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GÊNESE DA SOCIABILIDADE

CAPITALISTA: UMA LEITURA DE


A MISÉRIA DA FILOSOFIA
DE KARL MARX
JOSÉ FLÁVIO BERTERO*

1. UMA DESCOBERTA CIENTÍFICA o duplo aspecto do valor: valor de utilidade


ou útil e valor de troca. Melhor dizendo, opõe
Miséria da Filosofia (1846/47), de Karl um ao outro. Apesar dessa oposição já ter sido
Marx, completa no corrente ano de 1997 apontada pelos economistas que o
exatamente um século e meio de existência. antecederam, ele acredita tê-la descoberto (p.
Por se tratar de uma obra que, a despeito do 29).
seu tom polêmico, já é, por assim dizer, o Precisemos melhor essa oposição.
embrião da explicação marxista da sociedade Proudhon observa que o valor de troca de um
burguesa, cremos que, malgrado os seus 150 produto depende de sua abundância ou
anos de idade, ela permanece atual. escassez em relação à procura. À medida que
Simplesmente porque a sociedade a que se a oferta cresce, ela baixa; inversamente,
reporta, em que pesem as transformações por quanto menor for esta, maior será o seu valor
que passa, ainda não foi realmente superada. (p. 29).
Pelo contrário, há claras evidências acerca da Segundo Marx, Proudhon esquece-se da
sua persistência. Uma delas, por exemplo, é a procura. E depois de esquecê-la, assimila o
crise que a assola há mais de duas décadas; valor de troca à escassez e o valor útil à
crise essa, convém frisar, que não é senão abundância (p. 30), sem conseguir, contudo,
uma crise de acumulação. Nada melhor que equacionar a determinação do valor, que
uma crise dessa natureza para explicitar a atribui a um preço inestimável, porque não há
existência da lei do valor, verdadeira regente compradores, e nunca haverá enquanto
da referida sociedade e definidora da sua abstrair a demanda. Por isso, não consegue
sociabilidade. Talvez não por acaso Marx equacionar a determinação do valor (p. 31).
comece a sua crítica a Proudhon por essa lei.
Todavia, o seu esquecimento da procura é
Mas vejamos antes o que diz esse autor. apenas um artifício metodológico. Prescinde
Propõe-se, de início, a explicar a gênese do dela num primeiro momento, para poder sacá-
valor de troca, ou seja, o processo que la posteriormente, mediante o estabelecimento
converte o valor de utilidade em valor de de uma nova identificação que equalize a
troca. Supõe que a necessidade conduz à oposição. Assim é que, após ter representado
divisão do trabalho; esta, por sua vez, conduz a abundância como valor útil e a escassez
à troca e, por conseguinte, ao valor de troca. como valor de troca - nota-se que fica fácil
Deixando de lado a metafísica dessa sua demonstrar que a abundância e a escassez
explicação, pode-se dizer que ela compreende estão em razão inversa -, Proudhon identifica
* Professor do Departamento de Sociologia da FCL - UNESP - Araraquara.

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DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA 1997 UNESP - FCL

o valor útil com a oferta e o valor de troca produto é simplesmente o valor que o
com a procura. Para ressaltar ainda mais a constitui por meio do tempo de trabalho nele
antítese, substitui os termos, pondo no lugar fixado (p. 35).
do valor de troca o valor de opinião. Temos, É como se Ricardo não houvesse existido.
dessa maneira, de um lado a utilidade (o valor Acontece que existiu. Tanto existiu que Marx
de uso, a oferta) e, de outro, a opinião (o recorre a ele, a quem considera o maior
valor de troca, a procura) (p. 31). intérprete até então existente da sociedade
De que modo é possível conciliar isso? burguesa (p. 36). Confronta Proudhon com a
Através do livre arbítrio. Visto que a procura idéia desse expoente do pensamento
ou o valor de troca se identificam com a econômico clássico, idéia segundo a qual o
opinião, Proudhon afirma que: "Está valor relativo das mercadorias é determinado
demonstrado que é o livre arbítrio do homem pelo tempo de trabalho necessário à sua
que dá lugar à oposição entre o valor útil e o produção. Noutras palavras, para esse
valor de troca. Como esclarecer, então, essa economista, o determinante do valor é o
oposição, enquanto subsistir o livre arbítrio? trabalho, e o tempo deste, a medida daquele.
E como sacrificar esse sem sacrificar o Marx não só reitera isso como insistirá na
homem?" (p. 32). idéia de que não é o valor do trabalho que
Não há conclusão possível. Existe uma luta serve de medida ao valor das mercadorias,
entre dois poderes incomensuráveis, entre o senão a sua quantidade ou tempo. O valor, em
útil e a opinião, entre o comprador livre e o si e por si mesmo, nada produz. Fato esse que,
produtor livre (p. 32). conquanto elementar, nem sempre era bem
Desse modo, a dialética de Proudhon não entendido pelos economistas da época, exceto
vai além de substituir o valor útil e o valor de Ricardo. Aqueles, aliás, eram mestres em
troca, a oferta e a procura, por noções explicar os preços (leia-se valor) pelas
abstratas e incongruentes, como a escassez e oscilações entre a oferta e a procura no
a abundância, a utilidade e a opinião, um mercado. Ao invés disto, para Marx, os preços
produtor e um consumidor, "ambos cavaleiros (valor) possuem uma determinação, cujos
do livre arbítrio" (p. 35). fundamentos se encontram na esfera da
produção e não na do mercado. Tanto é assim
Pretende, com isso, reintroduzir um
que, se o preço de venda de um produto cair
elemento que havia afastado, os gastos de
abaixo dos seus custos de produção, o seu
produção, como síntese entre o valor útil e o
fabricante fatalmente será penalizado nessa
valor de troca. É assim que, a seu modo de
esfera pela concorrência. De maneira inversa,
ver, os gastos de produção constituem valor
se o mesmo fabricante, ao pôr o seu produto
sintético ou valor constituído (p. 35), a pedra
no mercado, obtém um preço bem acima dos
de toque do seu sistema das contradições
seus custos, ele com certeza conseguirá um
econômicas, por ele considerado como a sua
grande descoberta científica.
superlucro. Esse superlucro atrairá
concorrentes suplementares para o ramo a que
O que vem a ser essa descoberta científica pertence, a ponto de provocar uma
de Proudhon, que é o valor constituído? Uma superprodução temporária, que comprimirá os
vez admitida a utilidade, o trabalho é a fonte preços. A oscilação destes, conforme se vê,
do valor. A medida do valor trabalho é o não se dá ao acaso, mas em função dos custos
tempo. O valor relativo dos produtos é de produção, ao redor dos quais gravitam e os
determinado pelo tempo de trabalho que é quais são determinados pelo preço dos meios
preciso empregar para produzi-los. O preço é de vida, indispensáveis para a manutenção do
a expressão monetária do valor relativo de um trabalhador.
produto. Enfim, o valor constituído de um

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Marx concebe o trabalho como uma se: porquanto na Miséria da Filosofia essa
mercadoria particular, capaz de criar valor. teoria é ainda precária, estando longe de sua
Trabalho, note-se bem, e não força de formulação mais acabada.
trabalho, pois ele ainda não havia elaborado Esse fato registra-se não só porque a teoria
esse conceito. Isso o incapacita, naquele não contempla um exame mais acurado das
momento (1846/47), para explicar de maneira várias formas do valor, senão porque não dá
clara e precisa a origem do excedente. Só dez conta dos seus elementos essenciais. Há certa
anos mais tarde, com a sua Contribuição à confusão entre trabalho e força de trabalho.
Crítica da Economia Política (1857) e os Além do mais, Marx não dispõe do conceito
Borradores de O Capital (1857/58) é que de trabalho social. Conseqüentemente, não
elaborará esse conceito, bem como o de mais- dispõe do conceito de mais-valia. Por essa
valia. Tinha, entretanto, na ocasião da redação razão, os conceitos de capital, capitalismo e de
da Miséria de Filosofia, uma dada concepção acumulação, com os quais opera na Miséria
do real e de ciência. E essa dupla concepção da Filosofia, apresentam lacunas e
que faz com que, a nosso ver, essa obra seja insuficiências. Resulta disso que sua
uma espécie de embrião da expressão explicação para a sociedade burguesa tem
científica da sociedade burguesa, concluída em limitações. Até porque ainda não desvendou
seus estudos posteriores, particularmente em O todos os seus segredos e muito menos
Capital, estudo no qual apreende as leis que apreendeu as suas determinações. Tais
regem o movimento do ser social sob o limitações não invalidam, entretanto, a
domínio dele, capital, as quais estão somente reflexão contida nessa obra. Ao contrário. Ela
esboçadas na Miséria da Filosofia. é a primeira sistematização teórica de Marx a
Não ter, conforme afirmamos, o conceito respeito dessa sociedade. E o esboço do
de força de trabalho - fato que o leva a projeto teórico a que se dedicará a partir de
conceber o trabalho como mercadoria e a falar então: a análise do modo de produção
de compra e venda do trabalho e que, capitalista (Netto, 1980. p. 20). Daí a sua
ademais, o impede de explicar devidamente a relevância e atualidade.
exploração do trabalho sob o capitalismo -não Posto isso, retomemos a démarche de
quer dizer que não haja ali um esforço com Marx. Vimos que concebe o trabalho como
vistas a esclarecer a categoria trabalho. Há uma mercadoria. Enquanto tal, ele possui
mais do que isso. Há um progresso de sua valor. A medida do trabalho é dada pelo
parte no tocante à intelecção dessa categoria. tempo necessário à sua produção, isto é, à
Que ela seja vista como elemento fundador da produção dos meios indispensáveis à
vida social não é algo novo para ele. sobrevivência do trabalhador (p. 41) ou, por
Concebe-a assim desde A Ideologia Alemã outras palavras, do mínimo necessário à sua
(1845/46), em que estabelece os princípios do existência. Assevera que o valor assim medido
seu materialismo histórico e elabora, pela é a fórmula da escravidão moderna do
primeira vez depois de os Manuscritos operário e não, como quer Proudhon, a teoria
Econômicos e Filosóficos (1843/44), noções a revolucionária da emancipação do
propósito da teoria do valor-trabalho, teoria proletariado (p. 42).
essa, vale notar, que permanecia um enigma De fato, essa medida não é em absoluto
para muitos (e, se nos permitem, continua a incompatível com o antagonismo de classes e
permanecer em nossos dias) e que será melhor com a desigual distribuição do produto entre
elaborada a partir de sua polêmica com elas. E a razão disso é simples. Um produto,
Proudhon. A partir dessa polêmica, ressalte- qualquer que seja ele, encerra uma
determinada quantidade de trabalho. Essa

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quantidade de trabalho será sempre a mesma, distingue do trabalho de outro operário; os


qualquer que seja a situação recíproca dos operários já não mais se distinguem entre si
que participam da sua criação (p. 42). Se o senão pela quantidade de tempo que
produto é trocado por outro, trata-se de uma empregam no trabalho". No entanto, sob certo
troca de quantidades iguais de trabalho. Ao ponto de vista, essa diferença quantitativa
trocar essas quantidades iguais de tempo de chega a ser qualitativa, na medida em que o
trabalho, não se altera a situação recíproca tempo que se dedica ao trabalho depende, em
dos produtores, tampouco muda a situação parte, de causas puramente materiais, como a
dos operários e dos fabricantes entre si (p. constituição física, a idade, o sexo; em parte,
42). de causas morais puramente negativas, como a
Afirmar, consoante o faz Proudhon, que paciência, a impossibilidade, a assiduidade.
essa troca, medida pelo tempo de trabalho, Por último, se existe uma diferença de
implica a retribuição igualitária de todos os qualidade no trabalho dos operários, trata-se,
produtores, equivale a supor que a igualdade quando muito, de uma qualidade da última
de participação no produto subsistiu qualidade, que está longe de ser uma
anteriormente à troca. Coisa que não especialidade distintiva. É nisso, em última
acontece. A igualdade se dá na troca. Não diz análise, que consiste o estado de coisas da
respeito, por exemplo, às jornadas de indústria moderna. Sobre essa igualdade do
trabalho, pressupostos na afirmação de trabalho automático, já realizada, Proudhon
Proudhon. O que permite a equiparação das esgrime a sua plaina da "igualização" que ele
diferentes jornadas de trabalho é a propõe realizar, universalmente, no futuro (p.
concorrência. É por meio dela que uma 44).
jornada complexa de trabalho é reduzida a Todas as implicações igualitárias que
uma jornada simples. Essa redução pressupõe Proudhon retira de Ricardo repousam num
a assunção do trabalho simples como medida erro básico. Confunde o valor das
do valor, em que se considera somente a sua mercadorias, medido pelo tempo de trabalho
quantidade. Isso é possível graças à nelas cristalizado, com o valor das
subordinação do homem à máquina. Não é mercadorias medido pelo valor do trabalho (p.
preciso dizer que, em conseqüência, a hora de 44). Determina, assim, o valor das
um homem equivale à hora de outro homem e mercadorias pelo valor do trabalho. Proceder
sim, que um homem de uma hora equivale a desse modo é, segundo Marx, ir contra os
outro homem de uma hora. "O tempo é tudo, fatos econômicos. É falar num círculo viciado.
o homem não é nada; é quando muito a É determinar o valor relativo por outro valor
carcaça do tempo. Já não se levanta o relativo que, por sua vez, precisa ser
problema da qualidade. A quantidade por si determinado. Esse mesmo procedimento o
só decide tudo: hora por hora, dia por dia; leva a confundir as despesas de produção com
mas essa nivelação do trabalho não é, os salários.
certamente, obra da eterna justiça do senhor "Que é o salário? É o preço de custo do trigo, etc; é o
Proudhon; é (pura e) simplesmente resultado preço integrante de todas as coisas”; indo mais
da indústria moderna" (p. 44). Nada mais longe, "(...) é a proporcionalidade dos elementos que
atual do que isso. Lança luz sobre as compõem a riqueza. Que é o salário? É o valor do
transformações que se verificam trabalho” (p. 45).
presentemente no trabalho e seu processo.
Prossigamos, contudo, com a análise de Ricardo mostrara a confusão em A. Smith
Marx. "Na oficina automática," diz, "o entre tempo de trabalho e valor do trabalho
trabalho de um operário quase não se como medidas do valor. Assinalara a

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disparidade dessas maneiras de medir. O seu preço corrente exprimirá exatamente o


Proudhon vai além de A. Smith, identificando seu justo valor. Em vez de dizer como todos:
as duas coisas que este se limitara a justapor "quando o tempo está bom, vê-se muita gente
(p. 45). Ele provera a medida do valor das a passear", Proudhon manda sua gente passear
mercadorias, para encontrar a retribuição para garantir-lhe um bom tempo (p. 48).
igual dos trabalhadores. Toma como dado já Se aceita o valor dos produtos como
estabelecido a igualdade dos salários para, determinado pelo tempo de trabalho, deve
partindo dessa igualdade, encontrar o valor aceitar igualmente o movimento oscilatório, o
das mercadorias. Que admirável dialética! (p. qual faz do trabalho a medida do valor. Não
45). existe relação de proporcionalidade já
Ora, o trabalho, enquanto objeto de constituída e, sim, um movimento constituinte
compra e venda, é uma mercadoria que, já o (p. 52).
dissemos, tem valor. Mas o valor do trabalho Só assim é correto falar de
produz tanto quanto o valor do trigo, ou seja, "proporcionalidade", ou seja, como
nada (p. 46). conseqüência do valor determinado pelo
Proudhon acaba admitindo que, tempo de trabalho. Todavia, essa medida de
considerado como mercadoria, o trabalho vale tempo é chamada por Proudhon de lei de
e não produz. Muda de opinião. Diz agora desproporcionalidade. Uma inversão, por
que o trabalho não é uma mercadoria, que não exemplo, que reduza o tempo de trabalho,
tem valor. Esquece-se de que tinha tomado o consumido na geração de um produto,
valor trabalho como medida do valor, bem deprecia os seus congêneres que se encontram
como de que todo o seu sistema se baseia no no mercado. A concorrência nivela o valor
trabalho mercadoria, no trabalho que se desses produtos. Força o fabricante do produto
compra e vende, que se permuta, etc; no mais caro a vendê-lo mais barato. Ela realiza a
trabalho, em suma, que é fonte imediata do lei conforme a qual o valor relativo de um
reconhecimento para o trabalhador. Esquece- produto é determinado pelo tempo de trabalho
se de tudo (p. 47). necessário para produzi-lo. O tempo de
Para salvar o seu sistema, consente em trabalho, que serve de medida do valor venal,
sacrificar-lhe a base. Chega, assim, a uma transfigura-se desse modo em lei de uma
nova determinação do valor constituído: a depreciação contínua do trabalho. Ainda mais:
relação de proporcionalidade dos produtos ocorrerá depreciação não apenas para as
que formam a riqueza. mercadorias levadas ao mercado, mas também
para os instrumentos de produção, e para toda
A "relação de proporcionalidade", observa
uma oficina (p. 52).
Marx, faz pensar em muitas outras relações
econômicas, a saber: proporcionalidade da Com efeito, o que determina o valor não é
produção, justa proporção entre oferta e o tempo que se gastou na produção de um
procura, etc. Quando a oferta e a procura se artigo, senão o mínimo de tempo no qual ele é
equilibram, o valor relativo de um produto susceptível de ser produzido, e esse mínimo é
qualquer é determinado pela quantidade de fixado pela concorrência. Suponhamos que
trabalho que está nela fixada. Proudhon, não haja concorrência e, por conseguinte, que
porém, inverte a ordem das coisas. Começa já não mais existam meios de precisar o
medindo o valor relativo de um produto pela mínimo de trabalho necessário para a
quantidade de trabalho nele sintetizado, para confecção de uma coisa. O que sucederá?
constatar que a oferta e a procura equilibrar- Bastará empregar na produção de um objeto
se-ão. A produção corresponderá ao seis horas de trabalho, para se ter o direito, de
consumo, o produto será sempre permutável.

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acordo com Proudhon, de exigir em troca seis forças produtivas, em que a produção era
vezes mais do que o que tiver utilizado uma limitada e a troca restrita. A grande indústria
hora na criação do objeto (p. 53). Tem-se, põe fim a essa justa proporção. Desde o seu
então, no lugar de uma relação de advento, momentos de prosperidade alternam-
proporcionalidade, uma relação de se sucessivamente com momentos de
desproporcionalidade (p. 53). estagnação, de crise (p. 55).
A depreciação contínua do trabalho é, no Patenteia-se que a justa proporcionalidade
entanto, apenas uma das conseqüências da deixou de existir. Eis o equívoco dos que a
avaliação dos artigos pelo tempo de trabalho advogam. Equívoco e reacionarismo, cabe
necessário para produzi-lo. A elevação dos acrescentar. Pois, para serem conseqüentes,
preços, a superprodução e muitos outros deviam restabelecer as condições
fenômenos de anarquia industrial têm a sua indispensáveis à sua vigência (p. 55).
interpretação nesse modo de avaliação (p. O que mantinha a produção em proporções
53). justas era o fato de a procura determinar a
Mas, enquanto medida do valor, será o tempo de
oferta. Precedia a ela. A produção dependia
trabalho capaz de promover a variedade proporci-
do consumo. Seguia-o pari passu. A grande
onal nos produtos, variedade essa, vale dizer, que
indústria rompe com isso. Não mais depende
tanto encanta Proudhon? (p. 53). da procura. Com a grande indústria, a
produção precede o consumo, a oferta força a
Pelo contrário, da mesma maneira que demanda (p. 55). Esta é ao mesmo tempo
invadiu o universo dos instrumentos de fonte de progresso e de miséria, da riqueza e
produção, o monopólio tende a invadir o da pobreza (p. 55).
universo dos produtos. Apenas alguns ramos Por isso "das duas, uma", assevera Marx. E
da indústria, como o do algodão, podem fazer prossegue:
progressos muito rápidos. A conseqüência
inevitável desses progressos, é que esse ramo "Ou se querem as proporções justas dos séculos
industrial baixa rapidamente os preços dos passados com os meios de produção da nossa época,
seus produtos. Porém, à medida que o preço e então está-se num tempo reacionário e utopista ".
do algodão cai, o do linho deve subir
comparativamente. Isso redunda em que o "Ou se quer o progresso sem a anarquia: nesse caso,
linho será substituído pelo algodão. Não é por para conservar as forças produtivas, tem-se de

outra razão que o linho foi expulso de quase abandonar as trocas individuais ".

toda a América do Norte. Em vez da


"As trocas individuais só se conciliam com a pequena
variedade proporcional dos produtos, assistiu-
indústria dos séculos passados, com o corolário da
se ao reinado do algodão.
"justa proporção ", ou então com a grande indústria,
Nota-se que da "relação de mas com todo o seu cortejo de miséria e anarquia "
proporcionalidade" não resta mais que a boa (p. 55).
intenção de um homem, que queria que as
mercadorias fossem produzidas em De acordo com o que acabamos de dizer, a
proporções tais que pudessem ser vendidas a determinação do valor pelo tempo do
um preço justo. trabalho, ou seja, a fórmula que Proudhon nos
apresenta como regeneradora do futuro, não
A justa proporção entre a oferta e a
passa da expressão científica das relações
procura, ainda hoje tão reivindicada, há muito
econômicas da sociedade atual, como Ricardo
tempo já não existe mais. Adquiriu a condição
de velharia. Sua existência só foi possível em
épocas de baixo nível de desenvolvimento das

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clara e nitidamente demonstrou muito antes particularidades, entretanto, não preocupam


dele. Proudhon. Quando muito, o que faz é opor a
divisão do trabalho de uma época histórica à
"Mas nem sequer a aplicação 'igualitária’ dessa
divisão do trabalho de outra época histórica.
fórmula pertenceria a Proudhon? Não foi ele o pri-
meiro a imaginar a reforma da sociedade com a
Esse autor começa pela divisão do trabalho
transformação de todos os homens em trabalhadores
em geral, para chegar a um instrumento
imediatos, trocando quantidade de trabalho iguais? "
específico da produção, a máquina. Ora, esta é
(p. 55). uma força produtiva. O trabalho que se
organiza com base nela é distinto do que se
Há que se registrar o reformismo de organiza com base na ferramenta, por
Proudhon, ao qual Marx opõe a sua exemplo. A indústria moderna que dela se
concepção revolucionária. Questiona a utopia origina é uma relação social de produção. A
reformista de Proudhon. especialidade promovida pela divisão do
trabalho é seu produto genuíno. Emerge com
ela e só existe na indústria moderna, a qual se
2. A DIVISÃO DO TRABALHO E AS MÁQUINAS submete ao regime de concorrência. Não data,
portanto, dos primórdios do mundo, conforme
A divisão do trabalho, segundo Proudhon, pensa Proudhon. A máquina surge em fins do
compreende dois lados: um lado bom e um século XVIII. Nada mais absurdo do que vê-la
lado mau. O seu lado bom consiste no modo como a antítese da divisão do trabalho, ou
como se realiza "a igualdade das condições e como a síntese que estabelece a unidade do
da inteligência". O seu lado mau resulta do trabalho dividido. A máquina é uma
fato de ela ser um "instrumento de miséria". combinação de ferramentas e não das tarefas
Cabe, pois, encontrar um meio termo, ou seja, do operário. Isto acontece só na cabeça de
a recomposição que anule os seus Proudhon, que atribui à máquina a
inconvenientes, mas que conserve ao mesmo possibilidade de restauração do trabalhador.
tempo os seus efeitos úteis (p. 101). Para Marx, máquina, sistema de máquinas
A divisão do trabalho é, como tudo em com um só motor, sistema de máquinas com
Proudhon, uma lei eterna, abstrata. A um autômato por motor (ao que
abstração, a idéia, a palavra lhe bastam para acrescentamos, movido a vapor, à eletricidade,
explicar a divisão do trabalho nas diferentes eletronicamente) é esse o caminho das
épocas históricas. As castas, as corporações, máquinas (p. 110). Atestam isso os
o regime manufatureiro, a grande indústria microprocessadores, tão em voga nos dias
são explicadas com essa única palavra: dividir. atuais.
Entendendo-se bem o sentido dessa palavra, Claro é que essa evolução tem atrás de si
não será preciso entender os elementos que certo grau de acumulação e de concentração
dão a ela ou, mais exatamente, à divisão do de capital. Elas não só a precedem, senão
trabalho, um caráter determinado em cada também o desenvolvimento da divisão do
época (p. 101). A divisão do trabalho é trabalho que, por sua vez, requer uma massa
correlata da troca, e ambas não se explicam de pessoas despossuídas e compelidas a se
pela palavra "dividir" e, sim, pelo grau de reunirem em ofícios, a fim de assegurarem a
desenvolvimento em que se encontram as sua sobrevivência através de um salário. É
forças produtivas e as conseqüentes relações com o assalariamento que a troca toma corpo
sociais com as quais se articulam e, com ela, a divisão social do trabalho.
contraditoriamente. São essas relações que Todavia, ela pressupõe a reunião dos
conferem particularidades à divisão do trabalhadores numa oficina. Proudhon que,
trabalho e ao conceito de troca. Tais

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segundo Marx, "vê as coisas do avesso, se é a mecânica, por exemplo, numa fabricação
que as vê", entende que a divisão do trabalho qualquer, logo esta se desdobra em empresas
precede a oficina, que é, conforme vimos, independentes uma das outras (p. 110).
uma das condições de sua existência (p. 109). Pensemos, à luz disso, no que está se
A concentração dos meios de produção e a passando atualmente, com o crescente uso da
divisão do trabalho são inseparáveis, mas não microeletrônica na produção. Não é por acaso
para Proudhon, que concebe aquela como que hoje se fala em mundialização do capital,
negação desta. Na verdade, sucede o oposto: marcada por um nível planetário da divisão do
com a concentração dos referidos meios, trabalho, não mais adstrita ao mercado (seja
ocorre a divisão do trabalho e vice-versa. É de matéria-prima, produtos industrializados,
isso que faz com que uma nova invenção, na serviços, trabalho, dinheiro, etc), mas que se
mecânica, por exemplo, seja seguida de uma estende à produção, amplamente
maior divisão do trabalho, e cada aumento transnacionalizada. Haja vista a sua
desta, por seu lado, determine novas descentralização espacial em escala
invenções mecânicas ou de outra espécie, em internacional.
geral derivadas da aplicação tecnológica da Depois retornaremos a esse ponto. Agora
ciência. Basta lembrar, a esse respeito, que o interessa-nos realçar que, além de haver uma
grande avanço na divisão do trabalho se deu industrialização generalizada, na agricultura,
na Inglaterra, depois da invenção da máquina; nos serviços e na fábrica propriamente dita,
deu-se na indústria, por meio da pode-se dizer que ela adentrou um estágio
diversificação de seus ramos; deu-se entre a mais avançado de desenvolvimento, sobretudo
indústria e a agricultura, que num primeiro nesses dois últimos setores, nos quais se opera
momento se separam (p. 110), e ulteriormente uma segunda revolução industrial, com base
se unem, formando uma nova síntese. A na automação; essa base técnica, por
agricultura industrializa-se, submetendo-se, simplificar ainda mais o trabalho, incrementa a
como se verá melhor logo em seguida, ao sua superfluidade. Não é disso, porém, que
domínio direto e franco do capital, para usar a pretendemos tratar aqui e, sim, dos seus
linguagem madura de Marx, muito embora efeitos sobre a divisão do trabalho que, sendo
essa idéia esteja por ele esboçada desde os histórica, expressa um determinado nível de
seus Manuscritos de 1843/44. desenvolvimento das forças produtivas; logo,
Conseqüentemente, a agricultura passa a também da produtividade do trabalho, assim
compor a produção social, da qual se como da acumulação e centralização do
converte em ramo, bem como se diversifica. capital e da socialização da produção e do
O contingente de produtores independentes é trabalho, cujo caráter coletivo aumenta
reduzido drasticamente. Em seu lugar aparece inclusive nos serviços, é bom que se diga.
o assalariado. Graças à potenciação das forças Também os serviços são partes constitutivas
produtivas, propiciada pela adoção da da divisão social do trabalho (Oliveira, p. 46);
máquina, a divisão do trabalho adquire uma pertencem a ela e, portanto, à produção social,
dimensão tal que a indústria moderna, cada da qual participam, obviamente, a agricultura
vez mais dissociada do solo nacional, depende e a indústria; subordinam-se, igualmente a
quase que unicamente do mercado mundial, estas e ao capital, senhor da mencionada
das trocas que se fazem nesse âmbito e, por produção social; constituem, tal como aquelas,
conseguinte, da divisão internacional do um campo de investimento lucrativo de
trabalho. Tamanha é a influência da capital. E não apenas por intermédio de
tecnologia na divisão do trabalho que, quando grandes negócios, normalmente representados por
se introduz, mesmo que parcialmente,

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empresas que operam com transportes, própria", "informal", "clandestinas", para citar
telecomunicações, publicidade e marketing, alguns nomes. Autônomo, clandestino,
mídia, turismo, hotéis, saúde, etc, senão informal... em relação a quê? Ao social, por
também por intermédio de pequenos certo. Como social está sob a égide do capital,
negócios, que exigem pequenos volumes de a sua clandestinidade ou autonomia se
capital. estabelece em relação a ele mas a ele não se
Assim, a expansão dos serviços se dá subordina, tampouco é regida por suas leis.
segundo os preceitos da divisão do trabalho. Uma e outra estão à margem delas, pois
Muitos deles, antes executados em casa ou de possuem uma lógica própria, distinta da do
modo liberal, são cada vez mais efetuados capital. É o que dizem os Proudhons da vida
sob o mando do capital que, evidentemente, moderna, a saber: Gorz, os adeptos do
lucra com essas atividades. Não é demais campesinismo e da economia informal, entre
observar que nem todo serviço se realiza de outros, embora muitos destes últimos tenham
modo empresarial. Há, por exemplo, os mais a ver com o liberalismo do que com o
serviços públicos, bem como há serviços que, autonomismo.
conquanto privados, são improdutivos. Para Acontece que essas atividades são, na
que um serviço seja produtivo, é mister que o maioria das vezes, mercantis. Quer dizer,
trabalho efetuado por meio dele se insira na nelas e por meio delas, produz-se
divisão social do trabalho, que não é mais que predominantemente valor de troca, mesmo no
um simples órgão do trabalho coletivo, esse caso dos serviços. Tal fato pressupõe a divisão
organismo social sem o qual o trabalho não se do trabalho em geral, assim como uma forma
realiza e do qual é uma de suas manifestações particular desta. Pressupõe, por conseguinte, a
concretas. Nesse caso, ele inscreve-se no inserção da maioria dessas atividades na
circuito do capital, a quem rende lucro. O produção social, na qual os seus executores
mesmo não sucede com certos serviços, tais normalmente operam e da qual, em
como o de um serviçal que faço vir à minha contrapartida, obtêm os meios de trabalho e de
casa para fazer dados consertos. Seu consumo vida que consomem. Com efeito, salvo
por mim é improdutivo, meramente pessoal. situações excepcionais, elas subsumem-se na
Ademais, eu o pago com renda e não com divisão social do trabalho, o que significa que
uma cota-parte do capital variável. os bens ou serviços por elas gerados não são
A situação é, no entanto, inteiramente mais do que a existência objetiva da divisão
outra quando tal serviçal é empregado de uma do trabalho, a objetivação de trabalhos
empresa prestadora de serviços, com a qual qualitativamente diferentes, correspondentes
mantenho relações mercantis, isto é, de às diversas necessidades. Enquanto atividades
compra e venda. Uma coisa é um serviço, mercantis, os seus produtos, sejam eles coisas
outra é uma empresa que explora serviços. tangíveis ou não, encerram valor de uso, não
Aqui, além de haver dependência ao mercado, porém para os seus criadores, e sim para os
o trabalho processa-se sob as ordens do outros, com os quais os intercambiam. Os seus
capital, que visa a sua autovalorização. produtos não são, de imediato, meios de
subsistência. Só se tornam assim depois de
Não me estenderei nessa exemplificação,
terem adotado, no dinheiro, a forma de
que é muito ampla. Aludirei somente a mais
produto social. De modo que eles produzem
um caso, a meu ver bastante elucidativo não
basicamente para a sociedade, cujos membros,
apenas dos serviços, mas também de outras
por seu lado, trabalham para os executores
atividades, rurais e urbanas, não raro
dessas atividades, noutras esferas,
expressas pela linguagem corrente e mesmo
evidentemente. Com efeito, são trabalhadores
oficial como "autônomas", "por conta

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da sociedade, na qual e para a qual laboram finalizar essas digressões, acerca das quais já
diretamente. São, como dissemos, produtores nos alongamos demasiadamente, que o lucro,
de mercadorias, mesmo quando elas assumem o salário e a renda são expressões concretas
a forma de serviços. Produzem mercadorias das relações sociais capitalistas, por meio das
para outros produtores de mercadorias. quais se verifica a distribuição do produto
Significa isso que as suas atividades não são social. Prolongamo-nos sobre elas porque, ao
imediatamente sociais, visto que, sendo mesmo tempo em que evidenciam a
majoritariamente mercantis, a sociabilidade fecundidade do pensamento de Marx, o
que se tece no interior de cada uma delas é atualizam ao tocarem em aspectos
igual à da sociedade global que, para dizer o desenvolvidos posteriormente por ele, cujo
óbvio, as inclui, e em que os nexos sociais são exemplo maior são os serviços. Todavia, os
determinados na troca, pela forma valor. pressupostos teóricos da divisão do trabalho,
Evidencia-se aqui a importância da forma imprescindíveis à sua explicação e outras
valor para a compreensão da dita sociedade e formas de trabalho, incluindo-se nelas as antes
da sociabilidade que lhe é peculiar. Ambas, mencionadas, estão contemplados, senão
convém explicitar, capitalistas, cujo exame plenamente na Miséria da Filosofia, com
Marx principia nos Manuscritos citados. certeza a partir dela. Um desses pressupostos
Sendo a sociedade capitalista a que está sob o é a relação direta da divisão do trabalho com
mando do capital, é lícito afirmar que esses as forças produtivas. Há uma interação entre
trabalhadores a que estamos nos reportando elas, que faz com que cada invenção acentue a
são, em regra, trabalhadores do capital. É no divisão do trabalho, e cada aumento desta
capital que, em última análise, eles subsumem- conduza, por sua vez, a novas invenções. Mas
se, no geral valorizando-o. Isso, mesmo não é só o progresso técnico que está em
quando não sejam assalariados de terceiros, causa. Com a crescente aplicação tecnológica
nem proletários. Lembremos os "autônomos", da ciência à produção, há uma simplificação e
"os por conta própria" e tantos outros que um conseqüente barateamento do trabalho, do
praticam pequenos negócios, sem assalariar que se aproveita o capitalista, interessado em
outras pessoas. Ainda quando não se rebaixar os custos produtivos - especialmente
encontram diretamente subsumidos no capital, o da força de trabalho - com vistas a ampliar a
se nele subsumem por analogia ou idealmente. extração do excedente.
São assalariados ou capitalistas deles mesmos. Compreende-se porque, com a aplicação da
A razão dessa submissão não se deve ao mecânica, se aboliram todas as leis de
trabalho que executam, mas ao fato de aprendizagem dos operários. Elas já não eram
possuírem meios de trabalho, que geralmente mais necessárias. O trabalho simplificara-se.
revestem a forma de capital. Além disso, Os operários sintéticos preconizados por
enquanto trabalhadores mercantis, dependem Proudhon tornaram-se obsoletos. É certo que
do preço, assim como da produtividade isso não sucedeu pacificamente. A partir do
social, em volta da qual giram suas taxas de início do século XIX, a maioria das invenções
lucro. A apropriação do lucro não se dá redundou em choques entre trabalhadores e
diretamente pela via do trabalho. Ela é feita, capitalistas, que procuravam diminuir as
ao contrário, por meio da distribuição, que especialidades daqueles. Em seguida a cada
pressupõe a circulação, onde vige a greve, surgia uma nova máquina. O
concorrência. trabalhador estava tão distante de ver na
Está-se, aí, no terreno da lei do valor, que máquina a possibilidade de sua reabilitação
os premia ou penaliza, segundo as suas ou, para usar o termo de Proudhon,
capacidades produtivas. Observemos, para

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restauração, que resistiu bravamente ao automático é tão exatamente regulado que


nascente império do autômato (p 111) basta uma criança para o vigiar (p. 112).
Marx reitera que a máquina ampliou a Após essa citação de Ure, Marx observa
divisão social do trabalho e simplificou o que "(...) a mão-de-obra era em geral o
trabalho do operário. Ele insurge-se, mais elemento mais dispendioso de um produto
uma vez, não menos contundente e qualquer; mas, com o sistema automático, os
ironicamente que em outras vezes, contra talentos do artífice vão sendo
Proudhon. Diz que aquele autor se apóia em progressivamente substituídos pela presença
A. Smith, e que este economista clássico de simples vigilantes da mecânica" (p. 112).
escreveu sua obra numa época em que a É esse, continua ele, "o grande problema
oficina automática mal acabara de nascer. manufatureiro, ou seja, o de reduzir a tarefa
Para mostrar isso, recorre ao Dr. Ure. Toma- dos operários ao exercício da sua vigilância e
lhe emprestadas algumas passagens de sua destreza..." (p. 112/13).
Filosofia das Manufaturas, das quais Mas como? "Combinando a ciência com os
reproduzimos parte: "ele (Smith) demonstrou, capitais" (p. 112). "O princípio do sistema
no caso da fábrica de alfinetes, que um automático é o de substituir a divisão do
operário, aperfeiçoando-se pela prática num trabalho entre os artífices (que é próprio da
só e mesmo ponto, torna-se mais hábil e manufatura, esclarecemos nós) pela análise de
menos dispendioso. Em cada ramo das um processo nos seus princípios constituintes
manufaturas, observou que, de acordo com (análise científica, diríamos nós, sem nenhuma
esse princípio, certas operações, tais como o arbitrariedade). Conforme procuraremos
corte de fios de latão em comprimentos mostrar adiante, a máquina possibilita a
iguais, se tornam de fácil execução; que organização científica do processo de
outras, como o fabrico e a fixação das cabeças trabalho, porque permite transferir o aspecto
dos alfinetes, são relativamente mais difíceis. E operativo do trabalho humano às máquinas,
concluiu, por isso, que é possível, substituindo o princípio subjetivo pelo
naturalmente, adaptar a cada uma dessas princípio objetivo de organização. É esse
operações um operário cujo salário princípio objetivo que é susceptível de análise
corresponda à sua capacidade. Essa adaptação científica, assim como de recomposição com
é a essência da divisão do trabalho. Mas o que base em critérios científicos. Objetividade,
podia servir de exemplo útil no tempo do nesse caso, consiste na aplicação da ciência ao
doutor Smith só seria adequado hoje para processo de trabalho, aplicação essa que
induzir o público ao erro, relativamente ao constitui a ciência da tecnologia, que nada
princípio real da indústria manufatureira. De mais é que a aplicação tecnológica da
fato, a distribuição, ou melhor, a adaptação ciência". (Palma, p. 22).
dos trabalhos às diferentes capacidades
Já não é o operário que manipula a
individuais quase não entra no plano de
ferramenta. Isso é próprio da manufatura.
operações das manufaturas automáticas. Pelo
Com a indústria assentada na máquina,
contrário, em todos os lugares onde um
movida mecanicamente, o trabalhador limita-
processo qualquer exige muita destreza e mão
se a vigiar e a corrigir a operação desse
segura, retiram-no do braço do operário
mecanismo. Adapta-se ao processo de
denominado hábil, e muitas vezes propenso a
trabalho, diferentemente do que acontecia
diversos tipos de irregularidades, para o
antes. Pois a máquina, e mais ainda a
entregar a um mecanismo particular, cujo
maquinaria, sob nenhum aspecto aparece
funcionamento
como meio de trabalho do operário individual.
Sua diferença específica não é de modo

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algum, como no caso da ferramenta, a de processo de trabalho. Impõe-lhe uma nova


transmitir ao objeto a atividade do operário e, base material, adequada à sua autovalorização,
sim, que essa atividade se acha posta de tal base a qual se ajusta igualmente o mercado de
maneira que não faz mais que transmitir à trabalho. Passa, desse modo, a depender
matéria prima a ação da máquina, a qual vigia menos do elemento subjetivo e mais do
e preserva de avarias (Rosdolsky, p. 276). elemento objetivo do processo de trabalho,
Não é como o caso da ferramenta, que o cujo aprimoramento contínuo torna-se
trabalhador maneja e que requer dele certo imperioso. Doravante, acumulação e
virtuosismo. A máquina toma o seu lugar. Ela progresso técnico caminham juntos. A
é a nova virtuosa. Mais: assume a condição de extensividade da acumulação cede lugar à
agente. Determina e regula a atuação do intensividade, e a mais valia absoluta à relativa.
trabalhador, a qual é reduzida à mera A subordinação real do trabalho adquire
abstração. Torna-se puramente mecânica e hegemonia. A produção assume a forma
indiferente à sua forma particular. É a especificamente capitalista (Marx, 1985, caps.
máquina que anima o trabalhador e não o 13 e 14, 1978, p. 55 a 70, Rosdolsky, cap. 17).
inverso, pois ele se converte em acessório de Só na imaginação de alguns (Proudhon) a
uma coisa que se move fora dele, de um máquina auxilia o operário individual,
sistema mecânico. Esse é o lado ativo do abreviando e facilitando a sua tarefa, bem
processo produtivo. Em conseqüência, esse como restaurando a sua qualificação. Pelo
processo deixa de ser processo de trabalho, contrário, o emprego capitalista da máquina
pelo simples fato de o trabalho imediato não despoja a atividade operária de toda
ser mais a unidade dominante que lhe dá independência e de qualquer caráter atrativo,
forma. Ao contrário, aparece apenas como ao convertê-lo não só em trabalhador parcial
órgão consciente nos trabalhos vivos e ou (acrescentamos nós) polivalente, senão
dispersos em várias partes do sistema de também numa máquina parcial ou
maquinaria, no qual se subsume, não sendo multifuncional, não importa (pensamos nós).
mais que um elo deste sistema, cuja unidade O capitalismo só emprega a máquina porque
não está nem no trabalho nem no seu esta potencia o trabalho, capacitando-o a
executor, o trabalhador (ambos passivos), mas produzir mais em menos tempo. Por elevar a
na maquinaria (ativa), em forma de produtividade do trabalho, ela possibilita a
materialização do capital, diante do qual o redução do trabalho necessário, em favor do
trabalho individual quase que desaparece trabalho excedente. Dessa maneira, ao invés
(idem, p. 276). de libertar o trabalhador e atenuar a sua
O pleno desenvolvimento do capital e, por exploração, o uso capitalista da máquina o
conseguinte, da sociedade na qual ele vige, a aprisiona e o submete a uma exploração mais
capitalista, só ocorre, pois, quando o meio de intensa, quando não também mais extensa.
trabalho se apresenta frente ao trabalhador, no Uma conseqüência natural disso é a criação
processo de produção, na qualidade de de uma massa de pessoas supérfluas. Mas não
máquina. Somente então esse processo não a abordaremos. Apenas a mencionamos por
mais aparece subsumido na habilidade e ser elucidativa ao desemprego e subemprego
destreza do trabalhador, mas como aplicação que assolam o mundo atual, além, é claro, de
tecnológica da ciência. Dar à produção um exprimir uma das contradições do capital. O
caráter científico é, com efeito, a tendência do que abordaremos é, para usar uma vez mais a
capital. O trabalho imediato reduz-se, a partir linguagem de Proudhon, a restauração (ou,
daí, a mero "fator" desse processo. Subsume-
se na maquinaria. O capital assenhoreia-se do

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em termos modernos, a requalificação) do tempo exigido para a formação profissional do


trabalhador pela máquina. trabalhador. E ele é diminuído e não
Vejamos, antes de mais nada, o que Marx aumentado. Aumentá-lo significa não apenas
nos diz a esse respeito na Miséria da encarecê-lo como pôr entraves à acumulação.
Filosofia. "(...) segundo o sistema que Diminui-lo, ao inverso, significa a
decompõe um processo reduzindo-o aos seus possibilidade de extração de uma massa maior
princípios constitutivos, e que submete todas de mais-valia social, além do que, o capital
as suas partes à operação de uma máquina incrementa o seu domínio sobre o trabalho.
automática, podem confiar-se essas mesmas Ao passo que a suposta restauração apregoada
partes elementares a uma pessoa dotada de por Proudhon enfraqueceria o seu poder diante
uma capacidade ordinária (prescinde-se da do trabalho. A realidade, porém, é outra. O
qualificação, observamos nós), depois de capital, desde aí, vem diminuindo o trabalho
submetida a uma certa prova; em caso de vivo. E só pode fazê-lo porque o desqualifica.
emergência, pode-se mesmo fazê-la passar de Torna-o, em conseqüência, cada vez mais
uma máquina para outra, de acordo com a supérfluo (p. 46). Vê-se quão ilógico é supor o
vontade do diretor do estabelecimento. Essas retorno do artífice, cuja volta redundaria na
mutações estão em oposição aberta com a restauração do trabalhador (p. 46).
velha rotina que divide o trabalho e que Ainda há mais: o capital, por meio de sua
atribui a um operário a tarefa de talhar a base técnica, construída à sua imagem e
cabeça de um alfinete, a outro a de afiar a semelhança, simplifica o trabalho, reduzindo-o
ponta, trabalho cuja uniformidade aborrecida progressivamente a um único trabalho, o
os enerva... No entanto, de acordo com o social, verdadeiro organismo cujos órgãos são
princípio da igualização (simplificação, as suas múltiplas formas concretas. Mas não é
notamos nós), ou sistema automático, as só. Verifica-se também o seu barateamento.
faculdades do operário estão apenas Senão, vejamos:
submetidas a um trabalho agradável, etc. "O objetivo constante e a tendência de
Sendo a sua ocupação vigiar o trabalho de um qualquer aperfeiçoamento do mecanismo é,
mecanismo bem regulado, pode em pouco com efeito, de dispensar inteiramente o
tempo aprendê-la”(isso, além de desqualificar trabalho do homem ou de diminuir o seu
e simplificar o trabalho, barateia-o, realçamos preço, substituindo pela atividade das
nós)(p. 113). mulheres e das crianças a do operário adulto,
O trabalho torna-se, desse modo, mais ou pelo trabalho de operários sem destreza o
simples. E o que possibilita isso é a máquina. de hábeis artifíceis... Essa tendência para
Apesar de a troca e a divisão do trabalho empregar apenas crianças de olhar vivo e
serem seus pressupostos, a sua efetivação só dedos ágeis, em vez de trabalhadores que
se dá com a máquina e o seu sistema, o possuam grande experiência, demonstra que o
mecânico. Esse sistema de máquinas dogma escolástico da divisão do trabalho
prescinde da qualificação do trabalhador. conforme os diferentes graus de habilidade foi
Afinal, a máquina é a nova virtuosa. Tal finalmente repudiado pelos nossos
qualificação requer uma longa aprendizagem. manufatureiros esclarecidos" (p. 113).
Por simplificar o trabalho, a adoção da Acompanha esse barateamento do trabalho
máquina na produção comprime o seu custo. a sua universalização. E a grande responsável
Esse menor custo representa para o capital por isso é a máquina. É ela que, por
um menor tempo de trabalho necessário. Ora, simplificar o trabalho, diminui o seu custo e
a qualificação do trabalho tem a ver com tal consolida a sua universalidade, em detrimento
tempo, que não é outra coisa que não o

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da sua especialização. Esta é típica da "apenas trata da propriedade fundiária, da


manufatura; aquela, da indústria. Embora a renda fundiária" (p. 121). "A origem da renda
manufatura possa ser recriada, e o é, a (para Proudhon), como da propriedade, é por
hegemonia agora pertence à indústria. Ela dá assim dizer extraeconômica: reside em
o conteúdo e a forma ao processo de trabalho. considerações de psicologia e de moral que só
Ao contrário da manufatura, ela tende a longinquamente se relacionam com a
universalizar o trabalho e não a especializá- produção das riquezas" (p. 121/2).
lo. Reconhece-se incapaz de compreender a
Por isso ater-se à especialização - como o origem econômica da renda e da propriedade.
faz Proudhon, com seu "operário sintético", Admite que essa incapacidade o obriga a
similar ao artesão - é querer retrogradar a recorrer às considerações de ordem
roda da história; é querer perpetuar "o psicológica e moral... (p. 122). Afirma que a
idiotismo da profissão". Nem o presente nem propriedade tem origem mística e misteriosa.
o futuro apontam para ela, mas para a Transforma, assim, em mistério a relação
universalização do trabalho. Só assim o seu própria da produção com a distribuição dos
tempo pode ser reduzido. Tal redução é meios de produção. Ora (pergunta Marx) isso
primordial à sua valorização. Esse é um dos não significa renunciar a qualquer pretensão à
intentos do capital. ciência econômica? (p. 122).
Malgrado isso, não deixa de ser um Em seguida, Proudhon nota que, estando a
progresso. E através dela que o trabalhador atividade humana ameaçada de perder-se no
poderá se libertar dos limites impostos pela vazio, em virtude do desvanecimento da
divisão social do trabalho. Isso está indicado realidade em prol da ficção, é mister ligar
por Marx, na obra em apreço, quando liga a mais fortemente o homem à natureza: "a
tendência à universalidade ao renda é o preço desse novo contrato" (p. 122).
desenvolvimento integral do homem. Esse E provável que nesse mundo idealizado por
fato, Proudhon não entende. Como bom Proudhon, onde o crédito é um meio para nos
pequeno burguês que é, não pode entender perdermos no vazio, a propriedade seja
esse aspecto revolucionário da oficina necessária para ligar o homem à natureza. No
automática e, por não entendê-lo, dá um mundo real, alicerçado na produção material,
passo atrás: propõe ao operário que faça não na qual a propriedade fundiária sempre
apenas a duodécima parte de um alfinete, mas precede o crédito, o temor ao vazio de
sucessivamente todas as doze partes. O Proudhon certamente não se manteria (p.
operário chegaria assim à ciência e à 122).
consciência do alfinete. Nisso consiste o Admitida a existência da renda, seja lá qual
trabalho sintético de Proudhon (p. 114). for a sua origem, ela exprime uma relação
Há que se perguntar: qual é a diferença contraditória entre o rendeiro e o proprietário
entre essa concepção e a da fundiário. Resta saber qual é a taxa média de
reprofissionalização do trabalhador, muito em renda resultante dessa relação. Para explicá-
voga nos dias correntes? la, Proudhon cita Ricardo. Usa e abusa do
palavreado, que pode ser resumido no
seguinte: o excedente do preço dos produtos
3. A PROPRIEDADE OU A RENDA (P. 121 E 130) agrícolas sobre o custo de produção, incluindo
o lucro e os juros comuns do capital, dá a
Segundo Marx, conquanto Proudhon medida da renda. Não é assim, no entanto, que
pareça referir-se à propriedade em geral, Proudhon a explica. Para ele, o

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ESTUDOS DE SOCIOLOGIA N° 03 JOSÉ FLÁVIO BERTERO

proprietário tira do colono todo o excedente. produtos manufaturados. Mas também, a


Explica a propriedade pela intervenção do partir desse momento, a renda teria
proprietário, e a renda pela intervenção do desaparecido" (para quem parece haver
rendeiro. Responde ao problema, nas palavras somente um tipo de renda, a diferencial).
de Marx, "colocando o mesmo problema e Bem longe de fazer do explorador da terra
acrescentando-o ainda de uma sílaba", (p. do rendeiro um simples trabalhador, e de
122) Quer dizer, não o equaciona. extrair do colono o excedente, a renda põe
Acresce que, determinando a renda pela frente ao proprietário territorial o capitalista
diferença da fertilidade da terra, Proudhon lhe industrial, em vez do escravo, do servo, do
atribui uma nova origem. Pois a terra, antes tributário, do assalariado (p. 125). Além do
de ser avaliada conforme os diferentes graus que, houve um longo lapso de tempo para que
de fertilidade, "não era", ainda segundo o rendeiro feudal fosse substituído pelo
Proudhon, "um valor de troca", mas um bem capitalista industrial. Apenas na Inglaterra
"comum". "Em que se tornou então (indaga essa relação entre o proprietário de terra e o
Marx) essa ficção da renda que tinha surgido capitalista industrial alcançou o seu pleno
da necessidade de reconduzir à terra o homem desenvolvimento (p. 125).
que ia se perder no infinito do vácuo? (p. Quando havia apenas o colono de
123/4). Proudhon, não havia renda. Desde que essa
Para Marx, a renda, assim como a existe, o colono não é o rendeiro, mas o
propriedade, tem a ver com as relações operário, o colono do rendeiro. Depois de
sociais. Ela é a propriedade fundiária na constituída em renda, a propriedade territorial
sociedade burguesa. Não é demais reiterar somente tem em seu poder o excedente em
que a sua referência é sempre Ricardo (p. relação aos custos produtivos. Era, portanto,
124). Segundo o economista, o preço dos ao aludido proprietário que a renda arrancava
produtos é, como vimos, determinado pelo uma parte do rendimento (p. 125).
custo de produção, no qual se inclui o lucro A renda, nos termos de Ricardo, é a
industrial; em suma, ele é determinado pelo agricultura (patriarcal) transformada em
tempo de trabalho gasto (p. 124). Eis que indústria, o capital industrial aplicado na terra,
estamos novamente no âmbito da lei do valor. a burguesia industrial transplantada para o
Como a concorrência nivela o preço do campo. Ela não liga o homem à natureza,
mercado, o produto gerado no melhor terreno senão a exploração da terra à concorrência.
será pago ao mesmo preço do produto gerado Uma vez constituída em renda, a propriedade
no terreno inferior. E o excedente do preço fundiária nada mais é que o resultado da
dos produtos, gerados na terra de melhor concorrência, pois passa a depender do valor
qualidade, sobre o custo da sua produção que venal dos produtos agrícolas. Como renda, ela
constitui a renda. "Se se tivesse sempre à torna-se um efeito do comércio. A renda só é
disposição terras do mesmo grau de viável, quando a indústria e a organização
fertilidade; se se pudesse, como na indústria social dela resultante impelem o proprietário
manufatureira, recorrer sempre às máquinas da terra a visar apenas ao lucro, à relação
menos custosas e mais produtivas, ou se os monetária de seus produtos agrícolas, e a ver,
segundos investimentos de capitais enfim, a sua propriedade como uma máquina
produzissem tanto quanto os primeiros, então de cunhar moeda (p. 125/6).
o preço dos produtos agrícolas seria A renda separou de tal modo o proprietário
determinado pelo preço de custo dos artigos territorial do solo, que ele não tem sequer
produzidos pelos melhores instrumentos de necessidade de conhecer suas terras. O
produção, como observamos no caso dos mesmo sucede com o rendeiro e o

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operário agrícola. Também estes não se ligam Para que a teoria de Ricardo seja válida, é
à terra, senão ao preço da sua exploração, ao preciso ainda que os capitais possam circular
dinheiro (p. 126). livremente nos vários ramos da indústria; que
"Daí as jeremiadas dos partidos a concorrência nivele a taxa de lucro; que o
reacionários, que querem a volta da rendeiro não passe de um capitalista industrial
feudalidade, à boa vida patriarcal, aos que procura, na aplicação do seu capital em
costumes simples e às grandes virtudes de terras piores, um lucro igual ao que obteria se
nossos antepassados. A sujeição da terra às o capital de que é portador fosse aplicado na
leis que regem as outras indústrias é e será indústria algodoeira, por exemplo; que a
sempre objeto de condolências interessadas. exploração agrícola esteja submetida ao
Assim, pode-se dizer que a renda se tornou a regime da grande indústria; enfim, que o
força motriz que lançou o idílio no mesmo proprietário fundiário vise apenas o
movimento da história" (p. 126). rendimento monetário (p. 125).
Excedemo-nos em citações. Todavia, O solo sujeita-se, como se nota, às mesmas
julgamo-las necessárias, porquanto lançam luz leis que regem a indústria (p. 126). E as leis
sobre questões atuais, em especial no que que a regem, vale explicitar, são as leis que
concerne à terra e à sua exploração, as quais regem a sociedade, que é capitalista. São
perdem toda e qualquer particularidade. essas leis que Marx já procura desvendar.
Deixam, por conseguinte, de constituir uma Supõe-se que desde aí, para ele, não é outra
questão específica. Sujeitam-se aos ditames senão essa a tarefa da ciência.
do capital, erigido em senhor dos tempos Após ver a origem da renda no excedente
modernos. É esse senhor e não mais a terra gerado pelo colono, Proudhon passa para a
que submete o trabalho. Aliás, submete-o e a redistribuição igualitária da renda (p. 126).
propriedade da terra. As condições de A renda, conforme vimos, é constituída
produção agrícolas estão agora sob o seu pelo preço igual dos produtos de terras
domínio. A renda é uma espécie de lucro desiguais em fertilidade. Exemplificando: um
extraordinário, mero remanescente do lucro hectolitro de trigo, que tenha custado 10
médio, que lhe impõe limites (Marx, 1973, p. francos, é vendido por 20 francos se o custo
741). de produção atingir, numa terra de pior de
Uma ressalva deve ser feita. Marx é, neste qualidade, 20 francos (p. 126).
texto, assumidamente devedor de Ricardo. O preço do mercado é determinado pelos
Segue quase à risca a teoria da renda desse custos produtivos do artigo de custo mais
autor. Não o faz, contudo, acriticamente. elevado. Os produtos, criados em
Mostra que Ricardo aplica a renda não só circunstâncias diversas, têm os seus preços
para explicar a propriedade moderna da terra, regulados no mercado pela concorrência. É
sua expressão, senão também a propriedade esta, e não a propriedade da terra, que
fundiária em geral, universalizando assim o proporciona ao proprietário da terra melhor
que é próprio de uma época histórica. Trata- uma renda de 10 francos, em cada hectolitro
se de devaneios comuns a todos os de trigo vendido pelo seu rendeiro (p. 126). A
economistas, que apresentam as relações de renda só existe por isso, ou seja, pelo fato de
produção burguesa como categorias eternas se vender por 20 francos o hectolitro de trigo
(p. 126). E bom que se frise, entretanto, que, que custa 10 francos ao produtor (p. 127).
ao assumir a teoria da renda de Ricardo, Marx
a reduz à renda diferencial. Concepção essa Não obstante fale em extinção da renda, o
com a qual romperá em O Capital e nas que é próprio da renda absoluta, Marx, tal
Teorias da Mais Valia. como Ricardo, a quem segue, reduz a renda
da terra à renda diferencial. Porém não se

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ESTUDOS DE SOCIOLOGIA N° 03 JOSÉ FLÁVIO BERTERO

restringe somente à renda que deriva da E essa, em essência, a concepção de


fertilidade natural do solo (R.D.I.). Diz que a Proudhon acerca da renda da terra. Marx se
aplicação da química moderna altera a cada propõe a examiná-la. Indaga a respeito da
instante a natureza da terra, e os correção (ou não) da afirmação daquele autor,
conhecimentos geológicos começam a anular segundo o qual a renda é o juro de um capital.
a antiga avaliação da fertilidade relativa do Mencionamos, de início, que, para o
solo (p. 127/8) (R.D.II). Por fim, nota que a proprietário fundiário, a renda representa o
fertilidade não é algo tão natural como se juro do capital que ele investiu na terra ao
supõe: está intimamente ligada às relações comprá-la, ou que obteria se a vendesse. Mas
sociais, as quais, por sua vez, se ligam às ao comprá-la ou vendê-la, só compra ou
forças produtivas. Ademais, uma terra pode vende a renda. O preço que paga para se
ser fértil para o cultivo do trigo e, a despeito apropriar da terra é regulado pela taxa de juro
disso, o preço do mercado pode induzir o seu geral e nada tem a ver com a renda. Os juros
detentor a convertê-la em pastagem artificial e dos capitais aplicados em terras são, em geral,
assim torná-la estéril. menores que o juro dos capitais aplicados na
Retomemos Proudhon: afirma agora que indústria ou no comércio. Por isso, para
"a renda é o juro proporcionado por um aquele que não distingue o juro que a terra
capital que nunca se extingue, ou seja, a representa ao proprietário da renda, o juro da
terra". E como esse capital não é susceptível terra-capital diminui mais que o juro dos
de qualquer aumento quanto à matéria, mas outros capitais. "Mas não se trata do preço de
apenas de uma melhoria indefinida quanto ao compra ou de venda da renda, do valor venal
uso, acontece que, enquanto o juro e o lucro da renda, da renda capitalizada, trata-se da
do empréstimo" (...) tendem a diminuir própria renda" (p. 129).
continuamente em conseqüência da Prossegue Marx:
abundância dos capitais, a renda tende a
aumentar sempre pelo aperfeiçoamento da "O arrendamento pode implicar ainda, além da renda
indústria, do qual resulta o melhoramento do propriamente dita, o juro do capital incorporado à
uso da terra... Tal é, na sua essência, a renda" terra. O proprietário recebe então essa parte do
(p. 128). arrendamento não como proprietário, mas como
capitalista; mas não é essa a renda propriamente dita
Marx observa que, dessa vez, Proudhon
de que temos de falar" (p. 129).
"vê na renda todos os sintomas do juro, com a
diferença de que ela provém de um capital de Esse vem a ser o conceito da terra-capital,
natureza específica. Esse capital é a terra, de que também fala Proudhon. Ela só é terra-
capital eterno que não é susceptível de capital enquanto é explorada como meio de
nenhum aumento quanto à matéria, mas produção. Pode ser aumentada igualmente aos
apenas de uma melhoria indefinida quanto ao demais meios de produção. Mesmo que não se
uso" (p. 128). acrescente nada à matéria, para usar mais uma
Os juros "apresentam uma tendência vez a linguagem de Proudhon, multiplicam-se
contínua à baixa, ao passo que a renda, ao as terras que servem de meios de produção.
contrário, tem uma tendência à alta. Os juros Basta aplicar nelas novas somas de capital,
caem por causa da abundância dos capitais; a para que se aumente a terra-capital sem que se
renda sobe graças aos progressos conseguidos acrescente nada à terra-matéria, isto é, à
pela indústria, os quais repercutem no uso da extensão da terra. "A terra-matéria do Sr.
terra, racionalizando-a cada vez mais" (p. Proudhon é terra como limite. Quanto à
128). eternidade que ele atribui à terra, admitimos

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que ela tenha essa virtude como matéria. A sociedade capitalista. Identidade, note-se,
terra-capital não é mais eterna do que intraclasses e não interclasses. E isso não só
qualquer outro capital" (p. 129). no que se refere aos assalariados, cujo
A terra-capital é um capital fixo. Todavia, antagonismo em relação às demais classes é
também se desgasta. Quer dizer, embora fixo, mais notório, mas também no que diz respeito
não é eterno. Há casos, inclusive, em que a aos capitalistas e aos proprietários fundiários,
terra-capital pode desaparecer, permanecendo igualmente opostos entre si. As classes são
apenas os melhoramentos incorporados ao antagônicas, contraditórias, a ponto de,
solo. Isso sucede quando a renda é anulada conforme ensinam os franceses, não existirem
pela concorrência de novas terras mais férteis; senão em luta.
tal como os melhoramentos, que teriam valor Voltemos, contudo, ao exame da renda da
numa certa época, deixam de tê-lo a partir do terra. Sabemos que ela é uma criação do
momento em que se universalizam pelo capital, esse senhor dos tempos modernos que
desenvolvimento agronômico (p. 129/30). a todos e a tudo subordina, inclusive a terra e o
O representante da terra-capital não é o trabalho que nela se realiza, os quais se
proprietário fundiário, e sim o rendeiro. O submetem diretamente ao império das suas
rendimento que a terra proporciona como leis e da sua produtividade. Aqui é preciso
capital é o juro e o lucro industrial, não a chamar a atenção para o fato de que isso não
renda. Há terras que produzem esse juro e apaga a contradição que os envolve. Ao criar a
esse lucro e que não produzem renda (p. renda da terra e a sua expressão econômica - a
130). propriedade moderna da terra - ele cria um
Resumindo, a terra, enquanto terra-capital, valor que lhe é diferente. É o único caso em
dá juro e não renda. Não se constitui, por que cria um valor distinto de si mesmo, de sua
conseqüência, em propriedade fundiária. A própria produção. Tanto lógica quanto
renda resulta das relações sociais por meio historicamente, é o criador da propriedade
das quais ocorre a exploração. Não resulta da capitalista da terra. Ao mesmo tempo em que a
terra natureza, isto é, de seu caráter natural. cria, dissolve a antiga propriedade feudal.
Ela não provém do solo, mas da sociedade (p. Visto deste ângulo, é o criador da agricultura
130). É parte da mais-valia, da qual é uma de moderna, a qual deixa de ser fonte direta de
seus expressões concretas. As outras subsistência para ser fonte mediada de
expressões concretas daquela forma de subsistência. A apropriação do produto do
excedente são o lucro e o juro, trabalho deixa de ser direta. Não mais se faz
respectivamente. O juro corresponde ao diretamente pelo trabalho e, sim,
capital, enquanto o lucro corresponde à indiretamente, via mercado. Ela assume a
propriedade fundiária (Grundrisse, p. 216-24). forma de rendimento, do qual a renda é uma
Todas elas são, entretanto, manifestações da das expressões. A própria terra, ao adquirir a
mais-valia, formas de aparição do trabalho forma moderna, converte-se em mercadoria. O
não-pago e que o mistificam, visto que trabalho assalariado, pressuposto da sociedade
aparecem como se fossem geradas por tais moderna, é criado por essa forma de
meios de produção. O salário, entretanto, propriedade da terra, quer dizer, pela
corresponde ao trabalho assalariado e é propriedade da terra enquanto valor, que se lhe
expressão do trabalho pago. contrapõe. Essa é, ao mesmo tempo, sua
condição e antítese. Condição, porque sem ela
Vale dizer que são essas formas de
não haveria trabalho assalariado. Antítese,
rendimento, pelas quais se dá a distribuição
porque é um entrave à expansão do capital. A
social, que conferem, em certo nível,
identidade às classes sociais básicas da

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ESTUDOS DE SOCIOLOGIA N° 03 JOSÉ FLÁVIO BERTERO

renda restringe a sua capacidade de expansão terra de uma mesma qualidade. Nada mais
(Grundrisse, citado). correto do que se aplicar, nesse exame, como
Apesar disso, é inegável a subordinação da o fará ulteriormente, os conceitos de
terra ao capital. Subordinação que, convém concepção orgânica do capital e da taxa média
notar, nos autoriza afirmar que a terra não é de lucro, extensivos à agricultura, em que a
mais natureza, um meio de produção natural, terra é usada de modo produtivo, como meio
mas terra-capital. de produção, pertencente a um ramo particular
Essa subordinação é prenunciada por Marx da produção social, que é regida pela lei do
no capítulo em pauta da Miséria da Filosofia. valor; lei cujo embrião em Marx se encontra
Primeiro, porque ele concebe a renda como no capítulo primeiro da Miséria da Filosofia.
produto das relações sociais que, bem o
sabemos, se ligam contraditoriamente às
4. AS GREVES E AS COLIGAÇÕES OPERÁRIAS
forças produtivas. Ao fazer isso, explica a
origem econômica da renda e da propriedade
Proudhon discute o salário. Entende que o
fundiária, a qual remete ao capital. Essa
aumento salarial leva a um encarecimento
propriedade não se efetiva sem a apropriação
geral: "isso é tão certo", diz, "como dois e dois
da renda. Ela não é senão expressão daquela.
são quatro". Ao que Marx responde, "exceto
Só é apropriada privativamente pelo
esta última afirmação, de que dois e dois são
monopólio que se exerce sobre si.
quatro, as demais afirmações de Proudhon são
Segundo, porque Marx já não separa aí falsas" (p. 131). Em primeiro lugar, porque
produção e distribuição. Tanto assim que, ao não há encarecimento geral. Se os preços das
criticar Proudhon, assinala que ele transforma mercadorias dobrarem simultaneamente aos
em mistério a relação do produtor com os salários, não haverá mudança nos preços, mas
meios de produção, dentre os quais se inclui a apenas nos termos (p. 131). Em segundo
terra. Ora, a terra não só é valor, mas também lugar, uma alta geral dos salários atingirá
só pode ser apropriada socialmente. Como se menos as indústrias que empregam,
não bastasse isso para indicar a subordinação comparativamente, mais máquinas que
a que estamos nos referindo, Marx introduz o operários. A tendência, no entanto, é de a
conceito de terra-capital, por ele assimilado a concorrência nivelar a taxa de lucro. As
um meio de produção de capital fixo. Já aí indústrias que se elevam acima da taxa média
evidencia-se a subordinação da renda ao devem ser passageiras. Por esse motivo, à
capital. Mas ele vai mais longe. Diz que é o parte algumas oscilações, uma alta (geral) dos
capital ou a indústria que dita o movimento da salários trará, em vez de encarecimento
renda e, conseqüentemente, o preço da terra. (geral), conforme quer Proudhon, uma baixa
E mais: através de sucessivas aplicações, eles parcial, ou seja, uma baixa no preço das
subvertem continuamente os limites dentro mercadorias, principalmente das fabricadas
dos quais a propriedade territorial os obriga a com o auxílio de máquinas (p. 131).
moverem-se. Essa contínua subversão de tais
O aumento e a queda do lucro e dos
limites, que são os limites inerentes ao próprio
salários apenas exprimem a proporção,
capital territorializado, são constantemente
segundo a qual, os capitalistas e os
ultrapassados. Não fora assim, a terra-matéria
trabalhadores participam do produto de um
não se multiplicaria.
dia de trabalho, sem que elas influam, no mais
Marx está, aqui, além da renda gerada pela das vezes, sobre o preço do produto. Mas
fertilidade natural do solo, que designará afirmações como "as greves seguidas de
depois de R.D.I. Está a caminho da R.D.II, aumento de salários levam a um
que é gerada pelas inversões de capital na

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encarecimento geral, e mesmo a uma pois não é fazer política promover


escassez" são idéias que só podem nascer no coligações?" (p. 135).
cérebro de um poeta incompreendido (p. Apesar das recomendações propostas nos
132). manuais (dos economistas) e nas utopias (dos
Na Inglaterra, por exemplo, as greves têm socialistas), as coligações continuaram
ocasionado a invenção e o emprego de novas ininterruptamente a manifestar-se e ampliar-se
máquinas, que se constituem em uma das com a indústria moderna (p. 135).
principais armas usadas pelos capitalistas "Na Inglaterra, não se ficou nas coligações
contra os trabalhadores revoltosos. Põem-nos parciais, que não tinham outro escopo senão
fora de combate - não só no passado, uma greve passageira, e que com ela
observamos nós; haja vista o que o acontece desapareciam. Formaram-se coligações
no mundo, hoje. permanentes, trade-unions, que constituem
Proudhon condena as coligações, com um baluarte para os operários nas suas lutas
receio de que elas causem os mesmos com os industriais. E presentemente todas
incrementos salariais que causaram uma essas trade-unions locais encontram um ponto
carestia geral (p. 133). "A greve dos operários de união na National Association of United
é ilegal (assevera), e não o diz apenas o Trades, cujo comitê central fica em Londres...
Código Penal, mas o sistema econômico, a A formação dessas greves, coligações, trade-
necessidade da ordem estabelecida... Que unions caminham conjuntamente com as lutas
cada operário disponha livremente como políticas dos operários que constituem agora
indivíduo da sua pessoa e dos seus braços, um grande partido político com a
pode ser tolerado: mas que os operários denominação de Cartistas" (p. 135).
tentem por coligação exercer violência contra A sociedade burguesa é vista aqui tal como
o monopólio, isso a sociedade não pode é, ou seja, cindida em classes. Operários e
tolerar" (p. 133/4). capitalistas se contrapõem. Os primeiros se
Para Marx, Proudhon reduz as relações de unem para lutar por seus interesses; os
produção burguesa a um artigo do Código segundos, não só para fazer valer os seus
Penal. Faz este passar por aquelas (p. 146). interesses, senão também com o propósito de
Na Inglaterra, as coligações são autorizadas repressão, para o que, não raro, contam com a
pelo Parlamento. Só que essa autorização foi ajuda do Estado. Essas lutas, conquanto
concedida em função da ordem econômica (p. negadas por Proudhon e pelos economistas,
134). com suas fraseologias apologéticas, revelam,
Em seguida, observa que economistas e conforme vimos, a contradição social básica, a
socialistas (utópicos) estão de acordo em existência de classes. Não por acaso os
relação a um ponto: ambos são contrários às operários, como se verá abaixo, sacrificam
coligações (p. 134). Todavia, por motivos parte de seus salários em favor das
distintos. Os economistas alegam que, além associações, as quais adquirem maior
de elas serem prejudiciais ao bom andamento importância para eles do que os próprios
da economia, de nada adiantarão, visto que os salários, motivo que os levou a se associarem.
salários dependerão sempre da variação entre Desde esse momento, as associações assumem
a oferta e a procura. Os socialistas, por seu um caráter político: são associações de classe.
lado, dizem que os operários nada ganharão Marx antecipa aqui uma das idéias do
com as coligações. Que eles serão sempre Manifesto de 1848: a da sociedade burguesa
operários e os patrões sempre patrões. "Por engendrando os elementos da sua própria
isso, nada de coligações, nada de política, destruição (Rossi, p. 318).

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ESTUDOS DE SOCIOLOGIA N° 03 JOSÉ FLÁVIO BERTERO

"É sob a forma de coligações que sempre defende tornam-se interesses de classe. Mas a
se verificam as primeiras tentativas dos luta de classe com classe é uma luta política"
trabalhadores com vistas a se associarem" (p. (p. 136).
135). A grande indústria facilita isso. Ela Esta última frase não deixa dúvidas a
aglomera num só lugar uma multidão de respeito de nossa afirmação, segundo a qual
pessoas. É certo que a concorrência divide os política é, para ele, luta de classes. Do que se
seus interesses. Mas o salário, esse interesse infere que só há política porque há classes
comum que os operários possuem contra os sociais. Disso, entretanto, trataremos depois.
patrões, acaba por reuni-los em coligações. Agora, cabe-nos dizer que, na passagem
Por isso, elas têm sempre um objetivo: o de reproduzida, Marx nos dá também os
cessar a concorrência entre os operários, para conceitos de "classe em si" e de "classe para
que possam concorrer com os capitalistas. À si". Isto é, a classe que toma consciência de si,
medida que os capitalistas se unem para fazer que vai além dos seus interesses imediatos,
frente às reivindicações operárias, a tais como: salários, condições de trabalho, etc.
manutenção das coligações se lhes afigura Somente assim ela será capaz de elaborar
mais necessária do que a dos salários. Assim é um projeto social adequado à sua existência.
que eles chegam a sacrificar parte de seus Marx ilustra isso através da burguesia, que se
salários em favor das associações. Nesta luta - constituíra em classe sob o feudalismo, mas
verdadeira guerra civil - reúnem-se e que, só com a elaboração de um novo projeto
desenvolvem-se todos os elementos social, a conseqüente derrubada dessa
responsáveis para uma batalha futura. Uma sociedade e a sua substituição pela sociedade
vez alcançado esse ponto, a associação burguesa, torna-se efetivamente uma classe
adquire um caráter político. Caráter político revolucionária (p. 136). Claro está que
que, segundo sabemos, tem a ver com as também ela começara com coligações parciais
classes (p. 136). Pois a luta referida, vista contra os senhores feudais. A futura batalha
como verdadeira guerra civil, não é senão luta será, no entanto, protagonizada por outro ator:
de classes. Por essa razão, ela reúne, ao o proletariado, que deverá abolir as classes.
mesmo tempo que desenvolve, todos os Marx retoma aqui uma idéia de A questão
elementos necessários para uma batalha judia, antecipando, voltamos a dizer, idéias do
futura. O que já é, a nosso ver, indicativo da Manifesto.
transitoriedade da sociedade burguesa, assim
como de que a sua superação não será Não é à toa que os historiadores em geral
pacífica, e sim dependerá da luta, da força, omitem em seus estudos a existência do
como Marx dirá um ano depois, no proletariado como classe. São tomados de um
Manifesto: a luta de classes é o motor da temor real:
história, e a força, a sua parteira. É justamente "Uma classe oprimida é condição vital de toda so-
isso que nos põe no campo da política. ciedade fundada no antagonismo de classes. A
Política, para Marx, é luta de classes. emancipação de uma classe oprimida implica, por-
Vejamos: tanto, necessariamente, a criação de uma sociedade
"As condições econômicas tinham a nova. Para que a classe oprimida possa se emanci-
princípio transformado a massa da população par, é preciso que as forças produtivas já adquiridas
do país em trabalhadores. A dominação do e as relações sociais existentes já não possam mais
capital criou para essa massa uma situação existir lado a lado. De todos os instrumentos de

comum, interesses comuns. Assim, essa massa produção, a maior força produtiva é a própria classe

é já uma classe diante do capital, mas não o é revolucionária. A organização dos elementos
revolucionários, como classe, supõe a existência de
ainda para si mesma. Os interesses que

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DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA 1997 UNESP - FCL

todas as forças produtivas que podiam se engendrar no os princípios, as idéias, as categorias, de


seio da velha sociedade " (p. 136). acordo com as suas relações sociais. Por isso,
essas idéias, essas categorias, são tão pouco
Marx descreve o processo de emancipação
eternas quanto as relações que exprimem. São
estribado em sua concepção materialista,
produtos históricos e transitórios" (Marx,
cujos princípios estão firmados desde a
1974, p. 88).
Ideologia Alemã. Já nesse trabalho capta e
expõe o movimento contraditório entre as "Quererá isso dizer que após a queda da antiga so-
forças produtivas e as relações sociais. É ciedade haverá uma nova dominação de classe, re-
aludindo a esse movimento que diz que "de sumindo-se num novo poder político? Não ".
todos os instrumentos de produção, a maior
força produtiva é a própria classe "A condição de libertação da classe trabalhadora é a
revolucionária". Isso porque a quebra das abolição de todas as classes, do mesmo modo que a
relações, inadequadas às (novas) forças condição de libertação do Terceiro Estado, da ordem
produtivas, não é automática, mas pressupõe, burguesa, foi a abolição de todos os estados e de

precisamente, a "organização dos elementos todas as ordens" (p. 137).

revolucionários como classe", a qual, por sua Não mais se trata da emancipação das
vez, pressupõe a "existência de todas as forças classes e, sim, de sua supressão. Suprimir as
produtivas que podiam ser geradas no seio da classes não quer dizer, entretanto, o fim da
sociedade", visto que tem de servir-se delas, história, mas da pré-história. A classe
utilizá-las, organizá-las, a fim de que elas trabalhadora substituirá, no decorrer do seu
possam romper as relações e não se percam desenvolvimento, a antiga sociedade civil por
em direções fragmentárias e contraditórias, a essa associação que excluirá as classes e o seu
exemplo do que ocorre durante o período de antagonismo (p. 137). Emancipando-se,
coligações parciais. Além disso, se as mediante ação revolucionária, ela emancipará
contradições derivam da demanda desigual toda a sociedade da divisão classista. Não só:
entre forças produtivas e relações sociais, em "(...) já não haverá poder político
que estas não mais se coadunam com o grau de propriamente dito, pois que o poder político é
desenvolvimento alcançado por aquelas, a exatamente o resumo oficial do antagonismo
mudança de tais relações permitirá a na sociedade civil" (p. 137). Não sendo mais
continuidade da expansão das forças que o resumo do antagonismo social, com a
produtivas, já organizadas e utilizadas pela supressão deste, o poder político será
classe revolucionária. Daí porque essa classe igualmente suprimido. Não haverá mais razão
se apresenta como a força que favorece a para que subsista.
dinâmica das forças produtivas, que as
"No período de espera, o antagonismo entre o pro-
incrementa e produz, por sua própria
letariado e a burguesia é uma luta de classe contra
iniciativa, as novas formas de relações (Rossi,
classe, luta que, levada à sua mais alta expressão, é
p. 321). Afinal, os homens não produzem
uma revolução total. Aliás, não é de admirar que uma
apenas os seus instrumentos de trabalho.
sociedade, fundada na oposição das classes, chegue à
Produzem, ademais, materiais de trabalho,
contradição brutal, a um choque corpo-a-corpo como
meios de vida e, em conformidade com essa
última solução" (p. 137).
produção, as próprias relações que travam
nesse processo. Não é esse um dos Marx insiste, contra Proudhon, no fato de
argumentos que Marx usa contra Proudhon? que as contradições sociais burguesas não se
Aliás, esses "mesmos homens que resolvem por si mesmas, de modo pacífico.
estabelecem as relações sociais, conforme a Segundo ele, a solução de tais contradições
sua produtividade material, também produzem requer uma ação revolucionária, e essa ação

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ESTUDOS DE SOCIOLOGIA N° 03 JOSÉ FLÁVIO BERTERO

não pode deixar de ser política, visto que é movimentos supõem uma certa organização
resultante da luta de classes. "Só numa ordem prévia, eles são, por seu lado e na mesma
de coisas na qual já não haja classes e medida, meios de desenvolver essa
antagonismo de classes, deixarão as evoluções organização.
sociais de ser revoluções políticas. Até lá, nas Deixa claro, desse modo, os limites dos
vésperas de cada remodelação geral da movimentos sociais. Eles são, em regra,
sociedade, a última palavra da ciência social localizados, isolados, passageiros, em suma,
será sempre: sectários. Por isso, não são políticos. Para que
"O combate ou a morte: a luta sanguinária ou nada.
sejam políticos, é preciso que tenham uma
E assim que irrelutavelmente se apresenta a maior amplitude, que digam respeito aos
questão" (George Sand, p. 137). aspectos estruturais da sociedade, seja com
vistas a conservá-la, seja com vistas a
reformá-la, seja, ainda com vistas a
ADENDO transformá-la radicalmente.
Os movimentos sectários, segundo ele, só
O movimento social não exclui o se justificam historicamente, quando a classe
movimento político. O movimento político é operária não está amadurecida para um
movimento social (p. 137). O inverso, porém, movimento histórico autônomo. Desde que
não é verdadeiro. Marx demonstra isso numa ela tenha essa maturidade, todas as seitas são
carta endereçada a Bolte, em 1871. Na carta, reacionárias por essência. A marcha da
ele retoma essa diferenciação entre história já as havia deixado para trás. Mesmo
movimento social e movimento político. assim, não faltavam adeptos seus no seio da
Mostra que o objetivo final do movimento Internacional. Sua história, aliás, é marcada
político da classe operária é a conquista do por lutas constantes contra esses senhores,
poder. Mas que, para tanto, é mister uma entre eles os proudhonianos.
organização prévia, saída de suas próprias Onde a classe operária não está
lutas econômicas. De outra parte, todo suficientemente organizada para realizar uma
movimento que opõe a classe operária, campanha decisiva contra o poder coletivo, ou
enquanto classe, à classe no poder, e procura seja, contra o poder político das classes
vencê-la por uma pressão externa, é um dominantes, é necessário introduzir nela a
movimento político. Por exemplo, a tentativa organização, pela agitação contínua contra a
feita numa fábrica particular ou, ainda melhor, atitude adotada em política pelas classes
por uma categoria profissional tomada à dominantes, atitude que lhes é hostil.
parte, para forçar certos capitalistas, por meio
de greves, a reduzir a duração da jornada de
trabalho, é um movimento puramente SOCIEDADE
econômico. Ao contrário, o movimento que
visa a obter uma lei sobre a jornada de O que vem a ser sociedade? Segundo
trabalho de oito horas, é um movimento Marx, ela não é senão o conjunto das relações
político. É assim que, em toda parte, um sociais - relações de classes, bem entendido, e
movimento político nasce de todos esses não relações entre indivíduos. Suprimam essas
movimentos econômicos isolados dos relações e terá sido destruída a sociedade
operários, isto é, um movimento de classe inteira... (p. 81). É isso, fundamentalmente
para fazer triunfar seus interesses sob uma isso, que ele propõe estudar, desde pelo
forma geral, sob uma forma que tem uma menos A Ideologia Alemã. E esse o fio
força geral, socialmente eficaz. Se esses condutor que o levará, em estudos

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DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA 1997 UNESP-FCL

posteriores, incluindo-se ai a Miséria da citados; que esses homens, ao produzirem os


Filosofia, a tentar descobrir as leis que referidos tecidos, produzem as suas próprias
presidem o movimento da vida social relações sociais; que essas relações ligam-se
moderna. Nesses estudos, só se refere às às forças produtivas; que, ao adquirirem novas
pessoas enquanto personificadoras das forças produtivas, os homens mudam o seu
relações sociais, como representantes de modo de produzir e, então, mudam as suas
classes, portadoras de determinados relações sociais e as leis que as presidem, as
interesses. Concebe o desenvolvimento social quais são estabelecidas objetivamente pelos
como um processo histórico. Fato que o homens; que esses mesmos homens, que
impede de tomar o indivíduo como estabelecem as relações sociais de acordo com
responsável pela existência de relações, de as suas forças produtivas, produzem também
que é socialmente criatura. Razão por que, os princípios, as idéias, as categorias, em
nos termos de a Miséria da Filosofia, quem suma, as representações que explicam suas
parte do indivíduo não chegará jamais à idéia relações, ainda que freqüentemente de
de sociedade. Fará como Proudhon, cujo maneira invertida. Que essas representações,
Prometeu (que não é senão a sociedade) não tais como as relações que exprimem, não são
passa de um "fantasma sem braços e sem eternas: são produtos históricos, transitórios.
pernas, ou seja, sem a oficina automática, sem Não há, pois, uma teoria geral do social: o
divisão do trabalho, privado, enfim, de tudo moinho manual nos dá a sociedade com o
aquilo que lhe havia sido dado a princípio, suserano; o moinho a vapor, a sociedade com
para que pudesse obter o excedente de o capitalista industrial (p. 87/8).
trabalho" (p. 81). Compreende-se porque não se deve nem se
Ao contrário de Proudhon, Marx chega ao pode partir do indivíduo e de suas
conceito de desenvolvimento, mediante o representações. Quem assim procede, destrói
desvelamento do social, cujo movimento, o social, bem como as suas determinações
segundo pensa, é regulado por leis, que não essenciais.
somente independem da vontade, da Os sociólogos têm se esquecido disso.
consciência e da intenção dos homens, mas os
determinam. Não são essas leis que explicam
a sua existência e, sim, o oposto. A sua SOCIABILIDADE CAPITALISTA
existência tem a ver com a produção, com o
modo pelo qual se produzem as condições A Miséria da Filosofia contém a
imprescindíveis a ela. Por meio da produção, formulação primeira, embrionária, da
não são gerados apenas os bens úteis à vida sociabilidade capitalista, em que tudo é
humana, senão também as relações sociais e alienável, passível de troca: mercadorias em
as suas representações. geral, sejam elas produtos do trabalho (como
Tomando as coisas pelo avesso, Proudhon sucede com a maioria delas) ou não (como a
vê essas relações como encarnações de terra, por exemplo), sejam elas, ainda, coisas
representações e não enquanto tais. Não é que tangíveis (roupas, sapatos, corpo, como no
não soubesse que são os homens que fabricam caso das prostitutas, etc.) ou não, como
a lã, o algodão, o linho, a seda, etc, e que o "Virtude", "amor", "opinião", "ciência",
fazem sob determinadas relações de "consciência", etc. Tudo, enfim, é
produção. O que ele não sabia, melhor comercializável. É, para repetir Marx, "O
dizendo, não entendia, é que essas relações tempo da 'corrupção geral'", "da venalidade
sociais são igualmente produzidas pelos universal", ou, em linguagem de economia
homens, da mesma maneira que os tecidos política, "o tempo em que qualquer coisa,

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ESTUDOS DE SOCIOLOGIA N° 03 JOSÉ FLÁVIO BERTERO

moral ou física, ao converter-se em valor na qual trabalham. Produzem, com efeito,


venal, é levada ao mercado para ser apreciada como partícipes da produção social, à qual
no seu mais justo valor" (p. 27). A corresponde dada divisão do trabalho, de que
generalização da troca (e das relações os seus respectivos trabalhos não são mais
monetárias que a acompanham) se que manifestações concretas (p. 905/16677).
identifíca(m) com a venalidade e a corrupção Fica clara a determinação social das
gerais. Corrompe(m) as relações e as pessoas pessoas. Não há como refutá-la. Na verdade,
que as personificam. Prostitui(em) a ambos. A elas se enfrentam mutuamente - e só pode ser
prostituição se apresenta não só como uma assim, por causa da mercantização de suas
decorrência natural disso, senão também relações - enquanto portadoras de valores de
como algo geral, uma espécie, por assim troca, isto é, de equivalentes ou de entes de
dizer, de "face necessária do caráter social das igual valor. Como tais, são iguais. Não há
disposições, capacidades, habilidades e diferença alguma entre elas (p. 912/175). São
atividades pessoais" (Marx, 1971, p. 80). agentes do mesmo trabalho social,
Aqui já estamos no âmbito dos Grundrisse. indiferenciado. E é justamente isso que lhes
onde Marx desenvolve essas idéias. possibilita a troca. Permite-lhes a equiparação
Nelas, as pessoas apresentam-se como das diferentes mercadorias entre si. Confere-
sujeitos de troca, ou seja, como proprietários lhes equivalência. Ao trocarem equivalentes,
de mercadorias ou de dinheiro, nos quais se ou seja, coisas de valores iguais, as pessoas
encontram cristalizadas quantidades diversas não fazem mais que intercambiar sua
de tempo de trabalho social (902, 163/64). existência objetiva. Elas mesmas são de igual
Esse é, aliás, um dos supostos da troca, qual valor e, no ato da troca, se creditam
seja, a propriedade do valor de troca pelas reciprocamente como equivalentes e
pessoas, na forma de mercadoria ou de indiferenciadas. Como só existem mutuamente
dinheiro. Outro pressuposto da troca é que enquanto sujeitos da troca, que intercambiam
essas pessoas, as quais se constituem em equivalentes, elas são entes de igual valor,
sujeitos de troca, produzem subsumidamente indeferenciadas entre si e indiferentes umas
na divisão do trabalho social (p. 905/166). A em relação às outras. Suas individualidades
produção de valores de troca por tais sujeitos não entram no processo. A diversidade
não só pressupõe a divisão do trabalho em material dos valores de uso de suas
geral, mas também uma forma específica sua mercadorias é encoberta pelo valor nelas
(p. 905/167). Esse fato independe da vontade contido. Na medida em que tal diferença
das pessoas que produzem para a troca e que material é motivo da troca, constitui uma
a realizam. Depende, isto sim, de condições necessidade de um para outro, a qual pode ser
sociais dadas, em virtude das quais elas se satisfeita somente por uma quantia igual de
encontram determinadas. Em tais condições, tempo de trabalho. Essa diversidade material é
elas produzem mercadorias, precisamente a razão de sua igualdade social. É isso que os
para outros produtores de mercadorias, com põe como sujeitos da troca. A satisfação
os quais intercambiam. Portanto, não mais se mútua de suas necessidades, por meio da
comportam com seus produtos como uma diversidade material de seu trabalho e de sua
forma imediata de subsistência. Produzem mercadoria, é o que converte a sua igualdade
essencialmente para a troca, isto é, coisas que numa relação social, e seu trabalho particular,
só se convertem em algo para si mesmos num modo de existência particular do trabalho
depois de terem passado por certo processo social em geral (p. 913/176).
social. Quer isso dizer que só produzem para A troca pressupõe, assim, tanto a
si produzindo para a sociedade, para a qual e dissolução das relações de dependência

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DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA 1997 UNESP - FCL

pessoais quanto a dependência recíproca dos MARX, K. Elementos Fundamentales para Ia Critica
produtores. Essa dependência recíproca de Ia Economia Política (borrador - 1857-58).
Buenos Aires, Siglo Veintiuno, 1971, vols. 1 e 3.
exprime-se na necessidade permanente da
troca e no valor como seu mediador. MARX, K. La Ideologia Alemana. Barcelona, Grijal-
bo, 1974, 1ª parte.
Pois bem: é essa dependência que dá o
MARX, K. Manuscritos Economia y Filosofia. Ma-
nexo social. Embora indiferentes e movidas drid, Alianza Editorial, 1974.
por interesses próprios, egoístas e MARX, K. Miséria de Filosofia. Porto, Publicações
mesquinhos, elas se unem através da troca, Escorpião, 1974.
que, vale frisar, se realiza por meio da forma MARX, K. O Capital (capítulo VI, Inédito). São Paulo,
valor. Ao mesmo tempo em que dá o nexo Ciências Humanas, 1978.
social, a troca define a sociabilidade MARX, K. "O Capital". Os Economistas. São Paulo,
capitalista. Acresce que, pelo fato de as coisas Abril Cultural, 1984, tomo 2, vol. I.
trabalhadas assumirem a forma de valor de MARX, K. El Capital. México, F.C.E., 1973, vol. 3.
troca e, conseqüentemente, de dinheiro, cada MARX, K. O Manifesto Comunista de 1848. Rio de
qual carrega consigo no bolso o seu nexo com Janeiro, Zahar. 1967.
a sociedade, assim como o poder social. Além MARX, K. Teorias sobre Ia Plus Valia. Buenos Aires,
disso, no valor de troca o vínculo social entre Cartago, 1975, tomo 2.
as pessoas se transforma em relação entre NETTO, J.P. "Introdução", Marx, K., Miséria de
coisas. A necessidade de se converter o Filosofia. São Paulo, Ciências Humanas, 1982.
produto em valor de troca, em dinheiro, e de OLIVEIRA, F. "O terciário e a divisão social do
as pessoas só poderem adquirir e manifestar o trabalho". São Paulo, Estudos Cebrap, 24, s/d.
seu poder social por meio dessa forma de PALMA, A. de. "La organizacion capitalista dei tra-
coisa, demonstra: 1) que elas produzem só bajo en "El Capital" de Marx". Quademos de Pa-
para sociedade e na sociedade; 2) que sua sado y Presente, 32, Córdoba, 1974.
produção não é imediatamente social, não é ROSDOLSKY, R. Gênesis y Estructura de "El Capital"
fruto de uma associação ou comunidade; 3) de Marx. México, Siglo Veintiuno, 1979.
que as relações entre elas se prostituem. ROSSI, M. La Gênesis dei Materialismo Histórico.
Evidentemente, essas idéias não estão Madrid, Comunicación, 1974, cap. 5.
desenvolvidas na Miséria da Filosofia.
Todavia, de certa maneira, elas já foram
abordadas desde esta obra.

BIBLIOGRAFIA

MARX, K. "Marx a F. Bolte". Marx, Engels e Lenin,


Acerca del anarquismo y ei anarcosindicalismo.
Moscou, Editorial Progreso, 1987.
MARX, K. "O Capital". OS Economistas. São Paulo,
Abril Cultural, 1985, tomo 1, livro 1; tomo 2, vol.
I; tomo 2, vol. III.
MARX, K. "Para a Crítica da Economia Política". Os
Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1974.
MARX, K. A Questão Judia. Rio de Janeiro, Larmert,
1969.

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