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Alina Paim
GILFRANCISCO
Edições GFS
GILFRANCISCO
G473g GILFRANCISCO.
A Romancista Alina Paim / GILFRANCISCO.
Aracaju: Edições GFS: 2008.
95 p. ilust.
1. Literatura Sergipana – ensaio.
2. Biografia. 3. Crítica Literária. I Título.
CDU 821.134.3(813.7) - 4
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A Romancista Alina Paim
Ao poeta amigo
Antonio Carlos de Oliveira Barreto
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De repente - eu
com toda a força brilho -
e de novo o dia nasce.
Brilhar sempre,
brilhar em toda a parte,
até ao dia em que a fonte da vida se esgote,
brilhar -
e é tudo !
É o nosso lema - meu
e do sol!
Vladimir Maiakóvski
(1893-1930)
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A Romancista Alina Paim
Agradecimentos:
Antônio Paim
Professor e Filósofo
Célio Nunes
Jornalista e contista
Eneida Marques
Filha da escritora Núbia Marques
Gustavo P. Bomfim
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
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Milton Sobral
Arquivo Público do Estado de Sergipe
Pedrinho Santos
Biblioteca Epifânio Dória
Raquel Fábio
Fundação Biblioteca Nacional
Teresa Paim
Filha da escritora Alina Paim
Wagner Ribeiro
Poeta sergipano
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A Romancista Alina Paim
S U M Á R I O
Apresentação
A Romancista Alina Paim * Gilfrancisco
Entrevistas
Leitura Descobre uma Professora * Melo Lima
A Redescoberta de Alina Paim * Gilfrancisco
Julgamento Crítico
Estrada da Liberdade * Ascendino Leite
Na Estrada da Liberdade * Santos Morais
Um Livro de Combate * Reginaldo Guimarães
Apresentação “Simão Dias” * Graciliano Ramos
Novo Romance de Alina Paim * Oswaldo Alves
Alina Paim * Zózimo Lima
A professorinha de Estância já
tem história literária * Barboza Mello
Prefácio “O Sol do Meio-Dia” * Jorge Amado
Alina Paim é só romancista * Valdemar Cavalcanti
A Mulher e seus Símbolos * Núbia Marques
Prefácio “A Sétima Vez” * Núbia Marques
Síntese Biográfica
Obras Publicadas
Fortuna Crítica
Subsídios Biográficos
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A P R E S E N TA Ç Ã O
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A Romancista Alina Paim
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Gênero literário em prosa, relativamente longo, o romance é caracterizado
pela narrativa de acontecimentos fictícios, mas geralmente verossímeis, relaciona-
dos a uma ação centrada num enredo, na análise de personagens ou no exame de
uma situação. Entendido como sucedâneo do poema épico, o romance moderno
tem raízes nos romances de cavalaria, mas só se configurou como hoje o conhece-
mos no século XVIII, tendo por precursores entre outros, o abade Prévost (Ma-
non Lescaut, 1731) e Henry Fielding (Tom Jones, 1749).
Ciente de sua vocação literária e disposta a seguir a trilha, Alina Paim
optou pelo romance, não se deixou tentar pela atração do conto, nem da crônica,
nem mesmo de artigo para jornal. Seu interesse maior e único o romance. Mesmo
tendo estreado aos 23 anos, o tempo lhe assegurou o necessário capital de expe-
riência e observação, indispensáveis para todo romancista. O romance tem em
Alina Paim a mão que o denuncia de todos os segredos e violências, explorando-
o em cada ângulo difícil sem restringi-lo à mera análise superficial, exigindo assim
do crítico que a estuda um esforço vital, um reconhecimento de nuances, amplian-
do sua visão de autora consciente e politizada.
Alina dá a medida exata, a atualização essencial da narrativa romanesca,
um sentido de concepção nova na caracterização dos personagens, onde os confli-
tos interiores surgem à descoberta inteiramente vigiada pelos seus equilíbrios de
narradora onisciente. Alina é uma romancista que escreve com naturalidade, conta
a sua história com um gosto e emoção crescente, conseguindo captar o que há de
duradouro e de eteno na criatura humana. Denunciando a história de várias criatu-
ras, cujos pequenos dramas ganham enormes proporções, porque exprimem toda
espécie de mutilação de uma sociedade rural, como no romance Simão Dias.
Alina Leite Paim nasceu na cidade de Estância, (68 km de Aracaju) berço
da imprensa sergipana, a 10 de outubro de 1919, filha de Manuel Vieira Leite e de
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Maria Portela de Andrade Leite, ambos sergipanos. Com três meses de idade mudou-
se com os pais para Salvador. Ao perder a mãe, foi para Simão Dias (SE), morar na casa
dos avós paternos, onde sofreu muito com a rigorosa educação dos parentes, princi-
palmente pelas constantes e severas repreensões das três tias solteironas. A severa
educação que recebera nesses primeiros anos, de certa forma contribuiria para sua
aprovação em 1932, no primeiro ano do curso fundamental com distinção nos exames
de suficiência do Colégio Nossa Senhora da Soledade, em Salvador.
Simão Dias foi um celeiro político-econômico de grandes e influentes famí-
lias que marcaram toda a história de Sergipe. Ali, Alina fez os estudos preliminares
na Escola Menino Jesus e dos sete aos dez anos, freqüentou o Grupo Escolar
Fausto Cardoso, da Praça da Matriz, onde recebe formação religiosa e participa de
diversas atividades relacionadas à expansão do catolicismo. Parte de sua infância
e adolescência serviu de cenário e título para o seu segundo romance, escrito nos
meses de agosto a dezembro de 1946. Mudou-se outra vez para Salvador e conti-
nuou seus estudos no colégio Nossa Senhora da Soledade. Aos doze anos passou
a escrever para o jornalzinho do educandário de freiras, onde se formou como
professora e trabalhando depois numa escola da Estrada da Liberdade, hoje um
dos bairros mais populosos de Salvador.
Casou-se em 1943, com o médico baiano Isaías Paim e mudou-se em
seguida para o Rio de Janeiro, onde reside com uma de suas filhas. Como na época
não conseguisse trabalho, foi ensinar na Escola para filhos de pescadores, na Ilha
de Marambaia. Aí escreveu seu primeiro romance, Estrada da Liberdade, publica-
do em fins de 1944, com enorme repercussão nos meios literários e de público,
esgotando-se em quatro meses a primeira edição.
Como seu diploma de professora somente era válido dentro dos limites do
Estado da Bahia, encontrou-se, de súbito, sem profissão definida. E, a convite de
Fernando Tude de Souza, diretor da Rádio do Ministério da Educação e Cultura
- MEC, começou a escrever para o programa infantil “No Reino da Alegria”,
dirigido por Geni Marcodes. Para esse programa, colaborou entre 1945 a 1956,
escrevendo para crianças e adolescentes. Desde sua chega ao Rio de Janeiro, Alina
participou ativamente da vida literária do País, publicou quase dez romance e
quatro obras infantis, alguns de seus romances foram editados na Rússia (1957),
China (1959), Bulgária (1963) e Alemanha (1968).
Em 1944, a jovem Alina Paim se dirigiu a Barboza Mello, ligado ao Partido
Comunista, então diretor da Editora Leitura, levada pelo jornalista Osvaldo Alves
para entregar os originais do livro Estrada da Liberdade, e durante esse primeiro
contato, a jovem foi contando como e porque o escreve. Segundo Barboza, Alina
Paim era “uma menina de cabelos soltos, cacheados, 1,50 de altura, 48 quilos de
peso, rosto bonito de ingênua, fala suave, e uma tímida inconcebível numa adoles-
cente que queria ser escritora”.
Publicado pela Editora Leitura, do Rio em 1944, o romance Estrada da
Liberdade retrata a vida de uma professora cheia de idéias, em contato com a amarga
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realidade de sua comunidade de bairro proletário, onde tenta aplicar métodos moder-
nos de aprendizagem. Alina baseou-se em sua infeliz experiência para escrever. Conhe-
ceu a fome e a miséria da infância baiana abandonada, de quem ela se apaixonou e que
muito contribuiu para leva-la a colocar a sua arte a serviço do povo. Pouco a pouco a
professora vai tendo a revelação de tudo. L~e livros diferentes dados por amigos novos
e chega assim a uma nova concepção da vida, do amor, das relações entre as pessoas
humanas e revolta-se contra tudo que é falso e lhe fora ensinado, uma educação dirigida
no interesse dos poderosos e ricos.
Esse é o clima em que se desenvolve a ação de Estrada da Liberdade, cuja
estrada entraram as primeiras “tropas libertadoras” nas lutas da Independência da
Bahia (1823), e, por esse motivo, recebeu a denominação simbólica. Alina faz isso
com muita felicidade: não cria as histórias, não inventa, mostra-se apenas com o
coração revoltada pelas injustiças sociais e pela miséria econômica, como se con-
tasse para uma pessoa amiga aquilo que viu e ouviu.
Essa obra foi muito elogiada pela crítica, pois nela a autora já mostra sua
tendência para a ficção e para as causas humanitárias. Estrada da Liberdade é uma
romance simples, sem as costumeiras técnicas apuradas, foge a temática da época
(seca, cangaço, cacau, café). O painel do livro, prende a atenção do leitor pela
leveza do estilo e pela condição natural dos seus personagens que se apresentam
como qualquer humano, com defeitos e qualidades. Em menos de 2 anos a edição
de Estrada da Liberdade estava esgotada, tendo contribuído para isso as freiras
daquele Convento que eram as maiores compradoras do livro, não para ler, mas
para queimar... Elas não gostaram do que Alina havia escrito, colaborando para a
imortalidade do Convento Nossa Senhora da Soledade.
Nesse romance de estreia já se observavam os principais traços que iriam
caracterizar a sua obra posterior, apesar de Alina iniciar-se como escritora numa
época em que os romancistas brasileiros estavam voltados para a literatura regio-
nalista ou de denúncia social, como é o caso de Graciliano Ramos e José Lins do
Rego, enquanto ela enfoca em seus textos o ser humano com suas angústias e
questionamentos existenciais.
A partir daí, seguem vários romances que denunciam o poder dos fortes
sobre os fracos. Mostra, também, o amor como forma de realização e destruição
do ser humano; a exploração do homem como força-trabalho, que caracteriza a
sociedade brasileira. Suas obras sempre refletem um tipo de crítica humanitária.
Alina Paim era consdierada de esquerda e lutadora pelas causas feministas, o que
lhe causou sérios problemas durante o regime militar nas décadas de 60 e 70.
A redemocratização do país em 1945, com a queda de Getúlio Vargas e a
convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, coincidiria com a imposi-
ção de novos reformismos, a partir do Ato Adicional nO 9, de fevereiro, o Brasil se
surpreende com a extensão e a importância do movimento comunista, que está
ligado ou dirigindo uma série de atividades políticas fundamentais. Com a saída de
Carlos Prestes da prisão, um novo panorama se apresenta: o PCB se tornará legal
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e uma nova fase se abre para as esquerdas, em geral. A sociedade brasileira, então,
irá passar por um novo momento de sua história, havendo a participação democrá-
tica de todas as suas classes sociais e uma mais ampla conquista de direito sociais
e isso inclui a literatura.
A morte de Mário de Andrade nesse ano como que assinala o fim de um
ciclo questionador da cultura, das instituições e das idéias. Sua obra crítica deixa
entrevar não apenas força aglutinadora, mas sobretudo sensibilidade e abertura
intelectual e todas as vocações capazes de revelar aspectos inventivos de algum
modo interligados com a trajetória renovadora da arte no Brasil.
Em 1949 a Livraria Editora Casa do Estudante do Brasil edita o romance
Simão Dias, com apresentação de Graciliano Ramos, amigo e grande incentivador
da tímida escritora sergipana: “A estréia, recebida com louvores, jogou a moça na
literatura. Alina fez vários livros. Este, o terceiro, deixa longe a Estrada da Liber-
dade, manifesta um valor que o trabalho da juventude apenas indicava. A autora
observa, estuda com paciência, tem a honestidade rigorosa de não tratar de um
assunto sem domina-lo inteiramente. As suas personagens são criaturas que a
fizeram padecer na infância ou lhe deram alguns momentos de alegria, em cidade-
zinhas do interior. Nenhum excesso de imaginação”.
Nesse livro, Alina retrata parte de sua infância e adolescência, compartilha com
o leitor suas memórias sobre o cotidiano desta cidade do estado de Sergipe. Orientada
pelo amigo Graciliano Ramos, Alina mantém o teor autobiográfico do romance, não
substituindo os verdadeiros nomes dos personagens, no intuito de aproximar ao leitor
o cotidiano da cidade e de seus habitantes nomeados no relato. Quando o romance foi
publicado causou espanto em alguns membros de sua família, pois tiveram as suas
vidas expostas publicamente. Alina escreveu um livro útil e o fez com amor, com
generosa ternura, captando o ambiente, o meio, a atmosfera que cercou a formação,
intelectual e humanista, erigindo o edifício do seu romance argamassando-o de reminis-
cências pessoais ou coletando depoimentos.
A Sombra do Patriarca de 1950, publicado pela Livraria Globo retrata a vida
no campo romanceando a maléfica e prepotente atuação do Senhor de Engenho. É
neste ambiente do meio rural do Nordeste, numa antiga fazenda na qual um mundo
de personagens vive em redor do velho fazendeiro, tio Ramiro, e em função dele.
As pessoas e as coisas obedecem ao patriarca, sua vontade prevalece sobre tudo e
todos. Existências se mutilam sob o poder dessa energia despótica e rígida, sob
caprichos decorrentes de uma concepção absurda da vida. O velho latifúndio
muda a seu talante o destino de todo ser humano a seu alcance.
Ninguém se surpreende com tal estado de coisas até que um dia Raquel,
uma sobrinha do velho, vem passar poucos dias na fazenda. Mas como adoece de
impaludismo, é forçada a permanecer mais tempo, observa o poder infinito e
anacrônico do patriarca, descobre uma por uma as causas – locais, sociológicas,
históricas, psíquicas – em que ele se baseia, e com o descobrimento começa a
revoltar-se contra ele. Assim é a história de Raquel na velha fazenda, contada por
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ela na primeira pessoa, mas é também uma imagem do latifúndio que confere
ilimitado poder a seu detentor e paralisa todas as vidas que dele dependem. A
Sombra do Patriarca, de Alina Paim, é o quadro vivo das vidas em conflitos, em
que a opulência acaba sendo derrotada pelas forças coesas de uma classe que um
dia entendeu de reivindicar ancestrais direitos postergados.
A literatura popular refletiu as lutas desse período. Em particular a coleção,
“Romances do Povo”, dirigida por Jorge Amado, publicada pela Editora Vitória que
reuniu 25 títulos de autores de vários países. Um desses livros, A Hora Próxima, é de
Alina Paim, escritora sergipana militante do Partido Comunista do Brasil e colaborou
na elaboração de uma narrativa literária que espalham as lutas do povo, revelando o
futuro de inevitáveis conquistas para o proletariado. A Hora Próxima, título que
compõe a coleção (Vol. XI), vendeu 10 mil exemplares somente na primeira tiragem,
em 1955. O livro foi traduzido para o russo e chinês, segue as pegadas de Jorge
Amado, introdutor e praticante-mor do realismo socialista no Brasil.
A partir dos anos 50-60 temos a explosão da linguagem e dos temas em
Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles, cujos achados vão inspirar e alimentar o
surgimento de uma prosa densa, combativa e reivindicatória, em busca da afirmação da
mulher na sociedade, em igualdade de condições com os homens. Essas são mudanças
significativas nos direitos das mulheres. Romancista como Alina Paim questiona os
modelos, reivindica a igualdade, denuncia as mazelas da educação patriarcal, analisa a
maternidade e as relações no espaço do místico, assume a emergência do erotismo,
encara a violência, assume as contingências da liberdade sexual.
O lançamento no mercado da pílula contraceptiva, seu engajamento nos
movimentos reivindicatórios, entre outros marcos, delinearam um novo perfil de
mulher. As mudanças sociais e culturais ganham novo ímpeto dos anos 80 até o
momento atual, como desenvolvimento acelerado das mídias, a comunicação via
internet fazendo parte do dia-a-dia, abrindo perspectivas para divulgação de
conhecimentos e troca de idéias sobre questões de gêneros.
Segundo Jacob Gorender, em 1950, ouve uma reunião no Rio de Janeiro,
num apartamento em Copacabana dirigida por Diógenes Arruda, então braço direi-
to de Carlos Prestes, contando com a presença de aproximadamente 30 intelectu-
ais militantes, entre eles Alina Paim, James Amado, Carrera Guerra, Astrojildo
Pereira, Werneck de Castro, Oswaldino Marques e outros. O objetivo do encontro
era “implantar a teoria do realismo socialista entre os intelectuais comunista”.
Arruda, tentou orientar a produção cultural dos militantes, mas encontrou resis-
tência, porém, entre os próprios intelectuais alinhados, caso de Graciliano Ramos.
O Realismo Socialista, padrão estético imposto pelo regime comunista na
antiga União Soviética, com a missão de controlar a produção intelectual, subordi-
nando-a aos cânones dogmáticos do comunismo de então. De acordo com tais
princípios, a literatura e a arte deviam exercer papel exclusivamente pedagógico,
difundindo os esforços comunistas para a construção do “homem novo” e do
“mundo novo” nos países socialistas. Para tanto, os textos deveriam ser pautados
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A presença de Alina Paim foi uma surpresa tão grande que a exclamação
saltou logo, como se fosse elogio:
– Tão jovem ainda! O seu romance parece de uma criatura mais idosa...
– O senhor acha?
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Após longa peregrinação por mais de cinco anos em vários Estados brasi-
leiros para obter informações sobre a escritora sergipana Alina Paim, 88 anos, a
tão esperada notícia de que ela ainda estava viva, finalmente chegou à tarde de 6 de
novembro de 2007, por intermédio do seu cunhado Antonio Paim, 81 anos, pro-
fessor e pensador filosófico baiano atualmente vivendo em Brasília. A confirma-
ção veio através de um telefonema em resposta ao e-mail enviado por mim, com o
intuito de obter endereço ou número do telefone de Alina. O professor forneceu-
me o tal número, disse-me que ela há muito residia em Campo Grande (MT), e fez
algumas recomendações sobre seu estado de saúde. Devido a avançada idade, ela
está com dificuldades visuais e auditivas. À noite, por volta das 21 horas, liguei
para falar com Teresa Paim, sua filha, atendendo a solicitação de seu tio Antonio.
Mas, para minha surpresa, Teresa não estava e Alina atendeu à ligação. Neste
instante meu coração gelou ao ouvi-la pela primeira vez sua voz.
Em pouco tempo de conversa pude observar a força que tinha aquela
mulher de 89 anos, pela lucidez e o carisma. Sem dúvida uma mulher sábia – disse-
lhe que era um dos maiores vultos do contexto social, político e cultural da socie-
dade brasileira contemporânea e que, representa o arquétipo feminino de maneira
mais completa. Entre uma pausa e outra vou falando do que queria dela, pois me
encontrava em fase de conclusão do livro sobre sua obra, para a coleção BASE
(Bahia e Sergipe), fascículo número 3, sobre autores significativos da literatura
desses dois estados e desejava obter algumas informações. Aproveitei a oportuni-
dade para falar também do projeto da professora Ana Maria Leal Cardoso, do
Departamento de Letras da Universidade Federal de Sergipe, que organizará um
livro sobre a crítica literária de alguns dos seus romances publicados e havia me
designado para escrever o capítulo referente a sua biografia.
O agradecimento saía por uma voz trêmula e bastante emocionada com
aquela notícia a muito esperada: “O coração já está muito velho para suportar
essas coisas”, disse ela, sensibilizada, em voz mansa e pausada. “É uma honra e
uma grande alegria tê-lo como meu biógrafo”. Mais tarde em conversa com sua
filha Teresa, disse-me que logo após a conversa que mantivemos, Alina contou-lhe
que eu havia ligado e que estava escrevendo sobre ela. E concluiu: “Gil, mamãe
ficou muito feliz com sua ligação”. Por que você não vem passar uns dias aqui em
janeiro? Estaremos na nova casa que se encontra em reforma. Seria ótimo, teria
todo o tempo para ficar com ela. Ela adora falar sobre o seu passado, dos amigos,
das viagens, dos livros”.
Dias depois enviei nova correspondência contendo 43 perguntas abran-
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gendo sua trajetória como mulher, mãe, escritora e militante partidária, com o propó-
sito de primeiramente publicar em forma de entrevista e posteriormente como capítu-
lo do livro “A romancista Alina Paim” a ser publicado no próximo mês. Confira a
entrevista.
1.Vamos começar do começo! O seu por exemplo. Fale sobre seus pais?
Alina Paim – Minha mãe morreu quando eu tinha seis anos incompletos. Dois
meses depois ela completaria vinte seis anos. Nasci em Estância/Sergipe, papai e
mamãe também. Não conheci meu avô paterno, pois ele deixou a avó (faleceu), seu
nome era José Leite e minha avó Danana Vieira; meu avô materno, Berrnardino
Cruz de Andrade, era coletor em Simão Dias, foi para lá com seis anos, pois não
tinha onde ficar, a mãe havia morrido. Minha avó Adelaida Andrade Portela era
dona de casa, lia bem, fazia bem as contas, tinha feito um bom primário e o vô era
cobrador de impostos, tomava conta da coletoria. Todo dia primeiro se não era
domingo estava com a mala cheia de dinheiro, rolos de moedas amarelas. Eu já
sabia juntar as moedas pelo tamanho. Minha vó teve vinte partos e vinte hum
filhos (gêmeas mãe e tia).
2. Quantos irmãos você teve?
AP – Tive outros irmãos por parte de pai, pois ele teve três mulheres.
3. As primeiras letras você aprendeu com quem?
AP – Aprendi com minha mãe aos quatro anos. Durante um almoço de domingo,
presentes meu pai e meu tio (irmão dele), disseram: amanhã vai começar a ler,
aprender a ler. Minha mãe fez uma aposta com meu pai. Ele sabia que eu só iria
para a escola com seis, sete ou oito anos. Ela disse que me faria aprender a ler
dentro de três meses. Caso eu não aprendesse desistiria, não me ensinaria mais.
4. Como se desenvolveu os ensinamentos?
AP – Minha mãe resolveu que seria de tarde, pois pela manhã eu continuaria a
brincar como sempre. Na tarde da segunda feira, Senhora (empregada) foi designa-
da para uma tarefa muito importante que era sair comigo para ir a uma quitanda
comprar o ABC, uma lousa com uns lápis de pedra, um caderninho e a tabuada. Ela
me arrumou toda como se fosse para a maior festa: sapatinho, meia de seda,
vestido longo, laço bordado no cabelo, para comprar as coisas mais importantes
da minha vida. Senti uma alegria enorme, doida para almoçar logo e começar.
5. Você estava me falando sobre um trato feito entre seus pais. O que
aconteceu na realidade?
AP – Meu pai não podia perguntar nada antes dos três meses sobre o trato que
fizeram. Lembro-me de fatos que ocorreram quando tinha três anos. O aprendiza-
do foi tudo, lembro como se fosse agora, senti muita alegria. No primeiro dia da
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compra, à tarde minha mãe pegou o lápis e o livro pela primeira vez. Mostrou o
ABC que ali era de aprender a ler, saber a história, o outro era de saber números.
Por exemplo: se você tem três bolachas e come as duas, era desse jeito que a mãe
ensinava. Quando ela morreu, eu já estava no terceiro livro de leitura antes de
completar seis anos, cujo autor era Felisberto de Carvalho, considerada a leitura
mais difícil da época. Meus pais o escolheram, porque haviam estudado letras, foi
o que leu nada de livros com letras grandes e histórias tolas.
6. Qual foi a reação de seu pai ao final da aposta?
AP – Final do prazo da aposta, numa terça-feira, meu pai chegou da fazenda.
Minha mãe chamou Manoel e disse que ele podia pegar a tabuada, o ABC, o
livro, lápis, pois ela está na cartilha de Felisberto (a mais difícil e respeitada)
na página 40. Peguei a tabuada, li salteado, dizia o zero pai não é nada, mais
pega o um e zero e fica dez. Ele começou da maneira mais absurda, salteada,
para me atrapalhar e eu ia respondendo. A mãe ensinava numa alegria enorme,
quase brincando. Ele disse (prometeu) que não diria nada a vó Donana (mãe
dele), só falaria nisso depois dos três meses. Minha mãe disse que se ele
tivesse satisfeito poderia dizer a ela no dia seguinte.
7. Como era sua avó Donana?
AP – A vó Donana não tinha curso superior, mas era inteligente, criou oito filhos
homens, ficou viúva com o mais velho pequeno e só um se formou em medicina,
foi para São Paulo, os outros seguiram a profissão do pai, criador de gado. Ela
gostava de arte, teatro, de ler. Quando eu tinha cinco anos me levou para assistir
uma ópera em Salvador, juntamente com papai, mamãe e vovô.
8. Afinal, quando foi que seu pai falou com Donana?
AP – Dia da aposta dos três meses, meu pai marcou para contar à mãe (vó
Donana) que tinha o sonho de ter um filho ou neta, fosse quem fosse, mostrasse
que tinha inteligência, que estudasse; Quando ele viu que eu estava na cartilha e
respondia tudo que perguntava, ficou numa alegria e disse a Maroquinha (Maria)
que contaria a vó Donana. Disse que ia sair e não demoraria nada e foi comprar as
frutas que só aparecem no fim de ano (uma fortuna) para comemorar (morango,
por exemplo). Vai ser natal hoje, disse ele, (eu me arrepio quando lembre disso). A
mãe disse: esse se chama pêssego, e esse morango: aqui não tem, vem de longe. A
maçã e a pêra eu conhecia, a cor da maça era um amarelo incomum. Conheci
também o pêssego e o vermelho morango, representando um ano bom. Na Bahia
não se diz Ano Novo, se diz Ano Bom. Na terça-feira meu pai saiu para comprar
algo que pendurasse para eu ser dona, uma pasta. Quando cheguei à escola, já
estava no terceiro livro, aos seis anos. Ele disse à Maroquinha que precisava
daquela comemoração, pois ela acreditou na criança, e ele não. No dia seguinte fora
pra vó Donana que disse: o que é isso com a criança? Donana meta a mão, puxe,
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trudes contou a ela que os cinqüenta e poucos livros de Júlio Verne tinha a capa da
mesma cor e a madre perguntou: quantos eu já havia lido? Oito, não. Cinco? Não.
Quatorze. Não. Quantos livros Alina? – vinte oito. Eu disse que gostava de dizer
a história e o nome do livro, fui buscar o caderno de rascunho que a irmã tinha me
dado, estava todo escrito sobre Júlio Verne e eu comecei a contar o que estava
escrito. Ela contou os resumos e constatou que tinha vinte oito e pediu para só contar
a meu pai quando o jornal estivesse pronto. A madre achava que eu estava enfeitiçada,
disse que eu ia usar pseudônimo de um passarinho, respondi a Madre Gertrudes que
não queria um passarinho, seria Alina Leite, assim como Júlio Verne. Ela foi falar com
a superiora, pois nunca havia visto dois escritos num mesmo número do jornal.
19. Os textos foram aprovados para o jornal?
AP – No outro dia, de tarde, fui chamada e me assustei. A irmã gostou muito e
havia mostrado o texto à Madre Superiora que disse-lhe que eu deveria entrar no
próximo número do Arco-Íris. Foi uma das coisas que mais me levou à altura, pois
fui escolhida sem ser aluna. Fiquei toda satisfeita, feliz. Os artigos tinham de ser
assinados com pseudônimos de passarinhos ou plantas, mas eu só queria se
pusesse o meu nome Alina Leite, pois eu era gente e escrevi. Fomos até a Madre
Superiora para que decidisse sobre o pseudônimo e ela concordaria em colocar
Alina Leite. Dei um pulo bati nas costas dela e disse que ela era inteligente. Fiquei
muito feliz. Cada colaborador só poderia participar com uma redação publicada,
porém me concederam à oportunidade de publicar duas.
20. Você foi noiva muita jovem ainda, porque terminou o noivado?
AP – Fiquei noiva aos dezenove anos em 1940, de um estudante de medicina do
Amazonas. O nome dele era Djalma Batista, o noivado foi desfeito por ele que
quis me levar para o Amazonas. Já estava bem encaminhado, toda semana ele
escrevia e recebia uma carta. Na segunda-feira dia dos correios, abri a carta e ele
simplesmente liquidou o noivado, pelo meu bem estar bem e dele, pois havia em
ambas as famílias casos de doença mental. Isso me causou um mal enorme, não
conseguia dizer a ninguém, nem no convento, nem na escola pública onde ensinava.
Resolvi que só tinha um caminho, me matar. Pensei no que ia dizer não me sentia
valendo mais nada, resolvi morrer. Saí, comprei remédios que ouvi falar que eram muito
fortes, mortais, comprei muitas caixas, coloquei vários no pires e escondi as caixas para
que ninguém estivesse sabendo do que eu estava morrendo. Engoli cinqüenta e oito
comprimidos às 10 horas senti muito sono e escutei as cinco pancadas do almoço e
pensei: não morri, tinha que ir almoçar.
21. Você estava decidida a morrer? Por que não pediu ajuda?
AP – Levantei com o raciocínio virado, tonto, ouvi o barulho das pessoas descendo
para o refeitório, me sentia meio tonta, era um sábado, dia da irmã de caridade. Fui
chegando e senti que deveria segurar, pois poderia ficar tonta e percebi que estava
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Catarina e após “A Hora Próxima”. Não foi o melhor romance de público, pois não
teve mais versões. O que teve mais versões e sentido político foi: “A Hora Próxi-
ma”, sobre a greve dos ferroviários.
36. Você respondeu processo judicial, qual o motivo?
AP – Decretaram a tal ordem de prisão, processo em torno de mim. Fizeram o
desagravo de querer me condenar por causa do livro, conduziram-me a uma porta
e havia uma grande fila. Havia inúmeras pessoas para beijar a minha mãe pelo livro
que eu tinha escrito sobre a vida deles. Mandaram-me estender a mão para todos
e após teria a reunião do desagravo. Um velho ferroviário me abraçou, chorou e
disse que eu havia escrito a vida dele, foi à coisa mais comovente esse encontro
com o velhinho. Senti-me completa ao escrever sobre aquela luta, o Partido apoiou
a tradução de “A Hora Próxima” em russo e chinês. O sucesso desse romance foi
o fato de que a luta operária era o centro, a história de uma greve forte na maior
ferrovia de um país.
37 . Entre 1945/1956 você trabalhou na Rádio-MEC, para o programa infan-
til “No Reino da Alegria”, dirigido por Geni Marcondes. Como foi essa
experiência?
AP – Entre 1945 e 1956 trabalhei na rádio MEC, dirigida por Fernando Souza
entrei lá através dele, era muito amigo do editor Barbosa Melo, trabalhavam juntos
no edifício. Ele leu meus originais na mão de dois amigos do Paim. A experiência na
rádio durou 16 anos, o programa no Reino da Alegria, dirigido por Geni Marcon-
des, ia ao ar de segunda à sexta das cinco as cinco e meia. Escrever para a rádio foi
muito interessante. Eu queria ver se descobria o segredo de escrever uma coisa e
vê-la existir só através da palavra. Deixei de ensinar, pois o Rio de Janeiro não
reconhecia meu diploma. Li os programas que me deram, de vários tipos de pesso-
as. Havia um programa dirigido às professores rurais (educativo), chamado Brasil
versus Estados Unidos.
38. Como eram preparados esses programas?
AP – Levei três vezes doze assuntos sobre o mar ou seja trinta e seis assuntos. A
cada doze não havia repetição de aspectos, parecia outro mar. Foi aprovado de
imediato. O primeiro episódio é impossível lembrar. Haviam personagens pré-
estabelecidos, pois havia um limite já que cada personagem era pago pelo seu
desempenho. Não havia verba suficiente para isso, tive direito a duas crianças:
Catita (6 anos) e o irmão (8 anos) não aparece a mãe, mas sim a avó pois a figura da
avó era um tipo fabuloso. Ele disse que ia ler, e eu disse leia. Não quis que colocasse
música, preferi ler jornal. Disseram-me que o meu programa seria às sextas-feiras, para
não fugir da cabeçinha da criança até segunda, pois balança a atenção da criança.
Eu disse que o som do mar eu queria como um elemento de transição
com um narrador costurando o texto, queria um narrador vibrando para passar
calor para os meninos. Eles disseram que os meninos pegariam fogo; Umas cinco
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JULGAMENTO
CRÍTICO
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Estrada da Liberdade
ASCENDINO LEITE
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Na Estrada da Liberdade
Alina Paim, jovem romancista baiana, outrora da Estrada
da Liberdade, que vem obtendo um justo sucesso.
SANTOS MORAIS
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Um Livro de Combate
REGINALDO GUIMARÃES
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nos personagens como se fossem bonecos de papelão. Ela deixa que as pessoas atem
por si mesmo. Movimentando-se de acordo com os seus modos de ver a vida ou com
suas autodeterminações. Não se lhe observa a preocupação de emoldurar os quadros
do seu livro com efeitos de fundo de tela, a fim de encher o livro, criar paisagens
fictícias para as antologias reacionárias que andam por aí. Tudo nela é módico, bem
encaminhado, pondo em muito baixo plano os pequenos defeitos de estréia.
Creio que com Estada da Liberdade, Alina Paim aparece como já disse.
Certamente que sua tendência é para seguir subindo e sua linha será sempre a linha
reta dos que olham os humilhados e oprimidos não com a piedade branca e reaci-
onária dos aristocratas, mas, com o olhar de quem lhes ensina o meio de saírem do
charco para olharem as estrelas.
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Apresentação
GRACILIANO RAMOS
Alina Paim chegou aqui há quatro anos, tímida, novinha, com jeito de
freira à paisana.
O romance que nos deu pouco depois não revelava nenhuma timidez e,
logo nas primeiras folhas, desmentia a aparência religiosa. Exibia até muita
coragem, dava às coisas os nomes verdadeiros, sem respeito exagerado às
conveniências.
A estréia, recebida em louvores, jogou a moça na literatura. Alina fez
vários livros. Este, o terceiro, deixa longe a Estrada da Liberdade, manifesta um
valor que o trabalho da juventude apenas indicava. A autora observa, estuda com
paciência, tem a honestidade rigorosa de não tratar de um assunto sem dominá-lo
inteiramente. As suas personagens são criaturas que a fizeram padecer na infância
ou lhe deram alguns momentos de alegria, em cidadezinhas do interior. Nenhum
excesso de imaginação.
Em geral os homens são vistos à distância, não se fixam. A escritora julga
talvez não conhece-los bem e receia apresentá-los deformados; limita-se quase
sempre a fazer referência a eles ou, quando é indispensável, a mantê-los na ação
em diálogos curtos, em rápidas passagens. Aqui duas figuras masculinas parecem
contrariar esta afirmação. Caracteres bem definidos: um velho e um idiota. Mas o
primeiro já deixou de ser homem, o segundo ainda se conserva menino.
O que surge com intensidade é a existência das mulheres – complicações,
desarranjos, pequeninos problemas. Há umas admiráveis tias velhas, rendeiras,
beatas, calejadas nos mexericos.
E há também a criança atormentada, a melhor criação de Alina. Vê-se bem
que a romancista cochilou nas orações compridas, trocou bilros na almofada e
agüentou muito puxão de orelha. Foi bom. Essas desventuras lhe fornecem hoje
excelente matéria.
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essas figuras não são de forma alguma personagens de segundo plano. Eles com-
pletam os quadros com igual intensidade, valorizados pela autora de maneira sutil
e inteligente. Das Dores destaca-se algumas vezes, é certo, evoluindo de menina
para mulher, no tumulto de indagações aflitivas sobre o mistério da vida e da
fecundação. Entra muitas vezes em choque com as pessoas adultas, pois não vê o
mal onde ele lhe é apontado: encontra-o, inversamente, em quase tudo que exaltam
como virtudes consagradas, por força mesmo das contradições da sociedade defor-
mada em que vive, e na qual seu caráter se vai formando. Entre essas contradições,
Luiza lhe aparece como a única pessoa equilibrada, razoável e lógica.
Mesmo destacando-se algumas vezes, Das Dores há de ser, no entanto,
apenas uma peça indispensável à estrutura deste romance tão forte e tão humano.
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Alina Paim
ZÓZIMO LIMA
Está ai uma escritora sergipana de muito talento, filha de Simão Dias que
eu, como muitos dos nossos conterrâneos, desconhecia até agora.
Chama-se ela Alina Paim, nasceu na terra de Ranulfo Prata, passou a
meninice em Estância, e, depois, seguiu para o Rio, onde, além de professora,
firmou a sua reputação como novelista de primeira água, que não, ficou aquém
de Rachel de Queiroz, Dinah Silveira, Lúcia Miguel Pereira e Lúcia Benedetti.
Alina Paim, que é ainda muito moça pelo que constato da fotografia, já escre-
veu três romances, festejados pela imprensa: Estrada da Liberdade; Simão Dias e A
Sombra do Patriarca, agora mesmo editado pela Livraria Globo, de Porto Alegre.
A Sombra do Patriarca, que obedece ao mesmo tema de Estrada da Liber-
dade, é a dolorosa via-sacra da classe proletária, vítima da injustiça social do
capitalismo com o seu poder absorvente, os seus preconceitos baseados na
divisão de classe e na herança de títulos de nobreza que, pouco a pouco, diante
da acelerada marcha socialista, vão caindo esfrangalhados.
Há, ainda, por aí, tocaiado nos alpendres de “casa grande” quem alimen-
te ilusões de que estes restos de fidalguia, mantidos à força de dinheiro consegui-
do a exploração de trabalhador se manterão ainda por dilatado tempo. Engano
manifesto. Não há de ter a avalanche que destruirá as barreiras que separam a
miséria da riqueza. Não será a barbárie stalinista com os seus sangrentos expur-
gos que fará melhorar as condições de vida da humanidade.
É o próprio homem, cansado de sofrer, abroquecido na fé religiosa dos seus
antepassados, que se revoltará para a conquista da felicidade não fluida por aqueles
ambiciosos, individualistas que olvidaram as advertências do apóstolo Thiago.
É impossível que no mundo continue por mais tempo a desigualdade
humana no que tange ao bem e mal estar. Uns comem, outros passam fome. Uns
vestem, com opulência, outros andam quase nus. Nos hospitais, outros andam
quase nus. Nos hospitais há quartos com instalações de luxo asiático que são um
insulto à enxerga no salão promiscuo onde geme o enfermo indigente que tem
também direito à vida mas não tem dinheiro.
É mister por fim ao egoísta opulento, de mentalidade medieval, que
adquire com o dinheiro arrancado aos pobres, ao trabalhador de enxada, ao
carregador do cais, ao caixeiro do armazém, ao supersticioso, vastas terras para
proveito próprio com prejuízo da pobreza que nelas habita muitos anos e é
expulsa sem a piedade pregada por Jesus.
A sombra do Patriarca, de Alina Paim, é o quadro vivo das vidas em confli-
tos, em que a opulência acaba sendo derrotada pelas forças coesas de uma classe que
um dia entendeu de reivindicar ancestrais direitos postergados.
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Alegre que, quando o lançou em 1950, já Alina, num passe de mágica, tinha feito
outro – Simão Dias – que a Livraria Editora Casa do Estudante do Brasil publicou
na frente daquele, em 1949. Este era realmente o terceiro, não o bastante ter saído
um ano antes do segundo.
Graciliano Ramos tendo lido os originais “Simão Dias”, fez a apresentação
do mesmo numa orelha da capa.
A mocinha não pára, trabalhadora infatigável, se interessa pela situação e
participação das mulheres na greve ferroviária de 1954, em Minas e temos então o
seu quarto romance, A Hora Próxima, editado no ano seguinte, na Coleção Roman-
ces do Povo, dirigida por Jorge Amado para Editorial Vitória. Grande tiragem
(8.500 exemplares) e , seguramente, o seu melhor trabalho literário. Já teve duas
traduções, uma para o russo, que lhe proporcionou cento e cinqüenta mil cruzei-
ros de direitos, recebidos por intermédio do Banco do Brasil, com prefácio de
Jorge Amado, e outra edição em chinês. A primeira tradução foi em 1957 e a última
dois, anos depois.
Alina Paim continua a mesma mocinha que nós a conhecemos há 16 anos
passados. Engordou uns quilinhos, que lhe fizeram muito bem, e dos seus cabelos
negros, cortados, destacam- se alguns fios de platina ( não sei se são verdadeiras).
Continuou escrevendo romances, era natural. Sol do Meio-Dia, é o seu
último livro, que acaba de ganhar o Prêmio Manuel Antônio de Almeida, instituído
pela Associação Brasileira do Livro, com a dotação de R$ 100.000.00, e que será
editado pela editora criada pela mesma ABL.
Tão confiante está a ABL no êxito do romance que pensa em fazer com ele
um grande lançamento nacional.
Chegou mesmo a lançar outro concurso, entre desenhistas e pintores, para
a capa do livro, com o prêmio de R$ 20.000,00 para o primeiro lugar. Será o
romance de capa mais cara já editado no Brasil.
Pensou em uma novela de 70 ou 80 páginas – dissemos – quando começou
a escrever Sol do Meio-Dia. E saiu um livro de 350 páginas datilografadas .Contou
que era a historia de uma moça (Ester) que veio de Paripiranga, na Bahia. Quem
sabe se não é a história dela?
Alina Paim também se interessa por literatura infantil: este ano a Conquista
lançará três volumes de histórias infantis : O lenço encantado, A casa da coruja
verde e Luzbela vestida de cigana, todos ilustrados por Percy Deane.
Antes de encerrar esta conversa com a vencedora do Prêmio Manuel Antô-
nio de Almeida, dissemos a Alina que, seguramente, ela estava escrevendo outro
romance (ela não pára) e como se chamava?
A resposta veio imediata: História de Catarina.
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Prefácio
JORGE AMADO
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Com Alina Paim aconteceu o que poucas vezes tem ocorrido nos anais da
literatura brasileira: o caso da escritora jovem, ainda no período dos exercícios
preliminares da criação literária, traçar decididamente seu caminho, ciente de sua
vocação e disposta a não fugir da trilha. E não foi por um terreno de fácil semea-
dura que a mocinha de Estância optou: foi pelo romance. Embora a vida não lhe
houvesse dado tempo para juntar o necessário capital de experiência e observação,
que é, afinal, capital de giro para todo romancista. Tanto que já aos 23 anos
estreava com Estrada da Liberdade, surpreendendo os críticos da época e os
leitores de bom gosto com a maneira segura de seu comportamento literário, a
demonstrar que bem conhecia o chão em que pisava. Daí em diante de outra coisa
não cuidou senão de sua carreira. Nenhuma concessão nem transigência. Não se
deixou tentar pela atração do conto. Nem da crônica. Nem de artigo leve de jornal.
Interesse maior e único o romance. Largou a província natal, foi para Salvador,
matando o tempo como professora de bairro pobre, até vir para o Rio. Sem o
menor sinal de pressa, fazendo tudo para apurar a escrita, olho vivo nos fatos e
nos seres humanos, foi construindo conscienciosamente sua obra de romancista,
estimulada por alguns prêmios importantes, até chegar ao requinte de escrever
uma espécie de romance desmontável – para usar a expressão de Rubem Braga – a
Trilogia de Catarina, três romances acoplados, que dão a exata medida de seu raro
poder criador, tanto quanto do rigor de disciplina da imaginação.
Agora, ressurge, madura, com A Correnteza, que constitui um painel da vida
de subúrbio do Rio. Mas não é positivamente a moldura o que mais importa neste
romance, embora montada com indiscutível mestria. Importante mesmo é o qua-
dro psicológico que Alina Paim apresenta, de extraordinária nitidez. E o leitor
inteligente observar no fino do traço das figuras femininas, em particular, e veja
como ela as desenha, com mãos leves e firmes, mãos como de uma Maria Lauren-
cin que se desse ao romance.
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SÍNTESE
BIOGRÁFICA
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o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do PCB, que mal chegara a ter dois
anos de vida legal, no pós-guerra.
1949. A Livraria Editora Casa do Estudante do Brasil edita o romance (autobiográfi-
co) “Simão Dias”, com apresentação de Graciliano Ramos. Nesse livro, Alina retrata
parte de sua infância e adolescência.
1950. Publica pela Livraria Globo, de Porto Alegre, o romance “A Sombra do Patri-
arca”, onde retrata a vida no campo, romanceando a maléfica e prepotente atuação
do senhor de engenho. Participa de uma reunião no Rio de Janeiro, contando com a
presença de aproximadamente 30 intelectuais militantes do Partido, entre os quais
James Amado, Diógenes Arruda, Carrera Guerra, Astrojildo Pereira, Werneck de Cas-
tro, Oswaldino Marques e outros.
1955. Através da coleção “Romances do Povo”, volume XI, dirigida pelo escritor
baiano Jorge Amado, Alina Paim publica, pela Editora Vitória, “A Hora Próxima”. O
romance vende 10 mil exemplares somente na primeira tiragem.
1961. Lança no Rio de Janeiro, pelas Edições ABL, o romance “Sol do Meio-dia”, com
prefácio de Jorge Amado e conquista o primeiro prêmio do concurso da ABL (Associação
Brasileira de Livros). Essa obra foi traduzida para o russo, chinês, búlgaro e alemão.
1962. Convidada pelo Herser, editor da Conquista, Rio de Janeiro, Alina Paim faz
incursões na literatura infantil e publica três livros: A casa da coruja verde; O lenço
encantado e Luzbela vestida de cigana. Entrevistada pela escritora Wania Filizola,
declarou: “Sentir-se realizada é uma expressão muito definitiva e utópica. Enquanto
alguém enxerga possibilidade de aprender e aperfeiçoar-se, ainda está tentando reali-
zar-se. É o meu caso”.
1964. Com trilogia de Catarina (O Sino e a Rosa, A Chave do Mundo e O Círculo,
todos publicados pela Imago), ganhou o Prêmio Especial Walmap – Curitiba, IV
Centenário do Rio de Janeiro, criado exclusivamente para distinguir essa obra, cuja
comissão julgadora foi integrada pelos acadêmicos Raimundo Magalhães Júnior, Ado-
nias Filho e pelo novelista Otto Lara Resende.
1966. Quando Alina Paim publica Flores de Algodão, patrocinado pelo Serviço de Infor-
mação Agrícola do Ministério de Agricultura, já é uma escritora de fama internacional.
Premiada, traduzida, mas sempre resguardada, recusando-se a ser “importante”.
1979. Rompe o silêncio depois de treze anos com a publicação, pela Record, do
romance “A Correnteza”
1994. Publica, através do Governo do Estado de Sergipe, por iniciativa da escritora
Núbia Marques, na época presidente da Fundação Estadual de Cultura – Fundesc, o
romance “A Sétima Vez”.
1995. A partir desse ano, Alina apresenta um problema na retina, impossibilitando de
ler e, conseqüentemente, pára de escrever.
2000. No início de fevereiro deixa o Rio de Janeiro – onde morava com uma de suas filhas
– e passa a residir em Campo Grande (MS), com a filha mais velha, Teresa Paim.
2004. Falece a 24 de julho seu companheiro, o médico Isaias Paim, pai de suas filhas.
2007. Em novembro, Alina quebra o silêncio e concede entrevista exclusiva ao jornalista
Gilfrancisco. Alguns trechos foram publicados no semanário Cinform, de Aracaju.
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O AUTOR
GILFRANCISCO, nascido em 27 de maio
de 1952 em Salvador, Bahia. Começou como
jornalista, trabalhando nas sucursais dos jornais
Movimento e Em Tempo, no início dos anos se-
tenta, época em que participou das atividades cul-
turais no Estado, produzindo vários shows musi-
cais, passando a integrar o Grupo Experimental de
Cinema da UFBA.
Em 1975 foi assistente de fotografia de Tho-
mas Farkas no filme Morte das Velas do Recônca-
vo, dois anos depois como assistente de produ-
ção de Olney São Paulo, no filme Festa de São
João no interior da Bahia, ambos documentários
dirigidos por Guido Araújo, entre outros.
Foi durante algum tempo consultor e professor do Centro de Estudos e Pes-
quisas da História. Licenciado em Letras pela Universidade Católica do Salvador-
UCSal, é professor universitário e jornalista.
É autor de Conhecendo a Bahia; Gregório de Matos: o boca de todos os
santos; As Cartas, uma História Piegas ou Destinatário Desconhecido (com Gláucia
Lemos); Ascendino Leite; Crônicas & Poemas recolhidos de Sosígenes Costa; Flor
em Rochedo Rubro: o poeta Enoch Santiago Filho; Poemas de Enoch Santiago Filho
(pesquisa, introdução, biobibliografia e notas); Godofredo Filho & o Modernismo na
Bahia; O poeta Arthur de Salles em Sergipe; Imprensa Alternativa & Poesia Marginal,
anos 70; Musa Capenga: poemas de Edison Carneiro; Tragédia: Vladimir Maiakóvski;
Walter Benjamin: o Futuro do Passado Versus Modernidade & Modernos; Literatura
Sergipana, uma Literatura de Emigrados, entre outros.
Tem publicações em diversos periódicos do país: Revista da Bahia (EGBA); Revista
Exu (Fundação Casa de Jorge Amado); Revista Travessia (UFSC); Revista Cepa (BA);
Revista Teias (UFSC); Revista Kawé Pesquisa (UESC); Revist’aura (SP); Revista Arte Livro
(BA); Judiciarium (SE); Revista da Literatura Brasileira (SP); Nordeste Magazine (SE);
Aracaju Magazine (SE); Preá (RN); Revista de Cultura da Bahia; Candeeiro (SE); Letras de
Hoje (RS); Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe; Revista da Academia
Sergipana de Letras.
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