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Resumo
A criança se constitui por fatores orgânicos em interação com o meio físico, que é
dado por uma sociedade com uma determinada cultura. Desse modo, seu desenvolvimento
ocorre como um processo constante, contínuo e complexo. Cada modificação implica
reorganizar estruturas, “implica a transformação nas relações de oposição e de alternância que
unem os conjuntos funcionais que compõem o psiquismo: o motor, a afetividade, a cognição e
a pessoa” (MAHONEY, 2004, p.15).
Segundo Mrech:
Para Wallon a afetividade ocupa um lugar estratégico. Ela diz respeito aos
resquícios dos comportamentos anteriores. Há uma interação bastante estreita,
segundo ele, entre a afetividade e a motricidade. Isto porque os comportamentos
iniciais da criança estão ligados fundamentalmente ao corpo (MRECH, 2010, p. 36).
Essa troca entre uma criança e outra criança e uma criança e outras pessoas envolve
aspectos afetivos que podem tornar a aprendizagem prazerosa ou não. O diálogo entre eles
propicia segurança, a aprendizagem transcorre aprazível e a criança sente-se parte do processo
de construção do conhecimento. É estabelecido um ambiente em sala de aula de
compartilhamento, de respeito e de troca. De acordo com Lorenzato (2008, p. 11): “a criança
aprende pela sua ação sobre o meio onde vive: a ação da criança sobre os objetos, através dos
sentidos, é um meio necessário para que ela consiga realizar uma aprendizagem significativa”.
Esse meio é a sala de aula, quando se trata de ensino e aprendizagem.
Para Scherer (2007):
As falas das crianças, suas brincadeiras, desenhos, e muitas vezes até mesmo seu
silêncio, revelam-nos muito de sua percepção em relação ao mundo em que a cerca.
Auxiliam-nos também a compreender como as crianças organizam seu pensamento,
como estabelecer suas relações sócio-culturais e como vão construindo suas visões
de mundo a partir da forma como se percebem inseridas neste (SCHERER, 2007, p.
36).
A criança necessita estar em movimento, em ação, o que pode criar uma ponte entre a
zona do desenvolvimento proximal e a apreensão do conhecimento. Grando (2000) afirma
que:
O brincar permite vivenciar experiências em grupo que são únicas, de cada um.
Propicia não ver o tempo passar e apreender conceitos considerados importantes, mas com a
sensação de bem-estar. O brincar deslumbra o corpo, a mente e o espírito. Anestesia o
pensamento com experiências externas e possibilita o prazer. Portanto, o brincar é uma ação
sobre os objetos que estão envolvidos no meio social, proporcionando ativar conhecimentos
adquiridos e transformá-los em novos conceitos, de modo criativo e agradável.
Para Nacarato (1995) a criança faz correspondência pela discriminação numérica que
já traz biologicamente desde que nasce. Portanto, a contagem pela recitação, pela brincadeira
não tem a intenção de estabelecer a seqüência numérica, mas está relacionada à necessidade
de apontar aquilo que conta. Assim, o processo de contagem associa-se ao ato de apontar e a
enunciação da palavra, fazendo uma relação entre o concreto e o abstrato.
De acordo com Gaspar (apud SENNA & BEDIN, 2007) e Senna & Bedin (2007):
[...] a habilidade das crianças dizerem a seqüência correta das palavras numéricas é
fortemente influenciada pelas oportunidades que lhe são dadas de aprender e praticar
essa seqüência (GASPAR, 2004, p.127). A autora concorda com o posicionamento
quanto ao período de aquisição da seqüência convencional das palavras numéricas
nas crianças, entre 2 e 6 ou 7 anos, “existindo uma grande variação dentro de cada
grupo etário, determinada por diferentes variáveis socioculturais” (SENNA &
BEDIN, 2007, p.7).
As crianças para contar, segundo essas autoras, necessitam da memória para apreensão
dos conceitos de quantificação e da relação palavra-número. Para alguns autores, a criança
nasce com o senso numérico (DEVLIN, 2004) e reconhece diferenças de quantidades
pequenas em alguns conjuntos, são os chamados números perceptuais (PIAGET, apud
KAMII, 1990).
Neste trabalho a educadora propicia a criança construir a noção de quotidade para
chegar à noção de quantidade, comparando as diferentes coleções elaboradas pela separação
entre o tempo que ocorre a cada dia. O que deixa claro que a criança só aprende a contar,
contando. Desse modo, a educadora ao desenvolver essa atividade provoca a criança a contar,
fazendo com que transforme seus conhecimentos prévios sobre elementos da realidade.
Na segunda fase desta atividade, ao final do mês, após o mapa do tempo estar todo
preenchido, a educadora fazia a contagem junto com as crianças da quantidade em que
ocorreram os diferentes tipos de tempo. Assim, a educadora chamava uma criança para fazer a
contagem dos tracinhos e falar o número que achou, podia ser que a criança não achasse o
número correspondente aos traços, já que ela podia errar a contagem. A educadora continuava
chamando as crianças, uma a uma, para realizar a contagem. E, ao final, chegavam a um
número, ou seja, ao número correspondente aos traços. Depois, a educadora fazia a mesma
atividade para o segundo espaço e para o último espaço. Ao final, a educadora recontava com
a turma e verificava se a contagem de cada criança estava correta. A figura 2, que se encontra
em anexo, demonstra esta fase.
A educadora fazia a contagem com as figuras do calendário para ver se havia a
marcação exata de cada tempo. Depois contava os tracinhos de cada tempo. Nesta parte da
atividade a educadora fazia outras perguntas às crianças relacionadas às quantidades apuradas.
A seguir, a educadora pedia as crianças para colocar sobre a mesa um objeto (pode ser
pedrinhas, palitos, caroços, etc.) para cada traço e pedia que realizassem outras arrumações,
ou seja, realizavam atividades que envolviam classificação e seriação. Podia ser separado por
cor, tamanho, forma ou espessura, realizando novas contagens. Ou realizava brincadeiras
como “Bento, que bento é o frade” em que as crianças pegavam quantidades estipuladas pela
educadora. Desse modo, as crianças eram estimuladas, incentivadas e desenvolviam uma
ligação direta com o que aprendiam e as brincadeiras propostas.
Para Nogueira (2011, p.112): “contar é estabelecer a correspondência biunívoca termo
a termo, entre quatro tipos de elementos: os objetos, os gestos, o olhar, as palavras-número”.
Na atividade desenvolvida a educadora permite estabelecer essa correspondência. A mesma
autora afirma que:
Ao analisarmos as ações que a criança precisa desenvolver para contar objetos fica
evidente que o número resulta da síntese original da classificação e da seriação,
conforme sistematizado por Rangel (1992): juntar os objetos que serão contados,
separados dos que não serão contados (classificação); ordenar os objetos para que
todos sejam contados e somente uma vez (seriação); ordenar os nomes aprendidos
para a enumeração dos objetos, utilizando-os na sucessão convencional, não
esquecendo nomes e nem empregando o mesmo nome mais de uma vez; estabelecer
a correspondência biunívoca e recíproca nome-objeto; e finalmente e entender que a
quantidade total de elementos de uma coleção pode ser expressa por um único nome
(NOGUEIRA, 2011, p. 112).
Conclusão
A criança se constitui em estreita relação com meio social e cultural, com o qual
convive. Assim sendo, vemos que a sua constituição biológica não é a única lei que rege seu
destino. A cada modificação, em seu desenvolvimento, implica reestruturar conjuntos
funcionais componentes do psiquismo: o motor, a afetividade, a cognição e a pessoa.
Consequentemente, esses conjuntos funcionais são indispensáveis à aprendizagem.
A criança aprende pela ação que desenvolve sobre o meio e sobre os objetos. Portanto,
cabe ao professor criar atividades lúdicas para estimular e despertar o interesse, a curiosidade,
para que a criança aprenda. Direcionar as energias emocionais para desenvolver a
aprendizagem, entendendo que, o que a criança ganha no aspecto afetivo repercute no aspecto
cognitivo e vice-versa. Não exigir mais do que a criança possa realizar, de acordo com seu
estágio de desenvolvimento e de evolução do seu pensamento. Propor atividades com as quais
a criança se interesse e que estejam relacionadas a ela mesma. Assim, aprender brincando
permite experiências que são únicas para cada criança.
Neste trabalho vimos que a criança constrói a noção para contar atuando sobre os
objetos que estão diretamente relacionados à atividade proposta e, que, essa construção
permeia a experiência anterior, já que, na mais tenra idade, a criança enfileira brinquedos,
coloca-os em caixas etc. Desse modo, a criança está sempre acima de sua idade, pois está
vinculada ao modelo, a imitação que faz de seu professor. Explorar os conceitos matemáticos
ludicamente é um caminho que permite desenvolver social, intelectual e afetivamente a
criança.
A habilidade para contar sofre influência da prática em realizar a seqüência numérica,
das oportunidades geradas para que ela desenvolva essa habilidade. A criança precisa
construir a noção de quotidade que leva à noção de quantidade, ao contar a criança transforma
seus conhecimentos prévios e os reelabora em novos conceitos. Assim, a contagem de
elementos em uma coleção permite fazer comparações, chegando à noção de quantidade,
classificação e seriação.
Vimos que um mesmo conceito pode ser descoberto de diferentes maneiras,
explorando a aquisição do conceito matemático, levando a generalizações, pela exploração
das experiências vividas e contendo assuntos do cotidiano, com o qual a criança relaciona-se.
Mostrando que é possível aprender matemática, ou melhor, os conceitos matemáticos,
cotidianamente. Permitindo que a criança expresse seu pensamento para chegar à solução do
problema, utilizando a linguagem oral para internalizar os conceitos adquiridos.
É pela experiência lúdica, com a contagem, que a criança aprende conceitos que estão
na base, da aprendizagem matemática, para a compreensão da noção de número. A construção
do pensamento lógico-matemático é desenvolvida pela percepção das diferenças contidas nos
objetos que estão na realidade externa.
A criança coordena mentalmente as relações que criou para estabelecer relação entre
os objetos, permitindo chegar à abstração, que leva ao desenvolvimento lógico-matemático.
Desse modo, as atividades desenvolvidas em sala de aula devem proporcionar a construção
numérica pela elaboração das operações lógicas-matemáticas, levando ao raciocínio, a
compreensão da atividade e a solução do problema proposto.
Entender como a criança constrói a noção de número passa pela noção de quotidade,
seriação, classificação e correspondência biunívoca. Passa ainda, pela investigação e estudo
das origens afetivas e motoras, estabelecendo um paralelo com o desenvolvimento da
cognição. Repensando a maneira como deve ser desenvolvida a atividade para a construção de
conceitos matemáticos.
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Notas:
1 – Grifo nosso.
2 – Grifo nosso.
Anexos: