ele acenderá as velas ante o Rei em sua refeição.
Ele terá um prato de carne e bebida, ainda que não se junte à festa.
Sua terra será livre e ele receberá  um cavalo do Rei e terá uma parte do 
presente de dinheiro dos visitantes.   

28 Caer Dathyl

Caer Dathyl, em Arfon (o atual Carnarvonshire), onde se diz que Math teve sua 
corte   e   de   onde   Gwydion   partiu   em   sua   astuciosa   jornada,   já   foi   alvo   de 
comentários anteriores. Os restos dessa fortaleza chamam­se agora Pen y Caer. 
Situam­se no topo de uma colina que dista cerca de uma milha de Llanbedr, em 
Carnarvonshire, a meio caminho entre Llanrwst e Conwy. Parece que foi bem 
defendida pelos profundos fossos que ainda a rodeiam. 

Fundações   de   edifícios   circulares   podem   ainda   ser   traçadas   em   suas 


proximidades. Desse lugar, Gwydion partiu rumo ao sul e encontrou Pryderi 
num lugar chamado Rhuddlan Teifi (provavelmente Glen Teify, cerca de uma 
milha e meia de Cardigan Bridge), onde nos dizem que ficava seu palácio. 

29 Mochdref

Retornando   com   seu   prêmio,   Gwydion   passou   por  Mochdref  (“Cidade   do 
Porco”),   em   Cardiganshire,   foi   para   Elenid,   provável   erro   do   copista   para 
Melenid, uma montanha perto de Llandewi Ystrad Enni, em Radnorshire, que 
dá   nome   ao  Cantref  inteiro.   De   lá,   passando   por   Mochdref,   entre   Keri   e 
Arwystli, nós o encontraremos entrando no distrito de Mochnant (“Riacho do 
Porco”),   que   está   parte   em   Montgomery   e   parte   em   Denbigshire   e   onde   a 
cidade de  Castell y Moch  (“Castelo do Porco”) pareceria apontar uma outra 
119

alusão aos incomuns  acompanhantes  de sua rápida retirada.  Gwydion parou 


numa terceira Mochdref, em Denbigshire, agora um povoado entre Conwy e 
Abergele,   no   antigo  Cantref  de   Rhos,   e   reuniu­se   a   seu   príncipe   em   Caer 
Dathyl,   depois   de   deixar   seu   butim   em   segurança   nas   fortalezas   de 
Arllechwedd,   um   nome   antigamente   aplicado   aos   dois   distritos   (superior   e 
inferior) de Anton, agora chamados Uchaf e Isaf. 
30 Locais de luta

Os lugares nos quais Math, filho de Mathonwy, fez sua resistência e esperou a 
aproximação   do   indignado   Pryderi   podem   ser   reconhecidos   como   Maenor 
Penardd,   perto   de   Conway,   e   Maenor   Alun,   agora   Coed   Helen,   perto   de 
Carnarvon. Nant Call, para onde os homens do sul foram compelidos a retirar­
se, é um riacho que cruza Dol Pen Maen e a estrada de Carnarvon, cerca de 
nove milhas distante dessa última cidade. O curso dos dois exércitos pode ser 
facilmente traçado: de Nant Call para a bem conhecida localidade de Dol Pen 
Maen (no antigo  Cantref  de Dunodig, agora o distrito de Eifionydd); de lá, 
através de Traeth Mawr, para Melenryd e, por fim, ao longo do pitoresco vale 
do Ffestiniog, para Maen Tyriawc, onde a expedição terminou com a vitória 
indigna  obtida  por Math com  a ajuda  de encantamentos  e com  a morte  do 
galante filho de Pwyll. Contam­nos que ele foi sepultado em Maen Tyriawc; o 
Beddau Milwyr, contudo, localiza a tumba de Pryderi em Abergenoli, “onde as 
ondas quebram contra a costa”. 

31 Gwydion, filho de Dôn

Gwydion foi um dos  Três Pastores Tribais  da ilha. Ele guardava o gado de 


Gwynedd, Uch e Conwy. Era também um grande astrônomo e, nessa qualidade, 
foi comparado a Gwyn ab Nudd e Idris (Myv. Arch., I, p. 63, tríade 89):

Três   renomados   astrônomos   da   Ilha   da   Grã­Bretanha:   Idris,   o   gigante; 


Gwydion, filho de Dôn, e Gwyn, filho de Nudd. Tal era seu conhecimento 
das estrelas, suas naturezas e qualidades, que eles poderiam prognosticar tudo 
que se desejasse saber até o dia do Julgamento.  
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 A Via Láctea foi, por sua vez, chamada Caer Gwydion, “Castelo de Gwydion”. 
Honras semelhantes, sem dúvida, parecem ter sido atribuídas a toda a família 
de Dôn. Ela mesma deu seu nome à constelação de Cassiopéia, em galês Llys  
Don, “Corte de Dôn”; Caer Arianrhod, “Castelo de Arianrhod”, a constelação 
Corona Borealis, é assim chamada para lembrar Arianrhod, uma das heroínas 
do presente conto.  

Gwydion era um mago e, como já se observou, aprendeu suas artes mágicas do 
próprio Math, o que é repetidamente aludido nos poemas galeses, em especial 
nos   de   Taliesin.   As   notáveis   características   de   seus   poderes   de   encantação 
foram   assim   relatadas   numa   composição   atribuída   àquele   bardo,   intitulada 
Kadeir Kerridwen (“O Assento de Cerridwen”, Myv. Arch., II, p. 325):  

O Assento de Cerridwen (Livro de Taliesin, 16)

Soberano do poder do ar, também tu,
A satisfação de minhas transgressões.
Na meia­noite e nas manhãs
Ali brilhavam minhas luzes.
Delicada a vida de Minawg ap Lleu,
A quem vi há apenas um momento. 
O fim, na rampa de Lleu.
Ardente era seu esforço nos combates,
Afagddu, meu filho, também.
Feliz o Senhor que o fez
Na competição das canções.
Sua sabedoria era melhor que a minha, 
O mais habilidoso homem de que jamais se soube.
Gwydion, o filho de Don, de aspecto severo,
Com flores uma mulher formou,
E trouxe os porcos do sul,
Embora não tivesse chiqueiros para eles;
O viajante corajoso com varinhas achatadas
Formou uma cavalhada,
De primaveris
Plantas e selas perfeitas.
Quando forem julgados os assentos,
Superando­os estará o meu,
Meu assento, meu caldeirão e minhas leis
E minha eloqüência em desfile encontram­se para o assento.
Sou chamada habilidosa na corte de Don.
Eu e Euronwy e Euron.
Vi um feroz conflito em Nant Frangeon
Num domingo, no momento da aurora,
Entre a ave da fúria e Gwydion.
Na quarta­feira, certamente eles foram a Mona
Para obter rodopios e feiticeiros.
121

Arianrhod, de louvável aspecto, aurora de serenidade,
A maior desgraça obviamente no lado dos britanos,
Com pressa envia sobre sua corte a correnteza de um arco­íris, 
Uma torrente que espanta a violência da terra.
O veneno de sua posição anterior à volta do mundo deixará.
Não falam falsamente, os livros de Beda.
O assento do Preservador está aqui.
E, até o julgamento, continuará na Europa.
Possa a Trindade conceder­nos
Misericórdia no dia do julgamento,
Uma justa esmola para bons homens.   

Em outro poema (Kadd Goddeu, “A Batalha das Árvores”, Taliesin fala sobre 
ele:   

A Batalha das Árvores (Livro de Taliesin, 8)

Estas são as estrofes que foram cantadas na "Batalha das Árvores", ou, como 
outros a chamam, a “Batalha de Achren”, que foi por causa de uma corça 
branca e de um cachorro; e eles vieram do Inferno e Amaethon ap Don os 
trouxe. E, portanto, Amaethon ap Don e Arawn, Rei de Annwn, lutaram. E 
havia um homem nessa batalha, a menos que seu nome fosse conhecido, ele 
não poderia ser vencido; e havia uma mulher chamada Achren no outro lado 
e, a menos que seu nome fosse descoberto, sua hoste não poderia ser vencida. 
E Gwydion adivinhou o nome do homem e cantou as duas estrofes seguintes:

De cascos firmes é meu corcel impelido pelas esporas;
Os altos galhos do amieiro estão em teu escudo;
Bran és chamado, dos ramos brilhantes.

E, assim;

De cascos firmes é meu corcel no dia da batalha:
os altos ramos do amieiro estão em tua mão:
Bran, pelo ramo que carregas,
Amaethon, o bom, prevaleceu.

Numa multiplicidade de formas estive
Antes de assumir aspecto consistente.
Uma espada fui, estreita, matizada:
Acreditarei quando for manifesto.
Uma lágrima fui no ar,
Fui a mais sombria das estrelas.
Uma palavra fui entre letras,
Fui um livro na origem.
Dos faróis fui a luz
Um ano e meio.
Fui uma ponte que se prolonga
Sobre três vintenas de fozes.
Fui um percurso, uma águia fui.
Um barco fui nos mares.
Fui um complacente no banquete.
Uma gota fui num aguaceiro.
Fui uma espada no aperto da mão,
122

Um escudo fui em batalha.
Fui uma corda numa harpa,
Disfarçado por nove anos
Na água, na espuma.
Fui uma esponja no fogo,
Fui madeira na moita.
Não sou aquele que não cantará
Um combate, embora pequeno.
O conflito na batalha das árvores dos ramos.
Contra o Guledig de Prydein
Passaram ali cavalos principais,
Esquadras cheias de riquezas.
Ali passou um animal com grandes mandíbulas,
Nele havia uma centena de cabeças.
E uma batalha foi lutada
Sob a raiz de sua língua
E há uma outra batalha
No orifício de seu olho.
Um negro sapo desajeitado
Com uma centena de garras.
Uma cobra salpicada com crista.
Por causa do pecado, uma centena de almas
Atormentada será em sua carne.
Estive em Caer Vevenir,
De lá se apressaram pastos e árvores.
Menestréis cantavam,
Bandos de guerreiros perambulavam
Na exaltação dos britanos
Que Gwydion realizara.
Havia um apelo ao Criador,
A Cristo por interesses,
Até o momento em que o Eterno
Libertasse aqueles a quem fizera.
O Senhor respondeu­lhes
Pela linguagem e elementos:
Tomai a forma das árvores principais,
Arranjai­vos em ordem de batalha
E refreai o público
Inexperiente na batalha mão a mão.
Quando as árvores foram encantadas,
Na expectativa de não serem árvores,
As árvores sussurraram suas vozes
De cordas de harmonia,
As disputas cessaram.
Interrompamos dias tristes,
Uma mulher refreou a grande desordem.
Ela chegou totalmente encantadora.
O cabeça da fileira, o cabeça era uma mulher.
A vantagem de uma vaca insone
Não nos faria ceder o caminho.
O sangue dos homens até nossas coxas,
Os maiores dos esforços mentais importunos
Realizados no mundo.
E acabou­se
Por refletir sobre o dilúvio
E sobre o Cristo crucificado
E sobre o dia do julgamento iminente.
123

Os Amieiros, cabeça da fileira,
Formaram a vanguarda.
Os Salgueiros e Sorveiras
Chegaram tarde para o exército.
Ameixeiras, que são raras,
Indesejadas pelos homens,
As esmeradas Nespereiras,
Verdadeiros objetos de disputas. 
Os espinhentos arbustos de Rosas
Contra uma multidão de gigantes.
A Framboesa refreou, 
O que é melhor falhou
Para a segurança da vida.
A Alfena e a Madressilva
E a Hera na sua frente.
Como o Tojo, para o combate
A Cerejeira foi provocada.
A Bétula, apesar de sua mente elevada, 
Atrasou­se antes que ele fosse enfileirado.
Não por causa de sua covardia,
Mas por causa de sua grandeza.
O Liburno tinha em mente
Que tua natureza selvagem era estranha.
Pinheiros no pórtico,
A sede da controvérsia,
Por mim grandemente exaltados
Na presença dos reis,
Os Olmos, com seu cortejo,
Não se afastavam um pé.
Ele lutaria com o centro
E com os flancos e a retaguarda.
Aveleiras, julgou­se
Que amplo era teu empenho mental.
A Alfena, feliz a sua parte,
O touro da batalha, o senhor do mundo,
Morawg e Morydd 
Tornaram­se prósperos em Pinheiros.
Azevinho, ele estava matizado de verde,
Ele era o herói.
O Espinheiro, cercado de ferrões,
Com a dor em sua mão.
O Álamo foi coberto,
Ele foi coberto na batalha.
A Samambaia, que foi saqueada,
A Giesta, na vanguarda do exército, nas trincheiras foi ela ferida.
O Tojo não se saiu bem, 
Porém o deixou estendido.
A Urze foi vitoriosa, afastando em todos os lados.
O povo comum ficou encantado
Durante o tempo originando­se dos homens.
O Carvalho, movendo­se rapidamente,
Diante dele estremecem céu e terra.
Um valente porteiro contra um inimigo
Seu nome é considerado.
As Campânulas Azuis combinaram­se
E provocaram uma consternação.
Ao rejeitar, foram rejeitadas
Outras, que foram perfuradas.
124

As Pereiras, as melhores invasoras
Em tempo de conflito na planície.
Uma lenha muito colérica,
O Castanheiro é acanhado,
O opositor da felicidade.
O jato tornou­se negro,
A montanha tornou­se curvada,
As florestas tornaram­se um forno
Existente outrora nos grandes mares
Desde que foi ouvido o grito:
Os cimos da Bétula cobriram­nos com folhas
E transformaram­nos e mudaram nosso estado enfraquecido.
Os ramos do carvalho apanharam­nos numa armadilha
Do Gwarchan de Maelderw.
Rindo no lado do rochedo,
O senhor não é de uma natureza ardente.
Não de mãe, nem de pai,
Quando eu fui feito
Criou­me o meu Criador
De poderes nove vezes formados,
Do fruto dos frutos,
Do fruto do Deus primordial,
De prímulas e florações da colina,
Das flores de árvores e arbustos.
Da terra, de uma trajetória terrena,
Quando eu fui formado
Da giesta e da urtiga,
Da água da nona onda.
Fui encantado por Math
Antes de me tornar imortal,
Fui encantado por Gwydion,
O grande purificador dos britanos,
De Eurwys, de Euron,
De Euron, de Modron,
De cinco vezes cinqüenta homens de ciência,
Mestres, filhos de Math.    
Quando a remoção ocorreu,
Eu fui encantado pelo Guledig.
Quando ele estava meio queimado,
Fui encantado pelo sábio
Dos sábios, no mundo primitivo.
Quando tive um ser,
Quando a multidão do mundo estava em dignidade,
O bardo ficou acostumado aos benefícios.
À canção de louvor estou inclinado, que a língua recita.
Eu toquei no poente,
Dormi em púrpura.
Verdadeiramente estava no encantamento
Com Dylan, o filho da onda.
Na circunferência, no meio,
Entre os joelhos de reis,
Dispersando lanças não afiadas
Do firmamento quando vieram
À grande profundeza, dilúvios.
Na batalha haverá
Quatro vintenas de centenas
Que dividirão de acordo com sua vontade.
125

Eles não são mais velhos nem mais jovens
Do que eu mesmo em suas divisões.
Um milagre, a centúria nasceu, cada um de novecentos.
Ele estava comigo também,
Com minha espada manchada de sangue.
Foi­me atribuída honra
Pelo Senhor e a proteção estava onde ele estava.
Se eu for aonde o javali foi morto,
Ele comporá, ele se decomporá,
Ele formará linguagens.
O radiante de mão forte, seu nome,
Com um raio ele governa seus números.
Eles se espalhariam numa chama
Quando eu tivesse de ascender.
Fui uma cobra malhada na colina,
Fui uma víbora no lago.
Fui um bico encurvado cortante,
Fui uma lança furiosa.
Com minha casula e tigela,
Profetizarei não erroneamente
Quatro vintenas de fumigações
Sobre cada um o que trarão.
Cinco batalhões de braços
Serão apanhados por minha faca.
Seis corcéis de matiz amarelado,
Uma centena de vezes melhor é
Meu corcel amarelo claro,
Rápido como a gaivota marinha,
A qual não passará
Entre o mar e a margem.
Não sou eu proeminente no campo do sangue?
Sobre ele está uma centena de capitães.
Carmim a pedra do meu cinto,
De ouro é a borda do meu escudo.
Não houve ninguém nascido na brecha
Que tenha estado a visitar­me,
Exceto Goronwy
Dos vales de Edrywy.
Compridos e brancos os meus dedos,
Faz muito tempo que fui um pastor.
Viajei na terra
Antes que eu fosse versado no conhecimento.
Viajei, fiz um circuito,
Dormi numa centena de ilhas,
Numa centena de fortalezas habitei.
Vós, inteligentes Druidas,
Declarai a Arthur
O que há mais antigo
Do que eu para eles cantarem.
E um veio
Da reflexão sobre o dilúvio
E do Cristo crucificado
E do dia do julgamento futuro.
Uma gema dourada numa jóia dourada.
Sou esplêndido
E ficarei livre
Da opressão dos ferreiros.
126

Gwydion surge no papel duplo de mago e poeta nas linhas compostas a seu 
respeito no Kadd Goddeu, em que um de seus irmãos, Amaethon, luta contra 
Arawn por causa de um corça, um cachorro e um pavoncino que ele levara do 
Reino do Além. O lado que adivinhasse o nome de uma certa pessoa entre seus 
oponentes   nessa   luta   seria   o   vencedor   e   Gwydion,   por   meio   de   suas   artes, 
satisfez essa condição. Em conseqüência, Amaethon venceu.

32 Arianrhod, filha de Dôn

“Roda de Prata” (?), filha de Dôn, era uma das Três Belas Damas da ilha (tríade 
107):

Três Belas Donzelas da Ilha da Grã­Bretanha: Gwen filha de Cywryd, filho 
de Crydon; Creirwy, filha de Ceridwen e Arianrod, filha de Dôn.  

Já se observou que o nome galês da constelação  Corona Borealis  era  Caer 


Arianrhod (veja nota n°. 31). Na Grécia, essa mesma constelação é associada a 
Ariadne, filha do rei de Creta, Minos, e amante de Teseu e, depois, do deus 
Dioniso. 

Além  de  Dylan  e  Llew,  sabemos  que  Gwenwynwyn  (o principal  lutador   de 
Arthur)   e  Gwanar  foram   filhos   de   Arianrhod,   nascidos   de   sua   união   com 
Lliaws ab Nwyfre (tríade 14).   

33 O Castelo de Arianrhod. A Lenda da Cidade de Ys.

Na cidade de Clynnog, em Carnarvonshire, havia a tradição de que uma antiga 
cidade próxima dali e chamada Caer Arianrhod fora engolida pelo mar e suas 
ruínas, dizia­se, seriam ainda visíveis nas marés vazantes e com bom tempo.

Caer Sidi, a torre de iniciação do Outro Mundo, onde os poetas aprendem a 
sabedoria   inspirada   e   os   mortos   vão   entre   as   encarnações,   seria   também   o 
127

domínio de Arianrhod. 

Existe   outra   importante   lenda,   de   origem   bretã,   envolvendo   uma   cidade 


submersa nos mitos célticos:

A Lenda da Cidade de Ys

Aqui está a história do Rei Gradlon e da Cidade de Ys. O Rei Gradlon vivia 
na Cornualha. Ele possuía uma frota de muitos navios que gostava de opor a 
seus inimigos, muitas vezes em países distantes onde o clima era frio. Era um 
excelente   marinheiro  e  estrategista   e  freqüentemente  vencia   suas   batalhas, 
saqueando os navios oponentes e enchendo suas arcas com ouro e troféus. 

Um dia, seus marinheiros, cansados das lutas nesses países frios, rebelaram­
se,  recusando­se  a atacar  o castelo  que lhes  fora  prometido. Muitos  deles 
morreram durante o inverno. Eles decidiram voltar a seus barcos e retornar a 
sua terra, a Bretanha, para encontrar as esposas e filhos que lá viviam em paz. 
O Rei Gradlon deixou­os partir e viu­se só na noite fria. 

Ele fora dominado por seus próprios homens e, depois da intensa excitação 
das lutas e vitórias, conheceu uma tristeza profunda. O rei subitamente sentiu 
uma presença ao seu redor. Ele levantou a cabeça e viu, alva sob o luar e 
vestindo uma couraça brilhante da luz das estrelas noturnas, uma mulher de 
longo cabelo vermelho. Era Malgven, a Rainha do Norte, soberana boreal 
reinando sem oposição sobre os países frios. 

Ela disse ao Rei Gradlon: “Eu te conheci, és corajoso e hábil no combate. 
Meu marido é velho, sua espada está enferrujada. Tu e eu iremos matá­lo. 
Então tu me levarás ao teu país da Cornualha.” 

Eles mataram o velho Rei do Norte, encheram uma arca com ouro e, como 
Gradlon não tinha mais navio, montaram em Morvarc’h, o cavalo mágico de 
Malgven. Morvarc’h significa “cavalo do mar”, ele era negro como a noite e 
soprava fogo por suas narinas. O cavalo galopava na crista das ondas e eles 
rapidamente se reuniram aos barcos do rei que voltavam para a Cornualha. 
Uma   tempestade   violenta   e   um   temporal   de   raios   começaram   então, 
espalhando os navios pelo oceano.

O nascimento de Dahut

Gradlon e Malgven ficaram um ano inteiro no mar. Certo dia, num navio, 
Malgven   deu   à   luz   uma   criança,   uma   menina   chamada   Dahut. 
Desafortunadamente, a rainha ficou doente e morreu. O Rei Gradlon e sua 
filha, Dahut, voltaram para a Cornualha. Mas o rei estava tão triste que ele 
nunca saía de seu castelo. 

Dahut cresceu, ela era muito bela, como Malgven, sua mãe. O Rei Gradlon 
gostava   de   brincar   com   os   cachos   de   seu   longo   cabelo   dourado.   Dahut 
gostava do mar. Um dia, ela pediu a seu pai que construísse uma cidade, uma 
cidade próxima ao mar.

A cidade construída ante o mar
128

O Rei Gradlon amava sua filha e concordou. Muitos milhares de operários 
começaram e construir a cidade que parecia emergir do mar. Para prevenir 
contra as altas ondas e a tempestade, foi construído um altíssimo dique que 
circundava   a   cidade   com   uma   única   e   fechada   porta   de   bronze   que   dava 
acesso a ela. O Rei Gradlon era o único que tinha a chave. Ela foi chamada a 
cidade de Ys.

O noivado de Dahut com o Oceano

Os pescadores viam na praia, a cada entardecer, uma mulher que cantava em 
alta voz, penteando  seu comprido cabelo loiro. Era a princesa  Dahut. Ela 
dizia:

“Oceano, belo Oceano azul, rola­me na areia, sou tua prometida,
Oceano, belo Oceano azul.
Nasci no mar, entre as ondas e a espuma, quando era uma criança,
eu brincava contigo.
Oceano, belo Oceano azul, rola­me na areia, sou tua prometida,
Oceano, belo Oceano azul.
Oceano, que decides quais navios e homens voltarão, dá­me os naufrágios
dos navios suntuosos e suas riquezas, ouro e tesouros.
Traze à minha cidade lindos marinheiros que eu possa admirar.
Não sejas ciumento, eu os devolverei a ti um após o outro.
Oceano, belo Oceano azul, rola­me na areia, sou tua prometida,
Oceano, belo Oceano azul.”

A cidade  de Ys  tornou­se um  lugar onde  as  pessoas  podiam  divertir­se e 


encheu­se de marinheiros. Cada dia via novas festas, jogos e danças.

A máscara mágica

A   cada   dia,   a   princesa   Dahut   tinha   um   noivo   novo.   Ao   entardecer,   ela 


colocava uma máscara preta sobre o rosto dele, ele permanecia com ela até de 
manhã.

Assim que o canto da cotovia era ouvido, a máscara apertava­se na garganta 
do rapaz e sufocava o noivo da noite anterior. Um cavaleiro levava o corpo 
em seu cavalo para lançá­lo no Oceano, além da Baía dos Mortos. Assim, 
todos os noivos de Dahut morriam quando a manhã chegava e eram jogados 
no mar.

Certo dia de primavera, um estranho cavaleiro chegou à cidade de Ys. Ele 
estava   vestido   em   vermelho,   suas   mãos   eram   longas   e   finas,   suas   unhas 
pontudas e recurvadas. Dahut sorriu­lhe, o cavaleiro sequer olhou para ela. 
Ao entardecer, ele aceitou aproximar­se dela. Por um longo tempo ele passou 
suas   mãos   compridas   com   unhas   pontudas   no   belo   cabelo   dourado   da 
princesa.

Subitamente, veio do mar um grande barulho e uma terrível rajada de vento 
golpeou as muralhas da cidade de Ys. “A tempestade pode rugir, as portas da 
cidade são fortes e é o Rei Gradlon, meu pai, quem possui a única chave, 
amarrada ao seu pescoço”, disse Dahut. 

“Teu pai, o rei, dormiu, podes agora pegar a chave facilmente”, respondeu o 
cavaleiro.
129

A submersão da cidade

A Princesa Dahut entrou no quarto de seu pai, lentamente se aproximou dele 
e   pegou   a   chave,   presa   a   uma   corrente   em   volta   do   seu   pescoço. 
Imediatamente,   uma   enorme   onda,   mais   alta   do   que   uma   montanha,   caiu 
sobre Dahut. Seu pai acordou e ela lhe disse: “Pai, depressa, temos de tomar o 
cavalo Morvarc’h, o mar derrubou os diques”. O rei colocou sua filha em 
cima do cavalo, o mar estava furioso. O cavalo empinou­se sobre a água que 
estava subindo com grandes bolhas. Dahut agarrou­se a seu pai e disse­lhe: 
“Salva­me, meu pai!”

Então   houve   um   grande   relâmpago   na   tempestade   e   uma   voz   falou, 


alcançando de rochedo a rochedo: “Gradlon, afoga a princesa”.

São Guenole, o missionário de Deus

Uma forma pálida como um morto apareceu, envolvida numa grande veste 
castanha.   Era   São   Guenole,   que   disse   à   princesa:   “Vergonha   e   infortúnio 
estejam contigo, tentaste roubar a chave da cidade de Ys!” Dahut respondeu: 
“Salva­me,   leva­me   ao   fim   do   mundo!"   Mas   o   cavalo   Morvarc’h   não   se 
movia mais e as águas furiosas os envolviam. São Guenole repetiu sua ordem 
a Gradlon: “Afoga a princesa!”, ondas enormes estavam nos pés deles. Dahut 
escorregou para o chão e o Rei Gradlon, furioso, empurrou sua filha para 
dentro do mar. As  ondas se fecharam  sobre  a princesa.  O mar inundou a 
cidade de Ys, cujos habitantes morreram todos afogados.

O cavalo do rei moveu­se de novo, saltando na praia e então atravessando 
prados e colinas, galopando a noite inteira. Gradlon chegou à cidade onde 
dois   rios  unem­se  entre  sete  colinas,  Quimper.  Ele  decidiu  fazer  dela   sua 
capital   e   ali   viver   o   resto   de   seus   dias.   Quando   morreu,   sua   estátua   foi 
esculpida em granito. Essa estátua está ainda entre as duas torres da catedral 
de   São   Corentin,   em   Quimper.   Ela   representa   o   Rei   Gradlon   a   cavalo, 
olhando na direção da cidade desaparecida.

As pessoas dizem que Dahut, depois de sua morte, tornou­se uma sereia e que 
ela aparece aos pescadores  nas noites de luar, penteando seu longo cabelo 
dourado. Também dizem que, quando o tempo está bastante calmo, é possível 
ouvir os sinos da cidade desaparecida.

Gwelas­te morverc'h, pesketour
O kriban en bleo melen aour
Dre an heol splann, e ribl an dour ?
Gwelous a ris ar morverc'h venn,
M'he c'hlevis o kanann zoken
Klemvanus tonn ha kanaouenn.

Pescador, viste uma menina do mar
penteando seu comprido, dourado cabelo
enquanto o grande sol brilhava aqui, às margens do mar?
Eu vi a branca filha do mar,
Eu até mesmo a ouvi cantar,
Lamentosas eram a melodia e a canção.

A Cidade de Ys, epílogo

A lenda conta que a cidade de Ys ficava na Baía de Douarnenez. O lugar 
chamado  Pouldavid, distante uns poucos  quilômetros  a leste da cidade  de 
130

Douarnenez,  é a forma  francesa  de  Poul Dahut, o “buraco  de Dahut” em 


bretão, e indica o local onde a princesa foi engolida pelas ondas.

Diz­se também que a cidade de Ys era a mais bela capital do mundo e que 
Lutécia foi chamada de Paris porque par Ys significa “como Ys” em bretão.

Dois provérbios populares bretões testemunham­no:

Abaoue ma beuzet Ker Is
N'eus kavet den par da Paris.

Desde que foi afundada a cidade de Ys,
Ninguém encontrou uma igual em Paris.

Pa vo beuzet Paris
Ec'h adsavo Ker Is.

Quando Paris for engolfada,
A cidade de Ys reemergirá.

34 Llew Llaw Gyffes

O incidente relatado no conto da jornada de Llew Llaw Gyffes (“Leão com a 
Mão   Firme”)   e   Gwydion   ab   Dôn   disfarçados   de   fabricantes   de   sapatos 
dourados   em   busca   de   um   nome   e   armas   de   sua   mãe,   Arianrhod,   forma   a 
matéria de uma tríade que já foi citada (veja nota n°. 24).

Llew Llaw Gyffes foi um dos  Três Homens Carmesins  da ilha, dos quais o 


mais conhecido foi Arthur, pois, onde ele tivesse pisado, nem erva, nem grama 
cresceriam pelo espaço de um ano (tríade 24).

Llew obtém seu nome de Arianrhod depois de atingir uma carriça. Os druidas 
consideravam a carriça (também  cambaxirra  ou  uirapuru) como “o supremo 
entre todos os pássaros”. Era o pássaro sagrado da ilha de Man. Druida e rei 
dos   pássaros,   seus   gorjeios   eram   interpretados   como   augúrios.   Na   tradição 
céltica, a carriça é profética e a direção de onde ela pia à noite é considerada 
extremamente significativa. Na Escócia, era conhecida como “ave da Rainha do 
Céu” e considerava­se extremamente desfavorável matá­la, mas, na Inglaterra e 
na França, havia uma caça à carriça no dia de São Estevão (26 de dezembro), 
uma cerimônia que surgiu de um antigo rito pré­cristão. Os caçadores vestiam­
131

se ritualmente, matavam uma carriça, penduravam­na numa vara e levam­na 
em procissão, pedindo dinheiro; então a enterravam no cemitério.

A carriça era associada ao Outro Mundo e esses rituais de caça estavam ligados 
ao solstício de inverno e à morte da vegetação. Na Irlanda, a ave era conhecida 
como “doutor de Fionn” e caçada pelos “Meninos da Carriça” com um ritual 
semelhante ao encontrado na Grã­Bretanha e na França no dia de São Estevão. 
O pássaro representava um deus primordial (como Cronos, Bran ou Arthur) que 
deveria ceder seu lugar, não importando quão notável fosse seu reinado. 

A   sepultura   de   Llew   é   mencionada   nos  Englynion   y   Beddau   Milwyr   Ynis  


Prydain como sendo protegida pelo mar.

Melyngar Mangre, o cavalo de Llew, era um dos principais cavalos de guerra 
da ilha (“Tríades dos Cavalos”, veja nota nº. 22).

35 Dinas Dinllef

Dinas Dinllef situa­se na costa, cerca de três milhas ao sul de Carnarvon, na 
paróquia de Llantwrawg, nos confins de uma grande extensão de terra chamada 
Morfa   Dinllef.   Os   restos   de   uma   fortaleza   ali   existentes   consistem   em   um 
grande monte circular, bem defendido por rampas de terra e fossos profundos.

36 Blodeuwedd

A história de Blodeuwedd, a bela “Rosto de Flor”, foi sempre popular entre os 
poetas.   As   linhas   de   Taliesin   relativas   a   sua   romântica   origem   já   foram 
mencionadas na nota sobre Gwydion ab Dôn (veja nota nº. 31) e Dafyd Gwilyn 
tem um poema muito bonito sobre sua transformação em coruja, onde, após 
algumas   questões   preliminares   relacionadas   a   seus   hábitos   peculiares   e 
retirados, o poeta prossegue inquirindo­lhe qual sua história e seu nome. O 
pássaro   responde   que,   outrora,   os   nobres   nos   banquetes   chamavam­na 
132

Blodeuwedd e ela jura por São David que é a filha de um senhor de Mona 
(Anglesey) igual em dignidade ao próprio Meirchion (o pai do rei Mark da 
Cornualha, famoso por seu papel na lenda de Tristan e Yseult; pensa­se que 
Meirchion tenha sido um rei da Cornualha no fim do séc. V). Ela prossegue, 
dizendo   que   Gwydion,   filho   de   Dôn,   transformou­a   com   sua   vara   mágica, 
levando­a do seu passado estado de beleza a sua condição de miséria atual 
porque   ela,   certa   vez,   supusera   amar   Gronw,   o   alto   e   belo,   filho   de   Fed 
Goronhir, senhor de Penllyn.

37 Mur y Castell

Mur   y   Castell  (“Muralha   do   Castelo”),   nos   limites   de   Ardudwy,   também 


chamado Tomen y Mur (“Colina do Forte”), fica a cerca de duas milhas ao sul 
do Cynfael ou rio Ffestiniog e dista cerca de três milhas do Llyn y Morwynion, 
ou   “Lago   das   Donzelas”,   em   que   as   infortunadas   acompanhantes   de 
Blodeuwedd encontraram seu destino final. 

38 A tribo de Gronw Pebyr

A tríade  35 recita a circunstância da falta  de devoção evidenciada por essa 


tribo, como detalha o texto:

As Três Tribos Desleais da Ilha da Grã­Bretanha: a tribo de Gronw Pebyr de 
Penllyn, que se recusou a ficar no lugar de seu senhor para receber o dardo 
envenenado de Llew Llaw Gyffes, em Llech Gronw, em Blaen Cynfael, em 
Ardudwy. E a tribo de Gwrgi e Peredur, que desertou de seus senhores em 
Caer Greu, onde havia uma reunião para a batalha na manhã seguinte contra 
Eda Glinmawr e ambos foram mortos, E a terceira, a tribo de Alan Fyrgan, 
que retornou  às escondidas  de seu senhor, deixando­o e a seus  servos  no 
caminho para Camlan, onde ele foi morto.

Penllyn, de que Gronw era o senhor, é um distrito às margens do Llyn Tegid ou 
Lago Bala. A tradição diz que recebeu seu nome de Tacitus, um dos filhos de 
Cunedda.

Cunedda Wledig (gwledig, que se torna wledig depois de certos sons, significa, 
133

aproximadamente,  "príncipe" ou “chefe”, termo talvez  usado como tradução 


céltica do latim protector) era um governante da tribo dos Votadini, no norte da 
Grã­Bretanha, que emigrou para o norte de Gales com uma grande parte de 
seus súditos em 430. Ele expulsou os invasores irlandeses de uma grande parte 
de Gales. A linhagem sugere que sua família era originalmente romana. A filha 
de Cunedda, Gwen, era a mãe de Eigyr (Igraine), a mãe de Arthur, tornando­o 
assim bisavô deste. 

PRONUNCIANDO O GALÊS

I A língua de Gales

O idioma de Gales, mais adequadamente chamado Cymraeg de preferência ao 
termo   inglês  Welsh  (palavra   germânica   com   o   sentido   de   “estrangeiro”), 
pertence a um ramo do céltico, idioma indo­europeu. A linguagem dos galeses 
é prima distante do irlandês e irmã do bretão. O galês é ainda utilizado por 
cerca de meio milhão de pessoas dentro do País de Gales e, possivelmente, 
outras poucas centenas de milhares na Inglaterra e áreas além­mar. 

Nas   regiões   mais   densamente   povoadas   de   Gales,   tais   como   o   sudeste 


(contendo os grandes centros urbanos de Cardiff, Newport e Swansea), a língua 
cotidiana normal é o inglês, mas há outras áreas, notadamente nas regiões do 
oeste e do norte (particularmente Gwynedd e Dyfed) onde o Galês permanece 
forte e grandemente visível. O nome galês do país é Cymru (kamri), a “Terra 
dos Companheiros”; o povo é conhecido com Cymry (kamri) e a língua, como 
Cymraeg  (kamráig).  Diferenças  regionais  no galês  falado  não impedem  que 
134

usuários   de   regiões   diferentes   entendam­se   mutuamente   e   o   galês   padrão   é 


compreendido por falantes do idioma em toda parte.

Apesar de sua aparência, extraordinária para o não iniciado, o galês é hoje uma 
língua cuja ortografia é completamente regular e fonética, de forma que, tendo 
compreendido as regras, você poderá aprender a ler e pronunciar sem muita 
dificuldade. Para crianças pequenas, aprender a ler o galês oferece muito menos 
dificuldades   do   que   o   inglês,   pois   as   muitas   inconsistências   da   ortografia 
inglesa não são encontradas no galês, em que todas as letras são pronunciadas.

II O alfabeto galês

O alfabeto da língua galesa possui 28 letras: 

A B C Ch D Dd E F Ff G Ng H I L
Ll M N O P Ph R Rh S T Th U W Y  
III As vogais

A como em pai. Palavras galesas: am, ac.

E como no inglês bet ou echo. Palavras galesas: gest (guést); enaid (énaid).

U  como   no   francês  mur  (aqui   representado   por  ü).   Palavras   galesas:  ganu 
(gánü); Cymru (kahmrü); tu (tü); un (ün).

O  como no inglês  lot  ou  moe. Palavras  galesas:  o’r  (ore);  dod  (dode);  bob 


(bobe).

W  u como em tu, nu. Palavras galesas:  cwm (kum);  bws (bus); yw (iu); galw 


(gálu).

Y  tem dois sons diferentes, o som final do inglês  happy  (i, neste texto) ou o 


135

som representado pelo  u  do inglês  bus  (ah, neste texto):  y  (ah);  yr  (ahr);  yn 
(ahn); fry (vri); byd (bid).

Todas  as  vogais  (inclusive  w  e  y) podem  ser alongadas  pela adição  de  um 
acento circunflexo (^), conhecido em galês como to bach (“pequeno teto”).

IV Os ditongos

Ae,  ai  e  aw  são pronunciados como o inglês  eye:  ninnau  (ninái);  mae  (mái); 


henaid (hénaid); main (máin); craig (kráig).

Eu  e  ei  são pronunciados como  ei  na palavra  pray:  deusiau  (dêixái), ou, em 


alguns dialetos, (dixah); deil (dêil ou dáil); teulu (têilü ou táielü).

Ew  é semelhante a  e­u, ou, talvez, ao inglês  mount:  mewn  (meun ou máun); 


tew (teu).

Oe como em mói: croeso (króiso); troed (tróid); oen (óin).

Wy como no inglês win ou u­i: wy (u­i); wyn (win); mwyn (mu­in).

Ywy como no inglês Howie: bywyd (bowid); tywyll (towithl).

Aw como no inglês áu: mawr (máur); prynhawn (prinháwn); lawr (láur). 

V As consoantes

Na  maioria  das vezes, B, D, H, L, M , N, P, R, S    e T são pronunciados 


aproximadamente da mesma forma que seus equivalentes em português (o H é 
sempre pronunciado como no inglês  hat, jamais mudo). As diferenças são as 
seguintes:
136

C  sempre como em  carro, nunca como em  cigarro:  canu (káni);  cwm (cum); 


cael (káil)  e, é claro, Cymru (kamrü).

CH como no escocês loch ou no alemão ach ou noch. O som nunca é como no 
inglês  church, mas como em  Dogherty:  edrychwn  (edráchun);  uwch  (ü­uch); 
chwi (chu­i).

Dd é como o th inglês nas palavras  seethe ou them: bydd (bithe);  sydd (sith); 


ddofon (thovon); ffyddlon (fith­lon).

Th é como o th inglês em think, forth, thank: gwaith (gwáith); byth (bith).

F é como o v português: afon (ávon); fy (vi); fydd (vith); hyfryd (havrid); fawr 
(váur); fach (vach).

Ff é como o f português: ffynnon (finon); ffyrdd (firth); ffaith (fáith).
 
G é sempre como em gado, guerra: ganu (gánü); ganaf (gánav); angau (angái); 
gem (guem).

Ng é como no inglês finger ou Long Island. O ng comumente surge com um h 
depois, como uma mutação do c: Yng Nghaerdydd (“em Cardiff”, pronunciado 
ung háir dith) ou Yng Nghymru (“em Gales”, pronunciado ang humri).

Ll  é um  l  com uma expiração. Isso significa que você deve fazer com seus 


lábios e língua como se fosse pronunciar um l e então soprar o ar suavemente 
pelos lados da língua ao invés de dizer qualquer outra coisa. Em inglês, o som 
mais próximo a esse seria um l com um th  (de think) antes: llan (thlan); llawr 
(thláur); llwydd (thluith).

Rh  soa como uma ligeira expiração antes que o  r  seja pronunciado:  rhengau 


137

(hrengái); rhag (hrag); rhy (hri).

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WALTON,   Evangeline.  The   Mabinogion   Tetralogy.   Overlook   Press,   2002, 


ISBN 1585672416.  

WILLIAMS,   Ifor   (edição).  Pedeir Keinc y Mabinogi. University of Wales 


Press, Cardiff, 1951. ISBN 0708314074. 

 
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SUMÁRIO

Prefácio

I. Que é o Mabinogion? ........................ 3
II. As lendas do Mabinogion ........................ 4
III. Sobre esta tradução ........................ 12

O Primeiro Ramo do Mabinogion

Pwyll, Príncipe de Dyfed

Introdução ........................ 14
I Pwyll encontra Arawn. ........................ 14
II Na Corte de Annwfyn. ........................ 17
III Pwyll mata Hafgan. ........................ 18
IV Rhiannon. ........................ 20
V No palácio de Hefeyd Hen. ........................ 25
VI O jogo do Texugo na Bolsa. O casamento de 
........................ 16
Rhiannon e Pwyll. 
VII Nascimento e rapto de Pryderi. ........................ 31
VIII A égua de Teirnyon. ........................ 33
IX O retorno de Pryderi. ........................ 35

Notas ao Primeiro Ramo

1 Pwyll, príncipe de Dyfed ........................ 39
Os Espólios de Annwn ........................ 40
2 Dyfed ........................ 42
3 Glyn Cuch ........................ 44
4 Arawn, Senhor de Annwfyn ........................ 44
5 Annwfyn ........................ 45
6 Um monte ........................ 46
7 Rhiannon  ........................ 47
Uma (pequena) lenda sobre Modron ........................ 48
8 Hefeyd Hen ........................ 48
9 Gwent Is Coed ........................ 49
10 Gwri Gwallt Euryn ........................ 49
11 Pendaran Dyfed ........................ 50

O Segundo Ramo do Mabinogion

Branwen, Filha de Llyr

Introdução ........................ 51
I A chegada de Matholwch. ........................ 51
II A ira de Efnissyen. ........................ 53
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