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o valor útil com a oferta e o valor de troca produto é simplesmente o valor que o
com a procura. Para ressaltar ainda mais a constitui por meio do tempo de trabalho nele
antítese, substitui os termos, pondo no lugar fixado (p. 35).
do valor de troca o valor de opinião. Temos, É como se Ricardo não houvesse existido.
dessa maneira, de um lado a utilidade (o valor Acontece que existiu. Tanto existiu que Marx
de uso, a oferta) e, de outro, a opinião (o recorre a ele, a quem considera o maior
valor de troca, a procura) (p. 31). intérprete até então existente da sociedade
De que modo é possível conciliar isso? burguesa (p. 36). Confronta Proudhon com a
Através do livre arbítrio. Visto que a procura idéia desse expoente do pensamento
ou o valor de troca se identificam com a econômico clássico, idéia segundo a qual o
opinião, Proudhon afirma que: "Está valor relativo das mercadorias é determinado
demonstrado que é o livre arbítrio do homem pelo tempo de trabalho necessário à sua
que dá lugar à oposição entre o valor útil e o produção. Noutras palavras, para esse
valor de troca. Como esclarecer, então, essa economista, o determinante do valor é o
oposição, enquanto subsistir o livre arbítrio? trabalho, e o tempo deste, a medida daquele.
E como sacrificar esse sem sacrificar o Marx não só reitera isso como insistirá na
homem?" (p. 32). idéia de que não é o valor do trabalho que
Não há conclusão possível. Existe uma luta serve de medida ao valor das mercadorias,
entre dois poderes incomensuráveis, entre o senão a sua quantidade ou tempo. O valor, em
útil e a opinião, entre o comprador livre e o si e por si mesmo, nada produz. Fato esse que,
produtor livre (p. 32). conquanto elementar, nem sempre era bem
Desse modo, a dialética de Proudhon não entendido pelos economistas da época, exceto
vai além de substituir o valor útil e o valor de Ricardo. Aqueles, aliás, eram mestres em
troca, a oferta e a procura, por noções explicar os preços (leia-se valor) pelas
abstratas e incongruentes, como a escassez e oscilações entre a oferta e a procura no
a abundância, a utilidade e a opinião, um mercado. Ao invés disto, para Marx, os preços
produtor e um consumidor, "ambos cavaleiros (valor) possuem uma determinação, cujos
do livre arbítrio" (p. 35). fundamentos se encontram na esfera da
produção e não na do mercado. Tanto é assim
Pretende, com isso, reintroduzir um
que, se o preço de venda de um produto cair
elemento que havia afastado, os gastos de
abaixo dos seus custos de produção, o seu
produção, como síntese entre o valor útil e o
fabricante fatalmente será penalizado nessa
valor de troca. É assim que, a seu modo de
esfera pela concorrência. De maneira inversa,
ver, os gastos de produção constituem valor
se o mesmo fabricante, ao pôr o seu produto
sintético ou valor constituído (p. 35), a pedra
no mercado, obtém um preço bem acima dos
de toque do seu sistema das contradições
seus custos, ele com certeza conseguirá um
econômicas, por ele considerado como a sua
grande descoberta científica.
superlucro. Esse superlucro atrairá
concorrentes suplementares para o ramo a que
O que vem a ser essa descoberta científica pertence, a ponto de provocar uma
de Proudhon, que é o valor constituído? Uma superprodução temporária, que comprimirá os
vez admitida a utilidade, o trabalho é a fonte preços. A oscilação destes, conforme se vê,
do valor. A medida do valor trabalho é o não se dá ao acaso, mas em função dos custos
tempo. O valor relativo dos produtos é de produção, ao redor dos quais gravitam e os
determinado pelo tempo de trabalho que é quais são determinados pelo preço dos meios
preciso empregar para produzi-los. O preço é de vida, indispensáveis para a manutenção do
a expressão monetária do valor relativo de um trabalhador.
produto. Enfim, o valor constituído de um
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Marx concebe o trabalho como uma se: porquanto na Miséria da Filosofia essa
mercadoria particular, capaz de criar valor. teoria é ainda precária, estando longe de sua
Trabalho, note-se bem, e não força de formulação mais acabada.
trabalho, pois ele ainda não havia elaborado Esse fato registra-se não só porque a teoria
esse conceito. Isso o incapacita, naquele não contempla um exame mais acurado das
momento (1846/47), para explicar de maneira várias formas do valor, senão porque não dá
clara e precisa a origem do excedente. Só dez conta dos seus elementos essenciais. Há certa
anos mais tarde, com a sua Contribuição à confusão entre trabalho e força de trabalho.
Crítica da Economia Política (1857) e os Além do mais, Marx não dispõe do conceito
Borradores de O Capital (1857/58) é que de trabalho social. Conseqüentemente, não
elaborará esse conceito, bem como o de mais- dispõe do conceito de mais-valia. Por essa
valia. Tinha, entretanto, na ocasião da redação razão, os conceitos de capital, capitalismo e de
da Miséria de Filosofia, uma dada concepção acumulação, com os quais opera na Miséria
do real e de ciência. E essa dupla concepção da Filosofia, apresentam lacunas e
que faz com que, a nosso ver, essa obra seja insuficiências. Resulta disso que sua
uma espécie de embrião da expressão explicação para a sociedade burguesa tem
científica da sociedade burguesa, concluída em limitações. Até porque ainda não desvendou
seus estudos posteriores, particularmente em O todos os seus segredos e muito menos
Capital, estudo no qual apreende as leis que apreendeu as suas determinações. Tais
regem o movimento do ser social sob o limitações não invalidam, entretanto, a
domínio dele, capital, as quais estão somente reflexão contida nessa obra. Ao contrário. Ela
esboçadas na Miséria da Filosofia. é a primeira sistematização teórica de Marx a
Não ter, conforme afirmamos, o conceito respeito dessa sociedade. E o esboço do
de força de trabalho - fato que o leva a projeto teórico a que se dedicará a partir de
conceber o trabalho como mercadoria e a falar então: a análise do modo de produção
de compra e venda do trabalho e que, capitalista (Netto, 1980. p. 20). Daí a sua
ademais, o impede de explicar devidamente a relevância e atualidade.
exploração do trabalho sob o capitalismo -não Posto isso, retomemos a démarche de
quer dizer que não haja ali um esforço com Marx. Vimos que concebe o trabalho como
vistas a esclarecer a categoria trabalho. Há uma mercadoria. Enquanto tal, ele possui
mais do que isso. Há um progresso de sua valor. A medida do trabalho é dada pelo
parte no tocante à intelecção dessa categoria. tempo necessário à sua produção, isto é, à
Que ela seja vista como elemento fundador da produção dos meios indispensáveis à
vida social não é algo novo para ele. sobrevivência do trabalhador (p. 41) ou, por
Concebe-a assim desde A Ideologia Alemã outras palavras, do mínimo necessário à sua
(1845/46), em que estabelece os princípios do existência. Assevera que o valor assim medido
seu materialismo histórico e elabora, pela é a fórmula da escravidão moderna do
primeira vez depois de os Manuscritos operário e não, como quer Proudhon, a teoria
Econômicos e Filosóficos (1843/44), noções a revolucionária da emancipação do
propósito da teoria do valor-trabalho, teoria proletariado (p. 42).
essa, vale notar, que permanecia um enigma De fato, essa medida não é em absoluto
para muitos (e, se nos permitem, continua a incompatível com o antagonismo de classes e
permanecer em nossos dias) e que será melhor com a desigual distribuição do produto entre
elaborada a partir de sua polêmica com elas. E a razão disso é simples. Um produto,
Proudhon. A partir dessa polêmica, ressalte- qualquer que seja ele, encerra uma
determinada quantidade de trabalho. Essa
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acordo com Proudhon, de exigir em troca seis forças produtivas, em que a produção era
vezes mais do que o que tiver utilizado uma limitada e a troca restrita. A grande indústria
hora na criação do objeto (p. 53). Tem-se, põe fim a essa justa proporção. Desde o seu
então, no lugar de uma relação de advento, momentos de prosperidade alternam-
proporcionalidade, uma relação de se sucessivamente com momentos de
desproporcionalidade (p. 53). estagnação, de crise (p. 55).
A depreciação contínua do trabalho é, no Patenteia-se que a justa proporcionalidade
entanto, apenas uma das conseqüências da deixou de existir. Eis o equívoco dos que a
avaliação dos artigos pelo tempo de trabalho advogam. Equívoco e reacionarismo, cabe
necessário para produzi-lo. A elevação dos acrescentar. Pois, para serem conseqüentes,
preços, a superprodução e muitos outros deviam restabelecer as condições
fenômenos de anarquia industrial têm a sua indispensáveis à sua vigência (p. 55).
interpretação nesse modo de avaliação (p. O que mantinha a produção em proporções
53). justas era o fato de a procura determinar a
Mas, enquanto medida do valor, será o tempo de
oferta. Precedia a ela. A produção dependia
trabalho capaz de promover a variedade proporci-
do consumo. Seguia-o pari passu. A grande
onal nos produtos, variedade essa, vale dizer, que
indústria rompe com isso. Não mais depende
tanto encanta Proudhon? (p. 53). da procura. Com a grande indústria, a
produção precede o consumo, a oferta força a
Pelo contrário, da mesma maneira que demanda (p. 55). Esta é ao mesmo tempo
invadiu o universo dos instrumentos de fonte de progresso e de miséria, da riqueza e
produção, o monopólio tende a invadir o da pobreza (p. 55).
universo dos produtos. Apenas alguns ramos Por isso "das duas, uma", assevera Marx. E
da indústria, como o do algodão, podem fazer prossegue:
progressos muito rápidos. A conseqüência
inevitável desses progressos, é que esse ramo "Ou se querem as proporções justas dos séculos
industrial baixa rapidamente os preços dos passados com os meios de produção da nossa época,
seus produtos. Porém, à medida que o preço e então está-se num tempo reacionário e utopista ".
do algodão cai, o do linho deve subir
comparativamente. Isso redunda em que o "Ou se quer o progresso sem a anarquia: nesse caso,
linho será substituído pelo algodão. Não é por para conservar as forças produtivas, tem-se de
outra razão que o linho foi expulso de quase abandonar as trocas individuais ".
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segundo Marx, "vê as coisas do avesso, se é a mecânica, por exemplo, numa fabricação
que as vê", entende que a divisão do trabalho qualquer, logo esta se desdobra em empresas
precede a oficina, que é, conforme vimos, independentes uma das outras (p. 110).
uma das condições de sua existência (p. 109). Pensemos, à luz disso, no que está se
A concentração dos meios de produção e a passando atualmente, com o crescente uso da
divisão do trabalho são inseparáveis, mas não microeletrônica na produção. Não é por acaso
para Proudhon, que concebe aquela como que hoje se fala em mundialização do capital,
negação desta. Na verdade, sucede o oposto: marcada por um nível planetário da divisão do
com a concentração dos referidos meios, trabalho, não mais adstrita ao mercado (seja
ocorre a divisão do trabalho e vice-versa. É de matéria-prima, produtos industrializados,
isso que faz com que uma nova invenção, na serviços, trabalho, dinheiro, etc), mas que se
mecânica, por exemplo, seja seguida de uma estende à produção, amplamente
maior divisão do trabalho, e cada aumento transnacionalizada. Haja vista a sua
desta, por seu lado, determine novas descentralização espacial em escala
invenções mecânicas ou de outra espécie, em internacional.
geral derivadas da aplicação tecnológica da Depois retornaremos a esse ponto. Agora
ciência. Basta lembrar, a esse respeito, que o interessa-nos realçar que, além de haver uma
grande avanço na divisão do trabalho se deu industrialização generalizada, na agricultura,
na Inglaterra, depois da invenção da máquina; nos serviços e na fábrica propriamente dita,
deu-se na indústria, por meio da pode-se dizer que ela adentrou um estágio
diversificação de seus ramos; deu-se entre a mais avançado de desenvolvimento, sobretudo
indústria e a agricultura, que num primeiro nesses dois últimos setores, nos quais se opera
momento se separam (p. 110), e ulteriormente uma segunda revolução industrial, com base
se unem, formando uma nova síntese. A na automação; essa base técnica, por
agricultura industrializa-se, submetendo-se, simplificar ainda mais o trabalho, incrementa a
como se verá melhor logo em seguida, ao sua superfluidade. Não é disso, porém, que
domínio direto e franco do capital, para usar a pretendemos tratar aqui e, sim, dos seus
linguagem madura de Marx, muito embora efeitos sobre a divisão do trabalho que, sendo
essa idéia esteja por ele esboçada desde os histórica, expressa um determinado nível de
seus Manuscritos de 1843/44. desenvolvimento das forças produtivas; logo,
Conseqüentemente, a agricultura passa a também da produtividade do trabalho, assim
compor a produção social, da qual se como da acumulação e centralização do
converte em ramo, bem como se diversifica. capital e da socialização da produção e do
O contingente de produtores independentes é trabalho, cujo caráter coletivo aumenta
reduzido drasticamente. Em seu lugar aparece inclusive nos serviços, é bom que se diga.
o assalariado. Graças à potenciação das forças Também os serviços são partes constitutivas
produtivas, propiciada pela adoção da da divisão social do trabalho (Oliveira, p. 46);
máquina, a divisão do trabalho adquire uma pertencem a ela e, portanto, à produção social,
dimensão tal que a indústria moderna, cada da qual participam, obviamente, a agricultura
vez mais dissociada do solo nacional, depende e a indústria; subordinam-se, igualmente a
quase que unicamente do mercado mundial, estas e ao capital, senhor da mencionada
das trocas que se fazem nesse âmbito e, por produção social; constituem, tal como aquelas,
conseguinte, da divisão internacional do um campo de investimento lucrativo de
trabalho. Tamanha é a influência da capital. E não apenas por intermédio de
tecnologia na divisão do trabalho que, quando grandes negócios, normalmente representados por
se introduz, mesmo que parcialmente,
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empresas que operam com transportes, própria", "informal", "clandestinas", para citar
telecomunicações, publicidade e marketing, alguns nomes. Autônomo, clandestino,
mídia, turismo, hotéis, saúde, etc, senão informal... em relação a quê? Ao social, por
também por intermédio de pequenos certo. Como social está sob a égide do capital,
negócios, que exigem pequenos volumes de a sua clandestinidade ou autonomia se
capital. estabelece em relação a ele mas a ele não se
Assim, a expansão dos serviços se dá subordina, tampouco é regida por suas leis.
segundo os preceitos da divisão do trabalho. Uma e outra estão à margem delas, pois
Muitos deles, antes executados em casa ou de possuem uma lógica própria, distinta da do
modo liberal, são cada vez mais efetuados capital. É o que dizem os Proudhons da vida
sob o mando do capital que, evidentemente, moderna, a saber: Gorz, os adeptos do
lucra com essas atividades. Não é demais campesinismo e da economia informal, entre
observar que nem todo serviço se realiza de outros, embora muitos destes últimos tenham
modo empresarial. Há, por exemplo, os mais a ver com o liberalismo do que com o
serviços públicos, bem como há serviços que, autonomismo.
conquanto privados, são improdutivos. Para Acontece que essas atividades são, na
que um serviço seja produtivo, é mister que o maioria das vezes, mercantis. Quer dizer,
trabalho efetuado por meio dele se insira na nelas e por meio delas, produz-se
divisão social do trabalho, que não é mais que predominantemente valor de troca, mesmo no
um simples órgão do trabalho coletivo, esse caso dos serviços. Tal fato pressupõe a divisão
organismo social sem o qual o trabalho não se do trabalho em geral, assim como uma forma
realiza e do qual é uma de suas manifestações particular desta. Pressupõe, por conseguinte, a
concretas. Nesse caso, ele inscreve-se no inserção da maioria dessas atividades na
circuito do capital, a quem rende lucro. O produção social, na qual os seus executores
mesmo não sucede com certos serviços, tais normalmente operam e da qual, em
como o de um serviçal que faço vir à minha contrapartida, obtêm os meios de trabalho e de
casa para fazer dados consertos. Seu consumo vida que consomem. Com efeito, salvo
por mim é improdutivo, meramente pessoal. situações excepcionais, elas subsumem-se na
Ademais, eu o pago com renda e não com divisão social do trabalho, o que significa que
uma cota-parte do capital variável. os bens ou serviços por elas gerados não são
A situação é, no entanto, inteiramente mais do que a existência objetiva da divisão
outra quando tal serviçal é empregado de uma do trabalho, a objetivação de trabalhos
empresa prestadora de serviços, com a qual qualitativamente diferentes, correspondentes
mantenho relações mercantis, isto é, de às diversas necessidades. Enquanto atividades
compra e venda. Uma coisa é um serviço, mercantis, os seus produtos, sejam eles coisas
outra é uma empresa que explora serviços. tangíveis ou não, encerram valor de uso, não
Aqui, além de haver dependência ao mercado, porém para os seus criadores, e sim para os
o trabalho processa-se sob as ordens do outros, com os quais os intercambiam. Os seus
capital, que visa a sua autovalorização. produtos não são, de imediato, meios de
subsistência. Só se tornam assim depois de
Não me estenderei nessa exemplificação,
terem adotado, no dinheiro, a forma de
que é muito ampla. Aludirei somente a mais
produto social. De modo que eles produzem
um caso, a meu ver bastante elucidativo não
basicamente para a sociedade, cujos membros,
apenas dos serviços, mas também de outras
por seu lado, trabalham para os executores
atividades, rurais e urbanas, não raro
dessas atividades, noutras esferas,
expressas pela linguagem corrente e mesmo
evidentemente. Com efeito, são trabalhadores
oficial como "autônomas", "por conta
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da sociedade, na qual e para a qual laboram finalizar essas digressões, acerca das quais já
diretamente. São, como dissemos, produtores nos alongamos demasiadamente, que o lucro,
de mercadorias, mesmo quando elas assumem o salário e a renda são expressões concretas
a forma de serviços. Produzem mercadorias das relações sociais capitalistas, por meio das
para outros produtores de mercadorias. quais se verifica a distribuição do produto
Significa isso que as suas atividades não são social. Prolongamo-nos sobre elas porque, ao
imediatamente sociais, visto que, sendo mesmo tempo em que evidenciam a
majoritariamente mercantis, a sociabilidade fecundidade do pensamento de Marx, o
que se tece no interior de cada uma delas é atualizam ao tocarem em aspectos
igual à da sociedade global que, para dizer o desenvolvidos posteriormente por ele, cujo
óbvio, as inclui, e em que os nexos sociais são exemplo maior são os serviços. Todavia, os
determinados na troca, pela forma valor. pressupostos teóricos da divisão do trabalho,
Evidencia-se aqui a importância da forma imprescindíveis à sua explicação e outras
valor para a compreensão da dita sociedade e formas de trabalho, incluindo-se nelas as antes
da sociabilidade que lhe é peculiar. Ambas, mencionadas, estão contemplados, senão
convém explicitar, capitalistas, cujo exame plenamente na Miséria da Filosofia, com
Marx principia nos Manuscritos citados. certeza a partir dela. Um desses pressupostos
Sendo a sociedade capitalista a que está sob o é a relação direta da divisão do trabalho com
mando do capital, é lícito afirmar que esses as forças produtivas. Há uma interação entre
trabalhadores a que estamos nos reportando elas, que faz com que cada invenção acentue a
são, em regra, trabalhadores do capital. É no divisão do trabalho, e cada aumento desta
capital que, em última análise, eles subsumem- conduza, por sua vez, a novas invenções. Mas
se, no geral valorizando-o. Isso, mesmo não é só o progresso técnico que está em
quando não sejam assalariados de terceiros, causa. Com a crescente aplicação tecnológica
nem proletários. Lembremos os "autônomos", da ciência à produção, há uma simplificação e
"os por conta própria" e tantos outros que um conseqüente barateamento do trabalho, do
praticam pequenos negócios, sem assalariar que se aproveita o capitalista, interessado em
outras pessoas. Ainda quando não se rebaixar os custos produtivos - especialmente
encontram diretamente subsumidos no capital, o da força de trabalho - com vistas a ampliar a
se nele subsumem por analogia ou idealmente. extração do excedente.
São assalariados ou capitalistas deles mesmos. Compreende-se porque, com a aplicação da
A razão dessa submissão não se deve ao mecânica, se aboliram todas as leis de
trabalho que executam, mas ao fato de aprendizagem dos operários. Elas já não eram
possuírem meios de trabalho, que geralmente mais necessárias. O trabalho simplificara-se.
revestem a forma de capital. Além disso, Os operários sintéticos preconizados por
enquanto trabalhadores mercantis, dependem Proudhon tornaram-se obsoletos. É certo que
do preço, assim como da produtividade isso não sucedeu pacificamente. A partir do
social, em volta da qual giram suas taxas de início do século XIX, a maioria das invenções
lucro. A apropriação do lucro não se dá redundou em choques entre trabalhadores e
diretamente pela via do trabalho. Ela é feita, capitalistas, que procuravam diminuir as
ao contrário, por meio da distribuição, que especialidades daqueles. Em seguida a cada
pressupõe a circulação, onde vige a greve, surgia uma nova máquina. O
concorrência. trabalhador estava tão distante de ver na
Está-se, aí, no terreno da lei do valor, que máquina a possibilidade de sua reabilitação
os premia ou penaliza, segundo as suas ou, para usar o termo de Proudhon,
capacidades produtivas. Observemos, para
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operário agrícola. Também estes não se ligam Para que a teoria de Ricardo seja válida, é
à terra, senão ao preço da sua exploração, ao preciso ainda que os capitais possam circular
dinheiro (p. 126). livremente nos vários ramos da indústria; que
"Daí as jeremiadas dos partidos a concorrência nivele a taxa de lucro; que o
reacionários, que querem a volta da rendeiro não passe de um capitalista industrial
feudalidade, à boa vida patriarcal, aos que procura, na aplicação do seu capital em
costumes simples e às grandes virtudes de terras piores, um lucro igual ao que obteria se
nossos antepassados. A sujeição da terra às o capital de que é portador fosse aplicado na
leis que regem as outras indústrias é e será indústria algodoeira, por exemplo; que a
sempre objeto de condolências interessadas. exploração agrícola esteja submetida ao
Assim, pode-se dizer que a renda se tornou a regime da grande indústria; enfim, que o
força motriz que lançou o idílio no mesmo proprietário fundiário vise apenas o
movimento da história" (p. 126). rendimento monetário (p. 125).
Excedemo-nos em citações. Todavia, O solo sujeita-se, como se nota, às mesmas
julgamo-las necessárias, porquanto lançam luz leis que regem a indústria (p. 126). E as leis
sobre questões atuais, em especial no que que a regem, vale explicitar, são as leis que
concerne à terra e à sua exploração, as quais regem a sociedade, que é capitalista. São
perdem toda e qualquer particularidade. essas leis que Marx já procura desvendar.
Deixam, por conseguinte, de constituir uma Supõe-se que desde aí, para ele, não é outra
questão específica. Sujeitam-se aos ditames senão essa a tarefa da ciência.
do capital, erigido em senhor dos tempos Após ver a origem da renda no excedente
modernos. É esse senhor e não mais a terra gerado pelo colono, Proudhon passa para a
que submete o trabalho. Aliás, submete-o e a redistribuição igualitária da renda (p. 126).
propriedade da terra. As condições de A renda, conforme vimos, é constituída
produção agrícolas estão agora sob o seu pelo preço igual dos produtos de terras
domínio. A renda é uma espécie de lucro desiguais em fertilidade. Exemplificando: um
extraordinário, mero remanescente do lucro hectolitro de trigo, que tenha custado 10
médio, que lhe impõe limites (Marx, 1973, p. francos, é vendido por 20 francos se o custo
741). de produção atingir, numa terra de pior de
Uma ressalva deve ser feita. Marx é, neste qualidade, 20 francos (p. 126).
texto, assumidamente devedor de Ricardo. O preço do mercado é determinado pelos
Segue quase à risca a teoria da renda desse custos produtivos do artigo de custo mais
autor. Não o faz, contudo, acriticamente. elevado. Os produtos, criados em
Mostra que Ricardo aplica a renda não só circunstâncias diversas, têm os seus preços
para explicar a propriedade moderna da terra, regulados no mercado pela concorrência. É
sua expressão, senão também a propriedade esta, e não a propriedade da terra, que
fundiária em geral, universalizando assim o proporciona ao proprietário da terra melhor
que é próprio de uma época histórica. Trata- uma renda de 10 francos, em cada hectolitro
se de devaneios comuns a todos os de trigo vendido pelo seu rendeiro (p. 126). A
economistas, que apresentam as relações de renda só existe por isso, ou seja, pelo fato de
produção burguesa como categorias eternas se vender por 20 francos o hectolitro de trigo
(p. 126). E bom que se frise, entretanto, que, que custa 10 francos ao produtor (p. 127).
ao assumir a teoria da renda de Ricardo, Marx
a reduz à renda diferencial. Concepção essa Não obstante fale em extinção da renda, o
com a qual romperá em O Capital e nas que é próprio da renda absoluta, Marx, tal
Teorias da Mais Valia. como Ricardo, a quem segue, reduz a renda
da terra à renda diferencial. Porém não se
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que ela tenha essa virtude como matéria. A sociedade capitalista. Identidade, note-se,
terra-capital não é mais eterna do que intraclasses e não interclasses. E isso não só
qualquer outro capital" (p. 129). no que se refere aos assalariados, cujo
A terra-capital é um capital fixo. Todavia, antagonismo em relação às demais classes é
também se desgasta. Quer dizer, embora fixo, mais notório, mas também no que diz respeito
não é eterno. Há casos, inclusive, em que a aos capitalistas e aos proprietários fundiários,
terra-capital pode desaparecer, permanecendo igualmente opostos entre si. As classes são
apenas os melhoramentos incorporados ao antagônicas, contraditórias, a ponto de,
solo. Isso sucede quando a renda é anulada conforme ensinam os franceses, não existirem
pela concorrência de novas terras mais férteis; senão em luta.
tal como os melhoramentos, que teriam valor Voltemos, contudo, ao exame da renda da
numa certa época, deixam de tê-lo a partir do terra. Sabemos que ela é uma criação do
momento em que se universalizam pelo capital, esse senhor dos tempos modernos que
desenvolvimento agronômico (p. 129/30). a todos e a tudo subordina, inclusive a terra e o
O representante da terra-capital não é o trabalho que nela se realiza, os quais se
proprietário fundiário, e sim o rendeiro. O submetem diretamente ao império das suas
rendimento que a terra proporciona como leis e da sua produtividade. Aqui é preciso
capital é o juro e o lucro industrial, não a chamar a atenção para o fato de que isso não
renda. Há terras que produzem esse juro e apaga a contradição que os envolve. Ao criar a
esse lucro e que não produzem renda (p. renda da terra e a sua expressão econômica - a
130). propriedade moderna da terra - ele cria um
Resumindo, a terra, enquanto terra-capital, valor que lhe é diferente. É o único caso em
dá juro e não renda. Não se constitui, por que cria um valor distinto de si mesmo, de sua
conseqüência, em propriedade fundiária. A própria produção. Tanto lógica quanto
renda resulta das relações sociais por meio historicamente, é o criador da propriedade
das quais ocorre a exploração. Não resulta da capitalista da terra. Ao mesmo tempo em que a
terra natureza, isto é, de seu caráter natural. cria, dissolve a antiga propriedade feudal.
Ela não provém do solo, mas da sociedade (p. Visto deste ângulo, é o criador da agricultura
130). É parte da mais-valia, da qual é uma de moderna, a qual deixa de ser fonte direta de
seus expressões concretas. As outras subsistência para ser fonte mediada de
expressões concretas daquela forma de subsistência. A apropriação do produto do
excedente são o lucro e o juro, trabalho deixa de ser direta. Não mais se faz
respectivamente. O juro corresponde ao diretamente pelo trabalho e, sim,
capital, enquanto o lucro corresponde à indiretamente, via mercado. Ela assume a
propriedade fundiária (Grundrisse, p. 216-24). forma de rendimento, do qual a renda é uma
Todas elas são, entretanto, manifestações da das expressões. A própria terra, ao adquirir a
mais-valia, formas de aparição do trabalho forma moderna, converte-se em mercadoria. O
não-pago e que o mistificam, visto que trabalho assalariado, pressuposto da sociedade
aparecem como se fossem geradas por tais moderna, é criado por essa forma de
meios de produção. O salário, entretanto, propriedade da terra, quer dizer, pela
corresponde ao trabalho assalariado e é propriedade da terra enquanto valor, que se lhe
expressão do trabalho pago. contrapõe. Essa é, ao mesmo tempo, sua
condição e antítese. Condição, porque sem ela
Vale dizer que são essas formas de
não haveria trabalho assalariado. Antítese,
rendimento, pelas quais se dá a distribuição
porque é um entrave à expansão do capital. A
social, que conferem, em certo nível,
identidade às classes sociais básicas da
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renda restringe a sua capacidade de expansão terra de uma mesma qualidade. Nada mais
(Grundrisse, citado). correto do que se aplicar, nesse exame, como
Apesar disso, é inegável a subordinação da o fará ulteriormente, os conceitos de
terra ao capital. Subordinação que, convém concepção orgânica do capital e da taxa média
notar, nos autoriza afirmar que a terra não é de lucro, extensivos à agricultura, em que a
mais natureza, um meio de produção natural, terra é usada de modo produtivo, como meio
mas terra-capital. de produção, pertencente a um ramo particular
Essa subordinação é prenunciada por Marx da produção social, que é regida pela lei do
no capítulo em pauta da Miséria da Filosofia. valor; lei cujo embrião em Marx se encontra
Primeiro, porque ele concebe a renda como no capítulo primeiro da Miséria da Filosofia.
produto das relações sociais que, bem o
sabemos, se ligam contraditoriamente às
4. AS GREVES E AS COLIGAÇÕES OPERÁRIAS
forças produtivas. Ao fazer isso, explica a
origem econômica da renda e da propriedade
Proudhon discute o salário. Entende que o
fundiária, a qual remete ao capital. Essa
aumento salarial leva a um encarecimento
propriedade não se efetiva sem a apropriação
geral: "isso é tão certo", diz, "como dois e dois
da renda. Ela não é senão expressão daquela.
são quatro". Ao que Marx responde, "exceto
Só é apropriada privativamente pelo
esta última afirmação, de que dois e dois são
monopólio que se exerce sobre si.
quatro, as demais afirmações de Proudhon são
Segundo, porque Marx já não separa aí falsas" (p. 131). Em primeiro lugar, porque
produção e distribuição. Tanto assim que, ao não há encarecimento geral. Se os preços das
criticar Proudhon, assinala que ele transforma mercadorias dobrarem simultaneamente aos
em mistério a relação do produtor com os salários, não haverá mudança nos preços, mas
meios de produção, dentre os quais se inclui a apenas nos termos (p. 131). Em segundo
terra. Ora, a terra não só é valor, mas também lugar, uma alta geral dos salários atingirá
só pode ser apropriada socialmente. Como se menos as indústrias que empregam,
não bastasse isso para indicar a subordinação comparativamente, mais máquinas que
a que estamos nos referindo, Marx introduz o operários. A tendência, no entanto, é de a
conceito de terra-capital, por ele assimilado a concorrência nivelar a taxa de lucro. As
um meio de produção de capital fixo. Já aí indústrias que se elevam acima da taxa média
evidencia-se a subordinação da renda ao devem ser passageiras. Por esse motivo, à
capital. Mas ele vai mais longe. Diz que é o parte algumas oscilações, uma alta (geral) dos
capital ou a indústria que dita o movimento da salários trará, em vez de encarecimento
renda e, conseqüentemente, o preço da terra. (geral), conforme quer Proudhon, uma baixa
E mais: através de sucessivas aplicações, eles parcial, ou seja, uma baixa no preço das
subvertem continuamente os limites dentro mercadorias, principalmente das fabricadas
dos quais a propriedade territorial os obriga a com o auxílio de máquinas (p. 131).
moverem-se. Essa contínua subversão de tais
O aumento e a queda do lucro e dos
limites, que são os limites inerentes ao próprio
salários apenas exprimem a proporção,
capital territorializado, são constantemente
segundo a qual, os capitalistas e os
ultrapassados. Não fora assim, a terra-matéria
trabalhadores participam do produto de um
não se multiplicaria.
dia de trabalho, sem que elas influam, no mais
Marx está, aqui, além da renda gerada pela das vezes, sobre o preço do produto. Mas
fertilidade natural do solo, que designará afirmações como "as greves seguidas de
depois de R.D.I. Está a caminho da R.D.II, aumento de salários levam a um
que é gerada pelas inversões de capital na
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"É sob a forma de coligações que sempre defende tornam-se interesses de classe. Mas a
se verificam as primeiras tentativas dos luta de classe com classe é uma luta política"
trabalhadores com vistas a se associarem" (p. (p. 136).
135). A grande indústria facilita isso. Ela Esta última frase não deixa dúvidas a
aglomera num só lugar uma multidão de respeito de nossa afirmação, segundo a qual
pessoas. É certo que a concorrência divide os política é, para ele, luta de classes. Do que se
seus interesses. Mas o salário, esse interesse infere que só há política porque há classes
comum que os operários possuem contra os sociais. Disso, entretanto, trataremos depois.
patrões, acaba por reuni-los em coligações. Agora, cabe-nos dizer que, na passagem
Por isso, elas têm sempre um objetivo: o de reproduzida, Marx nos dá também os
cessar a concorrência entre os operários, para conceitos de "classe em si" e de "classe para
que possam concorrer com os capitalistas. À si". Isto é, a classe que toma consciência de si,
medida que os capitalistas se unem para fazer que vai além dos seus interesses imediatos,
frente às reivindicações operárias, a tais como: salários, condições de trabalho, etc.
manutenção das coligações se lhes afigura Somente assim ela será capaz de elaborar
mais necessária do que a dos salários. Assim é um projeto social adequado à sua existência.
que eles chegam a sacrificar parte de seus Marx ilustra isso através da burguesia, que se
salários em favor das associações. Nesta luta - constituíra em classe sob o feudalismo, mas
verdadeira guerra civil - reúnem-se e que, só com a elaboração de um novo projeto
desenvolvem-se todos os elementos social, a conseqüente derrubada dessa
responsáveis para uma batalha futura. Uma sociedade e a sua substituição pela sociedade
vez alcançado esse ponto, a associação burguesa, torna-se efetivamente uma classe
adquire um caráter político. Caráter político revolucionária (p. 136). Claro está que
que, segundo sabemos, tem a ver com as também ela começara com coligações parciais
classes (p. 136). Pois a luta referida, vista contra os senhores feudais. A futura batalha
como verdadeira guerra civil, não é senão luta será, no entanto, protagonizada por outro ator:
de classes. Por essa razão, ela reúne, ao o proletariado, que deverá abolir as classes.
mesmo tempo que desenvolve, todos os Marx retoma aqui uma idéia de A questão
elementos necessários para uma batalha judia, antecipando, voltamos a dizer, idéias do
futura. O que já é, a nosso ver, indicativo da Manifesto.
transitoriedade da sociedade burguesa, assim
como de que a sua superação não será Não é à toa que os historiadores em geral
pacífica, e sim dependerá da luta, da força, omitem em seus estudos a existência do
como Marx dirá um ano depois, no proletariado como classe. São tomados de um
Manifesto: a luta de classes é o motor da temor real:
história, e a força, a sua parteira. É justamente "Uma classe oprimida é condição vital de toda so-
isso que nos põe no campo da política. ciedade fundada no antagonismo de classes. A
Política, para Marx, é luta de classes. emancipação de uma classe oprimida implica, por-
Vejamos: tanto, necessariamente, a criação de uma sociedade
"As condições econômicas tinham a nova. Para que a classe oprimida possa se emanci-
princípio transformado a massa da população par, é preciso que as forças produtivas já adquiridas
do país em trabalhadores. A dominação do e as relações sociais existentes já não possam mais
capital criou para essa massa uma situação existir lado a lado. De todos os instrumentos de
comum, interesses comuns. Assim, essa massa produção, a maior força produtiva é a própria classe
é já uma classe diante do capital, mas não o é revolucionária. A organização dos elementos
revolucionários, como classe, supõe a existência de
ainda para si mesma. Os interesses que
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revolucionários como classe", a qual, por sua Não mais se trata da emancipação das
vez, pressupõe a "existência de todas as forças classes e, sim, de sua supressão. Suprimir as
produtivas que podiam ser geradas no seio da classes não quer dizer, entretanto, o fim da
sociedade", visto que tem de servir-se delas, história, mas da pré-história. A classe
utilizá-las, organizá-las, a fim de que elas trabalhadora substituirá, no decorrer do seu
possam romper as relações e não se percam desenvolvimento, a antiga sociedade civil por
em direções fragmentárias e contraditórias, a essa associação que excluirá as classes e o seu
exemplo do que ocorre durante o período de antagonismo (p. 137). Emancipando-se,
coligações parciais. Além disso, se as mediante ação revolucionária, ela emancipará
contradições derivam da demanda desigual toda a sociedade da divisão classista. Não só:
entre forças produtivas e relações sociais, em "(...) já não haverá poder político
que estas não mais se coadunam com o grau de propriamente dito, pois que o poder político é
desenvolvimento alcançado por aquelas, a exatamente o resumo oficial do antagonismo
mudança de tais relações permitirá a na sociedade civil" (p. 137). Não sendo mais
continuidade da expansão das forças que o resumo do antagonismo social, com a
produtivas, já organizadas e utilizadas pela supressão deste, o poder político será
classe revolucionária. Daí porque essa classe igualmente suprimido. Não haverá mais razão
se apresenta como a força que favorece a para que subsista.
dinâmica das forças produtivas, que as
"No período de espera, o antagonismo entre o pro-
incrementa e produz, por sua própria
letariado e a burguesia é uma luta de classe contra
iniciativa, as novas formas de relações (Rossi,
classe, luta que, levada à sua mais alta expressão, é
p. 321). Afinal, os homens não produzem
uma revolução total. Aliás, não é de admirar que uma
apenas os seus instrumentos de trabalho.
sociedade, fundada na oposição das classes, chegue à
Produzem, ademais, materiais de trabalho,
contradição brutal, a um choque corpo-a-corpo como
meios de vida e, em conformidade com essa
última solução" (p. 137).
produção, as próprias relações que travam
nesse processo. Não é esse um dos Marx insiste, contra Proudhon, no fato de
argumentos que Marx usa contra Proudhon? que as contradições sociais burguesas não se
Aliás, esses "mesmos homens que resolvem por si mesmas, de modo pacífico.
estabelecem as relações sociais, conforme a Segundo ele, a solução de tais contradições
sua produtividade material, também produzem requer uma ação revolucionária, e essa ação
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não pode deixar de ser política, visto que é movimentos supõem uma certa organização
resultante da luta de classes. "Só numa ordem prévia, eles são, por seu lado e na mesma
de coisas na qual já não haja classes e medida, meios de desenvolver essa
antagonismo de classes, deixarão as evoluções organização.
sociais de ser revoluções políticas. Até lá, nas Deixa claro, desse modo, os limites dos
vésperas de cada remodelação geral da movimentos sociais. Eles são, em regra,
sociedade, a última palavra da ciência social localizados, isolados, passageiros, em suma,
será sempre: sectários. Por isso, não são políticos. Para que
"O combate ou a morte: a luta sanguinária ou nada.
sejam políticos, é preciso que tenham uma
E assim que irrelutavelmente se apresenta a maior amplitude, que digam respeito aos
questão" (George Sand, p. 137). aspectos estruturais da sociedade, seja com
vistas a conservá-la, seja com vistas a
reformá-la, seja, ainda com vistas a
ADENDO transformá-la radicalmente.
Os movimentos sectários, segundo ele, só
O movimento social não exclui o se justificam historicamente, quando a classe
movimento político. O movimento político é operária não está amadurecida para um
movimento social (p. 137). O inverso, porém, movimento histórico autônomo. Desde que
não é verdadeiro. Marx demonstra isso numa ela tenha essa maturidade, todas as seitas são
carta endereçada a Bolte, em 1871. Na carta, reacionárias por essência. A marcha da
ele retoma essa diferenciação entre história já as havia deixado para trás. Mesmo
movimento social e movimento político. assim, não faltavam adeptos seus no seio da
Mostra que o objetivo final do movimento Internacional. Sua história, aliás, é marcada
político da classe operária é a conquista do por lutas constantes contra esses senhores,
poder. Mas que, para tanto, é mister uma entre eles os proudhonianos.
organização prévia, saída de suas próprias Onde a classe operária não está
lutas econômicas. De outra parte, todo suficientemente organizada para realizar uma
movimento que opõe a classe operária, campanha decisiva contra o poder coletivo, ou
enquanto classe, à classe no poder, e procura seja, contra o poder político das classes
vencê-la por uma pressão externa, é um dominantes, é necessário introduzir nela a
movimento político. Por exemplo, a tentativa organização, pela agitação contínua contra a
feita numa fábrica particular ou, ainda melhor, atitude adotada em política pelas classes
por uma categoria profissional tomada à dominantes, atitude que lhes é hostil.
parte, para forçar certos capitalistas, por meio
de greves, a reduzir a duração da jornada de
trabalho, é um movimento puramente SOCIEDADE
econômico. Ao contrário, o movimento que
visa a obter uma lei sobre a jornada de O que vem a ser sociedade? Segundo
trabalho de oito horas, é um movimento Marx, ela não é senão o conjunto das relações
político. É assim que, em toda parte, um sociais - relações de classes, bem entendido, e
movimento político nasce de todos esses não relações entre indivíduos. Suprimam essas
movimentos econômicos isolados dos relações e terá sido destruída a sociedade
operários, isto é, um movimento de classe inteira... (p. 81). É isso, fundamentalmente
para fazer triunfar seus interesses sob uma isso, que ele propõe estudar, desde pelo
forma geral, sob uma forma que tem uma menos A Ideologia Alemã. E esse o fio
força geral, socialmente eficaz. Se esses condutor que o levará, em estudos
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pessoais quanto a dependência recíproca dos MARX, K. Elementos Fundamentales para Ia Critica
produtores. Essa dependência recíproca de Ia Economia Política (borrador - 1857-58).
Buenos Aires, Siglo Veintiuno, 1971, vols. 1 e 3.
exprime-se na necessidade permanente da
troca e no valor como seu mediador. MARX, K. La Ideologia Alemana. Barcelona, Grijal-
bo, 1974, 1ª parte.
Pois bem: é essa dependência que dá o
MARX, K. Manuscritos Economia y Filosofia. Ma-
nexo social. Embora indiferentes e movidas drid, Alianza Editorial, 1974.
por interesses próprios, egoístas e MARX, K. Miséria de Filosofia. Porto, Publicações
mesquinhos, elas se unem através da troca, Escorpião, 1974.
que, vale frisar, se realiza por meio da forma MARX, K. O Capital (capítulo VI, Inédito). São Paulo,
valor. Ao mesmo tempo em que dá o nexo Ciências Humanas, 1978.
social, a troca define a sociabilidade MARX, K. "O Capital". Os Economistas. São Paulo,
capitalista. Acresce que, pelo fato de as coisas Abril Cultural, 1984, tomo 2, vol. I.
trabalhadas assumirem a forma de valor de MARX, K. El Capital. México, F.C.E., 1973, vol. 3.
troca e, conseqüentemente, de dinheiro, cada MARX, K. O Manifesto Comunista de 1848. Rio de
qual carrega consigo no bolso o seu nexo com Janeiro, Zahar. 1967.
a sociedade, assim como o poder social. Além MARX, K. Teorias sobre Ia Plus Valia. Buenos Aires,
disso, no valor de troca o vínculo social entre Cartago, 1975, tomo 2.
as pessoas se transforma em relação entre NETTO, J.P. "Introdução", Marx, K., Miséria de
coisas. A necessidade de se converter o Filosofia. São Paulo, Ciências Humanas, 1982.
produto em valor de troca, em dinheiro, e de OLIVEIRA, F. "O terciário e a divisão social do
as pessoas só poderem adquirir e manifestar o trabalho". São Paulo, Estudos Cebrap, 24, s/d.
seu poder social por meio dessa forma de PALMA, A. de. "La organizacion capitalista dei tra-
coisa, demonstra: 1) que elas produzem só bajo en "El Capital" de Marx". Quademos de Pa-
para sociedade e na sociedade; 2) que sua sado y Presente, 32, Córdoba, 1974.
produção não é imediatamente social, não é ROSDOLSKY, R. Gênesis y Estructura de "El Capital"
fruto de uma associação ou comunidade; 3) de Marx. México, Siglo Veintiuno, 1979.
que as relações entre elas se prostituem. ROSSI, M. La Gênesis dei Materialismo Histórico.
Evidentemente, essas idéias não estão Madrid, Comunicación, 1974, cap. 5.
desenvolvidas na Miséria da Filosofia.
Todavia, de certa maneira, elas já foram
abordadas desde esta obra.
BIBLIOGRAFIA
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