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Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas

Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação

RELATÓRIO FINAL

Ciclo de pesquisa: Psicólogo/a nas políticas públicas relativas à população indígena,


populações tradicionais e quilombolas

Pesquisadores/as

Ana Ludmila F. Costa


Fellipe Coelho-Lima
Ilana Lemos de Paiva
Isabel Fernandes de Oliveira
Joyce Pereira da Costa
Keyla Mafalda de O. Amorim
Luana Isabelle Cabral dos Santos
Oswaldo Hajime Yamamoto
Pablo de Sousa Seixas
Pollyanna Carvalho de Siqueira Gê

Natal (RN)
Dezembro / 2016
Eu venho desse reino generoso,
onde os homens que nascem dos seus verdes
continuam cativos esquecidos
e contudo profundamente irmãos
das coisas poderosas, permanentes
como as águas, os ventos e a esperança.
Vem ver comigo o rio e as suas leis.
Vem aprender a ciência dos rebojos,
vem escutar os cânticos noturnos
no mágico silêncio do igapó
coberto por estrelas de esmeralda.

Thiago de Mello
Sumário

Introdução ..................................................................................................................... 2
1. Estratégias de coleta e análise dos dados .............................................................. 5
2. Caracterização dos/as respondentes ...................................................................... 8
2.1. Caracterização dos/as respondentes do questionário on-line ................................. 8
2.2. Caracterização dos/as entrevistados ..................................................................... 11
3. Políticas e ações junto a Populações Indígenas, Tradicionais e Quilombolas ........ 15
3.1. Avaliação sobre as políticas e ações voltadas às Populações Indígenas,
Tradicional e Quilombolas.......................................................................................... 16
3.2. Condições de Trabalho ........................................................................................ 29
3.3. Rede intersetorial e equipe multidisciplinar ........................................................ 33
3.4. Público-alvo e demanda ....................................................................................... 38
4. Atuação de Psicólogos/as em Políticas e Ações junto a Populações Indígenas,
Tradicionais e Quilombolas ........................................................................................ 44
4.1. Papel dos/as psicólogos/as ................................................................................... 44
4.2. Formação dos/as psicólogos/as ............................................................................ 48
4.3. Atividades desenvolvidas .................................................................................... 58
4.4. Teorias e conceitos ............................................................................................... 64
4.5. Áreas do conhecimento ........................................................................................ 65
4.6. Recursos e técnicas .............................................................................................. 68
4.7. Implicações éticas ................................................................................................ 71
4.8. Dificuldades do trabalho do/a psicólogo/a ........................................................... 75
Considerações finais ................................................................................................... 79
Referências .................................................................................................................. 81

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Introdução
O presente documento visa apresentar e discutir os resultados obtidos no ciclo
de pesquisa “Psicólogo/a nas políticas públicas relativas à população indígena,
populações tradicionais e quilombolas” (PITQ). Assim, consiste em um dos produtos
referentes ao convênio firmado entre o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Grupo
de Pesquisas Marxismo & Educação (GPM&E) – Processo CFP n. 01/2015. Sua
finalidade principal é subsidiar a formulação de referências técnicas para a prática
profissional do/a psicólogo/a nesse contexto.
O Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) é
uma iniciativa mantida pelo Sistema Conselhos de Psicologia, cuja principal finalidade
é produzir subsídios para a prática profissional de psicólogos/as que atuem no campo
das políticas públicas. Desde 2006, quando começou a funcionar, o Centro produziu 14
referências técnicas e 2 documentos para gestores, a partir de uma metodologia própria,
na qual ciclos de pesquisa temáticos são realizados em três circuitos. O primeiro destes
circuitos é voltado ao levantamento do campo de atuação, o segundo à investigação da
prática profissional e o terceiro à produção de referências. Os temas de pesquisa são
propostos durante o Congresso Nacional de Psicologia (CNP), instância máxima de
deliberação do Sistema Conselhos de Psicologia, e escolhidos na Assembleia de
Políticas, Administração e Finanças (APAF).
De 3 a 6 de junho de 2010 foi realizado em Brasília o VII Congresso Nacional
da Psicologia, discutindo o tema Psicologia e compromisso com a promoção de
direitos: um projeto ético-político para a profissão. Os objetivos do evento foram:
promover a organização e a mobilização dos/as psicólogos/as do país, possibilitando a
definição da contribuição do Sistema Conselhos para o desenvolvimento da Psicologia
como Ciência e Profissão; definir políticas nacionais referentes ao tema do VII CNP a
ser implementadas e/ou reguladas pelos Conselhos de Psicologia na gestão 2010-2013.
Para tanto, o evento foi estruturado em três eixos, a saber: Eixo 1: Aperfeiçoamento
democrático do Sistema Conselhos; Eixo 2: Construção de referências e estratégias de
qualificação para o exercício profissional; Eixo 3: Diálogo com a sociedade e com o
Estado.
Entre as deliberações relativas ao Eixo 2, constava um conjunto de diretrizes
sobre a interface da Psicologia com Políticas Públicas, relações etnorraciais e
quilombolas, e também com povos indígenas. Em síntese, tais deliberações versavam
sobre o desenvolvimento, pelo Sistema Conselhos, de ações voltadas à produção,

2
sistematização e divulgação de informações acerca desses grupos, com ênfase na
atuação da Psicologia junto a eles, com a principal finalidade de fomentar essa atuação,
bem como melhor fundamentá-la.
No evento seguinte, realizado também no Distrito Federal, entre 30 de maio a 2
de junho de 2013, deliberações nessa mesma perspectiva viriam a ser ampliadas. O tema
discutido no VIII Congresso Nacional da Psicologia foi Psicologia, Ética e Cidadania:
Práticas Profissionais a Serviço da Garantia de Direitos, com os seguintes objetivos: a)
promover a organização e a mobilização dos/as psicólogos/as do país, possibilitando a
definição da contribuição do Sistema Conselhos para o desenvolvimento da Psicologia
como ciência e profissão; b) definir políticas nacionais referentes ao tema do VIII CNP
a ser implementadas e/ou reguladas pelos Conselhos de Psicologia, na gestão 2014 a
2016; c) garantir o espaço de articulação para composição, inscrição e apresentação de
chapas que concorrerão ao mandato do Conselho Federal de Psicologia, na gestão 2014
a 2016.
Assim como no evento anterior, o VIII CNP foi organizado em torno de três
eixos, a saber: Eixo 1 – Democratização do Sistema Conselhos e ampliação das formas
de interação da categoria; Eixo 2 – Contribuições éticas, políticas e técnicas nos
processos de trabalho; Eixo 3 – Ampliação da participação da Psicologia e sociedade
nas Políticas Públicas. Durante o evento, o tema foi abordado nos eixos 2 e 3 em
diferentes perspectivas, sendo objeto de várias deliberações. A mais específica delas
orienta “que o Sistema Conselhos, por meio das pesquisas do CREPOP, crie referências
técnicas para atuação de psicólogos/as com populações tradicionais, quilombolas,
indígenas, do campo e da floresta” (CFP, 2013, p. 32).
Como um desdobramento dessas deliberações, a definição de novos temas de
pesquisa para o CREPOP compôs pauta de evento realizado em Brasília, na sede do
CFP, durante os dias 07 e 08 de novembro de 2013. Naquela oportunidade, o conjunto
de conselheiros e técnicos responsáveis pelo Centro definiu os seguintes temas de
pesquisa como sugestões a serem apresentados na APAF de dezembro do mesmo ano:
Atuação das(os) Psicólogas(os) em Direitos Sexuais e Reprodutivos; Atuação das(os)
Psicólogas(os) como Gestoras(es) Públicas(os); Atuação das(os) Psicólogas(os) em
Políticas para Pessoas com Deficiência; Atuação das(os) Psicólogas(os) na Política para
Populações Indígenas, Populações Tradicionais e Comunidades Quilombola. Além
disso, foi recomendado que no ano de 2014 fosse iniciado somente um ciclo de
pesquisa, tendo em vista o expressivo volume de pesquisas em andamento.

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Partindo dessas sugestões, um dos pontos discutidos pelos delegados presentes
na sessão da APAF de 15 de dezembro de 2013 foi a condução de novos ciclos de
pesquisa pelo CREPOP no triênio subsequente. As falas versaram sobre a metodologia
de condução das pesquisas, as ações de pesquisas anteriores em andamento e os
subtemas relacionados às sugestões em questão, bem como sua articulação com outras
ações desenvolvidas pelo Sistema Conselhos. Por votação, os temas escolhidos foram
Direitos Sexuais e Reprodutivos e Populações Indígenas, Populações Tradicionais e
Comunidades Quilombolas.
Assim, em 2014, foram encaminhadas as primeiras ações para realização da
pesquisa. Em consonância com a metodologia do Centro, tais ações se centraram no
levantamento dos marcos lógicos e legais pertinentes à temática. Além disso, naquele
ano, foi solicitada às equipes regionais a indicação de possíveis especialistas para
composição da equipe responsável pela elaboração das referências técnicas.
Já em 2016, a ampliação do levantamento dos marcos lógicos e legais permitiu
dimensionar a diversidade que caracteriza cada um dos grupos abarcados pela temática
e, consequentemente, as políticas a eles voltadas. E permitiu, ainda, perceber um
cenário de maior inserção de profissionais psicólogos/as atuando em tais políticas do
que aquele em que o tema foi proposto. Tais dados evidenciaram a pertinência de
revisão da estratégia de condução da pesquisa inicialmente pensada, especialmente
tendo em vista que a Metodologia do CREPOP prevê “que o recorte metodológico da
pesquisa deverá ser construído para cada política a ser estudada, a partir da interlocução
dos marcos legais nacionais e locais e de um mapeamento prévio sobre o campo da
política em investigação” (CFP, 2012, p. 14). A partir dessas considerações é que se
delineou a pesquisa relativa ao tema em questão.

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1. Estratégias de coleta e análise dos dados
Esta pesquisa possui caráter exploratório-descritivo, uma vez que há incipiente
conhecimento acumulado ou sistematizado sobre a atuação de psicólogos/as junto a
população indígena, populações tradicionais e quilombolas, bem como intenta-se
vislumbrar algumas das características desse fenômeno a partir dos dados coletados
(Gil, 2008). Diante disso, propôs-se uma abordagem multimétodos (Günther, Elali &
Pinheiro, 2008), buscando alcançar uma visão mais completa e abrangente do objeto de
estudo. Parte-se da concepção de que não existe um método superior aos demais, mas
sim “fenômenos, populações e situações que podem ser mais bem estudadas por
determinado instrumento, num certo momento, visando a um determinado objetivo”
(Gurgel, 2009, p. 87).
Considerando os apontamentos anteriores e tendo em vista o tempo para
execução da pesquisa, a coleta de dados foi estruturada em dois blocos concomitantes,
cada um deles com objetivos e sujeitos/as específicos/as. O primeiro bloco objetivou
obter dados quantitativos que permitissem construir um perfil sociodemográfico de
psicólogos/as que trabalhassem com populações indígenas, tradicionais e quilombolas,
bem como traçar um panorama de suas atividades. Para tanto, utilizou-se de
questionário autorresponsivo, disponibilizado on-line1 pelo CFP entre os dias 18 de
julho e 22 de agosto de 2016, totalizando 36 dias de coleta de dados. O instrumento foi
respondido por 27 profissionais de Psicologia. Destes, apenas 15 sinalizaram atuar no
campo das políticas públicas relativas aos populações indígenas, populações tradicionais
e quilombolas, trabalhando em instituições ligadas à iniciativa pública ou ao terceiro
setor.
O segundo bloco teve como finalidade aprofundar o conhecimento sobre a
estruturação dos serviços, ações, programas e projetos nos quais é possível encontrar
psicólogos/as atuando com populações indígenas, tradicionais e quilombolas. Para tanto,
inspirou-se no painel de especialistas, estratégia de pesquisa utilizada, sobretudo, em
Ciências Sociais, Administração e Psicologia (Pinheiro, Farias, & Abe-Lima, 2013).
Nessa direção, realizaram-se entrevistas semiestruturadas individuais com
pesquisadores em Psicologia com reconhecida experiência na temática. A escolha dos
entrevistados foi feita a partir de levantamento feito na Plataforma Lattes. Usando os

1
Importa destacar que, no momento de submissão on-line, tal questionário sofreu alterações que
escaparam do crivo da equipe do GPM&E. Desse modo, alguns pontos destoam da versão original
apresentada pelo grupo.

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termos "populações tradicionais", "indígenas" e "quilombolas", foi feita uma busca
pelos cruzamentos possíveis com "psicologia", "psicológica/o", "psicólogo/a", que
levou a um resultado inicial de 152 currículos de pesquisadores brasileiros, os quais
foram analisados um a um. Os critérios de refinamento que balizaram a análise, para
cada uma das temáticas, foram: pesquisadores graduados em Psicologia, com doutorado
em Psicologia, que nos últimos cinco anos tivessem desenvolvido pesquisas, publicado
e/ou orientado trabalho de pós-graduação nas temáticas em foco. Como publicações,
foram considerados artigos, capítulos de livro, trabalhos completos e resumos em anais
de evento.
Tal estratégia culminou no nome de cinco pesquisadores: um de cada uma das
três temáticas e dois com atuação transversal em todas. Além desses, foi integrado um/a
sexto/a sujeito/a ao corpus dessa pesquisa, a partir da indicação de um dos especialistas.
Por meio de programa de videoconferência, as entrevistas foram realizadas durante os
meses de julho e agosto de 2016, em dia e horário da conveniência dos participantes. As
entrevistas foram gravadas, com consentimento dos pesquisadores e, posteriormente,
transcritas.
Aqui, cumpre destacar dois aspectos que impactaram o material coligido e,
consequentemente, sua análise: uma vez transcritas, as entrevistas foram enviadas aos/as
sujeitos/as, com vistas a sua anuência final. Nesse processo, uma entrevista não foi
devolvida no prazo necessário para o início das análises, de modo que os dados
apresentados nesse relatório dizem respeito a cinco das seis entrevistas realizadas. O
segundo aspecto refere-se ao material transcrito: diversos trechos das falas reproduzidas
apresentaram lacunas, comprometendo assim a compreensão do seu conteúdo.
Em relação a análise, os dados oriundos dos questionários on-line foram
submetidos a estatística descritiva simples, a fim de caracterizar cada um dos tópicos
que compôs o questionário, quais sejam: dados sociodemográficos, formação acadêmica
e características do trabalho atual. No caso das entrevistas com especialistas, realizou-se
leitura sistemática das entrevistas, que se desenvolveu da seguinte forma: em uma
primeira rodada de leitura, foram geradas categorias mais específicas e ligadas aos
dados empíricos; posteriormente, a partir da releitura do conteúdo dessa classificação,
novas categorias foram criadas, caracterizadas por serem mais genéricas, reagrupando
aquelas mais específicas, e por possuírem maior poder de organização do conteúdo
analisado.
Importa salientar que os depoimentos não apresentaram conteúdos homogêneos,

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de tal modo que, ora se remetem a anteriores experiências profissionais dos
entrevistados na política alvo desta pesquisa, ora partem do conhecimento acumulado
pelos mesmos em seu percurso acadêmico. Esse fato não prejudicou a pesquisa em
questão, uma vez que, em ambos os casos, diziam respeito ao tema tratado nesta
pesquisa, sendo levados em consideração na criação das categorias.
Ademais, ressalta-se que parte dos dados obtidos pelo questionário on-line
relativos à formação, atuação e condições de trabalho foi agregado a análise das
entrevistas, sempre que contribuíssem para uma melhor compreensão dos itens
analisados.
A seguir, serão apresentados os dados obtidos pelas duas estratégias de coleta de
dados. No que tange aos especialistas, a fim de preservar sua identidade, esses serão
designados por “Especialista 1” (E1), “Especialista 2” (E2) e assim por diante.

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2. Caracterização dos/as respondentes
Esta seção objetiva apresentar uma breve caracterização dos/as participantes da
pesquisa. Isto se torna especialmente importante por se tratar de um campo de atuação e
pesquisa não visibilizado na Psicologia, o que faz com que esses/as sujeitos/as tenham
um papel ativo na construção desta história.

2.1. Caracterização dos/as respondentes do questionário on-line


Para caracterizar os/as respondentes do questionário on-line desta pesquisa,
foram utilizados quatro conjuntos de informações: dados familiares (composição e
renda), cor/raça do/a psicólogo/a, tempo de atuação na referida política pública e dados
sobre a localização geográfica de seu trabalho.
Os dados familiares foram reunidos na Tabela 1 e foram obtidos a partir das
seguintes questões: (a) “Quantas pessoas da sua família moram com você? Considere
seus pais, irmãos, cônjuge, filhos e outros parentes que moram na mesma casa com
você”; (b) “Quanto é sua renda familiar mensal, incluindo seus rendimentos?”.
Tabela 1
Composição familiar e renda mensal familiar dos/ respondentes
Dados sociodemográficos n %
Renda familiar
Até 1,5 salário mínimo (até R$ 1.320,00). 02 13,3
De 1,5 a 3 salários mínimos (R$ 1320,01 a R$ 2640,00) 03 20,0
De 3 a 4,5 salários mínimos (R$ 2640,01 a R$ 3960,00) 03 20,0
De 4,5 a 6 salários mínimos (R$ 3960,01 a R$ 5280,00) 04 26,7
De 6 a 10 salários mínimos (R$ 5280,01 a R$ 8800,00) 03 20,0
Quantidade de membros na família
Nenhum membro 03 20,0
Um membro 05 33,3
Dois membros 06 40,0
Quatro membros 01 06,7

Percebe-se que a grande maioria dos/as respondentes mora com uma ou duas
pessoas (n=11), sendo residual a quantidade de psicólogos/as com maior número de
familiares. Em relação à renda familiar, a distribuição entre as faixas salariais é
praticamente homogênea.
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Estes dois dados tomados em conjunto dão indícios de que as condições
materiais entre os/as que trabalham com a temática variam em distintos graus, não
sendo possível avaliar como os/as profissionais de Psicologia que atuam com povos
tradicionais, indígenas e quilombolas se situam em relação ao debate sobre a elitização
da profissão (Yamamoto, Falcão, & Seixas, 2011).
No que se refere a sua cor/raça, segundo as categorias do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), as respostas obtidas estão disponibilizadas na Tabela 2.
Tabela 2
Qual a sua cor/raça (segundo as categorias do IBGE)?
Autodeclaração de cor/raça n %
Branca 05 33,3
Preta 03 20,0
Parda 06 40,0
Indígena 01 06,7

Constata-se a prevalência de pessoas que se autodeclararam preta ou parda como


participantes da pesquisa (nove casos, 60%) e apenas uma identificada como de origem
indígena (um caso, 6,7%).
Tal cenário destoa tanto da tendência observada por Yamamoto, Falcão e Seixas
(2011), que identificaram uma ampla predominância de egressos do curso de Psicologia
que se declaram brancos (mais de 70%), quanto da composição étnica/racial do Brasil,
uma vez que o Censo Demográfico de 2000 apontou que 79% dos respondentes com
nível superior (graduação ou pós-graduação) declaravam-se de cor branca (IBGE,
2000).
O terceiro aspecto investigado a respeito dos/as psicólogos/as que atuam em
políticas e ações junto a populações indígenas, tradicionais e quilombolas refere-se ao
tempo de atuação com esta temática.
Tabela 3
Há quanto tempo você atua como psicólogo/a nas políticas públicas
relativas a populações indígenas, tradicionais e quilombolas?
Tempo de atuação nas políticas públicas de PITQ n %
Há menos de 6 meses 1 6,7
De 7 meses a 1 ano 2 13,3

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Entre 2 e 3 anos 2 13,3
Entre 4 e 6 anos 5 33,3
Entre 7 e 10 anos 4 26,7
Entre 11 e 20 anos 0 0
Há mais de 21 anos 1 6,7
Total 15 100,0

Percebe-se que os/as participantes da pesquisa se concentram em duas


categorias, cobrindo o intervalo entre quatro e 10 anos de atuação nesta política. Isto
indica que a inserção dos/as psicólogos/as nas políticas que lidam com este tema pode
ser considerada recente, tomando-se como parâmetro os mais de 50 anos de profissão
regulamentada.
Leite, Macedo, Dimenstein e Dantas (2013) já discutiram que a Psicologia,
apenas na última década, tem dedicado atenção à questão rural e ao cidadão não-urbano,
acompanhando o movimento das demais ciências sociais. Os dados aqui apresentados
confirmam essa afirmação.
Por fim, pesquisou-se sobre a localização geográfica dos contextos de trabalho a
fim de conhecer onde estão os profissionais que trabalham com população indígena,
populações tradicionais e quilombolas.
A maioria dos/as respondentes atuam em munícipios localizados na região
Nordeste (sete casos, 46,6%) e Norte (três casos, 20%). Nas demais regiões, há dois
respondentes no Sul, dois no Centro-Oeste e apenas Sudeste, cada. Esse quadro parece
acompanhar proporcionalmente a distribuição regional do público-alvo atendido.
Ainda sobre a localização geográfica, percebe-se uma heterogeneidade quanto ao
porte dos municípios onde os/as participantes estão atuando, como apresentado na
Tabela 4.
Tabela 4
Qual o porte do munícipio que você trabalha?
Porte do munícipio que o participante atua n %
Não declarado 02 13,3
Pequeno Porte 1 (até 20.000 habitantes) 03 20,0
Pequeno Porte 2: de 20.001 até 50.000 habitantes) 02 13,3
Médio porte (de 50.001 até 100.000 habitantes) 03 20,0

10
Grande porte (de 100.001 até 900.000 habitantes) 02 13,3
Metrópole (mais de 900.000 habitantes) 03 20,0
Total 15 100,0

Essa variedade está relacionada ao dado de que aproximadamente um terço


dos/as respondentes trabalham em capitais ou municípios de região metropolitana (cinco
casos) – que costumam ser municípios com mais de 100 mil habitantes –, havendo
predominância do local do trabalho em cidades interioranas.
Esse processo de interiorização dos/as psicólogos/as que atuam em políticas e
ações voltadas para povos tradicionais, indígenas e quilombolas está articulado tanto
com a localização desse público-alvo dessa política quanto com o próprio processo pelo
qual a profissão tem passado. De acordo com Dantas (2013), o percentual de
psicólogos/as atuando no interior saltou de 20% nos anos 1970 para 48% nesta década.
2.2. Caracterização dos/as entrevistados
Os conteúdos aqui abordados referem-se a categoria “Inserção do Especialista no
tema” e dizem respeito aos aspectos biográficos dos especialistas entrevistados. Tem
como foco a inserção pessoal e profissional nos temas relativos às políticas públicas
voltadas à PITQ. As respostas foram referentes ao questionamento sobre o percurso do
entrevistado no tema, bem como emergiram em meio a outros conteúdos. Foram
agrupadas em dois códigos: “produção de conhecimento” e “projetos e ações
desenvolvidas”.
O código “produção de conhecimento” trata de conhecimentos produzidos pelos
entrevistados nas temáticas ligadas à população indígena, populações tradicionais e/ou
quilombolas. Fizeram menção à produção na área os Especialistas E1, E3 e E4.

eu tenho desenvolvido alguns conceitos também, tenho a noção de multiplicação


dialógica, é um conceito que eu estou propondo para pensar essas questões.
Uma noção de parede semióticas, para falar justamente de quando no diálogo
interétnico, eu não consigo me disponibilizar para abrigar certas coisas que
vem do outro, então tem coisas que porque nós somos constituídos em uma dada
cultura, e a gente não tem uma abertura infinita com o outro, não é? Existem
limites dessa abertura, então como que a gente pode compreender, eu não
consigo entrar em contato com certos aspectos de outro... E como que isso se
processa. (E1)
11
Em suma, eu construí um conhecimento a respeito de unidade de conservação.
Então um dos meus focos tem sido esse contexto dessa política de áreas
protegidas. (...) Os povos e comunidades tradicionais. Eu tenho artigo também
contando como é que chegou a essa definição, pois houve um contexto
internacional, nacional e dos movimentos sociais para definição desse termo.
Então foi assim que eu me inseri nesse campo. (E3)

Então está aqui um eixo da minha linha de pesquisa, tem mais um eixo de
pesquisa que chama Psicologia e Relações Étnico Raciais, essa linha tem três
eixos, história da Psicologia na compreensão das relações étnico-raciais,
história do pensamento psicológico, esse é um eixo. Então, a gente produziu
artigo, eu, Lia e Ildelberto, eu lancei um outro artigo sobre Aniela Ginsper e vai
sair um artigo agora sobre Dante Moreira Leite. O quê que eu estou fazendo? E
quero produzir um depois sobre o (trecho incompreensível) Pernambucano. O
quê que eu estou fazendo? Eu estou pegando esses autores e alinhavando a
produção deles e botando em evidência, tá? Outro eixo da linha de pesquisa eu
chamo de currículo e concepção de alunos e professores, sobre relações étnico-
raciais. Então aí é estudar os currículos, as disciplinas (...) Mas tem trabalhos.
O terceiro eixo da linha é atuação do psicólogo no tema das relações étnico-
raciais, tá? E aí eu entrevisto psicólogos de todas as áreas, pergunto se eles
tiveram esse assunto na formação, como, e a gente levanta, tentar levantar com
eles cenas, episódios que eles testemunharam, que eles ouviram falar, onde
apareciam as relações étnico-raciais. (E4)

Como se pode observar nos trechos acima, os especialistas entrevistados tem se


dedicado à produção de conhecimento teórico sobre relações étnico-raciais, políticas
públicas destinadas aos povos e comunidades tradicionais e, por fim, à produção de
conhecimento psicológico e atuação do/a psicólogos/as no campo. Tais estudos se
enquadram em um quadro geral de produção de conhecimento da Psicologia que tem se
referido, em sua maioria, a análises de aspectos psicológicos ou psicossociais nas
comunidades, como as relações interpessoais, identidades sociais, parentalidade, gênero,
práticas de saúde, etc., além de inserir a própria Psicologia e sua prática profissional
como objeto de estudo (Belo, 2015).

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Vale salientar que, historicamente, a Psicologia tem concentrado a maioria dos
seus estudos, pesquisas, bem como seu campo de atuação, sobre as populações urbanas,
como apontam Leite et al. (2013), ainda não tendo a Psicologia consolidado a sua
participação nessa área. A própria pesquisa do CREPOP demonstra a dificuldade de
acesso a especialistas e a psicólogos/as que têm desenvolvido estudos e ações junto a
PITQ. Evidentemente que a interiorização da Psicologia, especialmente após a sua
entrada massiva nas políticas de Assistência Social, como a atuação nos Centros de
Referência da Assistência Social (CRAS), aproximou os/as psicólogos/as dos PITQ de
forma mais sistemática, e essa realidade tem exigido novas problematizações e
arcabouço conceitual e técnico para atuar no campo. Afinal, como aponta Dantas
(2013), o número de psicólogos/as que hoje atuam nas cidades do interior já ultrapassa
os da capital. Nesse sentido, os estudos que vem sendo desenvolvidos e citados nessa
pesquisa são de extrema relevância para a consolidação de um campo ainda em
desenvolvimento, e que, segundo a autora, ainda mantém um parâmetro urbano em seu
referencial teórico-metodológico.
No que tange ao código “projetos e ações desenvolvidas” remete-se às atividades
que o especialista desenvolveu durante sua carreira nos temas ligados à PITQ. Inclui
também resultados positivos de tais realizações. Os especialistas E1 e E4 relataram
desenvolver projetos na área, conforme indicam os trechos abaixo:

Então, a partir daí a gente vem desenvolvendo muitos projetos, muitos projetos,
projetos de turismo de base comunitária, rodas de conversa com as mulheres
para discutir, por exemplo, questões específicas, que dizem respeito ao
empoderamento da mulher, o papel da mulher enquanto liderança comunitária,
a relação da mulher com a legislação. (E1)

Eu me envolvi com o tema das relações étnico-raciais porque durante muito


tempo eu fui um aluno negro com muitos professores brancos, e hoje eu sou um
professor negro com muitos alunos brancos. Eu sempre tive um diálogo com os
temas e as populações de margem, meu primeiro trabalho foi na penitenciária
do estado de São Paulo, eu cursava Psicologia na PUC nesse período, entre
1990 e 1996. Eu trabalhei lá durante seis anos, tirando o emprego que eu tenho
hoje foi o outro emprego que eu tive na minha vida, fui ser monitor de
alfabetização na penitenciária do estado. (...) aí depois eu fui trabalhar no Vale

13
do Ribeira, através de uma organização não governamental chamada Instituto
(trecho incompreensível) de Planejamento Socioambiental, (...) ele tinha um
programa que aliava a conservação ambiental e inclusão social, era um
programa, o programa da monitoria ambiental, esse programa era um curso de
profissionalização oferecido com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador,
e com apoio da iniciativa privada. (E4)

As entrevistas relatam um pouco do caminho que levaram os especialistas à


atuação nesse campo e ao desenvolvimento de projetos específicos, seja no âmbito
acadêmico ou profissional. No primeiro caso, o especialista E1 relata projetos que
relacionam gênero e PITQ, que se encontram em maior número na área da Psicologia,
enquanto o segundo exemplo demonstra a própria história de vida do especialista
levando à aproximação com o tema das relações étnico-raciais, a partir de atuação no
sistema prisional e outros projetos. A referência do entrevistado a poucos professores
negros também retrata a realidade da própria Psicologia brasileira, hegemonicamente
composta por brancos. O estudo “Quem é a Psicóloga Brasileira”, realizado pelo
Conselho Federal de Psicologia (Lhullier, 2013), ressaltou a adequação do conceito raça
para estudar as desigualdades no Brasil, no que pese às críticas e complexidade do
mesmo. Parte-se de dado largamente conhecido, que tem se reafirmado ao longo dos
anos, de que a Psicologia é uma profissão feminina. Além disso, a pesquisa também
apontou que 67% das entrevistadas afirmaram ser de raça ou cor branca e 25% se
afirmaram pardas, assim como o percentual das que se declararam “pretas”, “amarelas”
ou indígenas foi pequeno. O estudo chama a atenção, por fim, para a disparidade desse
dado em relação à população brasileira de maneira geral, o que reforça que ainda há
uma predominância de brancos sobre negros no ensino superior. Espera-se que as
políticas afirmativas e de democratização de acesso ao ensino superior dos últimos anos
possam modificar esse quadro, com mudanças também para a Psicologia, como ciência
e profissão.

14
3. Políticas e ações junto a Populações Indígenas, Tradicionais e Quilombolas
Desde o início do século XXI, dispositivos constitucionais voltados para a
efetivação de direitos dos povos e comunidades tradicionais têm sido implementados no
país, refletindo reivindicações de diferentes movimentos sociais e conferindo maior
reconhecimento jurídico-formal a esses grupos (Almeida, 2007). Dentre tais
dispositivos, o decreto nº 6.040, de 2007, que institui a Política Nacional de
desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, destacando o
“reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais,
ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas
formas de organização e suas instituições” (p. 02). Suas ações ocorrem de forma
intersetorial, cabendo ao Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais
acompanhar sua efetivação (Decreto nº 8.750, 2016).
O decreto nº 6.040, de 2007, define como “povos e comunidades tradicionais”
grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem
formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral
e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição. (p. 1)
Dentre tais segmentos, encontram-se as comunidades indígenas e quilombolas,
que possuem políticas, programas e outros dispositivos jurídicos próprios. Em relação à
política indigenista, destacam-se o Programa Proteção e Promoção dos Direitos dos
Povos Indígenas (Lei nº 12.593, 2012), que visa promover a efetivação e o
reconhecimento de seus direitos, e a Politica Nacional de Gestão e Territorial e
Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI, (Decreto n.º 7747, 2012), que objetiva,
dentre outras coisas, garantir proteção territorial e a participação indígena na
governança.
Já no que tange às comunidades quilombolas, estas são consideradas como
“grupos étnicos-raciais segundo critérios de autoatribuição, com trajetória históricas
própra, dotados de relações territoriais especificas, com presunção de ancestralidade
negra relacionada com a resistência a opressão histórica sofrida” (Decreto nº 4.887,
2003). Dentre as principais iniciativas governamentais voltadas para essa população,
ressalta-se a regulamentação fundiária dos quilombos a partir do decreto nº 4.887/2003,
bem como o Programa Brasil Quilombola que intenta, dentre outras coisas, concretizar
pontos importantes da política de Estado para as áreas quilombolas (Secretaria de

15
Políticas de Promoção da Igualdade Racial [SEPPIR], 2013).
Conquanto o apanhado anterior esteja longe de esgotar todo o conjunto das
políticas e ações destinadas aos grupos em questão, é possível perceber quão complexo
e diversificado é esse cenário. Com isso em vista, nesse bloco, serão apresentadas as
respostas dos/as psicólogos/as relativas ao campo das políticas públicas de PITQ,
agrupadas em quatro blocos de discussão: (1) Avaliação das políticas e ações voltadas às
Populações Indígenas, Tradicional e Quilombolas; (2) Condições de trabalho; (3)
Equipe e interdisciplinaridade; (4) Público-alvo das políticas.

3.1. Avaliação sobre as políticas e ações voltadas às Populações Indígenas,


Tradicional e Quilombolas
A avaliação dos especialistas sobre as políticas públicas para populações
tradicionais inclui: (1) os avanços formais dessas políticas, ainda que sua execução seja
limitada; (2) as dificuldades político-administrativas para sua execução, como a falta de
clareza de alguns conceitos nas legislações, a direção política na gestão do Estado, o
baixo financiamento, a terceirização dos serviços e a interferência de interesses
particulares e (3) a forma como as políticas públicas incidem nesses grupos sociais,
provocando tensão entre as políticas de características universalistas e as
particularidades culturais e históricas das populações tradicionais, consequências
advindas da fragmentação das políticas públicas para o senso de coletivo desses grupos
sociais, práticas racistas que acirram os processos de isolamento das populações
tradicionais, acesso limitado desses grupos sociais aos serviços e programas ofertados
pelo Estado, e participação política meramente formal nos espaços de controle social.
As informações que compõem esta categoria foram coligidas de excertos
dispersos ao longo das entrevistas, ainda que uma pergunta do roteiro tenha relação
direta com esse tópico: “Como você avalia as políticas públicas relativas à população
indígena, populações tradicionais e quilombolas?”. Em geral, as respostas referentes a
essa categoria se baseiam no acúmulo teórico que o especialista tem do campo da
política pública ou de sua experiência profissional, embora relatos de casos específicos
sejam menores, portanto, não se tratando de um relato do histórico profissional dos
entrevistados. A condução da entrevista permitiu arregimentar as considerações dos
especialistas, principalmente, quanto aos avanços e dificuldades para formulação e
execução das políticas públicas. Merece ressalva que as avaliações dos entrevistados
relativas às condições de trabalho foram alocadas em uma categoria própria para esse

16
fim. Além disso, embora fosse esperada, a avaliação da característica transversal das
políticas públicas voltadas para as populações tradicionais não foi abordada nesta
categoria.
Uma síntese dos códigos e subcódigos que compõem esta categoria pode ser
visualizada na Tabela 5. Na sequência, é possível acompanhar excertos da avaliação que
os entrevistados fazem das políticas públicas para as populações tradicionais,
considerando cada código identificado.
Tabela 5
Avaliação das políticas públicas relativas à população indígena, populações
tradicionais e quilombolas
Códigos e subcódigos n Especialistas
Avanços formais nas políticas públicas
Legislação avançada e com concepções progressistas 3 E1, E3, E5
Políticas públicas não são executadas 3 E1, E3, E5

Dificuldades para execução das políticas públicas


Legislação não é clara 2 E3, E5
Direção política regressiva na gestão do Estado 1 E5
Financiamento insuficiente 2 E2, E3
Terceirização dos serviços ofertados nas políticas públicas 1 E1
Interferência de interesses particulares 2 E1, E5

Relações entre as políticas públicas e PIQT


Subordinação da cultura e história das populações
3 E1, E3, E5
tradicionais às concepções universais das políticas públicas
Práticas racistas acirram os processos de isolamento das
1 E2
populações tradicionais
Fragmentação das políticas públicas rompe a consciência
1 E5
de coletividade das populações tradicionais
Acesso limitado das populações tradicionais à política E1, E2, E3, E4,
5
pública E5
Participação política formal dos povos tradicionais nas
3 E1, E3, E5
políticas públicas

17
3.1.1 Avanços formais nas políticas públicas
a) Legislação avançada e com concepções progressistas
As políticas públicas relativas às populações tradicionais foram avaliadas pelos
especialistas como um campo que tem avançado em termos formais. Esses avanços são
caracterizados tanto pela aprovação de marcos legais, que reconhecem as identidades e
práticas culturais das populações tradicionais e as particularidades de suas condições de
vida, e que incorporam conceitos como identidade, território e relações pessoa-
ambiente, bem como incentivam a ocupação de espaços de controle social por pessoas
desses grupos sociais.
A regulação de políticas públicas para populações tradicionais tenta garantir o
seu reconhecimento como cidadãs, podendo elas acessarem os direitos constitucionais,
cuja oferta de serviços e programas outrora não estavam garantidos. Essa regulação
também preza pelo reconhecimento da identidade cultural e histórica dessas populações,
resultando tanto na possibilidade de elas agregarem direitos específicos (por exemplo,
uso de um território que não pode ser ocupado por outro público) quanto na sua
organização como grupo político que reivindica esses direitos sociais. Além disso,
ganha destaque nas políticas para esses grupos sociais quaisquer relações de uso e
apropriação de territórios, uma vez que suas práticas culturais e históricas se
desenvolvem de formas particulares, muitas vezes em contextos rurais, isolados ou de
proteção socioambiental – embora também haja populações tradicionais em espaços
urbanos – motivo pelo qual o próprio decreto faz menção à concepção de
desenvolvimento sustentável.
Sobre esse tema, um especialista afirma:

Quando a gente lê a política, por exemplo, a gente vê efetivado no papel. Você


vê os manuais, as cartilhas, tudo, você vê que ela está com concepções
interessantes. Quem formulou, inicialmente, tem ideias até interessantes, porque
vai discutir muita coisa sobre território negro, territorialidade, vai discutir
terra. Tem o Programa Brasil Quilombola2. Você vai ver, o programa é
inteligente, a forma que ele foi estruturado, os eixos que ele se apresenta. Acho
que a maior dificuldade é como que essas políticas estão sendo efetivadas. (E5)

2
Disponível em http://www.seppir.gov.br/portal-antigo/arquivos-pdf/guia-pbq

18
De fato, os documentos oficiais sobre populações tradicionais têm investido na
especificação dessas populações, além de regular programas e ações integradas que
levam em conta tanto as políticas públicas para garantia de direitos constitucionais, por
exemplo, educação, saúde, assistência social e previdência social, quanto os programas
sociais de renda mínima ou de inclusão produtiva. Também merecem destaque as
políticas desenvolvidas mais especificamente para esses públicos, como os programas
de educação rural do campo, os programas de desenvolvimento local e de infraestrutura
que estão ligados aos territórios rurais, isolados ou protegidos (por exemplo, os
programas de acesso à terra, água, luz e habitação rural) (SEPPIR, 2013).
Chama atenção o foco que os especialistas atribuem a políticas relativas aos usos
dos territórios, que se vinculam especialmente às políticas ambientais, que têm real
impacto sobre o cotidiano das populações tradicionais. Ao mesmo tempo, questiona-se a
ausência de uma avaliação dos especialistas em relação à característica transversal das
políticas públicas para as populações tradicionais, bem como dos programas de
enfrentamento ao racismo e à promoção de igualdade racial, embora as relações étnico-
raciais tenham sido enfatizadas nos discursos dos entrevistados.
b) Políticas públicas não são executadas
A despeito da avaliação positiva em relação à legislação, esta não corresponde à
prática. Os entrevistados avaliam que as políticas públicas para populações indígenas,
tradicionais e quilombolas ainda não têm sido executadas plenamente, sendo mais uma
política que “não sai do papel”.
Todas as políticas públicas no Brasil estão sujeitas a essa crítica, uma vez que
sua operacionalização depende de um conjunto de condições (por exemplo, oferta de
equipamentos sociais, equipe profissional suficiente e treinada, etc.) que são escassas
mesmo em cenários mais favoráveis para sua execução, como os grandes centros
urbanos, cuja contrapartida orçamentária dos estados e municípios garantiriam a
efetivação das ações previstas. Não parece haver, por parte dos especialistas, um
julgamento de que a distância entre a concepção e a execução das políticas públicas
ocorra por um idealismo na sua concepção. Também não há uma crítica relativa aos
limites inerentes às políticas públicas, subordinadas aos interesses antagônicos das
relações sociais. Os entrevistados expressam suas expectativas de que, uma vez
acordado um modelo progressista de atenção às PITQ, se cumpra. É o que confirmam os
especialistas E1: “O problema não está nas concepções das políticas públicas, o

19
problema está na efetivação dessas políticas públicas, porque, do ponto de vista da
concepção, ela é muito avançada”, e E3:

E o outro foco que tenho, que é uma política que ficou no papel, pois não vejo
que ela tenha sido implementada, que é aquela do Decreto 6040/2007, que é a
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades
Tradicionais”.

3.1.2 Dificuldades para execução das políticas públicas


As dificuldades relatadas pelos entrevistados para execução das políticas
públicas são de cunho político-administrativo, relacionados à gestão das políticas, ao
financiamento e às relações público-privado.
a) Legislação não é clara
A primeira queixa dos especialistas é de que, embora haja perspectivas
interessantes nos marcos regulatórios dessas políticas públicas, há imprecisão em alguns
conceitos. Exemplo disso é a própria noção de quem são esses grupos sociais ou de
quais são as perspectivas de relações pessoa-ambiente que sustentam determinada
condução das políticas públicas. Ainda, a perspectiva socioambiental, de caráter mais
progressista e que preza por uma relação mais horizontal de cuidado entre pessoa e
ambiente, compete com vieses preservacionistas ou conservacionistas, que privilegiam
o polo ambiental em detrimento das necessidades humanas, e que estão presentes nos
marcos de regulação dos usos e ocupações de territórios protegidos no Brasil.

A lei – o Artigo 68 [da Constituição Federal] de 19883 – é muito deficitária,


reconhecendo as comunidades, a forma da categoria modo de trabalho é muito
deficitária. [...] É a ideia de remanescentes. A ideia do quilombo como um
campo originário. Uma coisa muito tradicional, como se fosse um quilombo do
passado colonial, sendo que esses quilombos são criados a toda hora, e tem
quilombos que ainda estão para serem reconhecidos. (E5)

Dentro da política da unidade de conservação, o objetivo é a proteção do


ambiente, seja pela preservação estrita, seja pelo uso sustentável. Por isso que

3
“Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

20
há duas modalidades de unidades de conservação. O texto da lei, na definição
do que é cada modalidade e como cumprir o objetivo de conservação pelo uso
sustentável, diz que tem que prezar pelo bem-estar da população, que ela tem o
direito de permanecer lá e ela é parte do sistema sustentável da área. Só que os
textos não são claros nesse sentido. Cada modalidade de unidades de
conservação diz uma coisa específica. (E3)

b) Direção política regressiva na gestão do Estado


Uma segunda queixa refere-se à mudança na direção política dos governos. Um
dos especialistas (E5) avalia que a mudança de presidente (do Governo PT para o
PMDB) este ano (2016) tende a retroceder os investimentos nas áreas sociais, com
consequências diretas no cotidiano das populações tradicionais: “No Governo Temer
[2016], a gente sabe que essas políticas [para as populações tradicionais]
praticamente que foram [implementadas]... vão ser, estão sendo cada vez mais negadas
a estas populações”.
Essa expectativa negativa em relação à gestão do Poder Executivo tem suas
bases concretas já nas primeiras ações do PMDB, quando o Governo Temer ainda tinha
caráter interino. Destaque deve ser dado à extinção ou fusão de vários ministérios
responsáveis por políticas sociais, dentre eles o Ministério das Mulheres, da Igualdade
Racial e dos Direitos Humanos.

c) Financiamento insuficiente
O parco financiamento das políticas públicas é outra dificuldade que impede o
pleno funcionamento das mesmas. Os entrevistados atrelam essa característica às
políticas que, embora aprovadas, não são executadas, conforme explicitado no código
anterior. Os entrevistados não enfatizaram algum setor específico das políticas públicas
cujo financiamento seja mais contingenciado, sendo esta uma característica
exemplificada por eles em áreas como a saúde e a assistência social. Exemplifica isso, a
fala de E3:

Na área de educação, todos os prefeitos, atualmente, têm que colocar uma


escola em comunidades rurais. Só que, por uma questão de logística, de verba,
de professores e tudo mais, às vezes as escolas não têm uma maneira muito legal
de funcionar, não têm todas as séries.

21
d) Terceirização dos serviços ofertados nas políticas públicas
Outra avaliação negativa que os especialistas apontam refere-se à substituição do
Estado por organizações do “Terceiro Setor”, especialmente aquelas de cunho religioso,
cujas crenças podem contrastar com as das populações tradicionais, provocando mais
tensões que contribuições para o desenvolvimento de políticas públicas para esses
grupos sociais. Ilustra isso a fala do especialista E1:

O segundo problema é que, em muitos territórios, os DSEIs (Distritos Sanitários


Especiais Indígenas) são gestados por organização não governamental, as
OCIPs [Organização Civil de Interesse Público]. [...] No caso indígena, tem um
agravante, que algumas dessas organizações são evangélicas. Então, é uma
organização evangélica que tem a missão de evangelizar as pessoas, prestando
um serviço de saúde.

Vale ressaltar que a desresponsabilização do Estado na execução das políticas


públicas é um retrocesso, pois relega a garantia de direitos sociais a organizações da
sociedade civil cuja finalidade pode não estar alinhada aos interesses públicos. Este é
claramente o caso de comunidades terapêuticas ou outras práticas com o mesmo fim: o
uso de um serviço social como aparato para disseminação religiosa, o que, em termos de
política de saúde, contrapõe-se às bases teórico-políticas da Reforma Psiquiátrica.
Entretanto, é preciso destacar também o papel de religiosos na defesa dos
territórios de populações indígenas, além de preservação de suas raízes culturais.
e) Interferência de interesses particulares
Os especialistas referem-se à interferência de interesses privados como uma das
dificuldades para execução das políticas públicas. Esse aspecto aparece tanto como o
interesse de um/a sujeito/a particular quanto na disputa da liderança comunitária para
favorecimento de grupos internos específicos, tal como se observa na fala do
especialista E1: “E você tem ali um contexto local, regional, em que as políticas
públicas vão se distanciar mais dos protocolos, e das orientações adequadas para o
trabalho com as pessoas indígenas, sofrendo com a interferência de interesses
particulares, etc.”.
Na mesma direção, afirma o especialista E5:

22
Os membros das comunidades fazem disputa também, tanto no acesso às
políticas como também na organização comunitária. [...] Como na primeira
comunidade que eu trabalhei, que tinham lideranças comunitárias que estão
vinculadas a um grupo familiar específico e que realmente tinham, de certa
forma, um manejo da comunidade. Se você compra só essa história, você
compra só essa voz e você vai perdendo a grande complexidade que é este
território.

3.1.3 Relações entre as políticas públicas e as populações tradicionais


O último bloco de informações referentes à avaliação das políticas públicas
compreende as críticas dos especialistas quanto ao impacto das políticas públicas nas
populações tradicionais.
a) Subordinação da cultura e história das populações tradicionais às concepções
universais das políticas públicas
Há uma controvérsia em relação ao reconhecimento das populações tradicionais
como cidadãos. Os entrevistados ressaltam que há uma tensão entre as políticas públicas
e público-alvo, uma vez que o caráter universalista das políticas – ou mesmo as
legislações particulares que conferem uma noção universal de populações tradicionais
como povos originários – impõe serviços e programas genéricos, desconsiderando as
particularidades culturais e históricas e a realidade social que esses grupos sociais
vivenciam. Isto é verdade tanto para as garantias constitucionais, como o direito à saúde
e à educação básicas, quanto para a regulamentação de práticas sociais particulares, por
exemplo, aquelas que podem gerar renda para populações que vivem em territórios
cujos usos são regulados de formas particulares, ou seja, onde o direito ao trabalho,
emprego e renda está subordinado ao direito ambiental, sendo necessário um projeto
alternativo que tanto garanta a subsistência desses grupos sociais quanto a ocupação e o
uso adequado do território. Conquanto a equidade seja um princípio doutrinário de
algumas políticas públicas, é fato que ainda não foi possível pensar em políticas que
mantenham certa homogeneidade, mas que atentem para as peculiaridades das regiões,
grupos populacionais e contextos de um país de dimensões continentais como é o Brasil.
Na base dessa tensão está a convenção de um sujeito-padrão que é idealizado nas
concepções das políticas públicas. Deriva desse modelo a queixa das populações
tradicionais de que a atenção a elas dedicada desconsidera as particularidades de suas
realidades sociais. Se os marcos regulatórios preveem a incursão do Estado nos

23
territórios da mais isolada das populações, sua operacionalização perde de vista a
concepção histórica e cultural das práticas desses sujeitos reais, adequando-os aos seus
parâmetros, ao invés de reconhecer os deles. Em outros termos, não os alcança de fato.
Longe de defender uma política pública que mantenha essas populações descobertas dos
serviços sociais, os especialistas defendem que essas políticas devem ser concretizadas,
de modo a garantir a efetivação dos direitos desses grupos sociais. Exemplos: “A
iniciação para se tornar pajé, que, muitas vezes, é confundida com processos
desencadeadores de adoecimento mental e tudo mais, e, aí, se medicaliza um processo
cultural autêntico”. (E1)

O nosso projeto atual tem a ver com aquela Política Nacional de Práticas
Complementares e Integrativas, relacionada ao SUS. Nós estamos dentro dos
paradigmas da Ciência Moderna ocidental, cujo um dos frutos é a Medicina
oficial, com a figura do médico e do uso de remédios alopáticos. E temos a
ciência tradicional do caboclo, do ribeirinho, que tem que ser revalorizada e
que molda a Medicina tradicional deles. Então, há que se integrar ambas
medicinas. E essa integração entre a Medicina oficial e a tradicional é o
objetivo dessa política também. O difícil é fazer com que os representantes de
ambas medicinas entendam que elas são complementares, sem que haja
necessariamente hierarquia entre elas. Por isso é difícil sua execução. (E3)

[Há] o acesso a medicamentos, a alguns tipos de exames que eles não tinham
antes, a facilidade de fazer esses exames também, eles falaram isso. Mas, ao
mesmo tempo, houve também uma dificuldade de reconhecer as necessidades
locais. [...] E aí, assim, pensar que a política é um avanço e é uma
possibilidade, mas, ao mesmo tempo, ela tem que fazer o diálogo com o
território e entender o que é realmente uma comunidade quilombola. (E5)

b) Práticas racistas acirram os processos de isolamento das populações tradicionais


A avaliação geral que os especialistas fazem das políticas públicas encerra um
espelhamento das críticas aos demais setores das políticas públicas. Contudo, algumas
dessas críticas parecem acirrar-se quando se trata da sua face frente às populações
tradicionais. Este é o caso da avaliação que o especialista E2 faz da política de
segurança pública:

24
Eu vou te falar uma política que funciona da pior forma possível, ainda
consegue funcionar da pior forma possível, que é a política pública de
segurança para as comunidades quilombolas. [...] Essa política pública de
segurança é uma política que fica muito atenta à marcação étnico-racial deles,
para justificar a ausência da política nesse lugar.

c) Fragmentação das políticas públicas rompe a consciência de coletividade das


populações tradicionais
Outra queixa que se particularização nas políticas públicas para populações
tradicionais é a perda da consciência de coletividade entre esses grupos sociais. O fato
de as políticas públicas não só serem fragmentadas como também realçarem
precisamente as diferenças de cada um dos grupos (quilombolas diferem de indígenas
que diferem de sertanejos e assim por diante) dificulta o reconhecimento de realidades
comuns e, portanto, de demandas que podem ser requeridas do Estado de forma mais
abrangente, como, por exemplo, o direito ao uso de um território comum a mais de um
grupo social. A principal consequência disso é a perda de mobilização e força política
para conquista e manutenção de direitos sociais. O especialista E5 apresenta uma fala
ilustrativa a respeito:

Com relação a estes jogos entre diferença e igualdade, cabe fazer uma crítica às
políticas públicas. No momento em que priorizam as diferenças, trabalham de
forma tão específicas nos territórios e comunidades, que dificultam os grupos
que delas fazem parte de perceber as necessidades políticas para além do seu
grupo de pertencimento. Compreender que as políticas devem, sim, ser
trabalhadas nas diferenças, mas deve-se também possibilitar pontos de ligação
e identificação com outros grupos sociais; que as pautas trabalhadas para uma
determinada política nas comunidades tradicionais – como a luta pela terra –
não se restringe aos quilombos, mas aos indígenas, ribeirinhos, movimentos
sociais do campo, entre outros. Se essas possibilidades de identificação dos
cenários e vivências de opressão não forem vislumbradas, teremos – o que
ocorre hoje – uma fragmentação da luta social. Cada qual buscando seu pedaço
nessa luta que deveria contemplar o comum e as vivências plurais.

25
d) Acesso limitado das populações tradicionais às políticas públicas
Os entrevistados avaliam negativamente a execução das políticas públicas,
mormente no que concerne ao acesso das populações tradicionais aos programas e
serviços ofertados pelo Estado, uma característica que não se restringe a esses grupos
sociais, mas parece se acirrar para eles (Belo, 2013; Dantas, 2013). A principal
justificativa dessa avaliação é a insuficiência de equipamentos sociais nos territórios das
populações tradicionais ou em suas proximidades. As explicações citadas pelos
entrevistados para essa dificuldade de acesso das populações tradicionais às políticas
públicas são o isolamento cultural ou geográfico e a ausência de equipamentos para
mobilidade tanto dos usuários às cidades-sede, onde há oferta de serviços sociais,
quanto dos profissionais para visitas técnicas aos territórios. No caso do isolamento
cultural, os entrevistados se preocupam com a culpabilização do público-alvo, por ele
ter possibilidade de acessar os direitos sociais, mas decide não o fazer. O especialista E1
revela um desses pontos: “Há muitas comunidades que não têm acesso [à política
pública], enfim, não tiveram suas terras demarcadas e estão reivindicando isso, ainda;
então, não conseguiram acessar essa política”. Os demais Especialistas também
abordam:

Na comunidade, não existe escola de ensino médio, então... Aí, você já tem um
filtro imenso. O que acontece? A única possibilidade de continuar com o
processo de escolarização é ir para a cidade-sede. [...] Você tem aí problema de
deslocamento, porque a condição de chegada ao centro da cidade é muito
reduzida, não existe um ônibus de [cidade-sede] que faça a ligação das
comunidades com o centro da cidade, que é onde ficam os equipamentos (de
cultura, de saúde, de assistência social). Tudo isso fica na cidade, e eles estão
na comunidade. (E2)

Mas as pessoas ficam à mercê das políticas públicas relacionadas ao acesso aos
direitos sociais, com dificuldade de acesso à escola, dificuldade de acesso aos
aparelhos de saúde, transporte, saneamento básico. Tem gente que trata as
características do modo de vida ribeirinho pela reificação da cultura, como se
alguns hábitos fossem próprios daquela cultura: ‘eles fazem tudo no mato,
bebem a água do rio toda suja mesmo, então deixa para lá’. E a previdência
social, principalmente, tem aquelas pessoas com dificuldade de se aposentar, e

26
para isso elas têm que se associar numa associação. [...] E a questão da
assistência social também atravessa a vida das pessoas em comunidades
ribeirinhas, pois elas estão a mercê de qualquer política assistencial, a não ser
o Bolsa Família ou algum tipo de aposentadoria especial. Elas não têm acesso
ao CRAS, CREAS, pois são aparelhos sociais que estão bem longe. E, aí,
quando o pessoal vai para a cidade – por isso que tem que ter uma formação
que leve em conta as relações étnico-raciais – tem profissionais que entendem
que é estrita culpa da pessoa por estar numa situação de pobreza e
vulnerabilidade. (E3)

Populações tradicionais que viviam ali [em unidades de conservação] desde o


início, e que foram fundamentais para que essas áreas tivessem esse caráter de
mito da natureza intocada, com a legislação, começam a ficar... Porque,
imagina se uma área se torna uma área de um parque, você não vai ter posto de
saúde, você não vai ter escolas, você não vai ter um monte de equipamentos
públicos lá dentro. [...] As dificuldades de acesso à Unidade Básica de Saúde,
de acesso a outros serviços também. Porque uma coisa que está bem presente
nas comunidades aqui na região, apesar de serem muito peculiares também,
cada comunidade tem um perfil muito diferente da outra, isso é muito
importante também colocar. É difícil você falar de uma comunidade quilombola
de forma universal. É difícil mesmo! Então, aqui na região tem comunidades
muito próximas da cidade e tem comunidades muito isoladas, mas muito
isoladas da área urbana, o que dificulta bastante o acesso a qualquer tipo de
serviço público. (E4)

Existe muita dificuldade ainda de acesso – e acesso estrutural mesmo [...]. Que
a questão de deslocamento, de rio, acidentes geográficos [...], passar uma
montanha, um morro. Que não tem estrada. Então, o primeiro ponto de debate
ainda seria de isolamento. [...] Hoje, esse isolamento já não é mais necessário.
Acho que, se deixar esse isolamento hoje, na verdade, você ia negar o acesso
aos direitos desses grupos. (E5)

e) Participação política formal das populações tradicionais nas políticas públicas


Uma última avaliação feita pelos entrevistados em relação às políticas públicas

27
refere-se à participação política das populações tradicionais. Eles avaliam esse aspecto
tanto positiva quanto negativamente. Essa contradição advém dos direitos sociais
conquistados a partir do reconhecimento das populações tradicionais como sujeitos/as
políticos/as que têm voz e poder de decisão sobre sua realidade. Ao mesmo tempo, há
cooptação desses grupos para ocupar espaços de controle social na posição de mera
representação formal, ou seja, sua presença em espaços de decisão não garante a eles
esse poder, sendo essa presença usada como justificação de decisões hierarquizadas. Os
especialistas E1, E3 e E5 afirmam:

Aconteceram conferências de saúde indígena, conferências de educação


indígena, o ano passado, as conferências de política indigenista. Enfim, foi a
primeira vez que aconteceu. Então, existem as conferências, como organização
das comunidades, para participação dessas conferências. Existe o controle
social, que se dá, por exemplo, quando há muitos educadores indígenas atuando
nas escolas, há muitos agentes de saúde indígena atuando juntos aos postos de
saúde, e também no controle social. (E1)

Tem várias políticas que têm os conselhos, que eles põem a participação das
pessoas. Em muitos casos que eu conheço, eles também são quase pró-forma. O
comunitário vai no conselho, decide ou não as coisas, mas é o gestor que dá a
palavra final. (E3)

Ao mesmo tempo, reflito o ponto positivo, porque, com essas lutas de


reconhecimento de identidade dos quilombos, há um avanço também, que é a
tentativa de eles começarem a se reconhecer enquanto grupo político,
diferenciado de outros. [...] Já com os jovens, esse discurso, quando você vai
perguntar sobre o quilombo, eles já falam que é um espaço de luta, é um espaço
onde eles podem ter direitos, é um espaço que eles podem se inserir futuramente
na universidade. Eles vão percebendo o campo de acesso aos direitos que foram
negados para eles. (E5)

Os especialistas entrevistados teceram uma série de críticas às políticas públicas


para as populações tradicionais. De uma forma geral, eles avaliam que essas políticas
têm sido desenvolvidas, abrangendo mais grupos sociais e reconhecendo suas

28
demandas. Contudo, pecam na execução. As principais dificuldades estão relacionadas a
determinações de ordem político-administrativas e na forma como os executores das
políticas abordam o público-alvo.

3.2. Condições de Trabalho


O tema das condições de trabalho foi abordado tanto no questionário on-line
como nas entrevistas com os especialistas. A partir da primeira fonte, foi possível obter
informações sobre tempo de contratação no trabalho atual, o cargo ocupado, tipo de
vínculo e contratação, além de remuneração e carga horária. Contudo, ressalva-se que o
número de respondente foi reduzido (15 participantes) o que impede caracterizações e
análise mais abrangentes. Por sua vez, por meio das entrevistas, foi possível apreender
algumas das dificuldades relacionadas às condições de trabalho nos serviços ligados a
essa política.
Quanto aos dados obtidos com os questionários on-line, apenas um respondente
declarou não atuar, hodiernamente, no campo da Psicologia, sendo o mais comum a
atuação dentro dessa área entre os profissionais que responderam estar nos
serviços/projetos das políticas públicas relacionadas às PIQT. Quanto à função que
ocupam, seis dos quinze respondentes (40%) estão, atualmente, como coordenadores ou
gestores dos seus serviços. Essa proporção de participantes envolvidos com a gestão dos
serviços pode revelar certo protagonismo dos mesmos quanto a operacionalização das
políticas, algo que destoa do lugar do/a psicólogo/a nas demais áreas. Por exemplo,
apenas 23,4% dos/as psicólogos/as em empresas ocupam função de gestão ou
coordenação (Gondim, Bastos, & Peixoto, 2010).
Já quanto ao cargo que ocupam, há certa variação: o mais comum é serem
contratados como psicólogos/as e atuarem nesse cargo (sete casos, 46,7%); contudo, há
casos em que são contratados para esse cargo, mas exercem outras atividades (cinco
casos, 33,3%) e outros em que os participantes são contratados para outros cargos, mas
atuam como psicólogos/as (três casos, 20%).
Por sua vez, a forma de contratação dos participantes, mais frequente, é por meio
de processo seletivo, havendo apenas dois casos de contratação por meio de concurso
público. Consequentemente, o regime de trabalho predominante é o de celetista (nove
casos, 60%), seguido de prestação de serviço (três casos, 20%), estatutário (dois casos,
13,3%) e cooperado (um caso, 6,7%).

29
Tabela 6
Dados de caracterização da atividade profissional dos participantes
Descrição n %
Remuneração mensal no serviço/projeto
Até 1,5 salário mínimo (até R$ 1.320,00) 2 13,3
De 1,5 a 3 salários mínimos (R$ 1.320,01 a R$ 2.640,00) 3 20,0
De 3 a 4,5 salários mínimos (R$ 2.640,01 a R$ 3.960,00) 2 13,3
De 4,5 a 6 salários mínimos (R$ 3.960,01 a R$ 5.280,00) 3 20,0
De 6 a 10 salários mínimos (R$ 5.280,01 a R$ 8.800,00) 5 33,3
Carga horária semanal
Até 9h 2 13,3
10 a 20h 2 13,3
21 a 30h 3 20,0
31 a 40h 7 46,7
Mais de 40h 1 6,7
Tempo de contratação
De 4 meses a 12 meses 6 40,0
13 meses a 24 meses 3 20,0
25 meses a 48 meses 2 13,3
Acima de 121 meses 4 26,7

Como apresentado na Tabela 6, há uma variação quanto à remuneração dos


participantes, com uma leve predominância daqueles que recebem entre 4,5 e 10
salários mínimos (oito casos, 53,3%). Essa diversidade de remuneração pode ser
explicada, em partes, pelo fato de que cada um dos participantes está atuando em
instituições e serviços distintos. Além disso, mesmo que a quantidade de respondentes
seja limitada, é possível perceber que, dentro do conjunto de dados obtidos, os
participantes atuantes no âmbito da saúde costumam obter os melhores rendimentos:
dos oitos casos que atuam em serviços de saúde, seis percebem entre seis e dez salários
mínimos (enquanto apenas dois recebem entre 1,5 e três salários mínimos). Na
sequência estão os dois participantes que atuam no âmbito da garantia de direitos
recebendo entre 4,5 e seis salários mínimos; dois participantes que atuam na educação
recebendo entre três e 4,5 salários mínimos, e o terceiro que atua nesses serviços
recebendo até um salário mínimo e meio; os participantes que atuam na assistência
30
social recebendo entre um salário mínimo e meio e três salários mínimos; e o que atua
na geração de renda recebendo até um salário mínimo e meio.
Esses rendimentos são semelhantes ao recebido pelo conjunto da categoria
desses profissionais. De acordo com Heloani, Macêdo e Cassiolato (2010), o
rendimento mais frequente entre os/as psicólogos/as são aqueles circunscritos na faixa
entre três e nove salários mínimos (46% dos profissionais). Contudo, destoa desse grupo
aqueles participantes vinculados à serviços da Assistência Social e da política de
geração de renda, os quais recebem rendimentos inferiores aos três salários mínimos.
Essa situação pode indicar que há variação nas condições de trabalho de acordo com a
vinculação do serviço a uma das grandes políticas sociais: enquanto que os participantes
vinculados à saúde possuem rendimentos próximos ao conjunto da sua categoria
profissional, aqueles ligados à Assistência ou à Geração de Renda possuem recursos
financeiro inferiores.
Ainda de acordo com a mesma Tabela, a carga horária de trabalho mais comum é
a de 30 horas ou mais (oito casos, 53,3%), havendo apenas um participante que trabalha
mais de 40h semanais.
Quanto ao tempo que estão no atual serviço, os participantes relatam estar há,
no máximo, dois anos (nove casos, 60%). Essa constatação pode representar, ao menos,
duas situações. A primeira delas é que esse pouco tempo nos serviços pode estar
relacionado à recenticidade de implantação desses serviços. Caso seja essa a
configuração desses locais de trabalho, há um atraso na operacionalização dessa política
nos estados e municípios, considerando que essas políticas começaram a ser
implantadas em 2007. Por outro lado, esse tempo de atuação dos profissionais nesses
serviços pode estar relacionado à própria rotatividade no cargo. Sendo o contrato
prioritário o de celetista ou prestação de serviço, há possibilidades do/a psicólogo/a
nesses equipamentos serem rapidamente substituído por outros profissionais. Caso haja
a existência dessa rotatividade entre os participantes, esse cenário reproduziria aquilo
que é observado entre os profissionais que estão ligados à Assistência Social (Senra &
Guzzo, 2012) e poderia ser um indício de precarização do seu trabalho nas políticas
relacionadas aos povos indígenas, tradicionais e quilombolas.
Com relação aos dados obtidos por meio das entrevistas com os especialistas, a
categoria “condições de trabalho” refere-se às situações objetivas e subjetivas por meio
das quais os/as psicólogos/as desenvolvem sua atuação. São levados em consideração
aspectos positivos ou negativos relativos às condições de trabalho do/a psicólogo/a, tais

31
como: disponibilidade de material e equipamento para execução da política, corte de
verbas de projetos, paralisação de projetos, relação com gestores que implique disputa
por poder.
Como os entrevistados são especialistas no tema em questão e não profissionais
da política/serviços, as respostas são fruto das experiências destes, ao desenvolverem
projetos de pesquisa e extensão, ou em virtude de alguma experiência passada na
referida política. A questão aberta sobre condições de trabalho foi formulada nos
seguintes termos: “como você avalia as condições de trabalho dos/as psicólogos/as
nessas políticas? ”.
A partir dessa questão, dois dos cinco especialistas comentaram acerca das
condições de trabalho, estando os conteúdos em torno de três códigos específicos:
hierarquia na instituição (discutido por E3), escassez de recursos e sobrecarga de
trabalho (ambos discutidos por E5).
Com relação ao primeiro código, ele se refere à existência de uma estrutura
hierarquizada dentro das instituições que o/a psicólogo/a participa, a qual pode vir a
engessar o processo de tomada de decisão e, consequentemente, de trabalho.
Igualmente, há a possibilidade de essa estrutura hierarquizada engendrar um
personalismo por parte dos gestores do serviço, centralizando neles as tomadas de
decisões. Exemplifica essa situação a fala de E3:

Aí ele conversou comigo para tomar uma decisão. Ele não quis criticar a
gestora, mas disse: “não entendo por que ela está colocando esses empecilhos.
Nós do [nome da instituição] – ele falou assim – nós já estamos discutindo a
viabilidade de produção dentro das unidades de conservação, de cadeias
produtivas de várias ordens, dentro de unidade de conservação, só que isso
ainda não está organizado enquanto política dentro do [nome da instituição]”.
Então os gestores ficam quase que com uma decisão personalizada mesmo, não
é?

Considerando que, dos respondentes do questionário, 40% ocupavam lugar de


gestão, a constatação desse especialista pode acabar recaindo sobre a própria forma
como os/as psicólogos/as têm coordenado esses serviços e equipamentos. Seria
importante aprofundar as investigações nesse tocante específico, como forma de
colaborar para o avanço da profissão de Psicologia nos espaços dessa política enquanto

32
gestores dos equipamentos ligados a ela.
Outra questão relativa às condições de trabalho apontada nas entrevistas foi a
escassez de recursos. Especificamente, o especialista E5 relata que não há nem
quantidade e diversidade de profissionais, bem como de infraestrutura e materiais
suficientes para a realização dos trabalhos dentro dos serviços ligados à política de
povos indígenas, tradicionais e quilombolas, conforme explicita: “Falta de
profissionais, estrutura mesmo que também às vezes não tem o equipamento, esses são
os grandes, vamos dizer, as grandes reclamações das lideranças da qual eu trabalho,
entendeu?”.
Como ele mesmo evidencia, uma das consequências dessa situação é que, muitas
vezes, a equipe do serviço apenas consegue visitar as comunidades a cada três meses.
Essa situação se repete em serviços ligados a outras políticas, como é o caso da
Assistência Social (Ribeiro, Paiva, Seixas & Oliveira, 2014) e é agravada quando se
trata de serviços localizados no interior dos estados (Dantas, 2013) – o que, segundo o
levantamento realizado por meio dos questionários on-line, é o mais comum entre os/as
psicólogos/as nessa política.
Intimamente relacionado ao código anterior, está o de sobrecarga de trabalho.
Segundo o mesmo especialista, o/a psicólogo/a, por ter uma equipe limitada de trabalho,
acaba tendo que acumular outras funções, além de dar conta de grandes territórios para
visita e acompanhamento. Essa situação é semelhante a que outras investigações
relatam, como Belo (2015): as equipes que atuam com os povos tradicionais, indígenas
ou quilombolas são reduzidas ou insuficientes para a extensão de territórios a serem
atendidas pelo serviço, o que gera uma sobrecarga nos que lá atuam.
O que as duas fontes de dados apresentam, de maneira geral, é a existência de
desafios a serem superados quanto às condições de trabalho, principalmente, se
considerado a quais políticas mais amplas esses serviços estão ligados. Seja do ponto de
vista da renda dos profissionais, seja os recursos humanos e materiais disponibilizados,
até a própria forma de organizar os equipamentos e a gestão dos mesmos, há pontos que
precisam de atenção por parte das três esferas de governos para que as ações nessa
política sejam efetivas.

3.3. Rede intersetorial e equipe multidisciplinar


A categoria rede intersetorial e equipe multidisciplinar congrega as informações
referentes à prática do/a psicólogo/a que ultrapassa o trabalho isolado na própria área da

33
Psicologia, sendo realizado junto a outros profissionais, e que se articula com outros
serviços e setores da política pública. Assim, inclui-se nesta categoria a menção a
políticas, programas e serviços públicos ou privados que são acessados pelo/a
psicólogo/a para garantir continuidade da atenção aos povos tradicionais. Além disso,
foram citadas relações com setores da gestão da política púbica, comissões de
participação social nos conselhos das políticas públicas, e trabalho multiprofissional,
seja no próprio local de trabalho, seja nos setores da política articulados com o serviço
do entrevistado.
A coleta dessas informações foi feita mediante duas perguntas específicas sobre
rede e multidisciplinaridade: a) “Como as políticas e os serviços voltados para essa
população estão articulados com as demais políticas públicas brasileiras? (avaliar a
transversalidade do tema e sua articulação; listar redes e serviços)”; b) “Quais
profissionais de outras áreas atuam junto com os/as psicólogos/as nessas políticas? Que
profissionais poderiam complementar a equipe?”
A Tabela 7 mostra a distribuição das políticas e/ou setores envolvidos nesse
trabalho, relatados por três especialistas, que referiram trabalho nesses moldes.
Tabela 7
Setores envolvidos na atenção aos povos tradicionais
Rede intersetorial n Especialistas
Política pública
Saúde 2 E3, E5
Previdência Social 1 E3
Educação 1 E3
Assistência Social 1 E2
Segurança Alimentar 1 E3
Trabalho 1 E3
Habitação 1 E3
Mobilidade 1 E3
Lazer 1 E3
Segurança Pública 1 E3
Ciência e Tecnologia 1 E3
Meio Ambiente 1 E3
Setores da gestão (não especificado) 1 E3

34
"Terceiro Setor" 1 E3
Comunidade 2 E2, E3

O que é possível depreender dos dados é que os especialistas demarcaram a rede


intersetorial a partir de sua natureza jurídica (pública ou privada) e apresentaram
articulações feitas com a comunidade.
Na política pública, a articulação é feita com a gestão ou com os serviços. O
especialista E3 citou “educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte,
lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência
aos desamparados” como setores da política pública que devem atender os PITQ.
Outros setores da política pública mencionados pelos especialistas foram o Sistema
Único de Saúde (Unidade Básica de Saúde, Centro de Atenção Psicossocial), o Sistema
Único de Assistência Social, o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, e o Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Segundo a Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (CIMOS) e o
Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) (s/d), apontam a assistência jurídica como
um dos direitos fundamentais dos povos e comunidades tradicionais. Ela pode e deve
ser adotada de forma coletiva, sempre que houver necessidade de afirmação,
reconhecimento, proteção e defesa de seus direitos étnicos e territoriais. Qualquer
atuação de órgãos governamentais e mesmo do Judiciário junto a esses povos e
comunidades deve sempre resguardar a garantia do acesso ao território e aos recursos
tradicionalmente utilizados por esses povos e comunidades para a sua reprodução social,
cultural, econômica, ancestral e religiosa.
Embora partindo do direito à justiça, os órgãos reconhecem que, para a garantia
desse direito, é imprescindível que qualquer atuação junto a esses povos e comunidades
deve se dar de forma intersetorial (envolvendo as diversas ações e programas
governamentais e não governamentais), participativa (com o envolvimento direto de
seus representantes no planejamento, execução e avaliação) e adaptada às suas
respectivas realidades. Se a constatação é a de que as realidades desses povos não são
compartimentalizadas, para garantir seus direitos é preciso atuar nas esferas econômica,
jurídica, produtiva, religiosa, cultural, moral, entre outras.
A amplitude de setores da política pública listados permite visualizar, por um
lado, a importância da característica transversal da atenção aos povos tradicionais, cujas
35
demandas não se limitam às particularidades de seus povos, mas ao acesso a todos os
direitos sociais; por outro, permite questionar o modo de operacionalização da própria
política pública, cuja fragmentação, ainda que permita a operacionalização da atenção a
esse público, não garante direitos sociais que ficam descobertos diante dos impasses
comuns a todos os setores (por exemplo, parco financiamento).
O desafio da intersetorialidade emerge também nessa política. Nascimento
(2010) debate essa estratégia por ser uma aparente solução para a fragmentação das
políticas públicas e sociais diante da ineficiência e limite das mesmas. Contudo, no caso
dos povos e comunidades tradicionais, esse desafio se exacerba diante das
peculiaridades do público. A legislação que trata ou inclui os direitos e da abordagem a
esses grupos, foca eminentemente na preservação de seus elementos de origem,
culturais, religiosos, de seu território, e de suas relações sociais e de trabalho (Decreto
nº 2, 1994; Organização Internacional do Trabalho, 2011; Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], 2005; Decreto nº 6.040,
2007). Isso traz uma complexidade adicional à intersetorialidade porque trata de atentar
para as questões das políticas tal qual são postas, mas que ainda precisam considerar
elementos que, noutros casos, não estão colocados.
Nessa direção, compreende-se a menção a todos os setores da política pública
listados, com destaque para a política ambiental, que não tem sido recorrente na rede
intersetorial de atenção a outros públicos. Também merece destaque a referência aos
gestores das políticas públicas, que são acessados pelo/a psicólogo/a na intenção de
dirimir hierarquias no poder de decisão, mediando o diálogo entre os gestores e os
povos tradicionais, e viabilizar a realização de algum projeto social.
O fato de parte dos povos tradicionais se relacionarem a questões étnico-raciais
provoca um questionamento em relação aos entrevistados não terem citado a
importância da política de promoção da igualdade racial. Além disso, deve-se destacar
que nenhum especialista tratou especificamente de como se daria a articulação em rede,
se haveria acompanhamento ou referenciamento dos grupos alvo.
Além das políticas públicas, os especialistas citaram a igreja e a comunidade
(rede de apoio social, quanto na participação social, ocupando espaço político no
controle social) como atores importantes na formulação ou execução das políticas
públicas para os povos tradicionais. Contudo, não é possível fazer ilações a partir dessa
informação – para além do apoio social aos povos tradicionais –, uma vez que esses
setores foram apenas mencionados pelo entrevistado como possíveis atores com quem

36
se deva dialogar.
Não se pode deixar de mencionar, todavia, a participação de religiosos na defesa
dos territórios e dos povos originários, culminando, inclusive, com o assassinato de
vários deles. Uma carta aberta em defesa dos povos indígenas foi publicada pela Igreja
Episcopal Anglicana do Brasil em 2015, e nela se denunciava, segundo dados do
Conselho Indigenista Missionário/CIMI, que nos últimos 12 anos, ao menos 585
indígenas cometeram suicídio e 390 foram assassinados. Tal desastre foi atribuído à
violência instalada e sustentada pelo agronegócio de norte ao sul do país, em especial no
Mato Grosso do Sul, e demonstra que se trata de uma política de genocídio regada pelo
sangue indígena. Assim, é preciso considerar um papel importante dessas comunidades
eclesiásticas na luta pela preservação das populações tradicionais.
Um trecho de entrevista do especialista E3 sintetiza os principais aspectos de
rede intersetorial e equipe muldisciplinar:

Sim, nunca eu vou só nos trabalhos em comunidade. A gente costuma ir equipe


multidisciplinar. Eu tenho trabalhado procurando sempre ter uma assistente
social. Pode ter também um biólogo, ecólogo, engenheiro florestal, gestor
ambiental. E já teve vez que foi uma socióloga, outra vez foi uma antropóloga
também. Assim, com se trata de um campo das ciências ambientais, digamos que
é interdisciplinar, então eu tenho pensado na minha prática como
interdisciplinar. Tem sido um trabalho meu dizer o que é de psicologia que eu
faço para os psicólogos me reconhecerem. Mas no campo interdisciplinar você
fica diluído entre o conhecimento de todos. Então já não tem mais uma
especificidade tão clara, o que cada um faz. A gente acaba chegando em alguns
consensos de como trabalhar. Claro que cada área tem sua especificidade. Fica
mais assim: quem trabalha com pessoas, quem trabalha com as plantas e
levantamento florístico, quem trabalha como engenheiro de pesca e etc. Mas
todos buscando um objetivo comum em um projeto. Então é um campo bem
interdisciplinar mesmo, as engenharias, as áreas biológicas e áreas humanas e
sociais, digamos assim. E com essas pessoas que tenho trabalhado diretamente.

Assim, no que se refere à multidisciplinaridade, dentre os profissionais


mencionados pelos especialistas por realizarem trabalho multiprofissional na política
em questão, somente o assistente social é citado por dois especialistas (E2 e E3); os

37
demais são citados por apenas um dos entrevistados. Além do assistente social, um
vasto espectro de atores compõe as equipes nesse trabalho, conforme pode-se observar
na fala de E3, apresentado anteriormente.
As informações não permitem ilações, apenas indicam que o trabalho com os
povos e comunidades tradicionais envolve um leque de profissionais de campos e de
políticas distintas, que sinalizam a necessidade indiscutível de uma articulação
intersetorial com campos que dizem respeito eminentemente a esse grupo. Isso nos leva
à informação seguinte, que trata da relação da Psicologia com outras áreas do saber.
Embora os excertos das entrevistas sobre rede intersetorial e equipe
multidisciplinar se limitem a citar equipamentos sociais e profissionais, foi possível
identificar alguns temas que acompanham a discussão dessa categoria, ainda que os
entrevistados não tenham se aprofundado em tais questões. São esses: a demarcação de
cada área do conhecimento, a sobreposição do papel do/a assistente social e do/a
psicólogo/a, as atribuições específicas do/a psicólogo/a, a importância da
interdisciplinaridade.
Uma vez que a transversalidade é uma das principais características das políticas
públicas relativas aos povos tradicionais, a valorização do trabalho multidisciplinar (e
da interdisciplinaridade) é esperada. Com isso, as preocupações recorrentes na área da
Psicologia em relação à sua identidade profissional ganham relevo, especialmente em
torno do debate sobre qual o objeto de trabalho da Psicologia ou que treinamento
especializado permite ao/a psicólogo/a cuidar de determinados aspectos do sujeito que
não são foco de outros profissionais. No caso das políticas públicas, a comparação da
função do/a psicólogo/a à do/a assistente social, também presente nesta pesquisa, tem
sido uma questão comum, requerendo aprofundamento teórico.

3.4. Público-alvo e demanda


Esta categoria se refere à especificação do público-alvo da política (ribeirinhos,
quebradeiras de coco, indígenas, quilombolas, etc.), especialmente as características que
diferenciam esse público de outros, que facilitam ou dificultam suas condições de vida
(distância das cidades, organização em comunidades), a identidade dos usuários como
povos tradicionais e seus direitos específicos de acesso ao território, bem como sendo
cidadãos com os mesmos direitos constitucionais que outros. Além disso, esta categoria
também trata das condições dos usuários para acesso às políticas públicas, condições
essas que são consequências de conflitos sociais e ambientais, e sua posição em relação

38
ao território (conservação, socioambientalismo, etc.). Por fim, são analisadas as
demandas advindas de impactos ambientais ou de conflitos por posse ou uso do
território, demandas para o trabalho na política pública, demandas apresentadas pelo
público-alvo da política ou identificadas pelo/a psicólogo/a.
Tais informações foram obtidas, nas entrevistas com os especialistas, pelas
questões da entrevista: a) “Quais são as principais características e particularidades da
população - alvo dessas políticas?”; b) “Quais são as demandas atendidas pelo/a
psicólogo/a nessas políticas? Haveria outras demandas não contempladas por esses
profissionais?”. Nos questionários on-line houve uma questão que indagava aos
respondentes sobre o público atendido nos serviços em que atuava.
Para melhor compreensão das informações prestadas pelos especialistas, os itens
público-alvo e demanda serão abordados separadamente. As demandas foram agrupadas
em amplas (dois respondentes) e específicas (quatro respondentes).
Inicialmente, apresenta-se os dados do questionário on-line sobre o público
atendido nos serviços em que os/as psicólogos/as respondentes atuam.
Tabela 8
Público atendido no serviço- múltiplas respostas admitidas
Público n %
Indígenas 10 66,7
Quilombolas 8 53,3
Povos tradicionais 6 40

Conforme apresentado pela Tabela 8, há um atendimento quase proporcional aos


três grupos étnico-raciais, com leve acento na atuação com a população indígena. É
importante destacar que essa atenção com esse grupo específico pode ser o efeito da
maior consolidação das ações do Estado para esse público – algo que é previsto desde
de antes da promulgação da Constituição de 1988.
Ademais, também é importante ressaltar o atendimento às demandas advindas
dos povos tradicionais. Segundo Silva (2007), populações tradicionais afirma
Podemos dizer que são populações que se definem pelo uso sustentável da terra,
pelo destino da sua produção e o seu vínculo territorial, incluindo sua situação
fundiária, pela importância que os ciclos naturais têm nas suas práticas
produtivas, pelo uso que fazem dos recursos renováveis e as práticas de uso
comunitário dos mesmos, pelo seu conhecimento profundo do ecossistema no
39
qual vivem e pelo uso de tecnologias de baixo impacto ambiental, por sua
organização social, na qual a família extensa representa papel importante,
também por suas expressões culturais e as inter-relações com outros grupos da
região. (p. 08)
Portanto, esse grupo tem como elementos definidores uma relação muito
particular com a terra que habitam, com a natureza que o cerca, o cuidado ambiental, e
suas expressões culturais. Há que se reconhecer, também, como aponta Diegues e
Arruda (2001), as “limitações de tais definições já que, a rigor, todas as culturas e
sociedades têm uma tradição” (p. 26). Alia-se a isso o fato de que se fala de um
conjunto extremamente heterogêneo de grupos sociais, o que dificulta sobremaneira a
definição detalhada dos aspectos comuns a todos eles.
Ainda assim, é importante uma demarcação conceitual, especialmente no que diz
respeito a oferecer subsídios para a construção de marcos legais que garantam direitos a
essas populações. Esse aspecto possibilita a compreensão, por exemplo, da importância
da demarcação de vinculação territorial na conceituação de povos tradicionais, pois essa
clareza, no âmbito das políticas públicas, possibilita a reivindicação da garantia da
soberania do uso do território para as diversas comunidades tradicionais que têm
vinculação ancestral com seus lugares de morada.
Nessa linha de definição e argumentação, os cinco especialistas definiram
características da população alvo a partir da questão “a” mencionada alhures. As
respostas giraram em torno de aspectos das comunidades, seja a ideia que se tem sobre
elas, seja o que elas fazem, produzem, como se organizam ou informações sobre quem
são.
Um primeiro elemento que merece destaque é o caráter “exótico” dos povos e
comunidades tradicionais atribuído pela sociedade de forma geral, conforme expresso
na fala do especialista E1: “Eles estão na própria terra e são tratados como mais
exóticos do que o estrangeiro”. Como bem diz o E1, são pessoas da terra, com tradição
secular, mas em função de colonização, redução de área e perda ou eliminação de suas
tradições, quando são identificados aparecem como exóticos.
Outro elemento importante é que, embora seja uma população com história de
opressão e dominação, tal qual a população negra brasileira, a população indígena, os
povos e comunidades tradicionais não são idênticos, eles têm formas de existência e de
culturas particulares, como menciona E1: “Um indígena, ele tem uma história, tem uma
raiz sócio-histórica, que os conduz para contemporaneidade de uma forma muito

40
particular, e distinta dos negros.”. Nesse mesmo sentido, a fala de E3 reitera:

Então comecei a ver uma questão interessante nessa comunidade que eu estudei,
que era que eles estavam buscando direitos sociais. Havia reconhecimento do
modo de vida pela identidade. Aí eles de ribeirinhos resgataram a identidade
indígena e se transformaram em indígena.

Destaca-se, como característica desse grupo, a valorização da cultura, dos


conhecimentos tradicionais, vindos da terra, das plantas e ervas, a noção e o respeito
pelo coletivo, a sabedoria dos mais velhos. De acordo com E3 e E5, respectivamente:

Em um projeto de outra ordem, como um que estamos agora, com resgate de


conhecimentos tradicionais de plantas e ervas medicinais, então a gente tem
uma valorização da cultura, valorização da autoestima, fortalecimento das
identidades locais, para uso desse conhecimento tradicional para o bem-estar
da população, de modo que o morador da comunidade não precise ir para a
cidade em busca de médico.

[...] que a gente chama, não é, que são os Griôs das comunidades que carregam
a memória da comunidade, os mais velhos, não é? A gente conseguia sempre
buscar estes sujeitos (trecho incompreensível) tento fazer esse mapeamento
inicial com os idosos (trecho incompreensível) daquela comunidade.

Dois entrevistados abordaram demandas que afetam o espaço territorial dessas


populações, ou seja, não diz respeito a suas características específicas, mas sim da
relação do Estado com esse público. Ambas se referem a ações relativas ao uso do
território para empreendimentos que afetam diretamente o cotidiano desses grupos.

Então há contextos em que grandes empreendimentos públicos estão


acontecendo, então se tem pressão do Estado, não é? Se aproxima dessas
comunidades com interesses particulares, que diz respeito à construção desses
empreendimentos, como as hidrelétricas, Belo Monte, Tapajós entre outras. (E1)

Nos anos 1990 já passou assim: as pessoas têm na verdade é que participar da

41
gestão das áreas. E nos anos 2000 isso se concretizou mais forte e, no final da
primeira década de 2000 e agora nessa segunda, já tem algumas propostas de
eles têm que ser autônomos na gestão, isto é, não tem nem que ter gestão vinda
de fora. E essa discussão do preservacionismo estrito no Brasil ficou impresso
nas primeiras políticas, que configuraram os primeiros parques, parques
nacionais. (E3)

Analistas ambientais afirmaram que a construção da usina de Belo Monte, por


exemplo, poderia gerar muitos impactos ambientais, pois a diminuição da vazão do rio
Xingu afetaria as terras indígenas de Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu,
prejudicando os índios que vivem da pesca feita no rio. Além disso, o desmatamento na
área poderá ser intensificado, além do aumento da ocupação desordenada do território,
causando impacto sobre essas populações indígenas, condenando seus povos e sua
cultura que sempre residiram ao longo de sua bacia (Pensamento Verde, 2013).
Percebe-se, portanto, que, para além de demandas específicas desse público
ainda há que se atentar para como o Estado se relaciona com os povos e comunidades
tradicionais, que parece não priorizar a manutenção de suas raízes, culturas e territórios.
O código “demandas específicas” apresenta as informações e dados em que as
dificuldades, conquistas, necessidades, vivências têm relação direta ou afetam
diretamente a comunidade.
A primeira delas fala de um não reconhecimento por parte do Estado, acerca da
identidade dessas populações, negligência muitas vezes relacionada a interesses
capitalistas mais amplos ou até mesmo relativos a negociações locais. Como expressa
E1: “Há todo um problema, que o Estado não conhece, muitas vezes, a identidade
dessas populações, e isso se articula a interesses locais, e vão criando barreiras para
que as demarcações ocorram.” Na mesma direção, diz E3:

Existem muitos conflitos, conflitos graves de terra aqui na Amazônia,


gravíssimos. Casos de bandidagem, grilagem, morte, etc. e tal. Também existem
aqueles projetos governamentais, por exemplo, das barragens. Tem tido alguns
casos também, em que as pessoas ficam à mercê de uma política
desenvolvimentista, tendo que se mudar e ficar sem seu território [...]Mas as
pessoas ficam a mercê das políticas públicas relacionadas ao acesso aos direitos
sociais, com dificuldade de acesso à escola, dificuldade de acesso aos aparelhos

42
de saúde, transporte, saneamento básico [...]

Outro elemento relatado pelos especialistas é o fato de que a não preservação de


seu território coloca a população indígena em espaços urbanos, causando uma série de
problemas para esse público, para além dos relativos a sua cultura. Sua saúde é um
exemplo, conforme argumenta o especialista E1: “Há cerca de 40% da população
indígena em contexto urbano, e essa população se vê descoberta, do seu direito à uma
atenção diferenciada à saúde, porque encontra-se em um contexto urbano”.
Quando no espaço urbano, a população indígena especialmente, tenta ou é
forçada a se inserir num contexto social distinto do seu originário e passa a sofrer as
mazelas que acometem a população pobre. Escassez ou ausência de políticas públicas,
dificuldades de escolarização e de emprego e acesso a direitos são alguns dos problemas
citados pelos entrevistados, conforme os trechos a seguir: “Essas comunidades não são
protegidas, nem nada, até a própria rede de esgoto, encanamento, energia, isso é muito
precária, então você tem de fato uma favelização com esse lugar não é bom de viver.”
(Entrevistado 2)

Tem esse furo do transporte, tem o furo do processo de escolarização, não


é? Então é difícil acessar a cidade, é difícil terminar os estudos, é difícil o
emprego porque alguns não querem o tipo de subsistência que existe na
comunidade e quer acessar a cidade. (E2)

É garantir a condição do cidadão, que eu tenho visto que é também


garantir o acesso aos bens e serviços sociais. Porque em comunidades que
a gente vai visitar, esses direitos básicos não são de fácil acesso. É muito
precário o acesso, o acesso é muito difícil. (E3)

Um dos grandes desafios do trabalho com povos e comunidades tradicionais gira


em torno de um equilíbrio entre a relação que esses grupos estabelecem com o Estado,
especialmente quando se trata de populações que possuem elementos culturais e de
relação com a natureza a serem preservados. O fato é que esses grupos precisam da
proteção do Estado, precisam acessar direitos como cidadãos, mas não devem abrir mão
de suas características identitárias sob um discurso de desenvolvimento social e local.

43
4. Atuação de Psicólogos/as em Políticas e Ações junto a Populações Indígenas,
Tradicionais e Quilombolas
Nesta seção serão abordados tópicos específicos sobre a prática profissional do/a
psicólogo/a nas políticas públicas voltadas a populações indígenas, tradicionais e
quilombolas. É de posse desses dados, contextualizados pelos debates trazidos nas
seções anteriores, que se torna possível a elaboração de referências técnicas para a
atuação neste campo.
Serão tratados os aspectos relativos ao papel do/a psicólogo/a nas políticas
públicas dirigidas às populações indígenas, tradicionais e quilombolas, a formação
necessária para atuação no campo, as atividades que desenvolvem, as teorias e os
conceitos utilizados nesta prática assim como os recursos e instrumentos. Por fim,
também serão debatidas as questões éticas com as quais os/as respondentes se deparam
em seu cotidiano de trabalho e as dificuldades desta atuação.

4.1. Papel dos/as psicólogos/as


Nessa categoria foram abordadas quais são as expectativas para atuação
profissional do/a psicólogo/a, seja do ponto de vista da regulamentação da própria
política, seja do ponto de vista da avaliação feita pelos próprios especialistas com base
nas suas investigações e experiências. Não há distinção quanto às expectativas que estão
sendo cumpridas e, em alguma medida, também inclui discussões sobre a função social
desse profissional na política de povos indígenas, tradicionais e quilombolas, bem como
quais são as possibilidades de atuação nesses locais.
As informações relativas a essa categoria foram obtidas exclusivamente na
entrevista com os especialistas por meio da questão: “quais as atribuições e/ou
expectativas de um/a psicólogo/a que atua nessas políticas?”. Dos cinco especialistas,
quatro responderam a essa questão, sendo eles E1, E3, E4 e E5. A partir das respostas a
essa questão foi possível levantar cinco códigos sobre o papel do/a psicólogo/a nessa
política: como “mediador” (conforme discutem E1, E3 e E5), para “auxiliar na
construção de identidade e autonomia da população” (de acordo com E1, E3, E4 e E5),
para “construir conhecimento sobre a população” (segundo E1, E3 e E5), atuar como
“psicólogo social” (como referido por E3, E4 e E5) e para “promover reflexões sobre a
política públicas” (para os especialistas E1, E3 e E5).
O primeiro código refere-se à consideração, por parte dos Especialistas, de que
o/a psicólogo/a possui um papel de mediador, seja no relacionamento entre as pessoas

44
das próprias comunidades, da comunidade com os serviços, dos trabalhadores dos
serviços ou da relação com o serviço relativo à população indígena, tradicional e
quilombola e os equipamentos das demais políticas. Isto é, o/a psicólogo/a assumiria o
papel de mediador em diversas instâncias. Ademais, quando o/a psicólogo/a se encontra
na instância de gestão do equipamento, essa característica é potencializada ao ser
espraiada para outros campos em que essa mediação é necessária. Exemplifica esse
código, a assertiva do E3: “Então não se trata de transformar a pessoa em si, mas
ajudar as pessoas a se transformarem nas relações. Aí que entra o papel de mediador e
de atuação implicada”.
O segundo papel, mencionado pelos Especialistas E1, E3, E4 e E5, refere-se ao/a
psicólogo/a como um profissional que auxilia na elaboração da identidade e promove a
autonomia dessas populações. Para tanto, o/a psicólogo/a promoveria reflexões junto a
essas comunidades e com os agentes políticos que nela atuam quanto a questões étnicos-
raciais, os problemas enfrentados por elas motivados pela sua condição, bem como
estratégias e alternativas que possibilitem a sua autonomia para resolução acerca dessas
questões. É importante ressaltar que, em alguns casos, esse papel acaba sendo a
extensão do anterior, já que o princípio seria de que a forma de promover a autonomia e
identidade dessas comunidades é por meio da realização de diálogos e mediações entre
os membros da comunidade e a política pública, e não apenas intervindo de maneira
assistencialista e imediata. Um exemplo desse segundo papel do/a psicólogo/a é obtido
com a fala de E1:

Como que a gente consegue mediar isso, que é muito tenso, muito difícil? Ao
mesmo tempo em que contribuiu no processo de autoafirmação étnica dessas
comunidades, para que elas fortaleçam essas figuras, não é? Ao invés de eu ir lá
e fazer a terapia do indígena, eu vou trabalhar para que essa comunidade possa
lidar com os seus conflitos, de forma autônoma, íntegra e se autoafirmando.

Um terceiro papel atribuído aos/as psicólogos/as nessa política seria o de


produzir conhecimentos acadêmicos e saberes acerca dos povos indígenas, tradicionais
e quilombolas, face ao desconhecimento da Psicologia acerca desse público. Segundo os
Especialistas E1, E3 e E5, além disso, essa aproximação sistemática com essa
população – sendo materializada na forma de produção de conhecimento científico e
saberes profissionais –, poderia redundar na elaboração de técnicas e procedimentos de

45
intervenção próprios para a Psicologia que atua nessa política específica. Ressalta-se,
contudo, que provavelmente a menção a esse papel está fortemente influenciado pelo
lugar ocupado dos entrevistados, haja visto que todos são acadêmicos, professores e
pesquisadores dessa temática.
Adicionalmente, tal produção científico-profissional teria como finalidade
fundamentar em diversas instâncias a atuação desse profissional junto a essas
comunidades, como relata E3:

Bem, eu vejo assim: primeiro o psicólogo tem que avaliar a sua ciência.
Primeiro eu tenho que avaliar o ponto de vista epistemológico, que é o quê? A
fonte, natureza e validade do conhecimento. Pensados a partir da relação do
sujeito cognoscente com o objeto cognoscível. Quê conhecimento é esse, a partir
da ótica de nossa ciência? Aí então eu vou trabalhar lá com pessoas em
ambientes. Como é a relação que eu estabeleço com esse ambiente, e que
conhecimento disponho das pessoas nesse ambiente, não é?

O quarto papel mencionado pelos especialistas E3, E4 e E5 é o do/a psicólogo/a


atuar como psicólogo/a social. Contudo, há divergência entre os especialistas sobre o
nível de precisão dessa afirmação. Para os especialistas E3 e E4, esse papel seria mais
amplo, com o/a psicólogo/a apropriando-se dos conhecimento e práticas desenvolvidos
no campo da Psicologia Social com o objetivo de transformar as ideias, visões de
mundo e significações já existentes sobre a realidade que permeiam os cotidianos dos
equipamentos e membros das comunidades, como evidencia o seguinte trecho: “aí a
gente trabalha – o trabalho de nós psicólogos sociais – a gente tem que fazer essa
mobilização de transformação de ideias, só que é um trabalho longo” (E3).
Já para o especialista E5, o papel do/a psicólogo/a nessas políticas seria mais
próximo a de um/a psicólogo/a comunitário. Nessa direção, esse profissional atuaria
junto às comunidades auxiliando na sua organização e reivindicação das ações das
políticas públicas. Esse papel seria um desdobramento dos dois primeiros apresentados
aqui: o/a psicólogo/a nas políticas públicas relacionadas aos povos indígenas,
tradicionais e quilombolas seria um/a psicólogo/a comunitário que atuaria promovendo
a construção das identidades e autonomias desses grupos, por meio da promoção de
mediações e diálogos entre os próprios membros da comunidade e dos equipamentos e
políticas que lá atuam. É retrato dessa última postura a seguinte fala desse especialista:

46
Primeira coisa que tem que haver para elas, e acho que isso que é também o
papel do psicólogo, não é, com certeza, é essa capacidade de organização
comunitária deles. É claro que eles já têm essa capacidade, mas auxiliar nesses
dispositivos de organização comunitária, de resgate de história e memória, não
é? Porque assim, sem essa capacidade do reconhecimento de suas diferenças
(trecho incompreensível) eles não têm acesso à política, começa aí. (E5)

O último papel identificado é aquele aludido pelos Especialistas E1, E3 e E5 e se


refere a necessidade de o/a psicólogo/a promover reflexões acerca da política pública
junto aos demais profissionais e com as comunidades. Mais especificamente, esse papel
seria o de problematizar o lugar das políticas públicas no sistema de garantia de direitos
dessas populações e, a partir dessa compreensão, guiar a sua atuação e a do serviço que
participa pautada nesses pressupostos. Com isso, espera-se que o/a psicólogo/a passe do
lugar de um reprodutor de técnicas, procedimentos e protocolos e passe a avançar nas
suas ações cotidianas e na própria operacionalização das políticas, a partir da
compreensão de qual é o objetivo mais amplo daquelas intervenções. É exemplo dessa
consideração o que afirma E5:

A psicologia e políticas públicas como um todo, pensar, entender o que é


política pública é o primeiro passo para você estar nesse lugar também, não é?
Porque sem discutir política pública não faz sentido você estar no quilombo
hoje, entendeu? Porque na verdade o reconhecimento da identidade do
quilombo é para quê? Para que se efetive direitos, para mim é isso, entendeu?
Então é isso, então nós temos que entender esse jogo da luta por direitos, só que
nesse jogo ficaram as políticas públicas para serem efetivadas, e qual é meu
papel ali dentro, como papel. E essa pergunta qual é meu papel é muito difícil
de responder, não é uma pergunta, não é uma resposta fácil assim. Talvez eu
tenha alguns elementos que possam me ajudar a pensar a minha prática,
entendeu? Como eu falei para você, não tem como entrar numa comunidade
dessa hoje e não discutir relações étnico-raciais, não é?

A partir dos dados obtidos, é possível depreender que, mesmo que forma
genérica, os especialistas concordam que o papel do/a psicólogo/a nesses espaços é o de

47
fomentar o reconhecimento, por parte dos membros da comunidade, de sua identidade
étnico-racial. De modo geral, os cinco códigos, de forma direta ou indireta, tocam nessa
questão: seja por meio do estabelecimento de mediações e diálogos, produzindo
conhecimento acerca dessas comunidades, atuando como psicólogo/a
social/comunitário/a ou promovendo reflexões acerca das políticas, o foco é
potencializar a organização, reconhecimento e ações que a própria comunidade
conduza. Esse direcionamento das ações do/a psicólogo/a nessas comunidades está em
consonância com o próprio texto, por exemplo, da Política de Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, que tem como
ponto principal a promoção da valorização e respeito à diversidade sociocultural dessas
comunidades e da visibilidade a esses grupos (Decreto n. 6.040, 2007).
Ao mesmo tempo, se pressupõe que a atuação do/a psicólogo/a nesse campo
deve ser distante da aplicação exclusiva de técnicas já consagradas, e ser pautada por
um profundo embasamento teórico (a partir de conhecimentos que ainda devem ser
produzidos acerca dessas comunidades e, em especial, a atuação do/a psicólogo/a nesses
contextos), político (de compreensão do que uma política pública e suas finalidades) e
do próprio contexto das comunidades (em especial, acerca das questões étnico-raciais,
históricas e identitárias) para, a partir daí, elaborar as suas ações. Nessa direção, tal
atuação, de maneira geral, é relacionada a construção coletiva e mediação de
intervenções que envolvam ativamente a comunidade e os serviços que nela atuam. Não
obstante, essa necessidade de ter um arcabouço bem desenvolvido, aliado a uma atuação
em conjunto com a comunidade também é defendido por outros pesquisadores como
Belo (2015) e Miranda Neto (2005). Essa prerrogativa considera que não é possível
atuar nesses contextos desconsiderando os acúmulos históricos dessas comunidades,
bem como os modos de vida radicalmente diferentes do hegemonizado na cultura
ocidental capitalista. Caso contrário, qualquer intervenção estaria fadada a
artificialidade e ao distanciamento das questões centrais dessas comunidades, o que
afastaria o/a psicólogo/a de alcançar o objetivo dessas políticas públicas e a garantia de
direito desses povos.

4.2. Formação dos/as psicólogos/as


A categoria “formação do/a psicólogo/a” refere-se à reflexão acerca da formação
graduada ou pós-graduada em Psicologia que fundamente o trabalho do/a psicólogo/a
com PITQ. Assim, nessa categoria estão incluídas informações descritivas do perfil de

48
formação dos/as psicólogos/as que trabalham na política, bem como ponderações acerca
dos conteúdos, disciplinas ou áreas da Psicologia importantes para essa atuação,
avaliação da formação do/a psicólogo/a e estratégias de ensino desse tipo de conteúdo.
Os dados sobre formação do/a psicólogo/a são oriundos de duas fontes de
informação, já detalhadas no início desse relatório. No questionário on-line as questões
que tratavam do perfil formativo do/a psicólogo/a perguntavam sobre: 1) tempo de
formação; 2) se possui algum título de pós-graduação – se sim, qual, e em área do
conhecimento, e se tem relação com campo das populações indígenas, tradicionais e
quilombolas; e 3) se participou de alguma atividade formativa complementar
relacionada ao tema das populações indígenas, tradicionais e quilombolas. Já as
entrevistas com os pesquisadores em Psicologia, em função de um roteiro semi-aberto,
foram exploradas as considerações dos entrevistados acerca do tema “formação”.
Assim, quanto às repostas do questionário on-line, há predominância de
formação a partir da década de 2000 (11 casos, 73,3%), sendo apenas quatro formados
entre 1982 e 1999. A maioria deles (14 casos, 93,3%) possui alguma formação pós-
graduada, sendo mais comum (10 casos, 76,9%) ser em nível de especialização, seguido
de mestrado (três casos, 23%) e de doutorado (um caso, 6,6%). A titulação dos
participantes está concentrada, prioritariamente, no campo da Psicologia (11 casos,
73,3%) e está diretamente relacionada ao tema de políticas públicas voltadas aos povos
indígenas, tradicionais e quilombolas (11 casos, 73,3%).
Ainda se constatou que apenas dois participantes (13,3%) não realizaram
algum tipo de formação complementar nesse tema. Como apresenta a Tabela 9, a
atividade mais comum é a participação em eventos sobre a temática (11 casos, 73,3%),
seguido de cursos de até 180 horas (oito casos, 53,3%).
Tabela 9
Formação complementar em políticas públicas relativas à população indígena,
populações tradicionais e quilombolas
Atividade de formação complementar n %
Não participei de nenhuma 02 13,3
Sim, participei de Curso de curta duração (menos de 180 horas) 08 53,3
Sim, participei de Grupo de estudos 05 33,3
Sim, participei de Evento (congresso, simpósio, etc.) 11 73,3
Sim, participei de Curso de aperfeiçoamento (180 horas) 02 13,3

49
Sim, participei de Supervisão extra-acadêmica 03 20,0
Sim, realizo/realizei Estágio de pós-doutorado 02 13,3

Os/as psicólogos/as respondentes, do ponto de vista de sua formação, foram


formados já no contexto das novas Diretrizes Curriculares (DCNs) para a Psicologia,
que em comparação com o período anterior, de currículo mínimo, avança com
expectativa de inserção de um conteúdo mais crítico e compromissado socialmente
(Bernardes, 2012). A perspectiva da formação continuada também já é orientação das
DCNs, o que pode resultar no incentivo a pós-graduação dos respondentes. A despeito
de ser uma política um tanto quanto fora do “mainstream” da Psicologia, o tema das
populações indígenas, tradicionais e quilombolas surge positivamente, aparecendo
dentre as formações pós-graduadas do/a psicólogo/a no campo. Para além de um
evidente interesse dos profissionais no assunto, que pode ter como rebatimento positivo
um maior engajamento com o trabalho, por exemplo, esse dado é um indicativo de que
pode haver uma crescente profusão e disseminação de ideias sobre o tema. Ademais,
esse dado da profusão e disseminação de debates no tema discutido, reaparece nas
formações complementares, sobretudo na forma de Eventos e Cursos de curta duração
que os/as psicólogos/as têm participado. As formações complementares são excelentes
indícios de um interesse crescente no tema, por se tratar de uma modalidade formativa
mais dinâmica, articulando profissionais e acadêmicos envolvidos no assunto
(Yamamoto, Souza, Silva, & Zanelli, 2010).
No tocante a entrevista com os especialistas, os cinco entrevistados fizeram
alguma referência ao tema da formação do/a psicólogo/a no tema. Tais referências
puderam ser agrupadas em cinco códigos: 1) O currículo incompatível com o tema; 2)
Foco no processo de descolonização do aluno; 3) Formação integrada com a
comunidade trabalhada; 4) Necessidade de produção de novas técnicas e instrumentos e;
5) Necessidade de produção de novas teorias e conceitos.
No primeiro código, quatro especialistas (E2, E3, E4 e E5) falaram sobre um
currículo de Psicologia incompatível com a temática estudada. Neste, os especialistas
apresentaram uma crítica aos currículos de Psicologia no sentido de não apresentarem
conteúdos voltados para uma compreensão dos temas ligados à população indígena,
populações tradicionais e/ou quilombolas. Os especialistas ponderam não só sobre a
ausência direta de conteúdos sobre o tema nos currículos, mas também sobre outros
conteúdos que poderiam auxiliar na compreensão do objeto. Abaixo seguem alguns

50
trechos ilustrativos do referido código:

Vocês têm na Psicologia uma chave que ajuda a entender, por exemplo, questões
de gênero, de sexualidade, de território? Na grade curricular de vocês a
Psicologia consegue dar conta dessa diversidade? A Psicologia é um discurso
afinado com o estudo da convirtualidade, não só da política pública já com uma
Resolução, digamos, do problema. (E2)

A justificativa dela me trazer para cá foi que na época o curso aqui de


psicologia na UFAM tinha uns 10 anos e não tinha pessoas trabalhando em
comunidades ribeirinhas. Fato que eu comprovei quando dei uma voltinha na
UFAM e não tinha mesmo gente da psicologia com algo sistemático nisso. Nas
outras ciências sociais, humanas e ambientais, já tinha pessoas de referência da
Amazônia daqui da UFAM. (E3)

Porque ela está na formação, porque de alguma forma os professores não se


apropriaram do conhecimento e da tradição da psicologia nas relações étnicos-
raciais, não é? (...) Regina Leone Bicudo vai ser mais estudada na sociologia
do que na psicologia. Cara, e o Dante Moreira Leite, que foi aqui diretor no
meu departamento, diretor no Instituto de Psicologia, ele tem um texto de 1955
publicado na revista do Museu Nacional, que se chama preconceito racial e
livros didáticos, 1955 (...) os professores não se apropriaram. (E4)

Para a gente que sabe que essa formação é uma formação muito pouco ainda,
não é? Pouco pluralista no sentido de pensar esses marcadores étnico-raciais,
étnico-racial mesmo eu não tive a minha formação, sabe? Lá numa aula de
psicologia social discutindo preconceito no segundo tempo da aula, entendeu? É
uma coisa muito ainda pontual, não é? (E5)

A questão da ausência dos debates sobre a temática nos currículos foi


referenciada pelos especialistas também como desconhecimento dos professores, como
na fala de E4, ou diferenças formativas entre as épocas. De fato, os debates mais críticos
em Psicologia passam a compor o cenário formativo de forma mais ampla apenas após a
década de 1990, com a entrada dos/as psicólogos/as no campo das políticas sociais. A

51
formação em Psicologia no país, de maneira geral, tinha um foco mais conservador,
composto por autores de orientação experimentalista, num formato mais a-histórico,
bem como havia uma ausência no uso de autores nacionais na graduação. (Bernardes,
2012; Neto, 2010)
O segundo código trata do foco na descolonização do aluno. O debate presente
refere-se ao processo de descolonização necessária dos alunos de Psicologia de maneira
a melhorar a formação. Os especialistas entrevistados apresentam, a partir de relatos de
experiências formativas, a necessidade de se gerar esse processo de descolonização do
aluno de Psicologia, que na maior parte das vezes é oriundo de um grupo social distinto
do público que vai intervir. Nesse caso, há também uma referência direta ao processo de
exclusão no acesso aos cursos de graduação em Psicologia pelas populações indígenas,
tradicionais e quilombolas. Este código está presente na fala de quatro especialistas (E1,
E2, E4 e E5), explicitados nos exemplos dos trechos a seguir.

Com os nossos alunos, isso é feito assim, um trabalho muito grande, assim, para
que eles possam ir, porque eles muitas vezes, estão ansiosos para intervir,
ansiosos para contribuir para colaborar até no bom sentido, não é? Mas partem
de uma certa ideia de que o que é colaboração, o que é bom para àquela
comunidade, a partir dos nossos pressupostos, das nossas preconcepções. Então
a gente vai precisar um primeiro momento, na formação dele, desconstruir essas
preconcepções, do que é bom, do que é adequado, que comportamento é melhor,
ou de que... Qual é a melhor forma de educar, qual é a melhor forma de usar
uma substância X ou Y etc. Então a gente precisa se despir das nossas
preconcepções, para poder encontrar uma sintonia, inclusive em termos de
ritmos, de ansiedade do corpo, de ritmo das práticas, de como que eu chego,
como eu vou, como que eu me aproximo, quando que eu intervenho. Qual o
momento de ficar em silêncio, qual o momento em que é bem-vindo na fala, um
comentário, tudo isso, não é? É muito cultivado assim, de forma muito
cuidadosa, nas visitas, nas supervisões. (E1)

(...) ela me fala de um currículo de Psicologia que ainda dialoga pouco com as
políticas em geral, e quando dialoga ainda traz esse sujeito universal. “Gente
não adianta falar de sujeito universal.” Essa perspectiva colonial já foi muito
questionada, a gente precisa agora de fato operar com essa perspectiva que há

52
em rede. (E2)

Aí eu acho que foi, o quê que eu te diria, o quê que é fundamental, você produzir
um treinamento intercultural em letramento étnico-racial. Para a formação.
(...) a gente pegava o ônibus, pagava o guia, pegava a lancha, barco, então eles
foram para a ilha do Cardoso. (...) Quando chegaram lá, os nossos alunos
tiveram que lidar com lideranças que falavam outra língua ou que falavam
dialeto caipira, que eram imponderadas, lideranças quilombolas, lideranças
indígenas. Então eles tiveram treinamento intercultural (...) Mas produziu isso,
produziu treinamento intercultural, porque ele tinha que falar com indígena, ele
tinha que sair daquele pedestal, (...) Comp é que é aquela infância que o autor
pensou lá na Rússia é a mesma aqui da criança indígena, não é? E ele precisava
de um letramento étnico-racial, porque, por exemplo, olha que interessante, um
dia eles chegaram numa aldeia indígena, aí o cara assim que virou para ele e
falou assim: “Não, porque quando teve a invasão dos brancos.”, a aí eles foram
interpelados, porque para eles, quer dizer, brancos, não é? Isso é coisa de
faroeste Americano, não é? (E4)

Só que eu acho que ainda a nossa formação é uma formação ainda muito
universalista, não é? É uma formação também que tem muito pautada em
teóricos, orientações muito ocidentais demais, não é? É uma coisa que eu estou
querendo buscar também agora, trabalhar um pouco mais com estudos pós-
coloniais, sabe? Com autores norte-americanos, autores indianos. Porque,
africanos também, não é? Angolenses, por exemplo, camarões. Porque são
olhares de outro grupo, entendeu? (...) Então isso já uma forma de dominação
epistemológica muito grande. Mas uma coisa boa está dando suplementação nas
cidades do interior, aí pensa na psicologia também anterior, como que a
universidade dentro desses lugares obrigou, está obrigando os psicólogos e os
professores, os pesquisadores, a repensar a sua própria formação e as suas
aulas, sabe? (E5)

A discussão acerca dos povos tradicionais tem referendado, do ponto de vista


teórico, na importância do processo de descolonização (Burity, 2014). Por se tratar de
um processo formativo de alunos de graduação, que, em sua maioria, vem da classe

53
média, de espaços urbanos (Yamamoto, Falcão, & Seixas, 2011) e vão tratar de uma
realidade desconhecida, há uma necessidade de aproximação da realidade do aluno da
realidade dos povos que vão intervir. Para os especialistas, esse processo tem-se
mostrado frutífero não só do ponto de vista da construção e amadurecimento pessoal
dos alunos, mas como estratégia imprescindível para impactar no processo formativo.
A importância dessa descolonização também se apresenta no terceiro código
trabalhada, o de formação integrada com a comunidade. Nele, reforça-se a necessidade
de se fazer uma formação integrada com o público-alvo da política, desconstruindo a
separação teoria-prática. Enquanto no segundo código, o processo de descolonização
poderia se dar em sala de aula, com dinâmicas e reflexão teórica utilizando outros
referenciais culturais e históricos, neste terceiro código, os especialistas robustecem a
ideia de que a formação precisa ocorrer, junto com as comunidades em que se quer
intervir, tanto com os alunos em campo, como trazer a comunidade para a academia.
Três especialistas (E1, E4 e E5) refletem acerca dessa formação integrada com a
comunidade, como podem ser vistos nos seguintes trechos:

Então ao mesmo tempo tem um pensamento geracional, não é? Aí a gente trazia,


levava os alunos daqui junto com os alunos do Vale do Ribeira para conhecer as
comunidades, tinha um turismo de base comunitária. E trazia os alunos do Pré-
Ester aqui para a universidade para conhecer os espaços de ciência, tá? Aí eu
lembro que a gente trouxe os alunos, não é, aí um dos alunos do Vale do Ribeira
virou e perguntou para o professor, falou assim: “Oh, professor, legal aqui, não
é? Nossa, a USP é demais. Vem cá, professor, quanto custa estudar aqui?”, ele
não sabia que era público. Um dos efeitos dessa experiência, por exemplo, foi
um maior número de alunos se inscreverem para prestar o vestibular da
FUVEST. Hoje esse convênio existe e todos os Centros Paula Souza do Estado
de São Paulo podem fazer convênio com a USP, entendeu? (E4)

A gente faz tudo com coautoria, os projetos são propostos em coautoria, os


resultados no trabalho são resultados que se dão nessa coautoria. Então é um
preparo para que uma coautoria se estabeleça, então para que um tema de
trabalho emerja, a partir do potencial desse estudante, e das aberturas e das
necessidades dessa comunidade. Então a partir dessa sintonização se emerge
um incentivo para um trabalho que pode se continuar, se aprofundar etc. Então

54
a partir daí a gente vem desenvolvendo muitos projetos. (E1)

Eu acho que também é a distância entre a academia e a comunidade, isso é


muito, muito presente ainda, não é? Esses dias eu chamei o pai Alex que é um
sacerdote, não é? Que atua na comunidade aqui, eu chamei ele para vir numa
banca, não é? Eu fui no colegiado falei: “Então, a aluna veio defender (trecho
incompreensível) sobre Jurema, não é? Que é uma prática religiosa e eu quero
chamar o pai Alex para ser um dos avaliadores, não é? Do TCC dela.” Aí as
pessoas já ficaram: “Como assim, o avaliador, ele tem especialização?”, a
primeira pergunta que nem a gente: “Tem especialização?”, entendeu? Eu acho
que tem experiência de vida pelo menos ele tem, não é. O pessoal lá a gente
pode colocar ele como quarto avaliador, três acadêmicos e ele. Está tudo bem,
não é? Tipo, já foi um ganho, pelo menos, não negaram. Mas quando a gente foi
para a universidade, o segurança na universidade ficou meio preocupado, não
é, perguntando para as pessoas quem que eram aquelas pessoas que estavam
chegando. Olha que louco, não é? Não por culpa do segurança, não, mas o
modo com a universidade se porta, se for diferente tem que policiar. (E5)

A integração teoria-prática tem sido um dos pontos nodais do debate formativo


atual do/a psicólogo/a (Bettoi & Simão, 2000; Seixas, 2014). No caso do trabalho com
as populações indígenas, tradicionais e quilombolas, essa questão da integração parece
premente exatamente por se tratar de um tema cujas maiores dificuldades tem sido a
visibilidade dos povos alvo da política. Reforçar essa integração e estratégias para tal
nos currículos de Psicologia no país parece ser, na opinião dos especialistas, uma
estratégia para um melhor desenvolvimento formativo dos discentes.
Por fim, os dois últimos códigos versam sobre a necessidade de construção de
novas técnicas e instrumentos; e de novas teorias e conceitos para lidar com o tema. Os
especialistas E2, E4 e E5 reforçaram a necessidade de se produzir novas técnicas e
instrumentos para serem repassados na formação, além de darem exemplos a serem
utilizados em sala, como pode ser visto no trecho do E2: “E eu acho que a gente
avançou bastante em termos de crítica, e agora falta mas essa questão da proposição
(prática); ou, ainda, nas falas a seguir:

Então eu tenho trabalhado com as cenas, e o que eu te diria, voltando para o

55
nosso, uma coisa que a gente intentou, adaptou é uma coisa que eu já fiz em três
lugares e que foi incrível que chama Caminhada dos Privilégios, você conhece?
Caminhada do Privilégio, então, agora a minha brincadeira é ficar tentando
sistematizar dinâmicas, intervenções, entendeu? Para interpelar os alunos e os
psicólogos, Olha, isso aqui é adaptado de um, da Macintosh que é uma
americana. Macintosh que ela cria essa escala, só que ela só cria uma escala
para lidar com relações étnico-racial. A gente criou um jogo, um exercício que
cruza gênero, raça e classe, tá? Como é que é o exercício? A gente coloca,
então eu faço isso no primeiro dia de aula com os alunos aqui, pego eles, levo
eles para um vão, coloco todo mundo enfileirado, tá? De olho fechado e mãos
dadas. E aí eu vou fazer umas dez perguntas, aí as perguntas são assim, se a
pessoa, eu faço uma afirmação, se a pessoa concorda com a afirmação, ela dá o
passo para frente, ou para trás, se ela não concorda com a afirmação, ela
permanece no mesmo lugar, entendeu? Então olha, vou te ler umas aqui, então
a gente cruzou, é genial que a gente cruzou gênero, raça e classe, tá? Então
vou te ler uma aqui: Se você já foi intimidada ou te zoaram com base em algo
que você não pode mudar, é um passo para trás. Se você tem problemas para
conseguir um taxi à noite direto na rua, dê um passo para trás. Se você tem,
uma que eu adoro que é essa aqui: Se não é você que lava o seu banheiro, dê um
passo para frente. Se você não teme sofrer violência em um relacionamento
amoroso, dê um passo para frente. Entendeu? A gente junta gênero, raça e
classe. (E4)

A gente pensa, a gente acho (trecho incompreensível) pouco, mas tem três mil e
poucas comunidades com presença para isso, que estão em vários municípios,
não é? Então eles estão lá, as pessoas estão indo para o atendimento, só que a
gente não está conseguindo visibilizar elas até o momento, não é? De uma
construção de conhecimento teórico-prático, não é, para isso? (E5)

Os mesmos especialistas E4 e E5 complementam a necessidade de novas


técnicas com a necessidade de produção de novos conhecimentos e resgatar teorias da
Psicologia que ajudem na compreensão da temática em questão, compondo assim o
último código desta seção do relatório.

56
Se ninguém sente é porque a gente não está tão presente no lugar, não é? Eu
acho, sei lá. Sobre a formação, não é? agora é aproveitar esse lugar, não é, os
lugares dos interiores que nós estamos, para fazer esse giro epistemológico,
sabe? Porque no começo eu falando com as pessoas que realmente, estou
conversando com as pessoas que realmente têm conhecimento que podem
produzir para a psicologia uma mudança epistemológica para a psicologia
brasileira, entendeu? (E5)

ENTREVISTADORA: Essa questão, você chamou atenção que foi uma coisa
que apareceu nas outras entrevistas também da necessidade do professor mudar
o olhar dele diante dessas especificidades do trato com esses grupos, não é?
Com relação à formação do psicólogo para atuação nessa temática, junto às
relações étnico-racionais? ESPECIALISTA 4: Então olha, eu te diria o
seguinte, completando um pouco, hoje eu trabalho muito com o CRP de São
Paulo, que está lançando dia 11 um vídeo sobre relações étnico-raciais e
psicologia, tem tradicionalmente um grupo de trabalho sobre relações étnico-
raciais. Um trabalho, estou começando a trabalhar agora mais com CRP 10 lá
de Belém, Belém e Santarém, Pará e Amapá. Olha, o quê que eu te diria, vamos
pensar, a psicologia então estou te dizendo que tem tradição nos estudos das
relações étnico-raciais, está bom? falar que a psicologia chegou agora nisso, é
uma bobagem, é não ler o que foi produzido, não é?

A necessidade de construção de novos referenciais teóricos e técnicos em


Psicologia no trato com políticas sociais tem sido apontada por alguns autores nos
últimos anos (Yamamoto & Oliveira, 2010). De fato, a utilização de uma Psicologia
com referenciais norte-americano e europeu nos cursos de graduação tem sido
assinalada como um empecilho ao desenvolvimento de um olhar mais aproximado dos
problemas da realidade brasileira (Costa & Yamamoto 2015; Ferreira Neto, 2010), e
essa questão se torna mais clara quando se trata dos povos tradicionais, que no Brasil,
tem sido legada a invisibilidade, salvo algumas iniciativas pontuais.
Por fim, é possível estabelecer um paralelo entre todos os códigos debatidos,
uma vez que, em maior ou menor grau, trataram da questão de descolonização da
Psicologia. Esse processo tem aparecido na formação, tanto pela necessidade de
desconstrução cultural dos alunos, quanto pela necessidade de aproximação em

57
atividades de campo com as referidas populações, bem como para produção de novos
referenciais a serem trabalhados. Em todos esses temas está presente a inadequação de
uma Psicologia dita tradicional em lidar com questões distantes de sua suposta origem
europeia, que tinha como marco e referências históricas um cenário muito distinto do
apresentado no Brasil, mas que foi sistematicamente usada como parâmetro de
universalidade do humano (Danziger, 2006).

4.3. Atividades desenvolvidas


A categoria “atividades” agrupa informações do questionário on-line e das cinco
entrevistas com os especialistas. Dada a natureza distinta da coleta dessas informações,
elas serão apresentadas em sequência. Necessário lembrar que as informações dos
questionários tratam de uma prática efetiva desenvolvida pelos/as psicólogos/as que
atuam com os povos e comunidades tradicionais, enquanto que o relato dos especialistas
trata do que são, poderiam ou deveriam ser as atividades realizadas com esse público.
Além disso, os entrevistados falam de experiências concretas, mas também de seu papel
como referência em pesquisa nesse campo.
Nas entrevistas, a descrição de atividades refere-se àquelas realizadas pelo/a
psicólogo/a com PIQT. Inclui psicólogos/as ocupando cargos de gestão; relato do/a
entrevistado/a sobre atividades que desempenhava quando em campo; ações para
resgatar conhecimentos tradicionais e para reconhecimento da identidade dos povos e
comunidades tradicionais; implementação de projetos sociais; relatos de visitas técnicas
para levantamento socioambiental (o que difere de visita domiciliar do CRAS).
Os dados dos especialistas foram divididos entre as ações que os/as
psicólogos/as deveriam realizar (dois respondentes) e atividades que o/a psicólogo/a
realiza (um respondente).
Dentre as atividades que o/a psicólogo/a deveria realizar, têm-se as expectativas
de ações que devem ser foco da atuação do profissional no que diz respeito à população
indígena, populações tradicionais e/ou quilombolas.

Além de outras práticas, que não só palestras, mas outras práticas culturais que
envolvem canto, dança, oficinas de cultura tradicional que vai ao mesmo tempo
que fortalecendo a comunidade, no sentido de se perceber, reconhecida e
valorizada nas suas práticas, que lhe são próprias, da visibilidade a isso no
contexto acadêmico, em que as pessoas refletem, interpelam, questionam, levam

58
isso para outros lugares. (E1)

Levantamento de demanda da comunidade também, eu acho, eu costumo (trecho


incompreensível) chegar na associação comunitária: “E aí, o que vocês estão
precisando, qual é o problema que vocês estão enfrentando, o que é ser
quilombo, o que é ser quilombola, quais as suas especificidades. A gente
levantar porque eu acho que a gente chega muito também com planos muito
prontos para esses lugares, sabe? Como são lugares muito isolados, pobres, não
é, no sentido dos direitos, não só pobre economicamente, mas pobre no sentido
dos direitos, a gente faz o quê? A gente acha que eles não têm nada, entendeu?
(E5)

Ainda expressando o que se espera da atuação do profissional da psicologia, o


especialista E5 menciona que “O psicólogo tem algumas importantes, por exemplo,
primeiro, acho que a organização comunitária, auxiliar na organização comunitária,
auxiliar na organização comunitária dessas comunidades, e auxiliar nessas
comunidades o assistente social também pode, não é”.
É possível identificar no relato dos especialistas que sua expectativa acerca do
trabalho do/a psicólogo/a gira em torno de ações que resgatem e/ou mantenham a
perspectiva coletiva, histórica e cultural dos povos e comunidades tradicionais.
Diferente daquilo que é possível ver na prática, esse trabalho teria uma perspectiva mais
ampla, voltada para práticas culturais sem, obviamente, negligencia das condições de
vida sob as quais vivem esses povos. Ou seja, haveria, em sua perspectiva, um trabalho
mais direcionado às especificidades histórico-culturais e do território, e outro mais
diretamente conectado às estratégias para a atenção aos problemas desse grupo.
As discussões sobre como deveria ser o trabalho do/a psicólogo/a nas políticas
públicas e sociais não são novas. Vários são os trabalhos acerca do que seria o condutor
central desse trabalho, além de um compromisso ético-político para a profissão
(Andrade & Romagnoli, 2010; Bastos & Rocha, 2011; Cruz & Guareschi, 2012, 2013;
Dantas, 2013; Fontenele, 2008; Oliveira, Dantas, Solon, & Amorim, 2011; Oliveira,
2012; Souza, 2011; Yamamoto, 2003; Yamamoto & Oliveira, 2010). Mas a verdade é
que esse fazer ainda se encontra em construção e o debate sobre um compromisso ético-
político para a Psicologia não tem avançado ao propor uma unicidade, mas sim, uma
unidade na diversidade, elencando princípios subsidiados por uma ética da ação

59
coletiva.
Quanto à categoria “atividades realizadas pelo/a psicólogo/a”, este contempla as
atividades listadas no questionário on-line e também respostas dos cinco especialistas
entrevistados. É possível identificar, contudo, diferenças entre o que consta no
questionário e os relatos. No primeiro caso, as atividades elencadas são previstas nas
políticas de saúde e de assistência social (especialmente nessa última), enquanto que os
especialistas trataram de atividades que desempenharam (ou desempenham) em
experiências passadas com populações e comunidades tradicionais, a partir dos seus
projetos de pesquisa e extensão na universidade. Tais ações são referidas como sendo de
resgate da identidade indígena, treinamento sobre preservação e conservação ambiental,
relações pessoa-ambiente, apego ao lugar, análise da cultura comunitária, etc.
A Tabela 10 mostra a frequência de respostas sobre as ações desempenhadas por
psicólogos/as junto aos povos e comunidades tradicionais.
Tabela 10
Atividades realizadas (questionário on-line - múltiplas respostas permitidas)
Atividade n %
Orientação (individual, grupal, sociofamiliar) 6 66,7
Atividades socioeducativas (ações de conscientização, palestras,
6 66,7
oficinas, cursos)
Acompanhamento sociofamiliar 6 66,7
Articulação e mapeamento da rede socioassistencial e intersetorial 6 66,7
Atividade em grupo sem caráter terapêutico (sociocomunitário) 5 55,6
Elaboração de relatório psicossocial 5 55,6
Encaminhamento (com ou sem mecanismo de referência-
5 55,6
contrarreferência)
Atividades burocrático-administrativas (planejamento de ações,
4 44,4
elaboração de relatórios de avaliação, etc.)
Outras (respostas: Ações de cunho ocupacional para os jovens,
Elaboração de projetos, planos de etnodesenvolvimento, Formação 4 44,4
de Professores Indígenas)
Visita técnica domiciliar 4 44,4
Busca ativa 3 33,3
Pesquisa técnico-científica 3 33,3

60
Estudo de caso (individual ou em equipe multidisciplinar) 3 33,3
Triagem 2 22,2
Atendimento clínico individual ou grupal (acolhimento,
1 11,1
psicoterapia, aconselhamento, terapia de grupo, etc.)
Avaliação psicológica 1 11,1
Atividades de gestão do serviço 1 11,1

É possível constatar que as atividades com maior destaque são articulação e


mapeamento da rede socioassistencial e intersetorial, acompanhamento familiar,
atividade socioeducativas e orientação (66,7%). Todas elas, embora listadas como parte
do trabalho na Política de Assistência Social, especificamente no Programa de
Atendimento Integral às Famílias (PAIF) e no Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos (SCFV) vem sendo desenvolvidas, nessa pesquisa, por profissionais ligados
ao campo da saúde pública (nove respondentes). Apenas um respondente está vinculado
à Assistência Social.
Em que pese a inserção na saúde, as atividades mais citadas dizem respeito ao
que se convencionou como um trabalho de prevenção à violação de direitos, assim
como de fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Essas ações visam, além
do descrito, discutir com a comunidade questões relativas às suas demandas, aos direitos
sociais, ao protagonismo comunitário e outras pautas de interesse. Isso parece denotar
que os profissionais têm priorizado determinadas ações independentemente da política
em que se insere. Resgata, assim, um debate na saúde pública acerca de suas atividades
educativas, de orientação e de acompanhamento familiar. Este último, na política
referida, é feito pela Estratégia Saúde da Família, mas de acordo com os dados do
questionário, alguns/as psicólogos/as têm participado de tal tarefa.
Outro bloco de respostas apresenta com igual frequência a elaboração de
relatórios psicossociais, os encaminhamentos e as atividades em grupo sem caráter
psicoterapêutico. Tais ações podem ser realizadas em praticamente todos os campos de
inserção marcados no questionário (ver o item referente a locais de atuação). Os
relatórios são ferramentas importantes para a avaliação e acompanhamento de famílias,
especialmente quando tratamos daquelas que padecem das sequelas da “questão
social”4. Tais documentos contém informações da situação social e familiar, descrevem

4
Conjunto dos problemas sociais, políticos e econômicos postos pela emergência da classe trabalhadora
nos marcos da instauração do modo de produção capitalista (Netto, 2006).

61
os problemas encontrados e possíveis benefícios a que a família tem direito, assim
como, no caso de beneficiários do Programa Bolsa Família, por exemplo, contém dados
sobre condicionalidades.
Um terceiro bloco de respostas agrupa atividades técnico-burocráticas, visitas
domiciliares e ações variadas que envolvem atividades de cunho ocupacional para os
jovens, elaboração de projetos, planos de etnodesenvolvimento, formação de
professores indígenas. Todas elas foram mencionadas por quatro respondentes. Como se
tratam de respostas fechadas, de múltipla escolha, não é possível inferir nada além do
que o dado informa: de que existem atividades desenvolvidas pelos/as psicólogos/as que
parecem se adequar à realidade dos povos e comunidades tradicionais. Entretanto,
considerando o baixo índice de respondentes do questionário, não é possível afirmar
categoricamente uma tendência de ação.
Um destaque a ser feito diz respeito as atividades que demandam deslocamento
por parte dos profissionais no território, tendo em vista que boa parte dos povos e
comunidades tradicionais possuem seus locais de moradia em territórios de grande
espraiamento territorial (caso da população indígena e ribeirinha da Amazônia, por
exemplo) ou de dificuldade de acesso (quilombolas, ciganos).
Belo (2015), em pesquisa realizada na região do Marajó, apontou que os/as
psicólogos/as que atuavam em CRAS da região levavam, em vários casos, 24 horas de
barco para acessar uma comunidade ribeirinha. Da mesma forma, Nascimento (2015),
ao estudar as equipes volantes de CRAS, dirigidas, entre outro público, para os
quilombolas e ciganos, apontou que diante da imensidão do território e da quantidade de
comunidades que se encontram dispersas, as quais a equipe volante precisa, é
praticamente inviável dar conta de todo o trabalho que necessita ser realizado, mesmo
com a equipe completa. Ou seja, para além da complexidade do trabalho voltada para
um público diferenciado, as características do território e as dificuldades porque
tradicionalmente passam as políticas públicas tornam o trabalho com povos e
comunidades tradicionais ainda mais desafiador.
Nas opções marcadas pelos respondentes aparecem, em menor número,
atividades como triagem, estudos de caso, avaliação psicológica e atendimento clínico.
Tais ações fazem parte do que se convencionou denominar de atividades clínicas, mas
que, embora com tradição na Psicologia, não foram as mais elencadas. Ressalta-se que
são apenas conjecturas, uma vez que a baixa adesão ao questionário não permite
afirmações categóricas a respeito das atividades realizadas pelos/as psicólogos/as.

62
Tratando ainda das atividades, mas agora sob a ótica dos especialistas,
identificou-se que o relato dos entrevistados relaciona uma militância, uma ótica
investigativa que se une ao trabalho. A perspectiva é diferente porque esses especialistas
têm inserção diferenciada no campo. Não são trabalhadores das políticas (embora
tenham relatado experiência nas mesmas) e sua atuação ocorre(eu) na condição de
consultor e/ou pesquisador. Assim, o centro das ações diz respeito a treinamentos,
elaboração de genogramas, resgate da identidade indígena, organização política,
preservação ambiental, entre outros. Isso pode ser exemplificado com a fala de E3:
“Nesse período eu fiquei inserido no universo cultural local e fui várias vezes a campo,
fiz vários trabalhos, sempre com as comunidades ribeirinhas.”. Além disso, o mesmo
entrevistado menciona:

Aí eles de ribeirinhos resgataram a identidade indígena e se transformaram em


indígena. Sendo que eu ajudei eles nesse processo, no sentido assim de que fiz
um genograma da comunidade e dialoguei com eles como estava sendo essa
mudança, entre 2006 e 2009.

A gente deu treinamento para algumas pessoas, ensinar como é que faz, e tem
essa compreensão de morar e viver na unidade de preservação, o que é o ser
humano vivendo numa unidade de conservação. Entram os aspectos
socioeconômicos, que outra área também sabe fazer isso, não é nenhum
segredo, levantar dados, essas coisas. Mas também que esses dados digam da
relação da pessoa com o ambiente, do sentimento que ela tem de pertence ao
lugar, o apego ao lugar, a autoestima, como é que as relações sociais são
constituídas naquela localidade.

Alguns dos trabalhos têm viés sociopolítico, com debates de discussões sobre
direitos sociais, especialmente os básicos, acompanhados de uma interlocução com
gestores de políticas. Então, o especialista E3 atua (atuou) como elemento de ligação
entre as comunidades e os formuladores/executores de políticas públicas variadas, por
meio de levantamentos socioambientais.

E também eu tenho adicionado o viés sociopolítico, de entender como é que as


pessoas se organizam politicamente na vida comunitária, como elas gerem a

63
comunidade e como elas e entre as comunidades se relacionam com os órgãos,
como lidam com eles. Especialmente então órgãos gestores e também as
políticas que seriam para qualquer cidadão, dos direitos sociais brasileiros do
Artigo 6º da constituição. ENTREVISTADORA: Moradia, educação.
ESPECIALISTA 3: Educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia,
transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à
infância, assistência aos desamparados.

Por exemplo, em unidade de conservação que me chamam para fazer


levantamento socioambiental em várias comunidades, tem um método de se
consultar, a gente chama as pessoas, faz reunião, faz devolutiva, aí conversa
com os gestores, explica a situação de vida das pessoas e tudo mais. Quando a
gente tiver envolvido com algum empreendimento coletivo, há o entendimento
comunitário que não é fácil porque tem muita briga comunitária. A gente tem
que entender a cultura comunitária, a cultura local, a história, todos esses
aspectos, fazer as intermediações.

De forma geral as atividades dividem-se naquelas diretamente ligadas às


políticas públicas, como é o caso daquelas voltadas para a saúde e assistência social.
Num outro grupo há ações executadas em equipamentos específicos para a população
indígena (a exemplo do Observatório de Educação Escolar Indígena, da Secretaria da
Justiça, da coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena), com ações
possivelmente voltadas para as peculiaridades desses grupos. Por fim, os especialistas
revelam expectativas a respeito do que deve ser o trabalho com os povos e comunidades
tradicionais a partir da própria experiência, que investe mais em ações amplas e
coletivas.

4.4. Teorias e conceitos


Essa categoria trata das áreas do conhecimento, teorias, conceitos e autores que
fundamentam o trabalho do/a psicólogo/a nas políticas relativas à população indígena,
populações tradicionais e quilombolas. As informações dessa natureza foram
categorizadas dos relatos de três dos entrevistados (E3, E4 e E5), que afirmaram esses
serem os principais fundamentos de suas práticas profissionais como psicólogos/as e/ou
como pesquisadores e professores. Os referenciais foram categorizados em quatro

64
códigos, conforme segue.

4.5. Áreas do conhecimento


Os entrevistados mencionaram fundamentos teórico-metodológicos
disseminadas em 13 diferentes áreas do conhecimento. Na Tabela 11, é possível
visualizá-las conforme a sua classificação por grandes áreas da CAPES. Algumas das
subáreas foram identificadas pela principal área de trabalho dos autores citados pelos
especialistas, sem que eles tenham se referido diretamente à importância da Geografia
ou da Economia, a título de exemplo, para valorar sua importância como referencial
teórico nesse campo.
Tabela 11
Áreas do conhecimento que subsidiam o trabalho do/a psicólogo/a
nas políticas públicas relativas às populações tradicionais, de
acordo com os especialistas

Grande área e Área do conhecimento n Especialista

Ciências Humanas
Psicologia 3 E3, E4, E5
Sociologia 2 E3, E4, E5
Educação 2 E3, E4
Antropologia 2 E3, E5
Filosofia 1 E5
Ciências Políticas 1 E3
Geografia 1 E5
História 1 E5
Ciências Sociais Aplicadas
Serviço Social 3 E3, E4, E5
Economia 1 E3
Biodiversidade
Ecologia 1 E3
Ciências da Saúde
Saúde coletiva 1 E5
Ciências Agrárias
Agronomia 1 E3

65
Há uma prevalência das Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas nos
discursos dos entrevistados, que também resgatam conhecimentos das grandes áreas
Biodiversidade, Ciências da Saúde e Ciências Agrárias, acessando conhecimentos os
mais diversos e relativos às relações entre os grupos sociais e seus territórios. No total,
foram mencionadas 13 áreas do conhecimento.
Em relação à Psicologia, as subáreas mencionadas pelos entrevistados foram:
Psicologia Social (E3, E4 e E5); Psicologia Comunitária (E3 e E5); Psicologia da
Libertação (E4 e E5); Psicologia Ambiental (E3) e Psicologia Política (E3), sendo
“Psicologia Social Comunitária” (E3) e “Psicologia Social Crítica” (E5) citadas nesses
termos, o que confere uma direção teórico-política de caráter crítico às abordagens
clássicas da Psicologia.
Além disso, os especialistas não se detiveram em abordagens teóricas
específicas. Antes, o discurso focou-se na recuperação de conceitos e autores, conforme
relacionados adiante. As únicas teorias que foram explicitamente mencionadas pelos
especialistas foram a “Teoria Crítica” (“Escola de Frankfurt”) e a “Abordagem
Institucional” (baseada na “Psicossociologia”), que não são apresentadas como seus
referenciais teóricos principais.
Em relação aos conceitos, os entrevistados mencionaram a maioria deles
relatando sua importância para o trabalho do/a psicólogo/a, para que ele compreenda o
campo das políticas públicas, para atuar de forma adequada às realidades desses grupos
sociais. Os especialistas não se aprofundaram na descrição ou explicação desses
conceitos, uma vez que esse não era o objetivo da entrevista. Os conceitos presentes nas
entrevistas foram: “Populações tradicionais: quilombo, culturas híbridas”; “Relações
étnico-raciais: racismo, preconceito e discriminação, estereótipos, letramento étnico-
racial gênero, raça e etnia, reconhecimento”; “Relações pessoa-ambiente: território,
lugar, sustentabilidade, ruralidade, apego ao lugar”; “Conceitos das Ciências Humanas e
Sociais: identidades coletivas, memória social, capacidades humanas, controle e poder,
ideologia, autoestima, personalidade autoritária, cotidiano”; “Políticas públicas e
direitos humanos: direitos humanos, inclusão social, conceitos de saúde, práticas
integrativas e complementares em saúde”.
É possível visualizar na listagem acima um conjunto de conceitos que dizem
respeito ora às definições das populações, ora às suas características étnico-raciais.
Também se destacam os temas relacionados às relações pessoa-ambiente, com

66
categorias explicativas dos usos do território. Conceitos das Ciências Humanas e
Sociais, por vezes apropriados pela Psicologia Social em sua vertente crítica, foram
citados pelos especialistas, bem como temas relativos às políticas públicas e aos direitos
humanos, sendo esses dois tópicos (políticas públicas e direitos humanos) vistos
também como conceitos a serem estudados.
Já no que tange aos autores citados, os entrevistados mencionaram 49 nomes de
diferentes áreas do conhecimento. Destaca-se o maior número de citações de pessoas
vinculadas à Psicologia, totalizando 22 autores, sendo 1 institucional, quais sejam:
Alessandro de Oliveira dos Santos, Alessandro Silva, Cecília Coimbra, Maria de Fátima
Quintal de Freitas, Graça Gonçalves, Jáder Leite, José Moura Gonçalves Filho, Lia
Vainer Schucman, Liliane Cruz, Luana Santos, Maria Ignês Higuchi, Maritza Montero,
Ignácio Martín-Baró, Neuza Guareschi, Oswaldo Yamamoto, Peter Spink, Saulo Luders
Fernandes, Simone Gibran Nogueira, Telma Souza, Vanessa Monteiro, Vera Paiva,
Sistema Conselhos.
Dentre tais nomes, somente dois autores foram referidos em mais de um caso:
Maritza Montero e Ignácio Martín-Baró. Tais menções, além de evidenciarem a
importância da Psicologia Comunitária e da Psicologia da Libertação para o campo,
reconhecem a importância de conhecimentos que se reportem à realidade social local,
tendo em vista que são dois referenciais de origem latino-americana. Além disso, um
especialista mencionou a importância de referenciais produzidos pelo Sistema
Conselhos de Psicologia.
Os demais 27 autores são vinculados a áreas afins; são eles: Antônio Carlos
Sant'Ana Diegues, Theodor W. Adorno, Alfredo Guimarães, Alfredo Wagner Berno de
Almeida, Amartya Sen, Antônio Carlos Witkosk, José Maurício Arruti, Axel Honnet,
Ernesto Garcia Clancline, Débora Rodrigues, Félix Guattari, Michel Foucault, Gilles
Deleuze, Ignacy Sachs, Ilka Boaventura Leite, José de Souza Martins, Ligia Simonian,
Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues Chaves, Mariana Gil, Michel de Certeau, Marta
de Azevedo Irving, Terezinha Fraxe, Milton Santos, Paulo Freire, Pierre Muller, Sandra
Noda, Violeta Loureiro.
Destes, nove autores são da Sociologia, quatro da Filosofia, três do Serviço
Social e quatro da Antropologia, dois da Economia, um da Educação, um das Ciências
Políticas, um da Ecologia, um da Agronomia e um da Geografia. A lista de autores
congrega tanto teóricos renomados internacionalmente (por exemplo, Michel Foucault)
ou referenciais dos protocolos internacionais de políticas sociais (por exemplo, Amartya

67
Sen), quanto pesquisadores que trazem contribuições específicas para o trabalho com
populações tradicionais.
Os resultados apontam para uma profusão de saberes. A produção do campo da
Psicologia concentra-se em referenciais críticos. Embora a importância da
multiplicidade de referenciais tenha sido ressaltada pelos especialistas, esta também é
incipiente, partindo do interesse de alguns pesquisadores, mas sem caracterizar um
campo autônomo para a Psicologia.

4.6. Recursos e técnicas


A presente categoria diz respeito às informações fornecidas pelos especialistas
em população indígena, populações tradicionais e quilombolas que foram entrevistados
sobre a atuação dos/as psicólogos/as nesses temas. Os entrevistados/as indicaram a
utilização de diversos tipos de recursos e técnicas, tanto já reconhecidos no campo da
psicologia e áreas afins, quanto novas tecnologias/instrumentos/ferramentas por eles
desenvolvidos, com o objetivo de não só reconhecer e valorizar a cultura e vivências
dessas populações, mas também por entender que são necessárias novas formas de
captar, entender e obter informações sem prejudicar ou desconsiderar a produção e
conhecimento dessas comunidades. Dessa forma, constam como respostas as
metodologias participativas, planos de manejo, levantamentos socioambientais,
documentos sobre responsabilidades para convivência comunitária, estratégias lúdicas,
história oral, entre outros recursos e técnicas.
Sobre a natureza dos dados, é importante que se diga que diferente de outras
categorias, não houve uma questão aberta sobre recursos e técnicas no roteiro de
entrevista; no entanto, foi necessário incluir essa categoria para abarcar as informações
que surgiram a esse respeito, isto é, os recursos e técnicas utilizados nos trabalhos de
pesquisa e extensão dos pesquisadores especialistas ou de alguma experiência
profissional passada nas políticas em questão.
O que se observa é que os contextos locais possuem uma história e uma cultura
que são específicas e que são preservadas de diversas formas, o que implica que o
conhecimento e sua apropriação parecem requer metodologias “inovadoras” e/ou
adaptadas aos contextos.
Ao total, foram cinco entrevistas com especialistas que deram origem aos dados
analisados. Sobre a categoria de recursos e técnicas, optou-se por dividi-la nos seguintes
códigos: recursos e técnicas desenvolvidos pelos especialistas – refere-se a

68
instrumentos, metodologias ou técnicas desenvolvidas pelos especialistas nos projetos
que realizam ou em atuações passadas na política em questão; recursos e técnicas
reconhecidos – apresenta um conjunto de recursos e técnicas que já são conhecidos
dentro do campo da psicologia ou áreas afins e dos quais o/a psicólogo/a faz uso na sua
atuação; “outros” – abarcam os recursos e técnicas que não são reconhecidos no campo
psicológico e áreas afins, ou que não apresentam detalhamento suficiente sobre como se
dá o seu uso.
As informações sobre recursos e técnicas foram fornecidas pelos Especialistas
E1, E3, E4 e E5. Destes, os especialistas E4 e E5 foram os que falaram no
desenvolvimento de técnicas e recursos adaptados para a atuação com as populações e
comunidades tradicionais. Sobre isso, é interessante notar que o especialista E4
desenvolveu o que ele chamou de “Caminhada dos Privilégios”, agregando questões
relacionadas à gênero, raça e classe, a partir de uma escala sobre questões étnico-raciais;
tal ferramenta serve também como prática de ensino, algo semelhante as dinâmicas de
grupo que são realizadas para a compreensão de determinado assunto. O especialista E5
fala sobre “tecnologias de igualdade racial”, a partir de conhecimentos específicos sobre
determinada comunidade e da valorização de seus saberes e conhecimentos, em
detrimento de práticas verticais que desconsideram esses aspectos. É importante
destacar que o especialista E5 considera essa tecnologia como algo ainda experimental.
Alguns trechos das entrevistas sinalizam os principais aspectos dessa categoria
podem ser visualizados nas falas dos especialistas E1 e E3, respectivamente:
“Estratégias lúdicas de envolvimento dos jovens em temas que são de grande relevância
para o futuro da comunidade”. “E o levantamento socioambiental. Que nós aqui
estamos desenvolvendo o conhecimento a respeito de como faz o levantamento
socioambiental”.
Ademais, exemplificam também as falas de E4:

O quê que é psicossocial que todo mundo fala e ninguém define? Psicossocial é
a pessoa no contexto e o contexto na pessoa, não é? [...] começar a trabalhar
com cena de uso de drogas, então a gente ia nas comunidades, entrevistava os
monitores ambientais, pedia para eles contarem: “Ah, me conta um episódio de
cena de uso de drogas envolvendo o turista que você tenha testemunhado ou
ouvido falar ou presenciado.”, aí eles contavam. Aí a gente começava essas
cenas, depois voltava para a comunidade com um psicodramatista.

69
Caminhada dos Privilégios, você conhece? [...] Caminhada do Privilégio, então,
agora a minha brincadeira é ficar tentando sistematizar dinâmicas,
intervenções, entendeu? [...] Macintosh que ela cria essa escala, só que ela só
cria uma escala para lidar com relações étnico-racial. A gente criou um jogo,
um exercício que é (trecho incompreensível) cruza gênero, raça e classe, tá?
Como é que é o exercício? A gente coloca, então eu faço isso no primeiro dia de
aula com os alunos aqui, pego eles, levo eles para um vão que em aqui, coloco
todo mundo enfileirado, tá? [...] De olho fechado e mão dada. E aí eu vou fazer
umas dez perguntas, aí as perguntas são assim, eu faço uma afirmação, se a
pessoa concorda com a afirmação, ela dá o passo para frente, ou para traz, se
ela não concorda com a afirmação, ela permanece no mesmo lugar, entendeu?
[...] A gente junta gênero, raça e classe.

O desenvolvimento de tecnologias e recursos para entender determinado campo


ou área de estudo e intervenção pode ser destacado como algo positivo. Os recursos e
técnicas que foram desenvolvidos pelos especialistas demonstram o interesse em um
conhecimento real, baseado nos valores, na cultura, nas experiências e modos de viver
das populações tradicionais, o que possibilita não só o reconhecimento dessas práticas e
vivências, mas também uma interação mais horizontal.
Outra questão é o uso de recursos e técnicas como brincadeiras, jogos, atividades
lúdicas, teatro, que podem ser utilizados em uma variedade de atividades e ações, que
não representam uma atuação ou atividade específica, mas que, em certa medida, são
familiares ao/a psicólogo/a que atua em contextos sociais e comunitários.
Os/as psicólogos/as também informaram fazer uso de práticas que são pouco
utilizadas pela categoria profissional, mas que são importantes em contextos
comunitários, quais sejam: o levantamento socioambiental e o genograma da
comunidade. Esse último é um recurso bastante utilizado na área médica, especialmente,
como instrumento em Terapia Familiar Sistêmica (TSF), como um recurso em que se
registra dados/eventos relevantes para os/as sujeitos/as (separações, doenças, acidentes,
etc) para se obter informações da constituição familiar dos mesmos, facilitando a
visualização desse contexto e de suas características e ajudando em possíveis
intervenções (Muniz & Eisenstein, 2009). De acordo com Muniz e Eisenstein (2009):
Por meio da análise do genograma, é possível detectar a existência (ou não) da

70
rede de apoio psicossocial, na família nuclear e/ou extensiva, ou ainda de
qualquer outra pessoa próxima. Isto permitirá identificar aqueles que podem
ser convidados a participar do tratamento ou vir a colaborar de alguma forma
em prol do atendimento de seu parente ou amigo. Apoios de diferentes tipos
devem ser considerados e identificados. (p. 79)
Por fim, o levantamento ou diagnóstico socioambiental permite perceber um
aumento da percepção dos sujeitos/as sobre seu entorno, a própria relação que as
populações e comunidades tradicionais desenvolvem com a natureza e com o contexto
no qual elas estão inseridas, assim como a utilização de produtos, serviços, matérias
primas de forma sustentável e ecológica.
Essas ferramentas, ao fornecerem informações sobre as populações, auxiliam no
planejamento de estratégias, ações e atividades mais adequadas, pois partem de um
conhecimento e estudo efetivo daquela comunidade especifica.

4.7. Implicações éticas


A presente categoria refere-se às questões sobre as quais o/a psicólogo/a deve
assumir uma posição, seja diante de interesses opostos, situações conflituosas ou
diferentes do seu contexto tradicional de trabalho. As respostas foram agrupadas em três
códigos: respeito às características do público-alvo, cuidados na relação da pessoa com
a natureza e a direção ético-política do profissional.
No que tange ao respeito às características do público-alvo, os entrevistados
(especialistas E1, E3 e E5) trouxeram a discussão de que o/a psicólogo/a necessita, na
sua prática, perceber que a população alvo da política tem especificidades e não tem as
mesmas demandas que historicamente a Psicologia vem atendendo. Relataram sobre o
cuidado que os profissionais devem ter diante de uma perspectiva colonizadora, e que,
às vezes, o/a psicólogo/a acaba sendo visto com desconfiança pelas comunidades nas
quais se insere. Esse respeito ao público-alvo teria como consequência a produção de
um novo olhar, uma nova teoria ou nova técnica. Seguem alguns exemplos:
eu acho que esse é um cuidado que a gente precisa ter como psicólogo, e não
fazer uma intervenção, que crie mais rupturas, e que na verdade, parta de
pressupostos estrangeiros, pressupostos exóticos àquela cultura a qual se
pretende atender e contribuir. (E1)

Uma coisa que eu tenho pensado então é sobre esse direcionamento ético

71
profissional nas políticas. Num texto que uma colega nossa tem trabalhado, que
é Simone Gibran Nogueira, que tem trabalhado na perspectiva da psicologia
africana, e que publicou um livro “identidade, branquitude e negritude”, que
saiu lançado agora no fim do ano de 2014, sobre relações étnico-raciais, ela
fala sobre a xenofilia. É o contrário de xenofobia. Xenofilia é a amizade ao
diferente, que deve ser respeitado na nossa convivência do jeito que ele é. Então
não é ter medo do diferente, mas ter amizade pelo diferente. Ter respeito pelo
diferente. (E3)

Eles são criados só como objeto e não como objeto de estudo, só como lugar,
mas não objeto de estudo capaz de construir categorias analíticas, acho que
esse é um ponto importante para a gente, sabe? (...) Aí para lá que a gente tem
que conseguir perceber que o lugar tem coisas para te dar e te ofertar e te fazer
analisar aquele lugar, não é? Não sair de fora, novamente da ideia de cidade
(trecho incompreensível) saberes técnicos-científicos e saberes tradicionais.
Essa dualidade é que na verdade tem (trecho incompreensível) dois projetos de
civilização se for pensar, não é? (E5)

As especificidades do público atendido pela política já foram discutidas na


categoria “público-alvo e demandas”. Ademais, os dados da pesquisa apontaram que
os/as psicólogos/as respondentes atuam em sua maioria junto a população indígena,
seguidos de quilombolas e povos tradicionais. Diante desse público e sua
heterogeneidade, os especialistas apontam como princípio ético fundamental a
valorização e o respeito da cultura, saberes e práticas milenares desenvolvidas nas
comunidades. Sabe-se, como discutido anteriormente, que a sociedade atribui um
caráter “exótico” aos PITQ, muitas vezes carregados de estereótipos e preconceitos,
desde a colonização. Como foi dito, tais populações são grupos culturalmente
diferenciados, com um modo próprio de lidar com questões sociais, econômicas e
culturais, bem como com o território no qual estão inseridos. São modos distintos da
sociedade em geral, por isso devem ser portadores de identidades e direitos próprios.
Um dos especialistas entrevistados chama a atenção também para os aspectos
éticos envolvidos nas pesquisas realizadas com PITQ, pois, a entrada de um pesquisador
em uma comunidade com tais especificidades exige a mesma postura de respeito e
valorização da cultura local. Isso exigiria um pensamento crítico e transdisciplinar, além

72
de um compromisso ético-político para contrapor-se às tendências acadêmicas
hegemônicas que retratam uma perspectiva colonizadora, que muitas vezes produziu um
modelo único, considerado universal e objetivo na produção de conhecimentos.
No que se remete ao código “Cuidado na Relação da Pessoa com a Natureza”, o
mesmo foi citado pelos Especialistas E3 e E5, e trata de disputas de paradigmas e de
concepções sobre as modalidades de uso de territórios, bem como sobre a relação da
pessoa com a natureza, como é possível observar nos trechos abaixo:

No Brasil, nos anos 1960 por exemplo, houve vários frutos desse viés
preservacionista, que é a preservação. Criação de várias áreas protegidas.
Preservacionismo é quando a gente tem a preservação estrita na natureza sem a
presença de pessoas. O homem é entendido como fator antrópico, o fator de
destruição da natureza. (E3)

Nessa unidade de conservação que eu trabalhei, a Auati-Paraná, que hoje eu


não trabalho lá, tinha um programa de uso de madeira caída, madeira que caiu,
para muitos ribeirinhos “ah não, a madeira caiu, a gente não usa essa
madeira”. Aí vieram alguns projetos: “vamos usar a madeira caída, a madeira
caída ela pode ser usada para produção de objetos, para venda, ela não tinha
valor econômico nenhum, agora passa a ter”. E isso está ligado com uma
discussão de mudanças climáticas, que é um carbono que ganha sobrevida, não
vai para a atmosfera. Então esse lugar que eu fui a gestora colocou um monte
de impedimentos, entrou em conflito com a população, eu tive que mediar os
conflitos. (E3)

mas na verdade tem obrigatoriedade na universidade (trecho incompreensível)


no lugar que eu estou, (trecho incompreensível) aldeia indígena, é do lado da
cidade, (trecho incompreensível) com três comunidades quilombolas próximas
mínimas a gente não discutir espaço de ruralidade e tal, discutir o mundo rural,
discutir as categorias, não é, a gente ia se tornar ainda muito, novamente vai
(trecho incompreensível) universalista e vai meio que engolir essa tutela aí do
estado, e engolir essa concepção talvez, que vai chegar lá com essa concepção.
Acho que é um cuidado que a gente tem que ter que ainda estamos aí em batalha
para isso eu acho. (E5)

73
Em que pese terem sido realizadas ações, nos últimos anos, que visam garantir
os territórios tradicionalmente ocupados e o acesso das populações aos recursos naturais
e sua preservação ou conservação, boa parte das comunidades ainda são invisibilizadas,
silenciadas diante de diversas pressões econômicas. Os povos índigenas, tradicionais e
quilombolas ainda são considerados, muitas vezes, como entraves ao desenvolvimento a
qualquer custo, que parte de uma relação de subordinação dos sujeitos/as e da natureza à
lógica do mercado, fragilizando-os, sem preocupação com questões de sustentabilidade
ambiental. Essa é uma questão ética importante que profissionais e pesquisadores se
deparam no campo. Como comentado anteriormente, não foram poucas as vezes que
pessoas pagaram com a própria vida o custo da defesa de direitos de suas comunidades
e povos, da preservação e conservação dos recursos naturais. Chama-se atenção,
também, para o fato do Estado ser muitas vezes o violador dos direitos dessas
comunidades, por negligência relacionada a interesses financeiros, escassez ou ausência
de políticas públicas, etc.
Já o que diz respeito a “Direção Ético-política do Profissional”, mencionado
pelos entrevistados 1, 3 e 5, trata da necessidade de inserir um sentido mais coletivo nas
intervenções, voltadas pra transformação social da realidade em que se atua na política,
conforme demonstram os trechos abaixo:

Então não se trata de transformar a pessoa em si, mas ajudar as pessoas a se


transformarem nas relações. Aí que entra o papel de mediador e de atuação
implicada, porque eu tenho ensinado isso para os meus alunos: não adianta a
gente se isentar das lutas políticas, a gente vai ter que ter posicionamento em
muitas coisas. E eu pessoalmente também participo muito desse jeito. (E3).

porque não é o psicólogo que é autônomo, e não é a comunidade sozinha que


faz, desamparada, não é? É na relação, no encontro, e na coautoria que a gente
vai poder encontrar esses caminhos, de solução das vulnerabilidades, de
enfrentamento das vulnerabilidades etc. (E1).

Os atores envolvidos aí você conseguir fazer a sua prática. Porque sempre vão
ter pessoas da prefeitura ligadas membros da comunidade, (trecho
incompreensível) ligadas à prefeitura, aumentando a sensação que tem uma
ligação com outro tipo de grupo, e aí vai, não é? Como todas as comunidades

74
acho que tradicionais a gente tem que ter esses cuidados. E é interessante como
esse processo de identidade inicial, o reconhecimento da identidade, ele exige
da comunidade uma releitura de si, não é? Do seu próprio território, como se
eles tivessem que reterritorializar-se sobre o seu próprio lugar, é uma coisa que
eu fico pensando, sabe? Eles têm que fazer uma releitura de si, começar a
repensar toda a sua prática. (E5)

Como já vem sendo discutido até aqui, muitos são os desafios éticos que se
impõem aos pesquisadores e psicólogos/as que atuam junto a PITQ, exigindo uma
mudança de olhar, um repensar seu lugar e sua prática, como afirmaram os
entrevistados, partindo da sensibilidade e respeito às diferenças e compromisso político
na defesa de direitos arduamente conquistados. Atuar de forma ética e comprometida,
mesmo diante de diversos obstáculos e da precarização da política, não consiste tarefa
fácil, como outras pesquisas do CREPOP vem apontando ao longo dos anos. Dessa
forma, exige-se também uma postura de defesa da política pública, como importante
meio de acesso e garantia a direitos fundamentais. Os entrevistados chamam a atenção,
ainda, para que o acesso a direitos e melhorias de condições de vida possam ir
pavimentando mudanças sociais mais profundas e estruturais, na construção de uma
sociedade mais justa e igualitária.
Como parte desse compromisso ético-político, está a necessidade de dar voz e
vez aos sujeitos/as da política, reconhecendo-os, valorizando-os, fazendo-os
coparticipes dos processos de intervenção e construção do conhecimento, como bem
afirma Belo (2015):
Trata-se da sabedoria da imersão, do conhecimento ancestral de diferentes
épocas históricas, dos índios que conheciam a comunicação da natureza e a
utilizavam em seu cotidiano e organização, dos negros que sabiam caminhar e
abrir caminhos nas matas e construíam quilombos, dos trabalhadores que
mobilizavam e construíam sindicatos de trabalhadores rurais por todo o território
“na mão, a remo”, muitos antes de chegarmos, e todos esses saberes estão
herdados e vivos, com novas expressões, nas comunidades. (p. 135)

4.8. Dificuldades do trabalho do/a psicólogo/a


Outra categoria abordada nesse ciclo de pesquisa foi a de dificuldades no
contexto das políticas de povos indígenas, tradicionais e quilombolas, sendo investigada

75
por meio do questionário on-line a partir da seguinte questão aberta: “Quais as
principais dificuldades enfrentadas no seu trabalho com as populações indígenas,
tradicionais e quilombolas?”. Os participantes poderiam incluir, separadamente, até
cinco dificuldades relativas ao seu trabalho, tendo respondido nove dos quinze
participantes dessa etapa da pesquisa. As suas respostas foram categorizadas em cinco
códigos distintos, apresentados na Tabela a seguir:
Tabela 12
Dificuldades enfrentadas pelos/as psicólogos/as nessa política
Código n %
Políticas Públicas 05 55,6
Condições de trabalho 03 33,3
Público 02 22,2
Formação 01 11,1
Embasamento profissional 01 11,1

As dificuldades apresentadas são circunscritas mais ao âmbito da própria


organização e operacionalização dessa política pública, seguido das condições de
trabalho (tanto aquelas do interior do trabalho no equipamento, como do ambiente no
qual tais equipamentos estão inseridos), problemas com o público atendido pelo/a
psicólogo/a, com a formação básica oferecida na graduação desses profissionais e, por
fim, ao embasamento da ação desses/as psicólogos/as.
Quanto à primeira instância – dos problemas relativos à política pública – as
dificuldades circunscrevem-se, em grande parte, a ausência de uma rede adequada de
equipamentos das diversas políticas públicas que garantam o exercício da
intersetorialidade, do encaminhamento e do referenciamento, como forma de garantir os
direitos dos povos indígenas, tradicionais e quilombolas. Essa informação pode ser o
indicativo de uma necessidade urgente de avanço, no âmbito da política, considerando
que a atuação em rede e de forma intersetorial é, ao mesmo tempo, uma das ações mais
realizadas pelos respondentes do questionário on-line, como é previsto como condição
fundamental para a operacionalização da política de povos tradicionais (Decreto nº
6.040, 2007).
Ainda no âmbito das políticas públicas, os respondentes elencam dificuldades
específicas de cada uma das políticas relacionadas a esses grupos étnicos. Nessa
direção, um dos respondentes – que trabalha com a geração de emprego, trabalho e
76
renda dessas populações – aponta que sua maior dificuldade é a própria efetivação dessa
geração de renda; e outro destaca a dificuldade que é garantir a manutenção e avanço
das demarcações de terras – fundamental para atender às demandas das populações
indígenas.
O conjunto de dificuldades mais recorrentes relacionou-se às condições de
trabalho dos respondentes. Nos três casos, foi mencionada a falta de transporte
adequado, tanto para o deslocamento do/a psicólogo/a para o equipamento, como do
equipamento para o atendimento às comunidades. Tal desafio é também relatado por
outros trabalhos, como o de Belo (2015), no qual é destacado que há casos na região
amazônica que, para realizar o atendimento às comunidades, é necessário realizar
viagens que duram mais de 24h. Além disso, como a mesma autora destaca, em muitos
casos os próprios veículos de transporte são precários ou não estão disponíveis em todos
os momentos, dificultando o atendimento sistemático dessa população.
Além desse ponto, os respondentes colocam – quanto às condições de trabalho –
que há ausência de recursos adequados para o seu trabalho (sem especificar quais
recursos seriam esse), bem como insegurança quanto a violência que estão submetidos.
É importante destacar que, para além da própria violência urbana comum, os/as
psicólogos/as que atuam nesses equipamentos, por diversas vezes, estão situados
diretamente em zonas de conflitos por terra entre posseiros, madeireiros, latifundiários
dentre outros empresários e essas comunidades étnico-raciais (Lima & Pereira, 2007).
Duas dificuldades são relatadas quanto ao público atendido. A primeira delas
refere-se a dificuldade de se estabelecer laços de confiança entre os profissionais de
Psicologia e os membros desses grupos étnicos-raciais. Não obstante, tal dificuldade é
esperada, considerando que esse não é um lugar comum para essa profissão – conforme
indicam Belo (2015) e Calegari (2010). Assim, a inserção da Psicologia nesse campo,
em alguma medida, reproduz a dificuldade histórica do/a psicólogo/a lidar com o
público específico das políticas públicas (Oliveira & Yamamoto, 2010). O segundo
desafio é quanto ao uso de drogas por parte dos usuários. Essa situação não é novidade
no campo de estudo e intervenção junto às comunidades indígenas, quilombolas e
tradicionais, sendo algo recorrente e que tem sido relacionado, também, a ocorrência de
comportamentos agressivos entre os membros desses grupos (Guimarães & Grubits,
2007).
Outros dois conjuntos de dificuldades apresentadas e uma possível relação é
quanto a formação básica dos/as psicólogos/as e o embasamento de suas ações. Quanto

77
ao primeiro caso, o respondente que apontou tal dificuldade apresenta a deficiência da
graduação em Psicologia de tratar das problemáticas específicas dessas populações, em
especial, da saúde da população indígena. Segundo o mesmo respondente, essa
formação acaba sendo limitada por ser voltada principalmente para a atuação no
contexto clínica, ficando secundarizadas as discussões acerca do exercício profissional
no âmbito das políticas públicas. Essa constatação segue a mesma direção das análises
empreendidas por Seixas, Costa, Oliveira, Costa & Yamamoto (2016), que apontam o
espaço limitado que a discussão de políticas públicas possui na formação dos/as
psicólogos/as.
Seguindo em discussão semelhante, o mesmo respondente aponta outra
dificuldade nessa atuação que é a prevalência do modelo biomédico que produz
patologização dos comportamentos dos membros dessa comunidade. É importante
ressaltar que é esse modelo que, em alguma medida, predomina ainda nos cursos de
formação em Psicologia (Dimenstein & Macedo, 2012), podendo ser, portanto, uma
consequência das dificuldades dos cursos em alinhar os debates com os novos espaços
ocupados por esses profissionais.
De maneira geral, o que os dados obtidos a partir dos questionários acerca das
dificuldades enfrentadas pelos/as psicólogos/as nas políticas relacionadas aos povos
tradicionais, indígenas e quilombolas indicam é a prevalência de problemas relativos à
operacionalização dessa política e do preparo do/a psicólogo/a para se inserir nesse
campo. Mesmo sendo uma informação com uma frágil base empírica, a mesma pode
indicar caminhos importantes para avançar na atuação desses profissionais e na
melhoria da própria política pública.

78
Considerações finais
As políticas públicas relativas aos povos tradicionais, indígenas e quilombolas
têm avançado nos últimos anos, sobretudo no que diz respeito à aprovação de marcos
legais, que reconhecem as identidades e práticas culturais dessa população assim como
as particularidades de suas condições de vida. Trata-se de um processo de legalização
que valoriza a incorporação de conceitos como identidade, território e relações humano-
ambientais em documentos oficiais, além de incentivar a participação desses grupos
sociais no controle social das políticas.
Esse movimento tem se repercutido na Psicologia brasileira: ainda que sua
atenção seja dedicada predominantemente a um público-padrão urbano europeu do
século XIX, seja em termos de teorias psicológicas, seja em termos de práticas
desenvolvidas, recentemente tem emergido uma Psicologia que reivindica estudos
étnico-raciais, sobretudo aqueles em uma vertente transcultural. A pesquisa atual
demonstra haver uma tendência não só a uma maior proximidade da área com povos
tradicionais, indígenas e quilombolas, mas também a uma maior politização desses
estudos e práticas, que incluem gênero, raça e classe como aspectos a serem
considerados nesta temática.
Especificamente sobre os dados coletados, destacam-se alguns pontos sobre a
atuação do/a psicólogo/a com este público: Primeiro, a frequente atuação na gestão de
serviços, o que pode indicar participação ativa da categoria no planejamento e
coordenação das políticas, diferentemente do que ocorre nas demais áreas. Ainda sobre
condições de trabalho, dada a transversalidade da temática, estas variam de acordo com
o serviço ao qual estão vinculados/as os/as profissionais. Entretanto, a sobrecarga de
trabalho parece ser um ponto em comum – as equipes, em geral, são reduzidas para dar
conta de grandes territórios.
Um segundo aspecto de destaque refere-se ao papel do/a psicólogo/a nesses
espaços. Ainda que tenha havido uma diversidade de posicionamentos a este respeito,
todos guardam como fundamento a função de auxiliar no reconhecimento da identidade
étnico-racial, por parte da população atendida.
Em seguida, torna-se relevante mencionar o debate a respeito da formação para
atuação neste campo. Sobre isso, foi apontada não só a ausência de conteúdos sobre o
tema nos currículos, mas também sobre outros tópicos relacionados à compreensão do
objeto. Ademais, ressaltou-se a importância da descolonização entre os/as alunos/as de
Psicologia, processo que envolve o aprofundamento teórico-epistemológico e,

79
sobretudo, a desconstrução cultural dos/as estudantes, o que seria possível por meio de
atividades de campo com as referidas populações bem como pelo estímulo à produção
de novos referenciais teórico-técnicos.
Aspecto sempre central nas pesquisas conduzidas pelo CREPOP, as atividades
desenvolvidas pelos/as psicólogos/as chamam a atenção nesta pesquisa sobre sua
atuação em políticas e serviços voltados às populações tradicionais, indígenas e
quilombolas. As ações de caráter sociocomunitário, ou seja, relativas à prevenção à
violação de direitos e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, se
sobressaem em comparação às atividades clínicas, já consolidadas pela categoria. Ainda
que se faça a ressalva a respeito da baixa adesão da pesquisa, o que dificulta qualquer
generalização, não se pode desvalorizar este achado. Também há de se ressaltar a
militância articulada a uma perspectiva investigativa, conformando uma prática de viés
sociopolítico, entre os/as especialistas entrevistados/as.
Por fim, um último ponto da pesquisa a ser enfatizado diz respeito aos recursos e
técnicas utilizados. Foram mencionados tanto aqueles já consolidados na Psicologia
quanto novos instrumentos, alguns desenvolvidos pelos/as próprios/as participantes. Tal
inovação parece ter como fundamento a busca pela valorização da cultura e respeito às
especificidades dessas populações, considerando a produção de conhecimento
empreendida pelas comunidades.
A retomada destes aspectos, mais do que reafirmar os debates apreendidos ao
longo do relatório, tem a função de sinalizar pontos importantes que emergiram da
pesquisa e que ocupam importante lugar quando se trata da atuação do/a psicólogo/a em
políticas voltadas aos indígenas, povos tradicionais e quilombolas. O ponto de partida
para compreender adequadamente este contexto e esta prática passa, necessariamente,
pelo reconhecimento de que a especificidade deste público reside na sua identidade, que
é fortemente atravessada pela história, cultura, relação territorial e religião,
principalmente, cabendo ao/à psicólogo/a o seu reconhecimento e sua valorização.

80
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