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DISCIPLINA DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO


Rochelle Jelinek 1

1 FORMAS DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO

1.1 Loteamento, desmembramento e desdobro

Parcelamento do solo urbano é o processo cuja finalidade é proceder à


divisão de gleba para fins de urbanização, edificação e ocupação, podendo ser
executado sob as formas de loteamento, desmembramento ou desdobro.
Para compreensão desse processo, convém definir alguns aspectos
por ele abrangidos.
A Lei Federal n.° 6.766/79, que rege o parcelamento do solo urbano,
não define 2 o que seja gleba, embora utilize essa palavra em diversos
dispositivos. Diógenes Gasparini conceituou gleba como “toda área em que se
pode, nos termos da lei, implantar um loteamento para fins urbanos” 3 . E
complementa que não podem ser consideradas glebas “as áreas (lotes e
quadras) resultantes de urbanizações já efetivadas”. Em outras palavras, gleba
é “a área de terreno que ainda não foi objeto de parcelamento urbano regular,
isto é, aprovado e registrado” 4 . Após o registro do parcelamento do solo no
Cartório do Registro de Imóveis, o imóvel deixa de existir juridicamente como
gleba e passa a existir juridicamente como coisa loteada ou desmembrada,
composta de lotes e áreas públicas. 5
Na lei tem-se uma imprecisa e vaga definição de lote inserta no art. 2o,
§4o, da lei n.° 6.766/79: “considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura
básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano
diretor ou lei municipal para a zona em que se situe”. Amadei define lote como
“a porção de terra resultante do parcelamento urbano destinada à edificação ou
recreação” 6 .
Distinção que também se impõe é entre as formas de parcelamento do
solo: loteamento, desmembramento e fracionamento.
O art. 2o, §1o, da Lei n.° 6.766/79, conceitua loteamento como sendo a
subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação 7 , com abertura de novas

1
Promotora de Justiça-Ministério Público do RS, Especialista em Direito Ambiental pela Universidade
Federal do RS-UFRGS, Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do RS-PUC/RS.
2
Sobre esse aspecto, entende-se que a lei não existe para definir conceitos, mas sim para prescrever
regras.
3
GASPARINI, Diógenes. O município e o parcelamento do solo. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p.12.
4
AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do
solo urbano em seus aspectos essenciais. 2.ed. Campinas: Millenium, 2002, p. 1-3.
5
A distinção é importante, pois, identificado o terreno como lote e não gleba, há tendência de, em caso de
novo parcelamento, ser evitada nova destinação de espaços livres de uso público (o que significa não
haver perda de área útil de domínio privado), quando reparcelamento estiver dentro da mesma
finalidade do parcelamento original, o que, às vezes, pode configurar burla às exigências da Lei n.°
6.766/79, como se verá adiante.
6
AMADEI; AMADEI, Como lotear uma gleba..., p. 3-4.
7
Quando a lei fala em edificação, não especifica que espécie, podendo abranger qualquer tipo, inclusive
as que não sejam destinadas unicamente à moradia habitual dos adquirentes dos lotes, podendo ser
sítios de recreio, hotéis, escolas, parques e outros quaisquer. COUTO, Sérgio A. Frazão do. Manual
prático e teórico do parcelamento urbano. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 27.
2

vias de circulação 8 , de logradouros públicos 9 ou prolongamento, modificação


ou ampliação das vias existentes. A conceituação é bastante em si, encerrando
qualquer discussão.
A Lei n.° 9.785/99, que alterou a Lei n.° 6.766/79, teve vetado 10 o §2o
do art. 2o, que conceituava o desmembramento. Mesmo deixando de
conceituá-lo, a lei manteve o instituto, ao determinar, no art. 11, que devem ser
aplicadas ao desmembramento, no que couberem, as disposições urbanísticas
vigentes para as regiões em que se situem, ou, na ausência destas, as
disposições para os loteamentos.
Os dois institutos diferem significativamente porque no loteamento há
abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou
prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes, enquanto no
desmembramento ocorre um aproveitamento do sistema viário existente, sem
se cogitar de prolongamento, modificação ou ampliação de ruas ou avenidas.
Em ambas as modalidades de parcelamento do solo, entretanto, há
indispensabilidade da observância das normas da Lei n.° 6.766/79: para ser
regular, o parcelamento deve ter aprovação do projeto pelo Município,
registro 11 no Registro de Imóveis competente e execução de infra-estrutura 12 .
O fracionamento ou desdobro de área é o reparcelamento de lote (e
não gleba). Não foi mencionado pela Lei n.° 6.766/79, porque o §2o do art. 2o
da Lei n.° 9.785/99 também foi vetado, com o escopo de evitar a prática do
desdobro sucessivo de lotes, pela qual deixaria o loteador de atender às
exigências legais. Mas, na prática, o fracionamento de lotes continua a existir.
A controvérsia que surge é quanto à sujeição desta forma de parcelamento às
normas da Lei n.° 6.766/79. É que, em muitos casos, o desdobro pode ser uma
forma de burla à lei do parcelamento do solo, um subterfúgio para fugir às
obrigações legais, especialmente de execução de obras de infra-estrutura. No
entanto, somente no caso concreto poderá ser aferida a necessidade da
aplicação das normas do parcelamento do solo urbano, pela administração
municipal, pelo registrador público e pelos aplicadores da lei.

8
As vias de circulação interna no loteamento são necessárias para facultar o acesso a todos os lotes. Ao
estabelecer a obrigatoriedade destas, a lei visou evitar a necessidade dos ocupantes dos lotes centrais de
valerem de servidões em propriedades de terceiros para chegar aos seus lotes ou ir deles às vias
públicas próximas. Ibidem, p. 28.
9
A exigência que a lei faz de existência de espaços públicos (reservas florestais, praças, play-grounds,
campos ou quadras de esporte, locais para reuniões coletivas, etc.) para utilização comum dos que ali
vierem a morar objetiva atender às necessidades de lazer, esportes, divertimento, para que o loteamento
não se torne local insípido. Ibidem, p. 29.
10
O veto se deu sob duplo fundamento: a um, porque o dispositivo admitia o desmembramento com
acréscimo do sistema viário, o que poderia causar confusão com o instituto do loteamento; a dois,
porque no desmembramento, não havendo exigência de destinação de área ao Poder Público, o que,
segundo o veto, provocaria escassez de espaço para a implantação de escolas, de centro de saúde,
praças e outros equipamentos necessários aos futuros parcelamentos, em prejuízo da comunidade local.
11
O art. 167, inc. II, n.° 4, da Lei de Registros Públicos, dispõe que o loteamento deve ser registrado, ao
passo que o desmembramento é simplesmente averbado. Já o art. 18 da Lei n.° 6.766/79 diz que,
aprovado o projeto de desmembramento ou parcelamento, deverá o loteador levá-lo a registro
imobiliário, sem fazer diferenciação quanto ao ato notarial. Entende-se que, independente da
denominação, os efeitos e as exigências para a anotação registral são os mesmos, razão pela qual não há
por que haver distinção, utilizando-se, doravante, a palavra “registro”.
12
Sobre a questão, ver requisitos urbanísticos do parcelamento do solo para fins urbanos, no capítulo 4.
3

Quando a divisão da área não chegar a formar novo aglomerado


habitacional, não houver abertura, prolongamento ou ampliação das vias e,
sobretudo, quando o seu proprietário não visar ao parcelamento para fins de
venda de várias unidades isoladas (novos lotes), não há desmembramento ou
loteamento sujeito à Lei n.° 6.766/79 13 . Amadei cita, com base em decisões
administrativas da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo, que a dispensa
das exigências da Lei n.° 6.766/79 é admitida para desdobros de pequeno
porte, objetivando a divisão da área em dois, três, ou até dez lotes, quando não
houver razão jurídica para a exigência, porque evidente a desnecessidade da
tutela urbanística e de proteção dos adquirentes dos lotes. Também menciona
a existência de casos em que não foi admitida dispensa das exigências legais
para desdobro em dezessete, dez e até quatro lotes, quando se verificou que
visava burla à Lei n.° 6.766/79 14 .
Destarte, tem-se que a aplicação da Lei n.°6.766/79 ao fracionamento
não se dá necessariamente de acordo com o número de lotes divididos, mas
sim em razão da necessidade de tutela urbanística, ambiental e consumeirista
no caso concreto, de modo a exercer controle sobre a instalação de
conglomerados urbanos desordenados ou sem recursos infra-estruturais
urbanos necessários.

1.2 Formas irregulares de parcelamento do solo

Os parcelamentos urbanos podem ser regulares ou irregulares,


conforme atendam ou não aos preceitos legais. A Lei n.° 6.766/79 não
distingue com precisão essas formas de parcelamento; apresenta os limites do
regular e, por conseqüência, do irregular.
É regular o parcelamento urbano que atende a todas as exigências
administrativas do Poder Público e, depois de aprovado pelo Município, é
registrado perante o Registro de Imóveis da circunscrição onde se encontra a
gleba fracionada.
É irregular, num sentido amplo, todo o parcelamento que não
obedeceu às regras técnico-administrativo-jurídicas exigidas na lei, que não foi
registrado no Registro de Imobiliário ou que não foi executado de acordo com
os projetos. Esses parcelamentos em desacordo com a lei podem ser
clandestinos ou irregulares (stricto sensu). 15

1.2.1 Parcelamentos clandestinos ou irregulares

Irregulares são os parcelamentos cujos projetos são aprovados pela


autoridade municipal e não registrados no Registro de Imóveis competente ou

13
Nesse sentido: “Se não é gleba que está sendo dividida em lotes, mas, simplesmente, um lote de 500m2
que está sendo desdobrado em duas partes, não se trata de desmembramento, mas de simples desdobre,
não sujeito à Lei n.° 6.766/79.” (Ap. 826-0, do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de
Justiça de São Paulo. Rel.: Arnaldo Rizzardo. j. 17/02/82).
14
AMADEI; AMADEI, Como lotear uma gleba... p. 4-5.
15
Sobre as irregularidades nos loteamentos, ver mais no capítulo 6.
4

cujas obras de urbanização não foram executadas ou o foram em desacordo


com a licença expedida, apesar de ter sido efetivada a venda, cessão ou
ocupação de lotes.
Clandestinos são os parcelamentos que não têm projeto aprovado pela
autoridade municipal – e conseqüentemente não registrados –, mas
implementados de fato, como aponta José Carlos de Freitas 16 :

Clandestino não é, apenas, o loteamento feito às ocultas.


Tanto é aquele desconhecido oficialmente pelo Poder
Público, porque inexistente solicitação de aprovação,
quanto o que deriva do indeferimento do respectivo
pedido, por não atender às exigências legais. Num e
noutro caso, sempre sem a chancela oficial, ele é
implantado fisicamente pelo loteador, com a abertura de
ruas, demarcação de quadras e lotes e com a edificação
de casas pelos adquirentes.

Rosângela Staurenghi 17 anota que a doutrina jurídica tradicionalmente


classifica o parcelamento do solo em loteamentos ou desmembramentos,
regulares, irregulares ou clandestinos. E acrescenta que os assentamentos
informais – invasões – também são formas de parcelamento clandestino do
solo, que exigem regularização fundiária, com correção dos aspectos
dominiais, urbanísticos e ambientais. 18

2 RESTRIÇÕES URBANÍSTICAS E AMBIENTAIS

2.1 Zonas urbanas e zonas rurais

O parcelamento do solo para fins urbanos somente é admitido em


zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim
definidas pelo plano diretor ou em lei municipal (art. 3o, caput, da Lei n.°
6.766/79). A lei do parcelamento excluiu de sua órbita de aplicação os
loteamentos para fins rurais 19 .

16
FREITAS, José Carlos de. Loteamentos clandestinos: uma proposta de prevenção e repressão. In:
FREITAS, José Carlos de (coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000, v.2, p. 335.
17
STAURENGHI, Rosângela. Regularização fundiária de assentamentos informais. Texto inédito,
produzido para orientar debate ocorrido em 12/11/2003 na Câmara Federal de Deputados – Comissão
de Desenvolvimento Urbano, sobre a alteração da Lei n.° 6.766/79. Edésio Fernandes também anota
que as favelas são consideradas forma de loteamento, ainda que com características peculiares,
justificando sua classificação como áreas de urbanização específica. FERNANDES, Edésio.
Perspectivas para a regularização fundiária em favelas à luz do Estatuto da Cidade. In: FREITAS, José
Carlos de (coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério
Público do Estado de São Paulo, 2001, v.3, p. 197.
18
Sobre os parcelamentos a margem da lei, ver capítulo 6.
19
Os loteamentos para fins rurais ou agrários obedecem a normas especiais editadas pela legislação
agrária: Estatuto da Terra (Lei n.° 4.504/64), seu regulamento (Decreto n.° 59.428/64), pela Lei n.°
5.868/72, pelo Decreto-Lei n.° 58/37 e pela Instrução do INCRA n.° 17-b/80.
5

Importante definir-se algumas terminologias – ‘fins urbanos’, zonas


urbanas, de expansão urbana e de urbanização específica, ‘fins rurais’ e zona
rural – para que se possa aferir a incidência da lei em comento.
No dizer de Sérgio Frazão do Couto 20 , o parcelamento do solo com
fins urbanos refere-se ao fracionamento do espaço territorial especificamente
destinado a abrigar contingentes humanos para formação, expansão ou
conservação das cidades. Nesse enfoque, define as espécies de solo urbano
que contém o conceito de parcelamento para ‘fins urbanos’: solo urbano
propriamente dito – porção territorial onde existem erigidas, continuamente, as
moradias dos seus habitantes, as vias de circulação entre as unidades
residenciais, os serviços próprios, direção político-administrativa; solo de
expansão urbana – porção territorial indefinida aos redor das cidades, para
onde possa seu crescimento se dirigir, pela agregação de novos componentes
urbanísticos constantes da zona urbana propriamente dita; solo urbanizável –
aquele onde as condições geológicas, sanitárias, ecológicas, etc., impedem
atualmente sua ocupação pela população, sem riscos para ela, até as
correções necessárias para torná-lo habitável. Assevera, ainda, que esses
tipos de solo urbano podem sofrer mutações nas categorias classificatórias por
força de normas legais pertinentes ou fatos sociais e obras governamentais
que incidam sobre eles.
Por esse prisma, são zonas urbanas, além daquelas de edificações
contínuas de povoação, as partes adjacentes e as áreas que, a critério do
Município, venham a, possivelmente, ser também ocupadas por edificações e
concentrações demográficas contínuas. 21
O crescimento das cidades, não só no sentido vertical, mas também
horizontal, é uma constante, de modo que áreas isoladas passam, em pouco
tempo, a ser ocupadas por edificações e concentrações urbanas. A expansão
dos limites horizontais da cidade se dá inicialmente com o deslocamento das
classes menos favorecidas para áreas periféricas (os “cinturões de pobreza”) e,
também, da ocupação de campos por sítios de recreio, casas de campo,
chácaras, para onde a população procura deslocar-se em busca de
tranqüilidade aos finais de semana e até para moradia. Nesse contexto
vislumbram-se
20
COUTO, Manual prático..., p. 8-11.
21
O Código Tributário Nacional (Lei n.° 5.172/66) traz em seu bojo uma definição de zona urbana (para
fins de incidência de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana), no art. 32, §1o e §2°:
§1o – Para os efeitos desse imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal,
observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos
incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II – abastecimento de água;
III – sistema de esgotos sanitários;
IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel
considerado.
§2o – A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana,
constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinadas à habitação, à indústria ou
ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.
Essa referência é relevante, uma vez que muitos parcelamentos irregulares, executados em zonas rurais,
mas com fins urbanos, não observaram as exigências da Lei n.° 6.766/79, sendo interessante a
continuidade dessa condição de irregularidade tanto para o loteador – que não precisa executar todas as
obras de infra-estrutura nem outorgar escritura pública de transferência do domínio dos lotes, quanto
para os adquirentes, que preferem a incidência do ITR à do IPTU.
6

as zonas de expansão urbana, áreas para onde tende o crescimento das


cidades, com a localização de novas levas humanas.
A expansão horizontal da cidade também ocorre com o deslocamento
das indústrias encravadas nos núcleos urbanos, para evitar a falta de sossego
da população em razão da poluição sonora e ambiental, que determina a
criação de áreas ou distritos industriais mais afastados, o que acaba por levar
os operários a residirem mais perto do local de trabalho e, em seguida, vem o
comércio para servi-los. As áreas destinadas pela legislação municipal para
criação de distritos industriais, por exemplo, seriam zonas de urbanização
específica.
De acordo com o art. 3o da Lei n.° 6.766/79, ao Município compete,
privativamente, delimitar o perímetro urbano dentro de seu território,
notadamente para fins urbanísticos. Mas não cabe ao Município estabelecer
critérios de definição de zona urbana ou de expansão urbana. Cabe à lei
urbanística estabelecer os requisitos que darão à área condição de urbana ou
urbanizável, e, atendidos esses requisitos, a lei especial municipal delimitará o
perímetro urbano, as áreas de expansão urbana e os núcleos em
urbanização 22 .
Em contraponto às zonas urbanas (em sentido amplo), existem as
zonas rurais, que Frazão do Couto 23 conceitua como as destinadas à produção
e exploração de bens necessários à alimentação das populações existentes
nos núcleos urbanos. 24
As normas jurídicas incidentes sobre a matéria fazem concluir que
podem existir áreas rurais em zonas urbanas e áreas urbanas em zonas rurais.
Como assevera Diógenes Gasparini 25 , um imóvel rural pode estar localizado
em zona urbana, expansão urbana ou em zona rural.
Diante disso, afirma-se haver a possibilidade de existir área urbana (se
sua destinação não for agrícola ou pecuária, nem medir mais de um hectare)
em zona rural e área rural em zona urbana lato sensu.
E, por fim, contrapondo as definições de zona urbana e zona rural,
imóvel urbano e imóvel rural, chega-se à conclusão que parcelamento para
‘fins urbanos’ é o que se destina à urbanização, edificação e ocupação, com a

22
No âmbito do Rio grande do Sul, a Lei de Desenvolvimento Urbano (Lei Estadual n.° 10.116/94)
definiu áreas urbana e de expansão urbana, nos arts. 11 a 14.
23
COUTO, Manual prático..., p. 41.
24
O Estatuto da Terra, em seu art. 4o, inc. I, define imóvel rural como o prédio rústico aquele de área
contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária
ou agro-industrial. O critério da destinação afasta os demais, eis que a lei, para considerar um imóvel
como rural (fora da esfera da Lei n.° 6.766/79), não leva em conta sua localização nem sua dimensão.
Já o Código Civil estabelece que os imóveis devem ser considerados urbanos ou rurais conforme
estejam localizados na área urbana ou na área rural, inadmitindo a existência de área rural encravada
em zona urbana ou de imóvel urbano (independente de seu aproveitamento e sua destinação) em zona
rural. A Lei n.° 5.868, para fins de incidência do imposto sobre a propriedade territorial rural, considera
imóvel rural aquele que se destina à exploração agrícola, pecuária, extrativa, vegetal ou agro-industrial,
independente de sua localização, e tiver área superior a 1 (um) hectare, levando em consideração, dessa
forma, dois aspectos – destinação e dimensão, com prevalência deste último, de modo que as áreas
menores que um hectare deverão ser consideradas urbanas (em sentido amplo). Mais sobre a questão:
BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de imóveis. 9. ed. São Paulo: Saraiva, p.355. MENDONÇA,
Rafael Augusto de. Direito agrário. 2..ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.301.
25
GASPARINI, O município..., p.182.
7

finalidade de habitação, indústria ou comércio, enquanto parcelamento para


‘fins rurais’ é o que se destina à exploração econômica da terra - agrícola,
pecuária, extrativa ou agro-industrial.
Já se disse que o parcelamento do solo para ‘fins urbanos’ somente é
admitido em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização
específica, assim definidas pelo plano diretor ou em lei municipal, restando
excluídos da órbita da Lei n.° 6.766/79 os loteamentos para ‘fins rurais’. E nas
hipóteses em que áreas rurais são fracionadas mediante loteamentos ou
desmembramentos para ‘fins urbanos’, qual a lei aplicável à espécie?
O art. 53 da Lei n.° 6.766/79 26 prescreve que toda alteração de
uso do solo
rural para fins urbanos dependem de prévia audiência do INCRA, do órgão
metropolitano (quando for o caso), e da aprovação da Prefeitura Municipal,
segundo as exigências da legislação pertinente. Este dispositivo teve como
objetivo regrar a alteração do uso do solo rural para fins urbanos – e não o
parcelamento do solo rural para finalidade urbana 27 , porque não disciplinou
como este poderia ocorrer.
Feita essa premissa, conclui-se que o art. 53 não abriu uma exceção
ao art. 3o da Lei n.° 6.766/79 (que só admite parcelamento para ‘fins urbanos’
em zonas urbanas lato sensu).
Assim, o parcelamento de imóvel rural (localizado em zona rural) para
‘fins urbanos’ só será factível se lei municipal redefinir o seu zoneamento,
transformando a zona rural ou parte dela (onde se encontra o imóvel) em zona
urbana ou de expansão urbana.
Sobre a questão, Toshio Mukai conclui que, se um imóvel rural perdeu
suas características de exploração agrícola, extrativa vegetal, pecuária ou
agro-industrial, deverá ele obedecer duas condições para o loteamento para
fins de sítios de recreio ou núcleos urbanos: atender ao art. 53 da Lei n.°
6.766/79 e ser incluído, por lei municipal, em zona de expansão urbana. Sem
tais condições, o parcelamento será ilegal e irregular, incidindo sobre os
responsáveis as sanções penais do art. 50 da lei retromencionada, uma vez

26
A Instrução n.° 17-B/80 do Instituto nacional de Colonização e Reforma Agrária-INCRA – derrogada
pelo teor da Constituição Federal, que dá autonomia aos Municípios – dispõe sobre o parcelamento de
imóveis rurais, preceituando que o parcelamento para ‘fins urbanos’ de imóvel rural situado em zona
urbana ou de expansão urbana, assim definida em lei municipal, rege-se pelas disposições da Lei n.°
6.766/79, além da legislação estadual e municipal pertinente ao parcelamento. A referida instrução,
quanto aos imóveis rurais situados fora de zona urbana ou de expansão urbana, ou seja, em zona
definida em lei como rural, define que o seu parcelamento para ‘fins urbanos’ com vistas à formação de
núcleos urbanos, sítios de recreio ou industrialização, é regido pelo disposto no art. 96 do Decreto n.°
59.428/66 e o art. 53 da Lei n.° 6.766/79.
27
Imagine-se, por exemplo, a implantação de um hotel-fazenda em imóvel rural localizado em zona rural
e de uma escola técnica em imóvel rural situado em zona urbana. Em ambos os casos há alteração da
destinação do solo rural para fins tipicamente urbanos, sem o objetivo de parcelamento do imóvel.
Esses exemplos demonstram o limite e o alcance do disposto no art. 53 da lei n.° 6.766/79, que regrou
unicamente as exigências para as alterações do solo rural. Nesse sentido, Diógenes Gasparini, ao
comentar o referido artigo, anota que o dispositivo não cuida do parcelamento de imóvel rural para fins
urbanos, pois se relaciona ao uso do solo, e não à sua divisão. GASPARINI, O município..., p.180. Na
mesma linha de raciocínio, Toshio Mukai, Alaor Caffé Alves e Paulo José Vilella Lomar concluem que
essa disposição se coaduna com o mandamento contido no art. 3o da Lei n.° 6.766/79. MUKAI, Toshio;
ALVES, Alaor Caffé; LOMAR, Paulo José Vilella. Loteamentos e desmembramentos urbanos. 2.ed.
São Paulo: Sugestões Literárias, 1987, p.290.
8

que, desde a Lei n.° 6.766/79, não pode mais ser autorizada a implantação de
loteamento para sítios de recreio ou núcleos urbanos na zona rural 28 .
No que tange à alteração do zoneamento em que está localizado o
imóvel objeto do parcelamento, destaca-se que a competência legislativa
municipal não está submissa a nenhum outro órgão 29 . Basta o devido processo
legislativo para alterar a transformação de determinada zona rural em zona
urbana ou de expansão urbana. Operada a publicação da lei que alterou o
zoneamento, deverá o Município, então, comunicar a transformação da área
rural em urbana ao INCRA, para deixe de lançar o ITR, no próximo exercício,
em relação aos imóveis localizados naquela zona; cadastrar esses imóveis
para efeito de cobrança de IPTU e providenciar a retificação, junto ao Registro
de Imóveis competente, da qualificação da zona alterada pela lei municipal,
passando o Poder Público Municipal a ter a prerrogativa de ordenar e
coordenar a ordenação territorial daquela zona.

2.2 Áreas urbanizáveis

Nem todas as áreas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização


específica são passíveis de parcelamento do solo. O parágrafo único do art. 3o
da Lei n.° 6.766/79 limita o parcelamento em determinadas áreas ditas
‘urbanizáveis’, enquanto não corrigidos os seus aspectos desfavoráveis e
criadas condições de utilização do solo, por razões de segurança e saúde
publica. Áreas urbanizáveis não são necessariamente áreas inaproveitáveis,
mas sim áreas que, por questões técnicas ecológicas ou geológicas não
permitem edificação, ocupação ou habitação. A impossibilidade de
parcelamento e ocupação, nestes casos, não é absoluta, porque os impasses
podem, em alguns casos, ser sanados por correções do solo e pela
conseqüente criação de condições adequadas à ocupação habitacional. O
parágrafo único do art. 3o da Lei n.° 6.766/76, in verbis, define as restrições:

28
MUKAI, Toshio. Direito urbano-ambiental brasileiro. São Paulo: Dialética, 2000, p. 119-120, 133 e
296. No mesmo sentido: SIQUEIRA, Aluízio Cândido. Direito e legislação de terras. São Paulo:
Saraiva, 1980, p.499. Também VIANA, Geraldo Camargo: “Se destinam-se à morada, eventual ou
permanente, tais sítios ou chácaras caracterizam-se como propriedade urbana, não se prendendo ao
zoneamento onde estão localizados. VIANA, Rui Geraldo Camargo. O parcelamento do solo urbano.
Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 48. Ainda sobre a questão: “Núcleos urbanos e sítios de lazer, vale
dizer, se objetivados pelo loteamento de solo rural, configuram parcelamentos para fins urbanos, pois
que no conceito de imóvel rural está a exploração extrativa, agrícola, pecuária ou agro-industrial”
(TJSP, 2a Câm.Civ., Ac 78282-2-S. São José dos campos. Rel. Des. Carlos Ortiz).
29
A Constituição Federal de 1988, nos arts. 23, 29, 30 e 182, definiu de maneira explícita a autonomia
municipal em termos políticos, legais e financeiros e, posteriormente, as leis orgânicas municipais
consolidaram tal quadro. Diante desse preceito constitucional, não se pode pretender que a audiência
prévia do INCRA prevista no art. 53 da lei n.° 6.766/79 (anterior, pois, à CF), tenha caráter vinculativo
para autorizar ou não o Município a alterar o seu zoneamento. Sobre a autonomia municipal para
transformar áreas rurais em urbanas, sem estar o Município adstrito à prévia anuência da União, do
Estado ou do INCRA: COUTO, Manual teórico..., p. 47-48. Também sobre a autonomia dos
Municípios sobre as zonas rurais: FERNANDES, Edésio. O mito da zona rural. IRIB-Instituto do
Registro Imobiliário do Brasil, São Paulo, n. 775, ago. 2003. Disponível em:
<http://irib.org.br/salas/boletimel775a.asp>. Acesso em: 12 ago. 2004.
9

Parágrafo único – Não será permitido o parcelamento do


solo:
I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes
de tomadas as providências para assegurar o
escoamento das águas;
II – em terrenos que tenham sido aterrados com material
nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente
saneados;
III – em terreno com declividade igual ou superior a 30%
(trinta por cento), salvo se atendidas exigências especiais
das autoridades competentes;
IV – em terrenos onde as condições geológicas não
aconselham a edificação;
V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde
a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a
sua correção.

Nas situações mencionadas 30 , as áreas impróprias para a edificação


não poderão ser objeto de parcelamento ou nelas terão de ser realizadas
obras, pelo loteador, que afastem as impossibilidades técnicas. 31
A limitação quanto às áreas alagadiças visa a assegurar condições de
habitabilidade em termos de saúde pública. Assim, em terrenos alagadiços ou
sujeitos a inundações, onde a proliferação de doenças encontra lugar próprio
para disseminar-se, deve o loteador prever no projeto e executar obras para
escoamento das águas 32 .
A mens legis também é de garantia da saúde pública quando
estabelece restrições para o parcelamento de terrenos insalubres que tenham
sido aterrados com material nocivo. Depois de saneadas, estas áreas poderão
ser passíveis de parcelamento, se o trecho territorial em foco for considerado
habitável, em termos de salubridade, pela autoridade sanitária competente.
Nos terrenos com declive igual ou superior a 30%, segundo a lei,
somente poderão ser procedidos parcelamentos para fins urbanos se atendidas
as exigências específicas da autoridade municipal competente, que poderão
consistir em obras de lastreamento dos desvãos, para prevenir deslizes de
encostas, desabamentos, avalanches e outros fenômenos geológicos
semelhantes. Depois de constatada a segurança do local pelos técnicos
municipais, mediante laudos periciais específicos, pode a área ser passível de
parcelamento.
Em locais com condições geológicas adversas desfavoráveis à
edificação, mediante retificações do solo, aterros e compactações, é possível

30
No Rio Grande do Sul, a Lei Estadual n.° 10.116/94 (Lei do Desenvolvimento Urbano) estabeleceu,
além dessas hipóteses, a restrição de parcelamento em terrenos situados fora do alcance dos serviços
públicos de abastecimento de água potável e de energia elétrica, salvo se atendidas as exigências
específicas dos órgãos competentes (art. 17, inc. VI), e em terrenos dos quais resultem lotes encravados
ou em desacordo com os padrões estabelecidos no plano diretor ou nas diretrizes gerais de ocupação do
território.
31
Em havendo aprovação do parcelamento do solo em tais condições, sem a devida correção, cabe o
pleito judicial de anulação do ato administrativo de aprovação irregular.
32
A Lei Estadual n.° 10.116/94 vedou expressamente o parcelamento do solo em terrenos sujeitos a
inundações. Para os terrenos alagadiços, exige que seja procedida à drenagem definitiva e à
compactação do solo (art. 17, inc. I e II).
10

dar condições adequadas para o solo receber edificação e ser passível de


parcelamento.
Quanto às áreas poluídas, lançando mão o parcelador de providências
para correção da degradação ambiental, poderá atender aos requisitos
urbanísticos para afastar a vedação legal de parcelamento no local.

2.3 Áreas de preservação ecológica

Situação diversa das acima esposadas é a existente em relação aos


locais denominados pela Lei n.° 6.766/79 como ‘áreas de preservação
ecológica’. É questão de ordem legal que não depende da ação do parcelador
para afastá-la, cabendo ao Poder Público obstar o parcelamento naquele local,
em função dos interesses preservativos ecológicos.
A imprecisão da expressão ‘áreas de preservação ecológica’ – que não
encontra qualquer citação em outra norma ou mesmo na literatura da área
técnica – levou a doutrina à conclusão de que a defesa do meio ambiente
impõe uma definição extensiva, podendo abranger todas aquelas áreas que as
normas instituam como relevantes para os ecossistemas, como assevera
Fernando Reverendo Vidal Akaoui 33 , que acrescenta estarem abrangidas as
unidades de conservação (reservas ecológicas, estações ecológicas, parques
nacionais, estaduais e municipais, áreas de proteção ambiental, florestas
nacionais, estaduais e municipais, áreas de relevante interesse ecológico e
reservas extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público). Paulo
Affonso Leme Machado 34 diz que as áreas de proteção ecológica podem
abranger as chamadas de interesse especial (art. 13, inc. I, da Lei n.°
6.766/79), bem como as áreas de preservação permanente, os parques
nacionais, estaduais e municipais, as reservas biológicas, as reservas de caça,
as estações ecológicas e as áreas de proteção ambiental.
Guilherme José Purvin de Figueiredo diz que constituem ‘espaços
protegidos’ as áreas de preservação permanente, áreas de reserva legal (que
são existentes apenas em zona rural), as áreas tombadas (como por ex.
monumentos naturais, paisagens e sítios ecológicos tombados) em razão de
seu valor ecológico e as unidades de conservação da natureza 35 .
Nesse prisma, entende-se que a expressão ‘áreas de preservação
ecológica’ abrange os espaços ecológicos (existentes em área urbana lato
sensu) protegidos pela legislação: as áreas de preservação permanente 36 , as

33
AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Parcelamento do solo em áreas de proteção ecológica: a
tentativa de burla à legislação urbanística através da instituição de condomínio ordinário. FREITAS,
José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado:
Ministério Público do Estado de São Paulo, 1999, v.1, p.149-156.
34
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p.262.
35
FIGUEIREDO, A propriedade..., p.256.
36
Áreas de preservação permanente (APP) são aquelas protegidas nos termos dos arts. 2o e 3o do Código
Florestal (Lei n.° 4.771/65), situadas ao longo ou ao redor dos corpos hídricos; no topo dos morros,
montes, montanhas e serras; nas encostas com declividade superior a 45%; nas restingas, como
fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; nas bordas dos tabuleiros ou chapadas; em altitude
superior a 1800metros; cobertas ou não por vegetação nativa, que têm a função ambiental de preservar
os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade ecológica, a biodiversidade, o fluxo gênico da fauna e
da flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
11

áreas tombadas e as unidades de conservação 37 . Estas as áreas em que não


seria permitida a implantação de loteamentos e desmembramentos.

2.3.1 Áreas de preservação permanente

Questão tormentosa em relação à matéria em comento é a ampla


conceituação das áreas de preservação permanente 38 e sua aplicação nas
zonas urbanas das cidades, onde o adensamento demográfico e a ocupação
desordenada do solo tornam difícil compatibilizar o desenvolvimento das
atividades econômicas, o direito à moradia e a preservação do meio ambiente,
sendo real e pontual o conflito entre os que buscam a regularização fundiária e
os que colimam a proteção ambiental 39 .
A primeira indagação que surge é sobre a aplicabilidade dos
dispositivos da Lei n.° 4.771/65 (Código Florestal) em relação à delimitação e
proteção das áreas de preservação permanente em área urbana 40 ,
especialmente em face das disposições dos arts. 3o, par. único, inc.V, e 4o,
inc.III, da Lei n.° 6.766/79. Para aprofundar a questão, insta trazer à colação
os dispositivos pertinentes:

Lei n.° 4.771/65:

No âmbito do Rio Grande do Sul, o Código Estadual de Meio Ambiente (Lei n.º 11.520/2000), no art.
192, § único, inciso IV, proibiu expressamente o parcelamento do solo em APP.
37
As unidades de conservação estão arroladas na Lei n.° 9.985/00: unidades de proteção integral
(estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, estaduais e municipais, monumentos
naturais, refúgios de vida silvestre e RPPNs-reservas particulares de patrimônio natural) e unidades de
uso sustentável (áreas de proteção ambiental, área de relevante interesse ecológico, florestas nacionais,
reservas extrativistas, da fauna e de desenvolvimento sustentável).
38
A limitação estabelecida pela instituição das áreas de preservação permanente consiste na sua
imodificabilidade.
39
A pressão política para que se afastem os limites impostos pelo Código Florestal nas áreas urbanas tem
sido grande e o argumento mais usado recai sobre o déficit habitacional brasileiro (atualmente em torno
de 6,6 milhões, segundo dados do IBGE. O mesmo instituto divulga outro dado que deve ser
contraposto: existem no Brasil cerca de 4,6 milhões de imóveis vagos, o que evidencia a face injusta da
questão habitacional e leva-nos a afirmar que a solução do problema não está na ocupação das áreas de
preservação permanente.
Edésio Fernandes, tratando da compatibilização entre as agendas Verde e Marrom, enfatiza que tanto o
direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado quanto o direito à moradia são elementos
do direito à vida. FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade: promovendo o encontro das agendas
“verde” e “marrom”. In: LEITE; José Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini (Org.). Estado de
direito ambiental: tendências. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.317.
Em que pese os esforços existentes para arredar o conflito entre o direito à moradia e o direito à
preservação ambiental, na prática esse é um dos dilemas que assolam os administradores e demais
operadores que lidam com a questão da ocupação da terra urbana. Problema de difícil solução, traduz a
macroconflituosidade interna típica dos interesses difusos, dos quais o direito ao ambiente desponta
como uma das expressões mais típicas.
40
As normas do Código Florestal aplicam-se às áreas urbanas, uma vez que o art. 1° do referido diploma
legal não faz distinção entre meio rural e urbano. Nesse sentido: FINK, Daniel Roberto; PEREIRA,
Márcio Silva. Vegetação de preservação permanente e área urbana: uma interpretação do parágrafo
único do art. 2° do Código Florestal. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n.2, p.77-90, abr./jun
1996. Também: FREITAS, Matas ciliares. Em sentido contrário, entendendo que o Código Florestal só
se aplica às zonas rurais, e que a faixa não edificável de 15 metros prevista na Lei n.° 6.766/79 se aplica
às áreas urbanas: AMADEI; AMADEI, Como lotear uma gleba..., p. 403.
12

Art. 2° - Consideram-se de preservação permanente, pelo


só efeito desta lei, as florestas e demais formas de
vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d água
desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja
largura mínima será: (redação dada pela Lei nº
7.803/89)
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d água de
menos de 10 (dez) metros de largura;
2 - de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que
tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura;
3 - de 100 (cem) metros para os cursos d’água que
tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de
largura;
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que
tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de
largura;
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que
tenham largura superior a 600 (seiscentos metros);
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água
naturais ou artificiais.
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos
chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a sua
situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta)
metros de largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade
superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior
declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou
estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da
linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100
(cem) metros em projeções horizontais;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros,
qualquer que seja sua vegetação.
Parágrafo único - No caso de áreas urbanas, assim
entendidas as compreendidas no perímetros urbanos
definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas, em todo o território abrangido,
observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores
e leis de uso do solo, respeitados os princípios e
limites a que se refere este artigo.
Art. 3° - Consideram-se, ainda, de preservação
permanente, quando assim declaradas por ato do Poder
Público, as florestas e demais formas de vegetação
natural destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a fixar as dunas;
13

c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e


ferrovias;
d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das
autoridades militares;
e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor
científico ou histórico;
f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de
extinção;
g) a manter o ambiente necessário á vida das populações
silvícolas;
h) a assegurar condições de bem-estar público.
(grifos nossos)

Lei n.° 6.766/65:


Art. 3° - [...]
Parágrafo único – Não será permitido o parcelamento
do solo:
V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas
onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis,
até a sua correção.
Art. 4o – Os loteamentos deverão atender, pelo menos,
aos seguintes requisitos:
III – ao longo das águas correntes e dormentes e das
faixas de domínios público das rodovias e ferrovias, será
obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de
15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores
exigências da legislação específica. 41
(grifos nossos)

A Lei n.° 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, é


de natureza urbanística: visa à organização (uso e ocupação) do solo. Ao tratar
de faixas non aedificandi no art. 4o, inc. III, não pretendeu promover a proteção
da biodiversidade, e sim a segurança da população, o que fica evidenciado
pelo próprio teor do dispositivo, que também trata das faixas de domínio
público das rodovias e ferrovias. Qualquer construção que fosse autorizada
dentro da faixa de 15 metros das margens dos rios, rodovias ou ferrovias, traria
risco de vida à população que a utilizasse, daí porque, com propriedade, o
legislador estabeleceu tais requisitos urbanísticos para loteamentos 42 .
Já o Código Florestal tem natureza nitidamente de proteção ecológica
e, no art. 2o, ‘a’, teve em mira a função ambiental das matas ciliares, a
preservação dos recursos hídricos, a estabilidade geológica, o fluxo gênico,
com o objetivo maior de assegurar o bem estar das populações presentes e
futuras.
Com o advento da Lei n.° 10.257/01 (Estatuto da Cidade), editada pela
União no exercício de sua competência constitucional legislativa, que

41
A Lei n.° 10.932, de 03/08/2004, deu nova redação ao inc. III do art. 4° da lei n.° 6.766/79, suprimindo
a obrigatoriedade das faixas não edificáveis de 15m para cada lado ao longo de dutovias, remetendo a
avaliação dessa necessidade ao licenciamento ambiental.
42
FIGUEIREDO, A propriedade..., 229.
14

regulamentou o capítulo da Constituição Federal sobre a política urbana 43 , a


temática ambiental tornou-se obrigatória na fixação das exigências
fundamentais de ordenação da cidade. A título exemplificativo, tomem-se as
seguintes diretrizes gerais mencionadas no estatuto: suas normas, de ordem
pública e interesse social, regulam o uso da propriedade urbana em prol do
equilíbrio ambiental (art. 1o, par. único); a política urbana deve garantir o direito
a cidades sustentáveis 44 , que pressupõe o saneamento ambiental (art. 2o, inc.
I); o planejamento urbano deve evitar e corrigir as distorções do crescimento
urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (art. 2o, inc.IV); a
política urbana deve promover a proteção, preservação e recuperação do meio
ambiente natural e construído, inclusive o cultural (art. 2o, inc. XII); a política
urbana deve ouvir a população nos processos de implantação de
empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o
meio ambiente natural ou construído (art. 2o, inc. XIII); na regularização
fundiária e urbanização de favelas, a política urbana deverá considerar as
normas ambientais (art. 2o, inc. XIV); a ordenação do solo das cidades deve
coibir o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou
inadequados em relação à infra-estrutura urbana, e evitar a poluição e a
degradação ambiental (art. 2o, inc. VI, ‘c’ e ‘g’).
Diante das diretrizes para a política urbana estabelecidas no Estatuto
da Cidade, não se pode vislumbrar uma aplicação estrita da Lei n.° 6.766/79,
sem estar em consonância com a legislação de tutela ao meio ambiente. O
parcelamento do solo urbano deve observância não só à Lei n.° 6.766/79, mas
também a toda legislação federal e estadual.
José Afonso da Silva, tratando das áreas verdes urbanas, afirma que a
política dos espaços verdes revela-se na proteção da natureza, a serviço da
urbanização, com o objetivo de ordenar a coroa florestal em torno das grandes
aglomerações, manter os espaços verdes existentes no centro das cidades,
criar áreas verdes abertas ao público, preservar áreas verdes entre as
habitações – tudo visando a contribuir para o equilíbrio do meio em que vive e
trabalha o homem. E conclui que a política dos espaços verdes há de ser
estabelecida pelo planos diretores e leis de uso do solo dos Municípios ou
regiões metropolitanas, mas no que se refere às áreas de preservação
permanente ali existentes, terão que observar os princípios e limites previstos
no art. 2o do Código Florestal (leia-se metragens para as áreas de preservação
permanente), conforme determinação de seu par. único, acrescentado pela Lei
n.° 7.803/89 45 . Da mesma posição comunga Paulo Affonso Leme Machado,
que, ao discorrer sobre a questão em tela, esposa que o legislador, ao
introduzir o parágrafo único do art. 2° do Código Florestal, quis deixar claro que
os planos e leis de uso do solo do Município têm que estar em consonância
com as normas do mencionado art. 2º, porque a autonomia municipal deve

43
O art. 182 da CF trata das políticas de desenvolvimento urbano e o art. 183 do usucapião especial
constitucional.
44
A expressão cidade sustentável deriva de desenvolvimento sustentável, expressão que consta do
relatório “Nosso futuro para todos” ou “Relatório Brundtland” – elaborado por uma comissão formada
na Assembléia Geral das Nações Unidas em 1985 –, que pregou a necessidade de uma política de
desenvolvimento que levasse em conta os limites ecológicos do planeta, utilizando-se adequadamente
os recursos ambientais, para satisfação das necessidades das gerações presentes sem sacrifício das
gerações futuras.
45
SILVA, Direito ambiental..., p. 75.
15

estar entrosada com as normas federais e estaduais protetoras do meio


ambiente 46 .
Considerando as diferentes funções das áreas de preservação
permanente no ambiente urbano 47 , conclui-se que o conceito de
desenvolvimento sustentável veio mostrar que só se pode progredir, com
qualidade de vida, se preservar-se o meio ambiente para a nossa e para as
futuras gerações. Progredir retirando da natureza o desnecessário ou além de
sua capacidade não significa que estamos nos desenvolvendo. É por este
motivo que o Código Florestal determina que os planos diretores e as leis de
uso do solo devem respeitar os princípios e limites referentes às áreas de
preservação permanente e do ambiente geral, pois a função primordial da
cidade é garantir aos seus integrantes uma vida com qualidade, e isto só é
possível preservando-se o meio ambiente 48 . Destarte, as políticas de
ordenação do solo urbano não podem descuidar da legislação ambiental.
Face ao argumento sustentado por alguns estudiosos no sentido de
que o legislador federal teria remetido às legislações municipais a livre
definição das áreas de preservação permanente quando situadas em área
urbana 49 , a nosso ver desprovido de fundamentação, por desconsiderar o
regime de repartição de competências constitucionais em matéria ambiental e o
relevante papel ecológico desempenhado por tais áreas protegidas. Nesse
contexto, necessário trazer a lume a questão das competências
constitucionais 50 . O art. 21, inc. XX, da CF, fixa a competência da União para
instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos. O art. 24, inc. I, por seu turno, fixa a

46
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 385-
386.
47
A vegetação no entorno dos cursos d’água – as matas ciliares – exerce importante papel no controle
hidrológico, no ciclo e na qualidade da água. Essa vegetação segura a água proveniente da chuva, outra
parte escoa sobre o caule e ingressa no solo atingindo as raízes da vegetação, criando no solo canais
que permitem que boa parte da água do solo seja absorvida, perenizando rios e nascentes, formando os
aqüíferos freáticos e profundos, essenciais para a manutenção dos corpos hídricos. Também funcionam
como filtro para as águas da chuva que não foram absorvidas pelo solo, agindo como um filtro de
escoamento superficial, impedindo ou dificultando a ação dos agentes poluentes como defensivos
agrícolas, sedimentos e resíduos. Impedem erosões das margens, coíbem inundações e enchentes,
evitam o assoreamento dos corpos hídricos (com isso garantindo a constância do volume de água que
abastece as populações, viabiliza a navegação e a geração de energia e irrigação). A mata ciliar também
garante o povoamento da fauna silvestre e aquática, a maior reprodução da flora e o controle da
temperatura, proporcionando um clima mais ameno. Sobre a questão: FINK; PEREIRA, Vegetação de
preservação..., p.77-90. ARFELLI, Amauri. Áreas verdes e de lazer: considerações para sua
compreensão e definição na atividade urbanística de parcelamento do solo. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, n. 33, p. 42-44, jan./mar. 2004. FREITAS, Matas ciliares. BRAGA, Rodrigo
Bernardes. Parcelamento do solo urbano: doutrina, legislação e jurisprudência de acordo com o novo
Código Civil. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2004, p. 55.
Se considerar-se que a degradação das matas ciliares e a impermeabilização das áreas de várzea
constituem talvez os principais geradores de enchentes e inundações nas cidades, chegar-se-á à
conclusão de que o descumprimento do disposto no art. 2o, par. único, do Código Florestal, nas áreas
urbanas, acarreta um custo social elevadíssimo para os cofres públicos e sacrifícios incomensuráveis
para a população atingida. FIGUEIREDO, A propriedade..., 221.
48
Nessa linha: MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Da proteção jurídico-ambiental dos recursos hídricos. São
Paulo: LED, 2001, p. 183-184.
49
Essa a conclusão de MAGRI, Ronald Vitor Romero; BORGES, Ana Lúcia Moreira. Vegetação de
preservação permanente e área urbana: uma interpretação do parágrafo único do art. 2° do Código
Florestal. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 2, abr./jun. 1996.
50
Sobre o tema, ver item 1.2.
16

competência da União e dos Estados para legislar concorrentemente sobre


direito urbanístico. Já o art. 30 diz que compete aos Municípios legislar sobre
assuntos de interesse local (inc. I), suplementar a legislação federal (inc. II),
promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano (inc. VIII). Das regras constitucionais de competência, combinadas,
ainda, com o art. 225 da CF, conclui-se que os Municípios somente podem
legislar em matéria ambiental sobre assuntos de interesse local, atendendo às
diretrizes gerais estabelecidas na legislação federal e estadual, podendo
estabelecer regras específicas mais rígidas, mas nunca mais liberais que as
normas federais e estaduais. Assim, o respeito aos limites e princípios
estabelecidos pelo Código Florestal deve ser interpretado como a
impossibilidade legal de que os Municípios tornem mais flexíveis os parâmetros
estabelecidos na lei federal 51 . Consoante assevera Ana Maria Moreira
Marchesan 52 , os Municípios podem e devem legislar em matéria de
zoneamento urbano-ambiental, mas jamais para reduzir a proteção já
alcançada pela lei federal ou estadual. Se, no exercício da sua competência
concorrente e suplementar, resolverem enfrentar o tema das áreas de
preservação permanente em meio urbano, não poderão trabalhar com limites e
definições menos protetivos que os já eleitos pela Lei Federal n.° 4.771/65,
assim como não poderão autorizar empreendimentos que causem danos às
áreas de preservação permanente, salvo as hipóteses legais.
De tudo, pode-se concluir que as leis e políticas de uso do solo dos
Municípios, no que se referem às áreas de preservação permanente, terão
que observar
os princípios e limites previstos no art. 2o do Código Florestal, conforme
determinação de seu parágrafo único.
Estabelecida esta premissa, pode-se responder aos questionamentos
acerca da delimitação e proteção das áreas de preservação permanente em
área urbana, no tocante aos loteamentos e desmembramentos do solo.
Não há qualquer dificuldade em reconhecer-se a aplicabilidade do
Código Florestal para as áreas de preservação permanente no topo dos
morros, montes, montanhas e serras; nas encostas com declividade superior a
45%; nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
nas bordas dos tabuleiros ou chapadas; em altitude superior a 1800metros;
cobertas ou não por vegetação nativa, cuja imodificabilidade deverá ser
respeitada. A Resolução do CONAMA n.° 303/2002, no seu art. 3°,
regulamentou o art. 2o do Código Florestal no que tange às faixas de proteção
dessas encostas, não havendo qualquer conflito aparente de norma (a Lei n.°
6.766/79 nada prevê sobre estas).
A controvérsia cinge-se à delimitação das áreas de preservação
permanente ao longo e ao redor dos corpos hídricos, em face do conflito
aparente de normas. O art. 2o, alínea ‘a’, do Código Florestal, estabelece
restrições maiores que o art. 4o, inc. III, da Lei n.° 6.766/79, em relação às

51
ANTUNES, Direito ambiental, p.254. No mesmo sentido: AKAOUI, Apontamentos acerca..., p. 287.
Também: FREITAS, Matas ciliares. Na lição de Paulo José Leite Farias, na dúvida sobre a norma a ser
aplicada, na hipótese de mais de um ente, de diferente hierarquia, legislar sobre o mesmo tema, deve
entrar em cena o princípio do in dubio pro ambiente, segundo o qual deve prevalecer a norma que mais
proteja o meio ambiente. FARIAS, Competência federativa..., p. 430.
52
MARCHESAN, As áreas de preservação...
17

faixas marginais de cursos d’água que atravessam perímetro urbano. Enquanto


esta faz alusão à área non aedificandi de 15 metros no entorno das margens
de águas correntes (rios, arroios, etc.) e dormentes (lagoas, açudes,
reservatórios naturais e artificiais, etc.), o Código Florestal fixa um mínimo de
30 metros para as áreas de preservação permanente ao longo dos rios e
cursos d’água, e, para as áreas ao redor dos corpos hídricos dormentes, não
fez menção à metragem. A não fixação desta metragem levou o CONAMA a
regulamentar o dispositivo, através da Resolução n.° 303/02, art. 3o, inc. III, ‘a’,
que esclareceu que essa área de preservação permanente será de 30 metros
ao redor de lagos e lagoas naturais situados em áreas urbanas.
Havendo divergência de limites métricos das faixas marginais a serem
preservadas em zonas urbanas, estabelecidos pelo Código Florestal e pela Lei
do Parcelamento do Solo Urbano, qual dos limites deve prevalecer?
Além das diretrizes já expendidas anteriormente, acrescenta-se que a
Lei n.° 7.803/89, que alterou o Código Florestal e manteve os 30 metros de
faixa marginal (instituídos pela Lei n.° 7.511/86), é posterior à Lei n.° 6.766/79,
de modo que, observando os preceitos reguladores do direito intertemporal, a
doutrina majoritariamente sustenta ter sido derrogado o art. 4o, inc. III, da Lei
n.° 6.766/79, no tocante às áreas de preservação permanente no entorno dos
corpos hídricos, permanecendo a restrição de 15 metros para o entorno das
faixas de domínio público estabelecida pela lei do parcelamento do solo 53 .
Concluímos, pois, que os planos diretores, as leis de uso do solo e os
atos administrativos (declarações de condição de ocupação do solo, licenças,
aprovações de projetos) que autorizem a implantação de loteamentos e
desmembramentos urbanos devem adequar-se às restrições impostas pelas
normas ambientais, devendo respeitar a metragem de mínima de 30 metros
(que pode ser maior, conforme a largura do corpo hídrico) de preservação das
áreas situadas ao longo ou ao redor dos corpos hídricos correntes e dormentes
(rios, lagos, lagoas, arroios, etc.), aplicando-se, in casu, o Código Florestal (art.
2o, ‘a’ e ‘b’- este regulamentado pela Resolução n.° 303/02 do CONAMA, art.
3o, inc. III, ‘a’). A metragem de 15 metros estabelecida na Lei n.° 6.766/79
servirá para balizar somente a reserva mínima de área non aedificandi ao longo
das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias.
Essa conclusão pela incidência das restrições ambientais se dá, acima
de tudo, porque as normas urbanísticas – que visam à organização dos
espaços urbanos – não são suficientes para assegurar a sadia qualidade de
vida aos moradores das zonas urbanas. A expansão das cidades tem atingido
as proximidades das áreas de preservação que são de vital importância para a
manutenção do equilíbrio ecológico do meio onde vive a população. Fernando
Reverendo Vidal Akaoui assevera que os maiores problemas enfrentados com
o parcelamento do solo urbano dizem respeito à intervenção nas margens de
curso d’água, uma vez que as cidades passaram a se aproximar de tal forma
dos rios, e os loteamentos a abranger estas áreas, que o desrespeito passou a
ser uma realidade cotidiana das cidades brasileiras 54 . Nesse ponto, importante
destacar que o grande problema do futuro próximo será a escassez de água,
em face da degradação das condições dos corpos hídricos, que,
comprometidos em razão da remoção das matas ciliares, do lançamento de

53
Nesse sentido: BRAGA, Parcelamento..., p. 54-55. Também: FIGUEIREDO, A propriedade..., p. 218-
235.
54
AKAOUI,. Apontamentos acerca..., p. 286.
18

poluentes domésticos, industriais e rural-agrícolas, não se prestarão à


captação de água para tratamento e consumo humano. Portanto, a restrição
consistente na manutenção da faixa non aedificandi de preservação
permanente, ao longo de qualquer corpo d’água, que recairá sobre o
parcelamento do solo para fins urbanos, é necessária para a preservação do
meio ambiente natural e para a qualidade de vida das populações. Assim, o
desenvolvimento urbano sustentável das cidades deve, necessariamente,
respeitar os limites ecológicos.
Sob esse prisma passa-se a analisar a proteção das áreas de
preservação permanente. A limitação em relação a estas áreas consiste na sua
imodificabilidade, existindo restrição ao direito de construir 55 , não meramente
por interesse urbanístico, mas por razões ambientais e de equilíbrio ecológico,
como já dito alhures.
A intangibilidade das áreas de preservação permanente não é
absoluta 56 , porquanto o Código Florestal, com a redação dada pela Medida
Provisória n.° 2.166-67/2001 57 , prevê a excepcional possibilidade de supressão
de vegetação em áreas de preservação permanente, quando necessária à
execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou
interesse social (assim definidos no art. 1o, §2o, inc. IV e V 58 ), quando inexistir
alternativa técnica e locacional 59 .

55
O art. 1o do Código Florestal dispõe que todas as formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às
terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os
direitos de propriedade com as limitações que a legislação estabelece. Assim, o direito de usar e fruir a
propriedade pública ou particular – que difere do direito de construir – deve observar as restrições
legais quanto à supressão de vegetação e às edificações, estando o direito limitado pela função sócio-
ambiental da propriedade e pelo bem estar da coletividade.
56
No âmbito do Rio Grande do Sul, o Código Estadual de Meio Ambiente (Lei n.º 11.520/2000), no art.
14, inc. IX, considera as APPs privadas de qualquer regime de exploração direta ou indireta dos
recursos naturais, sendo apenas admitida com prévia autorização do órgão ambiental competente
quando for necessária à execução de obras, planos, atividades, ou projetos de utilidade pública ou
interesse social, após a prévia realização de estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e relatório de
impacto ambiental (RIMA). Presente a hipótese de utilidade pública ou interesse social, o órgão
ambiental competente poderá autorizar a supressão de vegetação, eventual e de baixo impacto
ambiental, em APP, e deverá indicar as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser
adotadas pelo empreendedor público ou particular.
57
Esta medida provisória está em vigor por força da Emenda Constitucional n.° 32/2001, que dispôs que
as MPs editadas em data anterior à da publicação da emenda continuam em vigor até que medida
provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.
58
Art. 1o – [...]
§2o - Para os efeitos deste Código, entende-se por:
IV – Utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e
energia;
c) demais obras, planos, atividades ou projetos em resolução do CONAMA.
V – Interesse social:
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integralidade da vegetação nativa, tais como:
prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de
plantio com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA;
b) as atividades de manejo agro-florestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse
rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da
área;
c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA.
59
Não há livre poder discricionário – baseado em juízo de conveniência e oportunidade – da
Administração Pública para reconhecer as hipóteses de utilidade pública ou interesse social que
19

O parcelamento do solo urbano, contudo, não está elencado no


Código Florestal como hipótese de utilidade pública ou interesse social
autorizativa da alteração e ocupação de área de preservação permanente.
O art. 3o, par. único, inc. V, da Lei n.° 6.766/79, dispõe que não será
permitido o parcelamento do solo urbano em áreas de preservação ecológica –
que abrangem as áreas de preservação permanente, como já dito alhures.
Eventual licença que autorizasse a implantação de loteamento em área
de preservação permanente seria nula de pleno direito nos termos da ordem
jurídica vigente 60 .

3 REQUISITOS URBANÍSTICOS

O art. 4o da Lei n.° 6.766/79 estabelece os requisitos mínimos que um


loteamento deve conter. O art. 2o da mesma lei diz que o parcelamento do solo
urbano “poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento,
observadas as disposições desta lei”, e o art. 11 determina que devem ser
aplicadas ao desmembramento, “no que couber, as disposições urbanísticas
vigentes para as regiões em que se situem, ou, na ausência destas, as
disposições para os loteamentos”. Assim, salvo havendo disposições diversas
para loteamentos e desmembramentos em legislação estadual ou municipal, os
requisitos urbanísticos do art. 4o devem ser observados em qualquer forma de
fracionamento que caracterize parcelamento do solo para fins urbanos 61 .
Evidentemente, nem todos os requisitos serão exigidos para o
desmembramento ou desdobro, porque estes são, na verdade,
refracionamento de lotes decorrentes de loteamento, e já possuem, por ex.,
sistema de circulação (que é justamente o que os diferencia do loteamento).
Além disso, o loteamento original onde será executado esse refracionamento
pode já ter o percentual de área pública destinada conforme exigência da lei.
Mas não podem ser dispensadas as exigências de infra-estrutura básica,
dimensão dos lotes e reserva de áreas non aedificandi no imóvel objeto de
desmembramento ou desdobro.
O inc. I do art. 4o da Lei n.° 6.766/79 encerra as áreas destinadas ao
sistema de circulação, à implantação de equipamentos urbanos e comunitários,
bem como os espaços livres de uso público, que deverão ser proporcionais à
densidade da ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei
municipal para a zona em se situem. 62

autorizem a alteração de área de preservação permanente. Há, in casu, o que a doutrina chama de
‘discricionariedade técnica imprópria’, em que a lei usa termos que dependem da manifestação dos
órgãos técnicos, cabendo ao administrador, face aos critério técnicos, a adoção de uma única solução
juridicamente válida para o caso concreto. A discricionariedade da interpretação da adequação do caso
concreto aos conceitos indeterminados está limitada pelos estudos técnicos e pelo princípio da
legalidade, que vincula o administrador aos dispositivos legais. Assim, o ato administrativo que declara
a utilidade pública ou o interesse social do empreendimento fica sujeito ao controle judicial.
60
CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz. Licenciamento ambiental irregular em áreas de
preservação permanente. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v.27, p.299, jul./set. 2002.
61
Sobre a questão, ver item 2, que trata das formas de parcelamento do solo: loteamento,
desmembramento e desdobro.
62
A Lei Estadual n.° 10.116/94 refere, no art. 2o, que deverão ser observadas pelo Estado do Rio Grande
do Sul e pelos Municípios as diretrizes ali elencadas para promoção do desenvolvimento urbano, entre
elas o controle do uso e ocupação do solo de modo a evitar densidades inadequadas aos equipamentos
20

3.1 Áreas institucionais

Parte da gleba onde será implementado o parcelamento para fins


urbanos deve ser destinada aos fins coletivos e institucionais exigidos pelo
Poder Público, com o escopo de satisfazer a função social da propriedade
imóvel. São as chamadas áreas institucionais, que José Carlos de Freitas
definiu como “todo espaço público de loteamento destinado ao sistema de
circulação, à implantação de equipamentos urbanos e comunitários, áreas
verdes, espaços livres de uso público, vias, praças e jardins e áreas destinadas
a edifício públicos” 63 .
A Lei n.° 6.766/79 previa, originariamente, no §1o do art. 4o, uma
proporcionalidade mínima dos espaços de uso público, estabelecendo em 35%
da totalidade da gleba a parte que deveria ser destinada para este fim e
transferida ao domínio do poder público. Esta disposição foi alterada pela Lei
n.° 9.785/99, que deu nova redação ao §1o, estabelecendo que caberá à
legislação municipal definir, para cada zona em que se divida o Município, os
usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo,
que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas dos lotes e os
coeficientes máximos de aproveitamento.
A Lei Estadual n.° 10.116/94 prevê, no art. 20, que a percentagem
destinada ao sistema viário e à implantação de equipamentos urbanos e
comunitários será proporcional às densidades populacionais previstas para a
gleba, nunca inferior a 35% da mesma, salvo nos loteamentos para fins
industriais cujos lotes forem maiores do que 15.000m2, caso em que a
porcentagem poderá ser reduzida. 64 Considerando que a destinação de áreas
institucionais é requisito urbanístico – que pode ser simplificado por lei
municipal para os casos de parcelamentos de interesse social 65 ou de

urbanos e comunitários instalados ou previstos (inc. X, ‘c’) e a adoção de padrões de equipamentos


urbanos e comunitários consentâneos com a realidade sócio-econômica local e regional (inc. XII).
63
FREITAS, José Carlos de. Bens públicos de loteamentos e sua proteção legal. Revista de Direito
Imobiliário, São Paulo, v.46, p.186.
64
É inegável que, com a instalação de distrito industrial, à medida que as oportunidades de emprego vão
se deslocando para fora da zona central urbana, há tendência natural de o operariado que exerce
atividade nas indústrias construir suas moradias nas proximidades, em razão do custo mais baixo de
moradia em locais mais afastados e também com o objetivo de obter transporte mais rápido e mais
barato – até porque, atualmente, uma das condições estipuladas pelas empresas para contratação é
residir próximo ao local de trabalho, dado o alto custo dos encargos sociais com os empregados,
especialmente relativo ao transporte. Assim, o fim inicialmente colimado de criação de uma zona
estritamente industrial muitas vezes cai por terra. Por isso, a faculdade de o Poder Público diminuir as
proporções de áreas de uso público deve ser utilizada de forma cautelosa, a fim de evitar a
superveniência de adensamento demográfico em torno do núcleo industrial sem condições favoráveis à
moradia habitual. Ao examinar a possibilidade de reduzir a proporcionalidade das áreas institucionais
em loteamentos, deverá o Poder Público exigir que o memorial descritivo dos lotes especifique com
precisão o fim (industrial) a que se destinam e as dimensões dos mesmos (não inferiores a 15.000m2) e
atentar para as peculiaridades do caso concreto, a fim de aferir se existe risco de instalação de moradias
nas proximidades.
65
A instituição de zonas ou áreas especiais de interesse social (ZEIS ou AEIS) pelo Poder Público é
necessária para possibilitar a aprovação do parcelamento do solo com padrões urbanísticos especiais,
sobretudo em casos de regularização fundiária de loteamentos clandestinos ou irregulares e de
assentamentos informais. Isso possibilita a aprovação do loteamento sem que o mesmo apresente
percentual mínimo de áreas públicas, já que muitas áreas irregulares (já ocupadas) não apresentam
condições de reservar locais para parques e equipamentos comunitários.
21

regularização fundiária –, nestas hipóteses pode haver redução da


porcentagem de área a ser transferida para o Poder Público.
Essas áreas destinadas a fins coletivos (logradouros públicos: vias de
circulação, praças, áreas verdes, etc.) são transferidas pelo loteador ao Poder
Público, procedimento denominado pela doutrina como ‘concurso voluntário’ 66 ,
em que o loteador propõe e a Administração Pública, com a aprovação do
projeto de parcelamento, aceita a transferência ao Município do domínio e
posse dos espaços públicos. O parcelador perde uma parte de sua
propriedade, mas recebe, em contrapartida, uma parte da cidade, na medida
em que a área bruta e isolada que lhe pertencia passa a integrar a malha
urbana. A transferência dessas áreas públicas pode parecer, à primeira vista,
uma forma de aquisição compulsória da propriedade pelo Município, mas
importa uma mais valia auferida pelo parcelador em virtude de obras e serviços
públicos proporcionados pelo Poder Público, como o recolhimento de resíduos,
a segurança pública, o atendimento à saúde dos moradores 67 .
A incorporação das áreas de interesse público ao patrimônio municipal
se dá por determinação legal 68 , por força do art. 22 da Lei n.º 6.766/79, in
verbis:

Art. 22 – Desde a data do registro do loteamento, passam


a integrar o domínio do Município as vias e praças, os
espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos
e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e
do memorial descritivo.

Não se faz mister o registro do parcelamento para que sejam


incorporados ao patrimônio do Município esses bens de uso comum do povo,
decorrentes da urbanização de áreas particulares. O registro é exigível para
fins de alienação de lotes, mas não é requisito para tornar públicos os espaços
livres, não sujeitos às normas de direito civil e às exigências de comercialidade
dos bens particulares 69 . A aprovação do parcelamento, ou a destinação
possibilitando o uso comum de todos, faz públicos os espaços livres, tornando-
os inalienáveis, não passíveis de ação reivindicatória 70 .
Nos empreendimentos regulares, a materialização do concurso
voluntário tem início com a indicação, pelo parcelador, das áreas a serem
destinadas ao uso público, ou seja, com a apresentação do projeto de
parcelamento, no qual estão apontadas as áreas a serem afetadas ao uso
público quando da execução do empreendimento. A perfectibilização da

66
DALLARI, Adilson Abreu. Parcelamento do solo – Desmembramento – Concurso voluntário.
Cadernos de Direito Municipal, São Paulo, v. 98, abr./jun. 1991.
67
BRAGA, Parcelamento..., p. 16-17.
68
Os bens públicos podem ser adquiridos pelas formas próprias do direito privado (compra e venda,
permuta, usucapião, etc.) ou pelas vias peculiares do direito administrativo – desapropriação,
perdimento de bens (art. 243 da CF) ou determinação legal. A determinação legal é a transferência
automática do bem para o patrimônio público, em decorrência de lei, como no caso dos espaços livres
em loteamentos. O reconhecimento da determinação legal como modo de aquisição da propriedade de
bem público é aplicação do princípio do concurso voluntário.
69
MEIRELLES, Hely Lopes. Loteamento fechado e condomínio deitado. apud CASTRO, José Nilo.
Direito municipal positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p. 156.
70
Nesse sentido: Ap. 60212-1, 6ª Câmara Cível TJSP, j. em 30.05.85 (RT 600/67); Ag. Pet. 66575, 2ª
Câmara cível TASP, j. em 06.04.64 (RT 359/425).
22

incidência ocorre com a aceitação pelo Município do projeto de parcelamento, e


por conseguinte das áreas afetadas ao uso público, o que ocorre com o ato de
aprovação. Se no decorrer do processo de execução do parcelamento há
desvirtuamento do projeto ou qualquer outra questão praticada pelo parcelador
que o torne irregular, não se pode pretender que o concurso voluntário não
tenha ocorrido. Isso porque a sua incidência inicia com a manifestação de
vontade de fazer o parcelamento, indicando, para tanto, as áreas institucionais.
Ademais, ele opera tanto no plano teórico (indicação no projeto antes da
execução do parcelamento) quanto no plano dos fatos (abertura das vias,
destinação de área de praça, etc.), pois o que visa resguardar é a afetação
pública dos bens de uso comum do povo. Disso conclui-se que também opera
o concurso voluntário nos parcelamentos clandestinos. Com a definição física
do parcelamento, a abertura de vias, a demarcação de lotes, mesmo sem a
aprovação do respectivo projeto, a simples existência fática dos espaços de
uso público faz incidir o concurso voluntário, ocorrendo a incorporação de
caráter público a estas áreas. Nesta hipótese o parcelador manifesta a sua
vontade, dando início ao concurso voluntário, com a materialização do
parcelamento de fato, seja abrindo vias, seja alienando lotes. A existência de
fato do loteamento ilegal gera a incidência da norma (determinação legal do
concurso voluntário) e a afetação dessas áreas de uso comum do povo. Não
reconhecer a incidência do concurso voluntário nos parcelamentos
clandestinos e irregulares e exigir o registro do loteamento para tornar públicos
os espaços institucionais seria privilegiar o infrator, aquele que age ao arrepio
da lei. 71 O art. 43 da lei n.º 6.766/79 reporta-se indiretamente à questão,
contemplando exatamente esse entendimento, ao estabelecer que também nos
loteamentos não aprovados (clandestinos) a destinação das áreas públicas
exigidas no art. 4º, inc. I, não pode ser alterada.
Esses espaços institucionais são dotados de indisponibilidade 72 , por
constituírem parte do loteamento destinada à satisfação do interesse público,
especialmente no âmbito comunitário do bairro.
O art. 2o, §5o, da Lei n.° 6.766/79, contempla que parte das áreas
institucionais deve ser reservada para a implantação da infra-estrutura básica,
que abrange equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais,
iluminação pública, redes de esgoto sanitário 73 e abastecimento de água
potável, de energia elétrica pública e domiciliar e as vias de circulação
pavimentadas ou não.

71
Os infratores não podem alegar em seu benefício a própria torpeza. Assim, se implantaram loteamento
clandestino ou irregular, não podem alegar que a área verde lhes pertence e por isso têm o direito de
reivindicá-la ou exigir eventual indenização do Poder Público.
72
Os bens públicos são dotados de características próprias, sendo legalmente impenhoráveis,
imprescritíveis e inalienáveis. É por este motivo que não há reconhecimento de atos possessórios sobre
bem público, ocorrendo mera detenção naqueles casos em que os mesmos são irregularmente ocupados
por terceiros.
73
Esta exigência é atenuada para os parcelamentos de interesse social, assim definidos por lei municipal,
nos quais é admitida solução menos onerosa de esgotamento sanitário – o chamado esgotamento
primário ou sistema de esgoto individual, que consiste na instalação de fossa séptica, sumidouro e
filtro anaeróbio por cada adquirente ou ocupante, em seu respectivo lote, com obediência aos
parâmetros e recomendações da NBR 7.299/93 da ABNT: a distância entre qualquer poço de captação
de água e qualquer sumidouro ou vala de infiltração não poderá ser inferior a 30 metros. Sobre a
questão: PINTO, Victor Carvalho. O parcelamento do solo urbano e a Lei n.° 9.785/99. SAULE
JÚNIOR., Nelson (Coord.). Direito à cidade. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 244. Também:
AMADEI; AMADEI, Como lotear uma gleba..., p. 42.
23

3.1.1 Sistema interno de circulação

O sistema interno de circulação da gleba loteada é necessário para dar


acesso aos adquirentes aos seus respectivos lotes e ao restante da área do
Município. Essa exigência é atendida com a abertura de ruas internas e a
ligação delas às vias públicas de circulação do Município (existentes ou
projetadas).
A largura dessas vias internas deverá ser adequada à intensidade do
tráfego (de pessoas e veículos) que receberá em razão do tipo de edificação a
que os lotes se destinarão e, também, para garantir o arejamento e ventilação
da área interna do loteamento. Nesse ponto, destaca-se que, quanto maior a
área dos lotes, menor a área exigida do loteador para fins coletivos.
O traçado da rede de circulação interna do loteamento deverá, ainda,
articular-se com a rede oficial já existente ou planejada (largura e forma dos
espaços – xadrez ou radial circular) e harmonizar-se com a topografia local (art.
4o, inc. IV) 74 .
A Lei Estadual n.° 10.116/94 estabelece que os padrões de
urbanização para o sistema viário obedecerão aos requisitos previstos na
legislação municipal quanto à largura dos passeios, faixas de rolamento, tipo
de pavimentação, sinalização.

3.1.2 Equipamentos urbanos

A parte da gleba que deverá ser destinada a equipamentos urbanos


servirá para a implantação da infra-estrutura de abastecimento de água,
serviço de esgoto, energia elétrica e coleta de águas pluviais, com o objetivo de
tornar o local viável para abrigar o contingente populacional que ocupará os
lotes.
Existe um aparente conflito entre o disposto no art. 2°, §5°, e no art.
18, inc. V, da Lei n.° 6.766/79. Enquanto o art.2o, §5o, traz o conceito de infra-
estrutura básica de um loteamento, definindo que são os equipamentos
urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, redes de
esgoto sanitário e abastecimento de água potável, de energia elétrica pública e
domiciliar e as vias de circulação pavimentadas ou não, o art. 18, inc.V, trata
das obras mínimas para possibilitar o registro do projeto e as vendas dos lotes,
dizendo que o pedido de registro do parcelamento deve ser instruído com
“comprovante do termo de verificação pela Prefeitura Municipal da execução
das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a
execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes,
quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais” ou
cronograma com a duração máxima da execução de todas as obras do
loteamento. Este último dispositivo não menciona explicitamente as redes de
abastecimento de água, esgoto sanitário e energia elétrica.

74
COUTO, Manual prático..., p. 60-63.
24

Toda a infra-estrutura básica deve ser implementada no loteamento. A


se entender de outra forma, seria admitir a ocupação dos lotes sem rede de
esgoto, abastecimento de água potável e de energia elétrica, situação que
acarreta toda sorte de riscos à segurança, à saúde dos moradores e ao meio
ambiente, decorrentes de inevitáveis ligações clandestinas de fios, diretamente
das casas à rede elétrica mais próxima, a produção e despejo de esgoto in
natura a céu aberto, no leito das ruas ou em cursos d’água próximos, como
também a captação de água em poços escavados sem critérios técnicos e sem
condições de higiene e segurança (próximos a fossa de habitações vizinhas,
por exemplo).
A diferença entre os dois dispositivos que aparentemente conflitam
está no momento em que as obras deverão ser entregues (e não em quais
obras são de responsabilidade do loteador). As obras mínimas devem estar
executadas quando do registro do projeto do parcelamento, mediante
apresentação do termo de verificação das obras, e as demais quando da
execução total do parcelamento. 75
Consoante a lição de José Carlos de Freitas 76 , as obras de infra-
estrutura básica (art. 2°, §5°) só podem ser da responsabilidade do loteador,
tendo em vista que: a) é ele quem está transformando uma gleba inabitada em
local adensável, portanto, dando causa à implantação de um núcleo
habitacional; b) ele é quem auferirá lucro com o empreendimento, e não o
Município, que ainda terá que suportar o ônus da prestação de serviços
públicos primários (coleta de lixo, limpeza urbana, transportes, manutenção de
vias e áreas públicas, etc.); c) o prazo para execução das obras, com a edição
da Lei n.° 9.785/99, dobrou de dois para quatro anos, como compensação
pelas obras acrescidas por essa lei (seria fora de propósito que o loteador
tivesse quatro anos somente para fazer terraplanagem, abrir ruas, demarcar
lotes e assentar sarjetas); d) se para os parcelamentos localizados em zonas
habitacionais de especial interesse social as obras consistirão no mínimo
daquelas elencadas no art. 2°, §6° (vias de circulação, escoamento de águas
pluviais, rede de abastecimento de água e soluções para esgotamento sanitário
e energia elétrica domiciliar), é evidente que para os parcelamentos comuns as
demais obras são obrigatórias para o loteador; e) as obras básicas previstas no
art. 2°, §5°, compõem o lote urbanizado, produto final do processo de
parcelamento, e assim devem ser entregues até o prazo máximo de quatro
anos ao adquirente. 77

75
De qualquer modo, em se tratando de processo formal de parcelamento do solo (e não de regularização
de área já ocupada), os lotes, embora possam ser vendidos após o registro do projeto, somente se
encontrarão aptos a receber edificações e, por conseqüência, a devida ocupação pelos moradores, após
toda a infra-estrutura básica (art. 2°, §5°) efetivamente executada. Compete aos Municípios refrear as
construções e ocupações antes disso, mediante rigoroso processo de fiscalização. A Prefeitura
Municipal não pode emitir ‘habite-se’ às edificações e admitir a ocupação dos lotes sem rede de esgoto,
de água potável e de energia elétrica.
76
FREITAS, José Carlos de. Comentários à Lei n.° 9.785/99, sobre as alterações introduzidas na Lei n.°
6.766/79. Monografia (Especialização em Interesses Difusos e Coletivos) – Escola Superior do
Ministério Público do Estado de São Paulo, São Paulo, 1998.
77
Em sentido contrário: Sérgio Frazão do Couto anota que, se a legislação municipal não estabelecer de
forma diversa, ao loteador caberá apenas a obrigação de executar as obras mínimas previstas no art. 18,
inc. V, da Lei n.° 6.766/79. Afora estas, a implantação do restante da infra-estrutura básica (redes de
energia elétrica, abastecimento de água e coleta de esgoto) caberia ao Poder Público. Diz ele que o
Poder Público tem a obrigação de colocar à disposição dos munícipes os serviços de utilidade pública
necessários à vida em comunidade. Para tanto, cobra impostos, taxas, contribuições de melhoria,
25

No âmbito do Rio Grande do Sul, a Lei Estadual n.° 10.116/94, no art.


21, estabelece que “é obrigatória a implantação de equipamentos para o
abastecimento de água potável, energia elétrica e iluminação pública,
esgotamento pluvial e sanitário, bem como pavimentação e tratamento
paisagístico dos logradouros públicos”, podendo a lei municipal simplificar
estes requisitos para parcelamentos de interesse social ou de regularização
fundiária, estabelecendo, por ex., que a pavimentação das ruas seja com
saibro ao invés de asfalto e que o sistema de esgotamento sanitário seja
individual (com fossa séptica, sumidouro e filtro anaeróbio) ao invés de sistema
de tratamento. De qualquer forma, tais obras são encargo do loteador 78 .
Por força do princípio da função social da propriedade, de que decorre
o dever de agir do proprietário na forma de comportamentos ativos na direção
do proveito social, é o parcelador obrigado a fazer as obras de infra-estrutura,
que são de interesse social. O particular, quando implanta um parcelamento do
solo urbano, “exercendo uma atividade que pertence ao Poder Público, qual
seja, a de oferecer condições de habitabilidade à população urbana”, está
agindo em nome próprio, no interesse próprio e por seu risco, consoante anota
José Afonso da Silva 79 . A atividade de divisão do solo urbano e sua
urbanização para ocupação é essencialmente pública, mas, se tomada para si
pelo proprietário privado, deve este cumprir a função social da propriedade e
realizar as obras necessárias à habitabilidade da área, considerando que não
pode apenas apropriar-se do bem para atender à satisfação do seu lucro, mas
deve agir de modo a agregar um benefício à coletividade urbana 80 .
E se o loteador deixar de cumprir sua obrigação de realizar as obras
que lhe competem? O art. 38 da lei n.° 6.766/79 prevê que, nestes casos, pode
qualquer adquirente de lote (art. 38, caput), o Município ou o Ministério Público
(art. 38, §2o) notificar o loteador para satisfazer a obrigação. Persistindo a
mora, poderá a Municipalidade tomar compromisso de ajustamento do loteador
ou promover as obras para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento
urbano e na defesa dos adquirentes de lotes, cabendo-lhe, neste caso, o
ressarcimento do que despender com os equipamentos urbanos que eram de
responsabilidade do loteador (arts. 38, §5o, 40 e 41). Os adquirentes dos lotes,
em caso de inexecução das obras que competem ao loteador – mesmo após a

preços, tarifas. Esses serviços nem sempre são prestados pela administração pública direta, mas por
intermédio de concessionárias de serviços. O próprio Poder Público estabelece monopólio para a
exploração de certos serviços (abastecimento de água, de energia elétrica, de telefonia, de transporte
público). Assim, é obrigado a colocar à disposição do consumidor os serviços que explora através das
concessionárias, até porque o simples fato de colocá-lo à disposição do consumidor gera, em
contrapartida, a cobrança de taxas, mesmo que deles não se utilize o contribuinte. Quando o Poder
Público aprova um loteamento e recebe uma parcela da gleba para integrar o seu patrimônio, está se
obrigando a cumprir sua parte na bilateralidade, devendo dotar a área parcelada dos serviços
necessários, inclusive conservação dos logradouros públicos, limpeza das ruas, segurança pública,
recolhimento de resíduos urbanos, por si ou por suas concessionárias. COUTO, Manual prático..., p.
66-70.
78
O loteador pode repassar o custo das obras aos adquirentes, embutido no preço dos lotes urbanizados,
mas jamais repassar o encargo de execução das obras.
79
SILVA, Direito urbanístico..., p. 376, 562-563.
80
Consoante explicita Cristiane Derani, o sujeito, quando se apropria de parte do território, está agindo
para sua satisfação, e, assim, está imediatamente assumindo o ônus, perante a sociedade, de garantir o
equilíbrio do meio ambiente e o bem-estar social. A realização desse ônus configura a devida
destinação e utilização da propriedade, que dessa forma atenderá à função social. DERANI, A
propriedade..., p.68.
26

notificação, terão legitimidade ativa para demandá-lo judicialmente. Já o


Ministério Público terá legitimidade para, além da notificação prevista no art.
38, §2o, tomar compromisso de ajustamento de conduta do loteador às
exigências legais e/ou para demandá-lo judicialmente, pela via da ação civil
pública, para defesa dos direitos difusos à ordem urbanística e ao meio
ambiente sadio e equilibrado.
Nos processos de regularização de parcelamentos do solo irregulares,
o custeio das obras deverá ser suportado pelos ocupantes da área, através do
depósito das prestações do preço do lote urbanizado, inclusive quando a
regularização fundiária estiver sendo implementada pelo Município, pois, de
acordo com o art. 40 da Lei n.° 6.766/79, o Município deve buscar o
ressarcimento das importâncias despendidas com
equipamentos urbanos ou expropriações necessárias para a regularização da
área parcelada.
Questão que exsurge é: quando o Município executa obras dentro do
loteamento, o custo destas pode ser repassado de forma específica pela
Municipalidade aos adquirentes dos lotes? Se a obra realizada pela
Municipalidade era de competência do loteador (abertura de vias de circulação
e obras para drenagem das águas pluviais, por ex.), agiu em substituição a ele
e não em nome próprio. Essa obra era obrigação de terceiro. O ressarcimento
se dará na forma do art. 40 da Lei n.° 6.766/79, devendo o Município levantar
judicialmente as prestações depositadas pelos adquirentes dos lotes e exigir o
valor faltante do loteador. Se as obras executadas forem de natureza pública –
aquelas que competem ao Poder Público, como construção de praças ou
asfaltamento de vias, por exemplo – e proporcionarem valorização dos imóveis
a ela lindeiros, poderá lançar mão de pretensão tributária direta e exigir
contribuição de melhoria dos munícipes beneficiários das obras 81 .
Rodrigo Bernardes Braga 82 e Sérgio Jacomino 83 aventam a
possibilidade de o loteador repassar os custos – e não a obrigação – da
execução das obras de infra-estrutura para os adquirentes ou ocupantes dos
lotes, embasados em acórdão do Supremo Tribunal Federal 84 que decidiu pela
eficácia de cláusula contratual que estipulou o repasse dos custos das redes de

81
Nesse sentido: SOUZA NETTO, Marcelo Ferreira de. Contribuição de melhoria e loteamentos
irregulares. In: FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2001, p. 322-324.
82
BRAGA, Parcelamento..., p.42-43.
83
JACOMINO, Sérgio. Parcelamento do solo urbano, o consumidor e o registro imobiliário. In:
FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000, p. 269.
84
Ementa: “Direito civil. Loteamento do solo urbano (Lei n.° 6.766/79). Cláusula contratual que permite
o repasse de custos das redes de água e esgoto aos adquirentes dos imóveis. Validade. Inexistência de
vedação na lei. Recurso provido. I – A Lei n.° 6.766/79, que trata do parcelamento do solo urbano, não
veda o ajuste das partes no tocante à obrigação de custear redes de água e esgoto nos loteamentos,
sendo válida, portanto, cláusula contratual que preveja o repasse dos custos de tais obras aos
adquirentes dos lotes. [...] além das indicações que a lei prescreve como referências obrigatórias nos
contratos, podem as partes, dentro das possibilidades outorgadas pela lei de pactuar o lícito, razoável e
possível, convencionar outras regras que as obriguem”.(Resp n.° 43.735. 4a Turma do STJ. Rel. Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira. j. 12/11/96). No caso apreciado pelo STJ, a legislação municipal
prescreveu como ônus exclusivo do loteador a construção e o custeio das obras de redes de água e
esgoto, na consideração de que tais obras são básicas, e as razões do recurso pleiteavam que o custo
daquelas obras jamais poderia ser repassado aos adquirentes, porque seria ônus exclusivo do loteador.
Com acerto, o STJ entendeu como válido o repasse dos custos aos adquirentes dos lotes, porque não se
confundem a obrigação de execução das obras e de custeio das mesmas.
27

água e esgoto aos adquirentes dos imóveis, em função de inexistir, na Lei n.°
6.766/79, vedação a esta liberdade. Asseveram, nesse ponto, que o loteador
não pode transferir aos adquirentes de lotes a obrigação de executar as obras,
porque este dever – de ordem pública – não lhes compete, sob pena de
nulidade da cláusula. Contudo, o custeio da obra é questão de direito privado,
podendo ser objeto de convenção entre as partes. Perfilhamo-nos a este
entendimento, enfatizando que a obrigação de execução das obras e o repasse
do custeio são questões diversas, acrescentando-se que importante é verificar
a forma em que se dará dito repasse dos custos pelos consumidores (a forma
prevista na lei é através da sua integração e composição no preço do lote
urbanizado) e a que tempo (o loteador somente terá direito de exigir o
pagamento ou levantar as prestações dos adquirentes após cumprir a sua
obrigação de executar as obras) 85 . Todavia, conclui-se que é vedada a
indeterminação do preço do lote – o contrato deve prever exatamente os ônus
a que está sujeito o adquirente e as obras cobertas pelo preço
convencionado 86 .

3.1.3 Equipamentos comunitários

A parte da gleba destinada à implantação de equipamentos


comunitários é reservada para estabelecimentos educacionais, culturais, de
saúde, de lazer e similares (art. 4o, §2o, da Lei n.° 6.766/79), que devem ser
proporcionais à densidade de ocupação do loteamento.
A quem incumbe a implantação dos equipamentos comunitários? A Lei
n.° 6.766/79, ao estabelecer que esses espaços comunitários serão de domínio
público, não impõe ao loteador a obrigação de os construir. Exige-lhe apenas a
destinação do espaço necessário a esse fim. Autoriza a lei, pois, a concluir que
o encargo de implementá-los cabe ao Poder Público (assim entendidos
Município, Estado e União) 87 . Ademais, o Poder Público recolhe tributos, que
são justamente destinados para a execução das políticas públicas necessárias,
inclusive construção de escolas, postos de saúde, entre outros.

3.1.4 Áreas verdes e de lazer

A Lei n.° 6.766/79 não define o que sejam espaços livres de uso
público; apenas estabelece que sua dimensão também deve ser proporcional à
densidade de ocupação do loteamento.

85
Em verdade, dificilmente um empreendedor, hoje, tem condições de iniciar a venda dos lotes
posteriormente à execução de toda a infra-estrutura da área, pelo grande investimento que terá de fazer,
especialmente quando a lei municipal exige infra-estrutura completa (guia, sarjeta, pavimentação,
galerias de águas pluviais, redes de água, esgoto e energia elétrica, arborização das ruas e iluminação
pública), o que acontece em um grande número de Municípios.
86
Cumpre acrescentar que, se é possível o repasse dos custos das obras de infra-estrutura básica aos
adquirentes dos lotes, com mais razão podem ser ajustadas cláusulas, no contrato de compra e venda,
prevendo o repasse dos custos de obras outras suplementares, facultativas, úteis ou voluptuárias.
87
COUTO, Manual prático..., p. 72-74.
28

Entendem-se como espaços livres de uso público os espaços abertos


de domínio público destinados ao uso de todos os habitantes. Não se
confundem o sistema de circulação e as áreas destinadas a equipamentos
urbanos e comunitários (que também são de uso público). Sérgio Frazão do
Couto 88 anota que os espaços livres de uso público não têm destinação
específica, cabendo ao parcelador somente a reserva destes e ficando ao
arbítrio da Municipalidade determinar o fim que terão. Pontes de Miranda,
citado por José Afonso da Silva 89 , identifica-os como espaços de terra livres no
memorial e na planta, que podem ser destinados para praças e locais para
arborização.
Praças, parques, jardins públicos, áreas arborizadas e áreas verdes
estariam englobados no conceito de espaços livres. A cidade sustentável
colocou a exigência desses espaços não apenas destinados à ornamentação
do espaço urbano, mas como uma necessidade de lazer, recreação e de
defesa e recuperação do meio ambiente em face da degradação cada vez
maior do ambiente urbano.
As áreas verdes naturais e as áreas urbanizadas constituem barreiras
protetoras da dispersão dos ruídos e poeira, promovem a re-oxigenação do ar,
proporcionam um clima mais ameno, projetam sombra, minimizam os efeitos
da poluição atmosférica, desempenham papel na absorção das chuvas. As
áreas verdes caracterizam-se pela continuidade e predominância da cobertura
vegetal, o que as distinguem das áreas que tiveram arborização como
elemento acessório (ex: alamedas, canteiros de avenidas), inobstante ambas
proporcionem o equilíbrio ambiental, a ornamentação urbana e o
sombreamento 90 .
Amauri Chaves Arfelli destaca que as áreas verdes, embora também
tenham a finalidade de defesa do meio ambiente, têm vocação voltada para o
lazer, o que leva muitos Municípios, por ocasião da elaboração de leis de uso e
ocupação do solo ou da aprovação de projetos de loteamentos e
desmembramentos, a tratá-las equivocadamente como sinônimo das áreas non
aedificandi (áreas de preservação permanente, unidades de conservação,
áreas reservadas ao longo de rodovias e ferrovias). Contudo, nestas áreas em
que é vedada a edificação (e eventual intervenção, quando autorizada, é
mínima) não poderão ser construídos parques de recreação, praças, quadras
de esporte, etc., correndo o risco de privar o loteamento de áreas de lazer.
Assim, os Municípios que optarem por considerar as áreas de preservação
permanente, sobretudo as que incluem matas ciliares, devem garantir a
destinação de outras áreas para lazer e recreação 91 .

3.2 Áreas non aedificandi

O art. 4o, inc. III, da Lei n.° 6.766/79, estabelece como requisito
urbanístico a reserva de faixa non aedificandi ao longo e ao redor dos corpos

88
COUTO, Manual prático..., p. 75.
89
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, v. 18 - Parte Especial apud SILVA, Direito
urbanístico..., p. 262.
90
ARFELLI, Áreas verdes..., p.40-41.
91
ARFELLI, Áreas verdes..., p.46-49.
29

hídricos e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias. A questão já


fora exaustivamente abordada no item 3.3.1, cabendo apenas reafirmar que os
planos diretores, as leis de uso do solo e os atos administrativos (declarações
de condição de ocupação do solo, licenças, aprovações de projetos) que
autorizem a implantação de loteamentos e desmembramentos urbanos devem
adequar-se às restrições impostas pelas normas ambientais, devendo respeitar
a metragem de mínima de 30 metros (que pode ser maior, conforme a largura
do corpo hídrico) de preservação das áreas situadas ao longo ou ao redor dos
corpos hídricos correntes e dormentes (rios, lagos, lagoas, arroios, etc.),
aplicando-se, in casu, o Código Florestal (art. 2o, ‘a’ e ‘b’- este regulamentado
pela Resolução n.° 303/02 do CONAMA, art. 3o, inc. III, ‘a’). A metragem de 15
metros estabelecida na Lei n.° 6.766/79 servirá para balizar somente a reserva
mínima de área non aedificandi ao longo das faixas de domínio público das
rodovias e ferrovias. Quanto às dutovias, o licenciamento ambiental deverá
avaliar a necessidade de estabelecer faixa não edificável no seu entorno.

3.3 Dimensão dos lotes

O inc. II do art. 4o da Lei n.° 6.766/79 estabelece que os lotes terão


área mínima de 125m2 e frente mínima de 5 metros, salvo quando o
loteamento se destinar a urbanização específica (ex: distrito industrial) ou
edificação de conjuntos habitacionais de interesse social 92 , previamente
aprovados pelos órgãos públicos competentes. O §1o do art. 4o prevê a
possibilidade de legislação municipal estabelecer as áreas mínimas e máximas
dos lotes. O parágrafo deve ser interpretado de forma sistêmica, em
consonância com o caput (e seus incisos) do artigo. Além disso, a partir da
regra das competências estabelecidas na Constituição Federal, os Municípios
somente podem legislar sobre assuntos de interesse local, atendendo às
diretrizes gerais estabelecidas na legislação federal e estadual, podendo
estabelecer regras específicas mais rígidas, mas nunca mais liberais que as
normas federais e estaduais. Assim, concluímos que a legislação municipal
pode estabelecer outros padrões para os lotes, mas em consonância com a
legislação federal, ou seja, nunca inferiores a 125 m2 e 5m de frente (salvo as
exceções já mencionadas, previstas na Lei n.° 6.766/79).
A questão tem relevância sob a ótica ambiental, na medida em que a
densidade demográfica da gleba parcelada e os problemas ambientais serão
inversamente proporcionais à dimensão dos lotes. Quanto menor o tamanho
dos lotes, maior a quantidade destes dentro da gleba, e, por conseqüência,

92
A instituição de zonas ou áreas especiais de interesse social (ZEIS ou AEIS) pelo Poder Público é
necessária para possibilitar a aprovação do parcelamento do solo com padrões urbanísticos especiais,
sobretudo em casos de regularização fundiária de loteamentos clandestinos ou irregulares e de
assentamentos informais. Este instrumento garante que a gleba seja utilizada somente para habitações
de interesse social, evitando, assim a especulação imobiliária. Também possibilita a aprovação do
loteamento sem que o mesmo apresente percentual mínimo de áreas públicas, já que muitas áreas
irregulares (já ocupadas) não apresentam condições de reservar locais para praças e equipamentos ou
garantir os gabaritos mínimos de ruas e lotes, previstos para a cidade através de lei municipal ou da Lei
n.° 6.766/79. O gravame de AEIS ou ZEIS pelo Poder Público ocorre através de lei, que deve ser
encaminhada ao poder Legislativo para aprovação, ou através de decreto do Poder Executivo,
dependendo do disposto no plano diretor municipal.
30

maior a densidade populacional, o que acarreta maior utilização dos recursos


naturais, maior produção de resíduos sólidos e de efluentes líquidos.

4 PROCESSO DE LICENCIAMENTO URBANÍSTICO E AMBIENTAL

A necessidade de adequação do parcelamento do solo urbano às


legislações registrais, urbanísticas e ambientais implica na realização de uma
série de levantamento de dados, elaboração de estudos e projetos e de
manifestações dos órgãos públicos competentes, concedendo ou negando os
requerimentos formulados pelo parcelador (ou regularizador do parcelamento
clandestino ou irregular).
O projeto de parcelamento resulta da conjunção de esforços técnicos
próprios da engenharia, da área ambiental, do urbanismo e jurídicos. Por isso,
deve atender às exigências contidas nos diversos textos legais incidentes e às
diretrizes definidas pelos órgãos públicos, de maneira a torná-lo viável em
termos técnicos e jurídicos.
Esse procedimento multidisciplinar exige compatibilização nos âmbitos
ambiental e urbanístico, planejamento comum e integração das políticas
públicas, que precisam ser harmonizados porque incidem sobre o mesmo
objeto. Não é incomum uma licença urbanística permitir a execução de um
loteamento sem, por exemplo, identificar os bens ambientais que podem
modificar a localização de vias, espaços públicos e edificações. A
compatibilização implica analisar o imóvel com todas as suas interfaces,
inclusive modificando a tipologia das edificações para adequar a situação
ambiental da área. Assim, as licenças urbanísticas e ambientais, que são
analisadas e expedidas por intermédio de diferentes órgãos 93 , exigem uma
interação, respeitadas as competências de cada órgão. 94

4.1 Etapas do procedimento de obtenção de licenças ambientais e


urbanísticas

Por se tratar de um procedimento jurídico e urbanístico, o


empreendimento de parcelamento do solo ou sua regularização deve ser
desenvolvido em etapas, cuja ordem e sistemática de implementação depende
da situação de fato existente, dos atores envolvidos, das especificidades físicas
e sociais, da situação registral da área, entre outros fatores. Algumas etapas
podem ser dispensadas ou desdobradas por lei municipal, ou podem deixar de
ser exigidas no caso concreto, em razão das peculiaridades.
O procedimento deve iniciar com o levantamento topográfico da área,
que deverá ser encaminhado para avaliação da sua viabilidade urbanística e
fixação das diretrizes de uso do solo, que têm a função de ordenação do

93
Com o advento da municipalização do licenciamento ambiental (arts. 5o e 6o da Resolução n.° 237/97
do CONAMA), as licenças urbanísticas e ambientais passaram a ser expedidas pelo mesmo ente
federativo para as atividades e empreendimentos de impacto local ou delegadas pelo Estado (nos
Municípios que já implementaram o licenciamento ambiental), mas a multidisciplinariedade envolve
secretarias diversas. Nos locais em que ainda não houve a municipalização, ou quando a atividade ou
empreendimento nas situações previstas nos arts. 4o e 5o da Resolução do CONAMA n.° 237/97, as
licenças urbanísticas são expedidas pelo Município e as ambientais pelo órgão licenciador estadual ou
federal, conforme o caso.
94
Sobre a questão: PRESTES, A necessidade de compatibilização...
31

território. Após a manifestação do Poder Público sobre estas questões, deve


suceder-se a avaliação da viabilidade ambiental do empreendimento pelo
órgão ambiental competente, que, concluindo positivamente, concederá a
licença prévia, que tem a função de aprovar a localização e concepção do
empreendimento, atestar a viabilidade ambiental da gleba e estabelecer os
requisitos básicos condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de
sua implementação. Obtidas as diretrizes urbanísticas e ambientais, segue-se
a elaboração dos projetos urbanístico e técnicos (abastecimento de água,
energia elétrica, esgoto, etc.), que deverão ser aprovados pelo Município. Com
a aprovação dos projetos e a obtenção da licença ambiental de instalação 95 ,
que autoriza a instalação do empreendimento tendo em vista as especificações
constantes dos projetos aprovados, e, com base nestes, define as medidas de
controle ambiental e demais condicionantes, deve seguir-se o registro do
empreendimento junto ao Registro de Imóveis competente. Por último, tem
cabimento a licença urbanística para construção das obras 96 .
O fluxograma a seguir demonstra a seqüência de elaboração dos
levantamentos, estudos e projetos, sua aprovação e concessão das licenças
ambiental e urbanística.

95
A LI é a licença a ser exigida pelo Registrador Público para o registro do empreendimento. Sobre a
questão, ver mais no item 5.2.2.
96
Para compatibilizar-se com a licença urbanística para implantação (execução das obras) no loteamento
– a partir da qual o parcelador tem direito a executar o projeto aprovado –, deve a licença de instalação
deve ser concedida antes deste. PRESTES, A necessidade de compatibilização..., p. 94-95.
32

Levantamento topográfico e estudo


preliminar de viabilidade urbanística

Fixação de diretrizes pelo Município

EIA/RIMA (se necessário)

Licença prévia ambiental (LP)

Elaboração dos projetos técnicos e


urbanístico

Diretrizes pelo Estado/anuência


prévia da autoridade metropolitana

Aprovação dos projetos pelo


Município e expedição da licença
urbanística

Licença de instalação (LI)

Execução das obras exigidas para o


registro imobiliário

Registro do parcelamento
no Registro de Imóveis

Execução da obras remanescentes

Licença ambiental de operação (LO)


33

4.2 Licenciamento ambiental

O licenciamento ambiental, de caráter eminentemente de prevenção e


controle da degradação do meio ambiente, está previsto na Lei n.° 6.938/81
como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9o, inc.
IV), necessário para os casos de potencial ou efetiva degradação ambiental
(art. 10).
A Resolução do CONAMA n.° 237/97, que regulamentou o
licenciamento ambiental, dispôs:

Art. 2o – A localização, construção, instalação, ampliação,


modificação e operação de empreendimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva
ou potencialmente poluidoras, bem como os
empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de
causar degradação ambiental, dependerão de prévio
licenciamento de órgão ambiental competente, sem
prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. 97
§1o – Estão sujeitos ao licenciamento ambiental os
empreendimentos e as atividades relacionadas no Anexo
I, parte integrante desta Resolução.

Art. 8o – O Poder Público, no exercício de sua


competência de controle, expedirá as seguintes licenças:
I – Licença prévia (LP): concedida na fase preliminar do
planejamento do empreendimento ou atividade
aprovando sua localização e concepção, atestando a
viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos
básicos condicionantes a serem atendidos nas
próximas fases de sua implementação;
II – Licença de instalação (LI): autoriza a instalação do
empreendimento ou atividade de acordo com as
especificações constantes dos planos, programas e
projetos aprovados, incluindo as medidas de controle
ambiental e demais condicionantes, da qual
constituem motivo determinante;
III – Licença de operação (LO): autoriza a operação da
atividade ou empreendimento, após a verificação do
efetivo cumprimento do que consta das licenças
anteriores, com as medidas de controle ambiental e
condicionantes determinados para a operação.

97
A falta de licenciamento do órgão ambiental competente configura o delito do art. 60 da Lei 9.605/98:
“Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional,
estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos
ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes”. Nos
parcelamentos clandestinos ou irregulares, a caracterização deste delito incide em concurso material
com o crime de parcelamento irregular do solo urbano (arts. 50 e 51 da Lei n.° 6.766/79) e outros
eventuais delitos ambientais decorrentes de extração de vegetação nativa (ex: arts. 38, 39, 48, 50 da Lei
n.° 9.605/98), construção em solo não edificável especialmente protegido (art. 64) e lançamento de
resíduos líquidos ou sólidos (art. 54, §2o, inc. V).
34

Parágrafo único – As licenças ambientais poderão ser


expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com
a natureza, características e fase do empreendimento
ou atividade.
(grifos nossos)

O fundamento da exigência do licenciamento ambiental reside na


possibilidade, constitucionalmente outorgada, de o Poder Público impor
condições ao exercício do direito de propriedade e do direito ao livre
empreendimento, a fim de que a função sócio-ambiental da propriedade seja
observada (arts. 5°, XXIII, 170, III e VI, e par. único, 182, §2°, e 186, II, todos
da Constituição Federal).
O licenciamento ambiental reflete os princípios da supremacia do
interesse público na proteção do meio ambiente em relação aos interesses
privados, já que cuida de proteger o direito fundamental da pessoa humana ao
equilíbrio ecológico, posto no art. 225, caput, da Constituição Federal. Dada a
indisponibilidade deste direito, cabe ao Poder Público – em defesa do meio
ambiente – intervir nas atividades privadas, condicionando o seu exercício a
determinadas obrigações que busquem atingir um padrão de desenvolvimento
reputado sustentável.
Annelise Monteiro Steigleder 98 , tratando da plurifuncionalidade do
licenciamento ambiental, destaca as principais funções desse instrumento. O
licenciamento objetiva o controle de atividades potencialmente poluentes,
procurando imprimir-lhes um padrão de atuação sustentável, de modo a
prevenir danos ambientais. Nesse sentido, o licenciamento operacionaliza os
princípios da precaução, da prevenção e poluidor-pagador 99 , pois cuida de
identificar os riscos e impactos inerentes a determinado empreendimento ou
atividade, tais como a capacidade de gerar líquidos poluentes (despejo de
efluentes), resíduos sólidos, emissões atmosféricas, ruídos, etc., com vistas a
informar o processo decisório sobre a implementação destes e sobre a eleição
das medidas preventivas mais adequadas para mitigar a degradação
ambiental. Também é função importante do licenciamento ambiental a
imposição de medidas mitigadoras e compensatórias para a degradação
ambiental – aqui entendida como perda das características essenciais do
sistema ecológico – que está prestes a ser autorizada 100 , de modo a causar o
menor impacto possível ao meio ambiente. O licenciamento também exerce a

98
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Aspectos controvertidos do licenciamento ambiental. Disponível
em: </pesquisas_doutrinas_detalhe.asp?idDocumento=7>. Acesso em: 19 set. 2004.
99
A implementação do princípio do poluidor-pagador verifica-se a partir da vocação prioritariamente
preventiva, posto que visa à internalização, no processo produtivo ou empreendedor, dos custos da
prevenção de danos ambientais. Daí que o licenciamento condicionará o empreendimento ou atividade
à adoção de medidas e tecnologias adequadas à prevenção de riscos ambientais. Sobre os princípios da
prevenção, prevenção e do poluidor-pagador, ver em MIRRA, Princípios fundamentais...
100
Determinado impacto ambiental será autorizado pelos órgãos competentes, mas não será considerado
dano juridicamente reparável (pela via da responsabilização civil), porque será mitigado e compensado
pelas obrigações estabelecidas na licença. Trata-se da chamada responsabilização ex-ante, efetuada na
esfera administrativa, em que se pretende compensar danos ambientais que serão autorizados pelos
órgãos ambientais. Exemplo dessa possibilidade está previsto no Código Florestal do Rio Grande do
Sul, cujo art. 8° estabelece que, para cada árvore cortada, deverão ser plantadas 15 mudas,
preferencialmente da mesma espécie. No entanto, o descumprimento das condições da licença enseja a
presunção absoluta de ocorrência de dano reparável, por força do art. 3°, inc. III, ‘e’, da lei n.°
6.938/81.
35

função de demarcar o limite de tolerância dos impactos ambientais, traduzindo


que um determinado nível de degradação deverá ser suportado, eis que
inerente ao convívio em sociedade. A licença ambiental conterá os níveis
máximos de degradação considerados aceitáveis para a atividade ou
empreendimento 101 . O licenciamento tem a potencialidade de inserir
determinada atividade em um contexto de programação e planificação do
desenvolvimento econômico nacional, regional ou local, percebendo-se os fins
públicos e de composição preventiva de múltiplos interesses públicos, privados
e coletivos, relativamente às garantias do particular, que se manifesta de forma
pregnante e urgente nos procedimentos diretamente incidentes sobre os
direitos fundamentais 102 . Para que esta função seja adequadamente
observada, é imprescindível a existência prévia de um zoneamento ambiental,
definindo os usos do solo e suas potencialidades, de acordo com as
características ambientais da região e de um planejamento de desenvolvimento
econômico e ambiental desta. Assim, o licenciamento ambiental torna-se
instrumento voltado para o desenvolvimento sustentável, procurando
harmonizar o princípio da defesa do meio ambiente com os princípios da
propriedade privada, da livre iniciativa e da exploração de atividades
econômicas.
A natureza jurídica da ‘licença ambiental’ é controversa, permeada na
dicotomia licença administrativa/autorização administrativa 103 . Parte da doutrina
sustenta que, apesar da denominação utilizada pela lei – licença –, o exame
das características do ato revela que este tem natureza de autorização
administrativa, porque depende de critério de avaliação a ser adotado pelo
órgão ambiental competente para sua outorga, não garante ao empreendedor a
efetiva realização do seu intento (implantação de empreendimento ou
exploração de atividade) e, se concedido, não assegura ao titular do interesse
a manutenção do status quo vigente quando da sua expedição 104 . Em sentido

101
No parcelamento do solo urbano esse limite pode ser identificado, por exemplo, na aceitação de que o
lançamento de esgoto doméstico seja por meio de fossa séptica e sumidouro – em que há deposição de
resíduos no solo – ao invés de sistema de tratamento dos efluentes, especialmente em loteamentos ou
assentamentos de baixa renda. Evidente que essa aceitação leva em consideração somente o
empreendimento em análise, considerado isoladamente, sem visão do todo. Os efeitos sinergéticos
devidos às várias autorizações isoladas para liberação dos poluentes permite a contínua poluição do
solo e a possível contaminação do lençol freático.
102
ANTUNES, Luís Filipe Colaço. O procedimento administrativo de avaliação do impacto ambiental.
Coimbra: Almedina, 1998, p. 198.
103
Para esclarecer a questão, cumpre diferenciar os atos administrativos de autorização e licença, que
pertencem à categoria de atos administrativos negociais entre o Poder Público e o particular. A licença
(ex: habite-se) é ato administrativo vinculado, de caráter regulamentativo e definitivo, envolve ‘direitos
subjetivos’; uma vez satisfeitos os requisitos legais, não pode a concessão do direito via licença ser
negada; uma vez concedida a licença, traz a presunção de definitividade; sua invalidação só pode
ocorrer por ilegalidade ou abusividade do ato administrativo. A autorização (ex: alvará de localização e
funcionamento) é ato discricionário e precário, que envolve ‘interesses’ e não gera direitos ao
requerente; o Poder Público decide discricionariamente sobre a concessão do pleito do interessado e,
por isso, não há direito subjetivo à obtenção ou à continuidade da autorização. Sobre o tema:
MEIRELLES, Direito administrativo..., p.160-174.
104
Esse posicionamento sustenta tratar-se de autorização administrativa porque pressupõe o
monitoramento da atividade ou empreendimento e possibilita a revisão e a denegação da mesma pelo
órgão público competente. Nesse sentido: MACHADO, Direito ambiental..., p.202. RHODE, Geraldo
Mario. Licença prévia – LP e prática de licenciamento ambiental no Brasil. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, v.18, p.216-220, abr./jun. 2000. Também: PRESTES, A necessidade de
compatibilização... , p. 89-90. FREITAS, Vladimir Passos de. Direito administrativo e meio ambiente.
36

contrário, alguns doutrinadores sustentam que se trata de licença


administrativa, pois configura uma anuência da autoridade ambiental, quando
reconhecido o direito do interessado, depois de verificado que o
empreendimento ou atividade atendeu às condicionantes para sua localização,
instalação e operação 105 . Édis Milaré reconhece a natureza peculiar da licença
ambiental, que se aproxima da licença administrativa, representando uma
anuência do Poder Público quanto ao exercício dos direitos de propriedade e
de exploração econômica, mas não é idêntica a esta espécie de licença, pois,
apesar de ter prazo de validade estipulado, goza de caráter de estabilidade e
não poderá ser suspensa por discricionariedade ou arbitrariedade, está sujeita
à revisão e suspensão em caso de interesse público superveniente e quando
houver descumprimento dos requisitos preestabelecidos no processo de
licenciamento 106 .
Entende-se que todos os institutos de Direito Ambiental, entre eles o
licenciamento, têm peculiaridades e um caráter sui generis que não permitem
enquadrá-los em um instituto exato do Direito Administrativo, do Direito Civil, do
Direito Registral, etc. Nessa esteira, impossível reduzir a licença ambiental ao
conceito de licença administrativa ou autorização administrativa. O
licenciamento ambiental é pautado por uma principiologia própria, outorgada
pelos princípios da prevenção, da precaução, do poluidor-pagador e do
desenvolvimento sustentável, cuja conseqüência é a não-definitividade e a
possibilidade de revisão pelo órgão ambiental, desde que o interesse público a
justifique. Ademais, a complexidade do licenciamento ambiental, com suas
sucessivas fases, enseja peculiaridades para cada uma das licenças
concedidas (LP, LI ou LO) 107 .
Quando recebe o pedido de licenciamento ambiental, o órgão
competente está vinculado às normas constitucionais de desenvolvimento
econômico em compatibilidade com a preservação do ambiente e sua
manifestação sobre o pedido não implica discricionariedade administrativa no
sentido de conveniência e oportunidade da instalação do empreendimento,
mas sim discricionariedade técnica através de parâmetros técnicos e científicos
objetivos. Não há uma atuação livre da Administração, mas o poder de tomar a
decisão mais adequada ao fim público que a lei impõe 108 .

3.ed. Curitiba: Juruá, p. 75. MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1998, p.89.
105
Nessa linha: FREIRE, William. Direito ambiental brasileiro. Rio de Janeiro: Aide, 1998, p. 70.
ANTUNES, O procedimento..., p.102.
106
MILARÉ, Direito do ambiente...
107
Nesse sentido: STEIGLEDER, Aspectos controvertidos....
108
A discricionariedade técnica é um juízo efetuado de acordo com cânones científicos e técnicos,
enquanto a discricionariedade administrativa se revela na liberdade de escolha. Na discricionariedade
técnica, a decisão do Poder Público é feita com base em pressupostos, estudos ou critérios extraídos de
normas técnicas. O interesse primário a prosseguir coloca particulares vínculos e limites também à
atividade discricionária da Administração Pública que, perdendo o caráter arbitral, se deve determinar
de modo a conseguir a melhor realização do interesse público. No procedimento de licenciamento
ambiental, a discricionariedade técnica refere-se a um momento cognitivo e implica juízos e não
escolhas, com a particularidade desta operação se desenrolar à luz do interesse público primário (o
ambiente) e não de qualquer interesse secundário ou dos particulares. ANTUNES, O procedimento..., p.
234. Sobre a discricionariedade administrativa ambiental, ver mais em: KRELL, Andreas J.
Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos
indeterminados e a competência dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004.
37

O parcelamento do solo para fins urbanos, sob qualquer de suas


formas, é considerado empreendimento potencialmente capaz de causar
degradação ambiental e, como tal, está condicionado ao prévio licenciamento
ambiental, conforme anexo I da Resolução n.° 237/1997 do CONAMA.
O parcelamento do solo urbano exige licença prévia (LP), na fase de
planejamento da implantação, alteração ou ampliação do empreendimento,
para aprovar sua localização, atestar a viabilidade ambiental e estabelecer
condicionantes para as próximas fases; licença de instalação (LI) do
empreendimento, que deve ser solicitada na fase anterior à execução das
obras, para exame dos projetos técnicos e urbanístico aprovados pelo
Município, e, com base nestes, ser autorizado o início das obras e
estabelecidas condições, restrições e medidas de controle ambiental; e licença
de operação (LO), que deve ser solicitada quando do término das obras do
empreendimento, para verificação da sua efetiva execução de acordo com as
condicionantes da LI, das eventuais medidas compensatórias estabelecidas e
do regular funcionamento do sistema de disposição de águas servidas.
A resolução que regulamenta o licenciamento ambiental prescreve que
as licenças podem ser expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com a
natureza e características do empreendimento. Nesse espeque, a solicitação
de qualquer uma das licenças deve estar de acordo com a fase em que se
encontra o empreendimento: concepção, obra, operação ou ampliação 109 ,
mesmo que não tenha sido obtida a licença anterior prevista em lei.
Destarte, para os parcelamentos clandestinos do solo ou
assentamentos informais, a exigência de LP, LI ou LO dependerá da fase de
implantação e da situação fática do parcelamento. Se o empreendimento já
está implantado de fato, com construções e ocupação da área pelos
moradores, não há que ser exigida licença prévia e/ou licença de instalação.
Como a própria denominação indica, a função destas é eminentemente
preventiva.
Já tendo havido impacto com a alteração e ocupação da gleba, será
necessária a elaboração de um diagnóstico ambiental da área e plano de
controle ambiental, a serem submetidos à apreciação do órgão ambiental
competente, que poderá exigir medidas restauradoras ou compensatórias e
condicionantes outras (diversas das que constam dos termos de
referência que servem de base para a LP e para a LI),
estabelecidas com base no diagnóstico do impacto ambiental já causado pela
implantação do empreendimento. Contudo, a manifestação do órgão ambiental
para implantação do plano de controle e recuperação ambiental não será,
tecnicamente, LP, LI nem LO, mas sim autorização para recuperação de área
degradada.

109
Tendo em vista que as licenças ambientais estabelecem as condições para que o empreendimento
cause o menor impacto possível ao meio ambiente, qualquer alteração deve ser submetida ao
licenciamento.
38

O licenciamento ambiental deve ser precedido 110 de um estudo prévio


de impacto ambiental (EIA) e do seu respectivo relatório (RIMA), quando o
empreendimento for potencial ou efetivamente causador de significativa
degradação ambiental (art. 225, §1o, inc. IV, da CF, e Resolução n.° 01/86 do
CONAMA) 111 , para que os impactos possam ser avaliados e medidas de
mitigação possam ser exigidas pelo órgão licenciador. Nos casos de
parcelamento do solo urbano, a prévia realização de EIA/RIMA somente será
necessária nas hipóteses do art. 2o, inc. XV, da Resolução n.° 01/86 do
CONAMA, para projetos urbanísticos acima de 100ha ou em áreas
consideradas de relevante interesse ambiental a critério dos órgãos federal,
estadual ou municipal competente 112 .
O EIA/RIMA deve conter um diagnóstico ambiental da área de
influência do empreendimento, com as condições atuais – inter-relacionadas –
dos meios físico, biológico e sócio-econômico, demonstrar a compatibilidade do
empreendimento com a legislação pertinente, caracterizar a atual ocupação,
identificar as áreas de vegetação nativa ou de interesse para a fauna,
contemplar solução para o saneamento, de modo a permitir a avaliação dos
impactos resultantes da implantação do empreendimento. Deve, também,
identificar os impactos que poderão ocorrer em função da implantação do
empreendimento: conflitos de uso, remoção de cobertura vegetal, interferência
com estrutura existente, intensificação do tráfego na área, erosão,
assoreamento, entre outras. Ainda, deve apresentar as medidas mitigadoras,
compensatórias ou de controle ambiental considerando os impactos previstos,
indicando os responsáveis por sua implantação e o respectivo cronograma de
execução 113 .
Em sede de EIA/RIMA se destacam os princípios da publicidade e da
participação pública, que têm como instrumento a audiência pública, prevista
no art. 11, §2o, da Resolução n.° 01/86 do CONAMA, cujos objetivos são a
prestação de informações sobre o projeto e seus impactos ambientais pela
administração pública à sociedade e a discussão do RIMA com a participação

110
O EIA deve ser elaborado em momento prévio ao licenciamento, antecedendo a licença prévia (LP).
Suponhamos que a equipe técnica do órgão licenciador considere inadequada a localização do
empreendimento, opinando pela utilização de alternativa locacional existente no EIA. O deferimento da
licença prévia, antes do exame do EIA/RIMA, seria incompatível com a conclusão do órgão
licenciador. De qualquer sorte, nos casos em que exigível o EIA/RIMA, não poderá ser deferida
qualquer licença ambiental (LP, LI ou LO) antes da apresentação e apreciação daquele. Do contrário, o
EIA se transformaria em farsa para encobrir um licenciamento irregular. O licenciamento ambiental
deferido antes do julgamento do EIA/RIMA determina responsabilidade objetiva da Administração
pelos danos causados ao meio ambiente, nos termos do art. 37, §6o, da Constituição Federal. CAPELLI,
Silvia. O estudo do impacto ambiental na realidade brasileira. In: BENJAMIN, Antônio Hermann
(Coord.). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993,
p.163-164.
As despesas com o EIA/RIMA são arcadas pelo interessado no empreendimento (art. 8o da Resolução
01/86). Como é providenciado pelo próprio interessado, pode ser tendencioso. Neste caso, o
responsável técnico será responsabilizado solidariamente.
111
Sobre a questão, ver: MILARÉ, Direito do Ambiente...
112
A Resolução 01/86 se refere à SEMA, órgão federal que não mais existe; atualmente o licenciamento
ambiental no âmbito federal compete ao IBAMA (art. 4o da Resolução do CONAMA n.° 237/97).
113
Sobre procedimento, pressupostos, elaboração e custeio, responsabilidade da equipe, diretrizes e
conteúdo mínimo do EIA/RIMA, ver: MILARÉ, Édis; BENJAMIN, Antônio Hermann. Estudo prévio
de impacto ambiental: teoria, prática e legislação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
39

popular 114 . A ata da audiência serve de base, juntamente com o RIMA, para
análise e parecer final do licenciador quanto à aprovação ou não do projeto. A
Resolução n.° 09/87 do CONAMA regulamentou a audiência pública,
estabelecendo, em seu art. 2°, as hipóteses de convocação da referida
audiência: quando o órgão ambiental julgar necessária, quando solicitada por
entidade civil, quando solicitada pelo Ministério Público e quando solicitada por
cinqüenta ou mais cidadãos. Em havendo solicitação de audiência pública, se
o órgão licenciador não realizá-la, a licença concedida não terá validade.
Conclui-se, pois, que é requisito formal essencial para a validade da licença.

4.2.1 Licença prévia

Depois de atestada a viabilidade urbanística do parcelamento e fixadas


as diretrizes da ocupação do solo, deve ser providenciada a licença ambiental
prévia (LP) junto ao órgão ambiental competente – federal, estadual ou
municipal, conforme o caso (arts. 4o, 5o e 6o da Resolução do CONAMA n.°
237/97), para aprovação da localização do empreendimento, atestado da
viabilidade ambiental da gleba e estipulação das condições para as próximas
etapas do processo de parcelamento, de modo a evitar degradação do meio
ambiente.
Para avaliação e expedição da licença prévia, o órgão ambiental deve
visitar o local para verificar as condições ambientais e identificar impactos
efetivos ou potenciais da ocupação da área.
Nas hipóteses do art. 2o, inc. XV, da Resolução n.° 01/86 do CONAMA
- projetos urbanísticos acima de 100ha ou em áreas consideradas de relevante
interesse ambiental a critério dos órgãos federal, estadual ou municipal
competente -, deverá ser exigido o estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) 115
para embasar as exigências, condições e restrições que serão estipuladas para
a implementação do parcelamento.
A licença prévia é ato que não gera direitos para o requerente, mesmo
que este tenha despendido recursos com o planejamento do empreendimento.
Trata-se, ainda, de fase de estudos e avaliações, em que não há engajamento
definitivo da Administração Pública com o pedido. Está-se em fase de
declaração de viabilidade, e não constitutiva de direitos.
A licença prévia tem as seguintes funções: fornecer as condições de
contorno do projeto, conceder ‘certidão’ ambiental negativa quanto a
impedimentos de ordem legal (leia-se adequação da proposta a planos de
desenvolvimento regional, planos de uso do solo, planos diretores, como por
ex. gerenciamento costeiro e de bacias hidrográficas), conter exigências
básicas e primordiais de aceitabilidade do plano do empreendimento 116 .
O órgão ambiental, no exercício da discricionariedade técnica, pode
indeferir o pedido de licença prévia – inobstante a viabilidade urbanística

114
A realizaçõo de audiências públicas para discussão dos EIA/RIMA assegura o cumprimento da diretriz
prevista no art. 2°, inc. II, e art. 43, do Estatuto da Cidade, que prevê a gestão democrática por meio da
participação popular na formulação, execução e acompanhamento de planos programas e projetos de
desenvolvimento urbano.
115
Sobre o EIA/RIMA, ver item 5.2.
116
RHODE, Licença prévia..., p. 221.
40

atestada pelo Município – em razão de impedimentos legais ou técnicos. No


sistema de licenciamento ambiental brasileiro está colocada a possibilidade de
uma decisão negativa por parte do Poder Público sobre um empreendimento
que não atente para as mínimas condições de viabilidade, sustentabilidade ou
adequação ambiental. Por outro lado, o órgão ambiental não está autorizado a
indeferir o pedido de licença prévia por motivo de oportunidade ou
conveniência, se o parcelador reunir as condições legais e técnicas para o
empreendimento e se o EIA – nos casos em que é exigido – for favorável.

4.2.2 Licença de instalação

A licença de instalação (LI) é a que autoriza a implantação do


loteamento ou desmembramento de acordo com os projetos técnicos e
urbanístico aprovados pelo Município e estabelece condições, restrições e
medidas de controle ambiental.
O Registrador Público, para proceder ao registro do parcelamento
regular, deve exigir a apresentação da LI, que é o ato que define a
conformação física do empreendimento – localização dos lotes, ruas,
delimitação das áreas institucionais, etc. A LP não se presta para tanto,
porquanto apenas dispõe sobre a adequação da gleba ao empreendimento
proposto. Exigir a LI depois do registro pode ter conseqüências fatais para o
meio ambiente. Poderia ocorrer, por exemplo, de o Município aprovar um
projeto para construção de moradias unifamiliares ou plurifamiliares com
sistema de esgotamento sanitário por fossa séptica, filtro anaeróbio e valas de
infiltração sem extravasar para a rede pluvial, este ser registrado no Registro
de Imóveis e, posteriormente, a LI dispor que este sistema de esgotamento
primário somente é adequado e suficiente para moradias unifamiliares. Neste
caso, seria necessária a alteração do projeto urbanístico com previsão de outro
sistema de esgotamento, nova aprovação, novo registro, nova licença
ambiental. Ou, caso fosse implementado o empreendimento de acordo com o
projeto aprovado pelo Município, em desacordo com a LI, as edificações
plurifamiliares levadas a efeito produziriam esgoto em quantidades muito
superiores à capacidade de absorção do sistema, podendo acarretar
contaminação do solo e poluição do lençol freático. Fica, assim, latente a
necessidade de compatibilização do procedimento urbanístico com os aspectos
ambientais, já que todos são facetas do mesmo empreendimento.
A concessão de licença prévia (LP) não gera direito à posterior
obtenção da licença de instalação (LI) pelo interessado. Aquela contém
exigências básicas e primordiais de aceitabilidade do plano do
empreendimento, que, se não forem atendidas, ou se surgir impedimento de
ordem legal ou administrativa (alteração dos planos de desenvolvimento
regional, por ex.), poderá não ser concedida a licença de instalação.
As licenças ambientais dependem de critérios discricionários técnicos
de avaliação a serem adotados pelo órgão ambiental competente e, por isto, a
concessão da LI não assegura ao titular do interesse a manutenção do status
quo vigente quando da sua expedição, ou seja, pode ser revogada, desde que
de acordo com as normas de Direito Administrativo, ou podem ser alteradas as
condições e restrições dentro do prazo de vigência da LI, caso o órgão
41

ambiental identifique lesão à saúde pública ou ao ambiente que justifique a


alteração ou revogação 117 . Hely Lopes Meirelles pontua que, obtida a licença e
iniciada a obra, há “direito adquirido à sua continuidade” 118 . Rodrigo Bernardes
Braga anota que, uma vez licenciado o projeto e iniciadas as obras de acordo
com o licenciamento, a Administração Pública já não pode, imotivadamente,
revogar o ato, nem se justifica recorrer ao poder de polícia administrativo
conferido à autoridade ambiental, porquanto o interesse público superveniente,
nesse caso, autoriza apenas a desapropriação do bem, com pagamento de
prévia e justa indenização 119 .

4.2.3 Licença de operação

A licença de operação é a que autoriza o funcionamento do


empreendimento e deve ser solicitada quando do término das obras, para
verificação da sua execução de acordo com as condicionantes da licença de
instalação, controle de eventuais medidas compensatórias exigidas e
monitoramento do regular funcionamento do sistema de disposição de águas
servidas e da destinação dos resíduos sólidos.
O licenciamento ambiental é um procedimento complexo, que visa
dizer sobre a adequação do empreendimento, em suas várias fases de
planejamento e execução. Como não há renovação da LI 120 , a verificação do
cumprimento desta deve se dar quando do procedimento para concessão da
LO.
Como a LO não se reduz à condição de autorização administrativa,
nem de licença administrativa, pode a Administração Pública impor novas
condições mais adequadas à necessidade de conservação da qualidade
ambiental, impondo ao empreendedor, inclusive, que diante da evolução de
tecnologias, adote novas práticas antipoluentes. As modificações incidentes
sobre as condicionantes e medidas de controle e adequação deverão ser
exigidas quando da renovação da LO, cujo prazo deve ser maior que os
estipulados para licenças de operação de indústrias, já que não se está
tratando de atividade, e sim de empreendimento. Enquanto a licença de
operação estiver vigente, a eventual modificação de padrões ambientais não
pode ser obrigatória para aquele que está regularmente licenciado segundo os
padrões vigentes à época da concessão da LO. Mas, encerrado o prazo de
validade, os novos padrões serão imediatamente exigíveis.
A LO é ato vinculado, que reconhece direito preexistente, desde que o
titular cumpra as condições estipuladas para o exercício do direito ao
empreendimento ou atividade. Esta licença goza de estabilidade temporal pelo
prazo de sua vigência, sendo que, neste ínterim, não pode ser revogada, salvo
em hipótese de superveniência de riscos para a saúde ou para o meio
ambiente (art. 19 da Resolução n.° 237/97 do CONAMA). Nestas hipóteses,
tendo havido violação das condições e restrições da licença, é caso de

117
BAPTISTA, Fernando; LIMA, André. Licenciamento ambiental e a Resolução CONAMA 237/97.
Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v.12, p. 254-255, out./dez. 1998.
118
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir. São Paulo: Malheiros, 2000, p.168.
119
BRAGA, Parcelamento..., p. 59.
120
Quando da renovação de uma licença é verificado o cumprimento das suas condições e restrições.
42

cassação da LO. Se a hipótese é de inadequação de quaisquer condicionantes


ou normas legais, cabe a revogação da licença. Se houve omissão ou falsa
descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença,
cabe a anulação da mesma. Se trata-se de hipótese de superveniência de
graves riscos ambientais e de saúde, é caso de revogação da licença 121 .
4.3 Procedimento administrativo urbanístico

O procedimento para obtenção do licenciamento urbanístico (para o


parcelamento do solo ou sua regularização) se desenvolve em várias etapas e
engloba uma série de providências pelo parcelador e de atos do Poder Público,
como se passa a examinar.

4.3.1 Levantamento topográfico e diretrizes para o uso do solo

Diz o art. 6o da Lei n.° 6.766/79 que antes da elaboração do projeto de


loteamento 122 o interessado deverá solicitar ao Município que defina as
diretrizes para uso do solo, traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços
livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário,
apresentando, para este fim, requerimento e planta do imóvel contendo, pelo
menos:

I – as divisas da gleba a ser loteada 123 ;


II – as curvas de nível à distância adequada, quando
exigidas por lei estadual ou municipal 124 ;

121
Para o enfrentamento das hipóteses previstas no art. 19 da Resolução 237/97, José Afonso da Silva faz
a diferenciação das conseqüências: “A anulação constitui controle de legalidade [...]. A revogação é ato
de controle de mérito. Dar-se-á quando sobrevier motivo de interesse público que desaconselhe a
realização da obra licenciada, tal como: a) mudança das circunstâncias, seja por haver desaparecido as
que motivaram sua outorga ou por sobrevirem outras que, se existisse antes teriam justificado sua
denegação; b) adoção de novos critérios de apreciação, em que a incompatibilidade da atividade
licenciada deriva de uma modificação posterior que a Administração introduziu no ordenamento
jurídico urbanístico, quer aprovando novo plano diretor, quer modificando o existente, quer aprovando
nova lei de zoneamento ou modificando a existente, com efeitos negativos para a manutenção da
licença e do direito reconhecido ao particular com sua outorga; c) erro na sua outorga: o erro que supõe
a equivocada apreciação de circunstâncias reais não é um erro de fato – que em todo momento poderia
ser sanado pela Administração – mas um erro de classificação, de valoração, de interpretação, quer
dizer, um erro de direito. O erro, no entanto, pode gerar uma ilegalidade na outorga da licença, caso em
que seu desfazimento deverá ser feito por anulação e não por revogação [...]. E a cassação vincula-se ao
problema da ilegalidade, mas não da legalidade da licença em si, mas de posterior descumprimento das
exigências dela. Dá-se, pois, a cassação da licença quando ocorrer descumprimento: (a) do projeto, em
partes essenciais, durante sua execução; (b) da lei ou regulamento que rege a execução da obra; (c) das
exigências do alvará de licença”. SILVA, Direito urbanístico..., p. 403-404.
122
Para o desmembramento não há a fase de fixação de diretrizes prevista nos arts. 6o e 7o da Lei n.°
6.766/79 (que se aplicam apenas aos loteamentos), de modo que o interessado encaminhará diretamente
o projeto de desmembramento para apreciação pelo Poder Público Municipal, nos termos do art. 10 da
lei. Nada impede, entretanto, que haja previsão, na legislação municipal, da fase de diretrizes (no que
couber) para as hipóteses de desmembramento.
123
A indicação das divisas da gleba compreende os limites naturais e artificiais, para que se possa ter uma
idéia global da área.
43

III – a localização dos cursos d’água, bosques e


construções existentes 125 ;
IV – a indicação dos arruamentos contíguos a todo o
perímetro, localização das vias de comunicação, das
áreas livres, dos equipamentos urbanos e comunitários
existentes no local ou em suas adjacências, com as
respectivas distâncias da área a ser loteada;
V – o tipo de uso predominante a que o loteamento se
destina 126 ;
VI – as características, dimensões e localização das
zonas de uso contíguas 127 .

O trabalho deve iniciar com o levantamento cadastral e topográfico ou


planialtimétrico da área a ser parcelada, que deverá conter planta da situação
do imóvel e especificar os itens referidos no art. 6o da Lei 6.766/79, além de
outros que eventualmente forem exigidos por lei municipal, tais como indicação
de existência de bens ambientais e localização de edificações existentes na
área.
A delimitação, dimensão e divisas da área devem ser confrontadas
com os dados constantes da matrícula imobiliária, para verificar se existem
eventuais diferenças. Constatada alguma diferença, deverá ser consultado o
Registro de Imóveis competente, a fim de verificar se a retificação da matrícula
poderá ser feita através de procedimento administrativo ou se é caso de
procedimento judicial. De qualquer modo, a retificação da matrícula deverá
preceder à elaboração dos projetos técnicos.
Após, então, o parcelador deverá encaminhar ao Município o
anteprojeto, sob a forma de requerimento instruído com o levantamento
topográfico, para exame da viabilidade urbanística do empreendimento e
fixação das diretrizes de uso do solo urbano.
Daí, três hipóteses poderão sobrevir em relação à manifestação do
Poder Público no que tange ao requerimento de fixação das diretrizes: a) o
Poder Público aceita todas as intenções do parcelador, propiciando a imediata
elaboração do projeto propriamente dito; b) o Município não aceita totalmente a
proposta do parcelador e indica a ele quais as retificações que terão de ser
feitas no anteprojeto para serem atendidas as regras de uso urbanístico da
área; c) impossibilidade de o empreendimento ser aprovado, em razão de

124
Essa exigência diz com a indicação dos desnivelamentos e das particularidades encontradas na área a
ser parcelada, tais como declives, para os fins de identificação de eventuais restrições do art. 3o, par.
único, inc. III e IV, da Lei n.° 6.766/79.
125
A exigência é feita em função da fixação das áreas non aedificandi que serão exigidas pelo Poder
Público para cumprimento do Código Florestal e outras normas ambientais e dos arts. 3o, inc. V, 4o, inc.
III, e 5o da Lei n.° 6.766/79.
126
Essa indicação propicia que o Poder Público decida se o empreendimento é adequado ou não ao local
onde seria instalado, podendo fazer restrições totais ou parciais de parcelamentos em zonas onde exista
interesse de estimular ou desestimular a expansão. Pode, por ex., evitar que seja instalado distrito
industrial em zona urbana de destino eminentemente residencial, assim como poderá obstar
loteamentos destinados à moradia das pessoas em áreas próximas a concentrações industriais, onde a
qualidade de vida, em função da poluição sonora, atmosférica, seja inadequada.
127
Para o mesmo fim mencionado na nota anterior, terá o interessado de descrever a localização próxima
de conglomerados urbanos, locais de preservação ecológica, de concentração industrial, locais onde
existem serviços comunitários, entre outros.
44

inadequar-se aos planos do Poder Público para a zona onde está localizado o
imóvel que seria objeto de parcelamento 128 .
Ao Poder Público cumprirá definir, na sua manifestação, os seguintes
tópicos elencados no art. 7o da Lei n.° 6.766/79, de acordo com as diretrizes de
planejamento de uso do solo estadual e municipal:

I – as ruas ou estradas existentes ou projetadas, que


compõem o sistema viário da cidade e do município,
relacionadas com o loteamento pretendido e a serem
respeitadas;
II – o traçado básico do sistema viário principal;
III – a localização aproximada dos terrenos destinados a
equipamentos urbanos e comunitários e das áreas livres
de uso público;
IV – as faixas sanitárias do terreno necessárias ao
escoamento das águas pluviais e as faixas não
edificáveis;
V – a zona ou zonas de uso predominante da área, com
indicação dos usos compatíveis.

O Poder Público deve, pois, definir os fins a que poderá ser destinado
o loteamento - uso industrial, comercial, de moradias, misto; restrições
urbanísticas para o local - especialmente no tocante às edificações
(unifamiliares ou multifamiliares); dimensões e localização dos lotes; percentual
e localização das áreas públicas; dimensões e forma de traçado das vias de
circulação do sistema viário interno, bem como a conexão com as vias oficiais
já existentes ou projetadas; definição das áreas non aedificandi, o que deverá
ser minuciosamente explicado em resposta anexa às retificações feitas nas
plantas.
A lei não fixou prazo para que o Poder Público se pronuncie a respeito
das diretrizes, sem o que não poderá prosseguir o planejamento do
empreendimento com a elaboração dos projetos. Impende à legislação
municipal fixar prazo para tanto. E se não houver previsão legislativa ou,
inobstante a previsão legal, o Poder Público quedar inerte sem manifestação?
Entende-se que o parcelador poderá utilizar-se analogicamente do prazo de 90
dias previsto no art. 15, §2o, da Lei n.° 6.766/9 e, expirado in albis, poderá
impetrar mandado de segurança visando ao pronunciamento do Poder
Público 129 .
Em alguns Municípios, o plano diretor prevê um desdobramento dessa
etapa do processo, de modo que o parcelador apresenta o requerimento
instruído com a planta da situação do imóvel, solicitando ao Município
declaração que diga as condições para ocupação do solo (regime de

128
COUTO, Manual teórico..., p. 103.
129
A ‘teoria do silêncio administrativo’ surgiu face à necessidade de se combater certos abusos da
Administração, sobretudo nas ocasiões da total inação a propósito das solicitações dos particulares. O
desempenho da função administrativa não é compatível com posições de desdém para com os
administrados, posto ser legítimo o direito destes terem suas demandas e recursos efetivamente
apreciados. Opera-se o silêncio administrativo nas hipóteses em que o Poder Público tem o dever legal
de agir e, simplesmente, não age. A inércia da Administração, retardando ato ou fato que deva praticar,
é abuso de poder, que enseja correção judicial. Nesse sentido: MEIRELLES, Direito administrativo...,
p. 98. COSTA, Licenças urbanísticas, p. 138.
45

ocupação, forma do traçado viário, localização dos equipamentos urbanos e


comunitários, restrições administrativas e áreas não edificáveis). Após a
obtenção desta declaração, deve ser realizado o estudo preliminar de
viabilidade urbanística, elaborado sobre o levantamento planialtimétrico, que
então é encaminhado para aprovação pelo Município. Somente após esta
aprovação o parcelador encaminha a licença ambiental prévia e a elaboração
dos projetos propriamente ditos.
Nos Municípios com menos de 50.000 habitantes, essa fase de
consulta e fixação de diretrizes poderá ser dispensada por lei (art. 8o da Lei n.°
6.766/79), de modo que o parcelador apresentará, diretamente, os projetos
propriamente ditos.
As diretrizes indicadas pelo Poder Público, que deverão ser seguidas
quando da elaboração dos projetos técnicos e urbanístico, vigorarão pelo prazo
máximo de 4 anos (art. 7o, par. único, da Lei n.° 6.766/79), o que significa dizer
que o parcelador teria esse prazo para elaborar o projeto do loteamento
propriamente dito, de acordo com as diretrizes fixadas. E se houver
alteração na legislação municipal (do zoneamento, por
exemplo) no curso desse prazo? Haveria direito adquirido do loteador em ver
aprovado o projeto de loteamento elaborado de acordo com as diretrizes
fixadas? Ou o Município pode exigir, na fase de exame e aprovação do projeto
a observância da nova legislação, eventualmente surgida? Entende-se que o
ato administrativo do Poder Público que fixa diretrizes tem caráter
discricionário, que envolve ‘interesses’ e não ‘direitos’, inexistindo engajamento
definitivo com o pedido do interessado, não gerando direitos ao parcelador 130 .
Assim, perfilhamo-nos ao entendimento de Toshio Mukai e outros 131 , que
sustenta não haver direito adquirido do parcelador. Se, entre a data da
expedição das diretrizes e a da aprovação do projeto do loteamento houver
alteração da legislação que venha a influir nas diretrizes, estas terão de ser
alteradas para adequarem-se à lei nova. Entretanto, após a aprovação do
projeto definitivo, concessão da licença urbanística e o início da execução das
obras 132 , se houver alteração da legislação que tenha reflexos nas diretrizes de
uso do solo, não poderá atingir a licença já concedida porque já gerou ao
interessado o direito adquirido de construir.

4.3.2 Projetos técnicos e urbanístico

Com base nos traçados na planta e nas diretrizes fixadas pelos órgãos
competentes, o parcelador terá os dados necessários para elaboração do
projeto de loteamento propriamente dito, que se constitui de um complexo
técnico-jurídico que será apresentado ao Município para aprovação.

130
Licença é ato administrativo vinculado, de caráter regulamentativo e definitivo, envolve ‘direitos
subjetivos’, que, se preenchidos, não podem ser negados. Uma vez concedida, tem presunção de
definitividade. Autorização é ato discricionário e precário, que envolve ‘interesses’, que podem ser
negados pelo Poder Público e, por isso, não geram direitos ao requerente.
131
MUKAI, et al. Loteamentos..., p. 39.
132
Anota-se que o Supremo Tribunal Federal entende que, em caso de superveniência de lei nova, só há
manutenção do direito de construir nas condições previstas na licença expedida de acordo com a lei
anterior se a construção tiver sido iniciada.
46

A parte técnica do projeto urbanístico é integrada por plantas, mapas e


memorial descritivo, indicando a subdivisão das quadras em lotes, o traçado
dos lotes, o sistema de vias internas de circulação, logradouros públicos, faixas
non aedificandi, áreas de preservação permanente, áreas de livre uso comum,
áreas de equipamentos urbanos 133 e comunitários (art. 9o, §1o e §2o, da Lei n.°
6.766/79) 134 .
O projeto do loteamento deve prever também a infra-estrutura que fará
parte do empreendimento (rede de distribuição de água 135 , rede de coleta de
esgoto 136 , rede de distribuição de energia elétrica 137 , sistema de drenagem
superficial, sistema de coleta e destinação de lixo e periodicidade),
identificando os responsáveis por sua implementação e operação,
acompanhado dos respectivos projetos técnicos.
O projeto do loteamento deve conter, ainda, o cronograma de
execução de obras, com duração máxima de quatro anos 138 .
A parte jurídica constituir-se-á de documentos e certidões que
comprovam a cadeia dominial e a propriedade da gleba a ser parcelada e a
inexistência de ônus reais e fiscais sobre ela (art. 9o, caput, da Lei n.°
6.766/79).
Pela via regular, o parcelamento do solo só pode ser promovido por
quem detenha a titularidade da gleba, ou por quem tenha poderes outorgados
pelo proprietário do imóvel para fazê-lo, daí a exigência do título de
propriedade (certidão atualizada da matrícula) 139 . Se o pretenso parcelador não

133
A definição da infra-estrutura a ser projetada será sempre aquela exigida pelos Poderes Públicos e as
que forem do interesse do empreendedor.
134
Sobre detalhes na elaboração do projeto urbanístico: AMADEI; AMADEI. Como lotear uma gleba...,
p. 95-107. Também COUTO; Manual teórico..., p. 121-137.
135
Existem três alternativas para o sistema de abastecimento de água potável: por rede pública (devendo
projeto identificar o ponto de ligação na rede pública e explicitar a responsabilidade pela implantação
da rede interna e sua interligação, se pelo empreendedor, pelo Poder Público ou concessionária); por
sistema isolado (captação de poços artesianos, adução, tratamento, reserva e distribuição da água); ou
por poços individuais perfurados em cada lote. Em caso de perfuração de poços, deve o empreendedor
elaborar estudo hidro-geológico para avaliação da possibilidade de captação e qualidade da água e obter
a respectiva autorização ou outorga junto ao órgão competente. O abastecimento através de poços
individuais somente é permitido se não houver possibilidade de abastecimento por rede pública e se o
tamanho dos lotes permitir a localização do poço a uma distância mínima de 30m de qualquer
sumidouro.
136
Para o equacionamento da questão do esgoto sanitário também existem três alternativas: interligação
na rede pública; sistema isolado (constituído por rede coletora, estação de tratamento e unidades de
afastamento e disposição final dos efluentes); sistema individual para cada lote (fossa séptica, filtro
anaeróbio e unidade de infiltração/sumidouros ou valas de infiltração para lançamento dos efluentes).
137
Os elementos essenciais para a elaboração do projeto técnico de abastecimento de energia elétrica são
elaborados pelas empresas de distribuição de energia.
138
Em se tratando de desmembramento, o processo é simplificado. O projeto deverá conter apenas a
indicação das vias existentes e dos loteamentos próximos, o uso predominante do local e a divisão dos
lotes pretendida na área (art. 10 da Lei n.° 6.766/79), salvo outras exigências constantes em lei
municipal. Quanto aos documentos jurídicos, basta a apresentação do título de propriedade,
dispensadas as certidões negativas.
139
A existência de ônus reais gravados sobre o imóvel não impede o parcelamento do solo pelo
proprietário, desde que no memorial descritivo seja mencionada esta circunstância e o credor do direito
real, por instrumento público, estabeleça a liberação do gravame para os trechos que constituirão as
áreas públicas e estipule as condições para liberação dos lotes, na medida em que seus preços forem
quitados pelos adquirentes.
47

possui o domínio do imóvel, deverá, antes de tudo, buscar essa providência


administrativa ou judicialmente, para registrá-lo em seu nome 140 .

4.3.3 Diretrizes pelo Estado e anuência prévia da autoridade metropolitana

A Lei n.° 6.766/79 previa, anteriormente, a anuência prévia dos


Estados para a aprovação dos loteamentos e desmembramentos pelos
Municípios nas hipóteses elencadas no art. 13, par. único (imóveis localizados
em área limítrofe de Municípios, em mais de um Município, em áreas de
interesse especial, tais como as de proteção de mananciais, em área superior a
1.000.000m2). A modificação do referido artigo pela Lei n.° 9.785/99 excluiu
essa anuência prévia, dizendo que ao Estado caberá disciplinar a aprovação
pelos Municípios dos loteamentos e desmembramentos naquelas condições, o
que significa dizer que, querendo, o Estado pode estabelecer diretrizes a serem
seguidas na aprovação dos projetos de parcelamentos naqueles casos
específicos previstos no caput do art. 13. O parágrafo único do art. 13, contudo,
manteve a anuência prévia da autoridade metropolitana para os parcelamentos
localizados em Município integrante de região metropolitana.
Atualmente, a manifestação do Estado ou da autoridade metropolitana
é diversa em cada Estado-membro da federação.
No Estado do Rio Grande do Sul, o art. 27 da Lei Estadual n.°
10.116/94 dispõe que o Estado examinará, obrigatoriamente, antes da
aprovação pelos Municípios, os projetos de parcelamento do solo destinados a
fins urbanos, anuindo ou não com sua execução, nas mesmas hipóteses
mencionadas no art. 13 da Lei n.° 6.766/79, acrescentando, ainda, os
empreendimentos que se destinarem a distrito industrial. 141
No Estado de São Paulo, todos os projetos habitacionais são
analisados pelo GRAPROHAB-Grupo de Análise e Aprovação de Projetos
Habitacionais (Decreto Estadual n.° 33.499/91), que reúne todas as secretarias
estaduais (de habitação, meio ambiente, da saúde), órgãos e empresas
concessionárias de serviços públicos que atuam na aprovação e licenciamento
de loteamentos, com o objetivo de centralizar e agilizar o trâmite dos projetos
habitacionais apresentados para apreciação no âmbito do Estado.

4.3.4 Licença urbanística

As primeiras licenças urbanísticas foram denominadas ‘licenças de


construção’ e controlavam a estética de um projeto e a acomodação às normas
de política da construção individualmente. Posteriormente, ocorreu uma
transformação da natureza das licenças, momento em que passaram a ser

140
A providência judicial, dependendo do caso concreto, poderá ser ação de usucapião, adjudicação
compulsória, extinção de condomínio, entre outras.
141
No Município de Porto Alegre, que é licenciador pleno, o órgão metropolitano-METROPLAN
participa do Conselho Municipal de Planejamento Urbano e aprovação do projeto de parcelamento por
esse órgão colegiado presume a anuência prévia da autoridade metropolitana.
48

denominadas ‘licenças urbanísticas’ 142 , porque passaram a impor deveres e


condicionar permanentemente o exercício destes 143 . Tais licenças constituem
uma forma de controlar e dar cumprimento à ordem urbanística.
A licença urbanística tem características próprias, entre as quais se
ressalta que é ato vinculado – o que a diferencia, na sua natureza
administrativa, do licenciamento (‘autorização’) ambiental. Disto resulta que,
nas hipóteses em que o particular-interessado preencher os requisitos
previstos na legislação, não haverá margem de apreciação subjetiva
(discricionária) do Poder Público. 144
As licenças urbanísticas, além de servirem ao levantamento das
barreiras impostas pela lei ao exercício de certos direitos, aos quais sem a
prescrição estatal seriam proibidos ou impedidos, constituem um instrumento
de controle do uso e ocupação do solo, exercido pelo Poder Público, ensejando
medida preventiva voltada a evitar abusos.
O procedimento para obtenção da licença urbanística para parcelar o
solo abarca etapas de requerimento, instrução, decisão e recursal.
A instauração do procedimento ocorre com o requerimento para
fixação das diretrizes pelo Poder Público ou, nos casos em que esta etapa é
dispensada pela legislação municipal, pelo requerimento de apreciação do
projeto e dos demais documentos apresentados (título de propriedade,
memorial descritivo, peças gráficas, plantas, etc.).
A instrução é a etapa em que são averiguados todos os atos e fatos
jurídicos condutores à decisão. Nesta fase, caso os documentos apresentados
pelo particular sejam insuficientes ou incorretos, ou quando o Poder Público
constatar a imprescindibilidade de alguma diligência ou complementação de
documentação exigida por lei ou esclarecimentos, deverão ser objeto de
comunicados (‘comunique-se’) para que as falhas sejam sanadas. 145
Encerrada a instrução, o Poder Público manifesta-se sobre a
possibilidade de levar a cabo o parcelamento (ou regularização deste),
exarando a decisão de aprovação ou rejeição dos projetos e, em caso de
aprovação, expede a competente licença urbanística, através de alvará.
O art. 15 da Lei n.° 6.766/79 remete à lei municipal a definição do
prazo para que um projeto de parcelamento seja aprovado ou rejeitado. O §2°
estabelece que, nos Municípios cuja legislação seja omissa, o prazo é de 90
dias para a aprovação ou rejeição do projeto. O §1° do mesmo artigo diz que,
transcorrido o prazo (da legislação municipal ou, na falta deste, do §2°
retromencionado) sem a manifestação do Poder Público, o projeto será
considerado rejeitado, assegurada a indenização por eventuais danos
derivados da omissão. Na esteira da ‘teoria do silêncio administrativo’, entende-

142
O gênero ‘licenças urbanísticas’ comporta várias espécies, entre elas licença para parcelar o solo,
licença edilícia (para edificar ou demolir), licença para habitar e licença para funcionamento e
localização.
143
SILVA, Direito urbanístico..., p.390-391.
144
A licença administrativa permeia uma relação jurídica estável, uma situação de caráter definitivo e não
precário, onde ulteriores considerações sobre alterabilidade da relação jurídica firmada não se põem em
debate. Sobre o tema: COSTA, Licenças urbanísticas, p. 69. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina
urbanística da propriedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 58. SILVA, Direito
urbanístico..., p.391. GASPARINI, Direito administrativo, p. 78-87. Hely Lopes Meirelles anota que a
recusa da licença para lotear, quando o projeto ou plano estiver em ordem, é ilegal e abusiva.
MEIRELLES, O direito de construir, p. 163.
145
COSTA, Licenças urbanísticas, p. 135-136.
49

se que o desempenho da função administrativa não é compatível com essa


omissão – já que o Poder Público tem o dever de se pronunciar –, posto ser
legítimo o direito do interessado de ter seu requerimento efetivamente
apreciado e, se for o caso, apontadas as razões da rejeição 146 . Essa omissão
do Poder Público enseja mandado de segurança, para corrigir a falha abusiva
da Administração. 147
A licença urbanística para parcelar não pode ser concedida sem que o
parcelador assine o termo de compromisso, em que constará o prazo total para
execução das obras (abertura de vias, demarcação e divisão de lotes e
execução da infra-estrutura), que não poderá ser superior a quatro anos (art. 9°
da Lei n.° 6.766/79). Como garantia das obrigações assumidas, no termo de
compromisso, o parcelador prestará caução de bens ou fiança junto a
estabelecimento de crédito que a juízo do Município sejam suficientes para
cobrir os custos do empreendimento 148 . Somente depois de assinado o termo
de compromisso e a escritura de caução, o Município expedirá o alvará.
Do deferimento da licença urbanística emerge, em tese, o direito de
construir conforme o projeto aprovado 149 . Ocorre o desencadeamento de dois
atos administrativos consecutivos: a aprovação do projeto e a licença
propriamente dita, que é o gerador do direito subjetivo à execução do
parcelamento, nos moldes do projeto. Contudo, em se tratando do
parcelamento do solo urbano, esse direito subjetivo não emerge com a licença
urbanística por si só, pois é necessária a compatibilização com a licença
ambiental de instalação (LI). Para emergir o direito de implantar o
parcelamento, devem ser obtidas ambas as licenças: urbanística e ambiental.
Aprovado o projeto de parcelamento (ou regularização deste) pelo
Município, deve ser submetido pelo interessado ao Registro de Imóveis, no
prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias, para registro na matrícula
imobiliária respectiva. 150
Desde a aprovação dos projetos, vige a inalterabilidade de destinação
das áreas institucionais pelo parcelador 151 , salvo a hipótese de caducidade da

146
Sendo o ato administrativo de aprovação ou rejeição do projeto uma ‘licença’ e, como tal, ato
vinculado, a rejeição só pode ocorrer por não cumprimento das determinações legais pertinentes ou das
diretrizes fixadas pelo Poder Público.
147
Essa teoria tem o escopo de combater certos abusos da Administração, sobretudo nas ocasiões da total
inação a propósito das solicitações dos particulares. A inércia da Administração, quando deveria agir, é
abuso de poder, que enseja correção judicial. Também a rejeição do projeto quando este está de acordo
com a legislação e as diretrizes é passível de correção via mandado de segurança. Nesse sentido:
MEIRELLES, Direito administrativo..., p. 98. COSTA, Licenças Urbanísticas, p. 138. BRAGA,
Parcelamento do solo urbano, p. 48.
148
Quando da não-implementação das obrigações assumidas pelo parcelador, o Município está obrigado,
por lei, a implementá-las, podendo promover a ação competente para adjudicar ao seu patrimônio os
bens caucionados ou receber a quantia afiançada. Se o parcelador executa integralmente o
empreendimento, o Município libera os bens caucionados ou a fiança prestada após o termo de
verificação que atesta a implementação das obras.
149
Nesse sentido: PRESTES, A necessidade de compatibilização..., p. 88. FIGUEIREDO, Disciplina
urbanística..., p. 58.
150
Não se pretende esgotar as questões de registros públicos, que não dizem com o objetivo deste
trabalho, que é a dimensão ambiental do parcelamento do solo urbano. Tais questões estão
exaustivamente abordadas em outras obras, entre elas: COUTO, Manual teórico..., p. 174-249.
BRAGA, Parcelamento..., p. 61-67. SILVA, Parcelamento..., p. 63-71. AMADEI; AMADEI, Como
lotear uma gleba, p. 129-239. MUKAI, et al, Loteamentos..., p. 81-125.
151
Com a aprovação dos projetos os espaços livres tornam-se públicos. Sobre a questão, ver item 4.1,
quando se trata do concurso voluntário.
50

licença (se não registrado o parcelamento no prazo legal) ou desistência do


interessado em efetivar o empreendimento (art. 17 da Lei n.° 6.766/79) 152 .

5 PARCELAMENTOS DO SOLO À MARGEM DA LEI

Três etapas distintas são necessárias para a implementação lícita de


um parcelamento: a administrativa (aprovações e licenças), a civil e registrária
(registros e contratos) e a urbanística (execução das obras de infra-estrutura e
correções ambientais). Os parcelamentos irregulares, clandestinos e
assentamentos informais são implantados às avessas: começam, em geral,
com a cessão ou invasão dos lotes e as construções das casas, sem infra-
estrutura urbana e, na maioria das vezes, sem projetos, licenças e registro.
Algumas razões explicam – mas não justificam – o aparecimento dos
parcelamentos à margem da lei.
A execução de um loteamento demanda custos para a sua
implantação. Começando pela fase de obtenção de diretrizes urbanísticas junto
ao Município, passa-se pela elaboração de planta, memorial descritivo e
projeto, com o auxílio e a contratação de técnicos, dentre engenheiros,
arquitetos, geólogos e topógrafos. Ao depois, percorrido um caminho
burocrático de aprovações pelos órgãos públicos (municipais e, em alguns
casos, estaduais, sob o aspecto ambiental e de saneamento básico), promove-
se o registro do loteamento, marcado pela prévia apresentação de um rol de
documentos que demonstram a regularidade dominial e a idoneidade financeira
do proprietário loteador, inclusive perante o fisco. As vendas dos lotes,
precedidas de uma campanha publicitária (produção de panfletos e faixas,
anúncios nos meios de comunicação, etc.), por vezes intermediadas por
imobiliárias, gerando custos com a remuneração dos corretores. Essa
empreitada se perfaz com a execução das obras de fragmentação e
demarcação física do solo (terraplanagem, cortes e aterros, abertura de ruas,
cravação de piquetes, etc.) e de infra-estrutura (implantação do sistema de
captação e drenagem de águas pluviais, das redes de água, luz e esgoto,
pavimentação das ruas, etc.), transferindo-se parte da gleba ao patrimônio do
Município, para a formação das vias de circulação, espaços livres, áreas
verdes e de lazer, praças e prédios públicos, etc. Naturalmente, o
empreendedor repassará todos os custos gerados para o preço do lote, ao
comprador, destinatário final da atividade de lotear, encarecendo o terreno.
Nota-se, destarte, que são poucos os estímulos para quem pretende lotear de
maneira rápida, a custos baixos, com ganhos financeiros e total aproveitamento
da gleba, razão pela qual, não raro, proprietários de terras têm contornado os
comandos da Lei 6.766/79, promovendo loteamentos irregulares, clandestinos
ou fechados.
José Carlos de Freitas 153 aponta, de forma clara, as faces
desordenadas dos parcelamentos irregulares ou clandestinos implantados à

152
Em casos de loteamentos irregulares executados sem prévia aprovação, a destinação das áreas públicas
não poderá ser alterada sem aplicação das sanções cíveis, administrativas e criminais. Neste caso, o
loteador deverá ressarcir o Município em valor pecuniário ou em área equivalente, no dobro da
diferença entre o total das áreas públicas exigidas e as efetivamente destinadas (art. 43 da lei n.°
6.766/79).
153
FREITAS, Loteamentos..., p. 336-342.
51

margem da lei. As glebas são retalhadas em quadras, lotes e ruas, sem


qualquer planejamento prévio ou preocupação com o meio físico urbano.
Executam-se movimentos de terra, cortes e aterros sem o compromisso com
as normas técnicas de engenharia. Remove-se a cobertura vegetal
prejudicando a estabilidade do solo, favorecendo sua erosão e o assoreamento
de cursos d’água.
Quando previstos, raros são os espaços reservados às áreas públicas
para fins comunitários (praças, áreas verdes, sistema de recreio), formando um
maciço de casas modestas amontoadas, sem respeito aos recuos que
garantam aeração e insolação.
A ausência de áreas institucionais nesses assentamentos, que se
prestariam a comportar, por exemplo, a edificação de creches e escolas para
as crianças, ou mesmo de postos de saúde destinados a oferecer os serviços
básicos de atendimento ambulatorial à comunidade local emergente, ocasiona
a saturação dos equipamentos públicos dos bairros vizinhos a esses
loteamentos, dando margem à superlotação de estabelecimentos de saúde e
de ensino.
Os compradores dos lotes, à falta de aprovação e registro do projeto
de parcelamento, pactuam as vendas sem um contrato-padrão que lhes
proporcione um mínimo de formalidades e garantias legais traçadas pela lei,
inclusive a escritura pública. Sujeitam-se a imposições unilaterais e cláusulas
abusivas dos loteadores.
As casas que são construídas nessas áreas seguem a mesma sorte da
clandestinidade, por não serem precedidas de alvará de construção, sendo, por
isso, geralmente desprovidas dos critérios técnicos de solidez e estabilidade e
sem sistema de esgotamento sanitário adequado.
Perfuram-se poços para a captação de água nas proximidades das
fossas negras abertas, favorecendo sua contaminação. É comum o despejo do
esgoto doméstico, sem tratamento, no solo e nos córregos contribuintes dos
rios e mananciais.
Paralelamente à prática da autoconstrução em lotes ilegais, seguem as
ligações inoficiais das redes públicas de energia elétrica e água às casas,
gerando riscos para os próprios moradores e transeuntes. Cruzando o espaço
aéreo local, um emaranhado de fios condutores de eletricidade, distantes
poucos metros dos tetos das casas e do leito das ruas, oferecem perigo
constante à integridade física dos passantes, com riscos de descargas elétricas
e de incêndio.
Formam-se focos de sujidades com o depósito de lixo em locais
impróprios, como terrenos baldios ou leito dos cursos d'água, dando azo à
proliferação de transmissores de doenças (roedores, moscas e urubus),
exalando mau cheiro e causando poluição, por vezes na forma de infiltração do
chorume no solo, que atinge o lençol freático, comprometendo a saúde dos
moradores e do restante da população.
As ruas abertas são desprovidas de sistema para drenagem das águas
pluviais (guias, sarjetas, bocas de lobo, canaletas e galerias), o que gera o
acúmulo de água de chuva no solo. Quando implantadas, têm larguras
mínimas, dificultando a circulação de ar, o serviço de transporte coletivo, de
coleta de lixo, de limpeza e manutenção das vias, e mesmo o ingresso de
viaturas de salvamento (ambulâncias, corpo de bombeiros) e patrulhamento
policial, favorecendo o domínio da marginalidade.
52

Apesar das restrições ambientais, topográficas e sanitárias impostas


pela Lei 6.766/79 ao parcelamento de áreas nas situações definidas no seu art.
3º, nos parcelamentos clandestinos elas não são respeitadas e preservadas.
Terrenos sujeitos a inundações, com declividade excessiva e topografia
irregular são ocupados sem as mínimas condições de habitabilidade e
segurança; daí a existência de moradias em áreas de risco, proporcionando
escorregamentos e deslizamentos de taludes e encostas sobre as habitações.
Parcelam-se terrenos com fins urbanos na zona rural das cidades,
apesar da proibição (art. 3º, caput, Lei 6.766/79), pois sua localização
geográfica não os habilita urbanisticamente a comportar um adensamento
residencial, porque distantes dos serviços públicos e das obras de infra-
estrutura, os quais, para sua implementação, demandariam altos custos para o
Município e, por conseqüência, para os contribuintes.
Imóveis localizados em áreas de proteção ambiental são objeto da
ação predatória dos loteadores ou dos invasores, cuja ocupação ocasiona, em
vários casos, prejuízos ao abastecimento hídrico da cidade (loteamentos nas
áreas de proteção aos mananciais), ou mesmo o assoreamento de corpos
d’água com o desmatamento de vegetação ciliar que guarnece as margens de
rios (áreas de preservação permanente), carreando para seu leito os detritos
residenciais produzidos (águas servidas, esgoto e lixo doméstico, etc.).
Mesmo com indefinições na titularidade jurídica das glebas, estas são
objeto de cessões de direitos possessórios e hereditários por escrituras
públicas expressas em "frações ideais", por contratos ou até por meros recibos,
o que impossibilita, muitas vezes, a posterior regularização destas áreas.
De um modo geral, concomitantemente ao ato de parcelar, os lotes
são lançados à “venda”, sem qualquer preocupação com a regularidade formal
do loteamento e com a eventual impossibilidade de sua regularização.
Junte-se a esse panorama o déficit habitacional, os movimentos
migratórios para as grandes cidades e a procura da casa própria pelas classes
mais modestas. Eis a receita para a produção informal de casas populares,
para assentamentos não planejados e descontrolados. Enfim, para o caos
urbano.
A desordenada ocupação do solo com a implantação dos loteamentos
clandestinos, em virtude da inobservância das normas urbanísticas, conduz,
assim, à proliferação de habitações edificadas sem critérios técnicos
(insegurança) e em condições subumanas (insalubridade); ao surgimento de
focos de degradação do meio ambiente e da saúde; ao adensamento
populacional desprovido de equipamentos urbanos e comunitários definidos na
Lei n.° 6.766/79 (art. 4º, § 2º e art. 5, parágrafo único) e incompatível com o
meio físico (má localização), gerando o crescimento caótico da cidade; à
marginalização dos seus habitantes com o incremento das desigualdades
sociais e reflexos na segurança da população local e circunvizinha (violência,
comércio de drogas, etc.).
A população sofre com a formação da "cidade ilegal", arcando com os
custos das inevitáveis intervenções do Poder Público para a sua
urbanificação 154 .

154
A urbanização é "um fenômeno espontâneo de crescimento das aglomerações urbanas ". Urbanificação
é "atividade deliberada de beneficiamento ou rebeneficiamento do solo para fins urbanos, quer criando
áreas urbanas novas pelo beneficiamento do solo ainda não urbanificado, quer modificando solo já
urbanificado". SILVA, Direito urbanístico..., p.289.
53

5.1 Expedientes fraudulentos

Os loteadores clandestinos valem-se de expedientes destinados a


mascarar e ocultar a venda de lotes e a implantação dos loteamentos, pondo à
margem a Lei n.° 6.766/79. Causam danos aos adquirentes, ao meio ambiente
e aos padrões urbanísticos dos Municípios. Dentre as manobras mais comuns
destacam-se as associações e sociedades comunitárias e as cooperativas
habitacionais, os falsos condomínios, as chácaras de recreio, as
desapropriações sem interesse público.
Têm proliferado os grupos de pessoas que, pretendendo explorar o
ramo de loteamentos, em vez de fazê-lo regularmente através de uma
sociedade comercial, procuram fraudar a lei travestindo sua empresa de
entidade filantrópica que denominam “associação habitacional”, “sociedade
comunitária” ou “cooperativa habitacional”, constituídas com aparente
legalidade, escondendo uma práticas irregulares em nome de tal personalidade
jurídica. Comumente, agrupam interessados na compra de lotes, arrecadando
valores mensais desses "associados" ou "cooperativados", a título de cotas ou
mensalidades, cujo montante será empregado na compra de uma gleba.
Também cobram prestações para a contratação dos serviços de topografia,
elaboração de planta do futuro loteamento, terraplanagem, abertura de ruas,
demarcação de quadras e lotes, enfim, para a execução do parcelamento do
solo. O grupo ou pessoa física fundador(a) da associação ou cooperativa busca
sua legitimação perante os adquirentes de lotes mediante a formalização de
um estatuto e a realização de assembléias que deliberam sobre a sorte do
empreendimento e dos associados em mora. Muitas vezes esses atos
constitutivos também buscam conferir às diretorias dessas associações ou
sociedades uma hegemonia, dotando-lhe de poderes absolutos e totalitários,
porque auto-eleita, auto-empossada, reelegível ad nutum, de modo que
“associados” ou “sócios” na verdade são consumidores lesados que sequer
conhecem a pessoa jurídica que em hipótese alguma pode ser considerada
“associação” ou “sociedade”, tratando-se de fachada para um empreendimento
ilegal que visa a tender os interesses dos fundadores – loteadores – e por
conta e risco dos “associados” que empregam seu dinheiro no
empreendimento. Os adquirentes dos lotes são maliciosamente nominados
como “associados” e pagam mensalidades ou cotas aos empreendedores,
sendo por estes geridas sem nenhum controle ou acesso por parte daqueles
que são denominados “sócios”. O resultado disso é que o loteamento é
implantado sem as formalidades legais de aprovação, registro do projeto (por
vezes inexistente), titularidade do domínio da gleba parcelanda, vale dizer, de
forma clandestina. Os compradores são orientados a construir no local,
gerando uma ocupação desordenada. Mesmo quando bem intencionadas tais
associações, olvidam-se dos requisitos básicos, gerando parcelamentos
clandestinos. A lei não proíbe a realização de loteamentos por pessoas
jurídicas – inclusive associações ou sociedades –, bastando que elas respeitem
e observem as disposições da Lei n.° 6.766/79 e da legislação ambiental, o
que, de regra, não ocorre. 155

155
Nessas circunstâncias, é possível desconsiderar a pessoa jurídica, no caso concreto, para buscar a
responsabilização dos fundadores da sociedade ou associação, verdadeiros loteadores. Sobre a questão,
ver: PINTO, Yves Atahualpa. Constituições fraudulentas de associações habitacionais para promoção
54

Outra modalidade consiste na constituição fraudulenta de


"condomínios". Proprietários de glebas vendem partes ideais em percentuais
numericamente iguais ou muito próximos, mediante alienações sucessivas,
formando condomínio em escala empresarial, mediante contratos
padronizados. As escrituras de venda e compra das "frações ideais" são
registradas no serviço imobiliário de forma seqüencial, numa mesma matrícula.
Ainda que as escrituras não tragam a localização da parte, na verdade, quando
da contratação, são exibidas plantas indicando onde a "fração ideal" está
situada e, de fato, o terreno do "condômino" se apresenta como parte certa
demarcada, localizada, cercada e destacada do todo, com frente para ruas
abertas pelo proprietário originário. Portanto, sem relação com o condomínio
ordinário previsto no Código Civil. Esse expediente também não se equipara ao
condomínio de casas da Lei n.° 4.591/64 (art. 8º), que reclama a discriminação
da parte do terreno ocupada pela edificação (cujo projeto de construção deve
ser previamente aprovado e conhecido do adquirente) e a indicação da fração
ideal do terreno e das partes comuns. No condomínio especial de casas ou
sobrados regido pela Lei n.° 4.591/64, o empreendedor entrega a casa pronta,
ainda que a sua venda tenha se processado "na planta"; as residências têm
áreas privativas e áreas comuns dos condôminos (jardim, piscinas, salões, sem
existência de ruas, praças e áreas públicas). Já nos ‘loteamentos fechados’ ou
‘condomínios horizontais’ disfarçados de condomínios especiais de casas, há,
na verdade, venda de lotes sem a construção presente ou futura. Ocorre a
alienação de ‘lotes em condomínio’, sem qualquer previsão legal. Os
‘condomínios horizontais’ ou ‘loteamentos fechados’, são implantados com
base na Lei n.° 4.591/64, mas, na verdade, são uma forma de burla à
legislação urbanística e ambiental, para favorecer, na prática, a privatização do
uso das áreas públicas verdes e institucionais, que deveriam ser vocacionadas
ao uso coletivo. São, na verdade, loteamentos convencionais, com todos os
equipamentos urbanos (vias públicas, praças,...), em que há uma distorção de
duas instituições jurídicas para redundar aproveitamento condominial de
espaço público. É uma técnica de especulação imobiliária, sem as limitações,
as obrigações e os ônus que o Direito Urbanístico e o Direito Ambiental
impõem aos loteadores do solo. 156
Outra fraude é a venda de chácaras ou sítios de recreio na zona rural,
em local que oferece atrativos de uma paisagem adornada por vegetação
nativa e ladeada por rios, lagos e outros cursos d’água 157 . Esses

de loteamentos ilegais. In: FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 1999, v.1, p. 157-174.
156
Sobre a questão ver: PELUSO, Antonio Cezar. Fraudes à lei de parcelamento do solo e à lei de
incorporação imobiliária. In: FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000, v. 2, p. 365-375.
RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. A indevida utilização do condomínio tradicional para o parcelamento
do solo em partes ideais: fraude à lei impeditiva do registro imobiliário. In: FREITAS, José Carlos de
(Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do
Estado de São Paulo, 2001, v. 3, p.367-383. PIMENTEL, Roberto Luís de Oliveira. Implementação de
empreendimento residencial: a questão da divisão de imóvel em glebas menores como ato de fraude à
lei. In: FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 1999, v.1, p. 139-145. SOUZA NETTO, Da
proibição..., p. 237-258. FREITAS, José Carlos de. Da legalidade dos loteamentos fechados.
Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/caouma>. Acesso em:12 out. 2004.
157
Quanto aos loteamentos implantados dessa forma em áreas de proteção ecológica, consultar:
AKAOUI, Parcelamento do solo..., p. 149-153.
55

empreendimentos, que em geral são vendidos em frações ideais do imóvel ou


títulos de sócios de clube de lazer, não escondem sua ilegalidade, quer pela
natureza do assentamento que visam formar (lazer = fim urbano), quer pela
implantação em zona imprópria (zona rural). O loteamento destinado a
chácaras de recreio não está dispensado dos requisitos da legislação de
parcelamento urbano. 158
Constata-se certa freqüência na "parceria" entre a Administração
Pública Municipal e o loteador, quando o Município desapropria faixas de terras
particulares para compor o sistema viário numa determinada gleba indivisa,
sem finalidade de interligação entre um bairro e outro, ou entre duas vias
urbanas (ou, quando isso ocorre, outras vias transversais e paralelas são
expropriadas sem necessidade), vale dizer, ligando o nada a lugar algum, sem
qualquer interesse público, quase sempre para beneficiar o loteador, que só
tem o trabalho de parcelar as quadras resultantes e auferir lucro com a venda
dos lotes, já que, com o aproveitamento das vias públicas, o empreendimento
configura apenas desmembramento ou fracionamento, com requisitos mais
simplificados para sua implantação. 159 Com essa prática, o Município não
recebe gratuitamente as áreas públicas, e as obras de infra-estrutura são
suportadas pelo erário, pelo contribuinte que paga os impostos, e não pelo
loteador. Ocorre flagrante desvio de finalidade do ato expropriatório e prejuízo
ao patrimônio público, passível de ação popular ou ação civil pública de
conteúdo desconstitutivo, em especial quando esses atos são maquiados com
desapropriações amigáveis e por preços simbólicos, sob a alegação de que
não houve dano de grande monta.

5.2 Medidas preventivas e repressivas das formas irregulares de


parcelamento

Como a implantação de parcelamentos clandestinos e irregulares afeta


a cidade e a comunidade como um todo, é razoável concluir que todos devem
colaborar para a sua prevenção e repressão. É necessária uma conjugação de
esforços dos principais agentes com atribuições na seara de fiscalização,
controle, repressão civil, administrativa e penal, em condições de refrear o
processo de clandestinidade e atuar na correção dos defeitos da urbanização
desordenada – registradores públicos, Municípios, Polícias, Ministério Público e
Poder Judiciário. Ordinariamente, a notícia do parcelamento ou ocupação
clandestina de área chega aos conhecimento destes depois de implantado. No
entanto, quando possível, é imperiosa uma atuação preventiva e
concomitantemente repressiva por esses agentes, com poderes para interferir
na execução do empreendimento ou assentamento irregular, tendo em vista,
sobretudo, que a regularização de um loteamento consolidado é problemática
e, às vezes, juridicamente impossível.
A prevenção ideal envolve o acesso à informação adequada por parte
de todos os envolvidos no parcelamento do solo.

158
Sobre a questão, ver item 3.1.
159
Sobre essa prática, consultar: LYRA, Marcos Mendes. O parcelamento do solo urbano e o sistema
viário. In FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 1999, p. 228.
56

Os parceladores devem buscar adequada orientação técnica e jurídica


antes de iniciarem qualquer empreendimento.
Os consumidores devem buscar informação sobre a aprovação e
registro do empreendimento e se o parcelador é idôneo.
Os funcionários dos Poderes Públicos Municipal e Estadual devem
conhecer as normas que envolvem a questão e estar aptos a aplicá-las, seja ao
traçarem as diretrizes do parcelamento, seja ao analisarem projetos para fins
de aprovação, seja ao fiscalizarem os parcelamentos que estão sendo
implantados, bem como devem estar aptos a orientar corretamente os
interessados em parcelar o solo e consumidores interessados em adquirir lotes.
Aos registradores cumpre impedir de ofício o registro de atos que
possam configurar a execução simulada de loteamento clandestino (ex:
escrituras de venda de fração ideal) e comunicar ao Ministério Público as
irregularidades que identificar, tais como cláusulas abusivas dos contratos,
venda de frações ideais, inexecução das obras de infra-estrutura de loteamento
registrado ao término do prazo fixado no cronograma. 160
O Município tem poder de polícia para acionar seu serviço de
fiscalização, aplicar multas, expedir notificações (inclusive a do art. 38 da Lei
n.° 6.766/79), embargar, interditar e demolir obras irregulares 161 , sem olvidar-
se que também é órgão legitimado para o ajuizamento de ação civil pública 162 .
Sua inércia pode gerar responsabilização em eventual ação civil pública
movida por outro legitimado, além da responsabilidade de seus agentes por
improbidade administrativa (Lei n.° 8.429/92) e pelo delito de prevaricação, sem
prejuízo dos delitos ambientais e de parcelamento irregular do solo, quando
houver algum ato comissivo na implantação do loteamento ou assentamento.
A autoridade policial pode representar ao juízo competente pela busca
e apreensão de coisas e instrumentos do crime (maquinário empregado na
execução física do parcelamento, faixas publicitárias, panfletos, contratos), pelo
bloqueio das contas bancárias recepcionárias das prestações pagas pelos
adquirentes dos lotes e pela prisão dos responsáveis pelas vendas de lotes do
parcelamento clandestino ou irregular, para evitar a continuidade das
vendas 163 .
O Ministério Público, diante da legislação de proteção dos interesses
difusos e coletivos – incluída a defesa do meio ambiente e da ordem
urbanística, conta com instrumentos na esfera extrajudicial e outros que devem
ser empregados perante o Judiciário. Tem o poder-dever de instaurar inquérito
civil para apurar as irregularidades no parcelamento e buscar sua
regularização, através de compromisso de ajustamento de conduta tomado do
responsável e/ou do Poder Público. Pode promover a notificação do art. 38 da
Lei n.° 6.766/79, instar o Município a exercer seu poder de polícia e agir como
indutor de políticas públicas de regularização do solo urbano, ordenação do
território e restauração ambiental. Não logrando solucionar a questão na fase
extrajudicial, caberá o ajuizamento de ação civil pública para defesa dos

160
FREITAS, Loteamentos clandestinos..., p. 343-350.
161
Sobre o poder de polícia dos Municípios: DI PIETRO, Poder de polícia..., p. 33. Também:
MEIRELLES, O direito de construir, p.166.
162
BERÉ, Cláudia Maria. O papel do Ministério público no parcelamento do solo urbano. In:
FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. A lei e a ilegalidade na produção do espaço urbano.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 129.
163
BERÉ, O papel do Ministério Público..., p. 129-130.
57

interesses difusos à ordem urbanística e ao meio ambiente sadio e equilibrado,


postulando a regularização ou, sendo inviável, o desfazimento do parcelamento
e indenização aos adquirentes, podendo, também, ser pleiteadas medidas
cautelares para evitar a ocorrência de danos. Deve, ainda, nas hipóteses de
crime de parcelamento irregular do solo urbano (arts. 50 e 51 da Lei n.°
6.766/79) e outros eventuais delitos ambientais decorrentes de extração de
vegetação nativa (ex: arts. 38, 39, 48, 50 da Lei n.° 9.605/98), construção em
solo não edificável especialmente protegido (art. 64) e lançamento de resíduos
líquidos ou sólidos (art. 54, §2o, inc. V), adotar providências criminais contra os
responsáveis.
Não só o Ministério Público e os Municípios, mas também todos os
demais legitimados pela Lei n.° 7.347/85 podem ajuizar ação civil pública para
defesa dos interesses difusos à ordem urbanística e ao meio ambiente
equilibrado.
Muitas das medidas preventivas ou de responsabilização só poderão
ser obtidas via Judiciário, especialmente na esfera penal. Em sede de
jurisdição civil, o deferimento de medidas liminares e de antecipação de tutela
nas ações cautelares ou civis públicas é imperioso para evitar maiores
prejuízos aos consumidores adquirentes dos lotes, ao ordenamento das
cidades e ao meio ambiente. Os pedidos de provimentos cautelares podem
consistir em determinação de abstenção de cobrança de prestações,
comercialização ou cessão de lotes, supressão de vegetação, movimentação
de terras, abertura de ruas, demarcação de quadras e lotes; exibição de
contratos e rol de adquirentes ao Juízo; colocação de placas no loteamento
comunicando sua irregularidade ou clandestinidade; embargo de obras;
bloqueio de lotes dados em caução; indisponibilidade ou bloqueio de bens dos
loteadores; execução de obras emergenciais 164 .

5.3 Regularização fundiária

Regularizar significa colocar de acordo com a lei. O termo fundiário é


relativo a terreno. Assim, regularização fundiária significa colocar terrenos em
situação de legalidade, o que, atualmente, exige não só a correção de aspectos
dominiais e urbanísticos, mas também ambientais.
Para a regularização fundiária das áreas ocupadas irregular ou
clandestinamente, tem-se que utilizar as disposições registrais, urbanísticas e
ambientais prescritas para o parcelamento regular do solo 165 , no que
couberem. Isso significa que a regularização perpassa pela realização dos
projetos, obtenção das licenças e registro imobiliário, necessariamente,
adequados à situação fática existente.
Rosângela Staurenghi anota que não é possível criar-se uma
legislação específica dispondo sobre todos os detalhes de uma regularização
fundiária, porque cada caso deve ser analisado em suas particularidades 166 .

164
FREITAS, Loteamentos clandestinos..., p. 349-350. Também: BERÉ, O papel do Ministério
Público..., p.133.
165
Ver capítulos 3, 4 e 5.
166
STAURENGHI, Regularização fundiária...
58

O procedimento previsto em lei para as cidades formais traça um


modelo ideal de parcelamento e desenvolvimento urbano e ambiental. A
regularização fundiária não poderá desvirtuar-se dessas diretrizes do modelo
ideal de parcelamento, de desenvolvimento urbano, de ordenação da cidade e
de proteção ambiental, sob pena de jamais alcançarmos a almejada
sustentabilidade das cidades. O objetivo da regularização fundiária deve
adequar, na medida do possível, os parcelamentos irregulares, clandestinos e
assentamentos informais ao modelo legal ou ideal de cidade sustentável, esta
definida como a que gera direito à propriedade, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, aos serviços públicos, ao lazer, ao
transporte e ao trabalho, para esta e para as futuras gerações (art. 20, inc. I, do
Estatuto da Cidade). Da mesma forma, a regularização deverá corrigir as
distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio
ambiente (art. 2°, inc. IV), evitar o uso excessivo ou inadequado em relação à
infra-estrutura urbana (art. 2°, inc. VI), garantir a oferta de equipamentos
urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos
interesses e necessidades da população (art. 2°, inc. V), zelar pela proteção,
preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do
patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico (art. 2°, inc.
XII).
Narciso Orlandi Neto afirma que o problema dos loteamentos
clandestinos e irregulares não tem solução: o que se pode fazer é mitigar os
problemas resultantes de sua implantação, mas uma solução que não implique
sacrifício para algum bem protegido não existe 167 .
A regularização fundiária ainda atende, atualmente, a parâmetros mais
preocupados com os aspectos dominiais – que precisam, urgentemente, ser
relativizados, diante da rigidez da legislação registral – e execução de obras de
infra-estrutura mínimas (drenagem, abertura de vias, abastecimento de água e
energia elétrica), visando a atender diretamente aos anseios da população
irregularmente assentada, deixando de lado a necessária prevenção e
recuperação da degradação ambiental.
O processo de regularização fundiária, à luz dos princípios
constitucionais e das diretrizes do Estatuto da Cidade, deve mudar esses
paradigmas e ter em vista os benefícios para toda a coletividade, e não só para
a população diretamente beneficiada 168 .

167
ORLANDI NETO, Narciso. Regularização do parcelamento do solo. In: FREITAS, José Carlos de
(Coord.). Temas de direito urbanístico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do
Estado de São Paulo, 2000, v. 2, p. 353.
168
O loteamento para fins urbanos transforma a paisagem do local ocupado pela gleba, até então indivisa,
em espaço integrado à cidade, como instrumento de sua expansão. Confere ao solo uma qualificação
urbana. Matriz de um novo bairro residencial, o loteamento é um patrimônio da coletividade, pois essa
nova realidade urbanística afeta a cidade, sobrecarregando seus equipamentos urbanos, sua malha
viária, toda a infra-estrutura e os serviços públicos da urbe. A sua implantação, assim, transcende os
direitos subjetivos dos proprietários dos lotes. A implantação de um loteamento tem direta influência
no meio ambiente urbano ou construído, irradiando efeitos sobre a população difusa e coletivamente
considerada, pois a inobservância das normas urbanísticas pode gerar problemas que afetam a
segurança, a salubridade e o conforto dos citadinos e transeuntes, bem como a funcionalidade e a
estética da cidade. Pode-se falar, assim, na “existência de um direito comunitário, de todo o povo, ao
desfrute do novo bairro, como unidade urbanística do todo que é a Cidade. O loteamento, sob essa
visão, não é patrimônio de um conjunto de pessoas, mas, sim, núcleo urbano de interesse comum de
todos”. BARROSO, Roberto apud FREITAS, Loteamentos clandestinos:, p.333. Nesse sentido:
STAURENGHI, Regularização fundiária...
59

O processo de regularização e legalização fundiária deve partir de um


combinado de diversas perspectivas – jurídica, sociológica, política, econômica,
antropológica e ambiental 169 .
Contudo, como bem assevera Edésio Fernandes 170 , parece que no
Brasil existem “graus de legalidade”, isto é, algumas práticas de ilegalidade
urbana são mais toleradas e mesmo mais justificadas que outras que provocam
a ação repressiva do Estado. De modo geral, a maior ou menor tolerância das
práticas de ilegalidade têm a ver com a existência de documentos formais – por
mais juridicamente precários que sejam – que sugiram uma tentativa de
continuidade na cadeia de transmissão da propriedade. Vide, como exemplo,
os “condomínios horizontais”. Quanto a essas formas de ilegalidade, a regra
tem sido a impunidade. As ilegalidades na esfera ambiental são largamente
toleradas – ocupação de áreas de preservação permanente, supressão de
vegetação, falta de sistema de tratamento das águas servidas, falta de coleta
seletiva e destinação inadequada dos resíduos sólidos, inexistência de
percentual adequado de área verde.
Nos processos de regularização fundiária, os administradores urbanos
formulam programas de legalização visando a promover a urbanificação das
áreas ocupadas e a reconhecer em alguma medida os direitos de moradia de
seus ocupantes, olvidando, na maioria das vezes, as questões ambientais que
garantem a qualidade de vida dessa comunidade que ali vive e de toda a
população da cidade.
Diante do novo arcabouço legal brasileiro, delineado pela Constituição
Federal, a regularização fundiária não pode ser limitada à regularidade do título
de domínio e à implantação da estrutura mínima, porque o direito de
propriedade é garantido apenas quando atende à sua função sócio-
ambiental 171 , asseguradas a ordenação da cidade expressa no plano diretor e
a preservação ambiental do ecossistema e do equilíbrio ecológico.
Os parcelamentos clandestinos ou irregulares são feitos à margem da
lei e, de regra, infringem requisitos como os dos arts. 3o e 4o da Lei n.°
6.766/79, somados às irregularidades dominiais que às vezes impedem o
registro. Tendo sido implantados com infração à lei, existe, em tese,
impedimento legal para sua regularização. Mas, de qualquer forma, eles
existem – e são ocupados, na maioria das vezes, por inúmeras famílias. E se
existem, é preciso regularizá-los, para evitar ainda mais prejuízos àqueles
interesses que a lei quis proteger: consumidores/adquirentes, meio ambiente e
ordem urbanística da cidade. Impedir a regularização não é solução.
O processo de regularização fundiária deve, a nosso ver, relativizar o
formalismo das rígidas exigências registrais 172 e atender aos aspectos sociais,

169
Mais recentemente, um outro fator também tem sido associado a essa equação – a crescente violência
urbana.
170
FERNANDES, Perspectivas para a regularização..., p. 191-192.
171
Sobre esse aspecto, ver item 1.1.4.
172
As irregularidades no título de domínio ou outras de ordem burocrática impedem, muitas vezes, o
registro do projeto de regularização da área ocupada. Ocorre que o rígido processo de registro do
parcelamento do solo foi criado tendo em vista a proteção dos adquirentes dos lotes em relação à venda
de lotes irregulares ou por loteador inidôneo. Nos parcelamentos clandestinos, irregulares ou
assentamentos informais já densamente ocupados de forma consolidada, os empecilhos legais para o
registro apenas dificultam ou impedem os direitos desses adquirentes.
60

urbanísticos e ambientais que qualificam a propriedade 173 , tendo em vista a


sustentabilidade das cidades e a sadia qualidade de vida de toda a população.
Dar respostas adequadas aos problemas concretos complexos
decorrentes da ilegalidade urbana é difícil e nem sempre soluções teóricas
podem ser aplicadas e repetidas na prática. Mas, em última análise, para
combater e regularizar o crescente
fenômeno da ilegalidade, há que se mudar paradigmas e concentrar mais na
prevenção dos problemas, pois a atual legislação 174 e os programas de
regularização se preocupam mais com aspecto resolutivo da titularidade do
domínio e curativo da ordem urbanística que com a prevenção da desordem
urbano-ambiental.

5.3.1 Medidas concretas para regularização dos parcelamentos do solo à


margem da lei

Considere-se que a regularização sempre exige sacrifício de algum


interesse protegido. E não há outra forma de regularização fundiária. Tem-se,
então, que buscar minorar as conseqüências da infringência à lei, para atender
especialmente aos interesses difusos e coletivos do meio ambiente natural e
urbano.
Havendo problemas de ordem registral (conformação física do imóvel e
cadeia de transmissão do domínio), deve ser buscada a sua regularização, seja
administrativamente perante o Registro de Imóveis, ou judicialmente, através
de ação de retificação de registro ou até de ação de usucapião, quando não
houver outro modo de conformação registral.
Nos Estados do Rio Grande do Sul 175 e do Rio de Janeiro, as
Corregedorias da Justiça editaram provimentos que flexibilizaram normas
jurídicas e estipularam regras simplificadas para regularização jurídica e
registral dos parcelamentos clandestinos ou irregulares de imóveis urbanos ou
urbanizados, em situações consolidadas, assim entendidas aquelas em que o
prazo de ocupação da área, a natureza das edificações existentes, a
localização das vias de circulação ou comunicação, os equipamentos públicos
disponíveis, urbanos ou comunitários, dentre outras situações peculiares que
indiquem a irreversibilidade da posse dos ocupantes. Com a finalidade de
facilitar a regularização de tais situações, a autoridade judiciária poderá
autorizar o registro da área só com a apresentação do título de propriedade da
gleba ou certidão da matrícula, certidão negativa de ação real ou
reipersecutória, de ônus reais e outros gravames e planta com o memorial
descritivo, emitidos ou aprovados pelo Município. Tratando-se de parcelamento
popular, em imóvel declarado de utilidade pública com processo de
desapropriação judicial, desde que promovido pela união, estados ou

173
Ver item 3.3.1, in fine.
174
Edésio Fernandes argumenta que a legislação tem papel fundamental na produção da ilegalidade
urbano-ambiental, especialmente no que toca à visão individualista da propriedade. FERNANDES,
Perspectivas para a regularização..., p. 189-199. Narciso Orlandi Neto relaciona a legislação rigorosa
como uma das causas da proliferação de parcelamentos clandestinos e irregulares, aduzindo que o
parcelador, com interesses econômicos, acaba optando pelo parcelamento à margem da lei exatamente
porque esta – teoricamente ideal – é rigorosa e estabelece padrões urbanísticos quase inatingíveis.
ORLANDI NETO, Regularização do parcelamento..., p. 355.
175
Provimento n.° 28/2004-CGJ, que institui o projeto More Legal 3.
61

Municípios, ou suas entidades delegadas, o título de propriedade será


dispensado. Uma vez registrado o parcelamento popular, a determinação
judicial dá aos contratos de compromisso de compra e venda, cessão e
promessa de cessão, o valor de título hábil ao registro da propriedade do lote,
quando acompanhados de prova de quitação das obrigações do adquirente.
Nos parcelamentos com infração aos requisitos urbanísticos do art. 4o
da Lei n.° 6.766/79 (percentual de áreas verdes e institucionais, dimensão
mínima dos lotes, faixa de domínio público não edificável, dimensão e
adequação das vias públicas internas), haverá, inevitavelmente, sacrifício das
exigências de atendimento dos padrões urbanísticos do Município. Deverá a
área do parcelamento ser declarada zona ou área de especial interesse social
(ZEIS ou AEIS) pelo Poder Público, para possibilitar a aprovação do
parcelamento do solo com padrões urbanísticos especiais (inferiores ao modelo
ideal previsto na legislação). Isso possibilita a aprovação do loteamento sem
que o mesmo apresente percentual mínimo de áreas públicas, já que muitas
áreas irregulares (já ocupadas) não apresentam condições de reservar locais
para equipamentos urbanos e comunitários. Nestes casos deve o Poder
Público exigir do parcelador particular uma compensação em pecúnia ou em
área (na própria gleba ou em outro local), no dobro da diferença entre o total
das áreas públicas exigidas pela legislação e as efetivamente instituídas no
parcelamento existente 176 . Se houver terrenos remanescentes na gleba
loteada, pode ser exigida a destinação destas como áreas institucionais para
diminuir o impacto do parcelamento irregular. Em não havendo área
remanescente na própria gleba, pode ser exigido que o parcelador destine
áreas públicas em outra região da cidade, em que haja necessidade e
disponibilidade. A compensação por outra área não há que ser
necessariamente na mesma gleba (se não houver mais disponibilidade nesta).
Da mesma forma, em sendo o próprio Município o regularizador do
parcelamento, deverá destinar área remanescente na gleba ou em outro local
para instituição de área verde e para o fim de instalação de equipamentos
urbanos e comunitários.
Os parcelamentos para fins urbanos instalados fora das regiões em
que a lei permite a sua instalação (em zona rural, em áreas de proteção
ecológica ou em local sem condições adequadas de habitabilidade do solo) –
com infringência do art. 3o da Lei n.° 6.766/79, reclamam diferentes formas de
regularização.
Naqueles implantados em zona rural, o Município terá de absorver o
problema, alterando o zoneamento do solo (rural para urbano ou de expansão
urbana) e destinando infra-estrutura à área (que, por ser rural, é desprovida
dos serviços e equipamentos urbanos).
Nos parcelamentos em locais sem condições adequadas do solo, terão
de ser realizadas obras, pelo responsável pela regularização, que afastem as
impossibilidades técnicas. Em terrenos alagadiços ou sujeitos a inundações,
deve o projeto de regularização prever e, depois, serem executadas obras para
escoamento das águas. Terrenos insalubres que tenham sido aterrados com
material nocivo deverão ser tratados até serem considerados habitáveis em
termos de salubridade, pela autoridade sanitária competente. Nos terrenos com
declive igual ou superior a 30%, deverão ser realizadas obras que corrijam o

176
Art. 43, par. único, da Lei n.° 6.766/79.
62

desnível, tais como obras de lastreamento dos desvãos, para prevenir deslizes
de encostas, desabamentos, avalanches e outros fenômenos geológicos
semelhantes. Em locais com outras condições geológicas adversas
desfavoráveis à edificação, deverão ser realizadas as retificações necessárias
do solo, aterros e compactações, para dar ao solo condições adequadas de
sustentar edificações. Quanto às áreas poluídas, deverão ser adotadas
providências para correção da degradação ambiental.
Nos parcelamentos em áreas de ‘proteção ecológica’ – mais
comumente instalados em áreas de preservação permanente e parques – deve
ser analisado se é indicada a reversão ao status original da área protegida,
com a necessidade de deslocamento de edificações e construções. Existem
casos em que a área já está densamente construída e ocupada, com todas as
interações decorrentes (esgoto, produção de resíduos sólidos,
impermeabilização do solo, etc.), sem manter as características de área de
preservação permanente, e hipóteses em que a realização de obras poderia
acarretar significativo impacto ambiental, pior ainda que o ocorrido com a
ocupação da área. Nestas situações, resta a via da compensação ecológica,
com exigência de plantio de vegetação do mesmo ecossistema (em área maior
que a degradada), além de investimentos em urbanização na própria área
ocupada – tratamento de esgoto, medidas para conter a impermeabilização do
solo, controle e impedimento de novas edificações, desassoreamento dos
cursos d’água, recolhimento e destinação dos resíduos sólidos, etc., para
minimizar os impactos decorrentes da ocupação. Se os custos com o
desfazimento de obras situadas em áreas protegidas e o impacto ambiental
provocado pelas próprias obras sejam de pequena monta, se comparados com
os benefícios trazidos pela revitalização da área para o equilíbrio ecológico e
para a coletividade, a exigência de sua recuperação será pertinente. Há
hipóteses, ainda, em que a remoção de construções e a restauração da área
de preservação permanente será imprescindível (por exemplo, construções
ribeirinhas onde exista risco de erosão, assoreamento de rio e desabamento
das edificações), independente do custo que se fizer necessário para tanto 177 .
Em todas as formas ilegais de parcelamento deverão ser executadas
obras de instalação da infra-estrutura básica (equipamentos urbanos de
escoamento das águas pluviais, iluminação pública, sistema de esgotamento
sanitário, abastecimento de água potável e energia elétrica, pavimentação das
vias) e adotadas medidas de controle da degradação ambiental (medidas para
conter a impermeabilização do solo e a construção de novas edificações
irregulares, desassoreamento dos cursos d’água, recolhimento e correta
destinação dos resíduos sólidos e dos efluentes líquidos, etc.).
As exigências retromencionadas deverão ser exigidas pelo Poder
Público quando do exame e aprovação dos projetos de regularização ou, ainda,
em termo de compromisso de ajustamento de conduta tomado pelos órgãos
públicos legitimados ou ação judicial contra o parcelador ou contra o Município.
Em todos os processo de regularização fundiária de áreas ocupadas
irregular ou clandestinamente, tem-se que utilizar as disposições registrais,
urbanísticas e ambientais prescritas para o parcelamento regular do solo, no
que couberem. Isso significa que a regularização perpassa necessariamente
pela fixação de diretrizes (que deverão ser também relativizadas para

177
Sobre a questão, ver item 3.3.
63

adequação à situação fática já existente), realização dos projetos, obtenção


das licenças e registro imobiliário, adequados à realidade fática existente.
Assim, tem-se o seguinte fluxograma que demonstra o processo de
regularização fundiária.
64

Implantação do parcelamento ilegal


(construções e ocupação irregular
da área)

Regularização de pendências
relativas ao registro imobiliário da
gleba
(conformação física do imóvel e
cadeia de transmissão do domínio)

Levantamento topográfico e estudo


de viabilidade urbanística

Fixação de diretrizes pelo Município

Elaboração dos projetos técnicos e


urbanístico

Aprovação dos projetos pelo


Município

Licença de instalação (LI)


(se houver obras de infra-estrutura
faltantes)

Execução das obras exigidas para o


registro imobiliário

Registro do parcelamento
no Registro de Imóveis

Execução das obras remanescentes

Licença ambiental de operação (LO)


65

6 RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO PARCELAMENTO DO SOLO

A responsabilidade civil do parcelador e do Município está permeada


em todo o texto da Lei n.° 6.766/79. Tendo em conta que o conceito de meio
ambiente abrange não só o meio ambiente natural, mas também o meio
ambiente urbano, tem-se que o regime de responsabilidade civil incidente no
parcelamento do solo para fins urbanos não pode ser outro que não o da
responsabilidade ambiental objetiva, assentado no art. 225, caput, da
Constituição Federal, no art. 14, §1o, da Lei n.° 6.938/81, e no art. 927, par.
único, do Código Civil de 2002. Ademais, o parcelamento do solo sempre é
potencial causador de impactos ao meio ambiente natural, porque tem
inerentes ao empreendimento pelo menos dois fatores de poluição –
lançamento de efluentes líquidos e disposição de resíduos sólidos, sem olvidar-
se que, no mais das vezes, a implantação do empreendimento implica a
extração de mata nativa para a execução de edificações na gleba. Nos
parcelamentos irregulares ou clandestinos, os fatores de degradação ambiental
são ainda mais vastos, incluindo, muitas vezes, ocupação de áreas de
preservação permanente, destruição de mata ciliar, disposição irregular de lixo.
A responsabilidade civil na atual sociedade do risco desempenha
funções que se desenvolvem em dois âmbitos: como instrumento de regulação
social e como mecanismo de reparação do dano. Como instrumento de
regulação social, a responsabilidade exerce a função de prevenir
comportamentos anti-sociais, dentre os quais aqueles que implicam geração de
riscos para o ambiente; de distribuir a carga dos riscos, pelo que se torna
otimizadora de justiça social; e de garantia dos direitos dos cidadãos. Na esfera
da reparação, a responsabilidade deve objetivar a superação da desigualdade
entre a vítima, que pode ser difusa, e o causador do dano 178 . Buscando-se a
fundamentação para a responsabilidade civil no texto constitucional, alargam-
se as suas funções, voltando-se o instituto à consecução dos valores
protegidos na Constituição, tais como o bem social e a dignidade da pessoa
humana, não só do lesado individual, mas de toda a coletividade. Assim, o
conteúdo da função social da responsabilidade civil, voltada para a proteção do
meio ambiente, vincula-se aos princípios da responsabilidade social e da
solidariedade social, concebidos a partir da superação do individualismo no
âmbito das relações econômicas. Esse conteúdo da responsabilidade civil deve
ser apreendido a partir da noção de ‘publicização do privado’ 179 , para garantir a
prevalência do interesse público ambiental face aos interesses privados que lhe
são contrapostos. Essa perspectiva é informada por normas de ordem pública,
que determinam uma configuração própria à responsabilidade civil ambiental –
criada originalmente como instituto de direito privado –, recolhendo contributos
da dogmática publicística e privatística, tendendo a adquirir certa autonomia 180 .

178
GUTIÉRREZ, Graciela Messina de Estrella apud STEIGLEDER, Annelise Monteiro.
Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004, p. 178-179.
179
Sobre a questão, ver: LUDWIG, Marcos de Campos. Direito público e direito privado: a superação da
dicotomia. In: COSTA, Judith Martins (Org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002, p.98.
180
SENDIM, José de Souza Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos: da reparação do dano
através da restauração natural. Coimbra: Coimbra, 1998, p. 167-168.
66

Essa concepção é conseqüência das mutações operadas na


sociedade do risco, fazendo surgir uma dimensão social no âmbito do direito
privado. Com o surgimento de uma nova categoria de sujeitos dos direitos
transindividuais ou de terceira geração – a massa –, impõe-se a ética social da
responsabilidade solidária 181 , em substituição à ética individual da vontade e da
liberdade, com o que não apenas o Estado, mas a sociedade civil responde
pela existência social digna de cada um de seus membros, transpondo a
dicotomia do direito público e direito privado 182 .
Comentando o disposto no art. 927, parágrafo único, do Código
183
Civil , Miguel Reale refere que a adoção da cláusula geral da
responsabilidade objetiva pelo novo Código Civil foi uma decorrência do
acolhimento por ele denominado de sociabilidade, segundo o qual o
desencadeamento de uma estrutura social que, por sua natureza, é capaz de
pôr em risco os interesses e os direitos alheios implica responsabilização
objetiva. Pode-se aferir, dessa idéia, a potencialidade de o sistema se abrir
para hipóteses de responsabilização sem danos consumados, nas situações
em que o risco gerado por atividades intrinsecamente danosas demanda
intervenção para suprimir o fator de risco, que deverá ser internalizado no
processo empreendedor.
O reflexo dessas idéias no plano da responsabilidade civil pode, numa
perspectiva mais fundamentalmente voltada para a prevenção de danos,
representar a responsabilidade pelo contato social: a introdução, na sociedade,
de externalidades ambientais negativas gera responsabilidade social pelo
simples perigo a que a sociedade

é exposta, e as fontes geradoras das situações de risco, numa perspectiva


solidária, têm o dever de suprimir o fato de risco do contexto social. Do contato
social são geradas externalidades ambientais negativas, e, de outro lado, a
introdução de fatores de risco na sociedade torna-se um comportamento social

181
Ost enfatiza a solidariedade como universal, esclarecendo que, sob sua influência, a responsabilidade
não se reduz à imputabilidade e à conotação repressiva, que já se revelou insuficiente para resolver os
problemas determinados pelas alterações do agir humano na sociedade atual. Trata-se de uma
responsabilidade voltada para o futuro, em que o degradador é obrigado a reparar as conseqüências dos
seus atos, porque as devia ter previsto. E acrescenta que não são só as conseqüências previsíveis dos
atos que devem ser objeto de responsabilidade, mas também os seus desenvolvimento prováveis, ou
mesmo simplesmente possíveis. A amplitude dos meios e a gravidade dos riscos são tais, atualmente,
que o agente não pode mais ficar indiferente à possibilidade da sua ocorrência. Na atual
responsabilidade civil ambiental, o debate desloca-se da falta subjetiva, que estabelece a
imputabilidade, para o risco, num horizonte futuro indeterminado e a respeito de uma categoria abstrata
de pessoas. OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto
Piaget, 1997, p.309. Também sobre a solidariedade intra e intergeracional, Leite destaca que a
atribuição de deveres compartilhados ao Estado e à sociedade, característica própria dos direitos
fundamentais de terceira geração, redunda em verdadeira solidariedade em torno de um bem comum.
“A conjugação de interesses significa que esta concepção de direito fundamental está pautada numa
premissa essencial, que é a de que as liberdades individuais são indissociáveis das liberdades sociais e
coletivas”. LEITE, José Rubens Morato. Do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000, p.93.
182
VON GEHLEN, Gabriel Menna Barreto. O chamado direito civil constitucional. In: COSTA, Judith
Martins (Org.). Reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.178.
183
O art. 927, parágrafo único, do CC prevê a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
67

típico, que resulta na apropriação qualitativa e quantitativa do ambiente,


perante a sociedade. Por isso, esse contato social gera obrigações em relação
à sociedade e às gerações futuras, titulares do direito à qualidade ambiental 184 .
Nesse diapasão, pode-se vislumbrar uma obrigação de garantia
inerente a comportamentos sociais que geram riscos para a sociedade, dentre
os quais os riscos ambientais. Essa obrigação é reforçada pela teoria do risco
da atividade, segundo a qual há a obrigação de reparar os danos causados,
independentemente de culpa ou dolo, desde que a atividade gere riscos 185 .
A responsabilidade civil por danos ambientais surge nesse contexto,
com o desafio de superar as contradições da sociedade contemporânea,
tornando-se, por um lado, instrumento do desenvolvimento sustentável, pois
atua na forma de produção e geração de riscos ambientais, e, por outro, com a
função de discutir a relação de apropriação dos recursos naturais, o que faz
mediante o reconhecimento da reparabilidade do valor do meio ambiente.
A responsabilidade ambiental objetiva tem como pressuposto a
existência de uma atividade ou empreendimento que implique riscos 186 para a
saúde e para o meio ambiente, impondo-se ao empreendedor a obrigação de
prevenir tais riscos (princípio da prevenção) e de internalizá-los em seu
processo produtivo ou em seu empreendimento (princípio do poluidor-pagador).
Pressupõe, ainda, o dano ou risco de dano e o nexo de causalidade entre a
atividade ou empreendimento e o resultado, efetivo ou potencial.
O nexo de causalidade é o fator aglutinante que permite que o risco se
integre na unidade do ato que é fonte da responsabilidade. É um elemento
objetivo, pois alude a um vínculo externo entre o dano e o fato da pessoa ou
coisa.
Enquanto na responsabilidade civil subjetiva a imputação do dano irá
ligar-se à idéia de previsibilidade, na responsabilidade objetiva o requisito da
previsibilidade não existe, sendo que o critério de imputação do dano ao agente
se amplia, quase se aproximando de enfoque puramente material, de tal modo
que, com a prova de que a ação ou omissão foi a causa do dano, a imputação
é quase automática.
Como assevera Annelise Steigleder 187 , o ordenamento supõe que todo
aquele que se entrega a atividades em que incida a responsabilidade objetiva –
assim também o parcelador do solo – deve fazer um juízo de previsão pelo
simples fato de dedicar-se a elas, assumindo com isso as conseqüências
danosas que lhes são inerentes. O explorador de atividade econômica coloca-
se na posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam

184
STEIGLEDER, Responsabilidade civil..., p. 181.
185
Sobre a questão, Annelise Steigleder destaca a importante distinção entre risco e perigo, esclarecendo
que riscos são aqueles decorrentes de um processo decisório. Ibidem, p. 182.
186
Fernando Noronha sintetiza os riscos que fundamentam a responsabilidade objetiva, todos
relacionados com determinadas atividades, como sendo o risco da empresa, o risco administrativo e o
risco-perigo. “Quem exerce profissionalmente uma atividade econômica [...] deve arcar todos os ônus
resultantes de qualquer evento danoso inerente ao processo produtivo ou distributivo, a pessoa jurídica
responsável, na prossecução do bem comum, por uma certa atividade, deve assumir a obrigação de
indenizar particulares que porventura venham a ser lesados, para que os danos sofridos por estes sejam
redistribuídos pela coletividade beneficiada; quem se beneficia de uma atividade potencialmente
perigosa (para outras pessoas ou para o meio ambiente) deve arcar com eventuais conseqüências
danosas”. In: NORONHA, Fernando. Desenvolvimentos contemporâneos da responsabilidade civil.
Revista dos Tribunais, São Paulo, n.761, p.37, mar. 1999.
187
STEIGLEDER, Responsabilidade civil..., p. 196.
68

respeito à atividade estarão sempre vinculados a ela. Não se investiga a


ação/conduta do empreendedor/poluidor, pois o risco a ela substitui-se.
No plano do nexo de causalidade, constata-se que o dano pode ser
resultado de várias causas concorrentes, simultâneas e sucessivas, ou seja,
pode ser atribuído a uma multiplicidade de causas, fontes e comportamentos, e
o degradador normalmente busca
69

exonerar-se de responsabilidade diante de fatos praticados por terceiros ou


mesmo pela(s) vítima(s).
A discussão acerca dos limites e possibilidades da assunção dos
riscos pelo empreendedor cinge-se fundamentalmente em duas teorias. A
teoria do risco integral – baseada na teoria da equivalência das condições ou
da conditio sine qua non –, segundo a qual basta que o dano possa estar
vinculado à existência da atividade de risco (a qual é considerada causa do
dano), preconiza que todo e qualquer risco conexo ao empreendimento deverá
ser integralmente internalizado pelo processo produtivo ou pelo
empreendimento, devendo o responsável reparar quaisquer danos que tenham
conexão com sua atividade. De outro lado, a teoria do risco criado – baseada
na teoria da causalidade adequada –, procura identificar, dentre todos os
fatores de risco, apenas aquele, por apresentar periculosidade 188 , é
efetivamente apto a gerar as situações lesivas, para fins de imputação de
responsabilidade. O diferencial mais evidente entre elas é a admissibilidade ou
não das excludentes de responsabilidade civil – culpa exclusiva da vítima, fatos
de terceiros e força maior –, posto que tais fatos têm o condão de romper o
curso causal, constituindo, por si próprios, as causas adequadas do evento
lesivo.
A teoria do risco integral proclama a reparação do dano mesmo
involuntário, responsabilizando-se o agente por todo ato do qual fosse a causa
material, excetuando-se apenas os fatos exteriores ao homem. Não se cogita
de indagar como ou por que aconteceu o dano. É suficiente apurar se houve o
dano, vinculado a um fato qualquer, para assegurar a responsabilização. A
responsabilização é devida “somente pelo fato de existir a atividade da qual
adveio o prejuízo, independentemente da análise da subjetividade do agente,
sendo possível responsabilizar todos aqueles aos quais possa, de alguma
maneira, ser imputado o prejuízo. Esse posicionamento não admite
excludentes de responsabilidade, tais como o caso fortuito, a força maior, a
ação de terceiros ou da própria vítima, posto que tais acontecimentos são
considerados condições do evento” 189 . Basta que o dano se prenda
materialmente aos atos (omissivos ou comissivos) do responsável,
evidenciando-se que aquele que exerce uma atividade deve assumir os riscos
desta e, com mais forte razão, se esta atividade for, para ele, uma fonte de
proveito: a reparação dos danos que ele causa será a contraparte dos
proveitos que ele procura, prevalecendo os interesses gerais sobre os
particulares.
A adoção da teoria do risco integral é justificada pelo grau de proteção
ao meio ambiente equilibrado outorgado pela Constituição Federal, podendo-se
vislumbrar a instituição de uma verdadeira obrigação de incolumidade sobre os
bens ambientais 190 .
Sendo a responsabilidade ambiental objetiva, não se indaga da licitude
da atividade. Conseqüentemente, a existência de licenciamento ambiental e a
188
Nota-se que na Lei n.° 6.938/81 não há restrição do regime de responsabilidade objetiva às atividades
perigosas, sendo sua incidência ampla, numa opção do sistema pela reparação integral do dano
ambiental. É o âmbito de proteção do meio ambiente, fundado em direito fundamental, que justifica o
regime especial de responsabilidade civil objetiva baseada na teoria do risco integral.
189
LUCARELLI, Fábio Dutra. Responsabilidade civil por dano ecológico. Revista dos Tribunais, São
Paulo, n. 700, p.15, fev. 1994. Sobre a questão, ver também: STEIGLEDER, Responsabilidade civil...,
p. 198-211. BENJAMIN, Responsabilidade civil..., p.41.
190
STEIGLEDER, op. cit., p. 199.
70

observância das condições e restrições deste, bem como de outras


autorizações e licenças administrativas não têm o condão de excluir a
responsabilidade pela reparação civil. Nesse passo, se o parcelamento do solo
urbano, embora devidamente licenciado e implantado de acordo com as
licenças, causar qualquer forma de poluição, como o lançamento irregular de
esgoto em corpos hídricos, haverá a necessária responsabilização civil do
empreendedor, solidariamente responsável com os moradores que estiverem
efetuando o lançamento do esgoto.
No que diz com as excludentes da responsabilidade – caso fortuito e
força maior 191 –, os partidários da teoria do risco integral não admitem qualquer
excludente, posto que a existência da atividade/empreendimento é reputada
condição para o evento danoso 192 . Já os defensores da teoria do risco criado
admitem as excludentes, vislumbrando nelas a causa adequada e efetiva da
produção do dano, porquanto haveria uma ruptura do nexo de causalidade
entre a atividade do agente e o resultado 193 . Perfilhamo-nos ao entendimento
que admite apenas a força maior e o fato de terceiro 194 como causas
excludentes, eis que consistem em fatos externos, imprevisíveis e irresistíveis,
não tendo qualquer ligação com os riscos do empreendimento ou atividade 195 .
“Porém, se de alguma forma o agente responsável principal concorreu para o
dano, não poderá excluir-se da responsabilidade, prevalecendo a regra
segundo a qual a imprevisibilidade relativa não exclui a responsabilidade do
agente” 196 , uma vez que o empreendedor é o garante da segurança do seu
empreendimento ou atividade, sob o ponto de vista ambiental.

6.1 Responsabilidade solidária

A solidariedade passiva por danos ambientais é matéria consolidada e


ampara-se na concepção do dano ambiental como um fato único e
indivisível 197 , sendo responsáveis todos aqueles (pessoas físicas ou jurídicas,
públicas ou privadas) que de forma direta ou indireta concorrem para o dano

191
Caso fortuito ou fortuito interno pode ser considerado o fato ligado à pessoa do poluidor ou à sua
empresa. O motivo de força maior ou fortuito externo é o decorrente de fenômenos naturais.
192
LUCARELLI, Responsabilidade civil..., p.17; BENJAMIN, Responsabilidade civil..., p.41; NERY
JÚNIOR., Nelson. Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública. Justitia, São Paulo:
n.126, p.132, jul./set. 1984.
193
VON ADAMEK, Marcelo Vieira. Passivo ambiental. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Org.).
Direito ambiental em evolução. Curitiba: Juruá, 2000, v.2, p. 122; DIAS, José de Aguiar.
Responsabilidade civil no plano ecológico. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 317, p. 687, 1992.
194
Entenda-se este terceiro como aquele que não tem qualquer vínculo com o responsável pelo
empreendimento ou atividade e que produz, por sua conduta exclusiva, o resultado danoso, não se
enquadrando o empregado ou o intermediário daquele que é diretamente responsável.
195
STEIGLEDER, Responsabilidade civil..., p. 212; SCAVONE JÚNIOR., Luiz Antônio. Causas e
cláusulas de exclusão de responsabilidade civil. Revista de Direito Privado, São Paulo, v.8, p.75-80,
out./dez. 2001.
196
LEITE, Do individual..., p. 208-209.
197
Benjamin leciona que a solidariedade é decorrência não só de atributos particulares dos sujeitos
responsáveis e da modalidade de atividade, mas da indivisibilidade do dano, conseqüência de ser o
meio ambiente – bem de uso comum do povo – uma unidade infragmentável. BENJAMIN, op. cit.,
p.38.
71

(art. 3°, inc. IV, da Lei n.° 6.938/81), e credora a totalidade da coletividade
afetada.
Conhecendo-se as fontes degradadoras, aplicam-se a elas o regime
da responsabilização civil objetiva e o princípio da solidariedade entre os co-
poluidores, apreendido mediante interpretação dos arts. 258, 259, 275 e 942 do
Código Civil de 2002. Cada parte que contribuiu de alguma forma para o dano
pode ser responsabilizada pelo custo total da reparação.
No parcelamento do solo, o parcelador tem a obrigação da
implantação da infra-estrutura básica, incluindo o sistema de esgotamento.
Num empreendimento regular, o projeto prevê a forma de esgotamento
sanitário, que é aprovado pelo Município, e, só depois de registrado o
empreendimento, podem ser vendidos os lotes. Em havendo previsão de
sistema de esgotamento sanitário primário (fossa séptica e sumidouro), cabe
ao loteador estipular, em contrato, a obrigação de o adquirente construi-lo e
colocá-lo em funcionamento, pena de rescisão contratual. Para ocupar a
edificação, o adquirente deve obter o ‘habite-se’ junto à Prefeitura Municipal,
que é concedido após a verificação de todas as exigências de segurança e
saúde. No entanto, em se tratando de loteamento clandestino ou irregular, não
é assim que se procede. Primeiramente o loteador vende os lotes, sem infra-
estrutura, e os adquirentes constroem e ocupam a área, sem haver sistema de
esgotamento sanitário, o que acaba por causar poluição do solo ou de corpos
hídricos, decorrente do lançamento irregular de efluentes líquidos. A
degradação ambiental é gerada pela conditio sine qua non: a implantação
clandestina do loteamento. As condutas poluidoras dos moradores, que lançam
o esgoto de forma irregular, também são condições para a ocorrência do dano
ambiental. Trata-se de verdadeira hipótese de solidariedade do loteador e dos
moradores, incidindo a responsabilização objetiva pelos danos.
Nas hipóteses de multicausalidade, para resolver-se a imputação da
responsabilidade civil, necessário lançar-se mão da teoria da causalidade
alternativa, que, diante de um elevado número de possíveis agentes
poluidores, sendo materialmente impossível determinar quem exatamente
produziu o dano, estabelece a solidariedade passiva entre os possíveis
agentes.
Outra hipótese de solidariedade na responsabilização pelo dano
ambiental é a da existência de passivo ambiental, que se funda nos princípios
da função sócio-ambiental da propriedade e da reparação integral do dano
ambiental. O adquirente de uma área degradada pode ser responsabilizado,
independente de ser ou não o autor do dano, passando-se ao largo do
problema do nexo de causalidade. O adquirente será responsável solidário,
juntamente com o autor direto do dano 198 , em razão da obrigação propter rem
de reparação da área degradada. Há um dever legal de preservação, que
consubstancia obrigações de não fazer – abster-se de destruir o meio ambiente
– e de fazer – prestações positivas para reparação de área degradada –, para
cumprir a função sócio-ambiental do imóvel. 199 Annelise Steigleder acrescenta

198
Se não for possível identificar o causador direto do dano, somente o adquirente da gleba responderá.
199
Von Adamek preconiza que, excepcionalmente, “poderá ocorrer que, em razão do estado de
degradação do meio ambiente local, determinada conduta imputada ao empreendedor/poluidor não
cause um dano ambiental efetivo e, por esta razão, fique o agente isento de responsabilidade. Não em
razão do ambiente já estar degradado, mas sim, por não ter ocorrido um dano”. VON ADAMEK,
Passivo ambiental, p. 121.
72

a esses argumentos um liame entre a ação do adquirente e o dano, porque o


dano ambiental, na maioria das vezes, não é estático, ao contrário, agrava-se
com o passar do tempo. O dano agrava-se e, ao adquirir uma área com
passivo ambiental desta natureza, o adquirente assume a obrigação de evitar o
agravamento deste dano, o que somente é possível pela recuperação
ambiental da área degradada 200 . Veja-se a hipótese daquele que adquire área
onde já iniciado, por proprietário anterior, o parcelamento clandestino ou
irregular: se prossegue a implantação do empreendimento à margem da lei, a
degradação ambiental será ainda maior. Tem ele a obrigação de regularizar o
parcelamento, recuperando a degradação já existente e evitando o
agravamento do dano.

6.2 Responsabilidade do Poder Público

O art. 3°, inc. IV, da Lei n.° 6.398/81, prevê a responsabilização do


Poder Público por danos ao meio ambiente. Existe, contudo, divergência
doutrinária e jurisprudencial sobre se o Estado responderia em todas as
circunstâncias de forma objetiva, ou se esta modalidade de responsabilidade
incidiria apenas quando se tratasse de dano perpetrado mediante ação de
agentes públicos, quando, então, teria aplicabilidade o art. 37, §6°, da
Constituição Federal.
A responsabilidade dos Municípios em relação aos parcelamentos
irregulares ou clandestinos do solo está inscrita na Lei n.° 6.766/79, trazendo a
hipótese de assunção da responsabilidade de regularização quando o
parcelador particular não fez o que deveria ter feito (art. 40). E isso porque a
urbanização da cidade e o oferecimento de condições de habitabilidade à
população urbana são funções públicas típicas. Exatamente por ser o
parcelamento do solo uma atividade pública na sua essência, é a
Administração Municipal que deve realizá-la sempre que o loteador se abstiver
de executar as obras a que estava obrigado 201 . O Poder Público não estará
exercendo, em substituição, uma atividade do particular, mas cumprindo, na
verdade, uma função que nunca deixou de ser sua.
Vislumbram-se duas situações em que o Poder Público seria
responsável – por ação ou por omissão –, cabendo analisar o regime de
responsabilidade incidente em cada caso.
A primeira hipótese é do dano provocado diretamente pelo Poder
Público, mediante ação de agentes estatais. Neste caso, aplicam-se os arts. 3°,
inc. IV, e 14, §1°, da lei n.° 6.938781, combinados com o art. 37, §6°, da
Constituição Federal. Há nexo de causalidade direto entre a ação do agente
estatal e o resultado lesivo, aplicando-se responsabilização objetiva, fundada
no risco administrativo 202 . É o caso, por exemplo, de quando o próprio

200
STEIGLEDER, Responsabilidade civil..., p. 232-234.
201
Mas a omissão do loteador e a assunção da responsabilidade de regularização do parcelamento pelo
Município não terão a virtude de exonerar o loteador do dever que também é seu em razão da função
sócio-ambiental agregada à relação que tem sobre o imóvel. Se a Municipalidade fizer a regularização,
deverá buscar o ressarcimento junto ao parcelador.
202
O fundamento da responsabilidade estatal é a teoria do risco administrativo, e não a teoria do risco
integral.
73

Município promove loteamento popular, com abertura de via ou demarcação de


lotes em área de preservação permanente.
Em se tratando de casos de omissão do Poder Público quanto ao
funcionamento do serviço público que, nas hipóteses de desordenamento do
território e degradação ambiental, consubstancia-se em deficiência do poder de
polícia na fiscalização das atividades ou condutas degradadoras e na
concessão de autorizações administrativas e licenças ambientais, há
divergência de entendimentos.
Um entendimento é no sentido de que a responsabilidade advinda da
omissão estatal será sempre objetiva, eis que o art. 3°, inc. IV, da Lei n.°
6.938/81, refere-se à responsabilidade indireta, pelo que não seria exigível um
nexo de causalidade direto entre ação e dano. Daí que o Poder Público, que
não coíbe a ação do particular através de ações fiscalizatórias, ou que concede
uma licença precária e ilegal, está concorrendo indiretamente para a produção
do dano, aplicando-se-lhe a regra da responsabilidade civil objetiva e o
princípio da solidariedade entre os co-poluidores 203 .
Outra posição, à qual nos perfilhamos, sustenta a responsabilidade
subjetiva do Poder Público em se tratando de fiscalização falha de atividades
ou empreendimentos clandestinos – como os loteamentos e construções neles
edificadas e ocupadas. Se o serviço público investido de poder de polícia não
funciona, funciona mal ou funciona tardiamente, e existe uma obrigação legal
de impedir o evento danoso – como a de evitar o desordenamento do território
e o lançamento irregular de esgoto e de lixo –, há responsabilização do Poder
Público. Nesta hipótese, inexiste nexo de causalidade direto entre o dano ao
meio ambiente natural ou urbano e a atividade estatal, uma vez que o dano
resultou de uma atividade clandestina de um particular, ou de uma atividade
lícita de um particular em virtude uma licença administrativa irregular ou
deficiente, tratando-se, dessa forma, de uma responsabilidade indireta,
decorrente de omissão, reputada uma das condições do evento lesivo. A
responsabilidade incide diante da negligência ou imperícia, ou seja, porque o
Poder Público omitiu-se ilicitamente, por não ter acorrido para impedir o dano
ou por ter sido insuficiente nesse mister, em razão do comportamento inferior
ao padrão capaz de obstar o dano 204 . Contudo, se o Município, por exemplo,
tomando conhecimento do início da implantação de loteamento clandestino,
intenta ação judicial de nunciação de obra nova, ao mesmo tempo em que
nega a concessão de autorizações para ligação de água e energia elétrica para
os moradores de lotes que edificaram e ocuparam sem licença administrativa,
está adotando providências que impedem a imputação de negligência e, por
conseguinte, a sua responsabilização.

203
Esse entendimento é sustentado por MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa
do meio ambiente, patrimônio cultural e dos consumidores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996,
p.212; MILARÉ, Direito do ambiente..., p. 342. Assim também já se posicionou o Superior Tribunal de
Justiça, em questão específica de loteamento, asseverando ser parte legítima para figurar no pólo
passivo de ação civil pública, solidariamente, o responsável direto pela violação às normas de
preservação do meio ambiente, assim como a pessoa jurídica que aprovou o projeto de empreendimento
danoso. O acórdão reconhece, ainda, a solidariedade passiva da terceira pessoa que adquiriu o imóvel.
Resp 295797/SP, 2a Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 18.09.2001, DJ 12.11.2001, p.140.
204
Essa a posição preconizada por LEITE, Do individual..., p. 204; LUCARELLI, Responsabilidade
civil..., p.19; JUCOVSKY, Vera Lúcia. Responsabilidade civil do estado por danos ambientais. São
Paulo: Juarez Oliveira, 2000, p. 55.
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