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aulas teóricas
PARTE II: EQUAÇÕES DIFERENCIAIS (Breve introdução
às equações com derivadas parciais)
u(x, y) (de classe C 1 ) satisfaz (1) se e só se, para cada constante k, u toma um valor fixo em
todos os pontos tais que bx − ay = k.
O mesmo é dizer:
u(x, y) (de classe C 1 ) satisfaz (1) se e só se, existe f ∈ C 1 (R) tal que u(x, y) = f (bx − ay).
Podemos chegar à mesma conclusão usando uma mudança de variáveis independentes:
ξ = bx − ay, η = x (3)
Aqui estamos a supôr, para fixar ideias, que a 6= 0, a segunda equação (3) é de alguma forma
arbitrária e apenas nos interessa que a mudança seja invertı́vel; o objectivo é provar que a função
composta U (ξ, η) = u(x, y) não depende de η. Como
ux = Uξ b + Uη , uy = −Uξ a,
confirmamos a partir de (1):
Uη = 0
1
o que conduz a U (ξ, η) = f (ξ) ou, regressando às variáveis iniciais, à conclusão já enunciada
u(x, y) = f (bx − ay).
ξ = bx − ay, η = ax + by (4)
Obtemos então, para a função composta U ,
(a2 + b2 )Uη + cU = 0
que, para cada ξ fixo é uma equação diferencial ordinária, cuja solução tem a forma
c
− a2 +b 2η
U = f (ξ)e
e concluimos c
− a2 +b 2 (ax+by)
u = f (bx − ay)e .
onde omitimos as variáveis para alı́vio da escrita. A mudança “conveniente”é a que satisfaz
ψx a + ψy b = 0 (8)
dy b(x, y)
=
dx a(x, y)
2
(supondo, para fixar ideias, a 6= 0) então verifica-se (8).
Ora, encontrado um tal ψ(x, y), e supondo para fixar ideias ψy 6= 0, para completar a mudança
de variáveis basta fazê-lo da maneira mais simples, pondo
φ(x, y) = x.
onde
C
P é, como função de ξ, primitiva de
A
e
F
R é, como função de ξ, primitiva de eP .
A
Voltando às variáveis iniciais obtemos a solução do problema proposto.
De acordo com a técnica das caracterı́sticas, estudada anteriormente, a primeira equação tem a
solução geral
v(x, t) = h(x + ct)
onde h é uma função C 1 em R. Quanto à segunda, o segundo membro sugere que procuremos
soluções da forma f (x+ct): de facto, substituindo, conclui-se que basta tomar para f uma primitiva
1
de 2c h.
Para obtermos qualquer outra solução C 2 basta adicionar as soluções (de classe C 2 ) da equação
homogénea ut + cux = 0 que são, como também sabemos, da forma g(x − ct). Concluimos que
qualquer solução de (1) pode ser representada na forma
onde f e g são funções arbitrárias (de classe C 2 !). Inversamente, é trivial verificar que (2) representa
soluções de (1).
3
Se considerarmos o problema de valor inicial
2
utt = c uxx ,
u(x, 0) = φ0 (x),
ut (x, 0) = φ1 (x)
obtemos, atendendo a (2), um φ0 (x) = f (x) + g(x), φ1 (x) = cf 0 (x) − cg 0 (x) e daqui um sistema
linear em f 0 e g 0 que conduz a
2cf 0 (x) = cφ00 (x) + φ1 (x), −2cg 0 (x) = −cφ00 (x) + φ1 (x),
de onde Z x Z x
1 1 1 1
f (x) = φ0 (x) + φ1 (s) ds, g(x) = φ0 (x) − φ1 (s) ds.
2 2c 0 2 2c 0
A solução do problema de valor inicial é então (fórmula de d’Alembert)
Z x+ct
1 1
u(x, t) = [φ0 (x + ct) + φ0 (x − ct) + φ1 (s) ds. (3)
2 2c x−ct
Reciprocamente, esta expressão define uma solução do problema de valor inicial desde que φ0 ∈ C 2
e φ1 ∈ C 1 .
Por vezes admite-se que φ0 e φ1 possam ter menos regularidade (por exemplo, que não sejam
diferenciáveis em certos pontos isolados) e falamos então de solução generalizada do problema (mas
não damos aqui definição formal deste conceito). Estas soluções verificam a equação diferencial
excepto numa famı́lia numerável de rectas da forma x ± ct = k.
A fórmula de d’Alembert determina uma solução do problema de valor inicial definida para
todo o x e todo o t. Mas há interesse também em resolver problemas em domı́nios limitados no
espaço, como é o caso do seguinte problema misto no intervalo [0, L] onde há condições iniciais e
de fronteira:
2
utt = c uxx ,
u(x, 0) = φ0 (x),
ut (x, 0) = φ1 (x), 0 < x < L (4)
u(0, t) = 0,
u(L, t) = 0, t ∈ R.
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3 Equação do calor: separação de variáveis e método de
Fourier
Vamos considerar nesta secção a equação linear de segunda ordem
ut = duxx (1)
onde d é uma constante positiva e, concretamente, procuraremos soluções u(x, t) de (1) em [0, L] ×
[0, ∞) que satisfaçam as condições inicial e de fronteira seguintes:
u(x, 0) = f (x), 0 < x < L
u(0, t) = 0, (2)
u(L, t) = 0, t > 0.
T 0 (t) X 00 (x)
= .
dT (t) X(x)
Como as variáveis x e t são independentes, esta igualdade só pode dar-se se ambos os membros
são uma constante −λ:
X 00 + λX = 0, X(0) = X(L) = 0.
Este problema foi estudado anteriormente e vimos que tem as soluções não triviais (a menos de
uma constante multiplicativa)
nπx n2 π 2
Xn (x) = sin , correspondentes a λn = .
L L2
Para cada n temos então T 0 (t) + dλn T (t) = 0 e portanto (também a menos de uma constante
multiplicativa)
dn2 π 2 t
T (t) = e− L2 .
Então, é fácil verificar que qualquer função da forma
N
X dn2 π 2 t nπx
An e− L2 sin (3)
n=1
L
com os An constantes, satisfaz (1) e as condições de fronteira em (2); para que também satisfaça
a condição inicial em (2) é necessário e suficiente que
N
X nπx
f (x) = An sin . (3)
n=1
L
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Podemos concluir que, no caso particular em que o dado f (x) é combinação linear finita de senos
como em (3), encontrámos uma solução para o problema. Mas, procurando maior generalidade,
suponhamos que
∞
X nπx
f (x) = An sin . (4)
n=1
L
é o desenvolvimento de f em série de senos. Mais precisamente, para fixar ideias, suponhamos
Sabemos da teoria das séries de Fourier que, sob a condição (H), a série no segundo membro
de (4) não só converge uniformemente para f mas também existe uma constante M > 0 tal que
M
|An | ≤ . (5)
n2
Podemos então concluir que sob a condição (H),
∞
X dn2 tπ 2 t nπx
u(x, t) = An e− L2 sin (6)
n=1
L
constitui uma solução do problema (1)-(2) que é contı́nua em [0, L] × [0, ∞) e diferenciável em
[0, L] × (0, ∞), verificando aqui a equação diferencial (1).
o que implica que a série obtida por derivação termo a termo é também uniformemente convergente.
Como cada termo verifica a equação (1), a soma da série verifica a equação (1) em [0, L] × [t0 , ∞).
Como t0 > 0 é arbitrário, u verifica a equação (1) em [0, L] × (0, ∞).
Finalmente, é imediato concluir que u satisfaz todas as condições (inicial e de fronteira) (2).
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Então a diferença w = u1 − u2 é uma função C 2 que satisfaz
2
wtt = c wxx ,
w(x, 0) = 0,
wt (x, 0) = 0, 0 < x < L (2)
w(0, t) = 0,
w(L, t) = 0, t ∈ R.
1 L
Z Z L
2 2
E(t) = [ wt (s, t) ds + c wx (s, t)2 ds].
2 0 0
Por conseguinte, E(t) é constante, e então E ≡ E(0) = 0 (já que, pelas condições de (2), wt (s, 0) =
0 = wx (s, 0)). Logo, wt = wx = 0 para todo o t e todo o x, e concluimos w = 0.
Este argumento prova a unicidade de solução de (1).
Para demonstrar a unicidade em (3) basta ver que w = 0 em (4). Isso resulta do seguinte lema,
muitas vezes referido como princı́pio do máximo.
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Lemma 4.1 Seja w(x, t) contı́nua em D = [0, L] × [0, ∞) e satisfazendo em [0, L] × (0, ∞) a
inequação diferencial
wt − βwxx ≥ 0.
Se w ≥ 0 na fronteira de D, então w ≥ 0 em D.
Demonstração. Com vista a uma contradição, suponhamos que existe (x0 , t0 ) ∈ D tal que
u(x0 , t0 ) = −N < 0. Escolhamos T > t0 e consideremos o rectângulo R == [0, L] × [0, T ]. A
função
v(x, t) = w(x, t) − ²(x − x0 )2
onde 0 < ² < N/(2L2 ) atinge em R um mı́nimo absoluto (teorema de Weierstrass) necessariamente
menor ou igual a v(x0 , t0 ) = −N. A fronteira de R é composta pelos segmentos
t = 0, 0 ≤ x ≤ L,
x = 0, 0 ≤ t ≤ T,
x = L, 0 ≤ t ≤ T,
e
t = T, 0 ≤ x ≤ L.
Nos três primeiros, pela hipótese, tem-se v ≥ −²(x − x0 )2 ≥ −²L2 ≥ −N/2. Logo, o mı́nimo
absoluto de v é certamente atingido num ponto (x1 , t1 ) do interior de D ou do quarto segmento
da fronteira. Em qualquer dos casos, pelo facto de se tratar de um mı́nimo, temos (considerar
separadamente as duas situações!)
∂2u ∂2u
+ 2 = 0. (1)
∂x2 ∂y
Mais precisamente, vamos apenas referir o problema de determinar a solução de (1) no disco BR ,
centrado em (0, 0) e raio R, e que satisfaz a condição de fronteira
u|∂BR = g (2)
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isto é, com raio R0 > R. Então u é parte real de uma função holomorfa f definida num disco que
contém B̄R . Ora, para uma tal função tem-se1
1 R2 − aā
Z
f (a) = f (z) dz, a ∈ BR . (3)
2πi γ (z − a)(R2 − zā)
onde γ é ∂BR percorrida uma vez no sentido directo. De facto, verifica-se facilmente que
R2 − aā
f (z)
(R2 − zā)
é holomorfa em B̄R com o valor f (a) em z = a: por isso o resı́duo da integranda em (3) é
precisamente f (a), o que prova (3).
Escrevendo a = reiθ e exprimindo o integral em (3) através da parametrização de ∂BR obtemos
(para r < R)
Z 2π
1 R2 − r 2
f (reiθ ) = f (Reit ) dt.
2π 0 R − 2Rr cos(θ − t) + r2
2
Ora, t 7→ u(Reit ) é a representação do valor de u em ∂BR : é a função g a que se alude em (2) (que
pode ser pensada como uma função periódia de perı́odo 2π). Podemos dizer então que a solução
de (1)-(2) é
Z 2π
1 R2 − r 2
u(reiθ ) = g(Reit ) dt (4)
2π 0 R − 2Rr cos(θ − t) + r2
2
pelo menos no caso em que u é harmónica num disco ligeiramente maior. Na verdade este resultado
é válido em condições mais gerais:
Se g é contı́nua em ∂BR , o segundo membro de (4) define uma função contı́nua em B̄R ,
harmónica em BR e que é solução de (1)-(2).
Nota: que nos leva a escrever a equação (3)? Sabemos, utilizando o teorema dos resı́duos,
que para a ∈ BR tem-se
1 ϕ(z)f (z)
Z
f (a) = dz
2πi γ z − a
onde ϕ é uma qualquer função holomorfa em B̄R com ϕ(a) = 1. O que pretendemos é escolher ϕ de
modo a facilitar-nos a separação da parte real no integral já escrito em termos de parametrização:
Z 2π
1 ϕ(Reit )Reit f (Reit )
f (a) = dt.
2π 0 Reit − a
Este segundo membro é igual a
Z 2π Z 2π
1 ϕ(Reit )Reit (Re−it − ā)f (Reit ) 1 ϕ(Reit )(R2 − Reit ā)f (Reit )
dt = dt
2π 0 (Reit − a)(Re−it − ā) 2π 0 R2 − 2Rr cos(θ − t) + r2
1 Damos no fim da secção uma ideia de como se pode chegar a este resultado.
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onde a = reiθ . O objectivo é que o coeficiente de f (Reit ) seja real, pois isso permite-nos separar a
parte real de f (a) do modo mais simples possı́vel. Então basta que
seja uma constante real, e para que ϕ(a) = 1 facilmente concluimos que podemos tomar
R2 − aā
ϕ(z) = .
R2 − zā
Efectivamente, esta função tem apenas um polo fora de B̄R , no ponto R2 /ā.
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