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Finanças Empresariais **

Os tempos que vivemos são apropriados para revermos alguns conceitos ligados ao tema. Tempos exigentes
requerem mais reflexão, mais racionalidade e mais flexibilidade. Podemos, e devemos, centrar a nossa reflexão nos
problemas ligados à criação de valor, ao risco e ao diagnóstico financeiro. Abordaremos preferencialmente os dois
primeiros.

O problema da criação de valor é central nesta abordagem. A questão não reside apenas na determinação do valor
de uma empresa mas também na estabilização desse valor. E para podermos estabilizar o processo de criação de
valor temos de perceber aquilo que o condiciona. E a esse nível podemos logo seleccionar três grandes áreas: a
definição de uma adequada estrutura financeira; um estudo criterioso acerca das decisões de investimento; e, as
opções mais racionais e flexíveis envolvendo o financiamento.

O valor financeiro de uma empresa corresponde aos meios libertos esperados actualizados a uma determinada taxa
de retorno. Essa taxa de retorno visa cobrir, de entre outras coisas, o risco que o empresário corre ao desenvolver e
sustentar o seu negócio. Se isso não for contemplado o dito empresário terá mais vantagem em aplicar esse dinheiro
em Obrigações do Tesouro. E convém também tomar em consideração que os meios libertos de que se fala não
correspondem apenas à soma dos resultados com as reintegrações. Seria demasiado fácil!

O valor financeiro assim obtido, que é o único que nos interessa ao nível da gestão financeira e do processo de
criação de valor, difere do valor contabilístico e do valor patrimonial. Logo, podemos dizer que o valor financeiro de
uma empresa corresponde ao seu valor substancial. E se não o calcularmos nunca chegaremos à conclusão que
racionalmente importa: devemos desenvolver a empresa, ou, pelo contrário, devemos encerrar o negócio? No
problema da avaliação de uma empresa, ou da determinação do seu valor substancial, jogamos com cenários e
simulações mas também com a geração de variáveis aleatórias. Analisemos algumas das tarefas que teremos de
levar a cabo ao longo de um exercício.

Primeiro, temos de olhar para a rendibilidade. A rendibilidade das vendas, dos activos e o controlo sobre a margem
bruta. A evolução dos custos operacionais, a determinação do ponto crítico e a flutuação da margem de segurança.
Esta análise conduz-nos, de forma quase automática, à política comercial e aos níveis de produtividade. E seria bom
que todos tomassem em conta que, na conjuntura actual, o sempre desejado aumento de preços de venda se
consegue, não no mercado, mas nas condições internas de exploração. Isto é, na produtividade.

Depois, para determinarmos o valor substancial de uma empresa, temos de olhar para a rotação dos seus stocks,
para os tempos médios de cobrança e de pagamento, bem como para os ciclos de negócio e de tesouraria. Por fim,
teremos de olhar para o grau de endividamento da empresa e determinar a estrutura óptima de capitais. Sim, e aqui
não podemos nunca ceder à demagogia e às conveniências. Se nos encontramos preocupados com os problemas
que condicionam a criação de valor, teremos de perceber que existe uma estrutura de capitais que optimiza esse
processo. Aqui, a ideia pré-concebida do empresário não conta. A este nível, o problema é matemático. É claro que
podemos sempre violar estas leis. Mas isso, como já aconteceu e continua a acontecer frequentemente, é o primeiro
passo para a ruptura financeira.

É verdade que existem autores que desafiam esta teoria exprimindo a tese da irrelevância da estrutura de capitais
no processo de criação de valor. O problema é que condicionam a sua teoria à existência de um mercado eficiente. E
um mercado eficiente, por definição, é aquele em que existe concorrência perfeita, expectativas homogéneas,
ausência de atritos e eficiência informacional. Onde os agentes económicos se encontram todos com a mesma
informação, onde não existem custos de agência e onde não existe iniquidade fiscal. Pois é, mas esse não
corresponde ao mercado onde as nossas empresas operam. Que, obviamente, não é eficiente. Assim sendo,
qualquer estratégia que tenha como objectivo o desenvolvimento de uma empresa e a sua sustentabilidade, tem de
procurar dar resposta à seguinte questão: qual a estrutura de capitais que optimiza o seu processo de criação de
valor?

E aqui só nos encontramos a falar de capitais de médio e longo prazo. Pois em termos de uma correcta política
financeira os financiamentos de curto prazo não são adequados para sustentar a actividade da empresa. Os

1 Vânia Costa
Concluímos que existe uma estrutura de capitais que optimiza o processo de criação de valor de uma empresa.
Concluímos também que essa estrutura de capitais envolve apenas capitais de médio e longo prazo. Isto é, capitais
próprios e financiamentos de médio e longo prazo. Ficou também assente que os financiamentos de curto prazo
apenas devem servir para suprir deficits pontuais de tesouraria.

O ritmo de captação de capitais que nos interessam para efeitos da sustentabilidade da actividade da empresa
depende de dois factores: primeiro, do auto-financiamento e da política de distribuição de dividendos; segundo, do
financiamento externo, compreendendo os aumentos de capital social e os financiamentos a médio e longo prazo.
Por isto mesmo é particularmente estranho verificar como no momento actual todos se preocupam tanto com os
programas do Governo chamados PME Invest I, II e III. É muito estranho porque, no caso de alguns empresários, essa
preocupação deveria centrar-se não em mais empréstimos mas na elevação dos capitais próprios.

Os ditos programas do Governo de nada servirão aos empresários que não se preocuparem verdadeiramente com os
mecanismos de criação de valor. Em suma, que não se disponham a contrariar os mecanismos de facilidade que
sempre surgem em épocas de crise: ajudas financeiras externas, baixas de preços de venda e redução dos índices de
produtividade. É que existe uma regra na gestão financeira que até hoje não foi contrariada: uma empresa encontra-
se em ruptura financeira quando o seu valor patrimonial ou de liquidação se torna superior ao seu valor substancial.
E este, como já vimos, depende dos meios libertos esperados actualizados a uma determinada taxa de retorno. Mas
esses meios libertos esperados serão progressivamente menores na medida em que aumentem os encargos
financeiros decorrentes de dívidas excessivas. Os actuais programas do Governo, e já nos encontramos muito longe
dos delírios dos PEDIP, são empréstimos que provocam o aumento do serviço da dívida e dos encargos financeiros.

Ao contrário do que muitos pensam, a ruptura financeira não consiste apenas na impossibilidade persistente da
empresa para solver os seus compromissos financeiros a partir dos meios libertos pela exploração e do acesso a
novos financiamentos. A ruptura financeira já acontece quando a projecção dos meios libertos esperados
actualizados a uma determinada taxa de retorno é insuficiente para cobrir o valor financeiro da dívida. Por isso se
torna tão importante olhar para o valor da empresa. E por isso se torna também tão importante, como já se disse
atrás, não descarregar as ineficiências da gestão sobre o serviço da dívida.

Falar da estabilização do valor de uma empresa é falar da estabilização dos seus meios libertos. E entendamos meios
libertos como os fluxos “reais” gerados pela tesouraria. A estabilização desse valor enfrenta dois tipos de riscos: o
risco específico e os riscos financeiros. O risco específico é o risco associado ao próprio negócio e à forma como é
gerido. Os níveis de preços, as condições de rendibilidade e os índices de produtividade na utilização dos factores. Os
riscos financeiros compreendem o risco de liquidez, o risco de taxas de juro, o risco cambial e o risco de preço. É da
conjugação e do controlo de todos esses riscos que depende a estabilização do valor da empresa.

Existem mesmo algumas decisões que antes de serem tomadas exigem a projecção e a contínua revisão de todos
esses riscos. São todas aquelas decisões que envolvem trocas de capitais e de activos reais. São todas as decisões de
investimento e todas as correspondentes decisões ligadas ao seu financiamento.

Qualquer decisão de investimento exige uma resposta estratégica. E essa resposta exige planeamento e projecção.
Planeamento dos detalhes e projecção dos meios libertos. É que o problema técnico não é só aferir se o
investimento é ou não rentável. Em simultâneo, torna-se necessário determinar os níveis de capitais permanentes
exigidos na optimização do processo de criação de valor. Sem cometer o erro em que muitos persistem: recorrer,
para esses efeitos, aos financiamentos de curto prazo. Dimensionar correctamente os capitais permanentes é olhar
para os capitais próprios e para as dívidas a médio e longo prazo.

A facilidade com que muitos empresários cobrem investimentos com capitais de curto prazo é um dos erros mais
frequentes em gestão. Mas essa facilidade é sempre directamente proporcional à facilidade com que encerram as
empresas.

** Elaborado por Luís Quintino

Em www.labor.pt - Labor.pt - Semanário

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