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1. Introdução
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Qualidade de vida no trabalho é o conjunto das ações de uma empresa no sentido de implantar
melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e estruturais no ambiente de trabalho (Limongi-
França, 1996).
Existem muitas interpretações de qualidade de vida no trabalho, desde o foco clínico da
ausência de doenças no âmbito pessoal até as exigências de recursos, objetos e
procedimentos de natureza gerencial e estratégica no nível das organizações.
Novos paradigmas de modos de vida dentro e fora da empresa, construindo novos valores
relativos às demandas de qualidade de vida no trabalho, estão sendo estruturados por diversos
segmentos da sociedade e do conhecimento científico, entre os quais destacam-se:
>Saúde: visa preservar a integridade física, psicológica e social do ser humano em vez de
apenas atuar sobre o controle de doenças e propiciar maior expectativa de vida e reintegração
profissional da pessoa que adoece.
>Ecologia: ciência em que o homem é parte integrante e responsável pela preservação do
ecossistema e dos insumos da natureza, bem como ator do desenvolvimento sustentável.
>Ergonomia: estuda as condições de trabalho ligadas à pessoa. Fundamenta-se na medicina,
na psicologia, na motricidade e na tecnologia industrial, visando ao conforto e ao desempenho
nas diversas posições de trabalho.
>Psicologia: demonstra a influência das atitudes internas e as perspectivas de vida da pessoa
e a importância do significado intrínseco das necessidades individuais para seu envolvimento
com o trabalho em conjunto com a filosofia.
>Sociologia: atua sobre a dimensão simbólica do que é compartilhado e construído
socialmente, demonstrando as implicações de quem influencia e é influenciado nos diversos
contextos culturais e antropológicos da empresa.
>Economia: enfatiza a consciência de que os bens são finitos e de que a distribuição de bens,
recursos e serviços deve envolver de forma eqüitativa a responsabilidade e os direitos da
sociedade.
>Administração: procura aumentar a capacidade de mobilizar recursos para atingir resultados
em ambiente cada vez mais complexo, mutável e competitivo.
>Engenharia: elabora formas de produção voltadas para flexibilização da manufatura,
armazenamento de materiais, uso da tecnologia, organização do trabalho e controle de
processos.
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3. Evolução histórica
O conceito de qualidade de vida no trabalho tem sido avaliado e questionado através dos anos,
definindo-se não como modismo passageiro, mas como um processo que consolida a busca do
desenvolvimento humano e organizacional.
Walton (1973), um dos pesquisadores pioneiros da sistematização dos critérios e conceitos de
QVT, define-a como algo além dos objetivos da legislação trabalhista, surgido no começo do
século XX com a regulamentação do trabalho de menores, da jornada de trabalho e descanso
semanal e das indenizações por acidentes de trabalho.
A QVT também está relacionada com os objetivos do movimento sindical após a grande crise
dos anos 1930, que se centraram na segurança e na salubridade do trabalho, no tratamento
dispensado ao trabalhador e no aumento de salários. também associada ao enfoque da
psicologia surgido na década de 1950, em que se considera a existência de uma correlação
positiva entre estado de ânimo e produtividade e afirma-se que é possível elevá-los mediante a
melhoria das relações humanas. Faz parte dos novos conceitos da década de 1960, como a
igualdade de oportunidades e os inumeráveis esquemas de enriquecimento do trabalho. Pode-
se definir QVT como a junção desses movimentos reformistas mais as necessidades e
aspirações humanas, como o desejo de trabalhar para um empregador que possua
sensibilidade social.
Para Wahon (1976), a QVT deve ter como meta a geração de uma organização mais
humanizada, na qual o trabalho envolva relativo grau de responsabilidade e de autonomia no
que se refere a cargo, recebimento de recursos de feedback do desempenho, tarefas
adequadas, variedade, enriquecimento do trabalho e ênfase no desenvolvimento pessoal do
indivíduo. Em 1976, o autor propõe um modelo conceitual composto de oito categorias com o
objetivo de avaliar a QVT nas organizações:
>Remuneração justa e adequada: trata-se da relação do salário com outros trabalhos,
desempenho da comunidade e padrão subjetivo do empregado. Em síntese, eqüidade salarial.
>Segurança e salubridade do trabalho: os trabalhadores não devem ser expostos a
condições ambientais, jornada de trabalho nem a riscos que possam ameaçar sua saúde.
>Oportunidade de utilizar e desenvolver habilidades: o uso e o desenvolvimento das
capacidades devem atender a certas condições, como autonoWia, variedade de habilidades,
informação e perspectiva da atividade, significado e planejamento da tarefa.
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Visão democratica
Democracia industrial
>Aumento da participação dos empregados na tomada de decisões.
>Alcance das metas do movimento de relações humanas.
Visão gerencial
Aumento da produtividade
>Melhora dos inputs humanos antes dos Ínputs tecnológicos ou do capital para a produção.
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Visão humanista
Satisfação de necessidades
>Satisfação no cargo
>Humanização do trabalho
>Organização personalizada
>Desenvolvimento organizacional
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De acordo com Bennett (1983), a melhora da produtividade não pode ser discutida sem o
reconhecimento de que o conceito de produtividade vai além da idéia de uma boa produção ou
de eficiência no trabalho. um conceito que encontra raízes no dinamismo humano por ter uma
conexão indispensável com a melhoria da natureza e a qualidade de vida de cada indivíduo no
trabalho.
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O segundo movimento refere-se à expansão do conceito de qualidade total, que teve origem na
engenharia e visava, especialmente, processos e controles produtivos e tecnológicos da
fabricação do produto. Com a evolução do conceito de qualidade total dos serviços, abriu-se
nova discussão sobre a necessidade de incluir nele o conceito de qualidade pessoal e,
conseqüentemente, o de qualidade de vida no trabalho.
O gerenciamento da qualidade, inclusive a busca da certificação ISO 9000, tem sido um dos
procedimentos mais freqüentes em todo o mundo, a começar pelas exigências da União
Européia de acelerar e proteger a integração econômica européia. A cultura oriental, por sua
vez, tem uma visão organizacional mais abrangente, em que prevalece a visão da gestão da
qualidade total.
A qualidade deve ser gerenciada juntamente com a qualidade de vida. No entanto, existe
grande distãncia entre o discurso e a prática do que seria o bem- estar das pessoas.
Filosoficamente, todos o acham importante, mas na prática prevalece o imediatismo, e os
investimentos de retorno de médio e de longo prazo ficam esquecidos. Tudo está por fazer. A
qualidade de vida no trabalho é uma evolução da qualidade total. E o último elo da cadeia. Não
se pode falar em qualidade total sem incluir a qualidade de vida das pessoas no trabalho, O
esforço que deve ser desenvolvido é o de conscientização, o de preparação de postura para a
qualidade em todos os sentidos — de produção, serviço, desempenho e qualidade de vida no
trabalho. Trata-se de um estado de espírito. Portanto, é necessária a coerência em todos os
enfoques.
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Os dados apresentados a seguir fazem parte de pesquisa de campo realizada por Limongi-
França (1996) sobre indicadores empresariais de qualidade de vida no trabalho — esforço
empresarial e satisfação dos empregados no ambiente de manufatura com certificação ISO
9000. As conclusões foram extraídas de 26 unidades fabris com até 500 empregados
localizadas na região de São Paulo.
> O gerenciamento do estresse é percebido como um nível de tensão moderado, mais
acentuado no nível das gerências, que não é administrado adequadamente pelas empresas; ao
mesmo tempo, todos os segmentos consideram muito importante programas de qualidade de
vida para a obtenção de resultados empresariais.
> A maioria das empresas não possui diretoria de gestão de qualidade de vida. Quando há uma
diretoria responsável, ela está ligada a recursos humanos e qualidade.
> Existe poder decisório para a QVT na maioria das empresas pesquisadas, com ênfase no
nível de direção, sugerindo ações mais estratégicas do que gerenciais.
> As áreas específicas envolvidas em QVT estão concentradas em recursos humanos e saúde.
Na área de qualidade, houve a ocorrência de uma empresa que associou QVT ao programa 5S.
> A maioria das empresas tem funcionários especialmente envolvidos com atividades de QVT,
em geral equipes formadas por uma a cinco pessoas. Algumas empresas menores relataram ter
equipes com mais de dez funcionários, o que indica boa mobilização organizacional para ações
e programas de QVT.
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>Quanto aos métodos para levantar necessidades de QVT, uma pequena parcela estabelece
procedimentos por meio de freqüência de acidentes de trabalho,
movimento no ambulatório, diagnóstico de clima e auditoria interna. Poucas declararam
associação com determinação legal.
> Na maioria das empresas os programas de QVT têm de um a três anos, o que significa uma
posição consolidada modesta desses programas. Um pequeno
grupo de empresas desenvolve programas há mais de cinco anos, o que caracteriza solidez e
visibilidade dessas ações na empresa.
> Não há propostas de novos programas de QVT para os próximos doze meses na maioria das
empresas. Nas que responderam positivamente, a ênfase é em procedimentos de implantação
e consideração dos empregados como foco de ação de QVT. Uma das empresas associou
novos programas ao 5S do projeto de qualidade total.
> As atividades de QVT, em sua maioria, não têm duração prevista. Podem variar de duas horas
a três anos. Houve duas indicações de duração contínua.
Percebe-se, portanto, escopo muito abrangente, caracterizando a ausência de um modelo
homogêneo e referencial de gestão da QVT.
> Não há dotação orçamentária para QVT na maioria das empresas. Quando existe, o
orçamento é e faz parte do programa de saúde ocupacional, o que demonstra frágil estrutura
orçamentária para QVT.
> Na maioria das empresas, a destinação da verba orçamentária não é específica. Nas que
possuem destinações específicas, os critérios são variados: departamento, projeto e genérico.
> Apenas uma pequena minoria (20%) das empresas calcula o investimento em QVT sobre o
faturamento anual. As porcentagens vão de 0,0 1% a 1,5% da folha de pagamento mensal.
> Só um terço das empresas possui atividades formais denominadas de QVT; entre elas, as
mais citadas são as campanhas e palestras. Melhoras no posto de
trabalho e mudanças administrativas também são citadas, embora com menor incidência.
> A maioria das empresas não controla os resultados associados à QVT. Entre as que o fazem,
os controles referem-se à saúde e à doença, com dados obtidos por
meio de questionários e controles numéricos. Os comitês de avaliação aparecem em quase
metade das empresas como instrumento de avaliação. Em geral, as
empresas assinalaram múltiplas ferramentas de controle.
> A maioria das empresas considera os programas e as ações de QVT importantes na
certificação ISO 9000. Os motivos giram em torno de questões de qualidade, atendimento às
necessidades pessoais e até ao negócio da empresa, inclusive com relato de pressão de cliente
externo.
> Os programas e as ações de QVT têm valor para a política de negócios da empresa. As
respostas positivas foram maiores com relação a todas as outras
questões. Os motivos apontados associam-se à empresa como um todo, à imagem
institucional, ao envolvimento dos empregados e à auditoria de clientes externos.
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8. Considerações finais
A qualidade de vida no trabalho vem ganhando expressão cada vez maior no ambiente
empresarial brasileiro dentro das estratégias de gestão de pessoas. Seja por aumentar a
produtividade, seja como peça importante da competitividade e da modernidade da gestão de
pessoas, seja no atendimento a exigências dos clientes, o fato é que, por meio de melhorias
das condições de trabalho, que fazem parte do escopo dos programas de QVT, os resultados
obtidos podem ter alcançado os objetivos empresariais, auxiliando a organização a enfrentar o
ambiente competitivo e a comprometer as pessoas com o negócio da empresa. Muitas
inovações de gestão foram desejadas pelos que trabalham em sistemas produtivos, O desafio
da QVT é aprofundar o reconhecimento da dimensão essencial do compromisso do ser humano
com as organizações e gerar melhores condições de vida.
Referências bibliográficas
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AUTORAS
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