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CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
PSICOLÓGICO
1
Unidade
1 PRIMEIRAS PALAVRAS
UESC Pedagogia 15
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
2 PROBLEMATIZANDO O TEMA
1
um único objeto de estudo. A definição mais comum sobre o objeto
da Psicologia é dizer que estuda o comportamento. Esta definição, no
Unidade
entanto, não é adequada, pois limita bastante as potencialidades do
seu campo de conhecimento, uma vez que o estudo do comportamento
é apenas um dos muitos de seus estudos.
Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2007)
apontam que um dos motivos que produzem a dificuldade na definição
do objeto da Psicologia está diretamente relacionado ao
ATENÇÃO
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
ATENÇÃO
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do mundo; criam existências, vidas, mortes, mocinhos,
bandidos, heróis e vilões; enfim, poderosos e eficientes
Unidade
processos de subjetivação (COIMBRA, 2004, p. 45).
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
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Pesquisa 1,3 0,6
Unidade
Social/Comunitária 2,8 1,7
Saúde** - 12,6
Trânsito** - 3,9
Jurídica** - 2,5
Esporte** - 0,1
Outros 3,0 -
*Os dados de 1988 dizem respeito ao “emprego principal”.** A pesquisa de 1988 não trabalhou com essas
áreas, por não aparecerem ou por estarem agrupadas na categoria “Outros” (YAMAMOTO, 2003, p. 42).
PARA REFLETIR
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
ATENÇÃO
realidade.
Desta forma, quando pensamos na formação de professores
Desafios para a
Psicologia temos também que nos questionar sobre que conhecimentos da
No mundo atual, o de- Psicologia estão sendo transmitidos aos futuros professores: será que
senvolvimento científico e
tecnológico tem alcançado
as questões e as teorias da Psicologia presentes nas licenciaturas dão
patamares nunca antes respaldo para compreender e agir no mundo atual?
imaginados. Tempo e es-
paço adquirem novos sig- Estas questões que estão presentes na prática profissional dos
nificados com a eliminação
das distâncias pelas redes
psicólogos precisam romper as barreiras específicas da formação deste
informatizadas. Novos con- profissional para adentrarem também na formação de professores.
hecimentos vêm trans-
formar profundamente Por isso, conhecer o campo de conhecimento do qual utilizamos
a estrutura produtiva, a
educação, a assistência à algumas teorias é fundamental.
saúde, as artes, as rela-
ções humanas. Alguns vel-
hos problemas, no entanto, 4 PSICOLOGIA E SUA HISTÓRIA NO BRASIL
não apenas permanecem
como tendem a agravar-
se: a miséria, a exclusão
social, a violência, a limi- Pensar a Psicologia como ciência requer pensá-la através da
tação do acesso ao saber
e à saúde, o desemprego,
história da Psicologia. A partir daí, buscamos “uma história possível”,
a xenofobia, o racismo, a concordando com Antunes (2001) sobre a impossibilidade da escrita
escassez de perspectivas
existenciais. da história ser definitiva, uma vez que o processo histórico será
Nesse panorama, os prob-
lemas do presente e os que sempre inacabado e suas leituras serão diversas. E, complementando
vislumbramos para o futuro
com as palavras de Ana Maria Jacó-Vilela, Fábio Jabur e Heliana Conde
próximo impõem à Psicolo-
gia tarefas cada vez maio- Rodrigues (1999):
res e mais desafiadoras;
disso decorre a imperativa
necessidade de reflexão O que de mais importante tem a história provocado no
sobre seu significado e sua
responsabilidade na con-
povo ‘psi’, afinal, senão uma contingenciação absoluta
strução do devir histórico. daquilo que até então costumávamos tomar como
É preciso, pois, que ten-
essencial ou necessário? Ou, em outras palavras, senão
hamos uma compreensão
mais ampla da Psicologia o arrancar-nos dos limites do tempo presente – no qual
e de sua relação com a so- somos elementos, lançando-nos na aventura do atual, do
ciedade (ANTUNES, 2001,
p. 09).
além do nosso tempo – quando somos feitos atores –, e
1
de atuação com ações de intervenção efetivas sobre tais problemas.
Unidade
Mas a História da Psicologia no Brasil nos conta outra história... por
isso Mitsuko Antunes (2001) afirma: “disso decorre a imperativa
necessidade de reflexão sobre seu significado e sua responsabilidade
na construção do devir histórico” (p. 09).
Podemos pensar a história da Psicologia no Brasil dividida em
dois grandes momentos: o primeiro traz uma Psicologia marcada
pelos interesses de uma certa elite do país, pouco contribuindo
para mudanças nas condições de vida da maior parte da população,
marcada por uma desigualdade social profunda; o segundo momento
pode ser caracterizado pela eclosão e sistematização de uma série
de críticas internas à própria Psicologia como ciência e profissão,
especialmente no que se refere às suas tradicionais práticas de
controle, categorização e diferenciação. Segundo Ana Bock (2003):
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
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Estados Unidos. Desafios relativos à saúde, saneamento, habitação
etc., decorrentes do aumento da densidade demográfica ocasionados
Unidade
por um processo de urbanização – advindo do avanço do modo-de-
produção capitalista – eram uma constante no período. Desta forma,
“era necessário buscar o controle, não apenas de problemas como
epidemias, mas também da conduta humana” (ANTUNES, 2001, p,
33).
O período que abrange o final do século XIX e início do XX
é de rápidas transformações sociais, econômicas e políticas no
Brasil, caracterizando-se como momento de instauração de uma
nova sociedade, com novas ideias. É a passagem de uma sociedade
escravista para uma de modelo capitalista urbano-industrial, quando
se buscou assemelhar-se ao máximo com o cotidiano europeu, com
suas instituições e ideias liberais (HERCHMANN; PEREIRA, 1994). O
contato de brasileiros com movimentos intelectuais europeus e norte-
americanos possibilitou que a efervescência de ideias aqui também
se difundisse, misturando-se às necessidades da sociedade brasileira.
Entretanto, é importante destacar que os estudos históricos vêm
demonstrando “não ser a história do Brasil um mero reflexo da
história européia. Se é verdade que mantém muitas relações com o
plano internacional, não é menos verdade que possui um movimento
próprio marcado pelos diversos projetos de grupos que aqui se
antagonizam na luta pelo poder” (VILLELA, 1992, p. 23).
Em relação à Psicologia, ao longo do século XIX, com o
desenvolvimento de instituições dedicadas à formação profissional
nas áreas da Medicina e da Educação, a mesma encontrou terreno
fértil para se estabelecer em sua dimensão científica. Assim, inicia
seu processo de autonomia teórica e prática em relação às áreas
de conhecimento nas quais vinha se desenvolvendo até então,
constituindo-se a partir de uma relação muito estreita com a educação
escolar e a formação de professores.
Uma política de valorização do homem, como fator de produção
e integração nacional, fez com que a escola ganhasse importância
como peça fundamental para a constituição da nação, acreditando-
se nela como um instrumento básico para uma rápida transformação
social. As crianças passaram a ser alvo de investimento para que
viessem a se tornar adultos saudáveis, disciplinados e produtivos,
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
SAIBA MAIS
de não colher, desses materiais, os reais benefícios que podiam trazer para a
instrução. Também o desenvolvimento dos saberes científicos, notadamente da
medicina e, dentro dessa, da higiene, e a aproximação desses do fazer pedagógico
influíram decisivamente na elaboração da necessidade de um espaço específico
1
para a escola. [...]
Unidade
Apesar de posto desde a segunda metade do século XVIII, o debate em
torno da constituição de espaços dedicados ao ensino e da fixação de tempos de
permanência na escola teria que esperar até meados da última década do século
XIX, primeiro em São Paulo e, depois, em vários estados brasileiros, para assumir
a forma mais acabada da proposta dos grupos escolares. [...]
Os grupos escolares, concebidos e construídos como verdadeiros templos
do saber encarnavam, simultaneamente, todo um conjunto de saberes, de projetos
político-educativos, e punham em circulação o modelo definitivo da educação do
século XIX: o das escolas seriadas.
Monumentais, os grupos escolares, na sua maioria, eram construídos a
partir de plantas-tipo em função do número de alunos, em geral 4, 8 ou 10 classes,
em um ou dois pavimentos, com nichos previstos para biblioteca escolar, museu
escolar, sala de professores e administração. Os materiais do ensino intuitivo,
as carteiras fixas no chão, e a posição central da professora pareciam indicar
lugares definidos para alunos e mestra em sala de aula. Fora da sala, o pátio
era o local de distribuição das crianças. Atividades como ginástica ou canto ali
realizadas pretendiam conferir usos apropriados ao espaço. A rígida divisão dos
sexos, a indicação precisa de espaços individuais na sala de aula e o controle dos
movimentos do corpo na hora de recreio conformavam uma economia gestual e
motora que distinguia o aluno escolarizado da criança sem escola. [...]
Uma primeira dimensão do tempo escolar alterada foi imposição definitiva do
ensino simultâneo. Divididas as classes segundo um mesmo nível de conhecimentos
e de idade dos alunos, eram entregues a uma professora, às vezes acompanhada
de uma assistente, que deveria propor tarefas coletivas. Cada um e todos os alunos
teriam que executar uma mesma atividade a um só tempo. [...]
A cultura escolar elaborada tendo como eixo articulador os grupos escolares
atravessou o século XX, constituindo-se em referência básica para a organização
seriada das classes, para a utilização racionalizada do tempo e dos espaços e para o
controle sistemático do trabalho das professoras, dentre outros aspectos. É, grosso
modo, nesse e com referência a esse caldo de cultura que ainda hoje se elaboram
as reflexões pedagógicas, mesmo aquelas que se representam, mais uma vez,
como de costas para o passado e antecipadoras de um futuro grandioso.”
FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VIDAL, Diana. Os tempos e os espaços escolares no
processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de Educação,
n. 14, 2000. Disponível em: <http://www.anped.org.br/rbe/rbe/rbe.htm>
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
EXERCÍCIO
Pesquise na Internet a respeito dos ciclos de formação e analise suas
propostas em relação à organização dos espaços e tempos escolares.
Qual a relação que estabelecem com a Psicologia? O que muda para
o aluno? O que muda para o professor? Como se estabelece a relação
professor-aluno nos ciclos de formação?
Bom exercício!
1
com os interesses e as necessidades do país. Desta forma, a
vida de trabalhadores, de pessoas improdutivas, de mulheres e de
Unidade
crianças foi se tornando objeto de preocupação para os médicos-
higienistas, para as autoridades políticas e para os setores de elite.
Associados à imundície, à ignorância, à doença e à degeneração da
raça, a população brasileira passou a se submeter a uma série de
procedimentos disciplinares. Suas vidas eram “coordenadas” por
especialistas, através de propostas racionais que lhes conferiam um
novo modelo de comportamento ditado por normas preestabelecidas,
em uma tentativa de domesticação nos moldes dos valores burgueses.
Desejos e interesses daqueles cujos destinos a ciência decide eram
ignorados, pois o objetivo era a formação de uma nova figura do
brasileiro: trabalhador, dócil, submisso e economicamente produtivo
(RAGO, 1985).
Toda esta política de construção de um novo homem brasileiro,
porém, dava ênfase a um setor considerado vital para resolver os
problemas nacionais: a educação. O povo deveria ser corretamente
educado para servir ao país e, para tanto, as escolas deveriam
divulgar valores como culto à nacionalidade, ao trabalho, à moral e
à disciplina. Julgava-se importante investir na criança, uma vez que
ela, enquanto futuro adulto, seria o novo homem brasileiro que se
buscava erigir.
A preocupação em torno da infância já estava presente
desde meados do século XIX, sendo intensificada nas duas primeiras
décadas do século XX. Uma ampla literatura procurava dar explicações
sobre seu funcionamento, suas características, suas necessidades de
educação e tratamento. O investimento sobre as crianças, no entanto,
não foi um movimento isolado, encontrado apenas no Brasil. Vários
países do mundo há algumas décadas acompanhavam esta questão
devido a altas taxas de mortalidade infantil. A situação precária em
que se encontrava um grande número de crianças levou diversos
países a desenvolverem uma rede de assistência social direcionada a
elas. Pesquisadores de diversas áreas, em especial da Medicina, da
Educação e da Psicologia, dedicaram-se, intensamente, ao estudo da
criança e à nova organização escolar. Um grande volume de pesquisas
e literatura especializada foi produzido no período.
Neste ponto, é preciso esclarecer que o primeiro curso de
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
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Unidade
PARA REFLETIR
Você já ouviu alguma vez este termo: criança-problema? A que ele remete?
Bem, este é um termo que foi criado no início do século XX para designar crianças
que não estavam adaptadas à escola e à sociedade de um modo geral.
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
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ambientes prejudiciais à sua evolução, a fim de que se tornassem
adultos saudáveis. Em relação às suas “aptidões naturais”, estas
Unidade
deveriam ser devidamente medidas, analisadas e classificadas, para
que cada indivíduo recebesse o tratamento e a educação adequados,
sem desperdícios ou faltas, tendo, para tal, o respaldo da ciência.
O uso de procedimentos de identificação e diferenciação
das crianças nas escolas condensava práticas e pressupostos da
Antropologia, da Psicologia e da Biologia. Esses saberes, envoltos em
uma aparência de neutralidade, associavam-se à estatística, agindo de
forma preventiva e profilática, tornando-se instrumentos privilegiados
na elaboração de normas que se reproduziam e se deslocavam da
escola para as famílias e vice-versa, de forma a engendrar, nesses
espaços, formas pré-determinadas de agir e pensar. Assim, à mãe
caberia o papel de observar os desvios de personalidade de seus
filhos e às professoras primárias, dentro das escolas, seria reservada
a responsabilidade de observar e apontar os padrões de anormalidade
dos alunos.
Preconizando normas de higiene, honestidade e hábitos
sociais de polidez, as escolas tentavam fazer com que as crianças
interiorizassem tais costumes e os transferissem para seus hábitos
cotidianos. As crianças pobres, porém, por não aderirem facilmente
a esses novos costumes apregoados pelas escolas, passaram a ser
encaradas como focos de resistência e obstáculos sociais às ideias de
progresso e modernização, possibilitando a emergência de discursos
que atuavam na produção de verdades sobre os pobres e legitimavam
a classificação de suas formas de organização como inferiores e
desestruturadas (PINTO, 2001).
Acreditava-se que os “problemas” e as “dificuldades” que as
crianças pobres apresentavam, no aprendizado, eram decorrentes de
fatores externos às escolas, seja por explicações pertinentes ao meio,
caracterizadas como “carência cultural”, seja por causa das “diferenças
individuais”. Para os cientistas, as famílias pobres, por manterem
seus hábitos e costumes, eram, em grande parte, responsáveis pelo
baixo rendimento das crianças nas escolas e por outros “desvios” que
pudessem sofrer, sendo esta causa somada às capacidades “naturais”
do próprio indivíduo. As diferenças culturais ou as dificuldades
econômicas, para a maioria dos educadores, não eram consideradas
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
PARA REFLETIR
Os comentários que foram feitos neste último parágrafo sobre crianças pobres
está distante do que se fala ainda hoje? Você ainda houve falar em “família
desestruturada”, “carência”, dentre outros? O que você pensa sobre a utilização
destes termos?
1
Unidade
PARA REFLETIR
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
1
políticas que o tornam possível fica cada vez mais presente
(p. 46)
Unidade
Refletindo sobre o compromisso social da Psicologia, Ana Bock
(2000) nos lança as seguintes questões: “Como abandonar práticas
elitistas e colocar a Psicologia ao alcance da maioria da população?
Que população é esta? Que homem é este, brasileiro, pobre, com
péssimas condições de vida e trabalho? Como nosso trabalho pode
contribuir para a melhoria das condições de vida?” (BOCK, 2000, p.
142).
Estas perguntas são contrárias a certa concepção que considera
o fenômeno psicológico como algo que faz parte da natureza humana,
isto é, de que o nosso psiquismo “está em todos nós ao nascermos,
em potencial, e se desenvolverá conforme o homem for aproveitando
as situações de estimulação que o mundo social lhe oferece” (BOCK,
2003, p 22). É o que chamamos, vulgarmente, de “verdadeiro eu”, isto
é, aquele “eu” que acreditamos ser quem verdadeiramente somos.
Mas este “eu verdadeiro” não existe. Esta ideia de que
existe um “eu”, que é só nosso, independente de todas as questões
históricas, econômicas, sociais, culturais, produziu, como já dissemos,
“uma Psicologia de costas para a realidade social”, pois quando temos
esta idéia abrimos mão de fazer referência “ao cotidiano vivido pelas
pessoas, à cultura e aos valores sociais, às formas de produção
de sobrevivência e às relações sociais para compreender o mundo
psíquico” (BOCK, 2003, p. 22). É neste sentido que afirmamos
que a Psicologia, atualmente, está se repensando como campo de
conhecimento, especialmente no sentido de considerar o fenômeno
psicológico como algo constituído histórico e socialmente.
ATENÇÃO
Mudando concepções
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
ATENÇÃO
1
diferença substancial em relação ao que chamamos mais recentemente
de Psicologia e Educação.
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De modo conceitual, a Psicologia da Educação é uma subárea
da Psicologia que engloba o estudo dos fenômenos psicológicos
relativos aos processos educacionais. Durante muito tempo, esteve
relacionada, principalmente, aos processos da educação escolar,
mas, atualmente, compreende os processos educativos que “estão
presentes em vários espaços culturais e sociais da aprendizagem que
são anteriores aos que se dão na escola e que por ela (escola) devem
ser considerados” (RAMOS; CASTANHO, 2007, p. 01).
Íris Barbosa Goulart (2005) aponta que a primeira vez em
que surge uma nomeação específica para a relação entre Psicologia
e Educação é em 1903, com a publicação de livro de Thorndike,
constituindo, desta forma, uma área de estudos com um corpo
doutrinário. Segundo a autora, pode-se definir Psicologia da Educação
como:
Fazem parte do domínio de conhecimento da Psicologia da
Educação estudos relativos à aprendizagem, ao desenvolvimento, à
inteligência, às aptidões, dentre outros. Para Goulart (2005), definir
Psicologia da Educação através das perguntas “o que é Psicologia?”
e “o que é Educação?” é um equívoco, sob o risco de seu objeto de
estudo ficar descaracterizado.
Quando utilizamos o nome Psicologia e Educação em um curso
de formação de professores, no entanto, podemos ter um entendimento
bastante diferenciado sobre o objeto e o objetivo do estudo que
se pretende. Ao invés de nos mantermos restritos ao estudo dos
fenômenos psicológicos relativos aos processos educacionais, como
dissemos anteriormente, ampliamos o campo de análise para todos
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
1
provoca a necessidade de, ao invés de “tentar encaixar o cotidiano nas
Unidade
teorias pré-concebidas que estabelecem regularidades” aos sujeitos
da educação, “pensar o processo de produção da diversidade das
situações concretas que se constroem” (MARCONDES; FERNANDES;
ROCHA, 2007, p. 12). Assim o ato de pensar é valorizado como algo
que se processa entre “o saber já constituído e o fazer, o experimentar
cotidiano” (p. 12). Quando consideramos que aprender é construir
algo através da ação, devemos nos manter atentos às transformações
e não às representações dadas através de um código imutável. É
a partir desta noção que se afirma que o psiquismo humano não
é natural e abstrato, e sim construído a partir das transformações
históricas e culturais. Para Adriana Marcondes, Ângela Fernandes e
Marisa Rocha (2007): “só conhecemos algo quando estamos atentos
à sua permanente transformação, e não quando estamos em busca
de uma possível essência, identidade, das certezas eternas ou da
comprovação de verdades constituídas” (p. 12).
A partir da proposição de estar atento às transformações, isto
é, em analisar o meio e não o início ou o fim – os processos e não
os produtos –, vejamos como se dá a interseção da Psicologia da
Educação com a Psicologia e Educação, refletindo como as discussões
amplas da segunda trazem implicações para a reformulação da
primeira.
Você deve estar se perguntando: “– Mas para que retomar a
Psicologia da Educação se este material de estudo trata da Psicologia
e Educação?”. Bem, a importância de voltarmos à Psicologia da
Educação se dá especialmente por serem duas áreas de estudo que
são fundamentais para a compreensão dos processos educativos,
e fazem parte de seu domínio de conhecimento: a Psicologia do
Desenvolvimento e a Psicologia da Aprendizagem. A ampliação de
possibilidades na relação entre a Psicologia e a Educação trouxe reflexos
no modo como as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem
estão sendo abordadas atualmente.
Neide Barbosa Saisi (2003) analisou planos de ensino de
Psicologia da Educação do curso de Pedagogia da PUC/SP no período
de 1972 a 1990. Para a autora, “planos de ensino são projetos que
sintetizam crenças a respeito da realidade a qual se destina, bem como
expectativas e valores pelos quais seus autores objetivam modificá-
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
la” (p. 76). Desta forma, através dos objetivos traçados, do conteúdo
definido e das teorias que lhe dão suporte, pode-se perceber que tipo
de educador se pretende formar.
Saisi (2003) relata que, na década de 1970, as abordagens
sobre aprendizagem estavam centradas em técnicas de elaboração
de planejamento com ênfase comportamental: “visavam a formação
de um professor capaz de planejar e modificar o comportamento de
seu aluno” (p. 80); os principais autores utilizados eram Skinner,
Bloom e Gagné. Em oposição ao tecnicismo, alguns programas
traziam abordagens cognitivas de Bruner e Ausubel, e a abordagem
humanista de Rogers. Em relação ao desenvolvimento, encontramos
predominantemente o cognitivismo de Piaget e, de modo reduzido,
a psicanálise. Saisi (2003) ressalta uma relação estreita entre o
tecnicismo e a teoria de Piaget, argumentando com Ghiraldelli (apud
SAISI 2003), que “ambos se fundamentavam na ideologia liberal que
sustentava o caráter tecno-neutro da educação” (p. 82). Mas ressalto
que esta correlação não diz respeito à teoria de Piaget em si, e sim
aos usos que foram dados às proposições teóricas, no contexto em
questão, marcado por uma ditadura.
Ao longo dos anos de 80, Saisi (2003) observa algumas
teorias sendo abandonadas e outras sendo acrescentadas. Tais
entradas e saídas estariam relacionadas às mudanças no modo de
conceber o aluno e a relação teoria e prática. Em relação às teorias
da aprendizagem, observamos a saída de Bloom, Gagné, Bruner e
Ausubel. Carl Rogers sai dos planos de ensino de forma gradual;
permanecem Skinner e, nas reflexões sobre desenvolvimento, Piaget.
Vale ressaltar que a década de 1980, no Brasil, é marcada por intensa
movimentação social, caracterizada pelo processo de abertura política
após 40 longos anos de ditadura militar. Este contexto histórico-social
traz seus reflexos para a Educação e Psicologia, de um modo geral, e
para a Psicologia da Educação mais especificamente, quando se passa
“a priorizar a formação de uma atitude crítica em relação às próprias
teorias constitutivas da disciplina” (p. 82). O behaviorismo de Skinner
e o cognitivismo de Piaget, ao mesmo tempo em que permanecem na
disciplina, passam a ser alvo de críticas.
No final da década de 1980, Saisi (2003) ressalta a expansão
da psicanálise e também desta sob o foco de autores marxistas e
culturalistas (conhecidos de maneira geral como Escola de Frankfurt),
e muitas outras transformações:
1
Essa reordenação da disciplina deu-se sob o impacto de
uma nova concepção de homem, pela qual era enfatizada
Unidade
a dimensão social e histórica, reiteradamente explicitada
nos objetivos relativos à aprendizagem e ao desen
volvimento e nas teorias absorvidas pela disciplina, as
quais encampavam essa concepção (SAISI, 2003, p. 83).
UESC Pedagogia 43
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
1
(CATHARINO, 2001, p. 45-46 – grifos meu).
Unidade
Trata-se de uma nova forma de conceber o homem que traz
mudanças fundamentais para o educador: ao invés de olhar seu aluno
como alguém que sabe quem é, pois uma teoria já o descreveu, o
educador utilizará uma teoria que diz: “– Vá olhar para o conteúdo
histórico, social e cultural no qual este aluno está inserido e, só depois,
diga quem ele é neste momento do processo educativo”. Algum tempo
depois, esse mesmo educador deve lançar novamente este olhar
sobre seu aluno, repetindo todo o processo a partir da proposição
teórica, pois o momento educativo mudou, questões do contexto
podem ter mudado, logo, o aluno também se terá transformado. Por
isso afirmamos que o sujeito é provisório.
Saisi (2003) destaca os efeitos da nova abordagem para o
desenvolvimento e a aprendizagem:
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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
Pedagogia
A Gestalt é a tendência teórica mais ligada à filosofia” (p. 43). Considera que o Psicologia Existencialista-Humanista (Sartre)
primeiro dado imediato é a forma, revelada pela percepção. Teoria do Campo (Kurt Lewin)
Psicologia humanista (Carl Rogers)
47
Fontes: BOCK; FURTADO; TEIXEIRA (2007); CATHARINO (2001).
Unidade 1
Quadro 2: Principais perspectivas da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem
48
Perspectiva Teorias Proposição Conceitos Centrais
- Inconsciente
Psicanalítica Teoria Psicossexual de Freud O comportamento é controlado por pulsões.
- Complexo de Édipo
- Equilibração
Mudanças qualitativas no pensamento entre a primeira - Esquemas de ação
Psicologia Genética de Piaget
infância e a adolescência. - Interação
- Autonomia
- Aprendizagem significativa
Cognitiva Aprendizagem como um processo de modificação - Conceito inclusor
Teoria da Aprendizagem Verbal Significativa
Módulo 2
do conhecimento a partir da relação que os conceitos - Inclusão obliteradora
de Ausubel
I
estabelecem entre si. - Assimilação cognitiva
- Hierarquias conceituais
Construção do conhecimento psicológico
Teoria do Processamento de Informações Os seres humanos são processadores de símbolos. - Esquemas de conhecimento
Volume 4
- Mediação
O contexto sociocultural de uma criança tem impacto
Teoria Sociocultural de Vygotsky - Internalização
importante no seu desenvolvimento.
- Zona de Desenvolvimento Proximal
Possui uma conotação de extensão da vida sem - deve-se estar atento aos eventos do contexto
Life Span utilizar critérios de estágios para fins de delimitação ou - estratégias longitudinais
periodização. - cortes transversais
EAD
Fontes: PAPALIA; OLDS (2000); COLL-SALVADOR et al (2000); CASTRO (2001); MAHONEY; ALMEIDA (2005); NERI (2001).
EXERCÍCIO
Interessou-se por alguma abordagem ou teoria? Procure mais a
respeito na Internet e crie grupos de discussão com seus colegas de
curso.
1
Lembre-se: ao realizar suas pesquisas na Internet procure sites
Unidade
que utilizam critérios de rigor científico exigidos para trabalhos
acadêmicos. Se precisar de ajuda, procure um tutor para auxiliá-lo.
Bom exercício!
UESC Pedagogia 49
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
1
constrói simultaneamente suas questões e os modos pelos quais
busca resolvê-las” (p. 27), e isto fica claro quando observamos as
Unidade
transformações da Psicologia da Educação.
Desta forma, lançamos aqui algumas questões elaboradas
por Tânia Catharino (2001), que são fundamentais para, no processo
de formação e exercício profissional, alcançarmos nossos objetivos.
Agora, faça o exercício de Reflexão.
EXERCÍCIO
Primeiro momento: reflita e responda por escrito as questões abaixo
propostas por Catharino (2001):
Bom exercício!
UESC Pedagogia 51
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
ATIVIDADE
1. Diferencie as noções de “homem natural”, “homem abstrato” e “homem como ser
sócio-histórico” e, depois, explique o que é subjetividade na concepção sócio-histórica.
2. Nesse momento, gostaria que você fizesse o exercício de relembrar de sua vida escolar.
Procure, em sua memória, situações em que você ou seus colegas foram discriminados
ou se sentiram discriminados por não se enquadrarem a alguma questão específica.
De que forma estas discriminações se assemelham ou diferenciam dos discursos presentes
na história da Psicologia no Brasil?
1
décadas, e vem trazendo a necessidade de novas reflexões teóricas, que
afetam diretamente a formação de professores.
Unidade
Através de uma viagem pela História da Psicologia no Brasil, vimos de
que forma as ideias e práticas psicológicas se articularam à organização de
instituições e discursos que tinham como finalidade a “organização do país”.
Esta “organização”, no entanto, se deu à custa da vida de todos aqueles que
não se enquadravam nos padrões normativos, considerados os ideais definidos
por certos grupos. As crianças e as famílias tornam-se, igualmente, alvo dos
discursos e práticas que buscam dizer como devem agir, sentir e pensar. Aos
poucos, a criança é separada da família e encaminhada para uma instituição
que se responsabilizará por sua formação integral: a escola. Esta, rapidamente,
cria uma classificação para todas as crianças que não se adaptam ao seu
modo de funcionamento: a criança-problema. Mas, se a criança já existia
antes da escola, quem de fato está desadaptada? Teorias da Psicologia, com
forte base evolucionista, são formuladas para explicar o desenvolvimento e a
aprendizagem, e passam a fundamentar as práticas pedagógicas, buscando
explicações e criando nomenclaturas para todos aqueles que ficam à margem
dos processos considerados “normais”.
Atualmente, no entanto, a Psicologia vem questionando os discursos e
práticas que estão baseados na identificação de “desequilíbrios” e “desajustes”.
O caminho que a Psicologia vem traçando, hoje, busca a afirmação da vida,
respeitando suas múltiplas formas de manifestação. A base disso é a crítica
à noção de “norma e desvio”. A concepção de que o fenômeno psicológico
é construído sócio-historicamente trouxe outras perspectivas para a relação
entre a Psicologia e a educação, e para as teorias do desenvolvimento e
aprendizagem, afetando diretamente a formação de professores e a prática
docente.
UESC Pedagogia 53
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
REFERÊNCIAS
FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VIDAL, Diana. Os tempos e os
1
espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária
no Brasil. Revista Brasileira de Educação, n. 14, 2000. Disponível
Unidade
em: <http://www.anped.org.br/rbe/rbe/rbe.htm>
UESC Pedagogia 55
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico
REFERÊNCIAS
PINTO, Karina Pereira. Por uma nova cultura pedagógica: Prática
de Ensino como eixo da formação de professores primários do Instituto
de Educação do Rio de Janeiro (1932-1937). Tese (Doutorado em
Educação). São Paulo: PUC/Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação: História, Política, Sociedade, 2006.
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