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Ac. 00323.

203/93-0 RO

SOCIEDADE ANÔNIMA. EMPREGADO ELEITO PARA O CARGO DE DIRETOR PELO


CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO. EFEITOS SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO. A
doutrina e a jurisprudência prevalentes são no sentido de que a figura do diretor nomeado nos
termos da lei das sociedades anônimas como órgão representativo da sociedade e a de
empregado da mesma sociedade são excludentes, pois a mesma pessoa não pode ser ao mesmo
tempo órgão da empresa e empregado. Assim, o contrato de trabalho de empregado eleito para
o cargo de diretor de sociedade anônima fica suspenso, consoante inteligência do Enunciado n.º
269 da Súmula do E.TST, ressalvada a hipótese de manutenção de subordinação típica à relação
de emprego.

(...) 2. NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA NO PERÍODO 03.02.87 A 19.12.91. Não se


conforma o recorrente com a sentença, enquanto conclui que no período em epígrafe não houve
relação de emprego, mas o exercício da função de diretor no termos da Lei n.º 6.404/76 (Lei das
Sociedades Anônimas).
Na versão da inicial, o recorrente a 03.02.87 foi “readmitido” pela reclamada Indústria de
Máquinas Agrícolas Ideal S.A., quando lhe foi atribuído o título de Diretor Industrial, em que
pese executasse “as mesmas atividades que antes desempenhara como mero gerente”, em
contrato mantido com a primeira ré no período compreendido entre 04.4.67 e 30.9.86, quando
exerceu a “função de Gerente Eng. de Manufatura”. Consoante razões de apelo, o conjunto
probatório revela tivesse exercido as mesmas funções do contrato anterior, onde
incontroversamente deteve a condição de “designado para gerenciar a fábrica da segunda
reclamada em Santa Rosa” (fl. 1047). Destaca particularidades da perícia tipo contábil, da prova
testemunhal e documental, com relação a esta invoca documentos que consignam pagamento de
salário e desconto de verbas com natureza trabalhista.
Na resposta de fls., as rés sustentam que a primeira relação jurídica (04.04.67 a 30.09.8) foi
mantida com a “então denominada MASSEY-PERKINS S/A., empresa que, em 1984, passou a
integrar o grupo econômico a que pertencem as reclamadas e deu origem à primeira
reclamada”. Negam tivesse o recorrente naquele período trabalhado na cidade de Santa Rosa e
aduzem que “durante o segundo relacionamento” o reclamante não exerceu o cargo de
“Gerente de Produção de Colheitadeiras”, mas de Diretor Industrial eleito nos termos da Lei
das Sociedades Anônimas até 19.12.1991, data em que deixou de exercer “estatutariamente” o
cargo Diretor e celebrou contrato de trabalho com a reclamada IOCHPE-MAXION S/A.
No caso, a sentença acolheu a tese da defesa para concluir que até 19.12.91 a prestação de
serviços não se deu de forma subordinada e, por conseqüência, deixa de acolher o pedido,
admitindo como de emprego, apenas a relação jurídica expressamente admitida.
Na espécie, a despeito de a resposta de fls. invocar “erro no sistema de processamento de
dados”, a existência de relação de emprego no período compreendido entre 02.02.87 e 18.5.92,
resta inquestionável, na medida em que os documentos das fls. 27/31, que correspondem ao
recibo de quitação, consignam como data de admissão 02.02.87, em que pese na CTPS tenha
sido anotado dia 20.12.91.
Na verdade, cinge-se o centro da controvérsia em aferir se no período compreendido entre
03.02.1987 e 19.12.1991 o recorrente foi diretor-empregado ou diretor-órgão da sociedade e
assim definir se o contrato de trabalho esteve ou não suspenso durante o exercício do cargo de
Diretor Industrial.
Como é sabido, nos termos da Lei n.º 6.404/76, a administração das sociedades anônimas
compete, conforme dispuser o estatuto, ao “Conselho de Administração” e à “diretoria”, ou
somente à diretoria (artigo 138), cabendo, quando existente, ao Conselho de Administração
eleger e destituir diretores (artigo 142,II). De acordo com o parágrafo 1º do artigo 138, a
representação da sociedade é privativa de diretores, os quais, conforme interpretação conjunta
dos artigos 138 e 139 da referida lei, são órgãos da sociedade.
Partindo de tais premissas, a doutrina e a jurisprudência prevalentes são no sentido de que a
figura do diretor nomeado nos termos da lei como órgão representativo da sociedade e a de
empregado da mesma sociedade são excludentes, pois a mesma pessoa não pode ser ao mesmo
tempo órgão da empresa e empregado. Este é o magistério, por exemplo, de Arnaldo Süsseking,
em artigo de doutrina publicado no Volume 49 da Gênesis – Revista de Direito do Trabalho; de
Fran Martins, “in” Comentários a Lei das Sociedades Anônimas, Editora Forense, 1ª Edição,
comentários aos artigos 138 e 139, e, de Délio Maranhão, “in” Instituições de Direito do
Trabalho, Ed. LTr, pág. 300-1.
No que tange à jurisprudência, o Enunciado n.º 269 da Súmula do TST consagra o mesmo
entendimento, enquanto é no sentido de que o contrato de trabalho do empregado eleito para
ocupar cargo de diretor fica suspenso, ressalvada, todavia, a hipótese em que “permanecer a
subordinação jurídica inerente a relação de emprego”, pois o cargo de “diretor” não é de todo
estranho a uma relação de trabalho, haja vista que pode existir, como mero cargo de confiança do
empregador, por exemplo, em sociedades civis, fundações e, até mesmo, em sociedades
anônimas, quando o exercício do cargo não observa os termos da legislação que é própria a este
tipo societário. Em síntese, a própria jurisprudência do Colendo TST ressalva a possibilidade de
existir diretor de sociedade anônima exercendo este mister sob vínculo de emprego, quando
presente a subordinação jurídica inerente deste tipo de relação.
Na hipótese dos autos, conforme Estatuto Social da segunda reclamada, aprovado em
Assembléia Geral Extraordinária realizada em 11.12.78, a “Diretoria será composta de 2 (dois)
até 5 (cinco) membros acionistas ou não, residentes no país, eleitos anualmente pelo Conselho
de Administração, e destituíveis a qualquer tempo, admitida a reeleição” (art. 19, com redação
conferida pela AGE de 09.10.80, fl. 162). Na forma do Estatuto, compete ao Conselho de
Administração aprovar as atribuições dos Diretores (letra “d” do artigo 18).
Na versão da defesa, o recorrente foi sucessivamente eleito pelo Conselho de Administração para
o cargo de Diretor Industrial e, portanto, era órgão de representação da empresa. Para demonstrar
esta assertiva juntam a fl. 118 cópia da ata de reunião do Conselho realizada no dia 03.02.87,
onde consta a eleição do reclamante para o cargo de Diretor, com prazo de gestão até a próxima
Assembléia Geral Extraordinária; a fl. 119 a ata da Assembléia Geral Extraordinária realizada em
18.05.87, revelando a reeleição do recorrente para o cargo de Diretor, com o mandato de um ano
e, por último, a fl. 123 a ata de reunião do Conselho realizada a 29.4.91, atestando nova
reeleição como diretor, com mandato de um ano. Considerando, tão-somente os referidos
documentos, na medida em que o prazo de gestão fixado na ata da fl. 1987 era de um ano, tem-se
aparente lacuna entre 18.5.88 e a eleição de 29.4.91, em que apesar de incontroversamente ter
exercido a função de Diretor Industrial, o reclamante não estava formalmente reeleito pelo
Conselho de Administração, o que levaria a concluir, indiferente aos períodos em que houve
eleição, que a função de direção industrial exercida pelo reclamante não estava inserida entre
aquelas consideradas como órgão de representação da companhia. Entretanto, à luz do disposto
no parágrafo terceiro do artigo 3º do Estatuto da Empresa, o Diretor permanece no “exercício
pleno de suas funções até a investidura, dos novos Diretores eleitos” (fl. 130). Desta sorte, a
permanência do recorrente no cargo estava respaldada no Estatuto da Empresa.
Nas razões de apelo, o recorrente sustenta ausência de autonomia para determinados
investimentos e a necessidade de autorização do Diretor Presidente para alguns atos.
É, todavia, preciso levar em conta que, à luz da Lei das Sociedades Anônimas, o diretor como
órgão da empresa não possui plena autonomia para agir. No termos da legislação societária são o
acionista controlador, a assembléia geral e o conselho de administração que detém o poder para
decidir todos os assuntos de interesse da companhia, inclusive, de a qualquer momento, destituir
diretor ou reduzir-lhe atribuições. Resta evidente devam os diretores cumprir o que for previsto
no estatuto social, o que for deliberado pela assembléia geral ou pelo conselho de administração
e até mesmo o que for determinado pelo acionista controlador, sob pena de destituição e, até
mesmo, responsabilidade civil. Em outras palavras, mesmo os diretores estão subordinados ao
cumprimento de determinações superiores. Nos termos da lei, todas as atividades dos diretores
estão sujeitas à fiscalização por parte de acionistas, dos membros do conselho fiscal e/ou do
conselho de administração, bem como auditores, inclusive o acionista sem direito a voto pode
exercer a fiscalização dos negócios da companhia (inciso II do art. 109 da Lei).
Logo, nas sociedades anônimas para prática de atos e negócios, ao menos para os mais
importantes, os diretores dependem de autorização, ora do acionista controlador (v.g. § único do
art. 122 da Lei das S.A.), ora da assembléia geral e/ou do conselho de administração, ou de
membros de direção ou colegiados que tais órgãos ou os Estatutos designarem. Não há dúvida,
portanto, que os poderes e/ou atribuições dos diretores-órgãos são em regra restritos e limitados.
Assim, ao contrário do sustentado pelo recorrente, a virtual ausência de autonomia para agir não
se presta para definir a subordinação jurídica típica ao contrato de trabalho.
Na verdade, o conjunto da prova produzida fortalece os termos da defesa, enquanto sustenta
tenha o recorrente exercido junto à segunda ré atribuições de diretor-órgão da sociedade e não de
diretor-empregado.
Esta convicção mais se fortalece, quando a testemunha arrolada pelo recorrente, Antônio Carlos
Schetert Silveira, que durante o período em análise foi Diretor Presidente da segunda reclamada,
esclarece minuciosamente como era a estrutura administrativa da empresa, as atribuições dos
diretores. Esclarece, também, que convidou o recorrente para o cargo de Diretor Industrial
quando “deixou claro para este a condição de diretor estatutário e a contraprestação através de
honorários”. Ainda, que junto à segunda reclamada o reclamante ocupou o “cargo de diretor na
Indústria de Máquinas Agrícolas Ideal na condição de direito estatutário eleito pelo conselho”,
além de ponderar que “a diretoria era composta de quatro diretores” e “que as decisões eram
colegiadas”, sendo que uma vez por ano havia reunião da diretoria para “fazer o plano
operacional” que, após aprovado, era cumprido por cada diretor “livremente”. Tais informações
não deixam margem a dúvida de que somente atos e negócios não previstos no plano
operacional, conhecido sob a sigla AIC, dependiam de autorização superior, qual seja, do diretor
presidente. Por derradeiro, a testemunha esclarece, inclusive, que ocorreram ocasiões em que foi
substituído no cargo de Diretor Presidente pelo reclamante (fls. 906-08). Saliente-se, à demasia,
que o Estatuto da empresa e a legislação societária permitem que os diretores indiquem seus
substitutos por ocasião dos afastamentos temporários.
A testemunha Nibaldo Martins Varela, não presta informações que permitam caracterizar fosse o
autor subordinado tal qual um empregado, pelo contrário, declara que “o demandante tinha
atribuições de natureza administrativa, dividindo as responsabilidades e obrigações com outros
dois diretores; que também lhe incumbia a integral responsabilidade pela área industrial”, bem
como depõe no sentido de que o recorrente e o diretor administrativo-financeiro revezavam-se na
substituição do diretor presidente quando este se ausentava (fls. 962-63).
As testemunhas das reclamadas, Beatriz Grizotti Leal (fls. 971-73) e Robson Togni de Almeida
(fls. 992-93), declaram taxativamente que o recorrente era diretor estatutário, sendo que aquela
confirma o fato do reclamante ter substituído o Diretor Presidente em ocasiões de afastamento.
A prova pericial e a documental não se prestam para favorecer a tese do apelo. Ao contrário
levam a conclusão de que as limitações e eventual subordinação conseqüente eram inerentes do
cargo de direção exercido em caráter estatutário.
Com relação ao fato de o recorrente a partir de determinado momento receber o pagamento de
parcelas típicas de um empregado comum e, inclusive, sofrer descontos em favor de entidade
sindical, não é suficiente para caracterizá-lo como diretor-empregado. É certo que, de regra, o
diretor-órgão recebe pró-labore (quando sócio da empresa) ou honorários, mas nada impede,
embora isso não seja tecnicamente correto, que o órgão de deliberação colegiada responsável
estatutariamente ou o próprio estatuto da empresa delibere pelo pagamento de salário e parcelas
de natureza empregatícia aos diretores estatutários, sem que com isso fique afastada esta
natureza. Consoante documentos, até junho de 1990 o recorrente recebeu “honorários” e, após,
salários. Sobre isso, a prova testemunhal esclarece que a remuneração dos diretores, nos termos
do Estatuto da Empresa, era fixada pelo Conselho de Administração, declarando a testemunha
Robson Togni de Almeida, taxativamente, que “todos os diretores foram remunerados
percebendo suas remunerações por meio deste sistema” (fl. 992). Tal declaração é reforçada pela
perícia, enquanto consigna que o pagamento de parcelas típicas de um empregado e, também, os
descontos foi procedimento adotado com relação aos “demais membros da Diretoria”, como
decorrência da centralização da folha de pagamento em São Paulo após junho de 1990 (resposta
ao quesito 19, fls. 469-70).
No que tange à identidade de atribuições entre as atividades exercidas como Gerente perante a
Marsey Perkins S.A. e as atividades como Diretor Industrial perante a segunda reclamada
invocadas no apelo, são irrelevantes, pois tratando-se de empresas distintas, a toda evidência
contam com estruturas administrativas distintas, determinadas por seus acionistas e suas
respectivas assembléias gerais, conselhos de administração e demais órgãos colegiados.
Ademais, na época não estava constituído o grupo econômico. O verdadeiramente relevante é a
condição do reclamante após sua transferência para a primeira reclamada, ocasião em que lhe foi
reconhecida condição de empregado e anotada a CTPS. É certo que o autor manteve o “status” e
o título de Diretor Industrial, pois esta função foi anotada em sua CTPS, contudo o próprio
recorrente admite que suas atribuições sofreram modificação, na medida em que passou “a
desenvolver os chamados “projetos especiais” (item 1.5, fl. 07). Conforme prova dos autos, a
transferência deu-se por ocasião da incorporação plena da segunda reclamada pela primeira
reclamada, ocasião em que as empresas passaram por uma reestruturação administrativa, onde
foram extintos os cargos de direção perante a segunda reclamada, com a transferência dos
diretores para a primeira reclamada. A prova pericial esclarece que, por ocasião desta
transferência, os diretores transferidos não passaram de imediato a integrar a diretoria da
primeira reclamada, mas sim ficaram esperando uma definição de aproveitamento (quesito 15, fl.
482).
Desta sorte e a partir da prova produzida, impõe-se prover em parte o recurso para, ante o tempo
de serviço consignado no recibo de quitação de fls. 27-31, admitir a existência de relação de
emprego no período compreendido entre 02.02.87 e 18.5.92, determinando a retificação da
CTPS, mas reconhecendo a suspensão do contrato de trabalho no lapso de tempo entre 03.02.87
e 19.12.91, em face das eleições para de Diretor Industrial de caráter estatutário, consoante
inteligência consagrada no Enunciado n.º 269 da Súmula do TST.

Ac. 00323.203/93-0 RO
Julg.: 01.07.99 – 3ª Turma
Publ. DOE-RS: 02.08.99
Relatora: Maria Guilhermina Miranda

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