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"O pensamento de Heidegger é o esforço de nos reconduzir ao País das Maravilhas, onde o
nossos hábitos de pensar e possibilidades de dizer nas próprias raízes de sua limitação. É,
No ensaio Que é isto – a Filosofia?, ao apresentar a questão, Heidegger nos diz que "a
filosofia procura o que é o ente enquanto é", ou seja, ela "está a caminho do ser do ente, quer
dizer, a caminho do ente sob o ponto de vista do ser". Ele nos indica a busca de um caminho
seguro para o diálogo, um caminho, ressalta, que nos mantem fora da filosofia, acima dela,
mas com o objetivo de nela penterar, como observa:
Para Heidegger a filosofia "não é apenas algo racional, mas a própria guarda da ratio",
questionando o fato de haver a ratio se feito senhora da filosofia, de individualizarmos a
filosofia como um comportamento racional. Afirma ser duvidoso que a filosofia possa pertencer
ao campo do irracional, pois, se de tal forma admitirmos, estaremos legitimando como padrão
para tanto o racional e julgando desta forma como certo o que seja a razão.
O texto nos coloca na busca, desde a origem, do sentido mais próprio do filosofar. Para
que compreendamos tal sentido, diz-nos Heidegger, um caminho é necessário. Caminho que
nos possibilite penetrar na Filosofia, posto que ela "exige que não lancemos o olhar para longe
dela, mas que a conquistemos a partir dela mesma", um caminho historial, como usa
Heidegger para fazer referência à História vista como história do ser, como destino sem
conotação de fatalidade. Cabe a nós dar a esse caminho sentido, determinar-lhe a essência.
“Um tal cuidado exige primeiro que procuremos situar a questão num caminho
claramente orientado, para não vagarmos através de representações arbitrárias e ocasionais a
respeito da filosofia. Como, porém, encontraremos o caminho no qual poderemos determinar
de maneira segura a questão?
O caminho para o qual desejaria apontar agora está imediatamente diante de nós. E
precisamente pelo fato de ser o mais próximo o achamos difícil”(HEIDEGGER, 1991).
Heidegger é dono de um pensamento muito particular. Diz ele que "a filosofia dá-se
como e se assemelha com uma ciência; e, entretanto, não o é. A filosofia dá-se como a
proclamação de uma visão de mundo, e, da mesma maneira, não o é" (HEIDEGGER, 2003).
Assim, para falarmos de Filosofia sob a sua perspectiva, mister se faz que busquemos sintonia
com o seu pensar, não abrindo mão da tarefa de investigar de que forma a tradição filosófica
manteve-se fiel à busca do ser, e de meditar sobre a própria origem da filosofia, que tem no ser
a sua questão fundamental.
A pergunta "Que é isto – a Filosofia?", indaga pela essência do que é. É grega. Não
surge do acaso, como mera indiscrição, mas a partir do espanto, do pathos, princípio originário
da filosofia. Em grego é dito: tí estin?: "Que é isto?". Ao questionarmos o objeto nominado pelo
tí estin, é que avançamos para a proximidade do tí estin grego, para a forma de questionar
desenvolvida por Sócrates, que indagando acerca das respostas obtidas, colocava-se na caça
à definição do conceito desejado. Esse formato de questionamento, conduz ao
aprofundamento sobre do que é questionado embora não leve a uma resposta objetiva da
questão formulada.
“mas é preciso cuidar para que ao mesmo tempo se dê uma explicação sobre o que
significa o “que’, em que sentido se deve compreender o ti. Aquilo que o ‘que’ significa se
designa o quid est, tò quid: a quidditas, a qüididade. Entretanto, a quidditas se determina
diversamente nas diversas épocas da filosofia” (HEIDEGGER, 1991).
Heidegger afirma que a língua grega, diversamente das demais, nos conduz a uma
esfera privilegiada. Ela, e somente ela, é logos. Heráclito fala em "ouvir o logos", isto é, ouvir a
natureza fundamental do homem embora, "ouvir o logos" seja, naturalmente, uma forma
metafórica. Ele diz: "O logos é comum a todos, mas os homens não ouvem sua voz e cada um
vive como se tivesse um pensamento particular" (Fr.2). Logos não é a palavra e não pode ser
reduzido a uma questão meramente lingüística, embora desde a antiguidade tenha sido
interpretado de maneira reducionista, como a ratio, a palavra ou, simplesmente, como o que é
lógico. O logos está muito além de tais interpretações, além do homem, atingindo, quem sabe,
uma dimensão cosmológica. Desta forma, pode-se entender que Heidegger deseja nos mostrar
que o que é dito na língua grega é, de modo privilegiado, ao mesmo tempo, aquilo que em
dizendo se nomeia. A razão só se traduz em compreensão quando entra em sintonia com o
logos. Diz Heráclito, no fragmento 50: "Auscultando não a mim mas o logos é sábio concordar
que tudo é um".
"A palavra philósophos foi presumivelmente criada por Heráclito", o que nos leva a
deduzir que à sua época ainda não era conhecida a palavra Filosofia. Tal situação é indicativa
da distância entre o que Heráclito entendia por philósophos e o que, tempos depois,
denominou-se philosophía. Podemos, partindo de tal ponto, compreender que o philósophos de
Heráclito não guarda correspondência com o que compreendemos hoje como sendo "filosófico"
e que, conseqüentemente, um anèr philósophos não seria um homem ‘filosófico’. Philósophos
é experiência humana fundamental, que nos expõe o que chamamos de philein e sophón.
“O anèr philósophos ama o sophón. O que esta palavra diz para Heráclito é difícil
traduzir. Podemos, porém, elucidá-lo a partir da própria explicação de Heráclito. De acordo com
isto, tá sophón significa: Hèn Pánta ‘Um (é) Tudo. Tudo quer dizer aqui: Pánta tà ónta, a
totalidade, o todo do ente. Hèn, o Um, designa: o que é um, o único, o que tudo une. Unido é,
entretanto, todo o ente no ser. O sophón significa: todo ente é no ser. Dito mais precisamente:
o ser é o ente. Nesta locução, o “é” traz uma carga transitiva e designa algo assim como
“recolhe”. O ser recolhe o ente pelo fato de que é o ente. O ser é o recolhimento — Logos”
(HEIDEGGER, 1991) .
O significado de philein não pode ser tomado, de maneira reduzida, como amar ou ser
amigo, mas de forma radical e objetiva: homologein, ou seja, falar da mesma forma, dizer tal
qual o logos, corresponder a ele. Um aner philósophos corresponde ao logos – homologein –
guarda harmonia com o sophón – a sabedoria, que "consiste em dizer a verdade em agir
conforme a phisis, ouvindo sua voz (Fr.2). E a phisis é, Para Heráclito, harmonia de tensões
opostas" (UNGER, 1991). Nesse sentido Heidegger admite que o componente característico de
philein, pensado por Heráclito, é essa harmonia, "que se revela na recíproca relação de dois
seres, nos laços que os unem originariamente numa disponibilidade de um para o outro".
“Aristóteles então, quase dois séculos depois de Heráclito, caracterizou este passo com
a seguinte afirmação: Kai dê kai tá pálai te kai nyn kai aei zetoúmenon kai aei aporoúmenon, ti
tò ón? (Metafísica, VI, 1, 1028 b 2 ss.). Na tradução isso soa: “Assim, pois, é aquilo para o qual
(a filosofia) está em marcha já desde os primórdios, e também agora e para sempre e para o
qual sempre de novo não encontra acesso (e que é por isso questionado): que é o ente? (ti tò
ón)” (HEIDEGGER, 1991) .
Os pensadores originários não perguntam pela natureza do ente, pois, ainda impera no
seu pensamento o acordo, a harmonia com o ente em sua totalidade recolhido no ser. Eles
preexistem à filosofia. No momento em que se rompe essa harmonia, quando "o passo para a
Filosofia, preparado pela sofística" é realizado por Sócrates e Platão, é que há o imperativo da
busca pelo que o ente é. "O pensamento pré-socrático vai ao mistério, como quem vai à
nascente: para saciar a sede". (UNGER, 1991).
Se não temos ao certo a resposta para a indagação "Que é isto – a Filosofia?", não
correspondemos ao ser do ente. Para que seja possível a filosofia, ou seja, a pergunta pelo
fundamento do ente, é necessário que o homem tenha essa correspondência.
A busca pela resposta é o eterno caminhar do homem e esse caminhar é para nós
hoje, o estabelecimento de metas com segurança e controle. A incerteza se nos afigura como
uma ameaça. O homem é o único ser cujo modo de ser não lhe vem com o nascimento. Ele
caminha, trilha, vai se apropriando desse modo de ser e, na medida em que abre mão da
busca do controle, é que esse caminho pode se tornar um caminho essencial, entretanto "Este
modo de caminhar pelo pensamento da poesia é desconhecido da ciência e ausente na
consciência de nosso tempo. O caminhar moderno não é um caminhar essencial, é um
caminhar funcional. Esquecido da essência do caminho pretende caminhar sempre para um fim
na escravidão" (LEÃO E.C. 1991).
Para Heidegger "Tanto Platão quanto Aristóteles se reportam ao mito para dizer que o
espanto é arkhé ‘princípio originário permanente’ da filosofia, que espantar-se é o pathos do
filósofo". Ele cita Aristóteles que diz, na sua Metafísica: "Pelo espanto os homens chegam
agora e chegaram antigamente à origem imperante do filosofar" (aquilo de onde nasce o
filosofar e que constantemente determina sua marcha).
"A modernidade nos trouxe a certeza, pois ‘na Idade Média certitudo não significava
certeza, mas a segura delimitação de um ente naquilo que ele e. Aqui certitudo ainda coincide
com a significação de essentia’ " (HEIDEGGER, 1991).
Podemos concluir, pelo que nos passa Heidegger, que Filosofia não é um conjunto
acabado de conhecimentos, mas uma experiência criativa de pensamento que se presta para
abrir novas dimensões de interrogações e instalar disposições de acolhimento e aceitação. E a
busca do que a filosofia "não é", como objetivo de, a cada momento, nos aproximarmos do que
ela seja, mesmo se encararmos tal tarefa como impossível de alcançarmos com precisão, se
reforça, na visão heideggeriana, quando ele afirma que "a interpretação da filosofia como
proclamação de uma visão de mundo encerra o mesmo engodo que sua caracterização como
ciência. Filosofia (metafísica): nem ciência nem proclamação de uma visão de mundo. O que
lhe resta então? De início, afirma-se apenas negativamente, que ela não se deixa inserir em
tais âmbitos. Talvez ela não seja, senão algo diverso, somente determinável a partir de si
mesma e como ela mesma – não se deixando comparar com coisa alguma, a partir da qual
pudesse ser positivamente determinada. Desta forma, a filosofia é algo que repousa sobre si
próprio, algo derradeiro" (HEIDEGGER, 2003).
Não sendo possível uma exata resposta à pergunta "Que é isto – a Filosofia?", ficará
sempre a questão, a ser respondida de maneira própria, por cada um que se habilitar a fazê-lo.
Dessa forma, sem a resposta, é válido falarmos sobre fim da filosofia, registrando o
pensamento de Heidegger a respeito, em entrevista concedida ao "Der Spiegel", em 1966: Diz
ele que "A filosofia não pode realizar imediatamente uma mudança no atual estado do mundo.
Isto vale não somente para a filosofia, mas para todos os sentimentos e aspirações humanas.
Só um deus pode salvar-nos ainda. Resta-nos a única possibilidade de prepararmo-nos, pelo
pensar e poetar, para a aparição de um deus ou sua ausência no ocaso. Frente a ausência de
um deus, nos afundamos.
A preparação para essa espera é a primeira ajuda. O mundo, o que é e como é, não
pode ser só para os homens, mas tampouco sem eles. Ao que me parece tudo isso está
relacionado com a palavra tradicional, equívoca e agora muito gasta, que eu nomeei Ser; os
homens precisam dela para sua manifestação, estruturação e conservação. A essência da
técnica eu vejo no que chamei de armação, uma expressão frequentemente risível e talvez
inapropriada. O mecanismo atuante da armação enuncia: o homem está sitiado, intimado e
desafiado por uma potência, claramente a essência da técnica, e que ele mesmo não pode
dominar. Ao pensamento só se pode pedir que ajude a compreender. É o fim da filosofia."
Referencias bibliográficas
HEIDEGGER, Martin. Que é metafísica?. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores)
HEIDEGGER, Martin. Que é isto – a Filosofia?. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores)
HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Petrópolis: Ed. Vozes, 2002.
HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.
HEIDEGGER, Martin. Os Conceitos Fundamentais da Metafísica. Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2003.
INWOOD, M. Dicionário Heidegger. Tradução de Luísa Buarque de Holanda. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 2002.
LEÃO, E. Carneiro. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Ed. Vozes, 1991.
LEÃO, E. Carneiro. Os Pensadores originários. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990.
UNGER, Nancy Mangabeira. O Encantamento do Humano. São Paulo: Edições Loyola, 1991.