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SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO

APELAÇÃO Nº 161211/2014 - CLASSE CNJ - 198 COMARCA DE SINOP


RELATOR: DES. LUIZ CARLOS DA COSTA

APELANTE: ESTADO DE MATO GROSSO


APELADAS: LAZINHA FARIAS E OUTRA(s)

Número do Protocolo: 161211/2014


Data de Julgamento: 03-04-2018

EMENTA

APELAÇÃO — INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS —


MORTE DE DETENTO — RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO — EXISTÊNCIA — FIXAÇÃO DO VALOR —
OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E
DA PROPORCIONALIDADE — EXIGÊNCIA —
DIMINUIÇÃO — NECESSIDADE.
Presente se faz a responsabilidade civil do Estado no caso de
morte de detento por outro detento.
Na fixação de valor do dano moral, deve ser levado em
consideração os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade, pelo que deve ser diminuído o montante da
condenação para R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), devido à
mãe e irmã da vítima.
Recurso provido em parte.

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RELATOR: DES. LUIZ CARLOS DA COSTA

APELANTE: ESTADO DE MATO GROSSO


APELADA: LAZINHA FARIAS E OUTRA(s)

RELATÓRIO
EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS DA COSTA

Apelação interposta pelo Estado de Mato Grosso contra a


sentença de fls. 187/195, volume I, proferida em ação de indenização.

Assegura que, embora ocorrido a morte de detento no presídio


onde estava recluso, não houve demonstração de qualquer falha no dever de vigilância,
visto que “a morte não se deu por circunstância acidental, mas por suposta vingança
motivada por razões de ordem pessoal.”. Logo, não é possível atribuir ao Estado a
responsabilidade pela morte de detento, por se tratar de ato praticado por terceiro.

Assevera que a fixação de indenização por danos morais no valor


de R$ 67.800,00 (sessenta e sete mil e oitocentos reais) não se presta a garantir a
compensação de suposta dor sofrida pelas apeladas; por outro lado, importará em
diminuição das receitas do Estado, pelo que deve ser reduzido o montante da
condenação.

Afiança que, quanto aos juros e à correção monetária, aplicável o


disposto no artigo 1º-F da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada
pela Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, pelo que deve incidir os índices oficiais de
remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Ademais, em relação aos
honorários advocatícios, estes fixados no percentual de quinze por cento (15%) sobre o
valor da condenação, não se mostra razoável, a impor a sua diminuição para o percentual
de um por cento (1%) sobre o valor da causa.

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Requer a reforma da sentença para que sejam julgados


improcedentes os pedidos, ou, alternativamente, a diminuição do valor fixado a título de
indenização por danos morais, bem como do montante arbitrado a título de honorários
de sucumbência e, por fim, no que tange aos juros e à correção monetária, a aplicação do
artigo 1º-F da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei nº
11.960, de 29 de junho de 2009.

Contrarrazões às fls. 216/221, volume II.

A Procuradoria-Geral de Justiça se abstém de manifestar sobre o


mérito (fls. 229/verso, volume II).

É o relatório.

VOTO
EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS DA COSTA (RELATOR)

Eis o dispositivo da sentença:

[...] ‘Ex positis’, julgo parcialmente procedentes os pedidos


contidos na inicial, pelo que condeno o requerido ao pagamento
do valor de R$ 67.800,00 (sessenta e sete mil e oitocentos reais)
equivalente a 100 (cem) salários mínimos, a título de
indenização por danos morais experimentados pelas requerentes,
tudo acrescido de correção monetária, pelo INPC, contada da
data desta sentença, consoante entendimento do STJ (RESP

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903258 e Súmula 362) e de juros moratórios de 1% ao mês, a


partir da citação válida (art. 405 CC e entendimento do TJMT –
AP. 7568/2011), a ser pago em parcela única.
Deixo de condenar o requerido nas custas processuais, ante o
disposto no item 2.14.5 da CNGC, verbis: ‘Ficam isentos de
Custas Judiciais e emolumentos a União, o Estado, o Município
e suas respectivas autarquias e fundações, nos termos do artigo
4º, parágrafo único, do Provimento 27/04-CM’, contudo
condeno-o ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais
fixo desde já, em 15% sobre o valor da condenação.
Intimados acerca do pagamento e não o efetivando, anote-se a
pendência à margem da distribuição.
Certifique-se, oportunamente, o trânsito em julgado,
arquivando-se com as cautelas necessárias.
Às providências.
Intime-se.
Cumpra-se. [...]. (fls. 194, volume I).

Trata-se na origem de ação de indenização proposta contra o


Estado de Mato Grosso, cuja causa de pedir senta praça na alegação de que Antônio
Carlos de Farias, filho da coapelada Maria das Dores de Farias e irmão da coapelada
Lazinha Farias, faleceu em decorrência da omissão do Estado no dever de zelar pela
integridade física de detento que estava sob sua guarda.

Antônio Carlos de Farias encontrava-se recluso na


Penitenciária Osvaldo Leite Ferreira, situada no Município de Sinop, quando teria sido
vítima de homicídio praticado por detentos, ocorrido em 5 de fevereiro de 2006.

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Quanto à ocorrência do delito, registra o boletim de ocorrência


lavrado em 6 de fevereiro de 2006, que a vítima teria falecido nas dependências do
presídio:

[...] Fomos informados pelos responsáveis do presídio local de


um homicídio acontecido nas dependências do mesmo durante
uma rebelião. Constatamos que a vítima sofrera diversas
perfurações de arma artesanal (chuço) e que veio a óbito no
local. Obtivemos informações de que os supostos causadores do
homicídio seriam os próprios companheiros da cela da vítima.
[...]. (fls. 46, volume I).

Por sua vez, as testemunhas inquiridas no inquérito narram o


crime praticado contra a vítima:

[...] Que em relação ao homicídio da vítima Antônio Carlos de


Farias, vulgo Fofão, relata que estava no cubículo da cela
qualquer, momento que um dos reeducando de (Cuiabá) de nome
ignorado, magro, alto, bateu em sua perna, indagando para o
declarante levantar, caso contrário seria o próximo; Que em
seguida ouviu gritos da vítima, e que viu apenas vultos de mais
ou menos quatro ao redor da vítima; Que a vítima gritava para
não ser morto; Que o declarante preferiu nem ficar olhando a
covardia, a qual não concordava-se (sic); Que não informa os
nomes dos executores do Fofão, entretanto indaga que três dos
autores era de fora, vindo de outra Cadeia ou Penitenciária; Que

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após a Rebelião indagaram que quem ‘cagueta-se’ seria morto.


[...]. (Henrique Gosvino Kroll, fls. 134/135, volume I).

[...] Que em relação ao Homicídio da vítima Antônio Carlos de


Farias, vulgo ‘Fofão’, que em seguida ouviu gritos da vítima, e
que os participantes que recordam (sic) foram Edson Aparecido,
conhecido por Índio, Damião Siqueira de Almeida, e Edemilton
Pereira da Silva, alcunha ‘Cabelo’, que deu a primeira (rectius:
primeiro) golpe, Ezequias de Souza Silva, ‘Cafubira’ e também
um tal de ‘Catatau’. Que a vítima gritava para não ser morto,
porém não tiveram piedade; Que o declarante teme por
represália; Que após a Rebelião indagaram que quem
‘cagueta-se’ seria morto [...]. (Lindomar Veroni, fls. 137, volume
I).

[...] Que em relação ao Homicídio tendo como vítima Antônio


Carlos de Farias, vulgo Fofão, informa que encontrava-se
dormindo na cela dois (02), e que ouviu gritos da vítima; Que ao
olhar a vítima já estava morta, e que em seguida avistou o
reeducando Reginaldo Leonardo da Silva, alcunha ‘Rondônia’,
portando uma ‘faca artesanal’, em mãos, possivelmente autor do
homicídio; Que o declarante informa que teve mais ou menos
um três que participaram do Homicídio, porém não sabe dizer os
nomes e que também se ver-los (rectius: vê-los) não reconhece;
Que os motivos segundo comentário do presídio, fora porque a
vítima era ‘cagueta’, e também por ser ‘balãozeiro’, que
significa que ele furtar (sic) objetos de outros colegas de cela

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[...]. (Carlos Henrique Araújo, fls. 143, volume I).

[...] Que em relação ao Homicídio, onde teve como vítima o seu


colega de cela Antônio Carlos de Farias, vulgo Fofão, informa
que fora executado no dia 05 de fevereiro do ano corrente, em
torno das 06:00 horas, no corredor de frente ao portão da quadra,
por motivo de ‘caguetar’ aproximadamente sete anos atrás os
seus colegas da penitenciária da Mata Grande onde eles
cumpriam pena, os quais estavam com arma de fogo; Que por
coincidência ou não, foram ficar no mesmo Raio Laranja, onde
então fora executado [...]. (Ricardo Costa Drewlo, fls. 152,
volume I).

No que tange à causa da morte, o laudo de necropsia da Perícia


Oficial e Identificação Técnica do Estado de Mato Grosso, datado de 29 de março de
2006, consigna:

[...] Lesões externas (tamanho, forma, sede, aspecto etc.)


Férias perfuro cortantes, produzidas por chuços em número de
trinta e nove, sendo onze na região torácica anterior, onze na
região torácica posterior, seis na região abdominal; seis na região
anterior do braço direito, duas na região anterior do braço
esquerdo, uma na região anterior da coxa direita e duas nas
regiões anterior e posterior do pescoço.
Ferida contusa em região frontal direita.
Perfuração em lábio superior e inferior para colocação de um

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cadeado.
[...]
Conclusão:
Diante dos dados colhidos durante a necropsia e dos resultados,
concluíram que a morte de Antônio Carlos de Farias deveu-se a
um choque hipovolêmico devido às hemorragias produzidas
pelas feridas perfuro contusas. [...]. (fls. 53, volume I).

E, na certidão de óbito de Antônio Carlos de Farias, datada de 4


de maio de 2006, está:

[...] foi lavrado o assento de óbito de Antônio Carlos de Farias,


falecido aos cinco dias do mês de fevereiro de dois mil e seis
(05/02/2006), às 06:30 horas, em Penitenciária Osvaldo Leite
Ferreira ‘Ferrugem’, na Estrada Ângela, sem número, Bairro
Alta da Glória, neste Município [...], era residente e domiciliado
na Penitenciária Osvaldo Leite Ferreira ‘Ferrugem’, na Estrada
Ângela, sem número, Bairro Alta da Glória, neste Município.
Foi declarante: Lazinha Farias [...]. Apresentou ainda declaração
de óbito firmada pelo médico Carlos Alberto Castanho Scholtão,
CRM/MT 1077, que deu como causa da morte: hemorragia
interna toráxica (rectius: torácica), feridas perfurantes em
regiões anteriores e posteriores de tórax, golpes de chuço.
[...]. (fls. 13, volume I). [sem negrito no original]

Pois bem.

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A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe, no


artigo 5º, X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação”. Segundo as palavras de Aguiar Dias, o dano moral “consiste na penosa
sensação da ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos
puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em consequência
deste, seja provocada pela recordação do defeito ou da lesão, quando não tenha deixado
resíduo mais concreto, seja pela atitude de repugnância da reação a ridículo tomada
pelas pessoas que o defrontam”. (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. vol.
II, 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 431/432). Compreende toda sorte de dores:
morais e físicas, na peremptória afirmação de Wilson Melo da Silva (O dano moral e
sua reparação. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro – São Paulo: Forense, 1969, p. 246).

Por sua vez, o artigo 37, § 6º, da Constituição da República


Federativa do Brasil preceitua que: “As pessoas jurídicas de direito público e as de
direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra
o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Verificado que a alegação tem por base suposta conduta omissiva


do Estado de Mato Grosso no dever de zelar pela integridade física de detento que estava
sob a sua guarda (dever de custódia), a responsabilidade civil do Estado tem natureza
subjetiva, a exigir, além da demonstração do nexo causal entre a omissão na prestação
do serviço e o resultado danoso, a comprovação do dolo ou da culpa. Caso contrário, o
ente público seria transformado, indevidamente, no grande “segurador universal” na
expressão de Celso Antônio Bandeira de Mello.

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[...] a responsabilidade por ‘falta de serviço’, falha do serviço ou


culpa do serviço não é, de modo algum, modalidade de
responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós e
alhures, às vezes, tem-se inadvertidamente suposto. É
responsabilidade subjetiva porque baseada na culpa (ou dolo)
[...].
Com efeito, para sua deflagração não basta a mera objetividade
de um dano relacionado com um serviço estatal. Cumpre que
exista algo mais, ou seja, culpa (ou dolo), elemento tipificador
da responsabilidade subjetiva [...]. (MELLO, Celso Antônio
Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª Edição, São
Paulo: Malheiros, 2011, p. 1.020).

[...] A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que ‘a


responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é
subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a
negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre
ambos’ (STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 02/06/2014). Em
igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra Eliana
Calmon, Segunda Turma, DJe de 17/09/2013. [...]. (STJ,
Segunda Turma, AgRg no REsp 1345620/RS, relatora Ministra
Assusete Magalhães, publicado no Diário da Justiça Eletrônico
em 2 de dezembro de 2015).

No caso, está demonstrada, a não mais poder, a responsabilidade


do Estado pela morte de Antônio Carlos de Farias, visto que este estava sob a custódia

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penal daquele, e nenhuma providência foi tomada, no momento dos fatos, para evitar o
evento fatal, ou até mesmo antes, quando, em cumprimento das rotinas do
estabelecimento, poderia ter sido identificado que existiam “armas” em posse de
detentos.

Dessa forma, compete ao Estado de Mato Grosso responder


pelas consequências decorrentes de sua omissão, mormente, em relação ao dever de
zelar pela integridade física de detento que estava sob a sua guarda, pelo que cabível a
indenização por danos morais.

Por outro lado, a determinação do valor não é tarefa simples, é


recheada de controvérsia, porque medir a dor alheia é tarefa árdua: “um sentir é do
sentente, mas outro é o do sentidor [...] o que demasia na gente é a força feia do
sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente [...]. O senhor sabe: há coisas de
medonhas demais, tem. Dor do corpo e dor da ideia marcam forte, tão forte como o todo
amor e raiva de ódio” (ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas). Naturalmente, é
difícil imaginar dor que nunca se sentiu, porque ganha corpo em cada corpo.

Nada obstante, o valor de R$ 67.800,00 (sessenta e sete mil e


oitocentos reais), montante equivalente a cem (100) salários mínimos vigentes à época
da prolação da sentença, apresenta-se, ao meu juízo, exagerado. Entendo que, ao se levar
em consideração os princípios da razoabilidade e proporcionalidade a quantia de R$
40.000,00 (quarenta mil reais) se mostra mais equânime: não enriquece as apeladas nem
empobrece o apelante e tem o caráter pedagógico de evitar recidiva.

Aliás, em situação semelhante, esta Câmara decidiu:

[...] É dever do Estado zelar pela integridade física dos detentos

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que estejam nas dependências da penitenciária, devendo prestar a


devida segurança no local, nos termos do art. 5º, XLIX, da CF.
Os danos morais devem ser reduzidos para R$ 40.000,00
(quarenta mil reais), tendo em vista que se mostra razoável e
adequado para compensar o sofrimento causado às autoras, e
para desestimular a repetição da conduta por parte do réu, sem
ocasionar o enriquecimento das partes. [...]. (TJ/MT, Segunda
Câmara de Direito Público e Coletivo, apelação/remessa
necessária 47442/20147, relatora Desembargadora Antônia
Siqueira Gonçalves Rodrigues, julgamento em 20 de junho de
2017).

No que se refere ao valor dos honorários advocatícios, este deve


ser estabelecido de forma condizente com o grau de zelo do profissional, a natureza e
importância da causa, o trabalho realizado pelo douto advogado, o longo tempo de
tramitação do feito e a necessidade de acompanhamento de recurso. Na hipótese em que
for vencida a Fazenda Pública, aplicável o disposto no artigo 20, § 4º, do Código de
Processo Civil derrogado, em vigor à época.

[...] A Primeira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do


REsp 1.155.125/MG, Relator o Ministro Castro Meira,
submetido ao regime dos recursos repetitivos, reafirmou a
orientação no sentido de que, vencida a Fazenda Pública, a
fixação dos honorários não está adstrita aos limites percentuais
de 10% e 20%, podendo ser adotado como base de cálculo o
valor dado à causa ou à condenação, nos termos do art. 20, § 4º,
do CPC, ou mesmo um valor fixo, segundo o critério de

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equidade. [...]. (STJ, Primeira Turma, AgRg no REsp


1449755/PR, relator Ministro Olindo Menezes – Desembargador
convocado do TRF 1ª Região, publicado no Diário da Justiça
Eletrônico em 11 de dezembro de 2015). [sem negrito no
original]

[...] 1. A jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que,


sendo vencida a Fazenda Pública, os honorários serão fixados
consoante apreciação equitativa do juiz, que considerará o grau
de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza
da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido
para o seu serviço, consoante o disposto no art. 20, § 4º, do CPC,
o qual se reporta às alíneas do § 3º e não a seu caput.
2. Ao condenar a Fazenda Pública em honorários, o julgador não
está adstrito a adotar os limites percentuais de 10% a 20%
previstos no § 3º, podendo, ainda, estipular como base de cálculo
tanto o valor da causa como da condenação.
[...]
4. Por ocasião do julgamento do AgRg no AREsp
532.550/RJ, realizado pela Segunda Turma em 2/10/2014,
convencionou-se que a desproporção entre o valor da causa e
o valor arbitrado a título de honorários advocatícios não
denota, necessariamente, irrisoriedade ou exorbitância da
verba honorária, que deve se pautar na análise da efetiva
complexidade da causa e do trabalho desenvolvido pelo
causídico no patrocínio dos interesses de seu cliente. [...].
(STJ, Segunda Turma, AgRg no AREsp 795992/RS, relator
Ministro Humberto Martins, publicado no Diário da Justiça

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Eletrônico em 27 de novembro de 2015). [sem negrito no


original]

Assim, o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) apresenta-se mais


consentâneo aos parâmetros do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil derrogado.

Por fim, quanto à atualização do débito, consigno que, no


julgamento do RE nº 870947/SE, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em repercussão
geral, que o artigo 1º-F da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada
pela Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, em relação a débitos não tributários, é
inconstitucional quanto à correção monetária e constitucional em relação aos juros
moratórios.

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do


REsp 1495146/MG, em sede de recursos repetitivos, decidiu que não é aplicável o
artigo 1º-F, da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei nº
11.960, de 29 de junho de 2009, nas condenações contra a Fazenda Pública, para
atualização do valor do débito, independentemente de sua natureza.

Dessa forma, relativamente à correção monetária, utiliza-se o


Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) a contar de janeiro
de 2001, afastada a sua incidência no período de janeiro de 2003 até a vigência da Lei nº
11.960, de 29 de junho de 2009, visto que a taxa Sistema Especial de Liquidação e de
Custódia (Selic) incidente nesse período, a título de juros de mora, já compreende estes e
a correção monetária.

Por outro lado, para o cálculo de juros moratórios deve ser


observado: i) o percentual de meio por cento (0,5%) até dezembro de 2002; ii) a taxa

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Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) a contar de janeiro de 2003 até o


período anterior a entrada em vigor da Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009; e iii) o
disposto no artigo 1º-F da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada
pela Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, a partir de sua vigência.

Essas, as razões por que voto no sentido de dar provimento, em


parte, ao recurso para:

i) diminuir o valor da condenação para R$ 40.000,00 (quarenta


mil reais);

ii) reduzir os honorários advocatícios ao valor de R$ 3.000,00


(três mil reais);

iii) fixar, quanto à correção monetária, devida a partir do


julgamento, a incidência do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial
(IPCA-E), não incidente no período de janeiro de 2003 até a vigência da Lei nº 11.960,
de 29 de junho de 2009; e

iv) no tocante aos juros de mora, incidentes a partir da citação, o


cálculo deve observar: a) o percentual de meio por cento (0,5%) até dezembro de 2002;
b) a taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) a contar de janeiro de
2003 até o período anterior a entrada em vigor da Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009;
e c) o disposto no artigo 1º-F da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação
dada pela Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, a partir de sua vigência.

É como voto.

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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA
CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de
Mato Grosso, sob a Presidência do DES. LUIZ CARLOS DA COSTA, por meio da
Câmara Julgadora, composta pelo DES. LUIZ CARLOS DA COSTA (Relator), DESA.
MARIA EROTIDES KNEIP BARANJAK (1ª Vogal convocada) e DESA. ANTÔNIA
SIQUEIRA GONÇALVES (2ª Vogal), proferiu a seguinte decisão: À
UNANIMIDADE, PROVEU, EM PARTE, O RECURSO.

Cuiabá, 3 de abril de 2018.

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DESEMBARGADOR LUIZ CARLOS DA COSTA - RELATOR

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