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DIREITO CONSTITUCIONAL E METODOLOGIA JURÍDICA

GRAAL DA PROVA ORAL DO 29º CPR – 10/2018


Organizado por Valdir Monteiro Oliveria Júnior

Sumário
1. TEORIA GERAL DO ESTADO.................................................................................................... 5
6B. Federalismo. Concepções e características. Classificações. Sistemas de repartição de
competência. Direito comparado. ......................................................................................... 5
3A. Divisão de poderes. Conceito e objetivos. História. Independência e harmonia entre
poderes. Mecanismos de freio e contrapesos. ....................................................................... 8
14A. Democracia. Conceito. História. Fundamentos. Democracia representativa e
participativa. Teorias deliberativa e agregativa da democracia. Instrumentos de democracia
direta na Constituição de 1988. ........................................................................................... 11
2. FILOSOFIA POLÍTICA ............................................................................................................ 13
11A. Liberalismo igualitário, comunitarismo, procedimentalismo e republicanismo. Suas
projeções no domínio constitucional. .................................................................................. 13
25A. Pluralismo jurídico. As fontes normativas não estatais. ............................................... 16
3. CONSTITUCIONALISMO ....................................................................................................... 18
1A. Constitucionalismo: trajetória histórica. Constitucionalismo liberal e social.
Constitucionalismo britânico, francês e norte-americano. ................................................... 18
14C. A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituições de 1824, 1891, 1934, 1937,
1946, 1967, 1969. A ditadura militar e os atos institucionais. A assembleia constituinte de
1987/88. ............................................................................................................................. 27
24A. Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito e judicialização da política. ... 32
4. PODER CONSTITUINTE......................................................................................................... 36
5A. Poder Constituinte originário. Titularidade e características. ......................................... 36
6A. Poder constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. Cláusulas pétreas
expressas e implícitas. As mutações constitucionais. ........................................................... 38
8A. Poder constituinte estadual: autonomia e limitações. ................................................... 40
13A. Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da recepção. Disposições constitucionais
transitórias.......................................................................................................................... 41
5. NORMAS CONSTITUCIONAIS ............................................................................................... 43
9B. Norma jurídica e enunciado normativo. Características da norma jurídica. .................... 43
4B. Normas constitucionais. Definição. Estrutura. Classificações. Princípios e regras.
Preâmbulo. Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988...................................... 47
6. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL ..................................................................................... 49
2C. Hermenêutica e Teorias da argumentação jurídica. ....................................................... 49
21B. Interpretação jurídica. Métodos e critérios de interpretação. ...................................... 51
12B. Critérios clássicos de resolução de antinomias jurídicas. .............................................. 54

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17B. A metodologia jurídica no tempo. A Escola da Exegese. Jurisprudência dos conceitos,
jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores. O realismo jurídico.
Neoformalismo. O pós-positivismo jurídico. ........................................................................ 56
22A. O papel das pré-compreensões no Direito. Interpretação, moralidade positiva e
moralidade crítica. .............................................................................................................. 61
4C. Lacunas e Integração do Direito: analogia, costumes e equidade. .................................. 63
7C. Os Princípios gerais de direito ....................................................................................... 65
10A. Interpretação constitucional. Métodos e princípios de hermenêutica constitucional. .. 66
2A. Constituição e Cosmopolitismo. O papel do direito comparado e das normas e
jurisprudência internacionais na interpretação da Constituição. .......................................... 69
11C. Colisão entre normas constitucionais. Ponderação e juízo de adequação. Princípios da
Proporcionalidade e da Razoabilidade. ................................................................................ 71
7. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ............................................................................... 75
12A. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. Direito
comparado. Legitimidade democrática................................................................................ 75
16C. Controle concreto de constitucionalidade. O Recurso Extraordinário. ......................... 78
18C. Controle abstrato de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. .................................................... 82
22B. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Técnicas decisórias na jurisdição
constitucional ..................................................................................................................... 95
25B. Inconstitucionalidade por omissão. Ação Direta e Mandado de Injunção. .................... 98
8. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ........................................................................... 101
6C. Direitos fundamentais. Concepções. Características. Dimensões Objetiva e Subjetiva.
Eficácia vertical e horizontal. ............................................................................................. 102
20C. Limites dos direitos fundamentais. Teorias interna e externa. Núcleo essencial e
proporcionalidade. Os "limites dos limites". ...................................................................... 107
16B. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. ............................ 109
22C. Direito fundamental à moradia e à alimentação. ....................................................... 111
23A. Direitos fundamentais culturais. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à
diferença e ao reconhecimento. ........................................................................................ 114
19A. Liberdade de expressão, religiosa e de associação. O princípio da laicidade estatal. Os
direitos civis na Constituição de 1988. ............................................................................... 117
17C. Direitos sexuais e reprodutivos.................................................................................. 122
13C. Princípio da isonomia. Ações afirmativas. Igualdade e diferença. Teoria do impacto
desproporcional. Direito à adaptação razoável. ................................................................. 124
23C. Direitos fundamentais processuais: acesso à justiça, devido processo legal,
contraditório, ampla defesa, vedação de uso de provas ilícitas, juiz natural e duração
razoável do processo. ........................................................................................................ 126
15A. Controle jurisdicional e social das políticas públicas. Serviços de relevância pública. O
papel do Ministério Público. .............................................................................................. 130

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9. DIREITOS SOCIAIS .............................................................................................................. 132
12C. Princípios Constitucionais do Trabalho. Os Direitos Fundamentais do Trabalhador. ... 132
4A. Direitos sociais: enunciação, garantias e efetividade. Princípio da proibição do retrocesso.
Mínimo existencial e reserva do possível. .......................................................................... 134
10.NACIONALIDADE .............................................................................................................. 137
10B. Nacionalidade brasileira. Condição jurídica do estrangeiro. ....................................... 137
11.DIREITOS POLÍTICOS ......................................................................................................... 140
15B. Direitos Políticos. O papel da cidadania na concretização da Constituição ................. 140
12.FEDERAÇÃO BRASILEIRA................................................................................................... 141
7B. União Federal: competência e bens. ............................................................................ 141
3C. Estado-membro. Competência. Autonomia. Bens. ....................................................... 143
5C. Município: criação, competência, autonomia. Regiões metropolitanas. ....................... 147
10C. Intervenção federal nos Estados e intervenção estadual nos Municípios. .................. 152
13.ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................................................................... 153
11B. Princípios constitucionais sobre a Administração Pública........................................... 153
14.PODER LEGISLATIVO ......................................................................................................... 156
1B. Poder Legislativo. Organização. Atribuições do Congresso Nacional. Competências do
Senado e da Câmara. Legislativo e soberania popular. A crise da representação política. .. 156
15C. Regime constitucional dos parlamentares. Imunidades e incompatibilidades. ........... 160
24B. Estatuto constitucional dos agentes políticos. Limites constitucionais da investigação
parlamentar. Crimes de responsabilidade. Controle social, político e jurisdicional do
exercício do poder. O princípio republicano. ..................................................................... 164
7A. Processo legislativo. Emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei
delegada, medida provisória, decreto legislativo e resolução. O processo de incorporação
dos tratados internacionais. Devido processo legislativo. .................................................. 168
15.PODER EXECUTIVO ........................................................................................................... 172
2B. Poder Executivo. Histórico. Presidencialismo e Parlamentarismo. Presidencialismo de
coalizão. Presidente da República: estatuto. Competências. Poder normativo autônomo,
delegado e regulamentar. Ministros de Estado.................................................................. 172
16.PODER JUDICIÁRIO ........................................................................................................... 176
3B. Poder Judiciário: organização e competência. Normas constitucionais respeitantes à
magistratura. O ativismo judicial e seus limites no Estado Democrático de Direito. ........... 176
5B. Supremo Tribunal Federal: organização e competência. Jurisdição constitucional. ...... 185
23B. Súmula vinculante. Legitimidade e críticas. Mecanismos de distinção. ....................... 188
25C. Conselho Nacional de Justiça. História, composição, competência e funcionamento . 189
17.FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA ...................................................................................... 192
1C. Ministério Público: História e princípios constitucionais. Organização. As funções
constitucionais do Ministério Público. ............................................................................... 192

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21A. Conselho Nacional do Ministério Público. História, composição, competência e
funcionamento. ................................................................................................................ 195
24C. As funções essenciais à Justiça: Advocacia privada e pública. Representação judicial e
consultoria jurídica da União, dos Estados e do Distrito Federal. A Defensoria Pública ...... 198
18.DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS ............................................... 200
8C. Defesa do Estado e das instituições democráticas. Estado de defesa. Estado de sítio.
Papel constitucional das Forças Armadas. ......................................................................... 200
9C. Segurança Pública na Constituição. O papel das instituições policiais. ......................... 202
19. FINANÇAS PÚBLICAS........................................................................................................ 206
20A. Finanças Públicas na Constituição. Normas Orçamentárias na Constituição. .............. 206
18A. Orçamento público: controle social, político e jurisdicional. ...................................... 209
20. ORDEM ECONÔMICA....................................................................................................... 212
21C. Ordem constitucional econômica. Princípios constitucionais da ordem econômica.
Intervenção estatal direta e indireta na economia. Regime constitucional dos serviços
públicos. Monopólios federais e seu regime constitucional. .............................................. 213
13B. Regime constitucional da propriedade. Função socioambiental da propriedade.
Desapropriação e requisição. ............................................................................................ 216
8B. Política Agrária na Constituição. Desapropriação para Reforma Agrária. ...................... 218
21.ORDEM SOCIAL ................................................................................................................ 221
14B. Previdência social e assistência social. ....................................................................... 221
19C. Direito à Saúde. Sistema Único de Saúde na Constituição. Controle Social. O Direito de
Acesso às Prestações Sanitárias......................................................................................... 223
16A. Direito fundamental à educação. A educação na Constituição Federal. ..................... 227
9A. Comunicação social. A imprensa na Constituição. Liberdades públicas, acesso à
informação e pluralismo.................................................................................................... 231
17A. Proteção constitucional à família, à criança, ao adolescente e ao idoso. .................... 235
18B. Direitos das pessoas portadoras de deficiência. A Convenção da ONU sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. ................................................. 238
22.ÍNDIOS, QUILOMBOLAS E MINORIAS ................................................................................ 243
20B. Índios na Constituição. Competência. Ocupação Tradicional. Procedimento para
Reconhecimento e Demarcação dos Territórios Indígenas. Usufruto. ................................ 243
19B. Direitos das comunidades remanescentes dos quilombos e de comunidades
tradicionais. ...................................................................................................................... 248

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1. TEORIA GERAL DO ESTADO
1.1 Federalismo. Concepçõ es e caracterı ́sticas. Classificaçõ es. Sistemas de repartição de
competê ncia. Direito Comparado. (6.b)
1.2 Divisão de poderes. Conceito e objetivos. História. Independê ncia e harmonia entre poderes.
Mecanismos de freios e contrapesos. (3.a)
1.3 Democracia. Conceito. História. Fundamentos. Democracia representativa e participativa.
Teorias deliberativa e agregativa da democracia. Instrumentos de democracia direta na
Constituição de 1988. (14.a)

6B. Federalismo. Concepções e características. Classificações. Sistemas de repartição de


competência. Direito comparado.

Atualizado por Igor Lima Goettenauer de Oliveira

I. Noções Gerais

No Brasil, a federação surge provisoriamente através do Decreto n. 1, de 15.11.1889,


juntamente com a forma republicana de governo, tomando assento constitucional na Carta de
1891. As Constituições posteriores mantiveram a forma federativa de Estado, embora o
federalismo nas Constituições de 1937 e de 1967, bem como durante a vigência da Emenda n.
1/69, tenha sido apenas nominal (“federalismo de fachada”).

No Federalismo clássico, ou dual, a repartição do poder é rigidamente dividida entre a


União (Poder Central) e os Estados (Poder Regional). O federalismo brasileiro atual é tricotômico,
pois engloba a União (Poder Central), os Estados (Poder Regional), o Distrito Federal e os
Municípios (Poder local). Os territórios não são entidades federais, mas meras autarquias
territoriais integrantes da União.

Segundo José Afonso da Silva, para que haja autonomia federativa, são necessários os
seguintes elementos: 1. órgãos próprios de cada entidade (união, estados e municípios); e 2.
posse de competências exclusivas de cada entidade.

União. A União, pessoa jurídica de direito público, possui uma visão interna, relativa aos demais
estados federados, e uma visão externa, em face dos demais Estados estrangeiros. Internamente,
age a União em pé de igualdade com os outros entes da Federação, sendo detentora de deveres
e obrigações. No âmbito externo, ela representa todo o Estado Federado na figura da República
Federativa do Brasil, como se fosse ele unitário, já que o direito internacional não reconhece a
personalidade jurídica dos estados-membros e municípios, naquele âmbito. Neste sentido, vide
art. 29 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.

Estados federados. São coletividades regionais autônomas, sem soberania, porém autonomia.
Entre os Estados e a União não há hierarquia, convivendo todos num mesmo nível jurídico. A
autonomia define-se como condição “de gerir os negócios próprios dentro dos limites fixados por
poder superior”, caracterizando-se pela capacidade de autogoverno, auto-organização,
autolegislação, autoadministração e autonomias tributária, financeira e orçamentária.

Municípios. A CF/88, inovadoramente, considerou os municípios como componentes da


estrutura federativa, e o fez em dois momentos (arts. 1º e 18). Anteriormente eram componentes
dos Estados, que decidiam a sua organização. Saliente-se que José Afonso da Silva defende que
os municípios não passaram a ser entidades federativas. Apenas teriam ganhado autonomia
político-constitucional (entre outros argumentos, porque não há intervenção federal nos
municípios, tampouco Poder Judiciário p´ropiro). Paulo Branco enumera quatro motivos para os
municípios não integrarem o Estado Federal: a) não participam da vontade federal, visto que não

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têm representantes no Senado; b) não mantêm um Poder Judiciário, como ocorre com os
estados –membros e União; c) a intervenção nos municípios situados em estado-membro está a
cargo deste; d) a competência originária do STF para resolver conflitos entre entes federativos
não abrange os casos em que os municípios estão em um dos polos da lide. Grande parte da
doutrina, acompanhada da jurisprudência, no entanto, sustenta os municípios são entes
feederativos (federalismo de 3º grau). Possuem os municípios, autonomia política,
administrativa e financeira, sendo detentores das capacidades acima delineadas para os Estados,
guardadas as peculiaridades.

Distrito Federal. Antes considerado uma autarquia territorial, foi erigido pela CF/88 à condição
de pessoa política, integrante da federação. Sua autonomia está consagrada no art. 32 da CF,
que lhe confere as capacidades de auto-organização, autogoverno, autolegislação e
autoadministração, embora sofram limitações em questões essenciais, como as dos incisos XIII
e XIV do art. 21 (ex. compete a União organizar e manter o TJ/DFT, MP/DFT e DP/DFT). A
competência legislativa do DF compreende as que são atribuídas aos Estados e Municípios, o
Poder Legislativo é exercido pela Câmara Legislativa (no regime anterior o era pelo Senado
Federal), o Poder Executivo pelo Governador e o Poder Judiciário na verdade não é dele, mas da
União.

Territórios. São pessoas jurídicas de direito público interno com capacidade administrativa e de
nível constitucional, ligadas à União e tendo nela a fonte de seu regime jurídico
infraconstitucional. Não são pessoas políticas (não legislam), possuindo mera capacidade
administrativa (natureza jurídica de meras autarquias ou descentralizações administrativo-
territoriais). Não integram a federação. Compete ao Congresso Nacional disciplinar sua atividade
e organização administrativa e judicial, e é o governador escolhido pelo Presidente da República.
Conforme Novelino, “a criação de territórios, disciplinada pela LC n. 20/74 e recepcionada
parcialmente pela CF/88, poderá ocorrer em duas hipóteses. A primeira pelo desmembramento
de parte de Estado-membro já existente, no interesse da segurança nacional. A segunda quando a
União nela executar plano de desenvolvimento econômico ou social, com recursos superiores,
pelo menos, a um terço do orçamento de capital do Estado atingido pela medida. A criação de
território federal a partir do desmembramento de um Estado necessita de aprovação da
população interessada, mediante a realização de plebiscito (CF, art. 18, §3⁰). A CF/88
transformou os territórios existentes em Estados, à exceção de Fernando de Noronha, que foi
reincorporado a Pernambuco (ADCT, artigos 14 e 15)”.

II. Concepções e características

O Estado Federal expressa um modo de ser do Estado (daí se dizer que é uma forma de
Estado) em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto
politicamente, erigida sobre uma repartição de competências entre o governo central e os locais,
consagrada na Constituição Federal, em que os Estados federados participam das deliberações
da União, sem dispor do direito de secessão. No Estado Federal, de regra, há uma Suprema Corte,
com jurisdição nacional (lembrete: STF e STJ são órgãos de superposição) e é previsto um
mecanismo de intervenção federal, como procedimento assecuratório da unidade física e da
identidade jurídica da Federação.

A soberania é atributo do Estado Federal como um todo representado pela República


Federativa do Brasil. Os Estados-membros dispõem de autonomia, que importa,
necessariamente, a descentralização administrativa e política. Eles não apenas podem, por suas
próprias autoridades, executar leis, como também lhes é reconhecido elaborá-las. Disso resulta
na percepção de que no Estado Federal clássico há uma dúplice esfera de poder normativo – a
da União e a do Estado-membro - sobre um mesmo território e sobre as pessoas que nele se
encontram. No Brasil, temos uma tríplice esfera normativa, já que os municípios também podem

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legislar sobre assuntos de interesse local (ex.: competência dos municípios para legislar,
fundamentadamente, sobre direito ambiental, conforme decidido pelo STF no ARE 748206
AgR/SC, DJ 14.03.17 – Info 857). A autonomia política dos Estados membros abrange também a
capacidade de dotar-se de uma Constituição própria (lembrete: Poder Constituinte Derivado
Decorrente), sujeita embora a certas diretrizes impostas pela Constituição Federal.

O federalismo é uma sociedade de Estados autônomos com aspectos unitários porque é,


enquanto Estado Federal, uma unidade territorial, unidade de representação e unidade nacional.
Outra característica do federalismo é a de que os Estados-membros tenham voz ativa na
formação da vontade da União – vontade que se expressa sobretudo por meio das leis. Para esse
fim, historicamente foi concebido o Senado Federal, com representação paritária, em
homenagem ao princípio da igualdade jurídica dos Estados-membros. Esses Estados participam
da formação da vontade federal, na mesma linha, quando são admitidos a apresentar emendas
à Constituição Federal. Na medida em que os Estados- membros não são soberanos, é comum
impedir que se desliguem da União, no que o Estado federal se distingue da confederação, em
que se preserva o direito a secessão. Como regra inexiste, portanto, no federalismo, o direito de
secessão. Os conflitos que venham a existir entre os Estados-membros ou entre qualquer deles
com a União, assumindo feição judiciária, são levados ao deslinde de uma corte nacional.
Falhando a solução judiciária ou não sendo o conflito de ordem jurídica meramente, o Estado
dispõe do instituto da intervenção federal, para se autopreservar da desagregação, bem como
para proteger a autoridade da Constituição Federal.

III. Classificações e sistemas de repartições de competência.

A distribuição (ou repartição) constitucional de poderes (ou de competências) é um dos


pontos mais importantes no estudo do Estado Federal. Consoante José Afonso da Silva, o
princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades federativas é o da
predominância de interesses, pelo qual cabe à União as matérias e questões de predominante
interesse geral, nacional; aos Estados- membros cabem as matérias e assuntos de predominante
interesse regional; e aos municípios concernem os assuntos de interesse local. Só que
atualmente essa distinção não é fácil de ser feita. A regra principal da federação, consoante Celso
Ribeiro Bastos, é a seguinte: nada será exercido por um poder mais amplo quando puder ser
decidido pelo poder local, pois os cidadãos moram nos municípios, e não na União.

Dada a existência de ordens central e parcial, a repartição de competência (e de rendas)


entre essas esferas, realizada pela Constituição Federal, favorece a eficácia da ação estatal. O
modo de repartição indica que tipo de federalismo é adotado. A concentração de competências
no ente central aponta para um modelo centralizador (centrípeto); uma opção pela distribuição
mais ampla de poderes em favor dos Estados-membros configura um modelo descentralizador
(centrífugo). Havendo uma dosagem contrabalançada de competências, fala-se em federalismo
de equilíbrio.

Outra classificação dos modelos de repartição cogita das modalidades de repartição


horizontal e repartição vertical. Na primeira não se admite concorrência de competência entre os
entes federados. Esse modelo apresenta três soluções possíveis para o desafio de distribuição de
poderes entre as órbitas do Estado Federal. Uma delas efetua a enumeração exaustiva da
competência de cada esfera da Federação; outra discrimina a competência da União deixando aos
Estados- membros os poderes reservados (ou não enumerados); a última discrimina os poderes
dos Estados-membros, deixando o que restar para a União. No Brasil, a União e os municípios
possuem competências enumeradas, enquanto os Estados-membros possuem competências
residuais.

Na repartição vertical de competências, realiza-se a distribuição da mesma matéria entre

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a União, os Estados- membros e, eventualmente, os municípios. Essa técnica, no que tange às
competências legislativas, deixa para a União os temas gerais, os princípios de certos institutos,
permitindo aos Estados-membros afeiçoar a legislação às suas peculiaridades, além de autorizar
os municípios a legislar sobre assuntos de interesse local. A técnica da legislação concorrente
estabelece um verdadeiro condomínio legislativo e é adotada no art. 24 da CRFB.

Quanto aos critérios de distribuição de competência, tem-se que o Brasil adota um


sistema complexo, que busca realizar o equilíbrio federativo por meio de uma distribuição que
se fundamenta na técnica de enumeração dos poderes da União (21 e 22), com poderes
remanescentes para os Estados (25, §1º) e poderes definidos indicativamente para os Municípios
(30), mas combina com essa reserva de campos específicos (nem sempre exclusivos, mas às
vezes apenas privativos) possibilidades de delegação (22, parágrafo único), áreas comuns em
que se preveem atuações paralelas da União, Estados, DF e Municípios (23), e setores
concorrentes entre a União e Estados, em que a competência para estabelecer políticas,
diretrizes e normas gerais cabe à União, enquanto que se defere aos Estados e até os Municípios
a competência suplementar.

III. Direito comparado

No direito comparado, as formulações constitucionais em torno da repartição de


competências podem ser associadas a dois modelos básicos – o clássico, vindo da Constituição
norte-americana de 1787, e o modelo moderno, que se seguiu à Primeira Guerra Mundial. O
modelo clássico conferiu à União poderes enumerados e reservou aos Estados-membros os
poderes não especificados. Para mitigar os rigores dessa fixação taxativa, nos EUA elaborou-se a
doutrina dos “poderes implícitos”. O modelo moderno responde às contingências da crescente
complexidade da vida social, exigindo ação dirigente e unificada do Estado, em especial para
enfrentar crises sociais e guerras. Isso favoreceu uma dilatação dos poderes da União com nova
técnica de repartição de competências, em que se discriminam competências legislativas
exclusivas do poder central e também competência comum ou concorrente, mista, a ser
explorada tanto pela União como pelos Estados-membros.

Prova oral – 26º CPR: Em termos de direito comparado, nosso sistema se aproximaria mais de
que sistema jurídico internacional? Direito norte-americano, alemão? Você já ouviu a expressão
“federalismo dual”? O dual se coloca muito mais, na atualidade, em contraposição ao
cooperativo. O dual significa uma distribuição rígida de competências... Em termos de
federalismo cooperativo, o artigo 24 da Constituição, ele encerra uma modalidade exatamente
de cooperação no âmbito legislativo. Você poderia me dizer como é que funciona esse sistema?
E os municípios, tem essa competência? Você conhece o entendimento do Supremo a respeito
da possibilidade ou não de os Estados legislarem, no âmbito dessa competência legislativa
concorrente normas mais protetivas, de meio ambiente, saúde, do que as normas gerais
editadas pela União?

Prova oral – 27º CPR: Falar sobre federalismo e pluralismo.

3A. Divisão de poderes. Conceito e objetivos. História. Independência e harmonia entre poderes.
Mecanismos de freio e contrapesos.

Oswaldo Costa

I. Noções Gerais

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O tema da divisão dos poderes está relacionado com a Teoria Geral do Estado e com o
Direito Constitucional, já que cabe à Constituição estabelecer as normas estruturais de um
Estado.
Dispõe o artigo 2º da Constituição Federal que “São Poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Nesse contexto, a Constituição
detalha, com especial menção ao Título IV, a organização dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, sem prejuízo de outras regras constitucionais que tratam do tema ao longo do corpo
normativo constitucional.

É oportuno lembrar que a divisão dos poderes possui íntima relação com o
constitucionalismo moderno e com os direitos fundamentais, pois o artigo 16 da Declaração
de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 já dizia que “A sociedade em que não esteja
assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem
Constituição”.

II. Conceito

Para ser real o respeito da Constituição e dos direitos individuais por parte do Estado,
“(...) é necessário dividir o exercício do poder político entre órgãos distintos, que se controlam
mutuamente. A cada um desses órgãos damos o nome de Poder: Poder Legislativo, Poder
Executivo e o Poder Judiciário. A separação dos Poderes estatais é elemento lógico essencial do
Estado de Direito”. (SUNDFELD, p. 42, 2003).

III. Objetivos

Analisando a Constituição Portuguesa, afirma José Joaquim Gomes Canotilho que “(....)
é legítimo afirmar-se que o modelo de separação constitucionalmente consagrado visa, em
princípio, identificar o órgão de decisão ajustado, estabelecer um procedimento de decisão justo
e exigir um fundamento materialmente legítimo para as tomadas de decisão” (p. 708, 1993).

IV. História

A divisão funcional de poderes remonta a Aristóteles, em “Política”, que identificou três


funções básicas exercidas pelo poder político: assembleia-geral, corpo de magistrados e corpo
judiciário; hoje equivalentes às funções legislativa, administrativa e jurisdicional.
Respectivamente, (a) inovar a ordem jurídica por meio de normas gerais, impessoais e abstratas;
(b) atuar concreta e individualizadamente, excetuada a função jurisdicional, por meio das
funções de governo e de administração; e (c) resolver conflitos intersubjetivos imparcial e
desinteressadamente, com potencial de definitividade.

A distinção de funções, que remonta à Antiguidade, prosseguiu durante a Idade Média


e a modernidade. Aqui já com Grotius e Puffendorf, Bodin e Locke, antes de Montesquieu. No
absolutismo, a especialização funcional não correspondia a independência de órgãos
especializados. A par da experiência parlamentarista inglesa, que não correspondia exatamente
à uma separação de poderes, foi a obra de Montesquieu, de 1746, que sistematizou a
separação orgânica do poder como técnica de salvaguarda da liberdade “dos modernos”
(concepção burguesa-liberal). Todo homem que detém o poder tende a dele abusar, e o abuso
vai até onde se lhe deparam limites; e apenas o poder contém o poder. Então, a separação
orgânica do poder consiste em se atribuir cada uma das funções estatais básicas a um órgão
(corpo funcional) distinto, separado e independente dos demais. Combina-se a especialização
funcional com a independência orgânica.

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No liberalismo, a separação de funções entre os órgãos independentes deveria ser
bastante rígida, mas mesmo Montesquieu já previa que o constante movimento dos órgãos os
compele a atuar em concerto, harmônicos, e as faculdades de estatuir (p.ex., aprovar um
projeto de lei) e de impedir (veto presidencial) são prenúncios dos mecanismos de freios e
contrapesos desenvolvidos posteriormente. A rígida separação de poderes do liberalismo foi
inicialmente inserida nas constituições das ex-colônias inglesas na América, que seguiam a
Declaração de Direitos de Virginia, de 1776. Após, constituição dos EUA, art. 16 da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão e constituições francesas seguintes, espalhando-
se pelo “ocidente”.

Benjamin Constant teorizou um quarto poder neutro, que faça com os demais o que o
poder judiciário faz com os indivíduos, que seria exercido pelo rei. A 1ª constituição do Brasil
criou o “poder moderador” do Imperador; porém, distorceu a teoria ao atribuí-lo também ao
executivo (para Constant, o poder neutro não poderia jamais coincidir com um dos demais).

5. Independência e harmonia entre poderes. Mecanismos de freios e contrapesos

Hoje, existe uma tendência de se considerar que a teoria da separação dos poderes
construiu um mito. Este mito consistiria em um modelo teórico redutível à teoria dos três
poderes rigorosamente separados: o executivo (o rei e os seus ministros), o legislativo (l.a
câmara e 2.a câmara, câmara baixa e câmara alta) e o judicial (corpo de magistrados). Cada
poder recobriria uma função própria sem qualquer interferência dos outros. Foi demonstrado
por ElSENMANN que esta teoria nunca existiu em Montesquieu, como já mencionado acima. A
interdependência é, porém, uma interdependência dinâmica necessariamente atenta aos
aspectos político-funcionais do sistema.

Consolida-se a ideia de balanceamento entre poderes, na medida em que há uma


divisão de funções do poder, de forma não exclusiva (não-incomunicável), entre órgãos
relativamente independentes entre si, que devem atuar em cooperação, harmonia e
equilíbrio.

A independência dos poderes significa que:

a) a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos não dependem da confiança nem
da vontade dos outros;
b) no exercício das atribuições que lhe sejam próprias, não precisam os titulares consultar os
outros nem necessitam de sua autorização;
c) na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições
constitucionais e legais.

Por outro lado, a harmonia entre os poderes primeiramente se verifica pelas normas
de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente
todos têm direito. Ainda, nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua
independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema
de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade
e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e
especialmente dos governados (SILVA, p. 110, 2005).

A divisão de poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos:

(a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma
função; assim, às assembléias (congresso, câmaras, parlamento) se atribui a função legislativa;
ao executivo, a função executiva; ao judiciário, a função jurisdicional;

10
(b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que
cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de
subordinação.

14A. Democracia. Conceito. História. Fundamentos. Democracia representativa e participativa.


Teorias deliberativa e agregativa da democracia. Instrumentos de democracia direta na
Constituição de 1988.

Gabriel Dalla 10/09/18

I. Democracia. Conceito. História.


A democracia é a busca da legitimação do exercício do poder pelo
consentimento dos governados, consoante D. Sarmento.

A expressão democracia vem do grego “governo do povo”, sendo um conceito surgido


no período axial da Grécia antiga (começa do século 6 A.C.). Na Grécia, ideia essencial da
democracia era de atribuição de igual capacidade para que todos os cidadãos participassem das
deliberações tomadas em praça pública (ágora). Com o advento do império romano, esta ideia
ficou esquecida e veio a ser retomada com o iluminismo por alguns filósofos, em especial
Rousseau (O Contrato Social – defendia o modelo grego), o qual não concebe a legitimidade da
sociedade política através de representação delegada, pois o termo democracia é por ele
empregado como um governo no qual todas as leis são feitas por todo o povo reunido em
assembleias gerais. Norberto Bobbio leciona que o modo de exercer a democracia foi alterado
na passagem da democracia dos antigos para a democracia moderna. Os autores (John Jay;
Alexander Hamilton e James Madison) do livro “Federalista” e os constituintes franceses
reconheciam a democracia representativa como o único governo popular possível num grande
Estado. O abade Emmanuel Joseph Siéyes estabelece a ideia de representação nacional e sua
influência balizará as fases inicial e final da Revolução Francesa e seu livro “Qu’est-cequele Tiers
État?” (O que é o terceiro estado?), para ele o princípio de toda soberania reside essencialmente
na nação.

II. Fundamentos.
A questão tocante aos fundamentos da democracia é absolutamente complexa e não
admite resposta única. Depende, em verdade, da teoria que se adote, razão pela qual apenas se
esboça uma proposta sobre o tema.

Kelsen funda a Bobbio sustenta que a democracia Para Habermas, os


democracia em dois caracteriza-se pela composição destinatários das normas
postulados racionais: a pactuada de um conjunto de regras são concomitantemente
liberdade e a fundamentais que estabelecem autores de seus direitos na
igualdade; sendo a quem está autorizado a tomar medida em que tomam
liberdade congênita decisões coletivas e com quais parte da regulamentação
de cada membro do procedimentos. Tais regras são de suas próprias condutas.
grupo social, o que se denominadas por Bobbio como Nesse foco, o princípio do
apresenta mais lógico “regras universais processuais”. discurso habermasiano
é que os homens Enquanto a liberdade é um valor para deve ser interpretado
devam ser os indivíduos compreendidos como princípio da
comandados por eles isoladamente, a igualdade é um valor democracia. Por meio da
próprios e formem por para os indivíduos compreendidos na teoria do discurso,
meio do processo relação social. Assevera que a regra Habermas afirma que o
democrático a da maioria permite que cada cidadão direito somente tem

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vontade do Estado. possua direito de voto proporcional à legitimidade quando surge
Assevera que, sua posição no jogo democrático, o da formação comunicativa
efetivamente, na que implica, em certos casos, a da opinião e do
democracia o que desigualdade de votos quando assentimento dos cidadãos
vigora para a tomada aplicada a regra da maioria para que, em uma relação de
de decisões é o decisões coletivas igualdade, possuem os
princípio majoritário. mesmos direitos

III. Democracia representativa e participativa. Teorias deliberativa e agregativa da


democracia.
A democracia representativa é a expressão que significa genericamente que as
deliberações coletivas não são tomadas diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por
pessoas eleitas para esta finalidade. Segundo Daniel Sarmento esta democracia está em crise
porque há uma distância enorme entre o representado e o representante. A democracia
participativa é um modelo de exercício de poder em que a população participa ativa e
diretamente na tomada das principais decisões políticas.

A teoria da democracia agregativa dá-se quando a decisão acerca de uma matéria


constitucional resulta de uma prévia concepção da solução adotada por cada qual dos
legitimados. O processo de decisão é meramente quantitativo, de maneira que são colhidas as
opiniões existentes e escolhida a “correta” em razão dos números de votos. Ou seja, na
democracia agregativa, os atores possuem uma concepção prévia, a qual é impassível de
alteração por debate, mas meramente computada para fins de decisão final. A teoria da
democracia deliberativa surge como crítica à agregativa. No processo de tomada de decisão, as
decisões pessoais são apenas pontos de partida; a decisão é verdadeiro processo de discussão,
com exposição e defesa das teses contrárias, em que os participantes pretendem e se permitem
convencer e serem convencidos. O consenso é o ideal utópico, porém a deliberativa se satisfaz
com a profunda discussão da temática e a obtenção – pelo voto, por exemplo – de decisão
quando do atingimento de um desacordo moral razoável. A concepção democrática deliberativa
está muito ligada à concepção procedimental de Jugen Habermas.

IV. Instrumentos de democracia direta na Constituição de 1988.


Plebiscito: consulta que visa à Referendo: Iniciativa popular: apresentação de
aprovação popular de políticas consulta direta à projeto de lei por parte da população.
públicas e institucionais população acerca É regulada no artigo 14, III, no 27, § 4°,
previamente e é da aprovação ou no 29, XIII e no 61, § 2°. Observação:
regulamentado no artigo 14, I, não de um projeto malgrado seja sempre pontuado que
no 18, §§ 3° e 4°, e no 49, XV, legislativo ou houve 4 projetos de Lei de iniciativa
da Constituição Federal. Em administrativo já popular (8.930/94, 9.840, 11.124 e LC
1993, a população decidiu elaborado. É 135/2010), é importante frisar que,
sobre duas matérias precípuas regulado pelos formalmente, a sua tramitação não se
à organização do Estado artigos 14, II e 49, deu procedimentalmente como tal. Os
brasileiro e sua forma de XV. referidos projetos de lei foram
governo, optando à época pela “adotados” por parlamentares,
República e o porque a Câmara dos Deputados
Presidencialismo. sustentava a ausência de estrutura
para checar as assinaturas.

12
2. FILOSOFIA POLÍTICA
2.1 Liberalismo igualitário, comunitarismo, procedimentalismo e republicanismo. Suas
projeçõ es no domı ́nio constitucional. (11.a)
2.2 Pluralismo jurı ́dico. As fontes normativas não estatais. (25.a)

11A. Liberalismo igualitário, comunitarismo, procedimentalismo e republicanismo. Suas


projeções no domínio constitucional.

Daniel Medeiros Santos

I) Teoria da Constituição e filosofia constitucional:

A teoria da Constituição traz um viés descritivo: descreve realidades constitucionais. A


filosofia constitucional tem pretensões prescritivas: busca justificar racionalmente o modelo
mais adequado de Constituição, isto é, não se volta precipuamente ao exame dos papéis
desempenhados pelas constituições, mas busca propor os modelos considerados mais justos
para a organização do Estado e da sociedade.

Todavia, não há como separá-las de forma estanque: propostas de teoria da


Constituição também podem possuir viés prescritivo, e filosofias constitucionais podem ser
efetivamente praticadas em determinados contextos. Para Sarmento, deve haver combinação
entre descrição e prescrição, o que envolve a ideia de “reconstrução”: se reflete sobre os
elementos constitucionais existentes, para aproximar o sistema constitucional do ideário do
constitucionalismo democrático e igualitário.

II) Liberalismo igualitário (John Rawls):

Podemos falar em liberalismo na esfera política, atinente às liberdades existenciais, e


em liberalismo na esfera econômica, atinente à rejeição da intervenção estatal no mercado e
defesa da livre-iniciativa. O liberalismo sob o viés político pode estar ou não atrelado ao
econômico.

No liberalismo igualitário (Rawls e Dworkin), propugna-se a defesa das liberdades


públicas, mas, ao mesmo tempo, são endossadas enérgicas intervenções no campo econômico,
voltadas à promoção da igualdade substancial. São justificadas, portanto, medidas
redistributivas, favorecendo os mais pobres.

Rawls (em “Uma Teoria da Justiça”) propõe dois princípios: i) o das liberdades públicas;
e ii) o da igualdade substancial. O primeiro teria prioridade sobre o segundo, mas nele não
estão inseridas as liberdades econômicas, o que possibilita a adoção de medidas redistributivas.
Para o autor, o primeiro princípio de justiça deveria ser inserido na Constituição, ao passo que
o segundo deveria ser realizado no plano legislativo.

Na visão do liberalismo igualitário, os juízes podem e devem atuar na defesa de


princípios substantivos, de forte conteúdo moral, limitando a deliberação das maiorias sociais.
Mas a atuação dos juízes deve se limitar ao campo dos direitos individuais, não podendo
decidir sobre a conveniência de políticas públicas.

→ Uma possível projeção do liberalismo igualitário nas discussões constitucionais


brasileiras é a da desconstrução da ideia da supremacia do interesse público sobre interesses
particulares, por ser esta uma visão utilitarista.

13
Outra projeção é a que discute a extensão e intensidade da exigência de separação
entre Estado e religião, à luz da laicidade (Sarmento). A visão liberal igualitária enfatiza a
exigência de absoluta neutralidade estatal no campo religioso, em nome da garantia do igual
respeito às pessoas de todas as crenças, ateus e agnósticos, enquanto visões mais
comunitaristas, ao valorizarem as tradições na interpretação constitucional, podem ser mais
lenientes em relação às medidas dos poderes públicos que favoreçam religiões hegemônicas
ou majoritárias, notadamente o catolicismo.

III Comunitarismo:

Os “comunitaristas” opõem críticas ao liberalismo, que veria no indivíduo um ser


desenraizado (unencumbered self), desprezando o fato de que as pessoas nascem em
comunidades com cosmovisões compartilhadas, o que forja as suas identidades. Essas
cosmovisões não estão à disposição das pessoas – a ênfase no indivíduo, dada pelo liberalismo,
é substituída no comunitarismo pela valorização da comunidade.

O Estado deve abandonar a postura de neutralidade e reforçar esses aspectos


socioculturais existentes na comunidade. São aceitas restrições às liberdades individuais em
prol de valores socialmente compartilhados.

Vale ressaltar que o comunitarismo não rejeita o pluralismo: há, aqui, somente uma
mudança de perspectiva, pois enquanto o liberalismo valoriza o pluralismo a partir das várias
visões individuais, o comunitarismo o faz a partir das várias concepções culturais de cada
comunidade.

O comunitarismo pode favorecer posições conservadoras, pela ênfase dada às tradições


e valores compartilhados, mas não se pode alcunhá-lo terminantemente de conservador – há
pensadores comunitaristas também no campo progressista, que propõem uma sociedade mais
inclusiva, à luz do multiculturalismo e do direito ao reconhecimento (Charles Taylor). Um grande
exemplo de situação em que o comunitarismo justifica a preservação de práticas culturais
adotadas por grupos minoritários ocorreu em Quebec, Canadá, através de legislação que
proibiu famílias francófonas de colocarem os seus filhos em escolas de língua inglesa.

No Brasil, para proteger o frevo, houve proibição do Axé Music no carnaval de Olinda.
Sob a ótica liberal, essa medida seria inconstitucional; sob a ótica comunitarista, estaria
justificada, para proteger manifestações culturais particulares.

→ Para Sarmento, por mais que a CRFB/88 possua aberturas para o comunitarismo
(i.e., proteção da cultura e consagração dos direitos transindividuais), a ênfase dada à
proteção das liberdades públicas não autoriza que se diga ter ela aderido à filosofia
comunitarista.

IV) Procedimentalismo:

A distinção entre procedimentalismo e substancialismo repercute em dois grandes


contextos: o papel da Constituição na sociedade e o espaço adequado da jurisdição
constitucional.

No 1º caso, os procedimentalistas entendem que o papel da Constituição é o de definir


as regras do jogo democrático, o que inclui a defesa de direitos indispensáveis para o
funcionamento da democracia (liberdade de expressão, i.e.). Decisões substantivas, que incluam
forte carga moral, não devem estar incluídas nas Constituições. Já os substancialistas sustentam

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a legitimidade dessas decisões substantivas enfeixadas nas Constituições, em especial quanto
aos direitos fundamentais.

No 2º caso, os procedimentalistas defendem um papel autocontido da jurisdição


constitucional, salvo quando estiver em jogo a defesa dos pressupostos da democracia
(Habermas). Já os substancialistas entendem que a jurisdição constitucional pode adotar um
papel mais ativo mesmo em matérias que envolvam forte carga substancial (i.e., aborto, como
ocorreu nos casos “Roe v. Wade” – EUA – e “R v. Morgentaler” – Canadá).

Para Habermas, a legitimidade do Direito não se funda em concepções materiais, mas


no processo democrático de produção normativa, que deve ocorrer em condições equânimes
de deliberação pública (democracia deliberativa). Critica a visão da Constituição como uma
ordem de valores, adotada pelo BVerfge.

Uma das grandes premissas do pensamento habermasiano é a de que a legitimidade do


Direito, nas sociedades plurais contemporâneas, não tem como se fundar em nenhuma
concepção material. Para Habermas, o contexto do pluralismo faz com que a fonte de toda a
legitimidade só possa repousar no processo democrático de produção normativa, o qual deve
garantir condições equânimes de inclusão na deliberação pública para todos os cidadãos. O
Direito legítimo é aquele em que os cidadãos sejam não apenas os destinatários das normas
jurídicas, mas possam enxergar-se também como os seus coautores.

Sarmento opõe objeções ao procedimentalismo: i) ele não se mostra suficiente para


assegurar direitos igualmente importantes, como, i.e., a privacidade e o direito à saúde; ii)
havendo várias concepções diferentes de democracia, a escolha de uma e não de outra traria,
em si, carga substancialista; e iii) a CRFB/88, goste-se ou não, é substancialista.

V) Republicanismo:

No republicanismo, o cidadão não tem apenas direitos, mas também deveres em relação
à comunidade política. Dá-se ênfase às virtudes republicanas, com estímulo à participação
ativa do cidadão na vida da comunidade. Há certa aproximação do republicanismo com o
comunitarismo, à medida que em ambos há a crítica à visão atomizada própria ao liberalismo.
Se distinguem, contudo, no fato de que o foco do comunitarismo é o respeito às tradições e
valores da comunidade, ao passo que o do republicanismo é a participação do cidadão na coisa
pública.

O republicanismo contemporâneo dá grande ênfase à igualdade. Perante à res publica,


todos devem ser tratados com igual respeito. Entende-se que o surgimento de uma vontade
geral na sociedade depende de certo nível de igualdade econômica. Por essa razão, os
republicanos de hoje costumam defender os direitos sociais e o Estado do Bem-Estar Social.
Ademais, sob este viés a liberdade não é mais vista como ausência de constrangimento à ação,
mas como não-dominação, que protege o indivíduo contra arbitrariedades (leis não são
essencialmente impedimentos à liberdade, antes a constituem).

No Brasil, o republicanismo tem sido associado, i.e., à defesa da moralidade na vida


pública, ao combate à confusão entre o público e o privado e à luta contra a impunidade dos
poderosos. A CRFB/88 traz vários elementos que convergem com o ideário republicano: i) voto
não só como direito, mas como dever cívico; ii) participação direta através de plebiscito,
referendo e iniciativa popular; iii) direito de petição e ação popular.

Para Sarmento, certas vertentes do republicanismo podem assumir um viés autoritário,


quando impõem virtudes cívicas. Em seu nome, não deve haver a asfixia do direito de cada

15
pessoa de eleger os seus próprios planos de vida e de viver de acordo com eles, desde que não
ofenda direitos alheios.

25A. Pluralismo jurídico. As fontes normativas não estatais.

Valdir Monteiro Oliveira Júnior


Fonte: Graal 28º CPR. O Direito sob o Marco da Plurietnicidade / Multiculturalidade, Deborah Duprat.
O Estado Pluriétnico, Deborah Duprat. Interculturalidad Crítica y Pluralismo Jurídico, Catherine Walsh.
Legislação: art. 8º e 9º, Convenção 169 da OIT; art. 215, 216 e 231, CRFB 88.

I. Conceito de pluralismo jurídico

Plurarismo jurídico é o reconhecimento de outros lugares de produção jurídica além do


direito estatal. Portanto, com o pluralismo jurídico supera-se o monismo legal, o qual reduz o
direito ao direito estatal, totalizando as ideias-concepções de direito e justiça (Catherine Walsh).
Em outras palavras, pluralismo jurídico é o reconhecimento de fontes normativas não estatais,
compondo várias esferas de direito, por exemplo, justiça indígena, afro-descendente, etc; são
as diversas visões de justiça em um mesmo território, a partir das novas configurações
constitucionais e da internalização dos tratados internacionais de direitos humanos.

A interculturalidade funcional se limita a incluir determinadas demandas dos grupos


historicamente discriminados na sociedade; já a interculturalidade crítica é a construção de
relações entre grupos com o objetivo de transformar as relações de poder. Ambas são
prescritivas, o que as diferencia do pluralismo jurídico, que é descritivo (Catherine Walsh, em
Seminário de 2010 da ESMPU, com Deborah Duprat presidindo a sessão).

II. Evolução histórica do pluralismo jurídico

Com o Iluminismo e Kant destaca-se a filosofia da razão, que busca subsumir o real a
certas categorias e, portanto, persegue a unidade, as grandes sínteses homogeneizadoras. Esse
racionalismo idealista fundamenta a noção de Estado-nação nos termos definidos pela
Revolução Francesa: uma identidade cultural e integradora, em determinado espaço e em
comunidade linguística (“O que é o Terceiro Estado?”; Sieyès). Neste contexto, o direito era uma
ferramenta para que a identidade do povo parecesse natural e originária.

Nietszche e Heidegger começam a questionar esse racionalismo idealista, pois ele


esquematizava o conhecimento, buscando a totalização, o que invisibilizava as diferenças.
Hobsbawm, nesta mesma linha, desconstrói a ideia de nação como entidade social originária,
afirmando que o nacionalismo na verdade era uma invenção, e muitas vezes obliterava culturas
preexistentes.

Essa crítica chegou ao Direito: várias classificações binárias como homem/mulher,


adulto/criança, branco/outras etnias, proprietário/despossuído na verdade representavam
juízo de valor e não meras classificações neutras. A incapacidade relativa da mulher ou a tutela
dos índios eram exemplos dessa valoração.

Assim, o sujeito de direito abstrato e universal era uma falácia na busca pela totalização.
O plano jurídico era pautado, na realidade, pelo sujeito de direito branco, masculino, adulto,
proprietário, etc. Os vários movimentos reivindicatórios, como o feminismo, começaram a
expor e a alterar essa face hegemônica do Direito, que acabou sendo superada pela ideia de que
toda elaboração e aplicação jurídica devem levar em conta que o Estado é pluriétnico e
multicultural.

III. Fundamentos do pluralismo jurídico no Brasil

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A Constituição Federal de 1988 representa grande clivagem em relação ao paradigma
anterior, pois protege expressamente os diversos modos de criar, fazer e viver dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira (art. 216, caput e inc. II, CF). Essa proteção abrange,
inclusive, a posse/propriedade da terra tradicionalmente ocupada (art. 231, índios, art. 68 ADCT,
quilombolas, CF).

Deborah Duprat destaca a identidade entre essa nova conformação constitucional e a


teoria de Wittgenstein1, defensor da ideia de que o significado de uma palavra decorre do uso
de que dela se faz e os jogos de linguagem e as formas de vida são extremamente variados. Daí
por que a linguagem é convencional e diferente nas distintas culturas. Ou seja, o pluralismo
reconhecido na Constituição também o é na teoria de Wittgenstein, ao tratar da linguagem. A
conclusão é que a compreensão de mundo depende da linguagem de cada grupo.

Nesse contexto, é possível fundamentar o pluralismo jurídico (i.e. o reconhecimento de


fontes normativas não estatais) nos seguintes dispositivos da Constituição:

a) o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e


das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (art. 215, §1º, CF),
estabelecendo Plano Nacional de Cultura que valorize a diversidade étnica e regional (art. 215,
§3º, V, CF). Tal proteção e valorização, necessariamente, abrange o reconhecimento da
normatividade própria de tais grupos.
b) são reconhecidos aos índios sua organização social e costumes (art. 231, caput, CF)

O pluralismo jurídico também tem fundamento na Convenção 169 da OIT:

a) na área cível, ao se aplicar a legislação nacional deverão ser levados em consideração os


costumes dos índios e povos tribais, desde que compatíveis com direitos fundamentais e direitos
humanos (art. 8º, 1 e 2, OIT 169). Isso, no entanto, não deve impedir que os membros desses
povos exerçam direitos e assumam obrigações reconhecidos para todos os cidadãos (art. 8º, 3,
OIT 169).
b) na área penal, deverão ser respeitados os métodos de que os índios e povos tribais se valem
para reprimir os delitos praticados por seus membros, desde que compatíveis com o sistema
jurídico nacional e os direitos humanos (art. 9º, 1, OIT 169). Quando a reprimenda não for
aplicada nestes termos, ainda assim os tribunais deverão levar em conta os costumes desses
povos ao se pronunciarem sobre questões penais que os envolvam (art. 9º, II, OIT 169).

IV. Efeitos práticos do pluralismo jurídico

Por conta do reconhecimento do pluralismo jurídico podem-se vislumbrar ao menos três


consequências práticas:

a) Quanto à concretização de direitos: toda a legislação, e não apenas as especificamente


destinadas a comunidades tradicionais, deve ser mobilizada para assegurar o exercício efetivo
de direitos étnicos e culturais;
b) Quanto à hermenêutica: a aplicação do direito nacional requer leitura que leve em conta as
diferenças entre os diversos grupos formadores do Estado. O operador do direito somente
conseguirá decidir adequadamente se compreender previamente o sentido da norma revelado
pela própria comunidade tradicional, que decorre do contexto de seu uso por esses agentes. A

1Esta observação pode parecer um pouco fora de contexto, mas como se trata de autor de predileção da examinadora, citada por
ela em diversas palestras, achei interessante incluir esse trecho.

17
atuação do Estado deve ser antecedida por uma “tradução”, feita pela mediação antropológica,
que torne o outro “inteligível”.
c) Quanto à solução de controvérsias: devem ser utilizadas as formas de resolução de conflitos
tradicionais dos grupos minoritários, assim como seu ordenamento jurídico, sempre que
possível

Exemplos:

a) em ações possessórias contra índios deve ser levada em conta a diferença na definição de
“posse” entre as partes contrapostas; há comunidades que creem que a mera permanência no
território seria “posse”, motivo pelo qual mesmo desalojados procuram permanecer na área,
inclusive trabalhando nas roças do homem branco.
b) os yanomami acreditam que a “vida” se inicia apenas depois que a mãe, sozinha na floresta,
pega em seus braços a criança recém-nascida. Desta forma, não seria infanticídio se essa mãe a
abandonasse na floresta e não retornasse com ela à aldeia.
c) já houve Tribunal do Júri que não aplicou pena a indígena que matara outro indígena, pelo
fato de que ele já fora julgado e condenado segundo os costumes da comunidade.
d) os índios Kaingang punem certas condutas com a pena de transferência (espécie de
banimento), que incide não apenas no indivíduo, mas também na sua família. Tal medida deve
ser respeitada, na medida em que for compatível com o sistema jurídico nacional e com os
direitos humanos (Questão 93 de Direito Penal do 26º CPR, elaborada por Ela Wiecko).

3. CONSTITUCIONALISMO
3.1 Constitucionalismo: trajetória histórica. (1.a)
3.2 Constitucionalismo liberal e social. Constitucionalismo Britânico, francê s e norte-americano.
(1.a)
3.3 A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituiçõ es de 1824, 1891, 1937, 1946, 1967,
1969. A ditadura militar e os atos institucionais. A assembléia constituinte de 1987/1988. (14.c)
3.4 Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito e judicialização da polı ́tica. (24.a)

1A. Constitucionalismo: trajetória histórica. Constitucionalismo liberal e social.


Constitucionalismo britânico, francês e norte-americano.

Renan Lima

CONCEITO: De acordo com SARMENTO, o constitucionalismo “é o movimento político que


propugna pelo estabelecimento de uma Constituição que limite e organize o exercício do poder
político”. Na mesma linha, CANOTILHO sustenta que o constitucionalismo “é a teoria (ou
ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em
dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade”. Esse conceito de
constitucionalismo transporta, na visão de CANOTILHO, um claro juízo de valor, pois é, no fundo,
“uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo”.
Assim, conclui CANOTILHO que o constitucionalismo moderno representa “uma técnica
específica de limitação do poder com fins garantísticos”.

CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS: i) limitação do poder estatal (sobretudo pela ideia de separação


dos poderes); e ii) instituição de direitos e garantias fundamentais. Neste sentido, eis o art. 16
da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “A sociedade em que
não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não
tem Constituição”. Para Charles Howard McIlwain, a característica mais autêntica do
constitucionalismo é “a limitação do governo pelo direito”.

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TRAJETÓRIA HISTÓRICA: Embora o surgimento das Constituições seja considerado um
fenômeno relativamente recente, pois as primeiras manifestações formais têm origem no final
do século XVIII com as “Revoluções Liberais”, não se pode afirmar que a ideia de um conjunto
de normas que discipline a atuação do Estado seja exclusiva da modernidade. De fato, tal como
afirmou Ferdinand Lassale, todo ente estatal possuiu ao longo de sua trajetória uma
Constituição real e verdadeira, sendo que o privilégio atribuído aos períodos mais recentes é o
do nascimento de Constituições escritas em folhas de papel.
A propósito, deve-se destacar que na antiguidade já existiam leis que organizavam, ainda que
de maneira incipiente, o próprio poder. Tais leis foram evoluindo e formaram a base para o
desenvolvimento do constitucionalismo.
Segundo BARROSO, o termo constitucionalismo data de pouco mais de 200 anos, sendo
associado aos processos revolucionários norte-americano e francês, em oposição ao
Absolutismo. Todavia, as ideias centrais do constitucionalismo remontam à antiguidade clássica,
no ambiente da polis grega, por volta do século V a.C.
Para SARMENTO: “A ideia de Constituição, tal como a conhecemos hoje, é produto da
Modernidade, sendo tributária do Iluminismo e das revoluções burguesas dos séculos XVII e
XVIII, ocorridas na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França. Ela está profundamente associada
ao constitucionalismo moderno, que preconiza a limitação jurídica do poder político, em favor
dos direitos dos governados”.
SARMENTO divide, didaticamente, a evolução história do constitucionalismo da seguinte forma:
1) Constitucionalismo antigo e medieval; 2) Constitucionalismo Moderno; 3) Constitucionalismo
pós-moderno. Por sua vez, o Constitucionalismo Moderno foi construído sob três versões
(inglesa; francesa; norte-americana). Ademais, no Constitucionalismo Moderno, além do
estudo das 3 versões, destacam-se 2 fases (fase do Estado liberal-burguês e fase do Estado
Social). Na contextualização temporal, é preciso ter em mente que as três versões acima
mencionadas (inglesa; francesa e norte-americana) instauraram-se no seio do Estado Liberal-
burguês e desenvolveram-se com a transição para a fase do Estado Social, de modo que é
possível distinguir duas fases: constitucionalismo moderno do Estado Liberal-burguês e
constitucionalismo moderno do Estado Social. Por fim, um novo modelo de constitucionalismo
tem despontado: o constitucionalismo pós-moderno. Vejamos cada um deles:
1) CONSTITUCIONALISMO ANTIGO OU MEDIEVAL: remonta ao período da antiguidade clássica
até final do século XVIII, quando surgem as primeiras constituições escritas, com predominância
do jusnaturalismo. As experiências mais importantes na antiguidade são: a) Hebreus: era
Teocrático, influenciado pela religião, os dogmas religiosos atuavam como limites ao poder do
soberano. b) Grécia: vivenciou a democracia direta, com o início da racionalização do poder.
Havia um regime político que se preocupava com a limitação do poder das autoridades e com a
contenção do arbítrio. Contudo, esta limitação visava antes a busca do bem comum do que a
garantia de liberdades individuais. A liberdade, no pensamento grego, cingia-se ao direito de
tomar parte nas deliberações públicas da cidade-Estado, não envolvendo qualquer pretensão a
não interferência estatal na esfera pessoal. Não se cogitava na proteção de direitos individuais
contra os governantes, pois se partia da premissa de que as pessoas deveriam servir à
comunidade política, não lhe podendo antepor direitos de qualquer natureza. Tal concepção se
fundava numa visão organicista da comunidade política: o cidadão não era considerado em sua
dignidade individual, mas apenas como parte integrante do corpo social. O cidadão virtuoso era
o que melhor se adequava aos padrões sociais, não o que se distinguia como indivíduo. A
liberdade individual não era objeto da especial valoração inerente ao constitucionalismo
moderno. c) Roma: Para Ihering, “Nenhum outro Estado foi capaz de conceber a ideia de
liberdade de uma forma tão digna e justa quanto o direito romano”. Em Roma já despontava a
valorização da esfera individual e da propriedade, concomitante à sofisticação do direito privado
romano e ao reconhecimento de direitos civis ao cidadão de Roma (direito ao casamento, à
celebração de negócios jurídicos, à elaboração de testamento e à postulação em juízo). Ademais,
algumas instituições do período republicano romano já prenunciavam a concepção moderna de
separação dos poderes, notadamente a sua repartição por instituições como o Consulado, o

19
Senado e a Assembleia, representativas de estamentos diferentes da sociedade, de forma a
propiciar o equilíbrio entre eles. Apesar disso, não se cogitava de um constitucionalismo em
sentido moderno (como fórmula de limitação do poder político em favor da liberdade dos
governados); d) Idade Média, iniciada com a queda do Império Romano, correspondeu a um
período caracterizado pelo amplo pluralismo político. Não havia qualquer instituição que
detivesse o monopólio do uso legítimo da força, da produção de normas ou da prestação
jurisdicional. O poder político fragmentara-se por múltiplas instituições, como a Igreja, os reis,
os senhores feudais, as cidades, as corporações de ofício e o Imperador.
É importante destacar que, durante a idade média, foram celebrados alguns pactos instituidores
de direitos e limitadores do poder, que influenciaram decisivamente o posterior surgimento do
constitucionalismo moderno. Os exemplos mais citados são: Magna Charta Libertatum (1215) e
o Petition of Rights (1628). Além destes, também são citados: o Habeas Corpus Act (1679), o Bill
of Rights (1689) e o Act of Settlement (1701).

2) CONSTITUCIONALISMO MODERNO: surgiu no final do século XVIII, como forma de superação


do Estado Absolutista, sustentando a limitação jurídica do poder do Estado em favor da
liberdade individual. Características históricas foram essenciais para o surgimento do
constitucionalismo moderno, como a ascensão da burguesia como classe hegemônica; o fim da
unidade religiosa na Europa, com a Reforma Protestante; e a cristalização de concepções de
mundo racionalistas e antropocêntricas, legadas pelo Iluminismo. Sob as vozes do Iluminismo, a
sociedade deixa o caráter organicista e passa a centrar-se na figura do indivíduo, concebido
como um ser racional, titular de direitos, cuja dignidade independia do lugar que ocupasse no
corpo coletivo. Evolui-se para o reconhecimento de direitos universais, pertencentes a todos. A
sociedade não mais era concebida como um organismo social, formado por órgãos que exerciam
funções determinadas (clero, nobres, vassalos). Ela passa a ser concebida como um conjunto de
indivíduos, uma sociedade “atomizada” formada por unidades iguais entre si. Em harmonia com
essa visão, desenvolveram-se as teorias de contrato social, que passaram a justificar a existência
do Estado em nome dos interesses dos indivíduos. John Locke sustentava a ideia de que, ao
celebrar o contrato social, as pessoas alienam para o Estado apenas uma parcela da liberdade
irrestrita de que desfrutavam no Estado da Natureza, preservando determinados direitos
naturais, que todos os governantes devem ser obrigados a respeitar. Esse jusnaturalismo difere
daquele que predominara na Antiguidade e na Idade Média por não se basear na vontade divina,
nem em imposições extraídas da natureza, mas em princípios acessíveis à razão humana, e por
conferir primazia aos direitos individuais. O constitucionalismo moderno assenta-se em 3
pilares: a contenção do poder dos governantes, por meio da separação de poderes; a garantia
de direitos individuais, concebidos como direitos negativos oponíveis ao Estado; e a
necessidade de legitimação do governo pelo consentimento dos governados, pela via da
democracia representativa. O constitucionalismo moderno conheceu três versões mais
influentes: a inglesa, a francesa e a norte-americana.

2.1. O modelo inglês de constitucionalismo: Como na Inglaterra não chegou a haver


propriamente absolutismo, a história do constitucionalismo adquire um perfil próprio. Desde o
final da Idade Média, o poder real encontrava-se limitado por determinados costumes e pactos
estamentais, como a Magna Carta de 1215, mas o constitucionalismo inglês só tem início a partir
da Revolução Gloriosa de 1668, quando foi deposta a dinastia Stuart e foi assentado o princípio
da supremacia política do Parlamento inglês, em um regime pautado pelo respeito aos direitos
individuais. No curso do século XVII, foram editados três documentos constitucionais de grande
importância: a Petition of Rights, de 1628; o Habeas Corpus Act, de 1679; e o Bill of Rights, de
1689, que garantiam importantes liberdades para os súditos ingleses, impondo limites à Coroa
e transferindo poder ao Parlamento. A ideia central do constitucionalismo inglês é a de respeito
às tradições constitucionais, não havendo um texto constitucional único que os consolide e
organize. Inexiste, portanto, uma Constituição escrita na Grã-Bretanha. Ademais, entende-se

20
que as normas constitucionais não decorrem apenas dos referidos textos esparsos, mas também
de convenções constitucionais e de princípios da common law, desenvolvidos pelos tribunais.
A ideia do exercício do poder constituinte, por meio de ruptura com o passado, com a
refundação do Estado e da ordem jurídica, é estranha ao modelo constitucional inglês, que se
assenta no respeito às tradições imemoriais. Nesse sentido, o constitucionalismo britânico é
historicista, já que baseia a Constituição e os direitos fundamentais nas tradições do povo inglês.
Em outras palavras, a evolução do constitucionalismo inglês é gradual e histórica, não abrupta
ou revolucionária. Desenvolveu-se na Inglaterra o princípio constitucional de soberania do
Parlamento, segundo o qual o Poder Legislativo pode editar norma com qualquer conteúdo.
Não há a possibilidade de invalidação das suas decisões por outro órgão. Contudo, há na
Inglaterra contemporânea uma tendência à alteração deste modelo de soberania irrestrita do
Parlamento, pelo menos em matéria de direitos fundamentais. A mais importante expressão
desta inflexão foi a aprovação, em 1998, do Humans Rights Act, que possibilitou ao Judiciário
britânico a declaração de incompatibilidade de leis editadas pelo Legislativo com os direitos
previstos naquele estatuto. Tal declaração não acarreta a invalidação da lei, mas cria um
relevante fato político, gerando forte pressão para a revogação da norma violadora de direitos
humanos.

2.2. O modelo francês de constitucionalismo: Tem como marco inicial a Revolução Francesa,
iniciada em 1789, sendo a constituição escrita consagrada em 1791. Sob a perspectiva da teoria
constitucional, a vontade de ruptura com o passado se expressou na teoria do poder
constituinte, elaborada originariamente pelo Abade Emanuel Joseph Sieyès, em sua célebre
obra Qu’est-ce que le Tier État?. Por essa teoria, o poder constituinte exprimiria a soberania da
Nação, estando completamente desvencilhado de quaisquer limites impostos pelas instituições
e pelo ordenamento do passado. Ele fundaria nova ordem jurídica, criando novos órgãos e
poderes — os poderes constituídos — que a ele estariam vinculados. OBS.: destaca-se que o
fundamento utilizado foi a “soberania da Nação”, que difere da “soberania do povo”. Para
Sieyés, a detentora do poder era a nação, e não o conjunto dos nacionais. Sendo a Nação a
detentora do poder e sendo essa uma concepção etérea/ideal, a resposta para a aparente
incoerência entre a “igualdade” defendida e a exclusão dos iguais pelo voto censitário e
masculino era justificada pelo argumento de que só podem exercer direitos políticos, na
perspectiva liberal, aqueles que compõem o melhor da Nação (homens mais instruídos, de
melhor condição social, reuniriam as condições que lhes permitiriam expressar, por meio do seu
voto, a vontade da Nação).
A Constituição deveria corresponder a uma “lei” escrita, não se confundindo com um repositório
de tradições imemoriais, ao contrário da fórmula inglesa. Ela pode romper com o passado e
dirigir o futuro da Nação, inspirando-se em valores universais centrados no indivíduo. O
protagonista do processo constitucional no modelo constitucional francês é o Poder Legislativo,
que teoricamente encarna a soberania e é visto como um garantidor mais confiável dos direitos
do que o Poder Judiciário. Isto levou, na prática, a que a Constituição acabasse desempenhando
o papel de proclamação política, que deveria inspirar a atuação legislativa, mas não de autêntica
norma jurídica, que pudesse ser invocada pelos litigantes nos tribunais. Tal pensamento vem
sendo superado. Foi aprovada em 2008 (regulamentada em 2010), na França, a chamada
“Questão Prioritária de Constitucionalidade”, permitindo que as partes aleguem
incidentalmente a inconstitucionalidade de lei, por ofensa a direitos e liberdades fundamentais
garantidos pela Constituição francesa, no âmbito de processos judiciais e administrativos. A
questão deve ser encaminhada à Corte de Cassação ou ao Conselho de Estado que, por sua vez,
podem provocar o Conselho Constitucional.

2.3. O modelo constitucional norte-americano: O fato de a colonização dos Estados Unidos ter
sido realizada em boa parte por imigrantes que escapavam da perseguição religiosa na Europa
contribuiu decisivamente para que se enraizassem na cultura política norte-americana ideias
como a necessidade de limitação do poder dos governantes e de proteção das minorias diante

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do arbítrio das maiorias. A Constituição dos Estados Unidos foi aprovada pela Convenção da
Filadélfia, em 1787, e depois ratificada pelo povo dos estados norte-americanos, vigorando
desde então. Inovou ao instituir o presidencialismo e o sistema de freios e contrapesos,
associado à separação de poderes. A plasticidade das cláusulas constitucionais mais importantes
abriu a possibilidade de atualização daquela Constituição pela via interpretativa, para adaptá-la
às novas demandas e valores que emergiam. O modelo constitucional dos Estados Unidos
representa a tentativa de conciliação entre dois vetores. De um lado, o vetor democrático, de
autogoverno do povo, captado pelas palavras que abrem o preâmbulo da Carta americana (We,
the People of the United States...). Do outro, o vetor liberal, preocupado com a contenção do
poder das maiorias para defesa de direitos das minorias. Uma ideia essencial do
constitucionalismo estadunidense, derivada da sua matriz liberal, é a concepção de que a
Constituição é norma jurídica que, como tal, pode e deve ser invocada pelo Poder Judiciário na
resolução de conflitos, mesmo quando isto implique em restrição ao poder das maiorias no
Legislativo ou no Executivo. Desenvolveu-se no direito norte-americano a noção de que os
juízes, ao decidirem conflitos, podem reconhecer a invalidade de leis que contrariem a
Constituição, deixando de aplicá-las ao caso concreto. Esta posição, sustentada por Hamilton
no Federalista nº 78, foi formulada na jurisprudência da Suprema Corte pelo Juiz John Marshall,
no célebre julgamento do caso Marbury v. Madison, em 1803. Em suma, no modelo
constitucional dos Estados Unidos, a supremacia da Constituição não é apenas uma proclamação
política, como na tradição constitucional francesa, mas um princípio jurídico judicialmente
tutelado. O modelo não é livre de críticas. O controle judicial de constitucionalidade das leis
(judicial review) sofre até hoje contestações nos Estados Unidos, sendo frequentemente
apontado como um instituto antidemocrático, por transferir aos juízes, que não são eleitos, o
poder de derrubar decisões tomadas pelos representantes do povo, com base nas suas
interpretações pessoais sobre cláusulas constitucionais muitas vezes vagas, que se sujeitam a
diversas leituras. Contudo, a jurisdição constitucional não apenas criou profundas raízes no
Direito Constitucional daquele país, como também acabou se disseminando por todo o mundo,
sobretudo a partir da segunda metade do século XX.

Fases do Constitucionalismo Moderno:


2.1) Constitucionalismo liberal-burguês: baseou-se na ideia de que a proteção dos direitos
fundamentais dependia, basicamente, da limitação dos poderes do Estado. Naquele modelo, os
direitos fundamentais eram concebidos como direitos negativos, que impunham apenas
abstenções aos poderes políticos. O Estado era visto como o principal adversário dos direitos, o
que justificava a sua estrita limitação, em prol da liberdade individual. Tal limitação era
perseguida também por meio da técnica da separação dos poderes, que visava a evitar o arbítrio
e favorecer a moderação na ação estatal. Na Economia Política era defendido o Estado mínimo,
que confiava na “mão invisível do mercado” para promover o bem comum. O Estado deveria
limitar-se a velar pela segurança das pessoas e proteger a propriedade, não lhe competindo
intervir nas relações travadas no âmbito social, nas quais se supunha que indivíduos
formalmente iguais perseguiriam os seus interesses privados, celebrando negócios jurídicos. Ele
combateu os privilégios estamentais do Antigo Regime e a concepção organicista de sociedade.
Porém, ignorava a opressão que se manifestava no âmbito das relações sociais e econômicas,
existindo uma nítida contradição entre o discurso e a prática do constitucionalismo liberal-
burguês no que tange à igualdade. A ideia de liberdade alentada pelo constitucionalismo liberal-
burguês era muito mais identificada à autonomia privada do indivíduo, compreendida como
ação livre de interferências estatais, do que à autonomia pública do cidadão, associada à
soberania popular e à democracia. Além disso, a liberdade era concebida em termos
estritamente formais, como ausência de constrangimentos externos, impostos pelo Estado à
ação dos indivíduos. Ademais, o foco centrava-se mais sobre as liberdades econômicas do que
sobre as liberdades existenciais.

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2.2) Constitucionalismo Social: No final do século XIX e início do século XX, a extrema exploração
da classe trabalhadora tornou-se insustentável. Na Europa Ocidental, a industrialização
acentuara dramaticamente o quadro de exploração humana, que o Estado absenteísta não tinha
como equacionar. A pressão social dos trabalhadores e de outros grupos excluídos, aliada ao
temor da burguesia diante dos riscos e ameaças de rupturas revolucionárias inspiradas no
ideário da esquerda, levaram a uma progressiva mudança nos papéis do Estado, que ensejou a
cristalização de um novo modelo de constitucionalismo. Fica evidente que a suavização do
capitalismo foi uma clara posição estratégica para evitar uma revolução da classe operária.
Sobre o contexto, Lênin afirmou que preferia o capitalismo selvagem ao estado do bem estar
social, pois este tirava a energia necessária para a eclosão de uma revolução. No plano das
ideias, despontavam o pensamento marxismo, o socialismo utópico e a doutrina social da Igreja
Católica. A progressiva extensão do direito de voto a parcelas da população até então excluídas
do sufrágio também contribuiu para a mudança de cenário. A democratização política, ao
romper a hegemonia absoluta da burguesia no Parlamento, abrira espaço também para a
democratização social. De mero garantidor das regras que deveriam disciplinar as disputas
travadas no mercado, o Estado foi se convertendo num ator significativamente mais importante
dentro da arena econômica, exercendo diretamente muitas atividades de produção de bens e
serviços, como a realização de grandes obras públicas. No plano teórico, a sua atuação passa a
ser justificada também pela necessidade de promoção da igualdade material, por meio de
políticas públicas redistributivas e do fornecimento de prestações materiais para as camadas
mais pobres da sociedade, em áreas como saúde, educação e previdência social. A proteção da
propriedade privada é flexibilizada, passando a estar condicionada ao cumprimento da sua
função social. É relativizada a garantia da autonomia negocial, diante da necessidade de
intervenção estatal em favor das partes mais débeis das relações sociais. Há uma mudança,
ainda, na leitura dos direitos, sendo desenvolvida a teoria da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais. Emergem os direitos de segunda geração, prestacionais, para efetivação da
igualdade material. Sobre o discurso da igualdade formal, Anatole Frances escreve: “A majestosa
igualdade das leis, que proíbe tanto o rico como o pobre de dormir sob as pontes, de mendigar
nas ruas e de roubar pão.” A mudança no perfil do Estado refletiu-se também na sua engenharia
institucional: a separação de poderes foi flexibilizada. A separação dos poderes estática, vigente
no constitucionalismo liberal-burguês dá espaço à separação de poderes dinâmica, que se
atenta para além da liberdade, para a efetividade, possibilitando uma atuação mais forte dos
poderes públicos na seara social e econômica. O arranjo federalista também muda: as
complexas tarefas assumidas pelo Estado não são exequíveis por um federalismo formal. É
necessário o desenvolvimento de um federalismo cooperativo, com a participação de todos os
entes federados. É preciso, aqui, diferenciar o Estado Social do Constitucionalismo Social: A
necessidade de construção de um Estado mais forte, para atender às crescentes demandas
sociais, foi utilizada como pretexto para aniquilação dos direitos individuais e das franquias
democráticas. Este fenômeno foi intenso nas décadas de 1930 e 1940, com a instauração de
regimes totalitários (Alemanha e Itália), ou autoritários (Brasil, no Estado Novo). Nestas
situações, pode-se falar em Estado Social, mas não em constitucionalismo social. O
constitucionalismo social não renega os elementos positivos do liberalismo (preocupação com
os direitos individuais e com a limitação do poder), mas pugna por conciliá-los com a busca da
justiça social e do bem-estar coletivo.
Houve 2 fórmulas diferentes de recepção do Estado Social no âmbito do constitucionalismo
democrático: 1ª) Exemplificada pela evolução do Direito Constitucional norte-americano a partir
dos anos 30, os valores de justiça social e de igualdade material não foram formalmente
incorporados à Constituição. Essa, no entanto, deixou de ser interpretada como um bloqueio à
introdução de políticas estatais de intervenção na economia e de proteção dos grupos sociais
mais vulneráveis. 2ª) Ilustrada pelas constituições mexicana, de 1917, e a alemã, de Weimar, de
1919. Elas não se limitam a tratar da estrutura do Estado e da definição de direitos negativos,
pois se imiscuem na disciplina de temas como a economia, as relações de trabalho e a família;

23
moradia, saúde e previdência social. A maior parte das constituições elaboradas a partir da
segunda metade do século passado seguiu, com maior ou menor sucesso, dita fórmula.
É inegável que o constitucionalismo social enfrenta crise desde as décadas finais do século
passado, relacionada aos retrocessos que ocorreram no Welfare State (Estado de Bem-estar). A
globalização econômica reduziu a capacidade dos Estados de formular e implementar políticas
públicas para atender aos seus problemas sociais e econômicos, sob a influência do pensamento
neoliberal, que preconiza a redução do tamanho do Estado, a desregulação econômica e a
restrição dos gastos sociais. A população envelheceu e cresceu, demandando maiores gastos
com previdência social, saúde e educação. A partir da década de 80, começam a se tornar
hegemônicas propostas de retorno ao modelo de Estado que praticamente não intervinha na
esfera econômica. Sob o estímulo da globalização da economia, se inicia um processo de
reforma do Estado que alcança escala mundial. Reduzem-se as barreiras alfandegárias e não
alfandegárias ao comércio internacional e ao fluxo de capitais. Os Estados diminuem ou
eliminam a proteção que reservavam à empresa nacional. “Desterritorializa-se” o processo
produtivo. A nova dinâmica da produção global estimula os Estados a flexibilizarem suas
relações de trabalho, com o intuito de atrair investimento produtivo e de alcançar maior
competitividade no mercado global. Ameaçados pela inflação, que leva à necessidade de
redução dos gastos públicos, os Estados privatizam suas empresas e extinguem monopólios
públicos. A atuação direta do Estado na economia é significativamente reduzida.
No que toca aos direitos sociais, o fim do constitucionalismo social seria moralmente inaceitável
em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, caracterizados por grande injustiça social
e desigualdade material.
Sobre a transição do constitucionalismo liberal para o social, Carlos Ayres Britto sustenta, na ADI
4246, que: “Naquela assentada, ainda deixei explícito ser a Defensoria Pública uma instituição
especificamente voltada para a implementação de políticas públicas de assistência jurídica,
assim no campo administrativo como no judicial. Pelo que, sob este último prisma, se revela
como instrumento de democratização do acesso às instâncias judiciárias, de modo a efetivar o
valor constitucional da universalização da justiça (inciso XXXV do art. 5º da CF/88). Fazendo de
tal acesso um direito que se desfruta às expensas do estado, de sorte a se postarem (as
defensorias) como um luminoso ponto de interseção do constitucionalismo liberal com o social.
Vale dizer, a Defensoria Pública faz com que um clássico direito individual de acesso à Justiça se
mescle com um moderno direito social; isto é, os mais pobres a compensar a sua inferioridade
econômica com a superioridade jurídica de um gratuito bater às portas do Poder Judiciário ou
da própria Administração Pública. O que já se traduz na concreta possibilidade de gozo do
fundamental direito de ser parte processual, ora no âmbito dos processos administrativos, ora
nos processos de natureza judicial. [...] Numa frase, aparelhar as defensorias públicas é servir,
sim, ao desígnio constitucional de universalizar e aperfeiçoar a própria jurisdição como atividade
básica do Estado e função específica do Poder Judiciário.”

3. Constitucionalismo pós-moderno: Até meados do século XX, no modelo hegemônico na


Europa continental e em outros países filiados ao sistema jurídico romano-germânico, a
regulação da vida social gravitava em torno das leis editadas pelos parlamentos, com destaque
para os códigos, sob a premissa de que o Legislativo, que encarnava a vontade da Nação, tinha
legitimidade para criar o Direito, mas não o Poder Judiciário, ao qual cabia tão somente aplicar
aos casos concretos as normas anteriormente ditadas pelos parlamentos. Até então, a imensa
maioria dos países não contava com mecanismos de controle judicial de constitucionalidade das
leis, que eram vistos como institutos antidemocráticos, por permitirem um “governo de
juízes”. Mesmo em alguns países em que existia a jurisdição constitucional — como o Brasil, em
que ela foi implantada em 1890 e incorporada à Constituição de 1891 — o controle de
constitucionalidade não desempenhava um papel relevante na cena política ou no dia a dia dos
tribunais. Tal quadro começou a se alterar ao final da II Guerra Mundial na Europa, mediante as
gravíssimas violações de direitos humanos perpetradas pelo nazismo, que demonstraram a
importância de criação de mecanismos de garantia de direitos que fossem subtraídos pelas

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maiorias de ocasião. Na Alemanha, a Lei Fundamental de 1949, instituiu diversos mecanismos
de controle de constitucionalidade e criou um Tribunal Constitucional Federal, que se instalou
em 1951 e passou a exercer um papel cada vez mais importante na vida alemã. Na Itália, a
Constituição de 1947 instituiu uma Corte Constitucional, que começou a funcionar em 1956. Na
própria França, berço de um modelo de constitucionalismo avesso à jurisdição constitucional, o
cenário se modificou substancialmente sob a égide da atual Constituição de 1958, que instituiu
um modelo de controle de constitucionalidade originalmente apenas preventivo, confiado ao
Conselho Constitucional, e hoje envolve também o controle repressivo. Na década de 70,
Portugal e Espanha se redemocratizaram, libertando-se de governos autoritários, e adotaram
constituições de caráter mais normativo, garantidas por meio da jurisdição constitucional.
Nesse contexto, “Uma das características marcantes do constitucionalismo contemporâneo
reside na judicialização da política, verdadeira consequência do modelo constitucional adotado
em diversos países ocidentais, e que deflui diretamente do constitucionalismo democrático
construído, principalmente, a partir da segunda metade do século XX: Na ponta oposta, a
emergência do constitucionalismo democrático no segundo pós-guerra, reforçada pela
redemocratização, nos anos 70, do mundo ibérico europeu e americano, trazendo consigo a
universalização do judicial review e afirmação das leis fundamentais que impõem limites à regra
da maioria, é percebida como uma ampliação do conceito de soberania, abrindo para os
cidadãos novos lugares de representação de sua vontade, a exemplo do que ocorre quando
provocam o Judiciário para exercer o controle das leis. (VIANNA, Luiz Werneck. BURGOS,
Marcelo. Revolução processual do direito e democracia progressiva. – extraído do Manual
prático de Direitos Humanos Internacionais).
O que se observa atualmente é uma tendência global à adoção do modelo de constitucionalismo
em que as constituições são vistas como normas jurídicas autênticas, que podem ser invocadas
perante o Poder Judiciário e ocasionar a invalidação de leis ou outros atos normativos. E, muitas
destas novas constituições que contemplam a jurisdição constitucional são inspiradas pelo
ideário do Estado Social. A conjugação do constitucionalismo social com o reconhecimento do
caráter normativo e judicialmente sindicável dos preceitos constitucionais gerou efeitos
significativos do ponto de vista da importância da Constituição no sistema jurídico — ela assumiu
uma centralidade outrora inexistente —, bem como da partilha de poder no âmbito do aparelho
estatal, com grande fortalecimento do Poder Judiciário, e, sobretudo, das cortes constitucionais
e supremas cortes, muitas vezes em detrimento das instâncias políticas majoritárias. Sobre o
tema, ver item 24.a (Neoconstitucionalismo).
Para finalizar, além da história do constitucionalismo, é preciso pontuar para onde ele caminha.
O constitucionalismo moderno foi erigido a partir de um pressuposto fático, que hoje já não se
verifica plenamente o Estado nacional soberano, detentor do monopólio da produção de
normas, da jurisdição e do uso legítimo da força no âmbito do seu território, que não reconhece
qualquer poder superior ao seu. O Estado continua sendo o principal ator político no mundo
contemporâneo. Porém, com a globalização, atualmente, o Estado nacional perdeu em parte a
capacidade que tinha para controlar os fatores econômicos, políticos, sociais e culturais que
atuam no interior das suas fronteiras, pois esses são cada vez mais influenciados por elementos
externos, sobre os quais os poderes públicos não exercem quase nenhuma influência. No mundo
contemporâneo, os Estados nacionais, sozinhos, não conseguem enfrentar alguns dos principais
problemas com que se deparam em áreas como a economia, o meio ambiente e a criminalidade.
Em paralelo, surgem novas entidades internacionais ou supranacionais, no plano global ou
regional, que exercem um poder cada vez maior e tensionam a soberania estatal e a supremacia
constitucional. Ao lado disso, se desenvolve na sociedade global, desde o final da II Guerra
Mundial, um “cosmopolitismo ético”, que cobra dos Estados mais respeito aos direitos
humanos, não aceitando a invocação da soberania ou de particularismos culturais como escusa
para as mais graves violações à dignidade humana.
Nesse cenário, surgem fontes normativas e instâncias de resolução de conflitos alheias ao
Estado, que não se subordinam ao Direito estatal, inclusive ao emanado da Constituição. O
constitucionalismo em rede ou multinível toma o lugar da tradicional pirâmide Kelseniana; a

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emergência do Direito Comunitário, sobretudo no contexto europeu; o fortalecimento do
Direito Internacional dos Direitos Humanos; e a difusão global de uma lex mercatoria, composta
por práticas aceitas pelos agentes do comércio internacional, que se situam às margens dos
ordenamentos estatais; o conflito entre o universalismo dos direitos fundamentais e o respeito
às diferenças culturais, são exemplos de questões colocadas à frente do constitucionalismo. Para
que o constitucionalismo estatal não se torne autista, Marcelo Neves sustenta o
transconstitucionalismo para manutenção do diálogo constitucional entre diferentes esferas,
permitindo que as respectivas imperfeições e incompletudes sejam percebidas e eventualmente
corrigidas. Esses são alguns dos desafios a serem enfrentados pelo constitucionalismo pós-
moderno.

Ponto extra: O problema da legitimidade intergeracional


Problema tormentoso surge da questão da legitimidade intergeracional, ou seja, do fato de uma
geração adotar decisões vinculativas para as outras que a sucederão, principalmente no que
pertine às cláusulas pétreas, cuja superação, como é cediço, só é possível através de uma
ruptura da ordem jurídica. No entanto, o constitucionalismo democrático, além de valorar
positivamente o fato de a Constituição ser dotada de supremacia, procura atribuir a importância
devida às deliberações populares e às decisões da maioria dos representantes do povo.
Contudo, registre-se que cada geração tem o direito de viver de acordo com seus valores, de
forma que, cabe ao poder constituinte difuso, ou seja, a mutação constitucional deve ser a
ferramenta para interpretar de forma a combinar com a realidade vigente.

Questões Objetivas
MPF\26 – Para o neoconstitucionalismo, todas as disposições constitucionais são normas
jurídicas e a Constituição, além de estar em posição formalmente superior sobre o restante da
ordem jurídica, determina a compreensão e interpretação de todos os ramos do direito –
assertiva correta.

MPF\26 – A Constituição brasileira de 1988 enquadra-se na categoria das constituições


dirigentes, porque, além de estabelecer a estrutura básica do Estado e de garantir direitos
fundamentais, impõe ao Estado diretrizes e objetivos principalmente tendentes a promover a
justiça social, a igualdade substantiva e a liberdade real - assertiva correta.

MPF\27 - O pós-positivismo contesta a separação entre Direito, Moral e Política, negando a


especificidade do objeto de cada um desses domínios – assertiva incorreta.

Questões de prova oral:

(27º CPR) Deborah Duprat - Queria que você, rapidamente, me falasse sobre as principais
características do constitucionalismo britânico, norte-americano e francês.

(27º CPR) Deborah Duprat - O que aproxima e o que distingue, na atualidade, o


constitucionalismo brasileiro contemporâneo do constitucionalismo norte-americano?

(28º CPR) Deborah Duprat - Você diria, então, que nossa Constituição - você me disse que as
razões religiosas não podem entrar no debate público, mesmo elas tendo essa filtragem que as
transformam em razões públicas – essa é uma posição marcadamente liberal. A questão
religiosa é uma questão de foro íntimo, uma questão reservada ao espaço doméstico, ao espaço
privado, não tem lugar no espaço público. Você acha que a Constituição de 88 é uma
constituição marcadamente liberal?

(28º CPR) Deborah Duprat: Deixa eu te fazer uma pergunta, sempre problematizando. Para uma
determinada comunidade amazônica, na sua cosmologia, todos os seres da natureza são

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humanos. Eles estão, temporariamente, encarnados em plantas, bichos, mas, a qualquer
momento, eles podem se transformar em humanos. Então, a noção de família passa por esses
seres também – as árvores, os peixes, enfim, tem uma família extensa que não abrange somente
as pessoas que estão agora encarnadas, mas naquelas que podem vir a ser encarnadas... Você
acha que uma pretensão desse tipo, de reconhecimento de uma família que não é apenas
antropocêntrica, você acha que isso pode ser trazido para o debate público, ou essa é uma visão
que se aproxima de uma visão religiosa?

14C. A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946,
1967, 1969. A ditadura militar e os atos institucionais. A assembleia constituinte de 1987/88.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Direito Constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento.

Conceito de constitucionalismo: Daniel Sarmento ensina que o constitucionalismo moderno


“preconiza a limitação jurídica do poder político, em favor dos direitos dos governados”.

Constituição de 1824: Corresponde a uma fórmula de compromisso entre o liberalismo


conservador e o semiabsolutismo. Os traços liberais da Carta de 1824 se revelam sobretudo na
garantia de um amplo elenco de direitos individuais: legalidade, liberdade de expressão e de
imprensa, liberdade de religião, profissional, irretroatividade da lei, vedação da tortura, juiz
natural e outros. O elitismo conservador se observa na adoção de um modelo censitário de
direitos políticos (não possuía dimensão democrática). O lado semiabsolutista se deve à adoção
do poder moderador, decorrente de uma leitura enviesada da teoria de Benjamin Constant.
Originalmente concebido para resolver conflitos entre os três outros Poderes, foi incluído na
Constituição como forma do monarca intervir nas decisões daqueles.

A Constituição de 1824 antecipava institutos típicos do constitucionalismo do século seguinte, o


que revela uma sensibilidade para o social ao prever o direito aos “socorros públicos” e à
instrução primária gratuita. Consagrava como forma de governo a monarquia hereditária, a
pessoa do Imperador era considerada sagrada e inviolável, e o monarca não estava sujeito a
qualquer mecanismo de responsabilização. Mantinha-se como religião oficial a católica, embora
se permitisse o culto doméstico e particular de outras crenças.

Não havia controle judicial de constitucionalidade, mas há quem identifique o poder moderador
como instituto antecedente. A única referência expressa ao controle de constitucionalidade é
para o poder legislativo promover a “guarda da constituição”.

As eleições eram indiretas: os votantes escolhiam os eleitores (eleição de primeiro grau), que,
por sua vez, elegiam os titulares dos cargos disputados (eleição de segundo grau). A forma de
Estado adotada foi a unitária e o território dividido em províncias.

Era analítica e semirrígida. As normas consideradas substancialmente constitucionais eram as


relacionadas aos limites e atribuições dos Poderes Políticos e aos direitos políticos e individuais,
as quais demandavam um complexo procedimento para alteração em que primeiro era editada
uma “lei autorizadora” para na legislatura seguinte aprovar (ou não) a reforma pretendida. Não
havia qualquer limite material ao poder de reforma.

Sob o verniz da Constituição, mantinha-se e se alimentava o patrimonialismo, o desprezo pelos


direitos fundamentais e a escravidão, apesar de prever o princípio da igualdade. As paulatinas
limitações à escravidão e a sua posterior abolição foram as mais importantes mudanças do 2º
reinado.

27
Constituição de 1891: A Constituição de 1891 era a encarnação, em texto legal, do liberalismo
republicano e moderado que havia se desenvolvido nos EUA, embora a sociedade brasileira nada
tivesse de liberal. Adotou-se o federalismo, cujo modelo era o dual, de pronunciada separação
entre as esferas federal e estadual, com reduzido espaço para a cooperação entre elas. O sistema
de governo era o presidencialista. O Poder Legislativo era bicameral.

O Poder Judiciário também foi organizado pela Constituição em bases federativas, com uma
Justiça Federal e outra Estadual. O STF fora criado um ano antes, pelo Decreto nº 510, foi
constitucionalizado. Detinham direitos políticos os cidadãos brasileiros maiores de 21 anos,
excluindo-se os analfabetos, os mendigos, os praças militares e os integrantes de ordens
religiosas que impusessem renúncia à liberdade individual. Manteve-se a abolição do voto
censitário (Decreto nº 200-A). Não houve qualquer referência restritiva expressa às mulheres no
texto constitucional, mas a discriminação de gênero era tão enraizada que sequer se discutia se
elas podiam ou não votar ou se candidatar.

No plano dos direitos individuais revelou sua inspiração liberal, com vasto elenco de liberdades
públicas e diversas garantias penais e processuais. Foi constitucionalizado o habeas corpus, o
qual não se circunscrevia a tutela da liberdade de locomoção, o que abriu espaço para o
desenvolvimento no STF da doutrina brasileira do habeas corpus, ampliando essa garantia para
outras situações de arbitrariedade estatal, fora o direito de ir e vir.

O elenco de direitos fundamentais endossava importantes bandeiras republicanas: aboliu


privilégios de nascimento, foros de nobreza e ordens honoríficas. Previu a separação entre
estado e igreja e a laicidade do ensino público. Diferente da carta anterior não demonstrou
nenhuma sensibilidade para o social, estatuindo apenas direitos individuais defensivos. Era
rígida. Havia limites ao poder de reforma: vedação à abolição da forma republicana federativa e
à igualdade de representação dos Estados no Senado.

Tratava-se de uma Constituição perfeitamente liberal, bastante comprometida, no seu texto,


com o Estado de Direito. Na prática, porém, a vida constitucional na República Velha esteve
muito distante do liberalismo, marcada pelo coronelismo, pela fraude eleitoral e pelo arbítrio
dos governos.

Constituição de 1934: A Constituição de 1934 inaugurou o constitucionalismo social no Brasil.


Rompendo com o modelo liberal anterior, ela incorporou uma série de temas que não eram
objeto de atenção nas constituições pretéritas, voltando-se à disciplina da ordem econômica,
das relações de trabalho, da família, da educação e da cultura. Do ponto de vista institucional,
ela manteve o federalismo, a separação de poderes e o regime presidencialista. Era uma
constituição rígida.

Foi criada a justiça do trabalho, que foi inserida no âmbito do executivo. O federalismo passou a
adotar o modelo cooperativo, inspirado na Constituição de Weimer. A Justiça Eleitoral ganhou
assento constitucional. Uma novidade foi a previsão de direitos sociais, em especial os direitos
trabalhistas. Trouxe pela primeira vez o mandado de segurança e a ação popular. Inaugura a
disciplina constitucional da economia, com possibilidade de intervenção do Estado na seara
econômica. O nacionalismo era um traço marcante no regime então estabelecido.

Constituição de 1937 (Estado Novo): A filosofia geral da Carta de 1937 baseava-se numa rejeição
às técnicas da democracia liberal: (i) o sufrágio direto foi desprezado; (ii) a separação de poderes
também foi relegada a segundo plano, pois se considerava que o desenvolvimento e a
modernização nacionais deveriam ser perseguidos por um governo forte, capitaneado por um
Presidente em contato direto com as massas, sem os entraves da política parlamentar e
partidária. Apesar disso, ela impunha limites significativos ao exercício do poder.

28
O que teve lugar durante o período foi, porém, a manifestação do poder sem a observância de
limites jurídicos. Até 1945, o país viveu sob estado de emergência, com o Congresso fechado,
numa genuína ditadura. Foi decretado estado de emergência por tempo indeterminado no país,
com a suspensão de inúmeras garantias constitucionais. Os atos praticados pelo governo durante
o estado de emergência eram imunes ao controle jurisdicional (art.170).

Enquanto não fosse eleito o novo Parlamento, caberia ao Presidente da República expedir
decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União. O Presidente tinha
ainda o poder de confirmar ou não o mandato dos governadores dos Estados, nomeando
interventores nos casos de não confirmação. O MS perdeu seu status de garantia constitucional,
passando a ser disciplinado apenas pela legislação ordinária, e a Constituição vedou ao Judiciário
conhecer de questões exclusivamente políticas.

O poder judiciário tinha estrutura muito simplificada. A constituição não aludia à justiça eleitoral
e a justiça federal de 1º e 2º graus foram suprimidas. A justiça do trabalho continuava no âmbito
do executivo. Manteve o controle difuso de constitucionalidade, mas o presidente poderia
submeter a norma ao parlamento, que se a confirmasse por 2/3 dos membros de cada uma das
casas, ficaria sem efeito a declaração de inconstitucionalidade. A constituição podia ser alterada
por iniciativa do presidente ou do parlamento e não havia em nenhuma das hipóteses qualquer
limite material expresso ao poder de reforma. Como o Parlamento não funcionou durante o
Estado Novo, o Presidente da República arvorou-se à condição de constituinte derivado,
modificando unilateralmente a Carta de 1937, por meio da edição de “leis constitucionais”.
Portanto, na prática, a Carta de 1937 funcionou como uma Constituição flexível.

Admitia a pena de morte em diversas situações que tangenciavam o crime político, previa a
censura prévia da imprensa. Consagrou as liberdades públicas tradicionais, mas não contemplou
a proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Também cuidou da
família, educação e cultura. Quanto à ordem econômica, seguiu a linha intervencionista e
nacionalista da constituição de 1934.

Constituição de 1946: Houve, sob a sua égide, momentos de democracia e estabilidade


institucional, bem como outros extremamente conturbados, em que a Constituição teve pouca
importância. O primeiro momento se estende de 1946 até setembro de 1961, quando, no
contexto de séria crise política, foi aprovada a Emenda nº 4, que instituiu o parlamentarismo
após a eleição de João Goulart. O segundo momento vai de 1961 até o golpe militar de 1964 e
passa pela volta ao presidencialismo, com a edição da Emenda nº 6, em janeiro de 1963, após a
manifestação da vontade popular por plebiscito. O terceiro momento corresponde ao período
em que a Constituição conviveu com o arbítrio militar, com a edição dos atos institucionais AI –
1, AI-2, AI-3 e AI-4, estendendo-se de abril de 1964 até a sua revogação, em janeiro de 1967.
Na primeira fase, o Brasil experimentou, pela primeira vez na sua história, uma vida política
razoavelmente democrática, com eleições livres e regulares e relativo respeito às liberdades
públicas, apesar das diversas turbulências políticas por que passou.

Constituição de 1967: A sua elaboração refletiu o propósito do grupo moderado das Forças
Armadas — hegemônico durante o governo de Castelo Branco, que era um dos seus maiores
líderes — de reconstitucionalizar o país. Um dos traços característicos da Constituição de 1967
foi a concentração do poder, tanto no sentido vertical — centralização no pacto federativo —,
como no horizontal — hipertrofia do Executivo. Houve preocupação com a preservação de uma
fachada liberal, que se verifica, por exemplo, no extenso capítulo de direitos e garantias
individuais. Manteve-se o federalismo bidimensional. As eleições presidenciais eram indiretas,
por maioria absoluta, realizadas por colégio eleitoral formado pelo Congresso Nacional e por
delegados das Assembleias Legislativas, sem possibilidade de reeleição para o mandadto

29
consecutivo. O Poder Legislativo seguia o modelo bicameral, composto pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado. Quanto ao Poder Judiciário, não houve mudanças significativas em
relação à Constituição de 1946, com as alterações impostas pelo AI-2. As garantias da
magistratura foram preservadas, mas foram conservadas as cláusulas que excluíam da
apreciação judicial os atos praticados pelo “Comando Supremo da Revolução”, dentre os quais
os expedidos por força dos atos institucionais. A sistemática de controle de constitucionalidade,
com as mudanças introduzidas pela Emenda nº 16/65, foi mantida.

Constituição de 1969: Fruto do trabalho da “linha dura” das Forças Armadas. A Constituição de
1969 foi outorgada pela Junta Militar que governava o Brasil, sob a forma de emenda
constitucional: era a Emenda Constitucional nº 1. Invocou-se, como fundamento jurídico da
outorga, o AI-5 e o AI-16. O primeiro estabelecia, no seu art. 2º, §1º, que, enquanto o Congresso
estivesse em recesso, o Presidente poderia legislar sobre todas as matérias; e o segundo
dispunha, no seu art. 3º, que, até a posse do novo Presidente da República, a Chefia do Executivo
seria exercida pelos Ministros militares. Para justificar a medida, afirmou-se, nos consideranda
da Carta outorgada, que, tendo em vista os referidos atos institucionais, “a elaboração de
emendas à Constituição, compreendida no processo legislativo (art. 49, I), está na atribuição do
Poder Executivo Federal”. O sistema e as principais instituições da Carta de 1969 coincidem, no
geral, com as da Constituição de 1967, com algumas alterações, tais como: a) o Vice-Presidente
deixou de cumular sua função com a de Presidente do Congresso, como ocorria na Constituição
de 1967; b) o Congresso seria presidido pelo Presidente do Senado Federal; c) restrição à
imunidade parlamentar material; d) introdução de hipótese de perda de mandato por
infidelidade partidária; e) retrocessos no campo dos direito fundamentais; f) retirada da
iniciativa das Assembleias Legislativas. Manteve-se expressamente o AI-5, bem como seus atos
complementares (art. 182). Daniel Sarmento entende que não se tratou de simples emenda, mas
de Constituição — se é que merece esse nome uma norma editada de forma tão ilegítima. Isto
não apenas pela extensão das mudanças promovidas, como também pelo seu fundamento de
validade. É que as emendas, como emanação de um poder constituinte derivado, têm o seu
fundamento na própria Constituição que modificam. Porém, a assim chamada Emenda nº 1 não
foi outorgada com fundamento na Constituição de 1967, mas sim com base no suposto poder
constituinte originário da “Revolução vitoriosa”, que se corporificava, mas não se exauria, nos
atos institucionais editados pelos militares.

A ditadura militar e os atos institucionais. A formalização do golpe deu-se por meio do Ato
Institucional nº 1 (AI- 1), editado em 9 de abril de 1964, e assinado pelos comandantes das Forças
Armadas. Com base nos poderes excepcionais concedidos pelo AI-1, o governo passa a perseguir
os adversários do regime, realizando tortura e prisões arbitrárias. No Congresso, cinquenta
parlamentares tiveram o seu mandato cassado. Com a edição do AI-5, desfez-se a expectativa de
que a Constituição pudesse institucionalizar o regime. Tornara-se claro que o governo militar só
seguiria a Constituição se e quando isso lhe conviesse. Com base no AI-5, abriu-se um amplo
ciclo de cassações de mandatos e expurgos no funcionalismo, que atingiu em cheio as
universidades. Três Ministros do STF foram cassados.

A censura aos meios de comunicação se institucionalizou, atingindo também a atividade


artística. Nada mais podia ser publicado ou veiculado que pudesse desagradar ao governo, ou
que ameaçasse a moral tradicional e conservadora (de que os militares se faziam porta-vozes).
Embora não houvesse no AI-5 nenhuma autorização legal para tortura, desaparecimento forçado
de pessoas ou assassinatos, tais práticas tornaram-se os métodos corriqueiros de trabalho das
forças de repressão. Foram editados outros doze atos institucionais até a outorga da Constituição
de 1969 — do AI-6 ao AI-17 —, impondo medidas diversas, como a mudança do número de
Ministros do STF de 11 para 16 (AI-6) e a suspensão de eleições (AI- 7).

30
Em agosto de 1969, o Presidente Costa e Silva sofre um derrame que o deixa paralisado. Era
necessário substituí-lo, mas os ministros militares não cogitavam em seguir as regras do jogo,
que indicavam a sua sucessão pelo Vice-Presidente Pedro Aleixo - que, além de civil, deixara de
ser confiável, ao votar contra a decretação do AI-5. A solução veio por meio da decretação do AI-
12, que investiu os Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica na Chefia do Executivo,
“enquanto durar o impedimento temporário do Presidente da República” (art. 1º). Desfechava-
se um verdadeiro golpe dentro do golpe. Dias depois, a Junta Militar decretou outros dois
truculentos atos institucionais: o AI-13, possibilitando o banimento de brasileiro que se tornasse
“inconveniente, nocivo ou perigoso à Segurança Nacional”, e o AI-14, estendendo a possibilidade
de aplicação da pena de morte à guerra “psicológica adversa”, “revolucionária ou subversiva”.

Em 14 de outubro de 1969, é editado o AI-16, declarando a vacância dos cargos de Presidente e


Vice-Presidente da República e marcando eleições indiretas para escolha dos sucessores para o
dia 25 do mesmo mês. Até lá, a Junta Militar continuou à frente do governo.

O Congresso, que estava de recesso desde a decretação do AI-5, foi convocado às pressas para
referendar o nome do General Emílio Garrastazu Médici — mais um da “linha dura” — que os
militares já haviam escolhido.

Ato Institucional-5 (editado em 13 de dezembro de 1968): Um dos principais editados pelo


regime militar. a) suspende a garantia do habeas corpus para determinados crimes; b) dispõe
sobre os poderes do Presidente da República de decretar estado de sítio, nos casos previstos na
Constituição Federal de 1967; c) intervenção federal, sem os limites constitucionais; d)
suspensão de direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez anos e restrição ao
exercício de qualquer direito público ou privado; e) cassação de mandatos eletivos; f) recesso do
Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores; g) exclusão da
apreciação judicial atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares
decorrentes.

A assembleia constituinte de 1987/88. De acordo com a Emenda Constitucional nº 26/85, os


membros do Congresso reunir-se-iam “unicameralmente, em Assembleia Nacional Constituinte,
livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional” (art. 1º). Seria
instalada pelo Presidente do STF, que presidiria a eleição do seu Presidente (art. 2º). A nova
Constituição seria promulgada “depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão
e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembleia Nacional Constituinte” (art. 3º).
Foi elaborado um regimento interno para elaboração da Constituição, o qual previu a
possibilidade de a Constituinte sobrestar qualquer medida que pudesse ameaçar os seus
trabalhos e a sua soberania. Previu-se a criação de 24 subcomissões temáticas, que elaborariam
textos sobre os temas de sua competência. Uma das consequências decorrentes da fórmula
adotada foi o caráter analítico da Constituição, já que, ao se criar uma subcomissão dedicada a
tratar de determinado assunto, esse, naturalmente, se tornava objeto de disciplina
constitucional. As Subcomissões eram regimentalmente obrigadas a realizar entre 5 e 8
audiências públicas, tendo algumas organizado caravanas para outros Estados, visando a facilitar
o contato com as respectivas populações. Finalmente, em 22 de setembro de 1988, ocorreu a
derradeira votação da Assembleia Nacional Constituinte, que apreciou o texto final da
Constituição de 1988, depois das mudanças ocorridas no âmbito da Comissão de Redação. A
nova Constituição foi aprovada por 474 votos contra 15, contando-se 6 abstenções. Em 5 de
outubro de 1988, em clima de comoção, a Constituição de 1988 foi finalmente promulgada.

Do ponto de vista histórico, a Constituição de 1988 representa o coroamento do processo de


transição do regime autoritário em direção à democracia. Apesar da forte presença de forças
que deram sustentação ao regime militar na arena constituinte, foi possível promulgar um texto
que tem como marcas distintivas o profundo compromisso com os direitos fundamentais e com

31
a democracia, bem como a preocupação com a mudança das relações políticas, sociais e
econômicas, no sentido da construção de uma sociedade mais inclusiva, fundada na dignidade
da pessoa humana.

24A. Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito e judicialização da política.

Ana Carolina Castro Tinelli, 1/10/2018

I - Neoconstitucionalismo. A partir do pós 2ª guerra mundial a doutrina passou a


desenvolver um novo paradigma em relação ao fenômeno constitucional, denominado
neoconstitucionalismo, também chamado de constitucionalismo pós-moderno ou pós-
positivismo. Para além da ideia liberal burguesa de limitação do poder político, busca-se, acima
de tudo, a eficácia da Constituição, de modo que o texto deixa de ter caráter meramente
retórico e passa a ser mais efetivo, em especial no que toca à concretização de direitos
fundamentais.
As principais características do neoconstitucionalismo são, em síntese: atribuição de
força normativa à Constituição, que deixa de ser mero documento político; novo tratamento
hermenêutico conferido às regras e aos princípios, ante a insuficiência das regras interpretativas
clássicas; alteração da forma de resolução de conflitos, com a inclusão de técnicas de
ponderação e teorias da argumentação; mudança na teoria da norma, com distinção entre
norma e enunciado normativo; reconhecimento de normatividade aos princípios;
constitucionalização do Direito; releitura do Direito sob influência dos postulados da Ética e da
Moral, sob influência do imperativo kantiano do “homem como fim em si mesmo”; forte
crescimento da judicialização da política e das relações sociais, com submissão de temas
sensíveis ao Judiciário; e, por fim, expansão da jurisdição constitucional.
Gilmar Mendes salienta que o instante atual é marcado pela superioridade da
Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por
mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. A Constituição se caracteriza pela
absorção de valores morais e políticos (materialização da CF), sobretudo em um sistema de
direitos fundamentais, sem prejuízo de se continuar a afirmar a ideia de que o poder deriva do
povo, que se manifesta ordinariamente por seus representantes.
Para Sarmento, o neoconstitucionalismo está associado a fenômenos diferentes, mas
reciprocamente implicados, que podem ser assim sintetizados: (a) reconhecimento da força
normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do
Direito; (b) rejeição ao formalismo e recurso mais frequente a métodos ou “estilos” mais abertos
de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação etc.3; (c)
constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais,
sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento; (d)
reaproximação entre o Direito e a Moral; (e) judicialização da politica e das relações sociais, com
um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder
Judiciário.
Segundo Barroso, o neoconstitucionalismo identifica um conjunto amplo de
transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional. Tem como marco histórico a
formação do Estado Constitucional/Democrático de Direito, cuja consolidação se deu ao longo
das décadas finais do século XX. O Estado Moderno Liberal - institucionalizado com a Revolução
Francesa -, em que se buscou limitar o poder estatal e privilegiar as liberdades negativas,
revelou-se insuficiente diante da proteção da igualdade meramente formal. As desigualdades
sociais do Estado Mínimo ensejaram a decadência do liberalismo clássico e adesão ao Estado do
Bem Estar Social (welfare state), em que o Estado passa de mero respeitador de direitos
individuais (posição omissiva), para assumir o papel de condutor do desenvolvimento e
efetivador de direitos (posição ativa), daí se falar em direitos de cunho prestacional, a fim de
corrigir as diferenças entre os indivíduos (igualdade material - caráter distributivista). No
entanto, o Estado Social e sua intensa interferência no locus privado serviu de palco também

32
para o fortalecimento de Estados totalitários, como a Alemanha nazista e a Itália fascista. A
legalidade herdada do Estado Liberal continuou sendo pregada, mas seu conteúdo restou
afastado de considerações morais, de forma que as atrocidades do início do século XX estavam
amparadas pelo ordenamento jurídico vigente nos Estados Sociais. Assim, no pós guerra cresceu
a defesa da criação ou fortalecimento da jurisdição constitucional, de forma que os direitos
fundamentais fossem protegidos até mesmo ante o legislador. No Brasil, o
neoconstitucionalismo começa a ser desenhado a partir da CF88, fruto do processo de
redemocratização, em substituição ao regime político ditatorial.
Como marco filosófico, tem-se o pós-positivismo, ante a superação do legalismo estrito
do positivismo jurídico, com a reaproximação do Direito aos postulados da Ética e da Moral,
marcantes no jusnaturalismo, mas sem o abandono do direito positivo. O Iluminismo ocasionou
a mudança do paradigma do direito natural para o positivismo jurídico (do teleológico para o
racional), de modo que houve a supervalorização da razão humana. Auguste Comte defendia
que o único conhecimento válido era aquele que carregasse o status científico. Assim, o objeto
da ciência jurídica passou a ser a norma positiva, distanciada de considerações morais, cujo
fundamento de validade era a mera observância de seu procedimento formal de criação (teoria
pura do direito – Kelsen), independentemente do conteúdo. Todavia, isso possibilitou as
barbáries da 2ª guerra mundial e verificou-se que a validade da norma deve ser aferida a partir
de valores fundamentais.
E, por fim, como marco teórico, cita-se o reconhecimento da força normativa da
Constituição (Konrad Hesse), a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de
uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou
um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito (Constituição invasora), eis
que todos os ramos jurídicos passam por um processo de filtragem constitucional. Abandonou-
se a concepção da Constituição como documento meramente político, repositório de promessas
dependentes da atuação do legislador, para ser vista como verdadeira norma jurídica e locus
para a consagração de direitos fundamentais, o que acarretou, por conseguinte, a expansão da
jurisdição constitucional e uma nova hermenêutica, pois, em que pese ser norma jurídica, a
densidade axiológica da CF exige métodos específicos de interpretação (abandono do
formalismo interpretativo).
A partir da maior aproximação do Direito com a Moral, o homem ganhou assento como
centro de preocupação das normas. Como defendido a partir do imperativo categórico kantiano,
o homem não pode ser considerado instrumento para consecução de objetivos outros, mas
como fim em si mesmo. Não mais se admite que o Direito se resuma a questões de validade
formal. Os operadores do Direito devem observar se o resultado de sua operação é compatível
com a tutela de direitos fundamentais. O mínimo existencial surge como instituto a ser
observado pelo intérprete, pois encerra o rol mínimo de prestações necessárias à manutenção
digna do homem (necessidades físicas, biológicas, espirituais e intelectuais) e abrange a livre
participação do indivíduo na construção democrática do Estado e a capacidade de se
desenvolver conforme seu próprio entendimento. Não obstante, a dignidade da pessoa
humana, como epicentro axiológico da CF, impõe a ideia de respeito ao homem como fim último
do direito e do estado.
O neoconstitucionalismo pode ser visto pelos seguintes prismas/vertentes: a) como
modelo constitucional: conjunto de mecanismos normativos e institucionais; e b) como teoria,
ideologia e método
do direito. b.1) como teoria, limita-se a descrever os resultados da constitucionalização.
Caracterizado por uma constituição ‘invasora’, catálogo de direitos fundamentais, onipresença
de princípios e regras, peculiaridades na interpretação/aplicação das suas normas. Afasta a
estatalidade, o legicentrismo (a constituição passa a ser norma jurídica vinculante) e o
formalismo interpretativo. Mantém o método positivista com objeto parcialmente modificado
ou propõe uma mudança radical de método (pós-positivismo); b.2) como ideologia, põe em 1º
plano a garantia dos direitos fundamentais, em detrimento do objetivo da limitação do poder
estatal (traço do constitucionalismo ‘clássico’), porque o poder estatal passa a ser aliado e

33
necessário à implementação dos direitos fundamentais. Não se limita ao juízo descritivo (como
o direito é), pois há sobreposição com o juízo prescritivo, na medida em que se valora
positivamente o direito e defende sua ampliação (como deveria ser); b.3) como metodologia,
especialmente em Alexy e Dworkin com a ponderação, traz a conexão necessária entre direito
e moral (leitura moral da constituição), entronização de valores na interpretação jurídica com o
reconhecimento da normatividade dos princípios, reabilitação da razão prática e da
argumentação jurídica.
Daniel Sarmento argumenta que o cenário atual abre espaço tanto para visões
comunitaristas, que buscam na moralidade positiva e nas pré compreensões socialmente
vigentes o norte para a hermenêutica constitucional, endossando na seara interpretativa os
valores e cosmovisões hegemônicos na sociedade, como para teorias mais próximas ao
construtivismo ético, que se orientam para uma moralidade crítica, cujo conteúdo seja definido
através de um debate racional de ideias, fundado em certos pressupostos normativos, como os
de igualdade e liberdade de todos os seus participantes.
II - Constitucionalização do Direito. A ideia de constitucionalização do Direito está
associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico
se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores e fins públicos
contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o
sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como explica Sarmento, tal fenômeno
não se esgota no tratamento constitucional de temas anteriormente disciplinados pela
legislação ordinária, pois envolve a filtragem constitucional, ou seja, a interpretação de todas as
normas à luz da CF, buscando a exegese que mais promova seus objetivos.
A constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes. Repercute, também,
nas relações entre particulares. Relativamente ao Legislativo, a constitucionalização (i) limita sua
discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração das leis em geral e (ii) impõe-lhe
determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais. No
tocante à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii)
impor a ela deveres de atuação, ainda (iii) fornece fundamento de validade para a prática de
atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do
legislador ordinário. Quanto ao Poder Judiciário, (i) serve de parâmetro para o controle de
constitucionalidade por ele desempenhado (incidental e por ação direta), bem como (ii)
condiciona a interpretação de todas as normas do sistema. Por fim, para os particulares,
estabelece limitações à sua autonomia da vontade, em domínios como a liberdade de contratar
ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a valores constitucionais e ao respeito a
direitos fundamentais.
III - Judicialização da política. Sarmento ensina que, como boa parcela das normas mais
relevantes da CF caracteriza-se pela abertura e indeterminação semânticas, a sua aplicação pelo
Poder Judiciário resultou em uma nova hermenêutica jurídica, ante a necessidade de resolver
tensões entre princípios constitucionais colidentes, o que deu espaço para a técnica da
ponderação e tornou frequente o recurso ao princípio da proporcionalidade na esfera judicial.
Assim, houve o desenvolvimento de diversas teorias da argumentação jurídica, que buscam a
melhor resposta para os casos difíceis. Neste contexto, cresceu a procura e importância do
Poder Judiciário, pois com frequência cada vez maior questões polêmicas e relevantes para a
sociedade passaram a ser decididas por juízes e sobretudo pela Corte Constitucional (ex. aborto
de feto anencéfalo, fixação do rito de impeachment, suspensão da indicação de Ministro de
Estado, uniões homoafetivas, alteração de nome sem a necessidade de cirurgia de mudança de
sexo, concessão de LOAS a estrangeiros residentes, custeio de medicamentos de alto custo pelo
SUS, etc), muitas vezes em razão de ações propostas pelo grupo político ou social perdedor em
âmbito legislativo. A expansão da jurisdição constitucional contribuiu para esse fenômeno e o
Judiciário deixou de ser mera boca que pronuncia a palavra da lei.
Barroso assevera que a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e
tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de
participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas, como o reconhecimento da

34
importância de um Judiciário forte e independente, como elemento essencial para as
democracias modernas. Outra causa envolve certa desilusão com a política majoritária, em
razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral. Há, ainda,
o fato de que atores políticos, muitas vezes, preferem que o Judiciário seja a instância decisória
de certas questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral razoável da
sociedade. Com isso, evitam o próprio desgaste na deliberação de temas divisivos, como uniões
homoafetivas, interrupção de gestação ou demarcação de terras indígenas.
Ademais, Barroso salienta que a “judicialização e o ativismo judicial são primos”, mas
não têm as mesmas origens. A judicialização “decorre do modelo de Constituição analítica e do
sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que
discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale
dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte”, e o
“ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e
expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas.
Assim, a emergência do constitucionalismo democrático no segundo pós-guerra é
percebida como uma ampliação do conceito de soberania, abrindo para os cidadãos novos
lugares de representação de sua vontade, a exemplo do que ocorre quando provocam o
Judiciário para exercer o controle das leis. O que se observa é uma tendência global à adoção
do modelo de constitucionalismo em que as constituições são vistas como normas jurídicas
autênticas, que podem ser invocadas perante o Poder Judiciário e ocasionar a invalidação de
leis ou outros atos normativos. A conjugação do constitucionalismo social com o
reconhecimento do caráter normativo e judicialmente sindicável dos preceitos constitucionais
gerou efeitos significativos do ponto de vista da importância da Constituição no sistema jurídico
— ela assumiu uma centralidade outrora inexistente —, bem como da partilha de poder no
âmbito do aparelho estatal, com grande fortalecimento do Poder Judiciário, e, sobretudo, das
cortes constitucionais e supremas cortes, muitas vezes em detrimento das instâncias políticas
majoritárias.
Logo, a judicialização é fenômeno que apresenta dois componentes: (1) um novo
"ativismo judicial", com a expansão das questões sobre as quais devem ser formados juízos
jurisprudenciais (muitas até recentemente reservadas ao tratamento dado pelo Legislativo ou
pelo Executivo); e (2) o interesse de políticos e autoridades administrativas em adotar (a)
procedimentos semelhantes ao processo judicial e (b) parâmetros jurisprudenciais em suas
deliberações.
Tal "expansão" do poder das cortes judiciais seria o resultado de diversas características
do desenvolvimento histórico de instituições nacionais e internacionais e de renovação
conceitual em disciplinas acadêmicas. Assim, por exemplo, a reação democrática em favor da
proteção de direitos e contra as práticas populistas e totalitárias da II Guerra Mundial na Europa;
a influência da atuação da Suprema Corte americana; a tradição europeia (kelseniana) de
controle da constitucionalidade das leis; os esforços de organizações internacionais de proteção
de direitos humanos, sobretudo a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU,
de 1948.
Do ponto de vista do processo político como um todo, a judicialização da política
contribui para o surgimento de um padrão de interação entre os Poderes (sintetizado no conflito
entre tribunais constitucionais e o Legislativo ou Executivo) que não é necessariamente
deletério da democracia. A ideia é, ao contrário, que democracia constitui um "requisito" da
expansão do poder judicial. Nesse sentido, a transformação da jurisdição constitucional em
parte integrante do processo de formulação de políticas públicas deve ser vista como um
desdobramento das democracias contemporâneas.
A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar
onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou
insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre uma certa aproximação entre Direito e Política e, em
vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um "direito" e um "interesse político", sendo
possível se caracterizar o desenvolvimento de uma "política de direitos". Essa condição

35
institucional de introdução da jurisdição (sobretudo a das cortes constitucionais) no processo
de formulação de políticas públicas é em parte auxiliada pelas regras orgânicas dos tribunais ou
do Poder Judiciário como um todo. Assim, regras referentes ao recrutamento, composição,
competências e procedimentos dos diversos órgãos e poderes, e especialmente do tribunal
constitucional, são importantes para a judicialização da política. Na França, por exemplo, o fato
de que os nove membros da Corte Constitucional sejam nomeados, em partes iguais, pelo
Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia Nacional e pelo Presidente do Senado,
auxiliou na politização da justiça.
Daniel Sarmento destaca que, diante da vagueza e abertura de boa parte das normas
constitucionais, quem as interpreta também participa do seu processo de criação. Daí a crítica
de que o viés judicialista subjacente ao neoconstitucionalismo acaba por conferir aos juízes uma
espécie de poder constituinte permanente, pois lhes permite moldar a CF de acordo com as suas
preferências políticas e valorativas, em detrimento daquelas do legislador eleito. Além disso,
Sarmento afirma que uma ênfase exagerada no espaço judicial pode levar ao esquecimento de
outros terrenos importantes para a concretização da CF e realização de Direitos, gerando um
resfriamento da mobilização cívica do cidadão. A judicialização se justifica a partir de uma visão
muito crítica do processo político majoritário, mas que ignora as inúmeras mazelas que também
afligem o Poder Judiciário, Aa partir de visões românticas e idealizadas do juiz. Aponta-se, ainda,
a ausência de mandato popular conferido ao STF, mas, por outro lado, é importante sua atuação
contramajoritária. Sarmento não nega o fenômeno da judicialização da política, mas prefere
outra linha teórica, que, apesar de reconhecer o papel importante do Judiciário na defesa dos
direitos fundamentais e proteção da democracia, afirma a centralidade dos movimentos sociais
e da sociedade civil na arena constitucional. Não se trata de apenas afirmar que tais atores
podem participar da jurisdição constitucional (amici curiae ou audiências públicas), mas de
reconhecer que há muito Direito Constitucional fora dos tribunais. Destaca-se a decisão do caso
Raposa Serra do Sol, na parte em que impôs condicionantes às futuras demarcações de terras
indígenas: o STF careceria de legitimidade, pois praticamente atuou como legislador e impôs
graves restrições a direitos básicos de uma minoria étnica vulnerável, que estão em total
desacordo com o texto constitucional e com a normativa internacional sobre direitos humanos.

4. PODER CONSTITUINTE
4.1 Poder Constituinte originário. Titularidade e caracterı ́sticas. (5.a)
4.2 Poder Constituinte derivado. Limitaçõ es à reforma constitucional. (6.a)
4.3 Poder constituinte estadual: autonomia e limitaçõ es. (8.a)
4.4 As mutaçõ es constitucionais. (6.a)
4.5 Cláusulas pétreas expressas e implı ́citas. (6.a)
4.6 Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da Recepção. Disposiçõ es constitucionais
transitórias. (13.a)

5A. Poder Constituinte originário. Titularidade e características.

Oswaldo Costa

I. Conceito e Titularidade

Poder constituinte originário é a força política consciente de si que resolve disciplinar os


fundamentos do modo de convivência na prática política. É o poder de instaurar uma nova
ordem jurídica rompendo com a ordem jurídica precedente. (Sarmento: só é propriamente
constituinte o poder originário).
Titularidade: Povo (conjunto de indivíduos) ou nação (unidade orgânica permanente)? Povo!

II. Características

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Origem: O conceito de poder constituinte originário é derivado dos estudos do abade de
Sieyès (“O que é o terceiro estado?”). Sieyès enfatiza que a constituição é produto do poder
constituinte originário, que gere e organiza os poderes do estado (poderes constituídos), sendo,
até por isso, superior a eles. Sieyès se propunha a superar o modo de legitimação do poder que
vigia, baseado na tradição, pelo poder político de uma decisão originária, não vinculada ao
direito preexistente, mas à nação, como força que cria a ordem primeira da sociedade. Para ele,
o povo é soberano para ordenar seu próprio destino e o da sua sociedade, expressando-se por
meio da constituição.

Classificação: o poder constituinte originário pode ser dividido em histórico (seria o verdadeiro
poder constituinte originário, estruturando, pela primeira vez, o estado) e revolucionário
(seriam todos os posteriores ao histórico, rompendo por completo com a antiga ordem e
instaurando um novo estado).

Características: é inicial, autônomo, ilimitado juridicamente, incondicionado, soberano na


tomada de suas decisões, um poder de fato e político, permanente:
a) inicial – está na origem do ordenamento; é o ponto de partida; assim, o poder constituinte
originário não pertence à ordem jurídica, não está regido por ela;
b) autônomo – a estrutura da nova constituição será determinada autonomamente, por quem
exerce o poder constituinte originário;
c) ilimitado juridicamente – não tem de observar os limites postos pela ordem anterior; o
caráter ilimitado, porém, deve ser entendido em termos; diz respeito à liberdade do poder
constituinte originário com relação a imposições da ordem jurídica que existia anteriormente,
mas haverá limitações políticas inerentes ao exercício do poder constituinte (se o poder
constituinte é a expressão da vontade política da nação, não pode ser entendido sem a
referência a valores éticos, religiosos, culturais, que informam essa mesma nação e que motivam
as suas ações; assim, um grupo que se arrogue a condição de representante do poder
constituinte originário e redija uma constituição que hostilize esses valores dominantes não
haverá de obter o acolhimento de suas regras pela população e não terá êxito no
empreendimento revolucionário, não sendo reconhecido como poder constituinte originário);
além disso, pode-se falar em limitações intrínsecas do poder constituinte originário sob outro
ângulo – não há espaço para decisões caprichosas ou totalitárias do poder constituinte
originário, já que ele existe para ordenar juridicamente o poder o estado, devendo, assim,
sempre instituir um estado com poderes limitados;
d) incondicionado e soberano na tomada de decisões – não se submete a qualquer forma pré-
fixada de manifestação;
e) poder de fato e poder político – pode ser caracterizado como uma energia ou força social,
tendo natureza pré-jurídica, sendo que, por essas características, a nova ordem jurídica começa
com a sua manifestação, e não antes dela;
f) permanente – o poder constituinte originário não se esgota com a edição da nova
constituição, sobrevivendo a ela e fora dela como forma de expressão da liberdade humana, em
verdadeira ideia de subsistência (Sarmento relativiza todas essas características. P. ex.: inicial?
Normalmente não se manifesta em um cenário de completa ruptura. Incondicionado? Podem
ser estabelecidas regras prévias sobre o seu funcionamento – sobre a elaboração da própria
constituição).

Formas de expressão: o poder constituinte originário pode ser expressar através da outorga
(imposição – quando não há um “verdadeiro momento constitucional”, segundo Sarmento) ou
da promulgação (forma democrática) da nova constituição. Para que seja reconhecido como
legítimo, o poder constituinte deve se manifestar democraticamente e instituir um regime
político comprometido com o respeito aos direitos humanos (Sarmento).

Prova oral – 27º CPR: Características do poder constituinte originário.

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6A. Poder constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. Cláusulas pétreas
expressas e implícitas. As mutações constitucionais.

Caio Kusaba

I. Poder constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. Cláusulas pétreas


expressas e implícitas

O Poder Constituinte Derivado pode se manifestar sobre a forma do Poder Constituinte


Derivado Reformador (PCDR) e do Poder Constituinte Derivado Decorrente (PCDD), tratado no
ponto 8.a. O PCDR trata-se da alteração formal da Constituição, ou seja, alteração do texto
constitucional. Na CF/88, a alteração formal pode ser feita por dois mecanismos:

1. Emenda à Constituição (Art. 60 da CF). O PCDR, diferente do PCO, não é juridicamente


ilimitado. Desse modo, existem limites às emendas, os quais podem ser de vários tipos:

1. Limites procedimentais ou formais:


A. Iniciativa restrita (art. 60, I a III, da CF): só podem apresentar a PEC alguns
legitimados específicos: (a) um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal; (b) Presidente da República; e (c) mais da
metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-
se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
Sobre a possibilidade de uma PEC de iniciativa popular, existem dois
posicionamentos:
a. Desfavorável: de acordo com o texto constitucional, não há previsão para a
iniciativa popular de PEC;
b. Favorável: em termos teóricos, JOSÉ AFONSO DA SILVA defende que, se o
povo é titular do poder (art. 1º, p.ú., da CF), é possível uma interpretação
ampliativa para entender que a iniciativa popular não abrange só leis, mas
também a PEC;
B. Quórum de aprovação (art. 60, § 2º, da CF): necessita-se de 3/5 dos votos;
C. Trâmite (art. 60, § 2º, da CF): dois turnos de votação em cada Casa;
D. Promulgação (art. 60, § 3º, da CF): uma vez aprovada a PEC, esta é promulgada
pelas Mesas das Casas. Não é a Mesa do Congresso Nacional, e sim das duas
Casas. Não há sanção presidencial;
E. Princípio da irrepetibilidade (art. 60, § 5º, da CF): matéria constante de proposta
de emenda rejeitada ou prejudicada não pode ser objeto de nova PEC na mesma
sessão legislativa – 02 de fevereiro a 22 de dezembro (art. 57 da CF).
Obs.: alguns autores classificam esse limite como temporal;
2. Limites temporais: não há em relação às emendas;
3. Limites circunstanciais (art. 60, § 1º, da CF): não pode haver emenda em (a) estado
de defesa; (b) estado de sítio; e (c) intervenção federal.
4. Limites materiais ou cláusulas pétreas: podem ser:
A. Explícitos (art. 60, § 4º, da CF): não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir: (a) a forma federativa de Estado; (b) o voto direto,
secreto, universal e periódico; (c) a separação dos Poderes; e (d) os direitos e
garantias individuais.
A expressão “tendente a abolir” significa, por óbvio, que uma emenda à
Constituição não pode abolir uma cláusula pétrea. Porém, uma emenda à
Constituição pode restringir um instituto protegido como cláusula pétrea, desde
que não seja violado o seu núcleo essencial.

38
Núcleo essencial, apesar de difícil definição, pode ser conceituado como o
conjunto das características sem as quais um instituto deixaria de existir.
Como se nota do inc. IV do § 4º, os direitos e garantias individuais são cláusulas
pétreas, não havendo menção aos direitos sociais. Dessa feita, há divergência
sobre a imutabilidade dos direitos sociais:
a. 1ª corrente: entende que as normas disciplinadoras de direitos sociais não
são cláusulas pétreas, por dois motivos: (a) não estão previstos
expressamente no rol de cláusulas pétreas e (b) por serem direitos a
prestação, estão na dependência de condições variadas no tempo dos
recursos disponíveis, não podendo ser afirmados como imodificáveis;
b. 2ª corrente: defende que as normas estabelecedoras de direitos sociais
também são cláusulas pétreas, uma vez que são instrumentos para a
implementação da dignidade da pessoa humana e dos demais fundamentos
da República. Desse modo, os direitos fundamentais sociais da essência da
concepção de Estado acolhida pela CF, devendo ser considerados cláusulas
pétreas.
Uma emenda constitucional NÃO pode ampliar o rol de cláusulas pétreas, uma
vez que o Poder Reformador recebe a sua autoridade do constituinte originário.
Logo, o Poder Reformador só pode ser limitado pelo constituinte originário, de
maneira que o Poder Reformador de hoje não pode inserir novos limites ao
Poder Reformador de amanhã.
Por outro lado, o Poder Reformador pode inserir novo instituto que é abrangido
por uma das hipóteses de cláusula pétrea existente. Ex.: Poder Reformador
inserir no texto constitucional novo direito individual.
Quanto à questão sobre esse novo direito individual, inserido por emenda à
Constituição, ser protegido como cláusula pétrea, existem duas posições:
a. Favorável: o novo direito vira cláusula pétrea, em razão de dois motivos:
i. Quando o constituinte originário colocou no rol de cláusulas pétreas os
direitos e garantias individuais, ele não diferenciou se esses direitos
seriam somente os originários, ou se também poderiam ser direitos
inseridos por emenda;
ii. Princípio da vedação do retrocesso (evolução reacionária ou efeito
cliquet), segundo o qual, se direitos fundamentais alcançaram um
determinado nível de conquistas, não se poderia abolir tais conquistas
porque isso implicaria um retorno a uma situação pior;
b. Desfavorável: o novo direito não vira cláusula pétrea, uma vez que isso seria
a imposição de novos limites ao Poder Reformador os quais não foram
previstos pelo constituinte originário;
B. Implícitos:
a. Titularidade do poder: a titularidade do poder pelo povo não pode ser
alterada;
b. Vedação à dupla reforma ou dupla revisão: dupla reforma é a alteração de
um limite ao Poder Reformador para permitir posterior modificação daquilo
que outrora era vedado.
Dessa forma, pode-se dizer que os limites explícitos ao poder de reforma –
limites procedimentais, circunstanciais e materiais explícitos – são, eles
próprios, limites implícitos ao Poder Reformador, porque eles próprios não
podem ser abolidos;
c. República: a matéria é controvertida, mas existem dois argumentos
favoráveis a tese de que a República é uma cláusula pétrea implícita:
i. A República é fruto de uma escolha popular direta, logo, não poderiam
os representantes do povo modificar a forma de governo. Contudo, é

39
possível que o próprio povo decida pelo fim da República em um novo
plebiscito;
ii. O art. 60, § 4º, II, da CF traz que é cláusula pétrea o voto periódico, e a
periodicidade do exercício do poder é um elemento essencial da
República, afinal o monarca não exerce mandado eletivo.

2. Revisão Constitucional (Art. 3º do ADCT). Diferentemente da emenda à Constituição, a qual


deve ser utilizada quando se pretende operar mudanças específicas, pontuais; a revisão
constitucional se presta a alterações de caráter mais geral na Constituição. Os limites da revisão
constitucional são diferentes dos das emendas à Constituição:

1. Limites procedimentais ou formais:


A. Quórum de aprovação: necessita-se de maioria absoluta;
B. Trâmite: sessão unicameral;
2. Limites temporais: só pode ser feita após 5 anos da promulgação da CF.
Obs.1 do STF: somente cabe uma única revisão constitucional, sendo aquela realizada 5
anos após a promulgação da CF.
Obs.2 do STF: a revisão constitucional também está sujeita às cláusulas pétreas.

II. As Mutações Constitucionais

Poder Constituinte Difuso é o poder para promover a mutação constitucional, isto é, um


processo informal da alteração da Constituição. Na mutação constitucional há alteração do
sentido do texto, mas não do texto. Ou seja, o texto escrito permanece hígido; o sentido dado
ao texto não. Diferentemente do PCDR, o PCD não é exercido com exclusividade por um órgão.
Essa mutação constitucional decorre das próprias transformações sociais e da própria evolução
do direito. A mutação constitucional pode se manifestar das seguintes formas:

1. Grupos de pressão: grupos sociais que pressionam o poder público e a sociedade para
admitir determinado valor ou mudar determinada concepção;
2. Práticas consolidadas: conduta reiterada ao longo de um grande lapso de tempo;
3. Construção doutrinária: ex.: doutrina brasileira do habeas corpus (1891 a 1934), a
qual sustentava que o habeas corpus poderia ser usado para a proteção de qualquer
liberdade, e não somente á liberdade de locomoção. Com a criação do mandado de
segurança, essa doutrina se tornou superada.

Existe a figura da mutação constitucional inconstitucional, a qual consiste em atribuir a


uma norma constitucional uma nova interpretação que seja contrária aos valores consagrados
pela Constituição. Para evitar que a mutação constitucional seja inconstitucional, a mutação
constitucional tem limites:

1. Próprio texto: não se pode atribuir ao texto um sentido que seja contrário às suas
possibilidades semânticas;
2. Sistema de valores constitucionais: a interpretação não pode levar a um resultado
contrário aos valores defendidos pela Constituição. Exemplos próprios de violações são
as práticas políticas consolidadas e as omissões do poder público em efetivar a
Constituição (o que gera uma interpretação de inefetividade da Constituição).

8A. Poder constituinte estadual: autonomia e limitações.

Caio Kusaba

40
O Poder Constituinte Derivado Decorrente (PCDD) é o poder que os Estados têm para a
elaboração da própria Constituição. Esse poder não é inicial nem incondicionado nem ilimitado.
O PCDD se subdivide em:

1. Poder Constituinte Decorrente Institucionalizador: é o poder de criação da


Constituição Estadual. A rigor, trata-se de um poder derivado, subordinado e
condicionado, devendo obedecer às normas fixadas (limites) na CF/88, quais sejam:
A. Princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII, da CF/88): forma republicana;
sistema representativo; regime democrático; direitos da pessoa humana;
autonomia municipal; prestação de contas da administração pública, direta e
indireta; e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos
estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
Seu descumprimento autoriza a intervenção federal;
B. Princípios federais extensíveis: são normas centrais comuns à União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, de observância obrigatória e que percorrem toda
a Constituição. Ex.: arts. 1º, 4º e 5º, da CF/88;
C. Princípios constitucionais estabelecidos: são normas espalhadas pelo texto
constitucional responsáveis por organizar a Federação. Ex.: normas de
competência e normas de reprodução obrigatória.

2. Poder Constituinte Decorrente Reformador: é o poder de reforma da Constituição


Estadual. Aplica-se, mutatis mutandi, o mesmo que foi dito sobre o Poder
Constituinte Derivado Reformador (ponto 6.a).

A doutrina majoritária entende que, nos Municípios, não há PCDD, pois eles possuem
Lei Orgânica, a qual não possui natureza constitucional. Existe corrente minoritária que defende
que a Lei Orgânica tem natureza constitucional, havendo a seguinte divisão do Poder
Constituinte:
1. Poder Constituinte de 1º Grau: Constituição Federal;
2. Poder Constituinte de 2º Grau: Constituição Estadual, o qual deve observância à CF;
3. Poder Constituinte de 3º Grau: Lei Orgânica, a qual deve observância à CF e à CE.

Em relação ao Distrito Federal, este também se organiza mediante Lei Orgânica. Todavia,
trata-se de Lei Orgânica peculiar, uma vez que abrange tanto matéria de Constituição Estadual
como de Lei Orgânica municipal. No ponto referente a matérias de Constituição Estadual, a Lei
Orgânica do Distrito Federal tem natureza constitucional.

13A. Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da recepção. Disposições constitucionais


transitórias.

Caio Kusaba

I. Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da recepção

O Direito Constitucional Intertemporal trata da relação da Constituição nova com a


Constituição e a legislação infraconstitucional anteriores.

Na relação com a Constituição anterior podem ser citados três institutos:

i) Revogação: a Constituição nova revoga a Constituição anterior. Essa é a regra, podendo ser a
revogação expressa ou tácita;

41
ii) Desconstitucionalização: as normas da Constituição anterior serão analisadas perante a
Constituição nova e, se elas forem materialmente compatíveis com a nova Constituição, elas
podem ser mantidas assumindo status infraconstitucional. Esse fenômeno só ocorre se for
expressamente previsto, não havendo previsão na CF/88 da desconstitucionalização;

ii) Vacatio Constitutionis: segue a mesma lógica da vacatio legis. Trata-se de um período no qual
a Constituição nova ainda não entrou em vigor, sendo mantida a vigência da Constituição
anterior. Esse fenômeno também só ocorre se for expresso. A vacatio constitutionis pode ser
parcial, com apenas alguns dispositivos não entrando em vigor imediatamente. Isso ocorreu na
CF/88, conforme o artigo 34 do ADCT (Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a
partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até
então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas
posteriores). Esse fenômeno da vacatio constitutionis, sobretudo quando parcial, também é
chamado de recepção material da Constituição anterior.

Já na relação com a legislação infraconstitucional anterior (direito pré-constitucional),


quando uma Constituição nova é promulgada, isso não quer dizer que toda a legislação
infraconstitucional anterior é revogada, pois, caso contrário, seria necessário refazer toda a
legislação infraconstitucional. Desse modo, pelo princípio da continuidade do ordenamento
jurídico, as normas tendem a permanecer após a promulgação da nova Constituição. Porém,
para isso, faz-se necessário uma análise de compatibilidade entre o direito pré-constitucional e
a Constituição nova. A análise da compatibilidade pode ser feita sob duas perspectivas:

1. Compatibilidade material: verifica-se se o conteúdo da norma anterior é compatível


com a nova Constituição. Desta análise, pode-se chegar a duas conclusões:
A. Norma materialmente compatível: ocorre o fenômeno da recepção, a qual gera
duas consequências importantes:
a. A norma recepcionada assume um novo fundamento de validade, o qual é
a nova Constituição que recepcionou a norma. Assim, a norma recepcionada
deve ser interpretada de acordo com a nova Constituição;
b. A norma recepcionada assume o status normativo exigido pela nova
Constituição. Ex.: CTN foi editado como lei ordinária, pois a CF, à época,
exigia apenas lei ordinária. A CF/88 exige lei complementar para tratar da
matéria, fazendo com que o CTN fosse recepcionado com status de lei
complementar;
B. Norma materialmente incompatível: ela não é recepcionada pela nova
Constituição. Prevalece no âmbito do STF que a norma anterior é revogada pela
nova Constituição.
Por outro lado, pode ocorrer de a norma infraconstitucional anterior não ser
compatível com a Constituição anterior, sendo, portanto, inconstitucional. Essa
mesma norma pode não ter sido declarada inconstitucional naquela época, porém,
com a edição de uma nova ordem constitucional, percebe-se que ela é compatível
com a Constituição nova. Nessa situação, a norma não pode ser declarada
constitucional com base na nova Constituição, pois ela nasceu inconstitucional.
Assim, NÃO há o fenômeno da constitucionalidade superveniente;

2. Compatibilidade formal: examina-se dois pontos:

A. Aspecto procedimental: tem relação com o processo legislativo. As questões


referentes a esse aspecto podem ser reproduzidas na seguinte tabela:

42
Constituição Anterior Constituição Nova
Norma Recepção?
(Exigência) (Exigência)
Lei ordinária Lei ordinária Lei ordinária SIM

Lei ordinária Lei ordinária Lei complementar SIM

Lei complementar Lei ordinária Lei ordinária NÃO

No último caso, mesmo que haja a compatibilidade com a nova Constituição,


não há a recepção porque a norma nasceu inconstitucional;

B. Aspecto orgânico: refere-se à repartição de competências entre os entes da


Federação. As questões referentes a esse aspecto podem ser reproduzidas na
seguinte tabela:

Constituição Anterior Constituição Nova


Recepção?
(Exigência) (Exigência)
Lei federal Lei estadual SIM

Lei estadual Lei federal NÃO

Como já afirmado, com a recepção da norma esta assume um novo status


normativo compatível com a nova Constituição. Por essa razão, não pode haver
a recepção no segundo caso, pois, caso contrário, as diversas normas existentes
em cada um dos Estados assumiriam status de norma federal, gerando um caos
na ordem jurídica. Na primeira situação, conforme cada Estado vai editando sua
própria lei sobre a matéria, a antiga lei federal vai perdendo sua eficácia.

II. Disposições Constitucionais Transitórias

As disposições constitucionais transitórias são previstas no Anexo de Disposições


Constitucionais Transitórias (ADCT) e tratam da aplicabilidade de outras normas. Ou seja,
normas que visam a situações temporárias, provisórias.

Cumpre ter presente que, por vezes, o dispositivo do ADCT é estatuído pelo constituinte
originário para excepcionar hipóteses concretas da incidência de uma norma geral, integrante
do corpo principal da Constituição, ou então, volta-se especificamente para atribuir um regime
mais vantajoso a um grupo concreto de destinatários (ex.: art. 19 do ADCT).
Apesar desses objetivos e de os artigos do ADCT seguirem uma numeração própria, as
normas constitucionais transitórias possuem natureza constitucional, servindo de parâmetro
normativo para o controle de constitucionalidade.

5. NORMAS CONSTITUCIONAIS
5.1 Norma jurı ́dica e enunciado normativo. Caracterı ́sticas da norma jurı ́dica. (9.b)
5.2 Normas constitucionais. Definição. Estrutura. Classificaçõ es. Princı ́pios e regras. Preâmbulo.
Efeitos das normas da Constituição de 1988. (4.b)

9B. Norma jurídica e enunciado normativo. Características da norma jurídica.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR. Direito Constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento.

43
Norma jurídica e enunciado normativo “Enunciado normativo corresponde a uma proposição
jurídica no papel, a uma expressão linguística, a um discurso prescritivo que se extrai de um ou
mais dispositivos. Enunciado normativo é o texto ainda por interpretar. Já a norma é o produto
da incidência do enunciado normativo sobre os fatos da causa, fruto da interação entre texto e
realidade. Da aplicação do enunciado normativo à situação da vida objeto de apreciação é que
surge a norma” (Roberto Barroso: 2009, p. 194).

O Edital utilizou o termo “enunciado normativo” como equivalente a “texto legal”, dito isto,
“norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo.
Trata-se de algo que se produz em nossa mente [...] Por analogia aos símbolos linguísticos
quaisquer podemos dizer que o texto escrito está para a norma jurídica tal qual o vocábulo está
para sua significação. Nas duas situações, encontraremos o suporte físico que se refere algum
objeto do mundo (significado) do qual extratamos um conceito ou juízo (significação) [...] a
norma é um juízo hipotético-condicional (se ocorrer o fato X, então deve ser a prestação Y)”
(Barros Carvalho:2007, 8-9). Segundo a concepção clássica, “a norma funciona como esquema
de interpretação [...].

Sarmento afirma que apesar da sua importância, o texto nunca se confunde com a norma
jurídica. O texto é o significante, e a norma o seu significado. A norma jurídica é o que resulta da
interpretação de um texto, sendo o texto o invólucro da norma, a sua aparência exterior. É certo,
contudo, que nem toda norma jurídica está consagrada em um texto específico, pois existem
normas implícitas. Por outro lado, há hipóteses em que a norma jurídica só é obtida pela
conjugação de vários textos (dispositivos) diferentes.

O texto não pode ser dissociado do contexto. Na aplicação e interpretação, tudo se dá no mesmo
âmbito, em que se conhece e interpreta, conforme o neoconstitucionalismo – norma jurídica é
enunciado interpretado, tendo em vista que todo processo de contextualização, já vai ter sido
interpretado.

É frequente a afirmação de que o texto é o ponto de partida da interpretação. Sarmento diz que
essa assertiva não é exata, pois o intérprete, em geral, já se aproxima do problema jurídico que
lhe é apresentado com uma pré-compreensão, que já envolve uma antecipação provisória da
resposta, que poderá ser ou não confirmada ao final do processo hermenêutico.

A teoria da norma, para o positivismo jurídico, se baseia na Teoria Coativa do Direito, em que o
direito é um conjunto de normas coativas; na Teoria da Lei como Fonte do Direito, que tem a lei
como fonte hierarquicamente superior às demais, recebendo a qualificação jurídica; e, por fim,
a Teoria Imperativa da Norma Jurídica, em que a norma jurídica tem a estrutura de um comando,
proveniente de alguém investido de autoridade e destinado a impor-se de modo subordinante,
sob pena de sanção. A Teoria do Ordenamento Jurídico defende a coerência e completude das
normas jurídicas, visando conferir unidade, com uma unidade formal, e em caso de conflitos
deve uniformizar por meio dos critérios de hierarquia, cronologia e especialidade (regras).

Enunciado ou proposição normativa é um enunciado descritivo que se refere a uma ou várias


normas jurídicas. Enquanto as normas são expressões de uma linguagem (prescritiva),
qualificando-se de justas ou de injustas, eficazes ou ineficazes, as proposições normativas são
meras descrições; uma metalinguagem, qualificando-se de verdadeiras ou falsas.

Kelsen também distinguia proposições ou enunciados de normas jurídicas. Nas proposições ou


enunciados, a ciência jurídica descreve as relações constituídas através das normas jurídicas
entre os fatos por ela determinados. As proposições jurídicas são juízos hipotéticos, que
enunciam ou traduzem que devem intervir certas consequências fixadas pelo ordenamento. As

44
normas jurídicas não são juízos, porque não são enunciados sobre um objeto dado ao
conhecimento. São mandamentos. Só mandamentos, e, como tais, são comandos, são
imperativas. Mas não são apenas comandos, não são apenas imperativos. Elas também
traduzem permissões, atribuições de poder e/ou competência. As normas jurídicas, para Kelsen,
são produzidas por órgãos jurídicos, a fim de por eles serem aplicadas e serem observadas pelos
destinatários do direito. Essa produção de normas jurídicas não é apenas monopólio do
Legislador. O juiz produz norma de decisão.

Qual a importância dessa distinção? Qual a sua razão? Ela vai realçar papéis da ciência jurídica
e dos órgãos jurídicos (ordem jurídica). A ciência jurídica tem por missão conhecer de fora o
direito e descrevê-lo com base no seu conhecimento. Os órgãos jurídicos têm autoridade jurídica
e, em razão desta, eles têm por missão produzir o direito. Ciência jurídica visa conhecer o
direito, ao passo que os órgãos jurídicos têm por missão produzir o direito para que ele possa
ser conhecido e discutido pela ciência jurídica. Então, Kelsen identifica o dever-ser da norma
jurídica como sentido prescritivo e o dever-ser das proposições jurídicas como sentido
descritivo.

A normas jurídicas traduzem comando e as proposições jurídicas têm a função de conhecer o


direito de fora e, por isso, tem sentido descritivo. Segundo a concepção clássica, “a norma
funciona como esquema de interpretação [...] Com o termo ‘norma’ se quer significar que algo
deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira
[...]” (Kelsen:2000, p. 4-6).

Herbert Hart considera a visão de Kelsen como limitada àqueles enunciados que preveem
sanção, contemplando o direito exclusivamente do ponto de vista de descumprimento da lei,
esquecendo que o normal é que estas sejam cumpridas espontaneamente. Ademais, no
ordenamento jurídico existe um importante número de normas que não preveem sanção. Nem
todos os enunciados que compõem o direito tem esta mesma estrutura, existindo outros que
conferem autorizações ou ordens. Existem dois tipos de regra: (i) o tipo básico ou primário que
prescreve que os seres humanos façam ou omitam certas ações, impondo deveres. As regras do
outro tipo (ii) são as secundárias, que estabelecem que os seres humanos podem extinguir ou
modificar regras anteriores, ou determinar de diversas maneiras o efeito delas, ou controlar sua
atuação. Conferem faculdades, públicas ou privadas. Dentre as regras secundárias, para Hart,
destacam-se as regras de conhecimento, as regras de alteração e as regras de julgamento.

A regra de conhecimento criaria um critério formal (critério da fonte) para decidir quando uma
regra é válida e obrigatória ou não. A regra de alteração definiria o procedimento e as pessoas
competentes para criar novas regras e revogar as antigas. Por fim, a regra de julgamento ou
aplicação definiria as pessoas dotadas de autoridade e responsáveis por julgar controvérsias
entre membros da comunidade, bem como do poder de imporem suas decisões, se necessário,
mediante o uso de uma coerção organizada, limitada e regulada. Para Hart, as regras
secundárias (conhecimento, alteração e julgamento) resolveriam os três problemas (incerteza,
caráter estático e ineficácia das regras) das comunidades que se tornaram grandes e complexas
demais para serem reguladas apenas por regras primárias. (COELHO, 2011).

Realidade dúplice das normas: Hodiernamente, a norma é vista sob uma realidade dúplice:
“Alexy afirma que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, ao passo que as regras
são normas que podem ser cumpridas ou não, uma vez que, se uma regra é valida, há de ser
feito exatamente o que ela exige [...] Os princípios apresentam razões que podem ser superadas
por razões opostas. A realização dos princípios depende das possibilidades jurídicas e fáticas,
que são condicionadas pelos princípios opostos, e assim exigem consideração dos pesos dos
princípios em colisão segundo as circunstâncias do caso concreto” (Marinoni: 2010, p. 49-50);

45
“em suma, os princípios são mandados de otimização que se caracterizam pelo fato de poderem
ser cumpridos proporcionalmente às condições reais e jurídicas existentes” (Edilsom
Farias:2004, p. 48).

Ronald Dworkin considera que o direito não é composto unicamente por normas, mas também
e, fundamentalmente, por princípios. Rafael Simioni observa que, para Dworkin, “Os princípios
abrangem tanto os princípios morais quanto os objetivos políticos do governo. Assim, dentro do
gênero princípios, Dworkin (1978) observa inicialmente que existem duas espécies muito
importantes na prática das decisões judiciais e que são bastante recorrentes nas decisões sobre
casos difíceis: o uso de argumentos baseados em princípios morais e o uso de argumentos
baseados na conformidade da decisão com os objetivos das políticas públicas do governo – que
Dworkin (1978, p. 22) chama de policies.” (p. 208). Portanto, “Ao contrário de Castanheira
Neves, Alexy (1993) e outros, os princípios, em Dworkin, não são espécies do gênero norma. Os
princípios são questões de fundamento e não precisam estar necessariamente positivados em
leis – ou em precedentes, para o caso do common law.” (p. 206).
As normas jurídicas possuem as seguintes características:
Bilateralidade: essa característica tem relação com a própria estrutura da norma, pois,
normalmente, a norma é dirigida a duas partes, sendo que uma parte tem o dever jurídico, ou
seja, deverá exercer determinada conduta em favor de outra, enquanto que, essa outra, tem o
direito subjetivo, ou seja, a norma concede a possibilidade de agir diante da outra parte. Uma
parte, então, teria um direito fixado pela norma e a outra uma obrigação, decorrente do direito
que foi concedido.
Generalidade: é a característica relacionada ao fato da norma valer para qualquer um, sem
distinção de qualquer natureza. Ela obriga a todos que se achem em igual situação jurídica. Essa
característica consagra um dos princípios basilares do Direito: igualdade de todos perante a lei.
Abstratividade: a norma não foi criada para regular uma situação concreta, mas para regular de
forma abstrata, abrangendo o maior número possível de casos semelhantes. A norma vai tão
somente formular os modelos de situação, com as características fundamentais, sem mencionar
as particularidades de cada caso.
Imperatividade: a norma, para ser cumprida e observada por todos, deverá ser imperativa, ou
seja, impor aos destinatários a obrigação de obedecer. É obrigatória. Não depende da vontade
dos indivíduos. Norma não é conselho, mas ordem a ser seguida. a) são cogentes as normas que
excluem “qualquer arbítrio individual. São aplicadas ainda que pessoas eventualmente
beneficiadas não desejasse delas valer-se” (Venosa:2010, p. 13), não podendo ser derrogadas
pela vontade das partes; (b) as normas dispositivas podem ser permissivas, quando delegam aos
beneficiados o regramento integral da questão por convenção particular; ou supletivas em
relação a eventual omissão das partes, caso em que estas normas assumirão caráter de
obrigatoriedade, como que reproduzindo uma vontade presumida em razão da omissão. Obs.:
(1) a distinção por vezes depende da objetividade jurídica; (2) uma das características do
fenômeno da publicização do direito civil refere-se à imperatividade.

Coercibilidade: possibilidade do uso da força para garantir o cumprimento da norma. Essa força
pode se dar mediante coação, que atua na esfera psicológica, desestimulando o indivíduo a
descumprir a norma, ou por sanção (penalidade), que é o resultado do efetivo descumprimento.
Pode-se dizer que a Ordem Jurídica também estimula o cumprimento da norma pelas sanções
premiais. Essas sanções seriam a concessão de um benefício ao indivíduo que respeitou
determinada norma.

Classificação quanto à sanção ou autorizamento: (a) são perfeitas as normas que importam em
sanção de nulidade ou de anulação do ato jurídico; (b) são mais que perfeitas quando
estabelecem tanto a nulidade absoluta ou relativa (que possibilitam o retorno ao “status quo
ante”), como importam em aplicação de pena ao infrator, como é o caso dos ilícitos civis que
constituem infração penal; (c) menos que perfeitas “são as que autorizam, na sua violação, a

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aplicação de uma sanção ao violador, mas não a nulidade do ato” (Gagliano e Pamplona:2004,
p. 15); (d) as leis imperfeitas “prescrevem uma conduta sem impor sanção. Não existe nulidade
para o ato, nem qualquer punição [...] exemplo é o das dívidas prescritas e de jogo (obrigações
naturais). Essas dívidas devem ser pagas, porém o ordenamento não concede meio jurídico de
obrigar o pagamento” (Venosa:2010, p. 15). Obs.: O art. 166, VII, do CC, estabelece hipótese de
nulidade virtual quando a lei “proibir-lhe a prática, sem cominar sanção”.

4B. Normas constitucionais. Definição. Estrutura. Classificações. Princípios e regras. Preâmbulo.


Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988.

Oswaldo Costa

I. Normas constitucionais. Definição. Estrutura

Normas materialmente constitucionais, segundo a doutrina majoritária, são as que


regulam os seguintes temas: forma de governo, forma de Estado, separação de
poderes, obtenção e exercício do poder e direitos fundamentais; normas formalmente
constitucionais são aquelas que, sem regular os aspectos acima mencionados, são consideradas
constitucionais pelo simples fato de terem sido consignadas no texto da Constituição pelo
legislador, adquirindo assim status constitucional. Ex.: Art. 242, § 2º - “O Colégio Pedro II,
localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”.

II. Normas constitucionais. Classificações

Normas definidoras de direito e normas de organização: “(...) refletindo a clássica


dicotomia Estado/indivíduo, as disposições constitucionais podem ser classificadas em normas
de organização, de estrutura ou de competência, e normas definidoras de direitos, sendo as
primeiras aquela que dispõe sobre a ordenação dos poderes do Estado, sua estrutura,
competência, articulação recíproca e o estatuto dos seus titulares; as outras, as que definem os
direitos fundamentais dos jurisdicionados.” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008: 30).

Normas autoaplicáveis (autoexecutáveis, segundo MENDES, COELHO e BRANCO): “(...)


consideram-se autoexecutáveis as disposições constitucionais bastantes em si, completas e
suficientemente precisas na sua hipótese de incidência e na sua disposição, aquelas que
ministram os meios pelos quais se possa exercer ou proteger o direito que conferem, ou cumprir
o dever e desempenhar o encargo que elas impõe; normas não-aplicáveis, ao contrário, são as
disposições constitucionais incompletas ou insuficientes, para cuja execução se faz
indispensável a mediação do legislador, editando normas infraconstitucionais
regulamentadoras.”

José Afonso da Silva.


i) Eficácia Plena – São de aplicação direta e imediata e independem de uma lei que venha mediar
os seus efeitos. As normas de eficácia plena também não admitem que uma lei posterior venha
a restringir o seu alcance.
ii) Eficácia Contida – Assim como a plena é de aplicação direta e imediata não precisando de lei
para mediar os seus efeitos, porém, poderá ver o seu alcance limitado pela superveniência de
uma lei infraconstitucional, por outras normas da própria constituição estabelece ou ainda por
meio de preceitos ético-jurídicos como a moral e os bons costumes.
iii) Eficácia Limitada – São de aplicação indireta ou mediata, pois há a necessidade da existência
de uma lei para “mediar” a sua aplicação. Caso não haja regulamentação por meio de lei, não
são capazes de gerar os efeitos finalísticos (apenas os efeitos jurídicos que toda norma
constitucional possui). Podem ser:

47
a) Normas de princípio programático (normas-fim) - Direcionam a atuação do Estado
instituindo programas de governo.
b) Normas de princípio institutivo - Ordenam ao legislador a organização ou instituição de
órgãos, ou instituições.

Bandeira de Mello: Todas as disposições concernentes à Justiça Social, inclusive as


programáticas, são comandos jurídicos, gerando inconstitucionalidade (até por omissão)
quando o Estado age em descompasso. Embora com teores eficaciais distintos, todas são
direitos subjetivos. Espécies:
a) concessivas de poderes jurídicos, podendo ser exercitadas de imediato;
b) atributivas de direito a fruir, mediante prestação alheia, que pode ser exigida judicialmente;
c) que apontam finalidades, sem indicar a conduta do Poder Público, que permitem aos
administrados se oporem judicialmente a atos conflitantes com o preceito.

III. Princípios, regras e postulados

Diversas teorias e concepções buscam estabelecer distinção entre princípios e regras.


As mais comumente aceitas afirmam as normas constitucionais distinguem-se em princípios e
regras e que “aquilo que caracteriza particularmente o princípio – e isto constitui sua diferença
com a regra de direito (...) – é, de um lado, a falta de precisão e, de outro, a generalização e
abstração lógica.” (STARI, apud MENDES, COELHO e BRANCO: 31). Some-se a isto o fato de que
os princípios são aplicados segundo juízo de ponderação, ao passo que as regras segundo critério
do “tudo ou nada”. Ao lado das normas (gênero que divide-se em princípios e regras), há
também os postulados10, os quais, segundo ÁVILA (2003: 80), distingue-se dos princípios pois
estes “estabelecem fins a serem buscados”. Para Ávila, os postulados não seriam normas, mas
sim metanormas, “situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura de aplicação de
outras normas, princípios e regras”, ou seja, os postulados “(...) não impõe a promoção de um
fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim”, além disso “(...)
não prescrevem comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente
a normas que indiretamente prescrevem comportamentos.” (Idem). Para Ávila, são exemplos
de postulados a ponderação, a concordância prática e a proibição de excesso, bem como a
igualdade, razoabilidade e proporcionalidade.

IV. Preâmbulo

Preâmbulo: “Na expressão de Peter Häberle, os preâmbulos são ‘pontes do tempo’,


exteriorizando as origens, os sentimentos, os desejos e esperanças que palmilharam o ato
constituinte originário” (BULOS, 2008: 283). Portanto, o preâmbulo não possui força normativa,
não servindo, portanto, como parâmetro para o exercício do controle de constitucionalidade.
Esta tese já foi sedimentada pelo STF: ADI 2.076.

V. Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988

O estudo da dinâmica constitucional diz respeito aos efeitos das normas constitucionais
no tempo (passado – presente - futuro). Certo é que o surgimento de uma nova Constituição
traz uma série de consequências para o ordenamento jurídico do Estado. Sem dúvida, a teoria
da Constituição desenvolveu uma gama de institutos para lidar com essas consequências. Assim,
diante dessas premissas, são seus possíveis efeitos em relação a normas pré-existentes:

(a) Recepção: as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas por
ausência de recepção. A contrario sensu, a norma infraconstitucional que não contrariar a nova
ordem será recepcionada, podendo, inclusive, adquirir uma nova “roupagem”. Pode ocorrer de
forma expressa ou tácita

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(b) Revogação: nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes da nova
Constituição, incompatíveis com as novas regras, não se observará qualquer situação de
inconstitucionalidade, mas, apenas de revogação da lei anterior pela nova constituição, por falta
de recepção.
(c) Represtinação: normas infraconstitucionais elaboradas (e em vigor) sob a base de um
ordenamento constitucional não são recepcionadas por um novo ordenamento constitucional
(ocorrendo a revogação o normativa) e, posteriormente, em virtude de uma nova Constituição,
essas normas voltariam a vigorar. Os requisitos para essa possibilidade seriam: (i) não
contrariedade à nova Constituição; (ii) disposição expressa do poder constituinte, já que, a
represtinação não poderia ocorrer de forma automática (defesa da segurança jurídica).

Recepção material das normas constitucionais: consiste na possibilidade de normas de


uma constituição anterior serem recepcionadas pelo novo ordenamento constitucional (pela
nova constituição) “ainda” como normas constitucionais (com o status de normas
constitucionais). Nessecaso, os requisitos seriam: (i) não contrariedade com as normas da nova
constituição; (ii) disposição expressa do Poder Constituinte Originário; (iii) prazo determinado
(prazo certo) de tal prática devido ao seu caráter precário, sobretudo em razão de que as normas
da constituição anterior vão permanecer no novo ordenamento constitucional ainda como
normas de cunho constitucional, o que, obviamente, só poderia se dar de forma temporária e
excepcional. Como exemplo desse fenômeno, temos o art. 34 do ADCT da CF/88.

Graus de retroatividade da norma constitucional: máximo, médio ou mínimo. O STF


entende que as normas constitucionais, fruto da manifestação do poder constituinte originário,
têm, por regra geral, retroatividade mínima, ou seja, aplicam-se a fatos que venham a ocorrer
após a sua promulgação, referentes a negócios passados.

6. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
6.1 Hermenê utica e Teorias da argumentação jurı ́dica. (2.c)
6.2 Interpretação jurı ́dica. Métodos e critérios interpretação. (21.b)
6.3 Critérios clássicos de resolução de antinomias jurı ́dicas. (12.b)
6.4 A metodologia jurı ́dica no tempo. A Escola da Exegese. Jurisprudê ncia dos conceitos,
jurisprudê ncia dos interesses e jurisprudê ncia dos valores. (17.b)
6.5 O realismo jurı ́dico. Neoformalismo. O pós-positivismo jurı ́dico. (17.b)
6.6 O papel das pré-compreensõ es no Direito. Interpretação, moralidade positiva e moralidade
crı ́tica. (22.a)
6.7 Lacunas e integração do Direito: analogia, costumes e equidade. (4.c) Os princı ́pios gerais do
direito.(7.c)
6.8 Interpretação constitucional. Métodos e princı ́pios de hermenê utica constitucional. (10.a)
6.9 Constituição e cosmopolitismo. O papel do direito comparado e das normas e jurisprudê ncia
internacionais na interpretação da Constituição. (2.a)
6.10 Colisão entre normas constitucionais. Ponderação e juı ́zo de adequação. Princı ́pios da
Proporcionalidade e da Razoabilidade. (11.c)

2C. Hermenêutica e Teorias da argumentação jurídica.

Oswaldo Costa

O que normalmente se entende hoje por teoria da argumentação jurídica tem sua
origem numa série de obras dos anos 50 (século XX), origem esta que estava conectada com o
problema das relações entre o direito e a sociedade. As três concepções mais relevantes como
precursoras das atuais teorias da argumentação jurídica são: a tópica de Viehweg; a nova
retórica de Perelman e a lógica informal de Toulmin. Estas, embora diferindo entre si em
diversos aspectos, têm em comum a rejeição do modelo da lógica dedutiva. No entanto, as três

49
concepções deixam a desejar quanto ao seu desenvolvimento. Mas, seu papel fundamental
consistiu em ter aberto um relativamente novo campo de investigação e, ter servido como
precursoras das atuais teorias da argumentação jurídica elaboradas por MacCormick e Robert
Alexy, os quais representam o que se denomina de “teoria padrão da argumentação jurídica”.

Das atuais teorias da argumentação jurídica, as teorias desenvolvidas por MacCormick


e Robert Alexy foram as que nos últimos anos foram mais discutidas e alcançaram maior difusão.
Essas duas concepções desenvolvidas por MacCormick e Alexy constituem o que se poderia
chamar de Teoria Padrão da Argumentação Jurídica, na qual a perspectiva de análise das
argumentações jurídicas se situa num conceito de justificação dos argumentos. Haveria aqui
uma justificação formal dos argumentos (argumentos formalmente corretos) e uma justificação
material (que se refere a aceitabilidade do argumento).

A) MACCORMICK

MacCormick trata de construir uma teoria que dê conta tanto dos aspectos dedutivos
da argumentação jurídica quanto dos não-dedutivos, dos aspectos formais e dos materiais, que
se situe a meio caminho entre uma teoria ultra-racionalista do Direito (existência de uma única
resposta correta para o caso) e uma irracionalista (decisões jurídicas são produtos da vontade e
não da razão). Para ele não se trata unicamente de mostrar em que condições uma decisão
jurídica pode ser considerada justa; ele pretende, além disso, que as decisões jurídicas, de
fato, se justifiquem precisamente de acordo com esse modelo.

MacCormick parte da consideração de que, pelo menos em alguns casos as justificações


que os juízes articulam são de caráter estritamente dedutivo (raciocínio lógico dedutivo). Mas,
a justificação dedutiva obedece a pressupostos e limites.

O primeiro pressuposto é que o juiz tem o dever de aplicar as regras do direito válido. O
segundo pressuposto é que o juiz pode identificar quais são as regras válidas.

A teoria de MacCormick foi objeto de algumas críticas, dentre outras podemos citar:

1) crítica em relação ao caráter dedutivo do raciocínio jurídico quando se refere: a possibilidade


de se chegar a conclusões contraditórias quando se parte de premissas diferentes; a existência
de conceitos indeterminados; ao âmbito em que opera a dedução, pois o próprio
MacCormick admite a ampla zona de imprecisão entre os casos claros e os difíceis;
2) crítica ao caráter ideologicamente conservador, quando: concentra-se nas decisões dos
Tribunais Superiores; sugere que decisões inovadoras (contra legem) nunca poderiam ser
justificadas; afirma que é sempre possível fazer justiça de acordo com o direito (o que não
parece tão óbvio).

B) ROBERT ALEXY

A teoria da argumentação jurídica formulada por Alexy coincide substancialmente com


a de MacCormck. Ambos percorrem o mesmo caminho, mas em sentidos opostos. MacCormick
parte das argumentações ou justificações das decisões tal e como de fato elas ocorrem nas
instâncias judiciais e, a partir daí elabora uma teoria da argumentação jurídica que ele acaba por
considerar como fazendo parte de uma teoria geral da argumentação prática.

Alexy, pelo contrário, parte de uma teoria da argumentação prática geral que ele
projeta, depois para o campo do Direito. O resultado a que ele chega consiste em considerar o
discurso jurídico, a argumentação jurídica, como um caso especial do discurso prático geral. Isto
é, do discurso moral. Essa abordagem diferente faz com que a concepção de Alexy esteja, de

50
certo modo, mais distante da prática geral da argumentação jurídica que a de MacCormick. Mas,
em troca, trata-se de uma teoria mais articulada e sistemática.

Alexy distingue dois aspectos na justificação das decisões jurídicas: a justificação


interna e a justificação externa. A justificação interna se refere à aplicação de normas ou
estabelecimento de passos de desenvolvimento, de maneira que a aplicação da norma ao caso
não seja discutível. A justificação externa se refere à justificação das premissas.

Alexy entende que uma teoria da argumentação jurídica teria de ser capaz de unir dois
modelos diferentes do sistema jurídico: o sistema jurídico como sistema de procedimento e o
jurídico como sistema de normas (regras e princípios).

A característica da aplicação de regras é a subsunção; mas, a característica da


aplicação dos princípios é a ponderação, pois podem ser cumpridos em diversos graus. Os
princípios são mais do que simples tópicos, levam a formas de fundamentação das decisões
jurídicas que não poderiam existir sem eles.

Os princípios, diferentemente das regras, são comandos que admitem relativização.


Segundo Alexy, a fórmula da ponderação resumir-se-ia no seguinte: “Quanto mais intensa se
revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os
fundamentos justificadores dessa intervenção”. Portanto, é nos fundamentos justificadores da
violação a determinado direito (ou princípio), em favor de outro que venha com ele colidir, que
encontramos o ponto nodal do postulado da proporcionalidade.

Alexy sob à égide da razão prática, procurou desenvolver uma análise mais apurada
sobre a incidência dos princípios na resolução dos conflitos.

Teoria prescritiva da argumentação: Robert Alexy apresentou uma vasta teoria prescritiva da
argumentação. Ele distingue entre regras de justificação interna de uma sentença e regras de
justificação externa. Na justificação interna, trata-se de saber se a sentença é o resultado lógico
das premissas mencionadas na fundamentação da sentença. Na justificação externa, devem ser
formuladas as regras que devem garantir a correção das premissas (interpretação semântica,
histórica e teleológica).

Teoria interpretativa da argumentação: As teorias interpretativas da argumentação tentam


esclarecer o que é “sentido” e “função” na argumentação jurídica. O máximo que se exige do
conteúdo de verdade da argumentação é que a fundamentação jurídica tenha a função de
garantir a correção de uma decisão em especial, a expressão normativa da sentença. O mínimo
que se exige da argumentação jurídica é que ela garanta simplesmente a aceitação da decisão.
No primeiro caso, a teoria da argumentação jurídica tem de receber elementos da filosofia
prática, especialmente da teoria do discurso, e estabelecer critérios acerca da correção da
argumentação jurídica. No último caso, uma teoria da argumentação tem de elaborar os
critérios que nos digam em que casos são aceitas as fundamentações de sentenças.

21B. Interpretação jurídica. Métodos e critérios de interpretação.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR. Direito Constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento.

Noções gerais: os critérios de interpretação são métodos clássicos da hermenêutica jurídica,


surgidos a partir do embate entre as teorias da voluntas legislatoris (teoria subjetiva ) e voluntas
legis (teoria objetiva) (DINIZ, p. 418-419 e FERNANDES, p. 151-154), “que, ao longo do tempo,

51
foram sendo aperfeiçoados pelos cientistas do direito.” (FERNANDES, p. 154). Os demais itens
transitam em torno desse tema.

“Na interpretação do Direito Positivo o técnico recorre a vários elementos necessários à


compreensão da norma jurídica, entre eles o gramatical, também chamado literal ou filológico,
o lógico, o sistemático, o histórico e o teleológico.” (NADER, p. 275) “Os elementos históricos,
genéticos, sistemáticos e teleológicos da concretização não podem ser isolados uns dos outros e
do procedimento da interpretação gramatical como este não pode ser isolado daqueles.”
(MÜLLER, p. 75-76).

Gramatical / Literal / Filológico: revela o conteúdo semântico das palavras. É o momento inicial
do processo interpretativo. O intérprete deve partir da premissa de que todas as palavras têm
sentido e função próprios, não havendo palavras supérfluas; o produto dessa forma de
interpretação pode ser restritivo (limita o sentido de uma norma, ainda que a sua estrutura
literal seja ampla), extensivo (amplia o sentido da norma para além do contido em sua estrutura
literal) ou abrogante (quando, associado a uma interpretação sistemática, o intérprete percebe
que o sentido da norma vai de encontro ao de outra norma que lhe é hierarquicamente
superior).

Lógico: parte-se do pressuposto de que a conexão de uma expressão normativa com as demais
do contexto é importante para a obtenção do significado correto.

Sistemático: é fruto da ideia de unidade do ordenamento jurídico. A CF deve ser interpretada


como um todo harmônico, em que nenhum dispositivo deve ser considerado isoladamente.

Histórico: busca o sentido da lei por meio de precedentes legislativos, de trabalhos


preparatórios e da occasio legis (circunstância histórica que gerou o nascimento da lei).

Teleológico: procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento
com a edição de dado preceito. “A ideia do fim não é imutável. O fim não é aquele pensado pelo
legislador, é o fim que está implícito na mensagem da lei. Como esta deve acompanhar as
necessidades sociais, cumpre ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem por missão
garantir.” (NADER, fl. 280). De acordo com Müller, “a interpretação histórica e a interpretação
genética são subcasos da interpretação sistemática.” Ademais, “tanto a interpretação
sistemática quanto a interpretação teleológica têm por escopo a combinação de vários, quando
não todos os elementos de concretização sob a designação 'sistemáticos' ou 'teleológicos'.”
(MÜLLER, p. 78) Por fim, não há hierarquia predeterminada entre os diferentes critérios.

Tipos de interpretação ou interpretação quanto ao Resultado: Declarativa: chamada de


especificadora. A letra da lei está em harmonia com o “espírito da lei”. Há a coincidência da
norma com o sentido exato do preceito. Restritiva: procura-se limitar o alcance da norma, não
obstante a amplitude de sua expressão literal. Extensiva: o intérprete amplia o sentido da norma
para além de seu texto.

Limites da interpretação, em especial o sentido literal possível: como a interpretação da norma


jurídica pode gerar várias soluções distintas, mostra-se necessário o estabelecimento de limites.
Nesse contexto, Larenz ensina: “Diz acertadamente MEIER-HAYOZ que o 'teor literal tem, por
isso, uma dupla missão: é ponto de partida para a indagação judicial do sentido e traça, ao
mesmo tempo, os limites da sua actividade interpretativa'. Uma interpretação que se não situe
já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido.”
(LARENZ, p. 453-454) E conclui o referido autor: “Por conseguinte, o sentido literal a extrair do
uso linguístico geral ou, sempre que ele exista, do uso linguístico especial da lei ou do uso
linguístico jurídico geral, serve à interpretação, antes de mais, como uma primeira orientação,

52
assinalando, por outro lado, enquanto sentido literal possível – quer seja segundo o uso
linguístico de outrora, quer seja segundo o actual –, o limite da interpretação propriamente dita.
Delimita, de certo modo, o campo em que se leva a cabo a ulterior actividade do intérprete.”
(LARENZ, p. 457).

Na mesma linha, leciona Müller: “Por razões ligadas ao Estado de Direito, o possível sentido
literal circunscreve, não em último lugar no Direito Constitucional, o espaço de ação de uma
concretização normativamente orientada que respeita a correlação jusconstitucional das
funções. O teor literal demarca as fronteiras extremas das possíveis variantes de sentido, i.e,
funcionalmente defensáveis e constitucionalmente admissíveis. Outro somente vale onde o teor
literal for comprovadamente viciado.” (MÜLLER, p. 74).

Conflitos aparentes de normas e os critérios para sua solução: o conflito aparente de normas
resolve-se pela aplicação dos critérios da hierarquia, temporalidade e especialidade. Esses
critérios decorrem da interpretação sistemática, que compreende o ordenamento jurídico como
um todo dotado de unidade, evitando contradições internas. Critério hierárquico: norma
superior prevalece sobre a inferior. Critério cronológico: norma mais recente revoga a norma
mais antiga. Critério especialidade: norma especial não revoga a norma geral, mas cria uma
situação de coexistência, sendo aplicada no que for específica.

Antinomias de segundo grau (conflitos entre os critérios): a) entre o hierárquico e o cronológico,


prevalece o primeiro; b) entre o da especialidade e o cronológico, prevalece o primeiro; c) entre
o hierárquico e o da especialidade, não há uma prevalência a priori, porém, “segundo Bobbio,
dever-se- á optar, teoricamente, pelo hierárquico, uma lei constitucional geral deverá prevalecer
sobre uma lei ordinária especial, pois se se admitisse o princípio de que uma lei ordinária especial
pudesse derrogar normas constitucionais, os princípios fundamentais do ordenamento jurídico
estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu conteúdo. Mas, na prática, a exigência
de se aplicarem as normas gerais de uma Constituição a situações novas levaria, às vezes, à
aplicação de uma lei especial, ainda que ordinária, sobre a Constituição. A supremacia do critério
da especialidade só se justificaria, nessa hipótese, a partir do mais alto princípio da justiça: 'suum
cuique tribuere', baseado na interpretação de que 'o que é igual deve ser tratado como igual e o
que é diferente, de maneira diferente'.” (DINIZ, p. 475-476).

Notas históricas, do formalismo legalista ao pós-positivismo (Sarmento): O método mais


tradicional de interpretação do direito é conhecido como método da subsunção. A atividade do
juiz consiste em verificar se os fatos levados à sua apreciação se identificam com a hipótese de
incidência (facti species). Para o formalismo mais estrito, toda a atividade do intérprete deveria
se restringir a essa operação lógico-formal: premissa maior - norma, premissa menor-fato e a
consequência jurídica é a síntese do silogismo. Predominou até início do século XX e foi
desenvolvida pela Escola da Exegese (França). Não se concebia que a interpretação operasse
construtivamente. Fundamentos: teoria rígida da separação de poderes e ênfase no príncípio da
legalidade. Entra em crise no começo do século XX, com o reconhecimento da impossibilidade
de conceber o intérprete como uma máquina de fazer subsunções, o que levou a uma tendência
de superação do formalismo com a adoção de novas perspectivas.

Jurisprudência dos conceitos: até início do sec XX, buscava construir um ordenamento
sistemático e unitário, sem deixar espaço para a criação judicial do Direito. Porém, a criação do
sistema não caberia ao legislador, mas à ciência do direito, por meio da formulação de conceitos
jurídicos altamente abstratos. Ênfase no direito privado.

Jurisprudência dos interesses: após início do sec XX, sustentava a necessidade de proteção dos
interesses materiais subjacentes às normas, mas sem se afastar do positivismo, abria mais

53
espaço para o desenvolvimento do direito diante das necessidades sociais. Ênfase no direito
privado.

Jurisprudência dos valores: após a 2ª GM foi desenvolvida a concepção de que a Constituição


não é axiologicamente neutra, mas sim uma ordem de valores, que tem em seu centro a
dignidade da pessoa humana, que deve ser respeitada, garantida e promovida pelos poderes
públicos.

O debate contemporâneo sobre a interpretação jurídica é extremamente rico e plural e tem


como pano de fundo 2 mudanças importante no campo filosófico, a virada kantiana e o giro
linguístico.

Virada Kantiana: foi o retorno da ética normativa ao campo das reflexões dos pensadores. A
primeira metade do século XX foi marcada pelo relativismo ético. Com o crescente pluralismo
da sociedade passaram a coexistir diferentes concepções sobre justiça. O relativismo passou a
ser questionado após a 2ª guerra, assim, a preocupação com a justiça nas relações políticas e
sociais se dissemina, sobretudo com a consagração de direitos humanos e formulação de
princípios abstratos de justiça, sem apelo ao discurso religioso ou metafísico.

Giro linguistico: provocou uma mudança profunda na maneira como se concebe o


conhecimento, envolvendo uma ruptura com o modelo cartesiano, que se baseava numa rígida
separação entre sujeito e objeto. O foco, antes centrado na consciência do sujeito, se desloca
para a comunicação intersubjetiva, mediada pela linguagem.

No cenário atual, são diversas as correntes que buscam fornecer métodos ou critérios para a
busca da melhor resposta em cada caso jurídico controvertido. Esta é uma característica do pós-
positivismo, expressão genérica que congrega uma série de concepções jurídicas diferentes, que
tem em comum a rejeição, tanto ao formalismo, como ao reconhecimento da plena
discricionariedade do intérprete nos casos difíceis.

No novo marco, a interpretação jurídica se abre para a influências de outros domínios, como a
filosofia, política, sociologia e economia. Ela se torna mais complexa incorporando novos
instrumentos, como as teorias da argumentação (procedimentos baseados na comunicação
intersubjetiva para busca de melhores soluções), a ponderação de interesses e a reabilitação da
razão prática (razão voltada para a ação).

Já há, porém, uma reação do formalismo a essas concepções diante da hegemonia dessas
posições pós-positivistas na interpretação jurídica. Trata-se, no entanto, de um formalismo mais
sofisticado, que entende que intérpretes mais disciplinados, que não se enveredem nas
complexas operações intelectuais preconizadas pelas teorias do pós-positivismo, podem gerar,
no cômputo geral, soluções melhores e por isso, o formalismo deve ser adotado, pelo menos
em determinados contextos.

12B. Critérios clássicos de resolução de antinomias jurídicas.

Gabriel Dalla 10/09/18

As antinomias são classificadas pela doutrina clássica, quanto a sua solução,


como antinomias aparentes e antinomias reais, estas últimas também chamadas de lacunas de
conflito. Antinomias aparentes são os conflitos de normas ocorridos durante o processo de
interpretação que podem ser solucionados através da aplicação dos critérios clássicos de
solução de conflitos, quais sejam, os critérios hierárquico, cronológico e da especialidade. O
critério cronológico (lex posterior derrogat priori) é aquele que postula que entre duas normas

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incompatíveis, deve permanecer a posterior. O critério hierárquico (lex superior derrogat
inferiori), por sua vez, determina que no confronto entre regras jurídicas inconciliáveis, deve ser
aplicada a de estatura superior. O critério da especialidade (lex especialis derogat legi generali)
impõe que na colisão entre duas regras prevaleça a mais especial em detrimento da mais geral.
Já as antinomias reais são definidas por Tércio Ferraz como “a oposição que ocorre
entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades
competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável
pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de
ordenamento dado”. Assim, as antinomias reais são conflitos entre normas que não são
resolvidos com a utilização dos critérios mencionados e há quem as denomine de antinomias
de segundo grau.

Contextualizando os critérios clássicos no Direito Constitucional, temos o que se segue.


A Carta Magna é um conjunto ou sistema de ideias políticas, sociais, econômicas, religiosas etc.
distintas, muitas vezes com direcionamentos opostos sobre determinado assunto, o que,
invariavelmente causará conflitos. Ocorre que os critérios clássicos mencionados não são
hábeis a solucionar os conflitos surgidos entre princípios radicados no corpo normativo da
CR/88. O conflito entre princípios constitucionais não pode ser reputado uma singela antinomia
jurídica. É que a teoria das antinomias jurídicas foi desenvolvida com base na interpretação
jurídica tradicional, que tem como principal instrumento de trabalho a figura normativa da
regra. Com efeito, os critérios clássicos de resolução das antinomias jurídicas foram
desenvolvidos para solucionar o problema do conflito entre regras jurídicas, e não entre
princípios jurídicos.

A própria natureza da norma constitucional - que se caracteriza pela sua ductibilidade,


caráter político, superioridade hierárquica, abertura semântica etc. – perfectibiliza sério óbice à
utilização dos denominados critérios clássicos.

Com relação ao critério cronológico, é óbvio não se prestar à solução das tensões
constitucionais, uma vez que as normas da CR são editadas em um único momento, com a
promulgação da Lei Maior. A única exceção possível é representada pelas emendas
constitucionais, que são editadas após o advento da Constituição. É possível que uma emenda
introduza um novo princípio constitucional, que se afigure total ou parcialmente incompatível
com outro princípio albergado no texto originário da Lei Maior. Nesse caso, o novo princípio
poderá revogar, no todo ou em parte, o cânone anterior com ele inconciliável, desde que este
não consubstancie cláusula pétrea. Caso, porém, trate-se de cláusula pétrea, prevalecerá, para
a solução do caso, o critério hierárquico, o que desencadeará a rejeição, por
inconstitucionalidade, do princípio instituído pela emenda constitucional.
O critério da especialidade também é de reduzida valia no confronto entre princípios
constitucionais, já que ele só pode ser utilizado quando se evidenciar entre as normas em
antagonismo uma relação do tipo geral-especial. Observe-se, a propósito, que as antinomias
podem ter três classificações: total-total, nas quais as normas em contradição possuem
exatamente o mesmo âmbito de validade, de modo que qualquer aplicação dada a uma delas
contraria necessariamente a outra; parcial-parcial, onde cada norma tem uma aplicação
conflituosa com a outra e um campo sem a ocorrência de conflitos; e total-parcial, que ocorre
quando o âmbito de validade de uma das normas está compreendida no âmbito de validade da
outra. Ocorre que somente nas antinomias do tipo total-parcial pode-se utilizar o método de
especialidade, visto que existe uma relação do tipo geral-especial. Esta antinomia, no entanto,
não é muito comum no campo constitucional.

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O critério hierárquico tampouco pode ser utilizado, pois todas as normas
constitucionais desfrutam formalmente da mesma estatura, afigurando-se arbitrário atribuir a
qualquer uma delas primazia absoluta em relação às demais. Entretanto não há a pretensão de
se negar que algumas normas são mais importantes do que outra, destacando-se na sociedade.
Porém, daí não decorre que, sem autorização expressa da Constituição, possa-se escalonar, em
diferentes graus hierárquicos, as normas editadas pelo Poder Constituinte originário. A
inexistência de hierarquia absoluta entre as normas radicadas na CR configura corolário
inafastável do princípio da unidade da Constituição. Existem, basicamente, duas concepções de
hierarquização das normas constitucionais: estática e dinâmica. A hierarquia estática prega que
quando há o conflito entre duas normas constitucionais, a de estatura inferior deve ser
eliminada do sistema (ex: tese das normas constitucionais inconstitucionais, de Otto Bachof).
A estatura da norma, no caso, seria definida com relação à sua origem: “as que resultam de uma
ordem de valores transcendental e preexistente seriam superiores àquelas que têm a sua
origem no ato volitivo do legislador constituinte”. O STF não admite essa tese (Ver ADIn 815-
DF). Já a hierarquia dinâmica não aceita a possibilidade de existirem normas constitucionais
inconstitucionais, preconizando a subsistência, no ordenamento, de todas as regras e princípios
que albergados na norma fundamental, ainda que potencialmente conflituosos entre si.
Por fim, a solução de uma antinomia real é feita pelo intérprete autêntico, com a
utilização da analogia, dos costumes, dos princípios gerais de Direito e da doutrina, nos termos
do art. 4 da Lei de Introdução ao Código Civil. Defende-se, ainda, no caso de princípios
constitucionais, a utilização da técnica de ponderação de interesses.

17B. A metodologia jurídica no tempo. A Escola da Exegese. Jurisprudência dos conceitos,


jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores. O realismo jurídico. Neoformalismo.
O pós-positivismo jurídico.

Atualizado por Sarah Cavalcanti

I. A Metodologia Jurídica no Tempo

Metodologia jurídica compreende a construção racional da decisão, o itinerário lógico


entre a apresentação do problema e a formulação da solução, caminhos para chegar a um fim
(Barroso). As principais teorias são agrupadas em 4 grupos: a) formalismo; b) reação
antiformalista; c) positivismo; d) volta aos valores (neopositivismo).

a) FORMALISMO JURÍDICO (século XIX): marcado pela concepção mecanicista do Direito, pela
qual a interpretação jurídica seria uma atividade acrítica de subsunção. Pregava o apego à
literalidade do texto legal e à intenção do legislador, e via com desconfiança o Judiciário, ao qual
não reconhecia a possibilidade de qualquer atividade criativa. Exemplos do formalismo jurídico
foram a ESCOLA DA EXEGESE (França) e a JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS (Alemanha).

b) REAÇÃO ANTIFORMALISTA: capitaneada por Rudolph von Ihering, para quem a verdade
subjacente aos conceitos jurídicos era relativa. Dentre os movimentos desenvolvidos sob esse
estandarte podem ser citados: o Movimento para o Direito Livre, na Alemanha, e o REALISMO
JURÍDICO, nos EUA e na Escandinávia. Essas Escolas de pensamento tinham como características
comuns: a) reação à crença de que o Direito poderia ser encontrado integralmente no texto legal
e nos precedentes judiciais; b) rejeição da tese de que a função jurisdicional seria meramente
declaratória, reconhecendo que em diversas situações o juiz desempenha um papel criativo; c)
reconhecimento da importância dos fatos sociais, das ciências sociais e da necessidade de
interpretar o Direito de acordo com a evolução da sociedade e visando à realização de suas
finalidades.

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Sarmento aponta as seguintes críticas em face das concepções radicalmente anti-
formalistas: a) sob o prisma descritivo, acabam negando qualquer diferença entre as esferas
política e jurídica; b) do ponto de vista prescritivo, o anti- formalismo peca por não dar o devido
peso à segurança jurídica e à necessidade de legitimação democrática da atividade jurisdicional.
Por outro lado, a reação anti-formalista serviu como contraponto importante ao formalismo,
atuando como antítese, em um processo dialético que gerou o avanço em direção a teorias
hermenêuticas mais equilibradas.

c) POSITIVISMO JURÍDICO: aparece na virada do século XIX para o XX. Com a pretensão de criar
uma ciência do Direito objetiva e neutra, o positivismo compartilhou muitas das premissas
teóricas do formalismo, caracterizando-se pela separação entre o Direito e a Moral, entre a lei
humana e o direito natural. Nada obstante, nas formulações mais sofisticadas desenvolvidas ao
longo do século XIX, como a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, e O conceito de Direito, de
Herbert Hart, afastou-se da perspectiva estritamente mecanicista. Assim, mostra-se como um
ponto intermediário entre o formalismo jurídico e o anti-formalismo.

d) VOLTA AOS VALORES: é a marca do pensamento jurídico que se desenvolve a partir da


segunda metade do século XX. No pós-guerra, em âmbito internacional, foi aprovada a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948). No âmbito interno, diferentes países reconheceram a
centralidade da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais. Marcam a nova época
a normatividade dos princípios, a argumentação jurídica e a racionalidade prática. Trata-se do
debate contemporâneo sobre a interpretação jurídica, denominada “virada kantiana”.

II. A Escola da Exegese

A ESCOLA DA EXEGESE: também conhecida como Escola filológica, é uma corrente de


pensamento jurídico que floresceu no início do século XIX, a partir do código de Napoleão (1804).
A escola da exegese afirmava que a interpretação deveria ser mecânica, de acordo com a
intenção do legislador. Sustentava que o Código de Napoleão resolveria qualquer problema
concretamente deduzido. A Escola da Exegese também pregava o Estado como a única fonte do
Direito, pois todo o ordenamento jurídico seria originado da lei e, esta, por ser proveniente do
legislador, teria como origem o Estado, ou seja, somente a lei era admitida como fonte do Direito.
Quanto à aplicação do Direito, a Escola da Exegese pregava a concepção silogística. Tal
entendimento, influenciado pelas ideias de Montesquieu, via o direito como possuidor de três
elementos básicos: o fato, a norma e a sentença.

Nas palavras de Daniel Sarmento, “Segundo essa Escola, todo o Direito estaria
compreendido no sistema composto pelas normas ditadas pelo legislador, e o papel do intérprete
se resumiria a fazer com que a vontade legislativa, gravada nos textos legais, incidisse nos casos
concretos. Não se concebia, portanto, que a interpretação operasse construtivamente”.

III. A Jurisprudência dos Conceitos

Formulada por Puchta, para quem a norma escrita deve refletir conceitos, quando de
sua interpretação. Derivada do formalismo jurídico, foi a precursora da ideia de que o direito
provém de fonte dogmática, imposição do homem sobre o homem e não consequência natural
de outras ciências ou da fé metafísica. Entre as principais características da jurisprudência dos
conceitos estão: o formalismo, com a busca do direito na lei escrita; a sistematização; o Direito
deveria, prevalentemente, ter base no processo legislativo. Sarmento explica que “A
Jurisprudência dos Conceitos também buscava construir um ordenamento sistemático e unitário,
sem deixar espaço para a criação judicial do Direito. Porém, a construção do sistema não caberia

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ao legislador, mas à Ciência do Direito, por meio da formulação de conceitos jurídicos altamente
abstratos.

IV. A Jurisprudência dos Interesses

Para essa Escola, a norma escrita deve refletir interesses, quando de sua interpretação.
Seu principal representante foi Philipp Heck. Na jurisprudência dos interesses, interpreta-se a
norma, basicamente, tendo em vista as finalidades às quais esta se destina. É uma teoria de
interpretação do direito que, sem superar o positivismo (Questão nº 4, prova objetiva do 29º
CPR), busca a proteção dos interesses materiais subjacentes à norma. “Neste quadro, a
tendência na hermenêutica jurídica foi de superação do formalismo, com a adoção de novas
perspectivas, como a “jurisprudência dos interesses” (Interessenjurisprudenz), de Philipp Heck,
que sustentava a necessidade de proteção dos interesses materiais subjacentes às normas, com
maior atenção para o mundo real, dedicando atenção a temas como as lacunas do ordenamento
e a sua integração. Assim, sem se afastar do positivismo, a jurisprudência dos interesses abria
mais espaço para o desenvolvimento do Direito diante das necessidades sociais. Outras
correntes do pensamento jurídico iam ainda mais longe, rompendo radicalmente com o
formalismo e adotando posições diametralmente opostas às suas." SARMENTO, Daniel; SOUZA
NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho. Belo
Horizonte: Fórum, 2012, p. 394. (Pág 324 Livro em PDF)

V. Jurisprudência dos Valores

Esta escola representa, no processo da evolução do direito, um passo na superação das


contradições do positivismo jurídico e, por tal razão, é considerada por alguns como
semelhante à escola do pós-positivismo. Esta forma de pensar o direito tem várias características
e reflexos em vários campos da vida jurídica das sociedades, estando entre eles uma
significativa evolução concernente ao respeito e cumprimento de princípios constitucionais.
A jurisprudência dos valores caracteriza uma forma de se entenderem os conceitos de incidência
e interpretação da norma jurídica, bem como sua divisão em regras e princípios, além de
conceitos como igualdade, liberdade e justiça. Esta corrente é amplamente citada em inúmeras
fontes, de diversas origens. Assim como outras correntes, sustenta a aproximação entre a
interpretaçao constitucional e a argumentaçao moral, de modo que os direitos fundamentais
passariam a gozar de uma efficácia irradiante, que os transforma em vetores na interpretação
do ordenamento infraconstitucional (Questão da prova objetiva do 29º CPR).

A chamada de Jurisprudência dos Valores vem sofrendo críticas ácidas, especialmente


pelo grande risco de que o Tribunal revista suas próprias decisões valorativas com o manto de
um procedimento racionalmente orientado, o que aumenta a capacidade de persuasão das
decisões sem aumentar o seu grau de racionalidade. Habermas critica a jurisprudência dos
valores porque considera que essa redução dos princípios a valores conduz a uma argumentação
jurídica inconsistente. Na medida em que os princípios têm um caráter deontológico e os valores
um caráter teleológico, os argumentos fundados em princípios não têm a mesma função e a
mesma estrutura dos argumentos fundados em valores.

Por esses motivos, Habermas conclui que: "A transformação conceitual de direitos
fundamentais em bens fundamentais significa que direitos foram mascarados pela teleologia,
escondendo o fato de que em um contexto de justificação, normas e valores têm diferentes
papéis na lógica da argumentação. Porque normas e princípios, em virtude do seu caráter
deontológico, podem pretender ser universalmente obrigatórios e não apenas especialmente
preferíveis, eles possuem uma maior força de justificação que os valores. Valores devem ser
postos em uma ordem transitiva com outros valores, caso a caso. Como não há padrões racionais
para isso, esse sopesamento acontece arbitrariamente ou sem maior reflexão, de acordo com

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os padrões e hierarquias costumeiras. A partir do momento em que uma corte constitucional
adota a doutrina de uma ordem objetiva de valores e fundamenta seu processo de decisão em
uma forma de realismo ou convencionalismo moral, o perigo de decisões irracionais cresce,
porque os argumentos funcionais ganham precedência sobre os normativos. Certamente, há
vários princípios ou bens coletivos que representam perspectivas cujos argumentos podem ser
introduzidos em um discurso jurídico em casos de colisão de normas [...]. Mas argumentos
baseados em tais bens e valores coletivos apenas contam na mesma medida que as normas e
princípios pelas quais esses objetivos podem, a seu turno, ser justificados. Em última instância,
apenas direitos podem ser invocados em um jogo argumentativo. [...] Um julgamento orientado
por princípios precisa decidir qual pretensão e qual ação em um dado conflito é correta - e não
como ponderar interesses ou relacionar valores. [...] A validade jurídica do julgamento tem o
caráter deontológico de um comando, e não o caráter teleológico de um bem desejável que nós
podemos alcançar até um certo nível."

VI. Realismo Jurídico

Surge, inicialmente, nos EUA, na década de 20 e, posteriormente, na Escandinávia, como


um desdobramento da jurisprudência sociológica de Ihering. Integra a corrente não-formalista,
e traz três críticas ao formalismo: a) crítica lógica (conceitos gerais não resolvem casos concretos,
e menos ainda produz decisões unívocas, permitindo ao juiz a escolha do resultado); b) crítica
psicológica (a decisão judicial, frequentemente, ocultava sua motivação real, funcionando como
uma racionalização a posteriori da decisão tomada por outras razões); c) crítica sociológica (fatos
sociais por trás da decisão judicial é que forneciam sua verdadeira motivação). O realismo volta-
se contra o formalismo, sustentando que o Direito não é o que está nas leis ou nos precedentes,
nem se baseia na lógica e na razão abstrata. Ele consiste naquilo que os juízes dizem. Tenta
demonstrar que, apesar de frequentemente negarem que o façam, os juízes decidem os casos
que lhe são apresentados com base em uma série de fatores psicológicos e sociológicos,
consistentes ou não, que têm pouco ou nenhuma relação com as fontes normativas
reconhecidas em um dado sistema. Para o realismo, a interpretação do direito é sempre um ato
de criação judicial, impregnado de conteúdo político.

VII. Neoformalismo

Sarmento ensina que a reação neoformalista “alerta a comunidade jurídica para os riscos
envolvidos na adoção de teorias excessivamente otimistas em relação à capacidade dos
intérpretes de produzirem sempre as melhores decisões, quando se lhes concede maior
amplitude para valorações. Se a redução do intérprete a um servo da lei não se justifica, a sua
idealização, como semideus sábio e virtuoso, pode também não ser a melhor solução, na
perspectiva da otimização dos objetivos do constitucionalismo democrático”.

VIII. Pós-positivismo Jurídico

É o retorno da Ética normativa ao campo das reflexões dos pensadores. Segundo


Sarmento: Até a II Guerra Mundial, prevalecia no velho continente uma cultura jurídica
essencialmente legicêntrica, que tratava a lei editada pelo parlamento como a fonte principal
do Direito, e não atribuía força normativa às constituições. Estas eram vistas basicamente como
programas políticos que deveriam inspirar a atuação do legislador, mas que não podiam ser
invocados perante o Judiciário, na defesa de direitos. Os direitos fundamentais valiam apenas
na medida em que fossem protegidos pelas leis, e não envolviam, em geral, garantias contra o
arbítrio ou descaso das maiorias políticas instaladas nos parlamentos.

No pós-guerra, na Alemanha e na Itália, e algumas décadas mais tarde, na Espanha e em


Portugal, assistiu-se a uma mudança significativa deste quadro. A percepção de que as maiorias

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políticas podem perpetrar ou acumpliciar-se com a barbárie, como ocorrera no nazismo alemão,
levou as novas constituições a criarem ou fortalecerem a jurisdição constitucional, instituindo
mecanismos potentes de proteção dos direitos fundamentais mesmo em face do legislador.

Sob esta perspectiva, a concepção de Constituição na Europa aproximou-se daquela


existente nos EUA, onde, desde os primórdios do constitucionalismo, entende-se que a
Constituição é autêntica norma jurídica, que limita o exercício do Legislativo e pode justificar a
invalidação de leis. Mas com uma diferença: enquanto a Constituição norte-americana é
sintética e se limita a definir os traços básicos de organização do Estado e a prever alguns poucos
direitos individuais, as cartas europeias foram, em geral, muito além disso: formam documentos
repletos de normas impregnadas de elevado teor axiológico, que contêm importantes decisões
substantivas e se debruçam sobre uma ampla variedade de temas que outrora não eram
tratados pelas constituições, como a economia, as relações de trabalho e a Família.

A interpretação extensiva e abrangente das normas constitucionais pelo Judiciário deu


origem ao fenômeno de constitucionalização da ordem jurídica, que ampliou a influência das
constituições sobre todo o ordenamento, levando à adoção de novas leituras de normas e
institutos nos mais variados ramos do Direito. Como boa parcela das normas mais relevantes
destas constituições caracteriza-se pela abertura e indeterminação semânticas – são, em grande
parte, princípios e não regras - a sua aplicação direta pelo Poder Judiciário importou na adoção
de novas técnicas e estilos hermenêuticos, ao lado da tradicional subsunção. A necessidade de
resolver tensões entre princípios constitucionais colidentes deu espaço ao desenvolvimento da
técnica da ponderação, e tornou frequente o recurso ao princípio da proporcionalidade na
esfera judicial.

Neste contexto, cresceu muito a importância política do Poder Judiciário. De poder quase
“nulo”, mera “boca que pronuncia as palavras da lei” (Montesquieu), o Judiciário se viu alçado a
uma posição muito mais importante no desenho institucional do Estado contemporâneo.

As teorias neoconstitucionalistas buscam construir novas grades teóricas que se


compatibilizem com os fenômenos acima referidos, em substituição àquelas do positivismo
tradicional, consideradas incompatíveis com a nova realidade. Ao invés da insistência na
subsunção e no silogismo do positivismo formalista, ou no mero reconhecimento da
discricionariedade política do intérprete nos casos difíceis, na linha do positivismo moderno de
Kelsen e Hart, o neoconstitucionalismo se dedica à discussão de métodos ou de teorias da
argumentação que permitam a procura racional e intersubjetivamente controlável da melhor
resposta para os “casos difíceis” do Direito.

Para o neoconstitucionalismo, não é racional apenas aquilo que possa ser comprovado de
forma experimental. A ideia de racionalidade jurídica aproxima-se da ideia do razoável, e deixa de
se identificar à lógica formal das ciências exatas. A leitura clássica do princípio da separação de
poderes, que impunha limites rígidos à atuação do Judiciário, cede espaço a outras visões mais
favoráveis ao ativismo judicial em defesa dos valores Constitucionais. No lugar de concepções
estritamente majoritárias do princípio democrático, são endossadas teorias de democracia mais
substantivas, que legitimam amplas restrições aos poderes do legislador em nome dos direitos
fundamentais e da proteção das minorias, e possibilitem a sua fiscalização por juízes não eleitos.

Ao invés de uma teoria das fontes do Direito focada no código e na lei formal, enfatiza-se
a centralidade da Constituição no ordenamento, a ubiquidade da sua influência na ordem
jurídica, e o papel criativo da jurisprudência. Ao reconhecer a força normativa de princípios
revestidos de elevada carga axiológica, como dignidade da pessoa humana, a igualdade e
solidariedade social, o neoconstitucionalismo abre as portas do Direito para o debate moral. É
aqui que reside uma das maiores divergências internas no neoconstitucionalismo.

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22A. O papel das pré-compreensões no Direito. Interpretação, moralidade positiva e moralidade
crítica.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Direito constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento.

Daniel Sarmento argumenta em artigo (“O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e


possibilidades”) que o Direito brasileiro vem sofrendo mudanças profundas nos últimos tempos,
relacionadas à emergência de um novo paradigma tanto na teoria jurídica quanto na prática dos
tribunais, que tem sido designado como "neoconstitucionalismo", e sintetiza como um dos
fenômenos a reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez maior da
Filosofia nos debates jurídicos.
Diz o mesmo autor: “Neste cenário, há espaço tanto para visões comunitaristas, que buscam na
moralidade positiva e nas pré-compreensões socialmente vigentes o norte para a hermenêutica
constitucional, endossando na seara interpretativa os valores e cosmovisões hegemônicos na
sociedade, como para teorias mais próximas ao construtivismo ético, que se orientam para uma
moralidade crítica, cujo conteúdo seja definido através de um debate racional de idéias, fundado
em certos pressupostos normativos, como os de igualdade e liberdade de todos os seus
participantes.”
Pré-compreensões: Envolve não apenas a concepção particular de mundo do intérprete, mas,
sobretudo, os valores, tradições e preconceitos da comunidade em que ele está inserido. É o
ponto de partida para o ingresso no circulo hermenêutico, em que o intérprete antecipa uma
solução. Sarmento critica corrente que defende a fidelidade à pré-compreensão como caminho
para busca da melhor resposta, recusando qualquer recurso ao método, por 3 razões: 1) mundo
contemporâneo é plural, com diferentes concepções de mundo conflitantes, 2) as tradições e
práticas sociais estão impregnadas de opressão e assimetria, 3) o método é indispensável para
controle do arbítrio do intérprete. Assim, reconhece a pré-compreensão como integrante de
qualquer atividade interpretativa, mas os intérpretes devem exercer permanente crítica às
tradições e autocrítica em relação as respectivas cosmovisões.

Tradicionalmente a hermenêutica jurídica pode ser conceituada como um conjunto de métodos


de interpretação das normas. Em sua concepção antiga era tida como um conjunto de métodos
e técnicas destinado a interpretar a essência da norma, buscando o seu significado exato –
preconizada por Shleiermacher.

Hans-Georg Gadamer, importante filósofo alemão (em sua obra Verdade e Método, publicada
pela primeira vez em 1960, na qual o autor desenvolve uma hermenêutica filosófica – em
contraposição à Shleiermacher), apresentou uma nova visão da hermenêutica, a denominada
hermenêutica contemporânea, que não se subjuga a regras metódicas das ciências humanas, e
tece uma perspectiva crítica da metafísica (aquilo que se encontra além daquilo que é físico,
palpável, acima do sensível). De acordo com Gadamer, a hermenêutica é um campo da filosofia,
que além de possuir um foco epistemológico, também estuda o fenômeno da compreensão por
si mesmo...”.

Em sua obra, Gadamer afirma que: “E mesmo aquele que ‘compreende’ um texto (ou mesmo
uma lei) não somente projetou-se a si mesmo a um sentido, compreendendo – no esforço do
compreender – mas que a compreensão alcançada representa o estado de uma nova liberdade
espiritual”. Para o autor, ao interpretar um texto, o intérprete investiga a sua pré-compreensão
tanto quanto o texto em si, ou seja, insere-se pré-conceitos erigidos da atual sociedade,
afastando-se apenas duma interpretação textual. O processo de interpretação envolve não
somente as pré-compreensões do intérprete, exigindo também que este interaja com o que está

61
sendo interpretado, em suas palavras: “O intérprete, pois, deve permitir que o texto lhe diga
algo por si, sem lhe impor a sua pré-compreensão”.

Nessa linha, a interpretação pressupõe uma "pré-compreensão" historicamente determinada,


considerando os horizontes do passado e do presente, e está sempre sujeita a revisão no futuro.
Os preconceitos representam juízos prévios não definitivos, que durante o Iluminismo foram
indevidamente considerados como obstáculos à busca do conhecimento e da verdade.

De acordo com a teoria de Gadamer, as pré-compreensões – preconceitos – são condições para


a compreensão e devem ser analisadas em sua dimensão positiva. Não se pode dissociar a
ciência e a tradição histórica, não havendo possibilidade de existir ciência desprovida de
preconceitos. Refere o autor que: “Toda vivência implica os horizontes do anterior e do posterior
e se funde, em última análise, com o continuum das vivências presentes no anterior e posterior
na unidade da corrente vivencial”. Com a compreensão atingida com a análise das pré-
compreensões, possibilita-se a quebra de paradigmas e a efetivação da permanente renovação
do saber. O Supremo Tribunal Federal tem superado algumas pré-concepções permitindo o
aborto de fetos anencéfalos - sendo que no voto vencedor afirma-se que não se trata de aborto
propriamente dito -, a união homoafetiva, e a utilização de células tronco em pesquisas e etc.

De acordo com Sarmento, quando se fala da argumentação moral em sede constitucional, pode-
se discutir de que "moral" se está cogitando: trata-se da "moralidade positiva", correspondente
aos valores dominantes numa dada sociedade, ao seu "ethos"; ou da moralidade crítica, que se
propõe a problematizar esses mesmos valores, para aferir se são ou não justos.

Moral positiva: para Hart, é aquela moralidade compartilhada pela maior parte dos indivíduos
que formam uma sociedade determinada. Em linhas gerais, essa moral possuiria diferentes
formas de aplicação, como (a) formas de se vestir, dormir, etc, que são habituais; (b) atividades
como o jogar e o se divertir, que são aleatórias no tempo. Algumas normas morais positivas,
quando transgredidas, podem dar lugar a uma advertência, a uma censura, à exclusão ou ao
desapreço coletivo.
Outro conceito é a nomenclatura sugeria por John Austin em 1832, para o qual "moralidade
positiva" é o conjunto de ideias, valores, e práticas morais de uma determinada sociedade, em
uma época de terminada. A moralidade positiva se distingue da lei positiva, na medida em que
ela não é estabelecida por uma autoridade política. Ela diz respeito, antes, ao sentimento de
aprovação ou desaprovação de uma determinada comunidade com relação a certos tipos de
comportamento.
Por outro lado, a moralidade positiva se distingue também da lei divina (ou lei natural), na
medida em que ela diz respeito a um conjunto de regras efetivamente adotadas por uma
comunidade, independentemente do fato de essas regras estarem ou não de acordo com a lei
divina. Segundo Austin as leis da moralidade positiva são denominadas de “leis” no sentido
“impróprio” deste termo. Trata-se de um sentido impróprio, pois falta às leis da moralidade
positiva uma instância superior com o poder de impor algum tipo de penalidade no caso da
violação deste tipo de lei.
A moralidade positiva é um corpo de doutrinas, a que um conjunto de indivíduos adere
geralmente, que dizem respeito ao que é correto e incorreto, bom e mau, com respeito ao
caráter e à conduta. Os indivíduos podem ser os membros de uma comunidade (por exemplo, a
ética dos índios Hopi), de uma profissão (certos códigos de honra) ou qualquer outro tipo de
grupo social.

Moral crítica (ou ideal): para Hart, se refere aos princípios obtidos racional ou reflexivamente
para criticar às próprias ações ou as ações coletivas (a moral positiva). Diferente da moral
positiva, a mor al crítica corresponde ao raciocínio moral da pessoa, de modo que não é guiada
por reações sociais. Muitos usam a distinção entre “moralidade positiva” e “moralidade crítica”

62
para marcar a diferença fundamental entre o que a maioria entende como moralmente correto
e aquilo que uma versão crítica e reflexiva da moralidade existente poderia defender. Identificar
e descrever uma certa moralidade não implica em aceitá-la acriticamente. Um exemplo
eloquente é a vedação constitucional da pena de morte no Brasil. Não seria absurdo supor que
a maioria da população brasileira apoiaria uma lei propondo a pena capital. Mas o poder do
legislador (e da soberania popular) está limitado pela cláusula constitucional. Mesmo se
houvesse comprovação empírica dos benefícios de tal pena extrema (coisa que não existe), o
princípio constitucional prevaleceria sobre o poder legislativo.

A moralidade positiva, evidentemente, pode estar ela própria subordinada à crítica moral, pois
frequentemente endossamos, reconsideramos, ou mesmo abandonamos inteiramente as
ideias, valores, e práticas morais de épocas passadas. Hart diz que o legislador, ao ditar a lei,
deve valorar racionalmente quais são os fundamentos da moral positiva vigente, e em seu caso
atuar contra o majoritariamente desejado. Se não for assim, deduz Hart, se confundiria a
democracia como forma de governo com um populismo moral, segundo o qual a maioria da
população teria direito a estabelecer como devem viver os demais.

Sarmento afirma que o discurso constitucional não pode se divorciar completamente dos
valores comunitários, sob pena de perda de legitimidade da Constituição, porém, numa
sociedade ainda hierárquica, racista e homofóbica como a nossa, prescrever para o intérprete a
obediência cega aos valores comunitários significaria chancelar o status quo, contra o qual o
constitucionalismo democrático deve se insurgir. Por isso, propõe que o intérprete não ignore
as tradições e a moralidade positiva, mas busque os elementos mais emancipatórios dessas
fontes (aporte reconstrutivo), para que sejam lidas sob a sua "melhor luz". Reconhece que a
maior permeabilidade da interpretação constitucional a juízos morais envolve riscos, sendo o
maior deles, que os juízes imponham os seus próprios valores aos poderes eleitos e ao povo.
Destaca 2 maneiras de minimizar esse risco: 1) recusar a ideia de monopólio interpretativo
judicial ao Supremo; 2) cobrança de maior rigor metodológico na interpretação constitucional.

4C. Lacunas e Integração do Direito: analogia, costumes e equidade.

Oswaldo Costa

I. Lacunas e Integração do Direito

A teoria jurídica tradicional afirma que o ordenamento jurídico é dotado de completude.


Isto porque dele seria possível extrair a resposta para qualquer problema jurídico que viesse a
surgir. Porém, mesmo de acordo com esta concepção, as leis, diferentemente do ordenamento,
podem conter lacunas, quando não indicarem soluções para questões juridicamente relevantes.
Diante de uma lacuna, o Poder Judiciário, que tem a obrigação institucional de resolver os
conflitos de interesse submetidos à sua apreciação, não pode recusar-se a julgar, proferindo
um non liquet.

A Constituição é uma norma fragmentaria, que não trata de todos os temas, mas tão
somente daqueles escolhidos pelo poder constituinte, pela sua singular importância, ou por
outras razões atinentes à conveniência de seu entrincheiramento. Mesmo nestes temas, a
Constituição, no mais das vezes, não exaure a respectiva disciplina, mas apenas fixa as suas
principais coordenadas normativas, deixando a complementação para o legislador.

A jurisprudência do STF reconhece a existência de lacunas constitucionais. Um caso


recente foi discutido no julgamento relativo às exigências profissionais para a nomeação de
advogados para o exercício da função de juiz de Tribunal Regional Eleitoral (RMS 24.334/PB).

63
As principais formas de integração de lacunas são a analogia, os costumes e a equidade.
O art. 4o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro não alude à equidade, mas
menciona os princípios gerais de Direito, os quais são arrolados também pela doutrina mais
convencional como meios de colmatação de lacunas.

II. Analogia

A analogia consiste em técnica para colmatação de lacunas por meio da qual se aplica à
hipótese não regulada uma norma jurídica que trata de questão similar. A norma em questão
não seria inicialmente aplicável ao caso, que não está compreendido na sua hipótese de
incidência. Mas, diante da lacuna, ela incide, para resolvê-lo. O principal fundamento da analogia
é a igualdade, pois se parte da premissa de que hipóteses simulares devem receber o mesmo
tratamento do ordenamento.

III. Costumes

O costume também é uma fonte do Direito, que não se esgota nas normas jurídicas
produzidas pelo Estado. O costume contribui para a abertura do sistema jurídico, intensificando
a sua conexão com a realidade social subjacente. A doutrina, em geral, caracteriza o costume
jurídico pela confluência de dois elementos: o elemento objetivo, que é a repetição habitual de
um determinado comportamento; e o elemento subjetivo, que é a consciência social da
obrigatoriedade desse comportamento. A doutrina aponta como exemplo de costume
constitucional no Brasil a aprovação de algumas leis, de caráter mais consensual, por meio do
chamado “voto de liderança”.

É certo, porém, que a rigidez e a força normativa da Constituição não se compatibilizam


com os costume contra legem (que também pode ser chamado decontra
constitutionem).Portanto, o costume, por mais enraizado que seja, jamais pode ser invocado
como escusa para a violação da Constituição, nem enseja a revogação de preceitos
constitucionais. Isto confere ao costume constitucional uma posição singular no sistema das
fontes do Direito, já que ele se situa acima das normas infraconstitucionais, mas, mesmo quando
superveniente, não tem o condão de alterar o texto da Constituição.

IV. Equidade

A equidade é o instituto jurídico que autoriza o intérprete a adaptar o direito vigente a


particularidades que não foram previstas pelo legislador, buscando retificar injustiças ou
inadequações mais graves. Pode ser empregada para auxiliar na interpretação das normas legais
e para corrigir a lei, quando a aplicação dessa se revelar profundamente injusta ou inadequada
às singularidades do caso concreto. Neste último sentido, ela é associada à suavização dos
comandos legais, de forma benéfica aos seus destinatários. Mas a equidade também pode ser
utilizada para preencher as lacunas da lei, integrando o ordenamento. Esta distinção entre
equidade secundum legem, contra legem e praeter legem, clara na teoria, não é tão nítida na
prática, pois as lacunas a que a equidade é convocada a colmatar são quase sempre lacunas
ocultas. Ou seja, são aquelas lacunas que não decorrem propriamente da ausência da norma
legal disciplinando a hipótese, mas da percepção pelo intérprete de que a norma incidente
deixou de contemplar um aspecto essencial do caso, cuja consideração pelo legislador teria
conduzido a tratamento jurídico distinto.

A equidade não está prevista no art. 4o da Lei de Introdução às Normas do Direito


Brasileiro como meio de integração de lacunas. No ordenamento infraconstitucional brasileiro,
a principal alusão à equidade se encontra no art. 140, § único, do Novo CPC, segundo o qual “o
juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei” (e no art. 108 do CTN: Art. 108. Na

64
ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária
utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia; II - os princípios gerais de direito
tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a eqüidade. § 1º O emprego da analogia
não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. § 2º O emprego da eqüidade
não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.)

Esta reticência do nosso legislador infraconstitucional em relação à equidade se explica


diante do predomínio, até não muito tempo atrás, de uma concepção jurídica formalista.
Contudo, ao longo do século passado, floresceram, em diferentes contextos históricos e com
impostações político-filosóficas heterogêneas, várias correntes que valorizaram ao extremo a
liberdade decisória do juiz na busca da solução mais justa ou adequada para casa caso, como a
Escola do Direito Livre na França, o realismo jurídico norte-americano, a tópica jurídica alemã,
e, no Brasil, algumas versões do movimento conhecido como “Direito Alternativo”. Tais
correntes, contudo, incorreram em excessos, por não atribuírem a importância devida à
exigência de previsibilidade e segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, nem tampouco
à necessidade de legitimação democrática do processo de criação do Direito.

A equidade pode ser usada para suprir lacunas da Constituição ou temperar, em


circunstâncias excepcionais, o rigor das suas regras (p.ex. ADI 1289 e MS 26.690).

7C. Os Princípios gerais de direito

Atualizado por Igor Lima Goettenauer de Oliveira

I. Introdução

Nas palavras de Chaves e Rosenvald, “toda vez que o intérprete não localizar no sistema
jurídico norma aplicável ao caso concreto, verifica-se uma lacuna que necessita de
preenchimento, colmatação. É que tem guarida entre nós a vedação ao non liquet. A própria lei
(LINDB, art.4⁰), partindo da real possibilidade de omissão normativa, indica os meios pelos quais
serão supridas as lacunas”. Note-se que, “a integração das normas serve para colmatar as
lacunas do sistema, mas não tem caráter normativo (obrigatório), não vinculando outras
decisões em casos análogos”.

II. Métodos de integração

“Os métodos de integração estão contemplados na LINDB (Lei de Introdução às Normas


do Direito Brasileiro –DL 4.657/42), art. 4⁰, que estabelece uma ordem preferencial e taxativa.
Assim, são mecanismos de integração:
a) a analogia (consiste em aplicar a alguma hipótese, não prevista especialmente em lei,
disposição relativa a caso semelhante);
b) os costumes (norma criada e afirmada pelo uso social, de maneira espontânea, sem
intervenção legislativa);
c) os princípios gerais de direito (postulados extraídos da cultura jurídica, fundando o próprio
sistema da ciência jurídica)” (Chaves e Rosenvald).

III. Princípios gerais de direito

Os princípios gerais de direito, classificados como princípios monovalentes segundo


Miguel Reale em seu livro Lições preliminares de Direito “são enunciações normativas de valor
genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico em sua
aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas”. Ou, nas palavras de
Francisco Amaral, “são as formulações gerais do ordenamento jurídico, alinhavando

65
pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica, que como diretrizes gerais e básicas,
fundamentam e dão unidade a um sistema ou a uma instituição”.

Chaves e Rosenvald afirmam ainda que, “apesar de seu caráter abstrato, indeterminado,
é de se notar que os princípios realizam importante função positiva, influindo na formulação de
determinadas decisões, além da induvidosa função negativa, impedindo decisões contrárias a
seus postulados fundamentais”.

“Dos velhos princípios gerais do Direito Romano (suun cuique tribuere, honeste vivere e
neminem laedere, isto é, dar a cada um o que é seu, viver honestamente e não lesar ninguém)
extrai-se um substrato mínimo do que o ordenamento reputa fundamental em termos
axiológicos, independentemente de expressa previsão legal. São os chamados princípios
informativos que inspiram todo o sistema jurídico sem prender-se ao texto normativo”.
Finalmente, “a previsão para a aplicação dos princípios gerais de direito, na omissão da lei, vem
encartada em diversos ordenamentos jurídicos, como no Direito português (CC, art. 1⁰), no
Direito espanhol (CC, art. 1⁰) e no Direito argentino (CC, art. 16)”.

10A. Interpretação constitucional. Métodos e princípios de hermenêutica constitucional.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Direito Constitucional (teoria, história e métodos de trabalho), Daniel Sarmento.

As regras hermenêuticas tradicionais (Savigny) aplicar-se-iam nos “casos fáceis”, em que a


resposta pode ser encontrada por meio de ato cognitivo pela subsunção, utilizando-se dos
cânones gramatical, sistemático, histórico, genético e teleológico. A doutrina dominante, com a
qual Sarmento afirma concordar, nega a existência de qualquer hierarquia entre os referidos
elementos, que devem ser combinados, reforçando-se ou controlando-se mutuamente.

Meio gramatical: o primeiro ao qual se recorre. Leva em conta o sentido das palavras (via de
regra, seu sentido ordinário; em alguns casos, seu sentido técnico/científico), ex: "imposto",
"licitação", "direito adquirido".
Meio sistemático: leva em conta o ordenamento jurídico como um todo, partindo da premissa
de que ele é harmônico e lógico. Ex.: “quem pode mais, pode menos”. O "sistema" é uma
construção hermenêutica, apoiada nos princípios constitucionais fundamentais que lhe
proveem bases moralmente sustentáveis. Dá origem, no campo constitucional, aos postulados
da unidade da constituição e da concordância prática (Sarmento).
Meio histórico: intenção do legislador ao elaborar a lei. Sarmento informa que a importância do
elemento histórico é inversamente proporcional ao tempo decorrido desde a edição da norma
constitucional.
Meio teleológico: Busca a finalidade subjacente ao preceito a ser interpretado.

Já os “casos difíceis” envolvem normas de conteúdo “aberto” ou princípios antagônicos, de


modo que pode haver respostas diferentes para o mesmo caso. Assim, além das regras
tradicionais, aplicar-se-iam também critérios específicos da interpretação constitucional, não
aplicáveis à interpretação jurídica em geral.

Hermenêutica Constitucional ou Nova Hermenêutica: É uma nova forma de entender e prever a


interpretação do direito para além da hermenêutica clássica, criada na época da primazia do
Código Civil e quando a sociedade era mais homogênea. A nova hermenêutica é consequência
da jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão e um dos precursores da nova
hermenêutica constitucional foi Konrad Hesse. No Brasil, Canotilho, Paulo Bonavides, Barroso.
A “nova hermenêutica” propõe também outros critérios específicos:

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Conceitos jurídicos indeterminados – expressões abertas com início de significação a ser
complementado pelo intérprete;
Normatividade dos princípios – normas que consagram valores ou fins públicos, ou que indicam
estados ideais realizáveis por meio de variáveis condutas. São mandados de otimização,
devendo ser aplicados na maior intensidade possível. Podem ter (a) eficácia direta – positiva,
simétrica, quando se aplica sobre os fatos à semelhança de uma regra;
(b) eficácia interpretativa – para fixar a correta interpretação das normas em geral; (c) eficácia
negativa – invalidade da interpretação contrária;
Colisões entre normas constitucionais – o intérprete cria a norma jurídica para a resolução do
caso a partir dos dados fáticos e das balizas normativas por meio de ponderação, em que fará
concessões recíprocas – concordância prática – procurando preservar ao máximo o conteúdo
dos interesses em conflito; ou, no limite, escolherá qual prevalecerá no caso, à luz da
razoabilidade (que normalmente é um “instrumento para a medida”, a par de às vezes fornecer
um critério material). Esquema da ponderação: (a) Selecionar as normas relevantes e identificar
eventuais conflitos; (b) examinar os fatos e sua interação com os elementos normativos; (c)
ponderar os pesos a serem atribuídos aos elementos normativos e fáticos envolvidos para
decidir qual grupo de normas deve prevalecer no caso e, se for possível, graduar a intensidade
da solução escolhida. A ponderação é vista como integrante da proporcionalidade ou como
princípio autônomo;
Argumentação jurídica – quando é feita ponderação, aumenta-se a exigência de rigor na
argumentação (justificação), segundo uma “razão prática”, ou seja, a argumentação deve ser
racional levando-se em conta o caso concreto a ser resolvido. Para tanto, deve o intérprete: (a)
fundamentar-se em norma jurídica; (b) manter a integridade do sistema (poder generalizar a
norma criada para casos equiparáveis); (c) considerar as consequências práticas no mundo
fenomênico (Barroso, 2010).

Neste contexto, os métodos de interpretação constitucional são:

Método jurídico ou hermenêutico-clássico: preconiza que a Constituição seja interpretada com


os mesmo recursos interpretativos das demais leis (regras hermenêuticas tradicionais):
interpretação sistemática, histórica, lógica e gramatical. O método hermenêutico-clássico tem
aplicabilidade às normas constitucionais de alto grau de densidade normativa, com estrutura
normativa assemelhada às leis, já que ele não foi concebido para os dispositivos constitucionais
com alto grau de abstração que estipulam parâmetros e procedimentos para a ação política;

Método da tópica ou tópico-problemático: toma a Constituição como um conjunto aberto de


regras e princípios, dos quais o aplicador deve escolher aquele mais adequado para a promoção
de uma solução justa ao problema concreto que se analisa. Parte-se de um problema concreto
para a norma, atribuindo-se à interpretação um caráter prático na busca da solução dos
problemas concretizados;

Método hermenêutico-concretizador: diferentemente do método tópico-problemático, que


parte do caso concreto para a norma, o método hermenêutico-concretizador parte da
Constituição para o problema. Na atividade interpretativa, o intérprete vale-se de suas pré-
compreensões, situadas numa dada situação histórica e realidade social, para obter o sentido
da norma, além de atuar como mediador (tendo como pano de fundo essa situação histórica e
a realidade social) entre o texto e a situação em que ele se aplica (contexto). Essa constante
relação entre o texto e o contexto com a mediação criadora do intérprete transforma a
interpretação em um movimento de ir e vir (círculo hermenêutico);

Método científico-espiritual: a Constituição é um sistema cultural e de valores de um povo,


cabendo à interpretação aproximar-se desses valores subjacentes à Constituição. Tais valores,
entretanto, estão sujeitos a flutuações, tornando a interpretação da Constituição

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fundamentalmente elástica e flexível, fazendo com que a força de decisões fundamentais
submeta-se às vicissitudes da realidade cambiante;

Método jurídico-estruturante: a norma não se confunde com o seu texto, mas tem a sua
estrutura composta também pelo trecho da realidade social em que incide, sendo esse elemento
indispensável para a extração do significado da norma. Não é o teor literal da norma (seu texto)
que efetivamente regulamenta um caso concreto, mas sim o órgão legislativo, o órgão
governamental, o funcionário da administração pública, os juízes e todos aqueles que elaboram,
decidem e fundamentam a decisão reguladora do caso concreto.

Há também os princípios de interpretação constitucional:

Unidade e concordância prática: O sistema pressupõe coerência e unidade, sob pena de se


tornar inaplicável (Bobbio). Assim, deve haver concordância prática entre as normas, a ser
buscada pelo intérprete. A interpretação a ser adotada deve ser a que dá mais unidade à
constituição. Para Sarmento, a concordância prática está inserida no âmbito da unidade da
constituição. Tem como corolário a inexistência de hierarquia formal entre a normas, o que não
impede o reconhecimento de uma hierarquia material, a qual, para o STF, legitima a utilização
do parâmetro da interpretação restritiva das exceções: a norma constitucional originária que
excepciona princípio constitucional provido de hierarquia material superior, deve ser
interpretada restritivamente.

Força normativa da constituição ou máxima efetividade: o cumprimento das normas


constitucionais é exigível, inclusive perante os Tribunais, devendo-se dar efetividade ao texto
constitucional. Este princípio prescreve que seja preferida a interpretação que confira maior
efetividade à constituição.

Princípio da correção funcional/da conformidade: Decorre da separação de poderes. Existem


matérias que são exclusivas da atuação de cada Poder (reserva administrativa, reserva legislativa
e reserva judiciária). Deve-se verificar qual é o espaço institucional próprio de cada poder. Para
Sarmento, em atenção a este princípio o judiciário não deve exercer, a não ser em situações
excepcionais a atividade de criação de normas jurídicas, falta-lhe legitimidade democrática e
capacidade institucional, mas lembra que a atividade interpretativa tem também uma dimensão
criativa. Nesse contexto, uma distinção radical entre a função de legislador negativo e positivo
deixa de fazer sentido.

Razões públicas: a ideia de razões públicas, desenvolvida por John Raws, tem origem na filosofia
kantiana. Informa que na esfera pública só são admissíveis argumentos independentes de
doutrinas religiosas ou metafísicas controvertidas, que possam ser racionalmente aceitos pelos
demais. O argumento (ex religioso), para adentrar o debate deve primeiro ser traduzido para
"razões públicas".

Cosmopolitismo: ideias constitucionais migram entre os países, devendo ser levadas em conta
na interpretação (embora não sejam vinculantes). Sarmento afirma que tal princípio impõe que
se atribua o devido peso argumentativo a fontes transnacionais na interpretação da
constituição.

Interpretação conforme a constituição: De acordo com este princípio, cabe ao intérprete,


quando se depara com dispositivo legal aberto, ambíguo ou plurissignificativo, lhe atribuir
exegese que o torne compatível com o texto constitucional. Deriva da unidade do sistema e da
supremacia constitucional.

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Presunção graduada de constitucionalidade: a lei passa por diversos filtros antes de ser
aprovada, de modo que há a presunção relativa de sua constitucionalidade.

Além da interpretação constitucional, há a lacuna constitucional, que deve ser preenchida


(processo de integração, e não de interpretação). Isso ocorre quando há reserva de constituição,
ou seja, um determinado assunto pode ser tratado apenas pela Constituição. Ante o non liquet,
cabe ao juiz preenchê-la, pelos seguintes meios:

Analogia: aplica-se à situação não regulada norma jurídica que trata de questão similar.
Costume constitucional: Há a prática e a crença de que esta é vinculante. Ex.: voto de liderança
(o líder vota pela bancada inteira) para a aprovação de leis. Isso não está previsto na CF. É
judicialmente exigível e pode fundamentar o controle de constitucionalidade.
Convenção constitucional: existem práticas que são consideradas obrigatórias, mas estas não
são judicialmente exigíveis. As consequências pelo descumprimento são políticas.
Equidade: não pode gerar a anulação de certas normas. A equidade é uma dimensão da
razoabilidade, por meio da qual se adapta o direito vigente, buscando retificar injustiças ou
inadequações mais graves. Pode ser usada para colmatar lacunas ou temperar,
excepcionalmente, o rigor das regras constitucionais.

Por fim, ressalte-se que os métodos de interpretação e integração constitucional não podem ser
hierarquizados e não se excluem. Pelo contrário, devem ser utilizados de forma adequada a cada
situação, para se buscar a melhor solução ao caso concreto

2A. Constituição e Cosmopolitismo. O papel do direito comparado e das normas e jurisprudência


internacionais na interpretação da Constituição.

Oswaldo Costa

I. Cosmopolitismo

O cosmopolitismo pressupõe o pensamento de que a humanidade segue as leis do


Universo (cosmos) — isto é, considera os homens como formadores de uma única nação, não
vendo diferenças entre as mesmas, avaliando o mundo como uma pátria. É o direito natural! A
aceleração da globalização após o fim da Segunda Guerra Mundial, e, principalmente, o fim da
bipolaridade que caracterizou a política global durante grande parte do século XX, ampliou o
espaço conceitual para se pensar o projeto cosmopolita. Tendo em vista que parte do
ressurgimento do pensamento cosmopolita, nos dias de hoje, se deve a transformações sociais
por que passou a humanidade. Esse pensamento é atrelado na ideia de que os Direitos
Humanos são universais, e que a constituição não pode retroagir direitos humanos, tal como se
vê no principio da vedação do retrocesso.

II. Cosmopolitismo x Comunitarismo nas Relações Internacionais

Para os liberais, ou cosmopolitas, o indivíduo possui uma essência ou valor anterior à


sociedade. Há uma precedência ontológica do indivíduo em relação ao meio social. Para isto,
compreende-se o indivíduo como uma abstração, algo desgarrado do contexto histórico-social,
dotado de uma significação própria, independentemente da sociedade em que vive. O
jusnaturalismo dos pensadores modernos está recuperado para fazer do indivíduo um Ser
dotado de uma natureza universal. Ao contrário, os comunitaristas (MORRICE, 2000) apontam
a precedência ontológica da sociedade em relação ao indivíduo. Para os comunitaristas, o
homem é um ser social, dotado de características sociais como história, cultura, valores e
princípios comuns, constituído em uma determinada relação espaço-temporal. Advém disso o

69
relativismo cultural, a compreensão de diferenças e a exclusão de interferências outras que não
as da respectiva sociedade.

III. Peter Häberle e a “sociedade aberta” de intérpretes

Häberle sustenta a canonização da comparação constitucional como um quinto


método de interpretação constitucional, além dos quatro desenvolvidos por Savigny
(gramatical, lógico, histórico e sistemático). Para ele, a interpretação dos institutos se
implementa mediante comparação nos vários ordenamentos jurídicos. Assim, o Estado
constitucional cooperativo deve substituir o Estado constitucional nacional. Para isso, o
recurso ao direito comparado e às normas e jurisprudência internacionais deve ser empregado
como método de interpretação, de modo a promover a abertura da sociedade para fora. Eis o
que requer a interpretação pluralista da Constituição, para moldar uma cidadania que combina
a igualdade de oportunidades com respeito à diferença, superando a cidadania homogeneizante
e negadora das diferenças: abertura para dentro, isto é, o reconhecimento da sociedade aberta
dos intérpretes da Constituição – todos os que vivem a norma, e não só os juízes constitucionais,
acabam por interpretá-la ou pelo menos co-interpretá-la – abertura ao mundo (ou cooperação),
isto é, a interpretação do texto constitucional como aberto, cooperante e integrante de uma
rede de outros textos constitucionais e internacionais com o mesmo propósito (especialmente
no âmbito dos direitos fundamentais).

IV. O Direito comparado e a Constituição brasileira

A importância do direito comparado e das normas e jurisprudência internacionais na


interpretação da Constituição decorre da constatação de que, hoje, o direito constitucional não
começa onde termina o direito internacional, e o contrário também é válido. Lembre-se, a
propósito, o §3º do art. 5º da CRFB. Como diz Häberle (2007, p. 61): “A ideologia do monopólio
estatal das fontes jurídicas torna-se estranha ao Estado constitucional quando ele muda para
o Estado constitucional cooperativo. Ele não mais exige monopólio na legislação e
interpretação: ele se abre – de forma escalonada – a procedimentos internacionais ou de
Direito Internacional de legislação, e a processos de interpretação.”

A CRFB abre-se ao mundo e ao Estado constitucional cooperativo em diversos


dispositivos: (1) no art. 4º, inc. IX, que erige a "cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade" em princípio reitor das relações internacionais do País e, no parágrafo único, diz:
"A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural
dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações."; (2) nos §§ 2º, 3º e 4º do art. 5º, segundo os quais: "Os direitos e garantias expressos
nesta Constituição não excluem outros decorrentes [...] dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte", "Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais"; "O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação
tenha manifestado adesão."

V. Interconstitucionalismo

Diante desta tendência mundial de globalização do direito constitucional, Marcelo


Neves alude à provável superação do constitucionalismo provinciano ou paroquial pelo
TRANSCONSTITUCIONALISMO, mais adequado para as soluções dos problemas de direitos
fundamentais e humanos. Neste sentido, Canotilho chega a sugerir a formulação da
denominada TEORIA DA INTERCONSTITUCIONALIDADE, na busca de estudar as relações

70
interconstitucionais, ou seja, a concorrência, a convergência, justaposição e conflito de várias
constituições e de vários poderes constituintes no mesmo espaço político.

Existe uma tendência crescente e positiva de invocação do Direito Internacional dos


Direitos Humanos e do Direito Comparado na interpretação constitucional. Hoje, as ideias
constitucionais “migram”. Há uma positiva troca de experiências, conceitos e ideias entre cortes
nacionais e internacionais, com a possibilidade de aprendizado recíproco entre as instâncias
envolvidas nesse diálogo – fertilização cruzada.

Há Estados cujas constituições expressamente recomendam a adoção desta ótica


cosmopolita na interpretação constitucional, como a Constituição sul-africana e a de Portugal.
Na Europa, as cortes nacionais têm de levar em consideração nos seus julgamentos não só as
normas ditadas pela União Europeia e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia,
como também a Convenção Europeia de Direitos Humanos e a sua interpretação realizada pela
Corte Europeia de Direitos Humanos. Até mesmo nos Estados Unidos, onde sempre houve uma
provinciana resistência ao uso do Direito Internacional e Comparado em matéria constitucional,
a interpretação cosmopolita tem avançado (casos Lawrence v. Texas, e Roper vs. Simmons).

Questões prova oral: Me fale sobre multiculturalismo e interculturalidade. Em que medida as


ações afirmativas - as cotas por exemplo - vêm em socorro ao multiculturalismo?

11C. Colisão entre normas constitucionais. Ponderação e juízo de adequação. Princípios da


Proporcionalidade e da Razoabilidade.

Nilton Santos 02/09/18

1. Colisão entre Normas Constitucionais

O fenômeno da colisão entre normas constitucionais não é incomum, sobretudo no quadro de


constituições extensas, de natureza compromissória, e compostas por muitos preceitos
positivados em linguagem aberta, caso da Carta Política de 1988. Ademais, tem-se que a
Constituição é um documento dialético, que tutela valores e interesses potencialmente
conflitantes, e que princípios nela consagrados entram, com frequência, em rota de colisão.

Nas sociedades modernas, caracterizadas pelo pluralismo social e cultural, as questões


envolvidas na colisão entre normas constitucionais são, com grande frequência, extremamente
polêmicas, tornando praticamente impossível que se chegue a soluções baseadas em um senso
comum compartilhado pela comunidade.

De ser percebido, ainda, que as colisões podem envolver tipos de normas constitucionais
diferentes: há colisões entre princípios, entre regras, e entre princípio e regra, apresentando,
cada uma dessas hipóteses, singularidades próprias.

No tocante às regras, verificada a colisão casuística, o problema se resolverá em termos de


validade. As duas normas não podem conviver simultaneamente no ordenamento jurídico.
Assim, prevalente no cenário nacional o entendimento de que, em geral, as regras
constitucionais não se abrem a ponderações, aplicando-se de acordo com a lógica do tudo ou
nada – sendo a hipótese de incidência de uma regra preenchida, ou é a regra válida e a
consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida.

No que diz respeito aos princípios, são determinações para que específico bem jurídico seja
satisfeito e protegido na maior medida que as circunstâncias permitirem. São mandados de
otimização, já que impõem que sejam realizados na máxima extensão possível. A normatividade

71
dos princípios é, nesse sentido, provisória, potencial, com virtualidades de se adaptar à situação
fática, na busca de uma solução ótima. Por tal razão, tem-se por factível que um princípio seja
aplicado em graus diferenciados, conforme o caso que o atrai, sendo perfeitamente possível a
coexistência, ainda que aparentemente conflitantes.

2. Tipos de Colisão

Parcela da doutrina cogita acerca da existência de espécies de colisões de direitos (normas)


dividindo-as em sentido estrito ou em sentido amplo. As colisões em sentido estrito referem-
se apenas àqueles conflitos entre direitos fundamentais. Podem referir-se a:

 Direitos fundamentais idênticos, que envolvem o exercício de direitos fundamentais


objetivamente simétricos (direitos idênticos), porém subjetivamente diversos (titulares
diversos). Podem ser identificados quatro tipos básicos: a) Colisão de direito fundamental
enquanto direito liberal de defesa2; b) Colisão de direito de defesa de caráter liberal e o direito
de proteção3; c) Colisão do caráter negativo de um direito com o caráter positivo desse mesmo
direito. É o que se verifica com a liberdade religiosa, que tanto pressupõe a prática de uma
religião como o direito de não desenvolver ou participar de qualquer prática religiosa. d) Colisão
entre o aspecto jurídico de um direito fundamental e o seu aspecto fático 4.

 Direitos fundamentais diversos, relativos ao exercício de direitos fundamentais com


diversidade de objeto e de sujeitos ativos5.

As colisões em sentido amplo envolvem os direitos fundamentais e outros princípios ou valores


que tenham por escopo a proteção de interesses em favor da comunidade.

3. A ponderação.

Conceito: técnica destinada a resolver conflitos entre normas válidas e incidentes sobre um
caso, que busca promover, na medida do possível, uma realização otimizada dos bens jurídicos
em confronto. Consiste em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis (hard cases),
em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, sobretudo quando uma situação
concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções
diferenciadas. Assim, a técnica em questão envolve a identificação, comparação e eventual
restrição de interesses contrapostos envolvidos numa dada hipótese fática, com a finalidade de
encontrar uma solução juridicamente adequada.

Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento sustentam que os parâmetros utilizados para
fins da aplicação da ponderação devem ser inferidos do sistema constitucionais e não da mera
discricionariedade do intérprete, a partir do que destacam os seguintes:

 As regras constitucionais têm preferência prima facie sobre os princípios, isso porque,
usualmente, as regras tratam das exceções à aplicação dos princípios;

 Há uma preferência prima facie das normas que instituem direitos fundamentais quando
colidentes com outras que assegurem interesses e bens jurídicos distintos;

2 Ex: decisão de dois grupos adversos de realizar uma demonstração na mesma praça pública.
3 Ex: decisão de atirar no sequestrador para proteger a vida do refém ou da vítima.
4 Ex: concessão de auxílio aos hipossuficientes, indaga-se sobre a dimensão fática ou jurídica do princípio da igualdade.
5 Ex: Colisão entre a liberdade de informação jornalística e o direito à intimidade de um preso que não queira ser identificado pelo repórter policial.

72
 Dentre os direitos fundamentais, há uma preferência prima facie dos direitos e liberdades
existenciais, dos ligados à garantia dos pressupostos da democracia e das condições essenciais
de vida sobre aqueles de conteúdo meramente patrimonial ou econômico.

Quem efetiva a Ponderação: contrariamente ao senso comum, que não é apenas o Poder
Judiciário que realiza ponderações entre interesses constitucionais contrapostos. O Legislativo
e a Administração Pública também o fazem, e até mesmo particulares, quando têm de resolver,
no âmbito das suas atividades, colisões entre normas constitucionais. De fato, numa
democracia, quem tem a primazia na ponderação é o legislador que, ao regulamentar as mais
diferentes matérias, deve levar em consideração as exigências decorrentes de normas e valores
constitucionais por vezes conflitantes e que, dentro da margem que possui, a decisão do
legislador não deve ser invalidada pelo Judiciário.

No que diz respeito à ponderação em âmbito judicial, pode ocorrer em três contextos diferentes.
No primeiro, o Poder Judiciário é provocado para analisar a validade de uma ponderação já
realizada por terceiros – em geral, pelo legislador – o que pode ocorrer tanto em sede de
controle abstrato de normas quanto na análise de caso concreto. No segundo, existe um conflito
entre normas constitucionais, mas não há nenhuma ponderação prévia realizada por terceiros.
Na terceira hipótese, o próprio legislador infraconstitucional remete ao Judiciário a tarefa de
avaliar, em cada caso concreto, a solução correta para o conflito entre interesses constitucionais
colidentes, seguindo determinadas diretrizes, pressupostos e procedimentos que ele fixou.

A técnica da ponderação: Na denominada técnica da ponderação, de alguma forma, cada um


dos elementos conflitantes deverá ser considerado na medida de sua importância e pertinência
para o caso concreto, de modo que, na solução final, tal qual em um quadro bem pintado, as
diferentes cores possam ser percebidas, embora alguma(s) dela(s) venha(m) a se destacar sobre
as demais.

 Primeiro passo - verificação da existência de efetivo conflito entre normas constitucionais, com
a delimitação do espaço de atuação de cada princípio – análise de seus limites imanentes, que
não podem ser restringidos – verificando a sobreposição de alcance dos direitos conflitantes.

 Segundo passo - exame dos fatos, das circunstâncias concretas do caso e sua interação com os
elementos normativos.

 Terceiro passo - diante da certeza da existência de normas em tensão no caso, ganha azo a
fase da ponderação propriamente dita, cujo fio condutor a ser empregado para a sua realização
é o princípio da proporcionalidade com os seus três subprincípios.

4. O Princípio da Proporcionalidade

A sua principal finalidade é a contenção do arbítrio estatal, provendo critérios para o controle
de medidas restritivas de direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente
protegidos. Partindo-se do pressuposto de que todo direito é passível de limitação ou restrição,
tratando-se dos direitos fundamentais faz-se imperioso limitar tais restrições.

A teoria do limite dos limites (Schranken-Schranken) que se traduz na baliza à atuação do


legislador quando restringe direitos individuais, posto que há a necessidade premente de
proteção de um núcleo essencial do direito fundamental quanto à clareza, determinação,
generalidade e proporcionalidade das restrições impostas.

De se ver que não existe previsão expressa do princípio da proporcionalidade na Constituição.


O STF tem fundamentado o princípio – tratado pela Corte como idêntico ao princípio da

73
razoabilidade – na cláusula do devido processo legal, na sua dimensão substantiva (art. 5º,
XXXIV, CF), posição que goza de amplo respaldo da doutrina constitucional pátria.

O princípio da proporcionalidade não é útil apenas para verificar a validade material de atos do
Poder Legislativo ou do Poder Executivo que limitem direitos fundamentais, mas também para,
reflexivamente, verificar a própria legitimidade da decisão judicial, servindo, nesse ponto, como
verdadeiro limite da atividade jurisdicional. O juiz, ao concretizar um direito fundamental,
também deve estar ciente de que sua ordem deve ser adequada, necessária (não excessiva e
suficiente) e proporcional em sentido estrito.

 O Subprincípio da Adequação (pertinência ou idoneidade) - Adequado é o ato que se constitui


em meio hábil para resolver o caso ao qual aplicado, ou atingir os objetivos perquiridos
(interesse público). Este subprincípio impõe duas exigências, que devem ser satisfeitas
simultaneamente por qualquer ato estatal: (a) os fins perseguidos pelo Estado devem ser
legítimos; e (b) os meios adotados devem ser aptos para, pelo menos, contribuir para o
atingimento dos referidos fins.

 O Subprincípio da Necessidade - Necessário é o ato que resolve o caso da maneira menos


gravosa possível. Em outros termos, o meio (ato) não será necessário se o objetivo almejado
puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele, ao mesmo tempo, adequada e
menos nociva a outros valores constitucionalizados6.

 O Subprincípio da Proporcionalidade em Sentido Estrito – Traduz a ponderação entre o ônus


imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos
direitos do cidadão. Assim, demanda que a restrição ao direito ou ao bem jurídico imposta pela
medida estatal seja compensada pela promoção do interesse contraposto.

4.1. A Proporcionalidade como Proibição de Proteção Deficiente

O princípio da proporcionalidade é concebido tradicionalmente como um instrumento para


controle de excessos no exercício do poder estatal, visando a conter o arbítrio dos governantes.
Porém, no cenário contemporâneo, sabe-se que os poderes públicos têm funções positivas
importantes para a proteção, a promoção dos direitos e a garantia do bem-estar coletivo.

Hodiernamente, compreende-se que é papel do Estado atuar positivamente na proteção e


promoção dos direitos e objetivos comunitários, tendo-se por ofendida a ordem jurídica e a
Constituição não apenas pela prática de excessos, intervindo de maneira exagerada ou indevida
nas relações sociais, mas também nos casos de omissão, quando deixa de agir em prol dos
direitos fundamentais ou de outros bens jurídicos relevantes, ou o faz de modo insuficiente.

A ideia de proporcionalidade como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot)


desenvolveu-se no direito constitucional germânico a partir da concepção de que os direitos
fundamentais não são meros direitos subjetivos negativos, mas possuem também uma
dimensão objetiva, na medida em que tutelam certos bens jurídicos e valores que devem ser
promovidos e protegidos diante de riscos e ameaças originários de terceiros. Encerra, portanto,
um dever de proteção estatal dos direitos fundamentais (imperativo de tutela), que se estende
ao Legislativo, à Administração Pública e ao Poder Judiciário.

6
O Supremo Tribunal Federal utilizou o critério da necessidade para limitar a utilização de algemas pelas autoridades policiais,
editando a Súmula Vinculante nº 11 com esse propósito, tendo entendido que o uso de algemas seria “excepcional, somente
restando justificado ante a periculosidade do agente ou o risco concreto de fuga”.

74
Assim, quando o Estado se abstiver, total ou parcialmente, de adotar alguma medida que
favoreceria a promoção ou a proteção de um determinado direito fundamental ou objetivo de
envergadura constitucional, caberá a verificação da observância dos subprincípios acima
abordados.

Questões Prova Objetiva 29 CPR:

Questão 6 – a) O princípio da proporcionalidade possui uma dupla face, atuando


simultaneamente como critério para o controle da legitimidade constitucional de medidas
restritivas do âmbito de proteção dos direitos fundamentais, bem como para o controle da
omissão ou atuação insuficiente do Estado no cumprimento dos seus deveres de proteção.
VERDADEIRO. “Originalmente, a proporcionalidade foi utilizada para combater os excessos das
restrições a direitos, impostos por leis e atos administrativos. Por isso, era o instrumento de
fiscalização da ação excessivamente limitadora dos atos estatais em face dos diretos
fundamentais, sendo considerado o “limite dos limites” e também denominado “proibição do
excesso”. Atualmente, a proporcionalidade não se reduz somente a essa atividade de
fiscalização e proibição do excesso dos atos limitadores do Estado: há ainda duas facetas
adicionais. Há a faceta de promoção de direitos, pela qual o uso da proporcionalidade fiscaliza
os atos estatais excessivamente insuficientes para promover um direito (por exemplo, os
direitos sociais), gerando uma “proibição da proteção insuficiente”. Finalmente, há a faceta de
ponderação em um conflito de direitos, pela qual a proporcionalidade é utilizada pelo intérprete
para fazer prevalecer um direito, restringindo outro” ACR, Curso de Direitos Fundamentais.

7. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
7.1 Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. Direito
comparado. Legitimidade democrática. (12.a)
7.2 Controle Concreto de Constitucionalidade. O Recurso Extraordinário. (16.c)
7.3 Controle abstrato de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Ação Direta
de Inconstitucionalidade por omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental. (18.c)
7.4 Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Técnicas decisórias na jurisdição
constitucional. (22.b)
7.5 Inconstitucionalidade por omissão. Ação Direta e Mandado de Injunção. (25.b)

12A. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. Direito


comparado. Legitimidade democrática.

Gabriel Dalla 10/09/18

I. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro.

O controle de constitucionalidade é – sucintamente - a verificação da compatibilidade


vertical entre a norma ou ato e a Constituição. A lei nasce com presunção de constitucionalidade
com fundamento basicamente em dois princípios: o democrático e o da separação de poderes.
Isto, naturalmente, não implica dizer que a lei não pode ser reputada inconstitucional, o que se
dá justamente no âmbito do controle de constitucionalidade, que pode ser abstrato
(inconstitucionalidade como pedido) ou concreto (inconstitucionalidade como causa de pedir)
e concentrado ou difuso (a depender do critério de fixação da competência do órgão julgador:
se a competência surge em razão da alegada inconstitucionalidade, trata-se de controle
concentrado). Há três pressupostos imprescindíveis para o exercício de controle: 1. Supremacia
da Constituição; 2. Rigidez da Constituição; 3. Órgão competente para exercer o controle.

75
No controle, há dois elementos: o parâmetro e o objeto, porque algo (objeto) só é
(in)constitucional em relação a algo diverso (parâmetro). Parâmetro é a norma/princípio/valor
com relação ao qual outra norma ou ato é questionado. Neste contexto, é oportuno observar a
noção de bloco de constitucionalidade, que – malgrado oriundo do direito francês – Canotilho
observou que teve seu desenvolvimento muito assemelhado à ideia de parâmetro
constitucional. Assim, o bloco de constitucionalidade possui duas acepções: restrita [o texto
constitucional] e ampla [texto + normas materialmente constitucionais fora do texto].
O parâmetro no Brasil é intermediário: texto constitucional [ADCT, emendas e o
próprio corpo da Constituição], princípios implícitos e tratados de direitos humanos aprovados
na forma art. 3º, § 5º. O preâmbulo da CF está excluído, porquanto possui mero valor
axiológico/político; estão inadmitidas também as normas infraconstitucionais, por mais
relevante e materialmente constitucional que sejam.

No Brasil:

Não havia controle. Supremacia do parlamento e do poder moderador. Cabia ao


1824 Imperador o zelo da Constituição e ao juiz não era dado interpretar as leis, mas
meramente aplicá-las.
Modelo americano (difuso e concreto) sob forte influência de Rui Barbosa. Dizia
1891 Rui Barbosa: “a judicial review é matéria de hermenêutica e não de legislação”
como forma de afastar o controle abstrato, que conferiria ao juiz um papel de
legislador.
Ainda no plano de um controle difuso e concreto, trouxe relevantes novidades:
➢ Resolução suspensiva do Senado [art. 52, X], a qual foi recentemente
objeto de mutação constitucional segundo o STF no bojo das ADI’s 3.406/RJ e
1934 3.470/RJ; ➢ Reserva de Plenário ou “Full Bench”, art. 97; ➢
Representação Interventiva ou declaração de inconstitucionalidade para
evitar intervenção federal [art. 36, III] que, na verdade, era ação cuja titularidade
cabia ao PGR em que o STF se manifestava sobre a constitucionalidade da Lei de
Intervenção; ➢ Mandado de Segurança.
Constituição de caráter ditatorial [Estado Novo – CF Polaca]: ocorrida decisão
judicial com declaração de inconstitucionalidade, o Presidente poderia por
questões de “soberania nacional” submeter a matéria ao Congresso Nacional, que,
por 2/3, poderia restabelecer a validade da lei. Ademais, se o Congresso não
1937 estivesse reunido por qualquer motivo, as atribuições passavam ao Presidente da
República, que atuava nesses casos via Decreto-Lei: isto significa que ele poderia
tornar a decisão judicial sem efeito por Decreto-Lei isoladamente. No contexto em
que Getúlio Vargas controlava amplamente o Congresso – inclusive com o seu
fechamento -, este modelo representou ampla ascendência do Poder Executivo.
Restaura o modelo da CF de 1934 e reformula a “representação interventiva” com
a inclusão da possibilidade de declaração de inconstitucionalidade. A grande
novidade dá-se, porém, com a EC 16/65 que cria a representação de
inconstitucionalidade [a atual ADI], exclusiva do PGR e, assim, institui o controle
1946 concentrado abstrato. A criação do modelo de controle abstrato brasileiro não
possui qualquer finalidade democrática ou republicana, porque se deu um ano
após o golpe de 64, no que o PGR realizava, além da função de MP, a função da
AGU de hoje e era exonerável ad nutum: sendo assim, ele só proporia as
representações de inconstitucionalidade no interesse da União.

76
A novidade surge com a EC 07/77: cria a possibilidade de cautelar na
1967/69 representação de inconstitucionalidade, o controle da lei municipal em face da CE
e a criação da representação interpretativa, cuja legitimidade era do PGR.
A CF 88 é marcada por um claro redimensionamento do controle de
constitucionalidade. Primeiro, há a ampliação do rol de legitimados da ADI. Isto
gerou uma mudança radical no controle de constitucionalidade: o STF passa a
exercer de forma muito mais intensa o controle concentrado abstrato após 1988,
o que se soma ao processo de reconhecimento da existência de processos de
massa e com o aumento destas questões de massa torna-se necessária a criação
de mecanismos que resolvam tais problemas de forma molecular, o que revela
uma maior importância do problema concentrado abstrato em face do difuso
concreto. Até a EC 16/65, vigia apenas o controle difuso e concreto; após surge o
concentrado abstrato, mas se mantém com uma menor relevância do que aquele;
em 88, as coisas se investem: a primazia é do concentrado abstrato. O que provoca
o fenômeno, por sua vez, da incorporação pelo controle concreto de
1988 características do abstrato: “abstrativização” ou “objetivação” do controle de
constitucionalidade, tais como a modulação dos efeitos temporais, ampliação das
possibilidades do amicus curiae, S.V., repercussão geral no caso do RE.
Na CF 88, houve ainda:
➢ Criação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF,
o STF entendia que esta norma era de eficácia limitada e só poderia ser exercido
quando regulamentado e o foi pela Lei nº 9.882/99. ➢ Controle das omissões,
que se dá por dois instrumentos criados pela CF exclusivamente para isto: ADO e
mandado de injunção. ➢ Ampliação dos remédios [MI, HD, MS coletivo] e
manutenção dos demais que já existiam [MS, HC], bem como a ampliação de
outras existentes [Ação Popular, ACP]. ➢ Ação Declaratória de
Constitucionalidade criada pela EC 3/93; ➢ Instrumentos criados pela EC
45/04: ▪ Súmula Vinculante; ▪ Repercussão Geral no RE; ▪
Alterações no RE [103, III, d]; ▪ Alterações na Representação Interventiva
[36, III].
➢ Constitucionalização da Reclamação Constitucional que visa a garantir a
competência do STF ou a autoridade das suas decisões [102, I, ‘l’; ➢ Ação
Direta de Inconstitucionalidade estadual.

II. Direito comparado.

Em tema de controle de constitucionalidade, é necessário observar três modelos de


direito alienígena: o americano, austríaco e o francês.

Americano Estritamente a respeito do controle, a Constituição americana surge com a


cláusula de supremacia, mas ainda sem resposta para o que deveria ocorrer em
casos de sua violação. Os federalistas – Alexander Hamilton, em especial –
“unconstitucional law is not law at all”, a qual posteriormente é ratificada no
rumoroso caso Marbury vs. Madison. Nesse julgamento, fixou-se o “princípio
da nulidade”, assim como se instaurou o controle judicial, difuso e incidental
- judicial review. As três perguntas fundamentais do judicial review são
respondidas: a lei contrária é nula, o exame dever ser feito no caso concreto e
cabe ao judiciário resolvê-lo.
Austríaco Hans Kelsen sustentava que o controle de constitucionalidade significa o
exercício do papel de “legislador negativo” – controle político -, o que não
poderia ser realizada por qualquer juiz, mas por um órgão específico: o Tribunal

77
Constitucional. Tratava-se de controle concentrado e abstrato. Neste sistema,
vigia o “princípio da anulabilidade”, porque, para Kelsen, o sistema não possui
contradições, razão pela qual a decisão era constitutiva.
Francês Inicialmente, não havia controle: se uma lei é fruto do parlamento, é fruto dos
representantes do povo, é fruto da vontade majoritária do povo e é, por
natureza, democraticamente legítima, não cabendo ao juiz, que não é eleito,
invalidá-la. Posteriormente, foi instituído o controle político preventivo
através do Conselho Constitucional, que se dá sobre o Projeto de Lei – ainda
hoje realizado.
Muito recentemente, entre 2008 e 2010, surgiu a denominada “questão
prioritária de constitucionalidade”, que nada mais é do que a remessa de
questão para controle pelo Conselho Constitucional, uma vez admitida na Corte
de Cassação [Direito Privado] ou Conselho de Estado [Direito Público]. É
hipótese de controle político, incidental e repressivo.

III. Legitimidade democrática.

Constitucionalismo significa governo limitado, governo das leis. Democracia não


necessariamente respeita limites ao poder, mas sim à origem do poder. Democracia significa
que o governo será legítimo se respeitar a vontade popular. Mas o foco não está na limitação
do poder e, sim, na sua legitimação, na sua origem. Essa questão é a mais fecunda do
constitucionalismo, a sua tensão com a democracia. E isso se coloca de forma muito intensa
quando o Judiciário declara uma lei inconstitucional. Ex: STF declara lei inconstitucional por
violar a moralidade administrativa ou a proporcionalidade. Nesse caso, há o risco de uma
decisão ilegítima sob o aspecto democrático, pois a lei foi aprovada pelos representantes eleitos
do povo, e declarada inconstitucional por juízes. Se eles anulam uma lei aprovada por
representantes do povo com base em um princípio muito aberto, o risco é de estarem
substituindo aqueles que foram eleitos pelo povo. Essa é a chamada "dificuldade
contramajoritária do poder judiciário" ou "problema da legitimidade do controle
jurisdicional".

Quando os juízes invalidam uma lei, há uma tensão na relação constitucionalismo e


democracia. Há um risco de se produzir um governo de juízes, que é a antítese da democracia.
Mas isso não pode ser levado ao extremo, pois não seria possível o controle de
constitucionalidade pelo Judiciário. Durante todo o séc. XIX, entendeu-se na Europa que o
controle de constitucionalidade pelo Judiciário era ilegítimo. Hoje a discussão não é se o controle
de constitucionalidade é legítimo, mas, sim, em que casos ele é legítimo e em que casos é
ilegítimo. Ou seja, qual é o limite de legitimidade da jurisdição constitucional.

Neste contexto, há profícua elaboração doutrinária e jurisprudencial – a qual não pode


ser elaborada neste extrato -, a exemplo das teorias da interpretação constitucional
(interpretativismo, não-interpretativismo etc.), a teoria do papel a ser desempenhado pela
constituição (modelo substancialista ou procedimentalista), limites da atuação jurisdicional (as
discussões a respeito do denominado ativismo judicial) et cetera.

16C. Controle concreto de constitucionalidade. O Recurso Extraordinário.

André Batista e Silva

I. Controle concreto de constitucionalidade

78
Origem: também denominado de controle difuso ou incidental, tem origem datada de 1803, nos
Estados Unidos, a partir do prcedente “Marbury vs. Madison”,julgadopelo magistrado Marshal,
no qual se compreendeu que o judicial review compete a qualquer magistrado, diante de um
caso concreto, com decisão de efeitos ex tunc (retroativos). Em contraponto, o controle
concetrado-abstrato, a partir da formulação de Hans Kelsen, concebeu uma Corte Constitucional
especializada para exercer a função, invalidando a norma impugnada com efeitos apenas
prospectivos (ex nunc).
No Brasil foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto n° 848/1890, que
criou a Justiça Federal, sendo, em seguida, consagrado na Constituição da República de 1891 e
mantido em todas as constituições seguintes. Trata-se da incorporação do modelo norte-
americano em solo pátrio, a partir dos ensinamentos de Ruy Barbosa. Era, até a Constituição da
República de 1988, o controle predominante no sistema brasileiro.
Conceito: o controle difuso, repressivo ou posterior, é também chamado de controle pela via de
exceção ou incidental ou de defesa, sendo realizado por qualquer juízo ou tribunal do poder
judiciário. Verifica-se em um caso concreto, e a declaração de inconstitucionalidade dá-se de
forma incidental (incider tantum), prejudicialmente ao exame do mérito (a alegação de
inconstitucionalidade será a causa de pedir processual). A inconstitucionalidade pode ser
questionada em qualquer ação, desde que seja a causa de pedir e não o pedido da demanda.
Após algum dissenso, tal entendimento foi confirmado inclusive no que toca à Ação Civil Pública,
sendo reafirmado em diversos julgados das cortes superiores (ex. STJ, Resp 1.487.032/2015 - “É
firme o entendimento do STJ no sentido de que a inconstitucionalidade de determinada lei pode
ser alegada em ação civil pública, desde que a título de causa de pedir - e não de pedido –, como
no caso em análise, pois, nessa hipótese, o controle de constitucionalidade terá caráter
incidental”). A questão da constitucionalidade deve ser suscitada pelas partes ou pelo ministério
público, podendo, ainda, vir a ser reconhecida de ofício pelo juiz ou pelo tribunal.
Cláusula de reserva de plenário: originada na Constituição de 1934, impõe que, perante o
tribunal, a declaração de inconstitucionalidade somente poderá ser pronunciada pelo voto da
maioria absoluta de seus membros ou dos membros do órgão especial (art. 97, CF/88). É
também denominada de cisão funcional horizontal da competência, ou seja, o plenário apenas
aprecia a questão envolvendo a inconstitucionalidade e devolve o processo para o órgão
fracionário julgaro mérito; a decisãodo plenário é irrecorrível e vincula o órgão fracionário no
caso concreto, incorporando-se ao julgamento do recurso ou da causa como premissa
inafastável. Daniel Sarmento aduz que uma das justificativas para a referida cláusula é o
Princípio da presunção graduada de constitucionalidade dos atos normativos.
Súmula Vinculante 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão
fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte"; O mesmo
procedimento deve ser adotado no caso de interpretação conforme e de declaração parcial de
nulidade sem redução de texto. Entretanto, dispensa-se a remessa ao órgão especial ou pleno
do Tribunal correspondente se já houver pronunciamento destes ou do STF (art. 481, PU, CPC).
E, no caso do STF, há precedente no sentido de que a ele não se aplica o art. 97: “O STF exerce,
por excelência, o controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do recurso
extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência regimental para fazê-lo sem
ofensa ao art. 97 da CF.” (RE 361.829-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJE de 19-3-
2010).
Participação do amicus curiae: o CPC, no art. 482, admite a manifestação, no incidente de incon
stitucionalidade, do Ministério Público, das pessoas jurídicas responsáveis pela edição do ato e
dos titulares do direito de propositura de ADI. Faculta-se ao relator a possibilidade de admitir,
por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades. A mesma norma é
reproduzida ainda em dispositivo legal que disciplina especificamente o controle difuso de
constitucionalidade, como é o caso do RExt – o CPC estabelece que o relator poderá admitir, na
análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado
(art. 543-A, §6º).

79
Parâmetro de controle: o controle concreto de constitucionalidade pode se exercido em relação
a normas emanadas dos três níveis de poder, de qualquer hierarquia, inclusive as anteriores à
Constituição. (RE 148.754 e RE 269700)
Efeitos: A declaração de inconstitucionalidade no controle difuso produz efeitos, em regra, ex
tunc e inter partes. A inconstitucionalidade declarada como questão prejudicial não transita em
julgado (limite objetivo da coisa julgada), nem afeta terceiros estranhos ao processo (limite
subjetivo). A doutrina majoritária no Brasil situa a inconstitucionalidade no campo da nulidade,
em razão da supremacia da constituição. A decisão que a reconhece tem natureza declaratória,
e retroage até o nascimentodo ato viciado.Entretanto, o STF tem admitido, em casos
excepcionais, mitigação da retroação de efeitos, mediante ponderação de princípios e aplicação
analógica do art.27 da Lei 9868/99 (modulação temporal). Ex. Caso Mira Estrela. RE 197.917.
Abstrativização do controle difuso (objetivação, abstração, dessubjetivação das formas
processuais): o procedimento designado abstrativização do controle concreto, expressão
cunhada pelo doutrinador Fredie Didier Júnior, por ocasião da análise das transformações
ocorridas no Recurso Extraordinário, consiste na possibilidade de conferir efeitos erga omnes
adecisões proferidas em sede de controle difuso/concreto de constitucionalidade. Essa
possibilidade encontra amparo, inclusive, na própria Constituição:
(a) artigo 52, X, CRFB/88: compete privativamente ao Senado, por resolução, suspender a
execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do
Supremo Tribunal Federal; tem prevalecido o entendimento no sentido de que a resolução tem
eficácia ex nunc, embora Barroso sustente que deveria ser ex tunc, porque a norma é
inconstitucional desdeo início.
(b) ECn° 45/04 – art. 103-A,CRFB/88: após reiteradas decisões acerca da validade, interpretação
ou eficácia de uma norma sobre a qual paire controvérsia atual, judicial ou administrativa, o STF
pode editar súmula vinculante pelo voto de 2/3 dos seus membros, que vinculará os demais
órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública. OBS: o STF não fica vinculado à súmula,
podendo, inclusive deofício,revisá-la ou cancelá-la.
(c) o STF importouprincípio de controleconhecido como transcendência dos motivos
determinantes (os motivos que fundamentam a declaração de inconstitucionalidade
extrapolam os limites da demanda para alcançar situações idênticas ou semelhantes). OBS. O
STF não adota essa Teoria, apesar de o Ministro Gilmar Mendes ser um de seus expoentes.
(d) repercussão geral (art. 102, §3°, CR): com a EC 45/04 (Reforma do Judiciário) mudou
radicalmente o modelo decontrole incidental, uma vez que os recursosextraordinários terão de
passar pelo crivo da admissibilidade referente à repercussão geral. Assim, com a adoção desse
novo instituto haverá uma maximização da feição objetiva do recurso extraordinário, que
passou a ser um instrumento de molecularização de julgamento em massa.
Art. 52, X, da CF/88 e mutação constitucional (Recl. 4335): Após uma sucessão de votos-vista e
quase sete anos, o STF concluiu em março de 2014 o julgamento em que se propôs a rediscutir
o papel do Senado Federal no domínio do controle incidental de constitucionalidade.
Confrontado com a decisão de um juiz que se recusava a seguir a orientação do STF em tema
relevante, mas fixada em habeas corpus, o relator, ministro Gilmar Mendes, propôs uma
releitura da matéria: o artigo 52, X teria passado por uma mutação constitucional, de modo que
todas as decisões tomadas pelo Plenário do STF no exercício da jurisdição constitucional teriam,
por si mesmas, eficácia geral e vinculante; a atribuição do Senado deixaria de ser a ampliação
da eficácia e passaria a ser, tão somente, uma forma de conferir publicidade ao que restou
decidido. Tal orientação foi acompanhada pelo ministro Eros Grau, mas foi rejeitada pelos
ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, que endossavam a compreensão tradicional.
O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski, cujo voto
posterior juntou-se à divergência e foi seguido por novo pedido de vista, agora do ministro Teori
Zavascki. Na retomada do julgamento, o ministro Teori procurou construir um meio-termo. De
início, destacou a importância dos precedentes, sobretudo do STF, e a necessidade de que sejam
observados pelas instâncias inferiores, sob pena de a corte deixar de cumprir a sua função
institucional de guardiã da Constituição. Por outro lado, considerou impossível abrir a via da

80
reclamação para a garantia de todas as decisões do STF, o que acabaria transformando-o em um
tribunal executivo, encarregado da implementação capilarizada das suas decisões. Linha
semelhante foi adotada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ressaltou a importância de se
criar, no Brasil, uma cultura de respeito aos precedentes e destacou o mérito teórico da
interpretação proposta pelo ministro Gilmar Mendes, mas considerou que ela seria incompatível
com os limites semânticos do artigo 52, X. Com ligeiras variações, tal orientação foi reiterada
nos votos subsequentes. Ao fim e ao cabo, portanto, manteve-se o convencimento
convencional, pontuado pela mensagem institucional de que o respeito à jurisprudência dos
tribunais, e do Supremo em particular, é pressuposto para a efetividade e racionalidade do
acesso à Justiça.
ATENÇÃO: Se uma lei ou ato normativo é declarado inconstitucional pelo STF,
incidentalmente, essa decisão, assim como acontece no controle abstrato, também produz
eficácia erga omnes e efeitos vinculantes. Assim, se o Plenário do STF decidir a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ainda que em
controle incidental, essa decisão terá os mesmos efeitos do controle concentrado, ou seja,
eficácia erga omnes e vinculante. Houve mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88. A
nova interpretação deve ser a seguinte: quando o STF declara uma lei inconstitucional, mesmo
em sede de controle difuso, a decisão já tem efeito vinculante e erga omnes e o STF apenas
comunica ao Senado com o objetivo de que a referida Casa Legislativa dê publicidade daquilo
que foi decidido (STF. Plenário. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em
29/11/2017 (Info 886)). Indagação de João Paulo Lordelo, em seu site: O STF acaba de adotar a
teoria da transcendência dos motivos determinantes ou a abstrativização do controle difuso? O
caso foi de evidente atribuição de eficácia vinculante sobre a fundamentação de decisão em
controle concentrado. Houve, portanto, transcendência dos motivos determinantes, pois foi
conferido efeito vinculante a uma declaração incidental, que se encontrava na fundamentação
do acórdão em duas ADIs. Não houve exercício de controle difuso. A abstrativização do controle
difuso é algo diverso. Transcendência dos motivos determinantes: imprime efeito vinculante
à ratio decidendi, ou seja, à parte da fundamentação necessária e suficiente à conclusão do
julgamento. Teoricamente, pode ocorrer em controle difuso ou concentrado, mas o STF não vem
adotando a técnica, aparentemente por uma questão política: o incômodo que seria julgar um
volume grande de reclamações ajuizadas diretamente lá; Abstrativização do controle
difuso: consiste em dar ao controle difuso o tratamento do controle concentrado, conferindo
eficácia vinculante e erga omnes ao dispositivo, para além das partes (o que pode ocorrer em
Recurso Extraordinário e HC, por exemplo). O STF já fez isso em alguns casos, sendo essa técnica
mais aceita que a transcendência. Veja: essa técnica consiste apenas na aproximação dos dois
meios de controle, mas isso não gera necessariamente a vinculação da inconstitucionalidade
reconhecida de forma incidental, pois o STF não reconhece tradicionalmente a vinculação da
fundamentação no controle concentrado. O que o Plenário do STF fez foi conferir efeito
vinculante a uma declaração de inconstitucionalidade incidental em controle concentrado,
reconhecendo uma mutação do papel do Senado quanto ao art. 52, X, da CRFB/88. A Corte não
deixou claro se isso se aplicaria também ao controle difuso - embora o Min. Gilmar Mendes
tenha transparecido isso de forma indireta, citando o art. 535, §5º, do CPC -, cabendo lembrar
que o difuso pode ser realizado por suas turmas. Imagine que uma das turmas do STF, por uma
maioria de apenas três ministros, reconheça, de forma incidental, a inconstitucionalidade de
uma lei em sede de recurso extraordinário, reconhecendo o direito subjetivo do recorrente. Essa
declaração incidental vincula todas as demais pessoas já de forma automática? Não ficou claro
no julgado e não há essa previsão no rol de precedentes obrigatórios do NCPC. Tampouco ficou
claro se o STF adotará a transcendência dos motivos determinantes para os casos
futuros, embora isso tenha ocorrido no julgamento. Basta lembrar que, poucos dias antes do
julgamento em questão, a Segunda Turma decidiu que não cabe o uso de reclamação com base
na transcendência dos motivos determinantes (Rcl 22012/RS, rel. Min. Dias Toffoli, red. p/ ac.
Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 12.9.2017, precedente anterior, mas só divulgado
no informativo n. 887). Levando em consideração a completa falta de instabilidade e coerência

81
na aplicação dos precedentes no Brasil, é bem provável que a jurisprudência continue na mesma
linha.

II. Recurso Extraordinário

Recurso Extraordinário: delineado pelo artigo 102, III, da CR, o recurso extraordinário, cujo
julgamento compete exclusivamente ao STF, é cabível nas causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida (a) contrariar dispositivo da Constituição; (b) declarar a
constitucionalidade de tratado ou lei federal;(c) julgar válida lei ou ato de governo local
contestado em face da Constituição; (d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
A interposição do RE requer o esgotamento das vias ordinárias, o prequestionamento da
questão constitucional e a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais
discutidas no caso, somente podendo ser recusado pela manifestação de 2/3 de seus membros,
cuja análise é feita através do chamado plenário virtual. Ressalva-se que se existir na Turma (a
quem compete à apreciação do recurso extraordinário) no mínimo quatro votos pela presença
da repercussão geral, o recurso será admitido, dispensando-se a remessa do caso ao Plenário. A
decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF tem presunção absoluta de
repercussão geral. A repercussão geral de questões econômicas, políticas, sociais e jurídicas é
um conceito aberto e serve como filtro recursal para reforçar a força vinculativa das decisões
do STF, resultando numa objetivação do controle difuso, sendo admitida a participação de
amicus curiae na discussão sobre a existência da repercussão geral. No tribunal de origem é feita
uma análise por amostragem, encaminhando-se ao STF os recursos extraordinários escolhidos
e sobrestando-se os demais. Com a decisão sobre o RE paradigmático há um efeito regressivo,
pois, o Tribunal de origem pode retratar-se da decisão contrária ao STF ou, então, encaminhar
o RE. Neste último caso, o STF pode reformar liminarmente o acórdão contrário à decisão
paradigmática. A repercussão geral somente passou a ser aplicada após a alteração do RISTF,
em maio de 2007. No início os tribunais deixavam de exercer o Juízo de retratação e
encaminhavam os recursos sobrestados sem qualquer decisão. O STF não aceita mais isso. O
Tribunal deve fundamentar o motivo de não haver exercido o juízo de retratação.

18C. Controle abstrato de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação


Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Aline Morais

CONTROLE CONCENTRADO: É controle repressivo realizado, via de ação – ADI, ADO, ADC e ADPF
– intentada por legitimados específicos enumerados em rol taxativo. Funda-se na supremacia e
rigidez da Constituição. O processo é objetivo e tem como características: generalidade,
impessoalidade e abstração. A finalidade é proteger a supremacia da constituição. O objetivo
principal é a declaração da (in)constitucionalidade que é reconhecida e declarada no dispositivo
da sentença, pelo STF (parâmetro CRFB e objeto lei/ato normativo federal ou estadual) ou pelo
TJ (parâmetro CE, objeto lei/ato normativo estadual ou municipal)
Não há prazo em dobro para recorrer ou contestar; não incide prescrição ou decadência; não se
admite intervenção de terceiros e assistência – exceto “amicus curiae”; a desistência é vedada;
a decisão irrecorrível (salvo ED, indeferimento da petição inicial pelo relator que admite agravo
regimental), não admite rescisória e não há vinculação à tese jurídica (causa de pedir aberta).
NÃO PODEM SER OBJETO DE CONTROLE CONCENTRADO: a) Súmulas: por não possuírem grau
de normatividade qualificada pela generalidade e abstração, mesmo no caso de súmula
vinculante. No caso de SV, há procedimento de revisão. b) Regulamentos ou decretos
regulamentares expedidos pelo Executivo e demais atos normativos secundários: por não
estarem revestidos de autonomia jurídica. Trata-se, no caso, de questão de legalidade, por
inobservância do dever jurídico de subordinação normativa à lei. Decreto que não regulamente

82
lei alguma: poderá haver ADI para discutir observância do princípio da reserva legal. c) Normas
constitucionais originárias: presunção absoluta de constitucionalidade. No caso de conflito
entre si, deve haver harmonização, segundo caso concreto (princípio da unidade, concordância
prática). d) Atos estatais de efeitos concretos: por não possuírem densidade jurídico-material
(densidade normativa) –) Respostas emitidas nas consultas ao TSE: por se tratar de ato de
caráter meramente administrativo, não possuindo eficácia vinculativa aos demais órgãos do
Poder Judiciário; e) Atos normativos já revogados ou de eficácia exaurida: porque a sua
eventual declaração teria valor meramente histórico. OBS: Se a revogação ou a perda de
vigência da lei ou ato normativo ocorrer já no curso da ação de inconstitucionalidade: STF
entende pela perda do objeto, com a prejudicialidade da ação, devendo os efeitos residuais
concretos que possam ter sido gerados pela aplicação da lei ou ato normativo não mais existente
ser questionados na via ordinária, por intermédio do controle difuso de constitucionalidade.
Exceções: fraude processual; repetição em outra norma de igual conteúdo; não ter sido o STF
informado antes do julgamento. Gilmar Mendes tem posição diferente sobre a regra: princípios
da máxima efetividade e da força normativa da CRFB; ATENÇÃO: e) Normas anteriores à
Constituição: se incompatíveis são revogadas (não-recepcionadas), não se podendo falar em
inconstitucionalidade superveniente. (Conflito de leis no tempo, e não hierárquico). Pode caber
ADPF para, de forma definitiva e com eficácia geral, solver controvérsia relevante sobre a
legitimidade do direito ordinário pré-constitucional em face da nova Constituição.
ROL DE LEGITIMADOS (CONTROLE PELO STF) – mesmo para todas: art 103CRFB
ESTATAL - SEM advogado NÃO ESTATAL - necessita de
já possui capacidade postulatória advogado com poderes específicos
Presidente da República
Conselho Federal da OAB
Procurador-Geral da República
LEG ATIVA UNIVERSAL
Mesa da Câmara dos Deputados Partido Político com representação no CN
(TODA A COLETIVIDADE)
(momento da propositura:mín 1 em CD ou SF
Mesa do Senado Federal
Representado Diretório Nacional ou Executiva
Confederação Sindical (min 3 Federações)
Governador do Estado/DF
LEG ATIVA ESPECIAL Admite associação de associação
(PARCELACOLETIVIDADE) Entidade de classe de âmbito nacional:
Mesa da Assembleia Legislativa/
"PERTINÊNCIA a) representante de uma categoria;
Câmara Distrital
TEMÁTICA": b) presente em pelo menos 9 UF (1/3)
Mês do CN não pode
exceto se restrita a uma área menor (ex: Sal)
PGR - no controle de constitucionalidade, atua na condição de custus constituitionis, ou seja,
como fiscal da supremacia da Constituição (art. 103, § 1º, da CR). Segundo o STF deve emitir
parecer, inclusive quando autor e pode opinar pela improcedência do pedido feito por ele
mesmo.
ROL DE LEGITIMADOS (CONTROLE PELO TJ) – definidos em Constituição Estadual, sendo vedado
pela CRFB que seja atribuída legitimação a apenas uma pessoa. (art 125 §2ª CRFB)
EFEITOS DA DECISÃO: vinculante (para o Poder Judiciário e para a Administração Pública) , “erga
omnes” (oponível a todos) e via de regra, “ex tunc”.

1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. (Leí nº 9.868/99 e art102, I, “a”, primeira parte


CRFB e 169 a 178 RISTF ) CONCEITO: Tem por objeto principal a própria declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese – federal ou estadual. OBJETO: a) Leis
(art. 59 da CRFB): emendas constitucionais (por emanarem do poder constituinte derivado
reformador), leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias (por
terem força de lei, mas desde que em plena vigência, ou seja, não convertidas ainda em lei ou
não tendo perdido a sua eficácia por decurso de prazo), decretos legislativos e resoluções (esses
dois últimos somente se estiverem revestidos de generalidade e abstração). b) Atos normativos:
qualquer ato revestido de indiscutível caráter normativo, como as resoluções administrativas
dos Tribunais, os regimentos internos dos Tribunais, as deliberações administrativas dos órgãos
judiciários, as deliberações dos Tribunais Regionais do Trabalho (salvo as convenções coletivas
de trabalho) etc. c) Tratados internacionais: sejam com status de EC, Supralegal ou lei ordinária;
d) Políticas públicas: desde que configurada hipótese de evidente e arbitrária abusividade

83
governamental, em violação à concretização dos direitos mínimos existenciais do ser humano
(direitos sociais, econômicos e culturais), devendo ainda se verificar, no caso concreto, a
razoabilidade da pretensão, bem como a disponibilidade financeira do Estado para a
implementação da referida política pública.
OBS: Lei – utilizada em conceito amplo: a) todo ato normativo primário (art. 59, CRFB/88); b)
EC - desde que: (i) viole uma das limitações; (ii) apenas as que versem sobre cláusulas pétreas;
(iii) poderes implícitos; c) lei orçamentária (tem admitido com freqüência – a controvérsia tem
que ser suscitada em abstrato.(ADI 5930); d) decreto presidencial, desde que autônomo - art.
84, VI, CRFB/88; e) tratado internacional - ADI 1480. Ato normativo (todo aquele que vincula
ou obriga um determinado grupo): a) ADI 1694 - TCU – consulta; b) parecer AGU aprovado pelo
Presidente da República; c) resolução do CNJ que interprete diretamente a Constituição - ADC
12 - ADI - férias coletivas - ADI 3367; d) Resolução do TSE; LEGITIMIDADE (art. 103, CR).
COMPETÊNCIA: STF: Lei ou ato normativo federal ou estadual (incluindo distrital no exercício de
competência estadual) em face da CR; TJ local: Lei ou ato normativo estadual ou municipal em
face da CE (inclui Lei Orgânica do DF); tramitação simultânea de ações (lei estadual perante a
CR no STF e perante a CE no TJ local - norma da CR repetida na CE: suspender a ação no TJ local
até o julgamento da ADI no STF. Caso haja repetição de norma da CRFB na CE: possível controle
perante o TJ local, confrontando lei municipal em face da CE que repetiu norma da CRFB. Não
cabe ADI no STF em face de lei municipal. O acesso direto só é possível via ADPF. Na análise de
compatibilidade de lei municipal com a Lei Orgânica do Município, o controle é de legalidade.
PROCEDIMENTO: art. 103, §1º e 3°, art. 103, CRFB; arts. 169 a 178, RISTF; Lei n° 9.868/99 -
Quando imprescindível advogado, procuração com poderes especiais, indicando objetivamente
lei ou ato normativo atacados pela ADI; Pode haver indeferimento liminar pelo relator, atacável
por agravo, caso a petição sofra de vício insanável. São casos de inépcia: (i) não indicar
dispositivo da lei ou ato normativo impugnado, (ii) não for fundamentada ou (iii)
manifestamente improcedente. Não havendo indeferimento liminar, relator pede informações
aos órgãos ou entidades das quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que devem ser
prestadas em 30 dias do recebimento do pedido. Após informações, ouvidos, sucessivamente,
o AGU e o PGR, que devem se manifestar, cada qual, em 15 dias. PAPEL DO AGU – art. 103, §3º,
CRFB diz que AGU será citado para defender o ato impugnado (Guardião da Presunção de
Constitucionalidade das Leis), mas hoje se diz que há direito de manifestação, sem
obrigatoriedade de defesa do ato impugnado. Não precisa defender quando: a) já houver caso
análogo em que o STF tenha entendido que a norma era inconstitucional - ADI 1616; b)
subscrever a ADI; c) norma impugnada ferir interesses da União; ADI 3916 e 4309. Ademais, a
CRFB não prevê sanção para o caso de o AGU não defender o ato impugnado (ADI 3916). Gilmar
Mendes: AGU não deve ser entendido como parte, mas sim como instituição chamada para se
manifestar, podendo dizer o que entende (um parecer concorrente ao do PGR). Relator pode
solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais Federais e Tribunais Estaduais
acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição.
Caso haja necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato; ou de notória
insuficiência das informações existentes nos autos: pode relator requisitar informações
adicionais, designar perito ou comissão de peritos ou fixar data para ouvir depoimentos em
audiência pública (art. 20, §1º a 3º, Lei 9.868/99). Possível excepcionalmente, manifestação de
outros órgãos ou entidades, se relator considerar relevante a matéria e a representatividade
dos postulantes para pluralizar o debate e promover legitimação social. Ocorre por meio da
admissão de Amicus curiae (ingresso até a entrada do processo na pauta) que tem direito de
apresentar sustentação oral, nos termos do RISTF, mas não pode recorrer. QUÓRUM PARA
JULGAMENTO E DECISÃO – voto da maioria absoluta dos membros do STF (mínimo de 6),
observado quorum para a instalação da sessão de julgamento (mínimo de 8). Arts. 22 e 23, Lei
9.868/99. CAUSA DE PEDIR ABERTA: não fica o STF condicionado à causa petendi apresentada
pelo postulante, mas apenas ao seu pedido, motivo pelo qual ele poderá declarar a
inconstitucionalidade da norma impugnada por teses jurídicas diversas. MEDIDA CAUTELAR NA
ADI: será concedida, salvo no período de recesso, por decisão da maioria absoluta dos membros

84
do STF, observado o quorum mínimo para a sua instalação, após audiência (exceto nos casos de
excepcional urgência) dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo
impugnado, que se pronunciarão no prazo de 5 dias. Ouvidos AGU e PGR, no prazo de 3 dias
cada, se relator julgar indispensável (Art. 10, caput e §§, Lei 9.868/99). Facultada sustentação
oral aos representantes judiciais da parte requerente e dos órgãos ou autoridades responsáveis
pela expedição do ato, na forma do RISTF. EFEITOS DA MEDIDA CAUTELAR: eficácia contra todos
(erga omnes) e efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia
retroativa (ex tunc). Ademais, a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação
anterior acaso existente (efeito repristinatório tácito), salvo expressa manifestação em sentido
contrário (Artigo 11, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.868/99). PROCEDIMENTO “SUMÁRIO” (art. 12): em
face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança
jurídica: poderá o relator, após a prestação das informações, no prazo de 10 dias, e a
manifestação do AGU e do PGR, sucessivamente, no prazo de 5 dias, submeter o processo
diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação. Art. 12 da Lei nº
9.868/99. EFEITOS DA DECISÃO: Ação de caráter dúplice/ambivalente, nos termos do artigo 24
da Lei nº 9.868/99 “Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta
ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á
procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória. Regra geral, possui os
seguintes efeitos: (a) erga omnes (b) ex tunc (c) efeito vinculante em relação aos demais órgãos
do Judiciário e à Administração. – MODULAÇÃO DOS EFEITOS, por motivos de segurança
jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por manifestação qualificada de 2/3
de seus membros (8 Ministros), declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo sem a
pronúncia de sua nulidade, restringindo os efeitos da referida declaração ou decidindo que ela
só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser
fixado, ou seja, atribuindo-lhe efeito ex nunc, nos termos do artigo 27 da Lei nº 9.868/99, que
só terão início a partir do trânsito em julgado da decisão (e não a partir da publicação da ata de
julgamento no DJU). Possível: Interpretação conforme a Constituição; Declaração de nulidade
parcial sem redução de texto (v. tópico 12.a). RECLAMAÇÃO: finalidade de garantir a autoridade
da decisão proferida em sede de ADI pelo Supremo Tribunal Federal. (serve também para
reafirmar a competência da Corte e exigir observância de súmulas vinculantes). Não cabe
reclamação contra ato judicial que tenha transitado em julgado. Recl 1880: ampliou legitimados
para a propositura de reclamação, não mais se restringindo ao rol constante no artigo 103 da
CRFB e no artigo 2º da Lei nº 9.868/99, para considerar todos aqueles que forem atingidos por
decisões dos órgãos do Poder Judiciário ou por atos da Administração Pública direta e indireta,
nas esferas federal, estadual, municipal e distrital contrários ao entendimento firmado pela
Suprema Corte em ADI (Art. 28, §ú, Lei 9.868/99; art. 102, § 2º, CRFB). Natureza jurídica da
reclamação: Há controvérsia na doutrina (ação; sucedâneo de recurso; remédio incomum;
incidente processual; medida de Direito Processual Constitucional; medida processual de
caráter excepcional). STF: como instrumento de caráter constitucional, com dupla finalidade:
preservar a competência e garantir a autoridade das decisões; Ada Pelegrini: simples direito de
petição (5º, XXXIV). STF adotou esse entendimento ao permitir a reclamação no âmbito estadual
(TJ). Reclamação no âmbito estadual: é possível, desde que haja previsão da CE, pois se trata
de direito de petição.
PROCEDIMENTOS
MÉRITO CAUTELAR SUMÁRIO
Petição Inicial Petição Inicial Petição Inicial
Informações
Informações (30d) Informações (5d)
(10d)
Amicus AGU (15d) AGU/PGR(3d): ouvidos apenas se Relator AGU (5d)
Curiae PGR (15d) considerar necessário; PGR (5d)
Perícias,Audiências
Públicas,Informações - -
adicionais - ADI 855

85
Julgamento
Julgamento: Constitucional
Julgamento Constitucional a) Deferida: ef vinculante; requisitos –
Inconstitucional 1) norma aparentemente inconstitucional; Inconstitucional
Efeitos: vinculantes, “erga omnes” e 2) aplicação geraria insegurança. Efeitos:
“ex tunc” b) Indeferida - sem efeito vinculante, vinculantes,
não quer dizer que a norma seja inconstitucional. “erga omnes” e
“ex tunc”

2. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. (art 103, §2º e art 12-A a 12-H
Lei 9868/99) CONCEITO: a ação pertinente para tornar efetiva norma constitucional em razão
de omissão de qualquer dos Poderes ou de órgão administrativo. OMISSÃO
INCONSTITUCIONAL: ausência de norma ou ato infraconstitucional que impeça a ampla
aplicação da norma constitucional de eficácia limitada. Viola princípios da proibição do
retrocesso; garantia do mínimo existencial e dignidade da pessoa humana. FINALIDADE: tornar
efetiva norma constitucional de eficácia limitada, não regulamentada por omissão do Poder
Público ou órgão administrativo. TIPOS DE OMISSÃO: pode ser a) total (não há cumprimento do
dever constitucional de legislar; Ex.: Art. 37, inciso VII, da CRFB); ou b) parcial (há lei
infraconstitucional integrativa, porém insuficiente). b1) Omissão parcial propriamente dita: lei
existe, mas regula de forma deficiente (Ex.: Art. 7º, inciso IV, da CRFB); b2) Omissão parcial
relativa (ou “exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade”):lei existe,
outorgando determinado benefício a uma certa categoria, deixando de conceder a outra que
também deveria ter sido contemplada (Ex.: Súmula 339 do STF). MI x ADI por omissão: a) MI é
restrito, pois trata apenas de direitos que envolvam cidadania, direitos fundamentais, etc.; b)
qualquer pessoa pode propor MI; e c) os efeitos do MI são inter partes. Não há fungibilidade
entre ADI por Omissão e Mandado de Injunção: diversidade de pedidos. OBJETO: amplo – a)
inércia do Legislativo em editar atos normativos primários; b) inércia do Executivo em editar
atos normativos secundários, como regulamentos e instruções; c)inércia do Judiciário em editar
os seus próprios atos. STF: perda de objeto da ADI por omissão pendente de julgamento se:
norma que não tinha sido regulamentada é revogada; é encaminhado projeto de lei ao
Congresso Nacional sobre a referida matéria (desencadeado o processo legislativo, não há que
se cogitar de omissão inconstitucional do legislador). Contudo, a inercia deliberandi das Casas
Legislativas pode ser objeto da ADI por omissão: STF reconhece a mora do legislador em
deliberar, declarando a inconstitucionalidade por omissão. COMPETÊNCIA: (Art. 103, § 2º, CRFB,
c.c., analogicamente, art. 102, I, “a”, CRFB) - STF. Gilmar Mendes: Inconstitucionalidade por
omissão de órgãos legislativos estaduais em face da CRFB/88 - STF. LEGITIMIDADE: São os
mesmos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (Art. 103 da
CRFB), inclusive, com as observações sobre a pertinência temática para alguns deles.
PROCEDIMENTO: Lei 9868/99: praticamente idêntico ao da ADI, com peculiaridades: a) relator
poderá solicitar a manifestação do AGU, a ser encaminhada em 15 dias (art. 12-E, §2º), após a
manifestação das autoridades responsáveis pela omissão. Citação do AGU não é obrigatória.
MEDIDA CAUTELAR:excepcional urgência e relevância da matéria podem ensejar tal concessão,
após audiência das autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão se
pronunciar em 5 dias. Poderá consistir em: suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo
questionado, no caso de omissão parcial; suspensão de processos judiciais ou de
procedimentos administrativos; outra providência a ser fixada pelo Tribunal. Em caso de
omissão de órgão administrativo: providências deverão ser adotadas no prazo de 30 dias, ou em
prazo razoável estipulado excepcionalmente pelo Tribunal. Em caso de omissão do Poder
Legislativo: a) Teoria não concretista: o Poder Judiciário não pode regular a matéria pois, se o
fizesse, estaria invadindo a competência do Poder Legislativo - MI 712; b) Teorias Concretistas:
b1) direta: de plano Judiciário regula a matéria; b2) intermediária: primeiro constitui em mora
o legislador para, após, regular a matéria, dividindo-se em: b2.1) geral: a regulação feita pelo
Judiciário vale para todos - adotada pelo STF; e b2.2) individual: regulação feita pelo Judiciário
vale para o indivíduo ou grupo. Admite-se ainda a figura do amicus curiae na ADC (mesmo tendo

86
sido vetado art. 18, § 2º, Lei 9.868/99) em aplicação analógica do art. 7º, § 2º, Lei 9.868/99,
considerando que ADI e ADC são ações dúplices (ou ambivalentes). EFEITOS DA DECISÃO:
tradicionalmente, STF entendia que ADI por omissão serve para comunicar ao Congresso o dever
de legislar; isso vem mudando: ex. caso da criação dos Municípios, em que se fixou um prazo.
Caso da criação dos Municípios (art. 18, § 4º): Congresso não editou LC necessária para criação
de Municípios. Muitos foram criados de forma inconstitucional. Houve várias ADIs contra leis
que criaram Municípios, e ADI por omissão em relação ao art. 18, §4º, CRFB. STF declarou
omissão inconstitucional e inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, das leis
municipais (com modulação de efeitos). Fixou prazo de 18 meses para a LC, e 24 meses para a
subsistência das leis municipais. Raciocínio: criada a LC, as leis municipais poderiam ser criadas
no prazo. Congresso não criou a LC, mas fez EC para ratificar a criação dos Municípios.
FUNGIBILIDADE (Gilmar Mendes):há certa fungibilidade entre ADI por omissão parcial e ADI.
Diferença são as técnicas de decisão: na primeira, será determinada complementação; na
segunda, declarada a nulidade.

3. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. (EC 03/93 - que alterou Art. 102 e 103
CRFB - e Lei 9868/1999) CONCEITO: Ação que tem por finalidade confirmar a
constitucionalidade de uma lei federal, impedindo que a lei não seja questionada por outras
ações., FINALIDADE: declarar constitucionalidade de lei ou ato normativo (apenas federal),
transformando presunção relativa (iuris tantum) em absoluta (iure et iure), afastando quadro de
incerteza sobre a validade ou aplicação da aludida lei. COMPETÊNCIA: originária do STF (art.
102, I, a, CRFB). LEGITIMIDADE: mesmos para a ADI. PROCEDIMENTO: praticamente mesmo da
ADI, com observações: petição inicial deve indicar: a) dispositivo da lei ou ato normativo
questionado e fundamentos jurídicos do pedido; b) pedido, com especificações; c) existência de
controvérsia judicial relevante sobre aplicação da disposição objeto da ADC (ADC 1:
controvérsia judicial relevante: a) STF: controvérsia dentro do Poder Judiciário (jurisprudencial);
b) Gilmar Mendes: controvérsia jurídica. Como a lei possui presunção de constitucionalidade, se
alguns juízes a tem declarado inconstitucional, já está caracterizada a controvérsia; c) relevância:
possibilidade de ocasionar insegurança jurídica em boa parte do território nacional). Deve
conter cópias do ato normativo questionado e dos documentos necessários para comprovar
procedência do pedido de declaração de constitucionalidade (art. 14, da Lei nº 9.868/99).
Petição inicial será liminarmente indeferida pelo relator se for: inepta, não fundamentada, ou
manifestamente improcedente. Contra essa decisão cabe agravo. O AGU não será citado, pois
não há ato ou texto a ser defendido. Vista dos autos ao PGR, para se pronunciar em 15 dias (art.
19, Lei nº 9.868/99). Havendo pedido cautelar, decisão sobre a liminar pode ser antes da
manifestação do PGR. Caso haja necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de
fato; ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos: pode relator requisitar
informações adicionais, inclusive, a Tribunais Superiores, Tribunais federais e estaduais acerca
da aplicação da norma questionada no âmbito de sua jurisdição, designar perito ou comissão de
peritos ou fixar data para ouvir depoimentos em audiência pública (art. 20, §1º a 3º, Lei
9.868/99). QUÓRUM - Decisão será dada pela maioria absoluta dos membros do STF (6),
presente o número mínimo de 2/3 dos ministros (8). MEDIDA CAUTELAR – suspensão do
julgamento de ações que envolvam aplicação da lei objeto da ação até o seu julgamento
definitivo (art. 21, Lei 9.868/99). Suspensão perdurará apenas por 180 dias, contados da
publicação da parte dispositiva de decisão no DOU, sendo esse prazo definido pela lei para que
STF julgue ADC. Gilmar Mendes: a despeito da lei não prever prorrogação do prazo da cautelar,
se a questão não tiver sido decidida no prazo prefixado, poderá o STF autorizar a prorrogação
do prazo. Decisão de deferimento da medida cautelar será dada pela maioria absoluta dos
membros do STF (6) e terá efeito vinculante e erga omnes (entendimento majoritário), em vista
do poder geral de cautela inerente ao poder jurisdicional, cabendo reclamação. EFEITOS DA
DECISÃO: Regra geral, decisão proferida em ADC será: (a) erga omnes(contra todos); (b) ex tunc;
(c) vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública,
direta ou indireta, federal, estadual, municipal e distrital.

87
Lei pode ser ABSTRATAMENTE CONSTITUCIONAL, mas no caso concreto ser tida como
INCONSTITUCIONAL, assim o julgamento abstrato de constitucionalidade não impede que em
determinado caso concreto haja reconhecimento da inconstitucionalidade (ADI 223 - plano
Collor). Gilmar Mendes: tese da DUPLA REVISÃO JUDICIAL OU DUPLO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE: mesmo após o controle concentrado de constitucionalidade, ainda
persiste espaço para controle difuso de constitucionalidade pelas instâncias judiciárias
inferiores. Ex. ADC/04: reconheceu constitucionalidade da lei que proíbe antecipação de tutela
contra fazenda pública, mas tribunais vêm entendendo que em determinados casos concretos
pode existir inconstitucionalidade pela proibição de antecipação de tutela contra a fazenda.
PROCEDIMENTO ADC
MÉRITO CAUTELAR
AMICUS Petição Inicial Petição Inicial
CURIAE: PGR (15d) PGR (3d) - se o relator considerar necessário
ingresso s/
previsão Perícias, audiências públicas. -
legal
Julgamento: caráter dúplice: declara constitucional
Julgamento: tanto concessão quanto denegação
ou não
tem efeito vinculante
Efeitos Vinculantes, “erga omnes” e “ex tunc”.

4. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. (art. 102, §1º CRFB, com


redação dada pela EC 03/93 e Lei nº 9.882/99) CONCEITO: Ação – subsidiária ou residual -
destinada a evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público
(arguição autônoma), bem como existência de controvérsia (divergência jurisprudencial)
constitucional, com fundamento relevante, sobre lei ou ato normativo federal, estadual,
municipal e distrital, incluídos os anteriores à Constituição de 1988, violadores de preceito
fundamental (argüição por equivalência ou equiparação). Antes da regulamentação, pelo fato
de entender ser o art. 102, §1º, da CRFB norma constitucional de eficácia limitada, o STF não
apreciava ADPF. A previsão se deu por lei – competência originária do STF – há quem diga que
seria inconstitucional. (Para GM, decorre da jurisdição constitucional). Convém advertir ainda
que, por ora, não cabe ADPF incidental (cisão funcional vertical), em relação a controvérsias
constitucionais concretamente já postas em juízo, salvo se vier a ser editada emenda
constitucional com previsão expressa a esse respeito. GM defende isso na ACP. Hoje, porém, se
admite a impugnação de decisões judiciais por meio da ADPF, antes mesmo de estarem
maduras para um RE. Leva-se uma questão constitucional presente no debate de 1ª instância
para abreviá-lo. Nesse ponto, há uma certa semelhança com o incidente de
inconstitucionalidade do controle concreto europeu. Ex: importação de pneus usados. Admite-
se também o controle de leis revogadas. HIPÓTESES DE CABIMENTO: arguição autônoma (art.
1º, caput, da Lei nº 9.882/99) preventiva ou repressiva e arguição por equivalência ou
equiparação (1º, p.u. Lei nº 9.882/99). ADPF autônoma: para lei ou ato normativo
(subsidiariedade) - não há necessidade de se demonstrar controvérsia judicial relevante. ADPF
incidental: caso concreto - necessidade de se demonstrar controvérsia judicial relevante; pode
ser ato não normativo. Art. 102, §1º, CRFB/88:
PRECEITO FUNDAMENTAL: Constituição e lei regulamentadora deixaram de conceituar.
Englobam os direitos e garantias fundamentais da Constituição, bem como os fundamentos e
objetivos fundamentais da República, de forma a consagrar maior efetividade às previsões
constitucionais. Segundo a doutrina: preceitos que informam sistema constitucional,
estabelecendo comandos basilares e imprescindíveis à defesa dos pilares da Constituição
originária, veiculando princípios e servindo de vetores de interpretação das demais normas
constitucionais. Como exemplo: princípios fundamentais dos artigos 1º a 4º; cláusulas pétreas
do artigo 60, §4º; princípios constitucionais sensíveis do artigo 34, inciso VII; direitos e
garantias individuais dos artigos 5º a 17. STF analisa casuisticamente. Não pode atacar ato
político, como o veto. COMPETÊNCIA: STF (Art. 102, §1º, CRFB). LEGITIMIDADE: mesmos
legitimados para a propositura da ADI. E ainda qualquer interessado - pessoa lesada ou

88
ameaçada por ato do poder público (inciso II vetado do art. 2º da Lei nº 9.882/99), mediante
representação, solicitando a propositura da ação ao Procurador-Geral da República, que,
examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá acerca do cabimento de seu ingresso
em juízo (a legitimada, na realidade, é a PGR). PETIÇÃO INICIAL: além dos requisitos do art. 319
do CPC, deve conter: a) indicação do preceito fundamental que se considera violado; b)
indicação do ato questionado; c) prova da violação do preceito fundamental; d) pedido e suas
especificações; e) se for o caso, comprovação da existência de controvérsia judicial relevante
sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado; f) instrumento de mandato
de advogado, nos casos nos quais sua presença é obrigatória. Petição inicial será indeferida
liminarmente pelo relator, quando não for o caso de ADPF, quando faltar algum de seus
requisitos, ou quando ela for inepta, sendo cabível contra essa decisão a interposição de agravo,
no prazo de 5 dias. Art. 4º, caput e §2º, Lei 9.882/99. CARÁTER SUBSIDIÁRIO: Para caber ADPF,
não pode haver outro meio de controle em processo objetivo. Se couber MS, RE, pode caber a
ADPF, pois ela gera eficácia geral, ao passo que os outros têm, em princípio, eficácia inter partes.
Ex: ADPF 33 – piso salarial de servidores – lei pré-constitucional revogada – decidiu-se que o
princípio da subsidiariedade legitimava a apreciação da ADPF, pois a existência de pendências
judiciais não é bastante para resolver o caso na amplitude da ADPF. ADPF CONHECIDA COMO
ADI - se o pedido principal for de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
por ofensa a dispositivos constitucionais. PROCEDIMENTO - Após apreciação da medida liminar,
o relator solicita informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no
prazo de 10 dias. – cabível amicus curiae, perícia etc. - O Ministério Público, na condição de
custos constitutionis, tem vista do processo, por 5 dias, após o decurso do prazo para as
informações (Art. 7º, §único, Lei 9.882/99). QUÓRUM E VOTAÇÃO - A decisão deve ser tomada
pelo voto da maioria absoluta dos membros do STF (no mínimo 6), presentes2/3 dos ministros
(no mínimo 8). Tratam-se, respectivamente, do quorum de julgamento (art. 97 da CRFB), e de
instalação da referida sessão (art. 8º da Lei nº 9.882/99). Cabe reclamação contra o
descumprimento de decisão proferida, em sede de ADPF. MEDIDA LIMINAR – pedido será
deferido por decisão da maioria absoluta de seus membros (6 ministros). Caso de extrema
urgência ou perigo de lesão grave ou, ainda, em período de recesso (que é distinto de férias),
poderá a liminar ser deferida apenas pelo relator, ad referendum do pleno (Art. 5º, caput e §1º,
Lei 9.882/99). Relator poderá ouvir, ainda em sede de liminar, os órgãos ou autoridades
responsáveis pelo ato questionado, bem como o AGU ou o PGR, no prazo comum de 5 dias (Art.
5º, § 2º, Lei 9.882/99). Liminar poderá determinar que juízes e tribunais suspendam o
andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que
apresente relação com a matéria objeto de arguição de descumprimento de preceito
fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada. EFEITOS DA DECISÃO: decisão na ADPF é
imediatamente auto-aplicável (art. 10, §1º, Lei 9.882/99). Possui eficácia contra todos (erga
omnes) e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público (art. 10, §3º, Lei
9.882/99). Em regra tem efeitos retroativos (ex tunc). Exceção: MODULAÇÃO DOS EFEITOS nos
casos em que, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o STF decida,
por maioria qualificada de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos da declaração ou decidir
que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou de outro momento que
venha a ser fixado (Art. 11, Lei 9.882/99). Pet 1365: ADPF pode servir a casos que não chegariam
ao STF, apesar de violar preceitos fundamentais. Ex: leis revogadas, leis anteriores à CRFB/88,
leis municipais;

PROCEDIMENTO ADPF
MÉRITO CAUTELAR
Petição Inicial Petição Inicial
Informações (10d)
AMICUS AGU, na autônoma (5d), na incidental (5d), a Informações/AGU/PGR (5d) prazo
CURIAE critério do relator comum
PGR (5d), se não tiver proposto a ADPF
Perícia, audiência pública, informações adicionais -

89
Julgamento – efeitos erga omnes, vinculante, ex tunc Julgamento

SÚMULAS
Súmula 642, STF: Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Dederal
derivada da sua competência legislativa municipal.

JURISPRUDÊNCIA
907/STF – A alteração do parâmetro constitucional, quando o processo ainda está em curso,
não prejudica o conhecimento da ADI. Isso para evitar situações em que uma lei que nasceu
claramente inconstitucional volte a produzir, em tese, seus efeitos. STF. Plenário. ADI 145/CE,
Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2018.

905/STF - Procuração com poderes específicos para o ajuizamento de ADI. O advogado que
assina a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade precisa de procuração com
poderes específicos. A procuração deve mencionar a lei ou ato normativo que será impugnado
na ação. Caso esse requisito não seja cumprido, a ADI não será conhecida. Vale ressaltar,
contudo, que essa exigência constitui vício sanável e que é possível a sua regularização antes
que seja reconhecida a carência da ação. STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel. Min. Alexandre de
Moraes, julgado em 6/6/2018

900/STF - Cabimento de ADI contra Resolução do TSE. É cabível ADI contra Resolução do TSE
que tenha, em seu conteúdo material, “norma de decisão” de caráter abstrato, geral e
autônomo STF. Plenário. ADI 5122, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 3/5/2018.

899/STF - Cabe ADI contra Resolução do CNMP. A Resolução do CNMP consiste em ato
normativo de caráter geral e abstrato, editado pelo Conselho no exercício de sua competência
constitucional, razão pela qual constitui ato normativo primário. STF. Plenário. ADI 4263/DF, Rel.
Min. Roberto Barroso, julgado em 25/4/2018.
O Estado-membro não possui legitimidade para recorrer contra decisões proferidas em sede de
controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a ADI tenha sido ajuizada pelo
respectivo Governador. A legitimidade é do próprio governador. Os Estados-membros não se
incluem no rol dos legitimados. STF. Plenário. ADI 4420 ED-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso,
julgado em 05/04/2018.

892/STF - É possível celebrar acordo em ADPF. SIM. desde que fique demonstrado que há no
feito um conflito intersubjetivo subjacente (implícito), que comporta solução por meio de
autocomposição. Vale ressaltar que, na homologação deste acordo, o STF não irá chancelar ou
legitimar nenhuma das teses jurídicas defendidas pelas partes no processo. O STF irá apenas
homologar as disposições patrimoniais que forem combinadas e que estiverem dentro do
âmbito da disponibilidade das partes. A homologação estará apenas resolvendo um incidente
processual, com vistas a conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. STF. Plenário. ADPF
165/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 1º/3/2018.

890/STF - Alteração da Lei impugnada antes do julgamento da ADI. O autor da ADI deverá aditar
a petição inicial demonstrando que a nova redação do dispositivo impugnado apresenta o
mesmo vício de inconstitucionalidade que existia na redação original. Se o autor não fizer isso,
o STF não irá conhecer da ADI, julgando prejudicado o pedido pela perda superveniente do
objeto. STF. Plenário. ADI 1931/DF, Rel Marco Aurélio, julgado 7/2/2018.

O que acontece caso o ato normativo que estava sendo impugnado na ADI seja revogado antes
do julgamento da ação? Regra: haverá perda superveniente do objeto e a ADI não deverá ser
conhecida (STF ADI 1203). Exceção 1: "fraude processual", (STF ADI 3306). Exceção 2: conteúdo
do ato impugnado foi repetido, em sua essência, em outro diploma normativo. (STF ADI

90
2418/DF). Exceção 3: caso o STF tenha julgado o mérito da ação sem ter sido comunicado
previamente que houve a revogação da norma atacada. (STF. ADI 951 ED/SC).

Conversão da MP em lei antes que a ADI proposta seja julgada, esta ADI não perde o objeto e
poderá ser conhecida e julgada. Como o texto da MP foi mantido, não cabe falar em
prejudicialidade do pedido. Isso porque não há a convalidação ("correção") de eventuais vícios
existentes na norma, razão pela qual permanece a possibilidade de o STF realizar o juízo de
constitucionalidade. Neste caso, ocorre a continuidade normativa entre o ato legislativo
provisório (MP) e a lei que resulta de sua conversão. ADI 1055/DF

Nova ADI por inconstitucionalidade material contra ato reconhecido formalmente


constitucional. O fato de o STF ter declarado a validade formal de uma norma não interfere nem
impede que ele reconheça posteriormente que ela é materialmente inconstitucional. (STF. ADI
5081/DF)

Superação legislativa da jurisprudência (reação legislativa) As decisões definitivas de mérito


proferidas pelo STF no julgamento de ADI, ADC ou ADPF possuem eficácia contra todos (erga
omnes) e efeito vinculante (§ 2º do art. 102 da CRFB/88). O Poder Legislativo, em sua função
típica de legislar, não fica vinculado. Assim, o STF não proíbe que o Poder Legislativo edite leis
ou emendas constitucionais em sentido contrário ao que a Corte já decidiu. Não existe uma
vedação prévia a tais atos normativos. O legislador pode, por emenda constitucional ou lei
ordinária, superar a jurisprudência. Trata-se de uma reação legislativa à decisão da Corte
Constitucional com o objetivo de reversão jurisprudencial. No caso de reversão jurisprudencial
(reação legislativa) proposta por meio de emenda constitucional, a invalidação somente
ocorrerá nas restritas hipóteses de violação aos limites previstos no art. 60, e seus §§, da
CRFB/88. No caso de reversão jurisprudencial proposta por lei ordinária, a lei que frontalmente
colidir com a jurisprudência do STF nasce com presunção relativa de inconstitucionalidade, de
forma que caberá ao legislador o ônus de demonstrar, argumentativamente, que a correção do
precedente se afigura legítima.. O Poder Legislativo promoverá verdadeira hipótese de mutação
constitucional pela via legislativa. STF. Plenário. ADI 5105/DF.

ADC e controvérsia judicial relevante A Lei 9.868/99, ao tratar sobre o procedimento da ADC,
prevê, em seu art. 14, os requisitos da petição inicial. Um desses requisitos exigidos é que se
demonstre que existe controvérsia judicial relevante sobre a lei objeto da ação. Mesmo a lei ou
ato normativo possuindo pouco tempo de vigência, já é possível preencher o requisito da
controvérsia judicial relevante se houver decisões julgando essa lei ou ato normativo
inconstitucional. O STF decidiu que o requisito relativo à existência de controvérsia judicial
relevante é qualitativo e não quantitativo. (ADI 5316 MC/DF).

852/STF - TJs podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais


utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de
reprodução obrigatória pelos estados. STF. Plenário. RE 650898/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio,
red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/2/2017 (repercussão geral).

QUESTÕES
Concursos anteriores - Obj 29CPR 3 - ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:
a) Lei distrital editada no exercício de competência municipal não é passível de controle abstrato
de constitucionalidade no âmbito do STF. FALSO.
É passível caso se trate de ato normativo municipal que reproduza norma da Constituição
Federal de observância obrigatória pelo Estados, pois nesta hipótese cabe Recurso
Extraordinário ao STF Além disso, cabe ADPF, que é controle concentrado, contra atos
normativos municipais. Provavelmente motivou a questão: recentíssima repercussão geral
julgada um mês antes da prova, com a seguinte tese: “Tribunais de Justiça podem exercer

91
controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas
da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos
estados”. STF, RE650.898-RS, julgado em 01/02/17.
b) É possível, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, a invalidade de uma norma
que se extrai, a contrario sensu, de um texto legal, mas que não está contida em qualquer
fragmento linguístico. VERDADEIRO.
“O controle de constitucionalidade, afinal, recai sobre a norma jurídica, e não sobre o texto legal,
como comprova a possibilidade de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de
texto (CRFB. art. 28, Parágrafo único, da Lei 9.869/99). “
c) Nas chamadas “sentenças aditivas de princípio” ou “sentenças delegação”, a Suprema Corte,
em decisões no controle abstrato de constitucionalidade, exorta o legislador a agir, delineando
as diretrizes que deve seguir. VERDADEIRO.
“As decisões no controle de constitucionalidade em que o Tribunal exorta o legislador a agir,mas
delineia diretrizes que deve seguir, são chamadas de “sentenças aditivas de princípio” ou
“sentenças-delegação”, afigurando-se frequentes, em especial, na Corte Constitucional
Italiana”.
d) A coisa julgada, em controle abstrato de constitucionalidade, significa que a decisão
permanecerá eficaz sobre hipóteses idênticas, salvo se o STF adotar nova compreensão sobre o
tema ou o Legislativo vier a editar lei em sentido contrário ao entendimento adotado naquela
decisão. VERDADEIRO.
Trata-se do ativismo congressual ou reação legislativa, abordados por Daniel Sarmento em
“Direito Constitucional - Teoria, História e Métodos de Trabalho”, Ed. Fórum, 1a ed., 2012: as
decisões do STF em matéria constitucional são insuscetíveis de invalidação pelas instâncias
políticas. Isso, porém, não impede, no nosso entendimento, que seja editada uma nova lei, com
conteúdo similar àquela que foi declarada inconstitucional. Essa posição pode ser derivada do
próprio texto constitucional, que não estendeu ao Poder Legislativo os efeitos vinculantes das
decisões proferidas pelo STF no controle de constitucionalidade (art. 102, §2o, e 103-A, da
Constituição). Se o fato ocorrer, é muito provável que a nova lei seja também declarada
inconstitucional. Mas o resultado pode ser diferente. O STF pode e deve refletir sobre os
argumentos adicionais fornecidos pelo Parlamento ou debatidos pela opinião pública para dar
suporte ao novo ato normativo, e não ignorá-los, tomando a nova medida legislativa como
afronta à sua autoridade. Nesse ínterim, além da possibilidade de alteração de posicionamento
de alguns ministros, pode haver também mudança na composição da Corte, com reflexos no
resultado do julgamento”.

PROVA ORAL: 1) Antigamente, as ações de controle concentrado eram verdadeiros “processos


sem rosto”, genuinamente objetivos. Hoje já não é mais assim. Por quê? 2) Diferença entre ADPF
e ADI/ADC. Espécies de ADPF. Legitimados para a ADPF. Cabe ADPF em caso de ofensa reflexa à
CRFB? 3) ADPF. Origem, objeto, legitimados, modalidades, conceito de controvérsia
constitucional. Diferenciar ADPF autônoma de ADPF incidental. 4) Diferenças entre ADI por
omissão e mandado de injunção. A finalidade da ADO, totalmente diversa da do Mandado de
Injunção, é assegurar a supremacia da CR e a efetividade das normas constitucionais (note que
o art. 103, § 2º, fala em “tornar efetiva norma constitucional”). O Mandado de injunção, por sua
vez, tem por finalidade precípua proteger o exercício de direitos constitucionalmente
consagrados. A própria localização na CR, dentre os direitos individuais (art. 5º, LXXI) reafirma
esse entendimento. O Mandado de Injunção pressupõe um direito que necessita de norma
regulamentadora (de eficácia limitada, precipuamente), sem a qual ele não poderá ser exercido.
Por essa razão, trata-se de um instrumento de controle concreto de constitucionalidade
(utilizado incidentalmente no caso concreto). A CR não diz quais são os efeitos do Mandado de
Injunção, mas, de certa forma, delimita o parâmetro: “direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Na ADO, a CR fala dos
efeitos da decisão, mas não delimita seu parâmetro.

92
QUESTÕES – BANCO OUSE

742- No que consistem os modelos introverso e extroverso de legitimidade para fins de ADI
estadual? a) um modelo introverso, em que se dá legitimidade apenas a órgãos públicos; b) ou
então um denominado modelo extroverso, em que se dá legitimidade também a entidades de
caráter privado, como as entidades de classe, o que ocorre na Carta Magna.

480-È possível no julgamento de cautelar de ação de controle concentrado de


constitucionalidade haver a conversão direta em julgamento de mérito? O tema foi apreciado
pelo STF na ADPF 378 que apreciou o procedimento de impeachment. Nesse caso, o Ministro
Fachin, alegando a necessidade de garantir a segurança jurídica, propôs que o julgamento da
cautelar já fosse convertido NO PRÓPRIO JULGAMENTO DE MÉRITO. Por unanimidade, foi
acatada a proposta. O decano, Min. Celso de Mello, ainda alertou sobre a existência de
precedentes. Por fim, o Min. Fachin chamou atenção para duas situações que configuram
verdadeiras condições para tal conversão: a) a existência do quórum para o julgamento de
mérito; b) existir todos os elementos de instrução do processo.

460-Pode-se discutir a modulação de efeitos de decisão em controle de constitucionalidade


após proclamado o resultado final? Consoante entendimento do STF, na ADI 2949, quando o
Supremo Tribunal Federal proclama o resultado de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade,
não pode reabrir o julgamento para aceitar o voto de um ministro que estava ausente na sessão,
a fim de obter o quórum necessário para a modulação dos efeitos. Foi o que entendeu o Plenário
nesta quarta-feira (8/4) ao colocar fim numa pendência que existia desde 2007. Segundo o
Ministro Luis Roberto Barroso, a análise de ADIs é bifásica, sendo a primeira fase a de declaração
da inconstitucionalidade e a segunda, sobre a modulação. No caso avaliado, entretanto, Barroso
disse que a votação sobre modular os efeitos já estava concluída, sem se atingir o quórum.

459-Podem as normas remissivas serem parâmetro de controle de constitucionalidade


estadual? Segundo o entendimento atual do STF, não há qualquer tipo de restrição no que se
refere a natureza do dispositivo invocado, devendo ser admitida como parâmetro tanto as
normas de observância obrigatória, quanto normas de mera repetição e até mesmo as normas
remissivas. “com a técnica de remissão normativa, o Estado-membro confere parametricidade
às normas, que, embora constantes da Constituição Federal, passam a compor, formalmente,
em razão da expressa referência a elas feita, o ‘corpus’ constitucional dessa unidade política da
Federação, o que torna possível erigir-se, como parâmetro de confronto, para os fins a que se
refere o art. 125, § 2.o, da Constituição da República, a própria norma constitucional estadual
de conteúdo remissivo” (Rcl 10.500, j. 18.10.2010, CRFB. Inf. 606/STF).

427- O que é inconstitucionalidade por arrastamento? Horizontal e vertical?


Inconstitucionalidade por arrastamento horizontal são as hipóteses de inconstitucionalidade
parcial geradoras da inconstitucionalidade total, isto é, quando dentro do mesmo sistema
normativo existe relação de dependência entre elas, seja lógica ou teleológica. b)
Inconstitucionalidade por arrastamento vertical é verificada quando a declaração de
inconstitucionalidade incide, por consequência, em norma ligada hierarquicamente à norma
objeto do pedido inicial. Explicando melhor: imagine que o Supremo Tribunal Federal declarou
a inconstitucionalidade de determinada lei. Agora, imagine que esta lei é regulamentada por um
decreto regulamentador. Se a lei é declarada inconstitucional, o que deverá acontecer com o
decreto que a regulamenta? Obviamente ser declarado, por consequência, inconstitucional!
Esta seria uma hipótese de inconstitucionalidade consequencial vertical.

384-Cabe liminar em ADI interventiva? Muitos não sabem, mas existe um diploma legislativo
que trata especificamente da ADI Interventiva: é a Lei no 12.562/11. O art. 5o dessa lei prevê
expressamente que o Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus

93
membros, poderá deferir pedido de medida liminar na representação interventiva. Tal liminar
poderá consistir na determinação de que se suspenda o andamento de processo ou os efeitos
de decisões judiciais ou administrativas ou de qualquer outra medida que apresente relação
com a matéria objeto da representação interventiva.

354-Constituição Estadual pode trazer artigo que assevera que no controle concentrado
estadual deve-se remeter para o parlamento suspender a execução da lei? É inconstitucional!
No controle concentrado, não se pode ter tal previsão, apenas no controle difuso. O art. 52, X,
da CRFB trata do tema.

298-Eventual decisão em ADPF pode atingir a coisa julgada? não, consoante entendimento do
STF, por ser o meio cabível previsto legalmente para tanto a ação rescisória(que possui prazos
específicos e hipóteses também específicas).

292-Existe controle de constitucionalidade concentrado concreto? a) ADI interventiva; b) ADPF


Incidental; c) Mandado de Segurança do Parlamentar. Esses casos são exceções, pois são formas
de controle concentrado no STF, mas que partem de um caso concreto.

277-Considerações sobre o objeto e parâmetro em controle concentrado de


constitucionalidade. Segundo Marcelo Novelino, em relação ao objeto, deve ser observada
regra da congruência (ou da correlação ou da adstrição). O STF deve se limitar, como regra geral,
à análise dos dispositivos impugnados na petição inicial. A exceção fica por conta dos casos de
inconstitucionalidade por consequência (ou por arrastamento ou por atração), hipótese em que
o STF pode estender a declaração de inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados na
petição inicial, desde que possuam uma relação de interdependência com os dispositivos
questionados. Neste caso, portanto, cria-se uma exceção à regra da adstrição ao pedido,
admitindo-se a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo não impugnado
expressamente na inicial. Com o parâmetro invocado, a situação é diversa, pois apesar da
necessidade de serem indicados os fundamentos jurídicos do pedido na petição inicial, o STF
não está adstrito a eles. Isso ocorre porque na ADI, assim como em todas as ações de controle
abstrato, a causa de pedir é aberta, abrangendo todas as normas integrantes da Constituição,
independentemente dos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente. Por essa
razão, no processo constitucional objetivo a conexão entre as ações ocorrerá apenas quando
houver identidade quanto ao objeto impugnado.

33- É possível cautelar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão(ado)? Em sendo


possível, pode o STF determinar o prazo ao Legislativo ou ao Executivo nessa cautelar de ADO?
sim, em razão da Lei no. 12.063/09, que modificou a Lei n°. 9.868/99, passando a prever a
cautelar em ADO. Ao disciplinar o procedimento específico da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, a Lei n°. 12.063/09, no art. 12-F, § 1o, modificou a Lei
9.868/99, possibilitando o deferimento de cautelar em ADO, que poderá consistir em: i)
suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial; ii)
suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos; ou ainda iii) qualquer
outra providência a ser fixada pelo Tribunal. Segundo o Ministro Gilmar Mendes, em obra
doutrinária: como determinar prazo para providências pelo Legislativo ou pelo Executivo.

28- O que é inconstitucionalidade desvairada? Consoante o magistério de Pedro Lenza, fazendo


alusão a decisões do min. Sepúlveda Pertence, inconstitucionalidade chapada, desvaraida ou
enlouquecida é aquela mais do que evidente, flagrante, manifesta, não restando quaisquer
dúvida sobre o vício, seja ele material ou formal.

18- O que é inconstitucionalidade circunstancial? Inconstitucionalidade circunstancial é a


declaração de inconstitucionalidade de uma norma produzida com relação a incidência em um

94
caso específico. É possível, assim, que se vislumbre situações nas quais um enunciado
normativo, válido em tese e na maior parte das suas incidências, ao ser confrontado com
determinadas situações concretas, produza uma norma inconstitucional. Um exemplo seria a
vedação de liminares contra a Fazenda Pública previstas na lei 9.494/97, no caso em que o
pedido fosse relativo a concessão de tutela antecipada para que o Estado custeasse cirurgia de
vida ou morte.

22B. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Técnicas decisórias na jurisdição


constitucional

Igor Lima Goettenauer de Oliveira


Material consultado: GONÇALVES, Bernardo G. Curso de Direito Constitucional. 2018. Informativos do STF.

O assunto está localizado no âmbito dos mecanismos de proteção a supremacia da


constituição e da jurisdição constitucional, em especial com a possibilidade de que com a Lei
9.868/99 o legislador criou fórmulas alternativas em face da simples nulidade total do texto
constitucional.

I. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade

a) Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso

De maneira geral, a declaração de inconstitucionalidade no controle difuso produz


efeitos ex tunc e inter partes. Em regra, a inconstitucionalidade declarada como questão
prejudicial não transita em julgado (limite objetivo da coisa julgada) nem afeta terceiros
estranhos ao processo (limite subjetivo). A doutrina majoritária no Brasil situa a
inconstitucionalidade no campo da nulidade, em razão da supremacia da constituição. Decisão
que a reconhece tem natureza declaratória, e retroage até o nascimento do ato viciado. O STF
tem admitido a mitigação da retroação de efeitos, mediante ponderação de princípios e
aplicação analógica do art. 27 da Lei 9868/99 (o que a doutrina chama de modulação dos efeitos
temporais da sentença).

Segundo o art. 52, X, CR/88, cabe ao Senado suspender a lei declarada inconstitucional
pelo STF em controle difuso, no todo ou em parte, conferindo eficácia erga omnes à decisão.
Pela doutrina majoritária, o Senado não está vinculado à decisão do STF, existindo um campo de
discricionariedade para decidir pela suspensão ou não da norma e sua extensão. O Senado tem
competência para suspender norma federal, estadual e municipal.

Contudo, nas ADIs 3406/RJ e 3470/RJ (Amianto), julgadas em 29.11.17, o STF passou a
acolher a tese da mutação constitucional do art. 52, X, da CRFB/88, segundo a qual a mera
declaração de inconstitucionalidade realizada pelo STF, ainda que em controle difuso de
constitucionalidade, produziria, por si só, efeitos vinculantes erga omnes, cabendo ao Senado
Federal tão só o papel de dar publicidade ao que foi decidido (Informativo 886/STF).

b) Abstrativização do controle difuso (objetivação, abstração, dessubjetivação das formas


processuais

O fenômeno designado abstrativização do controle concreto, expressão cunhada pelo


doutrinador Fredie Didier Júnior, por ocasião da análise das transformações ocorridas no
Recurso Extraordinário, consiste na possibilidade de conferir efeitos erga omnes a decisões
proferidas em sede de controle difuso/concreto de constitucionalidade. Essa possibilidade
encontra amparo na própria Constituição e em decisões jurisprudenciais:

95
(a) artigo 52, X, CRFB/88: depois de reiteradas decisões do STF em controle difuso o Senado pode,
após ser comunicado, suspender no todo ou em parte a eficácia da lei através de uma Resolução
(passa a valer para todos). Tem prevalecido o entendimento no sentido de que a Resolução tem
eficácia ex nunc, embora Barroso sustente que deveria ser ex tunc, porque a norma é
inconstitucional desde o início. Atualmente, contudo, parece estar superada a necessidade de
atuação do Senado para que as decisões em controle difuso produzam efeitos erga omnes e
vinculantes (vide abaixo);

(b) EC n° 45/04 – art. 103-A, CRFB/88: após reiteradas decisões acerca da validade, interpretação
ou eficácia de uma norma sobre a qual paire controvérsia atual, judicial ou administrativa, o STF
pode editar súmula vinculante pelo voto de 2/3 dos seus membros, que vinculará os demais
órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública. OBS: o STF não fica vinculado à súmula,
podendo, inclusive de ofício, revisá-la ou cancelá-la (hipótese de overruling– superação da
jurisprudência).

(c) o STF importou a teoria conhecida como transcendência dos motivos determinantes (os
motivos que fundamentam a declaração de inconstitucionalidade extrapolam os limites da
demanda para alcançar situações idênticas ou semelhantes). OBS. Atualmente, o STF não adota
essa teoria;

(d) repercussão geral (art. 102, §3°, CR): com a EC 45/04 (Reforma do Judiciário) mudou
radicalmente o modelo de controle incidental, uma vez que os recursos extraordinários terão de
passar pelo crivo da admissibilidade referente à repercussão geral. Assim, com a adoção desse
novo instituto haverá uma maximização da feição objetiva do recurso extraordinário, que passou
a ser um instrumento de molecularização de julgamento em massa;

(e) Nas ADIs 3406 e 3470(Amianto), julgadas em 29.11.17, o STF julgou, incidentalmente, que o
art. 2º da Lei nº 9.055/95 é inconstitucional. Contudo, afirmou que, mesmo sendo incidental, tal
decisão teria efeitos vinculantes e erga omnes, independentemente de resolução do Senado
Federal. Acolheu, assim, a tese da abstrativização do controle difuso, afirmando a mutação
constitucional do art. 52, X, CRFB/88 (Informativo 886);

(f) Nos REs 567.985/MT e 580963/PR, o STF realizou, expressamente, a reinterpretação de sua
própria decisão na ADI 1.232/DF (Amparo Social – LOAS). Dessa forma, a decisão dada nos REs,
por ter alterado decisão anterior proferida em sede de controle concentrado, teria também
eficácia erga omnes e vinculante, independentemente de manifestação do Senado Federal.

c) Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado

Como regra, possui efeitos erga omnes, isto é, eficácia contra todos e efeitos ex tunc,
decorrente do princípio da nulidade, salvo exceções. Aqui há também a situação do efeito
repristinatório da decisão. Não se trata de repristinação, pois, diante da inconstitucionalidade da
lei L2 revogadora, a L1 revogada sempre esteve em vigor, não tendo sido revogada em momento
algum. O STF pode, contudo, mediante requerimento, evitar que a lei L1 volte a vigorar e evitar,
assim, a represtinação indesejada.

No campo dos efeitos, pode ocorrer a chamada modulação dos efeitos da decisão (art.
27 da Lei nº 9.868/99). Os Ministros podem, diante de um caso concreto em que haja razões de
segurança jurídica ou que acarrete excepcional interesse social, modular os efeitos da decisão
do Supremo, de forma a que ela tenha efeitos ex nunc. Esta técnica flexibiliza o princípio da
nulidade, aproximando-o da teoria da anulabilidade. O quorum para decidir pelo efeito ex nunc
é 2/3 ou 8 dos Ministros.

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d) Efeito vinculante

As decisões proferidas no modelo concentrado de constitucionalidade são de


observância obrigatória para aos demais órgãos do Poder Judiciário e para a Administração
Pública (102, §2º). O efeito vinculante surge com a EC nº 03/93, para a ADC.

Além disso, pela teoria extensiva do efeito vinculante, a coisa julgada além da parte
dispositiva, abrangendo os fundamentos determinantes da decisão (também chamada de
teoria da transcendência dos motivos determinantes). Em geral, os autores entendem que o
fundamento determinante é aquele que não pode ser modificado sem alteração da parte
dispositiva. É a ratio decidendi (razões de decidir) – elemento básico da decisão. Distingue-se do
obter dictum (questões paralelas). A lógica que inspira o efeito vinculante é a de reforço da
posição da corte constitucional. Assim, a corte formula uma regra geral (contida nos
fundamentos determinantes) que não pode ser descumprida. Assim, fixa-se um modelo, cujo
descumprimento enseja a reclamação. Atualmente, contudo, não se tem admitido a utilização
de tal teoria, nem a reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do
acórdão com efeito vinculante. (STF, Rcl 22012/RS, DJ 12.09.2017).

A medida cautelar suspende o ato impugnado, com efeito vinculante, podendo até
restabelecer o direito anterior. Tem eficácia ex nunc, salvo disposição em sentido contrário. Em
caso de rejeição de liminar, não há efeito vinculante, em regra.

II. Técnicas decisórias na jurisdição constitucional

Em virtude das regras decorrentes do controle de constitucionalidade, a doutrina e


jurisprudência, depois consolidadas pela edição da lei 9.868/99, criaram técnicas decisórias que
permitem diminuir os efeitos da nulidade do ato inconstitucional e maior interação entre os
órgãos estatais decorrente da força e supremacia normativa da constituição, na qual todas as
normas do ordenamento jurídico devem estar material e formalmente de acordo, por meio da
ação da jurisdição constitucional. Várias dessas relativizam o tradicional binômio
“constitucionalidade/inconstitucionalidade”. O controle de constitucionalidade através da ADI e
ADC comporta múltiplas técnicas decisórias. Especial relevo deve ser conferido particularmente
a ADI, na qual a decisão pode adquirir maior complexidade. A declaração de nulidade arrima-se
na premissa de que o ato inconstitucional reveste-se de nulidade ipso iure. Mas a decisão poderá
dar pela procedência da demanda de inconstitucionalidade sem declarar nula a norma.

a) Sentenças interpretativas ou normativas

Nos casos de polissemia da norma, teremos a fixação de uma determinada interpretação


como sendo constitucional, ou mesmo a exclusão de uma determinada interpretação, por ser
inconstitucional, sem, contudo, retirar a própria norma do ordenamento. A doutrina enumera
as seguintes sentenças interpretativas:

i) Interpretação conforme a Constituição, ou "verfassungskonforme Auslegung": consiste na


técnica decisória segundo a qual o Tribunal afirma a constitucionalidade da lei desde que
observada determinada interpretação, ou, ao revés, a inconstitucionalidade, se interpretada de
forma diversa.

ii) Declaração de nulidade ou inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, ou


"teilnichtigerklärung ohne normtextreduzierung": marca-se pela declaração de que
determinadas interpretações são inconstitucionais.

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Embora pareçam a rigor a mesma coisa, há diferenças entre as soluções, o que é realçado
por Gilmar Ferreira Mendes, in verbis: "Ainda que não se possa negar a semelhança dessas
categorias e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto na
interpretação conforme à Constituição, se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é
constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na
declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de
determinadas hipóteses de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se
produza alteração expressa do texto legal. Assim, se se pretende realçar que determinada
aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de
inconstitucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada
para estas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica expressa
na parte dispositiva da decisão (a lei x é inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a lei y é
inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado exercício financeiro.)

iii) Técnica da decisão manipulativa de efeitos aditivos, a qual para Gilmar Mendes, possibilitou
definitivamente a superação do dogma kelseniano do legislador negativo, na medida em que o
tribunal atua como legislador positivo, acrescentando novos efeitos jurídicos na sua decisão,
como no caso da ADPF 54, quando o STF criou nova hipótese de excludente de punibilidade ao
crime de aborto, no caso do feto padecer de anencefalia.

b) Sentenças transitivas ou transacionais

Nessas sentenças, por uma série de fatores (políticos, econômicos, jurídicos), há uma
relativa transação ou relativização do princípio da supremacia da constituição, fixando-se um
parâmetro transitório de controle, em razão do contexto social. A doutrina (José Adércio Leite
Sampaio, Bernardo Gonçalves Fernandes) enumera as seguintes espécies de sentenças
transitivas:

i) Sentença de inconstitucionalidade sem efeito ablativo: reconhece a constitucionalidade de


uma norma, porém não a retira do ordenamento jurídico, com a justificativa de que sua ausência
geraria mais danos do que a própria norma. Também chamada de declaração de
inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Essa espécie é geralmente aplicada nos casos
que envolvam “exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade”, ou seja,
quando diante da inconstitucionalidade por omissão parcial relativa.
ii) Sentença de inconstitucionalidade com ablação diferida: dá-se nas hipóteses de modulação
dos efeitos temporais da sentença (art. 27, Lei n. 9.868/99), quando se decide que a declaração
de inconstitucionalidade não produzirá efeitos ex tunc.

iii) Sentença de apelo ou apelativas (declaração de constitucionalidade de norma “ainda”


constitucional ou declaração de constitucionalidade provisória ou inconstitucionalidade
progressiva): órgão julgador reconhece a constitucionalidade da norma, contudo, adverte o
legislador de que serão necessárias mudanças normativas para que, no futuro, a norma não se
torne inconstitucional.

iv) Sentenças de aviso: sinalizam uma mudança na jurisprudência da Corte no futuro, mas tal
mudança não surtirá efeito para o caso sub judice. Temos o que a doutrina intitula de prospective
overruling, ou seja, uma mudança jurisprudencial futura.

25B. Inconstitucionalidade por omissão. Ação Direta e Mandado de Injunção.

Valdir Monteiro Oliveira Júnior


Fonte: Graal 28º CPR; Leis Especiais para Concursos Vol. 50, 2018, Juspodivm

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I. Inconstitucionalidade por omissão

A inobservância do dever de legislar pode acarretar inconstitucionalidade por omissão,


cujo controle foi uma novidade inaugurada pela CF88. Essa omissão pode ser:
a) total: nenhuma norma foi editada; ou
b) parcial: existe norma, mas ela regula de forma deficiente o texto constitucional; e.g. lei do
salário mínimo, que estabelece um valor insuficiente às necessidades vitais básicas e, portanto,
não atende ao art. 7º, IV, CF.

Para sanar a omissão existem as seguintes teorias:

a) Teoria não concretista: Judiciário apenas informa Legislativo quanto à sua mora
b) Teoria concretista: Judiciário estabelece as condições para exercício do direito, até que
sobrevenha a norma do Legislativo. Pode ser (i) concretista intermediária (é dado prazo ao
Legislativo para agir) ou (ii) concretista direta.

II. Ação Direta

1. Objeto (doutrina tradicional). A omissão é de cunho normativo (legislativo ou


administrativo), englobando não só atos do Poder Legislativo, mas também do Executivo e
Judiciário quando exercendo função normativa. A ação é extinta por perda do objeto se
revogada a norma que necessite de regulamentação (omissão parcial) ou se expedida a norma
que venha a regular o direito (omissão total). Em regra, não há omissão se o processo legislativo
já se iniciou (ADI 2495), no entanto pode haver inconstitucionalidade caso haja mora excessiva
neste processo (ADI 3682, procedimentos para criação de novos Municípios).

2. Objeto (Daniel Sarmento). A doutrina tradicional é criticável, pois afirma que somente é
cabível ADIO na ausência ou insuficiência de regulação de normas constitucionais de eficácia
limitada. Ocorre que a CF e a Lei 9.868/99 não fazem essa restrição (art. 103, §2º, CF “medida
para tornar efetiva norma constitucional”; art. 12-B, I, Lei 9.868/99 “dever constitucional de
legislar ou adoção de providência de índole administrativa”). Assim, para Daniel Sarmento,
seria possível ADIO mesmo no caso de normas de eficácia plena (e.g. direito à moradia; seria
possível ADIO para apontar a insuficiência de providências administrativas necessárias à
efetivação desse direito).

3. Competência. Por se tratar de controle concentrado, a competência é exclusiva do STF


(art.102, I, “a”).

4. Legitimidade. Mesmos legitimados da ADI (art. 103, CF c/c Art.12-A da Lei 9.868/99).

5. Procedimento. Aplica-se subsidiariamente o procedimento da ADI (art.12-E, Lei 9.868/99).


Necessária a presença de 8 Ministros (art. 22, Lei 9.868/99) e o voto de 6 (art. 23, Lei 9.868/99).

6. Medida Cautelar. Pode ser suspensão da aplicação da lei ou ato normativo questionado
(omissão parcial), bem como suspensão de processos judiciais/procedimentos administrativos
(omissão total), ou ainda outra providência a ser fixada pelo Tribunal (art.12-F, Lei 9.868/99).

7. Efeitos da decisão.
No caso de omissão total:
(a) se a omissão for de um Poder, haverá ciência para adoção de providências (art. 12-H, §1º,
Lei 9.868/99); a lei não estabelece prazo, mas houve casos em que o STF já estabeleceu (ADI
3682, procedimentos para criação de novos Municípios)

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(b) se a omissão for de órgão administrativo, o prazo será de 30 dias (regra) ou superior
(exceção conforme as circunstâncias do caso) (art. 12-H, §1º, Lei 9.868/99).
No caso de omissão parcial: órgãos estatais não podem praticar qualquer ato fundado na lei
inconstitucional. É caso de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade,
que suspende a aplicação da norma defeituosa ou incompleta.

8. Fungibilidade. O STF já admitiu a fungibilidade entre ADI e ADIO (ADI 875, não
estabelecimento dos critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados).

III. Mandado de Injunção

1. Objeto. Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora


torne inviável o exercício dos direitos constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI, CF). Essa norma pode ser legislativa ou
administrativa (e.g. decreto, resolução administrativa), mas deve regulamentar o texto
constitucional; se o direito reclamado estiver previsto apenas em norma infraconstitucional,
não será cabível o MI (e.g. norma regulamentadora de parcelamento de débitos tributários
previsto em lei tributária; AgRg no MI, STJ, Corte Especial, 2017).
2. Regulamentação. Até a edição da Lei 13.300/16 aplicava-se a disciplina do Mandado de
Segurança ao Mandado de Injunção. Atualmente, as regras do MS e o CPC são aplicados de
forma subsidiária (e.g. de aplicação do CPC é a ausência de honorários nesse tipo de demanda).

3. Legitimidade passiva. Poder, órgão ou autoridade com atribuição para editar a norma
regulamentadora (art. 3º, Lei 13.300/16).

4. Competência originária. Varia conforme a autoridade competente para editar a norma


regulamentadora.

PR, Congresso, Câmara, Senado, STF, Tribunais Superiores, TCU (art. 102, I, q, CF);
STF
CNJ, CNMP (Jurisprudência)
Órgão/entidade/autoridade federal, excetuados casos do STF, da Justiça especializada e da Justiça
STJ Federal (art. 105, I, h, CF).
Essa competência residual do STJ acaba restringindo-se, na prática, apenas aos Ministros de Estado.
Demais órgãos/entidades/autoridades federais.
Justiça Federal
E.g. autarquias e agências reguladoras, como CADE, BACEN, IBAMA, ANATEL, CONTRAN.
Justiça Estadual Competência será definida nos termos da Constituição Estadual (art. 125, §1º, CF)

5. Competência recursal. Cabe recurso ordinário ao STF de decisão denegatória de MI em


instância única nos Tribunais Superiores (art. 102, II, 1, a, CF). Deve-se atentar que essa mesma
competência não está prevista para o STJ.

STF Julgar em pelos Tribunais


(102, II, 1, a,
CF)
recurso
ordinário
HC MS HD
MI decididos em única instância superiores, se
denegatória a decisão

STJ Decididos em única ou


Julgar em HC
(105, II, a, CF) última instância Pelos TRF ou TJ, se
recurso
denegatória a decisão
ordinário MS Decididos em única instância
(105, II, b, CF)

6. Eficácia objetiva da decisão em MI.


a) Inicialmente, o STF apenas declarava a mora do Legislativo, sem estabelecer prazo para
edição da norma regulamentadora (Teoria não concretista).
b) Isso mudou no julgamento do Mandado de Injunção sobre o direito de greve dos servidores
públicos. Nessa ocasião, o STF decidiu que seria aplicada a lei de greve dos trabalhadores da

100
iniciativa privada até que o Legislativo editasse a lei própria dos servidores públicos (Teoria
concretista).
c) Com a edição da Lei 13.300/16, ficou estabelecido que (art. 8º):
1º Determina-se prazo razoável para edição da lei; caso impetrado já tenha descumprido MI
anterior, dispensa-se esta etapa e passa-se automaticamente à seguinte
2º Superado o prazo, determinam-se as condições para exercício do direito ou para promoção
da ação própria visando a exercê-lo

7. Eficácia subjetiva da decisão em MI.


O indeferimento por falta de provas não impede nova impetração fundada em outros
elementos (art. 9º, §3º, Lei 13.300/16).
Em regra a decisão limita-se às partes, mas pode ser erga omnes se isso for inerente ao exercício
do direito (art. 9º, §1º, Lei 13.300/16).
Transitado em julgado, os efeitos da decisão podem ser estendidos a casos análogos por decisão
monocrática do relator (art. 9º, §2º, Lei 13.300/16).

8. Ação de revisão. Havendo modificações fáticas ou de direito, qualquer interessado poderá


propor ação de revisão (art. 10), não se tratando de recurso nem de ação rescisória.
9. Superveniência de norma regulamentadora.
a) antes da decisão: haverá perda do objeto e o processo será extinto sem resolução do mérito
(art. 11, p. único, Lei 13.300/16). Entretanto, há precedente anterior à lei em que o STF
prosseguiu com o julgamento (MI do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço).
b) após a decisão: a nova norma terá efeito ex nunc, salvo se for mais benéfica.

10. Mandado de injunção coletivo. O MI coletivo não induz litispendência em relação ao


individual, mas somente beneficiará quem desistir da demanda individual em até 30 dias após
cientificado (art. 13, p. único, Lei 13.300/16). Nota-se a diferença para a Ação Civil Pública, que
exige apenas a suspensão, e não a desistência (art. 104, CDC).

IV. ADI por omissão x Mandado de Injunção

ADIO MI
Controle Concentrado ou Abstrato. Logo: Controle Difuso ou Concreto. Logo:
Efeitos são erga omnes Efeitos, em regra, são inter partes
Processo é objetivo (não há partes) Processo é subjetivo (há partes)
Não se admite desistência nem intervenção de
Admite-se desistência e intervenção de terceiros
NATUREZA JURÍDICA terceiros (exceto amicus curiae)
E CONSEQUÊNCIAS Podem ser considerados argumentos não trazidos Análise deve restringir-se aos argumentos
pelos proponentes (causa de pedir aberta) trazidos pelas partes
Não se aplicam regras de impedimento e suspeição Aplicam-se regras de impedimento e suspeição
Pode ser declarada inconstitucionalidade por Decisão deve restringir-se às normas
arrastamento de normas não impugnadas impugnadas
LEGITIMADOS ATIVOS Presidente da República, Governador
Mesa do Senado, da Câmara ou da Assembleia
ADIO: art. 103, CF Legislativa
PGR Ministério Público
MI individual: pessoas Partido com representação no Congresso Partido com representação no Congresso
naturais ou jurídicas Confederação sindical ou entidade de classe
Organização sindical ou entidade de classe
titulares do direito nacional
(art. 3º, Lei 13.300/16) Conselho Federal da OAB
Defensoria
MI Coletivo: art. 12, Associação constituída há 1 ano, dispensada
Lei 13.300/16 autorização especial de seus membros
MEDIDA CAUTELAR Cabe (art. 12-F, Lei 9.868/99) Não cabe

8. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS


8.1 Direitos fundamentais. Concepçõ es. Classificaçõ es. Dimensõ es objetiva e subjetiva. Eficácia
vertical e horizontal. (6.c)

101
8.2 Limites dos direitos fundamentais. Teorias interna e externa. Núcleo essencial e
proporcionalidade. Os “limites dos limites”. (20.c)
8.3 Os princı ́pios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. (16.b)
8.4 Direito fundamental à moradia e à alimentação adequada. (22.c)
8.5 Direitos fundamentais culturais. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à diferença e
ao reconhecimento. (23.a)
8.6 Liberdade de expressão, religiosa e de associação. O princı ́pio da laicidade estatal. Os direitos
civis na Constituição de 1988. (19.a)
8.7 Igualdade de gê nero. Direitos sexuais e reprodutivos. (17.c)
8.8 Princı ́pio da isonomia. Açõ es afirmativas. Igualdade e diferença. Teoria do impacto
desproporcional. Direito à adaptação razoável. (13.c)
8.9 Direitos fundamentais processuais: acesso à justiça, devido processo legal, contraditório,
ampla defesa, vedação de uso de provas ilı ́citas, juiz naturale duração razoável do processo.
(23.c)
8.10 Controle jurisdicional e social das polı ́ticas públicas. Serviços de relevância pública. O papel
do Ministério Público. (15.a)

6C. Direitos fundamentais. Concepções. Características. Dimensões Objetiva e Subjetiva. Eficácia


vertical e horizontal.

Nilton Santos 02/09/18

1. Fundamentos dos Direitos Fundamentais

Como esteio lógico à ideia de direitos fundamentais, podem ser apontados, basicamente, dois
princípios: o Estado de Direito e a dignidade humana.

2. Direitos e garantias fundamentais: conceito, noções gerais e concepções

Direitos fundamentais são direitos ou posições jurídicas que investem os seres humanos,
individual ou institucionalmente considerados, de um conjunto de prerrogativas, faculdades e
instituições imprescindíveis a assegurar uma existência digna, livre, igual e fraterna a todas as
pessoas. Compõem um núcleo intangível de direitos dos seres humanos submetidos a uma
determinada ordem jurídica. São cláusulas pétreas e estão previstos no art. 5º da CF/88, sendo
que, segundo o STF, estão espalhados em diversos artigos da Carta Magna.

Para os jusnaturalistas, os direitos do homem são imperativos do direito natural, anteriores e


superiores à vontade do Estado. Já para os positivistas, os direitos do homem são faculdades
outorgadas pela lei e reguladas por ela. Para os idealistas, os direitos humanos são ideias,
princípios abstratos que a realidade vai acolhendo ao longo do tempo, ao passo que, para os
realistas, seriam o resultado direto de lutas sociais e políticas.

É usual que se diga serem os direitos fundamentais universais. Porém, tal afirmação deve ser
encarada com ressalvas, uma vez que alguns direitos fundamentais são voltados a destinatários
específicos (veja-se, por exemplo, o direito à nacionalidade).

Digno de nota o fato de que a Corte Suprema tem um entendimento bastante ampliativo dos
direitos fundamentais. Considera-se que tal espécie de direitos é aplicável até mesmo a
estrangeiros fora do país, caso sejam atingidos pela Lei brasileira (Caso “Boris Berezowski”).

No concernente às pessoas jurídicas (inclusive as de Direito Público) e aos entes


despersonalizados, os direitos fundamentais também se lhes aplicam, desde que haja
compatibilidade no sentido ontológico.

102
As garantias fundamentais são também direitos, chamados “direitos-garantia”, pois são
destinados à proteção de outros direitos. Não existem por si mesmas, mas para amparar,
tutelar e efetivar direitos.

Questões Prova Objetiva 29CPR:


Questão 9 – a) A despeito de a Constituição de 1988 ter limitado ao “estrangeiro residente” a
titularidade de direitos fundamentais, a doutrina é pacífica quanto à impossibilidade de privação
de tais direitos pelo exclusivo critério da “não-residência”.
VERDADEIRO. Curso de Direitos Humanos, André de Carvalho Ramos, 2018. OBS.: não havia este
trecho na edição de 2017, então a examinadora cobrou a atualização do manual do ACR para
2018, especificamente o capítulo 48 Direito dos Migrantes da Parte IV Os Direitos e Garantias
em Espécie. 48.2.5. A CF/88 e a fase da igualdade e garantia. A CF/88, em linha com seu
fundamento de proteção à dignidade da pessoa humana, garantiu expressamente, ao brasileiro
e ao estrangeiro residente, a “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade” (art. 5º, caput). De início, a CF/88 limitou ao “estrangeiro residente”
a titularidade de direitos fundamentais. Ocorre que tal restrição ofende aos princípios basilares
de um Estado Democrático de Direito (art. 1º), pois permitiria, ad terrorem, a privação do direito
à vida ou integridade física do turista, por exemplo. Como visto, é pacífica na doutrina a extensão
da titularidade de direitos fundamentais a todos os estrangeiros. Tal extensão justifica-se de
diversos modos: (i) o Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º da CF/88,não admite a
privação de direitos com base no critério da “não residência”, que não possui qualquer
pertinência com o exercício de tais direitos básicos; (ii) tratar os estrangeiros não residentes
como desprovidos de direitos ofende um dos fundamentos da República, que é promoção da
dignidade humana (art. 1º, inciso III); (iii) o reconhecimento pela CF/88 dos direitos decorrentes
dos tratados internacionais de direitos humanos (art. 5º, §2º) já ratificados pelo Brasil permite
deduzir que tais tratados, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ou a
Convenção Americana de Direitos Humanos, estendem a todos, estrangeiros residentes ou não,
a titularidade dos direitos humanos.

3. Características dos direitos fundamentais

• Historicidade e universalidade - Os direitos fundamentais são uma construção histórica.


Nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

• Relatividade ou limitabilidade - Nenhum direito fundamental é absoluto. Primeiramente,


porque podem entrar em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode estabelecer a priori qual
direito vai prevalecer no conflito, pois essa questão só pode ser analisada diante de um caso
concreto. E, em segundo lugar, nenhum direito fundamental pode ser usado para a prática de
ilícitos. Contudo, a restrição aos direitos fundamentais só é admitida quando compatível com os
ditames constitucionais e quando respeitados os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade.

OBS: No tocante à limitabilidade dos direitos fundamentais há duas teorias a explicá-la:


Teoria interna7: para esta teoria, os direitos humanos são limitados implicitamente,
independentemente da existência de outro direito. Seriam limites imanentes do próprio direito

7 Vide assertiva verdadeira (adaptada) do concurso para Auditor de Controle Interno – Planejamento e Orçamento
do SEAP-DF de 2014, banca FUNIVERSA: Para os defensores da teoria interna dos direitos fundamentais, toda
limitação ao âmbito de proteção do direito fundamental importa automaticamente na sua violação, porque toda
limitação de um direito é, ao mesmo tempo, interferência na parte integrante da determinação do seu conteúdo
definitivo.

103
em análise. Exemplo: ingressar em um cinema e gritar “fogo”, sabendo que não há. A liberdade
de expressão não pode servir para expor outras pessoas a riscos ou a ameaças de violação da
sua integridade. Então, nesse caso há um limite imanente, por que a liberdade de expressão não
abarca essa postura.
Teoria externa: defende que os direitos humanos são limitáveis em duas etapas. Na primeira é
preciso ler o direito prima facie (à primeira vista) para verificar se ao menos inicialmente
determinada conduta se encaixa; em um segundo momento, é preciso verificar se há outro
direito em conflito e, em caso positivo, fazer a ponderação. Exemplo: gritar “fogo” falsamente
é liberdade de expressão, não tem restrição até aqui. Mas no próximo passo percebe-se que tal
conduta expõe a perigo terceiros.

• Imprescritibilidade – Dizer que os direitos fundamentais são imprescritíveis quer significar que
não podem (em regra) ser perdidos pela passagem do tempo. Contudo, trata-se de regra que
comporta exceções, posto que há alguns direitos fundamentais que são prescritíveis, como no
caso da propriedade x usucapião.

• Inalienabilidade - Em regra, são intransferíveis e inegociáveis, pois são desprovidos de


conteúdo econômico-financeiro e seus titulares não podem deles se despojar. Há exceções, haja
vista a propriedade que pode, obviamente, ser alienada.

• Irrenunciabilidade ou indisponibilidade - Geralmente, são irrenunciáveis, pois não são


disponíveis, mas seus titulares podem deixar de exercê-los. Não podem ser dispostos da forma
como convier ao indivíduo, ao menos em regra. Doutrina contemporânea, de visão mais arejada,
prega que somente pode-se alegar indisponibilidade quando não existir uma renúncia válida, ou
seja, quando o indivíduo por um motivo qualquer (por exemplo, avançada idade) não puder
exercer seu arbítrio sem imperativos externos.

• Indivisibilidade - Os direitos fundamentais são um conjunto, não podem ser analisados de


maneira separada, isolada (o desrespeito a um deles é, na verdade, o desrespeito a todos).

• Proibição de retrocesso - impede a revogação de normas garantidoras de direitos


fundamentais e a implementação de políticas públicas de enfraquecimento de direitos
fundamentais (efeito cliquet).

• Concorrência - Podem ser exercidos cumulativamente por um mesmo titular.

• Aplicabilidade imediata - Conforme se lê no § 1º do art. 5º da Carta Política brasileira, “as


normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. O texto se
refere aos direitos fundamentais em geral, não se restringindo apenas aos direitos individuais.
Os direitos fundamentais não são meramente normas matrizes de outras normas, mas são
também, e sobretudo, normas diretamente reguladoras de relações jurídicas. Assim, a própria
CRFB autoriza que os operadores do direito, mesmo à falta de comando legislativo, venham a
concretizar os direitos fundamentais pela via interpretativa. Há, contudo, normas
constitucionais, relativas a direitos fundamentais, que, evidentemente, não são autoaplicáveis.
Carecem da interposição do legislador para que produzam todos os seus efeitos. Em razão disso,
a doutrina entrevê no art. 5º, § 1º, da Constituição Federal uma normaprincípio, estabelecendo
uma ordem de otimização, uma determinação para que se confira a maior eficácia possível aos
direitos fundamentais.

Vide também questão do 28º, assertiva verdadeira: Pela teoria interna, o conflito entre direitos fundamentais e
meramente aparente, na medida em que é superado pela determinação do verdadeiro conteúdo dos direitos
envolvidos.

104
OBS1: A Teoria das Gerações/Dimensões de Direitos: doutrina concebida por Karel Vasak, jurista
francês, para classificar os direitos fundamentais conforme os temas da Revolução Francesa
(liberdade, igualdade e fraternidade). Muito embora haja divergência na doutrina, prefere-se o
uso da expressão “dimensões” dos direitos fundamentais, ante a ideia de complementaridade
entre elas e não substituição. Ademais, divergem os juristas, também, em relação a quantas
seriam tais dimensões.

1ª dimensão, direitos voltados à tutela das liberdades públicas, demandam prestações


negativas do Estado: direitos liberais, como vida, propriedade, liberdade.

2ª dimensão, direitos de igualdade (material), demandam prestações positivas do Estado para


a realização da justiça social, do bem estar social e das liberdades sociais: direitos sociais, como
moradia, saúde, educação, alimentação, direitos trabalhistas.

3ª dimensão, direitos de fraternidade (proteção do homem em coletividade social): direitos de


solidariedade, de titularidade da coletividade ou difusa, como paz, desenvolvimento. São
também conhecidos como direitos metaindividuais (está além do indivíduo) ou supraindividuais
(estão acima do indivíduo individualmente considerado).

4ª Dimensão, direitos de globalização e universalização: são direitos embasadores de uma


possível globalização política rumo a uma sociedade universal aberta ao futuro. Alguns deles
são: direito à democracia direta, direito ao pluralismo, direito à informação e os direitos
relacionados à biotecnologia.

OBS2: Em relação às características funcionais dos direitos fundamentais, anote-se a “teoria dos
quatro status” de Jellinek:

1) status passivo (subjectionis): o indivíduo está subordinado aos poderes estatais – ordens e
proibições;

2) status negativo (negativus ou libertatis): ao indivíduo é reconhecida uma esfera individual de


liberdade imune à intervenção estatal;

3) status positivo (positivus ou civitatis): ao indivíduo é possível exigir do Estado determinadas


prestações positivas;

4) status ativo (activus): possibilita ao indivíduo participar ativamente da formação da vontade


política estatal.

4. Dimensões Objetiva e Subjetiva

Dimensão subjetiva: Diz respeito à característica de servirem os direitos fundamentais como


fontes de direitos subjetivos a seus respectivos titulares. Sintetiza a faculdade que tem o seu
titular - o indivíduo ou a coletividade a quem é atribuído - de fazer valer judicialmente os
poderes, as liberdades, o direito à ação ou mesmo as ações negativas ou positivas que lhe foram
outorgadas pela norma consagradora de direito fundamental em questão. Trata-se de exigir
respeito, especialmente por parte do Estado, aos direitos individuais, donde se tem a percepção
de tratar-se de dimensão negativa8!

Dimensão objetiva: os direitos fundamentais operam como elementos objetivos fundamentais


que sintetizam os valores básicos da sociedade e os expandem para toda a ordem jurídica

8 Status negativo, nas palavras de Jellinek.

105
(eficácia irradiante), que os identifica como diretrizes ou vetores para a interpretação e
aplicação das normas infraconstitucionais. Assim, tais direitos não apenas estabelecem
faculdades aos indivíduos (dimensão subjetiva), mas estabelecem também deveres, explícitos
ou implícitos, de proteção pelo Estado. Tal dever de proteção exige uma conduta ativa do Estado
no combate à chamada proteção deficiente (dimensão positiva). Assim, exige-se do Estado a
necessária proteção contra ameaça dos atos estatais (verticalidade), como ainda de possível
ameaça de lesão proveniente de terceiros, em especial de (e entre) atos de particulares
(horizontalidade), considerando que poderes não estatais podem vulnerar bens jurídicos
tutelados constitucionalmente.

OBS: A decisão proferida em 1958 pela Corte Federal Constitucional da Alemanha no caso Lüth
é citada como o marco histórico a partir do qual se desenvolveu a teoria da dimensão objetiva
dos direitos fundamentais. Nesta decisão, ficou consignado que os direitos fundamentais
também “constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com
eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos,
judiciários e executivos”.

5. Eficácia vertical, horizontal e diagonal

• Eficácia vertical - A História aponta o Poder Público como o destinatário precípuo das
obrigações decorrentes dos direitos fundamentais. A finalidade para a qual os direitos
fundamentais foram inicialmente concebidos consistia, exatamente, em estabelecer um espaço
de imunidade do indivíduo em face dos poderes estatais. Tal proteção, expressada nas relações
entre os cidadãos (posição de inferioridade) e os poderes públicos (posição de superioridade),
tem sido denominada de eficácia vertical dos direitos fundamentais.

• Eficácia horizontal - Com a evolução dos direitos fundamentais, fica óbvio que os particulares
também precisam respeitá-los, o que leva à eficácia horizontal: o reconhecimento de que os
direitos humanos também incidem nas relações entre particulares (também chamada de
eficácia privada ou externa ou drittwirkung - Direito alemão). Contudo, quanto à aplicação dos
direitos fundamentais às relações privadas, há duas teorias:

1) eficácia indireta ou mediata: Há necessidade da intermediação do legislador para a efetiva


aplicação dos direitos fundamentais. A Constituição não investe os particulares em direitos
subjetivos privados, mas ela contém normas objetivas, cujos efeitos de irradiação levam à
impregnação das leis civis por valores constitucionais. Com efeito, os direitos fundamentais são
protegidos no campo privado não por normas constitucionais, mas por meio de mecanismos
típicos do próprio Direito Privado.

2) eficácia direta ou imediata: Alguns direitos fundamentais podem ser aplicados às relações
privadas sem que haja a necessidade de intermediação legislativa para a sua concretização,
posto que seriam oponíveis erga omnes. Resultaria na aplicação direta dos preceitos
constitucionais. Essa foi a tese que prevaleceu no Brasil, na doutrina e, inclusive, no STF9 e no
STJ.

• Eficácia Diagonal - Surgida mais recentemente, fala-se atualmente em eficácia diagonal dos
direitos fundamentais, que constituiria um tertium genus cunhado pelo jurista chileno Sergio

9RE 201.819, julgado em 11 -10 -2005, Rel. para o acórdão Min. Gilmar Mendes (DJ de 27/10/2006); RE 161.243,
Relator Ministro Carlos Velloso, DJ de 19/12/1997; RE 158.215-4, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 07/06/1996.

106
Gamonal Contreras, pelo qual, ao lado das garantias constitucionais do cidadão frente ao Estado
(eficácia vertical) e frente aos próprios particulares (eficácia horizontal), surge a necessidade de
proteção nas relações entre particulares, notadamente caracterizadas pelo desequilíbrio ou
desproporcionalidade (assimetria substancial). No ordenamento positivo, a eficácia diagonal
se expressa nas relações onde estão pressupostas a vulnerabilidade, inerente a todo
consumidor (art. 4º, I, CDC), e nas relações trabalhistas, com o intuito de atenuar a
hipossuficiência pressupostamente havida pelo empregado na relação de trabalho que
estabelece com o seu empregador.

20C. Limites dos direitos fundamentais. Teorias interna e externa. Núcleo essencial e
proporcionalidade. Os "limites dos limites".

André Batista e Silva

I. Limites dos direitos fundamentais

Quando se estuda direitos fundamentais, deve-se identificar o âmbito de proteção de


cada direito, isto é, o bem jurídico tutelado. Este não se confunde com a proteção efetiva e
definitiva, o que possibilita a aferição da legitimidade de certa situação em face de dado
parâmetro constitucional. A amplitude do âmbito de proteção é diretamente proporcional à
possibilidade de um ato estatal restringir o direito em questão. Há normas constitucionais que
estabelecem direitos fundamentais, submetendo-os à reserva de lei restritiva (expressões “nos
termos da lei: art. 5º, VI e XV). Essas normas contêm: (a) uma norma de garantia, e (b) uma
norma de autorização de restrições. Entretanto, quando o âmbito de proteção é puramente
normativo, é o legislador que, ao editar a norma, vai definir o conteúdo do direito. Nesses casos
fala-se em regulação ou conformação, e não em restrição (ex: art. 5º XXVI a XXVIII, LXXVI e
LXXVII). Nesses casos, existiria o dever de legislar e o dever de preservar as garantias ao legislar.
Os direitos fundamentais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente podem ser
limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante lei ordinária
promulgada com fundamento imediato na própria Constituição (restrição mediata). (Gilmar
Mendes, fl. 229)

II. Teorias interna e externa

De acordo com André de Carvalho Ramos, a teoria interna defende a existência de


limites internos a todo direito, que estejam traçados expressamente no texto da norma, quer
sejam imanentes ou inerentes a determinado direito, que faz com que não seja possível colisão
entre direitos (o conflito é meramente aparente). Em suma, a teoria interna prega que as
restrições aos direitos devem estar expressamente autorizadas pela Constituição e pelos
tratados de direitos humanos, ou, ainda, devem ser extraídas dos limites imanentes de cada
direito. Segundo o supracitado autor, na decisão do “Caso Ellwanger” consta passagem na qual
se identifica a aplicação dessa teoria.

A teoria interna prega que um direito fundamental existe, desde sempre, com seu
conteúdo determinado e, por isso, o direito fundamental já nasce com seus limites. Assim,
“eventual dúvida sobre o limite do direito não se confunde com a dúvida sobre a amplitude das
restrições que lhe devem ser impostas, mas diz respeito ao próprio conteúdo do direito”. (Gilmar
Mendes, fl. 226). Do ponto de vista lógico, a restrição seria desnecessária e até impossível, já
que o alcance do direito fundamental, pela teoria interna, já seria determinado de antemão.
Não há, dessa forma, separação entre o âmbito de proteção do direito e seus limites, o que
permite a inclusão de considerações sobre outros bens dignos de proteção, aumentando o risco
de restrições arbitrárias de liberdade.

107
Com relação à teoria externa, André de Carvalho Ramos entende que esta adota a
separação entre o conteúdo do direito e limites que lhe são impostos do exterior, oriundos de
outros direitos. Devem ser observados dois momentos: 1º) Deve ser delimitado o direito prima
facie envolvido; 2º) Investigar se há limites justificáveis impostos por outros direitos, de modo a
impedir que o direito prima facie seja considerado um direito definitivo. A chave mestra para a
teoria externa seria o uso do critério da proporcionalidade. É a teoria adotada
preferencialmente pela doutrina e pela jurisprudência.

Aproxima-se dessa teoria a posição de Hesse, para quem os conflitos entre direitos
fundamentais podem ser resolvidos pela concordância prática (os direitos de estatura
constitucional podem ser equilibrados entre si, gerando uma compatibilidade na sua aplicação,
mesmo que no caso concreto seja minimizada a aplicação de um dos direitos envolvidos.

Contudo, essa restrição deve ser limitada. É o chamado “limites dos limites”. A
concepção dos limites dos limites decorre da teoria absoluta, do núcleo essencial, segundo a
qual o núcleo essencial dos direitos fundamentais estaria protegido de qualquer intervenção do
Estado, independentemente da situação concreta. Assim, haveria uma parte do conteúdo do
direito fundamental suscetível a limitações pelo legislador e outra parte seria insuscetível a
limitações, representando um verdadeiro “limite do limite” para a própria ação legislativa. Essa
ideia se contrapõe àquela defendida pelos adeptos da teoria relativa, segundo a qual o núcleo
essencial seria aferido caso a caso, mediante processo de ponderação entre meios e fins, com
base no princípio da proporcionalidade. O núcleo essencial seria aquele insuscetível de restrição
com base nesse processo. Ambas as teorias buscam assegurar maior proteção dos direitos
fundamentais contra ação legislativa desarrazoada. Críticas: teoria absoluta traz dificuldade em
identificar abstratamente a existência desse mínimo essencial do direito fundamental, podendo-
se sacrificar aquilo que se busca proteger. Teoria relativa pode conferir excessiva flexibilidade
aos direitos fundamentais. Os limites são os seguintes:

a) O ato normativo que pode restringir um direito fundamental é a lei em sentido formal (ou
emenda constitucional);

b) A norma deve ser geral e abstrata. Conforme André de Carvalho Ramos, a restrição pode ser
feita através de uma reserva legal simples (autorização dada pela Constituição a edição
posterior de lei que adote determinada restrição a direito fundamental, não fixando
previamente os requisitos, condições ou parâmetros. Ex: Art. 5º, VI –é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias) ou de uma reserva legal qualificada
(a Constituição, além de estabelecer a reserva de lei, ainda estipula os requisitos e condições
que a lei deve observar. Ex: Art. 5º, XIII –é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Conceitos extras:
Reserva legal subsidiária situação em que direitos são previstos na Constituição sem qualquer
menção à lei restritiva, mas podem ser regulados pelo legislador em face dos demais valores
constitucionais;
Reserva geral de ponderação todos os direitos fundamentais estão a ela submetidos, uma
vez que estão sujeitos à ponderação com outros valores previstos na Constituição, relacionados
a outros direitos fundamentais em colisão.

c) Proporcionalidade.

III. Núcleo essencial e proporcionalidade

108
Núcleo essencial seria a parcela do conteúdo do direito sem a qual ele perde sua mínima
eficácia. Forma de evitar ou contornar o esvaziamento do conteúdo dos direitos fundamentais
pelo legislador. Apesar de vedar expressamente qualquer proposta de emenda tendente a abolir
direitos fundamentais (art. 60, §4º), CRFB/88 não traz de forma expressa a garantia do núcleo
essencial, ao contrário da Lei Fundamental alemã e das Constituições portuguesa e espanhola.
Ainda assim, o princípio de um núcleo essencial decorre do modelo garantístico da CRFB/88. STF
tem usado o princípio em vários julgados (HC 82.959, Rel Min. Marco Aurélio, DJ 1º.09.2006,
Voto Ministro Peluzo no caso de vedação à progressão de regime em cumprimento de pena de
crime hediondo: atinge o núcleo do princípio da individualização da pena).

Proporcionalidade. O legislativo, ao editar normas para conformar ou restringir direitos


fundamentais, corre o risco de agir com excesso de poder. Para que isso não ocorra, deve
observar o princípio da proporcionalidade. Para parte da doutrina o fundamento do princípio da
proporcionalidade se encontra nos direitos fundamentais, para outra parte, no Estado de
Direito. O STF parecia colocar seu fundamento nos direitos fundamentais, mas com a CRFB/88
(ADI 855) o entende como “postulado constitucional autônomo" (Gilmar Mendes, pg. 256), com
sede material no devido processo legal (art. 5º, LIV).

Proporcionalidade é composta pelos subprincípios adequação (medida é apta a alcançar


o objetivo pretendido); necessidade (não existe meio menos gravoso e igualmente eficaz a ser
utilizado para atingir o objetivo pretendido. Teria maior peso na análise); proporcionalidade em
sentido estrito (ponderação e possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o
atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador) “controle de sintonia fina” para verificar a
justeza da medida adotada.

Proibição da Proteção insuficiente: a medida pode, em uma análise metodológica, ser


também considerada desproporcional por não se revelar suficiente para uma proteção
adequada e eficaz). O STF utiliza princípio da proporcionalidade como instrumento para solução
de colisão entre direitos fundamentais (HC 76.060, Rel. Min Sepúlveda Pertence).
Duplo controle de proporcionalidade e controle de proporcionalidade in concreto:
qualquer medida administrativa ou judicial com base na lei aprovada pelo parlamento que afete
direitos fundamentais também se submete ao controle de proporcionalidade.

16B. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.

Oswaldo Costa

I. Princípio da dignidade da pessoa humana.

Conceito: a dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser


humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como
assegura condições materiais mínimas de sobrevivência. Consiste em atributo que todo
indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição
referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo, etc. (ACR, Curso de direitos
humanos, p. 74)

Evolução histórica: dentro de um caminho histórico marcado por avanços e retrocessos,


podemos mencionar quatro momentos fundamentais: (a) Cristianismo: ideia do homem criado
à imagem e semelhança de Deus, a doutrina cristã e do amor incondicional ao próximo e o
reconhecimento da igualdade entre os povos perante Deus; (b) Iluminismo- humanista:
desalojou a religiosidade do centro do sistema do pensamento, substituindo-a pelo próprio
homem – preocupação com os direitos individuais do homem e o exercício democrático do

109
poder; (c) a obra de Immanuel Kant: a filosofia kantiana mostra que o homem, como ser
racional, existe como fim em si, e não simplesmente como meio, enquanto os seres,
desprovidos de razão, têm um valor relativo e condicionado, o de meios, eis porque se lhes
chamam coisas. A concepção de Kant continua a valer como axioma no mundo ocidental,
embora com acréscimos decorrentes da evolução; (d) os reflexos dos horrores da Segunda
Guerra Mundial: consagração da dignidade da pessoa humana no plano internacional e interno
como valor máximo dos ordenamentos jurídicos e princípio orientador da atuação estatal e
dos organismos internacionais.

Previsão constitucional: a CF/88 estabelece que um dos fundamentos do Estado Democrático


de Direito é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Além disso, a CF/88 afirma que toda a
ação econômica tem como finalidade assegurar a todos uma existência digna (art. 170). Por
sua vez, no art. 226, §7, ficou determinado que o planejamento familiar é livre decisão do casal
fundado no princípio da dignidade da pessoa humana. Já o art. 227 determina que cabe à
família, à sociedade e ao estado assegurar a dignidade à criança, ao adolescente e ao jovem.
No art. 230, a CF/88 prevê que a família, a sociedade e o estado têm o dever de amparar as
pessoas idosas, defendendo sua dignidade e bem estar.

Documentos internacionais que fazem referência ao princípio:


(a) Carta das Nações Unidas de 1945. (b) Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948;
(c) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966. (d) Estatuto da Unesco, de 1945.

Natureza jurídica: tanto nos diplomas internacionais quanto nacionais, a dignidade humana é
inscrita como princípio geral ou fundamental, mas não como direito autônomo. De fato, a
diginidade humana é uma categoria jurídica que, por estar na origem de todos os direitos
humanos, confere-lhes conteúdo ético (ACR, Curso de direitos humanos, 2014, p. 74).
Positivado na Constituição, o princípio da dignidade da pessoa humana costura e unifica todo
o sistema pátrio de direitos fundamentais e “representa o epicentro axiológico da ordem
constitucional, irradiando seus efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não
apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se
desenvolvem no seio da sociedade civil e no mercado” (SARMENTO).
Considerações: a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atrai a realização dos
direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões. É um valor fundamental que
se viu convertido em princípio jurídico de estatura constitucional, seja por sua positivação em
norma expressa seja por sua aceitação como mandamento jurídico extraído do sistema. Serve,
assim, tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos
fundamentais. O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser classificado, de acordo
com a modalidade de eficácia, em três categorias: direta (incide à semelhança de uma
regra), interpretativa (os valores e fins nele abrigados condicionam o sentido e o alcance das
normas jurídicas em geral) e negativa (implica na paralisação de qualquer norma ou ato
jurídico que com ele seja incompatível).

Conteúdo essencial da dignidade: (a) valor extrínseco da pessoa humana – elemento


ontológico da dignidade, traço distintivo da condição humana, do qual decorre que todas as
pessoas são um fim em si mesmas, e não meios para a realização de metas coletivas ou
propósito de terceiros;(b) autonomia da vontade – elemento ético da dignidade da pessoa
humana, associado à capacidade de autodeterminação do indivíduo, ao seu direito de fazer
escolhas existenciais básicas; e (c) valor social da pessoa humana (valor comunitário) ou
dignidade como heteronomia – elemento social da dignidade humana, identificando a relação
entre o indivíduo e o grupo.

OBSERVAÇÃO: SARLET entende que a dignidade é uma construção histórico-cultural. Neste


aspecto a dignidade da pessoa humana é concebida como uma construção que vem sendo feita

110
durante os vários períodos históricos, também fruto de uma cultura de cada país. Referida
construção tem sido levada a cabo por cada indivíduo particularmente, sendo que aos direitos
fundamentais não lhes são cometidos assegurar a dignidade, mas sim dar condições para que
esta se materialize. Por conseguinte, a dignidade apresenta dupla dimensão: positiva e
negativa. A positiva seria a do ser humano se autodeterminar, fazer suas escolhas. A segunda
(negativa) seria uma dimensão protetiva, aquela em que, não havendo a primeira, deveria o
Estado e os outros indivíduos lhe assegurar o reconhecimento dessa dignidade. E, através
destas dimensões que é possível afirmar que: "É justamente neste sentido que assume
particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente
limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de
cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão
defensiva e prestacional da dignidade. Como limite, a dignidade implica não apenas que a
pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros, mas
também o fato de a dignidade gerar direitos fundamentais (negativos) contra atos que a violem
ou a exponham a graves ameaças. Como tarefa, da previsão constitucional (explícita ou
implícita) da dignidade da pessoa humana, dela decorrem deveres concretos de tutela por
parte dos órgãos estatais, no sentido de proteger a dignidade de todos, assegurando-lhe
também por meio de medidas positivas (prestações) o devido respeito e promoção" (SARLET,
p. 32)

II. Princípio da solidariedade

A solidariedade, num conceito mínimo, é a ação concreta em favor do bem do outro. Na


verdade, a solidariedade implica o reconhecimento de que, embora cada um de nós componha
uma individualidade, irredutível ao todo, estamos também todos juntos, de alguma forma
irmanados por um destino comum. Ela significa que a sociedade não deve ser o locus da
concorrência entre indivíduos isolados, perseguindo projetos pessoais antagônicos, mas sim
um espaço de diálogo, cooperação e colaboração entre pessoas livres e iguais, que se
reconheçam como tais.
Realidade brasileira: em nosso ordenamento, a Constituição da República quando estabelece
como um de seus objetivos fundamentais a construção de “uma sociedade justa, livre e
solidária”, expressa um princípio jurídico que, apesar da abertura e indeterminação semântica,
é dotado de algum grau de eficácia imediata e que pode atuar, no mínimo, como vetor
interpretativo da ordem jurídica como um todo, e não em mero e vago programa político ou
algum tipo de retoricismo.

Algumas funções específicas do princípio da solidariedade: (a) Na doutrina, a partir da


contribuição de Karel Vasak, a solidariedade vem sendo utilizada para fundamentar os direitos
transindividuais, conhecidos como direitos de 3ª dimensão, como o direito ao meio ambiente.
(b) Justificação de políticas intervencionistas do Estado, baseadas na concepção de justiça
distributiva. (c) Reconhecimento de uma eficácia horizontal dos direitos sociais e econômicos,
ao sedimentar a ideia de que cada um de nós é também, de certa forma, responsável pelo
bem-estar dos demais. Jurisprudência: AI 764.794-AgR/SP – COFINS – pessoa jurídica sem
empregados – conceito de referibilidade mitigado pelo princípio da solidariedade social. RE
450.855-AgR: O sistema público de previdência social é fundamentado no princípio da
solidariedade, art. 3°, I, da CRFB/88, contribuindo os ativos para financiar os benefícios pagos
aos inativos.

22C. Direito fundamental à moradia e à alimentação.

Gabriel Dalla 12/09/18

I. Direito fundamental à moradia.

111
Sabidamente, o direito à moradia é classificado como de segunda dimensão e com
previsão no art. 6º da Constituição Federal – incluído pela EC 26/2000 -, bem como em diversos
diplomas internacionais, a exemplo do art. 11 do PIDESC. Ingo Sarlet chama atenção para o fato
de que se trata de direito de natureza prestacional, no que é condicionado à intervenção pública.
Sergio Iglesias Nunes de Souza define: “A moradia consiste em bem irrenunciável da pessoa
natural, indissociável de sua vontade e indisponível, que permite a fixação em lugar
determinado, não só físico, como também a fixação dos seus interesses naturais da vida
cotidiana, exercendo-se de forma definitiva pelo individuo, e, secundariamente, recai o seu
exercício em qualquer pouso ou local, mas sendo objeto de direito e protegido juridicamente.”
O direito à moradia é consequência da funcionalização social do direito de propriedade
e, assim, aproxima-se umbilicalmente da própria noção de dignidade. Neste contexto, é de
grande valia a contextualização do tema com suporte em Deborah Duprat (Nota Técnica de
suporte ao parecer da PGR na ADI 5.623), em que cita Ingo Sarlet:
“Por outro lado, útil lembrar que a intensidade da vinculação entre a
dignidade da pessoa humana e os direitos sociais é diretamente proporcional
em relação à importância destes para a efetiva fruição de uma vida com
dignidade, o que, por sua vez, não afasta a constatação elementar de que as
condições de vida e os requisitos para uma vida com dignidade constituam
dados variáveis de acordo com cada sociedade e em cada época. Nesta
perspectiva, talvez seja ao direito à moradia – bem mais do que ao direito de
propriedade – que melhor se ajusta a conhecida frase de Hegel, ao sustentar
– numa tradução livre – que a propriedade constitui (também) o espaço de
liberdade da pessoa (Sphäre ihrer Freiheit). De fato, sem um lugar adequado
para proteger a si próprio e a sua família contra as intempéries, sem um local
para gozar de sua intimidade e privacidade, enfim, de um espaço essencial
para viver com um mínimo de saúde e bem estar, certamente a pessoa não
terá assegurada a sua dignidade, aliás, a depender das circunstâncias, por
vezes não terá sequer assegurado o direito à própria existência física, e,
portanto, o seu direito à vida. Aliás, não é por outra razão que o direito à
moradia, tem sido incluído até mesmo no elenco dos assim designados
direitos de subsistência, como expressão mínima do próprio direito à vida e,
nesta perspectiva (bem como e função de sua vinculação com a dignidade da
pessoa humana) é sustentada a sua inclusão no rol dos direitos de
personalidade”.
Quanto aos desafios, o Relator especial da ONU para moradia adequada, Miloon
Kothari, em seu informe apresentado em 13 de fevereiro de 2008, considerou como um dos
principais obstáculos à realização desse direito, por inúmeros segmentos das sociedades
nacionais, o fato de se considerar a morada, a terra e a propriedade como produtos
comercializáveis, e não direitos humanos. Esta compreensão é igualmente reafirmada por
Deborah Duprat na NT nº 4/2017-PFDC.
Daniel Sarmento relembra que, diferentemente do que acontece com saúde e
educação, a Constituição Federal não dedica um título específico para a moradia, mas são
encontrados diversos institutos no texto da Constituição a ela ligados, tal como o usucapião
especial rural e urbano, regras sobre função social da propriedade - tanto no art. 5º quanto no
art. 170 -, regra sobre desapropriação, etc. E é muito importante ressaltar que o direito de
moradia não é o direito a casa própria; exige-se, sim, segurança jurídica, mas isto não implica
propriedade. A moradia é um direito de feição positiva e negativa: a faceta negativa da moradia
vem à baila nas situações em que a pessoa em geral tem uma moradia, mas há alguma ação do
Estado ou do particular para privá-la ou restringi-la. Aqui temos uma questão de cultura jurídica
superimportante. A positiva é justamente a perspectiva prestacional.
Importante: o site da PFDC contém uma aba específica para o tema moradia adequada, na
qual são discriminadas, dentre outras informações, a atuação do MPF (ofício requerendo
informações sobre o andamento de processo licitatório para a construção de moradias

112
populares e TAC celebrado com município para realocação de moradores desalojados, por
exemplo), decisões judiciais (ACP no caso Pinheirinho) e notícias diversas quanto ao tema.

II. Direito fundamental à alimentação (adequada).


O direito humano à alimentação adequada está contemplado no artigo 25 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Sua definição foi ampliada em outros
dispositivos do Direito Internacional, como o artigo 11 do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais e o Comentário Geral nº 12 da ONU. No Brasil, resultante de amplo processo de
mobilização social, em 2010 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 64, que inclui a
alimentação no artigo 6º da Constituição Federal.
O direito humano à alimentação adequada consiste no acesso físico e econômico de
todas as pessoas aos alimentos e aos recursos, como emprego ou terra, para garantir esse
acesso de modo contínuo. Esse direito inclui a água e as diversas formas de acesso à água na sua
compreensão e realização. Ao afirmar que a alimentação deve ser adequada entende-se que
ela seja adequada ao contexto e às condições culturais, sociais, econômicas, climáticas e
ecológicas de cada pessoa, etnia, cultura ou grupo social. Para garantir a realização do direito
humano à alimentação adequada o Estado brasileiro tem as obrigações de respeitar, proteger,
promover e prover a alimentação da população. Por sua vez, a população tem o direito de exigir
que eles sejam cumpridos, por meio de mecanismos de exigibilidade.
Durante várias décadas, por influência dos países centrais, o Brasil e outros países em
desenvolvimento procuraram responder ao problema da fome com a introdução da chamada
revolução verde, que foi uma espécie de campanha de modernização da agricultura mediante
a introdução de um pacote tecnológico baseado no uso intensivo de máquinas, fertilizantes
químicos e agrotóxicos para aumentar a produção e, consequentemente, a humanidade
acabaria com a fome. Introduziu-se, assim, um modelo agroexportador centrado nas
monoculturas, que favoreceu a concentração das empresas e do capital, cada vez mais
internacionalizados.
Muitos países, regiões e municípios, também dentro do Estado brasileiro, vivem sem
soberania alimentar e outros tantos vivem com sua soberania alimentar ameaçada pelos fatores
supramencionados. Nesse contexto, a soberania alimentar significa o direito dos países
definirem suas próprias políticas e estratégias de produção, distribuição e consumo de alimentos
que garantam a alimentação para a população, respeitando as múltiplas características culturais
dos povos em suas regiões.10
No Comentário Geral n° 12, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais sobre
o Direito Humano à Alimentação Adequada – interpretando o art. 11 do PIDESC – fixou que o
conteúdo essencial do direito à alimentação adequada consiste: a) A disponibilidade do
alimento, em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer as necessidades dietéticas das
pessoas, livre de substâncias adversas e aceitável para uma dada cultura; b) A acessibilidade
ao alimento de forma sustentável e que não interfira com a fruição de outros direitos
humanos.
No Brasil, a alimentação e nutrição estão presentes na legislação recente, com
destaque para a Lei 8080/1990, que entende a alimentação como um fator condicionante e
determinante da saúde e que as ações de alimentação e nutrição devem ser desempenhadas de
forma transversal às ações de saúde, em caráter complementar e com formulação, execução e
avaliação dentro das atividades e responsabilidades do sistema de saúde.
Houve, ainda, a incorporação da alimentação como um direito social pela Emenda
Constitucional n° 64. Nesse sentido, o Estado Brasileiro, pretendendo concretizar o dispositivo,

10
Análise crítica disponível em: http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/artigos/2014/direito-
humano-a-alimentacao-adequada-e-soberania-alimentar e
http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/artigos/2014/direito-humano-a-alimentacao-
adequada-e-soberania-alimentar

113
publicou a Lei 11.346/2006 – Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional e o Decreto
7272/2010 - Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Consoante o Manual de Atuação da ESMPU (mencionado no quadro abaixo): o direito
humano à alimentação está também presente em várias normas infraconstitucionais nacionais,
a exemplo da complexa legislação sobre a água, o aleitamento materno, o controle de qualidade
dos alimentos, da produção e do consumo, a importância da alimentação para a saúde do ser
humano etc.
Importante 1: a PFDC possui uma aba em seu site sobre alimentação adequada, bem como
possui um grupo de trabalho sobre o tema desde 2004. Malgrado a aba não possua conteúdo
relevante, quanto ao grupo de trabalho é possível colacionar as suas linhas de atuação:
Resgatar, divulgar e multiplicar iniciativas institucionais pelo direito à alimentação adequada;
Ampliar o conhecimento e acompanhar a implantação de políticas públicas relacionadas ao
direito à alimentação adequada; Realizar, com a PFDC, atividades extrajudiciais de
acompanhamento e fiscalização do Programa Bolsa Família (PBF) e do Programa Nacional da
Alimentação Escolar (PNAE), na perspectiva da superação de barreiras ao acesso, com
atenção à populações vulneráveis; Estudar e propor formas de atuação pelo acesso à água,
priorizando as populações vulneráveis e pela redução do excesso de sódio nos alimentos
industrializados; Acompanhar e debater Projetos de Lei relacionados ao tema; Acompanhar
a regulamentação e implantação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(SISAN), previsto na Lei Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – a LOSAN; Interagir
com órgãos públicos, conselhos, organismos internacionais e com a sociedade civil
organizada; Acompanhar o funcionamento do SISVAN – Sistema Nacional de Vigilância
Alimentar e Nutricional; Apoiar a participação dos representantes do MPF em Comissões e
Conselhos.
Importante 2: a ESMPU possui um Manual de Atuação sobre o Direito à Alimentação
Adequada, que trata de aspectos gerais do direito, bem como dos vieses específicos (crianças,
gênero, populações tradicionais, migrantes e diversos outros) e contém no Anexo I peças
processuais de atuação na temática, as quais são as mais variadas possíveis – desde
Recomendação para a concessão de bolsa alimentação a ação civil pública para obrigar a
aposição de determinadas informações em alimentos industrializados.

23A. Direitos fundamentais culturais. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à diferença


e ao reconhecimento.

Daniel Medeiros Santos

I) Direito fundamentais culturais

Com a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Assembleia Geral da ONU chamou


a atenção para os direitos culturais, um novo núcleo de direitos, assim considerados por estarem
relacionados aos muitos significados da palavra “cultura”. Pelo menos dois artigos fazem
referência aos direitos culturais – arts. 22 e 27 –, sendo que em um prevalece a abordagem
generalista, ao passo que em outro a mais restrita.
A cultura, em si, pode ser definida como o conjunto dos traços distintivos, materiais e
imateriais, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarca os modos de vida,
as artes, os sistemas de valores, as tradições e as crenças de uma comunidade.
Os direitos culturais, dessa forma, pressupõem a especificação, se não de um rol, ao
menos de categorias de direitos relacionados com a cultura, compreendida a partir de núcleos
concretos formadores de sua substância, como, i.e., as artes, a memória coletiva e o fluxo dos
saberes.
Vale lembrar que os direitos culturais, porque indissociáveis do princípio da dignidade
da pessoa humana, têm o status de direitos fundamentais. São, portanto, de aplicação imediata.

114
A Constituição brasileira é abundante no tratamento da cultura. Poderia, por isso, ser
chamada de “constituição cultural”. Possui seção específica para o tema, em cujo artigo
inaugural – 215 – se lê que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais”.
Para a doutrina especializada, o Estado, ao garantir o exercício dos direitos culturais,
exerce múltiplos papéis, ajustáveis conforme o direito a que se refere. Em gênero, podem
consistir em abstenções e atuações; estas podem ser divididas em prestações e estímulos que,
por seu turno, são positivos ou negativos, conforme se queira incrementar ou inibir certas
práticas. Quando se trata de garantir as liberdades culturais, a abstenção é recomendada; se o
foco é assegurar possibilidades equânimes de criação e difusão, atuações e prestações são
necessárias.

Oportuno salientar que, para José Adércio, é possível identificar uma dimensão cultural
do constitucionalismo democrático. Isso porque o constitucionalismo democrático exige a
retomada da fraternidade como força de ligação entre a liberdade e a igualdade. Ela demanda
uma reconsideração de identidades que se formam em ambiente de alteridade e respeito. As
“identidades nacionais” devem ser consideradas não como fator de exclusão das diferenças, ou
como resultado da tensão entre amigos e inimigos, mas como expressões culturais que têm a
humanidade por substrato e fim.
O constitucionalismo democrático abre-se, assim, para dentro, positivando normas de
promoção da cultura, e para fora, com o reconhecimento da continuidade constitutiva das
diversas manifestações culturais que acabam por revelar a convergência da atitude humana de
dar sentido às coisas e a si. Essa exteriorização pode se dar pela celebração de tratados de
direitos culturais e de proteção do patrimônio cultural, bem como pela declaração expressa
dos próprios textos constitucionais, autorizando-se falar em um “constitucionalismo da
cultura”.

Grande exemplo de tratado internacional extremamente relevante para os direitos


culturais é a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais,
que consagra o dever dos Estados de proteger a diversidade cultural e respeitar a cultura.

Dessa forma, no âmbito da cultura a interpretação das normas deve levar em conta o
pluralismo, a possibilidade de convivência e o menor sacrifício possível, tendo em vista as
exigências de um regime democrático, preocupado com a proteção das minorias.
Devem ser respeitados e oferecidos espaços às diversas concepções culturais, inclusive
a “cultura popular”, caracterizada por manifestações culturais das classes não hegemônicas, que
estão fora das instituições oficiais e que existem independentemente delas.

II) Multiculturalismo e interculturalidade

O multiculturalismo é uma corrente teórica voltada à defesa do direito à diferença


cultural, e preocupada com a preservação das culturas e modos de vida tradicionais cultivados
por grupos minoritários que vivem no interior das sociedades modernas – como os povos
indígenas na sociedade brasileira (Sarmento).
O foco, neste caso, é a preservação das várias identidades culturais existentes na
sociedade, que devem coexistir, afastadas quaisquer pretensões homogeneizantes.

Não há dúvidas de que vivemos em um Estado pluriétnico e multicultural, o que é


reforçado por vários documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a
Convenção 169 da OIT, a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais e, mais recentemente, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos

115
dos Povos Indígenas. Dessa forma, a defesa da diversidade cultural passa a ser, para os Estados
nacionais, um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade da pessoa humana.

A referida diversidade cultural revela-se pelas formas originais e plurais de identidades


dos mais diversos grupos que integram a espécie humana. Ademais, essas formas plurais e
originais de expressões culturais não são estanques, elas interagem e geram intercâmbios
inesperados e inovações criativas.

Nasce a chamada interculturalidade, que consiste no fenômeno da existência e


interação equitativa das diversas culturas, assim como na possibilidade de geração de
expressões culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo. Desse contato,
portanto, podem advir novas práticas culturais.

Questão relevante que possui relação com o tema é a do constitucionalismo latino-


americano ou plurinacional, que possui como ideia central a quebra da forma dos Estados
modernos, tendo em vista que foram idealizados a partir da lógica da homogeneização e
uniformização, ou seja, foram criados com o ideal de negar a diversidade. Com isso, ocorre a
preponderância dos valores europeus e de um processo civilizatório eurocêntrico que determina
a homogeneização de um “modelo de vida”, de “Estado”, de “constituição” e de “direitos
humanos de matriz europeia”.
O novo constitucionalismo plurinacional traz como destaque a diversidade cultural no
âmbito da cultura, da ciência, da economia, entre outros, bem como a constitucionalização
dessa diversidade.
Os marcos do constitucionalismo latino-americano são as constituições do Equador
(2008) e da Bolívia (2009). Há algumas características basilares deste constitucionalismo: a) a
ampla participação popular na elaboração e alteração da constituição; b) o respeito às tradições
indígenas; c) a existência de Estados plurinacionais; d) o rompimento com o colonialismo
constitucional europeu e norte-americano; e e) a igualdade material/fraternal.
Para viabilizar as premissas da igualdade material e multiculturalismo, o Estado poderá
se valer de vários instrumentos, como, i.e., a composição das cortes constitucionais e do
parlamento com a presença obrigatória de indígenas, além da observância da igualdade de
gênero; e a consulta prévia prevista na Convenção 169 da OIT.
Trata-se, portanto, de relevante quebra de paradigma no tocante ao constitucionalismo,
costumeiramente estudado a partir da história da Europa e dos Estados Unidos. Esta ainda é
uma realidade bastante presente nos países que outrora foram colonizados. O novo
constitucionalismo latino-americano é, portanto, uma grande evolução no resgate da identidade
dos seus povos originários.

III) Direito à diferença e ao reconhecimento

A ideia de igualdade no Direito vem com o Iluminismo, com as primeiras constituições,


sob a acepção de uma igualdade puramente formal, que se insurgiu contra privilégios de
nascença, contra diferenças estamentais e contra discriminações jurídicas injustificadas.

Com o surgimento do Welfare state, com as críticas do socialismo, do marxismo, da


doutrina social da igreja e com os movimentos sociais reivindicatórios, o perfil do Estado foi
alterado, e a compreensão da igualdade também. Ao lado da igualdade formal, se incorporou a
ideia de igualdade substancial/material – através dela, o Estado teria que agir para reduzir as
desigualdades, diminuir as assimetrias. Desta forma, por vezes se mostra necessário que o
Estado atue positivamente, discriminando indivíduos, para favorecê-los e fazer com que as
diferenças estigmatizantes deixem de existir.

116
Segundo a socióloga Nancy Fraser, as situações de desigualdade e injustiça resultam,
basicamente, de dois fronts, a distribuição e o reconhecimento. Os problemas de
reconhecimento estariam atrelados a questões precipuamente culturais, uma vez que retratam
o modo como determinadas minorias são enxergadas no contexto social. Já os problemas de
distribuição dizem respeito à seara econômica, uma vez que decorrem de uma partilha não
equitativa das riquezas e recursos na sociedade. Recentemente, Nancy Fraser introduziu mais
um front determinante para se aferir uma situação de igualdade, qual seja, a representação,
uma vez que, na ampla maioria dos casos, as minorias estigmatizadas não possuem
representantes nos órgãos políticos. No caso dos negros no Brasil, por exemplo, podemos dizer
que há uma carência nos três mencionados fronts, que se inter-relacionam e se reforçam
mutuamente.

No tocante ao reconhecimento, podemos dizer que o processo de formação da


identidade tem como pressuposto o reconhecimento recíproco entre sujeitos, de modo que
somente quando um indivíduo vê confirmada sua autonomia pelos demais é que pode chegar a
uma compreensão completa de si mesmo como sujeito social (Hegel).
A ideia original de Hegel foi retomada por autores contemporâneos, como Axel
Honneth, Charles Taylor, Judith Butler e Nancy Fraser. Além disso, o conceito constitui a base
argumentativa do discurso de uma ampla gama de movimentos sociais, que buscam demonstrar
como os padrões dominantes de representação, interpretação e comunicação importam em
dominação cultural (estar sujeito a padrões de interpretação e comunicação associados a
cultura estranha ou hostil), não-reconhecimento (ser considerado invisível pelas práticas
representacionais, comunicativas e interpretativas de uma cultura) e desrespeito (ser difamado
habitualmente em interações cotidianas ou representações públicas estereotipadas). É sob esta
ótica que deve ser enxergado o direito à diferença e ao reconhecimento.
O pano de fundo dos debates sobre reconhecimento é a existência de sociedades
globalizadas e complexas, nas quais a convivência instável de múltiplas visões de mundo colocou
em xeque as hierarquias sociais tradicionais. Ademais, a crise do Estado-nação e das formas
clássicas de democracia representativa reforçou a geração de poderosas identidades coletivas
voltadas ora à transformação (ecologistas, hip-hop, vegetarianos, transexuais), ora à
conservação da ordem tradicional (organizações que pregam o “orgulho branco”, a
interpretação literal da bíblia ou o “retorno aos valores da família”, por exemplo).

O que se espera é que o aprofundamento dos debates sobre o tema contribua


decisivamente para que o reconhecimento se torne um conceito operativo importante na
solução de casos concretos de injustiça contra grupos vulneráveis.

19A. Liberdade de expressão, religiosa e de associação. O princípio da laicidade estatal. Os


direitos civis na Constituição de 1988.

Nilton Santos 02/09/18

1. Liberdade de Expressão

Baseia-se no objetivo do livre desenvolvimento da personalidade humana, calcada na visão


antropocêntrica fundamental e sintetizadora da dignidade da pessoa humana. É intrínseco ao
direito de ser o direito de expressar o ser, já que nossa existência é necessariamente uma
existência expressiva, e negar o direito de expressão (geral e abrangente, ainda que não
absoluto) consiste em negar o direito de ser humano.

A garantia da liberdade de expressão tutela, ao menos enquanto não houver colisão com outros
direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente estabelecidos, toda opinião,
convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer

117
pessoa, envolvendo tema de interesse público, ou não, de importância e de valor, ou não, sendo
certo que, num Estado baseado na concepção de democracia livre e pluralista, não se diferencia
entre opiniões relevantes ou sem maior importância.

Há basicamente duas dimensões do direito à liberdade de expressão: a substantiva (em que se


considera tal liberdade como um valor em si mesmo, uma garantia relacionada à própria
dignidade da pessoa humana – art. 5º, IV e IX da CRFB) e a instrumental ou formal (em que se
considera a liberdade de meios de expressão da manifestação do conteúdo pensado, um
instrumento para a promoção de outros valores constitucionalmente consagrados, como a
democracia, a opinião pública independente e o pluralismo político – art. 220 e seguintes da
CRFB).

Além de possuir o caráter de direito individual, a liberdade de expressão reveste igualmente


natureza de direito coletivo imprescindível ao efetivo funcionamento do regime democrático.

Trata-se de típico direito de abstenção do Estado, e como tal, será exercida, em regra, contra o
Poder Público, não ensejando, ordinariamente, uma pretensão a ser exercida em face de
terceiros.

Entende a doutrina ser possível fracionar o conteúdo da liberdade de expressão em:


• liberdade de expressão em sentido estrito, que engloba o direito individual de manifestação
do pensamento, sentimentos, externar ideias, opiniões, juízos de valor etc.;
• liberdade de informação (liberdade de expressão em sentido amplo), que engloba o direito
individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso da cidadania de ser deles
adequadamente informado (assuntos de interesse geral - comunicação de fatos noticiáveis, cuja
caracterização vai repousar, sobretudo, no critério da sua veracidade);
• liberdade de imprensa, que engloba o direito-dever de os meios de comunicação social
divulgarem fatos e opiniões, envolvendo tanto a liberdade de informação como a de expressão
(dimensão eminentemente coletiva do direito).

Assim, tem-se que as liberdades de informação e expressão, em regra, encerram caráter

Tanto em sua manifestação individual, como na coletiva, em especial, entende-se que as


liberdades de informação e de expressão servem de fundamento para o exercício de outras
liberdades, o que justifica uma posição de preferência (preferred position) em relação aos
direitos fundamentais individualmente considerados.

Para além do tratado, importa salientar que a liberdade de expressão, enquanto gênero, é de
suma importância em qualquer regime que se pretenda democrático. É a sua garantia que
possibilita que a vontade coletiva seja formada através do confronto livre de ideias, em que
todos os grupos e cidadãos tenham a possibilidade de participar, seja para exprimir seus pontos
de vista, seja para ouvir os expostos por seus pares. E é a sua projeção institucional – a liberdade
de imprensa – que confere maior transparência ao funcionamento do Estado, permitindo o
controle dos governantes pelos governados.

OBS: Tendo em vista assuntos cobrados no concurso 28CPR, de ser destacada a visão de
Gustavo Binenbojm, que assevera que alguns direitos individuais relacionados no art. 5º da
CRFB/88 mitigam a dimensão puramente negativa da liberdade de imprensa (art. 220, § 1º).
Dentre eles, merecem destaque especial o direito de resposta (art. 5º inciso V) e o direito de
acesso à informação (art. 5º XIV).

Assim, além de um conteúdo tipicamente defensivo da honra e da imagem das pessoas, ao


direito de resposta cumpre também uma missão informativa e democrática, na medida em que

118
permite o esclarecimento do público sobre os fatos e questões do interesse de toda a sociedade.
Por tal razão, não deve estar necessariamente limitado à prática de algum ilícito penal ou civil
pela empresa de comunicação, mas deve ser elastecido para abarcar uma gama mais ampla de
situações que envolvam fatos de interesse público, devendo ser visto como um instrumento de
mídia colaborativa (collaborative media) em que o público é convidado a colaborar com suas
próprias versões de fatos e a apresentar seus próprios pontos de vista.

Na visão do autor, uma leitura sistemática dos diversos dispositivos constitucionais antes
aludidos, à luz de uma noção de democracia deliberativa inerente ao moderno Estado
democrático de direito, permite concluir não apenas pela constitucionalidade de uma versão
nacional da fairness doctrine, como pela existência de um mandamento constitucional no
sentido da sua implantação.

2. Limitações ao direito de expressão

A liberdade de expressão encontra limites previstos diretamente pelo constituinte11, como


também descobertos pela colisão desse direito com outros de mesmo status, lembrando que
em que caso de ponderação, os direitos ora abordados ocupam preferred position (prioridade
prima facie).

A liberdade de expressão lastreia-se no binômio liberdade-responsabilidade, a exigir daquele


que manifesta seu pensamento e/ou sentimento o respeito aos direitos fundamentais que
coexistem no ordenamento normativo, em especial, a proteção da intimidade e da vida privada,
da honra e da imagem das pessoas, igualmente direitos fundamentais da personalidade.

A restrição mais radical, sempre excepcional e não prevista explicitamente pelo constituinte em
nenhum ponto do texto de 1988, é a proibição prévia da publicação ou divulgação do fato ou da
opinião. Essa é uma modalidade de restrição que elimina a liberdade de informação e/ou de
expressão, reservando-se tal aos raros casos em que não seja possível a composição posterior
do dano que eventualmente seja causado aos direitos da personalidade.

Questões Prova Objetiva 29CPR:


Questão 10 -d) As biografias literárias ou audiovisuais não necessitam de autorização da
pessoa biografada, ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes, porque,
dentre outros fundamentos, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais veda aos
particulares a censura prévia.
VERDADEIRO. ADIN 4.815, 2015. “Ação direta julgada procedente para dar interpretação
conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em
consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de
criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada
relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária
autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de
pessoas falecidas ou ausentes)”. Trecho do voto da Relatora, Carmen Lúcia: “Celebrado como
um dos mais decisivos processos julgados pelo Tribunal Constitucional da Alemanha, em 1958,
o caso Lüth, como é conhecido, alterou a jurisprudência sobre direitos fundamentais (...). Marca

11
Art. 220, §§ 1º, 3º, II e 4º da CRFB e, ainda, previstos no art. 5º da CRFB: vedação ao anonimato (final do
art. 5º, IV); direito de resposta (inc. V); direito à indenização por dano material ou moral à intimidade, à
vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inc. X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inc. XIII); direito ao resguardo do
sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inc. XIV).

119
o movimento em direção à aceitação da teoria da eficácia horizontal das normas
constitucionais”.

3. Liberdade Religiosa

Na liberdade religiosa incluem-se a liberdade de crença, de aderir a alguma religião, e a


liberdade do exercício do culto respectivo. As liturgias e os locais de culto são protegidos nos
termos da lei. Está inserta na liberdade de religião a liberdade de organização religiosa.

A proteção constitucional à liberdade religiosa não se refere à tutela a uma corrente de ideias
ou pensamentos, mas à compreensão de um direito mais amplo de liberdade de consciência,
que assegura a autodeterminação existencial e ética dos indivíduos, que se desdobra em
diversos campos, como o filosófico, o ideológico e o religioso.

O Estado brasileiro não é confessional, mas tampouco é ateu! Por isso, são permitidos, por
exemplo, o ensino religioso em escolas públicas de ensino fundamental, para os alunos
interessados, bem como, admite-se que o casamento religioso produza efeitos civis, na forma
do disposto em lei.

A invocação da liberdade religiosa não pode servir, contudo, de pretexto para a prática de atos
que se caracterizam como ilícitos penais. Nessa linha, o STF decidiu que o curandeirismo não se
inclui no âmbito da liberdade religiosa.

4. O princípio da laicidade do Estado

O Estado brasileiro é laico! Contudo, tal laicidade do Estado não significa inimizade com a fé.
Não impede a colaboração com confissões religiosas, para o interesse público.

Assim, ainda que indigitado princípio imponha a neutralidade estatal em matéria religiosa, tal
premissa não é incompatível com a colaboração entre o Poder Público e representantes das
igrejas e cultos religiosos que vise à promoção do interesse público.

A laicidade estatal revela-se princípio que atua de modo dúplice: a um só tempo, salvaguarda as
diversas confissões religiosas do risco de intervenção abusiva estatal nas respectivas questões
internas e protege o Estado de influências indevidas provenientes de dogmas, de modo a afastar
a prejudicial confusão entre o poder secular e democrático e qualquer doutrina de fé, inclusive
majoritária.

Segundo Daniel Sarmento, laicidade não se confunde com laicismo, já que este representa
verdadeira animosidade do Estado para com a religiosidade, enquanto aquela configura apenas
relação de neutralidade e imparcialidade estatal para com todas as manifestações religiosas, de
maneira a assegurar o exercício igualitário da liberdade religiosa, em um ambiente de pluralismo
religioso e mundividencial. Por isso mesmo, deve o Estado, em alguns casos, adotar
comportamentos positivos, com a finalidade de afastar barreiras e sobrecargas que possam
impedir ou dificultar determinadas opções em matéria de fé.

Cumpre ressaltar que, quanto à adoção de feriados religiosos pelo Estado brasileiro, justifica-se
tal atitude sob o ponto de vista cultural.

Questões Prova Objetiva 29CPR:

Questão 1 – I - O princípio da laicidade, além de impor ao Estado uma postura de


distanciamento quanto à religião, impede que ele endosse concepções morais religiosas.

120
VERDADEIRO. “Além de impor postura de distanciamento quanto à religião, impedem que o
Estado endosse concepções morais religiosas, vindo a coagir, ainda que indiretamente, os
cidadãos a observá-las.” STF. Plenário. ADPF 54/DF. Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. 12/4/2012,
maioria. DJ, 30 abr. 2013.

Questão 1 – II - As religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros direitos


fundamentais, tais como o direito à autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o
direito à privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação
sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução.
VERDADEIRO. “Significam que as religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros
direitos fundamentais, tais como o direito à autodeterminação, o direito à saúde física e mental,
o direito à privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação
sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução. STF”. Plenário. ADPF 54/DF. Rel.: Min.
MARCO AURÉLIO. 12/4/2012, maioria. DJ, 30 abr. 2013.

Questão 1 – III - O ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, é também uma posição
religiosa que não pode ser privilegiada pelo Estado.
VERDADEIRO. “Na verdade, o ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, é também uma
posição religiosa10, que não pode ser privilegiada pelo Estado em detrimento de qualquer outra
cosmovisão”. Inicial da ADI 4439 (ensino religioso).

Questão 1 – IV - O princípio da laicidade impede, no espaço público, manifestações ostensivas


das convicções religiosas de cada qual.
FALSO. O princípio da laicidade não impede, no espaço público, manifestações ostensivas das
convicções religiosas de cada qual. Do contrário seria laicismo, e não laicidade. “Por isso, seria
constitucionalmente inadmissível a aplicação no Brasil de medidas laicistas, incorretamente
adotadas em nome da laicidade, por países como a França e a Turquia, que restringiram certas
manifestações religiosas dos seus cidadãos em espaços públicos, com destaque para a proibição
do uso do véu islâmico por jovens muçulmanas em escolas públicas”. Inicial da ADI 4439 (ensino
religioso).

5. Liberdade de Associação

A liberdade associativa presta-se a satisfazer necessidades várias dos indivíduos, aparecendo,


ao constitucionalismo atual, como básica para o Estado Democrático de Direito. Quando não
podem obter os bens da vida que desejam, por si mesmo, os homens somam esforços, e a
associação é a fórmula para tanto. A personalidade jurídica não é elemento indispensável para
que se reconheça num grupamento de pessoas uma associação protegida constitucionalmente.

O direito de associação está vinculado ao preceito de proteção da dignidade da pessoa, aos


princípios de livre iniciativa, da autonomia da vontade e da garantia da liberdade de expressão.

Sob a expressão, estão abarcadas distintas faculdades, tais como (a) a de constituir associações
(e cooperativas), que não dependam de autorização, (b) a de ingressar nelas, (c) a de abandoná-
las e de não se associar, e, finalmente, (d) a de os sócios se auto-organizarem e desenvolverem
as suas atividades associativas. Merece destaque, ainda, o direito negativo que surge das
previsões constitucionais, consistente na impossibilidade de o Estado limitar a existência da
associação ou pretender interferir em sua vida interna, não podendo, inclusive, dissolvê-la em
definitivo, sob qualquer pretexto, sem que, para tanto disponha de decisão judicial transitada
em julgado.

Quanto à representatividade prevista no art. 5º, XXI, da CRFB, entendeu o STF que a atuação da
associação se dá por intermédio de representação, exigindo, pois, autorização expressa dos

121
representados, por autorizações individuais específicas ou por ata de assembleia, desde que
os estatutos da associação prevejam, como uma das finalidades da entidade, a representação
em juízo dos associados.

A legitimidade para representar em juízo os interesses dos associados restringe-se ao âmbito


cível.

Para o STF, a associação não dispõe de legitimidade para promover interpelação judicial em
defesa da honra de seus filiados, já que o bem juridicamente tutelado, na hipótese, é
personalíssimo.

17C. Direitos sexuais e reprodutivos.

Graal Oral 28º CPR

IGUALDADE DE GÊNERO: A igualdade de gênero está formalmente expressa na


Constituição, erigida a direito fundamental, sendo o primeiro direito fundamental expresso no
rol do art. 5° da CR/88 (inc. I: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição”). De outro lado, a legislação está repleta de leis específicas que
buscam dar a esta igualdade de gênero formalmente reconhecida na Carta, um conteúdo
material, tornando-a efetiva. Por ex., a legislação que regula as relações de trabalho (CLT), que
tenta tornar efetiva a igualdade de gênero. Nos arts. 372 e ss da CLT há dispositivos
especialmente protetivos à mulher trabalhadora, buscando extirpar as diferenças injustificáveis
existentes entre homens e mulheres nas relações de trabalho. Corroborando essa proteção que
busca a igualdade material, a Lei 9.029/95 que proíbe a exigência de atestados de gravidez e
esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência
nas relações de trabalho. Igualmente, no âmbito internacional, o Brasil é signatário da
Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, promulgada
pelo Decreto 4.377/02. Também é válido mencionar a Lei Maria da Penha, como mais um
instrumento de dignidade da mulher, que busca dar concretude material ao comando
constitucional mencionado. FORO ESPECIAL PARA A MULHER: “O inc. I do art. 100 do CPC, com
redação dada pela Lei 6.515/1977, foi recepcionado pela CF/88. O foro especial para a mulher
nas ações de separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende o
princípio da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os cônjuges, RE 227114,
Min. Joaquim Barbosa DIREITOS SEXUAIS - BARSTED, 2010: “O controle da sexualidade sempre
esteve presente no ordenamento jurídico brasileiro como garantidor da constituição da família
heterossexual e da procriação legítima (..). Tal controle levou à criminalização de um conjunto de
comportamentos considerados ‘atentatórios’ à família (adultério), à saúde (contágio de doença
venérea) e liberdade sexual, assim como acarretou a criminalização da prática do aborto, exceto
quando resulta de violência sexual [...] O direito brasileiro, em linhas gerais, apresenta duas
possibilidades no que refere ao exercício da sexualidade: um exercício estimulado para
procriação e constrangido ao âmbito familiar, e um exercício proibido e, por consequência,
criminalizado.” Essa realidade sofreu, e sofre, questionamentos por parte de movimentos
feministas e LGBTs, passando o Estado, paulatinamente, a incorporar nas políticas públicas
cuidados com temas como a prevenção e promoção da saúde, contra o contágio de DSTs; a
aprovação de lei de planejamento familiar (Lei 9.263/96) e ao acolhimento, pelo Ministério da
Saúde e pelo SUS, da cirurgia de mudança de sexo, fruto de ACP movida pelo MPF, que resultou
na edição da Portaria do Ministério da Saúde nº 1.707/08, fixando que a cirurgia para mudança
de sexo (transgenitalização) faria parte da lista de procedimentos do SUS. “Em relação
especificamente às mulheres, a Constituição Federal de 1988 as discriminações na vida familiar
e, em 2003, o novo Código Civil suprimiu as referências ‘as expressões ‘comportamento
desonesto da filha’ e ‘ virgindade da mulher’, inseridas no Código Civil de 1916. [...] No campo
da proteção contra violação de direitos, a ratificação de diversas convenções internacionais,

122
como a Convenção de Belém do Pará para prevenir, punir e erradicar a violência contra a
mulher (...). A partir de 2003, novas demandas por proteção foram introduzidas na legislação
penal, que implicaram o reconhecimento da ilicitude do assédio sexual, do tráfico de pessoas,
da tipificação explícita do estupro marital e de maior severidade para os crimes sexuais.” (Idem).
“Em 2005, a Lei 11.106 alterou diversos artigos do CP, na maioria claramente discriminatórios.
Assim, por ex., o art. 5º dessa lei declara revogados os incisos VII e VIII do art. 107, que
considerava extinta a punibilidade do estuprador que se casasse com a vítima. [...] No terreno
da descriminalização, os avanços foram poucos. Assim, a legislação penal restringiu-se apenas
à descriminalização do adultério, deixando de fora a demanda pela descriminalização do
aborto
voluntário
Segundo PIOVESAN, quatro princípios devem orientar direitos sexuais e reprodutivos: (a)
universalidade (b) indivisibilidade (c) diversidade e (d) democrático.
DIREITOS REPRODUTIVOS: SIEGEL afirma que “(...) a abordagem baseada na igualdade de
gênero para direitos reprodutivos considera o controle sobre quando ser mãe como crucial para
o status e bem-estar das mulheres”. Nos termos do art. 226, § 7.º, fundado nos princípios da
dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é de livre
decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas. De acordo com o art. 2.º da Lei n. 9.263/96 (regula o § 7.º do art. 226 da CF/88),
entende-se por planejamento familiar “... o conjunto de ações de regulação da fecundidade que
garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem
ou pelo casal”. Nesse sentido, destacamos duas ações do Estado: a) distribuição de
preservativos: não só no carnaval, mas durante todo o ano, o que materializa o comando do
art. 226, § 7.º; b) distribuição da “pílula do dia seguinte”: A pílula anticoncepcional de
emergência é um recurso anticoncepcional para evitar uma gravidez indesejada. Não é abortiva,
pois não interrompe uma gravidez estabelecida e seu uso deve se dar antes da gravidez. Os
estudos disponíveis atestam que ela atua impedindo o encontro do espermatozoide com o
óvulo, seja inibindo a ovulação, seja espessando o muco cervical ou alterando a capacitação dos
espermatozoides. Portanto, o seu mecanismo de ação é basicamente o mesmo de outros
métodos anticoncepcionais hormonais (pílulas e injetáveis). (Nota Técnica do Ministério da
Saúde).
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E REPROPOSITURA DA AÇÃO: STF reconheceu
repercussão geral na possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade,
quando anterior demanda idêntica entre as mesmas partes foi julgada improcedente por falta
de provas em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o
exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. Há relativização da coisa
julgada estabelecida nesses casos. Não devem ser impostos óbices de natureza processual à
busca da identidade genética (direito fundamental), que emana do direito de personalidade, e
envolve a efetividade do direito à igualdade entre os filhos, do princípio da paternidade
responsável. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto
com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa
identificada. (RE 363889, Dias Toffoli, 2.6.11, Plenário)
ADPF 54: Inf. STF 661: “inescapável o confronto entre, de um lado, os interesses legítimos
da mulher em ver respeitada a sua dignidade e de outro, os de parte da sociedade que desejasse
proteger todos os que a integrariam, independente da condição física ou viabilidade de
sobrevivência. [...]o tema envolveria a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a
autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente os
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”. Ao final, o STF julgou procedente a ADPF para dar
aos dispositivos do CP que proíbem o aborto, interpretação conforme, impendido qualquer
leitura dos aludidos dispositivos da lei penal, que pudessem entender como criminosa a conduta
da mulher que promove a interrupção terapêutica do parto em face da anencefalia do feto
devidamente diagnosticada. É importante frisar ainda que a questão conta com parecer de

123
DEBORAH DUPRAT pela procedência da demanda. Quanto à questão da autonomia reprodutiva
da mulher, consignou a examinadora que “a questão em debate nestes autos envolve a
autonomia reprodutiva da mulher, que tem como fundamento constitucional nos direitos à
dignidade, à liberdade e à privacidade. É evidente que essa autonomia não é de natureza
absoluta. Entendo que a ordem constitucional também proporciona proteção à vida potencial
do feto – embora não tão intensa quanto à tutela da vida após o nascimento -, que deve ser
ponderada com os direitos humanos das gestantes para o correto equacionamento das questões
complexas que envolvem o aborto”.

13C. Princípio da isonomia. Ações afirmativas. Igualdade e diferença. Teoria do impacto


desproporcional. Direito à adaptação razoável.

Atualizado por Sarah Cavalcanti

I. Princípio da isonomia. Igualdade e diferença.

1ª fase: igualdade formal - prevaleceu no constitucionalismo liberal. Igualdade perante a lei. É a


ideia de lei igual para todos – não existem mais distinções em razão de privilégios de berço. Deu-
se primeiro no plano das ideias, depois no plano prático.

2ª fase: igualdade material - prevaleceu no constitucionalismo social. Igualdade na lei (no seu
conteúdo). Exemplo clássico de luta em torno da igualdade: direitos do trabalhador. É a ideia de
desigualar, de forma a equiparar os econômica ou culturalmente mais fracos aos mais
privilegiados. Há mudança profunda acerca do conceito de pessoa. Tratam-se desigualmente os
desiguais, observado o princípio da proporcionalidade.

3ª fase: igualdade como reconhecimento - segundo essa visão, há direito a ser igual quando a
desigualdade inferioriza. Fala-se em um direito à equiparação. Por outro lado, há o direito a ser
diferente quando a igualdade descaracteriza. Aqui está, por exemplo, o fundamento da proteção
dos índios: tratá-los como iguais descaracteriza sua cultura.

II. Ações afirmativas.

O Min. Ricardo Lewandowski, no julgamento da ADPF 186/DF, elucidou o conceito de


ações afirmativas, afirmando “que seriam medidas especiais e concretas para assegurar o
desenvolvimento ou a proteção de certos grupos, com o fito de garantir-lhes, em condições de
igualdade, o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais”.

Deborah Duprat: A CR/88 insere-se no modelo do constitucionalismo social, no qual não


basta, para observância da igualdade, que o Estado se abstenha de instituir privilégios ou
discriminações arbitrárias. Pelo contrário, “parte-se da premissa de que a igualdade é um
objetivo a ser perseguido através de ações ou políticas públicas, que, portanto, demanda
iniciativas concretas em proveito dos grupos desfavorecidos” (Sarmento).

Muitos dos preceitos relacionados com a igualdade foram redigidos de forma a denotar
a necessidade de ação. A própria Constituição, aliás, consagrou expressamente políticas de ação
afirmativa em favor de segmentos sociais em situação de maior vulnerabilidade. Para citar os
dois exemplos mais evidentes, o art. 7º, XX, da Carta (incentivo para inserção da mulher), bem
como o seu art. 37, VIII (reserva de vagas a pessoas com deficiência).

Direito antidiscriminação: (i) perspectiva antidiferenciação - combater a discriminação


com tratamento neutro – sem ações afirmativas. (ii) perspectiva antisubordinação - combater a
discriminação com atuação apta a superá-la, com ações afirmativas. Esta é mais harmônica com

124
o sistema de valores em que se assenta a Constituição e com a nossa realidade.

Cotas para negros nas universidades: há 2 teses: (i) as cotas promovem a isonomia
porque são uma reparação por injustiças históricas. Além disso, há necessidade de promoção de
igualdade de oportunidades; (ii) as cotas estimulam o ódio racial; o critério meritocrático é o que
envolve o acesso à universidade pública; como definir quem é negro?

O fato de haver uma única raça não significa que o racismo não existe. Isso porque ele
remanesce a partir de concepções sociais, culturais e políticas. Promoção do pluralismo: vivemos
em um país que tem como uma das suas maiores riquezas a diversidade étnica e cultural. Porém,
para que todos se beneficiem dessa valiosa riqueza, é preciso que haja um contato real e
paritário entre pessoas de diferentes etnias. É necessário romper com o modelo informal de
segregação, que exclui o negro da universidade, confinando-o a posições subalternas na
sociedade, especialmente no ensino. As políticas de ação afirmativa baseadas em critérios raciais
no ensino superior também são positivas na medida em que quebram estereótipos negativos.

Ativismo judicial: quando o Judiciário se depara com normas e medidas que visam a
favorecer grupos minoritários e hipossuficientes, a sua postura deve ser diferente. Não deve o
Poder Judiciário frear as iniciativas inclusivas, convertendo-se no guardião de um status quo de
assimetria e opressão, a não ser quando haja patente afronta à Constituição.

Portanto, as políticas de cotas não ofendem a nenhum dos subprincípios em que se


desdobra o princípio da proporcionalidade. Quanto à adequação, é evidente que, se o objetivo
é promover a inclusão dos negros no ensino superior, a medida encetada é idônea, porque se
propõe exatamente a tal fim. No que tange à necessidade, não se vislumbra, a priori, qualquer
outra medida que promova, com a mesma intensidade, a finalidade perseguida. Quanto à
proporcionalidade em sentido estrito, cumpre atentar para o valor que tem o acesso ao ensino
superior na emancipação real dos afrodescendentes no Brasil. Em um quadro social de brutal
exclusão do negro, e no marco de uma Constituição que tem como meta a conquista do
pluralismo e da igualdade material e o combate ao preconceito e ao racismo, deve-se reconhecer
a extraordinária importância da promoção dos interesses subjacentes à medida em discussão, na
escala dos valores constitucionais.

Em 2014, foi editada a Lei nº 12.990, estabelecendo a reserva de vagas para pessoas
negras nos concursos da Administração Pública Federal. Em 2016, foi proposta ADC pela OAB,
julgada procedente pelo STF. Na ocasião, a Corte enfrentou a questão das cotas raciais nos três
planos do direito à igualdade, tal como compreendido na contemporaneidade: a) formal; b)
material; e c) como reconhecimento (ADC 41/DF, Info 868, STF). Decidiu, ainda, que a lei aplica-
se aos concursos do MPU e da DPU, mas não incide nos concursos realizados pelos Estados, DF
e Municípios. Obs.: Foi o tema da dissertação de direito administrativo e ambiental do 29ºCPR.

III. Teoria do impacto desproporcional

Essa teoria (“disparate impact doctrine”) é muito utilizada por Daniel Sarmento e
Deborah Duprat em ações ajuizadas pelo MPF. A teoria atua no plano da aplicação do Direito, e
não no plano propriamente do conteúdo das normas. As violações à igualdade não são tão
flagrantes, por isso precisamos aguçar nossa percepção para perceber se uma norma tem
conteúdo genérico e abstrato, mas sua aplicação desfavorece sistematicamente uma minoria
estigmatizada. Em outras palavras, a teoria do impacto desproporcional prega a necessidade de
se analisar os efeitos concretos de certos atos que, em princípio, seriam neutros, mas que
revelam, indiretamente, discriminação contra minorias.

Na ADIN 1946, o STF, embora sem citar diretamente a teoria, entendeu que o teto da

125
Previdência em relação a benefícios previdenciários, embora fosse, a princípio, neutro,
prejudicaria as mulheres ao ser aplicado à licença- maternidade. Isso desestimularia a sua
contratação, pois os empregadores teriam que arcar com a diferença salarial enquanto a
empregada usufrui do benefício.

IV. Direito à adaptação razoável

Amplamente ligado às ações afirmativas, o direito à adaptação razoável encontra


previsão expressa no bloco de constitucionalidade brasileiro, eis que previsto no art. 2º da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU. Segundo a Conveção,
“adaptação razoável “significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não
acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de
assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais”.

O direito à adaptação razoável, de origem estadunidense, se faz presente naquelas


situações em que a normativa geral de entes públicos ou particulares é excepcionada para
superar obstáculos advindos da condição física ou mental de determinados sujeitos. Um exemplo
prático ocorre na necessidade de os empregadores provarem que apenas não contratarão
pessoas com deficiência se não tiverem condições de recebê-los e acomodá-los de forma
razoável, sem ônus desproporcional ou indevido, nos ambientes de trabalho. Em contraposição
ao direito de adaptação ou acomodação razoável, surge o ônus imposto pelo Estado à autonomia
privada, que é tema de debates calorosos na jurisprudência internacional. Todavia, no Brasil,
como a adaptação razoável tem sede constitucional, sua concretização se faz a partir da
hermenêutica inclusiva que permeia todos os debates constitucionais, não havendo que se falar
na imposição de limites ou condicionamentos que esvaziem o próprio direito. Assim, a discussão
sobre o ônus indevido, principalmente na democracia substancial que vige no Brasil, deve ser
reduzida, para que se fortaleça o direito à adaptação razoável de minorias nos espaços públicos
e privados, abandonando-se a cultura assimilacionista.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n° 13.146/2015) também trouxe previsão


expressa a respeito do direito à adaptação razoável (art, 3º, inc. VI). Seus arts. 28, § 1º, e 30
determinam que as escolas privadas ofereçam atendimento educacional adequado e inclusivo
às pessoas com deficiência sem que possam cobrar valores adicionais de qualquer natureza em
suas mensalidades, anuidades e matrículas para o cumprimento dessa orbrigação, tendo sido
considerado constitucional pelo STF (ADI 5357, Info 829, STF).

23C. Direitos fundamentais processuais: acesso à justiça, devido processo legal, contraditório,
ampla defesa, vedação de uso de provas ilícitas, juiz natural e duração razoável do processo.

Nilton Santos 19/09/18

1. Introdução - Direitos fundamentais processuais:


Tendo em vista que hodiernamente vivemos sob o modelo de Estado fundado na
Constituição (Estado Constitucional), o processo tem que ser construído para bem tutelar os
direitos fundamentais (relação entre processo e a acepção subjetiva dos direitos fundamentais)
e tem de ser estruturado de acordo com as normas de direitos fundamentais (relação entre
processo e a acepção objetiva dos direitos fundamentais). É nesse cenário, que se apresentam
os Direitos fundamentais processuais.
1.1. Acesso à justiça
Constitui direito fundamental reconhecido em diversos documentos internacionais e
também incorporado aos ordenamentos constitucionais de diversos países que adotaram como
regime político a Democracia. Na CRFB/88, o acesso à Justiça foi alçado à garantia de direito

126
fundamental individual (art. 5º, XXXV), voltada a proteger o cidadão contra lesão ou ameaça
(tutela de prevenção ou inibitória) proveniente do Poder Público ou de particulares.
Mauro Cappelletti e Bryant Garth dividem o estudo do “acesso à Justiça” em três
momentos bastante definidos, a que denominam “ondas de acesso à justiça”. • A 1ª onda
voltou-se essencialmente para garantir o acesso de pessoas economicamente desfavorecidas ao
Judiciário, o que foi feito através de mecanismos de assistência judiciária gratuita e
eliminação/redução dos custos de acesso ao sistema judicial (no Brasil, a edição da Lei nº
1.060/50) e criação de órgãos estatais incumbidos de assistir a população (v.g. Defensoria
Pública). • A 2ª onda é marcada pela preocupação de ofertar mecanismos de proteção aos
direitos supraindividuais, vocacionados à tutela da defesa do meio-ambiente, dos
consumidores, do patrimônio cultural, histórico e artístico, moralidade administrativa. • A 3ª
onda de acesso caracterizou-se pelo fomento às medidas de efetivação de direitos por meio de
mecanismos alheios à estrutura judicial do Estado, resgatando os meios extrajudiciais de
composição dos conflitos (arbitragem, juízos de conciliação, mediação).
Como medidas concretas para a garantia de acesso à Justiça merecem assento: a)
assistência técnica jurídica, inclusive por meio de gratuidade; b) simplificação dos
procedimentos; c) padronização de formulários para proposituras de determinadas ações; d)
rápida colheita de provas; e) medidas de gestão de processos (ex: prioridade de tramitação); f)
fomento à adoção de formas alternativas de resolução de conflitos; g) difusão de informação e
conhecimento, notadamente em relação às vítimas de atos criminosos; h) estímulo às formas
próprias de justiça na resolução de conflitos surgidos no âmbito da comunidade indígena; i)
utilização de termos e estruturas gramaticais simples e compreensíveis nas
intimações/notificações; j) garantia de assistência por pessoal especializado (profissionais em
Psicologia, Trabalho Social, intérpretes, tradutores) e segurança pessoal; l) proteção à
intimidade (imagem e dados) das pessoas em situação de vulnerabilidade; m) colaboração entre
os atores intervenientes no processo judicial; n) adoção de medidas de cooperação
internacional, inclusive com Organizações Internacionais e Agências de Cooperação; o)
utilização de manuais de boas práticas setoriais/ p) uso de novas tecnologias (ex: processos
eletrônicos).
1.2. Devido processo legal
Possui origem na previsão contida na Magna Carta de João Sem Terra, de 1215, que
utilizava a expressão “law of the land”, tendo surgida a expressão “due process of law” para
designar o devido processo legal somente em lei inglesa do ano de 1354. Foi na CRFB/88 que o
termo “devido processo legal” foi cunhado, constitucionalmente, pela primeira vez no Brasil.
O devido processo legal encerra a ideia de um processo em conformidade com o direito
como um todo, com a lei em sentido amplo, abrangendo a CF. É uma cláusula geral, estando
previsto no artigo 5º, LIV, da CF.
Trata-se de supraprincípio/princípiobase/protoprincípio, norteador de todos os demais
que devem ser observados no processo, além se aplicar atualmente como fator limitador do
poder de legislar da Administração Pública, bem como para garantir o respeito aos direitos
fundamentais nas relações jurídicas privadas.
É percebido sob duas óticas: devido processo substancial (“substantive due process”) e
devido processo legal formal (“procedural due process”).
No sentido substancial, diz respeito ao campo de elaboração e interpretação das
normas jurídicas, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável e ditando uma
interpretação razoável quando da aplicação concreta das normas jurídicas. No sentido formal,
encontra-se a tradicional definição constitucional do princípio, dirigido ao processo em si,
obrigando-se o juiz no caso concreto a observar os princípios processuais na condução do
instrumento estatal oferecido aos jurisdicionados para a tutela de seus direitos materiais.
Contemporaneamente, o devido processo legal vem associado à ideia de um processo justo,
que permite a ampla participação das partes e a efetiva proteção de seus direitos.
Processo para ser devido deve ser: adequado, leal, efetivo, público, paritário,
tempestivo.

127
Como um dos corolários do direito em tela, tem-se o contraditório, entendido em dua
dupla dimensão (formal e substancial). A dimensão formal do princípio do contraditório é a que
garante as partes o direito de participar do processo; é o direito de ser ouvido (de participar).
Em uma acepção material, substancial, o contraditório é o poder de influência, a qual garante
às partes o direito de intervir/influenciar no conteúdo da decisão, não basta mera participação.
Assim, o contraditório se revela como a necessidade de se dar conhecimento da
existência da ação e dos atos do processo ou procedimento às partes ou interessados, bem como
a possibilidade de ofertarem reação aos atos que lhe sejam desfavoráveis, de maneira que
tenham a possibilidade de influenciar a decisão do magistrado.
No tocante à ampla defesa, que corresponde ao aspecto substancial do contraditório,
tem-se como o conjunto de meios adequados ao exercício deste. Expressa-se pela defesa
técnica (efetuada por profissional) e pela autodefesa (realizada pelo próprio imputado e
consiste em direito de audiência, ou seja, ser ouvido, e direito de presença aos atos. No processo
Penal ela é mais veemente) – que se complementam, uma não suprindo a outra.
Ademais, integra a ampla defesa: - o direito de conhecer a argumentação da parte
contrária; o direito de contra-argumentar; - o direito de provar a contra-argumentação; - o
direito de recorrer, no caso de não acolhimento da contra- argumentação.
1.3. Vedação de uso de provas ilícitas
A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual
se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios
ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que
tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções
concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo.
No direito brasileiro o uso de prova ilícita é vedado, tanto em sede constitucional (art.
5°,LVI), quanto legal (art. 157 do CPP), visando, sobretudo a segurança jurídica ao processo, além
de proteger as garantias fundamentais do indivíduo, tendo, inclusive, delimitado quais tipos de
provas poderiam ser aceitas no processo.
Embora não haja positivação a respeito, a doutrina costuma traçar a seguinte
diferenciação: provas ilícitas são aquelas que violam disposições de direito material ou
princípios constitucionais. Por outro lado, provas ilegítimas são as que violam normas
processuais e princípios constitucionais da mesma espécie.
Assim, a regra é a inadmissibilidade da prova ilícita em forma de garantia constitucional.
Contudo, não se pode sustentar que a garantia constitucional à prova ilícita seja ilimitada e
absoluta, na medida em que existem hipóteses extremas e excepcionais onde, com a aplicação
da ponderação, e a consequente proporcionalidade, poderá ser suprimida, como nos casos de
Legítima Defesa e Estado de Necessidade.
Para reforçar a ideia da admissibilidade excepcional da prova ilícita, o Estado deve
exaltar o princípio de valor máximo da ordem jurídica brasileira, que é o da dignidade da pessoa
humana, bem como dos direitos fundamentais, que podem variar diante do caso concreto.
Ademais, tem-se que o princípio da liberdade probatória não é absoluto. A Carta Magna,
no seu art. 5º, inciso LVI, traz o principal obstáculo, consagrando a inadmissibilidade, no
processo, das provas obtidas por meios ilícitos. A prova é taxada como proibida ou vedada toda
vez que sua produção implique violação da lei ou de princípios de direito material ou processual.
Teorias sobre o tema provas ilícitas: 1. Teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits
of the poisonous tree): O meio probatório que, não obstante produzido validamente em
momento posterior, encontra-se afetado pelo vício da ilicitude originária, que a ele se transmite
contaminando-o por efeito de repercussão causal. 2. Teoria da fonte independente
(independent source doctrine): se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve
legitimamente novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que
não guarde qualquer relação de dependência, nem decorra da prova originariamente ilícita, com
esta não mantendo vínculo causal, tais dados probatórios são admissíveis, pois não
contaminados pelo vício da ilicitude originária. Essa teoria é aplicada pelo STF (HC 83.921) e pelo
STJ (RHC 90.376). 3. Teoria da descoberta inevitável: aplicável caso se demonstre,

128
concretamente, que a prova derivada da ilícita seria produzida de qualquer maneira,
independentemente da prova ilícita originária. Sustenta-se que sua previsão legal estaria no art.
157, § 2º, CPP. 4. Teoria do nexo causal atenuado: opera-se quando um ato posterior,
totalmente independente, retira a ilicitude originária. 5. Teoria do encontro fortuito de provas
(serendipidade): aplica-se quando a autoridade policial, cumprindo uma diligência, casualmente
encontra provas que não estão na linha de desdobramento normal da investigação. Se esse
encontro for casual, a prova será lícita; se houver desvio de finalidade, a prova será ilícita (veja-
se, no STF, o HC 83.515).
Segundo o STF são consideradas ilícitas as provas produzidas a partir da quebra dos
sigilos fiscal, bancário e telefônico, sem a devida fundamentação.
1.4. Juiz natural
É extraído do devido processo legal e dos incisos XXXVII e LIII, do art. 5º, da CF.
O processo, para ser devido, deve ser conduzido por um juiz natural, que é aquele
independente, imparcial e competente, de acordo com critérios objetivos e abstratos
previamente estabelecidos em lei.
Pode ser analisado sob duas dimensões: formal e material.
 dimensão formal – juiz natural é aquele pré-constituído e individualizado e com
competência previamente estabelecida em lei, com base em critérios objetivos e abstratos.
Implica em duas vedações: i) poder de comissão (art. 5º, XXXVII, CRFB) – criação de juízos ou
tribunais excepcionais e extraordinários para o julgamento de determinado caso; ii) poder de
avocação ou evocação (art. 5º, LIII, CF) – alteração/derrogação de regras pré-determinadas de
competência.
OBS: Não é vedado o poder de atribuição, sendo legítima e corriqueira a criação de justiças e
juízos especializados para julgamento de matérias ou atos determinados, visto serem
previamente instituídos e com competência pré-definida.
 dimensão material – juiz natural é aquele imparcial e independente, que atua livre de
quaisquer pressões ou influências, sujeitando-se apenas ao ordenamento jurídico.
Admais, conforme decidido pela jurisprudência, não viola o princípio do juiz natural, se
instituído em lei e conforme a Constituição:
i) definição de competência por prerrogativa de função;
ii) instituição de câmaras de férias nos tribunais;
iii) convocação de juiz de primeira instância para atuar em tribunal e os conseqüentes
julgamentos, ainda que a maioria do Colegiado reste integrado por magistrados de primeiro grau
convocados.
1.5. Duração razoável do processo
Trata-se de conceito aberto e indeterminado.
A Corte Europeia dos Direitos do Homem que erigiu os critérios que devem nortear a
determinação do que seria um lapso de tempo razoável para a duração do processo a ser
aplicada em cada casuísmo concreto, quais sejam: a) complexidade do assunto; b) o
comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo;
c) a atuação do órgão jurisdicional. Tal doutrina é denominada de doutrina do não prazo.
Há defensores da doutrina do prazo, a partir da qual haveria a fixação legal de prazos ,
razoáveis e proporcionais, para a prática de atos processuais.
A partir da EC nº 45/04, erigiu o princípio em tela a direito fundamental explícito na
CRFB, estendendo, inclusive, aos processos administrativos a sua incidência.
De fato, o processo não precisa necessariamente ser célere, mas deve demorar o tempo
necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional.
Assim, o processo, para ser devido, precisa de tempo para realizar-se – tempo adequado
e necessário para que se assegurem as garantias mais basilares de nosso Estado Democrático de
Direito - , ou seja, para que as partes se defendam, produzam provas, valham-se dos recursos
de lei, obtenham decisões fundamentadas etc., mas sem excessos e desproporcionalidade.

129
Com efeito, a proporcionalidade é que balanceia os valores do tempo necessário x
aceleração necessária perseguindo os resultados justos e efetivos, cuja ponderação resulta no
que se espera ser o tempo razoável de duração do processo!

15A. Controle jurisdicional e social das políticas públicas. Serviços de relevância pública. O
papel do Ministério Público.

Oswaldo Costa

INTRODUÇÃO: A Política pública é instituto multidisciplinar, geralmente estudado entre os


cientistas políticos. BUCCI oferece um conceito operacional para o campo do direito: “Política
pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de
processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo
de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo
judicial – visando coordenar os meio dispostos à disposição do Estado e as atividades
privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos
definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua
consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados.” (BUCCI,
2006, p. 39) Em resumo: i) conjunto organizado e planejado de ações; ii) visando a consecução
de objetivos coletivos relevantes.

CONCEITO: Por políticas públicas entende-se o conjunto de atividades do Estado tendentes a


seus fins, de acordo com metas a serem cumpridas, ou seja, trata-se de um conjunto de normas
(Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e decisões (Poder Judiciário) que visam à realização
dos fins primordiais do Estado. Como toda atividade política (políticas públicas) exercida pelo
Legislativo e pelo Executivo deve compatibilizar-se com a Constituição, mesmo os chamados
“atos de governo” ou “questões políticas” estão sujeitos ao controle do Poder Judiciário, sob o
prisma do atendimento aos fins do Estado. (art. 3°, CRFB). As 'políticas públicas' configuram
um conjunto de decisões administrativas dirigidas a satisfazer as necessidades sociais e
individuais, com menor esforço, diante de um quadro de carência de meios, exteriorizadas por
meio de atos ou omissões administrativas". Nessa linha de raciocínio, as políticas
públicas devem buscar a justiça distributiva.

CICLO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: Em ciência política, as fases de desenvolvimento das políticas
públicas são: I) formulação (definição de necessidades e projetos);II) execução ;
III) fiscalização (que pode ser prévia, concomitante e posterior).

INSTRUMENTOS: Do ponto de vista jurídico as políticas públicas são um conjunto heterogêneo


de medidas, podendo se expressar em distintos suportes, v.g, disposições constitucionais, leis,
em normas infralegais (decretos, portarias) e até mesmo em instrumentos jurídicos de outra
natureza como contratos de concessão.

CONTROLE JURISDICIONAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: o STF, inicialmente, não se mostrou


favorável ao controle de políticas públicas, sob vários argumentos: normas programáticas (STF,
RE 264.269 - corroborando entendimento do STJ (ROMS 6.564/RS), entendeu que o direito à
saúde é norma programática de eficácia limitada, não gerando direito subjetivo), violação à
separação dos poderes, teoria das questões políticas e discricionariedade administrativa (STF,
ADI 4/DF - considerou não auto-aplicável a antiga norma do art. 192, § 3º, que limitava a taxa
de juros reais em 12% a.a.),inutilizando o mandado de injunção (STF, MI 107 - o único efeito
possível da decisão seria a conferição de ciência ao órgão legislativo responsável). Desde a
ADPF 45 a corte firmou o entendimento pela possibilidade de controle das políticas públicas,
o que chegou ao paroxismo no caso da saúde. Exatamente nesse campo verifica-se hoje em

130
dia uma tentativa de maior diálogo com a administração e o estabelecimento
de standards capazes de não permitir uma judicialização excessiva. (cf. tópico 19 c)
STF, ADPF n. 45-9, Min. Celso de Mello, - “não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções
institucionais do P. Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular
e de implementar políticas públicas (José Carlos Vieira de Andrade, ‘Os Direitos Fundamentais
na Constituição Portuguesa de 1976, p. 207, item n.05, 1987, Almeida, Coimbra), pois nesse
domínio, o encargo reside, primeiramente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal
incumbência [...] poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais
competentes, por descumprirem os encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem, vierem
a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou
coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas
de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou
esta Suprema Corte – que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política
‘não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder
Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de
maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de
infidelidade governamental ao que determina a própria Lei do Estado”. O Poder Judiciário
poderá interferir em políticaspúblicas, quando provocado, mas a intervenção requer, como um
imperativo ético-jurídico, a presença dos seguintes requisitos: (a) o limite fixado pelo mínimo
existencial a ser garantido ao cidadão; (b) razoabilidade da pretensão individual/social
deduzida em face do Poder Público; (c) a existência de disponibilidade financeira do
Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.

Gustavo Binenbojm: Fala que o controle judicial da administração pública deve ter em vista os
“graus de vinculação à juridicidade”: regras – alto grau de vinculação à juridicidade; conceitos
jurídicos indeterminados – vinculação média; princípios – baixa vinculação (controle deve ser
exercido em razão do atingimento ou não dos das finalidades expressas pelo princípio). Nessa
lógica se incluem as políticas públicas. Além, disso, o controle deve observar também a
complexidade técnica da questão: “Com efeito, naqueles campos em que, por sua alta
complexidade técnica e dinâmica específica, falecem parâmetros objetivos para uma atuação
segura do Poder Judiciário, a intensidade do controle deverá ser tendencialmente menor”.

CONTROLE SOCIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: Tem bases na teoria de Rousseau que atribuiu
ao povo o poder de controlar as ações do Executivo. Entende-se por controle social das
políticas públicas o compartilhamento do poder de decisão entre Estado e sociedade sobre as
políticas, um instrumento e uma expressão da democracia e da cidadania, ou seja, é a
possibilidade de a sociedade intervir nas políticas públicas. O direito à participação popular na
formulação de políticas públicas e no controle das ações do Estado está consagrado na Carta
Constitucional e em leis específicas. Exemplos de normas com previsão de instâncias de
consulta e deliberação cidadãs: (a) Artigos 29, XII, 194, VII, 198, III, 204, II, da CR; (b) ECA; (c)
Estatuto da Cidade; (d) LOAS; (e) Política da Saúde (Lei n. 8.080/90); (f) LRF – art. 48 (Orçamento
Participativo); (g) Conselhos gestores de políticas públicas (Leis n. 8.142/90, 9.424/96, etc.).
Há, também, outras formas de participação não institucionalizada na gestão, como os Fóruns e
as Audiências Públicas. Junto ao controle social encontramos o que a doutrina denomina
de accountability, que é um atributo inerente ao Estado e fundamental para qualquer sistema
político democrático, onde a sociedade ou o indivíduo possui o direito e o dever de conhecer
os passos dados em seu nome pelo Poder Público, devendo funcionar como um mecanismo
hábil no combate ao desvio de conduta da gestão pública. Será horizontal quando realizada
por órgãos do próprio Estado; vertical, quando realizada pela própria sociedade.

SERVIÇOS DE RELEVÂNCIA PÚBLICA: segundo o art. 129 (inc. II) da CF, são funções
institucionais do MP: “II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas

131
necessárias a sua garantia”. A expressão em tela qualifica os serviços que, embora não
prestados diretamente pelo Estado (ou, pelo menos, não necessariamente pelo Estado), são
marcados pela importância, necessidade e essencialidade para o Poder Público e para a
sociedade. Ex: saúde, educação, etc. (ainda que haja divergência doutrinária a respeito).

MINISTÉRIO PÚBLICO, JUDICIÁRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS: Sendo as políticas públicas


instrumento por excelência para a promoção dos direitos fundamentais e incumbindo ao MP
a proteção dos direitos sociais e individuais indisponíveis, assim como zelar pelo efetivo
respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art. 127 e 129, II CF),
afigura-se clara a importante missão do MP na fiscalização, controle e promoção das políticas
públicas estatais. No campo não judicial destacam-se os instrumentos de
negociação/preventivos do MP, tais quais: a) instauração inquéritos civis e de procedimento
administrativos correlatos (art. 129, inc. III CF, art. 7o, inc. I da LC 75/93, art. 9o da Lei 7.347/85
e Res. 23 CNMP); b) expedição de notificação a autoridades (art. 8º, I, LC 75/93), c) requisição
de instauração de providências investigatórias e procedimentos administrativos (art. 7º, II e III
LC 75/93) e de informações e documentos de entidades pública e privadas (Art. 8, II e IV da LC
75/93), d) expedição de recomendações (6º, inc. XX da LC 75/93 e art. 80 da Lei 8.625/93),e)
celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) (art. 5o, § 6o da Lei 7.347/85
LACP), f) realização de audiências públicas e participação em grupos interinstitucionais, além
do diálogo e interlocução direta com parlamentares, representantes da sociedade civil e
demais setores interessados. No campo judicial, vide o exposto acima em Controle jurisdicional
das políticas públicas.

OBSERVAÇÃO: a fim de não violar o princípio democrático, não cabe ao Ministério


Público formular políticas públicas, mas sim fiscalizar e controlar sua execução, pautando-se
na "reserva da consistência" (a política pública deve ter cuidadosa fundamentação jurídica e
fática). Nessa esteira, basta que a política pública desenvolvida ou omitida seja ilegítima, ilícita
ou inconstitucional para ser controlada.
Se a finalidade da política pública for eleita pela Administração Pública, estaremos tratando
de controle de gestão. Acaso a finalidade perseguida pela política pública seja imposta pela
Constituição e pelas leis, tratar-se-á de controle de legalidade. A atuação do Ministério Público
no controle de legalidade não possui maiores novidades. O Ministério Público fiscaliza se a
política pública cumpre o determinado constitucionalmente/legalmente. Noutro passo,
quando do controle de gestão, deve-se perquirir se a política pública implementada vem
alcançando o objetivo ao qual se prontificou, cabendo ao MP expurga-la do sistema quando
ineficiente.

9. DIREITOS SOCIAIS
9.1 Princı ́pios Constitucionais do Trabalho. Os direitos fundamentais do trabalhador. (12.c)
9.2 Direitos sociais: enunciação, garantias e efetividade. Princı ́pio do não-retrocesso. Mı ́nimo
existencial e reserva do possıv́el. (4.a)

12C. Princípios Constitucionais do Trabalho. Os Direitos Fundamentais do Trabalhador.

Priscila Ianzer Jardim Lucas


Legislação básica: arts. 6º a 11 da CF.

Princípios constitucionais do trabalho: A CF elegeu o valor social do trabalho como um dos


fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso IV) e um dos pilares da ordem
econômica (art. 170, caput), reconhecendo o trabalho como um direito social do ser humano
(art. 6º, caput). Atualmente, não resta mais dúvida de que os direitos sociais previstos no
Capítulo II, do Título II, da Constituição compõem o denominado catálogo de direitos

132
fundamentais previstos na Carta Magna. O direito a um trabalho digno caracteriza-se como um
direito fundamental de segunda dimensão, exigindo, para a sua implementação, uma atuação
positiva por parte do Estado (caráter prestacional). E foi justamente com essa finalidade, qual
seja, a de assegurar o direito a um trabalho digno, que a Constituição estabeleceu uma série de
princípios aplicáveis à relação de trabalho. De acordo o Ministro do TST Maurício Godinho
Delgado, os princípios constitucionais do trabalho podem ser classificados em três grandes
grupos: O primeiro rol diz respeito a efetivos princípios constitucionais do trabalho. Trata-se de
diretrizes afirmativas do labor humano na ordem jurídico cultural brasileira: a da valorização do
trabalho, em especial do emprego; a da justiça social; a da submissão da propriedade à sua
função socioambiental; a diretriz da dignidade da pessoa humana. O segundo rol diz respeito a
princípios constitucionais de amplo espectro, não exatamente originados em função da ideia e
realidade do trabalho, mas que hoje também atuam, de modo importante, no plano
justrabalhista. Não se construíram e se desenvolveram, é certo, em função do temário
juslaborativo, elaborando-se, originalmente, em torno de matérias distintas daquelas específicas
ao ramo especializado do Direito do Trabalho. Contudo, por diferentes razões, passaram a ter
influência no campo trabalhista contemporâneo, afetando, muitas vezes com significativa força,
sua realidade normativa. Trata-se, em especial, das diretrizes da proporcionalidade, da não
discriminação e da inviolabilidade do direito à vida. O terceiro rol abrange, finalmente, os
princípios clássicos do Direito do Trabalho, preexistentes à Carta de 1988, mas que foram por ela
absorvidos. Na medida dessa absorção, tais diretrizes adquiriram status constitucional,
fortalecendo seu poder de projeção na ordem jurídica do País. Esse grupo de princípios diz
respeito não somente à dimensão coletiva, como também à individual trabalhista. Trata-se dos
princípios da liberdade e autonomia associativas e sindicais e da interveniência sindical na
negociação coletiva, no plano do Direito Coletivo do Trabalho. No plano do Direito Individual do
Trabalho, os princípios da norma mais favorável, da continuidade da relação de emprego e da
irredutibilidade salarial. Verifica-se, portanto, que a Constituição, ao estabelecer uma série de
princípios informadores da relação de trabalho, procura proteger a parte hipossuficiente na
relação empregatícia (o empregado), visando atenuar, no plano jurídico, o desequilíbrio
existente no plano fático.

Direitos fundamentais do trabalhador: Os direitos fundamentais do trabalhador podem ser


diferenciados dos princípios. Estes são ideias que definem padrões a serem adotados pelo
Direito do Trabalho, tanto na legislação, quanto na atividade interpretativa e integradora. Os
direitos fundamentais, por sua vez, dirigem-se ao trabalhador em sua relação de emprego. Os
direitos fundamentais do trabalho, no plano da atual CF, confundem-se com o Direito do
Trabalho, principalmente em seu plano regulatório do contrato bilateral entre empregador e
empregado. É que esse plano normativo de regulação do contrato de emprego assegura o mais
elevado padrão de afirmação do valor-trabalho e da dignidade do ser humano em contextos de
contratação laborativa pela mais ampla maioria dos trabalhadores na sociedade capitalista. Em
primeiro plano, os direitos fundamentais do trabalhador estão consagrados em regras e
princípios trabalhistas inseridos na Constituição da República. Ilustrativamente, em seu
“Preâmbulo”, em seus “Princípios Fundamentais” – arts. 1º a 4º –, em algumas dimensões
normativas de seu art. 5º; nos arts. 6º e 7º, especificadores de inúmeros direitos sociais
fundamentais. Também está presente em certos dispositivos de Direito Coletivo, regulatórios de
direitos fundamentais, constantes dos arts. 8º até 11 (embora aqui não se possa dizer,
evidentemente, que todo o modelo coletivo constitucional, inclusive na parte de clara inspiração
e dinâmica não necessariamente democráticas, corresponda a direito fundamental do trabalho).
Também estão presentes, sem dúvida, na Constituição, por meio dos princípios, valores e
fundamentos das ordens econômica e social, que sejam afirmativos da dignidade da pessoa
humana e da valorização do trabalho. É o que se passa, por exemplo, com o art. 170 (“Princípios
Gerais da Atividade Econômica”), com o art. 193 (“Disposição Geral” relativa à “Ordem Social”),
com os arts. 196 e 197, além do art. 200, II e VIII (todos tratando da saúde), também com o art.
205 (tratando da educação), além dos arts. 225 e 227, que tratam das garantias a crianças e

133
adolescentes no País (em acréscimo à regra protetora já lançada no art. 7º, XXXIII, da mesma
Constituição). Os direitos fundamentais do trabalho estão dados também pelos tratados e
convenções internacionais subscritos pelo Brasil, “[...] naquilo que não reduzam o patamar de
garantias asseguradas internamente no próprio pais” (art. 5º, § 2º, CF/88). Tais direitos
fundamentais do trabalho também constam, evidentemente, da legislação heterônoma estatal,
a qual completa o padrão mínimo de civilidade nas relações de poder e de riqueza inerentes à
grande maioria do mercado laborativo próprio ao capitalismo (caput do art. 7º, CF/88).

Eficácia diagonal dos direitos fundamentais: as relações privadas nem sempre se apresentam
de forma igualitária, sendo bastante comum encontrar situações em que os particulares estão
em posições bastante desiguais. Os maiores exemplos estão nas relações de trabalho e de
consumo onde o poder econômico das pessoas jurídicas pode ocasionar violações aos direitos
fundamentais dos trabalhadores/consumidores, estes que são a parte fraca da relação. A partir
destas relações, o autor Sergio Gamonal desenvolveu a teoria da eficácia diagonal dos direitos
fundamentais que consiste na necessária incidência e observância dos direitos fundamentais
em relações privadas (particular-particular) que são marcadas por uma flagrante desigualdade
de forças, em razão tanto da hipossuficiência quanto da vulnerabilidade de uma das partes da
relação. Trata-se de uma eficácia diagonal por que, em tese, as partes estão em situações
equivalentes (particular-particular), mas, na prática, há um império do poder econômico, razão
por que se defende a observância dos direitos fundamentais nestas relações. A este respeito, o
TST já tem aplicado a eficácia diagonal dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas para
combater atos discriminatórios.

4A. Direitos sociais: enunciação, garantias e efetividade. Princípio da proibição do retrocesso.


Mínimo existencial e reserva do possível.

André Batista e Silva

I. Direitos sociais: enunciação

Historicamente os direitos sociais se inserem entre aqueles de segunda dimensão


(direitos de igualdade), cujo marco histórico é a constituição mexicana de 1917 e a de Weimar
de 1919. A construção mostra-se bastante artificial e merece críticas. (o melhor argumento nesse
sentido foi o surgimento de tratados e instituições internacionais de proteção dos direitos sociais
dos trabalhadores – OIT – antes de qualquer preocupação internacional com a enunciação de
direitos básicos de liberdade).

Em nosso histórico constitucional apenas a Constituição de 1891 não declarou nenhum


direito social. A Constituição de 1834 inaugurou entre nós o constitucionalismo social,
associando-o ao autoritarismo e ao populismo da Era Vargas. A CF foi pródiga na declaração de
direitos sociais5, elencando-os formalmente dentre as 5 espécies de direitos e garantias
fundamentais do Título II da CF (Capítulo I – Direitos e deveres individuais e coletivos; Capítulo
II – Direitos sociais; Capítulo III – Direitos de nacionalidade; Capítulo IV – Direitos políticos e
Capítulo V – Partidos políticos). Também tratou heterotopicamente de alguns direitos sociais
específicos no Titulo VIII, que cuida da ordem social, destacando-se o trato da seguridade e da
educação.

Há 3 posições sobre a fundamentalidade dos direito sociais:

a) todos os direitos sociais são formal e materialmente fundamentais: por isso a sua mera
enunciação na CF seria suficiente lhes atribuir um regime diferenciado de aplicabilidade imediata
(art. 5º, § 1º) e de limite material para a reforma da constituição (art. 60, § 4º, IV);
b) todos os direitos sociais são apenas formalmente fundamentais, e, por isso, são normas

134
programáticas que não geram direitos subjetivos e não limitam o constituinte derivado;
c) direitos sociais são apenas formalmente fundamentais, sendo materialmente fundamentais
apenas no que tange ao seu núcleo essencial (mínimo existencial): posição amplamente aceita
pela maior parte da doutrina e jurisprudência.

II. Direitos sociais: garantias

Conforme clássica classificação de Barroso (BARROSO, 2006, p. 119), há 3 espécies de


garantias para a efetivação dos direitos sociais: a) sociais: relacionam-se com a participação do
indivíduo no controle do processo político e no exercício do direito de petição (art. 5º, XXIV); b)
políticas: destaca-se principalmente o controle externo da administração pelo Congresso, com
auxílio do Tribunal de Contas (art. 70 CF); e c) jurídicas: são aqueles buscados principalmente
pela via jurisdicional, destacando-se o mandado de segurança (art. 5o, LXIX e LXX); a ação
popular (Art. 5o, LXXIII); o dissídio coletivo (art. 114, § 2º); o mandado de injunção (art. 5o, LXXI);
o habeas data (art. 5o, LXXII); a ação civil pública (art. 129, inc. III) as ações diretas de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade (art. 102, I, a), a ADPF (art. 102, § 1º), a ação de
declaratória de inconstitucionalidade de por omissão (art. 103, § 2º).

III. Direitos sociais: efetividade

Observa-se um fenômeno tratado por alguns autores como de “judicialização dos


direitos”, que nada mais é do que a busca por respostas imediatas para fazer cessar uma situação
de inaplicabilidade dos valores fundamentais do Estado. Quanto à judicialização de direitos
sociais, para Sarmento, cabe inicializar uma fase de racionalização, a qual passa por dois pontos
principais:

(a) a superação de uma certa “euforia judicialista”, com o reconhecimento de que o Poder
Judiciário, apesar da relevância da sua função, não é, nem tem como ser, por suas limitações
institucionais, o grande protagonista no cenário de afirmação dos direitos sociais, que
dependem muito mais das políticas públicas formuladas e implementadas pelo Legislativo e
Executivo e da mobilização da sociedade civil; e

(b) o traçado de parâmetros ético-jurídicos para as intervenções judiciais nesta seara. Afinal,
deve-se refletir sobre o potencial de universalização do que foi pedido sempre que estivessem em
jogo pretensões sobre recursos escassos, considerando- se a reserva do possível e as limitações
orçamentárias, com uma análise de “macrojustiça”, que envolve a legitimidade do atendimento
de determinados pleitos num quadro de escassez de recursos. Ademais, não se devem ignorar
as deficiências da capacidade institucional do Judiciário para tutelar os direitos sociais, motivo
pelo qual se deve adotar um parâmetro adicional para o exercício da proteção judicial: quanto
mais a questão discutida envolver aspectos técnicos de políticas públicas, mais cautelosa e
reverente em relação às decisões dos demais poderes deve ser a atuação do Judiciário. Este
parâmetro deve ser conjugado com outros, como a razoabilidade da universalização da
pretensão do titular do direito, e a essencialidade da prestação social demandada no caso
específico.

Em suma, delimitação de aplicação:

(a) fático: razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os recursos


existentes;
(b) jurídico: dois aspectos:
1. Admissão que os poderes públicos precisam fazer escolhas de prioridades.
2. Que os direitos sociais fiquem absolutamente vinculados às escolhas exercidas.

135
Assim, o autor é pela possibilidade excepcional da atuação do Judiciário para a
concretização de direitos sociais (essenciais) previstos constitucionalmente, nos moldes e
parâmetros acima.

ADPF 45(controle judicial das politicas publicas) e RE 410.715/SP – Análise do STF sob o mínimo
existencial. Na decisão monocrática do Min. Celso de Mello, este entendeu inicialmente pela
possibilidade de controle judicial das políticas públicas, como medida necessária para a garantia
da efetividade dos direitos sociais, em razão da omissão dos demais Poderes Constituídos.

Inf. 780 do STF: “Os ideais da democracia e do constitucionalismo – não obstante caminhem
lado a lado – vez por outra revelam uma tensão latente entre si. É que, de um lado, a democracia,
apostando na autonomia coletiva dos cidadãos, preconiza a soberania popular, que tem na regra
majoritária sua forma mais autêntica de expressão. De outro lado, o constitucionalismo
propugna pela limitação do poder através de sua sujeição ao direito, o que impõe obstáculos às
deliberações do povo. (...) O problema consiste em saber até que ponto é que a excessiva
constitucionalização não se traduz em prejuízo do princípio democrático” (MOREIRA, Vital.
“Constituição e Democracia”. In: MAUÉS, Antonio G. Moreira (Org.) Constituição e Democracia.
São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 272). Essa aparente contradição entre os valores albergados
pelo Estado Democrático de Direito impõe um dever de cautela redobrado no exercício da
jurisdição constitucional. Com efeito, é certo que os tribunais não podem asfixiar a autonomia
pública dos cidadãos, substituindo as escolhas políticas de seus representantes por preferências
pessoais de magistrados não eleitos pelo povo (...) a Constituição não pode ser vista como
repositório de todas as decisões coletivas, senão apenas dos lineamentos básicos e objetivos
fundamentais da República. Deve-se, portanto, rechaçar qualquer leitura maximalista das
cláusulas constitucionais que acabe por amesquinhar o papel da política ordinária na vida social.
(...) Na lição irretocável de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto, “de um lado, deve-
se reconhecer o importante papel do Judiciário na garantia da Constituição, especialmente dos
direitos fundamentais e dos pressupostos da democracia. Mas, de outro, cumpre também
valorizar o constitucionalismo que se expressa fora das cortes judiciais, em fóruns como os
parlamentos e nas reivindicações da sociedade civil que vêm à tona no espaço público informal”
(SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional. Teoria, história e
métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, 240)”.

IV. Princípio da proibição do retrocesso

A discussão sobre a vedação de retrocesso está diretamente relacionada com os direitos


sociais, mas não apenas com eles. Segundo André de Carvalho Ramos, consiste na vedação da
eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito, admitindo-se somente
apriomaramentos e acréscimos. Em essência traz mais uma limitação à liberdade de
conformação do legislador, de modo que o núcleo essencial dos direitos sociais, efetivados por
medidas legislativas, não mais poderia ser violado, sem o oferecimento de medidas
compensatórias. Decorre do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana, da
aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, da proteção da confiança e segurança jurídica
e de cláusula pétrea prevista no art. 60, parágrafo 4º, IV da Cf/88.

Não representa, contudo, uma vedação abosulta a qualquer medida de alteração da


proteção de um direito específico. Segundo André de Carvalho Ramos, eventual diminuição na
proteção normativa ou fática de um direito pode ser permitida desde que preencha três
condições: i) que haja justificativa também de estatura jusfundamental; ii) que tal diminuição
supere o crivo da proporcionalidade; iii) que seja preservado o núcleo essencial do direito
envolvido.

V. Mínimo Existencial

136
Mínimo existencial seria o conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma vida
humana digna.para que se possa usufruir dos direitos de liberdade (direitos individuais), antes
se faz necessário a implementação e garantia de um piso mínimo de direitos.
SARMENTO: (a) dimensão negativa: opera num limite, impedindo a prática de atos pelo estado
ou por particulares que subtraiam do individuo as condições materiais indispensáveis a uma vida
digna; (b) dimensão positiva: conjunto essencial (mínimo) de direito prestacionais a serem
implementados e concretizados que possibilitam ao individuo uma vida digna. De acordo com
Daniel Sarmento, se de um lado estiver os direitos sociais e do outro o princípio
democrático/separação dos poderes/direito de terceiros, quando o mínimo existencial estiver
nessa ponderação ele exigirá do Estado um ônus argumentativo ainda maior para o caso de não
cumprir o direito.

Na visão de Ingo Sarlet, o mínimo existencial não se submete a reserva do possível, tendo
sido esta a posição adotada pelo Min. Celso de Melo no RE 482.611/SC.

VI. Reserva do Possível

Reserva do possível compreende a possibilidade material (financeira) para prestação dos


direitos sociais por parte do Estado, uma vez que tais prestações positivas são dependentes de
recursos presentes nos cofres públicos. No estudo da reserva do possível, fica claro que o uso do
argumento de racionalidade econômica (escassez) desvia o curso e obscurece os argumentos
jurídicos por que ainda se pautam numa concepção de liberdade (conveniência) do
Administrador Público de aplicação dos recursos financeiros públicos. A ausência de um espaço
capaz de institucionalizar procedimentos de formação da vontade coletiva – à luz de um princípio
democrático – acaba por legitimar posturas paternalistas e autoritárias por parte do Judiciário
brasileiro, que assume o papel taumaturgo de decisão – a semelhança de um Poder Moderador
ou de um Poder Constituinte Permanente -, confundindo fiscalização com usurpação do espaço
e espectro de decisões dos demais Poderes Constituídos (FERNANDES, p. 583 e ss).

Segundo Ingo Sarlet, a reserva do possível tem três dimensões: possibilidade fática
(disponibilidade de recursos necessários para satisfazer uma prestação relacionadas aos direitos
sociais), possibilidade jurídica (existência de autorização orçamentária para cobrir as despesas e
análise das competências federativas) e razoabilidade da exigência e proporcionalidade da
prestação.

STF: É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer,


consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em
estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana
e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua
o art. 5º, XLIX, da CF, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o
princípio da separação dos poderes (RE 592581/RS).

Prova oral: explicar o princípio do não retrocesso, surgimento, aplicabilidade nos direitos sociais
e nas liberdades públicas.

10.NACIONALIDADE
10.1 Nacionalidade brasileira. (10.b)
10.2 Condição jurı ́dica do estrangeiro. (10.b)

10B. Nacionalidade brasileira. Condição jurídica do estrangeiro.

Nilton Santos 19/09/18

137
1. Nacionalidade brasileira
A nacionalidade é um vínculo jurídico-político entre o Estado e o indivíduo. O direito à
nacionalidade, consagrado como direito humano na DUDH (art. 15) e no Pacto de São José da
Costa Rica (art. 20), é matéria constitucional no plano doméstico.
No plano internacional, importa anotar, a nacionalidade deve ser efetiva12, ou seja,
fundamentada em laços sociais consistentes entre o indivíduo e o Estado cujo caráter de
nacional se detém ou é pretendido, a exemplo de tempo de residência em seu território,
domínio do idioma oficial, laços familiares, investimentos no Estado etc.
O Brasil adota com relação a critério de nacionalidade, um critério justaposto, com
incidência mais ampla do jus soli . Assim, são brasileiros natos os nascidos no Brasil (jus soli13),
ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país (o serviço
deve ser público e afeto ao país da nacionalidade dos pais). Essa é a regra.
A CRFB adotou, ainda, como exceção, o critério jus sanguinis14, prevendo como
brasileiro nato aquele nascido no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros, quando qualquer deles
esteja a serviço do Brasil (compreende todo encargo derivado dos poderes da União, Estados e
Municípios, suas autarquias, e o serviço de organização internacional de que a República faça
parte). São, ainda, brasileiros natos os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileira, desde
sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir no Brasil e optem,
a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira, após atingida a maioridade.
São brasileiros naturalizados (nacionalidade derivada) aqueles que venham a adquirir a
nacionalidade brasileira, possuindo todos os direitos do brasileiro nato, salvo o acesso a cargos
públicos eminentes (CF, art. 12, §3º) e a garantia de não ser extraditado (CF, art. 5º, LI).
Para a naturalização (que somente produz efeitos após a publicação no DOU), exigem-
se: a) Ordinária – estrangeiros que, sendo civilmente capazes, tenham residência no Brasil há
pelo menos 4 anos ininterruptos, com capacidade de comunicar-se em língua portuguesa e não
possuir condenação penal ou estiver reabilitado (o prazo de 4 anos pode ser reduzido para, no
mínimo, 1 ano, se o estrangeiro tem cônjuge/companheiro ou filho brasileiro ou houver
prestado/puder prestar serviço relevante ao Brasil ou capacidade profissional, científica ou
artística considerada necessária para o país); b) Extraordinária ou quinzenária – estrangeiros
que estejam fixados no Brasil há pelo menos 15 anos ininterruptos e não têm condenação penal
(não exige que o estrangeiro saiba ler e escrever em língua portuguesa), mediante
requerimento do estrangeiro, sendo ato vinculado, não permitindo a discricionariedade do
Poder Público; c) Provisória – migrante criança ou adolescente que fixaram residência no Brasil
antes de completarem 10 anos de idade. Depende de requerimento do representante legal; d)
Definitiva – aquela solicitada pelo detentor da naturalização provisória até dois anos após a
maioridade; e) Especial – destina-se ao cônjuge/companheiro, há mais de 5 anos, de integrante
do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no
exterior. Também é chamada de especial a naturalização do estrangeiro que tenha sido
empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de 10 (dez)
anos ininterruptos; Requisitos: capacidade civil, capacidade de comunicar-se em língua
portuguesa e não possuir condenação penal ou estiver reabilitado; f) Específica para os
originários de países de língua portuguesa – procedimento facilitado, exigindo-se como
requisitos apenas a residência no país, por 1 ano, com título regular e idoneidade moral.
A perda da nacionalidade, que pode atingir brasileiro nato e naturalizado, ocorre com
a aquisição voluntária de outra nacionalidade, ressalvado, assim, o caso de imposição de
naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente no exterior como condição de

12 Caso Nottebohm - no caso de dupla nacionalidade, a nacionalidade preponderante deveria ter correspondência com os fatos, ou
seja, somente se justificava por meio de laços fáticos entre a pessoa envolvida e um desses Estados.
13 O indivíduo tem a nacionalidade do Estado em cujo território nasceu – critério territorial (em regra, adotado pelos países de

tradição imigratória).
14 A nacionalidade se transmite por laços familiares de ascendência – critério familiar – fixado por laços sanguíneos. O indivíduo tem

a nacionalidade de seus pais, pouco importando o local em que tenha nascido (em regra, adotado pelos países de tradição
emigratória).

138
permanência em seu território ou para exercício de direitos civis. O naturalizado pode perder
sua nacionalidade em razão de exercício de atividade contrária ao interesse nacional, mediante
decisão judicial transitada em julgado15.
Uma vez perdida a nacionalidade por brasileiro, em razão da aquisição de outra por
vontade própria (ato materializado por Decreto Presidencial ou do Ministro da Justiça), cessada
a causa (perda/renúncia da nacionalidade estrangeira adquirida voluntariamente), poderá
readquiri-la ou ter o ato que declarou a perda revogado, na forma definida pelo órgão
competente do Poder Executivo.
O interessado na reaquisição da nacionalidade deverá, além de estar regulamente domiciliado
no país, dirigir o respectivo pedido ao Presidente da República e entregá-lo no órgão do
Ministério da Justiça de seu domicílio. A eventual reaquisição da nacionalidade será objeto de
novo decreto presidencial ou do Ministro da Justiça, mas não será concedida se for apurado que
o interessado, ao adquirir outra nacionalidade, o fez para se eximir de deveres a cujo
cumprimento estaria obrigado se mantivesse a nacionalidade brasileira.
Existe também o instituto da revogação da perda da nacionalidade, que beneficia
àqueles que queiram retornar à condição de brasileiros, mas não possuem domicílio no Brasil.
Para isso, deverão procurar a repartição consular com jurisdição sobre a região onde vivem e
solicitar a revogação do ato que declarou a perda da nacionalidade.

2. Tratado de Amizade e Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e o Brasil.


Estatuto da Igualdade entre brasileiros e portugueses de 1971 foi substituído pelo
Tratado de Amizade e Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e o Brasil, de
22∕04∕2000. Tratado de ampla cooperação nos campos político, cultural, científico, econômico
e financeiro. Altera a clássica noção da nacionalidade como pressuposto necessário da
cidadania. Não se trata de hipótese de aquisição de nacionalidade. É norma que permite o
exercício de direitos inerentes ao brasileiro nato, com exceção dos casos previstos na CF.
Dependem de requisição para que sejam concedidos os direitos aqui tratados, desde que,
brasileiros e portugueses que o requeiram, sejam civilmente capazes e com residência habitual
no país em que são pleiteados. No Brasil, a decisão fica a cargo do Ministério da Justiça, em
Portugal, do Ministério da Administração Interna.
Os portugueses podem requerer direitos iguais aos dos brasileiros naturalizados (não
aos dos brasileiros natos), sem se tornar nacionais do Brasil e sem perder sua nacionalidade de
origem – situação chamada de “quase-nacionalidade”. Dois procedimentos: a) quase-
nacionalidade restrita – Simples igualdade de direitos e obrigações civis – basta a prova da sua
nacionalidade, da sua capacidade civil e de sua admissão no Brasil em caráter permanente, sem
necessidade de prazo mínimo de residência no país; b) quase-nacionalidade ampla – Para
aquisição de direitos políticos – deve estar em gozo de seus direitos políticos em Portugal e
residir no Brasil há pelo menos 3 anos. Enquanto estiver exercendo seus direitos políticos no
Brasil, ficarão suspensos seus direitos políticos em Portugal.
Por esse Estatuto, brasileiros e portugueses ainda: a) ficam submetidos à lei penal do
Estado de residência, nas mesmas condições dos respectivos nacionais; b) não estão sujeitos à
extradição, salvo se requerida pelo Governo do Estado da Nacionalidade; c) gozo de iguais
direitos e deveres; d) caso necessitem de proteção diplomática, será o país de origem que irá
protegê-lo; e) extinção do benefício estatutário – pela expulsão do território nacional ou pela
perda da nacionalidade originária. A suspensão dos direitos políticos no país de origem
acarretará também a extinção dos mesmos direitos no outro país.
O estatuto de igualdade se extinguirá com a perda, pelo beneficiário, de sua
nacionalidade, ou com a cessação da autorização de permanência.

3. Nacionais do MERCOSUL

15A sentença que decreta a perda da nacionalidade do brasileiro naturalizado pelo exercício de atividade nociva ao interesse
nacional gera efeitos a partir do momento em que transita em julgado (efeitos são ex nunc).

139
Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Parte do Mercosul (Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai) e Acordo sobre Residência para Nacionais do Mercosul Bolívia
e Chile (Estados Associados) – promulgados no Brasil pelos Decretos n. 6.964∕2009 e
6.975∕2009, respectivamente. O estrangeiro beneficiado com os Acordos de Residência possui
igualdade de direitos civis no Brasil. Deveres e responsabilidades trabalhistas e previdenciárias
são também resguardadas, além do direito de transferir recursos. Interessante que os
estrangeiros poderão requerer residência em quaisquer dos Estados signatários,
independentemente de estarem em situação migratória regular ou irregular. Os que estiverem
em situação irregular ficam isentos de multas ou outras sanções administrativas relativas à sua
situação migratória. É concedida a residência temporária por dois anos; 90 dias antes de
terminar esse prazo, o estrangeiro pode requerer a transformação em residência permanente.

4. Condição jurídica do estrangeiro

Além dos direitos e garantias fundamentais, reconhece-se ao estrangeiro o gozo dos


direitos civis, com exceção do direito a trabalho remunerado (restrito aos estrangeiros
residentes), e dos direitos políticos.
A EC 19/98 permitiu a admissão de estrangeiros no serviço público nos termos da lei,
especialmente nas instituições universitárias de ensino e pesquisa (CF, art. 37, I, e 207, §1º).
A aquisição de imóvel por estrangeiro, embora condicionada, é assegurada até mesmo
na faixa de fronteira (CF, art. 190).
Restringem-se, contudo, aos nacionais, o direito de pesquisa e lavra de recursos
minerais e aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica, que é exclusivo de brasileiro
ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país
(CF, art. 176, §1º).
Da mesma forma, a propriedade de empresa de radiodifusão sonora de sons e imagens
restringe-se a brasileiro nato ou naturalizado há mais de 10 anos (CF, art. 222) ou a pessoa
jurídica constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede no país.

11.DIREITOS POLÍTICOS
11.1 Direitos polı ́ticos. O papel da cidadania na concretização da Constituição. (15.b)

15B. Direitos Políticos. O papel da cidadania na concretização da Constituição

Oswaldo Costa

DIREITOS POLÍTICOS: os direitos políticos formam a base do regime democrático, sendo que a
expressão ampla se refere ao direito de participação no processo político como um todo, ao
direito ao sufrágio universal e ao voto periódico, livre, direto e igual, à autonomia de
organização do sistema partidário, à igualdade de oportunidade dos partidos. Nos termos da
Constituição, a soberania popular se exerce pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto
e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e a iniciativa popular (art. 14, CR). Podem
ser positivos, aqueles que permitem a participação do indivíduo na vida política do Estado: (a)
sufrágio; (b) alistabilidade; (c) elegibilidade; ou negativos, que são circunstâncias que
restringem a elegibilidade: (a) inelegibilidade; (b) perda/suspensão dos direitos políticos.

O PAPEL DA CIDADANIA NA CONCRETIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO: após a CR/88 se encontra


superada a doutrina segundo a qual cidadania significa a prerrogativa de votar e ser votado,
ou seja, de quem tem direitos políticos. A concepção contemporânea de cidadania,
incorporada no Texto Constitucional, foi introduzida pela Declaração Universal de 1948 e
reiterada pela Conferência de Viena de 1993. De acordo com José Afonso da Silva, citado por
Mazzuoli, a cidadania, atualmente, “consiste na consciência de pertinência à sociedade estatal
como titular dos direitos fundamentais, da dignidade da pessoa humana, da integração

140
participativa no processo do poder, com a igual consciência de que essa situação subjetiva
envolve também deveres de respeito à dignidade do outro e de contribuir para
o aperfeiçoamento de todos”. OBS.: alguns doutrinadores ainda se referem à cidadania apenas
como o direito de votar e ser votado (cidadania ativa e passiva), mas a atual Constituição, ao
elencar a cidadania como fundamento do Estado Democrático de Direito, demonstra uma
maior elasticidade de seu conteúdo, como consignado por José Afonso da Silva. Sobre o tema,
esclareça-se que o STF referendou a abertura do conceito de cidadania no julgamento do RE
436.966/2005 (INF 407), no qual assegurou para as crianças de zero a cinco anos o direito à
educação, considerando ser um “direito fundamental à cidadania”.

Sobre o tema, por ocasião do término dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte que
elaborou o texto constitucional de 1988, Ulisses Guimarães já exortava o papel fortemente
participativo que se imaginava proporcionar ao cidadão com a nova Constituição: “Pela
Constituição, os cidadãos são poderosos e vigilantes agentes de fiscalização através do
mandado de segurança coletivo; do direito de receber informações dos órgãos públicos, da
prerrogativa de petição aos poderes públicos, em defesa de direitos contra a ilegalidade ou
abuso do poder, da obtenção de certidões para defesa dos direitos; da ação popular, que pode
ser proposta por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao patrimônio público, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico, isento de custas judiciais; da fiscalização das contas dos
municípios por parte do contribuinte; podem peticionar, reclamar, representar ou apresentar
queixas junto às comissões das Casas do Congresso Nacional; qualquer cidadão, partido
político, associação ou sindicado são partes legítimas e poderão denunciar irregularidades
perante o Tribunal de Contas da União, do estado ou do município. A gratuidade facilita a
efetividade dessa fiscalização. A exposição panorâmica da lei fundamental que hoje passa a
reger a Nação permite conceitua-la, sinteticamente, como a Constituição coragem, a
Constituição cidadã, a Constituição federativa, a Constituição representativa e participativa, a
Constituição síntese Executivo-Legislativo, a Constituição fiscalizadora”. (Ata da Assembleia
Nacional Constituinte. Diário da Assembleia Nacional Constituinte ano II, n. 308, 05.10.1988).
A respeito dos instrumentos postos na constituição em prol da cidadania cita-se, ainda, o
mandado de injunção, que, segundo Häberle, é uma prova da correção de sua tese da
sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, porque, nesse caso, o cidadão torna-se
legislador indiretamente mediante sua reclamação ao STF. O citado autor ainda esclarece que
o paradigma da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição significa que cada cidadão e
cada partido político que vive na Constituição são co-intérpetes desta Constituição, mormente
porque o Poder Judiciário possui legitimação democrática apenas indireta, sendo que primeiro
poder da República é o Parlamento. O legislador parlamentar tem legitimidade direta, pois é
eleito pelo povo e, por isso, é importante que a sociedade também tenha espaço para
participar da interpretação da Constituição.

Assim, além do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, a participação do cidadão é uma peça


fundamental na concretização e na efetivação dos direitos.

12.FEDERAÇÃO BRASILEIRA
12.1 União Federal: competê ncia e bens. (7.b)
12.2 Estado-membro. Competê ncia. Autonomia. Bens. (3.c)
12.3 Municı ́pio: criação, competê ncia, autonomia. Regiõ es metropolitanas. (5.c)
12.4 Intervenção federal nos Estados e intervenção estadual nos Municı ́pios. (10.c)

7B. União Federal: competência e bens.

Atualizado por Igor Lima Goettenauer de Oliveira

I. Introdução

141
Segundo Novelino, “fruto de uma aliança entre Estados, a União é uma pessoa jurídica
dotada de capacidade política existente apenas em Estados federais. Possui competência para
atuar em nome próprio e em nome da federação. A União, pessoa jurídica de direito público
interno, não se confunde com a República Federativa do Brasil, que é uma pessoa jurídica de
direito público internacional formada pela união dos Estados, DF e Municípios. Por fim, a União,
assim como os demais entes que compõem a federação brasileira, possui apenas autonomia,
apesar de exercer as atribuições decorrentes da soberania do Estado brasileiro”.

II. Competência

“A competência consiste na capacidade jurídica de agir atribuída aos entes estatais, seja
para editar normas primárias capazes de inovar o ordenamento jurídico (competências
legislativas), seja para executar atividades de conteúdo individual e concreto, previstas na lei,
voltadas à satisfação do interesse público (competências administrativas)”. Vejamo-las:

a) Competência administrativa (competência não legislativa ou competência material) “A


sistemática de repartição de competências administrativas seguiu fielmente o modelo dualista
norte-americano, adotando como base o princípio da execução direta pela pessoa competente
para legislar sobre o tema. Dentre as competências enumeradas, a União possui duas espécies
de competências administrativas:
i) comum (cumulativa, concorrente, administrativa ou paralela) -exercida pela União, Estados,
DF e Municípios (CF, art. 23);
ii) exclusiva – exercitável somente pela União, abrange temas que envolvem o exercício
soberano, ou que, por motivo de segurança ou eficiência devem ser objeto de atenção do
governo central (CF, art.21)”.

b) Competência legislativa : competência para elaboração de leis. Subdivide-se em:


i) Privativa: Prevista no art. 22 da CF, pode ser objeto de delegação. “Inspirada no modelo
germânico, a Constituição permitiu que a União, por LC, autorize os Estados a legislar sobre
questões específicas das matérias de sua competência privativa”, conforme parágrafo único de
citado artigo;
ii) concorrente: prevista no art. 24, CRFB. Estabelece um “condomínio legislativo” enrte a União
e os Estados-membros, cabendo àquela legislar sobre normas gerais e a esses legislarem sobre
normas específicas, suplementando as normas gerais. Em caso de inércia da União e ausência
de normas gerais, os Estados-membros poderão exercer competência plena, legislando sobre
normas gerais e específicas. Se a União elaborar as normas gerais, as normas estaduais que
forem contrárias às normas gerais ficarão suspensas;
iii) competência tributária expressa: art. 153, CRFB;
iv) competência tributária residual: art. 154, I, CRFB;
v) competência tributária extraordinária: art. 154, II, CRFB.

III. Bens da União

Aduz Novelino que, “os bens públicos pertencentes à União podem ser agrupados em
três categorias:
i) bens de uso comum–permitem o livre acesso e a utilização de todos;
ii) bens de uso especial–destinam- se à utilização da AP e ao funcionamento do governo federal;
iii) bens dominicais–são aqueles passíveis de alienação, porquanto têm natureza jurídica
semelhante à dos bens privados, já que não afetos a nenhum interesse público. Tais bens estão
relacionados no art. 20 da CF, tais como, os recursos naturais da plataforma continental e da
ZEE; o mar territorial; as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-
históricos; as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”. Quanto às terras tradicionalmente

142
ocupadas pelos povos indígenas, decidiu o STF que a destruição de acessões nelas feitas pode
configurar crime de dano qualificado (art. 163, pár. único, III, CP)( STF. 2ª Turma. Inq 3670/RR)

IV. Jurisprudência e súmulas de relevo

-> Lei estadual que disponha sobre bloqueadores de sinal de celular em presídio invade a
competência da União para legislar sobre telecomunicações. STF. Plenário. ADI 3835/MS;
-> É INCONSTITUCIONAL lei estadual que prevê prazos máximos para que as empresas de planos
de saúde autorizem exames médicos aos usuários. Isso porque se trata de lei que dispõe sobre
direito civil, direito comercial e política de seguros, matérias que são de competência da União
(art. 22, I e VII, da CF/88). STF. Plenário. ADI 4701/PE;
-> É INCONSTITUCIONAL norma da Constituição Estadual que disponha as atribuições para a
defesa dos direitos e interesses das populações indígenas. Isso porque somente a União pode
legislar sobre a matéria, conforme determina o art. 22, XIV, da CF/88. STF. 1ª Turma. ADI
1499/PA;
-> É inconstitucional lei estadual que exija Certidão negativa de Violação aos Direitos do
Consumidor dos interessados em participar de licitações e em celebrar contratos com órgãos e
entidades estaduais. Esta lei é inconstitucional porque compete privativamente à União legislar
sobre normas gerais de licitação e contratos (art. 22, XXVII, da CF/88). STF. Plenário. ADI
3.735/MS;
-> A lei estadual que trata sobre revalidação de títulos obtidos em instituições de ensino superior
dos países membros do MERCOSUL afronta o pacto federativo (art. 60, §4º, I, da CF/88) na
medida em que usurpa a competência da União para dispor sobre diretrizes e bases da educação
nacional (art. 22, XXIV). STF. Plenário. ADI 5341 MC;
-> A União não tem legitimidade passiva em ação de indenização por danos decorrentes de erro
médico ocorrido em hospital da rede privada durante atendimento custeado pelo Sistema Único
de Saúde (SUS). De acordo com a Lei 8.080/90, a responsabilidade pela fiscalização dos hospitais
credenciados ao SUS é do Município, a quem compete responder em tais casos. STJ. 1ª Seção.
EREsp 1.388.822-RN;
-> A EC 46/2005 não interferiu na propriedade da União, nos moldes do art. 20, VII, da
Constituição Federal, sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos situados em ilhas costeiras
sede de Municípios. STF. Plenário. RE 636199/ES

SV 2: É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistema
de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loteriais.
SV 38: É competente o município para fixar horário de funcionamento de estabelecimento
comercial;
SV 39: Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das polícias
civil e militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal;
SV 46: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas
de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União.
SV 49: ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de
estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.

3C. Estado-membro. Competência. Autonomia. Bens.

Responsável: Adriano Augusto Lanna de Oliveira


Obras consultadas: 28º Graal; Curso de Direito Constitucional (Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco); Curso de
Direito Constitucional Uadi Lammêgo Bulos); Direito Constitucional Esquematizado (Pedro Lenza); Diereito Constitucional – Teoria,
história e métodos de trabalho (Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento); Representações da PFDC.

I. Estado-membro

143
Natureza jurídica dos Estados-membros: os Estados-membros são ordenações jurídicas
parciais, que atuam como núcleos autônomos de poder, com legislação, governo e jurisdição
próprios, exercendo as competências que lhes são deferidas pela Constituição Federal. Os
Estados-membros não possuem soberania – só o Estado Federal (República) é dotado de
soberania –, mas mera autonomia. Entre Estados e União não há hierarquia, convivendo todos
em um mesmo nível jurídico.

Formação dos Estados: a divisão político-administrativa interna do país poderá ser


alterada com a constituição de novos Estados-membros, pois a estrutura territorial interna não
é perpétua. A Constituição prevê essa possibilidade no art. 18, §3º. Temos as seguintes
hipóteses:

 Fusão: dois ou mais Estados se unem com outro nome, perdendo sua
personalidade jurídica;
 Cisão: um Estado divide-se em vários novos Estados-membros, desaparecendo
o Estado originário;
 Desmembramento: há a separação de uma ou mais partes do Estado-membro,
sem que ocorra a perda da identidade do Estado-ente primitivo. Há duas
possibilidades de desmembramento:
o Desmembramento anexação: a parte desmembrada anexa-se a outro
Estado-membro.
o Desmembramento formação: a parte desmembrada constitui um novo
Estado-membro.
A formação de Estados exige, além dos requisitos do art. 18, § 3º, CR, a observância dos
requisitos previstos no art. 48, VI, CR: a) realização de plebiscito: trata-se de requisito de
procedibilidade do processo legislativo da lei complementar; b) audiência das Assembleias
Legislativas; c) aprovação pelo Congresso Nacional: exige-se quórum de maioria absoluta,
exigido para a edição da lei complementar; d) lei complementar.

Observação: os Estados podem, mediante lei complementar, instituir regiões


metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamento de
Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções
públicas de interesse comum.

II. Competência

A competência dos Estados-membros se divide em:

a) Competência material (administrativa): trata-se da competência não-legislativa


atribuída aos Estados. Ela se divide sem:

 Competência material comum: são as competências materiais atribuídas a


todos os entes federativos, prevista no art. 23 da CR.
 Competência material residual: trata-se da competência material que não é
vedada ao Estado-membro e que lhe sobra, após a enumeração das
competências não-legislativas dos outros entes federativos (art. 25, § 1º, CR).
b) Competência legislativa: trata-se da competência para elaborar leis. Divide-se em:

 Expressa: prevista no art. 25 da CR, é essencial para o exercício da auto-


organização por parte do Estado-membro.

144
 Residual (remanescente ou reservada): toda competência que não for vedada
e não for atribuída exclusivamente aos outros entes federativos cabe
residualmente aos Estados (art. 25, § 1º, CR).
 Delegada pela União: a União pode, por meio de lei complementar, delegar aos
Estados a competência para legislar sobre questões específicas das matérias de
sua competência privativa.
 Concorrente: o art. 24 da CR traz as matérias que podem ser legisladas
concorrentemente pela União (normas gerais) e pelos Estados (normas
específicas).
 Suplementar: ocorre quando o Estado-membro suplementa a competência
legislativa concorrente da União. Divide-se em:
o Competência suplementar complementar: neste caso, a União exerceu
sua competência legislativa concorrente, editando norma geral sobre
determinado assunto e o estado complementa tal legislação, editando
norma específica sobre a questão.
o Competência suplementar supletiva: configura-se quando há inércia
legislativa por parte da União, que não edita norma geral sobre
determinado assunto. Nesse caso, o Estado exerce, temporariamente,
competência plena sobre a matéria, legislando não só sobre questões
específicas e de interesse regional, como também editando a própria
norma geral. Na superveniência de lei federal, editando a União norma
geral sobre o assunto legislado pelo Estado-membro, a norma editada
pelo ente federal no exercício da competência suplementar supletiva
será suspensa.
 Competência tributária expressa: ver art. 155 da CR.
Observação: segundo o STF, a competência legislativa do Estado-membro para dispor
sobre educação e ensino (art. 24, IX, CR – competência concorrente) autoriza a fixação, por lei
local, do número máximo de alunos em sala de aula, no afã de viabilizar o adequado
aproveitamento dos estudantes. Por outro lado, nas representações feitas pela PFDC sobre a
edição de normas estaduais disciplinando a Escola sem partido, um dos argumentos apontados
para sua inconstitucionalidade é justamente a invasão de competência da União para editar
normas gerais, o que viola o pacto federativo: tendo em vista que a União editou a Lei 9.394/96
(Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional), os Estados-membros e o Distrito Federal não
podem suplementar a legislação nacional em sentido diverso do previsto na referida lei, que,
em seu art. 3º, III, garante o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.
Observação: Pedro Lenza afirma que os serviços de gás canalizado serão explorados
diretamente pelos Estados ou mediante concessão, na forma da lei, vedando-se a
regulamentação da referida matéria por medida provisória.

III. Autonomia
A autonomia dos Estados federados se consubstancia na sua capacidade de auto-
organização, autogoverno, autolegislação e auto-administração. Conforme já apontado, a
autonomia, própria de todos os Entes-federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)
não se confunde com soberania, que é própria do Estado Federal (República) e pode ser exercida
tanto interna quanto externamente, embora tal exercício seja, como reconhecido pela doutrina
moderna, limitado (ver Direito Internacional, ponto 2.b.).

145
a) Auto-organização: é a capacidade de o Estado federado estabelecer Constituição
própria. A auto-organização deve observar os seguintes princípios:

 Princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII, da CR): a inobservância dos


princípios sensíveis pode acarretar sanção política, como a intervenção federal.
 Princípios federais extensíveis: são normas centrais comuns à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Tais princípios praticamente não
existem na CR.
 Princípios constitucionais estabelecidos: são normas que, além de organizarem
a própria federação, estabelecem preceitos centrais de observância obrigatória
aos Estados-membros em sua auto-organização.
b) Autolegislação: é a capacidade de o Estado federado estatuir legislação peculiar, num
âmbito territorial delimitado.

c) Autoadministração: é a capacidade de gerir negócios próprios, pela ação


administrativa do governador, com base nas competências administrativas, legislativas e
tributárias. Destaque-se, aqui, a competência tributária, pois a capacidade financeira do Estado
é essencial para o exercício da autoadministração.

d) Autogoverno: é a capacidade de o Estado-membro organizar o seu governo,


mediante a eleição de representantes. Envolve a eleição do Poder Executivo estadual, o
processo legislativo estadual, a organização das Justiças Estaduais, etc.

Observação: o STF vem aplicando o princípio da simetria, que funcionaria como limite
ao poder constituinte decorrente, de forma que detalhes no arranjo institucional previstos na
Constituição da República deveriam ser reproduzidos no âmbito do Estado-membro. Daniel
Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto criticam tal princípio, alegando que ele não se
compatibiliza com o federalismo, que é um sistema que visa a promover o pluralismo nas
formas de organização política. Segundo tais autores, essa orientação impede que os Estados-
membros exerçam experiências institucionais inovadoras nos governos locais (laboratórios da
democracia), inibindo uma das mais interessantes funções do federalismo, que é permitir a
inovação dos arranjos institucionais e, assim, a própria evolução da organização estatal.

O pluralismo político, nesta mesma toada, reclama o abandono de qualquer leitura


excessivamente inflacionada das competências normativas da União, o que reforça o princípio
federativo brasileiro.

IV. Bens

Nos termos do artigo 26 da Constituição Federal, incluem-se entre os bens dos Estados-
membros: a) as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito,
ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; b) as áreas, nas ilhas
oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União,
Municípios ou terceiros; c) as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; d) as terras
devolutas não compreendidas entre as da União.

Cumpre fazer rápidos comentários sobre as terras devolutas, dado que a PFDC
apresentou representação à PGR em 2017 para oferecer argumentos para a elaboração de
parecer na ADI nº 5.623: com a Constituição da República de 1891, as terras devolutas foram
transferidas para os Estados, mantendo-se na propriedade da União aquelas situadas na faixa
de fronteira, modelo em que se baseou a Constituição da República de 1988 (v. art. 20, II e § 2º,
CR). Tendo em vista a mutabilidade legal acerca dos requisitos legais para a venda de tais bens,

146
diversos Estados acabaram vendendo terras devolutas que se encontram na faixa de fronteira e
que, consequentemente, eram de domínio da União. Para evitar que a União simplesmente
retomasse o domínio de tais terras, tendo em vista que tal venda foi feita por meio de títulos de
domínio nulos, foram editadas leis prevendo a possibilidade de o particular requerer a
ratificação do registro do respectivo móvel perante o órgão competente, desde que houvesse
cumprimento dos objetivos previstos no art. 188 e no Estatuto da Terra, qual seja, a promoção
de reforma agrária, o cumprimento à função social da propriedade e a ocupação da terra para
cultura efetiva e moradia habitual. Tendo em vista que vários registros imobiliários não foram
submetidos à ratificação, sobreveio a Lei 13.178/15, objeto da supracitada ADI, que prevê
praticamente a ratificação automática e ex officio dos registros imobiliários quando a área for
inferior a quinze módulos fiscais, sem exigir, nos outros casos, o cumprimento dos pressupostos
constitucionais acima apontados (art. 188 da CR). Por tudo isso, defende a PFDC que a norma
questionada é inconstitucional.

5C. Município: criação, competência, autonomia. Regiões metropolitanas.

Renan Lima

BREVE HISTÓRICO: De acordo com HELY LOPES MEIRELLES, o município, enquanto unidade
político-administrativa, “surgiu com a República Romana, interessada em manter a dominação
pacífica das cidades conquistadas pelas forças de seus exércitos. Os vencidos ficavam sujeitos,
desde a derrota, às imposições do Senado, mas, em troca de sua sujeição e fiel obediência às
leis romanas, a República lhes concedida certas prerrogativas que variavam desde simples
direitos privados até o privilégio de eleger seus governantes e dirigir a própria cidade”.
No que se refere ao histórico dos municípios no Brasil, HELY LOPES leciona que, no período da
Constituição Imperial de 1824, “as Municipalidades não passaram de uma divisão territorial, sem
influência política e sem autonomia na gestão de seus interesses”, em razão da previsão em lei
regulamentar que “as Câmaras eram corporações meramente administrativas”. Com o passar
os tempos os municípios foram adquirindo paulatinamente mais funções e mais autonomia. No
entanto, somente com a Constituição de 1988 que o município foi consagrado como ente
federativo autônomo, integrante da República Federativa do Brasil, com capacidades e
competências próprias.

NATUREZA JURÍDICA: Pessoa jurídica de direito público interno. Trata-se de ente federado,
dotado de autonomia política, conforme previsão expressa dos artigos 1º e 18 da CRFB/88.

CRIAÇÃO DE MUNICÍPIO: O art. 18, §4º, da CF prevê os requisitos para criação, incorporação,
fusão e o desmembramento de Municípios, quais sejam: i) edição de Lei Complementar Federal
estabelecendo o período dentro do qual poderá ocorrer a criação, a incorporação, a fusão ou o
desmembramento de município (obs: a EC 57/2008 convalidou os municípios cuja criação,
incorporação, fusão ou desmembramento ocorreu até 31/12/2006 sem a observância deste
requisito, desde que observadas as regras estabelecidas na legislação do respectivo Estado); ii)
divulgação dos estudos de viabilidade, nos termos previstos em lei ordinária federal; iii) consulta
prévia às populações dos municípios envolvidos; e iv) edição de lei ordinária estadual, criando o
novo município, desde que dentro do período previsto na Lei Complementar Federal.

Precedentes sobre o tema:


STF: “Lei Estadual que cria o Município pode ser objeto de ADI. Ainda que não seja em si mesma
uma norma jurídica, mas ato com forma de lei, que outorga status municipal a uma comunidade
territorial, a criação de Município, pela generalidade dos efeitos que irradia, é um dado
inovador, com força prospectiva, do complexo normativo em que se insere a nova entidade

147
política: por isso, a validade da lei criadora, em face da Lei Fundamental, pode ser questionada
por ação direta de inconstitucionalidade” (MC na ADI 2.381-RS, rel. Min. Sepulveda Pertence, j.
20/06/2001).
STF: “Seja qual for a modalidade de desmembramento proposta, a validade da lei que o efetive
estará subordinada, por força da Constituição, ao plebiscito, vale dizer, à consulta prévia das
"populações diretamente interessadas" – conforme a dicção original do art. 18, § 4º – ou "às
populações dos Municípios envolvidos" – segundo o teor vigente do dispositivo” (ADI 2.967, rel.
min. Sepúlveda Pertence, j. 12-2-2004, P, DJ de 19-3-2004).
STF: “Uma vez cumprido o processo de desmembramento de área de certo Município, criando-
se nova unidade federativa, descabe, mediante lei estadual, mera revogação do ato normativo
que o formalizou. A fusão há de observar novo processo e, portanto, prévia consulta plebiscitária
às populações dos entes políticos diretamente envolvidos, por força do art. 18, § 4º, da CF” (ADI
1.881, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 10-5-2007).
STF: “Lei que altera limites geográficos do município também tem que se submeter ao
plebiscito” (ADI 1262).

AUTONOMIA MUNICIPAL: Autonomia é a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios,


dentro de um círculo prefixado por entidade superior. Não se confunde, portanto, com
soberania.
Há entendimento minoritário (José Afonso da Silva) sustentando que o município seria ente
meramente administrativo, e não federativo, pelos seguintes motivos: (i) a Federação não é de
Municípios, mas sim de Estados; ii) os Municípios não participam da formação da vontade
federal, mas apenas os Estados, por meio de seus representantes no Senado Federal; (iii) a
intervenção nos municípios fica a cargo do respectivo Estado e não da União; (iv) a criação,
incorporação, fusão ou desmembramento de Municípios se dá por lei estadual; v) os Municípios
não mantém Poder Judiciário e dependem de órgãos jurisdicionais estaduais ou federais para
aplicação do Direito com força definitiva. Trata-se, no entanto, de posicionamento minoritário,
em oposição ao consagrado pelo STF.
Com efeito, o entendimento amplamente majoritário é de que os municípios são entidades que
integram a federação e possuem autonomia, pois detém capacidade de auto-organização,
autogoverno, autolegislação e autoadministração:
i) AUTO-ORGANIZAÇÃO (art. 29, caput, da CF): Os Municípios se organizam por Lei Orgânica,
votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, aprovada por no mínimo dois terços
dos membros da Câmara Municipal (obs: prevalece que a Lei Orgânica não configura
manifestação do Poder Constituinte Derivado Decorrente);
ii) AUTOLEGISLAÇÃO (art. 30 da CF): Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de
interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
iii) AUTOGOVERNO (art. 29, incisos I, II, III e IV, da CF): Os Municípios são governados/dirigidos
por representantes próprios (Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores), eleitos pelos cidadãos;
iv) AUTOADMINISTRAÇÃO (art. 30, incisos III a IX, da CF): Os Municípios possuem competências
administrativas expressas e implícitas, além daquelas decorrentes da sua competência para
legislar sobre assuntos de interesse local.

Além disso, os Municípios também podem instituir tributos (art. 156 da CF), o que demonstra
que, além da autonomia política, normativa e administrativa, a CF ainda atribuiu autonomia
financeira a tais entes. Diante desse quadro, MARCELO NOVELINO afirma que “não há no direito
comparado grau de autonomia equivalente ao conferido pela Constituição de 1988 aos
municípios brasileiros”. E conclui que: “No Brasil, os Municípios possuem âmbitos exclusivos de
competências políticas (legislativas e de governo), razão pela qual não há como negar-lhes a
condição de verdadeiros entes federativos”. Na mesma linha, HELY LOPES MEIRELLES leciona
que: “Em face dessas atribuições, já não se pode sustentar – como sustentavam alguns
publicistas – ser o Município entidade meramente administrativa. Diante de atribuições tão

148
eminentemente políticas e de um largo poder de autogoverno, sua posição atual no seio da
Federação é de entidade político-administrativa de terceiro grau”.

STF: “A CF conferiu ênfase à autonomia municipal ao mencionar os Municípios como integrantes


do sistema federativo (art. 1º da CF/1988) e ao fixá-la junto com os Estados e o Distrito Federal
(art. 18 da CF/1988). A essência da autonomia municipal contém primordialmente (i)
autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem
delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina a eleição do chefe do
Poder Executivo e dos representantes no Legislativo. O interesse comum e a compulsoriedade
da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal. O mencionado
interesse comum não é comum apenas aos Municípios envolvidos, mas ao Estado e aos
Municípios do agrupamento urbano” (ADI 1.842, rel. min. Gilmar Mendes, j. 6-3-2013, P, DJE de
16-9-2013).
STF: “A autonomia municipal erige-se à condição de princípio estruturante da organização
institucional do Estado brasileiro, qualificando-se como prerrogativa política, que, outorgada ao
Município pela própria Constituição da República, somente por esta pode ser validamente
limitada” (RE 702.848, rel. min. Celso de Mello, dec. Monocrática).
STF: “O poder constituinte dos Estados-membros está limitado pelos princípios da Constituição
da República, que lhes assegura autonomia com condicionantes, entre as quais se tem o
respeito à organização autônoma dos Municípios, também assegurada constitucionalmente.
O art. 30, I, da Constituição da República outorga aos Municípios a atribuição de legislar sobre
assuntos de interesse local. A vocação sucessória dos cargos de prefeito e vice-prefeito põe-se
no âmbito da autonomia política local, em caso de dupla vacância. Ao disciplinar matéria, cuja
competência é exclusiva dos Municípios, o art. 75, § 2º, da Constituição de Goiás fere a
autonomia desses entes, mitigando-lhes a capacidade de auto-organização e de autogoverno e
limitando a sua autonomia política assegurada pela Constituição brasileira” (ADI 3.549, rel. min.
Cármen Lúcia, j. 17-9-2007, P, DJ de 31-10-2007).
STF: “Viola a autonomia dos Municípios (art. 29, IV, da CF/1988) lei estadual que fixa número de
vereadores ou a forma como essa fixação deve ser feita” (ADI 692, rel. min. Joaquim Barbosa, j.
2-8-2004, P, DJ de 1º-10-2004).

Vale ressaltar, ademais, que a autonomia municipal configura princípio constitucional sensível,
nos termos do art. 34, inciso VII, alínea “c”, da CF. Assim, caso não seja observada a autonomia
municipal pelo Estado, caberá intervenção federal.

COMPETÊNCIA: O Município dispõe de duas hipóteses de competência legislativa: i) o art. 30,


inciso I, da CF, prevê que compete ao município legislar sobre assuntos de interesse local; ii) o
art. 30, inciso, da CF estabelece que compete ao Município “suplementar a legislação federal e
a estadual no que couber”.
Além disso, a competência administrativa (“material”) dos Municípios divide-se em: i)
competência comum, cujas hipóteses estão previstas no art. 23 da CF; e ii) competência
exclusiva, cujas hipóteses estão previstas no art. 30, incisos III a IX, da CF.

STF: Súmula Vinculante 49 – “Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede
a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”.
STF: Súmula Vinculante 38 – “É competente o Município para fixar o horário de funcionamento
de estabelecimento comercial”.
STF: Súmula 419 – “Os municípios têm competência para regular o horário do comércio local,
desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas”.
STF: Repercussão Geral – “O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com
União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico
com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da CRFB)”
[RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P Tema 145].

149
STF: Repercussão Geral – “É inconstitucional norma municipal que impõe sanção mais gravosa
que a prevista no CTB, por extrapolar a competência legislativa suplementar do Município
expressa no art. 30, II, da CF”. Neste sentido: ARE 638.574/ MG, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de
14-4-2011. Esta Corte possui ainda jurisprudência firmada no sentido de que compete
privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte, impossibilitados os Estados-
membros e Municípios a legislar sobre a matéria enquanto não autorizados por lei
complementar [ARE 639.496 RG, voto do rel. min. Cezar Peluso, j. 16-6-2011, P, DJE de 31-8-
2011, Tema 430].
STF: Repercussão Geral – “Definição do tempo máximo de espera de clientes em filas de
instituições bancárias. Competência do Município para legislar. Assunto de interesse local.
Ratificação da jurisprudência firmada por esta Suprema Corte” [RE 610.221 RG, rel. min. Ellen
Gracie, j. 29-4-2010, P, DJE de 20-8-2010, Tema 272].
STF: “Os Municípios podem legislar sobre direito ambiental, desde que o façam
fundamentadamente. (...) A Turma afirmou que os Municípios podem adotar legislação
ambiental mais restritiva em relação aos Estados-membros e à União. No entanto, é necessário
que a norma tenha a devida motivação” (ARE 748.206 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 14-3-
2017, 2ª T, Informativo 857).
STF: O município tem competência para editar normas suplementares relativas à segurança dos
estabelecimentos bancários, como a instalação de sistema de monitoração e gravação
eletrônica de imagens nos terminais de autoatendimento, nos termos dos artigos 30, I e II, e 182
da CF (ARE 784.981 AgR, rel. min. Rosa Weber, j. 17-3-2015, 1ª T, DJE de 7-4-2015).
STF: “O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional
que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que
instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não),
equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e
câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações
sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros” (AI
347.717 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 31-5-2005, 2ª T, DJ de 5-8-2005).
STF: “Os Municípios são competentes para legislar sobre questões que respeitem a edificações
ou construções realizadas no seu território, assim como sobre assuntos relacionados à exigência
de equipamentos de segurança, em imóveis destinados a atendimento ao público” (AI 491.420
AgR, rel. min. Cezar Peluso, j. 21-2-2006, 1ª T, DJ de 24-3-2006).
STF: “A imposição legal de um limite ao tempo de espera em fila dos usuários dos serviços
prestados pelos cartórios não constitui matéria relativa à disciplina dos registros públicos, mas
assunto de interesse local, cuja competência legislativa a Constituição atribui aos Municípios”
(RE 397.094, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 29-8-2006, 1ª T, DJ de 27-10-2006).

INICIATIVA POPULAR DE LEIS EM ÂMBITO MUNICIPAL: Nos termos do art. 29, inciso XIII, da CF,
a iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de
bairros, depende da manifestação de, pelo menos, 5% (cinco por cento) do eleitorado.

REGIÕES METROPOLITANAS: As regiões metropolitanas são zonas com forte urbanização


constituídas por um conjunto de cidades que, com o passar do tempo e a expansão de seus
territórios, foram aproximando seus limites geográficos, num processo denominado de
conurbação, que faz com que se forme uma imensa aglomeração na qual as cidades vão
perdendo seus limites físicos entre si.
A Lei nº 13.089/2015 (Estatuto da Metrópole) prevê, em seu art. 2º, inciso VII, o seguinte
conceito de região metropolitana: unidade regional instituída pelos Estados, mediante lei
complementar, constituída por agrupamento de Municípios limítrofes para integrar a
organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
Até a promulgação da CF/1988, a competência para instituir regiões metropolitanas era
exclusiva da União, mediante da edição de Lei Complementar Federal (LCF). Com fundamento
nessa competência, a União editou a LC Federal n.º 14/1973, instituindo as regiões

150
metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e
Fortaleza. Todavia, a partir promulgação da Constituição de 1988, a instituição de regiões
metropolitanas passou a depender de Lei Complementar Estadual (LCE), nos termos do art.
25, §3º, da CRFB/88 e, recentemente, do art. 3º do Estatuto da Metrópole.
As regiões metropolitanas não constituem novo ente federativo, sendo apenas um instrumento
de integração para organização, planejamento e execução de funções e serviços de interesse
comum.
A criação de uma região metropolitana, de aglomeração urbana ou de microrregião deve ser
precedida de estudos técnicos e audiências públicas que envolvam todos os Municípios
pertencentes à unidade territorial (art. 3º, §2º, do Estatuto da Metrópole). Além disso, a
instituição de região metropolitana ou de aglomeração urbana que envolva Municípios
pertencentes a mais de um Estado será formalizada mediante a aprovação de leis
complementares pelas assembleias legislativas de cada um dos Estados envolvidos (art. 3º, §4º,
do Estatuto da Metrópole).
O Estado e os Municípios inclusos em região metropolitana ou em aglomeração urbana
formalizada e delimitada na forma do art. 3º do Estatuto da Metrópole deverão promover a
governança interfederativa, que consiste no compartilhamento de responsabilidades e ações
entre entes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de funções
públicas de interesse comum.
Ademais, a CF/1988, a par das regiões metropolitanas, previu a possibilidade de criação de
aglomerações urbanas e de microrregiões, acrescendo o requisito de os municípios serem
limítrofes.
Deve-se atentar para outros conceitos previstos na Lei nº 13.089/2015, de modo a não confundi-
los: i) Metrópole - espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua população
e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que
configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios
adotados pelo IBGE; e ii) área metropolitana: representação da expansão contínua da malha
urbana da metrópole, conurbada pela integração dos sistemas viários, abrangendo,
especialmente, áreas habitacionais, de serviços e industriais com a presença de deslocamentos
pendulares no território.

OBS.: As regiões metropolitanas, criadas por LCE, não se confundem com as regiões
administrativas previstas no art. 43 da CF/1988, criadas por LCF, a exemplo da SUDAM, SUDENE,
SUDECO e SUFRAMA, cujo escopo é o fomento ao desenvolvimento dessas regiões e a redução
das desigualdades regionais, compreendendo, cada uma, um mesmo complexo geográfico e
social.

STF: ADI 2809/RS. A LCE não é de iniciativa exclusiva do Governador do Estado (art. 61, §1º, II
“e” da CF/1988), sendo constitucional a LCE cuja iniciativa foi deflagrada pela Assembleia
Legislativa.
STF: ADI 1841/RJ. Objeto: Art. 357, parágrafo único da CE/RJ: “a participação de qualquer
município em uma região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião dependerá de
prévia aprovação pela respectiva Câmara Municipal”. CONCLUSÃO DO STF: É inconstitucional a
previsão em CE de requisito não previsto na CF/1988 (LCE e Municípios limítrofes) para a
instituição de região metropolitana, tal como a necessidade de prévia aprovação pela Câmara
Municipal interessada .
STF: ADI 796/ES. É inconstitucional a previsão em CE de requisito não previsto na CF/1988 para
a instituição de região metropolitana, tal como a necessidade de prévia consulta plebiscitária às
populações interessadas.

Questões Objetivas
MPF\27 - Viola o princípio da livre concorrência a lei municipal que estabelece o horário de
funcionamento de farmácias. Assertiva incorreta.

151
10C. Intervenção federal nos Estados e intervenção estadual nos Municípios.

Graal Oral 28º CPR

Intervenção Federal nos Estados e no DF: hipóteses previstas taxativamente no art. 34


da CF, que devem ser interpretadas restritivamente, por se tratarem de situação excepcional.
Espécies:
- espontânea – Presidente da República age de ofício (art. 34, I, II, III e V);
- provocada por solicitação (arts. 34, IV e 36, I, primeira parte) – depende de solicitação
do Poder Legislativo ou Executivo.
- provocada por requisição (arts. 34, IV, VI, segunda parte, e 36, I, segunda parte) –
depende de requisição do STF, STJ ou TSE. (i) Decisão judicial não precisa ter transitado em
julgado (STF, IF 94). (ii) Se for decisão da Justiça do Trabalho, é competente o STF (IF 230, 231,
232), assim como se for decisão da Justiça Militar da União. (iii) Se a decisão não tiver sido
apreciada em instância extraordinária, deve ser requerida ao Presidente do TJ, que, se entender
pertinente, remete a questão ao STF (IF 105-QO). (iv) O STF será competente para apreciar o
pedido de intervenção se a causa em que a decisão ou ordem judicial desrespeitada
fundamentar-se em normas constitucionais; caso a decisão tenha se fundado em normas
infraconstitucionais, a competência será do STJ, tribunal para o qual convergem a Justiça
Comum estadual e federal.
- ADI Interventiva (arts. 34, VII, e 36, III, primeira parte) - tutela os chamados princípios
sensíveis. STF entende que o princípio da dignidade da pessoa humana pode servir de base, mas
o desrespeito não pode se cuidar de fato isolado (IF 114/MT).
Diferenças com as demais ações de controle de constitucionalidade: Legitimidade apenas
do PGR - Gilmar Mendes entende que atua como representante judicial da União (MENDES, 2008,
p. 1.226). Não se trata de processo de controle abstrato de normas. Não é processo objetivo, há
uma relação processual contraditória entre União e Estado-membro.
Provimento de representação do PGR perante o STF no caso dos arts. 34, VI, 1ª parte e
36, III, 2ª parte: a intervenção para execução de lei federal se refere àquela recusa à aplicação
da lei que gera prejuízo generalizado e em que não cabe solução judiciária para o problema. Não
é qualquer descumprimento que enseja a intervenção.
Competência para decretação: privativa do Presidente da República (art. 84, X, da CF),
com previsão de oitiva (sem vinculação), a intervenção espontânea, dos Conselhos de República
(art. 90, I, da CF) e Defesa Nacional (art.91,
§1º, II, da CF). No caso de provimento de representação do PGR perante o STF, este deverá
encaminhar a decisão ao Presidente, que, em até 15 dias, expeça decreto de intervenção e
nomeie, nesse mesmo decreto, o interventor, se couber (Lei 12.562/2011, art. 11).
Controle político: exercido em 24 horas pelo Congresso Nacional, que, se rejeitar a
intervenção, vincula o Presidente, sob pena de prática de crime de responsabilidade por este. O
controle é dispensado nas hipóteses do art. 36,
§3º, da CF. Nestas hipóteses, o decreto limita-se a suspender o ato impugnado, se esta medida
for suficiente. Caso não seja, decreta-se a intervenção federal e, neste caso, incide o controle.
Nas hipóteses de intervenção por solicitação e espontânea, o Presidente exerce juízo
discricionário. Nas demais, encontra-se vinculado.

Intervenção estadual nos Municípios: as hipóteses estão previstas nos incisos do art. 35
da CF. Em regra, o procedimento é o mesmo da intervenção federal (aplicado o princípio da
simetria – p. ex.: competência privativa do Governador).
Súmula 637 do STF: não cabe recurso extraordinário contra acórdão de TJ que defere
pedido de intervenção estadual em município.
ADI Interventiva Estadual: competência do TJ local. Legitimidade ativa do PGJ. Controle
político realizado pela Assembleia Legislativa, sendo dispensado na hipótese de provimento à

152
representação interventiva.
*Intervenção da União nos Municípios sediados em Territórios Federais: embora
caracterize intervenção federal, as suas hipóteses de incidência são as mesmas da intervenção
estadual (art. 35, I a IV da CF/1988, ressaltando a inaplicabilidade da 1ª parte do inciso IV, já que
o Território não possui CE que indiquem os aludidos princípios a serem observados).

13.ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
13.1Princı ́pios constitucionais sobre a Administração Pública. (11.b)

11B. Princípios constitucionais sobre a Administração Pública

Renata Souza
Materiais consultados: Graal do 28º CPR; PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 14. ed.
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed.
rev., ampl. e atual. até 31-12-2014. São Paulo: Atlas, 2015; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 6.
ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.
30. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

I. Introdução

O art. 37, caput, da Constituição Federal, enumera cinco princípios administrativos: legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998) (...)

II. Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade nasceu com o Estado de Direito e consiste em uma das principais
garantias de respeito aos direitos individuais.

Trata-se da diretriz básica da conduta dos agentes da Administração, significando que toda e
qualquer a atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Caso não seja autorizada por lei,
a atividade é ilı ́cita.

O princípio da legalidade administrativa difere da legalidade geral aplicável aos particulares.


Enquanto, no direito privado, o que não está proibido está permitido (art. 5°, inciso II, CF/88),
no Direito Administrativo, o administrador só pode fazer o que a lei permite.

Assim, a Administração Pública, além de não poder agir contra a lei ou além da lei, somente
pode atuar segundo a lei. O ato eventualmente praticado com inobservância a tais parâmetros
é inválido e pode ser reconhecido como tal pela própria Administração que o praticou (em
virtude do princípio da autotutela) ou pelo Judiciário.

“Observe-se, ainda, que, em sua atuação, a Administração está obrigada à observância não
apenas do disposto nas leis, mas também dos princípios jurídicos ('atuação conforme a lei e o
Direito', na feliz redação do inciso I do parágrafo único do art. 2º da Lei 9.784/1999). Ademais,
a Administração está sujeita a seus próprios atos normativos, expedidos para assegurar o fiel
cumprimento das leis, nos termos do art. 84, inciso IV, da Constituição. Assim, na prática de um
ato individual, o agente público está obrigado a observar não só a lei e os princípios jurídicos,
mas também os decretos, as portarias, as instruções normativas, os pareceres normativos, em

153
suma, os atos administrativos gerais que sejam pertinentes àquela situação concreta com que
ele se depara.” – PAULO; ALEXANDRINO, 2015, p. 375.

- Evolução e tendência atual: na Constituição de 1891, a Administração Pública podia fazer tudo
que a lei não proibia (vinculação negativa). Foi a partir da Constituição de 1934 que o princı ́pio
da legalidade passou a significar que a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite
(vinculação positiva). Na Constituição de 1988, observou-se uma opção pelos princípios próprios
do Estado Democrático de Direito, ao qual duas ideias são inerentes: uma concepção mais ampla
do princípio da legalidade e a ideia de participação do cidadão na gestão e no controle da
Administração Pública. Quanto à concepção mais ampla do princípio da legalidade, a intenção é
de submissão do Estado não apenas à lei em sentido puramente formal, mas ao Direito,
abarcando todos os valores inseridos de forma expressa ou implícita na Constituição.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro é clara: o princípio da legalidade, hoje, possui uma abrangência
muito maior porque exige submissão ao Direito. A ideia atual é de alargamento do princípio da
legalidade, com maior limitação à discricionariedade administrativa (em decorrê ncia da
submissão da Administração Pública a princı ́pios e valores) e ampliação do controle judicial.

III. Princípio da Impessoalidade

O princípio da impessoalidade apresenta dupla acepção: finalidade da atuação administrativa e


vedação à promoção pessoal do administrador público.

Em sua acepção de finalidade da atuação administrativa, o referido princípio significa que toda
atuação da Administração Pública deve visar à satisfação do interesse público.
Consequentemente, é nulo por desvio de finalidade o ato praticado com objetivo diverso da
satisfação do interesse público, decorrente explı ́cita ou implicitamente da lei.

Em tal acepção, “impede o princípio da impessoalidade, portanto, que o ato administrativo seja
praticado a fim de atender a interesses do agente público ou de terceiros, devendo visar, tão
somente, à 'vontade' da lei, comando geral e abstrato, logo, impessoal. Dessarte, são obstadas
perseguições ou favorecimentos e quaisquer discriminações, benéficas ou prejudiciais, aos
administrados ou mesmo aos agentes públicos.” – PAULO; ALEXANDRINO, 2015, p. 376.

Em sua acepção de vedação à promoção pessoal do administrador público, o princípio da


impessoalidade refere-se à noção de proibição de pessoalização das realizações da
Administração Público ou de proibição de promoção pessoal do agente público às custas das
realizações da Administração Pública. O art. 37, § 1º, da CF/88, dispõe:

Art. 37, § 1º: A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos
públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo
constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou
servidores públicos.

A infringência à citada vedação ocasiona a responsabilização do agente público, até mesmo por
ato de improbidade administrativa (art. 11 da Lei nº 8.429/1992).

IV. Princípio da Moralidade

A moral administrativa relaciona-se às ideias de probidade e boa-fé. Não está vinculada às


convicções íntimas do agente público, que são de ordem subjetiva, mas à concepção de atuação
adequada e ética existente no grupo social, extraível do conjunto de normas existentes no
ordenamento jurídico sobre conduta dos agentes públicos em geral.

154
O controle de moralidade não se afigura como controle de mérito administrativo. Ou seja, um
ato contrário à moral administrativa não está submetido à análise de oportunidade e
conveniência, mas à análise de legitimidade. Consequentemente, o ato contrário à moral
administrativa não deve ser revogado, mas declarado nulo, seja pela própria Administração
Pública, seja pelo Poder Judiciário.
Existem diversos instrumentos, previstos pelo ordenamento jurídico, de controle da moralidade
administrativa. Podem ser citados como exemplos: ação de improbidade administrativa, ação
popular, ação civil pública, hipóteses de inelegibilidade previstas no art. 1º, da LC 64/90 e
sanções administrativas e judiciais previstas na Lei nº 12.846/2013.

V. Princípio da Publicidade

O princípio da publicidade “indica que os atos da Administração devem merecer a mais ampla
divulgação possı ́vel entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princı ́pio
propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes
administrativos. Só com a transparê ncia dessa conduta é que poderão os indivı ́duos aquilatar a
legalidade ou não dos atos e o grau de eficiê ncia de que se revestem. É para observar esse
princı ́pio que os atos administrativos são publicados em órgãos de imprensa ou afixados em
determinado local das repartições administrativas, ou, ainda, mais modernamente, divulgados
por outros mecanismos integrantes da tecnologia da informação, como é o caso da Internet.” –
CARVALHO FILHO, 2015, p. 26.

“Sem embargo da circunstância de que a publicidade dos atos constitui a regra, o sistema
jurı ́dico – repita-se – institui algumas exceções, tendo em vista a excepcionalidade da situação
e os riscos que eventual divulgação poderia acarretar. O próprio art. 5º, XXXIII, da CF, resguarda
o sigilo de informações quando se revela indispensável à segurança da sociedade e do Estado.
O mesmo ocorre na esfera judicial: nos termos do art. 93, IX, da CF, com a redação dada pela EC
nº 45/2004, apesar de serem públicos os julgamentos, poderá a lei limitar que, em certos atos,
só estejam presentes as partes e seus advogados, ou, conforme a hipótese, apenas estes
últimos. A Constituição pretendeu proteger o direito à intimidade do interessado diante de
certos casos, considerando-o prevalente sobre o princı ṕ io do interesse público à informação.” –
CARVALHO FILHO, 2015, p. 29.

“Situação que merece comentário diz respeito aos efeitos decorrentes da falta de publicidade
(mais comumente de publicação) de atos administrativos. Cuida-se de saber se tal ausê ncia se
situa no plano da validade ou da eficá cia. Anteriormente, a doutrina era mais inflexı ́vel,
considerando como inválido o ato sem publicidade; ou seja, a publicidade seria requisito de
validade. Modernamente, tem-se entendido que cada hipótese precisa ser analisada
separadamente, inclusive a lei que disponha sobre ela. Em várias situações, a falta de
publicidade não retira a validade do ato, funcionando como fator de eficá cia: o ato é válido, mas
inidô neo para produzir efeitos jurı ́dicos. Se o for, a irregularidade comporta saneamento.” –
CARVALHO FILHO, 2015, p. 29/30.

VI. Princípio da Eficiência

O princípio da eficiência não constava da redação originária do art. 37, caput, da CF/88. Foi
introduzido em tal dispositivo através da EC 19/98, com o propósito de substituir a
Administração Pública burocrática pela Administração Pública gerencial.

O princı ́pio da eficiê ncia consubstancia a exigê ncia de que os gestores da coisa pública não
economizem esforços no desempenho dos seus encargos, de modo a otimizar o emprego dos

155
recursos que a sociedade destina para a satisfação das suas múltiplas necessidades; numa
palavra, que pratiquem a "boa administração” de que falam os publicistas italianos.

Para José dos Santos Carvalho Filho, “o nú cleo do princı ́pio é a procura de produtividade e
economicidade e, o que é mais importante, a exigê ncia de reduzir os desperdı ́cios de dinheiro
público, o que impõ e a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento
funcional. Há vários aspectos a serem considerados dentro do princı ́pio, como a produtividade
e economicidade, qualidade, celeridade e presteza e desburocratização e flexibilização (...).” –
CARVALHO FILHO, 2015, p. 31.

“A eficiência não se confunde com a eficá cia nem com a efetividade. A eficiê ncia transmite
sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa;
a ideia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Por outro lado, eficácia tem relação com
os meios e instrumentos empregados pelos agentes no exercı ́cio de seus misteres na
administração; o sentido aqui é tipicamente instrumental. Finalmente, a efetividade é voltada
para os resultados obtidos com as ações administrativas; sobreleva nesse aspecto a positividade
dos objetivos.” – CARVALHO FILHO, 2015, p. 33.

Pode-se desmembrar o princípio da eficiência em duas facetas:

a) quanto à qualidade da atuação do agente público: objetiva-se a obtenção um padrão de


excelência no desempenho de suas atribuições e em sua produtividade;

b) quanto ao modo de organizar e estruturar os órgãos e entidades integrantes da administração


pública e disciplinar o seu funcionamento: exige-se a maior racionalidade possível, com o
propósito de se alcançar ótimos resultados na prestação dos serviços públicos.

VII. Outros Princípios

Ao lado dos princı ́pios gerais expostos, a doutrina reconhece outros princı ́pios, como os da livre
concorrência aos cargos públicos; da motivação; da razoabilidade e proporcionalidade; da
́
segurança juridica e proteção da confiança; da continuidade das atividades da administração;
da licitação/concorrência para a realização de obras e serviços pú blicos; da responsabilidade
civil do Estado; do contraditório, da ampla defesa e da celeridade nos processos
administrativos; e da probidade.

14.PODER LEGISLATIVO
14.1 Poder Legislativo. Organização. Atribuiçõ es do Congresso Nacional. Competê ncias do
Senado e da Câmara. (1.b)
14.2 Legislativo e soberania popular. A crise da representação polı ́tica. (2.b)
14.3 Regime constitucional dos parlamentares. Imunidades e incompatibilidades. (15.c)
14.4 Estatuto constitucional dos agentes polı ́ticos. Limites constitucionais da investigação
parlamentar. Crimes de responsabilidade. Controle social, polı ́tico e jurisdicional do exercı ́cio do
poder. O princı ́pio republicano. (24.b)
14.5 Processo legislativo. Emenda Constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada,
medida provisória, decreto legislativo e resolução. O processo de incorporação dos tratados
internacionais. Devido processo legislativo. (7.a)

1B. Poder Legislativo. Organização. Atribuições do Congresso Nacional. Competências do


Senado e da Câmara. Legislativo e soberania popular. A crise da representação política.

André Batista e Silva

156
Estrutura do Poder Legislativo.

Poder legislativo federal: no âmbito federal, vigora o bicameralismo: a câmara dos


deputados, composta por representantes do povo, e o senado federal, composta por
representantes dos estados membros.
Poder legislativo estadual: é unicameral, sendo composto pela assembleia legislativa,
composta por deputados estaduais. De acordo com o art. 27, caput, da CF/88, o número de
deputados da assembleia legislativa corresponderá ao triplo da representação do estado na
câmara dos deputados e, atingindo o número de 36, será acrescido de tantos quantos forem os
deputados federais acima de doze. Por expressa determinação constitucional (art. 27, §1º), as
regras da CF/88 sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às forças armadas serão aplicadas aos
parlamentares estaduais.
Poder legislativo municipal: é unicameral, sendo constituído pela câmara dos vereadores,
composta por vereadores municipais. De acordo com o art. 29 da CF/88, o número de
vereadores do município será fixado proporcionalmente à população, nos limites previstos no
mesmo artigo (mínimo de 09, nos municípios com até 15 mil habitantes, e máximo de 55, nos
municípios com mais de 8 milhões de habitantes. Por expressa determinação constitucional (art.
29, VIII), os vereadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício do
mandato e na circunscrição do município.
Poder legislativo distrital: é unicameral, constituído pela câmara legislativa (art. 32,
caput, da CF/88), composta por deputados distritais. De acordo com o art. 32, §3º, da CF/88,
aos deputados distritais e à câmara legislativa aplica-se o disposto no art. 27, ou seja, todas as
regras estabelecidas para os estados valem para o distrito federal.

Poder legislativo dos territórios federais: de acordo com o art. 33, §3º, da CF/88, a lei
disporá sobre as eleições para a câmara territorial e sua competência deliberativa. Como não
existem territórios federais, ainda não foi regulamentado tal dispositivo constitucional. Deve-se
observar, contudo, que, quando criados, de acordo com o art. 45,
§2º, da CF/88, cada território elegerá o número fixo de 4 deputados federais, para
compor a câmara dos deputados do congresso nacional.

Atribuições do congresso nacional.

Reservas legais: o art. 48 trata das atribuições conferidas ao congresso nacional para as
quais se exige sanção presidencial (são reservas legais, ou seja, atribuições materializadas por
lei).
Competências exclusivas: já o art. 49 trata das matérias de competência exclusiva do
congresso nacional, sendo dispensada a manifestação do presidente da república através de
sanção ou veto (são atribuições materializadas por decreto legislativo).

Câmara dos deputados.


Composição: a câmara dos deputados é composta por representantes do povo.
Eleição: os deputados federais são eleitos pelo povo segundo o princípio proporcional, de
acordo com o art. 45, §1º, da CF/88.Se os territórios federais vierem a ser criados, elegerão o
número fixo de 04 deputados cada. Atualmente, o número total de deputados federais é fixado
pela LC78/93 em 513. OBS.: REDIMENSIONAMENTO DO NÚMERO DE DEPUTADOS POR
RESOLUÇÃO DO TSE E INCONSTITUCIONALIDADE – Por maioria de votos, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucionais a Resolução TSE
23.389/2013, que definiu o tamanho das bancadas dos estados e do Distrito Federal na Câmara

157
dos Deputados para as eleições de 2014, e a Lei Complementar (LC) 78/1993, que autorizou a
corte eleitoral a definir os quantitativos. Para a ministra Rosa Weber, a resolução do TSE invadiu
a competência do Congresso Nacional. Para a ministra, a Lei Complementar 78/1993 não fixou
critérios de cálculo, nem delegou sua fixação ao TSE, que usou critérios próprios para determinar
o quantitativo dessas representações, introduzindo inovações legislativas para as quais não tem
competência. “Ao TSE não compete legislar, e sim promover a normatização da legislação
eleitoral”, afirmou. Segundo a ministra, o Código Eleitoral confere expressamente ao TSE poder
para expedir instruções e tomar outras providências que julgar convenientes para execução da
legislação eleitoral. Entretanto, “da LC 78 não é possível inferir delegação a legitimar, nos moldes
da Constituição Federal e do Código Eleitoral, a edição da Resolução 23.389/2013”. Para o
ministro Teori Zavascki, caso se entenda indispensável a intervenção do Poder Judiciário para a
regulamentação provisória do comando constitucional que determina a proporcionalidade das
bancadas, quem deverá promovê-la é o STF, e não o TSE. E, caso o Legislativo permaneça omisso
em relação à matéria, cabe a impetração de mandado de injunção.
Mandato: 04 anos, sendo permitida a reeleição.
Requisitos para a candidatura dos deputados: a) ser brasileiro nato ou naturalizado (art.
14, §3º, I, CF/88); a exigência de ser brasileiro nato é apenas para ocupar a presidência da
câmara (art. 12, §3º, II, CF/88); b) ser maior de 21 anos (art. 14, §3º, VI, c, CF/88); c) estar em
pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, §3º, II, CF/88); d) estar alistado eleitoralmente (art.
14, §3º, III, CF/88); e) domicílio eleitoral na circunscrição (art. 14, §3º, IV, CF/88); f) filiação
partidária (art. 14, §3º, VI, CF/88).
Competências privativas da câmara: as matérias de competência privativa da câmara dos
deputados estão previstas no art. 51 da CF/88 e não dependem de sanção ou veto presidencial
(são materializadas por meio de resoluções). Obs.: a câmara tem apenas a iniciativa de projeto
de lei que vise à fixação da remuneração dos cargos, empregos e funções de seus serviços,
devendo, necessariamente, depois de aprovada nas duas casas, a matéria ir à sanção do
presidente da república (trata-se de mudança realizada pela EC19/98, que retirou da câmara a
competência privativa para a fixação da referida remuneração, atribuindo-lhe tão somente a
iniciativa da lei).

Senado federal.

Composição: o senado é composto por representantes dos estados e do DF. Se criados,


os territórios não terão representação no senado, na medida em que não têm autonomia
federativa.
Eleição: os senadores são eleitos pelo povo segundo o princípio majoritário, de acordo
com o art. 46 da CF/88. Cada estado e o DF elegerão o número fixo de 3 senadores, sendo que
cada senador é eleito com 02 suplentes. Mandato: é de 08 anos (duas legislaturas), permitindo-
se a reeleição. A renovação dos senadores eleitos dar-
se-á a cada 04 anos, na proporção de 1/3 e 2/3.
Requisitos para a candidatura dos senadores: a) ser brasileiro nato ou naturalizado (art.
14, §3º, I, CF/88); a exigência de ser brasileiro nato é apenas para ocupar a presidência do senado
(art. 12, §3º, III, CF/88); b) ser maior de 35 anos (art. 14, §3º, VI, a, CF/88); c) estar em pleno
exercício dos direitos políticos (art. 14, §3º, II, CF/88); d) estar alistado eleitoralmente (art. 14,
§3º, III, CF/88); e) domicílio eleitoral na circunscrição (art. 14, §3º, IV, CF/88); f) filiação partidária
(art. 14, §3º, VI, CF/88).
Competências privativas do senado: as matérias de competência privativa do senado
estão previstas no art. 52 da CF/88 e não dependerão de sanção presidencial (são materializadas
através de resolução). Obs.: o senado tem apenas a iniciativa de projeto de lei que vise à fixação
da remuneração dos cargos, empregos e funções de seus serviços, devendo, necessariamente,
depois de aprovada nas duas casas, a matéria ir à sanção do presidente da república (trata-se
de mudança realizada pela EC19/98, que retirou do senado a competência privativa para a

158
fixação da referida remuneração, atribuindo-lhe tão somente a iniciativa da lei).
Ativismo Congressual: manifesta-se em casos nos quais o Congresso Nacional, via emenda
constitucional ou por meio de leis ou resoluções, busca reverter situações consideradas de
“autoritarismo judicial” ou de “comportamento antidialógico” do Judiciário. Note-se que o
trânsito em julgado de decisão proferida pelo STF em processo objetivo garante a plena eficácia
de sua decisão em relação ao ato normativo impugnado. Contudo, a atividade legislativa futura
não estará vinculada ao que restou decidido. Ex: “Emenda da Vaquejada”.
STF: As decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF no julgamento de ADI, ADC
ou ADPF possuem eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante (§ 2º do art. 102 da
CF/88). O Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado. Assim, o STF não
proíbe que o Poder Legislativo edite leis ou emendas constitucionais em sentido contrário ao
que a Corte já decidiu. Não existe uma vedação prévia a tais atos normativos. O legislador pode,
por emenda constitucional ou lei ordinária, superar a jurisprudência. Trata-se de uma reação
legislativa à decisão da Corte Constitucional com o objetivo de reversão jurisprudencial. No caso
de reversão jurisprudencial (reação legislativa) proposta por meio de emenda constitucional, a
invalidação somente ocorrerá nas restritas hipóteses de violação aos limites previstos no art. 60,
e seus §§, da CF/88. Em suma, se o Congresso editar uma emenda constitucional buscando
alterar a interpretação dada pelo STF para determinado tema, essa emenda somente poderá ser
declarada inconstitucional se ofender uma cláusula pétrea ou o processo legislativo para edição
de emendas. No caso de reversão jurisprudencial proposta por lei ordinária, a lei que
frontalmente colidir com a jurisprudência do STF nasce com presunção relativa de
inconstitucionalidade (leis in your face), de forma que caberá ao legislador o ônus de
demonstrar, argumentativamente, que a correção do precedente se afigura legítima. Assim,
para ser considerada válida, o Congresso Nacional deverá comprovar que as premissas fáticas e
jurídicas sobre as quais se fundou a decisão do STF no passado não mais subsistem. O Poder
Legislativo promoverá verdadeira hipótese de mutação constitucional pela via legislativa. STF.
Plenário. ADI 5105/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 1º/10/2015 (Info 801).

Efeito backlash: consiste em uma reação conservadora de parcela da sociedade ou das


forças políticas (em geral, do parlamento) diante de uma decisão liberal do Judiciário em um
tema polêmico.

Legislativo e Soberania Popular: Para José Afonso da Silva (2010, p. 131), a democracia
repousa sobre dois princípios fundamentais: (a) soberania popular (o povo é a única fonte de
poder) e (b) participação, direta ou indireta, do povo no poder (para que este seja a efetiva
expressão da vontade popular). A forma pela qual o povo participa no poder dá origem a três
tipos de democracia: direta, indireta (ou representativa) e semidireta. O Brasil adota o tipo
semidireto, ou seja, democracia representativa, com alguns institutos de participação direta.
Portanto, o Poder Legislativo, por meio dos representantes legitimamente eleitos pelo povo, é
o veículo primordial para o exercício da soberania popular. “Todo o poder emana do povo, que
o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (CF,
art. 1º, parágrafo único).

A Crise da Representação Política: Nas democracias ocidentais, é possível identificar as


assembleias parlamentares, periodicamente eleitas, como expressão concreta da Representação
política. Esta é um fenômeno complexo, cujo núcleo consiste num processo de escolha dos
governantes e de controle sobre sua ação através de eleições competitivas. É um conceito
multidimensional que abarca o fenômeno da seleção de lideranças, de delegação de soberania

159
popular, de controle, de participação indireta e de questionamento político. Atualmente, a
democracia representativa encontra-se na penumbra, diante da quebra global da confiança,
marcada pela corrupção, descrédito quanto à capacidade das instituições e dos agentes políticos
de agir de modo funcionalmente adequado. A crise da representação política no Brasil se insere
no interior de um quadro mais amplo e que reflete, de forma quase planetarizada, os mesmos
problemas da (1) diminuição da participação eleitoral, (2) declínio da relação de identificação
entre representantes e representados e (3) o aumento das taxas de alienação eleitoral
conjugado com o crescimento do processo de exclusão social; para alguns autores ainda há as
questões relativas à crise da democracia e o declínio da importância dos partidos políticos nas
democracias contemporâneas. Concomitantemente, é verificada uma crescente crise de
representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo, alimentando o
Judiciário na direção do ativismo judicial, em nome da Constituição, com a prolação de decisões
que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral.
(BARROSO, Luís Roberto). Sobre o déficit democrático das instituições representativas,
SARMENTO afirma: “Em que pese a universalização do direito de voto alcançada ao longo do
século XX, hoje uma série de fatores - que vão da influência do poder econômico nas eleições,
até a apatia e distanciamento do cidadão em relação à res publica - tende a segregar os
representantes dos representados, minando a crença de que os primeiros vocalizariam na esfera
política a vontade dos segundos. O problema é universal, mas, no Brasil, há componentes que o
agravam de forma exponencial, abalando profundamente a credibilidade das instituições de
representação popular. [...]. Neste quadro preocupante, a objeção democrática contra o
ativismo judicial se arrefece, sobretudo quando o Judiciário passa a agir em favor de causas
“simpáticas” aos anseios populares, como a proteção dos direitos sociais.”

15C. Regime constitucional dos parlamentares. Imunidades e incompatibilidades.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Direito Constitucional Esquematizado, Pedro Lenza, Ed. 2018.

O Estatuto dos congressistas representa o regime jurídico dos membros do Congresso Nacional,
em que a Constituição estabelece um conjunto de normas instituidoras de direitos e
prerrogativas e também deveres e incompatibilidades.

As imunidades ocupam posição relevante, uma vez que os membros do Legislativo devem atuar
com ampla independência no desempenho de suas atribuições constitucionais, bem como para
preservar a independência dos poderes.

As imunidades apresentam dupla figuração: i) imunidade material (substancial ou de conteúdo)


ou denominada de inviolabilidade: garante a liberdade de opinião, palavras e votos dos
parlamentares. Elas podem tornar o parlamentar insuscetível de ser punido por certos fatos; ii)
imunidade formal (processual, instrumental ou de rito): evita prisões, oriunda de processos.

Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, o fundamento das imunidades não consiste na
proteção do parlamentar nas relações privadas, porque não são privilégios pessoais, muito
menos abrigo para práticas ilícitas, mas sim pela função exercida no Poder Legislativo. (STF, RE
299109 AgR – a prerrogativa indisponível da imunidade material [...] constitui garantia inerente
ao desempenho da função parlamentar, não traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de
ordem pessoal).

Características:

Imunidade material

160
Histórico: desde da Constituição do Império, de 1824. A Imunidade civil tornou-se expressa com
EC 35/2001, embora já fosse admitida pelo STF (RE 210.917, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Objeto: de inviolabilidade quanto ao cometimento de crimes e contravenções.

Objetivo: proteger a função parlamentar, em nome da representatividade do povo (art. CR/88,


art. 1º, parágrafo único).

Natureza jurídica: a doutrina diverge, considera como causa excludente do delito (Pontes de
Miranda e Nelson Hungria); causa pessoa ou funcional de isenção de penal (Aníbal Bruno); causa
pessoal de exclusão de pena (Heleno Cláudio Fragoso); causa de irresponsabilidade penal por
motivos políticos (José Frederico Marques) e causa de exclusão da tipicidade (Zaffaroni e
Pierangeli, Fernando Capez).

Funcionamento: exclui a responsabilidade penal, civil, disciplinar e política do congressista, ou


ex- congressista, por suas opiniões palavras e votos.

Nexo de causalidade: deve-se comprovar o liame entre as manifestações políticas e o exercício


do mandato.

Extensão: abrange opiniões, palavras e votos (responsabilidade criminal (não constitui crime
seus atos), civil (não pode ser responsabilizado por perdas e danos a responsabilidade
administrativa (não sofrerá sanções disciplinares) e política ( não poderá ser destituído pelos
eleitores ou pelo partido que o elegeu).
Âmbito espacial: recinto parlamentar (tribuna); externa corporis, é necessário vínculo com a
atividade política; na CPI, na divulgação pela imprensa de fatos protegidos pela inviolabilidade;

STF – caso do Deputado Jair Bolsonaro: “A imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88)
protege os Deputados Federais e Senadores, qualquer que seja o âmbito espacial (local) em que
exerçam a liberdade de opinião. No entanto, para isso é necessário que as suas declarações
tenham conexão (relação) com o desempenho da função legislativa ou tenham sido proferidas
em razão dela. Para que as afirmações feitas pelo parlamentar possam ser consideradas como
"relacionadas ao exercício do mandato", elas devem ter, ainda de forma mínima, um teor
político. Exemplos de afirmações relacionadas com o mandato: declarações sobre fatos que
estejam sendo debatidos pela sociedade; discursos sobre fatos que estão sendo investigados
por CPI ou pelos órgãos de persecução penal (Polícia, MP); opiniões sobre temas que sejam de
interesse de setores da sociedade, do eleitorado, de organizações ou grupos representados no
parlamento etc. Palavras e opiniões meramente pessoais, sem relação com o debate
democrático de fatos ou ideias não possuem vínculo com o exercício das funções de um
parlamentar e, portanto, não estão protegidos pela imunidade material. No caso concreto, as
palavras do Deputado Federal dizendo que a parlamentar não merecia ser estuprada porque
seria muito feia não são declarações que possuem relação com o exercício do mandato e, por
essa razão, não estão amparadas pela imunidade material”. STF. 1ª Turma. Inq 3932/DF e Pet
5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

Irrenunciável: por ser garantia institucional deferida ao Poder Legislativo e, portanto, por
decorrer da função que os seus membros exercem, a imunidade é irrenunciável. Seu início ocorre
com a diplomação, perdurando até o término do mandato.

Efeitos temporais: se prolonga no tempo, o que significa que o deputado/senador não poderá
sofrer sanção.

161
Abuso da prerrogativa: sujeitar-se-á o parlamentar as regras disciplinares da Casa a que
pertencer (CF, art. 55, p; 1º).

Imunidade processual:

Histórico: desde da Carta de 11824 (art.27).

Objetivo: garante ao parlamentar não ser ou permanecer preso, bem como a possibilidade de
sustar o processo penal em curso contra ele.

Termo inicial: data da diplomação.

Conteúdo: os parlamentares, assim que forem diplomados, podem ser processados sem prévia
licença da Casa a que pertence. Após o recebimento da denúncia, por crime ocorrido após a
diplomação o STF dará ciência à casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela
representado e pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, poderá até a decisão final
sustar o andamento do processo. Eles podem ser presos em flagrante por crime inafiançável.
Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de24 horas à Casa respectiva, para que a maioria
absoluta dos parlamentares, delibere sobre a prisão.

Prisão preventiva de parlamentar: A 2ª turma do STF referendou decisão proferida pelo Min.
Teori Zavascki na AC 4.039, para admitir a prisão cautelar de Senador, tendo em vista a presença
de requisitos de prisão preventiva. A situação concreta não envolvia crime inafiançável
(organização criminosa) contudo, o STF entendeu que a inafiançabilidade decorreria de situação
concreta e nos termos da Lei, pois, de acordo com o art. 324, IV, do CPP, não será concedida
fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação de prisão preventiva (art.312,
CPP). Assim, se não será concedida fiança, estaria configurada a situação de inafiançabilidade.
(Notícias STF, 25.11.2015). Por sua vez, a 2ª turma do STF na AC 4.327 (26.09.2017) apreciou
pedido de prisão preventiva de parlamentar federal, contudo, sinalizou dúvida razoável, na
hipótese acerca dos requisitos do art. 53, § 2º da CF, para fins de decretação da prisão
preventiva.

Outras medidas cautelares diversas da prisão: O STF em 11.10.2017 estabeleceu 2 teses: 1) O


poder judiciário dispõe de competência para impor, por autoridade própria, as medidas
cautelares a que se refere o art. 319 do CPP; 2) necessidade de controle político, por aplicação
analógica do art. 53, § 2º, CF (remessa para a casa respectiva em 24h).

Abrangência: impede a prisão penal e a civil, o que significa que o parlamentar não poderá sofrer
constrição privativa de liberdade, salvo em crime inafiançável. No entanto, nada impede a
execução dessa pena, se definitivamente imposta. (INQ 510/DF, Min. Celso De Mello - a garantia
jurídico-institucional da imunidade parlamentar formal não obsta, observado o "due process of
law", a execução de penas privativas da liberdade definitivamente impostas ao membro do
Congresso Nacional).

Desnecessidades de licença: embora não necessite de autorização da Casa para o processo, por
crime cometido após a diplomação, essa pode determinar a sustação dele, depois de acolhida a
denúncia ou queixa pelo Tribunal (enquanto o processo estiver suspenso a prescrição penal não
corre, voltando o seu curso no dia que o mandato encerra. Nos casos em que o processo estava
suspenso antes da EC 35, o prazo prescricional torna a correr da data da promulgação da emenda).

Aspecto temporal: ao contrário da material, ela é limitada, porque protege o congressista


somente no período do exercício do mandato.

162
Prerrogativa de foro por infrações penais comuns: desde a expedição do diploma, os
parlamentares serão submetidos ao julgamento pelo STF. “Regra da Atualidade” (Alexandre de
Moraes) - Cessado o mandato, termina também a missão da Corte. No caso de extinção do
mandato por Renúncia: é legítima a renúncia, que, de acordo com recente decisão do STF em
questão de ordem na AP 937 (03.05.2018), na qual os Ministros fixaram a seguinte tese: “após
o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação
de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada
em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar de ocupar o cargo que ocupava,
qualquer que seja o motivo”.

Isenção de testemunho: os deputados/senadores não são obrigados a testemunhar sobre


informações recebidas ou prestadas em razão do mandado, nem sobre as pessoas que lhes
confiaram ou delas receberam informações (CF, art. 53, p. 6º); x) durante o Estado de sítio: as
imunidades material e formal podem ser suspensas por meio do voto de 2/3 dos membros da
Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do Congresso, que sejam incompatíveis com
a execução da medida (CF, art. 53, p. 8º).

Deputados estaduais e distritais: seguem a mesma sistemática de imunidades (art.27, p.1º).


Vereadores: somente possuem imunidade material (art.29, VIII), porém é limitada
territorialmente à circunscrição do Município.

Incompatibilidades (CF, art. 54): são impedimentos ou restrições relacionados a atividade


política, que impedem o parlamentar de exercer certas funções ou praticar atos sucessivos com
o mandato. A finalidade é evitar que o parlamentar se comprometa com interesses distintos
daquele que o elegeu, ou que ele obtenha favorecimentos especiais em razão desse mandato.

Classificação das incompatibilidades: i) contratuais ou negociais (art. 54, I, a): não poderão,
desde a expedição do diploma, firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público,
autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço
público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; ii) funcionais (art. 54, I, b e II
b): não poderão, desde a expedição do diploma, aceitar ou exercer cargo, função ou emprego
remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades constantes no item
anterior. Também não poderão ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, nas
entidades referidas no item “i”; iii) profissionais (art. 54, II, a e II c): não poderão, desde a posse,
ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de
contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada. Do igual
modo, não poderão patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades citadas
no item “i”; iv) políticas (art.54, II, d); não poderão, desde a posse, ser titulares de mais de um
cargo ou mandato eletivo.

Direito comparado e origem imunidades parlamentares

Originada na Inglaterra, no século XVII, as imunidades possibilitaram aos políticos discursarem


sem o arbítrio sob a monarquia. A partir de então o instituto se disseminou em todas as nações
democráticas do mundo, como decorrência de dois corolários do direito constitucional inglês: o
freedom of speech (liberdade de palavra) e o freedom from arrest (liberdade à prisão arbitrária).
Ambos incluídos no Bill of Rights de 1688, transmitiam a mensagem de que a liberdade de
expressão e o debate de opiniões no Parlamento são invioláveis.

Depois, mais tarde, as imunidades parlamentares foram inscritas na Constituição dos Estados
Unidos da América de 1787 (art. 1º seção 6). Nesse país, se um congressista cometesse crime
fora do exercício da atividade, recebia o mesmo tratamento de qualquer cidadão comum, sendo

163
investigado, indiciado, processado e julgado, porque a inviolabilidade só alcança os estritos
limites do cargo. Fora da função parlamentar todos são iguais.

Nos países latinos, o instituto sofre distorções, sendo desfigurado. Enquanto na Inglaterra, nos
EUA, no Canadá e na Alemanha a imunidade parlamentar se restringe ao âmbito de atuações
políticas, no Brasil, na Itália, na Espanha, na Argentina, ela figura como abrigo de criminosos,
protegendo os parlamentares nos delitos comuns.

24B. Estatuto constitucional dos agentes políticos. Limites constitucionais da investigação


parlamentar. Crimes de responsabilidade. Controle social, político e jurisdicional do exercício do
poder. O princípio republicano.

Gilberto Batista Naves Filho 30/09/18

Estatuto constitucional dos agentes políticos. Agentes políticos são os titulares dos
cargos estruturais da organização política do País, ou seja, ocupantes dos cargos que integram
o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem
nos formadores da vontade superior do Estado.
O Estatuto do Congresso Nacional vem previsto a partir do art. 53 da CRFB. É o conjunto
de regras diversas do direito comum previstas na Constituição que dão aos parlamentares
direitos, prerrogativas, deveres e incompatibilidades. Quanto às prerrogativas, ressalta-se: a)
imunidade material (são invioláveis civil e penalmente por opiniões, palavras e votos); b)
imunidades formais: b.1) prerrogativa de foro; b.2) não ser preso ou não permanecer preso; b.3)
possibilidade de sustar o processo penal em curso contra ele – art. 53, § 3º, CF; b.4) limitação
quanto ao dever de testemunhar; b.5) isenção de serviço militar. Tais prerrogativas são
irrenunciáveis (Ruy Barbosa, citado por BULOS, p. 776).
Objetivo: assegurar independência no exercício das atribuições do Legislativo (fiscalizar
e inovar na ordem jurídica). Por simetria, aplicam-se as mesmas prerrogativas aos deputados
estaduais e distritais (art. 27, § 1º, CF). Atenção às hipóteses de perda e cassação do mandato
parlamentar (art. 55, CF). Limites constitucionais da investigação parlamentar.
Jurisprudência: Relativização da imunidade material no Caso Bolsonaro (recebimento
de denúncia pela prática dos crimes previstos nos arts. 286 e 140 do Código Penal) relativamente
a entrevista concedida pelo parlamentar em seu gabinete, no momento em que reafirmou as
declarações. O STF entendeu que o fato de a entrevista ter sido concedida dentro do gabinete
do Deputado foi um fato meramente acidental, de menor importância. Isso porque não foi ali
(no gabinete) que as ofensas se tornaram públicas. Elas se tornaram públicas por meio da
imprensa e da internet, quando a entrevista foi veiculada.
Dessa forma, tratando-se de declarações prestadas em entrevista concedida a veículo
de grande circulação não incide o entendimento de que a imunidade material seria absoluta.
É necessário avaliar, portanto, se as palavras proferidas estavam ou não relacionadas
com a função parlamentar. E, como, no caso concreto não estavam, ele não estará protegido
pela imunidade material do art. 53 da CF/88.
STF: A previsão constitucional do art. 86, § 4º (§ 4º O Presidente da República, na
vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas
funções), da Constituição da República se destina expressamente ao chefe do Poder Executivo
da União, não autorizando, por sua natureza restritiva, qualquer interpretação que amplie sua
incidência a outras autoridades, nomeadamente do Poder Legislativo.
(Inq 3.983, rel. min. Teori Zavascki, j. 3-3-2016, P, DJE de 12-5-2016.)
“5. Os autos da prisão em flagrante delito por crime inafiançável ou a decisão judicial de
imposição de medidas cautelares que impossibilitem, direta ou indiretamente, o pleno e regular
exercício do mandato parlamentar e de suas funções legislativas, serão remetidos dentro de
vinte e quatro horas a Casa respectiva, nos termos do §2º do artigo 53 da Constituição Federal,

164
para que, pelo voto nominal e aberto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão ou a
medida cautelar. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.”
(ADI 5526, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE
MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2017)

CPI. A CPI atua como longa manus do Poder Legislativo. Por isso, sujeita-se ao controle
jurisdicional originário do STF. Alguns atos a CPI pode determinar diretamente, sem integração
do Judiciário, em razão de seus poderes instrutórios. São eles (art. 2°, Lei 1.579/52):
1) Notificação de testemunhas, investigados e convidados ― o cidadão comparece perante a
CPI ostentando uma destas qualidades. O investigado também é tratado como indiciado.
2) Condução coercitiva de testemunha ― a testemunha virá depor debaixo de vara.
3) Realização de exames, vistorias e perícias.
4) Afastar o sigilo bancário, fiscal e de registros telefônicos do cidadão ― a CRFB permite a
quebra do sigilo sem a necessidade de autorização judicial. Este ato só pode ser determinado
pelas CPIs do Congresso, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e da Assembleia
Legislativa. As CPIs de Câmaras Municipais não têm autoridade para afastar sigilo bancário e
fiscal diretamente, segundo o STF. Entendendo pela necessidade da quebra de sigilo, a CPI
municipal deverá se socorrer do Poder Judiciário. A decisão da CPI em quebrar os sigilos deve
sempre ser fundamentada (art. 93, IX – se o juiz deve fundamentar sua decisão, a CPI também
deve, pois está de posse de poderes de autoridade judicial).
A CPI pode afastar o sigilo, mas deve obediência ao princípio da colegialidade: quem determina
a quebra é toda a CPI, e não o seu presidente.
A quebra do sigilo telefônico refere-se somente aos dados de chamadas telefônicas, e não ao
teor das conversas. Em outras palavras, é permitido que a CPI quebra o sigilo de dados
telefônicos, mas NÃO que autorize a INTERCEPTAÇÃO DAS CONVERSAS TELEFÔNICAS E
TELEMÁTICAS (MATÉRIA SUBMETIDA À RESERVA DE JURISDIÇÃO)
A CPI não pode, por não deter autoridade para tanto (é necessária autorização judicial – reserva
constitucional de jurisdição):
5) Expedir mandado de prisão; 6) Expedir mandado de busca e apreensão; 7) Expedir mandado
de interceptação telefônica ― de acordo como art. 5º, XII, da CRFB, somente o juiz pode
determinar a interceptação telefônica. A CPI pode, no entanto, oficiar diretamente à companhia
telefônica solicitando dados telefônicos.
Segundo Uadi Lammêgo Bulos, são limites constitucionais formais das CPI: (i) impossibilidade de
investigar fato indeterminado; (ii) impossibilidade de renegar o quorum constitucional (um terço
dos membros da Casa para sua criação); (iii) impossibilidade de exceder prazo certo, que pode
ser prorrogado - o STF já entendeu, em votação não unânime, que podem existir prorrogações
sucessivas dentro da mesma legislatura, conforme prevê a Lei n. 1.579/52; (iv) impossibilidade
de desvirtuamento do âmbito funcional: os poderes são apenas investigatórios. Não podem
acusar, devendo enviar suas conclusões ao MP.
São limites constitucionais materiais: (i) separação de poderes; (ii) Estado democrático de
direito; (iii) reserva constitucional de jurisdição; (iv) direitos e garantias fundamentais; (v)
princípio republicano; (vi) não poderá também invadir área de competência de Estados e
Municípios (MENDES et alli, p. 903); (vii) segundo o STF, cabe à CPI apurar apenas fatos
relacionados à Administração (BULOS, p. 801).
Crimes de responsabilidade. Crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas
definidas nalegislação federal, cometidas no desempenho da função, que atentam contra a
existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do país, a
probidade na Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais e o cumprimento das leis e das decisões judiciais. O rol do art. 85 da Constituição é
meramente exemplificativo. As sanções estão previstas no art. 52, parágrafo único: perda do
cargo e inabilitação, por oito anos, para o exercício de qualquer função pública (inclusive cargos
de natureza política: STF, RE 234.223).

165
Para apuração dos crimes de responsabilidade do Presidente da República, o processo divide-se
em duas partes: juízo de admissibilidade, na Câmara dos Deputados, e processo e julgamento,
no Senado Federal. Arts. 13 a 38, Lei n° 1.079/50. Art. 51, I; art. 52, I e II; e art. 86, todos da CF.
A Lei n. 1.079/50 prevê os tipos criminais de responsabilidade e o procedimento para o
julgamento, que deve ser analisado à luz da CF/88.
O Poder Judiciário não pode alterar a decisão política do Congresso Nacional. O mérito da
decisão é inatacável. O Judiciário pode anular o julgamento por ofensa a princípios
constitucionais, mas não pode modificar o mérito da decisão.
Também são julgados pelo Senado Federal em caso de crime de responsabilidade: Ministros do
STF, membros do CNJ e do CNMP, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da
União. Ministros de Estado e os comandantes das Forças Armadas são julgados pelo Senado nos
crimes de responsabilidade quando estes forem conexos aos praticados pelo Presidente. Caso
contrário, serão julgados pelo STF.
Súmula Vinculante nº 46: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das
respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União.
Rito do Impeachment (fonte: https://www.dizerodireito.com.br/2015/12/analise-juridica-da-
decisao-do-stf-que.html)
CÂMARA DOS DEPUTADOS (FASE DE JUÍZO DE ADMISSIBILDADE)
• O Presidente da Câmara admite ou não o prosseguimento da denúncia.
• Não há direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara,
ou seja, não é necessário ouvir antes o Presidente da República que estiver sendo denunciado.
• Do despacho do Presidente que indeferir o recebimento da denúncia, caberá recurso ao
Plenário (art. 218, § 3º, do RICD).
• Caso seja admitido o prosseguimento da denúncia, deverá ser constituída comissão especial
formada por Deputados Federais para análise do pedido e elaboração de parecer.
• A eleição dos membros da comissão deverá ser aberta e não pode haver candidatura
alternativa (avulsa). A comissão é escolhida a partir de uma chapa única com nomes indicados
pelos líderes partidários. A votação aberta será apenas para que o Plenário da Casa aprove ou
não a chapa única que foi apresentada.
• O Presidente denunciado deverá ter direito à defesa no rito da Câmara dos Deputados. Assim,
depois que houver o recebimento da denúncia, o Presidente da República será notificado para
manifestar-se, querendo, no prazo de dez sessões.
• Vale ressaltar, no entanto, que não deve haver grande dilação probatória na Câmara dos
Deputados (o rito é abreviado). A comissão até pode pedir a realização de diligências, mas estas
devem ser unicamente para esclarecer alguns pontos da denúncia, não podendo ser feitas para
provar a procedência ou improcedência da acusação. Isso porque o papel da Câmara não é
reunir provas sobre o mérito da acusação, mas apenas o de autorizar ou não o prosseguimento.
Quem irá realizar ampla dilação probatória é o Senado.
• O Plenário da Câmara deverá decidir se autoriza a abertura do processo de impeachment por
2/3 dos votos.
• O processo é, então, remetido ao Senado.
SENADO FEDERAL
• Chegando o processo no Senado, deverá ser instaurada uma comissão especial de Senadores
para analisar o pedido de impeachment e preparar um parecer (arts. 44 a 46 da Lei nº 1.079/50,
aplicados por analogia).
• Esse parecer será votado pelo Plenário do Senado, que irá decidir se deve receber ou não a
denúncia que foi autorizada pela Câmara.
• Assim, o Senado, independentemente da decisão da Câmara, não é obrigado a instaurar o
processo de impeachment, ou seja, pode rejeitar a denúncia.
• Se rejeitar a denúncia, haverá o arquivamento do processo.
• Se receber, iniciará a fase de processamento, com a produção de provas e, ao final, o Senado
votará pela absolvição ou condenação do Presidente.

166
• A decisão do Senado que decide se instaura ou não o processo se dá pelo voto da maioria
simples, presente a maioria absoluta de seus membros. Aplica-se aqui, por analogia, o art. 47 da
Lei nº 1.079/50. Assim, devem estar presentes no mínimo 42 Senadores no dia da sessão
(maioria absoluta de 81) e, destes, bastaria o voto de 22 Senadores.
• Se o Senado aceitar a denúncia, inicia-se a instrução probatória e o Presidente da República
deverá ser afastado do cargo temporariamente (art. 86, § 1º, II, da CF/88). Se, após 180 dias do
afastamento do Presidente, o julgamento ainda não tiver sido concluído, cessará o seu
afastamento e ele reassumirá, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
• A defesa tem direito de se manifestar após a acusação: no curso do procedimento de
impeachment, o Presidente terá a prerrogativa de se manifestar, de um modo geral, após a
acusação.
• O interrogatório deve ser o ato final da instrução probatória: o interrogatório do Presidente,
instrumento de autodefesa que materializa as garantias do contraditório e da ampla defesa,
deve ser o último ato de instrução do processo de impeachment.
• Ao final do processo, os Senadores deverão votar se o Presidente deve ser condenado ou
absolvido. Para que seja condenado, é necessário o voto de 2/3 dos Senadores.
• Se for condenada, a Presidente receberá duas sanções: a) perda do cargo; b) inabilitação para
o exercício de funções públicas por 8 anos. Além disso, poderá ser eventualmente denunciado
criminalmente pelo Ministério Público.
• Caso seja condenado, quem assume é o Vice-Presidente, que irá completar o mandato (não é
necessária a convocação de novas eleições).
Controle social, político e jurisdicional do exercício do poder. O controle social é a participação
da sociedade no acompanhamento e verificação das ações de execução das políticas públicas,
avaliando os objetivos, processos e resultados. O controle é fiscalização, sindicalização,
investigação, acompanhamento da execução daquilo que foi decidido e constituído por quem
tem o poder político ou a competência jurídica de tomar decisões de interesse público. O
controle social é direito público subjetivo dos integrantes da sociedade e decorre tanto do
princípio republicano (art. 1º, CRFB), como do direito fundamental de participação política,
reconhecido na própria CF (ex.: art. 37, § 3º) e nos documentos internacionais de Direitos
Humanos. Dentre as formas de controle social, destacam-se a possibilidade de representação e
petição aos Poderes Públicos e os orçamentos e planejamentos participativos.
O controle político em sentido amplo (lato sensu) pode ser interpretado como o controle
exercido pelas instituições políticas sobre os atos dos administradores das coisas públicas. Em
uma análise mais restritiva (stricto sensu), pode ser classificado como o controle exercido pelos
representantes eleitos do povo sobre os atos dos administradores públicos, eleitos ou não.
O controle exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos da Administração tem suas origens na
tripartição dos Poderes, prevista por Montesquieu no século XVIII e adotada por todas as
constituições liberais a partir do século XIX. A ideia de pesos e contrapesos na regulação e
limitação dos Poderes coloca o Poder Judiciário como peça central neste sistema.
O princípio republicano. O princípio republicano é responsável por fixar a forma de governo do
Estado, estabelecendo a relação entre governantes e governados. A res publica (ou a coisa do
povo) se caracteriza pelo fato do povo, em todo ou em parte, possuir o poder soberano, ao
passo que, na monarquia, tem-se apenas um governante.
Tal forma de governo tem por base a defesa da igualdade formal entre as pessoas, de modo que
o poder político será exercido por mandato representativo e temporário. Destaca-se, ainda, uma
característica importante na forma republicana, que é a responsabilidade: os governantes são
responsabilizáveis por seus atos, seja com sanções políticas (impeachment), seja com sanções
penais e civis.
Ao se falar de República, destacamos os seguintes elementos: (1) forma de governo que se opõe
ao modelo monárquico, pois o povo é o titular do poder político, exercendo este de forma direta
ou indiretamente por meio de representante; (2) igualdade formal entre as pessoas, pois não
há tratamento estamental na sociedade e a legislação não permite discriminações, devendo
todos receber o mesmo tratamento; (3) eleição dos detentores do poder político – tais eleições

167
marcam o caráter temporário de permanência como detentor do poder; (4) responsabilidade
política do Chefe de Governo e/ou do Estado, cabendo a prestação de contas de suas condutas
(accountability).
Por fim, Canotilho destaca que o princípio republicano traz internamente mecanismos de
criação e manutenção de instituições políticas vinculadas à decisão e à participação da sociedade
(cidadãos) – o que os norte-americanos chamam de self-government. Isso implica a afirmação
de autodeterminação e autogoverno, impondo a observância das seguintes normas: (1)
representação territorial; (2) procedimento justo de seleção de representantes; e (3)
deliberação majoritária.

7A. Processo legislativo. Emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada,
medida provisória, decreto legislativo e resolução. O processo de incorporação dos tratados
internacionais. Devido processo legislativo.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Aulas do Curso Estratégia (2018)

A função de legislar é uma das funções típicas do Poder Legislativo, cujo objetivo é produzir os
atos normativos primários, chamados assim porque têm seu fundamento de validade
diretamente da Constituição. Os atos normativos primários (emendas à constituição, leis
complementares, medidas provisórias, leis delegadas, decretos legislativos e resoluções) são
elaborados a partir de uma sistemática própria, prevista na Constituição e nos Regimentos
Internos de cada uma das Casas Legislativas, cuja sistemática recebe o nome de processo
legislativo.

O processo legislativo é o núcleo central do regime constitucional de um Estado democrático de


direito que permite a construção do Direito, que é um elemento essencial de integração da
sociedade pluralista em que vivemos. Consoante o Ministro Alexandre de Moraes, o processo
legislativo pode ser compreendido em duplo sentido: a) jurídico, que é o conjunto de disposições
que regula o procedimento a ser observado pelos órgãos responsáveis pela produção das
espécies normativas primárias; b) sociológico, que são os fatores reais de poder que
impulsionam a atividade legiferante.

Contudo, há espécies normativas que, apesar de serem primárias, estão fora do escopo do
processo legislativo, como os decretos autônomos e os regimentos dos tribunais, que são atos
normativos primários, mas que não são objeto do processo legislativo, bem como existem ainda
os atos normativos secundários, como os decretos regulamentares, que também não são objeto
do processo legislativo.

O desrespeito às regras do processo legislativo constitucional resulta em inconstitucionalidade


formal (ou nomodinâmica) da norma e havendo vício de iniciativa, por exemplo, tem-se, nesse
caso, uma inconstitucionalidade formal, cujo vício será insanável, que poderá levar à declaração
de inconstitucionalidade da norma pelo STF, em razão do princípio da não convalidação das
nulidades. Outro importante princípio do processo legislativo constitucional é o princípio da
simetria, que impõe que as regras básicas do processo legislativo estabelecidas pela CF/88 são
de observância obrigatória nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios.

O processo legislativo divide-se em duas espécies: a) comum, que se destina à elaboração das
leis ordinárias; e b) especial, que é aquele utilizado para a elaboração de emendas à
Constituição, leis complementares, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos,
resoluções e leis financeiras (lei de plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias, leis
orçamentárias anuais e abertura de créditos adicionais).

168
Poderá haver o controle judicial preventivo de constitucionalidade do processo legislativo,
quando a norma ainda não estiver em vigor, que poderá ser feito pelo Poder Legislativo (quando,
por exemplo, as Comissões da Câmara e do Senado apreciam a constitucionalidade dos projetos
de lei), pelo Poder Executivo (quando o Presidente veta um projeto de lei por considerá-lo
inconstitucional) ou mesmo pelo Poder Judiciário. Esse controle preventivo, no âmbito do
Judiciário, será viabilizado mediante a impetração de mandado de segurança por congressista
no STF, já que se trata de um direito líquido e certo sendo violado, que é o de ter o devido
processo legislativo respeitado. Registre-se que não se admite o controle judicial do processo
legislativo mediante ação direta de inconstitucionalidade (controle abstrato), pois o ajuizamento
desta pressupõe uma norma pronta e acabada, já publicada e inserida no ordenamento jurídico,
já que controle é exercido por meio do mandado de segurança, que viabilizará o controle
incidental pelo Poder Judiciário, cuja legitimidade é do congressista da Casa Legislativa em que
estiver tramitando a proposta, sendo que o encerramento do processo legislativo (aprovação e
entrada em vigor da norma) retira do congressista a legitimidade para continuar no feito,
restando prejudicado o mandado de segurança.

O processo legislativo é o mecanismo por meio do qual são elaboradas as normas jurídicas do
art. 59, CF/88, contudo, o procedimento legislativo é a sucessão de atos necessários para a
elaboração das normas do art. 59, CF/88. Este procedimento legislativo pode ser classificado em
comum (destinado à elaboração da lei ordinária) e especial (destinado às outras espécies
normativas primárias). O Comum subdivide-se em: a) ordinário, que consiste no procedimento
mais completo, em que não há prazos definidos para o encerramento das fases de discussão
(deliberação) e votação, permitindo estudo mais aprofundado sobre as matérias objeto do
projeto de lei; b) sumário, que possui as mesmas fases do procedimento legislativo ordinário,
mas há imposição de prazo para o encerramento da fase de discussão (deliberação) e votação;
c) Procedimento legislativo abreviado: que é o procedimento que se aplica a projetos de lei que,
na forma dos regimentos internos das Casas Legislativa, dispensam a discussão e votação em
Plenário, podendo ser aprovados diretamente pelas Comissões, sem necessidade de irem a
Plenário.

O procedimento legislativo ordinário apresenta três fases: a) fase introdutória, que compreende
a iniciativa de lei, ou seja, a apresentação do projeto de lei ao Congresso Nacional, deflagrando
o processo legislativo; b) A fase constitutiva, que abrange a deliberação e votação sobre o
projeto de lei no âmbito das duas casas legislativas, em virtude do bicameralismo no Poder
Legislativo federal, com a manifestação do Chefe do Executivo (sanção ou veto). Se for o caso,
haverá, ainda, a apreciação do veto presidencial pelo Poder Legislativo. Por fim, c) a fase
complementar, que compreende a promulgação (ato solene que atesta a existência da lei) e a
publicação (ato de divulgação oficial da lei).

O Presidente da República tem a iniciativa privativa de projeto de lei que trata da organização do
Ministério Público e da Defensoria Pública da União e de projeto de lei que versa sobre normas
gerais de organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito
Federal e dos Territórios. Ressalte-se que, por força do art. 128, § 5º, CF/88, a lei de organização
do Ministério Público da União é da iniciativa concorrente do Presidente da República e do
Procurador-Geral da República. Por simetria, as leis de organização dos Ministérios Públicos
Estaduais são de iniciativa concorrente do Governador e do Procurador-Geral de Justiça.

Conforme já decidiu o STF, “a Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na


instauração do processo legislativo em tema de direito tributário”, diferentemente da iniciativa
das leis orçamentárias, que é privativa e vinculante do Presidente da República, já que é obrigado
a apresentar o projeto de lei, na forma e nos prazos previstos na Constituição. À exceção das
hipóteses de iniciativa vinculada (leis orçamentárias), compete ao Chefe do Poder Executivo
determinar a conveniência e a oportunidade de exercer a iniciativa privativa de lei, não podendo

169
os outros Poderes obrigá-lo a exercer tal competência, sob pena de ofensa ao princípio da
separação de poderes.

Dos procedimentos legislativos especiais (emendas Constitucionais, leis complementares, leis


delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções).

Nas Emendas Constitucionais, que cuidam da reforma à Constituição, elas apresentam quatro
tipos de limitações: a) temporais, que ocorrem quando o Poder Constituinte Originário
estabelece um prazo durante o qual não pode haver modificações ao texto da Constituição,
sendo imutável, algo que não aconteceu com CF/88; b) circunstanciais, que se verificam quando
a Constituição estabelece que em certos momentos de instabilidade política do Estado seu texto
não poderá ser modificado, tais como estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal (CF,
art. 60, § 1º), podendo apenas ser apresentadas, discutidas e votadas, sem possibilidade de
promulgação; c) formais, i) quanto à iniciativa restrita (1/3, no mínimo, dos membros da câmara
ou do senado; Presidente da República; mais da metade das assembleias legislativas,
manifestando-se, cada uma, pela maioria relativa de seus membros); ii) votação e discussão em
2 turnos em cada casa legislativa e aprovação por 3/5 dos membros de cada uma delas; iii)
promulgação pelas mesas da câmara e do senado, com o respectivo número de ordem, e iv)
vedação à reapresentação, na mesma sessão legislativa, de proposta de emenda nela rejeitada
ou tida por prejudicada (irrepetibilidade absoluta); d) materiais, quando a Constituição
estabelece que determinadas matérias não poderão ser abolidas por meio de emendas,
conhecidas como explícitas ou expressas, quando previstas expressamente do texto
constitucional e, em oposição, implícitas ou tácitas, quando não estão expressas Constituição.
Os dois tipos de limitações materiais estão presentes na CF/88. As expressas estão previstas no
§ 4º do art. 60, segundo o qual não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente
a abolir: 1) a forma federativa de Estado; 2) o voto direto, secreto, universal e periódico; 3) a
separação dos Poderes e 4) os direitos e garantias individuais. Já as limitações implícitas ao poder
de reforma são limites tácitos, não podendo ser modificados, tais como: a titularidade do Poder
Constituinte Originário e Derivado e os procedimentos de reforma e revisão constitucional.

Das leis complementares, nestas espécies normativas primárias há processo legislativo próprio,
mais dificultoso do que o das leis ordinárias, porém mais fácil que o de reforma à Constituição,
pois o constituinte entendeu que certas matérias, embora de extrema relevância, não deviam
ser regulamentadas pela própria Constituição Federal, mas também não poderiam se sujeitar à
possibilidade de constantes alterações pelo processo legislativo ordinário.

As leis complementares se diferenciam das ordinárias em dois aspectos: o material, que consiste
no fato de que os assuntos tratados por ela estão expressamente previstos na Constituição, o
que não acontece com as leis ordinárias; o formal, que diz respeito ao processo legislativo, que
exige quórum qualificado (maioria absoluta – art. 69, CF), diferentemente da lei ordinária, cuja
aprovação é de maioria simples (art. 47). As demais fases do procedimento de elaboração da lei
complementar seguem o processo ordinário.

Das medidas provisórias: Nestas espécies normativas, o Presidente da República (PR) poderá
adotá-las, com força de lei, em caso de relevância e urgência, devendo submetê-las de imediato
ao Congresso Nacional.

Os requisitos de relevância e urgência, necessários para a edição da medida provisória, são


conceitos jurídicos indeterminados e, por isso, estão inseridos na esfera da discricionariedade
administrativa, de competência do PR. Registre-se que o STF entende que é possível o controle
jurisdicional dos requisitos de urgência e relevância, mas apenas em casos excepcionais, nos
quais for evidente a ausência desses pressupostos (ADI 4029, Rel. Min. Luiz Fux, Julgado em
08.03.2012), sem que isso configure qualquer violação ao princípio da separação de poderes.

170
Registre-se que as medidas provisórias não podem tratar sobre qualquer matéria, tendo em visa
a existência de limitações constitucionais à sua edição, tais como: I – relativa a: a) nacionalidade,
cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual
penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a
garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos
adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º (abertura de créditos
extraordinários); II – que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou
qualquer outro ativo financeiro; III – reservada a lei complementar; IV – já disciplinada em
projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente
da República.

Uma vez editada pelo Presidente, a medida provisória deverá ser submetida, de imediato, ao
Congresso Nacional, onde terá o prazo de 60 dias (prorrogáveis por mais 60) para ser apreciada,
não correndo durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. Será apreciada por uma
Comissão Mista, que emitirá parecer, para posterior apreciação pelo Plenário das Casas
Legislativas, iniciada obrigatoriamente na Câmara dos Deputados. Caso seja integralmente
convertida em lei, o Presidente do Senado a promulgará, não se falando em sanção ou veto. Caso
rejeitada integralmente, o CN deverá disciplinar, por meio de decreto legislativo, as relações
jurídicas dela decorrentes, no prazo de 60 dias. No caso de modificações do texto original, será
transformada em projeto de lei de conversão, o qual será enviado para sanção ou veto pelo
Presidente da República.

Das Leis Delegadas: estas são as elaboradas pelo Presidente da República, no exercício da função
atípica legislativa, por delegação do Congresso Nacional, após sua solicitação (do PR). É um ato
discricionário do Congresso, podendo ser revogado a qualquer tempo. Na delegação típica, não
há qualquer intervenção do Legislativo, enquanto na atípica, o Congresso apreciará antes de ser
convertido em lei. A delegação não vincula o Presidente da República, que, mesmo diante dela,
poderá não editar a lei delegada, como não retira do Legislativo o poder de regular a matéria.
Elas não podem tratar de qualquer matéria, bem como o Congresso poderá sustar atos do
Executivo que exorbitem dos limites da delegação legislativa, com efeitos não retroativos (ex
nunc), chamado de “veto legislativo”.

Dos decretos legislativos e Das resoluções: ambos são espécies normativas primárias, com
hierarquia de lei ordinária, não sujeitos à sanção ou veto do Presidente da República. Os decretos
legislativos são atos editados pelo Congresso Nacional para o tratamento de matérias de sua
competência exclusiva (art. 49 da CF), dispensada a sanção presidencial. Segundo o Prof. José
Afonso da Silva, os decretos legislativos são atos com efeitos externos ao Congresso Nacional. As
resoluções são espécies normativas editadas pelo Congresso Nacional, pelo Senado Federal ou
pela Câmara dos Deputados, sendo utilizadas para dispor sobre assuntos de sua competência
que não estão sujeitos à reserva de lei (arts. 51 e 52 da CF), que apontam as competências
privativas da Câmara e do Senado, respectivamente. A Constituição exige a edição de resoluções,
também, em outros dispositivos constitucionais, dentre os quais: a) delegação legislativa para a
edição de lei delegada (resolução do Congresso Nacional); b) definição das alíquotas máximas
do imposto da competência dos Estados e do DF, sobre “causas mortis” e doações, de quaisquer
bens ou direitos (resoluções do Senado). Ademais, promulgação da resolução se dá pelo
Presidente da respectiva Casa legislativa.

Processo de incorporação dos tratados internacionais. Segundo Portela, “o direito internacional


não vincula apenas no âmbito internacional, regulando somente as relações entre Estados e
organizações internacionais, mas também obriga no âmbito interno dos entes estatais. A
execução das normas internacionais é facilitada a partir de sua incorporação ao Direito interno,

171
também conhecida como “internalização”, que é o processo pelo qual os tratados passam a
também fazer parte do ordenamento jurídico nacional dos entes estatais”.

“A jurisprudência reconhece que o procedimento de internalização do tratado no Brasil é


complexo, como evidencia a seguinte ementa: “o exame da vigente Constituição Federal permite
constatar que a execução dos tratados internacionais e sua incorporação à ordem jurídica interna
decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da
conjugação de duas vontades homogêneas: a do CN, que resolve, definitivamente, mediante
decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente
da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII),
também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é da competência para promulgá-los mediante
decreto” (ADI-MC 1480/DF, rel. Min. Celso de Mello, 18.05.01)”.

Assim, “o primeiro passo após a assinatura do tratado é a preparação de uma Exposição de


Motivos, dirigida ao PR pelo MRE (Ministro das Relações Exteriores), dando ciência da assinatura
do ato internacional e pedindo o encaminhamento do acordo ao CN, para fins de providenciar
sua eventual ratificação. No CN, o tratado será examinado na CD e, em seguida, no SF. A discussão
da matéria envolverá as comissões competentes das duas Casas e votação no plenário de cada
uma delas, em turno único, devendo sua aprovação seguir os termos do art. 47 da CF”. Ou, ainda,
ser aprovado por 3/5, em dois turnos, se seguir o rito do art. 5⁰, §3⁰, da CF, nos tratados de
direitos humanos.

“Aprovado o acordo, o Presidente do Senado emitirá um Decreto Legislativo, que aqui consiste
em mero instrumento de encaminhamento do tratado ao PR, a quem cabe decidir sobre a
ratificação. Nesta hipótese (aprovação), o DL não tem o efeito de ordenar (ao PR) o cumprimento
do tratado. Caso o CN não aprove o ato internacional, o PR fica impossibilitado de ratificá-lo, sob
pena de violação ao livre exercício do Poder Legislativo (CF, art. 85, II). Por fim, quando o tratado
entrar em vigor no âmbito internacional, o PR pode concluir o processo de incorporação por
meio da promulgação, ato pelo qual ordena a publicação do acordo e sua execução em território
nacional. A promulgação é feita por meio de Decreto, publicado no DOU”.

Por último, “quanto à hierarquia, os tratados de direitos humanos internalizados antes da


vigência da EC 45/04, sem o quórum qualificado do CN de 3/5, em dois turnos de votação,
consoante entendimento do STF (RE 466.343), têm status supralegal, estando abaixo da égide
Constitucional e acima da lei infraconstitucional. Os tratados de direitos humanos internalizados
após a EC 45/04 e sob o rito qualificado do art. 5⁰, §3⁰, da CF, têm equivalência à norma
constitucional em sentido formal e material”. Por sua vez, tratando-se de acordo internacional
cuja matéria seja diversa do tema “direitos humanos”, sua hierarquia, após internalização ao
ordenamento pátrio, terá status de lei ordinária. Já que “o Excelso Pretório tem adotado o
sistema paritário ou monismo moderado, segundo o qual tratados e convenções internacionais
têm status de lei ordinária (STF –ADI 1.480-3/DF e ADI 1.347/DF, ambas relatadas pelo Min. Celso
de Mello)” (Koehler).

15.PODER EXECUTIVO
15.1 Poder Executivo. Histórico. Presidencialismo e Parlamentarismo. Presidencialismo de
coalização. (2.b)
15.2 Presidente da República: estatuto. Competê ncias. Poder normativo autô nomo, delegado e
regulamentar. Ministros de Estado. (2.b)

2B. Poder Executivo. Histórico. Presidencialismo e Parlamentarismo. Presidencialismo de


coalizão. Presidente da República: estatuto. Competências. Poder normativo autônomo,
delegado e regulamentar. Ministros de Estado.

172
Graal Oral 28º CPR

1. Histórico. O presidencialismo remete ao sistema implantado em 1787 nos EUA, com a


criação de um Executivo independente do Legislativo, e, ao mesmo tempo, sujeito ao sistema de
pesos e contrapesos de Montesquieu. O parlamentarismo surgiu na Inglaterra, a partir dos
séculos XII e XIII, como resposta contra os privilégios monárquicos.
Origem do Presidencialismo => Convenção de Filadélfia nos Estados Unidos da América,
influência da monarquia limitada, ou constitucional, da revolução de 1688 na Grã-Bretanha, mas
construído sobre o sistema Republicano.
Origem do Parlamentarismo => Construção lenta e histórica inglesa no século XVIII.
Também possui como marco a revolução de 1688 e a consequente separação de poderes. Em
razão da quebra sucessória dos Stuarts (ramo católico), o trono inglês foi assumido pela casa de
Hanôver (Jorge I e II), de origem germânica sem identificação com a nação inglesa. Assim, a figura
do primeiro-ministro ganhou destaque como o verdadeiro governante (o primeiro foio Sr.
Walpole). Surgiu a figura do impeachment (procedimento penal) e da responsabilidade política
(seguir a linha política do parlamento, sob pena de renúncia forçada).
2. Sistema de governo é o modo como se dá a relação entre os Poderes dentro de um
Estado; sobretudo entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Diferencia-se da forma de
governo, que é definida como o modo em que se dá a relação entre governantes e governados.
As principais espécies de sistema de governo são: presidencialismo e parlamentarismo. Quadro
comparativo apresentado por Bernardo Gonçalves Fernandes:

Presidencialismo Parlamentarismo

Identidade entre chefia de estado e chefia de governo


(são a mesma pessoa). Há uma não identidade entre chefia de estado e
Chefe de estado exerce função simbólica de representar chefia de governo. O chefe de estado pode ser um rei
internacionalmente o país e de corporificar a sua (um monarca) ou um presidente, ao passo que o
unidade interna. chefe de governo é o 1º ministro, que exerce o
Chefe de governo executa as políticas públicas. governo conjuntamente com o seu gabinete
Ou seja, é quem efetivamente governa e também (conselho de Ministros).
exerce a liderança da política nacional.

Estabilidade democrática, construída pelo povo nos


processos democráticos. Pode até existir a figura do
mandato mínimo e do mandato máximo, todavia ele
não é fixo. Nesse sentido, tem por fundamento a
Estabilidade de governo. Há a figura dos mandatos fixos existência dos institutos:
para o cargo de presidente. I) possibilidade de queda do gabinete pelo
parlamento (através da “moção de censura” ou “voto
de desconfiança”) e
II) possibilidade cotidiana de dissolução do
parlamento pelo gabinete.

3. Poder Executivo. Poder Executivo é o órgão constitucional em que se concentram as


funções de cunho executivo nos moldes explicitados no art. 2º da Constituição de 1988, que
delimita os poderes da União, cuja função está atrelada ao exercício da atividade executiva na
República Federativa do Brasil.
Função típica: chefia de Estado. Atípica: legislar por medida provisória (art. 62 CF) e julgar
no “contencioso administrativo” no caso da defesa de multa de trânsito, do IPEM, da SEMAB,
do CADE, TIT, etc. *Crítica: A função jurisdicional é marcada pelo caráter definitivo da decisão,
inexistente no contencioso administrativo. Basicamente, suas funções estão estabelecidas no
art. 84 da Constituição. O Poder Executivo, nos termos do art. 76 da Constituição, é exercido
pelo Presidente da República com o auxílio dos Ministros de Estado (cargos de livre nomeação e
exoneração do Presidente da República).
As condições de elegibilidade estão no art. 14, § 5º, e é eleito mediante sufrágio universal,

173
a partir do princípio da maioria absoluta. A reeleição é possível parar um único período
subseqüente, a partir da EC n. 16/97. A eleição é pelo critério majoritário absoluto, que, se não
for alcançado no primeiro turno, exige, só então, a realização de novo escrutínio. A linha
sucessória do Presidente da República será: Vice-Presidente, Presidente da Câmara, Presidente
do Senado e Presidente do STF (arts. 78 e ss. da CF). Na hipótese de a vacância do cargo operar-
se nos dois primeiros anos do mandato, far-se-á uma eleição 90 dias depois de aberta a última
vaga (eleição direta); ocorrendo nos últimos dois anos do período presidencial, haverá a eleição
indireta promovida, em 30 dias, pelo Congresso Nacional. A perda do
mandato ocorrerá nas seguintes hipóteses:
1. Cassação (decorrente de decisão do Senado nos processos por crime de
responsabilidade, ou de decisão do STF em caso de crime comum);
2. Declaração de vacância do cargo pelo Congresso Nacional;
3. Extinção (renúncia, morte, suspensão dos direitos políticos);
4. Ausência do país, sem licença do Congresso, por mais de 15 dias.
Desde 1994, em sede de análise de Medida Cautelar na ADI n. 1057, o STF tem
reiteradamente entendido que o artigo 81, §1º, da Constituição Federal (regramento da
sucessão presidencial no caso de dupla vacância) não é uma norma de reprodução obrigatória
pelos Estados e Municípios em suas respectivas Constituições/Leis Orgânicas. Segundo o
Supremo, compete aos entes federados, como decorrência do princípio federativo, o exercício
da autonomia política administrativa para estabelecerem as regras da sucessão na hipótese da
dupla vacância na chefia do Poder Executivo.
Competência. José Afonso da Silva classifica as atribuições do Presidente da República em três
funções básicas:
a) Chefia do Estado: art. 84, VII, VIII, XVIII, segunda parte, XV, XVI, primeira parte, XIX, XX, XXI e
XXII. b) Chefia do Governo: art. 84, I, III, IV, V, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XVII, XVIII, primeira parte,
XXIII, XXIV e XXVII. c) Chefia da Administração Federal: art. 84, II, VI, XVI, segunda parte, XXIV e
XXV.
Atribuições delegáveis → Apenas três são delegáveis aos Ministros de Estado, ao
Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União: a) Inciso VI (decretos
autônomos); b) Inciso XII (conceder indulto e comutar penas); c) Inciso XXV, primeira parte –
prover (por lógica, abrange o desprover -exonerar)os cargos públicos na forma da lei.
Estatuto: imunidades e prerrogativas. Imunidade formal: só poderá ser processado por
crime comum ou de responsabilidade após o juízo de admissibilidade da Câmara dos Deputados.
E enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, não se sujeita à prisão.
Prerrogativa de foro: só poderá ser processado e julgado pelo STF no caso de crimes comuns, e
pelo Senado nos crimes de responsabilidade. Por fim, cabe referir a previsão constante do § 4º
do art. 86, o qual estabelece a irresponsabilidade pelas infrações que não se relacionam com o
exercício de suas funções. NÃO possui imunidades materiais, apenas imunidades processuais!
Imunidade processual temporária (por atos estranhos ao cargo, somente após o mandato –art.
86 §4 → consequências: prescrição fica suspensa, após o mandato não haverá controle de
admissibilidade pela CD).
Constituição, art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República
que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II -
o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária;
VII -o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Esses crimes serão definidos em lei especial,
que estabelecerá as normas de processo e julgamento, atualmente disciplinados na Lei n.
1079/50.

Crime Comum Crime de Responsabilidade


Natureza
Infração Penal (crime) Infração Político-administrativa

174
Penas Possíveis
Perda do mandato (impeachment) e inabilitação
Reclusão, detenção, Perda de bens, etc.
para o exercício da função
Provocação
PGR por meio de denúncia Qualquer cidadão
Juízo prévio de admissibilidade
Câmara dos Deputados (2/3) Câmara dos Deputados (2/3)
Juízo definitivo de admissibilidade
STF (decisão de recebimento da denúncia
Não há
ou queixa)
Competência
STF Senado Federal
Afastamento das funções
A partir da decisão de admissibilidade do STF A partir da instauração do processo pelo Senado

Poder Normativo Autônomo: a EC n. 32/2001 positivou a figura dos decretos autônomos,


estabelecendo que compete ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre: a) a
organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de
despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos,
quando vagos (art. 84, inciso VI, da Constituição). A doutrina (veja-se Celso Antônio Bandeira de
Mello) criticou duramente essa inovação, mas o STF a respaldou" (ADI 2.564). Poder
Regulamentar: previsto no art. 84, IV, da Constituição. O regulamento de execução explicita a
lei sem inovar a ordem jurídica, sem criar direitos e obrigações, em face do princípio
constitucional da legalidade. Segundo a doutrina, fixa as regras destinadas a colocar em
execução os princípios institucionais delimitados e estabelecidos na lei. Poder delegado: a
delegação legislativa ao Presidente da República tem seus limites e contornos previstos no art.
68 da Constituição. Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a delegação pode ser retirada pelo
Congresso Nacional a qualquer momento.

Decreto Regulamentar (Art. 84, IV) Decreto Autônomo (Art. 84, VI)
Natureza
Secundário Primário
Inova no ordenamento
Não Sim
Hierarquia
Infralegal Legal
Matéria
Em tese, qualquer lei Taxativa (art. 84, VI CF)
Criação
CF/1988 EC 32/2001

5. Presidencialismo de Coalizão. O termo foi formulado pelo cientista político Sergio


Abranches. A ideia se assenta em dois pilares principais: o papel do presidente e a existência de
coalizões partidárias que sustentam o governo.
Ao colocar a fórmula em movimento, os partidos da coalizão participam do governo quase
que de forma semiparlamentarista e, ao mesmo tempo, oferecendo a maioria de que dispõem
no Congresso para apoiar a agenda do presidente. O termo, “coalizão” refere-se a acordos entre
partidos (normalmente com vistas a ocupar cargos no governo) e alianças entre forças políticas
(dificilmente em torno de ideias ou programas) para alcançar determinados objetivos.
Em sistemas multipartidários, nos quais há mais do que dois partidos relevantes
disputando eleições e ocupando cadeiras no Congresso, dificilmente o partido do presidente
possuirá ampla maioria no Parlamento para aprovar seus projetos e implementar suas políticas.
Na maioria das vezes a coalizão é feita para sustentar um governo, dando-lhe suporte político

175
no Legislativo (em primeiro lugar) e influenciando na formulação das políticas
(secundariamente). Assim, partidos, dependendo da conjuntura política, se juntam para formar
um consórcio de apoio ao chefe de governo. Essa prática é muito comum no sistema
parlamentarista, no qual uma coalizão interpartidária disputa as eleições para o Legislativo
visando obter a maioria das cadeiras e com isso indicar (“eleger”) o primeiro-ministro.
6. Ministros de Estado => Auxiliares do Presidente na direção superior da Administração
Federal.
Requisitos→ nato ou naturalizado (salvo o Ministro de Estado da Defesa, nato, conforme
o inciso VII do § 3 do art. 12 da CF); maior de 21 anos e estar no exercício dos direitos políticos.
Atribuições→ exercer a orientação, coordenação e supervisão de sua área de
competência; referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente (Michel Temer defende
que os atos não referendados são nulos; já para o José Afonso da Silva, os atos não referendados
são plenamente válidos, a única possível consequência é a demissão do Ministro); expedir
instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos (Instruções Normativas);
apresentar relatório anual de gestão e praticar os atos delegados pelo Presidente. Após a EC
32/2001, o art. 88 da CF determina que lei disporá somente sobre a criação e extinção de
Ministério, não mais exigindo lei em sentido estrito para a determinação de estruturação e
atribuições.
Crimes de responsabilidade sem conexão com o Presidente e nos crimes comuns são
julgados pelo STF, nos crimes de responsabilidade com conexão com o Presidente a competência
é do Senado Federal.

16.PODER JUDICIÁRIO
16.1 Poder Judiciário: organização e competê ncia. Normas constitucionais respeitantes à
magistratura. O ativismo judicial e seus limites no Estado Democrático de Direito. (3.b)
16.2 Supremo Tribunal Federal: organização e competê ncia. Jurisdição constitucional. ( 5.b)
16.3 Súmula vinculante. Legitimidade e crı ́ticas. Mecanismos de distinção. (23.b)
16.5 Conselho Nacional de Justiça. História, composição, competê ncia e funcionamento. (25.c)

3B. Poder Judiciário: organização e competência. Normas constitucionais respeitantes à


magistratura. O ativismo judicial e seus limites no Estado Democrático de Direito.

Aline Morais

FUNDAMENTOS JURÍDICOS: Arts 92 e ss CRFB e LC 35/79


Conceito – O Poder Judiciário exerce parcela do poder estatal para manter o equilíbrio e evitar
arbitrariedades (sistema de freios e contrapesos). Tem caráter nacional, é uno e indivisível.
Composto por juízes de direito, desembargadores, ministros, juízes leigos, juntas eleitorais e
juízes de paz. Ingresso na carreira de juiz de direito exige aprovação em concurso de provas e
títulos e comprovação de 3 anos de prática/atividade jurídica privativa de bacharel em Direito,
após a colação de grau. (art. 93, I, CRFB e Res n. 75/2009 do CNJ).
FUNÇÃO TÍPICA – exercício da jurisdição com aplicação do direito ao caso concreto e solução
de conflitos;
FUNÇÕES ATÍPICAS – legislativa: elaborar seus regimentos internos (art 96 I, CRFB) e
administrativa: autogestão, auto-organização (art. 96, I, b, c e d, CRFB)

ÓRGÃOS – STF, CNJ (apenas funções administrativas), STJ, TST, TRFs e Juízes Federais, Tribunais
e Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares, Tribunais e
Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
Órgãos de convergência:STF, STJ, STM, TSE e TST (todas as matérias convergem para eles)
Órgãos de superposição: STJ (decisões se sobrepõem às justiças comuns) e STF (suas decisões se
sobrepõem a todas as demais justiças).

176
Classificação: MATERIAL: comum (Estadual e Federal) e especializada (eleitoral, militar e
trabalhista); NÚMERO DE JULGADORES: singular (juízes 1º grau) e colegiada (turmas e
tribunais);

STF: Guardião CRFB. Órgão de cúpula do Poder Judiciário. Obs. abordado no ponto 5.b.

CNJ: órgão de controle interno do Poder Judiciário, criado pela EC n. 45/04 (Reforma do
Judiciário), sendo órgão de natureza exclusivamente administrativa (ADI 3.367).Obs.será
abordado no Ponto 25.c.

STJ: Guardião da Legislação Federal, criado pela CRFB para desafogar o STF, ficando responsável
por uniformizar a interpretação da lei federal e garantir sua observância e aplicação. Possui
competência originária (art. 105, I), recursal (105, II) e especial (105, III). Tem sede na Capital
Federal, jurisdição em todo território nacional. Julga o incidente de deslocamento de
competência para a Justiça Federal, nos termos do artigo 109, §5º, CRFB. Composição. Mínimo
33 (trinta e três) Ministros (alterável por lei), brasileiros (natos ou naturalizados) com idade
superior a 35 e inferior a 65 anos, com notável saber jurídico e reputação ilibada. Investidura. -
nomeados pelo Presidente da República, após sabatina e aprovação por maioria absoluta do
Senado Federal. Composição dos Ministros: 1/3 de juízes dos Tribunais Regionais Federais; 1/3
de desembargadores dos Tribunais de Justiça; 1/3 de advogados e de membros do Ministério
Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente. Procedimento: No
caso dos juízes dos Tribunais Regionais Federais e dos desembargadores dos Tribunais de Justiça,
o STJ elabora lista tríplice, enviando-a ao Presidente da República, que indicará um e o nomeará
após aprovação do Senado Federal. No caso dos advogados e membros do MP, serão eles
indicados na forma das regras para o quinto constitucional do art. 94 CRFB. Funcionam junto ao
STJ - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (regulamenta cursos
oficiais para o ingresso e promoção na carreira) e Conselho de Justiça Federal (supervisão
administrativa e orçamentária da Justiça Federal com poderes correicionais e decisões).
Novas competências (EC45/2004)- homologação de sentenças estrangeiras e a concessão do
exequatur, e a preservação da competência para o julgamento de recurso especial quando a
decisão recorrida julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal (análise da
legalidade).

TST: Tribunal Superior do Trabalho, órgão superior da Justiça do Trabalho. Composição: 27


ministros brasileiros (natos ou naturalizados) com idade superior a 35 e inferior a 65 anos, com
notável saber jurídico e reputação ilibada. Investidura. - nomeados pelo Presidente da
República, após sabatina e aprovação por maioria absoluta do Senado Federal. Composição dos
Ministros: 4/5 de juízes do TRT escolhidos pelo próprio tribubal e 1/5 de advogados e de
membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, com mais de
10 anos de efetivo exercício, alternadamente.Funcionam junto ao TST - Escola Nacional de
Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (regulamenta cursos oficiais para o
ingresso e promoção na carreira) e Conselho Superior da Justiça do Trabalho (supervisão
administrativa e orçamentária da Justiça Federal com poderes correicionais e decisões). Lei
disporá sobre sua competência.

TRIBUNAIS E JUÍZES FEDERAIS: (art 108 e 109 CRFB) – Órgãos que compõem a Justiça Federal,
possuidores de competência originária e recursal: Juízes (1º grau) e TRFs (2º grau). Reinstituída
em 1965, pelo AI-2, teve as competências ampliadas. Composição TRF: mínimo 7 juízes
brasileiros (natos ou naturalizados), recrutados, se possível, na respectiva região,com idade
superior a 35 e inferior a 65 anos, nomeados pelo Presidente da República. Composição: 4/5 de
juízes federais com mais de 5 anos de exercício, por antiguidade e merecimento,
alternadamente e 1/5 de advogados e de membros do Ministério Público Federal, com mais de
10 anos de efetivo exercício, alternadamente. Seções Judiciárias: Nos Estados e no Distrito

177
Federal, sede na Capital e subseções no interior. Pode constituir Câmaras Regionais. – cabe à
Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença da
União, suas autarquias e empresas públicas (Sum 150 STJ). Competência 1º grau: para as
causas que tenham com partes a União, suas autarquias e empresas públicas federais. Em linhas
gerais, compete-lhe julgar: (a) as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa
pública forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de
falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; (b) as
causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada
ou residente no País; (c) as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado
estrangeiro ou organismo internacional; (d) a execução de carta rogatória, após o exequatur, e
de sentença estrangeira, após a homologação; as causas referentes à nacionalidade, inclusive
a respectiva opção e à naturalização; (e) as causas relativas a direitos humanos deslocadas da
Justiça estadual para a Justiça Federal (IDC); (f) os crimes políticos e as infrações penais
praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da
Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; (g) os crimes: 1) previstos em tratado ou convenção, quando,
iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente; 2) contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra
o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; 3) cometidos a bordo de navios ou
aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; 4) de ingresso ou permanência irregular
de estrangeiros; (h) os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o
constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra
jurisdição, os mandados de segurança e os habeas datas contra ato de autoridade federal,
excetuados os casos de competência dos tribunais federais; (i) a disputa sobre direitos indígenas
JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS: julgar as causas cíveis de menor complexidade (até 60 salários
mínimos) e as infrações penais de menor potencial ofensivo.
TRFs - recursos nas causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício
de competência federal, na área de sua jurisdição e originariamente julgar: (a) o processo e
julgamento de juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça
do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da
União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; (b) as revisões criminais e as ações
rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região; (c) os mandados de segurança e
os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal; (d) os habeas corpus, quando
a autoridade coatora for juiz federal; (e) os conflitos de competência entre juízes federais
vinculados ao Tribunal; (f), autoridades estaduais e municipais, que gozam de prerrogativa de
foro junto ao Tribunal de Justiça estadual. Configuram também competências não expressas
dos TRFs o processo e julgamento das ações rescisórias movidas por ente federal contra acórdão
de Tribunais de Justiça ou sentença de juiz de direito e os mandados de segurança impetrados
por ente federal contra ato de juiz estadual.

JUSTIÇA DO TRABALHO: (art. 111 a 116 CRFB) - Justiça especializada em razão da matéria, com
competência taxativamente prevista na Constituição. Órgãos: 1) TST; 2) TRT's; 3) Juízes do
Trabalho. As Varas do Trabalho são criadas por lei, podendo ser atribuída jurisdição aos Juízes
de Direito nas comarcas não abrangidas por elas, mas o recurso será para o TRT respectivo.
Competência da Justiça do Trabalho: processo e julgamento: de ações decorrentes de relação
de trabalho entendida esta como toda aquela submetida ao regime jurídico celetista. Excluem-
se causas que sejam instauradas entre o Estado e seus servidores, a ele vinculados por típica
relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo (interpretação conforme na
ADI 3395 STF) e contratos de prestação de serviço regidos pelo CDC ou CC; EC 45/04: a) ações
que versem sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e
entre sindicatos e empregadores; MS, HC e HD na relação de trabalho; indenização por danos
morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho; ações relativas às penalidades
administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de

178
trabalho; direito de greve; executar, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I,
“a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir (EC 20/98); conflitos
de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista.

JUSTIÇA ELEITORAL. (art 118 a 121 CRFB) - Justiça especializada em razão da materia, composta
pelos seguintes órgãos: o Tribunal Superior Eleitoral; os Tribunais Regionais Eleitorais; os Juízes
Eleitorais e as Juntas Eleitorais. Lei complementar disporá sobre a organização e competência
dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.
TSE – Composição: mínimo 7 membros: 3 STF, 2 STJ, 2 advogados escolhidos pelo Presidente da
República, em lista sextupla formada pelo STF. Presidente e Vice são do STF e corregedor-geral
do STJ. Suas decisões são irrecorríveis, exceto quando contrariarem a Constituição e as
denegatórias de habeas-corpus ou mandado de segurança. TRE - .Um na Capital de cada Estado
e no Distrito Federal. Composição 7 juízes: cinco eleitos por voto secreto: 2 desembargadores
de TJ, 2 juízes estaduais, 1 Juiz de TRF; 2 advogados escolhidos pelo Presidente da República, em
lista sextupla formada pelo TJ. O presidente e o vice são eleitos entre os desembargadores. A
atuação é por dois anos, no mínimo, e nunca por mais de dois biênios consecutivos, sendo os
substitutos escolhidos na mesma ocasião e pelo mesmo processo, em numero igual para cada
categoria. Recursos das decisões: a) contra disposição expressa da CRFB; b) divergência na
interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais; c) inelegibilidade ou expedição de
diplomas nas eleições federais ou estaduais; d) anularem diplomas ou decretarem a perda de
mandatos eletivos federais ou estaduais ou e) denegarem HC MS HD MI. Obs.: O MP não
participa da composição dos tribunais eleitorais.

JUSTIÇA MILITAR. (arts 122 a 124) – Justiça Especializada em razão da materia. C


Orgãos: STM, Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei, que disporá sobre a organização, o
funcionamento e a competência.STM Composição: 15 ministros – 3 oficiais-generais da
Marinha, 4 oficiais-generais do Exercito, 4 oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do
posto mais elevado da carreira, e 5 civis, escolhidos pelo Presidente da Republica dentre
brasileiros maiores de 35 anos, sendo 3 dentre advogados de notório saber jurídico e conduta
ilibada, com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional e 2, por escolha paritária, dentre
juízes auditores e membros do Ministério Publico da Justiça Militar. A Justiça Militar compete
processar e julgar os crimes militares definidos em lei. AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA MILITAR (LEI 13491/2017) – ADI 5901 – inconstitucionalidade por retirar competência
do Júri para a JMU. Parecer da PGR é pela parcial procedência porque a jurisdição penal militar
deve ter “competência restrita ao julgamento de crimes envolvendo violação à hierarquia,
disciplina militar ou outros valores tipicamente castrenses. O direito ao devido processo legal
e a um julgamento justo por juiz competente, independente e imparcial, previstos na
Constituição brasileira (art.5º, LIV), no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14) e
na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º), aliado ao princípio da proibição do
retrocesso, exigem que seja mantida a competência atual do Tribunal do Júri para julgar
militares (dos Estados membros ou das Forças Armadas) que cometerem crimes dolosos contra
a vida de civis, mantendo-se a igualdade e o juiz natural para todos”.
http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=314696692&ext=.pdf

JUSTIÇA ESTADUAL. (artigos 125 e 126 CRFB) – Justiça comum, de competência residual, ou
seja, o que não for da Justiça Federal, do Trabalho, ou Eleitoral. Composta por juízes e
desembargadores. No primeiro grau, organiza-se em Varas e Comarcas e em segundo no
Tribunal de Justiça com suas turmas e órgão especial.
JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL (art 125 §3º a 5º CRFB) – Criada por lei estadual de iniciativa do TJ.
Composição: 1º grau – juízes de direito e Conselhos de Justiça; 2º grau – TJ ou TJM quando o
efetivo supera 20 mil. Competências: processar e julgar crimes e atos disciplinares, preservada
a competência do júri quando a vítima for civil.

179
JUIZADOS ESPECIAIS – (art 98, I CRFB) Criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios,
e pelos Estados em seus territórios para conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de
menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo. Formados por juízes
togados e leigos, atuam mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de
primeiro grau.
JUSTIÇA DE PAZ REMUNERADA– (art 98, II CRFB) composta por cidadãos eleitos pelo voto
direto, universal e secreto, com mandato de 4 anos. Exercem competência não-jurisdicional,
como celebrar casamentos, verificar, de oficio ou em face de impugnação apresentada, o
processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de
outras previstas na legislação. A Justiça Estadual pode lhe atribuir outras. Em Minas Gerais é
responsável pela arrecadação de bens vagos, por exemplo.

QUINTO CONSTITUCIONAL: A CRFB reserva 1/5 dos lugares dos TRF's, TJ's, TST e TRT's aos
membros do MP com mais de 10 anos de carreira e aos advogados, indicados em lista sêxtupla,
com notório saber jurídico, reputação ilibada e mais de 10 anos de efetiva atividade profissional.
São requisitos exaustivos, vedada a estipulação de outros por Constituições Estaduais (ver
artigos 94, 111-A,I, e 115, I, todos da CRFB).STF entende que se o número total não for divisível
por cinco, arredonda-se para o número inteiro seguinte e admite a recusa pelo tribunal de
nomes da lista que deverá ser refeita .No STJ, 1/3 da composição deve caber, em partes iguais,
aos advogados e membros do MP (art. 104, parágrafo único, CRFB).

ÓRGÃO ESPECIAL: pode ser criado nos Tribunais com mais de 25 julgadores para exercer
atribuições administrativa e jurisdicionais delegadas da competência do pleno (art. 93, XI, CRFB).
Não podem ser delegadas atribuições políticas, como eleições de dirigente, e legislativas, como
elaboração de regimento interno (art. 96, I, “a”, CRFB). Essa composição poderá variar entre 11
e 25 membros, sendo metade das vagas providas por antiguidade e a outra por eleição do
Tribunal pleno.

GARANTIAS DO PODER JUDICIÁRIO. – para assegurar a independência e o exercício imparcial e


desembaraçado das funções jurisdicionais, a CRFB enumerou uma série de garantias:
Institucionais (da magistratura) autonomia orgânico-administrativa (art. 96) - auto-
organização; e autonomia financeira e orçamentária (art. 99, §§ 1º a 5º) – autogestão, é o poder
que decide como aplicar os recursos. Funcionais (do magistrado): art. 95 – 1 vitaliciedade: 1º
grau – 2 anos, após esse período só perde o cargo por meio de sentença judicial transitada em
julgado, Tribunais: após a posse (art 22 Loman). 2 inamovibilidade: salvo por interesse público
e com aprovação de maioria absoluta do tribunal. Garantida aos titulares e aos substitutos,
segundo o CNJ. 3 irredutibilidade de subsídios: preservação do valor nominal, respeito ao teto
constitucional.

VEDAÇÕES: 1 - Impossibilidade do exercício, ainda que em disponibilidade, de outro cargo ou


função, salvo uma de magistério, exigindo-se compatibilidade de horários (inclusive de natureza
privada, Resolução n. 10/2005, CNJ); 2 - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou
participação em processo; 3 - exercício de atividade político-partidária (deve se aposentar ou
pedir exoneração e se filiar a partido político até seis meses). A EC 45/04 acrescentou: 4
impossibilidade de receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei (segundo a
Loman – bolsas de mestrado e doutorado); 5 – exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual
se afastou, antes de decorridos 3 anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou
exoneração (Quarentena).

ESTATUTO DA MAGISTRATURA. É a lei da carreira: LC 35/79, a Loman. Editada ainda no regime


militar, foi recepcionada, em sua maioria pela CRFB que estabeleceu várias regras para a

180
magistratura. Também determinou a elaboração de uma nova lei nacional, de iniciativa do STF,
que ainda não foi editada. Dirley da Cunha Júnior leciona que “O Estatuto da Magistratura
consiste num conjunto de normas constitucionais e legais, destinadas à disciplina da carreira da
magistratura, forma e requisitos de acesso, critérios de promoção, aposentadoria, subsídio,
vantagens, direitos, deveres, responsabilidades, impedimentos e outros aspectos relacionados
à atividade do magistrado” (CUNHA JÚNIOR/2011, p. 1073).

ATIVISMO JUDICIAL. Conceitos. Para Luís Roberto BARROSO, a “idéia de ativismo judicial está
associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores
e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.
[...] (i) aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu
texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) declaração de
inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos
rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou
de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”.Para Daniel
SARMENTO, o conceito de ativismo é objeto de controvérsia, “atuação mais enérgica e proativa
da Corte, que pode ser ou não legítima, dependendo do caso e de uma série de variáveis”. Ex:
vedação ao nepotismo no Legislativo e no Executivo, aborto de feto anencefálico,
reconhecimento da união homoafetiva, pesquisa com célula-tronco. De acordo com Barroso, o
“oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir
sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam
aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência
expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e
conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii)
abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas”. Ex: Caso Eduardo Cunha.
Contextualização. O ativismo judicial está diretamente ligado ao neoconstitucionalismo, Para
Sarmento, as “mudanças, que se desenvolvem sob a égide da Constituição de 88, envolvem
vários fenômenos diferentes (a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e
valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; (b) rejeição ao formalismo
e recurso mais frequente a métodos ou “estilos” mais abertos de raciocínio jurídico:
ponderação, tópica, teorias da argumentação etc.; (c) constitucionalização do Direito, com a
irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos
fundamentais, para todos os ramos do ordenamento; (d) reaproximação entre o Direito e a
Moral, com a penetração cada vez maior da Filosofia”. O magistrado como defensor dos direitos
e garantias fundamentais atua no concretizar da Constituição, na efetividade das normas
constitucionais.
Críticas. A principal é a falta de legitimidade democrática dos magistrados – que não são eleitos
pelo povo – para criar regras e aplicá-las aos casos concretos, vinculando outros poderes.
Também se questionam limites e parâmetros de atuação que se desrespeitados podem levar a
uma ditadura do Judiciário. BERMAN indaga se diante da indeterminação das disposições
constitucionais, deva o Judiciário atribuir o que ele pensar ser o correto. SARMENTO também
apresenta críticas ao ativismo, pois esse modelo “tem dado ensejo ao excessivo arbítrio judicial,
através do que chamo de ‘carnavalização dos princípios constitucionais’”. Ele não nega o
fenômeno da judicialização da política,reconhece o papel importante do Judiciário na defesa
dos direitos fundamentais e proteção da democracia, mas defende a centralidade dos
movimentos sociais e da sociedade civil na arena constitucional. Não se trata de apenas afirmar
que tais atores podem participar da jurisdição constitucional – como amici curiae ou expositores
em audiências públicas – mas de reconhecer que há muito Direito Constitucional fora dos
tribunais. Nesta questão, o seu pensamento se aproxima de uma corrente que é conhecida nos
Estados Unidos como constitucionalismo democrático – que não se confunde com
o constitucionalismo popular, de autores como Mark Tushnet, Larry Kramer e Jeremy Waldron,
refratários controle jurisdicional de constitucionalidade. Ademais, considera que a postura mais
ativista do STF foi correta em alguns casos, e equivocada em outros. A decisão sobre a união

181
homoafetiva, por exemplo, seria ativista, pois o STF se baseou em princípios constitucionais
abstratos, de elevado teor moral, para resolver uma questão altamente controvertida na
sociedade, não dando tanto peso aos elementos literal e histórico da interpretação
constitucional. Já a decisão de Raposa Serra do Sol, na parte em que impôs condicionantes às
futuras demarcações de terras indígenas, também foi ativista, mas ele entende que há
ilegitimidade: o STF praticamente atuou como legislador e impôs graves restrições a direitos
básicos de uma minoria étnica vulnerável, que estão em total desacordo com o texto
constitucional e com a normativa internacional sobre direitos humanos. Ao julgar ED opostos
contra tal decisão, o lado negativo das condicionantes foi em certa medida suavizado, já que o
Supremo esclareceu que elas não são vinculantes para outros casos, mas não foi eliminado, uma
vez que tais restrições aos direitos indígenas foram confirmadas, tendendo a pautar a atuação
do Judiciário brasileiro em outros processos.
HABERMAS aponta outros aspectos que lhe faz rechaçar o ativismo judicial, dentre os quais se
destaca os seguintes: a) interesse público na coerência interna do direito; b) relativo
distanciamento do direito em relação à política; e c) direcionamento ao autoritarismo quando
o judiciário é conduzido preliminarmente pelos valores constitucionais. Também chama atenção
para a passividade do indivíduo e da sociedade que não luta por transformações. Fica passivo
esperando que o Poder Judiciário resolva. O Poder Judiciário também poderia se posicionar de
forma crítica analisando se outro poder ou órgão não seriam mais qualificados para resolver a
questão posta em juízo.
Riscos: conflito de atribuições entre Judiciário e Legislativo, com possível perda do efeito da
norma parlamentar e extinção da harmonia entre os poderes, necessidade de estabilidade
jurídica, e necessidade de segurança jurídica, politização da Justiça. Riscos para a legitimidade
democrática e dificuldade contramajoritária.
Judicialização da política. Para Luiz Roberto BARROSO, “a judicialização envolve uma
transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na
argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas”, tais
como a redemocratização, a constitucionalização abrangente, o sistema de controle de
constitucionalidade. Ademais, a “judicialização e o ativismo judicial são primos”, mas não têm
as mesmas origens. A judicialização “decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema
de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que
discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale
dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte”, e o
“ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e
expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas,
para ir além do legislador ordinário”.

SÚMULAS
SÚMULA VINCULANTE N. 22: “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as
ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho
propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam

182
sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da EC N. 45/04”.
SÚMULA VINCULANTE N. 23: A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação
possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da
iniciativa privada.
SÚMULA VINCULANTE 37: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa,
aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.
SÚMULA VINCULANTE 53: A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da
Constituição Federal alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao
objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados.
STF 649 - É inconstitucional a criação, por Constituição Estadual, de órgão de controle
administrativo do Poder Judiciário do qual participem representantes de outros poderes ou
entidades.
STF 628 – integrante de lista de candidatos a determinada vaga da composição de tribunal é
parte legitima para impugnar a validade da nomeação de concorrente.
STF 339 - Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos
de servidores públicos sob fundamento de isonomia.
STJ 428 -compete ao tribunal regional federal decidir os conflitos de competência entre juizado
especial federal e juízo federal da mesma seção judiciária.

JURISPRUDÊNCIA
838/STF - O ex-Deputado Federal Eduardo Cunha impetrou mandado de segurança no STF
pedindo a suspensão do processo de cassação que tramitava contra ele na Câmara dos
Deputados por quebra de decoro parlamentar. O pedido do impetrante foi negado. O STF só
pode interferir em procedimentos legislativos (ex: processo de cassação) em uma das seguintes
hipóteses: a) para assegurar o cumprimento da Constituição Federal; b) para proteger direitos
fundamentais; ou c) para resguardar os pressupostos de funcionamento da democracia e das
instituições republicanas. Exemplo típico na jurisprudência é a preservação dos direitos das
minorias, onde o Supremo poderá intervir. No caso concreto, o STF entendeu que nenhuma
dessas situações estava presente. Em se tratando de processos de cunho acentuadamente
político, como é o caso da cassação de mandato parlamentar, o STF deve se pautar pela
deferência (respeito) às decisões do Legislativo e pela autocontenção, somente intervindo em
casos excepcionalíssimos. Dessa forma, neste caso, o STF optou pela técnica da autocontenção
(judicial self-restraint), que é o oposto do chamado ativismo judicial. Na autocontenção, o Poder
Judiciário deixa de atuar (interferir) em questões consideradas estritamente políticas. STF.
Plenário. MS 34.327/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 8/9/16
851/STF - É inconstitucional norma do Tribunal de Justiça que permite a reeleição de
desembargadores para cargos de direção após o intervalo de dois mandatos. está reservada a
lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. Além disso, esta norma afronta o
tratamento que foi dado à matéria pelo art. 102 da LOMAN (LC 35/79). STF. Plenário. ADI
5310/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 14/12/2016
832/STF - Inexistência de inconstitucionalidade no corte do orçamento do Poder Judiciário
durante a tramitação da Lei Orçamentária Anual. Salvo em situações graves e excepcionais, não
cabe ao Poder Judiciário, sob pena de violação ao princípio da separação de Poderes, interferir
na função do Poder Legislativo de definir receitas e despesas da Administração Pública,
emendando projetos de leis orçamentárias, quando atendidas as condições previstas no art.
166, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 5468/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado
em 29 e 30/6/2016
825/STF - Lei estadual que concede ressarcimento de despesas de saúde a magistrados não
viola a CF/88 nem a LOMAN que não proíbe que as leis estaduais prevejam o pagamento de
verbas de natureza indenizatória aos magistrados estaduais.STF. 1ª Turma. MS 27463/MT, Rel.
Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2016

183
821/STF - Momento de comprovação dos três anos de atividade jurídica: inscrição definitiva
no concurso público. STF. Plenário. RE 655265/DF, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min.
Edson Fachin, julgado em 13/4/2016 (repercussão geral)
855/STF - O STF é incompetente para apreciar feito (art. 102, I, n) em que um único magistrado
pretende o reconhecimento de direito à fruição de licença-prêmio por tempo de serviço, pois a
questão interessa também a outros agentes políticos e servidores públicos. Afinal, o benefício
pode estar previsto em estatuto jurídico do agente ou do servidor., AO 2126/PR, Segunda
Turma).
866/STF - O Supremo Tribunal Federal entendeu que a justiça comum é competente para julgar
causa relacionada ao direito de greve de servidor público, pouco importando se se trata de
celetista ou estatutário.
794/STF - Judiciário pode determinar a realização de obras emergenciais em estabelecimento
prisional. STF. Plenário. RE 592581/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 13/8/2015
(repercussão geral)
721/STF - CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS A CRFB\88 e a Convenção
Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência asseguram o direito dos portadores de
necessidades especiais ao acesso a prédios públicos STF. 1ª Turma. RE 440028\SP, rel. Min.
Marco Aurélio, julgado em 29.10.2013,
741/STF É inconstitucional norma da Constituição estadual que preveja que a iniciativa da Lei
de organização judiciária é do Governador do Estado. É inconstitucional norma da Constituição
estadual que institua a criação de órgão de controle administrativo do Poder Judiciário do qual
participem representantes de outros Poderes ou entidades. STF. Plenário. ADI 197/SE, rel. Min.
Gilmar Mendes, julgado em 3/4/2014
752/STJ - Judiciário pode obrigar administração pública a manter quantidade mínima de
medicamento em estoque O que se está fazendo é controlar os atos e serviços da Administração
Pública que, neste caso, se mostraram ilegais ou abusivos STJ. 1ª Turma. RE 429903/RJ, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgado em 25/6/2014
592/STJ - O Poder Judiciário pode condenar universidade pública a adequar seus prédios às
normas de acessibilidade a fim de permitir a sua utilização por pessoas com deficiência. Se um
direito é qualificado pelo legislador como absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de
incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é obrigatoriamente, fixada pela
Constituição ou pela lei. STJ. 2ª Turma. REsp 1.607.472-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado
em 15/9/2016 (Info 592).
543/STJ - Judiciário pode determinar reforma de cadeia ou construção de nova unidade
prisional. Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública, a alegação de ausência
de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil pública mormente
quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa
estatal. STJ. 2ª Turma. REsp 1.389.952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3/6/2014

QUESTÕES OBJETIVAS
MPF\27º - Somente a vedação de nepotismo na esfera do Judiciário independe de lei formal,
haja vista a autonomia administrativa desse Poder. Assertiva incorreta.
MPF\27º - De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a fixação de tetos
remuneratórios diferenciados para membros da magistratura federal e estadual contraria o
caráter nacional e unitário do Poder Judiciário, não se aplicando aos juízes estaduais o limite
remuneratório de 90,25% (noventa vírgula vinte e cinco por cento) dos subsídios dos ministros
do STF, previsto no art. 37, XI, da Constituição da República e em Resoluções do Conselho
Nacional de Justiça. Assertiva correta
MPF\27º - A vitaliciedade é atributo exclusivo dos cargos das carreiras do Ministério Público e
do Poder Judiciário, significando que a desinvestidura, após o transcurso do estágio probatório,
depende de decisão judicial transitada em julgado. Assertiva incorreta.

QUESTÕES – BANCO OUSE

184
728- Viola o princípio do juiz natural o julgamento em Tribunal por turma formada
majoritariamente por juízes convocados? R: O STJ, de início, entendia que sim, mas o
entendimento foi superado. Para STF e STJ não há nulidade no julgamento de recurso por turmas
formadas majoritariamente (nem sequer exclusivamente) por juízes convocados, DESDE QUE A
CONVOCAÇÃO TENHA OBEDECIDO A LEGISLAÇÃO ESTADUAL OU FEDERAL, a depender do
tribunal, se Federal ou Estadual. Neste sentido, veja-se o RE 597133, julgado em regime de
repercussão geral: “(...) Não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de
apelação por órgão composto majoritariamente por juízes convocados, autorizado no âmbito
da Justiça Federal pela Lei 9.788/1999. II – Colegiado constituídos por magistrados togados,
integrantes da Justiça Federal, e a quem a distribuição de processos é feita leatoriamente. III –
Julgamentos realizados com estrita observância do princípio da publicidade, bem como do
direito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. IV – Recurso extraordinário
desprovido. ” O STJ atualmente também adota o mesmo posicionamento. Veja-se, a título de
exemplo, os seguintes precedentes: HC 139724 / SP, REsp 1091710 / PR e HC 141790 / ES.
597-O que é a criação judicial do Direito? Há o velho bocardo "onde há Sociedade, há Direito".
OJudiciário também pode, excepcionalmente, criar o Direito. Tal aspecto vem sendo ainda mais
aprofundado com o Neoconstitucionalismo e o Ativismo Judicial, que vêm ampliando os poderes
do Judiciário na conformação do Direito, pode-se citar as sentenças aditivas no controle
concentrado de constitucionalidade que estabelecem verdadeiros regramentos da aplicação de
determinados institutos, p. ex, as regras para demarcação de terras indígenas no caso Raposa
Serra do Sol. O processo de criação do Direito pode ser legitimado pela participação de agentes
sociais através, p. ex., do Amicus Curiae ou das audiências públicas!
529-O que é significa a expressão “Supremocracia”? Termo criado para fazer críticas às funções
que vêm sendo desempenhadas pelo STF nos últimos tempos - argumentando que ele não
apenas mais está exercendo uma função de "proteção de regras" constitucionais, como também
vem exercendo, em muitos casos, o pale de órgão "criador dessas regras" - assim, estaria
acumulando exercício de autoridade com exercício de poder. Alguns alegam que isso ocorreu
na ADPF 132, a respeito da união estável homoafetiva. Em um artigo sobre o tema, Oscar Vilhena
Vieira define: Em um primeiro sentido, o termo supremocracia refere-se à autoridade do
Supremo recentemente adquirida pelo Supremo de governar jurisdicionalmente (rule) o Poder
Judiciário no Brasil. Em um segundo sentido, o termo supremocracia refere-se à expansão da
autoridade do Supremo em detrimento dos demais poderes.

5B. Supremo Tribunal Federal: organização e competência. Jurisdição constitucional.

André Batista e Silva

I. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. é órgão de cúpula do poder judiciário brasileiro, exercendo


primordialmente a função de guardião da constituição, com atribuição de julgar questões de
jurisdição concentrada-abstrata de índole constitucional, a fim de que prevaleça a supremacia
Constitucional em todo o Brasil. Entretanto, a corte não possui atribuições exclusivamente
relacionadas a jurisdição constitucional, pois outras matérias também lhes foram atribuídas pela
Carta Magna, nos termos do art. 102, CF.
I.I. COMPOSIÇÃO E INVESTIDURA. Composição: 11 Ministros. Investidura: o Presidente da
República escolhe e indica o nome para compor o STF, devendo ser aprovado pelo Senado Federal,
pela maioria absoluta (sabatina no Senado Federal). Aprovado, passa-se à nomeação, momento
em que o Ministro é vitaliciado. Requisitos para ocupar o cargo de Ministro do STF: (a) Ser
brasileiro nato (art. 12, § 3º, IV da CF); (b) Ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade (art. 101
CF); (c) Ser Cidadão (art. 101, estando em pleno gozo dos direitos políticos); (d) Ter notável saber
jurídico e reputação ilibada (art. 101)
I.II. ORGANIZAÇÃO. Segundo o Regimento interno do STF, este organiza-se através do plenário,
turmas e do presidente. Cada turma tem 5 ministros, sendo que o mais antigo, integrante da

185
turma, preside a mesma. Ressalte-se que o Presidente e o Vice são eleitos pelo próprio Tribunal.
Daniel Sarmento destaca a existência, sob à égide da Carta de 1988, de salutar convenção
constitucional no que diz respeito à referida eleição, vez que a própria constituição não possui
qualquer disposição a respeito. A observância dessa conveção não é meramente facultativa,
impondo consequências políticas no caso de descumprimento (não há controle jurídico como
ocorre no caso de costume constitucional)
II. COMPETÊNCIA – ART. 102 CF. Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 3, de 1993) b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-
Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral
da República; c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de
Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no
art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes
de missão diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
23, de 1999) d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas
anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República,
das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do
Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; e) o litígio entre Estado
estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território; f)
as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e
outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; g) a extradição solicitada
por Estado estrangeiro; h) (Revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) i) o habeas
corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade
ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal
Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 22, de 1999) j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus
julgados; l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de
suas decisões; m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada
a delegação de atribuições para a prática de atos processuais; n) a ação em que todos os
membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais
da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou
indiretamente interessados; o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça
e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal; p) o
pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade; q) o mandado de
injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da
República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de
uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores,
ou do próprio Supremo Tribunal Federal; r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e
contra o Conselho Nacional do Ministério Público; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004) II - julgar, em recurso ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas
data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se
denegatória a decisão; b) o crime político; III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas
decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo
desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida
lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local
contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) Em
resumo, as competências do STF podem ser divididas, em: “a) originária (art. 102, I, “a” até “r”);

186
b) recursal ordinária (art. 102, II) e c) recursal extraordinária (art. 102, III)”. Em relação as
competências, destacam-se as modificações introduzidas pela EC nº 45/2004: 1) A transferência
de competência do STF para o STJ no tocante à homologação de sentenças estrangeiras e a
concessão de exequatur às cartas rogatórias (art. 102, I, “h”, revogada; 105, I, “i” e art. 9º da EC
45/2004); 2) A criação do requisito da repercussão geral das questões constitucionais discutidas
no caso para o conhecimento do recurso extraordinário

III. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL. Quando se examina a jurisdição constiticuional, destaca-se,


primordialemnte, o controle de constitucionalidade. Referido controle se divide basicamente em: a) difuso-
concreto, de origem norte-americana, com base no precedente Marbury v. Madison de 1803,
no qual o judicial review compete a qualquer magistrado, diante de um caso concreto, com
decisão de efeitos ex tunc (retroativos); b) concetrado-abstrato, a partir da formulação de Hans
Kelsen, que concebeu uma Corte Constitucional especializada para exercer a função, invalidando
a norma impugnada com efeitos apenas prospectivos (ex nunc). Há ainda o sistema misto, como
ocorre no Brasil a partir da Emenda Constitucional 16/65, que incorporou o controle concetrado-
abstrato ao já existente controle difuso vindo desde Ruy Barbosa, na Constituição de 1891.
Também é imprescidível examinar as posições procedimentalistas e substancialistas no contexto
da jurisdição constitucional. Os procedimentalistas defendem um papel mai modesto para a
jurisdição constitucional, sustentando que ela deve adotar uma postura de autocontenção a não
ser quando estiver em jogo a defesa dos pressupostos de funcionamento da própria democracia
(são defensores da posição John Hart Ely e Jürgen Habermas). Já os substancialistas advogam
um papel mais ativo para a jurisdição constitucional mesmo em casos que não envolvam os
pressupostos da democracia. O neoconstitucionalismo e a teoria da constituição dirigente se
situam claramente no campo do substancialismo, por conceberem papéis bastantes ambiciosos
para as constituiões, que vão muito além da garantia dos pressupostos do funcionamento da
democracia. A Constituição de 88 é profundamente substantiva, eis que pródiga na consagração
de valores materiais, o que acentua a “dificuldade contramajoritária” quando da atuação do STF,
podendo ocorrer reações sociais às decisões judiciais (o denominado efeito backlash), a exemplo
do dissenso havido em relação à “vaquejada” (ADI 4.983 v. EC 96/17).
III.I. ÓRGÃOS DE CONVERGÊNCIA E SUPERPOSIÇÃO. O Supremo Tribunal Federal (STF) e os
Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM) são órgãos de convergência, têm sede na Capital
Federal e exercem jurisdição sobre todo o território nacional, nos termos do art. 92 § 2º da
CRFB/88. Denominam-se órgãos ou centros de convergência na medida em que, conforme
ensina Dinamarco, “cada uma das Justiças Especiais da União (Trabalhista, Eleitoral e Militar),
tem por cúpula seu próprio Tribunal Superior, que é o responsável pela última decisão nas causas
de competência dessa Justiça, ressalvado o controle de constitucionalidade, que sempre cabe
ao Supremo Tribunal Federal. Quanto às causas processadas na Justiça Federal ou nas locais, em
matéria infraconstitucional a convergência conduz ao Superior Tribunal de Justiça, que é um dos
Tribunais Superiores da União embora não integre Justiça alguma; em matéria constitucional,
convergem diretamente ao STF. Todos Tribunais Superiores convergem unicamente ao STF,
como órgão máximo da Justiça brasileira e responsável final pelo controle de
constitucionalidade de leis, atos normativos e decisões judiciárias. O STJ e o STF são também
denominados de órgãos de superposição, na medida que não pertencem a qualquer Justiça. Isso
porque, embora não pertençam a qualquer Justiça, as suas decisões se sobrepõem às decisões
proferidas pelos órgãos inferiores das Justiças comum e especial. As decisões do STJ se
sobrepõem àquelas da Justiça Federal comum, da Estadual e daquela do Distrito Federal e
Territórios (o único que existia acabou, pois anexou-se a Pernambuco), ao passo que as decisões
do STJ se sobrepõem a todas as Justiças e Tribunais. Como adendo, cabe destacar o suposto
conflito existente também entre o direito interno, consubstanciado pelas decisões do STF, e o
direito internacional dos direitos humanos, formado e interpretado nas Cortes de Direitos

187
Humanos (especialmente a Corte IDH). O caso paradigmático diz respeito a ADPF 153 e o Caso
“Gomes Lund”. Para solucionar a celeuma, impõe-se a adoção de um diálogo internacional na
interpretação constitucional, permitindo uma evolução hermenêutica que não seja autista
(Sarmento aduz ao princípio do cosmopolitismo; Carvalho Ramos à “fertilização cruzada”,
“diálogo das cortes” e ao “duplo crivo de direitos humanos”)

Prova oral – 27º CPR: Fale sobre jurisdição constitucional.

23B. Súmula vinculante. Legitimidade e críticas. Mecanismos de distinção.

Atualizado e complementado por Valmor Cella Piazza

Chama-se súmula um verbete que registra a interpretação pacífica ou majoritária


adotada por um Tribunal a respeito de um tema específico, a partir do julgamento de diversos
casos análogos, com a dupla finalidade de tornar pública a jurisprudência para a sociedade e de
promover a uniformidade das decisões. Ela será vinculante porque o entendimento nela
veiculado será obrigatório a todos os outros tribunais e juízes, bem como à Administração
Pública Direta e Indireta. Na prática, adquire força de lei, criando um vínculo jurídico e possuindo
efeito erga omnes. A súmula vinculante foi criada pela EC 45/2004, que adicionou o artigo 103-
A à CRFB.
Observe-se que referida espécie de súmula não vincula o Poder Legislativo, sob pena de
se criar uma indesejável petrificação legislativa (governo dos vivos pelos mortos), nem o próprio
STF (plenário), que pode alterar o seu entendimento esposado em súmula vinculante através de
votação que obedeça ao mesmo quórum necessário à sua aprovação inicial (2/3). Ademais deve
ocorrer (a) superação da jurisprudência da Corte referente à matéria; (b), alteração legislativa
quanto ao tema; ou (c) modificação substantiva do contexto político-econômico-social do País
(PSV 13 e 54, j. 24.09.2005). Destaque-se a semelhança com as hipóteses de mutação
constitucional: (a) mudança da percepção do direito; (b) modificação da realidade fática; ou (c)
consequência prática negativa da manutenção da linha de entendimento.
Common law: tradição da vinculação dos precedentes. Com a previsão do controle
abstrato de constitucionalidade no direito brasileiro, criou-se a possibilidade de o próprio STF
conferir efeitos erga omnes à sua decisão. No entanto, o controle difuso, como regra, continuava
apenas com vinculação inter partes. Por isso, surge a súmula vinculante. Obs. Em dez/2017, o
STF declarou a ocorrência de mutação constitucional a permitir abstrativizar o controle difuso
de seus julgados - todavia, até o momento (set/2018), não se tem nenhuma reclamação julgada
em desrespeito a julgado de controle difuso.
Requisitos para aprovação da súmula vinculante: I — Quórum de 2/3 dos membros do
STF; II — Reiteradas decisões sobre matéria constitucional (a súmula vinculante só deve ser
editada quando o debate estiver maduro); III — A não pacificação da controvérsia deve gerar
prejuízo à segurança jurídica.
Legitimidade para propor a criação: os da ADI, mais o Defensor Público Geral da União,
os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais
Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares, observada a
pertinência temática. O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que
seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não
autoriza a suspensão do processo (Lei n° 11.417/2006).
Processo administrativo: Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria
enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não
a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da
aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.
Vantagens: I — Ajuda a combater a morosidade da justiça (celeridade); II — Impede a
divergência jurisprudencial (uniformização); III — A possibilidade de os legitimados requererem
também o cancelamento ou a revisão da súmula, o que combateu muitos dos críticos que diziam

188
que haveria uma cristalização do direito constitucional; a própria amplitude da legitimação foi
salutar. Críticas: I — Ataca a independência dos juízes; II — Engessamento da jurisprudência. O
efeito vinculante seria incompatível com o princípio da livre convicção do juiz e do juiz natural,
tornando as demais instâncias judiciais meras "carimbadoras" da decisão do Supremo. III -
Atribui função Legislativa ao Judiciário, contrariando o princípio da separação dos poderes; IV -
Concentra poder nos Tribunais Superiores; e V - Restringe o direito constitucional de ação.
Distinção entre a súmula vinculante e a súmula comum do STF (Uadi Lãmmego Bulos)
Súmula Comum Súmula Vinculante

Não vincula os órgãos do Judiciário, nem do Vincula os órgãos do Judiciário e da Administração Pública
Executivo (direta e indireta)

Precedentes que podem ou não ser adotados Padroniza a exegese de uma norma jurídica

Eficácia entre as partes - quando acatada Eficácia irrestrita - erga omnes

Todavia, Gilmar Mendes observa que a súmula não vinculante já possui um perfil
indiretamente obrigatório, uma vez que, por conta dos recursos, constitui instrumento de
autodisciplina do STF, que somente deverá afastar-se da orientação nela preconizada de forma
expressa e fundamentada.

Distinção entre a súmula vinculante e a súmula comum no CPC/2015:


A súmula comum foi prestigiada pelo CPC/2015, os principais efeitos são: (a)
possibilidade de fundamentar a improcedência liminar do pedido (art. 332, I); (b) impede o
reexame necessário (art. 496, §4º, I); (c) impedir o seguimento de recursos monocraticamente
pelo relator (art. 932, IV e V). A súmula vinculante, além destes efeitos, também possibilita (a)
tutela da evidência; e (b) Reclamação diretamente no STF.
A súmula vinculante engloba não só o sentido interpretativo e imperativo da súmula,
mas também os fundamentos invocados para se chegar a ela. Todavia, ainda que o magistrado
venha a decidir em igual sentido ao que consta da súmula vinculante (o que não pode deixar de
fazer, sob pena de o interessado ajuizar reclamação), mesmo assim deverá fundamentar esta
decisão, não só para atender o art. 93, IX, CRFB, mas, principalmente, para demonstrar que o
caso que se encontra sendo examinado coincide exatamente com os fundamentos das decisões
que autorizaram a criação do verbete sumular.
Destaque-se que não houve mais edição de súmulas comuns pelo STF após a
possibildiade de edição de súmulas vinculantes; sobretudo frente a possibilidade de formação
de teses em sede de RE com repercução geral (recuros repetitivos). Outrossim, várias súmulas
comuns foram convertidas em súmulas vinculantes, com a finalidade de aprimorar sua eficácia.
Técnicas de distinção: overruling, distinguishing e signaling:
Overruling: consiste na própria superação da jurisprudência da Corte, as hipóteses de
inciência devem ser restritas, sobretudo frente à imposição do CPC/2015 de os Tribunais
manterem sua jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 926).
Distinguishing: nesta técnica não se aplica a jurisprudência consolidada (precedente) em
razão das especificidades do caso concreto, a permitir distinguí-lo dos demais. Constitui um
método de comparação entre o caso e o precedente.
Signaling: é uma espécie de sinal que os Tribunais emitem em suas razões de decidir, a
fim de apontar possíveis alterações futuras de jurisprudência (overruling).

25C. Conselho Nacional de Justiça. História, composição, competência e funcionamento

Valdir Monteiro Oliveira Júnior


Atualização do Graal do 28º com jurisprudência

I. Conselho Nacional de Justiça. História

189
Em 2004 foi aprovada a EC nº 45, “Reforma do Judiciário”, disciplinando em seu artigo
103-B o Conselho Nacional de Justiça. O CNJ é órgão administrativo-constitucional do Poder
Judiciário, com status semi-autônomo ou de autonomia relativa. Pertence à estrutura do Poder
Judiciário, conforme previsto no art. 92, I-A (“São órgãos do Poder Judiciário: I - o Supremo
Tribunal Federal; I-A o Conselho Nacional de Justiça”), logo é órgão de controle interno, e não
externo, apesar de ter integrantes de fora da magistratura.

A natureza administrativa é conferida pelo rol de atribuições previstas no art. 103-B, §


4º, CF/88, pois tais atribuições não são jurisdicionais, eis que se submetem a controle judicial.
Não é órgão da União, mas instituição federal de âmbito nacional, cujo caráter federativo já foi
afirmado pelo STF. Por essas razões, o STF já decidiu que a criação do CNJ não ofendeu o
princípio federativo e nem o da separação de poderes.

II. Composição

O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros, com mandato de dois


anos, admitida uma recondução, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada
a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 103-B, CF). A formação híbrida - dos 15
(quinze) Conselheiros, 9 (nove) são oriundos da magistratura e os outros 6 (seis) não, sendo dois
membros do Ministério Público, dois advogados e dois cidadãos – demonstra a inspiração
democrática e o pluralismo de representações e indicações. Dentre os magistrados, há
diversidade de instâncias e de ramos do Judiciário. O princípio federativo é reafirmado em
virtude da dualidade das entidades federativas na representação das justiças federal e estadual,
bem como da indicação dos membros do Ministério Público (um do MPU e outro do MP
Estadual).

A EC nº 61/2009 esclareceu que o CNJ é composto, dentre os seus quinze membros, não
por um Ministro do STF (como dizia a redação original da EC 45/2004), mas pelo Ministro
Presidente do STF. Transformou, assim, o Presidente do STF em membro nato do CNJ, não
tendo que ser sabatinado pelo Senado Federal (o art. 103-B, §2º disciplina que apenas os demais
membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a
escolha pela maioria absoluta do Senado Federal).

Outra alteração advinda com a EC 61/2009 foi a retirada da restrição de idade, que, na
redação original, trazida pela EC 45/2004, estabelecia idade mínima de 35 anos e máxima de 66
anos. Dessa forma, atualmente, não há limite de idade para os membros do CNJ. Tal alteração
teve o nítido objetivo de adequar a composição da Presidência do CNJ sempre ao Ministro
Presidente do STF, pois é possível que esse ocupe a presidência com mais de 66 anos.

Ademais, a EC 61/2009 ainda estabeleceu que o Presidente do CNJ (que será o


Presidente do STF) será substituído, nas suas ausências, impedimento e afastamentos, pelo
vice-presidente do STF, e não por outro membro do CNJ (art. 103-B, par. 1º, CF), preservando
o caráter institucional da direção do CNJ (Lenza, pág. 634).

III. Competência

Compete ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário,


dos deveres funcionais dos juízes e de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto
da Magistratura (art. 103-B, § 4º, I a VII, da CF/88).

Exemplo de atuação administrativa regular do CNJ foi a imposição a todos os juízes que
se cadastrassem no BACEN-JUD para possibilitar eventuais penhoras on line. O CNJ não poderia

190
impor que os juízes se valessem do BACEN-JUD para execução de suas decisões, mas a
obrigatoriedade de cadastro está dentro do poder normativo do CNJ (STF, MS 27.621, 2011).

O CNJ pode iniciar investigação contra magistrados independentemente da atuação da


corregedoria do tribunal, sem necessidade de fundamentar a decisão (ADI 4.638, 2012,
impetrada pela AMB contra a Resolução CNJ 135).

O CNJ tem competência para expedir atos normativos que retirem seu fundamento
diretamente da Constituição Federal para a concretização de princípios constitucionais. Esse
tema foi discutido por conta da Resolução 07/05 do CNJ, que vedou o nepotismo no Judiciário
(ADC, 2.009, ajuizada pela AMB). O caso acabou redundando na Súmula Vinculante 13, que
estendeu a vedação ao Legislativo e ao Executivo.

O CNJ não tem nenhuma competência sobre o STF e seus ministros, sendo esse o órgão
máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito (ADI 3.367/DF). Além disso, não
pode se manifestar quando a matéria já está submetida à apreciação do Poder Judiciário (STF,
MS 27.650/DF, 2014).

IV. Não aplicação de normas inconstitucionais no exercício do controle administrativo

O CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade, mas pode, no exercício do


controle administrativo, deixar de aplicar lei inconstitucional (Pet 4.656/PB, Plenário, 2016). No
caso concreto, foi aprovada lei estadual criando cargos comissionados para o TJ/PB, o qual
nomeou pessoas para esses cargos sem concurso. Esse ato de nomeação foi submetido à
apreciação do CNJ, que o anulou, por entender que os cargos criados não eram para chefia e
assessoramento, e sim para atividades administrativas genéricas e, portanto, deveriam ser
providos mediante concurso público.

Dessa forma, não houve declaração de inconstitucionalidade da lei discutida, com


exclusão de sua eficácia, mas sim nulidade dos atos praticados pelo TJ/PB (nomeação) por ser
considerada inaplicável, administrativamente, lei estadual com vício de inconstitucionalidade. A
vinculação da decisão se deu apenas em face da atuação de órgão judicial (TJ/PB) cujos atos
administrativos foram submetidos ao controle do CNJ. Assim, o Conselho não usurpou
competência do STF em não fez controle de constitucionalidade.

V. Funcionamento

São órgãos do Conselho: O Plenário, a Presidência, a Corregedoria Nacional de Justiça,


as Comissões e a Secretaria-Geral. O Conselho será presidido pelo Ministro do Supremo
Tribunal Federal, que votará em caso de empate, ficando excluído da distribuição de processos
naquele tribunal.

As comissões são permanentes ou temporárias, com participação proporcional entre os


conselheiros, preservando, sempre que possível, a representação das diversas categorias
funcionais, integradas sempre por pelo menos um conselheiro não-magistrado. Dedicam-se ao
estudo de temas e de atividades de interesse do Conselho ou relacionadas às suas
competências.

Ao Plenário competem as atribuições de controle administrativo e financeiro do Poder


Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados. As sessões do Plenário
podem ser ordinárias (quinzenalmente) ou extraordinárias (convocadas pelo Presidente ou 1/3
dos Conselheiros). Nas sessões plenárias somente poderão ser discutidos assuntos não
pautados se houver aprovação de 2/3 dos presentes.

191
O quórum mínimo do Plenário é de dez conselheiros, e as decisões serão tomadas por
maioria simples, em regra. O conselheiro não pode abster-se da votação nos temas
relacionados a controle de atos administrativos e procedimentos disciplinares, mas pode se
declarar impedido ou suspeito. O presidente poderá dar a palavra ao interessado para
sustentação oral por até 15 minutos, mesmo prazo do Procurador-geral da República e do
presidente do Conselho Federal da OAB. As decisões do Conselho são irrecorríveis e, em caso
de obscuridade, contradição ou omissão, pode o interessado requerer sejam prestados
esclarecimentos, no prazo de cinco dias.

À Corregedoria Nacional de Justiça, exercida pelo Ministro do STJ no CNJ, compete


processar reclamações de qualquer interessado relativas aos magistrados e aos serviços
judiciários auxiliares, serventias, órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que
atuem por delegação do poder público ou oficializados, bem como exercer funções executivas
do Conselho, de inspeções e de correições.

17.FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA


17.1 Ministério Público: História e princı ́pios constitucionais. Organização. As funçõ es
constitucionais do Ministério Público. (1.c)
17.2 Conselho Nacional do Ministério Público. História, composição, competê ncia e
funcionamento. (21.a)
17.3 As funçõ es essenciais à Justiça: Advocacia privada e pública. Representação judicial e
consultoria jurı ́dica da União, dos Estados e do Distrito Federal. A Defensoria Pública. (24.c)

1C. Ministério Público: História e princípios constitucionais. Organização. As funções


constitucionais do Ministério Público.

André Batista e Silva

História. Há controvérsia sobre a origem do Ministério Público. Várias categorias de


agentes com funções de determinar o cumprimento da lei são apontados como “precursores”
do que hoje é o Ministério Público. Tais agentes existiriam desde a Idade Antiga (funcionários do
Faraó do Egito, Tesmoteti, na Grécia; Praefectus urbi, em Roma). Mas foi na França, em 1302,
que foi institucionalizado o MP, por meio da ordonnance do Rei Felipe, constituindo os
procureurs du roi. Em 1690, os membros do Parquet passaram a ter vitaliciedade. Há autores
que, com razão, consideram que o MP só passou a ter um perfil mais parecido com o atual a
partir da Revolução Francesa. No Brasil, não tendo sido mencionado na Constituição de 1824, o
MP surgiu no Código de Processo Criminal de 1832, e seus membros eram livremente escolhidos
e demitidos. Em 1890, o MP é considerado instituição necessária (Decreto nº 1.030). A CF 1891
limita-se a dizer que o Presidente da República designará, dentre os Ministros do STF, o PGR. A
CF 1934 institucionalizou o MP como órgão de cooperação nas atividades governamentais, na
União, no DF, nos Territórios e nos Estados. O PGR é escolhido livremente pelo Presidente da
República, com aprovação do Senado, entre cidadãos que preencham os requisitos para ser
Ministros do STF, e é demissível ad nutum. Seus membros são estáveis e escolhidos por concurso
público. A CF 1937 só se refere ao MP a respeito da designação do PGR e do quinto
constitucional. A CF 1946 volta a organizar o MP, e, agora, em título especial, fora da estrutura
dos demais Poderes. Ao MPF compete também a representação judicial da União. Seus membros
têm estabilidade, inamovibilidade e são escolhidos por concurso público. A CF 1967 recolocou o
MP dentro da estrutura do Poder Judiciário, mantendo as demais regras. A CF 1969 voltou a
posicionar o MP no Poder Executivo. A CF 1988 representa uma forte ascensão do MP, que passa
a estar situado fora da estrutura dos demais Poderes.
Definição: de acordo com o art. 127, caput, da CF/88, o ministério público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem

192
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Regulamentando a CF/88, foram editadas a Lei nº. 8.635 (Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público – LONMP, dispondo sobre normas gerais para a organização do MP dos estados) e a Lei
Complementar nº. 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU, dispondo sobre
a organização, atribuição e estatuto do MPU).
Organização: o art. 128, I, tratou do MP da união (MPU), enquanto o art. 128, II, tratou
do MP dos estados (MPE). Conforme se extrai da CF/88, há um ministério público que atua na
justiça comum – tanto federal (MPF) quanto estadual (MPE) – e outros que atuam perante os
ramos especializados da justiça federal – justiça do trabalho (MPT), justiça militar (MPM) e justiça
eleitoral. Cabe observar, porém, que apesar de no âmbito federal existir uma carreira própria do
MP com atuação perante a justiça militar (MPM), no âmbito estadual, tanto no primeiro quanto
no segundo grau, a atuação dar-se- á por um membro do MPE, não havendo uma carreira própria
e específica de ministério público militar estadual. Do mesmo modo, o MP eleitoral não tem
estrutura própria e a sua formação é mista, sendo composto de membros do MPF e do MPE.
Apesar disso, a função eleitoral desempenhada pelo Ministério Público tem natureza federal, de
modo que, quando atuam como órgãos eleitorais, os promotores de justiça os fazem como MPF,
estando sujeitos à legislação que regre o ministério público federal. Assim, nos termos da
LC75/93 (que rege o MPU), as funções eleitorais do MPF perante os juízes e juntas eleitorais
serão exercidas pelo promotor eleitoral, que é membro de MPE; já as funções eleitorais nas
causas de competência dos tribunais eleitorais serão exercidas pelo MPF.
Princípios constitucionais: o art. 127, §1º, da CF/88, prevê como princípios institucionais
do MP a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. I)Unidade: sob a égide de um
só chefe, o MP deve ser visto como uma instituição única, sendo a divisão existente meramente
funcional; II) Indivisibilidade: é possível que um membro do MP substitua outro, dentro da
mesma função, sem que, com isso, exista qualquer implicação prática; quem exerce os atos, em
essência, é a instituição, e não a pessoa do promotor ou procurador; III) Independência
funcional: trata-se de autonomia de convicção, na medida em que os membros do MP não se
submetem a qualquer poder hierárquico no exercício de seu mister, podendo agir, no processo,
da maneira que melhor entenderem; a hierarquia existente restringe- se às questões de caráter
administrativo, materializada pelo chefe da instituição, mas nunca de caráter funcional.
Princípio do promotor natural: além de ser julgado por órgão independente e pré-
constituído, o acusado também tem o direito e a garantia constitucional de somente ser
processado por um órgão independente do estado, vedando-se, por consequência, a designação
arbitrária, inclusive, de promotores ad hoc ou por encomenda. Depois de muito debate, o STF
aceitou a tese do promotor natural no HC 67.759. No referido julgamento, o Min. Celso de Mello
estabeleceu que
o postulado do promotor natural repele, a partir da vedação de designações casuísticas
efetuadas pela chefia da instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra
uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do MP, na medida em
que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria
coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o
promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados,
estabelecidos em lei.
Garantias do Ministério Público: I – Garantias institucionais: a) autonomia funcional – é
inerente à instituição como um todo e abrange todos os órgãos do MP, estando prevista no art.
127, §2º, da CF/88, no sentido de que, ao cumprir seus deveres institucionais, o membro do MP
não se submeterá a nenhum outro poder, órgão, autoridade pública, etc., devendo observar
apenas a constituição, a lei e a própria consciência; b) autonomia administrativa –prevista no
art. 127, §2º, a autonomia administrativa consiste na capacidade de direção de si próprio,
autogestão, autoadministração, um governo de si; assim, o MP poderá, observado o disposto no
art. 169 da CF/88, propor ao poder legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços
auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política
remuneratória e os planos de carreira; c) autonomia financeira –prevista no art. 127, §3º, ao

193
MP assegurou-se a capacidade de elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites
estabelecidos na LDO, podendo, autonomamente, administrar os recursos que lhe forem
destinados; a EC45/04 regulamentou o procedimento de encaminhamento da proposta
orçamentária do MP e a solução em caso de inércia; proibiu, outrossim, a realização de despesas
ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites fixados na LDO, exceto se previamente
autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. II – Garantias dos
membros: a) vitaliciedade –adquire-se a vitaliciedade após a transcorrência do período
probatório, ou seja, 02 anos de efetivo exercício do cargo, tendo sido admitido na carreira,
mediante aprovação em concurso de provas e títulos; a garantia da vitaliciedade assegura ao
membro do MP a perda do cargo somente por sentença judicial transitada em julgado; b)
inamovibilidade –o membro do MP não poderá ser removido ou promovido, unilateralmente,
sem a sua autorização ou solicitação; excepcionalmente, contudo, por motivo de interesse
público, mediante decisão do órgão colegiado competente do MP (no caso, o CNMP), por voto
da maioria absoluta de seus membros, desde que lhe seja assegurada a ampla defesa, poderá vir
a ser removido do cargo ou função; c) irredutibilidade de subsídios – é assegurada ao membro
do MP a garantia da irredutibilidade de subsídio (a garantia é contra a irredutibilidade nominal,
e não contra a corrosão inflacionária). Impedimentos: de acordo com os arts. 128, §5º, II, §6º, e
129, IX, os membros do MP não poderão: a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto,
honorários, percentagens ou custas processuais; b) exercer advocacia; c) exercer representação
judicial e consultoria jurídica de entidades públicas; d) participar de sociedade comercial, na
forma da lei; e) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma
de magistério; f) exercer atividade político-partidária, sem qualquer exceção, nos termos da
restrição trazida pela EC45/04 – a res. TSE 22.095/2005 previu ser imediata e sem ressalvas a
aplicação da EC45/04, abrangendo aqueles que adentraram nos quadros do MP tanto antes
quanto depois da referida EC; em igual sentido, o art. 13 da res. TSE 11.156/2006 estabeleceu que
os magistrados, membros dos tribunais de contas e membros do MP devem filiar-se a partido
político e afastar-se definitivamente de suas funções até 06 meses antes das eleições; em
sentido contrário, porém, há julgado monocrático do TSE que entendeu pela não aplicação da
regra da EC45/04, que veda o exercício de atividade político-partidária por membro do MP, por
força do art. 29, §3º, do ADCT, àqueles que ingressaram na carreira antes da promulgação da
CF/88; destaca-se, ainda, o entendimento adotado pelo STF no RE 59.794, que assegurou a
membro do MP que já exercia cargo eletivo o direito a concorrer à reeleição; g) receber, a
qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou
privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; h) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do
qual se afastou, antes de decorridos 03 anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou
exoneração.
Funções institucionais: as funções institucionais do MP estão previstas no art. 129 da
CF/88 em rol exemplificativo, uma vez que o inciso IX estabelece que compete, ainda, ao MP
exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade
A tarefa de custos constitutionis: legitimidade e limitações. Em um sentido
amplíssimo, pode-se considerar que o MP funciona como fiscal da Constituição por meio de
todas as suas atitudes, judiciais ou extrajudiciais, na medida em que todas caminham no
sentido de proteção direta ou ao menos indireta das normas da Constituição Federal. Num
sentido mais específico, fala-se em custos constitutionis como atividade do MP no âmbito do
controle de constitucionalidade. E em sentido restritíssimo – em simetria à designação de
custos legis como sendo apenas a tarefa de intervenção no processo, sem ter sido o autor da
ação –, custos constitutionis é a tarefa de opinar nos processos de controle de
constitucionalidade em que não seja parte. O PGR detém legitimidade para ajuizar ADI, ADC e
ADPF perante o STF, tendo como parâmetro a CF, sendo sua legitimidade “universal”,
abrangendo qualquer matéria passível de ser objeto de tais ações, independentemente de
pertinência temática. O PGR será previamente ouvido em todos os processos de competência
do STF, inclusive nas ações diretas de controle de constitucionalidade e naquelas em que a
questão constitucional chega ao STF pela via recursal, destacando-se o Recurso Extraordinário,

194
devendo o PGR opinar livremente, atuando com independência para defender a Constituição.
Além disso, o MP pode manifestar-se em qualquer incidente de inconstitucionalidade
(observados os prazos e condições fixados no Regimento do Tribunal, CPC, art. 482, §1º), o que
faz com igual independência.

OBS.: PODER INVESTIGATÓRIO DO MP: O Supremo Tribunal Federal decidiu que o Ministério
Público pode investigar. A decisão da Suprema Corte foi proferida no Recurso Extraordinário
593.727/MG (com repercussão geral) e resulta de uma adequada interpretação da
Constituição e da lógica de qualquer sistema acusatório. O Ministério Público dispõe de
competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações
de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer
indiciado e qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus
agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas
profissionais de que se acham investidos, em nosso país, os advogados (lei 8906/94, artigo 7º,
incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado
Democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente
documentados (súmula vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição.

21A. Conselho Nacional do Ministério Público. História, composição, competência e


funcionamento.

Responsável: Adriano Lanna


Obras consultadas: Graal do 28º CPR; Manual do Procurador da República:
Teoria e Prática; Investigação criminal pelo Ministério Público: Comentários à Resolução 181 do CNMP.

I. História

O CNMP foi inserido no sistema constitucional brasileiro através da EC n º 45/04, com a


reforma do Judiciário. Trata-se de órgão constitucional autônomo (não vinculado a nenhum dos
Poderes) de controle externo do Ministério Público. Observa-se doutrina, no entanto,
sustentando que o CNJ é órgão interno do Judiciário, rechaçando a ideia de controle externo
(José Afonso da Silva e Gilmar Ferreira Mendes), pensamento que pode ser aplicado por analogia
ao CNMP. Mas não é este o posicionamento exposto no Manual do Procurador da República, no
qual se defende a ideia de que o CNMP exerce verdadeiro controle externo do Ministério
Público. Tal controle é limitado à atuação administrativa e financeira da instituição e ao
cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, restando preservadas a autonomia e
a independência funcionais.

Observação: quando se diz que o controle do CNMP se limita aos atos administrativos e
financeiros da instituição, é necessário fazer uma distinção. Os atos extraprocessuais (ou
extrajudiciais) praticados no exercício das atribuições funcionais do Ministério Público, como
sua atuação como ombudsman (art. 129, II, CR) ou como legitimado coletivo (art. 129, III, CR),
não são atos administrativos, mas sim funcionais, motivo pelo qual eles não se submetem ao
controle do CNMP, mas sim a controle judicial e a controle institucional (no caso do MPF, através
das CCRs e da PFDC).

II. Composição

O CNMP é composto de 14 membros, sendo 8 oriundos do Ministério Público (o PGR,


que o preside, 1 de cada um dos 4 ramos do MPU e 3 dos MPEs), 2 juízes indicados, um pelo STF
e outro pelo STJ, 2 advogados indicados pelo Conselho Federal da OAB e 2 cidadãos de notório
saber jurídico e reputação ilibada, um indicado pelo Senado Federal e outro pela Câmara dos
Deputados.

195
Note-se que a maioria é advinda do próprio Ministério Público. A existência de membros
vindos de outras carreiras pode ser vista como a conjugação da legitimidade burocrático-
corporativa (SAMPAIO, p. 252) de duas categorias de imediata interação com o MP, com a
legitimidade democrática, de dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada. Além
disso, essa composição híbrida, as razões que justificaram sua criação e as suas competências
permitem caracterizar o CNMP, conforme já dito, como um órgão constitucional autônomo de
controle externo do Ministério Público.

Compete ao Senado Federal o processamento e o julgamento dos membros do CNMP


nos crimes de responsabilidade (art. 52, II, CR) e ao Supremo Tribunal Federal as ações
ajuizadas contra o próprio CNMP (art. 102, I, r, CR – na interpretação restritiva do Tribunal,
apenas se tais ações forem remédios constitucionais).

III. Competência

Merece destaque a classificação adotada por José Adércio (SAMPAIO, p. 274 e segs.) ao
tratar das atribuições do CNJ, a qual pode ser aplicada ao CNMP:

a) atribuições políticas: zelar pela autonomia do Ministério Público e pelo cumprimento da lei
orgânica, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar
providências;
a.1) atribuição de planejamento: zela pela autonomia de adotar o papel de gestor
estratégico dos recursos administrativos, humanos, logísticos e financeiros do
Ministério Público;
a.2) atribuição de defesa da soberania (no original fala-se de soberania judiciária):
deve adotar todas as medidas necessárias contra as ameaças e as violações advindas
dos outros Poderes e, com certas cautelas, de setores da sociedade, em defesa da
“soberania” do MP. “Não se trata de atitude corporativa, mas institucional, pois o
Conselho não é sindicato de classe e sim órgão de poder” (p. 276);
a.3) atribuição de poder regulamentar: todavia, sem poder inovar na ordem jurídica.
“Não pode, por conseguinte, permitir o que a lei proíbe ou ordenar o que a lei não
obriga; nem alterar, restringir ou ampliar direitos, deveres, ações ou exceções;
tampouco é dado exemplificar o que o legislador definiu por taxativo, ou suspender ou
adiar a execução da lei, instituir tribunais ou criar autoridades públicas, nem tampouco
estabelecer formar de exteriorização de um ato, diferentes daquelas determinadas por
lei”;
a.4) atribuições mandamentais: recomendar providências, no sentido de ordem para
integrantes e servidores do MP, acompanhada das sanções cabíveis a todo
descumprimento de mandado de autoridade competente. Para autoridades públicas
externas, tem a natureza de representação, que, se não vincula aos resultados, obriga,
ao menos, a diligências e respostas; sanção, todavia, política e difusa (“pressão por
persuasão”);
a.5) atribuições de economia interna: elaborar seu regimento, prover os cargos
necessários à sua administração; fixar critérios para promoção de seus servidores,
conceder licenças etc.;

b) atribuições de controle administrativo: zelar pela observância do art. 37 da Constituição


Federal e apreciar a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do
Ministério Público da União e dos Estados;

c) atribuições de ouvidoria: receber reclamações contra membros ou órgãos do Ministério


Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da
competência disciplinar e correcional da instituição.

196
d) atribuições correcionais e disciplinares: a atribuição disciplinar pode ser originária ou
derivada. A originária ocorre quando se instaura a sindicância, a reclamação ou o processo
disciplinar em decorrência de representação feita ao Conselho. Já a derivada pode ser a
avocatória, quando já existe um processo em trâmite e o CNMP avoca; ou revisional, feita de
ofício ou mediante provocação, em relação aos processos disciplinares de membros do
Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;

e) atribuição sancionatória: consequência da atribuição disciplinar. Pode determinar a


remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao
tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

f) atribuição informativa e propositiva: elaborar relatório anual, propondo as providências que


julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho.
Não se resume, todavia, a elaboração de relatório. Entende-se que pode, por exemplo, elaborar
notas técnicas, seja por iniciativa própria, seja a requerimento de outros Poderes, sobre
anteprojetos de leis ou projetos de lei que tramitam no Congresso, desde que caracterizado o
interesse do MP.

Ficar atento: o poder regulamentar do CNMP tem sido muito discutido, principalmente
em razão da edição de atos com forte caráter normativo, como a Resolução nº 181 do CNMP,
que tratou, por exemplo, do acordo de não-persecução penal. De acordo com Mauro Fonseca
Andrade (Investigação criminal pelo Ministério Público: Comentários à Resolução 181 do CNMP,
p. 217), o texto expedido pelo CNMP é uma resolução e, como tal, deveria se limitar a tutelar
interesse ou assunto interno, não podendo se afastar da lei processual nem se sobrepor a ela.
Apesar disso, o STF tem reconhecido atos regulamentares editados pelo CNJ, como a resolução
que tratou da audiência de custódia e a resolução editada pelo CNMP que tratou de questões
afetas à interceptação telefônica, desde que eles encontrem fundamento legal, o que acontece
no caso da Resolução nº 181 do CNMP, de acordo com Vladimir Aras, para quem “os acordos de
não-persecução penal, de cunho bilateral, fundam-se no art. 129, inciso I, da Constituição, no
art. 28 do CPP, no art. 3º do CPP (c/c o art. 3º do CPP) e noutros dispositivos legais e
convencionais que lhes dão seus fundamentos de constitucionalidade e legalidade”. Tais acordos
satisfazem diversos princípios penais, como da fragmentariedade e da subsidiariedade, além de
se coadunar com a justiça restaurativa e com a tendência de acentuação do sistema penal
negocial, fundados em correntes criminológicas como o minimalismo penal, o labelling
approach e as teorias críticas. Existem duas ADIs pendentes de julgamento questionando a
constitucionalidade da Resolução nº 181 do CNMP, nas quais a PGR ainda não se manifestou
(setembro de 2018).
Por fim, deve-se apontar que a criação do CNMP e a previsão de suas competências
excepcionou a inamovibilidade dos membros da instituição, pois, dentre as sanções aplicáveis
pelo órgão, consta expressamente a remoção compulsória (art. 130-A, § 2º, III, CR).

IV. Funcionamento

O CNMP será presidido pelo PGR, não havendo maior regulamentação legal sobre o
tema. O Corregedor Nacional é eleito dentre os membros do Ministério Público que integram o
CNMP para um mandato coincidente com o seu mandato de conselheiro, na forma do art. 30 do
Regimento Interno do CNMP. A recondução ao cargo é proibida pela Constituição Federal (130-
A, §3º). É interessante observar que, no CNMP, o Corregedor é eleito, ao passo que, no CNJ, a
função de Corregedor necessariamente é exercida pelo Ministro advindo do STJ (art.103-B,
§5º,CF).

Legitimidade e críticas ao CNMP:

197
a) o CNMP somente pode aplicar as sanções disciplinares decorrentes da prática de
condutas previamente definidas em lei;

b) com a criação do CNMP, foi olvidada a necessidade de ser estabelecido, quanto aos
membros dos Conselhos, um lapso temporal de vedação ao exercício de outra função pública,
que não exija a prévia aprovação em concurso público, terminando por permitir e estimular
que benesses futuras sejam colhidas em troca de posicionamentos atuais;

c) dos quatorze membros do Conselho, cinco integram o Ministério Público da União já


em relação aos vinte e seis Ministérios Públicos Estaduais, apenas três serão seus
representantes, sendo nítido o desequilíbrio entre as unidades federadas.

24C. As funções essenciais à Justiça: Advocacia privada e pública. Representação judicial e


consultoria jurídica da União, dos Estados e do Distrito Federal. A Defensoria Pública

Valdir Monteiro Oliveira Júnior


Fonte: Graal 28º CPR. Daniel Sarmento Aulas Master Juris 2012. Site Dizer o Direito.
Legislação: art. 131 a 135, CRFB 88.

I. As funções essenciais à Justiça

Um dos mecanismos para o efetivo funcionamento do sistema de freios e contrapesos


é a atuação do Poder Judiciário para fazer com que os demais Poderes sejam limitados pelas
normas constitucionais. Por sua vez, uma forma de controle do Poder Judiciário é a vedação de
que ele haja por iniciativa própria. Assim, a provocação da jurisdição depende de uma atuação
do Ministério Público, da Advocacia Pública ou privada e da Defensoria Pública. Tais entes, por
conta disso, exercem funções essenciais à Justiça e são mencionados em capítulo próprio da
Constituição Federal distinto do capítulo dedicado ao Poder Judiciário.

II. Advocacia Pública. Representação judicial e consultoria jurídica da União, dos Estados e do
Distrito Federal

No tocante à União, sua representação judicial e extrajudicial bem como a consultoria


jurídica é promovida pela Advocacia Geral da União (art. 131, caput, CF) e, no que tange às
questões tributárias, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (art. 131, §3º, CF). Tais
órgãos integram o Poder Executivo e não gozam de independência funcional, porém seus
integrantes devem ser concursados (art. 131, §2º, CF), a exceção do Advogado-Geral da União,
que é de livre nomeação pelo Presidente da República (art. 131, §1º, CF).

As mesmas regras são previstas para os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal
(art. 132, CF). Procuradores municipais não são mencionados na Constituição.

Uma das principais diferenças entre a Advocacia Pública e o Ministério Público é a


representação judicial e consultoria jurídica de entidades públicas, que são vedadas ao MP (art.
129, IX, parte final, CF). Não obstante, pode haver certa confusão, pois o Parquet pode atuar na
defesa do patrimônio público, o que o aproximaria da atuação típica da Advocacia Pública. A
distinção, entretanto, é que o MP tutela o interesse público primário, enquanto a Advocacia
Pública persegue o secundário. Desta forma, em um caso de sobre preço em licitação, por
exemplo, o Ministério Público limitar-se-ia a anular o certame e punir os culpados, enquanto a
execução da dívida em favor do ente público ficaria a cargo da Advocacia Pública.

III. Advocacia privada

198
O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (art. 133, CF). Entretanto, há exceções
à essa indispensabilidade, como no caso de habeas corpus, Justiça do Trabalho e juizados
especiais, casos nos quais a parte pode dirigir-se diretamente ao Judiciário. Além disso, a
inviolabilidade do advogado não é absoluta, mas limitada pela lei, como no caso de punições
aplicadas pela OAB com fundamento em seu Estatuto.

No tocante à OAB, frise-se que o exame de suficiência para ingresso na Ordem foi
considerado constitucional pelo STF (RE, 2011), pois é proporcional (com ele evita-se o grande
prejuízo que seria causado a terceiros por profissionais desqualificados) e não alcança o núcleo
essencial da liberdade de ofício.

IV. A Defensoria Pública

À Defensoria Pública cabe a promoção dos direitos humanos e a defesa, judicial e


extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, entendidos como aqueles
desprovidos de recursos suficientes (art. 134 c/c art. 5º, LXXIV, CF).

Diversas Emendas Constitucionais (19/98, 45/04, 74/13 e 80/14) garantiram à


Defensoria Pública da União e dos Estados e Distrito Federal independência funcional,
administrativa e iniciativa de proposta orçamentária. Seus membros, providos mediante
concurso público, tem garantida a inamovibilidade, porém não podem exercer a advocacia (art.
134, §1º, CF). Além disso, o número de defensores públicos deverá ser proporcional à efetiva
demanda da população e, no prazo de 8 anos a contar de 2014, todas as unidades da federação
deveriam ter implantado suas Defensorias (art. 98, caput e §1º, ADCT, incluído pela EC 80/14, a
PEC “Defensoria para Todos”).

A despeito de tal implantação ter ocorrido formalmente, o número de Defensores ainda


é reduzido em várias unidades da federação. Por conta disso, permanecem hígidas as decisões
do STF que reconheceram a constitucionalidade atual, mas apontaram uma tendência de
inconstitucionalidade progressiva, de regras que permitem ao MP a propositura de ação de
reparação de dano ex delicto em favor de vítima pobre ou que reconhecem à Defensoria prazos
processuais mais amplos.

Ainda no tocante às Defensorias nos Estados, três situações foram enfrentadas em


diversas ocasiões pelo STF: sua subordinação ao Executivo, e.g., via Secretaria de Justiça, a
obrigação de celebração de Convênio com a OAB com a adoção massiva de advogados dativos
em vez de Defensores concursados, e a atribuição da defesa de servidor que viesse a ser
processado em razão do regular exercício do cargo. Todas as situações foram reputadas
inconstitucionais, por violação à independência funcional do órgão ou confusão com o papel da
Advocacia Pública.

Por fim, é digna de nota a discussão quanto à legitimidade da Defensoria para a tutela
coletiva. A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) ajuizou ADIN
contra alteração da Lei da Ação Civil Pública que previu tal legitimidade, sob argumento de que
haveria afetação direta das atribuições do MP e afronta à função constitucional da Defensoria,
uma vez que nesse tipo de ação não seria possível garantir o benefício apenas de pessoas
carentes. Pediu, então, que a alteração fosse declarada inconstitucional ou que fosse aplicada
interpretação conforme para limitar a atuação da Defensoria aos casos de direitos individuais
homogêneos em que fosse possível identificar a presença de pessoas economicamente
hipossuficientes.

199
O STF entendeu que não havia inconstitucionalidade, sendo a lei compatível com o
texto originário da Constituição e tendo isso ficado ainda mais claro com a EC 80/14, que alterou
o art. 134 da CF para incluir expressamente a defesa dos direitos coletivos entre as atribuições
da Defensoria. Assim sendo, a Defensoria pode manejar ação civil pública para a defesa de
interesses difusos e coletivos em sentido estrito, não sendo necessário que a totalidade dos
beneficiados seja hipossuficiente, até mesmo por conta da indivisibilidade desse tipo de direito
(e.g. tutela do meio ambiente). No caso de direitos individuais homogêneos, a eficácia da
decisão seria um pouco mais restrita, porquanto somente poderia ser executada por aqueles
que comprovassem a necessidade econômica.

Ampliando ainda mais esse entendimento do STF, o STJ, alterando decisão exarada um
ano e meio antes, julgou que a Defensoria teria legitimidade para propor ação civil pública em
defesa de consumidores idosos (logo, direito individual homogêneo) que tiveram plano de
saúde reajustado em razão da mudança de faixa etária (EREsp, Corte Especial, Min. Laurita Vaz,
2015). A ampliação mencionada decorreu do entendimento alargado da expressão
“necessitados” do art. 134, caput, da Constituição, para incluir ao lado dos carentes de recursos
financeiros os hipervulneráveis, ou seja, os necessitados jurídicos, que demandam proteção
estatal mesmo que disponham de recursos econômicos, como os socialmente estigmatizados,
as crianças, os idosos, as gerações futuras, etc.

18.DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS


18.1 Defesa do Estado e das instituiçõ es democráticas. Estado de defesa. Estado de sı ́tio. Papel
constitucional das Forças Armadas. (8.c)
18.2 Segurança Pública na Constituição. O papel das instituiçõ es policiais. (9.c)

8C. Defesa do Estado e das instituições democráticas. Estado de defesa. Estado de sítio. Papel
constitucional das Forças Armadas.

André Bica

I. Defesa do Estado e das instituições democráticas

A Constituição de 1988 trouxe dois grupos: um voltado para fornecer instrumentos


(medidas excepcionais) para manutenção ou restabelecimento da ordem em momentos de
anormalidade, e, com isso, configurou o sistema constitucional de crises, composto tanto pelo
estado de defesa quanto pelo estado de sítio; assim como se preocupou em institucionalizar a
defesa do país por meio das forças armadas e da segurança pública. Em monografia
especializada, Aricê Moacyr Amaral Santos identificou que o sistema constitucional de crise é
amparado por um conjunto de princípios, com destaque para a excepcionalidade, a
necessidade, a temporalidade, a obediência estrita à Constituição e o controle político/judicial.
A Constituição não pode ser emendada na vigência de estado de sítio, de estado de defesa ou
de intervenção federal (CRFB/88, art. 60, §1º).

II. Estado de defesa

O estado de defesa é uma medida excepcional menos gravosa que o estado de sítio,
decretada pelo Presidente da República com posterior aprovação do Congresso Nacional, para
preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública
ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por
calamidades de grandes proporções na natureza.

200
Procedimento. A determinação do estado de defesa tem seu ato de instauração por
iniciativa e titularidade do Presidente da República, que determina que sejam ouvidos o
Conselho da República e o Conselho de Defesa (manifestações meramente opinativas).

Se o decretar, o ato deverá ser submetido ao Congresso em 24 hs (em caso de recesso,


deverá ser convocado em 5 dias para se reunir). Na sequência, o Parlamento terá 10 dias para
votar a medida, cuja aprovação requer maioria absoluta de seus membros. Se não aprovada, a
medida tem de ser cessada imediatamente, sob pena de o Presidente ser responsabilizado (crime
de responsabilidade). O estado de defesa terá duração de no máximo 30 dias, que podem ser
prorrogados uma vez por igual período. A prorrogação deverá ser submetida ao Congresso. Não
resolvida a situação, é possível a utilização do remédio mais gravoso (estado de sítio).

O estado de defesa não tem abrangência nacional, e, sim, restrita a logradouros


especificados pelo decreto presidencial. Poderá haver medidas restritivas de direito de (a)
reunião; (b) sigilo de correspondência; (c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica. Poderá
haver, ainda, ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade,
bem como prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida e que será
por este comunicada imediatamente ao juiz, vedada a incomunicabilidade.

III. Estado de sítio

O estado de sítio é medida mais gravosa, cabível em situações (i) que acarretam grave
comoção nacional ou quando as medidas assumidas no estado de defesa se mostraram
insuficientes ou inadequadas; (ii) declaração de estado de guerra ou resposta a agressão
armada estrangeira, ou mesmo quando for detectado. O Presidente dependerá de autorização
prévia do Congresso.

Procedimento. Após ouvir os Conselhos da República e de Defesa Nacional, o Presidente


enviará solicitação fundamentada ao Congresso, para manifestar-se pela maioria absoluta de
seus membros. O decreto presidencial deverá trazer a duração do estado de sítio (máximo de 30
dias prorrogáveis por no máximo 30 dias nos casos do item I, na hipótese de guerra o estado de
sítio pode ser decretado durante todo o período da guerra ou agressão), as medidas necessárias
à sua execução e as garantias constitucionais que deverão estar suspensas. Após a publicação
do decreto, o Presidente da República irá designar o executor das medidas e as áreas abrangidas
(é possível abrangência nacional). Toda prorrogação depende de autorização do Congresso.

Certos direitos e garantias podem sofrer restrições, v.g., (a) obrigação de permanência
em localidade determinada; (b) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados
por crimes comuns; (c) restrições relativas à inviolabilidade de correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão,
na forma da lei; (d) suspensão de liberdade de reunião; (e) busca e apreensão em domicílio; (f)
intervenção nas empresas de serviços públicos; (g) requisição de bens. Apenas no estado de sítio
as imunidades parlamentares podem ser relativamente suspensas, observados os requisitos
constitucionais. (art. 53,§8o da CRFB/88).16

IV. Papel constitucional das Forças Armadas

I. Nota pública PFDC 2017 – Duprat (contexto de declaração de General sobre possível
intervenção militar):

16
Art. 53, § 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser
suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto
do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.

201
“As Forças Armadas brasileiras – constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica – são instituições integrantes do arcabouço constitucional de promoção e
proteção do Estado Democrático de Direito. Subordinadas à autoridade suprema do Presidente
da República, receberam da Constituição Federal a função de defesa da Pátria, garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Além dessas três funções constitucionais, as Forças Armadas receberam da Lei


Complementar nº 97, de 1999, a atribuição de missões subsidiárias, compatíveis com a sua
missão constitucional e respectivas capacidades técnicas, tais como participação em operações
de paz, cooperação com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, reforço à polícia de
fronteira, promoção da segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em
missões oficiais, ordenação da segurança marítima e do espaço aéreo, dentre outras.

As Forças Armadas, em qualquer caso, são integral e plenamente subordinadas ao


Poder Civil, e seu emprego na defesa internacional da Pátria ou em operações de paz, assim
como em atuações internas de garantia dos poderes constituídos ou da lei e da ordem, depende
sempre de decisão do Presidente da República, que a adota por iniciativa própria ou em
atendimento a pedido dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da
Câmara dos Deputados (Lei Complementar nº 97/1999, art. 15, caput e § 1º).

Não há no ordenamento jurídico brasileiro hipótese de intervenção autônoma das


Forças Armadas, em situação externa ou interna, independentemente de sua gravidade. Nem
mesmo em situações de exceção constitucional, como o Estado de Sítio ou o Estado de Defesa,
as Forças Armadas podem assumir um papel fora de seus limites constitucionais. A postulação
de existência de um poder de intervenção militar por iniciativa própria, em qualquer
circunstância, arrostaria a Constituição, que definiu essa iniciativa como crime inafiançável e
imprescritível contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, XLIV).

A conformação das Forças Armadas nos termos do artigo 142 da Constituição é uma
conquista democrática e expurga do cenário brasileiro o risco de golpes institucionais. O papel
desempenhado nas últimas décadas pelas Forças Armadas tem notoriamente reforçado a
consolidação do Estado Democrático de Direito e é incompatível com a valorização do período
passado no qual o País enveredou pelo regime ditatorial e a violação de direitos humanos”.

A organização militar tem por base a hierarquia e a disciplina, sob autoridade e comando
supremo do Presidente da República, que tem a atribuição constitucional de nomear seus
comandantes, além de promover os oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são
privativos. As punições disciplinares não estão sujeitas a habeas corpus no que concerne aos
aspectos materiais (de mérito), restringindo-se o cabimento do writ aos questionamentos de
natureza formal.

9C. Segurança Pública na Constituição. O papel das instituições policiais.

Graal Oral 28º CPR

Segurança pública é a manutenção da ordem pública interna do Estado. A ordem pública


interna é o inverso da desordem, do caos, desarmonia social. Ao contrário das Cartas
anteriores17, a Constituição de 1988 lhe destinou capítulo específico (art. 144), em que a consta

17
Constituições de 1891 e 1824 eram omissas. As Constituições de 1934, no seu art. 159 e a de 1937, no seu Art. 162, especificavam
o seguinte: "Todas as questões relativas à Segurança Nacional serão estudadas e coordenadas pelo Conselho Superior de Segurança
Nacional e pelos órgãos especiais criados para atender às necessidades da mobilização.. A Constituição de 1946, no seu Art. 1 79
especificava que: "Os problemas relativos à defesa do país serão estudados pelo Conselho de Segurança Nacional pelos órgãos

202
como “dever do Estado” e como “direito e responsabilidade de todos”, com finalidade na
“preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.
Por essa razão, as políticas públicas de segurança pública deve se harmonizar com o
princípio republicano e democrático, com os direitos fundamentais e com a dignidade da pessoa
humana. O art. 5º, caput, da CRFB eleva a segurança à condição de direito fundamental, que,
como os demais listados, devem ser universal,18 igual, não seletivo e não sujeitos ao retrocesso
social; e passível de atuação jurisdicional nas políticas públicas de segurança. É implementada por
meio da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias
militares e corpo de bombeiros.
Desde o contratualismo dos séculos XVII e XVIII, preservar a “ordem pública” e a
“incolumidade das pessoas e do patrimônio” é a função primordial que justifica a própria
instituição do poder estatal. Na Era Moderna, a segurança era o elemento mais básico de
legitimação do Estado, o mínimo que se esperava da política. Na retórica novecentista do laissez
faire, a segurança chegava a ser concebida como a única função do Estado “guarda-noturno”
(Estado “Gendarme”). O Estado Social não só mantém a preocupação central com a segurança
pública, como amplia o seu escopo, concebendo-a como “segurança social” contra os
infortúnios da própria economia de mercado.
Atividades policiais: O texto constitucional de 1988 faz referência a seis modalidades,
nas respectivas funções:
a) a polícia ostensiva: prevenir e de reprimir de forma imediata a prática de delitos19; b) a polícia
de investigação: realiza investigação criminal20; c) polícia judiciária: executar as diligências
solicitadas pelos órgãos judiciais; d) polícia de fronteiras, marítima, aeroportuária: controle do
fluxo de pessoas e de bens.21
Órgãos: plano federal: a) a Polícia Federal22, b) a Polícia Rodoviária Federal e c) a Polícia
Ferroviária Federal23; Estadual: Polícia Civil, Polícia Militar e Corpos de bombeiros militares
(incêndios e defesa civil).
Rol de órgãos policiais: o rol do art. 144 é taxativo. Aos Estados é vedado atribuir função
policial, por exemplo, ao departamento policial ou criar polícia penitenciária.24 As polícias
militares e o corpos de bombeiros militares são forças auxiliares e reserva do Exército, sendo
subordinados, juntamente com a polícias civis, aos Governadores dos Estados, do DF e dos
Territórios, aos quais compete a direção administrativa, financeira e funcional da polícia.
Limitação das Forças Armadas: A Constituição não prevê sua participação. Segundo
Alexandre de Moraes, a multiplicidade dos órgãos de defesa da segurança pública, pela nova
Constituição, teve dupla finalidade: atendimento aos reclamos sociais e a redução da

especiais das Forças Armadas incumbidos de prepará-las para a mobilização e as operações militares.". A Constituição de 1967, Art.
89 e a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, Art. 86 dizia que: "Toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela Segurança
Nacional, nos limites definidos em lei”.
18
Por ser um serviço universal, inespecífico e indivisível, seu financiamento deve ser por impostos, não por taxas (ADI nº 2.424-
STF).
19
A atividade de polícia ostensiva é desempenhada, em geral, pelas polícias militares estaduais (CF, art. 144, §5º)Mas o
patrulhamento ostensivo das rodovias e ferrovias federais deve ser realizado, respectivamente, pela Polícia Rodoviária Federal (art.
144, §2º) e pela Polícia Ferroviária Federal (art. 144, §3º).
20
A função é confiada às polícias civis estaduais e à Polícia Federal, no que se refere aos crimes comuns (art. 144, §1º, I, e §4º). 20
Todas exercidas pela Polícia Federal.
21
Todas exercidas pela Polícia Federal.
22
“Art. 144 § 1º: A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em
carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da
União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas
respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com
exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.”(Para ELA WIECKO a polícia estadual não pode investigar crime feder al, mas
o contrário é possível – vide questão 113 da prova objetiva do 24CPR)
23
Patrulhamento ostensivo de rodovias e ferrovias federais, respectivamente.
24
STF: ADI nº 1.182, Rel. Min. Eros Grau, DJ 10 03. 2006; ADI nº 236, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 01.06 2001. No entanto, isso não
impede os Estados de instituírem órgão de coordenação de políticas de segurança.

203
possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança interna. Pela interpretação
sistemática dos arts. 142 e 144 e outros dispositivos, conclui-se que a atuação das Forças
Armadas nas políticas de segurança está limitada às seguintes circunstâncias excepcionais: a)
estado de defesa (art. 136); b) estado de sítio (art. 137); c) intervenção federal(art. 34, III); d)
realização de investigações criminais no âmbito de inquérito policial militar (artigos 7º e 8º, b, do
Código de Processo Penal Militar (CPPM); e) operações de policiamento ostensivo no interesse
nacional, em casos de visitas de chefes de estados estrangeiros(no art. 5º do Decreto nº
3.897/2001)25; f) ações de policiamento ostensivo por solicitação do Governador de Estado,
quando os meios no Estado se mostrarem indisponíveis, inexistentes ou insuficientes (LC nº
97/1999, art. 15, §2)º26. Destinação constitucional principal: a defesa da soberania territorial, e
de forma subsidiária, a defesa da lei e da ordem.
Guardas municipais:. Não são órgãos policiais. Possuem a função de guarda patrimonial,
destinam-se à proteção dos bens, serviços e instalações dos Municípios sem a possibilidade de
exercício das funções de polícia ostensiva ou judiciária. Além dessa prerrogativa, os municípios
podem atuar na segurança pública por meio de restrições administrativas: horário de
fechamento de bares e restaurantes ou espaços de venda de bebidas alcoólicas, por exemplo.
Segurança viária: A EC 82/2014 incluiu o §10 no artigo 144, dispondo que: “§ 10. A
segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do seu patrimônio nas vias públicas: I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de
trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à
mobilidade urbana eficiente; e II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito,
estruturados em Carreira, na forma da lei.” A expressão “segurança viária” refere-se ao conjunto
de ações destinadas a proteger a integridade física e patrimonial das pessoas que utilizam as
vias públicas.
Participação popular: por ser “direito e responsabilidade de todos”, a sociedade pode
participar na formulação e no controle da gestão das políticas de segurança. É o que acontece,
por exemplo, nos conselhos de segurança pública.
O tema no Supremo: “O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível,
garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de
criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. É possível ao Poder
Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas
constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder
discricionário do Poder Executivo.” (RE 559.646-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 7-6-
2011, Segunda Turma, DJE de 24-6-2011);

25
“Art. 5º- O emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, que deverá ser episódico, em área previamente definida
e ter a menor duração possível, abrange, ademais da hipótese objeto dos arts. 3º e 4º, outras em que se presuma ser possível a
perturbação da ordem, tais como as relativas a eventos oficiais ou públicos, particularmente os que contem com a participação de
Chefe de Estado, ou de Governo, estrangeiro, e à realização de pleitos eleitorais, nesse caso quando solicitado. Parágrafo único. Nas
situações de que trata este artigo, as Forças Armadas atuarão em articulação com as autoridades locais, adotando-se, inclusive, o
procedimento previsto no art. 4º.”
26
“§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais,
ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.”
Essa hipótese tem sua constitucionalidade questionada por alguns juristas. Segundo Barroso (2007) a atuação das Forças Armadas
nas ações de segurança deve ser interpretada de forma restritiva. A LC 97/1999, art. 15, não prevê o controle pelo Poder Legislativa,
tal como para os casos os casos de estado de defesa, estado de sítio e intervenção federal. Por essa razão, significa permitir
medidas excepcionais sem observâncias de restrições constitucionais definidas e sem adoção de veículos formais adequados.(
BARROSO, Luís Roberto. Forças Armadas e ações de segurança pública: possibilidades e limites à luz da Constituição, Revista de
Direito do Estado, v.2 n. 7, 2007). O Ministro Lewandowski (2004,pag.4), quando então desembargador do TJ/SP, em entrevista,
disse que o emprego das Forças Armadas deve se limitar às hipóteses de decretação de estado de defesa, estado de sítio e
intervenção federal: “A utilização das Forças Armadas para combater a violência urbana, em caráter permanente, é, portanto,
inconstitucional, embora seja lícito o seu emprego temporário e limitado, em situações de emergência, claramente caracterizadas.
A decisão, entretanto, subordina-se ao prudente arbítrio do Presidente da República, que deverá buscar o respaldo do Legislativo,
assim que possível, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade. (...) Não se pode esquecer que a função primordial da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica, segundo o texto constitucional, é assegurar a defesa da Pátria. A rigor, só quando os
órgãos constitucionalmente responsáveis pela preservação da lei e da ordem entrarem em colapso é que as Forças Armadas poderão
incumbir-se da tarefa”. (Forças Armadas no combate à violência, RT Informa, n. 31, maio-jun., 2004, p.4).

204
“Lei 18.721/2010 do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre o fornecimento de
informações por concessionária de telefonia fixa e móvel para fins de segurança pública.
Competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações. Violação ao art. 22, IV, da
Constituição. Precedentes." (ADI 4.401-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23-6-
2010, Plenário, DJE de 1º-10-2010). Vide: ADI 4.369-MC-REF, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 23-6-2010,Plenário, DJE de 4-5-2011.
Órgão Policial do Senado brasileiro: com as a seguintes atribuições: a segurança do
Presidente do Senado Federal, em qualquer localidade do território nacional e no exterior; a
segurança dos Senadores e autoridades brasileiras e estrangeiras, nas dependências sob a
responsabilidade do Senado Federal; a segurança dos Senadores e de servidores em qualquer
localidade do território nacional e no exterior, quando determinado pelo Presidente do Senado
Federal; o policiamento nas dependências do Senado Federal; o apoio à Corregedoria do Senado
Federal; as de revista, busca e apreensão; as de inteligência; as de registro e de administração
inerentes à Polícia; as de investigação e de inquérito.
Órgão da Câmara dos Deputados: responsável por exercer as funções de polícia judiciária
e apuração de infrações penais, com exclusão das que mantiverem relação de subsidiariedade,
conexão ou continência com outra cometida fora das dependências da Câmara dos Deputados,
além das atividades de polícia ostensiva e preservação da ordem e do patrimônio, nos edifícios
da Câmara dos Deputados e em suas dependências externas; efetuar a segurança do Presidente
da Câmara dos Deputados em qualquer localidade do território nacional e no exterior; efetuar a
segurança dos Deputados Federais, servidores e quaisquer pessoas que eventualmente
estiverem a serviço da Câmara dos Deputados, em qualquer localidade do território nacional e
no exterior, quando assim determinado pelo Presidente da Câmara dos Deputados; atuar como
órgão de apoio à Corregedoria da Câmara dos Deputados, sempre que solicitado; planejar,
coordenar e executar planos de segurança física dos Deputados Federais e demais autoridades
que estiverem nas dependências da Câmara dos Deputados.
Força Nacional de Segurança Pública (FNSP): criada em 2004 e localizada no entorno do
Distrito Federal, no município de Luziânia, é um programa de cooperação de Segurança Pública
brasileiro, coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Ministério
da Justiça (MJ). É um órgão que foi criado durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, idealizado pelo Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.
Polícia das Forças Armadas: Polícia do Exército (Brasil), Polícia da Aeronáutica e
Companhia de Polícia do Batalhão Naval. Polícia do Exército (PE) - constituída de unidades de
infantaria às quais compete assegurar o respeito à Lei e ordem, bem como o cumprimento dos
regulamentos militares. Polícia da Aeronáutica (PA) - integra os Batalhões de Infantaria da
Aeronáutica Especiais (BINFAE) e possui as mesmas atribuições da Polícia do Exército no âmbito
da Força Aérea Brasileira. Companhia de Polícia do Batalhão Naval - Exerce as mesmas
atribuições das organizações policiais do Exército e da Força Aérea no âmbito da Marinha de
Guerra.
Lei n.° 13.060/2014: disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos
agentes de segurança pública. Âmbito federal: tema já era tratado, de forma mais detalhada,
pela Portaria Interministerial 4226/2010, que vinculava o Departamento de Polícia Federal, o
Departamento de Polícia Rodoviária Federal, o Departamento Penitenciário Nacional e a Força
Nacional de Segurança Pública. Algumas das regras da portaria passaram ao status de lei,
valendo para todos os órgãos de segurança pública do país, incluindo polícias civis e militares dos
Estados-membros.
O uso subsidiário e moderado da força por órgãos de segurança pública é também tratado
nos seguintes documentos internacionais: I) Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua
Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979; II) Princípios orientadores para a Aplicação
Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados
pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas na sua resolução 1989/61, de 24 de maio
de 1989; III) Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários

205
Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a
Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de
Agosto a 7 de setembro de 1999; IV) Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua
XL Sessão, realizada em Nova York em 10 de dezembro de 1984 e promulgada pelo Decreto nº
40, de 15 de fevereiro de 1991.
Principal regra da Lei 13.060/2014: uso prioritário de instrumentos de menor potencial
ofensivo (IMPO). Art. 2o.
Vedação do uso de arma de fogo: Não é legítimo o uso de arma de fogo: I - contra pessoa
em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos
agentes de segurança pública ou a terceiros; e II - contra veículo que desrespeite bloqueio
policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de
segurança pública ou a terceiros (art. 2o, p.u.).

19. FINANÇAS PÚBLICAS


19.1 Finanças públicas na Constituição. Normas orçamentárias na Constituição. (20.a)
19.2 Orçamento público: controle social, polı ́tico e jurisdicional. (18.a)

20A. Finanças Públicas na Constituição. Normas Orçamentárias na Constituição.


FONTES: Material do grupo MPF LEVADO À SÉRIO; Santo Graal 28CPR. LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro (6 ed, 2017).
FURTADO, J. R. Caldas. Elementos de Direito Financeiro (2009).
Atualizado por Felipe Fróes, em 06/09/2018

A disciplina jurídica das finanças públicas traz regras sobre toda a atividade financeira do Estado,
que abrange captação de recursos públicos, gestão das contas públicas e realização dos gastos.
Tudo isso com vistas à concretização de direitos fundamentais, tomados em sua dimensão
individual e transindividual. LEITE diz que “a atividade financeira do Estado é um instrumento
para a realização do próprio fim estatal” (atendimento das necessidades públicas). Na CRFB/88,
o assunto é tratado de forma expressa no Título VI (Da Tributação e do Orçamento), Capítulo II
(Das Finanças Públicas). A Constituição determina que os seguintes temas sejam reservados à
lei complementar: finanças públicas (LC 101/00); dívida pública externa e interna, incluída a das
autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público (L 8.383/91);
concessão de garantias pelas entidades públicas; emissão e resgate de títulos da dívida pública
(art. 34, § 2º, I, ADCT); fiscalização das instituições financeiras (L. 4595/64); fiscalização
financeira da administração pública direta e indireta (L. 4595/64); operações de câmbio
realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (L
4131/62, DL 9205/46 e DL 9602/46); compatibilização das funções das instituições oficiais de
crédito da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas
ao desenvolvimento regional (LC 101/00 e L. 4595/64). Determina também que a emissão de
moedas é competência da União, exclusivamente pelo Banco Central (art. 164, CRFB). Ao Banco
Central, por sua vez, é vedado conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro
Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira. Por outro lado,
há a possibilidade de comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo
de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros; o Banco Central é depositário das
disponibilidades de caixa da União (§§ 1º, 2º, e 3º, do art. 164, da CRFB).
Segundo o STF, nem os Estados nem o Poder Judiciário possuem legitimidade para apresentar
projeto de lei que trate da destinação dos rendimentos oriundos das contas de depósitos
judiciais. Trata-se de matéria de competência exclusiva da União (direito processual).
Orçamento é, basicamente, o instrumento de planejamento da gestão patrimonial e da
alocação de recursos públicos (Gilmar Mendes, pg. 1511). São três leis que compõem o
orçamento, mas a ideia de orçamento é UNA: I) PPA (4 anos); II) LDO (1 ano); III) LOA (1 ano).
Elaborar o orçamento significa planejar. Essas três leis são ordinárias e temporárias e deveriam

206
ser elaboradas de acordo com LC geral que iria auxiliar todos os entes federativos (art. 165, §9°,
CR/88). São elaboradas de forma harmônica, regidos pelo princípio da unidade, integrando-se
finalisticamente. Os prazos para envio estão no art. 35, §2°, ADCT: PPA (agosto do primeiro
exercício financeiro), LDO (abril de cada ano) e LOA (agosto de cada ano). Os prazos para Estados
e Municípios podem ser definidos nas Constituições Estaduais ou Leis Orgânicas,
respectivamente. O processo legislativo das leis orçamentárias é tratado no art. 166 da CRFB/88.
A iniciativa das leis é do chefe do executivo. Os projetos serão examinados pelas duas Casas do
Congresso Nacional, sendo cada projeto examinado por Comissão mista permanente de
Deputados e Senadores (art. 166, § 1º). As emendas aos projetos serão apresentadas na
Comissão Mista (art. 166, § 2º), que emitirá parecer, cabendo sua apreciação ao plenário das
duas Casas do Congresso Nacional. As emendas à LOA devem ser compatíveis com o projeto do
PPA e LDO. Devem também indicar os recursos necessários à sua implementação. Esses recursos
não podem ser provenientes da anulação de dotações com pessoal, serviços da dívida e
transferências tributárias constitucionais para os demais entes da Federação. O Presidente da
República poderá enviar mensagem ao Congresso propondo modificações nos projetos
enquanto não iniciada a votação na Comissão mista, da parte que se pretende alterar.

PPA (Plano Plurianual) LDO (Lei de Diretrizes LOA (Lei Orçamentária Anual)
Orçamentárias)
Estabelece as grandes metas É um pouco mais concreta, Estabelece a programação de
e prioridades/objetivos da pois irá estabelecer as metas receitas e despesas, ou seja,
administração pelos e objetivos pelo prazo de um quanto de dinheiro o ente
próximos quatro anos. É uma ano. Ou seja, dirá como poderá ou não ter para
lei bastante abstrata. realizará as metas do PPA realizar as metas e
naquele ano (pelo período de prioridades, pelo período de
um ano). um ano.

A LDO terá dois anexos, chamados de anexo de metas fiscais, onde irá estabelecer metas
relativas à receitas, despesas e resultado, outras sobre endividamento (como está a situação da
dívida pública) e anexo de riscos fiscais, que é reserva de contingência apta a suportar gastos
oriundos de imprevisibilidades (esse anexo pode ser considerado uma exceção ao princípio da
especificação, pois o orçamento, aqui reservado, não terá finalidade específica, até ser
necessário). A LOA, por sua vez é dividida em: a) orçamento fiscal: gasto governamental; b)
orçamento de investimento das empresas estatais: aporte de capitais (aumento de participação
acionária); e c) orçamento da seguridade social: RPPS (Regime Próprio de Previdência Social) e
INSS, neste caso, apenas relacionado ao déficit.
Quanto ao aspecto jurídico, LEITE ressalta que orçamento é lei e traça o plano de trabalho para
determinado exercício financeiro. Ainda sobre a natureza jurídica, o autor aponta três
posicionamentos na doutrina. Para León Diguit, o orçamento seria um mero ato administrativo
em relação às despesas e uma lei em sentido formal em relação às receitas. Para Gaston Jèze, o
orçamento não passa de um ato-condição para realização do gasto e ingresso da receita
(receitas e despesas possuem outras normas prevendo sua criação). Para a terceira corrente
(majoritária no Brasil e no STF), o orçamento é lei formal que autoriza a receita e prevê o gasto,
mas não é dotada de generalidade e abstração (é meramente autorizativa e não impositiva).
Há, ainda, uma corrente minoritária (FURTADO), para a qual o orçamento teria natureza jurídica
material, pois é expressão da vontade democrática popular (o Ministro Marco Aurélio
manifestou entendimento nesse sentido na ADI 4663). Ademais, o STF admite o controle
concentrado de constitucionalidade sobre leis orçamentárias (ADI 4048 e 4049),
independentemente da natureza geral ou abstrata dessas normas (o caso enfrentado dizia
respeito a medidas provisórias que não atenderam às hipóteses previstas para a abertura de
créditos extraordinários).
A EC 86/2015 alterou parcialmente esse cenário, pois tornou obrigatória (impositiva) a
execução do orçamento referente às emendas individuais ao projeto de lei orçamentária no

207
limite de 1,2% da receita corrente líquida prevista no projeto, desde que metade do percentual
corresponda a ações e serviços públicos de saúde. Somente não haverá obrigatoriedade por
impedimento de ordem técnica. Sobre o assunto, ressalte-se, ainda, a EC 95/2016 (“PEC do teto
de gastos públicos”), que desvinculou o montante destinado às emendas impositivas da receita
corrente líquida, passando a ter como critério desde 2018 o montante destinado ao exercício
anterior corrigido pela inflação (IPCA).
VEDAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ORÇAMENTÁRIOS PREVISTOS
NA CR/88:
a) Exclusividade em matéria orçamentária (art. 165, §8°, CRFB/88): orçamento não pode conter
dispositivo estranho à fixação de despesa e previsão de receita e não pode comportar caudas
orçamentárias (dispositivo de lei material) - "orçamento rabilongo" -, exceções ao princípio da
exclusividade: autorização dirigida ao chefe do executivo para que ele possa abrir por decreto,
crédito suplementar, e autorização para contratação de operações de crédito.
b) Especialidade/Especialização: orçamentos devem especificar e discriminar os créditos, os
órgãos a que se destinam e o tempo em que deve realizar as despesas. Espécies: I) quantitativa
(art. 167, VII, CRFB/88): determina a fixação do montante de gastos, proibindo a concessão e a
utilização de créditos ilimitados. II) qualitativa (art. 5, c/c art. 15, §1° c/c art. 20, parágrafo único,
Lei 4320/64): esta recomenda a vinculação dos créditos aos órgãos públicos, as rubricas
orçamentárias devem ser especificadas de acordo com sua natureza. III) temporal (art. 167, §2°,
CRFB/88): limita a vigência dos créditos especiais e extraordinários ao exercício financeiro a que
forem autorizados, salvo se o ato de autorização tiver sido promulgado nos quatro últimos
meses do ano. OBS: veda crédito com finalidade imprecisa ou com dotação ilimitada. Exceção:
Anexo de Riscos Fiscais da LDO
c) Legalidade. Espécies (subprincípios) I) super-legalidade: tem a ver com a supremacia da
constituição, as leis orçamentárias devem se coadunar com as normas constitucionais; II)
reserva de lei: o orçamento deve ser aprovado por meio de lei formal; III) primado da lei: o poder
regulamentar da administração pública só se pode manifestar nos espaços deixados pelo
legislador quando aprova os orçamentos.
d) Não vinculação de imposto a fundo, órgão ou despesa (art. 167, IV, CR/88): em regra, a receita
dos impostos é destinada a custear os serviços uti universi. Exceções: reparticição constitucional
da receita dos impostos; vinculação de recursos para ensino, fundo de combate a erradicação
da pobreza, para realização de atividades da administração tributária, para a prestação de
garantias às operações de crédito em antecipação de receitas e financiamento de precatórios
(EC 94/2016). É possível vincular receitas de taxas e contribuições de melhoria. OBS: Lembrar
da DRU - Desvinculação de Recursos da União - art. 76, ADCT (prorrogada até 31/12/2023 pela
EC 93/2016).
e) Universalidade (art. 165, §5°, CR/88): todas as receitas e todas as despesas devem estar
previstas na lei orçamentária. Exceção: os tributos que podem ser cobrados de um ano para
outro, sem que estejam previstos na lei orçamentária, pois para eles vigoram a anterioridade
(vide súmula 66, STF).
f) Anualidade: para cada ano deve haver um orçamento, permite o controle. Não se confunde
com a anualidade tributária, não mais presente no sistema brasileiro.
g) Unidade (art. 165, §5°, CR/88): a peça orçamentária deve ser única e uma só, contendo todos
os gastos e receitas, cuida-se de princípio formal, isto é, o documento é único.
h) Superioridade e Indisponibilidade do Interesse Público na Atividade Arrecadatória de
Tributos. Significa que esta superioridade prevalece sempre, a não ser que exista um interesse
individual que se oponha a este interesse.
i) Transparência. Decorrência direta da publicidade e, portanto, relaciona-se também com a
fiscalização — se as receitas estão sendo bem aplicadas.
j) Proibição de estorno. A ações governamentais não podem ser reorganizadas mediante
transposição, remanejamento e transferência de recursos sem prévia autorização legislativa.
DISPONIBILIDADE DE RECURSOS A ÓRGÃOS DOTADOS DE AUTONOMIA (art. 168, CR/88): serão
entregues no dia 20 de cada mês por duodécimos. LIMITES COM DESPESA DE PESSOAL (art. 169,

208
CR/88 com alteração pela EC/19 – reforma administrativa- e art. 19, LC 101/00): a soma dos
gastos de pessoal de cada ente federativo deve ser ater aos limites estabelecidos em LC
(LC101/00), art. 19 e 20. art. 20 LRF = estabelece a repartição dos limites globais, através de
percentuais que deverão ser repartidos entre os Poderes Públicos e seus órgãos. ADI 4426, ADI
4356: Lei ordinária de iniciativa exclusiva do Poder Executivo não pode fixar limites de execução
orçamentária ao Poder Judiciário e ao Ministério Público sem nenhuma participação destes, por
implicar indevida interferência sobre a gestão orçamentária desses órgãos autônomos (CF, arts.
2º, 99, §1º e 127, §§2º e 3º).
A cobrança de multa imposta por Tribunal de Contas estadual à autoridade municipal deve ser
feita pelo Estado membro que mantém a corte, por meio de seus representantes judiciais.
Diferentemente, se há condenação de ressarcimento ao erário a titularidade do crédito será do
próprio ente público prejudicado (STJ, AgInt no REsp 1618830/MG). Prevalece que o Ministério
Público não possui legitimidade (AgInt no AREsp 917201 / MA).

18A. Orçamento público: controle social, político e jurisdicional.

Graal Oral 28º CPR

LEGISLAÇÃO BÁSICA: CF: Art. 5º, 7º, 165/167, 203, 227 Lei n. 8.142/90; LRF; Lei 7.853/89;
Decreto 3.298/99; Lei 8.112/90; Lei 8.213/91; Loas; Lei 10.098/00; Lei 10.216/01; Lei 8.899/94;
Lei 9.868/99.
NOÇÕES GERAIS: Em uma democracia, a ideia essencial é que as decisões políticas mais
importantes sejam tomadas pelo próprio povo ou seus representantes. Tais decisões envolvem
o dilema entre necessidades infinitas e recursos escassos. Em especial, a implementação de
políticas sociais demandam custos, razão pela qual é preciso contextualizar o tema da
efetividade destes direitos à luz dos problemas orçamentários. A escassez moderada de recursos
é um fato da vida que não pode ser ignorado, motivo pelo qual é possível o argumento da reserva
do possível, conquanto seja patente a possibilidade do judiciário controlar excessos (ex:
invertendo o ônus da prova - REsp 764.085). Temos aqui uma questão de dosagem, uma vez que
ao princípio majoritário se impõem limites (ex: proteção às minorias, garantia de direitos
básicos), mas o exagero na intervenção externa ao Legislativo pode revelar-se antidemocrático,
por cercear além da razoabilidade o poder do povo de se autogovernar.
ORÇAMENTO: O orçamento é instrumento de planejamento (intervenção indireta/função
planejadora determinante para o setor público e indicativa para o setor privado), e é o local por
excelência para a realização de escolhas trágicas, tanto no que toca às fontes de financiamento
dos direitos sociais, quanto no que se refere às prioridades de gastos. . Orçamento prevê receitas
e autoriza gastos, sendo meramente autorizativo no Brasil. O orçamento é instrumento de
intervenção do Estado na economia, por meio do qual o Estado exerce função planejadora (art.
174 da CF), determinante para o setor público e indicativa para o setor privado. Além disso, o
orçamento é instrumento poderoso para a realização das atividades redistributivas do Estado,
concretizando princípios tributários de equidade como a progressividade fiscal e as imunidades,
na medida em que destina as verbas arrecadadas aos mais pobres. Na sistemática orçamentária
constitucional (PPA, LDO e LOA), destaca-se o orçamento da seguridade social, que integra
finalisticamente a LOA (princípio da unidade orçamentária, art. 165, § 5º).
FINANCIAMENTO: As principais fontes de financiamento dos direitos sociais são os
tributos, receitas derivadas e correntes. O financiamento pode se dar de forma direta, por meio
da receita dos impostos que vão para o caixa único de cada ente federativo, ou de forma direita,
por meio das contribuições sociais, de competência da União (art. 149 CF).
DESPESAS, VINCULAÇÃO E DESVINCULAÇÃO: Para garantir a destinação dos recursos
arrecadados para a efetivação dos direitos sociais utiliza-se a técnica da afetação, o que
representa exceção constitucionalmente autorizada (art. 167, IV CF). Sobre os percentuais para
saúde e educação cf. tópicos 19.c e 16.a. Sob o argumento de que a maior parte do orçamento
é engessado pelas vinculações constitucionais e pelas despesas correntes de caráter obrigatório,

209
o que impede o Governo de executar seus programas, criou-se a DRU (desvinculações de
receitas da União), por meio da qual se desvinculam recursos de impostos e contribuições sociais
e de intervenção afetados, no percentual de 20% (art. 76 ADCT). O STF já se manifestou pela sua
constitucionalidade (RE 537.310). A prorrogação da DRU até dezembro de 2015, foi aprovada
em 7 de dezembro de 2011.
CRIAÇÃO DE CRÉDITOS EXTRAORDINÁRIOS POR MEDIDA PROVISÓRIA: Ainda é
majoritário o entendimento de que as leis orçamentárias ainda possuem natureza jurídica de lei
formal, de lei temporária, porque a) não tem densidade normativa; e b) exteriorizam plano de
governo (orçamento programa - planejamento que é determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado e, portanto, não caberia Ação Direta de Inconstitucionalidade em
face destas. Entretanto, ante a evolução doutrinária e os excessos de nossos representantes,
podemos exemplificar com a ADI 4048 MC (Informativo 502 - STF), em que o STF entendeu que
não restavam preenchidos os requisitos da urgência e relevância que autorizariam a criação de
créditos extraordinários, por Medida Provisória.

CONTROLE SOCIAL: A participação popular pode ocorrer através de mecanismos próprios


institucionais ou não.
Indiretamente e institucionalmente, o controle social do orçamento se dá por meio da
comissão mista, composta de deputados e senadores (art. 166, § 1º CF: II - examinar e emitir
parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição
e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da atuação das demais
comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o art. 58.), a quem
cabe exercer o acompanhamento e fiscalização orçamentária.
De forma direta podemos mencionar todos os mecanismos de participação política, como
a presença em audiências públicas, o voto, o direito de petição e de ajuizar ação popular. Para
um exemplo mais específico, podemos citar a participação e controle social institucional nos
Conselhos e Conferências de Saúde, nos termos dos §1º e 2º do art. 1º, Lei n. 8.142/90, ou mesmo
não institucional nas Plenárias Nacionais de Saúde . A LRF foi alterada em 2009 com o intuito de
incentivar a transparência e fomentar a participação popular na gestão fiscal. Há obrigação estatal
de divulgação (inclusive na internet) de diversos documentos fiscais (art. 48 LRF); a faculdade de
participação popular em audiências públicas (art. 48, I); o amplo direito de petição de
informações (art. 48-A).
LRF: Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla
divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de
diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório
Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas
desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante (Redação dada pela Lei
Complementar nº 131, de 2009):
I - incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de
elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; (Incluído pela
Lei Complementar nº 131, de 2009).
II - liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de
informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos
de acesso público; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
III - adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão
mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.
(Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes
da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações
referentes a: (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
I - quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução
da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes

210
ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física
ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório
realizado; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
II - quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras,
inclusive referente a recursos extraordinários. (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

CONTROLE POLÍTICO: O controle político é exercido pelo Poder Legislativo em dois


momentos: na aprovação do orçamento anual e, posteriormente, na análise e aprovação ou não
das contas apresentadas pelo Poder Executivo. Representa verdadeira imposição de limites
sobre a autoridade que tem a incumbência de arrecadar e de gastar os recursos arrecadados da
sociedade.
Nesse aspecto, o controle político tem sua origem no sistema orçamentário da Grã-
Bretanha, instituído, inicialmente, com a preocupação de controlar o poder de arrecadação do
rei. Nesse sentido, o art. 12 da Magna Carta: “Nenhum tributo ou auxílio será instituído no Reino,
senão pelo seu conselho comum, exceto com o fim de resgatar a pessoa do Rei, fazer seu
primogênito cavaleiro e casar sua filha mais velha uma vez, e os auxílios para esse fim serão
razoáveis em seu montante”.
Hodiernamente, e tendo por fundamento o sistema de freios e contrapesos (check and
balance system) o orçamento constitui instrumento utilizado pelo Poder Legislativo (com o
auxílio dos tribunais de contas) para controle político de quanto e em que o Executivo gastará
os recursos públicos.

CONTROLE JURISDICIONAL: A intervenção do Judiciário em questões orçamentárias é


alvo de enorme cizânia doutrinária e jurisprudencial.
Por muitos anos, o Orçamento foi visto como lei de meios, ou como ato administrativo
ligado à atividade discricionária do poder público, sem qualquer força vinculativa quanto à fixação
de despesas e a efetivação dos interesses sociais.
Com a mudança de paradigma do Estado Liberal para o Estado Social, e, principalmente, a
partir das perspectivas do direito constitucional contemporâneo, que estabelece a necessidade
de constitucionalização do direito e máxima efetivação dos direitos fundamentais, o cenário da
lei orçamentária sofre drástica metamorfose: de mera peça de ficção jurídica, o orçamento
passa a ser instrumento fundamental ao exercício democrático da cidadania e à garantia da
dignidade da pessoa humana. Assim, a natureza da lei orçamentária deve ser considerada tanto
no aspecto formal, quanto no material.
Por certo, cabem ao Legislativo e ao Executivo, prioritariamente, a deliberação sobre o
destino dos recursos orçamentários. Todavia, há limites constitucionais formais e materiais à
liberdade de conformação destes poderes, que vinculam determinadas fixações de despesas. A
margem de discricionariedade da Administração, no momento da escolha orçamentária, precisa
estar adstrita aos valores e objetivos constitucionais, sob pena de flagrante
inconstitucionalidade.
Quer se dizer com isso que, em caso de inobservância dos preceitos da Constituição, bem
como de omissão total ou parcial do legislador, o Poder Judiciário estará legitimado a intervir
para preservar a supremacia constitucional.
A intervenção do Judiciário manifesta-se como uma salvaguarda institucional, a fim de
garantir a existência de um modo de vida capaz de respaldar os direitos fundamentais dos
cidadãos.
Nesse sentido, os seguintes acórdãos:
EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA
PROVISÓRIA N° 405, DE 18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. LIMITES
CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA
EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. I. MEDIDA
PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008,
sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual

211
ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na
medida provisória. Precedentes. II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE
NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal
Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos
atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em
abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto.
Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de
constitucionalidade. III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO
PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO
EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da
Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a
abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e
urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art.
62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da
República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação
normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões "guerra", "comoção
interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167,
§ 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e
"calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema
gravidade e de consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa
forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A
leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n° 405/2007
demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão
qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou
um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de
medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários. IV. MEDIDA CAUTELAR
DEFERIDA (ADI 4048 MC, Relator: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
14/05/2008);
ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS
– POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE
EQUIPAMENTOS A HOSPITAL UNIVERSITÁRIO – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO
ESTADO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO-
OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO
EXISTENCIAL. (…) 3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal
foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das
liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social.
Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar
políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como
também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e
velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais. 4. Seria uma distorção pensar que o
princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos
direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos
sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em
matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário
quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos
excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe fora
atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado se
encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada.
(Segunda Turma do STJ, Recurso Especial n. 1041197 – MS)

20. ORDEM ECONÔMICA


20.1 Ordem constitucional econô mica. Princı ́pios constitucionais da ordem econô mica. (21.c)
20.2 Intervenção estatal direta e indireta na economia. (21.c)

212
20.3 Regime Constitucional dos serviços públicos. (21.c)
20.4 Monopólios federais e seu regime constitucional. (21.c)
21.4 Regime constitucional da propriedade. Função socioambiental da propriedade.
Desapropriação e requisição. (13.b)
20.5 Polı ́tica agrária na Constituição. Desapropriação para reforma agrária. (8.b)

21C. Ordem constitucional econômica. Princípios constitucionais da ordem econômica.


Intervenção estatal direta e indireta na economia. Regime constitucional dos serviços públicos.
Monopólios federais e seu regime constitucional.

Atualizado por Sarah Cavalcanti

I. Ordem constitucional econômica

Artigos 170 a 192 da CF. O Título VII da CF (Da Ordem Econômica e Financeira) é exemplo
de elemento sócio-ideológico, revelando “caráter de compromisso das constituições modernas
entre o Estado individualista e o Estado Social, intervencionista”.

CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA: normas constitucionais sobre o conteúdo e os limites dos direitos


econômicos, decorrentes da necessidade de compatibilizar liberalismo econômico com a justiça
social exigida pelo Estado Social de Direito, para assegurar condições de vida digna aos
trabalhadores, reprimir o abuso do poder econômico tendente à dominação dos mercados e ao
aumento arbitrário dos lucros, fazendo da livre iniciativa um postulado condicionado e
subordinado à realização da justiça social. Conceito de constituição econômica engloba liberdade
econômica, intervenção do Estado nesse domínio, e também o regime de minas, jazidas e demais
riquezas naturais, normas relativas ao trabalho, nacionalização, planejamento e empresa. Eros
Grau: conjunto de preceitos que institui determinada ordem econômica (mundo do ser) ou
conjunto de princípios e regras essenciais ordenadoras da economia; divide em (a) constituição
econômica formal: normas podem estar agrupadas no texto constitucional ou dispersas no seu
corpo e (b) constituição econômica material: normas infraconstitucionais.

ORDEM ECONÔMICA: Dirley da Cunha Jr: ordem econômica é “conjunto de elementos


compatíveis entre si, ordenadores da vida econômica de um Estado, direcionados a um fim.” Tem
por finalidade “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os princípios indicados no art. 170”, os quais “consubstanciam uma ordem
capitalista” (José Afonso).

ATIVIDADE ECONÔMICA EM GERAL: atividade econômica latu sensu (matérias que podem ser
imediata ou potencialmente objeto de exploração lucrativa) é gênero dividido em (a) serviço
público – prestado preferencialmente pelo setor público, incidindo a figura do privilégio – e (b)
atividade econômica stricto sensu – prestado preferencialmente pelo setor privado (Eros Grau,
ADPF 46).

FUNDAMENTOS. Valorização do trabalho humano: proteção do trabalho diante dos titulares


do capital em busca de uma composição conciliadora (“mais trabalho” e “melhor trabalho”) e a
íntima relação com o princípio da dignidade humana. Livre iniciativa: liberdade de comércio, de
produção individual e coletiva, de qualquer negócio e exercício de qualquer profissão, liberdade
privada (de explorar qualquer atividade econômica) e pública (não restrição a normas estatais
senão em virtude de lei); inclui liberdade de empresa e de trabalho; engloba não apenas a
liberdade de iniciativa econômica, mas política, ética e cultural, e envolve a liberdade de
concorrência; reiterada no parágrafo único do art 170, CF.

213
OBJETIVOS: art. 170, CF, i.e., “assegurar a todos existência digna” (mínimo necessário à
satisfação das necessidades humanas) “conforme os ditames da justiça social” (ideal da
igualdade de bens materiais, visando à diminuição de diferenças que impedem importantes
propósitos positivados na CF, como a dignidade humana; tem cunho ético e cultural). Esses dois
objetivos consagram expressamente o princípio da inclusão social e econômica, tratados por
Canotilho como princípio da democracia econômico-social (art. 3, I, II e III, CF).

II. Princípios constitucionais da ordem econômica

Soberania nacional: evitar influência descontrolada de outros países na economia nacional; ideia
de autonomia decisória.
Propriedade privada; função social da propriedade: relativização do caráter absoluto da
propriedade no que tange ao direito de usar, gozar e dispor de um bem sem qualquer
preocupação social; arts 5º, XXIII, 182, § 2º, e 186, CF;
Livre concorrência: possibilidade de os agentes econômicos atuarem sem embaraços
juridicamente injustificáveis, em determinado mercado, visando à produção, circulação e
consumo de bens; garante o livre jogo das forças/competição em disputa por clientela e
mercado. Tudo balizado pelos ditames da justiça social e dignidade). Súmula 646, STF: “Ofende
o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos
comerciais do mesmo ramo em determinada área”;
Defesa do consumidor: conferir tratamento diferenciado ao consumidor, reconhecendo sua
vulnerabilidade;
Defesa do meio ambiente: desenvolvimento sustentável; art. 225: meio ambiente
ecologicamente sustentável é direito de todos; art. 170, VI modificado pela EC 42, prevendo
possibilidade de tratamento diferenciado conforme impacto ambiental de produtos e serviços);
Redução das desigualdades regionais e sociais: objetivo fundamental da república (art. 3º, III;
art. 151, I); fundo de erradicação da pobreza, com prazo prorrogado por tempo indeterminado
pela EC 67;
Busca do pleno emprego: significa o desenvolvimento e aproveitamento das potencialidades do
Estado; pode ser considerado ainda como elemento essencial da economia capitalista, uma vez
que é a partir da remuneração que se dá o consumo e a circulação de riquezas na economia de
um país;
Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras,
com sede e administração no país: o art. 179 reforça a ideia, falando em simplificação de
obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias. Obs.: não é princípio da
ordem econômica a não intervenção do Estado na economia (Questão nº 61, prova objetiva do
29ºCPR).

DIREITO DE INICIATIVA: direito que todos possuem de se lançarem no mercado de trabalho por
sua conta e risco, sem encontrar restrições injustificadas do Estado. Ligada à concepção liberal
do homem, evidenciando sua individualidade. Conduz necessariamente à livre escolha do
trabalho que, por sua vez, constitui uma das expressões fundamentais da liberdade humana.
Consubstancia alicerce e fundamento da ordem econômica, e é também direito fundamental.

CASUÍSTICA: 1) Constitucionalidade formal e material do conjunto de normas (ambientais e de


comércio exterior) que proíbem a importação de pneumáticos usados (STA 171, ADPF 101). 2)
Passe livre às pessoas portadoras de deficiência não viola os princípios da ordem econômica, da
isonomia, da livre iniciativa e do direito de propriedade, nem o da ausência de indicação de fonte
de custeio (ADI 2649). 3) Constitucionalidade da lei que confere meia entrada aos estudantes
(ADI 1950). 4) Constitucionalidade da gratuidade do transporte público a idosos (ADI 3768).

III. Intervenção estatal direta e indireta na economia

214
Direta. Ocorre nas estritas hipóteses do art. 173 (relevante interesse coletivo ou quando
necessária aos imperativos nacional) e do art. 177 (regime de monopólio). A CF/88 adotou o
princípio da subsidiariedade para nortear as atividades do Estado no domínio econômico, de
modo que a atuação estatal é excepcional (STF, AgRg no RE 369.252/PR).

Indireta. O Estado atua como agente normativo e regulador, na forma do art. 174. Aqui,
não há o desempenho de atividade econômica por parte do ente estatal. Ex.: poder regulatório
exerecido pela CVM ou poder de fomento exercido pelo BNDES.

CLASSIFICAÇÃO DE EROS GRAU:


1) Exploração de atividade econômica pelo Estado: quando o ente público atua paralelamente
aos agentes privados com intuito de lucro na esfera de titularidade da iniciativa privada.
2) Intervenção sobre o domínio econômico: atividade estatal que regula, normatiza a atividade
econômica em sentido estrito. Regulação e fiscalização se aplicam à atividade econômica em
sentido amplo, envolvendo tanto a atividade econômica em sentido estrito, como a prestação
de serviços públicos.
Regulação: exercício de competência administrativa normativa a qual sujeita atividades a regras
de interesse público, como corolário da função de controle.
Fiscalização: atividade que tem por escopo assegurar a efetividade e eficácia do que foi
normativamente definido.
Planejamento: forma de ação racional, caracterizada pela previsão de comportamentos
econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios
de ação, apenas qualificando a forma de intervenção estatal na atividade econômica em sentido
amplo, sendo obrigatório para a atuação do ente público e indicativo para o ente privado.

IV. Regime constitucional dos serviços públicos

O art. 175 estabelece que os serviços públicos serão prestados diretamente pelo Estado
ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação.

Concessão: está prevista na Lei nº 8.987/95 e consiste no contrato administrativo pelo qual a
Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou consórcio de empresas a execução de certa
atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários.

Permissão: há divergência quanto à respectiva natureza jurídica. Para Celso Bandeira de Mello
e Di Pietro, não obstante a evidente desnaturação do instituto (como verificado no art. 40 da Lei
nº 8.987/95), a permissão de serviço público é ato unilateral e precário, 'intuitu personae',
através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua alçada,
proporcionando (como no caso da concessão) a possibilidade de cobrança de tarifas dos
usuários. Para Carvalho Filho, a permissão de serviço público é contrato administrativo através
do qual o Poder Público (permitente) transfere a um particular (permissionário) a execução de
certo serviço público nas condições estabelecidas em normas de direito público, inclusive
quanto à fixação do valor das tarifas. De qualquer forma, aplicam-se na escolha do
concessionário ou permissionário as regras gerais previstas na Lei nº 8.666/93, com as
modificações decorrentes da Lei nº 8.987/95 e da Lei nº 9.074/95.
V. Monopólios federais e seu regime constitucional

Monopólio é forma de intervenção do ente público em atividade que, em princípio,


deveria ser de titularidade da iniciativa privada – atividade econômica em sentido estrito –,
passando a ficar sujeita à exploração exclusiva pelo Estado. O monopólio privado é vedado pela
Constituição, porque permite a dominação do mercado e a eliminação da concorrência. Já o
monopólio estatal é permitido pela Constituição para algumas atividades expressamente

215
elencadas no art. 177. Diversamente do monopólio privado, que busca o aumento arbitrário dos
lucros, o monopólio estatal visa à proteção do interesse público.

ATIVIDADES MONOPOLIZADAS: estão relacionadas no art. 177 da CF em rol taxativo, segundo


Celso Antonio Bandeira de Mello. Contudo, há doutrina que entende também se tratarem de
hipótese de monopólio estatal as atividades descritas nos incisos VII, X, XI, XII e XXIII do art. 21,
muito embora, para outros, se tratem de autênticos serviços públicos.

REGIME JURÍDICO DO MONOPÓLIO: o monopólio tem a natureza de intervenção direta do


Estado, com caráter exclusivo, em determinado setor da ordem econômica. Houve, contudo,
flexibilização do seu regime constitucional. Antes da Emenda nº 9/95 era vedado à União ceder
qualquer tipo de participação na exploração de jazidas de petróleo. Agora, o § 1º do art. 177
permite, nos termos de lei, que a União contrate empresas estatais ou privadas para a realização
das atividades ligadas ao petróleo, isto é, a atividade continua monopolizada, embora seja
possível a sua concessão. Ainda sobre o monopólio na exploração do petróleo, é permitido a
participação (royalties), por parte de Estados, DF, Municípios e até de órgãos da administração
direta da União (art. 20, § 1º) no produto de sua exploração. Para quem entede que as hipóteses
do art. 21 constituem espécies de monopólio, houve flexibilização também do regime das
telecomunicações, na medida em que a EC 8/95 passou a permitir a delegação dos serviços de
telecomunicações à iniciativa privada, sob regime de concessão ou permissão.

JULGADOS IMPORTANTES: 1) Compatibilidade do regime de privilégio da ECT com a ordem


constitucional vigente. Além disso, o voto vencedor do Min. Eros Grau considerou que o serviço
postal constitui serviço público, e não proprieamente uma atividade econômica em sentido
estrito (ADPF 46); 2) A ELETRONORTE atua em regime de concorrência (RE 599628); 3) Os bens
da ECT são impenhoráveis (RE 220906); 4) É inconstitucional norma estadual que dispõe sobre
atividades relacionadas ao setor nuclear no âmbito regional, por violação da competência da
União para legislar sobre atividades nucleares (ADI 1575); 5) A INFRAERO é empresa pública,
que executa como atividade fim, em regime de monopólio, serviços de infraestrutura
aeroportuária constitucionalmente outorgados à União Federal, qualificando-se como entidade
delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, XII, c, da CF (STF, AgRg no RE
363.412/BA).

13B. Regime constitucional da propriedade. Função socioambiental da propriedade.


Desapropriação e requisição.

Graal Oral 28º CPR

Regime constitucional da propriedade. A propriedade é um direito fundamental previsto


no art. 5º, caput, XXII e XXIII, da CF. Como se denota destes dispositivos, o direito de propriedade
está intimamente relacionado à sua função social, de modo a se racionalizar o aproveitamento
econômico dos bens, maximizando-se o atendimento às necessidades humanas. Como se não
bastasse, a propriedade privada e a função social da propriedade são princípios da ordem
econômica (art. 170, II e III, da CF).
A Constituição Federal busca concretizar o exercício do direito de propriedade de acordo
com sua função social, dentre outros instrumentos, por meio dos tributos. Ex.: art. 153, par. 4º,
inc. I, que estabelece que o ITR “será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a
desestimular a manutenção de propriedades improdutivas”. Outrossim, o texto constitucional
prevê a função social da propriedade de bens imateriais (ex.: art. 5º, XXIX).
A propriedade é direito fundamental de âmbito marcadamente normativo, com
necessidade de conformação legal. A função social da propriedade assume relevo no
estabelecimento, na conformação ou limitação desse direito. Apresenta-se como garantia
institucional e como direito subjetivo.

216
Âmbito de proteção: a base da subsistência e do poder de autodeterminação do homem
moderno não é mais a propriedade em sentido tradicional, mas o próprio trabalho e o sistema
previdenciário e assistencial instituído e gerido pelo Estado (Hesse). Proteção que vai além da
propriedade privada em sentido estrito, abrangendo também relações patrimoniais de uma
maneira geral.
Definição e limitação: disposições legais têm caráter constitutivo (conformação). O poder
de conformação não é absoluto por parte do legislador, que deve observar o núcleo essencial
desse direito (limites dos limites – proporcionalidade). Núcleo essencial: utilidade privada e
poder de disposição.

Função socioambiental da propriedade. Pode ser extraída da CF e do Código Civil (art.


1.228, § 1º). Propõe que o exercício da propriedade não pode gerar prejuízos a terceiros e, muito
menos, ao meio ambiente, permitindo-se a estipulação de limitações administrativas. Segundo
o art. 186, II, da CR/88, por exemplo, a função social da propriedade rural é cumprida quando
ela atende à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e à preservação do meio
ambiente.
STF: A própria Constituição da República, ao impor ao poder público o dever de fazer
respeitar a integridade do patrimônio ambiental, não inibe a promoção da desapropriação de
imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos instrumentos de
realização da função social da propriedade consiste na submissão do domínio à necessidade de
o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o
equilíbrio do meio ambiente (CF, art. 186, II). Em descumprindo esses encargos, o titular poderá
expor-se à desapropriação-sanção a que se refere o art. 184 da Lei Fundamental. (MS 22.164,
Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-95, DJ de 17-11-95)

Desapropriação. Desapropriação administrativa é o procedimento administrativo não


executório (precisa do auxílio do Judiciário) por meio do qual o Poder Público, fundado em
necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém
de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante
indenização prévia, justa e pagável em dinheiro. Nos casos de certos imóveis urbanos ou rurais,
por estarem os referidos imóveis em desacordo com a função social legalmente caracterizada
para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e
sucessivas, preservado seu valor real (Celso Antônio Bandeira de Mello, p. 872 e 873).
Espécies: a) Comum (art. 5º, XXIV, CF e Lei 4.132/1962): por necessidade ou utilidade
pública ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro. Para a maioria
da doutrina, a necessidade relaciona-se com a urgência, e a utilidade, com o juízo de
conveniência. CABM não faz tal distinção. b) Urbanística ou por descumprimento da função
social urbana (art. 182, § 4º, III, CF e Lei 10.257/2001): adotada a titulo de penalização ao
proprietário do solo urbano que não atender à exigência de promoção do adequado
aproveitamento de sua propriedade, nos termos do plano diretor (o expropriante é
exclusivamente o Município) e da prévia legislação municipal regulando o assunto (a
desapropriação é a última das medidas possíveis a serem tomadas previamente pelo município).
Pode ser realizada a qualquer tempo, desde que decorridos 5 anos de infrutífera aplicação da
tributação progressiva (art. 8º do Estatuto da Cidade). A indenização é paga com títulos da dívida
pública aprovados previamente pelo Senado Federal e com prazo de resgate de até 10 anos. c)
Rural (art. 184, CF): incide sobre imóveis rurais para fins de reforma agrária. Trata-se de
modalidade específica da desapropriação por interesse social que objetiva a perda da
propriedade quando esta não estiver cumprindo sua função social (art. 186, CF). São
desapropriáveis: os latifúndios improdutivos e as propriedades improdutivas, mesmo que não
configurem latifúndios, quando seu proprietário possuir mais de uma. A expropriante é
exclusivamente a União e a indenização é paga em títulos da dívida agrária resgatáveis no prazo
de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão. As benfeitorias úteis e necessárias serão
pagas em dinheiro. Efetuada a desapropriação, a União terá três anos, a partir do registro do titulo

217
translativo de domínio, para destinar a área aos beneficiários da reforma agrária (art. 16, Lei
8.629/93). Estados-membros e Municípios podem promover desapropriação de imóvel rural,
desde que por interesse social. Não podem promovê-la para reforma agrária, a qual é privativa
da União (RDA 152/122 e RT 595/266). d) Confiscatória ou expropriatória (art. 243, CF): a perda
da propriedade tem como pressuposto o fato de que nela estão localizadas culturas ilegais de
plantas psicotrópicas (JSCF, p. 752 a 754). A área será destinada ao assentamento de colonos
para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. CABM entende que a indenização é
um dos requisitos de qualquer expropriação, razão pela qual entende que o art. 243 trata de
confisco, e não de desapropriação. STF (RE 543.974/MG): toda a propriedade será suprimida, e
não apenas o local da plantação.

8B. Política Agrária na Constituição. Desapropriação para Reforma Agrária.

Priscila Ianzer Jardim Lucas


Bibliografia: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/temas-de-atuacao/reforma-agraria/questao-fundiaria/atuacao-do-mpf/representacao-ao-
pgr-adi-lei-13465-2017
Legislação: CF, arts. 184-191; Lei nº 4.504/64

Política agrária e agrícola na Constituição: A política agrária engloba a política agrícola. Nesta,
há maior predominância de interesses econômicos. Aquela possui uma perspectiva mais social,
tratando de questões trabalhistas e previdenciárias no campo. Segundo o art. 1º, §2º, da Lei nº
4.504/64 (Estatuto da Terra) “entende-se por política agrícola o conjunto de providências de
amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as
atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de
harmonizá-las com o processo de industrialização do país”. A CF/88 alargou o conceito de política
agrícola, aduzindo que, no planejamento agrícola, incluem-se as atividades agroindustriais,
agropecuárias, pesqueiras e florestais (art. 187, §1º). A CF optou pela expressão agrícola,
evidenciando o eixo econômico da relação do homem no campo. A doutrina critica esta
denominação, tendo em vista que o direito que regula estas relações possui fortes contornos
sociais. A reforma agrária é o principal instrumento da política agrícola, pois atua sob um eixo
econômico, bem como sob um eixo social. A reforma agrária é “o conjunto de medidas que visem
a promover melhor distribuição de terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso,
a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade” (art. 1º, §1º, do
Estatuto da Terra).

Instrumentos da Política Agrária: Além da reforma agrária, que configura o principal


instrumento da política agrícola, compõe instrumentos da política agrária: os instrumentos
creditícios e fiscais; os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de
comercialização; o incentivo à pesquisa e à tecnologia; a assistência técnica e extensão rural; o
seguro agrícola; o cooperativismo; a eletrificação rural e irrigação; a habitação para o
trabalhador rural. Cumpre salientar que esses instrumentos constitucionais previstos no art. 187
não são taxativos, apenas garantem a implementação mínima do projeto constitucional de
política agrícola.

Princípios da Política Agrária: Princípio da função social da propriedade: a função social é o


centro gravitacional do estudo da propriedade no direito moderno. A CF trata da função social
em seu art. 186 e para estar caracterizada deve preencher todos os requisitos constantes
naquele dispositivo: I) aproveitamento racional e adequado da terra: para ser atingido, devem
ser atendidos níveis fixados pelo órgão responsável quanto à eficiência na exploração e o grau
de utilização da terra. (obs: não são consideradas áreas aproveitáveis no cálculo do grau de
utilização da terra as áreas de efetiva preservação permanente e demais áreas protegidas por
legislação ambiental); II) adequada utilização dos recursos naturais e da preservação do meio
ambiente: tem por finalidade o respeito à vocação natural da terra, através da manutenção do
seu potencial produtivo; III) observância às normas relativas às relações de trabalho: possuem

218
abrangência elástica, pois permitem a inclusão de relações de emprego e de contratos agrários
(parceria e arrendamento): IV) bem estar dos proprietários (ou possuidores) e dos
trabalhadores: está ligado à dignidade da pessoa humana. É cumprido pelo atendimento das
necessidades básicas dos que trabalham na terra, pela observância das normas de segurança do
trabalho e por não provocar conflitos e tensões sociais no imóvel. Assim, a função social na CF
tem uma perspectiva econômica, social e ecológica. Eros Grau destaca que o princípio da função
social da propriedade “passa a integrar o conceito jurídico-positivo da propriedade”. No mesmo
sentido, Kildare Gonçalves Carvalho, para quem “a propriedade, sem deixar de ser privada, se
socializou, com isso significando que deve oferecer à coletividade uma maior utilidade, dentro
da concepção de que o social orienta o individual.” A ressignificação do instituto altera, por sua
vez, a relação proprietário/propriedade. É ainda de Eros Grau a seguinte lição: “O que mais releva
enfatizar, entretanto, é o fato de que o princípio da função social da propriedade impõe ao
proprietário o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em
prejuízo de outrem. Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte da
imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não meramente, de
não fazer - ao detentor do poder que deflui da propriedade.” Seguindo também essa
compreensão, e mais forte na perspectiva ambiental, Álvaro Luiz Valery Mirra destaca que “a
função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de direito de propriedade,
como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de
seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a
função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponham aos proprietários
comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a sua propriedade
concretamente se adeque à preservação do meio ambiente”. Princípio da justiça social: é a
justiça distributiva. A política agrária visa à alteração da estrutura fundiária vigente. Princípio da
prevalência do interesse coletivo sobre o individual: A política agrária é composta por normas
cogentes de forte interferência no domínio privado. Princípio da reformulação da estrutura
fundiária: É base da política agrícola, permitindo ao Estado uma série de programas para
alteração do homem no campo. Há órgãos específicos para cuidar desta reformulação. Ex: INCRA
e Ministério da Reforma Agrária. Princípio do progresso econômico e social: visa ao aumento
da produtividade da propriedade rural, garantindo uma melhoria das condições de vida do
proprietário/possuidor e um aumento na produção primária do país.

Regularização fundiária rural: A Constituição de 1988 é explícita quanto à necessidade da


alteração da estrutura fundiária do país, marcada por acentuada concentração da terra. De
acordo com o texto constitucional, a reforma agrária deve ser feita mediante a desapropriação
de imóveis rurais que descumpram a função social da propriedade (art. 184) ou pela destinação
de terras públicas ou devolutas (art. 188). O investimento constitucional na reforma agrária tem
um claro propósito: a estreita ligação entre reforma agrária/moradia/dignidade/justiça social e
igualdade. De resto, a Constituição brasileira também relaciona diretamente política agrícola e
direito à moradia em seu art. 187, VIII. Um dos principais obstáculos à realização desse direito é
o fato de se considerar a moradia, a terra e a propriedade como produtos comercializáveis, e não
direitos humanos. A exemplo do que ocorre com os demais direitos fundamentais, há, na
reforma agrária, uma dimensão subjetiva e outra objetiva. No primeiro caso, ela concretiza o
direito à moradia e, em consequência, densifica o princípio da dignidade da pessoa humana. No
segundo, ela realiza os objetivos que a Constituição coloca para o Estado brasileiro, de construir
uma sociedade livre, justa e solidária, de erradicar a pobreza e a marginalização e de reduzir as
desigualdades sociais. Por essa razão, o art. 188 da CF estabelece que “a destinação de terras
públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de
reforma agrária”. Tal dispositivo busca assegurar que: (i) a destinação de terras públicas e
devolutas não se faça em prejuízo da população do campo que aguarda a implementação do
direito à moradia; (ii) haja democratização do acesso à terra, desconcentrando a estrutura
fundiária brasileira; e (iii) a produção agrícola se diversifique, como garantia de alimentação
adequada a todos os brasileiros e brasileiras.

219
Desapropriação para reforma agrária: Nos moldes do definido no art. 184 da CF, compete à
União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não
esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida
agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. As benfeitorias úteis
e necessárias serão indenizadas em dinheiro. O decreto que declarar o imóvel como de interesse
social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. A
desapropriação, judicial ou extrajudicialmente, é executada pelo INCRA, autarquia federal
vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Determina o art. 184, §5º, da CF que são
isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis
desapropriados para fins de reforma agrária. Segundo o STF, a isenção deve ser entendida como
imunidade e tem por fim não onerar o procedimento expropriatório ou dificultar a realização da
reforma agrária. Ademais, os títulos da dívida agrária constituem moeda de pagamento da justa
indenização devida e, dado seu caráter indenizatório, não podem ser tributados. Todavia,
terceiro adquirente de títulos da dívida agrária não goza da referida imunidade, uma vez que o
benefício alcança tão somente o expropriado (RE 168.110). Os beneficiários da distribuição de
imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso,
inegociáveis pelo prazo de 10 anos. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos
ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições
previstos em lei (art. 189 da CF). São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma
agrária: a propriedade produtiva e a pequena (de 1 a 4 módulos fiscais) e média (de 4 a 15
módulos fiscais) propriedade rural (ainda que improdutiva), assim definida em lei, desde que seu
proprietário não possua outra. A Lei nº 8.629/93 dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos
constitucionais relativos à reforma agrária, o conceito de pequena e média propriedade rural e
de propriedade produtiva. Não se confunde latifúndio e minifúndio com pequena e média
propriedade, pois estas são fixadas em módulos fiscais e aquelas em módulos rurais. Para ser
latifúndio, basta ter no mínimo 1 MR e ser improdutiva. É preciso que o proprietário da pequena
ou média propriedade não possua outro imóvel RURAL. Se o sujeito tiver 40 imóveis urbanos e
1 média propriedade, ela não poderá ser desapropriada, pois a lei veda este benefício àquele
que possuir outro imóvel rural e não urbano. (Na usucapião especial rural, não pode o indivíduo
ter qualquer outro imóvel). A Lei Complementar nº 76/93 estabelece procedimento
contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural por
interesse social, em conformidade com o mandamento constitucional do art. 184, §3º. As ações
concernentes à desapropriação de imóvel rural, para fins de reforma agrária, têm caráter
preferencial e prejudicial em relação a outras ações referentes ao imóvel expropriando (art. 18
da LC). Qualquer ação que tenha por objeto o bem expropriado será distribuída, por
dependência, à Vara Federal onde tiver curso a ação de desapropriação, determinando-se a
pronta intervenção da União (§1º). Ainda, o MPF intervirá, obrigatoriamente, após a
manifestação das partes, antes de cada decisão manifestada no processo, em qualquer instância
(§2º).

Casuística: STF. Desapropriação para fins de reforma agrária. Cálculo da extensão da


propriedade rural. Áreas insuscetíveis de aproveitamento econômico. Impossibilidade de sua
desconsideração. (...) A propriedade rural no que concerne à sua dimensão territorial, com o
objetivo de viabilizar a desapropriação para fins de reforma agrária, reclama devam ser
computadas as áreas insuscetíveis de aproveitamento econômico. O dimensionamento do
imóvel para os fins da lei nº 8.629/93 deve considerar a sua área global. Precedente do STF (MS
nº 24.924, Rel. Min. Eros Grau). STJ. Em desapropriação de imóvel por interesse social para fins
de reforma agrária, o Incra discute, no REsp, se a área não aproveitável integra o cálculo
(módulo fiscal) em que se define a classificação da propriedade rural como pequena, média ou
grande. Isso porque essa classificação irá determinar a possibilidade ou não da desapropriação
do imóvel rural do recorrido, em razão de o art. 185 da CF/1988 rechaçar a expropriação da

220
pequena e média propriedade rural na hipótese de o proprietário não possuir outro imóvel. A
priori, esclareceu o Min. Relator que, apesar de o Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/1964) ter
conceituado módulo rural como unidade de medida familiar, posteriormente a Lei n. 6.746/1979
alterou disposições desse estatuto, criando um novo conceito: o módulo fiscal que estabeleceu
um critério técnico destinado a aferir a área do imóvel rural para cálculo de imposto sobre a
propriedade territorial rural (ITR). Expõe que o problema surgiu com a Lei n. 8.629/1993, a qual,
ao regulamentar o art. 185 da CF/1988, optou pelo uso do módulo fiscal, mais afeiçoado ao
direito tributário que ao agrário, para estabelecer a classificação de pequeno, médio e grande
pela extensão da área do imóvel rural, mas deixou de explicar a forma de sua aferição. Explica o
Min. Relator ser correta a decisão do acórdão recorrido que, diante do silêncio da Lei n.
8.629/1993, quanto à forma de aferição do módulo fiscal, solucionou a questão, buscando o
cálculo no § 3º do art. 50 do Estatuto da Terra, com a redação dada pela Lei n. 6.746/1979, que
leva em conta a área aproveitável em vez do tamanho do imóvel. Assim, concluiu que a
classificação da propriedade rural como pequena, média ou grande deve ser aferida pelo
número de módulos fiscais obtidos, dividindo-se a área aproveitável do imóvel rural pelo
módulo fiscal do município. Ademais, consignou ser imprópria a idéia de tripartir o cálculo do
tamanho da propriedade, diferenciando-o de acordo com o fim almejado, seja para efeito de
indivisibilidade seja para efeito de desapropriação para reforma agrária ou, ainda, para cálculo
do ITR. Diante do exposto, a Turma negou provimento ao recurso do Incra. REsp 1.161.624-GO,
Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 15/6/2010.

21.ORDEM SOCIAL
21.1 Previdê ncia social e assistê ncia social na Constituição. (14.b)
21.2 Direito à saúde. Sistema único de Saúde na Constituição. Controle Social. O direito de
acesso à s prestaçõ es sanitárias. (19.c)
21.3 Direito fundamental à educação. A educação na Constituição Federal. (16.a)
21.4 Comunicação social. A imprensa na Constituição. Liberdades públicas, acesso à informação
e pluralismo. (9.a)
21.5 Proteção constitucional à famı ́lia, à criança, ao adolescente e ao idoso. (17.a)
21.6 Direitos das pessoas portadoras de deficiê ncia. A convenção da ONU sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiê ncia e seu Protocolo Facultativo. (18.b)

14B. Previdência social e assistência social.

Nilton Santos 20/09/18

1. Previdência social e assistência social


A Seguridade Social abrange além da previdência social (seguro social) atividades nas
áreas de saúde e assistência social (os sub-sistemas, elencados como direitos sociais no art. 6º
da CF/88). Assim, a Seguridade Social é gênero do qual são espécies a Previdência, a Saúde e a
Assistência Social.
No que diz respeito ao tema em tela, sumariamente, tem-se as seguintes conformações:
 a Previdência Social vai abranger a cobertura de contingências decorrentes de doença,
invalidez, velhice, desemprego, morte e proteção à maternidade, mediante contribuição,
concedendo aposentadorias, pensões etc. É o seguro social;  a Assistência Social irá tratar de
atender os hipossuficientes, destinando pequenos benefícios a pessoas que nunca contribuíram
para o sistema.

 Previdência Social
Previdente é aquele que consegue antever acontecimentos futuros e prováveis e em
relação aos quais se faz precavido. Desta feita, a previdência social pode ser entendida como a
previsão, antecipação ou antevisão, de determinadas contingências sociais previstas no art. 201
da Constituição Federal, para as quais providencia uma reserva atual (Custeio – Lei nº 8.212/91)

221
para pagamento futuro (Benefício – Lei nº 8.213/91).
A previdência social, em um conceito simples, é uma espécie de seguro social, assim
denominado em razão de atender à sociedade contra os riscos sociais, que são os infortúnios
que qualquer pessoa está sujeita ao longo de sua vida, como doenças, acidentes, invalidez,
velhice etc., que a impeça de obter seu sustento.
No Brasil, a previdência social será organizada sob a forma de regime geral (Regime
Geral de Previdência Social (RGPS)), de caráter contributivo e de filiação obrigatória. Assim,
todo aquele que desempenha atividade remunerada é compulsoriamente vinculado ao RGPS
inclusive mediante contribuições.
Ademais, deverão ser observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atendendidas, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez,
morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao
trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para
os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou
mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes
A CF/88 estabeleceu as seguintes diretrizes para a previdência social: a) proibição de
adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria no Regime
Geral da Previdência Social - RGPS (exceção para atividades exercidas sob condições especiais,
art. 201, §1º); b) renda mensal nunca inferior ao salário mínimo; c) correção de todos os salários
de contribuição utilizados para o cálculo da renda mensal do benefício; d) preservação do valor
real dos benefícios (STF, AgRg no RE 322348/SC – impõe somente irredutibilidade nominal); e)
vedação de filiação ao RGPS, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa filiada a regime
próprio de previdência; f) gratificação natalina para aposentados e pensionistas; g)
aposentadoria por tempo de contribuição e idade (EC20/98 excluiu a aposentadoria
proporcional); h) contagem recíproca do tempo de serviço/tempo de contribuição para fins de
aposentadoria; i) cobertura do risco de acidente do trabalho; j) incorporação dos ganhos
habituais do empregado; k) sistema de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa
renda (EC 47/05).
Insta anotar no tocante à Previdência Social, ainda, a presença marcante do princípio da
responsabilidade, cujo núcleo essencial impõe a todos agir de modo que as consequências das
nossas decisões presentes sejam compatíveis com uma futura existência humanamente digna.
Como corolário, ressai o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial que aponta para uma
necessária correlação entre os benefícios e serviços da previdência social, como sistema de
seguro, e as respectivas fontes de custeio, em ordem a lhe garantir continuidade e certeza de
longo alcance.
No âmbito da previdência social e dos direitos sociais de caráter prestacional (v.g.,
saúde, educação), o princípio da reserva do financeiramente possível impõe ao Poder Público
“escolhas trágicas” e prioritárias na alocação dos recursos públicos com vistas à satisfação do
mínimo existencial. Sarmento leciona que a reserva do possível desdobra-se em dois
componentes: fático (efetiva disponibilidade de recursos) e jurídico (previsão orçamentária para
o custeio). Segundo o autor, em razão do princípio da igualdade, a reserva do possível fática
deve ser concebida com razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os
recursos efetivamente existentes, não podendo o juiz condenar o Estado a prestar um direito
social que não possa ser estendido às outras pessoas que estejam em situação equivalente.
O artigo 195, §5º da CF/88 estabelece que “nenhum benefício ou serviço da seguridade
social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.
A Lei Complementar nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) no seu art. 24 repete o artigo
supracitado da Constituição e previu no seu art. 17 as medidas de compensação, ou seja, as
condições sobre as despesas obrigatórias de caráter continuado. O §1º do art. 24 da LRF dispõe
os casos em que não serão exigidas as medida de compensação do art. 17: a) concessão de
benefício para pessoas que satisfaçam as condições previstas na legislação correspondente; b)
expansão quantitativa do atendimento dos serviços prestados; c) reajustamento do valor do
benefício ou serviço, a fim de preservar seu valor real.

222
Por fim, impende registrar que na previdência básica – RGPS, tanto os valores das
contribuições dos segurados como os das prestações (benefícios) têm limite máximo a ser
observado. A justificativa para tais limites decorre da natureza eminentemente alimentar do
benefício previdenciário básico. Qualquer complementação fica a cargo do próprio beneficiário,
podendo recorrer à previdência complementar, não assumindo o Estado responsabilidade pela
manutenção do padrão remuneratório do qual gozava o mesmo enquanto em atividade laboral.
A referida previdência complementar, prevista no art. 202 da CRFB, apresenta as
seguintes características:  caráter complementar;  autonomia em relação ao RGPS; 
facultatividade de adesão;  operado por Entidades de Previdência Complementar;  baseado
na constituição de reservas que garantam os planos oferecidos.

 Assistência Social
A assistência social é prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social (art. 203 da CF/88), não consistindo, assim, em seguro social.
Visa a proteger a família, maternidade, adolescência e velhice; amparar as crianças e
adolescentes carentes; promover a integração ao mercado de trabalho; a habilitação e a
reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e promover sua integração à vida
comunitária; garantir um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso
que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família.
Ademais, a assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando
ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para
atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais.
Conforme prevê a CF, as ações governamentais na área da assistência social serão
realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, além de outras fontes, e
organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa,
cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos
respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e
de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas,
na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis, o que representa mais
uma oportunidade tópica de participação popular na administração pública prevista no bojo
constitucional.
Dentre as diversas ações da assistência social, uma se destaca com maior importância:
o benefício de prestação continuada – BPC, que é pago ao idoso ou pessoa com deficiência que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção, desde que a renda familiar per
capita seja inferior a ¼ do salário mínimo.
Por fim, é facultado aos estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à
inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada
a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais; II -
serviço da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos
investimentos ou ações apoiados.

19C. Direito à Saúde. Sistema Único de Saúde na Constituição. Controle Social. O Direito de
Acesso às Prestações Sanitárias

Priscila Ianzer Jardim Lucas

Direito à saúde. A constitucionalização do direito sanitário na atual Carta Magna possui duas
características principais: o reconhecimento do direito à saúde como direito fundamental e a
definição dos princípios que regem a política pública da saúde. A caracterização da saúde como
direito fundamental ocorre pela primeira vez na história constitucional brasileira, acarretando
uma série de consequências: a) abre-se o caminho para que todos os cidadãos brasileiros
possam dela usufruir tendo em vista que a saúde passa a constituir um direito público subjetivo

223
que é garantido pela existência do SUS; b) direito à saúde como cláusula pétrea da Constituição:
o direito à saúde, além de fundamental, é condicionante da dignidade da pessoa humana; c)
direito à saúde como valor: os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição possuem
não apenas uma dimensão subjetiva, atribuindo direitos aos cidadãos, mas também uma
dimensão objetiva, na qual se estabelecem os valores ou bens jurídicos principais que devem
ser objeto de proteção pelo Estado e pela sociedade. O direito à saúde possui faceta individual
e difusa, pois há o direito difuso de todos de viver em um ambiente sadio, sem risco de
epidemias ou outros malefícios à saúde. Por isso, determina a Constituição de 1988 que a saúde
é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros gravames e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Sistema Único de Saúde – SUS. Logo após a entrada em vigor da CF, foi aprovada a Lei Orgânica
do SUS (Lei nº 8.080/90), que estabelece a estrutura e o modelo operacional do SUS, propondo
a sua forma de organização e de funcionamento. O SUS é concebido como o conjunto de ações
e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e
municipais, da Administração direta e indireta. A iniciativa privada poderá participar do SUS em
caráter complementar. É um Sistema Único, porque segue a mesma doutrina e os mesmos
princípios organizativos em todo o território nacional, sob a responsabilidade das três esferas
autônomas de governo. O SUS não é um serviço ou uma instituição, mas um Sistema, que
significa um conjunto de unidades, de serviços e ações que interagem para um fim comum. O
art. 7º da mesma Lei preconiza os princípios e as diretrizes do SUS. São princípios doutrinários
do SUS: A UNIVERSALIDADE consiste na garantia de acesso de toda e qualquer pessoa a todo e
qualquer serviço de saúde, seja ele público ou contratado pelo Poder Público. A EQÜIDADE é a
garantia de acesso de qualquer pessoa, em igualdade de condições, aos diferentes níveis de
complexidade do Sistema, de acordo com a necessidade que o caso requeira. A INTEGRALIDADE
refere-se tanto ao homem quanto ao Sistema de Saúde, reconhecendo que cada qual se
constitui numa totalidade. Segundo os princípios da REGIONALIZAÇÃO e da HIERARQUIZAÇÃO,
as ações e os serviços de saúde devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica
crescente dispostos numa área geográfica delimitada e com definição da população a ser
atendida. A RESOLUTIVIDADE é a exigência de que, quando um indivíduo busca o atendimento
ou quando surge um problema de impacto coletivo sobre a saúde, o serviço correspondente
esteja capacitado para enfrentá-lo e resolvê-lo até o nível de sua competência. A
DESCENTRALIZAÇÃO é entendida como a redistribuição do poder decisório, dos recursos e das
competências quanto às ações e aos serviços de saúde entre os vários níveis de governo. A
PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS é a garantia constitucional de que a população, através de suas
entidades representativas, participará do processo de formulação das políticas de saúde e do
controle de sua execução, em todos os níveis, desde o federal até o local. Essa participação deve
se dar nos Conselhos de Saúde e nas Conferências de Saúde. Segundo o princípio da
COMPLEMENTARIDADE DO SETOR PRIVADO, a Constituição definiu que, quando, por
insuficiência do setor público, for necessária a contratação de serviços privados, esta deve dar-
se sob três condições: a) o contrato deverá ser celebrado conforme as normas de direito público;
b) a instituição privada deverá estar de acordo com os princípios básicos e com as normas
técnicas do SUS; c) a integração dos serviços privados deverá se dar na mesma lógica do SUS,
em termos de posição definida na rede regionalizada e hierarquizada dos serviços. Entre os
serviços privados, devem ter preferência os serviços não lucrativos, conforme determina a
Constituição.

Controle social. É garantido à sociedade interagir com o poder público, participar do


estabelecimento das políticas de saúde, discutir suas prioridades e fiscalizar a execução dessas
políticas e a utilização dos recursos. O controle social é a fiscalização que nasce de fora para
dentro do Estado, exercida por particulares ou por instituições da sociedade civil. “Controle
social” é, segundo CARLOS AYRES DE BRITO, direito subjetivo da cidadania e não expressão do

224
poder político (como é o caso da participação popular, que é uma forma de exercício do poder
político, vale dizer, uma forma de influir diretamente na formação da vontade do Estado). O
controle social é um minus em relação à participação, estando àquele mais ligado à ideia de
fiscalização e esta de deliberação. A Lei 8.142/90 (o controle social do SUS). Tendo em vista os
vetos recebidos pela Lei 8.080/90, foi necessário outro diploma legislativo para regular o
princípio constitucional da participação da comunidade na gestão do SUS. Assim, a Lei 8.142/90
buscou concretizar nesse âmbito a democracia participativa, que consiste em uma série de
mecanismos que permitem aos cidadãos participar diretamente, ou por meio de associações
representativas, no processo de tomada de decisões políticas. Esse princípio foi especialmente
desenvolvido no âmbito da Ordem Social, o que inclui as políticas de saúde. Desenvolvendo a
Constituição, a lei criou dois mecanismos de participação da comunidade na gestão do sistema:
a) Conferência de Saúde: representada por vários segmentos sociais, para avaliar a situação da
saúde e propor diretrizes para a formulação da política de saúde; b) Conselho de Saúde: de
caráter permanente e deliberativo, é o órgão colegiado composto por representantes do
governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atuando na formulação de
estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente. A
principal inovação desses mecanismos consiste em seu caráter deliberativo e não apenas
consultivo, o que significa que as decisões sobre as políticas de saúde terão que ser
compartilhadas pelos representantes do poder público e da sociedade. Ao Ministério Público
também cabe um papel relevante na promoção desses mecanismos de participação, por meio,
por exemplo, do incentivo à organização dos Conselhos, do acompanhamento de suas atividades
e da utilização de procedimentos judiciais e extrajudiciais para o cumprimento de suas decisões
pelos gestores do sistema.

O direito de acesso às prestações sanitárias. É dever do Estado garantir a saúde (Art. 196 e ss.
da CF/88). A saúde é um bem de interesse social vinculado aos interesses primários da
sociedade. A sua prestação tem como sujeito ativo todos os cidadãos brasileiros e como sujeito
passivo o Poder Público. Além disto, é de interesse público secundário a sua administração. A
escassez de recursos financeiros e a reserva do possível. A doutrina da reserva do possível
condiciona o reconhecimento (em verdade, efetivação) dos direitos subjetivos a prestações à
disponibilidade dos recursos públicos. Logo, faz-se o possível dentro dos limites orçamentários.
O posicionamento do Ministério Público restou firmado no Simpósio sobre Política Nacional de
Saúde: “O MP não admite qualquer postura do gestor que busque flexibilizar direitos previstos
na Constituição Federal. Quando todos os entes públicos, das três esferas da federação
estiverem cumprindo a EC-29 (determina a aplicação de recursos mínimos em saúde), o MP
poderá estar aberto à discussão da ideia de equidade”. Para BARROSO, nos últimos anos, a
Constituição conquistou, verdadeiramente, força normativa e efetividade. A jurisprudência
acerca do direito à saúde e ao fornecimento de medicamentos é um exemplo emblemático
disso. Para o autor, o Judiciário não pode ser menos do que deve ser, deixando de tutelar direitos
fundamentais. De outra parte, não deve querer ser mais do que pode ser, presumindo demais
de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar grave lesão a
direitos da mesma natureza de tantos outros. A atividade judicial deve guardar parcimônia e,
sobretudo, procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas formuladas
acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes. Em suma: onde não haja lei ou ação
administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos
administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente
intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo
regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção. O
autor traça parâmetros para racionalizar e uniformizar a atuação judicial no fornecimento de
medicamentos: i) no âmbito das ações individuais, a atuação jurisdicional deve ater-se a efetivar
a dispensação dos medicamentos constantes das listas elaboradas pelos entes federativos; ii) a
alteração da lista pode ser objeto de discussão no âmbito de ações coletivas ou mesmo por meio
de ações abstratas de controle de constitucionalidade, nas quais se venha a discutir a validade

225
de alocações orçamentárias e exigirá um exame do contexto geral das políticas públicas
discutidas, produzindo efeitos erga omnes. Nesses casos, o Judiciário ii.a) só pode determinar a
inclusão, em lista, de medicamentos de eficácia comprovada, excluindo-se os experimentais e
os alternativos; ii.b) deverá optar por substâncias disponíveis no Brasil, dando preferências
aqueles conveniados ao SUS; ii.c) deverá optar pelo medicamento genérico, de menor custo;
ii.d) deverá considerar se o medicamento é indispensável para a manutenção da vida; iii) em
relação à legitimidade passiva, o ente federativo que deve figurar no polo passivo de ação
judicial é aquele responsável pela lista da qual consta o medicamento requerido.

Casuística: Legitimidade passiva da União em demandas que envolvem o SUS. A União - e não
só Estados, Distrito Federal e Municípios - tem legitimidade passiva em ação de indenização por
erro médico ocorrido em hospital da rede privada durante atendimento custeado pelo SUS. REsp
1.388.822-RN, 16/6/2014. Chamamento ao processo em ação de fornecimento de
medicamento movida contra ente federativo. Não é adequado o chamamento ao processo da
União em demanda que verse sobre fornecimento de medicamento proposta contra outro ente
federativo. Com efeito, o instituto do chamamento ao processo é típico das obrigações solidárias
de pagar quantia. Entretanto, a situação aqui controvertida representa obrigação solidária entre
os Municípios, os Estados, o Distrito Federal e a União, concernente à prestação específica de
fornecimento de medicamento. Neste contexto, por se tratar de hipótese excepcional de
formação de litisconsórcio passivo facultativo, não se admite interpretação extensiva do
referido instituto jurídico para alcançar prestação de entrega de coisa certa. Além do mais, a
jurisprudência do STJ e do STF assentou o entendimento de que o chamamento ao processo não
é adequado às ações que tratam de fornecimento de medicamentos, por ser obstáculo inútil ao
cidadão que busca garantir seu direito fundamental à saúde. REsp 1.203.244-SC, 9/4/2014.
Estrangeiros e beneficiários de assistência social. Os estrangeiros residentes no País são
beneficiários da assistência social prevista no art. 203, V, da CF, uma vez atendidos os requisitos
constitucionais e legais. O caso envolve os preceitos relativos à dignidade
humana, à solidariedade social, à erradicação da pobreza e à assistência aos desamparados. O
substrato do conceito de dignidade humana pode ser decomposto em três elementos: a) valor
intrínseco, b) autonomia e c) valor comunitário. O estrangeiro residente no País, inserido na
comunidade, participa do esforço mútuo, na construção de um propósito comum. Esse laço de
irmandade faz-nos, de algum modo, responsáveis pelo bem de todos, até mesmo daqueles que
adotaram o Brasil como novo lar e fundaram seus alicerces pessoais e sociais nesta terra. Ao
lado dos povos indígenas, o País foi formado por imigrantes, os quais fomentaram o
desenvolvimento da nação e contribuíram para a criação e a consolidação da cultura brasileira.
Desde a criação da nação brasileira, a presença do estrangeiro no País foi incentivada e tolerada.
Não seria coerente com a história estabelecer diferenciação tão somente pela nacionalidade,
especialmente quando a dignidade está em xeque em momento de fragilidade do ser humano
— idade avançada ou algum tipo de deficiência. A óptica veiculada na regra infralegal (Lei
8.742/1993), ao silenciar quanto aos estrangeiros residentes no País, não se
sobrepõe à revelada na CF. Descabido o argumento de pertinência do princípio da
reciprocidade, ou seja, arguir que o benefício somente poderia ser concedido a estrangeiro
originário de país com o qual o Brasil tenha firmado acordo internacional e que
preveja a cobertura da assistência social a brasileiro que esteja em seu território. O SUS é regido
pelo princípio da universalidade. Assim, ao ingressar no território brasileiro, o estrangeiro
tem direito a atendimento médico pelo SUS, caso precise de assistência de urgência, sem
necessidade de reciprocidade para garantir tal suporte. Em suma, somente o estrangeiro com
residência fixa no País pode ser auxiliado com o benefício assistencial, pois, inserido na
sociedade, contribui para a construção de melhor situação social e econômica da coletividade.
Somente o estrangeiro em situação regular no País, residente, idoso ou portador de
necessidades especiais, hipossuficiente em si mesmo e presente a família pode se dizer
beneficiário da assistência em exame. Nessa linha, os estrangeiros em situação diversa não
alcançam a assistência, haja vista o não atendimento às leis brasileiras, fato que, por si só,

226
demonstra a ausência de noção de coletividade e de solidariedade a justificar a tutela do
Estado. RE 587970/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 20.4.2017. Direito à saúde e dever de o Estado
fornecer medicamento. Recurso extraordinário em que se discute o dever de o Estado fornecer
medicamento de alto custo a portador de doença grave sem condições financeiras para comprá-
lo. Marco Aurélio (relator) propôs a seguinte tese: o reconhecimento do direito individual ao
fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em política nacional de
medicamentos ou em programa de medicamentos de dispensação em caráter excepcional,
constante de rol dos aprovados, depende da demonstração da imprescindibilidade (adequação
e necessidade), da impossibilidade de substituição, da incapacidade financeira do enfermo e da
falta de espontaneidade dos membros da família solidária em custeá-lo,
respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.649 a 1.710 do Código Civil e
assegurado o direito de regresso. Roberto Barroso afirmou que, no caso de demanda judicial, o
Estado estaria obrigado a fornecer medicamento incorporado pelo SUS. Em tais circunstâncias,
caberia ao Judiciário apenas efetivar as políticas públicas já formuladas no âmbito do sistema
de saúde. Nessa hipótese, deve-se exigir apenas que o requerente comprove: a necessidade do
fármaco; e a prévia tentativa de sua obtenção pela via administrativa. Já no caso de demanda
judicial por medicamento não incorporado pelo SUS, inclusive de alto custo, o Estado não pode
ser, como regra geral, obrigado a fornecê-lo. Não há sistema de saúde que resista a um modelo
em que todos os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiro, devam ser
oferecidos pelo Estado a todas as pessoas. É preciso racionalizar a judicialização da saúde, bem
como prestigiar as decisões dos órgãos técnicos, conferindo caráter excepcional à dispensação
de medicamentos não incluídos na política pública. Para o deferimento, pelo Poder Judiciário,
de determinada prestação de saúde, cinco requisitos cumulativos devem ser observados: a)
a incapacidade financeira de arcar com o custo; b) a demonstração de que a não incorporação
do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; c) a inexistência de
substituto terapêutico incorporado pelo SUS; d) a comprovação de eficácia do medicamento
pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e e) a propositura da demanda
necessariamente em face da União, já que a ela cabe a decisão final sobre a incorporação ou
não de medicamentos ao SUS. Propôs, ainda, a observância de um parâmetro
procedimental: a realização de diálogo interinstitucional entre o Poder Judiciário e os entes ou
pessoas com expertise técnica na área da saúde. Para o ministro Edson Fachin, as tutelas
condenatórias visando à dispensa de medicamento ou tratamento ainda não
incorporado à rede pública devem ser, preferencialmente, pleiteadas em ações coletivas ou
coletivizáveis, de forma a conferir-se máxima eficácia ao comando de universalidade que rege
o direito à saúde. A tutela de prestação individual não coletivizável deve ser excepcional.
Julgamento suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Teori Zavascki. RE 566471/RN,
rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 28-9-2016.

16A. Direito fundamental à educação. A educação na Constituição Federal.

Sarah Cavalcanti

I. Direito fundamental à educação


Consiste direito fundamental decorrente dos direitos sociais, previsto no art. 6º e nos
arts. 205 e seguintes, da CF/88. No plano infraconstitucional, é regulado pela Lei nº 9.394/96
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e pela Lei nº 10.172/01 (Plano Nacional de Educação),
este último em atenção ao art. 214 da CF/88.
Sua fundamentalidade é frequentemente justificada a partir de uma perspectiva
instrumental: a educação constituiria uma pré-condição para a autonomia pública (Habermas)
ou pré-condição para a autonomia privada (Rawls). Pode-se dizer que o art. 205 da CF/88 adota
essa perspectiva instrumental ao afirmar que a educação visa o pleno desenvolvimento da
pessoa, de modo a prepará-la para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

227
Além disso, para SARMENTO, ao atribuir o dever de educação não apenas ao Estado, mas
também à família, a CF/88 consagra a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

II. Deveres do Estado


a) garantir a educação básica obrigatória e gratuita dos 04 (quatro) aos 17 (dezessete)
anos de idade, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para quem não teve acesso na idade
própria. O acesso à educação básica é direito público subjetivo (art. 208, § 1º) e o seu não
oferecimento importa responsabilidade da autoridade responsável (art. 208, § 2º). Importante:
Até a EC 59/09, apenas era direito público subjetivo o acesso ao ensino fundamental.
Após a emenda, ampliou-se a obrigatoriedade e a gratuidade para toda educação básica, de
modo que é possível afirmar que o mínimo existencial em matéria de educação estendeu-se
para englobar todo o ensino básico.
Quanto ao direito à educação superior, é assegurado o acesso segundo a capacidade de
cada um, não sendo considerando direito subjetivo. Entretanto, em sintonia com o dever de
progressiva realização dos direitos sociais, econômicos e culturais, é possível sustentar, além
do direito subjetivo de igual acesso às vagas já disponibilizadas, um dever constitucional de
progressiva criação de cursos e vagas ou da criação de outros meios de acesso efetivo ao
ensino superior, co m o o PROUNI. Às universidades, a CF/88 garante a autonomia didático-
científica, administrativa e de gestão patrimonial, das universidades, e a possibilidade de
admitirem, em seus quadros, técnicos e cientistas estrangeiros (art. 207).
b) garantir a progressiva universalização do ensino médio gratuito;
c) atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino. Aqui, é ínsita a ideia de inclusão social;
d) educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade. Na
jurisprudência do STF e STJ predomina o entendimento no sentido da obrigatoriedade de os
municípios oferecerem o ensino infantil, configurando hipótese legítima de controle de políticas
públicas a ingerência do Judiciário nas demandas que pleiteiam a construção de creches. (RE
410.715-5);
e) garantir o acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
f) garantir a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
g) garantir atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por
meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde.

III. Princípios constitucionais orientadores do ensino


a) Igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola: assim, para a
jurisprudência, as instituições de ensino, mesmo privadas, têm de manter sistemas de isenção
para a inscrição em vestibular para aqueles que não possuem condições de arcar com o
pagamento.
b) Liberdade do ensino: constitui a dimensão negativa do direito à educação. A
liberdade de ensinar relaciona-se com a dimensão existencial do professor expressar suas
ideias, mas também com necessidade de manutenção do pluralismo (art. 206, III).
Homeschooling (ensino doméstico): no RE nº 888.815, com repercussão geral
reconhecida, o STF decidiu que não constitui meio lícito de provimento, pela família, do dever
de prover a educação dos filhos. Na ocasião, prevaleceu o entendimento segundo o qual,
embora a CF/88 não tenha vedado essa possibilidade, seria necessária regulamentação legal
para que a modalidade fosse implantada no Brasil. A PGR, contudo, manifestou-se pela
inconstitucionalidade do ensino doméstico, tendo em vista que a Constituição Federal só
permite o ensino formal nos estabelecimentos formais, públicos ou privados. Além disso, seria
importante para o desenvolvimento da criança a socialização e a diversidade que o ambiente
escolar possibilita.
c) Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas: assegura 1) a diversidade de

228
ideias e concepções pedagógicas; e 2) a coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino. Assim, é possível a exploração privada e onerosa do ensino, não sendo necessário
qualquer tipo de outorga pelo poder público, nos moldes do que ocorre no campo da
saúde (art. 209). Entretanto, submete-se à autorização e avaliação de qualidade pelo Poder
Público.
Escola sem partido: o pluralismo de ideias é profundamente comprometido por
iniciativas como a da “escola sem partido”, tendo em vista impedir que a escola seja um espaço
de livre circulação de ideias. Por conseguinte, há grave prejuízo para o “pleno desenvolvimento
da pessoa” e para o “preparo para o exercício da cidadania”, que são propósitos
constitucionalmente instituídos para o ensino formal (art. 205, CF/88). Além disso, haveria
violação à liberdade de cátedra e da possibilidade de ampla aprendizagem (art. 206, II).
d) Gratu idade do en sino públ i co e m e stab el ec i mento s of ic ia s: a cobrança
de matrícula nas universidades públicas constitui violação a este princípio (Súmula Vinculante
nº 12, STF). Esta garantia se limita ao ensino, de modo que nada impede que a universidade
cobre mensalidade em cursos de especialização, que se qualificam como pesquisa (STF, RE
597.854/GO). Por fim, a gratuidade t a m b é m não se aplica às instituições educacionais
oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação da
Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos (art.
242, CRFB/88).
e) Valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei,
planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos,
aos das redes públicas: o reconhecimento econômico deve refletir a relevância da missão
desempenhada. Assim, cabe ao Estado criar um Plano de Carreira e Remuneração do Magistério
para os profissionais do ensino fundamental público, em que se assegure remuneração condigna
e melhoria da qualidade de ensino (Lei nº 9.424/96).
f) Gestão democrática do ensino: busca a concretização da democracia participativa (art.
1º, pu, CF/88) e do pluralismo.
Ocupações nas escolas: o ato político de ocupação é compatível com o preparo do
indivíduo para o exercício da cidadania (art. 205). Além disso, a interação humana e a
convivência nos movimentos sociais integram os processos formativos que se inserem na
educação. Entretanto, a gestão democrática do ensino impõe que sejam consideradas a
oposição de alunos que desejam o reestabelecimento das aulas. O papel do MP, portanto, é
intervir para a facilitação do diálogo.
g) Garantia do padrão de qualidade;
h) Piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública:
foi criado pela Lei nº 11.738/2008.

IV. Composição dos níveis de ensino

Infantil Até 5 anos de idade, sendo oferecida por meio de


creches (até 3 anos) e pré-escolas (até 5 anos), nos
termos do art. 30 da LDB.
Fundamental Tem duração de 9 anos e seu objetivo é assegurar a
EDUCAÇÃO formação básica do cidadão (art. 32, LDB).
BÁSICA Ensino médio Duração mínima de 3 anos e pretende o
aprofundamento do conhecimento e a preparação
básica para o trabalho (art. 35, LDB).

SUPERIOR

No ensino fundamental, serão fixados conteúdos mínimos, de forma a assegurar


formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. Deve

229
também ser garantido 1) o ensino religioso, de matrícula facultativa; e 2) a adoção da língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem (art. 210 c/c 231). Atente-se, ainda, para o
disposto no artigo 242, §1º, CR, segundo o qual o ensino da História do Brasil levará em
conta as contribuições culturais e etnias par a formação do povo brasileiro.
Ensino confessional nas escolas públicas: a PGR ajuizou ADI pedindo a interpretação
conforme ao art. 33, §§ 1º e 2º, da LBD e ao art. 11, § 1º do acordo de Brasil-Santa Sé, para
garantir que o ensino religioso fosse oferecido de maneira não confessional, compatível com a
laicidade do Estado (art. 19, I, CF/88). O STF julgou improcedente a ADI, estabelecendo a
possibilidade de ensino religioso confessional em escolas públicas, como decorrência da
liberdade religiosa (art. 5º, VI), desde que seja facultativo (art. 210, § 1º) e desde que se garanta
oportunidade a todas doutrinas religiosas.

V. Repartição de competências constitucionais


A competência é comum para propiciar meios de acesso à educação (art. 23) e
concorrente legislar sobre educação e ensino (art. 24, IX). Vigora o princípio do federalismo
cooperativo entre os entes federados (art. 211 caput e § 4º CF). Municípios atuam
prioritariamente no ensino fundamental e infantil. Estados atuam prioritariamente no ensino
médio e fundamental. A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios,
financiará as instituições de ensino público Federal e exercerá, em matéria educacional, função
redistributiva e supletiva. (art. 211, §§ 1º, 2º e 3º CF).

VI. Financiamento da educação


O financiamento se faz de forma direta pelas receitas orçamentárias dos entes federados,
havendo sistemática de vinculação que excepciona o princípio da não afetação. O
descumprimento de aplicação mínima dos recursos pode ensejar intervenção, por violação aos
princípios constitucionais (interv. federal - art. 34, VII, e; interv. estadual - art. 35, III, CRFB).

UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS


No mínimo, 18% da receita No mínimo, 25% de No mínimo 25% de
de impostos. impostos, compreendida impostos, compreendida
as transferências. as transferências

A educação básica tem como fonte adicional a contribuição social do salário educação, de
competência da União, cujas cotas são distribuídas proporcionalmente ao número de alunos
matriculados nas redes públicas de ensino. (art. 212, §§ 5º e 6º)

Aplicação dos recursos públicos: embora os recursos públicos sejam destinados às escolas
públicas, podem, também, ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas,
definidas em lei, que (a) comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes
financeiros em educação; (b) assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola
comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de
suas atividades. Tais recursos poderão, ainda, ser destinados a bolsas de estudo para o ensino
fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos,
quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência
do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de
sua rede na localidade. Também poderão receber apoio financeiro do Poder Público as
atividades universitárias de pesquisa e extensão. Art. 213, CR.

VII. Casuística
a) cotas raciais: em ADIN que discutia a constitucionalidade das cotas raciais,
STF confirmou a constitucionalidade destas porque permitem que a igualdade material seja

230
alcançada através de técnica de “justiça distributiva”, onde há a intervenção do Estado para
realocação de bens e oportunidades em benefício de todos (INF 663/STF).
b) cotas nas universidades: o S T J manteve a vaga, na universidade, de uma aluna
negra que fez parte do ensino médio em escola privada devido a bolsa de estudos integral
(quando somente alunos de escola pública teriam acesso às cotas), por se tratar de situação
peculiar que atrairia a proteção do Estado na garantia do direito à educação (STJ, REsp
1.254.118).

9A. Comunicação social. A imprensa na Constituição. Liberdades públicas, acesso à informação


e pluralismo.

Ana Carolina Castro Tinelli, 29.09.2018

I. Comunicação Social. Tendo em vista a importância do assunto, o legislador


constituinte consagrou um capítulo específico para a comunicação social (capítulo V), em que
corroborou a garantia da liberdade da manifestação do pensamento, da criação, da expressão e
da informação, proibiu a edição de leis contendo embaraço à liberdade de informação
jornalística e vedou qualquer censura política, ideológica e artística. A disciplina constitucional
dos meios de comunicação no Brasil não se volta apenas à proteção (liberdade negativa) dos
emissores das manifestações, priorizando, também, os direitos dos receptores ao amplo acesso
a pontos de vista diversificados. Neste passo, os meios de comunicação social não podem, direta
ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
A regulação da imprensa deve preencher as falhas naturais do mercado no ramo da
comunicação social, de modo que o Estado deve fomentar a melhoria da qualidade do debate
público e a inclusão do maior número possível de grupos sociais e pontos de vida distintos no
mercado de ideias (democratização do espaço comunicativo). Sarmento enfatiza que há o risco
de que intervenções estatais resultem não em pluralização do debate público, mas em censura
disfarçada ou favorecimento aos pontos de vista dos governantes. Mas esse risco não autoriza
a adoção de um modelo de absenteísmo estatal, pois devem ser adotados meios de diminuir
abusos. Destaca-se a “fairness doctrine”, que tem origem nos EUA e sustenta que se o Estado
não intervém no mercado livre da imprensa e do fluxo de ideias, muitas vozes nunca terão o
direito de se expressar.
II. A imprensa na Constituição. A liberdade de imprensa garante o bom funcionamento
do regime democrático, pois contribui para a formação da opinião pública independente e
tomada de decisões, na medida em que veicula informações acerca da coisa pública em todos
os seus aspectos, necessárias para o exercício responsável dos direitos de cidadania,
especialmente o voto, bem como possibilita o controle social do poder.
A liberdade de expressão depende da garantia de liberdade de empresa jornalística e
de radiodifusão, porém, a própria CF limita esta liberdade ao dispor que a propriedade de
empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros
natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sede no país, sendo que pelo menos 70% do capital total e do capital
votante deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais
de dez anos, os quais exercerão, obrigatoriamente, a gestão das atividades e estabelecerão o
conteúdo da programação. Lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas referidas
empresas e as alterações de controle societário serão comunicadas ao Congresso Nacional.
Ainda, em qualquer meio de comunicação social a responsabilidade editorial e as atividades de
seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados
há mais de dez anos.
Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização
para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens. A não renovação da concessão ou
permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em
votação nominal. O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo,

231
depende de decisão judicial. O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as
emissoras de rádio e de quinze para as de televisão. O Congresso Nacional instituirá, como seu
órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.
Distingue-se censura de controle. A censura consiste em exame prévio de conteúdo e
configura instrumento odioso utilizado pelos regimes ditatoriais, não compatível com o regime
democrático, razão pela qual o Constituinte assegurou a liberdade de expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de licença, vedada toda
e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Por outro lado, são admitidos
certos tipos de controle dos meios de comunicação: a) controle administrativo, no sentido de
competir à União exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de
programas de rádio e televisão, bem como a outorga de concessão, permissão e autorização
para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens; o controle judicial (inafastabilidade
da jurisdição); c) controle realizado pelas próprias emissoras ou autorregulação; d) o controle
social.
A CF88 relativizou a autonomia editorial das rádios e televisões, ao estabelecer
princípios que devem observar em sua programação: “preferência a finalidades educativas,
artísticas, culturais e informativas”, “promoção da cultura nacional e regional e estímulo à
produção independente que objetive sua divulgação”, “regionalização da produção cultural,
artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”, e “respeito aos valores éticos
e sociais da família” (art. 221, CF). Tais princípios concretizam a função social da comunicação
e consubstancia direito difuso que pode ser objeto de ACP.
A publicação em veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
Mas os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagem deverão ser explorados diretamente
pela União ou mediante autorização, concessão ou permissão observado a complementaridade
dos sistemas privado, público e estatal (art. 223, caput). O sistema público de comunicação é
importante para concretizar a liberdade de manifestação do pensamento de forma dissociada
dos programas estatais e da dominação por parte de interesses privados afetos ao mercado.
Assim, o sistema público de comunicação possibilita a divulgação livre de posições
contramajoritárias, em ordem a robustecer o pluralismo e a diversidade. Neste sentido, a PFDC,
por meio da Nota Técnica 7/2016 e de Representação à PGR para ajuizamento de ADI,
considera inconstitucional a Medida Provisória (posteriormente convertida em Lei) que
promoveu alterações na estrutura da Empresa Brasil de Comunicação. Inconstitucionalidade
formal, por ausência de relevância e urgência (art. 62), pois houve alteração dos contornos de
participação social, o que demandaria prévio e amplo debate com a sociedade civil. Neste
aspecto, menciona-se a zona de certeza positiva (presença de relevância e urgência), a zona
cinzenta (dúvida), e a zona de certeza negativa (ausência patente de relevância e urgência), que
foi o caso da MP em questão. Ressaltou-se que a atual jurisprudência do STF é no sentido de
que os vícios formais da MP não são superados com a sanção e a conversão em lei. Também foi
alegada a quebra do princípio da separação dos poderes, ante a utilização abusiva da função
legislativa pelo Poder Executivo, pois a MP é via inadequada para o caso. No aspecto material,
houve violação à liberdade de manifestação de pensamento e plena liberdade de informação
jornalística: “As inúmeras modificações na estrutura da EBC, notadamente a extinção do
Conselho Curador e do mandato do diretor-presidente, bem demonstram a intenção de
enfraquecer a autonomia na formulação da linha editorial e da programação da emissora,
buscando, assim, torná-la mais vulnerável em face do mercado e, em especial, do Poder
Executivo. A existência de um sistema de comunicação pública, não governamental, no seio do
Estado tem por objetivo central assegurar a efetiva realização da liberdade de manifestação
do pensamento, notadamente pela possibilidade de serem ouvidas outras vozes, além
daquelas emitidas pelo Poder e pelo mercado. Retira-se a possibilidade material de serem
veiculadas informações jornalísticas que possam contrariar os interesses dos governantes, já que
não se conta mais com a presença institucionalizada do Conselho Curador, bem como não há a
possibilidade de resistir aos comandos governamentais, pois os dirigentes são todos demissíveis
pela simples vontade dos governantes.”. Também configurou ofensa ao princípio da

232
complementariedade: art. 223 c/c art. 5o, inciso XIV, da CF: “A Constituição Federal, para
assegurar o pluralismo democrático (artigo 1o), além de estabelecer diversos princípios e
mecanismos institucionais, no capítulo reservado à Comunicação Social, previu, de forma
expressa, a proibição da concentração (artigo 220, § 5o) e, também, a complementariedade
entre os sistemas existentes (privado, estatal e público).” Por fim, houve afronta à proibição do
retrocesso e lesão ao direito a igualdade com a extinção do conselho curador e, portanto, de
participação da sociedade civil no controle de produção da informação e na garantia plena da
liberdade de expressão sob o viés do direito da informação.
III. Liberdades públicas, acesso à informação e pluralismo. As principais classificações
do direito de expressão são: (i) Direito de informar, se informar, e ser informado: o direito de
informar tem relação com o direito de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber, bem como com o direito de antena, em que há possibilidade de repartir, partilhar e trocar
informações. O direito de se informar é garantido a todos, resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional. O direito de ser informado se refere ao dever do Estado de
dar publicidade aos seus atos e ao dever-poder de informação que recai sobre os veículos de
comunicação em atenção à sua função social; (ii) Direito de crônica, crítica, de expressão de
ideias, de expressão artística. A crônica consiste na narrativa de fatos, enquanto na liberdade de
crítica predomina a contextualização das informações e valoração dos dados, sendo assegurada
ainda que desfavorável e em tom contundente. A liberdade de expressão de ideias consiste em
conteúdos mais abstratos e concepções gerais, como teorias, doutrinas, opiniões. O direito de
expressão artística é voltado ao lazer e criação artística, não sendo dado ao Estado definir o que
é arte. Sobre isto, a PFDC, na Nota Técnica 11/2017, concluiu que nas manifestações artísticas
deve ser tomada como parâmetro a figura do “expectador reflexivo” (e não de uma pessoa que
desconhece as formas como a arte se manifesta ou com educação abrangente). Toda criança ou
adolescente terá acesso a diversões e espetáculos públicos e os responsáveis pelos eventos têm
a obrigação de informar ao público, prévia e adequadamente, sobre a respectiva natureza e
faixas etárias a que não se recomende, de forma a permitir a escolha livre e consciente por parte
de pais e responsáveis.
Os limites à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicações estabelecidos na Constituição são os seguintes: a) a vedação do anonimato (para
assegurar eventual responsabilização posterior; b) a ofensa à honra e à imagem de terceiros
acarretará a possibilidade de direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização;
c) o direito de crianças e adolescentes a diversões e espetáculos públicos adequados à sua faixa
etária, mediante indicação da natureza do conteúdo; d) o direito das pessoas e das famílias de
se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem os princípios
constitucionais, bem como da publicidade de produtos, práticas e serviços que possam ser
nocivos à saúde e ao meio ambiente; e) manifestações de caráter racista ou dirigidas à
propagação do ódio, mas muitas vezes é difícil distinguir o discurso de ódio de uma manifestação
que apenas desagrada. Restrições diversas ao direito somente podem decorrer da ponderação
com outros princípios constitucionais fundamentais, mas a liberdade de expressão ocupa uma
“posição de preferência”/“prioridade prima facie”, de modo que há maior carga argumentativa
para afastá-la. Ainda, são suspeitas todas as medidas que limitem a liberdade de expressão, bem
como, dada a proibição da censura, tem-se a primazia das responsabilidades posteriores pelo
exercício eventualmente abusivo (Nota Técnica 11/2017 PFDC). A liberdade de expressão é
essencial para a concretização de outros direitos fundamentais (metadireito) e há de ser
entendida como gênero (direito-mãe), pois abrange todas as liberdades comunicativas
correlatas (de imprensa, manifestação do pensamento, informação).
Esfera pública e discursividade: O chamado right to communicate (“r2c”) possui duas
facetas: o direito do comunicante e o do recipiente. Ingo Sarlet destaca que as liberdades
comunicativas concretizam a dignidade, na vertente da autonomia e desenvolvimento da
personalidade, bem como, numa dimensão social e política, asseguram a democracia e o
pluralismo político. A propagação e debate de ideias no espaço público confere maior
densidade ao princípio da igualdade, protegendo minorias e concretizando o direito à

233
diferença. Não há liberdade sem acesso LIVRE à informação: um mundo de homens livres é um
mundo de homens informados que fazem suas opções com consciência. Habermas defende a
democracia deliberativa, privilegiando o debate de ideias em espaço público.
Daí a consagração do direito de resposta, o qual consubstancia, de um lado, tutela
específica dos direitos individuais, oriunda da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas
relações entre particulares (que exige contraditório e ampla defesa), e de outro, tutela do direito
difuso de acesso à verdade (de ser informado). É instrumento de MÍDIA COLABORATIVA
(Gustavo Binenbojm), pois o público é convidado a colaborar com versões e pontos de vista. Não
está limitado à prática de algum ilícito penal/civil pela empresa de comunicação, pois abrange
quaisquer fatos de interesse público. Sarmento faz interpretação sistemática da CF e adota
concepção mais ampla do instituto, que permite o exercício coletivo do direito de resposta,
como um instrumento de pluralização dos meios de comunicação social.
Ainda, Sarmento diz que o Estado deve atuar para promover tanto o pluralismo externo
e interno no âmbito da comunicação social. Pluralismo externo: trata-se não só de combater a
formação de monopólios e oligopólios no âmbito da comunicação de massas (art. 220, §5º, CF),
como também de desenvolver uma mídia pública, e ainda fomentar o surgimento de veículos
alternativos, destinados a setores que não têm acesso aos canais tradicionais da comunicação
social, abrindo espaço para novas vozes (ex. rádios comunitárias). Pluralismo interno: Estado
deve assegurar que os meios de comunicação de massa se dediquem ao tratamento de temas
de interesse público e que proporcionem cobertura adequada dos diversos pontos de vista
existentes, tal como exigido pela fairness doctrine. A intervenção do Estado, no que tange à
promoção do pluralismo interno, deve ser a posteriori e submetida a controle social e
jurisdicional. Os agentes estatais de fiscalização do pluralismo da mídia devem gozar de plena
independência e o modelo mais apropriado, para Sarmento, seria de agência reguladora, com
representantes de variados setores da sociedade e atuação limitada por regras claras, que
impeçam qualquer tipo de censura e favorecimento de pontos de vista preferidos pelo
governo ou interesses privados (prevenção de abusos).
O pluralismo político é fundamento constitucional, não se restringe à acepção político-
partidária e alcança todas as concepções e ideias, de sorte que a regulação dos meios de
comunicação de massa, à vista do poder de influência, deve pautar-se pela amplitude do
discurso público. Gustavo Binenbojm entende que o Estado tem o dever de reconhecimento e
promoção de fenômenos como as “rádios comunitárias”, que dão voz a grupos alijados do
debate. É contraditório que o Estado, além de não prover acesso adequado das comunidades
carentes à grande mídia, vede o uso do instrumental por elas mesmas desenvolvido. Destaca a
necessidade de acabar com sua ilegalidade (inconstitucionalidade por omissão).
Jurisprudência do STF: (1) ADPF 130-7/DF: não recepção “in totum” da Lei de Imprensa,
por incompatibilidade material insuperável, sob pena de sufocar todo o pensamento crítico do
país; (2) RE 511961: dispensa de diploma para o exercício profissional do jornalismo, aplicado o
princípio da proporcionalidade; (3) RE 414426: a profissão de músico não está condicionada ao
prévio registro ou licença de entidade de classe, em razão do direito de expressão artística; (4)
ADI 4274 e ADPF 187: liberdade de reunir e expressar-se pela abolição penal sem que configure
alusão criminosa (marcha da maconha); (5) caso Ellwanger: liberdade de expressão não abrange
o discurso de ódio (hate speech, fighting words). Trata-se de hard case envolvendo publicações
antissemitas, cujo conteúdo violou os princípios da dignidade e igualdade, além de configurar
racismo; (6) caso Gerald Thomas (HC 83996): diretor de teatro foi vaiado e reagiu com ato
obsceno. Ordem concedida em HC, pois o ato foi abarcado pela liberdade de expressão; (7) Caso
Jonas Abib (RHC 134682): liberdade religiosa abrange proselitismo e crítica a outras religiões;
(8) RHC 146303: a incitação ao ódio público contra quaisquer denominações religiosas e seus
seguidores não está protegida pela liberdade de expressão; (9) ADI 485 (biografias): não
necessitam de autorização prévia em especial porque a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais (caso Luth) veda aos particulares a censura; (10) ADI 4451 (humor): o rádio e a
televisão, por constituírem serviços públicos dependentes de outorga do Estado, têm o dever
de imparcialidade, mas isso não os impede de difundir opinião contrária. Permitida a trucagem,

234
montagem ou outro recurso de áudio e vídeo que degrade, ridicularize candidato, partido ou
coligação. (11) ADI 2404: classificação indicativa é meramente informativa, de modo que é
inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado”, contida no art. 254 do ECA,
que tipifica como infração administrativa a transmissão, via rádio ou televisão, de programação
em horário diverso do autorizado. É legítima a exigência de que as emissoras submetam os
programas à análise e classificação pelo Ministério da Justiça, mas o Poder Público pode apenas
recomendar os horários adequados, e não proibir a exibição. Permanece o dever das emissoras
de exibir o aviso de classificação etária, e não estão livres de responsabilização em caso de
abusos; (12) Cabe reclamação contra decisão judicial que determina retirada de matéria
jornalística de blog ou site, por afronta ao decidido na ADPF 130 (não recepção da lei de
imprensa); (13) não cabe reclamação contra sentença que julgou improcedente pedido de
direito de resposta sob o fundamento de que não houve ofensa, pois necessário o reexame de
matéria fática; (14) ADI 2566: é inconstitucional o dispositivo da Lei nº 9.612/98 que proíbe,
nas emissoras de radiodifusão comunitária, a prática de proselitismo. A liberdade de
pensamento inclui o discurso persuasivo e não apenas a divulgação de informações.
Em evento na ESMPU, Deborah Duprat consignou que mesmo as informações tidas
como “falsas” estão abrangidas pela liberdade de expressão. Entende que a expressão “fake
news” é equivocada, pois pensamentos, opiniões e fatos se colocam sempre na perspectiva de
indivíduos ou grupos situados historica e culturalmente, com inúmeras variáveis. Não há certo
e errado. Não deve prosperar a noção de que fatos devem ser verdadeiros e opiniões não
precisariam refletir a verdade, pois tudo está no âmbito da liberdade de expressão. Precisamos
concordar que somos seres discordantes. É contra todos os projetos de lei que existem para
estabelecer limites, punições e regras ao que é dito na internet, ante o efeito
inibidor/silenciador. A internet é espaço para ampliação de ideias e discussões. Teme as
soluções que colocam nas mãos das plataformas privadas a possibilidade de retirar conteúdos
tidos como falsos e odiosos, pois os particulares estão sujeitos a pressões políticas/econômicas
e têm preferências e concepções a respeito do que é ou não falso/odioso. A censura estaria
sendo colocada nas mãos de ente privado. É contra a supressão de qualquer conteúdo da
internet, salvo decisão judicial. É necessário pensar em soluções propositivas e não repressivas,
trabalhar na base da contrainformação, com estímulo a espaços independentes que façam
levantamento de informações. Destacou a lei de acesso à informação, cujo cumprimento deve
ser vigiado pelo MP. Entende que a censura atinge principalmente os grupos historicamente
silenciados, por isso é necessário que a internet seja cada vez mais livre e de acesso igual.

17A. Proteção constitucional à família, à criança, ao adolescente e ao idoso.

Atualizado e complementado por Valmor Cella Piazza

TUTELA CONSTITUCIONAL DA FAMÍLIA: A família foi reconhecida como base da


sociedade a receber proteção do Estado (art. 226 e ss CRFB). GUSTAVO TEPEDINO: na CR/88, "a
milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores
culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à
dignidade de seus membros. em particular no que concerne ao desenvolvimento da
personalidade dos filhos". A Constituição estabelece deveres entre seus membros, tais quais o
dos pais de criar , educar e assistir os filhos menores, e o dos filhos de ajudá-los e ampará-los na
velhice , carência ou enfermidade (art. 229 CF). Trata-se da expressão eloquente da adocão do
princípio da solidariedade e solidariedade em nosso ordenamento, havendo regulamentação
infraconstitucional do dispositivo, como na criminalização de condutas que atentem contra a
família (Título VII do CP) e na regulamentação da obrigação alimentar entre familiares (art. 1.696
e 1.697 CC).
A CR/88 abandona a concepção tradicional de família, antes formada apenas pelo
casamento, e passa a conferir protecão a arranjos monoparentais (art. 226 , § 4º). Também
reconheceu a protecão à união estável (art. 226 , § 3º). Tudo assentado à luz dos seguintes

235
princípios: 1) Princípio do pluralismo familiar ou da liberdade de constituição de uma
comunhão de vida familiar: valorização das relações de afeto sobre a solenidade do casamento,
em especial com o reconhecimento da União Estável e de novas formas de família. Consiste em
verdadeira vedação a tentativas de o Estado restringir os arranjos familiares a determinados
conceitos ou solenidades. A sociedade evolui, as relações interpessoais se alteram e o direito
deve dar guarida aos novos arranjos familiares. 2) Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges
e companheiros: os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente
pelo homem e pela mulher; 3) Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos: decorre dos
princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana - iguala a condição dos filhos havidos
ou não no casamento, ou por adoção, não mais admitindo-se qualquer diferenciação; e 4)
Princípio da parentalidade responsável e planejamento familiar: o planejamento familiar é
livre decisão do casal, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da parentalidae
responsável. Evolui para o conceito de família democrática, pela qual o planejamento familiar
passa também pela opinião dos filhos.
EXPULSÃO DO ESTRANGEIRO CASADO OU EM UNIÃO ESTÁVEL: (a) O óbice à expulsão,
previsto no art. 55, II, ‘b’, L13.445/2017 ("Não se procederá à expulsão quando: lI - o expulsando:
b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido
judicial ou legalmente"), pressupõe verdadeira comunhão de vida, e não simples
relacionamento eventual; (b) "O fato de o expulsando ter sido visitado pela amásia na prisão,
durante certo período, enquanto esteve cumprindo pena, não configura a hipótese [...] a obstar
a expulsão." (HC 80.322 , Min. Sydney Sanches)
UNIÃO HOMOAFETIVA: ADI 4277 e ADPF 132. A despeito de a redação do art. 226, §6º,
tratar de união estável entre homem e mulher, bem como de se conhecer a pretensão do
constituinte de não estender aos pares homoafetivos a proteção conferida à união estável, o
STF reconheceu que pessoas do mesmo sexo podem constituir união estável e, por conseguinte,
fazerem jus aos mesmos direitos conferidos às famílias heterossexuais. Os principais
argumentos foram: a) igualdade entre homo e heterossexuais e liberdade de manifestar a
sexualidade (art. 5º CRFB); b) a família é núcleo de afetividade, que não se diferencia entre
pessoas de diferentes sexualidades; c) o art. 226, §3º, traz norma de inclusão, que não pode
restringir a proteção das famílias homoafetivas. Com base nessa decisão o STJ, ao decidir o REsp
1183378/RS avançou no tema e entendeu possível o casamento civil entre pessoas do mesmo
sexo, vez que inexiste no ordenamento pátrio qualquer vedação à habilitação para o casamento
de pessoas do mesmo sexo, bem como o mandamento constitucional de facilitação da União
Estável em casamento.
"Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial
significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou
se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao
utilizar-se da expressão 'família', não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a
formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada
que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade
civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de
concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por 'intimidade e vida
privada' (art. 5º, X). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente
ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma
autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é
conteúdo. Imperiosidade da interpretação não reducionista do conceito de família como
instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da CF de 1988 no
plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-
cultural. Competência do STF para manter o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo
da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das
pessoas." (ADI 4.277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, 5-5-2011)
DIVÓRCIO: a partir da EC 66/10, o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, de
forma direta, prescindindo de lapso temporal como requisito.

236
TRANSFERÊNCIA DE PRESÍDIO: o simples fato de o paciente estar condenado a delitos
tipificados como de gravidade elevada não obstaria, por si só, a possibilidade de ser transferido
para um presídio não distante de sua família, considerada a base da sociedade e dotada de
especial proteção por parte do Estado (CF, art. 226). HC 101540, Rei. Min. Ayres Britto (lnf . 605).
TUTELA CONSTITUCIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE : Sobressai da ordem social
preconizada na CR/88, Capítulo VII, Título VIII, a explícita priorização na proteção da criança e
do adolescente, com a previsão de uma ordem de proteção máxima e especial que lhes fora
atribuída, conforme se constata do caput do art. 226 , "A Família, base da sociedade , tem
especial proteção do Estado" combinado com o art. 227, §3º: "É dever da família, da sociedade
e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação , à educação , ao laser, à profissionalização , à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação , exploração, violência, crueldade e opressão". Tal função
garantista da CF deve ser compreendida com a convocação do metaprincípio da dignidade da
pessoa humana, em face da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento em que se
encontram as crianças e adolescentes. Criança é aquela com idade de até 12 anos incompleta;
adolescentes são aqueles com idade de 12 anos completos aos 18. Excepcionalmente, o ECA
aplica-se àqueles que já completaram 18 anos, como na aplicação de medidas socioeducativas
e de proteção, antes do advento dos 21 anos (art. 122, § 5º e STJ HC 27.363) . Dentre os
princípios:
Doutrina da protecão integral: Impõe ao Estado, à família e à sociedade, com absoluta
prioridade, assegurar ao jovem, à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade, à convivência comunitária, à proteção contra a negligência, à discriminação, à
exploração, à violência, à crueldade e à opressão;
Princípio do melhor interesse da criança: Impõe o dever de busca da solução que
proporcione maiores benefícios para a criança, adolescente ou jovem. Este princípio foi
argumento decisivo na decisão do STJ sobre a possibilidade de adoção por casal homoafetivo
(REsp 889.852), porquanto atenderia ao melhor interesse da criança. No âmbito da cooperação
jurídica internacional em matéria civil destaca-se a convenção de Haia de 1980 sobre o aspecto
civil do seqüestro internacional de crianças, que toma como objetivo concretizador do melhor
interesse da criança o retorno imediato da criança ilicitamente transferida para qualquer estado
contratante (art. 1º). Autoridade central brasileira para o tema é a Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência.
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO COM FILHO BRASILEIRO: "Habeas corpus. Medida liminar.
Expulsão de estrangeiro . Paternidade sobre filho menor impúbere brasileiro nascido após a
prática do delito ensejador do ato de expulsão. O status quaestionis na jurisprudência do STF.
Condições de inexpulsabilidade: dependência econômica ou vínculo socioafetivo .
Considerações em torno do afeto como valor constitucional irradiador de efeitos jurídicos. A
valorização desse novo paradigma como núcleo conformador do conceito de família. A relação
socioafetiva como causa obstativa do poder expulsório do Estado. Dever constitucional do
Estado de proteger a unidade e de preservar a integridade das entidades familiares fundadas
em relações hetero ou homoafetivas. Necessidade de proteção integral e efetiva à criança e/ou
ao adolescente nascidos no Brasil. Plausibilidade jurídica da pretensão cautelar . Configuração
do periculum in mora. Medida cautelar deferida." (HC 114.901-MC, rel. min. Celso de Mello,
decisão monocrática, 26- 11-2012)
ALIENAÇÃO PARENTAL: A Lei 12.318/2010 dispôs sobre a alienação parental.
“Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou
do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham
a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou
que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
ADOÇÃO INTERNACIONAL: regulada pelo ECA e pela Convenção Relativa à Proteção e
Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional (Dec. n. 3.087/99). Caracteriza-

237
se como o único modo de colocação em família substituta estrangeira. De acordo com o art.
31 do ECA, trata-se de medida excepcional, sendo preferível a adoção por brasileiro ou
estrangeiro residente no País àquela para fora do Brasil (internacional). Obs. A adoção por
brasileiros residentes no exterior é considerada internacional. No âmbito da cooperação jurídica
internacional, destaca-se a convenção de Haia de 1980, sobre o aspecto civil do sequestro
internacional de crianças, que toma como objetivo concretizador do melhor interesse da
criança, o retorno imediato da criança ilicitamente transferida para qualquer estado
contratante. (art. 1º). A autoridade central brasileira para o tema é a Secretaria Especial de
Direitos Humanos da Presidência.
INIMPUTABILIDADE: Por disposição constitucional os menores de 18 anos são
inimputáveis (art. 228), aplicando-se às crianças que praticam atos equiparados a crimes
medidas de proteção e aos adolescentes medidas de proteção e medidas sócioeducativas. Muito
se discute na doutrina se o art. 228 é cláusula pétrea que impediria a redução da maioridade
penal.

TUTELA CONSTITUCIONAL DO IDOSO: No Capítulo destinado à família, o art. 229 da


CRFB reconheceu o princípio da solidariedade nas relações familiares, incumbindo os pais o
dever de ampararem os filhos menores e a estes ampararem aqueles na velhice, carência ou
enfermidade. Desdobramento natural do princípio da solidariedade, a família, a sociedade e o
Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade,
defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida (art. 230, CF).
Ao idoso, considerado para fins legais o maior de 60 anos, foi conferida especial
proteção pela constituição, tema regulamentado pela Política Nacional do Idoso (L8.842/94) e
Estatuto do Idoso (L10.741/03), a destacar o direito fundamental ao envelhecimento saudável.
Tais diplomas trouxeram princípios e garantias assecuratórios da dignidade humana na terceira
idade (ex.: a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos
da cidadania, garantindo sua participação na comunidade , defendendo sua dignidade , bem-
estar e o direito à vida.) Dentre os direitos garantidos, alguns se restringem aos maiores de 65
anos, destaca-se:
a) Benefício de Prestação Continuada (LOAS), quando não possuir meios para prover,
por si ou por sua família, sua manutenção (art. 34); b) Gratuidade nos transportes coletivos
urbanos (art. 39 c/c 230, §2º, CF), cuja constitucionalidade já foi afirmada pelo STF (ADI 3.768);
c) direito, nos termos da legislação local, a certas vantagens nos transportes coletivos
interestaduais (art. 40).
CELERIDADE PROCESSUAL EM CRIMES PRATICADOS CONTRA IDOSOS: art. 94 do
Estatuto do Idoso - aos crimes previstos na referida Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade
não ultrapasse 4 anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei 9.099/95 e, subsidiariamente,
no que couber, as disposições do CP e do CPP. Esse dispositivo foi questionado em ADI pela PGR,
pois seria mais benéfico ao infrator praticar crime contra o idoso do que crime comum.
Entendeu o STF pela aplicação somente do procedimento sumaríssimo da L9.099/95, com
afastamento das medidads despenalizadoras, bem como impedindo qualquer interpretação
benéfica ao autor do crime (ADI 3096, R. Min. Cármen Lúcia).

18B. Direitos das pessoas portadoras de deficiência. A Convenção da ONU sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.

Ana Carolina Castro Tinelli, 2.10.2018

A origem dos direitos das pessoas com deficiência compreende quatro fases: a fase da
exclusão, marcada pela intolerância e privação de acesso ao mercado de trabalho, à educação
e ao convívio social (a pessoa com deficiência era vista como um perigo a ser afastado); a fase
da segregação, em que as pessoas com deficiência tinham acesso ao mercado de trabalho, à
educação e à serviços diversos, mas apenas em instituições próprias, em uma espécie de

238
apartheid; a fase de integração, de cunho assistencialista, marcada pela perspectiva médica e
biológica de que a deficiência era uma “doença a ser curada”, com a inserção social, inclusive no
ensino e mercado de trabalho regular, mas com a adoção de medidas de atendimento somente
em salas exclusivas e atividades específicas; e, por fim, a fase de inclusão, orientada pelo
paradigma dos direitos humanos, em que emerge o direito à participação igualitária em todos
os aspectos, com a adoção de medidas para eliminar obstáculos e barreiras culturais, físicas e
sociais. Desse modo, tendo em vista a virada paradigmática, não se fala mais em pessoa
portadora de deficiência, mas em pessoa com deficiência, pois o termo “portador” remete a
ideia de enfermidade.
No âmbito constitucional, vale citar o dispositivo que proíbe qualquer discriminação no
tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência (CF, art. 7º, XXXI), bem
como a previsão de que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as
pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão (art. 37, VIII). Ainda, é
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da
garantia das pessoas portadoras de deficiência. Por fim, compete à União, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção e integração social das pessoas
portadoras de deficiência.
Ainda, é possível a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de
aposentadoria às pessoas com deficiência, seja pelo regime geral (RGPS) ou próprio (RPPS) de
previdência social, nos termos definidos em leis complementares. O art. 100, § 2º, estabelece
preferência no pagamento de precatórios de natureza alimentar cujos titulares sejam pessoas
com deficiência.
Ademais, a assistência social tem como objetivos, entre outros, a habilitação e
reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária, bem como a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou
de tê-la provida por sua família (LOAS).
No tocante à educação, o constituinte consignou o dever do Estado de garantir
atendimento educacional especializado às pessoas deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino, bem como a criação de programas de prevenção e atendimento
especializado, a integração social mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a
facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos
arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. A CF também incumbiu o legislador
infraconstitucional da elaboração de normas deconstrução e adaptação dos logradouros e dos
edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado.
No âmbito infraconstitucional, vale destacar: a Lei 7.853/89, que criou a Coordenadoria
Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência – CORDE; o Decreto 3.298/99 que
regulamentou a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência; a Lei 8.112/90,
que reservou 20% das vagas de concurso público às pessoas com deficiência, desde que as
atribuições do cargo postulado sejam compatíveis; a Lei 8.213/91 trouxe a obrigatoriedade de
empresas a partir de 100 empregados preencherem percentuais de seus cargos com
beneficiários reabilitados e pessoas com deficiência habilitadas; a Lei 8.749/93 regulamenta o
benefício assistencial de prestação continuada ao deficiente e ao idoso (LOAS); a Lei 8.899/94
dispõe sobre a concessão de passe livre às pessoas com deficiência no transporte coletivo
interestadual e é regulamentada pelo Decreto 3.691/00; a Lei 9.394/96, ao regulamentar a
educação especial, atentou para currículos, métodos, técnicas e recursos educativos específicos,
bem como professores especializados e capacitados para a integração dos educandos com
deficiências nas classes comuns; a Lei 10.098/00 trouxe critérios básicos para a promoção da
acessibilidade, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos,
no mobiliário urbano, na construção e reforma dos edifícios e nos meios de transporte e de
comunicação; a Lei 10.216/01 regulamenta a proteção e os direitos das pessoas com transtornos
mentais, redimensionando o modelo de assistência à saúde mental no Brasil; a Lei 12.764/2012
instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos de Pessoa com Transtorno do Espectro

239
Autista. O uso da expressão “espectro autista” busca eliminar o termo pejorativo “autista” e
autoriza abranger outras síndromes; a Lei 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de
Inclusão (inspirada pela Convenção da ONU); e a Lei nº 13.409/2016, que alterou a lei de cotas
no ensino técnico e superior, para prever reserva de vagas às pessoas com deficiência.
A Organização das Nações Unidas adotou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência (2007), internalizada pelo Decreto 6949/2009, reconhecendo que todas as
pessoas devem ter a oportunidade de alcançar de forma plena o seu potencial, ante a superação
do modelo médico pelo paradigma de direitos humanos. A Convenção e seu Protocolo
Facultativo foram os primeiros tratados internacionais de direitos humanos aprovados nos
termos do art. 5º, §3º, da CR/88 (rito das emendas constitucionais) de modo que integram o
bloco de constitucionalidade.
O texto da Convenção dispõe que pessoas com deficiência são aquelas que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdades de condições com as demais pessoas. Trouxe o conceito de “discriminação por
motivo de deficiência”, que significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em
deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute
ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou
qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de “adaptação
razoável” (right to accommodation), a qual diz respeito às modificações e os ajustes necessários
e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada
caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade
de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais. A adaptação razoável deve ser produto de um processo de diálogo entre os
envolvidos e nunca ser imposta de forma unilateral. O ônus será indevido, em síntese, quando
a adaptação amesquinhar desproporcionalmente o objetivo da medida, ensejando riscos à
segurança, saúde, bem estar, etc., e/ou for muito custosa, mas a análise de custos e benefícios
não se restringe aos aspectos financeiros e não se esgota nos sujeitos ativo e passivo
especificamente implicados. Ainda, a convenção traz o conceito de “desenho universal”, que
significa a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior
medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico,
mas não excluirá as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando
necessárias.
A Convenção contempla a vertente repressiva (proibição de discriminação) e a vertente
promocional (promoção de igualdade), elencando oito princípios gerais: 1) o respeito pela
dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas,
e a independência das pessoas; 2) A não-discriminação; 3) A plena e efetiva participação e
inclusão na sociedade; 4) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência
como parte da diversidade humana e da humanidade; 5) A igualdade de oportunidades; 6) A
acessibilidade; 7) A igualdade entre o homem e a mulher; e 8) O respeito pelo desenvolvimento
das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de
preservar sua identidade. O texto convencional traz uma série de “direitos básicos”, tais como:
reconhecimento igual perante a lei; acesso à justiça; liberdade e segurança da pessoa;
prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis; prevenção contra a exploração, a
violência e o abuso; proteção da integridade da pessoa; liberdade de movimentação e
nacionalidade; vida independente e inclusão na comunidade; mobilidade pessoal; liberdade de
expressão e de opinião e acesso à informação; respeito à privacidade; respeito pelo lar e pela
família; direito à educação; direito à saúde; direito à habilitação e reabilitação; direito ao
trabalho e emprego; direito a um padrão de vida e proteção social adequados; direito à
participação na vida política e pública e o direito à participação na vida cultural e em recreação,
lazer e esporte.

240
Importante destacar que os Estados Partes reconheceram expressamente que as
mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação
(interseccionalidade dos direitos humanos), e, portanto, tomarão medidas apropriadas para
assegurar-lhes o pleno e igual exercício de todos os direitos e liberdades fundamentais, bem
como estimular o avanço e o empoderamento. Houve, portanto, preocupação extra com as
minorias que também se encaixam no conceito de deficiência e se tornam ainda mais potenciais
alvos de discriminação.
Também é prevista a instituição de um órgão fiscalizador do cumprimento, pelos
Estados, dos deveres acordados. Trata-se do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (treaty body), ao qual os Estados Partes deverão apresentar relatórios periódicos. A
cada dois anos, o Comitê submeterá à Assembléia Geral e ao Conselho Econômico e Social um
relatório de suas atividades e poderá fazer sugestões e recomendações gerais baseadas no
exame dos relatórios e nas informações recebidas dos Estados Partes. O Protocolo Facultativo
à Convenção tem por escopo principal a disciplina das questões referentes ao Comitê. Há
menção à competência para receber comunicações de pessoas ou grupos de pessoas, ou em
nome deles, alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção por um Estado
Parte. O Comitê não receberá comunicação referente a qualquer Estado Parte que não seja
signatário do Protocolo. As hipóteses em que o Comitê considerará inadmissível a comunicação
são: a) comunicação for anônima; b) abuso do direito de submeter tais comunicações ou for
incompatível com as disposições da Convenção; c) A mesma matéria já tenha sido examinada
pelo Comitê ou tenha sido ou estiver sendo examinada sob outro procedimento de investigação
ou resolução internacional; d) Não esgotamento dos recursos internos, salvo demora
injustificada ou impossibilidade de solução efetiva; e) A comunicação estiver precariamente
fundamentada ou não suficientemente substanciada; ou f) fatos ocorridos antes da entrada em
vigor do Protocolo para o Estado Parte, salvo se continuaram ocorrendo após aquela data. O
Comitê poderá enviar um pedido para que o Estado Parte tome as medidas de natureza cautelar
que forem necessárias para evitar possíveis danos irreparáveis à vítima ou às vítimas da violação
alegada.
Tendo em vista que o conceito de pessoa com deficiência trazido pela Convenção tem
contornos amplos e genéricos, caracterizando-se como qualquer obstáculo que impeça a igual
vivência em sociedade, a PGR ajuizou ADPF (182), para que fosse reconhecida a não recepção
do retrógrado conceito trazido pelo art. 20, §2º, da Lei 8.742/93 (LOAS), que considerava pessoa
com deficiência aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. O legislador,
posteriormente, alterou o dispositivo e reproduziu o conceito trazido pela Convenção da ONU.
Ante a incorporação do aspecto social para fins de deficiência, no âmbito da concessão do
benefício assistencial de prestação continuada a avaliação deve ser MODULADA, para abranger
não apenas a incapacidade para o trabalho, mas também a impossibilidade de desfrutar da vida
em sociedade de forma livre e igual.
Vale mencionar outrossim, que o Tratado de Marraqueche, com vigor iniciado em 2016,
também foi incorporado pelo rito das emendas constitucionais e prevê a facilitação ao acesso e
uso de obras por pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades para ter acesso ao
texto impresso, mediante a disponibilização de obras em formatos acessíveis. Há que se
destacar, também, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Decreto 3.956), em que o termo
“deficiência” significa restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou
transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária,
causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.
A deficiência é considerada um conceito social (e não simplesmente médico) em
evolução, resultante da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras do ambiente em
que vivem. Na medida em que as sociedades removam essas barreiras culturais, tecnológicas,
físicas e de atitudes, as pessoas com impedimento devem ter asseguradas a sua cidadania. A Lei
13.146 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) também passou a observar a questão sob o ponto
de vista social, e não mais puramente médico. A grande inovação trazida da lei é a concessão de

241
plena capacidade civil às pessoas com deficiência. Além disso, o Estatuto da Pessoa com
Deficiência consagrou o princípio do superior interesse da pessoa com deficiência, modificou o
instituto da curatela, além de instituir a tomada de decisão apoiada.
O STF entende pela constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de
inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade, sendo inoponível a reserva do
possível, por exemplo, para o caso relacionado à inserção de deficientes auditivos que
necessitam de professores especializados em libras (ARE 860.979). Ainda, o STF julgou
improcedente a ADI 5.357, que impugnava os art. 28, §1º, e 30, da Lei brasileira de inclusão, que
estabelecem a obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção de pessoas com
deficiência no ensino regular e promoverem as medidas de adaptação necessária sem que ônus
financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas.
Jurisprudência do STJ:
- as instituições financeiras devem dispensar atendimento prioritário aos deficientes,
mas não há direito à instalação de terminal de autoatendimento para melhor atender às
condições pessoais do autor, se aquele já existente se encontra em conformidade com os
parâmetros legalmente fixados;
- as instituições financeiras devem utilizar o sistema braille nas contratações bancárias
estabelecidas com a pessoa com deficiência visual, a fim de atender ao direito de informação do
consumidor;
- As pessoas com deficiência têm direito a um mínimo das vagas ofertadas em concurso
público; caso a aplicação do referido percentual resulte em número fracionado, este deverá ser
elevado até o primeiro número inteiro subsequente, desde que respeitado o limite máximo do
percentual legal;
- As reservas de vagas em concursos públicos destinadas às pessoas com deficiência não
pode se restringir àquelas oferecidas por localidade, devendo ser computadas pela totalidade
de vagas oferecidas no certame.
- de acordo com as disposições do Decreto 3298/99, a avaliação da compatibilidade
entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato deve ser feita por equipe
multiprofissional durante o estágio probatório e não no decorrer do concurso público.
- O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas
reservadas aos deficientes (súmula 377). O portador de surdez unilateral não se qualifica como
pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos
(súmula 552).
- é direito do devedor fiduciante a retirada dos aparelhos de adaptação de veículo
automotor (pertenças) para direção por deficiente físico, se anexados ao bem principal em
momento posterior à celebração do contrato fiduciário, quando houver o descumprimento do
pacto e a consequente busca e apreensão do bem;
- é possível o reconhecimento do direito a nova isenção legal de IPI à pessoa com
deficiência, quando comprovado o roubo do veículo anteriormente adquirido.
- o rol de moléstias que defere isenção de IR é taxativo, de modo que não abrange a
surdez por interpretação analógica aos casos de cegueira.
- É cabível ACP que objetiva obrigação de fazer a fim de garantir acessibilidade nos
prédios púbicos ou privados às pessoas com deficiência.
O primeiro precedente da Corte IDH sobre violação de direitos humanos de pessoa com
deficiência mental foi o Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, em que se determinou a elaboração de
uma política antimanicomial. Foi a primeira condenação do Brasil na Corte. A responsabilização
derivou de atos cometidos por particulares (clínica privada de saúde que praticou maus tratos).
A Corte entendeu que a “sujeição”, ou seja, qualquer ação que interfira na capacidade de um
paciente tomar decisões ou que restrinja sua liberdade de movimento, é uma das medidas mais
agressivas a que se pode submeter um paciente em tratamento psiquiátrico, diante do que só
pode ser empregada como último recurso e unicamente para proteger o paciente, o médico ou
terceiros. No caso Furlan e familiares vs. Argentina, a Corte IDH assentou o dever dos Estados

242
de incluir a pessoa com deficiência na sociedade, pois qualquer pessoa que se encontra em uma
situação de vulnerabilidade é titular de uma proteção especial.
A PFDC editou a Nota Técnica 7/2017, sobre a rede de atenção psicossocial a pessoas
com transtornos mentais. A Lei nº 10.216/2001, que instituiu a Reforma Psiquiátrica, adotou o
paradigma da desinstitucionalização, com incentivo aos tratamentos extrahospitalares. Tal
cenário, aliado à promulgação da Convenção da ONU e da Lei brasileira de inclusão, albergam
um modelo que visa a reinserção psicossocial. Todavia, a realidade demonstra que muitas
“comunidades terapêuticas” promovem segregação e praticam “laborterapia”, a qual resulta,
em muitos casos, em tratamento cruel, desumano, degradante e submissão à condição análoga
à escravidão. As pessoas com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas devem
ser igualmente beneficiadas com a reforma psiquiátrica, afastando-se a internação e priorizado
o convício, a autonomia e abordagem multidisciplinar, sem medidas asilares. A proposta de
manutenção, financiamento e ampliação de hospitais psiquiátricos e de custódia segue rumo
contrário ao ordenamento constitucional brasileiro.

22.ÍNDIOS, QUILOMBOLAS E MINORIAS


22.1 Índios na Constituição. Competê ncia. Ocupação tradicional. Procedimento para
reconhecimento e demarcação dos territórios indı ́genas. Usufruto. (20.b)
22.2 Direitos das comunidades remanescentes de quilombos e de comunidades tradicionais.
(19.b)

20B. Índios na Constituição. Competência. Ocupação Tradicional. Procedimento para


Reconhecimento e Demarcação dos Territórios Indígenas. Usufruto.

Anderson Rocha Paiva

ÍNDIOS NA CONSTITUIÇÃO (arts. 22, XIV, 49, XVI, 129, V, 210, §2º, 231 e 232 da CR/88;
art. 67 do ADCT): Todas as Constituições de nossa era republicana, ressalvada a omissão da
Constituição de 1891, reconheceram aos índios direitos sobre os territórios por eles habitados.
A Constituição de 88 trata dos índios especialmente nos artigos 231 e 232.
Remoção de grupos indígenas: O art. 231, §5º veda a possibilidade de remoção dos
grupos indígenas, salvo ad referendum do CN, nos casos de catástrofe, epidemia que ponha em
risco a população indígena e interesse da soberania do País. STF: No HC 80.240, julgado em
20.06.2001, com base no art. 231, §5º, decidiu que, se uma CPI tenciona ouvir um índio, deve
fazê-lo na própria área indígena, em hora e dia combinados previamente, na presença de
representantes da FUNAI e de antropólogo especializado. (Gilmar Mendes, fl. 924).
Defesa judicial dos direitos dos índios: Art. 232 define que são legitimados ativamente os
índios, suas comunidades e organizações. Em relação especificamente ao MP, a Constituição
determina ser uma de suas funções institucionais “defender judicialmente os direitos e interesses
das populações indígenas”(CRFB/88, art. 129, V). Além disso, o MP deve intervir nas ações
ajuizadas pelos índios, suas comunidades e organizações em defesa de seus direitos e interesses
(art. 232). Destaca-se que o MP poderá ser Estadual ou Federal, a depender da matéria tratada
e da respectiva competência da Justiça Estadual ou Federal.
Educação: art. 210, §2º, estipula que o ensino fundamental regular será ministrado em
língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem. Para Pedro Lenza (obra citada, item 19.10.9),
ambas as línguas (portuguesa e materna) devem ser ensinadas. Lei de Diretrizes e Bases da
Educação fala em educação bilíngue para índios (art. 78 da Lei 9.364/96). No mesmo sentido, o
Plano Nacional de Educação (aprovado pela Lei 10.172/2001).
INOVAÇÕES CONCEITUAIS DA CR/88: em relação às Constituições anteriores e ao
Estatuto do Índio:
1 - abandono de perspectiva assimilacionista/integracionista, que entendia os índios
como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento. Rompendo uma tradição secular,

243
ela reconheceu ao índios direitos à diferença. Eles já não teriam que ser incorporados à
comunhão nacional, ou serem forçados a assimilar nossa cultura. Suas organizações sociais,
tradições e os seus direitos originários às terras que ocupam, passaram a ser permanentemente
reconhecidos.
2 - superação da figura da tutela através do reconhecimento de sua autodeterminação
e a plena capacidade civil, esvaziando a concepção do Código Civil de 1916 e da Lei específica de
1973 - Estatuto do Índio, que destinavam a "incapacidade relativa" aos índios. O art. 232 da
CF/88 permitiu aos índios, suas comunidades e organizações, a legitimidade para ingressar em
juízo em defesa de seus direitos e interesses.
3 - direitos dos índios sobre suas terras são definidos enquanto direitos originários, isto
é, anterior à criação do próprio Estado; isto decorre do reconhecimento do fato histórico de que
os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil.

COMPETÊNCIA: Competência legislativa: compete privativamente à União legislar sobre


populações indígenas (art. 22, XIV, CRFB/88). Ao CN compete autorizar, mediante Decreto
Legislativo, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de
riquezas minerais. (arts. 49, XVI e 231, §3º CRFB/88 – ver abaixo). Competência para o
julgamento de ações: a Constituição de 1988 determinou que cabe à Justiça Federal o
julgamento de ações que digam respeito à disputa sobre direitos indígenas (art. 109, XI). Pedro
Lenza destaca que o STF entende ser competência da Justiça Federal processar e julgar feitos
relativos à cultura indígena; aos direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios;
a interesses constitucionalmente atribuíveis à União, como as infrações praticadas em
detrimento de bens e interesse da União ou de suas autarquias e empresas públicas. Segundo
Gilmar Mendes, há de envolver necessariamente questões vinculadas a direitos ou interesses
indígenas típicos e específicos (e não interesse ou direitos de toda a comunidade). Assim, os
crimes ocorridos em reserva indígena, ou crimes comuns praticados por índios ou contra índios,
sem qualquer elo ou vínculo com a etnicidade, o grupo e a comunidade indígena, são da
competência da Justiça comum”

OCUPAÇÃO TRADICIONAL: 1) “os territórios indígenas, no tratamento que lhes foi dado
pelo novo texto constitucional, são concebidos como espaços indispensáveis ao exercício de
direitos identitários desses grupos étnicos. As noções de etnia/cultura/território são, em larga
medida, indissociáveis”. 2) Constituições dos países capitalistas inscreveram como direito
fundamental o direito de todos serem proprietários (caráter universal e indisponível), o que
diverge do direito de propriedade em si (direito patrimonial). A inversão desses valores tem sido
comum atualmente sendo que, aos índios, “se recusa a ocupação de seus espaços definitórios,
subtraindo-lhes a possibilidade de exercício amplo de seus direitos identitários, em nome do
suposto direito de propriedade”. 3) “Não bastasse a disputa que se estabelece entre direitos
indígenas e direitos de propriedade, há forte incompreensão no que diz respeito ao que sejam
terras tradicionalmente ocupadas”. Vez por outra o conceito resvala para a imemoriabilidade, e
o juiz exige a produção de um laudo arqueológico que evidencie que a presença indígena no
local remonta a tempos pré-colombianos”. “o requisito da imemorabilidade, no entanto, de há
muito foi abandonado. A uma, por sua impossibilidade lógica. O processo dito colonizador
avançou sobre esses territórios, descaracterizando-os. A duas, porque esse mesmo processo
promoveu deslocamentos constantes, e a territorialização desses povos teve que ser
constantemente redefinida. E, a três, porque estamos a tratar de populações que existem no
presente, com perspectivas de vida atuais e futuras, e que não podem ser condenadas a um
imobilismo do passado”
Em resumo: A ocupação tradicional não é caracterizada (a) pela imemorialidade; (b) nem
pela ocupação pré- colombiana; não há laudo arqueológico porque a territorialidade dos povos
indígenas é constantemente redefinida por múltiplos aspectos; desde (a) a ação (expropriatória)
do colonizador (“não há como recuperar Copacabana para os índios”); até (b) a própria ação dos
povos indígenas, com perspectivas de vida atuais e futuras.

244
O conceito de terras tradicionalmente ocupadas exige uma compreensão narrativa das
vidas dos povos indígenas, que não é mera repetição do passado que as originou, mas
participação num sentido presente da experiência história de sua reafirmação e transformação.
Exige-se laudo antropológico, que permite a compreensão e a tradução linguístico-cultural das
maneiras como o grupo se vê ao longo de sua trajetória existencial, como vê o mundo e nele se
organiza. Esse laudo não é “neutro” ou “objetivo” e deve conferir “força normativa” ao grupo
(Duprat, 2011) Não descaracteriza o animus possidendi dos índios terem sido forçados a se
retirar de suas terras (STF, ACO 323/93).
O INDIGENATO é um instituto que, desde 1680, com o Alvará de 01.04, “reservado o
direito dos índios, primários e naturais senhores dela [terra]”; na Lei de Terras – Lei 601/1850,
"Quer da letra, quer do espírito da Lei de 1850, se verifica que essa Lei nem mesmo considera
devolutas as terras possuídas por hordas selvagens estáveis: essas terras são tão particulares
como as possuídas por ocupação legitimável, isto é, originariamente reservadas de devolução,
nos termos do Alvará de 1º de abril de 1680, que as reserva até na concessão das sesmarias; não
há (neste caso) posse a legitimar, há domínio a reconhecer [...]", constitucionalizado em 1934,
na CF/67, bens da União, em 88, direitos “originários”. Os territórios indígenas são propriedade
da União e de posse (permanente) privada, mas coletiva, cabendo exclusivamente aos índios o
usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos.

PROCEDIMENTO PARA RECONHECIMENTO E DEMARCAÇÃO DOS TERRITÓRIOS


INDÍGENAS:
Demarcação de terras indígenas – é declaratório; a proteção jurídica deve existir mesmo
antes da demarcação (não é assim na renitente jurisprudência retrógada-civilista-liberal), já que
baseada na mera ocupação tradicional, isto é, na posse (relação fática) conforme a visão (direito
consuetudinário) do próprio povo indígena (assim determina o art. 231, §1º, da CF). Roteiro –
Dec. 1.775/96: 1. Iniciativa – Funai; 2. Identificação e delimitação – Funai; 3. Ato de declaração
dos limites da terra indígena de “ocupação tradicional” e determinando a demarcação – MJ; 4.
Demarcação física – Funai; 5. Confirmação dos limites demarcados – decreto do Presidente da
República; 6. Registro no RGI e na SPU - Funai; pós- demarcação: análise da boa-fé das
benfeitorias dos não-índios: Funai. A comunidade é envolvida diretamente em todas as fases do
procedimento. Antropólogo faz estudo antropológico de identificação e coordena grupo técnico
que realiza estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica,
cartográfica, ambiental e levantamento fundiário; com trabalhos de campo, em centros de
documentação, órgãos fundiários, registros de imóveis, etc.; após aprovado o relatório pelo
Presidente da Funai, seu resumo é publicado no DOU e no DOE. Estatuto do Índio: Executivo
deve demarcar as terras em até 5 anos (até 19.12.1978); o art. 67 do atual ADCT: até 05.10.1993.
Não houve cumprimento. Prazos não aplicáveis para áreas não conhecidas. Cabe ação
declaratória para exigir a demarcação. Contra a demarcação processada não cabe interdito
possessório, facultado aos interessados a via petitória ou demarcatória. RMS 26212 (STF): prazo
de 5 anos para conclusão de demarcação de terras indígenas não é decadencial; art. 67 ADCT é
norma programática que indica prazo razoável para demarcação. As terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios incluem as áreas de perambulação e as que remotamente foram
aldeamento indígena. A manifestação do Conselho de Defesa Nacional não é requisito de
validade da demarcação de terras indígenas em região de fronteira.

USUFRUTO: Usufruto exclusivo quer dizer que não é transferível para qualquer
apropriação individual e que os resultados de qualquer uso ou trabalho será sempre coletivo.
Logo, é possível o uso indireto, como o trabalho alheio ou o contrato que explore riqueza do
território. É vedado o exercício do direito de propriedade (brasileiro) nas terras indígenas, onde
é cogente o direito consuetudinário indígena, que pode permitir apropriação individual segundo
seus costumes (Marés, 1998). “Salvaguardas institucionais” – STF no Caso Raposa Serra do Sol:
o usufruto exclusivo: (a) pode ser relativizado por relevante interesse público da União em LC;
(b) não abrange (b.1) o aproveitamento dos recursos hídricos e potenciais energéticos

245
(autorização do CN); (b.2) pesquisa e lavra de riquezas minerais (índios têm participação nos
resultados, e idem); (b.3) garimpagem nem faiscação (exige permissão); (c) Política de Defesa
Nacional, cujas ações são implementadas independentemente de consulta às comunidades e à
Funai; idem para as ações das Forças Armadas e a Polícia Federal; (d) não impede a instalação
pela União de equipamentos públicos; (e) em unidade de conservação fica sob responsabilidade
do ICMBio, que administra a UC e deve ouvir as comunidades; nas UC admite-se visitantes e
pesquisadores não-índios; no restante da área, idem mas administrado pela Funai; sempre sem
cobrança; (f) terras indígenas não podem ser objeto de arrendamento ou qualquer ato ou
negócio que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade; (g) são
vedadas aos não-índios a caça, pesca, coleta ou agropecuária extrativa. Terra, usufruto e rendas
gozam de imunidade tributária plena. É vedada a ampliação de terra já demarcada (certamente
contra posição do MPF). Direitos às terras são imprescritíveis, inalienáveis e indisponíveis. É
assegurada a participação das UF em todas as etapas do processo de demarcação.
OBS: Quanto ao aproveitamento dos recursos hídricos e lavra de riquezas minerais (b 1 e
2 do parágrafo acima), o §3º do art. 231 fala “só podem ser efetivados com autorização do CN,
ouvidas as comunidades afetadas”. PGR apresentou parecer na Reclamação nº 14.404
(construção da UHE Belo Monte) com o entendimento de que o CN não pode delegar essa oitiva
das comunidades afetadas. Por isso posicionou-se no sentido de que o Decreto Legislativo
788/2005 violou o art. 231, §3º da CRFB/88

JURISPRUDÊNCIA: ACO 312 (STF): deferido pedido da FUNAI para declarar a nulidade de
todos os títulos de propriedade rural expedidos pelo Governo do Estado da Bahia para glebas
localizadas dentro da área da Reserva Indígena Caramuru- Catarina-Paraguaçu. Não é necessária
a prova de que as terras foram de fato transferidas pelo Estado da Bahia à União ou aos índios,
pois no Brasil é juridicamente impossível haver disputa por terra indígena, entre quem quer que
seja e os índios. Tão pouco é necessária a demarcação prévia da área para que o STF decida se
é ou não área indígena. Na CF/67, o direito estaria ligado à posse indígena sobre a terra, fundada
no indigenato, teria relação com o ius possessionis e com o ius possidendi, a abranger a relação
material do sujeito com a coisa e o direito de seus titulares a possuírem-na como seu habitat. O
reconhecimento da posse era possível mesmo tendo os índios saído do local por conta de
conflitos com os produtores rurais, pois foi mantido o laço familiar entre aqueles que saíram e
aqueles que ficaram. Entretanto, o Min. Celso de Mello destacou não estar em jogo conceito de
posse ou de domínio no seu sentido civilístico, pois tratar-se-ia de proteção a um habitat de um
povo — em suas acepções física e cultural —, cujo parâmetro seria constitucional. Apontou não
caber indenização ao ocupante de modo indevido, ainda que com título registrado em cartório,
de terra indígena. Seria apenas devido ressarcimento por benfeitorias, desde que comprovada
a boa-fé.
REsp 1.133.648 (STJ): conceito de terras tradicionalmente ocupadas por índios a serem
demarcadas pela União e de imprescritibilidade dos direitos sobre elas surgiu na CR/88 (art.
231,caput e § 4º, da CF/1988). Assim, o Estado qu na década de 1960 promoveu
estabelecimento de colonos em área depois demarcada como terra indígena não é obrigado a
indenizar os colonos.
PET 3388 ED (STF - Raposa Serra do Sol): TEORIA DO FATO INDÍGENA como marco para
caracterizar a titularidade do direito sobre a terra indígena: presença constante e persistente
dos índios na terra pleiteada em 5º de outubro de 1988. Esse critério traria maior segurança
jurídica do que a análise de ocupação imemorial. Entretanto, não protege os índios que tenham
sido expulsos de sua terra por violência ou ilicitude na legitimação de títulos por parte do Estado.
As condições estabelecidas pelo STF fizeram coisa julgada material e não podem ser
questionadas em outros processos relativos à Raposa Serra do Sol, pois estabeleceram as
diretrizes em que o usufruto dos indígenas se compatibiliza com outros direitos constitucionais.
Tais condições não são vinculantes a outros casos. Entretanto, possuem força argumentativa,
pois são o entendimento do STF sobre a interpretação do sistema constitucional. Exige-se LC
para atuação da União em terras demarcadas (art. 231, §6º, CRFB), mas não para o

246
patrulhamento de fronteiras, a defesa nacional e a conservação ambiental nas áreas
demarcadas. Consulta prévia deve ser respeitada (Convenção 169, OIT), mas aceitação dos
indígenas não é requisito de validade das decisões do Poder Público. Administração de área de
preservação ambiental deve levar em conta interesse dos indígenas, mas também as exigências
da tutela do meio ambiente. Planejamento de operações militares não exige consulta prévia.
Impossibilidade de ampliação por revisão administrativa: o procedimento da demarcação do art.
231 não pode ser usado para ampliar terra indígena, mas esta pode ter sua área ampliada por
outros meios (ex. aquisição de imóveis pela União ou pelos indígenas). Vedação à autotutela no
caso, não podendo a União rever o ato por conveniência ou discricionariedade, e nem declará-
lo nulo por vício, uma vez que sua regularidade formal e material foi reconhecida pelo STF (OBS:
MS 14.987/DF (STJ): possibilidade de revisão de limites de terras indígenas demarcadas antes
da Constituição Federal de 1988). Permitida a garimpagem e faiscação pelos indígenas, desde
que esta fosse caracterizada como forma tradicional de extrativismo praticada imemorialmente,
forma de expressão de sua cultura. A exploração mineral como atividade econômica, mesmo
pelos índios, depende de autorização da União (CF, arts 176, § 1º, e 231, § 3º). A execução do
julgamento não ficou a cargo o STF, mas sim da Justiça Federal local.

STF. ARE-803462. (Informativo 771, 2ª Turma)


Renitente esbulho e terra tradicionalmente ocupada por índios
O renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito possessório, iniciado no passado e
persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de
1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada.
Com base nessa orientação e por reputar não configurado o referido esbulho, a 2ª Turma proveu
recurso extraordinário para desconsiderar a natureza indígena de área não ocupada por índios
em 5.10.1988, onde localizada determinada fazenda. No caso, o acórdão recorrido teria
reconhecido que a última ocupação indígena na área objeto da presente demanda deixara de
existir desde o ano de 1953, data em que os últimos índios teriam sido expulsos da região.
Entretanto, reputara que, ainda que os índios tivessem perdido a posse por longos anos, teriam
indiscutível direito de postular sua restituição, desde que ela decorresse de tradicional, antiga e
imemorial ocupação. A Turma afirmou que esse entendimento, todavia, não se mostraria
compatível com a pacífica jurisprudência do STF, segundo a qual o conceito de “terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios” não abrangeria aquelas que fossem ocupadas pelos
nativos no passado, mas apenas aquelas ocupadas em 5.10.1988. Nesse sentido seria o
Enunciado 650 da Súmula do STF (“Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não
alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado
remoto”). Salientou que o renitente esbulho não poderia ser confundido com ocupação passada
ou com desocupação forçada, ocorrida no passado. Também não poderia servir como
comprovação de esbulho renitente a sustentação desenvolvida no acórdão recorrido de que os
índios teriam pleiteado junto a órgãos públicos, desde o começo do século XX, a demarcação das
terras de determinada região, nas quais se incluiria a referida fazenda. Sublinhou que
manifestações esparsas poderiam representar anseio de uma futura demarcação ou de
ocupação da área, mas não a existência de uma efetiva situação de esbulho possessório atual.
ARE 803462 AgR/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 9.12.2014. (ARE-803462) (Informativo 771, 2ª
Turma) [ATENÇÃO: O CONHECIMENTO ACERCA DE CONCEITOS E HIPÓTESES CONSTANTES DESSE
JULGADO FOI COBRADO NA PEÇA DO G1 DO 29CPR – AGO/2018]

QUESTÕES - ORAL
1. Pode um índio ser professor em escola pública? Precisaria ele de concurso público para
isso?
2. Aponte as diferenças entre o regime de terras indígenas da Constituição da República de
1988 em relação às Constituições de 1934, 1946 e 1967.
3. Comente sobre a decisão do STF no caso Raposa Serra do Sol.
4. Fale sobre as formas de tutela jurídica das terras indígenas previstas no direito brasileiro.

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5. A impossibilidade de revisão de demarcação de terras indígenas é absoluta?
6. Como se dá a exploração econômica em terras indígenas e em terras de comunidades
tradicionais?
7. Como se insere a questão indígena na Constituição Federal de 1988? Apenas na questão
territorial?
8. Fora dos arts. 231 e 232 da CF há algum dispositivo constitucional dos índios? Qual
dispositivo de políticas públicas fora desses artigos?
9. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à diferença e reconhecimento. Discorra. O
que são aculturados, noque tange aos índigenas? É correto o uso dessa terminologia?

19B. Direitos das comunidades remanescentes dos quilombos e de comunidades tradicionais.

Daniel Medeiros Santos

I. Conceito de comunidades tradicionais

Comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem


como tais, que possuem formas próprias de organização social e que ocupam e usam seus
territórios e recursos naturais como condição para a sua reprodução em todas as suas facetas
existenciais.

Têm na Convenção 169 da OIT sua fonte internacional principal (no BR, supralegal – RE
466343), mas já há outros documentos internacionais mais avançados, em especial no tocante
às questões indígenas, como a Declaração da ONU e a Declaração Americana (soft law).

O fato de tais documentos tratarem principalmente dos povos indígenas não exclui a
sua aplicação aos outros grupos, havendo uma abertura a todos os grupos culturalmente
diferenciados (art. 1.a da Conv. 169 da OIT e CorteIDH, nos Casos Comunidade Moiwana e
Pueblo Saramaka). Assim, estão abarcados por este conceito os índios, quilombolas, ciganos,
faxinais, ribeirinhos etc.

A CRFB/88, ao romper com qualquer pretensão homogeneizante no Estado brasileiro,


se abriu ao diferente, firmando verdadeiro Estado pluriétnico e multicultural. Dessa forma, a
defesa da diversidade cultural passa a ser um imperativo ético, inseparável do respeito à
dignidade da pessoa humana. Os direitos étnicos e culturais passam a ter o status de direitos
fundamentais. São, portanto, de aplicação imediata.

O ponto central das comunidades tradicionais, a partir de então, passa a ser o direito ao
reconhecimento, ao respeito e à diferença.

II. Conceito de comunidades remanescentes dos quilombos

São os grupos étnico-raciais (1), segundo critérios de autoatribuição (2), com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas (3), com presunção de
ancestralidade negra relacionada à opressão histórica sofrida (4).

No conhecido “caso da ilha da Marambaia”, o STJ afastou deste conceito a ideia de que
somente os “escravos fugidos” pudessem formar comunidades quilombolas. Assim, se entendeu
que a CRFB/88 estabeleceu que quilombos não são unicamente locais de negros fugitivos, mas
todo grupo negro que tenha se instalado em determinadas terras por qualquer razão histórica,
e nelas tenha vivido até os dias atuais, compartilhando um território e uma identidade, e que
assim se autorreconheça.

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O cerne da questão é a transição da condição de escravo para camponês livre. O modo
como essa transição ocorreu não importa (i.e., fuga, negociação com os senhores, herança,
dentre outras). Dessa forma, o elemento de fuga é mais um entre outros a serem considerados.
Ademais, embora usualmente se faça referência ao caráter rural da comunidade quilombola, a
falta desse elemento, pura e simplesmente, não é suficiente para descaracterizá-la.

III. Direitos das comunidades remanescentes dos quilombos

O art. 68 do ADCT traz o fundamento constitucional dos direitos destas comunidades.


Tal artigo tem aplicabilidade imediata e direta, consagrando diversos direitos, como o direito à
moradia e à cultura (Sarmento e Rothenburg).

O Dec. 4887/03 minudenciou o constitucionalmente previsto, e, ao fazê-lo, nada mais


fez do que especificar direitos já aplicáveis diretamente à luz do referido art. 68. Como reforço
de legalidade, temos a Lei 7668/88 (lei da Fundação Cultural Palmares), a Convenção 169 da OIT
e, mais recentemente, o Estatuto da Igualdade Racial. Todavia, sempre houve vozes dissonantes
quanto a esse tema.

Recentemente, em 2018, o STF veio a solucionar a questão. Na ADI 3239/DF, o STF


estipulou as balizas atinentes ao Dec. 4887/03 e aos direitos dos quilombolas: a) o Decreto não
invadiu esfera reservada à lei, somente minudenciado o autoaplicável art. 68 do ADCT; b) o
critério da autoatribuição é constitucionalmente adequado; c) na identificação e demarcação
das terras quilombolas, devem ser levados em consideração critérios de territorialidade
indicados pelos quilombolas; d) em havendo particulares nos locais, o INCRA deve efetuar
desapropriação, pois o art. 68 não invalida os títulos eventualmente existentes (como ocorre,
i.e., no caso das terras indígenas); e e) não há uma “teoria do fato quilombola”, ou seja, mesmo
que, na data da prom. da CRFB/88, a terra não estivesse mais sendo ocupada pela comunidade,
é possível o reconhecimento do direito previsto no art. 68 do ADCT.

Os dois grandes pilares da Convenção 169 são aplicáveis às comunidades quilombolas:


a autoatribuição, a ser instrumentalizada por certidão expedida pela Fundação Cultural
Palmares; e a consulta livre, prévia e informada no tocante às questões que possam repercutir
na vida da comunidade.
→ Para o STF, tal consulta não tem caráter vinculante. Para a CorteIDH, todavia, nos casos que
possam acarretar perda do território ou comprometimento significativo da relação da
comunidade com a sua terra, deve ser obtido o consentimento da comunidade (caso Pueblo
Saramaka).

As terras quilombolas são tituladas coletivamente, com título indiviso, em nome da


comunidade. Por ter regime jurídico diferenciado, que não se confunde com a propriedade
erigida sob a ótica individual capitalista, a terra quilombola é inalienável, imprescritível e
impenhorável, estando vinculada, de modo perene, à comunidade enquanto tal.

Quanto à tributação das terras quilombolas, há isenção do ITR legalmente instituída. No


que tange ao IPTU, há a alegação da impossibilidade de lei federal instituir isenção heterônoma.
Só que, para Rothenburg: “a ausência de valor econômico implica uma imunidade tributária
implícita. Ademais, atribuir valor econômico à propriedade das terras dos remanescentes de
comunidades de quilombos produz consequências desproporcionais e muito graves para eles,
que atribuem à terra um valor essencial à sobrevivência da comunidade; então, a tributação
representa uma violação ‘direta e frontal’ ao princípio da dignidade humana”. Estende,
basicamente, os mesmos argumentos da intributabilidade do ITR para o IPTU.

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Há PEC tramitando para instituir imunidade tributária das terras quilombolas quanto ao
ITR e ao IPTU.

Para a 6ª CCR, a proteção dos direitos das comunidades quilombolas independe da


regularização formal de suas terras. Tal ideia se aplica à implementação de qualquer política
pública (Enunciado 24).

Os direitos das comunidades quilombolas têm estatura constitucional, gozando da


mesma hierarquia dos direitos dos povos indígenas. Em havendo conflito, é necessário buscar a
harmonização.

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