Fichamento parcial do livro "A mente do ser humano primitivo", de Franz Boas
Trata-se de uma das mais importantes obras do antropólogo alemão naturalizado
estadunidense Franz Boas, na qual ele problematiza as bases das principais concepções teóricas da Antropologia do século XIX (evolução, raça e cultura) e inova trazendo o relativismo cultural como principio basilar e um dos paradigmas da teorização antropológica. A presente resenha parcial da obra contempla sua Introdução, e os capítulos "Análise Histórica" e "Funções Fisiológicas e Psicológicas das Raças". Boas inicia a Introdução mostrando a forma de pensar à época hegemônica nas sociedades europeias e estadunidenses, a qual vinculava estreitamente a raça e a cultura de um povo, a primeira determinando a segunda. Dessa forma, a superioridade dessas mencionadas sociedades sobre todas as demais existentes no globo terrestre era tida como um axioma (não somente no senso comum, mas na própria ciência da época, como veremos), portanto inquestionável. Tal arrogância enseja, nesses povos, uma aversão a outros povos, considerados estranhos e constitutivamente inferiores, sentimento esse fundamentado nas diferenças físicas ou fenotipicas entre a sua “raça” e as demais, e “confirmado” pela posição social subalterna que essas raças inferiores ocupam naquelas sociedades “avançadas”. Boas pontua a irracionalidade de tal forma de pensar, não baseada em conhecimento científico, mas apenas em reações emocionais. Os membros dessas sociedades buscam sustentar essa postura de soberba e de jactância fundamentando-a pelo valor de suas conquistas culturais, científicas e sociais. Dessa forma, ficaria provado que essas sociedades, civilizadas, deixavam para trás outras sociedades que ainda estariam em estágios primitivos e que, por mais que se esforçassem, nunca alcançariam o grau de civilização da europeia e estadunidense, as quais possuíam uma capacidade racial inata superior às demais. Congruentemente, essa superioridade racial se vinculava, por essa forma de pensar, ao seu tipo físico e mental, e todos os demais que deles destoassem representariam inexoravelmente tipos inferiores. Nesse sentido, particularidades anatômicas observadas em indivíduos “das raças inferiores” apenas “comprovariam” sua inferioridade mental, mesmo quando se constata que alguns traços “inferiores” aparecem apenas na "raça" europeia. Com efeito, o parâmetro de avaliação do status mental de um povo era o status social (indicado por seus processos intelectuais, emocionais e morais) daquelas sociedades “avançadas”. Em seguida, Boas desenvolve a desconstrução dessas concepções, começando por desnudar a fragilidade do parâmetro de conquistas científicas, culturais e sociais como indicador intrínseco de superioridade de uma raça. Para isso, aponta as sociedades precolombianas do Peru e da América Central com um nível civilizacional, revelado em suas grandes obras arquitetônicas, no desenvolvimento da escrita e em outras invenções, equiparado ao europeu do mesmo período. Mas é quando alude à civilização egípcia que Boas “dá o cheque mate” na presunção eurocêntrica. Lembra, acertadamente, o ilustre antropólogo, que se a aptidão de um povo fosse medida pelas suas conquistas, os egípcios de 2.000 a 3.000 anos antes de Cristo poderiam ter pensado da mesma forma que os europeus pensam hoje, pois os antepassados desses viviam em um estágio civilizacional bastante inferior ao dos antepassados dos egípcios no mesmo período, e poderiam, por esse parâmetro, ser considerados “povos primitivos” pelos povos que ocupavam, à época, o Egito.. O autor conclui o capitulo explicando que diversas raças desenvolveram uma civilização de tipo semelhante à que originou a europeia, e diversas condições favoráveis (dentre as quais se destacam aparência física semelhante, contiguidade dos territórios e pequena diferença no nível das manufaturas) facilitaram sua rápida expansão por esse continente. Quando posteriormente os europeus começaram a se espalhar por outros continentes, esses povos, por apresentarem condições opostas às retro mencionadas, não resistiram ao contato com os invasores e na maioria dos casos tiveram destruídos seus promissores inícios de desenvolvimento civilizacional e muito foram até dizimados por doenças e pela violência dos invasores. Deixa claro também que não se pode atribuir muita importância ao fato de a civilização na Europa ter surgido antes, pois isso se deve majoritariamente ao acaso, pois os acontecimentos históricos foram mais decisivos para guiar as raças para a civilização do que supostas aptidões inatas. Assim, fica claro que nem as conquistas culturais nem a aparência exterior podem servir como base para se julgar a aptidão mental das raças. No capitulo "Análise histórica", Boas inicia o texto pontuando que são poucos os antropólogos que abordaram o problema das relações entre raça e cultura de maneira imparcial e crítica, tendo predominado, ao contrário, uma abordagem eivada de preconceitos raciais, nacionais ou de classe, a qual sustentava a tese de que a origem racial determina o caráter ou a capacidade de um povo ou classe social. Ele pontua que com o incremento do comércio mundial e das viagens a outros continentes aumentou, na civilização europeia, o conhecimento da existência de outros povos, os quais ela julgava inferiores, mesmo sendo povos de grande cultura, pelo fato de seus viajantes conseguirem subjugá-los militar e economicamente. O autor encerra o capítulo salientando que desde o final do século XIX os etnólogos, em seus estudos da cultura, têm priorizado as diferenças de status cultural, e desconsiderado os elementos raciais, acrescentando que a semelhança dos costumes e das crenças fundamentais no mundo inteiro, independentemente da raça e do meio ambiente, é tão marcante que a raça se mostra desprovida de relevância. Do capitulo "Funções Fisiológicas e Psicológicas das Raças", destaca-se a descoberta de Boas de que as diferenças entre o ser humano civilizado e o primitivo são, em muitos casos, mais aparentes do que reais, e os traços fundamentais de mente humana, presente nos primitivos ou nos civilizados, são os mesmos. Ele finaliza sustentando que a capacidade média da raça branca é encontrada no mesmo grau de todas as outras raças, portanto não há razão para supor que as outras raças sejam incapazes de atingir o nível de civilização representado pela maior parte da europeia.