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1. Introdução
2. Desenvolvimento
1
Delegado de Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul. Pós-graduando em Direito de Polícia
Judiciária pela Academia Nacional de Polícia.
Ministério Público, titular da ação penal pública, emitir a opinio delicti. Curiosamente, a
doutrina admite que há exceção prevista na Lei Antidrogas, o que, por si só, suplanta o
argumento de que a valoração feita pelo Delegado de Polícia impede, dificulta, vincula
ou usurpa a emissão da opinio delicti ministerial:
“Não deve a autoridade policial esboçar juízo de valor no relatório, afinal, a
opinião delitiva cabe ao titular da ação penal, e não ao delegado de polícia,
ressalva feita à Lei Nº 11.343/2006 (Lei de Tóxicos), onde na elaboração do
relatório deve a autoridade policial justificar as razões que a levaram à
classificação do delito (art. 52).” 4
Embora o Parquet seja o titular da ação penal pública, tal fato é insuficiente
para alijar Polícia Judiciária de externar o resultado do trabalho por ela realizado.
O Delegado de Polícia exerce a autoridade policial, representando o Estado-
Investigação, por expressa disposição constitucional e legal (Art. 4º do CPP e Art. 144
da CF/88).
É através do relatório final que o Estado descreve as diligências investigatórias
realizadas e, eventualmente, justifica a não realização de outras, podendo indicar
testemunhas que não foram inquiridas (Art. 10, §2º, do CPP). Em última análise, é no
relatório final que a Polícia Judiciária exerce o accountability de uma investigação
específica, prevenindo o abuso de poder por meio da obrigação de informar e justificar
suas ações - answerability5.
O relatório final não é uma peça dirigida ao Juiz ou Promotor de Justiça, não
havendo qualquer previsão legal neste sentido. Na verdade, os “autos” do inquérito são
encaminhados ao juiz competente, conforme o Art. 10, §1º, do CPP.
De mais a mais, não há qualquer ascendência, subordinação e ingerência entre
Polícia Judiciária e Ministério Público.
E, está cada vez mais superada a ideia de que o inquérito policial é um “mero”
6
instrumento de investigação policial, visando à coleta de indícios de autoria e prova de
materialidade a serviço do titular da ação penal – função preparatória. Existe a função
garantidora do inquérito com o “nítido caráter de evitar a instauração de uma
persecução penal infundada por parte do Ministério Público” 7.
Desta maneira, o inquérito não é um instrumento “unidirecional” 8, pois não
objetiva, exclusivamente, a lastrear acusações. A tarefa da Polícia Judiciária é esclarecer
o fato, tendo a “finalidade de buscar a verdade, amparando a acusação ao fornecer
substrato mínimo para a ação penal ou auxiliando a própria defesa ao documentar
elementos em favor do investigado que possibilitem o arquivamento” 9.
O fato é que a investigação é conduzida de forma imparcial e autônoma, razão
pela qual não cabe às partes impedirem que órgão investigativo estatal externe as suas
convicções sobre o caso concreto, até porque não estão vinculadas a elas.
O relatório final encerra a primeira fase da persecução penal, sob encargo da
Polícia Judiciária. Regra geral, o relatório é o documento remissivo às diligências
realizadas. Todavia, o relatório pode, em determinado tópico ou capítulo, possuir feição
de ato administrativo constitutivo, criando uma nova situação jurídica. É a hipótese do
indiciamento incluso no relatório.
A Lei nº 12.830/13 prevê a necessidade de fundamentação do indiciamento,
mediante análise técnico-jurídica do fato, indicando a autoria, materialidade e suas
circunstâncias. Conforme leciona a doutrina, o indiciamento produz efeitos
extraprocessuais e endoprocessuais:
“Produz efeitos extraprocessuais, pois aponta à sociedade a pessoa
considerada pela autoridade policial como a provável autora do delito, ao
mesmo passo que produz efeitos endoprocessuais, representados pela
probabilidade de ser o indiciado o autor do delito, considerado antecedente
lógico, mas não necessário, do oferecimento da peça acusatória.” 10
Embora o sistema processual penal não seja muito claro, podemos elencar os
principais efeitos endoprocessuais do indiciamento através de uma interpretação
sistemática. O indiciamento possui o condão de manter o indiciado vinculado às demais
fases do processo penal, sendo inclusive pressuposto das seguintes medidas:
3. Conclusão
REFERÊNCIAS
1
“A ausência de relatório policial não gera a nulidade do inquérito, até porque o STF tem se manifestado
pela prescindibilidade do inquérito policial, no caso de haver peças de informação a comprovar a
materialidade do delito e indícios de sua autoria, a propiciar o oferecimento da denúncia por parte do
órgão acusador. Ora se até o inquérito policial é dispensável, o que dizer do relatório policial, cuja
inexistência nenhum prejuízo trouxe à defesa do acusado?” (TRF 3ª Região, ACR 9699 -
2000.03.99.013732-4, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, julgado em
17/12/2002).
2
“Deve a autoridade policial abster-se de fazer qualquer juízo de valor no relatório, já que a opinio delicti
deve ser formada pelo titular da ação penal: Ministério Público, nos crimes de ação penal pública;
ofendido ou seu representante legal, nos crimes de ação penal de iniciativa privada”. (LIMA, Renato
Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª edição, 2015, JusPodivm, p. 152).
3
Oliveira, Eugênio Pacelli de. Curso de·processo penal. 15ª ed. Rio de Janeiro. LumenJuris, 2011, p. 64.
4
Curso de Direito Processual Penal. Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar. 10ª edição. Salvador,
JusPodivm, 2015, p. 148.
5
Por um conceito de accountability. Andreas Schedler. Para entender a democracia. Larry Diamond. 1ª
ed. Curitiba: Instituto Atuação, 2017.
6
STF, RE 136239, Relator Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 07/04/1992.
7 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18ª edição. EDITORA LUMEN JURIS. Rio de Janeiro.
2011, p. 77.
8 NICOLITT, André Luiz. Manual de Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
201/202.
9
HOFFMAN, Henrique. Moderno Conceito do Inquérito Policial. Temas Avançados de Polícia
Judiciária. 1ª ed. Salvador, JusPodivm, p. 27.
10
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª edição, 2015, JusPodivm, p. 144.
11
SOBRINHO, Mário Sérgio. A identificação criminal. São Paulo: Ed. RT, 2003, p. 100.