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ECONOMIA POLÍTICA DA

COMUNICAÇÃO:
DIGITALIZAÇÃO E SOCIEDADE
Juliano Maurício de Carvalho
Antonio Francisco Magnoni
Mateus Yuri Passos
(organizadores)

Economia política da comunicação:


digitalização e sociedade

São Paulo, 2013


Conselho editorial:
Dasniel Oliveira Perez
Universidad de La Habana, Cuba
Francisco Sierra Caballero
Universidad de Sevilla, Espanha
Martín Alfredo Becerra
Universidad Nacional de Quilmes, Argentina

070.449 Economia política da comunicação : digitalização e


E22 sociedade [recurso eletrônico] / Juliano Maurício
de Carvalho, Antonio Francisco Magnoni e Mateus
Yuri Passos (organizadores). - São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2013
220 p.

ISBN 9788579834653

Inclui bibliografia

1. Comunicação. 2. Economia política. 3.


Digitalização dos meios. I. Carvalho, Juliano Maurício
de. II. Magnoni, Antonio Francisco. III. Passos,
Mateus Yuri.
Índice
Digitalização e Sociedade
Antonio Francisco Magnoni
Juliano Maurício de Carvalho
Mateus Yuri Passos
7

Prefácio
César Bolaño
16

A integral digitalização das indústrias culturais:


tensões e reestruturações em andamento
Luis A. Albornoz
20

A convergência digital e os desatinos do


sistema mundo capitalista
Ruy Sardinha Lopes
42

Indústria Cultural, Economia Política da


Comunicação e Televisão Pública
Vivianne Lindsay Cardoso
Juliano Maurício de Carvalho
51

Possibilidades da interatividade da TV
digital no campo da educação
Valério Cruz Brittos
Nadia Helena Schneider
78

A Economia Política do Coronelismo Eletrônico:


categorização dos líderes políticos proprietários de
radiodifusão em Minas Gerais
Luiz Felipe Ferreira Stevanim
Suzy dos Santos
92
A reedição do difusionismo diante da brecha digital:
o desafio das regiões na sociedade da informação
Francisco Javier Moreno Gálvez
110

O local é o diferencial
O papel do rádio na era da conexão planetária
Leandro Ramires Comassetto
138

A digitalização, a convergência
e as novas interfaces do Rádio
Antonio Francisco Magnoni
Juliana Gobbi Betti
153

Clivagem da democracia no plano


digital da esfera pública
Juliano Maurício de Carvalho
André Luís Lourenço
172

Sistema Público de Comunicação:


por uma mídia de todos
Adilson Vaz Cabral Filho
192

Gestão Pública de Informação do Governo Federal


Angela Maria Grossi de Carvalho
205

Biografia dos autores


215
Apresentação:
Digitalização e Sociedade

Não é possível pensar em características da espécie humana sem considerar a


capacidade de produzir artifícios e artefatos, que ela desenvolveu durante seus
vários trajetos evolutivos. A diferença mais visível em relação aos demais seres
da Natureza é a capacidade inata que o Homem adquiriu, de pensar, de falar,
de criar relações sociais perenes e, sobretudo, de criar artefatos e de produzir
continuamente bens culturais, materiais e simbólicos. A atual espécie Homo
sapiens sapiens foi sendo talhada em seu longo caminho pelo Homo loquens, o
primeiro hominídeo falante, depois pelo Homo faber, um hominídeo habilidoso
que aprendeu a usar as mãos para fazer objetos práticos e abstratos.
Ao conseguir desenvolver as primeiras ferramentas, os indivíduos humanos
puderam multiplicar a força e a agilidade corporal e foram aprendendo a
sistematizar as técnicas que lhes deram poder crescente sobre o mundo natural.
Ao manejar o fogo, puderam resistir ao frio, iluminar a escuridão, cozer os alimentos
e a argila e, mais tarde, forjar metais. Graças aos artefatos desenvolveram a
agricultura, domesticaram animais e processaram recursos minerais e biológicos.
Também puderam resguardar o futuro, com o domínio estratégico de sistemas
de armazenagem e de processos de conservação de víveres. Com a produção e a
conservação de excedentes começaram a realizar trocas, inventaram o comércio
e também o dinheiro.
A criação da escrita deu início ao ciclo de aperfeiçoamento de suportes para
registro de informações, das tecnologias e sistemas de comunicação. O domínio da
escrita inaugurou a comunicação não presencial e permitiu que os conhecimentos
e culturas rompessem as barreiras da distância e do tempo. Com a escrita, o
armazenamento e a circulação das informações tornaram-se independentes da
memória, da presença e da existência dos indivíduos.
O homem da era moderna conseguiu juntar a ciência e as técnicas amadurecidas
desde o Renascimento europeu para produzir máquinas e motores mais poderosos
do que qualquer ferramenta criada em eras anteriores, pelas diversas sociedades
humanas estabelecidas ao redor do planeta. Desde as últimas décadas do século
XVIII, período que Milton Santos denominou de “momento da criação do meio
técnico, que substituiu o meio natural”, começaram a ser instaladas as primeiras
indústrias modernas na Inglaterra. A industrialização acelerou a urbanização

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populacional, as cidades industriais em pouco tempo foram transformadas em
metrópoles caóticas.
Dos teares aos primeiros motores a vapor, a indústria moderna iniciou o século
XIX com a incorporação de maquinário e força motriz ao trabalho coletivo das
fábricas, ação sistemática e evolutiva que revelaria, desde a segunda revolução
industrial, a surpreendente capacidade técnica da burguesia para liderar a produção
a uma diversidade inumerável de bens materiais e, mais tarde, simbólicos. A
educação, a cultura e o entretenimento adquiriram crescente importância nas
sociedades urbano-industriais e houve um rápido aumento do número de pessoas
alfabetizadas e de trabalhadores assalariados, fatores que estimularam um maior
consumo de mercadorias e de informações baratas e atualizadas sobre o cotidiano
social.
A imprensa e a publicidade viabilizaram a proliferação de uma nova e lucrativa
atividade de produção e oferta de bens simbólicos para as diferentes camadas
populacionais urbanas. A tecnologia de mecanização e motorização desenvolveu
novas impressoras, que aposentaram a prensa tipográfica manual, utilizada
desde Gutenberg. Também estimulou a organização empresarial de gráficas e
de editores de jornais.
A expansão do trabalho não material ocorreu em um tempo simultâneo ao
desenvolvimento do trabalho industrial e de outras atividades urbanas. Serviu para
atender aos contingentes modernos, cujas necessidades cotidianas já não podiam
ser atendidas com casa, roupa, comida e reprodução. Os meios de comunicação
de massa serviram como ferramentas modernas para a transformação do trabalho
abstrato, literário, plástico, musical, educativo, publicitário, jornalístico etc., em
produtos culturais, que alimentariam o extraordinário mercado simbólico, desde
o cinema mudo até a internet.
Na segunda metade do século XIX, as redes ferroviárias rasgaram os continentes
seguindo todos os pontos cardeais. Antes das ferrovias, o telégrafo elétrico significou
a primeira rede de comunicação por fios, que foi completada, a partir de 1880,
pela rede telefônica e pela radiotelegrafia. Daquela época em diante, as redes
elétricas passaram a recortar todas as paisagens das regiões mais desenvolvidas
do planeta. Com a invenção do automóvel, as redes de transporte rodoviário
retalharam em apenas algumas décadas a superfície inteira dos continentes:
tornaram insignificante a façanha dos antigos romanos, que, durante vários
séculos, abriram 80 mil km de precárias estradas.
No entanto, a moderna epopeia da máquina-ferramenta fabril e as linhas de
montagem das antigas indústrias analógicas já fazem parte do passado. Hoje,

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os insumos essenciais da autodenominada “nova ordem” ou da “nova economia”
mundial são as tecnologias digitais. Digitalizar é a palavra de ordem da nova era pós-
moderna (??), que, mesmo fustigada por uma sucessão de crises intercapitalistas,
segue neste início de século de XXI, ampliando sua nova plataforma acumulativa
em redes binárias.
O atual movimento tecnológico e econômico manifestou-se gradativamente,
desde a segunda metade do século passado, em duas vertentes distintas: a
primeira, de abrangência mais privada, foi caracterizada principalmente pela
extraordinária atualização tecnológica havida com a robotização da produção
em grandes indústrias de bens materiais de consumo e em setores produtores de
máquinas e insumos para todas as plataformas produtivas. A segunda despontou
com o desenvolvimento e a propagação mundial de sucessivas gerações de
hardwares e de programas para computadores pessoais concebidos para dinamizar
o trabalho profissional nas atividades produtivas, comerciais, de entretenimento,
de publicidade e também de pesquisa e de serviços.
Os japoneses foram pioneiros na utilização do computador e do conceito de
rede informacional com a intenção de superar a crise do modelo taylorista-fordista
e aposentar a velha linha de montagem, que havia significado a transformação
produtiva mais revolucionária, até os anos 1960 do século passado. A disseminação
dos robôs acelerou a capacidade produtiva, reduziu custos, melhorou a qualidade
da produção e avolumou imensamente o processo de automatização do trabalho
produtivo manual e a destruição de postos de trabalho, um fenômeno que Marx
apontou em meados do século XIX, como crescente ameaça para a classe operária.
A informatização da sociedade retoma, de acordo com a nova racionalização
capitalista, o espaço doméstico e os espaços vivenciais da educação, da cultura,
do entretenimento e da comunicação interpessoal. O teletrabalho reocupa
estes espaços, que se tornaram domínio privativo dos trabalhadores e de suas
famílias, desde que a classe trabalhadora conquistou limites de jornadas e direitos
trabalhistas. O capital se reapropria com nova aparência, forma e ferramentas,
do espaço doméstico e do tempo livre dos trabalhadores, mas com o mesmo
objetivo acumulativo que fazia no início da revolução industrial. Assim, preserva
sua capacidade de manter globalmente a hegemonia do antigo liberalismo,
mesmo que se utilize de postulados pós-modernos.
Para os incluídos, as relações se reorganizam com a possibilidade de se
desempenhar um papel mais ativo e menos assimétrico em relação à informação do
que o que vinha ocorrendo nos últimos séculos. Teorias como a do agendamento e
a da tomada da função de esfera pública de debates pelos meios de comunicação

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de massa, novos definidores da representação da realidade e da intermediação
dos diversos segmentos da sociedade, de modo a favorecer interesses burgueses,
devem ser revistas com o surgimento de redes sociais em que, cada vez mais, o
discurso autorizado passa a ser questionado e o cidadão não certificado tem direito
à voz, com novas negociações em torno da credibilidade de fala e a fragmentação
de espaços de discussão de acordo com os campos de interesse.
O sistema digital, não mais linear, mas em rede, torna-se mais complexo, com
maior dificuldade no controle da circulação de informação sem que se firam
princípios liberais ainda caros à sociedade burguesa – constituindo-se, portanto,
um fértil meio de cultura para que vicejem e se propaguem opiniões contra-
hegemônicas. Independentemente dos embates conceituais que o atual contexto
suscite, parece-nos que a percepção coletiva já se convenceu de que o novo modo
de convívio e de trabalho dependerá, sempre mais, de ferramentas e informações
digitais. No entanto, sem medidas abrangentes de inclusão social e cultural, uma
eventual “sociedade da informação” poderá será mais assimétrica que a atual e
apartará os indivíduos despreparados para operar os novos sistemas informáticos
de produção e de interação interpessoal.
A exclusão digital aprofundará a lógica vigente de apartação cultural e
material. Ao difundir suas ferramentas computacionais por todos os espaços
vivenciais e produtivos, a ordem informacional requer para o desempenho do
trabalho intelectual ou material, conhecimentos e habilidades técnico-científicas
advindos de uma sólida e contemporânea formação educacional. Nesse aspecto,
as tecnologias digitais tornam-se novos elementos extremamente importantes
para todos os modos de produção atuais, mas elas servem muito mais, para a
constituição de opinião pública em tempos de predomínio da informação em
todos os níveis de relações sociais.
O barateamento dos aparatos e o desenvolvimento de interfaces comunicativas
inteligíveis aos leigos trouxeram em um curto período de tempo os computadores
para o espaço doméstico e daí eles se espalharam por todas as atividades humanas.
O principal atrativo do computador foi a profusão incessante de novos programas,
linguagens e possibilidades de trabalho, apresentados em suportes gráficos e
audiovisuais, capazes de mimetizar as interfaces comunicativas dos conhecidos
veículos de imprensa e de radiodifusão.
Com o desenvolvimento da internet, o computador rompeu seu vínculo remoto
com a máquina-ferramenta. Deixou de ser um processador estanque de dados, mera
extensão mecânica do corpo e do trabalho orgânico do homem, para se tornar de
fato uma máquina “inteligente”, uma extensão da memória humana. Negroponte

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observava em 1995 que as pessoas tinham em casa vários eletrodomésticos
com microprocessadores, mas que não estavam unificados. Por isto não era
possível a comunicação eletrônica entre eles, ou mesmo quando era possível
haver interconexão entre diferentes equipamentos, a interface estabelecida era
bastante primitiva e peculiar em cada um deles. Ele advertia que só haveria uma
tecnologia de fato inteligente e convergente quando todos os equipamentos
presentes em nosso cotidiano pudessem compartilhar dos recursos disponíveis
para comunicar entre si e com o usuário.
O que mudou de lá para cá foi a imensa progressão do ciberespaço, que vem
agindo como o agente catalisador que motiva a convergência tecnológica e a
digitalização (por razões comerciais), entre todas as tecnologias eletroeletrônicas
existentes. A disseminação da internet sem fio, “portátil”, liberta da dependência
do computador, deverá multiplicar universalmente o número de usuários.
Os computadores on-line tornaram-se, ao mesmo tempo, terminais de geração,
abastecimento e acesso à imponderável memória virtual pública, com capacidade
inesgotável de armazenar, selecionar e transmitir informações sobre qualquer área
de atividade e de interesse humano, tanto de aspecto individual quanto coletivo.
O ciberespaço torna-se mais e mais uma hiperinteligência artificial, um imenso
arquivo de memória e de conhecimentos alojados fora do cérebro humano. Ele
serve para ampliar de modo inorgânico a capacidade humana de reter e de trocar
informações. Ao mesmo tempo, pode ordenar e classificar o fluxo imensurável
de dados para os sistemas de processamento e armazenamento e evitar que os
indivíduos entrem em colapso mental em decorrência do excesso de informações
presentes no cotidiano do homem.
Pierre Lévy sustenta a tese de que a “emergência do ciberespaço é fruto de um
verdadeiro movimento social” que possui segmentos líderes, programa de ação
e palavras de ordem. Para o autor, o crescimento do ciberespaço corresponde ao
desejo de comunicação recíproca e de inteligência coletiva, porque visa a “um tipo
particular de relação entre pessoas”. Ele toma como exemplo a evolução social do
correio, comparada à motivação coletiva que sustenta a ascensão do ciberespaço.
No ambiente informatizado e interligado, tempo e espaço perdem o significado
físico e cultural que havia sido instituído desde a Modernidade. O espaço virtual
da internet utiliza um tempo global determinado pela velocidade dos fluxos
de informação. Conforme aumenta a capacidade de transporte de dados e a
velocidade de tráfego da rede, a relação espaço-tempo vai encurtando no “território”
virtual. Os povos que não dominarem os novos conhecimentos e o meio técnico-
científico-informacional estarão condenados “ao tempo lento dos pobres”, como

11
dizia Milton Santos.
De acordo com a economia clássica, os novos instrumentos também constituem
bens de capital, insumos indispensáveis para que haja alimentação do ciclo
produção-oferta-consumo-acumulação. A fonte principal de prosperidade da “livre
iniciativa” continua sendo a extração de mais-valia do antigo trabalho manual ou
das atuais formas de trabalho automático, seja material de produção material ou
simbólica, acrescida da especulação financeira em tempo real e alcance mundial.
Certamente, o capitalismo tradicional ou digital não sobreviveria sem a manutenção
desses processos assimétricos de produção e acumulação.
Enquanto os Estados, organizações oficiais e não governamentais discutem
a melhor forma de gestão política, administrativa e econômica da internet, os
registros, os fluxos de bens e riquezas e o próprio dinheiro perdem a materialidade
de celulose e assumem o formato de arquivos e pacotes binários, que transitam
mundialmente ao ritmo atômico da digitação em um teclado. A transição ocorre
em sintonia com os interesses imediatos de um mercado global articulado por
um pequeno grupo de nações hegemônicas.
No entanto, a internet não é um refúgio idílico, isento da sedução do capital,
nem é totalmente imune ao autoritarismo político, religioso, militar e policial. A
rede pode absorver as contradições que os indivíduos, as culturas e sociedades,
os sistemas políticos e econômicos trazem em seu interior. É por tais razões que
a gestão e o uso público da internet mobilizam em muitos países as organizações
e interesses sociais, governamentais e privados.
A gestão do ciberespaço deverá alimentar um debate demorado para estabelecer
uma legislação internacional que assegure o desenvolvimento, a manutenção e o
uso coletivo das tecnologias e meios de informação mundiais. É preciso garantir
a participação simétrica dos países na web, de acordo com suas necessidades in
ternas. O grande desafio é promover a inclusão de todas as camadas sociais nas
“facilidades” do ciberespaço.
Este volume apresenta onze artigos originados nas exposições e debates gesta
dos nos painéis do segundo encontro da seção brasileira da União Latina de
Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC-Brasil),
realizado em Bauru (SP) pelo Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia
e Educação Cidadã (LECOTEC) de 13 a 15 de agosto de 2008 na Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
O percurso traçado pelos capítulos delineia o panorama das discussões acerca
do tema-chave do evento, “Digitalização e sociedade”. No primeiro, Luiz Alfonso
Albornoz, presidente da Ulepicc-Federação na gestão 2007-2011, aborda o impacto

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da digitalização sobre as indústrias culturais, especialmente no setor musical. Os
diversos elos da cadeia de distribuição de conteúdos passam por momentos de
resistência e adaptação a transformações que parecem irreversíveis, nas quais os
papéis e funções são revistos e novos modelos de negócio propostos.
A reestruturação do capitalismo tomou a informação e tecnologias vinculadas
a sua produção, organização e disseminação como um dos territórios privilégios
para sua expansão. Em “A convergência digital e os desatinos do sistema mundo
capitalista”, Ruy Sardinha Lopes estabelece relações entre a convergência midiática
e os modos de regulação contemporâneos do sistema capitalista, discutindo até
que ponto as novas tendências de regulação infraestruturais das Tecnologias
de Comunicação e Informação (TIC) constituem privilegiados de expansão da
acumulação capitalista, como a lógica rentista influi em sua gestão e a Economia
Política pode contribuir para analisar o processo.
A seguir, Vivianne Lindsay Cardoso e Juliano Maurício de Carvalho propõem
uma reflexão sobre a valorização da televisão pública e a ampliação de suas
potencialidades com a utilização da multiprogramação, de modo a fazer
contraponto ao modelo de negócio arraigado e hegemônico das televisões
comerciais brasileiras. Os autores defendem que a televisão pública pode se tornar
um importante instrumento para a democratização e o despertar da consciência
crítica, autônoma e individualizada do espectador, viabilizando sua participação
direta no processo de comunicação midiática.
O quarto capítulo, de Valério Brittos e Nádia Helena Schneider, discute a
tensão televisão-educação e políticas públicas a ela relacionadas, apontando
possibilidades, na televisão digital interativa, para sua contribuição no processo
ensino-aprendizagem e construção de novos conhecimentos; apontam, no
momento presente de revoluções tecnológicas, a intersecção entre instituição
escolar e meios de comunicação de massa como espaço estratégico de ação e
reflexão, com papel primordial no desenvolvimento e legitimação de valores e a
formação de cidadãos conscientes.
“A Economia Política do Coronelismo Eletrônico: categorização dos líderes
políticos proprietários de radiodifusão em Minas Gerais”, de Luiz Felipe Ferreira
Stevanim e Suzy dos Santos, parte de uma genealogia dos atores políticos ligados ao
setor comunicacional no Brasil traçada com base nos deputados federais mineiros
detentores de outorgas de radiodifusão para demonstrar uma continuidade e
novas significações do coronelismo eletrônico, observando um controle dos
veículos fundamentado no poder político, com o enfraquecimento da distinção
entre interesses público e privado.

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Na sequência, “A reedição do difusionismo diante da brecha digital: o desafio
das regiões na sociedade da informação”, de Francisco Javier Moreno Gálvez,
resgata a historicidade das rupturas e continuidades ideológicas ocultas por trás do
modelo denominado “sociedade da informação”, surgido como resposta à crise do
capitalismo na década de 1970, e ao processo atual em que uma descentralização
aparente convive com uma efetiva recentralização, apontando reflexões sobre
o possível desenvolvimento das regiões periféricas nesse cenário, em especial
aquelas que ocupam lugar subalterno na divisão internacional do trabalho.
No sétimo capítulo, Leando Ramires Comassetto, ao considerar a aptidão histórica
do rádio para trabalhar questões de proximidade, estabelecendo empatia entre
emissora e audiência, promovendo valores e discutindo problemas da localidade
em que atua, traça considerações sobre a importância do suporte frente ao
curso globalizador, descrevendo um modelo de programação mais adequado
às emissoras que pretendam sobreviver e manter relevante sua atuação local,
chamando atenção para a necessidade de renovação da linguagem tendo em
vista recursos proporcionados pelas TIC.
O rádio brasileiro chega aos 90 anos em meio a um cenário de profundas
transformações dos meios de comunicação de massa. Com essa questão em
mente, Antonio Francisco Magnoni e Juliana Gobbi Betti refletem sobre a
vagarosa e indefinida digitalização do suporte radiofônico, oriunda em parte
de uma concepção ultrapassada, de caráter ainda getulista, sobre o modelo
nacional de radiodifusão e, a partir dos conflitos entre rádio, TICs e a rede mundial
de computadores, apontam possibilidades para sua efetiva modernização e
incorporação na convergência de plataformas, assim como assimilação dos novos
recursos na radiodifusão.
A seguir, André Luís Lourenço e Juliano Maurício de Carvalho, em “Clivagem
da democracia no plano digital da esfera pública”, propõem uma sistematização
do conceito de arena ou microesfera pública, na qual se imbricam as noções
de democracia e deliberação, para pensar contribuições, assim como limites,
ofertados pelas TICs para estender, em caráter incremental, a participação política da
população para o meio digital, notoriamente a internet, considerando a experiência
do website Observatório de Botucatu, focado na discussão de questões políticas
de ordem municipal.
Em “Sistema Público de Comunicação: por uma mídia de todos”, Adilson Vaz
Cabral Filho discute a implantação de um sistema de comunicação brasileiro que
adotasse efetivamente o modelo público, o qual se entende como plural, polifônico,
a partir do que se discute sobre o tópico na academia e organizações sociais,

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apresentando a forma como o conceito é compreendido em ambos os meios e
recapitulando os principais marcos regulatórios do setor da comunicação social.
Finalmente, “Gestão Pública de Informação do Governo Federal”, de Angela Maria
Grossi de Carvalho, traça considerações sobre a gestão da informação por parte do
aparelho estatal, tendo em vista as ações públicas de transparência informacional
e políticas de inclusão digital do governo federal, discutindo tanto o provimento
de acesso quanto de serviços e efetivo conteúdo, a partir da noção de direito e
da verificação de efetivas necessidades de informação da população brasileira.

Boa leitura!

Antonio Francisco Magnoni


Juliano Maurício de Carvalho
Mateus Yuri Passos

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Prefácio
A publicação deste volume representa uma vitória importante da Economia
Política da Comunicação brasileira. A União Latina de Economia Política da
Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC) nasceu com o século XXI,
por obra de um pequeno grupo de pesquisadores, organizados em torno da rede
de Economia Política das Tecnologias da Informação e da Comunicação (EPTIC) e
da revista Eptic On Line, frutos do ativismo político-epistemológico dos grupos
de Economia Política da Comunicação (EPC) da Associação Latino-americana de
Investigadores da Comunicação (ALAIC) e da Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), ambos coincidentemente sob
minha coordenação em 1999.
A luta epistemológica no campo da Comunicação no Brasil impingira ao
coletivo uma derrota inesperada com o fechamento, por decisão unilateral da
diretoria da INTERCOM, do núcleo original de organização da EPC brasileira,
que se reuniu pela última vez no ano 2000, em Manaus. Questionada no interior
do campo da Comunicação em nível nacional, a legitimidade da EPC brasileira
ficaria demonstrada ao longo dos anos 2000, culminando com o retorno do GT
da INTERCOM, dez anos após o fechamento. Entre 2001 e 2002, três encontros,
em Buenos Aires, Brasília e Sevilha, terminaram com a constituição da ULEPICC.
Dois movimentos importantes seriam então realizados. Um de continuidade da
realização dos encontros internacionais, cuja periodicidade passaria a ser bianual a
partir de 2003. Aos três primeiros, seguiram-se Caracas, Salvador, México e Madrid.
O segundo movimento foi o de constituição de alguns capítulos nacionais,
tendo em vista a necessidade de organização legal da entidade como federação
internacional. A ULEPICC-Brasil nasce desse propósito e, a partir de então, passaria a
tomar uma série de iniciativas que a transformariam numa referência incontornável
do pensamento crítico no campo da Comunicação no Brasil. A mesma legitimidade
foi conquistada pela ULEPICC-Espanha, que desempenhou, aliás, um papel de
primeiro plano na própria criação da Associação Espanhola de Investigadores
da Comunicação (AE-IC). Nos dois casos, optou-se pela realização de encontros
nacionais bianuais, nos anos pares, para não coincidir com os encontros da
federação.
Sob a presidência de Valério Brittos, dois eventos nacionais desse tipo foram
realizados, um em Niterói, coordenado por Adilson Cabral, outro em Bauru,
organizado por Juliano Mauricio de Carvalho e o grupo de pesquisadores do
LECOTEC - Bauru. Depois viria o encontro de Aracaju, sob a presidência de Anita
Simis e coordenado por Verlane Aragão Santos, e o do Rio de Janeiro, sob a
presidência de Ruy Sardinha Lopes e coordenação de Marcelo Kirchinevsky,
marcado para outubro de 2012.
Este é o segundo livro publicado como decorrência desses eventos nacionais.
O primeiro, fruto do encontro de Niterói, este do de Bauru. Estão de parabéns

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os organizadores. Trata-se da nossa memória coletiva. Quem observar apenas o
sumário desta obra notará claramente duas coisas importantes. Em primeiro lugar,
constata-se que a EPC brasileira soube definir-se de forma aberta, procurando
organizar um conjunto amplo de pesquisadores ligados ao pensamento crítico e de
esquerda no campo da Comunicação, entre os quais se incluem muitos vinculados
aos antigos grupos de EPC e de Políticas de Comunicação (que também havia
sofrido solução de continuidade em 2000), mas também de outras comunidades,
como a dos estudos de rádio, ou de comunicação popular e alternativa.
Em segundo lugar, nota-se a preocupação em incidir no debate nacional sobre
uma questão tão importante como é a da digitalização. É claro que outros eventos
tratarão prioritariamente de outros temas, mas o fundamental é que, em cada
um deles, esse grupo heterogêneo de pesquisadores, mas todos interessados em
fazer avançar o pensamento crítico em Comunicação, se organiza para pensar os
grandes temas do campo, numa perspectiva realista e socialmente engajada. A
unidade do campo que se vai construindo é, portanto, política no sentido de que
epistemologia é política, conforme a enfática definição de Carlos Pérez Soto, mas
também no sentido de que o pesquisador, como trabalhador intelectual que é,
tem uma responsabilidade política a cumprir, neste caso, com a democratização
da comunicação.
Pouca dúvida haverá de que a EPC brasileira, e o capítulo brasileiro da ULEPICC
em particular, conquistou o seu espaço e a legitimidade que lhe fora questionada
em passado não tão distante. Veja-se a sua participação crucial na construção da
SOCICOM, em nível nacional, e da CONFIBERCOM, em nível internacional. Veja-se
a importância que acabaram por adquirir no campo, vários dos seus fundadores,
nacional e internacionalmente. Mas como tudo que é sólido se desmancha no
ar, como a luta epistemológica não deixa de pertencer à luta de classes, não se
pode descuidar do caráter duplamente político da nossa atividade acadêmica.
De um lado, nossa responsabilidade histórica nos exige posicionamento claro
e justo em relação aos grandes temas da agenda democrática que envolve a
comunicação, em especial aqueles relacionados à construção de uma sociedade
mais justa e igualitária. De outro, a posição que acabamos por conquistar no
campo acadêmico exige um cuidado muito especial com a construção coletiva
da unidade do paradigma da EPC, entendido, por certo, no sentido mais amplo e
inclusivo acima referido, e de forma, portanto, flexível e interdisciplinar, mas com
a devida vigilância epistemológica que nos afaste da vala comum do ecletismo
pós-modernista.
Nesse sentido, defenderei com todas as forças a necessidade incontornável de
aprofundar o estudo da fonte geral, evidentemente, da crítica da economia política,
americano. É preciso ter clareza inclusive, nessa perspectiva, das especificidades
da EPC brasileira, em relação às visões europeias ou norte-americanas e isso só
se consegue retomando o debate em torno da nossa própria formação.
Se ao funcionalismo, que está na origem da chamada Ciência da Comunicação,
cedo se contraporia a perspectiva crítica da Escola de Frankfurt, que influenciaria,

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ao lado do estruturalismo althusseriano e das chamadas teorias da dependência,
as primeiras contribuições latino-americanas ao campo, inadaptadas, pela própria
especificidade do subcontinente, ao modelo originário da sociologia americana,
é nossa obrigação lembrar que o pensamento marxista, desde o início, esteve
presente no debate. Assim, à contribuição fundadora de Baran e Sweezy, seguir-
se-ão, ainda na América do Norte, as análises de Dallas Smythe, de um lado,
e de Herbert Schiller, de outro, que formarão, ao lado de colegas europeus,
como Kaarle Nordenstreng e Tapio Varis, autores da antológica pesquisa sobre
os fluxos internacionais de informação, o núcleo da tradição principal da EPC de
língua inglesa, organizada no interior da International Association for Media and
Communication Research (IAMCR).
Em diálogo com a tradição frankfurtiana, aparecerão também, no rastro dos
trabalhos de Enzensberger e de Raymond Williams, as atuais escolas inglesa e
francesa, de grande impacto no campo internacional, surgidas ambas ao final
dos anos 1970 e início dos 1980, ao mesmo tempo em que várias contribuições
isoladas apareciam também na América Latina, em diálogo, estas, com as teorias
da dependência cultural, que tanta importância tiveram no diálogo global dos
anos 1960 e 1970, em favor de uma Nova Ordem Internacional da Informação
e da Comunicação (NOMIC) e na Comissão Mac Bride, da UNESCO, aliados na
linha de frente com os intelectuais do grupo da IAMCR citados, através inclusive
da Asociación Latino Americana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC),
que hoje tenho a honra de presidir.
A EPC se apresenta, em todos os três casos citados (Inglaterra, França e América
Latina), como uma espécie de “recuo crítico” em relação às respectivas tradições
de esquerda, propondo entender a Comunicação a partir de uma leitura mais
detida da obra de Marx. No caso latino-americano, tratava-se essencialmente de
uma crítica às limitações das teorias da dependência e do imperialismo cultural,
em parte coincidente com as críticas de autores do campo dos Estudos Culturais.
Neste último caso, entretanto, embora, especialmente no início, a perspectiva
marxista estivesse presente, predominará um enfoque basicamente sociológico
e especialmente antropológico, que frequentemente renegará a EPC, acabando
por adotar uma ideologia pós-modernista incompatível com o pensamento crítico.
Os primeiros trabalhos que se poderia classificar de EPC, nesse sentido de recuo
crítico, serão os de Hector Schmucler, parceiro de Armand Mattelart, Eriberto
Muraro, Diego Portales, Patricia Arriaga, Javier Esteinou Madrid e o meu próprio,
que datam todos do final dos anos 1970 e início dos 1980. Os primeiros intentos
efetivos de organização desse grupo se darão bem mais tarde, e já em diálogo
com o resto da EPC e do pensamento crítico comunicacional, com a criação dos
referidos GT de Economia Política da ALAIC e da INTERCOM, da rede EPTIC e da
revista Eptic On Line.
Não tenho por que renegar o orgulho que tenho de haver convocado, mas
não posso deixar de citar uns poucos entre inúmeros nomes que se envolveram
nessa construção nos anos 1990: Guillermo Mastrini, Francisco Sierra Caballero,

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


18
Délia Crovi, Luis Albornoz, Valério Brittos, Alain Herscovici, Ancizar Narvaez,
Daniel Hernandez, Murilo Ramos, Othon Jambeiro. E ainda deveria falar de
Pasquali, Faraone, Marques de Melo, representantes da geração anterior que nos
apoiaram sempre que convocados. Também fora da América Latina encontramos
importantes apoios: os Mattelart, Janet Wasko, Gaetan Tremblay. Não é possível
citar todos.
A ULEPICC é fruto desse esforço organizativo para o qual vêm contribuindo
outros inúmeros jovens e novos pesquisadores em diferentes países, entre os quais
os autores e organizadores deste belo livro, a quem agradeço a oportunidade de
registrar esta mensagem num espaço tão nobre, mais uma peça a ser preservada
para a história da organização do campo crítico da Comunicação no Brasil.

César Bolaño, junho de 2012.

19
A integral digitalização das indústrias culturais:
tensões e reestruturações em andamento1
LUIS A. ALBORNOZ

Minha intenção, nas próximas páginas, é abordar as relações entre os suportes e


redes digitais e as indústrias culturais, por entender que a integral digitalização é
um dos principais vetores de transformação das indústrias culturais. Concretamente,
vou iniciar por uma tentativa de descrever as mudanças que atravessam o setor
da distribuição, comparando aquela feita tradicionalmente com produtos físicos
com a realizada por meio das redes digitais. Posteriormente, vou centrar minha
atenção na indústria musical para comentar algumas tensões e reestruturações
que estão se dando neste setor, um dos mais convulsionados pela inovação
tecnológica. Antes de tudo, advirto, devemos ser precavidos, pois estamos diante
de um cenário em construção, tanto em nível tecnológico, como, sobretudo, em
nível econômico e social. Consequentemente, qualquer conclusão a que possamos
chegar deve ser matizada.
Uma pesquisa coletiva desenvolvida na Espanha durante o período 2000-2002
sobre a convergência entre as indústrias culturais e redes digitais deu lugar à
publicação do livro Hacia un nuevo sistema mundial de la comunicación. Las
industrias culturales en la era digital (Bustamante, 2003). Naquela oportunidade,
analisamos desde setores tradicionais como o da imprensa diária ou o televisivo, até
um novo setor como o dos videogames, porta de entrada dos conteúdos simbólicos
digitais das novas gerações. Nos propusemos então a identificar as transformações
fundamentais em curso; descobrir quais eram as problemáticas transversais
crescentes e os desafios essenciais levantados; e, finalmente, caracterizar o
papel dos diferentes agentes, tanto públicos como privados. Constatamos e
argumentamos naquele trabalho, que “as mudanças digitais não supõem uma
revolução, uma ruptura com a história anterior, mas uma linha de continuidade
necessariamente contextualizada e determinada pelas grandes transformações
experimentadas pela cultura industrializada, especialmente nos anos 1980 e 90”
(Bustamante, 2003: 333). A pesquisa chegou à conclusão de que “o estudo dos
diferentes produtos e serviços culturais e comunicativos não avaliza em nenhum

1 Texto baseado na conferência inaugural do II Congresso da União Latina de Economia


Política da Informação, da Comunicação e da Cultura do capitulo Brasil (ULEPICC-Brasil), 13 de agosto
de 2008, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP, Bauru, São Paulo.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


20
caso uma visão substitutiva dos antigos suportes e redes pelos novos até onde o
horizonte experimental possa indicar, mas uma passagem de longa coexistência,
com amplos reajustes que mal acaba de começar” (Bustamante, 2003: 334).
Apesar de essas conclusões renegarem o uso da palavra “revolução” para definir
a atual etapa das indústrias culturais, atestamos, sim, importantes mudanças,
em diferentes níveis, que estão transformando a paisagem na qual estas se
desenvolvem.

DISTRIBUIÇÃO: UM CENÁRIO COMPLEXO

Uma das transformações fundamentais se dá na fase de distribuição de bens e


serviços produzidos pelo conjunto das indústrias culturais. Análises provenientes
tanto do setor acadêmico como profissional sobre o modo de funcionamento
das indústrias culturais ressaltam o papel desempenhado nessa fase. Geralmente
concentrada em poucos agentes, a distribuição vem ganhando protagonismo,
ao ponto de ser considerada o “gargalo” das indústrias culturais. Esta metáfora
alude ao fato de que são criados e produzidos mais conteúdos do que aqueles
que efetivamente chegam a ser distribuídos. Além disso, o poder do distribuidor
é determinante para as condições de promoção e emissão/exibição de um
determinado produto. Para os criadores de produtos culturais, o fato de dar à luz
às suas criações não é suficiente. Eles precisam contar com canais de distribuição/
exibição adequados para que suas obras possam ser conhecidas e, potencialmente,
consumidas. Portanto, a distribuição se converteu, ao longo do século passado,
em uma fase estratégica para que as obras simbólicas possam chegar ao encontro
de seus públicos. Neste sentido, a análise dos monopólios/oligopólios e dos
processos de concentração que se situam no nível de distribuição tem sido uma
das tradicionais preocupações da economia política da comunicação.
Se observarmos a paisagem cultural e comunicativa atual, veremos que nos
encontramos frente a um cenário complexo no qual coexistem as clássicas redes
de distribuição física junto às novas redes de distribuição digitais (me refiro à
internet, evidentemente, mas também às redes digitais de rádio e televisão e de
telecomunicações de celulares, complementadas por uma série de dispositivos de
armazenamento, produção e reprodução de conteúdos como telefones celulares,
agendas eletrônicas pessoais, iPod, pen-drives, mp3 e mp4, etc.).
É verdade que atualmente a maioria dos conteúdos é distribuída por meios
físicos, mas temos que admitir que a distribuição e a oferta de serviços por meio das
novas redes digitais estão em permanente crescimento. Elas oferecem conteúdos

21 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
digitais de diferentes tipos (filmes, séries de televisão, livros, músicas, fotografias,
jornais, etc.) e oferecem a possibilidade de potencializar a oferta das produções
existentes que se encontram plasmadas em suportes físicos. Essa disponibilização
heterogênea está sujeita a diversas condições de acesso: desde a gratuidade até
distintas modalidades de pagamento.
No entanto, alguns estudos realizados em países como a Espanha estão
sinalizando a fragilidade da internet como um canal comercial para as vendas
online, tanto de conteúdos digitais como de conteúdos em suportes físicos. Esta
fragilidade deve ser estudada com certo cuidado, pois são numerosas as variáveis
que entram em jogo. À desconfiança que os métodos de pagamento via internet
despertam em muitos consumidores, se somam, por exemplo, a existência de uma
grande diversidade de sites que oferecem conteúdos livremente ou o estendido
emprego de redes p2p (peer-to-peer) que permitem descargas gratuitas de todo
tipo de conteúdos.

DISTRIBUIÇÃO FÍSICA VS. DISTRIBUIÇÃO DIGITAL

A seguir, apresentarei uma série de variáveis a considerar que podem nos


ajudar a encontrar semelhanças e diferenças entre a distribuição física e a digital
da produção cultural e informativa.

CUSTOS IMPLICADOS

Ao computar os custos relacionados com a distribuição tradicional, observamos


que, em primeiro plano, existem altos custos na fase de produção derivados da
inscrição das distintas criações nos próprios suportes materiais, e de seu posterior
armazenamento. Num segundo plano, encontram-se os custos relacionados com
a fase de distribuição desses produtos físicos – por meio do transporte rodoviário,
por barco e/ou avião – até os diferentes pontos de acesso público (redes de
venda, aluguel e empréstimo). Em último lugar, há os custos relacionados com o
armazenamento nos diferentes pontos de acesso ao público.
O fato de os produtos inseridos em um suporte físico ocuparem espaço e terem
um peso específico fez com que os principais agentes das indústrias culturais
passassem a desenvolver poderosos aparatos logísticos de grande alcance e
rápida operacionalidade. Pensemos, por exemplo, no caso da editora de um jornal
que a cada dia deve movimentar grandes volumes de papel por meio de um
determinado espaço geográfico, ou na estreia cinematográfica de um blockbuster

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


22
hollywoodiano com cópias distribuídas simultaneamente em nível internacional.
Evidentemente, frente a este sistema de distribuição que apresenta custos que
poderíamos qualificar como “altos”, a distribuição por meio de redes digitais, ao
prescindir de suportes físicos, oferecem custos extremadamente baixos.
Nesse sentido, “uma consequência teórica do fenômeno da distribuição online é
a assimilação do conjunto das indústrias culturais à natureza econômica assinalada
já há alguns anos na cultura do fluxo rádio-televisivo: custos fixos elevados,
mas os custos por consumidor são marginais ou nulos (desviando os custos da
rede)” (Bustamante, 2003: 336). Assim, partindo do ponto do ponto de vista dos
custos envolvidos em um e outro sistema de distribuição, torna-se evidente uma
vantagem significativa a favor da distribuição digital.

CARACTERÍSTICAS DO SUPORTE

No mundo da distribuição física os conteúdos se encontram materializados


em um suporte físico determinado: papel, filme de 35 milímetros, VHS, DVD, etc.
Estes suportes são afetados em diferentes graus pela própria passagem do tempo,
pelas condições de armazenamento às quais estão submetidos e pelo tipo de uso
e cuidados que se lhes dá. Neste caso, a possibilidade de usufruto de um mesmo
conteúdo por parte do consumidor está ligada à “durabilidade” ou à vida útil do
respectivo suporte físico. Assim, é possível distinguir entre aqueles suportes “mais
nobres”, ou seja, que oferecem uma menor alteração com o passar do tempo e seu
consumo (pensemos, por exemplo, nos papiros egípcios com mais de 4.000 anos),
e aqueles suportes “menos nobres”, cujo uso intensivo pode chegar à sua própria
destruição, impossibilitando, consequentemente, o consumo de conteúdos a ele
ligados (pensemos, por exemplo, nas quase extintas fitas cassete). No caso da
distribuição online, os conteúdos informativos e culturais prescindem de suportes
físicos. Alojada em dispositivos e redes digitais, a produção desmaterializada
(arquivos cujo peso se mede em bits, acrônimo plural das palavras inglesas binary
digit) apresenta uma vida útil que tende ao infinito e que não se altera a partir de
uma reprodução e consumo intensivos.
No entanto, encontramos vozes de alguns criadores – como a do fotógrafo
húngaro Balazs Gardi, ganhador da edição 2008 do prêmio do World Press Photo
(Perea, 11 jul. 2008), na categoria notícias – que alertam sobre a fragilidade do
armazenamento de conteúdos em discos rígidos, pendrives ou cartões de memória,
e assinalam as possibilidades de perda de conteúdos devido a falhas técnicas.
As novas possibilidades tecnológicas estão propiciando a digitalização de acervos

23 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
históricos que se encontram em diversos suportes físicos (livros, jornais, filmes,
gravações sonoras, etc.). Dessa forma, os distintos agentes implicados perseguem
a preservação e difusão do patrimônio informativo e cultural. Enquanto alguns
destes estão interessados em salvaguardar o acervo das diversas expressões
culturais para as próximas gerações, outros veem nas redes e suportes digitais
um canal para a renovada exploração comercial de conteúdos.
Neste aspecto se destaca o trabalho da UNESCO por meio de seu “Programa
memória do mundo” que inclui, entre outros recursos, a digitalização das gravações
originais de Carlos Gardel (1913-1935); a “Coleção Teresa Maria Cristina”, de
fotografias do século XIX pertencentes ao imperador Dom Pedro II (doadas à
Biblioteca Nacional do Brasil); ou o “Arquivo do fonograma de Berlim”, composto
por documentos sonoros (em cilindros de Edison) de música tradicional do mundo
de 1893 a 1952. No caso das empresas comerciais, podemos citar o polêmico
projeto da companhia Google Inc. que, em dezembro de 2004, anunciou um
acordo com cinco grandes bibliotecas anglo-saxãs (Harvard, Stanford, Michigan,
Oxford e New York Public Library) para digitalizar a parte mais valiosa de seus
respectivos acervos.

AMPLITUDE DO MERCADO

No caso da distribuição física, esta se encontra limitada a uma região geográfica


determinada, fato que se relaciona diretamente com a particular economia das
indústrias culturais. A relação custo-benefício faz com que a distribuição física
de conteúdos e a implantação de uma rede de pontos de acesso público sejam
economicamente inconvenientes para além de uma determinada área geográfica.
Este fato deu lugar a uma particular geografia cultural-informativa: por um lado,
grandes centros urbanos que aglutinam milhões de potenciais consumidores em
reduzidas áreas geográficas e que concentram uma rica oferta de bens e serviços
informativos e culturais, logo, com um maior grau de diversidade de expressões;
por outro, localidades de tamanho médio e pequeno e zonas rurais que têm, em
diferentes medidas, acesso a uma oferta mais restrita. Em decorrência dessa patente
assimetria, verificada em diferentes países e em diferentes períodos históricos,
as administrações públicas passaram a fazer intervenções com a finalidade de
reduzir a brecha existente entre as distintas áreas.
Tendo em vista este panorama, as redes digitais, em geral, e a internet, em
particular, amplificam a oferta de conteúdos a uma escala internacional. Dessa
forma, é possível ler as notícias da Folha de São Paulo ou escutar as músicas da

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


24
Rádio UOL de qualquer lugar do planeta onde exista conexão à internet. No
entanto, devemos ser cautelosos. Potencialmente em condições de viabilizar
uma oferta de conteúdos para todos, para além do lugar geográfico onde uma
pessoa se encontre, as atuais condições e dados relativos à expansão da internet
demonstram um reforço da desigual situação analógica, tanto ao nível das regiões
e países, como ao das grandes metrópoles e demais localidades.

DISPONIBILIDADE DE CONTEÚDOS

A forma tradicional de distribuição física tem se concentrado em tornar disponíveis


aqueles produtos que têm um maior consumo efetivo e potencial (hits, best-sellers,
blockbusters, etc.), relegando a espaços marginais os que não apresentam um
consumo massivo por considerá-los abaixo do mínimo economicamente viável.
Por sua vez, a concentração em vendas em escala massiva que apontam para
um fluxo de consumo rápido e contínuo, somada aos custos de armazenamento
nos pontos de venda ao público, dá lugar a uma alta rotatividade de conteúdos.
A distribuição e os pontos de acesso público são, em geral, segmentados,
apresentam uma quantidade determinada de títulos, pois não existe possibilidade
financeira nem física de oferecer todas as criações que são produzidas
periodicamente. Por exemplo, no setor editorial “em espanhol são produzidos
anualmente cem mil títulos (…) nenhuma livraria pode acumular essa quantidade
de textos” (Palapa Quijas, 30 jan. 2006). Já no caso da distribuição online, os baixos
custos de empacotamento favorecem uma maior disponibilidade de conteúdos
e com larga duração.
Ainda assim, esta disponibilidade de conteúdos reforça o processo de
fragmentação do consumo informativo e cultural: trata-se de múltiplos mercados
minoritários ou de nichos em escala internacional. No entanto, não podemos
esquecer a existência de fatores linguísticos e culturais que podem limitar o
consumo efetivo.
Nos últimos anos o setor empresarial e os meios de comunicação popularizaram
a expressão the long tail - a cauda longa, em português - (Anderson, 2006) para
referir-se à demanda de produtos culturais nas redes digitais. Esta expressão,
criada por Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired, é uma referência à forma
gráfica da curva de distribuição da demanda de conteúdos culturais no contexto
digital, tendo em consideração duas variáveis: consumo e conteúdo. O resultado
gráfico é uma prolongação inferior e muito longa em relação à cabeça: the long
tail. Nesse sentido, o setor empresarial captou a mensagem de que a soma do

25 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
conjunto de produtos minoritários pode formar um mercado significativo e, por
conseguinte, comercialmente atrativo.
Assim, as redes digitais estão, ao mesmo tempo e por meio de distintas formas,
disponibilizando o acesso tanto aos conteúdos de consumo massivo como aos de
conteúdo de nicho. Isto se traduz em agentes que apresentam catálogos online,
associados a potentes motores de busca, formados por milhares de referências.
Por sua vez, conteúdos e redes digitais também abrem as portas ao consumo
sob encomenda (on demand), uma possibilidade até o momento pouco explorada.
Assim, por exemplo, “uma vantagem óbvia é a de recuperar livros esgotados e
fora de catálogo, que não voltarão a ser publicados. A Amazon adquiriu há algum
tempo uma empresa gráfica, com a escala ajustada para publicar cópias únicas,
sob pedido, de livros que, de outra forma, estariam condenados” (Bullón, 2007).

PONTOS DE ACESSO PÚBLICO

No caso da distribuição física, a oferta de conteúdos informativos e culturais


está disseminada em diferentes pontos de acesso público: grandes superfícies,
pequenas lojas generalistas e especializadas, quiosques, bibliotecas, midiatecas,
locadoras de filmes, etc.
É nesses espaços onde se estabelecem relações de contato direto, cara a cara,
entre quem oferta produtos e entre os potenciais consumidores. É nessa relação
onde a assessoria que o consumidor recebe pode chegar a ser chave para aplacar
a incerteza que existe na escolha de qualquer produto cultural. No caso dos locais
de venda de produtos, esse encontro é um dos pontos mais sensíveis e chave para
orientar a compra. O estudo do espaço e das relações aí incide na elaboração e
planejamento de estratégias empresariais. As companhias mais importantes do
setor distribuição-venda investem na formação e treinamento de seus trabalhadores
(força de vendas), e impulsionam o desenvolvimento do marketing no ponto de
venda (merchandising), com a gestão da variedade de produtos.
A distribuidora multinacional francesa FNAC2 (que em 1999 abriu em São Paulo
sua primeira megastore fora da Europa) é um bom exemplo do que dissemos
acima: oferece treinamento aos seus vendedores (que não recebem comissão

2 O grupo FNAC (Fédération Nationale d’Achat des Cadres), criado em 1954, faz parte do
Grupo PPR (Pinault-Printemps-Redoute), também formado pelas multinacionais Conforama, Redcats,
CFAO e pelo Grupo Gucci. Atualmente é o maior distribuidor europeu de produtos técnicos e culturais
com mais de uma centena de lojas em todo o mundo. Presente em oito países europeus, e ainda no
Brasil e em Taiwan. Em 2005, a FNAC faturou 4.400 milhões de euros.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


26
pela venda), serviço pós-venda para produtos eletrônicos e cartões de fidelidade
que permitem financiar compras e obter descontos, convites para shows e pré-
estreias de cinema e de teatro; e também fazer reservas de entradas por telefone.
No caso dos pontos de acesso virtuais, existe uma grande variedade de websites,
comerciais e não comerciais, e programas que oferecem conteúdos de todo tipo.
Desde portais agregadores de conteúdos (cujos direitos de exploração comercial
estão em mãos de outros agentes) até sites alimentados de forma colaborativa por
usuários. Nesse sentido, a relação com o consumidor à margem das tradicionais
distribuidoras permite, ao menos potencialmente, “um renascer do papel de
novos agentes e de pequenos e médios atores econômicos, criadores incluídos”
(Bustamante, 2003: 337).
De todas as formas, na paisagem digital o contato está mediado pela tecnologia.
Nesse sentido, são dois os problemas principais que qualquer agente enfrenta
na internet. Em primeiro lugar, devem atrair e facilitar o contato de potenciais
consumidores com diferentes conhecimentos de informática. Em segundo, devem
apresentar de forma atrativa um catálogo amplo de produtos sem saturar seus
visitantes e potenciais consumidores.
Nos níveis internacional (iTunes, de Apple; o Amazon) e também nacional, é
possível identificar uns poucos operadores consolidados que abarcam a maior
quantidade de consultas e vendas na internet. Produtores e empacotadores de
conteúdos são protagonistas de uma intensa concorrência, tanto no terreno
analógico, como no digital. Conseguir entrar no círculo virtuoso do esquema
notoriedade-prestígio-confiança-vendas é o objetivo de todos eles.

PAPEL DO CONSUMIDOR

Do ponto de vista do consumidor de produtos informativos e/ou culturais, no


terreno analógico é preciso investir/gastar uma determinada quantidade de tempo
e energia vital, até que ele adquira o produto de seu interesse. Tempo e energia
que podem ser medidos no deslocamento físico aos pontos de acesso público ou
no tempo empregado na escolha e busca de um determinado conteúdo.
Uma prática dos consumidores habituais é o desenvolvimento de rotinas de
busca. Frequentar lugares como livrarias, bancas ou lojas de discos, somado à
consulta de determinadas publicações, permite aos consumidores estar a par
das novidades.
Do contrário, a oferta e distribuição de conteúdos por meio das redes digitais
implicam para os consumidores uma economia de tempo e energia vitais. No

27 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
entanto, uma oferta ampla “a um clique de distância” – como costumamos escutar
– estimula comportamentos extremamente voláteis, que constitui um problema
para as empresas interessadas.
Em contraposição, devemos assinalar a desvantagem para amplos setores
populacionais que carecem de falta de manejo das ferramentas de gestão
adequadas. A busca na internet ou os downloads de programas informáticos
que permitem ler, escutar ou ver os conteúdos, são tarefas que não estão ao
alcance de amplos setores da população. Nesse sentido, o setor informático –
com uma lógica de inclusão comercial – trabalha na elaboração de programas
com interfaces amigáveis que, pela sua simplicidade tornam-se de fácil uso. Por
sua vez, o setor público – às vezes de maneira aleatória – programa planos de
alfabetização digital destinados aos diferentes coletivos sociais.

FORMAS DE CONSUMO

Por fim, cabe destacar que as indústrias culturais trabalham desde sempre na
estandardização de formatos da produção simbólica com a finalidade de facilitar
sua comercialização massiva. De forma tal que, tradicionalmente, o consumo de
conteúdos se dá por pacotes: um filme, uma série de televisão dividida em capítulos
sequenciais, um jornal com suas editorias fixas, uma gravação fonográfica com
determinadas músicas, etc.
Por sua vez, o consumo por meio das redes digitais apresenta uma flexibilidade
muito maior. Assim, o consumidor pode optar por um consumo enquadrado nos
cânones tradicionais ou optar pelo consumo de formatos variáveis (uma cena,
a aparição de um ator em diferentes filmes, uma música, etc.). Ainda assim, o
alto grau de maleabilidade dos conteúdos digitais possibilita sua modificação,
mescla e cópia.
Por outra parte, a compressão digital, unida às redes e suportes digitais, aumenta
consideravelmente a portabilidade e ubiquidade de conteúdos. Todo esse conjunto
de mudanças está na base da ameaça que sofrem os tradicionais distribuidores
que operam no marco analógico.

O SETOR MUSICAL: LABORATÓRIO DE DEBATES

Depois de arrolar as principais semelhanças e diferenças existentes em nível


teórico entre a distribuição física de produtos culturais e informativos e a digital,

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


28
gostaria de me referir às mudanças que atingem o setor musical.
No interior dos diferentes efeitos das redes digitais, segundo os diversos setores
culturais ou comunicativos, a indústria fonográfica revela um “caráter pioneiro nas
batalhas entre agentes culturais e de outros setores (informática, telecomunicações)
e paralelamente de novos modelos de negócio”. Ainda assim, “o duplo problema
dos direitos autorais e os hábitos dos usuários se evidenciam aí de forma crua,
adiantando a pugna geral futura de interesses particulares e interesses públicos”
(Bustamante, 2003: 14).
Chegado a este ponto, devemos fazer uma ressalva importante. As apreciações
gerais que apresentarei a seguir versarão sobre o setor musical denominado
“música popular” que concentra a maior parte dos recursos, é a mais consumida
e está sendo afetada com mais força pelos suportes e redes digitais. Para dar dois
exemplos, distinta é a situação de nichos de mercados muito definidos como
podem ser os da “música erudita”, pouco marcada pelas mudanças atuais, ou a
“música eletrônica”, cuja história, sim, está intimamente ligada às novas tecnologias3.
O tradicional mercado musical se assenta sobre a base de dois pilares que geram
os mais destacados ingressos econômicos desta indústria: a comercialização
massiva de obras gravadas em diferentes suportes físicos (discos, cassetes, CD),
reproduzíveis em distintos equipamentos, e os direitos econômicos que incidem
sobre o uso público dos fonogramas.
O mercado de obras gravadas em suporte físico é um oligopólio no qual a
distribuição é controlada por grandes conglomerados multinacionais: Universal
Music Group, Sony / BMG Entertainment, EMI Group e Warner Music Group.
Estes quatro grupos fonográficos controlam mais de 70 por cento do mercado
de suportes físicos da música e possuem catálogos formados por centos de selos
próprios e associados.
Por sua vez, os direitos econômicos que incidem sobre o uso público dos
fonogramas estão em mãos de sociedades privadas de âmbito nacional. Trata-se,
geralmente, de organizações sem fins lucrativos que gerenciam o pagamento e
a distribuição dos direitos autorais de compositores e intérpretes, e que também

3 Estas diferenças também se verificam em outras indústrias culturais; por exemplo, no interior
do setor editorial, até o momento, o impacto causado pela internet no subsetor das publicações
científicas não tem sido o mesmo que no das novelas. Enquanto as publicações acadêmicas têm
encontrado na internet novas dinâmicas de trabalho e uma oportunidade de maior impacto na
comunidade científica internacional, em que muitos editores até cogitam a conveniência de abandonar
a edição em suporte papel e investir esses recursos em outros aspectos; os cimentos da distribuição
tradicional e as estratégias mais correntes (campanhas promocionais de best sellers, listas de mais
vendidos ou prêmios literários) ligados aos romances, não se vêm alterados.

29 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
cuidam dos interesses dos editores musicais.
No entanto, o modelo comercial e jurídico de propriedade intelectual, forjado
durante o século passado está sendo atualmente alterado principalmente por três
fatores: 1) o aumento da distribuição online por meio de redes (telecomunicações,
internet) e programas informáticos (p2p) que se servem destas; 2) as mudanças
nas tecnologias, entre as quais cabe assinalar as redes digitais com uma maior
banda larga e; 3) a melhora dos dispositivos terminais móveis: telefones celulares
e dispositivos portáteis digitais vários (mp3, mp4, iPod, etc.).

RESISTÊNCIA ÀS MUDANÇAS

Diante das mudanças pelas quais o setor atravessa, as grandes companhias


fonográficas e as sociedades gestoras de direitos autorais se apresentam como os
principais agentes conservadores, que se colocam contra algumas das mudanças
em curso. Estes atores pretendem uma translação automática das relações e das
condições que sustentaram ao longo do século XX o desenvolvimento em escala
massiva da indústria fonográfica.
A prova mais palpável destas mudanças é o fato de que “a música está em todos
os lados” enquanto as vendas de fonogramas gravados em suportes materiais caem.
Na Europa ocidental, caiu de 14,03 bilhões de dólares de ingressos em 2001, para
11,53 bilhões em 2005, uma queda de mais de 2,5 bilhões de dólares. As causas
desta queda são atribuídas tanto às vendas de cópias digitais de música fora do
mercado legal como aos intercâmbios e downloads gratuitos de fonogramas.
Portanto, o combate contra a compra-venda de cópias “piratas” e os downloads
gratuitos por meio da Internet se apresenta como uma prioridade para aqueles
agentes com uma posição dominante no mercado fonográfico.
A postura sustentada pelo setor coorporativo e por governos é que “a
generalização da gratuidade ilegal tem um custo coletivo para as indústrias
culturais, para os criadores e para a nação” (Oliviennes, 2008: 24). Em consequência,
os principais atores da indústria musical vêm investindo valiosos recursos materiais
e humanos, e articulando esforços em escala internacional (por exemplo, temos a
celebração do Fórum Ibero-americano da Propriedade Intelectual, FIPI, auspiciados
pela Secretaria Geral Ibero-americana, SEGIB, no qual participam jornalistas,
juristas, legisladores e acadêmicos experts em propriedade intelectual de países
ibero-americanos) na luta contra a “pirataria”.
São quatro as frentes de ação identificáveis onde se desenvolvem as estratégias
de luta contra a denominada “pirataria”: a) a educativa, b) a legislativa, c) a judicial

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


30
e policial, e d) a tecnológica. No plano educativo pretende-se fomentar entre os
usuários o “uso responsável da Internet” e conseguir a “colaboração” dos provedores
de serviços digitais. Nessa direção foram criadas campanhas de sensibilização social
sobre os efeitos perniciosos da “pirataria digital”, campanhas que utilizam múltiplos
suportes publicitários (televisão, imprensa diária e publicações especializadas,
vídeo, cinema, rádio, outdoor, cartazes, etc.). Muitas destas campanhas criminalizam
a estendidos usos sociais, como o download de fonogramas ou de outros conteúdos
por meio da internet. Atualmente, com os dados do crescimento dos downloads
gratuitos, algumas vozes interessadas nessa questão se perguntam se este tipo
de campanha agressiva não teve o efeito contrário ao desejado.
Na ordem legislativa, o objetivo das grandes companhias fonográficas e das
sociedades gerenciadoras de direitos é o de exercer influência na promulgação de
leis “adaptadas às novas tecnologias”. Isto se traduz, por exemplo, na tributação dos
suportes e dispositivos, mais conhecido como “cânon digital”. A carga impositiva
foi-se estendendo dos CDs virgens aos reprodutores mp3 e aos pen drives, entre
outros dispositivos. Os beneficiários deste imposto são os autores e as sociedades de
gestão de direitos, enquanto um amplo conjunto de fabricantes de equipamentos
e de usuários de equipamentos de informática se manifesta contra. No entanto,
a imposição de um “cânon digital”, uma tributação que é motivo de controvérsia,
já que não existe em todos os países nas regiões que desejam ajustar as suas
legislações nacionais. É o caso da União Europeia, onde não existe uma política
comum a respeito.
No nível judicial-policial, busca-se um maior protagonismo do aparato repressivo
do Estado, tanto por meio de uma maior rapidez nas ações judiciais como de um
aumento do corpo policial envolvido na luta contra a “pirataria”. As demonstrações
públicas de destruição de cópias não autorizadas de CDs e DVDs se converteram
em cartões postais do início deste século. A estes singulares encontros organizados
pelos corpos policiais, não faltam jornalistas de distintos meios e membros das
diretorias de sociedades gestoras de direitos autorais e industriais.
Finalmente, no plano tecnológico se defende a necessidade de empregar as
tecnologias vigentes com o fim de estabelecer um “mercado limpo e livre de
concorrência”. Isto se traduz no desenvolvimento, por parte de provedores de
conteúdos offline e online de dispositivos tecnológicos, conhecidos como sistemas
de gestão de direitos digitais ou DRM (siglas de Digital Right Managment) cuja
finalidade é impedir a cópia de conteúdos musicais e/ou a utilização de um mesmo
conteúdo em diversos dispositivos. No entanto, na prática, os sistemas de DRM
foram derrotados quando utilizados por muitos consumidores.

31 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
Como é possível perceber, as ações que se desdobram nesses quatro diferentes
planos inter-relacionados não diferenciam aquelas práticas com fins lucrativos e
aquelas que não perseguem benefícios econômicos. Portanto, se criminalizam
práticas sociais de distribuição e consumo musical que se expandem em escala
internacional, à medida que a internet aumenta seu grau de penetração. Refiro-
me, por exemplo, ao intercâmbio de conteúdos por meio das redes p2p. Para
termos uma ideia da magnitude das referidas práticas, no setor musical só cinco
por cento dos 20 mil milhões de arquivos musicais que circulam anualmente são
vendidos (Attali, Oliviennes, 2008: 4).

ADAPTAÇÃO AOS CÂMBIOS

É perceptível que a redução do mercado tradicional vem acompanhada de uma


forte ascensão da importância das novas tecnologias. Na renovada paisagem
tecno-cultural encontramos novos agentes e práticas sociais que se beneficiam
das mudanças em marcha.
Entre os defensores do novo cenário da música digital encontramos tanto agentes
tradicionalmente alheios ao setor (como empacotadores de conteúdos ou empresas
de telecomunicações) como criadores e intérpretes não inseridos no mercado. Por
sua vez, são também defensores das transformações que está sofrendo o mercado
musical amplos setores dos públicos que experimentam a “sensação” de ter ao
seu alcance uma oferta de conteúdos ampla, diversa e gratuita (ou a um preço
baixo). Nesse caso, sublinho a palavra “sensação”, pois não podemos esquecer
que parte substancial dos custos associados ao funcionamento das redes e outros
dispositivos digitais recai sobre os usuários: custos de conexão, equipamento de
informática, software adequado e atualização do mesmo, proteção antivírus, etc.
No caso dos criadores ou intérpretes musicais fora do mercado tradicional, ou
seja, que não passaram pelas mãos de uma discográfica nem tenham pisado um
estúdio de gravação “profissional”, a difusão de suas obras se encontra vinculada
a websites como MySpace ou YouTube, para citar dois dos mais conhecidos e
utilizados. Em consequência, a difusão dessas criações não se vê limitada pelas
restrições e custos próprios da distribuição física de suportes e tem um alcance
internacional. Se no modelo tradicional era necessário primeiro ser um “campeão
nacional” para depois tentar ultrapassar as fronteiras, na era das redes digitais, as
coisas não funcionam assim.
Na Europa ocorre um fenômeno particular: a internet e as companhias aéreas
de baixo custo (conhecidas como companhias low cost) se unem para influir na

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


32
cena musical ao vivo em várias cidades. Artistas que colocam suas criações na
rede sem nunca ter editado um álbum, são contatados e contratados diretamente
por produtores de espetáculos musicais para realizar suas performances. Estas,
por sua vez, são divulgadas normalmente por meio de mensagens via e-mail e
redes sociais que incluem links para músicas e vídeos que o artista em questão
possui na internet. Dessa forma, os conteúdos alocados na rede servem para ativar
um duplo mecanismo de promoção: em função de gestores e programadores de
espaços culturais, e em função de públicos consumidores.
Por sua vez, as companhias de telecomunicações são um bom exemplo de
novos agentes beneficiados pelo novo cenário digital da música. A banda larga
de celular está contribuindo para a consolidação de um novo canal alternativo:
a distribuição wireless.
O informe On Media. Recorded Music – Who benefits from digital (George; Bell,
2008) da consultora PricewaterhouseCoopers (PwC), que foi dado a conhecer em
abril de 2008, revela que os downloads de música por meio de telefones celulares se
converteram na principal fonte de ingressos para a indústria discográfica europeia.
No novo cenário, o telefone celular abriu as portas do mercado da música às
empresas de telecomunicações ou companhias criadas recentemente, dedicadas
aos conteúdos para telefones celulares. A passagem do download de ringtones
a canções standard parece ser o prelúdio de novos tipos de conteúdos, como a
retransmissão de atuações musicais ao vivo em alta definição.
Enquanto em alguns países a provisão de serviços audiovisuais por parte de
empresas de telecomunicações continua proibida – não sem polêmica –, em
outros contextos nacionais (como o espanhol), a concorrência entre operadoras de
televisão hertziana, por satélite ou por cabo com as empresas telefônicas é moeda
corrente. A retransmissão ao vivo a cargo de uma operadora de telecomunicações
(como Orange) de um concerto musical se realiza simultaneamente para os
clientes de sua rede de telefonia móvel, de seu pacote de sinais de televisão e
de seu website.

A MÚSICA AO VIVO: MERCADO EM ALTA

Frente à queda das cifras de venda de fonogramas em suporte físico, os “mercados


derivados” vêm ganhando força. É o caso da música ao vivo. As turnês continentais
de músicos e a celebração de festivais multinacionais se multiplicaram, enquanto

33 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
os preços das entradas sofreram um aumento significativo4.
No funcionamento tradicional da indústria fonográfica, a maior parte dos
benefícios obtidos por atuações ao vivo iam parar nas mãos dos artistas, enquanto
as gravadoras alimentavam suas vendas de gravações em suportes físicos. Esta
clássica divisão também está se desfazendo: os termos estipulados entre as
empresas e os músicos estão sendo redefinidos.
Tendo em vista a crise do suporte físico de gravação, as companhias denominadas
“fonográficas” ou “gravadoras” (ambos os termos são hoje questionados) estão
desenvolvendo áreas de negócios ou empresas “irmãs” a cargo da gestão de carreiras
artísticas. Isto inclui tanto a promoção de artistas e intérpretes em diferentes níveis
(inserção de publicidade, contato com os tradicionais meios de comunicação,
presenças na internet, meios especializados, etc.) como o planejamento de suas
agendas (atuações ao vivo, solo e em festivais) e a estrutura técnica dos shows.
Ainda assim, hoje as gravadoras estão incluindo cláusulas nos contratos segundo
os quais os artistas têm que ceder às companhias um percentual do lucro de seus
shows. Assim as companhias se transformaram em gestoras dos artistas, cuidando
de tudo aquilo que gera lucro: merchandising, direitos de imagem, CDs, DVDs e,
principalmente, shows.
As discográficas tradicionais e novas não são as únicas que estão tomando conta
do novo filão das atuações ao vivo. Entidades financeiras e fundações de grandes
empresas vêm ganhando espaços no terreno do marketing cultural e entrado
com força no mundo das atuações ao vivo. Para alguns destes novos agentes, as
esferas da informação e da cultura são meros “mercados” onde aplicar “estratégias
de êxito” com a finalidade de obter benefícios simbólicos.
Alguns festivais se transformaram em marcas e deram início à sua peculiar
transnacionalização. Rock in Rio é um bom exemplo. Em julho de 2008 ocorreu em
Arganda del Rey, cidade de 50.000 habitantes situada a 30 quilômetros de Madrid,
o maior festival de música jamais celebrado na Espanha. Com um orçamento de
30 milhões de euros, o Rock in Rio foi qualificado pelo diário espanhol de maior
circulação, El País, como “o grande negócio da música”. Nesta “outra Disneylândia”,
quem pagou a entrada de 65 euros por dia (algo em torno de 160 reais) teve à sua
disposição “um amplo leque de atividades: gravar um disco financiado por uma
marca de rum, ver desfilar Martina Klein ou Verónica Blume, comprar roupa nos
dois centros comerciais (existentes na cidade do rock), comer um creme de ervilhas

4 Durante o período compreendido entre os meses de janeiro e junho de 2008, as turnês


musicais nos Estados Unidos, principalmente as de pop e rock, tiveram uma renda bruta de 1,05
bilhões de dólares.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


34
com lâminas de parmesão no restaurante VIP, ou casar-se ‘ao estilo Las Vegas’ em
uma igreja patrocinada por uma marca de preservativos” (Portela, 27 jun. 2008).
Mediante às críticas que advertiam que as empresas comerciais e suas marcas
primavam sobre a música – o mercado sobre a cultura –, o criador e diretor do
festival, Roberto Medina (organizador da apresentação de Frank Sinatra no Brasil,
em 1980, para 144 mil pessoas) explicava: “A marca Rock in Rio é um evento entre
o marketing e a música. Sempre foi assim. Desde o princípio. Eu não sou um
promotor de concertos nem um roqueiro”. Complementarmente, as autoridades
locais festejavam: “Será uma ocasião perfeita de promoção, mas também de
impulso econômico da cidade”.
Do ponto de vista do consumidor, a presença em atuações de artistas ao vivo
está ligada à produção de vivências e de experiências únicas. Como assinala
Herschmann (2007: 16):

(…) a música ao vivo vem crescendo em importância dentro da indústria da


música e isso está relacionado ao valor que esta ‘experiência’ tem no mercado,
isto é, à sua capacidade de mobilizar e seduzir os consumidores e aficionados:
a) a despeito do preço a se pagar (muitas vezes bastante alto) para assistir
ao vivo às performances; b) e da alta competitividade que envolve as várias
formas de lazer e entretenimento na disputa de um lugar junto ao público
hoje no cotidiano).

Por outra parte, associados às atuações ao vivo temos as gravações e posterior


comercialização material e imaterial, como a retransmissão ao vivo por meio de
múltiplos suportes. Um exemplo: em 2007, o site Medici.tv (filial da sociedade
estadunidense Medici Arts, proprietária de um catálogo importante de DVD,
com 1.500 horas de vídeo, e de fundos de arquivos musicais) retransmitiu ao
vivo o Festival de Verbier, anualmente realizado na Suíça. Este ano se repetiu a
experiência empregando câmeras automatizadas e de alta definição. A qualidade
das retransmissões torna possível que se possa conectar a equipamentos de som
ou televisores para desfrutar completamente dos conteúdos.

DOS TRADICIONAIS “GUIAS” DE CONSUMO ÀS “COMUNIDADES VIBRANTES”

Tradicionalmente a rádio, as publicações periódicas e a televisão (ainda antes da


chegada da MTV) eram os canais mais habituais para promover carreiras artísticas

35 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
e publicitar obras musicais. Hoje, a irrupção dos dispositivos e as redes digitais
estão pondo em dúvida a relação habitual entre artistas e audiências, minando
o poder de prescrição dos tradicionais meios de comunicação; ou seja, limitando
a incidência destes no consumo de criações musicais. Além disso, o contato
entre artistas e públicos, ao menos potencialmente, é simplificado e a criação de
comunidades interpretativas, sem a participação dos meios tradicionais, é cada
vez mais comum (Gallego, 2008).
Frente aos meios de informação usuais têm surgido espaços na internet de
distinta natureza, que se nutrem com o aporte desinteressado (em termos
econômicos) de usuários. Nestes sites é possível encontrar gravações musicais e
audiovisuais (concertos e entrevistas), fotografias, críticas e recomendações de
trabalhos musicais ou agendas de atuações, entre outros conteúdos.
O caso do Last.fm resulta interessante. Trata-se de um “serviço musical” que
a partir da escuta de canções vai definindo um perfil específico. Por sua vez, o
usuário tem a possibilidade de contatar outros usuários com os quais compartilha
preferências musicais e recomendar canções. Segundo os responsáveis deste
serviço musical, atualmente disponível em doze idiomas, “A meta do Last.fm
sempre foi tornar mais democrática a cultura musical: que cada pessoa possa
escutar a música o que quiser, quando quiser. Sem um intermediário que diga
do que cada um tem que gostar” (SITE LAST.FM).
Poder-se-ia ainda especular qual será o destino final desta empresa, cujo slogan
reza “the social music revolution” e que conta com mais de quinze milhões de
usuários, uma vez que no ano passado – 2007 – foi adquirida em 208 milhões de
dólares pela Corporação CBS. No momento de divulgar publicamente a venda do
Last.fm, um de seus criadores, Martin Stiksel, declarou que a CBS havia adquirido
“uma comunidade muito vibrante e ativa”. Os diretores da Corporação CBS –
explicou então Stiksel – “querem passar de uma companhia baseada em conteúdos
a uma companhia cuja base seja as audiências, outorgando o controle a estas
e aprendendo destas. Esta é a razão pela qual Last.fm era sua opção” (BBC, 30
maio 2007).
A compra deste serviço musical parece estar no mesmo caminho das compras
realizadas anteriormente pelas companhias News Corporation, de Rupert Murdoch,
e Google Inc.
Em 2005, a News Corporation adquiriu por 580 milhões de dólares o MySpace,
um site com mais de 26 capítulos nacionais, baseado na criação de comunidades
privadas que compartem músicas, fotografias, diários e interesses diversos. Nas
páginas de MySpace é possível encontrar um sem número de artistas e bandas

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


36
musicais dos mais diversos lugares do mundo.
Por sua vez, em 2006, a empresa criadora do motor de busca mais utilizado
internacionalmente, Google Inc., pagou 1.650 milhões de dólares pelo site de
publicação gratuita de vídeos YouTube. Fundado em 2005, este site se transformou
em uma grande plataforma de promoção. A maior parte dos arquivos que
conformam a coleção do YouTube são curtas de aficionados, ainda que, nos últimos
meses, profissionais do audiovisual, estações de televisão, partidos políticos e
casas discográficas5 também tenham publicado vídeos no site. Os acordos pelos
direitos autorais assinados com grandes companhias provedoras de conteúdos
(como as majors Universal Music Group, Sony Music Group e Warner Music Group)
prepararam o terreno.
A aquisição “a toque de caixa” destes sites, que aglutinam uma importante
massa crítica de conteúdos, dá a seus novos proprietários uma grande quantidade
de informações sobre ativos usuários das novas tecnologias da informação e da
comunicação, geralmente pertencentes a setores econômicos médios e altos.
Uma valiosa informação na hora de elaborar perfis socioculturais e descobrir
tendências de todo tipo.
Estes movimentos de compras protagonizados por grandes companhias da
informação e da comunicação na paisagem digital coexistem com a presença
de projetos altruístas de caráter fundamentalmente cultural. É o caso de
Overmundo, site que adota como política geral de publicação uma licença Creative
Commons. Patrocinado pelo Ministério de Cultura do Brasil e pela empresa
Petrobrás, Overmundo é um site gerado a partir da colaboração de usuários cuja
finalidade é “servir de canal de expressão para a produção cultural do Brasil e de
comunidades de brasileiros espalhadas pelo mundo afora tornar-se visível em
toda sua diversidade” (SITE OVERMUNDO).

PRÁTICAS SOCIAIS E CONSUMO MUSICAL

O panorama geral do setor musical, com suas tensões e agentes colaborando


e lutando entre si, não estaria completo sem nos referirmos aos consumidores
de conteúdos musicais. Em geral faltam informações e análises qualitativas
que indaguem sobre as práticas de consumo e as motivações associadas aos
consumidores.

5 Ver, por exemplo, a secção de Universal Music Group: http://es.youtube.com/user/


universalmusicgroup?ob=4 Acesso em: 1 ago. 2008.

37 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
Nesse sentido, me pareceu reveladora uma pesquisa realizada em abril de 2007
pela consultora Dnx. Com a finalidade de conhecer as opiniões dos usuários da
internet e suas práticas em relação com o aceso e consumo de música (filmes e
séries de televisão). Para isso, se aplicou uma pesquisa online entre espanhóis
com aceso à internet, cujas idades oscilaram entre os 14 e os 45 anos de idade.
Em síntese, o estudo (DNX, 2007) concluiu que:
1. Quase a metade dos entrevistados – 47,7 por cento, exatamente – entende
que a compra e os downloads gratuitos são formas complementares de
consumo musical. Se bem que 89 por cento dos entrevistados manifestou
haver baixado “algo” – por meio de programas p2p como Emule ou BitTorrent
– e 47 por cento reconheceu haver copiado música – de mp3, iPod ou CD – ,
49 por cento manifestou haver comprado CDs nos últimos seis meses, e cerca
de 17 por cento pagou pelo download de canções por meio de sites como
Amazon ou iTunes.
2. Os downloads gratuitos ajudam a descobrir novos artistas e criadores: (cito
textualmente o informe) “Os usuários da Internet valorizam as vantagens que
a rede oferece e as aplicações de troca de arquivos (P2P) na hora de conhecer
e ‘provar’ sem custos novas músicas e artistas. De fato, os internautas adquirem
CDs principalmente quando conhecem a música ou o artista (‘quando sei que
vou gostar’) ou quando têm que dar um presente”.
3. Os sistemas anticópia inibem a compra, tanto de bits como de suportes,
porque atentam contra uma das principais demandas dos usuários: a
versatilidade de reprodução.
4. Os elementos que compõem o CD como objeto físico (caixa, capa, extras,
etc.) têm uma importante dimensão simbólica que motiva sua compra como
presente ou para coleção.
5. A maioria dos entrevistados reconhece que, com os downloads, gasta
menos dinheiro na aquisição de música, mas também afirma que agora
frequenta mais festivais e shows ao vivo.
6. Existe um claro gap entre os sistemas atuais de comercialização de
conteúdos audiovisuais e as expectativas e possibilidades que os usuários
percebem no uso das novas tecnologias: “O estudo permitiu pôr em evidência
a postura crítica dos internautas em relação às empresas fonográficas e
sociedades de direitos autorais, assim como o desprezo às formas atuais de
comercialização representadas pelas políticas de preço e as restrições de
consumo que implicam os suportes físicos e os sistemas anticópia”.
7. A despeito das críticas ao atual modelo jurídico-comercial de propriedade
intelectual que se aplica aos bens musicais, os internautas entendem que os
direitos de criadores e intérpretes devem estar protegidos e que o pagamento
é uma das maneiras de levar isto a cabo. No entanto, o estudo revela um gap
entre os preços do mercado e as expectativas de pagamento dos entrevistados.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


38
REFLEXÕES FINAIS

Para finalizar minha intervenção, de forma sucinta, gostaria de assinalar que o


processo de digitalização das indústrias culturais tem atingido a fase de distribuição
e isso vem afetando de forma significativa o conjunto da produção cultural e
informativa. As mudanças são múltiplas e abrangem diferentes níveis. Nessa
nova paisagem os custos envolvidos, a disponibilidade de conteúdos, a escala
dos mercados ou as relações com os consumidores estão sendo alteradas.
O setor musical revela-se um interessante estudo de caso para analisar as
mudanças que podem abranger em breve ao resto das indústrias culturais.
Além disso, é necessário assinalar que o processo de digitalização integral do
setor musical ocorre num contexto de alta concentração empresarial, em nível
internacional, do mercado de fonogramas. Neste marco de relações desiguais, as
mudanças – especialmente importantes na fase da distribuição das gravações –
ameaçam as posições dos atores dominantes, as majors multinacionais do setor.
Como assinalamos no começo deste capítulo, as mudanças sofridas pelo setor
musical a partir de sua completa digitalização desembocam num cenário instável
nos aspectos tecnológicos, econômicos e sociais. No entanto, a queda do consumo
da música gravada em suportes físicos está acompanhada por um incremento
do consumo de música digital. Ao mesmo tempo, verifica-se o crescimento dos
chamados “mercados derivados”. O consumo de música por meio de redes e
dispositivos móveis e os shows ao vivo apresentam-se como espaços emergentes
na nova paisagem da música digital. Nesses espaços encontramos a presença de
novos atores e modelos de negócio, e relações de colaboração e competência
entre “velhos” e “novos” agentes.
Mobilizados pelo medo de perder o controle do negócio, os principais atores
do mercado fonográfico vêm atuando junto às sociedades gestoras de direitos
autorais para defender o tradicional modo de funcionamento do setor. No entanto,
do nosso ponto de vista, “ainda quando resulta simples atribuir a diminuição de
ingressos à pirataria, pode-se afirmar que a situação responde a um modelo de
negócio que está se tornando obsoleto. [Para alguns] A indústria deve adaptar os
modelos de negócio a um novo contexto que exige evoluir da venda de discos
à venda de música” (GAPTEL, 2006: 10).
A breve história de websites de grande sucesso, cuja base reside em comunidades
numerosas de usuários que compartilham gostos e interesses, sinaliza três
movimentos que devem ser estudados mais detalhadamente: por um lado,
temos a inserção de formatos publicitários (patrocínios, links, recomendações);

39 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
por outro, o aporte de conteúdos dos maiores produtores das indústrias culturais;
e, finalmente, a venda destes sites a grandes empresas multinacionais.
Existe um gap entre as práticas sociais de uma importante parte dos consumidores
de conteúdos musicais e os interesses comerciais das principais companhias. Fica
bastante evidente na internet, que a indústria e consumidores de conteúdos
musicais têm percepções diferentes do significado dos downloads gratuitos:
“as medidas repressivas e as mensagens contra a pirataria tratam a todos os
internautas como culpados por igual, independentemente se os downloads
gratuitos são feitos para gerar benefícios econômicos ou não. Esta postura contrasta
radicalmente com a dos consumidores com acesso à internet, que consideram
que os downloads gratuitos não são ilegais”. Complementarmente, as críticas
direcionadas às sociedades privadas arrecadadoras de direitos autorais servem
como uma espécie de autolegitimação da prática de downloads gratuitos.
Um significativo número de Estados vem resguardando por meio de ações
legislativas, judiciais e policiais os interesses corporativos do setor musical. No
entanto, a formulação de novos impostos ou a criminalização da grande parte das
práticas sociais que realizam troca de conteúdos geram também críticas oriundas
do setor econômico, como a realizada pelos fabricantes de equipamentos de
informática, bem como a realizada frequentemente por significativos segmentos
de consumidores de conteúdos musicais.
Quanto tempo e em que condições devem permanecer as obras criativas no
domínio de exploração comercial privada? Quando estas obras devem passar ao
domínio publico?... Quem deve arrecadar o dinheiro gerado pelos direitos autorais?
Sociedades privadas ou o Estado?... Quais são os mecanismos de arrecadação
adequados? Estas são importantes indagações que merecem ser colocadas na
agenda de debate público.
Neste sentido, entendemos que se devam formular urgentemente políticas
públicas em benefício dos compositores e intérpretes musicais, os quais têm o
legitimo direito a viver de suas criações. Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer
também que a sociedade como um todo tem direito de usufruir das criações
musicais e da produção cultural de modo geral.
Assim, é preciso haver compromisso do Estado na digitalização dos conteúdos
de domínio público, e sua presença nas redes digitais por meio de uma oferta de
qualidade que considere as necessidades dos diferentes setores sociais.

REFERÊNCIAS

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


40
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PORTELA, L. Bienvenidos a la otra Disneylandia. El País, Madrid, p. 44, 27 jun. 2008.

41 A integrAl digitAlizAção dAs indústriAs culturAis:


tensões e reestruturAções em AndAmento
A convergência digital e os desatinos do
sistema mundo capitalista
RUY SARDINHA LOPES

Tratar a convergência digital do ponto de vista da economia política crítica


requer o esforço analítico de apreendê-la em suas relações recíprocas com a atual
fase de desenvolvimento do capitalismo. Para tanto, relembremos, inicialmente,
velhas lições que de tão sabidas correm o risco de cair no esquecimento. A primeira
delas, retirada do próprio Marx, diz respeito ao caráter progressista, revolucionário
mesmo, do capitalismo. Tal caráter reside na tendência ao desenvolvimento
universal das forças produtivas, o que o torna diferente dos demais modos de
produção. Nas palavras do próprio Marx, no Manifesto Comunista:

A burguesia, durante seu domínio de classe, apenas secular, criou forças


produtivas mais numerosas e mais colossais que todas as gerações passadas
em conjunto. A subjugação das forças da natureza, as máquinas, a aplicação
da química à indústria e à agricultura, a navegação a vapor, as estradas de
ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de continentes inteiros, a canalização
dos rios, populações inteiras brotando na terra como por encanto quem
século anterior teria suspeitado que semelhantes forças produtivas estivessem
adormecidas no seio do trabalho social? (MARX)

Assim, o incrível desenvolvimento das forças produtivas microeletrônicas (do


qual a convergência digital é um subproduto) é apenas o capítulo atual desta
tendência inerente às leis de funcionamento do modo de produção capitalista.
Entretanto, e esta é a segunda lição a ser relembrada, trata-se de uma tendência
que não pode ser cumprida, e isto pelas próprias leis de reprodução do sistema
que lhe acionou. Sendo o capitalismo um sistema que tem a valorização do
capital como fim primeiro e último, suas decisões, inclusive aquelas relacionadas
ao desenvolvimento tecnológico, visam sempre à maximização do retorno sobre
o capital investido na atividade econômica.
Assim, embora o desenvolvimento das forças produtivas gere externalidades
positivas passíveis de serem aproveitadas por um espectro mais amplo da
população, a lógica que rege tal desenvolvimento (e implica, por exemplo, altos
investimentos em P&D) prevê, numa disputa concorrencial, a conquista de posições
de mercado. Em outras palavras, a lógica de reprodução do sistema impede
que a riqueza representada pelo desenvolvimento das forças produtivas seja
universalizada, ainda que os ganhos obtidos por esta lógica excludente sejam
incontestáveis.
Existe, pois, uma inter-relação dialética entre riqueza e pobreza, caráter construtivo

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


42
e destrutivo, universal e particular posta pela necessidade de se subordinar as
conquistas sociais aos ditames da lei do valor a qual a análise crítica tem o dever
de apreender e explicitar. Desta forma e aqui se apresenta o ganho epistemológico
da economia política em relação às demais correntes analíticas é preciso afirmar
que as tecnologias não possuem valor intrínseco ex-ante, mas determinam-se e
devem ser avaliadas a partir de suas articulações com determinadas instituições
e convenções sociais.
Afirmar a manutenção, nos dias atuais, da lei do valor e, portanto, a necessidade
de se pensar as eventuais potencialidades libertadoras das novas forças produtivas
referenciadas às relações de propriedade com fins de acumulação não significa,
e aqui vai mais uma daquelas lições, que os velhos princípios pelos quais esta lei
operava no início do capitalismo continuem em vigência e que os mecanismos de
geração do sobrevalor sejam os mesmos. Em outras palavras, é preciso reconhecer
que se a forma-valor continua válida, seus conteúdos mudaram. É, pois, sobre as
condições renovadas da acumulação capitalista e suas relações dialéticas com
as forças produtivas oriundas da chamada Terceira Revolução Tecnológica que a
atenção analítica deve se assentar para melhor vislumbrar o papel e os desafios
da convergência digital.
Não é o caso, aqui, de esmiuçarmos as características da grande transformação
da ordem capitalista que se cristalizou no último quarto do século XX e que, entre
outras consequências, implicou um reordenamento geopolítico, a reengenharia
do setor produtivo, a desregulamentação financeira e, no que nos interessa
mais de perto, conferiu inaudita centralidade econômica às novas tecnologias
de informação e comunicação. E isto não só por elas (as TICs) constituírem a
infraestrutura necessária para que o capital se libertasse das amarras do modelo
anterior, dito fordista (tanto no que se refere à esfera produtiva, agora tornada
mais “flexível”, quanto na conquista da intensa mobilidade do capital financeiro),
mas por constituírem novas territorialidades de acumulação.
Expliquemo-nos melhor. Se, seguindo as sugestões de Robert Brenner (2003),
entendermos a grande transformação como uma resposta ao crônico problema
capitalista de sobreacumulação, veremos que diante da incapacidade do capital ser
absorvido e valorizado nas territorialidades tradicionais (como os espaços fordistas
de produção) este se viu obrigado a alçar voo para regiões mais “imateriais”, como a
cultura e os serviços, ou fazer da esfera financeira um dos mecanismos hegemônicos
de contenção da crise. Desses novos espaços de acumulação as TICs despertaram
grande interesse por parte dos investidores não só por permitirem, através da
“anulação do espaço pelo tempo”, a diminuição do tempo de giro do capital, a
integração em tempo real de todos os mercados financeiros e contribuir para a
precarização do trabalho vivo, mas também por constituir um dos importantes
mecanismos de absorção de capital e trabalho excedentes através da criação de
“infraestruturas físicas e sociais fixas” (Harvey, 2005).
Embora grandes tenham sido os investimentos, sobretudo do setor financeiro,
nesta área (em 1997, por exemplo, a maior empresa de gestão de fundos dos

43 A convergênciA digitAl e os desAtinos do sistemA mundo cApitAlistA


EUA, Merril Lynch, gastava cerca de 1,5 bilhão de dólares em telecomunicações)
(Schiller, 2002, p.34) a colonização deste novo espaço não foi, entretanto, tarefa
fácil. Assim como ocorrera inicialmente nos mercados financeiros, para tornar as
empresas do setor das infocomunicações (Fransman, 2002) mais competitivas
vários entraves, internos e externos, tiveram de ser superados, como a quebra de
monopólios, a restrição do “poder de mercado significativo”1 das antigas empresas
monopolistas e uma legislação favorável à atuação transnacional das mesmas.
Várias e importantes análises do processo de desregulamentação deste setor
têm sido produzidas no âmbito da EPC e não caberia, aqui, retomá-las. Gostaria
apenas de lembrar que esse processo é parte integrante de uma nova política
econômica que justamente nesse período ganhava força: a passagem de uma
economia extensiva para a intensiva.
Quer, entre outros fatores, pelos altos custos de produção fixos, representados,
sobretudo pela maquinaria, instalações e base material e pela ausência
de investidores particulares que fornecessem os recursos necessários para
o desenvolvimento do setor, quer pela presença de uma visão que ligava o
espaço eletromagnético aos “interesses e soberania nacionais”, quer ainda se por
considerar o setor das telecomunicações um monopólio natural, o fato é que,
tradicionalmente, imperava a caracterização do setor por estruturas de monopólio
e bem público, implicando a adoção dos princípios da acumulação extensiva:
economia de escala, efeitos dos “clubes abertos” (onde as externalidades positivas
aumentam com a quantidade de participantes) (cf. Herscovici, 2003), lógica
espacialmente homogeneizada e tecnicamente estandardizada dos sistemas de
infraestruturas, continuidade dos serviços, ausência de discriminações, controle
de tarifas, necessidade de planificação etc.
É certo que o desenvolvimento tecnológico – como, por exemplo, a digitalização
das redes e dos serviços, a utilização de fibras óticas, o barateamento da utilização
de micro-ondas e satélites, o aumento da capacidade de processamento dos
computadores etc – contribuiu para a derrubada da tese do monopólio natural do
setor e permitiu, através do barateamento dos custos de produção, que a iniciativa
privada ingressasse em massa neste setor. Entretanto, ele [o desenvolvimento
tecnológico] de per si não é capaz de explicar o abandono da política econômica
extensiva em prol de outra, intensiva, em que a lógica de inclusão não se faz mais
presente.
Como se verificou em outros ramos da economia, a adoção da lógica dos

1 No caso da Comunidade europeia, como nota Ricardo de Moraes:


“ O conceito de poder de mercado significativo estava ligado a uma perspectiva preventiva, de controle
exante de comportamento que, a partir de análise dinâmica do mercado, envolvendo elementos de
risco e probabilidade, tinha-se como possíveis de prejudicar a concorrência existente ou potencial.
As autoridades nacionais reguladoras concluíam que, em regra, existia uma empresa com poder de
mercado significativo quando sua participação em um mercado relevante de telecomunicações era
igual ou superior a 25%, adotando-se como critério geográfico a totalidade ou parte do território de
um Estado-membro”. (MORAES, 2008)

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


44
serviços em atividades competitivas no ramo das infocomunicações, ao abrir
mão (ou, melhor dizendo, ao reconfigurar) das externalidades ligadas ao volume
da demanda, pôs se a explorar determinados segmentos – os mais rentáveis
– adotando a lógica de acumulação intensiva (ou de clubes “fechados” cfme.
Herscovici). Neste sentido, as vantagens econômicas e tecnológicas (os premium
networks) ficam cada vez mais distantes dos consumidores insolváveis.
Não que, a bem da verdade, a economia de escala, visando o público de massas,
seja totalmente descartada por parte das empresas. Como podemos observar
no caso específico da telefonia móvel no Brasil que se expandiu graças à oferta
do serviço pré-pago, diante do baixo rendimento obtido por esse serviço em
relação ao pós-pago2, a receita vem da massa de usuários desse serviço: 80% da
base de assinantes. Além do que, ao funcionar como uma espécie de reciclagem
tecnológica, confere sobrevida aos produtos já ultrapassados numa economia
de obsolescência programada e voraz.
Nos termos em que vimos tratando o assunto, a convergência digital representa,
pois, uma das respostas dada pelas empresas de infocomunicação às novas cond-
ções da acumulação capitalista. Uma vez que a busca de dinheiro suplementar
continua sendo a mola mestra desse processo e “a conquista permanente de
posições monopólicas capazes de gerar lucros extraordinários” (Fiori, 2004, p.44)
ainda constitui o sonho dourado dos capitalistas individuais, as diversas fusões
empresariais, alianças estratégicas e a chamada convergência tecnológica acabaram
possibilitando a formação de conglomerados empresariais de escopo múltiplo
e poderosos oligopólios.
Assim, o aumento da portabilidade e mobilidade de aplicações e conteúdos, a
criação de arquiteturas comuns de rede, a busca por padrões tecnológicos abertos
ou compatíveis, o desenvolvimento de interfaces como a Transmisson Control
Protocol/Internet Protocol (TCP/IP) aumentando a interoperabilidade entre redes
radicalmente diferentes, a possibilidade de um mesmo dispositivo comportar
diferentes tecnologias de rede de acesso etc. trouxeram, consequentemente,
a possibilidade de se interligar campos e conteúdos informacionais até então
relativamente separados e possuidores de lógicas produtivas e de distribuição
distintas, como as telecomunicações, a radiodifusão, a automação industrial e a
informática e a produção de conteúdos conferiram um novo contorno às empresas
do setor e impuseram mudanças na dinâmica dos mercados.
A possibilidade de uma mesma empresa fornecer serviços e produtos variados e
“customizados” não só respondia a certa similaridade das tecnologias de hardware
presente nos telequipamentos, fazendo com que a atenção gerencial se deslocasse
para prestação de serviços e com isso melhor respondesse às exigências da
chamada “economia do acesso” (Rifkin), permitindo também o desenvolvimento

2 De R$ 70,00 a R$ 90,00 por cada linha pós-paga, contra apenas R$15,00 a R$20,00 por cada
linha pré-paga (cf. Dantas, 2008)

45 A convergênciA digitAl e os desAtinos do sistemA mundo cApitAlistA


de estratégias múltiplas de fidelização do consumidor3, como tornou possível a
recuperação de uma certa economia de escala (ainda que agora assentada sobre
serviços variados) e, sobretudo, a intensificação de economias de escopo.
A necessidade de se oferecer um leque diversificado de produtos e serviços
que requerem, para o seu desenvolvimento, altos graus de investimentos iniciais
e conhecimento aplicado, além de posicionar estrategicamente as atividades
de P&D no centro do desenvolvimento econômico (que, cada vez mais, ao invés
de serem realizadas endogenamente às firmas têm seus custos reduzidos ao
serem “externalizadas”) e introduzir uma complexa relação entre os interesses
dos acionistas e a temporalidade necessária às atividades de P&D, faz com que
a estrutura de oligopólio seja a mais indicada, uma vez que dificilmente uma
empresa isolada reúne as competências e recursos necessários para atender às
demandas do setor4.
Oligopólios estes que, como mostra Marina Szapiro (2007), apoiada sobretudo
nos trabalhos de Mytelka e Delapierre (1998), se caracterizam por constituírem
oligopólios de rede baseados em conhecimento. Neste sentido, as barreiras à
entrada interpostas à concorrência passam a se referir, sobretudo, à geração, uso
e controle sobre o processo de transformação do conhecimento realizados por
estas redes de firmas (em vez de firmas individuais), passando também, entre
outras estratégias, pela luta jurídica por direitos de propriedade intelectual.
Assim, se o controle de tais forças produtivas – o conhecimento e a informação
incluídas – associa-se, como antes, à lógica da concorrência e implica vantagens
monopólicas, nas atuais condições de acumulação ao mesmo tempo que significa
barreiras à entrada aos concorrentes impõe, simultaneamente, estratégias de
cooperação e complementaridade.

3 Embora as estratégias de lock-in (custo financeiro de mudança) ainda sejam utilizadas,


a convergência torna muitas dessas estratégias tecnologicamente inviáveis, gerando mecanismos
outros, “compensatórios”, de “captura” do consumidor, como os programas de fidelização.
4 A fragmentação e o desinvestimento do setor nas atividades de P&D podem ser observados,
de forma paradigmática, com o ocorrido em solo americano com o Bell Labs, que reduziu em 2000
seus investimentos em pesquisa para US$115 milhões, contra uma média de US$350 milhões na
década anterior.
Segundo Rob Calderbank, a existência de uma integração vertical em serviços de infraestrutura
dentro de um monopólio de comunicação garantia um retorno dos investimentos e possibilitava
o uso de recursos para financiar a pesquisa básica. Assim, a fragmentação do setor em diferentes
camadas horizontais aliada à fragmentação da própria pesquisa (hoje praticamente a pesquisa em
telecomunicações é realizada nos laboratórios da AT&T, Telcordia, Lucent Technologies, Avaya Systems
e Agere Systems) seria uma das causas do desinvestimento. A outra se relaciona ao que A. Noll chama
de “dilema da pesquisa”: a necessidade que as empresas, em mercados competitivos e principalmente
em períodos de crise financeira, têm de lucros rápidos, o que dificulta investimentos de longo prazo,
como as atividades de Pesquisa básica.
Dessa forma, reconhecendo a importância da Pesquisa básica para o desenvolvimento nacional, A.
Noll reivindica a presença forte do último monopólio restante – o Estado.
(ver a matéria publicada pelo Wall Street Journal, do dia 23/05/2003, “At Bell Labs, hard times take
toll on pure e a do Boletim Inovação, da Unicamp disponível em http://www.inovacao.unicamp.br/
inovando/ inovando-bell-labs.shtml

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


46
Ao realizarem suas atividades de maneira complementar, funcionando como
uma única empresa, podem ao mesmo tempo ter garantidos, entre outros fatores,
suprimentos de insumos, economia de escopo, redução dos custos de transação,
acesso a informações privilegiadas (desenvolvidas no interior das empresas
integradas), conquistando com isso importantes vantagens competitivas e posições
de mercado. Da mesma forma, ao se inserir em mercados geograficamente
diversos ou inserirem processos e produtos diversificados no mesmo mercado, as
dificuldades oriundas de diversas fontes – culturais, jurídicas, de demanda etc. –
podem ser, senão sanadas ao menos amenizadas pelas estratégias colaborativas.
Ou seja, concentração, barreiras à entrada, e integração vertical, horizontal,
diversificação, complementaridades etc., articulam-se numa lógica econômica e
política inaudita trazendo uma maior complexidade ao processo de concorrência
entre as empresas do setor, requisitando, inclusive, a edição de novos instrumentos
regulatórios.
De fato, a integração de segmentos altamente concentrados e aqueles
potencialmente competitivos, comum no setor das infocomunicações, constitui,
como aponta Mário Possas, um sério desafio regulatório. E isso não só pelas
características estruturais do setor – que em muitos casos se aproxima das estruturas
de monopólio natural – e por suas assimetrias inerentes, donde a dificuldade de
se reverter (ou regular) o poder de mercado de empresas já consolidadas e as
diversas práticas anticompetitivas verticais, mas também pela falta de instrumentos,
inclusive legais, de deem conta, de maneira abrangente e satisfatória do novo
cenário5.
Por outro lado, ao ter sua trajetória tecnológica e econômica vinculada à fusão de
várias outras trajetórias desenvolvidas por firmas em separado e subordinarem seus
rendimentos à mercadorias tão peculiares quanto a informação e o conhecimento –
que impõem importantes constrangimentos ao processo de valorização capitalista6
tais oligopólios não podem lograr o mesmo tipo de estabilidade que os oligopólios
tradicionais apresentavam.
Assim, ainda que a atual lógica da acumulação e o advento da convergência
digital coloquem inauditos desafios aos capitalistas individuais e gerem um
ambiente em que crises e instabilidades sistêmicas sejam recorrentes, estas
novas territorialidades da acumulação têm se mostrado um excelente negócio,
ao menos àqueles que conseguem responder satisfatoriamente a tais desafios:
segundo o relatório do IDATE, em 2006 se venderam mais de 1.000 milhões de

5 Neste sentido, a experiência britânica com a criação do Ofcom (Office of Communication), um


espaço de regulamentação e fiscalização comum para os serviços de telecomunicações e radiodifusão,
pode trazer alguma luz no sentido da construção de marcos regulatórios em cenários de convergência
digital. Ver a esse respeito Rothberg e Kerbauy (2008)
6 Ver a esse respeito o capítulo 2: “ Conhecimento, Informação e acumulação capitalista” em
LOPES (2008). Ainda que devido a pressão sobre os preços os dividendos tenham se reduzido. Por
exemplo, o incremento de 20% nas vendas de celulares representaram um crescimento de 6% das
receitas (IDATE – DIGIWORD 2007)

47 A convergênciA digitAl e os desAtinos do sistemA mundo cApitAlistA


telefones celulares, 235 milhões de computadores pessoais, mais de 60 milhões
de assinaturas de banda larga e 50 milhões de televisores de tela plana em todo
o mundo7.
A conjunção destas performances e possibilidades abertas pelas forças produtivas
infocomunicacionais – aqui representadas pela chamada convergência digital - e
os modos atuais de (des)regulação do sistema capitalista aqui sugerida demonstra
o tour de force necessário para se adequar tais potencialidades aos limites da
lógica valorativa. Destarte, se do ponto de vista do capital a conquista desta
territorialidade implicou a (des)regulamentação dos mercados, depredação dos
ativos, desinvestimentos nas infraestruturas, quebra de monopólios estatais
(como ocorreu, no caso brasileiro com a privatização do sistema TELEBRÁS ) e,
como procuramos apontar, a substituição de uma política extensiva para o setor
caracterizado como “bem público” pela ênfase na concorrência mercantil, assentada
nos parâmetros de uma economia intensiva; do ponto de vista de uma perspectiva
que busque a emancipação democrática, ou, para voltamos aos termos iniciais
desse artigo, a universalização dos ganhos trazidos pela convergência digital,
os desafios são ainda maiores e não temos como sequer arrolá-los. Em todo
caso, passam tanto pela exploração dos constrangimentos que o processo de
digitalização traz à acumulação capitalista quanto pela luta por políticas públicas
de inclusão social e reconquista do território nacional eletromagnético ou pelo
menos sua retomada como bem público.

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em: 5 jul. 2007.

7 Os dados referentes a 2007, num cenário de redução do crescimento do PIB mundial, também
apontavam um crescimento do mercado mundial das TICs (5.8% em relação à 2006) movimentando
2,75 bilhões de euros no conjunto do setor (IDATE-DIGIWORD 2008). Ver a esse respeito Bolaño e
Santos (2007).

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


48
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Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


50
Indústria Cultural, Economia Política da
Comunicação e Televisão Pública
VIVIANNE LINDSAY CARDOSO
JULIANO MAURÍCIO DE CARVALHO

A TELEVISÃO PÚBLICA E SUAS POTENCIALIDADES COM A TECNOLOGIA DIGITAL

Desde o seu surgimento, em meados da década de 1940, o conceito de indústria


cultural tem sido amplamente difundido, contextualizando e caracterizando perfis
de sistemas capitalistas que envolvem a cultura, a arte e a comunicação, criticando
posturas sociais, mercadológicas e políticas adotadas, cujo objetivo é o consumo
incessante para obter o lucro destinado a uma minoria hegemônica. Diversas são
as teorias e os estudos que trabalham norteando suas pesquisas nos conceitos
de indústria cultural. Entre elas, a Economia Política da Comunicação, fundada
a partir dos conceitos de Karl Marx, que utiliza a indústria cultural para criticar
e propor opções alternativas de condutas social, política, cultural e econômica.
Ao se pensar na influência que a comunicação midiática possui em uma
sociedade, o que se propõe aqui é a utilização da televisão sendo o principal
veículo de comunicação difundido no Brasil e com maior capital envolvido – como
instrumento de educação, conscientização e participação social, mas atuando de
modo alternativo ao modelo arraigado. O que se sugere é a valorização e expansão
das televisões pública, educativa, universitária e comunitária em contraponto à
televisão comercial. Com a chegada de novas tecnologias ligadas à comunicação,
como a internet, o espectador tem aberto caminhos para o acesso e um espaço
no qual pode vir a compreender, aprender, desejar e se tornar um espectador
ativo e participativo no processo comunicacional.
Diante da transição tecnológica que a televisão vem vivenciando do sistema
analógico para o digital, a interatividade passa a ser outro grande atrativo. Pode
ser criada a possibilidade de o cidadão interessado agir por meio da televisão
pública aplicando novas linguagens, novos formatos e conteúdos que atendam
aos interesses da sociedade onde esteja inserido, que não estejam voltados
ao lucro e ao acúmulo de capital e poder tão característicos nos veículos de
comunicação inseridos nesta indústria cultural, mas sim voltados à educação,
cultura e consciência crítica. A multiprogramação pode se tornar importante

51 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
instrumento de geração de conteúdo alternativo neste processo, segmentando a
programação da televisão pública, destinando canais específicos para tal finalidade.
Neste cenário o Estado tem papel fundamental para promover uma regulação
que garanta tal direito ao cidadão.
Silva e Gobbi (2010) argumentam que a conjuntura atual de transição tecnológica
vivenciada no Brasil enseja a democratização da televisão brasileira, modificando a
posição marginal da televisão pública e criando a oportunidade de o telespectador
passar à condição de verdadeiro produtor de informação, já que a digitalização
propicia um leque de novas funcionalidades que tornam mais dinâmica a relação
do cidadão com a televisão, possibilitando a veiculação de conteúdos interativos,
envio customizado e individualizado da informação, entre outras potencialidades
de agregação junto à programação. A possibilidade de múltiplas funções, por
meio da multiprogramação, otimiza o espectro e permite que sejam incluídos
novos segmentos sociais na produção e distribuição de conteúdos audiovisuais.

E é tendo como princípio a inclusão social que as televisões públicas,


principalmente as universitárias, estão tomando a dianteira nessa questão,
porque vislumbram a possibilidade de alargar o universo das pessoas atendidas
pelos programas de educação a distância ou mediadas pelas novas tecnologias,
notadamente através da oferta de formação profissional a diversas categorias,
por meio da multiprogramação de TV. (Silva; Gobbi, 2010)

Moragas e Prado (2003) argumentam que, diante do novo contexto tecnológico,


a televisão pública pode superar limites e encontrar novas oportunidades para
cumprir seus objetivos programáticos e a função de instrumento de dinamização
social e cultural. A multiprogramação, neste cenário, favorece a multiplicação de
oferta de produtos audiovisuais. No entanto, para que a multiplicidade de canais
seja instrumento de conteúdo alternativo, consideram a necessidade de que a
televisão pública se envolva na geração de novos programas. Para isso, avaliam que
é preciso haver uma garantia de igualdade de oportunidade de acesso aos bens
culturais de todos os cidadãos e não apenas aos que podem pagar respeitando o
princípio do acesso universal. Além disso, faz-se necessário identificar os segmentos
de interesse que não sejam cobertos pela oferta geral e que permitam garantir a
diversidade de conteúdo, integrados aos canais abertos e como parte dos pacotes
básicos de qualquer dispositivo de oferta de multiprogramação.

La multiplicación de canales, que parece no conocer límites en la era digital,

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


52
supone la ruptura y la fragmentación de las grandes audiencias, lo que afectará,
cada vez más, a la capacidad de la televisión pública de actuar como eje
vertebrador, como instrumento de producción del consenso y de reproducción
cultural, en definitivo, disminuirá de forma sensible su capacidad de representar
la identidad. Ya hemos dicho que la ruptura de las fronteras en el estadio actual
de la transformación tecnológica es un hecho consumado. No es imposible
establecer emisiones dirigidas a un territorio determinado, pero es imposible
cerrar este territorio a la entrada de otras emisiones. (Moragas; Prado, 2003)

O que se propõe é a expansão de alternativas, de valorização de veículos de


comunicação que deem a opção de o espectador escolher o que quer ver em
uma televisão aberta e tenha a chance de intervir nela, como a televisão pública
pode viabilizar. Neste contexto, no entanto, é preciso considerar duas questões
fundamentais no processo de escolha dos canais pelo telespectador para o sucesso
de produções alternativas: a real geração de conteúdo de interesse do público e a
efetiva produção de conteúdo alternativo. Não basta apenas a implantação de “mais
do mesmo” nos canais de multiprogramação, nem de conteúdos alternativos com
qualidade precária ou linguagem pouco atrativa. É preciso que as alternativas de
geração de conteúdo sejam efetivamente diversificadas, de qualidade e atrativas,
mesmo que destinadas a um público segmentado.
Moragas e Prado (2003) consideram que o traço característico da televisão
pública deve ser a qualidade, entendida por eles como um tratamento informativo
orientado por critérios profissionais que dão apoio ao pluralismo político, social e
cultural, estabelecendo, assim, os mecanismos e as garantias de independência.
Além disso, consideram qualidade a preservação de parcelas de informação
independentes da influência da espetacularização, valorizando informações
contextuais, significativas e indispensáveis para a evolução da sociedade. Do
mesmo modo, consideram qualidade programas de análise sobre temas complexos
para esclarecimento, experimentação de fórmulas modernas e inovadoras de
tratamento informativo que consigam o máximo de interesse sem desvirtuar
os conteúdos. Outro ponto que consideram qualidade para televisão pública
é a oferta de programas sobre atividades parlamentares, campanhas eleitorais,
debates, educação, cultura, arte, folclore e programas sobre minorias. Por meio da
qualidade, Moragas e Prado (2003) avaliam ser favorável, por fim, a criatividade,
resultando em propostas inovadoras, com novos formatos, permitindo a adaptação
da audiência à novidade, resultando em máxima audiência. Os autores pontuam
a importância da manutenção da identidade cultural na geração de consumo

53 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
comunicativo, com programas de qualidade e competitivos, portadores de valores
culturais e com marcas de identidade.

Únicamente la existencia de programas de calidad y competitivos, portadores


de valores culturales y marcas de identidad, permitirá a la televisión pública
cumplir con sus finalidades como instrumentos de dinamización cultural
y social. Este rol lo puede desarrollar directamente para proveer su oferta
multiplicada o indirectamente promoviendo el tejido industrial. (Moragas;
Prado, 2003)

Neste cenário de transição com a nova era digital e de valorização da televisão


pública, contraponto e como alternativa à televisão comercial para Moragas e
Prado (2003) os serviços públicos de informação parecem mais necessários do
que nunca, visando garantir uma produção informativa de interesse social e não
só que responda aos interesses e às lógicas comerciais. Faz-se necessário para
facilitar o acesso desse interesse a toda população sem discriminação; garantir os
valores clássicos de políticas democráticas de comunicação (pluralismo, acesso e
identidade), além do processo de bem-estar social. Consideram ainda fundamentais
nos interesses sociais a garantia do serviço universal de telecomunicações; favorecer
a sinergia e planificar o futuro de forma sustentável, em benefício da coletividade
e não dos interesses conjunturais das iniciativas privadas sem responsabilidade
coletiva e, por fim, por meio da era digital, os espaços públicos de comunicação
como ambiente compartilhado por todas as pessoas de uma mesma sociedade,
sem discriminação. Considerando a relevância e potencialidade da televisão
pública com a tecnologia digital, este artigo apresenta o conceito de indústria
cultural de Adorno e Horkheimer e a contextualização dela na Economia Política
da Comunicação para que seja possível compreender de modo mais claro a
importância de se pensar em alternativas à comunicação como instrumento de
democratização.

A INDÚSTRIA CULTURAL DE ADORNO E HORKHEIMER

Ao refletir sobre a realidade vigente do século XX, a partir da década de 1940,


o musicólogo e filósofo Theodor Wiesengrund-Adorno (1903-1969), em parceria
com outros pesquisadores contemporâneos, como o filósofo Max Horkheimer
(1895-1973), percebeu que a realidade econômica vivida estava modificando
e influenciando a própria cultura, onde o homem perdia, a cada dia mais, sua

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


54
autonomia. O comércio se fortaleceu com a revolução industrial europeia,
consolidando definitivamente o capitalismo, apoiado por novas descobertas
científicas e avanços tecnológicos que intensificaram o domínio da razão técnica
e dos interesses econômicos, deixando de lado valores humanos, permitindo a
padronização pela produção em larga escala. A sociedade passou a ser gerida pela
lei do mercado, em uma corrida ininterrupta pelo ter, intensificando o consumo
individual por meio da mercantilização dos bens simbólicos, elemento que dá
vida à indústria cultural. Neste contexto, tudo se torna negócio, explorando bens,
inclusive, considerados culturais, onde o homem passa a ser mero instrumento
para o trabalho e para o consumo, um objeto manipulado e massificado sob
uma ideologia dominante, não tendo o trabalho sequer de pensar, apenas o de
escolher, em um estado de obscurecimento da percepção, valores e ideologias,
propiciando apenas necessidades de consumo padronizadas.

Previu-se algo para cada um a fim de que ninguém possa escapar. Cada setor
da produção é uniformizado e todos são em relação aos outros. A civilização
contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. A indústria cultural
fornece por toda a parte bens padronizados para satisfazer às numerosas
demandas, identificadas como distinções às quais os padrões da produção
devem responder. Por intermédio de um modo industrial de produção, obtém-
se uma cultura de massa feita de uma série de objetos que trazem de maneira
bem manifestada a marca da indústria cultural: serialização-padronização-
divisão do trabalho. (Mattelart; Mattelart, 1999).

O conceito de indústria cultural foi criado em meados da década de 1940,


por Adorno e Horkenheimer, difundido pela primeira vez em 1947, na obra
Dialética do Iluminismo, com o objetivo de analisar a “produção industrial dos
bens culturais como movimento global de produção da cultura como mercadoria”
(Mattelart; Mattelart, 1999). O conceito surge de estudos realizados a partir da
sociologia funcionalista que considera os meios de comunicação como mecanismos
de ajuste e, especificamente, escolas de pensamento crítico que se interroga
sobre “as consequências do desenvolvimento de novos meios de produção e
transformação cultural, recusando-se a tomar como evidente a ideia de que,
dessas inovações técnicas, a democracia sai necessariamente fortalecida”. Neste
cenário, “os meios de comunicação tornam-se suspeitos de violência simbólica,
e são encarados como meios de poder e dominação.” (Mattelart; Mattelart, 1999).
“O terreno em que a técnica adquire seu poder sobre a sociedade é o terreno dos

55 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
que dominam economicamente.” (Adorno; Horkheimer, 1969 apud Mattelart;
Mattelart, 1999). Anos antes, Horkheimer e Friedrich Pollock fundam na Alemanha,
com apoio e subsídio da comunidade judaica, o Instituto de Pesquisa Social,
afiliada à Universidade de Frankfurt, com o objetivo de estudar inicialmente a
economia capitalista e a história do movimento operário sob a orientação da
filosofia marxista. Hitler, ao assumir o poder, destitui, em 1933, todos os membros
judeus do instituto, o que obriga Horkheimer a se exilar e fixar seus estudos na
Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América, local onde inicia suas
pesquisas com Adorno, a partir de 1938. Após a guerra, ambos voltam à Alemanha
e o Instituto é reaberto em 1950, dando continuidade à pesquisa sobre indústria
cultural iniciada fora do país.
Ao longo de seus estudos sobre o conceito estiveram envolvidos veículos de
comunicação de massa e a arte que ambos consideravam dotados de alto poder
de alcance e/ou reprodução, como jornais, quadrinhos, revistas, rádio, cinema,
discos, entre outras formas de comunicação e manifestação culturais, pois, para
ambos, a manipulação voltada ao lucro envolvia diretamente a comunicação e a
arte desvirtuando a cultura. Conforme descrito por Mattelart e Mattelart (1999),
“a indústria cultural fixa de maneira exemplar a derrocada da cultura, sua queda
na mercadoria (...) a produção industrial sela a degradação do papel filosófico-
existencial da cultura”, manipulando a opinião, a padronização, a massificação
e a atomização do público, tornando-se um “consumidor de comportamento
emocional e aclamatório”.
Ao assumir o poder na Itália em 1922, Mussolini usou o rádio e o cinema, veículos
de comunicação, como instrumentos de massificação e consolidação de seu poder.
Para isso, criou a Cineccittà, empresa de filmes do Estado italiano. Hitler repetiu,
de certa forma, a estratégia já desenvolvida por Mussolini, utilizando o rádio
como instrumento de propaganda do nazismo. “Os dois ditadores desenvolveram
políticas de comunicação que podem ser consideradas as mais competentes
que já existiram.” (Fadul, 1993). Adorno e Horkheimer conheceram a propaganda
nazista e viram nela relevante instrumento de massificação.

(...) a origem desse conceito, indústria cultural, é, de um lado, o nazismo (...)


e de outro, a sociedade de massa americana e sua cultura. Trata-se de uma
sociedade que eles aprenderam a conhecer a partir de 1933 e que nunca deixou
de representar o desprezo que intelectuais europeus exilados tinham pelos
Estados Unidos, que se traduzia no horror pela cultura de uma sociedade que,
de certa forma, trazia uma série de elementos complementares desconhecidos

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


56
na Alemanha no mesmo período. (Fadul, 1993).

Para Adorno e Horkheimer (2002) a indústria cultural passa a se concentrar,


fundamentalmente, em assumir a técnica de sistematização reprimindo a
consciência individual para o consumo em série, conforme demanda. Técnica
e economicamente, propaganda e indústria cultural mostram-se fundidas. A
publicidade é seu elixir da vida, fortalecendo o caráter publicitário da cultura em
puros signos privados de qualidade. Manifestações artísticas individualizadas
passam a ser integradas pela indústria antes mesmo que sejam apresentadas,
moldando desejos espontâneos. “O estilo autêntico se desmascara, na indústria
cultural, como o equivalente estético da dominação” (Adorno; Horkheimer, 2002). A
arte torna-se elemento sem sonho, adequada ao idealismo sonhador do consumo.

A civilização atual a tudo confere um ar de semelhança. Filmes, rádio e


seminários constituem um sistema. Cada setor se harmoniza em si e todos
entre si. (...) Filme e rádio não têm mais necessidade de serem empacotados
como arte. A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de ideologia. (...)
se autodefinem como indústrias. (Adorno; Horkheimer, 2002)

A indústria cultural torna-se a sistemática de classificar e organizar os


consumidores com a finalidade de padronizá-los, “as diferenças vêm cunhadas
e difundidas artificialmente” (Adorno; Horkheimer, 2002). Há a liberdade de
manifestação e comportamento espontâneos, mas devem seguir padrões
determinados por índices estatísticos e seguir a categorização que tenha sido
determinada para consumo de produtos de massa que foram preparados para
“seu tipo”, não há mais nada a classificar ou racionalizar que o esquematismo da
produção já não tenha antecipadamente classificado, ou seja, uma categorização
e padronização do ser humano que passa a ser reduzido a material estatístico,
dividido em mapas geográficos de escritórios técnicos, sendo o mundo todo um
crivo da indústria cultural, “a violência da sociedade industrial opera nos homens
de uma vez por todas”, sendo consumidores mesmo em estado de distração,
vigiados constantemente para garantir tal manipulação, conforme definem
Adorno e Horkheimer (2002).

Os próprios produtos (...) são feitos de modo que a sua apreensão adequada
se exige, por um lado, rapidez de percepção, capacidade de observação
e competência específica, por outro lado é feita de modo a vetar, de fato,

57 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
a atividade mental do espectador, se ele não quiser perder os fatos que,
rapidamente, se desenrolam à sua frente. (Adorno; Horkheimer, 2002)

O termo indústria cultural, de acordo com Passos (2011), não deve ser tomado ao
“pé da letra”, conforme alerta de Adorno, pois trata-se de uma metáfora. Indústria
cultural remete a incorporações das formas industriais de organização “como a
racionalização do trabalho em atividades econômicas não industriais - à produção
da cultura no âmbito dos meios de comunicação num contexto de um capitalismo
monopolista.” (Passos, 2011). Para o autor trata-se do primado total da eficácia
calculada, sendo que toda a prática da indústria cultural reveste o lucro de formas
culturais.
No entanto, o domínio da indústria cultural para os filósofos vai além do consumo
cultural, envolve o próprio ritmo e sistemática de vida para lidar, inclusive com
a relação entre trabalho e lazer, tornando ambos mecanismos econômicos de
manipulação e lucro. Envolvido pelo sistema, torna-se um consumidor incessante,
vivendo sempre de modo insatisfeito, querendo consumir, constantemente,
cada vez mais, transformando seu trabalho em instrumento de viabilidade de
consumo e o lazer um elemento a ser consumido em um processo completo de
mecanização. “A totalidade das instituições existentes os aprisiona de corpo e
alma a ponto que sem resistência sucumbem ante tudo o que lhes é oferecido.”
(Adorno; Horkheimer, 2002).
O homem não se deve dar ao trabalho e nem adquirir a faculdade de pensar
de modo autônomo, basta seguir sinais, evitando qualquer conexão lógica que
possa vir a desenvolver. O homem deve possuir um tempo restrito, guiado e
disciplinado de lazer, sendo que este deve estar ligado aos clichês da rotina que
o prendem ao sistema. A indústria cultural torna-se responsável pela indústria
do divertimento, ditando o que deve ser consumido nos momentos de lazer
reprimindo e sufocando a individualidade. Neste contexto, apodera-se da arte,
desvirtuando-a para atender seus interesses de massificação e lucro.

A indústria cultural pode-se vangloriar de haver atuado com energia e de ter


erigido em princípio a transposição – tantas vezes grosseira – da arte para a
esfera do consumo (...) a verdade se encontra na própria cisão: que pelo menos
exprime a negatividade da cultura a que as duas esferas, somando-se, dão
lugar. Hoje mais do que nunca, a antítese deixa-se conciliar, acolhendo a arte
leve na série e vice-versa. É justamente isto que a indústria cultural procura
fazer. (Adorno; Horkheimer, 2002).

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


58
Mesmo assim, para Adorno e Horkheimer (2002), a arte é o instrumento libertador
do homem das amarras do sistema, colocando-o como um ser autônomo e, assim,
um ser humano. Na arte ele se torna um ser livre para pensar, sentir, agir, enquanto
para a indústria cultural, o homem é um simples objeto de trabalho e consumo. A
arte liberta o homem do princípio da utilidade, do valor de troca. “Falar de cultura
foi sempre contra a cultura. O denominador “cultura” já contém, virtualmente,
a tomada de posse.” (Adorno; Horkheimer, 2002). “Quando fui confrontado, a
exigência de “medir a cultura” vi que a cultura deveria precisamente ser essa
condição que exclui uma mentalidade capaz de medi-la” (Adorno; Horkheimer, 1969
apud Mattelart; Mattelart, 1999). O segredo para o caminho de tal libertação está
na própria falha do sistema com suas limitações e ao tentar padronizar a cultura e
estereotipar a arte, elementos que não permitem tal submissão em sua essência.
Para ambos, é evidente que se poderia viver sem a indústria cultural, “pois é
enorme a saciedade e a apatia que ela gera entre os consumidores” (Adorno;
Horkheimer, 2002), o que pode, inclusive, resultar em sua intenção. Mesmo assim,
Mattelart e Mattelart (1999) fazem uma crítica do conceito, ao analisar fenômenos
culturais, com sua perspectiva da arte como instrumento de salvação, pois considera
que Adorno e Horkheimer perceberam apenas um aspecto fundamental: a
conjunção entre a arte e a tecnologia, superestimando a arte como termômetro
revolucionário, os impedindo de perceber outros aspectos. Mattelart e Mattelart
(1999) lembram que, para Habermas, a solução encontrada é a restauração das
formas de comunicação num espaço público estendido ao conjunto da sociedade.
Reconhecendo tal limitação do conceito, três meses antes de morrer, em 1968,
Adorno realizou uma conferência denominada ‘Tempo Livre’ em uma rádio alemã,
afirmando que, quando ele e Horkheimer criaram o conceito, cometeram alguns
equívocos, não sendo este o conceito ideal para designar a nova realidade. A
constatação se deu após fazer uma pesquisa sobre a televisão alemã e a cobertura
do casamento da princesa Beatriz da Holanda e um diplomata alemão. A conclusão
foi que os alemães não deram a menor atenção ao casamento, apesar da grande
cobertura da televisão alemã. “Adorno encerrou a conferência afirmando: “A
televisão ainda não se apropriou da consciência dos alemães, existe ainda um
espaço de liberdade, existe um espaço que nós podemos trabalhar.” (Fadul,
1993). Nesta perspectiva, partindo do conceito de indústria cultural definido
por Adorno e Horkheimer, amplia-se aqui a reflexão, a partir de uma perspectiva
crítica, contextualizando a realidade brasileira, sobre a valorização e expansão de
alternativa para ampliação de uma televisão mais criativa, inovadora e autônoma.

59 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
A ECONOMIA POLÍTICA DA COMUNICAÇÃO

A Economia Política da Comunicação é uma base teórica que “se interessa pelo
estudo da totalidade das relações sociais que formam os campos econômico,
político, social e cultural, objetivando compreender a mudança social e a
transformação histórica e como ela repercute e se imbrica com o mundo da
comunicação em todos os sentidos” (BOLAÑO, 2007). Ao analisar as relações sociais,
particularmente as relações de poder, que mutuamente constituem a produção,
distribuição e consumo de recursos, incluindo os recursos de comunicação, torna-
se o estudo do controle e da sobrevivência social, com o objetivo de entender
as mudanças sociais e as transformações históricas que a sociedade vivencia.
(MOSCO, 2006). As três linhas da teoria – a da América do Norte, a Europeia e a
de Terceiro Mundo -, assim definidas por Mosco (1996, 2006), desde o surgimento
das indústrias de mídia no século XX, buscam compreender os personagens que
envolvem as indústrias culturais e suas relações com processos econômicos sociais
mais amplos abarcando poder, Estado, dinheiro, a sociedade e valores humanísticos.
A Economia Política da Comunicação se destacou por sua ênfase em descobrir
e examinar o significado das instituições, especialmente empresas e governos,
responsáveis pela produção, distribuição e intercâmbio das mercadorias de
comunicação e a regulação do mercado de comunicação. (Mosco, 2006).

Para Mosco, a introdução de modernos meios de comunicação exerce papel


relevante para colaborar com a mudança nas estruturas sociais familiares e políticas
que devem ser consideradas nas perspectivas de mercantilização, espacialização e
estruturação. Para Mattelart e Mattelart (1999), na perspectiva desenvolvimentista,
as mídias constituíam recursos que, aliados à urbanização, à educação e a outras
forças sociais, poderiam estimular a modernização econômica, social e cultural dos
países subdesenvolvidos. A mídia era vista como um índice de desenvolvimento, e o
objetivo era construir uma economia de mercado, sendo os meios de comunicação
instrumentos para isso. (Fonseca, 2007).
A Economia Política da Comunicação busca estudar e analisar como a
propriedade, formas de financiamento e as políticas governamentais podem
influenciar o comportamento e o conteúdo da mídia, além da própria sociedade. Os
pesquisadores Bolaño e Brittos (2007) discutem o modo de lidar e fazer comunicação
em relação à estrutura de poder na sociedade capitalista tão característica no
Brasil, relacionando as indústrias culturais e a própria regulação do mercado como

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


60
peças relevantes do sistema de consumo. A reflexão da teoria ligada às políticas
públicas tanto na perspectiva regulatória, quanto de funcionalidade, envolve o
jogo de interesses atrelados ao poder e lucro governamental, privado e público
e os interesses e necessidades sociais. (Frey, 2000).
Tendo Marx como referencial, as relações de força e poder são reflexos de
condições materiais de existência, formando a sociedade civil, produzindo uma
existência na qual “os homens entram em relações determinadas, necessárias,
independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um
grau determinado de desenvolvimento de suas forças materiais atendendo suas
necessidades” (Marx, 2008). Assim, o “modo de produção da vida material condiciona
o processo de vida social, política e intelectual. Não há consciência dos homens que
determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência”
(Marx, 2008). Tornando assim, para Marx, o indivíduo na sociedade como um
resultado histórico que cria poderes políticos para atender suas necessidades
econômicas. A Economia Política da Comunicação estudada na América Latina
considera a indústria cultural como uma peça chave na compreensão do sistema
social em que o Brasil está inserido. Partindo do que define Adorno e Horkheimer,
Bolaño (2010) apresenta a indústria cultural como:

...uma área da produção social no capitalismo avançado que deve cumprir uma
dupla condição de funcionalidade, a serviço do capital individual monopolista
em concorrência (função publicidade) e do capital em geral, ou do Estado
(função propaganda), servindo como elemento-chave na construção da
hegemonia. Para isso, deve responder também a uma terceira condição de
funcionalidade (função programa), ligada à reprodução simbólica de um
mundo da vida empobrecido de suas condições de autonomia. (Bolaño, 2010)

Para Bolaño (2010) o relevante é que, em cada momento e lugar determinado,


essa indústria cultural assuma uma feição particular, que pode ser compreendida,
em nível analítico, conforme a definição de um modelo de regulação setorial;
cada indústria cultural particular adotará uma feição, desde que, no conjunto,
as condições gerais de funcionalidade sejam cumpridas. Essa mediação se dará
pela dinâmica concorrencial que se constitui no seio de cada indústria cultural.
Nesta condição, cada empresa individual “adotará estratégias de segmentação,
que são adequadas, de um lado, aos interesses de diferenciação de produto e
seus anunciantes, aos quais vende determinada mercadoria audiência, e, de
outro, às necessidades de diferentes estados do público consumidor” (Bolaño,

61 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
2010). Tais necessidades sempre serão criadas no interior do jogo dialético do
mútuo engendramento entre produção e consumo, amparadas pelos sistemas
econômico e político adotados pelo Estado, no qual as empresas culturais têm de
empregar um tipo especial de trabalho, “cuja subsunção no capital é limitada, e isso
determinará as características distintivas dos processos de trabalho e de valorização
no setor cultural, em oposição à produção material” (Bolaño, 2010). Bolaño e Brittos
(2007) consideram que nas últimas décadas do século XX, as indústrias culturais
passaram por uma importante mutação, que faz parte das transformações mais
gerais do conjunto do modo de produção e, no século XXI, encontra um amplo
programa global de reestruturação de todo o campo econômico da comunicação
e da cultura. Entre essas transformações, uma das principais, se não for a maior, é
o desenvolvimento de novas tecnologias, criando novas formas de comunicação,
onde se está vivendo um processo de transformação, inclusive social, que tem
obrigado a indústria cultural e a própria comunicação a repensarem sua conduta
para garantir sua abrangência hegemônica dos veículos dominantes.

A comunicação e a informação tornam-se elementos-chave da racionalidade


produtiva atual, penetrando a atividade industrial, sem mudar a essência
da relação entre cultura e economia no capitalismo. Mas os caminhos da
tecnologia são criados historicamente, não compõem um processo inevitável
e alteram os dados do problema, num nível mais concreto de análise. (Bolaño;
Brittos, 2007)

A internet é o veículo de comunicação mais inovador neste contexto, criando


um novo processo midiático de convergência e interatividade com seus usuários,
tornando-os receptores ativos e produtores de conteúdo. Neste cenário, ainda
em processo de expansão e popularização, a internet caminha em convergência
à televisão, o veículo de comunicação que ainda se mantém dominante em
abrangência e faturamento.

A FORÇA DA TELEVISÃO

Na última década, Moraes (2008) apresenta que na América Latina as quatro


maiores empresas de comunicação foram: Globo do Brasil, Televisa do México,
Cisneros da Venezuela e Clarín da Argentina. Nas áreas de mídia e entretenimento
retêm 60% do faturamento total dos mercados de audiência. Brasil, México e
Argentina reúnem mais da metade dos jornais e das emissoras de rádio e televisão

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


62
e 75% das salas de cinema da região. Os Estados Unidos ficaram com 55% das
rendas mundiais geradas por bens culturais e comunicacionais, a União Europeia
com 25%, o Japão e Ásia com 15% e a América Latina com apenas 5%. Neste
contexto, 85% das importações audiovisuais para a América Latina provêm dos
Estados Unidos. “Se duas dezenas de corporações respondem por dois terços das
informações e dos entretenimentos mundiais, evidentemente a descentralização
se inscreve mais na órbita das exigências mercadológicas do que propriamente
nas diferenças qualitativas de conteúdos.” (Moraes, 2008). Tal realidade faz com
que um processo de produção e de reprodução mecânica, idealizada e gerida por
um pequeno grupo hegemônico de comunicação, garanta a continuidade do que
propõe a indústria cultural. “Pois só o triunfo universal do ritmo de produção e
de reprodução mecânica garante que nada mude, que nada surja que não possa
ser enquadrado. Acréscimos ao inventário cultural experimentado são perigosos
e arriscados.” (Adorno; Horkheimer, 2002).

...suas inovações típicas consistem sempre e tão só em melhorar os processos


de reprodução de massa, não é de fato extrínseco ao sistema. Em virtude do
interesse de inumeráveis consumidores, tudo é levado para a técnica, e não
para os conteúdos rigidamente repetidos, intimamente esvaziados e já meio
abandonados. (Adorno; Horkheimer, 2002)

Para Moraes (2008), as sociedades passam a ser guiadas pela astúcia do marketing
e dos planejamentos estratégicos – ambos possuídos pela fixação de manter o
capital em rotação e rentabilizá-lo ao máximo. “A exacerbação consumista interfere
na cotidianidade e nas relações humanas, formando marcas distintivas entre
pessoas e grupos, na mesma proporção em que conclama ao individualismo e à
apatia” (Moraes, 2008). Entre os veículos de comunicação existentes, tão fortemente
influenciados e dominados pela indústria cultural, o mais abrangente em todo
o território nacional, latino-americano e até mesmo mundial é a televisão. Neste
cenário de ampla aceitação, abarca a hegemonia de duas dezenas de corporações
comerciais que respondem por dois terços das informações e dos entretenimentos
mundiais, o que resulta em uma comunicação movida pela audiência, pela força da
indústria cultural. Já em meados da década de 1940, quando Adorno e Horkheimer
pensaram sobre a televisão ainda em processo de consolidação, perceberam seu
imenso potencial como veículo de comunicação.

A televisão tende a uma síntese do rádio e do cinema, retardada enquanto os

63 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
interesses ainda não tenham conseguido um acordo satisfatório, mas cujas
possibilidades ilimitadas prometem intensificar a tal ponto o empobrecimento
dos materiais estatísticos que a identidade apenas ligeiramente mascarada de
todos os produtos da indústria cultural já amanhã poderá triunfar abertamente.
(Adorno; Horkheimer, 2002)

A televisão adota e utiliza com plena naturalidade, facilidade e liberdade por


produtores e reprodutores, uma linguagem característica da indústria cultural, na
qual o novo é ligado a velhos estigmas da relação com a imagem e a vida cotidiana
determinada pelos padrões determinados. “Tudo que surge é submetido a um
estigma tão profundo que, por fim, nada aparece que já não traga antecipadamente
as marcas do jargão sabido, e, à primeira vista, não se demonstre aprovado e
reconhecido. ...O sempre igual ainda regula a relação com o passado” (Adorno;
Horkheimer, 2002) e o mais crítico, abarca a insatisfação como rotina aceita e
referenciada.

A cultura industrializada dá algo mais. Ela ensina e infunde a condição em que


a vida desumana pode ser tolerada. O indivíduo deve utilizar o seu desgosto
geral como impulso para abandonar-se ao poder coletivo do qual está cansado.
As situações cronicamente desesperadas que afligem o espectador na vida
cotidiana, tornam-se não se sabe como, na reprodução, a garantia de que
pode continuar a viver (...) A sociedade é uma sociedade de desesperados...
(Adorno; Horkheimer, 2002)

Bolaño e Brittos (2007), ao analisarem a indústria cultural na televisão brasileira,


afirmam que “cada capital individual no interior da indústria cultural terá uma
estratégia de ação própria, definida de acordo com sua posição em uma dada
estrutura de mercado e com as possibilidades que essa situação lhe impõe”.
Para eles, a história da indústria televisiva determina a existência de sistemas,
estruturas e padrões tecnoestéticos que buscam consolidar e romper barreiras
à sua entrada, o que faz dela o veículo mais abrangente no Brasil. Pelo fato da
televisão brasileira chegar a quase todos os lares em todo o território nacional,
para Fadul (1993), torna-se impossível compreender a sociedade brasileira sem
compreender este veículo, pois “buscar compreender a cultura e a educação
brasileira, sem passar pela indústria cultural na qual a televisão está inserida, é
cometer um grande equívoco”.
Fadul (1993) argumenta que não se pode esquecer que todas as informações

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


64
contemporâneas são mediatizadas pelos meios massivos e pela indústria cultural
e, por isso, é preciso entender os desafios que os meios de comunicação têm
representado, inclusive a televisão pela força social que possui. Só através
da compreensão da indústria cultural que se pode propor uma nova política
educacional, cultural e comunicacional capaz de fornecer subsídios para, inclusive,
alterar a própria indústria cultural. “E só por meio da informação de alunos críticos,
que tenham conhecimento dela que se pode ter a possibilidade de interferir para
aperfeiçoá-la e melhorá-la. Não para piorá-la.” (Fadul, 1993).

Em face da concentração monopólica e transnacional das indústrias culturais, a


possibilidade de interferência do público (ou de frações dele) nas programações
depende não somente da capacidade criativa e reativa dos indivíduos, como
também de direitos coletivos e controles sociais sobre o desmedido poder
da mídia. Portanto, a diversificação simbólica guarda estreita proximidade
com a comercialização em grandes quantidades lucrativas. Não me parece
exagero sustentar que o campo da produção cultural está imerso na lógica
do lucro que preside a expansão da forma-mercadoria a toda a vida social.
Integrada, como as demais áreas produtivas, ao consumismo, a esfera cultural
torna-se componente essencial na lubrificação do sistema econômico. (Bolaño;
Brittos, 2007)

Com a chegada da tecnologia digital e a popularização da internet tornando seu


usuário agente ativo e produtor no processo de comunicação, o espectador passa a
buscar uma televisão interativa, cujo papel deixa de ser passivo e dominado por um
sistema e uma grade de programação que atenda aos interesses mercadológicos
voltados para a audiência ‘a qualquer preço’, seguindo os princípios arraigados da
indústria cultural existentes na televisão comercial nacional. Nesta perspectiva, o
espectador busca mais do que escolher entre um programa A ou B, um personagem
que permanecerá ou sairá de um reality show, ele busca intervir efetivamente e até
mesmo produzir uma programação diferenciada, que atenda aos seus interesses,
que ‘fale sua língua’ e que divulgue a cultura local na qual esteja inserido com
suas particularidades e peculiaridades, compartilhando, inclusive, o que produz
com outras culturas regionais em um processo contínuo de fluxo de informação
autônoma, independente e livre das amarras padronizadas de um sistema que
atenda aos interesses comerciais de uma minoria. De modo consciente, que lhe
permita assistir, intervir, produzir e compartilhar conteúdo inovador.

65 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


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A FUNÇÃO DA TELEVISÃO PÚBLICA

A televisão não deve ser um instrumento de massificação e manipulação


da indústria cultural, que provoque a degradação da educação, da cultura e
da sociedade. Nesta perspectiva, a televisão pública deve ser um contraponto
tornando-se, exatamente pela força da televisão no Brasil, um instrumento
de democratização alternativo à televisão comercial. “Os desenvolvimentos
tecnológicos envolvendo os meios de comunicação, como é o caso da televisão
digital, podem criar novas possibilidades de se democratizar a comunicação no
País e as emissoras públicas podem ser importantes personagens neste processo.”
(Bolaño; Brittos, 2007). Não só sugerida, mas necessária é a democratização
da comunicação com a ampliação da televisão pública, a partir da tecnologia
digital e uma nova regulação a ser adotada, em polos regionalizados em todo
o território nacional, viabilizando a organização e as regulações dos meios de
comunicação para que incentivem a produção e o acesso de seus conteúdos de
forma democrática, sendo realizado no âmbito da sociedade o exercício pleno
dos direitos à cidadania e, principalmente, não categorizando a sociedade como
simples mercadoria de audiência apropriada pelo capital como instrumento de
trabalho, poder e lucro.
A televisão pública e educativa no Brasil, desde sua implantação, por meio
do Decreto- Lei nº 23611, tem como dever destinar a divulgação de programas
educacionais mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates.
As emissoras de rádio e televisão, por sua vez, devem ter como princípio, conforme
determina o artigo 222 da Constituição Federal Brasileira, finalidades educativas,
culturais e informativas. Por ser uma concessão pública, para as emissoras associadas
da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais Abepec ela
deve – “educar, informar, entreter e divertir os telespectadores, observando os
direitos das pessoas, principalmente das crianças, e os valores da solidariedade,
fraternidade e igualdade” (ABEPEC, 2010).
Pensando em âmbito internacional, ao encontro dos anseios de uma televisão
pública de qualidade no Brasil, Martín-Barbero (2003) considera que, por causa
da fragmentação da informação introduzida pelo mercado, se torna necessária
uma televisão que se dirija ao conjunto de cidadãos de um país, que compense
na medida do possível um balcão da sociedade nacional, que ofereça a todos
os públicos um lugar de encontro, que permita, entre outros, a convergência de

1 Decreto-Lei nº 236, instituído em 28 de fevereiro de 1967.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


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matrizes culturais e formatos industriais. Martín-Barbero (2003) considera que
uma televisão pública deve ser também cultural criando cultura a partir de suas
próprias potencialidades expressivas, que mantenha função de meio expressivo
e operante com a acelerada e fragmentada vida urbana, seja alfabetizadora da
sociedade de novas linguagens, destrezas e escrituras audiovisuais e informáticas
em conformidade com a complexidade cultural de hoje; além disso, ela deve
trabalhar com qualidade em uma concepção multidimensional de competitividade
com profissionalismo, inovação e relevância social de produção, com articulação
técnica e competência comunicativa para a interpretação e construção do
público respeitando a diversidade cultural, social e ideológica, buscando
construir linguagens comuns e mantendo uma identidade institucional clara
com uma proposta de programação e linguagem audiovisual diversificada, sendo
reconhecida por estudos qualitativos e de audiência. Para o autor, a televisão
pública pode nos ajudar a ser cidadãos do mundo sem que isso nos desvincule
da cultura latino-americana e de nossas culturas mais locais.
Moragas e Prado (2003) consideram que a televisão pública deve ser a garantia de
um sistema de comunicação para todos, evitando um sistema de vozes limitadas,
sendo um contrapeso do grande processo de concentração que determina a
nova convergência entre os setores financeiros de telecomunicação e os mass
media. E, em plena era digital, a defesa da televisão pública deve ser baseada no
cumprimento de sua missão (política, social, econômica e cultural) formada por
um conjunto de quatro pilares que, além da missão, integra o financiamento,
o controle e a autoridade independente com supervisão parlamentar. Entre
as funções correspondentes a esta missão os autores propõem que atue com:
garantias democráticas (especialmente em defensa do pluralismo), com política de
estímulo à participação cidadã, cultural, tenha garantia de identidade, qualidade
de programação e dos conteúdos, ser educativa, social e de bem-estar social,
valorize o equilíbrio territorial, econômico e de desenvolvimento, seja um motor da
indústria audiovisual com inovação e experimentação criativa, seguindo o princípio
humanista e seja moralizadora, divulgadora e socializadora do conhecimento.
Além de outras funções como: as funções estratégicas de desenvolvimento das
comunicações, garantia de acesso universal para todos, produtora de informação
socialmente necessária, guia e mediadora diante da multiplicidade de oferta de
informação, instrumento de equilíbrio e freio dos novos oligopólios de comunicação
e de telecomunicação, motor dos processos de convergência entre o setor da
comunicação e outros setores sociais como cultura, educação, saúde, bem-estar
social, entre outros.

67 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
Para a concretização de tais funções, Moragas e Prado (2003) sugerem uma
revisão do modelo de televisão pública considerando como temas prioritários
a obrigação de estabelecer, além de uma missão, um contrato de programas
específicos, políticas de financiamentos estáveis, novos âmbitos de atuação com
a diversificação de canais e serviços de comunicação, novas políticas de produção
que contemplem tanto a produção que seja externalizada como a venda de
produção própria para terceiros, novas formas de autoridade, gestão e controle,
assim como novas formas de cooperação entre os diversos âmbitos da televisão
e serviços públicos de informação, sejam eles locais, estaduais ou internacionais.

Para avanzar en esta dirección podemos seguir la pauta establecida por diversas
declaraciones de la Unión Europea, especialmente de su Parlamento, en la línea
de lo que estableció hace unos años (1993) la Unión Europea de Radiodifusión
(UER) al enumerar la especificidad del servicio público audiovisual: “una
programación para todos, un servicio de base generalista con ampliaciones
temáticas, un foro para el debate democrático, libre acceso del público a
los principales acontecimientos, una referencia en materia de calidad, una
abundante producción original y un espíritu innovador, una vitrina cultural,
una contribución al refuerzo de la identidad europea, así como a sus valores
sociales y culturales, un motor de la investigación y del desarrollo tecnológico”.
(Moragas; Prado, 2003)

No caso do Brasil, ao contrário do que ocorreu na Europa, de acordo com Leal


Filho (2007) as tímidas iniciativas para implantar serviços públicos de radiodifusão
foram sempre subordinadas ao modelo comercial, assim atuando de forma
complementar a ele, ocuparam os espaços que não atraíam os interesses da
iniciativa privada, o que resultou em uma história da radiodifusão pública no
Brasil “minguada”. Com a ausência de uma televisão pública forte, Leal Filho (2007)
argumenta que houve um impedimento da formação de um público mais crítico
em relação à televisão comercial, resultando na falta de modelos alternativos, o
que também impossibilitou “a criação de uma massa crítica capaz de exigir da
televisão, no mínimo, o respeito aos preceitos constitucionais que determinam
a prestação de serviços de informação, cultura e entretenimento” (Leal Filho,
2007). Entre os momentos relevantes da história da televisão pública no país,
o autor destaca a Constituição de 1988, em seu artigo 223, de que “compete ao
Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o
serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


68
complementaridade dos sistemas público, privado e estatal” (CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA, 1988), além da promulgação da lei 8.977, de 1995, conhecida
como Lei do Cabo que possibilitou a existência das emissoras de acesso público:
legislativas, universitárias e comunitárias. “Um passo importante rumo à ampliação
das ofertas televisivas, mas ainda restrito à parcela minoritária da população que
tem acesso a esse tipo de serviço.” (Leal Filho, 2007).

E quanto à circunstância da rede pública assegurar a prática da democracia,


trata-se de algo auto-evidente. O histórico do modelo de televisão de mercado
imposto à sociedade brasileira estabeleceu uma forma de pensamento
único, reprodutor das ideias dominantes e disseminadas a partir dos centros
do capitalismo global. O individualismo e o consumismo, sustentados e
impulsionados pelo neoliberalismo tornaram-se matrizes ideológicas da
produção televisiva. A elas, no modelo hegemônico, não cabem alternativas.
A saída, respeitado o jogo democrático, é a TV Pública. (Leal Filho, 2007).

A televisão no Brasil passa por um processo de reestruturação tecnológica,


transitando do sistema analógico para o digital, que abre possibilidades reais para
uma nova perspectiva de atuação, abrindo um novo segmento de conteúdo e
programação gratuito, aberto e alternativo ao sistema adotado pelas televisões
comerciais. O sistema é baseado no padrão japonês de sinais do Integrated Services
Digital Broadcasting Terrestrial (ISDB-T) – serviço integrado de radiodifusão digital
terrestre, sendo adaptado e desenvolvido tecnologicamente no país, a tecnologia
permite a transmissão digital em alta definição High Definition Television (HDTV),
simultânea para a recepção fixa, móvel e portátil e a interatividade2. Desde sua
criação envolvendo as questões legais e de regulação, a implantação tem sido
marcada pela constante preocupação com a questão da educação, acessibilidade
e desenvolvimento social, iniciada a partir da instituição do Sistema Brasileiro de
Televisão Digital (SBTVD) pelo decreto nº 4.90133. Entre seus objetivos, está descrita
no artigo 1º, inciso I, a finalidade de “promover a inclusão social, a diversidade
cultural do País e a língua pátria por meio de acesso à tecnologia, visando à
democratização da informação”; no inciso II, “propiciar a criação de rede universal

2 O modelo de televisão digital está regulamentado no Decreto nº 5.820, de 29 de junho


de 2006, que determina o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) e o conjunto de
padrões tecnológicos a serem adotados para transmissão e recepção de sinais digitais terrestres de
radiodifusão de sons e imagens.
3 Decreto nº 4.901², de 26 de novembro de 2003.

69 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
de educação à distância” e no inciso IX, “contribuir para a convergência tecnológica
e empresarial dos serviços de comunicação”.

A TELEVISÃO PÚBLICA E A MULTIPROGRAMAÇÃO

A partir desta tecnologia, um novo serviço de comunicação está sendo


disponibilizado para o País: a multiprogramação que é definida como “a
transmissão simultânea de vários programas dentro de um mesmo canal de
6MHz” (Norma nº1/2009). A multiprogramação também é conhecida como “a
ocupação compartilhada de um canal (6MHz) por diversas emissoras, sendo
que cada emissora possui um espaço próprio, autônomo, dentro desse canal,
como se fossem sub-canais”, conforme consta no Relatório do Grupo Temáticos
de Trabalho ‘Migração Digital’, do I Forum Nacional de TVs Públicas (2007). O
relatório aponta que a multiprogramação pode ser um “modelo estratégico para
as televisões públicas por permitir maior representação da diversidade e por ser
o meio de atender as necessidades de produção e veiculação de conteúdos que
atendam todas as demandas da sociedade” com os seguintes benefícios: ampliação
do número de canais – mais conteúdo, possibilidade de alternar alta definição
(banda) e multiprogramação (divisão de banda em quatro ou mais programações
standard) – conteúdo diferenciado.
Regulamentada pela Norma Geral para Execução dos Serviços de Televisão
Pública Digital nº 01/2009, a multiprogramação é autorizada a ser utilizada
exclusivamente pela União Federal, com o objetivo de transmitir assuntos ligados
ao Poder Executivo, educação, cultura e programação ligada a interesses regionais.
A postura do Estado diante da restrição causa divergência ao modelo democrático
proposto para a televisão digital, beneficiando o modelo comercial vigente. “A
ideia foi melhorar a qualidade do vídeo, ampliar os dispositivos de recepção (com a
mobilidade), para manter tudo como está, sem mudar o modelo de negócio”. (Cruz,
2008). Mesmo assim, Barbosa e Castro (2008) propõem que o papel da televisão
pública neste novo cenário - que prevê a liberação da multiprogramação - pode
se tornar a grande alavanca para que a sociedade atinja objetivos relevantes
em uma sociedade democrática como o cumprimento da regra constitucional,
por meio da socialização dos bens culturais, democratização da informação,
difusão do conhecimento e cidadania; oportunidades que poderão surgir no
mercado audiovisual pelas novas maneiras de acesso à informação, à cultura e
ao entretenimento; atendimento à qualidade das relações sociais na medida em
que rediscute a noção de espaço público, assim como a visibilidade das relações

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


70
público-privadas, de seu agendamento, troca simbólica e modificação do eixo
de poder resultante; diversidade de ideias, os espaços de relacionamento, as
possibilidades de se estabelecerem novos pactos sociais através da inclusão de
novos atores e a consequente divisão do poder sobre a informação.
No Brasil a televisão é um meio de comunicação muito mais popularizado por
suas características de entretenimento do que de desenvolvimento social. Podemos
dizer que as características da indústria cultural são explícitas, chegando até ao
apelativo, em muitos momentos. “A Televisão pública deve se destacar pelo estímulo
à produção de conteúdos digitais interativos e inovadores, a multiprogramação
é um modelo adequado para bem realizar a sua missão.” (Pieranti, 2009). O
Relatório do Grupo de Trabalho ‘Migração Digital’ do I Forum Nacional de TVs
Públicas4 , realizado em 2006, destaca que cabe à “televisão pública contribuir
para integrar a maioria da população aos benefícios da tecnologia, bem como
eliminar diferenças de acesso à capacidade de produção de conteúdos” e avalia
a multiprogramação como um “modelo estratégico para as televisões públicas
por permitir maior representação da diversidade e por ser o meio de atender as
necessidades de produção e veiculação de conteúdos que atendam todas as
demandas da sociedade” com os benefícios de ampliar o número de canais para
mais conteúdo e de modo diversificado. O relatório de contribuição do Intervozes
ao II Forum Nacional de TVs Públicas, divulgado em maio de 2009, do ponto de
vista econômico, apresenta a multiprogramação preconizada pela televisão digital
como um gerador de

impactos significativos para a estrutura de mercado da televisão. A multiplicação


de programações (multiprogramação) possibilita a entrada de novos agentes
em áreas onde o espectro já se encontrava saturado. Se por um lado isto surge
como ameaça aos operadores comerciais, uma vez que a diversificação atinge
a divisão do bolo publicitário, por outro abre importante oferta de agentes
públicos do setor. (INTERVOZES, 2009).

A desmassificação provocada pela televisão digital e suas potencialidades


geram uma nova realidade reflexiva apresentada pelos autores Bolaño e Brittos
(2007) como o reconhecimento da existência de uma pluralidade de interesses,

4 Em 2006, o Ministério da Cultura convocou a sociedade civil interessada, profissionais e


pesquisadores para do 1º. Fórum Nacional de TV’s Públicas buscando reunir todas as experiências
concretas de produção e veiculação de televisão não comercial, realizar um diagnóstico do setor e
apontar caminhos para a sua consolidação.

71 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
relativos a consumidores, emissoras e outros setores da indústria brasileira que,
para serem atendidos, devem alterar sua lógica social até então adotada.
Neste cenário de possibilidades, no entanto, a TV Cultura foi a única emissora
não governamental a ter a autorização especial para a implantação da
multiprogramação (MINISTÉRIO, 2010) no Brasil, a partir de decreto especial,
com objetivo de funcionamento em caráter científico e experimental. A emissora
é gerida pela Fundação Padre Anchieta - FPA, que atua com o objetivo de oferecer
uma televisão pública com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas,
conforme determinam os artigos 222 e 224 da Constituição Brasileira, buscando
universalizar o direito à informação e à comunicação, em um trabalho contínuo
de inovação e experimentação (FPA, 2010). Recentemente sua experimentação no
ambiente tecnológico e educacional tem sido com a implantação de dois canais na
multiprogramação: o Multicultura e o canal Univesp TV, iniciados em 26 de agosto
de 2009. A implantação da multiprogramação pela TV Cultura é um momento
relevante na história do País, em especial do estado de São Paulo – estado sede da
emissora – pois a multiprogramação poderá provocar transformações na televisão
e a TV Cultura pode se tornar um referencial na implantação da multiprogramação
voltada para os interesses educativos, culturais e de capacitação social, contribuindo
para o aperfeiçoamento da emissora pública e para a discussão sobre as políticas
públicas reguladoras da televisão digital, pública e educativa vigentes.
Mesmo sendo uma emissora educativa e pública, foi necessária ampla negociação
entre o Ministério das Comunicações, por meio do então ministro Hélio Costa, e o
ex-presidente da FPA, Paulo Markun, responsável por romper a própria legislação
vigente por acreditar na potencialidade e inovação da multiprogramação e
colocar no ar os dois canais. “A FPA está oferecendo um canal digital que, de fato,
inaugura a televisão digital no país. Vamos apresentar o caminho para oferecer
mais cultura, conhecimento e educação para que a televisão digital seja mais que
um salto de tecnologia, seja um salto de conteúdo e oportunidades”, declarou
Paulo Markun durante a cerimônia de lançamento da multiprogramação pela
emissora em 26 de agosto de 2009 (TV CULTURA, 2010). Para ele, a ordem na
TV Cultura é experimentar, acreditando que os novos meios de comunicação
fossem prioridades de sua gestão e a emissora viabiliza isso por não ser uma rede
comercial, permitindo acertar e errar gastando pouco.
A TV Cultura pode representar um elemento importante nesta quebra de
entraves e resistências que as emissoras privadas vêm colocando por interesses
econômicos e comerciais, sendo que pode servir de modelo para outras televisões
públicas. As questões referentes à implantação da multiprogramação no país vão

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


72
além dos interesses da TV Cultura, envolvem questões comerciais e de domínio
de mercado que o Estado deve superar. As emissoras Rede Globo, SBT (Sistema
Brasileiro de Televisão) e Rede Record, por meio da Abert (Associação Brasileira das
Emissoras de Rádio e Televisão), são contra o mecanismo. Já a Rede Band, a Rede
TV! e o Grupo Abril são favoráveis. (EBC, 2010). As regulações determinadas pelas
políticas públicas são fatores determinantes no processo de desenvolvimento da
multiprogramação e sua devida utilização junto à sociedade como alternativa ao
sistema até então hegemônico.

Em relação às políticas públicas voltadas à comunicação social, enfim, há


uma resistência dos empresários de comunicação e do governo quanto à sua
implantação, pois estes segmentos veem nas emissoras públicas e comunitárias
uma concorrência pelas receitas de publicidade e um espaço para a formação
de um pensamento político independente. (Lins, 2002. p. 18)

O Brasil vive um período de transição e adaptação no modo de fazer televisão


que pode alterar características de sua estrutura capitalista consolidada e cada
dispositivo criado para abrir caminhos de mudança nesta estrutura merece ser
avaliado, registrado e estudado. Por considerar que a cultura de uma sociedade
capitalista reflete as normas e valores da classe social, que possui propriedade
dos meios de produção, Karl Marx teria observado no “mundo da Comunicação”
a manifestação necessária de “forma da consciência social”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar em alternativas para novos modelos de comunicação aos consolidados


pela indústria cultural demanda duas ações fundamentais: disposição da população
e, fundamentalmente, do Estado que tem o papel e a capacidade de regulamentar
uma legislação que viabilize ao cidadão espaços de manifestação popular. Para
Bolaño e Brittos (2007) não há uma neutralidade do Estado. Cada tomada de
decisão determina atitudes ou em benefício à sociedade de modo democrático
ou ao mercado que implica a “tomada de posição em benefícios dos detentores do
capital, o que significa, na medida em que inexiste concorrência perfeita, benefício
para as empresas que controlam o mercado, produzindo assimetrias recorrentes,
num jogo controlado pelo poder econômico” (Bolaño; Brittos, 2007). Por outro
lado, os autores consideram que o cumprimento da função de hegemonia acaba
abrindo, ao mesmo tempo, brechas para a ação de agentes não hegemônicos. E

73 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
são essas brechas que devem ser incentivadas.
Mosco (2006) propõe um interessante conceito de desregulamentação: um
modo de recapitalizar a mídia eletrônica, não eliminando o papel do Estado, mas
reorganizando- o para melhor representar o capital e seus interesses. Em resumo,
o ente estatal não é um lugar neutro, onde os interesses grupais competem, como
sugerido pelos instrumentalistas, mas um espaço “capitalista que ativamente
organiza forças de conflito no interior do capital, incluindo aqueles na mídia
eletrônica.” (Bolaño; Brittos, 2007). Nesta perspectiva, com a chegada da tecnologia
digital e a utilização da televisão pública como instrumento de acesso à educação,
cultura, informação e lazer, cria-se uma possibilidade de rompimento com a
padronização da indústria cultural não como um opositor, mas como elemento
alternativo - que conviva em harmonia de modo planejado e sustentável - ao
processo de comunicação midiático. É notório que para os poderes hegemônicos
da indústria cultural tal alternativa será uma força de conflito aos seus interesses,
mas cabe ao Estado o papel de mediador e regulador do equilíbrio entre ambos.
É preciso haver a superação da dicotomia educação, consciência social, cultura
e informação crítica versus indústria cultural. O que se faz necessário é o processo
consciente de inserção e garantia de alternativas ao sistema no qual esteja inserido.
É claro que a indústria cultural permanecerá. E nem se espera o contrário. As
novelas brasileiras, os filmes e seriados americanos, os programas de auditório
populares, as músicas com poucas letras e refrões marcantes, repletas de danças
sensuais, as canecas de porcelana à venda carregando imagens de obras de
arte, tudo faz parte do que se define como indústria cultural que é, em muitos
momentos, muito bem recebida pela sociedade. O que precisa haver é a opção,
a liberdade de encontrar canais abertos, ou seja, gratuitos e alternativos com
uma finalidade social e não comercial. Para isso, a televisão pública deve agir
com capacidade plena de seus potenciais tecnológicos e ideológicos - como a
multiprogramação regulamentada para as televisões públicas -, a sociedade ser
participativa e o Estado garantir tais direitos, pois é preciso que ele assuma uma
postura favorável e legalizada visando ao desenvolvimento da tecnologia com
políticas públicas federais e estaduais que incentivem e se voltem a um modo
diferente de fazer televisão, buscando conciliar o perfil tradicional e arraigado
das emissoras brasileiras, fundamentalmente comerciais e, ao mesmo tempo,
abrindo caminhos e possibilidades para que novos canais surjam, aproveitando o
potencial da nova tecnologia, buscando suprir as carências intelectual, educacional
e cultural do país. No entanto, enquanto houver inércia entre os envolvidos, a
indústria cultural agirá com plenitude para prejuízo da sociedade.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


74
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77 IndústrIa Cultural, EConomIa PolítICa


da ComunICação E tElEvIsão PúblICa
Possibilidades da interatividade da TV digital
no campo da educação
VALÉRIO CRUZ BRITTOS1
NADIA HELENA SCHNEIDER

INTRODUÇÃO

Atualmente, o crescente avanço dos elementos tecnológicos na sociedade


exige um alto investimento intelectual, com base educacional, que contemple
tanto o domínio técnico quanto a reflexão crítica e a autoconsciência. Embora
a educação busque acompanhar os movimentos históricos, numa relação de
cumplicidade com as necessidades e os objetivos da demanda social vigente,
verifica-se que presentemente, em especial com o crescente desenvolvimento da
tecnologia, ela está longe de contemplar seus objetivos, entre eles, o de ofertar
uma formação de qualidade para todos. Para sanar essas deficiências, pensar
sobre uma proposta de educação para e pela mídia é, sem dúvida, primordial,
não só para o domínio desses avanços, mas para o fortalecimento crítico dos
indivíduos, frente às mensagens veiculadas através dos meios de comunicação,
favorecendo o entendimento das complexidades do mundo atual e a busca de
superação da crescente desigualdade social. O desafio que se apresenta é o de
contrabalançar essas problemáticas com uma educação que promova propostas
pedagógicas transformadoras, capazes de ampliar a compreensão dos educandos
a respeito dos sistemas e engrenagens de poder que atuam no modo de produção
capitalista, no qual a mídia ocupa posição central na difusão da informação e do
conhecimento. Cabe ressaltar o papel da televisão aberta e gratuita, que é o meio
de maior audiência e, muitas vezes, a única fonte de informação, entretenimento,
educação e cultura, portanto, merecedora de reflexão e questionamento.
Diante desse cenário, o presente artigo tem o propósito de refletir sobre a
relação televisão e educação, com foco na TV digital interativa, por ser ela um
importante meio de comunicação, que aponta para um novo modo de saber e um
inovador processo de construção do conhecimento. A relevância do tema pauta-
se na constatação de sua grande audiência e da asserção de que é inegável sua
força como produtora de sentidos e significados, principalmente como agente
de socialização, visto que legitima valores e estimula comportamentos, através
de seus programas, imagens e mensagens, ocasionando uma reconfiguração
sociocultural, da qual faz parte, como aparelho midiático inserido no capitalismo,

1 Este capítulo é uma publicação póstuma. Valério Cruz Brittos faleceu em julho de 2012,
durante o processo de editoração do presente volume. A primeira versão do texto foi preparada em
2009.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


78
com funções econômico-político-culturais específicas.
Ao mesmo tempo em que é agente de reforço e expansão do sistema, a mídia
também pode servir para experiências democráticas e libertadoras. Por isso,
vislumbram-se, com a televisão digital interativa, alternativas de expansão do
conhecimento e um novo instrumento pedagógico no ambiente escolar, capaz
de favorecer uma educação inclusiva e convergente com as necessidades de uma
sociedade em constantes transformações tecnológicas. Entretanto, para isso é
preciso a ação humana consequente, demandando políticas públicas democráticas
e inclusivas, pois o mercado, por si próprio, não só não resolve o problema, como
o agrava (na medida em que, inclusive, foi seu criador).

TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

Verifica-se que temas como tecnologias, educação, propriedade intelectual,


sustentabilidade e diversidade cultural, entre outros, são evidenciados em várias
referências de encontros, tais como o “Compromisso de Dakar”, de 2000, que
aponta caminhos do desenvolvimento no âmbito de uma “educação para todos”.
O Relatório Delors, de 1996, registra a preocupação e medidas norteadoras para
proporcionar uma educação mais qualitativa e eficiente para o século XXI2. Com
a mesma preocupação tem-se também a “Cúpula Mundial das Nações Unidas
sobre a Sociedade da Informação”, de 2003, e os temas de ação-chave da “Década
da Educação para o Desenvolvimento Sustentável” de 2005-2014. Buscando uma
reflexão sobre a TV, vale mencionar, aqui, um documento chamado Carta Para o
Século 21, assinado pelos professores reunidos no Fórum de Ciências e Cultura
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante o Seminário Internacional da
Imagem & Cultura, em abril de 1998, que busca um entendimento sobre o assunto
e formas de avançar através de possíveis práticas efetivas:

Carta para o Século 21


Considerando que a cultura audiovisual (fragmentada, multifacetada,
polissêmica) se opõe à cultura escolar;
- considerando que a televisão é onipresente no mundo inteiro e que essa
presença ocupa, na vida das crianças, lugar preponderante;

2 “O Relatório Delors, ao propor os 4 pilares – Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender


a Ser e Aprender a Viver Juntos – como eixos norteadores da educação para o século XXI, já havia
percebido a importância de uma política multicultural de educação. A educação tem por missão,
afirma o relatório, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana e,
por outro, levar as pessoas a tomarem conhecimento da semelhança e da interdependência entre
todos os seres humanos do planeta. [...] Os fundamentos para uma nova educação propostos pelo
Relatório Delors foram ampliados por Edgar Morin, num texto de elevado alcance pedagógico e
social, elaborado a pedido da UNESCO e editado no Brasil sob o título ‘os sete saberes necessários à
educação do futuro’. Neste trabalho, Edgar Morin chama a atenção para a importância de se ensinar
a compreensão”. (UNESCO NO BRASIL)

79 Possibilidades da interatividade da tv digital no camPo da educação


- considerando que a escola não é mais o único lugar legítimo do saber e que
o livro não é mais o centro que articula a cultura, os professores reunidos no
Fórum de Ciências e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante
o Seminário Internacional da Imagem & Cultura, em abril de 1998 recomendam:
- que se priorizem pesquisas centradas na recepção à TV, nos diferentes grupos
etários e sociais;
- que se intensifiquem as ações dirigidas ao receptor, visando à formação do
telespectador
- a “alfabetização para a mídia” e do professor;
- que se promova uma mobilização social objetivando a exigência de maior
qualidade na produção televisiva oferecida pelos meios de radiodifusão;
- que se desenvolvam programas e projetos voltados para a formação do
professor e do comunicador, numa perspectiva de educação para a imagem
e para a mídia;
- que os educadores trabalhem as novas “linguagens audiovisuais” como
linguagens pedagógicas, admitindo que são tão legítimas quanto a linguagem
escrita. (MEDIATAMENTE, 1999)

Todos atentam para as tecnologias de informação e comunicação, bem como


para a diversidade cultural e a compreensão intercultural entre os povos. Diante do
exposto, nota-se a grande preocupação com o desenvolvimento da humanidade
frente aos avanços tecnológicos e a necessidade de proporcionar uma educação
não só para todos, mas uma educação de qualidade, responsável e ética.
Atualmente, com a chegada da tecnologia digital, vivenciam-se grandes
expectativas em diversas áreas, que futuramente refletirão em outros segmentos
sociais. Apesar disso, ao mesmo passo em que proliferam as tecnologias da
informação e comunicação, percebe-se o crescimento de um contingente cada
vez maior de infoexcluídos, o que, consequentemente, fortalece a divisão entre as
classes sociais e a disparidade nas relações de poder, o que, por sua vez, dificulta
a ampliação da cidadania. Com essa preocupação, Druetta e Sierra (2005, p.176)
propõem que:

Um discurso pedagógico que analisa globalmente o impacto das novas


tecnologias na educação não pode reduzir-se a explorar seu potencial em
relação com os processos individuais de aprendizagem. Requer, também,
analisar as novas tecnologias em relação às interações sociais, políticas e
culturais que promovem no interior de nossa sociedade e, em consequência,
identificar as responsabilidades e ações educativas implicadas, de modo a
promover uma maior justiça social e o progresso democrático.

Para tanto, um dos muitos desafios está em descobrir, no espaço privilegiado


do processo pedagógico, as possibilidades de interação que ocorrem na relação

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


80
professor, aluno e conhecimento, mediadas pelas ofertas das tecnologias de
informação e comunicação (TICs), em especial da TV. Da mesma forma, é mister
desenvolver as potencialidades educativas e culturais na órbita da televisão digital,
visto ser a TV a mídia que mais atinge a população brasileira e a sua principal fonte
de informação e entretenimento.
Dentro desta perspectiva, é primordial, frente às mudanças provocadas pela
digitalização, também investigar como estão sendo desenvolvidas as políticas
públicas, notadamente o instrumental legal relativo à TV digital, em sua (eventual)
conexão com a promoção de melhorias no processo educacional, com decorrente
inclusão social. Ressalta-se que, no Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), o
papel na inclusão social dos cidadãos, é citado logo nos dois primeiros objetivos
do Decreto Presidencial 4901: “I - promover a inclusão social, a diversidade
cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital, visando
à democratização da informação; e II - propiciar a criação de rede universal de
educação à distância” (BRASIL, 2003).
No campo educacional, observa-se que o processo de trabalho pedagógico
procura, de alguma forma, acompanhar as transformações que ocorrem na inter-
relação entre cultura e educação mediada pela mídia, para que a prática educativa
não fique totalmente distanciada da realidade social e do novo modo de ser dos
sujeitos. Nesse sentido, a escola, para não ficar alheia a essas mudanças, busca
refletir sobre a integração do meio televisual no espaço escolar, em sua dimensão
de ferramenta pedagógica, a fim de promover uma educação midiatizada. Contudo,
é importante ressaltar que a televisão não pode ser vista como uma concorrente
da escola, mas sim, uma parceira. Pensando dessa maneira, a maior expectativa,
no campo educacional, com a TV digital, está – além da criação de um canal
específico para a educação – na possibilidade da interatividade, citada no artigo
6 do Decreto 5.820, (BRASIL, 2003) uma característica dos novos meios, que vai ao
encontro dos caminhos da escola em busca de inovações nas práticas pedagógicas.
Desse modo, diante das demandas sociais, conforme Lima; “é importante
verificar como se expressam os interesses do Estado através dos mecanismos de
regulação da educação nacional, em relação às políticas públicas de educação e
comunicação”, assim como:

faz-se necessário a universalização e democratização do uso dos diferentes


meios de comunicação, do rádio à internet, na educação, articulando políticas
públicas nas duas áreas de conhecimento, nos diferentes níveis de ensino e
processos educativos que conformam o sistema educacional nacional. (Lima,
2008, p.110)

Dito isso, é oportuno refletir sobre as possibilidades da TV digital interativa no


ambiente escolar, no sentido de promover a utilização dos recursos próprios da
linguagem audiovisual e a exploração de determinados conteúdos da televisão
como um conhecimento específico a que poucos têm acesso de forma clara e

81 Possibilidades da interatividade da tv digital no camPo da educação


consciente. Isto visto que a mediação escolar é de fundamental importância no
desenvolvimento, junto ao telespectador, de capacidades que permitam a leitura
crítica de suas mensagens e o uso participativo de suas informações na construção
de novos conhecimentos, capazes de conscientizá-lo do seu papel de cidadão.
Para tal, é relevante diferenciar os termos interativo e interatividade, a fim de
melhor compreender o processo comunicacional da TV digital. O termo interativo
é comumente usado para tentar descrever qualquer coisa ou sistema que permite
ao usuário algum nível de participação ou de suposta participação. A palavra
ganhou projeção com o advento da internet, mas também com os programas
da televisão aberta ditos interativos, até mesmo quando a interação se resume
apenas às respostas dos telespectadores por telefone a uma determinada questão.
Exemplo: a eliminação de participantes do programa Big Brother Brasil, da TV Globo.
A palavra interatividade, derivada do neologismo inglês interactivity, foi cunhada
para denominar uma qualidade específica da chamada computação interativa
(interactive computing). Segundo Fragoso, a palavra interatividade nasceu no
contexto das interações entre usuários e computadores; assim, os fenômenos
relacionados à interação usuário-sistema, os estudos de Interação Humano-
Computador (Human- Computer Interaction, ou HCI) foram inicialmente norteados
pela capacidade dos usuários se adaptarem ao computador, comunicando-se em
linguagem de máquina ou em linguagens de comandos (Fragoso, 2001).
As promessas de uma interatividade diferenciada e que permita respostas e ações
mais ativas dos telespectadores sobre os conteúdos da TV é uma característica da
TV digital. Na concepção de Lemos, o que se compreende hoje por interatividade
é nada mais que uma nova forma de interação técnica, de característica eletrônico-
digital, e que se diferencia da interação analógica, que caracteriza a mídia tradicional
(Lemos).
Quanto à interatividade da TV, Lemos sugere a seguinte classificação baseando-
se na evolução tecnológica que são: interação nível 0, que seria o estágio em que
a televisão expõe imagens em preto e branco e dispõe de um ou dois canais, na
qual a ação do espectador resume-se a ligar e desligar o aparelho, regular volume,
brilho ou contraste e trocar de um canal para outro; o nível 1 seria o zapping, um
antecessor da navegação contemporânea na World Wide Web (WWW ou Web);
a interação de nível 2 seria com os equipamentos acoplados à televisão, como
o videocassete, as câmeras portáteis e jogos eletrônicos; no nível 3 já aparecem
sinais de interatividade de características digitais e o telespectador pode então
interferir no conteúdo a partir de telefones, fax ou correio eletrônico; no nível 4 é o
estágio da chamada televisão interativa, em que se pode participar do conteúdo a
partir da rede telemática em tempo real, escolhendo ângulos de câmera, diferentes
encaminhamentos das informações, etc (Lemos).
Nota-se que, ao longo de sua história, a televisão tem evoluído também em termo
de viabilidade de interatividade, ainda que muitos passos necessitem ser dados
para que ela se dê de forma mais plena e com resultados públicos mais efetivos.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


82
TELEVISÃO E POTENCIALIDADES

A história da televisão digital no Brasil acompanha a tendência internacional de


transição dos sinais analógicos para digitais, que, entre outros benefícios, trariam
melhor qualidade de recepção de imagens, interatividade e possibilidade de
distribuição de conteúdos próprios da internet. Consoante Bolaño e Brittos (2007,
p.68): “A TV digital terrestre se apresenta, à semelhança da internet, como um
novo desafio para os atores hegemônicos, nos diferentes mercados da chamada
convergência entre audiovisual, telecomunicações e informática”.
Foi no governo do ex-presidente Fernando Collor, em junho de 1991, que
se deu a primeira iniciativa governamental acerca da proposição de políticas
para a implantação da TVD no Brasil, com a instituição, por parte do Ministério
de Estado das Comunicações, da Comissão Assessora de Assuntos de Televisão
(COM-TV) (Bolaño e Vieira, 2004). Entre 1994 a 2002, no governo do ex-presidente
da República Fernando Henrique Cardoso, as negociações seguiram, mas foi no
Governo Lula, em 2003, que ganhou forma uma mobilização em torno da ideia de
desenvolver um sistema nacional de TV digital. Para tanto, na época, o governo
disponibilizou R$ 80 milhões para financiar as pesquisas em universidades e
laboratórios brasileiros, R$ 48 milhões dos quais foram investidos na criação de
equipamentos para codificar o sinal em hardware e software, que seriam usados
nos decodificadores (Pires).
Encerrada a fase de estudos, em 2006, no dia 29 de junho, o presidente Luís Inácio
Lula da Silva assinou o Decreto nº 5.820, que dispõe sobre a implantação do Sistema
Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD-T) e estabelece diretrizes para a transição
do sistema de transmissão analógica para o sistema de transmissão digitalizada
do serviço de radiodifusão de sons e imagens e do serviço de retransmissão de
televisão. Ficou oficializado o modelo japonês (ISDB) como o padrão de televisão
digital a ser adotado no Brasil e um prazo de 10 anos para migração do sistema
analógico para o digital.
O governo brasileiro adotou um modelo de TV digital que poderá integrar
transmissão terrestre de sinal, satélite, telefonia fixa e internet em banda larga, a
fim de oportunizar aos usuários a convergência de texto, som e imagem. É fato
que a nova televisão permanecerá predominantemente comercial e atenderá às
lógicas de mercado do sistema capitalista prevalecente; mesmo assim, (ainda)
há possibilidade do governo ampliar as vozes, permitindo, na regulamentação,
espaço para a inserção de grupos menos privilegiados economicamente, bem
como associações e comunidades não voltadas aos interesses mercantilistas.
Verifica-se que, na busca de avançar nessa direção, o governo movimenta-se
lentamente, não obstante alguns caminhos já possam ser observados. A fala do
ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Franklin
Martins, no 20º Fórum do Planalto – realizado dia 16 de agosto de 2007, depois
da fusão da Empresa Brasileira de Comunicação (Radiobrás) e da Associação de
Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que criou a TV Pública de nome

83 Possibilidades da interatividade da tv digital no camPo da educação


TV Brasil, segundo a Lei 11652 de 07/04/2008 –, projeta que a meta seguinte
do governo é efetivar o Canal da Educação, previsto no artigo 13 do Decreto
5.820, que implantou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTD-T).
O Canal da Educação, em fase de planejamento, objetiva uma programação
destinada ao desenvolvimento e aprimoramento do ensino à distância de alunos e
capacitação de professores, entre outros, e ficará sob a coordenação do Ministério
da Educação. Dentre as possibilidades, a maior expectativa está na interatividade,
mas sua implantação efetiva requer investimentos significativos, tanto para os
consumidores, quanto para a indústria, fabricantes, produtores e radiodifusores.
Para uma compreensão mais detalhada do potencial tecnológico da TV digital,
seguem as suas possibilidades, as quais não necessariamente serão implantadas.

Qualidade técnica de imagem e som


- Resolução da imagem – Os primeiros receptores apresentavam 240 linhas de
vídeo. Hoje, um monitor analógico de boa qualidade apresenta entre 525 e 625
linhas. Na TV digital de alta definição, chega-se a 1080 linhas com o padrão HDTV.
- Novo formato da imagem – As telas dos monitores analógicos possuem formato
4:3, a TV digital possui formato 16:9, mais próximo do formato panorâmico de
uma tela de cinema.
- Qualidade do som - A televisão iniciou com som mono (um canal de áudio),
evoluiu para o estéreo (dois canais, esquerdo e direito). A TV digital, contará com seis
canais (padrão utilizado por sofisticados equipamentos de som e home theaters).

Acessibilidade
- Facilidades para gravação de programas – A introdução de sinais codificados
de início e fim de programas facilitará o acionamento automático de videocassetes
ou gravadores digitais.
- Gravadores digitais incluídos nos receptores ou conversores – Alguns modelos
de aparelhos receptores ou mesmo os conversores poderão incorporar gravadores
digitais de alto desempenho (semelhantes aos discos rígidos utilizados nos
computadores), que poderão armazenar muitas horas de gravação e permitir
que o usuário escolha a hora de assistir o programa que desejar.
- Múltiplas emissões de programas – A transmissão de um mesmo programa em
horários descontínuos em diversos canais permitirá que o usuário tenha diversas
oportunidades para assistir ao programa desejado em um horário escolhido.

Recepção
- Otimização da cobertura – A tecnologia digital possibilita flexibilidade para
ajustar os parâmetros de transmissão de acordo com as características geográficas
locais. Com este recurso, um programa pode ser transmitido (com sinal menos
robusto) de modo a ser recebido em locais mais favoráveis, através de antenas
externas, por exemplo, enquanto outra atração ou o mesmo programa do mesmo

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


84
canal é transmitido (com sinal mais robusto) com uma menor resolução de imagem
para recepção em todos os pontos da área de prestação do serviço. Isto permite
que terminais portáteis ou móveis (instalados em veículos) possam receber sem
problemas as transmissões.
Interatividade
- Interatividade local – Na TV digital o conteúdo é transmitido unilateralmente
para o receptor de uma só vez. A partir daí, o usuário pode interagir livremente
com os dados que ficam armazenados no seu receptor. Um novo fluxo de dados
ocorre somente quando é solicitada uma atualização ou uma nova área do serviço
é acessada.
- Interatividade com canal de retorno não dedicado – A interatividade é
estabelecida a partir da troca de informações por uma rede à parte do sistema de
televisão, como uma linha telefônica, por exemplo. O recebimento das informações
ocorre via ar, porém, o retorno à central de transmissão se dá pelo telefone,
seguindo o modelo citado.
- Interatividade com canal de retorno dedicado – Com a expansão das redes de
banda larga, pode ser desenvolvido um meio específico para operar como canal
de retorno. Para desfrutar desta possibilidade, o usuário da TV digital necessitaria
não apenas de antenas receptoras, mas também de antenas transmissoras, e o
sistema, a capacidade de transportar os sinais até a central de transmissão.

CONVERGÊNCIA E CAMINHOS

Uma das possibilidades, ainda em discussão, é a disponibilidade do canal


de retorno para o telespectador, que, tecnologicamente, oportunizaria uma
participação mais ativa. A capacidade de interação entre o usuário e a emissora,
através do conversor, ou set top box, é uma inovação que pode trazer ampla
repercussão, no campo da educação, com a implantação da TV digital interativa.
Agregando possibilidades técnicas e de linguagem comuns às da web e cinema
juntos, a televisão digital apresenta-se como novo suporte e meio de veiculação
da informação e programas de entretenimento com tecnologia capaz de
proporcionar que, em um mesmo canal televisivo, possam ser transmitidos até
quatro programas e vários aplicativos. Além desta possibilidade, há a via de
interação com outros aparelhos, como o leitor de discos blue-ray, mídia de alta
capacidade de armazenamento (quatro vezes superior à dos atuais DVDs), e
videogames de nova geração, abrindo ainda mais o leque de opções aplicativas
de uso.
Essa convergência disponibilizada pela televisão digital, principalmente a
capacidade interativa, permite considerar, preliminarmente, quais seriam os
recursos que poderiam ser explorados no campo educacional, nos processos
de ensino-aprendizagem, pela apropriação dos elementos de linguagem e
possibilidades técnicas para a produção e transmissão do conhecimento. Como

85 Possibilidades da interatividade da tv digital no camPo da educação


exemplifica Maurício:
Vale lembrar que a interatividade se divide em local e plena. A local permite
que o telespectador interaja com conteúdos previamente armazenados pela
emissora, como o acesso a um texto que dê mais informações sobre uma
notícia dada e vídeos adicionais que deem mais detalhes, por exemplo, sobre a
rotina de um animal num programa sobre vida selvagem (ou o exemplo mais
fácil e barato de produzir, a disponibilização das imagens captada por outras
câmeras durante um jogo de futebol ao vivo para o telespectador escolher); e
a interatividade plena permite que o telespectador interfira na programação
que está sendo enviada para todos, votando, enviando informações e e-mails,
etc. (Maurício, 2009)

Ressalta-se que a chegada de um novo aparato tecnológico sempre gerou


grandes expectativas. Com a televisão analógica e a web foi assim e, atualmente,
com o vislumbre das possibilidades da TV digital, não é diferente. A proporção do
impacto da tecnologia digital ainda é uma incógnita, no entanto, não reconhecer
que nela há um potencial significativo é ignorar sua capacidade de interação, que
pressupostamente alterará, em alguma medida, a maneira dos telespectadores
assistirem à televisão.
Paralelamente, observa-se que as ações para efetivação da tão esperada
interatividade nem sempre caminham com a agilidade esperada. Foi o que
ocorreu com a homologação e disponibilização do middleware brasileiro Ginga3.
Esse fato evidencia a pouca clareza da política governamental em relação à TV
digital interativa. Outra questão é abranger os telespectadores, um dos grandes
desafios, atualmente, da inclusão digital. Conforme Maurício:

O canal de retorno do telespectador para a emissora pode ser por um telefone


fixo (presente em 55,2% dos domicílios), telefone celular ou internet, inclusive
por banda larga via rede elétrica – que ainda não é considerada ideal por alguns
técnicos, mas acaba de ser regulamentada pela Anatel (em 13 de abril) e espera
regulamentação pela Aneel. Movimentos que lutam pela democratização
das comunicações vêm defendendo o uso do Fust (Fundo de Universalização
dos Serviços de Telecomunicações, proveniente da cobrança de 1% da conta
telefônica) para levar banda larga a todos os municípios do Brasil, permitindo
que este canal de retorno seja via internet. Mas não há indicação alguma de
que isso venha a acontecer. (Maurício, 2009)

Neste sentido, há poucas evidências quanto à sociedade civil participar das

3 Middleware é o programa de interface que permite a interação de diferentes aplicações


de softwares, geralmente sobre diferentes plataformas de hardware e infraestrutura para troca de
dados. No caso em discussão, o middleware deve fazer a interface dos aplicativos de software para
permitir o funcionamento da TV digital. (Mariz, 31 jan. 2006)

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


86
reflexões e decisões regulatórias e, sobretudo, das influências e possibilidades desta
na democratização e na regionalização da produção dos conteúdos audiovisuais.
Observa-se que a utilização da televisão como importante ferramenta no processo
educacional, na diversidade cultural, no fortalecimento da democracia e no
desenvolvimento da ciência e tecnologia, merece um olhar mais atento. Caso
contrário, nas palavras de Maurício (2009):

Toda uma tecnologia desenvolvida para que os telespectadores como um todo


possam interagir com os emissores, feita para a TV aberta que hoje é o meio de
comunicação acessível a praticamente todos os brasileiros, será desperdiçada.
Em vez de democratizar as comunicações, estaremos novamente atendendo
apenas a quem tem mais dinheiro e, com isso, fazendo bons negócios – o
interesse público fica em segundo lugar.

Diante do exposto, a TV digital interativa, enquanto possibilidade de processos


de ensino-aprendizagem e uso de produções específicas, pode significar um
avanço, que compõe, num mesmo meio, recurso e sistemas de informação que
exploram determinados assuntos, assim como os respectivos processos de avaliação
relacionados ao tema desenvolvido. A ferramenta possibilita o fluxo completo
das atividades educativas suportadas num meio específico e com o apelo das
transmissões televisivas, permitindo “serviços para a tele-educação que têm como
eixo uma pedagogia comunicacional de apoio ao professor em sala de aula, apoio
ao estudante em casa e interação pais-escola” (Amaral e Pacata, 2003).
Aliás, educar através da televisão digital exige que educadores e comunicadores
abracem alguns objetivos, como a compreensão intelectual do meio, a leitura crítica
de suas mensagens, o domínio da tecnologia e a capacitação para sua utilização
livre e criativa. Diante dessas possibilidades da TV digital interativa, cabe pensar
em torná-la parte da educação, pois, através da interatividade, a importância da
televisão no processo educacional muda radicalmente, mormente por causa da
sua abrangência e da sua audiência.
Destaca-se que a TV digital, como meio tecnológico que possibilita a interatividade,
está sendo pesquisada no campo educacional para difundir conhecimentos e
informações, nomeadamente devido ao seu potencial em promover a interação
de seus telespectadores. Reforça-se que o fenômeno da interação é elemento
fundamental para a aquisição do conhecimento. Segundo Piaget (1996, p.39):

Os conhecimentos não partem, com efeito, nem do sujeito (conhecimento


somático ou introspecção), nem do objeto (porque a própria percepção contém
uma parte considerável de organização), mas das interações entre sujeito e
objeto, e de interações inicialmente provocadas pelas atividades espontâneas
do organismo tanto quanto pelos estímulos externos.

87 Possibilidades da interatividade da tv digital no camPo da educação


Logo, o conhecimento é construído interativamente entre o sujeito e o objeto,
na medida em que o sujeito age e sofre a ação do objeto, pois sua capacidade de
conhecer se desenvolve, enquanto produz o próprio conhecimento. Sendo assim,
no ambiente escolar, observa-se que várias pesquisas já foram feitas e muitos
pesquisadores universitários já se debruçaram em estudar o assunto e mostram-se
dispostos a avançar sobre ela. Todavia, na análise de Moran, referente à utilização
da TV digital, “um fator complicador é o ritmo lento, complexo e descontínuo da
gestão pública, com recursos, mas dificuldade na implementação, na continuidade
das políticas, sem falar na corrupção, que diminui o impacto dos recursos na
ponta, na escola” (Moran, 2007).
A todos estes fatores colocados, somam-se a falta de professores produtores
criativos e conhecedores do sistema digital interativo, que sejam capazes de
inovar os processos pedagógicos e didáticos. Já o setor empresarial tem investido
e realizado algumas experiências com a TV digital interativa, como é o caso da
Globo que tem desenvolvido aplicativos de interatividade há cerca de três anos. No
início de abril de 2009, a emissora demonstrou um aplicativo, criado pela Central
Globo de Produção, que transmitia, simultaneamente ao capítulo convencional da
novela Caminho das Índias, enquetes e descrições de personagens, que podiam
ser acessados pelo controle remoto e ocupavam parte da tela do televisor (Ribeiro,
13 maio 2009).
Segundo Maurício (2009), a partir de entrevistas realizadas, junto a atores
envolvidos com a TV digital, há pouca preocupação quanto à questão de efetivar
a interatividade, pois ela está sendo mais um problema do que uma oportunidade
do ponto de vista econômico, por não traz aumento de receita para as emissoras.
Já para a venda de produtos a interatividade é vista com mais simpatia, para tanto
sendo necessária a disponibilidade do middleware Ginga. Outra questão que amarra
a interatividade é o fato do alto custo de produzir um programa interativo. Isso
porque várias opções de conteúdo requerem ser produzidas, já que nem todos
os telespectadores passam a consumir a mesma versão do produto.

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Diante do exposto, conclui-se que a interatividade da TV digital, sua importância


e capacidade de transformações na relação entre receptor e emissor, ainda estão
numa etapa inicial no país. O próprio governo pouco tem se manifestado a respeito,
protelando interferências mais diretas na questão. Trata-se de buscar um modelo
de TV digital cabalmente sintonizado com as exigências do desenvolvimento
sociocultural, educacional e tecnológico do país. Segundo a análise do
pesquisador de Telecomunicações do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
em Telecomunicações de Campinas (CPqD) e especialista em TV Digital, Daniel
Pataca, “a interatividade na TV digital ainda é um aprendizado. Mesmo no Exterior,
ela não tem um impacto grande, por enquanto. É preciso achar esse novo modelo”
(Guaiume, 16 fev. 2009). É de se supor que soluções pertinentes, gradativamente,

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


88
sejam propostas e viabilizadas, em níveis cada vez mais complexos, à medida que
essa tecnologia for implantada efetivamente.

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Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


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91 Possibilidades da interatividade da tv digital no camPo da educação


A economia política do coronelismo eletrônico:
categorização dos líderes políticos proprietários de
radiodifusão em Minas Gerais1
LUIZ FELIPE FERREIRA STEVANIM
SUZY DOS SANTOS

Na abertura da I Conferência Nacional de Comunicação – Confecom, o presidente


Luiz Inácio Lula da Silva chamava atenção para a necessidade de se coibir o
avanço de emissoras de rádios outorgadas a instituições sociais que servem
de fachada para o controle de políticos tradicionais de várias regiões do país.
O Presidente defendeu a necessidade de “agir corretamente para que as rádios
comunitárias possam atender verdadeiramente os interesses comunitários”. Se,
em um primeiro instante, essa fala poderia sinalizar para uma ruptura na lógica
das políticas de comunicação nacionais, a continuidade do discurso tratou de
arrefecer a esperança: “e nós sabemos que todas essas coisas têm que passar pelo
Congresso Nacional” (Silva, 2009).
Com uma expressiva quantidade de radiodifusores entre os seus membros,
o Congresso Nacional é locus primordial da rede de relações entre os poderes
locais, regionais e nacionais que fundamenta o sistema que temos chamado
de coronelismo eletrônico (Santos, 2006, 2007, 2008; Santos, Capparelli, 2005).
Esta categoria resgata o conjunto de enunciados do sistema denominado de
coronelismo, na tradição analítica nascida em Victor Nunes Leal (1997), como
herança conceitual conveniente para o estudo das políticas de comunicação
no Brasil. No intuito de desenvolver um aparato teórico-metodológico para
compreender as dinâmicas assimétricas de poder e negociação neste cenário,
busca-se concatenar o papel dos meios de comunicação como elemento de ruptura
ou continuidade no sistema político nacional e as especificidades geopolíticas
do mercado brasileiro de comunicações. Dessa forma, o Congresso Nacional é,
como dissemos, locus primordial para o diagnóstico das relações entre política
e meios de comunicação.
Este artigo pretende articular considerações preliminares para uma genealogia

1 Este trabalho é parte do projeto Coronelismo Eletrônico versus Convergência das


Comunicações: poder e negociação na relação entre democracia e novas tecnologias e representa
um primeiro exercício de categorização das distintas naturezas dos líderes locais proprietários de
radiodifusão no Brasil.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


92
dos atores políticos ligados às comunicações no país a partir da análise dos
deputados federais mineiros detentores de outorgas de radiodifusão na última
legislatura completa (2007-2010). Busca-se demonstrar, nesse estrato do Congresso
Nacional, continuidades e (re)semantizações do sistema coronelista eletrônico,
no qual o controle dos meios de comunicação é o cerne da análise por assumir
forma similar ao que foi a posse da terra na Primeira República. O controle dos
meios de produção baseado no poder político em detrimento do poder econômico
pode ser relacionado à debilidade da distinção entre interesses público e privado.

MINAS GERAIS: HIBRIDISMO ENTRE TRADIÇÃO VERSUS MODERNIDADE

É muito difícil precisar o número exato de políticos detentores de outorgas


de radiodifusão no país. O caráter estratégico da radiodifusão na vida política
e os estratagemas usados para encobrir irregularidades tornaram este um dos
menos transparentes sistemas nacionais. A publicação das listas de acionistas das
empresas é recente, com pouco menos de uma década, e os dados oficiais nem
sempre permitem uma visão clara. Há outorgas com informações desatualizadas,
incompletas, com erros e, principalmente, é comum o subterfúgio de estarem
registradas em nome de parentes, afiliados ou sócios dos verdadeiros donos.
É importante destacar também que o campo da comunicação no Brasil tem
parca tradição no manejo de dados primários. Os dois bancos de dados conhecidos
sobre o tema, Donos da Mídia e Transparência Brasil – Excelências, são mantidos
por organizações externas ao ambiente acadêmico.
Esses bancos de dados são complementares já que as metodologias são
distintas. O Donos da Mídia cruza as informações dos sistemas eletrônicos
disponibilizados pela Agência Nacional de Telecomunicações e dados do Ministério
das Comunicações sobre os sócios e diretores de outorgas com as listas de prefeitos,
governadores, deputados e senadores em todo o país. Assim, considera apenas
outorgas em nome dos próprios políticos, ficando de fora aquelas em nome de
parentes e afiliados. O banco de dados também não analisa vereadores. Ao todo,
o Donos da Mídia lista 271 políticos radiodifusores no país. Apesar do total de
políticos radiodifusores ser semelhante no Transparência Brasil – Excelências (270
em todo o país), a metodologia é completamente distinta. Nesse, contabiliza-
se apenas parlamentares, excluindo membros do Poder Executivo. O universo
engloba o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas de 21 estados – não
fazem parte da amostra: Acre, Alagoas, Distrito Federal, Roraima e Tocantins – e,
por fim, as câmaras municipais de Curitiba, Natal, São Paulo e Rio de Janeiro.

93 A economiA políticA do coronelismo eletrônico: cAtegorizAção dos


líderes políticos proprietários de rAdiodifusão em minAs gerAis
As fontes dos dados também diferem. Para se chegar aos relatórios finais, são
consultadas as declarações de bens à Justiça Eleitoral e os perfis informados
pelos parlamentares nas suas Casas legislativas. Assim, para uma amostra mais
completa da rede de relações entre radiodifusão e política em um determinado
espaço geográfico, são necessários outros levantamentos além desses disponíveis,
como, por exemplo, cruzar as listagens oficiais com os nomes de esposas, pais,
filhos e sócios dos políticos.
A restrição desse artigo aos deputados federais mineiros justifica-se por algumas
razões. Em primeiro lugar, desde que as outorgas deixaram de ser de competência
exclusiva do Presidente da República, o Congresso Nacional tornou-se o principal
gestor do espectro de radiodifusão brasileiro. Os parlamentares federais são
também os atores centrais no processo clientelista entre Executivo e Legislativo,
que transformou concessões de rádio e televisão em moeda corrente da política
nacional desde o fim da ditadura militar. Uma vez que se pretende verificar como
se dá a relação entre município e federação no coronelismo eletrônico, a Câmara
dos Deputados é um elemento mais frutífero que o Senado já que os membros
deste não estão, normalmente, vinculados a uma única base municipal.
Dos Estados da Federação, Minas Gerais é o que se apresenta mais complexo
para a análise. É o Estado brasileiro que tem maior número de deputados federais
radiodifusores (11), o maior número de políticos radiodifusores (38, segundo o
banco de dados Donos da Mídia, 2011), o maior número de licenças de retransmissão
de televisão outorgadas a prefeituras (800). Em termos políticos, o estado agrega
características diversificadas. É a região em que a tradição patrimonialista das
famílias governamentais (Horta, 1956; Iglésia, 1986) melhor expressa a sua
continuidade. No entanto, difere da imagem construída em torno do coronelismo
na qual se fantasia o sistema como pertencente a regiões atrasadas, isoladas, sem
acesso aos recursos tecnológicos. Pelo contrário, Minas Gerais tem traços claros
dos centros urbanos característicos do capitalismo avançado (Harvey, 2006).
Diferente da ideia de um espaço árido, tão retratado em tons sépia, a especificidade
do coronelismo eletrônico é justamente a complexificação espacial associada à
comunicação social eletrônica. 2
O perfil dos líderes políticos mineiros passou por alterações ao longo dos
últimos cem anos – assim como mudaram as condições econômicas do estado
e a natureza dos regimes políticos vigentes no país. Desde a República Velha
até a fase de redemocratização posterior à Constituição de 1988, além de duas

2 Adotamos aqui a perspectiva que compreende tanto espaço material quanto representações
do espaço e espaços de representação (Harvey 2004, 2006; Levebvre, 2003a, 2003b).

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


94
ditaduras (a do Estado Novo e a de 1964), as figuras mineiras com atuação no
cenário nacional deixaram de ser exclusivamente homens ligados à terra, para
desenvolver uma complexa rede de negócios, não raro com subsídio público.
Dos 53 deputados federais mineiros eleitos em 2006, dez efetivos e um suplente
possuem alguma ligação com instituições concessionárias de rádio e televisão,
seja pelo próprio nome ou por meio de parentes e sócios. Exceto por um dos
casos, o de Carlos Melles, oriundo da cidade de São Sebastião do Paraíso, todos
os demais estão ligados a emissoras de rádio, o que aponta para a centralidade
do veículo como formador de opinião em cidades pequenas e médias. Nenhum
dos municípios com outorgas relacionadas a deputados federais possui mais de
400 mil habitantes – o maior deles, Montes Claros, terra de Humberto Guimarães
Souto, tem cerca de 350 mil e o menor, Medina, tem pouco mais de 20 mil.

TABELA 1: LISTA DOS DEPUTADOS MINEIROS DA 53ª LEGISLATURA LIGADOS A


INSTITUIÇÕES CONCESSIONÁRIAS DE RÁDIO E TELEVISÃO3

3 Há ainda os deputados federais Mário de Oliveira (PSC-MG), presidente da Igreja do


Evangelho Quadrangular, e Carlos Willian (PST-MG), membro da mesma igreja, aos quais estão
ligadas três outorgas de rádio FM, duas em Belo Horizonte e uma em Ipatinga. Esses casos não serão
analisados nesse trabalho, por adequação de foco, uma vez que a relação entre o político e os meios
de comunicação passa pela mediação da igreja, o que constitui um vínculo de tipo social específico.
Assim, também não consideraremos o caso de Mateus Leme, município da região central de Minas
Gerais, onde a Igreja Sara Nossa Terra, ligada ao deputado Robson Rodovalho (DEM-DF), possui uma
outorga de TV educativa.

95 A economiA políticA do coronelismo eletrônico: cAtegorizAção dos


líderes políticos proprietários de rAdiodifusão em minAs gerAis
Ainda que sejam líderes com projeção nacional, a fonte de poder para esses
políticos provém de suas cidades ou regiões de origem – é nesses locais que se
constituem como lideranças de voto e de opinião, nos quais ainda reside parte
considerável da família e onde se batizam ruas e se erguem monumentos em
homenagem a seus antepassados. Não seria nota casual o fato de que pelo menos
uma das concessões de rádio e TV da qual são responsáveis esteja baseada em seus
próprios domicílios eleitorais, exceto pelo caso de Rodrigo de Castro, natural de
Viçosa, na Zona da Mata mineira, e concessionário de uma rádio FM no município
de Medina, localizado no Vale do Jequitinhonha.
Há dois perfis de origem biográfica entre os deputados radiodifusores: aqueles
cuja atuação na política descende de famílias tradicionais, como os Andradas
ou os Coelhos, cada um deles com pelo menos um século de participação em
governos; e os de caráter personalista, cujo histórico político se concentra em um
único ator ou, no máximo, em duas gerações de ocupantes de cargos eletivos
(em geral pai e filho), o que torna difícil supor se esses líderes gerarão herdeiros
para seu capital político.

A MANUTENÇÃO DO PATRIMONIALISMO: FAMÍLIAS E PODER

As famílias que desfrutam de histórico político são uma característica relevante


da difícil distinção entre interesses público e privado. A tradição analítica de
matriz weberiana tem farta produção acerca da relevância da estrutura familiar
nas lógicas constitutivas do patrimonialismo e de suas formas derivadas, como
o mandonismo (Bearfield, 2009; Marques, 2002; Carvalho, 1997, 2005; Campante,
2003; Jorge Cruz, 2004; Brinkerhoff & Goldsmith, 2002; Satzewich, 1996). O poder
político patrimonialista se organiza e se legitima caracterizado pelo poder arbitrário
e se perpetua pela tradição. Neste contexto, as estruturas familiares – baseadas
na parentela, no compadrio e no filhotismo – são a essência do modelo. No Brasil,

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


96
além das raízes patrimonialistas arraigadas, o personalismo e a estrutura familiar
são elementos perenes da vida política nacional. Segundo Francisco Iglèsias,

O fato é explicável, pelas características de formação da sociedade brasileira.


Teve-se no país mais uma versão do mundo patriarcal, em que em torno de
uma figura – o patriarca – se desenvolve um universo: a esposa, os filhos, netos,
irmãos, primos e sobrinhos, cunhados, genros e noras, sogros e sogras, além
dos dependentes, agregados e outros, que se acolhem à sombra do poder
de quem é não apenas chefe de c1ã natural, mas também político, dono da
economia – fazendeiro ou empresário –, subjugando direta ou indiretamente
os chefes religiosos, que também se acolham sob o seu manto (1986, p.111-2).

No caso das famílias mineiras, o vínculo com o município mostra-se ainda mais
orgânico, sendo a história do lugar indissociável do sobrenome: os Andradas
em Barbacena, os Coelhos em Ubá, os Neves em São João Del Rey (dona de um
conglomerado de mídia na cidade, que reúne jornal, rádio e televisão educativa,
essa família atualmente tem como principal representante Aécio Neves, ex-
deputado federal e governador de Minas Gerais (PSDB, 2003-2010), neto do
presidente Tancredo Neves).
Entre as famílias radiodifusoras, como se trata de um poder simbólico
historicamente entranhado no imaginário da sociedade local, não se faz necessário
que um membro ocupe sempre um cargo eletivo – embora a permanência no
poder garanta a perpetuação da rede de influências e da posição social. É o caso
da família Coelho, cuja ocupação mais recente de posto público se deu durante
o governo Fernando Henrique Cardoso, quando o então deputado Saulo Coelho
foi nomeado primeiro ouvidor da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Com a missão de tornar mais transparente a instituição encarregada de fiscalizar
as comunicações no país, Coelho assumiu o cargo tendo em sua cidade de origem
uma rádio, uma TV educativa e um jornal.
Tradicional família da Zona da Mata mineira, os Coelhos atuam na política desde
a República Velha, tendo Levindo Eduardo Coelho sido senador estadual entre os
anos de 1915 e 1930. Seu filho, Ozanam Coelho, depois de liderar o PSD no estado
na década de 1950, chegaria mais longe, ao assumir o governo de Minas Gerais de
1978 a 1979, no posto deixado por Aureliano Chaves. Em sua terceira geração na
política, a família alcançou a presidência da Telemig (Telecomunicações de Minas
Gerais S/A), com o deputado federal Saulo Coelho, depois nomeado ouvidor da
Anatel pelo ministro Pimenta da Veiga – não causalmente também mineiro e
integrante do mesmo partido (PSDB).

97 A economiA políticA do coronelismo eletrônico: cAtegorizAção dos


líderes políticos proprietários de rAdiodifusão em minAs gerAis
Antigos proprietários de terras em Ubá, os Coelhos fundaram a Faculdade
Ozanam Coelho (FAGOC), em homenagem ao patriarca do clã. A família também
compõe o quadro societário da Fundação Ubaense de Educação e Cultura,
mantenedora de uma rádio FM, da TV Folha do Povo, afiliada da Rede Minas, e
de um jornal de mesmo nome. Embora ainda permaneçam como donos de terra
(Fazenda das Palmeiras), os Coelhos não são o único caso de líderes políticos que
ampliaram sua rede de negócios para faculdades privadas, ao lado de empresas
de mídia, capitaneando verdadeiros conglomerados regionais de conhecimento
e comunicação.
Outro grupo familiar, descendente direto de José Bonifácio de Andrada e Silva,
o “patriarca da Independência”, os Andradas fundaram a Universidade Presidente
Antonio Carlos (UNIPAC), espalhada por mais de 100 cidades de Minas Gerais com
cerca de 200 cursos de graduação4. Quem está à frente da família é Bonifácio José
Tamm de Andrada, deputado por sete legislaturas (1979-2010), reitor licenciado da
universidade e pai do deputado estadual Lafayette Andrada (2007-2010). Talvez
se trate, dentre os políticos analisados, daquele cuja rede de influências alcança
o maior número e a maior diversidade de municípios. Ainda que possua ligação
com terras, Bonifácio Andrada sempre figurou como homem de letras, tendo sido
inclusive professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) entre 1981 e 2001.
No setor de rádio e televisão, Bonifácio Andrada possui em seu próprio nome
somente a Rádio Correio da Serra, com outorga de AM, em Barbacena, seu município
de origem. Porém, um emaranhado de instituições revela que o deputado também
é proprietário da TV educativa da cidade. Eis a teia: por meio de consulta pública na
Anatel, verifica-se que a Fundação José Bonifácio Lafayette de Andrada (FUNJOB)
mantém a TV Campos das Vertentes, afiliada da Rede Minas, e uma rádio FM. Os
diretores dessa organização, que também gerencia a Faculdade de Medicina
de Barbacena-FAME, são Antonio Benedito de Araújo e Evandro José Santos de
Almeida. Até aí nenhuma relação com o deputado, a não ser pela razão social da
fundação, em homenagem a um de seus antepassados – fato corriqueiro, mas não
indiferente, na cidade dos Andradas. O vínculo está no fato de que a Faculdade
de Medicina da FUNJOB é subsidiária da FUPAC (Fundação Presidente Antônio
Carlos), mantenedora da Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC) – isto
é, trata-se de duas fundações educativas, uma diretamente ligada ao deputado,
outra não, que se integram na prática.
A persistência do patrimonialismo não é, contudo, uma continuidade inabalável

4 Dados da própria instituição. Fonte: http://www.unipac.br

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


98
de um fenômeno pré-capitalista. Esta antiga forma de organização social, que
fragiliza o poder do Estado e hipertrofia o poder privado, não deve ser tomada
como um sinônimo de coronelismo. Ela é uma forma mais ampla, o coronelismo
é sistema derivado, logo mais específico. O sistema coronelista, na concepção do
primeiro autor que se debruçou sobre ele, referia-se à inter-relação dos elementos
componentes do poder, em um momento específico de transição entre duas
estruturas políticas diferenciadas.

Seria, porém, errôneo identificar o patriarcalismo colonial com o “coronelismo”


(...) também não teria propósito dar este nome à poderosa influência que,
modernamente, os grandes grupos econômicos exercem sobre o Estado (...)
não se pode, pois, reduzir o “coronelismo” a simples afirmação anormal do
poder privado. É também isso, mas não é somente isso (LEAL, 1997, p.276).

No ordenamento das relações pertinentes ao coronelismo, o papel central é o


da articulação entre o município e a federação. Esse sistema nacional de poder
específico representava a recomposição do jogo de forças na passagem brasileira
da Monarquia para a República. “O coronel entrou na análise por ser parte do
sistema, mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e a maneira
pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a partir
do município” (Leal, 1980, p.13).
É também usual a confusão entre mandonismo e coronelismo, como se fossem
dois nomes para o mesmo fenômeno (Carone, 1973; Pang, 1979). Essa pode ser
a degeneração mais nociva à análise já que induz à figura do coronel como um
senhor absoluto, quase mitológico, que inverte a ordem conceitual. O coronelismo
se inscreve como um momento particular do mandonismo, “exatamente aquele em
que os mandões começam a perder força e têm de recorrer ao governo” (Carvalho,
2005a, p.133). Para Victor Nunes Leal e para José Murilo de Carvalho, mandonismo
é mais abrangente, ocorre em diversos momentos e lugares, aproxima-se mais da
ideia de caciquismo. Leal contradiz com veemência essa sinonímia:

Não há uma palavra sequer no meu livro pela qual se pudesse atribuir o
status de senhor absoluto ao coronel (...) Em nenhum momento – repito –
chamei o coronel de senhor absoluto. Nem jamais me passou isso pela cabeça.
Ao contrário, divergindo da noção corrente, digamos, da noção vulgar de
coronelismo – que punha ênfase no mandonismo, e apresentando sempre
o coronel como um homem valente, destemido, desafiador da autoridade

99 A economiA políticA do coronelismo eletrônico: cAtegorizAção dos


líderes políticos proprietários de rAdiodifusão em minAs gerAis
pública, um homem rico, poderoso, condutor de exércitos privados – , o que
procurei acentuar, como característica dominante na Primeira República, foi,
ao contrário, a decadência socioeconômica dos senhores rurais – montados
numa agricultura decadente, numa agricultura depredadora – , incapazes,
portanto, de solucionar os próprios problemas que a agricultura colocava
para eles. Esse personagem da vida local, o que me pareceu sobretudo foi um
homem mais fraco do que forte (1980, p.13).

O mandonismo, na precisa definição de José Murilo de Carvalho,

Refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de


poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como indivíduo,
é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico, em geral
a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário
que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política (1997).

Para compreender a lógica das políticas de comunicação no Brasil, é primordial


diagnosticar as estruturas regionais e locais de poder detalhando suas funções
e reciprocidades aparentes bem como as funções latentes e as necessidades
camufladas. Com base neste detalhamento é que será possível a futura
construção de uma metodologia de análise do sistema coronelismo eletrônico
nas comunicações brasileiras. Neste intuito, deve iniciar pela análise dos “tipos”
diferenciados de atores, neste estudo, dos “tipos” de parlamentares radiodifusores.
O membro de família tradicional é, talvez, o tipo mais perene de concessionário
de radiodifusão brasileiro. A base familiar é tão consistente que gerou outro tipo,
as famílias radiodifusoras que gerem os principais veículos de comunicação
nacional, como os Marinho, os Saad, os Sirotsky, os Mesquita etc. Como aponta
André Heráclio do Rêgo

Foi no Brasil que a família atingiu, talvez, o mais alto grau de interação com o
poder […] Desde os começos da formação do país, o exercício do poder político
ligou-se ao fato de que os primeiros grupos a conquistarem a terra o fizeram
como empresas militares familiais. A economia política por eles legada aos
descendentes testemunhou assim uma grande dependência no que se refere
à família e aos laços de parentesco (2008, 55).
Além dos membros de famílias tradicionais, temos outra espécie de parlamentar

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


100
radiodifusor que se define como “empresário”, um tipo personalista. Esta figura é
confundida em muitas definições, com a figura do capitalista tradicional. Mas não
se trata disso. Diferentemente do capitalista liberal, os negócios do parlamentar
radiodifusor brasileiro “empresário” seguem a matriz do sistema coronelista
tradicional: a) lógica clientelista com alto grau de dependência das redes familiares;
b) ganhos financeiros oriundos de favores ou benesses indiretas; c) administradores
recrutados e promovidos como premiação para conexões com lideranças políticas;
d) políticas econômicas que regularmente favorecem grupos específicos através
da distribuição direta de recursos.

OS ‘NEGÓCIOS’ DO CORONEL: TERRA, RADIODIFUSÃO, FACULDADES...

Em Muriaé, na Zona da Mata mineira, reside o exemplo mais genuíno de político


de primeira geração, cujo poder de influência se concentra na figura de uma única
persona: Lael Varella, eleito por cinco legislaturas (1987-2010), é também o nome
com o maior patrimônio declarado entre os deputados mineiros radiodifusores
(R$ 5.751.547,18, segundo dados declarados à Justiça Eleitoral em 2006). A rede de
negócios sob sua tutela abarca desde setores de informação, como uma faculdade
privada e empresas de comunicação, até empreendimentos com elevado respaldo
social, como o Hospital do Câncer de Muriaé, além de um conjunto de firmas de
natureza estritamente comercial (transportadoras e revendedoras de pneus e
caminhões), com filiais espalhadas por cinco estados brasileiros5.
Ainda que não possua tradição histórica na política, como nos exemplos dos
Andradas e dos Coelhos, a família se faz presente como elemento constituidor da
rede de negócios do deputado: a diretoria da Fundação Cristiano Varella, criada
em homenagem ao filho morto em um acidente de automóvel, é composta por
quatro de seus descendentes – é essa entidade que administra a Faculdade de
Minas (Faminas), com campi em Muriaé e Belo Horizonte, e mantém a concessão
de uma emissora de televisão educativa, afiliada da Rede Minas, enquanto as duas
rádios da família, que compõem o grupo de mídia Rede Atividade, possuem um
perfil declaradamente comercial (Rádio Princesa da Mata LTDA).
Diante desse complexo de empresas, pode-se questionar se Lael Varella é antes
um empresário do que um político. No entanto, o que seria de sua iniciativa mais
pujante, a Fundação Cristiano Varella, sem o vínculo com o poder público? Por
estar à frente do Hospital do Câncer de Muriaé, a entidade recebeu cerca de 14

5 Consulta em http://www.empresaslaelvarella.com.br

101 A economiA políticA do coronelismo eletrônico: cAtegorizAção dos


líderes políticos proprietários de rAdiodifusão em minAs gerAis
milhões do Orçamento da União, desde 2006, com algum montante de verbas
liberadas pelo próprio Lael Varella6. De perfil filantrópico, o hospital foi construído
tanto com patrimônio da família quanto com investimento estatal e é mantido
pela mesma instituição que gerencia uma faculdade privada, em última instância
com fins lucrativos, e uma concessão de TV educativa. Como definir os limites
entre o público e o privado em casos como esse?
O vínculo com propriedades de terra, embora não seja motor central do sistema
como na República Velha, permanece em todos os casos de deputados federais
radiodifusores de Minas Gerais. Em um dos exemplos, o de Carlos Melles, ministro
dos Esportes durante o governo Fernando Henrique (05/2000-03/2002), a relação
com a Fundação Educacional e Cultural do Sudoeste Mineiro, concessionária de
uma TV educativa, dá-se por meio da Cooperativa Regional dos Cafeicultores de
São Sebastião do Paraíso, da qual o deputado figura como presidente: um dos
diretores da fundação, Adilson Salviano de Paula, é membro do Conselho Diretor
da Cooperativa, enquanto o outro, Maurício Landi, trabalha como jornalista
responsável pelas publicações da instituição. Eis, portanto, uma conexão indireta,
mas considerável.
O município, com pouco mais de 64 mil habitantes, possui não apenas uma,
mas duas concessões de educativas: a mais antiga delas, a TV Paraíso, ligada a
um adversário político de Melles, chegou a sair do ar diante da concorrência com
a TV Sudoeste, que também retransmitia a programação da rede pública. Como
mostram Venício Lima e Cristiano Lopes (2007), a desobrigação das outorgas
de radiodifusão educativa de passarem por licitação constitui uma das brechas
por meio das quais políticos burlam o sistema legal e tornam-se radiodifusores7.
De fato, as cinco emissoras de televisão de deputados federais mineiros são
educativas, todas elas distribuídas quando Pimenta da Veiga era ministro das
Comunicações (1999-2002).
Dentre os deputados federais que só possuem emissoras de rádio, Humberto
Guimarães Souto é o que dispõe do maior número de outorgas: duas em Montes
Claros (AM e FM) e uma em Porteirinha (AM), ambos os municípios localizados na

6 Correio Brasiliense (03 jul. 2006). Em consulta ao banco de dados da Câmara dos Deputados,
verificamos que a Fundação Cristiano Varella recebeu 5,2 mi de Emendas ao Orçamento em 2006,
sendo que 2,5 mi foram aprovados pelo próprio Varella. Em 2007, foram 3,15 mi e, em 2008, mais 8,5
mi destinados ao Hospital do Câncer, mantido pela Fundação que leva o nome do fi lho do deputado.
Além do próprio Varella, as emendas parlamentares foram assinadas pelos deputados Leonardo Mattos
(PV-MG), Isaías Silvestre (PSB-MG) e Gilberto Nascimento (PMDB-SP).
7 Segundo o parágrafo 1º do Artigo 13 do Decreto 2108 de 1996: “É dispensável a licitação
para a outorga para a execução de serviço de radiodifusão com fins exclusivamente educativos.”

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


102
região norte do estado, onde o político exerce influência. As três licenças, vencidas
desde a década de 1980, mas ainda em funcionamento, encontram-se no nome
do próprio deputado – aliás, o registro direto é mais comum no rádio do que na
televisão, pois enquanto nenhuma das outorgas de TV está no nome do próprio
chefe político, é o que acontece em cinco casos de concessões de rádio (Bonifácio
Andrada, Cleuber Carneiro, Humberto Guimarães Souto, João Lúcio Magalhães
Bifano e Rodrigo de Castro) e somente dois em nome de parentes (Lael Varella
e Jaime Martins Filho).
Se para alguns nomes, como Lael Varella e Bonifácio Andrada, a ligação com o
setor rural é apenas complementar em sua posição econômica, há outros casos
em que o político se destaca como representante ruralista. Jaime Martins Filho,
com zona de influência no Centro-Oeste de Minas, fundou o Sindicato Rural e a
Cooperativa Agropecuária de Divinópolis e possui participação em propriedades
rurais nessa cidade e em Nova Serrana, onde sua família dispõe de duas outorgas
de rádio AM.
O ex-ministro do Tribunal de Contas da União (1995-2002) e líder do governo
Collor (1991-1992), Humberto Guimarães Souto, tem terras em Montes Claros
(Fazenda Rio Verde) e em Ocidental, no Distrito Federal (Fazenda Bebedouro),
somando mais de 900 cabeças de gado, segundo dados declarados à Justiça Eleitoral
em 2006. João Lúcio Magalhães Bifano, sócio direto da COMCEL (Comunicações
Culturais e Evangélicas LTDA), beneficiária de uma concessão de rádio AM no
município de Manhuaçu, na Zona da Mata, é pecuarista e cafeicultor.
O limite entre o legal e o ilícito torna-se tênue no terreno do uso político de
recursos públicos: três dentre os deputados radiodifusores (Cleuber Carneiro,
Jaime Martins Filho e João Lúcio Magalhães Bifano) estiveram envolvidos em
pelo menos uma denúncia de favorecimento próprio ou de aliados com verbas
governamentais. O suplente de deputado Cleuber Carneiro, natural de Januária, no
norte do estado, foi acusado em 2006 pelo Ministério Público Federal de participar
do “Esquema das Sanguessugas”, que condicionava licitações com recursos para
municípios aliados a empresas indicadas pelo deputado. Os filhos de Carneiro
são diretores da Rádio Progresso FM e da fundação mantenedora da TV Norte,
afiliada da Rede Minas, enquanto a Rádio Voz do São Francisco LTDA, com uma
outorga de AM, pertence diretamente ao deputado8.

8 Jaime Martins Filho foi acusado pelo Ministério Público Federal de participar de um esquema
de desvio de verbas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), para favorecer aliados e
prejudicar adversários. Bifano também participaria do mesmo esquema, segundo o MPF, cobrando
propinas de prefeitos para liberar Emendas ao Orçamento para determinados municípios.

103 A economiA políticA do coronelismo eletrônico: cAtegorizAção dos


líderes políticos proprietários de rAdiodifusão em minAs gerAis
A posse de uma emissora de rádio ou de televisão não garante a um político a
sua continuidade no poder: podemos nos questionar quais os benefícios revertidos
em voto que uma rádio FM, em um município de pouco mais de 20 mil habitantes,
pode trazer para um nome como Rodrigo de Castro, herdeiro político do pai,
Danilo de Castro, tradicional liderança da Zona da Mata e Vertentes e secretário
de Estado do governo Aécio Neves. Não se pode pensar aqui em uma relação de
causa e efeito, ainda porque em todos os casos analisados os políticos tornaram-
se concessionários de radiodifusão depois de estarem no poder.
O sistema de ligação entre políticos e meios de comunicação, que chamamos de
coronelismo eletrônico, encontra-se sedimentado nas relações sociais estabelecidas
no município e naturalizado no imaginário da população local. Em seus territórios
de influência, não causa estranhamento o fato de um deputado possuir uma
emissora de rádio ou de televisão – livres das investidas dos cidadãos comuns e de
aliados, críticas podem vir apenas de adversários, não raro também radiodifusores.

CONCLUSÕES INICIAIS

A complexidade dos atores sociais relacionados às políticas de comunicações


dificulta que se chegue a um tipo ideal de político-radiodifusor, capaz de representar
as características comuns a todos eles – o que se pretendeu aqui foi antes uma
fotografia das relações de poder estabelecidas por líderes políticos regionais com
projeção nacional, a partir da esfera local, isto é, o próprio município no qual se
abrigam seus principais negócios, dentre eles as empresas de comunicação.
O passo inicial para se estabelecer um conjunto de lógicas e orientações,
com vista a construir uma metodologia de análise do coronelismo eletrônico
avança com a genealogia destes atores sociais a partir de um estado que abriga
características diversificadas, como Minas Gerais, nem tão rural nem tão urbano,
nem tão patrimonialista nem tão instrumentalista e com expressividade perene
na política nacional. Percebe-se que embora tenha um certo equilíbrio entre os
dois tipos distintos de deputados federais radiodifusores, os oriundos de famílias
tradicionais e os empresários/personalistas, as heranças patrimoniais da história
nacional se fazem claramente presentes.
A terra ainda ocupa um lugar fundamental nos “negócios” dos coronéis. Não
há uma migração de um modelo rural para um modelo urbano, pelo contrário,
percebemos nos contextos municipais a continuidade do modelo patrimonialista
tradicional. O interesse dos políticos locais, em especial os de natureza autoritária,
por veículos de comunicação não é novidade dos tempos atuais. Grande parte

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


104
da bibliografia sobre coronelismo e mandonismo no país traz relatos de coronéis
que mandavam imprimir cordéis e panfletos, que expulsavam jornalistas das
cidades ou que manejavam habilmente as relações com jornais e revistas das
capitais como forma de pressão política aos governos federais ou inimigos de
ocasião. E há razões claras para o interesse dos líderes políticos locais nos meios
de comunicação, em especial os eletrônicos:

t O papel similar ao que foi da terra na cooptação de votos;


t Garantia de renda, através de incentivos fiscais, financiamentos e
publicidade oficial;
t Garantia de proteção nos mercados locais contra predadores
concorrenciais;
t Ferramenta de divulgação dos outros ‘negócios’ sob influência dos
líderes políticos;
t Importante ferramenta de construção de imagem mítica;
t Controle do fluxo de informação;
t Arma fundamental contra os inimigos políticos.

Há um vetor comum que aponta para a modernização do coronelismo, ao passo


em que se mantêm as mesmas estruturas de dominação social e patrimonialismo.
Ainda ligados à terra, mas não mais dependentes do setor rural, em cidades cada
vez mais urbanizadas, os políticos radiodifusores tendem a expandir seus negócios
para a economia da cultura, do conhecimento e da comunicação, gerando capital
social em torno de seus próprios nomes.

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líderes políticos proprietários de rAdiodifusão em minAs gerAis
A reedição do difusionismo diante da brecha digital:
o desafio das regiões na sociedade da informação1
FRANCISCO JAVIER MORENO GÁLVEZ

Apesar dos debates suscitados acerca das dimensiones e consequências


das transformações que vêm experimentado as sociedades contemporâneas, é
inegável que nas últimas décadas fomos testemunhas da configuração de uma
nova forma de ordem mundial em que se reorganizam as relações entre os atores
tradicionais ao mesmo tempo em que surgem novos protagonistas também
fortes. Isso resulta em algo complicado, uma vez que é pouco rigoroso apontar
um determinado acontecimento ou delimitar em uma data específica a origem
de tais mudanças. Sem dúvida parece consensual situar como ponto de inflexão a
crise capitalista dos anos 1970 e a posterior reestruturação produtiva encaminhada
para recuperar a lucratividade das economias mais desenvolvidas. A partir desse
momento, é inaugurado um novo sistema de relações, não mais internacional mas
global, pois as coordenadas geopolíticas não abrangem unicamente os limites
estabelecidos pelas fronteiras físicas e imateriais do Estado-nação, elas se abrem
a uma nova articulação do global com o local.
A globalização vem acompanhada de novas formas de entender o mercado,
os intercâmbios comerciais, o mundo financeiro, a força de trabalho, as relações
políticas, o papel do Estado, a função dos partidos políticos, os conflitos
bélicos, os direitos humanos, os processos migratórios, o meio ambiente, a
saúde, os intercâmbios culturais, etc. Igualmente, o mundo se contrai espacial
e temporalmente, novos cenários e atores aparecem na luta pela hegemonia,
naquilo que desde a teoria sistêmica se convencionou chamar sistema-mundo
(Arrighi e Silver, 2001). Diante da ascensão de novas superpotências como China,
Brasil, Japão ou Índia, que fazem frente à superpotência dos EUA, os novos
organismos globais tomam posições e, ainda que não se desliguem da luta
interestatal, transcendem a mesma e prefiguram um novo sistema de dominação,
uma nova ordem global, baseada na preeminência da economia sobre a política.
Essa rearticulação do Estado-nação vem também determinada pela crescente
importância das regiões infra e supra estatais, que protagonizam um processo
de reorganização territorial que esvazia por cima e por baixo, as instituições do

1 Tradução de Mateus Yuri Passos.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


110
Estado. Tal movimento transformador está marcado por uma dupla dinâmica de
descentralização e recentralização econômica e política, que torna obsoleto o ato
de referir-se unicamente às distinções tradicionais de Primeiro e Terceiro Mundo
ou Norte e Sul, para fazer referência à atual configuração da desigualdade.
Em todas essas modificações, as Novas Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC) tiveram e ainda têm um papel central. A mudança tecnológica,
em parte impulsionada pelas necessidades do capitalismo durante as últimas três
décadas, trouxe consigo transformações radicais na economia, política e cultura,
que também reconfiguram o espaço público. Surgem então novos desafios e
problemas, pois a relação atual entre progresso técnico e mudança social, muito
longe de ser uma panaceia para o desenvolvimento das economias periféricas,
apresenta geralmente uma ampliação do abismo socioeconômico, ampliando
a desigualdade existente entre os centros e as periferias do capitalismo, com a
aparição de uma nova divisão que vem somar-se às já existentes: a lacuna digital.
Chegamos assim ao modelo conhecido como sociedade da informação
(junto com o complemento ocasional “e do conhecimento”) na qual, como aponta
Garnham (2000, p. 69-70), uma teoria comunicativa que engloba o desenvolvimento
das TIC se converte em uma proposta global de explicação para o modelo de
sociedade atual. Embora possamos situar a gênese do termo “sociedade da
informação” nos anos 1970, somente na década de 1990 haveria um salto qualitativo
ao desdobrar-se no projeto conhecido como Global Information Society, de clara
hegemonia estadunidense e que possui a mesma origem do projeto European
Information Society. Nas próximas linhas trataremos de dar conta, assumindo
a impossibilidade de tocar todas as teclas desta nova ordem global, daqueles
fenômenos relacionados à reconfiguração espacial resultante da reestruturação do
capitalismo, nos detendo no papel que possam adotar as regiões no novo cenário
global, e prestando atenção especial à reedição das estratégias difusionistas e
desenvolvimentistas, que se tornaram moda desde a II Guerra Mundial. Finalmente,
trataremos de enquadrar esses elementos dentro do projeto ideológico que
compreende a sociedade da informação e os mitos a ela associados.

O SURGIMENTO DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO NO MARCO DA CRISE E


REESTRUTURAÇÃO DO CAPITALISMO

Remeter-se à crise do capitalismo não é uma novidade nos tempos atuais;


como tampouco o seria falar da histórica capacidade que o capitalismo teve
para superar suas crises mediante estratégias de reestruturação que acabaram

111 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
por transformar não apenas as relações produtivas e as formas de obtenção de
beneficio pelas economias capitalistas, mas também as relações políticas, sociais
e culturais em uma escala cada vez maior. Cada processo de crise e reestruturação
inaugurou uma nova fase dentro do modo de produção capitalista, uma nova forma
de desenvolvimento resultante da combinação entre um determinado regime de
acumulação e um modo concreto de regulação. Dessa forma, as crises, longe de
apresentar rupturas definitivas, não trouxeram nada além de mudanças qualitativas
no modo de funcionamento do sistema capitalista. Nesse sentido, a crise dos anos
1970, cuja gênese situamos simbolicamente na alta dos preços do petróleo em
1973, apresenta o ponto de inflexão entre um modo de desenvolvimento fordista
e outro a que chamaremos neofordista2.
A reestruturação levada a cabo durante aqueles anos buscava reconverter
radicalmente o tecido industrial e o processo produtivo frente à configuração de
uma nova divisão internacional do trabalho como “proceso de reorganización
radical del sistema mundo moderno en que cambian sustantivamente el carácter
de los elementos del sistema, la forma en que éstos se relacionan entre sí y el modo
en que el sistema funciona y se reproduce” (Arrighi e Silver, 2001,p. 28). Trataremos
em primeiro lugar de descrever a passagem do modo de desenvolvimento fordista
para o neofordista a partir da distinção entre paradigma tecnológico, regime de
acumulação e modo de regulação em ambos os modelos3.
O paradigma tecnológico que iria dominar o fordismo estava caracterizado
pela produção em massa protagonizada pela grande empresa oligopólica como
unidade produtiva básica e com o petróleo barato como fonte-chave de energia.
Sua organização do trabalho estava dominada pelos princípios de normalização,
racionalização e planificação próprios da dinâmica taylorista e pelo princípio de
organização científica (divisão de tarefas em todas as áreas e separação de funções
de execução administrativas e de pesquisa e desenvolvimento). O controle patronal
iria além do processo de trabalho e também determinaria a produção da demanda

2 Preferimos utilizar o termo neofordista frente ao pós-fordista no sentido defendido


por Luis Enrique Alonso (1999) a partir do trabalho do economista Christian Palloix. Desse modo: “el
término neofordismo trata de reflejar que las alternativas actuales de modificación en la organización
tradicional de las tareas, si bien marcan una nueva pauta de fabricación industrial general, no representan
una ruptura radical con el taylorismo y el fordismo dominantes, sino que su reformulación está
orientada a adaptarse a unas nuevas condiciones de cambio tecnológico, de composición de la fuerza
de trabajo y de configuración del mercado actual” (Alonso, 1999, p. 53).

3 Para os parágrafos que seguem, tomamos como referencia as obras de


Alonso (1999), Arrighi, Barr e Hi-sajeda (2001), Castells (1998 y 2005), Delgado (1998), Harnecker
(1999), Herscovici (2005) e Lash y Urry (1998).

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


112
a partir de um modelo de consumo de massas. A produção se articulava em
torno das grandes cidades industriais, apresentando um cenário de concentração
espacial e de economias de aglomeração nos espaços urbanos. Já no neofordismo,
veremos como nas economias desenvolvidas caem os setores tradicionais que
haviam sido a imagem de marca do fordismo (aço, produções mecânicas e
elétricas, automóvel), devido sobretudo à relocalização da produção em países
ou regiões periféricas com vantagens comparativas (salários, condições laborais,
entraves ambientais, etc.), enquanto se alcança o auge de outros setores como a
microeletrônica, a informática ou as telecomunicações, que ocuparão um lugar
estratégico no novo paradigma tecnológico devido, acima de tudo, ao aumento
das capacidades de processamento de dados e informação, que proporcionam
e permitem manter os processos de controle e coordenação da produção com
aquelas regiões periféricas que dão abrigo às atividades deslocalizadas. Igualmente,
essa disponibilidade de informação leva consigo um conjunto de inovações
tecnológicas e organizacionais que buscam recuperar a rentabilidade perdida
com a crise por meio da generalização do modelo de flexível de produção em
massa caracterizado pela integração, fruto de intensificação na utilização das
máquinas graças aos procedimentos informatizados, e pela flexibilidade, que se
desenvolve a partir da utilização dos avanços tecnológicos, que permitem uma
maior coordenação e adaptação da produção. Assistimos, assim, à passagem do
sistema de corporações multinacionais verticalmente integradas e organizadas
burocraticamente, também chamado de sistema de empresa corporativa, ao
surgimento da empresa-rede flexível, que descentraliza os processos e áreas de
produção, mas centraliza o controle sobre a produção, o mercado e os recursos
tecnológicos e financeiros.
O regime de acumulação característico do fordismo é o de aumento
sustentado da produção por indivíduo e do volume de capital fixo per
capita, acompanhado de um incremento da demanda, de uma ampliação
do poder de compra por parte dos assalariados e do aumento do trabalho
no setor diretamente produtivo, tudo isso como produto das políticas
públicas keynesianas. Nessa nova fase, a produção em massa cede
lugar a uma progressiva segmentação do mercado que demanda uma
elaboração individualizada do produto, algo possível graças à reestruturação
organizacional do processo de produção e à interconexão em tempo real
entre a oferta e as tendências da demanda. Igualmente, assistimos ao
fim das políticas públicas de corte keynesiano, que buscavam o objetivo
de emprego pleno. Este movimento não significa que o Estado deixe de

113 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
intervir, porém que agora já não intervém para regular mercados, mas para
os estimular mediante políticas fiscais e monetárias. Acaba-se assim com
o regime de acumulação fordista mediante um menor consumo massivo,
maior economia e maiores benefícios.
Por último, o modo de regulação que sustenta o fordismo se baseou
em uma série de mecanismos socioinstitucionais de regulação adaptados
às necessidades dos grandes mercados para amortizar os altos custos fixos
derivados. Por um lado há o custo dos acordos coletivos que garantiam
salários mínimos pelo Estado e contratos de larga duração e, por outro,
a intervenção crescente do Estado, cujas políticas públicas serviam para
garantir o crescimento econômico, a estabilidade, o emprego pleno, os
serviços sociais, etc. Implantou-se assim o que se conhece como Estado
de bem-estar, baseado no consenso keynesiano a partir do pacto capital/
trabalho e que implicou ao aparato estatal, às associações de empresários e
aos grandes sindicatos. Por sua parte, o novo modo de regulação se caracteriza
precisamente pelo abandono daquele consenso e pelo desmantelamento
do Estado de bem-estar à partir da adoção de políticas de privatização do
setor público e desregulação do setor privado. Um dos âmbitos que mais
notou a magnitude das mudanças na passagem de um modelo a outro é o
de empregos que, marcado pela perda progressiva de força dos sindicatos
tradicionais, adotou uma tendência de precarização e flexibilização numérica
e funcional. Não obstante, se no neofordismo as formas institucionais que
dão coerência e estabilidade ao regime de acumulação têm de se adaptar
à necessidade de superar o marco do Estado-nação, poderíamos dizer que
ele é, todavia, um processo inacabado, pois não existem instituições nem
um compromisso social que deem respaldo ao novo modo de regulação,
embora se faça patente uma série de tendências como a progressiva retirada
do Estado ou a crescente flexibilização dos mercados.
Culmina dessa forma uma transição que, embora em processo de estabilização
e com muitos de seus aspectos ainda por desenvolver, nos ajuda a desenhar os
contornos de uma nova fase do capitalismo que receberá numerosos apelativos,
entre os quais se destacam o de sociedade informacional ou sociedade-rede
(Castells); terceiro entorno ou Telépolis (Echevarría); sociedades do conhecimento
(UNESCO); sociedade da informação (UIT); sociedade imperial (Negri e Hardt);
capitalismo desorganizado (Lash e Urry) sociedade pós-industrial (Bell; Touraine);
terceira onda ou sociedade superindustrial (Toffler); sociedade telemática
(Nora e Minc); sociedade do conhecimento (Drucker; Pierre Lévy); sociedade

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


114
da comunicação (Vattimo); era da pós-informação (Negroponte); revolução
informacional (Miège); sociedade tecnotrônica (Brzeninski); segunda ruptura
industrial (Piore); novo Estado industrial (Galbraith); etc (Crovi, 2004a: p. 40;
Tezanos, 2001: p. 51)
Ressalta o feito de que essas novas definições do cenário global coincidem
ao apontar o caráter central que a gestão da informação e do conhecimento
ocupam no novo modo de desenvolvimento. É certo que o papel da informação
e o conhecimento sempre ocupou um lugar importante no desenvolvimento
do capitalismo; sem dúvida a originalidade da situação atual deriva do feito de
que agora se erige como a principal fonte de produtividade que se aplica de
novo a aparatos de geração de conhecimento e processamento da informação/
comunicação, em um círculo de retroalimentação acumulativa entre a inovação
e seus usos.
Graças às TIC tornaram-se possíveis a flexibilidade e diversidade requeridas por
um sistema capitalista que precisa fazer frente a uma série de desafios derivados
da globalização da produção, da gestão, da comercialização e do consumo. As
possibilidades tecnológicas permitirão um reajuste na organização do processo
de trabalho não apenas dos setores em auge, mas também aqueles ligados à
indústria tradicional e à agricultura. Igualmente, possibilitarão a comunicação e a
coordenação em tempo real entre as sedes empresariais centrais e suas unidades
descentralizadas com fórmulas de controle a distância e com a rapidez e eficiência
dos transportes (Delgado, 1998; Castells, 2005).
Será oportuno aprofundarmos a discussão sobre o papel das novas
tecnologias na superação da crise capitalista e no surgimento do novo modo de
desenvolvimento que se estende até nossos dias. É indubitável que a superação dos
limites para a criação de um mercado global ou as transformações no mundo do
trabalho não teriam sido possíveis sem as portas abertas pela revolução tecnológica
informacional. Não obstante, é necessário pontuar acerca da inter-relação entre
reestruturação capitalista e revolução tecnológica. Esta não é produto daquela;
cair nesta afirmação seria incorrer em um mecanicismo e em uma simplificação; as
origens da mudança protagonizada pelas TIC se situam algumas décadas antes da
queda dos preços do petróleo de 1973. Posteriormente, a reestruturação capitalista
se serviu da potencialidade mostrada pelo desenvolvimento e pela convergência
dos setores da microeletrônica, das telecomunicações e da informática para
encarar sua tarefa de recuperação da lucratividade e dos índices de crescimento
das economias capitalistas desenvolvidas, dando lugar assim a um modelo de
acumulação flexível. Dessa maneira, as TIC facilitaram a reestruturação econômica

115 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
e organizativa ao tornar possíveis as necessidades crescentes de armazenamento
e processamento da informação, de individualização coordenada do trabalho
ou de articulação de processos de centralização e descentralização na tomada
de decisões.
De fato, para evitar equívocos é necessário apontar que esse novo paradigma
tecnológico apresenta importantes continuidades com respeito ao paradigma que
dominou a cultura industrial, pois seus elementos definitórios – estrutura reticular,
flexibilidade e convergência (Castells, 2005) –, não fazem senão reproduzir as
relações de dominação e submissão que caracterizam relações de poder já clássicas
entre os integrados e os excluídos (cidadania e territórios) de um capitalismo
que demostrou uma alta capacidade de transformação e adaptação em virtude
de suas necessidades de reprodução e legitimação. Assim, a nova ordem global
reorganiza os territórios e rearticula as antigas desigualdades em lugar de fazê-
las desaparecer e nos deparamos com o fato de a dinâmica de deslocalização
produtiva em busca de vantagens fiscais ou salários mais baixos ser acompanhada
por uma tendência de relocalização de atividades e de concentração espacial
dos fluxos comerciais, financeiros e de inversão em torno aos territórios melhor
dotados (Castells, 2005; Delgado Cabeza, 1998: Lash e Urry, 1998).

GLOBALIZAÇÃO E LOCALIZAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Para entender o papel dos territórios no novo cenário que podemos designar
como sociedade da informação, será necessário nos aprofundarmos sobre o
processo de crescente interconexão e interdependência conhecido como
globalização, um fenômeno de dimensões econômicas, políticas, culturais e sociais
que organiza praticamente a totalidade do planeta em uma dinâmica de exclusão/
inclusão e que, como assinalamos anteriormente, rearticula as relações entre
agentes políticos ao mesmo tempo em que reorganiza a posição dos territórios
no sistema-mundo. Falar de globalização pressupõe adentrar um terreno de
areias movediças devido à polêmica que rodeia o termo quando, carregado de
conotações ideológicas, é apresentado como um processo naturalmente benéfico
graças ao qual se cumprirão algumas das utopias de democracia e igualdade que
haviam dominado a arena política da modernidade. Não cabe duvidar que, como
aponta Octavio Ianni (2001, p. 81-88), o termo “globalização” nos remete a uma
ruptura histórica (e também epistemológica) de vastas proporções que sacode
os marcos de referência, sociais e mentais, dos coletivos e dos indivíduos e que
constitui uma realidade original, desconhecida e desprovida de interpretações.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


116
A primeira coisa que se deve ter em conta nessa mudança qualitativa, é que
a configuração dessa sociedade global apresenta um desafio para os paradigmas
interpretativos clássicos que tomavam como ponto central de referência o Estado-
nação4, que vê suas competências minadas por uma nova forma de relação que
liga o global ao regional/local (glocalização) sem necessidade de se passar pelo
filtro da sociedade nacional5. Isto não quer dizer que o Estado desapareça ou
mesmo que não seja uma peça determinante nas transformações em curso, mas
que atravessa também um momento de crise e reestruturação em seus papéis
tradicionais, pois é “demasiado grande para suministrar el poder concentrado
de personal y de información de la ciudad global, y demasiado pequeño para
gobernar los bloques continentales” (Mosco, 2009, p. 299). A expansão capitalista
que começa na década de 70 passa a gerar imensos fluxos transnacionais de
capital, dinheiro, bens, serviços, pessoas, informação, tecnologias, políticas,
ideias, imagens e regulações que são relativamente independentes do Estado-
nação (Lash e Urry, 1998, p. 373). Igualmente, a ruptura do pacto keynesiano
capital/trabalho, que havia presidido as relações intra e interestatais no modo
de desenvolvimento nos países mais desenvolvidos, completa esse processo e
pressupõe o desmantelamento do Estado de bem-estar e o auge de um novo modo
de regulação presidido pelos princípios do discurso empresarial que preconiza
a saída do Estado de toda intervenção na economia que não seja a de facilitar
uma progressiva liberalização, desregulação e privatização daqueles setores que
ainda assim escapam às forças do mercado. Realmente, não apenas o controle da
economia escapa do Estado; também outros âmbitos como fluxos migratórios,
o Direito ou a cultura reproduzem o mesmo processo de escape das limitações,
físicas e imateriais, impostas pela estrutura estatal.

4 Evidentemente, quando falamos do papel protagonista dos Estados-nação


na constituição da nova ordem global nos referimos somente a um grupo reduzido deles, situados
principalmente no centro do sistema capitalista em torno ao eixo Atlântico Norte–Japão.

5 Podemos visualizar a subordinação do paradigma clássico fundado na sociedade


nacional pela reflexão da sociedade global com os novos conceitos e siglas que dominam os debates
políticos e científicos atuais: “geopolítica, integración regional, sistema-mundo, economía-mundo, tercer
mundo, cuarto mundo, fin de la guerra fría, fin de la historia, nueva división internacional del trabajo,
fábrica global, ciudad global, aldea global, shopping center global, Disneylandia global, planeta Tierra,
norte y sur, ONU, UNESCO, UNICEF, FAO, FMI, BIRD, GATT, OTAN, NAFTA, Mercosur, Casa de Europa,
Estados Unidos de Europa, espacio europeo, espacio del Pacífico, imperialismo, postimperialismo,
dependencia, nueva dependencia, interdependencia, multilateralismo, multinacional, transnacional,
ascensión y caída de las grandes potencias, Occidente y Oriente, ciclo Kondratieff, telecomunicaciones,
midia mundial, industria cultural, cultura internacional popular, marketing global, globalización y
fragmentación, nuevo mapa del mundo, modernidad-mundo, posmodernidad” (Ianni, 2001, p. 89).

117 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
Temos de recordar que a interdependência no espaço mundial, a globalidade
irreversível como a denomina Beck (1998), é algo que vem se desenvolvendo
desde antes da origem da própria modernidade; não obstante, a novidade
da situação atual é que, até agora, os estados e as economias nacionais não
haviam representado um estorvo; pelo contrário, geralmente estimulavam o
desenvolvimento do capitalismo. Os governos nacionais foram determinantes para
a implantação do modelo de globalização neoliberal, que desde o impulso das
gestões de Reagan nos Estados Unidos e de Tatcher no Reino Unido se estenderia
sem maiores dificuldades por todo o mundo, superando seu último obstáculo com
a implosão da União Soviética em 1991. Porém, o Estado não foi determinante
somente para a configuração das novas regras do jogo; também reorganizou
suas funções para se adaptar ao novo cenário global. Independentemente das
competências que cede a organismos supranacionais ou de âmbito regional,
ele manterá um papel muito ativo em competências fiscais, laborais, culturais
ou identitárias; na defesa e organização das forças repressivas; em assuntos
jurídicos e diplomáticos; etc (Alonso, 1999; Delgado, 2002). Precisamente, o
Estado tomou e toma um papel ativo no ordenamento da globalização em
favor do capital, dispondo o necessário em infraestruturas, telecomunicações,
recursos humanos e P&D para o desenvolvimento dos setores mais dinâmicos no
modo atual de desenvolvimento pois, como recorda Castells, “fue el Estado, no el
empresario innovador en su garaje, el iniciador de la revolución de la tecnología
de la información” (2005, p. 102). O que fica no ar acerca das continuidades ou
descontinuidades em torno ao Estado-nação é se, uma vez percorrido esse caminho
de renúncia de determinadas competências, poderá se reverter o processo quando
bem quiser ou quando se converter em algo contraproducente para o próprio
modelo de crescimento capitalista.
Nesse esvaziamento do Estado tem uma grande importância o surgimento
não apenas de um sistema de dominação protagonizado pelas corporações
transnacionais, mas também a aparição de fenômenos de regionalismos
subnacionais6. A globalização não pode ser entendida sem a tendência,
complementária para uns, contraditória para outros, de regionalização ou

6 Região é uma palavra que pode se referir a espaços supranacionais ou


subnacionais, tendo exemplos de ambos casos na União Europeia e na Andaluzia, respectivamente.
No presente trabalho vamos no centrar numa definição restrita utilizada pelo Direito e a Economia
que entende as regiões como “colectividades territoriales del ámbito intermedio entre el espacio de
un Estado y el espacio local, con un sentido más funcional y geográfico que político, y sin perjuicio
de que el espacio regional pueda ser un Estado federado, una nacionalidad o una región” (Jaúregui,
2000, p. 266, Zallo, 2002a, p. 26).

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


118
localização, configurando-se assim uma nova articulação espacial que recebe o
nome de glocal7 e que remete a um processo de crescente interdependência no
qual o global inscreve seus processos econômicos diretamente nos territórios,
sendo esses os espaços privilegiados no aspecto político. Efetivamente, o regional
representa um espaço de proximidade onde são possíveis as maiores cotas de
participação, nas quais se produzem os processos de identificação e reapropriação
dos recursos para o desenvolvimento endógeno e se constroem dinâmicas de
aprendizagem coletiva (Rofman et al., 2004, p. 156). Mas o regional não se destaca
somente no político, também se erige como um ator privilegiado de relação
econômica por representar um espaço mais flexível no momento de se adaptar
às condições modificadoras dos mercados e dos imperativos tecnológicos e
culturais; por constituir um espaço versátil a partir do qual se geram projetos de
desenvolvimento concretos ou se negocia com companhias multinacionais para
atrair investimento estrangeiro direto. É precisamente essa posição privilegiada a
que origina uma disputa entre regiões para ver quem é capaz de atrair os efeitos
modernizadores que a globalização pode impor sobre cada território (Alonso,
1999, p. 126).
O quadro desenhado com a dupla tendência de globalização e regionalismo
se completa com outra dualidade contraditória na nova ordem global: a dinâmica
de descentralização e a de recentralização ou localização (Zallo, 2002a; 2002b;
2005b). Essas duas tendências vão determinar em grande medida como as
regiões encaram a globalização e como a descentralização constitui uma contra
tendência compensatória a ela e a sua expressão recentralizadora, que relega as
regiões a um plano secundário. Assim, nas últimas décadas fomos testemunhas da
evolução para um modelo no qual a tendência dominante é a da recentralização
e desregionalização das economias e do poder político. Essa tendência provoca
uma articulação espacial que privilegia determinadas localizações no modelo de
desenvolvimento vigente (geralmente, coincidem aquelas regiões ou cidades que
já contavam com uma vantagem comparativa no fordismo), inaugurando uma nova
reorganização hierárquica dos territórios e aprofundando a desigualdade entre as
regiões. Nesse contexto, as regiões hão de enfrentar o fenômeno da metropolização
ou concentração de recursos e de sedes empresariais (sobretudo aquelas que têm
maior projeção no novo paradigma tecnológico) e organismos de decisão política

7 Renato Ortiz (2005) nos recorda muito oportunamente que o lema think global,
act local tem sua origem nas estratégias empresariais de marketing que buscavam a exploração dos
mercados locais por parte de corporações principalmente transnacionais. Mais tarde, o pensamento
sociológico o tomaria para si, resignificando-a como estratégia glocal.

119 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
em torno a umas poucas cidades que têm interlocução direta com os âmbitos
estatais e supranacionais. Contrariamente às previsões de que as telecomunicações
descentralizariam a atividade empresarial, surge a aglomeração espacial como
uma das principais formas de atividade empresarial, concentrando-se a atividade
econômica em Nova York, Tóquio, Londres e outras cidades internacionais (Mosco,
2009, p. 290). Este acontecimento é de tal magnitude que já podemos encontrar
grandes cidades que podem chegar a ter populações equivalentes às de países
inteiros (chegando-se a comparar, por exemplo, a França com Tóquio ou a Suécia
com Londres) (Achcar et al., 2003, p. 59). Esta aglomeração espacial, ao modo de
nova hierarquização, constitui uma rede de espaços urbanos interconectados que

reúne a empresas, ya sean conectadas o desconectadas por lazos de propiedad, en


redes densas de productores, proveedores y consumidores cuya dependencia mutua,
consolidada geográficamente en las ciudades globales y dispersas electrónicamente
a través del globo, crea formas significantes de poder económico concentrado (Mosco,
2009:p. 290)

Esta nova configuração espacial está acompanhada inevitavelmente de uma


nova estrutura hierárquica global que traz consigo uma nova articulação da
desigualdade regional que poderia tomar o nome, no marco do novo paradigma
tecnológico, de apartheid digital (Mattelart, 2002a, p. 161). Delimitam-se assim
as diferenças existentes entre:

1. Espaços que controlam as redes de informação e comunicação, os


novos setores, a inovação científica e tecnológica, os fluxos globais (zonas de
alto consumo, alto dinamismo tecnológico e alta disponibilidade de serviços)
2. Espaços que são vítimas desse mesmo controle. Espaços dependentes
e subordinados que serão conectados ou desconectados do espaço econômico
transnacional em virtude das necessidades pontuais dos centros integrados. São
zonas obscuras onde se gera cada vez mais risco, mais emprego precarizado,
menos situações de segurança, nenhuma capacidade de decisão, etc. (Tezanos,
2001, p. 55; Alonso, 1999, p. 97, 128).

Temos de esclarecer, sob a luz dos debates que se puderam suscitar, que a
existência desse tipo de hierarquização espacial da desigualdade não é nova e
já a encontramos nas mesmas origens do sistema capitalista, pois “las relaciones
de poder y las diferencias sociales preexistentes se transfieren también en la red”

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


120
(Martín Cubas, 2001, p. 196; Zallo, 2003, p. 298). Certamente o que se produz desse
modo no neofordismo é o aprofundamento dessa desigualdade, assim como da
dependência das zonas vulneráveis relacionadas às decisões tomadas nas zonas
integradas aos recursos econômicos, tecnológicos, educativos, informacionais e
comunicativos destas (Alonso, 1999). Uma vez apresentadas as tendências que
afetam os territórios no cenário global, trataremos em seguida da bifurcação
diante de que se encontram os territórios no momento de afrontar o desafio de
seu desenvolvimento.

3. AS REGIÕES NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: ENTRE O NEODIFUSIONISMO E O


DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO

Ao nos encontrarmos em um entorno caracterizado pela extensão das novas TIC


e no qual, consequentemente, o conhecimento, a cultura e a comunicação são
eixos dinamizadores do próprio modo de desenvolvimento, justifica-se retomar o
foco da comunicação para o desenvolvimento a fim de compreender o papel do
ecossistema comunicacional como vetor de progresso e dispositivo de crescimento
e bem-estar socioeconômicos. Nesse sentido, podemos afirmar que a revolução
das tecnologias infocomunicacionais se desenvolve atualmente, em coerência
com o projeto de Global Information Society, sob princípios de modernização,
desenvolvimento, inovação e progresso herdados da teoria difusionista8, uma
perspectiva que protagonizou as estratégias de desenvolvimento impulsionadas
por organismos internacionais até bem entrados os anos 1980 e que suscitou
um árduo debate que envolveu o campo dos estudos em comunicação. Se nas
décadas de 1960 e 70 eram apresentadas as estratégias de desenvolvimento
como forma de preencher uma lacuna e atualizar as regiões subdesenvolvidas
por meio de uma dinâmica de imitação daquilo que era apresentado como o
moderno, avançado, ou civilizado e que se expressava depois em uma massiva
transferência de capital, tecnologia e ideologia (Servaes, 2000), hoje a lacuna é
chamada de digital e a imitação se produz por meio da transferência de capitais
– nova economia –, ideologia – sociedade da informação – e novas TIC. Assim,
vemos como se estendem os discursos que situam o acesso às redes tecnológicas e
à transferência de tecnologia como a saída já não apenas à exclusão digital, senão

8 Sobre a teoria difusionista, ver Everett Rogers (1962; 1974). Igualmente, no


capítulo VII de Mattelart e Mattelart (1999) descreve-se críticamente tanto a evolução da teoria e do
próprio Rogers como a emergência do novo difusionismo.

121 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
também à exclusão social, repetindo-se o que Archer (1990, p. 124) descreve com
a fórmula “desejo + racionalidade instrumental + tecnologia = progresso”, própria
das estratégias neopositivistas e deterministas que configuraram o espírito pós-
industrialista e que hoje definem o projeto de sociedade da informação.
No neodifusionismo, o papel que adquire a comunicação vai além do uso do
espectro midiático para modificar as atitudes de uma determinada população
frente a processos de mudança social. Agora se situa como uma variável central das
estratégias de desenvolvimento, tomando conta de que o imaterial e o tecnológico
são aspectos centrais do novo modelo de desenvolvimento. Vincent Mosco (2009,
p. 192-194) afirma que esse neodesenvolvimentismo ou neodifusionismo implica
uma adaptação das teorias desenvolvimentistas dos anos 60 e 70 em dois níveis:

1. Em primeiro lugar, o apoio entusiasta aos meios de comunicação


de massa se transforma em apoio entusiasta das novas TIC. Agora se trata de
afirmar que o desenvolvimento passa necessariamente pela construção de uma
infraestrutura informática e telemática porém mantendo o espírito inicial de que
essa iniciativa havia de ser tomada sob a direção das empresas, que irão se servir
dessa infraestrutura avançada da comunicação para participar completamente
da divisão internacional do trabalho.
2. O segundo nível, que surge após reconhecer que parte do fracasso das
estratégias desenvolvimentistas foi consequência de sua pouca adaptação às
práticas culturais locais, supõe uma maior confiança nas estruturas sociais locais
e nas práticas culturais para levar a cabo o processo, porém sem modificar os
modelos midiáticos nem a vinculação do desenvolvimento à adoção dos valores
ocidentais.

O difusionismo e sua versão atualizada implicam na reedição de uma série de


motivos recorrentes que giram em torno da imitação do ideal de desenvolvimento
e progresso ocidental e que se erigem como concepções dominantes que formam
parte da construção da própria modernidade. Dentre esses motivos condutores
se destacam, por sua especial relevância na configuração das estratégias de
desenvolvimento próprias da sociedade da informação, os seguintes:

1. Modernização. Concebida como um processo de difusão no qual os


indivíduos transitam de uma forma de vida tradicional rumo a um modo de vida
mais desenvolvido tecnicamente (Servaes, 2000). Em realidade, nos encontramos
diante do tradicional debate entre o velho e o novo, dos estágios que coincidem

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


122
no tempo mas são atravessados pela tendência de evolução desde o primeiro
até o segundo mediante estratégias de imitação que implicam capitais, ideologia
e tecnologias.
2. Desenvolvimento. Resultado do processo de evolução anterior, o
ideal de desenvolvimento, que toma força sobretudo graças à política exterior
estadunidense pós-Segunda Guerra Mundial, representa a cópia do modelo de
estado político e de crescimento econômico que se repete nas regiões centrais do
capitalismo, convertidos em meta a ser alcançada pelo resto dos países e regiões
menos desenvolvidos segundo aqueles parâmetros9.
3. Progresso. Ideia intimamente ligada ao ideal de desenvolvimento e que
toma como pressuposto a crença em um avanço continuo da humanidade que
se remonta ao passado e que seguirá esse caminho irrefreável no futuro. Um
progresso que se apresenta como algo irreversível e como uma evolução sempre
positiva, pois não há passado melhor.
4. Inovação. Definida por Rogers como “una idea, práctica u objeto que el
individuo percibe como nuevo (…) Se puede desarrollar el aspecto novedoso
de la innovación en términos de conocimiento, actitud y decisión de usarla”
(1974, p. 18). A capacidade de inovar, diretamente relacionada com o sistema de
conhecimento científico e tecnológico, se erige então como um fator fundamental
para o desenvolvimento de uma determinada região, tanto para ser competitiva
como para ficar relegada à porta dos fundos do desenvolvimento.
5. Competitividade. Consagrada como um princípio intocável que justificaria
o restante de motivos condutores, traz consigo a consagração do modelo de
desenvolvimento econômico capitalista próprio das regiões mais desenvolvidas.

As críticas que se fizeram às teorias difusionistas se podem ampliar hoje, pois


parece que os discursos sobre o crescimento e a modernização que acompanham
a denominada sociedade da informação podem derivar, como já o fizeram as
políticas desenvolvimentistas das décadas anteriores, em uma maior desigualdade
e um maior subdesenvolvimento. Igualmente, os motivos centrais anteriormente
expostos foram questionados e desmontados numa multidão ocasiões ao cabo
dos sucessivos fracassos das estratégias desenvolvimentistas e modernizadoras

9 Cimadevilla (2004, p. 61-79) resume a evolução dos estilos de desenvolvimento e


intervenção dos últimos 50 anos em quatro etapas: desenvolvimento econômico e desenvolvimentismo
(anos 50); desenvolvimento econômico e social (anos 60-70); desenvolvimento integrado (anos 80);
desenvolvimento neoliberal versus desenvolvimento sustentável (anos 90).

123 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
que se puseram em prática no passado. Assim, a história se encarregou de
questionar a ideia de que todo progresso implica numa evolução positiva com
respeito à situação anterior ou que a competitividade é preferível à ideia de
cooperação, princípio regente da produção do comum. O difusionismo trazia
consigo a extensão/imposição de um modelo de desenvolvimento etnocêntrico,
evolucionista, funcionalista e exógeno que, incapaz de apreender a complexidade
dos processos de desenvolvimento e suas inter-relações com as condições
estruturais políticas, econômicas, sociais e culturais concretas de cada território,
objetivamente impulsionava a ocidentalização das regiões. Nas novas estratégias
difusionistas encontramos o herdeiro direto do modelo anterior quando se exagera
o papel das novas tecnologias, caindo em uma visão instrumental do conhecimento
e positivista do próprio desenvolvimento que esconde na extensão tecnológica
uma fórmula para aumentar o consumo (Jambeiro y Ferreira, 2003, p. 175), sem
importar nessa implantação a relação com as heranças tecnológicas próprias dos
diferentes povos e culturas (Martín-Barbero, 2004, p. 30) nem as necessidades
concretas de cada território.
Uma vez apontadas as limitações do enfoque neodifusionista e de seus
postulados modernizadores, se faz necessário abordar o desenvolvimento a partir
de outra perspectiva capaz de incluir outras estratégias que contem, de forma
horizontal, com a participação dos agentes implicados ao largo das diferentes
fases em que se divide o processo de desenvolvimento. Esse é um dos desafios
que há de enfrentar o desenvolvimento regional no contexto atual: a redefinição
do modelo de desenvolvimento.
Trata-se de trabalhar em torno de um conceito de desenvolvimento alternativo
que se construa a partir de cada realidade de maneira endógena e autônoma, a fim
de constituir um processo integral, multidimensional e dialético que pode diferir de
uma sociedade para outra; um novo enfoque de desenvolvimento que contenha
os critérios de auto confiabilidade (que cada sociedade confie basicamente em
suas próprias fortalezas e recursos, em termos das capacidades de seus membros
e de seu ambiente natural e cultural) e ecologia (Servaes, 2000); um novo enfoque
no qual o conhecimento ocupe um lugar privilegiado na construção de uma
sociedade da democracia e da cooperação dos saberes (Vercellone, 2004, p.
72); um novo enfoque, em definitivo, que reverta uma perspectiva etnocêntrica
para outra contextual e policêntrica, um interesse econômico para outro mais
universal e interdisciplinar e uma perspectiva de desenvolvimento administrado
tecnocraticamente para formas participativas na resolução de problemas. A
superação de definições caducas, entendendo o desenvolvimento como um

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


124
processo e resultado intangível e não como simples avanços materiais, nos leva
a realocar o conceito de desenvolvimento.

en un marco constructivista, subjetivo e intersubjetivo, valorativo y axiológico, y,


por cierto, endógeno, o sea, directamente dependiente de la autoconfianza colec-
tiva en la capacidad para inventar recursos, movilizar los ya existentes y actuar en
forma cooperativa y solidaria, desde el propio territorio, generando, obsérvese, una
proalimentación en compensación (Boisier, 2002, p. 30).

A crítica e recomposição do conceito de desenvolvimento nos remete a


outro desafio para o desenvolvimento regional de igual ou maior importância:
a modificação das condições contextuais que colocam o espaço regional
como o âmbito privilegiado para um modelo de desenvolvimento baseado no
conhecimento10. A constatação da importância que adquire o conhecimento para
o desenvolvimento de uma determinada região há de se completar com uma
reflexão acerca das mudanças aquecidas com a globalização e que justificam
que as regiões se convertam nos agentes decisivos para o desenvolvimento
econômico, a saber: crise do Estado-nação que, como justificamos anteriormente,
se vê obrigado a redefinir suas funções tradicionais; constituição de um entorno de
fluxos tecnológicos flexíveis e mutantes que afeta não somente os mercados, mas
também aos âmbitos tecnológicos ou culturais; configuração de um novo espaço
de negociação da intervenção política e de dinamização das economias locais.
Nesse novo contexto, ao se tomar conta de que os bens imateriais constituem
uma fonte de vantagens competitivas no novo padrão de desenvolvimento, é
necessário pensar e atuar a partir de uma perspectiva regional para, aproveitando
sua flexibilidade e capacidade de adaptação, extrair todo o potencial da sociedade
do conhecimento (Sicsú e Bolaño, 2004, p. 135). Autores como Moulier-Boutang
afirmam que o território, em um contexto que denomina de capitalismo cognitivo,
deixa de ser apenas um elemento indiretamente produtivo para se converter
em outro diretamente produtivo e ator principal em virtude do conjunto de

10 A evolução dos princípios que regem as políticas regionais nas últimas décadas
nos serve como mostra de como foram se modificando as variáveis do desenvolvimento. Em Boisier
(2002, p. 19), encontramos um quadro que resume essa evolução: “1950/1960: infraestructura como
condición del crecimiento económico regional; 1960/70: atracción de actividades externas, polos
de desarrollo, base exportadora; 1970/80: desarrollo endógeno, PYMES, competencias (habilidades
y atribuciones) locales; 1980/90: innovación, difusión de tecnología, medios innovadores; 1990/00:
conocimiento, factores intangibles, aprendizaje colectivo; 2000/10: capital relacional, interconexión,
cultural local, e-trabajo.”

125 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
externalidades positivas11 que estende em suas redes de relações; dessa forma, o
território apresenta um grau de integração e interdependência tão grande nesse
novo contexto que se transforma em uma verdadeira fonte de inovação (2003,
p. 50-51). Essa postura, defendida não somente pelos teóricos do capitalismo
cognitivo, veio acompanhada de uma série de noções cunhadas para denominar
as novas estratégias de desenvolvimento regional na sociedade da informação,
como por exemplo regiões que aprendem, territórios produtivos, territórios de
excelência, etc.
Destacamos o conceito de região que aprende, que expressa a necessidade das
regiões de adquirir permanentemente novo conhecimento em um processo de
aprendizagem contínuo como medida de inserção na nova fase do capitalismo.
Hoje em dia, o desenvolvimento de uma região pode depender mais de aprender
a desenvolver-se, de ser capaz de apreender e aprender os fatores informação
e conhecimento, que de dispor de recursos para tanto (Román, 2001, p. 25-
26). Assim, quando falamos de regiões que aprendem nos referimos a regiões
com uma vantagem econômica baseada na criação de conhecimento, onde “la
infraestructura humana regional y la infraestructura de redes es más importante
que la infraestructura física” (Boisier, 2002, p. 12). Essa aprendizagem regional e
coletiva se encontra ligada à capacidade de inovar de cada região, para a qual são
necessárias grandes quantidades de capital social, compreendido como um tipo
de capital “colectivo, cívico, sinergético, relacional, intangible, tácito, de entorno,
compartido, enredado, etc.” e entendido como “la capacidad que tiene un grupo
social para adquirir información, incorporarla a procesos económicos propios y
gestionar tales procesos”, ou, o que dá no mesmo, “la capacidad para transformar
la información en conocimiento y el conocimiento en acción” (Román, 2001, p. 36).
Precisamente, esse entorno cambiante caracterizado pelo papel do conhecimento
e da aprendizagem na competitividade interterritorial introduz outro dos desafios
aos que hão de enfrentar as estratégias de desenvolvimento regional: que foi posta
em marcha por uma nova divisão internacional do trabalho (NDIT), na qual a variável-
chave do crescimento e da competitividade entre regiões deriva de sua proporção
de trabalhadores do conhecimento e de atividades de alta intensidade de saberes
(serviços informáticos, pesquisa e desenvolvimento, ensino, formação, saúde,
multimídia, software, etc.) (Vercellone, 2004, p. 66 – 67). Assim, o novo ecossistema
comunicativo condiciona que as diferentes estratégias de desenvolvimento regional
procurem ampliar o número de destrezas cognitivas a fim de serem competitivas

11 Sobre externalidades positivas, ver Moulier-Boutang (2004, p. 147).

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


126
em um entorno no qual os territórios se reorganizam e se articulam em função de
sua capacidade de produção de conhecimento ou de meios de conhecimento.
Com a aparição da Nova Divisão Internacional do Trabalho (NDIT) proliferam os
discursos sobre as oportunidades de desenvolvimento daqueles territórios que
vinham ocupando posições subalternas pois se defende, em diferentes âmbitos,
que os caminhos abertos pela revolução das TIC viabilizariam a possibilidade de
se dar um salto qualitativo em seu desenvolvimento sem necessidade de haver
ocupado uma posição favorável nos modelos de crescimento anteriores. Para poder
lançar luz sobre esta problemática e polêmica questão é necessário remeter-se às
tendências, já apresentadas anteriormente, de descentralização e recentralização,
que atravessam o processo de reorganização territorial e que determinarão em
grande medida como as regiões irão encarar a globalização.
Em primeiro lugar, encontramos a dinâmica de descentralização, da qual ademais
se podem extrair duas leituras. Por um lado, essa tendência se expressa mediante
a deslocalização de certas atividades das empresas (produção, trabalho manual
qualificado, tarefas administrativas, P&D, etc.) e a superação das barreiras estatais
na conformação do novo modelo de articulação socioeconômica fruto da crise
capitalista. É importante compreender que nesse caso, descentralização não
implica em diversidade; é possível descentralizar, porém isso não significa mudar
a dinâmica de reprodução do sistema. Por outro lado, além de benéfica para os
interesses capitalistas, a descentralização pode ser entendida também como o
instrumento idôneo para o desenvolvimento local, aumentando a participação
popular e propiciando transformações de tendência igualitária na base econômica
(Delgado, 2002, p. 56). É neste último sentido que a descentralização, tal como
aponta Zallo (2002a; 2002b; 2003), pode considerar-se como uma contra tendência
compensatória à globalização e a sua expressão recentralizadora. Assim, o
regional adquiriria um novo sentido no paradigma atual, já que os territórios
não deveriam seu desenvolvimento econômico e social à globalização, mas
apesar dela, expressando um conflito no qual os espaços privilegiados pela
globalização seriam os centros mundiais tecnológicos e financeiros (com maiores
vantagens em conexão, competência e articulação econômico-tecnológica), os
Estados-nação (que mantêm vantagens na articulação política e de poder); e as
cidades (que têm a vantagem de serem os espaços idôneos para as economias
de aglomeração) restando as regiões e suas políticas discriminadas e relegadas
a um plano secundário e ao qual fazem frente, não tanto a partir de fatores
econômicos ou geopolíticos, mas sobretudo das variáveis culturais e políticas
(Zallo, 2005a, p. 231-232). Observamos nesse sentido como se desenvolve a

127 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
contradição entre a tendência de descentralização e aquela outra dominada pela
inclinação à centralização, ou recentralização, se tivermos em conta sua relação
com períodos anteriores. Como já assinalamos anteriormente, com as NDIT, não
sendo tão importantes para as economias de escala, surgem as economias de
inovação e aglomeração de recursos e as sinergias comerciais, financeiras e de
lobbying, que animariam essa localização de recursos em torno dos centros de
decisão econômica e redistribuição de poder criando-se, dessa maneira, espaços
físicos onde se concentram cada vez um número maior de sedes decisionais e
fiscais de organismos e empresas estratégicas, especialmente vinculadas aos
âmbitos básicos de sociedade da informação, assim como os serviços de alto
valor agregado (Zallo, 2002b, p. 286).
Transversalmente relacionada à tendência de recentralização, no novo cenário de
reorganização territorial se inaugura também uma nova estruturação hierárquica
global organizada não em forma de rede, como se pode inferir em alguns discursos
sobre a sociedade da informação, mas de círculos concêntricos de dominação e
influência determinada pelo grau de integração de cada região na sociedade do
conhecimento (Zallo, 2005a, p. 30). A posição a ser ocupada pelas diferentes regiões
nessa hierarquização se define a partir de dois possíveis itinerários: o primeiro
passa por um desenvolvimento ativo das especificidades cognitivas, culturais e
comunicacionais, assim como da imbricação destas com um consolidado sistema de
pesquisa, desenvolvimento e inovação ligado ao processo de mudança tecnológica;
o segundo consiste na oferta de melhores condições nos processos produtivos
tradicionais para o capital (menores salários, menores resistências sindicais,
menos entraves à degradação ambiental, etc.). Diante desse entrecruzamento de
caminhos, que define dois modelos de desenvolvimento, temos que assinalar a
armadilha ideológica a que se veem condenadas as regiões periféricas em relação
às possibilidades de desenvolvimento que se abrem com a laureada sociedade da
informação e que rompem o mito do salto qualitativo dos territórios dependentes
do primeiro dos itinerários apontados. É preciso ter em conta que existe uma
profunda diferença no processo de incorporação à sociedade do conhecimento
entre as regiões centrais, empenhadas em manter sua posição privilegiada e sua
hegemonia produtiva herdadas do fordismo, e as regiões periféricas, que creem
ter encontrado uma nova via para seu desenvolvimento. Desse modo, torna-se
nítida a linha de continuidade entre a hierarquização territorial da etapa fordista
e a nova ordem global, aumentando a distância entre as regiões que já tinham
vantagens no modelo fordista ou industrial, pois “los recursos inmateriales no son
ajenos a los recursos e infraestructuras” (Zallo, 2002b, p. 285).

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


128
Esse esquema hierárquico, que acompanha a NDIT, impõe um dispositivo de
exclusão–inclusão que obriga um bom número de regiões já não apenas a se pôr
ao serviço dos centros desenvolvidos, mas a enfrentar uma desconexão forçada
do próprio sistema global, configurando-se assim um mapa no qual temos zonas
que funcionam como arquipélagos tecnológicos e financeiros e outras igualmente
integradas à estrutura global, porém

prescindibles y olvidadas en ciertos momentos y fases del ciclo de acumulación,


y reintegrables cuando, por sus especiales características (paisaje, fuerza de trabajo
barata, recursos turísticos, fabricaciones rentables, argumentos comerciales, etc.),
se hacen más atractivas para las grandes estrategias económicas transnacionales
(Alonso, 1999, p. 128)

Uma vez assinalada a armadilha ideológica a que enfrentam as regiões em relação


a suas possibilidades de desenvolvimento sob o impulso das novas tecnologias
de informação e comunicação, vamos nos aprofundar sobre o significado da
doutrina da sociedade da informação, a ideologia e os mitos que a conformam.

4. A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO COMO IDEOLOGIA

Ao mito que acabamos de apontar, relativo ao salto qualitativo no desenvolvimento


das regiões historicamente dependentes em virtude da implantação do modelo
hegemônico de sociedade da informação, fazem companhia outros que atravessam
e dotam de sentido esse modo de regulação social. Seguindo a classificação
proposta por Lauxen Stefanello (2005, p. 127-178), podemos afirmar que a
sociedade da informação funciona como um mitologema, um componente do
modelo de ordem da realidade social que se expressa mediante diversas formas
de representação míticas (contos, mitos orais, livros sagrados, filmes, obras de
arte, relatos jornalísticos, etc.). Os mitologemas, como formas de representação
do mundo, satisfazem duas necessidades. Em primeiro lugar, explicam a realidade,
sendo utilizados em um momento histórico determinado; essa explicação satisfaz
as instituições mediadoras da sociedade. Em segundo lugar, satisfazem o desejo
de ordem e coerência dos membros da sociedade, sancionando a ordem social e
legitimando-a por meio da superação de suas contradições (Stefanello 2005, p. 169;
178). É nesse sentido que o conceito de sociedade da informação, como apontamos
anteriormente, cumpre sua função de legitimação da ordem estabelecida.
Dentro das formas de representação míticas encontramos o mitema, unidade

129 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
mínima com significado que constitui um mitologema. O mitologema da sociedade
da informação, que se pode relacionar com outros mitologemas que reforçam sua
função de controle político e social como o desenvolvimento e a modernização,
é constituído e adquire significado a partir de uma série de mitemas, como
a inclusão por meio da implantação e do acesso às TIC, a lacuna digital ou a
alfabetização digital, que pressupõem uma reedição das já questionadas estratégias
neodifusionistas.
Esses mitemas implicam uma recuperação do espírito positivista de fé no
progresso tecnológico, materializada no acesso às novas tecnologias, que se
apresenta como garantia de desenvolvimento para aquelas regiões e comunidades
que continuam atrasadas na nova ordem global. O mitema da inclusão digital
equipara de fato o acesso tecnológico a integração e desenvolvimento, incorrendo
no determinismo tecnológico de esquecer a importância das relações sociais e a
efetividade da comunicação necessárias para que se produza um processo integral
de inclusão digital (Crovi, 2004a, p. 37-38; Ortiz, 2005, p. 66–67). Encontramos aqui
um contraste entre o prometido pelos discursos hegemônicos e o devir real de
um modelo de sociedade caracterizado pela desigualdade e a exclusão no acesso
e apropriação das TIC. Busaniche (2005, p. 65) denuncia que as políticas postas
em marcha sob a bandeira de se conseguir superar a lacuna digital escondem um
panorama caracterizado por algumas poucas grandes empresas globais, as únicas
capazes de assumir o desafio de abordar os problemas estruturais tecnológicos
de comunidades atrasadas na sociedade da informação (que se convertem nas
receptoras dos fundos públicos de governos e agências de cooperação), e pelo
aumento da dívida e dos compromissos dos países ou comunidades receptoras com
os créditos concedidos por aquelas mesmas agências públicas de desenvolvimento
para a aquisição de avanços tecnológicos. É preciso reconhecer que o mitema da
lacuna digital aponta para algo necessário, o acesso às TIC, mas não suficiente,
pois são necessárias políticas de outra índole (educativa, sanitária, cultural) para
conseguir o mais difícil, porém mais útil para o desenvolvimento endógeno:
que as pessoas se apropriem e façam um uso socialmente ativo destas. Para
cobrir essas necessidades é necessário superar o mitema da alfabetização digital,
que se apresentou como um dos caminhos para eliminar a lacuna digital. A
simples aprendizagem sobre o uso dos computadores e a instalação de centros de
acesso público à Internet mostra na prática cotidiana uma tendência de fomento
consumista da informação e das TIC, sem que isso se traduza necessariamente

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


130
em uma maior democratização12.
Esse funcionamento mítico da sociedade da informação não faz senão confirmar
seu caráter ideológico13, entendendo ideologia como uma forma específica de
consciência social, materialmente baseada e sustentada, e relacionada com a
articulação de um conjunto de valores e estratégias rivais que procuram controlar os
principais aspectos do metabolismo social (Mézsáros, 2004, p. 65). Disso podemos
derivar a existência de uma peleja no campo do ideológico que se desenvolve
entre os elementos que cada parte, seja de afirmação ou negação da ordem
socioeconômica estabelecida, põe em jogo. Assim, o conceito de sociedade da
informação e a lógica que o sustenta se encaixam neste esquema de conflito
ideológico ao cumprir uma função de legitimação de uma ordem de coisas que
está determinada pela maneira como se desenvolvem as relações de produção.
Não poderíamos estar mais de acordo com a necessidade, defendida por Garnham,
de analisar a teoria da sociedade da informação como ciência e como ideologia

porque aquí tenemos a una teoría de la comunicación que se presenta a sí misma


como la manera de entender tanto el momento histórico presente como los cambios
que están ocurriendo en la sociedad. Al mismo tiempo, es la ideología favorecida para
legitimar a quienes sustentan el poder económico y político (2000: 69-70)

Esse discurso hegemônico e ideológico não provém do nada; é antes herdeiro


daquelas posturas que, retomando o ideário do pensamento positivista, relacionam
mecanicamente progresso, bem-estar e ausência de conflito (Becerra, 2003, p. 53),
chegando a identificar na atualidade a felicidade individual com a capacidade
de estar conectado, ideia própria de uma concepção instrumental da sociedade
da informação que tende a assimilar que esta só existe onde há dispositivos
tecnológicos. Certamente existe algo de novidade na noção de sociedade da

12 Encontramos uma proposta alternativa à alfabetização digital no conceito de


capital informacional esboçado por Cees Hamelink (2000) e que, além de comprender a capacidade
financeira para pagar a utilização de redes eletrônicas e serviços de informação ou a habilidade técnica
para manejar as infraestruturas dessas redes, supõe também a capacidade intelectual para filtrar e
avaliar a informação, bem como a motivação ativa para buscar informação e a habilidade para aplicar
a informação à situações sociais.

13 São muitas as referências bibliográficas que apontam que o que se conhece e


entende como sociedade da informação não possui correlação com a realidade, tratando-se de uma
expressão ideológica. Para o presente trabalho nos centramos principalmente em Becerra (2003);
Busaniche (2005); Crovi (2004a); Garnham (2000); Jambeiro e Ferreira (2003); Kumar (1997); Mattelart
(2002); Mnemosyne e Burnham (2003); Tremblay (2005); Webster (1995) e Granjon e George (2008).

131 A reedição do difusionismo diAnte dA brechA digitAl: o desAfio dAs


regiões nA sociedAde dA informAção
informação e é sua função de substituta da ideologia do progresso, que após a
crise dos anos 70 foi duramente questionada pela incapacidade das diferentes
estratégias desenvolvimentistas de acabar com as desigualdades e as injustiças
sociais. Desse modo, a ideologia do progresso foi substituída pela ideologia da
comunicação, que retoma os mesmos mitos que haviam caracterizado a primeira,
embora agora “para progresar, todos debemos comunicar” (Mattelart, 2001).
Podemos identificar essa substituição e sua evolução nas três últimas décadas com
o que Mézsáros (2004) define como a estratégia ideológica do sistema capitalista
diante das desigualdades estruturais que carrega consigo.
O ato de denunciar o caráter ideológico ou a auréola mítica que rodeia o projeto
de sociedade da informação não quer dizer que não existam, e deve-se reconhecê-
lo, novidades na evolução do modo de desenvolvimento. Trata-se de pôr em juízo
não a existência de uma mudança, mas a interpretação e consequências que
se inferem dessa mudança por parte de determinadas posturas que escondem
certos aspectos indesejados da citada transformação. Falamos então de uma
alteração de dimensões qualitativas, porém não de ruptura, mas adaptação e
configuração de uma nova fase do capitalismo fundamentada em antigas raízes
e surgida como resposta às necessidades de acumulação capitalista. Esse novo
modo de desenvolvimento, “cuyo capital básico es la inteligencia colectiva y
la información, distribuida en todos lados, continuamente valorizada y puesta
en sinergia en tiempo real” (Crovi, 2004a, p. 43) e no qual as TIC adquirem um
papel protagonista, apresenta-se diante das regiões como uma bifurcação entre
dois caminhos possíveis que podemos resumir em maior autonomia ou maior
dependência e que, como vimos, situa os territórios em uma nova estrutura
hierárquica global atravessada por dinâmicas de descentralização e recentralização.
O que assim parece evidente é a necessidade de uma redefinição das políticas
públicas de comunicação e cultura para fazer frente a todas as transformações
que se agrupam sob o apelo de sociedade da informação, posto que o marco
regulador existente na atualidade é incapaz de dar uma resposta democrática, em
termos de pluralidade e construção de cidadania, aos desafios que se abremcom
o novo sistema de redes digitais.

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O local é o diferencial
O papel do rádio na era da conexão planetária
LEANDRO RAMIRES COMASSETTO

O RÁDIO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

A transformação operada nas comunicações, sobretudo a partir das últimas três


décadas, chama à reflexão sobre o futuro do rádio local. A pergunta que vem à
tona é até quando os meios que atuam em âmbito local, voltados à discussão das
problemáticas do entorno mais imediato, resistirão ao processo de concentração
fomentado pela onda de fusões e convergências, que favorece os maiores grupos
de mídia, potencializando suas ações tanto em termos de abrangência quanto
de exploração de novos negócios.
A comunicação, na atualidade, é um negócio que transcende os veículos
tradicionais. Conjuga ferramentas informáticas e telecomunicacionais e transita
da informação ao entretenimento. Está dominada por conglomerados que atuam
em redes ou cadeias, seja em nível nacional ou internacional, que absorvem os
veículos menores ou os tornam dependentes de seu conteúdo. Quanto maior as
facilidades tecnológicas, maior a ação das corporações e de suas agências, mais
fácil a obtenção do material disseminado por elas e maiores os riscos de os meios
locais distanciarem-se de suas comunidades.
No que confere ao rádio, mesmo países que até recentemente mantiveram
posição muito reservada quanto à abertura comercial da mídia, como era o caso
na Europa, não resistiram à privatização do setor. Multiplicou-se o número de
emissoras, novas ofertas programáticas foram criadas, e a publicidade assumiu
papel decisivo na sustentação e desenvolvimento do meio. “A partir dos anos 80,
o rádio europeu transformou-se em uma indústria” (MARTÍNEZ-COSTA, 2004, p.
332), não fugindo à tendência das fusões, da concentração da propriedade por
parte dos grandes grupos e da formação de redes. Consequentemente, “duas
décadas depois, sucumbiram muitas das iniciativas pensadas para satisfazer um
público local” (FRANQUET, 2003, p. 141). Em países como França, Itália, Inglaterra
e Portugal, “as rádios locais que conseguiram sucesso comercial deixaram de ser
locais para se transformar em redes, e as que permaneceram locais por opção ou
falta de alternativa enfrentam crescentes dificuldades” (MEDITSCH, 2001, p. 129).
Mas nada se compara ao ocorrido nos Estados Unidos, onde desde o início
imperou a lei do comércio e da propriedade, intensificada, sobretudo, a partir de
1996, quando a lei das telecomunicações aboliu as regras que limitavam a 20 AMs e
20 FMs o número de emissoras por parte das companhias e indivíduos. “O resultado
foi uma onda de compras e fusões nessa área” (DIZARD Jr., 2000, p. 156), acarretando
“o agrupamento de estações em pequenas ou médias cadeias que, com o tempo,

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


138
seriam absorvidas por conglomerados multimídia” (FRANQUET, 2003, p. 142). Só
no ano de 1998, cerca de 4.000 das 10.000 estações de rádio então existentes no
país mudaram de mãos, em acordos que totalizaram aproximadamente US$ 32
bilhões. Foram criadas redes regionais, nacionais e até internacionais de rádio, e os
mercados locais, hoje, são, em boa parte, dominados pelas grandes companhias,
com a afiliação das estações locais. As que resistiram encontram dificuldades para
se manter. Em 2001, um quarto do total de emissoras existentes, todas pertencentes
às grandes redes, concentrava 80% da publicidade em rádio (FRANQUET, 2003).
No Brasil, desde o início, os meios de comunicação foram controlados por
oligarquias familiares, favorecidas, até os anos 1990, pela forma de concessão a
cargo do poder Executivo, sob acentuada interferência política. Estudo de 2001
dava conta de que grupos políticos exerciam ascensão direta sobre mais de 60%
das emissoras de rádio e televisão brasileiras. A ação estende-se, inclusive, sobre
as emissoras comunitárias. Mais recentemente registra-se acentuada presença de
entidades religiosas no controle da mídia. Os últimos levantamentos dão conta
de que, sem contar as comunitárias, evangélicos e católicos controlam mais de
1.000 emissoras de rádio e TV em todo o país.
Desde 1996, alteração na lei que regulamenta os serviços de radiodifusão tenta
inibir a interferência política na concessão de novos canais, que estava suspensa
desde 1990 e foi retomada só em 1998. A partir dessa data, as outorgas são
emitidas mediante licitação pública, que diz levar em conta a melhor proposta
de programação (tempo destinado ao jornalismo, aos serviços noticiosos, aos
programas culturais e artísticos produzidos na localidade) combinada ao melhor
preço oferecido. No fundo, o poder de mercado passou a ser decisivo, e a medida
acaba por favorecer os grupos empresariais já constituídos e consolidados, que
tencionam ampliar sua atuação, o que estimula a formação de redes e favorece
a concentração de propriedade.
Desta forma, além de interesses partidários e religiosos, ainda em evidência,
sobressai-se o interesse comercial, o que tem estimulado a constituição de redes,
sobretudo no mercado das FMs. Estima-se que hoje 50% do setor radiofônico do
país opere por este sistema, vantajoso sob o ponto de vista econômico, pelo fato
de uma emissora cabeça-de-rede produzir a programação retransmitida pelas
demais praticamente sem custos.
O sistema, por um lado, contribui para a modernização do rádio, na medida
em que favorece a especialização em algumas áreas. A possibilidade de abranger
público significativo com o recurso das redes ajuda a consolidar as emissoras
especializadas em notícias ou gêneros musicais específicos, o que se torna difícil,
senão praticamente impossível, para uma rádio independente operando em cidade
do interior, com abrangência restrita e público variado, mas reduzido. O principal
problema das redes é que, ao abrangerem regiões as mais diversas, não mantêm
identificação com as comunidades locais, ignoram sua cultura e não discutem as
problemáticas de seu entorno.

139 O lOcal é O diferencial


O papel dO rádiO na era da cOnexãO planetária
A QUESTÃO LOCAL

Por mais que se argumente em favor da “aldeia global”, da eliminação das


distâncias, do espaço de fluxos, do deslocamento de imaginários, o lugar, físico e
próximo, ainda exerce importância significativa para a maioria das pessoas. Como
reconhece Castells (2001, p. 447), “o espaço de fluxos não permeia toda a esfera
da experiência humana na sociedade em rede. Sem dúvida, a grande maioria
das pessoas nas sociedades tradicionais, bem como nas desenvolvidas, vive em
lugares e, portanto, percebe seu espaço com base no lugar”.
A hipótese pós-moderna de que a relação proximidade/distância perdeu seu
significado e, dessa forma, a proximidade não tem mais sentido, não pode ser
aplicada de forma taxativa. Por mais que as forças dominantes e as articulações
de poder na sociedade da informação deem-se através da rede de interações,
organizada no espaço de fluxos, e a dominação estrutural de sua lógica altere
de forma fundamental o significado e a dinâmica dos lugares, a vizinhança, o
bairro, a cidade ou a região urbana ou rural ainda constituem pontos de referência
relativamente estáveis. No mundo inteiro, as pessoas, para as mais diferentes
necessidades, ainda dependem umas das outras; constroem vínculos e relações;
compartilham valores, emoções, alegrias e dificuldades; reclamam, reivindicam e
se organizam para resolver os problemas da vida diária e dificilmente dispensam
da memória a sensação de enraizamento num lugar (BOURDIN, 2001).
A relevância exercida pelo espaço local, portanto, requer e reforça a necessidade
de meios de comunicação que contemplem essa realidade. Os veículos locais têm,
neste sentido, papel insubstituível, mas que, mais que uma obrigação, deve ser
visto como oportunidade. Num contexto em que a proliferação de meios e canais
e a dificuldade de competir em escala mais abrangente com os conglomerados
de mídia obrigam à descoberta de novos nichos de mercado, o espaço local não
pode ser desprezado. Pelo contrário, esse é o lugar que se abre para o diferente,
que comporta e requer o diferencial que a grande mídia dificilmente vai dar e
que, por isso mesmo, apresenta-se como alternativa aos veículos que, por suas
limitações técnicas e estruturais, correm risco de sucumbir à crescente expansão
dos meios globais.
Especialmente o rádio, por suas características, tem potencial para atuação
mais destacada nesse meio. É acessível, identifica-se facilmente com o público
e carrega consigo a experiência adquirida de uma relação histórica com o local.
Atributos não lhe faltam. Impõe-se o desafio de mostrar-se hábil, capaz e criativo
para sobreviver e mesmo sobressair em meio à nova realidade.

O FORMATO DO RÁDIO LOCAL

A popularização dos satélites, a voracidade das redes e as seduções midiáticas


que se multiplicam em todos os lugares ameaçam os meios locais. Parte da crise,

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


140
todavia, deve-se ao amadorismo praticado pelas emissoras, o que, no entender de
Meditsch (2001), sugere um repensar da estrutura e do jeito de fazer rádio local.
A chegada e a popularização da televisão, a migração dos anunciantes e a
concorrência imposta pelo próprio rádio, sobretudo a partir do advento das FMs,
afetaram a arrecadação e a capacidade de investimento das emissoras. O rádio
perdeu qualidade, baixou de nível e tornou-se, especialmente no caso das AMs, um
veículo apelativo, tratando questões por demais pessoalizadas, com exagero na
emoção e apelo ao sensacionalismo, quando não descambando para a “baixaria”, em
função de demasiada atenção às ocorrências do submundo das cidades, a violência,
o crime, os desastres. Associado a isso, muitas emissoras encontraram na redução
das equipes, no jornalismo de gilete-press ou dos conteúdos disponibilizados
na internet e na terceirização de horários para instituições religiosas e outras
entidades a fórmula para a sobrevivência.
Momentaneamente saídas para a crise, estratégias dessa natureza são vistas
com restrições por estudiosos da radiodifusão, para quem o rádio, a exemplo do
que já estaria ocorrendo com os demais meios, frente à tendência concentradora
da mídia, não conseguirá fugir ao profissionalismo, à especialização das equipes
e à oferta de conteúdo diversificado, que atenda às preferências e necessidades
dos ouvintes. Para Del Bianco (2004), ainda mais diante dos recursos (de imagens,
textos, melhoria da qualidade sonora e ampliação do espectro) impostos pelo
sistema digital, ou o rádio firma-se com programação de fato atrativa ou sucumbe.
No entender da autora, a sublocação de horários para conteúdos deslocados do
interesse da audiência, como veiculações de entidades religiosas, está com os
dias contados, bem como os programas de entretenimento barato, com pouca
ou quase nenhuma informação jornalística sobre a cidade ou região. Aqueles
que continuarem arraigados a um modo antigo de fazer rádio, acomodados em
posições obsoletas e sem base no perfil do público, “vão perder espaço para os
que souberem oferecer informação e serviço de qualidade” (p. 321).
Na mesma linha de pensamento, Barbeiro (2004) critica o excesso de improvisação
e coloquialismo e condena as orientações politiqueiras, a falta de pluralidade e o
jornalismo tendencioso. Para o autor, “só a notícia de qualidade é capaz de salvar o
rádio do redemoinho provocado pelas novas tecnologias eletrônicas, informáticas
e cibernéticas que ativam outros meios” (p. 144).
No caso do rádio do interior, onde o tamanho do público não favorece a
segmentação, o formato mais aconselhável, na opinião dos especialistas, é o
generalista, já adotado pela maioria das emissoras, embora nem sempre com a
qualidade desejada para um veículo que se pretende que sirva à sua comunidade.
Uma definição mais ou menos precisa do que se entende por rádio local é dada
por Cebrián Herreros (2001b, p. 146):

A rádio local é uma emissora de programação especializada dentro de uma


concepção generalista de enfoque geral sobre tudo o que concerne à localidade
em que está situada. Uma rádio que atende aos interesses, responde aos gostos

141 O lOcal é O diferencial


O papel dO rádiO na era da cOnexãO planetária
e necessidades de serviços de comunicação. Está centrada na vida social,
econômica, política e cultural de sua área de abrangência e também em tudo
o que ocorre em seu exterior e que tenha repercussões na vida da comunidade.

Como emissora de formato generalista, compete à rádio local, além da cobertura


dos acontecimentos e discussão das problemáticas de sua região de abrangência,
a atenção ao entretenimento, em especial a música e o esporte, à prestação de
serviço e à utilidade pública. Nas emissoras mais sintonizadas com a nova realidade
do rádio, especialmente nas manhãs predominam os programas de variedades,
conduzidos por comunicadores de forte empatia com o público, com perfil
“muito próximo ao de um âncora, com conhecimento dos fatos e capaz de passar
credibilidade, gerando retorno de audiência” (MARCONDES, apud MARANINI, 2001,
p. 66). A informação, complementada por repórteres que percorrem a cidade
ou intervêm no estúdio, é o principal elemento do programa que, por atender a
um público heterogêneo, é aconselhável que se dedique também ao debate, à
opinião responsável, às informações de serviço, ao esclarecimento sobre questões
de interesse do público e, obviamente, ao entretenimento.

A INFORMAÇÃO COMO EIXO DA PROGRAMAÇÃO

A informação sempre fez parte do cotidiano do rádio. Apesar da resistência inicial


da imprensa americana, que temia a concorrência imposta pela instantaneidade
das ondas sonoras (FAUS BELAU, 1981), o noticiário falado difundiu-se rapidamente,
as agências de notícias criaram serviços especiais para as emissoras de todo o
mundo, e o jornalismo passou a ser um setor comum nas estações de radiodifusão.
Num primeiro momento, até pela centralidade do rádio, havia predomínio das
informações nacionais e internacionais. A chegada da televisão obrigou o rádio a
voltar-se para seu entorno, e os fatos mais próximos ganharam a atenção do veículo.
A proliferação de meios, a convergência e a concorrência imposta por mídias
melhor estruturadas e mais sedutoras terminaram por afetar outros produtos
antes exclusivos do rádio, entre eles, a música. E os fatos internacionais, nacionais,
regionais e, em alguns casos, mesmo locais, são cobertos com eficiência por
meios especializados. Ao rádio local não restou alternativa senão estreitar ainda
mais seus laços com as comunidades em que está inserido e acentuar o trabalho
jornalístico realizado nesses lugares. Tanto nos programas de variedades quanto
no restante da programação, a informação é elemento indispensável, pois é o
que de fato confere identidade e fortalece a presença do rádio nas localidades.
De acordo com Chantler e Harris (1998, p. 21),

A força do jornalismo numa emissora de rádio local é o instrumento que dá


a ela a sensação de ser verdadeiramente local. Estações de rádio locais que
querem atingir grande audiência e ignoram o jornalismo correm riscos. Num

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


142
mercado cada vez mais disputado, o jornalismo é uma das poucas coisas que
distinguem as emissoras locais de todas as outras.

Vale reforçar, porém, que a informação de real interesse do rádio local é a que
está relacionada aos acontecimentos da proximidade, aos valores, situações e
vivências próximas. Quanto mais se ativer a isso, maior será, na opinião de Cebrián
Herreros (2001b), a sobrevivência do rádio local. “O mais importante é cobrir
as notícias que os demais não dão” (p. 181), mesmo que menos sensacionais.
Ao rádio não convém querer competir com quem, por ter mais recursos, pode
oferecer produtos mais espetaculares (p. 157). Para Montesinos Civera (2003,
p. 91), “a chave está em se conseguir com a proximidade tudo o que os demais
oferecem com conteúdos”.
A necessidade de proximidade, entretanto, não pode ser confundida com
falta de criatividade, atendo-se as emissoras apenas ao relato do factual, dos
acontecimentos triviais do dia-a-dia e que, a médio e longo prazo, podem se
tornar maçantes ao ouvinte, sempre tentado pela multiplicidade da oferta na
era da conexão planetária. É por isso que o profissionalismo e o investimento em
equipes jornalísticas capacitadas, além de âncoras de talento, são fundamentais
para um maior número de variações e novidades. Reportagens especiais, novos
ritmos e formatos diferentes ajudam a quebrar a monotonia e a garantir a audiência.
Sobretudo no rádio generalista, pensar que só variar o repertório musical significa
inovação é bobagem, na opinião de Herreros, que destaca a crescente inserção
de espaços ou programas humorísticos, entre eles os que, de forma inteligente
e responsável, satirizam os políticos.
Por fim, sempre é importante lembrar que, por maior e mais diversificada
que seja a proliferação de canais informativos, em vista das novas mídias e da
especialização dos veículos tradicionais, nenhum bate o rádio na intimidade
e facilidade com que trata e discute as questões que estão mais próximas da
audiência, favorecido que está pela proximidade geográfica (não está se tratando
de emissoras de rede, obviamente), mas também pela agilidade com que pode
pôr no ar as informações. A dispensa de aparatos sofisticados na cobertura dos
acontecimentos dá mobilidade ao veículo, reconhecido pela imediaticidade com
que põe o ouvinte em contato com a realidade.

COMERCIAIS VERSUS COMUNITÁRIAS

A saturação de mídias tem sido uma das principais queixas dos empresários da
radiodifusão e que, na opinião de alguns estudiosos, ameaça a própria sobrevivência
das emissoras locais. O curioso é que, nesta entrada de século, o meio vê-se
ameaçado pelo próprio meio, inclusive por emissoras, em princípio, identificadas
com o mesmo propósito de servir às comunidades próximas. A preocupação
deve-se à disputa pelo já saturado mercado publicitário.

143 O lOcal é O diferencial


O papel dO rádiO na era da cOnexãO planetária
A multiplicação de canais é uma realidade que diz respeito não apenas ao Brasil.
Praticamente, o mundo inteiro debate esta situação, nem sempre vista de forma
positiva. Na Europa, onde a exploração comercial do rádio e da televisão é processo
recente, há alegações de que a chamada democratização das comunicações,
ao invés de fortalecer a radiodifusão local, acabará por comprometê-la. Este
é o ponto de vista, por exemplo, de um dos mais respeitados pesquisadores
do rádio no mundo, o espanhol Angel Faus Belau, para quem “a proliferação
incontrolada – inclusive alentada – de emissoras ilegais, piratas, livres, comunitárias,
associativas, independentes, etc., põe o rádio privado local contra as cordas e
ameaça gravemente sua liberdade de ação” (2003, p. 75). Na avaliação do autor,
a proliferação de canais, mesmo que de ordem pública ou comunitária, mas
com direito à exploração comercial ou à busca de apoio cultural, agrava-se,
sobretudo, nos municípios ou regiões com capacidade limitada de anunciantes, o
que estaria contribuindo para empurrar o rádio local para o domínio das redes. Na
Espanha, menos de 10% das emissoras privadas (e legalizadas) são independentes
e totalmente locais. Cebrián Herreros (2001b) complementa que a fragilidade
econômica do rádio de proximidade, seja privado ou municipal (gerido por recursos
públicos e publicitários), acarreta o risco de este se tornar “um rádio pobre de
ideias, preso ao passado musical, por falta de recursos para sua atualização, ou
limitado à cópia dos programas das grandes cadeias” (p. 159). No caso das rádios
municipais, aponta, entre outros problemas, o uso político das emissoras para a
autopromoção do grupo governante.
No Brasil, a preocupação do setor privado com a multiplicação de canais tem se
acentuado após a regulamentação da radiodifusão comunitária, cujas emissoras
atendem, especificamente, a pequenos municípios e comunidades, bairros ou
vilas, com o objetivo de difundir ideias, elementos culturais, tradições e hábitos
locais, além de estimular o lazer, a integração e o convívio e prestar serviços de
utilidade pública nas comunidades em que as emissoras estão inseridas, algo
que, na maioria das vezes, ao menos em parte, tem sido deixado de lado pelas
rádios comerciais.
Os números mais recentes dão conta da existência de 4.500 emissoras de
caráter comunitário operando legalmente. É difícil precisar, entretanto, o número
exato de rádios ainda não autorizadas, as chamadas clandestinas ou piratas,
em funcionamento no país. A Associação Brasileira de Rádios Comunitárias
(Abraço) fala em 20 mil, número muito superior ao estimado pela Anatel, a agência
encarregada de fiscalizar o setor, para quem existem de cinco a sete mil emissoras
dessa natureza, ou seja, operando de forma irregular.
Segundo a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), órgão
que congrega o setor privado, “pelo menos 50% das emissoras ilegais operando
no país veiculam propagandas e têm no interesse monetário o único ideal que
possa ser notado”. A Associação intensifica a pressão sobre o governo e os órgãos
fiscalizadores para que as restrições legais sejam impostas à “pirataria”, alegando
prejuízos incalculáveis ao setor, tendo em vista que as emissoras clandestinas

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


144
“ganham competitividade por meio da sonegação de tributos e da desobrigação
de cumprimento de regras” (ABERT, 2002, p. 47).
O uso político e religioso (doutrinário) é o maior responsável pelas críticas
dirigidas às rádios comunitárias e pelo descrédito a que foram levadas muitas
dessas emissoras desde seu surgimento. Em todo o Brasil, são frequentes as
denúncias dando conta de rádios que, sob o disfarce de comunitárias, são, na
verdade, extensões de entidades religiosas e instituições com interesse partidário,
revelando-se, na prática, menos comunitárias que as comerciais.
Apesar das distorções existentes, as rádios comunitárias, em sua essência, não
têm essa finalidade e nem por princípio a disputa de mercado com as emissoras
comerciais. Ainda que a ideia de “democratização da informação” seja algo discutível
numa era regida pelo capital organizado e, no caso das comunicações, cada vez
mais dominada pelos grandes grupos de mídia, o rádio comunitário, ao menos
nos países em desenvolvimento, é resultado do processo de abertura política e
do fortalecimento das instituições democráticas, após décadas de luta em favor
da inclusão social e da liberdade de expressão. Em princípio, visa basicamente
à manifestação democrática de todos os setores da comunidade em que atua
e ao desenvolvimento local, entendido em sua amplitude, desde a promoção
de valores artísticos e culturais até a discussão de problemas e reivindicações
de melhorias em benefício do bem-estar social, diferente, portando, dos meios
comerciais, que têm por princípio primeiro o lucro. Por isso, no entender da
Abraço, as distorções havidas não invalidam a importância da regulamentação da
radiodifusão comunitária no país. O que a entidade defende é o aperfeiçoamento
da legislação “para que esse tipo de emissora cumpra, de fato, o papel (social) a
que se propõe” (DETONI, 2004, p. 279).
Além disso, há que se considerar que, levando-se em consideração a lógica
que permeia o perfil do ouvinte na atualidade, tendo em vista a proliferação de
emissoras e a concorrência estabelecida entre elas para conquistar a audiência,
o que tem resultado em programação de melhor qualidade, o desgaste das
emissoras usadas de forma indevida é inevitável. No médio prazo, tendem a cair no
descrédito da audiência e a enfrentar o repúdio da comunidade. Desde que bem
utilizadas, porém, podem prestar relevantes serviços à população, fortalecendo
o viés comunitário e local.

AS INCERTEZAS DO DIGITAL

A transição do sistema analógico para o digital, que já começa a chegar à


TV brasileira, ainda é uma incógnita para o rádio, que praticamente já definiu
pelo sistema americano IBOC, mas está inseguro quanto à eficiência do sinal. O
modelo em questão permite a mesma frequência no dial, mas ainda apresenta
problemas de propagação. Por isso, a adoção de um outro padrão internacional
não está descartada. De qualquer forma, as estimativas mais otimistas preveem
um tempo de ainda cinco anos ou mais para que o sistema venha a se consolidar.

145 O lOcal é O diferencial


O papel dO rádiO na era da cOnexãO planetária
Já implantado em alguns países, o rádio digital enfrenta dificuldades para
alcançar popularidade. Na Europa, onde funciona há mais de quinze anos, a
Inglaterra é o país com melhor aceitação, graças ao empenho da rádio BBC, que
criou cinco canais com conteúdos diversificados exclusivamente para o digital.
Ainda assim, estima-se que apenas um quinto da população tenha migrado para
o sistema. Na Alemanha, embora o alcance seja de 80% da população, a audiência
é de apenas 1%, situação parecida com a da Espanha, onde faltam incentivos
governamentais e iniciativas empresariais para a popularização do digital. Sem
atrativos diferenciados, os ouvintes continuam optando pelo analógico. O mesmo
ocorre nos Estados Unidos, país que criou o sistema por ora mais aceito no Brasil.
Estimava-se recentemente que apenas meio milhão de usuários em uma população
de 300 milhões tenha aderido ao padrão digital (DEL BIANCO, 2009).
Ainda que pairem dúvidas sobre a eficiência do sistema, o maior desafio para
a sobrevivência do rádio com o advento do sistema digital não é técnico, mas
operacional. Implica, sobretudo, em programação de qualidade, compatível
com os recursos proporcionados pelo avanço tecnológico e, mais importante, a
produção de conteúdo voltado aos interesses da audiência. Sem isso, a mudança
pouco significado terá para o ouvinte, cada vez mais exigente e seletivo. Fidler
(1998), em sua tese sobre a metamorfose dos meios, já observava, a respeito dos
jornais, que

O mais importante não é se os futuros diários serão publicados em papel ou em


algum novo meio de apresentação eletrônica. O que importa é que continuem
tendo a capacidade de informar em forma conveniente e responsável às
pessoas nas comunidades que atendem; que ofereçam fóruns acessíveis para
o discurso público e o intercâmbio de diversos pontos de vista; que convalidem
e deem sentido às informações díspares e conflitantes; que facilitem a difusão
da informação e de experiências que estreitam os laços da comunidade, que
denunciem as más ações e deem o alarme quando está em perigo a nossa
liberdade, nossas comunidades e nossas vidas, e que continuem deleitando
e surpreendendo os leitores com o inesperado e o extraordinário (p. 379).

A mesma observação vale para as demais mídias, entre elas o rádio, que
hoje, ressalvadas poucas exceções, não tem projetos nem planos para melhor
aproveitamento do meio com a tecnologia digital. E não só no que tange à melhoria
da qualidade do sinal, que oferecerá áudio estéreo, com definição de CD e livre de
interferências, nem no que se refere aos recursos adicionais ao som (gráficos, mapas,
textos e até imagens úteis principalmente para agregar dados referentes ao trânsito,
localização geográfica, meteorologia, indicadores econômicos, informações sobre
a programação, etc.), cuja veiculação será possível. A questão mais desafiadora diz
respeito mesmo à programação de melhor qualidade, atrativa e verdadeiramente
útil, ainda mais tendo em vista o desdobramento dos canais pela fragmentação
do espectro. Dependendo da tecnologia a ser adotada, as frequências atuais serão

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


146
multiplicadas por até cinco vezes, ficando sob domínio das mesmas emissoras,
que poderão veicular programações diferentes simultaneamente.
Os novos recursos, por certo, estimularão “parcerias e alianças estratégicas com
provedores de conteúdo, para desenvolver serviços complementares e agregar
valor à programação do rádio” (DEL BIANCO, 2004, p. 310), o que já vem ocorrendo
na internet, mas não a ponto de convertê-lo num meio plenamente audiovisual,
sob pena de transformá-lo num primo pobre da televisão, do cinema, do vídeo e
comprometer sua mobilidade. Tudo leva a crer que o rádio, a título complementar,
estará cada vez mais aberto às novas possibilidades, à sinergia proporcionada
pelas tecnologias e pela convergência de mídias, mas, mais importante que
tudo, é que continue sendo rádio e correspondendo às necessidades sociais
da audiência. E isso significa continuar sendo um meio preponderantemente
sonoro e capaz de demonstrar profissionalismo em uma proposta que atenda
às necessidades do público.

A EXPERIÊNCIA NA WEB

Apesar de a internet ainda ser considerada inviável comercialmente para os


radiodifusores, hoje já não se concebe a total ausência na rede. Numa época em
que cada vez mais as pessoas procuram ter sua página pessoal na web, a presença
na internet ganhou status de certidão de identidade e, ainda que carregada de
conotação ideológica comercial, o slogan “se não se encontra na rede, é porque
não existe” afirma-se como verdade incontestável.
Inicialmente presentes apenas de forma institucional, como qualquer outra
empresa, com o objetivo de oferecer informações sobre a emissora e a programação
e divulgar a marca, as rádios, logo que as condições técnicas permitiram, passaram
a disponibilizar na rede também o áudio da programação que veiculam no dial.
Para os empresários da radiodifusão, o ganho mais evidente foi o de possibilitar
à emissora, independente de seu tamanho, estrutura ou potência, a possibilidade
de fazer-se global, ainda mais numa época em que se acentuam os contatos entre
pessoas do mundo inteiro e o intercâmbio de ideias e valores culturais. O rádio,
desta forma, pode servir como instrumento útil para a obtenção de informações
e saciar a curiosidade sobre outras culturas, preferências musicais, costumes,
estilos de vida, etc., e, mais importante ainda, como meio capaz de pôr em contato
com sua terra e suas origens pessoas que, por qualquer razão, encontram-se em
regiões distantes das suas ou mesmo em outros países.
Mas o fato é que a internet pode servir de laboratório de conteúdos para o rádio
digital, tendo em vista que os recursos que oferece em muito se assemelham ao
que será possível com a implantação do novo sistema. Os estudos mais recentes
sobre o rádio, aliás, chamam a atenção para isso e também para as possibilidades
proporcionadas pela web, que, embora tire muito da mobilidade que o rádio,
apenas enquanto som, permite, alcança hoje um notável número de adeptos
que recorrem ao computador para ouvir, e até ver, rádio.

147 O lOcal é O diferencial


O papel dO rádiO na era da cOnexãO planetária
Estima-se que 33 milhões de americanos sintonizam uma estação de rádio
pela internet semanalmente e 54 milhões se tomar por base a audiência
mensal, segundo estudo da Arbitron e Edson Media Research realizado em
2008 nos Estados Unidos. Em média, um em cada cinco americanos diz ouvir
rádio online. O hábito não é restrito a jovens, alcança todas as faixas etárias.
Quinze por cento dos americanos em idade de 25 a 54 são ouvintes de rádio
online (DEL BIANCO, 2009).

A mesma pesquisa apontou que a internet, sobretudo para os adolescentes, é o


principal lugar de descoberta, inclusive de novas músicas. Aos poucos, não mais o
rádio das ondas sonoras, mas o rádio que se faz na internet, e que pode ser ouvido
no computador, iphone, ipad, ipod, mp3 e no aparelho celular, é que se consolida
como o lugar de referência da juventude, inclusive em países emergentes, como
o Brasil, onde mais da metade da população já tem, de alguma forma, acesso à
web, utilizada principalmente para lazer e diversão, quesito em que a audiência
de rádio se insere.
Quando se fala em rádio na internet, há que se diferenciar os canais criados
exclusivamente para a web, muitos dos quais apenas veiculando músicas ou
programação semelhante às emissoras convencionais, das rádios que, de alguma
forma, incorporaram a internet como parte de seu leque de atrativos ao ouvinte.
Mais, portanto, que apenas disponibilizar o sinal na rede.
Em se tratando exclusivamente de radiowebs, iniciativas de caráter comunitário
começaram a se fazer presentes na internet no fim da década de 1990. Com
a demora para a outorga de emissoras comunitárias, algumas comunidades
visualizaram a rede como ferramenta eficaz para a divulgação de seu trabalho.
Outras aglutinaram na rede o sinal das rádios comunitárias já implantadas, como
é o caso do portal “Rede Viva Favela”, do Rio de Janeiro.
O rádio comercial, por sua vez, demora a se utilizar das ferramentas digitais,
ainda que o futuro aponte para novos hábitos de “ouvir” rádio. “Os programadores e
webdesigners ainda não descobriram as incontáveis possibilidades proporcionadas
pela radiofonia na internet e repetem ainda, em muitos casos, a fórmula hertziana
nas páginas da web” (PRATA, 2008). No meio digital, o rádio pode ganhar novos
contornos, propiciar novos canais de interação com o ouvinte e até veicular textos
e imagens complementares ao áudio e que satisfazem a curiosidade da audiência.
Iniciativas bem sucedidas nesse sentido já estão se proliferando, com sites bem
produzidos, informações detalhadas sobre a programação, canais de interação
com o ouvinte e disponibilização de fotos e vídeos². Tudo isso sem deixar de ser
rádio, porque o principal atrativo continua sendo o áudio, permitindo a mesma
mobilidade ao ouvinte, que recorre à internet apenas quando procura informação
complementar ou deseja se comunicar com a rádio.
O rádio, de forma paralela à evolução das sociedades, vive momentos de
reorganização, em função do ambiente de convergência multimídia e de integração
de sistemas e suportes, o que põe em vantagem, num primeiro momento, os grupos

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


148
que já congregam diferentes mídias e que dispõem de recursos e profissionais
para abastecer as emissoras com conteúdo diversificado e complementar ao áudio.
Mas nada que não seja possível também às emissoras de menor estrutura,
desde que usem de vontade e criatividade para conjugar os recursos colocados à
disposição pela web, antecipando o que será uma tendência com a implantação
do sistema digital. Embora lentamente, algumas iniciativas, como as das Rádios
Aliança, Rural e Atual FM, no interior de Santa Catarina, vem alcançando bons
resultados no que se refere à aceitação da audiência. Desde 2009, além de textos,
arquivos em áudio, infográficos e fotografias, já disponibilizados anteriormente,
os sites das emissoras oferecem também vídeos de algumas de suas principais
reportagens, com destaque para a editoria de segurança pública, cujas imagens
despertam maior curiosidade. Numa cidade de 60 mil habitantes, os sites (www.
radioalianca.com.br; www.radiorural.com.br; www.atualfm.com.br) das rádios
chegam a ter mais de vinte mil acessos num único dia, dependendo da matéria
veiculada. E o curioso é que, em alguns casos, as rádios chegam a fornecer algumas
de suas imagens para as repetidoras de televisão da região, que as veiculam em
seus noticiários locais.
Para isso, as emissoras, de programação eminentemente local, com acentuado
viés jornalístico, não estabeleceram estruturas diferenciadas das que mantinham
antes da veiculação também pela internet. Pelo menos no primeiro dos casos
citados, a iniciativa partiu da própria equipe de reportagem, que, na realização
de todas as coberturas, sempre leva consigo uma máquina de fotografia portátil,
com recurso também de filmagem. A qualidade da imagem é satisfatória, mas
suficiente para saciar o desejo do ouvinte por algo além do áudio.

PROFISSIONAIS MULTIMÍDIA

O novo momento está provocando também uma mudança no perfil profissional


dos trabalhadores da comunicação. Se, no passado, era comum cada um se
ater à sua especificidade ou especialidade, hoje começam a predominar nas
emissoras os funcionários multifuncionais. Além de serem bons comunicadores, é
importante que eles saibam manejar com destreza os equipamentos informáticos
e se especializem na criação e produção de novos produtos. Os perfis criativos,
dedicados à investigação de novos produtos, novas audiências e de mercados
de negócios radiofônicos estão entre os mais valorizados pelas empresas do
setor, que, ainda que haja controvérsias sobre a necessidade da obrigatoriedade
do diploma de jornalismo, começam a perceber a importância do profissional
formado, com domínio das técnicas de todas as mídias, conhecimento científico
e criatividade para fazer diferença nesse novo contexto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

149 O lOcal é O diferencial


O papel dO rádiO na era da cOnexãO planetária
Uma das questões mais emblemáticas desta época é a que diz respeito ao
sentido do local frente a uma realidade que se impõe cada vez mais globalizante.
É fato que as transformações imprimidas ao tempo e ao espaço, por ocasião das
novas tecnologias da informação, encurtaram distâncias, ampliaram relações e
negócios em escala planetária e fizeram tudo parecer muito próximo. Tanto que
o próprio conceito de local ficou prejudicado. Na atual conjuntura, já não há
estranheza em se estender esse entendimento aos limites do mundo, que, aos
olhos do homem contemporâneo, já não é visto de maneira muito diferente da
qual os antigos aldeões concebiam as vilas que habitavam.
O olhar tornou-se mais abrangente, e problemáticas as mais longínquas,
territorialmente falando, ocupam o imaginário e as preocupações do sujeito.
Mas nem por isso as questões próximas e localizadas perderam seu significado
e importância. Tanto num sentido geográfico quanto antropológico, continuam
despertando fascínio e interesse. As pessoas, por mais acentuada que esteja a
desterritorialização, ainda vivem em lugares, cujas relações e acontecimentos
têm interferência direta em suas vidas e nos seus afazeres diários.
O rádio, por suas características, é o meio que melhores condições reúne para
atender o seu entorno imediato, contemplando, desta forma, os assuntos que
os demais não dão. No caso do rádio local, é isso que o diferencia dos outros
meios e canais, confere-lhe identidade e justifica sua existência num ambiente
de extrema concorrência. Ocupa espaço significativo, senão de forma tão intensa
quanto no passado, quando reinava absoluto bem dizer como único instrumento
de comunicação, continua sendo referencial na comunidade, na medida em que
se volta à realidade próxima, retrata as problemáticas de interesse imediato e põe
na ordem do dia as questões que dizem respeito ao cotidiano da audiência. O
rádio local representa um diferencial em meio ao contexto multimidiático que
se evidencia, em relação às novas e atrativas mídias, à multiplicação de canais,
às cadeias que aceleram a concentração do setor.
Pode sim resistir a tudo isso e continuar prestando relevantes serviços às
comunidades em que atua. Mas, tal qual observa Cebrián Herreros, o rádio local
dos novos tempos nada mais tem a ver com a antiga rádio de reprodução de
discos, de baixo custo e quase nenhum profissionalismo. O novo rádio, ainda mais
tendo em vista as novas tecnologias que batem à porta, a promessa cada vez
maior de qualidade sonora e recursos adicionais, terá que corresponder também
com profissionais mais qualificados, equipes melhor estruturadas e informação
mais adequada às necessidades da audiência, cujas preferências deverão ser
diagnosticadas com métodos mais científicos.
Estes são os desafios que se impõem ao rádio local, um rádio que, por certo,
vê-se ameaçado, mas ainda não sucumbiu ao curso globalizador. A concretização
da aldeia global, por si só, não acarreta o desaparecimento da aldeia local. A aldeia
local não perdeu sua relevância e continua sendo ponto de referência para a
maioria das pessoas, e o rádio, enquanto instrumento de comunicação voltado
a este meio, segue sendo a voz da aldeia.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


150
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Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


152
A digitalização, a convergência e as novas
interfaces do Rádio
ANTONIO FRANCISCO MAGNONI
JULIANA GOBBI BETTI

O RÁDIO E A DIGITALIZAÇÃO TARDIA

Desde a década de 1980, que processo de digitalização de suportes, de conteúdos


e de atividades das comunicações, gráfica, sonora e audiovisual, começou a
ganhar relevância e volume ascendente no mercado midiático brasileiro, com a
introdução experimental de computadores nas redações de veículos impressos e
em estúdio de emissoras de rádio e de televisão. Primeiramente, os computadores
serviram como ferramenta para escrever e formatar textos. Em seguida, surgiram
as gerações de equipamentos informatizados de desenvolvimento, gravação,
edição e distribuição de conteúdos sonoros, imagéticos e gráficos, que atendiam
todos os tipos de linguagens e de veiculação. Hoje é quase impossível produzir
conteúdos radiofônicos sem o uso de equipamentos digitais ou sem possuir
conexão com a internet.
Nos grandes veículos e grupos midiáticos concentrados em polos metropolitanos,
nas grandes “praças” publicitárias, a substituição de antigas ferramentas, de
processos comunicativos e de funções profissionais, por equipamentos e programas
informáticos, ocorreu relativamente rápido, conforme os proprietários de veículos
ou de grupos midiáticos puderam ter oferta com custos mais acessíveis, de
novas tecnologias importadas (ou até contrabandeadas) e com a comprovação
da eficácia operacional e da redução de despesas com pessoal, propiciada pelos
novos recursos digitais de produção simbólica.
A informatização automatizou um grande volume de tarefas e extinguiu muitas
funções profissionais e milhares postos de trabalhos, em praticamente todos os
veículos e atividades de comunicação, como exemplifica Cebrián Herreros:

hay categorías laborales en plena regresión hasta llegar a su desaparición.


En unos casos, como la de locutores, por la organización y modificación de
las funciones en beneficio de los dominadores de los contenidos. Con ello se
ha perdido calidad de voz, dominio de idioma y riquezas fonéticas. En otros
casos por la implantación técnica. Se produce una caída de categorías técnicas
tradicionales como las de los operadores y emergen otras que requieren
amplios dominios informáticos. Otras categorías sufren tales transformaciones
que reclaman una reconversión y un reciclaje continuos de quienes las
desarrollan. Recuperan impulso el perfil polivalente del profesional técnico y

153 A digitAlizAção, A convergênciA e As novAs interfAces do rádio


la especialización del personal de producción y creación (2001, p. 245).
Para agregar ao conteúdo as possibilidades advindas da digitalização e da
migração para a internet outras ferramentas essenciais foram integradas aos
processos de produção, como a interatividade e a comunicação multilateral,
elementos recentes que ainda estão em evolução e aperfeiçoamento. Este avanço
caminha paralelo ao desenvolvimento e ampliação dos sistemas informatizados,
que já estão presentes em quase todas as atividades humanas, e vem redefinindo
continuamente os padrões nacionais e globais de sistemas técnicos, mercadológicos,
políticos, reguladores, conceituais, profissionais e culturais da comunicação
midiática, nos âmbitos, público, privado, individual e social.
Também, o desenvolvimento intenso registrado nas últimas três décadas, das
tecnologias e das ferramentas digitais, dos sistemas e linguagens operacionais
informatizadas permitiu que muitos tipos de plataformas computacionais fossem
incorporados rapidamente ao cotidiano de bilhões de pessoas, independente
da condição econômica, cultural ou da região geográfica em que elas residam.
Presenciamos uma progressão contínua do número de indivíduos que adicionam
ao seu espaço de vivência, algum tipo de equipamento digital com capacidade
de processar informações e de realizar quantidades crescentes de operações
comunicativas, ou de outras tarefas cotidianas.
Com a digitalização dos meios, suportes e das mensagens de comunicação
de massa, nos deparamos com um contexto de reinvenção dos processos
comunicativos modernos, que haviam sido desenvolvidos e absorvidos socialmente,
desde a primeira revolução industrial. Um novo cenário se estabelece ainda sem
definições conceituais e processuais consolidadas, em um movimento célere que
questiona ou reposiciona as fronteiras historicamente delimitadas pelas diversas
formas de organização e desenvolvimento produtivo, econômico, político, cultural
e comunicativo das sociedades contemporâneas.

AFINAL, TEREMOS RÁDIO DIGITAL NO BRASIL?


AS DEMANDAS E OS CUSTOS DA DIGITALIZAÇÃO

O rádio brasileiro, pioneiro e o mais popular dos meios de comunicação de


massa, ainda não conseguiu definir o padrão tecnológico para o sistema nacional
de transmissão e recepção digital. Em plena “sociedade informática”, o governo e os
concessionários vão adiando seguidamente a negociação de uma agenda política,
econômica e regulatória, para definir o padrão da nova plataforma nacional e,
assim, organizar a definitiva atualização tecnológica do veículo. Del Bianco (2011,
p. 373) relembra que a discussão sobre a digitalização no país começou em 1998,
liderada pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão a partir da demonstração
do DAB – Digital Audio Broadcasting durante seu congresso anual. Entretanto,
ainda não há quem diga publicamente, de quais bolsos sairão os recursos para
custear novos transmissores para milhares de emissoras comerciais, públicas e

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


154
comunitárias, a partir do momento em que a escolha do padrão do novo Sistema
Nacional de Radiodifusão Digital. Atualmente o Brasil possui o segundo maior
mercado radiofônico, contando com 3.123 emissoras comerciais (AM e FM), 176
emissoras educativas e 4.449 emissoras comunitárias de acordo com dados de
maio de 2012, divulgados pelo Ministério das Comunicações1. É evidente que se
considerarmos a potencialidade do cenário mercadológico a digitalização aponta,
num primeiro plano, para vastas possibilidades profissionais e tecnológicas que
poderão revigorar o veículo rádio nas áreas artístico-culturais, informativas e de
prestação de serviços, bem como no campo publicitário e de formação e disputa
pela opinião pública. Por outro lado, custear em escala nacional a substituição
dos transmissores de milhares de emissoras em AM e em FM, não é uma iniciativa
econômica tão amena2. Além disso, a transmissão digital vai transformar em
sucata alguns milhões de receptores analógicos adquiridos durante décadas a
fio, pelos ouvintes brasileiros.
A transição tecnológica irá gerar imensas despesas, que terão que ser rateadas
criteriosamente entre o governo, concessionários privados, anunciantes e a
sociedade. Será preciso definir claramente quem deverá pagar a maior parcela
do vultoso investimento. Do contrário, os atores dominantes irão tranquilamente
colocar as despesas de implantação do Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD)
diretamente na conta dos consumidores e contribuintes brasileiros.
Os testes para a definição da plataforma de digitalização da radiofonia continuam
a ocorrer sem repercussão política e social significativa, embora tratem de escolher
o projeto que irá afetar profundamente o mais popular e influente veículo de
comunicação nacional. Daí a necessidade de se preservar no rádio digital as
diversas formas de produção e recepção radiofônica, que hoje são reconhecidas
pelos diferentes setores sociais. O evento da digitalização do rádio deveria ser
tratado pelo Governo Federal quase com um assunto de segurança nacional,
exatamente por se tratar da remodelagem de um veículo tão estratégico para
muitos aspectos da cultura, da política e da economia brasileira.
Além dos tantos apontamentos anteriores, há um debate que precede e também
se emparelha com o processo de digitalização dos transmissores das emissoras
e das implicações econômicas da introdução de tantas inovações simultâneas
no mercado radiofônico interno e em toda a cadeia midiática, publicitária e
tecnológica do veículo. Na prática, o rádio ainda não conseguiu consolidar

1 Ainda de acordo com o Ministério das Comunicações existem 386 emissoras (AM/FM)
funcionando em caráter provisório. Os Estados Unidos, maior mercado radiofônico mundial, possuíam
10.807 emissoras de rádio em março de 2002 (dados da Federal Comunications Comission, disponíveis
em: http://www. fcc.gov/working-papers/radio-industry-review-2002-trends-ownership-format-and-fi
nance).
2 De acordo com o relatório Rádio Digital no Brasil – Mapeamento das condições técnicas das
emissoras de rádio brasileiras e sua adaptabilidade ao padrão de transmissão digital sonora terrestre,
2009-2011, aproximadamente 81% das emissoras não possui, nem de perto, US$ 150 mil para investir
na digitalização.

155 A digitAlizAção, A convergênciA e As novAs interfAces do rádio


uma padronização teórica e profissional relativamente universal para executar
suas tarefas de digitalização e de convergência de conteúdos, de adequação
das linguagens, formatos e grades de programação para os novos ambientes
comunicativos dotados de interfaces interativas, multimidiáticas e multilaterais.
Hoje, quase todas as rádios brasileiras (e cremos que tal movimento do veículo
é mundial) ainda procuram formas mais viáveis de trafegar no ciberespaço, de
serem ouvidas em diversas plataformas da internet, em dispositivos domiciliares
ou portáteis.
Em tempo de incertezas conjunturais, com tantos desafios e dificuldades,
aparecem até previsões pessimistas de extinção do veículo. Simultânea ao
eco alarmista, a rápida multiplicação de inovações das tecnologias digitais vai
introduzindo mudanças ainda empíricas, experimentais nos antigos modelos
de programação e também nos sistemas técnicos de difusão e de recepção
radiofônica. Os computadores, televisores, aparelhos celulares e tocadores
multimídia são dispositivos receptores (e também emissores) que se renovam
todos os dias e potencializaram o alcance e as possibilidades das emissoras e
que estão introduzindo modificações em formatos, linguagens e nas formas de
consumo de conteúdos sonoros e audiovisuais.
A forma de recepção que predomina em diversos dispositivos digitais, já é não
linear, e a fruição dos conteúdos ocorre de maneira individualizada e diferida. Não
é mais preciso ouvir rádio em tempo real e em receptores específicos. A escuta
simultânea deixou de ser obrigatória e a recepção (e a interação) em suportes
digitais pode vir com texto e imagens adicionadas. Embora as empresas de
radiodifusão mantenham a transmissão de conteúdos abertos como produto
principal para os ouvintes, hoje uma mesma emissora pode possuir site, blogs,
twitter, serviços SMS e plataformas especiais para terminais mais sofisticados,
como smartphones e tabletes.
Em oposição aos prognósticos pessimistas sobre o futuro da radiodifusão,
também desponta um cenário aparentemente tão inovador para o veículo, que
estimula os entusiastas a vislumbrar um revolucionário Rádio 3.0, que deverá ser
difundido simultaneamente nas ondas hertzianas e na web, com programação
segmentada e multimidiática, com recursos comunicativos muito mais cativantes
do que os conteúdos sonoros analógicos.

O FANTASMA DE VARGAS NO ESPECTRO RADIOFÔNICO

No Brasil, ainda predomina a concepção getulista de rádio comercial, que moldou


a radiodifusão nacional como serviço e negócio privado. Desde os anos 1930, o
rádio comercial ajudou a criar consumidores para as mercadorias nacionais. Além
disso, o veículo ajudou a forjar a unificação cultural, política e territorial do País.
Embora os radiodifusores sejam concessionários de frequências geridas pelo
Estado (concedidas em nome de toda sociedade), eles entendem que as emissoras
são, em primeiro lugar, “negócios” que precisam de investimentos em imóveis, em

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


156
equipamentos, veículos etc. e têm que gerar receita suficiente para remunerar
as pessoas envolvidas em toda a cadeia produtiva radiofônica, além de garantir
os lucros particulares dos “empresários” da radiodifusão. Por isto, que o processo
de digitalização suscita tanta discussão sobre a nova cadeia de valor, a partir
da implantação do Sistema Brasileiro de Rádio Digital. Será necessário detectar
como são constituídas as diversas fontes de faturamento, os critérios e recursos
de remuneração para todos envolvidos no processo produtivo da radiodifusão
digital e quais serão os índices de lucratividade dos “empresários” da comunicação
eletrônica, dentro da denominada economia da informação. Afinal, a digitalização
conseguiu romper o longo ciclo técnico e econômico da radiodifusão analógica
civil, que começou logo depois do final Primeira Guerra Mundial.
No atual mercado da Comunicação, o rádio analógico ocupa o 6º lugar em
investimento publicitário com 4% da receita total, ficando na frente apenas
da publicidade Out-of-home, Guias e listas, e Cinema. No ranking nacional do
mercado de comunicação eletrônica aberta, ele é o terceiro e disputa com a
televisão, que detém a enorme parcela 63,3% do mercado interno e lidera em
todos os segmentos, seguida da ascendente internet, com 56 milhões de usuários3
e uma porcentagem ainda modesta, de 5,1 % do mercado nacional. Os valores de
arrecadação publicitária demonstram a brutal assimetria entre a receita do rádio,
com cerca de R$1.130 bilhão, e da televisão: os polpudos R$18.011 bilhões4 de
faturamento. Ainda, é importante notar que houve um decréscimo de cerca de
0,4% na fatia do rádio entre 2009 e 2011, no total do investimento publicitário
nacional destinado ao veículo.
É fundamental destacar que grande parte da receita publicitária dos meios de
comunicação brasileiros vem do Governo Federal. Se considerarmos o período
dos oito anos do Governo Lula o gasto soma R$ 10 bilhões, somente em 2010 foi
investido, aproximadamente, R$ 1.6 bilhão em divulgação oficial pelos órgãos e
entidades de administração direta e indireta. Desta verba 64,2% (R$ 707 milhões)
ficaram para a Televisão, o Rádio ocupa o terceiro lugar, tendo arrecadado R$ 99,9
milhões (6,18%)5. Ainda, de acordo com informações divulgadas, em abril de 2011,
pela Secom - Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, foi
registrado um aumento de 42,5% na média de investimento governamental em

3 Dados referentes à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2008, disponíveis
em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/acessoainternet2008/internet.pdf. No
entanto, atualmente estima-se que o “número de pessoas com acesso à Internet no Brasil chegou a
82,4 milhões no primeiro trimestre de 2012, segundo pesquisa do Ibope, em parceria com a Nielsen
Online” (http://br.reuters.com/ article/internetNews/idBRSPE85A04Z20120611)
4 Valores disponíveis em Mídia Dados 2012 - http://midiadados.digitalpages.com.br/home.
aspx?edicao=4
5 Fonte: http://oglobo.globo.com/politica/em-8-anos-governo-gastou-10-bi-com-
publicidade-2907526. Ver também: http://blog.planalto.gov.br/secom-divulga-dados-atualizados-
dos-investimentos-em-publicidade/

157 A digitAlizAção, A convergênciA e As novAs interfAces do rádio


publicidade considerando o período dos últimos três anos dos governos Lula e FHC6.
Um aspecto que tem chamado a atenção dos autores, e deverá merecer um
levantamento específico para pesquisar o assunto, é o crescimento dos grupos
privados, políticos e religiosos que exploram emissoras de rádio, sem priorizar
aparentemente, as finalidades e potenciais comerciais de seus veículos. Em muitos
casos, poderemos nos deparar com muitas emissoras com receitas deficitárias,
que recebem subsídios de outras fontes de renda, uma vez que os concessionários
não estão interessados objetivamente no mercado ou no negócio da radiodifusão.
Eles utilizam suas emissoras para angariar fiéis, votos ou para potencializar outros
ramos de negócios. Então, o faturamento indireto propiciado pela ação radiofônica
de emissoras que operam em tal contexto não irá aparecer na contabilidade geral
dos veículos ou na fatia publicitária nacional.
No entanto, o uso intensivo e bem articulado das emissoras deve engrossar
substancialmente a receita das igrejas de várias vertentes cristãs; para os grupos
políticos, o controle de estações é de grande ajuda para manter a influência
ideológica, para conservar ou ampliar o eleitorado, também para angariar base
de apoio financeira e estrutura para campanhas eleitorais. Mesmo para diversos
grupos privados comerciais, industriais, de serviços, ou mesmo de atividade
agropecuária, que se enquadrariam naturalmente no perfil de “empresários
da comunicação”, a exploração de rádios tem servido preferencialmente como
instrumento de pressão e de lobby, para reforçar a disputa e a expansão de seus
setores originais de interesse econômico. Ou seja, nas condições que apontamos,
muitas emissoras sob o controle de diversos grupos com interesses dominantes
foram transformadas em veículos “laranjas”, para serem utilizados prioritariamente
como instrumentos de pressão ideológica, política, judicial, econômica, religiosa
e social. Em tais condições, é quase impossível mensurar com mais precisão,
os verdadeiros índices e potencial econômico do rádio comercial brasileiro. A
falta de dados seguros também dificulta a elaboração de estimativas sobre a
cadeia de valor do rádio digital e deixa o veículo sem um projeto estratégico de
desenvolvimento perante as demais mídias digitais.
Desde a década de 1970, com a expansão definitiva da televisão em rede nacional,
o rádio ampliou as perdas de sua renda publicitária. Pouco lhe valeu os antecedentes
de ser o veículo pioneiro da comunicação sem fio em tempo real, da mobilidade
e da interatividade. A defasagem do veículo foi tanta, que em plena era digital, o
rádio não consegue organizar uma agenda política e econômica para definir uma
plataforma nacional de digitalização e organizar a migração tecnológica. Embora
os debates sobre a digitalização do rádio brasileiro tenham sido iniciados ao final
dos anos 1990, o assunto só entrou na pauta oficial com a criação do Conselho
Consultivo do Rádio Digital, em março de 2007, com o objetivo de assessorar o
Ministro das Comunicações na definição da tecnologia mais adequada para a

6 Fonte: http://blog.planalto.gov.br/comparar-verba-publicitaria-entre-lula-e-fhc-resulta-
em-distorcao-da-informacao

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


158
digitalização do sistema brasileiro de radiodifusão sonora. Houve uma sequência
de testes técnicos para verificar o desempenho das tecnologias IBOC dos EUA
e DRM, da Europa, que foram realizadas por radiodifusores credenciados pelo
Governo Federal e por equipes de universidades brasileiras. Das 23 emissoras que
iniciaram os testes neste período apenas 12 apresentaram o relatório final, novos
testes foram então aplicados pelo governo em parceria com a ABERT e o Instituto
Mackenzie em cinco emissoras, durante nove meses (Del Bianco, 2011, p.374).

O relatório técnico do Instituto Mackenzie (2008) chegou à conclusão de que


a recepção digital oferece um avanço em relação à qualidade da analógica,
e foi especialmente positivo para AM em pontos onde a qualidade do áudio
analógico foi considerada fraca ou muito ruim. Os resultados apontam para
o fato de que a cobertura real das emissoras analógicas, principalmente AM,
manteve-se abaixo da estimada pelos modelos de intensidade de campo no
momento determinado. Problemas graves foram verificados na propagação
desta tecnologia com áreas cinzentas maiores do que aquelas observadas em
sistemas analógicos quando usado em AM. Ou seja, o rádio digital não oferece
a mesma cobertura do rádio AM analógico com a mesma qualidade, sugerindo
que o rádio digital era suscetível ao ruído urbano. (Del Bianco, 2011, p.374)

Para dar continuidade às discussões sobre as questões que envolvem a definição


do modelo de rádio digital brasileiro o antigo Conselho foi revogado pela nova
composição de outro Conselho Consultivo do Rádio Digital, medida publicada
em 15 de agosto de 2012, pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo.
Atualmente, as emissoras analógicas começam a enfrentar outra barreira quase
intransponível: perdem aos poucos a audiência, seu derradeiro patrimônio. As
novas gerações estão deixando de ouvir em “radinhos a pilha”, os programas
diários de FM. De acordo com dados do Censo 2010, divulgados pelo IBGE em
abril deste ano, o número de domicílios com rádio apresentou uma queda de 6,5
% nos últimos dez anos, alcançando a marca de 81, 4%, valores correspondentes
aos divulgados na década de 19807.
Em uma pesquisa conjunta sobre os hábitos de consumo do conteúdo radiofônico,
realizada na região metropolitana de Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro
e São Paulo e no município de Frederico Westphalen (interior do Rio Grande do
Sul), com estudantes do Ensino Médio, os pesquisadores constataram que,

o rádio de caráter musical aparece como principal fator de interesse em todas

7 Não é possível afirmar que exista queda na audiência, mas os valores demonstram a
necessidade urgente da medição dos números referentes aos aparelhos portáteis, multimídia e
em automóveis. O Censo 2012 revela também um crescimento de 7,9% da posse de aparelhos de
televisão, chegando ao total de 95,1% dos domicílios. E, um aumento de 27,7% dos domicílios com
computadores, totalizando 38,3% das residências. O acesso à internet está presente em 30,7% dos
domicílios, sendo a primeira medição do IBGE

159 A digitAlizAção, A convergênciA e As novAs interfAces do rádio


as cidades pesquisadas, testemunha das interfaces entre as indústrias da
música e da radiodifusão sonora. Emissoras dedicadas ao segmento jovem
– pode-se supor – aparecem, ainda, como fonte relevante para projetos
de construção de identidades individuais e coletivas. O avanço de novos
suportes, contudo, embaralha a percepção dos respondentes quanto à recepção
de conteúdos radiofônicos, tratados indistintamente, seja via internet ou
em ondas hertzianas. Nos grandes centros, os resultados são marcantes:
considerando os 40 respondentes, 22 ouvem rádio FM em telefones celulares,
19 em computadores, 17 em aparelhos de som de automóveis, 12 em tocadores
multimídia e 11 em receptores a pilha (Ferraretto et. al, 2010, p.13)

O Rádio antes da popularização dos “tocadores” digitais portáteis e da internet,


era a única fonte de divulgação dos lançamentos musicais, dos hits parade de cada
temporada, que eram obrigatoriamente apresentados em todas as emissoras do
país, por animadores populares ou pelos DJs “irados”. Os adolescentes e jovens de
hoje preferem organizar playlists com músicas capturadas da internet, armazená-las
e ouvir diretamente em pequenos dispositivos individuais, muitas vezes multimídia.

OS CONFLITOS ENTRE O RÁDIO, AS TECNOLOGIAS DIGITAIS E O CIBERESPAÇO

Os percentuais de crescimento da internet são bastante significativos, quando


comparados com os percentuais de outros veículos presentes no mercado brasileiro.
Além do crescimento do acesso domiciliar, a popularização das plataformas
portáteis tem ajudado a ampliar e individualizar a audiência do ciberespaço.
Os dispositivos digitais móveis reproduzem com a internet, semelhanças com o
contexto havido durante a disseminação dos receptores transistorizados de rádio.
Foi o aparelho portátil que possibilitou a reorganização do perfil midiático das
emissoras brasileiras, diante da agressiva escalada de faturamento e audiência
das emissoras de televisão. As rádios puderam preservar suas audiências e a força
cultural, mesmo com a drástica redução da receita nacional do veículo.
O Brasil é principal mercado latino-americano de televisão comercial, com
sintonia aberta em 97% dos domicílios brasileiros, o que pode significar audiência
próxima de 175 milhões de pessoas. A indústria de conteúdos para a televisão
brasileira produz 70 mil horas/ano de programação informativa, de entretenimento,
publicidade e prestação de serviços. Quase 70% do conteúdo veiculado é de
produção nacional, uma atividade contínua que sustenta mais de 200 mil postos
de trabalho, diretos e indiretos.
Todavia, há uma diferença crucial entre o rádio e a internet, em relação ao
poderio da televisão. O transistor apenas assegurou aos radiodifusores, condições
modestas de sobrevivência para suas emissoras. Provavelmente o veículo tivesse
sido absorvido pela televisão, se a recepção de suas emissoras prosseguisse
apenas nos domicílios, em grandes receptores valvulados e plugados em tomadas.
Cunha adverte que o rádio na internet coloca novos paradigmas na relação entre

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


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a sobrevivência do meio e sua apropriação pela sociedade

o rádio na internet pode servir-se da rede, colocando qualquer programação


em escala global. Já é ultrapassado afirmar que a miniaturização é a grande
vantagem do rádio e falar sobre as dificuldades da audição radiofônica em
computadores de mesa. Emissoras na internet já estão em celulares e palm tops.
É o encontro da rede com a miniaturização tecnológica, fazendo um diálogo
entre as duas mais importantes características dos dois meios (Cunha, p.5).
A internet dispõe concretamente de recursos e de apelo popular para desbancar
num futuro próximo, a poderosa televisão aberta brasileira do topo do ranking
de faturamento e audiência, especialmente pela disponibilização de conteúdos
segmentados e por demanda, que atendem ao mesmo tempo às exigências
de diversificação dos conteúdos, com a vantagem do acesso de acordo com a
conveniência do público.
Possivelmente, as pessoas apreciadoras de comunicação audiovisual estarão
satisfeitas com a melhoria de transmissão da TV Digital brasileira. Entretanto,
a revolução esperada por muitos não pode ficar reduzida a melhor qualidade
de sintonia das tradicionais emissoras de televisão. Este problema poderia ser
resolvido com a recepção por cabo ou por satélite. Maior desafio será apresentar
as “virtudes” da TVD para os usuários habituais da internet e de outros dispositivos
binários. Muitos deles são pessoas com mais escolarização e poder aquisitivo, que
esperam que a TVD lhes ofereça recursos mais sofisticados, como interatividade
plena, multiformatos, multiprogramação e boa qualidade de sintonia fixa e em
dispositivos portáteis.
Uma parcela da audiência, que reivindica todas as possibilidades verdadeiramente
digitais da televisão, é constituída por adultos profundamente fascinados pelo
ciberespaço e que tem certeza de que seus desejos são tecnicamente possíveis.
A outra foi criada em plena ‘‘ecologia” do ciberespaço. Portanto, é gente que se
interessa apenas por veículos, aparatos e formatos binários com padrões que
sua geração está habituada a utilizar. É exatamente por isso que as crianças e
adolescentes podem constituir um grupo de alto risco para os articuladores
da Televisão Digital. Este segmento sempre foi pouco valorizado pela televisão
comercial, porque apresenta um nicho reduzido de consumidores diretos e os
custos de produção da programação infantil são elevados. No entanto, é um
segmento social constituído por pessoas em formação, que elegem agora os
valores, gostos e preferências individuais e grupais, que irão seguir na vida adulta.
Objetivamente, a televisão digital não melhorou a qualidade da programação e
tampouco aumentou ou diversificou a quantidade de conteúdos disponibilizados
pelas redes comerciais. Até agora, a recepção móvel e portátil é única inovação
imediata disponível para o público que possui aparelhos celulares e outros
dispositivos com captação de sinais abertos. A portabilidade poderá ser uma
ferramenta fundamental para a televisão comercial reforçar sua audiência diurna,
principalmente entre as parcelas da população que passam o dia trabalhando,

161 A digitAlizAção, A convergênciA e As novAs interfAces do rádio


estudando, ou se deslocando por longos períodos. Foi exatamente a portabilidade
que salvou o rádio de um declínio súbito durante o período em que a televisão
comercial se desenvolveu.
Desde a década de 1990, o desenvolvimento da telefonia celular, da computação
e da internet sem fio recolocaram a mobilidade e a portabilidade como as duas
grandes inovações agregadas pela comunicação digital. Os dois recursos foram
apresentados pelos vendedores de novas tecnologias, como os principais trunfos
da presumida “era da informação”. Hoje, os aparelhos celulares multimídia estão no
topo da lista dos dispositivos digitais preferidos pelos consumidores, do mesmo
modo que os radinhos transistorizados foram os aparelhos eletrônicos analógicos
mais baratos e populares desde a segunda metade do século XX.
A relação entre o rádio e a internet está suscitando duas vias para de
desenvolvimento das emissoras na era digital: uma com ação complementar e
outra com ação concorrente. Na primeira perspectiva pudemos incluir a internet
como a plataforma protagonista de uma evolução extraordinária para o rádio.
Nosso argumento se fundamenta na constatação empírica de que, em pouco
mais de uma década, a internet tornou-se a principal hospedeira e difusora de
uma série de meios, mensagens e tecnologias desenvolvidas paralelamente e que
se juntaram numa plataforma unificada de comunicação multilateral e mundial.
Com a expansão da web, o rádio analógico passou a contar com uma plataforma
multimídia complementar, que serviu extraordinariamente para as emissoras
conseguirem alcance mundial de sintonia, para renovar suas ferramentas criativas
e de produção de formatos, além de diversificarem a audiência ao disponibilizarem
de modo online, conteúdos com acesso em tempo real ou diferido.
Na segunda perspectiva, a internet apresenta um desenvolvimento concorrente
ao do rádio. No contexto brasileiro, a digitalização da radiodifusão ainda enfrenta
muitas dificuldades, fator que retarda a transição do defasado padrão analógico,
para um novo projeto plenamente digital. A persistência de um sistema radiodifusor
analógico e anacrônico, principalmente para um grande número de emissoras
em AM, abre espaço para o desenvolvimento paralelo de “emissoras” exclusivas
de internet. As rádios virtuais não dependem de autorização ou concessão oficial,
precisam de poucos recursos de custeio e ainda se beneficiam da cultura criativa e
colaborativa dos internautas. Se não houver uma reação rápida dos radiodifusores,
elas poderão retirar definitivamente do rádio convencional uma fatia considerável
de público e com a utilização de características e estratégias típicas dele. Hoje, as
rádios de internet são estimuladas pelas crescentes possibilidades de interatividade
e pela difusão simultânea facilitada pela popularização dos terminais móveis,
portáteis e multifuncionais da web. Para os usuários que apreciam os dispositivos
avançados, a aquisição de um aparelho multiuso pode custar bem mais barato
do que “colecionar” vários aparelhos com funções específicas. Afinal, o público
experimenta e valoriza cada vez mais, a liberdade de escolha que adquiriu com
os meios de comunicação interativos e não lineares.
O usuário dispõe de conteúdos em muitos formatos e linguagens, que estão

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


162
armazenados várias plataformas atendidas por ferramentas bastante amigáveis,
que ele pode utilizar conforme suas necessidades ou disponibilidade de tempo
para fruição. Pode optar por tempo real ou diferido, não tem mais que aceitar as
regras arbitrárias de periodicidade da comunicação impressa ou de grades lineares
para difusão em tempo real, de programação de rádio e de televisão.
É por isto que pessoas de extratos sociais, cultura e idades diferentes aprendem
rápido a usar as plataformas de comunicação. E todas sentem prazer em selecionar
os assuntos e em organizar agendas com informações ou entretenimento de
interesse individual. Agindo assim, elas se transformam em donas dos espaços
de audiência e começam a rejeitar em seus aparatos de recepção, até as inserções
obrigatórias de publicidade. Afinal, a prática comercial invasiva persiste nos
antigos e novos meios informativos, como o tributo a ser pago pela “gratuidade”
dos conteúdos abertos.
A perspectiva de ouvir rádio em diferido representa um avanço considerável
para a comunicação radiofônica, uma vez que a tecnologia analógica só permite
ao veículo, a emissão e recepção instantânea, sem recursos adequados para
gravar todos os conteúdos e sem permitir dispositivos de armazenamento e de
acesso que possibilite ao ouvinte recuperar as mensagens de seu interesse e
de acordo com sua disponibilidade de tempo. É exatamente porque o ouvinte
não tem a chance de ouvir de novo, que se recomenda aos profissionais que
apresentem narrações objetivas e sucintas no jornalismo radiofônico. A internet
oferece ao rádio a possibilidade de armazenar grandes volumes de conteúdos,
que poderão ser localizados e recuperados instantaneamente, por ferramentas
amigáveis de busca. Ou seja, a digitalização agrega ao rádio bancos de dados
online no ciberespaço. O jornalismo tem sua primeira forma de memória múltipla,
instantânea e cumulativa.
A ironia, é que a tradição de sintonia em tempo real, que sempre foi apontada
como uma das principais vantagens do rádio está se tornando obsoleta desde
o surgimento da internet. O ouvinte de rádio, pela primeira vez na história do
veículo, tem a possibilidade de acessar e ouvir programas de seu interesse, mesmo
que o material já tenha sido veiculado ao vivo. Ferraretto (2008) considera que tal
característica é mais um benefício ao rádio, do que um prejuízo. Afinal o ouvinte
pode ouvir a informação quando desejar. Para Ferraretto, a internet beneficia o
rádio de três formas distintas: em primeiro lugar porque substitui qualquer sistema
de ondas hertzianas, em segundo porque permite que qualquer emissora seja
acessível via celular, e em terceiro porque disponibiliza o conteúdo radiofônico
para ser ouvido em qualquer momento, pelo RSS.
Outra mudança que deve ser apontada está relacionada à interatividade. O rádio
sempre foi o meio mais interativo por possibilitar o acesso dos ouvintes à emissora,
por telefone ou carta. Com a internet, essa capacidade de interatividade aumentou
consideravelmente. Desde a década de 1920, que a radiodifusão civil deu início
ao modelo verdadeiramente moderno de comunicação eletrônica moderna, de
sintonia aberta, abrangente, instantânea, sonoro e com grande capacidade de

163 A digitAlizAção, A convergênciA e As novAs interfAces do rádio


interação com o público. Nos anos 1950, a comunicação oral, a interatividade
e a portabilidade eram trunfos exclusivos do rádio e permitiram que o veículo
acompanhasse os ouvintes, em quase todos os momentos da vida cotidiana. Foi tal
flexibilidade comunicativa e a proximidade com o público que permitiu ao rádio
brasileiro conservar praticamente intactas, mesmo depois da expansão das redes
de televisão, a audiência, popularidade e influência política e cultural, apesar de
amargar por várias décadas a rabeira em faturamento publicitário.
No atual momento da comunicação nacional, a internet apresenta um nível
razoável de interferência nos modelos de negócio de todos os veículos tradicionais.
No caso do rádio, ao mesmo tempo em que a rede mundial de computadores força
a modificação da antiga cultura administrativa e desarranja estruturas comerciais
consolidadas e vitais para o sustento das emissoras, ela também cria novas
possibilidades para que o rádio se renove e se mantenha na era da comunicação
digital, como um veículo influente e popular.
Mais recentemente, o rádio também se beneficiou do crescimento da frota
automotora e do consumo generalizado de enorme quantidade de telefones
celulares, que trazem embutidos receptores de rádio. Uma pesquisa sobre consumo
radiofônico pelos brasileiros, realizada em 2010 pelo GPR (Grupos dos Profissionais
do Rádio), apontou que 74% do público ouve Rádio em receptores tradicionais,
63% ouve pela internet, 61% pelo rádio do carro, 37% sintoniza rádio pelo celular,
21% por meio de dispositivos como MP3, MP4 e IPhone; 12% por meio de canais
de áudio da TV a cabo e 3% via internet do celular.
A pesquisa GPR apresenta números significativos de ouvintes em cada
modalidade de dispositivo para recepção radiofônica. São indicadores claros de
que um mesmo ouvinte está sintonizando regularmente suas emissoras prediletas
em mais de um tipo de receptor de rádio. Ou seja, a pesquisa demonstra a variável
“recepção em multi-sintonia”, que deverá ser ampliada assim que a radiodifusão
brasileira definir sua nova plataforma tecnológica e concluir o ciclo de digitalização
da transmissão e da recepção, que poderá transformar definitivamente o rádio
em um veículo com linguagem multimídia.
Do ponto de vista noticioso, o rádio não é mais o primeiro veículo a dar
informações. A internet é tão instantânea quanto o rádio, e atualmente com a
expansão da conectividade no Brasil, há uma tendência de aumento do número
de pessoas que se informam primeiramente pela web. Dessa forma, algumas
rádios abertas começam a apostar em outra característica para compensar
a concorrência do jornalismo digital: aprofundam mais o seu conteúdo com
reportagens especiais seriadas e com programas de discussões de questões
polêmicas e debates temáticos, formatos que antes eram subestimados pelas
emissoras comerciais, em nome da rapidez do veículo e do tempo curto e da
atenção superficial do ouvinte de rádio.
Os formatos e conteúdos jornalísticos mais complexos também migraram para
a internet juntamente com o conteúdo radiofônico das emissoras tradicionais.
Isso nos permite inferir que começa a despontar no jornalismo da internet, a

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


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especialização e o aprofundamento da cobertura noticiosa, como uma estratégia
para atrair audiência. A programação radiofônica difundida em plataformas
digitais poderá seguir a tendência e romper com a superficialidade noticiosa, que
desqualificou e subestimou o jornalismo em um grande número de emissoras
brasileiras.
Se observarmos sites e as programações de algumas emissoras na internet,
poderemos perceber alguma retomada de um jornalismo radiofônico mais denso.
Há uma participação significativa de comentaristas e analistas e se multiplicam
as séries de reportagens especiais. É uma tendência que se repete em todos os
meios jornalísticos difundidos pela internet, que hoje buscam público e formas
de sustentar economicamente as atividades do novo espaço informativo que
despontou na web.
O fluxo de digitalização e convergência é irreversível para os meios e produtos
de informação e comunicação criados desde o desenvolvimento da prensa de
Gutenberg. A convergência do rádio se manifesta, sobretudo pela multimidialidade,
um ponto ainda polêmico para muitos ouvintes, profissionais e estudiosos do
rádio, que permanecem apegados à cultura oral-auditiva do veículo e rejeitam
a possibilidade dele incorporar outras formas de linguagem, que ultrapassem a
comunicação sonora.
No entanto, a possibilidade de o rádio digital “deixar de ser rádio” parece não
preocupar mais os concessionários de emissoras e muitos profissionais do veículo.
Utilizamos com exemplo a Jovem Pan, uma das mais tradicionais emissoras
paulistanas, que usou ostensivamente o slogan “Rádio com Imagens” para destacar
ingresso da Panamericana na plataforma multimídia. Hoje, o site “JP online” está
agregado ao portal UOL/FSP e apresenta conteúdos da emissora em vários tipos de
formatos e linguagens, para ofertar diversos produtos e atrações para seu público.
A multimidialidade tem avançado rapidamente no rádio difundido pela internet,
uma plataforma naturalmente convergente, multimidiática, interativa, polifônica
e colaborativa. Entretanto, quais serão as possibilidades de convergência e de
multimidialidade no rádio por ondas, que estarão disponíveis na plataforma de
digitalização, que será definida pelo governo e os radiodifusores brasileiros? Será
um desafio eleger uma tecnologia que consiga repetir no rádio digital de sintonia
aberta, os mesmos níveis de interatividade e de multimidialidade que o veículo
apresenta na difusão por internet.
A recepção individualizada ou personalizada de conteúdos é uma nova forma
de consumo de produtos de comunicação ampliada pela internet, embora tenha
sido uma criação, antiga iniciada com a transmissão de informações especializadas
pelo telefone e que foi massificada pelos canais de televisão e de áudio por
assinatura. A internet, com suas ferramentas de multimidialidade e interatividade,
permite que o usuário faça a sua própria programação de rádio e de televisão, leia
somente o que lhe interessar e acesse o conteúdo da forma que quiser. Assim, o
ouvinte pode receber newsletter com o assunto de sua preferência, e escolher o
que lê, ouve e vê. Deste modo, tende a ser, cada vez mais, a grande concorrente

165 A digitAlizAção, A convergênciA e As novAs interfAces do rádio


da programação aberta de rádio e televisão. As grades lineares de programação
diversificada concebidas no início da radiodifusão terão que ser reinventadas na era
da comunicação digital. Ao iniciarmos a observação empírica sobre a relação entre
internet e rádio no contexto brasileiro, buscamos entender como as tecnologias
comunicativas do ciberespaço poderiam ajudar ou alterar a cultura radiofônica
tradicional, consolidada ao longo de mais de oito décadas, pela profusão de
emissoras abrangentes e populares, espalhadas pelo território nacional.
Devemos considerar que, apesar de todas as mudanças em curso trazidas
pela digitalização dos meios de comunicação, o rádio continua sendo o grande
depositário da “cultura do ouvir”. Arlindo Machado (2005) lembra-nos que a
televisão tentou “aposentar” o rádio com a ampla disseminação de suas imagens
sedutoras. O rádio sobreviveu. Ficou mais pobre, mas continuou influente, popular
e muito cobiçado como instrumento de formação de opinião. As três décadas
finais do século XX estiveram dominadas pela televisão. Todo o arsenal imagético
não conseguiu desvencilhar a televisão do estigma inicial: de rádio com imagens;
de um meio híbrido com mensagens que podem ser vistas e ouvidas juntas, ou
então, só “escutadas” por ouvintes criados pelo rádio. A internet, por mais sedutora
que se apresente, ainda não conseguiu superar a herança sonora e dialógica do
rádio. Há coisa nova no contexto digital: ouvir rádio na web também pode ser
muito cativante.

INTERATIVIDADE E CONECTIVIDADE RADIOFÔNICAS

O rádio é um veículo de tecnologia mais simples e flexível e possui linguagem


oral-musical, que se abastece diretamente na cultura coletiva cotidiana. São fatores
que permitem ao meio realizar adaptações quase miméticas e camaleônicas diante
dos novos contextos e desafios da comunicação social. Desde o surgimento das
emissoras em FM no Brasil, na década de 1970, que a nova modalidade de rádio foi
desenvolvida com apelo específico para os jovens e passou a utilizar os recursos
mais atualizados nos estúdios e nos departamentos de produção artística e de
publicidade, para melhorar a qualidade sonora da recepção radiofônica.
Desde então, há um esforço contínuo de profissionais jovens e de veteranos,
para se adequar a cada tecnologia inovadora e assim fugir da exclusão do mercado
da radiodifusão. A transformação técnica do rádio acentuou-se desde meados da
década de 1990, quando houve a informatização integral do aparato de produção
radiofônica. Logo em seguida começaram a se multiplicar na internet, os sites de
emissoras convencionais e virtuais. Naquela década também surgiu com a internet
e a telefonia celular, a possibilidade técnica de emitir e sintonizar programação
radiofônica em dispositivos informáticos, fixos e móveis.
É oportuno observar que inserção do rádio na internet está ocorrendo há mais
de uma década, e de duas formas distintas: no primeiro momento a web agregou
inovação técnica e ampliou o potencial comunicativo do veículo. Na web, o rádio
se incorporou a plataforma multimídia, que adicionou alcance mundial para

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


166
todas as emissoras, além de agregar comunicação multilateral, capacidade quase
ilimitada de armazenamento de conteúdo e memória e possibilidade de oferecer
multiprogramação. No segundo momento, a internet também passou a concorrer
com as emissoras convencionais. Afinal, a digitalização da radiodifusão brasileira
ainda patina e a prevalência de um sistema nacional com emissoras analógicas e
anacrônicas favorece o desenvolvimento de “webemissoras” competitivas.
O desenvolvimento intenso da tecnologia digital registrado nas últimas três
décadas permite que sistemas computacionais sejam incorporados rapidamente
aos mais diversos aparelhos eletrônicos presentes no cotidiano de bilhões de
pessoas. Presenciamos uma progressão contínua do número de indivíduos que
incorporam em seu cotidiano, algum tipo de equipamento com capacidade de
processamento digital.
Todos os aparelhos digitais presentes nos diversos ambientes humanos têm
sempre mais recursos para realizar funções comunicativas, cuja origem está
no âmbito cognitivo. Tal fato que permite uma rápida remodelação cultural-
cognitiva de seus usuários, com resultados semelhantes entre diferentes povos,
com distintas situações materiais. Todos eles passam a ter todas as suas relações
sociais sempre mais mediadas por recursos de comunicação ubíquos, interativos
e multidimensionais.
O processo de digitalização é um catalisador técnico que pode integrar ao
ambiente informático e ao fluxo de dados dispostos no ciberespaço, qualquer
aparato binário ligado à rede mundial de computadores. A internet tornou-se um
sistema de comunicação transversal aos demais meios. E a transversalidade da
rede não é só tecnológica, mas também de conteúdos e linguagens. É o nexo da
comunicação multilateral: o fluxo pode seguir de um para todos; de todos para
um; e de todos para todos.
Apesar da importância política que o evento da digitalização do rádio brasileiro
tem, os testes do novo sistema ocorrem sem repercussão social significativa,
embora tratem de uma extensa remodelagem do mais popular e influente veículo
de comunicação nacional. Daí a necessidade de não abandonar as diferentes
formas de recepção do rádio em diferentes setores sociais.
Atualmente, a digitalização apresenta vastas possibilidades profissionais e
tecnológicas para que o veículo rádio reconquiste um potencial artístico nas áreas
artísticas, informativas e de prestação de serviços, bem como no meio publicitário.
Uma tarefa que também cabe aos cursos de formação, aos professores, estudantes
e profissionais de comunicação, que precisam perceber no rádio um veículo e um
mercado de trabalho tão promissor quanto a imprensa, a televisão e a internet. É
preciso repensar as fórmulas de ensino da linguagem radiofônica, estimulando
experimentações e discussões que possam formar profissionais críticos que
compreender a tecnologia não apenas como fim, mas também como instrumento.
Alunos com conhecimento para buscar formas de integrar as linguagens multi
midiáticas valorizando suas potencialidades, pois, como afirma Cebrián Herreros
“apesar destas melhorias técnicas será o profissional que terá de tomar decisões

167 A digitAlizAção, A convergênciA e As novAs interfAces do rádio


criativas e de conteúdo para obter o máximo desempenho. A técnica em si não
proporciona criatividade”, mas permite a integração “de textos, vozes, música e
silêncios” (Cebrián Herreros, 2001, p.40).
Não há uma comparação objetiva entre a evolução da radiodifusão e da internet.
Em primeiro lugar, ambas as tecnologias são muito diferentes, foram criadas e
difundidas em tempos históricos distintos, com contextos e finalidades específicas,
embora os dois veículos tenham em comum a interatividade, a portabilidade, a
utilização de linguagens cotidianas para interagir com o público, além de grande
aceitação popular.
A internet é uma plataforma digital de convergência de tecnologias, de
conteúdos e de linguagens. Foi exatamente a flexibilidade técnica e a diversidade
de ferramentas e de recursos comunicativos que atraiu o rádio para o ciberespaço,
desde a época que a rede mundial de computadores ainda era uma novidade
para o grande público.
Nair Prata (2008) postula que a KLIF, uma rádio do Texas (EUA), foi uma das
primeiras emissoras de Webradio que transmitiu comercialmente em 1995. No
Brasil, a primeira rádio somente iniciou suas transmissões online no ano de 1998.

No Brasil, 183 emissoras transmitiam ao vivo pela internet em 1999. De todos


os estados brasileiros, São Paulo (48 rádios), Minas (26 rádios), Rio de Janeiro
(20 rádios) e Paraná (17 rádios) concentravam mais 60% das programações
simultâneas disponíveis na grande rede. Além de uma quantidade significativa
de emissoras – 146 no total – operava sites próprios sem transmissões ao vivo,
apenas com home page institucional (Moreira, 2002, p.152).

As webrádios foram os primeiros modelos de rádio digital, que utilizou pacotes de


dados repassados por streaming, para difundir sem ondas hertzianas. Atualmente
há sites que “espelham” as transmissões das rádios convencionais e as webrádios,
que existem exclusivamente no meio online. Hoje, as “emissoras” se multiplicam
na internet; computadores e outros dispositivos informáticos fixos e móveis são
os novos terminais de sintonia. A audiofonia digital absorve outros elementos
comunicativos. É, exatamente pelo aumento da presença de componentes
audiovisuais e escritos na exibição dos conteúdos das emissoras virtuais, que
muitos estão dizendo que o rádio digitalizado deixará de ser rádio. Há evidente
exagero e especulação sobre o assunto.
Uma rádio-web não é radiodifusão e tampouco possui uma recepção tão aberta
e diversificada quanto a do rádio tradicional. No entanto, possibilita o exercício
da divisão de funções, tarefas e responsabilidades necessárias para manter uma
emissora em operação. Afinal, o “ouvinte” de emissoras-web é até mais vigilante do
que o ouvinte das rádios tradicionais: cobra imediatamente deslizes, informações
“furadas”, músicas que o desagrade etc., e está sempre disposto a participar como
coprodutor da programação de seu interesse.
A troca tecnológica do rádio poderá durar um longo período de transição,

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


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até que haja melhor adequação do público e das emissoras, ao novo padrão de
recepção digital. Com certeza ocorrerão mudanças significativas na linguagem,
nas formas de emissão e recepção e na cadeia produtiva do veículo. É um processo
que afetará também os profissionais que produzem conteúdos jornalísticos, de
entretenimento, de serviços e publicidade e que administram as emissoras. As
empresas radiofônicas comerciais, cujo faturamento é garantido pelos anunciantes,
terão que realizar investimentos custosos em novos equipamentos e desenvolver
métodos de gestão e de manutenção de seus negócios. No entanto, serão as
emissoras educativas e comunitárias, que dispõem de menos recursos para
realizarem uma passagem adequada para o sistema digital, as mais abaladas
pela transição tecnológica, se não houver investimentos oficiais para sustentar
o reaparelhamento da radiodifusão pública.
Será preciso registrar e perceber o nível de convergência (e também de
divergências), que poderá ocorrer entre o rádio, a televisão digital, os computadores
pessoais e portáteis, a internet e as operadoras de telecomunicações e de telefonia
digital fixa e móvel. É presumido que a digitalização não irá reescrever totalmente
a cultura radiofônica consolidada no trajeto social de um veículo, que resistiu e
se adaptou a concorrência do cinema sonoro, da televisão, do videocassete, da
informática e de todas suas ferramentas versáteis de comunicação e entretenimento.
De imediato, o novo processo apresentará poucas rupturas e muitas readaptações
em matrizes clássicas da programação das emissoras, que foram desenvolvidas,
copiadas, aperfeiçoadas ou reinterpretadas no Brasil, desde meados dos anos 1930.
Mesmo que o rádio digital brasileiro demore mais algum tempo para sair
do papel, a digitalização das emissoras já está sendo antecipada pela internet,
que continuará a provocar mudanças significativas na linguagem, nos modos
de produção de conteúdos, nas formas de emissão e recepção, e também em
toda a cadeia econômica e funcional do veículo veterano. Urge concluir o ciclo
e digitalizar a transmissão e a recepção das emissoras, para que o rádio ingresse
definitivamente na “era da informação”. Enquanto a digitalização plena do rádio não
acontece, os ouvintes sintonizam suas estações prediletas em diversos terminais,
alguns deles plenamente digitais e dotados de ferramentas multimídia e de
recursos para interatividade. É a evidencia de que a radiodifusão, mesmo antes de
concluir sua transição tecnológica, já foi capturada pela plataforma convergente
do ciberespaço.

REFERÊNCIAS

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171 A digitAlizAção, A convergênciA e As novAs interfAces do rádio


Clivagem da democracia no plano digital da
esfera pública
JULIANO MAURÍCIO DE CARVALHO
ANDRÉ LUÍS LOURENÇO
INTRODUÇÃO

A democracia possui como premissa a extensão do direito à participação no


exercício do poder e na tomada de decisão a todos os cidadãos. No contexto de
uma democracia por representação1, aos agentes políticos – ou atores eleitos
no sistema político2– é delegada a função de decisão sobre as Políticas Públicas
empreendidas nas diferentes instâncias do Poder Estatal.
Entretanto, após a escolha dos representantes – por meio das eleições livres,
periódicas e diretas –, não há garantias de que as demandas das diversas
comunidades ou grupos de indivíduos, sobretudo os “excluídos ou em estado
de vulnerabilidade social”3, sejam atendidas.
Somado a isso, as experiências de democracia representativa têm revelado
um contínuo processo de distanciamento entre os cidadãos e as instâncias do
poder decisório, reduzindo a participação política aos eventos de escolha dos
representantes. Esse fenômeno denota uma crise do modelo por representação,
exigindo seu incremento.
Para tanto, Habermas (1997) propõe um modelo de democracia deliberativa,
que se baseia no princípio de que as decisões, afetando o bem-estar de uma
coletividade, devem ser o resultado de um procedimento de deliberação livre e

1 Modelo aplicado no Brasil, a democracia representativa é aqui entendida por regime de


governo no qual os cidadãos transferem seu poder de decisão política a representantes legais eleitos
em eleições livres, periódicas e diretas. Portanto, regime no qual a população mantém sua soberania,
mas delega seu poder de decisão a terceiros. Esse modelo difere da democracia direta, na qual a
própria população detém o poder de decisão política constantemente em seus domínios. Apesar de
aparentar ser mais justa, em função de manter a premissa de ‘governo do povo’, a democracia direta
se mostra inadequada à sociedade de massa e ao Estado complexo contemporâneo.
2 Entendido segundo Lindblom (1981), em essência, como um sistema de regras que
especificam os diferentes papéis a serem desempenhados pelo Presidente da República, Deputado,
ou cidadão comum, por exemplo. Indica, ainda, quem pode exercer cada função, de que modo as
pessoas devem ser escolhidas para os diferentes papéis, bem como o que é permitido a cada ator.
3 Segundo relatório do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(Dieese), publicado em 2007, ‘excluídos’ seriam aqueles indivíduos cujo acesso aos serviços públicos ou
o trânsito pelos diferentes grupos sociais em uma dada sociedade estariam totalmente cerceados, seja
pelo aspecto econômico, de trabalho, étnico, de gênero, religioso ou relacionado à orientação sexual.
Já o termo ‘vulnerabilidade social’, conforme o documento, descreve uma situação intermediária de
dificuldade de acesso a serviços e trânsito a outros grupos sociais.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


172
razoável entre cidadãos considerados iguais moral e politicamente.
Isso significa dizer que a sociedade necessita de mecanismos de atuação
e discussão política independentes do Estado e das lógicas comerciais, que
mantenham o debate sobre a ‘coisa pública’ permanentemente em pauta.
De acordo com Habermas (1984, 1997), entre esses mecanismos está a formação
de uma esfera pública, considerada um lócus de representações simbólicas no qual
a sociedade, diferentes comunidades ou grupos podem tornar públicos anseios
do âmbito privado e influenciar, por vezes determinar, as decisões políticas nas
esferas administrativas do Estado.
No contexto de uma sociedade complexa, como aponta Habermas (1997), uma
série de arenas públicas é criada pela sociedade civil no interior da esfera pública;
e por meio do embate entre as opiniões consolidadas nas diferentes arenas chega-
se a uma opinião pública que pode vir a se tornar a própria força de pressão da
sociedade sobre o Estado – o que não significa, segundo Lippmann (2008), que
se trate de uma única opinião, mas, na verdade, uma opinião comum sobre um
determinado assunto.
O raciocínio referente à influência da opinião pública sobre o processo decisório
é reforçado por Lindblom (1981), que afirma que as decisões políticas são tomadas
após o entrecruzamento das opiniões emitidas pelos diferentes atores políticos
e indivíduos ou entidades envolvidas no debate público, que disputam uma
espécie de ‘competição de ideias’ que visa ao convencimento e ao apoio político
com base na persuasão. A competição de ideias ocorre em função de cada setor
da sociedade ou ator político possuir uma interpretação específica em relação aos
assuntos de relevância pública, por meio de processos comunicativos diversos, e
buscar benefícios também específicos.
Na concepção de esfera pública de Habermas (1984, 1997), isso significa que,
na medida em que existe uma superexposição de um determinado tema – ou
uma opinião pública específica – na esfera pública, sendo inevitável sua atenção
por parte das autoridades políticas, as demandas de comunidades ou grupos
marginalizados ganham destaque e têm maiores chances de receber atendimento
– uma vez que se aumenta a chance de a demanda sensibilizar ou ser apoiada
por representantes legais do Poder Estatal nas esferas de decisão, fazendo com
que determinados temas ingressem na agenda governamental. Entretanto, vale
lembrar, ainda que essas mensagens cheguem às instâncias de decisão do Estado,
não há garantias de que a opinião pública consiga tal feito.
Mesmo que a formação de arenas públicas não determine a efetiva influência
da opinião pública na decisão política, é indiscutível que a existência de espaços
de discussão e deliberação é fundamental para aproximar a sociedade civil da
classe política – uma vez que uma discussão acerca de uma temática específica,
cujo início do processo de debate se deu nos pequenos grupos sociais organizados
em torno de uma questão também específica da vida cotidiana, passa a contar
com a possibilidade de alçar ao debate em outras arenas públicas de maiores
amplitudes, de modo que os representantes políticos tomem conhecimento.

173 Clivagem da demoCraCia no plano digital da esfera públiCa


Essas arenas públicas são formadas em diferentes locais, como associações de
bairros e comunitárias, universidades, veículos de comunicação alternativos
à lógica comercial4, entre outros. Há cerca de uma década, a sociedade tem
observado a popularização – ainda que pouco expressiva – de um novo espaço
com potenciais possibilidades de promover o debate e conscientização sobre
política: a internet. Pouco expressivo, pois na sociedade brasileira, por exemplo,
apenas cerca de 37% da população possui acesso a essa ferramenta tecnológica
– conforme levantamento realizado pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) 20095, divulgado em setembro de 2010. Embora fortemente
presente na sociedade, ainda que em níveis insatisfatórios em relação aos índices de
acesso da população, a internet não possui consenso na Comunidade Acadêmica
acerca de sua relação com a esfera pública e as arenas públicas. Essa incerteza está
ligada às características dessa plataforma tecnológica de comunicação. Também
não há consenso sobre sua função no contexto da democracia por representação.
Assim, este artigo analisa a relação entre internet e esfera pública, além de indicar
limites e contribuições da Internet, e dos espaços e conversação contidos nessa
plataforma, para a participação política da população e para o estabelecimento
da democracia deliberativa.

DEMOCRACIA E DELIBERAÇÃO: A FUNÇÃO DA ESFERA PÚBLICA

A democracia, como governo do povo, exige a participação política dos


mais amplos e variados setores da sociedade. Neste contexto, Gomes (2005a,
p. 59) aponta que uma democracia capaz de satisfazer aos requisitos básicos
de participação democrática deve contar, em níveis socialmente relevantes,
com quatro fatores essenciais: ‘volume adequado de conhecimento político
estrutural e circunstancial’; ‘possibilidades de acesso a debates públicos’; ‘meios
e oportunidades de participação em instituições democráticas ou grupos de
pressão’; e ‘habilidades para e oportunidades eficazes de comunicação da esfera
civil’. O primeiro aspecto referido por Gomes (2005a, p.59), ‘volume adequado
de conhecimento político estrutural e circunstancial’, trata da existência de um
estoque apropriado de informações não distorcidas e relevantes, de modo que
os cidadãos possam adquirir subsídios sufi cientes para a compreensão sobre
questões, argumentos, posicionamentos relativos aos negócios públicos e ao
jogo político.

4 O que está considerado neste argumento é o fato de os veículos de comunicação de caráter


comercial não se apresentarem como mecanismos de informação unilateral, alimentando o debate
público, mas não promovendo o debate – como seria caracterizada uma arena pública de fato. Aqui,
coloca-se o exemplo das rádios comunitárias como possibilidade de formação de arena pública por
meio dos veículos de comunicação (Lourenço, 2011).
5 Dados resumidos do levantamento realizado pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) 2009, divulgado em setembro de 2010, podem ser obtidos em http://www.ibge.
gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1708.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


174
Como outro quesito, ‘possibilidades de acesso a debates públicos’, o autor
sugere que os cidadãos devem ter acesso aos debates públicos já iniciados,
além da possibilidade de criar novos debates – podendo, assim, envolver-se em
procedimentos deliberativos no interior dos quais possam formar as próprias
opiniões e decisões políticas, ou ainda influenciar as opiniões de seus pares, por
meio de um processo argumentativo que visa à persuasão.
Em relação à exigência de ‘meios e oportunidades de participação em instituições
democráticas ou grupos de pressão’, Gomes (2005a, p.59) se refere à oportunidade
de participação em espaços que exerçam efetiva construção de decisões políticas.
Trata-se, especificamente, da oportunidade de atuar, enquanto cidadão, em espaços
de deliberação, como Fóruns, Assembleias, Audiências e Reuniões Públicas, entre
outros espaços democráticos.
Por fim, sobre questões de participação política, o autor aponta a existência
de ‘habilidades para e oportunidades eficazes de comunicação da esfera civil’.
Essa exigência se liga à necessidade de proximidade entre a sociedade civil e
seus representantes, em níveis diversos, com o objetivo de cobrar explicações e
prestação de contas, sugerir mudanças de perspectivas às autoridades políticas etc.
Porém, Gomes (2005b, p. 216) salienta que a experiência democrática moderna,
sobretudo nos modelos baseados em sistemas por representação, produziu uma
esfera de decisão política apartada da sociedade.

O âmbito da decisão política é constituído, então, por agentes em dedicação


profissional e por membros de corporações dedicadas ao controle e distribuição
do capital circulante nesta esfera – os partidos –, dotando-se de altíssimo
grau de autonomia em face da esfera civil. Constitucionalmente, as duas
esferas precisam interagir apenas no momento da renovação dos mandatos,
restringindo-se o papel dos mandantes civis à decisão, de tempos em tempos,
sobre quem integrará a esfera que toma as decisões propriamente políticas.

É neste contexto que se destaca o fortalecimento da esfera pública para obtenção


de oportunidades de participação política, sobretudo das camadas ‘marginalizadas’
ou em ‘estado de vulnerabilidade social’. Essa perspectiva vai ao encontro da
construção habermasiana do conceito de democracia deliberativa, cunhada pelo
autor em suas obras mais recentes – entre as quais Direito e Democracia (1997).
Maia (2001, p. 03) explica que, na visão de Habermas, levando-se em consideração
um contexto pluralista, a democracia depende de dois aspectos fundamentais:
a “institucionalização das condições necessárias e dos procedimentos para o
estabelecimento da comunicação entre os cidadãos” e a “interpenetração entre a
tomada de decisão institucionalizada e a opinião pública”, Esta última construída
de modo informal, em espaços não institucionalizados. Para a autora (2001, p. 03),
a teoria da democracia deliberativa de Habermas é alicerçada em dois planos.

Há uma distinção e descrição normativa (a) do processo informal da formação

175 Clivagem da demoCraCia no plano digital da esfera públiCa


da vontade na esfera pública e (b) da deliberação política, a qual é regulada
por procedimentos democráticos e é orientada para a tomada de decisão em
sistemas políticos específicos. Estas são duas dimensões dependentes.

Assim, esclarece Maia (2001, p. 02), Habermas concebe um modelo de democracia


que considera de maneira mais ativa a dimensão comunicativa na política, que,
por sua vez, favoreceria a circulação de poder.
Esse modelo destaca, sobremaneira, a necessidade de formação e fortalecimento
de uma esfera pública. Na definição de Habermas (1984, p. 42), a esfera pública é
a esfera de pessoas privadas reunidas em um público, cujo espaço representa um
canal de reivindicação contra o Estado, porém, regulamentado por ele. Ou seja, as
pessoas privadas reunidas num público passam a transformar em tema público a
sanção da sociedade como uma esfera privada. A esfera pública de discussão é,
portanto, o espaço em que ocorrem interações entre os indivíduos que coabitam
numa mesma realidade. Esse espaço também pode ser considerado um lócus de
representações simbólicas da própria sociedade eivado de características, modelos
e práticas cotidianas e tradicionais, onde a própria sociedade é reproduzida.
De acordo com Habermas (1984, 1997), quando ideal, por meio dessa interação
entre os indivíduos de uma comunidade, um coletivo representativo pode ser
consolidado e, por meio dele, empreender resistência ou apresentar oposição às
forças hegemônicas sociais, garantindo-lhe a possibilidade de exercer influência
sobre os processos decisórios nos diversos níveis de governo.
Segundo Maia (2003, p. 01), trata-se de uma esfera de deliberação no contexto
de uma democracia por representação. Para a autora, as concepções deliberativas
da democracia baseiam-se no princípio de que as decisões, afetando o bem-estar
de uma coletividade, devem ser o resultado de um procedimento de deliberação
livre e razoável entre cidadãos considerados iguais moral e politicamente.
Maia (2003, p. 01) destaca ser condição necessária ao funcionamento de um
regime dito democrático sob os moldes da participação da população que aquilo
que será considerado como o “interesse comum” resulte de um processo de
deliberação coletiva.
“Deliberação aqui não é entendida como tomada de decisão que se dá num
determinado momento, mas, ao invés disso, como um processo argumentativo,
intercâmbio de razões feito em público”.
Ainda segundo a autora, esse processo visa à obtenção de legitimidade para
o exercício do poder público nas principais instituições de uma sociedade, e de
racionalidade para tomada de decisão política nas esferas político-administrativas,
independente do nível de governo.
Assim, Habermas (1997, p. 92) destaca que a esfera pública pode ser apontada
como uma rede adequada para a comunicação, tomadas de decisão e opiniões.
“Nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se
condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos”.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


176
Numa sociedade complexa, de fluxos de informação oriundos dos diversos
setores sociais, a esfera pública, segundo Habermas (1997, p. 107)6, forma uma
estrutura intermediária que faz a interlocução entre as instâncias institucionalmente
formalizadas do poder do Estado e a sociedade civil, e na qual são definidas
e defendidas diversas opiniões públicas, de grupos distintos, debatidas
posteriormente. Para o autor, essa estrutura intermediária compreende um ‘sem
número’ de arenas – termo utilizado por Habermas (1997) – que se sobrepõem
umas às outras e que se articulam de acordo com pontos de vistas específicos e
de temas agendados particularmente.
O autor afirma que essas arenas públicas formadas no interior da esfera pública
são as instâncias que ligam as opiniões consolidadas no âmbito da esfera privada,
e que têm o poder de levar as reivindicações e posições da sociedade civil às
instâncias do Poder Estatal por meio da esfera pública. Portanto, a rede de fluxos
de informação definida como esfera pública, conforme Habermas (1997), também
é um fenômeno social emergido da interação empreendida pela própria sociedade
civil7.
As arenas públicas devem ter por objetivo captar os ecos dos problemas
sociais que ressoam nas esferas privadas, reuni-los e transmiti-los à esfera pública
política. Dessa forma, para Avritzer e Costa (2004, p. 709), à sociedade civil cabe a
responsabilidade de produzir microesferas públicas associadas à vida cotidiana,
ou arenas conforme Habermas (1997), com a função de captarem os anseios da
própria sociedade e levá-los ao conhecimento público e, por consequência, à
ciência dos representantes da população nas instâncias político-administrativas
do Estado.
É nesse movimento de condução das opiniões oriundas dos diferentes núcleos
da sociedade civil às instâncias do poder político-administrativo do Estado que
Habermas (1997, p. 105) defende residir o poder de influência da sociedade
civil sobre as decisões políticas, não por meio de atuação administrativa, mas
exercendo pressões por meio de mensagens que percorram os mecanismos
institucionalizados do Estado constitucional, alcançando os núcleos decisórios.
Sob a ótica de interpretação de Habermas (1997), as decisões políticas são
tomadas por meio do entrecruzamento das opiniões emitidas pelos diferentes
atores políticos. Isso ocorre, conforme Lindblom (1981), devido ao fato de cada

6 Essa perspectiva representa uma reformulação do conceito de esfera pública empreendida


pelo próprio Habermas. Enquanto no livro Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a
uma categoria da sociedade burguesa, publicado originalmente em 1962, Habermas afirma a existência
de uma esfera pública que abarcaria o debate sobre as questões de interesse público, na obra Direito
e Democracia, publicada na década de 1990, o autor – talvez influenciado pelas contribuições das
pesquisadoras Nancy Fraser e Hannah Arendt – reformula sua perspectiva e defende a existência de
um grande número de arenas que comporiam a esfera pública, donde seriam originadas as opiniões
de pequenos grupos de indivíduos e publicizadas nos outros âmbitos da esfera pública.
7 Conforme Habermas (1997, p. 99), a sociedade civil é composta por movimentos, associações
e organizações livres, não estatais e não econômicas, os quais ancoram as estruturas de comunicação
da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida.

177 Clivagem da demoCraCia no plano digital da esfera públiCa


ator social apresentar sua interpretação em relação aos assuntos de relevância
pública e, a partir de cada posição, conflitante ou não, ser empreendida uma
competição de ideias – baseada em um processo de persuasão.
O mesmo raciocínio, o da existência de arenas públicas, é defendido por Dagnino,
Olvera e Panfichi (2006), que afirmam que no âmbito da esfera pública surgem
espaços democráticos onde a comunidade recebe e repercute as ‘publicidades’
do Estado e da própria sociedade civil, a partir da influência de determinados
agentes formadores de opinião, estatais ou não, com destaque à imprensa de
massa, mas com possibilidade de esses espaços serem tomados por grupos
comunitários que assumem papel de disseminadores da ideia de participação
e discussão horizontal sobre a ‘coisa pública’ ou temáticas de interesse público.
Entretanto, Maia (2003, p. 11) salienta que, embora uma esfera pública
deliberativa possa constituir certo poder de influência sobre as instâncias político-
administrativas do Estado, não há garantias de que suas demandas e necessidades
sejam atendidas tais como conceberam durante o processo de construção da
opinião pública. Isso porque, segundo a autora, existe a possibilidade de que
haja, nos processos de tomada de decisão nas instâncias governamentais, formas
ilegítimas de poder que envolvam as instituições sociais e determinem seu perfil
de atuação – muitas vezes distanciado de seu sentido original.
Neste contexto, conforme a interpretação de Maia (2001) acerca do quadro
teórico habermasiano reformulado, a comunicação exerce relevante função
tanto nas arenas comunicativas da vida social quanto nas instâncias de decisão
dos sistemas políticos constitucionais. Daí decorre a importância da mídia, e da
investigação acerca de sua atuação, no processo de construção democrática.
Por fim, Maia (2001, p. 05) aponta que Habermas (1997) indica a existência de
diferenciação entre três tipos específicos de esferas públicas parciais, nas quais
emergiria uma trama de arenas comunicativas. A episódica seria composta por
espaços informais e não institucionalizados como bares, cafés, encontros de rua,
entre outros. Já a de presença organizada ocorreria em momentos como reuniões
de partidos e congressos, ou seja, em arenas institucionalizadas.
A terceira, denominada de abstrata, seria geralmente produzida pelas mídias,
portanto, por meio de veículos de comunicação comerciais, comunitários,
alternativos, institucionais, governamentais, entre outros.
Porém, aponta Maia (2001), Habermas (1984, 1997) não tematiza o que seria
uma ‘esfera pública virtual’, constituída por meio da infraestrutura das novas
Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC).

A INTERNET COMO AGENTE REVIGORANTE DA ESFERA PÚBLICA

Tendo-se em vista a perspectiva habermasiana de construção de um modelo

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


178
específico de democracia, a deliberativa8, o esforço, neste momento, passa a ser o
de definir as características da internet e compará-las às noções debatidas no tópico
anterior, com o objetivo de empreender um debate acerca da caracterização da
internet no contexto da esfera pública e das mais diferentes arenas possivelmente
contidas nesse espaço virtual.
De acordo com Gomes (2001, p. 02), a internet se refere a uma rede extremamente
extensa, desnacionalizada e descentralizada de computadores.

As circunstâncias de sua criação a constituíram de maneira tal que a massa


de computadores em rede funciona como malhas intermediárias conectadas
entre si e ao todo ou, numa outra metáfora, como autoestradas que servem
ao tráfego eficaz de gigantescas quantidades de informações, enquanto uma
miríade de computadores e microcomputadores serve-se dessa fabulosa
infraestrutura de rede de redes para enviar e receber informações. A internet
seria, então, nada mais nada menos que um meio ou ambiente de interconexão.

Dessa forma, o autor ressalta que o fenômeno comunicacional importante


envolvido nessa trama seria o da chamada “comunicação mediada por
computadores”, que ocorreria de um indivíduo a outro, de um a muitos, de
muitos a muitos – e todas as suas consequências em termos de sociabilidade
contemporânea.
Para Santaella (2010, p. 91), essa comunicação mediada por computadores, e
a interação resultante dessa plataforma são capazes de produzir uma realidade
paralela que “abriga megalópoles, ou bancos de dados comerciais, e uma infinidade
de portais e sites de todas as espécies”, e que tem sido denominada de ‘ciberespaço’.
A autora (2010, p. 91) aponta que o ciberespaço consiste em uma realidade
multidirecional, artificial ou virtual incorporada a uma realidade global, “sustentada
por computadores que funcionam como meios de geração e acesso”.

Nessa realidade, da qual cada computador é uma janela, os objetos vistos


e ouvidos não são nem físicos nem, necessariamente, representações de
objetos físicos, mas têm forma, caráter e ação de dados, informação pura. É
certamente uma realidade que deriva em parte do funcionamento do mundo
natural, físico, mas que se constitui de tráfegos de informação produzida
pelos empreendimentos humanos em todas as áreas: arte, ciência, negócios,
política e cultura.

Desse apontamento decorre a definição de cibercultura. Segundo Santaella


(2010), trata-se da cultura do ciberespaço, ou seja, forjada no ambiente digital a

8 Modelo que atribui à comunicação relevante função tanto nas arenas comunicativas da vida
social quanto nas instâncias de decisão dos sistemas políticos constitucionais, e, portanto, defende o
fortalecimento da esfera pública e das arenas públicas nela contidas.

179 Clivagem da demoCraCia no plano digital da esfera públiCa


partir das manifestações e experiências humanas nesse espaço.
A autora aponta que os conceitos de cibercultura e ciberespaço, até pouco tempo
atrás, se referiam à Internet fixa e abarcavam uma série de espaços e iniciativas
como redes privadas, centros de informação, blogs, grupos de discussão, entre
outros. Porém, com o advento dos dispositivos móveis de acesso, a partir da
Internet móvel, as noções de cibercultura e ciberespaço deixaram de apoiar-se
ou definir-se em uma realidade apartada da vida cotidiana, na medida em que
constituíram espaços que Santaella (2010, p. 92) denomina de ‘espaços intersticiais’.

Os espaços intersticiais referem-se às bordas entre espaços físicos e digitais,


compondo espaços conectados, nos quais se rompe a distinção tradicional entre
espaços físicos, de um lado, e digitais, de outro. Assim, um espaço intersticial ou
híbrido ocorre quando não mais se precisa “sair” do espaço físico para entrar
em contato com ambientes digitais. Sendo assim, as bordas entre os espaços
digitais e físicos tornam-se difusas e não mais completamente distinguíveis.

Dessa forma, salienta a autora, a sociedade pode passar a não perceber a


distinção entre os espaços físicos e virtuais, já que esses ‘espaços intersticiais’
tendem a dissolver a fronteira rígida até então existente. Esse fenômeno pode
ser encarado de forma natural, uma vez que a Internet se configura em uma
evolução da comunicação e da sociabilidade contemporânea, passando a ser
parte integrante do modo e das formas de interação interpessoal da sociedade.
Segundo Gomes (2001, p. 03), a Internet não pode ser considerada propriamente
um meio de comunicação, mas a própria conexão ou conectividade material à
disposição dos computadores – estes últimos, sim, funcionando como instrumentos
de comunicação. Em outras palavras, a Internet se refere a uma ferramenta, ou
plataforma, capaz de proporcionar espaço para iniciativas focadas na promoção
de debate sobre a ‘coisa pública’ ou difusão de informações de quaisquer gêneros.
Para o autor (2001, p. 03), na comunicação mediada por computadores, a qualquer
momento, sem autorização social e sem grandes investimentos em recursos, “(a)
qualquer sujeito pode se tornar emissor, (b) qualquer receptor pode se tornar
emissor e vice-versa, (c) qualquer receptor pode se transformar em provedor de
informação, produzindo informação e distribuindo-a por rede ou simplesmente
repassando informações produzidas por outro”.
Além disso, continua Gomes (2001, p. 03), a internet se destaca pelo grande
volume de informações de toda a natureza.

Trata-se de extraordinário volume de informações de toda a natureza e sobre


qualquer tipo de objeto (a) disponível exclusivamente para acesso on-line,
(b) situado de forma disseminada por computadores em rede por todo o
mundo, (c) organizados de forma a serem lidos ou vistos e, frequentemente,
reproduzidos e distribuídos em linguagens mais ou menos padronizadas e,

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


180
de qualquer forma, facilmente disponíveis aos usuários da rede.

Marques (2006, p. 167) destaca que a internet se apresenta como um espaço


apto, inclusive, a atender demandas individuais. Isso porque, por meio dessa
ferramenta, cada internauta tem a possibilidade de buscar a informação que
deseja, podendo modificá-la ou adicionar suas considerações para uma posterior
publicação, sem grandes dificuldades ou custos. Também pelo grande volume de
informações, cresce a necessidade de que os internautas desenvolvam capacidade
crítica sufi ciente para que não sejam facilmente induzidos ao erro em função
de má interpretação ou ingenuidade – ainda que tal afirmação seja bastante
controversa, se pensado o caso brasileiro, que enfrenta e convive com defasagens
históricas no ensino, sobretudo, o público.
Em razão do baixo custo e facilidade de navegação, continua o autor (2006,
p.167), a internet teria potencial para exercer papel “revigorante” na esfera pública
política argumentativa, uma vez que concede oportunidade de expressão a
vozes marginais, sem as barreiras impostas pela censura governamental ou pelos
interesses das indústrias do entretenimento e da informação.
Marques (2006, p.167) ainda destaca outras barreiras possíveis de serem
transcendidas pelo advento da internet, que ofereceria a chance da reciprocidade
discursiva advinda da esfera civil.

A superação de barreiras como o espaço (a comunicação digital não leva em


conta as fronteiras dos países) abre caminho para a participação de usuários em
diversos contextos geográficos. O direito de uso da palavra, a isegoria, conforme
chamavam os atenienses, o poder falar em “assembleia”, daria à internet,
de acordo com as referências acima indicadas, a propriedade fundamental
para o estabelecimento de um espaço argumentativo digital, o que tornaria
o computador um meio de comunicação diferenciado em termos políticos.

Assim, Marques (2006, p. 167) defende que, a partir do momento em que


favorecem a troca de experiências e conteúdos, as redes telemáticas9 também
atuam, pelo menos em potência, como ambiente propício ao diálogo e ao
entendimento. “Falando-se em termos ideais, isso traria aos cidadãos interessados
a possibilidade de, novamente, possuir certa influência nos rumos da esfera pública
política, encontrando, comodamente, outros cidadãos para discutir questões de
interesse público”.

9 Telemática é o termo utilizado para definir o conjunto de tecnologias de transmissão de


dados resultante da junção entre os recursos das telecomunicações (satélite, telefonia, fibras ópticas,
cabo etc.) e da informática (computadores, softwares, periféricos e sistemas de redes). Esses recursos
possibilitaram o processamento, a compressão, o armazenamento e a comunicação de grandes
volumes de dados – em diferentes formatos – em curto espaço de tempo, entre usuários dos mais
variados locais do planeta.

181 Clivagem da demoCraCia no plano digital da esfera públiCa


Porém, ainda há uma questão bastante instigante, e controversa, na
caracterização da internet no contexto da esfera pública, ou de sua capacidade,
enquanto plataforma tecnológica, de abrigar uma série de arenas públicas.
Trata-se da questão do anonimato.
Conforme Silveira (2009, p. 115), o anonimato se refere à condição ou qualidade
da comunicação não identificada, ou seja, da interação entre vários interagentes
que não possuem identidade explícita ou que a ocultam.
Para o autor (2009, p. 122), a modernidade forjou um sujeito histórico portador
de direitos e de uma identidade individual.

Trouxe também a comunicação de massas e novos ideais do que seria o


legítimo e o ilegítimo em uma interação social. Como bem apontou Zygmunt
Bauman, a modernidade tinha um especial horror à indefinição, à incerteza e
à ausência de controle. Nesse contexto, o anonimato foi considerado um fator
de incerteza em um mundo que clamava por identidades precisas e centradas.

Segundo Silveira (2009, p. 128), a principal tese contra o anonimato na


esfera pública parte das possíveis consequências negativas da ausência de
responsabilidade pelo que é dito.

Manifesta-se no que Habermas, em sua investigação sobre a pragmática


universal pela busca das condições universais de compreensão mútua,
denominou de pretensão de validade de um discurso como verdade (HABERMAS,
1996). Um efeito nefasto do argumento anônimo irresponsável e moralmente
repreensível, inverídico, mas apresentado como verdadeiro e correto, é o de
gerar uma rápida ação injusta, cujos efeitos não podem ser reparados.

Silveira (2007, p. 128) ainda apresenta outra deficiência da internet como espaço
de conversação apto a abrigar processos argumentativos de deliberação, indo
além da crítica à comunicação anônima.

(...) a descorporificação na rede não pode substituir o encontro face-a-face.


Nas redes, estaríamos vivendo uma desestabilização generalizada do sujeito.
A multiplicação de representações e simulacros no ciberespaço nos leva a um
estado de hiper-realidade, conforme descrito por Baudrillard, onde oposições
binárias real/ irreal, sujeito/objeto, público/privado, homem/máquina,
tenderiam a implodir, e um mundo de simulacros emergiria podendo se
tornar a única realidade para os participantes. Desse modo, o uso público da
razão comunicativa estaria prejudicado no ciberespaço.

Do outro lado, existem autores que não delegam ao anonimato um caráter

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


182
assaz negativo. De acordo com Gomes (2005a, p.65), um espaço de conversação
on-line dispensaria uma série de dificuldades que estão sempre a rondar as
discussões off-line. Entre as dificuldades citadas pelo autor estão as superações
das injunções, filtros e controles interpostos, geralmente, por parte de instâncias
que se estabelecem fora da situação de debate.
Outra questão apontada por Gomes (2005a) se refere à ausência de disparidade
inicial nas discussões promovidas pelas diferenças de valor relativo de cada
indivíduo na sociedade, reduzida justamente pela possibilidade do anonimato,
limitações de espaço e tempo que afetam as discussões off-line etc.
Dessa forma, Marques (2006, p. 172) faz uma reflexão acerca dos principais
aspectos, positivo e negativo, do anonimato aplicado às interações sociais ocorridas
na internet.

Se o anonimato permite a expressão política de indivíduos tímidos ou que não


podem se manifestar por pressões outras (de seus familiares ou dos chefes
no trabalho), por outro lado, condiciona os entes do discurso a se tornarem,
tendencialmente, menos confiáveis uns aos outros, ou menos confiáveis do
que seriam se conversassem face a face: as linhas de um diálogo em bate-
papo não permitem que se apreenda a entonação da voz, a reação de quem
interage quando dado posicionamento é exposto.

Sobre a possibilidade de abusos de internautas camuflados pelo anonimato, há


que se considerar uma questão adicional que, aliás, é determinante: talvez não
haja o anonimato da maneira como se aparenta, ou seja, sob o aspecto da não
identificação total e ausência de responsabilizações.
Isso porque, salienta Silveira (2009, p. 120), não é possível se comunicar na
internet sem um IP (Internet Protocol)10. Na verdade, não é possível abrir uma única
página sequer sem um endereço de IP. Embora não haja nenhuma necessidade
de vincular uma identidade civil a um número de IP para que a comunicação se
estabeleça, é fundamental que se vincule um IP ao computador utilizado cujo
local, por sua vez, é passível de identificação. Vale lembrar, neste momento que,
atualmente, os internautas possuem informações pessoais suficientes na rede
para se tornarem relativamente fáceis os cruzamentos de informações, de modo
que a identidade do usuário possa ser determinada ou sugerida como ponto de
partida de uma eventual investigação provocada por possíveis abusos.
O caso das conexões à internet efetuadas por meio de dispositivos móveis –
como telefones celulares, palms e laptops sem fio, entre outros – também não
escapa à possibilidade de responsabilização. Santaella (2010, p. 93) aponta que
esses equipamentos tecnológicos modernos são denominados de mídias locativas

10 O endereço IP (Internet Protocol), de forma genérica, se refere a uma espécie de endereço


que indica o local de um determinado equipamento, normalmente computadores, em uma rede
privada ou pública.

183 Clivagem da demoCraCia no plano digital da esfera públiCa


e os define como “tecnologias baseadas em lugares, ou seja, tecnologias sem fio,
tecnologias de vigilância, de rastreamento e de posicionamento que permitem
que a informação seja ligada a espaços geográficos”.

Para a autora, cada vez mais essas tecnologias da mobilidade, sensíveis aos
locais, podem acessar a internet e permitir que as informações sejam armazenadas
e recuperadas a partir de bases de dados remotas.
Diante disso, é possível afirmar que excessos cometidos por internautas podem
ser responsabilizados nas figuras de pessoas físicas, por meio de uma investigação
relativamente simples – independentemente de conexões efetuadas via Internet
fixa ou móvel. Portanto, a questão do anonimato parece não se configurar em um
verdadeiro problema à formação de arenas públicas na Internet, uma vez que se
mostra de fácil responsabilização.
Conforme as diretrizes apontadas, a internet pode ser considerada um novo
componente da esfera pública ‘geral’. Ou seja, trata-se de um novo tipo de esfera
pública parcial, tal como abstrata, episódica e de presença física.
Isso porque se pode encarar a internet como uma grande plataforma que
depende da criação de espaços de debate, que seriam as arenas públicas, para
poder formar uma esfera pública complementar à esfera convencional analógica
e suas esferas parciais. Vale lembrar, a função de criação de arenas seria da própria
sociedade civil, ou aquela parcela que possui acesso à tecnologia.
O raciocínio vai ao encontro do que afirma Marcondes (2007, p. 08). A autora
aponta que a Internet, como um todo, não é uma esfera pública autogerada, ou
seja, compartilhada por visitantes regulares transformados magicamente e que lá
depositam atitudes, práticas e objetivos que promovam modificações na sociedade.
Diante desses argumentos, é possível apontar que existe a possibilidade de que
a Internet se torne uma esfera pública parcial, na medida em que sejam criadas
arenas públicas por iniciativa da própria sociedade civil, que fomentem o debate
sobre a ‘coisa pública’, a troca de experiências e posicionamentos políticos, e que
tenham a possibilidade de extrapolarem os limites do universo virtual, de modo
que as deliberações e opiniões geradas nos espaços democráticos contidos na
internet possam influenciar as decisões políticas por meio da inflamação da
esfera pública.

INTERNET, SUAS CONTRIBUIÇÕES E LIMITES, NO CONTEXTO DA DEMOCRACIA


DELIBERATIVA

Como já afirmado, as experiências de democracia representativa têm demonstrado


frequentemente um distanciamento no relacionamento entre a sociedade e as
instâncias de decisão política – reduzindo a participação da população no exercício
do poder apenas aos eventos periódicos de escolha de representantes.
De acordo com Gomes (2005b, p. 218), a alternativa histórica à democracia

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


184
representativa é a democracia direta. Porém, esse segundo modelo se mostra
inadequado à sociedade de massa e à complexidade do Estado contemporâneo,
que exige profissionalismo de quem governa e de quem legisla.

A introdução de uma nova infraestrutura tecnológica, entretanto, faz ressurgir


fortemente as esperanças de modelos alternativos de democracia, que
implementem uma terceira via entre a democracia representativa, que retira
do povo a decisão política, e a democracia direta, que a quer inteiramente
consignada ao cidadão. Estes modelos giram ao redor da ideia de democracia
participativa e, nos últimos dez anos, na forma da democracia deliberativa,
para a qual a internet é, decididamente, uma inspiração.

Gomes (2005b, p. 218) aponta, a partir do contexto explicitado acima, o


surgimento de uma nova denominação referente à participação da população
por meio da utilização da internet. Trata-se da ‘democracia digital’11, que, segundo
o autor, se refere às possibilidades de extensão das oportunidades democráticas
instauradas pela infraestrutura tecnológica das redes de computadores.
Neste contexto, o autor afirma que o termo ‘democracia digital’ se apoia em
um conjunto de pressupostos referentes à internet e à participação política da
sociedade no exercício do poder.
O primeiro pressuposto indicado por Gomes (2005b, p. 218) aponta que a
internet permitiria resolver o problema da participação do público na política que
afeta as democracias representativas contemporâneas. Isso porque a plataforma
tornaria a participação mais fácil, mais ágil, conveniente e confortável. O benefício
prático salientado pelo autor se liga à afirmação de, atualmente, a sociedade civil
encontrar-se desorganizada e desmobilizada.
Outra questão com a qual Gomes (2005b) trabalha indica que a internet teria
a capacidade de permitir uma relação sem intermediários entre a esfera civil e
a esfera política. Esse fato poderia culminar no bloqueio, ao menos parcial, das
influências da esfera econômica e, sobretudo, das indústrias do entretenimento,
da cultura e da informação de massa – que notadamente controlam o fluxo da
informação política disponibilizada à sociedade.
A possibilidade de a sociedade se tornar não apenas consumidora de informação
política é o terceiro pressuposto com o qual Gomes (2005b, p. 218) empreende
o debate. Segundo o autor, ao menos, a internet impediria que o fluxo da
comunicação política fosse unidirecional – o que determinaria uma espécie
de restrição sobre as possibilidades de interpretação dos cidadãos. “A internet
representaria a possibilidade de que a esfera civil produzisse informação política
para o seu próprio consumo e para o provimento da sua decisão”. Com base nos

11 Apesar de utilizar a expressão ‘democracia digital’, Gomes (2005b) também aponta a


possibilidade de aparecimento de outros verbetes que se referem ao mesmo fenômeno, tais como
democracia eletrônica, ciberdemocracia, e-democracy, entre outros.

185 Clivagem da demoCraCia no plano digital da esfera públiCa


pressupostos apresentados, Gomes (2005, p.218) afirma que “democracia digital
se apresenta como uma alternativa para a implantação de uma nova experiência
democrática fundada numa nova noção de democracia”.
Isso porque a internet se mostra uma ferramenta bastante eficiente na promoção
de espaços de conversação, que permitem aos cidadãos e grupos da sociedade
interagir, sem mediações institucionais.
Dessa forma, como afirma o autor (2005b, p. 220), a internet desempenha
importante função na realização da democracia deliberativa, já que pode assegurar
aos interessados em participar do jogo democrático dois requisitos fundamentais:
informação política e espaços de interação e debate político.
Entretanto, o autor admite que apenas o acesso à internet não garante o
incremento da atividade política.

Flaming, conflitos, fragmentação, inconclusão, tudo isso além de qualquer


limite racional, aparecem como constituindo a natureza da discussão online
em um grande número de pesquisas empíricas sobre comunicação política
por meio da internet. Pesquisas demonstram, ademais, que as discussões
políticas on-line, embora permitam ampla participação, são dominadas por
uns poucos, do mesmo modo que as discussões políticas em geral. Em suma,
apesar das enormes vantagens aí contidas, a comunicação on-line não garante
instantaneamente uma esfera de discussão pública justa, representativa,
relevante, efetiva e igualitária.

Outra questão levantada pelo autor, e que se apresenta como um limite ao


ideal de fomento à participação política, está ligada ao fato de o usuário da
ferramenta não necessariamente possuir ‘habilidade e tempo’ para organizar e
gerenciar o grande volume de informações políticas existente na rede mundial
de computadores, tampouco competência para empreender uma leitura crítica
dos conteúdos disponíveis.
A esse dado é importante acrescentar o fato de que, no Brasil, cerca de 75% das
pessoas entre 15 e 64 anos não conseguem ler, escrever e calcular plenamente
– ou seja, são considerados analfabetos funcionais. Esses dados são apontados
pelo Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf )12, referente a 2009. Esse número
inclui 68% de analfabetos funcionais e 7% de analfabetos absolutos, ou seja, sem
qualquer habilidade de leitura ou escrita.
Diante desses números, é possível determinar que apenas 1 a cada 4 brasileiros
possui capacidade plena de leitura e escrita e de uso dessas habilidades no
contínuo processo de aprendizagem. Portanto, uma variável interessante é a

12 O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf ) é um levantamento realizado a cada dois anos


em parceria entre o Instituto Paulo Montenegro (IPM) e a Organização e a Ação Educativa. Dados
completos dessa pesquisa podem ser obtidos pelo endereço eletrônico
http://www.ipm.org.br.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


186
capacidade de os internautas selecionarem as informações relevantes em meio
a uma imensidão de emissores de opiniões.
Além disso, é importante ressaltar que as tecnologias da informação e da
comunicação, apesar de tornarem a participação política mais confortável e
acessível, não a garantem. Isso porque existem muitos aspectos que devem ser
levados em consideração, entre os quais uma possível ausência de interesse político
da comunidade de usuários da internet, bem como a limitação de acesso – seja
por falta de competência ou possibilidade econômica de acesso.
De acordo com dados verificados pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) 2009, divulgado em setembro de 2010, apenas cerca de 37%
da população brasileira possui acesso à rede. Portanto, por si, esse dado relata
que se trata de uma restrição à participação da população.

O INCREMENTO DA DEMOCRACIA A PARTIR DO COMPLEMENTO DIGITAL DA ESFERA


PÚBLICA

A partir da discussão teórica empreendida, é importante destacar alguns


apontamentos baseados na análise acerca da função da Internet à esfera pública
e ao incremento do regime democrático por representação.
A Internet se mostra, sim, como uma ferramenta com potencial revigorante
à esfera pública e à democracia, na medida em que oferece a possibilidade de
formação de grupos e espaços de discussão política, além de permitir um elevado
volume de informações políticas disponíveis aos usuários.
Outro aspecto se refere ao fato de a Internet facilitar a transformação do cidadão
consumidor de informações políticas em cidadão produtor de informações – o que
pode acarretar no incentivo à composição de um número maior de sujeitos ativos
politicamente, combatendo o quadro de afasia política notadamente instaurado
nas experiências democráticas modernas, com destaque ao caso brasileiro.
É evidente que a eficiência e a eficácia da utilização da ferramenta tecnológica
para fins de participação política esbarram em deficiências de cunho educacional
e de acesso, ou ainda em relação ao interesse dos usuários, ou à falta deles, em
atuar em debates sobre a ‘coisa pública’ ou buscar e emitir informações políticas.
Essas questões, aliás, se mostram bastante relevantes na presente discussão.
Entretanto, não é possível desqualificar o potencial da Internet em razão de
falhas existentes na estrutura do Estado, que muitas vezes não oferece condições
de igualdade no acesso à ferramenta e nem uma educação formal que favoreça
a compreensão da sociedade acerca de aspectos políticos. Também se pode
apontar que o interesse político depende da cultura política da sociedade, que
é fruto de um processo contínuo de debate e conscientização. Portanto, o fato
de a Internet não atingir as expectativas de utilização para a participação política
não retira seu potencial.
É viável imaginar que as iniciativas existentes a partir da Internet, pelo menos,

187 Clivagem da demoCraCia no plano digital da esfera públiCa


podem ser capazes de atuar de forma pedagógica e educativa sobre seu potencial
para a participação política da população. Também se sobressalta a possibilidade
de discussões empreendidas nesse espaço virtual alcançarem e, quando ideal,
provocarem outros setores da sociedade, sobretudo a classe política – tais como
as demais arenas públicas estabelecidas no plano físico.
Por manter a mesma lógica das arenas públicas realizadas, ou instituídas, no
plano físico, pode-se apontar que a Internet não se refere a uma nova esfera
pública, mas um novo componente da esfera pública ‘geral’ já existente, seguindo
a mesma perspectiva das esferas públicas parciais – abstrata, episódica ou de
presença física –, ou seja composta por diferentes arenas.
Isso porque, apesar de inaugurar uma nova era no que diz respeito às
possibilidades de participação política e ao estabelecimento de espaços de
conversação e deliberação, trata-se de um recurso tecnológico resultante do
processo histórico de evolução da própria sociedade.
A Internet não se mostra como uma ruptura, mas sim como complemento
à esfera pública. Se a Internet representasse uma ferramenta que oferecesse a
possibilidade de geração de arenas públicas (blogs, Fóruns, Chats etc) apartadas
das arenas públicas reconhecidas no universo físico (encontro de organizações
civis, assembleias, Audiências etc), poderia ser considerada uma nova esfera
pública. Porém, é possível perceber que as discussões iniciadas no plano digital
tendem a extrapolar as barreiras da virtualidade para alcançarem e influenciarem
os debates empreendidos no plano físico.
Com isso, nota-se que a Internet se configura em um complemento à esfera
pública, um possível agente revigorante e catalisador da participação política,
mas não se apresenta como uma nova esfera pública.
Um exemplo que reforça as afirmações efetuadas é o site Observatório de
Botucatu (www.observatoriodebotucatu.com.br) – uma iniciativa oficialmente
desvinculada de organizações partidárias. No site existe um Fórum permanente,
em que a participação do internauta é irrestrita e anônima – lembrando que,
conforme a discussão apresentada nos tópicos anteriores, o anonimato não se
configura em um problema à inserção da internet com plataforma tecnológica
que abriga arenas públicas virtuais.
Com foco na Cidade de Botucatu13, esse espaço se diferencia justamente por
restringir a discussão às questões ligadas ao Município e, dessa forma, se coloca
como objeto interessante de análise sobre as possibilidades de promover debates
políticos locais no ciberespaço.
Embora a participação dos internautas tenha como característica o anonimato,
existem participantes que indicam preferência ou militância por determinados
agrupamentos partidários, por meio do nome com o qual se identifica no referido

13 Botucatu é uma cidade do interior do Estado de São Paulo, com aproximadamente 130
mil habitantes, conforme levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2010, e
que está localizada cerca de 240 km da Capital do Estado.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


188
Fórum permanente digital.
Além do espaço de discussão, o site ainda se propõe a publicar materiais
jornalísticos veiculados por Assessorias de Comunicação e Imprensa, como a
Prefeitura de Botucatu, a Câmara Municipal de Botucatu, além das universidades
locais e organizações civis e privadas. Também disponibiliza um link direto para
comunicação com a Ouvidoria da Prefeitura de Botucatu.
Conforme o próprio site, o objetivo é o de “oferecer aos botucatuenses ferramentas
colaborativas para que todo cidadão engajado possa trazer a conhecimento
público informações relevantes, contradições, questões que merecem atenção,
erros, violações, análises críticas e propostas de ação”14. Importante ressaltar que
o termo ‘engajado’ está colocado pelo próprio site, apesar de qualquer indivíduo
com acesso à Internet ter a oportunidade de participar.
Ao longo de sua trajetória, que teve início nos primeiros meses de 2009, o site
já proporcionou debates abertos com a participação de vereadores, lideranças
políticas e representantes do Poder Executivo Municipal, com significativa
participação de diferentes internautas – cerca de 450 diferentes pessoas, sejam
como debatedores ou observadores do debate, como na última participação
dos vereadores da Câmara Municipal de Botucatu (2009-2012) em uma rodada
de debate com internautas, ocorrida em março de 201115. Na oportunidade, vale
destacar, o debate foi pauta da imprensa local, que repercutiu as colocações e os
desempenhos dos parlamentares botucatuenses.
A partir da constatação de que a iniciativa conseguiu sensibilizar e provocar
representantes do poder decisório local, chamá-los à discussão direta mediada por
computadores – além do fato de ter pautado a mídia do Município –, é viável afirmar
que os debates empreendidos em espaços de participação não institucionalizados,
arenas públicas existentes na Internet, podem alçar ao universo físico e influenciar,
por vezes determinar, as decisões políticas nas esferas do Poder Estatal.
Portanto, para concluir, ressalta-se que a internet se mostra uma ferramenta
revigorante à esfera pública e um potencial de incremento da democracia, e
representa uma força empírica à consolidação de um modelo de democracia
baseada em processos comunicativos de deliberação por meio da participação
política da população.

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47, n. 4, p. 703- 728.

14 Essa explicação está disponível no próprio ‘Observatório de Botucatu’, no link “Sobre nós
– <http://www.observatoriodebotucatu.com.br/sobre>. Acessado em 31 de janeiro de 2012.
15 A informação foi confirmada pelo próprio idealizador da iniciativa, o botucatuense Rafael
Romagnolli,em entrevista aos autores deste texto.

189 Clivagem da demoCraCia no plano digital da esfera públiCa


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191 Clivagem da demoCraCia no plano digital da esfera públiCa


Sistema Público de Comunicação:
por uma mídia de todos
ADILSON VAZ CABRAL FILHO

COMPREENDER O DEBATE SOBRE O SISTEMA PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO

Um dos debates mais atuais e urgentes no campo da Comunicação no Brasil


é o da compreensão e da efetivação do sistema público de comunicação. Incide
na apropriação e afirmação do processo regulatório pelos seus realizadores e
demais ativistas, na formulação e aplicação de políticas para garantir a viabilidade
e a sustentabilidade das iniciativas em curso e de capacitação junto aos distintos
atores, e no fomento de novas experiências relacionadas aos mais diferenciados
grupos, organizações e movimentos nos mais distintos contextos.
O papel da comunicação vem sendo compreendido na afirmação das diferentes
áreas sociais, tais como moradia, educação, saúde, segurança, na mesma medida
em que novas formas de produção, transmissão, recepção e compartilhamento
de conteúdos midiáticos vêm sendo apreendidos por ativistas, contribuindo para
dinamizar os modos de fazer comunicação numa perspectiva contra hegemônica,
mas também para pautar o debate sobre a regulamentação do setor numa escala
mais ampla e incorporando novas questões, como a do financiamento público
de caráter estatal.
A produção em comunicação por parte de organizações da sociedade civil e
produtores independentes de caráter público já era vislumbrada por autores como
Brecht, para quem “o rádio seria (...) um fantástico sistema de canalização, se fosse
capaz, não apenas de emitir, mas também de receber” (Brecht apud Ortriwano,
1999, p. 2) e Enzensberger (1979, p. 90) que afirmava, em relação às tecnologias
de vídeo e filme que já se tornavam acessíveis à população na Alemanha, “cabe
perguntar por que tais meios de produção não aparecem maciçamente nos locais
de trabalho, nas escolas”.
A confecção do Relatório McBride, ainda em 1968, afirmou de modo sistêmico
essa concepção numa perspectiva multilateral, quando já levava em conta
que “indivíduos e grupos podem (ou poderão proximamente) utilizar os seus
meios de comunicação e recursos próprios, ao mesmo tempo que os dos meios
de comunicação social” (UNESCO, 1983, p. 349). Desse modo, torna-se real a
compreensão do papel da apropriação social das Tecnologias de Informação e
Comunicação na confecção de meios próprios com o efetivo barateamento das
tecnologias de gravação e edição e a recente facilitação de acesso à veiculação
das produções.
Na continuidade das experiências de comunicação popular que marcaram os
anos 70 e 80 do século passado na América Latina (rádios comunitárias ligadas

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


192
a movimentos de trabalhadores e moradores, experiências de vídeo popular
interligadas em associações nacionais e movimento latino-americano) e das
iniciativas que redefiniram as políticas do setor em outras bases a partir dos
anos 90 (canais comunitários de TV à Cabo, a partir da Lei 8977, de 1995, e rádios
comunitárias legalizadas a partir da Lei 9612 de 1998), os movimentos ligados
ao setor vêm formulando estratégias para a implementação do Sistema Público
de Comunicação, tal como formulado no artigo 223 da Constituição Federal, que
remete à mútua complementaridade na forma do seguinte texto: “compete ao
Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o
serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da
complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”.
Em artigo publicado no Observatório de Imprensa, por ocasião do falecimento
do Deputado Arthur da Távola, o professor Venício Lima (13 mai. 2008) revela a
motivação da existência do sistema público de comunicação no texto constitucional
de 1988. Para o autor, o parlamentar acreditava que haveria lugar para um sistema
“organizado por instituições da sociedade e que funcionasse independente do
Estado e do capital”. Um texto posterior, de Mariana Martins (14 out. 2008), cita
o artigo de Venício Lima, contrapondo-o aos posicionamentos dos professores
Murilo César Ramos e Marcos Dantas, para quem a distinção entre estatal e público
é uma confusão conceitual: “Não existe diferença entre ´estatal` e ´público´. O que
é estatal é público, pois o Estado é, ou deve ser, público”, de acordo com Marcos
Dantas e “a separação entre o público e o estatal transformou-se em uma armadilha
normativa que acabou por escapar a todos os especialistas naquele momento”,
nos dizeres de Murilo César Ramos.
Venício Lima (15 jan. 2009), por sua vez, retoma seu texto anterior, afirmando
que o constituinte Artur da Távola já defendia “a ideia de um (sistema) público que
represente não apenas o Estado, mas o que houver de possivelmente organizado
na chamada sociedade”. Pensava não somente em iniciativas como a BBC britânica,
mas outras, cujas concessões eram outorgadas diretamente às universidades,
por exemplo.
O debate mais recente sobre o tema, no entanto, tem suas origens durante a
Cúpula Mundial pela Sociedade da Informação, realizada em dezembro de 2003,
em Genebra, e novembro de 2005, na Tunísia, as organizações da sociedade
civil realizaram a Campanha CRIS – Sociedade da Informação pelo Direito à
Comunicação, resultando na reivindicação de propostas voltadas para a afirmação
da comunicação como um direito humano.
No Brasil, como parte dessa mobilização mundial, foi implementado o Capítulo
CRIS Brasil, contando com o sistema público de comunicação como um de seus
eixos centrais de atuação, no marco do Programa de Governança Global, escrito,
além do Brasil, por outros quatro capítulos participantes da Campanha CRIS:
Colômbia, Filipinas, Itália e Quênia.
O sistema público de comunicação é reivindicado no âmbito das iniciativas
que se expandem em todo o país, e que seriam de número muito maior caso não

193 SiStema Público de comunicação: Por uma mídia de todoS


houvesse uma repressão tão incisiva pelo Governo Federal, principalmente em
relação às rádios comunitárias, mas também o incentivo em relação aos canais
comunitários de TV a Cabo e a falta de vontade política em torno dos futuros
Canais da Cidadania no contexto da TV Digital, que nem sob a gestão própria
das organizações da sociedade foram concebidos, no que se refere ao Decreto
5820/2006, que os instituiu. No contexto da Campanha CRIS, o Sistema Público
de Comunicação foi motivo de uma campanha lançada a partir do “Seminário
Cris Brasil: O direito à comunicação e o sistema público de comunicação”, em
2005. Se para Taís Ladeira, na época, representante da Associação Mundial de
Rádios Comunitárias (AMARC) no Brasil e também coordenadora da Cris Brasil,
cabia “mostrar para a sociedade brasileira que há alternativas fora dos sistemas
privados e estatais”, João Brant, do Intervozes, declara que “o sistema público de
comunicação deve ter mecanismos que permitam à sociedade se apropriar, sem
fins lucrativos, da mídia, estimulando a pluralidade e a diversidade dos meios e
dos conteúdos” (MOYSES, 2005).

A COMPREENSÃO DO SISTEMA PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO NO MEIO ACADÊMICO

O recente debate no contexto acadêmico busca recompor papel do sistema


público de comunicação sob a responsabilidade do Estado, para além do sistema
estatal já expresso na Constituição Federal. Considera que cabe ao Estado a
implementação de serviços públicos e de iniciativas de interesse público, pautadas
pelo caráter público. Duas evidências para a visibilidade desse debate são a
Empresa Brasileira de Comunicação, a EBC, que incorpora, sob a batuta do Estado,
aspectos determinantes do que poderia ser a efetivação do sistema público de
comunicação no país, visto que responsável pela TV Brasil, chamada de “TV Pública”
por governantes, pesquisadores e ativistas, além da configuração do campo
público das experiências de TVs e de Rádios, com a participação de emissoras
estatais (TV Câmara, TV Senado, dentre outras) e até mesmo privadas, como as
de TVs de universidades particulares, vinculadas à Associação Brasileira de TVs
Universitárias, ABTU.
Este posicionamento – que concebe o Estado como responsável, gestor e
empreendedor do sistema público de comunicação para além do próprio sistema
estatal pelo qual é naturalmente responsável – é recente pelo que distoa da
mobilização das últimas décadas de ativistas e militantes pela comunicação
democrática como direito humano, mas resgata uma concepção tradicional do
caráter público do Estado, na realização de serviços públicos voltados para o
interesse público, numa matriz ideológica que não considera a pertinência da
legitimidade reivindicada pelos produtores de mídia que se situam no âmbito do
sistema público de comunicação. Dessa maneira sublima o papel da sociedade
organizada autonomamente em função da supervalorização do Estado em sua
capacidade de gerir processos.
Outra face de uma mesma subvaloração da capacidade gestora de organizações

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


194
da sociedade está manifesta no Decreto 5820/2006 que instituiu a TV Digital
no Brasil, ao enquadrar o Canal da Cidadania sob a guarda do Ministério das
Comunicações, contra a qual se organizam manifestações recentes de incorporação
da programação dos canais comunitários nos canais da TV Digital e da mobilização
preparatória para a I Conferência Nacional de Comunicação, na expectativa de
obter consensos possíveis em relação ao reconhecimento dessas iniciativas.
Em contrapartida, as iniciativas de comunicação comunitária, potencialmente
inseridas no âmbito do sistema público de comunicação, necessitam empreender
melhor sua capacidade de ocupação dos espaços disponíveis, além de conceber e
implementar uma proposta contra hegemônica que incida claramente na política
de sua gestão e programação e na estética de suas produções e linguagens, de
sustentação e de visibilidade de suas atividades.
O governo brasileiro também usa de argumento de desqualificação nessa linha,
alegando que as iniciativas de comunicação da sociedade deveriam ter o que
mostrar para poder reivindicar faixas de frequência. Tal argumentação equivale
à desconstrução que o Mercado costuma afirmar em seus posicionamentos,
quando na verdade o próprio governo deveria ser o primeiro ator a impulsionar
e estar ao lado dessa apropriação por parte das iniciativas empreendidas pela
sociedade organizada. Ainda mais que, historicamente, o papel de governos
anteriores que não causam nostalgia à população brasileira foi exatamente o de
fomentar a qualidade de conglomerados nacionais a partir da liberação de subsídios
estrangeiros, que superaram suas limitações estéticas e técnicas, estabelecendo
padrões de qualidade que levaram a sociedade a legitimá-los, praticamente
revertendo a afirmação de poder em relação a governantes e parlamentares.
Cabe, diante desse cenário, a elaboração de um outro projeto estratégico
nacional pela criação de um sistema público de comunicação como mídia de
todos, compreendendo que somente a sociedade organizada é quem pode
concebê-lo e reivindicá-lo, posto que o conceito está em aberto, no que tange a
Constituição Federal, e não regulamentado, na ausência de um processo regulatório
direcionado ao setor.

A COMPREENSÃO DO SISTEMA PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO ENTRE A SOCIEDADE


ORGANIZADA

Distinto do estatal e do privado, mas em mútua complementaridade com eles,


impulsionado pelo barateamento das tecnologias de produção e de edição, além
do acesso facilitado à veiculação e ao compartilhamento de conteúdos, o sistema
público de comunicação emerge da afirmação de experiências de diferentes
contextos ao longo das cinco últimas décadas de articulação entre grupos de
assessoria ou das próprias comunidades nas quais atuam, que realizam iniciativas
de comunicação compreendidas como popular, comunitária, independente,
alternativa, cidadã além de outras denominações mais recentes como mídia

195 SiStema Público de comunicação: Por uma mídia de todoS


radical ou tática.
Tal como as emissoras relacionadas ao sistema estatal, se constitui por iniciativas
que também promovem o serviço público, imbuídos do caráter e do interesse
público no âmbito de sua programação e, especificamente, de seus programas
e conteúdos. Destina-se, portanto, ao compromisso com assuntos e abordagens
relacionados ao conjunto da sociedade e, especificamente, ao público relacionado
a sua área de atuação. Também a gestão precisa assimilar princípios públicos
de diversidade e pluralidade na sua concepção e formação, afirmando espaços
para o fomento de autonomia, empoderamento, protagonismo social, tendo
como referência a concepção dos Pontos de Cultura, no Projeto Cultura Viva, do
Ministério da Cultura – MinC.
Se, por um lado, parte da necessidade de incorporar espaços já disponibilizados,
como canais comunitários de TV a Cabo e fomentar o debate e a participação
política em torno da transição para a digitalização da TV e do Rádio, cabe também
buscar construir, mas também reivindicar políticas de fortalecimento de suas
iniciativas, como sustentabilidade, visibilidade e capacitação, nas quais o Estado
possa compreender um papel determinante.
Fortalecer iniciativas e experiências nesse sentido é fundamental. Compreender a
necessidade de apropriação do processo regulatório é empreender uma dimensão
política que expande limites de atuação local, mas tece conexões nas esferas
regional, nacional e mesmo internacional, dado que as redes encontram-se em
construção desde os anos 90 do século passado.
Ao mesmo tempo, no que diz respeito à sociedade não engajada em iniciativas de
grupo, coletivas, mas capaz de compreender a importância dos meios, produtos e
processos comunicacionais, cabe identificar diferentes disposições para apropriação
das TICs e realização de produtos e processos comuns de diálogo e construção
conjunta de políticas a serem formuladas nos mais diferentes espaços (conselhos
municipais e estaduais, leis de incentivo a iniciativas de comunicação, etc).
Experiência nessa concepção foi realizada em junho de 2008, no I Fórum de
Mídia Livre, reunindo por volta de 600 pessoas entre ativistas de mídia, integrantes
de movimentos sociais, pesquisadores, professores e demais interessados, que
debateram e estabeleceram demandas para efetivar a comunicação democrática
como direito humano no país, compreendendo não só a reconfiguração atual
do sistema de comunicação no país, mas a efetivação de uma mídia livre e
democrática a partir das múltiplas experiências que compõem o cenário daqueles
que se identificam em torno da concepção de Mídia Livre. Experiência refeita em
dimensão mundial durante o Fórum Social Mundial (FSM) de 2009, contando com
participantes de outros países, no qual foi possível estabelecer uma crítica mais
ampla ao papel da Comunicação no cenário mundial, na qual “novas formas de
resistência e contra-discursos surgem e se disseminam” diante da concentração
das grandes corporações de mídia, explicitando o papel desses grupos como
suporte do discurso hegemônico, revitalizando o debate promovido nos tempos
da mobilização em torno da Cúpula Mundial pela Sociedade da Informação e da

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


196
Campanha CRIS.
Outro aspecto importante a se considerar é o de que a afirmação das demandas
sociais relacionadas à área da Comunicação não se basta sufi ciente no âmbito
restrito dos movimentos pela democratização da comunicação, carecendo de uma
melhor participação de outros setores da sociedade, manifestados através de suas
associações e movimentos mais representativos, mas também da incorporação
das temáticas relacionadas à comunicação na compreensão de suas agendas
mais específicas.

DA COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA AO SISTEMA PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO

Para deixar clara a proposta em torno desse artigo, não se trata de igualar sinais
entre iniciativas de Comunicação Comunitária tal qual atualmente implementadas,
mas de buscar critérios que efetivem a compreensão do que se pode conceber
como serviço de caráter e voltado para o interesse público no que diz respeito
à Comunicação.
A Comunicação Comunitária é própria da comunidade, representada por
uma dimensão territorial que tece seus limites e fronteiras. É assim com a Lei de
Radiodifusão Comunitária, de 1998, e também com a Lei de TV a Cabo, de 1995.
Se a primeira limita ao raio de 25 watts de potência e 1km de distância do sinal,
a segunda limita à cidade na qual existe outorga para TV a Cabo. Essas são as
compreensões de comunidade e atividade comunitária estabelecidas no âmbito
do Legislativo e exercidas pelos grupos interessados implementar suas emissoras
e programas. Ou ainda, este é o território em torno do qual as experiências
comunitárias se assentam no país.
Embora comunidade sempre estivesse relacionada a uma imagem de território
e/ou de afinidade de um determinado grupo, o sentimento de pertença consiste
num desafio cada vez mais difícil entre os participantes de um dado local. A despeito
da abstração conceitual contida na Lei da TV a Cabo, equivalendo comunidade
ao contexto de cidades amplas como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte
ou Porto Alegre, o movimento de rádios comunitárias, a partir de suas rádios
associadas, se ressente de um engajamento mais contínuo dos moradores nas
suas localidades de atuação, até pela repressão policial que inibe uma melhor
participação das pessoas, o que limita a efetivação de um espírito comunitário
ou mesmo de coletividade em torno dos projetos.
O sentido do engajamento, fruto da pertença, é justamente a consciência da
condição de exploração, mesmo que essa se dê meramente no campo simbólico
da necessidade de se expressar a partir da realização de seus próprios programas
e processos. Embora esse processo se dê com muita clareza a partir da afirmação
de uma condição de classe, também a imposição da força, nos mais variados
contextos (gênero, etnia, infância/adolescência, combate às drogas e à pedofilia,
dentre outras temáticas), constroem um cenário mais dinâmico do que o movido
simplesmente pelas relações entre capital e trabalho.

197 SiStema Público de comunicação: Por uma mídia de todoS


Em contrapartida, a necessidade de afirmação da sociedade através dessas
iniciativas de caráter comunitário se dá através da contestação, da valorização
da autoestima; da afirmação da cidadania e do resgate cultural; da mobilização
no caminho contrário da midiatização, cujo simbolismo impregna a sociedade
de expressões, personagens e mesmo de toda uma agenda que a torna refém
legitimadora ao invés de sujeitos plenos dos processos políticos e culturais que
empreendem; da emancipação e da autonomia no contraponto da mercantilização
das iniciativas, que recolocam a disposição coletiva na perspectiva da exploração
de uns contra outros e da formação de hierarquias nas comunidades; do
desenvolvimento de novos modelos bottom-up, nos moldes das recém concebidas
mídia radical, mídia tática, etc.
Num contexto mais geral, o embate entre a consciência de superar exploração
e opressão por parte de grupos e organizações encontra respaldo e amplitude
nos chamados novos movimentos sociais e no movimento alterglobalização, que
encontra no Fórum Social Mundial um de seus territórios mais expressivos, dada
a capacidade de mobilização de pessoas, suas agendas e formas de expressão e
protesto de suas ideias em detrimento da apreensão da vitalidade das populações
na concepção do chamado terceiro setor, pensado desde sua origem conceitual
na mesma estrutura com outros dois setores, o Estado e o Mercado, no âmbito
da mercantilização da atividade social.
Ao contrário do sistema público de comunicação, concebido como outro
distinto do estatal e do privado, no marco do sistema de comunicação no país, o
terceiro setor não assume especificidade pública – de serviço, interesse e caráter
– dada a inexistência de critérios determinantes de sua gestão e sustentabilidade.
A sociedade mantém o Estado e pode almejá-lo, ao participar de partidos e
campanhas políticas voltadas para cargos na sua gestão e estrutura. Da mesma
forma, mantém o Mercado, nos moldes de dos empreendimentos privados que
implementa. Distintos dessas formas de organização, as iniciativas em torno do
sistema público necessitam de critérios que os tornem de evidente interesse e
acesso para a coletividade, sem distinção, reconhecendo suas particularidades
em função da autonomia que afirmam e sustentam.
No campo da comunicação esses critérios se dão em torno de componentes como
a gestão, a programação das emissoras, a produção dos programas, as linguagens
utilizadas, a articulação com movimentos e organizações sociais. A responsabilidade
de tais iniciativas fica por conta de organizações da sociedade civil, compreendidas
no contexto do sistema de comunicação que não compreende iniciativas estatais
ou privadas, mas promove interlocuções com elas. Tais organizações podem
ser definidas como pessoas, grupos e organizações sociais excluídos, vitimados
ou restritos da participação em processos de produção de comunicação de
amplo alcance, especialmente relacionados ao espectro eletromagnético (rádio
e TV). No caso, pessoas e grupos relacionados a essa compreensão participam
apenas como produtores das emissoras, dada a necessidade de serem geridas
por organizações sociais juridicamente constituídas, mesmo que na forma das

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


198
conhecidas “associações de amigos”.

CONSTRUINDO O MARCO REGULATÓRIO

O desafio da construção da Conferência Nacional de Comunicação, que foi


programada para 1 a 3 de dezembro de 2009, em suas diferentes instâncias:
municipal, estadual e nacional, confronta a sociedade com a necessidade de
promover debates e apresentar propostas aos temas relacionados à digitalização
das comunicações e à convergência tecnológica. O cenário de construção da
Conferência compreendeu um Executivo permissivo em relação à repressão
policial e políticas às rádios comunitárias, destituído de vontade política em
empreender um padrão brasileiro de TV Digital após ter investido uma verba
considerável nas universidades brasileiras, conivente com um Legislativo formado
por concessionários de Rádio e TV a despeito da Constituição Federal e que
estabeleceu a condição de que a sociedade fizesse a interlocução com o mercado
para garantir condições de convocação da Conferência por parte do governo.
Os grupos e organizações mais diretamente relacionados com o setor de
Comunicação no país necessitam aprimorar sua capacidade de agregar setores
da sociedade que também são vitimizados pela concentração dos grupos de
mídia no país. O recente episódio da adoção do padrão de modulação da TV
Digital Terrestre no país é mais um exemplo disso, na qual o distanciamento e a
incapacidade de perceber a centralidade da Comunicação em relação ao conjunto
de suas questões específicas enfraquecem a capacidade de conquistar adesões
por uma transformação.
As diferenças de concepção demarcadas pelo tamanho do distanciamento
em relação ao Governo Lula estão proporcionando um refreamento de ações
políticas e sociais relevantes e de resultados concretos, como poderia ser a da
entrada dos canais comunitários de TV a Cabo nos canais públicos da TV Digital,
em virtude da maior ou menor vinculação de componentes do movimento pela
democratização da comunicação com a condução e a própria implementação
direta das políticas no âmbito governamental.
Causa até mesmo estranheza a falta de disposição das organizações da sociedade
civil em relação à continuidade da mobilização em torno da ADIN impetrada
pelo PSOL, na tentativa de apontar irregularidades no Decreto nº 5.820/2006,
que adotou o padrão japonês de modulação a ser implementado no Brasil.
Essa opção nunca deixou de existir, e coloca-se como uma alternativa para as
organizações da sociedade civil empenhadas na democratização da digitalização
das comunicações, mas até o momento não houve efetiva mobilização para dar
continuidade ao que deveria ser sua efetiva orientação.
Ao entrar no último ano de Governo Lula, a sociedade investiu na elaboração
desta Conferência dando novamente um atestado de confiança ao governo Lula,
na medida em que suas condições vêm sendo atendidas. Mesmo assim não se
vê clareza por parte do governo, no que diz respeito a sua implementação e

199 SiStema Público de comunicação: Por uma mídia de todoS


concepção. Anunciada pelo próprio Presidente durante o Fórum Social Mundial,
em janeiro de 2005, o governo, que já mobilizou rubrica na Lei de Diretrizes
Orçamentárias e criou Grupo de Trabalho Interministerial para implementar a Lei
Geral de Comunicação, deu continuidade a sua política de oferecer expectativas
a uma militância que não perdeu a esperança em sua capacidade de empreender
uma política democrática para as comunicações no país, apesar de todos os indícios
contrários. Exceção feita às iniciativas relacionadas ao Ministério da Cultura, no
marco do Programa Cultura Viva, dentre outras realizações, embora caiba salientar
que dentro de um orçamento ínfimo que cabe à pasta a cada orçamento aprovado
para o Governo Federal.

CONSTRUINDO CONCEPÇÕES DE AUTONOMIA

O barateamento dos equipamentos de produção e edição ainda no início dos


anos 1980, proporcionou o começo da disseminação do vídeo popular entre os
movimentos populares tradicionais, incentivando o surgimento da Associação
Brasileira de Vídeo Popular (ABVP), relatado no livro A imagem nas mãos, de Luiz
Fernando Santoro (1989). Posteriormente, ainda em torno da ABVP, surgiram
diversos projetos de TVs comunitárias e de rua, geralmente por meio de ONGs de
assessoria a grupos e movimentos populares. A diminuição de investimentos nesses
projetos, provocada pela reorientação de interesses de agências de cooperação
e de dirigentes de ONGs locais, além das demandas impostas pela ABVP – que
passou a gerar projetos de iniciativa própria, mobilizando tempo e disposição de
seus associados –, levaram à desmobilização dos associados e ao fim da entidade.
Ao mesmo tempo, os canais comunitários de TV a cabo, surgidos a partir da
segunda metade da década de 1990, passam a ser mais acionados para veicular
produções de vídeo, mas agora já contando com atores diversificados, mas não
necessariamente ligados a movimentos sociais tradicionais. Atualmente diversas
atividades de apropriação das TICs no âmbito local ou comunitário são acionadas
ou viabilizadas mediante iniciativas de ONGs, de empresas ou mesmo do Governo
– como é o caso das diversas redes de telecentros patrocinadas, em todo o País,
ou dos já citados Pontos de Cultura desenvolvidos por iniciativa do MinC desde
o início da gestão do ex-ministro Gilberto Gil.
Muitas dessas iniciativas mais diretamente ligadas às comunidades de baixa
renda estão promovendo uma interessante reviravolta no setor, já que assimilam
a lógica, a prática e o conhecimento das ONGs empreendedoras de projetos de
âmbito local. Geralmente inseridas nas próprias comunidades nas quais atuam
e contando com moradores das próprias comunidades nos espaços de direção
e gestão das atividades, tais iniciativas eliminam a existência de intermediários
no apoio a projetos e fomentam a sustentabilidade de seus próprios projetos,
conseguindo até mesmo interlocução direta com a mídia corporativa para ampliar
sua visibilidade.
Tal como os intelectuais orgânicos concebidos por Antônio Gramsci, tais atores

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


200
proporcionam a entrada em cena de um novo ator, o marqueteiro orgânico, numa
espécie de versão 2.0 do 3º setor, na medida da atuação em rede de iniciativas
comuns por parte desses projetos comunitários que buscam sua viabilidade de
modo efetivamente autônomo, mas ainda dentro da lógica do mercado do 3º setor.
A produção de vídeo por alguns grupos populares – como a Central Única das
Favelas, CUFA ou o Nós do Cinema – no início dos anos 1990/2000 é marcadamente
definida por tal dinâmica, na qual o morador comunitário usa e é usado pela
mídia corporativa, mas em momento algum a enfrenta ou desconstrói. Por isso a
assimilação dessas novas Tecnologias de Informação e Comunicação, comum aos
projetos apoiados diretamente junto aos moradores das comunidades beneficiadas,
não resulta numa contraposição ou mesmo questionamento à mídia tradicional.
Não só espaços já disponíveis, como os Canais Comunitários de TV a Cabo, não
são aproveitados, como não há disposição desses atores em participar dos debates
sobre a democratização do processo regulatório. Apesar disso, tais experiências
é que vêm proporcionando a produção dos mais diferentes conteúdos, em
histórias e acontecimentos, sobre as periferias do Brasil, em especial das cidades
urbanas. Se, por um lado, a mídia corporativa possibilita a construção de uma
visibilidade que os legitima junto a empresas estatais, por outro ainda persiste a
mesma lógica de concentração e consequente dominação proporcionada pela
comunicação no país.
Se as TVs Comunitárias dos anos 1980 eram motivadas por um projeto maior
do que as comunidades nas quais atuavam (TV Viva, em Recife; TV Maxambomba,
em Nova Iguaçu; TV Sala de Espera, em Belo Horizonte; BEM TV, em Niterói, dentre
outras), relacionado à apropriação social das TICs, mas também à importância da
democratização da comunicação para a sociedade que demandava democracia,
as iniciativas atuais revelam imagens e cenas de uma realidade que não aparece
na mídia corporativa e somente através de atores como os que implementam
tais projetos é que são trazidos ao conhecimento da sociedade em geral esses
novos olhares, tendo como diferencial o estímulo ao desenvolvimento de novas
carreiras na realização audiovisual.
Se tanto iniciativas de comunicação comunitárias como novas experiências
relacionadas aos produtores de mídia dos anos 1990 e início do novo século
consistem em segmentos do sistema público de comunicação, eles próprios
necessitam se engajar na mobilização para o estabelecimento de critérios e
procedimentos transparentes e aplicáveis para a melhor compreensão e
identificação deste sistema.
Um de seus grandes impasses e desafios é o da apropriação dos processos
de digitalização das comunicações na expressão da autonomia popular na
configuração de suas iniciativas. A relação com a sociedade em geral, que não
produz efetivamente conteúdos que garantem e sustentam a programação,
mas é potencialmente participante a partir dos mais diversos mecanismos de
interatividade, precisa ser estabelecida na formulação de suas bandeiras de luta e
perspectivas de adoção de políticas públicas, compreendendo o papel do Estado

201 SiStema Público de comunicação: Por uma mídia de todoS


como fomentador do sistema público e reivindicando a efetividade de tal condição.

ECOS DA AMÉRICA LATINA

Diversas iniciativas estão em curso na América Latina, evidenciando a amplitude


do debate e a compreensão da existência de um sistema público não estatal e
não privado, com o qual o Estado assume compromisso em viabilizar.
Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner aprovou o Projeto de Lei de Serviços
de Comunicação Audiovisual, que compreende uma porcentagem significativa de
concessões para organizações privadas sem fins de lucro, em caráter equitativo com
os setores estatal e privado. No Uruguai, a nova Lei de Radiodifusão Comunitária
prevê um terço do espectro destinado a emissoras do setor comunitário. Equador
e Bolívia esboçam também a realização de estruturas semelhantes.
Por sua vez, a Venezuela consolida uma estrutura em rede de experiências
como a Vive TV e a Rede Catia, mais vinculadas ao Governo Chávez, bem como a
Asociación Nacional de Medios Comunitários, Livres y Alternativos – ANMCLA, que
reivindica a democratização dos meios de comunicação mediante a organização
e articulação de um Sistema Público de Comunicação nas mãos das comunidades,
tal como publicado em seu site oficial1.
Tal como no Brasil, a maioria desses países também conta com movimentos e
organizações mais diretamente vinculadas aos governos, sobre os quais recaem
críticas de favorecimento em processos de concessão, acesso a verbas estatais, etc.

POR UM PENSAMENTO CRÍTICO EM COMUNICAÇÃO

Um dos pontos de partida da formulação de um pensamento crítico, em


especial no âmbito da comunicação, cultura e informação, é sua preocupação
em ser sistêmico, como também integrado, na composição de diferentes campos
(linguístico, político, tecnológico, profissional). A motivação da teoria crítica é a
de propor o questionamento e evidenciar o que o capital persiste em explorar.
Vulgarizar teoria não é opção mais interessante, tal como fazem algumas tentativas
de divulgação científica, mas mostrar continuidade daquilo que é vendido como
aparente revolução é extremamente relevante e dialoga com a necessidade de
apontar potenciais transformações e procedimentos possíveis dos agentes de
transformação.
A apropriação dos meios de produção no contexto mais específico dos meios
de comunicação visa promover a supressão da contraposição entre produtores
e consumidores. Repensar o pensamento crítico nessa perspectiva necessita
empreender o fomento à conscientização e à mobilização para o ativismo, não
somente midiático, mas tendo, na compreensão da comunicação, a clareza de

1 http://www.medioscomunitarios.org/pag/index.php?id=48

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


202
sua fundamental contribuição na sociedade contemporânea.
Compreende-se, portanto, nesse contexto, a contribuição da construção
de políticas públicas de comunicação a partir de processos comunicacionais
emergentes, dos quais fazem parte as iniciativas de comunicação comunitária.
Apesar disso, para efeito da configuração do sistema público de comunicação, uma
série de indicadores necessitam ainda ser formulados e afirmados coletivamente
como referência e orientação para iniciativas distintas que almejem atuar nessa
perspectiva. Trata-se de um longo caminho de compreensão dessas políticas e seus
benefícios, mas o engajamento conjunto, a partir de experiências empreendidas
desde o início dessa década, através de eventos e mobilizações em torno de
causas comuns, permitem persistir na crença de que uma outra comunicação é
possível e desejável para o Brasil, da qual faça parte um efetivo sistema público
de comunicação, de iniciativas oriundas da sociedade e tendo o Estado como
um de seus fomentadores.

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Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


204
Gestão Pública de Informação do Governo
Federal
ANGELA MARIA GROSSI DE CARVALHO
Entender a gestão da informação como um bem necessário para que se possa
ter um melhor desenvolvimento no uso da informação é fundamental. No entanto,
a conceituação acerca do que vem a ser gestão da informação nem sempre é
clara. De acordo com Valentim (2002), a formação das organizações se efetiva
por três diferentes ambientes, sendo o primeiro ligado ao organograma, ou seja,
às inter-relações entre as diferentes unidades de trabalho; o segundo à estrutura
de recursos humanos, às relações entre pessoas das diferentes unidades de
trabalho; e o terceiro à estrutura informacional, à geração de dados, informação
e conhecimento pelos dois ambientes anteriores.
Assim, os objetivos da gestão da informação podem ser vistos como “obtenção
da informação adequada, na forma correta, para a pessoa indicada, a um custo
adequado, no tempo oportuno, em lugar apropriado, para tomar a decisão correta”
(Ponjuán Dante, 1998, p.135). A gestão da informação é necessária em qualquer
instituição para que a organização saiba o que fazer com a informação, se essa
informação existe e para satisfazer as necessidades do negócio. Por isso, a gestão
da informação de uma organização deve ter o domínio de:

Los diferentes tipos de informaciones que se manejan en la organización; La


dinâ-mica de sus fl ujos (representados en los diferentes procesos por los que
transita cada información); El ciclo de vida de cada informacion (incluída
La gestion de la gene-ración de información, donde quiera que ocurra); El
conocimiento de las personas acerca del manejo de la información, o lo que
es lo mismo, su cultura informacional (Ponjuán Dante, 2004, p. 23)1.

A gestão da informação nasce da necessidade de organização, distribuição


e aquisição de novas informações, passando pela distribuição de serviços
informacionais, até chegar ao usuário que define o que fazer com aquela
informação, ou seja, se a utilizará e a adaptará ao seu cotidiano, ou se a recusará.
A gestão ainda deve pensar nos seus estoques, os dados a serem adquiridos,
armazenados e organizados; na segurança que trata das ameaças, agressões,
riscos e manipulações da informação; no acesso, ou seja, em uma arquitetura que

1 Diferentes tipos de informação que manejam na organização; A dinâmica dos seus fl


xos (representado em vários processos pelo qual cada informação passa); O ciclo de vida de cada
informação (incluindo a gestão de geração de informação, onde ocorre); O conhecimento das pessoas
sobre a gestão da informação, ou o que é a mesma, a cultura informacional” (Ponjuán Dante, 2004,
p. 23, tradução nossa).

205 SiStema Público de comunicação: Por uma mídia de todoS


atenda aos interesses tanto da organização quanto do seu receptor final com uma
velocidade desejável. Outros fatores importantes são a qualidade da informação e
a utilização dessa informação. Assim, todos os recursos informacionais necessários
para o desenvolvimento das funções organizacionais devem ser manejados de
forma adequada e sistemática, a fim de que as organizações tenham um nível
de qualidade em sua gestão.
A partir do momento em que a informação passa a ser organizada e distribuída,
passa a agregar valor à organização. O momento histórico em que vivemos
valoriza de forma exacerbada a informação, sendo ela o capital para muitas
instituições públicas e privadas. De certa forma, boa parte dos governos mundiais já
percebeu essa importância e tem buscado, por meio de seus portais, disponibilizar
o máximo de informações para a população. No entanto, vale ressaltar que o tipo
de informação nem sempre condiz com o que o cidadão necessita. Sendo assim,
não contribui para seu exercício de cidadão, ainda que “[…] o provimento de
serviços pelo Estado é, inexoravelmente, um bem público, relativo ao cidadão,
influenciado em seu desenho por percepções também políticas” (Ruediger,
2006, p. 233). O que se espera da gestão da informação é o uso e disponibilidade
adequados de sua base informacional. Quando isso ocorre, o público passa a ser
beneficiado, conseguindo alterar seu cotidiano e seu entorno.
Há, no entanto, dois tipos de informações: as formais que podem ser
definidas como aquelas convencionais que transitam pela organização ou ente
as organizações, geralmente estruturadas e as informais, desestruturadas e,
geralmente, desprovidas de caráter oficial. “O que difere uma da outra, basicamente,
são o suporte e o nível de processamento aos quais a informação foi submetida”
(Farias; Vital, 2007, p. 90). Nesse caso, ainda nos referimos às informações formais,
aquelas que são manipuladas, pensadas e estruturadas pela organização. A decisão
de utilizá-las ou não geralmente passa pela análise de custo-benefício.
Outra questão quando se fala em gestão da informação que deve ser observada
é o seu processo, descrito em quatro etapas por Davenport (2002, p. 176):

Determinação das exigências – Identificar como os gerentes percebem os


ambientes informacionais e como compreendem que tipo de informações um
administrador realmente precisa. Implica entender o mundo dos negócios e requer
as perspectivas política, psicológica, cultural, estratégica e ferramental, além das
avaliações individual e organizacional;
Obtenção – Obter informações é uma atividade que deve incorporar um sistema de
aquisição contínua que, de forma geral, consiste nas seguintes atividades: exploração
de informações; classificação e formatação e estruturação das informações;
Distribuição – Refere-se às formas de comunicação e divulgação utilizadas;
Uso da Informação – Diz respeito à utilização da informação disponibilizada. Está
ligado à maneira como se procura, absorve e digere a informação antes de tomar
uma decisão.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


206
Ao analisar essa estrutura proposta por Davenport (2002), percebemos o
quanto é importante que o Estado busque trabalhar em suas bases para maior
transparência no uso da informação, que só passa a ter importância para o indivíduo
no momento em que ele dela necessita. No entanto, deve estar disponível no
instante em que essa necessidade se manifestar. Para Farias e Vital (2007, p. 94),
a “gestão de informação não é sufi ciente para estabelecer padrões e normas para
o fluxo de informação de uma organização, portanto se faz necessário agregá-la
a uma política de informação flexível”. A política de informação agrega valor a
uma instituição, seja ela pública ou privada. No caso das instituições públicas,
pode ser um diferencial para que a política pública funcione verdadeiramente.

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A POLÍTICA DE INFORMAÇÃO VOLTADA ÀS


TECNOLOGIAS DA INFOMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC)

As ações da esfera política, também conhecida como administração pública,


podem ser entendidas como “o conjunto das atividades diretamente destinadas
à execução das tarefas ou incumbências consideradas de interesse público ou
comum, numa coletividade ou numa organização estatal” (Bobbio, 1998, p. 10).
Sendo essa administração pública a responsável por atender aos interesses públicos
e sociais, é fundamental que ela esteja em sintonia com a esfera pública, para a
compreensão de suas demandas. Já que a “função da administração pública é
atender, sem discriminação, as pessoas que habitam um país ou quaisquer de
suas subdivisões” (Tenório; Saravia, 2006, p. 111). A ação política está ligada ao
ato de tomar decisões, nele devem ser contemplados todos os setores: público,
estatal ou privado. De acordo com Motta (1991, p. 15),

Governar significa tomar decisões sobre alternativas de ação para a sociedade.


Tais alternativas têm como base, em princípio, o interesse público expressado
coletivamente, de acordo com um processo administrativo onde demandas
e apoios são convertidos em normas, produtos e serviços. Resultando uma
distribuição de direitos e deveres, benefícios e custos, fundamentados na
autoridade.

A administração pública é a responsável pelas decisões que afetam a vida


das pessoas, já que em muitos momentos é ela que toma decisão em nome do
cidadão. É quem também utiliza o recurso público, sendo a mesma responsável
por atender às demandas sociais. Dentro dessa vertente, existe o que chamamos
de política de informação, que é a ação pública² para o uso da informação. Essa
política de informação tem sido gestada, nos últimos anos, com o intuito de
revelar as ações da administração pública, em busca da transparência pública.
Mas ela não significa apenas isso: pode ser considerada ainda um instrumento
imbricado na organização para definir os moldes dos sistemas de informações

207 SiStema Público de comunicação: Por uma mídia de todoS


utilizados dentro dela. Vista também como “[...] o conjunto de práticas/ações
encaminhadas à manutenção, reprodução ou mudança e reformulação de um
regime de informação, no espaço local, nacional ou global de sua manifestação”
(Goméz, 1997 apud AUN, 2001, p. 4), deve privilegiar o bom uso da informação
por parte dos gestores públicos.
A literatura sobre política pública de informação é um tanto escassa e, muitas
vezes, passa a ser confundida com política de informação, as ações das organizações,
majoritariamente privadas.

a noção de ‘política de informação’ tende a ser naturalizada e a designar diversas


ações e processos do campo informacional: arquivos, bibliotecas, internet,
tecnologia da informação, governo eletrônico, sociedade da informação,
informação científica e tecnológica, etc. [...] Políticas públicas de informação são
norteadas por um conjunto de valores políticos que atuam como parâmetros
balizadores à sua formulação e execução. Podem estar “difusas” no âmbito
de outras políticas públicas, mas não implícitas. O Estado democrático é, por
princípio, incompatível com políticas públicas de saúde, educação, habitação
ou informação, que não sejam explícitas. (Jardim, 2008, p. 6).

A política de informação está presente em praticamente todas as organizações,


já que a informação passa por influências de poder, político e econômico, a todo
o momento. Assim, é importante dizer que:

Um conjunto de decisões governamentais no campo da informação não resulta


necessariamente na constituição de uma política pública de informação. Uma
política de informação é mais que a soma de um determinado número de
programas de trabalho, sistemas e serviços. É necessário que se defina o universo
geográfico, administrativo, econômico, temático, social e informacional a
ser contemplado pela política de informação. Da mesma forma, devem ser
previstos os diversos atores do Estado e da sociedade envolvidos na elaboração,
implantação, controle e avaliação dessas políticas. (Jardim, 2008, p. 06)

Em consequência, “a política de informação deve estar de acordo com a estratégia


geral da organização [pública ou privada]; deverá haver sincronismo entre o
planejamento estratégico da organização e a política de informação” (Farias; Vital,
2007, p. 94). Para Davenport (2002, p. 90), “os jogos de poder ou as disputas pela
informação têm sido tratados como uma aberração, e não como um componente
natural e inevitável”, fazendo assim com que todas as outras vertentes econômicas
importantes da política informacional sejam rejeitadas. A mensuração do valor
da informação é algo difícil de quantificar, mas nem por isso devemos negar sua
relevância.
Se pensarmos na importância de uma política de informação para a gestão

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


208
informacional, podemos dizer que “a configuração de uma política de informação
é o primeiro passo na garantia de uma gestão da informação realmente eficaz. É
a política instaurada ou negociada que irá permitir que as fontes de informação
necessárias sejam mapeadas e disponibilizadas para os atores ativos dos
processos” (Farias; Vital, 2007, p. 96). Mas como nos alerta Davenport (2002, p.
91), “o gerenciamento da informação pode ser utilizado tanto para distribuir
poder como para centralizá-lo”.
Quando são empregadas técnicas adequadas, a promoção do acesso à informação
pode envolver mais pessoas na tomada de decisão, o que acaba de certa forma
democratizando o acesso a elas (informações). Entendemos, em vista disso, que a
política de informação está diretamente relacionada com a gestão informacional
e deve ser priorizada dentro do Estado para que as políticas públicas voltadas
às tecnologias da informação e comunicação possam atender às demandas dos
cidadãos brasileiros.
O papel do gestor público é fundamental, uma vez que as decisões tomadas por
ele “afetam as vidas das pessoas, tomam decisões em nome do povo e empregam
recursos públicos” (Harmon; Mayer, 1999, p. 33-4). Para Tenório e Saravia (2006, p.
114), “a gestão pública, independentemente da organização que a pratique, deve
estar orientada para o público e não para o privado, para o coletivo e não para os
indivíduos, para o benefício da comunidade e não dos compadres”.
Desde a implantação do Programa Sociedade da Informação no Brasil - Livro
Verde -, em (2000), o Estado brasileiro tem apresentado alternativas para uma
efetiva implementação da sociedade da informação no país. No entanto, em muitos
momentos, percebe-se a incapacidade do Estado em gerir essas alternativas.
Contudo, algumas ações realizadas pela política de informática têm estimulado
o crescimento do país no desenvolvimento de tecnologia, tanto para hardware
quanto para software.

POLÍTICA DE INFORMÁTICA E INCLUSÃO DIGITAL DO GOVERNO FEDERAL

A Política Nacional de Informática do Governo Federal existe desde meados da


década de 1970, com ações voltadas ao desenvolvimento de tecnologia e estrutura
para a área. “A indústria de informática no Brasil […] sobreviveu a um período de
transição para um regime consideravelmente novo […] e instituiu um programa
de redução do nível e dispersão das alíquotas do imposto de importação” (MCT,
2006). Atualmente, a política brasileira para o setor da informática trabalha em
três vertentes: o hardware, o software e a microeletrônica. Todas as ações dessas
vertentes objetivam a estruturação do setor, uma melhoria na produção de bens
e serviços e o cumprimento das metas estabelecidas pelo programa Sociedade
da Informação.
Para o hardware, espera-se o desenvolvimento de bens finais que busquem a
inovação tecnológica por meio da descentralização regional do conhecimento,
buscando a modernização da infraestrutura, além de estimular o desenvolvimento

209 SiStema Público de comunicação: Por uma mídia de todoS


de produtos no país. O setor investe em parcerias com a iniciativa privada, no
intuito de consolidar a geração de produtos para os mercados de países em
desenvolvimento. De acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia (2006), uma
boa ocupação geográfica pode gerar uma demanda interna dos próprios bens
das tecnologias da informação “pela distribuição de riquezas, além de criar base
para a atração de novos investimentos para estas regiões, num círculo virtuoso
de crescimento econômico, que gera a plataforma necessária para suportar
as exportações”. O investimento nas áreas de telecomunicações e informática
mostra a preocupação do Governo Federal com setores com potencial para serem
explorados, considerados portas de entrada para a sociedade da informação. Com
a melhoria no hardware, cria-se também a competitividade produtiva que pode
viabilizar a exportação desses bens.
Já em relação ao software, estuda-se a estruturação de uma política para seu
desenvolvimento, o que não é algo novo no país. Esse setor tem se mostrado muito
dinâmico e faz parte do tripé que estabelece a Política Nacional de Informática,
pois se “constitui em elemento central no novo paradigma tecnoeconômico,
sendo instrumento central na redução dos riscos e dos custos nos processos
de produção de bens e serviços” (MCT, 2006). O mercado de software no Brasil
tem se apresentado lucrativo e em ascendência nos últimos quinze anos.
“Historicamente, o segmento de software no Brasil teve política estruturante, a
partir de 1994, baseada no maciço investimento em formação de recursos humanos
e distribuição de núcleos e incubadoras pelo País para apoio a empreendimentos
nascentes” (MCT, 2006). Em 2001, eram cerca de 320 mil profissionais trabalhando
no desenvolvimento de serviços e produtos de softwares. Destes, cerca de 60
mil trabalhavam com atividades de pesquisa e desenvolvimento. Esses dados
nos mostram a importância do setor na criação de bens, serviços e pesquisas,
e também a preocupação do Governo Federal em dominar uma área até então
pouco desenvolvida. O desenvolvimento dessa área é um dos fatores primordiais
para o cumprimento das metas propostas pelo Livro Verde brasileiro, tendo em
vista que, historicamente, apesar dos investimentos realizados desde a década
de 1970, sempre foi deficitária. O Governo Federal aponta que o desafio desse
setor é a inserção do país na chamada “economia digital”, que trata da economia
globalizada e transnacional, em um cenário altamente competitivo.
Por fim, a terceira vertente (microeletrônica) é fundamentada na reestruturação
e no desenvolvimento do setor, levando em conta a importância da indústria
de microeletrônica, principalmente nos aspectos tecnológico, industrial e
comercial que essa vertente possibilita. De acordo com o MCT (2006), a política
para o segmento de microeletrônica “apoia-se […] em três focos […], que em
conjunto compõem a completam a inserção do País no cenário de produtores
de Microeletrônica: política de desenvolvimento de projeto (design); produção
de back end e atração de fundições.”
Com essas ações, o Governo Federal pretende criar condições para que as
tecnologias da informação e comunicação possam ser ampliadas e modificadas no

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


210
Brasil, além de possibilitar uma participação mais ativa no mercado internacional.
Os três setores são pensados como um tripé, já que o próprio governo acredita
que eles são um somatório e devem caminhar juntos.
“A moldura do Programa da Sociedade da Informação […] cria as condições
básicas para o engajamento da sociedade no mercado das tecnologias da
Informação com óbvia alavancagem dos segmentos produtivos” (MCT, 2006).
Esses setores, desenvolvidos em parcerias com a iniciativa privada e com o terceiro
setor, podem constituir a infraestrutura necessária para a viabilidade econômica
dessa participação da sociedade na economia moderna.
A inserção do país no mercado internacional não significa apenas melhor
utilização da tecnologia. Significa consequente melhora na vida do cidadão, já
que ele poderá consumir os produtos informáticos e também estar presente na
sociedade da informação com mais independência cultural e intelectual.
Além das políticas pensadas para o setor, o Ministério da Ciência e Tecnologia
também desenvolveu o Programa Nacional de Inclusão Digital, que busca a “oferta
de instrumentos, meios e facilidades, para os menos favorecidos, facilitando o
acesso às oportunidades de emprego, geração de renda ou melhoria da renda
através da melhor qualificação profissional” (MCT, 2006). Espera-se que essas ações
possam transformar a vida dos cidadãos brasileiros hoje à margem da sociedade
da informação, tornando-os participantes ativos do processo de desenvolvimento
econômico e social.

INFORMAÇÃO COMO VALOR AGREGADO

Fica evidente que o Estado deve garantir o provimento dos serviços, já que
é um bem público, relativo ao cidadão e às suas necessidades, que passa a
ser influenciado em seu desenho por percepções políticas (Ruediger, 2006). A
informação, tanto no acesso quanto na geração, é inegavelmente importante
para o cidadão, sendo a responsável pela melhoria na qualidade de vida uma vez
que, ao ter informação sobre determinado bem ou serviço, a população não fica
à mercê de vontades alheias. De acordo com Ruediger (2006, p. 235)

nas sociedades contemporâneas, a informação poderia ser inserida nas


discussões sobre a oferta de bens públicos, e seu provimento facilitado pelas
novas tecnologias aplicadas na alteração, e não na manutenção do status
quo informacional.

Quanto menos articulado em redes e em esferas de poder, menos possibilidades de


conhecimento o sujeito terá, é o que pode ser caracterizado como “inacessibilidade
à informação para grupos majoritários de outsiders [...] que são excluídos da
afluência às informações de forma sistêmica” (Ruediger, 2006, p. 235).
É igualmente verdadeiro dizer que “grupos socialmente excluídos que há muito

211 SiStema Público de comunicação: Por uma mídia de todoS


têm sido privados de oportunidades possuem capacidade muito limitada de
participar do processo de transformação da sociedade na qual estão inseridos”
(Jóia, 2006, p. 260). Mais uma vez, sem os mecanismos necessários, e nesse caso
estamos falando sobre as propostas de como fazer esse sujeito participar mais
efetivamente do sistema de redes disponível para ele, o cidadão dificilmente terá
condições de transformar seu entorno. Mesmo porque ele não terá elementos
informacionais que possam ser utilizados para conscientização do seu papel social.
Cria-se, a partir do uso das redes digitais por apenas uma parcela da sociedade,
o que chamamos de exclusão digital, ou ainda, com uma nomenclatura menos
evasiva, de divisão digital. De acordo com Norris (2001), a divisão digital pode
ser de três tipos:

tDivisão Global – que envolve as diferenças entre países desenvolvidos e


em desenvolvimento;
tDivisão Social – que aponta para as desigualdades entre a população de
uma nação;
tDivisão Democrática – que se refere às diferenças entre aqueles que usam/
não usam tecnologias digitais para se engajar e participar da vida pública.

Aqui trabalhamos com o segundo tipo, quando tratamos de apontar que a gestão
dos projetos de inclusão digital do Governo Federal devem levar em consideração
a diversidade de nosso país, bem como as necessidades de cada região e de cada
comunidade atendida. Também trabalhamos com o terceiro tipo, ao buscarmos
apontar que as TIC podem ser um instrumento facilitador para o cidadão, uma
vez que, por meio do uso das redes, é possível haver um maior acesso a todos os
tipos de informação, inclusive as públicas, exigindo maior transparência, maior
empenho, cobrando e colaborando para o desenvolvimento da nação.
É importante que o Estado desperte para a relevância da capacidade cívica e
social da promoção informacional, com a possibilidade de desenvolvimento de
coletivos inteligentes capazes de estabelecer relações mais democráticas entre
governo e sociedade civil, tornando evidente a implementação de mecanismos
democráticos como forma de participação no desenho e implementação de
políticas públicas (Ruediger, 2006).
Como afirma Jóia (2006, p. 260), “o caminho para se entenderem as disparidades
existentes na sociedade da informação em países em desenvolvimento passa,
inexoravelmente, pela análise contextual da inclusão/exclusão social”. Um
exemplo clássico são as lan houses, que se transformaram em um verdadeiro
fenômeno, principalmente nas periferias, explicado pelo fato de que são espaços
de convivência, de interação, troca de experiências e busca por informações que
estão disponíveis na rede. Tirando o uso diversional com os jogos e redes sociais,
elas têm sido um importante instrumento para a democratização da rede em
comunidades carentes, chegando onde muitas vezes os projetos de inclusão
digital, governamentais e não-governamentais, não chegam.

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


212
Discutir sobre o direito e as necessidades de informação, bem como os benefícios
que ela traz, é algo bastante complexo, uma vez que se trata de questões subjetivas,
não sendo como renda, fome, moradia, elementos palpáveis, objetivos e que
interferem na estima e na qualidade de vida do indivíduo. Não havendo uma
métrica possível de quanto a informação beneficia ou macula o indivíduo, ela
passa a ser algo minorado, deixado de lado, porque não mata a fome, não auxilia
na cura de doenças.
Será mesmo? É necessário que se faça compreensível que a falta de informação
pode agravar a exclusão social, portanto, mesmo não sendo algo palpável, a
informação e as condições para o seu acesso são fundamentais para a vida do
cidadão.

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construção de políticas de informação. 2001. Tese (Doutorado em Ciência da
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Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


214
Biografia dos autores
ADILSON VAZ CABRAL FILHO
Professor adjunto da Universidade Federal Fluminense, junto ao Departamento
de Comunicação Social e aos Programas de Pós-graduação em Mídia e Cotidiano e
de Estudos pós-graduados em Política Social. Pós-doutorando em Comunicação na
Universidade Carlos III de Madrid. Coordenador do EMERGE - Centro de Pesquisas e
Produção em Comunicação e Emergência e do Informativo Eletrônico Sete Pontos,
além de pesquisador do COMUNI, grupo de pesquisa sediado na Universidade
Metodista de São Paulo. Membro associado da ULEPICC - União Latina da Economia
Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, sendo secretário geral da
entidade desde 2010. Graduado em Comunicação Social, habilitação Publicidade e
Propaganda, pela Universidade Federal Fluminense (1992), mestre em Comunicação
Social (1995) e doutor em Comunicação Social (2005) pela Universidade Metodista
de São Paulo. Autor dos livros “Rompendo fronteiras: a comunicação das ONGs
no Brasil”, “Ativismo Midiático: as comunidades de compartilhamento social no
Centro de Mídia Independente no Brasil” (no prelo) e coautor do livro “Economia
Política da Comunicação: interfaces brasileiras”. Tem experiência na área de
Políticas de Comunicação, com ênfase em Comunicação Comunitária, atuando
principalmente nos seguintes temas: políticas de comunicação, democratização da
comunicação, apropriação social das TICs, comunicação comunitária e digitalização
das comunicações que foi a posse da terra na Primeira República. O controle dos
meios de produção baseado no poder político em detrimento do poder econômico
pode ser relacionado à debilidade da distinção entre interesses público e privado.

ANDRÉ LUÍS LOURENÇO


André Luís Lourenço é graduado em Comunicação Social com Habilitação em
Jornalismo pela Universidade do Sagrado Coração de Jesus (USC-Bauru) e mestre
em Comunicação Midiática pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
(Faac-Unesp-Bauru). Já cursou disciplinas como aluno especial no Programa de Pós-
graduação em Ciência Política, nível doutorado, do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH-Unicamp). Integra o grupo de Pesquisadores do Laboratório de
Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã (Lecotec). Pesquisa
temas concernentes à relação entre Comunicação e Política, com destaque para
a análise sobre as formas de participação política por meio da Comunicação
Midiática e a influência da Comunicação Comunitária no processo decisório. No
exercício da profissão de jornalista, acumula experiência em Jornalismo Diário
Impresso e Radiofônico, Jornalismo Magazine e Assessoria de Comunicação. Já
no campo acadêmico, atua como docente no curso de Comunicação Social com

215 Biografia dos autores


Habilitação em Publicidade e Propaganda da Faculdade Eduvale, no município
de Avaré-SP, além de integrar seu Núcleo Docente Estruturante (NDE) na função
de Coordenador de Atividades Práticas.

ANGELA MARIA GROSSI DE CARVALHO


Possui graduação em Comunicação Social - habilitação em Jornalismo pela
Universidade de Sorocaba (1999), mestrado em Educação pela Universidade
Metodista de Piracicaba (2005) e doutorado em Ciência da Informação pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2010) e pós-doutora
em Comunicação pela Universidade de Sevilha-Espanha (2011). Atualmente é
pesquisadora do Laboratório de Estudos de Comunicação, Tecnologia e Educação
Cidadã (LECOTEC) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP), onde é professora. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase
em Radiojornalismo, Jornalismo Especializado e Tecnologia. Atua principalmente
nos seguintes temas: radiojornalismo, informação e tecnologia, C&T, cidadania
digital e sociedade da informação.

ANTONIO FRANCISCO MAGNONI


Jornalista, professor de Jornalismo Radiofônico, de Projetos Experimentais e
tutor do Grupo-PET de Rádio e Televisão no Departamento de Comunicação
Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - FAAC-UNESP de
Bauru. É pós-doutorado pela Universidad Nacional de Quilmes, em Indústrias
Culturais: análise do projeto Brasil-Argentina de implantação da plataforma nipo-
brasileira de TV Digital; doutorado em Educação pela Faculdade de Filosofia e
Ciências (FFC-UNESP de Marília, SP). É pesquisador na área de “Gestão e Políticas
de Comunicação e integra o LECOTEC (Laboratório de Estudos em Comunicação,
Tecnologia e Educação Cidadã) da UNESP. Têm experiência e atuação profissional
em Jornalismo, Radialismo e Educação, nas áreas de Comunicação Educativa e
Científica; em Política, Economia e Gestão da Informação; em Planejamento e
Produção de Comunicação Escrita e Audiovisual.

CÉSAR SIQUEIRA BOLAÑO


Possui graduação em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo
pela Universidade de São Paulo (1979), mestrado em Ciência Econômica pela
Universidade Estadual de Campinas (1986) e doutorado em Ciência Econômica pela
Universidade Estadual de Campinas (1993). Atualmente é professor associado II da
Universidade Federal de Sergipe. Presidente da Associação Latino-americana de
Pesquisadores da Comunicação (ALAIC); Bolsista do programa Cátedras IPEA-CAPES

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


216
do Desenvolvimento; Diretor da Revista Internacional Eletrônica de Economia
Política das Tecnologias da Informação e da Comunicação. Tem experiência na área
de Economia, com ênfase em Teoria Geral da Economia, atuando principalmente
nos seguintes temas: comunicação, economia, economia política, informação e
telecomunicações.

FRANCISCO JAVIER MORENO GÁLVEZ


Membro do Grupo Interdisciplinario de Estudios en Comunicación, Política
y Cambio Social (COMPOLITICAS) e da ULEPICC-Espanha, atualmente trabalha
como pesquisador no projeto “Novas tecnologias de informação e participação
cidadã. Formas de mediação local e desenvolvimento comunitário da cidadania
digital” na Universidad de Sevilla. Licenciado em Comunicação e especialista em
Comunicação e Desenvolvimento Local pela Universidad de Sevilla, foi pesquisador
visitante na Universidade de Brasilia (UnB), na Universidad Nacional Autónoma
de México (UNAM) e na Université Paris. Recentemente colaborou na edição dos
livros “Políticas de comunicación y ciudadanía cultural en Iberoamérica” e “Cultura
latina y revolución digital. Matrices para pensar el espacio iberoamericano de
comunicación”, ambos pela editora Gedisa. Seu trabalho se vincula aos estudos
sobre comunicação e desenvolvimento no âmbito das novas tecnologias de
informação e comunicação.

JULIANA GOBBI BETTI


Jornalista, Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Professora Substituta da Universidade Estadual Paulista, pesquisadora do Núcleo de
Pesquisa em Radiojornalismo do PósJor/UFSC e dos Grupos de Pesquisa Processos
e Produtos Jornalísticos (UFSC) e Pensamento Comunicacional Latino-Americano
(UNESP). Bolsista Assistente de Pesquisa III do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (2010/2011).

JULIANO MAURÍCIO DE CARVALHO


Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital: Informação
e Conhecimento, docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Midiática e do Curso de Jornalismo, líder do Lecotec (Laboratório de Estudos em
Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã) da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). É diretor de Relações Institucionais do Fórum
Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ). Pós-doutorado em Digitalização e
Indústrias Criativas (Universidade de Sevilha, Espanha), doutor em Comunicação
Social (Umesp), mestre em Ciência Política (Unicamp) e bacharel em Jornalismo

217 Biografia dos autores


(PUC-Campinas).

LEANDRO RAMIRES COMASSETTO


Leandro Ramires Comassetto é graduado em Comunicação Social – Jornalismo
e Letras – Português e Espanhol, tem especialização em Língua Portuguesa e
em Metodologia do Ensino da Comunicação social. É mestre em Linguística pela
Universidade Federal de Santa Catarina (2001) e doutor em Comunicação Social
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005). Atualmente é
professor adjunto e coordenador do curso de Comunicação Social - Jornalismo
da Unipampa - Universidade Federal do Pampa, em São Borja - RS. Por 19 anos,
foi professor da Universidade do Contestado - SC, onde ocupou as funções de
coordenador de curso, vice-diretor e diretor de Campus, pró-reitor de Pesquisa
e Pós-Graduação e coordenador do NIT - Núcleo de Inovação Tecnológica. Tem
experiência na área de Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas:
jornalismo impresso, radiojornalismo, texto jornalístico, linguística, imaginário
social. É avaliador institucional e de cursos do MEC. Autor dos seguintes livros:
As razões do título e do lead - uma abordagem cognitiva do texto jornalístico; A
voz da aldeia: o rádio local e o comportamento da informação na nova ordem
global; ACCS - Associação Catarinense de Criadores de Suínos - 50 Anos de história.

LUIS A. ALBORNOZ
Licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidad de Buenos Aires
(UBA). Doutor pelo Departamento de Comunicación Audiovisual y Publicidad I da
Universidad Complutense de Madrid (UCM). Professor titular do Departamento
de Periodismo y Comunicación Audiovisual da Universidad Carlos III de Madrid
(UC3M). Integrante do grupo de pesquisa ‘Televisión-cine: memoria, representación
e industria’ (Tecmerin), UC3M. Especialista em políticas de comunicação e nas
transformações das indústrias culturais. Foi presidente da União Latina de Economia
Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC). Autor de numerosos
artigos e capítulos de livro, publicou as obras Al fin solos… La nueva televisión
del Mercosur (org., Buenos Aires, 2000), Periodismo digital. Los grandes diarios en
la Red (Buenos Aires, 2007), Cultura y Comunicación. Estado y prospectiva de la
cooperación española con el resto de Iberoamérica, 1997-2007 (org., Madrid, 2009),
Poder, medios, cultura. Una mirada desde la economía política de la comunicación
(org., Buenos Aires, 2011), e Televisión digital terrestre. Experiencias nacionales y
diversidad en Europa, América y Asia (org., Buenos Aires, 2012). Entre janeiro de
2008 e março de 2010 coordenou o Observatorio de Cultura y Comunicación da
Fundação Alternativas (OCC-FA).

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


218
LUIZ FELIPE FERREIRA STEVANIM
Natural de Cataguases (MG), Luiz Felipe Ferreira Stevanim é mestre em
Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na linha de
Mídia e Mediações Socioculturais. Graduou-se em jornalismo pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF). Desde 2010, trabalha como assessor de comunicação
do Ministério da Saúde. É membro do Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia
Política da Informação e da Comunicação (PEIC/UFRJ). Sua pesquisa de mestrado
analisou o debate sobre a televisão pública no Brasil, a partir do processo que
levou à criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), com o título “Uma política
do ver: Negociações de sentido e práticas em torno do público nas políticas de
televisão”. Em 2006, recebeu o Prêmio Intercom Vera Giangrande (melhor artigo
de iniciação científica) da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação. Interessa-se por estudar a dinâmica dos atores sociais nas
políticas de comunicação, com ênfase nos debates sobre radiodifusão pública,
regulamentação, estrutura dos meios de comunicação, coronelismo eletrônico,
história da mídia, mediações sociais e ação comunicativa. Contato: lfstevanim@
yahoo.com.br.

MATEUS YURI PASSOS


Doutorando em Teoria e História Literária na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), desenvolve atualmente pesquisa sobre transmissão cultural e
reinterpretação do cânone operístico, com foco produções contemporâneas
(Regietheater) da tetralogia Der Ring des Nibelungen, de Richard Wagner. É
mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) e bacharel em Estudos Literários pela UNICAMP e em Jornalismo
pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Sua produção
anterior dedicou-se principalmente ao jornalismo literário e comunicação pública
da ciência.

NADIA HELENA SCHNEIDER


Nadia Helena Schneider é Doutora em Ciências da Comunicação pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS - Área de Concentração –
Processos Midiáticos (2010), integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação,
Economia Política e Sociedade (CEPOS) (apoiado pela Ford Foundation). Possui
mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
- UNISINOS (2004), pós-graduação em Gestão Escolar, pela Universidade Castelo
Branco (UCB), graduação em Comunicação Social (Publicidade e Propaganda) -
UNISINOS. Professora da rede estadual de ensino e Coordenadora Pedagógica

219 Biografia dos autores


do Projeto Global da Secretaria Municipal de Dois Irmãos, no Rio Grande do Sul.
Suas áreas de especialização são economia política da comunicação, políticas de
comunicação, educação e tecnologias. Pesquisa sobre a televisão e convergência,
nos temas comunicação e educação, audiovisual, tecnologia e sociedade, história
da comunicação na educação e processos midiáticos no campo educacional.
RUY SARDINHA LOPES
Ruy Sardinha Lopes é doutor em Filosofia pela FFLCH-USP, professor do curso
e do programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de
Arquitetura da USP, campus São Carlos (IAU-USP), presidente da União Latina de
Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC-Br) e
coordenador do Núcleo de Pesquisa sobre as Espacialidades Contemporâneas
(NEC-USP)

SUZY DOS SANTOS


Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (1995), mestrado em Comunicação e Informação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (1998) e doutorado em Comunicação e Cultura
Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (2004). Atualmente é professora
da Escola e do Programa de Pós-Graduação de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Em 2005, recebeu o Prêmio Intercom (melhor tese de
doutorado) da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
e, em 1996, recebeu Menção Honrosa (melhor monografia modalidade Rádio e
Televisão) como finalista na categoria Graduação da Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação. Líder do Grupo de Pesquisa Política e Economia
da Informação e da Comunicação - PEIC, em atividade desde 1995. Suas pesquisas
e sua produção concentram-se na área de Comunicação, com ênfase em economia
política da comunicação e políticas de comunicação, atuando principalmente
nos seguintes temas: televisão, novas tecnologias de comunicação, estrutura dos
meios e condições de acesso à informação e à comunicação, regulação. Publicou
capítulos de livros e artigos em revistas especializadas em português, espanhol,
francês e inglês.

VALÉRIO CRUZ BRITTOS (1963 - 2012)


Valério Cruz Brittos graduou-se em Direito pela Universidade Federal de
Pelotas, em 1986, e, um ano depois, em Jornalismo pela Universidade Católica
de Pelotas. Recebeu o título de mestre em Comunicação pela PUCRS e doutor
em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia.
Trabalhava como professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em

Economia política da comunicação: digitalização E sociEdadE


220
Ciências da Comunicação da Unisinos, onde criou e coordenava o Grupo de Pesquisa
Comunicação, Economia Política e Sociedade – Cepos. Tinha vasta experiência
na área de comunicação, com ênfase em Economia Política da Comunicação,
atuando na pesquisa da televisão e convergência, nos temas comunicação e
capitalismo, políticas de comunicação, audiovisual, tecnologia e sociedade,
história da comunicação e processos midiáticos, na qual foi autor de vários livros.
Foi consultor da Rede de Economia Política das Tecnologias da Informação e
da Comunicação, vice-presidente da Unión Latína de Economía Política de la
Información, la Comunicación y la Cultura, coordenador do grupo de pesquisa de
Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura da Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom, entidade da qual foi
membro do Conselho Consultivo) e editor da revista acadêmica Eptic On Line.
Presidiu o Capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação,
da Comunicação e da Cultura e coordenou o grupo de trabalho de Economia
Política e Políticas de Comunicação da Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Comunicação (Compós).

VIVIANNE LINDSAY CARDOSO


Vivianne Lindsay Cardoso é Mestre em Comunicação pela Unesp - Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” na linha de pesquisa – Gestão e Política
da Informação e da Comunicação Midiática. Especialista em Docência no Ensino
Superior (Unifeob). Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo (Puc-Campinas).
Membro do Grupo de Pesquisa Lecotec - Laboratório de Estudos em Comunicação,
Tecnologia e Educação Cidadã (Unesp). Atua na área de Comunicação, com
ênfase em Comunicação Midiária, Televisão Pública, Televisão Digital, Políticas
Públicas de Comunicação, Democratização da Comunicação e Economia Política da
Comunicação e Cultura. Docente nos cursos de Rádio e TV da Unesp e Publicidade
e Propaganda da Faculdade Anhanguera.

221 Biografia dos autores

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