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DARWINIANA
VIVER MENTE&CÉREBRO FEVEREIRO 2006
E
m novembro de 1864, Benjamim Disraeli,
romancista e líder do Partido Conservador
da Inglaterra, em palestra na Conferência
Diocesana de Oxford, pronunciou palavras
que ficariam para a posteridade: “O homem é
um macaco ou um anjo?”, – foi a questão que formulou
perante uma platéia excitada. “Eu estou do lado dos
anjos”, respondeu ele próprio. Ao se posicionar “do lado
dos anjos”, Disraeli enfatizava a dimensão espiritual
do homem, reafirmando, assim, a singularidade humana,
focalizando a posse de uma mente superior, livre dos
ditames biológicos.
A comparação entre macacos e homens já estava
em cena. Os grandes primatas do Velho Mundo eram
objeto de discussões anatômicas com implicações
óbvias para a questão da mente animal. No início da
década de 1860, Thomas Huxley, importante aliado
de Darwin, envolveu-se numa prolongada e acalorada
disputa com Richard Owen, eminente anatomista
anti-darwinista.
O debate entre ambos dizia respeito ao grau de
similaridade cerebral e, portanto, de parentesco entre
na ordem natural. Pois apresentava científica e no senso comum. sua descoberta, a jovem primatóloga con-
os demais grandes antropóides, como o quaisquer vestígios de uma influência e cultural, ela não é de forma alguma
bonobo (Pan paniscus), o gorila, o orango- significativa da Natureza. singular em sua origem. Ela provém do
tango e até para outros primatas, como A outra vertente, de cunho naturalis- mesmo inexorável processo evolutivo
babuínos, macacos-resos e o brasileiro ta, considera a noção de natureza humana que forjou os movimentos protoplas-
macaco-prego (Cebus apella) – capaz, em como objeto legítimo de investigação. máticos das amebas, o fototropismo
certas regiões, de fazer uso de ferramentas Sem negar a importância da cultura na dos girassóis, os formidáveis instintos
semelhante ao dos chimpanzés. estruturação das sociedades, insiste que das vespas caçadoras, o gregarismo de
a cultura não opera numa tabula rasa, mas lobos e leões e a insuspeitada inteligên-
HOMEM, MENTE PRIMATA numa tabula inscripta, resultante de nosso cia social dos chimpanzés.
Estudiosos do comportamento co- passado filogenético. Nessa abordagem Respondendo àquela mesma pergun-
nhecem o diálogo de surdos entre os podemos encontrar programas de pes- ta formulada há mais de um século pelo
adeptos das ciências sociais e das ciências quisa como a ainda jovem psicologia ilustre ensaísta britânico – “É o homem
naturais na interpretação do comporta- evolucionária, que propõe uma articula- um macaco ou um anjo?” – tomamos,
mento e das motivações do homem. Essa ção entre as ciências sociais e psicológicas assim, a liberdade de discordar de sua res-
disputa diz respeito a dois tipos básicos de com as ciências naturais e evolutivas. posta. Nós estamos do lado dos macacos.
compreensão do ser humano. Uma, de Também a maior parte dos estudos E não sem um certo orgulho. VMC