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A relação entre Ciência e Religião

Por: Prof. Dr. Joel Gracioso

No decorrer da História o ser humano foi constituindo certas formas de pensar e


interpretar a realidade a partir de referenciais e perspectivas distintas. Assim, em alguns
momentos procurou vislumbrar o real a partir do mito, isto é, de uma linguagem e de um
modo de pensar metafórico e simbólico cujo intuito era expressar por meio de
determinadas narrativas uma verdade imemorial. Em outros momentos preferiu, por
determinadas condições históricas favoráveis, estabelecer e utilizar um pensamento
fundado na razão, cuja lógica exclui a contradição, o fantasioso, considerados absurdos.
Neste trabalho de olhar a realidade a partir do logos demonstrativo é que vai surgir
também o discurso cientí co, no sentido moderno do termo. Geralmente o que se
denomina conhecimento cientí co é a noção elaborada a partir da modernidade cujo
modelo é a matriz lógico-matemática. Ademais, a possibilidade de veri cação
experimental de qualquer enunciado é o critério principal da sua veracidade. Excluí-se,
portanto, desta concepção, a visão aristotélica de ciência, por exemplo. Além desses meios
mencionados, a arte e a religião, uma por meio da experiência estética e outra a partir da
questão do sagrado, permitem um outro olhar sobre a mesma realidade. Desta maneira,
parece que o que temos é o mesmo  homo sapiens  analisando a realidade a partir de
olhares diferentes.

Entretanto, em todo esse processo, muitas vezes essas visões diferentes da realidade
entraram em con ito, predominando umas em detrimento de outras.

A partir da modernidade, e especialmente no mundo contemporâneo, percebemos um


atrito mais ou menos constante entre a busca permanente pelo desenvolvimento
cientí co e tecnológico cujo pressuposto básico é conhecer para intervir, e assim resolver
alguns problemas por meio do aperfeiçoamento de determinadas técnicas, e por outro
lado o discurso religioso que procura preservar determinados valores e princípios
tradicionais advindos, ou de uma revelação especial de origem transcendente ou de uma
determinada experiência do sagrado e concepção do divino.

Encontramos esse dilema, por exemplo, tanto no caso de Galileu e a revolução


copernicana, como na questão da utilização de embriões humanos em pesquisa ou na
questão da eutanásia.

Ora, qual a razão de ser desse con ito? Haverá uma oposição intrínseca, necessária, entre
o discurso religioso e o discurso cientí co, entre a fé e a razão? Ou será apenas uma
questão de ideologia e de interesse político?

Galileu Galilei

No século XVI foi se estabelecendo, cada vez mais, um modo de pensar que a rmava de
maneira sempre mais intensa o valor do homem. As culturas gregas e romanas são
reavivadas e o desenvolvimento da ciência acontece cada vez de forma mais intensa se
apoiando em métodos novos e observações precisas. Assim, a ciência moderna,
capacitada de instrumentos de trabalho cada vez mais re nados, foi se afastando de
qualquer tipo de argumento de autoridade, inclusive os provenientes da fé. Neste
contexto vai se estabelecendo, às vezes, um pensamento secularizado e anti-religioso.

As autoridades eclesiásticas diante dessas novas correntes de pensamento tiveram,


muitas vezes, uma atitude rígida e descon ada para com a nova ciência, tentando
preservar aquilo que entendiam como verdadeiro.

Ora foi precisamente neste ambiente que viveu Galileu Galilei, considerado por muitos o
pai da ciência moderna.

Durante todo o medievo a física ptolomaica, que ensinava o sistema geocêntrico (a Terra
estaria xa e os astros, inclusive o Sol, girariam em torno dela), predominou totalmente.
Entretanto, em 1543 Nicolau Copérnico sugeriu outro modo de pensar essa questão
fazendo uma inversão. Ou seja, a Terra não é o centro do universo, sendo ela que gira em
torno do Sol, daí o nome a esse sistema de heliocêntrico.

Esse modo de pensar, para os cristãos da época, foi algo con itante porque implicaria em
a rmar que o homem não habitaria o lugar central do mundo, pois passaria a viver num
mero planeta secundário. Além disso, a própria encarnação do Verbo divino também não
se daria mais no centro do universo.

Galileu, apesar de ter sido elogiado, num primeiro momento, por alguns jesuítas, ao ir
aderindo sempre mais ao heliocentrismo e contrariar o geocentrismo, entrou em con ito
com as autoridades religiosas devido à interpretação de certos trechos bíblicos que
pareciam ensinar o geocentrismo. Assim, o seu modo de pensar estaria impugnando
alguns textos considerados sagrados pela fé cristã. Acusado de heresia foi processado em
Roma em 1616, donde resultou a proibição de ensinar o heliocentrismo.

Contudo, Galileu prosseguiu defendendo suas idéias argumentando que não se podia
fazer sempre uma leitura literal do texto sagrado, pois os autores da Sagrada Escritura ou,
o próprio Espírito Santo que a inspirou, não tinham a intenção de ensinar aos homens as
questões de ciências naturais. Para ele a Bíblia não quer explicar o funcionamento natural
do céu ou dos corpos celeste, mas sim como se vai para o Céu. Ora, ao defender esse
modo de interpretar a Bíblia, Galileu expõe um princípio hermenêutico que se tornará
comum, posteriormente, na tradição cristã. Porém, para sua época, pareceu algo muito
revolucionário e, assim, foi incompreendido e rejeitado.

Evolucionismo e criacionismo

No século XIX a teoria evolucionista, cujo ponto central era a defesa de que as espécies
atuais, vegetais e animais, surgiram por evolução de um reduzido número de troncos
primitivos ou mesmo de um único núcleo inicial, foi defendida por muitos pensadores,
dentre eles: Jean-Baptiste Lamarck, De Vries, Charles Darwin e outros.

Lamarck foi o primeiro a propor sistematicamente a tese evolucionista, que para ele
estava intimamente ligada à questão do meio, do tempo e da hereditariedade. As
mudanças do meio estimulariam várias alterações nos corpos dos seres vivos. Além disso,
a necessidade de uma função, dentro de um determinado ambiente, criaria o órgão
respectivo. E, por m, todas as modi cações ocorridas seriam transmitidas
hereditariamente, xando-se na espécie.

De Vries, por outro lado, era adepto do mutacionismo. Ou seja, para ele não há pequenas
transformações constantes, mas sim, alterações abruptas de grande amplitude, não
havendo formas intermediárias.

Todavia, o pensador que mais chamou atenção foi Darwin. Ele publicou, em 1859, sua
famosa obra  A origem das Espécies  propondo como o ponto principal da evolução a luta
pela vida. Todo ser vivo estaria em luta permanente contra o seu meio e as espécies
concorrentes. Isso geraria uma seleção natural, na qual os mais fortes e aptos
sobreviveriam com suas alterações. Essas, por sua vez, conforme foram crescendo e se
estabelecendo devido à utilização são passadas hereditariamente. Portanto, as causas
naturais, atuando por elas mesmas, produzem os seres.

Ora, esse modo de entender a origem dos seres entrará em con ito com a visão cristã
sobre a origem das coisas, isto é, o criacionismo.

Os cristãos, baseando-se na Bíblia, principalmente nos primeiros capítulos do livro do


Gênesis, a rmam que a origem de tudo está num ato voluntário e benevolente de Deus, o
qual criou todas as coisas em seis dias e descansou no sétimo. Assim, a origem de tudo
não está em causas naturais, mas sim em uma causa sobrenatural. Tudo o que existe é
expressão da vontade e da inteligência do criador, que dispôs todas as coisas em
harmonia e ordem. Sendo, desta maneira, a beleza das criaturas um re exo da beleza do
criador.

Assim, o evolucionismo parece esvaziar a gura de Deus e sua função criadora na medida
em que explica a origem dos seres através de causas meramente naturais sendo, por isso
profundamente criticado pelas diversas tradições cristãs.        

A Professora Nancy Pearcey, envolvida no debate atual entre criacionistas e evolucionistas


nos Estados Unidos e de tradição cristã reformada, nas suas obras  A alma da
Ciência  e  Verdade Absoluta, defende a não oposição entre Ciência e Religião, mas critica
fortemente o darwinismo.

Num primeiro momento a autora analisa a relação entre cristianismo e cultura,


explicitando como foi se formando uma postura relativista, agnóstica e anti-religiosa no
meio acadêmico.

Nos dias atuais, segundo a professora, foi se estabelecendo uma fragmentação muito
grande na sociedade criando, assim, uma di culdade enorme para se viver qualquer tipo
de integridade. Na família somos de um jeito, no emprego de outro etc. Qual a razão de
ser de tudo isso?
Primeiramente devido a uma dicotomia social. De um lado temos a família, a igreja, os
relacionamentos pessoais compondo a esfera privada. Do outro lado temos a esfera
pública constituída da política, da academia etc. Essa dicotomia estaria apoiada numa
outra divisão entre fatos e valores. Os primeiros como algo objetivo que se aplicam a
todas as pessoas e os segundos como algo totalmente subjetivo. Assim, na medida em
que a religião pertence à esfera privada ela é algo meramente subjetivo e a ciência na
medida em que pertence à esfera pública é algo objetivo. Portanto, temos já estabelecido
o início do con ito entre Ciência e Religião levando, por conseguinte, segundo a autora, a
um duplo âmbito da Verdade e até das ciências, pois de um lado teríamos as ciências
humanas as quais estariam no âmbito do subjetivo e do relativo, e do outro lado as outras
ciências que estariam no âmbito do materialismo e do naturalismo. O equipamento da
mente moderna, portanto, levaria a isso.

Assim, para a professora Nancy, essa dicotomia social leva a uma dicotomia mental e
epistêmica, na qual a verdade objetiva pode estar presente na ciência, na história, mas não
nas questões éticas, por exemplo. Mas nem sempre foi assim segundo a professora. No
século XIX, por exemplo, a unidade da verdade era defendida. Onde ou quando começou
essa mudança?

No entendimento de Pearcey foi no ensino da evolução e na visão naturalista do


conhecimento. A partir desse referencial, os dogmas teológicos e os absolutos losó cos
passam a serem vistos como fraudulentos. A religião pode existir e funcionar desde que
não faça a rmações com pretensão de serem verdadeiras. En m, tanto a religião como a
ética foram transpostas para o âmbito meramente pessoal.

Segundo a referida professora a guerra entre cristianismo e ciência é um mito produzido


pela teoria evolucionista. Portanto, os pressupostos e implicações do darwinismo, sejam
no âmbito epistemológico, antropológico como moral, precisam ser abandonados, seja
devido às suas limitações, seja para termos uma outra compreensão da relação entre fé e
razão, religião e ciência.

Por m, segundo Nancy Pearcey, é preciso recuperar a unidade da Verdade. Uma Verdade
que tenha condições de tornar o todo da realidade coerente. Uma visão uni cada da
realidade contra a fragmentação moderna.O con ito, portanto, não é entre Ciência e
Religião, mas sim entre uma cosmovisão e outra. Segundo Nancy, é preciso ter a coragem
de se perguntar: minha cosmovisão consegue explicar e sustentar a totalidade da
experiência humana?  Segundo a professora uma cosmovisão materialista e naturalista,
como o darwinismo, não.

Todavia, nem todos os cristãos vêem contradição entre criacionismo e evolucionismo.

Teilhard de Chardin foi um sacerdote jesuíta que, além de sua formação religiosa, possuía
um vasto conhecimento e experiência na área das ciências naturais. Seu livro mais
conhecido é O fenômeno humano, no qual ele procura demonstrar a não contradição entre
fé e razão.

Ele parte do pressuposto que a evolução é um fato universal e nada do que é criado
escaparia deste processo. Seu começo se dá na matéria corpuscular, chegando ao homem,
indo além até atingir o seu m. Ele procurou observar o desenvolvimento da matéria
corpuscular e da energia na escala dos seres, percebendo neste desenvolvimento o
aparecimento de estruturas cada vez mais complexas.

O universo, portanto, se origina de um ponto de partida único, que se distribuí em vários


raios de seres. Estes, contudo, se inclinariam para um ponto supremo de convergência. É
neste ponto que se encontra Deus, centro universal de uni cação, no qual cada espírito
repousa. Este ponto superior, todavia, é distinto dos homens e não absorve a
personalidade de cada humano que caminha em direção a ele.

Encontramos, então, no pensamento de Teilhard de Chardin a concepção de uma


evolução teleológica ou teísta, que será usada também por outros pensadores cristãos de
matizes diversos. Nesta concepção os seres surgem por evolução não aleatoriamente, mas
sim visando um m.

João Paulo II e a referência a Tomás de Aquino

O Papa João Paulo II, no ano de 1998, lançou a carta encíclica  Fides et ratio – Sobre as
relações entre fé e razão, na qual condena tanto o deísmo, o qual entende que somente a
fé basta, como o racionalismo, que cairia na absolutização da razão.

No entendimento do bispo de Roma há no coração humano uma demanda pelo absoluto,


um desejo natural pela verdade e uma necessidade radical de encontrar um sentido para
a existência. Ora devido a isso, os homens sempre se interrogaram sobre quem são, sobre
a origem do mundo e da vida, sobre a morte e o mal.

No desenrolar da História, tanto no Oriente como no Ocidente, a humanidade foi


construindo várias respostas a essas interrogações, seja por meio das mais diversas
tradições religiosas, seja por intermédio da Filoso a.

Na sua relação com o mundo o homem se maravilha, se espanta e devido a isso procura
adquirir conhecimentos fundamentais e universais. Sem esse assombro, portanto, a
existência se tornaria algo super cial e repetitivo.

No entendimento de João Paulo II na busca pela verdade o autoconhecimento tem um


papel fundamental, pois na medida em que o ser humano se conhece o sentido das coisas
se torna mais presente e a realidade vai se desvelando. Ademais, nessa busca o homem
deve levar em consideração tanto a fé como a razão, pois essas duas formas de conhecer
são como que duas asas por meio das quais o espírito humano se eleva para a
contemplação da verdade. Não são duas vias independentes e separadas do
conhecimento humano que precisam ser conciliadas. Na realidade a relação entre fé e
razão deve ser de circularidade, pois ambas são manifestações do espírito humano que
deseja penetrar a realidade na sua dimensão mais profunda.

Todavia, o pontí ce lembra que a partir da modernidade, representada no pensamento de


René Descartes, o modo de se pensar essa relação mudou.

No âmbito losó co, desde o período antigo, a razão foi concebida, na maioria das vezes,
com uma abertura ao ser e uma capacidade de re exão metafísica. Já, no mundo
moderno, a concepção de razão muda. O modelo lógico-matemático e empírico-formal vai
ser a base da nova concepção de razão. A Transcendência real é trocada pela
transcendência lógica. O primado não é mais do ser, mas sim do sujeito do conhecimento.
Fé e razão são duas modalidades de conhecimento totalmente independentes. A razão
moderna, portanto, é primordialmente operacional vendo o homem apenas como objeto
e esquecendo que este é chamado a voltar-se a uma realidade que o transcende.

Segundo João Paulo II, a ausência de referência a essa realidade transcendente levou o
pensamento losó co moderno e contemporâneo a car preso ao niilismo ao relativismo,
ao pragmatismo, ao primado da técnica, concentrando-se mais nas incapacidades e
limitações humanas do que na capacidade do homem de conhecer a Verdade.

O caminho para superar essa di culdade seria retornar a pensar as questões metafísicas,
interrogando-se sobre a verdade última da existência. Sendo preciso, portanto, uma certa
reformulação na concepção da razão humana.

Tomás de Aquino (1224/1225 a 1274), no entendimento do pontí ce, é um grande


exemplo de um pensador que viveu a unidade do espírito humano e da busca pela
verdade. Por quê?

Seguindo a posição defendida pela maioria dos pensadores da tradição cristã, Santo
Tomás defende uma estreita relação entre razão e fé, Filoso a e Teologia.

Entendia que Filoso a e Teologia se diferenciavam pela nalidade (a primeira oferecendo


um conhecimento natural sobre as coisas e a segunda um conhecimento sobre as
verdades necessárias à salvação) e pelo método (a Filoso a parte das criaturas e chega a
Deus, a Teologia o contrário). Contudo, apesar dessas diferenciações, haveria uma
harmonia entre fé e razão não sendo possível contradizerem-se pelo fato das duas
procederem da mesma origem, Deus.

Um exemplo desse modo de pensar de Tomás é a questão de Deus. Tomás entende que a
essência de Deus é inefável e, por conseguinte, inacessível. Logo, a fé é imprescindível.
Todavia, apesar disso, o homem pode, partindo da observação da realidade concreta e por
meio do princípio da causalidade, concluir sobre a sua existência. São as famosas cinco
vias.

Ora, usando um referencial aristotélico, parte do pressuposto que todo conhecimento


humano começa pelos sentidos e, além disso, de que o mundo está hierarquicamente
estruturado. A partir disso, o Aquinate vai argumentar a favor da existência de uma
realidade transcendente, fundamento último dos seres em geral que chamamos Deus,
sem a qual o próprio mundo torna-se incompreensível.

Segundo o doutor Angélico, na sua primeira via, por exemplo, ao olharmos para o mundo
vemos que o movimento existe, ou seja, as coisas passam de potência a ato. Entretanto,
algo não poderia atualizar-se por si próprio sendo movido e movente ao mesmo tempo,
pois tudo o que é movido é movido por outro. Portanto, quando observamos os entes em
geral vemos uma seqüência de movidos e moventes e não sendo possível proceder ao
in nito, concluísse que é necessário haver um movente que põe tudo em movimento, mas
que nunca foi movido por nada. Temos, assim, o primeiro motor imóvel ou Deus.

Nas outras vias (causa e ciente, o ser necessário, graus de perfeição do ser, teleológico) a
estrutura do raciocínio é muito parecida.

En m, qual o sentido dessa referência que João Paulo II fez a Santo Tomás? Parece que o
intuito do pontí ce não foi absolutizar e o cializar o pensamento do Aquinate como o
pensamento o cial da Igreja Católica, mas apenas mostrar que é possível buscar a verdade
sem cindir o espírito humano.
Considerações nais

Por m, ao analisarmos esses exemplos históricos e ao pensarmos sobre essas questões,


percebemos que para abordá-las de maneira minimamente satisfatória, se faz necessário
analisá-las numa perspectiva sistemática, além da perspectiva histórica que nos mostra
como se deu essa relação no decorrer do tempo. Ora, o que signi ca isso?

Signi ca que para respondermos se há ou não uma oposição necessária ou uma


complementação entre religião e ciência, fé e razão é preciso analisar a origem e a
estrutura de cada discurso. Seus pressupostos epistemológicos e ontológicos. En m, o
modo de ser e a razão de ser de cada um, seus fundamentos, a concepção de realidade e
de verdade subjacente e as implicações de tudo isso na existência humana.

No mundo contemporâneo vemos a presença cada vez maior de fundamentalismos e


fanatismos religiosos que geram uma consciência alienada nas pessoas e muitas vezes até
con itos bélicos entre determinados povos. A intolerância e o dogmatismo de alguns
acabam gerando di culdades para o desenvolvimento do conhecimento humano em geral
e também impasses para o convívio social sadio e minimamente humano na sociedade.

Contudo, tudo isso é expressão da essência do sentimento religioso ou uma corrupção


desse próprio sentimento? O que é de fato o sagrado? Qual a essência da religião? A
vivência religiosa e o olhar religioso do ser humano sobre o mundo é na sua essência
falso, enganador e alienante? É possível excluir da vida humana qualquer traço de
religiosidade?

Mircea Eliade no seu livro O Sagrado e o Profano aponta para dois modos de ser no mundo
ou dois tipos de homens: o religioso e o profano. Através da análise do espaço, do tempo,
da natureza e da existência humana, ele mostra que o modo como o homem religioso
entende essas dimensões é diferente do homem profano, porque o homem religioso vê o
mundo e tudo o que está nele como manifestação do sagrado e o profano não. Por
exemplo, o espaço para o homem religioso não é homogêneo, pois uma coisa é estar
dentro de um templo sagrado, no qual se comunica com uma realidade transcendente, e
outra fora dele. Enquanto que o homem profano tenta estabelecer uma homogeneidade
do espaço.

Todavia, Eliade mostra que por mais que o homem profano tentou tirar da vida humana
todo elemento de sacralidade ou religiosidade não conseguiu, pois sempre permaneceu
algum resquício dessa religiosidade, indicando, talvez, que a religiosidade é algo intrínseco
a realidade humana.

Por outro lado, quando olhamos na sociedade contemporânea o avanço cientí co e


tecnológico, vemos todos os benefícios da ciência e da técnica para com a sociedade,
como na medicina, na engenharia etc. Mas encontramos também a angústia que essas
descobertas ou invenções estão trazendo para o homem contemporâneo. A necessidade
constante de produzir a cada dia um conhecimento novo ou uma técnica nova para
satisfazer as supostas necessidades do ser humano ou talvez na realidade necessidades
criadas mais pelo mercado, produz nas pessoas um estado de vazio, de perda de sentido.
O processo veloz pelo qual as coisas e os conhecimentos se tornam obsoletos produz a
sensação de que tudo se desmancha em segundos e estamos condenados ao nada e a
incerteza constante. Ademais, da parte de alguns, a crença absoluta de que a ciência, com
seus métodos e critérios, pode sozinha resolver todos os problemas humanos e descrever
a realidade tal como ela é, gera a idéia de que não há limites para o avanço da técnica e da
pesquisa cientí ca. Uma certa mentalidade utilitarista e economicista muitas vezes
predomina no mundo contemporâneo, transformando o útil e o econômico no ético,
criando, também, muitas di culdades para a sociedade.

Ora, não será o cienti cismo tão dogmático e perigoso quanto os fundamentalismos
religiosos?

Notamos, assim, a necessidade de indagarmos até que ponto uma expressão humana,
seja qual for, pode a rmar a posse da totalidade da verdade e a partir disso
demonstrarmos a importância dos diversos olhares possíveis do ser humano sobre a vida,
o mundo. Talvez o olhar do  homo cienti cus  não deve excluir o olhar do  homo
religiosus, nem o olhar do homo poeticus, pois todos esses olhares, antes de tudo, re etem
os modos de adaptação do homo sapiens ao seu meio, que é ao mesmo tempo misterioso,
operacional e poético, e muitas outra coisas que nem sequer podemos ainda cogitar.

Bibliogra a

Boehner, Philotheus e Gilson, Etienne. História da Filoso a Cristã. Petrópolis: Vozes, 1988.

Cunha, José Auri. Iniciação à investigação losó ca. São Paulo: Atual editora, 1992.

Eliade, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

João Paulo II. Carta encíclica Fides et ratio: sobre as relações entre fé e razão. São Paulo:
Loyola, 1998.
McGrath, Alister E. Fundamentos do diálogo entre Ciência e Religião. São Paulo: Loyola, 2005.

Nancy R. Pearcey,  A alma da Ciência. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2005.

______________. Verdade Absoluta. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006.

Pierrard. Pierre. História da Igreja. São Paulo: Paulus, 2002.

Tomás de Aquino. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2006, 8 volumes.

Vaz, H.C. de Lima. Metafísica e fé cristã: uma leitura da “Fides et ratio”. In: Revista Síntese n. 86.
Belo Horizonte: Loyola, 1999.

* Texto publicado na Revista Biblioteca Entre Livros, São Paulo, v. 07, 25 jun. 2007.

Para mais, acessar o site http://www.joelgracioso.com.br

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