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24/03/2019 Mapa da Desigualdade 2018: O abismo dentro de São Paulo que separa Kimberly e Mariana | Brasil | EL PAÍS Brasil

BRASIL

DESIGUALDADE SOCIAL

O abismo dentro de São Paulo que


separa Kimberly e Mariana
Rede Nossa São Paulo apresenta nesta quarta-feira os dados do Mapa
da Desigualdade 2018

As estudantes Kimberly (à esq.) e Mariana (à dir.) em frente a suas respectivas escolas em São
Paulo. /G.A. E F.B.

GIL ALESSI | FELIPE BETIM

São Paulo - 29 NOV 2018 - 08:09 BRST

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Kimberly Cristina Barbosa e Mariana Grimaldi, ambas com 15 anos, moram a


meros 10 quilômetros uma da outra, em São Paulo. A distância física não é das
maiores, podendo ser percorrida de carro em menos de 30 minutos. No entanto,
um abismo social separa os bairros de Paraisópolis (zona sul) e Perdizes (zona
oeste), onde moram as duas jovens, respectivamente. Mariana estuda no Colégio
São Luís, na região da avenida Paulista, um dos mais tradicionais da capital e
com uma mensalidade que chega aos quatro dígitos. Já Kimberly estuda na Escola
Estadual Professora Etelvina Góes Marcucci, colada na favela onde mora. A jovem
nunca foi até a Paulista. E Mariana nunca esteve em uma favela. Suas vidas e
rotinas retratam os dados do Mapa da Desigualdade 2018, divulgado nesta quarta-
feira pela Rede Nossa São Paulo.

Vila Andrade, onde está localizada a comunidade de


Paraisópolis, lidera o ranking de distritos com mais favelas de
acordo com o Mapa, tendo quase 50% das moradias em
situação irregular. A casa de Kimberly é uma delas: a
10% mais ricos residência de dois quartos e um banheiro abriga oito pessoas,
contribuem para sendo cinco irmãos e irmãs, uma tia e sua mãe. O pai é figura
mais da metade da
ausente: “Perdi o contato com ele quando tinha quatro anos
desigualdade no
Brasil de idade”. Perdizes, onde Mariana mora, está na outra ponta
do indicador com 0% de domicílios favelizados. Ela divide um
apartamento de quatro quartos, ao lado da estação Vila
Madalena, com três pessoas: seus pais e um irmão mais
velho. O cômodo que sobra foi transformado em um
escritório.
Mais pobres podem
levar até 9 gerações
para atingir renda
O dia a dia das jovens também é diferente. Kimberly sai da
média no Brasil
escola depois de meio dia e vai direto para casa, onde ajuda
no preparo do almoço e se encarrega de arrumar a casa. “Eu
até consigo fazer o dever de casa, mas essas tarefas
domésticas tomam uma parte do meu tempo”, diz. “Mexer no
celular e assistir TV toma o resto”, confessa. Ela gostaria de
2017: o ano do maior estudar inglês, mas não faz nenhum curso ou atividade
aumento de
extracurricular após o término das aulas. Já Mariana fica no
bilionários da história
colégio até depois de 20h estudando, fazendo inglês,
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praticando
No país com mais esportes ou simplesmente matando tempo com
as amigas, com quem costuma ir ao shopping ao lado para
almoçar ou na padaria para repassar o conteúdo aprendido
nas aulas. “Podemos ficar lá até tarde. Tem muita quadra,
então, independente de pagar para fazer aula, posso pegar
empregadas
domésticas, a vida de
uma bola e jogar com as pessoas. Faço handebol e participo
7 milhões de de competições entre colégios, mas também já fiz basquete e
mulheres é uma luta vôlei", conta ela, que chega à escola de carro com o pai.
Depois, pega a linha 2-verde do metrô na estação Consolação
(centro) e anda mais duas paradas até a de Vila Madalena.
"Mas em casa fico só de noite, não tem muita coisa para fazer lá”.

A renda das duas famílias também está em polos opostos. Segundo o Mapa da
Desigualdade, enquanto Perdizes tem uma taxa de 4,5 pessoas em emprego
formal por dez habitantes (na população economicamente ativa), na Vila Andrade
este número cai quase pela metade: 2,3 pessoas empregadas formalmente em
cada dez, o que explica a disparidade entre as famílias. A mãe e a tia de Kimberly
estão desempregadas, obrigando a família a se virar para conseguir sobreviver.
“Atualmente dependemos de Bolsa Família e de uma pensão do pai de um dos
meus irmãos”, conta a jovem, que já passou por dois empregos como balconista
de sorveteria e vendedora em um mercado. No último não durou muito: “Perdi a
chave do trabalho”, conta, para risos dos colegas da escola. “Mas preciso voltar a
trabalhar”, diz.

A situação da família de Mariana é mais confortável. "Meu pai é perito em uma


fábrica e minha mãe trabalha na Nokia. Os dois são engenheiros elétricos,
começam a trabalhar de manhã e só terminam à noite", conta. Aliás, o trabalho de
sua mãe lhe dá direito a um plano de saúde do hospital Albert Einstein. Uma
empregada doméstica cozinha e faz faxina todos os dias, de segunda a sexta-feira,
para que quando a família chegue em casa depois de um dia inteiro de trabalho e
estudos haja comida pronta e tudo esteja organizado. Por ser um casal bastante
ocupado, tanto a garota como seu irmão, que está prestes a terminar o ensino
médio, sempre ficaram na escola durante todo o dia, desde os primeiros meses de
vida.

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“Atualmente dependemos de Bolsa Família e de


uma pensão do pai de um dos meus irmãos”

A desigualdade também se faz presente no acesso à cultura e ao esporte.


Perdizes ocupa a 24ª colocação quando o assunto é centros culturais, casas e
espaços de cultura, mas Mariana também transita por bairros como Sé, Pinheiros,
Bela Vista, Consolação, República ou Jardim Paulista. Os seis bairros ocupam,
nessa ordem, as seis primeiras posições da lista. Estes e outros lugares da zona
oeste e do centro também são os que mais possuem museus, cinemas, teatros,
salas de concerto ou equipamentos culturais públicos, segundo o Mapa. Só na
região da Paulista, onde Mariana estuda, estão o Instituto Moreira Salles, o MASP,
um SESC, quatro cinemas, entre outros espaços. “A minha mãe leva a gente em
museus e musicais no teatro”, conta Mariana. "Mas vou mais ao cinema, porque o
shopping Bourbon é do lado de casa".

Já a Vila Andrade ocupa a 79ª posição no ranking de centros culturais, casas e


espaços de cultura. O distrito de Kimberly também é o pior da cidade em número
total de equipamentos esportivos. “O lazer que temos é jogar bola na quadra, os
bailes funk na rua, que minha mãe deixa eu ir uma vez por mês, e o pagode”, conta
a adolescente, que raramente sai de Paraisópolis.

Mesmo com pouco dinheiro, Kimberly sonha em se tornar “aeromoça ou


administradora de empresas”. Ela sabe, no entanto, que o caminho será duro. “No
momento eu me contentaria em conseguir pagar um curso de inglês, porque sei
que isso é importante para minha formação”, explica. Para ela, seu futuro pode
estar fora do bairro onde nasceu e cresceu. “Quero sair de Paraisópolis. Nenhuma
menina que eu conheço conseguiu ter um futuro ficando aqui”, diz, mencionando
as várias amigas do bairro que tiveram que abandonar os estudos após gravidez
indesejada. Vila Andrade tem uma das maiores taxas de gravidez na adolescência
da capital: são 11,45 por 100.000 habitantes. Perdizes tem apenas 1,82. “No meu
colégio nunca vi ninguém ficar grávida. A irmã de uma amiga teve filho aos 17 anos,
mas é o único caso que conheço”, conta Mariana.
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A garota, que é boa em matemática e física e sempre passa sem recuperação no


colégio, deseja estudar engenharia na USP depois de terminar o colégio. Mas
antes, na metade do terceiro ano, pretende fazer um intercâmbio de um ano para
os Estados Unidos, igual ao que seu irmão fez, e se formar lá. “E aí na volta eu faço
seis meses de cursinho”, planeja. Enquanto essa hora não chega, aproveita seu
tempo para ir com os amigos a festas e restaurantes, passar alguns fins de
semana no chalé que sua família possui em Araçariguama, no interior do Estado,
viajar nas férias —em julho esteve em Paris por alguns dias—, praticar corrida de
rua com seus pais ou, mais raramente, andar de bicicleta e fazer piquenique no
parque Villa-Lobos.

Outra de suas rotinas é comer pizza às sextas-feiras na casa de sua avó, que tem
75 anos. Até isso é um reflexo do lugar onde vive: enquanto na zona oeste de São
Paulo a expectativa de vida pode facilmente ultrapassar os 80 anos —em Perdizes,
a média é de 80,50—, em bairros da periferia nem sempre se vive muito. Em Vila
Andrade, onde Kimberly mora, a idade média de óbitos é de 65,56. A média mais
baixa é de Cidade Tiradentes, 58,45 anos. Na mesma São Paulo.

VIOLÊNCIA DESIGUAL
O Mapa da Desigualdade não apresente muitas cifras sobre violência, mas a
realidade de Vila Andrade e Perdizes também são díspares quando se trata
desse assunto. Paraisópolis é um grande reduto da facção criminosa Primeiro
Comando da Capital (PCC). A situação de ausência do poder público lá é tão
grave que no final de 2017 a diretora do Departamento de Homicídios e Proteção
à Pessoa, Elisabete Sato, afirmou que nem as temidas Rondas Ostensivas
Tobias de Aguiar (ROTA), o batalhão de elite da PM paulista, entravam no local.
De janeiro a setembro deste ano foram registrados oito homicídios, ante dois no
mesmo período no bairro de Mariana. Kimberly, no entanto, diz nunca ter sido
vítima de nenhuma violência no bairro, mas afirma que por precaução a mãe
“controla” suas saídas.

Da violência, Mariana fica sabendo pela TV. "Meu bairro é muito tranquilo de
andar, eu só acompanho violência pelo noticiário", explica ela, que conta nunca
ter vivenciado nada grave. A exceção foi um furto. "Foi perto do estádio do
Palmeiras, onde minha avó tem casa. Meu pai foi me buscar lá e deixou o GPS e
a maleta do trabalho. Quando voltou, não estavam lá".

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