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A MENTE

POR ANDRÉ CARVALHO E RICARDO WAIZBORT

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DARWINIANA
VIVER MENTE&CÉREBRO FEVEREIRO 2006
E
m novembro de 1864, Benjamim Disraeli,
romancista e líder do Partido Conservador
da Inglaterra, em palestra na Conferência
Diocesana de Oxford, pronunciou palavras
que ficariam para a posteridade: “O homem é
um macaco ou um anjo?”, – foi a questão que formulou
perante uma platéia excitada. “Eu estou do lado dos
anjos”, respondeu ele próprio. Ao se posicionar “do lado
dos anjos”, Disraeli enfatizava a dimensão espiritual
do homem, reafirmando, assim, a singularidade humana,
focalizando a posse de uma mente superior, livre dos
ditames biológicos.
A comparação entre macacos e homens já estava
em cena. Os grandes primatas do Velho Mundo eram
objeto de discussões anatômicas com implicações
óbvias para a questão da mente animal. No início da
década de 1860, Thomas Huxley, importante aliado
de Darwin, envolveu-se numa prolongada e acalorada
disputa com Richard Owen, eminente anatomista
anti-darwinista.
O debate entre ambos dizia respeito ao grau de
similaridade cerebral e, portanto, de parentesco entre

© HANS-ULRICH OSTERWALDER/SPL – STOCK PHOTOS


o homem e os grandes primatas. Owen e Huxley se
enfrentaram inúmeras vezes nos fóruns científicos da
Inglaterra vitoriana, e o mais notório confronto entre os
dois ficou conhecido como “debate do hipocampo”, en-
volvendo a discussão da presença ou não nos cérebros
dos grandes primatas de uma estrutura denominada
hipocampus minor.
Owen defendia ser o hipocampo a sede da facul-
dade da razão – segundo o autor, estaria, portanto,
presente apenas no cérebro humano. A ele se opunha
Huxley, que acabou por vencer esse prolongado
debate, demonstrando que também o gorila (então
considerado o mais próximo parente vivo da espécie
humana) era dotado dessa estrutura cerebral.
Em 1863, Huxley publicou Man’s place in nature, onde

A DESCOBERTA DE QUE MACACOS E HUMANOS TÊM


ORIGEM COMUM QUESTIONOU O LUGAR GLORIOSO
DO HOMO SAPIENS NA ORDEM NATURAL. ESTUDOS
ATUAIS EM NEUROCIÊNCIAS APONTAM QUE HOMENS
E ANIMAIS TÊM PROCESSOS CEREBRAIS SEMELHANTES
– TANTO COGNITIVOS COMO EMOCIONAIS
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explicitava o que Darwin não havia senão os anjos, fruto de uma criação divina, nismo. A evolução da vida no planeta era
insinuado em A origem das espécies: o íntimo como afirmavam as Escrituras? Ou a razão representada pela imagem de uma árvore.
parentesco entre os homens e os grandes estaria com aqueles que defendiam para o Na base desta estaria o ancestral remoto
primatas, que partilhariam uma herança homem uma origem animal? de todas as formas de vida, e seus galhos
biológica comum. O cérebro já era en- A resposta de Disraeli constituía um representavam as complexas ramificações
tão considerado o órgão por excelência contra-argumento à teoria da evolução dos diversos grupos taxonômicos (classes,
da mente. Assim, embora a estrutura por seleção natural, desenvolvida inde- famílias, espécies) a compartilhar diferen-
argumentativa do discurso de Huxley em pendentemente por Charles Darwin e tes graus de parentesco.
Man’s place enfatizasse as estruturas físicas, Alfred Wallace e imortalizada a partir da A partir de algum momento no
sua defesa de uma continuidade biológica publicação, em 1859, de A origem das espécies, processo evolutivo, certos ramos dessa
entre os cérebros primata e humano su- de Darwin. Essa teoria representava uma árvore começam a gerar seres com um
gere também uma continuidade mental. revolução nas concepções naturalistas novo atributo adaptativo: a mente. Mas
Além disso, conhecedor da polêmica então vigentes, pois propunha uma nova em Darwin o primeiro broto de mente
forma de explicar os mecanismos de floresce muito antes do homem. Ela não
surgimento de novas espécies biológicas, coincide com a própria origem da vida.
a seleção natural, que trazia em seu bojo Bactérias, amebas e plantas, por exemplo,
implicações inquietantes a respeito do não a possuem. A mente darwiniana nasce
status do Homo sapiens e sua mente na na linhagem animal, em ramos mais re-
ordem natural. centes da árvore (acredita-se hoje que os
Embora a obra de Charles Darwin primeiros seres vivos tenham surgido há 4
mais conhecida seja A origem das espécies, de bilhões de anos, mas os primeiros animais
1859, somente a partir da publicação de surgiram há cerca de 1 bilhão de anos, e
A origem do homem (The Descent of Man), em houve uma explosão de espécies por volta
1871, Darwin aprofundaria o tema da ori- de 600 milhões de anos atrás).
gem do homem e sua participação no pro- Darwin não confina a mente no
cesso de evolução biológica. Explicitando cérebro, pois a atribui a vários animais
desde o início dessa obra sua intenção de como as minhocas e insetos. Mesmo
demonstrar que o homem apresenta uma hoje a identificação do cérebro com
relação de ancestralidade compartilhada a mente não é consenso entre cientis-
com os demais seres vivos, Darwin cons- tas, filósofos e outros pensadores da
truiu um discurso que afirmava a noção de condição humana. O estudo da mente
mente animal, e as semelhanças desta com em vários animais tem sugerido que
a mente humana eram defendidas a partir ela não está restrita nem mesmo aos
REPRODUÇÃO

de múltiplas evidências e argumentos em vertebrados. Entretanto é no homem


DARWIN postulou a idéia de continuidade
favor da continuidade evolutiva. que o desenvolvimento cortical estabe-
física e mental entre homem e animais lece a mais intensa e intrincada relação
A ÁRVORE DA VIDA com partes do cérebro mais antigas
inerente ao tema, o autor não se furtou a Particularmente importante na dis- do ponto de vista filogenético, como
discutir de forma mais direta tais aspectos cussão da mente em Darwin é sua tese o sistema límbico. No livro O cérebro
da questão, e afirmou não haver “qualquer de que todos os seres vivos compartilham emocional, Joseph LeDoux, professor
linha absoluta de demarcação entre o uma ancestralidade comum. A teoria da do Centro de Ciência Neuronal da
mundo animal e nós próprios”, e que “a origem comum postula que a vida surgiu Universidade de Nova York, argumenta
tentativa de estabelecer uma distinção uma única vez no planeta e que todos como sistemas neuronais operam no
física é igualmente vã, e até mesmo as os seres vivos, atuais ou extintos, seriam cérebro respondendo a determinadas
mais altas faculdades do sentimento e do descendentes desse primeiro proto-orga- emoções, como o medo. Dentre seus
intelecto começam a germinar nas formas
inferiores de vida”. OS AUTORES
Assim, a pergunta de Benjamin Dis-
ANDRÉ LUIS DE LIMA CARVALHO é biólogo, doutorando no programa de história
raeli sintetiza com maestria a polarização das ciências da saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC)/Fiocruz, no Rio de Janeiro.
ideológica que envolvia tantos atores da RICARDO WAIZBORT é pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC)/Fiocruz, doutor
Inglaterra vitoriana. Seria o homem, como em letras pela UFRJ e bacharel e especialista em genética pela UFRJ.

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fascinantes achados está a descoberta A MENTE DE GOODALL
das funções da amígdala. Essa estrutura Um século após a publicação de A
subcortical intermedeia o medo e ou- origem das espécies,
espécies em 1960, a pesquisadora
tras respostas e, na verdade, processa Jane Goodall estabeleceu acampa-
as informações mais rápido do que mento nas selvas da Tanzânia, dando
outras partes do cérebro, como o início a um projeto de pesquisa que
córtex. Isso permite uma resposta continua até hoje. Goodall fora
mais imediata que pode mesmo ser convidada pelo eminente antropó-
fundamental para a sobrevivência logo Louis Leakey para estudar o
de um organismo, mesmo antes comportamento dos chimpanzés
de as partes do cérebro envolvidas selvagens do parque de Gombe.
na consciência tomarem conheci- Aqueles eram outros tempos: com o
mento do perigo. propósito de enxugar os estudos dar-
Assim, LeDoux retoma a per- winistas do comportamento animal
gunta do psicólogo e filósofo William de seus excessos antropomórficos,
James: “Nós corremos de um urso por as ciências comportamentais haviam
que sentimos medo ou sentimos medo adotado, desde o início do século, no-
do urso por que corremos do urso?”. vas diretrizes metodológicas. A postura
Embora a resposta mais evidente é que dos behavioristas radicais passara a dar
fugimos por que sentimos medo (o eu o tom: os animais não pensavam, seu
consciente estaria no centro dessa respos- comportamento era inconsciente e seu
ta), na verdade mesmo antes de o objeto aprendizado era fruto de mero condi-
O PSICÓLOGO William James, pioneiro na
do perigo chegar à nossa consciência pesquisa da reação instintiva de medo cionamento. Essa posição se tornaria um
partes do sistema de medo são ativadas. tanto dogmática, e a defesa da idéia de
Assim, ao que tudo indica, a seleção um novo homem. Um homem que uma “mente animal” passaria a constituir
natural favorece um sistema de respostas carregava em sua carne a herança de uma espécie de heresia científica.
rápidas a perigos iminentes, mesmo que um passado muito mais longínquo que Desconfiado dessa abordagem, Lea-
tal sistema às vezes nos desperte indevi- aquele relatado nos livros sobre antigos key optara deliberadamente por convidar
damente um súbito calafrio causado por impérios e civilizações esquecidas. Um uma pessoa que não tivesse formação em
um galho de árvore no chão, confundido homem cuja origem remontava à ori- biologia, como Goodall, pois queria que
com uma cobra. De qualquer forma, gem da própria vida. Um homem cujos o comportamento dos chimpanzés em
parece ser melhor fugir de algo que não antepassados mais remotos nem sequer ambiente natural fosse observado por
poderia nos causar mal, do que demorar eram humanos. Era, em última análise, a alguém não limitado por preconceitos
um tempo extra para avaliar se o estímulo esses ancestrais não-humanos que devia a respeito do que um animal era ou não
é de fato perigoso, expondo-nos ao ataque as raízes até mesmo de suas mais caras capaz de fazer. Tal precaução mostrou ter
de um predador. Em todos os casos, esse faculdades morais, de sua mais aguda fundamento quando Goodall foi apresen-
sistema de resposta rápida, presente nos racionalidade, de seus mais nobres e tar pela primeira vez os resultados de suas
seres humanos, ocorre em muitos grupos sublimes sentimentos. observações num seminário científico.
de animais. Em nenhum momento Darwin nega Diante de uma platéia de etologistas, a
Voltando a Darwin, suas idéias foram a imensa distância entre as mentes animal pesquisadora mostrara como Figan, um
publicadas no seio de uma comunidade e humana. Mas como tenaz defensor do chimpanzé macho adolescente, apren-
científica regida pelos paradigmas da “princípio de continuidade”, insiste que dera a ludibriar seus companheiros. Da
teologia natural: a Natureza era um essa diferença não é de essência ou tipo, primeira vez, ele ficara propositadamente
livro sagrado, e a função da ciência era mas de grau. A vida mental já não era um para trás, esperando que os machos velhos
traduzi-lo. Pode-se imaginar, portanto, atributo exclusivo da espécie humana, já houvessem partido, a fim de receber,
o impacto de sua afirmação de que a mas um produto dos processos naturais sozinho, as bananas que Goodall lhe
mente humana tinha uma origem co- e históricos da evolução biológica no oferecia. Ao ver as frutas, porém, o jovem
mum com a mente de meros macacos. planeta. A passos largos e firmes, darwi- chimpanzé emitira urros de satisfação,
Essa idéia de continuidade física e mental nismo e darwinistas ganhavam terreno, atraindo os mais velhos e fortes, que então
perturbava o glorioso lugar do homem conquistando espaço na comunidade lhe tomaram as bananas. Orgulhosa de
DAVE KING

na ordem natural. Pois apresentava científica e no senso comum. sua descoberta, a jovem primatóloga con-

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equipes em diferentes regiões da África
durante décadas têm demonstrado que
as formas de uso de ferramentas variam
conforme a comunidade de chimpanzés
estudada. Por exemplo, uma determi-
nada comunidade pode ter aprendido a
usar ramos para capturar cupins, mas não
a usar pedras para quebrar coquinhos;
e, em outra, pode ocorrer o inverso.
A explicação alternativa mais plausível
para essas diferenças seria a da dispo-
nibilidade relativa de recursos, ou seja,
onde as pedras são mais abundantes seria
esperado que elas fossem usadas como
ferramentas, e onde os ramos fossem

MUSEU DA CIÊNCIA, MINNESOTA


mais fáceis de serem encontrados eles
seriam aproveitados na “pesca” de cupins.
Essa lógica não é observada: em algumas
regiões onde as pedras são raras os
JANE GOODALL constatou que os chimpanzés mantêm comportamento social complexo chimpanzés fazem longas excursões para
obtê-las, e noutras onde são facilmente
tou ao grupo de cientistas como Figan, na de obscurantismo, a mente animal ressurgia encontráveis não fazem uso delas. O
oportunidade seguinte, conteve seus gri- como tema legítimo de programas de mesmo vale para os gravetos.
tos diante das bananas, de modo a evitar o pesquisa científica e discussões filosófi- O uso de algum objeto natural
retorno dos machos adultos. Acrescentou cas. E os primatas, nossos parentes mais específico como ferramenta parece
que era possível ouvir os pequenos sons próximos, estavam na frente de batalha ter início numa dada comunidade pela
em sua garganta, mas tão baixinhos que desse apaixonado debate. descoberta, parcialmente acidental,
seus companheiros não podiam ouvi-los. A observação prolongada e sistemá- feita por um indivíduo curioso que,
A ainda ingênua pesquisadora esperava tica do comportamento dos chimpanzés ao manipular de forma experimental
que sua platéia ficasse tão fascinada e im- em seu hábitat natural revelou que esses os objetos disponíveis no ambiente,
pressionada quanto ela própria. Mas a pla- animais fazem amplo uso de ferramentas. obtém maior êxito na execução de uma
téia reagiu com um silêncio gélido. Face a Folhas são usadas como “papel higiênico” tarefa. Por um processo de imitação,
tamanha frustração, a jovem primatóloga ou “esponjas”. Coquinhos são quebrados outros membros do grupo aprendem
aprendia a duras penas, como antes apren- com a ajuda de uma pedra (o “martelo”) a desenvolver aquela habilidade, que
dera o jovem chimpanzé, a silenciar seu apoiada numa raiz de árvore (a “bigorna”). será depois culturalmente transmitida
entusiasmo, a esconder suas conclusões Goodall observou, também, chimpanzés entre gerações.
óbvias a respeito da inteligência desses retirando folhas de um pequeno ramo para Hoje a maioria dos primatólogos
animais perante seus experientes colegas, torná-lo adequado à função de “pescar” concorda que os chimpanzés são muito
treinados nos rigores metodológicos da cupins introduzindo o ramo desfolhado hábeis no chamado “xadrez social”, isto
ciência comportamental. no orifício de entrada do termiteiro. Uma é, num jogo de estratégias e manobras
Mas, assim como Figan continuaria das definições então vigentes na afirmação sofisticadas que cada indivíduo desem-
a obter bananas em segredo, também da singularidade humana dizia que “o penha para se mover no complexo tecido
Goodall insistiria em suas convicções, homem é o único animal que confecciona social que é uma sociedade chimpanzé. O
e o acúmulo de observações pioneiras ferramentas”. Por isso, ao receber o relato monitoramento do comportamento do
reunidas por ela e sua equipe acabaria de Goodall, Louis Leakey, extasiado, outro é de fundamental importância aqui,
por reabrir as comportas de uma represa. enviou a ela um telegrama, comentando: e inclui a antecipação pelos indivíduos das
Contrariando crenças então vigentes “Agora teremos de redefinir ferramenta, intenções e a previsão das reações dos
sobre a singularidade humana, os chim- redefinir o homem ou aceitar os chim- outros membros do grupo a suas ações.
panzés de Goodall demonstraram ser panzés como humanos”. O primatólogo Frans de Waal acom-
animais de uma complexidade mental Estudos comparativos entre minucio- panhou durante anos uma colônia de
inimaginável. Após um longo período sas observações realizadas por diferentes chimpanzés cativos no zoológico de

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Arnhem, na Holanda, e pôde presen- zariam justamente por suas diferenças. atuais em neurociências tem importante
ciar cenas inacreditáveis. É o caso de Esse conjunto de proposições é referência na biologia evolutiva, e as
Yeroen, macho robusto que após ser conhecido como modelo padrão das mais recentes linhas de investigação da
derrotado num combate e ferido por ciências sociais, que afirma não só a au- relação cérebro-mente e dos processos
outro macho, de nome Nikkie, somente tonomia e independência dos estudos da cognitivos e emocionais compartilhados
mancava quando Nikkie estava próximo, sociedade, mas também a irrelevância da entre o homem e os animais têm óbvia
e parava de mancar tão logo este ficava biologia para compreender e interpretar inspiração neodarwinista.
fora do alcance de sua vista. Com essa os anseios e desejos da mente subjetiva. O homem é, sem dúvida, um animal
demonstração explícita (e trapaceira) de Assim sendo, para os advogados mais simbólico-cultural. Mas, ainda assim,
sua fragilidade circunstancial, protegia-se ortodoxos dessa vertente, falar em natureza como a própria expressão designa, um
de novos ataques do rival. humana é incorrer num erro grosseiro, animal. Pois se a mente humana apresen-
Os chimpanzés não são os únicos pois a força da cultura e dos processos ta inegáveis particularidades em suas
primatas a manter um comportamento históricos há muito teriam apagado da possibilidades expressivas, cognitivas e
social sofisticado. O mesmo vale para mente e do comportamento humanos de intervenção sobre o ambiente físico

HUMANOS SÃO SERES SIMBÓLICO-CULTURAIS, MAS A


ORIGEM DE SUA MENTE É A MESMA DOS ANIMAIS

os demais grandes antropóides, como o quaisquer vestígios de uma influência e cultural, ela não é de forma alguma
bonobo (Pan paniscus), o gorila, o orango- significativa da Natureza. singular em sua origem. Ela provém do
tango e até para outros primatas, como A outra vertente, de cunho naturalis- mesmo inexorável processo evolutivo
babuínos, macacos-resos e o brasileiro ta, considera a noção de natureza humana que forjou os movimentos protoplas-
macaco-prego (Cebus apella) – capaz, em como objeto legítimo de investigação. máticos das amebas, o fototropismo
certas regiões, de fazer uso de ferramentas Sem negar a importância da cultura na dos girassóis, os formidáveis instintos
semelhante ao dos chimpanzés. estruturação das sociedades, insiste que das vespas caçadoras, o gregarismo de
a cultura não opera numa tabula rasa, mas lobos e leões e a insuspeitada inteligên-
HOMEM, MENTE PRIMATA numa tabula inscripta, resultante de nosso cia social dos chimpanzés.
Estudiosos do comportamento co- passado filogenético. Nessa abordagem Respondendo àquela mesma pergun-
nhecem o diálogo de surdos entre os podemos encontrar programas de pes- ta formulada há mais de um século pelo
adeptos das ciências sociais e das ciências quisa como a ainda jovem psicologia ilustre ensaísta britânico – “É o homem
naturais na interpretação do comporta- evolucionária, que propõe uma articula- um macaco ou um anjo?” – tomamos,
mento e das motivações do homem. Essa ção entre as ciências sociais e psicológicas assim, a liberdade de discordar de sua res-
disputa diz respeito a dois tipos básicos de com as ciências naturais e evolutivas. posta. Nós estamos do lado dos macacos.
compreensão do ser humano. Uma, de Também a maior parte dos estudos E não sem um certo orgulho. VMC

cunho mais culturalista, tende a conceber


a mente humana como uma tabula rasa.
De acordo com essa concepção, cada PARA CONHECER MAIS
ser humano nasce como uma página O animal darwiniano: o status das emoções na teoria da mente em Charles
em branco, sem quaisquer tendências Darwin. André Luis de Lima Carvalho. Dissertação de Mestrado. Fiocruz, 2005.
comportamentais de caráter inato. Nessa A origem do homem e a seleção sexual. Charles Darwin. Hemus, 2002.
página em branco, que é a mente de um A expressão das emoções nos homens e nos animais. Charles Darwin. Companhia
bebê, a cultura inscreveria seus códigos das Letras, 2000.
e valores. Ou seja, nada haveria de Tipos de mentes. Daniel Dennet. Rocco, 1997.
comum entre as diversas culturas a não Uma janela para a vida: 30 anos com os chimpanzés da Tanzânia. Jane Goodall.
ser as necessidades básicas de proteção, Jorge Zahar, 1991.
alimentação e reprodução. Assim como O cérebro emocional. Joseph Ledoux. Objetiva, 2001.
não há dois indivíduos absolutamente Tábula rasa: a negação contemporânea da natureza humana. Steven Pinker.
iguais, também as culturas se caracteri- Companhia das Letras, 2004.

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