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8 A IDEIA DE CENTRO NAS TRADICOES ANTIGAS* J4 tivemos ocasifo de nos referir ao “Centro do Mundo” e aos di- yersos simbolos que o representam, Devemos voltar agora a essa idéia de Centro, que tem a maior importancia em todas as tradi¢es antigas, e indicar algumas de suas principais significagoes. Para os modernos, de fato, essa idéia no mais evoca de imediato tudo aquilo que evocava para os antigos. Af, como em tudo o mais que se refere ao simbolismo, muitas coisas foram esquecidas e certos modos de pensar parecem ter-se tornado totalmente es- tranhos a grande maioria de nossos contempordneos. Cabe portanto insistir sobre isso, em particular porque a incompreens4o é geral e completa a esse respeito. O Centro é, antes de tudo, a origem, o ponto de partida de todas as coisas; é o ponto principal, sem forma e sem dimensées, portanto invisivel, €, por conseguinte, a nica imagem que se pode atribuir 4 Unidade primor- dial. Dele, por sua irradiagao, todas as coisas sfo produzidas, do mesmo mo- do que a Unidade gera todos os nimeros, sem que sua esséncia seja por isso modificada ou afetada de alguma forma. HA, ai, um perfeito paralelismo entre dois modos de expresso: o simbolismo geométrico e o simbolismo nu- mérico, de tal modo que se pode empregé-los indiferentemente e passar-se de um a outro da maneira mais natural. E preciso ndo esquecer, contudo, que em ambos os casos estamos lidando sempre com simbolos: a unidade aritmética ndo é a Unidade metaffsica; trata-se apenas de uma representacdo, embora nada tenha de artibrdria, pois existe entre elas uma relacao anal6gica real. E é essa relag#o que permite transpor a idéia da Unidade além do domi- nio da quantidade, a ordem transcendental. * Publicado na revista Regnabit, mai. 1926. 51 O mesmo acontece com a idéia de Centro, que € passivel de uma transposi¢ao similar, mediante a qual se despoja de seu cardter espacial, que 86 6 evocado a titulo de simbolo: o ponto central é 0 Principio, o Ser puro, O espago que ele preenche com sua irradiagdo, ¢ 86 por essa irradiagao (0 Fiat Lux do Génesis), sem a qual esse espago apenas seria “privagdo” e na. da, € 0 Mundo no sentido mais amplo da palavra, 0 conjunto de todos os se- res e de todos os estados de existéncia que constituem a manifestacdo uni- versal. A representagdo mais simples da idéia que acabamos de formular é © ponto no centro do circulo (fig. 1): 0 ponto é o emblema do Principio, ¢ 0 OD Fig. 1 Fig. 2 circulo é o emblema do Mundo. F impossivel determinar quaquer origem no tempo para o emprego dessa representagdo, pois é encontrada com freqiiéncia em objetos pré-historicos. Sem diivida, é preciso ver nessa representagdo um dos signos que se ligam diretamente a tradic&o primordial. As vezes, o ponto € rodeado de varios circulos concéntricos, que parecem representar os dife- rentes estados ou graus da existéncia manifestada, dispondo-se hierarquica- mente conforme seu maior ou menor afastamento do Princfpio primordial. 0 ponto no centro do circulo também foi utilizado, provavelmen- te desde uma época muito antiga, como uma representagdo do Sol, visto ser ele em verdade, na ordem fisica, o Centro ou 0 “Coragdo do Mundo”. E es- sa figura permaneceu até nossos dias como 0 signo astrolégico e astronémico usual do Sol. E talvez por essa razZo que a maior parte dos arquedlogos, sempre que encontra esse simbolo, atribui-lhe uma significagdo exclusiva mente “solar”, enquanto que, na realidade, esta € muito mais ampla ¢ pro- funda, Esquecem-se ou ignoram que o Sol, do ponto de vista de todas as tra- digdes antigas, nada mais é em si que um simbolo do verdadeiro “Centro do Mundo”, isto 6, do Princfpio divino. A telacdo que existe entre 0 centro e a circunferéncia, ou entre 0 que representam respectivamente, jé est4 claramente indicada pelo fato de que a circunferéncia nao poderia existir sem o seu centro, enquanto que este & absolutamente independente daquela, Tal relagHo pode ser indicada de modo ainda mais claro e explicit através de raios provenientes do centro ¢ que terminam na circunferéncia. Esses raios, é evidente, podem ser represen” 52 tados em numero varidvel, pois sua quantidade é indefinida, do mesmo mo- do que os pontos da circunferéncia que lhe assinalam as extremidades. Mas, na realidade, escolheu-se sempre, para as representagdes dessa espécie, nu- meros que tém, por si proprios, um valor simbélico particular. Nesse caso, a forma mais simples é a que apresenta apenas quatro raios dividindo a cir- cunferéncia em partes iguais, ou seja, dois diémetros retangulares formando uma cruz no interior dessa circunferéncia (fig. 2). Essa nova figura tem a mesma significagao geral da primeira, mas a ela se juntam algumas outras se- cundérias que a completam: a circunferéncia, se a considerarmos sendo per- corrida num certo sentido, ¢ a imagem de um ciclo de manifestagdo, tal co- mo os ciclos césmicos, sobre os quais a doutrina hindu, em particular, ofere- ce uma teoria bastante desenvolvida. As divisSes determinadas na circunfe- réncia pelas extremidades dos bragos da cruz correspondem, entio, aos di- ferentes periodos ou fases nos quais se divide 0 ciclo. Tal divisio pode ser vista, por assim dizer, em diversas escalas, de acordo com a maior ou menor extensio dos ciclos. Teremos desse modo, por exemplo, e para permanecer- mos numa Unica ordem da existéncia terrestre, os quatro principais momen- tos do dia, as quatro fases da lua, as quatro estagdes do ano, e também, se- gundo a concep¢4o que encontramos tanto nas tradigdes da India e da Amé- Tica Central, quanto da Antiguidade greco-latina, as quatro idades da huma- nidade. Aqui apenas indicamos sumariamente essas consideracdes, para dar uma idéia de conjunto daquilo que os simbolos em questéo exprimem; no entanto, elas se vinculam mais diretamente ao que trataremos a seguir. Entre as figuras que comportam maior numero de raios, menciona- remos em especial as rodas ou “rodelas”, que tém habitualmente seis ou oito raios (figs, 3 e 4). A “rodela” céltica, que se perpetuou através de quase toda ® Fig. 3 Fig. 4 a Idade Média, apresenta-se sobre uma ou outra dessas duas formas, Essas mesmas figuras, especialmente a segunda, encontram-se com muita freqiién- cia nos paises orientais, em particular na Caldéia e Assfria, na India (onde a toda é denominada chakra) e no Tibete. Por outro lado, existe um estreito parentesco entre a roda com seis raios e o crisma, resumindo-se a diferenca no fato de que neste ultimo, em geral, nfo se traga a circunferéncia a qual Pertencem as extremidades dos raios. 53

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