Quando se detectam, precocemente, os sinais de irrupção ectópica dos
caninos permanentes superiores, através de avaliações clínicas e/ou de análises imaginológicas, em que se constata uma sobreposição dos caninos ao nível dos incisivos laterais superiores completamente desenvolvidos, torna-se importante a providência de tentar evitar a sua impacção e as possíveis alterações que possam ocorrer (SHAPIRA; KUFTINEC, 1998; ALMEIDA et al., 2001; MAAHS; BERTHOLD, 2004). O protocolo clínico de remover um canino decíduo superior visando interceptar a trajetória de irrupção alterada do seu sucessor permanente, foi inicialmente descrita por Lappin (1951) e o primeiro artigo cientifico dedicado inteiramente ao assunto foi publicado mais tarde por Newcomb (1959). A partir daí, o procedimento clínico praticamente foi esquecido, até que em 1981, Williams, sugeriu as remoções seletivas dos caninos decíduos, na idade de 8 a 9 anos, como abordagem interceptora em casos clínicos de pacientes portadores de más oclusões Classe I sem presença de más posições dentárias na região ântero- superior, principalmente, quando os caninos não eram palpáveis em seus respectivos processos alveolares. Em 1987, Ericson e Kurol, despertaram um novo interesse na classe ortodôntica através da divulgação de um estudo longitudinal, no qual, em torno de 78% dos caninos permanentes superiores com direção de irrupção por palatina, apresentaram normalização após um período de 12 meses da remoção dos caninos decíduos antecessores. Recomendaram a remoção dos caninos decíduos entre 10 e 11 anos desde que as condições de espaço no respectivo arco dentário sejam adequadas. Tendo em vista a possibilidade da correção espontânea do rumo de irrupção, os autores não recomendam o procedimento antes dos 10 anos de idade, exceto nos casos clínicos de idade dentária avançada. Dessa maneira, a idade dentária constitui um dos fatores determinantes na definição da época mais apropriada para tal conduta clínica, uma vez que essa apresenta pouca correlação com a idade cronológica do jovem paciente. Apesar dessa abordagem proporcionar benefícios em casos clínicos específicos, deve-se evitar a remoção imprevidente dos caninos decíduos, uma vez que essa atitude pode aumentar a chance de “colapso” do arco dentário superior e ocasionar más posições dentárias ao nível da região ântero-superior (KUFTINEC; SHAPIRA, 1995). Estaria contra-indicada este tipo de conduta clínica precoce em casos clínicos de diagnóstico tardio (GARIB et al., 1999); quando os caninos permanentes superiores apresentarem o ápice formado (FRANCO et al., 2006); com significativa diminuição do potencial de irrupção (FERRAZO et al., 2005); em situações clínicas que evidenciam reabsorções radiculares dos incisivos laterais permanentes superiores (GOULTSCHIN et al., 1982; VLASKALIC et al., 1998); ou ainda quando os dentes 13 e 23 assumem um trajeto de irrupção nitidamente horizontal (FOURNIER et al., 1982; KUFTINEC; SHAPIRA, 1984). Posteriormente, em 1993, Power e Short, em um estudo retrospectivo, demonstram que em torno de 62% dos caninos permanentes posicionados por palatina, alcançaram uma trajetória mais adequada de irrupção, enquanto 17% apresentaram alguma evolução no sentido vestibular após a remoção dos caninos decíduos. Conforme este estudo, embora essa alteração se apresente, na maioria das vezes, unilateralmente, deve-se proceder a remoção bilateral dos dentes 53 e 63, evitando assim o desvio da linha média, principalmente nos casos clínicos com apinhamento. Além disso, a manipulação das condições locais de espaço do arco dentário por meio da remoção de dentes permanentes (primeiros pré-molares), movimentos de distalização, disjunção palatina e outra manobra clínica que se fizer necessária, aumentaria a probabilidade do sucesso do tratamento ortodôntico interceptor (GENISON; STRAUSS, 1974). Atualmente, esse recurso é amplamente difundido nos principais livros de Ortodontia, constituindo uma alternativa viável de tratamento, sendo relativamente simples e de baixo custo, cuja meta é eliminar a necessidade de exposição cirúrgica e posterior tracionamento ortodôntico dos caninos permanentes impactados (KEROSUO, 2002; SHAPIRA et al., 2003). De acordo com Carvalho et al. (2010), de todas as dúvidas que acercam este procedimento clínico, talvez uma das mais relevantes seja aquela que questiona como a remoção dos caninos decíduos contribui para a correta irrupção e posicionamento dos sucessores permanentes no respectivo arco dentário. Autores como Fearne e Lee (1988), sugerem que o deficiente posicionamento dos caninos permanentes superiores estaria relacionado às alterações de posição original dos seus folículos dentários e que a remoção dos caninos decíduos removeria determinados tecidos inflamados, “descomprimindo” qualquer lesão cística presente e, desta forma, permitiria um “caminho” de irrupção mais favorável. No entanto, em estudos de Power e Short (1993) são citados alguns casos clínicos, onde houve sucesso no tratamento interceptor, não havendo qualquer alteração na posição dos folículos dentários dos dentes em questão, o que torna tal hipótese um tanto remota. Estudando fatores relacionados à irrupção dos dentes com posicionamento intra-ósseo modificado, Öhman e Öhman (1980), afirmaram que determinadas forças presentes ao nível dos tecidos adjacentes atuariam na coroa exposta de maneira a conduzi-la em direção à área onde o tecido foi removido. Porém, esta hipótese não explica como um canino permanente superior, que está distante do local da remoção e completamente envolto por tecido ósseo, irromperia corretamente no respectivo arco dentário após a “saída” do predecessor decíduo. Alguns casos clínicos relacionados aos dentes 13 e 23 estão associados a arcos superiores portadores de discrepância ósseo-dentária negativa significativa e presença de incisivos laterais superiores com formações irregulares. Nestas situações, o profissional terá que optar pela manutenção dos incisivos e solicitar a remoção de pré-molares para garantir o espaço para os caninos, com posterior reconstrução estética dos dentes 12 e 22. Uma segunda solução clínica viável seria a remoção dos incisivos laterais, favorecendo a irrupção adequada dos caninos no espaço deixado pelos incisivos (ALMEIDA et al., 2001). No entanto, a remoção dos caninos decíduos superiores não é garantia de que o problema será totalmente resolvido, sendo necessária uma avaliação imaginológica semestral da trajetória de irrupção dos caninos permanentes superiores nos 12 meses subsequentes ao procedimento. Após este período, caso não haja evidência de melhora do posicionamento, seria aconselhável optar pela exposição cirúrgica e tracionamento ortodôntico (RICHARDSON; RUSSEL, 2000). Desta forma, tanto o paciente quanto seus responsáveis devem ser esclarecidos previamente quanto aos possíveis resultados do tratamento ortodôntico interceptor, uma vez que o provável fechamento do espaço criado pela ausência da irrupção do canino permanente implicará na necessidade da realização de tratamento ortodôntico adicional ou em solução protética (SILVA et al., 1994; JACOBS, 1996).