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CINEMA, MEMÓRIA E MAL-ESTAR: um enlace no tempo presente.

Neste texto procuramos fazer uma relação entre fenômeno históirco da guerra e
diversas narrativas de mal-estar, tendo o cinema sobre ( e da época ) da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) como foco central ( embora não único). Assim, a guerra e o cinema
contemporâneo serão ferramentas narrativas da explicitação das reações e expressões de
mal-estar e crise na sociedade industrial de massas.

Na tentativa de ir além de uma simples “ilustração” do fenômeno bélico, queremos


buscar nos filmes contemporâneos da própria guerra – e neste sentido documentos
históricos da própria guerra, narrativas do seu tempo – e naqueles que logo após o conflito
procuraram explicar e descrever a guerra, tornando-se, assim, parte de uma “primeira
narrativa” do conflito, já num tempo onde a reflexão sobrepõem-se ao sentido, tão caro
em Primo Levi, do “dever de narrar”1. Destacamos, desde logo, a natureza diferenciada
entre as narrativas fílmicas – no plural, já que o cinema é perpassado de “gêneros” de
legitimidade própria assegurada pela existência do seu próprio campo enquanto espaço
autônomo de criação de narrativas, desde o filme “documentário” até a ficção cientifica
e o filme de terror – e a históira, sendo, muitas vezes, concorrente com a narrativa
histórica. Esta, por excelência, é uma narrativa altamente controlada e regulada por uma
comunidade de especialistas zelosos de seu estatuto – pouco importa, para nossos fins,
que este estatuto seja considerado “científico” ou não. A narrativa histórica é, por sua
origem e natureza, diversa da construção fílmica, e uma redução paradigmática seria,
desde sempre, erro de condução metodológica.. Contudo, e sabedores disso, pensamos
num possível processo de “enlaces múltiplos” entre as narrativas fílmicas e a narrativa
histórica como uma forma de ampliar o diálogo entre as diversas modalidades de
construção da(s) memória(s) e, ao mesmo tempo, ampliar a própria concepção de
“documento” ou “fonte” histórica.

Aceitamos, ainmda, como já foi amplamente discutido, o sentido de “indústria”


da produção de sentido operada no âmago do filme enquanto mercadoria, portando e
reproduzindo as possibilidades de um amplo complexo de “estranhamento” – ou seja, o
sentido de “Umheimlich” no porduto do trabalho do homem e de sua própria consciência

1
Ver Levi, Primo. Afogados e Sobreviventes. São Paulo, Paz e Terra, 2009.
de sua humanidade. Assim, o “Umheimlich” ( onde “Heim” é o próprio, o pátrio e o
familiar e “Um”, a recusa do “mesmo” ), retorna – via sua formulação original em Bertold
Brecht – aos sentidos iniciais de Karl Marx atribuía, ainda nos “Manuscritos Economico-
Filosóficos de 1844”2 ao descerver a multiplicidade de vias de “estranhamento no mundo”
( tais como a religião, a propriedade privada, a fam´lia, etc... ) e, na fusão, como proposta
por Franz Neumann, com a noção de “Unbehagund”, que Sigmundo Freud constrói em
“O Mal-Estar na Ciivlização”. Assim, o “estranho estranhado”, o “Umheimlich”,
contempla, funsiona e avança sobre noções que não poderiam estar em disputa entre uma
ontogênese e uma filogênse do mal-estar na condição humana.

Acreditamos, e esta será a hipótese central a ser apresentada neste trabalho, que
a narrativa fílmica pode, em especial depois da Segunda Guerra Mundial, e em boa parte
em função do próprio trauma da guerra, produzir novas formas de narrativas, incluindo
da quebra do monopólio do tempo linear, bem como novas abordagens e temáticas que
foram, ainda por largo tempo, recusadas pelo historiador. Assim, o cinema pode, com boa
antecedência, representar a ruptura do tempo, sua presentificação, e, ao mesmo tempo,
apresentar, de forma bruta e nua, temáticas que a conveniência e o pudor da história
estabelecida – aquela feita nos grandes institutos e universidades, e consequentemente
nas suas revistas e editoras - negaram-se, por décadas, a construir como o objeto de
estudo. Assim, o conhecido fascínio do historiador pelo cinema – afinal, trata-se do único
laboratório de recriação do passado, mesmo como simulacro, disponível para o
historiador – adensa-se na capacidade, e na liberdade, da narrativa fílmica, impondo ao
historiador o desconforto de mover-se, consciente de seu atraso, em temas e polêmicas
colocadas por instâncias autônomas e concorrentes de narrar o passado recente. Neste
caso estamos diante de uma verdadeira batalha pela memória, ao menos uma batalha pela
validação da construção de narrativas memorialistas. O cinema, embora não só ele, é um
concorrente poderoso, e muito popular, do historiador como, ainda, disputa o monopólio
da descrição do passado, quase sempre com grande sucesso.

2
Karl Marx: Ökonomisch-philosophische Manuskripte. 1844; Marx-Engels-Werke Bd. 40
Marx/Engels Werke, Ergänzungsband, 1. Teil), Dietz Verlag, Berlin, 1969 S. 465–588.
A emergência de um outro conveniente:

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) abalou profundamente as mais antigas e


arraigadas crenças da população europeia, e mesmo mundial, em princípios básicos sobre
“civilização” e a dignidade da condição humana. Em 1945, conforme as tropas aliadas
avançavam sobre o território que até então formava o chamado Terceiro Reich (1933-
1945), expunham-se os vestígios, emergiam as provas e consolidavam-se os testemunhos
do horror da guerra. Não se tratava do horror, bíblico, da guerra. Desta feita surgiam
realidades inimagináveis com a abertura dos campos de concentração (KZ) e suas
Marchas da Morte3.

Cabe, desde logo, uma diferenciação entre esta guerra e os demais conflitos –
sempre comuns e repetitivos na Europa. A guerra sempre foi, como afirmaria o General
Sherman “o inferno”, num sentido bastante substantivo. Entretanto, os regimes que mais
promoveram a Segunda Guerra Mundial destacaram-se pela destruição massiva, através
de novos meios tecnológicos, de cidades interias – Guernica ou Nanquim, ambos os
massacres em 1937 -, na indistinção entre civis e combatentes e, sobretudo, pelo
extermínio massivo, sistemático (no seu sentido de planejado e organizado para este fim)
de grupos raciais, religiosos, sociais identificados como “inimigos internos” pelos
regimes fascistas, bem antes mesmo do próprio começo “convencional” da guerra. Claro,
sempre houve, durante e logo após a guerra, tentativas fílmicas de “normalizar”, ou
mesmo naturalizar a guerra. Tratava-se, neste caso, de tratar a Segundo Guerra Mundial,
como “mais uma” das muitas guerras da história – em fim, um mal humano! -,
“normalizando” seu caráter genocidário, massivo e sistêmico, no contexto de uma história
humana povoada de conflitos brutais. Mas, aqui devemos insistir, a “normalização” da
Segunda Guerra Mundial é, em si mesma, um processo de recriação da narrativa,
politicamente dirigida, do conflito e possui sinais ideológicos – e mesmo partidários -
absolutamente óbvios. “Normalizar” a Segunda Guerra Mundial, trazendo-a para o
âmbito dos “demais” conflitos, implica em colocar a ênfase da descrição histórica nas
batalhas, nas decisões estratégicas e seus desdobramentos táticos e mesmo no sofrimento
equalizador de todos os atores.

3
Ver sobre isso o interessante livro de
Muitas vezes esta “normalização” da guerra transforma-se numa versão, reeditada
e banal, da “personalização” do conflito, criando-se dilemas ou traços personológicos de
líderes, ou mesmo de pessoas normais, comuns, como o cerne do conflito. São assim, em
polos diferenciados filmes – de grande valor estético, alto “acting” e condições técnicas
altamente elogiosas – tais como “A Queda” ou “O Pianista”. Em “A Queda” – e estamos
aqui abrindo mão de uma série de outras questões levantadas sobre o filme e o texto
original sobre o qual o sustenta (o livro do jornalista Joachim Fest) a concentração de
toda a ação sobre o próprio Hitler, destroçado, e sua “camarilha” (desde os mais terríveis
perpetradores, como Joseph Goebbels até os aparentes ingênuos e inocentes, como as
secretárias pessoais do ditador, passando pela construída ambiguidade de personagens
terríveis como Albert Speer) abstrai, e no limite oculta, o caráter massivo da destruição,
dos assassinatos e da frieza perante a dor. Já em “O Pianista”, a partir de um livro de
memória do sobrevivente Wladyslaw Szpilman, um músico judeu-polonês, filmado por
Roman Polansky, em 2002, se dá uma busca, sincera, terna, de restauração de algum laço
de humanidade entre vítima e algoz, incluindo reviravoltas e inversões de papéis e
condições históricas. Contudo, essa busca de um vestígio de humanidade, pode
claramente conferir certo grau “possibilidade”! humana a um fenômeno marcado pelo
inumano4. Já no caso de “A Queda” a humanização, na derrota e na doença, o desespero
da terrivelmente fria e doentia Frau Goebbels, e, acima de tudo, as expectativas e ações
éticas do oficial médico que tenta salvar doentes (“arianos”, é claro!) de um hospital, traça
um panorama humano do Terceiro Reich e de sua camarilha. “A Queda”, onde não há a
presença do Holocausto ou dos diversos campos, torna a guerra bem mais “humana”,
quando na verdade aqueles homens e mulheres foram os responsáveis pela suspensão da
condição humana para milhões de pessoas5.

Podemos, assim, visualizar duas vertentes, absolutamente arcaizantes, da


narrativa histórica assumida pelas diversas linguagens fílmicas. Como marcamos acima,
uma história de grandes personagens – sempre torturados, perpassados pelo desejo de
sucesso e vitória e assombrados pela derrota e o fracasso. Eis aí a mais tradicional das
narrativas históricas, a narrativa de reis, ministros e generais, sempre como os

4
Ver “O Pianista”, de Roman Polansky, 2002. O filme foi indicado para oito Oscars e recebeu três destes
prêmios. A performance de Adrien Brody, a incrível sensibilidade e contenção do ator, é um elemento
central da grandeza do filme.
5
Ver “A Queda” ( Der Untergang), de Olivier Hirschbiegel, 2004. Aqui, mais uma vez, o estupendo
desempenho de Abel Gans dá ao personagem do ditador uma humanidade que o próprio personagem
histórico negou a milhões de pessoas.
personagens centrais da história. A outra vertente, como veremos abaixo, trata-se da
“história-batalha”, a grandiosidade sobre-humana, titânica, da dimensão histórica da
guerra. Eis outra versão narrativa absoltamente arcaizante que o cinema assume com
prazer e grandiosidade.

Uma narrativa do cotidiano, massivo, comum, da guerra – fora da biografia dos


líderes ou a grandiosidade titânica da batalha – é, sem dúvida, o mais incomum. O caráter
genocidário da guerra – seja como objetivo militar, como o extermínio de milhares de
prisioneiros militares, como os soldados russos e poloneses; seja por motivos de
reorganização e recolonização de territórios, como o assassinato massivo de judeus,
poloneses e russos na Europa Oriental; seja por ódio racial convertido em militância
política e razão de Estado, como no extermínio de judeus e ciganos ou, em fim (mas, não
por fim), por razões pretensamente eugênicas, como na perseguição de doentes,
deficientes e de homossexuais, a Segunda Guerra Mundial é, na história, um conflito
civilizacional. Estava, e ainda estão, em combate princípios básicos – e muitas vezes,
mínimos – de civilidade, de vigência dos direitos humanos mais elementares e respeita à
condição humana. Assim, a redução de sua narrativa a uma narrativa, por um lado, aos
diários das derrotas e vitórias de seus lideres, ou, por outro lado, dos seus aspectos bélicos
é um processo de “normalização” do conflito, negando seu caráter de massivo, extenso e
intenso de crime contra a humanidade.

Em muitos autores, historiadores e cineastas, a guerra sofreu este primeiro


processo de “normalização”, retendo-se as narrativas nos fatos diretamente bélicos. O
interessante é notar que entre os principais, e iniciais, combatentes – alemães, russos e
ingleses – a guerra foi, desde seu primeiro momento, descrita como uma guerra de
sobrevivência, de combate sobre princípios que deveriam nortear a humanidade. A sua
“normalização” posterior é, neste sentido, uma dupla adulteração. Num plano, superficial
e de análise das narrativas “combatente” se descarta a própria fala daqueles que lutam e,
num segundo plano, aquele da busca da veracidade, descarta-se uma série de fenômenos
que causaram a mais importante face de dor e morte da própria guerra.

É muito provável que tenhamos na Batalha de Stalingrado (agosto de


1942/fevereiro de 1943), por seu peso sobre o destino da guerra, pelo número de vítimas
– quase dois milhões, de ambos os lados, incluindo milhares de civis soviéticos – um
ponto focal, fundante, deste processo de “normalização” da guerra. Diversos historiadores
e cineastas buscaram nos eventos bélicos de Stalingrado uma visão heroica, titânica –
algumas vezes quase mística - da guerra. O fato de ser considerado o ponto de refluxo do
poderio do Terceiro Reich, com sua grandiosidade de meios envolvidos6, completa o
papel, com razão, decisivo da batalha. Neste sentido, Stalingrado produziu, desde cedo,
uma vasta cinematográfica – além de uma abundante historiografia de diferentes méritos,
quase todos contaminados, contudo, pelo que poderíamos chamar de “Síndrome de
Götterdämmerung” – a grande derrota titânica em fogo e ferro. O filme mais importante,
por impacto de critica e por público, é sem dúvida o filme de Joseph Vilsmaier –
“Stalingrad”, de 1993 (no Brasil, “Stalingrado: a batalha final”). Desde logo, o roteiro
original (de Jürgen Büscher e Johannes Heide, com participação do próprio diretor
Vilsmaier), busca, para além da “normatização” do conflito, a “sacralização” da própria
guerra, numa chave explicativa claramente wagneriana. A visão proposta é de duas forças
titânicas, duas vontades inquebrantáveis, em busca da glória. Para isso, autores e diretor,
descem ao nível de personagens que deveriam retratar homens comuns (a busca de sempre
pelo conceito de “ordinary people”, que garante a identidade de público e personagem,
com uma recepção aberta e emocionante), alemães e russos, presos numa armadilha do
destino, movidos por forças que não compreendem e os impulsionam sempre para um
destino trágico. Recupera-se, desta forma, o “pathos” da própria guerra, conduzindo
homens que, no máximo, revelam a natureza própria de suas estirpes. Claro, personagens
arquetípicos – o nazista mau, a heroína russa em busca da vingança, o soldado alemão
que só cumpre o seu dever – estão todos lá. O próprio “release” da distribuidora do filme,
em inglês, já adiantava em seu lançamento, e consumava a “normalização da guerra, ao
afirmar que “... no início do filme, odiamos os alemães. Ao final choramos por todos”.
Assim, vítima e algoz, agressor e agredido, são equiparados na sua dor, sem qualquer
escala moral. O que emerge do conflito, titânico, é, ao final, a qualidade intrínseca de
cada um, no dizer de Nietzsche, que sem dúvida povoa a cultura dos autores/cineastas,
define e separa, na sua própria origem, o “bom” e o “ruim”. Não se trata de ser “alemão”,
“nazista” ou “SS”, ou ainda, “Wehrmacht”. Trata-se do “ser interior”, inato, de cada um

6
Chega-se, aqui, várias vezes a repetição da grandiosidade da ópera wagneriana, com a repetição
constante da noção operística de “Götterdämmerung”, o “crespúculo dos deuses” ( parte de tetralogia
de “Der Ring des Nibelungen”, quando na sua cena final quando todo o ambiente é consumido em
fogo), para o evento bélico. È tremendadmete significativo que a mística nazista, tomada de empréstimo
em grande parte ( devida ou indevidamente é outro debate ) na obra de Richard Wagner, continue
sendo utilizada como metáfora por cineastas e histoeriadores para dar conta da loucra estratégica e
humanitária da Batalha de Stalingrado. Assim, trata-se, claramente, de um fenômeno de persistência, e
aí uma vitóira póstuma, do nazismo através daquilo que foi chamado de “Lingua Terti Imperi”.
expresso, no tipo de estirpe que molda e conforma, em face do pathos, a existência
humana7. Não podemos deixar, contudo, de marcar que tal explicação – uma batalha
titânica de desfecho místico – era a compreensão de Stalingrado pelo próprio ditador
alemão. Assim, o suicídio coletivo do VI. Exército de Von Paulus, lançando-se ao fogo
soviético e nas águas do Volga, deveria emular a destruição final dos heróis nórdicos
lançados no fogo e nas águas do Danúbio. A guerra, e sua batalha, foram encenadas
conforme a linguagem titânica e mística da ópera que o ditador tanto amava. A crueldade
do Führer e sua estetização da violência são conhecidas. O surpreendente é que o “roteiro”
seja, ainda hoje, o mesmo.

Assim, a guerra está, não só “normalizada”, como ainda “sacralizada”, numa


tradição que remonta a diferenciação entre o “sacrum” e o “pro-fanum” na Roma Antiga,
e, mesmo, antes, no mundo celta. É na guerra, como no título do famoso filme, que
nascem os bravos (filme de Delmer Davis, 1958). Ou seja, onde a estirpe – esta parte
subterrânea do ser - mostra seu valor. A guerra embora cruel é um rito sagrado, necessário
para separar os bons daqueles que são maus. Ora, tudo que envolve a batalha sem ser a
própria batalha – o espaço do “sacrum” – é “pro-fanum”, ou seja, está fora do espaço do
templo – o “fanum”. Assim, o cotidiano, o diário, comum e banal, aquilo que envolve as
pessoas que não são os grandes líderes ou heróis (conscientes ou ocasionais) e estão,
assim, fora do sagrado, não merece a atenção e o cuidado dedicado sempre ao sagrado, o
espaço da batalha. Assim, o mesmo “release” dos produtores do filme insiste que a
narrativa “... nada ocultou, não escondeu qualquer detalhe, revelando toda a realidade”.
Além de uma violação básica do ofício do historiador – com uma apropriação indébita do
conceito de “realidade” narrável e da sua reconstrução, por si já abandonado pelo
historiador – a produção de “Stalingrado” propõem-se a restaurar “toda a verdade”. Mas,
como a verdade é sagrada e reside no rito titânico do extermínio em massa de iguais, ela
permanece misteriosa, oculta. O que envolve externamente o espaço do sagrado, por sua
vez, – o chamado pro-fanum – não merece qualquer atenção. Mesmo que aceitássemos a
“verdade restaurada”, plenamente narrável, pelos produtores, restariam dois outros
problemas a serem resolvidos: de um lado, a própria natureza do pathos da guerra, este
sofrimento sob forma de prova, incompreensível para os personagens e do qual se emerge
como uma experiência de revelação mística; de outro lado, a exclusão, brutal, de todos os
episódios que estariam no espaço do profano, de frente, mas externo, para o sagrado – a

77
Ver: NIETZSCHE, F. A Genealogia do mal. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
batalha – mas sem ser parte direta da mesma, tal como (no caso histórico em pauta) a ação
dos Einsatzgruppen em seu trabalho de extermínio de judeus; a execução sumária da
população civil e de prisioneiros de guerra entre outros muitos episódios do “profano”.
Assim, a “normatização” e a “sacralização” da guerra na Batalha de Stalingrado
precedem, e realiza, uma limpeza, a ablução completa em sangue de um destino
desconhecido e cruel, superior e independente da vontade dos personagens em pauta. Eis
o cenário wagneriano proposto pelo vencido e cruel transformado em narrativa igualitária
e ornado de maravilha.

Ora, tal narrativa transforma a guerra num fenômeno místico e incompreensível


aos humanos – a “maravilha” - e sua descrição num procedimento metanarrativo capaz
de garantir o olhar compassivo – o que o “release” nos diz como “chorar por todos eles”
(o que inclui aqueles que quebraram os tratados internacionais, invadiram, destruíram e
mataram mesmo civis desprotegidos!) – num fenômeno de extrema crueldade e
brutalidade8. Desta forma, os objetivos de guerra do Terceiro Reich expostos e discutidos
por seus líderes, as responsabilidade de homens reais, concretos, os erros de avaliação das
partes políticas são, todos, reduzidos à irrelevância – como no caso também de “A
Queda”. Somente o drama existe. Imenso, titânico e incompreensível. A guerra é um rito
de destruição e grandeza, sem qualquer sentido. Abolimos o pensamento político,
estratégico ou a noção de “interesse nacional”, de Sun Tzu até Clausewitz, de Platão até
Hegel, em favor de Richard Wagner e de seu misticismo grandioso da guerra. Ao mesmo
tempo, afastamos os episódios “desagradáveis”, circunstâncias, típicos do profano, como
por exemplo, o extermínio massivo dos judeus – estranho aos filmes como “A Queda” ou
“A Batalha de Stalingrado”, banidos para o limbo do profano. Assim, “Staligrado”
consegue ser um dos mais aplaudidos filmes da história do cinema da Segunda Guerra
Mundial sem problematizar as características básicas, identitárias, da própria Segunda
Guerra Mundial: o Holocausto.

Este não é o único caso, embora seja, sem dúvida, exemplar. Um segundo filme
sobre a Batalha de Stalingrado – também relevante por suas qualidades técnicas, recursos
e “acting”, entre tantos sobre o tema – é o filme de Jean-Jacques Annaud, consagrado
cineasta francês. “Enemy at Gates” (no Brasil, “Círculo de Fogo”), de 2001, com roteiro

8
Devemos notar aqui que na mais tosca e inicial avaliação de crimes do Terceiro Reich sua liderança foi
condenada por quatro tipos de crimes: crimes contra a Paz; crimes de guerra; crimes contra a
humanidade e por conspiração para crimes coletivos.
de Alain Godard e do prórpio Annaud. Neste caso, a incrível, e ocasional, história do
soldado Vassili Zaitsev e de seu oponente, o oficial alemão Major König – engrandecida
pelo desempenho de Jude Law e de Edd Harris – mais uma vez reduzem o conflito a um
duelo homem à homem, a única forma do pathos da guerra ser aceito e despertar a
compaixão no público. Os personagens são construídos, bem ao gosto dos anos de
individualismo e de desilusão da generalização da globalização e do fim das utopias,
através de uma tensão arquetípica que perpassa a “estirpe” de cada um: fazer o seu dever,
aceitar a inutilidade de tudo, inclusive da vida, e conviver com a brutalidade do outro.
Mais uma vez, é bem verdade, com sutileza e ambiguidade, os personagens são
marionetes de forças muito superiores, que não só desconhecem como ainda não
entendem, como no drama cósmico wagneriano. Já em “Hunde, wollt Ihr ewig leben?”
(“Cães, vocês querem viver para sempre?”, sem título em português), filme de 1959,
dirigido pelo alemão Frank Wisbar – e favorecido por uma ampla audiência -, o pathos
wagneriano da guerra já se fazia presente, reproduzindo o sentimento apocalíptico que a
liderança nazista atribuiu à batalha. Não explicava a guerra, posto que a guerra seja
irracional, incompreensível, um lapso da razão. Mas, apresentava seus atores – aqueles
que concretamente mataram, torturaram e participaram, com denodo, de práticas
exterminacionistas – através de uma lente de sacrifício e dedicação, onde eles mesmos
são marionetes em busca de uma humanidade que se esvai. Desta mesma forma a
propaganda nazista conclamava o povo alemão para uma “cruzada” por sua própria
sobrevivência nesta batalha cósmica, colocando a guerra no exato cenário onde Hitler
melhor se movia: a encenação operística.

A mesma equipe de produção do filme de Vilsmaier, para “Satlingrad”, foi a


responsável pela produção de “Das Boot” (“Inferno no Mar”), de 1981, do consagrado
diretor Wolfgang Petersen. Neste caso, os roteiristas – originalmente combatentes navais
alemães na Segunda Guerra Mundial – prometem, no “release”, a “realidade nua e crua”.
Com valorização de recursos técnicos, especialmente sonoros, o duelo é levado para o
mar e as suas dificuldades e a convivência forçada, com atos de bravura, covardia,
irresolução e dúvida, mas sempre levados para um fim trágico guiado pela aceitação
sofrida do pathos wagneriano. Todo o filme é uma sucessão, especialmente montadas, de
provas de frieza, de capacidade de resistir ao inimaginável e “mépris” em relação com a
própria vida. Sem dúvida, em todos estes filmes, o desprezo – na sua acepção sartreana-
godariana repleta de mal-entendidos, de necessidades de provar ser o que se é (e o que se
deseja ser ou, no extremo, se deseja ser sem chances jamais de sê-lo) impele aqueles
homens dentro d´”O Barco” a ir além da sua própria condição humana. O “mépris”, como
descrito por Sartre, é inumano, posto que o desprezo por sua própria vida, pelos
sentimentos e pelas emoções, é a condição imperativa para balizar a humanidade do
outro9.

Vemos, desta forma, um primeiro e rico filão da cinematografia da Segunda


Guerra Mundial onde o conflito – brutal, sujo, inumano como em “Das Boot” – é trazido
para uma dimensão da dor aceitável, ao menos como provação, através da sacralização
da destruição e da transformação da morte em oferta sacrifical – este é o caso do sensível
e humanista “O Pianista”. Mas, a cinematografias do conflito é bem mais ampla, e em
alguns casos, como veremos, supera o pathos wagneriano e se apresenta como
desveladora de temas que a própria historiografia rejeitou. Neste caso, a narrativa
arcaizante e repetitiva de modelos do drama e da ópera reside na prórpia historiografia.

A Segunda Guerra Mundial e os temas ocultos:

A Segunda Guerra Mundial foi, neste contexto, um conflito único. Não se trata de
um exame da duração, extensão física ou destruição causada pela guerra enquanto medida
de horror. Mesmo guerras “menores”, como a Guerra Civil Norte-Americana (1861-
1865), antes, ou a Guerra do Vietnã (1965-1975), depois, foram guerras extensas, cruéis,
e de alto poder destrutivo, com episódios brutais de genocídio. Mas, no caso da Segunda
Guerra Mundial, tratava-se da “suspensão” dos mais básicos interditos morais, e
civilizacionais, que a própria Europa prazerosamente ostentava – e cuja “posse”
justificaria a própria brutalidade da conquista colonial, pensada enquanto o “fardo do
homem branco”. Tais princípios, em face dos demais continentes, e “outras humanidades”

9
O filme em questão, lateralmente, é “L ´Mépris”, de Jean-Luc Godard, de 1963, baseado na densa e
inquietante novela de Alberto Moravia: Il Desprezzo, de 1954, onde a observação crítica, talçvez cínica,
do mundo, mescla-se a um existencialismo autônomo e militante do próprio Moravia. Talvez, mas
somente talvez ( e isto é apenas uma hipótese de trabalho ) o existencialismo de “L´Mépris” seja mais a
leitura de Godard feita da obra de Alberto Moravia do que, verdadiermente, o Moravia exausto de sua
crítica à sociedade burguersa.
desde a grande expansão dos séculos XVI, valeram como o marco superior da civilização
europeia, ao menos desde os Tratados de Wetfália, em 1648, e em especial, depois da
Revolução Francesa e das Guerras Napoleônicas (1789-1915). No entanto entraram em
colapso entre 1922 – a Marcho sobre Roma dos fascistas – e 1933 – a tomada do poder
pelos nazistas na Alemanha.

De início, logo após a formação dos primeiros regimes fascistas, na Itália em 1922
e em Portugal, ao menos depois de 1930 (embora Francisco Salazar estivesse no poder
desde 1926), e de forma avassaladora depois de 1933, na Alemanha, o fascismo mostrava
sua face cruel e inumana. A formação de grandes campos de concentração para os
inimigos dos regimes (na Itália desde 1926, com o uso extenso dos “archipelighi”, ou
seja, os campos de concentração dos fascistas italianos) e em seguida, a transformação
dos campos de confinamento em campos de extermínio massivo de oponentes. Em muitos
casos, os considerados “oponentes” eram, em verdade, “homens comuns” – o que na
historiografia específica passaram a ser descritos pela categoria “ordinary people”.
Muitos destes, talvez a maioria, sem uma ação militante contra tais regimes, e via-se
atingidos por uma consciente, persistente e sistemática construção de categorias de
“inimigos internos”, um “outro conveniente”, para um processo de mobilização
permanente, e acumulativo, das massas em apoio aos regimes, desviando para outro erros
e fracassos e, simultaneamente, garantindo uma mobilização contínuo, cumulativa e cada
vez mais radicalizada10.

As primeiras vítimas dos regimes fascistas eram, sem dúvida, os oponentes


políticos do regime: comunistas, socialistas, liberais, conservadores tradicionalistas...
Mas, muito cedo, primeiro na Itália, já em 192611, e depois em vários outros países,
categorias novas de oponentes políticos “inatos”, “inimigos objetivos, criados
exclusivamente a partir da própria natureza de cada um – incluindo aí uma pretensa
especificidade de “sangue” – surgiam como alvo da ação repressiva. Na Itália – uma
potência imperial, com dependências colônias na Líbia, Somália e Etiópia – homens e
mulheres negros foram os primeiros alvos de perseguição racial. “En nome de la razza”,
e mesmo antes das famigeradas Leis de Nuremberg”, os casamentos mistos, o exercício
de profissões, a opção por moradia e circulação no próprio território “do Império”, eram

10
Ver para isso: GAY, Peter. O Cultivo do ódio. São Paulo, paz e Terra, 2001.
11
PAGANO, Alessandra. Il Confino Politico a Lipari, 1926-1933. Milão, F. Angeli, 2003, pp. 51 e ss.
objetivos de uma detalhada legislação restritiva. Contrariar tais disposições resultava para
os “súditos” coloniais, e mesmo seus conjugues de “razza latina”, em crime e impunha
penas longas e extenuantes em campos de trabalho forçado.

Em seguida, ainda na Itália, e em casos mais isolados em Portugal, estendeu-se a


legislação persecutória a homossexuais, ciganos, maçons e minorias nacionais residentes
no território colonial. Na Itália, em especial a Milícia Fascista, ocupava-se em razzias
seguidas contra homossexuais, que acabavam em confinamento em campos de trabalho
forçado que deveriam, bem rápido, levar à morte por extenuação física. Cônjuges “de
cor”, somali ou líbio, de homens e mulheres italianos deveriam ter o mesmo destino12.

Em seguida, e em especial na Alemanha depois de 1933, as categorias de


“inimigos do Estado” ampliaram-se imensamente. Além dos oponentes políticos,
juntaram-se, por sua própria especificidade de sangue, cultura, ou mesmo religião, novos
grupos. Em primeiro lugar, os judeus. Numa torção profunda, inescapável, o tradicional
antissemitismo da Europa Central e Oriental, que informava desde os primeiros dias a
ideologia, e prática, do Nacional-Socialismo, convertia a identidade judaica – que sempre
fora religiosa enquanto fonte de perseguição – em bases raciais, detectada a partir de
pesquisas genealógicas que estabeleciam o “quantum” judeu dos indivíduos apontados
como parte de uma “sub-humanidade” (“Untermenschen”). A torção racialista não
permitia, nesta fase, quaisquer trajetórias de escape, como nas conversões massivas e
compulsórias dos séculos XVI e XVII. Desta feita não se tratava, de destruir uma cultura
e uma religião, mas a destruição de uma “raça”, de todo um grupo humano, posto que o
mal que o judaísmo representava resido no próprio sangue judeu.

Em seguida, ao concomitantemente, outros “outros (inimigos) convenientes”,


foram buscados, identificados e a eles atribuídos culpas pelas mazelas sociais das velhas
nações europeias ou simplesmente como parte de um complô mundial contra a
“civilização”. Claro, judeus, gays e ciganos (“Roma und Sinti”) foram, ainda uma vez,
apontados como párias contagiantes, com grande capacidade de destruir tudo que
tocassem, devendo-se buscar uma “Solução Final” para tantos males. Estrelas amarelas,
de uso obrigatório, identificavam os primeiros. E Triângulos Rosas deveriam identificar
gays. Assim, emergiam, com rapidez inopinada, novas categorias de inimigos:

12
EBNER, Michael. “Dalla Repressioni de l´antifascismo aL controllo sociale. Il Confino Politico. In: Storia
e Problemi Contemporane, no. 43, 2006, pp.81-104.
desocupados, alcoólatras, feministas, mulheres sozinhas, todos os tipos de indisciplinados
e inconformistas, todos considerados “assoziale”, “associale”, “chulos” e “vadios”, todos
agrupados em uma categoria dita “antissocial” – na Alemanha, Itália, Espanha e Portugal.
A grande maioria destes sem qualquer militância política. Estes eram os “Triângulos
Negros”. A estes iriam juntar-se, tanto na Itália como na Alemanha, os Testemunhas de
Jeová, dissidência cristã, pacifistas e objetores de consciência em face da guerra. Seriam
os Triângulos Roxo.

Na Alemanha a inauguração do Campo de Oranienburgo/Sachsenhausen, já em 1933,


ampliado em 1936, prefigurava o fenômeno concentracionário, que iria redundar no
maior genocídio da História. Neste mesmo campo, a menos de trinta minutos de Berlin,
13
políticos de oposição, judeus, ciganos, gays, Testemunhas de Jeová e prisioneiros de
guerra, depois de 1939, serão internados em massa. Na Itália, desde 1926, foram
internados cerca de 15 mil presos políticos – “Il confino político” -, enquanto cerca de 50
mil pessoas foram internadas em “confino criminale”, em campos de trabalhos, no mais
das vezes prevendo-se a morte por exaustão. Em Portugal, a PIDE (Polícia Internacional
e de Defesa do Estado), herdeira da PDVE, criada em 1933, cuidava zelosamente da
repressão política. Contudo, foi a Polícia de Segurança Pública, a PSP, que realizava
“rusgas” – “batidas” ou “blitzes”na linguagem policial brasileira - em defesa da ordem e
dos bons costumes, voltando-se para a repressão de gays, ciganos, boêmios – todos sob a
categoria de “chulos” e “vadios”. Como um regime profundamente marcado pelo
catolicismo, em Portugal as instituições de cunho religioso, as chamadas “Mitras”,
serviam de prisões para os chamados “vadios”. Ao menos 12 mil pessoas foram
internadas em tais instituições portuguesas para “reeducação”, somente entre 1933 e
195114. Num regime como o Estado Novo português, entre 1933 e 1974, cujo lema era
“Deus, Pátria e Família”, homens e mulheres homossexuais, feministas, boêmios e outros
eram considerados doentes e a “cura” obrigatória. Na Itália, por sua vez, coube
largamente a Milícia Fascista (“Camicie Nere” ou “Milizia Volontaria per la Sicurezza
Nazionale”, formalmente estabelecida em 1923, mas que funcionavam com “Squadristi”
desde 1919 ), além da repressão política, dirigiu-se sistematicamente contra os
denominados “associale”, prendendo e enviado “al confino” em campos de trabalho

13
EBNER, Michael. Ordinary Violence in Mussolini´s Italy. Cambridge, University Press, 2011, p. 30 e ss.
14
BASTOS, Susane Pereira. O Estado Novo e os seus vadios. Contribuição para o Estudo das Identidades
Marginais e da sua Repressão. Lisboa, Dom Quixote, 1997.
forçado gays, desempregados, feministas – “maschiette” -, alcoólatras, entre outros tipos
que escapavam aos estereótipos de “razza”, “virilitá” e maternitá” do fascismo. Mesmo
figuras públicas, de grande simpatia popular, como no caso de Carlo Carcano, auxiliar
técnico da Seleção Italiana na vitória do Mundial de Futebol de 1934, perseguido por sua
homossexualidade. Neste caso, Carlo teve que abandonar a direção do time “Juventus” –
onde alcançara 111 vitórias em 161 jogos – foi afastado seus empregos e não mais
aparecer em público, ante a frase atribuída a Mussolini: “os italianos são muito viris para
serem homossexuais”15.

Muito destes procedimentos persecutórios, e mesmo exterminacionistas, foram


muito tardiamente descritos enquanto objeto dos historiadores – e aqui, finalmente,
voltamos à questão das relações cinema e história! Evidentemente o Holocausto judaico
mereceu, por seu impacto massivo, e pelas centenas de milhares de testemunhos pessoais,
orais, literários e físicos uma descrição densa, incluindo aí obras fílmicas básicas. Até
mesmo o negacionismo, no seu afã de negar a História, obrigou a uma ampla produção
de testemunhos do genocídio judaico. Numa análise em duas chaves distintas podemos
citar desde “Nuit et Brouillard” ( “Noite e Nevoa”, uma alusão ao decreto “Erlass Nacht
und Nebel”, de 1941, que estabelecia e que abriria caminho para repressão generalizada
no país, culminando no fato concentracionista)16, de Alan Resnais, de 1955 – considerado
uma obra de arte insuperável, com uma linguagem universal – até “Schindler List”, de
Stephen Spielberg, em 1993, ( vitorioso em 7 categorias do “Oscar” ) e considerado, ele
também, uma obra-prima do cinema contemporâneo.

Entretanto, temos, comparativamente, poucos filmes sobre os demais grupos perseguidos


e vitimados durante o Holocausto e, mesmo, filmes sobre as trajetórias e projetos de
sobrevivência individuais das vitimas, judias ou não, no cotidiano do Terceiro Reich e
dos países ocupados.

15
SPACKMAN, Barbara. Fascist Virilities: rethoric, ideology and social fantasy in Italy. Minessota,
Universaity Press, 2008.
16
Mias uma vez é interessante marcar que o Decreto Noite e Nédvoa ( Erlazss Nacht und Nebel) teve
sua denominação inspirada no obra Der Ring des Nibelungen, de Richard Wagner. Ver: COUTO RINCON,
Leandro. Richgard Wagner: revolução, panfletagem e música. In: Revista do Tempo Presente. In:
http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=5514:richard-
wagner-revolucao-panfletagem-e-musica&catid=41&Itemid=127
Na verdade, para além de documentários, a temática de extermínio de Testemunhas de
Jeová, gays ou ciganos, por exemplo, é bastante rara, em especial no caso de ciganos. A
reconstrução, ficcional ou documentarista, das trajetórias do chamado “ordinary people”,
suas relações com os nãos perseguidos; o ocultamento/despistamento; a negação de
identidades; a delação e a colaboração são temas menos visitados pela historiografia e,
também, pelo cinema. De qualquer forma, o cinema antecipou-se à própria historiografia,
algumas vezes com maior vigor e, o que não seria surpresa, com uma poética capaz de
“capturar” o leitor/espectador, para além do desejo de informar e de construção de
narrativas competitivas. Desta forma, a reconstrução de tais trajetórias

HISTÓIRA E ESQUECIMENTO

É verdade, que no caso francês e alemão, pairava sob o passado recente, um passado
presente em cada detalhe do cotidiano, mesmo nas ainda sombrias ruínas urbanas de
Berlin do início dos anos ´80, a sombra de tragédias imensuráveis. No caso francês, não
só a derrota e a humilhação da Ocupação (a “estranha derrota”, escreveria Marc Bloch),
mas, e acima de tudo, a “Colaboração”. O mito da França “resistente”, da França
“combatente”, criado principalmente pelo gaulismo, obnubilava a existência de centenas
de matizes, de trajetórias e de estratégias de sobrevivência sobre a “Ocupação”, inclusive,
claro, a pura e simples colaboração17. Na verdade, a história contemporânea francesa,
incluindo aí os notáveis estudos da chamada “École des Annales” – que me era
tremendamente próxima e inspirara minhas teses de mestrado e de doutorado em história
social e agrária – havia se calado sobre esta época recente, imediata, e em fim,
denominada de “história presente” do país18. O silêncio dos historiadores – na nova série
dos “Annales” não houve sequer um artigo sobre a Ocupação/Colaboração ou sobre a
contribuição francesa ao Holocausto até 1994 (embora estivesse pontuada por dezenas de
artigos sobre a perseguição de bruxas e de curandeiros e pensadores heréticos na Idade

17
RUSSO, Henry. Pétain et la fin de la Collaboration. Paris, Éditions Complexe, 1984.

18
Ver para isso o seminal livro de BÉDARIDA, François. Histoire, critique et responsabilité, IHTP-
CNRS/Complexe, coll. « Histoire du temps présent », Paris/Bruxelles, 2003.
Média e nos Tempos Modernos). Somente quando a medievalista Luci Valensi rompeu o
véu do esquecimento, a revista se penitenciou publicamente de tais ausências 19. Da
mesma forma, na Alemanha, o mito da responsabilidade exclusive de Adolf Hitler e seu
seguidores imediatos (a Gestapo e os quadros centrais do Partido Nacional-Socialista),
como especificada na chamada “Querela dos Historiadores” (´Historikerstreit´, dos anos
de 1980, na Alemanha, e que nos marcaria profundamente como balizamento teórico para
o estudo das ditaduras) pusera a nu as teses “intencionalistas”, centradas no caráter
“patológico” de Hitler e meia dúzia de líderes “degenerados” do Terceiro Reich 20. Os
marcos deste silêncio, sob a forma de teses obscuras ou autoexplicativas, tais como:
“conjunto da população alemã não sabia da existência dos campos e do que lá acontecia”
e, ainda, fora ela mesma, a população alemã, “vítima do nazismo” ( e tendo sido
igualmente “libertada” pelos Aliados, ocidentais, naturalmente!). Tais versões
apaziguadoras da história, típicas da época do “Milagre alemão” não resistiriam a uma
série pesquisa que se multiplicariam depois dos anos de 1980. Essa era a versão
apaziguadora da história recente, do tempo presente, de Konrad Adenauer e dos
refundadores da Alemanha no imediato pós-1945 (após a “Katastrophe”). Este era o peso,
nas palavras de Ernst Nolte, de “um passado que não quer passar” (“eine Vergangenheit,
die nicht vergehen will”)21.

19
Ver sobre este debate o artigo “Memórias, esquinas e canções”, que escrevi em 1996, num dos
primeiros debates abertos sobre as possibilidades da História do Tempo Presente no Brasil, a partir do
conceito de ruptura e indo além, creio eu, da historia política tradicional ( ou seja, com outras fontes,
buscadas no cotidiano e atores trazidos de dimensões imprevistas pela história política tradicional, como
o mundo da cultura e dos atores coletivos ) para a Revista Acervo, do Arquivo Nacional, no. 9, jan/fev,
1996, pp. 7-25, disponível em: http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&hl=pt-BR&ie=UTF-
8&rlz=1T4ACAW_pt-BRBR409BR414&q=luci+valensi . Da mesma forma, alguns anos mais tarde, utilizei a
MPB, que me corre pelas veias como meu próprio sangue, para falar de memórias. Decorrente de um
convite de Santuza Cambraia, amiga que nos falta, escrevi um artigo denominado “Da Bossa Nova à
Tropicália: as canções utópicas”, In: NAVES, Santuza Cambraia e DUARTE, Paulo Sérgio. Do samba-canção
à Tropicália. Rio de Janeiro, Relúme-Dumará, 2003, PP. 138-149. Na verdade, os trabalhos de Marco
napolitano na USP construíram um campo rigoroso e rico de utilização das canções como fonte para a
história, além da produção de belas narrativas.
20
A primeira vez que fiz um debate multidisciplinar sobre a “ressurgência” dos fascismos na Europa
contemporânea na UFRJ fui confrontado, com veemência, por defensores da tese da “patologia” e da
total irracionalidade dos fascismos. Esta abordagem, uma recusa do historiador em buscar o
entendimento ( “Verstehen” ) do fenômeno ( e não me refiro ao explicar, “Erklären” ) deve-se, em grande
parte a insistência de se pensar o fenômeno fascista do ponto vista político, moral e teórico do pensando
iluminista, seja em sua vertente liberal, seja em sua vertente marxista – exatamente o que os fascismos
negavam. Este era um ponto fulcral do “Historikerstreit” dos anos ´80 e que ao final dos anos ´90 ainda
não fora debatido na universidade brasileira.
21
O debate inicial da “Querela dos Historiadores” deu-se através de um pequeno, denso e desafiante
artigo do Dr. Ernst Nolte no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, no dia 6 de junho de 1986, intitulado:
“Vergangenheit, die nicht vergehen will: Eine Rede, die geschrieben, aber nicht mehr gehalten werden
Tal visão “apaziguadora” da História do Tempo Presente pode ser entendida, o que
devemos ter claro, como uma busca de uma saída política e emocional para amparar o
esforço de reconstrução e de instauração de um projeto de futuro, tanto na França quanto
na Alemanha. Da mesma forma, pode-se constatar, numa chave psicanalítica, a recusa
defensiva em reviver o trauma. Assim, a História do Tempo Presente constituía-se, desde
sua origem, em um assunto inconveniente, numa forma de “cutucar” feridas que deveriam
ser curadas “pelo esquecimento”, evitando sua exposição pública e repetitiva. Para
muitos, e incluindo aí os que viveram de formas diferenciadas a própria história dos
fascismos e das ditaduras, toda a história deste tempo estava edulcorada em formas
anestesiantes e pacificadores, visando evitar as feridas recentes voltassem a sangrar.
Tratava-se de reunir os cacos da sociedade que existira antes da tragédia – os fascismos
no poder – e insistir em viver o presente da melhor forma possível e contar, só esperança
então, com um futuro melhor22. Na maior parte das vezes, sob as benções da fratura
ideológica da Guerra Fria – ninguém queria, em verdade, saber exatamente o que
acontecera durante a guerra e quem fizera o que. Eram perguntas incômodas a qual os
jovens alemães, meus colegas na universidade no inicio dos anos de 1980, tratavam com
amarga ironia23. Creio que o melhor trabalho deste debate tenha sido o capítulo sobre
fascismos e fundamentalismos em “O Século Sombrio” 24
. Neste texto, a presença da
teoria crítica, em especial de Franz Neumann e Theodor Adorno, me levaria a uma
especulação (sic!) fenomenológica das relações entre recusa ao diferente, personalidade
autoritária e política.

konnte”, servindo como gatilho para um debate que envolverá grandes nomes da historiografia
contemporânea.
22
Um produto direto da “Querela dos Historiadores”, e com a capacidade de atingir milhões de pessoas
– ao contrário do debate acadêmico – foi o filme de Michael Verhoeven chamado “Das Schreckliche
Mädchen” (“Uma cidade sem passado”), de 1989, onde o esquecimento é visto como uma benção e a
reconstrução e exposição do passado como “terrível” (“schreckliche”). Mais uma vez, como no caso dos
filmes de Louis Malle sobre a ocupação e a colaboração na França, ou os trabalhos de Costa-Gravas
(seguindo os passos de Rolf Hochhuth) sobre os silêncios apaziguadores da História, os cineastas
anteciparam-se, com coragem, aos historiadores. Ver (e isto é também um aconselhamento) sobre o
tema: de Louis Malle (1932-1995) “Adeus Meninos”, de 1987 e “Lacombe Lucien”, de 1974, e de Costa-
Gravras (nascido em 1933), “Uma Seção Especial de Justiça”, de 1975.
23
Logo ao chegar pela primeira vez em Berlin (Ocidental), no inicio de 1978, em busca de um possível
caminho de estudos e um porto mais tranquilo, me lembro de um grafite na parede do Institut Friedrich
Meinecke, em Dahlendorf: “Nunca pergunte o que seus pais faziam durante a guerra”. Mais, tarde,
gravou-se em minhas lembranças outro grafite, do tipo sociologia de porta de banheiro: “Qual seu nazista
predileto”? (a)Adolf Hitler; (b) Herman Göring; (c) Joseph Goebbels; (d) Vovô.
24
TEIXEIRA DA SILVA, Francisco C. (Org.) O Século Sombrio. São Paulo, Elsevier, 2004 [Série B6].
Algumas vezes (creio que vezes por demais frequentes) surge – como o caso da família
Le Pen, na França, de Jörg Haider, na Áustria ou Gianfranco Fini, na Itália ou multidões
de torcedores fascistas do Borussia ou do Lazio – como recuperação de um passado, sob
qualquer aspecto, indesculpável. Nestes casos, impunha-se, nas palavras de Jürgen
Habermas, “o passado como futuro”, bastando recobrir a guerra - uma fratura da razão,
uma derrapagem da História - com uma boa camada de pátina do esquecimento para
seguir em frente. Outros, de forma astuciosa, compararão o Holocausto com a matança
dos índios norte-americanos, ou o uso da bomba atômica e, mesmo, a Guerra do Vietnã
– tudo isso banalizando o processo sistemático, planificado e “industrial” do Shoah. Não
me refiro aqui apenas aos chamados “negacionistas” – neste caso estamos simplesmente
perante o assassinato da história através da negação da memória, como já foi demonstrado
por Vidal-Naquet25. Refiro-me a obras mais banais, de amplo acesso popular, como a
superprodução “Stalingrado: a batalha final”, de Joseph Vilsmaier, em 1992, que enfatiza
os dilemas morais de soldados alemães, traduzindo um episódio único, se o foi, em uma
desculpa pelo horror. Mesmo obras-primas, de autores insuspeitos, como Roberto
Rosselini (1906-1977) sucumbirão ao mito da “resistência nacional”, da unidade no
sofrimento e na vitimização do conjunto da nação. Assim, em “Roma, cidade aberta” –
filmado no calor da hora (em 1945), com enxertos de cinejornais do Instituto LUCE,
afirmar-se-ia a unidade nacional, reunindo como personagens resistentes padres, liberais
e comunistas na luta contra os alemães (e calando-se sobre anos de domínio fascista e
ampla adesão popular ao regime). No filme de Rosselini a única personagem italiana que
ama os “nazistas” é uma prostituta drogada. Assim, só uma Itália corrompida amaria os
alemães... Mesmo o grande De Sica (1901-1974) em “Ciociara’ (“Duas Mulheres”)
traçara, em 1960, um perfil de vítima do povo italiano, ingênuo em seu amor pelo “Duce”,
e massacrado pelas tropas estrangeiras, tanto alemãs, quanto pelos “Aliados” e estuprado
pelo “estrangeiro”. A ausência, quase completa no caso da Itália ( e da Áustria) de um
“desfascistização” do país – incluindo aí as relações da atriz principal do filme de De
Sica, Sofia Loren, com o fascismo – e a emergência de um poderoso, e terrorista,
movimento fascista na ocasião – anos de 1960 -, não merecerão atenção ( bem ao

25
Vidal-Naquet (1930-2006), resistente e vítima do Holocausto, apontou com exatidão para a
permanência de métodos e recursos de negação da história. Ver: VIDAL-NAQUET, P. E. Les Assassins de
la Mémoire. Paris, Éditions du Seuil, 1995.
contrário do caso da filmografia de Luchino Visconti ou Pier-Paolo Passolini, onde a
decadência e corrupção serão apanágios da grande burguesia italiana).

Em outros casos a situação será ainda pior. No Japão a memória da guerra será,
oficialmente, borrada. Os esforços públicos, estatais ou privados, serão dirigidos para a
tragédia de Hiroshima e Nagasaki, como as únicas vítimas inocentes da guerra. O
Grande Massacre de Nanquim, em 1937, ou as “casas de conforto”, prostíbulos oficiais
mantidos pelo Exército Imperial, são sistematicamente negados. Nós mesmos, no
Laboratório do Tempo Presente, trabalhamos o tema através dos livros didáticos de
História japoneses – disciplina opcional! -, nos quais as causas da guerra, a iniciativa
japonesa no ataque contra a China e os massacres de civis não são, de forma alguma,
mencionados.

Nas linguagens fílmicas desenvolvidas por Stanley Kubrick (1928-1999), em


especial em “O Iluminado”, de 1980 (“The Shining”, texto original de Stephen King) e
“Laranja Mecânica”, de 1971 (“The Clockwork Orange”, texto original de Anthony
Burgess) e, em 1998, “De olhos bem fechados” (“Eyes wide shut”, do texto original de
Arthur Schnitzler, “Traumnovelle”) são constantes diálogos com as múltiplas formas de
narração do tempo26. Em todos eles podemos ver a obsessão de Kubrick sobre o tempo
“congelado” e “prisioneiro” em uma moldura intranspassável, ahistórica, despossuída de
qualquer devir, tal como era o mundo e o tempo nos retratos pendurados nas paredes do
grande hotel de “O Iluminado”. Podemos perceber em Kubrick o uso do tempo, e suas
consequências dramáticas, enquanto um tempo morto, que não muda e que se mantém
todo o tempo como tempo presente. Neste sentido a narrativa de Kubrick enlaça-se de
forma profunda, afetuosa, quase sensual, ao conceito de “Jetztzeit” de Walter Benjamin.
Nosso interesse ao tratarmos o cinema foi, neste trabalho, exatamente a problematização
do tempo, em especial do tempo presente, ao qual chegamos através da Inúmeros
trabalhos, entre monografias, dissertações e teses, originaram-se desta vertente de
pesquisa, permitindo a irrupção de uma reflexão mais moderna sobre cinema e história27.
Assim, um bom número de alunos dedicou-se, em suas dissertações e teses, a tratar do
cinema como “fonte” para história. Partíamos, para além de Marc Ferro, mesmo
reconhecendo seu pioneirismo, da máxima do historiador do cinema Pierre Sorlin: “...
todo cinema é sempre história contemporânea”. A paráfrase de Benedetto Croce, longe

26
Este último filme, o último da carreira, ainda não fora rodado quando escrevemos o trabalho sobre
Kubrick, mas com certeza reafirma a temática do tempo presentificado como forma de expressão da
alienação contemporânea.
27
BENJAMIN, Walter. “Zur Kritik der Gewalt” in: Gesammelte Schriften, vol. II,1, Org. de R. Tiedemann e
H. Schwesppenhäuser. Frankfurt, Suhrkamp, 1999, pp. 179-204.
de qualquer “imperialismo de campo”, supõe o método na história do tempo presente: o
chamado “problema”, o ponto de partida do historiador, é o presente, envolto em suas
circunstâncias, buscando no passado as singularidades e, quando for o caso,
regularidades. As relações entre cinema e história, nos textos de De Lage e de Pierre
Sorlin foram de suma importância para a própria construção do campo da história do
tempo presente28. Assim, um filme como “O Sétimo Selo” (Ingmar Bergman, 1956) nos
diz bem mais do cansaço existencial, da vizinhança da “náusea”, das sociedades afluentes
da Europa da Guerra Fria do que sobre o mundo medieval... Da mesma forma, “Danton”,
de Andrezey Wajda, de 1989 – o ano do “Bicentenaire” da Revolução Francesa-, é bem
mais um filme sobre a crise polonesa, o cansaço com o comunismo soviético, e sobre o
duelo entre Lech Walesa (Danton!) e o General Jaruzelski (Robespierre!) do que sobre a
Revolução Francesa de 1789. O cinema surge bem mais como metáfora, algumas vezes
como alegoria e pastiche, conforme a tipologia proposta por Frederic Jameson, do que
como documento29. Particularmente divertida foi uma excursão pelas análises pós-
modernas em “Cinema, Rock´n Roll e Identidade”30 – decorrente da conferência de
abertura do Simpósio Regional da ANPUH -, onde mais uma vez a questão das
construções de identidades múltiplas perante o mal-estar contemporâneo foram
norteadoras da análise fílmica.

Creio que tenhamos conseguido, neste campo, alguns avanços significativos. Um


exemplo foi o artigo na Revista Tempo – em número especial organizado por Daniel
Aarão Reis Filho -, da UFF, de “Cinema e Guerra”, onde tais propostas eram discutidas
e apresentadas. O artigo, de cunho historiográfico – bem ao contrário do capítulo acima
referido sobre o cinema de Stanley Kubrick – buscava uma ampla classificação dos filmes
de guerra, conforme épocas e modalidades de conflito, visando seu uso como fonte para
uma história das representações da guerra31. Mesmo na “Enciclopédia de Guerras e
Revoluções” coube a mim os verbetes dedicados ao cinema, onde discuto as diversas
funções e uso do cinema. Um pouco mais tarde, trabalhando com Victor Melo, também

28
SORLIN, Pierre. Clio à l´écran ou l´historien au noire. Revue d´Histoire Moderne et Contemporaine, 4-6,
Paris, 1974.
29
Ver De LAGE, Christian. “Cinéma, Histoire: La répropriation des récits” In: Vertigo/Histoire du Cinéma,
Parais, Jean Michel Ed., no. 16, 1997, pp. 13-25 e JAMESON, Frederic. Marcas do Visível. Rio de Janeiro,
EDUFRJ,
30
TEIXEIRA DA SILVA, Francisco C. “Cinema, Rock´n Roll e Identidade” In: ANAIS X SIMPÓSIO DE
HISTÓIRA/ANPUH, Vitória, 1997, pp.7-16.
31
TEIXEIRA DA SILVA, Francisco C. “Cinema e Guerra: um encontro no tempo presente” In: TEMPO, Revista
de História da UFF, no. 16, 2004, pp. 93-114.
do Laboratório do Tempo Presente, participei de num livro sobre as representações do
esporte no cinema e suas relações com a política. Neste caso tratava-se do uso do cinema
e do futebol durante a ditadura no Brasil.

leitura do triste filósofo judeu de Berlin32.

32
Ao menos dois outros filmes, mais ou menos contemporâneos aos exercícios de Kubrick, desenvolveram
linhas paralelas de desconstrução do tempo enquanto tempo linear e sua paralisia no presente. De um
lado o fantástico trabalho de Jim Jarmush, “Mystery Train”, de 1989 e, claro, o desconcertante “Ano
Passado em Marienbad”, de 1961, de Alain Resnais.

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