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unidade 1

CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
PSICOLÓGICO

Ao final da unidade o(a) aluno(a) deverá:


Objetivos

• compreender o campo de conhecimento da


Psicologia como ciência, diferenciando-o do senso
comum;
• analisar, de maneira crítica, o papel da Psicologia
na sociedade;
• compreender a relação entre a Psicologia e a
Educação.
UNIDADE 1
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO PSICOLÓGICO

1
Unidade
1 PRIMEIRAS PALAVRAS

A Psicologia está presente em nossa sociedade como uma


área de conhecimento muito importante em vários setores: escolas,
hospitais, empresas, dentre outros. Hoje em dia, é muito difícil pensar
numa sociedade que não usufrua dos conhecimentos da Psicologia em
sua organização. Mas a Psicologia é uma ciência datada, isto é, em
algum momento da história da humanidade, estudos que tratavam
de temas próximos foram organizados no que chamamos hoje
“disciplina Psicologia”. Desde então, muitas teorias foram elaboradas
e disseminadas nos vários espaços sociais, alcançando uma grande
difusão.
Iniciaremos esta unidade com uma reflexão sobre o campo de
conhecimento da Psicologia, buscando compreender como a Psicologia
se caracteriza como uma ciência e, ao mesmo tempo, como uma
profissão. Na sequência, vamos diferenciar ciência de senso comum,
para obtermos uma melhor compreensão sobre os aspectos da
Psicologia que são científicos e que, portanto, podem servir de base
para práticas profissionais variadas. Faremos uma breve análise sobre
a história da constituição do campo de conhecimento da Psicologia e
também sobre a história da Psicologia no Brasil, com ênfase na história
da relação entre a Psicologia e a Educação, buscando compreender de
que modo a Psicologia se inseriu na sociedade brasileira e que práticas
ela difundiu, especialmente as ligadas ao binômio norma-desvio.
Analisaremos as preocupações atuais da Psicologia e de que modo
os seus estudos recentes estão voltados para uma reflexão sobre
compromisso social. E, por fim, faremos uma reflexão sobre a relação
entre a Psicologia e a Educação, especialmente no que concerne aos
estudos do desenvolvimento humano e da aprendizagem.

UESC Pedagogia 15
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

Esta unidade terá como tema transversal a reflexão sobre


o sujeito psicológico, ou seja, ao longo de toda unidade estaremos
problematizando a subjetividade humana. Refletir se a constituição
do sujeito psicológico é natural ou histórica não é uma atividade
simples, mas se torna essencial quando nos preocupamos com uma
Psicologia marcada pelo compromisso social.

2 PROBLEMATIZANDO O TEMA

A Psicologia exerce certo fascínio sobre as pessoas, pois


carrega consigo uma representação de que é capaz de desvendar os
mistérios do ser humano. É como se pudéssemos enxergar além das
aparências e dizer a verdade que está oculta sobre algo. Mas esta é
uma ideia que precisa ser mudada.
Durante muitas décadas, a Psicologia foi utilizada na sociedade
como uma ferramenta para classificar pessoas, dizendo quem estava
certo, por estar dentro da norma, e quem era caracterizado como
desvio ou anormalidade, por estar fora dos padrões pré-estabelecidos.
Infelizmente, este uso dado à Psicologia ainda é frequente. Para
realizar tal tarefa, a Psicologia traz consigo algo muito poderoso que
dificilmente é contrariado: o discurso científico.
Em nome da ciência, pessoas são excluídas do convívio social
como, por exemplo, crianças e adolescentes que têm suas vidas
escolares prejudicadas, quando não interrompidas, por receberem de
professores, orientadores educacionais e especialistas em Psicologia
rótulos como “problemático”, “desestruturado”, “delinqüente”,
“pervertido”, “drogado”, “carente” etc.. Muitas vezes a própria pessoa
que recebe o rótulo passa a acreditar que é incapaz do convívio social,
se autossegregando; afinal, quem rotulou “sabe” o que está falando,
pois está baseado em estudos científicos. É aí que encontramos
um grande impasse da Psicologia: como pode uma ciência como a
Psicologia excluir pessoas? Será que a Psicologia realmente tem o
poder de revelar a verdade sobre os seres humanos? Será que a
ciência realmente revela verdades ou apenas apresenta pontos de
vista sobre determinadas questões? O que é Psicologia, quando surgiu,
como e por que ganhou tanta importância em nossa sociedade? Que
relação queremos que exista entre a Psicologia e a Educação? Estas
são algumas questões que veremos ao longo desta unidade.

16 Módulo 2 I Volume 4 EAD


3 PSICOLOGIA COMO CAMPO DE CONHECIMENTO
CIENTÍFICO

A Psicologia só se constituiu como um campo de conhecimento


científico muito recentemente, no final do século XIX, e não possui

1
um único objeto de estudo. A definição mais comum sobre o objeto
da Psicologia é dizer que estuda o comportamento. Esta definição, no

Unidade
entanto, não é adequada, pois limita bastante as potencialidades do
seu campo de conhecimento, uma vez que o estudo do comportamento
é apenas um dos muitos de seus estudos.
Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2007)
apontam que um dos motivos que produzem a dificuldade na definição
do objeto da Psicologia está diretamente relacionado ao

[...] fato de o cientista – o pesquisador – confundir-se


com o objeto a ser pesquisado. No sentido mais amplo,
o objeto de estudo da Psicologia é o Homem, e, neste
caso, o pesquisador está inserido na categoria a ser
estudada. Assim, a concepção de homem que traz consigo
‘contamina’ inevitavelmente a sua pesquisa em Psicologia.
Isso ocorre porque há diferentes concepções de homem
entre os cientistas (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2007, p.
21).

Dentre as várias formas de conceber o homem, os autores


apontam: uma visão de homem natural, “formulada pelo filósofo
francês Rousseau, que imagina que o homem era puro e foi corrompido
pela sociedade” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2007, p. 21-22);
a noção de homem abstrato, isto é, “com características definidas
e que não mudam, a despeito das condições sociais a que esteja
submetido” (id., p. 21-22); e a visão de homem como um ser sócio-
histórico, que é datado e constituído a partir das transformações
históricas, culturais, sociais etc..
Esta última visão de homem é a concepção que vai permear
todas as discussões presentes neste material de estudo de Psicologia
e Educação I.

ATENÇÃO

Objeto(s) de estudo da Psicologia

“Conforme a definição de homem adotada, teremos uma concepção de


objeto que combine com ela. Como neste momento há uma riqueza de
valores sociais que permitem várias concepções de homem, diríamos

UESC Pedagogia 17
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

ATENÇÃO

simplificadamente que, no caso da Psicologia, esta ciência estuda os


‘diversos homens’ concebidos pelo conjunto social. Assim, a Psicologia
hoje se caracteriza por uma diversidade de objetos de estudo.
Por outro lado, essa diversidade de objetos justifica-se porque os
fenômenos psicológicos são tão diversos, que não podem ser acessíveis
ao mesmo nível de observação e, portanto, não podem ser sujeitos
aos mesmos padrões de descrição, medida, controle e interpretação”
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2007, p. 22).

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2007, p. 22), o fato de


a Psicologia não possuir um único objeto “leva-nos a questionar a
caracterização da Psicologia como ciência e a postular que no momento
não existe uma Psicologia, mas Ciências Psicológicas embrionárias e
em desenvolvimento”. Pela impossibilidade de definição de um único
objeto da Psicologia, os autores citados optam por definir a identidade
da Psicologia, uma vez que tal identidade a diferencia dos demais
ramos das ciências humanas, demarcando-a como uma ciência que
colabora com o estudo da subjetividade.

Mas, o que é subjetividade?

Não há uma única definição sobre o que seja subjetividade, pois


a Psicologia não se caracteriza por uma única linha de pensamento.
A forma de conceber subjetividade está diretamente relacionada à
concepção de homem adotada por cada uma das diversas linhas
teóricas da Psicologia.
Segundo Luciana Miranda (2005), grande parte dos estudos
de Psicologia apresenta uma noção de subjetividade reduzida a uma
dimensão psicológica interior, isolando-a de um contexto mais amplo.
A Psicologia que concebe o homem como um ser sócio-histórico, no
entanto, parte do princípio de que a subjetividade humana se constitui
a partir das “transformações históricas, sociais, políticas, econômicas,
tecnológicas... enfim, por toda uma gama de atravessamentos com
que na verdade, em nosso cotidiano, estamos o tempo todo nos
deparando” (p. 32).
De acordo com Cecília Coimbra (2004), podemos definir
subjetividade

[...] não como coisa em si, essência imutável, mas


como [...] formas de pensar, sentir, perceber e agir no
mundo, forjadas por diferentes dispositivos sociais,

18 Módulo 2 I Volume 4 EAD


culturais, políticos, etc.. [...]. É necessário pensar
como, pela produção e circulação de signos, imagens,
pelo recalcamento de certas realidades, pela sugestão
e, portanto, pela criação de um real, esses dispositivos
sociais simulam padrões consensuais de conduta; forjam
esquemas dominantes de percepção e de significação

1
do mundo; criam existências, vidas, mortes, mocinhos,
bandidos, heróis e vilões; enfim, poderosos e eficientes

Unidade
processos de subjetivação (COIMBRA, 2004, p. 45).

Uma outra definição de subjetividade, ainda dentro da


perspectiva da Psicologia sócio-histórica, é apontada por Bock,
Furtado e Teixeira (2007):

A subjetividade é a síntese singular e individual que


cada um de nós vai constituindo conforme vamos nos
desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida
social e cultural; é uma síntese que nos identifica, de um
lado, por ser única, e nos iguala, de outro lado, na medida
em que os elementos que a constituem são experienciados
no campo comum da objetividade social. [...]
Entretanto, a síntese que a subjetividade representa
não é inata ao indivíduo. Ele a constrói aos poucos,
apropriando-se do material do mundo social e cultural, e faz
isso ao mesmo tempo em que atua sobre este mundo, ou
seja, é ativo na sua construção. Criando e transformando
o mundo (externo), o homem constrói e transforma a si
próprio (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2007, p. 23).

É importante ressaltar que, dentro da perspectiva sócio-


histórica existem várias linhas teóricas com propostas diferenciadas,
mas que se agrupam em torno da noção de que a subjetividade
humana é construída a partir de um contexto sócio-histórico.

3.1 Psicologia como ciência e profissão

Refletir sobre um campo científico e profissional é uma tarefa


delicada, pois abrange muitas questões. A Psicologia como ciência,
além de fornecer subsídios para a prática do psicólogo, o faz para
outras profissões, como a docência, por exemplo. Atualmente, na
formação de professores, a Psicologia é uma disciplina considerada
fundamental para a prática pedagógica. Espera-se, com a utilização
dos conhecimentos da Psicologia, obter uma melhor compreensão
sobre os alunos, sobre as relações ensino-aprendizagem, sobre a
realidade escolar e sobre o mundo em que vivemos.

UESC Pedagogia 19
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

Segundo Mitsuko Antunes (2001), a Psicologia constituiu-se


como ciência que ganhou uma grande relevância social por contribuir
com seus estudos para ampliar a compreensão sobre os problemas
humanos, assim como por sua atuação profissional através das
intervenções realizadas pelos psicólogos. Um dos principais aspectos
que vem envolvendo os estudos sobre Psicologia como ciência e
profissão, atualmente, diz respeito às implicações da Psicologia
na sociedade. Desta forma, além das questões epistemológicas
relacionadas aos saberes psicológicos, é necessário pensar as
questões políticas e sociais que envolvem a constituição da Psicologia
como ciência e profissão.

3.2 Um pouco de história da profissão do psicólogo e sua


relação com a formação de professores

Desde a regulamentação da Psicologia como profissão, em


1962, o ensino e a prática do psicólogo foram marcados por três
grandes áreas de atuação: clínica em consultórios particulares,
escolas e empresas. Segundo Oswaldo Yamamoto (2003, p. 40),
“de acordo com dados do único levantamento exaustivo conduzido
nacionalmente [em 1988], 53% dos psicólogos tinham na área
Clínica sua atividade principal, contra 19,2% na área Organizacional e
11,7% na área escolar”. As concepções de Psicologia presentes nestas
áreas eram predominantemente pautadas numa visão intimista de
sociedade, na qual os seres humanos são apresentados como “coisas
em si”, abstratas e naturais, tendo como principal foco de atenção
suas histórias de vida e suas próprias emoções, compreendidas de
forma independente do contexto histórico, político e cultural em que
estão inseridos.
Nos últimos trinta anos, este modelo de formação do psicólogo
sofreu inúmeros questionamentos a partir de dois aspectos principais:
primeiramente, pelo caráter elitista, marcadamente voltado para o
atendimento das classes média e alta da população; e, em segundo
lugar, pelo fato de as questões que surgem das práticas atuais
dos psicólogos brasileiros não mais corresponderem às três áreas
mencionadas (FERREIRA NETO, 2004).
De acordo com Oswaldo Yamamoto (2003) e João Ferreira
Neto (2004), atualmente podemos observar uma mudança no perfil
da profissão do psicólogo. O quadro abaixo destaca a situação dos
psicólogos brasileiros em 1988 e 2001, com relação à área de atuação:

20 Módulo 2 I Volume 4 EAD


Área em que atua como psicólogo 1988* 2001

Clínica 55,3 54,9


Escolar 11,3 9,2
Organizacional/Trabalho 19,2 12,4
Docência 6,6 2,2

1
Pesquisa 1,3 0,6

Unidade
Social/Comunitária 2,8 1,7
Saúde** - 12,6
Trânsito** - 3,9
Jurídica** - 2,5
Esporte** - 0,1
Outros 3,0 -
*Os dados de 1988 dizem respeito ao “emprego principal”.** A pesquisa de 1988 não trabalhou com essas
áreas, por não aparecerem ou por estarem agrupadas na categoria “Outros” (YAMAMOTO, 2003, p. 42).

Yamamoto (2003) relaciona a mudança do perfil da profissão


a três vetores principais: as contingências do mercado de trabalho
que se encaminham cada vez mais para a falência do modelo de
profissional autônomo na Psicologia; a abertura de campo de
atuação profissional pela redefinição do setor de bem-estar, bastante
significativo após a Constituição de 1988; e, por fim, as discussões,
no plano teórico-ideológico, que alimentam uma redefinição dos
rumos da Psicologia, através da exigência de um maior compromisso
com as diversas camadas sociais, trazendo como pano de fundo um
entendimento de que o ser humano deve ser compreendido a partir
do contexto histórico, político e cultural em que vive. Desta forma,
pode-se observar uma mudança gradual na configuração da Psicologia
brasileira.
Apesar de uma maior abrangência das áreas de atuação
do psicólogo e da emergência de práticas críticas que apontam a
preocupação social como eixo organizador, José Newton Araújo
(2004) ressalta que tais mudanças não estão acontecendo de maneira
predominante no interior dos cursos de formação do psicólogo:
“parece ainda vigorar a concepção de subjetividade confinada à
‘realidade psíquica’, tornando a cultura, o meio social e as condições
socioeconômicas realidades alheias às ‘estruturas interiores’” (p. 11).

PARA REFLETIR

Por que estas informações sobre a formação do psicólogo são


relevantes para a formação do professor?

UESC Pedagogia 21
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

A formação de professores está diretamente relacionada


ao campo teórico da Psicologia (Psicologia como ciência), mas não
ao campo de atuação do psicólogo (Psicologia como profissão). E
esta vinculação traz questões importantes para refletirmos sobre
que conhecimentos da Psicologia estão circulando na formação de
professores.
Como foi ressaltado anteriormente, a partir dos estudos de
Yamamoto (2003) e Araújo (2004), os psicólogos estão modificando
suas concepções a partir de sua atuação profissional. Isto quer dizer
que os psicólogos estão percebendo que a formação que receberam
e grande parte dos conhecimentos teóricos que lhes foram passados,
durante a graduação, não fornecem uma base teórica suficiente para
compreender e atuar sobre a realidade que os cerca. Com isso, estão
buscando novos estudos e teorias que lhes possibilitem lidar com esta

ATENÇÃO
realidade.
Desta forma, quando pensamos na formação de professores
Desafios para a
Psicologia temos também que nos questionar sobre que conhecimentos da

No mundo atual, o de- Psicologia estão sendo transmitidos aos futuros professores: será que
senvolvimento científico e
tecnológico tem alcançado
as questões e as teorias da Psicologia presentes nas licenciaturas dão
patamares nunca antes respaldo para compreender e agir no mundo atual?
imaginados. Tempo e es-
paço adquirem novos sig- Estas questões que estão presentes na prática profissional dos
nificados com a eliminação
das distâncias pelas redes
psicólogos precisam romper as barreiras específicas da formação deste
informatizadas. Novos con- profissional para adentrarem também na formação de professores.
hecimentos vêm trans-
formar profundamente Por isso, conhecer o campo de conhecimento do qual utilizamos
a estrutura produtiva, a
educação, a assistência à algumas teorias é fundamental.
saúde, as artes, as rela-
ções humanas. Alguns vel-
hos problemas, no entanto, 4 PSICOLOGIA E SUA HISTÓRIA NO BRASIL
não apenas permanecem
como tendem a agravar-
se: a miséria, a exclusão
social, a violência, a limi- Pensar a Psicologia como ciência requer pensá-la através da
tação do acesso ao saber
e à saúde, o desemprego,
história da Psicologia. A partir daí, buscamos “uma história possível”,
a xenofobia, o racismo, a concordando com Antunes (2001) sobre a impossibilidade da escrita
escassez de perspectivas
existenciais. da história ser definitiva, uma vez que o processo histórico será
Nesse panorama, os prob-
lemas do presente e os que sempre inacabado e suas leituras serão diversas. E, complementando
vislumbramos para o futuro
com as palavras de Ana Maria Jacó-Vilela, Fábio Jabur e Heliana Conde
próximo impõem à Psicolo-
gia tarefas cada vez maio- Rodrigues (1999):
res e mais desafiadoras;
disso decorre a imperativa
necessidade de reflexão O que de mais importante tem a história provocado no
sobre seu significado e sua
responsabilidade na con-
povo ‘psi’, afinal, senão uma contingenciação absoluta
strução do devir histórico. daquilo que até então costumávamos tomar como
É preciso, pois, que ten-
essencial ou necessário? Ou, em outras palavras, senão
hamos uma compreensão
mais ampla da Psicologia o arrancar-nos dos limites do tempo presente – no qual
e de sua relação com a so- somos elementos, lançando-nos na aventura do atual, do
ciedade (ANTUNES, 2001,
p. 09).
além do nosso tempo – quando somos feitos atores –, e

22 Módulo 2 I Volume 4 EAD


tudo isso, exatamente, através do cuidadoso trabalho com
a temporalidade? (p. 08 – grifos no original).

Atualmente a Psicologia tem exercido uma função social de


grande relevância tanto como área de conhecimento que contribui
para a compreensão dos problemas humanos quanto como campo

1
de atuação com ações de intervenção efetivas sobre tais problemas.

Unidade
Mas a História da Psicologia no Brasil nos conta outra história... por
isso Mitsuko Antunes (2001) afirma: “disso decorre a imperativa
necessidade de reflexão sobre seu significado e sua responsabilidade
na construção do devir histórico” (p. 09).
Podemos pensar a história da Psicologia no Brasil dividida em
dois grandes momentos: o primeiro traz uma Psicologia marcada
pelos interesses de uma certa elite do país, pouco contribuindo
para mudanças nas condições de vida da maior parte da população,
marcada por uma desigualdade social profunda; o segundo momento
pode ser caracterizado pela eclosão e sistematização de uma série
de críticas internas à própria Psicologia como ciência e profissão,
especialmente no que se refere às suas tradicionais práticas de
controle, categorização e diferenciação. Segundo Ana Bock (2003):

Se tomarmos a história da Psicologia no Brasil vamos ver


que as idéias psicológicas produzidas e, posteriormente,
as teorias, responderam claramente a interesses das
elites de controlar, higienizar, diferenciar e categorizar,
interesses esses necessários à manutenção ou incremento
do lucro e reprodução do capital (p. 16).

Desta forma ressaltamos a importância de uma reflexão sobre


a História da Psicologia, especialmente sua história ligada à educação,
quando tratamos da formação de professores:

É preciso, pois, que tenhamos uma compreensão mais


ampla da Psicologia e de sua relação com a sociedade;
nesse quadro, o conhecimento da História da Psicologia
torna-se particularmente importante. A compreensão
do processo de construção histórica de uma área
de conhecimento é tão imprescindível quanto
o conteúdo de suas teorias e do domínio de suas
técnicas que, tomados atemporalmente, são meros
fragmentos de uma totalidade que não se consegue
efetivamente apreender (ANTUNES, 2001, p. 09 – grifos
meu).

Albertina Martinez (2003) ressalta a importância de uma

UESC Pedagogia 23
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

análise crítica acerca da História da Psicologia no Brasil, especialmente


referente à formação do psicólogo e à formação de professores,
uma vez que estas estariam imbuídas de um caráter fortemente
“tecnicista, fragmentado e conteudista” (p. 153), e o conhecimento
de sua história permitiria a construção de novos caminhos.

4.1 Gênese da relação histórica entre Psicologia e


Educação no Brasil

Com a transferência da família Real para o Brasil, em


1808, surgiram necessidades no âmbito da constituição da nação,
especialmente no sentido de formação de quadros para os aparatos
repressivos e administrativos do governo. É a partir deste momento
que a educação e o ensino começam a sofrer maiores demandas, são
criados os primeiros cursos superiores no país e também a primeira
Escola Normal, em 1935, em Niterói/RJ.
Se durante a Colônia podíamos observar a presença de idéias
psicológicas desenvolvidas por políticos e religiosos em solo brasileiro,
é a partir da vinda da Corte para o Brasil que o pensamento psicológico
se vincula a instituições então criadas, desenvolvendo-se no interior
de várias áreas de conhecimento, especialmente na Medicina e na
Educação.
Segundo ANTUNES (2001),

O fim da condição colonial permitiu o desenvolvimento


de várias instâncias da formação social brasileira, dentre
as quais as de âmbito cultural. A criação de cursos
superiores, a impressão de livros e o surgimento de
várias instituições são exemplos dessa mudança. A busca
de uma ‘identidade nacional’, principalmente advinda de
intelectuais que buscavam a compreensão e a solução
dos problemas nacionais deve também ser destacada; a
preocupação com a saúde e a educação encontra-se nesse
plano. [...] A produção de idéias psicológicas foi também
produto dessa sociedade em transformação, sobretudo na
busca de respostas às necessidades que se diversificavam
e se impunham pelos novos tempos. As transformações
econômicas, com suas conseqüências para o incremento
do processo de urbanização, acabaram por trazer à tona
novos problemas ou a explicitação de problemas antigos,
os quais o país não se encontrava preparado para resolver.
Nesse contexto, a Medicina e a Educação foram chamadas
a contribuir para a solução dos problemas, incluindo-se aí
a preocupação com o fenômeno psicológico em várias de
suas dimensões (p. 32).

24 Módulo 2 I Volume 4 EAD


Em termos globais, vale destacar que a preocupação com os
fenômenos psicológicos desenvolvia-se já durante séculos, ganhando
grande impulso com estudos da Filosofia e da Fisiologia que vão se
institucionalizar na Educação e na Medicina, ao longo dos séculos
XVIII e XIX, em vários países da Europa e, posteriormente, nos

1
Estados Unidos. Desafios relativos à saúde, saneamento, habitação
etc., decorrentes do aumento da densidade demográfica ocasionados

Unidade
por um processo de urbanização – advindo do avanço do modo-de-
produção capitalista – eram uma constante no período. Desta forma,
“era necessário buscar o controle, não apenas de problemas como
epidemias, mas também da conduta humana” (ANTUNES, 2001, p,
33).
O período que abrange o final do século XIX e início do XX
é de rápidas transformações sociais, econômicas e políticas no
Brasil, caracterizando-se como momento de instauração de uma
nova sociedade, com novas ideias. É a passagem de uma sociedade
escravista para uma de modelo capitalista urbano-industrial, quando
se buscou assemelhar-se ao máximo com o cotidiano europeu, com
suas instituições e ideias liberais (HERCHMANN; PEREIRA, 1994). O
contato de brasileiros com movimentos intelectuais europeus e norte-
americanos possibilitou que a efervescência de ideias aqui também
se difundisse, misturando-se às necessidades da sociedade brasileira.
Entretanto, é importante destacar que os estudos históricos vêm
demonstrando “não ser a história do Brasil um mero reflexo da
história européia. Se é verdade que mantém muitas relações com o
plano internacional, não é menos verdade que possui um movimento
próprio marcado pelos diversos projetos de grupos que aqui se
antagonizam na luta pelo poder” (VILLELA, 1992, p. 23).
Em relação à Psicologia, ao longo do século XIX, com o
desenvolvimento de instituições dedicadas à formação profissional
nas áreas da Medicina e da Educação, a mesma encontrou terreno
fértil para se estabelecer em sua dimensão científica. Assim, inicia
seu processo de autonomia teórica e prática em relação às áreas
de conhecimento nas quais vinha se desenvolvendo até então,
constituindo-se a partir de uma relação muito estreita com a educação
escolar e a formação de professores.
Uma política de valorização do homem, como fator de produção
e integração nacional, fez com que a escola ganhasse importância
como peça fundamental para a constituição da nação, acreditando-
se nela como um instrumento básico para uma rápida transformação
social. As crianças passaram a ser alvo de investimento para que
viessem a se tornar adultos saudáveis, disciplinados e produtivos,

UESC Pedagogia 25
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

contribuindo para o progresso do país. Desta forma, a Psicologia


encontrou lugar privilegiado junto às escolas, especialmente após a
proclamação da República, e tornou-se a base de muitos discursos
educacionais que buscavam conceder à Pedagogia o caráter científico.
Parte das contribuições da Psicologia para as práticas
pedagógicas diz respeito à organização dos tempos e espaços
escolares (PINTO, 2006). Vejamos como a escola se constituiu no
Brasil sob a ótica da organização de seus tempos e espaços:

SAIBA MAIS

História da Escola no Brasil

“O período colonial legou-nos um número muito reduzido de escolas régias ou


de cadeiras públicas de primeiras letras, constituídas sobretudo a partir da segunda
metade do século XVIII. Com professores reconhecidos ou nomeados como tais
pelos órgãos de governos responsáveis pela instrução, essas escolas funcionavam
em espaços improvisados, como igrejas, sacristias, dependências das Câmaras
Municipais, salas de entrada de lojas maçônicas, prédios comerciais, ou na própria
residência dos mestres. [...] No entanto, não podemos considerar que apenas aqueles,
ou aquelas, que freqüentavam uma escola tinham acesso às primeiras letras. Pelo
contrário, tem-se indícios de que a rede de escolarização doméstica, ou seja, do
ensino e da aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, mas sobretudo daquela
primeira, atendia um número de pessoas bem superior à rede pública estatal. [...]
A questão do espaço para abrigar a escola pública primária começou a
aparecer especialmente a partir da segunda década do século XIX, em algumas
cidades da então Colônia, e, posteriormente à independência, em várias províncias
do Império, quando intelectuais e políticos puseram em circulação o debate em torno
da necessidade de se adotar um novo método de ensino nas escolas brasileiras: o
método mútuo. Afirmavam que a maneira como estava organizada a escola, com
o professor ensinando cada aluno individualmente, mesmo quando sua classe era
formada por vários alunos (método individual), impedia que a instrução pudesse ser
generalizada para um grande número de indivíduos, tornando a escola dispendiosa
e pouco eficiente. O método preconizado [método mútulo], utilizado largamente na
Europa, possibilitava, segundo seus defensores, que um único professor desse aula
para até 1.000 alunos. Bastava, para isso, que ele contasse com espaço e materiais
adequados e, sobretudo, com a ajuda dos alunos-monitores. [...] O aspecto central,
aqui, referia-se ao fato de que mais e mais ia-se afirmando o tempo escolar que
precisava estar em constante diálogo com os outros tempos sociais. [...]
Sobretudo no último quartel do século XIX, foi-se, paulatinamente,
reforçando a representação de que a construção de prédios específicos para a escola
era imprescindível a uma ação eficaz junto às crianças [...]. Tal representação era
articulada na confluência de diversos fatores, dentre os quais queremos destacar
os de ordem político-cultural, pedagógica, científica e administrativa. [...] A escola
foi, sobretudo ao final do século XIX, sendo invadida por todo um arsenal inovador
de materiais didático-pedagógicos (globos, cartazes, coleções, carteiras, cadernos,
livros...) para os quais não era possível mais ficar adaptando os espaços, sob pena

26 Módulo 2 I Volume 4 EAD


SAIBA MAIS

de não colher, desses materiais, os reais benefícios que podiam trazer para a
instrução. Também o desenvolvimento dos saberes científicos, notadamente da
medicina e, dentro dessa, da higiene, e a aproximação desses do fazer pedagógico
influíram decisivamente na elaboração da necessidade de um espaço específico

1
para a escola. [...]

Unidade
Apesar de posto desde a segunda metade do século XVIII, o debate em
torno da constituição de espaços dedicados ao ensino e da fixação de tempos de
permanência na escola teria que esperar até meados da última década do século
XIX, primeiro em São Paulo e, depois, em vários estados brasileiros, para assumir
a forma mais acabada da proposta dos grupos escolares. [...]
Os grupos escolares, concebidos e construídos como verdadeiros templos
do saber encarnavam, simultaneamente, todo um conjunto de saberes, de projetos
político-educativos, e punham em circulação o modelo definitivo da educação do
século XIX: o das escolas seriadas.
Monumentais, os grupos escolares, na sua maioria, eram construídos a
partir de plantas-tipo em função do número de alunos, em geral 4, 8 ou 10 classes,
em um ou dois pavimentos, com nichos previstos para biblioteca escolar, museu
escolar, sala de professores e administração. Os materiais do ensino intuitivo,
as carteiras fixas no chão, e a posição central da professora pareciam indicar
lugares definidos para alunos e mestra em sala de aula. Fora da sala, o pátio
era o local de distribuição das crianças. Atividades como ginástica ou canto ali
realizadas pretendiam conferir usos apropriados ao espaço. A rígida divisão dos
sexos, a indicação precisa de espaços individuais na sala de aula e o controle dos
movimentos do corpo na hora de recreio conformavam uma economia gestual e
motora que distinguia o aluno escolarizado da criança sem escola. [...]
Uma primeira dimensão do tempo escolar alterada foi imposição definitiva do
ensino simultâneo. Divididas as classes segundo um mesmo nível de conhecimentos
e de idade dos alunos, eram entregues a uma professora, às vezes acompanhada
de uma assistente, que deveria propor tarefas coletivas. Cada um e todos os alunos
teriam que executar uma mesma atividade a um só tempo. [...]
A cultura escolar elaborada tendo como eixo articulador os grupos escolares
atravessou o século XX, constituindo-se em referência básica para a organização
seriada das classes, para a utilização racionalizada do tempo e dos espaços e para o
controle sistemático do trabalho das professoras, dentre outros aspectos. É, grosso
modo, nesse e com referência a esse caldo de cultura que ainda hoje se elaboram
as reflexões pedagógicas, mesmo aquelas que se representam, mais uma vez,
como de costas para o passado e antecipadoras de um futuro grandioso.”

Gostou? Procure o texto na Internet e leia-o na íntegra como leitura complementar:

FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VIDAL, Diana. Os tempos e os espaços escolares no
processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de Educação,
n. 14, 2000. Disponível em: <http://www.anped.org.br/rbe/rbe/rbe.htm>

Os saberes psicológicos estavam presentes nos processos de


organização dos tempos e espaços da escola, na orientação sobre
a construção de seus prédios, na organização dos alunos por séries

UESC Pedagogia 27
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

em salas de aula separadas, na escolha dos recursos didáticos, na


organização das disciplinas e, até mesmo, na justificativa sobre a
importância das pausas para descanso – intervalos entre as aulas e
recreio (PINTO, 2006). Luciano Faria Filho e Diana Vidal (2000) param
sua pesquisa na escola seriada, mas atualmente temos outro modelo
de educação surgindo: os ciclos de formação (FREITAS, 2003). Você
sabe o que são?

EXERCÍCIO
Pesquise na Internet a respeito dos ciclos de formação e analise suas
propostas em relação à organização dos espaços e tempos escolares.
Qual a relação que estabelecem com a Psicologia? O que muda para
o aluno? O que muda para o professor? Como se estabelece a relação
professor-aluno nos ciclos de formação?

Lembre-se: ao realizar suas pesquisas na Internet procure sites que


utilizam critérios de rigor científico exigidos para trabalhos acadêmicos.
Se precisar de ajuda, procure um tutor para auxiliá-lo.

Com a ajuda do tutor, crie um Fórum de Discussão Virtual e debata


estas questões com seus colegas.

Bom exercício!

Bem, voltemos ao período da Proclamação da República (1889)


para compreendermos de que modo e por quais motivos a infância
se torna uma preocupação nacional, contando diretamente com o
respaldo da Psicologia. No início da República, o clima de renovação
e transformação toma conta do país, propiciando a emergência
de grandes temas nacionais, considerados pelas elites dirigentes
de primeira importância para o encaminhamento de soluções
modernizantes para o Brasil. Ocupavam-se dessas discussões
intelectuais, literatos, políticos, cientistas, buscando-se alcançar
respostas e saídas para a situação em que o país se encontrava.
Segundo Ângela de Castro Gomes (1982), a pobreza assolava
o país, caracterizando-se como uma síntese dos problemas nacionais,
já que a maioria da população residia em completo abandono,
gerando uma série de transtornos sociais. Para que o brasileiro pobre
se interessasse em entrar no mercado de trabalho, era preciso muito
mais do que legislações trabalhistas. Era preciso que o trabalho
deixasse de estar ligado à imagem da escravatura e da pobreza,
pois, como se sabe, há apenas algumas décadas, o valor maior recaía
sobre a nobreza – classe que repudiava qualquer tipo de esforço,

28 Módulo 2 I Volume 4 EAD


principalmente o físico.
É neste sentido que o Estado elaborou uma estratégia de
valorização do trabalho e do trabalhador, objetivando promover o
homem brasileiro e defender o progresso e a modernização do país.
O imaginário popular precisava ser atingido e modificado de acordo

1
com os interesses e as necessidades do país. Desta forma, a
vida de trabalhadores, de pessoas improdutivas, de mulheres e de

Unidade
crianças foi se tornando objeto de preocupação para os médicos-
higienistas, para as autoridades políticas e para os setores de elite.
Associados à imundície, à ignorância, à doença e à degeneração da
raça, a população brasileira passou a se submeter a uma série de
procedimentos disciplinares. Suas vidas eram “coordenadas” por
especialistas, através de propostas racionais que lhes conferiam um
novo modelo de comportamento ditado por normas preestabelecidas,
em uma tentativa de domesticação nos moldes dos valores burgueses.
Desejos e interesses daqueles cujos destinos a ciência decide eram
ignorados, pois o objetivo era a formação de uma nova figura do
brasileiro: trabalhador, dócil, submisso e economicamente produtivo
(RAGO, 1985).
Toda esta política de construção de um novo homem brasileiro,
porém, dava ênfase a um setor considerado vital para resolver os
problemas nacionais: a educação. O povo deveria ser corretamente
educado para servir ao país e, para tanto, as escolas deveriam
divulgar valores como culto à nacionalidade, ao trabalho, à moral e
à disciplina. Julgava-se importante investir na criança, uma vez que
ela, enquanto futuro adulto, seria o novo homem brasileiro que se
buscava erigir.
A preocupação em torno da infância já estava presente
desde meados do século XIX, sendo intensificada nas duas primeiras
décadas do século XX. Uma ampla literatura procurava dar explicações
sobre seu funcionamento, suas características, suas necessidades de
educação e tratamento. O investimento sobre as crianças, no entanto,
não foi um movimento isolado, encontrado apenas no Brasil. Vários
países do mundo há algumas décadas acompanhavam esta questão
devido a altas taxas de mortalidade infantil. A situação precária em
que se encontrava um grande número de crianças levou diversos
países a desenvolverem uma rede de assistência social direcionada a
elas. Pesquisadores de diversas áreas, em especial da Medicina, da
Educação e da Psicologia, dedicaram-se, intensamente, ao estudo da
criança e à nova organização escolar. Um grande volume de pesquisas
e literatura especializada foi produzido no período.
Neste ponto, é preciso esclarecer que o primeiro curso de

UESC Pedagogia 29
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

Psicologia no Brasil foi montado no ano de 1953, e a regulamentação


da profissão somente se deu no ano de 1962. Não havia, portanto,
brasileiros com formação em Psicologia, cabendo este ofício, mais
frequentemente, aos médicos e educadores. Observamos também
a presença de psicólogos estrangeiros que foram chamados,
principalmente a partir das décadas de 20 e 30, para trabalharem em
escolas normais.
No Brasil, durante a primeira República, a infância encontra-
se, de certo modo, apropriada pelo saber médico. Procurando soluções
para evitar o despovoamento da nação devido ao alto índice de
mortes, a Medicina encarregava-se não apenas de curar as doenças,
mas de tomar medidas preventivas em relação às mesmas. O sentido
da prevenção, no entanto, não se restringiu às doenças, mas ampliou
suas ações para a formação do povo brasileiro, buscando realizar-se
como obra de caráter social e nacional. A família também foi atingida
por este processo.
Com o intuito de construir uma família brasileira – nuclear,
burguesa, moderna, higiênica e privativa – houve a necessidade de
uma redefinição de papéis, isto é, da elaboração de uma nova relação
entre pais e filhos. O homem teria que se preservar moralmente e
dedicar-se ao trabalho, dando o exemplo que deveria ser seguido por
sua prole. A mulher, considerada ignorante e desinformada, passou a
ser responsabilizada e culpabilizada pela alta mortalidade dos recém-
nascidos, pelo uso de práticas próprias de seus saberes culturais.
Agora a mulher deveria dedicar-se ao papel de mãe, esposa e dona
de casa. A criança merecia destaque por constituir-se como ponto
central desta família, sobre a qual recairiam todas as justificativas de
mudanças de comportamento (RAGO, 1985).
Separada dos adultos, a criança foi elevada à figura de reizinho
da família, passando a demandar uma série de cuidados especiais,
quando não especializados. Era preciso regular seus horários,
controlar sua alimentação, reservar-lhe um vestuário próprio e
brinquedos adequados, devidamente recomendados por especialistas
da Medicina, da Psicologia e da Educação, que, através do discurso
científico, ditavam as novas regras.
Juntamente com estas modificações no interior das famílias,
observou-se um aumento no número de escolas públicas e no
investimento na formação de professores. As escolas públicas estariam
voltadas para toda população, mas em relação às crianças que eram
julgadas inadequadas às regras sociais, outras instituições deveriam
acolhê-las. Observava-se, pois, a emergência de diversas instituições
de assistência e proteção à criança: estabelecimentos em sistema

30 Módulo 2 I Volume 4 EAD


de internato, para os quais seriam enviadas as crianças desvalidas,
sem família, consideradas rebeldes e/ou “anormais”. Muitas vezes as
crianças chegavam a estas instituições encaminhadas pelas escolas,
que já não sabiam o que fazer com tal “criança-problema”.

1
Unidade
PARA REFLETIR

Você já ouviu alguma vez este termo: criança-problema? A que ele remete?

Bem, este é um termo que foi criado no início do século XX para designar crianças
que não estavam adaptadas à escola e à sociedade de um modo geral.

Por que, às vezes, as pessoas não se adaptam a determinados contextos? Você já


se sentiu “fora do lugar” alguma vez? Será que todas as pessoas que estão “fora
do lugar” são realmente um problema? Por que quando estamos no contexto
escolar, é tão fácil nos incomodarmos com quem é diferente?

Após a abolição da escravatura e a Proclamação da República,


observamos a emergência de ideais liberais, exaltadas pelos
republicanos, que se pautavam em princípios de liberdade e igualdade
e que deveriam trazer a todos as mesmas possibilidades de vida,
trabalho, educação e ascensão social. É neste período, no entanto,
que as teorias biológicas de classificação das raças ganharam força
no Brasil, o que não era de espantar. Se já não existia a diferença por
valores hierárquicos de poder, passam a existir as diferenças intrínsecas
aos indivíduos devido à constituição biológica – os brancos como
superiores e os negros como degenerados. Os índios permanecem
em uma posição ambígua, ora exaltados, ora repudiados.
É neste sentido que as teorias raciais vão se enfraquecendo
e, apesar do discurso “democrático”, vão dando lugar a outro tipo
de hierarquização, só que desta vez mais sutil e respaldada por um
espectro maior dos saberes científicos. A explicação das diferenças
mantém suas bases na Biologia, acrescentando-se, porém, explicações
psicológicas e antropológicas, e com uma diferença marcante: não
recaem apenas sobre as diferenças étnicas e raciais, mas também
sobre as questões socioeconômicas e culturais.
Neste sentido, as teorias evolucionistas tiveram uma marca
bastante forte, principalmente em relação à Psicologia da Criança,
significando a passagem de uma filosofia especulativa para uma
Psicologia científica. Assim, “os temas clássicos da filosofia relativos
ao conhecimento reapresentam-se, na Psicologia, na forma de
‘inteligência’ e ‘aprendizagem’. Não se trata mais de perguntar sobre

UESC Pedagogia 31
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

as condições de possibilidade de conhecimento, mas sim sobre as


condições de possibilidade de aquisição de conhecimentos” (WARDE,
1997, p. 306). Assim, escolas passaram a sustentar-se em medidas
científicas a fim de avaliar se os procedimentos de ensino seriam
pertinentes ou não, e uma série de saberes voltava-se para os
problemas escolares, fazendo surgir a chamada “pedagogia científica”,
que teria o apoio, principalmente, da Psicologia e da Antropologia.
Estamos no período em que o movimento da Escola Nova
ganhava força no Brasil e uma série de reformas educacionais eram
empreendidas em vários estados brasileiros, no sentido de transformar
as propostas educacionais intelectualistas que estavam presentes
nas escolas (também conhecidas como pedagogia tradicional) numa
proposta que colocava a criança como centro de todo processo
educacional. E, para isso, a escola deveria tornar-se um local atrativo
tanto para estas crianças quanto para seus pais. Nos anos 1920/1930,
a escola brasileira foi reordenada para o alcance desses objetivos,
concorrendo, para tal empreitada, não só a própria educação como
também os mais diversos discursos. Nessa nova escola, os saberes
científicos intervêm em relação aos saberes pedagógicos, ao espaço
físico do edifício, à organização interna, à saúde de seus alunos e à
vida de seus estudantes individual e coletivamente. Aos poucos, a
escola era transformada em espaço natural da criança, para onde elas
deveriam ser enviadas, preparando-se para o futuro.
Mas não foi tarefa fácil, pois as escolas contavam com
as dificuldades relativas à forma como a população concebia a
educação escolar (PINTO, 2009). Neste âmbito, os conhecimentos
da Psicologia, voltados para o ensino e aprendizagem, tornaram-se
fundamentais. A Psicologia, em sua participação nas escolas e na
formação de professores primários, teria sido chamada para esclarecer
a misteriosa “natureza infantil”, estando atrelada a duas funções
principais: fornecer instrumental teórico e técnico que servisse para
compreender as individualidades do aluno (memória, inteligência,
personalidade, moralidade) e para possibilitar uma outra prática
pedagógica, diferente do modelo tradicional. As práticas coercitivas
utilizadas nas escolas foram, portanto, substituídas por atividades
que despertavam a curiosidade das crianças (PINTO, 2001).
Com isso, as práticas pedagógicas mudaram, as questões
sobre aquisição do conhecimento voltaram-se para os indivíduos
marcados por suas características e aptidões individuais, sendo estas
explicadas por uma ciência voltada para a inteligência/cognição,
e responsável por explicar os hábitos, as condutas, os processos
adaptativos que existiam em cada um isoladamente. A sobrevivência

32 Módulo 2 I Volume 4 EAD


do homem, a partir deste momento, dependia, além do ambiente
em que estivesse inserido, de suas próprias “aptidões naturais”. E,
como esse homem apresentava uma “evolução natural” que dependia
também do ambiente, o melhor a fazer seria investir nesse homem
o mais cedo possível, isto é, durante a infância, para livrá-lo de

1
ambientes prejudiciais à sua evolução, a fim de que se tornassem
adultos saudáveis. Em relação às suas “aptidões naturais”, estas

Unidade
deveriam ser devidamente medidas, analisadas e classificadas, para
que cada indivíduo recebesse o tratamento e a educação adequados,
sem desperdícios ou faltas, tendo, para tal, o respaldo da ciência.
O uso de procedimentos de identificação e diferenciação
das crianças nas escolas condensava práticas e pressupostos da
Antropologia, da Psicologia e da Biologia. Esses saberes, envoltos em
uma aparência de neutralidade, associavam-se à estatística, agindo de
forma preventiva e profilática, tornando-se instrumentos privilegiados
na elaboração de normas que se reproduziam e se deslocavam da
escola para as famílias e vice-versa, de forma a engendrar, nesses
espaços, formas pré-determinadas de agir e pensar. Assim, à mãe
caberia o papel de observar os desvios de personalidade de seus
filhos e às professoras primárias, dentro das escolas, seria reservada
a responsabilidade de observar e apontar os padrões de anormalidade
dos alunos.
Preconizando normas de higiene, honestidade e hábitos
sociais de polidez, as escolas tentavam fazer com que as crianças
interiorizassem tais costumes e os transferissem para seus hábitos
cotidianos. As crianças pobres, porém, por não aderirem facilmente
a esses novos costumes apregoados pelas escolas, passaram a ser
encaradas como focos de resistência e obstáculos sociais às ideias de
progresso e modernização, possibilitando a emergência de discursos
que atuavam na produção de verdades sobre os pobres e legitimavam
a classificação de suas formas de organização como inferiores e
desestruturadas (PINTO, 2001).
Acreditava-se que os “problemas” e as “dificuldades” que as
crianças pobres apresentavam, no aprendizado, eram decorrentes de
fatores externos às escolas, seja por explicações pertinentes ao meio,
caracterizadas como “carência cultural”, seja por causa das “diferenças
individuais”. Para os cientistas, as famílias pobres, por manterem
seus hábitos e costumes, eram, em grande parte, responsáveis pelo
baixo rendimento das crianças nas escolas e por outros “desvios” que
pudessem sofrer, sendo esta causa somada às capacidades “naturais”
do próprio indivíduo. As diferenças culturais ou as dificuldades
econômicas, para a maioria dos educadores, não eram consideradas

UESC Pedagogia 33
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

como fatores relevantes para explicar a resistência das crianças pobres


à escolarização. As resistências, simplesmente, eram justificadas sob
a ótica das diferenças individuais ou do meio “prejudicial” no qual a
criança estivesse inserida. As escolas e seus métodos estavam imunes
de qualquer culpa. Haveria, pois, segundo essa lógica, aquelas pessoas
dotadas de “aptidões naturais” mais favoráveis ao costumes da elite,
e aqueles cuja “natureza” era desviante, respaldando-se, para tal, em
estudos de Psicologia que reforçavam a noção de variabilidade entre
os sujeitos e suas capacidades. Às últimas restavam dois caminhos:
ou se transformavam adequando-se ao padrão da elite, ou eram
excluídos do convívio social (PINTO, 2001).

PARA REFLETIR

Os comentários que foram feitos neste último parágrafo sobre crianças pobres
está distante do que se fala ainda hoje? Você ainda houve falar em “família
desestruturada”, “carência”, dentre outros? O que você pensa sobre a utilização
destes termos?

5 PSICOLOGIA E COMPROMISSO SOCIAL

Como dissemos anteriormente, podemos caracterizar a


história da Psicologia no Brasil em dois momentos. O primeiro estaria
representado pela história que acabou de ser contada, somando-se a
ela seus desdobramentos e novas formulações ao longo das décadas de
1960 e 1970, quando teorias sobre “prevenção” passaram a dominar
os discursos e práticas de profissionais da Medicina, da Psicologia
e da Educação. Tais teorias vão apenas reforçar todo processo de
exclusão de grande parte da população brasileira, tornando-o ainda
mais complicado: se antes as pessoas eram julgadas por seus hábitos
e comportamentos, com as teorias sobre prevenção bastava ela fazer
parte de determinado grupo considerado de risco para ser incluída
como um problema em potencial.
Vale lembrar que na Psicologia característica deste primeiro
momento “predomina o viés positivista em que se tornam hegemônicos
os conceitos de neutralidade, objetividade, cientificidade e tecnicismo
e onde, nos diferentes discursos/práticas, o homem, os objetos e o
mundo são apresentados como coisas em si, abstratos, naturais e
não produzidos historicamente” (COIMBRA, 2004, p. 44).
Ana Bock (2003) ressalta que a Psicologia instituiu-se, na
sociedade brasileira, como uma profissão corretiva, “que deve ser
utilizada apenas quando desvios e patologias estejam instalados”

34 Módulo 2 I Volume 4 EAD


(p. 22). Neste caso, a prática profissional dos psicólogos e os
conhecimentos da Psicologia, utilizados na educação trariam consigo
uma representação sempre associada a patologias, doenças,
conflitos, desequilíbrios e desajustes. Mas, atualmente, este perfil
está mudando.

1
Unidade
PARA REFLETIR

Você já parou para pensar sobre o que é “norma”? E “desvio”?


Já reparou que para dizer o que é desvio você sempre tem que se referir à
“norma”?
Mas, o que entendemos por norma? Quem define os aspectos que fazem parte
da norma? Como se têm dado as mudanças e transformações nessas seleções?
Quais os aspectos que têm exercido maior influência nesses processos? Como se
configuram em cada contexto concreto?

5.1 Crítica à noção de norma e desvio

A marca normativa e corretiva que vai caracterizar a área de


conhecimento da Psicologia está ligada a certa concepção de fenômeno
psicológico pautada no modelo médico-assistencial de cunho liberal e
privado, bastante central nas organizações curriculares de Psicologia
e na Psicologia presente na formação de professores. Trata-se de
um modelo clínico que se estabeleceu rapidamente na formação
do psicólogo e na representação social desta ciência. Neste caso,
a Psicologia, presente na formação de professores e nas escolas,
acabou por se constituir também sob a égide do modelo de ajustes
de desvios.
A concepção de fenômeno psicológico presente não só nos
cursos de Psicologia, mas também nas demais áreas de conhecimento
que estabelecem uma relação estreita com os saberes psi – como a
formação de professores, por exemplo – é, segundo Ana Bock (2003,
p. 22), uma concepção naturalizada e universalizante, na qual “não
se tem nenhuma necessidade de fazer referência ao cotidiano vivido
pelas pessoas, à cultura e aos valores sociais, às formas de produção
de sobrevivência e às relações sociais para compreender o mundo
psíquico”. Ainda conforme Bock (2003, p. 22), “essa concepção de
fenômeno psicológico teve como resultado uma Psicologia de costas
para a realidade social” (p. 23).
Para Jurandir Freire Costa (2000):

A questão é mostrar como certas crenças criam sujeitos

UESC Pedagogia 35
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

à imagem e semelhança de seus princípios, injunções


ou formas de vida. E quando tais crenças são chamadas
científicas, os praticantes ou crentes dificilmente podem
aceitar a idéia de que o móvel de suas leituras dos
fatos são pressupostos ético-políticos e não evidências
compulsórias, determinadas pela ‘verdadeira natureza das
coisas e eventos do mundo’. Assim a prática do psicólogo
não mais busca redescrever os sujeitos com vistas a uma
vida melhor e mais humana; tende a tornar-se um manual
de rotinas de atitudes e protocolos de investigação,
sem vínculo com a criatividade, a variabilidade e a
imprevisibilidade da vida (COSTA, 2000, p. 11-12).

A partir destas questões, Ana Bock (2003) enfatiza que é


preciso trabalhar criticamente para inverter essas explicações. Através
de uma concepção de que o fenômeno psicológico é construído sócio-
historicamente, é possível compreender as relações sociais e as
formas de produção da vida como fatores responsáveis pela produção
do mundo psicológico, sem isolar o mundo psíquico no interior do
indivíduo, como algo natural, universal e dotado de força própria.
Desta forma, a Psicologia deve se constituir como um campo de
conhecimento que contribua para a qualidade de vida e promoção da
saúde.
Com estas questões, adentramos no segundo momento da
história da Psicologia no Brasil, caracterizado por uma Psicologia
que se reconhece como campo de conhecimento voltado para um
compromisso social.
Atualmente a ideia de a Psicologia ser uma ciência neutra é
bastante questionada, pois se considera que não há neutralidade nas
pesquisas realizadas por esta área de conhecimento. Esta afirmação
é baseada no argumento de que o pesquisador, no momento em
que elabora a questão que ele quer pesquisar, já parte de um ponto
de vista específico, de sua própria visão de mundo. Desta forma, o
pesquisador não é imparcial, pois ele está implicado diretamente com
o objeto e a realidade que pretende estudar, como ressaltam Marina
Massimi, Regina Helena Campos e Josef Brozek (1996):

A Psicologia é uma ciência que utiliza, na elaboração de


suas teorias, conceitos retirados do senso comum, da vida
cotidiana em uma determinada sociedade. Por outro lado,
o pesquisador em Psicologia participa da sociedade em
que vive e tem opiniões definidas em relação a muitas
das questões que estuda, e que afetam sua vida como
cidadão. Nas instituições onde trabalham os pesquisadores
também interferem na produção teórica, na medida em que
buscam incentivar estudos em determinada área mais do

36 Módulo 2 I Volume 4 EAD


que em outra. Assim, o estudo da história da Psicologia no
contexto sócio-cultural e institucional, e dos efeitos desde
contexto no desenvolvimento da disciplina, vem ganhando
mais espaço. A idéia de que a atividade de produção do
conhecimento científico é um empreendimento social
fortemente influenciado pelas ideologias e forças sócio-

1
políticas que o tornam possível fica cada vez mais presente
(p. 46)

Unidade
Refletindo sobre o compromisso social da Psicologia, Ana Bock
(2000) nos lança as seguintes questões: “Como abandonar práticas
elitistas e colocar a Psicologia ao alcance da maioria da população?
Que população é esta? Que homem é este, brasileiro, pobre, com
péssimas condições de vida e trabalho? Como nosso trabalho pode
contribuir para a melhoria das condições de vida?” (BOCK, 2000, p.
142).
Estas perguntas são contrárias a certa concepção que considera
o fenômeno psicológico como algo que faz parte da natureza humana,
isto é, de que o nosso psiquismo “está em todos nós ao nascermos,
em potencial, e se desenvolverá conforme o homem for aproveitando
as situações de estimulação que o mundo social lhe oferece” (BOCK,
2003, p 22). É o que chamamos, vulgarmente, de “verdadeiro eu”, isto
é, aquele “eu” que acreditamos ser quem verdadeiramente somos.
Mas este “eu verdadeiro” não existe. Esta ideia de que
existe um “eu”, que é só nosso, independente de todas as questões
históricas, econômicas, sociais, culturais, produziu, como já dissemos,
“uma Psicologia de costas para a realidade social”, pois quando temos
esta idéia abrimos mão de fazer referência “ao cotidiano vivido pelas
pessoas, à cultura e aos valores sociais, às formas de produção
de sobrevivência e às relações sociais para compreender o mundo
psíquico” (BOCK, 2003, p. 22). É neste sentido que afirmamos
que a Psicologia, atualmente, está se repensando como campo de
conhecimento, especialmente no sentido de considerar o fenômeno
psicológico como algo constituído histórico e socialmente.

ATENÇÃO

Mudando concepções

“Poderíamos nos perguntar, antes de terminarmos este ponto, sobre a impor-


tância ou a diferença de termos uma ou outra concepção sobre o fenômeno psicoló-
gico. A diferença está em que as concepções naturalizantes nos afastam do mundo
social e acobertam a construção social do psiquismo, tornando-se ideológicas. Ao
contrário, os psicólogos [e educadores] devem buscar construir leituras que, ao

UESC Pedagogia 37
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

ATENÇÃO

falarem do mundo psíquico, falem do mundo social e, ao pensarem em transforma-


ções psíquicas, exijam um projeto social. [...].
A Psicologia tem construído idéias que precisam ser superadas, como, por
exemplo: crianças não aprendem na escola porque não se esforçam ou porque têm
pais que bebem e mães ausentes; as mães pobres não tratam adequadamente seus
filhos porque não conhecem os saberes da Psicologia; as pessoas não melhoram de
vida porque não querem; os trabalhadores perdem suas mãos nas máquinas devido
a impulsos incontroláveis que caracterizam sua relação com o trabalho. Os jovens
matam crianças com tiros porque têm natureza violenta ou porque seus pais... E
assim a Psicologia vai explicando todas as questões sociais a partir de mecanismos
naturais do mundo psicológico.
É preciso trabalhar criticamente e inverter essas explicações. É preciso com-
preender as relações sociais e as formas de produção da vida como fatores res-
ponsáveis pela produção do mundo psicológico. [...]. A mudança nessa concepção
permitirá a superação da ideologia presente na Psicologia e consolidará um novo
compromisso dos psicólogos e da Psicologia com a sociedade, um compromisso de
trabalho pela melhoria da qualidade de vida; um compromisso em nome dos direi-
tos humanos e do fim das desigualdades sociais” (BOCK, 2003, p. 27-28).

5.2 Psicologia da Educação, Psicologia e Educação

A Psicologia, como campo de conhecimento amplo, vem se


repensando enquanto ciência, especialmente através de uma crítica
ao modo como historicamente se relacionou com a sociedade. Daí
todas as questões mencionadas sobre a necessidade da Psicologia
estabelecer seu corpo teórico e prático com base no compromisso
social.
Acompanhando o mesmo movimento, percebemos que a
relação entre a Psicologia e a Educação também está se modificando,
com suas particularidades. Nesta relação, é preciso compreender
que tanto a Psicologia quanto a Educação são constituídas por e
constituem um contexto histórico, cultural, político e econômico,
englobando várias áreas de estudo, com abordagens e perspectivas
teóricas múltiplas. Uma dessas áreas, que se constitui na interface
desses dois grandes campos de conhecimento, é a Psicologia da
Educação.
Considerada uma subárea da Psicologia (ANTUNES, 2007;
GOULART, 2005; SAISI, 2003; RAMOS e CASTANHO, 2007), a Psicologia
da Educação também pode ser encontrada com outros nomes, como:
Psicologia Educacional, Psicologia na Educação, Psicologia e Educação
etc.. Conforme Mitsuko Antunes (2007), “há implicações teóricas que

38 Módulo 2 I Volume 4 EAD


subjazem à opção por uma ou outra denominação” (p. 16). Vamos
aqui discorrer brevemente sobre as diferenças entre a Psicologia da
Educação e Psicologia e Educação.
A Psicologia da Educação é uma disciplina ainda hoje bastante
encontrada nos cursos de formação de professores e que possui uma

1
diferença substancial em relação ao que chamamos mais recentemente
de Psicologia e Educação.

Unidade
De modo conceitual, a Psicologia da Educação é uma subárea
da Psicologia que engloba o estudo dos fenômenos psicológicos
relativos aos processos educacionais. Durante muito tempo, esteve
relacionada, principalmente, aos processos da educação escolar,
mas, atualmente, compreende os processos educativos que “estão
presentes em vários espaços culturais e sociais da aprendizagem que
são anteriores aos que se dão na escola e que por ela (escola) devem
ser considerados” (RAMOS; CASTANHO, 2007, p. 01).
Íris Barbosa Goulart (2005) aponta que a primeira vez em
que surge uma nomeação específica para a relação entre Psicologia
e Educação é em 1903, com a publicação de livro de Thorndike,
constituindo, desta forma, uma área de estudos com um corpo
doutrinário. Segundo a autora, pode-se definir Psicologia da Educação
como:

[...] uma ciência aplicada à Educação, cujo objetivo


é, numa relação permeável com as demais ciências
pedagógicas, oferecer subsídios para que o ato educativo
alcance, plenamente, seu objetivo. [...]. A Psicologia da
Educação compreende, pois, a utilização de conclusões
obtidas em diversas áreas da ciência psicológica sobre
assuntos que interessam especificamente à Educação e
à investigação de problemas relacionados às pessoas sob
ação educativa (GOULART, 2005, p. 14).


Fazem parte do domínio de conhecimento da Psicologia da
Educação estudos relativos à aprendizagem, ao desenvolvimento, à
inteligência, às aptidões, dentre outros. Para Goulart (2005), definir
Psicologia da Educação através das perguntas “o que é Psicologia?”
e “o que é Educação?” é um equívoco, sob o risco de seu objeto de
estudo ficar descaracterizado.
Quando utilizamos o nome Psicologia e Educação em um curso
de formação de professores, no entanto, podemos ter um entendimento
bastante diferenciado sobre o objeto e o objetivo do estudo que
se pretende. Ao invés de nos mantermos restritos ao estudo dos
fenômenos psicológicos relativos aos processos educacionais, como
dissemos anteriormente, ampliamos o campo de análise para todos

UESC Pedagogia 39
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

os aspectos que compõem a Psicologia como ciência em relação ao


campo educativo, seja ele formal ou não-formal. Deste modo, podemos
compreender as contribuições específicas sobre desenvolvimento
humano e aprendizagem a partir de outros prismas que não estavam
englobados na disciplina Psicologia da Educação como, por exemplo,
a partir da Psicologia Social, que traz em seu bojo questões sobre as
instituições sociais, direitos humanos, cidadania, relações de poder –
relativas a gênero, raça, etnia, faixa etária –, processos de exclusão
social, organização mundial do trabalho, dentre outras.
Pensar Psicologia e Educação é, portanto, retomar as perguntas
“o que é Psicologia?” e “o que é Educação?”, compreendendo,
principalmente, a complexidade destes dois campos do conhecimento,
estabelecendo as relações necessárias sem que a complexidade
se perca. Nesta unidade, expusemos uma breve reflexão sobre
a Psicologia como campo de conhecimento. Se fossemos fazer o
mesmo em relação à Educação, precisaríamos de outra unidade deste
material de estudo para cumprir tal tarefa, dada a extensão do tema.
Desta forma, recomendamos a leitura do livro O que é Educação, de
Carlos Rodrigues Brandão (2003) e trazemos por ora uma citação de
Antunes (2007):

A educação que aqui se afirma é uma educação rigorosa


e amplamente democrática, que deve ser acessível a
todos e que não transige na defesa desse princípio. É
concebida como instância social responsável pela tarefa
de socialização dos conhecimentos produzidos pela
humanidade ao longo de sua história, criando condições
para que todos possam ascender do senso-comum aos
saberes fundamentados, articulados e sintéticos sobre
o mundo. Educação democrática significa, portanto,
democratização de saberes; saberes estes que foram
historicamente privilégios – na produção e no acesso –
das classes dominantes. Para que ela se realize em cada
sujeito, é necessário garantir o domínio de recursos
necessários para a apreensão do conhecimento, como o
domínio da leitura e da escrita, da matemática e de outros
recursos próprios da contemporaneidade, como informática
e línguas estrangeiras. Isso, entretanto, constitui-se tão
somente o ponto de partida, pois são apenas os meios
necessários para a aquisição de outros conhecimentos,
que devem ser considerados em todas as suas expressões,
da filosofia à ciência e às artes, em permanente diálogo
com a cultura própria da criança, que deve ser respeitada
e considerada no processo de ensino-aprendizagem. Disso
decorre uma concepção de prática pedagógica centrada
nos processos de ensino e aprendizagem, cuja finalidade
é propiciar o desenvolvimento pleno do educando, em

40 Módulo 2 I Volume 4 EAD


todos os aspectos que o constitui como sujeito singular
e, ao mesmo tempo, pertencente ao gênero humano
(ANTUNES, 2007, p. 12-13).

As práticas educacionais teriam, portanto, múltiplos


determinantes dentre os quais os fenômenos psicológicos, o que

1
provoca a necessidade de, ao invés de “tentar encaixar o cotidiano nas

Unidade
teorias pré-concebidas que estabelecem regularidades” aos sujeitos
da educação, “pensar o processo de produção da diversidade das
situações concretas que se constroem” (MARCONDES; FERNANDES;
ROCHA, 2007, p. 12). Assim o ato de pensar é valorizado como algo
que se processa entre “o saber já constituído e o fazer, o experimentar
cotidiano” (p. 12). Quando consideramos que aprender é construir
algo através da ação, devemos nos manter atentos às transformações
e não às representações dadas através de um código imutável. É
a partir desta noção que se afirma que o psiquismo humano não
é natural e abstrato, e sim construído a partir das transformações
históricas e culturais. Para Adriana Marcondes, Ângela Fernandes e
Marisa Rocha (2007): “só conhecemos algo quando estamos atentos
à sua permanente transformação, e não quando estamos em busca
de uma possível essência, identidade, das certezas eternas ou da
comprovação de verdades constituídas” (p. 12).
A partir da proposição de estar atento às transformações, isto
é, em analisar o meio e não o início ou o fim – os processos e não
os produtos –, vejamos como se dá a interseção da Psicologia da
Educação com a Psicologia e Educação, refletindo como as discussões
amplas da segunda trazem implicações para a reformulação da
primeira.
Você deve estar se perguntando: “– Mas para que retomar a
Psicologia da Educação se este material de estudo trata da Psicologia
e Educação?”. Bem, a importância de voltarmos à Psicologia da
Educação se dá especialmente por serem duas áreas de estudo que
são fundamentais para a compreensão dos processos educativos,
e fazem parte de seu domínio de conhecimento: a Psicologia do
Desenvolvimento e a Psicologia da Aprendizagem. A ampliação de
possibilidades na relação entre a Psicologia e a Educação trouxe reflexos
no modo como as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem
estão sendo abordadas atualmente.
Neide Barbosa Saisi (2003) analisou planos de ensino de
Psicologia da Educação do curso de Pedagogia da PUC/SP no período
de 1972 a 1990. Para a autora, “planos de ensino são projetos que
sintetizam crenças a respeito da realidade a qual se destina, bem como
expectativas e valores pelos quais seus autores objetivam modificá-

UESC Pedagogia 41
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

la” (p. 76). Desta forma, através dos objetivos traçados, do conteúdo
definido e das teorias que lhe dão suporte, pode-se perceber que tipo
de educador se pretende formar.
Saisi (2003) relata que, na década de 1970, as abordagens
sobre aprendizagem estavam centradas em técnicas de elaboração
de planejamento com ênfase comportamental: “visavam a formação
de um professor capaz de planejar e modificar o comportamento de
seu aluno” (p. 80); os principais autores utilizados eram Skinner,
Bloom e Gagné. Em oposição ao tecnicismo, alguns programas
traziam abordagens cognitivas de Bruner e Ausubel, e a abordagem
humanista de Rogers. Em relação ao desenvolvimento, encontramos
predominantemente o cognitivismo de Piaget e, de modo reduzido,
a psicanálise. Saisi (2003) ressalta uma relação estreita entre o
tecnicismo e a teoria de Piaget, argumentando com Ghiraldelli (apud
SAISI 2003), que “ambos se fundamentavam na ideologia liberal que
sustentava o caráter tecno-neutro da educação” (p. 82). Mas ressalto
que esta correlação não diz respeito à teoria de Piaget em si, e sim
aos usos que foram dados às proposições teóricas, no contexto em
questão, marcado por uma ditadura.
Ao longo dos anos de 80, Saisi (2003) observa algumas
teorias sendo abandonadas e outras sendo acrescentadas. Tais
entradas e saídas estariam relacionadas às mudanças no modo de
conceber o aluno e a relação teoria e prática. Em relação às teorias
da aprendizagem, observamos a saída de Bloom, Gagné, Bruner e
Ausubel. Carl Rogers sai dos planos de ensino de forma gradual;
permanecem Skinner e, nas reflexões sobre desenvolvimento, Piaget.
Vale ressaltar que a década de 1980, no Brasil, é marcada por intensa
movimentação social, caracterizada pelo processo de abertura política
após 40 longos anos de ditadura militar. Este contexto histórico-social
traz seus reflexos para a Educação e Psicologia, de um modo geral, e
para a Psicologia da Educação mais especificamente, quando se passa
“a priorizar a formação de uma atitude crítica em relação às próprias
teorias constitutivas da disciplina” (p. 82). O behaviorismo de Skinner
e o cognitivismo de Piaget, ao mesmo tempo em que permanecem na
disciplina, passam a ser alvo de críticas.
No final da década de 1980, Saisi (2003) ressalta a expansão
da psicanálise e também desta sob o foco de autores marxistas e
culturalistas (conhecidos de maneira geral como Escola de Frankfurt),
e muitas outras transformações:

Acolheu-se a Psicologia sócio-histórica; assistiu-se a


uma busca da interdisciplinaridade, com a inserção de
conteúdos das áreas da sociologia, antropologia, filosofia

42 Módulo 2 I Volume 4 EAD


e Psicologia social à disciplina; privi­legiou-se, enfim, uma
nova proposta cujo teor consistia em questionar as teo­rias
psicológicas vigentes, reconceituar o fenômeno psicológico
e, decorrente disso, o processo de aprendizagem e de
desenvolvimento, contextualizando-os e inserindo-os à
realidade brasileira.

1
Essa reordenação da disciplina deu-se sob o impacto de
uma nova con­cepção de homem, pela qual era enfatizada

Unidade
a dimensão social e histórica, reiteradamente explicitada
nos objetivos relativos à aprendizagem e ao desen­
volvimento e nas teorias absorvidas pela disciplina, as
quais encampavam essa concepção (SAISI, 2003, p. 83).

Em relação às concepções de aprendizagem e desenvolvimento,


observa-se ainda a presença de Skinner e de Piaget, mas há um
movimento crescente da abordagem sócio-histórica, com os autores
Vygotsky, Lúria, Leontiev e Bakhtin. Cabe ressaltar que, atualmente,
temos também a presença de outros autores e linhas teóricas de
abordagem sócio-histórica, como Foucault, Deleuze e Guattari, Walter
Benjamin, Análise Institucional, Teoria da Ação, dentre outros.
As mudanças, observadas nos planos de ensino do curso de
Pedagogia da PUC/SP, caminharam juntamente com um movimento
maior de transformação da Psicologia como ciência e do contexto
político-educacional brasileiro (SAISI, 2003). Observa-se, também,
uma alteração das expectativas sobre o educador que se pretendia
formar. Saisi (2003) aponta as consequências dessas transformações:

Em decorrência, várias preocupações anteriormente


inexistentes passa­ram a fazer parte da disciplina: as
teorias constitutivas da ciência psicológica deveriam ser
criticadas e relacionadas com a realidade brasileira; os
fenômenos psicológicos deveriam ser entendidos de modo
contextualizado social e histo­ricamente; devido a isso, a
formação de habilidades técnicas deveria ser substi­tuída
pela elaboração de concepções de aprendizagem e de
desenvolvimento social e historicamente engendrados;
a interdisciplinaridade deveria fazer parte da disciplina
para complementar aspectos que a ciência psicológica não
abarca (SAISI, 2003, p. 85).

A nova direção, exigida para a Psicologia da Educação, traz


como principais críticas a descontextualização em relação à realidade
brasileira e das escolas e uma abordagem centrada no indivíduo com
uma concepção de homem abstrato (SAISI, 2003). Nesse aspecto,
Tânia Catharino (2001) reforça a questão discutida, acrescentando
outro fator: o homem estudado por suas partes e não como um todo.

UESC Pedagogia 43
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

Durante muito tempo, a Psicologia produziu seus


conhecimentos, tomando como referência de análise a
fragmentação do ser humano. Realizou então, o estudo das
partes isoladas (inteligência, motivação, emoção, memória
etc..), como se elas não tivessem qualquer relação entre si
e como se não pertencessem a ninguém. Como resultado,
criou-se conceitos e teorias desarticulados tanto do ser
humano, quanto do real social que o cria e é por ele
criado. Em verdade, hoje percebemos que é impossível
estudarmos um aspecto humano isolado, da mesma
forma como não podemos estudar um homem abstrato.
Todo homem é atravessado por múltiplas pertenças, como
classe social, cultura, etnia, educação, gênero e tantas
mais. Portanto, é importante estarmos atentos às relações
que se impõe, tanto internamente como com outras áreas
do saber. Agir diferentemente, isolando aspectos psíquicos
ou tomando uma instância psicológica dissociada da
realidade onde ela se constrói, implica na criação de
estudos cujos resultados tangenciam a ficção. Portanto,
não só uma postura integrativa da Psicologia é requerida,
como também o é uma visão interdisciplinar, dado que o
fenômeno psicológico não ocorre sem que suas dimensões
sociais, econômicas, de mídia, religiosas etc. estejam
presentes, imbricadas umas às outras (CATHARINO, 2001,
p. 43-44).

Christiane Ramos e Marisa Castanho (2007) corroboram com


as proposições de Saisi (2003) e Catharino (2001) de que a Psicologia
sócio-histórica trouxe contribuições substanciais para a formação
do educador. Ramos e Castanho (2007) afirmam que “a Psicologia
Sócio-Histórica responde às expectativas de desenvolvimento de
uma Psicologia crítica e capaz de superar leituras fragmentadas dos
processos psicológicos e educacionais” (p. 02). Como alternativa
ao estudo do ser humano fragmentado, Catharino (2001) propõe
“deslocarmos o nosso foco do sujeito da aprendizagem e do
desenvolvimento, para acompanharmos os modos de subjetivação”
(p. 45), isto é, como os sujeitos constituem suas subjetividades.
Isso não significa abandonar os estudos sobre desenvolvimento
e aprendizagem, pois tal medida traria muitos prejuízos para as
práticas educacionais, mas colocar o foco nos processos e não no
produto, como dissemos anteriormente. Segundo Catharino (2001),
ao falarmos de subjetividade, “o fazemos sempre referidos a um tipo
de produção coletivamente engendrada no tecido social” (p. 45). Isso
não significa ignorar o sujeito com suas peculiaridades, e sim pensá-
lo como alguém que é constituído por questões históricas e culturais,

44 Módulo 2 I Volume 4 EAD


sendo, portanto, provisório.

Desse modo, as subjetividades não serão alvo de


nossas análises, mas sim os modos de subjetivação,
ou seja, o processo e as maneiras de produção através
das quais elas se plasmam e se efetivam no campo social

1
(CATHARINO, 2001, p. 45-46 – grifos meu).

Unidade
Trata-se de uma nova forma de conceber o homem que traz
mudanças fundamentais para o educador: ao invés de olhar seu aluno
como alguém que sabe quem é, pois uma teoria já o descreveu, o
educador utilizará uma teoria que diz: “– Vá olhar para o conteúdo
histórico, social e cultural no qual este aluno está inserido e, só depois,
diga quem ele é neste momento do processo educativo”. Algum tempo
depois, esse mesmo educador deve lançar novamente este olhar
sobre seu aluno, repetindo todo o processo a partir da proposição
teórica, pois o momento educativo mudou, questões do contexto
podem ter mudado, logo, o aluno também se terá transformado. Por
isso afirmamos que o sujeito é provisório.
Saisi (2003) destaca os efeitos da nova abordagem para o
desenvolvimento e a aprendizagem:

Essa postura, ao ressaltar a dimensão social e


histórica do homem, coloca os fundamentos sociais
dos processos psicológicos (tais como a cognição
e o pensamento, por exemplo) e repercute na
concepção de aprendizagem e de desenvolvimento,
na medida em que a criança aprende novas formas
de pensa­mento por meio de atividades concretas
que se vinculam ao saber coletivo.
Da mesma forma, esse novo modo de conceber o
homem resulta em uma nova prática pedagógica.
Muda o papel do professor e seu modo de lidar com a
situação ensino-aprendizagem. O comportamento e
as dificuldades do aluno passam a ser entendidos no
conjunto dos fatores que compõem sua existência.
A atuação do professor, nessa perspectiva, deverá
voltar-se para as condições em que se realizam
as atividades pedagógicas, pois é por intermédio
delas (interação aluno-aluno, aluno-professor,
aluno-material pedagógico) que o aluno apropriar­
-se-á do conhecimento, reconstruindo-o à luz de
sua experiência em novo pro­cesso interno e, por

UESC Pedagogia 45
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

excelência, ativo. [...]


A resposta do educador não está pronta a
priori, segundo uma teoria, mas deve ser elaborada,
buscada continuamente (SAISI, 2003, p. 86).

A seguir, apresento dois quadros-síntese das principais


abordagens e teorias da Psicologia, nos séculos XX e XXI, e das
principais perspectivas da Psicologia do Desenvolvimento e da
Aprendizagem:

46 Módulo 2 I Volume 4 EAD


UESC
Quadro 1: Principais abordagens e teorias da Psicologia nos séculos XX e XXI:

Teoria/abordagem Proposição Teóricos e Tendências atuais

Também conhecida como Teoria Comportamental, “nasce com Watson e tem um


desenvolvimento grande nos EUA, em função de suas aplicações práticas, tornou- Behaviorismo Radical (Skinner)
Behaviorismo
se importante por ter definido o fato psicológico, de modo concreto, a partir da Behaviorismo cognitivista (Bandura)
noção de comportamento” (p. 43).

Wertheimer, Koffka e Köhler


“Tem seu berço na Europa, surge como uma negação da fragmentação das ações Gestalt Terapia (Pearls)
e processos humanos, realizada pelas tendências da Psicologia científica do séc.
Gestalt XIX, postulando a necessidade de se compreender o homem como uma totalidade. Derivações:

Pedagogia
A Gestalt é a tendência teórica mais ligada à filosofia” (p. 43). Considera que o Psicologia Existencialista-Humanista (Sartre)
primeiro dado imediato é a forma, revelada pela percepção. Teoria do Campo (Kurt Lewin)
Psicologia humanista (Carl Rogers)

Psicanálise (Sigmund Freud)


“Nasce com Freud, a partir da prática médica, recupera para a Psicologia a Psicologia Analítica (Jung)
importância da afetividade e postula o inconsciente como objeto de estudo, Psicologia Reichiana (Reich)
Psicanálise
quebrando a tradição da Psicologia como ciência da consciência e da razão” (p. Psicanálise Lacaniana (Lacan)
43). Psicanálise Kleiniana (Melanie Klein)
Dentre outras

Nasce da crítica à naturalização do fenômeno psicológico. Nesta abordagem, o


Vygotsky (sociointeracionismo)
Psicologia sócio-histórica fenômeno psicológico é constituído na realidade social, cultural e histórica em que
Análise Institucional
está imerso.

47
Fontes: BOCK; FURTADO; TEIXEIRA (2007); CATHARINO (2001).

Unidade 1
Quadro 2: Principais perspectivas da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem

48
Perspectiva Teorias Proposição Conceitos Centrais

- Inconsciente
Psicanalítica Teoria Psicossexual de Freud O comportamento é controlado por pulsões.
- Complexo de Édipo

Behaviorismo (Pavlov, Skinner) O meio controla o comportamento. - Condicionamento clássico e operante


Comportamental
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I

As crianças aprendem no contexto social observando e - Aprendizagem por modelagem


Teoria da Aprendizagem Social de Bandura
imitando modelos. - Aprendizagem por observação

- Equilibração
Mudanças qualitativas no pensamento entre a primeira - Esquemas de ação
Psicologia Genética de Piaget
infância e a adolescência. - Interação
- Autonomia

- Aprendizagem significativa
Cognitiva Aprendizagem como um processo de modificação - Conceito inclusor
Teoria da Aprendizagem Verbal Significativa

Módulo 2
do conhecimento a partir da relação que os conceitos - Inclusão obliteradora
de Ausubel

I
estabelecem entre si. - Assimilação cognitiva
- Hierarquias conceituais
Construção do conhecimento psicológico

Teoria do Processamento de Informações Os seres humanos são processadores de símbolos. - Esquemas de conhecimento

Volume 4
- Mediação
O contexto sociocultural de uma criança tem impacto
Teoria Sociocultural de Vygotsky - Internalização
importante no seu desenvolvimento.
- Zona de Desenvolvimento Proximal

Compreensão do processo de constituição da pessoa - processo de integração organismo-meio


Teoria Psicogenética de Wallon conforme os modelos que a cultura do seu tempo - processo de integração dos conjuntos funcionais
disponibiliza. - Integração afetiva-cognitiva-motora
Sociointeracionista
Compreensão político-ética da infância. A ação humana - dimensão coletiva do agir humano
Teoria da Ação se reveste de caráter de intervenção contínua nos - o sentido do agir se constrói como acontecimento
acontecimentos do mundo. - o agir humano não se separa do pensar e do ser

Possui uma conotação de extensão da vida sem - deve-se estar atento aos eventos do contexto
Life Span utilizar critérios de estágios para fins de delimitação ou - estratégias longitudinais
periodização. - cortes transversais

EAD
Fontes: PAPALIA; OLDS (2000); COLL-SALVADOR et al (2000); CASTRO (2001); MAHONEY; ALMEIDA (2005); NERI (2001).
EXERCÍCIO
Interessou-se por alguma abordagem ou teoria? Procure mais a
respeito na Internet e crie grupos de discussão com seus colegas de
curso.

1
Lembre-se: ao realizar suas pesquisas na Internet procure sites

Unidade
que utilizam critérios de rigor científico exigidos para trabalhos
acadêmicos. Se precisar de ajuda, procure um tutor para auxiliá-lo.

Bom exercício!

Lúcia Rabello de Castro (1998), em análise dos estudos


sobre infância e adolescência, aponta um automatismo por parte
dos educadores no modo de lidar com seus alunos, rotulando
os comportamentos como “normal ou anormal”, “desejável ou
indesejável”. Assim,

[...] a infância e a adolescência são ‘roteirizadas’ dentro


de uma ordem previsível de aquisições, conquistas
e habilidades, e [...] de deficiências, defasagens,
incapacidades. A imaginação desenvolvimentista sobre
a criança e o adolescente pauta-se pelo raciocínio do ‘já
chegou’, ‘já conseguiu’, ou do ‘ainda não consegue’, ‘ainda
não faz’, ou ‘ainda não pode fazer’. Assim, diferentemente
de outros momentos da vida humana, a variabilidade entre
os sujeitos na infância e na adolescência foi reduzida a
trajetórias demarcadas de antemão que servem de ‘guias’
e critérios para as práticas de intervenção junto a esta
população (CASTRO, 1998, p. 33).

Afastando-se da visão normativa da infância, e da noção de


desenvolvimento como “concepção seqüencial, ordenada e fásica
da trajetória de vida, onde a infância ocupa o ponto de partida”
(CASTRO, 2001, p. 19), Lúcia Rabello de Castro (2001) propõe uma
compreensão da vida humana para “além da razão desenvolvimentista
e normativa” (p. 21). A quebra dos automatismos ou com o modelo
normativo, no entanto, não significa deixar de lado as teorias e os
fundamentos conceituais do fazer pedagógico, muito pelo contrário:
pede um estudo teórico aprofundado e com constante atualização,
seguindo todo rigor necessário à prática docente.
Castro (2001) destaca ainda que conceber a vida a partir
de padrões de norma e desvio está tão arraigado em nossas
subjetividades que propor algo que não esteja baseado no modelo

UESC Pedagogia 49
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

normativo gera desconfiança, como ela relata, a partir de sua própria


experiência como professora de Psicologia do Desenvolvimento em
cursos de graduação:

A experiência da normatividade repercutiu de forma


tão profunda na determinação de uma concepção de
infância, que se afastar deste paradigma implica, no
mínimo, a desconfiança dos alunos que [...] questionam
a legitimidade de outras compreensões, tomadas como
‘filistinas’. [...] Pretendo argumentar que compreensões
alternativas não são ‘filistinas’, pelo contrário, procuram
dar conta de questões contemporâneas que a Psicologia
da infância baseada na lógica desenvolvimentista não
consegue enfrentar (CASTRO, 2001, p. 21).

Solange Jobim e Souza (2005), em artigo intitulado


Ressignificando a Psicologia do Desenvolvimento: uma contribuição
crítica à pesquisa da infância, ressalta também as modificações que a
Psicologia sócio-histórica trouxe para os estudos do desenvolvimento.
Para a autora, é preciso destituir a Psicologia do Desenvolvimento de
seu lugar de neutralidade, para compreendê-la como uma instituição
social que não possui caráter de neutralidade político-ideológica, pois
a Psicologia do desenvolvimento “está irremediavelmente marcada
pela sociedade em que se insere e reflete todas as suas contradições,
tanto em sua organização interna quanto em suas práticas” (p. 41). E
complementa, enfatizando a importância social de elaborar tal crítica:

Se por um lado a Psicologia do desenvolvimento pretende


compreender e iluminar fatos desconhecidos sobre o
desenvolvimento da criança e do adolescente, por outro,
ao investir nessa direção, acaba por se tornar propriamente
estruturadora da experiência da criança, ou seja, os
comportamentos cognitivos, afetivos, psicomotores,
psicossociais, etc., passam a ser moldados por determinadas
características descritivas, além de emergirem cada vez
mais cedo na vida da criança. Isso significa afirmar que
os estudos e pesquisas psicológicos têm conseqüências
constitutivas sobre o sujeito em formação, ou seja, sua
função interpretativa permite a produção e o consumo de
conceitos pelo conjunto da sociedade. Esses conceitos vão
sendo construídos e reconstruídos no interior das teorias,
passando a interferir diretamente no comportamento de
crianças e adolescentes, modelando formas de ser e agir
de acordo com as expectativas criadas, tendo por base
interesses culturais, políticos e econômicos do contexto
social mais amplo (SOUZA, 2005, p. 41).

A partir desta argumentação de Souza (2005) sobre as

50 Módulo 2 I Volume 4 EAD


relações entre proposições teóricas e constituição de modos de ser,
pensar, agir e sentir, é importante retomarmos as questões gerais
discutidas nesta unidade, especialmente referentes à produção do
conhecimento e aos modos de conceber os sujeitos. Rita Pereira e
Solange Jobim e Souza (2001) afirmam que “cada momento histórico

1
constrói simultaneamente suas questões e os modos pelos quais
busca resolvê-las” (p. 27), e isto fica claro quando observamos as

Unidade
transformações da Psicologia da Educação.
Desta forma, lançamos aqui algumas questões elaboradas
por Tânia Catharino (2001), que são fundamentais para, no processo
de formação e exercício profissional, alcançarmos nossos objetivos.
Agora, faça o exercício de Reflexão.

EXERCÍCIO
Primeiro momento: reflita e responda por escrito as questões abaixo
propostas por Catharino (2001):

• O que pretendo com minha ação pedagógica?


• Que tipo de homem e de sociedade quero formar?
• Em que tipo de sociedade eu quero viver?
• Que tipo de profissional e de homem eu quero ser?

Segundo momento: agora, com a ajuda do tutor, reúna-se,


presencialmente, em um pequeno grupo com seus colegas de turma
e discuta as respostas de cada um.

Bom exercício!

Tânia Catharino (2001) faz a seguinte observação sobre as


questões:
Com essas questões – avessas à neutralidade – abrimos
espaço para recolocarmos a dimensão relacional – portanto
psicológica – em termos políticos e não mais referida
a uma esfera da abstração – marca que habitualmente
acompanha as formulações ‘psi’. Ou seja, precisamos
promover uma reconciliação entre os níveis micro (nível
das relações) e macro sociais (nível das políticas de Estado,
por exemplo), o que a meu ver só poderá ser realizado
se pensarmos as relações pedagógicas em suas conexões
com o real histórico, que por sua vez se produz e adquire
sentido nas relações cotidianas, entre elas, aquelas que
têm lugar no espaço escolar (CATHATRINO, 2001, p. 47).

Trata-se, pois, de uma prática pedagógica pautada no


compromisso social. A dimensão psicológica se faz presente nesta
prática através de sua contribuição aos modos de compreensão sobre

UESC Pedagogia 51
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO I Construção do conhecimento psicológico

como os sujeitos se tornam o que eles são provisoriamente. E aqui é


importante ressaltar que o compromisso social envolve três instâncias
definidas por Antunes (2003, p. 12):
• “aquele que se compromete” (a Psicologia, a Educação, a formação
de professores, o educador etc.);
• “aquele com quem se compromete” (as classes populares, os
grupos minoritários discriminados e/ou desfavorecidos etc.);
• “e aquilo com que se compromete” (a construção de uma sociedade
democrática, de uma sociedade com menos desigualdade social e
mais inclusiva etc.).
Afirma-se, pois, uma Psicologia e uma ação pedagógica
comprometidas com a sociedade e com a educação inclusiva,
englobando nesta não apenas “alunos com deficiência, mas todos
aqueles que, por diversos motivos, são alijados da escola e de seus
bens” (ANTUNES, 2007, p. 13). Para isso, a relação, que se estabelece
entre a Psicologia e a Educação, deve compreender os processos
de ensino-aprendizagem em articulação estreita com os processos
de desenvolvimento, evitando, assim, a fragmentação do sujeito
concreto, isto é, constituído num tempo e num espaço específicos.

ATIVIDADE
1. Diferencie as noções de “homem natural”, “homem abstrato” e “homem como ser
sócio-histórico” e, depois, explique o que é subjetividade na concepção sócio-histórica.

2. Nesse momento, gostaria que você fizesse o exercício de relembrar de sua vida escolar.
Procure, em sua memória, situações em que você ou seus colegas foram discriminados
ou se sentiram discriminados por não se enquadrarem a alguma questão específica.
De que forma estas discriminações se assemelham ou diferenciam dos discursos presentes
na história da Psicologia no Brasil?

3. Diferencie as concepções de fenômeno psicológico natural e universal de fenômeno


psicológico construído sócio-historicamente e explique a frase “Psicologia de costas para
a realidade social”.

4. Descreva com suas palavras as consequências que a abordagem sócio-histórica trouxe


para as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem.

52 Módulo 2 I Volume 4 EAD


RESUMINDO

Nesta unidade, refletimos sobre a Psicologia como campo de


conhecimento, fazendo um breve percurso sobre a Psicologia como profissão
a fim de obter um panorama geral sobre o estado da arte da Psicologia. Vimos
que a Psicologia, como profissão, tem sofrido transformações nas últimas

1
décadas, e vem trazendo a necessidade de novas reflexões teóricas, que
afetam diretamente a formação de professores.

Unidade
Através de uma viagem pela História da Psicologia no Brasil, vimos de
que forma as ideias e práticas psicológicas se articularam à organização de
instituições e discursos que tinham como finalidade a “organização do país”.
Esta “organização”, no entanto, se deu à custa da vida de todos aqueles que
não se enquadravam nos padrões normativos, considerados os ideais definidos
por certos grupos. As crianças e as famílias tornam-se, igualmente, alvo dos
discursos e práticas que buscam dizer como devem agir, sentir e pensar. Aos
poucos, a criança é separada da família e encaminhada para uma instituição
que se responsabilizará por sua formação integral: a escola. Esta, rapidamente,
cria uma classificação para todas as crianças que não se adaptam ao seu
modo de funcionamento: a criança-problema. Mas, se a criança já existia
antes da escola, quem de fato está desadaptada? Teorias da Psicologia, com
forte base evolucionista, são formuladas para explicar o desenvolvimento e a
aprendizagem, e passam a fundamentar as práticas pedagógicas, buscando
explicações e criando nomenclaturas para todos aqueles que ficam à margem
dos processos considerados “normais”.
Atualmente, no entanto, a Psicologia vem questionando os discursos e
práticas que estão baseados na identificação de “desequilíbrios” e “desajustes”.
O caminho que a Psicologia vem traçando, hoje, busca a afirmação da vida,
respeitando suas múltiplas formas de manifestação. A base disso é a crítica
à noção de “norma e desvio”. A concepção de que o fenômeno psicológico
é construído sócio-historicamente trouxe outras perspectivas para a relação
entre a Psicologia e a educação, e para as teorias do desenvolvimento e
aprendizagem, afetando diretamente a formação de professores e a prática
docente.

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Suas anotações

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