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Luís de Camões, Rimas

3 Luís de Camões,
Rimas
vista e recordada, mas não fisicamente desejada, valorizada
por atributos morais e físicos, inacessíveis ao poeta que ama.1
Enquanto motivo de expressão amorosa, a mulher da poesia ca-
moniana é um ponto de partida para a celebração do amor em
si mesmo, mais do que para o elogio de uma mulher concreta.
O sofrimento, a saudade e até a frustração que a mulher
amada pode causar sugerem que o amor é um sentimento
cuja plenitude o poeta persegue, mas jamais atinge.

3.1.  A representação da amada A partir daqui, tratamos de ler um soneto motivado pela repre-
sentação da mulher amada, registando alguns elementos de leitura
A representação da mulher amada na poesia de Camões liga-se que poderão ser desenvolvidos:

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diretamente àquele que é um dos grandes temas da sua obra: o amor.
É este um tema complexo e muito trabalhado, não só por aparecer em Um mover d’olhos, brando e piadoso,
diversas formas literárias (nos sonetos, nas redondilhas, nas éclogas, sem ver de quê; um riso brando e honesto,
também n’Os Lusíadas, por exemplo, no episódio da Ilha dos Amores), quási forçado; um doce e humilde gesto, um encolhido ousar; ũa brandura;
de qualquer alegria duvidoso; 10 um medo sem ter culpa; um ar sereno;
mas sobretudo pelas diferentes facetas que revela. Nessa diversidade
um longo e obediente sofrimento;
está envolvida a mulher e a imagem que dela é representada. 5 um despejo quieto e vergonhoso;
Antes de lermos um soneto camoniano que ilustra uma certa re- um repouso gravíssimo e modesto; esta foi a celeste fermosura
presentação da amada, lembremos alguns aspetos significativos ũa pura bondade, manifesto da minha Circe, e o mágico veneno
indício da alma, limpo e gracioso; que pôde transformar meu pensamento.2
do tema do amor em Camões. Assim:
O amor é um sentido que dinamiza uma parte importante da Do ponto de vista da sua construção ou estrutura de sentido, o
escrita poética camoniana; ele é ponto de partida para a cons- soneto é claro: as duas quadras e o primeiro terceto acumulam quali-
trução de uma figura literária, a da mulher amada, sem ne- dades atribuídas à mulher; o último terceto funciona como uma es-
cessária correspondência com mulheres realmente existentes. pécie de conclusão que completa uma argumentação. Nesse movi-
As facetas que o tema do amor apresenta podem ser sintetiza- mento percebe-se até uma certa dinâmica narrativa, confirmada pela
das em duas visões da mulher: transformação que, no final, o sujeito poético verifica em si mesmo.
A mulher como figura erótica, dando lugar ao desejo e à vivên-
cia sensual. A atração pela mulher pode ser entendida, então,
1. O termo poeta, utilizado neste contexto, tem o mesmo sentido atribuído a sujeito poético.
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como uma celebração da beleza física, sem censura moral. Ambos designam uma entidade ficcional construída a partir do texto, que não deve ser
A mulher enquanto figura ideal, olhada como modelo de per- confundida com a figura real de Camões.
2. A menos que haja indicação em contrário, citamos a poesia lírica camoniana pela edição das
feição, sem dimensão sensual. Assim, a mulher é uma entidade Rimas (texto estabelecido, revisto e prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão). Coimbra: Atlântida
Editora, 1973.

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