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Inquérito Civil nº MPPR-0041.11.

000005-0
Interessado: Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Congonhinhas
Assunto: Consulta

Senhor Promotor

Tendo em vista o contido na consulta encaminhada a este Centro de


Apoio por essa douta Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, relativa à
efetiva necessidade de criação de entidade de acolhimento institucional a ser
mantida pelos municípios de Congonhinhas e Santo Antônio do Paraíso, cumpre
esclarecer que, mais importante do que a criação de uma entidade (e/ou programa)
de acolhimento institucional (independentemente de sua designação), é a
elaboração e implementação, pelos municípios (independentemente de sua
população e da demanda de atendimento hoje existente), de uma política pública
destinada à efetivação do direito à convivência familiar 1, devidamente "traduzida"
num "Plano de Atendimento" de cunho intersetorial, que contemple ações de
prevenção (justamente na perspectiva de evitar o acolhimento institucional) e
alternativas de atendimento (como o acolhimento familiar e a "guarda subsidiada" -
esta última prevista, nada menos, que no art. 227, §3º, inciso VI, da Constituição
Federal).
A criação e manutenção de uma entidade de acolhimento institucional
"oficial" (governamental) própria, a depender da demanda, pode ser substituída pela
celebração de convênios com entidades não governamentais que atuem no próprio
município ou em municípios próximos, sem prejuízo do desenvolvimento das
mencionadas ações de prevenção e da oferta de alternativas de atendimento,
incluindo o atendimento das famílias dos acolhidos, na perspectiva de proporcionar a
manutenção de vínculos (com a oferta de transporte regular ao município onde o
acolhimento é executado) e permitir a futura reintegração familiar (providência que,
por princípio2, deve ter preferência a qualquer outra).
O importante, em qualquer caso, é que, o município esteja preparado
para promover o acolhimento institucional sempre que a medida tiver de ser
aplicada, assim como para atender as famílias dos acolhidos como forma de
assegurar a reintegração familiar da forma mais rápida possível.
É também fundamental que, antes da eventual celebração de convênios
com entidades não governamentais ou governamentais sediadas em municípios
diversos, os órgãos competentes do município se certifiquem de sua idoneidade
técnica3, de modo a evitar possíveis problemas decorrentes da falta de estrutura
e/ou profissionalismo no atendimento (valendo mencionar que, mesmo com a
1
A simples criação de uma entidade/programa de acolhimento institucional, fora do contexto da referida política
pública, aliás, pode acabar gerando a própria “demanda” para o acolhimento.
2
Cf. art. 100, par. único, inciso X, da Lei nº 8.069/90.
celebração de convênios com entidades não governamentais, a "responsabilidade
primária" pelo atendimento - e pelo bem estar dos acolhidos - é do Poder Público 4,
podendo os gestores que celebram convênios com entidades inidôneas ser
pessoalmente responsabilizados por prejuízos, inclusive de ordem moral, suportados
pelos acolhidos durante o período de acolhimento 5).
Desnecessário dizer, a propósito, que cabe ao município (e não ao
Ministério Público ou Poder Judiciário) identificar as entidades que tenham
capacidade técnica para acolher crianças e adolescentes e possam ser
conveniadas, assim como formalizar os convênios respectivos (sendo
recomendável, aliás, que seja identificada mais de uma entidade capaz de acolher
crianças e adolescentes, para eventualidade de, quando surgir a necessidade, o
número de vagas existentes numa delas se mostrar insuficiente), de modo que,
quando surgir a demanda, o acolhimento possa ser feito de imediato, em local
adequado, de acordo com as necessidades específicas de cada caso (e haverá
casos em que será necessário o acolhimento de grupos de irmãos, assim como de
situações de maior complexidade, como crianças e adolescentes portadores de
transtorno mental, envolvimento com substâncias psicoativas ou prática de ato
infracional), devendo a mencionada "preparação" para o acolhimento abranger as
mais diversas situações possíveis.
Da mesma forma, devem ser previamente definidos os "fluxos" de
atendimento relativos ao deslocamento das crianças/adolescentes à entidade onde
serão acolhidos e seu eventual recâmbio à origem (para fins de reintegração
familiar), assim como o custeio do deslocamento dos pais/responsáveis para
realização de visitas, avaliações técnicas e outras atividades previstas no "Plano
Individual de Acolhimento - PIA".
Assim sendo, a sugestão é que, independentemente da execução do
Termo de Compromisso anteriormente celebrado, seja "cobrado" junto ao município
a implementação da referida política pública voltada à efetivação do direito à
convivência familiar, com a elaboração de um "Plano Municipal de Efetivação do
Direito à Convivência Familiar", que contemple as mencionadas ações de prevenção
e atendimento às famílias, assim como alternativas ao acolhimento institucional e, se
não for o caso de criação de entidade governamental própria destinada à execução
desta medida, que também inclua a celebração de convênios com entidades idôneas
sediadas em municípios próximos, de modo que o município esteja devidamente
preparado para acolher, sempre que necessário, todas as crianças e adolescentes
que receberem semelhante medida, sem prejuízo do atendimento complementar que
se fizer necessário, na perspectiva de promoção da reintegração familiar.
Vale também dizer que a política pública acima referida deve ser colocada
em discussão junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
local (sem prejuízo de ser também acionado o Conselho Municipal de Assistência
Social, haja vista que o acolhimento institucional e o familiar também fazem parte da
política de assistência social), ao qual também incumbe (eventualmente, em parceria

3
Inclusive quanto à existência de equipe técnica interdisciplinar própria, assim como programa de atendimento
adequado às normas técnicas aplicáveis, devidamente registrado no CMDCA local.
4
Cf. art. 100, par. único, inciso III, da Lei nº 8.069/90.
5
Valendo neste sentido mencionar o disposto nos arts. 5º, 208 e 216, da Lei nº 8.069/90.
com o CMAS), a aprovação do "Plano Municipal de Efetivação do Direito à
Convivência Familiar"6.
Caso se opte pela criação de uma entidade oficial (governamental) de
acolhimento institucional, será necessário a contratação, via concurso público, de
todos os servidores que nela irão atuar (tanto os "educadores sociais" quanto a
equipe técnica própria)7, sem prejuízo da possibilidade, em havendo pouca
demanda, de tais recursos humanos serem utilizados para realização de ações de
prevenção e outras voltadas ao fortalecimento de vínculos 8.
Neste caso, seria necessário celebrar um "Consórcio Intermunicipal", nos
moldes do disposto na Lei nº 11.107/2005, devendo a forma como serão distribuídas
as responsabilidades, inclusive quanto à contratação dos servidores necessários ao
funcionamento da entidade, ser debatida entre os gestores públicos dos municípios
convenentes, com o suporte de suas respectivas assessorias jurídicas (não será o
Ministério Público que irá indicar como será feita a "divisão de tarefas" entre os
municípios, podendo quando muito indicar os parâmetros normativos que devem ser
seguidos, como forma de evitar possíveis irregularidades).
Em qualquer caso, é fundamental que haja previsão, na proposta
orçamentária do município para 2015 e exercícios subsequentes, dos recursos
necessários à implementação da política pública mencionada, com todos os seus
desdobramentos (das ações de prevenção ao atendimento das famílias dos
acolhidos, passando pela oferta de alternativas ao acolhimento, custeio da
manutenção de crianças e adolescentes em entidades particulares e/ou sediadas
em outros municípios ou criação da entidade oficial e contratação de servidores para
execução do programa respectivo), devendo para tanto ser observado o princípio
constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente (art. 227, caput, da
Constituição Federal), com todas as implicações previstas no art. 4º, caput e par.
único, da Lei nº 8.069/90.
Se o "quantum" de recursos públicos que para tanto se fizer necessário
ainda não tiver sido determinado, devem, ao menos, ser criadas "rubricas"
orçamentárias próprias no orçamento dos órgãos públicos corresponsáveis pelas
ações respectivas (com ênfase para assistência social), de modo que, tão logo
aprovado o "Plano de Atendimento" e definido o montante necessário à sua
execução, seja efetuada a adequação orçamentária correspondente, que pode ser
promovida pelo próprio Prefeito (remanejando os recursos previstos no orçamento
de áreas não prioritárias), sem necessidade de alteração legislativa.
Por fim, ainda que se opte pela celebração de convênios (ao invés da
criação de entidade própria de acolhimento), seria importante a definição, junto à
administração local, de um órgão ou setor responsável pelo "gerenciamento" da
6
Nos moldes do que ocorre com outros Planos de Atendimento, como é o caso do “Plano Municipal de
Atendimento Socioeducativo”.
7
O concurso público é necessário não apenas por ser esta a regra instituída pela Constituição Federal para
contratação de servidores públicos em geral, mas também porque o acolhimento institucional se trata de um
serviço público de caráter permanente, que exige, para sua execução, profissionais devidamente habilitados, que
possuam uma qualificação técnica mínima, a ser definida no edital do concurso. Deverá ser observado, ademais,
o disposto nas “Orientações Técnicas para Serviço de Acolhimento” aprovadas por resolução conjunta do
CONANDA e do CNAS.
8
É perfeitamente possível que os editais do concurso façam referência à possibilidade de tais servidores e
técnicos desenvolverem atividades em outros programas desenvolvidos pelo município.
politica de atendimento já referida 9, com a identificação (e eventual contratação) de
técnicos de sirvam de "referência" para o Sistema de Justiça, Conselho Tutelar e
outros integrantes da "rede de proteção" à criança e ao adolescente local sempre
que se cogitar do acolhimento, de modo que, como dito, possam ser acionados a
qualquer momento (dentro ou fora do expediente, inclusive nos finais de semana e
feriados), sempre que se fizer necessário, efetuando o imediato acolhimento (e o
eventual encaminhamento do adolescente à entidade conveniada - que deve ser
efetuado por serviço próprio, em veículo adequado - e não pelo Conselho Tutelar,
vale dizer), sem prejuízo de uma avaliação preliminar acerca da adequação da
medida à luz das normas e parâmetros aplicáveis, tanto técnicos quanto jurídicos (o
que serviria para evitar, inclusive, certos acolhimentos arbitrários por vezes
efetuados pelo Conselho Tutelar, em violação ao disposto nos arts. 101, §2º e 136,
par. único, da Lei nº 8.069/90 - além dos princípios relacionados no art. 100, caput e
par. único, do mesmo Diploma Legal).
Vale também lembrar que, na página do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias da Criança, do Adolescente e da Educação na internet, temos publicado
farto material que pode ser utilizado na elaboração e implementação da política
pública anteriormente referida, sendo de livre acesso e utilização pelos técnicos e
gestores municipais.
Posto isto, e acreditando ter respondido às indagações efetuadas na
consulta formulada, aproveito o ensejo para renovar a Vossa Excelência votos de
elevada estima e distinta consideração, colocando, no mais, este CAOP à disposição
para prestar os esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários.

Curitiba, 24 de novembro de 2014.

Murillo José Digiácomo


Procurador de Justiça

9
Nos moldes do previsto no art. 5º, §4º, da Lei nº 12.594/2012.

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