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ASPECTOS GINECOLÓGICOS DE RELEVÂNCIA PARA O


CIRURGIÃO GERAL
Prof. Dr. Rogério Bonassi Machado
Profa. Dra. Edna Marina Cappi Maia
Dr. Luciano Nishimaru
Durval Knox da Veiga Souza Nunes

O conhecimento da anatomia, embriologia e fisiologia cíclica feminina são


elementos essenciais na abordagem cirúrgica das doenças ginecológicas. O
cirurgião geral em seu campo de atuação não raramente é surpreendido em
intervenções onde há comprometimento de órgãos genitais femininos, podendo
ainda ser solicitado na presença de complicações em cirurgias ginecológicas
eletivas. No entanto, os conhecimentos básicos da cirurgia ginecológica aplicam-se
na maior parte das vezes em situações de emergência, particularmente nos
quadros abdominais agudos na mulher, onde a diferenciação entre processos
ginecológicos e outras doenças pode ser de difícil distinção. O presente capítulo se
propõe a abordar de forma prática aspectos ginecológicos de importância para o
cirurgião geral, incluindo alguns pormenores das cirurgias tipicamente realizadas
pelo ginecologista.

ASPECTOS PRÉ-OPERATÓRIOS
Diante da necessidade de atuação na área ginecológica, devem-se salientar
aspectos específicos de algumas intervenções, como se segue:
- Não é aconselhável a realização de cirurgias vaginais extensas no período
pré-menstrual, pois a grande congestão vascular pélvica que ocorre neste período,
causa maior sangramento.
- A melhor fase para posterior cicatrização é a pré-ovulatória ou estrogênica (1ª
fase do ciclo).
- Nas cirurgias vaginais recomenda-se lavagem prévia do local e preparo
intestinal baixo.
- A sondagem vesical de rotina é necessária.
- Em casos duvidosos pode-se dispor do toque vaginal sob narcose.
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VIAS DE ACESSO
Na cirurgia ginecológica existem três vias de acesso para os procedimentos
ginecológicos: vaginal, abdominal e combinada (associação da via vaginal com a
via abdominal). De importância para a cirurgia geral destaca-se a via abdominal.
O tipo de incisão abdominal a ser empregada deve considerar os seguintes
requisitos:
- Exposição adequada;
- Simplicidade para o procedimento;
- Conforto pós-operatório para o paciente;
- Considerações estéticas;
- Presença de cicatriz anterior;
- Doença pélvica.
Os seguintes tipos de incisão são mais utilizados pelo ginecologista:
- Incisão mediana: utilizado com muita freqüência devido à facilidade de
acesso e a possibilidade de ampliação da incisão se esta se tornar insuficiente.
Permite uma boa exposição operatória.
- Pfannenstiel: é uma incisão transversa de aproximadamente 10 a 15cm,
acima 2cm de púbis com ligeira concavidade voltada para cima. É uma boa via de
acesso para os órgãos pélvicos, tendo ainda a vantagem estética.
- Cherney: é uma incisão transversa de aproximadamente 10 a 15cm,
acima 5cm da sínfise púbica. Proporciona mais amplitude ao campo operatório
devido à secção transversa dos tendões do músculo reto abdominal. Na incisão
tipo Pfannenstiel o músculo reto abdominal é divulsionado na linha média.
- Incisão transversa interilíaca: É uma incisão transversa em forma de arco
com concavidade para cima, indo de uma a outra espinha ilíaca antero superior.
Indicado nas grandes intervenções ginecológicas, como carcinomas, onde o
cirurgião necessita de uma incisão que proporcione acesso amplo.
- Incisão oblíqua lateral: é uma incisão transversa à espinha ilíaca antero
superior. Utilizado para drenagem de abscessos das doenças inflamatórias pélvicas
que não apresentam local de punção e fundo de saco de Douglas. Pode ser
realizado do lado direito ou esquerdo.
- Incisão pararretal: é uma incisão longitudinal a 2cm do bordo externo do
músculo reto abdominal. Abre-se a aponeurose e separa-se o músculo reto
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abdominal de sua bainha posterior. A principal indicação e nas intervenções sobre


os anexos durante o período gestacional.
- Na via vaginal destaca-se a colpotomia posterior, utilizada na drenagem
de abscessos pélvicos ou para a esterilização cirúrgica feminina.

INDICAÇÕES
Indicam-se as cirurgias ginecológicas de forma eletiva e de urgência.
Logicamente, as cirurgias de urgência são de maior interesse para o cirurgião
geral, uma vez que as eletivas possuem tempo hábil de encaminhamento ao
ginecologista. Nesse sentido, os quadros abdominais agudos destacam-se por sua
elevada freqüência, e são listados abaixo:
I) Quadros Hemorrágicos
1- Gestação ectópica
2- Hemorragia ovárica
a. folículo (ruptura de cisto folicular)
b. corpo lúteo (ruptura de cisto de corpo lúteo)
3- Rotura de cisto endometrial
4- Abortamento
II) Alterações Isquêmicas
1- Torção de tumores
a. ovarianos
2- Degeneração de nódulo de mioma
III) Inflamatório
1- Doença inflamatória pélvica aguda

DIAGNÓSTICO

As urgências se apresentarão na maioria das vezes com dor abdominal e


pélvica aguda, associado ou não a outros sintomas como sangramento genital,
febre, diarréia, vômitos e inapetência. Com isso deve-se fazer diagnóstico
diferencial das causas ginecológicas com as causas gastrintestinais,
osteomusculares, vasculares e urinárias.
Após a propedêutica clínica detalhada, a rotina laboratorial (hemograma,
urina I, teste de gravidez, velocidade de hemossedimentação) deve ser realizada o
mais precocemente possível. Outros exames complementares podem acrescentar
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informações para o correto diagnóstico, como a ultra-sonografia (USG) pélvica. Os


principais quadros cirúrgicos ginecológicos são:
I) Abortamento
Quadro clínico caracterizado por dores em cólica em região de hipogastro
associado a sangramento por via vaginal. Geralmente com história de atraso
menstrual. O diagnóstico é firmado com positividade da fração  da gonadotrofina
coriônica e pela dilatação cervical progressiva com ou sem expulsão do produto da
concepção. A USG pode auxiliar na avaliação da presença de restos ovulares
(abortamento incompleto) ou ausência (abortamento completo).
Nos casos de abortamento incompleto, o esvaziamento uterino é o
tratamento apropriado, realizado pela curetagem uterina ou aspiração.
II) Gestação Ectópica:
Quadro clínico caracterizado por dor, associado ou não a abdome agudo
hemorrágico, e sangramento uterino com achado de massa anexial.
O diagnóstico pode ser firmado pelo quadro clínico associado a métodos
complementares, como o  HCG e a USG pela via transvaginal, que aumenta a
precisão do diagnostico, laparoscopia e culdocentese.
O tratamento nos casos de diagnóstico precoce de gestação tubária íntegra
pode ser expectante, ou cirúrgico conservador (salpingotomia linear ou ressecção
segmentar). Quando a gravidez tubária se rompe é necessário tratamento
cirúrgico radical (salpingectomia) e urgente devido à hemorragia intrabdominal
que deve ser rapidamente controlado.
III) Hemorragia associada a cistos ovarianos:
A grande maioria dos cistos foliculares e de corpo lúteo devem ser
administrada por intermédio de conduta expectante, pois tendem a regredir dentro
de 4 a 10 semanas, sem intervenção clínica ou cirúrgica. Temos como auxílio
diagnóstico o USG, onde verificaremos líquido livre em fundo de saco de Douglas.
Na maioria das vezes as queixas têm início no período periovulatório e se
apresenta com dor em baixo ventre mal definida, as vezes indistinguível de uma
gestação ectópica rota. Quando gera irritação peritoneal evidenciando abdome
agudo a conduta cirúrgica se torna necessária, devido a possibilidade de
hemorragia maciça ou torção. Caso isso ocorra, deve-se remover o cisto e, sempre
que possível, preservar o ovário restante.
IV) Torção anexial:
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A torção anexial pode implicar torção de ovário, tubas uterinas, ambas as


estruturas. Pode ocorrer em qualquer ovário aumentado de volume (normal ou
patológico), sendo que em 50% estão associados a tumor anexial.
Apresenta-se com dor em baixo ventre de inicio súbito. Pode ser em cólica
ou constantes. Náuseas e vômitos estão tipicamente associados. Pode ocorrer
também diarréia e constipação intestinal.
O exame físico poderá apresentar diminuição dos ruídos hidroaéreos, massa
dolorosa em 50 a 80% dos casos, febre, taquicardia e leucocitose. Culdocentese
pode revelar fluido serosanguinolento em fundo de saco.
O diagnóstico é feito pela USG ou laparoscopia.
O tratamento em pacientes com dor aguda é a laparotomia. Caso hajam
sinais de isquemia, o órgão gangrenado deve ser removido. Se não houver
comprometimento da circulação, o órgão pode ser distorcido e a função
reprodutora restabelecida.
V) Doença inflamatória pélvica:
É um espectro de infecção do trato genital feminino que inclui endometrites,
salpingites, abscesso tubo-ovarianos e peritonites fora do ciclo gravídico-
puerperal. É causado pela ascenção de microorganismos da vagina e colo para o
trato genital superior. Dentre os microrganismos destaca-se Clamídia e Gonococo.
O quadro clínico é de dor em baixo ventre associado desde a sintomas de
descargas vaginais, disúria, dor lombar e sangramento vaginal irregular até
sintomas tóxicos como febre, náuseas, vômitos, dor abdominal severa. A dor
geralmente é de inicio abrupto em pacientes sem atraso menstrual.
Ao exame físico a dor abdominal varia desde incômodo até sinais de
peritonite. Como achados temos corrimento cervical mucopurulento, sensibilidade
aumentada à mobilização cervical, aumento da sensibilidade uterina.
Os critérios mínimos para diagnósticos são: sensibilidade aumentada em
baixo ventre, sensibilidade anexial e dor a mobilização cervical. Para aumentar a
especificidade do diagnóstico pode se associar critérios adicionais como:
temperatura oral > 38,3C, descarga vaginal e cervical anormal, proteína C reativa
ou velocidade de hemossedimentação elevada, comprovação laboratorial de
infecção por gonococo ou clamídia, presença de abscesso tubo-ovariano em estudo
de imagem.
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O tratamento pode ser ambulatorial nos casos leves. Requer internação nos
quadros moderados e severos, para tratamento com antibiótico, e no caso de
abscesso tubo-ovariano roto, a indicação cirúrgica imediata, com drenagem de
abscessos de fundo de saco ou laparotomia.
Deve-se levar em conta que, atualmente, a maioria das doenças
ginecológicas que necessitam de tratamento cirúrgico podem ser abordadas pelo
acesso vídeo-laparoscópico, com excelentes resultados.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Te Linde, R W, Jones HW, Rock JA. Te Linde's Operative Gynecology.


Lippincott Williams & Wilkins, 2003.

2. Lees HD, Singer A. A Colour Atlas of Gynaecological Surgery. Wolfe Publications, London,
1987.

3. Berek JS, Adashi EY, Hillard PA. Novak´s Gynecology, 12th ed, Baltimore, Williams &
Wilkins, 1996.
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RESUMO ESQUEMÁTICO DE CONDUTA

Quadro abdominal
agudo em mulher

 Anamnese
 Exame Físico
 Rotina Laboratorial
 Exames de Imagem (USG)

Diagnóstico de moléstia Não


ginecológica urgência

Urgência
Encaminhar ao
Ginecologista
Conduta de acordo com o Diagnóstico
Cirurgião Geral ou Cirurgião Geral +
Ginecologista

Abortamento Gestação
Torção Ectópica
Anexial

Completo Incompleto Íntegra Rota

Laparotomia ou
Laparocopia
Controle do Curetagem
sangramento ou Expectante ou Cirurgia Radical
aspiração Cirúrgico (Salpingectomia)
Conservador

Cisto Ovariano Doença


Hemorrágico Inflamatória
Pélvica

Retirada do cisto com Expectante


preservação do ovário (sangramento Antibióticoterapia +
(Hemorragia maciça) controlado) Drenagem de
abscesso

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