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Que é isto – a Filosofia?

– Uma Trajetória do pensamento

Antonio Durval Campelo Barauna

"O pensamento de Heidegger é o esforço de nos reconduzir ao País das Maravilhas, onde o

movimento de pensar é tão concentrado na identidade de si mesmo que colhe os limites de

nossos hábitos de pensar e possibilidades de dizer nas próprias raízes de sua limitação. É,

então, que se faz silêncio no país do Pensamento. Pois o silêncio é a Linguagem no

movimento consumado do repouso, que já ultrapassou toda discursividade da língua. Nesta

ultrapassagem um laço extraordinário de intimidade entrelaça pensamento e história. Apesar

de estranho a qualquer atualidade, incomensurável a tudo que constitui moda e move as

preocupações de tempo, o pensamento de Heidegger não é, em sua própria estranheza e

incomensurabilidade, intemporal. É apenas intempestivo: não se conforma com o espírito nem

se curva às tempestades do desenvolvimento. Está sempre em ruptura com as convicções

progressistas que, desde o início, vêm assoberbando de onipotência a consciência do

Ocidente." (LEÃO E.C. 1991).

No ensaio Que é isto – a Filosofia?, ao apresentar a questão, Heidegger nos diz que "a
filosofia procura o que é o ente enquanto é", ou seja, ela "está a caminho do ser do ente, quer
dizer, a caminho do ente sob o ponto de vista do ser". Ele nos indica a busca de um caminho
seguro para o diálogo, um caminho, ressalta, que nos mantem fora da filosofia, acima dela,
mas com o objetivo de nela penterar, como observa:

“Que é isto — a filosofia?, falamos sobre a filosofia. Perguntando desta maneira,


permanecemos, num ponto acima da filosofia e isto quer dizer fora dela. Porém, a meta de
nossa questão é penetrar na filosofia, demorarmos-nos nela, submeter nosso comportamento
às suas leis, quer dizer,’filosofar’”(HEIDEGGER, 1991).

Para Heidegger a filosofia "não é apenas algo racional, mas a própria guarda da ratio",
questionando o fato de haver a ratio se feito senhora da filosofia, de individualizarmos a
filosofia como um comportamento racional. Afirma ser duvidoso que a filosofia possa pertencer
ao campo do irracional, pois, se de tal forma admitirmos, estaremos legitimando como padrão
para tanto o racional e julgando desta forma como certo o que seja a razão.

O texto nos coloca na busca, desde a origem, do sentido mais próprio do filosofar. Para
que compreendamos tal sentido, diz-nos Heidegger, um caminho é necessário. Caminho que
nos possibilite penetrar na Filosofia, posto que ela "exige que não lancemos o olhar para longe
dela, mas que a conquistemos a partir dela mesma", um caminho historial, como usa
Heidegger para fazer referência à História vista como história do ser, como destino sem
conotação de fatalidade. Cabe a nós dar a esse caminho sentido, determinar-lhe a essência.

“Um tal cuidado exige primeiro que procuremos situar a questão num caminho
claramente orientado, para não vagarmos através de representações arbitrárias e ocasionais a
respeito da filosofia. Como, porém, encontraremos o caminho no qual poderemos determinar
de maneira segura a questão?

O caminho para o qual desejaria apontar agora está imediatamente diante de nós. E
precisamente pelo fato de ser o mais próximo o achamos difícil”(HEIDEGGER, 1991).

Escutemos, pois, como sugere Heidegger ao invés de filosofia, a palavra em sua


origem grega: philosophía como um caminho "sobre o qual estamos a caminho", sobre o qual
andaremos. Serve-nos de forma mais concreta que a usada filosofia, pois é, conforme
Heidegger, um caminho que "se estende diante de nós", pois a palavra já "foi proferida há
muito tempo" e atrás de nós, "pois ouvimos e pronunciamos esta palavra desde os primórdios
de nossa civilização". Assemelha-se portanto a palavra, a uma trilha sobre a qual caminhamos,
trilha que se origina a partir do ponto que a Filosofia surgiu e que segue através dos tempos.
Philosophía constitui, de tal modo, origem, presente e fim da Filosofia.

“Desta maneira, a palavra grega philosophía é um caminho sobre o qual estamos a


caminho. Conhecemos, porém, este caminho apenas confusamente, ainda que possuamos
muitos conhecimentos históricos sobre a filosofia grega e os possamos difundir” (HEIDEGGER,
1991).

Para Heidegger a palavra philosophía transimite-nos a existência fundamental do


mundo grego, "diz-nos que a filosofia é algo que pela primeira vez e antes de tudo vinca a
existência do mundo grego" sendo tautológica a expressão "filosofia ocidental", por ser a
philosophía determinante da linha mestra da história ocidental. Heidegger propõe "penetrar" no
que nos oferece a philosophía, grega na essência, que tendo se apoderado do mundo grego, a
partir dele, se desenvolveu. Tal visão sustenta, a tautologia vista pelo autor no uso do termo
"filosofia ocidental", e o próprio termo "penetrar", nos transmite uma idéia, digamos,"física", de
poder estar, ver e analisar "de dentro", com mais propriedade, portanto.

“A palavra philosophía está, de certa maneira, na certidão de nascimento de nossa


história, a saber, da atual época da história universal que se chama era atômica”
(HEIDEGGER, 1991).

Desta forma, Heidegger destaca a importância do mundo grego, originado pela


filosofia, para a História do Ocidente. É secundário para ele, situarmos em termos históricos, o
surgimento da filosofia e os seus desdobramentos. Fundamental é que avaliemos a
importância do filosofar, e o nome philosophía nos conduz à origem grega da Filosofia.

Heidegger é dono de um pensamento muito particular. Diz ele que "a filosofia dá-se
como e se assemelha com uma ciência; e, entretanto, não o é. A filosofia dá-se como a
proclamação de uma visão de mundo, e, da mesma maneira, não o é" (HEIDEGGER, 2003).
Assim, para falarmos de Filosofia sob a sua perspectiva, mister se faz que busquemos sintonia
com o seu pensar, não abrindo mão da tarefa de investigar de que forma a tradição filosófica
manteve-se fiel à busca do ser, e de meditar sobre a própria origem da filosofia, que tem no ser
a sua questão fundamental.

A pergunta "Que é isto – a Filosofia?", indaga pela essência do que é. É grega. Não
surge do acaso, como mera indiscrição, mas a partir do espanto, do pathos, princípio originário
da filosofia. Em grego é dito: tí estin?: "Que é isto?". Ao questionarmos o objeto nominado pelo
tí estin, é que avançamos para a proximidade do tí estin grego, para a forma de questionar
desenvolvida por Sócrates, que indagando acerca das respostas obtidas, colocava-se na caça
à definição do conceito desejado. Esse formato de questionamento, conduz ao
aprofundamento sobre do que é questionado embora não leve a uma resposta objetiva da
questão formulada.

“mas é preciso cuidar para que ao mesmo tempo se dê uma explicação sobre o que
significa o “que’, em que sentido se deve compreender o ti. Aquilo que o ‘que’ significa se
designa o quid est, tò quid: a quidditas, a qüididade. Entretanto, a quidditas se determina
diversamente nas diversas épocas da filosofia” (HEIDEGGER, 1991).

Segundo Heidegger o elemento principal da pergunta tí estin? É o tí, o "quê", o modo a


partir do qual o real, como realização imprevisível, fora do nosso controle, aparece. A busca do
entendimento da extensão do ti é obtida revistando-se o pensamento de cada filósofo. Na
filosofia de Platão o tí significa, precisamente, ideia. Outros filósofos, posteriormente, explicam
o ti de formas diversas. Em todo caso, de acordo com Heidegger "quando, referindo-nos à
filosofia, perguntamos: que é isto?, levantamos uma questão originariamente grega".

A filosofia e o seu questionamento, a partir do "que é isto?", permanecem gregos.


Criação socrática. O questionamento nos conduz à nossa origem, embora esse caminho na
direção do originário não signifique um retorno temporal, de datas e fatos, mas um estímulo à
busca da resposta, não apenas no seu sentido literal, mas através da meditação, do
pensamento em outra dimensão, da busca de contato com a origem do ser, o sentido profundo
da indagação.

“A questão de nosso encontro refere-se à essência da filosofia. Se esta questão brota


realmente de uma indigência e se não está fadada a continuar apenas um simulacro de
questão para alimentar uma conversa, então a filosofia deve ter-se tornado para nós
problemática, enquanto filosofia. É isto exato? Em caso afirmativo, em que medida se tornou a
filosofia problemática para nós? Isto evidentemente só podemos declarar se já lançamos um
olhar para dentro da filosofia. Para isso é necessário que antes saibamos que é isto — a
filosofia. Desta maneira somos estranhamente acossados dentro de um círculo. A filosofia
mesma parece ser este círculo. Suponhamos que não nos podemos libertar imediatamente do
cerco deste círculo; entretanto, é-nos permitido olhar para este círculo. Para onde se dirigirá
nosso olhar? A palavra grega philosophía mostra-nos a direção” (HEIDEGGER, 1991).

Heidegger afirma que a língua grega, diversamente das demais, nos conduz a uma
esfera privilegiada. Ela, e somente ela, é logos. Heráclito fala em "ouvir o logos", isto é, ouvir a
natureza fundamental do homem embora, "ouvir o logos" seja, naturalmente, uma forma
metafórica. Ele diz: "O logos é comum a todos, mas os homens não ouvem sua voz e cada um
vive como se tivesse um pensamento particular" (Fr.2). Logos não é a palavra e não pode ser
reduzido a uma questão meramente lingüística, embora desde a antiguidade tenha sido
interpretado de maneira reducionista, como a ratio, a palavra ou, simplesmente, como o que é
lógico. O logos está muito além de tais interpretações, além do homem, atingindo, quem sabe,
uma dimensão cosmológica. Desta forma, pode-se entender que Heidegger deseja nos mostrar
que o que é dito na língua grega é, de modo privilegiado, ao mesmo tempo, aquilo que em
dizendo se nomeia. A razão só se traduz em compreensão quando entra em sintonia com o
logos. Diz Heráclito, no fragmento 50: "Auscultando não a mim mas o logos é sábio concordar
que tudo é um".

"O pensamento filosófico originário é um pensamento que parte da coisa presente: a


água, a terra, o fogo, o ar, o nascer e desabrochar das coisas: o rio no qual entramos e não
entramos" (UNGER, 1991). É nesse contexto de pensamento cosmológico que Heidegger situa
a philosophía.
Diz-nos Carneiro Leão que, se para alcançar o pensamento dos "originários",
tivéssemos de transpor a distância temporal que deles nos separa, não haveria ponte ou
transporte que nos servisse. Entretanto, uma transferência cronológica não é aqui apenas
impossível e inútil. É desnecessária, pois o pensamento destes pensadores "não é originário
pelo que pensaram, e sim pelo que não pensaram mas foram provocados a pensar" (LEÃO
E.C. 1990).

"A palavra philósophos foi presumivelmente criada por Heráclito", o que nos leva a
deduzir que à sua época ainda não era conhecida a palavra Filosofia. Tal situação é indicativa
da distância entre o que Heráclito entendia por philósophos e o que, tempos depois,
denominou-se philosophía. Podemos, partindo de tal ponto, compreender que o philósophos de
Heráclito não guarda correspondência com o que compreendemos hoje como sendo "filosófico"
e que, conseqüentemente, um anèr philósophos não seria um homem ‘filosófico’. Philósophos
é experiência humana fundamental, que nos expõe o que chamamos de philein e sophón.

“O anèr philósophos ama o sophón. O que esta palavra diz para Heráclito é difícil
traduzir. Podemos, porém, elucidá-lo a partir da própria explicação de Heráclito. De acordo com
isto, tá sophón significa: Hèn Pánta ‘Um (é) Tudo. Tudo quer dizer aqui: Pánta tà ónta, a
totalidade, o todo do ente. Hèn, o Um, designa: o que é um, o único, o que tudo une. Unido é,
entretanto, todo o ente no ser. O sophón significa: todo ente é no ser. Dito mais precisamente:
o ser é o ente. Nesta locução, o “é” traz uma carga transitiva e designa algo assim como
“recolhe”. O ser recolhe o ente pelo fato de que é o ente. O ser é o recolhimento — Logos”
(HEIDEGGER, 1991) .

O significado de philein não pode ser tomado, de maneira reduzida, como amar ou ser
amigo, mas de forma radical e objetiva: homologein, ou seja, falar da mesma forma, dizer tal
qual o logos, corresponder a ele. Um aner philósophos corresponde ao logos – homologein –
guarda harmonia com o sophón – a sabedoria, que "consiste em dizer a verdade em agir
conforme a phisis, ouvindo sua voz (Fr.2). E a phisis é, Para Heráclito, harmonia de tensões
opostas" (UNGER, 1991). Nesse sentido Heidegger admite que o componente característico de
philein, pensado por Heráclito, é essa harmonia, "que se revela na recíproca relação de dois
seres, nos laços que os unem originariamente numa disponibilidade de um para o outro".

Da quebra do acordo, da harmonia, com o sophón, surge a Filosofia, a pergunta pelo


fundamento do ente (tì tò ón?, "que é o ente?"). Ela se origina na Grécia clássica e segue pela
história da Filosofia propondo alcançar o próprio ser do ente. O hèn pánta - o um que convoca
o todo - passa a ser buscado. Não se encontra mais acessível como em Heráclito ou
Parmênides.

Na visão de Heidegger, Heráclito e Parmênides ainda não eram filósofos. Eram


pensadores originários. Pensamento originário, segundo Carneiro Leão, é "um questionamento
que procura pensar o pensamento dos primeiros pensadores gregos" (LEÃO E.C.1990).
Detinham, os pensadores originários, a amplitude da harmonia com o logos. Eram, porisso,
pensadores ‘maiores’. Heráclito e Parmênides eram ‘maiores’ no sentido de que ainda se
situavam no acordo com o logos, eram pensadores que apontavam para uma outra dimensão
do pensamento. Preexistiram, literalmente ao nosso atual conceito de filosofia, tendo o passo
até ela, sido preparado pela sofística e concretizado por Sócrates e Platão.

“Aristóteles então, quase dois séculos depois de Heráclito, caracterizou este passo com
a seguinte afirmação: Kai dê kai tá pálai te kai nyn kai aei zetoúmenon kai aei aporoúmenon, ti
tò ón? (Metafísica, VI, 1, 1028 b 2 ss.). Na tradução isso soa: “Assim, pois, é aquilo para o qual
(a filosofia) está em marcha já desde os primórdios, e também agora e para sempre e para o
qual sempre de novo não encontra acesso (e que é por isso questionado): que é o ente? (ti tò
ón)” (HEIDEGGER, 1991) .

Os pensadores originários não perguntam pela natureza do ente, pois, ainda impera no
seu pensamento o acordo, a harmonia com o ente em sua totalidade recolhido no ser. Eles
preexistem à filosofia. No momento em que se rompe essa harmonia, quando "o passo para a
Filosofia, preparado pela sofística" é realizado por Sócrates e Platão, é que há o imperativo da
busca pelo que o ente é. "O pensamento pré-socrático vai ao mistério, como quem vai à
nascente: para saciar a sede". (UNGER, 1991).

Um pensamento originário é a coragem de descer às raízes das próprias possibilidades


de pensar, ao âmago do que estamos pensando. Esse pensamento radical, na lição de
Carneiro Leão, busca "interpretar os modos de ser da realidade, restituindo as estruturas de
suas diferenças à identidade do mistério" (LEÃO E.C. 1990).

Se não temos ao certo a resposta para a indagação "Que é isto – a Filosofia?", não
correspondemos ao ser do ente. Para que seja possível a filosofia, ou seja, a pergunta pelo
fundamento do ente, é necessário que o homem tenha essa correspondência.

A busca pela resposta é o eterno caminhar do homem e esse caminhar é para nós
hoje, o estabelecimento de metas com segurança e controle. A incerteza se nos afigura como
uma ameaça. O homem é o único ser cujo modo de ser não lhe vem com o nascimento. Ele
caminha, trilha, vai se apropriando desse modo de ser e, na medida em que abre mão da
busca do controle, é que esse caminho pode se tornar um caminho essencial, entretanto "Este
modo de caminhar pelo pensamento da poesia é desconhecido da ciência e ausente na
consciência de nosso tempo. O caminhar moderno não é um caminhar essencial, é um
caminhar funcional. Esquecido da essência do caminho pretende caminhar sempre para um fim
na escravidão" (LEÃO E.C. 1991).

E a filosofia seguirá o seu caminho, recriada, a cada momento, pelo "espanto". Na


existência gregapathos, significa para Heidegger, o "espanto" que impulsiona a filosofia, ao
contrário do que ocorre na modernidade onde esse pathos é a busca da certeza, do
asseguramento e do controle. Espanto como o inesperado nos é difícil, pela nossa perspectiva
de tudo controlar. Heráclito afirma que "Se não se espera, não se encontra o inesperado,
sendo sem caminho de encontro nem vias de acesso" (Fr.18). A espera é, portanto, condição
para o inesperado. Saber esperar é ver o deserto como deserto, a desolação como desolação,
avistando aí a possibilidade de um ressurgimento.

Para Heidegger "Tanto Platão quanto Aristóteles se reportam ao mito para dizer que o
espanto é arkhé ‘princípio originário permanente’ da filosofia, que espantar-se é o pathos do
filósofo". Ele cita Aristóteles que diz, na sua Metafísica: "Pelo espanto os homens chegam
agora e chegaram antigamente à origem imperante do filosofar" (aquilo de onde nasce o
filosofar e que constantemente determina sua marcha).

"O espanto é, enquanto páthos, a arkhé da filosofia. Devemos compreender, em seu


pleno sentido, a palavra grega arkhé Designa aquilo de onde algo surge. Mas este ‘de onde’
não é deixado para trás no surgir; antes, a arkhé torna-se aquilo que é expresso pelo verbo
arkhein, o que impera. O páthosdo espanto não está simplesmente no começo da filosofia,
como, por exemplo, o lavar das mãos precede a operação do cirurgião. O espanto carrega a
filosofia e impera em seu interior”

"A modernidade nos trouxe a certeza, pois ‘na Idade Média certitudo não significava
certeza, mas a segura delimitação de um ente naquilo que ele e. Aqui certitudo ainda coincide
com a significação de essentia’ " (HEIDEGGER, 1991).

O espanto de pensamento fala em forma de pergunta. Heráclito diz: Como alguém


poderia manter-se encoberto face ao que nunca se deita? (Fr.16). Para ele a palavra alétheia,
traduzida de forma usual por "o verdadeiro", significa essencialmente "desencobrimento", o não
oculto, constituindo palavra essencial do pensamento grego originário. Desencobrimento é
característica "daquilo que já apareceu e que deixou para trás o encobrimento" (HEIDEGGER,
2002).

Como o desencobrimento tende ao encobrimento, em cada desvelamento o real,


imprevisível, subtrai e, no que se subtrai, aquilo que surgiu é tomado como o ser. O real jamais
revela totalmente. O percurso feito pelo ocidente não considera o retraimento. "Retrair-se não é
um nada puramente negativo. Retraimento pertence à dinâmica do próprio pensamento" (LEÃO
E.C. 1990). O que se retrai, permeia a tudo, é mistério, está em todo lugar, nós é que não
vemos. Falta ao homem abrir mão do não saber, conformar-se com o mistério da realidade,
expor-se a ele como algo que se retrai. Esquecimento do ser se dá, pelo seu retraimento,
independente da vontade humana. O homem não vê o retraimento, não o aceita. A tendência
do homem é "ver" o ente, sem "enxergar" o ser, nossa dificuldade reside em pensar "fora" do
pensamento do ente. O homem tende a se fixar no ente, sem ver o ser.
Heidegger questiona o que já foi questionado pela Filosofia grega clássica e por toda
Filosofia seguinte. Confronta a nossa tradição filosófica. Partindo desse questionamento e
considerando que a nossa cultura se assenta na experiência fundamental da filosofia grega
clássica, tomada por Heidegger como sinônimo de metafísica, é que ele vai seguir numa longa
jornada meditativa, elaborando um pensamento ímpar, apresentando, na releitura de outros
pensadores, uma visão diferente da deles, como forma de abrir novos caminhos e deixar que
continuemos a percorrê-los. Ao nos aventurarmos a responder à questão "Que é isto – a
Filosofia?", devemos admitir que a pergunta se adequa à resposta, ao caminho do ser, ou
como diz o próprio Heidegger, que a resposta "consiste no fato de correspondermos àquilo
para onde a filosofia está a caminho".

Podemos concluir, pelo que nos passa Heidegger, que Filosofia não é um conjunto
acabado de conhecimentos, mas uma experiência criativa de pensamento que se presta para
abrir novas dimensões de interrogações e instalar disposições de acolhimento e aceitação. E a
busca do que a filosofia "não é", como objetivo de, a cada momento, nos aproximarmos do que
ela seja, mesmo se encararmos tal tarefa como impossível de alcançarmos com precisão, se
reforça, na visão heideggeriana, quando ele afirma que "a interpretação da filosofia como
proclamação de uma visão de mundo encerra o mesmo engodo que sua caracterização como
ciência. Filosofia (metafísica): nem ciência nem proclamação de uma visão de mundo. O que
lhe resta então? De início, afirma-se apenas negativamente, que ela não se deixa inserir em
tais âmbitos. Talvez ela não seja, senão algo diverso, somente determinável a partir de si
mesma e como ela mesma – não se deixando comparar com coisa alguma, a partir da qual
pudesse ser positivamente determinada. Desta forma, a filosofia é algo que repousa sobre si
próprio, algo derradeiro" (HEIDEGGER, 2003).

Não sendo possível uma exata resposta à pergunta "Que é isto – a Filosofia?", ficará
sempre a questão, a ser respondida de maneira própria, por cada um que se habilitar a fazê-lo.
Dessa forma, sem a resposta, é válido falarmos sobre fim da filosofia, registrando o
pensamento de Heidegger a respeito, em entrevista concedida ao "Der Spiegel", em 1966: Diz
ele que "A filosofia não pode realizar imediatamente uma mudança no atual estado do mundo.
Isto vale não somente para a filosofia, mas para todos os sentimentos e aspirações humanas.
Só um deus pode salvar-nos ainda. Resta-nos a única possibilidade de prepararmo-nos, pelo
pensar e poetar, para a aparição de um deus ou sua ausência no ocaso. Frente a ausência de
um deus, nos afundamos.

A preparação para essa espera é a primeira ajuda. O mundo, o que é e como é, não
pode ser só para os homens, mas tampouco sem eles. Ao que me parece tudo isso está
relacionado com a palavra tradicional, equívoca e agora muito gasta, que eu nomeei Ser; os
homens precisam dela para sua manifestação, estruturação e conservação. A essência da
técnica eu vejo no que chamei de armação, uma expressão frequentemente risível e talvez
inapropriada. O mecanismo atuante da armação enuncia: o homem está sitiado, intimado e
desafiado por uma potência, claramente a essência da técnica, e que ele mesmo não pode
dominar. Ao pensamento só se pode pedir que ajude a compreender. É o fim da filosofia."

Referencias bibliográficas
HEIDEGGER, Martin. Que é metafísica?. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores)
HEIDEGGER, Martin. Que é isto – a Filosofia?. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores)
HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Petrópolis: Ed. Vozes, 2002.
HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.
HEIDEGGER, Martin. Os Conceitos Fundamentais da Metafísica. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2003.
INWOOD, M. Dicionário Heidegger. Tradução de Luísa Buarque de Holanda. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 2002.
LEÃO, E. Carneiro. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Ed. Vozes, 1991.
LEÃO, E. Carneiro. Os Pensadores originários. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990.
UNGER, Nancy Mangabeira. O Encantamento do Humano. São Paulo: Edições Loyola, 1991.

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