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Nhanhembo’é: infância, educação e religião

entre os Guarani de M’Biguaçu, SC*

MELISSA SANTANA DE OLIVEIRA


Mestre em Antropologia Social pela UFSC.

Artigo aceito para publicação em 25/11/05

resumo Este artigo tematiza a participação abstract �is article has as its theme children
das crianças no processo de “valorização da tradi- participation in “tradition valorization” process in
ção” na Aldeia Guarani M’Biguaçu, SC. A partir M’Biguaçu village, SC. �rough an ethnographic
de uma abordagem etnográ�ca, discorro sobre a sua boarding, it discourses upon their atuation in pray-
atuação nas rezas, no coral e na escola, três espaços ing, choral and school, three fundamental spaces in
considerados fundamentais neste processo. Com this process. With base in recent presuppositions
base nos pressupostos recentes da Antropologia da of Anthropology of Education and Childhood, it
Educação e da Infância, mostro que a construção da shows that construction of Opÿ (Guarani Praying
Opÿ (casa de rezas Guarani), e mais especi�camen- House), and most especi�cally, the formation of a
te, a formação do coral e a implantação da escola choral and the implantation of a school in the vil-
revelam uma intenção pedagógica das lideranças na lage reveal a conscious and systematic leaderships’
organização de espaços de ensino-aprendizagem da pedagogical intention in the constitution of con-
“tradição” voltados para a educação das crianças. texts for “tradition” teaching and learning, directed
Além disso, demonstro que a participação das crian- to children education. Besides, it shows that chil-
ças nesses contextos está pautada numa noção de dren active participation in these spaces is suited in
educação que concebe o ensinar (mbo’é) e o apren- an education notion in which the act of learning
der (nhanhembo’é) como ações que se constituem (nhanhembo’é) and the act of teaching (mbo’é) are
mutuamente, de modo que tanto aquele que ensina conceived as mutually implicated actions and both
como aquele que aprende são considerados sujeitos who teaches and who learns are considered subjects
atuantes no ensino-aprendizagem. in the teaching and learning.
palavras-chave antropologia da educação e keywords anthropology of education and
da infância, ensino-aprendizagem, “valorização da childhood, teaching and learning, “tradition valo-
tradição”. rization”.

* Este artigo foi redigido com base em minha disserta- direcionado para a problemática da dissertação foi rea-
ção intitulada “Kÿringue y kuery Guarani – Infância, lizado mais sistematicamente entre os meses de março
educação e religião entre os Guarani de M’Biguaçu, e agosto de 2003. Os dados de campo são aqui apre-
SC”, defendida pelo Programa de Pós-Graduação em sentados como recurso de �uidez textual. Agradeço aos
Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Guarani de M´Biguaçu pela receptividade e colabora-
Catarina em 2004. Apesar de ter estabelecido contato ção em campo e a Antonella Maria Imperatriz Tassina-
com o grupo desde o ano 2000, o trabalho de campo ri pela orientação e incentivo à minha pesquisa.

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“As crianças, quando choram, estão falando com Nos últimos anos as lideranças de
Nhanderu, estão indo longe. Do outro lado do M’Biguaçu têm investido num movimento
oceano elas olham...” (Canção Kÿringué y kuery de “valorização” do que consideram ser a sua
–Wherá Tupã / tradução – Karaí Djerá) “tradição”. Ao referir-me ao termo tradição não
estou fazendo alusão a aspectos “imutáveis” da
A Tekoá Ÿÿ Morot� Wherá: “tradição” cultura Guarani, mas sim a um conceito êmi-
e religiosidade co apropriado por sujeitos que tomam alguns
A Aldeia M’Biguaçu (Mbyá Biguaçú) ou conhecimentos e práticas a eles relacionadas
Tekoá1 Ÿÿ Morot� Wherá (Re�exo das Águas como elementos constituintes de um “passado
Cristalinas), está localizada no km 190 da BR- comum”, que lhes confere um sentimento de
101, próximo ao município de Biguaçu, Grande unidade e que os caracteriza como um grupo
Florianópolis. Sua população é de aproximada- especí�co no presente (Toren 1988).
mente cento e cinqüenta indivíduos, que em Na direção desta “valorização da tradição” é
sua maioria identi�cam-se e são identi�cados possível apontar três movimentos de suma im-
como Guarani Xiripá, havendo também a pre- portância: 1) A criação de uma escola na aldeia
sença de pongué (“mestiços”, descendentes de em 1996, no contexto mais amplo da conquis-
casamentos interétnicos). ta do direito à educação escolar diferenciada
Dentre todos os moradores, Wherá Tupã, por parte dos povos indígenas no Brasil.4 Essa
de noventa e três anos de idade, é considera- escola foi instituída a partir de uma decisão
do o mais sábio e respeitável. A ele se referem política das lideranças no intuito de propiciar
como Tche ramõi (meu avô) e à sua esposa aos alunos Guarani um estudo que permitis-
como Tche djarÿ í (minha avó), independente se o seu acesso aos conhecimentos não-índios
do laço de parentesco. Wherá Tupã é o Karaí, mas, principalmente, o aprendizado da escrita
liderança religiosa2 da aldeia que conduz sessões e leitura da língua Guarani. 2) A formação do
de reza diárias na Opÿ (casa de rezas Guarani), Coral Ÿvÿtch� Ovÿ (Nuvens Azuis) em 1998. O
e é quem atribui o tchererÿ (nome Guarani) às coral performatiza músicas e danças Guarani,
crianças. Sobre isso me contou: relacionadas a questões míticas e religiosas. 3)
A construção, na mesma época, de uma Opÿ,
É uma tarefa muito trabalhosa. Eu tenho que feita de taquara, barro e coberta por palha, em
ver a criança, ir para casa e conversar com o frente à casa do Karaí. A existência de uma casa
Nhanderu. O céu é dividido em vários lugares e de rezas é considerado um fator fundamental
a cada lugar corresponde um nome. Cada crian- na con�guração da vida religiosa do grupo.
ça recebe o nome do lugar de onde vem...3 Essas iniciativas revelam uma preocupação
das lideranças, especialmente do Karaí, com a
1. O termo tekoá é o modo pelo qual os Guarani se re-
ferem a uma terra onde podem viver de acordo com nome por meio de cerimônia em que se identi�ca o
seus preceitos morais, ou seu modo de ser (Melià lugar de origem da alma da criança. A este local cor-
1989). Nimuendajú ([1914] 1987) a�rma que para responde uma divindade a qual o nome faz referên-
os Guarani o termo tekó signi�ca religião e costume. cia (Nimuendajú ([1914] 1987). Borges (2002: 55)
2. Karaí também consiste num nome masculino co- mostra que alma da criança ainda não nascida pode
mum. Ao longo do texto grafarei Karaí (em itálico) aparecer em sonho para o pai e lhe contar seu nome,
ao referir-me à liderança religiosa e Karaí (sem itáli- mas apenas uma con�rmação �nal do rezador poderá
co) ao referir-me a nome masculino comum. referendar este nome.
3. A liderança religiosa Guarani é quem realiza a no- 4. Constituição de 1988; Lei Darcy Ribeiro n. 9.394/96,
minação das crianças, que consiste na atribuição do de 20.dez.1996.

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construção de um local adequado para se viver


segundo certos preceitos religiosos, o que apon- Os Mynta� (nenês) dependem inteiramente
ta para a busca da constituição de um tekoá, um do cuidado dos mais velhos. Geralmente es-
lugar onde os Guarani vivam de acordo com o tão nos colos de suas mães e de seus irmãos,
seu tekó ou rekó, seu modo de ser. que improvisam panos ao estilo de uma tipóia,
Neste artigo discorrerei sobre a participação para carregá-los junto a suas cinturas. Quando
e o papel das crianças neste contexto político- estão soltos, engatinhando ou arriscando seus
religioso, através da descrição de sua atuação primeiros passos, sempre há alguém por perto
nas rezas, no coral e na escola, concebidos acompanhando seus afazeres, fazendo-lhes ca-
como espaços/momentos privilegiados de ensi- rinhos, brincadeiras ou cuidando para que não
no-aprendizagem da “tradição”. Para isso par- se machuquem.5
to dos pressupostos das pesquisas recentes da As Kÿringué (crianças) apresentam uma
Antropologia da Educação (Pelissier 1991) e da maior autonomia em suas ações cotidianas e
Infância (Silva, Nunes & Macedo 2002; James desempenham um papel mais ativo nas ativi-
& Prout 1997) assumindo uma perspectiva dades da aldeia. Apesar de não haver uma dis-
que está atenta à atuação da criança como um tinção terminológica entre Kÿringué maiores
sujeito ativo na construção da vida social e no e menores, no dia-a-dia, elas não constituem
desenrolar dos processos educativos, às especi- um bloco homogêneo. As crianças menores
�cidades das noções de infância de diferentes são livres de ocupações: pela manhã acordam,
grupos sociais, ao caráter histórico e processual recebem o alimento preparado por suas mães
da educação e à interatividade das relações de ou irmãos e saem de casa para brincar. Geral-
ensino e aprendizagem. mente brincam em frente à escola, e vez em
quando entram na sala de aula, sentam-se nas
As crianças Guarani carteiras e fazem desenhos. Na hora do recreio,
comem a merenda e brincam junto às crianças
Antes de abordar a atuação das crianças na maiores, mas logo são chamadas por suas mães
vida social da aldeia é necessário de�nir quem para voltarem para casa, pois apesar de terem
são as crianças do ponto de vista Guarani. Um liberdade para circularem sozinhas pela aldeia
caminho para o entendimento da categoria nativa sempre há alguém veri�cando o que estão fa-
de infância está na atenção ao modo pelo qual os zendo. Seus dias se passam assim, em meio a
Guarani estabelecem os limites entre as diferentes brincadeiras. Ao entardecer, durante os ensaios
categorias de idade. Aqui, apresentarei uma breve do coral, põem-se a cantar e dançar, e mesmo
sistematização das categorias de idade, tal como sem ocuparem uma posição de�nida guardam
são referidas pelos Guarani de M’Biguaçu. na memória todas as canções. Ao anoitecer, sua
participação na Opÿ é descontraída, entram e
Tabela. Categorias de idade com distinção de gênero. saem, brincam lá dentro e algumas vezes can-
Grifo na categoria Kyringué – criança.
Idade aproximada Sexo masculino Sexo feminino
0-3 anos ������ (nenês) 5. A partir do momento em que se tornam “adolescen-
Kÿringué tes” os indivíduos de sexo masculino são chamados
3-13 anos5
Ava í (menino) Kunhã í (menina) Ava e os de sexo feminino são chamados Kunhã, ter-
13-18 anos Kunumy (moço) Kunhãtã í (moça) mos que, segundo meus interlocutores, não corres-
Vaivi (mulher adul- pondem a categorias de idade mas apenas marcam
20-50 anos Tudjá (homem adulto)
ta) a diferença de “sexo” e estão relacionadas a questões
A partir dos 60 anos Tudjá í (velhinho) Vaivi í (velhinha)
biológicas, de maturação.

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tam e tocam instrumentos, mas ao sentirem Algumas evitações6 e prescrições marcam a


cansaço aconchegam-se ao lado de suas mães e passagem da infância para a adolescência para
dormem. meninos e meninas. A mudança de categoria
A partir dos seis ou sete anos, as crianças implica novas atribuições sociais. Os Kunumy
passam a ter um cotidiano composto por ocu- (moços) ajudam o pai a buscar lenha no mato,
pações pré-de�nidas. Pela manhã, preparam seu vão à venda sozinhos, carregam comida e apri-
próprio café-da-manhã e partem para a escola. moram suas habilidades na confecção do arte-
Ao longo do dia não deixam de brincar, mas sanato, especialmente bichinhos de madeira.
assumem algumas atribuições na vida da al- As Kunhãtã í não podem mais brincar, ajudam
deia. Cuidam de seus irmãos menores, iniciam a mãe em seus afazeres domésticos, principal-
atividades de artesanato, ajudam no preparo de mente a preparar a comida e a lavar roupa, e
alimentos em casa e auxiliam os adolescentes começam também a se aperfeiçoar na confec-
em algumas tarefas como na coleta de lenha na ção de artesanato: colares, cestarias e zarabata-
mata, onde cumprem tarefas mais leves como nas. Esta época é marcada pela ida a “bailões”
carregar gravetos. Algumas crianças maiores fa- nas cidades próximas e pelo estabelecimento de
zem parte do coral. Participam ativamente das laços afetivos, “namoros”, entre moços e mo-
rezas na Opÿ, cantando, dançando, tocando ças, preferencialmente Guarani, quer sejam de
instrumentos, e até mesmo auxiliando o Karaí M’Biguaçu ou de outras aldeias. Além disso,
nas atividades de cura. Suas vidas continuam alguns jovens passam a freqüentar a escola dos
restritas à aldeia e não têm liberdade para sair
de lá sozinhos. As incursões ao mundo djuruá 6. Quando o menino começa a apresentar a voz mais
(não-índio) restringem-se às apresentações do grave, não pode comer à noite e não pode mais brin-
coral e viagens familiares. car. Não deve falar muito, nem falar no mato, e nem
tomar banho de rio, pois pode pegar odjepota (encan-
tamento sexual). Após um período de mais ou menos
um ano estas proibições são abolidas. Logo quando
tem a primeira menstruação, a menina corta os ca-
belos, até então nunca cortados. Um pano é posto
entorno da cabeça, para evitar dores de cabeça e “fria-
gem”. É improvisado para ela um canto separado da
casa que pode ser um quarto ou um lugarzinho feito
com lençóis e cobertores. Deve permanecer durante
um mês restrita a esta área da casa, sendo iniciada para
a vida adulta, aprendendo afazeres como o artesanato.
Não pode sair, o que inclui a interrupção à freqüên-
cia das aulas na escola. Nem sorrir, nem ver televisão.
Deve alimentar-se com comidas leves como arroz
puro e mbojapé. Não deve comer doce nem gorduras.
A menina também deve, ao sair de casa para realizar
alguma tarefa andar depressa e realizá-la rapidamen-
te. Nesta fase de passagem são o tche ramõi(avô) e a
tche jary í(avó) que aconselham meninos e meninas
respectivamente em relação ao comportamento que
devem manter durante o período de passagem e a
partir dele. Durante o período de passagem, rituais
especí�cos são realizados na Opÿ, os quais não tive a
oportunidade de presenciar.

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djuruá (não índios). petynguá7 (cachimbo). As Kÿringué (crianças)


Tendo delimitado o período corresponden- fazem o mesmo, sustentando pequenos petyn-
te à infância Guarani, apresento a seguir uma guá. Este momento inicial é marcado por certa
descrição da sua atuação nos contextos da esco- descontração: as pessoas estão chegando, tro-
la, do coral e das rezas. cam cumprimentos e conversam. As Kÿringué
passam as mãos nos cabelos umas das outras,
As crianças e a religiosidade riem e conversam entre si. A fumaça da foguei-
ra e do tabaco e o odor que produzem atribuem
Em reconhecida obra sobre os Apapocuva- ao ambiente uma “atmosfera” peculiar. Desde o
Guarani, Curt Nimuendajú ([1914] 1987), ao momento em que entram na Opÿ para rezar,
descrever as atividades de reza entre os Guara- os indivíduos de sexo masculino são chamados
ni, em nenhum momento se refere à atuação Yvyraidjá (dono da madeira: yvyrá – árvore, idja
das crianças, a não ser quando, através de um – dono) e os de sexo feminino, Kunhã Karaí8
desenho, mostra os movimentos de danças dos (mulher Karaí), termos sagrados que indicam a
homens e mulheres e indica em determinado cooperação com o trabalho do curandeiro.
local do que chama “casa de dança” a presença Muitas vezes são as Kÿringué (crianças) que
de “crianças adormecidas”. Em M’Biguaçu as iniciam a reza. Formam uma �leira e, uma a
Kÿringué participam de modo ativo das rezas uma, realizam uma espécie de “benção” nos
noturnas realizadas diariamente na Opÿ. presentes, colocando uma mão em suas cabe-
As atividades de reza Guarani, chamadas ças e borrifando a fumaça do petynguá sobre as
em M’Biguaçu de mboraí, incluem o canto, mesmas. Em seguida, as Kunhã í (meninas), a
a dança, o toque de instrumentos musicais e partir de sua iniciativa própria, às vezes segui-
sessões de cura. Ao anoitecer, os Guarani reú- das por algumas Kunhãta í (moças), colocam-
nem-se na Opÿ. Alguns se sentam em roda so- se umas ao lado das outras próximas ao altar, e
bre bancos dispostos ao redor do fogo, outros com a cabeça voltada para o leste9 começam a
se dispõem sobre seus cobertores, tomam kaÿ
(chimarrão) e impreterivelmente fumam seu 7. Na mitologia Guarani, ao criar os seres humanos:
“Nhamandu fez existir as imagens desse tempo,
a chama como calor e luz, a bruma como signo da
chama. Haverá nesse mundo uma dupla cópia des-
sa bruma: de uma parte a neblina que os primeiros
longos sóis fazem surgir acima das �orestas no �m
do inverno; de outra parte, a fumaça do tabaco que
fumam em seus cachimbos os sacerdotes e os pensa-
dores indígenas.” (Clastres 1990: 27) De acordo com
um interlocutor Guarani de M’Biguaçu: “O petyn-
guá é um instrumento de comunicação direta com o
Nhanderu (nosso pai/deus).”
8. Este termo também é utilizado em referência a mu-
lher que é uma líder religiosa de fato. Este caso de
polissemia, dentre outros, con�rma a a�rmação de
Montardo (2002: 32): “Uma característica dos ter-
mos que se relacionam ao ritual e ao xamanismo
[Guarani] é a polissemia.”
9. Karaí O’ Kenda me disse que: “O Guarani quando
reza deve �car voltado para o leste, a direção do sol,

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cantar, dançar e bater no chão o takuapu, ins- da Opÿ e para lá se encaminha a pessoa que será
trumento feminino que consiste num bastão curada. Os “benzedores”, entre eles o pequeno
feito de taquara e utilizado na marcação do Karaí Mirim, aproximam-se em �leira, com o
compasso das músicas. O canto/dança é acom- tronco rígido, levemente inclinado para frente
panhado pelo ravé (rabeca) e mbaraka (violão), e os braços um pouco afastados do corpo, ca-
tocado por homens. minhando lentamente, passo a passo, sempre
Enquanto isso, o Karaí, sentado em um fumando seu petynguá. O Karaí entoa o nhe-
banco ao redor do fogo, prepara-se para a ses- enmongaraí,12 reza/canto especí�co para cura,
são de cura10, fumando petynguá junto a seus circunda o doente e borrifa a fumaça do petyn-
“auxiliares especiais”, que são seu �lho mais guá sobre ele. Toca o corpo do doente e age
velho, Karaí O Kendá, um neto “adolescente” como se dele estivesse extraindo algo com as
chamado Karaí Wherá e seu neto de oito anos mãos, e concomitantemente realiza com a boca
de idade, Karaí Mirim. Os “auxiliares” mais uma espécie de sopro. Nesses atos é sempre
jovens são denominados Yvyraidja í Kuery (pe- seguido pelos outros “benzedores”, que fazem
quenos yvyraidja: í – pequeno, kuery – plural). o mesmo, inclusive o pequeno Karaí Mirim.
Karaí O’Kendá, “auxiliar mais velho”, é cha- O momento de êxtase ocorre quando o Karaí
mado Yvyraidja Tenondé (tenondé: aquele que “extrai do corpo do doente” uma semente, que
está adiante).11 segundo os Guarani personi�ca o “mal”, a “do-
Em seguida, um banco é posto no centro ença” que está no corpo da pessoa.
Karaí Wherá, o Kunumy (moço) que partici-
o Nhamandu, e se concentrar. Desta forma ele conse- pava da cura, me disse que as Kÿringué que par-
gue ver através da parede, o sol e o mar.” De acordo ticipam das sessões são responsáveis por curar
com Nimuendaju ([1914] 1987: 100) os Guarani apenas doenças mais leves. Já Karaí O’Kendá, o
“realizam todos os seus atos religiosos com o rosto Yvyraidja Tenondé, falou que as Kÿringué tam-
voltado para o sol nascente...”. Numa outra passagem bém têm o poder de curar e a presença destas
o autor a�rma: “Mais de uma vez ouvi os Apapocuva
é importante, pois delas se retira força visto
a�rmarem que o sol é o verdadeiro pai de tudo o que
existe na terra...” (1987: 65). que são “puras e sagradas”. Karaí Mirim, por
10. Como já foi apontado por Littaif (1996), entre os sua vez, me disse sem eu nada perguntar: “Eu
Guarani é impossível dissociar rezas e cura. sou ‘benzedor’ e seguro o petynguá para o meu
11. Nimuendajú ([1914] 1987: 42) a�rma que yvyrai já avô”. De fato, especialmente enquanto o Karaí
é o ajudante especial do pajé. O autor também refe- “retira a doença” do corpo do doente Karaí Mi-
re-se ao termo yvyraijá (neste caso grifa-se tudo jun-
rim é quem segura o seu petynguá.
to) para designar um tipo de melodia acelerada e com
forte marcação rítmica ([1914] 1987: 36). Segundo O Karaí me disse uma vez que, assim como
Montardo (2002: 32-33): “O termo yvyra’ija, etimo- ele decidiu aprender a curar com seu falecido
logicamente, quer dizer “dono da madeira pequena” pai, “o interesse em ser curandeiro parte das
e é usado em várias situações. Uma delas é a designa- próprias Kÿringué, porque cada um escolhe
ção dos ajudantes do xamã na execução do ritual, bem seu próprio caminho. O problema é daquele
como dos ajudantes divinos, os mensageiros do herói
que escolhe o caminha errado...” Porém, ainda
criador.[...]. As pessoas têm seus yvyra’ija também, se-
res que as acompanham e as protegem de situações segundo o Karaí, elas estão livres para desistir
difíceis. [...] Yvyra’ija é utilizado também para falar das a qualquer momento, e apenas as que “agüen-
canções do repertório do jeroky que tem andamento
rápido e são acompanhadas por coreogra�as de lutas.” 12. Nimuendaju ([1914] 1987: 31) a�rma que o
Este gênero musical “... entre os Mbyá, teria corres- “ñe�ngaraí (...) constitui o ponto culminante de toda
pondência com o Xondaro ou Sondaro” (2002: 225). dança de pajelança.”

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tam” (ndepyaguachu)13 permanecem. Logo que cebida pelas crianças não possui letra.15
iniciei minha pesquisa um outro ava í (meni- Através do que foi descrito acima se pode
no) participava junto a Karaí Mirim das sessões observar que em M’Biguaçu as Kÿringué parti-
de cura, mas geralmente ele se cansava antes cipam de modo ativo das atividades religiosas
deste e no meio da sessão juntava-se a “roda da aldeia e realizam elaborações signi�cativas
de chimarrão”. Com o tempo, simplesmente a respeito das mesmas. Sustentam uma postu-
deixou de participar. Sobre isto Karaí Mirim ra autônoma em toda sua atuação nas rezas. A
comentou: “Ele não ‘agüenta’!”.14 �gura de Karaí Mirim, o pequeno “benzedor”,
Após as sessões de cura, as rezas são re- ilustra exemplarmente esta autonomia, pois sua
tomadas com a participação de “adultos”, inserção, bem como sua permanência no cargo,
“adolescentes” e também das “crianças”. A dão-se a partir de uma escolha pessoal baseada
participação dos Mynta� (nenês) é mais des- no seu “interesse” em participar. Ninguém tem
contraída, mas os mais velhos acreditam que os o poder de coagir uma Kÿringué a assumir este
Guarani devem participar da reza desde cedo, papel, nem a permanecer nele.
pois “aos poucos vão entendendo o sentido”. O modo autônomo pelo qual as Kÿringué
Geralmente os bebês �cam dormindo nos co- inserem-se na vida religiosa da aldeia pode ser
bertores estendidos no chão ou brincando. Vi compreendido se atentarmos a uma caracte-
algumas vezes Mbodjeré, de um ano de idade, rística fundamental da religião Guarani, que
tentando tocar um takuapu que tinha o dobro consiste na valorização da experiência religiosa
do seu tamanho e acompanhar balbuciando al- pessoal e na crença de que o aprendizado das
guns cantos. Sua mãe e outros presentes riram e rezas se dá através de uma relação direta entre
se mostraram muito orgulhosos com o feito. o indivíduo e Nhanderu. De acordo com Scha-
As rezas diárias costumam ser �nalizadas den (1974), os Guarani-Nandeva a�rmaram-
perto das 21 horas. Segundo Karaí O’ Kendá: lhe que não ensinam as rezas às crianças pois
“Os Guarani de outras aldeias viram a noite re- estas são individuais e mandadas diretamente
zando. Aqui nós não podemos pois as crianças pelas divindades. Assim, as crianças partici-
têm aula no dia seguinte...”. pam das cerimônias familiares e comunitárias,
Muitas vezes, cedo pela manhã, as Kÿringué aprendendo o que faz parte do “patrimônio
entoam músicas repentinamente. Em uma grupal” e esperando que suas rezas lhes sejam
conversa Karaí O’Kendá me falou que, por se- enviadas durante o sonho. Clastres (1978), por
rem “mais puras”, elas têm facilidade em rece- sua vez, destaca que para os Guarani as rela-
ber músicas das divindades e que quando ouve ções com o sagrado são sempre pessoais e que
alguma criança entoando uma música que nin- depende do indivíduo pessoalmente, segundo
guém conhecia antes, sabe que foi “recebida” seu desejo e esforço, alcançar a aguyje (estado
em reza. Pelo que pude perceber, a música re- de completude/perfeição, imprescindível para
se atingir a “Terra sem mal”). Aponta também
que o arandu porã (belo saber, inspirado pelas
13. A tradução literal deste termo é: o que tem coração
grande. Nde – 2a pessoa do singular, pya – coração,
guachu – grande. Um interlocutor a�rmou que, além 15. Durante a descrição de um ritual mbya e chiripá,
de “agüentar” esta palavra signi�ca “rezar com o cora- Montardo (2002: 128) chama a atenção para o fato
ção e ter coragem.” de que um pajé lhe falou que por ser muito jovem a
14. Alguns meses depois em uma visita a aldeia �quei reza de determinado rapaz de quinze anos ainda não
sabendo que ele havia voltado a participar como “au- tinha palavra. Tudo indica, poranto, que as rezas só
xiliar” das sessões de cura. passam a ter palavra na idade adulta.

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palavras dos deuses que revelam, entre outras colhido seguir o “bom caminho” indicado por
coisas, as normas do aguyje) não varia com o este líder espiritual. Esta escolha é acatada e in-
indivíduo que o detém, mas sua aquisição não centivada pelos outros Guarani, que, partindo
é coletiva e só pode ser desvendado numa co- da noção de que as Kÿringué são “seres puros e
munidade singular com as divindades. sagrados” e “fonte privilegiada de força para o
Uma outra noção que apareceu e mostrou ser bom rendimento dos processos curativos”, con-
de grande importância no contexto religioso dos sideram-nas seres aptos a lidarem com assuntos
Guarani de M’Biguaçu, presente até mesmo nos de extrema importância e delicadeza e de gran-
discursos das próprias Kÿringué, é a de “agüen- de in�uência no bem estar de todo o grupo.
tar”/ “suportar” / “ ter coragem de enfrentar”
(ndepyaguatchu) as di�culdades. Isso pode ser A participação das crianças no Coral
constatado no modo como é encarada a perma- Ÿvÿtch� Ovÿ (Nuvens Azuis)
nência ou não da Kÿringué no papel de benzedor,
interpretado como uma questão de “agüentar” a O Coral Ÿvÿtch� Ovÿ16 mantém ensaios re-
situação da cura. Este “agüentar” neste caso sig- gulares e uma agenda lotada de apresentações.
ni�ca uma disposição para o exercício da cura, Essas apresentações são realizadas durante todo
que de acordo com Karaí O’Kendá não consiste o ano, na própria aldeia, em cidades próximas
numa tarefa simples, pois implica que “a alma e até mesmo em outros estados. Além disso, o
do benzedor entre na alma do doente”, o que coral alcançou em 2003 sua mais esperada con-
exige uma certa preparação pois “os problemas quista, a gravação de um CD.17
dos outros podem ser fortes e podem causar uma Segundo Coelho (1999: 26) uma parte das
reação naquele que o está curando”. “Agüentar” canções que compõem o repertório do coral
e “ter coragem”, ambas de�nidas pelo termo são aquelas canções que o Karaí aprendeu na
ndepyaguatchu, vão de acordo com aquilo que sua infância e que ele relembrou devido a um
Clastres (1978) apontou como qualidades que interesse demonstrado por seus �lhos “em sa-
os Guarani acreditam ser essenciais para alcançar ber como eram essas canções que já estavam
o aguyje, a saber: a perseverança obstinada (mbu- esquecidas há muito tempo.” O Karaí passou a
ru), a coragem (py’ aguachu) e a força espiritual cantá-las e um de seus �lhos, Karaí Djerá (na
(mbaraete). Segundo a autora, o mburu pode ser época apenas um Kunumy – moço), fez os ar-
atribuído a quem consagra tempo aos cânticos e ranjos, “... para então ensiná-las às crianças.”
palavras, à dança e ao jejum. Apenas o manter- Em uma conversa que tive com o Karaí, este
se no esforço permite adquirir mbaraete, a força me falou: “os cantos do coral foram recebidos
por excelência, e o py’aguachu, o coração grande. por mim em reza e depois meu �lho anotou
Força e coragem para enfrentar sozinho a grande as letras e melhorou com o violão. Mais tarde
água, e desta forma chegar a yvy marã ey. ele mesmo passou a ‘recebê-los’ em sonho e até
Se partirmos da fala do Karaí de que cada mesmo durante o dia. Nhanderu lhe falou o
um “escolhe seu próprio caminho”, podemos que ele devia cantar...”.
a�rmar que em M’Biguaçu as Kÿringué têm es- Apesar do coral não ser constituído apenas

16. De acordo com Clastres (1990: 35), entre os Guarani:


“ São chamadas de azuis todas as coisas e todos os seres
não-mortais que povoam o território celeste do divino.”
17. CD Nh�e garai marã eÿn. FAPEU, BADESC, Gover-
no do Estado de Santa Catarina, 2003.

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pelas Kÿingué, os Guarani costumam referir-se a mento com os djuruá (não-índios).


ele como “coral das crianças”.18 Os componen- De acordo com outro interlocutor, a cate-
tes do coral vestem-se com trajes elaborados por goria dos Yvyraidja, a qual pertencem as duas
Karaí Djerá a partir de visões. Os trajes apresen- pequenas Kunhã í e os dois Ava í, tem grande
tam diferentes cores, às quais correspondem ca- importância pois considera-se que eles cuidam
tegorias mitológicas. A cor vermelha, utilizada dos mais velhos. Isto está de acordo com uma
pelos Tudja (adulto), corresponde à categoria das de�nições apontada por Montardo (2002:
do Sondaro (Guerreiro). A cor verde, utilizada 32-33) para o termo Yvyra’ija, como seres que
pelos Kunumy (moço), corresponde à categoria protegem as pessoas em situações difíceis. Meu
dos Sondaro mirim (pequeno soldado). A cor interlocutor me falou ainda que eles são conside-
branca, utilizada pelos Ava í (menino) e Kunhã rados os “donos da palavra”, atentando-me para
í (menina) menores, corresponde à categoria o fato de que são eles que ao término de cada
dos Yvyraidja (dono da madeira pequena).19 E canção pronunciam em alto tom “Aguydjeuete!”,
a cor azul, utilizada pelas Vaiv� (mulher), Ku- ao que os outros respondem “Aguydjeuete!”.
nhãta í (moça) e Kunhã í (menina) que estão A classi�cação dos componentes nessas ca-
prestes a tornarem-se Kunhãta í, corresponde à tegorias guardam certo grau de equivalência
categoria das Sondarya í (ya – indica �exão de com a atuação dos mesmos nas rezas e com as
gênero). Ocorre portanto, uma reclassi�cação categorias que eles então assumem. Isto pode
das categorias de idade em termos de categorias ser vislumbrado na fala deste interlocutor:
mítico-religiosas.
Segundo a explicação de um interlocutor: Os Sondaro do Coral são aqueles mesmos que
conduzem os cantos na Opÿ, tocam o mbaraká
Os Sondaro são aqueles que comandam o e o ravé. Os Sondaro mirim são os que tocam os
coral e os Sondaro mirim, são seus “aprendizes”. outros instrumentos nas rezas. As Sondarya í são
As Sondarya í, são as pequenas soldadas... Es- as Karaí Kunhã, meninas, moças e mulheres que
ses termos têm a ver com guerras entre grupos cantam e tocam o takuapu. Os Yvyraidja são os
indígenas que não existem mais. Hoje a gente pequenos que ajudam o Karaí.
ataca e se defende do mundo aí fora...
Portanto os Guarani entendem que a cada
Essas categorias são utilizadas, portanto, em categoria do coral corresponde uma categoria
um sentido bélico que remete a um passado de reza. A categoria Sondaro, que, segundo um
povoado por guerras intertribais. Na atualida- interlocutor, não é acionada durante as rezas,
de esta atitude guerreira seria acionada frente aparece no coral. Ela é desempenhada pelos Ava,
aos perigos cotidianos, entre estes o relaciona- que são aqueles que durante as rezas cumprem

18. Durante a redação da dissertação assisti a uma apresen-


tação feita apenas por “crianças” e “adolescentes”, sem
a presença de homens e mulheres. Surpreendeu-me a
con�ança dos Guarani no trabalho dos mais jovens.
19. Este termo tanto é utilizado para designar a todos
os Ava (homens) durante as rezas, que são concebi-
dos sem exceção como auxiliares do Karaí, como é
utilizado em referência a seus “auxiliares especiais”,
que exercem com ele especi�camente as atividades
de cura.

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o papel de Yvyraidja, entendido aqui no sentido reunir-se na entrada da aldeia e esperar o ônibus
de auxiliar do xamã de modo geral. Os termos locado pela instituição que os contratou, o qual
Yvyraidja e Sondaro20 são deste modo aproxima- vem buscá-los para levá-los até o local onde a
dos, tornados equivalentes, no nível reza-coral. apresentação será feita. As Kÿringué são sem-
Os meninos que são classi�cados como Yvyraid- pre as primeiras a descer a aldeia para esperar
ja no coral são justamente os que recebem a a chegada do ônibus. Enquanto o ônibus não
denominação Yvyraidja í nas rezas por serem chega, os instrumentos vão sendo a�nados, e as
“auxiliares” especiais do Karaí durante as curas. Kunhã í e Kunhãta í retocam suas vestimentas,
A continuidade em relação à Opÿ faz-se notar cabelos, fazem maquiagens e põem colares. As
durante os próprios ensaios que lá são realizados ao Kunhãta í ajeitam as Kunhã í, ajudando-as a se
entardecer. Coelho (1999) a�rma que, segundo o vestir, fazendo tranças em seus cabelos, ou en-
que os Guarani lhe disseram, a Opÿ foi construída feitado-as com colares e pintando suas faces.
para se ter um lugar para “cantar e ensaiar”. Esta incursão ao mundo djuruá toma a
Os Sondaro se responsabilizam em organizar característica de um passeio. É marcada pela
o espaço, preparar os instrumentos musicais, e descontração e alegria, mas, ao mesmo tem-
exigir que todos os componentes compareçam po, exige o seguimento de algumas regras de
aos ensaios. E ainda são eles que chamam a comportamento, entre as quais: o cuidado em
atenção daqueles que se mostram distraídos ou não se afastar do grupo e o respeito ao “modo
estão conversando. Durante um dos ensaios que de ser do branco”. As crianças costumam ser
presenciei, ao perceber o pouco envolvimento bastante silenciosas ao longo da viagem de ôni-
de algumas Kunhã í e Kunhãta í, o Sondaro Ka- bus, algo que contrasta com o comportamento
raí Djerá pediu a todos que parassem de cantar das crianças não-índias em ônibus escolares ou
e dançar e proferiu um discurso em tom solene, turísticos. Vez ou outra as Kÿringué entoam al-
durante o qual falou: “Todos nós temos que gum canto durante o trajeto.
nos ‘concentrar’, cantar pensando no Nhande- Em todas as apresentações chamou-me aten-
ru e não ter vergonha dos outros...”.21 Após essa ção a presença de familiares. Entre eles destaco a
fala os componentes fumaram um petynguá, presença do tcheramõi (avô) e da tchejarÿ í (avó).
passando-o de mão em mão, e recomeçaram a O tcheramõi que, como já foi dito, é o Karaí,
cantar e dançar com muito entusiasmo. costuma ser chamado para discursar ao público a
Nos dias de apresentação todos costumam respeito da situação atual dos Guarani e da vida
em M’Biguaçu. Puxa o canto Nh� e mbaraete
(traduzido como “O poder do grande espírito”22)
20. Na literatura (Mello 2001; Montardo 2002, entre
outros) o termo Yvyraidja é utilizado no sentido de que costuma ser evocado por ele durante as rezas
“mestre do Sondaro”, o que aponta para uma equiva- na Opÿ. Karaí O’Kendá apresenta o coral, res-
lência entre ambos. ponde às perguntas feitas pelo público, e faz al-
21. Montardo (2002: 242) já apontou a importância da guns comentários sobre a letra das canções.
concentração para os Guarani no cotidiano e nos As apresentações feitas pela manhã contam
rituais xamanísticos. Em relação aos rituais, a�rma
como atividade de aula e são assistidas pelas
que “ocorre uma alteração ou ampliação de estado de
consciência provocada pela conjugação de vários fa- crianças pongué (“mestiças”). Estas crianças cos-
tores, sendo um deles a concentração”. Ainda segundo tumam prestar atenção no coral durante certo
a autora: “Entre os Guarani a concentração é uma tempo, mas logo cansam-se e começam a brin-
atitude valorizada também no cotidiano. A pessoa
deve estar inteira no que está fazendo. (...) No caso 22. Tradução retirada do encarte do CD anteriormente
do ritual, esta concentração é levada ao extremo”. citado.

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car. Muitas vezes fazem barulho enquanto o coral Apresentações em cidades distantes causam
está se apresentando, o que causa certo descon- grande empolgação nas crianças, são comenta-
forto por parte dos Guarani, que tecem comen- das vários dias antes de acontecerem e reque-
tários a respeito de seu “mau comportamento”. rem ensaios mais árduos. Costumam envolver
Durante as apresentações, os componentes um número maior de familiares, principalmen-
cantam sempre com muito a�nco e os Guara- te as mães que vão para cuidar dos seus �lhos.
ni que estão na platéia acompanham atencio- O coral também realiza apresentações na
samente. O modo apaixonado com o qual as própria aldeia, quando há visitas de turmas
Kÿringué realizam as apresentações não passa de estudantes djuruá de escolas próximas. As
despercebido pelos djuruá, que ao observá-los Kÿringué pouco interagem com os estudantes.
cantando e dançando de olhos fechados, excla- Algumas se escondem quando avistam um ôni-
mam frases como: “Que concentração!”. bus escolar subindo o morro que dá acesso à
Em épocas festivas para os djuruá, especial- aldeia. No entanto, mostram-se sempre entu-
mente na “Semana do dia do índio”, o coral siasmadas a apresentar o coral. Ao perguntar-
costuma se apresentar várias vezes. Nos interva- lhe sobre o que achava das visitas dos estudantes
los das apresentações, os “adolescentes” e “adul- djuruá, uma Kunhã í não hesitou em respon-
tos” costumam sentar-se nos pátios externos der: “Eu gosto porque a gente canta!”.
das escolas e estádios, onde se apresentam, para É certo que o Coral Yvÿchÿ Ovÿ consiste
conversar e fumar. As Kÿringué aproveitam es- numa fonte de renda alternativa para a aldeia. E,
sas pausas para brincar muito nas quadras de ainda, que consiste num novo modo de interação
esporte, nos parquinhos, ou em qualquer local entre os Guarani e os djuruá, no qual o canto e
onde possam se movimentar à vontade. Às ve- a dança são eleitos como símbolo diacrítico. Po-
zes aproveitam para coletar pequenas sementes rém, mais do que isso, a existência de um coral
que caem das árvores, guardando-as em seus envolve signi�cados religiosos de grande impor-
bolsos para utilizá-las na confecção de colares. tância interna para o grupo. O coral revela sobre-
Nos períodos de intervalo ocorre uma tudo um investimento consciente e sistemático
maior interação entre os Guarani e os djuruá. no ensino-aprendizagem de cantos, danças e
As crianças djuruá olham com curiosidade toques de instrumentos e de certas disposições,
para as Kÿringué Guarani e procuram se apro- como a concentração (edjapitchaka). Daí a im-
ximar destas por meio de perguntas variadas prescindibilidade da participação do Karaí, que
sobre a vida na aldeia, tais como: “O que vocês é considerado detentor privilegiado dos saberes
comem lá?” e até mesmo: “Como é o Natal na “tradicionais” Guarani, e o envolvimento de
aldeia?”. As Kÿringué Guarani costumam res- adultos, jovens e crianças. O teor educativo do
ponder com poucas palavras ou simplesmente coral pode ser vislumbrado numa a�rmação de
não respondem. Pude observar que algumas Karaí O’Kendá que, ao ser perguntado sobre o
vezes isso ocorre porque elas nem mesmo signi�cado das canções que compõem o repertó-
compreendem as perguntas que lhes foram rio do coral, respondeu: “As canções falam sobre
feitas. Em geral, as Kÿringué mantêm um certo as crianças, a educação e a religião.”
distanciamento das crianças “não-índias” que O aprendizado das crianças se dá ao mes-
me parece estar pautado num sentimento de mo tempo em que são imbuídas de desempe-
timidez ou vergonha. Mas isso pode variar de nhar um papel de destaque na vida do grupo,
acordo com o modo de abordagem adotado tomando a posição de protetores, guardiões
pelas crianças não-índias. e guerreiros do grupo. Em reza, as categorias

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Yvyraidja, Sondaro e Sondarya í são acionadas tar um aspecto convencional – quadro negro,
no enfrentamento dos perigos do mundo so- carteiras distribuídas em �leiras e mesa para os
brenatural. No caso do coral, parece haver um professores a frente –, a forma como as Kÿringué
duplo sentido: são acionadas na mediação com guarani dão vida a este cenário é peculiar. As
um Outro, os djuruá. crianças sentam-se sobre suas pernas, debru-
O coral representa também uma oportuni- çam-se sobre as mesas, mexem-se bastante.
dade de sair da aldeia, algo que pouco ocorre Durante as aulas, há um burburinho contínuo,
no seu cotidiano. Durante o passeio ao “mun- uma constante circulação das crianças pela sala
do do djuruá”, pode-se a�rmar que as Kÿringué de aula, um entra e sai de crianças pequeninas
elegem como modo privilegiado de interação o que ainda não ingressaram na escola e também
canto, ocupando assim posição de destaque do de suas mães.
qual detêm um saber (musical e cosmológico) O ensino-aprendizado dos saberes “não-
respeitado e apreciado pelo outro. índios” é realizado apenas na medida em que
consiste num instrumento para a luta por di-
A Escola na vida das Kyringué Guarani reitos do grupo e para a intensa convivência
com os djuruá. O foco central da escola está
Durante os dias de semana, as Kyringué voltado para o que os Guarani consideram ser
Guarani que possuem aproximadamente entre o “conhecimento tradicional da sua cultura”.
sete e dez anos de idade freqüentam a escola Esse conhecimento é tematizado por meio do
presente na aldeia. Acordam entre seis e sete da desenvolvimento de projetos junto à liderança
manhã e vestem suas roupas. Fazem uma refei- religiosa do grupo, o Karaí, tcheramõi (avô) de
ção, muitas vezes preparada por elas mesmas, grande parte das crianças.
que consiste geralmente em café preto, acom- Pude acompanhar o desenrolar de alguns
panhado de mbojapé ou tchipa í (pão e bolinho projetos. Um deles consistiu na plantação de
feitos à base de trigo e água), pegam seu mate- mudas por parte das Kÿringué em um terreno
rial escolar e partem para a escola para partici- acima da escola. Cada criança acompanhou o
parem das aulas, que iniciam mais ou menos às desenvolvimento de sua muda, realizando vi-
oito horas da manhã. sitas semanais à plantação nas quais mediam
O ambiente da escola é composto por seu tamanho, veri�cavam o quanto ela cres-
apenas uma sala de aula, que comporta uma ceu e a regavam quando necessário. Tudo isso
turma de alunos multi-seriada, uma turma de foi registrado através de anotações e desenhos
“alfabetização” (que corresponde ao 1o ciclo) e realizados em um diário especí�co para este
uma de “complemento” (correspondente ao 2o �m. Nessa atividade estavam sendo trabalha-
ciclo). Metade dos alunos do primeiro ciclo e dos conceitos da biologia e matemática. As
dois alunos do segundo ciclo fazem parte de fa- Kÿringué envolveram-se bastante nesse projeto,
mílias consideradas pongué (mestiças). Os alu- entusiasmando-se nos períodos em que visita-
nos Guarani e mestiços, do 1º ciclo, sentam-se vam suas “plantinhas”. Uma Kunhã í (menina),
diariamente em lados opostos da sala, apesar chegou a apresentar uma sugestão que foi aca-
de cursarem ambos o mesmo ciclo. O professor tada por todos: fazer fotogra�as de cada aluno
guarani Karaí O’Kendá leciona para a turma junto a sua planta. Essas fotogra�as foram a�-
do primeiro ciclo e a professora não-índia Isa- xadas em porta-retratos produzidos pelas pró-
bel Eiko leciona para o segundo. prias Kÿringué em sala de aula e entregues aos
Apesar do espaço físico da escola apresen- seus pais como presente do “Dia dos Pais”.

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Tive a oportunidade de observar também um vimento de uma abordagem dialógica dos sabe-
projeto de construção de uma maquete de argila res Guarani e não-índios em suas aulas.
da Opÿ. Karaí O’Kendá, que possui grandes ha- Pode-se a�rmar que em M’Biguaçu a es-
bilidades artísticas, esteve à frente dessa atividade. cola está numa relação de continuidade com
As Kÿringué por sua vez não deixaram de ajudar, a vida da aldeia e constitui-se num espaço de
trazendo ripas de madeira, modelando a argila e (re)construção de relações sociais de grande
dando palpites: “O tcheramõi (avô) não vai caber aí importância para o grupo. Apesar da existên-
dentro!”, “Vamos ter que diminuir o tcheramõi!”. cia de professores, na escola, o líder espiritual,
Pesquisas relacionadas a rituais de cura e �gura central no contexto atual da aldeia, é re-
cerimônias Guarani são realizadas com fre- conhecido como aquele que deve ser ouvido.
qüência e costumam suscitar grande envolvi- As Kÿringué valorizam esta inserção da esco-
mento por parte das Kÿringué. Durante uma la na vida aldeã, participando com entusiasmo
pesquisa os alunos do 2º ciclo ouviram o Karaí das atividades referentes à “tradição”. No depoi-
falar sobre o poder curativo do uso do petyn- mento de uma kunhã í:
guá (cachimbo) e de ervas medicinais dentro
da Opÿ. Como atividade complementar reali- Já estudei em outra escola, mas gosto mais daqui
zaram desenhos de objetos rituais, atribuindo porque a gente estuda Guarani e Português. Se-
seus respectivos nomes, e sob a orientação do não a gente fala só Português, e isso é ruim, por-
professor Karaí O’Kendá elaboraram pequenos que a gente perde nossa cultura. Na outra semana
petynguá de argila. vamos fazer história de ervas que a gente conhece.
Outro tipo de atividade realizada na escola Lá em casa tem uma árvore bem grandão que tem
são as caminhadas pelo território da aldeia sob a uma folha assim... Meu pai tira, coloca na panela,
orientação do Karaí, que indica para as crianças faz e a gente toma quando dá dor de cabeça. Às
os nomes das espécies de plantas que compõem vezes eu sozinha vou no mato, buscar remédio,
o terreno e suas propriedades medicinais. quando minha mãe tá doente. Na semana que
Todos esses projetos, além de outros aqui vem os professores vai tirar foto e a gente vai es-
não citados, tiveram a participação ou até crever. Vamos no mato e o tcheramõi vai pra tirar
mesmo a idealização (como é o caso dos dois o remédio. O remédio do índio é mais forte.
primeiros) do Karaí. Além dos projetos reali-
zados em parceria com o mais velho da aldeia, Considerações Finais: As crianças, a
as crianças têm semanalmente momentos de educação e a religião
aprendizagem da confecção de artesanato (ces-
taria e colares) na escola, com Karaí O’Kendá. Acompanhamos a descrição da atuação das
Não posso deixar de salientar que essa situa- Kÿringué Guarani da aldeia M’Biguaçu em três
ção é favorecida pela existência de um consenso contextos fundamentais no processo de “valori-
entre os professores em relação ao que deve ser zação da tradição”: as rezas, o coral e a escola. O
tematizado na escola. Karaí O’ Kendá, além de “resgate e a valorização da tradição Guarani” tem
professor, tem ocupado um papel importante como elemento central a religiosidade, que tanto
na vida religiosa da aldeia, pois vem se aprimo- é acionada na criação de um ethos interno, como é
rando a cada dia como “benzedor”. A professora eleita símbolo diacrítico na relação com os djuruá.
Isabel assume uma postura de “pesquisadora da A “valorização da tradição” signi�ca fundamental-
cultura Guarani”, consultando sempre os mais mente uma preocupação em “não esquecer-se de
velhos, especialmente o Karaí, para o desenvol- Nhanderu” e em manter uma comunicação inten-

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sa com este por meio das rezas. Centralizado que cantos, danças e toque de instrumentos, mas
está nos saberes do Karaí, o “resgate da tradição” também em receber os ensinamentos referentes
exige uma atitude pedagógica, de ensino-apren- ao exercício de cura. Isso implica fundamen-
dizagem desses saberes. Essa pedagogia envolve a talmente em um ensino-aprendizado de técni-
todos, e dá-se mediante um duplo movimento: cas e posturas corporais e o desenvolvimento
uma “preocupação” em ensinar, por parte das ge- de uma certa resistência física e psicológica
rações mais velhas, e um “interesse” em aprender, para se “agüentar” (pyaguatchu) a permanência
por parte das gerações mais jovens, entre estas as nas rezas, que além de envolverem sentimentos
Kÿringu, de modo que tanto quem ensina como intensos, muitas vezes têm um longo período
quem aprende são considerados sujeitos no pro- de duração. A importância da “concentração”
cesso de ensino-aprendizagem. (edjapychaka), de “escutar seu coração e o de
O caráter coletivo da noção de educação Nhanderu” também é ressaltada.
Guarani e a inter-relação entre o ensino e a Desde sua idealização, a formação de um
aprendizagem podem ser notados na própria “Coral de Crianças” esteve marcada pela inten-
composição dos termos utilizados em referên- ção de constituição de um contexto de ensino-
cia aos atos de ensinar e aprender. Os Guarani aprendizagem voltado mais especi�camente à
de M’Biguaçu se referem à palavra aprender por educação das Kÿringué. O termo pelo qual os
Nhanhembo’é, que traduzem literalmente como Guarani de M’Biguaçu se referem à palavra en-
“Vamos aprender” (nhanhe – vamos, mbo’é – saiar é o mesma pelo qual se referem à palavra
aprender), o que remete a uma concepção que aprender, Nhanhembo’é. Em relação de con-
preza a coletividade. A partícula mbo’é, que foi tinuidade com a Opÿ, a participação no coral
traduzida por meus interlocutores como apren- propicia uma formação no mesmo sentido.
der, também é utilizada por estes em referência A implantação de uma escola, do mesmo
ao ensinar. Há, portanto, uma sinonímia entre modo, envolveu uma preocupação com a edu-
os dois termos, o que indica uma aproximação cação das Kÿringué. No processo de “resgate”
entre as duas ações. Em uma pesquisa etimo- cabe às Kÿringué, além do aprendizado da lín-
lógica no dicionário de Dooley (1999), pude gua e da história, a problematização de assuntos
veri�car que Nhanhembo’é é composta pela referentes à vida religiosa da aldeia, na qual elas
partícula /nha/, que indica 3a pessoa do plural, mesmas estão ativamente inseridas. Espaço de
/nhe/, que indica pronome re�exivo, e /mbo’e/, ensino-aprendizagem da “tradição”, a escola é
ensinar. Ou seja, uma tradução literal formal chamada pelos Guarani de nhanhemboeaty, que
deste termo seria: Nós nos ensinamos, o que eles traduzem literalmente como “lugar onde a
aponta para uma noção de aprendizagem como gente aprende”.
espécie de auto-ensinamento coletivo. Apesar de haver claramente uma intenção
O ensino-aprendizagem da tradição não se das gerações mais velhas na formação das ge-
dá de modo “natural”, mas implica na constitui- rações mais novas, esta não é concebida como
ção de contextos de prática e agência favoráveis uma mera assimilação de saberes e exige um
ao desenvolvimento de processos educativos. envolvimento consciente e prático das crianças.
A construção da Opÿ, idealizada pelo Karaí, Nas rezas e no coral, enquanto aprendem, as
e sua ativação como um locus de realização de Kÿringué simultaneamente assumem posições
rezas envolveu grande parte dos Guarani de que possuem importante signi�cação mítico-
M’Biguaçu. Fundamental foi o interesse de religiosa. São consideradas “protetoras”, “auxi-
alguns, dentre estes as Kÿringué, em aprender lares” (Yvyraidjá) e “guerreiras” (Sondaro mirim
/Sondarya) e atuam como mediadoras dos
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adultos na relação com dois Outros: o “mundo de modo autônomo a direção indicada pelo
sobrenatural” e o “mundo djuruá”. Na escola, Karaí, o tcheramõi (avô).
o bom andamento dos projetos depende prin- O fato de “escutarem” Nhanderu não im-
cipalmente de seu envolvimento nos mesmos. pede que tenham um certo deslumbramento
A partir do ponto de vista Guarani, pode-se em relação aos djuruá, e que estejam sempre
a�rmar que aquilo que a criança aprende com dispostas a realizar incursões a este “outro
o grupo, especialmente com o Karaí, consiste mundo”. Mas mesmo nesses momentos é à
apenas em meios para se atingir um tipo mais “tradição” que recorrem para se relacionar com
pleno de aprendizado, aquele que se dá dire- o Outro. Ao eleger o canto como modo privi-
tamente entre o indivíduo e o Nhanderu, as legiado de comunicação interétnica, escolhem
divindades e os antepassados. O líder religioso assumir-se como crianças Guarani.
é quem indica o “bom caminho”, aponta para En�m, as Kÿringué Guarani de M’Biguaçu
a “direção” que leva a Nhanderu. Cabe ao pró- assumem em seu dia-a-dia papéis de extrema
prio indivíduo, a partir de seu “interesse”, “es- importância para a vida social do seu grupo: são
colher” segui-lo ou não. Como escolhedoras de crianças-religiosas, crianças-cantoras e crianças-
seus próprios “caminhos”, as Kÿringué seguem estudantes. Apesar da seriedade inerente a estes
papéis, estas Kÿringué não deixam de encontrar
modos de, em meio a estas experiências, ocu-
par grande parte de seu tempo em brincadeiras,
ensinando aos adultos que não precisam deixar
de lado a vivência lúdica do mundo para par-
ticiparem ativamente do processo de fazer-se
Guarani na atualidade.

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