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ensaio pretende a nalisa r a enunciação de Viage ns na minha ter-
O ra, com o objetivo de discutir a fragmentação do texto, as constan-
tes d ig ressões, as referências ao leitor e às lciwras do narrador, a exibi-
ção dos a rtifícios de construção textu al e de reescrita, bem como o jogo
entre o tem po do discurso e o do tempo da história c a mistura de gêne-
ros, elementos qu e indicam a ironi a ro mân ti ca com que se constrói esse
texto ina ug ural da Modernidade nas literaturas de líng ua po rtug uesa.
porque se insiste em reconhecer a contradição e a oscil ação como essên cia da vida a
ser reproduzida na arte. Essa valorização da en unciação mostra que o texto ultrapas-
sa a referência da narrativa a algo que a extrapola- isto é, à preocupação com uma
mensagem e com um sign ificado-, para ve r-se como uma construção que valo riza
tanto a consciência do fazer quanto a figura do receptor, considerado elemento fun-
damental para a concretização de uma obra que é "m áscara do nada", como ensina
Mallarmé.
H á nas Viagens a presença d a força nova do simulacro: a obra se debruça
sobre ele mentos do passado, mostrando entretanto o objetivo d e orienta r-se em dire-
ção ao íuturo. Torna-se impossível assim a sua reali zação como cópia de uma essên -
cia supostam ente preexistente e representativa de um absolutis mo recusado, que só
seria eficie ntemente combatido com um discurso capaz de trapacea r o seu próprio
dito, para assim desestabilizar um poder nele cam uflado.
Esse texto inovado r de Garrett define-se portanto com características típi-
cas da modernidade, configu ra ndo-se como um exemplo de reversão do platonism o,
em que a va lorização do simulacro coincide com a dinamização da presença da iro-
nia no texto, que aba ndo na a lição de H egel e deixa de pretender apenas reprod u z ir
mim eticamcnte a realidad e para se confessar produção, simulação, invenção, síntese
de noções a ntitéticas como objetividade e subj etividade, o sério e a brincadeira do jo-
go, o sonho c a rea lidade, o sublime e o patético.
Ao volta r-se para o passa do co m a disposição d e reprodu z i-lo criticam ente
e, sobretudo, ao fazer uma suposta narrativa de viage m recheada com nume rosas di -
gressões - entre as quais se inclui até uma história de a mo r, útil para prender a aten-
ção de g ra nde parte dos leitores-, as Viagens atuam como o simulacro que se afasta
do centro, da Idéia, do mundo da representação e, tornando sensível a distância entre
o mundo limitado e o infinito do idea l, a firm am a ilusão das coisas e, a ntes de tudo,
a ilusão representada pela própria arte. Significativa, nesse se ntido, é a ambigüidade
do texto, que se preocupa com o enunciado, a verossimilha nça e a cred ibilidade, mas
volta-se sempre para sua própria enunciação, desmistificando-se com o "verdade" e
acentu ando-se com o "tessi tura de elem entos".
Essa na rrati va de Garrett registra as experiências políticas, militares, diplo-
máti cas e mundanas de um narrador qu e se apresenta como construtor de um texto
e cham a a ate nção do receptor para a arte com qu e o fa z, a fim de que não se cuide
have r ali "quaisq uer dessas rabiscaduras da m oda qu e, com o título de Impressões de
viagem, ou outro que tal, fatigam as impre n sas da Europa sem nenhum proveito da
ciência e do adiantamento da espécie" (p. 15 1). Na ve rdade, por trás dessa voz enun -
ciado ra parece have r a voz do autor que iro nicamente valoriza ta is "rabiscaduras",
pois se mostra n o traba lho de elaborar a sua narrativa. Isso se confirma, por exemplo,
pela referência à ati vidade de entretecer suas observações e as histórias ouvidas com
um fio que "só co m muita paciência se pode deslinda r e seguir em tão embaraçada
106 SCRIPTA, Belo llori1.0ntc, ' '· 3, n. 5. p. 102-107. 2" sem. 1999
Lélia Parreira D11arte
faz ressoar uma voz paradoxalmente lúcida e apa ixonada que coloca em crise are-
presentação do eu c se apresenta, juntamente com outras obras ue Garrcu, como um
divisor de águas que separa, em Portuga l, idade cláss ica e id ade moderna.
ABSTAACT
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