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O fluxo da informação na prática clínica dos

médicos residentes: análise na perspectiva da


medicina baseada em evidências

Maria Gorete Monteguti Savi Information flow in the clinical practice of


Mestre em ciência da informação pela Universidade Federal de resident physicians: an analysis from an
Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, SC, Brasil – Bibliotecária
da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências da Saúde (UFSC),
evidence-based medicine perspective
Florianópolis, SC, Brasil.
E-mail: orete@bu.ufsc.br Abstract

Edna Lucia da Silva This study analyses information flow in the clinical
Doutora em ciência da informação pela Universidade Federal practice of resident physicians. To this end it considers the
do Rio de Janeiro, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil. Professora do precepts of Evidence Based Medicine] (EBM), and focuses
Departamento de Ciência da Informação, Centro de Ciências da on resident physicians at UFSC University Hospital
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), medical clinics. The relevance of this research project is
Florianópolis, SC, Brasil. underpinned by several reasons: the recognition of EBM in
E-mail: ednalu@uol.com.br clinical practice as an alternative that can support clinical
decisions, through the selection of information sources of
greater evidence available in medical literature; verification
that there is a lack of studies on resident physicians in the
national literature - the majority of studies have focused
Resumo on the manner that physicians and professors in health
fields use the information systems and services; the
Pesquisa que analisa o fluxo da informação na prática conviction that the use of information selected according
clínica dos médicos residentes. Para tal, considera os to criteria encourages more efficient clinical practice. This
preceitos da medicina baseada em evidências (MBE) e study identifies and analyses the processes involved in
elege como lócus de pesquisa o Hospital Universitário da information flow in clinical practice by physicians from
UFSC e como universo os médicos residentes atuantes the perspectives of selection, access, retrieval and use
nos seus ambulatórios. A relevância do desenvolvimento of information sources. It presents an ideal model of
da pesquisa está amparada em alguns argumentos: information flow from the perspective of EBM.
reconhecimento da MBE na prática clínica como
alternativa para dar suporte à decisão clínica, através Keywords
da seleção das fontes de informação de maior evidência
disponíveis na literatura médica; constatação que há Information flow. Evidence Based Medicine. Information
lacuna na literatura nacional para estudos com médicos access.
residentes, uma vez que a maioria das pesquisas enfoca
a forma como médicos e professores da área de saúde
usam os sistemas e serviços de informação; convicção
que o uso de informação selecionada de forma criteriosa
possibilitará uma prática clínica mais eficaz. A pesquisa
identificou e analisou os processos envolvidos no fluxo
informacional na prática clínica do médico, sob as
perspectivas de seleção, acesso, recuperação e uso das
fontes de informação. Apresenta um modelo de fluxo de
informação ideal na perspectiva da MBE.

Palavras-chave

Fluxo da informação. Medicina baseada em evidências.


Acesso à informação.

Ci. Inf., Brasília, DF, v. 38, n. 3, p.177-191, set./dez., 2009 177


Maria Gorete Monteguti Savi / Edna Lucia da Silva

INTRODUÇÃO de saúde usam os sistemas e serviços de informação;


convicção de que o uso de informação selecionada
A sociedade da informação foi se concretizando de forma criteriosa possibilitará uma prática clínica
pela simbiose das evoluções e das revoluções que mais eficaz.
se traduzem nas concepções de mundo globalizado
(BAUMAN, 2001; SANTOS, 2002), permeado pelas A pesquisa identificou e analisou os processos
constantes inovações tecnológicas e pela criação envolvidos no fluxo informacional na prática
de um ambiente societário de redes (CASTELLS, clínica do médico, sob as perspectivas de seleção,
2002), principalmente com o advento da Internet, acesso, recuperação e uso das fontes de informação,
que modificou os conceitos de local e global, de possuindo como objetivos: analisar o fluxo da
tempo e espaço. Diante dessa conjuntura torna-se informação na prática clínica dos médicos residentes
necessária a utilização de meios que facilitem o fluxo do HU da UFSC; verificar a relação com os
da informação. preceitos recomendados pela MBE na etapa de
acesso à informação e propor um modelo ideal de
O fluxo da informação é o processo envolvido na fluxo considerando a perspectiva da MBE.
transferência da informação de um emissor para
um receptor. Neste novo cenário mundial, Barreto
(1998) identifica algumas mudanças no fluxo da CONTEXTUALIZANDO A MEDICINA
informação, tais como: a interação do receptor BASEADA EM EVIDÊNCIA
com a informação ocorre de forma direta, sem Tradicionalmente, o médico toma suas decisões
intermediários; o tempo de interação é definido clínicas baseado na experiência profissional, na
pelo próprio receptor, inclusive o julgamento da prática que prevalece por consenso e nas orientações
relevância da informação; a estrutura da mensagem de especialistas mais experientes. O saber e a prática
é definida pelo receptor de acordo com suas médica acompanham a evolução da humanidade,
necessidades; e a facilidade de ir e vir por toda a trazendo consigo uma mistura de magia, de arte
dimensão da rede. e de ciência baseada na repetição de experiências
O foco desta pesquisa foi o fluxo da informação passadas, legados escritos, experiência pessoal,
na prática clínica dos médicos residentes, usando princípios humanitários e feeling (MARQUES, 2003;
como perspectiva para a análise os preceitos da MARASCIULO; NASSAR, 2004).
Medicina Baseada em Evidências (MBE). A pesquisa Com a medicina baseada em evidências, tradução do
foi conduzida para obter respostas às seguintes inglês Evidence-Based Medicine (EBM), surge um novo
questões: Qual o fluxo da informação na prática padrão de prática médica (EVIDENCE-BASED
clínica dos médicos residentes? Qual a relação entre MEDICINE WORKING GROUP, 1992). Para
os parâmetros utilizados pelos médicos residentes Drummond (2004a, p. 3), evidências externas são
na seleção das fontes de informação e os preceitos informações e dados “coletados, na literatura médica
metodológicos propostos pela MBE? recente, cuja validade e importância são aferidas
A relevância do desenvolvimento da pesquisa foi por determinados critérios”. A prática clínica com
amparada em alguns argumentos: reconhecimento base na MBE pressupõe aplicação de método
da MBE na prática clínica, como alternativa para que interliga a experiência clínica e as evidências
dar suporte à decisão clínica, através da seleção das disponíveis na literatura científica.
fontes de informação de maior evidência disponíveis A MBE tem suas bases filosóficas na França, na
na literatura médica; constatação de que há lacuna primeira metade do século 19, mais precisamente
na literatura nacional para estudos com médicos em 1830, com a teoria “medicine d’observation” por
residentes, uma vez que a maioria das pesquisas Pierre Charles Alexandre Louis (MARQUES,
enfoca a forma como médicos e professores da área 2003; SACKETT et al., 1998). A definição clássica

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de MBE é formulada por Sackett et al. (1996) outra intervenção e associados a um Outcome =
nos seguintes termos: uso consciente, explícito e desfecho), Na prática clínica as questões podem
judicioso da melhor evidência disponível, integrado ser classificadas como básicas (background) e
com a experiência clínica do médico e os valores e aplicadas (foreground). As respostas para questões
as preferências do paciente. básicas dependem de conhecimento básico e
são comumente relacionadas com etiologia,
No processo da MBE:
patogênese de doenças, mecanismos de ação e
• a melhor evidência de pesquisa significa pesquisa efeitos adversos de medicamentos. As questões
clinicamente relevante, com frequência a partir aplicadas(foreground) têm relação mais direta com a
de ciências médicas básicas, mas especialmente conduta a ser adotada, seja a conduta terapêutica
partindo da pesquisa clínica focalizada nos ou conduta diagnóstica, por exemplo, e pode
pacientes para a acurácia e a precisão dos exames estar também relacionada com o conhecimento
diagnósticos (incluindo o exame clínico), o de fatores indicadores de prognóstico (NOBRE;
poder dos indicadores prognósticos e a eficácia BERNARDO; JATENE, 2003).
e a segurança dos esquemas terapêuticos, de
2. Acesso à informação – significa selecionar e
reabilitação e preventivos. As novas evidências
recuperar as melhores evidências para responder
baseadas na pesquisa clínica invalidam os exames
à questão formulada, sendo que essas evidências
diagnósticos e tratamentos previamente aceitos,
podem envolver a literatura científica, o diagnóstico
substituindo-os por novos exames que são mais
laboratorial, a informação dos pares e, até mesmo,
poderosos, precisos, eficazes e seguros;
o exame clínico. Rodrigues (2000) amplia essa ideia,
• a habilidade clínica é a capacidade de usar ressaltando que as informações que contribuem
nossos conhecimentos clínicos e a experiência para a prática clínica podem ser encontradas em
para identificar rapidamente o estado de saúde e o publicações científicas; repositórios de dados
diagnóstico de cada paciente, seus riscos individuais clínicos (prontuários manuais ou eletrônicos do
e benefícios de intervenções propostas, bem como paciente); repositórios de dados administrativos;
os valores e expectativas pessoais do paciente; software para suporte à decisão e informação em
saúde interativa disponível na Internet.
• os valores do paciente referem-se às preferências
particulares, preocupações e expectativas que cada 3. Análise crítica da informação – significa
paciente traz à consulta e que devemos integrar nas avaliar as evidências em relação à validade interna
decisões clínicas, se lhe forem úteis. (SACKETT et (análise do conteúdo e resultados), à validade externa
al., 2003, p.19). (aplicabilidade no contexto) e à validade estatística
(importância dos dados). Devem ser consideradas
A metodologia de prática clínica da MBE envolve as vantagens e as desvantagens de cada modelo de
cinco etapas sucessivas (SACKETT et al., 1998; desenho de pesquisa para aplicação na categoria
McKIBBON, 1998; DRUMMOND, 2004a; específica da questão, bem como os métodos
DUNCAN, SCHMIDT, 2004; CASTRO, 2006): estatísticos utilizados nos estudos.
1. Formulação da questão clínica – significa 4. Aplicação no contexto clínico – significa
converter a necessidade de informação (sobre aplicar as evidências obtidas na prática clínica,
diagnóstico, tratamento, prognóstico ou integrando-as à experiência clínica e às características
prevenção) em uma questão padronizada específicas do paciente e suas preferências.
que possa ser efetivamente respondida. Ela
deve considerar o PICO (Paciente, Indicador 5. Avaliação ou autoavaliação – significa analisar
prognóstico ou Inter venção terapêutica ou o processo para ajustes ou analisar o próprio
diagnóstica para que possam ser Comparados com desempenho.

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De acordo com os princípios básicos da MBE, O senso crítico e a vivência do profissional é que
a figura 1 apresenta as etapas do processo irão definir o ajuste do processo, a fim de garantir
metodológico na prática clínica. ao paciente maior probabilidade de benefícios.
Do contato médico/paciente é elaborada a
questão clínica, que deverá ser clara e pertinente ao C O N T E X T UA L I Z A N D O O F L U XO
problema. As informações que irão subsidiar todo INFORMACIONAL
o processo de decisão devem se valer da melhor
evidência disponível, que deverá ser identificada, A comunicação científica é definida como todo
interpretada, integrada à realidade do paciente e, o conjunto de atividades que se encontram
finalmente, aplicada à decisão clínica. associadas com a produção, a disseminação e o uso
de informação, desde a busca de uma ideia para
O processo de decisão clínica envolve a análise pesquisa até a aceitação da informação sobre os
criteriosa e imparcial dos resultados das pesquisas; resultados dessa pesquisa como componente do
o respeito às preferências do paciente, que deverão conhecimento científico (GARVEY, 1979).
estar devidamente esclarecidas, e às circunstâncias
em que o paciente é atendido, através da verificação Entende-se por fluxo da informação o processo
do estágio da doença e dos recursos disponíveis no de transferência da informação de um emissor
local de atendimento. para um receptor. Para Barreto (1998, p.122), o

FIGURA 1
Etapas metodológicas da MBE na prática clínica

Fonte: Elaboração das autoras.

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fluxo é um processo de mediação da informação que poderá consolidá-la em conhecimento através


gerada por uma fonte emissora e aceita por uma de um processo de transformação de uma situação
fonte receptora, podendo realizar uma das bases preexistente. A partir desse entendimento, será
conceituais da ciência da informação: a geração enfocado, nesta pesquisa, o fluxo de informação
de conhecimento no indivíduo e no seu espaço de na prática clínica, ou seja, quando a informação
convivência. Porém, para que ocorra conhecimento, acessada pelo médico causar uma mudança na
a fonte receptora tem que entender a mensagem e situação existente ou interferir na decisão clínica,
agregar um diferencial, uma (re)elaboração de uma concentrando-se no que Barreto (2002) indica como
situação preexistente. fluxos extremos da informação.
Barreto (1998, p. 122) confirma essa ideia, quando Para Berto (2003), a mudança estrutural no fluxo
complementa que o fluxo de informação, ao utilizar da informação e do conhecimento reorientou
os processos de comunicação conceitos e aspectos operacionais da comunicação,
ao modificar a forma, o tempo e o espaço das
realiza a intencionalidade do fenômeno da informação,
interações humanas, através da ampliação da
não almeja somente uma passagem. Ao atingir
o público a que se destina deve promover uma conexão e do acesso.
alteração; aqueles que recebem e podem elaborar A estrutura da relação entre o fluxo da informação
a informação estão expostos a um processo de
e o público a quem o conhecimento é dirigido
desenvolvimento, que permite acessar um estágio
qualitativamente superior nas diversas e diferentes
vem se modificando com as TICs. Barreto (1999,
gradações da condição humana.
p.376-377) amplia esta concepção, quando ressalta
que tais mudanças operadas no status tecnológico
Sob essa perspectiva, verifica-se que no fluxo das atividades de armazenamento e transmissão de
da informação, quando ocorre essa alteração no informação vêm transformando continuamente
status do receptor, ou seja, quando ele agrega um a relação da informação com seus usuários e
diferencial naquela informação, o fluxo opera em intermediários, bem como com a pesquisa em
um sistema de criação da informação gerando o ciência da informação. O autor destaca como
conhecimento. instabilidades mais notáveis: as mudanças na
estrutura de informação; as mudanças no fluxo da
Em estudo posterior, Barreto (2002) complementa informação; e os efeitos da globalização no fluxo e
essa ideia, ressaltando que o processo do fluxo da estrutura da informação.
informação se move em dois níveis, nos quais
A informação científica é disseminada de diferentes
em um primeiro nível os fluxos internos de
formas e, de acordo com Mueller (2000, p. 30), “a
informação se movimentam entre os elementos de
um sistema, que se orienta para sua organização e informação flui por muitos canais e diferentes tipos
controle, seriam os fluxos internos ou de primeiro nível de documentos são produzidos, cujas características
[...] Os fluxos extremos são aqueles que por sua atuação variam conforme o estágio da pesquisa e tipo de
mostram a essência do fenômeno de transformação, público a que se destina e o objetivo de quem
entre a linguagem do pensamento de um emissor -> comunica”.
a linguagem de inscrição do autor da informação ->
e o conhecimento elaborado pelo receptor em sua Os canais de informação são classificados,
realidade (BARRETO, 2002, p. 20). segundo suas características, em for mais e
informais, desempenhando importante papel
Portanto, o fluxo da informação opera em um para o desenvolvimento científico. Segundo
sistema de criação da informação que, através de Silva e Menezes (2005), os canais formais são
um sistema de processamento, recuperação e uso, destinados para a transferência de informação
possibilitará sua apropriação pelo usuário (receptor) para uma comunidade e não para um indivíduo,

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tornam público o conhecimento produzido e são Portanto, de acordo com a definição da Bireme,
considerados oficiais, públicos e controlados por enquadram-se como publicações secundárias as
uma organização. Já os canais informais não são bases de dados Lilacs, Medline, catálogo de revistas,
oficiais e não são controlados por uma organização, diretórios de eventos e instituições, dentre outras.
ocorrendo por meio do contato direto entre os
pesquisadores ou intermediados pelo computador. Para a Bireme, as fontes terciárias são as “geradas
com valor agregado a partir das fontes primárias
Com o advento das TICs surgem os canais e secundárias, e que têm objetivos didáticos
eletrônicos de informação ou híbridos, pois ou de apoio à tomada de decisão de diferentes
possuem tanto características dos formais quanto comunidades de usuários” (BIREME, 2001, p.7).
dos informais. Targino (2000) apresenta algumas Dentre os exemplos, temos a Biblioteca Cochrane.
características dos canais eletrônicos, identificadas,
principalmente, pelo grande público potencial, Cabe ressaltar que na literatura há ausência de
rapidez na atualização da informação, direção do consenso terminológico em relação à distinção
fluxo selecionada pelo usuário e complexo processo das fontes de informação e uma diversidade de
de armazenamento e recuperação da informação. possibilidades de classificação, principalmente após o
desenvolvimento das TICs. Nesta pesquisa adotou-
De acordo com documento elaborado pelo Centro se a classificação realizada pela Bireme (2001). A
Latino-Americano e do Caribe de Informação em escolha dessa classificação deve-se ao fato de que
Ciências da Saúde – Bireme (2001, p. 7) “fonte contextualiza as fontes de informação em saúde no
de informação significa qualquer recurso que atual cenário informacional, seja através do suporte
responda a uma demanda de informação por em que as fontes de informação se apresentam, seja
parte dos usuários, incluindo produtos e serviços através das características específicas do conteúdo
de informação, pessoas ou rede de pessoas, das fontes de informação em saúde.
programas de computador, etc.”. Portanto, fontes
de informação são caracterizadas como registros de Com relação às fontes de informação, a expansão do
dados ou de informações, disponíveis em qualquer conhecimento científico, a proliferação do número
suporte, e podem ser classificadas como primárias, de publicações e, consequentemente, o grande
secundárias e terciárias. volume de informação nas ciências, particularmente
na ciência médica, fica evidenciada a importância
A Bireme (2001, p. 7) classifica como fontes primárias das bases de dados.
“os textos completos segundo os tipos clássicos da
literatura científica (revistas, monografias, teses, A produção técnico-científica da área médica
etc.), como também outras fontes originais de dados disponibilizada em bases de dados bibliográficas
hiper-textuais e numéricos”. Entre os exemplos de e/ou textuais pode ser referendada pelas mais
novas fontes originais com dados textuais é indicada representativas, tais como: Cochrane Library ; Embase
a Scientific Electronic Library Online (SCIELO). (Excerpta Medica Database); EBMR (Evidence Based
Medicine Reviews); Lilacs (Literatura Latino Americana
Os documentos secundários são indicados pela e do Caribe em Ciências da Saúde); Medline (Medical
Bireme (2001, p. 7) como os Literature Analysis and Retrieval System Online); SciELO
(Scientific Electronic Library Online); Bireme e a
que incluem todos os índices, bases de dados e
WebofScience.
diretórios, cujos registros fazem referência a fontes
primárias, entidades e eventos na área de saúde. A Bireme tem incentivado a criação das Bibliotecas
Incluem-se também os serviços de informação Virtuais em Saúde (BVS) para atender às demandas
associados a essas fontes. O conjunto lembra, em
deste novo cenário informacional. Tais bibliotecas
linhas gerais, as unidades de referência na biblioteca
atuam como centros integradores e referenciais
tradicional.

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O fluxo da informação na prática clínica dos médicos residentes: análise na perspectiva da medicina baseada em evidências

de informação em saúde, e fazem parte de um Entretanto, se o objetivo for obter número menor
projeto coordenado pela Bireme, que teve início na de referências, mas de maior relevância, deve ser
América Latina e no Caribe, atualmente expandido realizada uma estratégia de busca mais específica,
para alguns países europeus, como Espanha e com a utilização dos limitadores apropriados.
Portugal. O funcionamento dessas bibliotecas está Nesse caso, o tempo, em relação à amplitude, será
ancorado no uso de tecnologias da informação. privilegiado, podendo gerar a possibilidade de perder
Em 2007, a Bireme lançou o Portal de Evidências artigos relevantes.
da BVS com o objetivo de reunir, organizar e
oferecer acesso integrado às fontes de informação A metodologia da MBE propõe critérios de
em saúde de melhor nível de evidência, de acordo classificação para as pesquisas científicas, de acordo
com a metodologia proposta pela MBE, bem como com as evidências encontradas nos estudos. Os
promover acesso às fontes de informação sobre a diferentes tipos de pesquisa são representados na
própria metodologia MBE. pirâmide da evidência (figura 2).

Na área médica, a maioria das bases de dados indexa Os trabalhos devem obedecer à ordem decrescente
vários tipos de pesquisas, que podem ter maior ou de importância, ou seja, um trabalho que se
menor aplicação na prática clínica. Para garantir encontra no nível de evidência I terá maior valor
resultados positivos no acesso e na recuperação da científico do que um que se encontra no nível V.
informação em bases de dados, é necessário que Nessa perspectiva, na seleção da informação deve
o médico desenvolva competências e habilidades ser considerado o nível de evidência em que ela se
para a elaboração de estratégia de busca e para o encontra.
acesso às ferramentas tecnológicas e informacionais Na pirâmide a ordem de relevância dos desenhos
disponíveis. de pesquisa em relação à MBE é ascendente,
Entende-se por estratégia de busca “a técnica ou enquanto a quantidade de literatura disponível é
conjunto de regras para tornar possível o encontro descendente. Assim, temos que, à medida que vai
entre uma pergunta formulada e a informação diminuindo a quantidade de informação disponível,
armazenada em uma base de dados” (LOPES, 2002, vai aumentando a relevância dessas informações
p.61). O uso de uma estratégia de busca tem por para a prática médica.
objetivo a obtenção de maior grau de pertinência e
relevância na recuperação da informação. FIGURA 2
Pirâmide da evidência
A estratégia de busca, na área médica, deve ser
elaborada após a definição clara e objetiva da questão
clínica, para extração das informações relevantes.
A elaboração tem relação direta com o objetivo da
questão e o tempo disponível para sua realização. Se
o objetivo for obter toda a informação que existe,
deverá ser realizada uma busca ampla, com o uso
de termos mais gerais e uso reduzido de limitadores
de busca. Tal estratégia tende a recuperar muitas
informações, algumas relevantes e outras não.
Assim, será necessário maior tempo na seleção das
informações que atendam à questão clínica. Nesse
caso, a estratégia corresponde ao que é denominado
de busca sensível, sendo mais utilizada para
pesquisas e para elaboração de revisões sistemáticas. Fonte: Adaptada de SUNY (2001, tradução nossa).

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Para Rodrigues (2000), os ensaios clínicos Já a pesquisa descritiva expõe características de


randomizados e as revisões sistemáticas são os que determinada população ou fenômeno.
provêem os médicos clínicos com informação mais
coerente e com maior evidência para a intervenção Para Minayo et al. (2005, p. 71), “o método quantitativo
clínica. visa a obter evidências de associações entre
variáveis independentes (intervenção, exposição)
Um ensaio é dito randomizado e controlado e dependentes (resposta ou de desfecho)”. O
quando os pacientes são distribuídos de forma método qualitativo, mesmo que apresente diferentes
aleatória nos grupos de intervenção ou experimental estratégias metodológicas, tem como objetivo
(uso de agente causal) e nos grupos de controle “compreender as relações, as visões e o julgamento
(uso de placebo ou outro agente) (FLETCHER; dos diferentes atores sobre a intervenção da qual
FLETCHER, 1996; SUNY, 2001; MARTINEZ- participam, entendendo que suas vivências e reações
SILVEIRA, 2003; SILVA, 2002; DRUMMOND, fazem parte da construção da intervenção e de seus
2004a; 2004b). resultados” (MINAYO et al., 2005, p. 82).
A revisão sistemática caracteriza-se como um Do ponto de vista dos procedimentos técnicos,
trabalho científico que utiliza uma metodologia esta pesquisa se apresenta como levantamento
rigorosa de análise, classificação e categorização (survey). Esse tipo de pesquisa caracteriza-se pela
dos estudos sobre o tema, com o objetivo de interrogação realizada diretamente com o grupo
evitar vieses. As revisões sistemáticas podem ou cujo comportamento se deseja conhecer (GIL,
não utilizar métodos estatísticos - metanálises 1997).
(ATALLAH; CASTRO, 1998).
O universo da pesquisa foi constituído por 41
Dentre as publicações utilizadas na área médica médicos residentes matriculados no Programa de
que revisam e analisam publicações, destacam-se os Residência Médica (RM) do Hospital Universitário
textbooks baseados em evidências e os guidelines ou (HU) Professor Polydoro Ernani de São Thiago da
diretrizes da prática clínica. Os textbooks baseados UFSC, que atuam na prática clínica ambulatorial.
em evidências revisam as melhores evidências
da literatura e geralmente estão relacionados à A escolha pelos médicos residentes como grupo
terapêutica e à prevenção. Os guidelines ou diretrizes de estudo se deu, principalmente, pelo reduzido
de prática clínica, baseados em revisões sistemáticas número de pesquisas brasileiras sobre o tema
ou metanálises e isentos de vieses e interesses e pelo fato de que, no período de residência, o
corporativistas ou comerciais, constituem valiosa profissional tem oportunidade de colocar em prática
fonte de informação para a decisão clínica. o aprendizado do curso de graduação, o que permite
extrair forte indicador do grau de conhecimentos
adquiridos durante a graduação; e está receptivo
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS para absorver novos aprendizados, mostrando
A pesquisa desenvolvida caracterizou-se como grande interesse na resolução de questões clínicas,
exploratória e descritiva, do ponto de vista de seja para incorporar novos conhecimentos ou para
seus objetivos, e quanti-qualitativa com relação à sua afirmação profissional.
abordagem do problema. Para o processo de coleta de dados, foram utilizados
Segundo Tobar e Romano Yalour (2001), a dois instrumentos: o questionário e a entrevista
pesquisa exploratória é aquela realizada em áreas e semiestruturada. Na entrevista foi utilizada a técnica
sobre problemas dos quais há pouco ou nenhum do incidente crítico, que compreende a identificação
conhecimento acumulado e sistematizado, exigindo de situações particularmente relevantes, observadas
do investigador familiarização com o assunto. ou relatadas por um indivíduo. Segundo Flanagan

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(1973), a técnica do incidente crítico permite obter linhas metodológicas referendadas pela MBE, foram
fatos importantes relacionados ao comportamento indicadas até três variáveis (mais representativas)
do indivíduo. para cada item analisado.
Para analisar os incidentes críticos se definiram Para mapear e contextualizar a etapa 2, “Acesso
quatro grandes categorias: à Informação”, foram indicadas todas as etapas
1) fontes de informação consultadas; recomendadas pela MBE, com análise dos itens
pertinentes à pesquisa. Portanto, alguns itens das
2) critérios utilizados para seleção das fontes de etapas 1, 3 e 4, quando relacionados direta ou
informação; indiretamente com o acesso à informação, foram
3) recursos utilizados para acesso às fontes de mencionados. Na etapa 1 fez-se menção ao enfoque
informação; da questão clínica, na etapa 3 aos desenhos de
pesquisa mais utilizados, e na etapa 4 à aplicabilidade
4) contribuição da informação encontrada para a
da resolução da questão clínica. A etapa 5,
decisão clínica ou para mudança de decisão anterior.
referente à autoavaliação, não foi mencionada pelos
médicos residentes como etapa integrante do fluxo
O FLUXO DA INFORMAÇÃO NA PRÁTICA informacional.
CLÍNICA DOS MÉDICOS RESIDENTES DO
HU/UFSC E OS PRECEITOS DA MBE Pelo esboço do fluxo verifica-se que, na formulação
da questão clínica, os enfoques estão relacionados
A partir da análise dos dados, elaborou-se o fluxo com aspectos clínicos em nível de foreground:
da informação na prática clínica dos médicos tratamento, diagnóstico e prevenção, em detrimento
residentes do HU da UFSC, no atendimento de aspectos genéricos das patologias. Essa análise,
ambulatorial (figura 3). Considerando as variáveis embora não pertencendo diretamente à fase de
de maior incidência apontadas nesta pesquisa e as acesso à informação, é imprescindível para nortear

FIGURA 3
Fluxo da informação na prática clínica ambulatorial dos médicos residentes do HU da UFSC

Fonte: Elaboração das autoras.

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a continuidade do processo, haja vista que cada Para melhor identificar a etapa 2, Acesso à
um desses enfoques (diagnóstico, tratamento, Informação, ponto focal de análise, foi elaborado
prognóstico e prevenção) requer diferentes um fluxo específico, identificado na figura 4.
abordagens na seleção das informações relevantes.
Para iniciar o processo de resolução da questão
O fluxo definido reflete os resultados da pesquisa clínica, os médicos residentes do HU da UFSC
realizada indicando que: se deparavam com problemas estruturais e
conjunturais que interferiam, particularmente, no
• a prioridade das questões clínicas está relacionada acesso à informação: a falta de computadores nos
à urgência do caso clínico e ao interesse do ambulatórios e a sobrecarga de trabalho.
profissional pelo caso clínico;
A seleção das fontes de informação tinha por
• os desenhos de pesquisa mais utilizados são as base aspectos relacionados com a atualidade da
revisões narrativas, as revisões sistemáticas e os informação, a confiabilidade dos autores (autores
ensaios clínicos. As revisões narrativas, devido às de renome científico) e a acessibilidade (facilidade
suas características, necessitam de mais cuidado na de acesso) à fonte de informação.
seleção de seu conteúdo;
Na seleção das fontes de informação, eles utilizavam
• a aplicação da resolução da questão clínica no inicialmente os periódicos, textbooks/handbooks,
contexto ocorre com a ampliação dos conhecimentos guidelines, preceptores e pares. Porém, quando se
do médico residente e na definição de intervenção defrontavam com dificuldades para selecionar ou
no paciente. recuperar as fontes de informação que atendessem
sua questão clínica (resultado negativo), buscavam

FIGURA 4
Fluxo da informação na prática clínica ambulatorial dos médicos residentes do HU da UFSC
na etapa 2 da MBE: acesso à informação

Fonte: Elaboração das autoras.

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O fluxo da informação na prática clínica dos médicos residentes: análise na perspectiva da medicina baseada em evidências

ajuda nos preceptores e nos pares. Dentre essas • maior diversidade no uso de outras fontes de
fontes de informação, os periódicos, os guidelines e os informação disponíveis e relevantes em evidência
textbooks (se forem os baseados em evidência) podem científica, especialmente as on-line e fontes terciárias,
ser considerados potenciais fontes de informação já que, atualmente, a concentração de uso ocorre
de evidências científicas. somente em três bases de dados/portais: Uptodate,
Portal de Periódicos da Capes e PubMed;
Dentre os sistemas informatizados, os médicos do
HU da UFSC indicaram, por maior incidência de • maior conhecimento do escopo das fontes de
uso, a base de dados Uptodate, portanto uma fonte informação disponíveis, a fim de subsidiar a seleção
de informação terciária, conforme a classificação da da(s) fonte(s) mais indicada(s) para responder à
Bireme utilizada nesta pesquisa. No uso do Portal questão clínica;
de Periódicos da Capes, pode-se inferir que estavam
utilizando as fontes primárias do Portal, mediante • desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento de
sua coleção de periódicos, haja vista que foi o tipo de habilidades e de conhecimentos específicos
fonte de informação mais indicada nesta pesquisa. das ferramentas das fontes de informação para
A representatividade das fontes secundárias ocorreu busca e recuperação da informação nos sistemas
com o uso do PubMed. informatizados, potencializando o resultado da
pesquisa com o uso de estratégias mais elaboradas
Para acessar e recuperar as fontes de informação, e direcionadas;
os médicos residentes se valiam de canais formais e
informais de informação por meio da Internet, e dos • maior integração da biblioteca como agente
canais formais através dos pares e acervo particular. envolvido em todo o processo.
Sobre o uso das potencialidades das bases de dados, Com base em tais considerações, projeta-se um
faziam uso parcial das ferramentas disponíveis. modelo considerado ideal de fluxo otimizado da
O fluxo da informação dos médicos residentes do informação na prática clínica ambulatorial dos
HU da UFSC (figuras 3 e 4) indica que estavam médicos residentes do HU da UFSC, de acordo com
sendo utilizados alguns preceitos da MBE, mesmo os preceitos da MBE, abordando a etapa 2, “Acesso
que de forma pouco sistematizada. De maneira à Informação” (figura 5).
geral, pode-se afirmar que os médicos residentes Nessa projeção foi considerada uma situação ideal
estavam procurando introduzir parte dos processos no que se refere à infraestrutura dos ambulatórios,
da MBE, particularmente com relação à etapa 2, à disponibilidade de fontes de informação e de
em sua prática clínica ambulatorial, muitas vezes de serviços de biblioteca adequados.
maneira implícita e não consciente da prática.
A metodologia da MBE na prática clínica tem início
Analisando o fluxo de informação da prática clínica na relação médico/paciente. A informação causal e
ambulatorial do médico residente do HU da UFSC e informal do paciente passa pelo médico que, aliando
os preceitos da MBE, percebe-se que algumas ações sua experiência clínica individual, a transforma numa
necessitam ser implementadas ou aperfeiçoadas a questão clínica e vai em busca de outra informação, a
fim de que o processo seja mais eficiente: informação científica, a fim de subsidiar sua decisão
• melhorias na infraestrutura dos ambulatórios, clínica.
especialmente na disponibilização de computadores A questão clínica deverá ser formulada considerando
conectados à Internet, permitindo ao médico itens que compõem o PICO, já que cada elemento
que tenha acesso à informação on-line durante o é fundamental para compor a decisão clínica,
atendimento ao paciente, quando assim se fizer seja ela relacionada com diagnóstico, terapêutica,
necessário; prognóstico ou prevenção.

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Maria Gorete Monteguti Savi / Edna Lucia da Silva

FIGURA 5
Proposta ideal de fluxo informação na prática clínica ambulatorial dos médicos residentes do
HU da UFSC na etapa 2 da MBE: acesso à informação

Fonte: Elaboração das autoras.

Os desenhos de pesquisas, mesmo estando conhecimentos e habilidades para uso das fontes
diretamente relacionados à etapa de análise de de informação, especificamente para definição
conteúdo, estão indiretamente relacionados com o da estratégia de busca e seleção das fontes de
enfoque da questão clínica e com a seleção da fonte informação pertinentes, a fim de potencializar o
de informação apropriada para aquele enfoque. resultado da busca.
Na etapa de “Acesso à Informação” foram Caso não disponha desses conhecimentos e habilidades,
estabelecidas as seguintes ações: recomenda-se que o médico residente busque
capacitação, escolhendo para isso cursos presenciais
• definir a estratégia de busca a partir da questão e/ou cursos on-line, normalmente oferecidos por
clínica; bibliotecas/centros de informação. Se já estiver
• identificar e selecionar as fontes de informação habilitado, deverá definir a(s) estratégia(s) de busca a
pertinentes; partir do PICO identificado na elaboração da questão
clínica. Deverão ser levantadas as possíveis palavras-
• ajustar a estratégia de busca de acordo com chave apropriadas para recuperação da informação
as fontes de informação selecionadas; realizar a do tema escolhido e definido o uso de operadores
pesquisa nas fontes de informação selecionadas; booleanos para possibilitar as combinações lógicas
• recuperar as informações; pertinentes. Outros itens, como limitadores referentes
à faixa etária, ao sexo, aos idiomas, por exemplo,
• avaliar o resultado da busca informacional. também poderão ser utilizados.
Para iniciar a etapa de acesso à informação, De posse dos dados da estratégia de busca e visando
é fundamental que o médico residente tenha ao objetivo da questão clínica, o médico residente

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O fluxo da informação na prática clínica dos médicos residentes: análise na perspectiva da medicina baseada em evidências

deverá identificar e selecionar as mais pertinentes positivo, atingindo os objetivos e recuperando


e disponíveis fontes de informação. O acesso às documentos pertinentes ao tema; ou o resultado
fontes de informação terciárias deve ser priorizado, foi negativo, não atingindo os objetivos e não
por diminuir o tempo de busca, permitir acesso à recuperando documentos pertinentes ou em número
informação que já passou por avaliação crítica de insuficiente. No resultado negativo, se o problema
conteúdo e por já estar sintetizada. As fontes de estiver relacionado às fontes de informação, ou seja,
informação secundárias também têm seu papel as fontes selecionadas não atenderam a contento,
de destaque, porém o médico residente deverá ele deve retornar para a ação “selecionar as fontes
dispor de mais tempo para analisar e sintetizar de informação”; se for detectado que o problema
a informação. Algumas fontes secundárias de está relacionado à estratégia de busca, deve
informação já dispõem de filtros direcionados para retornar para a ação “definir estratégia de busca”.
questões clínicas. As fontes de informação primária Porém, se o médico residente considerar que seus
são mais indicadas para questões clínicas de caráter conhecimentos e habilidades não foram suficientes
genérico. para ter um bom resultado de busca, deve procurar
a biblioteca/centro de informação para treinamento
Após selecionar as fontes de informação a serem através de cursos presenciais ou on-line, conforme
utilizadas, o médico residente deverá ajustar a(s) for mais conveniente.
estratégia(s) de busca para cada fonte de informação
selecionada, haja vista que podem apresentar
recursos diferentes. Nessa ação, é fundamental CONSIDERAÇÕES FINAIS
a familiaridade com as ferramentas disponíveis, Esta pesquisa não teve como intenção levantar
considerando que estratégias de buscas bem críticas ou fazer defesa da MBE. Apenas reconhece
elaboradas tendem a maximizar o resultado da a aproximação existente entre uma das fases desse
busca. Deve estar claro para o médico se a busca modelo de prática clínica com os serviços prestados
pretende ser mais sensível ou mais específica. e/ou viabilizados pelas unidades de informação
Numa situação ideal, o uso de fontes e/ou sistemas de especializadas em saúde. Dessa forma, cabe lembrar
informação on-line deve ser priorizado, e os médicos que o foco das lentes de observação e de análise da
residentes devem ter habilidade para dominar pesquisa esteve ajustado para detectar os processos
todos ou grande parte dos recursos disponíveis dessa fase específica, ou seja, da fase de acesso à
nos sistemas informatizados, especialmente para informação.
resolver as questões mais complexas. Dependendo O fluxo informacional observado na prática clínica
da abrangência da questão clínica, uma pesquisa ambulatorial dos médicos residentes do HU da
em uma fonte de informação manual ou o contato UFSC converge com o que Barreto (2002) denomina
pessoal com pares, preceptores e outros profissionais fluxos extremos da informação, pois notadamente
poderá ser a solução. a informação utilizada pelo médico residente
Ações para recuperar as informações que foram provoca uma mudança de status na situação anterior.
consideradas relevantes, especialmente em bases Essa mudança está relacionada diretamente com a
de dados bibliográficas que não dispõem de aquisição de novos conhecimentos pelo médico,
texto completo, incluem as opções de recuperar mais em nível de foreground, e com a aplicabilidade
na Internet, no acervo particular, no acervo da desses conhecimentos nas intervenções do paciente.
biblioteca ou solicitar através de algum serviço de O fluxo informacional na prática clínica dos médicos
comutação bibliográfica. residentes apresenta uma estrutura que se reporta
Ao avaliar o resultado da busca, o médico residente a alguns preceitos recomendados pela MBE,
estará diante de duas situações: o resultado foi particularmente a etapa referente ao uso das fontes

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Maria Gorete Monteguti Savi / Edna Lucia da Silva

de informação, porém de forma muito incipiente BERTO, Rosa Maria Villares de Souza. Novas práticas de comunicação
e produção de publicações científicas. In: CONGRESSO
e pouco sistematizada. A falta de conhecimentos BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 26., 2003,
mais específicos sobre as potencialidades de uso Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: INTERCOM, 2003. p 1-18.
das fontes de informação e do aproveitamento mais
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evidências: novo paradigma assistencial e pedagógico. 2. ed. São Paulo:
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da indicação da biblioteca, como um dos agentes _______. Ensaio clínico: estrutura, funcionamento e análise.
envolvidos no processo de busca de informação In: ______. Medicina baseada em evidências: novo paradigma assistencial
e pedagógico. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2004b. Cap. 7.
para responder a uma questão clínica, demonstra a
necessidade de sua integração ativa nesse processo DUNCAN, Bruce B.; SCHMIDT, Maria Inês. Medicina baseada em
como agente importante nessa cadeia informacional. evidências. In: ______ et al. Medicina ambulatorial: condutas clínicas
em atenção primária baseadas em evidências. 3. ed. Porto Alegre:
A operacionalização de uma proposta de fluxo ArtMed, 2004. Cap. 1.
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